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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

CAMPUS CAMPOS CENTRO - IFFLUMINENSE


DIRETORIA DE ENSINO SUPERIOR DAS LICENCIATURAS
LICENCIATURA EM LETRAS – PORTUGUÊS E LITERATURAS

CAPITU: DESVENDANDO A IMPORTÂNCIA DA PERSONAGEM MAIS


ENIGMÁTICA DA LITERATURA BRASILEIRA EM SALA DE AULA

LETÍCIA DA SILVA RONDON NARDI

Campos dos Goytacazes - RJ


2018
CAPITU: DESVENDANDO A IMPORTÂNCIA DA PERSONAGEM MAIS
ENIGMÁTICA DA LITERATURA BRASILEIRA EM SALA DE AULA

LETÍCIA DA SILVA RONDON NARDI

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao curso de Letras – Português
e Literaturas do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
campus Campos Centro – IFF, como parte
das exigências para a obtenção do título de
Licenciado em Letras.

Orientador: Prof. Ma. Talita Vieira Barros

Campos dos Goytacazes - RJ


2018
Dedico este trabalho a Deus, ao meu avô, que me deu muito apoio
para fazer a faculdade, a minha família, amigos e professores que
assim como eu se importam de fato com a educação do Brasil.
Agradecimentos

Agradeço a Deus, porque teria perdido o chão muitas vezes se não tivesse tido fé
que estava fazendo a graduação certa.
Agradeço a minha querida orientadora Talita Barros, que soube ter total paciência
com todos os acontecimentos que se sucederam durante o período de produção e
que se mostrou por vezes pronta para me auxiliar, principalmente pela mudança de
foco da pesquisa.
Agradeço a minha mãe por ter me dado suporte em diversos momentos, mesmo
distante se fez presente.
Agradeço pelo carinho e amizade nestes quatro longos anos: Rhayanne Diogo,
Victor Miranda, Ingrid Ribeiro, Éder Soares, Susan Pessanha, Jéssica França e
Jeniffer Viana.
“Lágrimas não são argumentos.”
Machado de Assis
Resumo

O objetivo deste trabalho é analisar o romance Dom Casmurro, de autoria de


Machado de Assis, publicado pela primeira vez na cidade do Rio de Janeiro, no ano
de 1899. A obra é um clássico de nossa Literatura e atravessou séculos sem
respostas a um enigma: uma suposta traição de personagem Capitolina. Narrado em
primeira pesssoa, o romance traz características marcantes da escrita machadiana,
como a ironia e a análise psicológica de personagens a partir de um narrador-
personagem, o que nos coloca diante das sutilezas do escritor ao compor seus
romances. Ao ser trabalhado em sala de aula, o romance tem recebido um
tratamento peculiar em algumas escolas: ser analisado a partir do banco dos réus.
Ou seja, alunos são orientados a ler o romance para que haja o julgamento de
Capitolina a partir da seguinte pergunta: Capitu é culpada ou inocente? Desse modo,
o trabalho pretende refletir sobre o papel da Literatura na sala de aula. Para isso,
serão analisadas duas propostas de atividades a partir do romance supracitado com
turmas do segundo ano do Ensino Médio.

Palavras-chave: Dom Casmurro. Machado de Assis. Capitu. Ensino Médio.


Abstract

The purpose of this work is to analyze the novel Dom Casmurro, by Machado de
Assis, first published in Rio de Janeiro in the year 1899. The work is a classic of
Brazilian Literature and has gone through centuries without answers to an enigma: a
supposed betrayal of Capitolina character. Narrated in the first person, the novel
brings out striking characteristics of Machado's writing, such as irony and
psychological analysis of characters from a narrator-character, which puts us before
the subtleties of the writer in composing his novels. When being worked in the
classroom, the novel has received a peculiar treatment in some schools: to be
analyzed from the dock. The students are instructed to read the novel so there is the
Capitolina trial from the following question: Capitu is guilty or innocent? In this way,
the work intends to reflect on the role of Literature in the classroom. For this, two
proposals of activities will be analyzed from the novel mentioned above with classes
of the second year in High School.

Keywords: Dom Casmurro. Machado de Assis. Capitu. High School.


Sumário

1. Introdução ........................................................................................... 10
2. Capítulo I – Machado: de Bruxo do Cosme Velho, fundador da ABL até
autor de D. Casmurro .................................................................................... 14
3. Capítulo II – As diversas óticas sobre Capitolina ................................ 17
4. Capítulo III – As práticas docentes usadas em sala de aula na
apresentação do romance e da personagem ...................................................... 28
5. Conclusão ............................................................................................ 44
6. Referências ......................................................................................... 48
7. Anexo I ................................................................................................ 50
8. Anexo II ............................................................................................... 52
9. Anexo III .............................................................................................. 55
10. Anexo IV .............................................................................................. 56
11. Anexo V ............................................................................................... 58
12. Anexo VI .............................................................................................. 59
13. Anexo VII ............................................................................................. 60
Introdução

A obra Dom Casmurro escrita por Machado de Assis em 1899 nos traz a
história de Bento Santiago, um narrador-personagem que resolve atar a velhice com
a infância e nos recontar a sua história. Nessa trajetória, porém, assume para o leitor
que ele tem dúvidas sobre o que lembra dos fatos. Tido como uma das grandes
obras de Machado, o livro é marcado pela sua falta de desfecho, uma personagem
enigmática, um narrador duvidoso e o mistério acerca de um possível adultério.
Portanto, termina-se sem saber se de fato houve ou não traição, característica da
estilística do autor, conhecida como desfecho em aberto.
O enredo machadiano começa com o drama do cumprimento da promessa da
mãe de Bentinho e da análise de José Dias (chamado de agregado) a respeito da
amizade entre Capitu e Bento enquanto crianças. O desenrolar dos fatos contados
pelo narrador-personagem segue com a ajuda de Dias para que Bento se case com
Capitolina.
O período literário do Realismo (século XIX) e também da obra, tinha como
função a escrita que retratasse a sociedade. Como um pintor em suas obras primas,
Assis reconta o cotidiano de forma a criticar as hipocrisias da sociedade em
praticamente todos os seus escritos, salve os poemas dedicados à sua amada
esposa Carolina. Com tom de denúncia, Machado recria as situações vividas pelos
indivíduos da sociedade carioca do século XIX ao pé que critica os atos de caráter
duvidosos.
De acordo com o crítico literário, Antonio Candido (1995), em Vários escritos –
Vol. II, Machado era patriarcal. Pode-se admitir, então, que seu tom de denúncia às
ações do cotidiano das pessoas em suas obras era de cunho conservador. Nunca
deverá ser afirmada a real intenção de Machado de Assis, ainda que seja de
curiosidade dos leitores, pois uma das análises críticas literárias de Roland Barthes
afirma que o livro deixa de ser do autor e passa a ser do leitor em A morte do autor.
Não caberia a Machado dizer a sua interpretação acerca de suas obras e por
isso a necessidade tão grande do presente trabalho em estudar a mediação do
professor ao apresentar uma obra em sala. De acordo com Jouve (2012), um dos
objetivos da Literatura é o de transpor o ensino de novas culturas, em uma leitura

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mediada, e trazer conhecimento de mundo na construção do indivíduo, pois há
sempre algo novo a ser atribuído e acrescentado às cognições do leitor. É
necessário também que se ressalte o contexto político e cultural da época em que o
livro fora lançado. Tudo isso como forma de contribuição para o ensino-
aprendizagem.
O autor Machado de Assis vem a ser conhecido pela sua estilística peculiar,
irônica, algumas obras sem desfecho, sem linearidade, entre outros apontamentos
que o faz ser considerado como o maior escritor brasileiro de todos os tempos, por
Candido (1995). Uma das investigações da presente monografia também será em
torno de como Assis é analisado e trabalhado em sala, com o foco na obra Dom
Casmurro.
A relevância do romance Dom Casmurro não pode ser assegurada apenas
por incógnitas geradas por uma falta de desfecho do mistério sobre a traição
cometida ou não por Capitu na obra machadiana. A importância da mulher com
olhos de cigana oblíqua e dissimulada será avaliada no presente trabalho como uma
personagem que representa mulheres na sociedade. Visto que grande parte do
primeiro contato que os brasileiros têm com a obra é em sala de aula, será
observada a influência do docente no papel de mediador ao transpor o
conhecimento e suas metodologias.
A análise literária da personagem Capitu pode ser tanto feminista quanto
conservadora. Personagens maniqueístas não pertencem à escrita machadiana.
Eles não se separam entre bem e mal, pois são personagens complexos que
permitem ao leitor uma sensação próxima da realidade. Essa característica estilística
marca o período de produção do romance, Realismo, 3º período histórico, pós-
manifestações literárias, segundo Antonio Candido.
Os personagens machadianos constituem-se de cunho simultâneo, conforme
conceito de Candido (2000), pois têm como foco a dualidade no caráter dos
personagens e são contrários aos inteiriços (ou arquétipos), bem como aos rotativos.
Os personagens inteiriços são maniqueístas. Com isso, traz-se a história de um
indivíduo sobre si, por conseguinte, temos um vasto número de obras, que assim
como Dom Casmurro, tem o nome do narrador como título. Já os personagens
rotativos não são nem maniqueístas, nem há de forma tão explícita a dualidade do

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caráter. Encontra-se um meio termo, pois ainda que ficcionais, os personagens
simultâneos são mais próximos às pessoas ao nível de representação 1.
A personagem Capitu é posta como infiel pela parcela conservadora dos
leitores, que não percebe os outros pontos importantes da obra como a ironia
machadiana, o entrelaço dos acontecimentos, a costura e os detalhes da infância se
encontrando com o presente vivido, então, pelo personagem principal, Bento
Santiago. Por isso, será feita a análise, por meio de questionários, da mediação de
professores, com o intuito de observar se eles optam pelo romance e, se ao
fazerem, desmistificam a personagem.
Tendo como função auxiliar o docente, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(1997) trazem algumas estratégias de ensino (que serão examinadas no presente
trabalho), e estas precisam ser mais levadas à prática e, para isso, faz-se necessária
a propagação desse material impresso (PCN) e disponível para os docentes.
O papel do professor é o de buscar meios de tornar a leitura, tanto em sala de
aula como fora, algo prazeroso e que faça o aluno construir um senso crítico de
base sólida. A leitura crítica mediada é primordial para o indivíduo em formação,
porém a forma como é feita tem gerado discussões em cursos de formação de
docentes, visto que há a necessidade de novas metodologias para um novo público
de alunos que se tem hoje em sala.
Atualmente o perfil do discente mudou e com o tempo se perdeu o interesse
pelas obras clássicas. A causa tem algumas explicações, sendo a principal delas a
linguagem considerada mais arcaica para os alunos. De acordo com os alunos do 2º
ano do Colégio Estadual Julião Nogueira, os best-sellers, então, ganham as
prateleiras de destaque das lojas e das estantes dos quartos, enquanto os clássicos
ficam quase obsoletos com os sebos, com os fundos das livrarias em seções
apertadas ou em leituras obrigatórias nas escolas.
A metodologia empregada em sala de aula é normalmente a de fragmentação
de livros literários. Isso foi observado durante os quatro períodos de estágio
assistido obrigatório presentes na matriz curricular do curso de Letras – Português e
Literaturas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

1 Representação nesse sentido é correlacionada ao conceito aristotélico de mimese.

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campus Campos Centro. Nesta prática metodológica da leitura mediada e
fragmentada, alguns trechos são recitados em sala e analisam-se as estruturas e
estilísticas do texto, de acordo com o período literário e o autor.
A prática supracitada coloca a Literatura como um suporte para a Produção
Textual ou para a Gramática. Não que os três pilares de Letras não possam ou
devam estar juntos, porém o estudo da Literatura passa a ser entendido como algo
auxiliar e não essencial para a formação do indivíduo com essa prática. Há hoje
diversos problemas culturais de ensino-aprendizagem acerca do entendimento da
Literatura como ferramenta de estudo necessária, comprovado também pela carga
horária disponível nas escolas.
A LDBEN 9394/96 é usada como base para as formulações da educação
brasileira, contudo muitas leis de incentivo à leitura e Literatura em sala de aula têm
suas aplicações não tangíveis ou efetuadas por conta da realidade brasileira, seja
por falta de investimento na estrutura da escola ou por conta da dificuldade de os
professores utilizarem novas metodologias.
Para refletir sobre o ensino da Literatura em três escolas de Campos dos
Goytacazes, Colégio Estadual Julião Nogueira, Colégio Estadual João Pessoa e
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, a partir de Dom
Casmurro, o presente trabalho consiste no uso de críticos literários e análise de
duas abordagens metodológicas em sala de aula ao trabalhar a referida obra. De
acordo com o artigo Aspectos metodológicos do ensino da literatura, de Annie
Rouxel, o papel do professor do Ensino Médio deve ser o de mediar e de dar mais
voz ao aluno, até com relação à escolha dos livros, de forma que o aluno tenha o
senso crítico necessário para criar a sua própria opinião a respeito do desfecho da
obra, por conseguinte, neste caso, da imagem da mulher.
A divisão da monografia estabelece-se em três partes. A primeira apresentará
inicialmente o escritor Machado de Assis e algumas características de sua escrita
literária. Num segundo momento, serão expostas a personagem Capitu, a obra Dom
Casmurro e as construções sociais do contexto da referida obra. Concluir-se-á com
a análise de diferentes metodologias para o ensino de Literatura em sala de aula a
partir do livro Dom Casmurro.

