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jS Belzebu T

. a seu Neto G

DO TODO EDE TUDO


Primeira Série
Relatos de
Belzebu
a seu
Neto

DO TODO E DE TUDO
Primeira Série
G. L GURDJIEFF

Relatos de
Belzebu
a seu Neto

Crítica Objetivamente
Imparcial da Vida dos Homens

DO TODO E DE TUDO
Primeira Série

HORUS
EDITORA

São Paulo
Copyright : © 1976 by Triangle Editions Inc, NewYork.

Copyright desta tradução: © 2003 Horus Editora - todos os


direitos reservados
Depósito Legal - Biblioteca Nacional

G978r
Gurdjieff, George Ivanovitch
Relatos de Belzebu a seu Neto:
Crítica Objetivamente Imparcial da Vida dos Homens:
Do Todo e de Tudo - Primeira Série
Tradução: Lea P. Zylberlicht com a ajuda de
Gian B. Grosso e outros

Sao Paulo: Horus, 2003.


1176 p.; 18 cm.
ISBN 83-86204-07-2 (enc.)
1. Religião - Filosofia.
2. Gurdjieff, George I., 1866-1949
I. Título.
CDD: 200.1

Editado por Horus Editora Ltda.


Rua Ribeiro de Lima, 531 cj. 51
CEP 01122-000 São Paulo, SP
' tel./fax (11) 3288 7681
www.horuseditora. corn. br
e-mail: horus@horuseditora.com.br
2a. Edição - 2011

Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida


por qualquer meio sem a expressa autorização dos editores.
Nota dos editores

Originalmente foi publicada uma versão inglesa desta obra com o


título de “All and Everything” (Harcourt Brace and Co. em Nova
York e Routledge and Kegan Paul, em Londres), assim como uma
versão em idioma alemão com o título de “Ail und Alies” (Verlag
der Palme, em Innsbruck).

A edição francesa foi traduzida a partir do manuscrito original,


com o título de “Du Tout et de Tout” por Jeanne de Salzmann corn
a ajuda de Henry Tracol (Editions Janus, Paris, 1956).

A presente tradução para a língua portuguesa foi feita a partir da


edição francesa e foi revisada por Nathalie De Salzmann de Etievan
a quem os editores agradecem, pelo valioso auxílio, as sugestões e a
orientação sobre a pronúncia das palavras inventadas por Gurdjieff.
Eventuais incorreções que persistirem são porém de nossa inteira
responsabilidade.

A presente tradução procurou manter a forma com que o autor se


expressou em detrimento da linguagem de “bom-tom”. Assim,
entre a fidelidade ao autor e a fidelidade à forma literária foi
preferida a primeira; manteve-se também a estrutura coloquial e,
em particular, a colocação das “aspas” em conformidade com o
original em língua francesa. .

Os editores agradecem a todas as pessoas, muitas, que, de várias


formas, apoiaram, contribuíram e colaboraram na publicação dessa
obra em português, também agradecem ao Antonio Carlos
Poerner por sua colaboração especial e ao Instituto Gurdjieff do
Brasil (www.gurdjieff.org.br) pelo apoio recebido.

Noia sobre a pronúncia das palavras criadas por Gurdjieff


Gurdjieff insistia em que as palavras que criou devem ser
pronunciadas acuradamente e com a entonação apropriada. Cada
sílaba deve ser pronunciada individualmente e particularmente o
som correspondente a “kh” deve ser pronunciado como um “h”
aspirado (como no inglês a palavra home).
DO TODO E DE TUDO

Dez Livros em Três Séries


Primeira Série em três livros sob o título de “Relatos de
Belzebu a seu Neto: Crítica Objetivamente Imparcial da
Vida dos Homens”.

Segunda Série em dois livros sob o título de


“Encontros com Homens Notáveis”.

Terceira Série em cinco livros sob o título de “A Vida só


é Real quando Eu Sou’”.

O conjunto, exposto segundo princípios


inteiramente novos de raciocínio lógico, tende a
realizar três tarefas fundamentais:

PRIMEIRA SÉRIE: Extirpar do pensar e do sentimen­


to do leitor, sem piedade e sem o menor compromisso,
as crenças e opiniões enraizadas há séculos no psiquis­
mo dos homens, a propósito de tudo que existe no
mundo.

SEGUNDA SÉRIE: Fazer conhecer o material


necessário a uma reedificaçâo e provar sua qualidade e
solidez.

TERCEIRA SÉRIE: Favorecer, no pensar e no senti­


mento do leitor, a eclosão de uma
representação justa, não fantasiosa, do mundo real, em
lugar do mundo ilusório que ele percebe.
Primeira Série

RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO


Crítica Objetivamente
Imparcial da Vida dos Homens
© 1976 by Triangle Editions Inc., NewYork.
BENEVOLENTE RECOMENDAÇÃO

(Improvisada pelo autor no momento de remeter este livro para


o impressor)

As numerosas deduções e conclusões a que chegaram


minhas pesquisas experimentais sobre o proveito que os homens
contemporâneos podem tirar das impressões novas, devidas ao
que lêem ou ouvem, trazem à minha memória um ditado popu­
lar, vindo das profundezas do tempo, que afirma:
“Toda prece pode ser ouvida pelas forças superiores e
ser atendida, desde que seja dita três vezes:
“A primeira vez, pelo bem ou pelo repouso da alma de
nossos pais;
“A segunda vez, pelo bem do nosso próximo;
“E somente a terceira vez, pelo nosso próprio bem.”
E acho necessário, desde a primeira página deste pri­
meiro livro prestes a ser publicado, dar o seguinte conselho:
“Leiam três vezes cada uma das minhas obras:
“A primeira vez, ao menos como vocês estão
mecanizados a 1er todos os seus livros e jornais;
“A segunda vez, como se vocês as estivessem lendo para
outra pessoa;
“E a terceira vez, tentando penetrar na essência mesma
do que escrevo.”
Só então vocês estarão em condições de formar para si
um juízo imparcial, próprio somente a vocês, sobre os meus
escritos. E só então se realizará a minha esperança de que rece­
bam, segundo a sua compreensão, o benefício determinado que
tenho em vista para vocês e que lhes desejo com todo meu ser.
LIVRO PRIMEIRO
Capítulo 1
Despertar do pensar

ENTRE todas as convicções que se formaram em minha


“presença integral” durante minha vida responsável, ordenada
de maneira bem singular, há uma, inabalável, segundo a qual
todos os homens — qualquer que seja o grau de desenvolvi­
mento de sua compreensão e quaisquer que sejam as formas de
manifestação dos fatores que suscitam em sua individualidade
ideais de todos os gêneros — sentem, sempre e por toda parte
sobre a Terra, a imperiosa necessidade de pronunciar em voz
alta, ou pelo menos mentalmente, toda vez que empreendem
alguma coisa de novo, uma invocação, compreensível para toda
pessoa, seja ela das mais ignorantes — invocação cujos termos
variaram segundo as épocas e que se formula hoje em dia por
estas palavras: “Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito San­
to. Amém”.
E por isso que, no momento de abordar esta aventura
totalmente nova para mim — escrever livros —, começo eu
também por esta invocação, que profiro em voz alta, bem níti­
da, e mesmo, como diziam os antigos tulusitas, com uma “en­
tonação plenamente manifestada”; isto, é claro, na medida em
que o permitem os dados já formados em minha presença ¿inte­
gral e fortemente enraizados nela, quero dizer, estes dados
que se constituem na natureza do homem durante sua idade
preparatória e que determinam mais tarde, durante sua vida
responsável, o caráter e a força vivificadora dessa entonação.
Tendo assim começado, posso estar absolutamente tranquilo
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

e deveria mesmo, segundo as concepções que nossos contem­


porâneos se fazem da “moral religiosa”, estar plenamente asse­
gurado de que, daqui em diante, em minha nova ocupação, ’
“tudo irá de vento em popa”.
Enfim, começo assim; e, quanto ao festo, só posso repe­
tir com o cego: “Veremos!”.
Antes de mais nada, ponho minha própria mão, e o que é
melhor, a direita — ela foi levemente machucada, em outros
tempos, num acidente, mas, em compensação, é bem minha e,
em toda minha vida, nunca me traiu —, coloco-a sobre meu
coração, também meu próprio coração (não acho necessário
me estender aqui sobre a constância ou a inconstância dessa
parte do meu Todo), e confesso francamente que por mim não
tenho o menor desejo de escrever; mas me vejo obrigado a isso
por circunstâncias independentes de mim, das quais não sei
ainda se são acidentais ou se foram criadas propositadamente
por forças estranhas: sei apenas que estas circunstâncias me
obrigam a escrever, não qualquer bagatela boa de 1er para ador­
mecer, senão grossos, e importantes volumes.
Seja como for, começo...
Sim, mas começar com quê?
Ah! diabo! Vai voltar esta sensação tão estranha e tão
desagradável, experimentada faz três semanas, enquanto ela­
borava em pensamento o programa e a ordem das idéias que
tinha decidido propagar, sem saber tampouco com que começar?
Só poderia ter definido essa sensação por estas palavras:
“o medo de ser submerso pela torrente de meus próprios pen­
samentos”.
Para fazer cessar essa desagradável sensação, eu teria po­
dido recorrer à funesta faculdade que possuo como todo con­
temporâneo — já que ela se tornou inerente a nós — de tudo
“deixar para amanhã”, sem sentir por isso o menor remorso de
consciência.
E poderia facilmente “deixar para amanhã”, pois ainda

16
DESPERTAR DO PENSAR,

tinha tempo diante de mim; mas hoje, hélas! isso não é mais
possível e, custe o que custar, “nem que eu me arrebente”, te­
nho de começar.
. Mas, afinal de contas, com que começar?
Hurra!... Eureca!...
Quase todos os livros a cuja leitura tive acesso em minha
vida começavam por um prefácio. Portanto, será preciso, para
mim também, começar por algo desse gênero.
Digo bem “desse gênero”, porque jamais, em toda mi­
nha vida, quase desde o momento em que soube distinguir uma
menina de um menino, nunca fiz nada, absolutamente nada,
como os bípedes meus semelhantes, destruidores dos bens da
Natureza; por isso devo eu agora — sou mesmo obrigado a isso
por princípio — escrever diferentemente do que o faria qual­
quer escritor.
Em lugar do prefácio de praxe, começarei, portanto, por
uma simples advertência.
Começar por uma advertência será muito sensato de mi­
nha parte, pela simples razão de que isso não contradirá ne­
nhum de meus princípios, sejam orgânicos, psíquicos ou até
mesmo “extravagantes”. Ao mesmo tempo, isto será completa­
mente honesto, objetivamente falando, naturalmente, porque
espero com absoluta certeza, como aliás todos aqueles que me
conhecem de perto, que meus escritos façam desaparecer na
maioria dos leitores, de uma vez por.todas — e não progressi­
vamente como isso se passa para cada um, cedo ou tarde —,
todos os “tesouros” que eles possuem, tesouros transmitidos
por hereditariedade ou adquiridos por seu próprio labor, sob a
forma de “noções tranqüilizantes” que somente evocam ima­
gens suntuosas de sua vida presente ou ingênuos sonhos de
futuro.
Os escritores profissionais começam ordinariamente suas
introduções dirigindo-se ao leitor com todo tipo de títulos pom­
posos e frases empoladas, cheias de melosa ênfase.

17
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Somente nisso seguirei o exemplo deles e começarei, eu


também, por uma dessas “frases”, evitando, é claro, torná-la
tão adocicada quanto aquelas a que eles estão habituados e
que manipulam para titilar a sensibilidade de leitores mais ou
menos normais...

Pois bem...
Meus mui queridos, mui honrados, mui decididos e cer­
tamente mui pacientes Senhores, e minhas mui queridas, en­
cantadoras e imparciais Senhoras... Desculpem-me! ia esque­
cer o principal: e minhas nem um pouco histéricas Senhoras!
Tenho a honra de lhes declarar que, devido a certas con­
dições que se impõem a mim nestas últimas etapas do processo
da minha vida, me preparo de fato a escrever livros, porém
sem ter escrito ainda até agora a menor obra, nem o menor
“artigo instrutivo”, nem mesmo uma dessas cartas nas quais
teria sido bem necessário observar aquilo que se chama a “gra­
mática”; de modo que hoje, embora me torne um “escritor pro­
fissional”, não tenho nenhuma prática das regras e procedi­
mentos literários estabelecidos, nem da “linguagem literária de
bom-tom”, e me vejo forçado a escrever diferentemente do que
fazem os escritores comuns “reconhecidos”, à maneira dos quais
vocês estão há muito tempo tão acostumados quanto a seu pró­
prio cheiro.
A meu ver, o fato lamentável para vocês nisso tudo é que,
desde a infância, lhes foi inculcado um automatismo que se
harmonizou perfeitamente com o seu psiquismo geral e que
funciona de maneira ideal para a percepção de toda impressão
nova, de sorte que este “benefício” os poupa desde então, du­
rante sua vida responsável, de toda necessidade de fazer o mí­
nimo esforço individual.
Para falar francamente, considero como o essencial desta
confissão não minha inexperiência das regras e das técnicas
literárias, mas minha ignorância da “linguagem de bom-tom”,

18
DESPERTAR DO PENSAR

exigida em nossos dias dos escritores, e até mesmo de todo sim­


ples mortal.
De minha inexperiência das regras e técnicas literárias,
nâo me inquieto nada. E não me inquieto com isto, porque está
dentro da ordem das coisas, para nossos contemporâneos, ser
“profano” nessa matéria.
Esse novo “benefício” surgiu e se espalhou por toda par­
te na Terra graças a uma doença extraordinária a que estão
sujeitas, há uns vinte ou trinta anos, todas as pessoas dos três
sexos que dormem com os olhos meio abertos e cujo rosto ofe­
rece um terreno fértil para a cultura de espinhas de todo tipo.
Esta singular doença se manifesta assim: se o paciente é
um pouco letrado e se a primeira prestação de seu aluguel esti­
ver paga, ele se põe infalivelmente a escrever um “artigo ins­
trutivo”, quando não todo um livro.
Ora, sabendo que esta nova doença dos homens se pro­
paga epidémicamente por toda parte, tenho o direito de supor
que vocês estão “imunizados” contra ela, como diriam ps sábios
médicos, e que ficarão, por conseguinte, menos revoltados por
minha inexperiência nas diversas técnicas e regras literárias.
E por isso que eu acentuo, nesta advertência, minha ig­
norância da linguagem de bom-tom.
Mas para me justificar, e para atenuar a desaprovação do
seu consciente de vigília a respeito de minha ignorância dessa
linguagem, tão necessária à vida moderna, acho indispensável
dizer, humildade no coração e rubor na face, que se a aprendí,
eu também, na minha infância — no tempo em que pessoas de
mais idade que mc preparavam a uma vida responsável me obri­
gavam, sem poupar os meios de intimidação, a repetir sem ces­
sar a multiplicidade de nuanças, cujo conjunto constitui essa
“delícia” contemporânea —, por infelicidade (não para mim,
mas para vocês, naturalmente), não assimilei nada do que ha­
via repetido tantas vezes, e não me resta hoje nem a sombra
disto, para as necessidades de minha atividade literária.

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RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

• Tenho, aliás, a acrescentar que isso não foi absolutamen­


te minha culpa, nem de meus antigos “respeitáveis” e “irres-
peitáveis” mestres. Se esses esforços humanos restaram vãos,
isso loi devido a um acontecimento completamente excepcio­
nal, que se produziu no momento de meu aparecimento neste
baixo mundo. Nesse momento preciso — como me expli­
cou, após minuciosas investigações “psico-físico-astrológicas”,
uma ocultista bem conhecida na Europa — as vibrações entre­
chocadas de um fonógrafo Edison na casa vizinha invadiram
nosso lar por um buraco no vidro da janela feito por nossa
loliona cabrita manca, enquanto a parteira que me recebia ti­
nha na boca um tablete de cocaína, de fabricação alemã (não
“ersatz”, por favor), que ela chupava ao som da música, sem
com isto sentir o prazer esperado.
Abstração feita de um tal acontecimento, raro na vida
corrente, minha situação atual — disso me dei conta, confesso,
após ter refletido maduramente segundo o método do Herr
Professor Stumpfsinnschmausen — se deve ainda a que du­
rante minha vida de adulto sempre evitei, tanto instintiva como
automaticamente, e por vezes até conscientemente, quer dizer,
por princípio, empregar essa linguagem em minhas relações
com os outros.
E manifestei-me assim em relação a essa bagatela — mas
é mesmo uma bagatela? — graças a três dados que se constituí­
ram em minha presença geral durante minha idade prepa­
ratória, e dos quais me disponho a lhes falar neste primeiro
capítulo de minhas obras.
Seja como lor, é um tato tão luminoso, sob todos os seus
aspectos, quanto uma propaganda americana, e que nenhuma
força poderia modificar, nem mesmo a ciência de um “perito
em assuntos de macacos” — e este tato é que eu, que era con­
siderado durante estes últimos anos por inúmeras pessoas como
um mestre de danças de templos bastante bom, torno-me a
partir de hoje um escritor profissional. E escreverei folhas de

20
DESPERTAR DO PENSAR

papel aos milhares, é desnecessário dizer, pois que me é pró­


prio desde a infancia, quando faço alguma coisa, faço pra va­
ler. Mas, estando desprovido, como estão vendo, de toda roti­
na automaticamente adquirida e automaticamente manifesta­
da, me vejo forçado a escrever o que medito, numa linguagem
simples, ordinária, feita pela vida; uma linguagem corrente, sem
“maneirismos gramaticais” nem “manipulações literárias”.

Sim, mas... estamos longe de terminar! Nem mesmo de­


cidi o principal!
Em que língua vou escrever?
Por certo, já comecei a escrever em russo, mas nesta lín­
gua, como diria o Sábio dos Sábios, Mulá Nassr Eddin", “não
se vai longe”.
A língua russa é excelente, seguramente. Eu até a apre­
cio muito... mas para contar anedotas ou destrinchar, com for­
tes epítetos elogiosos, a árvore genealógica de alguém.
A língua russa é um pouco como a inglesa, que é incom­
parável para discutir no “smoking room”, instalado numa boa
poltrona, os pés estendidos em outra, sobre “carne congelada
australiana” ou até mesmo a “questão das índias”.
Essas duas línguas se assemelham ao prato que em Mos­
cou chamam solianka, onde entra de tudo, menos você e eu, e
até a Lchcshma de noite de Sherazade.
Devo acrescentar que, graças a certas condições em que
me encontrei de maneira acidental — ou talvez não acidental
— durante minha juventude, tive de aprender muito seriamente,
* Mulá Nassr Eddin, ou, como também se diz, Nassr Eddin Hodja, é,
parece, desconhecido na Europa e na América. Em compensação, ele
é bem conhecido em todos os países do continente da Ásia. É uma
personalidade lendária como a do russo “Kusma Prutkoff”, do “Tio
Sam” americano ou do inglês “John Bull”. Atribui-se a Nassr Eddin,
no Oriente, numerosas máximas populares que expressam todas, tanto
as mais antigas quanto as mais recentes, “a sabedoria da vida”.
* * Tch eshma : véu.

21
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

forçando-me eu mesmo a falar, 1er e escrever várias línguas, a


tal ponto que poderia escrever em qualquer uma delas, para exer­
cer a profissão que me impõe de improviso o destino, se tivesse
resolvido prescindir do “automatismo” dado pela prática.
Mas, para agir de maneira sensata e aproveitar este
automatismo que uma longa rotina me tornou tão confortável,
me é necessário escrever seja em russo, seja em armênio, pois
acontece que, durante os últimos vinte ou trinta anos, estas são
as duas únicas línguas de que me servi em minhas relações com
os outros, e cuja prática se tornou para mim automática.
Ah! pelo Inferno!...
Mesmo num caso como este, eis-me aqui atormentado
por um dos aspectos de meu singular psiquismo, tão diferente
daquele do homem normal.
E o “tormento” que experimento neste momento, numa
idade quase demasiado madura, vem de uma propriedade en­
raizada desde a infância nesse singular psiquismo, com todo o
bricabraque inútil da vida contemporânea, e que, automatica­
mente, me obriga, sempre e em tudo, a agir segundo a sabedo­
ria popular.
No presente caso, como a cada vez que me encontro
diante de uma incerteza, impõe-se ao meu cérebro — cons­
truído de maneira tão incômoda para mim que por ele sou
torturado — uma sentença da sabedoria popular, que nos vem
dos tempos mais antigos e se formula assim: “Um bastão tem
sempre duas pontas”.
Todo homem de juízo mais ou menos sadio, que procu­
rasse compreender o sentido oculto desta estranha fórmula e o
seu alcance real, rapidamente chegaria, a meu ver, â seguinte
conclusão: todas as idéias sobre as quais se fundamenta a con­
cepção inclusa nessa sentença repousam, elas mesmas, sobre
essa verdade que foi reconhecida desde os tempos mais anti­
gos, a saber, que na vida dos homens, assim como em toda par­
te, todo fenômeno é devido a duas causas de caráter contrário

22
DESPERTAR DO PENSAR

e se divide em dois efeitos totalmente opostos, que são, por sua


vez, a causa de novos fenômenos. Por exemplo, se alguma coi­
sa proveniente de duas causas diferentes produz a luz, esta “al­
guma coisa” produzirá inevitavelmente o fenômeno contrário,
quer dizer, a escuridão; ou ainda, se tal fator suscitar no orga­
nismo de uma criatura viva o impulso de prazer evidente, sus­
citará inevitavelmente o contrário, quer dizer, um descontenta­
mento igualmente evidente, e assim por diante, sempre e em tudo.
Empregarei então esta mesma imagem, fixada por sécu­
los de sabedoria popular, de um bastão que obviamente tem
duas pontas, das quais uma pode ser considerada como boa e a
outra como má. Se me servir do automatismo adquirido por
uma longa prática, isto será certamente excelente para mim;
para o leitor, em compensação, será justamente o contrário, de
acordo com essa sentença — e o contrário do bom, cada um com­
preende facilmente o que é, mesmo sem sofrer de hemorroidas.
Dito de outro modo, se aproveito de meu privilégio para
tomar o bastão pela ponta boa, a má irá inevitavelmente “re­
cair sobre a.cabeça do leitor”.
E isto poderia muito bem acontecer! Porque é impossí­
vel em russo expressar todas as sutilezas das questões filosófi­
cas que me proponho a remexer; em armênio, ao contrário, é
possível, mas, para grande desventura de todos os armênios
atuais, esta língua não permite tratar de noções contemporâneas.
Para atenuar a amargura que sinto com isso, direi que na
minha juventude, na época que começava a me interessar pelas
questões filológicas e até a me apaixonar por elas, preferia a
língua armênia entre todas as que falava; eu a preferia até mes­
mo à minha língua natal.
Ela me agradava, sobretudo, porque tinha caráter e não
se parecia em nada às outras línguas, vizinhas ou aparentadas.
Cada uma de suas “tonalidades”, como dizem os sábios fi­
lólogos, era exclusivamente dela e, como eu já compreendia, ela
respondia idealmente ao psiquismo dos homens daquela nação.

23
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Mas, em uns trinta ou quarenta anos, vi essa língua se


transformar a tal ponto que, sem ter perdido completamente a
originalidade e a independência que possuía desde a mais alta
Antigüidade, ela não passa hoje de, poderia eu dizer, uma “grotes­
ca miscelânea de línguas”, que um ouvinte mais ou menos atento
e consciente perceberia como um conjunto de sonoridades tur­
cas, persas, curdas, francesas, russas e sons inarticulados total­
mente “indigestos”.
Poder-se-ia dizer quase o mesmo de minha língua natal,
a língua grega, que eu falava em minha infância, e cujo “poder
associativo automático” guarda ainda para mim todo seu sabor.
Talvez pudesse, nesta língua, expressar tudo que quero;
porém me é impossível empregá-la aqui, pela simples razão,
aliás bastante cômica, de que seria preciso que alguém trans­
crevesse o que eu viesse a escrever e o traduzisse nas línguas
desejadas. E quem poderia fazê-lo?
Pode-se dizer com toda certeza que o melhor dos conhe­
cedores de língua grega contemporânea não compreendería
uma palavra sequer do que eu escrevesse na minha língua ma­
terna, assimilada desde a infância; pois, durante estes trinta ou
quarenta anos, os meus queridos “compatriotas”, seduzidos eles
também pelos representantes da civilização contemporânea e
desejando, a qualquer custo, parecer-se com eles até em sua
língua, fizeram minha querida língua padecer a sorte que os
armênios infligiram à deles, no desejo de se igualarem à “intel­
ligentzia” russa.
A língua grega, cujo espírito e essência me foram trans­
mitidos por hereditariedade, se assemelha tanto àquela que fa­
lam os gregos contemporâneos quanto, segundo a expressão
de Mulá Nassr Eddin, “um prego se parece a uma missa fúnebre”.
Que fazer então?
Ah !... que importa, respeitável comprador das minhas elu­
cubrações. Desde que aqui tenha bastante armanhaque francês e

24
DESPERTAR DO PENSAR

basturma de Khaïssar, encontrarei por certo um meio de sair-


me desta situação. Já me vi em outras!
Aconteceu-me tantas vezes na vida cair em situações di­
fíceis e sair delas que adquiri, digamos, o hábito.
Por enquanto, escreverei ora em russo, ora em armênio;
sobretudo porque entre as pessoas sempre apinhadas ao meu
lado há várias que sabem “se virar” mais ou menos nessas duas
línguas e não perdi a esperança de vê-las transcrever e traduzir
de uma forma que me seja tolerável.

Em todo caso, eu o repito, e o repito para que vocês guar­


dem disso uma lembrança durável, e não uma “lembrança”
como aquela que lhes é habitual, e à qual vocês se fiam para man­
ter a palavra de honra que deram a si mesmos, ou que deram aos
outros: qualquer que seja a língua que eu empregue, evitarei sem­
pre e em tudo o que chamo de “linguagem literária de bom-tom”.
A este respeito, há um fato extremamente curioso, mais
digno de estudo do que vocês imaginam: desde a infância, quer
dizer, desde que surgiu em mim a necessidade de tirar os pas­
sarinhos dos ninhos e azucrinar as irmãs dos meus camaradas,
uma sensação instintiva germinou espontaneamente em meu
“corpo planetário”, como diziam os antigos teósofos e, sobre­
tudo, não sei por que, em todo o lado direito. Esta sensação
instintiva se transformou gradualmente em sentimento defini­
do até o período de minha vida em que me tornei um “mestre
de dança”; e esta profissão ao me obrigar a conviver com ho­
mens de tipos diversos, meu consciente foi por sua vez conven­
cido de que essas línguas, ou melhor, suas “gramáticas”, eram
fabricadas por pessoas que, do ponto de vista do conhecimen­
to dessas línguas, se pareciam com os animais que o venerável
Mulá Nassr Eddin caracteriza pelas seguintes palavras: “Tudo
aquilo que podem fazer é discutir com os porcos sobre a quali­
dade das laranjas”.
Essa gente, que uma hereditariedade podre e uma edu­
cação nauseabunda transformaram em “traças vorazes”,

25
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

destruidoras dos bens que acumularam nossos ancestrais e


que o tempo nos transmitiu, jamais tinha ouvido nem sequer
falar desse fato, de evidência gritante, que durante a idade pre­
paratória se constitui, no funcionamento cerebral de toda cria­
tura — do homem, por conseguinte, ele também —, uma pro­
priedade particular, cujas manifestações automáticas se desenvol­
vem seguindo uma certa lei que os antigos korkolanos chamavam
“lei de associações”; e ignoram que o processo do pensar de todo
ser vivo, aquele do homem em particular, se efetua exclusivamen­
te de acordo com esta lei.

Já que tive de abordar de passagem a questão que se tor­


nou para mim, nestes últimos tempos, quase uma idéia fixa,
aquela do processo do pensar humano, acho possível falar des­
de já — sem esperar o capítulo que havia destinado à elucida­
ção desta questão — de uma informação de que tomei conhe­
cimento por acaso. Segundo esta informação, era regra na Ter­
ra, nos tempos antigos, que todo homem bastante audacioso
para querer conquistar o direito de ser considerado pelos ou­
tros, e de considerar a si mesmo, como um “pensador conscien­
te”, fosse instruído, desde os primeiros anos de sua vida res­
ponsável, de que os homens têm duas espécies de pensar: de
uma parte, o pensar mental, que se expressa por palavras que
têm sempre um sentido relativo; e, de outra parte, um pensar
próprio ao homem, assim cómo a todos os animais, e que cha­
marei o “pensar por formas”.
Este “pensar por formas” deve servir para perceber o sen­
tido exato de todo escrito e para assimilá-lo, após confronta­
ção consciente com as informações anteriormente adquiridas;
ele se constitui nos homens sob a influência das condições
geográficas, do lugar de residência, do clima, da época e, em
geral, do meio no qual eles se encontram desde sua vinda ao
mundo até sua maioridade.
Consequentemente, no cérebro dos homens, de acordo

26
DESPERTAR DO PENSAR

com sua raça e suas condições de existência, e segundo a re­


gião onde vivem, se constitui, a respeito de um mesmo objeto,
uma mesma idéia ou uma mesma concepção, uma forma parti­
cular totalmente independente, que provoca no ser, durante o
desenrolar das associações, uma sensação definida, que desen­
cadeia uma imagem subjetiva precisa; e esta imagem se expres­
sa por uma certa palavra, que lhe serve apenas de suporte exterior
subjetivo.
Daí por que tal palavra, se referindo a uma só e mesma
coisa ou a uma só e mesma idéia, adquire, nos homens que
vivem em países diferentes ou que pertencem a raças dife­
rentes, um “conteúdo interior” bem determinado e comple­
tamente distinto.
Noutros termos, quando na “presença” de um homem
que veio ao mundo e cresceu nesta ou naquela região se fixa
uma certa “forma”, resultante de influências e impressões es­
pecíficas locais, esta “forma” suscita nele, por associação, a sen­
sação de um “conteúdo interior” definido e, por conseguinte,
uma imagem ou uma concepção definida, que ele expressa pela
palavra que se tornou habitual para ele e, como já disse, subje­
tiva; mas aquele que o escuta — e no ser do qual, pelo fato das
condições diferentes de sua vinda ao mundo e de seu cresci­
mento, se constituiu em relação a essa palavra uma forma de
um conteúdo interior diferente — sempre lhe dará um sen­
tido inteiramente diferente.
Aliás, pode-se constatar isso observando com imparciali­
dade uma troca de opiniões entre pessoas de raças diferentes,
ou formadas desde a infância em países diferentes.

Pois bem, alegre e temerário candidato à compra de mi­


nhas “elucubrações”, já que o preveni de que não escreverei
como o fazem em geral os escritores profissionais, mas de ou­
tra maneira, aconselho-o a refletir seriamente antes de embar­
car na leitura das exposições que seguirão. Senão, temo que os

27
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

seus ouvidos e seus outros órgãos perceptivos e digestivos este­


jam tão bem adestrados e automatizados à “linguagem dos le­
trados”, que reina na Terra em nossos dias, que a leitura de
minhas obras tenha em você uma ação muito, mas muito caco­
fónica, o que poderia fazê-lo perder... sabe o qué? o apetite
pelo seu prato favorito, assim como o prazer que “faz cócegas
em suas entranhas” ao ver passar aquela moreninha.
Que minha linguagem, ou melhor, minha maneira de pen­
sar possa exercer semelhante ação, muitas experiências de meu
passado me convenceram disso com todo meu ser, tanto quan­
to um “burro de raça” pode ser convencido da justiça e da
legitimidade de sua teimosia.
Agora lhe disse o essencial e estou tranquilo quanto ao
futuro.
Se você tiver a menor decepção com as minhas obras,
será culpa sua, exclusivamente. Minha própria consciência
estará pura, tão pura quanto aquela, por exemplo... do ex­
imperador Guilherme.
Sem dúvida você pensa que eu sou, como se diz, um ho­
mem jovem de “exterior agradável e interior suspeito” e que
sendo um escritor noviço busque provavelmente me singulari­
zar, na esperança de me tornar célebre e, quem sabe, até
afortunado.
Se verdadeiramente você pensa assim, pois, você está bem
enganado.
Primeiro, não sou jovem; já vivi tanto que comi “mais de
uma vaca raivosa” — para não dizer toda a manada; além do
mais, não escrevo com vistas a fazer uma carreira e, para “me
pôr de pé”, não conto com esta profissão que, a meu ver, dá
àqueles que a exercem numerosas chances de se tornarem can­
didatos diretos... ao Interno — se no entanto tais pessoas pu­
derem aperfeiçoar seu ser até esse ponto. Pois, embora não
sabendo nada, elas mesmas, escrevem todo tipo de frivolida­
des e, adquirindo automaticamente autoridade, desenvolvem,

28
DESPERTAR DO PENSAR

a cada ano mais, um dos principais fatores de enfraquecimento


do psiquismo dos homens, já bastante debilitado sem isso.
Quanto à minha carreira pessoal, graças a todas as forças
superiores, inferiores e até, se quiserem, as da direita e as da
esquerda, está feita há muito tempo. Há um bom tempo me
pus sobre meus pés, na verdade mesmo sobre muito bons pés,
e estou convencido de que permanecerão sólidos durante lon­
gos anos, em detrimento de todos os meus inimigos passa­
dos, presentes e futuros.

Sim... seria bom participar a vocês uma idéia que acaba


de surgir em meu louco cérebro: exigirei do editor a quem con­
fiarei este livro que seu primeiro capítulo seja apresentado de
tal modo que se possa lê-lo sem ter de cortar as páginas; assim,
cada um de vocês saberá que ele não está escrito da maneira
habitual, quer dizer, para favorecer no pensar do leitor o flo­
rescimento de imagens excitantes e de sonhos acalentadores;
sem ter de discutir com o vendedor, poderá devolvê-lo quando
quiser, e reembolsar seu dinheiro, ganho talvez com o suor de
seu rosto.
E sinto-me forçado a agir assim, porque acabo de me lem­
brar da história de um certo curdo da Transcaucásia, que ouvi
contar na minha infância. Cada vez que um caso semelhante
despertava-a em minha memória, essa história provocava em
mim um impulso “por muito tempo inextinguível” de enterne-
cimento. E penso que será muito útil, tanto para mim como
para você, que a conte com detalhes.
Com efeito, resolvi fazer do “sal” desta história — ou,
como teriam dito os judeus de negócios modernos “puro-san­
gue”, do seu tsiemes — um dos princípios fundamentais da
nova forma literária de que quero fazer uso para alcançar a
‘ meta que tenho em vista. ..
Esse curdo trànscaucasiano partiu um dia de sua aldeia para

29
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

ir à cidade, onde tinha negocios; chegando ao mercado, viu urna


prateleira de frutas de todas as especies, lindamente arrumadas.
Entre todas as frutas expostas, notou umas, soberbas tanto
por sua cor quanto por sua forma; sentiu-se tão tentado, teve
tal desejo de mordê-las que decidiu, embora tivesse pouco di­
nheiro, comprar nem que fosse um só desses dons da Grande
Natureza.
Muito excitado com essa idéia, nosso curdo entrou na
barraca com uma desenvoltura que não lhe era habitual e, apon­
tando seu caloso indicador para as frutas de sua escolha, per­
guntou seu preço ao vendedor.
Este respondeu que elas custavam seis groshes a libra.
Achando que isto não era caro para frutas tão maravilho­
sas, ele comprou toda uma libra.
Depois, terminados seus negócios, nosso curdo regres­
sou no mesmo dia, a pé, para sua aldeia.
Caminhava, ao cair da tarde, por montes e vales, perce­
bendo, a contragosto, o aspecto exterior das partes encantado­
ras do seio da Grande Natureza, Mãe de todos nós. E como
absorvia involuntariamente o ar puro, não envenenado pelas
exalações das cidades industriais, o desejo o tomou de repente
de saciar-se também de alimento ordinário. Sentando-se então
à beira do caminho, tirou de sua mochila o pão e depois os
admirados “frutos”, que se pôs displicentemente a comer.
Quando... oh! que horror!... ele se sente todo em brasas!
Mas, apesar da queimação, nosso curdo continua comendo.
Ela continuava comendo, esta desafortunada criatura bí­
pede de nosso planeta, apenas em razão daquela propriedade
específica do homem, que fui o primeiro a notar, e cujo princí­
pio, servindo de base à nova forma literária que eu criei, me
levará à meta como um “farol diretor”. Você também, tenho
certeza, captará logo o sentido e o alcance disto — de acordo
com o grau de sua compreensão, naturalmente — se você 1er
certos capítulos de minhas obras com a condição, no entanto,

30
. DESPERTAR DO PENSAR

de que você se arrisque a continuar essa leitura — a menos,


entretanto, que já tenha “farejado” alguma coisa até o fim des­
te primeiro capítulo.
Ora, bem no momento em que nosso curdo era invadido
pela torrente de sensações estranhas que suscitava nele esse
original festim no seio da Natureza, passou pelo caminho um
homem de sua aldeia, conhecido por seu bom senso e cheio de
experiência. Viu que o curdo tinha o rosto em fogo, que as
lágrimas escorriam de seus olhos, mas que ele não tinha isto
em conta, tão ocupado estava — como que absorvido pelo cum­
primento de um dever supremo — em comer uma verdadeira
“pimenta vermelha”.
Ele lhe disse:
— Que diabo estás fazendo aqui! Ah, triplo idiota de
Jerico, queres então ser queimado vivo? Joga fora esse produto
insólito que não convém à tua natureza!
Mas nosso curdo replicou:
— Ah não! Não vou jogá-lo fora por nada neste mundo!
Paguei por ele meus últimos seis groshesl Mesmo que a alma
me saia do corpo, eu o comerei até o fim!
Ao que nosso decidido curdo — é preciso crer, por certo
que o era —, longe de jogar fora sua “pimenta vermelha”, vol­
tou a comê-la.

Depois do que acaba de 1er, espero que em seu pensa­


mento comece a despontar a associação desejada, que deveria
finalmente conduzi-lo, como acontece às vezes em nossos dias
a certas pessoas, ao que você chama de compreensão. E com­
preenderá então por que eu — que conheço tão bem essa pro­
priedade específica do homem e me deixei tão freqüentemente
enternecer por sua inevitável manifestação, que quer que, após
ter pago por alguma coisa, crer-se obrigado a gozá-la até o fim
— me animei por inteiro com esta idéia surgida em meu pen­
sar: tomar todas as medidas possíveis para poupá-lo, meu

31
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

irmão em espírito e em apetite, como se diz, você que está ha­


bituado talvez a 1er qualquer livro, desde que escrito na “lin­
guagem dos letrados”, de descobrir, após ter pago pelas mi­
nhas obras, que elas não estão escritas na linguagem ordinaria
que lhe é tão confortável e de ser obrigado a lê-las, custe o que
custar, até o fim — assim como nosso pobre curdo da Trans-
caucásia se viu compelido a comer até o fim esse alimento que
o havia seduzido apenas por sua aparência, a nobre “pimenta
vermelha”, que, por certo, “não está brincando”.
Assim, para evitar qualquer engano devido a essa proprie­
dade humana, cujos dados se fixam, evidentemente, na “pre­
sença” do homem contemporâneo pelo fato de que ele vai fre-
qüentemente ao cinema, e que não perde nenhuma oportuni­
dade de olhar com o olho esquerdo as pessoas do outro sexo,
quero fazer imprimir minha introdução da maneira indicada,
de modo que cada um possa lê-la sem cortar as páginas.
Caso contrário, o livreiro vai “criar caso”, como se diz, e
se manifestará uma vez mais segundo o princípio caro aos
comerciantes, que eles formulam da seguinte maneira: “Você
é apenas um cretino e não um pescador, se deixar escapulir o
peixe que já mordeu a isca”; e ele se recusará a aceitar de volta
um livro com as páginas que foram cortadas.
Disso, de resto, não tenho qualquer dúvida. Espero per­
feitamente semelhante desonestidade da parte deles.
Os dados graças aos quais adquiri a certeza dessa deso­
nestidade da parte dos livreiros se constituíram em mim no
tempo em que, exercendo a profissão de “faquir indiano”, tive
necessidade, para elucidar certas, questões “ultrafilosóficas”,
de conhecer o processo associativo de manifestação do psiquis­
mo automaticamente construído dos livreiros contemporâ­
neos e de seus empregados, enquanto enfiam seus livros aos
clientes.
Sabendo de tudo isso e tendo me tornado, após meu aci­
dente, justo e escrupuloso ao extremo, não posso deixar de lhe

32
DESPERTAR DO PENSAR

lembrar minha advertência e até aconselhá-lo insistentemente


a 1er com atenção, várias vezes, este primeiro capítulo, antes de
cortar as páginas do livro.
Mas se, apesar desta advertência, quiser conhecer a se­
quência de minhas exposições, só me resta lhe desejar, de toda
minha “verdadeira alma”, um excelente “apetite” e fazer votos
para que “digira” tudo o que tiver lido.
A sua boa saúde! E não somente à sua, mas a de todos
os seus.
Eu disse bem: “minha verdadeira alma”. E eis por quê:
Freqüentemente encontrei na Europa, onde vivi recen­
temente, gente que, a qualquer propósito e fora de propósito,
gostava de proferir nomes sagrados, reservados à vida interior
do homem, quer dizer, a jurar sem razão. Ademais, como já lhe
confessei, sou um partidário declarado da sabedoria popular,
cujos ditados estão fixados há muitos séculos, e o sou não so­
mente em teoria, como os homens contemporâneos, mas na
prática. Ora, entre esses ditados há um que corresponde per­
feitamente ao caso presente: “Para viver com os lobos, é preci­
so uivar com os lobos!”. Assim, pois, para não infringir o cos­
tume estabelecido na Europa, resolvi jurar eu também; ao mes­
mo tempo, não querendo desobedecer ao mandamento que nos
foi dado por Santo Moisés: “Não perturbarás em vão os nomes
sagrados”, decidi tirar partido de uma das curiosidades da últi­
ma língua da moda, quero dizer, a língua inglesa — e, toda vez
que a ocasião me obriga, juro pela minha “alma inglesa”.
O fato é que, nessa língua, a palavra alma e a palavra sola
não somente se pronunciam, mas se escrevem, quase da mes­
ma maneira.
Não sei o que pensam disto, vocês, semicandidatos à com­
pra das minhas obras; quanto a mim, qualquer que seja o dese­
jo intelectual que tenha, não posso impedir minha singular na­
tureza de se revoltar contra essa manifestação dos representan­
tes da civilização contemporânea. Pois enfim, como se pode

33
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

designar pela mesma palavra o que há no homem de mais ele­


vado e de mais amado pelo Criador, Nosso Pai Comum, e o
que há nele de mais baixo e de mais sujo?

Mas, basta de “filologia” ! Voltemos à tarefa essencial deste


primeiro capítulo, que é a de sacudir meus pensamentos em­
poei ra dos, assim como os seus, e fazer certa advertência ao leitor.
Já estabeleei em pensamento o plano e a ordem das mi­
nhas exposições; mas que forma tomarão sobre o papel? Con­
fesso que até aqui o meu consciente não sabe nada a respeito;
entretanto, meu instinto sente claramente que será algo “for­
te” e que terá sobre a presença geral de todo leitor uma ação
análoga à da pimenta vermelha sobre o pobre curdo da Trans-
caucásia. '
Agora que você conhece a história de nosso curdo, vejo
como um dever lhe fazer certas confissões. Antes de continuar
este primeiro capítulo, que serve de introdução a tudo que me
proponho escrever, quero, pois, informar ao seu “puro” cons­
ciente, quero dizer, ao seu consciente de vigília, que, na se­
quência das minhas obras, exporei propositadamente minhas
idéias em tal ordem e segundo tal confrontação lógica que a
essência de certas concepções reais possa passar automatica­
mente deste “consciente de vigília”, que a maioria dos homens
contemporâneos toma, por ignorância, pelo verdadeiro cons­
ciente (enquanto afirmo e provo experimentalmente que ele é
fictício), ao que você chama de “subconsciente”, e que deveria
ser, a meu ver, o verdadeiro consciente humano — e isto a fim
de que essas concepções sofram mecanicamente na presença
geral do homem a necessária transformação, cujos resultados,
sob a ação de seu pensar ativo voluntário, farão dele um
homem e não mais um simples animal uni-cerebral ou bi­
cerebral.
Resolvi agir assim para que este capítulo de introdução,
destinado a despertar o seu consciente, justifique plenamente

34
DESPERTAR DO PENSAR

sua missão e que não toque somente seu “consciente fictício”,


como sou o único até aqui a chamá-lo, mas também o verda­
deiro consciente — o subconsciente, segundo você — e que
ele o obrigue, talvez pela primeira vez, a pensar ativamente.
Na “presença” de todo homem se constituem, quaisquer
que sejam sua educação e sua hereditariedade, dois conscien­
tes independentes, não tendo entre eles quase nada em comum,
nem no seu funcionamento, nem nas suas manifestações.
O primeiro se constitui pela percepção de todas as im­
pressões mecânicas acidentais, assim como de todas as impres­
sões deliberadamente produzidas por outrem, entre as quais
se devem incluir quase todas as palavras, que são em realidade
somente “sons” vazios; o segundo se constitui seja a partir dos
“resultados materiais anteriormente fixados” no homem, trans­
mitidos por hereditariedade e integrados às partes correspon­
dentes de sua presença geral, seja a partir de confrontações
associativas, intencionalmente efetuadas sobre esses mesmos
“dados materializados”.
Este segundo consciente humano, que não é outro senão
o que você chama de “subconsciente” e que é constituído, como
acabo de dizer, pelos “resultados materializados” da heredita­
riedade e por confrontações voluntariamente realizadas, deve
predominar, a meu ver, na presença integral do homem.
Essa opiniãp se fundamenta em pesquisas experimentais
realizadas durante longos anos em condições excepcionalmen­
te favoráveis.
Partindo desta convicção, que não é provavelmente para
você senão a fantasia de um demente, me é impossível hoje,
como você vê, não levar em conta este segundo consciente. E
me sinto mesmo obrigado por minha essência a construir este
primeiro capítulo de minhas obras, que deve lhes servir de pre­
fácio, de tal modo que ele venha tocar e perturbar, de maneira
satisfatória para a minha meta, as noções acumuladas nos seus
dois conscientes.

35
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Com esta idéia em mente, começarei por instruir seu cons­


ciente fictício do fato de que, graças a três dados psíquicos
singulares, cristalizados na minha presença geral durante a idade
preparatória, sou realmente “único em meu gênero” para “con­
fundir e enredar”, nas pessoas que encontro, todas as noções e
convicções que crêem estar solidamente fixadas nelas.

Veja... Veja só!... Já sinto que no seu falso consciente —


que é o “verdadeiro”, segundo você — reviram como moscas
cegas todos os dados legados por “titio e mamã”, cujo conjun­
to só engendra em você, em tudo e por tudo, um impulso verda­
deiramente enternecedor de curiosidade. Por exemplo, você gos­
taria de saber o quanto antes por que eu, uma espécie de escri­
tor novato, cujo nome você nunca viu até hoje, nem mesmo
num jornal, tenho o direito de me dizer único.
Pouco importa! Pessoalmente, estou muito contente em
ver surgir essa curiosidade, ainda que somente no seu “falso”
consciente, pois sei por experiência que, em certas pessoas,
esta tendência indigna do homem pode às vezes mudar de
natureza e se transformar num impulso meritório chamado
“desejo de saber”, o qual favorece, por sua vez, uma melhor
percepção e uma compreensão mais justa da essência do obje­
to sobre o qual ocorre ao homem contemporâneo concentrar
sua atenção; daí por que consinto, e até mesmo com prazer, em
satisfazer essa curiosidade que surgiu em você.
Escute então, e trate de não me decepcionar, mas de jus­
tificar as minhas esperanças!
Minha original personalidade, já “farejada” por certos
Individuuns pertencentes aos dois coros do Tribunal Supremo
que outorga a Justiça objetiva e, na Terra, por um número muito
limitado de pessoas, se edificou sobre três dados específicos,
fixados em mim durante minha idade preparatória.
O primeiro se tornou, desde sua aparição, a alavanca

36
DESPERTAR DO PENSAR

diretora de meu Todo integral, e os outros dois as “fontes vivifi­


cadoras” que alimentam e aperfeiçoam o primeiro.
Esse primeiro dado se constituiu em mim no tempo em
que eu ainda era apenas uma criança.
Minha querida finada avó ainda vivia; tinha pouco mais de
cem anos.
No momento de sua morte — que o Reino dos Céus lhe
pertença! —, minha mãe me conduziu ao seu leito, como era
então de uso, e, enquanto eu beijava sua mão direita, minha que­
rida avó pousou a mão esquerda moribunda sobre minha cabe­
ça e me disse em voz baixa, mas clara:
“Tu, o primogênito de meus netos!
“Escuta... e lembra-te sempre de minhas últimas vonta­
des: na vida não faças jamais nada como os outros!”
Depois ela fixou o olhar na raiz do meu nariz e, perceben­
do provavelmente que eu permanecia perplexo diante de suas
palavras, acrescentou, um tanto zangada, em tom autoritário:
“Ou bem não faz absolutamente nada — apenas vá à es­
cola — ou, então, faz alguma coisa que ninguém faz”.
Tendo dito isso, com um impulso evidente de desprezo
por todos os presentes e de digna consciência de si, entregou
sem hesitar sua alma nas mãos de Sua Fidelidade, o Arcanjo
Gabriel.
Penso que será interessante para você, e talvez até instru­
tivo, saber que tudo isso causou em mim tão forte impressão
que, de repente, me senti incapaz de tolerar meus semelhantes
e, assim que saí do quarto onde repousava o “corpo planetário”
perecível, causa da causa de minha vinda ao mundo, insinuei-
me devagarinho, tratando de passar despercebido, no fosso onde
eram guardados, durante a quaresma, o farelo e as cascas de
batatas para os “limpadores” da casa, ou seja, para os por­
cos; ali fiquei deitado sem beber nem comer, acometido por
um turbilhão de pensamentos perturbadores e desordenados
— eclodidos, para minha felicidade, em quantidade limitada

37
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

no meu cérebro de criança —, até que minha mãe voltou do


cemitério e seus lamentos, causados pela descoberta de minha
ausência e por suas infrutíferas buscas, me arrancaram do tor­
por em que me encontrava.
Saindo então de meu fosso, fiquei imóvel por alguns ins­
tantes, as mãos estendidas para a frente, depois me precipitei
na direção dela, me agarrei fortemente a suas saias e, sapatean-
do, sem saber por que, comecei a imitar o zurro do asno de
nosso vizinho, o juiz de instrução.
Por que tudo isso me causou uma impressão tão forte?
Por que me portei, quase automaticamente, de maneira tão es­
tranha? Refleti sobre isso frequentemente nos últimos anos,
sobretudo nos dias ditos de “mi-carême”*, mas até agora ainda
não compreendi.
Por enquanto, me pergunto se não foi porque o quarto
onde se passava essa cerimônia, que devia ter uma influência
tão enorme sobre toda minha vida, estava impregnado, até em
seus menores recantos, do aroma de um incenso, especialmen­
te importado de um mosteiro do Monte Atos, muito renomado
entre os adeptos de todas as nuanças da religião cristã.
Seja como for, estes são os fatos.
Nos dias que se seguiram a este acontecimento, meu es­
tado geral não sofreu nada de particular, a não ser pelo fato de
que eu andava mais frequentemente que de costume de pernas
para o ar, quer dizer, sobre as mãos.
O primeiro de meus atos claramente em desacordo com
as manifestações de meus semelhantes, mas sem a participa­
ção do meu consciente nem, tampouco, aliás, do meu sub­
consciente, ocorreu no quadragésimo dia após o falecimento
de minha querida avó. Nossa família inteira, parentes próxi­
mos e distantes e todos os que tinham em estima minha avó —

* “mi-carême”: festa na quinta feira da terceira semana da Quaresma


em que é lícito quebrar o jejum. (N.T.)

38
DESPERTAR DO PENSAR

ela gozava, aliás, da afeição de todos — estavam reunidos no


cemitério, segundo o costume, para celebrar sobre seus despo­
jos mortais uma cerimônia chamada “réquiem”. De repente,
sem nenhuma razão — em vez de observar a “etiqueta” que
consiste, nos homens de qualquer posição social e qualquer
grau de moralidade tangível e intangível, em se manter tran­
quilo, como que abatido, com uma expressão de tristeza no
rosto, e até, se possível, com lágrimas nos olhos —, eu me pus
a dançar e pular em torno do túmulo, cantando:
Paz à alma
Paz à alma do morto
Era uma pequena mulher
Toda de ouro
e assim por diante...
Foi a partir daquele momento que diante de toda “maca-
quice” — quer dizer, diante de toda imitação das manifesta­
ções automáticas habituais das pessoas presentes — sempre
surge na minha presença “alguma coisa” que suscita nela o que
agora eu chamaria de “tendência imperiosa” a nada fazer como
os demais.
Naquela idade, por exemplo, me comportava assim:
Se o meu irmão, as minhas irmãs e as crianças da vizi­
nhança treinavam em pegar uma bola com a mão direita, co­
meçando por jogá-la ao ar como todos têm o hábito, eu, para
chegar a fazê-lo, primeiro a fazia bater no chão com força, de­
pois a apanhava no ar, delicadamente, entre o polegar e o
dedo médio da mão esquerda, não sem ter, previamente, exe­
cutado uma cambalhota.
Quando as crianças desciam uma ladeira de trenó senta­
das de frente, eu, por minha vez, fazia o que elas chamavam
de “marcha a ré”. Ou ainda, quando nos distribuíam bolos
de Abaram e, antes de comê-los, os outros se punham, como de
hábito, a lambê-los, provavelmente para se dar conta do sabor

39
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

e para fazer durar o prazer, eu, de minha parte, farejava primei­


ro esse pão de especiarias de todos os lados, às vezes até o apro­
ximava de minha orelha, escutava com atenção, e murmurava,
quase inconscientemente sem dúvida, mas com a maior serie­
dade: “Está bem feito... vá, está bem feito: não te empanturres,
por favor”; depois, acompanhando-me de alguns sons ritma­
dos, abocanhava-o, engolindo-o inteiro sem saboreá-lo — e
assim por diante.

O primeiro acontecimento que suscitou em mim um dos


dois dados, que vieram a ser, desde então, as “fontes vivifica­
doras” que animam e reforçam a exortação de minha finada
avó, se produziu na época em que a criança que eu era se
transformou num “jovem malandro”, modelo do candidato
ao título de “jovem de exterior agradável, mas de interior
suspeito”.
Esse acontecimento se deu por acaso — a menos que tenha
sido por uma disposição especial do Destino — nas seguintes
circunstâncias:
Um dia, ajudado por jovens malandros como eu, coloca­
va sobre o telhado da casa vizinha um “laço” para apanhar
pombos.
Um dos garotos, debruçado sobre minha cabeça e que
me observava atentamente, disse:
— Se fosse eu, disporia o nó de crina de tal maneira que
o dedo médio do pombo, o mais comprido, não pudesse ser
pego nele, pois, como nosso professor de zoologia acaba de
nos explicar, é nesse dedo que se concentram todas as reservas
de força do pombo quando ele se debate e, naturalmente, se
esse dedo for preso no laço, ele o romperá sem dificuldade.
A esta observação, um outro menino que se mantinha
justamente na minha frente, e que não podia falar sem lançar
torrentes de saliva em todas as direções, se pôs a nos aspergir,
grunhindo as seguintes palavras:

40
DESPERTAR DO PENSAR

— Pare sua máquina de falar, bastardo sujo, semente de


hotentote. Seu professor nada mais é que um aborto como você.
Admitamos que toda a força física do pombo esteja concentra­
da nesse dedo médio: razão maior para se arrumar de tal modo
que seja este mesmo dedo que fique preso no nó. E então que
assumirá toda sua importância para a nossa meta — a captura
dessas infelizes criaturas, os pombos — certa particularidade,
inata em todo portador desta “coisa” viscosa e mole, o cére­
bro, e que é a seguinte: quando, sob a ação de novas influên­
cias, das quais depende o insignificante poder de manifestação
desse cérebro, efetua-se, segundo as leis, uma modificação de.
presença periodicamente necessária, a ligeira desordem que
disso resulta — e cuja razão de ser é a de intensificar outras
manifestações do funcionamento geral — determina de ime­
diato um deslocamento temporário do éentro de gravidade de
todo o organismo, no qual essa “coisa” viscosa desempenha
apenas um papel muito reduzido, o que produz freqüentemen­
te, no conjunto deste funcionamento, resultados inopinados,
insensatos até o absurdo...”
Ele lançou esta última palavra com tais jatos de saliva
que o meu rosto parecia ter sido exposto à ação de um “pulve­
rizador” de concepção e de fabricação alemãs para tingir teci­
dos com anilina.
Era mais do que eu podia suportar e, sem me endireitar,
me precipitei sobre ele com a cabeça em frente, desferindo-lhe
um formidável golpe na boca do estômago, que o estendeu ime­
diatamente “sem sentidos”.
Não sei nem quero saber que resultados aparecerão em
seu pensar diante do relato do concurso extraordinário de cir­
cunstâncias que vou lhe descrever; quanto a mim, esta coinci­
dência contribuiu fortemente para me fazer crer que todos os
acontecimentos que se passaram em minha juventude, que aqui
relato, longe de terem sido simples efeitos do acaso, foram cria­
dos propositadamente por certas forças estranhas.

41
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Eis os fatos: eu tinha sido instruído nesse tipo de proezas


apenas alguns dias antes desse incidente, por um padre grego
da Turquia; perseguido pelos turcos, por suas opiniões políti­
cas, tivera de fugir de lá e meus pais, à sua chegada em nossa
cidade, o contrataram como repetidor de grego moderno.
Não sei sobre o que se fundamentavam as convicções po­
líticas e as idéias desse padre grego, mas me lembro muito bem
de que, em todas as nossas conversas — mesmo quando me
explicava a diferença entre as exclamações do grego antigo e as
do grego moderno —, transparecia claramente seu desejo de
retornar o quanto antes a Creta, para ali se manifestar como
um verdadeiro patriota deve fazer.
Devo confessar, eu mesmo me assustei com os resultados
de minha destreza, pois, não conhecendo ainda o efeito de um
golpe nesse lugar, acreditei tê-lo matado.
Enquanto experimentava esse pavor, um outro menino,
que havia visto o que eu fiz, primo-irmão dessa vítima de mi­
nha “habilidade de contra-atacar”, levado provavelmente pelo
sentimento de “consanguinidade”, saltou sobre mim sem re­
fletir e me bateu com toda força em plena cara.
Os golpes me fizeram ver “estrelas ao meio-dia”, como
se diz, enquanto minha boca se enchia de uma papa suficiente
para a engorda artificial de milhares de frangos.
Ao final de algum tempo, quando essas duas sensações
insólitas foram um pouco acalmadas, senti em minha boca um
corpo estranho. Retirei-o bem rápido com os dedos: era nada
mais nada menos que um dente de grande dimensão e de for­
ma singular.
Vendo-me examinar esse dente extraordinário, os garo­
tos se agruparam à minha volta, depois, em meio a um profun­
do silêncio se puseram, por sua vez, a considerá-lo com a maior
curiosidade, enquanto minha vítima, recobrando consciência,
levantava-se e, tendo se aproximado de mim como se nada hou­
vesse, olhava ela também meu dente com estupefação.

