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Agradeço a Deus, porque teria perdido o chão muitas vezes se não tivesse tido fé
que estava fazendo a graduação certa.
Agradeço a minha querida orientadora Talita Barros, que soube ter total paciência
com todos os acontecimentos que se sucederam durante o período de produção e
que se mostrou por vezes pronta para me auxiliar, principalmente pela mudança de
foco da pesquisa.
Agradeço a minha mãe por ter me dado suporte em diversos momentos, mesmo
distante se fez presente.
Agradeço pelo carinho e amizade nestes quatro longos anos: Rhayanne Diogo,
Victor Miranda, Ingrid Ribeiro, Éder Soares, Susan Pessanha, Jéssica França e
Jeniffer Viana.
“Lágrimas não são argumentos.”
Machado de Assis
Resumo
The purpose of this work is to analyze the novel Dom Casmurro, by Machado de
Assis, first published in Rio de Janeiro in the year 1899. The work is a classic of
Brazilian Literature and has gone through centuries without answers to an enigma: a
supposed betrayal of Capitolina character. Narrated in the first person, the novel
brings out striking characteristics of Machado's writing, such as irony and
psychological analysis of characters from a narrator-character, which puts us before
the subtleties of the writer in composing his novels. When being worked in the
classroom, the novel has received a peculiar treatment in some schools: to be
analyzed from the dock. The students are instructed to read the novel so there is the
Capitolina trial from the following question: Capitu is guilty or innocent? In this way,
the work intends to reflect on the role of Literature in the classroom. For this, two
proposals of activities will be analyzed from the novel mentioned above with classes
of the second year in High School.
1. Introdução ........................................................................................... 10
2. Capítulo I – Machado: de Bruxo do Cosme Velho, fundador da ABL até
autor de D. Casmurro .................................................................................... 14
3. Capítulo II – As diversas óticas sobre Capitolina ................................ 17
4. Capítulo III – As práticas docentes usadas em sala de aula na
apresentação do romance e da personagem ...................................................... 28
5. Conclusão ............................................................................................ 44
6. Referências ......................................................................................... 48
7. Anexo I ................................................................................................ 50
8. Anexo II ............................................................................................... 52
9. Anexo III .............................................................................................. 55
10. Anexo IV .............................................................................................. 56
11. Anexo V ............................................................................................... 58
12. Anexo VI .............................................................................................. 59
13. Anexo VII ............................................................................................. 60
Introdução
A obra Dom Casmurro escrita por Machado de Assis em 1899 nos traz a
história de Bento Santiago, um narrador-personagem que resolve atar a velhice com
a infância e nos recontar a sua história. Nessa trajetória, porém, assume para o leitor
que ele tem dúvidas sobre o que lembra dos fatos. Tido como uma das grandes
obras de Machado, o livro é marcado pela sua falta de desfecho, uma personagem
enigmática, um narrador duvidoso e o mistério acerca de um possível adultério.
Portanto, termina-se sem saber se de fato houve ou não traição, característica da
estilística do autor, conhecida como desfecho em aberto.
O enredo machadiano começa com o drama do cumprimento da promessa da
mãe de Bentinho e da análise de José Dias (chamado de agregado) a respeito da
amizade entre Capitu e Bento enquanto crianças. O desenrolar dos fatos contados
pelo narrador-personagem segue com a ajuda de Dias para que Bento se case com
Capitolina.
O período literário do Realismo (século XIX) e também da obra, tinha como
função a escrita que retratasse a sociedade. Como um pintor em suas obras primas,
Assis reconta o cotidiano de forma a criticar as hipocrisias da sociedade em
praticamente todos os seus escritos, salve os poemas dedicados à sua amada
esposa Carolina. Com tom de denúncia, Machado recria as situações vividas pelos
indivíduos da sociedade carioca do século XIX ao pé que critica os atos de caráter
duvidosos.
De acordo com o crítico literário, Antonio Candido (1995), em Vários escritos –
Vol. II, Machado era patriarcal. Pode-se admitir, então, que seu tom de denúncia às
ações do cotidiano das pessoas em suas obras era de cunho conservador. Nunca
deverá ser afirmada a real intenção de Machado de Assis, ainda que seja de
curiosidade dos leitores, pois uma das análises críticas literárias de Roland Barthes
afirma que o livro deixa de ser do autor e passa a ser do leitor em A morte do autor.
Não caberia a Machado dizer a sua interpretação acerca de suas obras e por
isso a necessidade tão grande do presente trabalho em estudar a mediação do
professor ao apresentar uma obra em sala. De acordo com Jouve (2012), um dos
objetivos da Literatura é o de transpor o ensino de novas culturas, em uma leitura
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mediada, e trazer conhecimento de mundo na construção do indivíduo, pois há
sempre algo novo a ser atribuído e acrescentado às cognições do leitor. É
necessário também que se ressalte o contexto político e cultural da época em que o
livro fora lançado. Tudo isso como forma de contribuição para o ensino-
aprendizagem.
O autor Machado de Assis vem a ser conhecido pela sua estilística peculiar,
irônica, algumas obras sem desfecho, sem linearidade, entre outros apontamentos
que o faz ser considerado como o maior escritor brasileiro de todos os tempos, por
Candido (1995). Uma das investigações da presente monografia também será em
torno de como Assis é analisado e trabalhado em sala, com o foco na obra Dom
Casmurro.
A relevância do romance Dom Casmurro não pode ser assegurada apenas
por incógnitas geradas por uma falta de desfecho do mistério sobre a traição
cometida ou não por Capitu na obra machadiana. A importância da mulher com
olhos de cigana oblíqua e dissimulada será avaliada no presente trabalho como uma
personagem que representa mulheres na sociedade. Visto que grande parte do
primeiro contato que os brasileiros têm com a obra é em sala de aula, será
observada a influência do docente no papel de mediador ao transpor o
conhecimento e suas metodologias.
A análise literária da personagem Capitu pode ser tanto feminista quanto
conservadora. Personagens maniqueístas não pertencem à escrita machadiana.
Eles não se separam entre bem e mal, pois são personagens complexos que
permitem ao leitor uma sensação próxima da realidade. Essa característica estilística
marca o período de produção do romance, Realismo, 3º período histórico, pós-
manifestações literárias, segundo Antonio Candido.
Os personagens machadianos constituem-se de cunho simultâneo, conforme
conceito de Candido (2000), pois têm como foco a dualidade no caráter dos
personagens e são contrários aos inteiriços (ou arquétipos), bem como aos rotativos.