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Capítulo I: Machado: de Bruxo do Cosme Velho, fundador da ABL até autor de
D. Casmurro

Joaquim Maria Machado de Assis, mestiço e de origem humilde, nasceu na


cidade do Rio de Janeiro no dia 21 de junho de 1839. Apesar de ter sido epilético, de
saúde frágil e gago, atuou na área Literatura e nas Letras como cronista, contista,
dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista, crítico e ensaísta.
Machado de Assis foi um divisor de águas da Literatura Brasileira. Deixou
marcas expressivas desde seus livros consagrados pelos críticos, entre eles Alfredo
Bosi, Massaud Moisés e Roberto Schwarz, à coparticipação na fundação da
Academia Brasileira de Letras (ABL), conhecida também como Casa de Machado,
situada na cidade do Rio de Janeiro, inaugurada no dia 28 de janeiro de 1897. Como
fundador, Machado foi eleito o primeiro presidente da Academia, tendo como posse
a cadeira de nº 23 e atuou no cargo até o momento de sua morte, ocorrida no Rio de
Janeiro em 29 de setembro de 1908.
O bruxo do Cosme Velho foi precursor do Realismo brasileiro com a
publicação de seu livro Memórias póstumas de Brás Cubas (1881). Perante esse
contexto, Machado objetiva dialogar a respeito do comportamento humano,
mediante palavras, pensamentos e traços humanos de homens e mulheres que
viveram na cidade do Rio de Janeiro durante o período do Segundo Império:

A originalidade de Machado está em ver por dentro o que o


naturalismo veria por fora. Os seus tipos são e não são parecidos
com os de seus contemporâneos Eça de Queirós e Aluísio Azevedo,
brilhantes traçadores de caricaturas. Vejo, nessa diferença, as
potencialidades dos discursos ficcionais que, mesmo se colocados
sob o signo do Realismo histórico, não se deixam enrijecer em
categorias (BOSI, 1999, p. 18)

O romance Dom Casmurro ao lado de outras duas obras Memórias Póstumas


de Brás Cubas e Quincas Borba compõem a trilogia realista de Machado de Assis. A
história surge quando Bento Santiago se disponibiliza a narrar a história de sua
própria vida. O personagem central é um homem que na velhice restaura os
momentos vividos na juventude ao lado de Capitolina, deixando nítido que seu
interesse pela própria biografia tem um apontamento bastante dirigido: o

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relacionamento com Capitu, uma jovem moça de sua vizinhança que acabou por ser
o grande amor de sua vida. Personagem intrigante, Capitu ganhou fama por ser
dona de um inacabável poder de sedução, manifesto em seus “olhos de cigana
oblíqua e dissimulada”, colocação feita por José Dias.
Em "Esquema Machado de Assis", capítulo do livro Vários escritos volume II,
Antonio Candido (1995) nos revela uma análise peculiar e minuciosa a respeito do
que descreve como o maior romancista que o país já teve. Apesar de ter tido origem
humilde e ser mestiço, Candido retrata Machado como “Homens que, sendo da sua
cor e tendo começado pobres, acabaram recebendo títulos de nobreza e carregado
pastas ministeriais”.

Se analisarmos a sua carreira intelectual, verificaremos que foi


admirado e apoiado desde cedo, e que aos cinquenta anos era
considerado o maior escritor do país, objeto de uma reverência e
admiração gerais, que nenhum outro romancista ou poeta brasileiro
conheceu em vida, antes e depois dele. Apenas Sílvio Romero emitiu
uma nota dissonante, não compreendendo nem querendo
compreender a sua obra, que escapava à orientação esquemática e
maciçamente naturalista do seu espírito. (CANDIDO, 1995, p. 1)

Em Dom Casmurro, Machado nos apresenta um narrador, que tem por


apelido o mesmo título do romance. Dono de uma perspectiva indecisa sobre sua
própria história, narrada em primeira pessoa, o narrador, na postura de Dom
Casmurro, no primeiro capítulo do livro, apresenta a justificativa pela qual escolheu o
título para ser o ponto de partida para contar a sua vida e, posteriormente, o motivo
de ter escrito o livro, no meio de um contexto urbano da cidade do Rio de Janeiro,
mais precisamente na rua de Mata-cavalos, no bairro do Engenho Novo, ano de
1857, no seio de uma sociedade pós-escravidão. Sendo um romance, a obra é
marcada pelos traços do indivíduo e sua história regada de lembranças desde os
tempos de criança.
O narrador expõe a falta de necessidade de procurarmos o significado para
Casmurro, pois ele o explica: “homem calado e metido consigo”, o Dom foi atribuído
ironicamente, “termos de fidalgo”, que vem a ser filho de algo. Assim, Bentinho deixa
claro que é o narrador e, por isso, Dom Casmurro é o título de sua obra. Porém,
esse apelido lhe foi dado e não condiz com as atitudes de Bento enquanto Bentinho

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e sim como Dom Casmurro. Há, então, uma dualidade vista da perspectiva
psicológica do narrador-personagem, que quando adulto transparece um homem
infeliz e amargurado por suas atitudes em vida, e Bentinho o seu oposto, uma alma
leve e cheia de anseios para a vida.
É visível a influência de Shakespeare na obra machadiana, tanto em nome de
capítulos, quanto nas notas do autor. Além da influência shakespeariana, Alencar,
romancista brasileiro, também atinge a difícil admiração de Machado, que, enquanto
crítico literário, não deixara de ressaltar a suma importância do escritor para a
consolidação do sistema literário brasileiro (CANDIDO, 2000). Apesar disso, José
Veríssimo, crítico literário, em admiração à escrita de Machado e sua influência em
relação ao sistema literário brasileiro, ressalta que após sua leitura de Memórias
Póstumas de Brás Cubas houve, então, um entendimento sobre a produção
brasileira poder ser mais do que temáticas indianista.
A obra reforça o olhar observador e analítico no sentido crítico-social, o que é
característico do autor. É importante frisar que a Literatura do Realismo contribuiu
muito para a contextualização de registros históricos por se tratar de um período
literário que analisava a sociedade com um intuito de criticar as hipocrisias e de
expor aquilo que as pessoas faziam sem quaisquer pudores e que, no entanto,
permanecia escamoteado.

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Capítulo II: As diversas óticas sobre Capitolina

Em Dom Casmurro, tem-se um narrador-personagem e este diz não ter


certeza sobre os fatos que vivera. Machado, ao revolver as camadas subterrâneas
do ser humano por meio de seus personagens e da memória de um deles, oferece-
nos um narrador que mergulha em camuflagens. Casmurro seria um personagem
dentro do personagem Bentinho? Afinal, leitor, não olhe o dicionário, pois o sentido
da palavra "casmurro" ali é outro. No entanto, teoricamente, o leitor é levado a crer
em tudo que lhe é contado, posto que é a única visão que se tem sobre a história.
Além disso, nessa estratégia usada por Machado cria-se um abismo não
maniqueísta em que não se tem mais a tríade de herói, vilão e donzela indefesa.

Com que então eu amava Capitu, e Capitu a mim? Realmente,


andava cosido às saias dela, mas não me ocorria nada entre nós que
fosse deveras secreto. Antes dela ir para o colégio, eram tudo
travessuras de criança; depois que saiu do colégio, é certo que não
restabelecemos logo a antiga intimidade, mas esta voltou pouco a
pouco, e no último ano era completa.[...]
[...]
Tudo isto me era agora apresentado pela boca de José Dias, que me
denunciara a mim mesmo, e a quem eu perdoava tudo, o mal que
dissera, o mal que fizera, e o que pudesse vir de um e de outro.
Naquele instante, a eterna Verdade não valeria mais que ele, nem a
eterna Bondade, nem as demais Virtudes eternas. Eu amava Capitu!
Capitu amava-me! E as minhas pernas andavam, desandavam,
estacavam, trêmulas e crentes de abarcar o mundo. Esse primeiro
palpitar da seiva, essa revelação da consciência a si própria, nunca
mais me esqueceu, nem achei que lhe fosse comparável qualquer
outra sensação da mesma espécie. Naturalmente por ser minha.
Naturalmente também por ser a primeira. (ASSIS, 2014, p 12)

A mudança da perspectiva de Bentinho sobre Capitu influencia sua


transformação para Dom Casmurro, pois, em sua ingenuidade juvenil, nem ao
menos conseguia identificar que havia algum tipo de desejo sobre a menina que vira
a mulher dona dos “olhos de ressaca”, “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”.
Bentinho declara não saber o que significa oblíqua, que no sentido retratado é o
figurado: cujo caráter é duvidoso, dissimulado. Tudo isso vem à tona a partir de um
comentário feito por José Dias com a mãe de Bentinho. José Dias quis deixá-la
atenta sobre os encontros de Bento e Capitolina, contudo acaba sendo ouvido por

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Bentinho, que estava atrás da porta. Antes deste episódio, o narrador da história
tinha uma outra visão sobre a moça pela qual estava apaixonado:

Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte
e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os
cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma
à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos
claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo
largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com
amor; não cheiravam a sabões finos nem águas de toucador, mas
com água do poço e sabão comum trazia-as sem mácula. Calçava
sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns
pontos. (ASSIS, 2014, p.26)

A prima Justina, tia de Bento, também frisa a sua opinião em uma conversa
com o menino sobre o olhar de Capitu. Percebe-se que para os personagens havia
coisas sendo ditas em tons de sedução, malícia e falsidade.

[...] prima Justina reteve-me alguns minutos, falando do calor e da


próxima festa da Conceição, dos meus velhos oratórios, e finalmente
de Capitu. Não disse mal dela; ao contrário, insinuou-me que podia vir
a ser uma moça bonita. Eu, que já a achava lindíssima, bradaria que
era a mais bela criatura do mundo, se o receio me não fizesse
discreto. Entretanto, como prima Justina se metesse a elogiar-lhe os
modos, a gravidade, os costumes, o trabalhar para os seus, o amor
que tinha a minha mãe, tudo isto me acendeu a ponto de elogiá-la
também. Quando não era com palavras, era com o gesto de
aprovação que dava a cada uma das asserções da outra, e
certamente com a felicidade que devia iluminar-me a cara. Não
adverti que assim confirmava a denúncia de José Dias, ouvida por
ela, à tarde, na sala de visitas, se é que também ela não desconfiava
já. Só pensei nisso na cama. Só então senti que os olhos de prima
Justina, quando eu falava, pareciam apalpar-me, ouvir-me, cheirar-
me, gostar-me, fazer o ofício de todos os sentidos. Ciúmes não
podiam ser; entre um pirralho da minha idade e uma viúva quarentona
não havia lugar para ciúmes. É certo que, após algum tempo,
modificou os elogios a Capitu, e até lhe fez algumas críticas, disse-me
que era um pouco trêfega e olhava por baixo;mas ainda assim, não
creio que fossem ciúmes. Creio antes... sim... sim, creio isto. Creio
que prima Justina achou no espetáculo das sensações alheias uma
ressurreição vaga das próprias. Também se goza por influição dos
lábios que narram. (ASSIS, 2014, p. 22)

Dentre as visões acerca da personagem, é necessário também contextualizar


sobre a imagem da mulher em sua época, século XIX. Em formato de recortes,
fragmentos e artigos, a autora Miriam Moreira Leite organizou um livro sobre A
condição feminina no Rio de Janeiro no século XIX. A obra, que faz parte da coleção

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de Estudos históricos, retrata uma sociedade que não só tornou a mulher submissa
ao marido, como também pôs uma única via para a mulher: o casamento.
Uma mulher no século XIX só era bem sucedida se fosse casada, não
havendo objetivo maior. Para as mulheres de classes baixas, a realidade era
diferente. Simone de Beauvoir, autora de cunho feminista, quebra diversos
paradigmas em suas obras sobre o universo do sistema patriarcal no qual a
sociedade está inserida. Em sua obra Segundo sexo vol.II – Experiência vivida, a
autora nos revela em sua introdução uma análise sobre os termos feminilidade e a
condição feminina para com o casamento.