42
DESPERTAR DO PENSAR

Esse dente bizarro apresentava sete ramificações, na ex­


tremidade de cada urna das quais pendia, brilhante, uma gota
de sangue; e através de cada uma dessas gotas transparecia,
claro e distinto, um dos sete aspectos de manifestação do raio
branco.
Em seguida a esse mutismo, tão singular para jovens le­
vados como nós, a algazarra habitual tomou livre curso e deci­
diu-se, com fortes vociferações, ir de imediato à casa do bar­
beiro, arrancador oficial de dentes, e perguntar-lhe por que
este dente era assim.
Pulamos todos do telhado para ir à loja do barbeiro. Eu,
o “herói do dia”, marchava à frente, naturalmente.
Após uma olhada negligente, o barbeiro declarou que
era simplesmente um dente do siso e que ele era assim em to­
dos os humanos de sexo masculino que, antes de ter balbucia-
do “papá” e “mamã”, não haviam tomado outro leite senão o
de sua mãe e sabiam, de pronto, distinguir seu pai dentre nu­
merosas pessoas.
Este acontecimento, de que meu pobre dente do siso foi,
por assim dizer, a “vítima expiatória”, teve um duplo efeito.
De um lado, meu consciente compenetrou-se desde então, em
toda a ocasião, da própria essência das últimas vontades da minha
finada avó — que o Reino dos Céus lhe pertença! De outro
lado, não tendo recorrido a um “dentista diplomado” para tra­
tar a cavidade do meu dente (o que não podia, aliás, fazer, por
ficar a nossa casa longe de qualquer centro de cultura contem­
porânea), produziu-se nessa cavidade uma espécie de secreção
crônica, que tinha a propriedade — como me explicou recen­
temente um meteorologista bem conhecido, de quem me tor­
nara por acaso amigo íntimo, depois de freqüentes encontros
nos restaurantes noturnos de Montmartre — de despertar uma
tendência imperiosa a investigar as causas de todo “fato real”
de natureza insólita; e esta propriedade, independentemente
de minha hereditariedade, fez de mim pouco a pouco um

43
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

especialista na arte de escrutar os “fenômenos suspeitos de todo


tipo” que encontrava em meu caminho.
E, quando me transformei — com a ajuda, é claro, de
Nosso Mestre Universal, o Impiedoso Heropás, quer dizer, o
“curso do Tempo” — nesse tipo de jovem que já caracterizei,
essa nova propriedade se tornou então um foco inextinguível
de calor e de vida para o meu consciente.

O segundo fator vivificante, que assegurou a fusão defi­


nitiva das últimas vontades de minha querida avó com os ele­
mentos constitutivos da minha individualidade, loi o conjunto
de impressões que produziram em mim certas informações a
respeito da origem de um princípio que se tornou depois —
como o demonstrou o sr. Allan Kardec, no decorrer de uma
sessão “absolutamente secreta” de espiritismo — um dos mais
importantes “princípios de vida” para os seres que povoam
todos os demais planetas do Nosso Grande Universo.
Este princípio universal de vida se formula assim:
“Quando se faz a lesta, faz-se a festa até o fim, incluídos
aí o frete e a embalagem”.
Como tal princípio se originou no mesmo planeta que
você — onde, digamos logo, você passa seu tempo a comprazer-
se sobre um mar de rosas, quando não a dançar o foxtrote —,
não me reconheço o direito de lhe esconder os dados que pos­
suo sobre esse assunto e que o farão compreender certos deta­
lhes do seu aparecimento.
Pouco depois de ter se implantado em minha natureza o
desejo inconsciente de conhecer a causa de “fatos reais” de
todo tipo, fui pela primeira vez ao coração da Rússia, à cidade
de Moscou. Não encontrando ali nada que pudesse satisfazer
essa necessidade do meu psiquismo, dediquei-me a pesquisas
sobre as lendas e os provérbios russos. E um belo dia — seria
por acaso, ou em virtude de uma série de circunstâncias objeti­
vamente conformes às leis —, soube disto:

44
DESPERTAR DO PENSAR

Um russo, que para os que o cercavam nada mais era do


que um simples comerciante, precisou ir, para negocios, de sua
cidade de província à segunda capital de seu pais, Moscou, e
seu filho preferido (pelo fato, sem dúvida, de só se parecer com
sua mãe) pediu-lhe que trouxesse um certo livro.
Ao chegar em Moscou, este insigne autor de um princí­
pio universal de vida tomou uma bebedeira, com um dos seus
amigos, da legítima vodca russa, como era e como ainda é de
praxe por lá.
E quando estes dois membros de um dos grandes agru­
pamentos contemporâneos de criaturas bípedes esvaziaram o
número desejado de pequenos copos dessa “delícia russa”, éles
se lançaram numa conversa sobre a “instrução pública”, pois
era tradição começar por esse tema; de repente, o comerciante,
lembrando-se por associação do encargo de seu filho, resolveu
ir imediatamente, com seu amigo, comprar o livro pedido.
Na loja, após folhear a obra que tinham acabado de lhe
entregar, o comerciante perguntou o preço.
O empregado disse que o livro custava sessenta copeques.
Mas tendo notado que o preço indicado sobre a capa era
só de quarenta e cinco copeques, o comerciante pôs-se a refletir
de uma maneira inusitada — sobretudo para um russo —, de­
pois, fazendo um trejeito engraçado com seus ombros, endirei­
tou-se estufando o peito como um oficial da guarda, imobiliza­
do no lugar, e, após uma ligeira pausa, disse tranquilamente,
porém num tom de grande autoridade:
— O preço marcado aqui é de quarenta e. cinco cope­
ques. Por que você está pedindo sessenta?
O empregado, fazendo então a cara “oleaginosa” pró­
pria a todos os empregados, respondeu que o livro custava, de
fato, apenas quarenta e cinco copeques, mas que era preciso
vendê-lo a sessenta, pois que nele havia tido quinze copeques
de despesas de frete e de embalagem.
Diante dessa resposta, nosso comerciante russo, muito

45
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

embaraçado por esses dois fatos contraditórios e, no entanto,


claramente conciliáveis, pareceu tomado por algo de insólito.
Levantando os olhos para o teto, pôs-se a refletir, mas desta vez
como um professor inglês que tivesse inventado as cápsulas de
óleo de rícino e, de repente, virando-se para seu amigo, profe­
riu pela primeira vez no mundo estas palavras, expressando
por sua essência uma verdade objetiva incontestável, e que to­
maram, desde então, caráter de sentença:
— Não seja por isso, meu caro, levamos este livro. Hoje,
tanto faz! Estamos festejando. E, quando se faz a festa, faz-se a
festa até o fim, incluídos aí o frete e a embalagem.

Quanto a mim, infeliz condenado a experimentar em vida


as delícias do inferno, fiquei muito tempo, depois desta descober­
ta, num estado estranho, tal qual nunca havia experimentado,
nem antes, nem mais tarde. Era como se todas as associações e
emoções de fontes diversas, que se efetuam de hábito em mim,
fossem postas a “correr o Derby”, como diriam os hivintses
contemporâneos.
Ao mesmo tempo, eu sofria de uma intensa comichão,
quase insuportável, ao longo da coluna vertebral e também no
centro mesmo do meu plexo solar umas “cólicas” igualmente in­
toleráveis; e todas essas bizarras sensações, que se estimulavam
umas às outras, deram lugar, ao fim de um certo tempo, a um
estado de calma interior que nunca mais experimentei depois,
salvo no dia em que realizaram comigo a cerimônia da “grande
iniciação” na confraria dos “fazedores de manteiga com ar”.
Quando meu “Eu”, quer dizer, esta coisa desconhecida,
que um excêntrico da mais remota Antigüidade — qualificado
de “sábio” pelos que os cercavam, como o são ainda hoje em
dia as pessoas desta espécie — caracteriza assim: “aparição re­
lativamente passageira, dependente da qualidade de funciona­
mento do pensamento, do sentimento e do automatismo orgâ­
nico”, e que um outro célebre sábio da Antigüidade, o árabe

46
DESPERTAR DO PENSAR

Mal-el-Lel, descreve, por sua vez, como o “resultado conju­


gado do consciente, do subconsciente e do instinto” — de­
finição “tomada por empréstimo” em seguida, diga-se de pas­
sagem, por um sábio grego não menos célebre, de nome Xeno-
fonte—, quando meu “Eu”, digo, voltou sua atenção aturdida
para o interior, constatei, em primeiro lugar muito claramente,
que tudo o que me tinha permitido compreender até a menor
palavra daquela sentença, reconhecida como um “princípio
universal de vida”, havia se convertido em mim numa substân­
cia cósmica particular, a qual, fundindo-se com os dados cris­
talizados anteriormente pelas últimas vontades de minha que­
rida avó, transformara-se por sua vez numa “certa coisa” e que
esta “certa coisa”, penetrando toda minha presença, se havia
fixado para sempre em cada átomo que a constitui. Em segun­
do lugar, meu infeliz “Eu” experimentou nitidamente e reco­
nheceu, com um sentimento de submissão, essa aflitiva certeza
de que desde então eu deveria, sempre e em tudo, sem exce­
ção, me manifestar segundo esta propriedade que se formara
em minha presença, não segundo as leis da hereditariedade,
nem sob a influência das condições ambientais, mas sob a ação
de três causas exteriores acidentais, que não tinham nada em
comum umas com as outras — a saber: as exortações de uma
pessoa que tinha sido, sem que eu tivesse tido o menor desejo,
a causa passiva da causa de minha aparição neste mundo; meu
dente quebrado por uma espécie de um pequeno patife, e ain­
da porque seu primo era “babão”; enfim, a sentença saída da
avinhada boca de um personagem que me era completamente
estranho: um certo “comerciante russo”.
Antes de conhecer esse “princípio universal de vida”, se
eu me manifestava diferentemente de todos os animais bípe­
des, meus semelhantes — que vieram ao mundo e vegetam no
mesmo planeta que eu —, eu o fazia de maneira automática e
somente às vezes semiconsciente; mas, após essa descoberta,
me pus a fazê-lo conscientemente, com a sensação instintiva de

47
RELATOS DE BELZEBU.A SEU NETO

dois impulsos mesclados: a satisfação de si e a consciência de


si, nascidas da realização leal e correta de meu dever para com a
Mãe Natureza.
Devo mesmo insistir sobre o fato de que antes desse acon­
tecimento, embora não fizesse nada como os outros, meu com­
portamento não atraía particularmente os olhares; mas a partir
do momento em que minha natureza tinha assimilado a essên­
cia desse princípio, todas as minhas manifestações, fossem elas
voluntárias, dirigidas para uma meta, ou simplesmente desti­
nadas a “passar o tempo”, adquiriram uma grande força de
vida e favoreceram a formação de “calosidades” nos diversos
órgãos perceptores de todas as criaturas, minhas semelhantes,
sem exceção, quando elas dirigiam direta ou indiretamente sua
atenção sobre o que eu fazia; por outro lado, para obedecer às
últimas vontades da minha finada avó, levei meus atos até seu
extremo limite e habituei-me, no início de toda ocupação nova,
e a cada vez que ela se modificava — ganhando amplitude,
bem entendido —, a sempre pronunciar, quer seja mentalmen­
te ou em voz alta, esta fórmula:
“Se você faz a festa, faça a festa até o fim, incluídos aí o
frete e a embalagem!”

Agora, por exemplo, já que, por razões que não dependem


de mim, mas de certas condições fortuitas e singulares da mi­
nha vida, sou obrigado a escrever livros, não posso fazê-lo a não
ser conformando-me ao princípio determinado, pouco a pou­
co, por extraordinários concursos de circunstâncias, e que se
identificou com cada átomo de minha presença geral.
Dessa vez, porei em prática esse princípio psico-orgâni-
co da maneira seguinte: em vez de seguir o costume dos escri­
tores, que é, há séculos, de tomar por tema de suas “obras”
pretensos acontecimentos que ocorreram ou que ocorreriam
hoje em dia na Terra, tomarei, eu, acontecimentos à escala do

48
DESPERTAR DO PENSAR

mundo inteiro. Neste caso ainda, “quando se toma, se toma”,


quer dizer, “quando se faz a festa, faz-se a festa pra valer”.
À escala da Terra, qualquer um pode escrever. Mas eu,
eu não sou qualquer um!
Como eu poderia me limitar à nossa “Terra de nada” —
de um ponto de vista objetivo?
Não, não posso fazer isso, não posso escolher para tema
de minhas obras um daqueles que escolhem, em geral, os ou­
tros escritores, e não posso por esta simples razão de que, se
minha avó soubesse — afinal de contas, as afirmações de nos­
sos sábios espíritas talvez não sejam inteiramente inexatas —,
imaginem o que lhe aconteceria, à minha boa, à minha que­
rida avó?
Ela se reviraría em seu caixão, como se diz, não uma vez,
mas — tal como a conheço desde que me tornei um “ás” na
arte de me pôr na pele de um outro — um grande número de
vezes, tantas vezes mesmo, que ela correría o risco de se trans­
formar em “cata-vento irlandês”.
Quanto a vocês, meus leitores, não se inquietem... Fala­
rei também da Terra; mas de um ponto de vista tão imparcial
que este planeta relativamente pequeno, com tudo que com­
porta, terá em meu livro um lugar correspondente ao que ocu­
pa em realidade e que, de acordo com a lógica sadia de vocês
— na medida, naturalmente, em que eu lhes sirva de guia—, ela
deve ocupar em Nosso Grande Universo.
Da mesma forma para os heróis: precisarei, naturalmen­
te, apresentarem minhas obras “tipos” diferentes daqueles que
descrevem e exaltam na Terra os escritores de todas as classes e
de todas as épocas — diferentes dos heróis do gênero desses
João, José ou Paulo, nascidos por descuido, que, durante o
processo de sua preparação para uma “existência responsável”,
não adquirem nada do que deve possuir uma criatura à ima­
gem de Deus, quer dizer, um homem, e apenas desenvolvem
progressivamente neles, até seu último suspiro, “encantos”

49
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

diversos, tais como “lubricidade”, “maledicência”, “paixoni-


te”, “perfídia”, “pieguice”, “inveja” e outros vícios indignos
do homem.
Tenho a intenção de adotar, como heróis de minhas obras,
tipos que se deverá, de bom grado óu de mau grado, experi­
mentar com todo o ser como reais, e em relação aos quais deve­
rá inevitavelmente se cristalizar no leitor a noção de que cada
um deles é verdadeiramente “alguém” e não “um qualquer”.
Durante essas últimas semanas, enquanto eu estava ain­
da de cama, fisicamente esgotado, esboçando em pensamento
o programa de minhas obras, e meditando sobre a forma e a
ordem de sua exposição, decidi tomar como herói principal da
primeira série... sabem quem?... o grande Belzebu em pessoa.
E isto sem levar em conta que essa minha escolha pode­
ria, desde o início, provocar no pensar da maioria dos leitores
associações de idéias que suscitariam neles todo tipo de impul­
sos automáticos contraditórios, resultantes de um conjunto de
dados necessariamente constituídos no psiquismo dos homens
em razão das condições anormalmente estabelecidas de sua vida
exterior e cristalizados neles graças à sua famosa “moral re­
ligiosa”, o que não deixaria de se traduzir por uma hostilidade
inexplicável em relação a mim.

Sabe você, leitor?


Se, apesar da minha advertência, você quiser correr o ris­
co de tomar conhecimento da sequência dessa obra, de se
esforçar por assimilá-la com um espírito de imparcialidade,
e de compreender a essência mesma das questões que tenho a
intenção de esclarecer, proponho-me — a fim de levar em con­
ta esta particularidade psíquica inata ao homem, segundo a qual
o bem não pode ser percebido por ele sem oposição, a não ser
na medida em que se estabelece um “laço” de sinceridade e de
confiança mútua — a confessar-lhe desde agora, com toda fran­
queza, as associações que se fizeram em mim, para constituir

50
DESPERTAR DO PENSAR

pouco a pouco, na esfera apropriada de meu consciente, certos


dados que sugeriram à minha individualidade escolher como
principal herói de minhas obras um Individuum tal como o
Senhor Belzebu, com tudo o que ele representa aos seus olhos.
Isto não foi sem astúcia.
Minha astúcia consiste simplesmente em dar por certo,
segundo toda lógica, que, se eu lhe der uma tal atenção, ele
certamente vai querer — não tenho razão alguma para duvidar
disso até o presente — me testemunhar seu reconhecimento,
ajudando-me por todos os meios a seu alcance nas obras que
tenho a intenção de escrever.
Embora o Senhor Belzebu seja feito, como se diz, de ou­
tra massa, possui, não obstante — soube disso há muito tempo
pelos tratados de um célebre monge católico, o irmão Fullon
—, uma cauda encaracolada; ora, a experiência me convenceu
formalmente de que o que é encaracolado nunca é natural, e só
pode se obter por manipulações variadas; donde concluo, se­
gundo a “lógica sadia” formada em meu consciente pela leitu­
ra de livros de quiromancia, que o Senhor Belzebu deve ter, ele
também, uma boa pequena dose de vaidade... Como poderia
então não ajudar àquele que fará propaganda de seu nome?
Não é por nada que nosso incomparável mestre comum,
Mulá Nassr Eddin, diz freqüentemente:
“Sem engraxar a pata, não há meio de viver à vontade em
parte alguma — nem mesmo de respirar”.
E outro sábio terrestre, de nome Till Eulenspiegel, que
edificou também sua sabedoria sobre a enorme estupidez dos
homens, expressa a mesma idéia com estas palavras:
“Sem engraxar as rodas, não há jeito de partir”.
Conhecendo essa máxima da sabedoria popular, e mui­
tas outras ainda, elaboradas por séculos de vida comum, decidi
“engraxar a pata” do Senhor Belzebu, que, como se sabe, dis­
põe de meios e ciência em profusão.

51
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Alto lá, meu velho...


Brincadeira à parte, mesmo que filosófica, você parece
ter violado, por suas digressões, um de seus mais importantes
princípios, aquele de que você fez a base do sistema destinado
a realizar seus sonhos por meio de sua nova profissão; este prin­
cípio consiste em jamais esquecer o enfraquecimento da fun­
ção do pensar do leitor contemporâneo, e, tendo em conta este
fato, não cansá-lo, forçando-o a absorver múltiplas idéias num
curto espaço de tempo.
Quando pedi a uma das pessoas sempre apinhadas ao
meu lado, na esperança de merecer assim “entrar no Paraíso
com suas botas”, que lesse para mim, de uma só vez, em voz
alta, o que escrevi neste primeiro capítulo, meu “Eu” — sus­
tentado, bem entendido, pelos numerosos dados fixados em
meu psiquismo original, no decorrer de minha vida passada, e
que me permitiram, entre outras coisas, compreender o psi­
quismo de criaturas de tipos variados, meus semelhantes —, meu
Eu, digo, constatou e reconheceu formalmente que este pri­
meiro capítulo suscitaria, certamente, na presença geral de todo
leitor, qualquer que seja, “certa coisa” que provoca automati­
camente uma hostilidade acentuada em relação a mim.
Para dizer a verdade, não é isto que mais me inquieta
neste momento; o que me preocupa é o fato, constatado lá pelo
final da leitura, de que, no conjunto deste capítulo, minha pre­
sença integral — na qual meu “Eu” tem uma participação muito
restrita — manifestou-se contrariamente a este mandamento
do mestre universal que eu respeito entre todos, Mulá Nassr
Eddin:
“Nunca enfie seu bastão em um ninho de vespas”.
Mas a inquietação que invadiu o sistema de que depende
meu sentimento, quando reconhecí que o leitor devia inevita­
velmente experimentar animosidade a meu respeito, acalmou-
se de repente, assim que meu pensar se lembrou deste antigo
provérbio russo:

52
DESPERTAR DO PENSAR

“Não há nenhum mal que o tempo não moa como um


grão para lhe fazer soltar sua farinha”.
Desde então, não somente a emoção provocada nesse sis­
tema pela consciência da desobediência ao mandamento de
Mulá Nassr Eddin não me perturba mais por nada neste mun­
do, mas um bizarro processo se desencadeou em minhas duas
almas recentemente adquiridas, sob a forma de violentas comi­
chões, e aumenta pouco a pouco até dar dores quase intolerá­
veis na região situada um pouco abaixo do lado direito de meu
“plexo solar”, o qual já sofre bastante de hiperfuncionamento
sem isto.

Espere, espere... parece-me que este processo se acalma,


por sua vez, e que das profundezas de meu consciente — diga­
mos, por enquanto, de meu “subconsciente” — começa a sur­
gir tudo que me é necessário para me convencer de que ele vai
cessar completamente, pois acabo de me lembrar de um outro
exemplo de sabedoria popular, e este último me faz considerar
que, se me conduzi sem levar em consideração os conselhos do
estimável Mulá Nassr Eddin, em compensação, agi (sem pre-
meditação) em conformidade ao princípio de um personagem
dos mais saborosos, cuja fama, provavelmente, não se esten­
deu muito longe, mas que permanece inesquecível para quem
quer que o tenha encontrado, nem que tenha sido apenas por
uma vez, quero falar desta pura jóia: Karapet de Tíflis.
Afinal, este capítulo introdutório já se tornou tão longo
. que não haverá grande mal se eu alongá-lo ainda para lhes falar
desse arqui-simpático Karapet de Tíflis.
Há cerca de trinta ou trinta e cinco anos, os armazéns da
estação de Tíflis tinham um “apito a vapor”.
Cada manhã ele despertava os operários da ferrovia e os
empregados dos armazéns; como a estação de Tíflis está situa­
da numa colina, ouvia-se o apito em quase toda a cidade e ele

53
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

despertava não só os empregados da estrada de ferro, mas os


outros habitantes.
Parece-me que os serviços municipais de Tíflis trocaram
até mesmo toda uma correspondência com a administração da
estrada de ferro, a respeito do incômodo provocado ao sono
matinal dos pacatos cidadãos.
A obrigação de fazer funcionar o apito estava reservada a
este Karapet, então empregado dos armazéns.
Pela manhã, quando ele chegava, antes de pegar a corda
que comandava o apito, ele agitava os braços em todas as dire­
ções, gritando solenemente a plenos pulmões, tal qual um Mulá
maometano do alto de seu minarete:
“Sua mãe é uma ... hum! Seu pai é um ... hum! Seu avô é
o maior dos ... hum! Que seus olhos, seus ouvidos, seu nariz,
seu baço, seu fígado, seus calos...”. Em resumo, ele lançava a
toda volta todos os insultos que conhecia — e só depois disto
ele agarrava a corda.
Tendo ouvido falar desse Karapet e de seu costume, fui
vê-lo uma noite, depois do expediente, com um odre cheio de
vinho de Cachétia, e, após ter cumprido o “ritual dos brindes”, de
praxe por lá, perguntei-lhe — usando, bem entendido, as nor­
mas da polidez, conforme o código local de “amabilidades” —
por que ele agia assim.
Ele bebeu o seu copo de um trago e, após ter cantado
uma famosa canção de beber, obrigatória na Geórgia: “Fartemo-
nos mais, rapaziada”, respondeu sem pressa:
“Você não toma vinho à maneira moderna, quer dizer,
para fazer de conta; mas bebe honestamente. Isto já me mostra
que, se você está procurando conhecer meu hábito, não é por
curiosidade, como nossos engenheiros e nossos técnicos, que
me crivam de perguntas, mas por um verdadeiro desejo de sa­
ber; por conseguinte, quero, e considero mesmo que devo con­
fessar-lhe francamente as escrupulosas reflexões que me condu­
ziram a isto.

54
DESPERTAR DO PENSAR

“Anteriormente eu trabalhava de noite nos armazéns,


como operário, para lavar as caldeiras das locomotivas. Mas,
quando instalaram o apito a vapor, o chefe dos armazéns, pro­
vavelmente em razão de minha idade e de minha incapacidade
para trabalhos pesados, atribuiu-me como única ocupação vir
de manhã e à noite, em horário fixo, pôr em funcionamento
esse apito.
“Desde a primeira semana de meu novo serviço, notei
que, após ter cumprido minha obrigação, durante uma hora
ou duas me sentia “bem esquisito”.
“Um estranho sentimento... ele aumentava a cada dia, e
acabou por se transformar numa angústia instintiva que me fez
perder todo o apetite — até pela sopa de cebola; eu pensava e
tornava a pensar nisso sem parar, para tentar adivinhar a causa.
“Ruminava a questão com particular intensidade chegan­
do em meu trabalho ou dele saindo.
“Mas, apesar de todos os meus esforços, não encontrei
explicação alguma, nem aproximada.
“As coisas duraram assim por quase seis meses, e a fric­
ção da corda tornara a palma de minhas mãos dura como per­
gaminho velho, quando de repente, pelo maior dos acasos, com­
preendi o que se passava.
“O choque que abriu minha compreensão e me condu­
ziu a uma convicção inabalável me foi dado por uma exclama­
ção que ouvi nas seguintes circunstâncias — de fato, bastante
bizarras. -
“Uma bela manhã, não tendo dormido a contento, por­
que passara uma parte da noite na casa de vizinhos que festeja­
vam o batismo de sua nona filha, e a outra parte a 1er um livro
raro e muito interessante, intitulado Os Sonhos e a Bruxaria,
caído por acaso em minhas mãos, apressava-me para ir acionar
o vapor, quando vislumbrei de pronto, na esquina de uma rua,
um enfermeiro meu conhecido, empregado do serviço sanitá­
rio da cidade, que me fazia sinal para parar. \

55
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“A função desse enfermeiro consistia em percorrer, em


certas horas, as ruas da cidade com um assistente, empurrando
uma carroça especialmente preparada, e em capturar de passa­
gem todos os cães vadios cujas coleiras não tinham a placa de
metal expedida pela prefeitura de Tíflis, mediante o pagamen­
to de taxa. Ele levava em seguida esses cães para o abatedouro,
onde eles eram mantidos durante duas semanas à custa da ci­
dade e alimentados com os restos do abatedouro. Se, nesse pra­
zo, não fossem reclamados por seus donos e se a taxa não tives­
se sido paga, esses cães eram tocados com grande pompa em
direção a uma passagem que conduzia diretamente a um for­
no especial.
“Pouco depois, do outro lado desse forno notável e salu­
tar, escorria com um murmúrio encantador, para grande pro­
veito da nossa municipalidade, uma certa quantidade de gor­
dura de uma ideal pureza e de uma transparência perfeita, des­
tinada à fabricação de sabões, e, talvez, ainda para outra coisa,
enquanto de outro lado escoava, com ruídos não menos encan­
tadores, uma enxurrada de substâncias muito úteis como adubo.
“Meu amigo enfermeiro capturava os cães por um méto­
do dos mais simples e de uma engenhosidade maravilhosa.
“Ele tinha conseguido uma velha rede de pesca de gran­
des dimensões, que carregava dobrada de uma certa maneira
sobre seu robusto ombro, durante as expedições que empreen­
dia, para o bem da humanidade, nos quarteirões mal-afamados
de nossa cidade, e, quando um desses cães “sem passaporte” •
caía no campo de visão de seus olhos perspicazes, terríveis para
toda a espécie canina, ele, sem se apressar, aproximava-se fur­
tivamente do cão, com a suavidade da pantera, e, aproveitando
o momento em que o animal mostrava interesse ou era atraído
por alguma coisa, lançava sua rede sobre ele e habilmente o
emaranhava; depois do que, puxando para perto de si a carroça
sobre a qual se localizava uma jaula, desembaraçava o cão de
maneira a nela prendê-lo.

56
DESPERTAR DO PENSAR

“No momento em que meu amigo o enfermeiro me pa­


rou, ele estava justamente vigiando sua vítima; espreitava o mo­
mento propicio para jogar sua rede sobre um cão que sacudia
o rabo, parado diante de uma cadela.
“Ele se preparava para fazê-lo quando, de repente, o sino
da igreja vizinha tocou, chamando os moradores para a missa
da manhã.
“Assustado por esses sons inesperados ressoando no si­
lêncio matinal, o cão deu um salto de lado, depois pôs-se a
correr como um louco, em disparada, ao longo da rua deserta.
“Então o enfermeiro, tomado de uma cólera que se es­
tendia até os pêlos da axila, atirou sua rede sobre a calçada e,
cuspindo por cima de seu ombro esquerdo, exclamou: “Ah!
com mil diabos! Tinha de tocar bem neste momento! ”
“Tão logo a exclamação do enfermeiro chegou a meu apa­
relho de compreensão, numerosos pensamentos se amontoa­
ram em minha cabeça, que me conduziram finalmente a uma
visão correta, a meu ver, da razão pela qual eu era vítima dessa
angústia instintiva.
“Depois dessa descoberta, senti logo uma forte contrarie­
dade de que esta idéia, tão simples e tão límpida, não me tives­
se vindo mais cedo à cabeça.
“Sentia com todo meu ser que minha intervenção na vida
pública devia dar necessariamente como resultado a sensação
de que minha presença suportava há seis meses.
“Com efeito, todo homem tirado de seu doce sono mati­
nal pelo grito estridente do apito a vapor não pode deixar de
me xingar a torto e a direito, a mim, a causa dessa infernal
cacofonia, o que faz, sem dúvida alguma, afluir de todas as
partes em direção a minha pessoa as vibrações de inúmeros
desejos malévolos.
“Nesse dia famoso, após ter cumprido com minha
obrigação, fui me sentar, tomado por meu estado habitual, no
bistrô vizinho. Comendo meu lanche, refletia e cheguei à

57
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

conclusão de que, se insultasse antecipadamente todos aque­


les que meu serviço parecia atingir de uma maneira revoltante
em seu bem-estar, essa gente que se encontrava na “esferá da
idiotice”, quer dizer, como se explicava no livro que eu lera na
véspera, entre o sono e a sonolência, poderia me xingar à von­
tade e isso não teria mais então nenhum efeito sobre mim.
“E devo dizer que, desde então, jamais senti aquela “an­
gústia instintiva”.”

Agora sim, paciente leitor, tenho de terminar este capítu­


lo de introdução. Só me falta assiná-lo.
Aquele que...
Alto lá, espécie de monstro! Não se brinca com uma assi­
natura; lembre-se de como, num país da Europa Central, obri­
garam-no a pagar dez anos de aluguel por uma casa que você
só havia ocupado por três meses, pela única razão de ter assi­
nado, de seu próprio punho, um papel pelo qual se compro­
metia a renovar o contrato anualmente.
E quantas outras experiências do mesmo gênero!
Depois disso, naturalmente, devo ser muito, muito pru­
dente, no que concerne à minha assinatura.
Basta.
Aquele que chamavam de “Tatah” em sua infância, “o
Moreno” em sua juventude, mais tarde “o Grego Negro”, nos
anos de sua maturidade “o Tigre do Turquestão”, e que hoje
em dia não é qualquer um, mas “Senhor” ou “Mister Gurdjieff”
em pessoa, ou, ainda, “o sobrinho do Príncipe Mukhransky”,
ou simplesmente:

O MESTRE DE DANÇA.

58
Capítulo 2
Prólogo
Por que Belzebu veio ao
nosso sistema solar

ERA no ano 223 depois da criação do mundo, segundo


um cálculo objetivo do tempo ou, como teriam dito sobre a
Terra, no ano 1921 da era crista.
Pelo Universo voava a nave Kamak, destinada às comu­
nicações transespaciais.
Tendo partido dos espaços Assuparatsata, quer dizer, da
“Via Láctea”, voava do planeta “Karataz” em direção ao siste­
ma solar “Pandatznokh”, cujo sol leva ainda o nome de Estrela
Polar.
Nessa nave transespacial se encontrava Belzebu, com os
seus próximos e seus familiares.
Dirigia-se ao planeta “Revozvradendr”, para uma confe­
rência à qual velhos amigos lhe haviam pedido para tomar par­
te. Só a lembrança dessa longa amizade havia podido fazê-lo
decidir aceitar o convite deles, pois já estava velho, e essa longa
viagem, com todo seu cortejo de vicissitudes, não representava
por certo uma tarefa muito fácil na sua idade.
Pouco tempo antes dessa viagem, Belzebu havia voltado
para sua casa, no planeta Karataz, lugar de seu advento, longe
do qual, em conseqüência de circunstâncias independentes da
sua essência, ele tinha passado numerosos anos em condições
contrárias à sua natureza.
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Esses longos anos de uma existência inabitual, com as


percepções e as experiencias estranhas à sua essência que elas
ocasionavam, não tinham deixado de marcar sua presença com
um sinal visível. Por certo, o tempo o havia envelhecido; entre­
tanto, essas condições inabituais de existência deviam levar Bel-
zebu, esse mesmo Belzebu cuja juventude tinha sido tão ex­
cepcionalmente forte, ardente e bela, a uma velhice não me­
nos excepcional.

Há muito, muito tempo antes disso, quando Belzebu exis­


tia ainda em sua casa, no planeta Karataz, ele havia sido esco­
lhido, em razão dos recursos extraordinários de sua inteligên­
cia, para servir no “Sol Absoluto”, principal lugar de residên­
cia do Nosso Soberano Senhor Eterno, e, com alguns de seus
semelhantes, tinha ocupado uma posição entre os familiares de
Sua Eternidade.
Ora, como sua razão não tinha ainda tido o tempo de se
formar, e o seu pensar jovem, e por isto mesmo ardente, em
que o fluxo das associações transcorria irregularmente, era en­
tão somente um pensar fundado sobre estreitas concepções —
como é natural aos seres enquanto não são completamente res­
ponsáveis —, ele percebeu um dia na administração do mundo
alguma coisa que lhe pareceu “ilógica”, e, encontrando um
apoio entre seus companheiros, seres incompletamente forma­
dos, como ele, se meteu no que não lhe dizia respeito.
A força e a impetuosidade da natureza de Belzebu eram
tais que sua intervenção, sustentada por seus camaradas, cati­
vou logo todas as razões, e pouco faltou para que ela fizesse
explodir uma revolução no império central do Megalocosmos.
Tomando ciência disso, Sua Eternidade se viu obrigada,
apesar de Seu Grande Amor e Sua Misericórdia Infinita, a exi­
lar Belzebu e seus amigos em uma das regiões longínquas do
Universo, no sistema solar “Ors”, que seus habitantes cha­
mam simplesmente “o sistema solar”; o planeta “Marte” lhes

60
PRÓLOGO

foi designado como lugar de existência, com o direito de habi­


tar noutros planetas, mas neste sistema solar somente.
Entre os exilados se encontravam, além dos companhei­
ros de Belzebu, todos aqueles que tinham simpatizado com ele,
seus familiares, seus subordinados e os de seus amigos.
Eles chegaram a essas longínquas paragens com seus fa­
miliares e os seus pertences, de modo que em pouco tempo se
formou no planeta Marte toda uma colônia de seres tri-
cêntricos, vindos dos diversos planetas da parte central de
Nosso Grande Universo.
Essa população estrangeira se adaptou pouco a pouco à
sua nova residência; grande número deles, para abreviar os lon­
gos anos de seu exílio, encontrou até uma ocupação, quer so­
bre o planeta Marte, quer sobre os planetas vizinhos — quase
abandonados em razão de seu afastamento do Centro e da po­
breza de todas as suas formações.
No decorrer dos anos seguintes, eles emigraram pouco a
pouco, em grande número, para outros planetas, quer por sua
própria vontade, quer por necessidades de ordem geral; ele,
Belzebu, permaneceu em Marte com seus familiares e ali orga­
nizou de maneira mais ou menos suportável sua existência.
Uma de suas principais ocupações foi instalar em Marte
um observatório destinado a explorar as concentrações lon­
gínquas do Universo, assim como a estudar as condições de
existência sobre os planetas vizinhos — observatório que se
tornou muito conhecido em seguida, e até mesmo célebre no
Universo inteiro.

Embora nosso sistema solar Ors tenha sido negligencia­


do, pelo fato de seu afastamento do Centro, assim como por
muitas outras razões, apesar disso os Mui Santos Individuuns
cósmicos que cercam Nosso Pai Eterno Comum enviaram de
tempos em tempos Mensageiros aos planetas desse sistema,
assim que eles foram povoados por seres tri-cêntricos, para ali

61
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

regularizar a existência destes últimos e colocá-la em sintonia


com a Harmonia universal.
Ora, a um dos planetas desse sistema solar, ao planeta
chamado “Terra”, foi um dia enviado como Mensageiro de
Nossa Eternidade um certo Ashyata Sheyimash. E Belzebu ten­
do realizado naquela época uma tarefa indispensável à missão
de Ashyata Sheyimash, este, em seu regresso ao Sol Absoluto,
implorou de Sua Eternidade a graça para aquele que, outrora
jovem e ardente, era então apenas um Belzebu já envelhecido.
Levando em consideração a súplica de Ashyata Sheyimash,
bem como a existência modesta e desde então consciente de
Belzebu, Nosso Criador e Autor o perdoou e lhe permitiu vol­
tar ao lugar de seu advento.
Assim então, após uma longa ausência, Belzebu havia
retornado ao centro do Universo.
Sua influência e sua autoridade, longe de se enfraquecer
durante o exílio, tinham ao contrário aumentado, os que o rodea­
vam tendo plenamente reconhecido que, graças a esses longos
anos passados em condições inabituais, seu saber e sua ex­
periência se haviam ao mesmo tempo ampliado e aprofundado.
Por isso, quando acontecimentos de uma importância
capital sobrevieram em um dos planetas do sistema solar Pan-
datznokh, os velhos amigos de Belzebu, sob o risco de
importuná-lo, resolveram convidá-lo à sua conferência.
Eis por que Belzebu empreendia na nave Karnak essa
longínqua viagem, do planeta Karataz ao planeta Revozvradendr.

Durante o período a que se refere nosso relato, todos os


passageiros estavam ocupados, quer em cumprir suas funções,
quer simplesmente em realizar o que se chama um “pensar es­
seral* ativo”.

* “Esseral”: do francês “étriqué”, é um neologismo criado pelo autor


para qualificar o que é próprio do ser. (N.T)

62
PRÓLOGO

Entre todos distinguia-se um jovem rapaz que se manti­


nha sempre perto de Belzebu.
Era Hassin, o filho de seu filho preferido, Tuluf.
Belzebu tinha visto pela primeira vez seu neto Hassin em
seu regresso do exílio; tendo apreciado seu bom coração, e ex­
perimentado por ele o que se chama uma “inclinação de famí­
lia”, logo se afeiçoou ao rapazinho.
E como havia chegado o momento de desenvolver a ra­
zão do pequeno Hassin, Belzebu, que tinha então muito tempo
livre, encarregou-se ele mesmo da educação de seu neto, e o
levava consigo a toda parte.
Hassin, por sua vez, se apegara de tal modo a seu avô que
não queria mais se afastar dele nem um passo; acolhia com avi­
dez tudo o que o avô lhe dizia e ensinava.
No início deste relato, Belzebu, Hassin e Ahun, o velho e
fiel servidor que o acompanhava por toda parte, estavam sen­
tados no “kasnik” superior, quer dizer, na ponte superior da
nave Karnak, sob o “kalnokranonis” — espécie de grande re­
doma de vidro; eles conversavam entre si, enquanto contem­
plavam os espaços infinitos.
Belzebu falava do sistema solar onde tinha passado lon­
gos anos.
Descrevia, desta vez, a natureza de um planeta chamado
“Vénus” e suas particularidades.
Durante a conversa, vieram anunciar a Belzebu que o
capitão da nave pedia para lhe falar. Belzebu consentiu.

63
Capítulo 3
Causa de um atraso
na queda da Karnak

ALGUNS instantes mais tarde, o capitão entrou e, após


ter saudado Belzebu com todo o cerimonial que a posição des­
te requeria, disse-lhe:
— Alta Reverência, permita-me pedir-lhe a vossa indis­
cutível opinião.
Um obstáculo que nos é impossível evitar se apresenta
em nossa rota, e se opõe à nossa queda em linha reta.
Se nossa nave segue o curso convencionado, ela atraves­
sará dentro de dois “kilprenos”'" o sistema solar “Vuanik”.
Pelo mesmo lugar onde deve passar nossa nave passará
igualmente, cerca de um kilpreno mais cedo, um grande come­
ta pertencente a esse sistema solar e que tem o nome de “Sakur”.
Se nos ativermos à direção prevista, cruzaremos inevita­
velmente a trajetória desse cometa.
Mas, como sabeis, Alta Reverência, esse “louco cometa”
espalha em sua esteira grande quantidade de “zilnotrago”***, e
este gás, quando penetra no corpo planetário dos seres, pertur­
ba a maior parte de suas funções enquanto não se tenha intei­
ramente volatilizado.

* A palavra “kilpreno”, na língua de Belzebu, designa um certo


lapso de tempo, quase igual ao que nós denominamos “uma hora”.
** “Zilnotrago” é o nome de um gás do gênero daquele que denomi­
namos “ácido cianídrico”.
CAUSA DE UM ATRASO

Pensei de início, prosseguiu o capitão, evitar essas zonas


de zilnotrago contornando-as com nossa nave. Isso nos obriga­
ria a fazer um grande desvio, o que alongaria um pouco nossa
viagem. Mas esperar que o zilnotrago tenha se dispersado to­
maria ainda mais tempo.
Diante desta alternativa, Alta Reverência, não posso de­
cidir nada por mim mesmo. Por isso, tive a ousadia de
importuná-lo para solicitar de vossa alta competência um
conselho.”

Quando o capitão acabou de falar, Belzebu refletiu um


instante e disse:
— Não sei muito o que lhe aconselhar, meu caro capi­
tão... Sim, todavia! No sistema solar onde passei longos anos se
encontra um planeta chamado "Terra”. Nesse planeta “Terra”
surgiam e continuam a surgir até agora estranhos seres tri-
cêntricos; entre eles, em um dos continentes que tem o nome
de “Ásia”, existia um ser tri-cerebral muito sábio, a quem lá
chamavam “Mulá Nassr Eddin”.
Esse sábio terrestre, Mulá Nassr Eddin, para todas as situa­
ções singulares da existência, grandes ou pequenas, tinha sen­
tenças sempre justas e mordazes.
E como essas sentenças continham todas, para os seres
de lá, um fundo de verdade, tomei-as eu também como guias
durante minha estada naquele planeta, a fim de lá gozar de
uma existência agradável entre eles.
No presente caso, meu caro capitão, aproveitarei uma
delas.
Numa situação como a que nos cabe compartir, ele teria
provavelmente dito:
“Não se pode saltar por cima de seus joelhos e é absurdo
querer beijar seu próprio cotovelo”.
E isto o que lhe direi agora, e acrescentarei: nada a fazer,
meu càro capitão, quando se vê surgir um acontecimento

65
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

proveniente de forças incomparavelmente superiores às suas,


é preciso se submeter.
Você diz que um desvio alongaria muito a nossa rota,
mas que a espera tomaria ainda mais tempo.
Muito bem, suponhamos até que esse desvio nos laça ga­
nhar um pouco de tempo. Que pensa você disso? Vale a pena
deixar trabalhar e se desgastar o maquinário da nossa nave para
chegar um pouco mais cedo ao destino?
Se esse desvio deve ocasionar tais eleitos, se deveria, a
meu ver, dar preferência a sua segunda proposta e deter-se em
algum lugar até que a rota esteja purificada deste nocivo
“zilnotrago”; pelo menos preservaríamos nossa nave de um
daño inútil.
E nos esforçaríamos em preencher o tempo desse atraso
imprevisto de uma maneira proveitosa para todos.
De minha parte, seria um prazer conversar com você so­
bre as naves atuais em geral, e da nossa em particular. Pois,
durante minha ausência, muitas invenções loram feitas, que
me são ainda totalmente desconhecidas.
No meu tempo, por exemplo, essas grandes naves transespa­
ciais eram tão complicadas e tão volumosas que a metade de
sua potência, ou quase, era empregada em transportar os ma­
teriais necessários à elaboração da energia que assegurava
sua locomoção.
Em compensação, as naves atuais, por sua simplicidade e
facilidades que oferecem para todas as manifestações esserais.,
são modelos de “felicitos-kirno”... Nos esquecemos até de que
não estamos em um planeta.
Pois bem, meu caro capitão, eu gostaria de saber como
conseguiram realizar tais maravilhas, e como funcionam as na­
ves atuais.
Por ora, vá, tome todas as medidas para a parada necessá­
ria; depois, quando estiver livre, volte a me ver, e passaremos o

66
CAUSA DE UM ATRASO

tempo de nosso inevitável atraso em conversas proveitosas


para todos.”

Quando o capitão saiu, Hassin se levantou bruscamente


e se pôs a dançar e a bater palmas, gritando:
— Como estou contente, como estou contente com o que
acontece!
Belzebu considerava afetuosamente as alegres manifes­
tações de seu favorito, mas o velho Ahun não pôde conter-se,
e, balançando a cabeça, se pôs a resmungar, censurando o me­
nino de não ser mais do que um “egoísta em formação”.
Ao ouvir Ahun tratá-lo deste modo, Hassin parou diante
dele e, olhando-o com ar travesso, disse-lhe:
— Não se zangue, meu bom Ahun. A causa da minha
alegria não é o meu egoísmo, mas uma feliz coincidência. Você
ouviu? Meu querido avô não só decidiu fazer uma parada, mas
também prometeu ao capitão conversar com ele.
E você bem sabe que meu querido avô é sempre levado,
na conversa, a falar dos lugares aonde foi; você sabe também
que ele narra maravilhosamente bem, e que os seus relatos crista­
lizam nas nossas presenças informações novas e interessantes.
Que egoísmo há nisso? Não foi ele mesmo quem, após
ter sopesado de bom grado, com sua sábia razão, todas as cir­
cunstâncias de um acontecimento imprevisto, decidiu por esta
parada que, aparentemente, não atrapalha muito os planos que
ele se havia traçado?
Meu querido avô, a meu ver, não tem nenhuma razão de
se apressar: ele tem na Karnak tudo o que é necessário a seu
conforto e a sua tranquilidade, e está cercado de todos aqueles
que ama e pelos quais é amado. ’
Lembre-se: ele acaba de dizer que a forças superiores às
suas não se deve resistir; e acrescentou que não somente não se
deve resistir, mas que se deve inclusive se submeter e aceitar

67
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

seus resultados com veneração, louvando e abençoando em Suas


divinas obras a previdência do Senhor Nosso Criador.
Não é a nossa má sorte que me alegra, mas o fato de que
um acontecimento imprevisto, vindo d’O-Alto, nos permitirá
uma vez mais ouvir os relatos de meu querido avô.
E culpa minha se as circunstancias se voltam para mim
da maneira mais desejável e mais feliz?
Não, meu caro Ahun, você não deve me repreender; deve
se juntar a mim para glorificar com reconhecimento a Fonte de
onde surgem todos os resultados benfazejos.”

Belzebu, ao mesmo tempo que sorria, havia escutado do


princípio ao fim, com atenção, a tagarelice do seu favorito:
— Você tem razão, meu querido Hassin, disse ele, e já
que é assim lhe contarei o que quiser antes da chegada do capitão.
A estas palavras, o menino correu imediatamente a se
sentar aos pés de Belzebu, refletiu um instante e disse:
— Querido avô, você já me falou tanto do sistema solar
no qual passou tão longos anos que eu teria talvez podido con­
tinuar, somente com a minha lógica, a descrever até em seus
detalhes a natureza desse recanto original do nosso Universo.
Entretanto, eu gostaria de saber se os planetas desse sis­
tema solar são habitados por seres tri-cerebrais e se “corpos
esserais superiores” se revestem neles.
Eis, querido avô, o que gostaria que me falasse, concluiu
Hassin olhando Belzebu com ternura.
— Sim, respondeu Belzebu, quase todos os planetas des­
se sistema solar são habitados por seres tri-cerebrais, e em quase
todos podem se revestir corpos esserais superiores. .
No entanto, os corpos esserais superiores, ou, como são
chamados em certos planetas desse sistema solar, as “almas”,
não se revestem nos seres tri-cerebrais que povoam certos pla­
netas, aqueles em que as emanações do Nosso Mui Santo Sol
Absoluto só atingem depois de ter perdido progressivamente,

68
CAUSA DE UM ATRASO

em conseqüência de refrações reiteradas, a plenitude de sua


força, e que não têm mais, a partir daí, o poder vivificador ne­
cessário ao revestimento dos corpos esserais superiores.
Naturalmente, meu filho, em cada um dos planetas desse
sistema solar, os seres tri-cerebrais que ali se constituem to­
mam uma forma exterior em sintonia com a natureza desse pla­
neta e se adaptam a ele em todos os seus detalhes.
Por exemplo, no planeta Marte onde estivemos exilados,
os seres tri-cêntricos se formam num “corpo planetário” que
tem o aspecto... como lhe dizer... o aspecto de um “karun”;
dito de outra maneira, eles têm um torso longo e maciço, abun­
dantemente provido de gordura, e uma cabeça com enormes
olhos bojudos e luminosos; sobre suas costas gigantescas estão
fixadas duas grandes asas; e, em sua base, dois pés relativa­
mente pequenos, armados de garras potentes.
Quase toda a força deste imenso corpo planetário serve
para elaborar a energia necessária a seus olhos e a suas asas.
Graças a esta particularidade, os seres tri-cerebrais desse
planeta estão em condições de ver por toda parte, seja qual for
a “kldatsakhti”", e podem não somente sobrevoar seu planeta,
mas também ultrapassar, em certos casos, os limites de sua
atmosfera.

“Um outro planeta, por vezes bastante próximo de Mar­


te, é povoado por seres tri-cerebrais que, em razão dos grandes
frios, são dotados de uma pele espessa e suave.
A forma exterior destes seres tri-cêntricos assemelha-se a
um “tussuk”, quer dizer, a uma espécie de globo duplo; o glo­
bo superior serve de receptáculo aos principais órgãos do cor­
po planetário, o globo inferior aos órgãos de transformação
dos “primeiro e segundo alimentos esserais”.

* “kldatsakhti” significa “escuridão”.

69
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

No globo superior, três orifícios se abrem para o exterior;


dois deles servem à visão e o terceiro à audição.
Quanto ao globo inferior, ele só conta com dois orifícios,
um anterior, que serve para receber o primeiro e o segundo
alimentos esserais, o outro posterior, que serve para expulsar
os dejetos fora do organismo.
Ao globo inferior estão igualmente fixados dois sólidos
pés tendinosos, comportando cada um deles uma espécie de
excrescência, que corresponde ao que são para nós os dedos.

“Nesse sistema solar encontra-se ainda, meu querido fi­


lho, um planeta bem pequeno que tem o nome de “Lua”.
Em seu movimento, ele passava muito perto do nosso
planeta “Marte” e, através do “tesskuano”* do meu observató­
rio, eu gostava de seguir, durante kilprenos inteiros, o processo
de existência dos seres tri-cerebrais que o povoavam.
Os seres desse planeta têm um corpo muito frágil, mas
dispõem de um espírito potente, que lhes confere uma perse­
verança e uma faculdade de trabalho excepcionais.
Sua forma exterior evoca a de grandes formigas-, como
aquelas, eles se afainam e trabalham continuamente na super­
fície e no interior de seu planeta.
Sua incessante atividade já deu resultados bem visíveis.
Constatei mesmo um dia que no espaço de dois dos nos­
sos anos eles tinham, por assim dizer, “perfurado” todo seu
planeta.
Eles haviam sido obrigados a este trabalho pelas condi­
ções atmosféricas anormais, devidas à maneira inopinada pela
qual seu planeta tinha surgido e ao fato de que as Forças Supe­
riores não tinham previsto regularizar sua harmonia climática.
Esse clima, digamos, é realmente “louco”, e ganharia pon­
tos, por sua inconstância, das mulheres histéricas mais fogosas
de um planeta desse sistema solar de que lhe falarei igualmente.
" “Tesskuano” significa “telescópio”.

70
CAUSA DE UM ATRASO

Nessa “Lua”, o frio é por vezes tao intenso que tudo ali
gela de um extremo a outro, e se torna impossível respirar em
atmosfera aberta; depois, repentinamente, reina ali um tal ca­
lor que um ovo cozinha num piscar de olhos.
Mas no curso de dois breves períodos, antes e depois do •
fim de uma volta completa ao redor de um planeta vizinho, faz
ali um tempo tào divino que ao cabo de algumas oscilações ela
fica em plena floração. Dá então aos seus habitantes uma quan­
tidade de produtos que servem para primeiro alimento esseral
deles, bem mais do que o necessário para sua existência no
original império intraplanetário que eles organizaram para si
ao abrigo das intempéries desse “louco” clima, que jamais mo­
difica harmoniosamente o estado de sua atmosfera.

, “Não longe desse pequeno planeta encontra-se um ou­


tro, maior, que passa algumas vezes muito perto de “Marte”,
ele também, e que tem o nome de “Terra”.
A “Lua” é, aliás, um fragmento desse planeta “Terra”, o
qual deve perpetuamente manter a existência dela.
. Nessa “Terra” se formam também seres tri-cerebrais e
estes possuem todos os dados que permitem a “corpos esserais
superiores” revestir-se neles.
' Mas, no que se refere à “força de espírito”, eles não se
assemelham em nada aos seres que povoam o planeta de que
acabo de falar.
O revestimento exterior dos seres do planeta “Terra” se
parece muito com o nosso, embora sua pele seja um pouco
mais viscosa; além disso, eles não têm cauda e sua cabeça é
desprovida de chifres. Mas o pior são seus pés, pois eles não
têm cascos. É verdade que imaginaram, para protegê-los das
influências exteriores, o que chamam “sapatos”; entretanto, sua
invenção não lhes serve para grande coisa.
Além da imperfeição de seu exterior, sua razão é verda­
deiramente de uma “estranheza única”.

71
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Em conseqüência de causas variadas, das quais lhe fala­


rei talvez um dia, sua “razão esseral” degenerou pouco a pou­
co, e ela é atualmente das mais originais, e mesmo bizarra ao
mais alto grau.”

Belzebu queria ainda dizer alguma coisa, quando o capi­


tão entrou.
Após ter prometido ao jovem lhe descrever uma outra
vez os seres do planeta Terra, Belzebu se dirigiu ao capitão.
Pediu-lhe para dizer, de início, quem era, desde quando
era capitão, se gostava muito de seu ofício e, finalmente, que
lhe desse alguns esclarecimentos sobre as naves cósmicas atuais.
• O capitão lhe respondeu:
— Alta Reverência, antes mesmo de ter atingido a idade
de um ser responsável, fui destinado por meu pai a esta carrei­
ra, para servir a Nosso Criador Eterno.
Exerci primeiro nas naves transespaciais as mais baixas
íunções, e finalmente merecí assumir o cargo de capitão; já faz
oito anos que o exerço nas naves de longo curso.
Em meu último emprego, nesta nave Karnak, onde, por
sinal, sucedí a meu pai — que exercia quase desde o início da
criação do mundo as íunções de capitão —, depois que ele se
tornou digno, pelos longos anos de um serviço irrepreensível
junto a Sua Eternidade, de receber o cargo de governador do
sistema solar Kalman.
Em suma, comecei meu serviço no momento em que
Vossa Alta Reverência partia para o seu lugar de exílio.
Eu era então apenas um simples “varredor” nas naves de
longo curso daquele tempo.
Sim... longos, longos anos se passaram.
Desde então, tudo mudou e tudo íoi mudado. Só perma­
neceu imutável Nosso Soberano Senhor — que a bênção
“Amentzano” esteja sobre Sua Imutabilidade por todos os sé­
culos dos séculos!

72
CAUSA DE UM ATRASO

“Observastes muito justamente, Alta Reverência, que as


antigas “naves” eram incómodas e muito volumosas.
Sim, por certo, elas eram complicadas e das mais incô­
modas. Lembro-me muito bem disso, eu também. Há uma enor­
me diferença entre as naves de antigamente e as de hoje.
Em nossa juventude, todas as naves que serviam às co­
municações intersistemárias, bem como interplanetárias, eram
movidas por meio da substância cósmica “elekilpomagtistion”,
constituída por duas partes distintas do Okidanokh onipresente.
E era para produzir esta substância (que essas naves de
antigamente deviam transportar uma tal quantidade de materiais.
Após vosso afastamento, não tardaram a renunciar a es­
sas embarcações; elas foram logo substituídas por naves cons­
truídas segundo o sistema de São Venóme.

73
Capítulo 4
A lei de queda

ISTO se passou no ano 185, segundo um cálculo objeti­


vo do tempo.
São Venóme, em razão de seus méritos, tinha sido cha­
mado do planeta “Surte” e enviado ao Santo Planeta do “Pur­
gatorio”, onde, assim que se familiarizou com o ambiente e
suas novas obrigações, consagrou todo seu tempo livre à sua
ocupação favorita.
Esta ocupação favorita consistia em investigar que fenô­
menos novos podiam ser obtidos a partir de combinações de
fenômenos atuais, conformes às leis.
Ao fim de algum tempo, São Venóme, ao estudar as leis
cósmicas, fez uma constatação que veio a ser o ponto de parti­
da de uma descoberta célebre; e ele foi o primeiro a designar
esta descoberta pelo nome de “lei de queda”.
São Venóme enunciou esta lei da maneira seguinte:
“Tudo o que existe no mundo “cai-para-baixo”. O “bai­
xo” é, para cada parte do Universo, a “estabilidade” mais pró­
xima, e esta estabilidade é o ponto em direção ao qual conver­
gem as linhas de forças que vêm de todas as direções.
“Os centros de todos os sóis e de todos os planetas de
nosso Universo são, precisamente, tais pontos de estabilidade.
Eles são o “baixo” dessa zona do espaço em direção à qual
tendem rigorosamente, e onde se concentram, vindas de todas
as direções, as forças de uma parte dada do Universo. Em cada
um desses pontos se encontra igualmente o centro de gravidade
A LEI DE QUEDA

que permite aos sóis e aos planetas manter suas posições res­
pectivas.”
São Venóme expôs em seguida que todo corpo, onde quer
que se encontre, se é largado no espaço, tende a cair em um sol
ou outro, em um planeta ou outro, segundo o planeta ou o sol ao
qual pertence a região do espaço onde esse corpo é solto; por­
que este sol, ou este planeta, é, nesse caso, a “estabilidade” ou
o “baixo” da região dada.