Os personagens inteiriços são maniqueístas. Com isso, traz-se a história de um
indivíduo sobre si, por conseguinte, temos um vasto número de obras, que assim
como Dom Casmurro, tem o nome do narrador como título. Já os personagens
rotativos não são nem maniqueístas, nem há de forma tão explícita a dualidade do
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caráter. Encontra-se um meio termo, pois ainda que ficcionais, os personagens
simultâneos são mais próximos às pessoas ao nível de representação 1.
A personagem Capitu é posta como infiel pela parcela conservadora dos
leitores, que não percebe os outros pontos importantes da obra como a ironia
machadiana, o entrelaço dos acontecimentos, a costura e os detalhes da infância se
encontrando com o presente vivido, então, pelo personagem principal, Bento
Santiago. Por isso, será feita a análise, por meio de questionários, da mediação de
professores, com o intuito de observar se eles optam pelo romance e, se ao
fazerem, desmistificam a personagem.
Tendo como função auxiliar o docente, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(1997) trazem algumas estratégias de ensino (que serão examinadas no presente
trabalho), e estas precisam ser mais levadas à prática e, para isso, faz-se necessária
a propagação desse material impresso (PCN) e disponível para os docentes.
O papel do professor é o de buscar meios de tornar a leitura, tanto em sala de
aula como fora, algo prazeroso e que faça o aluno construir um senso crítico de
base sólida. A leitura crítica mediada é primordial para o indivíduo em formação,
porém a forma como é feita tem gerado discussões em cursos de formação de
docentes, visto que há a necessidade de novas metodologias para um novo público
de alunos que se tem hoje em sala.
Atualmente o perfil do discente mudou e com o tempo se perdeu o interesse
pelas obras clássicas. A causa tem algumas explicações, sendo a principal delas a
linguagem considerada mais arcaica para os alunos. De acordo com os alunos do 2º
ano do Colégio Estadual Julião Nogueira, os best-sellers, então, ganham as
prateleiras de destaque das lojas e das estantes dos quartos, enquanto os clássicos
ficam quase obsoletos com os sebos, com os fundos das livrarias em seções
apertadas ou em leituras obrigatórias nas escolas.
A metodologia empregada em sala de aula é normalmente a de fragmentação
de livros literários. Isso foi observado durante os quatro períodos de estágio
assistido obrigatório presentes na matriz curricular do curso de Letras – Português e
Literaturas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
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campus Campos Centro. Nesta prática metodológica da leitura mediada e
fragmentada, alguns trechos são recitados em sala e analisam-se as estruturas e
estilísticas do texto, de acordo com o período literário e o autor.
A prática supracitada coloca a Literatura como um suporte para a Produção
Textual ou para a Gramática. Não que os três pilares de Letras não possam ou
devam estar juntos, porém o estudo da Literatura passa a ser entendido como algo
auxiliar e não essencial para a formação do indivíduo com essa prática. Há hoje
diversos problemas culturais de ensino-aprendizagem acerca do entendimento da
Literatura como ferramenta de estudo necessária, comprovado também pela carga
horária disponível nas escolas.
A LDBEN 9394/96 é usada como base para as formulações da educação
brasileira, contudo muitas leis de incentivo à leitura e Literatura em sala de aula têm
suas aplicações não tangíveis ou efetuadas por conta da realidade brasileira, seja
por falta de investimento na estrutura da escola ou por conta da dificuldade de os
professores utilizarem novas metodologias.
Para refletir sobre o ensino da Literatura em três escolas de Campos dos
Goytacazes, Colégio Estadual Julião Nogueira, Colégio Estadual João Pessoa e
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, a partir de Dom
Casmurro, o presente trabalho consiste no uso de críticos literários e análise de
duas abordagens metodológicas em sala de aula ao trabalhar a referida obra. De
acordo com o artigo Aspectos metodológicos do ensino da literatura, de Annie
Rouxel, o papel do professor do Ensino Médio deve ser o de mediar e de dar mais
voz ao aluno, até com relação à escolha dos livros, de forma que o aluno tenha o
senso crítico necessário para criar a sua própria opinião a respeito do desfecho da
obra, por conseguinte, neste caso, da imagem da mulher.
A divisão da monografia estabelece-se em três partes. A primeira apresentará
inicialmente o escritor Machado de Assis e algumas características de sua escrita
literária. Num segundo momento, serão expostas a personagem Capitu, a obra Dom
Casmurro e as construções sociais do contexto da referida obra. Concluir-se-á com
a análise de diferentes metodologias para o ensino de Literatura em sala de aula a
partir do livro Dom Casmurro.
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Capítulo I: Machado: de Bruxo do Cosme Velho, fundador da ABL até autor de
D. Casmurro
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relacionamento com Capitu, uma jovem moça de sua vizinhança que acabou por ser
o grande amor de sua vida. Personagem intrigante, Capitu ganhou fama por ser
dona de um inacabável poder de sedução, manifesto em seus “olhos de cigana
oblíqua e dissimulada”, colocação feita por José Dias.
Em "Esquema Machado de Assis", capítulo do livro Vários escritos volume II,
Antonio Candido (1995) nos revela uma análise peculiar e minuciosa a respeito do
que descreve como o maior romancista que o país já teve. Apesar de ter tido origem
humilde e ser mestiço, Candido retrata Machado como “Homens que, sendo da sua
cor e tendo começado pobres, acabaram recebendo títulos de nobreza e carregado
pastas ministeriais”.
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e sim como Dom Casmurro. Há, então, uma dualidade vista da perspectiva
psicológica do narrador-personagem, que quando adulto transparece um homem
infeliz e amargurado por suas atitudes em vida, e Bentinho o seu oposto, uma alma
leve e cheia de anseios para a vida.
É visível a influência de Shakespeare na obra machadiana, tanto em nome de
capítulos, quanto nas notas do autor. Além da influência shakespeariana, Alencar,
romancista brasileiro, também atinge a difícil admiração de Machado, que, enquanto
crítico literário, não deixara de ressaltar a suma importância do escritor para a
consolidação do sistema literário brasileiro (CANDIDO, 2000). Apesar disso, José
Veríssimo, crítico literário, em admiração à escrita de Machado e sua influência em
relação ao sistema literário brasileiro, ressalta que após sua leitura de Memórias
Póstumas de Brás Cubas houve, então, um entendimento sobre a produção
brasileira poder ser mais do que temáticas indianista.
A obra reforça o olhar observador e analítico no sentido crítico-social, o que é
característico do autor. É importante frisar que a Literatura do Realismo contribuiu
muito para a contextualização de registros históricos por se tratar de um período
literário que analisava a sociedade com um intuito de criticar as hipocrisias e de
expor aquilo que as pessoas faziam sem quaisquer pudores e que, no entanto,
permanecia escamoteado.