As mulheres de hoje estão destronando o mito da feminilidade;


começam a afirmar concretamente sua independência; mas não é
sem dificuldade que conseguem viver integralmente sua condição de
ser humano. Educadas por mulheres, no seio de um mundo feminino,
seu destino normal é o casamento que ainda as subordina
praticamente ao homem; o prestígio viril está longe de se ter
apagado: assenta ainda em sólidas bases econômicas e sociais. É
pois necessário estudar com cuidado o destino tradicional da mulher.
Como a mulher faz o aprendizado de sua condição, como a sente, em
que universo se acha encerrada, que evasões lhe são permitidas, eis
o que procurarei descrever. (BEAUVOIR, 1949, p. 7)

Outra crítica literária, Irene Stein, traz análises em seu livro As mulheres em
Machado de Assis, acerca das personagens mais marcantes de algumas obras
relevantes do autor. Sobre Capitu, Stein traça um perfil duvidoso, submisso e
dependente financeiramente do esposo com fragmentos retirados do livro de
Machado como as relações de casamento, família e trabalho.
A visão final que fica para o leitor de acordo com a crítica é a de uma
personagem submissa que vê o casamento como solução para a sua subsistência. É
preciso, porém, reforçar que isso era parte da condição feminina do século XIX, bem
apresentado por Miriam Moreira Leite:

Capitu confessa posteriormente a Bentinho “que esta razão acendeu


nela o desejo do saber”. Temos aí um caso de mulher que quer saber
mais do que se lhe permite, quer saber o que não se permite, e por
que não se permite. Machado nos apresenta uma personagem
feminina que se lembra e se refere a um episódio de limitação
exclusiva ao seu sexo, que não aceita e à qual, especificamente,
reage. No entanto, não há em relação a ela nenhuma menção no que
toca ao exercício de uma profissão, de um meio a garantir

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futuramente sua subsistência mesmo sendo ela oriunda de uma
família modesta. Também para Capitu a solução está no casamento.
(STEIN, 1984, p. 62)

O que gera na obra a maior discussão crítica, que pode ser considerado o
maior questionamento do universo literário brasileiro, é o adultério ou não cometido
por Capitolina, apelidada de Capitu, personagem de origem familiar pobre, de
caráter complexo, à frente de seu tempo. Apesar de o romance tratar a história de
um indivíduo, pode-se observar que o enredo gira em torno dessa figura feminina
que também simbolizou uma ameaça para José Dias e Dona Glória, sobre o
cumprimento da promessa da mãe de Bento. Ao lado de Bentinho, forma o casal de
personagens principal do romance. Ela, que como outras personagens femininas do
escritor, possui características de imposição em relação ao homem, com altíssimo
controle emocional e social. Personagem essa que o faz entender que ela era mais
mulher que ele era homem:

Contar estes detalhes não explica quem era de fato essa menina.
Capitu era Capitu, isto é, uma criatura muito diferente, mais mulher do
que eu era homem. Se eu não disse isso ainda, aqui está. Se disse,
tudo bem. Existem certas coisas que precisam ser ditas diversas
vezes para que permaneçam na cabeça do leitor. (ASSIS, 2014, p.
43)

Dentre as perspectivas sobre a personagem, é possível observar que no


capítulo LXV – A dissimulação, tem-se o primeiro indício de mudança da visão de
Bentinho sobre Capitu, quando ela apresenta uma aceitação sobre o fato de ele
cumprir a promessa feita por Dona Glória, e ele vê a dissimulação em seus olhos.
Assim, Bentinho tenta demonstrar a frieza de Capitu e sua capacidade de calcular
seus atos, contudo quem acaba por tomar atos de desvios de caráter em toda a
trama é o próprio narrador.
Um fato importante quanto à descrição de Capitu no romance são os traços
íntimos da personagem que são evidenciados por meio dos seus olhos. Seu retrato
interior é revelado ao leitor ao longo de toda história. No romance, José Dias, prisma
sobre o qual Bentinho viu o mundo e possuidor de um discurso de peso na casa
dele, revela a primeira relação do olhar de Capitu e sua intrigante dualidade:

20
- Antigamente, quando você era mais novo, não era tanto um
problema. Ele podia passar por seu criado. Mas agora não fica bem.
É capaz de tomar confiança. Sua mãe não deve apreciar isso. A
família do Pádua não é toda ruim. Capitu, apesar daqueles olhos que
o diabo lhe deu.... Você já reparou nos olhos dela? São assim de
cigana oblíqua e dissimulada. Contudo, ela seria aceitável se não
fosse a vaidade e adulação. Oh! A adulação! (ASSIS, 1889, p.34)

No romance, porém, não há como apenas questionar o ato de adultério ou


não de Capitu, assim como alguns estudiosos do tema expõem: há tantos outros
pontos importantes sobre a análise da sociedade em toda a narrativa. Roberto
Schwarz aborda que:

[...] a fórmula narrativa de Machado consiste em certa alternância


sistemática de perspectivas, em que está apurado um jogo de pontos
de vista produzido pelo funcionamento mesmo da sociedade
brasileira. O dispositivo literário capta e dramatiza a estrutura do país,
transformada em regra da escrita. E com efeito, a prosa narrativa
machadiana é das raríssimas que pelo seu mero movimento
constituem um espetáculo histórico-social complexo, [...] (SCHWARZ,
2012, p. 11)

A partir do ponto de vista de Schwarz, Capitu, que é apresentada inicialmente


como uma grande amiga de Bentinho, aos poucos vai se tornando, pela ótica do
narrador no decorrer do romance, uma mulher de personalidade duvidosa, o que
transparece na visão de Bentinho em relação à moça como um ser completamente
lascivo, que poderia em algum momento traí-lo.
A heroína de Dom Casmurro é considerada pelo professor Massaud Moisés
(2001) uma esfinge, figura mitológica que não dormia, enigmática, silenciosa; e, ao
mesmo tempo, uma figura narcisista que, pela ótica da mitologia grega, é fruto do
mal de Narciso, jovem que se enamorava enquanto via refletida na água da fonte
sua própria imagem e encontra a morte atirando-se na água à sua procura.
Moisés (2001) cita Lowen (1985) em seu livro Machado de Assis: Ficção e
utopia (2001) uma análise psicológica de um especialista referente ao perfil de uma
pessoa que sofre do mal de Narciso, comparando tais descrições ao perfil de Capitu:

O narcisismo descreve uma condição psicológica e uma condição


cultural. Em nível individual, indica uma perturbação da personalidade
caracterizada por um investimento exagerado na imagem da própria
pessoa e à custa do self. Os narcisistas estão mais preocupados com

21
o modo como se apresentam do que com o que sentem. De fato, eles
negam quaisquer sentimentos que contradigam a imagem que
procuram apresentar. Agindo sem sentimento, tendem a ser
sedutores e ardilosos, empenhando-se na obtenção de poder e de
controle. São egoístas, concentrados em seus próprios interesses,
mas carentes dos verdadeiros valores do self – notadamente, auto-
expressão, serenidade e dignidade e integridade. Aos narcisistas falta
um sentimento do self derivado de sensações corporais. Sem um
sólido sentimento do self, vivem a vida como algo vazio e destituído
de significado. É um estado de desolação. (LOWEN, 1985, p.9)

É necessário compreender que toda descrição de Capitu surge da ótica do


narrador, que era problemático, visto que era um homem receoso, tímido, regido por
inseguranças e falta de maturidade. Além disso, o próprio narrador, Bento Santiago,
se mostra duvidoso quando diz não se lembrar tão bem dos fatos de sua própria
história e se influencia totalmente por argumentos levantados por José Dias durante
o romance. Nesse aspecto, podemos observar também a indução que o narrador faz
o leitor percorrer durante a trajetória de leitura do clássico da Literatura Brasileira.
Beauvoir (1949, p. 166) introduz um conceito, em Segundo sexo vol.II –
Experiência vivida, do que é o homem: “Socialmente, o homem é um indivíduo
autônomo e completo; êle é encarado antes de tudo como produtor e sua existência
justifica-se pelo trabalho que fornece à coletividade.” Em contrapartida sinaliza uma
necessidade de ambos os gêneros para dar continuidade a espécie, porém a mulher,
para Simone, permaneceu historicamente sem o direito de escolha e era “dada em
casamento”.

[...] o indivíduo almeja uma vida sexual estável, deseja uma


posteridade e a sociedade exige dele que contribua para perpetuá-la.
Mas não é à mulher ela própria que o homem dirige um apelo: é a
sociedade dos homens que permite a cada um de seus membros
realizar-se como esposo e como pai; integrada como escrava ou
vassala nos grupos familiares dominados por pais e irmãos, a mulher
sempre foi dada em casamento a certos homens por outros homens.
(BEAUVOIR, 1949, p. 166)

Bourdieu faz um Esquema sinóptico das oposições pertinentes em seu livro O


esquema retrata as antagonias entre os gêneros masculino e feminino. Numa ótica
bem maniqueísta, observa-se que o gênero feminino acaba por permanecer sobre
os sintagmas de cunho duvidosos e até mesmo ruins como obscuridade, ordinário. O

22
autor analisa e pontua de forma a usar a simbologia e a natureza para elucidar as
diferenças postas pela sociedade entre os sexos.

Figura 1 Esquema sinóptico das oposições pertinentes

23
Para Stein, o padrão imposto pela sociedade produz um efeito submisso no
caráter de Capitu, ou seja, que apenas aceita aquilo que ditam. Quando criança, não
é vista da mesma forma e sim questionadora, porém quando mulher adulta é
apresentada ao leitor como mais uma mulher submissa que aceita as imposições do
marido, do casamento e da sociedade:

Ao meu ver, estas mulheres dos romances de Machado possuem


uma grande capacidade de percepção da realidade e muita vontade e
faculdade de empenho no sentido de atingir os objetivos que se
colocam. Esta capacidade direto com o real implica que valorizem por
sua vez aquilo que a sociedade valoriza. (STEIN, 1984, p. 69)

Simone de Beauvoir ainda aponta que a condição de gênero é imposta


também pela sociedade e o sexo não define a mulher. As contribuições e exposições
de conceitos de Beauvoir comprovam o Esquema de Bourdieu, pois o maniqueísmo
e a imposição do patriarcado sobre um padrão social na mulher enquanto gênero
feminino fica marcado e denunciado:

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico,


psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no
seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse
produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de
feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um
indivíduo como um Outro. Enquanto existe para si, a criança não
pode apreender-se como sexualmente diferençada. Entre meninas e
meninos, o corpo é, primeiramente, a irradiação de uma
subjetividade, o instrumento que efetua a compreensão do mundo: é
através dos olhos, das mãos e não das partes sexuais que
apreendem o universo. (BEAUVOIR, 1949, p.9)

Machado acaba por retratar, então, uma mulher do século XIX, que não
questionava as vontades do marido, apenas as aceitava. Isto fica claro quando
Capitu aceita o exílio imposto por Bento.