Partindo daí, São Venóme, prosseguindo suas pesquisas,


se perguntava:
“Já que é assim, não poderiamos tirar proveito desta pro­
priedade cósmica para assegurar os deslocamentos que nos são
indispensáveis entre os espaços do Universo?”
A partir daí, ele trabalhou nessa direção.
Seus santos trabalhos ulteriores lhe mostraram que a coi­
sa era possível em princípio, mas que ele não poderia aplicar
plenamente, para este fim, a lei de queda que havia descober­
to, pela simples razão de que as atmosferas que cercam quase
todas as concentrações cósmicas seriam obstáculo à queda em
linha reta do corpo solto no espaço.
Uma vez feita esta constatação, São Venóme pôs toda sua
atenção para encontrar o meio de construir, segundo o princí­
pio de queda, naves capazes de vencer essa resistência da at­
mosfera.
Três “lúnia” mais tarde, São Venóme encontrou esse meio.
E assim que se concluiu, sob sua direção, uma construção apro­
priada, ele conduziu as experiências práticas.
Esse edifício especial tinha o aspecto de uma grande sala
cujas paredes eram feitas de uma certa matéria, semelhante ao
vidro.
Sobre todas as paredes estavam fixadas espécies de “pos­
tigos”, feitos de ulna matéria impermeável aos raios da subs­
tância cósmica “elekilpomagtistion”. Estes postigos, ao mesmo

75
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

tempo que se ajustavam exatamente às paredes, podiam orientar­


se à vontade em todas as direções.
Nesta sala estava colocada uma certa “bateria”, que ela­
borava e fornecia a substancia elekilpomagtistion.

“Eu mesmo assisti, Vossa Alta Reverência, às primeiras


experiências efetuadas por São Venóme, segundo o princípio
que ele havia descoberto.
Todo o segredo consistia nisto: quando, ao deslocar os pos­
tigos, se deixava filtrar, através desse vidro especial, os raios
do elekilpomagtistion, estes destruíam, em todo o espaço per­
corrido, aquilo que constitui geralmente a atmosfera mesma
dos planetas, “ar”, “gases” de todos os tipos, “neblina” etc.
Esta parte do espaço tornava-se de fato absolutamente vazia, e
não apresentava mais nenhuma resistência; a tal ponto que um
ser recém-nascido, empurrando essa enorme armação, a teria
feito avançar como uma pluma.
Sobre a face exterior das paredes dessa estranha sala es­
tavam fixados apêndices em forma de asas, movidos pela mes­
ma substância elekilpomagtistion, e que serviam para dar im­
pulso a esse imenso edifício, para pô-lo em marcha na direção
desejada.
Os resultados dessas experiências foram encorajados e
abençoados por uma comissão de controle presidida pelo Ar­
canjo Adossi; depois do que, se procedeu à construção de uma
grande nave segundo esses princípios.
Logo que ela ficou pronta, foi posta em serviço; e em
breve, em todas as linhas de comunicações intersistemárias, cir­
cularam somente naves desse tipo.

Certamente, as naves construídas segundo esse sistema


eram irrepreensíveis nos espaços sem atmosfera, onde podiam
se mover quase à velocidade dos raios “etsikolniunakhianos”
oriundos dos planetas; no entanto, assim que se aproximavam

76
A LEI DE QUEDA

de um sol ou de um planeta, a navegação se tornava um verda­


deiro tormento para os seres que as dirigiam, tanto ela exigia
manobras difíceis — requeridas por essa mesma “lei de queda”.
Assim que a nave entrava no meio atmosférico de um sol
ou de um planeta, ela começava a cair em direção a esse sol ou
a esse planeta, e era preciso, como acabo de dizer, muita aten­
ção e grandes conhecimentos para prevenir essa queda fora
de sua rota.
Quando essas naves passavam perto de um sol ou de um
planeta, era preciso frequentemente reduzir sua velocidade
várias centenas de vezes.
Elas eram particularmente difíceis de dirigir nas para­
gens onde havia profusão de “cometas”.
Por isso eram muito exigentes com aqueles que estavam
encarregados delas; eles eram preparados para a sua tarefa por
seres de uma Razão muito alta.
Apesar destes inconvenientes, o sistema de São Venóme
pôs de lado pouco a pouco, como já lhe disse, todos os siste­
mas precedentes. .
Os navios do sistema de São Venóme já existiam havia
vinte e três anos quando se espalhou repentinamente o boato
de que o Grande-Anjo Khariton tinha inventado, para as co­
municações intersistemárias e interplanetárias, um novo tipo
de nave.

77
Capítulo 5
Sistema do Arcanjo Khariton

POUCO depois, sempre sob a supervisão do Grande Ar­


canjo Adossi, foram feitas publicamente experiências práticas
dessa nova invenção que devia adquirir tanta importância depois.
Esse novo sistema foi unánimemente reconhecido como
o melhor, e de pronto adotado para o serviço universal, de modo
que suplantou pouco a pouco todos os precedentes.
Ainda em nossos dias o sistema do Grande-Anjo, hoje
Arcanjo Khariton, é aplicado em toda parte.
A nave na qual voamos neste momento obedece aos mes­
mos princípios; a construção dela é semelhante àquela de to­
das as naves concebidas segundo esse sistema.
Este não é muito complicado.
Toda esta grande invenção consiste num único cilindro
que tem a forma de um tonel ordinário.
E o segredo deste cilindro reside na disposição dos mate­
riais de que são feitas suas paredes interiores.
Estes estão isolados uns dos outros por “âmbar”; e eles
têm a propriedade, pelo fato de que estão dispostos em uma
certa ordem, de agir sobre toda substância cósmica gasosa que
penetre no espaço circundante— “atmosfera”, “ar”, “éter” ou
qualquer outro “conjunto” de elementos cósmicos homogêneos
— e de fazê-la dilatar-se imediatamente.
O fundo desse “cilindro-tonel” está selado com o maior cui­
dado; a tampa, embora podendo ser ela também herméticamente
SISTEMA DO ARCANJO KHARITON

fechada, está fixada a dobradiças, de maneira a poder se abrir


sob a pressão vinda do interior e voltar a se fechar depois. '
Ora, Alta Reverência, quando o cilindro se enche de ar,
de atmosfera, ou de qualquer outro elemento semelhante, es­
sas substancias, sob a ação das paredes do original cilindro-tonel,
dilatam-se tanto que esse espaço não lhes é mais suficiente.
Esforçando-se para encontrar uma saída para fora desse
local demasiado exíguo, elas empurram naturalmente a tampa
do cilindro; a tampa gira sobre suas dobradiças, se abre, deixa
escapar essas substancias dilatadas e se fecha instantaneamen­
te. E, como a Natureza tem horror ao vazio, à medida que saem
as substancias gasosas dilatadas, o cilindro-tonel se enche de
novo com substancias frescas do espaço, que sofrem o mesmo
destino que as precedentes, e assim por diante, indefinidamente.
De maneira que essas substâncias se renovam sem cessar,
e a tampa do cilindro-tonel se abre e se fecha alternadamente.
A essa tampa está acoplada uma alavanca muito simples,
acionada pelo próprio movimento da tampa, e que faz funcio­
nar, por sua vez, várias engrenagens pouco complicadas; estas
fazem então girar paletas fixadas nas laterais e na parte de trás
da nave.

“Assim, pois, Alta Reverência, nos espaços que não ofe­


recem nenhuma resistência, as naves atuais, como a nossa, caem
simplesmente em direção à “estabilidade” mais próxima; mas
nos espaços onde se encontram substâncias cósmicas que ofe­
recem resistência, estas substâncias, encontrando-se submeti­
das, seja qual for sua densidade, à ação das paredes do cilin­
dro, asseguram a marcha da nave na direção desejada.
E interessante notar que quanto mais a substância-ele-
mento é densa, numa dada parte do Universo, melhor se efetuam
a carga e a descarga do cilindro-tonel; a velocidade do mo­
vimento das alavancas, consequentemente, encontra-se au­
mentada. ,

79
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Entretanto, repito, o espaço sem atmosfera, quer dizer, o


espaço que contém somente o “ethernokrilno” mundial, é, para
as naves atuais como para as antigas, o melhor, porque ele não
oferece nenhuma resistência, e a “lei de queda” pode então ali
ser utilizada em sua plenitude, sem que intervenha o trabalho
do cilindro.
As naves atuais têm ainda a vantagem de poderem, nos
espaços sem atmosfera, receber impulsos em qualquer direção
e cair no lugar desejado, o que não se consegue obter com as
armações do sistema de São Venóme sem se recorrer a mano­
bras muito difíceis.
Em suma, Alta Reverência, as naves atuais, em termos de
comodidade e simplicidade, não têm mais nada em comum com
as antigas, as quais, sendo mesmo freqüentemente muito com­
plicadas, não comportavam nenhuma das vantagens que apre­
sentam aquelas de que nos servimos hoje.”

80
Capítulo 6
Perpetuum Mobile

ESPERE... Espere... interrompeu Belzebu. Isto que você


acaba de dizer corresponde exatamente à idéia quimérica à qual
os estranhos seres tri-cerebrais que povoam o planeta Terra
deram o nome de “perpetuum mobile”, e que em certa época
tornou “loucos” um tào grande número deles — quando não
os fez perecer.
Um belo dia veio à mente de alguém, nesse desafortuna­
do planeta, a idéia “insensata” — segundo a expressão deles
— de que era possível inventar um “mecanismo” que trabalha­
ria continuamente, sem exigir nenhum aporte de matéria exterior.
E esta idéia teve um tal sucesso que quase todos os origi­
nais desse singular planeta se puseram a pensar nela para ten­
tar realizar essa “maravilha”.
Quantos deles sacrificaram então a esta idéia quimérica
todos os bens materiais e espirituais que haviam adquirido com
grande dificuldade anteriormente!
Cada qual, por uma razão qualquer, tinha absolutamente
de inventar o que acreditava não ser mais que uma “bagatela”.
Muitos deles, se as condições lhes permitiam, se obstina­
vam em descobrir esse “perpetuum mobile”, mesmo não ten­
do para este trabalho nenhuma condição interior — contando
uns com seu “saber”, os outros com o acaso, e impulsionados
em sua maioria por uma psicopatía definitiva.
Em suma, inventar o “perpetuum mobile” estava, como
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

eles dizem, “na moda”, e qualquer farsante de lá se acreditava


obrigado a interessar-se pela questão.

“Eu me encontrava um dia em uma das cidades onde se


expunham todos os tipos de “modelos” e inumeráveis “proje­
tos” de mecanismos para esse “perpetuum mobile”.
O que não se descobria ali!... Que máquinas tortuosas e
complicadas não vi lá!... Havia, em qualquer dos mecanismos
que eu tinha diante dos olhos, mais idéias e “sabichonices”
que em todas as leis da criação do mundo e da existencia do
mundo.
Como notei então, em todos esses inumeráveis modelos
e projetos de mecanismos dominava a preocupação de tirar par­
tido da “força da gravidade”. A idéia deles era a seguinte: um
mecanismo dos mais complicados devia levantar “um certo
peso”, o qual devia cair, para repor em movimento por sua
queda todo o mecanismo, que devia então fazer remontar o
peso, e assim por diante...
O resultado foi que milhares desses infelizes tiveram de ser
internados em “asilos de loucos”; enquanto milhares de ou­
tros, perdidos nesse sonho, negligenciavam completamente as
obrigações esserais bem ou mal estabelecidas no decorrer de
numerosos séculos — ou então as cumpriam da maneira mais
lamentável.
Não sei como tudo isso teria terminado se um ser com­
pletamente idiotizado, já em declínio, um desses que eles cha­
mam “velhos caducos”, e que havia adquirido lá, por truques a
seu estilo, certa autoridade, não tivesse demonstrado, por “cál­
culos” só por ele conhecidos, que inventar esse “perpetuum
mobile” era radicalmente impossível.

“Agora, graças às suas explicações, compreendo muito


bem como funciona o “cilindro” do sistema do Arcanjo Khari­
ton: era precisamente com isso que sonhavam aqueles infelizes.

82
PERPETUUM MOBILE

Com efeito, pode-se afirmar que este cilindro, na presen­


ça unicamente da atmosfera, funcionará sem parar e sem ter
necessidade de materiais externos.
E posto que sem planetas, e por conseqüência sem at­
mosfera, o mundo nâo pode existir — enquanto existir o mun­
do, e por conseguinte a atmosfera, o cilindro-tonel inventado
pelo Grande Arcanjo Khariton funcionará, ele também, sempre.
A única pergunta que me faço agora é esta: de que maté­
ria esse cilindro-tonel é constituído?
Peço-lhe, meu caro capitão, a gentileza de me dar alguns
esclarecimentos e de me dizer quanto tempo esses materiais
podem durar.”

A pergunta de Belzebu, o capitão respondeu:


— Se bem que esse cilindro-tonel não seja eterno, ele
pode no entanto durar muito tempo.
Sua parte principal é feita de “âmbar”, ela é cercada de
“platina”, e a face interior de suas aduelas é composta de “hu­
lha”, de “cobre”, de “marfim” e de um “mástique” muito sóli­
do, que não teme nem “peïshakir”", nem “teïnoler”"", nem
“saliakuriapi”" * ", nem mesmo as radiações das concentrações
cósmicas.
Entretanto, prosseguiu o capitão, as outras peças — ala­
vancas exteriores e engrenagens — devem ser renovadas de
vez em quando, porque, embora sendo feitas do mais duro
“metal”, elas podem se gastar com o tempo.
Quanto ao corpo mesmo da nave, não se pode respon­
der, evidentemente, sobre a duração de sua existência.”

O capitão queria ainda dizer alguma coisa quando, por

" “peïshakir”: o frio,


“teïnoler”: o calor.
" ** “saliakuriapi”: a água.

83
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

toda a nave, ressoou um som prolongado que lembrava as


vibrações distantes de um acorde menor dado por urna orques­
tra de instrumentos de sopro.
Desculpando-se, o capitão levantou-se e explicou, já ca­
minhando, que era certamente solicitado para um assunto muito
grave, pois todos sabiam que ele estava com Sua Alta Reverên­
cia, e ninguém ousaria importuná-lo por um motivo fútil.

84
Capítulo 7
Do conhecimento
do verdadeiro dever esseral

APÓS a partida do capitão, Belzebu olhou seu neto, e,


inquieto com o estado extraordinário em que o via, perguntou-
lhe com solicitude:
— Então, o que tem você, meu querido filho? E êm que
pensa tão intensamente?
Então Hassin levantou para seu avô um olhar cheio de
melancolia e respondeu gravemente:
— Não sei o que tenho, querido avô, mas sua conversa
com o*capitão conduziu meu pensamento a reflexões muito
tristes.
Neste momento se pensam em mim coisas nas quais nun­
ca havia pensado antes.
Sua conversa pouco a pouco esclareceu meu consciente
sobre o fato de que, no Universo de Nossa Eternidade, tudo
nem sempre foi como o vejo e o compreendo hoje.
Antes, por exemplo, eu jamais teria me permitido imagi­
nar, mesmo se esse pensamento me viesse por associação, que a
nave na qual voamos pudesse ser diferente do que ela é atual­
mente.
Acabo apenas de compreender que tudo isso de que usu­
fruímos, todas as comodidades modernas, tudo o que é indis­
pensável ao nosso conforto e ao nosso bem-estar não existiu
sempre e nem se fez tão simplesmente.
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Foi preciso que seres de épocas passadas trabalhassem


durante muito tempo e suportassem muitos sacrifícios, dos quais
poderiam talvez se poupar.
Eles trabalharam e sofreram unicamente para que nós
possuíssemos hoje todas estas coisas e as usássemos para nosso
bem-estar.
E isto, consciente ou inconscientemente, eles o fizeram
para nós, para seres que lhes eram desconhecidos e completa­
mente indiferentes.
Nós outros, no entanto, não lhes somos reconhecidos por
isso, nós os ignoramos mesmo completamente, sem mais refle­
tir sobre a questão nem nos preocupar minimamente a respei­
to, como se tudo isso estivesse dentro da ordem das coisas.
A mim, por exemplo, que existo há tantos anos no Uni­
verso, nunca me veio a idéia de que tenha havido talvez um
tempo onde tudo o que vejo, tudo o que possuo não existia, e
que tudo isso não nasceu comigo, como nasceu comigo a ponta
do meu nariz.
E agora, querido bem amado avô, já que sua conversa
com o capitão me fez tomar consciência disso com toda a mi­
nha presença, sinto a necessidade de compreender por que as
comodidades de que desfruto hoje me são pessoalmente da­
das, e a quais obrigações isso me leva.
Tudo isso, querido avô, desperta em mim o “processo de
remorso”.
Depois, Hassin, baixando a cabeça, calou-se.

Belzebu, olhando-o com afeição, respondeu-lhe:


— Eu o aconselho, meu querido Hassin, a não se fazer
de modo algum tais perguntas. Tenha paciência. Quando che­
gar o tempo que lhe foi designado para o conhecimento destas
questões essenciais, você refletirá ativamente e compreenderá
então o que deve fazer em retribuição.

86
DO VERDADEIRO DEVER ESSERAL

Você ainda não está obrigado, em sua idade, a pagar por


sua existência.
Hoje, você não tem de pagar por sua existência, mas pre­
parar-se, para o futuro, para as obrigações que convêm a um
ser tri-cerebral responsável.
Por enquanto, permita-se existir.
Somente, não esqueça isto: em sua idade, é indispensável
estabelecer a cada dia, ao nascer do sol, contemplando o refle­
xo do seu brilho, um contato entre sua consciência e as diver­
sas partes inconscientes de sua presença inteira. Você deve es­
forçar-se em fazer durar este estado, pensar e convencer suas
partes inconscientes — como se fossem conscientes — de que
se elas ameaçarem o equilíbrio geral de suas funções no pro­
cesso de existência ordinária, elas nunca poderão desfrutar dos
bens que lhes são destinados no período da idade responsável,
e que sua presença integral, da qual elas são partes, não estaria
em condições de pagar dignamente por seu advento e por sua
existência, e seria pois incapaz de ser um bom servidor para o
Nosso Criador Eterno Comum.
Enquanto isso, eu o repito, meu querido filho, esforce-se
em não pensar em questões nas quais ainda é demasiado cedo
para você pensar.
Cada coisa vem em seu tempo.
E, agora, lhe falarei do que você quiser: é evidente que o
capitão está retido por suas obrigações e não voltará por um
bom tempo.”

87
Capítulo 8
Onde este malandro
do Hassin, o neto de Belzebu,
ousa nos tratar de lesmas

HASSIN correu imediatamente a sentar-se aos pés de


Belzebu e disse em tom carinhoso:
— Fale-me do que quiser, querido avô. Ouvirei qualquer
história com alegria, pois é você quem a contará.
— Não, replicou Belzebu, pergunte-me sobre o que lhe
interessa mais. Terei prazer em lhe falar do que você tem parti­
cularmente desejo de conhecer.
— Querido, bem-amado avô... Conte então alguma coisa
sobre os... como os chamam? esqueci... ah! sim!... as “lesmas”.
— O quê! Que lesmas?, perguntou Belzebu, que não com­
preendia a pergunta do jovem.
— Lembra-se, vovô, de que, quando me falou dos seres
tri-cerebrais que povoam os diversos planetas do sistema solar
onde você existiu por tanto tempo, ainda me disse, entre ou­
tras coisas, que em um dos planetas — também esqueci seu
nome — existiam seres tri-cerebrais que, resumindo, se pare­
cem a nós, mas cuja pele é um pouco mais viscosa que a nossa?
— Ah ah ah!..., riu-se Belzebu, você quer certamente se
referir aos seres que povoam o planeta “Terra”, e que se deram
o nome de “homens”?
— Sim, vovô, sim, é isso. Dê-me detalhes sobre esses “se­
res-homens”, eu gostaria de conhecê-los mais”.
ONDE HASSIN NOS TRATA DE LESMAS

Belzebu refletiu:
— Eu poderia lhe falar longamente sobre eles, já que fui
com freqüência a esse planeta; vivi muito tempo entre esses
seres terrestres tri-cerebrais, e até estabelecí amizade com um
grande número deles.
Seria realmente muito interessante para você aprender a
conhecê-los bem, pois sào bastante originais.
Você veria neles muitos traços que não encontrará em
nenhum outro ser, em nenhum planeta de Nosso Grande
Universo.
Eu os conheço muito bem, pois assisti a seu aparecimen­
to e ao desenvolvimento de sua existência, que se desenrolou
sob os meus olhos durante longos, mui longos “séculos”, se­
gundo o cálculo de tempo deles. .
E assisti não somente a seu aparecimento, mas à forma­
ção definitiva de seu planeta.
Quando chegamos pela primeira vez a esse sistema solar
para nos fixarmos no planeta “Marte”, não existia nada ainda
nessa “Terra”; ela não tinha tido sequer tempo de se esfriar
inteiramente depois de sua concentração.
Se você quiser, começarei por lhe contar os acontecimen­
tos de caráter cósmico geral dos quais esse planeta foi vítima, e
que causaram numerosas e graves preocupações à.Nossa
Eternidade.
— Sim, avô querido, conte. Será certamente muito inte­
ressante, como, aliás, tudo o que você conta .”

89
Capítulo 9
Causa da gênese da Lúa

E Belzebu começou assim:


— Chegando ao planeta Marte, no qual tínhamos ordem
de existir, nos instalamos pouco a pouco.
Estávamos ainda absorvidos pela organização exterior de
nossa existência para torná-la mais ou menos tolerável neste
meio que nos era estranho quando de repente, em um dos dias
em que mais tínhamos a fazer, o planeta Marte foi sacudido
por inteiro. Depois do que se espalhou um mau cheiro tão “em-
brutecedor” que à primeira vista o Universo nos pareceu ter se
impregnado de alguma coisa de “inexprimível”. '
No fim de certo tempo, o odor se dissipou; tendo reco­
brado nossos sentidos, nos demos conta do que tinha se passa­
do. Compreendemos então que a causa deste fenômeno assus­
tador era precisamente o planeta “Terra” — que em certos
momentos passava tão perto de Marte que podíamos observá-
lo claramente sem a ajuda de nossos “tesskuanos”.
Por razões que não podíamos ainda nos explicar, esse
planeta havia “estourado”, e dois fragmentos tinham se desta­
cado dele para ir voar no espaço.

“Já lhe disse que naquele tempo esse sistema solar mal
acabara de se constituir, e não participava ainda plenamente
do que se chama “a harmonia de sustentação recíproca de to­
das as concentrações cósmicas.”
CAUSA DA GÊNESE DA LUA

Ficou evidente mais tarde que, em conformidade com


esta “harmonia de sustentação recíproca de todas as concen­
trações cósmicas”, um cometa dito “de grande órbita”, que
existe em nossos dias sob o nome de “cometa Kondur”, devia
ele também atravessar esse sistema.
Esse cometa já estava “concentrado” naquela época, mas
percorria pela primeira vez sua trajetória definitiva.
E como nos explicaram mais tarde, confidencialmente,
certos Individuuns sagrados competentes, a trajetória descrita
por esse cometa devia cruzar aquela da Terra.
Ora, em conseqüência de cálculos errados de um certo
Individuum sagrado, perito em matéria de leis de criação e de
conservação do mundo, os momentos em que essas duas con­
centrações deviam passar pelo ponto de interseção de suas tra­
jetórias respectivas coincidiram. Devido a esse erro, o planeta
Terra e o cometa Kondur entraram em colisão; eles se choca­
ram tão violentamente que, pelo impacto, como já o disse,
dois grandes fragmentos se destacaram do planeta Terra para
ir voar no espaço.
. Esse choque teve graves repercussões, pois esse planeta
mal acabara de se formar, e sua atmosfera, que teria podido
servir de “amortecedor”, não havia tido tempo de se constituir
inteiramente.

“Ora, meu filho, Nossa Eternidade foi informada imedia­


tamente desta catástrofe cósmica geral.
Logo foi enviada do Mui Santo Sol Absoluto ao sistema
solar “Ors” uma importante comissão de Anjos e de Arcanjos,
especialistas em matéria de criação do mundo e de manuten­
ção do mundo, sob a direção do Grande Arcanjo Sakaki.
Essa Mui Alta Comissão chegou ao nosso planeta Marte,
que era o mais próximo da Terra, para ali empreender suas
investigações.

91
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Os membros sagrados dessa Mui Alta Comissão nos tran-


qüilizaram bem rápido, dizendo-nos que não havia mais que
temer um desastre de grande extensão cósmica.
E o Arqui-Engenheiro Arcanjo Alguemathant teve a bon­
dade de nos explicar ele mesmo que, segundo toda probabi­
lidade, as coisas tinham se passado assim:
“Os fragmentos destacados do planeta Terra tinham per­
dido o impulso dado pelo choque antes de terem transposto os
limites da esfera de influência desse planeta; então haviam co­
meçado, em conformidade com a “lei de queda”, a recair sobre
sua massa inicial.
“Entretanto, eles não recaíram sobre ela, porque, no cur­
so de sua queda, passaram a estar sob a influência de uma lei
cósmica chamada “lei de recuperação” e ficaram definitivamen­
te submetidos a ela. Eles deviam então descrever, ao redor de
sua massa inicial, órbitas elípticas perfeitas, como aquela que
descrevia e que descreve ainda este último, quer dizer, o plane­
ta Terra, ao redor de seu sol Ors.
“E será assim indefinidamente, a menos que uma nova
catástrofe cósmica imprevista venha mudar tudo isso, num sen­
tido ou no outro.
“Que o acaso seja louvado!... concluiu Sua Grandeza Pen­
tadimensional, o movimento harmônico sistemário geral não
foi de modo algum perturbado por isso e a tranqüila existência
do sistema Ors foi logo restabelecida.”
Entretanto, meu filho, após ter considerado todos os da­
dos de que dispunha, assim como as modificações suscetíveis
de se apresentar no futuro, essa Mui Alta Comissão avaliou
que os fragmentos do planeta Terra, mesmo se eles se manti­
vessem temporariamente em suas posições atuais, poderiam de­
pois sair delas — devido a certas “translações tastartunarnia-
nas” que eles previam — e ocasionar todo tipo de calamidades
irreparáveis para o sistema Ors, assim como para os sistemas
solares vizinhos.

92
CAUSA DA GÊNESE DA LUA

Assim, para afastar essa eventualidade, a Mui Alta Co­


missão resolveu tomar antecipadamente certas medidas.
E ela reconheceu que o melhor seria fazer de modo que a
massa inicial, quer dizer, o planeta Terra, mantivesse esses dois
fragmentos destacados, enviando-lhes continuamente as vibra­
ções sagradas ditas “askokinns”.
A substância sagrada “askokinn” só se constitui nos pla­
netas quando as duas leis cósmicas fundamentais, o “Heptapa­
raparshinokh sagrado” e o “Triamazikamno sagrado”, ali fun­
cionam da maneira chamada “ilnosoparniana”, quer dizer,
quando estas duas leis cósmicas sagradas se revelam e se mani­
festam, na superfície da concentração cósmica dada, de manei­
ra independente — independente somente dentro de certos
limites, é claro.

“Ora, meu filho, como semelhante realização cósmica só


pode se fazer com a sanção de Sua Eternidade, o Grande Ar­
canjo Sakaki, acompanhado de. alguns membros sagrados des­
ta Mui Alta Comissão, foi imediatamente junto à Sua Eternida­
de para solicitar a dita sanção.
E, tendo os Individuuns sagrados obtido de Nossa Eter­
nidade Sua aprovação, esse processo foi realizado na Terra —
sempre sob a direção do Grande Arcanjo Sakaki. A partir des­
te momento, tudo surgiu nesse planeta em conformidade com
o Ilnosoparno, e esses fragmentos destacados que existem ain­
da em nossos dias deixaram de constituir uma ameaça de ca­
tástrofe universal.
O maior destes dois fragmentos foi denominado “Lun-
derpertzo” e o menor, “Anúlios”; foi assim mesmo que os seres
ordinários tri-cerebrais que apareceram depois na Terra os cha­
maram de início. Porém eles receberam mais tarde, segundo as
épocas, nomes diferentes. Assim é que o grande fragmento foi
designado, não faz muito tempo, com o nome de “Lua”; quan­
to ao pequeno fragmento, foi pouco a pouco esquecido, de tal

93
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

modo que os seres dos tempos atuais não só não lhe dão ne­
nhum nome, como nem mesmo suspeitam mais de sua existência.
E interessante notar a este respeito que os seres de um
continente desse planeta, o continente da Atlântida, que desa­
pareceu depois, conheciam ainda este segundo fragmento de
seu planeta e o denominavam, eles também, Anúlios.
Mas os seres do último período de existência desse con­
tinente, na presença geral dos quais já estavam cristalizados e
integrados os resultados das conseqüências das propriedades
do órgão chamado “kundabuffer”, deram-lhe o nome de “Ki-
mespáí”, literalmente: “Quem-não-deixa-dormir-em-paz”.
Os seres tri-cerebrais atuais desse estranho planeta igno­
ram esse antigo fragmento, porque sua pequenez relativa e seu
afastamento o tornam inacessível à sua vista, e porque nenhu­
ma “vovó” jamais lhes disse que nos bons e velhos tempos se
conhecia esse pequeno “satélite” do planeta deles.
E se um deles o percebe por acaso através desses brin­
quedos excelentes, e no entanto bem infantis, que denominam
“telescópios”, não lhe presta nenhuma atenção, tomando-o sim­
plesmente por um grande “aerolito”.
Os seres atuais, por outro lado, em breve não poderão
mais percebê-lo, porque se tornou próprio à sua natureza ver
somente a irrealidade.
Façamo-lhes justiça: durante os últimos séculos, eles se
mecanizaram “artisticamente” para não ver mais nada de real.

“Ora, meu filho, “analogias do Todo”, ou, como ainda se


diz , “microcosmos”, apareceram também no planeta Terra; e
depois, estes microcosmos constituíram a vegetação chamada
“oduristolniana” ou “polormedértica”.
Mais tarde ainda, esses microcosmos agruparam-se, como
isso se faz geralmente, para constituir diversas formas de “te-
tartocosmos”, com três sistemas de cérebros.
E foi entre esses últimos que apareceram pela primeira

94
CAUSA DA GÊNESE DA LUA

vez os “tetartocosmos” bípedes que você denominava há pou­


co de “lesmas”.
Explicarei a você especialmente uma outra vez por que e
de que maneira “analogias do Todo” aparecem nos planetas,
quando da passagem das leis sagradas fundamentais ao Ilnoso-
parno; depois lhe falarei dos fatores que contribuíram para for­
mar os diversos “sistemas de cérebros esserais” e lhe exporei
em geral todas as leis da criação do mundo e da existência do
mundo.
Por enquanto, saiba que desde seu aparecimento no pla­
neta Terra esses seres tri-cerebrais que lhe interessam dispuse­
ram, para aperfeiçoar as funções que servem à aquisição da
Razão esseral, das mesmas possibilidades de todos os “tetarto­
cosmos” do Universo inteiro.
Porém, mais tarde, durante o período em que eles come­
çaram pouco a pouco a se espiritualizar, graças a seu “instinto
esseral”, como sucede nos planetas análogos de Nosso Grande
Universo, um mal-entendido, não previsto d’O-Alto, e dos mais
deploráveis, produziu-se para desgraça deles.”

95
Capítulo 10
Por que os “homens” não são homens

BELZEBU suspirou profundamente, depois retomou


seu relato:
— Desde a realização do processo “Ilnosoparno” na Ter­
ra, passara-se um ano, segundo um cálculo objetivo do tempo.
Durante esse período, ordenaram-se, pouco a pouco, os
processos de involução e de evolução de tudo que adquiria
vida nesse planeta.
Assim como, é claro, cristalizaram-se progressivamente
nos seres tri-cerebrais dados propícios à aquisição de uma
Razão objetiva.
Em suma, meu filho, tudo ali se efetuara também na or­
dem normal e habitual.
E se a Mui Alta Comissão ali não retornasse no ano se­
guinte — sempre sob a suprema direção do Arcanjo Sakaki—,
nenhum dos mal-entendidos relativos aos seres tri-cerebrais
desse desafortunado planeta talvez jamais tivesse ocorrido.
Esta Mui Alta Comissão desceu à Terra pela segunda vez,
porque, apesar das medidas tomadas, a maioria de seus mem­
bros sagrados não estava suficientemente convencida de ter
afastado qualquer possibilidade de surpresas indesejáveis no
futuro.
Antes mesmo de verificar no próprio lugar os resultados
de seus trabalhos anteriores, a Mui Alta Comissão, para se tran­
quilizar, resolveu tomar ainda uma medida especial que teve conse­
qüências desastrosas para os seres tri-cerebrais desse desafortunado
OS “HOMENS” NÃO SÃO HOMENS

planeta, e das quais sofreu desde então como de uma chaga


maligna todo Nosso Grande Universo.
Lembro a você que, naquele tempo, o que se denomina
“instinto mecânico” já se havia constituído progressivamente
neles como em todos os seres tri-cerebrais.
Os membros sagrados desta Mui Alta Comissão julga­
ram então que se o “instinto mecânico” continuasse a se aper­
feiçoar entre os seres bípedes tri-cerebrais de lá, no sentido da
aquisição de uma Razão objetiva, como se faz sempre e por
toda parte, estes compreenderíam talvez prematuramente a
causa real de sua presença no mundo — que é de manter, por
meio de sua existência, os fragmentos destacados de seu plane­
ta — e provocariam então grandes distúrbios; pois, estando
assim convencidos de serem os escravos de circunstâncias to­
talmente estranhas, eles se recusariam talvez a continuar a vi­
ver e se poriam, por princípio, a se destruir.

“Por isso, meu querido filho, esta Mui Alta Comissão


decidiu implantar, a título provisório, na presença geral dos
seres tri-cerebrais de lá, um certo órgão que tem propriedades
tais que eles perceberíam, dali em diante, a realidade “às aves­
sas”, e que toda impressão repetida, de origem exterior, crista­
lizaria neles os dados necessários ao aparecimento de certos
fatores que provocam as sensações de “gozo” e de “satisfação”.
Assim, pois, ajudados pelo principal Arqui-Químico-Fí-
sico-Universal, o Anjo Luísos, que também participava dessa
Comissão, fizeram crescer de certa maneira, nos seres tri-cere­
brais de lá, na base da sua cauda — já que eles tinham uma
naquela época, e esta parte de sua presença geral conservava
ainda seu aspecto normal, expressando a “plenitude de seu sig­
nificado esseral” —, fizeram crescer, digo, “certa coisa” que
favorecia o aparecimento das ditas propriedades.
E eles nomearam pela primeira vez a essa “coisa” de
“órgão kundabuffer”.

97
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Depois de ter feito crescer esse órgão na presença deles,


e de se ter assegurado de seu bom funcionamento, a Mui Alta
Comissão, composta de Individuuns sagrados e presidida pelo
Grande Arcanjo Sakaki, regressou ao Centro, tranquilizada e
de consciência pura, enquanto lá, no planeta Terra que interes­
sa a você, a ação dessa engenhosa e surpreendente invenção se
desenvolvia, desde o primeiro dia, como diria o sábio Mulá
Nassr Eddin, “ao pleno som das trombetas de Jerico”.

“Agora, meu Íilho, se quiser compreender quais resulta­


dos deram as propriedades do órgão inventado e realizado pelo
incomparável Anjo Luísos — bendito seja seu nome por todos
os séculos dos séculos —, você precisa conhecer as manifesta­
ções variadas dos seres tri-cerebrais desse planeta, tanto du­
rante o período em que possuíam o órgão kundabufler como
depois de sua destruição, pois se as propriedades desse sur­
preendente órgão desapareceram como tais com ele, no entan­
to, suas conseqüências já tinham, por numerosas razões, come­
çado a se cristalizar na presença deles.
Porém lhe explicarei isso uma outra vez.
Enquanto isso, saiba que a Mui Alta Comissão desceu
uma terceira vez, três anos mais tarde, segundo um cálculo
objetivo do tempo, sob a direção do Grande Arqui-Seralim
Sevotephtra — pois, nessa época, o Grande Arqui-Arcanjo
Sakaki já se tornara digno de vir a ser o Individuum divino que
é hoje, quer dizer, um dos quatro sustentáculos dos quartos do
Universo.
Nessa terceira descida, os membros sagrados da Alta Co­
missão, tendo estabelecido por suas investigações minuciosas
que as medidas tomadas não eram mais necessárias para a ma­
nutenção da existência dos fragmentos destacados, suprimi­
ram entre outras coisas, nos seres tri-cerebrais de lá, e sempre com
a ajuda do Arqui-Químico-Físico, o Anjo Luísos, esse órgão
kundabuffer, com todas as suas surpreendentes propriedades.

98
OS “HOMENS” NÃO SÃO HOMENS

“Mas voltemos à nossa história.


Uma vez refeitos da confusão em que nos havia lançado
a catástrofe que ameaçava todo esse sistema solar, retomamos
sem nos apressar, no planeta Marte, nossa instalação inespera­
damente interrompida.
Ao fim de certo tempo estávamos todos familiarizados
com a natureza circundante e começávamos a nos adaptar às
condições que ali reinavam.
Como já disse, um grande número dos nossos se fixou
em Marte. Os outros partiram, ou se preparavam para par­
tir, em direção a outros planetas desse sistema solar a bordo da
nave Ocasião, deixada à disposição dos seres de nossa tribo
para as comunicações interplanetárias.
Quanto a mim, permaneci no planeta Marte com alguns
de meus próximos e de meus familiares.

“Ora, na época em que se situa meu relato, meu primeiro


“tesskuano” já estava instalado no observatório que eu tinha
construído, e eu me consagrava a sua organização e a seu aper­
feiçoamento, para entregar-me a um exame mais detalhado das
concentrações distantes de Nosso Grande Universo, assim como
dos planetas desse sistema solar.
Entre eles, o planeta Terra retinha particularmente mi­
nha atenção.
O tempo passava.
O processo de existência se estabelecia pouco a pouco
nesse planeta, e se poderia acreditar, segundo as aparências,
que ele se efetuava ali exatamente como nos outros.
Porém, ao observar atentamente, percebia-se que o nú­
mero dos seres tri-cerebrais ia aumentando. Por outro lado,
via-se de tempos em tempos eles se entregarem a singulares
manifestações, desconhecidas dos seres tri-cerebrais de outros
planetas: de repente, sem sentido nem razão, começavam a se
destruir entre si.

99
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Por vezes essa destruição recíproca não se limitava a urna


única região, mas alcançava numerosos territorios, e durava
não só um único “dianosk”* *, mas muito mais, às vezes até “or-
nakres”** inteiros.
Em certos casos, este terrível processo fazia rapidamente
diminuir o número deles, enquanto em outros períodos, assim
que havia uma calmaria, esse número aumentava a olhos vistos.
Nós nos habituamos pouco a pouco a esta última parti­
cularidade, dizendo-nos que essa fecundidade devia ser uma
propriedade do órgão kundabuffer, que por importantes razões a
Mui Alta Comissão lhes havia intencionalmente atribuído: su­
púnhamos, com efeito, que a fecundidade desses seres bípedes
tinha sido premeditada, sendo necessário um grande número
de existências à manutenção do “movimento cósmico de harmo­
nia geral”.
Sem essa estranha particularidade, jamais teria ocorrido
a alguém a idéia de que nesse planeta houvesse alguma coisa
“suspeita”.

“Durante o período de que lhe falo, tive a possibilidade de


ir a quase todos os planetas, habitados ou não, desse sistema solar.
Pessoalmente, eu tinha preferência pelos seres tri-
cêntricos que povoam um planeta com o nome de “Saturno”.
Seu exterior nada tem em comum com o nosso: parecem-se
com os seres-pássaros chamados “gralhas”.
E interessante observar que os seres-pássaros chamados
“gralhas” encontram-se em quase todos os planetas de Nosso
Grande Universo onde surgem seres dotados de diversos siste­
mas de cérebros e revestidos de corpos planetários de formas
exteriores variadas.

* “Dianosk” significa “dia”.


* *"Ornakre” significa “mês”.

100
OS “HOMENS” NÃO SÃO HOMENS

Esses seres-gralhas do planeta Saturno têm relações ver­


bais um tanto análogas às nossas.
Porém, seu falar, ele mesmo, é, a meu ver, o mais belo de
todos os que jamais ouvi.
Ele pode ser comparado às modulações de nossos me­
lhores cantores, quando com todo seu ser cantam em tom
menor.
Quanto às suas relações com os outros, são... eu não sa­
beria como descrevê-las a você. Só se pode compreendê-las exis­
tindo no meio deles, e experimentando-as por si mesmo.
Tudo que se pode dizer é que esses seres-pássaros têm
um coração semelhante ao dos Anjos mais próximos do Nosso
Eterno Criador e Autor.
Eles existem estritamente como ordena o nono manda­
mento de Nosso Criador:
“Ao próximo como teu irmão considerarás e em conse­
qüência tratarás”.
Mais tarde lhe falarei em detalhe desses seres tri-cere­
brais que nascem e existem em Saturno, já que, durante todo o
período de meu exílio nesse sistema solar, tive como amigo
real um ser desse planeta, cujo revestimento exterior era o de
uma “gralha”, e que tinha o nome de Kharkhar.

101
Capítulo 11
Um traço picante do original
psiquismo dos homens

FALEMOS agora um pouco dos seres tri-cerebrais do


planeta Terra, aqueles que mais lhe interessaram e que você
chamou de “lesmas”.
Expressarei antes de tudo minha alegria de sabê-lo à dis­
tância desses seres tri-cêntricos, pois você os designou com um
nome que ofende a dignidade deles... Sorte que eles não pude­
ram ouvi-lo!
Sabe você, infeliz criança que ainda não tomou consciên­
cia de si mesmo, o que lhe teriam feito esses seres, sobretudo
em nossos dias, se tivessem ouvido como os chamou?
O que lhe teriam feito, se você estivesse lá e se eles tives­
sem podido alcançá-lo? Só em falar disso tremo de horror.
No melhor dos casos, teriam-no surrado tanto que, como
diz nosso Mulá Nassr Eddin, “você não teria voltado a si antes
de uma nova série de chibatadas”. .
Em todo caso, aconselho-o a bendizer sempre o Destino
antes de empreender o que quer que seja de novo, e a implorar
sua graça, para que olhe por você, e se oponha a que os seres
do planeta Terra jamais adivinhem que você, meu único e bem
amado neto, ousou tratá-los de “lesmas”.
Como você sabe, estudei a fundo o psiquismo desses es­
tranhos seres tri-cerebrais, seja observando-os do planeta Mar­
te, seja quando de minhas estadas entre eles; não ignoro, pois,
UM TRAÇO PICANTE

o que teriam feito a quem tivesse se permitido lhes dar se­


melhante apelido.
Embora isso tenha sido de sua parte pura ingenuidade
infantil, os seres tri-cerebrais desse original planeta não se em­
baraçam com semelhantes sutilezas, sobretudo em nossos dias.
Quem os chamou assim? Por quê e em que circunstâncias?
Pouco importa! Você deu a eles um nome que eles consideram
ofensivo — isso basta.
Deter-se em tais questões é, aos olhos da maioria deles,
“verter o nada no vazio”.
Seja como for, infligindo aos seres tri-cerebrais do plane­
ta Terra um nome tao ofensivo, você agiu muito, mas muito
levianamente — de pronto, criando-me preocupações por sua
conta, e depois suscitando a você uma ameaça para o futuro.
Embora vocc esteja muito longe desses seres e eles não
estejam em condições de alcançá-lo para castigá-lo diretamen­
te, se viessem, contra toda expectativa, a tomar conhecimento,
mesmo que de vigésima mão, da maneira como os ofendeu,
você não escaparia ao seu autêntico “anatema”; quanto às pro­
porções que tomaria esse “anatema”,'elas dependeriam dos
interesses do momento.

“A maneira como se comportariam nessa ocasião os se­


res da Terra vale a pena ser descrita; ela pode perfeitamente
esclarecer a estranheza do psiquismo dos seres tri-cerebrais que
lhe interessam.
Sob o efeito da ofensa que você lhes infligiu, se os seus
absurdos interesses cotidianos lhes dessem alguma folga, eles
organizariam de imediato, em alguma parte, em um lugar esco­
lhido antecipadamente e, é claro, com convidados todos traja­
dos com vestimentas especialmente apropriadas para tais ca­
sos, o que se chama um “conselho solene”.
Antes de tudo, começariam por eleger um deles “presiden­
te” desse “conselho solene”; após o que iniciariam seu inquérito.

103
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Eles se poriam antes de mais nada a “passá-lo pelo crivo”


é não somente você, mas seu pai, seu avô... e talvez chegassem
mesmo até a Adão.
Depois, se decretassem — “pela maioria de votos”, é cla­
ro — sua “culpabilidade”, eles o condenariam, segundo um
código de leis organizado com base em antigos jogos de mario­
netes por seres chamados “velhas ampulhetas”.
Mas, se por azar estimassem “pela maioria de votos” que
sua ação não apresenta nada de criminosa — coisa que lhes
acontece, aliás, muito raramente—, o inquérito deles, exposto
em detalhe em papel timbrado e assinado por todos, iria... para
o fogo, você acha? Ah não!... mas a especialistas qualificados
— no caso presente, para o que se chama lá o “Santo Sínodo”.
Ali, mesmo procedimento; só que desta vez o seu caso seria
examinado por seres “importantes”.
E é só depois de terem por muito tempo “vertido o nada
no vazio” que se dariam conta do essencial, a saber, que o acu­
sado está fora de alcance.
Talvez aí é que haveria para sua pessoa o maior perigo.
Com efeito, quando eles estivessem finalmente convencidos
“sem sombra de dúvida” de que você está realmente fora de
alcance, decidiríam, desta vez por unanimidade, castigá-lo com
nem mais nem menos do que o “anátema” de que acabo de
lhe falar.

“Mas você sabe o que é isso e como se pratica? Não?...


Então escute e trema...
Os seres mais “importantes” notificariam a todos os ou­
tros a obrigação, em cerimônias apropriadas que celebrariam
em ocasiões especiais, oficiantes especiais, em todos seus edifí­
cios qualificados, tais como “igrejas”, “capelas”, “sinagogas”, “pre­
feituras” etc., de desejar a você em pensamento algo deste tipo:
Que você seja privado de seus chifres, que seus cabelos
embranqueçam prematuramente, que a comida se transforme

104
UM TRAÇO PICANTE

em pregos no seu estômago, que a língua de sua futura mulher


aumente em três vezes seu comprimento, ou ainda que seu bolo
preferido se transforme em guta-percha no momento em que
você o leve à boca, e assim por diante, neste gênero.
Você compreende agora a que perigo se expôs chaman­
do esses distantes farsantes tri-cerebrais de “lesmas”?

Com essas palavras, Belzebu, sorrindo, olhou seu predileto.

105
Capítulo 12
Primeiros estrondos

DEPOIS de alguns instantes, Belzebu continuou:


— Essa história de anátema me lembra outra, que escla­
recerá perfeitamente, a meu ver, a estranheza do psiquismo dos
seres tri-cerebrais que interessam a você; além disso, será apro­
priada para lhe assegurar um pouco, dando-lhe a esperança de
uma “boa pequena compensação”, se alguma vez esses singu­
lares seres terrestres souberem como você os tratou e o puni­
rem com seu famoso “anátema”.
A história que vou lhe contar se passou não faz muito
tempo entre os seres tri-cerebrais de lá; ela teve por origem os
acontecimentos seguintes:
Numa de suas grandes “comunidades” existia sossega-
damente um ser ordinário que exercia a profissão de “escritor”.
Saiba, a este respeito, que em tempos muito remotos en­
contravam-se por vezes seres dessa profissão que inventavam e
redigiam certas coisas por si mesmos; porém os escritores dos
últimos séculos, os da época atual sobretudo, só fazem trans­
crever toda espécie de frases, tomadas de preferência nos li­
vros mais antigos, para combiná-las entre si e compor, dessa
maneira, um livro “novo”.
E preciso notar que os livros assim fabricados, pelos “es­
critores” de lá, acabaram por dar hoje à razão de todos os seres
tri-cerebrais a leveza do éter.
Pois bem, meu filho, o escritor contemporâneo de
quem estou neste instante lhe falando era um “escritor”
PRIMEIROS ESTRONDOS

como todos os outros “escritores” de lá — ele nada tinha de


extraordinário.
Um dia em que havia terminado um de seus livros, ele se
pôs a refletir sobre o que bem poderia escrever ainda e resol­
veu, com este fim, procurar alguma nova “idéia” nas obras com
as quais transbordava sua “biblioteca” — pois todo escritor
que se respeita se crê obrigado a possuir uma.
Ora, durante suas pesquisas, um livro intitulado “Evan­
gelho” caiu em suas mãos.
Chama-se lá “Evangelho” um livro escrito no passado
por certos Mateus, Marcos, Lucas e João sobre Jesus Cristo,
Mensageiro de Nossa Eternidade neste planeta.
Esse livro é muito difundido por lá entre os seres tri-
cêntricos que seguem, supostamente, os preceitos desse Men­
sageiro.
Ora, quando o dito “escritor” encontrou, por acaso, esse
livro, lhe veio de repente esta idéia: “Por que não comporia, eu
também, um Evangelho?”
Certas pesquisas que empreendí com uma meta totalmen­
te diferente me mostraram que ele raciocinou desta maneira:
“Em que sou então menos do que esses João, Lucas, Ma­
teus, Marcos, esses antigos selvagens?
“Não sou mais “civilizado” do que eles? Poderia escre­
ver para meus contemporâneos um Evangelho bem melhor.
“E até indispensável escrever um Evangelho, porque os
“ingleses” e os “americanos” têm hoje uma queda por esse li­
vro, e porque suas libras esterlinas e seus dólares não estão mal
cotados na Bolsa”.

Dito e feito.
Desde aquele dia, ele se pôs a “maquinar” um novo
“Evangelho”.
Mal este estava terminado e publicado, começou para ele
todo tipo de peripécias.

107
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Em outras épocas, nada teria provavelmente acontecido,


e esse novo “Evangelho” teria simplesmente ocupado seu lu­
gar nas coleções dos bibliómanos de lá, entre inúmeros outros
livros que expõem “verdades” do mesmo gênero.
Mas, para felicidade ou infelicidade desse escritor, certos
seres “detentores de poder” da grande comunidade na qual ele
existia foram perseguidos pela má sorte na “roleta” e no “ba­
cará” em estâncias balneárias estrangeiras, o que os forçou a
exigir cada vez mais dinheiro dos seres ordinários de sua co­
munidade. Desta feita, seus pedidos foram desmesurados e
acabaram por tirar de seu “torpor” habitual esses seres ordiná­
rios, que “se revoltaram”.
Vendo isso, os outros seres “detentores de poder”, que
haviam ficado em suas casas, se alarmaram e tomaram.medidas
apropriadas.
Entre estas medidas, figurava a destruição imediata e to­
tal de todas as publicações recentes que poderiam impedir os
seres ordinários de recair em seu torpor.
Foi precisamente durante esse período que apareceu o
“Evangelho” desse escritor.
Os seres “detentores de poder” acharam no texto desse
novo “Evangelho” certas coisas que, segundo sua compreen­
são, poderiam justamente “impedir os seres ordinários de re­
cair no seu torpor”; estiveram a ponto de fazer desaparecer
imediatamente o escritor e seu “Evangelho”, pois eles eram
mestres consumados, naquela época, na arte de desembaraçar
sua pátria desses “oportunistas” que se metiam no que não lhes
dizia respeito.
Mas, reflexão feita, não era possível agir dessa maneira
com ele; por isso estavam muito perturbados e não cessavam
de se interrogar e discutir entre si sobre o que lhes restava fazer.
Uns propunham simplesmente encerrá-lo em um desses
lugares onde pululam os “ratos” e os “percevejos”; outros,
enviá-lo “lá onde Judas perdeu suas botas” etc., etc. Por fim,

108
PRIMEIROS ESTRONDOS

decidiram castigar esse escritor e seu “Evangelho”, publica­


mente, dentro de todas as regras e com grande pompa, com o
“anatema” com que teriam provavelmente punido você se ti­
vessem sabido de que maneira os tratou.

“Eis aqui, meu filho, como se manifestou nessa circuns­


tância a estranheza do psiquismo dos seres tri-cerebrais atuais
desse original planeta: o fato de ter sido publicamente castiga­
do com o anatema, bem como seu “Evangelho”, foi para nosso
escritor, como diz o venerável Mulá Nassr Eddin, “muito sim­
plesmente uma delícia”.
As coisas se passaram assim:
Os seres ordinários dessa comunidade, vendo os “deten­
tores de poder” dar tanta atenção a esse escritor, começaram a
se interessar vivamente por ele. Obtiveram e leram com avi­
dez, não somente seu novo “Evangelho”, mas ainda todos os
livros que ele havia escrito antes. '
De pronto, como é próprio aos seres tri-cêntricos que
'povoam esse original planeta, esqueceram pouco a pouco to­
dos seus outros interesses para só se ocuparem com ele.
E, como sempre ocorre lá, logo que alguns o cumularam
de louvores, outros se puseram a denegri-lo, de modo que to­
das essas controvérsias aumentavam o número dos que se interes­
savam por ele, não apenas nessa comunidade, mas nas outras.
E isso porque os “detentores de poder” continuavam a ir
cada qual por sua vez, com os bolsos cheios de dinheiro, aos
países onde se praticava a “roleta” e o “bacará”; ali, prosse­
guindo suas discussões sobre esse escritor, acabaram por con­
taminar os seres dessas comunidades.
Em suma, devido à estranheza do psiquismo deles, em­
bora esse “Evangelho” esteja esquecido hoje há muito tempo,
o nome de seu autor é conhecido em quase todos os lugares
como o de um excelente escritor.
E agora, qualquer que seja o assunto tratado por ele, eles

109
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

se precipitam sobre suas obras, considerando-as como indis­


cutíveis mensagens de verdade.
Acolhem seus escritos com tanta veneração como os
antigos kalkianos escutavam as profecias de suas “pitoni­
sas” sagradas.

E interessante notar aqui que atualmente, quando se fala


desse escritor, não há um só desses originais que não o conheça
e não o considere um ser extraordinário.
Mas se você lhes perguntar o que ele escreveu, a maio­
ria deles, se for sincera, confessará que não leu uma só de
suas obras.
Isso não os impedirá de tagarelar e até mesmo discutir,
com espuma na boca, para afirmar que esse escritor é um ser
de uma inteligência extraordinária e que ele tem um conheci­
mento fenomenal do psiquismo dos seres que habitam o plane­
ta Terra.”

110
Capítulo 13
Por que, na razão
do homem, o imaginário pode
ser percebido como real

POR favor, querido bem amado avô, explique-me um


pouco: como é que estes seres do planeta Terra tomam o “efê­
mero” pelo real”?
A pergunta de seu neto, Belzebu respondeu:
— Esta particularidade de seu psiquismo, meu filho, apa­
receu somente durante os últimos períodos. E isto porque a
parte essencial, que se constitui neles como em todos os seres
tri-cerebrais, deixou pouco a pouco as outras partes de sua pre­
sença inteira perceber todas as impressões novas sem realizar
nenhum “partkdolgdever esseral”, quer dizer, percebê-las uni­
camente como o fazem suas localizações distintas e indepen­
dentes, denominadas “centros esserais”. Ou, para falar como
eles, crêem em tudo o que lhes dizem, em vez de crer somente
naquilo que eles mesmos poderiam conhecer por judiciosas
reflexões, em outros termos, aquilo de que poderiam se con­
vencer pelos resultados de um “debate confrontativo” entre
todos os dados já depositados neles, e a partir dos quais se for­
maram diferentes noções em cada uma de suas localizações de
natureza diversa.
Em geral, uma noção nova só se cristaliza na presença
desses estranhos seres quando um certo Senhor Silva emite
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

sobre alguém ou sobre alguma coisa tal ou tal opinião. E se um


Senhor Souza fala disso, por sua vez, da mesma maneira, então
eles ficam definitivamente persuadidos de que é assim e de que
não poderia ser de outra maneira.
Devido a esta particularidade de seu psiquismo, todos os
seres de lá que ouviram falar desse escritor nos termos que
você sabe estão atualmente convencidos de que ele é efetiva­
mente um grande, muito grande psicólogo, e um conhecedor
incomparável do psiquismo dos seres de seu planeta.
Porém, por ocasião de minha última estada entre eles,
devendo ir à casa desse escritor, de quem eu também tinha
ouvido falar, para esclarecer uma questão totalmente diferen­
te, encontrei ali, em realidade, um ser que, na minha com­
preensão, se parecia com todos os escritores atuais de lá, quer
dizer, que ele era excessivamente limitado e, como diz nosso
querido Mulá Nassr Eddin, “não enxergava mais longe que a
ponta de seu nariz”. Quanto ao conhecimento do verdadeiro
psiquismo dos seres de seu planeta em suas reais condições de
existência — ele era, a este respeito, um perfeito ignorante.
Eu o repito, a história desse escritor mostra, de maneira
característica, a que ponto os seres tri-cerebrais que lhe agra­
dam — sobretudo os contemporâneos — deixam de cumprir
os “partkdolgdeveres esserais”. Ela prova que neles não se cris­
talizam jamais convicções esserais subjetivas que sejam o fruto
de sua própria reflexão lógica — tal como ocorre na maioria
dos seres tri-cerebrais —, mas unicamente “convicções esse­
rais” que dependem da opinião de outros.
E foi porque cessaram de cumprir os partkdolgdeveres
esserais — os únicos que podem dar ao ser o conhecimento de
uma realidade efetiva — que eles acreditaram discernir nesse
escritor certas qualidades inexistentes.
Este traço singular de seu psiquismo — que consiste em
ater-se unicamente ao que dirá o Senhor Silva ou o Senhor Sou­
za, sem se esforçar por saber mais — enraizou-se neles desde

112
O IMAGINÁRIO PERCEBIDO COMO REAL

muito tempo, e eles nem mesmo procuram mais conhecer aquilo


que só pode ser compreendido por meio de ativas reflexões
pessoais.
Entretanto, é preciso observar que isso não poderia ser
imputado ao órgão kundabuffer infligido aos seus ancestrais,
nem tampouco às suas conseqüências cristalizadas neles por
culpa de certos Individuuns sagrados, e transmitidas depois
por hereditariedade de geração a geração.
Não. Eles disso se tornaram culpados por si mesmos, ao
estabelecer pouco a pouco condições anormais de existência
esseral exterior, que acabaram por formar em sua presença ge­
ral o que é hoje seu “deus interior maléfico” e que tem o nome
de “autotranqüilizador”.
Você o compreenderá, aliás, muito bem por si mesmo,
quando eu lhe tiver comunicado, como já prometi, o maior
número possível de fatos a respeito do planeta que lhe agrada.
Em todo caso, aconselho-o vivamente a ser no futuro mui­
to prudente quando falar dos seres tri-cerebrais desse planeta,
a fim de não ofendê-los; pois se porventura — com que o Dia­
bo não brinca? — viessem a tomar conhecimento de qualquer
um dos seus insultos, eles lhe fariam uma “patifaria”, como
eles dizem.
Seria bom nos lembrarmos a este respeito de uma das
sábias sentenças de nosso querido Mulá Nassr Eddin:
“Ah! O que não se vê no mundo! Uma pulga pode até
por vezes engolir um elefante! ”

Belzebu queria ainda dizer alguma coisa, mas, justamen­


te nesse momento, um servidor da nave entrou e entregou-lhe
um “eterograma” em seu nome.
Depois que Belzebu ouviu o conteúdo do “eterograma”
e o servidor da nave se retirou, Hassin voltou-se para o avô e
lhe disse:

113
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

— Querido avô, conte ainda alguma coisa sobre os seres


tri-cêntricos que povoam o interessante planeta chama­
do “Terra”.
Belzebu considerou de novo seu neto com um sorriso
singular, fez um estranho sinal de cabeça e continuou.

