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Apresentação
étimo de sagen, que significa dizer o inédito ou inaudito, revelar o encoberto. Até
mesmo palavras arcaicas se nos apresentam como se fossem pronunciadas pela primeira
vez. Finalmente, porque as sagas se interligam como poemas e metapoemas. No centro
nuclear do mundo que se representa em Corpo de baile, “O recado do morro” funciona
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através do berilo consegue captar o que parecia invisível. A consciência que se deixa
educar pela pedra adquire a ilumi-
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nação que lhe permite captar o princípio indivisível de todas as coisas. O berilo ensina
ao homem o ilumínio dos olhos do corpo e da mente, outorgando-lhe o dom de
descobrir a unidade divina que subage na multiplicidade aparentemente confusa da
realidade telúrica. Ao revelar a presença oculta da infinitude cósmica na concretude
finita do mundo do sertão, o narrador rosiano assimila a educação pela pedra chamada
de berilo. Os entes sertanejos não são realisticamente descritos, mas mitopoeticamente
revelados na contextura íntima do ser que os conforma no todo coeso do corpo de baile.
Iluminado pela lente translúcida da brilhante pedra, que lhe propicia a captação maviosa
do invisível, o narrador rosiano se torna capaz de ver o sertão como ele nunca foi visto e
de poematizá-lo na originalíssima linguagem da saga, que se deleita em pronunciar o
impronunciado e a dizer o ainda não dito nem ouvido. E o diz na maravilhosa fusão do
conhecimento erudito e da sabedoria popular, respectivamente condensados nas cifras
epigráficas de Plotino, Ruysbroeck e do trovador sertanejo da cantiga do Coco de festa.
Desde Sagarana, o narrador rosiano se reveste de múltiplas máscaras narrativas
com o deliberado propósito de realizar a mimesis dos fenômenos qualitativamente
diversos do vasto mundo sertanejo. Para Guimarães Rosa, o estilo não exprime o
homem, mas o evento que se narra. A fim de corresponder à unidade proliferante da
natureza telúrica, que não cessa de se multiplicar em formas sempre renovadas, o
narrador rosiano se comporta como figura proteiforme, que mobiliza uma prodigiosa
politropia estilística, uma mutação vertiginosa de perspectivas narrativas. A carnadura
concreta da natureza telúrica e a concretude da trama imagética da narrativa
reciprocamente se gratificam. Em “O burrinho pedrês”, o narrador assume o
desempenho do corifeu que transmuta o acontecimento único de um transporte de bois
nos eventos interligados de um coro narrativo, em que se harmonizam o ritmo da
marcha da boiada, a plangência das cantigas dos vaqueiros, o cantochão do aboio, o
mugido nostálgico dos bois, o canto dos passarinhos e o som do berrante. Em “A volta
do marido pródigo”, desdobra-se no ator emocionalmente envolvido nas ações e no
espectador ironicamente distanciado do palco
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