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Capítulo II: As diversas óticas sobre Capitolina
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Bentinho, que estava atrás da porta. Antes deste episódio, o narrador da história
tinha uma outra visão sobre a moça pela qual estava apaixonado:
Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte
e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os
cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma
à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos
claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo
largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com
amor; não cheiravam a sabões finos nem águas de toucador, mas
com água do poço e sabão comum trazia-as sem mácula. Calçava
sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns
pontos. (ASSIS, 2014, p.26)
A prima Justina, tia de Bento, também frisa a sua opinião em uma conversa
com o menino sobre o olhar de Capitu. Percebe-se que para os personagens havia
coisas sendo ditas em tons de sedução, malícia e falsidade.
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de Estudos históricos, retrata uma sociedade que não só tornou a mulher submissa
ao marido, como também pôs uma única via para a mulher: o casamento.
Uma mulher no século XIX só era bem sucedida se fosse casada, não
havendo objetivo maior. Para as mulheres de classes baixas, a realidade era
diferente. Simone de Beauvoir, autora de cunho feminista, quebra diversos
paradigmas em suas obras sobre o universo do sistema patriarcal no qual a
sociedade está inserida. Em sua obra Segundo sexo vol.II – Experiência vivida, a
autora nos revela em sua introdução uma análise sobre os termos feminilidade e a
condição feminina para com o casamento.
Outra crítica literária, Irene Stein, traz análises em seu livro As mulheres em
Machado de Assis, acerca das personagens mais marcantes de algumas obras
relevantes do autor. Sobre Capitu, Stein traça um perfil duvidoso, submisso e
dependente financeiramente do esposo com fragmentos retirados do livro de
Machado como as relações de casamento, família e trabalho.
A visão final que fica para o leitor de acordo com a crítica é a de uma
personagem submissa que vê o casamento como solução para a sua subsistência. É
preciso, porém, reforçar que isso era parte da condição feminina do século XIX, bem
apresentado por Miriam Moreira Leite:
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futuramente sua subsistência mesmo sendo ela oriunda de uma
família modesta. Também para Capitu a solução está no casamento.
(STEIN, 1984, p. 62)
O que gera na obra a maior discussão crítica, que pode ser considerado o
maior questionamento do universo literário brasileiro, é o adultério ou não cometido
por Capitolina, apelidada de Capitu, personagem de origem familiar pobre, de
caráter complexo, à frente de seu tempo. Apesar de o romance tratar a história de
um indivíduo, pode-se observar que o enredo gira em torno dessa figura feminina
que também simbolizou uma ameaça para José Dias e Dona Glória, sobre o
cumprimento da promessa da mãe de Bento. Ao lado de Bentinho, forma o casal de
personagens principal do romance. Ela, que como outras personagens femininas do
escritor, possui características de imposição em relação ao homem, com altíssimo
controle emocional e social. Personagem essa que o faz entender que ela era mais
mulher que ele era homem:
Contar estes detalhes não explica quem era de fato essa menina.
Capitu era Capitu, isto é, uma criatura muito diferente, mais mulher do
que eu era homem. Se eu não disse isso ainda, aqui está. Se disse,
tudo bem. Existem certas coisas que precisam ser ditas diversas
vezes para que permaneçam na cabeça do leitor. (ASSIS, 2014, p.
43)
20
- Antigamente, quando você era mais novo, não era tanto um
problema. Ele podia passar por seu criado. Mas agora não fica bem.
É capaz de tomar confiança. Sua mãe não deve apreciar isso. A
família do Pádua não é toda ruim. Capitu, apesar daqueles olhos que
o diabo lhe deu.... Você já reparou nos olhos dela? São assim de
cigana oblíqua e dissimulada. Contudo, ela seria aceitável se não
fosse a vaidade e adulação. Oh! A adulação! (ASSIS, 1889, p.34)
21
o modo como se apresentam do que com o que sentem. De fato, eles
negam quaisquer sentimentos que contradigam a imagem que
procuram apresentar. Agindo sem sentimento, tendem a ser
sedutores e ardilosos, empenhando-se na obtenção de poder e de
controle. São egoístas, concentrados em seus próprios interesses,
mas carentes dos verdadeiros valores do self – notadamente, auto-
expressão, serenidade e dignidade e integridade. Aos narcisistas falta
um sentimento do self derivado de sensações corporais. Sem um
sólido sentimento do self, vivem a vida como algo vazio e destituído
de significado. É um estado de desolação. (LOWEN, 1985, p.9)
22
autor analisa e pontua de forma a usar a simbologia e a natureza para elucidar as
diferenças postas pela sociedade entre os sexos.
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Para Stein, o padrão imposto pela sociedade produz um efeito submisso no
caráter de Capitu, ou seja, que apenas aceita aquilo que ditam. Quando criança, não
é vista da mesma forma e sim questionadora, porém quando mulher adulta é
apresentada ao leitor como mais uma mulher submissa que aceita as imposições do
marido, do casamento e da sociedade:
Machado acaba por retratar, então, uma mulher do século XIX, que não
questionava as vontades do marido, apenas as aceitava. Isto fica claro quando
Capitu aceita o exílio imposto por Bento.
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outro, mas falhou tudo. Acaso haveria em mim um homem novo, um
que aparecia agora, desde que impressões novas e fortes o
descobriam? Nesse caso era um homem apenas encoberto.
Respondi-lhe que ia pensar, e faríamos o que eu pensasse. Em
verdade vos digo que tudo estava pensado e feito. (ASSIS, 2014, p.
122)
25
Fernanda Cândido), é independente financeiramente, porém, como dançarina e
modelo não vive uma vida de luxos ou com muita estabilidade. Ana Clara se
transforma numa mulher submissa quando começa a namorar, o que vai se
agravando até o casamento com Bento, que começa a ter ciúmes do chefe de Ana,
também amigo de Dom. Ao final, por conta da possessividade e do ciúme de Bento,
ele acredita estar amaldiçoado pela obra machadiana, vê sua amada sofrer um
acidente de carro e opta por dar todo amor e suporte ao seu filho.
Em todos esses casos, pode-se observar a existência do conceito de juízo de
valor, visto que há preconceitos, estereótipos, marcas e padrões exigidos
socialmente, porém os não aceitos são marginalizados, vulgarizados. Do romance,
que permaneceu e se consagrou como clássico, podem-se retirar diversos pontos de
representação social ainda que a sociedade contemporânea tenha elementos
divergentes, como, por exemplo, o uso da tecnologia.