114
Capítulo 14
Onde se entrevé urna perspectiva
que não promete nada de muito alegre

DEVO lhe dizer que, na origem, os seres desse planeta


possuíam uma presença semelhante àquela dos seres tri-cere­
brais chamados “kestchapmartnianos” que surgiam em todos
os planetas correspondentes de Nosso Grande Universo, e que
eles tinham a mesma duração de existência que todos os outros
seres tri-cerebrais.
Sua presença só sofreu diversas mudanças depois da se­
gunda catástrofe de que foi vítima esse planeta, e no decorrer
da qual foi tragado o seu continente principal, que tinha o nome
de “Atlântida”.
Desde então, como eles se puseram a criar condições de
existência esseral exterior cuja ação sobre a qualidade de sua
irradiação era cada vez mais degradante, a Grande Natureza se
viu obrigada a transformar pouco a pouco a presença deles por
diversos ajustes e modificações, a fim de assegurar a qualidade
das vibrações que eles irradiavam e que eram necessárias à ma­
nutenção da existência dos antigos fragmentos de seu planeta.
A forma exterior de seu corpo planetário é em todos eles
quase a mesma; quanto a suas dimensões e outras particulari­
dades subjetivas, seu revestimento está submetido, como em
nós, aos dados hereditários, às condições do instante da con­
cepção, e a outros fatores habituais de aparecimento e de for­
mação de todo ser.
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Eles diferem ainda entre si pela cor da pele e a natureza


dos cabelos, e estes atributos de sua presença são determina­
dos, como por toda parte, aliás, pelos resultados das influências
planetárias que se exercem sobre os lugares onde eles vieram
ao mundo e se formaram até a idade responsável, ou, como
eles dizem, até sua “maioridade”.
Quanto ao psiquismo desses seres tri-cerebrais, este apre­
senta em todos eles, nos seus traços principais, as mesmas par­
ticularidades, qualquer que seja a parte da superfície do seu
planeta onde nasçam. E entre essas particularidades há uma
bem específica, que faz com que esse desafortunado planeta
seja, no Universo inteiro, o único onde se efetua o terrível pro­
cesso chamado “processo de destruição mútua” ou, como se
diz ainda por lá, a “guerra”.
Além desta propriedade principal de seu psiquismo, em
cada um deles, seja qual for o lugar de sua concepção e de sua
existência, cristalizam-se completamente, até se tornarem par­
tes integrantes de sua presença, funções que lá existem sob os
nomes de “egoísmo”, “amor-próprio”, “vaidade”, “orgulho”,
“presunção”, “credulidade”, “sugestionabilidade” e muitas
outras ainda, não menos anormais, e indignas da essência de
um ser tri-cerebral qualquer que seja.
Entre estas propriedades anormais, a mais temível é para
eles a que tem o nome de “sugestionabilidade”.
Um dia lhe falarei especialmente desta estranha particu­
laridade psíquica...”

Belzebu calou-se, refletiu um pouco mais longamente que


de costume, depois, dirigindo-se ainda uma vez a seu neto, disse:
— Vejo que os seres tri-cerebrais que aparecem e exis­
tem no original planeta “Terra” despertaram o seu interesse, e
como devemos, queiramos ou não, conversar sobre todos os
tipos de coisas para abreviar nossa viagem na nave Karnak, lhe
falarei deles o mais possível.

116
QUE NÃO PROMETE NADA DE MUITO ALEGRE

Para melhor lhe fazer compreender a estranheza do psi­


quismo deles, vou lhe relatar, pela ordem, minhas descidas pes­
soais a esse planeta, assim como os acontecimentos que lá se
passaram e dos quais eu próprio fui testemunha.
Visitei seis vezes, em pessoa, a superfície desse planeta
Terra, e cada uma dessas visitas foi provocada por circunstân­
cias diferentes.
Começarei pela minha primeira descida.

117
Capítulo 15
Primeira descida de Belzebu
à Terra

DESCI pela primeira vez a esse planeta “Terra”, disse


Belzebu, por causa de um jovem ser de nossa tribo que tinha se
ligado imprudentemente com um ser tri-cerebral de lá, e se viu
envolvido numa tola história.
Um dia, vários seres de nossa tribo, que habitavam eles
também o planeta Marte, se apresentaram em minha casa para
me fazer um pedido.
Contaram-me que um de seus jovens parentes, emigrado
para o planeta Terra havia uns trezentos e cinquenta anos mar­
cianos, tinha recentemente provocado um incidente muito de­
sagradável para o conjunto de seus próximos.
“Todos nós, seus próximos, disseram-me eles, os do pla­
neta Terra como os do planeta Marte, temos feito tudo o que
estava em nosso poder para liquidar esse deplorável assunto,
mas, apesar de todos os nossos esforços e das medidas que te­
mos tomado, até agora não chegamos a nada.
“E definitivamente convencidos hoje de que, por nós
mesmos, não conseguiriamos acabar com esta desastrosa his­
tória, nós tomamos a decisão de vos importunar, Alta Reverên­
cia, e implorar de Vossa Bondade algum sábio conselho que
possa nos tirar desta penosa situação.”
Expuseram-me, então, em detalhe a desgraça que havia
ocorrido.
PRIMEIRA DESCIDA SOBRE A TERRA

“Por tudo que me disseram, vi que este incidente não era


apenas desagradável para os próximos desse jovem ser, mas
que poderia vir a sê-lo para todos os seres de nossa tribo.
Não podia, portanto, fazer outra coisa senão ajudá-los de
imediato para tirá-los dessa situação grave.
Antes de tudo, tentei ajudá-los sem deixar o planeta Mar­
te; entretanto, tendo logo me convencido de que nada de efeti­
vo podia ser realizado de tão longe, resolvi descer ao planeta
Terra e procurar no próprio lugar alguma solução. Já no dia
seguinte, tendo me munido às pressas do necessário, peguei
meu vôo na nave Ocasião.
A Ocasião, lembro a você, era a nave em que os seres de
nossa tribo tinham sido enviados a este sistema solar e que,
como já lhe disse, fora deixada à nossa disposição para as ne­
cessidades das comunicações interplanetárias.
Esse navio estacionava permanentemente nos arredores
do planeta Marte, e o comando dele me havia sido confiado
d’O-Alto.

“Assim, então, foi nessa nave Ocasião que se fez minha


primeira descida à Terra.
Esta primeira vez, ela aterrissou na costa daquele conti­
nente que, por ocasião da segunda catástrofe, devia desapare­
cer completamente da superfície do planeta.
Esse continente tinha o nome de “Atlântida”; era o prin­
cipal lugar de existência dos seres tri-cerebrais de lá, e da
maioria dos membros de nossa tribo.
Depois de nosso desembarque, eu me dirigi a uma cida­
de de nome “Samlios”, onde vivia esse desafortunado jovem
ser de nossa tribo que havia motivado minha descida.
Samlios era naquela época uma cidade muito importan­
te: era então a capital da maior comunidade do planeta Terra.
Era ali que residia o chefe dessa grande comunidade, o
qual tinha o nome de “imperador Apollis”.

119
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

E foi com este imperador Apollis que nosso jovem e inex­


periente compatriota tinha tido discussões.
Em Samlios, tomei conhecimento de todos os detalhes
do assunto.
Soube que antes desse incidente esse jovem ser mantinha
relações de amizade com o imperador, cuja casa ele freqüentava.
Aconteceu que um dia, por ocasião de uma de suas visi­
tas ao imperador, nosso jovem compatriota, no decorrer da con­
versa, fez uma aposta. E esta aposta foi o ponto de partida de
toda a história.
Lembro a você que a comunidade sobre a qual reinava o
imperador Apollis era, nessa época, a maior e a mais rica de
todas as comunidades, e a cidade onde ele residia, a maior e a
mais rica de todas as cidades que havia então na Terra.
Para manter toda essa riqueza e toda essa grandeza, o
imperador Apollis necessitava naturalmente de muito “dinhei­
ro”, e ele exigia um intenso trabalho dos seres ordinários de
sua comunidade.
E importante notar aqui que, na época de minha primei­
ra descida pessoal a esse planeta, os seres tri-cerebrais que lhe
interessam já não tinham mais o órgão kundabuffer, mas em
alguns deles começavam a se cristalizar diversas conseqüên­
cias das propriedades desse órgão tão funesto para eles.
Na época em que se situa meu relato, tinha se cristaliza­
do em alguns seres de lá a conseqüência de uma propriedade
que, no tempo em que funcionava ainda neles o órgão
kundabuffer, incitava os homens a se subtraírem, sem “remorso
de consciência”, de todas suas obrigações, tanto as que eles
mesmos assumiam, como as que lhes impunham os seus mais
velhos — e a só fazer seu dever obrigados pelo medo e a intimi­
dação, sob o temor de uma ameaça vinda de fora.
E é esta nefasta conseqüência, já cristalizada em certos
seres desse período, que foi a origem de todo este assunto.

120
PRIMEIRA DESCIDA SOBRE A TERRA

“Em suma, meu filho, eis os fatos:


O imperador Apollis, muito consciencioso ele mesmo
quanto às obrigações que devia cumprir para assegurar a gran­
deza da comunidade que tinha a seu cargo, não poupava nem
seus esforços nem seus bens — porém ele exigia o mesmo de
seus súditos.
No entanto, esta conseqüência das propriedades do ór­
gão kundabuffer estando já, acabo de dizê-lo, perfeitamente
cristalizada nessa época em alguns de seus súditos, ele recor­
reu a todo tipo de “intimidações” e de “ameaças” para obter
de cada um aquilo que exigia a grandeza da comunidade con­
fiada aos seus cuidados.
Ele usava meios tão diversos e ao mesmo tempo tão sen­
satos que mesmo aqueles de seus súditos nos quais as ditas con­
seqüências já estavam cristalizadas não podiam impedir-se de
estimá-lo, embora lhe tivessem dado, sem que ele soubesse,
naturalmente, o apelido de “arqui-astuto”.
Ora, meu filho, os métodos empregados pelo imperador
Apollis para obter de seus súditos tudo o que era necessário à
grandeza da comunidade da qual ele era responsável parece­
ram injustos ao nosso jovem e ingênuo compatriota, que se in­
dignava continuamente, e não se mantinha mais em seu lugar,
assim que se tratava de um desses novos meios.
De modo que um belo dia, no decorrer de uma conversa
com o imperador, não podendo mais se conter, expressou-lhe
frontalmente a indignação que lhe causava sua conduta “revol­
tante” para com seus súditos.
O imperador Apollis nao se encolerizou, como geralmente
acontece no planeta Terra quando alguém se mete no que não
lhe diz respeito; e não somente não o expulsou, mas começou a
discutir com ele as razões da sua severidade.
Falaram durante muito tempo, e sua conversa terminou com
uma “aposta”. Após ter colocado um ao outro suas condições,

121
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

eles as fixaram por escrito; depois do que, cada um assinou


com seu próprio sangue.
Entre outras condições, o imperador Apollis se compro­
metia, a partir daquele dia, a empregar exclusivamente, para
obter dos seus súditos o que lhe era necessário, as medidas e os
procedimentos que lhe indicaria nosso compatriota.
E no caso em que os súditos não pagassem mais como de
hábito sua dívida, o nosso jovem entusiasta, ele mesmo, se res­
ponsabilizaria por tudo, e se comprometia a depositar, nos co­
fres do imperador Apollis, as quantias necessárias à manuten­
ção e à prosperidade futura da capital assim como de toda a
comunidade.

“Ora, meu filho, a partir do dia seguinte, o imperador


Apollis se pôs a cumprir com escrúpulo, segundo as condições
colocadas, as obrigações que ele havia assumido, e governou a
comunidade unicamente segundo as indicações de nosso
compatriota.
Entretanto, os resultados de um tal governo se revelaram
de imediato totalmente contrários ao que pensava e esperava
nosso inocente.
Os súditos dessa comunidade — sobretudo, evidentemen­
te, aqueles nos quais já estavam cristalizadas as conseqüências
das propriedades do órgão kundabuffer — não só cessaram de
lazer suas contribuições aos cofres do imperador Apollis, mas
se puseram até a furtar pouco a pouco tudo que havia sido
depositado até então.
E já que nosso compatriota havia tomado o compromis­
so de fornecer o necessário, compromisso que ele tinha até as­
sinado com seu sangue — e você sabe o que significa para nós
uma obrigação voluntariamente assumida, sobretudo se ela é
confirmada pelo sangue —, em pouco tempo ele teve de sub­
vencionar todas as necessidades do Tesouro.

122
PRIMEIRA DESCIDA SOBRE A TERRA

Ele deu primeiro tudo o que possuía, depois tudo o que


pôde obter de seus próximos que habitavam o planeta Terra.
E quando estes ficaram sem dinheiro, dirigiu-se a seus
próximos de nosso planeta Marte.
Entretanto, em Marte, tudo se esgotou rapidamente. Os
cofres da cidade de Samlios exigiam e exigiam sempre mais;
nào se via nenhum limite às suas exigências.
Foi então que todos os próximos de nosso compatriota
se alarmaram e resolveram dirigir-se a mim para pedir-me que
os tirasse desse embaraço.

“Assim, pois, meu filho, quando cheguei nessa cidade,


fui recebido por todos os seres de nossa tribo que habitavam
esse planeta, desde os mais velhos até os mais jovens.
Na mesma noite nos reunimos em conselho para encon­
trar juntos uma saída para a situação que se criara.
Para este primeiro conselho foi convidado o imperador
Apollis, com quem os mais velhos de nossos compatriotas ti­
nham tido frequentes conversas sobre esse assunto.
Naquela noite, o imperador Apollis, dirigindo-se a nós
todos, pronunciou as palavras seguintes:
“Imparciais amigos...
“Lamento profundamente o que acaba de acontecer, e
lamento com todo meu ser que não esteja em meu poder pou­
par a todos os que aqui estão reunidos os tormentos que os
esperam ainda.
“Com efeito, prosseguiu o imperador, o mecanismo de
governo de minha comunidade, tal como havia sido estabeleci­
do há séculos, está hoje modificado de maneira radical, e é agora
impossível restabelecê-lo sem provocar a revolta imediata da
maioria de meus súditos. No ponto em que estão atualmente as
coisas, não estou em condições de recolocá-las em ordem, eu
sozinho, sem que isso ocasione as mais graves repercussões, e é

123
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

por isso que peço a todos, em nome da justiça, que concordem


em me prestar apoio.”
E acrescentou:
“Arrependo-me amargamente diante de todos, pois me
considero também muito culpado desta desgraça.
“Sou culpado, porque deveria ter previsto o que aconte­
ceu, tendo existido nessas condições mais tempo que meu jo­
vem adversário, com quem concluí o pacto que vocês conhecem.
“Em verdade, não tenho perdão por ter tentado esta aven­
tura com um ser que é talvez de uma razão superior à minha,
mas que é seguramente menos prático no que se refere a este
tipo de assuntos.
“Peço então a todos mais uma vez, e particularmente a
Vossa Alta Reverência, concordar em me perdoar e me ajudar
a acabar com esta penosa história.
“No ponto onde as coisas estão, só posso fazer agora o
que vocês me disserem.”
Em seguida à saída do imperador Apollis, decidimos es­
colher entre nós vários seres idosos e cheios de experiência
que examinariam durante a noite todos os dados do problema,
a fim de elaborar um plano de ação.
Depois do que nos separamos, tendo decidido nos en­
contrar de novo na noite seguinte no mesmo lugar, mas, para esta
segunda assembléia geral, o imperador Apollis não foi convidado.
Quando nos reunimos, um dos seres veneráveis que ha­
víamos escolhido na véspera nos fez a seguinte exposição:
“Refletimos toda a noite sobre esta história lamentável,
discutimos os detalhes e chegamos à conclusão unânime de que
a única saída seria retornar às antigas condições de governo.
“Depois chegamos a um acordo, por unanimidade uma
vez mais, sobre o fato de que um retorno à antiga ordem de
coisas provocaria com toda certeza uma revolta dos súditos des­
ta comunidade, e que essa revolta ocasionaria necessariamente

124
PRIMEIRA DESCIDA SOBRE A TERRA

todas as conseqüências que se tornaram inevitáveis na Terra


em semelhante caso.
“Naturalmente, numerosos seres chamados “detentores
de poder” desta comunidade padeceriam cruelmente com isso;
talvez até fossem destruídos — quanto ao imperador Apollis,
por certo nào escaparia a este destino.
“Nós nos pusemos então a procurar um meio de poupar
ao menos para o imperador Apollis essas tristes conseqüências.
“E queríamos a todo custo consegui-lo porque, na vés­
pera, em nossa assembléia geral, o imperador havia dado pro­
va em relação a nós de uma grande sinceridade e de uma gran­
de benevolência, e teríamos todos realmente deplorado que
ele tivesse de sofrer em sua pessoa.
“Após madura deliberação, chegamos a esta conclusão,
de que só era possível salvar o imperador Apollis cuidando de
que, durante a insurreição, as manifestações de cólera dos sú­
ditos revoltados fossem dirigidas não contra o imperador mes­
mo, mas contra aqueles que o cercam, quer dizer, contra o que
se chama aqui seu “governo”.
“Mas aí surgia uma questão: consentiriam os próximos
do imperador em endossar todas as conseqüências?
“E nossa conclusão categórica foi que não consentiriam
nisso, porque teriam como certo que o único culpado no as­
sunto era o imperador, e que ele devia por conseguinte pagar
com sua pessoa.
“Depois do que nós adotamos, sempre por unanimida­
de, a resolução seguinte:
“A fim de salvar pelo menos o imperador Apollis dessa
ameaça inevitável, os seres de nossa tribo deverão, com o as­
sentimento do imperador, tomar o lugar de todas as pessoas
que ocupam postos responsáveis na comunidade e, quando a
“psicopatía” das massas tiver atingido seu paroxismo, suportar
cada um sua parte nos acontecimentos esperados”.

125
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Quando nosso delegado concluiu seu relatório, nós deci­


dimos todos, após uma rápida troca de opiniões, agir como o
propunham os seres veneráveis de nossa tribo.
Depois, enviamos um desses seres veneráveis para sub­
meter nosso plano ao imperador Apollis; este deu seu assenti­
mento, renovando sua promessa de conformar-se a todas as
nossas indicações.
Decidimos então empreender, a partir do dia seguinte,
esta troca de todos os funcionários.
Mas ao cabo de dois dias tornou-se evidente que não ha­
via suficientes seres de nossa tribo habitando o planeta Terra
para substituir todos os funcionários desta comunidade, e en­
viamos imediatamente a nave Ocasião ao planeta Marte para
de lá trazer um certo número de nossos compatriotas.
Aguardando isto, o imperador Apollis, sob a direção de
dois de nossos seres veneráveis, se pôs a substituir, sob diferen­
tes pretextos, diversos funcionários da cidade de Samlios pelos
nossos.
Alguns dias mais tarde, retornando nossa nave Ocasião
do planeta Marte com seres de nossa tribo, procederam às mu­
danças nas províncias, e eles ocuparam em pouco tempo todos
os “postos de confiança” dessa comunidade.
Uma vez assim operado o remanejamento total, o impe­
rador Apollis, sempre sob a direção de nossos seres mais vene­
ráveis, começou a restabelecer a antiga ordem de governo de
sua comunidade.

“Desde os primeiros dias, ou quase, a restauração da an­


tiga ordem começou, como se esperava, a exercer seus efeitos
sobre o psiquismo geral dos seres dessa comunidade, nos quais,
como disse, já estavam perfeitamente cristalizadas diversas con­
seqüências das propriedades do funesto órgão kundabuffer.
E o descontentamento ia crescendo sem çessar, tanto que
pouco tempo depois surgiu neles esse impulso, que se tornou

126
PRIMEIRA DESCIDA SOBRE A TERRA

próprio à presença dos seres tri-cerebrais de lá de todos os perío­


dos seguintes, e que os incita de vez em quando a desencadear
o processo que eles chamam hoje “revolução”.
Durante a sua “revolução”, eles aniquilaram — o que
aliás se tornou próprio a esses fenômenos tri-cerebrais do Nos­
so Grande Universo — grande número de bens que tinham
acumulado no decorrer dos séculos, sem falar do grande nú­
mero de “conhecimentos” que foram então perdidos para sem­
pre; da mesma forma, destruíram a existência de numerosos
outros seres, seus semelhantes, que já estavam em vias de se
libertar das conseqüências das propriedades do órgão
kundabuffer.
E interessante notar aqui a este respeito um fato dos mais
assombrosos e dos mais incompreensíveis.
Durante as revoluções que seguiram, os seres tri-cere­
brais de lá — caídos quase todos, ou pelo menos uma esmaga­
dora maioria, nessa “psicose” — destruíram sobretudo aque­
les de seus semelhantes que já estavam em vias de se libertar
das conseqüências, cristalizadas neles, das propriedades desse
funesto órgão kundabuffer, com que haviam sido afligidos seus
ancestrais.

“Ora, meu filho, enquanto durou o processo de sua re­


volução, o imperador Apollis se retirou para um de seus “palá­
cios de verão” nos arredores de Samlios.
Ninguém o tocou, porque os nossos tinham, por meio de
sua propaganda, preparado as coisas de tal modo que todo o
peso do erro recaísse não sobre o imperador, mas sobre aque­
les que o cercavam, quer dizer, precisamente sobre eles, seus
administradores.
Melhor ainda... Os seres possuídos por essa psicose se
sentiram até “tomados de compaixão” por seu soberano, di­
zendo que se essa deplorável revolução havia estourado, era

127
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

porque seu “pobre imperador” tinha estado rodeado até então


por súditos desleais e ingratos.
Uma vez a psicose revolucionária completamente apazi­
guada, o imperador Apollis regressou à cidade de Samlios e,
sempre com a ajuda de nossos seres mais veneráveis, substituiu
pouco a pouco nossos compatriotas por seus velhos servidores
sobreviventes, ou por alguns novos, recrutados entre seus
súditos.
E, quando o imperador Apollis restabeleceu os antigos
modos de relação com seus súditos, estes recomeçaram a encher
seus cofres de “dinheiro” e a satisfazer as suas ordens, de modo
que os assuntos da comunidade retomaram sua marcha habitual.
Quanto ao nosso desafortunado e ingênuo compatriota,
que tinha sido a origem de todos esses acontecimentos, ficou
tão afetado por isso que não quis mais permanecer nesse pla­
neta que tinha lhe trazido tantos tormentos: ele retornou co­
nosco para o planeta Marte.
Aliás, revelou-se ali, em seguida, um excelente regente
para todos os seres de nossa tribo.”

128
Capítulo 16
Relatividade da noção de Tempo

APÓS um breve silêncio, Belzebu continuou:


— Para que você possa ter uma idéia mais precisa da
estranheza do psiquismo dos seres tri-cerebrais que habitam o
planeta Terra que lhe interessa e compreender melhor, em ge­
ral, tudo o que se relaciona com esse original planeta, é absoluta­
mente necessário, a meu ver, que você tenha uma noção exata do
seu cálculo do Tempo, e que saiba como a sensação esseral do que
se chama o “processo do curso do Tempo” se modificou pouco a
pouco na presença deles, para se tomar o que ela é hoje.
E indispensável que eu o instrua a esse respeito; somente
isso lhe permitirá representar-se e compreender os aconteci­
mentos de que lhe falei e outros de que ainda vou falar.
Saiba, antes de tudo, que para seu cálculo do Tempo os
seres tri-cerebrais da Terra tomam, como nós, por unidade de
medida o “ano” e definem a duração desse ano de acordo com
o tempo que dura um certo movimento de seu planeta em tor­
no de uma outra concentração cósmica — ou seja: o tempo
durante o qual seu planeta, ao efetuar em torno de seu sol o
processo de “queda” e de “recuperação”, descreve o que se
chama um “círculo krentonalniano”.
De maneira análoga, designamos com o nome de “ano”,
no planeta Karataz, o período de tempo compreendido entre
os momentos em que os sóis “Samos” e “Selos” estão mais pró­
ximos um do outro.
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Os seres do planeta Terra chamam de “século” uma cen­


tena desses anos.
Dividem o ano em doze, e chamam a cada uma dessas
divisões de “mês”.
Eles determinam a duração desse mês pelo tempo de re­
volução do grande fragmento, desprendido de seu planeta —
que tem hoje o nome de “Lua” —, quer dizer, o tempo durante
o qual este fragmento completa, sempre de acordo com as leis
cósmicas de queda e de recuperação, sua volta krentonalniana
completa ao redor de seu planeta.
E importante notar que doze voltas krentonalnianas da
Lua não correspondem exatamente a uma volta krentonalnia­
na de seu planeta em torno de seu sol; por isso eles fizeram
certos ajustes, no cálculo dos seus meses, para que o total cor­
responda, mais ou menos, à realidade.
Depois, dividem esse “mês” no que chamam habitual­
mente trinta “dias”.
Consideram como um “dia” o período de tempo durante
o qual seu planeta efetua sobre si mesmo sua “rotação” com­
pleta, sob a ação das mencionadas leis cósmicas.
Porém saiba que, ainda, chamam “dia” o processo trogo­
autoegocrático que se realiza periodicamente na atmosfera de
seu planeta — como em todos aqueles onde se realiza o pro­
cesso cósmico que tem, como já disse, o nome de “Ilnosopar-
no” — e que nós denominamos “kshtatsavakht”; eles próprios
o designam pela expressão “é dia”, e dão ao processo oposto a
esse, aquele que denominamos “kldatsakhti”, o nome de “noi­
te”, dizendo então: “é noite”.
Assim, pois, os seres tri-cerebrais que povoam o planeta
Terra chamam a sua maior medida de tempo um “século”, e
esse século compreende cem “anos”.
O ano tem doze “meses”. O mês, em média, trinta “dias”.
O próprio dia se divide em vinte e quatro “horas”, a hora em
sessenta “minutos”. O minuto, por sua vez, se divide em ses­
senta “segundos”.

130
RELATIVIDADE DA NOÇÃO DE TEMPO

“Já que você, meu filho, ainda não conhece as excepcio­


nais particularidades que apresenta o Tempo, saiba, em pri­
meiro lugar, que a verdadeira ciência objetiva define este fenô­
meno cósmico da seguinte maneira:
“O Tempo, como tal, não existe; ele não é mais do que
um conjunto de resultados que provêm de todos os fenômenos
cósmicos presentes num dado lugar”.
O Tempo, como tal, nenhum ser pode compreendê-lo
pela razão, nem senti-lo por meio de uma função esseral ex­
terior ou interior, qualquer que seja ela. Nem pode sequer ser
sentido pelo instinto que possui toda formação cósmica mais
ou menos independente — seja qual for o grau deste instinto.
Não é possível avaliar o Tempo senão comparando entre si
diversos fenômenos cósmicos que se produzem no próprio lugar
e nas próprias condições em que ele é constatado e considerado.
Notemos que no Grande Universo todo fenômeno sem
exceção, em qualquer lugar que apareça e se desenvolva, não é
senão o resultado de “fragmentações” sucessivas, conformes
às leis, de algum fenômeno integral que tirou sua origem do
Mui Santo Sol Absoluto.
De modo que todos os fenômenos cósmicos, onde quer
que se produzam, têm um significado “objetivo”.
E essas fragmentações sucessivas, conformes às leis, se
realizam, sob todos os aspectos, mesmo sob aquele da invo­
lução e da evolução, segundo a lei cósmica fundamental do
Heptaparaparshinokh sagrado.
Sozinho, o Tempo não tem nenhum significado objetivo,
porque ele não é o resultado da fragmentação de nenhum fe­
nômeno cósmico determinado. Não tendo surgido de nada, mas
identificando-se sempre com tudo e permanecendo soberana­
mente independente, ele é único, no Universo inteiro, que pode
ser chamado e glorificado com o nome de “Único Fenômeno
Idealmente Subjetivo”.
Assim, meu filho, o Tempo, ao qual se dá às vezes o nome

131
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

de “Heropás”, é o único fenômeno cujo aparecimento não de­


pende de nenhuma fonte; só ele, à imagem do “Amor divino”,
flui sempre de si mesmo, independentemente, como já disse, e
se identifica, segundo relações definidas, com todos os fenó­
menos que se produzem em todos os surgimentos de Nosso
Grande Universo presentes em um dado lugar.
Eu repito, você só poderá compreender a fundo tudo que
acabo de dizer quando eu tiver especialmente explicado, mais
tarde, como já lhe prometi, tudo o que concerne às duas leis fun­
damentais da criação do mundo e da existencia do mundo.
Pelo momento, lembre-se somente disto: já que o Tempo
não tem origem, e que não é possível estabelecer exatamente
sua presença — como se pode fazer para todos os demais fenô­
menos em todas as esferas cósmicas —, a ciência objetiva de
que falei toma, para avaliá-lo, a mesma “unidade de base” que
aquela que ela usa para determinar exatamente a densidade e a
qualidade de vibrações de todas as substancias cósmicas pre­
sentes em todos os lugares e em todas as esferas de Nosso Grande
Universo.
E esta unidade de base, fixada desde sempre para a avalia­
ção do Tempo, é o instante do que se chama a “sensação egokul-
natsarniana sagrada”, que aparece nos Santos Individuuns cós­
micos que habitam o Mui Santo Sol Absoluto, cada vez que o
olhar de Nosso Eterno Uni-Esseral, dirigido através do espaço,
toca diretamente suas presenças.
Esta unidade de medida foi estabelecida pela ciência ob­
jetiva para permitir determinar exatamente e comparar entre si
os diversos graus de sensações subjetivas dos Individuuns
conscientes, assim como as “cadências” dos diferentes fenó­
menos objetivos que se manifestam nas diversas esferas de Nosso
Grande Universo, e que dão nascimento a todos os surgimen­
tos cósmicos, pequenos e grandes.
A particularidade essencial do processo do curso do Tem­
po consiste nisto, que ele é percebido da mesma maneira e na

132
RELATIVIDADE DA NOÇÃO DE TEMPO

mesma sucessão pela presença de todas as formações cósmicas


de escalas diferentes.
Para lhe dar uma idéia, ainda que aproximada, do que
acabo de dizer, vamos tomar como exemplo o processo do cur­
so do Tempo que se efetua numa das gotas d’água da garrafa
posta ali sobre esta mesa.
Cada gota d’água contida nesta garrafa representa, ela
também, um mundo independente, um mundo de “microcosmos”.
Neste pequeno mundo, da mesma maneira que nos ou­
tros cosmos, surgem e existem “indivíduos” ou “seres” infini­
tesimais, relativamente independentes.
Para os seres desse mundo infinitamente pequeno, o Tem­
po flui na mesma sucessão que a que é experimentada por to­
dos os indivíduos em todos os outros cosmos. E estes seres
infinitesimais, tal como os seres que pertencem a cosmos de
“escalas” diferentes, têm, para cada uma de suas percepções e
manifestações, experiências de uma duração determinada; e,
tal como eles, experimentam o curso do Tempo comparando,
entre elas, as durações respectivas dos fenômenos que os ro­
deiam.
Da mesma maneira que os seres dos outros cosmos, eles
nascem, crescem, se unem e se desunem com vistas ao que se
chama o “resultado sexual”, são afetados por doenças, sofrem
e, como tudo o que existe, sem que ali tenha se fixado a Razão
objetiva, são finalmente destruídos, como tais, para sempre.
Todo o processo de existência dos seres infinitesimais des­
se pequeno mundo exige, como nos outros mundos, um tempo
de uma duração determinada, proporcional àquela de todos os
fenômenos circundantes, que se manifestam na “escala cósmi­
ca” dada.
Eles necessitam de um tempo de duração determinada
para o processo do seu nascimento e de sua formação, assim
como para os diversos acontecimentos que se desenrolam no
curso de sua existência, até sua final e total destruição.

133
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Todo o processo de existência dos seres dessa gota d’água


compreende, ele também, no curso do Tempo, o que se chama
“intervalos” sucessivos.
E preciso um tempo determinado para suas alegrias e para
seus sofrimentos, em uma palavra, para todas as espécies de
emoções esserais indispensáveis, para todas sem exceção, in­
clusive suas “fases de má sorte” e seus “períodos de sede de
aperfeiçoamento”.
O processo do curso do Tempo comporta neles também,
eu o repito, uma sucessão harmoniosa, e essa sucessão vem do
conjunto de todos os fenômenos circundantes.
Em geral, a duração do processo do curso do Tempo é
percebida e sentida identicamente por todos esses indivíduos
cósmicos como por todas as unidades dotadas de instinto e já
definitivamente formadas, com a única diferença devida à qua­
lidade de sua presença e ao seu estado geral no momento dado.
Notemos, no entanto, meu filho, que se, nos indivíduos
isolados que existem em unidades cósmicas independentes
quaisquer, a definição do curso do Tempo não é objetiva, no
sentido pleno da palavra, ela adquire, contudo, para eles, um
sentido de objetividade, pela razão de que eles o percebem se­
gundo a completude de sua própria presença.
A mesma gota d’água que tomamos como exemplo vai
servir para tornar meu pensamento mais claramente compreensí­
vel para você.
Apesar de que, de um ponto de vista objetivo universal,
todo o período do processo do curso do Tempo vivido nesta
gota d’água seja experimentado por ela de maneira inteiramente
subjetiva, em compensação, para os seres que existem dentro
desta gota d’água, esse mesmo período será percebido como
objetivo.
Para tornar mais clara esta idéia, certos seres, chamados
“hipocondríacos”, que existem entre os seres tri-cerebrais do
planeta Terra, podem outra vez nos servir de exemplo.

134
RELATIVIDADE DA NOÇÃO DE TEMPO

Parece freqüentemente a esses “hipocondríacos” terres­


tres que o tempo transcorre com uma lentidão incrível, que ele
se arrasta de maneira “fenomenalmente enfadonha”, como eles
dizem.
Ora, exatamente do mesmo modo, pode por vezes pare­
cer a certos dos seres infinitesimais desta gota d’água — su­
pondo que ali também, entre eles, haja “hipocondríacos” —
que o tempo passa muito lentamente e de maneira “fenomé-
nalmente enfadonha”.
Enquanto que, na realidade, segundo a sensação do tem­
po que têm seus favoritos do planeta Terra, toda a duração de
existência desses “seres-microcosmos” se limita, quando mui­
to, a alguns de seus “minutos”, por vezes até a alguns de seus
“segundos”.

“Agora, meu querido filho, para que você compreenda


melhor o Tempo e o que ele tem de particular, vamos comparar
a sua idade à idade correspondente dos seres do planeta Terra.
Precisaremos tomar, uma vez mais, como termo de com-,
paração, a unidade de medida do Tempo que emprega em seus
cálculos a ciência objetiva.
Saiba, em primeiro lugar, que a ciência objetiva estabele­
ceu — segundo dados que você conhecerá quando eu lhe tiver
especialmente explicado as leis fundamentais da criação do
mundo e da existência do mundo — que todos os seres tri-
cerebrais normais, incluindo, é claro, os de nosso planeta Ka­
rataz, experimentam a ação sagrada “egokulnatsarniana”, que
serve para avaliar o Tempo, quarenta e nove vezes mais lenta­
mente do que a experimentam os Individuuns sagrados que
residem no Mui Santo Sol Absoluto. .
Por conseqüência, para os seres tri-cerebrais de nosso
Karataz, o processo do curso do Tempo transcorre quarenta e
nove vezes mais rápido do que no Sol Absoluto, e é com esta

135
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

mesma velocidade que ele deveria transcorrer para os seres que


povoam o planeta Terra.
Além disso, foi calculado que, durante o período ao ter­
mo do qual o sol “Samos” atinge o ponto em que está mais
próximo do sol “Selos” — período considerado no planeta
Karataz como um “ano” —, o planeta Terra descreve em torno
do seu sol Ors trezentos e oitenta e nove de seus círculos
krentonalnianos.
Segue-se, pois, que, por um cálculo objetivamente con­
vencional do Tempo, nosso ano é trezentos e oitenta e nove
vezes mais longo do que o período considerado por seus favo­
ritos como o ano deles.
Certamente lhe interessará saber que todos esses cálcu­
los me foram em parte comunicados pelo Grande Arqui-Enge-
nheiro do Universo, Sua Alta Medida o Arcanjo Alguemathant
— que possa ele se aperfeiçoar até a Anklade sagrada. Ele os
comunicou a mim quando de sua estada no planeta Marte, onde
tinha vindo na qualidade de membro sagrado da terceira Alta
Comissão, por ocasião da primeira catástrofe que havia sofrido
o planeta Terra.
Durante minha viagem de regresso à minha pátria, essas
informações foram, aliás, completadas pelo capitão da nave
transespacial, a Onipresente, no curso de algumas conversas
amigáveis que tive com ele.
Notemos agora isto: como um ser tri-cerebral do planeta
Karataz, você não é atualmente senão um rapaz de doze anos,
exatamente parecido, no que diz respeito ao Ser e à Razão, a
um rapaz do planeta Terra, ainda não formado e ainda não
consciente de si mesmo, como o são todos os seres tri-cerebrais
da Terra, no curso do processo de seu crescimento, antes de
chegarem a ser homens responsáveis.
Todos os traços de seu psiquismo geral chamados: “cará­
ter”, “temperamento”, “tendências”, em suma, todas as parti­
cularidades de seu psiquismo que se manifestam ao exterior

136
RELATIVIDADE DA NOÇÃO DE TEMPO

são exatamente as mesmas que as de todos os seres tri-cere­


brais ainda não definidos nem amadurecidos, que alcançaram
a idade de doze anos.
Então, por tudo que acabo de dizer, embora você seja
ainda, segundo nosso cálculo do Tempo, somente um rapaz de
doze anos, ainda não formado e ainda não consciente de si mes­
mo, tais como os que se encontram no planeta Terra, no entan­
to, segundo um cálculo baseado em suas concepções subjeti­
vas e suas sensações esserais do curso do Tempo, você existiria,
não há doze anos, porém, na verdade, há quatro mil seiscentos
e sessenta e oito anos...

“Tudo o que estou dizendo aqui lhe dará a possibilidade


de discernir certos fatores que ocasionaram a diminuição gra­
dual da duração média da existência deles — que acabou por
se tornar, hoje, “quase nula”, no sentido objetivo da palavra.
Para dizer a verdade, essa diminuição gradual da dura­
ção média de existência dos seres tri-cerebrais desse desafortu­
nado planeta, duração finalmente reduzida a “nada”, provém
não de uma só causa, mas de várias.
Entre estas, a principal foi, é claro, que a Natureza teve
de se adaptar de maneira apropriada em vista de modificar pou­
co a pouco a presença deles para torná-la tal qual é hoje.
Quanto às outras causas, digamos com toda justiça que
elas poderiam muito bem nunca aparecer nesse desafortunado
planeta, se a primeira não tivesse se manifestado; com efeito,
elas decorreram mais ou menos dela, mas gradualmente, nem é
preciso dizer.
Você compreenderá tudo isso, meu filho, por ocasião dos
relatos que lhe farei mais tarde sobre esses seres tri-cerebrais;
por ora, só falarei da primeira e principal causa, a saber: por
que e como a Grande Natureza se viu obrigada a levar em con­
ta a presença deles e a dar-lhe uma forma nova.

137
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Antes de mais nada, saiba que existem no Universo duas


“espécies” ou dois “princípios” de existência esseral.
O primeiro princípio de existência esseral, chamado “fu-
lasnitamniano”, é próprio a todos os seres tri-cerebrais que po­
voam todos os planetas de Nosso Grande Universo. A meta
principal e a razão da existência destes seres é de servir à trans­
formação das substâncias cósmicas requeridas para o “proces­
so trogoautoegocrático cósmico geral”.
O segundo princípio de existência esseral é aquele a que
estão submetidos todos os seres uni-cerebrais e bi-cerebrais,
em qualquer lugar que eles surjam.
A razão ou a meta da existência destes seres uni-cere­
brais e bi-cerebrais é de servir de veículo à transformação das
substâncias cósmicas requeridas, não mais, desta vez, para fins
de caráter cósmico geral, porém para as exigências exclusi­
vas do sistema solar ou até mesmo exclusivas do planeta no
qual eles surgem.
Para elucidar melhor a estranheza do psiquismo dos se­
res tri-cerebrais que lhe agradam, você deve saber que, no iní­
cio, quando o órgão kundabuffer, com todas suas proprieda­
des, foi extirpado da presença deles, a duração de sua existên­
cia se conformava ao princípio “fulasnitamniano”, quer dizer
que eles também deviam existir até que neles se houvesse re­
vestido, e completamente aperfeiçoado em Razão, o que se cha­
ma o “corpo kessdjan” — ou “corpo astral”, como eles mes­
mos o chamaram depois — e que os seres atuais só conhecem
por ouvir dizer.
Porém, meu filho, mais tarde, por razões que você co­
nhecerá no transcurso de meus relatos, ele vieram a existir
demasiado anormalmente, a existir de uma maneira indigna
de seres tri-cerebrais; quero dizer que, por uma parte, deixa­
ram de irradiar as vibrações requeridas pela Natureza para a
manutenção dos fragmentos destacados de seu planeta e que,
por outra parte, impelidos pela principal particularidade do

138
RELATIVIDADE DA NOÇÃO DE TEMPO

seu estranho psiquismo, eles se puseram a destruir os seres de


outras formas do seu planeta e a diminuir assim, pouco a pou­
co, o número de fontes requeridas para este mesmo fim. E para
obter o equilíbrio das vibrações requeridas, sob o aspecto da
quantidade e da qualidade, a Natureza se viu então obrigada a
conformar gradualmente a presença desses seres tri-cerebrais
ao segundo princípio, o princípio “Itoklanotz”, como ela o faz
para a dos seres uni-cerebrais e bi-cerebrais.

Eu lhe explicarei um dia especialmente o significado do


princípio “Itoklanotz”.
Por ora, lembre-se disto: se é verdade que, na origem, os
principais motivos de diminuição da duração de existência dos
seres tri-cerebrais desse planeta não dependeram deles, mais
tarde, no entanto, a causa maior deste aflitivo resultado veio —
e ela vem, hoje mais do que nunca — das condições anormais
de existência esseral ordinária que eles mesmos estabeleceram.
Em nossos dias, essas condições têm favorecido essa di­
minuição a tal ponto que, se compararmos a duração de exis­
tência dos seres tri-cerebrais do planeta Terra com a dos seres
tri-cerebrais dos outros planetas de todo o Universo, observa­
remos a mesma diferença que há entre a duração de existência
dos seres infinitesimais contidos na gota d’água, tomada como
exemplo, e a deles.
Compreende você agora, meu filho, por que o Grande
Heropás, ele mesmo, quer dizer, ’o Tempo, se viu obrigado a
realizar um tão flagrante absurdo na presença desses infelizes
seres tri-cerebrais do planeta Terra?
Depois do que acabo de lhe explicar, você pode se colo­
car no lugar de Heropás e compreendê-lo, ele que, apesar de
impiedoso, é justo, sempre e em tudo.”

Após estas palavras, Belzebu calou-se. E, quando se diri­


giu de novo a seu neto, disse com um profundo suspiro:
— Eh! Eh!, meu querido filho... Quando você souber

139
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

mais sobre os seres tri-cêntricos desse desafortunado planeta


Terra, você compreenderá tudo por si mesmo e formará sobre
todas as coisas sua própria opinião.
' Você compreenderá perfeitamente por si mesmo que se
a causa primeira das calamidades terrestres foi uma certa “im­
previdência” d’O-Alto, da parte de diversos Individuuns sa­
grados, não obstante, a razão do caos que reina hoje nesse pla­
neta só deve ser buscada nas condições anormais de existência
esseral ordinária que eles mesmos pouco a pouco estabelece­
ram e que ainda continuam a estabelecer em nossos dias.
Em todo caso, meu querido filho, quando você conhecer
melhor seus favoritos, não só, eu repito, verá a que duração
lamentável ficou reduzida, em definitivo, a existência desses
infelizes, se a compararmos à duração normal de existência fi­
xada, já há muito tempo, como uma lei para todas as espécies
de seres tri-cêntricos de Nosso Grande Universo, mas com­
preenderá também que, pelas mesmas razoes, toda sensação
esseral normal, seja qual for, relativa a qualquer fenômeno cósmi­
co, pouco a pouco desapareceu neles, e hoje lhes falta por com­
pleto.
Embora os seres desse desafortunado planeta tenham apa­
recido há várias dezenas de anos, segundo um cálculo objetiva­
mente convencional do Tempo, eles ainda não têm nenhuma
sensação esseral dos fenômenos cósmicos — sensação própria,
contudo, a todos os seres tri-cêntricos do Universo inteiro; e
além disso, na razão desses infelizes não se forma sequer a me­
nor representação, ainda que aproximada, das verdadeiras cau­
sas desses fenômenos.
• Eles nem sequer têm noção, por pouco justa que seja,
dos fenômenos cósmicos que se produzem em seu próprio pla­
neta, bem ao redor deles.

140
Capítulo 17
Arqui-absurdo:
Segundo as assertivas de Behebu,
nosso sol não ilumina nem aquece

PARA que você se represente um pouco, meu querido


Hassin, o quanto a função chamada “sensação instintiva da
realidade”, própria a todo ser tri-cerebral de Nosso Grande
Universo, faz falta na presença dos seres tri-cêntricos que po­
voam o planeta Terra — sobretudo naqueles dos períodos re­
centes —, bastará, a meu ver, lhe dizer como eles compreen­
dem e se explicam as razões pelas quais se produzem periodi­
camente em seu planeta os fenómenos cósmicos que eles cha­
mam “luz do dia”, “escuridão”, “calor”, “frió” etc.
Todos os seres tri-cerebrais desse planeta chegados à ida­
de responsável, todos, sem exceção, estão categoricamente con­
vencidos, sob a influência das numerosas elucubrações que exis­
tem lá com o nome de “ciências”, de que tais fenômenos che­
gam já todos feitos a seu planeta, “di-re-ta-men-te” de seu sol...
e, comó Mulá Nassr Eddin diria em tal caso, “basta de blabla-
blá a respeito”.
O que há de mais singular, quanto a isto, é que, salvo
alguns seres que lá existiram antes da segunda perturbação
transapalniana, nem um só deles expressou até o hoje a menor
dúvida quanto a essa convicção.
Não só nenhum deles jamais duvidou da origem desses
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

fenômenos — embora sua estranha razão apresente uma certa


semelhança com uma lógica sadia —, mas nenhum deles nem
sequer manifestou, a respeito, a tal singular propriedade de
seu psiquismo, que só os seres tri-cerebrais desse planeta pos­
suem e que tem o nome de “fantasia imaginativa”.

E Belzebu prosseguiu, com um sorriso amargo:


— Você, meu filho, que tem uma presença normal de ser
tri-cerebral e um “oskiano” — ou, como dizem lá na Terra,
uma “educação” — intencionalmente implantada em sua es­
sência, e baseada numa moral que repousa exclusivamente nos
mandamentos e preceitos do Ser-Uno, ele mesmo, assim como
dos Mui Santos Individuuns que lhe são próximos... pois bem!,
se você por acaso tivesse se encontrado entre eles não teria
podido, em certos casos, conter em si o “parkhitrogul esseral”,
quer dizer, o processo chamado na Terra “louco riso interior
irresistível” — e esse louco riso se tornaria inextinguível à vista
da surpresa deles, se tivessem de repente sentido e compreen­
dido com força que não somente nenhuma “luz”, “calor” etc.
vem de seu sol para seu planeta, mas ainda que esse sol, que
eles supõem ser uma “fonte de luz e de calor”, gela, ele mesmo,
quase tanto como o cão pelado de nosso venerável Mulá Nassr
Eddin.
Em realidade, a superfície dessa “fonte de calor”, assim
como a de todos os sóis ordinários de Nosso Grande Universo,
talvez esteja mais coberta de gelo que a superfície do que eles
chamam “Pólo Norte”.
Esse foco “incandescente” teria, ele mesmo, emprestado
um pouco de “calor” de qualquer outra fonte de substância
cósmica em vez de enviar uma parte do seu a um planeta qual­
quer, sobretudo àquele que, tendo tido o lado arrancado, se
tornou uma espécie de monstro estropiado e representa atual­
mente para esse pobre sistema Ors uma “vergonha aflitiva”.

142
ARQUI-ABSURDO

“Mas, sabe você, meu filho, perguntou Belzebu a Has­


sin, como e por que se produzem em geral nas atmosferas de
certos planetas, durante os processos trogoautoegocráticos, os
fenômenos “kshtatsavakht”, “kldatsakhtí”, “teïnoler”, “peïsha-
kir” e outros, que seus favoritos chamam “luz do dia”, “escuri­
dão”, “frio”, “calor” etc.?
Se não o compreende ainda bastante claramente, vou
precisá-lo para você.
Eu lhe disse que explicarei somente mais tarde, em todos
os seus detalhes, as leis capitais da criação do mundo e da exis­
tência do mundo, mas, para que você possa melhor perceber
aquilo de que estamos falando neste momento, e assimilar me­
lhor tudo que já lhe disse, parece-me indispensável abordar
imediatamente, ainda que brevemente, as questões relativas a
essas leis cósmicas.
Saiba, em primeiro lugar, que tudo o que foi criado
intencionalmente, assim como tudo que surgiu automatica­
mente no Universo, existe e se mantém unicamente com base
no “processo cósmico trogoautoegocrático”.
Este mui grande processo cósmico trogoautoegocrático
foi realizado por Nosso Eterno Uni-Esseral, quando já existia
o Nosso Mui Grande e Mui Santo Sol Absoluto, que foi, e ain­
da é hoje, o lugar principal de existência de Nosso Todo-Mise­
ricordioso Criador.
Este sistema, que sustenta tudo que surge e existe, foi
realizado por Nosso Criador Eterno a fim de que se opere a
“troca de substâncias” ou a “nutrição recíproca” de tudo quanto
existe, a fim de bloquear, no Sol Absoluto, a ação do impiedo­
so Heropás.
Este mui grande processo cósmico trogoautoegocrático
se efetua sempre e em tudo em conformidade com duas leis
cósmicas fundamentais ‘ a primeira das quais se chama o “Hep­
taparaparshinokh fundamental sagrado de primeira ordem” e

143
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

a segunda o “Triamazikamno fundamental sagrado de primei­


ra ordem”.
Sob a ação destas duas leis cósmicas sagradas surgem pri­
meiro, dentro de certas condições, a partir da substância cha­
mada “ethernokrilno”, diversas “cristalizações”. E, a partir des­
tas cristalizações, se constituem, por sua vez, também em cer­
tas condições, grandes e pequenas “formações” cósmicas de­
terminadas, mais ou menos independentes.
Ora, no interior e na superfície dessas formações, efetuam-
se os processos chamados “involução” e “evolução”, sempre
em conformidade com as duas leis sagradas fundamentais; e
todos os resultados desses processos nas atmosferas — e além
delas, por intermédio dessas mesmas atmosferas — fusionam,
a fim de garantir esse “intercâmbio nutritivo”.
O “ethernokrilno” é a substância primordial com a qual
está preenchido todo Nosso Grande Universo e que serve de
base a tudo quanto existe.
Em relação a isso, a ciência objetiva afirma que tudo, sem
exceção, no Universo, é matéria.
Saiba ainda que uma só cristalização cósmica, que existe
com o nome de “Okidanokh onipresente”, tendo, ela também,
como base, o ethernokrilno, tira sua origem diretamente dos
três princípios santos do “Theomertmalogos sagrado”, quer
dizer, das emanações do Mui Santo Sol Absoluto.
Este “Okidanokh onipresente” toma parte, no Universo,
na formação de todos os surgimentos, pequenos e grandes; ele
é a causa principal da maioria dos fenômenos cósmicos e, em
particular, dos fenômenos que ocorrem nas atmosferas.

“Para que você possa compreender também, por pouco


que seja, o Okidanokh onipresente, você precisa saber que a
segunda lei cósmica fundamental, a do Triamazikamno sagra­
do, põe em jogo três forças independentes; dito de outra forma,

144
ARQUI-ABSURDO

esta lei sagrada se manifesta no Universo em tudo e em toda


parte, sem exceção, sob três aspectos independentes.
Estes três aspectos existem, no Universo, com as seguin­
tes denominações:

O primeiro, sob o nome de “Santa Afirmação”.


O segundo, de “Santa Negação”.
O terceiro, de “Santa Conciliação”.

E por isso que a ciência objetiva enuncia, entre outras


fórmulas relativas a esta lei sagrada e a estas três forças inde­
pendentes, a seguinte definição:
“Lei cujos efeitos se tornam causas de novos efeitos, e
cujo funcionamento comporta sempre três manifestações in­
dependentes e de caráter radicalmente oposto, presentes nela
em estado de propriedades latentes, invisíveis e inapreensíveis”.
Ora, meu filho, nosso Theomertmalogos sagrado, quer
dizer, a emanação original de Nosso Mui Santo Sol Absoluto,
desde seu advento, se conforma ele também a essa lei, e, em
suas realizações ulteriores, dá resultados correspondentes.
O Okidanokh onipresente, aparecendo no espaço fora
do Mui Santo Sol Absoluto, tira sua origem da fusão desses
três princípios independentes em um só, depois, durante suas
involuções ulteriores, ele se modifica, quanto à “força de vivi-
ficação de suas vibrações”, à medida que passa pelos “stopín-
ders” ou “centros de gravidade” do Heptaparaparshinokh sa­
grado fundamental.

“Eu o repito: o Okidanokh onipresente participa sempre


necessariamente, entre outras cristalizações cósmicas já deter­
minadas, nas formações cósmicas, pequenas e grandes, em qual­
quer lugar do Universo em que elas surjam e quaisquer que
sejam as condições exteriores circundantes.
Esta “única cristalização” cósmica, ou “elemento ativo”,

145
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

possui varias particularidades exclusivas a ela somente, e é so­


bretudo por causa destas particularidades que se deve a maior
parte dos fenómenos cósmicos — entre outros, aqueles de que
falamos e que ocorrem na atmosfera de certos planetas.
O elemento ativo onipresente possui, como disse, varias
particularidades próprias a ele somente, mas nos bastará, como
tema de nossa conversa, tomar conhecimento de duas delas.
A primeira consiste no seguinte: quando uma nova uni­
dade cósmica se concentra, o elemento ativo onipresente não
fusiona com ela, nem se transmuta na sua integralidade em um
ponto dado desta nova formação — como fazem todas as ou­
tras cristalizações em todas as formações cósmicas. Mas, logo
que entra tal qual, em massa, em uma unidade cósmica, ele
sofre aí, imediatamente, o que se chama “djartklom”, quer di­
zer, que ele se decompõe nos três princípios fundamentais que
lhe deram nascimento. Depois, cada um destes três princípios,
tomado isoladamente, determina, nesta unidade cósmica, a
concentração independente de três novas formações distintas.
De modo que este elemento ativo onipresente cria, na origem
de toda nova formação, fontes para a manifestação eventual de
sua própria lei sagrada de Triamazikamno.
E preciso notar ainda que, para assegurar a percepção e
a utilização ulterior dessa particularidade do elemento ativo
onipresente em vista de uma realização apropriada, essas fon­
tes distintas existem e funcionam em toda formação ou unida­
de cósmica, enquanto esta existe.
E só após a total destruição dessa “unidade” é que os
santos princípios do Triamazikamno sagrado, localizados no
elemento ativo onipresente Okidanokh, fusionam de novo para
reconverter-se em Okidanokh, mas, desta vez, com vibrações
que têm uma força de vivificação diferente.
Quanto à segunda particularidade do Okidanokh oni­
presente, igualmente própria só a ele, e que nos é indispensá­
vel elucidar imediatamente, visto que é este o tema de nossa

146
ARQUI-ABSURDO

conversa, você a compreenderá somente após ter tomado co­


nhecimento de uma lei cósmica fundamental de segunda or­
dem, que existe no Universo com o nome de “Aïeïoïouoa
sagrado”.
Esta lei cósmica é a seguinte:
“Toda formação, grande ou pequena, sofre ao contato
imediato das “emanações” do Sol Absoluto, ou de qualquer
outro sol, um processo chamado “remorso”, no curso do qual
cada uma de suas partes, resultante de um dos santos princípios
do Triamazikamno sagrado, “se revolta” e “critica” as percep­
ções anteriores e as manifestações atuais impróprias de uma
outra parte de seu todo, resultante de um outro princípio san­
to da mesma lei sagrada do Triamazikamno”.
O elemento ativo onipresente Okidanokh está, ele tam­
bém, submetido a esse processo sagrado de “Aïeïoïouoa” ou
de “remorso”.
No curso desse processo, este elemento ativo, enquanto
dura ao redor de sua presença a ação imediata do Theomert­
malogos sagrado ou da emanação de algum outro sol ordiná­
rio, se decompõe em suas três partes originais, que existem então
de maneira quase independente; mas, assim que cessa esta ação,
essas partes fusionam de novo para existir como um só todo.

“Aqui, meu filho, penso que seria bom lhe assinalar en­
tre outros, um fato interessante, referente à estranheza do psi­
quismo dos seres tri-cerebrais ordinários do planeta que lhe
agrada tanto; esse fato tem relação com suas “especulações
científicas”, como eles dizem.
Durante meus longos séculos de observação e de estudo
de seu psiquismo — no curso dos quais, quase desde seu
aparecimento, nasceu sua ciência, que mais tarde devia alcançar
periodicamente, como todas as coisas lá, um nível mais ou menos
elevado de perfeição —, tive várias vezes a oportunidade de
constatar que se milhões e milhões de seres tri-cerebrais

147
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

chamados “sábios” apareceram em todas as épocas e em todos


os lugares no meio deles, a idéia não veio jamais à mente de um
só dentre eles — com exceção, entretanto, de um certo chinês
chamado Tchun-Kil-Tess, de quem lhe falarei mais tarde em
detalhe — de que houvesse uma diferença qualquer entre os
dois fenômenos cósmicos chamados “emanação” e “radiação”.
Nem um só desses “funestos sábios” jamais se deu conta
de que a diferença entre esses dois processos cósmicos é preci­
samente daquelas que o nosso venerável Mulá Nassr Eddin
caracterizava um dia com as seguintes palavras:
“Eles se parecem tanto quanto a barba do famoso Sha­
kespeare inglês e o não menos famoso “armanhaque” francês”.
Para ser bem capaz de melhor compreender os fenôme­
nos que se produzem nas atmosferas, você deve ainda saber e
se lembrar de que durante os períodos em que o Okidanokh
onipresente sofre o “djartklom” sob a ação do processo sagra­
do de “Aïeïoïouoa”, a parte de ethernokrilno puro — quer di­
zer, “não dissolvido” — que entra necessariamente em todas as
formações cósmicas e serve, por assim dizer, para ligar entre si
todos os elementos ativos dessas formações se destaca tempo­
rariamente dele para reintegrar-se nele assim que as três partes
principais do Okidanokh fusionarem de novo.