— Confiei a Deus todas as minhas amarguras, disse-me Capitu ao


voltar da igreja; ouvi dentro de mim que a nossa separação é
indispensável, e estou às suas ordens.
Os olhos com que me disse isto eram embuçados, como espreitando
um gesto de recusa ou de espera. Contava com a minha debilidade
ou com a própria incerteza em que eu podia estar da paternidade do

24
outro, mas falhou tudo. Acaso haveria em mim um homem novo, um
que aparecia agora, desde que impressões novas e fortes o
descobriam? Nesse caso era um homem apenas encoberto.
Respondi-lhe que ia pensar, e faríamos o que eu pensasse. Em
verdade vos digo que tudo estava pensado e feito. (ASSIS, 2014, p.
122)

A personagem principal de Dom Casmurro é tão importante que há um livro,


Quem foi Capitu?, com a autoria de diversos grandes nomes da Literatura nacional
como Luis Fernando Verissimo, Millôr Fernandes, Lygia Fagundes Telles, Lya Luft,
Fernanda Montenegro, Silviano Santiago, entre outros. Nesta obra os escritores
reescrevem a história a sua maneira em forma de contos, crônicas e ensaios sobre a
personagem mais enigmática da Literatura Brasileira.
Há também outras releituras, chamadas de fanfictions, que são feitas por
escritores e expostas em mídias sociais. O objetivo desse gênero, que é propagado
majoritariamente na internet, é o de reescrever a história usando alguns elementos,
sejam os nomes, o contexto, o enredo, porém precisa ficar claro que há a conexão
com o original, por definição pode ser chamada também de paródia ou reescrita
autoral.
A minissérie Capitu (2008), produzida pela Rede Globo de Televisão, adaptou
a obra machadiana e misturou elementos da contemporaneidade em seu cenário,
também aludiu todo o enredo ao modelo de ópera, como a analogia que o narrador
faz a sua história no capítulo IX A ópera. Os trajes foram similares aos do século
XIX, outros detalhes seguiram a cronologia da obra.
Antes de lançar a minissérie, a Globo realizou uma intervenção na internet
intitulada Mil Casmurros. O objetivo era que as pessoas gravassem vídeos com
fragmentos da obra. Esta ação de publicidade e propaganda chegou a ganhar
prêmio em Cannes.
A crítica fica explícita em Dom (2003), uma releitura feita para o cinema que
se compõe com recortes de trechos do livro e de alguns elementos como apelidos
dos personagens e alusões à obra machadiana. No filme, Bento, interpretado por
Marcos Palmeira, também chamado de Dom, personagem principal, abandona a
noiva para se casar com a sua primeira paixão da infância. Nesta versão
contemporânea, a personagem Ana Clara, que Dom apelidou de Capitu (Maria

25
Fernanda Cândido), é independente financeiramente, porém, como dançarina e
modelo não vive uma vida de luxos ou com muita estabilidade. Ana Clara se
transforma numa mulher submissa quando começa a namorar, o que vai se
agravando até o casamento com Bento, que começa a ter ciúmes do chefe de Ana,
também amigo de Dom. Ao final, por conta da possessividade e do ciúme de Bento,
ele acredita estar amaldiçoado pela obra machadiana, vê sua amada sofrer um
acidente de carro e opta por dar todo amor e suporte ao seu filho.
Em todos esses casos, pode-se observar a existência do conceito de juízo de
valor, visto que há preconceitos, estereótipos, marcas e padrões exigidos
socialmente, porém os não aceitos são marginalizados, vulgarizados. Do romance,
que permaneceu e se consagrou como clássico, podem-se retirar diversos pontos de
representação social ainda que a sociedade contemporânea tenha elementos
divergentes, como, por exemplo, o uso da tecnologia.
A respeito da representação ou modelo social, o qual é retratado por Capitu, é
de crítica sociocultural dividida, pois podemos observar dois lados sobre seu caráter
ao se tratar da personagem, porém quando apresentado em sala de aula, cabe ao
professor a forma de desmistificar, como, por exemplo, ao colocar em foco as várias
nuances das óticas sobre a personagem do romance, tanto dentro da obra (visão do
narrador) quanto fora (visão do leitor).
Se há uma influência de perspectiva à luz da obra, essa visão parte de um
leitor com alguns pré-conceitos socioculturais, não podendo ser esquecido que o
narrador da obra é o personagem-título Dom Casmurro, o qual propaga os vestígios
de dúvidas no leitor a respeito de Capitolina:

Podíamos até acreditar que é por ser um narrador não confiável que a
sua amiga de infância e depois mulher se transformou num enigma.
Não porque suspeitasse que o traíra com o seu amigo Escobar, mas
porque a sua óptica não podia dar outro resultado: ele vê tudo como
um ingênuo irremediável. Jamais amadurece, e a própria tentativa de
reconstruir o passado não lhe confere maturidade. Antes pelo
contrário, é como se recordasse para todo o sempre a sua vida,
estagnada num ponto em que divisa tudo à sua volta como enigma ou
probabilidade. (MOISÉS, 2001, p. 88)

Podemos observar a necessidade de introduzir uma personagem enigmática,


como Capitu, e de desmistificá-la por conta de sua força de representatividade

26
sociocultural, com isso se desconstroem assim algumas das visões machistas
impostas pelo patriarcado na sociedade.

27
Capítulo III - As práticas docentes usadas em sala de aula na apresentação do
romance e da personagem

O autor do livro A pedagogia do oprimido, professor e filósofo Paulo Freire,


dissertou acerca das problemáticas as quais os docentes enfrentam diariamente por
conta do modelo de ensino-aprendizagem. Freire escreve sobre a Educação
bancária (FREIRE, 1987), teoria com a qual escreve sobre a sua análise da não
absorção dos conteúdos e do conhecimento por parte do aluno.
Análises acerca da Educação bancária (FREIRE, 1987) têm sido recorrentes,
porém o seu método de ensino, contrário a sua crítica sobre a Educação bancária,
quando lançado foi aclamado e até mesmo aplicado em outros países. Freire tinha
como foco pessoas de idade avançada e que não tiveram oportunidades. Por conta
de alguns jogos políticos, sua teoria não fora levada à frente. As teorias de
aprendizagem e os métodos que são utilizados nas escolas brasileiras acabam
tenho o efeito da Educação bancária, que consiste na falta de absorção e
transposição efetiva do conhecimento, essas metodologias continuam se
propagando no país.

A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à


memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração
os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo
educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus
“depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem
docilmente “encher”, tanto melhores educandos serão.
Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os
educandos são os depositários e o educador o depositante. (FREIRE,
1987, p. 37)

Tais metodologias de repetição já estão ultrapassadas e são muito criticadas


em outros países. Pode-se comprovar isso com as pesquisas de campo mundiais.
De acordo com as últimas, o Brasil se encontra em 60º no ranking mundial da
educação, 59º em leitura e 79º, se estagnando no crescimento, de Índice
Desenvolvimento Humano (IDH).
Em uma realidade mais próxima, foi possível analisar os efeitos sociais deste
tipo de aprendizagem durante uma pesquisa de observação no Colégio Estadual
João Pessoa com discentes do 2º ano do Ensino Médio no dia 8 de setembro de

28
2017. Os alunos apresentaram uma metodologia conhecida e muito aplicada pelos
docentes: o julgamento de Capitu. Esta metodologia é muito utilizada, porém, sobre
o efeito de julgar sem provas, automaticamente já se admite que há uma traição,
pois o ensino de uma prática que consiste em suposições deixa brechas para falhas
em sua metodologia. Mesmo porque só há a visão do narrador-personagem e não
de ambas as partes ou de uma terceira pessoa.
Sob o viés do narrador personagem Bento Santiago, ao fazerem o tradicional
julgamento de Capitu, os alunos decidiriam se houve ou não a traição. Apesar de o
acompanhamento da atividade ter se reduzido ao dia da apresentação teatral, pode
ser analisado, em partes, a partir do resultado do júri, como a obra foi conduzida e
mediada pela professora Ana Clara Soares.
O estigma em cima da dualidade dos atos da personagem Capitolina surge a
partir de argumentos usados por um dos personagens coadjuvantes José Dias, que
acaba por influenciar toda uma família, afinal são os argumentos de “apenas” um
homem em questão. Ainda que logo no início da trama seja revelada a traição de
José Dias com a família Santiago, contudo, isso não é levado em consideração por
alguns leitores, assim como não foi levado em consideração pelos alunos, porque o
que marcou de fato fora a descrição que Dias dera ao olhar de Capitu: olhos de
cigana oblíqua e dissimulada.
Pode-se observar que o discurso de José Dias influenciou uma geração de
leitores e que ainda tem efeito sobre alguns leitores na atualidade. No julgamento, a
defesa argumenta que o episódio sobre a descrição de Dias do olhar da personagem
é colocado com um tom de desdém, em que o “agregado” na verdade tinha
interesse por Capitu.
A análise a partir dos atos de Bento Santiago, ao quase envenenar seu filho,
num olhar social quase soa normal, pois mesmo tal ato de tamanho desequilíbrio
psicológico sendo apresentado não é tanto discutido, porém fora de grande
argumentação para a defesa. Ainda que isso tenha sido ressaltado, a defesa perde,
o que nos faz perceber a inclinação da análise ideológica dos alunos que formavam
o banco do júri por trás do seu voto.
O romance por vezes é resumido na questão da possível traição, porém nada
se fala dos quase atos de homicídio praticados por Dom Casmurro. Isso também nos

29
comprova uma sociedade machista, em que se acredita no corpo da mulher como
posse e no merecimento da morte caso haja infidelidade. Para a sociedade seria um
ato justificável de um crime passional:

Se eu não olhasse para Ezequiel, é provável que não estivesse aqui


escrevendo este livro, porque o meu primeiro ímpeto foi correr ao café
e bebê-lo. Cheguei a pegar na xícara, mas o pequeno beijava-me a
mão, como de costume, e a vista dele, como o gesto, deu-me outro
impulso que me custa dizer aqui; mas vá lá, diga-se tudo. Chamem-
me embora assassino; não serei eu que os desdiga ou contradiga; o
meu segundo impulso foi criminoso. (ASSIS, 2014, p. 180)

O julgamento de Capitu é uma prática metodológica que alguns professores


utilizam para que os alunos façam uma análise crítica a respeito da obra, todavia,
partindo do pressuposto que, para abrir um processo contra o possível autor de um
crime é necessário que haja pelo menos uma prova concreta, não há, então, como
se utilizar dessa prática metodológica com os discentes. Durante o julgamento esse
é um dos argumentos utilizados pelos alunos que fazem parte da defesa, ainda
assim, por questões culturais, Capitu era automaticamente tida como condenada,
como ocorreu no julgamento do Colégio Estadual João Pessoa.
Em meio aos possíveis atos de adultério, tido como crime no século XIX, de
Capitu, o jogo do julgamento fictício acaba por ser infundado, pois não há
argumentação ou sequer embasamento para ambas as partes levarem para frente e
seria embarreirado por um juiz. No próprio romance, a personagem se defende
usando a simples argumentação de ser injúria, termo jurídico, sobre a acusação de
Bento Santiago.

— Só não se pode explicar tal injúria pela convicção sincera;


entretanto, você que era tão cioso pelos menores gestos, nunca
revelou a menor sombra de desconfiança. Que é que lhe deu tal
ideia? Diga, [...]
— Há cousas que não se dizem.
— Que não se dizem só metade; mas já que disse metade, diga tudo.
[...]
— Não, Bentinho, ou conte o resto para que eu me defenda, se você
acha que tenho defesa, ou peço-lhe desde já a nossa separação: não
posso mais! (ASSIS, 2014, p.181)

30
O que acontece de fato, porém, são as marcas e os efeitos de uma sociedade
patriarcal sendo evidenciadas e continuadas em práticas docentes. Afinal, o simples
observar de um homem que leva o gatilho para o ciúme de Bento, este que se sente
no direito de ter posse sobre uma mulher, e que transmite ao leitor uma relação tida
hoje como abusiva e crescida em pilares machistas da sociedade do período do
Realismo. No simples diálogo entre os personagens principais se pode observar
Capitu pontuando o fato de não se ter provas contra ela, porém “achismos”.
O próprio narrador finaliza seu romance se aconselhando sobre o seu ciúme
doentio no último capítulo:

[...] se soubesse dos meus primeiros ciúmes, dir-me-ia, como no seu


cap. IX, vers.1: “ Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não
se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti.” Mas eu creio
que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu
menina, hás de reconhecer que estava dentro da outra, como a fruta
dentro da casca. (ASSIS, 2014, p. 191)

O uso do formato ópera, como se intitula o capítulo IX, serve para atar a
infância à vida adulta. Não sendo um gênero literário, mas sim de teatro, a ópera que
o narrador retrata é posta como teoria por seu amigo, Marcolini, e se tem o primeiro
indício de que haverá algo relacionado ao adultério.

— A vida é uma ópera e uma grande ópera. O tenor e o barítono


lutam pelo soprano, em presença do baixo e dos comprimários,
quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo tenor, em
presença do mesmo baixo e dos mesmos comprimários. Há coros
numerosos, muitos bailados, e a orquestração é excelente... (ASSIS,
2014, p. 19)

Segundo o crítico literário Barthes (2004), não há como saber a verdadeira


intenção do autor. Sendo assim, não é possível dizer que o narrador queria criticar a
sociedade machista, porém é possível afirmar que o registro feito é sinalizador de
uma sociedade que promulgou e depredou a imagem de uma mulher sem ter uma
prova concreta sequer.