A respeito da representação ou modelo social, o qual é retratado por Capitu, é
de crítica sociocultural dividida, pois podemos observar dois lados sobre seu caráter
ao se tratar da personagem, porém quando apresentado em sala de aula, cabe ao
professor a forma de desmistificar, como, por exemplo, ao colocar em foco as várias
nuances das óticas sobre a personagem do romance, tanto dentro da obra (visão do
narrador) quanto fora (visão do leitor).
Se há uma influência de perspectiva à luz da obra, essa visão parte de um
leitor com alguns pré-conceitos socioculturais, não podendo ser esquecido que o
narrador da obra é o personagem-título Dom Casmurro, o qual propaga os vestígios
de dúvidas no leitor a respeito de Capitolina:
Podíamos até acreditar que é por ser um narrador não confiável que a
sua amiga de infância e depois mulher se transformou num enigma.
Não porque suspeitasse que o traíra com o seu amigo Escobar, mas
porque a sua óptica não podia dar outro resultado: ele vê tudo como
um ingênuo irremediável. Jamais amadurece, e a própria tentativa de
reconstruir o passado não lhe confere maturidade. Antes pelo
contrário, é como se recordasse para todo o sempre a sua vida,
estagnada num ponto em que divisa tudo à sua volta como enigma ou
probabilidade. (MOISÉS, 2001, p. 88)
26
sociocultural, com isso se desconstroem assim algumas das visões machistas
impostas pelo patriarcado na sociedade.
27
Capítulo III - As práticas docentes usadas em sala de aula na apresentação do
romance e da personagem
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2017. Os alunos apresentaram uma metodologia conhecida e muito aplicada pelos
docentes: o julgamento de Capitu. Esta metodologia é muito utilizada, porém, sobre
o efeito de julgar sem provas, automaticamente já se admite que há uma traição,
pois o ensino de uma prática que consiste em suposições deixa brechas para falhas
em sua metodologia. Mesmo porque só há a visão do narrador-personagem e não
de ambas as partes ou de uma terceira pessoa.
Sob o viés do narrador personagem Bento Santiago, ao fazerem o tradicional
julgamento de Capitu, os alunos decidiriam se houve ou não a traição. Apesar de o
acompanhamento da atividade ter se reduzido ao dia da apresentação teatral, pode
ser analisado, em partes, a partir do resultado do júri, como a obra foi conduzida e
mediada pela professora Ana Clara Soares.
O estigma em cima da dualidade dos atos da personagem Capitolina surge a
partir de argumentos usados por um dos personagens coadjuvantes José Dias, que
acaba por influenciar toda uma família, afinal são os argumentos de “apenas” um
homem em questão. Ainda que logo no início da trama seja revelada a traição de
José Dias com a família Santiago, contudo, isso não é levado em consideração por
alguns leitores, assim como não foi levado em consideração pelos alunos, porque o
que marcou de fato fora a descrição que Dias dera ao olhar de Capitu: olhos de
cigana oblíqua e dissimulada.
Pode-se observar que o discurso de José Dias influenciou uma geração de
leitores e que ainda tem efeito sobre alguns leitores na atualidade. No julgamento, a
defesa argumenta que o episódio sobre a descrição de Dias do olhar da personagem
é colocado com um tom de desdém, em que o “agregado” na verdade tinha
interesse por Capitu.
A análise a partir dos atos de Bento Santiago, ao quase envenenar seu filho,
num olhar social quase soa normal, pois mesmo tal ato de tamanho desequilíbrio
psicológico sendo apresentado não é tanto discutido, porém fora de grande
argumentação para a defesa. Ainda que isso tenha sido ressaltado, a defesa perde,
o que nos faz perceber a inclinação da análise ideológica dos alunos que formavam
o banco do júri por trás do seu voto.
O romance por vezes é resumido na questão da possível traição, porém nada
se fala dos quase atos de homicídio praticados por Dom Casmurro. Isso também nos
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comprova uma sociedade machista, em que se acredita no corpo da mulher como
posse e no merecimento da morte caso haja infidelidade. Para a sociedade seria um
ato justificável de um crime passional:
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O que acontece de fato, porém, são as marcas e os efeitos de uma sociedade
patriarcal sendo evidenciadas e continuadas em práticas docentes. Afinal, o simples
observar de um homem que leva o gatilho para o ciúme de Bento, este que se sente
no direito de ter posse sobre uma mulher, e que transmite ao leitor uma relação tida
hoje como abusiva e crescida em pilares machistas da sociedade do período do
Realismo. No simples diálogo entre os personagens principais se pode observar
Capitu pontuando o fato de não se ter provas contra ela, porém “achismos”.
O próprio narrador finaliza seu romance se aconselhando sobre o seu ciúme
doentio no último capítulo:
O uso do formato ópera, como se intitula o capítulo IX, serve para atar a
infância à vida adulta. Não sendo um gênero literário, mas sim de teatro, a ópera que
o narrador retrata é posta como teoria por seu amigo, Marcolini, e se tem o primeiro
indício de que haverá algo relacionado ao adultério.
31
ponto em que só a linguagem atua, «performa»,. e não «eu»
(BARTHES, 2004, p. 2)
32
Uma roda de discussão acerca dos pontos da obra foi feita, porém a sua
finalidade fora de ser usada para o julgamento de Capitu. Este foi um dos pontos
avaliativos que a professora Ana Clara Soares utilizou, porém, em vez de subjugar a
personagem enigmática, poderia ter continuado com a roda de discussão e
requerido um texto de cunho mais analítico e menos teatral para propagar novas
formas de se entender as condições da mulher carioca numa sociedade do século
XIX.
33
ambos de Alencar. É interessante observar a preocupação dos discentes com a
contextualização de trajes, ambientes, entre outros pontos característicos das obras
clássicas que se contrapõem à contemporaneidade.
A forma de se utilizar da tecnologia como um recurso auxiliar no ensino-
aprendizagem é considerada uma maneira não só para driblar o desinteresse dos
alunos, contudo, transformar o que para eles é obsoleto em algo mais acessível ao
contexto dos alunos.
Já o questionário elaborado para ser respondido pelos professores tinha como
objetivo analisar não só o uso de metodologias durante a carreira dos docentes,
porém a relevância ou não do romance Dom Casmurro em sala de aula.