“Agora, precisamos abordar brevemente esta outra ques­


tão: qual é a relação do elemento ativo onipresente Okidanokh
com a presença integral de todo ser — e quais resultados cós­
micos ele faz aparecer aí?
E precisamos abordar esta questão, porque ela colocará
em evidência um fato que lhe permitirá discernir melhor as
diferenças que apresentam os diversos sistemas de cérebros dos
seres, sistemas chamados “uni-cerebral”, “bi-cerebral” e “tri­
cerebral”.
Saiba, antes de tudo, que toda concentração cósmica que
tem o nome de “cérebro” se constitui a partir de cristalizações

148
ARQUI-ABSURDO

cuja formação tem por princípio afirmativo uma ou outra das


santas forças correspondentes do Triamazikamno fundamen­
tal sagrado, integradas no Okidanokh onipresente. E é preci­
samente através dessas localizações que se efetuam, na presen­
ça dos seres, as realizações ulteriores dessas santas forças.
Mais tarde, lhe explicarei especialmente o processo mes­
mo da formação primeira dos cérebros esserais na presença
dos seres. Enquanto isso, lhe direi algumas palavras sobre os
resultados que o Okidanokh onipresente engendra por meio
desses cérebros esserais.
O elemento ativo onipresente Okidanokh penetra na pre­
sença dos seres pelos três tipos de alimento esseral.
E isso porque o Okidanokh participa, ele também neces­
sariamente, como já lhe disse, na elaboração de todas as subs­
tâncias que servem de alimento esseral e está, por conseqüên­
cia, sempre presente nelas.

Ora, meu filho...


A particularidade essencial do Okidanokh onipresente é
que, ao sofrer o processo de “djartklom” na presença dos se­
res, ele o sofre desta vezindependentemente do contato das
emanações de uma grande concentração cósmica; e os fatores
de realização do djartklom na presença dos seres são: quer os
resultados dos partkdolgdeveres conscientemente realizados
pelos seres eles mesmos — e dos quais lhe falarei mais tarde de
maneira detalhada —, quer o processo da Grande Natureza
que existe no Universo sob o nome de “realização kerkulnuar-
niana”, que consiste em “realizar por adaptação a totalidade
requerida das vibrações”.
Este último processo se efetua nos seres sem que seu cons­
ciente tome nele a menor parte.
Nos dois casos, logo que o Okidanokh penetra na pre­
sença de um ser e lá sofre o djartklom, cada uma de suas partes
constitutivas fusiona com aquelas percepções do ser que lhe

149
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

correspondem, no momento dado, segundo suas “afinidades


de vibrações” — depois ele se concentra nas localizações apro­
priadas, quer dizer, nos cérebros apropriados.
Estas fusões se chamam “impulsacri esserais”.
Observe, meu filho, que essas localizações ou cérebros
dos seres não somente lhes servem de aparelhos destinados à
transformação das substâncias cósmicas correspondentes, para
os fins do Mui Grande Trogoautoegocrata cósmico geral, mas,
além disso, constituem para eles os meios de aperfeiçoar-se cons­
cientemente.
Esta última meta depende, por outro lado, da qualidade
dos “impulsacri” que se concentram ou, como também se diz,
se depositam nesses cérebros esserais.
No que concerne à qualidade dos “impulsacri esserais”,
existe, entre os mandamentos diretos de Nosso Eterno Todo-
Abrangente, um mandamento especial, estritamente observa­
do por todos os seres tri-cerebrais de Nosso Grande Universo,
e que se enuncia assim:
“Protege-te sempre das percepções que poderiam macu­
lar a pureza de teus cérebros”.
A possibilidade de um aperfeiçoamento pessoal é dada
aos seres tri-cerebrais pelo fato de que em sua presença geral
se localizam três centros ou cérebros esserais, nos quais, assim
que o Okidanokh onipresente sofreu o processo de djartklom,
os três princípios santos do Triamazikamno sagrado vêm se
depositar, para ali adquirir a faculdade de uma realização ulte­
rior, desta vez independente.
Ora, o fato é que os seres que possuem esse sistema tri­
cerebral podem, por um cumprimento consciente e intencio­
nal dos partkdolgdeveres esserais, utilizar para sua própria
presença as três santas forças do Okidanokh, liberadas pelo
djartklom, e levar esta presença até o estado chamado “sacro-
nulantsakniano”, quer dizer, vir a ser Individuuns que têm sua
própria lei sagrada de Triamazikamno, o que lhes dá a possibi-

150
ARQUI-ABSURDO

lidade de se apropriar conscientemente, e de revestir integral­


mente, em sua presença geral, o elemento sagrado que favore­
ce entre outras coisas, nas unidades cósmicas, o funcionamen­
to de uma Razão objetiva ou divina.
Entretanto, meu filho, há aí algo de terrível. Os seres tri-
cerebrais do planeta Terra que lhe interessam dispõem, eles
também, até a sua completa destruição, de três localizações
independentes, ou “cérebros esserais”, por meio dos quais se
transformam, com vistas a uma realização ulterior apropriada,
os três princípios santos do Triamazikamno sagrado, que eles
poderiam utilizar para seu próprio aperfeiçoamento; mas a des­
graça é que em razão de condições incorretas de existência es­
seral ordinária que eles próprios estabeleceram, deixam essas
possibilidades “bater asas” em vão.

“É interessante notar que, nos seres tri-cerebrais do pla­


neta Terra, esses cérebros esserais estão situados nas mesmas
partes do corpo planetário que em nós. Assim:
1. O cérebro destinado pela Grande Natureza à concen­
tração e à realização ulterior da primeira força santa do Tria­
mazikamno sagrado, chamada “Santa Afirmação”, está situa­
do em sua cabeça.
2. O segundo cérebro, chamado a transformar e cristali­
zar a segunda força santa do Triamazikamno sagrado, a “Santa
Negação”, está situado, como em nós, todo ao longo de suas
costas, no que se chama a “coluna vertebral”.
3. Quanto ao lugar de concentração que serve de fonte
de manifestação da terceira força santa do Triamazikamno sa­
grado, a “Santa Conciliação”, a forma exterior deste cérebro
esseral nos seres tri-cerebrais de lá não se assemelha em nada à
nossa. r
Você precisa saber que, nos primeiros seres tri-cerebrais
de lá, este cérebro esseral estava situado na mesma parte do
corpo planetário que em nós e tinha exatamente a mesma forma

131
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

exterior; mas, por muitas razões que você mesmo compreen­


derá durante meus relatos, a Grande Natureza foi obrigada a
alterar pouco a pouco este cérebro para lhe dar a forma que
hoje tem neles.
Nos seres tri-cerebrais atuais de lá, este cérebro esseral,
em vez de se localizar em uma massa total, como lhe é próprio
fazer na presença de todos os demais seres tri-cerebrais de Nosso
Grande Universo, fragmenta-se em diversas partes, e cada uma
dessas partes, segundo o seu “funcionamento específico”, se
localiza em um lugar diferente de seu corpo planetário.
Apesar de que, na sua forma exterior, este centro esseral
comporte diversos pontos de concentração, estes, entretanto,
estão ligados entre si por seu funcionamento, de modo que este
conjunto de partes dispersas pode trabalhar exatamente como
lhe é próprio fazer.
E preciso notar que a maior parte desses pontos de con­
centração se situa na região do corpo planetário deles onde
este cérebro esseral deveria normalmente encontrar-se, quer
dizer, no seu peito.
Eles mesmos chamam estas localizações distintas de sua
presença geral de “feixes nervosos” e dão a este conjunto de
feixes nervosos o nome de “plexo solar”.

“Ora, meu filho, o Okidanokh sofre também na presen­


ça de seus favoritos o processo de djartklom, e cada um de seus
três princípios santos fusiona independentemente com outras
cristalizações cósmicas, com vistas a uma realização correspon­
dente. Mas visto que eles cessaram definitivamente de cumprir
os partkdolgdeveres esserais, em conseqüência das condições
anormais de existência por eles mesmos estabelecidas pouco a
pouco, o único dos três princípios santos de tudo que existe
que é transmutado para sua própria presença é o “princípio
negativo”.
As cristalizações do primeiro e do terceiro princípio santos

152
ARQUI-ABSURDO

que se operam neles servem quase inteiramente ao processo


trogoautoegocrático cósmico geral; e somente as cristalizações
da segunda parte do Okidanokh onipresente, a Santa Nega­
ção, servem ao revestimento de sua própria presença. Por isso,
a presença do maior número deles é constituída unicamente
pelo corpo planetário, que, como tal, será destruído para sempre.
Quanto às particularidades próprias somente ao elemen­
to ativo onipresente e por-toda-a-parte-penetrante Okidanokh,
e aos resultados ulteriores que delas derivam, você só os
compreenderá verdadeiramente mais tarde, quando eu tiver
explicado com mais ou menos detalhes, como já lhe prometi,
as leis fundamentais da criação do mundo e da manutenção do
mundo.
Enquanto isso, relatarei as experiências conclusivas, re­
ferentes a esta cristalização cósmica onipresente, às quais assisti
pessoalmente.
Porém, saiba bem que não foi no planeta Terra que fui
testemunha dessas experiências — mas no planeta Saturno. E
não foram seus favoritos que as empreenderam; elas foram di­
rigidas pelo ser tri-cerebral que foi o meu verdadeiro amigo
durante quase toda a duração de meu exílio nesse sistema so­
lar, e do qual lhe prometi falar mais longamente.”

153
Capítulo 18
Arqui-fantástico

E Belzebu continuou:
— Meu primeiro encontro com o ser tri-cerebral que se
tornou o “amigo de minha essência”, e na casa do qual eu ia
assistir às experiências sobre o “Okidanokh onipresente”, ocor­
reu nas circunstancias seguintes:
No início mesmo de meu exílio, alguns amigos da minha
essência, permanecidos alheios àos acontecimentos que tinham
causado minha desgraça, suscitaram a meu respeito, na pre­
sença de certos seres tri-cêntricos qualificados desse sistema
solar, com a ajuda do processo cósmico denominado “Askal-
nuazar”, o impulso sagrado que existe no Universo sob o nome
de “Vznushlitzval sagrado” — impulso que a ciência objetiva
chama “ter confiança em seu semelhante como em si mesmo”.
Ora, meu filho, após minha chegada ao sistema solar Ors,
visitei seus diversos planetas; e na minha primeira descida à
superfície do planeta “Saturno” descobri que o “kha-
rakhrakhrukhri” de todos os seres tri-cêntricos que surgem e
existem nesse planeta tinha sido, ele também, submetido em
relação à minha pessoa à ação sagrada do Vznushlitzval.
Chama-se “kharakhrakhrukhri”, em Saturno, o chefe úni­
co de todos os outros seres.
Existem seres-chefes em todos os planetas povoados por
seres tri-cerebrais, e em cada um eles têm um nome diferente;
na Terra, por exemplo, esses chefes levam o nome de “reis”.
A única diferença é que em todos os demais lugares,
ARQUI-FANTÁSTICO

mesmo nesse sistema solar, há somente um “rei” por planeta;


ao passo que, em seu original planeta Terra, cada grupo de
seus favoritos, acidentalmente constituído, tem um e, às vezes,
até vários desses “reis” independentes.

“Assim, pois, ao descer à superfície do planeta Saturno,


travei sem demora conhecimento com os seres tri-cêntricos de
lá e tive a oportunidade, desde o dia seguinte à minha chegada,
de encontrar o “kharakhrakhrukhri”, que me propôs, no curso
de uma “troca de opiniões subjetivas”, usar seu próprio “khar-
khukhri”, quer dizer, seu próprio “palácio”, como lugar de re­
sidência durante toda minha estada em seu planeta.
Foi o que fiz.
Ora, meu filho, um dia em que conversávamos simples­
mente segundo o desenrolar de um “pensar esseral associati­
vo”, abordamos a questão dos estranhos resultados aos quais
davam lugar as manifestações das particularidades do Okida­
nokh onipresente. O venerável kharakhrakhrukhri do planeta
Saturno me disse então que um de seus súditos, um sábio de
nome Kharkhar, havia recentemente inventado, para estudar cer­
tas propriedades desta substância cósmica, permanecidas obs­
curas até então, um dispositivo dos mais interessantes, cujo
aparelho principal ele chamava de “khrakhartsakha”.
Ofereceu-me logo de dar, se isso me conviesse, as ordens
necessárias para que me apresentassem essa recente invenção,
com todas as explicações desejadas.

“Dírigi-me, portanto, no dia seguinte, acompanhado de


um dos familiares do venerável kharakhrakhrukhri ao lugar de
existência de Gornakhur Kharkhar, na casa de quem assisti,
pela primeira vez, a essas inteiramente novas experiências de­
monstrativas sobre o Okidanokh onipresente.
Gornakhur Kharkhar tornou-se, como já disse, o amigo
de minha essência. Ele era considerado como um dos melhores

155
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

sábios entre os seres tri-cerebrais ordinários do Universo intei­


ro; suas descobertas já eram conhecidas por toda parte, assim
como os aparelhos que ele havia inventado para suas experiên­
cias, e os seres sábios dos diversos planetas os empregavam
cada vez com mais frequência.
Notemos, a esse propósito, que devo à sua ciência ter po­
dido instalar em meu observatorio do planeta Marte o tesskuano
que reforçava minha visão ou, como se diz, “aumentava a visi­
bilidade” das concentrações cósmicas distantes, sete milhões,
duzentas e oitenta e cinco vezes.
Esse tesskuano, depois, fez meu observatório ser consi­
derado como uma das melhores instalações desse gênero no
Universo inteiro. Graças a ele, eu podia ver e observar como­
damente, permanecendo em minha casa, em Marte, os proces­
sos de existência que se desenvolviam na superfície dos outros
planetas desse sistema solar ou, pelo menos, naquelas de suas
partes que o “movimento harmônico geral dos sistemas” tor­
nava perceptíveis à “visão esseral” no momento de minhas
observações.

“Gornakhur Kharkhar, após ter perguntado quem éra­


mos e por que tínhamos vindo, aproximou-se de nós e nos deu
muito amavelmente algumas explicações.
Antes de repetir essas explicações, deixe-me adverti-lo,
de uma vez por todas, que minhas conversas com diversos se­
res tri-cêntricos que habitam os diferentes planetas do sistema
solar onde me vi lorçado a existir em conseqüência de meus
“pecados de juventude”, como a conversa com Gornakhur
Kharkhar que vou lhe narrar, se desenrolaram em um idioma
inteiramente desconhecido por você e cujas consonâncias eram
mesmo, por vezes, difíceis de apreender pelas funções esserais
normais destinadas a esse fim.
Por isso, meu filho, não vou relatar-lhe textualmente es­
sas conversas: darei a você o sentido delas em nossa língua,

156
ARQUI-FANTÁSTICO

mas continuando a empregar os “termos” e “nomes específi­


cos” — quer dizer, as combinações de sons produzidas pelas
cordas vocais esserais — de que se servem seus favoritos na
Terra, visto que as frequentes repetições que deles tenho feito
em meus relatos anteriores os tornaram familiares e até facil­
mente compreensíveis para você.
Sim... importa ainda observar a este respeito que os seres
tri-cerebrais do planeta Saturno se servem da palavra “Gorna­
khur” como uma forma de cortesia; eles a colocam antes do
nome daquele a quem se dirigem.
E o que fazem, aliás, seus favoritos na Terra, que imagi­
naram eles também fazer preceder o nome daquele a quem se
dirigem da palavra “Senhor” ou, algumas vezes, até de toda
uma frase destituída de sentido expressando uma concepção
que nosso respeitável Mulá Nassr Eddin caracteriza pela sen­
tença seguinte:
“E, apesar de tudo, há nisso mais realidade do que em
todas as acrobacias de um “perito em assuntos de macacos”.

“Ora, meu filho...


“Uma vez informado sobre o que esperavamos dele, o
futuro amigo de minha essência, Gornakhur Kharkhar, nos con­
vidou com um sinal para nos aproximar de um dos aparelhos
especiais de sua criação, ao qual havia dado o nome de “khra­
khartsakha”.
Quando nos aproximamos dessa construção estranha, ele
a designou com uma pluma da sua asa direita, e disse:
“Este aparelho especial constitui a parte principal de mi­
nha nova invenção, e é aí que se revelam e se manifestam os
resultados de quase todas as particularidades da substância oni­
presente Okidanokh”.
Depois, designando o conjunto dos aparelhos reunidos
no “khrkh”, ou “oficina”, ele acrescentou:
“Todos estes aparelhos especiais de minha invenção me

157
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

permitiram obter certos esclarecimentos dos mais importantes


sobre o Okidanokh onipresente e por-toda-a-parte-penetran-
te; eles me servem primeiro para recolher as três partes princi­
pais do Okidanokh onipresente no curso de todos os proces­
sos supraplanetários e intraplanetários, depois para fazê-las
fusionar artificialmente num só todo; e por fim, após tê-las di­
vidido, sempre de maneira artificial, para estudar as proprie­
dades específicas de cada parte em suas manifestações distintas.”
Dito isto, ele designou o “khrakhartsakha”, e explicou
que esse “aparelho de experiências” permitia a todo ser ordi­
nário compreender em todos os seus detalhes as propriedades
das três partes — inteiramente independentes em si mesmas
como em suas manifestações — do “único elemento ativo”,
cujas particularidades constituem a causa principal de tudo
quanto existe no Universo. Ele acrescentou que todo ser ordi­
nário podia se convencer formalmente de que nenhum dos re­
sultados dos processos normais pelos quais passa essa substân­
cia universal onipresente jamais pode ser percebido nem senti­
do pelos seres; e que somente os resultados dos processos que
se desenrolam de maneira anormal — por qualquer causa ex­
terior, proveniente quer de fontes conscientes, quer de resulta­
dos mecânicos acidentais — podem ser percebidos por certas
funções esserais.

“A parte da nova invenção de Gornakhur Kharkhar que


ele chamava um “khrakhartsakha”, e que ele considerava como
a mais importante, tinha o aspecto de um “tirzikiano” ou, como
teriam dito seus favoritos, de uma “enorme lâmpada elétrica”.
O interior dessa construção especial se parecia com uma
cabine, cuja única porta se fechava herméticamente.
Suas paredes eram feitas de uma massa transparente, lem­
brando o que se chama, em seu planeta, “vidro”.
Como soube mais tarde, a particularidade dominante des­
sa massa transparente consistia nisto: se bem que fosse possível

158
ARQUI-FANTÁSTICO

aos seres perceber através dela, por meio do órgão da visão,


todas as concentrações cósmicas, ela não deixava filtrar nenhum
raio, qualquer que fosse sua proveniência, nem do exterior para
o interior nem do interior para fora.
Ao examinar esta parte da surpreendente invenção esse­
ral, eu distinguí claramente, através de suas paredes transpa­
rentes, uma espécie de mesa e duas cadeiras, colocadas bem no
meio; acima da mesa pendiam três objetos idênticos, análogos às
“lâmpadas elétricas” terrestres e parecidos com “momonoduares”.
Vários aparelhos e instrumentos que me eram ainda des­
conhecidos estavam postos sobre a mesa ou instalados ao
lado dela.
Soube mais tarde que os objetos contidos no khrakhar­
tsakha, assim como todo o equipamento que revestimos de­
pois, eram feitos de materiais especiais, inventados, eles tam­
bém, por Gornakhur Kharkhar.
Darei a você, além disso, alguns detalhes a respeito de­
les, no curso das explicações que seguirão.
Enquanto isso, saiba que no imenso “khrkh” de Gorna­
khur Kharkhar se encontravam, além do khrakhartsakha, vários
aparelhos isolados, entre os quais dois “vida-tchakhans” abso­
lutamente singulares que Gornakhur Kharkhar chamava de
“khrikhirkhis”.
E interessante notar que se encontra também desses “vida-
tchakhans” ou “khrikhirkhis” entre seus favoritos, que os cha­
mam “dínamos”.
À parte havia ainda uma enorme máquina, de constru­
ção particular, chamada “solukhnorakhuna” ou, como teriam
dito seus favoritos, uma “bomba-de-estrutura-complexa-que-
permite-evacuar-a-atmosfera-até-o-vazio-absoluto”.

“Enquanto eu examinava tudo isso com assombro, Gor­


nakhur Kharkhar, aproximando-se dessa “bomba-de-estrutu-
ra-complexa”, deslocou com a asa esquerda uma das peças, o

159
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

que disparou um certo mecanismo. Depois do que voltou até


nós, e designando, sempre com a mesma pluma especial da sua
asa direita, o maior “vida-tchakhans”, ou “khrikhirkhi”, ou “dí­
namo”, ele continuou suas explicações:
“Este aparelho especial permite extrair separadamente,
quer da atmosfera, quer de toda formação intraplanetária ou
supraplanetária, as três partes independentes do elemento ati­
vo onipresente Okidanokh; depois, quando suas diversas par­
tes fusionaram artificialmente de novo em um só todo neste
“khrikhirkhi”, o Okidanokh escorre no estado ordinário e vai
se concentrar ali, naquele reservatório — ele designava, sem­
pre com a mesma pluma especial, alguma coisa que se parecia
com o que se chama um “condensador”.
“Dali, prosseguiu ele, o Okidanokh escorre em um outro
“khrikhirkhi” ou “dínamo”, onde ele sofre o processo de
djartklom; depois cada uma de suas partes distintas se concen­
tra mais adiante em outros “reservatórios” — e ele designou
desta vez alguma coisa semelhante a um “acumulador”. E é
então que, por meio de dispositivos variados, eu recolho sepa­
radamente, em vista de minhas experiências, cada uma das par­
tes ativas do Okidanokh, contidas nesses “reservatórios” se­
cundários.
“Vou lhe mostrar primeiro o que se produz quando, por
uma razão ou outra, uma das partes ativas do Okidanokh oni­
presente está ausente do processo no curso do qual essas par­
tes tendem a fusionar de novo em um só todo.
“Atualmente, no interior deste dispositivo, fez-se o vazio
absoluto. Esse vazio somente pode ser obtido graças à estrutu­
ra particular da bomba aspiradora, bem como à qualidade e à
solidez dos materiais com os quais são feitas as paredes des­
ta invenção.
“Os instrumentos que vão servir para as nossas experiên­
cias num vazio absoluto são, eles também, de uma qualidade
especial.”

160
ARQUI-FANTÁSTICO

Dito isto, ele deslocou uma outra alavanca e continuou:


“Graças ao deslocamento desta alavanca, as partes dis­
tintas do Okidanokh onipresente começam a sofrer, neste es­
paço absolutamente vazio, a ação de uma tendência chamada:
“tendência a fusionar de novo em um só todo”.
“Porém, já que uma “razão poderosa” — a minha, no
caso — excluiu propositadamente a terceira parte do Okida­
nokh, que existe com o nome de “Parijrahatnatius”, este pro­
cesso se efetua aqui com duas de suas partes.somente, que a
ciência chama, a primeira, “Anodnatius”, e a segunda, “Ca­
thodnatius”. De modo que no lugar do resultado, conforme às
leis, surgido do processo de fusão das três partes, se realiza
neste momento um resultado não conforme às leis, chamado
“resultado do processo de fusão recíproca de duas forças opos­
tas”, que é ao mesmo tempo, como dizem os seres ordinários, “a
causa da luz artificial”.
“A “tendência a fusionar de novo num único todo”, que
sofrem, neste espaço vazio, duas das partes ativas do Okida­
nokh onipresente, tem uma força, calculada pela ciência obje­
tiva, de 3.040.000 volts, força indicada ali pelo ponteiro desse
aparelho especial.”
Ele designou “algo” parecido com um aparelho que se
encontra também em seu planeta com o nome de “voltíme­
tro”, e disse:
“Uma das vantagens que apresenta a minha nova inven­
ção para a demonstração deste fenômeno é que, apesar da ex­
traordinária potência de “tensão” que se manifesta neste mo­
mento neste processo, as “vibrações salnitchissinuarnianas”
oriundas por inércia deste mesmo processo — e que a maior
parte dos seres considera, aliás, como “raios” — permanecem
no interior do aparelho que revela as particularidades do Oki­
danokh onipresente, e no qual elas nasceram.
“Mas, para que os seres que permanecem fora desta par­
te de minha invenção possam, no entanto, avaliar a força do

161
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

processo, compus, num certo lugar, o material das paredes do


meu aparelho de tal modo que deixe filtrar as “vibrações sal­
nitchissinuarnianas de inércia” ou “raios”.

“Dito isto, aproximou-se do khrakhartsakha e pressio­


nou um dos botões. No mesmo instante, o enorme “khrkh” ou
“oficina” foi invadido por urna luz tão intensa que nossos órgãos
visuais cessaram momentaneamente de funcionar, e nos foi pre­
ciso um bom tempo antes de poder com muita dificuldade er­
guer as pálpebras e olhar ao nosso redor.
Quando nos recobramos um pouco, Gornakhur Khar­
khar deslocou uma outra alavanca, o que devolveu ao espaço
circundante seu aspecto habitual. Depois, com sua voz de anjo,
chamou nossa atenção para o “voltímetro”, cujo ponteiro indi­
cava obstinadamente os mesmos números, e disse ainda:
“Vejam! Ainda que o processo de conflito persista com a
mesma “força de tensão” entre as duas partes antagônicas cons­
titutivas do Okidanokh onipresente, e se bem que o setor das
paredes do aparelho que tem a propriedade de deixar filtrar
esses “raios” ainda esteja aberto — o fenômeno chamado pelos
seres ordinários “luz artificial” já cessou.
“E ele cessou porque há um momento, ao deslocar uma
alavanca, fiz intervir no processo de conflito das duas partes
antagônicas do Okidanokh a terceira de suas partes constituti­
vas, que imediatamente fusionou nas proporções requeridas
com as duas outras; e porque o resultado produzido por esta
fusão das três partes constitutivas do Okidanokh onipresente,
ao inverso do processo de fusão não conforme às leis das duas
únicas partes antagônicas, não pode ser percebido por nenhu­
ma função esseral, qualquer que ela seja.”

“Após estas explicações, Gornakhur Kharkhar me pro­


pôs entrar com ele na parte demonstrativa de sua nova inven­
ção, para aí ser testemunha, no próprio lugar, de algumas

162
ARQUI-FANTÁSTICO

manifestações particulares do elemento ativo onipresente e por-


toda-a-parte-penetrante.
Decidi-me de imediato e lhe dei meu consentimento.
E isso porque esperava encontrar ali, em meu ser, uma
“satisfação objetiva da essência”, imutável e imperecível.
Quando concordei, meu futuro amigo deu ¡mediatamen­
te as ordens necessárias a um dos seus assistentes.
A realização desse projeto exigia, com efeito, diversos
preparativos.
Começaram por nos revestir, a Gornakhur Kharkhar e a
mim, com pesados trajes especiais, semelhantes àqueles que
seus favoritos chamam “escafandros”, mas com um grande nú­
mero de “cavilhas” cujas cabeças sobressaíam para fora; e, quan­
do revestimos esses trajes originais, os assistentes se puseram a
apertar essas cavilhas em uma certa ordem. •
No interior dos escafandros, as cavilhas terminavam em
placas de forma singular, que faziam pressão sobre as diferen­
tes partes de nossos corpos planetários.
Mais tarde, tornou-se evidente para mim que aquela era
uma precaução indispensável, para subtrair nossos corpos pla­
netários da ação do que se chama o “Taranuranura” — em ou­
tros termos, para que nossos corpos planetários não “virem
pó”, o que acontece com toda formação supraplanetária ou
intraplanetária que cai num espaço inteiramente desprovido de
atmosfera.
Para terminar, nos puseram na cabeça um aparelho que
lembra os capacetes de mergulhadores e provido de “conecto­
res” muito complicados.
Um desses conectores, chamado “kharinkhrarkh” ou
“conservador de pulsações”, era uma espécie de longo tubo de
borracha. Uma de suas extremidades foi herméticamente ajus­
tada, por meio de dispositivos complicados, no lugar do capa­
cete que corresponde ao órgão da respiração; quanto à outra
extremidade, ela foi atarraxada um pouco mais tarde, logo que

163
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

entramos nesse estranho khrakhartsakha, a um aparelho que,


ele mesmo, se comunicava com o espaço cuja presença consti­
tui o “segundo alimento esseral”.
Além disso, dispuseram, entre mim e Gornakhur Kha­
rkhar, um “conector particular”, por meio do qual nos comu-
nicávamos livremente um com o outro, já no interior do khra­
khartsakha, cuja atmosfera tinha, no entanto, sido bombeada
até o vazio absoluto.
As extremidades desse conector estavam fixadas de uma
certa maneira, por meio de dispositivos colocados nos capace­
tes, uma aos meus órgãos da “audição” e da “fala”, a outra com
os de Gornakhur Kharkhar.
Assim, esse conector instalado entre mim e ele nos servia,
de certo modo, de “telefone”, como teriam dito seus favoritos.
Sem este aparelho, nunca poderiamos nos comunicar, por­
que a presença de Gornakhur Kharkhar ainda só estava aper­
feiçoada até o estado chamado “Inkotzarno sagrado” e uma tal
presença não permite a um ser manifestar-se num espaço de
vazio absoluto, nem sequer existir ali, mesmo que o fizessem
absorver artificialmente os produtos dos três alimentos esserais.

“Porém, o mais curioso e, como se diz, o mais “sutilmen­


te engenhoso” de todos os “conectores” com que estavam pro­
vidos, para fins diversos, os estranhos “escafandros” e seus ca­
pacetes era o conector inventado pelo grande sábio Gornakhur
Kharkhar para permitir ao órgão da visão dos seres ordinários
perceber os objetos circundantes num “espaço de um vazio
absoluto”.
Uma das extremidades desse surpreendente conector es­
tava ajustada por meio de certos dispositivos colocados nos ca­
pacetes; quanto à outra, ela estava ligada a um “ams-
comutador”, unido por sua vez por fios metálicos a todos os
objetos que era indispensável ver durante as experiências, tan­
to no interior como no exterior do khrakhartsakha.

164
ARQUI-FANTÁSTICO

É interessante observar aqui que às duas extremidades


desse aparelho — quase inconcebível para a razão de um ser
tri-cerebral ordinário — estavam ainda fixados dois conecto­
res independentes feitos de fios metálicos, que transmitiam do
exterior “correntes magnéticas” especiais.
Como me explicaram mais tarde em detalhe, esses co­
nectores foram inventados pelo realmente grande sábio Gor­
nakhur Kharkhar a fim de que, em virtude de uma certa pro­
priedade das “correntes magnéticas especiais” que ele havia
igualmente descoberto, a presença dos seres sábios tri-cerebrais,
mesmo daqueles que não estavam ainda aperfeiçoados até o
“Inkotzarno sagrado”, se reflita em sua essência, e para que,
graças a uma outra propriedade dessas correntes, a presença
dos objetos mencionados se “reflita” ela também para permitir
a seus órgãos visuais imperfeitos vê-los até nesse espaço vazio
—• embora esse espaço não contenha nenhum fator nem ne­
nhum resultado de concentrações cósmicas variadas que fosse
animado pelas únicas vibrações que tornam possível o funcio­
namento de todo órgão esseral, qualquer que ele seja.

“Depois de nos terem revestido com esses pesados equi­


pamentos sem os quais não poderiamos existir nesse meio es­
tranho, os assistentes do grande sábio universal Gornakhur
Kharkhar nos transportaram, sempre com a ajuda de apare­
lhos especiais, para o interior do khrakhartsakha; em seguida
atarraxaram as extremidades livres dos conectores fixados em
nós a um aparelho colocado na cabine e saíram, fechando
herméticamente atrás de si a única via de acesso a “tudo o
que representa um mundo”.
Nós ficamos sós no khrakhartsakha; Gornakhur Khar­
khar deslocou um dos “interruptores” colocados perto dele e
me disse:
“A bomba já começou a funcionar; em breve ela terá eva­
cuado daqui os resultados de todos os processos cósmicos sem

165
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

exceção, cuja totalidade serve de princípio, de razão de ser e


de sustentação para a existência de cada coisa em “tudo o que
representa um mundo”.
E continuou, um tanto sarcástico:
“Logo estaremos completamente isolados de tudo o que
existe e funciona no universo inteiro; no entanto, graças à mi­
nha nova invenção, e ao saber que possuímos, não somente
poderemos retornar ao mundo e nos tornar de novo parcelas
de tudo o que existe, mas seremos dignos de ser, dentro em
pouco, as testemunhas não participantes de certas leis univer­
sais que os seres tri-cêntricos ordinários, não iniciados, consi­
deram como “mistérios insondáveis da Natureza”, e que não
são em realidade senão simples e naturais “resultados que de­
rivam automaticamente uns dos outros”.
Enquanto ele falava, começava-se a sentir que a “bom­
ba” — essa parte importante de sua nova invenção — realizava
às mil maravilhas o trabalho para o qual a havia destinado este
ser de uma elevada razão.

“Para que você compreenda e se represente melhor a per­


feição desta parte da nova invenção de Gornakhur Kharkhar,
direi o seguinte:
Eu já havia tido várias vezes a oportunidade, por razoes
muito particulares, de me encontrar, na qualidade de ser tri­
cerebral, em um espaço sem atmosfera, e de existir nele, por
vezes bastante tempo, exclusivamente por meio do “Krimbu-
latzumara sagrado”; e minha presença havia adquirido, por essas
frequentes repetições, o hábito de passar progressivamente de
um meio a outro quase sem ser incomodada pela mudança do
“segundo alimento esseral”, que provoca forçosamente a trans­
formação das substâncias sempre presentes tanto ao redor das
pequenas como das grandes concentrações cósmicas; além dis­
so, as causas mesmas de meu advento e do processo ulterior de
minha existência esseral tinham sido muito singulares, o que,

166
ARQUI-FANTÁSTICO

quer queira quer não, havia tornado as diversas funções esse­


rais de minha presença integral muito singulares elas também.
Pois bem, saiba que, apesar de tudo o que acabo de dizer, a
evacuação da atmosfera pela bomba se fazia com tal potência,
e as sensações que se gravavam rias partes distintas de minha
presença integral eram tão fortes que posso reviver hoje com a
mesma intensidade o processo que sofri então e descrevê-lo a
você em detalhe.
Experimentei esse estado dos mais estranhos pouco de­
pois que a bomba havia sido posta em funcionamento e que
Gornakhur Kharkhar tinha falado em tom sarcástico da situa­
ção que nos esperava.
Cada um de meus três “centros esserais” — existentes na
presença de todo ser tri-cêntrico com os nomes de centros “in­
telectual”, “emocional” e “motor” — experimentava de ma­
neira bizarra, porém bem determinada, a impressão de que to­
das as partes de meu corpo planetário sofriam independente­
mente o processo do “raskuarno sagrado”, e que as cristaliza­
ções cósmicas que constituem a presença delas se volatiliza-
vam “em pura perda”.
No começo, a “iniciativa de constatação” se fez em mim
da maneira habitual, segundo o que se chama o “centro de gra­
vidade das emoções associativas”. Porém, mais tarde, essa ini­
ciativa de constatação tornou-se pouco a pouco, quase insensi­
velmente, função só de minha essência, que foi então a única
iniciadora todo-abrangente das constatações de tudo que se
passava em mim, e foi somente ela que percebeu, daí em dian­
te, sem exceção, tudo o que se produzia fora dela.
A partir desse momento, minha essência percebeu dire­
tamente as impressões, e constatou por si mesma que o que se
produzia em minha presença integral parecia ter completamente
destruído, primeiramente, as partes distintas de meu corpo pla­
netário, e depois, pouco a pouco, as localizações do segundo e
terceiro centros esserais. Ao mesmo tempo, minha essência

167
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

constatava que o funcionamento destes dois centros havia sido


pouco a pouco transferido unicamente para o meu “centro in­
telectual” e tinha se tornado inerente a ele; de maneira que este
último, beneficiando-se de uma intensidade aumentada, era
agora o “único e potente receptor” de tudo o que se produzia
fora de minha presença e o iniciador autônomo de constatação
de tudo o que se passava nela.

“Enquanto eu estava possuído por estas bizarras “sensa­


ções esserais” que minha razão não podia ainda se explicar,
Gornakhur Kharkhar deslocava certas “alavancas” e “interrup­
tores” fixados em grande número nas bordas da mesa atrás da
qual tínhamos sido colocados.
Repentinamente, um incidente ocorrido com Gornakhur
Kharkhar modificou essas sensações e devolveu minha presen­
ça integral às “emoções esserais interiores” habituais.
Eis o que havia se passado:
Gornakhur Kharkhar, com os pesados acessórios de que
estava revestido, foi de repente projetado a uma certa altura
acima de sua cadeira, e lá começou a “se debater como um
cachorro novo caído num tanque profundo” — como diria o
nosso querido Mulá Nassr Eddin.
Como soubemos mais tarde, meu amigo Gornakhur
Kharkhar havia cometido um erro ao deslocar as alavancas e
interruptores: ele havia contraído mais do que o necessário
certas partes de seu corpo planetário, o que havia transmitido
uma sacudidela bastante forte à sua presença e a tudo o que ele
usava. No mesmo instante, em razão do “tempo” comunicado
à sua presença pela absorção do “segundo alimento esseral” e
da ausência de toda resistência naquele espaço de vazio abso­
luto, ele tinha sido levado à deriva e “se debatia como um ca­
chorro novo caído num tanque profundo”.

Tendo dito estas palavras, sorrindo, Belzebu calou-se; ao

168
ARQUI-FANTÁSTICO

cabo de alguns instantes, ele fez um gesto cômico com a mão


esquerda e, com uma voz que não lhe era natural, continuou:
— Já que estou lhe contando minhas lembranças desse
período tão remoto de minha existência, me vem o desejo de
lhe fazer uma confissão sincera, a você, um de meus descen­
dentes diretos, que representa necessariamente a soma de to­
das as minhas ações no curso de minha existência esseral. Que­
ro lhe confessar com toda sinceridade que no momento em
que, sustentada pelas partes de minha presença subordina­
das somente a ela, minha essência resolveu participar nas
experiências científicas que iam se realizar na parte da nova
invenção de Gornakhur Kharkhar reservada às demonstrações,
e em que penetrei neste aparelho sem nenhum constrangimen­
to, apesar disso, esta mesma essência deixou se insinuar e se
desenvolver em meu ser, paralelamente às bizarras sensações
que lhe descrevi, uma apreensão egoísta e criminosa quanto à
segurança de minha própria existência. .
Entretanto, meu filho, para que esta confissão não o en­
tristeça demasiado, não me parece supérfluo acrescentar que
era a primeira vez que isto me acontecia, e que foi também a
última, durante toda a minha existência esseral.
Aliás, talvez fosse preferível, por ora, deixar de lado as
questões que concernem exclusivamente à nossa família.

“Retornemos de preferência a meu relato concernente


ao Okidanokh onipresente, e ao amigo de minha essência, Gor­
nakhur Kharkhar.
Este último, que era outrora um “grande sábio” aos olhos
dos sábios ordinários tri-cerebrais, não é mais hoje considera­
do como “grande”: a glória de seu próprio resultado, quer di­
zer, de seu filho, o fez “regressar à sombra”, como diz nosso
querido Mulá Nassr Eddin, que, em tais casos, teria acrescen­
tado sentenciosamente: “Ele realmente se enfiou até o pescoço
numa velha galocha americana de borracha”.

169
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Pois bem, ao se debater, Gornakhur Kharkhar, graças a


manobras complicadas que executara, tinha mais ou menos con­
seguido fazer descer de novo sobre a cadeira seu corpo plane­
tário revestido de seu pesado escafandro, que ele ali fixou com
a ajuda de parafusos especiais com que ela estava equipada
para esse fim; e quando estávamos ambos mais ou menos insta­
lados, e se tomou possível nos comunicar por meio do conector
mencionado, ele atraiu minha atenção para os três aparelhos
suspensos acima da mesa, e que, como já lhe disse, se pareciam
com “momonoduares”.
Examinados de perto, todos os três tinham o mesmo as­
pecto: cada um deles comportava uma espécie de “manga”, de
onde emergia uma “lampada-carbono”, semelhante àquelas que
seus favoritos chamam “lâmpadas de arco”.

Tendo chamado minha atenção para esses três tipos de


“momonoduares”, ele disse:
“Cada um desses três aparelhos de aspecto semelhante
está em contato direto com os reservatórios secundários que
lhe mostrei fora do khrakhartsakha, e nos quais as partes ativas
do Okidanokh se refundem em uma só massa após ter sofrido
o djartklom artificial.
“Eu construí esses três aparelhos independentes de tal
maneira que os reservatórios secundários possam nos fornecer
aqui mesmo, num espaço de vazio absoluto, cada uma das par­
tes ativas do Okidanokh em sua forma pura, em quantidade
tão grande quanto seja necessária para nossas experiências, e
que possamos modificar à vontade a força adquirida de sua
tendência a “fusionar de novo num único todo”, força que lhes
é própria e que depende do grau de concentração de sua massa.
“Uma vez mais, neste espaço de um vazio absoluto, vou
lhe mostrar o fenômeno não conforme às leis que há pouco
observamos de fora. Em outros termos, vou lhe demonstrar de
novo o fenômeno universal que se produz quando após um

170
ARQUI-FANTÁSTICO

“djartklom” duas das partes distintas do Okidanokh se encon­


tram num espaço vazio de toda concentração cósmica e tendem,
sem a participação da terceira, a fusionar de novo num todo.”

Dito isso, ele fechou a parte das paredes do khrakhartsakha


cuja matéria tinha a propriedade de deixar filtrar os “raios”,
depois girou dois “interruptores” e pressionou um botão, o
que deslocou automaticamente, na direção da “lampada-car­
bono”, a pequena plataforma de matéria plástica especial que
se encontrava sobre a mesa; após o que, chamando de novo
minha atenção para o amperímetro e o voltímetro, ele acres­
centou:
“Acabo de dar passagem às duas partes do Okidanokh
chamadas “Anodnatius” e “Cathodnatius” aplicando-lhes a
mesma força de tensão que da primeira vez”.
Dirigindo o olhar para o amperímetro e o voltímetro, vi
efetivamente que seus ponteiros saíram do lugar e pararam nos
mesmos números que eu notara da primeira vez fora do khra­
khartsakha, e fiquei muito surpreso, porque, apesar da indica­
ção dos ponteiros e da advertência de Gornakhur Kharkhar,
eu não notava nem experimentava nenhuma mudança no grau
de visibilidade dos objetos circundantes.
Por isso, sem esperar suas explicações, lhe perguntei:
— Por que, então, essa tendência, não conforme às leis,
das partes do Okidanokh a “fusionar em um só todo” não dá
nenhum resultado?” 1

Antes de responder à minha pergunta, ele apagou a úni­


ca lâmpada alimentada por corrente magnética especial. Mi­
nha surpresa só fez crescer, pois, apesar da escuridão repentina,
podia-se ver claramente, através das paredes do khrakhartsakha,
que os ponteiros do amperímetro e do voltímetro estavam sem­
pre em seus antigos lugares.

171
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

E foi somente quando mais ou menos me habituei a esta


constatação surpreendente que Gornakhur Kharkhar respondeu:
“Já lhe disse que a matéria com a quai são feitas as pare­
des do aparelho em que nos encontramos neste momento é
composta de tal maneira que ela não deixa passar nenhuma
vibração, qualquer que seja a sua fonte, com exceção de certas
vibrações provenientes de concentrações bem próximas, as
quais podem ser percebidas pelos órgãos visuais dos seres tri-
cerebrais — contanto, naturalmente, que estes seres sejam
normais.
“Além disso, segundo uma lei denominada “Heterato-
guetar”, as “vibrações de inércia salnitchissinuarnianas”, ou
“raios”, adquirem a propriedade de agir sobre os órgãos de
percepção dos seres somente após ter ultrapassado o limite
definido pela ciência nos seguintes termos: “resultado de ma­
nifestação proporcional à força de tensão dada pelo choque”.
“Ora, como o processo de conflito de duas das partes do
Okidanokh possui uma força de grande intensidade, o resulta­
do deste conflito se manifesta a uma certa distância de seu lu­
gar de origem.
“E agora, veja!”
Ele pressionou um outro botão, e subitamente todo o
interior do khrakhartsakha se encheu daquela mesma luz des­
lumbrante que, como lhe disse, já tinha me cegado fora desse
aparelho.
Esta irrupção de luz provinha de que ao pressionar esse
último botão Gornakhur Kharkhar tinha descoberto a parte
das paredes do khrakhartsakha que deixava filtrar os “raios”.
Como ele me explicou mais tarde, essa luz era apenas
uma conseqüência da “tendência das partes do Okidanokh a
fusionar num único todo” que se exerce no espaço absoluta­
mente vazio do khrakhartsakha, e ela se manifestava graças à
“reflexão de fora”, quer dizer, ao retorno dos raios ao seu lugar
de origem.

172
ARQUI-FANTÁSTICO

E prosseguiu:
“Agora vou lhe mostrar de que maneira, e por quais com­
binações de processos entre o djartklom e a “tendência das
partes do Okidanokh a fusionar de novo num todo”, surgem
em cada planeta os “minerais” que constituem sua presença
interna, assim como formações determinadas, de diversas den­
sidades, tais como “mineralóides”, “gases”, “metaloides”, “me­
tais” etc. Eu lhe mostrarei como estes últimos, graças a esses mes­
mos fatores, se transmutam progressivamente uns nos outros, e
como as vibrações emitidas por estas transmutações constituem
“o conjunto de vibrações” que assegura aos planetas sua esta­
bilidade no seio do processo chamado “movimento harmô­
nico geral dos sistemas”.
“Para essa demonstração, precisarei, como sempre, fazer
vir de fora os materiais necessários; meus alunos vão transmiti-
los para mim por meio de dispositivos que previ igualmente.”

“E interessante observar que, sem parar de falar, ele ba­


tia com sua pata esquerda em “alguma coisa” parecida ao que
seus favoritos chamam o aparelho transmissor do célebre “Mor­
se” — célebre, aliás, somente no planeta Terra.
Ao cabo de alguns instantes, do fundo do khrakhartsa­
kha elevou-se lentamente um pequeno objeto parecido a uma
caixa, também de paredes transparentes, e que continha, como
se viu mais tarde, certos “minerais”, “metaloides”, “metais” e
diferentes gases em estado líquido e sólido.
Com a ajuda de certos aparelhos dispostos sobre um dos
lados da mesa, ele extraiu primeiramente dali, mediante mani­
pulações complicadas, um fragmento de “cobre vermelho”, que
colocou sobre a plataforma, e disse:
“Este metal é uma cristalização planetária determinada
que representa uma das densidades necessárias à dita “estabili­
dade” no seio do processo de “movimento harmônico geral
dos sistemas”. É uma formação devida à ação recíproca das

173
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

partes do Okidanokh onipresente; vou agora proceder artificial­


mente e de maneira acelerada à transmutação deste metal, ser­
vindo-me das particularidades dos mesmos fatores.
“Proponho-me favorecer artificialmente os processos de
evolução e de involução de seus elementos, quer em direção a
uma maior densidade, quer, ao contrário, em direção ao seu
estado primitivo.
“Para tornar mais claro o quadro do conjunto das ex­
periências concludentes às quais você vai assistir, acho ne­
cessário comunicar-lhe, mesmo que brevemente, minhas
primeiras deduções científicas pessoais sobre as causas e as
condições evidentes que determinam, no interior dos planetas,
a cristalização das três partes do Okidanokh em uma ou em
outra das formações definidas de que falei.
“Em primeiro lugar, sob a ação de qualquer djartklom
não conforme às leis, as partes distintas do Okidanokh integra­
do à presença de todo planeta se localizam no meio constituí­
do no próprio lugar do planeta onde se produz o djartklom,
quer dizer, no mineral presente nesse lugar, no mesmo momento.
“Ora, se os elementos desse meio apresentam, por sua
densidade, uma “afinidade de vibrações” com uma das partes
ativas do Okidanokh onipresente, esta fusiona então, segundo
a lei universal dita de “interpenetração simétrica”, com a pre­
sença desse meio, para nele integrar-se totalmente. A partir de
então, esta parte do Okidanokh onipresente se alia aos elemen­
tos do meio para dar as densidades requeridas nos planetas,
quer dizer, diversos tipos de metaloides, ou mesmo de metais
— por exemplo, esse metal que existe com o nome de “cobre
vermelho”, e que introduzi na esfera onde vai se exercer artifi­
cialmente, pela minha vontade, a ação determinada pelas par­
tes do Okidanokh em sua tendência a “fusionar de novo em
um todo”.
“Tendo surgido dessa maneira no interior dos planetas,
os diversos “metaloides” e “metais” se põem — como faz toda

174
ARQUI-FANTÁSTICO

formação na qual participa o Okidanokh ou uma das suas par­


tes ativas — a irradiar, segundo a lei universal chamada de “nu­
trição recíproca de tudo o que existe”, os resultados de suas
“trocas interiores”. E como é próprio a todas as radiações pro­
venientes de formações supraplanetárias e intraplanetárias, as
irradiações desses metaloides e metais adquirem uma proprie­
dade quase semelhante àquela do Okidanokh ou de qualquer
uma de suas partes ativas, presentes no que se chama os “cen­
tros de gravidade” de todas as formações.
“Quando essas massas de densidade diferente, surgidas
desta maneira no interior dos planetas, em condições circun­
dantes normais, irradiam as vibrações requeridas pela lei uni­
versal de “nutrição recíproca de tudo o que existe”, estabele­
ce-se entre suas vibrações de propriedades diversas — segun­
do a lei fundamental universal de “Troemedekhfê” — um con­
tato que se exerce reciprocamente.
“E é o resultado deste contato que é o principal fator de
modificação progressiva das diversas densidades nos planetas.
“Minhas experiências, prosseguidas durante longos anos,
quase me convenceram de que unicamente este contato e seus
resultados permitiam a “estabilidade do equilíbrio harmôni­
co” dos planetas.
“O metal chamado “cobre vermelho”, que acabo de in­
troduzir nesta esfera, onde me proponho desencadear artificial­
mente a ação das partes ativas do Okidanokh tem, nesse ins­
tante, a densidade específica de 444, partindo da unidade de
densidade do elemento sagrado “Theomertmalogos”, dito de
outra forma, o átomo deste metal é 444 vezes mais denso e 444
vezes menos vivificante do que o átomo do Theomertmalogos
sagrado.
“Observe agora em que ordem vai se realizar sua trans­
mutação artificial acelerada.”

Depois de dizer isso, ele instalou diante do órgão de

175
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

minha visão uma espécie de tesskuano de comando automáti­


co, e se pôs a abrir e a fechar, em uma certa ordem, diversos
interruptores. E, enquanto eu olhava através desse tesskuano,
ele me explicou o seguinte:
“Acabo de fazer afluir as três partes do Okidanokh na
zona desse metal, e já que estas três partes ativas têm todas a
mesma “densidade”, e por conseguinte a mesma “força de ten­
são”, elas fusionam de novo em um só todo nesta zona, sem
nada modificar ria presença do metal. O Okidanokh onipre­
sente obtido desta forma escorre então no seu estado ordiná­
rio, por um conduto especial, fora desse khrakhartsakha, para
ir se concentrar no primeiro reservatório — aquele que lhe mos­
trei há pouco.
“Veja, agora:
“Começo por aumentar de propósito a “força de tensão”
de uma só das partes ativas do Okidanokh. Aumento, por exem­
plo, a força chamada “Cathodnatius”, e você vai ver que os
elementos que constituem a presença desse “cobre vermelho”
começam a involuir qualitativamente em direção das outras
substâncias que constituem a presença habitual do planeta.”
Enquanto me explicava isso, ele abria e fechava, numa
certa ordem, diversos interruptores.

Ora, meu filho, se bem que eu olhasse muito atentamen­


te tudo o que se passava, e que tudo o que vi então se gravou
“pestolnutiarno” em minha presença, quer dizer, para sempre,
eu não saberia lhe descrever com palavras, por mais que qui­
sesse, a centésima parte do que se produziu então em um des­
ses pequenos fragmentos de formação intraplanetária.
E nem tentarei fazê-lo, tampouco, já que terei em breve a
possibilidade, como acabo de me lembrar, de lhe mostrar tudo
isso diretamente, de modo que você será então testemunha,
por sua vez, desse estranho e surpreendente processo cósmico.
No entanto lhe direi, desde agora, que se passou nesse

176
ARQUI-FANTÁSTICO

pedaço de cobre vermelho alguma coisa bastante semelhante


às horríveis cenas que eu observava por vezes de Marte, atra­
vés de meu “tesskuano”, entre seus favoritos do planeta Terra.
Eu disse “bastante semelhante”, pois o que eu observava
por vezes em seus favoritos era só um começo, ao passo que no
pedaço de cobre vermelho em questão isso durou até a trans­
formação definitiva.
Para traçar um paralelo aproximado entre o que se passa
às vezes em seu planeta e o que se passava então nesse pequeno
pedaço de cobre, represente-se, por exemplo, que, de muito
alto, você observa uma grande praça pública, onde milhares de
seus favoritos, tomados pela forma mais aguda da principal psi­
cose de lá, se destroem uns aos outros por todo tipo de meios
de sua invenção; e que bruscamente, no lugar deles, você não
vê mais que seus “cadáveres”, como eles os chamam, os quais
mudam de cor a olhos vistos em razão das afrontas que lhes
fazem sofrer aqueles que não estão ainda destruídos, modifi­
cando assim, pouco a pouco, o aspecto geral dessa grande praça.

“Ora, meu filho, abrindo e fechando, em uma certa or­


dem, os interruptores que regulam o fluxo das três partes ati­
vas do Okidanokh, o amigo da minha essência, Gornakhur
Kharkhar, modificava, ao mesmo tempo que sua força de ten­
são, a densidade dos elementos do metal, o que tinha como
efeito converter esse cobre vermelho em todos os outros “me­
tais” intraplanetários de um grau de vivificação inferior ou
superior.
A este respeito, para melhor esclarecer a estranheza do
psiquismo dos seres tri-cerebrais que lhe agradam, é importan­
te e interessante precisar o seguinte: quando Gornakhur Khar­
khar artificialmente favoreceu, por meio de sua nova invenção,
a evolução e a involução dos elementos do cobre vermelho em
densidade e vivificação, eu constatei que efetivamente o cobre
vermelho tinha sido convertido em um outro metal — este

177
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

mesmo que, em todos os tempos, fez os “funestos sábios” de


seu planeta procurar “meio-dia às duas da tarde” e os levou
sem cessar a induzir em erro seus compadres,, já bastante per­
didos sem isso.
Este metal tem lá o nome de “ouro”.
O “ouro” nao é outra coisa que o metal que chamamos
“prtzathalavr”, e cujo peso específico — partindo uma vez mais
do elemento do Theomertmalogos sagrado — é de 1.439, quer
dizer, que seu elemento é um pouco mais de três vezes menos
vivificante que aquele do metal “cobre vermelho”.

“Se tomei a decisão de não procurar lhe explicar em de­


talhe tudo o que se passou então nesse pedaço de cobre verme­
lho, foi porque de repente me lembrei da todo-misericordiosa
promessa que me fez nosso Sustentáculo-de-Todos-os-Quar-
tos, o Grande Arqui-Querubim Peshtvogner, e que me dará a
possibilidade dc lhe fazer ver com seus próprios olhos, em for­
mações planetárias determinadas, os processos das diversas
combinações das partes ativas do Okidanokh em suas manifes­
tações.
Esta todo-misericordiosa promessa me foi feita logo que
voltei do exílio, quando tive de me apresentar diante de Seu
Sustentáculo-de-Todos-os-Quartos, o Arqui-Querubim Pesht­
vogner, para me prosternar a seus pés e pronunciar diante dele
o “Aliamizurnakalu sagrado da essência”.
Eu tinha sido obrigado a este ato devido a meus pecados
de juventude, e tinha sido a isso obrigado porque, no momen­
to em que, indultado por Nosso Eterno Uni-Esseral, me foi
permitido retornar à minha pátria, certos Individuuns sagra­
dos resolveram me impor, para qualquer eventualidade, a obri­
gação de efetuar em minha essência esse processo sagrado, para
que eu não pudesse mais me manifestar como nos dias de minha
juventude, e que nada de semelhante pudesse se reproduzir na

178
ARQUI-FANTÁSTICO

razão da maior parte dós Individuuns que povoam o centro do


Grande Universo.
Você ignora provavelmente o que significa a realização
do “Aliamizurnakalu sagrado” em nossa essência? Eu lhe ex­
plicarei isso mais tarde em detalhe. Enquanto isso, apelarei uma
vez mais para o nosso caro Mulá Nassr Eddin, que define as­
sim esse processo: “Dar sua palavra de honra de não meter seu
nariz nos assuntos de Estado”.
Em suma, quando me apresentei diante de Seu Sustentá-
culo-de-Todos-os-Quartos, ele se dignou perguntar-me, entre
outras coisas, se eu trouxera comigo todas as invenções esse­
rais dignas de interesse que eu tinha recolhido nos diferentes
planetas do sistema solar que havia sido o lugar de meu exílio.
Respondí que havia trazido quase tudo, com exceção dos
incômodos aparelhos que o meu amigo Gornakhur Kharkhar
construíra para mim no planeta Marte.
Ele me prometeu de imediato dar ordens para que, por
ocasião de sua próxima viagem, a nave transespacial Onipre­
sente embarque tudo o que eu indicar.
Espero, pois, meu filho, que em nosso regresso encon­
tremos esses aparelhos em nosso planeta Karataz e que lhe seja
possível assistir, você mesmo, a essas experiências, enquanto
eu as explicar para você em detalhe.
Enquanto isso, no curso de nossa viagem na Karnak, eu
lhe contarei na ordem, como já prometi, minhas descidas pes­
soais a seu planeta e lhe farei conhecer as causas delas.”