[...] é a linguagem que fala, não é o autor; escrever é, através de uma


impessoalidade prévia - impossível .de alguma vez ser confundida
com a objetividade castradora do romancista realista -, atingir aquele

31
ponto em que só a linguagem atua, «performa»,. e não «eu»
(BARTHES, 2004, p. 2)

A leitura do romance Dom Casmurro fora obrigatória aos alunos, de acordo


com a docente Ana Clara e não houve resistência sobre os conteúdos necessários a
serem discutidos em torno da obra, como, por exemplo, ironia machadiana, contexto
social do Realismo, desfecho aberto, entre outros.
A estratégia de ensino foi um final alternativo, visto que Capitu nunca fora
julgada pelo possível ato de adultério. Como uma forma de continuação da história,
que tem por fim a morte da amada de Bento, o julgamento de Capitolina foi
encenado com os personagens do núcleo principal com cada um relatando o seu
depoimento ao juiz e ao júri.
Em uma das cenas da defesa, o advogado e aluno disse: “Eu sou Capitu,
você também foi ou é. Eu já fui Dom Casmurro.” Com esta fala, foi iniciado um
debate sobre a questão dos relacionamentos abusivos, em que não há confiança no
parceiro e se instaura uma série de situações relacionadas ao ciúme, à obsessão,
até os piores estágios como o feminicídio. É atual e de suma importância que temas
como esses sejam discutidos pelo discente, comprovando assim um dos pontos de
atemporalidade pertencente ao romance.
O julgamento passa por uma questão mais injusta na parte da defesa, já que
os argumentos levantados pela acusação não contêm provas concretas. A mulher de
Escobar depõe a favor de Capitu e mesmo assim o júri, por diferença de um voto,
opta pela versão da traição de Capitu para com Bento, sinalizando o reforço da
predominância do ponto de vista masculino, como Pierre Bourdieu defendera em
sua obra de mesmo título. Bourdieu ressalta que há a necessidade de
questionarmos sobre os mecanismos hipnóticos usados pela sociedade dominante:

[...] sobre nosso próprio universo e nossa própria visão de mundo, o


ponto de vista do antropólogo capaz de, ao mesmo tempo, devolver à
diferença entre o masculino e o feminino, tal como a
(des)conhecemos, seu caráter arbitrário, contingente, e também,
simultaneamente, sua necessidade sócio-lógica. Não é por acaso
que, quando quis pôr em suspenso o que ela chama, magnificamente,
de "o poder hipnótico da dominação",... (BOURDIEU, 2017, p. 8)

32
Uma roda de discussão acerca dos pontos da obra foi feita, porém a sua
finalidade fora de ser usada para o julgamento de Capitu. Este foi um dos pontos
avaliativos que a professora Ana Clara Soares utilizou, porém, em vez de subjugar a
personagem enigmática, poderia ter continuado com a roda de discussão e
requerido um texto de cunho mais analítico e menos teatral para propagar novas
formas de se entender as condições da mulher carioca numa sociedade do século
XIX.

1. Análise de metodologias de docentes por meio do minicurso e dos


questionários

A professora Aída Maria Jorge Ribeiro relatou em um minicurso na 1ª Semana


acadêmica do curso de Letras (IF-Fluminense) sobre como fisgar os alunos por meio
dos clássicos toda a sua trajetória enquanto professora do Ensino Médio. Com o
passar dos seus anos enquanto docente, foi observado que houve uma mudança
como o uso de outras estratégias, desde as mais simples e iniciais como os teatros
em sala, posteriormente os vídeos gravados e editados pelos alunos, até a criação
dos memes dos dias atuais. É interessante observar que há novos meios de se
reescrever uma mesma história, ainda que esta tenha sido escrita há mais de 100
anos.
Dentre algumas afirmações feitas por Aída, a mesma disse que gosta de fazer
com que os seus alunos usem as tecnologias como edição e produção de vídeos,
criação de jogos, memes, entre outras estratégias, porém não sabe utilizar as
ferramentas que exige para os alunos.
Ribeiro esbanja energia, entusiasmo e inovação ao longo de sua trajetória
como docente. Indica diversos aplicativos a serem utilizados de acordo com os
recursos acessíveis e o tipo de turma a ser trabalhado. Como por exemplo: Viva
vídeo – edição de vídeos, Kahpot – produção de jogos, Twitter – uso de hashtags
para produção de microcontos, Whatsapp – grupos de conversas para comentarem
as obras, Meme generator – criação de memes, entre outros.
Ao final do minicurso, Aída fez a exposição dos trabalhos que seus alunos do
IFF campus Guarus realizaram sobre alguns clássicos como Senhora, Iracema,

33
ambos de Alencar. É interessante observar a preocupação dos discentes com a
contextualização de trajes, ambientes, entre outros pontos característicos das obras
clássicas que se contrapõem à contemporaneidade.
A forma de se utilizar da tecnologia como um recurso auxiliar no ensino-
aprendizagem é considerada uma maneira não só para driblar o desinteresse dos
alunos, contudo, transformar o que para eles é obsoleto em algo mais acessível ao
contexto dos alunos.
Já o questionário elaborado para ser respondido pelos professores tinha como
objetivo analisar não só o uso de metodologias durante a carreira dos docentes,
porém a relevância ou não do romance Dom Casmurro em sala de aula.
A maioria dos professores que responderam ao questionário discordam de
Ribeiro e ainda ressaltam a falta de maturidade literária e de tempo para trabalhar
em sala um romance machadiano. Para os outros docentes há uma complexidade
na obra de Machado de Assis que o aluno do século XXI não está apto para
decodificar, interpretar e absorver de forma crítica, ainda que sejam usadas novas
metodologias em sala de aula, como a que as bolsistas do Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) usaram na realização de fanfictions.
No ano de 2016, as bolsistas do PIBID relataram que os alunos tinham ainda
mais interesse do que os de 2017 tiveram pela obra machadiana, porém em 2016 o
projeto ocorreu com o uso do conto Pai contra mãe de Machado de Assis. As aulas
renderam uma série de produções de contos que foram para um festival de contos
dentro de um evento no Julião Nogueira Café Literário: Em África se fala português.
A professora do Instituto Federal Fluminense do campus de Campos dos
Goytacazes, Rosângela Caldas, enalteceu o uso das fanfictions, mas não as utiliza,
pois opta pelas resenhas, seminários e já trabalhou com releituras (sendo as
fanfictions um tipo de releituras). A docente não conhecia o gênero literário e relatou
as suas experiências sobre o uso de criações de resenhas dos livros e seminários
para as turmas de primeiro ano do E.M., com as quais trabalha.
Com uma metodologia muito interessante, Caldas opta por unificar o uso das
três áreas de Letras e obtém sucesso em seus resultados com os alunos. Muito
querida em sala, apesar de a rede federal ser voltada para os cursos técnicos e isso

34
acabar influenciando na prioridade dada à disciplina, a docente foca bastante em
temas como ENEM ainda que dê aula apenas para o 1º ano e para o E.J.A.
Um dos pontos de sugestão para a utilização de livros paradidáticos em sala
usados pelo PCN (1997) é de que não se deve possibilitar apenas o uso de um livro,
porém de vários, em que os alunos possam escolher quais autores ou livros eles
lerão. Para que, então, a forma de se aprender seja de fato não só mais produtiva,
mas também dinâmica e didática.

Analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens,


relacionando textos com seus contextos, mediantes a natureza,
função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as
condições de produção/recepção (intenção, época, local,
interlocutores participantes da criação e propagação de ideias e
escolhas, tecnologias disponíveis etc). (PCN, 2000, p.14)

Marilia Siqueira, também professora da rede IFFluminense, acredita mais


numa posição em que o professor aguce a vontade do aluno de ter mais
conhecimento a partir de fragmentos dos textos dos autores. A dose literária, em sua
opinião, daria asas para voos maiores aos poucos, na medida em que o aluno fosse
criando certa maturidade literária.
É importante salientar que nenhuma docente apontou o uso dos teóricos
críticos que estão presentes nesta monografia. Alguns livros didáticos de escolas
como o Colégio Bittencourt, situado na planície Goitacá, já conta com teóricos como
Candido e o seu conceito de Manifestações literárias e Períodos literários.

2. Importância da Literatura enquanto Literatura e a experiência do


P.I.B.I.D.

Um dos pontos importantes é a questão cultural sobre o incentivo à leitura.


Paulo Freire desenvolveu o seu método de ensino para alfabetizar pessoas em
quarenta e cinco dias, porém, infelizmente, não é utilizado. Na verdade, tem sido
muito criticado pela classe dominante do país. As pesquisas do IBOPE indicam que
os brasileiros têm noção da importância da leitura, porém ou são analfabetos
funcionais ou não têm o gosto pela leitura:

35
Para 67% da população, não houve uma pessoa que incentivasse a
leitura em sua trajetória, mas dos 33% que tiveram alguma influência,
a mãe, ou representante do sexo feminino, foi a principal responsável
(11%), seguida pelo professor (7%). (ESTADÃO, 2016)

Há poucos projetos eficazes com incentivo social à leitura, um deles é a


Biblioteca móvel em Curitiba, porém o Estado não deve ser o único propagador de
cultura. Ficou comprovada, todavia, a diferença que existe quando há influência e
incentivo a partir do círculo base (nível familiar) ou o segundo (nível escolar). Isso
não é só um ato cultural, acaba por ser um ato político, pois não estamos falando
apenas de indivíduos letrados, mas sim, de seres críticos e que são transformados a
partir da transposição de conteúdos por serem decodificados e interpretados e não
apenas lidos.
Em Por que estudar literatura?, Vincent Jouve nos traz uma pergunta um
tanto quanto cruel para os aficcionados pela arte da palavra: “É preciso estudar
literatura?”. Se formos colocar a Literatura apenas como “a dimensão estética dos
textos” (primeira definição do escritor) não haveria necessidade para o autor, pois a
considera inútil, eticamente discutível e impossível.

No quadro do ensino, temos todo o direito de dispensar o critério de


satisfação, fazendo valer que as obras literárias não existem
unicamente como realidades estéticas. Elas são também objeto de
linguagem que – pelo fato de exprimirem uma cultura, um
pensamento e uma relação com o mundo - merecem que nos
interessemos por elas. Se a dimensão estética tiver sido levada em
conta, não terá sido por si mesma, mas por aquilo que ela significa e
representa. (JOUVE, 2012, p.135)

Jouve apresenta a importância de trazermos a Literatura para sala de aula,


principalmente, por fazer parte da formação do indivíduo, de sua cultura e
sociedade. O autor também aponta que o objetivo principal do professor de
Literatura é o de questionar “quais aspectos da obra de arte merecem ser
considerados no currículo do ensino?” e respeitar que o “propósito de ensino seja
ensinar e desenvolvê-la”.