A maioria dos professores que responderam ao questionário discordam de
Ribeiro e ainda ressaltam a falta de maturidade literária e de tempo para trabalhar
em sala um romance machadiano. Para os outros docentes há uma complexidade
na obra de Machado de Assis que o aluno do século XXI não está apto para
decodificar, interpretar e absorver de forma crítica, ainda que sejam usadas novas
metodologias em sala de aula, como a que as bolsistas do Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) usaram na realização de fanfictions.
No ano de 2016, as bolsistas do PIBID relataram que os alunos tinham ainda
mais interesse do que os de 2017 tiveram pela obra machadiana, porém em 2016 o
projeto ocorreu com o uso do conto Pai contra mãe de Machado de Assis. As aulas
renderam uma série de produções de contos que foram para um festival de contos
dentro de um evento no Julião Nogueira Café Literário: Em África se fala português.
A professora do Instituto Federal Fluminense do campus de Campos dos
Goytacazes, Rosângela Caldas, enalteceu o uso das fanfictions, mas não as utiliza,
pois opta pelas resenhas, seminários e já trabalhou com releituras (sendo as
fanfictions um tipo de releituras). A docente não conhecia o gênero literário e relatou
as suas experiências sobre o uso de criações de resenhas dos livros e seminários
para as turmas de primeiro ano do E.M., com as quais trabalha.
Com uma metodologia muito interessante, Caldas opta por unificar o uso das
três áreas de Letras e obtém sucesso em seus resultados com os alunos. Muito
querida em sala, apesar de a rede federal ser voltada para os cursos técnicos e isso
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acabar influenciando na prioridade dada à disciplina, a docente foca bastante em
temas como ENEM ainda que dê aula apenas para o 1º ano e para o E.J.A.
Um dos pontos de sugestão para a utilização de livros paradidáticos em sala
usados pelo PCN (1997) é de que não se deve possibilitar apenas o uso de um livro,
porém de vários, em que os alunos possam escolher quais autores ou livros eles
lerão. Para que, então, a forma de se aprender seja de fato não só mais produtiva,
mas também dinâmica e didática.
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Para 67% da população, não houve uma pessoa que incentivasse a
leitura em sua trajetória, mas dos 33% que tiveram alguma influência,
a mãe, ou representante do sexo feminino, foi a principal responsável
(11%), seguida pelo professor (7%). (ESTADÃO, 2016)
36
Para resumir, o (simples) leitor percebe certo número de informações
veiculadas pelo texto; o comentador identifica ou constrói saberes a
partir dessas informações; o professor transforma esses saberes em
conhecimentos. Um saber não se torna efetivamente conhecimento, a
não ser que seja objeto de uma reapropriação pessoal que passa
pela tomada de consciência. (JOUVE, 2012, p.137)
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comunicação oral na primeira semana acadêmica do curso de Letras do
IFFluminense.
Depois de mais de cem anos, Dom Casmurro ainda é uma obra que serve
como objeto de estudo, de acordo com a bolsista do P.I.B.I.D., Jeniffer Tavares
Viana. Para que haja Literatura Brasileira com novos leitores e escritores é preciso
que seja levada aos discentes a importância da leitura literária e da escrita. O futuro
da leitura da literatura brasileira está nas mãos desses alunos que por vezes só têm
acesso à leitura por meio da escola.
O intuito do projeto era de incentivar a leitura por meio de um livro clássico,
desmitificando a ideia de ser incompreensível e do entendimento ser inalcançável
pelo rótulo que possui. Séries e filmes sobre a obra de Machado também foram
utilizados como ferramentas para atrair a atenção e despertar o interesse dos
discentes do segundo ano.
Foram utilizados como suporte nas aulas a série Capitu (2008), o filme Dom
(2003) e a apostila de redações recomendada pelo MEC para que a obra passasse a
ser mais tangível e aproximada da realidade dos alunos. O projeto foi muito
desafiador para as bolsistas, porém é importante lembrar que assim como Italo
Calvino ressalta em sua obra Por que ler os clássicos?, há livros que nunca cessam
o que querem ou podem dizer ao leitor. Por ter o seu final entreaberto, o romance
deixa ainda mais abertas as possíveis interpretações.
A experiência foi enriquecedora: em um dos encontros com uma turma, de
seis alunos presentes, cinco afirmaram que não haviam tido contato com o livro de
Machado de Assis antes e agradeceram pela iniciativa. Pode-se afirmar que Dom
Casmurro ainda é uma obra que tem muito a ser explorada e seus assuntos ainda
têm muito a oferecer reflexão aos que disponibilizarem os olhos, assim como os
ouvidos, para entender as linhas e entrelinhas machadianas.
O resultado tanto das fanfictions sobre Dom Casmurro como do desempenho
em sala foi surpreendente para as condições estruturais vigentes: os alunos
mostraram-se desafiados pela obra, produziram textos baseados em fragmentos do
romance lido, apresentando novos desfechos – ainda que respeitando a estrutura
original da história – e resumos dos primeiros capítulos lidos, contendo as suas
primeiras impressões acerca de Bento Santiago.
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Antes da oficialização desse planejamento, pensou-se apenas em discutir a
poesia e a prosa realista, trabalhar a produção textual de texto dissertativo-
argumentativo com o auxílio e suporte superficial da retórica de Aristóteles, analisar
o foco narrativo e a estilística machadiana. Percebeu-se, contudo, que as atividades
seriam ainda mais interessantes se fossem entrelaçadas de forma harmoniosa,
assim como simultâneas. Houve também a necessidade de seguir o planejamento
de acordo com o andamento da turma.
Para que haja Literatura Brasileira com novos leitores e escritores, é preciso
que a importância da leitura literária e da escrita seja enfatizada aos discentes não
só por meio dela, mas por outros tipos de materiais que dialogam: no caso do
projeto, as produções audiovisuais foram cruciais para o interesse dos discentes
pelos escritos machadianos.
Houve também uma conversa informal com a professora Fabiana Pinho, ex-
professora do IF-Fluminense e em seu depoimento a docente afirmou que acredita
ser essencial a leitura integral do romance em sala. A sua estratégia de ensino-
aprendizagem consiste em iniciar por romances contemporâneos, seguindo para os
clássicos. Pinho declarou que há uma necessidade de incentivar a leitura literária e
posteriormente a leitura literária crítica, de formação de indivíduo e, então, segundo
ela, depois, tem-se maturidade literária para decodificar, interpretar e compreender o
texto pelo texto.
Pinho ressalta a indispensabilidade de trazer uma personagem como
Capitolina para a sala de aula. O contato com a dona dos olhos de ressaca e de
identidade fragmentada, porém que também faz parte da representação da mulher
do século XIX, se faz necessário principalmente se considerarmos vertentes de
estudos em que se faz necessária a leitura literária com senso crítico, como as de
Jouve e Rouxel, já citadas acima.