179
Capítulo 19
Belzebu relata
sua segunda descida
ao planeta Terra

BELZEBU começou assim:


— Eu desci pela segunda vez até seus favoritos do pla­
neta Terra onze de seus séculos somente após minha primei­
ra descida.
Pouco depois dessa primeira descida, o planeta deles ti­
nha sido vítima de um segundo cataclismo, mas de caráter lo­
cal desta vez, e que não fazia temer nenhum desastre de grande
extensão cósmica.
No curso desse cataclismo, o continente da Atlântida, que
era, na época em que o visitei, o maior continente e o lugar
principal de existência de seus favoritos, submergiu, assim como
outras grandes e pequenas terras firmes, nas profundezas do
planeta, arrastando consigo os seres tri-cerebrais que o povoa­
vam e quase tudo o que eles tinham adquirido e realizado no
curso dos longos séculos passados.
Em seu lugar emergiram outras terras firmes, que forma­
ram outros continentes e outras ilhas, das quais a maior parte
existe ainda em nossos dias.
Era precisamente no continente da Atlântida que se en­
contrava a cidade de Samlios onde existia, você se lembra, nos­
so jovem compatriota, que tinha sido a razão de minha primei­
ra descida em pessoa à Terra.
SEGUNDA DESCIDA SOBRE A TERRA

A essa segunda grande catástrofe sobreviveram, gra­


ças a diversas circunstâncias, numerosos seres tri-cêntricos,
que foram os ancestrais dessa descendência demasiado mul­
tiplicada hoje.
Na época de minha segunda descida, eles já tinham se
multiplicado a tal ponto que povoavam quase todas as terras
firmes recentemente surgidas.
Quanto às razões, conformes às leis, dessa proliferação
excessiva, você as compreenderá, pouco a pouco, à medida de
meus relatos.
E agora, meu filho, não lhe fará mal observar que os se­
res de nossa tribo que existiam nesse planeta no momento da
catástrofe escaparam todos a esse “fim apocalíptico”.
E eles escaparam disso pelas seguintes razões:
Já lhe disse uma vez, no curso de uma de nossas conver­
sas, que os seres de nossa tribo que tinham escolhido seu pla­
neta como lugar de residência existiam, em sua maioria, na
época de minha primeira descida, no continente da Atlântida.
Ora, aconteceu que um ano antes da catástrofe nossa
“pitonisa de clã”, como a chamávamos, proferiu um oráculo,
segundo o qual todos os nossos deviam abandonar o continen­
te da Atlântida para emigrar a um pequeno continente vizinho,
e lá prosseguir sua existência em uma parte de sua superfície,
que ela lhes indicou.
Esse pequeno continente tinha então o nome de “Gra­
bontzê”, e o local designado pela pitonisa escapou efetivamen­
te às terríveis perturbações que sofreram todas as outras partes
da presença geral desse desafortunado planeta.
Depois dessas perturbações, esse pequeno continente de
“Grabontzê”, que existe ainda em nossos dias com o nome de
África, até mesmo aumentou com outras terras firmes que emer­
giram das extensões de água do planeta para ligar-se a ele.
Assim, pois, meu filho, por suas advertências, nossa “pi­
tonisa de clã” chegou a salvar os seres de nossa tribo, obrigados a

181
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

existir naquela época nesse planeta, de um “fim apocalíptico”


quase inevitável; e ela conseguiu isso graças a uma proprieda­
de esseral particular, que pode, aliás, ser adquirida por todos
os seres — com a única condição de que cumpram intencional­
mente os “partkdolgdeveres esserais” dos quais lhe falarei um
pouco mais tarde.

“Desta vez, as razões de minha descida à superfície de


seu planeta estiveram ligadas aos acontecimentos seguintes:
Um dia, no planeta Marte, recebemos do Centro um ete­
rograma que anunciava o iminente aparecimento de certos gran­
des Individuuns sagrados. E de fato, um meio ano marciano
mais tarde, vimos aparecer vários arcanjos, anjos, querubins e
serafins, os quais em sua maior parte eram membros da Mui
Alta Comissão que já tinha vindo ao nosso planeta Marte por
ocasião da primeira grande catástrofe.
Entre esses Mui Altos Individuuns sagrados se encontra­
va uma vez mais Sua Conformidade, o Anjo — hoje Arcanjo —-
Luísos, de quem já lhe falei recentemente, talvez você se lem­
bre, que ele foi, durante o primeiro desastre que sofreu o pla­
neta Terra, um dos principais organizadores encarregados de ate­
nuar as conseqüências que podia ocasionar esse infortúnio cósmi­
co geral.
Ora, meu filho, no dia seguinte mesmo a esse segundo
aparecimento dos Individuuns sagrados, Sua Conformidade,
acompanhado de um dos serafins, seu segundo assistente, dig­
nou-se vir a minha casa.
Depois de me ter dado sua bênção, Sua Conformidade
condescendeu em responder a certas perguntas que lhe fiz so­
bre o Grande Centro, e em seguida informou-me que após a
colisão do cometa Kondur com o planeta Terra ele tinha fre-
qüentemente descido a esse sistema solar, assim como outros
Individuuns cósmicos responsáveis que administram os assun­
tos “de existência harmônica do mundo”, a fim de observar o

182
SEGUNDA DESCIDA SOBRE A TERRA

efeito das medidas que eles haviam tomado para afastar as con­
seqüências desse mal-entendido cósmico.
“E deseemos, continuou Sua Conformidade, porque, mes­
mo tendo tomado todas as medidas necessárias e persuadido
todo mundo de que a ordem estava perfeitamente restabeleci­
da, não estávamos, no entanto, de todo convencidos, quanto a
nós, de que o futuro não nos reservava alguma surpresa.
“Nossas apreensões se viram, aliás, em parte justificadas,
porém — que o acaso seja louvado — o novo desastre era sem
real gravidade e sem alcance cósmico geral, já que afetava o
planeta Terra somente.
“Esse segundo infortúnio do planeta Terra, prosseguiu
Sua Conformidade, foi devido à seguinte razão:
“Quando, durante a primeira catástrofe, dois grandes
fragmentos se desprenderam desse planeta, o “centro de gravi­
dade” de sua presença inteira não teve o tempo de se transferir
para um novo ponto apropriado. De modo que esse planeta
existiu até o segundo cataclismo com um “centro de gravida­
de” mal situado, o que, durante todo esse período, impediu
seu movimento de ser uniformemente harmonioso, e provo­
cou, tanto em suas profundezas como em sua superfície, fre­
qüentes sacudidelas e grandes deslocamentos.
“E quando o “centro de gravidade” foi enfim transferido
para o centro mesmo do planeta, o segundo cataclismo se
produziu.
“Mas de agora em diante, acrescentou Sua Conformida­
de com um ligeiro tom de satisfação, a existência desse planeta
se desenvolverá de maneira completamente normal, do ponto
de vista da harmonia cósmica geral.
“O segundo cataclismo que transtornou o planeta Terra
nos tranqüilizou definitivamente, e nos convenceu de que, dali
em diante, ele não poderia ocasionar nenhuma catástrofe de
grande envergadura.
“Não só esse planeta recuperou agora um movimento

183
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

normal dentro do equilibrio cósmico geral, mas seus dois anti­


gos fragmentos, que se chamam hoje “Lúa” e “Anúlios”, ad­
quiriram eles também um movimento normal, e se tornaram
pequenos “kofenshars” independentes, quer dizer, planetas su­
plementares desse sistema solar Ors.”

Após alguns instantes de reflexão, Sua Conformidade me


disse ainda:
“Se apareci a vós, Alta Reverência, foi para falar do bem-
estar futuro desse grande fragmento que existe hoje com o nome
de Lua.
“Depois de ter se tornado um planeta independente, pros­
seguiu Sua Conformidade, este fragmento vê agora se estabele­
cer o processo de formação de sua atmosfera, que lhe é indis­
pensável como a todo planeta que serve à realização do Mui
Grande Trogoautoegocrata cósmico geral.
“Ora, Alta Reverência, o processo de formação regular
da atmosfera nesse pequeno planeta, surgido de maneira im­
prevista, está atualmente entravado por uma conjuntura inde­
sejável, devida aos seres tri-cerebrais que apareceram no pla­
neta Terra e que o povoam.
“Eis por que resolvi me dirigir a vós, Alta Reverência, e
vos pedir para assumir, em nome de Nosso Criador Uni-Esse­
ral, a tarefa de nos poupar a necessidade de ter de recorrer,
uma vez mais, em última instância, a algum processo sagrado,
que seria indigno de aplicar a seres tri-cêntricos, quaisquer que
sejam, e de encontrar um meio mais simples de afastar esse
indesejável fenômeno, servindo-vos da razão esseral que existe
na presença deles.”
Sua Conformidade me explicou então em detalhe que,
após a segunda catástrofe sofrida pelo planeta Terra, os seres
bípedes tri-cerebrais que permaneceram por acaso sãos e sal­
vos se multiplicaram de novo. O processo de sua existência
havia agora se concentrado em um grande continente recente-

184
SEGUNDA DESCIDA SOBRE A TERRA

mente formado, que tinha o nome de “Ashhark”, no qual ti­


nham se constituído três grandes grupos independentes, o pri­
meiro em uma região chamada “Tikliamuish”, o segundo em
uma região com nome de “Maralpleissis”, e o terceiro em
uma região que existe ainda em nossos dias, com o nome de
“Perlânia”.
“Ora, prosseguiu Sua Conformidade, no psiquismo dos
seres pertencentes a esses três grupos independentes se forma­
ram certas singulares “havatviernonis”, quer dizer, um conjun­
to de tendências psíquicas cujo processo integral constitui o
que eles mesmos chamam “religião”.
“Apesar de que essas “havatviernonis” ou “religiões”
nada tenham de comum entre si, um mesmo costume religioso,
chamado “oferenda de sacrifícios”, se difundiu, não obstante,
amplamente entre os seres dos três grupos.
“Este costume está baseado em uma noção que só a es­
tranha razão deles pode conceber. Segundo esta noção, a des­
truição da existência de seres de outras formas, a que eles se
entregam, em honra de seus deuses e de seus ídolos, seria infi­
nitamente agradável a esses deuses e ídolos imaginários; e es­
tes, em troca, não deixariam de ajudá-los sempre e em tudo, e
favoreceríam a realização de todos os seus loucos e fantásticos
empreendimentos.
“Hoje, esse funesto costume está tão disseminado entre
eles, e a destruição de seres de formas variadas lá adquiriu tais
proporções, que já se produz ali um excesso dos “askokinns
sagrados” exigidos do planeta Terra para a manutenção de seus
antigos fragmentos. Como sabeis, Alta Reverência, os “asko­
kinns sagrados” são vibrações que aparecem durante o proces­
so de “raskuarno”, em todos os seres de todas as formas exterio­
res que povoam o planeta que deve elaborar essas substâncias
sagradas.
“E este excesso de “askokinns sagrados” já começou a
entravar seriamente a troca nutritiva requerida entre o planeta

185
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Lua” e sua atmosfera, o que nos faz temer que essa atmosfera
se forme de maneira incorreta e que contrarie depois o movi­
mento harmônico de todo esse sistema Ors, constituindo uma
nova ameaça de grande extensão cósmica.
“E por isso, Alta Reverência, que vim vos suplicar, posto
que vós adquiristes o hábito de ir freqüentemente aos diversos
planetas desse sistema solar, de fazerdes o favor de assumir a
tarefa de descer especialmente ao planeta Terra para ali incul­
car no consciente desses estranhos seres tri-cerebrais a idéia do
absurdo de uma semelhante concepção.”
Sua Conformidade me dirigiu ainda algumas palavras,
depois se elevou pouco a pouco na atmosfera e, chegado a uma
certa altura, acrescentou com voz forte: “Agindo deste modo,
Alta Reverência, obsequiareis grandemente Nosso Eterno Uni-
Esseral Todo-Abrangente”.

“Depois da partida desses Individuuns sagrados, resolvi


cumprir a todo custo esta tarefa e me fazer digno, nem que
fosse só pela ajuda evidente prestada a Nosso Eterno Unico-
Carregador-de-Fardos, de vir a ser uma parcela, mas já inde­
pendente, de tudo o que existe em Nosso Grande Universo.
Assim, pois, meu filho, imbuído desta resolução, voei pela
segunda vez, no dia seguinte, em direção ao planeta Terra, a
bordo da mesma nave Ocasião.
Dessa vez, ela desceu num mar recentemente formado
após as perturbações que tinham se produzido durante a se­
gunda grande catástrofe que havia sofrido o planeta Terra; esse
mar, na época, tinha o nome de “Colchidius”.
Ele estava situado a noroeste do grande continente de
Ashhark, que era naquele tempo o principal lugar de existên­
cia dos seres tri-cerebrais de lá.
As outras margens desse mar pertenciam às terras firmes
recentemente emersas, unidas ao continente de Ashhark, e cujo

186
SEGUNDA DESCIDA SOBRE A TERRA

conjunto era chamado “Frianktzanaralis”, mas que recebeu


mais tarde o nome de “Colchidchissi”.
Notemos, por outro lado, que esse mar, assim como essas
terras firmes, existem ainda em nossos dias — com outros no­
mes, naturalmente. Por exemplo, o continente de Ashhark se
chama atualmente “Ásia”; o mar Colchidius, “mar Cáspio”; e
o conjunto dos Frianktzanaralis existe hoje com o nome de
“Cáucaso”.
A Ocasião havia descido no mar Colchidius ou “Cáspio”,
porque este mar se prestava melhor à ancoragem de nossa nave;
além disso, ele apresentava grandes vantagens para a continua­
ção de minha viagem, dado que a leste ali se lançava um grande
rio, que atravessava quase todo o país de “Tikliamuish”, e em
cujas margens estava situada a capital do país, a cidade cha­
mada “Kurkalaï”.
Como esse país de “Tikliamuish” era então o maior cen­
tro de existência de seus favoritos, resolvi ir lá em primeiro
lugar.
Observemos de passagem que o grande rio, que tinha o
nome de “Oxoséria”, existe ainda em nossos dias, porém não
se lança mais no mar Cáspio, um pequeno tremor de planeta
desviou-o para o norte, quase na metade de seu curso, e for­
çou-o desde então a verter-se em uma das bacias do continente
de Ashhark, onde se formou progressivamente o pequeno mar
que existe com o nome de “mar de Arai”.
O antigo leito desse grande rio, chamado em nossos dias
“Amu Daria”, é ainda visível para um observador atento.

“Na época de minha segunda descida em pessoa, o país


de Tikliamuish era considerado como a mais rica e a mais fértil
de todas as terras firmes convenientes para a existência esseral
ordinária nesse planeta — e o era realmente.
Mas, após uma terceira grande catástrofe de que foi ví­
tima esse desafortunado planeta, esse florescente país foi

187
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

recoberto, assim como outras terras firmes mais ou menos


prósperas, pelos “kashmanunoms”, ou, como eles dizem, pelas
“areias”.
Após este terceiro infortúnio, o país de Tikliamuish foi
chamado durante longos períodos o “deserto da fome”; em
nossos dias, cada região desse país tem um nome diferente, e
aquela que outrora constituía o seu centro é chamada “Ka-
rakum”, o que significa as “areias negras”.
Naquela época, esse continente era habitado por um se­
gundo grupo de seres tri-cerebrais, inteiramente independente
ele também; e a parte do continente de Ashhark que eles habi­
tavam se chamava: país de “Maralpleissis”.
Mais tarde, esse segundo grupo, tendo escolhido, por sua
vez, um ponto central de existência, deu-lhe o nome de cidade
de “Gob”, e o país inteiro foi chamado “Goblânia”.
Essa região foi ela também recoberta pelos “kashmanu­
noms”; e sua parte central, outrora florescente, se chama sim­
plesmente hoje o “deserto de Gobi”.
Quanto ao terceiro grupo, inteiramente independente,
de seres tri-cerebrais do planeta Terra, ele havia fixado o lugar
de sua existência a sudeste do continente de Ashhark, na dire­
ção oposta a Tikliamuish, na outra vertente das saliências anor­
mais desse continente, que tinham se formado durante a se­
gunda catástrofe.
Como já disse a você, o lugar de existência deste terceiro
grupo se chamava então “Perlânia”.
Esta região mudou várias vezes de nome; atualmente, toda
essa parte de terra firme existe com o nome de “Industão” ou
de “índia”.

“E preciso notar aqui, meu filho, que nesse período, quer


dizer, por ocasião de minha segunda descida em pessoa à su­
perfície de seu planeta, em todos os seres tri-cerebrais perten­
centes a cada um desses três grupos independentes, tinha se

188
SEGUNDA DESCIDA SOBRE A TERRA

substituído ao impulso esseral que deve ter todo ser tri-cere­


bral, e que se chama “tendência imperiosa ao aperfeiçoamen­
to”, a tendência igualmente imperiosa, porém muito estranha,
já perfeitamente cristalizada, de querer que todos os outros seres
de seu planeta chamem seu país o “centro de cultura” da Terra
inteira e o considerem como tal.
E essa estranha “tendência imperiosa”, comum a todos
os seres tri-cerebrais de seu planeta, tinha se tornado a razão
de ser e a meta de sua existência. Por isso, ela provocava sem
cessar entre eles, nessa época, lutas encarniçadas, tanto mate­
riais como psíquicas.

“Ora, meu filho...


“Do mar Colchidius — atualmente mar Caspio — re­
montamos, em “seltchanakhs”, espécies de jangadas, o curso
do rio Oxoséria, ou, como se chama hoje, Amu Daria. Depois
de ter navegado quinze dias terrestres, chegamos finalmente à
capital dos seres desse primeiro grupo asiático.
Decidi me fixar ali, e, urna vez instalado, me pus a visitar
os “kaaltanês” da cidade de Kurkalaï, quer dizer, os estabeleci­
mentos que receberam mais tarde no continente de Ashhark
os nomes de “tchaikhanês”, “ashkhanês”, “caravançarás” etc.,
e que os seres atuais de lá, sobretudo no continente chamado
Europa, chamam “cafés”, “restaurantes”, “clubes”, “dancings”,
“casas de encontros” etc.
Foram esses estabelecimentos os que visitei primeiro,
porque no planeta Terra, naquela época como hoje, não se po­
dia em nenhum outro lugar observar e estudar tão bem as par­
ticularidades específicas do psiquismo dos seres do país. E era
bem disso que eu necessitava para me esclarecer sobre a real
atitude interior da essência deles em relação ao seu costume de
oferecer sacrifícios e para elaborar mais facilmente um melhor
plano de ação, que me permitisse alcançar a meta em vista da qual
eu havia empreendido minha segunda visita ali em pessoa.

189
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Entre os seres que encontrava nesses “kaaltanês” havia


um que eu via com maior frequência que os outros.
Esse ser tri-cerebral que o acaso me fazia encontrar fre­
qüentemente exercia a profissão de “sumo sacerdote”; ele se
chamava Abdil.
Já que de fato, meu filho, minha atividade pessoal se exer­
ceu, por ocasião de minha segunda descida, em circunstâncias
exteriores nas quais estava metido esse sumo sacerdote Abdil,
e já que me preocupei muito a respeito desse ser tri-cerebral,
lhe falarei dele de uma maneira detalhada. Por outro lado, meus
relatos o farão compreender a que resultados cheguei então,
com vistas a cumprir meu propósito de extirpar do estranho
psiquismo de seus favoritos a necessidade de destruir a exis­
tência de seres de outras formas, a fim de “agradar a seus deu­
ses e a seus venerados ídolos e atrair para si suas boas graças”.
Se bem que esse ser terrestre, que se tornou mais tarde
para mim tão caro quanto um dos meus, não fosse um sacerdo­
te da mais alta hierarquia, ele era perfeitamente versado no
ensinamento que predominava então em Tikliamuish e conhe­
cia muito bem o psiquismo dos adeptos dessa religião — so­
bretudo, é claro, o das “ovelhas” das quais ele era o pastor.
Assim que passamos a confiar um no outro, descobri que
no ser do sumo sacerdote Abdil a função chamada “consciên­
cia moral”, que todo ser tri-cerebral deveria possuir, não esta­
va ainda inteiramente atrofiada, e isto graças a numerosas cir­
cunstâncias exteriores — entre outras sua hereditariedade e as
condições nas quais ele havia sido preparado para se tornar
um ser responsável. Por isso, logo que sua razão reconheceu
certas verdades cósmicas que lhe expliquei, a presença dele
começou a se manifestar em relação àqueles que o cercavam
quase como convém a todos os seres tri-cerebrais normais do
Universo; em outros termos, ele se tornou, como eles dizem,
“sensível” e “compassivo” com os seres que o rodeavam.

190
SEGUNDA DESCIDA SOBRE A TERRA

“Antes de falar mais do sumo sacerdote Abdil, devo lhe


dizer que, naquele período, o terrível costume de oferecer sa­
crifícios estava no auge no continente de Ashhark, e a destrui­
ção de diversos seres fracos “bi-cerebrais” e “uni-cerebrais”
ultrapassava ali todos os limites.
Nessa época, cada vez que eles invocavam um de seus
deuses imaginários ou de seus “santos” fantásticos, faziam sem­
pre voto, em caso de sucesso, de destruir, em honra desses deu­
ses e desses santos, a existência de um ser qualquer ou até de
vários ao mesmo tempo. Se por acaso a sorte os favorecia, cum­
priam sua promessa com a maior piedade. E, se ela lhes fosse
contrária, multiplicavam seus massacres, na esperança de ob­
ter finalmente as boas graças desses padroeiros imaginários.
Com este fim, seus favoritos haviam até subdividido os
seres de todas as formas em “puros” e “impuros”. Chamavam
“impuros” os seres cuja destruição, por assim dizer, não agra­
dava a seus “deuses”, e “puros” aqueles cuja destruição era,
parecia, muito, mas muito agradável aos diversos “ídolos fictí­
cios” que eles reverenciavam.
Esses sacrifícios eram oferecidos não apenas em casas pri­
vadas, não somente por particulares, mas também por nume­
rosos grupos, e às vezes até pelo povo inteiro. Haviam até mes­
mo previsto para os massacres deste gênero lugares especiais,
situados de preferência nas proximidades de um edifício co­
nhecido, erigido em memória de alguma coisa ou de alguém, a
maior parte do tempo em memória de um “santo” — um desses
“santos” que, evidentemente, eles mesmos tinham canonizado.
Havia então, no país de Tikliamuish, vários desses locais
públicos onde se procedia à destruição maciça de seres de di­
versas formas exteriores. O mais célebre deles estava situado
em uma pequena montanha, da qual se conta que um famoso
taumaturgo, Aliman, teria sido “arrebatado para um certo céu”,
em vida. •
Nesse lugar, como em outros semelhantes, era destruída,

191
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

em certas datas fixas do ano, uma quantidade incalculável de


seres chamados “bois”, “carneiros”, “pombos” etc., e até seres
humanos.
Neste último caso, os fortes ofereciam habitualmente em
sacrifício os mais fracos que eles, por exemplo: um pai, seu
filho; um marido, sua mulher; um irmão mais velho, seu caçula
etc. Na maior parte do tempo, porém, as vítimas eram “escra­
vos”, os quais, antigamente como hoje, eram o que se chama
“prisioneiros”, em outros termos, seres de uma comunidade
vencida, que havia perdido sua importância sob a ação da lei
chamada “Soliunensius”, quer dizer, no curso desses períodos
em que sua tendência a se destruir uns aos outros se manifesta­
va neles de maneira mais intensa.
Este costume de se tornar agradável aos deuses destruin­
do a existência de outros seres está ainda hoje em uso em seu
planeta, sem alcançar, no entanto, a amplitude que seus favori­
tos deram a essas abominações no continente de Ashhark.

“Ora, meu filho, desde os primeiros dias de minha che­


gada à cidade de Kurkalaï, tive freqüentes conversas com meu
amigo, o sumo sacerdote Abdil, sobre temas diversos, tendo o
cuidado de não abordar com ele as questões que poderiam trair
minha verdadeira natureza.
E, como quase todos os seres tri-cerebrais que encontra­
va em cada uma de minhas descidas, ele também me tomou
por um ser de seu planeta, sempre me considerando como um
grande sábio e um perfeito conhecedor do psiquismo de seus
semelhantes.
Desde nossos primeiros encontros, o ardor e a sensibili­
dade de que dava provas, ao me falar de seus semelhantes, me
tocaram no mais alto grau. E quando minha razão reconheceu
definitivamente que a função de “consciência moral” que lhe
havia sido transmitida por hereditariedade, e que é fundamen­
tal nos seres tri-cêntricos, não estava ainda completamente

192
SEGUNDA DESCIDA SOBRE A TERRA

atrofiada nele, apareceu pouco a pouco em minha presença,


para acabar cristalizando-se aí, uma “tendência imperiosa real­
mente operante” em relação a ele, como se se tratasse de um
ser de minha natureza, que me fosse aparentado.
A partir desse momento, em virtude de uma lei cósmica
segundo a qual “toda causa engendra resultados que lhe são
conformes”, o sumo sacerdote Abdil sentiu em relação a mim
o “silnegordpana”, ou, como teriam dito seus favoritos, um sen­
timento de “confiança no outro como em si mesmo”.
Assim, pois, meu filho, logo que minha razão claramente
constatou tudo isso, veio-me a idéia de me servir de meu pri­
meiro amigo terrestre a fim de realizar a tarefa em vista da qual
eu tinha descido em pessoa até lá pela segunda vez.
E então fiz, deliberadamente, desviar todas nossas con­
versas para a questão das oferendas de sacrifícios.

“Embora longos anos tenham se passado, meu filho, des­


de minhas conversas com meu amigo terrestre, posso me lem­
brar de uma delas e repeti-la para você palavra por palavra.
Esta conversa, que quero lhe repetir, foi a última que tive
com ele; ela esteve na origem dos acontecimentos que deviam
conduzir a existência planetária de meu amigo terrestre a um
fim cheio de sofrimentos, abrindo-lhe, em compensação, uma
possibilidade de existência universal eterna.
Essa última conversa teve lugar na casa dele.
Expliquei-lhe abertamente, desta vez, a absoluta estupi­
dez e o absurdo das oferendas de sacrifícios.
Falei-lhe nestes termos:
“Bem. Você tem uma religião, uma fé em alguma coisa. E
bom ter fé em alguma coisa, mesmo sem saber exatamente em
quem, nem em que, mesmo sem ter nenhuma idéia do valor e
das possibilidades daquilo em que se crê. Crer, quer seja cons­
cientemente, ou até de modo totalmente inconsciente, é, para
todo ser, coisa tão indispensável quanto desejável.

193
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“E é coisa desejável, porque é pela Fé, e pela Fé unica­


mente, que aparece a intensidade de consciência de si esseral
indispensável a cada um, assim como a avaliação de seu pró­
prio ser como parcela de Tudo o que existe no Universo.
“Mas o que a existência de outro ser pode ter a ver corn a Fé?
“O que vem fazer aqui esta existência que você destrói, e
que você destrói em nome de seu Criador?
“Para o Criador, esta “vida” que Ele criou como Ele criou
a sua, tem o mesmo valor que a sua.
“Você se prevalece de sua força física e de sua astúcia —
quer dizer, dos dados que lhe são próprios e que Nosso Cria­
dor Comum lhe dispensou com vistas ao aperfeiçoamento de
sua razão — para aproveitar-se da fraqueza psíquica de um
outro ser e destruir sua existência.
“Não compreende você, infeliz, que ação objetivamente
má você comete assim?
“Em primeiro lugar, ao destruir a existência de outros
seres, você reduz para si mesmo o número de fatores cujos re­
sultados podem, sozinhos, constituir, no seu conjunto, as con­
dições que permitem aos seus semelhantes se aperfeiçoar.
“Em segundo lugar, você diminui ou destrói completa­
mente por causa disso mesmo a esperança que o Criador Nos­
so Pai Comum depositou nas possibilidades que foram dadas a
você como ser tri-cerebral, e com a ajuda das quais Ele conta
para o futuro.
“O absurdo manifesto dessa terrível ação esseral já se re­
vela no fato de que você imagina, ao destruir a existência de
um outro ser, tornar-se agradável Aquele mesmo que criou esse
ser — e o criou, por certo, com intenção.
“Será possível que nunca lhe tenha vindo à mente que se
o Criador Nosso Pai Comum criou essa “vida”, Ele o fez certa­
mente com um propósito determinado?
“Pense, disse-lhe ainda, pense um pouco, não como você
se acostumou a pensar durante toda sua existência, tal qual um

194
SEGUNDA DESCIDA SOBRE A TERRA

“asno de Khorassan”, pense honestamente, sinceramente,


como é próprio fazê-lo a um “ser à imagem de Deus”, assim
como você mesmo se chama.
“Será possível que, após tê-los criado — você e esses se­
res cuja existência você destrói —, Nosso Criador tenha grava­
do na testa de certas das Suas próprias criaturas que elas deve­
riam ser destruídas em Sua honra e para Sua glória?
“Qualquer um que pense séria e sinceramente a respeito,
ainda que seja um idiota da “ilha de Albion”, é capaz de
compreender que isso jamais poderia ter sido.
“Esta idéia é apenas uma invenção dos homens que se
dizem “à imagem de Deus”, e não d’Aquele que criou, ao mes­
mo tempo que esses homens, todas as outras formas de seres,
as quais eles destroem, supostamente, para Seu prazer e Sua
satisfação.
“Para Ele, a vida dos homens e a dos seres de todas’as
formas não apresenta nenhuma diferença.
“E os homens são “vida”, e os seres de outras formas
exteriores são “vida”.
“Em Sua Sabedoria, Ele previu que a Natureza adaptas­
se a diversidade das formas exteriores de cada ser às condições
e ao meio onde estava destinado a transcorrer o processo de
sua existência.
“Você, por exemplo: será que poderia, com os órgãos in­
ternos e externos que possui, ir lançar-se na água para lá viver
como um peixe?
“Certamente não, porque você não tem nem “branquias”,
nem “nadadeiras”, nem “cauda” como o peixe: você não é uma
“vida” destinada a existir num meio tal como a água.
“Se você se atrevesse a lançar-se na água, ficaria bem de­
pressa sufocado, afundaria, e serviría de tira-gosto aos peixes
que são naturalmente mais fortes do que você nesse meio que
lhes é próprio.
“Acontece a mesma coisa com os peixes.

195
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Poderia um peixe vir sentar-se nesta mesa bem servida,


e beber em nossa companhia o “chá verde” que estamos de­
gustando neste momento?
“Certamente que não! Ele não tem órgãos apropriados
para uma manifestação desse gênero.
“Ele foi criado para a água e todos os seus órgãos inter­
nos e externos estão adaptados a esse elemento, o único que
lhe é próprio e onde pode se manifestar com vantagem para
cumprir o destino que lhe fixou o Criador.
“Da mesma maneira, em você, os órgãos internos e exter­
nos foram concebidos por Nosso Criador Comum de maneira
apropriada. Ele lhe deu pés para que você caminhe; lhe deu
mãos para que você prepare e coma o alimento necessário; lhe
deu um nariz, e órgãos que se ligam a ele, para absorver e trans­
formar em você as substâncias cósmicas com as quais se reves­
tem, nos seres tri-cerebrais seus semelhantes, os dois corpos
esserais superiores — num dos quais repousa precisamente a
esperança de Nosso Criador Comum Todo-Abrangente, que
espera dele a ajuda de que necessita para realizar, como Ele o
previu, o bem de tudo quanto existe.
“Em suma, a Natureza recebeu de Nosso Criador Co­
mum o princípio requerido para que Ela revista e também adap­
te todos os órgãos internos e externos dos seres que têm um
sistema de cérebros como o seu, de acordo com o meio no qual
está destinado a transcorrer o processo de sua existência.

“Para tornar a coisa mais clara, seu asno, amarrado no


seu estábulo, será um exemplo muito bom.
“Em relação a seu asno, você abusa das possibilidades
que lhe deu Nosso Criador Comum, pois se este asno se en­
contra hoje, pela força, em seu estábulo, é unicamente porque
ele foi criado bi-cerebral; e foi criado bi-cerebral porque essa
organização de sua presença geral é indispensável à existência
cósmica nos planetas.

196
SEGUNDA DESCIDA SOBRE A TERRA

“É, portanto, legítimo que a presença de seu asno seja


desprovida de toda possibilidade de “pensar lógico” — é legí­
timo que ele seja, como você o define, um ser “pouco sensato”
ou “estúpido”.
“Quanto a você, você foi criado não apenas para servir
esta mesma meta de existência cósmica nos planetas, mas tam­
bém como “campo de esperança” para Nosso Criador Comum
Todo-Misericordioso; em outros termos, você foi criado com a
possibilidade de revestir em sua presença a “Grandeza sagra­
da” por excelência, para o advento da qual o próprio Universo
inteiro foi criado. Mas, apesar das possibilidades que lhe fo­
ram conferidas — as de um ser tri-cerebral e por isto mesmo
capaz de um “pensar lógico” —, você não aplica esta proprie­
dade sagrada à meta em vista da qual ela lhe foi dada, mas a
manifesta sob forma de “astúcia” para com as demais criaturas
— no presente caso, por exemplo, para com o asno que lhe
pertence.
“Exceção feita da possibilidade que foi dada a você de
revestir conscientemente em sua presença essa “Grandeza sa­
grada”, seu asno, para o processo cósmico geral, e por conseqüên­
cia para Nosso Criador Comum, tem o mesmo valor que você,
pois ambos foram destinados a servir a alguma meta determi­
nada, e o conjunto destas metas determinadas constitui a razão
de ser de tudo quanto existe.
“A única diferença entre seu asno e você reside na forma
e na qualidade de funcionamento da organização interior e
exterior de suas presenças gerais.
“Por exemplo, você só tem duas pernas, enquanto que
seu asno tem quatro, cada uma das quais é muito mais forte do
que as suas.
“Diga-me, poderia você, sobre essas duas fracas pernas,
carregar tanto quanto seu asno?
“Seguramente não! Suas pernas só lhe foram dadas para
carregar a você mesmo, assim como o pouco de coisas previstas

197
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

pela Natureza como indispensáveis à existência normal de um


ser tri-cerebral.
“E esta repartição desigual de força e de potência, injus­
ta, à primeira vista, da parte de Nosso Mui Eqüitativo Criador,
foi requerida pela Grande Natureza pela única razão de que o
excedente de substancias cósmicas que ela lhe autoriza a pe­
gar, segundo a previdência do Criador, para servir a seu pró­
prio aperfeiçoamento, não foi de modo algum dado a seu asno;
em seu asno, este excedente de substancias cósmicas é trans­
formado pela Grande Natureza em força e em potência de al­
guns de seus órgãos — para a existência presente somente —
sem, aliás, que ele tenha consciência disso; assim ele pode ma­
nifestar essa potência incomparavelmente melhor que você.
“E essas diversas manifestações de potência de seres de
diferentes formas constituem em seu conjunto as únicas condi­
ções exteriores nas quais seus semelhantes, os seres tri-cere­
brais, podem conscientemente aperfeiçoar, até o grau requeri­
do de Razão objetiva, o “germe de Razão” depositado em sua
presença.
“Eu o repito a você, para Nosso Criador Comum, os se­
res de todos os sistemas de cérebros, que existem sobre a terra,
dentro da terra, na água e nos ares, são todos sem exceção, os
menores como os maiores, igualmente indispensáveis para a
harmonia de existência universal.
“E, já que é este conjunto de todas as espécies de seres
que constitui a forma de processo de existência universal re­
querida por Nosso Criador, a essência de cada ser Lhe é igual­
mente preciosa e igualmente querida.
“Para Nosso Criador Comum, os seres não são senão parce­
las de existência de uma única Essência que Ele espiritualiza.
“Mas o que vemos a nosso redor?
“Uma das formas de seres que Ele criou, e na presença
dos quais Ele depositou toda Sua esperança para o bem futuro
de todas as coisas que existem, abusando das vantagens que

198
SEGUNDA DESCIDA SOBRE A TERRA

ela possui, pôs-se a dominar as outras formas e a destruir a


torto e a direito sua existência — e ela o faz supostamente “em
Seu Nome”.
“Esta ação monstruosa e antidivina se comete aqui em
cada praça e em cada casa e, no entanto, não vem à mente de
nenhum desses infelizes que esses seres, de quem destruímos
neste momento a existência, são tão queridos quanto nós para
Aquele que os criou, e, que se Ele criou essas outras formas de
seres, foi certamente em vista de alguma meta.”

Tendo assim falado a meu amigo, o sumo sacerdote Ab­


dil, acrescentei:
“E o que há de mais deplorável é que todo homem que
destrói a existência de outros seres em honra de seus ídolos
venerados o faz com todo seu coração, plenamente convenci­
do de que ele executa uma “boa ação”.
“Se cada um deles tomasse consciência do fato de que,
ao destruir a existência de um outro ser, está cometendo, pelo
contrário, uma má ação para com o verdadeiro Deus, bem como
para com todo Santo verdadeiro, e até suscita em sua Essência
tristeza e aflição ante a idéia de que existem no Grande Uni­
verso semelhantes monstros “à imagem de Deus” capazes de
se manifestar de maneira tão indigna e tão impiedosa para com
outras criaturas de Nosso Pai Comum — se cada um deles, o
repito, tomasse consciência disto, estou absolutamente certo
de que aceitariam todos, e de todo coração, não mais destruir a
existência de seres de outras formas para oferecê-la em sacrifício.
“E talvez então seria observado na Terra o décimo oitavo
mandamento do Nosso Criador Comum, que ordena:
“Ama tudo o que respira”.

“Oferecer a Deus a existência de outras criaturas é o ato


de um bandido que se introduz à força em sua casa e destrói,
sem nenhuma razão, todos os “bens” que ali se encontram,

199
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

que você levou anos para acumular e que lhe custaram tanto
esforço e sofrimentos.
“Pense, mas pense, eu o repito, sinceramente; represen­
te-se o que acabo de lhe dizer e me responda: isso lhe seria
agradável? Você agradecería ao descarado bandido que hou­
vesse se introduzido em sua casa?
“Não! Gertamente não! Mil e mil vezes não!
“Você se revoltaria, ao contrario, com todo o seu ser, iria
querer castigar esse celerado, e com todas as fibras de seu psi­
quismo se esforçaria para encontrar uma maneira de se vingar...
“Você vai provavelmente me responder: é verdade, eu
sou apenas um homem...
“Sim, por certo, você é apenas um homem. Felizmente
que Deus seja Deus, e não vingativo e maldoso como o homem.
“É evidente que Ele não o castigará e não se vingará de
você, como você o teria feito com o bandido que tivesse des­
truído seus bens acumulados no curso dos anos.
“Nem é preciso dizer: Deus perdoa tudo; isto até ganhou
força de lei no mundo.
“Mas nenhuma de Suas criaturas — o homem não mais
que as outras — deve abusar desta Bondade todo-misericor­
diosa e por-toda-a-parte-penetrante, e é dever de todas elas
não somente velar por tudo o que foi criado por Ele, como
também mantê-lo.
“Nesta Terra, ao contrário, os homens chegam até a divi­
dir todos os seres de outras formas em “puros” e “impuros”.
“Diga-me, como foram eles levados a fazer esta distinção?
“Por que, por exemplo, o carneiro é “puro” e o leão “impuro”?
“Por acaso não são ambos seres?
“Esta é mais uma invenção dos homens... Mas por que
esta invenção, por que esta distinção? Simplesmente porque o
carneiro é um ser fraco, além do mais estúpido, eos homens
podem fazer o que quiserem com ele.

200
SEGUNDA DESCIDA SOBRE A TERRA

“Quanto ao leão, os homens o dizem “impuro” porque


com ele não ousam fazer o que querem.
“O leão é mais inteligente, e sobretudo mais forte do
que eles.
“Não somente ele não se deixa destruir, mas não permite
que dele se aproximem. E, se alguém tomasse um belo dia a
liberdade de se aproximar dele, o “Senhor Leão” teria logo lhe
desferido um tal “golpe” que a vida deste temerário voaria
¡mediatamente bem longe, lá para onde “a gente da ilha de
Albion” ainda jamais viajou.
“O leão, mais uma vez, só é “impuro” porque os homens
o temem.
“Ele é cem vezes mais forte que eles, é cem vezes superior
a eles. O carneiro, por sua vez, só é “puro” porque é muito
mais fraco e, o repito, muito mais estúpido do que eles.

“Todo ser ocupa entre os outros um lugar determinado,


conforme a sua natureza, assim como ao grau de Razão alcan­
çado por seus ancestrais e que lhe cabe por hereditariedade.
“A diferença entre as presenças, claramente cristalizadas,
do psiquismo de seu cachorro ede seu gato nos permitirá es­
clarecer o que acabo de lhe dizer.
“Se você mima, por pouco que seja, seu cachorro e o trei­
na para fazer o que lhe agrada, ele se tornará dócil e carinhoso
a ponto de se humilhar diante de você.
“Ele o seguirá por toda parte e executará diante de você
toda espécie de “cabriolas”, com o único fim de lhe agradar
cada vez mais.
“Você pode tratá-lo com familiaridade, bater nele, ofendê-
lo, jamais ele se zangará com isso: ele só fará rebaixar-se cada
vez mais diante de você.
“Mas tente então fazer a mesma coisa com seu gato.
“Você crê que às suas ofensas ele responderá como um
cachorro, e que executará para o seu prazer as mesmas “cabrio­
las” humilhantes? Pois, você verá!

201
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Apesar de o gato nào ter suficiente força física para usar


imediatamente de represálias, ele não esquecerá jamais a ma­
neira pela qual você o tratou, e um dia ou outro se vingará.
“Citam-se casos de gatos que pularam na garganta de um
homem durante seu sono. Creio nisto sem dificuldade, conhe­
cendo os motivos que impelem um gato a cometer uma seme­
lhante ação.
“Não, o gato tem o sentido de sua pessoa, ele conhece
seu próprio valor; ele é orgulhoso, e isto unicamente porque
ele é um gato, e porque sua natureza possui esse grau de Razão
que é o seu pelos méritos de seus ancestrais.
“Em todo caso, nenhum ser, nem mesmo o homem, deve
censurá-lo por isso.
“Que culpa tem ele de ser um gato? Que mal existe em
que sua presença ocupe, graças aos méritos de seus ancestrais,
esse grau de “consciência de si”?
“Não se deve odiar o gato por isso, nem bater nele, nem
ofendê-lo; muito ao contrário, deve-se dar a ele o que lhe é
devido, já que ocupa um grau superior na escala de evolução
da “consciência de si”.
“Não foi em vão que um antigo profeta do planeta “De-
sagroanskrad”, o célebre “Arhunilo”, atual assistente do Gran­
de Inquiridor do Universo inteiro em matéria de moral objeti­
va, disse um dia:
“Se um ser lhe é superior pela Razão, incline- se diante
dele “e trate de imitá-lo em tudo; se ele é, ao contrário, inferior
a você, “seja justo para com ele, por que houve um tempo em que
você “ocupava o mesmo lugar que ele, segundo o Medidor Sa­
grado de “Razão de Nosso Criador Todo Poderoso”.

“Ora, meu querido filho, essa última conversa produziu


em meu amigo terrestre uma impressão tão forte que durante
dois dias ele não fez mais do que pensar e pensar.
E o resultado foi que o sumo sacerdote Abdil experimentou

202
SEGUNDA DESCIDA SOBRE A TERRA

finalmente, diante do costume dos “sacrifícios”, quase o senti­


mento que convém.
Os dias seguintes eram consagrados à festa chamada
“Zadik” — uma das duas grandes festas religiosas de Tiklia­
muish —, e eis que no templo onde ele era o sumo sacerdote,
meu amigo Abdil, terminada a cerimônia, se pôs de repente,
em vez de pronunciar o sermão de praxe, a falar dos “sacrifícios”.
Tendo ido por acaso, naquele dia, a esse templo, eu me
encontrava entre os ouvintes.
Embora o tema de seu discurso fosse bastante singular
em semelhante circunstância, como em semelhante lugar, ele
não chocou ninguém, pois o sumo sacerdote Abdil mostrou
dessa vez mais calor e eloquência do que jamais havia feito.
Falou com uma sinceridade tão pungente, e ilustrou suas
palavras com tantos exemplos persuasivos e metafóricos, que
numerosos assistentes não puderam conter seus soluços.
Seu discurso produziu uma impressão tão forte que, ape­
sar de sua duração — pois, em lugar de meia hora ou de uma
hora, prolongou-se dessa vez, contra todo hábito, até o dia se­
guinte —, ninguém pensava em sair; e, quando ele terminou,
todos permaneceram ainda por muito tempo no lugar, como
que enfeitiçados. -
Nos dias seguintes, certas passagens desse discurso co­
meçaram a se espalhar entre os que não o tinham ouvido.
É interessante notar que era então costume para os su­
mos sacerdotes viver unicamente das oferendas de seus paro-
quianos. O sumo sacerdote Abdil recebia, portanto, ele tam­
bém, de suas ovelhas produtos de todas as espécies para a sua
existência ordinária, tais como “cadáveres” assados ou cozidos
de seres de diversas formas exteriores, por exemplo, galinhas,
gansos, carneiros etc. Mas, após seu famoso discurso, ninguém
lhe enviou mais os presentes habituais, só lhe levavam e envia­
vam frutas, flores, trabalhos manuais e outras coisas parecidas.
A partir do dia seguinte, meu amigo terrestre tinha se

203
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

tornado “o sacerdote da moda”. O templo onde oficiava trans­


bordava de seres da cidade de Kurkalaï, e ainda lhe implora­
vam para ir pregar em outros templos.
Ele falou muitas vezes contra as oferendas de sacrifícios
e o número de seus admiradores ia aumentando sempre, de
modo que se tornou célebre não só entre os seres da capital
mas entre os de todo o país.

“Não sei como tudo isso teria terminado se o clero intei­


ro, quer dizer, os seres-homens que exerciam a mesma profis­
são de meu amigo, emocionados e inquietos com sua populari­
dade, não tivessem se levantado contra tudo o que ele pregava.
Seus colegas temiam, evidentemente, uma vez desapare­
cido o costume dos sacrifícios, perder excelentes rendas e ver
sua autoridade se enfraquecer pouco a pouco até o completo
desaparecimento.
O número de inimigos do sumo sacerdote Abdil aumen­
tava dia a dia, e espalhava-se sobre ele todo tipo de novas calú­
nias, assim como insinuações destinadas a comprometer ou a
arruinar sua importância e sua popularidade.
Em seus templos, seus colegas se puseram a fazer ser­
mões em que provavam exatamente o contrário do que havia
pregado o sumo sacerdote Abdil.
As coisas foram tão longe que o clero subornou diversos
seres com propriedades “hassnamussianas” para fazê-los in­
ventar e cometer todo tipo de vilanias para com este pobre
Abdil. De fato, essas nulidades terrestres chegaram até a tentar
várias vezes destruir sua existência salpicando de veneno os
diferentes presentes comestíveis que lhe eram levados.
No entanto, o número de seus admiradores sinceros ia
crescendo a cada dia.
Finalmente, a corporação dos sumos sacerdotes não pôde
mais resistir e, num dia bem triste, falou contra meu amigo ao
concilio ecumênico, que se reuniu durante quatro dias.

204
SEGUNDA DESCIDA SOBRE A TERRA

Esse concilio proferiu uma sentença condenando meu


amigo terrestre a ser excluido para sempre da casta dos sumos
sacerdotes; além disso, seus colegas elaboraram contra ele um
plano de perseguição.
Todas essas medidas exerceram naturalmente urna forte
influência no psiquismo dos seres ordinarios; por isso mesmo
aqueles que o cercavam e mais o respeitavam se puseram logo
a fugir dele e a espalhar sobre sua pessoa as piores acusações.
Aqueles que, ainda na véspera, lhe enviavam flores e presen­
tes, os que quase o divinizavam, tornaram-se rapidamente, em
razão das calúnias que seguiam seu curso, seus inimigos mor­
tais, como se, não satisfeito em ofendê-los pessoalmente, ele
tivesse degolado e massacrado todos os seus amigos e seus
próximos.
Tal é o psiquismo dos seres desse original planeta.
Em suma, o desejo sincero que tinha meu excelente ami­
go de fazer o bem aos que o cercavam lhe valeu sofrimento
após sofrimento. Aliás, isto teria sido pouca coisa, se, para
cúmulo da deslealdade, os colegas de meu amigo e os outros
seres terrestres “à imagem de Deus” que o rodeavam não tives­
sem vindo pôr um fim em tudo isso — quer dizer, matá-lo.
Isto aconteceu da maneira seguinte:
Meu amigo, nascido em uma distante província, não ti­
nha nenhum parente na cidade de Kurkalaï.
Quanto às centenas de servidores e outras nulidades ter­
restres ordinárias que o haviam rodeado devido à posição im­
portante que ele ocupava, eles tinham pouco a pouco se dis­
persado, à medida que meu amigo perdia valor a seus olhos.
Para terminar, só lhe restou um ser muito idoso que ti­
nha existido durante muito tempo perto dele.
Para dizer a verdade, esse ancião só permanecia com ele
devido ao estado de senilidade a que tinha chegado, como a
maioria dos seres de lá, pelo fato de uma existência esseral
anormal — dito de outra maneira, em razão de sua absoluta

205
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

incapacidade de dar provas de uma utilidade qualquer nas


condições de existência esseral ordinária.
Como ele não sabia o que fazer, não abandonou de modo
algum meu amigo, mesmo quando este perdeu toda importân­
cia e se puseram a persegui-lo.
Ora, esse ancião, ao entrar em uma triste manhã no quar­
to de meu amigo, encontrou seu corpo planetário cortado em
pedaços.
Sabendo de minha afeição pelo sumo sacerdote Abdil,
ele imediatamente correu à minha casa para me informar do fato.
Já lhe disse que eu amava esse ser terrestre como um dos
meus. Por isso, quando eu soube desse horrível acontecimen­
to, faltou pouco para que o “skinikunartzino” se produzisse
em minha presença, quer dizer, para que se rompessem os vín­
culos entre meus centros esserais distintos.
Eu receava naquele dia ver um desses seres sem consciência
fazer sofrer novos ultrajes aos restos de seu corpo planetário;
por isso, decidi afastar pelo menos este perigo.
Contratei então, imediatamente, por uma grande soma,
vários seres convenientes para meu propósito e os fiz retirar,
sem ninguém o saber, seu corpo planetário, e o embarquei
provisoriamente em meu “seltchanakh”, quer dizer, em mi­
nha jangada, que flutuava não longe, no rio Oxoséria, e que eu
tinha conservado com a intenção de descer novamente em di­
reção ao mar Colchidius para ali reencontrar nossa nave Ocasião.

“O triste fim de meu amigo não impediu seus sermões


sobre os sacrifícios de exercer sua ação sobre seres cada vez
mais numerosos.
O número de assassinatos por sacrifícios diminuiu sensi­
velmente; e era visível que o tempo, se não destruísse esse cos­
tume, o reduziria pelo menos em grandes proporções.
Para mim, em todo caso, já era suficiente.
E como nada mais tinha a fazer ali, resolví retornar ao

206
SEGUNDA DESCIDA SOBRE A TERRA

mar Colchidius para decidir o que eu ia fazer com o corpo


planetario de meu amigo.
Chegando à nossa nave Ocasião, lá encontrei um etero­
grama de Marte me comunicando um novo desembarque de
seres do planeta Karataz e manifestando o desejo de meu pron­
to retorno.
Esse eterograma me sugeriu a idéia singular de não me
desfazer no local do corpo planetario de meu amigo, mas de
levá-lo comigo até Marte, para sepultá-lo nesse planeta.
Resolvi por esta idéia em execução por temer que seus
inimigos, impelidos pelo ódio, procurassem seu corpo planetario
e, vindo por acaso a saber o lugar onde ele tinha sido devolvido
à presença do planeta — ou, como dizem seus favoritos, onde
havia sido enterrado —, viessem a raptá-lo para se entregar a
atos pouco desejáveis sobre ele.
A bordo da nave Ocasião, elevei-me, portanto, pouco
depois do mar Colchidius em direção ao planeta Marte, onde
os nossos, ajudados por alguns bons marcianos a par dos acon­
tecimentos que tinham se passado na Terra, se apressaram a
prestar ao corpo planetário que eu tinha trazido as honras que
lhe eram devidas.
Sepultaram-no com todo o cerimonial em uso nesse plane­
ta, depois mandaram erigir nesse lugar um monumento digno dele.
Esse foi o primeiro e, sem dúvida alguma, o último dos
“túmulos” de um ser da Terra neste planeta Marte, tão próxi­
mo e ao mesmo tempo tao totalmente inacessível a todos os
seres terrestres.
Soube mais tarde que essa historia chegou ao conheci­
mento do Mui Grande Arqui-Arcanjo Setrenotzinarco, Susten-
táculo-de-Todos-os-Quartos para a parte do Universo a que
pertence o sistema solar Ors, e que ele manifestou sua satisfa­
ção dando a quem de direito as ordens em relação à alma de
meu amigo terrestre.

207
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Em Marte me esperavam com efeito varios seres de nos­


sa tribo, recentemente chegados do planeta Karataz.
Entre eles, meu filho, encontrava-se, aliás, sua avó, que
me havia sido destinada, por indicações do principal tzirlikner
do planeta Karataz, como metade passiva para a continuação
de minha espécie.

208
Capítulo 20
Terceiro vôo de Belzebu
ao planeta Terra

APOS uma ligeira pausa, Belzebu continuou:


— Dessa vez, não permaneci muito tempo no planeta Mar­
te; passei em casa apenas o tempo necessário para receber os
recém-chegados, talar com eles e dar certas ordens de caráter
geral.
Uma vez liberado dessas obrigações, desci novamente a
seu planeta com a intenção de lá prosseguir no meu propósito,
que era de extirpar desses estranhos seres tri-cêntricos o terrí­
vel costume de destruir a existência de seres de diversos siste­
mas de cérebros — como se se tratasse de uma obra divina.
Na minha terceira descida à Terra, nossa nave Ocasião
nào pousou no mar Colchidius — atualmente mar Cáspio —,
mas no “mar da Abundância”, como o chamavam nesta época.
Eu havia tomado esta decisão porque queria dessa vez ir
â capital dos seres que formavam o segundo grupo do conti­
nente de Ashhark — a cidade de “Gob”, situada na costa
sudeste desse mar.
Naquele tempo, esta cidade de “Gob” era uma grande
cidade, famosa em todo o planeta por sua fabricação de “teci­
dos” e de “jóias” preciosas.
Estendia-se pelas duas margens da foz de um grande rio,
chamado “Keria-Tchi”, que nascia nas montanhas, a leste do
país, e vinha se lançar no “mar da Abundância”.
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

A oeste, este mar recebia um outro grande rio com o nome


de “Naria-Tchi”.
E era principalmente nos vales desses dois grandes rios
que existiam os seres pertencentes ao segundo grupo do conti­
nente de Ashhark.
Se você quiser, meu querido filho, lhe contarei a história
desses seres, disse Belzebu a Hassin.
— Sim, vovô, sim!... Ouvirei com muito interesse e fica­
rei muito agradecido a você!

Então Belzebu começou:


— Há muito, muito tempo — era antes do período a que
se refere meu relato, antes mesmo da segunda grande catástro­
fe sofrida por esse infeliz planeta, na época em que o continen­
te da Atlântida estava ainda no auge do seu esplendor — um
ser tri-cêntrico ordinário desse continente “descobriu”, como
me mostraram mais tarde minhas investigações, que o chifre
moído de um ser de certa forma exterior, chamado “pirmaral”,
era um remédio muito eficaz para todo tipo de “doenças”.
Depois disso, diversos “originais” espalharam amplamente esta
“descoberta” no seu planeta. Ao mesmo tempo se cristalizava
pouco a pouco, na razão dos seres ordinários, um fator de
iniciativa inteiramente ilusorio, que devia contribuir mais tar­
de para constituir, na presença geral de todos os seus favoritos,
e sobretudo dos contemporâneos, a “razão” de que eles dis­
põem atualmente em sua “existência de vigília”, e determinar,
em boa parte, suas frequentes mudanças de convicções.
Sob a ação desse fator, cristalizado em sua presença, os
seres tri-cerebrais dessa época adquiriram o hábito de admi­
nistrar esses chifres moídos a todos os seus “doentes”, como
dizem seus favoritos.
Não deixa de ser interessante observar que ainda se en­
contram lá “pirmarals”; mas os seres atuais os classificam

210
TERCEIRO VÔO DE BELZEBU

simplesmente na categoria dos seres que chamam “cervos” —


sem dar-lhes um nome particular.
Ora, meu filho, aos seres da Atlântida, por terem destruí­
do um grande número desses pirmarals ou “cervos” para se apos­
sarem dos seus chifres, nào restou em pouco tempo nem um só
deles.
Então certos seres da Atlântida, que tinham feito desta
caça sua profissão, partiram à procura deles em outros conti­
nentes e outras ilhas.
Esta caça apresentava grandes dificuldades. Eram neces­
sários numerosos batedores para capturar os pirmarals; por isso,
esses profissionais se taziam ajudar por toda sua família.
E, um belo dia, várias dessas famílias, tendo se reunido,
foram caçar os pirmarals no distante continente de “Iranan”,
que, após a segunda catástrofe, no curso da qual foi devastado,
passou a se chamar “continente de Ashhark”, e que seus favo­
ritos chamam hoje de “Ásia”.
Para melhor situar meus relatos ulteriores, você deve sa­
ber que, no curso da segunda catástrofe terrestre, certas partes
do continente de Iranan foram submersas, em conseqüência
de diversas perturbações, nas profundezas do planeta; em seu
lugar emergiram outras terras firmes, o que o modificou consi­
deravelmente, e sua superfície tornou-se então quase igual à
do continente da Atlântida antes de seu desaparecimento.
Assim, pois, meu filho, esse grupo de caçadores, que per­
seguiam com suas famílias rebanhos de pirmarals, chegou as
bordas dessa extensão de água que recebeu mais tarde o nome
de “mar da Abundância”.
E esse mar de margens férteis e encantadoras lhes agra­
dou a tal ponto que não quiseram mais voltar para o continen­
te da Atlântida e se fixaram a partir de então nesses lugares.
Nessa época, este país era com efeito tão maravilhoso e
tão “suptaninalniano” para a existência esseral ordinária que

211
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

ele devia forzosamente seduzir todo ser, por menos dotado de


pensamento que fosse.
Nessa terra existiam, então, inumeráveis rebanhos des­
ses seres bi-cerebrais chamados “pirmarals”; além disso, em
volta de toda essa extensão de água, cresciam uma vegetação
exuberante e grande número de árvores cujos frutos serviam,
então, a seus favoritos de principal alimento para sua “primei­
ra alimentação esseral”.
Estas margens estavam igualmente povoadas por tal mul­
tidão de seres uni-cerebrais e bi-cerebrais chamados “pássa­
ros”, que, quando eles voavam em bandos, “o céu ficava todo
obscurecido por eles”, como eles diziam.
Nas águas desse “mar da Abundância”, situado no cen­
tro do país, os peixes proliferavam tanto que quase se podia
pegá-los com as mãos.
Quanto ao próprio solo do litoral e dos vales onde corriam
esses dois grandes rios, a menor de suas parcelas era tão fértil
que nela se poderia fazer crescer qualquer coisa.
Em suma, todo este país e seu clima agradaram a tal pon­
to aos caçadores e às suas famílias que ninguém quis mais re­
tornar para o continente da Atlântida; estabeleceram-se então
nesses lugares, adaptaram-se muito rapidamente às condições
circundantes, multiplicaram-se e levaram desde então, como
se diz, uma “existência idílica”.