36
Para resumir, o (simples) leitor percebe certo número de informações
veiculadas pelo texto; o comentador identifica ou constrói saberes a
partir dessas informações; o professor transforma esses saberes em
conhecimentos. Um saber não se torna efetivamente conhecimento, a
não ser que seja objeto de uma reapropriação pessoal que passa
pela tomada de consciência. (JOUVE, 2012, p.137)

A obra Língua e Literatura: Machado de Assis na sala de aula, que contém


alguns artigos de diversos autores e foi organizado por Alexandre Huady Torres
Guimarães e Ronaldo de Oliveira Batista, traz ao leitor uma perspectiva a respeito
da “Leitura como prática sociocultural” em capítulo. Este foi escrito por Rosária de
Fátima Boldarine e Sérgio Fabiano Annibal, que expõem:

[…] Há uma teia de sustentação tanto do mecanismo que envolve o


ato da leitura quanto da formação do indivíduo docente. Nessa teia de
sustentação, encontram-se aspectos histórico-culturais, econômicos,
subjetivos, organizacionais, dentre outros. Caso não sejam
devassados e esmiuçados para virem à tona e serem desmistificados,
tornando-se visíveis e compreensíveis, provavelmente continuaremos
em impasses... (BOLDARINE, ANNIBAL, 2012, p. 31)

Há uma problemática acerca não só do número leituras de livros literários dos


discentes, porém dos docentes de língua portuguesa, de acordo com a pesquisa
realizada pelo IBOPE e a matéria da Gazeta do povo (2013, 09 de fevereiro), em
que é exposto que os professores não leem por falta de tempo, contudo há uma
questão cultural.
São muitos os problemas enfrentados pelos docentes: longas jornadas de
trabalhos, salários baixos, desgaste emocional e psicológico,... Por conta destes
fatores, para muitos professores têm sido difícil se dedicar ao aprimoramento de
técnicas metodológicas ou mesmo a leitura pelo prazer da leitura.
Devido ao padrão do cotidiano escolar observado pelas bolsistas da subárea
de Letras do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) no
Colégio Estadual Julião Nogueira, a experiência visou apresentar as escolhas para
estudo com o segundo ano do Ensino Médio, tendo como base o segundo semestre
de 2017: leitura, escrita e uma dose de Machado. Assim, iniciou-se um projeto para a
leitura do livro Dom Casmurro, de Machado de Assis, em paralelo a um projeto de
escrita, fanfictions, envolvendo a obra. O resultado foi apresentado em uma

37
comunicação oral na primeira semana acadêmica do curso de Letras do
IFFluminense.
Depois de mais de cem anos, Dom Casmurro ainda é uma obra que serve
como objeto de estudo, de acordo com a bolsista do P.I.B.I.D., Jeniffer Tavares
Viana. Para que haja Literatura Brasileira com novos leitores e escritores é preciso
que seja levada aos discentes a importância da leitura literária e da escrita. O futuro
da leitura da literatura brasileira está nas mãos desses alunos que por vezes só têm
acesso à leitura por meio da escola.
O intuito do projeto era de incentivar a leitura por meio de um livro clássico,
desmitificando a ideia de ser incompreensível e do entendimento ser inalcançável
pelo rótulo que possui. Séries e filmes sobre a obra de Machado também foram
utilizados como ferramentas para atrair a atenção e despertar o interesse dos
discentes do segundo ano.
Foram utilizados como suporte nas aulas a série Capitu (2008), o filme Dom
(2003) e a apostila de redações recomendada pelo MEC para que a obra passasse a
ser mais tangível e aproximada da realidade dos alunos. O projeto foi muito
desafiador para as bolsistas, porém é importante lembrar que assim como Italo
Calvino ressalta em sua obra Por que ler os clássicos?, há livros que nunca cessam
o que querem ou podem dizer ao leitor. Por ter o seu final entreaberto, o romance
deixa ainda mais abertas as possíveis interpretações.
A experiência foi enriquecedora: em um dos encontros com uma turma, de
seis alunos presentes, cinco afirmaram que não haviam tido contato com o livro de
Machado de Assis antes e agradeceram pela iniciativa. Pode-se afirmar que Dom
Casmurro ainda é uma obra que tem muito a ser explorada e seus assuntos ainda
têm muito a oferecer reflexão aos que disponibilizarem os olhos, assim como os
ouvidos, para entender as linhas e entrelinhas machadianas.
O resultado tanto das fanfictions sobre Dom Casmurro como do desempenho
em sala foi surpreendente para as condições estruturais vigentes: os alunos
mostraram-se desafiados pela obra, produziram textos baseados em fragmentos do
romance lido, apresentando novos desfechos – ainda que respeitando a estrutura
original da história – e resumos dos primeiros capítulos lidos, contendo as suas
primeiras impressões acerca de Bento Santiago.

38
Antes da oficialização desse planejamento, pensou-se apenas em discutir a
poesia e a prosa realista, trabalhar a produção textual de texto dissertativo-
argumentativo com o auxílio e suporte superficial da retórica de Aristóteles, analisar
o foco narrativo e a estilística machadiana. Percebeu-se, contudo, que as atividades
seriam ainda mais interessantes se fossem entrelaçadas de forma harmoniosa,
assim como simultâneas. Houve também a necessidade de seguir o planejamento
de acordo com o andamento da turma.
Para que haja Literatura Brasileira com novos leitores e escritores, é preciso
que a importância da leitura literária e da escrita seja enfatizada aos discentes não
só por meio dela, mas por outros tipos de materiais que dialogam: no caso do
projeto, as produções audiovisuais foram cruciais para o interesse dos discentes
pelos escritos machadianos.
Houve também uma conversa informal com a professora Fabiana Pinho, ex-
professora do IF-Fluminense e em seu depoimento a docente afirmou que acredita
ser essencial a leitura integral do romance em sala. A sua estratégia de ensino-
aprendizagem consiste em iniciar por romances contemporâneos, seguindo para os
clássicos. Pinho declarou que há uma necessidade de incentivar a leitura literária e
posteriormente a leitura literária crítica, de formação de indivíduo e, então, segundo
ela, depois, tem-se maturidade literária para decodificar, interpretar e compreender o
texto pelo texto.
Pinho ressalta a indispensabilidade de trazer uma personagem como
Capitolina para a sala de aula. O contato com a dona dos olhos de ressaca e de
identidade fragmentada, porém que também faz parte da representação da mulher
do século XIX, se faz necessário principalmente se considerarmos vertentes de
estudos em que se faz necessária a leitura literária com senso crítico, como as de
Jouve e Rouxel, já citadas acima.
Annie Rouxel (2013) traz elucidações acerca do método e da prática do
professor em sala de aula. Apresenta-nos também as questões sobre a cultura
literária e o quanto isso influencia na escolha do autor e da obra, porém há também
o entendimento sobre a cultura social que discorre sobre a leitura literária. Como os
índices já apresentados anteriormente, no Brasil há números alarmantes que
justificam os problemas de interpretação textual.

39
A pertinência de trazer a obra Dom Casmurro e a personagem Capitu para as
salas de aula continua, porém não há mais em grande parte o mesmo incentivo
cultural de se trazer o livro para as salas de aula. Cria-se, então, um complexo entre
necessidade e falta de estruturação de leitura literária prévia do aluno, que deveria
ocorrer nos anos antecedentes aos do Ensino Médio. Observa-se que um dos
obstáculos enfrentados pelos alunos do E.M. do Colégio Estadual Julião Nogueira,
evidenciado pelas bolsistas do P.I.B.I.D., é da linguagem utilizada pelo escritor, que
se encontra distante dos textos atuais.
A maioria dos professores entrevistados argumentou a complexidade nos
escritos das obras machadianas e não só em Dom Casmurro, porém como um todo.
A colocação mais usada foi a de que não há a possibilidade de trabalhar em um
bimestre um conteúdo que necessita de uma atenção maior para que o aluno não
deixe de compreender o motivo pelo qual ele está lendo Machado de Assis,
interpretando o escrito e criando senso crítico social a partir de suas obras que nos
revelam tantas denúncias sociais vividas no século XIX.
É notório que a mediação do docente é essencial nesse ponto em específico,
pois o professor não media apenas o conteúdo a dar, porém o tipo de conteúdo,
autor, etc., ou seja, isso interfere de forma direta sobre o que o modelo de aluno que
se tem em sala e ao mesmo tempo que se constrói de acordo com as agregações,
conexões de novos conteúdos e da transposição de conhecimento do modelo de
ensino-aprendizagem seguido pelo professor.
De acordo com as análises feitas a partir das leituras e das entrevistas
utilizadas para o presente trabalho, grande parte das redes de ensino não
comportam horários para tecer, não de forma superficial, acerca da obra de
Machado de Assis que dirá desenvolver estudos em torno do autor e de seus livros.
Sendo assim, a escolha quase que unânime feita pelos docentes é a de trabalhar
contos, textos mais curtos, para que os alunos tenham pelo menos algum contato
com a magnitude desse autor, que de acordo com Candido em Esquema Machado
de Assis nem antes ou depois de Machado houve algum autor brasileiro que
chegara ao seu nível.
As leituras literárias, ainda que nas graduações, acabam ficando por conta
dos discentes. Em quatro anos, não se garante ler mais de duas obras de um só

40
escritor, ficando para interesse próprio ou necessidade a busca pelo conhecimento
aprofundado.
O fundador da Academia Brasileira de Letras nos deixa esse legado um tanto
quanto complexo, regado de registros de uma sociedade em amadurecimento sobre
o autoconhecimento, visto que o autor nos traz as denúncias sociais à tona. O
feminismo, como luta identitária, veio para o país em meados da década de 80 do
século XX e tem mudado até os dias atuais a sociedade em sua forma de
desconstrução de paradigmas e frases prontas que eram repetidas e tinham como
função reforçar estereótipos.
Ainda que haja não só uma, porém várias maneiras de se introduzir um
personagem e uma obra, é entendível que o modelo de aprendizagem brasileiro
influencia na problemática de não haver maturidade literária o suficiente para a
complexidade exigida em Dom Casmurro. As novas mídias com os memes criados
relacionados à obra e as adaptações cinematográficas são de suma importância
para que fique mais visível o que de fato ocorre durante a trama.
Talvez o que prenda de fato a atenção do autor sobre a obra não seja o que
de fato aconteceu, visto que o livro é baseado em indícios, insinuações e
lembranças que o próprio narrador não tem certeza, porém o desenrolar progressivo
(ainda que entre nuances do presente atando com o passado) é tão bem escrito que
o leitor é levado a se dividir entre defender Capitu contra o ciúme excessivo de
Bento ou apedrejá-la socialmente.
Hoje o fato de uma obra ter permanecido viva durante dois séculos, com
adaptação para televisão e uma releitura para o cinema, não foi o suficiente para
que se mantivesse em sala de aula. Apesar da importância e magnitude da obra e
do autor, o clássico não é aconselhado pela maioria dos docentes entrevistados
neste TCC, ainda que estes sejam admiradores do legado literário do fundador da
Academia Brasileira de Letras.
Houve uma transformação causada pelo Bruxo do Cosme Velho na sociedade
de sua época. A construção da identidade dos personagens da produção literária
machadiana é totalmente baseada na estrutura da sociedade na qual o autor,
Machado de Assis, viveu, porém, por ser uma obra atemporal, o romancista não

41
causou mudanças apenas em seu tempo, na verdade, perpassou por outras
décadas.
Tendo o Realismo como período, a trama tem como cenário linhas de cunho
positivistas, que de fato tinham como objetivo a análise psicológica do ser humano. A
ironia machadiana apenas aguça e escancara aquilo que já é para ser notado, com
isso percebe-se que o autor tem uma escrita ácida, porém que enlaça o seu leitor à
sua escrita trabalhada por anticlímax, que são momentos na obra que aparentam
nos levar para uma grande ação que não ocorre, como o ato de Bento ao quase
tentar matar Ezequiel, seu filho.
A perspectiva psicológica dos personagens implica, no leitor de qualquer
geração, uma visão crítica e, por conseguinte, uma análise da sua própria
sociedade, fazendo, assim, a obra machadiana se enquadrar como atemporal.
Os protagonistas de cunho simultâneos (CANDIDO, 2000) nos apresentam
traços familiares de atitudes cabíveis a qualquer um que estivesse exposto àquela
situação. Com suas técnicas e a própria estilística, Machado aproxima o leitor não
só das atitudes de seus personagens, como também dos fechamentos. É assim que
o autor enlaça o desenrolar progressivo dos fatos em suas obras, cabendo ao leitor
o desfecho de seu livro, como em D. Casmurro, ou ao deixar situações em aberto
para que o leitor decida qual atitude aquele personagem optou.
Um dos pontos de discussão pertinentes à obra é o da verdade no instante. A
verdade consiste no instante em que foi vivido, como disse Sócrates em A República
de Platão (1997): “A verdade não está com os homens, mas entre os homens”, por
isso, também podemos concluir que um narrador, como Casmurro, que teve como
profissão advocacia, que não é onisciente e que admite não lembrar exatamente dos
fatos de sua história, não pode ser levado como uma testemunha confiável, pois
seria muito fácil articular certas inverdades ao contar o enredo.
A importância indiscutível da obra se faz presente não só pela crítica social
levantada pelo autor, como também pelo fato de ter permanecido até se tornar um
clássico da Literatura brasileira. Mesmo que a suspeita da traição seja comentário
tão recorrente, o desenrolar dos fatos de tempo psicológico é o que faz o leitor se
prender a uma obra tão enigmática quanto à obra machadiana.

42
Há por meio da trama uma desconstrução de um padrão social que Machado
aborda de forma a conseguir conquistar até os leitores que divergem de preceitos
discutidos em suas obras.

A ousadia de sua forma literária, onde lucidez social insolência e


despistamento vão de par, define-se nos termos drásticos da
dominação da classe no Brasil: por estratagema artístico, o Autor
adota a respeito uma posição insustentável, que entretanto é de
aceitação comum. Ora a despeito de toda a mudança havida, uma
parte substancial daqueles termos de dominação permanece em vigor
cento e dez anos depois, com o sentimento de normalidade correlato,
o que talvez explique a obnubilação coletiva dos leitores, que o
romance machadiano, mais atual e oblíquo do que nunca, continua a
derrotar. (SCHWARZ, 2012, p.12)

Como Schwarz (2012) nos apresenta, sendo atemporal, os romances


machadianos conseguiram desconstruir leitores de décadas à frente por se tratar de
temas tão recorrentes e próximos ao leitor. O enigma da obra não precisou ser
desvendado para que o seu lugar de clássico fosse atingido. Essa produção literária
continuará desconstruindo leitores e a sociedade enquanto for trazido para
discussões, mesmo que por novas abordagens (HQ’s, séries, etc.)