Annie Rouxel (2013) traz elucidações acerca do método e da prática do
professor em sala de aula. Apresenta-nos também as questões sobre a cultura
literária e o quanto isso influencia na escolha do autor e da obra, porém há também
o entendimento sobre a cultura social que discorre sobre a leitura literária. Como os
índices já apresentados anteriormente, no Brasil há números alarmantes que
justificam os problemas de interpretação textual.
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A pertinência de trazer a obra Dom Casmurro e a personagem Capitu para as
salas de aula continua, porém não há mais em grande parte o mesmo incentivo
cultural de se trazer o livro para as salas de aula. Cria-se, então, um complexo entre
necessidade e falta de estruturação de leitura literária prévia do aluno, que deveria
ocorrer nos anos antecedentes aos do Ensino Médio. Observa-se que um dos
obstáculos enfrentados pelos alunos do E.M. do Colégio Estadual Julião Nogueira,
evidenciado pelas bolsistas do P.I.B.I.D., é da linguagem utilizada pelo escritor, que
se encontra distante dos textos atuais.
A maioria dos professores entrevistados argumentou a complexidade nos
escritos das obras machadianas e não só em Dom Casmurro, porém como um todo.
A colocação mais usada foi a de que não há a possibilidade de trabalhar em um
bimestre um conteúdo que necessita de uma atenção maior para que o aluno não
deixe de compreender o motivo pelo qual ele está lendo Machado de Assis,
interpretando o escrito e criando senso crítico social a partir de suas obras que nos
revelam tantas denúncias sociais vividas no século XIX.
É notório que a mediação do docente é essencial nesse ponto em específico,
pois o professor não media apenas o conteúdo a dar, porém o tipo de conteúdo,
autor, etc., ou seja, isso interfere de forma direta sobre o que o modelo de aluno que
se tem em sala e ao mesmo tempo que se constrói de acordo com as agregações,
conexões de novos conteúdos e da transposição de conhecimento do modelo de
ensino-aprendizagem seguido pelo professor.
De acordo com as análises feitas a partir das leituras e das entrevistas
utilizadas para o presente trabalho, grande parte das redes de ensino não
comportam horários para tecer, não de forma superficial, acerca da obra de
Machado de Assis que dirá desenvolver estudos em torno do autor e de seus livros.
Sendo assim, a escolha quase que unânime feita pelos docentes é a de trabalhar
contos, textos mais curtos, para que os alunos tenham pelo menos algum contato
com a magnitude desse autor, que de acordo com Candido em Esquema Machado
de Assis nem antes ou depois de Machado houve algum autor brasileiro que
chegara ao seu nível.
As leituras literárias, ainda que nas graduações, acabam ficando por conta
dos discentes. Em quatro anos, não se garante ler mais de duas obras de um só
40
escritor, ficando para interesse próprio ou necessidade a busca pelo conhecimento
aprofundado.
O fundador da Academia Brasileira de Letras nos deixa esse legado um tanto
quanto complexo, regado de registros de uma sociedade em amadurecimento sobre
o autoconhecimento, visto que o autor nos traz as denúncias sociais à tona. O
feminismo, como luta identitária, veio para o país em meados da década de 80 do
século XX e tem mudado até os dias atuais a sociedade em sua forma de
desconstrução de paradigmas e frases prontas que eram repetidas e tinham como
função reforçar estereótipos.
Ainda que haja não só uma, porém várias maneiras de se introduzir um
personagem e uma obra, é entendível que o modelo de aprendizagem brasileiro
influencia na problemática de não haver maturidade literária o suficiente para a
complexidade exigida em Dom Casmurro. As novas mídias com os memes criados
relacionados à obra e as adaptações cinematográficas são de suma importância
para que fique mais visível o que de fato ocorre durante a trama.
Talvez o que prenda de fato a atenção do autor sobre a obra não seja o que
de fato aconteceu, visto que o livro é baseado em indícios, insinuações e
lembranças que o próprio narrador não tem certeza, porém o desenrolar progressivo
(ainda que entre nuances do presente atando com o passado) é tão bem escrito que
o leitor é levado a se dividir entre defender Capitu contra o ciúme excessivo de
Bento ou apedrejá-la socialmente.
Hoje o fato de uma obra ter permanecido viva durante dois séculos, com
adaptação para televisão e uma releitura para o cinema, não foi o suficiente para
que se mantivesse em sala de aula. Apesar da importância e magnitude da obra e
do autor, o clássico não é aconselhado pela maioria dos docentes entrevistados
neste TCC, ainda que estes sejam admiradores do legado literário do fundador da
Academia Brasileira de Letras.
Houve uma transformação causada pelo Bruxo do Cosme Velho na sociedade
de sua época. A construção da identidade dos personagens da produção literária
machadiana é totalmente baseada na estrutura da sociedade na qual o autor,
Machado de Assis, viveu, porém, por ser uma obra atemporal, o romancista não
41
causou mudanças apenas em seu tempo, na verdade, perpassou por outras
décadas.
Tendo o Realismo como período, a trama tem como cenário linhas de cunho
positivistas, que de fato tinham como objetivo a análise psicológica do ser humano. A
ironia machadiana apenas aguça e escancara aquilo que já é para ser notado, com
isso percebe-se que o autor tem uma escrita ácida, porém que enlaça o seu leitor à
sua escrita trabalhada por anticlímax, que são momentos na obra que aparentam
nos levar para uma grande ação que não ocorre, como o ato de Bento ao quase
tentar matar Ezequiel, seu filho.
A perspectiva psicológica dos personagens implica, no leitor de qualquer
geração, uma visão crítica e, por conseguinte, uma análise da sua própria
sociedade, fazendo, assim, a obra machadiana se enquadrar como atemporal.
Os protagonistas de cunho simultâneos (CANDIDO, 2000) nos apresentam
traços familiares de atitudes cabíveis a qualquer um que estivesse exposto àquela
situação. Com suas técnicas e a própria estilística, Machado aproxima o leitor não
só das atitudes de seus personagens, como também dos fechamentos. É assim que
o autor enlaça o desenrolar progressivo dos fatos em suas obras, cabendo ao leitor
o desfecho de seu livro, como em D. Casmurro, ou ao deixar situações em aberto
para que o leitor decida qual atitude aquele personagem optou.