“Devo agora informá-lo de um raro concurso de circuns­


tâncias que teve, mais tarde, importantes repercussões, tanto
para os ancestrais desse segundo grupo, como para sua poste­
ridade mais distante.
Na época em que os caçadores de pirmarals decidiram se
fixar nas costas do mar da Abundância, já se encontrava ali um
ser muito importante do continente da Atlântida, que perten­
cia, na qualidade de “astrosovor”, a uma “sábia sociedade” tal
como nunca se viu e como não se verá talvez jamais na Terra.

212
TERCEIRO VÔO DE BELZEBU

Essa sábia sociedade tinha o nome de “Akhldann”.


A razão que havia levado esse “akhldannês” as costas do
mar da Abundância loi a seguinte:
Justo antes da segunda catástrole, os verdadeiros sabios
da Atlântida, fundadores dessa realmente grande sociedade
Akhldann, se deram conta de que alguma coisa de muito grave
ia logo se passar em seu planeta; se puseram entào a observar
atentamente todos os fenômenos da natureza circundante; mas,
apesar de seus esforços, não puderam compreender o que ia se
produzir.
Um pouco mais tarde, enviaram certos de seus membros
a outros continentes e outras ilhas, na esperança de elucidar,
por suas observações gerais, qual era esse perigo iminente.
Precisavam estudar não somente os processos naturais
do planeta Terra, mas todos os “fenômenos celestes”, como
eles diziam.
Um deles, este ser importante de quem acabo de falar,
tendo escolhido, para suas observações, o continente de Ira-
nan, tinha emigrado para lá com seus servidores e havia se fi­
xado nas costas desta extensão de água chamada mais tarde
mar da Abundância.

“Ora, esse membro sábio da sociedade Akhldann, tendo


um dia encontrado, nas margens desse mar, alguns de nossos
caçadores, soube deles que também vinham do continente da
Atlântida. Ele experimentou com isso naturalmente a maior
alegria e fizeram amizade.
Por isso, quando o continente da Atlântida precipitou-se
nas profundezas do planeta, este sábio akhldannês, não saben­
do mais para onde voltar, ficou com os caçadores nesse país
que devia ser chamado Maralpleissis.
Depois, esse sábio foi eleito chefe pelo grupo de caçado­
res, porque ele era o mais sensato; e, mais tarde ainda, esse
membro da grande sociedade Akhldann desposou a filha de

213
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

um caçador, chamada Rímala, formando assim o tronco do


segundo grupo do continente de Ashhark, ou da “Asia”, como
se chama hoje.
Muito tempo transcorreu.
Nesse país, gerações de seres tri-cerebrais nasceram e
desapareceram, lá como em qualquer outro lugar, e o nível ge­
ral do psiquismo desse grupo de seres terrestres se elevava ou
baixava de acordo com as épocas.
Esses seres se multiplicaram e se espalharam progressi­
vamente pelo país, lixando-se de preferência, como já lhe dis­
se, nas margens do mar da Abundância e nos vales dos dois
grandes rios que ali vinham se lançar.
Foi somente muito mais tarde que formaram, a sudeste
do mar, um centro de existência coletiva que chamaram cidade
de “Gob”. E esta cidade se tornou o principal lugar de resi­
dência de seus chefes, aos quais eles foram os primeiros a dar o
nome de “imperadores”.
A função dc imperador ali se tornou hereditária; ela re­
montava ao primeiro chefe que haviam eleito, aquele membro
sabio da sociedade dos akhldanneses.

“Durante o período a que se refere agora meu relato, o


imperador dos seres desse grupo era o neto do bisneto daquele
sábio; ele tinha o nome de Koniutsion.
Minhas pesquisas e investigações detalhadas me revela­
ram depois que, para extirpar um mal “aterrador” surgido en­
tre os seres que se tornaram seus súditos pela vontade do des­
tino, este imperador Koniutsion soubera tomar uma medida
muito sábia e muito benéfica.
Eis qual tinha sido a origem dessa medida muito sábia e
muito benéfica:
Um dia, este imperador Koniutsion constatou que os se­
res de sua comunidade se tornavam cada vez menos aptos ao
trabalho, enquanto multiplicavam-se o roubo, a violência, os

214
TERCEIRO VÔO DE BELZEBU

escândalos e muitos outros incidentes que nao tinham jamais


se produzido antes, salvo em casos excepcionais.
Essas constatações surpreenderam e entristeceram o im­
perador Koniutsion, que se pôs a refletir longamente e resol­
veu descobrir a causa desse fenômeno tão aflitivo.
Após longas observações, ele compreendeu por fim que
essa causa era o novo hábito adquirido pelos seres de sua co­
munidade de mastigar a semente de uma planta que se chama­
va entào “gulgulian”. Esta formação supraplanetária floresce
ainda hoje lá, e aqueles de seus favoritos que se julgam “muito
instruídos” a chamam “papaverum”; e os outros, muito sim­
plesmente, “flor dc papoula”.
Os seres de Maralpleissis tinham então uma paixão pelas
sementes dessa formação supraplanetária — pelo menos por
aquelas que haviam sido colhidas durante o período dito “de
maturação”.
No decorrer de suas observações e pesquisas atentas, o
imperador Koniutsion reconheceu claramente que essas semen­
tes continham “alguma coisa” que tinha o poder dc modificar
inteiramente, por certo tempo, todos os hábitos adquiridos do
psiquismo deles; eles sc punham então a ver, compreender, sen­
tir, experimentar e agir de maneira completamente diferente
do que estavam acostumados a fazer.
Assim, um corvo lhes parecia um pavao; uma tina de água,
um mar; um som estridente, música; eles tomavam a benevo­
lência por hostilidade, um insulto por amor, e assim por diante...
Após estar bem convencido disso, o imperador Koniutsion
enviou de imediato para todos os lugares alguns súditos fiéis,
escolhidos entre seus próximos, com o fim de proibir severa­
mente, em seu nome, os seres de sua comunidade de mastigar
as sementes dessa planta; além disso, ele havia previsto sanções
e castigos para os que transgredissem suas ordens.
Sob o efeito dessas medidas, a mastigação das sementes
pareceu diminuir no país de Maralpleissis.

215
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Mas logo se percebeu que ela só diminuía em aparência;


em realidade, o número de mastigadores aumentava sem cessar.
Vendo isso, o sábio imperador Koniutsion resolveu agir
ainda com mais rigor com os rebeldes; fez reforçar a vigilancia
sobre seus súditos e redobrar o rigor na execução dos castigos.
Começou a percorrer a cidade de Gob, interrogando ele
mesmo os culpados e infligindo-lhes diversas punições, morais
e corporais.
Porém, os resultados desejados ainda não eram obtidos.
O número de mastigadores ia aumentando sem parar, tanto na
cidade de Gob como no conjunto dos territórios que lhe esta­
vam submetidos, e de onde afluíam a cada dia novos relatórios.
Tornou-se então evidente que numerosos seres tri-cere­
brais, que antes jamais haviam se entregado a essa mastigação,
punham-se agora a fazê-lo, impelidos somente pela “curiosida­
de” — uma das particularidades do psiquismo dos seres tri-
cerebrais do planeta que tanto lhe agrada —, quer dizer, unica­
mente para conhecer o eleito dessas sementes cujo uso era proi­
bido e punido pelo imperador com tanto rigor e obstinação.
Ressaltemos a este respeito que essa “curiosidade”, pro­
pria do psiquismo de seus favoritos e que tinha começado a se
cristalizar imediatamente depois do desastre da Atlântida, não
funcionava em nenhum dos seres das épocas passadas tão in­
tensamente como nos seres tri-cerebrais atuais de lá, que dela
têm, posso garantir, mais ainda do que os “tussuks” têm de
pêlos.
Então, meu filho...
Quando o sábio imperador Koniutsion licou por fim con­
vencido de que era impossível extirpar pelo temor dos castigos
essa paixão de mastigar as sementes de “gulgulian”, e reconhe­
ceu que o único resultado obtido tinha sido a morte de um
pequeno número de culpados, ele suspendeu todas as medidas
tomadas e voltou a refletir seriamente para encontrar algum

216
TERCEIRO VÔO DE BELZEBU

outro meio mais eficaz de destruir esse mal, tão nefasto para
sua comunidade.
Como eu soube muito mais tarde, graças a um antigo mo­
numento que ficou intacto, o grande imperador Koniutsion se
encerrou em seu quarto durante dezoito dias, sem beber nem
comer, apenas pensando e pensando.
O imperador Koniutsion, segundo minhas pesqui­
sas ulteriores, estava tanto mais desejoso de encontrar esse
meio quanto os negocios de sua comunidade iam então de mal
a pior.
Os seres que se entregavam a essa paixão quase não tra­
balhavam mais; as receitas do Tesouro tinham cessado e o co­
lapso parecia inevitável.
Para terminar, o sábio imperador resolveu lutar contra
esse mal de uma maneira indireta, tocando os pontos fracos do
psiquismo dos seres de sua comunidade. Inventou com este
fim uma “doutrina religiosa” das mais originais, perfeitamente
adaptada ao psiquismo dos seres daquele tempo; ele usou de­
pois de todos os meios a seu alcance para propagar essa inven­
ção entre seus súditos.
Dizia-se, segundo essa doutrina religiosa, que longe do
continente de Ashhark havia uma grande ilha onde existia nos­
so “Senhor Deus”.
Você deve saber que, nessa época, nenhum dos seres ter­
restres ordinarios suspeitava que existissem outras concentra­
ções cósmicas além de seu planeta.
Os seres do planeta Terra daquela época estavam até con­
vencidos de que os “pequenos pontos brancos” dificilmente
perceptíveis, ao longe, no espaço, não eram outra coisa senão o
desenho do “véu do Universo”, quer dizer, do véu de seu pla­
neta, já que, conforme suas concepções, o Universo inteiro se
limitava, como acabo de lhe dizer, a seu único planeta.
Acreditavam até mesmo que esse “véu” se mantinha como

217
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

um “baldaquino1’ sobre pilares especiais, cujas bases repousa­


vam na Terra.
Segundo a astuciosa doutrina do sábio imperador Ko­
niutsion, o “Senhor Deus” havia intencionalmente fixado em
nossas almas os órgãos e membros que temos hoje, tanto para
nos proteger contra o exterior quanto para nos permitir servir
a Ele eficazmente — e nao só a Ele, mas às almas já levadas para
Sua ilha.
“Com efeito, dizia essa doutrina, quando morremos e nos­
sa alma se liberta de todas as partes anexas que lhe foram espe­
cialmente atadas, ela se torna tal qual deve ser em realidade; é
então ¡mediatamente levada para essa ilha, e, segundo a manei­
ra como ela existiu, com seus órgãos e membros, em nosso con­
tinente de Ashhark, nosso “Senhor Deus” lhe designa o lugar
que lhe corresponde para sua existência ulterior.
“Se a alma cumpriu honesta e conscienciosamente suas
obrigações, o “Senhor Deus” a aceita em Sua ilha, para ali pros­
seguir sua existência; mas a alma que foi preguiçosa aqui, no
continente de Ashhark, aquela que deu prova, em relação a
suas obrigações, de preguiça e de negligência, em suma, que só
existiu para satisfazer os desejos de suas partes anexas ou, sim­
plesmente, que não observou Seus mandamentos — esta alma,
nosso “Senhor Deus” a envia, pelo resto de sua existência, a
uma pequena ilha vizinha.
“Ora, no continente de Ashhark existem numerosos “es­
píritos”, escolhidos entre Seus próximos, que vão e vêm entre
nos, cobertos com o “gorro-que-torna-invisível”, o que lhes per­
mite nos observar sem trégua e expor ao “Senhor Deus” todas
as nossas ações, ou Lhe fazer seu relatório no dia do “Juízo
Final”.
“Nao temos a menor possibilidade de esconder nada de­
les, não somente de nossas ações, senão também de nossas
intenções.”
Era dito ainda que nosso continente de Ashhark, assim

218
TERCEIRO VÔO DE BELZEBU

como todos os demais continentes e ilhas do mundo, foi criado


por nosso “Senhor Deus” exclusivamente para Seu serviço e o
das “almas” merecedoras que já habitam em Sua ilha.
“Todos os continentes e ilhas do mundo sao, de algum
modo, lugares de preparação e entrepostos para tudo que é
indispensável a Sua ilha.
“A ilha onde existe nosso “Senhor Deus” com as “al­
mas” merecedoras se chama o “Paraíso”; a existência ali é urna
verdadeira “delícia”...
“Lá, todos os rios são de leite, todas as margens de
creme batido. Ninguém ali precisa trabalhar nem se esfor­
çar. Ali se encontra tudo que é necessário à mais feliz, à mais
despreocupada, à mais beata das existências, porque tudo ali é
concedido em profusão por nosso continente e as demais ilhas
do mundo.
“Esta ilha do “Paraíso” está abarrotada de jovens e belas
mulheres de todas as tribos e de todas as raças do mundo; e
qualquer urna delas se converte em sua própria “alma” ao seu
bel-prazer e ¡mediatamente.
“Em todos os lugares desta ilha magnífica elevam-se mon­
tanhas de jóias, começando pelos diamantes do mais belo bri­
lho, para acabar com a turquesa mais escura, e qualquer “alma”
pode tirar dali, sem impedimento, todas as jóias que a seduzam.
“Em outros lugares desta ilha bem-aventurada erguem-
se enormes montanhas de bombons especialmente preparados
com a essência de “papoula” e de “cânhamo”, e as almas po­
dem se fartar deles a qualquer hora do dia e da noite.
“A ilha está isenta de doenças, e não há naturalmente
sinal, lá, desses “piolhos” nem dessas “pulgas” que aqui não
deixam ninguém em paz e envenenam nossa existência.
“Quanto â pequena ilha para onde nosso “Senhor Deus”
despacha, para o resto de sua existência, as “almas” cujos ór­
gãos e membros temporários descuidaram, em sua preguiça,

219
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

de existir segundo Seus mandamentos — ela tem o nome de


“Inferno”.
“Nesta ilha, todos os rios são de resina ardente. O ar ali
está saturado de um odor de gambá acuado. Sobre cada lugar,
nuvens de seres terríveis assobiam sem parar em apitos de po­
lícia, e todos os “assentos”, todos os “tapetes”, todas as “ca­
mas” são feitos de finas agulhas, com pontas para cima.
“Cada “alma” só recebe por dia urna única bolacha bem
salgada; e na ilha nao há urna só gota de agua potável. Inume­
ráveis são ainda os tormentos ali sofridos, os quais os seres da
Terra não gostariam por nada neste mundo de experimentar
em realidade, nem mesmo viver em pensamento”.

“Assim pois, meu filho, quando cheguei pela primeira


vez ao país de Maralpleissis, todos os seres tri-cerebrais seguiam
a “religião” edificada sobre o original ensinamento de que aca­
bo de lhe falar, e essa “religião” estava então em todo seu es­
plendor.
O inventor dessa engenhosa doutrina, o sábio imperador
Koniutsion, já havia sofrido o “raskuarno sagrado”, em outras
palavras, estava morto havia muito tempo.
Mas sua invenção havia tão bem criado raízes lá — em
razão da estranheza do psiquismo de seus favoritos — que não
havia um único ser em todo o país de Maralpleissis que duvi­
dasse da justeza de sua original verdade.
Desde o primeiro dia de minha chegada à cidade de Gob,
me pus, ali também, a visitar os “kaaltanês” do lugar, chama­
dos desta vez “tchaíkhanês”.
E importante observar que o costume do sacrifício, tal
qual era praticado nesse período no país de Maralpleissis, não
florescia ali, no entanto, com tanta amplidão quanto em Tiklia­
muish.
Comecei a procurar, na cidade de Gob, um ser com quem

220
TERCEIRO VÔO DE BELZEBU

pudesse travar amizade, como já havia leito na cidade de


Kurkalaï.
E não tardei a encontrar esse amigo — porém, dessa vez,
não se tratava de um sumo sacerdote.
Meu novo amigo era proprietário de um grande “tchaï­
khanê”. E embora estivesse com ele, como se diz lá, em muitos
bons termos, eu nao experimentava para com ele essa estranha
“afinidade” que havia sentido em minha essência pelo sumo
sacerdote Abdil.
Eu já existia havia um mês inteiro na cidade de Gob, mas
não tendo nada decidido, ainda não tinha iniciado coisa algu­
ma em relação à minha meta.
Acompanhado por Ahun, eu nada mais fazia do que pas­
sear pelas ruas da cidade, visitando os diversos tchaïkhanês,
entre os quais o de meu novo amigo.
Estive mesmo em condições de observar, durante esse
tempo, os hábitos e os costumes dos seres desse segundo grupo
e estudar as sutilezas de sua religião; e toi precisamente por
meio de sua religião que decidi, um mês mais tarde, realizar
meu propósito.

Após maduras reflexões, decidi acrescentar alguma coi­


sa ao “ensinamento religioso” lá existente, contando muito di­
tundir minhas novas idéias entre eles como o havia teito o sá­
bio imperador Koniutsion.
Inventei então que os espíritos cobertos com o “gorro-
que-torna-invisível”, e que, segundo o ensinamento dessa gran­
de religião, vigiam nossas ações e nossos pensamentos, são muito
simplesmente os seres de outras formas que existem entre nós.
São eles que nos espionam e vão tudo contar ao nosso
“Senhor Deus”.
E nós, os homens, não só não lhes testemunhamos de
modo algum o respeito e a veneração que lhes são devidos, mas

221
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

chegamos até a destruir sua existencia, tanto para nosso ali­


mento como para oferecê-los em sacrificio.
Eu sublinhava muito particularmente em meus sermões
que nào se devia de modo algum destruir, cm honra do “Se­
nhor Deus”, a existência de seres de outras formas, mas, bem
ao contrario, tratar de adquirir alguns méritos a seus olhos e
dirigir-lhes preces, para que, ao menos, eles nao fossem contar
ao “Senhor Deus” as pequenas manifestações indesejáveis que
cometemos sem querer.
Comecei a propagar esta idéia complementar por todos
os meios possíveis, mas, naturalmente, com muita prudência.
Para começar me servi, para este fim, de meu novo ami­
go, o dono do tchaïkhanê.
Devo dizer que seu tchaïkhanê era um dos maiores da
cidade e devia seu renome a certo líquido avermelhado, muito
apreciado pelos seres da Terra.
Por isso, era sempre muito frequentado, e aberto dia e
noite.
Era o ponto de encontro nao só dos habitantes da pro­
pria cidade, mas dos viajantes de todo o país de Maralpleissis.
Logo me tornei hábil em convencer todos os clientes do
tchaïkhanê, a uns falando em separado, a outros tomando-os
em grupos.
Meu novo amigo, o dono do tchaïkhanê, tinha uma té
tão grande em minha invenção que os remorsos nào lhe davam
nenhum descanso.
Atormentava-se sem cessar e arrependia-se amargamen­
te de sua atitude desrespeitosa para com os seres de formas
diversas e dos tratos que lhes havia infligido.
Tornando-se, a cada dia, zelador mais fervoroso de mi­
nha doutrina, não só ajudou a propagá-la em seu próprio tchaï­
khanê, mas ele mesmo se pôs a frequentar os outros tchaíkha-
nês da cidade — para ali proclamar a verdade que o oprimia.

222
TERCEIRO VÔO DE BELZEBU

Pregava nas praças dos mercados, e até visitou varias ve­


zes com este propósito, nos arredores da cidade de Gob, al­
guns dos Lugares Santos, já numerosos nessa época, que haviam
sido consagrados eles também à memoria de alguém ou em
honra de alguma coisa.
E interessante observar aqui que as narrativas que estão
na origem da crença em um Lugar Santo provêm habitualmente
de certos seres terrestres que se chamam “mentirosos”.
A doença da “mentira” está amplamente difundida lá.
Mente-se no planeta Terra, consciente e inconscien­
temente.
Conscientemente, quando se espera tirar dessa mentira
um benefício qualquer; inconscientemente, quando se está afe­
tado por uma doença chamada lá “histeria”.

O proprietário do tchaïkhanê não foi o único a prestar­


me uma ajuda inconsciente. Vários outros seres da cidade de
Gob, que se tornaram naquele tempo, eles também, fervorosos
adeptos de minha teoria, juntaram-se a ele; e logo todos os se­
res desse segundo grupo asiático se puseram com ardor a pro­
pagar minha invenção e a demonstrá-la uns aos outros como
uma indiscutível “verdade” que acabara de lhes ser revelada.
O resultado foi que não somente os sacrifícios diminuí­
ram no país de Maralpleissis, mas que os seres de formas diver­
sas lá receberam, desde então, um tratamento sem precedente.
Logo fomos testemunhas de cenas tão cômicas que, mes­
mo eu, o autor dessa invenção, não podia conter o riso.
Assistia-se, por exemplo, a palhaçadas deste tipo:
Um honorável e rico negociante da cidade de Gob diri­
ge-se certa manhã a sua loja montado em seu burro; no cami­
nho, uma multidão de seres se precipita sobre este honorável
mercador, derruba-o de sua montaria e lhe bate sem piedade,
por ter ousado sentar-se num asno; depois, com profundas

223
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

reverencias, a multidão escolta o animal aonde quer que lhe


agrade ir.
Ou entào é um lenhador que conduz ao mercado seu car­
ro de bois carregado de madeira.
Ele também, imediatamente, é atirado ao chão e maltra­
tado, enquanto seus bois são delicadamente desatrelados e
passeiam a seu bel-prazer, seguidos por um cortejo respeitoso.
E, se a multidão chega a encontrar a carroça num lugar
da cidade onde, largada no local, poderia perturbar a circula­
ção, os cidadãos a arrastam eles mesmos até o mercado e lá a
abandonam à sua sorte.
Minha invenção fez também aparecer na cidade de Gob
costumes absolutamente novos.
Por exemplo, o de instalar em todas as praças e esquinas
da cidade um cocho onde todos os habitantes vinham deposi­
tar de manha os melhores bocados de sua mesa para os cachor­
ros e outros animais vadios — e aquele de ir ao nascer do sol
atirar no mar da Abundância todo tipo de alimento para os
seres chamados “peixes”.
Mas o costume mais original consistia em sempre prestar
atenção as vozes dos seres uni e bi-cerebrais de formas diversas.
Assim que as ouviam eles se punham a cantar os louvores
de seus deuses, na esperança de seus favores.
Posse o canto do galo, o latido do cão, o miado do gato
ou o grito estridente do macaco... isso os fazia sempre estremecer.
Ê interessante notar aqui que jamais deixavam, em tais
ocasiões, de levantar a cabeça e de voltar seus olhares para o
alto, se bem que, segundo sua religião, seu Deus existisse, as­
sim como seus ajudantes, no mesmo nível que eles, e não na
direção de seus olhares e de suas preces.
Nada era mais divertido do que observar a fisionomia
deles em tais momentos...
— Permita, Alta Reverência, interrompeu o velho e fiel
Ahun, que escutava com o maior interesse o relato de Belzebu.

224
TERCEIRO VÔO DE BELZEBU

Lembra-se, Alta Reverência? Quantas vezes nos proster­


namos, nós também, nas ruas da cidade de Gob, ao grito de
seres de formas diversas?”
A esta observação, Belzebu respondeu:
— Claro que me lembro, meu querido Ahun. Como es­
quecería impressões tão cômicas?

O lato é, continuou ele, voltando-se em direção a Has­


sin, que os seres do planeta Terra são incrivelmente orgulhosos
e suscetíveis. Se alguém não compartilha sua maneira de ver e
se recusa a lazer como eles, ou critica suas manifestações, a
indignação deles não tem limites.
E se um deles possui algum poder, dará a ordem de jogar
seja quem lor que tiver ousado fazer de maneira dilerente da
sua, ou criticar suas ações, num desses locais onde pululam
geralmente o que se chama “ratos” e “piolhos”.
Às vezes o ofendido, se sua força física lhe permite — e
contanto que não se sinta vigiado por algum detentor de poder
mais altamente colocado que ele, e com quem não está em muito
bons termos —, simplesmente surra o ofensor, tal como o rus­
so Sidor, que um belo dia moeu de pancadas sua cabra favorita.
Como eu conhecia bem este aspecto do estranho psiquis­
mo deles, não queria ofendê-los nem me expor a sua cólera.
Sempre havia reconhecido que ferir o sentimento religioso de
alguém era contrário a toda moral e, já que eu existia entre
eles, tratava em todas as circunstâncias de fazer a mesma coisa
que faziam, de modo a não me sobressair e, dessa forma, atrair
a atenção sobre mim.
Seria conveniente, a este respeito, especificar que em ra­
zão das anormais condições de existência ordinária estabeleci­
das por seus favoritos, os únicos seres tri-cerebrais que adqui­
rem notoriedade e suscitam o respeito nesse estranho planeta,
sobretudo durante esses últimos séculos, são os que se mani­
festam de uma maneira ainda mais absurda do que a maioria. E

225
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

quanto mais suas manifestações são estúpidas, mais vis e mais


insolentes são suas “extravagâncias” — mais eles se tornam
célebres, e mais vai crescendo o número de seres de seu conti­
nente, e até mesmo de outros continentes, que os conhecem
pessoalmente ou sonham em conhecê-los.
Ao contrario, um ser honesto, que não se entrega de modo
algum a absurdas manifestações, não terá chance alguma de
tornar-se célebre; por melhor e mais sensato que seja, os outros
jamais lhe prestarão a menor atenção.
Ora, meu filho, no momento em que nosso Ahun veio
nos lembrar, com tanta malevolência, a situação cômica cm que
nos encontravamos por vezes, falavamos justamente deste cos­
tume que lá havia se desenvolvido, de dar um sentido às vozes
dos seres de formas diversas — e em particular à voz dos “as­
nos”, que eram então, não sc sabe por que, muito numerosos
na cidade de Gob.
Nesse planeta os seres de todas as formas têm cada um
sua hora de gritar. Assim, o galo canta por volta da meia-noite;
o macaco grita de manhã, quando tem fome. Os asnos, por sua
vez, zurram quando lhes dá na telha. Por isso a voz desses seres
estúpidos se faz ouvir a todo momento do dia e da noite.
Ora, foi decretado, na cidade de Gob, que todos os que
ouvissem o ressoar da voz de um asno cairiam de imediato pros­
ternados e cantariam os louvores de seu Deus e de seus ídolos
venerados. E devo dizer que os asnos têm uma voz muito sono­
ra, e que seus zurros se ouvem de muito longe.
Assim, pois, ao passear pelas ruas da cidade de Gob, quan­
do percebíamos os cidadãos prosternados ao menor zurro de
um asno, prosternávamo-nos igualmente, para não chamar a
atenção, e é esse hábito engraçado que, vejo agora, divertia
tanto nosso velho Ahun.
Você percebeu, meu querido Hassin, com que prazer ve­
nenoso e satisfeito nosso bom velho veio me lembrar, após tan­
tos séculos, a situação cômica em que me encontrava então?”

226
TERCEIRO VÔO DE BELZEBU

Dito isto, Belzebu, com um sorriso, retomou o Ho de seu


relato:
— E supérfluo acrescentar que nesse segundo centro de
cultura do continente de Ashhark o costume dos sacrifícios
cessou completamente. Se, excepcionalmente, o fato se repro­
duzia, os seres desse grupo castigavam eles mesmos sem pieda­
de os culpados.
Tendo adquirido a convicção de ter conseguido extirpar
por muito tempo, entre os seres do segundo grupo do conti­
nente de Ashhark, o costume de oferecer sacrifícios, resolví
partir. Mas como pensava, de todo modo, visitar os outros gran­
des centros povoados pelos seres de Maralpleissis, decidi, com
esta intenção, remontar o vale do rio “Naria-Tchi”.
Pouco depois de ter tomado essa decisão, navegamos,
Ahun e eu, em direção à foz desse rio. Em cada uma das nossas
escalas, nós nos convencemos de que os seres da cidade de
( iob já haviam transmitido ali esses mesmos novos costumes e
essas mesmas concepções relativas as “oferendas de sacrifícios”,
por meio da destruição da existência deseres de formas diversas.
Chegamos finalmente a uma pequena cidade chamada
“Arguênia”, considerada naquela época como o local mais afas­
tado do país de Maralpleissis.
Esta cidade era habitada por numerosos seres desse se­
gundo grupo asiático, cuja principal ocupação consistia em ex­
trair da natureza a pedra que chamamos “turquesa”.
Na pequena cidade de Arguênia, me pus, como de costu­
me, a frequentar os diversos tchaïkhanês, continuando, ali como
em outros lugares, os esforços necessários ao cumprimento de
meu propósito.”

227
Capítulo 21
Primeira visita de Belzebu
às índias

E Belzebu continuou:
— Um dia, num tchaïkhanê da pequena cidade de Ar-
guênia, ouvi alguns seres, sentados nào longe de mim, falarem
de ir em caravana para “Perlânia”.
Prestando ouvido à sua conversa, compreendí que queriam
ir lá para trocar suas “turquesas” pelo que se chama “pérolas”.
A este respeito, chamo sua atenção para o fato de que,
outrora como hoje, seus favoritos sempre adoraram empetecar-
se com essas pérolas e essas turquesas como, aliás, com tantas
outras “bugigangas preciosas”, com o único fim, dizem eles,
de “adornar” seu exterior. Mas se você quer minha opinião,
eles o fazem muito simplesmente por instinto, na esperança de
realçar o seu “valor interior, nulo por si mesmo”.
Durante o período a que se refere meu relato, estas “pé­
rolas” eram das mais raras entre os seres do segundo grupo
asiático e atingiam preços muito altos. Em Perlânia, ao contra­
rio, eram encontradas em abundância e vendidas ali a preço
mais baixo, pois, na época, só se apanhavam essas pérolas nas
extensões de água que rodeavam esse país.
A conversa dos seres sentados não longe de mim no
tchaïkhanê da pequena cidade de Arguênia despertou de ime­
diato meu interesse, pois eu mesmo tinha a intenção de ir a
Perlânia, onde se havia constituído o terceiro grupo do conti­
nente de Ashhark.
PRIMEIRA VISITA ÀS ÍNDIAS

Os propósitos deles suscitaram imediatamente em mim


esta associação: “Não seria melhor ir diretamente daqui a Per­
lânia com a caravana desses seres, em vez de voltar para trás
em direção ao mar da Abundância, a íim de chegar depois àque­
le país em minha nave Ocasião?"
Por certo, essa viagem — que, diga-se de passagem, era
de uma dificuldade quase insuperável para os seres da Terra
daquela época — nos tomaria muito tempo, mas eu pensava
que um retorno ao mar da Abundância, com suas peripécias
imprevistas, talvez não ficasse muito menos longo.
E esta associação tinha surgido em meu pensamento por­
que, muito tempo atrás, havia ouvido falar da estranheza dos
lugares por onde devia passar nossa caravana, o que havia cris­
talizado em mim certa “curiosidade de espírito esseral”; esta,
atiçada pelo choque do que eu acabava de ouvir, impôs imedia­
tamente à minha presença geral a necessidade de passar por
essa experiência por mim mesmo, por meio de meus próprios
órgãos de percepção.
Por isso, meu filho, fui de propósito sentar-me entre es­
ses seres e me meti em sua discussão.
Para concluir, Ahun e eu nos juntamos a sua caravana e,
dois dias depois, nos pusemos a caminho com eles.
Passamos por lugares realmente extraordinários, extra­
ordinários até mesmo para a natureza geral desse original pla­
neta, do qual certas regiões, alias, devem o seu aspecto atual às
duas “perturbações transapalnianas” anteriores a esse período
e quase sem precedente no Universo.
Desde o primeiro dia, tivemos de nos meter num desfila­
deiro que dominava diversas “saliências de terra firme” de for­
mas singulares, que apresentavam conglomerados de “mine­
rais intraplanetários” variados.
Ao cabo de um “mês” de marcha, segundo seu cálculo
de tempo, nossa caravana, tendo partido de Arguênia, atingiu
uma região onde a Natureza ainda não tinha completamente

229
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

perdido a possibilidade de elaborar em seu solo formações su-


praplanetárias, nem de criar as condições requeridas à vinda
ao mundo e à existência de diversos seres uni-cerebrais e bi-
cerebrais.
Depois de dificuldades de todo tipo, ao transpor um des­
filadeiro, numa clara manha, avistamos de repente no horizon­
te os contornos de urna grande extensão de agua que banhava
essa parte do continente de Ashhark a qual levava então o nome
de “Perlânia”.
Quatro dias mais tarde, chegavamos ao lugar principal
de existência do terceiro grupo asiático — a cidade chamada
então “Kaïamon”.
Fizemos dela, Ahun e eu, nosso lugar de residência per­
manente; nossos primeiros dias sc passaram, inteiros, a percor­
rer as ruas da cidade, observando as manifestações específicas
dos seres desse terceiro grupo no processo de sua existência
ordinária.
Que queres, meu querido Hassin!
Já que lhe contei as origens do segundo grupo de seres
do continente de Ashhark, sou bem obrigado agora a lhe nar­
rar também as desse terceiro grupo...
“Conte, conte, querido e bem-amado avô!”, exclamou
Hassin muito alegre. Depois, com uma grande veneração, le­
vantou os braços para o céu, e, com uma voz sincera:
“Que meu querido e bom avô seja digno de se aperfeiçoar
em Razão até o grau de Anklade sagrada!”

Belzebu se contentou em sorrir e continuou seu relato:


— A historia desse terceiro grupo asiático começou pou­
co depois do período em que as famílias de caçadores de pir-
marals do continente da Atlântida chegaram as margens do mar
da Abundância, para fundar ali o segundo grupo de seres asiá­
ticos.
Ora, nesses tempos “imemoriais” — para seus favoritos

230
PRIMEIRA VISITA ÀS ÍNDIAS

atuais, é claro —, quer dizer, pouco antes da segunda “pertur­


bação transapalniana” que sofreu esse desafortunado planeta,
certas conseqüências das propriedades do órgão kundabuffer
tinliam começado a se cristalizar na presença dos seres tri-
cêntricos do continente da Atlântida; e elas suscitaram neles,
entre outras necessidades estranhas para seres tri-cerebrais, a
de usar diversas bugigangas como adorno, ou de fazer com elas
esses famosos “talismãs” de sua invenção.
E uma dessas bugigangas era precisamente, no continen­
te da Atlântida — como em todo lugar hoje na Terra —, essa
“pérola".
Essas “pérolas”, meu filho, se formam em certos seres
uni-cerebrais que povoam os “saliakuriapis” do planeta Terra,
quer dizer, as regiões chamadas “khentralispana” que se en­
contram na presença geral de todo planeta e que servem à rea­
lização do processo do Mui Grande Trogoautoegocrata cósmi­
co geral. “Khentralispana” significa “sangue do planeta” e, na
língua de seus favoritos, recebe o nome de “água”.
Os seres uni-cerebrais nos quais se forma essa “pérola”
povoaram primeiro as extensões “saliakuriapianas” — ou ex­
tensões de agua — que circundavam a Atlântida; mas sendo
essas pérolas muito procuradas, o massacre desses “portadores
de pérolas” uni-cerebrais foi tal que em pouco tempo não ha­
via mais nenhum nas proximidades desse continente. Em
conseqüência, os seres de lá que haviam feito da destruição
desses seres uni-cerebrais a meta e a razão de sua existência,
quer dizer, que os exterminavam para se apoderar dessas par­
tes de sua presença geral com vistas a satisfazer seu estúpido
egoísmo, estes “profissionais”, digo, não encontrando mais
“portadores de pérolas” nos “saliakuriapis” em torno do con­
tinente da Atlântida, foram procurá-los em outras extensões
de água, afastando-se, assim, cada vez mais de seu continente.
Um dia, no curso de suas buscas, suas balsas foram arras­
tadas por “longos deslocamentos saliakuriapianos” ou, como

231
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

eles dizem, por “tempestades”, para paragens transbordantes


de seres “portadores de pérolas” e que apresentavam grandes
vantagens para seu massacre.
Essas extensões de água, ricas em seres portadores de
pérolas, que estes exterminadores atingiram por acaso, banha­
vam precisamente o país que eles chamaram então “Perlânia”
e que tem atualmente o nome de “Industão” ou “India”.
Nos primeiros dias, os buscadores profissionais de péro­
las só fizeram satisfazer o mais possível essa tendência, tornada
inerente à sua presença, de massacre desses seres uni-cerebrais
de seu planeta. E foi somente mais tarde, depois de terem per­
cebido — sempre por acaso — que a terra vizinha produzia em
abundância quase tudo o que era necessário à existência ordi­
nária, que resolveram não mais retornar à Atlântida, porém
fixar-se ali permanentemente.
Só alguns desses exterminadores voltaram ao continente
da Atlântida, para lá trocar suas pérolas por diversos objetos
que ainda lhes faltavam; depois, retornaram a Perlânia, levan­
do consigo suas famílias e as de seus companheiros.
Outros ainda, entre esses primeiros colonos de um país
“novo” para os seres de então, dirigiram-se freqüentemente,
no período seguinte, à sua antiga pátria para lá trocar pérolas
por objetos necessários; e traziam, a cada vez, alguns de seus
parentes e afins, ou simplesmente trabalhadores, que a exten­
são de seu trabalho tornava indispensáveis.
Desde então, meu filho, essa parte da superfície do pla­
neta ficou conhecida por todos os seres tri-cerebrais de lá, so­
bretudo aqueles do continente da Atlântida, pelo nome de
“Terra da Abundância”.

Assim, antes da segunda grande catástrofe sofrida pelo


planeta Terra, já existiam nessa parte do continente de Ash­
hark numerosos seres vindos do continente da Atlântida.
Quando este último foi tragado, muitos daqueles que haviam

232
PRIMEIRA VISITA ÀS ÍNDIAS

escapado ao desastre, sobretudo se tinham em Perlânia paren­


tes e afins, vieram pouco a pouco juntar-se a eles.
Dada sua “fecundidade” habitual, eles se multiplicaram
rapidamente, povoando a princípio em Perlânia duas regiões
distintas situadas na foz de dois grandes rios que fluíam das
profundezas do continente de Ashhark para ir lançar-se numa
grande extensão de agua na proximidade dos lugares onde
abundavam os seres portadores de pérolas.
No entanto, por seu número ter aumentado em demasia,
eles se embrenharam pelo interior do país, os vales desses dois
rios permaneceram, contudo, como suas regiões favoritas.

“Ora, meu filho, quando cheguei pela primeira vez a Per­


lânia, resolví, ali também, atingir minha meta por meio das “ha-
vatviemonis” existentes lá, quer dizer, por meio de suas “religiões”.
Mas sucedeu que os seres deste terceiro grupo do conti­
nente de Ashhark tinham várias “havatviernonis” originais, ou
religiões, cada uma delas baseada num “ensinamento religio­
so” independente, não tendo nada cm comum com as outras.
Comecei por estudar seriamente esses “ensinamentos re­
ligiosos” e constatei que um deles, edificado sobre a doutrina
de um verdadeiro Enviado de Nosso Criador Eterno Comum
— chamado depois Santo Buda —, tinha mais adeptos que os
outros. Consagrei-lhe então toda minha atenção.

Antes de continuar a lhe talar dos seres tri-cerebrais que


povoam essa parte da superfície do planeta Terra, acho neces­
sário lhe assinalar, embora brevemente, que, desde a época em
que se estabeleceu entre eles o hábito de ter “havatviernonis”
independentes ou “religiões”, sempre existiu e existe ainda entre
seus tavoritos dois tipos principais de ensinamentos religiosos.
Um deles foi inventado por certos seres tri-cerebrais de
lá, nos quais, por uma ou outra razão, o funcionamento do psi­
quismo é de caráter hassnamussiano; o outro se baseia em

233
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

instruções precisas supostamente reveladas por verdadeiros


Mensageiros d’O-Alto, tais como os que enviam efetivamente
de vez em quando alguns dos Assistentes mais próximos de
Nosso Pai Comum, a fim de que eles ajudem os seres tri-cere­
brais de seu planeta a destruir as conseqüências, cristalizadas
em suas presenças, das propriedades do órgão kundabuffer.

A religião adotada pela maioria dos seres do país de Per­


lânia, religião a cujo estudo dei toda minha atenção e da qual
julgo necessário lhe falar, apareceu ali nas circunstâncias se­
guintes:
Quando esse terceiro grupo de seres tri-cerebrais tornou-
se muito importante, aconteceu que muitos deles adquiriram,
durante sua formação, propriedades “hassnamussianas”. Che­
gando à idade responsável, esses seres difundiram em torno de
si mais idéias funestas do que de hábito e desde então, na pre­
sença da maioria dos seres tri-ccntricos desse grupo, cristali­
zou -se uma propriedade psíquica particular, que engendra um
fator contrário à “troca nutritiva” normal realizada pelo Mui
Grande Trogoautoegocrata cósmico geral.
Logo que eles tomaram conhecimento desse lamentável
resultado — surgido, desta vez ainda, no mesmo planeta —,
certos Mui Santos Individuuns, desejosos de regular a existên­
cia dos seres desse grupo de acordo com a do sistema solar
inteiro de maneira mais ou menos tolerável, consentiram em
lhes enviar um Individuum sagrado especialmente qualificado.
Esse Individuum sagrado revestiu o corpo planetário de
um ser terrestre tri-cerebral que recebeu, como já lhe disse, o
nome de “Santo Buda” — e isso varios séculos antes de minha
primeira visita ao país de Perlânia.”

Interrompendo então o relato de Belzebu, Hassin virou-


se para ele e lhe disse:
“Querido avô, você já empregou mais de uma vez a

234
PRIMEIRA VISITA ÀS ÍNDIAS

expressão: “hassnamuss”. Até agora compreendi, só por suas


entonações e pela consonância da própria palavra, que desig­
nava com essa expressão seres tri-cerebrais que você classifica
à parte, em razão do “desprezo objetivo” que eles parecem
merecer.
Seja bom, como sempre: explique-me, por favor, o ver­
dadeiro sentido e o alcance exato desta palavra”.
A esta questão Belzebu respondeu, com o sorriso que lhe
era peculiar:
— No que se refere ao “tipo” mesmo dos seres tri-cere­
brais aos quais reservo esta expressão, lhe explicarei no devido
tempo; por ora, saiba que esta palavra designa toda presença
geral, já determinada, de um ser tri-cerebral — seja ele constituí­
do unicamente pelo seu corpo planetário ou que nele já te­
nham se revestido os corpos esserais superiores — no qual,
por uma ou outra razão, não se cristalizou nenhum dado para
o impulso divino de “consciência moral objetiva”.
E, limitando a isso suas explicações sobre a palavra “hass­
namuss”, Belzebu prosseguiu:
— Ora, meu filho, no curso das pesquisas minuciosas as
quais me dediquei sobre esse ensinamento religioso, descobri
ainda que esse Individuum sagrado, uma vez definitivamente
revestido da presença de um ser tri-cerebral de lá, após ter se­
riamente refletido sobre a maneira de cumprir a tarefa que lhe
tinha sido designada d’O-Alto, resolveu realizá-la esclarecen­
do a razão deles.
E importante observar aqui que na presença de Santo
Buda já tinha se cristalizado, naquele tempo, como mostraram
ainda minhas investigações minuciosas, a compreensão muito
clara de que a razão dos seres do planeta Terra se converte,
durante o processo de sua formação anormal, numa razão “ins-
tintivo-titilariana”, quer dizer, que ela funciona unicamente sob
a ação de choques apropriados, vindos de fora. Apesar disso,
Santo Buda resolveu cumprir sua tarefa recorrendo a essa

235
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“razào” — tão singular para seres tri-cêntricos — e ele come­


çou por instruir essa original razão em todas as verdades
objetivas.

Em primeiro lugar, Santo Buda reuniu varios chefes do


terceiro grupo asiático e lhes disse:
“Seres cuja presença é à imagem do Criador de todas as
coisas.
“Minha Essência lhes é enviada por certos Mui Santos e
Mui Lúcidos Resultados Completos, que dirigem em toda jus­
tiça a realização de tudo o que existe no Universo, a fim de
servir a cada um de vocês de fator de ajuda cm seu esforço para
se libertar das conseqüências das propriedades esserais anor­
mais que, em conseqüência de graves necessidades cósmicas,
foram implantadas na presença de seus ancestrais e, passando
por hereditariedade de geração a geração, os atingiram também.”

Santo Buda devia ainda desenvolver esta mesma idéia com


mais detalhes, mas unicamente diante de certos seres de lá, que
ele mesmo havia iniciado.
Desta vez, ele se expressou da maneira seguinte:
“Seres cuja presença é feita para realizar a Esperança de
Nosso Pai Comum!
“Quase desde o aparecimento da especie de vocês, ino­
pinadamente se produziu, no processo de existência normal de
todo este sistema solar, uma catástrofe que ocasionou graves
conseqüências para tudo o que existe.
“Para remediar esse desastre universal, era necessário,
segundo as deduções de certos Mui Altos e Mui Santos Indivi­
duuns, introduzir uma modificação no funcionamento da pre­
sença geral de seus ancestrais: foi então implantado neles certo
órgão de propriedades particulares, sob a ação das quais toda
coisa exterior percebida por sua presença, e depois transfor­
mada para seu próprio revestimento, se manifestava nela de
maneira nao Conforme à realidade.

236
PRIMEIRA VISITA ÀS INDIAS

“Um pouco mais tarde, assim que a existência normal


deste sistema solar tinha se estabilizado e que diversas medidas
excepcionais, intencionalmente realizadas, deixaram de ser in­
dispensáveis, Nosso Todo-Misericordioso Pai Comum deu a
ordem de anular essas medidas artificiais e de suprimir, entre
outras, da presença de seus ancestrais, esse órgão
“kundabufler”, desde entào supérfluo, com todas as suas pro­
priedades específicas — o que foi imediatamente executado
pelos Santos Individuuns qualificados que controlam essas es­
pécies de realizações cósmicas.
“Muito tempo depois, percebeu-se de repente que esses
Mui Santos Individuuns, embora tivessem eletivamente supri­
mido da presença de seus ancestrais todas as propriedades do
dito órgão, não haviam nem previsto, nem destruído o resulta­
do cósmico que deriva legalmente destas propriedades, que exis­
te com o nome de “predisposição” e surge em toda presença
cósmica mais ou menos independente em conseqüência da ação
repetida de toda tunção, qualquer que seja.
“Em virtude dessa “predisposição”, que se transmite por
hereditariedade às gerações seguintes, cristalizaram-se pouco
a pouco em suas presenças as conseqüências de numerosas pro­
priedades do órgão kundabufler.

“Desde que se constatou pela primeira vez este lato la­


mentável na presença dos seres tri-cerebrais que povoam o pla­
neta Terra, um Santo Individuum qualificado manflestou-se en­
tre vocês, com o consentimento todo-misericordioso de Nosso
Pai Comum, para que, tendo revestido a presença de um ser
terrestre tri-cêntrico e tendo se aperfeiçoado em Razão ob­
jetiva nas condições já estabelecidas na Terra, ele pudesse
lhes explicar o caminho e mostrar como desenraizar da sua
presença as conseqüências já cristalizadas das propriedades
do órgão kundabufler, bem como essa “predisposição” heredi­
tária a novas cristalizações.

237
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Durante o período em que, revestido de uma presença


como a de vocês, e tendo alcançado a idade responsável de um
ser terrestre tri-cêntrico, esse Individuum sagrado dirigiu em
pessoa o processo de existência esseral ordinária de seus an­
cestrais, muitos deles se libertaram com eleito totalmente das
conseqüências das propriedades do órgão kundabuffer e, por
esse fato, adquiriram o Ser para eles mesmos, ou se tornaram
fontes normais para o advento de presenças normais de futu­
ros seres seus semelhantes.
“Mas as numerosas condições anormais de existência or­
dinária que vocês criaram, e depois solidamente estabeleceram,
já haviam reduzido de maneira excessiva a duração de existên­
cia de vocês antes do aparecimento desse Individuum sagrado;
este teve de, em pouco tempo, sofrer o processo do “raskuarno
sagrado”, quer dizer, ele teve de, exatamente como vocês, mor­
rer prematuramente, sem ter tido tempo de cumprir a tarefa
que lhe havia sido designada. Após sua morte, tudo então vol­
tou pouco a pouco como era antes, de um lado, por causa das
condições anormais de existência ordinária e, de outro lado,
em razão da funesta particularidade de seu psiquismo chama­
da “procurar meio-dia às duas da tarde”.
“Devido a esta particularidade de seu psiquismo, tudo o
que esse Individuum sagrado, enviado d’O-Alto, havia expli­
cado e indicado aos seus contemporâneos começou, desde a
segunda geração, a sofrer modificações, para ser finalmente
destruído para sempre.
“Realizações semelhantes foram assumidas várias vezes
ainda pelos Mui Santos e Mui Grandes Resultados cósmicos
definitivos — e cada vez para chegar aos mesmos efeitos estéreis.
“Ora a existência anormal dos seres de seu planeta, e so­
bretudo dos seres que povoam a parte da Terra que tem o nome
de Perlânia, tendo começado a entravar seriamente a existên­
cia harmônica normal de todo esse sistema solar, minha Essência
se manifestou d’O-Alto entre vocês para buscar no lugar mesmo,

238
PRIMEIRA VISITA ÀS ÍNDIAS

de acordo com as suas próprias essências, um caminho que


permita desenraizar de suas presenças, nas condições já fixa­
das aqui, essas conseqüências que existem hoje em razào da
“imprevidência de certos Mui Santos Resultados cósmicos
delinitivos”.

“Nas conversas que teve depois com eles, Santo Buda se


pôs, primeiro, a esclarecer para si mesmo, depois a lhes expli­
car, como deviam conduzir o processo de sua existência, e em
que ordem a parte positiva deles mesmos devia dirigir conscien­
temente as manilestações de suas partes inconscientes para la­
zer pouco a pouco desaparecer de sua presença geral as conse­
qüências já cristalizadas das propriedades do órgão kundabuffer,
assim como essa mesma “predisposição hereditaria”.
Como me mostraram ainda minhas pesquisas aprotun-
dadas, durante o período em que Santo Buda, esse verdadeiro
Enviado d’O-Alto, dirigiu o psiquismo interior dos seres dessa
parte da superficie da Terra, estas conseqüências que lhes são
tão funestas desapareceram de lato gradualmente da presença
da maioria deles.
Mas, para pesar de todo Individuum que possui uma Ra­
zão pura, qualquer que seja seu grau, e para desgraça dos seres
tri-cerebrais de todas as gerações seguintes, os primeiros des­
cendentes dos contemporâneos desse verdadeiro Enviado d’O-
Alto, Santo Buda, loram vítimas de uma particularidade de seu
psiquismo, proveniente das condições anormalmente estabele­
cidas de existência ordinária: se puseram, eles também, a “pro­
curar meio-dia às duas da tarde” a propósito de todos os seus
conselhos e indicações, e desta vez com tanto zelo que nada
mais chegou aos seres da terceira e da quarta gerações, a não
ser o que nosso venerável Mulá Nassr Eddin define com estas
palavras:
“Apenas algumas informações sobre seu odor específico! ”

239
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Pouco a pouco, eles desnaturaran^ seus conselhos e seus


preceitos a tal ponto que se seu santo autor em pessoa tivesse
de repente regressado e quisesse tomar conhecimento deles,
mal poderia suspeitar que eles vinham precisamente dele.

“Não posso me impedir de expressar aqui um pesar de


minha essência acerca de uma singular atitude de seus favori­
tos que, no decorrer dos séculos, adquiriu torça de lei no pro­
cesso de sua existência ordinaria.
Esta singular atitude, fixada lá há muito tempo, serviu
para desnaturar todas as verdadeiras indicações e os conselhos
precisos de Santo Buda, acelerando assim a liquefaçào de seu psi­
quismo.
Devido a essa disposição, a mais pequena causa, diga­
mos até a mais insignificante, basta para alterar, ou até para
destruir completamente, todo ritmo de existência ordinaria,
exterior ou interior, que seja “bom” no sentido objetivo da
palavra.
Certos detalhes sobre o aparecimento dessa atitude, que
serviu para desnaturar todas as verdadeiras indicações e os con­
selhos precisos desse verdadeiro Enviado d’O Alto, Santo Buda,
podem lhe dar os elementos necessários para melhor sentir e
melhor compreender a estranheza do psiquismo dos seres tri-
cerebrais que lhe interessam; por isso, lhe falarei longamente
disso e lhe direi em que ordem se sucederam suas manifesta­
ções, que deram origem a certo mal-entendido dos mais tristes,
particularmente gritante em nossos dias.
Eu lhe direi primeiro que elucidei esse mal-entendido
muito tempo depois do período de que lhe falo; foi somente
durante a minha sexta descida ali que o esclarecí exatamente,
quando precisei conhecer, a respeito de uma questão relativa
ao Santo Ashyata Sheyimash, de quem lhe falarei em breve, um
certo fato sobre a atividade desse verdadeiro Enviado d’O-Alto,
Santo Buda.

240
PRIMEIRA VISITA ÀS ÍNDIAS

A origem desse deplorável mal-entendido, infelizmente,


deve ser buscada em certas palavras autênticas pronunciadas
por Santo Buda no curso de uma de suas conversas.
Um dia, no círculo de seus iniciados mais próximos, San­
to Buda falou em termos precisos sobre um meio de destruir,
na natureza deles, as conseqüências das propriedades do órgão
kundabuffer transmitidas por hereditariedade.
Ele lhes disse, entre outras coisas, isto:
“Um dos melhores meios de tornar inofensivas as predis­
posições das conseqüências das propriedades do órgão
kundabuffer a se cristalizar nas naturezas de vocês é o “sofri­
mento voluntário”; e o maior “sofrimento voluntário” que po­
demos suscitar em nossas presenças é o de nos obrigar a supor­
tar as manifestações desagradáveis dos outros em relação a nós.”
Esta explicação de Santo Buda foi difundida por seus ini­
ciados mais próximos, junto com outros preceitos, entre os se­
res ordinarios, e, quando estes sofreram o processo sagrado do
“raskuarno”, continuou a se transmitir de geração a geração.

Como já lhe disse, meu filho, depois do desastre da Atlân­


tida, uma particularidade chamada “necessidade organo-psí-
quica de procurar meio-dia às duas da tarde” havia se fixado
no psiquismo desses seres tri-cêntricos. E sob a ação desta par­
ticularidade, os seres da segunda e terceira gerações que suce­
deram aos contemporâneos de Santo Buda se puseram, eles
também, para a desgraça de todos os seres terrestres tri-cere­
brais presentes e futuros, a procurar o mais possível “meio-dia
às duas da tarde” a respeito desse conselho de Santo Buda, de
tal modo que acabaram por formar acerca dele um conceito
bem determinado, que se transmitiu, por sua vez, de geração a
geração, a saber: que essa “capacidade de suportar” devia, ab­
solutamente, ser adquirida na mais completa solidão.
Nisso, a estranheza do psiquismo de seus favoritos se ma­
nifestou, como ela o faz ainda hoje, pela sua incompreensão

241
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

desse tato, evidente para toda razào mais ou menos sadia, de


que, aconselhando-os a adquirir esse tipo de capacidade de
suportar, o Mestre divino, Santo Buda, lhes recomendava, pelo
contrario, existir entre seus semelhantes. E isso para que a fre­
quente repetição dessa santa realização esseral ante as manifes­
tações desagradáveis dos outros provocasse neles o que se cha­
ma “trentrudianos”, ou, como teriam dito eles mesmos, o “re­
sultado químico-físico” que engendra na presença de todo ser
tri-cêntrico os dados necessários ao aparecimento de uma das
três torças santas do Triamazikamno esseral sagrado; esta “tor­
ça santa” se torna sempre afirmativa no ser em relação ao conjun­
to das propriedades negativas que ali já se encontram.

“Ora, meu filho, a partir do momento em que se difun­


diu lá essa concepção definida, alguns de seus tavoritos se afas­
taram deliberadamente das condições já estabelecidas de exis­
tência esseral ordinária, no seio das quais se havia intensifica­
do a predisposição das conseqüências das propriedades do ór­
gão kundabufter a cristalizar-se em sua presença.
E, no entanto, como o presumia o Divino Mestre Buda,
essas condições eram as únicas nas quais essa “capacidade de
suportar” as manifestações desagradáveis dos outros para com
eles podia cristalizar, em sua presença, estas realizações volun­
tarias que são os “partkdolgdeveres”, exigidos de todos os se­
res tri-cêntricos em geral e sem os quais nenhum “aperfeiçoa­
mento de si” é possível.
Assim, para suportar seu famoso “sofrimento”, numero­
sos seres tri-cerebrais de seu planeta se retiraram do convívio
de seus semelhantes, quer isoladamente, quer em grupos, quer
dizer, com aqueles que pensavam como eles.
Fundaram até mesmo, com essa intenção, colônias es­
peciais, organizadas com base numa existência em comum, mas
onde tudo tinha sido previsto para permitir-lhes adquirir essa
“capacidade de suportar” na solidão.

242
PRIMEIRA VISITA ÀS ÍNDIAS

Foi cntao que apareceram pela primeira vez seus lamo­


sos “mosteiros”, tais como existem ainda em nossos dias, onde
alguns de seus favoritos vào “salvar suas almas”, como eles dizem.

“Pois bem, meu filho, por ocasião de minha primeira vi­


sita a Perlânia, a maioria dos seres tri-cerebrais de lá era, como
já lhe disse, adepta da religião edificada, supostamente, sobre
os estritos conselhos e os preceitos de Santo Buda, e a fé nessa
religião era, em todos, de uma firmeza inquebrantável.
No início de meus estudos sobre as sutilezas do ensina­
mento dessa religião, eu estava ainda na incerteza quanto à ma­
neira de utilizá-la para cumprir meu propósito; entretanto, ten­
do por acaso descoberto, no curso desses estudos, certa noção
comum a todos os adeptos dessa doutrina, noção fundada so­
bre palavras realmente proferidas por Santo Buda, porém mal
interpretadas, me decidi imediatamente por um plano de ação
para aproveitar a sua original “havatviernoni” ou “religião”.
No curso das explicações que ele lhes tinha dado sobre
as verdades cósmicas, Santo Buda lhes dissera que “cada um
dos seres tri-cêntricos que existem na Terra, como cm todos os
planetas de Nosso Grande Universo, deve, em definitivo, não
ser nada além do que uma parcela da Suprema Grandeza que é
a Unidade Todo-Abrangente de tudo o que existe; e que o prin­
cípio desta Suprema Grandeza encontra-se Lá-no-Alto, para
melhor abranger a essência de tudo o que existe.
“Este princípio dc Suprema Grandeza Todo-Abrangente
dc tudo o que existe emana continuamente no Universo intei­
ro, e, nos planetas, ele reveste com suas parcelas certos seres
tri-cêntricos que adquiriram a capacidade de um funcionamento
autônomo, em sua presença geral, das duas leis cósmicas fun­
damentais do Heptaparaparshinokh e do Triamazikamno sa­
grados, a fim de que essas parcelas formem uma unidade deter­
minada, pois é nesta unidade unicamente que a divina Razão
objetiva tem a possibilidade de se concentrar e de se fixar.