43
Conclusão

O meu primeiro contato com a obra foi a partir de comentários de familiares


usando referências aos olhos de Capitu e o possível adultério. Anos depois com a
minissérie ficou mais claro sobre o que a história de fato era. Não houve qualquer
leitura profunda de algum romance de Machado de Assis no Ensino Médio, que
também fiz na rede federal IF-Fluminense, porém no campus Macaé. No Ensino
Médio, apenas tive contato com os poemas e com os contos machadianos.
Na graduação tive a oportunidade de trabalhar em alguns momentos com o
grande autor. Em Leituras Orientadas, ministrada pela professora Marilia Siqueira,
pude ter novamente contato com alguns contos e me aprofundei em um trabalho
sobre A carteira.
Esta pesquisa se iniciou com um trabalho acadêmico de cunho bibliográfico
requerido pelo professor Felipe Vigneron na disciplina de Literatura Brasileira II. O
artigo tinha como foco a análise psicológica do discurso do narrador em uma obra
machadiana de nossa escolha. A sugestão de Vigneron fora Memórias pósturmas de
Brás Cubas, porém, por ser feminista, algumas pessoas sempre me indicaram Dom
Casmurro por conta da personagem Capitu, indicando uma semelhança entre mim e
a personagem Capitolina: o fato de quebrar o que se espera socialmente de uma
mulher, porém, isto ocorre mais com Capitu enquanto criança.
A minha primeira interpretação sobre a obra foi analítica, pois o foco do artigo
era decodificar alguns possíveis sintagmas que nos apresentassem a perspectiva
psicológica da visão do narrador. A partir da primeira leitura, percebi que a
personagem Capitu ofusca o narrador-personagem com seu perfil irreverente para a
época.
O foco do objeto de estudo mudou ao longo de reuniões com a minha
orientadora, Talita Barros, que junto comigo foi analisando o romance e fazendo
críticas e apontamentos para que não ficasse muito em aberto sobre o que seria
abordado neste trabalho de conclusão de curso.
A minha perspectiva mudou totalmente sobre a questão de a Capitu ser
modelo social ou de representação social. Com os estudos e os teóricos utilizados,
eu pude concluir que o padrão é totalmente contrário ao que ela representa, pois a

44
personagem faz a quebra de padrões, mostrando assim que não há necessidade da
existência de um padrão ou modelo social, mais sim da aceitação das diferenças
sociais.
Por meio do objeto e metodologias de estudo utilizados, o presente trabalho
consistiu em analisar a prática docente de alguns professores, em sua maioria da
rede federal IF-Fluminense, sobre o autor realista, Machado de Assis, sua obra e
personagens principais do livro Dom Casmurro no Ensino Médio. Alguns obstáculos
foram enfrentados como o envio de alguns questionários sem resposta de alguns
professores.
A metodologia empregada se baseou na análise dos depoimentos dos
docentes como Marilia Siqueira (IFFluminense campus Centro), Rosangela Caldas
(IFFluminense campus Centro), Rita Brison (IFFluminense campus Macaé) e
Fabiana Pinho (IFRJ). Também como o minicurso da professora Aída Ribeiro
(IFFluminense campus Guarus) e a observação do julgamento de Capitu na turma
da docente Ana Clara Soares. A vasta experiência em sala de aula e de formação
acadêmica foram pontos importantes que dão um alto valor à qualificação dos
depoimentos e das observações. Porém, o que foi impressionante acerca das
respostas do questionário foram elas não terem sido o esperado.
Ainda que para a maioria, os textos mais curtos de Machado sejam mais
fáceis, eu acredito ainda na necessidade de se trabalhar um romance não só
machadiano, mas de Clarice Lispector, Mário de Andrade e tantos outros nomes que
precisam ser mais difundidos e agregados. Não invalido o uso dos best-sellers, nem
dos romances estrangeiros, porém, quando um povo conhece a sua história e
cultura, ele passa a se conhecer e a entender muito mais as nuances sobre a sua
construção social.
Concluiu-se que os valores sociais pertencentes à época tiveram grandes
impactos nas atitudes consideradas submissas de Capitu. Apesar de ser posta como
uma mulher à frente de seu tempo nos dias de hoje, é preciso retomar algumas
faltas de postura com relação às atitudes de Bento, as quais mostram que apesar de
questionadora quando nova, torna-se uma mulher com as condições femininas do
século XIX a encarcerando.

45
Houve diversas mudanças em meu foco de pesquisa, desde analisar uma
possível existência sobre a atemporalidade de Capitolina até ao seu resultado final
de apontar metodologias de ensino para a introdução da personagem e da obra
machadiana em sala. O foco entorno da narrativa foi para desmistificar a imagem
social que se tem conhecimento, porém é o que se espera vindo de uma sociedade
patriarcal.
A análise sobre o uso da obra ficou principalmente em torno de problemas
como a falta de carga horária e o uso fragmentado ou não do material. O julgamento
de Capitu como prática docente é uma reafirmação social de estereótipos, onde o
adultério supostamente cometido é julgado mesmo sem provas. Tal atividade apaga
totalmente os atos psicóticos de Bento, por exemplo, quando pensa em matar o
próprio filho, e reforça que a mulher tem que se submeter ao que o marido quer,
caso contrário, ao argumentar coisas frágeis como a semelhança nas atitudes de
Ezequiel e Escobar, pode deixar uma sociedade inteira crendo no adultério da
personagem. Ou seja, julgar Capitu não é uma prática docente imparcial, mas sim
tendenciosa.
Posteriormente, concluiu-se que ser um modelo de mulher é tudo o que
Capitu não é, pois havendo a quebra de padrão, não há a possibilidade de se ter
moldes pré-fabricados a serem seguidos. Esta afirmação, contudo, vai contra o que
o Realismo tinha por intuito, que era tecer críticas ao representar a sociedade em
escritos. Ou seja, há então dois tipos de modelos, um como sinônimo de padrão a
ser seguido, que não é o significado em questão, e há o modelo de representação
que o Machado se utiliza para reproduzir a mulher do século XIX.
As respostas ao questionário elaborado não foram as esperadas, pois eu
acreditava que como Dom Casmurro fica entre as obras de maior relevância de
Assis, faria mais sentido trazê-las e aproximá-las do leitor e sua realidade, porém o
que se concluiu foi o oposto. A linguagem dos contos de Machado de Assis é mais
fácil e os textos são menores, por conta disso, há uma complexidade e uma
exigência menor a ser trabalhada, todavia os contos acabam por ser escolhidos em
vez do romance, tornando a leitura da obra um ato de incentivo pessoal.
A experiência enquanto bolsista do P.I.B.I.D. foi essencial para a minha visão
sobre o real papel do professor. Por ter elaborado o planejamento das aulas, eu

46
pude, então, sair de uma posição mais de análise externa e sentir de fato as
dificuldades ao se apresentar um clássico numa turma de 2º ano do EM em uma
escola estadual.
Apesar de a escola não ser bem estruturada e o Programa ter enfrentado
corte de verba, nós conseguimos trabalhar os elementos essenciais, ainda que com
uma certa resistência inicial por parte dos alunos. Basicamente, assim, percebeu-se
a dificuldade de estabelecer semelhanças dentro da obra para o contexto dos alunos
de acordo com a visão deles, mesmo porque os discentes não têm incentivo algum
de leitura literária. Houve uma falta de maturidade literária inicial dos alunos, que foi
quebrada a partir das conexões feitas com o filme Dom (2003) e a minissérie Capitu
(2008). Constatamos que as releituras e as adaptações cinematográficas são
essenciais para que os livros sejam compreendidos com mais facilidade.
Uma das metodologias que eu continuarei a me contrapor será a do
julgamento de Capitu, pois, em vez de usar a Literatura como ferramenta para
solucionar um adultério, o professor pode melhorar os conceitos do aluno com um
aporte teórico que o faça produzir e ler mais. Difundindo assim a Literatura brasileira
e a machadiana, tirando a Capitu do banco dos réus e trazendo temáticas como o
feminismo e a condição da mulher do século XIX para a sala de aula.
Os objetivos do trabalho eram: analisar a obra Dom Casmurro, contudo, com
o foco na personagem Capitu; desmistificar a perspectiva sobre a mulher dos olhos
de ressaca por conta de sua força de representatividade sociocultural, com isso se
desconstroem as visões machistas impostas pelo patriarcado na sociedade;
aprimorar a relevância sobre o romance e sobre a personagem; buscar e verificar
como ocorre a mediação entre o professor de Literatura e a leitura do romance, por
conseguinte a introdução da personagem em sala de aula. Acredito que todos os
objetivos tenham sido alcançados e que o trabalho possa assim influenciar a forma
de o docente trabalhar com seus alunos, utilizando uma dinâmica de ensino que
apresente a eles a realidade do personagem e que isso seja contextualizado de
forma que a mediação fique mais imparcial possível, ainda que tal tarefa permaneça
complexa, para que o aluno crie senso crítico sozinho, sem ser por juízo de valores
sociais.

47
Referências

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ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014.
BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1997.
. A morte do autor. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
BEAUVOIR, Simone de. Segundo sexo vol.II – Experiência vivida. São Paulo:
Difusão Europeia do Livro, 1949
BOSI. Alfredo. Machado de Assis e o enigma no olhar. São Paulo: Ática, 1999.
. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2012.
BOURDIEU. Pierre. Dominação Masculina. Rio de Janeiro: BestBolso, 2017.
CANDIDO, Antonio. Esquema Machado de Assis _ in: Vários Escritos. 3ª ed. rev. e
ampl. - São Paulo: Duas Cidades, 1995.
. Formação da literatura brasileira. São Paulo: Livraria Martins,
2000.
CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos?. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
DALVI, Maria Amélia. REZENDE, Neide Luiza de. JOUVER-FALEIROS, Rita. Leitura
de Literatura na escola. São Paulo: Parábola, 2013.
FREIRE, Paulo. A pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
JOUVE, Vincent. Por que estudar literatura?. São Paulo: Parábola, 2012.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96.
LEITE, Miriam Moreira. A condição feminina no Rio de Janeiro, Século XIX. São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1993.
LOWEN, Alexander. Narcisismo, trad.bras. São Paulo: Cultrix, 1985.
MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira através dos textos. São Paulo: Cultrix,
2012.
. Machado de Assis: Ficção e utopia. São Paulo: Cultrix, 2001.
Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasil: MEC, 1997.
<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro01.pdf>
PLATÃO. A República. São Paulo: Nova Cultural, 1997.
RODRIGUES, Maria Fernanda. 44% da população brasileira não lê e 30% nunca
comprou um livro, aponta pesquisa Retratos da Leitura. 2016. Disponível em:
<http://cultura.estadao.com.br/blogs/babel/44-da-populacao-brasileira-nao-le-e-30-
nunca-comprou-um-livro-aponta-pesquisa-retratos-da-leitura/> Acesso em: 10 mar.
2018.
SCHPREJER, Alberto. Quem é Capitu? Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34,
2012.
SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São
Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2012.
SIMAS, Anna. Um terço dos professores não lê livros. Disponível em:
<http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/um-terco-dos-professores-nao-
le-livros-cyfb5mg6wkgu8czf3cehrrnj0> Acesso em: 10 mar. 2018
STEIN, Irene. Figuras Femininas em Machado de Assis. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1984.
ANEXO I
Dados dos questionários
Total de professores que receberam o e-mail contendo o questionário: 18
Total de questionários respondidos: 2
Total de questionários não-respondidos: 16
Período de envio: 08 de outubro de 2017 à 11 de outubro de 2017.