Um dos pontos de discussão pertinentes à obra é o da verdade no instante. A
verdade consiste no instante em que foi vivido, como disse Sócrates em A República
de Platão (1997): “A verdade não está com os homens, mas entre os homens”, por
isso, também podemos concluir que um narrador, como Casmurro, que teve como
profissão advocacia, que não é onisciente e que admite não lembrar exatamente dos
fatos de sua história, não pode ser levado como uma testemunha confiável, pois
seria muito fácil articular certas inverdades ao contar o enredo.
A importância indiscutível da obra se faz presente não só pela crítica social
levantada pelo autor, como também pelo fato de ter permanecido até se tornar um
clássico da Literatura brasileira. Mesmo que a suspeita da traição seja comentário
tão recorrente, o desenrolar dos fatos de tempo psicológico é o que faz o leitor se
prender a uma obra tão enigmática quanto à obra machadiana.
42
Há por meio da trama uma desconstrução de um padrão social que Machado
aborda de forma a conseguir conquistar até os leitores que divergem de preceitos
discutidos em suas obras.
43
Conclusão
44
personagem faz a quebra de padrões, mostrando assim que não há necessidade da
existência de um padrão ou modelo social, mais sim da aceitação das diferenças
sociais.
Por meio do objeto e metodologias de estudo utilizados, o presente trabalho
consistiu em analisar a prática docente de alguns professores, em sua maioria da
rede federal IF-Fluminense, sobre o autor realista, Machado de Assis, sua obra e
personagens principais do livro Dom Casmurro no Ensino Médio. Alguns obstáculos
foram enfrentados como o envio de alguns questionários sem resposta de alguns
professores.
A metodologia empregada se baseou na análise dos depoimentos dos
docentes como Marilia Siqueira (IFFluminense campus Centro), Rosangela Caldas
(IFFluminense campus Centro), Rita Brison (IFFluminense campus Macaé) e
Fabiana Pinho (IFRJ). Também como o minicurso da professora Aída Ribeiro
(IFFluminense campus Guarus) e a observação do julgamento de Capitu na turma
da docente Ana Clara Soares. A vasta experiência em sala de aula e de formação
acadêmica foram pontos importantes que dão um alto valor à qualificação dos
depoimentos e das observações. Porém, o que foi impressionante acerca das
respostas do questionário foram elas não terem sido o esperado.
Ainda que para a maioria, os textos mais curtos de Machado sejam mais
fáceis, eu acredito ainda na necessidade de se trabalhar um romance não só
machadiano, mas de Clarice Lispector, Mário de Andrade e tantos outros nomes que
precisam ser mais difundidos e agregados. Não invalido o uso dos best-sellers, nem
dos romances estrangeiros, porém, quando um povo conhece a sua história e
cultura, ele passa a se conhecer e a entender muito mais as nuances sobre a sua
construção social.
Concluiu-se que os valores sociais pertencentes à época tiveram grandes
impactos nas atitudes consideradas submissas de Capitu. Apesar de ser posta como
uma mulher à frente de seu tempo nos dias de hoje, é preciso retomar algumas
faltas de postura com relação às atitudes de Bento, as quais mostram que apesar de
questionadora quando nova, torna-se uma mulher com as condições femininas do
século XIX a encarcerando.
45
Houve diversas mudanças em meu foco de pesquisa, desde analisar uma
possível existência sobre a atemporalidade de Capitolina até ao seu resultado final
de apontar metodologias de ensino para a introdução da personagem e da obra
machadiana em sala. O foco entorno da narrativa foi para desmistificar a imagem
social que se tem conhecimento, porém é o que se espera vindo de uma sociedade
patriarcal.
A análise sobre o uso da obra ficou principalmente em torno de problemas
como a falta de carga horária e o uso fragmentado ou não do material. O julgamento
de Capitu como prática docente é uma reafirmação social de estereótipos, onde o
adultério supostamente cometido é julgado mesmo sem provas. Tal atividade apaga
totalmente os atos psicóticos de Bento, por exemplo, quando pensa em matar o
próprio filho, e reforça que a mulher tem que se submeter ao que o marido quer,
caso contrário, ao argumentar coisas frágeis como a semelhança nas atitudes de
Ezequiel e Escobar, pode deixar uma sociedade inteira crendo no adultério da
personagem. Ou seja, julgar Capitu não é uma prática docente imparcial, mas sim
tendenciosa.
Posteriormente, concluiu-se que ser um modelo de mulher é tudo o que
Capitu não é, pois havendo a quebra de padrão, não há a possibilidade de se ter
moldes pré-fabricados a serem seguidos. Esta afirmação, contudo, vai contra o que
o Realismo tinha por intuito, que era tecer críticas ao representar a sociedade em
escritos. Ou seja, há então dois tipos de modelos, um como sinônimo de padrão a
ser seguido, que não é o significado em questão, e há o modelo de representação
que o Machado se utiliza para reproduzir a mulher do século XIX.
As respostas ao questionário elaborado não foram as esperadas, pois eu
acreditava que como Dom Casmurro fica entre as obras de maior relevância de
Assis, faria mais sentido trazê-las e aproximá-las do leitor e sua realidade, porém o
que se concluiu foi o oposto. A linguagem dos contos de Machado de Assis é mais
fácil e os textos são menores, por conta disso, há uma complexidade e uma
exigência menor a ser trabalhada, todavia os contos acabam por ser escolhidos em
vez do romance, tornando a leitura da obra um ato de incentivo pessoal.
A experiência enquanto bolsista do P.I.B.I.D. foi essencial para a minha visão
sobre o real papel do professor. Por ter elaborado o planejamento das aulas, eu
46
pude, então, sair de uma posição mais de análise externa e sentir de fato as
dificuldades ao se apresentar um clássico numa turma de 2º ano do EM em uma
escola estadual.
Apesar de a escola não ser bem estruturada e o Programa ter enfrentado
corte de verba, nós conseguimos trabalhar os elementos essenciais, ainda que com
uma certa resistência inicial por parte dos alunos. Basicamente, assim, percebeu-se
a dificuldade de estabelecer semelhanças dentro da obra para o contexto dos alunos
de acordo com a visão deles, mesmo porque os discentes não têm incentivo algum
de leitura literária. Houve uma falta de maturidade literária inicial dos alunos, que foi
quebrada a partir das conexões feitas com o filme Dom (2003) e a minissérie Capitu
(2008). Constatamos que as releituras e as adaptações cinematográficas são
essenciais para que os livros sejam compreendidos com mais facilidade.
Uma das metodologias que eu continuarei a me contrapor será a do
julgamento de Capitu, pois, em vez de usar a Literatura como ferramenta para
solucionar um adultério, o professor pode melhorar os conceitos do aluno com um
aporte teórico que o faça produzir e ler mais. Difundindo assim a Literatura brasileira
e a machadiana, tirando a Capitu do banco dos réus e trazendo temáticas como o
feminismo e a condição da mulher do século XIX para a sala de aula.
Os objetivos do trabalho eram: analisar a obra Dom Casmurro, contudo, com
o foco na personagem Capitu; desmistificar a perspectiva sobre a mulher dos olhos
de ressaca por conta de sua força de representatividade sociocultural, com isso se
desconstroem as visões machistas impostas pelo patriarcado na sociedade;
aprimorar a relevância sobre o romance e sobre a personagem; buscar e verificar
como ocorre a mediação entre o professor de Literatura e a leitura do romance, por
conseguinte a introdução da personagem em sala de aula. Acredito que todos os
objetivos tenham sido alcançados e que o trabalho possa assim influenciar a forma
de o docente trabalhar com seus alunos, utilizando uma dinâmica de ensino que
apresente a eles a realidade do personagem e que isso seja contextualizado de
forma que a mediação fique mais imparcial possível, ainda que tal tarefa permaneça
complexa, para que o aluno crie senso crítico sozinho, sem ser por juízo de valores
sociais.
47
Referências
2. R:
3. R:
4. R:
5. R:
6. R:
7. R:
8. R:
ANEXO II
E-mail enviado aos professores:
Bom dia, professores!
Eu estou fazendo as pesquisas de campo para o desenvolvimento do TCC, com
isso, gostaria de convidá-los a responder algumas perguntas para a minha pesquisa.
Para quem não pôde assistir à minha apresentação da introdução, o tema gira ao
redor de questões com relação a forma de trabalhar o romance Dom Casmurro e a
personagem Capitu em sala de aula.
Peço desculpas aos que eu não comentei pessoalmente, foi por puro desencontro
de final de período.
Caso vocês tenham o contato de algum professor ou de alguém da área que possa
acrescentar e que aceite uma breve entrevista, seria maravilhoso também.
Agradeço imensamente o tempo de vocês e prometo chocolate depois dessas
"férias".
Rosângela Caldas
<rorocaldas@hotmail.com> 23/09/2017
Olá, Letícia,
Pode sim, usar essa minha experiência em sua pesquisa.
Eu venho fazendo esses seminários aproveitando o interesse dos alunos há
muito tempo. Permito que leiam e apresentem o texto lido em sala de aula,
sempre com o objetivo de incentivar a leitura partindo das preferências dos
próprios alunos. eles se sentem mais motivados se é um colega que,
empolgado, lhe indica um título, principalmente, porque tive oportunidade de
perceber, numa mesma turma de Mecânica, dois meninos gêmeos que
escolheram "Supertênis", como leitura extraclasse ao lado de uma menina,
Camila, que escolheu "O mundo de Sofia". Não é preciso ser muito criativo para
entender a razão de essa menina ter optado por Mecatrônica, na Unicamp e os
meninos terem sido reprovados ainda no primeiro ano do ensino médio, na
época.
Alguns se sentem instigados pela dificuldade que eu digo existir num Machado.
Trata-se de um escritor que vai valorizar o mundo interior das personagens, não
a ação propriamente dita. Outros buscam Saramago, cientes da dificuldade de
leitura, por causa de sua pontuação, de seus parágrafos longos. Outros ainda
vão atrás de Rubem Fonseca, ou Jô Soares, ou Luis Fernando Verissimo
(muitos o escolheram em 2017).
Adoraram descobrir a sinopse e partiram em busca de nomes que eu não tinha
apresentado.
Ainda acho difícil cobrar essa leitura. Resumo chato? Resenha? Reecritura em
outra linguagem? Esse último tem feito mais sucesso. Em geral, eu peço
resenha e peço os elementos da narração. É uma forma de trabalhar esses
elementos do texto narrativo. Eles chegam ao ensino Médio sem dominar
esses conceitos. E, como você dev saber, é na hora da prova que eles leem
com mais atenção os enunciados. Por isso eu capricho nos conceitos que
quero trabalhar. Como se trata de um trabalho, me sinto à vontade de tirar as
dúvidas que eles apresentam. O problema é que, às vezes, a gente responde a
uma mesma pergunta trocentas vezes.
Vale a pena reencontrá-los nos stands de livros das lvrarias ou com um novo
volume nas mãos.
Eis o e-mail de Roberta:
rmotaalvarenga@gmail.com
Um abraço.,
Rosângela
ANEXO III
Nome do professor: MARILIA SIQUEIRA DA SILVA
1. R: Já atuei no EM, porém não trabalhei diretamente (apenas comentava) com
romances de Machado, pois preferia os contos por questão de tempo de aula
(sempre mínimos) e por querer atrair os alunos para a obra do autor. Penso
que, com os contos, esse objetivo é alcançado com mais facilidade.
2. R: Apesar das críticas quanto ao estudo temporal da literatura creio ser
importante fazê-lo por isso fazia comparações entre os estilos e apresentava-
os inicialmente. Quanto ao trabalho com os textos de Machado, não há como
não explorar seu estilo de forma concomitante à leitura dos textos.
3. R: Sou movida pela paixão, então meu objetivo era instigar o aluno, fazê-lo se
interessar pela leitura e ficar apaixonado por ela, de modo a querer sempre ler
mais.
4. R: Como disse, não trabalhei o romance com meus alunos. Participei de
trabalhos de colegas durante o julgamento de Capitu. Fui uma das juízas que
decidia quem a defendeu melhor.
5. R: E geral, os meninos seguem a visão de traição insinuada pelo narrador-
personagem, as meninas tendem a defender a inocência de Capitu.
6. R: XXXXXXXXX
7. R: Penso que qualquer obra literária tem sua importância social, afinal
defendo a ideia do texto literário como um reflexo de uma época.
8. R: Li o romance pela primeira vez na então sétima série do ensino
fundamental. Minha experiência não foi nada agradável! Detestei Machado,
pois não consegui compreender a linguagem e a essência do livro, por isso
evito começar a apresentar Machado pelos romances - complexos por serem
extremamente inteligentes. Os contos também são inteligentes; aliás,
Machado é inteligentíssimo. Amo sua obra! Por admirar sua obra, é que quero
que meus alunos também admirem, por isso começo pelos contos – textos
menores e de menor número de ambientes, personagens e tramas. Por
minha experiência negativa, penso que a obra só deve ser levada aos alunos
se bem trabalhada, pois, do contrário, ao invés de aproximar os alunos do
escritor e de sua obra, a escola poderá criar um abismo muito maior entre
eles.
ANEXO IV