Questionário de pesquisa para o TCC:

1. Você já atuou como docente no ensino médio? Se sim, trabalhou o romance


Dom Casmurro? Por que fez a escolha desse clássico?
2. Ao trabalhar o clássico, o período Realismo foi discutido de qual forma? E a
estilística machadiana? Comente sobre se o período literário e a estilística
foram paralelas à leitura, se foram antecedidas ou posteriores e o porquê de
sua metodologia.
3. Qual é o principal objetivo no papel do professor ao ensinar um livro literário
em sala de aula?
4. Como você, enquanto docente, trabalhou o romance machadiano Dom
Casmurro? Quais foram seus resultados? Frise suas estratégias,
metodologias, possíveis leituras de teóricos para além da obra.
5. As características dos personagens foram discutidas em sala? Qual foi a
visão geral da personagem Capitu? Se puder, exemplifique alguma visão de
um aluno que marcou você.
6. Qual foi o intuito ao trabalhar a obra de Machado de Assis? Qual é de fato a
importância e a relevância que esse romance traz a você e que deveria ser
transposto para os alunos? Comente se foi mais por conta do currículo da
escola em que trabalhou ou se foi por escolha pessoal e/ou relevância para o
seu trabalho.
7. Para você, há importância desta obra de Machado de Assis no âmbito social?
Se sim, qual seria? Faz diferença um aluno no ensino médio saber essas
questões?
8. Em sua opinião, Dom Casmurro é um livro apenas para ser trabalhado no
ensino médio? Levante seus apontamentos e comente acerca das questões
que o fazem defendê-los.

Responda tais questões abaixo e me encaminhe o arquivo colocando o próprio


nome completo como nome do documento.
Nome do professor:
Respostas:
1. R:

2. R:

3. R:

4. R:

5. R:

6. R:

7. R:

8. R:
ANEXO II
E-mail enviado aos professores:
Bom dia, professores!
Eu estou fazendo as pesquisas de campo para o desenvolvimento do TCC, com
isso, gostaria de convidá-los a responder algumas perguntas para a minha pesquisa.
Para quem não pôde assistir à minha apresentação da introdução, o tema gira ao
redor de questões com relação a forma de trabalhar o romance Dom Casmurro e a
personagem Capitu em sala de aula.
Peço desculpas aos que eu não comentei pessoalmente, foi por puro desencontro
de final de período.
Caso vocês tenham o contato de algum professor ou de alguém da área que possa
acrescentar e que aceite uma breve entrevista, seria maravilhoso também.
Agradeço imensamente o tempo de vocês e prometo chocolate depois dessas
"férias".

Resposta: Rosangela Caldas


Olá, Letícia,
Acho que vou decepcionar você, porque já faz muito tempo que tenho limitado
minhas aulas ao primeiro ano do Ensino Médio, além das licenciaturas, EJA e
PROEJA, também 1º ano, de modo que não tenho trabalhado Dom Casmurro dessa
forma sistemática. Procuro usar pelo menos fragmentos da obra, falo sobre algum
conto eventualmente. Em 2017, por exemplo, para trabalhar a diferença entre texto
narrativo, descritivo e dissertativo, usei a cena do velório. Adoro a ironia de
Machado, seu nome surge sempre, mencionado por mais de um aluno quando peço
que me tragam a sinopse de um romance lusófono e a apresentem aos colegas em
seminário livre. Aproveito para falar da importância do papel do narrador
personagem, mas nesse momento estou falando mais dos elementos da narração
do que de Machado propriamente.
Roberta tem sistematicamente pegado as turmas do segundo ano e faz um
excelente trabalho com os meninos.
Desculpe não poder ajudá-la mais.
Resposta: Letícia Nardi
Professora, boa noite!
Não, que isso! Tudo bem, mas pelo que eu entendi a senhora o usa como uma
forma de suporte mesmo em primeiro ano, só que não de forma aprofundada. Posso
agregar isso ao meu trabalho? Pensei em citar como comprovação da importância
do livro pelo livro. Eu ouvi outro dia que a senhora trabalha dessa forma em
seminário livre e estávamos discutindo em sala sobre os PCN's, que nos trazem
essa recomendação e que muitos professores não adotam por conta da
"complexabilidade" de lidar com mais de uma obra ao mesmo tempo. Essa é outra
situação que eu gostaria de citar e pelo que eu descobri até agora só a senhora faz
isso, mas posso estar errada.A senhora poderia me passar o e-mail da professora
Roberta? Gostaria de entrar em contato com ela e perguntá-la sobre a possibilidade
de assistir às aulas ou pelo menos se ela gostaria de responder ao questionário.
Muito obrigada, professora, de verdade!
Um abraço!

Rosângela Caldas
<rorocaldas@hotmail.com> 23/09/2017

Olá, Letícia,
Pode sim, usar essa minha experiência em sua pesquisa.
Eu venho fazendo esses seminários aproveitando o interesse dos alunos há
muito tempo. Permito que leiam e apresentem o texto lido em sala de aula,
sempre com o objetivo de incentivar a leitura partindo das preferências dos
próprios alunos. eles se sentem mais motivados se é um colega que,
empolgado, lhe indica um título, principalmente, porque tive oportunidade de
perceber, numa mesma turma de Mecânica, dois meninos gêmeos que
escolheram "Supertênis", como leitura extraclasse ao lado de uma menina,
Camila, que escolheu "O mundo de Sofia". Não é preciso ser muito criativo para
entender a razão de essa menina ter optado por Mecatrônica, na Unicamp e os
meninos terem sido reprovados ainda no primeiro ano do ensino médio, na
época.
Alguns se sentem instigados pela dificuldade que eu digo existir num Machado.
Trata-se de um escritor que vai valorizar o mundo interior das personagens, não
a ação propriamente dita. Outros buscam Saramago, cientes da dificuldade de
leitura, por causa de sua pontuação, de seus parágrafos longos. Outros ainda
vão atrás de Rubem Fonseca, ou Jô Soares, ou Luis Fernando Verissimo
(muitos o escolheram em 2017).
Adoraram descobrir a sinopse e partiram em busca de nomes que eu não tinha
apresentado.
Ainda acho difícil cobrar essa leitura. Resumo chato? Resenha? Reecritura em
outra linguagem? Esse último tem feito mais sucesso. Em geral, eu peço
resenha e peço os elementos da narração. É uma forma de trabalhar esses
elementos do texto narrativo. Eles chegam ao ensino Médio sem dominar
esses conceitos. E, como você dev saber, é na hora da prova que eles leem
com mais atenção os enunciados. Por isso eu capricho nos conceitos que
quero trabalhar. Como se trata de um trabalho, me sinto à vontade de tirar as
dúvidas que eles apresentam. O problema é que, às vezes, a gente responde a
uma mesma pergunta trocentas vezes.
Vale a pena reencontrá-los nos stands de livros das lvrarias ou com um novo
volume nas mãos.
Eis o e-mail de Roberta:
rmotaalvarenga@gmail.com
Um abraço.,
Rosângela
ANEXO III
Nome do professor: MARILIA SIQUEIRA DA SILVA
1. R: Já atuei no EM, porém não trabalhei diretamente (apenas comentava) com
romances de Machado, pois preferia os contos por questão de tempo de aula
(sempre mínimos) e por querer atrair os alunos para a obra do autor. Penso
que, com os contos, esse objetivo é alcançado com mais facilidade.
2. R: Apesar das críticas quanto ao estudo temporal da literatura creio ser
importante fazê-lo por isso fazia comparações entre os estilos e apresentava-
os inicialmente. Quanto ao trabalho com os textos de Machado, não há como
não explorar seu estilo de forma concomitante à leitura dos textos.
3. R: Sou movida pela paixão, então meu objetivo era instigar o aluno, fazê-lo se
interessar pela leitura e ficar apaixonado por ela, de modo a querer sempre ler
mais.
4. R: Como disse, não trabalhei o romance com meus alunos. Participei de
trabalhos de colegas durante o julgamento de Capitu. Fui uma das juízas que
decidia quem a defendeu melhor.
5. R: E geral, os meninos seguem a visão de traição insinuada pelo narrador-
personagem, as meninas tendem a defender a inocência de Capitu.
6. R: XXXXXXXXX
7. R: Penso que qualquer obra literária tem sua importância social, afinal
defendo a ideia do texto literário como um reflexo de uma época.
8. R: Li o romance pela primeira vez na então sétima série do ensino
fundamental. Minha experiência não foi nada agradável! Detestei Machado,
pois não consegui compreender a linguagem e a essência do livro, por isso
evito começar a apresentar Machado pelos romances - complexos por serem
extremamente inteligentes. Os contos também são inteligentes; aliás,
Machado é inteligentíssimo. Amo sua obra! Por admirar sua obra, é que quero
que meus alunos também admirem, por isso começo pelos contos – textos
menores e de menor número de ambientes, personagens e tramas. Por
minha experiência negativa, penso que a obra só deve ser levada aos alunos
se bem trabalhada, pois, do contrário, ao invés de aproximar os alunos do
escritor e de sua obra, a escola poderá criar um abismo muito maior entre
eles.
ANEXO IV

Nome do professor: Rita de Cássia Brison Pires


Respostas:
1. R: Sim, atuo no Ensino Médio há 13 anos, mas nunca trabalhei com o
romance Dom Casmurro.
2. R: Não trabalhei com Dom Casmurro, mas, hoje, quando vou trabalhar com
Machado de Assis, em geral parto da leitura de um conto e do impacto que
essa leitura invariavelmente causa para depois falar de Realismo (embora
concorde que Machado transcende em muito a estética realista) e da
estilística do escritor. Minha proposta à turma costuma ser que ela tente
identificar, no texto, como foi produzido o impacto causado pela leitura
(surpresa, tensão, reflexão ou outros tipos de impacto) e em que pontos ou
aspectos a narrativa quebra a expectativa de alguém acostumado à prosa
romântica (em certo sentido, a turma traz essa expectativa por ter lido obras
românticas anteriormente). Mesmo na abordagem de um só conto, é
frequente que, em debate, os alunos apontem os principais traços da
estilística machadiana e percebam que a proposta ficcional romântica já não
explica o texto que têm em mãos. Opto por essa metodologia (facilitada pela
riqueza do texto machadiano) porque considero que ela permite uma real
experiência de leitura coletiva e oportuniza que o educando vá formando por
si mesmo o seu conhecimento sobre Machado de Assis e sua obra, assim
como um conceito significativo do Realismo. Além disso, a qualidade do texto,
que os alunos normalmente reconhecem, favorece a aceitação de
abordagens mais teóricas.
3. R: O principal objetivo, creio eu, é oportunizar o contato com a obra literária e
sua fruição. Somente assim o objetivo geral do ensino de Literatura
(desenvolver no aluno-leitor seu potencial crítico, sua percepção das infinitas
possibilidades de expressão linguística, sua capacitação como leitor efetivo
de textos diversos, ampliando o letramento) pode ser buscado.
4. e 5. R: Não trabalhei com Dom Casmurro.
6. R: Não trabalhei com Dom Casmurro, tenho optado por Memórias Póstumas
de Brás Cubas (romance que considero magistral, como Dom Casmurro,
capaz de provocar um mergulho no Brasil século XIX que permanece de
forma estarrecedora no século XXI e, sobretudo, na condição de ser humano
que compartilhamos com suas personagens) e vários contos. Em todo caso,
penso que Dom Casmurro permite, como texto de alta voltagem literária, tudo
que constitui o objetivo geral do ensino de Literatura no Ensino Médio,
transcrito na resposta 3. Tenho grande apreço pessoal pela ficção e pelos
sortilégios de Machado, trabalhar com sua obra se apresenta como um
momento propício a compartilhar o meu gosto e minhas experiências mais
gratificantes e desafiadoras de leitura com os jovens alunos.
7. R: Não trabalhei com Dom Casmurro, mas considero que sim, a obra permite
reflexão sobre as relações entre classes no Brasil, ontem e hoje, e, como
destaque, sobre o papel da mulher e as forças sociais que incidem sobre ela.
Trata-se de questões relevantes para qualquer cidadão, sobre as quais um
aluno de Ensino Médio precisa ser capaz de se posicionar de forma autônoma
e crítica.
8. R: Eu li Dom Casmurro no antigo 1º grau (no que hoje seria o segundo
segmento do Ensino Fundamental), com 13, 14 anos. Minha turma fez o
julgamento de Capitu, atividade em que atuei prazerosamente como
advogada de defesa da personagem. Para mim, a obra já nessa ocasião se
mostrou fascinante e passou a ser motivação para entrada no mundo da
ficção machadiana nos anos que se seguiram. Mas admito que o fascínio só
cresceu com as leituras posteriores do mesmo romance, como não para de
crescer a cada contato com esse texto. Mesmo no Ensino Médio, creio que
nível mais adequado ao contato com o romance, devido à maturidade dos
jovens e a seu maior fôlego para ler, a leitura de Dom Casmurro só pode ser
proposta como a primeira de muitas. Nesse sentido, fica evidenciado o valor
do texto literário.
ANEXO V

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