243
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“E foi assim que o previu e criou Nosso Criador Comum,


a tim de que essas parcelas do Grande Todo-Abrangente, quan­
do elas retornam, uma vez espiritualizadas em Razão divina,
em direção à Grande Fonte Original Todo-Abrangente para
fusionar com Ela, realizem, então, a Totalidade que deve cons­
tituir, conforme a Esperança de Nosso Eterno Uni-Esseral , a
razão de ser e a aspiração de tudo quanto existe no Universo
inteiro.”
Parece que Santo Buda lhes disse ainda:
“Vocês, seres tri-cêntricos do planeta Terra, a quem toi
dada a possibilidade de adquirir um funcionamento autônomo
das duas principais leis sagradas universais, vocês também têm,
por esse fato, a inteira possibilidade de revestir em vocês mes­
mos esta mui santa parcela do Grande Todo-Abrangente de
tudo quanto existe, e de aperfeiçoá-la até o grau desejado de
Razão divina.
“E esse Grande Todo-Abrangente de todas as coisas
abrangidas tem o nome de “Santo Prana”.

Esta explicação precisa de Santo Buda foi bem compreen­


dida por seus contemporâneos, e um grande número deles se
esforçou com ardor para absorver, depois para revestir em sua
presença, as parcelas dessa Suprema Grandeza e, por intermé­
dio delas, manifestar assim a divina Razão objetiva.
Porém, os seres da segunda e da terceira gerações des­
cendentes dos contemporâneos de Santo Buda, depois de ter
“sofisticado” a perder de vista em torno das explicações que
ele lhes havia dado sobre as verdades cósmicas, elucubraram,
com sua original razão, e determinaram, com vistas a sua trans­
missão ulterior, a cohcepção bem definida de que esse “Senhor
Prana” já se encontrava neles no momento de sua vinda ao
mundo.
Devido a este erro, os seres desse período e de todas as
gerações seguintes imaginaram, como fazem ainda nossos

244
PRIMEIRA VISITA ÀS ÍNDIAS

contemporâneos, que, sem haver cumprido nenhum partkdolg-


dever esseral, eles já participavam dessa Suprema Grandeza,
definida pelo próprio Santo Buda de maneira muito precisa.
Ora, meu filho, logo que me dei conta desse mal-enten­
dido e constatei que os seres do país de Perlânia estavam to­
dos, sem exceção, convencidos de que já eram parcelas do pró­
prio “Senhor Prana”, resolví tirar partido desse erro, para atin­
gir minha meta, nesse caso também, por meio de sua religião.

“Antes de prosseguir, é indispensável observar que, como


me mostraram claramente minhas pesquisas pessoais, essas pre­
tensas palavras de Santo Buda, segundo as quais o ser já traria
em si, no momento de sua vinda ao mundo, uma parcela da
Suprema Grandeza, jamais ele teria podido dizê-las àqueles seres.
E Santo Buda não teria podido dizê-las a eles porque,
encontrando-se um dia no círculo de seus fiéis discípulos, na
localidade de “Senkuori”, lhes havia dito exatamente isto:
“Se este Mui Santo Prana se cristaliza em vocês, com a
participação consciente ou inconsciente de seu “Eu”, lhes será
indispensável levar o aperfeiçoamento da Razão individual deste
conjunto de Mui Santos Átomos até o grau desejado; caso con­
trário, este Santo Revestimento, passando por diversas formas
exteriores, sofrerá e enlanguescerá eternamente.”
E, além disso, interessante notar que um outro Santo In­
dividuum, verdadeiro Mensageiro d’O-Alto, Santo Kirmini-
nasha, ele também, lhes havia dado uma advertência idêntica.
Esse Santo Enviado, com efeito, lhes havia revelado esta
palavra:
“Bem-aventurado aquele que tem uma alma; bem-aven­
turado também aquele que não a tem, mas desgraça e desola­
ção a todo aquele que dela só tem o germe”.

“Assim pois, meu filho, após ter elucidado este fato,

245
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

resolví imediatamente tirar partido do erro deles a fim de cum­


prir men propósito.
Tal como na cidade de Gob, comecei, em Perlânia, por
acrescentar um complemento a essa doutrina religiosa, depois
propaguei minha invenção por todos os meios possíveis.
Difundi a idéia de que esse Mui Santo Prana, de quem
havia falado nosso Divino Mestre Santo Buda, se encontra não
só em nós, os homens, mas também em todos os seres que sur­
gem e existem no nosso planeta Terra.
“Uma parcela da Suprema Grandeza Todo-Abrangente,
quer dizer, do Mui Santo Prana, é depositada desde seu apare­
cimento, em cada uma das lormas de seres de todas as dimen­
sões que povoam a superfície mesma do planeta ou suas pro­
fundezas, assim como a agua e a atmosfera.”
Aqui, meu filho, devo dizer com pesar que fui obrigado,
mais de uma vez, a afirmar que estas palavras tinham sido pro­
feridas pelo próprio Santo Buda.
Os poucos seres do país com quem eu mantinha então
relações “amigáveis”, e que me esforcei, em primeiro lugar, em
converter à minha invenção, acreditaram ¡mediatamente nela,
sem a menor contestação, e me ajudaram, desde então — in­
conscientemente, é claro —, a propagá-la.
Ainda desta vez, meus amigos provaram com zelo e ar­
dor a seus semelhantes que isso era assim e que nao podia ser
de outra maneira.

“Em suma, em Perlânia, minha segunda invenção deu os


resultados desejados com uma rapidez incrível.
Graças a ela, seus favoritos modificaram a tal ponto as
relações de sua essência com as outras formas de seres, que não
somente cessaram de destruir sua existência em vista de seus
famosos “sacrifícios”, como se puseram a considerá-los since­
ramente como seres parecidos a eles.
Se tivessem se limitado a isso, tudo teria ficado muito

246
PRIMEIRA VISITA ÀS ÍNDIAS

bem; mas, segundo seu hábito, eles se puseram a “procurar


meio-dia às duas da tarde”, e a manifestar, como no país de
Maralpleissis, diversos aspectos cômicos de sua “havatviernoni”.
Por exemplo, alguns meses apenas após minhas primei­
ras pregações, encontrava-se quase a cada passo, nas ruas da
cidade de Kaïamon, seres andando sobre o que chamamos “per­
nas de pau”.
E andavam sobre “pernas de pau” para nao esmagar por
inadvertência algum inseto, quer dizer, um desses “pequenos
seres semelhantes a eles”, como clcs começavam a acreditar.
Muitos deles tinham medo de beber agua que nào losse
recém-tirada da fonte ou do rio, pensando que seres minúscu­
los tivessem podido nela cair e que, nào os vendo, arrisca­
vam-se a engolir sem querer essas “pobres pequenas criatu­
ras à sua imagem”.
Outros, com este mesmo temor, cobriam seus rostos com
“véus”, para que os pobres pequenos seres à sua imagem que
se encontram na atmosfera nào lhes entrassem de modo algum,
por acaso, na boca ou no nariz. E assim sucessivamente...
A partir daquele tempo apareceu em toda a parte em Per­
lânia, como na cidade de Kaïamon e em seus arredores, todo
tipo de sociedades cuja meta era proteger as diversas formas de
seres “sem defesa”, tanto os que existiam entre eles como aque­
les que eles chamavam “selvagens”.
Todas essas sociedades tinham como regra proibir tanto
a destruição desses seres para os “sacrifícios” como o uso de
seu corpo planetário para o “primeiro alimento”.
Eh! Eh! Eh!... meu filho!...
Os sofrimentos voluntarios e os esforços conscientes es­
pecialmente realizados para eles por esse Individuum sagrado,
Santo Buda, que havia revestido uma presença planetaria se­
melhante à deles, revelaram-se, a partir de cntào, inúteis. Devi­
do à estranheza de seu psiquismo, esses esforços nào engen­
draram nenhum dos resultados que teriam devido necessaria-

247
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

mente se produzir; eles só deram origem a “pseudo-ensinamen-


tos” de todo tipo, como os que existem lá em nossos dias com
o nome de “ocultismo”, “teosofía”, “esplritualismo”, “psica­
nálise” etc. e que, hoje como antigamente, não passam de meios
para “mistificar” seu psiquismo, já bem suficientemente misti­
ficado sem isso.

“Nem é preciso dizer que nenhuma das verdades ensina­


das por Santo Buda se conservou até hoje.
Nao obstante, sim: a metade de uma das palavras de que ele
se serviu chegou até os seres atuais desse incomparável planeta.
E essa meia palavra chegou-lhes da seguinte maneira:
Santo Buda explicou, entre outras coisas, aos seres de
Perlânia, como e em que parte do corpo tinha sido implanta­
do, em seus ancestrais, o famoso órgão kundabuffer.
Disse-lhes que o Anjo Luísos tinha feito crescer esse ór­
gão de uma certa maneira, na extremidade inferior desse cére­
bro que a Natureza alojou, tanto neles como em nós, ao longo
de todo o dorso, na “coluna vertebral”.
Santo Buda lhes disse ainda:
“Embora as propriedades desse órgão tenham sido intei­
ramente destruídas em seus ancestrais, seu suporte material,
situado na extremidade desse cérebro, subsistiu e, transmitin­
do-se de geração a geração, se encontra ainda hoje em vocês.
“Entretanto, esse suporte material deixou de ter a menor
importância e pode ser inteiramente destruído com o tempo,
se a existência de vocês transcorre de uma maneira que conve­
nha a seres tri-cêntricos.”
Ora, depois de se terem torturado o cérebro acerca desse
famoso “sofrimento”, para o qual inventaram todo tipo de for­
mas, eles fizeram o termo que designa esse órgão sofrer a esca-
motagem seguinte:
A raiz da segunda metade desse nome coincidia, por aca­
so, com aquela de uma palavra que, na linguagem da época,

248
PRIMEIRA VISITA ÀS ÍNDIAS

significava “reflexo”. E já que eles haviam também imaginado


um meio rápido de destruir esse suporte material — e isso sem
levar em conta o tempo, como lhes havia aconselhado Santo Buda
—, eles “sofisticaram” a respeito desse nome, desenvolvendo,
com a ajuda de sua tacanha “razão”, o argumento seguinte:
“Quando esse órgão funcionava ainda, seu nome devia conter
a raiz da palavra “reflexo”. Mas, já que destruímos dele até a
base material, esse nome deve agora comportar a raiz “anti­
go”. Ora, na linguagem da época, “antigo” se dizia “lina”, o
que em lugar da palavra “kundabuffer” dava: “kundalina”.
Dessa maneira, a metade da palavra kundabuffer toi con­
servada, e, passando de geração a geração, chegou finalmente
até seus favoritos atuais, acompanhada, naturalmente, de mi­
lhares de comentários variados.
Os “sábios” atuais dão, eles também, a essa parte da me­
dula espinhal um nome, formado a partir de raízes latinas
complicadas.
Eloje, toda a pretensa “filosofia hindu” está, ela mesma,
baseada nesse famoso “kundalini”, e existem em torno dessa
palavra milhares de “ciências” ocultas, secretas e reveladas que
nào explicam absolutamente nada.
Porém, qual significado os sábios terrestres atuais, que
cultivam o que se chama as “ciências exatas”, dão a essa parte
da medula espinhal — isto, meu querido filho, é um grande
mistério.
E tornou-se um mistério porque, vários séculos atrás, essa
“explicação” desapareceu de repente, sem nenhuma razão, na
pinta predileta que a famosa Sherazade, esta incomparável fan-
tasista árabe, tinha por acaso no lado direito de seu deleitável
umbigo.
Essa “explicação científica” lá permaneceu, aliás, até hoje
em toda sua integridade...

“Quando fiquei definitivamente convencido de ter

249
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

conseguido sem esforço, ainda desta vez, destruir nos seres


desse grupo — e por muito tempo talvez — o seu terrível cos­
tume dos sacrifícios, resolvi deixar esse país para retornar em
direçào ao mar da Abundancia reencontrar nossa nave Oca­
sião.
E, quando estávamos prontos para deixar o país, veio-
me de repente a idéia de retornar em direção ao mar da Abun­
dancia não pela rota que havíamos tomado para vir a Perlânia,
porém por outra via absolutamente inusitada naquele tempo.
A região pela qual tinha resolvido voltar recebeu, mais
tarde, o nome de “Tibete”.

250
Capítulo 22
Belzebu no Tibete
pela primeira vez

A rota que se devia seguir para ir ao Tibete não era, em


absoluto, frequentada pelos seres tri-cerebrais daquele tempo
e quase não se podia contar com juntar-se a alguma caravana;
por isso me vi forçado a organizar urna para mim mesmo e a
me assegurar de tudo o que era necessário para este fim.
Obtive varias dezenas de seres quadrúpedes chamados
“cavalos”, “mulas”, “asnos”, “cabras chamanianas” etc., e con­
tratei varios de seus bípedes favoritos para cuidar deles e tazer,
durante o trajeto, o trabalho semiconsciente que necessitam
essas espécies de deslocamentos.
Uma vez munido de todo o necessário, parti, acompa­
nhado de Ahun.
Desta vez atravessamos regiões ainda mais curiosas, onde
a natureza desse desafortunado planeta se revelava ainda mais
extraordinária, e encontramos seres uni-cerebrais e bi-cerebrais,
qualificados na Terra como “selvagens”, de formas ainda mais
variadas. Era a estação em que eles vinham de regiões distantes
do continente de Ashhark para caçar, como lá se diz.
Naqueles momentos, estes seres “selvagens” eram parti­
cularmente perigosos para os seres tri-cerebrais e para os qua­
drúpedes que seus tavoritos, com a astúcia que lhes é costu­
meira, já haviam reduzido à escravidão e forçado a trabalhar
para a exclusiva satisfação de suas necessidades egoístas.
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

E, se eles eram então particularmente perigosos, é por


que nessa época tinha se cristalizado na presença deles urna
função singular, devida às condições de existência esseral anor­
malmente estabelecidas dos seres tri-cerebrais de lá. Falarei a
você dessa função em seu tempo.
Esses seres selvagens tornavam então quase inacessíveis aos
seres tri-cerebrais as regiões pelas quais passava nosso caminho.
Os seres tri-cerebrais só podiam atravessá-las durante o
período em que o elemento ativo Okidanokh sofre, na atmos­
fera de seu planeta, o processo Aiëïoïouoa — ou, como eles
dizem, durante o “dia”.
Durante o dia, podiam passar por ali porque, dada a po­
sição “krentonalniana” de seu planeta em relação ao sol, todos
esses seres terrestres selvagens se encontram então num estado
esseral chamado “sono”, estado durante o qual se opera na pre­
sença deles a elaboração automática da energia indispensável à
sua existência esseral ordinária. Esse processo, aliás, só se efe­
tua neles durante esse período. Ao contrário, nos seres tri-
cêntricos de lá, a energia se elabora somente quando essa pro­
priedade sagrada cessa de se manifestar na atmosfera, quer di­
zer, durante o que eles chamam a “noite”.
Assim, pois, meu filho, seus favoritos só podiam atraves­
sar aquelas regiões “de dia”.
A noite, era preciso construir abrigos artificiais e dar prova
de uma grande vigilância, para preservar a si mesmo e proteger
seus “bens” dos seres “selvagens”. Enquanto dura essa posi­
ção krentonalniana do planeta Terra, estes seres selvagens vigiam
e absorvem seu primeiro alimento esseral. Naquela época, eles
já estavam quase acostumados a empregar para este fim so­
mente os corpos planetários dos seres fracos de outras formas
surgidos no seu planeta. Escolhiam então esse momento para
se apoderar desses seres e utilizavam os corpos planetários de­
les para a satisfação das suas necessidades.
Naquele tempo, esses seres selvagens, sobretudo os mais

252
BELZEBU NO TIBETE

pequenos, tinham se aperfeiçoado de maneira ideal no que diz


respeito à engenhosidade e à astúcia, sempre, é claro, em razão
das condições anormalmente estabelecidas de existência esse­
ral ordinária reinantes nesse planeta.
Por isso, nos lugares que nossa rota atravessava, devía­
mos, à noite, estar extremamente atentos e vigilantes — nós e
sobretudo nossos servidores, no trabalho semiconsciente que
faziam para nos proteger, assim como a nossos trabalhadores
quadrúpedes e nossas provisões.
A noite, lormava-se habitualmente em volta de nosso
acampamento todo um bando desses seres “selvagens”, vindos
na esperança de abocanhar qualquer coisa que pudesse servir
como seu primeiro alimento; eles lembravam bastante bem o
bando de seus favoritos durante o “pregão” da Bolsa ou por
ocasião de “eleições de seus representantes-deputados”, os
quais pretendem encontrar os meios de estabelecer uma exis­
tência feliz para todos os seres seus semelhantes, sem lazer ne­
nhuma distinção entre suas lamosas castas.
O logo ardia até o amanhecer, lançando grandes chamas
e mantendo o “medo” nesses seres “selvagens”; e, embora los-
se proibido, nossos servidores bípedes, com a ajuda de flechas
envenenadas “kilnaparas”, destruíam aqueles que se aproxi­
mavam demasiado do acampamento. Entretanto, não se pas­
sou uma única noite sem que alguns desses “leões”, “tigres” e
“hienas” não levassem um ou vários de nossos seres quadrúpe­
des; e seu número diminuía a cada dia.

“Por certo, meu filho, o caminho pelo qual retornava­


mos em direção ao mar da Abundância era muito mais longo
do que aquele pelo qual tínhamos vindo, porém, tudo que vi­
mos e ouvimos ao longo do caminho sobre a estranheza do
psiquismo de seus favoritos justificou plenamente esse desvio.
Caminhamos nessas condições durante mais de um mês
terrestre; finalmente, fomos ter, por acaso, numa pequena

253
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

colonia de seres tri-cerebrais recentemente emigrados, como


soubemos, do país de Perlânia.
Esta colonia se chamava “Sinkratortza” e, mais tarde,
quando toda a região se povoou e Sinkratortza se tornou o cen­
tro principal, ela deu seu nome ao país inteiro.
Depois, esse país mudou varias vezes de nome; hoje o
chamam “Tibete”.
A noite caía quando encontramos esses seres e lhes pedi­
mos “asilo”, como eles dizem.
Eles nos ofereceram hospitalidade até o dia seguinte e
essa perspectiva de uma noite tranquila foi para nós uma gran­
de alegria, pois estávamos todos extenuados por haver lutado
sem descanso contra os seres “selvagens” e nos era indispensá­
vel, aos servidores bípedes em particular, passar pelo menos
uma noite em paz.
Durante a vigília, eu soube que todos os seres dessa colô­
nia pertenciam a uma seita conhecida em Perlânia pelo nome
de “Domadores de si” e formada, precisamente, por adeptos
da religião supostamente edificada, como já lhe disse, sobre os
preceitos de Santo Buda.

“Devo lhe dizer, meu filho, que os seres desse planeta


têm, há muito tempo, esta particularidade própria unicamente
a eles: assim que surge entre eles alguma nova havatviernoni
ou religião, seus adeptos se dividem imediatamente em várias fac­
ções e cada uma destas facções constitui logo sua própria “seita”.
O que há de mais curioso nesta particularidade é que os
seres pertencentes a uma dessas seitas não dão a si mesmos o
nome de “sectários”, este nome lhes parece ofensivo; eles so
são chamados “sectários” por aqueles que não são de sua seita.
Os adeptos de uma seita qualquer são considerados pe­
los outros como sectários enquanto eles não têm nem “canhões”,
nem “navios” â sua disposição; mas, assim que os possuem em

254
BELZEBU NO TIBETE

quantidade suficiente, sua singular doutrina sectaria se torna,


no mesmo instante, a religião dominante.
Os seres dessa colônia se tornaram sectários, tal como
aqueles de numerosas regiões de Perlânia, após terem se sepa­
rado da religião cuja doutrina eu tinha estudado e que recebeu
mais tarde o nome de “budismo”.
O aparecimento da seita dos “Domadores de si” era de­
vido a uma falsa compreensão de um dos princípios da religião
budista, interpretado por eles, já lhe disse, como “sofrimento
na solidão”.
Foi para se entregarem a esse famoso “sofrimento” sem
ser incomodados por seus semelhantes que os seres com os quais
passamos a noite haviam se estabelecido tão longe dos seus.

“Ora, meu filho, tudo o que ouvi naquela noite sobre os


adeptos dessa seita, e tudo o que vi no dia seguinte, causou-me
uma impressão tão penosa que, durante um grande número de
seus “séculos”, não pude me lembrar disso sem “estremecer”,
como se diz. Vou, aliás, contar-lhe isto em detalhes.
Eu soube, no decorrer de nossa conversa noturna, que os
chefes dessa nova seita budista, antes da emigração de seus adep­
tos a esse lugar isolado, haviam inventado, em Perlânia, uma
forma particular de “sofrimento”. Então resolveram retirar-se
para algum lugar quase inacessível, onde os outros seres seus
semelhantes, não pertencentes à sua seita e não “iniciados” em
seus “mistérios”, não pudessem vir a impedi-los de se infligir
esta forma singular de “sofrimento”.
Quando, após inúmeras buscas, eles finalmente desco­
briram esse lugar, onde havíamos chegado por acaso e que con­
vinha bem a sua meta, organizaram-se solidamente e se assegu­
raram de recursos materiais; depois, com grandes dificulda­
des, emigraram, acompanhados de suas famílias, para esse lu­
gar quase inacessível a seus compatriotas e ao qual deram, como
já lhe disse, o nome de “Sinkratortza”.

255
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Nos primeiros tempos de sua instalação, eles se entendiam


ainda mais ou menos bem; mas, assim que se puseram a reali­
zar a forma particular de “sofrimento” que haviam inventado,
suas famílias, e sobretudo suas mulheres, ao saberem em que
consistia essa forma particular de sofrimento, se revoltaram e
fizeram um grande escândalo, o que teve por efeito provocar
um cisma.
Esse cisma tinha se produzido pouco tempo antes de nos­
so encontro e, quando chegamos a “Sinkratortza”, eles já emi­
gravam em pequenos grupos para novos lugares que conside­
ravam ainda mais convenientes a uma existência solitária.

“Para melhor compreender o que vai seguir, é importan­


te que você conheça a causa principal desse cisma.
Antes de deixar o país de Perlânia, os chefes dessa seita
tinham, de comum acordo, assumido o compromisso de se re­
tirar completamente de entre seus semelhantes e de nao recuar
diante de nada para chegar a se libertar das conseqüências das
propriedades do órgão de que falava o Divino Mestre Santo
Buda.
Seu compromisso implicava a obrigação de existir de uma
certa maneira até a completa destruição de seu corpo planetá­
rio, quer dizer, até a sua morte, a fim de chegar, por essa forma
particular de existência, a “purificar” suas “almas”, diziam eles,
de todo elemento estranho devido a esse órgão kundabuffer
que seus ancestrais possuíam, assim como lhes havia ensinado
Santo Buda. Queriam, uma vez libertados das conseqüências
desse órgão, adquirir a possibilidade de se fundir, como lhes
havia dito o Divino Mestre, com o Santo Prana Todo-
Abrangente.
Ora, quando eles começaram, uma vez estabelecidos, a
pôr em prática essa forma particular de sofrimento por eles
inventada, e quando suas mulheres, ao conhecer a natureza
desse sofrimento, fizeram estourar esse escândalo, um grande

256
BELZEBU NO TIBETE

número deles, sob a influência destas últimas, se recusou a cum­


prir os compromissos assumidos em Perlânia — após o que
eles se dividiram para formar duas facções independentes.
Desde então, esses sectários, que antes se chamavam “Do­
madores de si”, usaram nomes diferentes: os que haviam per­
manecido fiéis a seus compromissos se chamaram “Ortho­
doxhaïdurakis”; os que tinham recusado cumprir certas das
obrigações assumidas em sua pátria se chamaram “Ka-
thoshkihaidu raids”.
Por ocasião de nossa chegada a “Sinkratortza”, os sectarios
chamados “Orthodoxhaïdurakis” possuíam, não longe de seu
primeiro lugar de residência comum, um “mosteiro”, perfeita­
mente organizado, onde já se entregavam sem restrição a sua
forma particular de sofrimento.

“No dia seguinte, reiniciando a caminhada após uma noite


tranqüila, passamos muito perto desse “mosteiro” onde existiam
os sectários budistas “Orthodoxhaïdurakis”.
E como, naquele momento, tínhamos justamente neces­
sidade de fazer parada para dar de comer a nossos trabalhado­
res quadrúpedes, pedimos aos monges que nos deixassem fa­
zer essa parada sob seu teto.
Por estranho e inusitado que fosse, esses seres portado­
res do nome de monges não rechaçaram de modo algum este
justo pedido — justo, no sentido objetivo da palavra — e nos
receberam imediatamente, sem a fanfarronice que se tornou
própria aos monges de todas as épocas e de todas as doutrinas.
Assim, entramos inopinadamente no Santo dos Santos
dessa doutrina, até aquela esfera dela que os seres do planeta
Terra sempre se esforçaram, desde o início de seu aparecimen­
to, por manter ao abrigo de toda observação.
Em outras palavras, esses monges se tornaram hábeis em
sofisticar e em fazer de toda coisa um “mistério”, como eles
dizem; depois, em tão bem dissimular este “mistério” aos

257
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

demais, que mesmo seres de Razão pura nao conseguem mais


penetrá-lo.
O mosteiro da seita dos Orthodoxhaïdurakis de religião
budista ocupava um grande espaço cercado por uma forte mu­
ralha que os protegia tanto de seus semelhantes como dos seres
selvagens .
No centro dessa praça forte erguia-se uma enorme e sóli­
da construção que formava a parte principal do mosteiro. A
metade dessa enorme construção estava reservada a sua exis­
tência esseral ordinaria; na outra, eles se entregavam às mani­
pulações que constituíam a particularidade da crença própria
aos adeptos de sua seita, manipulações que permaneciam um mis­
tério para os demais.
Na parte interior do recinto se encontravam encravadas
filas de pequenas celas solidamente construídas, contíguas umas
às outras e semelhantes a “alvéolos”.
E precisamente esta espécie de cela que diferenciava esse
mosteiro dos outros mosteiros de seu planeta.
Estas celas em forma de alvéolos estavam emparedadas
por todos os lados. Somente a parte inferior possuía uma pe­
quena abertura por onde se podia a duras penas passar o punho.
Nessas sólidas construções em forma de alvéolos os seres
“merecedores” da seita eram emparedados para sempre.
Uma vez emparedados, eles deviam entregar-se a certas
manipulações sobre o que eles chamam seus “pensamentos” e
seus “sentimentos”, até a completa destruição de sua existên­
cia planetária.
Foi após ter tido conhecimento disto que as mulheres
dos sectários chamados “Domadores de si” tinham se revoltado.
O ensinamento religioso dessa seita explicava em deta­
lhe a que manipulações era preciso entregar-se e o tempo que
devia ser consagrado a elas, para merecer finalmente ser empa­
redado numa dessas sólidas “celas” e ali receber, uma vez a

258
BELZEBU NO TIBETE

cada vinte e quatro horas, um pedaço de pão e uma pequena


cuia de agua.
Quando penetramos no recinto desse terrível mosteiro,
todas essas monstruosas “celas” estavam ocupadas; o serviço
dos emparedados, quer dizer, o cuidado de lhes passar a cada
vinte e quatro horas, pela pequena abertura, o pedaço de pão e
a cuia de agua — tarefa cumprida com grande veneração —,
cabia a outros sectários, eles mesmos candidatos a ser empare­
dados, os quais, esperando sua vez, existiam no grande edifício
no centro do recinto do mosteiro.
Seus favoritos emparedados ticavam nesses monstruosos
sepulcros até que esta existência toda de privações, de lome e
de imobilidade chegasse a seu término.
Assim que os companheiros dos emparedados se davam
conta de que um deles tinha cessado de existir, o corpo plane­
tário do morto era tirado para fora desses sepulcros improvisa­
dos e, no lugar do ser que tinha se destruído dessa maneira,
emparedava-se imediatamente um outro fanático, vítima desse
funesto ensinamento religioso.
E as filas desses infelizes “monges fanáticos” engrossa­
vam sempre, já que outros candidatos chegavam sem cessar de
Perlânia.
Em Perlânia, todos os adeptos desta seita já conheciam a
existência desse lugar, tão propício ao cumprimento do “últi­
mo acorde” dessa doutrina religiosa edificada sobre os precei­
tos, supostamente autênticos, de Santo Buda. Todos os gran­
des centros tinham até mesmo o que se chama “agentes”, en­
carregados de facilitar-lhes seu acesso.
Depois de ter repousado e ter alimentado nossos traba­
lhadores bípedes e quadrúpedes, deixamos esse triste lugar,
onde se exerciam os estragos desse funesto órgão que tinha
sido preciso, segundo as considerações de certos Mui Altos
Individuuns cósmicos, implantar na presença dos primeiros se­
res tri-cerebrais desse desafortunado planeta.

259
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Eh! Eh! Eh !... meu tilho, suspirou Belzebu, você pode


imaginar que nào foi precisamente com sensações agradáveis e
pensamentos alegres que deixamos esses lugares...
Continuando nosso caminho em direção ao mar da Abun­
dância, transpusemos ainda umas elevações de terra firme de
aspectos os mais variados, formadas de conglomerados de mi­
nerais intraplanetários jorrados das imensas profundezas até a
superfície do planeta.
Devo lhe talar aqui de uma constatação das mais estra­
nhas que fiz então nesta parte do seu planeta que hoje se cha­
ma “Tibete”.
Na primeira vez que por ali passei, as elevações do Tibe­
te se levantavam de maneira realmente extraordinária acima
da superfície da Terra, mas sem se distinguir particularmente
das elevações situadas nesse mesmo continente de Ashhark —
ou Ásia —, do qual o Tibete faz parte, nem daquelas de outros
continentes.
Porém, por ocasião de uma sexta e última estada que fiz
em pessoa no planeta Terra, tive de voltar a esses lugares me­
moráveis, e constatei que no espaço de algumas dezenas de
seus séculos toda essa região se erguera a tal ponto que nenhu­
ma elevação, em nenhum outro continente, podia ser compa­
rada a ela.
Por exemplo, a linha principal das cristas da região que
atravessávamos então, linha que os seres de lá chamam “cadeia
de montanhas”, tem, desde aquela época, ultrapassado tanto a
superfície do planeta que alguns de seus picos são hoje os mais
elevados de todas as projeções anormais dessa Terra, “planeta
de longo e vão sofrimento”. E eu quase ousaria dizer que, se se
fizesse sua ascensao, se poderia talvez, na verdade, “distinguir
claramente”, com a ajuda de um tesskuano, o outro lado desse
original planeta...

“Quando constatei pela primeira vez o estranho fenômeno

260
BELZEBU NO TIBETE

que havia se produzido em seu planeta tão fantasticamente ori­


ginal, pensei de imediato que esse fato continha, muito prova­
velmente, o germe de uma desgraça de grande extensão cósmi­
ca. Mais tarde, fiz um estudo estatístico deste fenômeno anor­
mal e minha apreensão inicial não fez senão crescer.
E esta apreensão vinha sobretudo do fato de que um pa­
rágrafo de meu estudo estatístico mostrava que um novo cres­
cimento das cordilheiras se produzia a cada “dez anos”.
O parágrafo referente aos cumes tibetanos expunha quan­
do e como haviam ocorrido os “sobressaltos de planeta” ter­
restres, devidos à altura desproporcional dessas elevações, e
que seus favoritos chamam de “tremores de terra”.
Muito frequentemente, esses “sobressaltos de planeta”
sofridos pela Terra são provocados por outras desarmonias in­
terplanetárias, que são, elas mesmas, os resultados de duas per­
turbações transapalnianas, das quais um dia lhe explicarei a
razão; entretanto, a maioria dos “tremores de planeta”, os dos
últimos séculos sobretudo, se devem exclusivamente a essas
elevações desproporcionais.
Com efeito, essas elevações determinam na presença mes­
ma da atmosfera do planeta saliências igualmente despropor­
cionais. Dito de outra forma, o que se chama a “esfera blaste-
goklorniana” da atmosfera do planeta Terra adquiriu, e conti­
nua adquirindo em certos lugares, uma presença materializada
demasiado saliente para permitir a “fusão recíproca dos resul­
tados de todos os planetas do sistema”. Por isso, durante o mo­
vimento que o planeta realiza no seio do processo dito “de har­
monia sistemária geral”, a atmosfera terrestre “engancha”, por
assim dizer, as atmosferas dos outros planetas ou dos cometas
desse sistema.
E são esses “enganchamentos” que produzem, nos luga­
res correspondentes da presença geral de seu planeta, esses “so­
bressaltos” ou “tremores de terra”.
Devo lhe explicar ainda que a região da presença geral

261
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

do planeta onde se produzem esses “sobressaltos” é determi­


nada pela posição que ele ocupa no momento dado, no proces­
so de harmonia sistemaría geral, em relação às outras concen­
trações desse sistema.
Seja como tor, se este crescimento anormal das monta­
nhas tibetanas continuar, cedo ou tarde uma catástrofe de gran­
de extensão cósmica se revelará inevitável.
Aliás, quando a ameaça se tornar evidente, os Mui Altos
e Mui Santos Individuuns cósmicos tomarão certamente, no
devido tempo, as medidas necessárias.
— Com licença, com licença, Alta Reverencia, interrom­
peu Ahun.
E continuou com loquacidade:
— Permita-me, Alta Reverência, relatar-lhe as informa­
ções que recolhi, por acaso, sobre o crescimento das monta­
nhas tibetanas, das quais Vossa Reverência se dignou falar...
(3 fato é que, justo antes de nossa partida do planeta Ka­
rataz, tive a sorte de encontrar o Arcanjo Viluar, governador
de nosso sistema solar, e Sua Magnificência condescendeu rc-
conhecer-me e conversar comigo.
Lembra-se, Alta Reverência... Quando existíamos no pla­
neta “Zernakur”, Sua Magnificência, o Arcanjo Viluar, ainda
era apenas um anjo ordinário e vinha com frequência a nossa casa.
Ora, durante a conversa, Sua Magnificência, ouvindo-
me pronunciar o nome do sistema solar onde fomos exilados,
me disse que na última mui grande e mui santa recepção dos
Resultados Cósmicos, definitivamente reintegrados, um certo
Individuum com o nome de Santo Lama teve a honra de depo­
sitar pessoalmente aos pés de Nosso Eterno Uni-Esseral, na
presença de todos os Individuuns sagrados, uma petição refe­
rente ao crescimento anormal de certas elevações de um plane­
ta pertencente, me parece, a esse sistema solar. E Nosso Eterno
Todo-Misericordioso, acolhendo favoravelmente sua petição,
ordenou imediatamente enviar àquele sistema solar o Arcanjo

262
BELZEBU NO TIBETE

Luísos, que já o conhecia, a fim de esclarecer, no próprio lugar,


as razões dessas elevações e de tomar as medidas apropriadas.
Por isso, Sua Conformidade, o Arcanjo Luísos, termina
atualmente às pressas seus assuntos correntes para ir até lá.
— Bem, bem, meu querido Ahun, respondeu Belzebu.
E acrescentou:
— Obrigado por suas informações e louvado seja Nosso
Criador: o que você acaba de dizer contribuirá, provavelmen­
te, para destruir em minha presença a inquietação que nela
surgiu quando eu constatei pela primeira vez o anormal cresci­
mento das montanhas tibetanas — inquietação de ver desapa­
recer para sempre do Universo a querida memoria do Sábio
dos Sábios, o infinitamente venerado Mulá Nassr Eddin.”
Tendo dito isto e dando a seu rosto a expressão costu­
meira, Belzebu continuou:
— Prosseguimos nosso caminho através dessa região atual­
mente chamada “Tibete”, em meio a dificuldades de todo tipo,
para enfim chegar à nascente do rio chamado “Keria-Tchi”;
depois, ao cabo de alguns dias, descemos de novo em direção ao
mar da Abundância, onde encontramos de novo nossa nave
Ocasiao.

“Após minha terceira descida ao planeta Terra, fiquei mui­


to tempo sem retornar para lá, “em pessoa”; porém, de vez em
quando, eu observava atentamente seus favoritos através de
meu grande “tesskuano”.
E, se fiquei muito tempo sem descer ali, foi pela razão
seguinte:
Quando regressamos ao planeta Marte, me interessei,
pouco depois, por alguns trabalhos que os marcianos realiza­
vam, nesse período, na superfície de seu planeta.
Para compreender a natureza dos trabalhos pelos quais
eu me interessei, você deve saber que o planeta Marte é, para
o sistema Ors do qual faz parte, um “elo mdnelhautiano” na

263
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

transformação das substancias cósmicas; por conseguinte, ele


apresenta o que se chama urna “superficie firme keskesta-
santniana”, o que significa que uma metade dessa superfície
consiste de presença firme e a outra de massas “saliakuriapia-
nas”, ou, como teriam dito seus favoritos, que uma de suas
metades é uma terra firme, tal qual um imenso continente — e
que a outra está recoberta de água.
Ora, meu filho, como os seres do planeta Marte só em­
pregam, para seu primeiro alimento esseral, “prosphora” ou,
como dizem seus favoritos, “pão”, eles semeiam sempre “tri­
go” na metade firme do seu planeta.
Esse trigo tirava então a umidade necessária ao “djartklom
evolutivo” exclusivamente do que se chama “orvalho”; por isso,
um grão de trigo dava apenas a sétima parte do processo total
do Heptaparaparshinokh sagrado, quer dizer, a colheita era,
como se diz, apenas de um “sétimo”.
Porém, como esse rendimento era insuficiente para suas
necessidades e como uma maior “multiplicação” de trigo teria
necessitado o emprego dos saliakuriapis planetários, os seres
tri-cêntricos de lá falavam já, no momento de nossa chegada,
em trazer, na quantidade requerida, esses saliakuriapis do lado
oposto de seu planeta para aquele onde transcorria sua existên­
cia esseral.
No fim de alguns anos, quando tinham definitivamente
resolvido esta questão e feito os preparativos necessários, eles
se puseram à obra. Isto foi justo durante minha estada no pla­
neta Terra, e, no momento de meu retorno, eles já cavavam
canais especiais para a condução dos saliakuriapis.
Este empreendimento, meu filho, era dos mais complica­
dos e, para levá-lo a bem, os seres do planeta Marte fabrica­
vam, sem parar, máquinas e aparelhos de toda espécie.
Entre essas máquinas e ferramentas variadas, se encon­
travam algumas originais e notáveis; e, como toda invenção nova
me interessava, apaixonei-me por esses trabalhos.

264
BELZEBU NO TIBETE

Aproveitando a amabilidade desses bons marcianos, eu


passava quase todo o meu tempo em seus canteiros de obras;
por isso, durante esse período, desci muito raramente aos ou­
tros planetas desse sistema solar.
Somente às vezes, para descansar, voava ao planeta Sa­
turno para perto de Gornakhur Kharkhar, que nesse meio tem­
po havia se tornado o verdadeiro amigo de minha essência.
Devo-lhe, como já disse, meu grande tesskuano, esta maravilha
que aumenta a visibilidade das concentrações distantes até sete
milhões duzentas e oitenta e cinco vezes.”

265
Capítulo 23
Quarta estada pessoal
de Belzebu
no planeta Terra

BELZEBU prosseguiu:
— Desci pela quarta vez ao planeta Terra a pedido do
amigo de minha essência, Gornakhur Kharkhar.
Devo lhe dizer que, urna vez que estabeleci amizade com
esse Gornakhur Kharkhar, adquiri o hábito, durante nossas
“trocas subjetivas de opiniões”, de lhe comunicar minhas im­
pressões sobre o estranho psiquismo dos seres tri-cêntricos do
seu planeta.
E nossas conversas sobre seus favoritos o levaram a tam­
bém se interessar por eles, a tal ponto que um dia me pediu,
muito seriamente, que o mantivesse a par — pelo menos em
linhas gerais — de minhas observações sobre eles. Desde então
lhe enviei, assim como a seu tio Tuilan, uma cópia de todas as
minhas anotações sobre as particularidades de seu psiquismo.
Vou agora lhe explicar como Gornakhur Kharkhar foi a
origem de minha quarta descida.
Após minha terceira descida ao seu planeta, acontecía­
me às vezes, como já lhe disse, de subir até o planeta Saturno
para repousar na casa de meu amigo.
Durante as estadas que fiz em sua casa, me convencí da
extensão de seus conhecimentos, e me veio um dia a idéia de
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

lhe pedir para descer ao planeta Marte, a bordo de nossa nave


Ocasião, para me ajudar com seu saber na instalação definitiva de
meu observatorio, cuja construção mal acabava de ser terminada.
Lembremos de passagem que se meu observatorio se tor­
nou célebre e foi realmente a melhor de todas as construções
semelhantes no Universo inteiro, o devo, antes de tudo, à ciên­
cia desse amigo de minha essência.
Depois de alguns instantes de reflexão, Gornakhur Khar-
khar acedeu ao meu pedido e, de imediato, discutimos de que
maneira pôr nossos projetos em execução.
O caminho a seguir para ir do planeta Saturno ao planeta
Marte devia atravessar esferas cósmicas cuja presença nào se
acordava de modo algum com a de Gornakhur Kharkhar, pois
este ser tinha ainda somente as possibilidades correspondentes
a uma existência planetária ordinária.
O resultado de nossas deliberações foi que, a partir do
dia seguinte, seus principais ajudantes instalaram, sob sua di­
reção, um compartimento especial em nossa nave Ocasião, e
colocaram aí aparelhos de toda espécie para a elaboração das
substâncias que constituem a atmosfera do planeta Saturno e
as quais a existência de Gornakhur Kharkhar havia sido adap­
tada pela Natureza.
Uma vez terminados todos esses preparativos, ao cabo
de um “khr-khr-khru”, pusemo-nos a caminho em direção ao
planeta Marte, onde chegamos sem dificuldade.
Lá, como Marte tem quase a mesma atmosfera que Sa­
turno, o amigo de minha essência, Gornakhur Kharkhar, se
aclimatou muito rápido e acabou por sentir-se quase à vontade.
Foi durante sua estada em Marte que ele inventou esse
“tesskuano”, ou, como teriam dito seus favoritos, esse “teles­
cópio”, que devia tornar meu observatorio tão célebre no Uni­
verso inteiro.
O tesskuano de sua construção é realmente uma maravi­
lha de inteligência esseral, pois ele aumenta até sete milhões,

267
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

duzentas e oitenta e cinco vezes a visibilidade das concentra­


ções cósmicas longínquas, tanto no curso de certos processos
que sotrem as substancias cósmicas nas atmosferas que envol­
vem quase todas essas concentrações, como no curso dos pro­
cessos que o ethernokrilno sofre nos espaços interatmosféricos.
Esse tesskuano me dava, por vezes, todas as possibilida­
des de observar de minha casa, em Marte, quase tudo o que se
passava — no curso do processo chamado movimento sistemá-
rio geral — nas partes da superfície dos outros planetas desse
sistema solar que se encontravam naquele momento dentro do
campo de meu observatório.
Ora, meu querido filho, um dia em que Gornakhur Khar-
khar, quando era meu hóspede, observava comigo a existência
de seus favoritos, notamos por acaso um fato que foi entre nós
objeto de uma troca séria de opiniões sobre os seres tri-cêntricos
de seu original planeta.
O resultado desse “intercâmbio de opiniões” foi que me
comprometí a descer à superfície desse planeta para ali captu­
rar uma certa quantidade de seres chamados lá de “macacos”, e
levá-los para Saturno, a tim de efetuar com eles certas experiências
conclusivas em relação a um fato que nos havia surpreendido.”

Nesse ponto do seu relato, trouxeram a Belzebu um “leï-


tutchanbross”, espécie de placa metálica na qual se grava o
texto do eterograma recebido; basta então ao destinatário aplicá-
lo contra seu órgão de percepção auditiva para ouvir o que lhe
desejam comunicar.
Logo que Belzebu havia escutado deste modo o conteú­
do do “léítutchanbross”, voltou-se para seu neto e lhe disse:
— Você vê, meu filho, que coincidências há em nosso
Universo!
Este eterograma se refere justamente a seus favoritos e
aos seres “macacos” aos quais acabo de aludir.
Ele vem do planeta Marte e me informa, entre outras coisas,

268
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

que os seres tri-cêntricos do planeta Terra estão de novo per­


turbados pelo que se chama “a questão dos macacos”.
Saiba, a este respeito, que um curioso lator, devido, ele
também, à sua anormal existência esseral, se cristalizou, já há
muito tempo, na presença desses estranhos seres tri-cerebrais
que aparecem e existem no planeta Terra; e o funcionamento
desse fator se intensifica periodicamente, para engendrar em
sua presença um “crescente impulso” sob a ação do qual nasce
neles o desejo de saber, a todo custo, se são eles que descen­
dem dos macacos, ou se são os macacos que descendem deles.
A julgar por este eterograma, a questão comove particu­
larmente desta vez os seres bípedes de lá que povoam um con­
tinente chamado “América”.
Embora essa questão os tenha sempre mais ou menos per­
turbado, ela se torna às vezes, por um tempo bastante longo,
“a questão do momento”, como eles mesmos dizem.

Lembro-me perfeitamente da primeira “efervescência dos


espíritos” a respeito da origem desses macacos, no tempo em
que seu “centro de cultura” — segundo sua expressão favorita
— era o país de Tikliamuish.
Essa “efervescência dos espíritos” foi provocada pelas “so­
fisticações” de um sábio de nova formação, de nome Menitkel.
Esse Menitkel tornou-se um sábio, em primeiro lugar por­
que sua infecunda tia era o que se chama uma excelente “casa­
menteira” e frequentava com assiduidade os seres “detentores
de poder”; em segundo lugar, porque, na idade em que ele atin­
giu o limiar do Ser de um homem responsável, recebeu como
presente pelo seu aniversário um livro intitulado: “Manual do
Bom-Tom e da Redação de Bilhetes Amorosos”. Ora, a herança
que lhe havia deixado seu tio, ex-proprietário de uma casa de
penhores, tendo lhe assegurado ampla independência mate­
rial e, consequentemente, uma inteira liberdade, ele escre­
veu então, por ociosidade, um grosso livro científico em que

269
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“cozinhava” toda uma teoria sobre a origem desses macacos,


com “provas lógicas” variadas como apoio — mas, evidente­
mente, “provas lógicas”, tais como dessas que se concebem e
se cristalizam unicamente na razao dos originais que lhe inte­
ressam.
Esse Menitkel “provava”, por suas teorias, que seus “com­
padres os macacos” descendiam, nem mais nem menos, do que
se chama os “homens regressados ao estado selvagem”.
Os outros seres terrestres dessa época acreditaram cega­
mente, como já se tinha tornado próprio a eles e sem nenhuma
“crítica de sua essência”, nesse “sobrinhozinho de sua tia”; de­
pois, a questão que perturbava a estranha “razão” de seus fa­
voritos se converteu em objeto de imaginações e de disputas e
assim permaneceu até o sétimo “grande processo planetario
periódico de destruição mútua”.
Esta funesta idéia até fixou no instinto da maioria desses
infelizes “um fator tirânico” anormal, que suscitou cm sua pre­
sença geral o sentimento enganador de que esses seres-maca­
cos eram seres sagrados. Esse fat.or anormal de impulso sacrí­
lego, passando por hereditariedade de geração a geração, exer­
ce hoje ainda sua ação sobre o instinto de numerosos seres.
Quanto á idéia em si — idéia mentirosa, introduzida
lá por esse “rebento de casa de penhores” —, manteve-se
durante quase dois de seus séculos e se tornou parte integrante
da “razão” da maioria deles; somente os diversos acontecimen­
tos provenientes do sétimo processo planetario geral de des­
truição mútua, que durou cerca de meio século, apagaram-
na pouco a pouco, até fazê-la desaparecer completamente
da presença deles.
Porém, quando sua “cultura” se concentrou no conti­
nente que leva o nome de “Europa”, e que voltou o tempo em
que a original doença de lá, chamada “procurar meio-dia as
duas da tarde”, devia se manifestar segundo sua intensidade
máxima — visto que ela já estava, havia muito tempo, submetida

270
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

à lei cósmica fundamental do Heptaparaparshinokh, de acor­


do com a qual suas variações de intensidade devem, elas tam­
bém, corresponder a uma certa periodicidade —, essa “ques­
tão dos macacos”, a saber: “quem descende de quem?”, surgiu
então de novo, para grande pesar dos seres tri-cerebrais de todo
o Universo e, tendo se cristalizado, tornou-se novamente parte
integrante da “razão” anormal de seus favoritos.
Esta “questão dos macacos” voltou à baila, desta vez ain­
da, sob o impulso de um ser sabio, e de um “grande”, natural­
mente, mas de um sabio “de formação completamente nova”,
que levava o nome de Darwin.
E esse “grande” sabio, baseando sua teoria, como sem­
pre, na lógica deles, se pôs a “provar” justo o contrario do que
tinha provado Menitkel, quer dizer, que eram eles que descen­
diam desses Senhores, os Macacos.

“Quanto ao que concerne à realidade objetiva das duas


teorias desses “grandes sábios” terrestres, me recordo de uma
sábia sentença de nosso venerável Mulá Nassr Eddin:
“A sorte sorriu a ambos, pois conseguiram encontrar a
autêntica madrinha da incomparável Sherazade num velho
monte de esterco”.
Em todo caso, lembre-se bem de que, há longos séculos,
essa questão — entre outras igualmente efêmeras — constitui
um tema permanente para esse pensar que seus favoritos con­
sideram como a “manifestação superior da razão”.
A meu ver, seus favoritos teriam obtido uma resposta per­
feitamente justa à questão que nao cessou de agitá-los, a da
origem dos macacos, se tivessem sabido lhe aplicar com pro­
priedade, ainda dessa vez, uma das sentenças de nosso querido
Mulá Nassr Eddin, que dizia em muitas ocasiões:
“Na origem de todo mal-entendido, procure sempre ape­
nas a mulher”.
Se tivessem sabido aproveitar esse sábio método para

271
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

resolver a enigmática questão, eles teriam talvez acabado por


se dar conta da procedência de seus compadres.

“A questão da genealogia desses macacos sendo efetiva­


mente das mais complicadas e das mais singulares, informarei
sua razão sob todos os aspectos possíveis.
Na realidade, não são eles que descendem dos macacos,
nem os macacos que descendem deles, mas... na origem desses
macacos — pois é assim no presente caso como em todos os
demais mal-entendidos de lá — se encontram, uma vez mais,
suas mulheres.
Saiba, antes de tudo, que nenhum desses seres-macacos
de formas exteriores variadas que surgem hoje na Terra existia
ainda antes da segunda perturbação transapalniana; é só a par­
tir desse desastre que começa a genealogia de sua espécie.
Na origem dessa “desastrosa” espécie, como na de todos
os outros fatos mais ou menos graves, no sentido objetivo da
palavra, que se produzem na superfície desse desafortunado
planeta, encontram-se dois princípios totalmente independen­
tes um do outro.
O primeiro deles consiste sempre nessa mesma imprevi-
dência de certos Mui Grandes e Mui Santos Individuuns cós­
micos, e o segundo, uma vez mais, nas condições anormais de
existência esseral ordinária estabelecidas por eles.
De fato, por ocasião da segunda perturbação transapal­
niana, numerosas grandes e pequenas terras firmes foram
submersas com seu principal continente, a Atlântida, nas
profundezas desse desafortunado planeta; e em seu lugar apa­
receram novas.
Esses deslocamentos, que se efetuaram no espaço de al­
guns de seus dias em diversas partes da presença geral da Ter­
ra, acompanharam-se de tremores de planeta repetidos e de
manifestações que não podiam deixar de provocar o terror na
consciência e nas sensações dos seres de todas as espécies.

272
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

Nesse período, numerosos seres tri-cerebrais dentre seus


favoritos chegaram — na companhia de seres de outras formas
uni-cerebrais e bi-cerebrais, que permaneceram como eles, por
acaso, sàos e salvos — a terras firmes rcccntcmente formadas,
em lugares que lhes eram totalmente desconhecidos.
Foi então que um grande número desses estranhos seres
tri-cerebrais kestchapmartnianos de sexo ativo e passivo, ou,
como eles dizem, um grande número de “homens” e de “mu­
lheres”, tiveram de existir durante vários de seus anos separa­
dos uns dos outros, quer dizer, privados do sexo oposto.

“Antes de continuar a lhe narrar como tudo isto se pro­


duziu, falarei em detalhe da substância sagrada, resultado final
das transformações evolutivas de todo alimento esseral, que se
constitui na presença de todo ser, sem distinção de “sistema de
cérebros”.
Esta substância sagrada que se elabora na presença de to­
dos os seres se chama quase em toda parte “hexioekhari”; no pla­
neta Terra, seus favoritos lhe dão o nome de “esperma”.
Devido a previdência todo-misericordiosa e ao mandamen­
to de Nosso Pai Criador Comum e de acordo com a realização
da Grande Natureza, esta substância sagrada se forma na pre­
sença de todos os seres sem distinção de “sistema de cérebros”
nem de revestimento exterior, para que todos eles cumpram,
consciente ou automaticamente, por intermédio dela, a parte
de seu dever esseral que consiste na continuação da espécie;
porém, na presença dos seres tri-cerebrais, ela se constitui tam­
bém a fim de que eles a transformem conscientemente para seu
próprio ser, revestindo com ela seus corpos esserais superiores.
Antes da segunda perturbação transapalniana — que os
seres tri-cerebrais contemporâneos definem pelas palavras: “de­
sastre do continente da Atlântida” —, no tempo em que diver­
sas conseqüências das propriedades do órgão kundabuffer

273
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

começavam a se cristalizar em sua presença, apareceu pouco a


pouco neles um impulso esseral que se tornou, mais tarde,
dominante.
Este impulso se chama hoje “gozo”, e, para satisfazê-lo,
eles acabaram por existir de uma maneira indigna de seres tri-
cêntricos, quer dizer, a maioria deles fez, pouco a pouco, o ex­
pelir dessa substância esseral sagrada servir unicamente à sa­
tisfação deste impulso.

“Ora, meu filho, a maioria dos seres tri-cerebrais do pla­


neta Terra provocou, desde então, o processo de expelir essa
substância, continuamente elaborada neles, fora dos períodos
normalmente estabelecidos pela Grande Natureza, em confor­
midade com a organização dos seres, para os fins exclusivos de
continuação de sua espécie; e, como a maioria deles havia igual­
mente cessado de empregá-la conscientemente para o revesti­
mento de seus corpos esserais superiores, aconteceu que quan­
do eles não a expeliam, de modo algum, pelos meios que
haviam se tornado mecânicos para eles, naquele tempo, expe­
rimentavam naturalmente um estado chamado “sirklinimana”,
o que eles mesmos teriam expresso com as palavras: “não estar
à vontade” — estado que se acompanha invariavelmente de
um “sofrimento mecânico”.
Você me lembrará, em tempo oportuno, de lhe explicar
em detalhes tudo o que concerne ao período a que me referi e
que foi estabelecido pela Natureza para que os “seres de diversos
sistemas de cerebros” se entreguem ao processo normal de utiliza­
ção dos “hexioekharis” com vistas à continuação da espécie.
Ora, esses seres são, como nós, apenas seres kestchap-
martnianos, nos quais o expelir normal dessa substancia sagra­
da, que se constitui neles de maneira constante, deve se efetuar
exclusivamente com o sexo oposto — quando eles a utilizam
para a continuação da espécie por meio do processo sagrado
“elmuarno”. Porém, esses seres tri-cerebrais, que escaparam

274
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

por acaso do desastre, nào tinham mais o hábito de utilizar


essa substância para o revestimento dos corpos superiores, e
como eles já existiam naquele tempo de uma maneira indigna
de seres tri-cêntricos, quando se viram obrigados a permane­
cer durante vários de seus anos separados de seres do sexo
oposto, se puseram a recorrer, para expelir a substância sagra­
da hexioekhari, a diversos procedimentos antinaturais.
Os seres do sexo masculino recorreram aos procedimen­
tos antinaturais chamados “murdurten” e “androperasty”, ano­
malias chamadas no planeta Terra “onanismo” e “pederastia”,
e isso os satisfez inteiramente.
Quanto aos seres tri-cerebrais “de sexo passivo”, ou como
eles mesmos os chamam, suas “mulheres”, esses procedimen­
tos antinaturais nào as satisfizeram plenamente e as pobres “mu­
lheres órfàs” daquele tempo, já muito mais astutas e mais in­
ventivas do que os homens, puseram-se a procurar seres de
outras formas para habituá-los a se tornarem seus “parceiros”.
E foi depois de tais jogos de “parceiros” que apareceu
em nosso Universo uma espécie de seres que nào eram, como
diria nosso caro Mulá Nassr Eddin, “nem carne nem peixe”.

“Mas, a respeito da possibilidade dessa anormal fusào de


dois hexioekharis heterogêneos para a concepçào e a formação
de um novo corpo planetário de ser, devo ainda lhe explicar isto:
No planeta Terra, como nos demais planetas de nosso
Universo povoados de seres kestchapmartnianos — quer di­
zer, de seres tri-cerebrais cujos hexioekharis sagrados devem
absolutamente se constituir na presença de dois sexos distintos
e independentes —, a diferença capital entre esses hexioekha­
ris de sexos opostos, por exemplo no “homem” e na “mulher”,
é a seguinte: na formaçào do hexioekhari constituído na pre­
sença dos seres de sexo masculino participa a santa força “afir­
mativa” ou “positiva” do Triamazikamno sagrado, enquanto

275
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

na formação do hexioekhari do sexo feminino participa a santa


força “negativa”, ou torça de “resistência” da mesma lei sagrada.
Graças à todo-misericordiosa previdência do Pai de tudo
o que existe no Universo e segundo Seu mandamento, confor­
me à ordem geral da Grande Mãe Natureza, no curso do pro­
cesso que se efetua entre dois seres de sexos diferentes e se
chama “processo do elmuarno sagrado” — em certas condi­
ções circundantes e com a participação da terceira torça santa,
separadamente localizada, do Triamazikamno sagrado, a torça
de “conciliação” —, a fusão dos dois hexioekharis constituí­
dos nesses dois seres independentes dá nascimento ao princi­
pio de formação de um novo ser.
Uma fusão tão anormal de dois hexioekharis heterogê­
neos só se tornou possível, neste caso, em virtude de uma lei
cósmica chamada “lei de afinidade do conjunto das vibrações”,
lei que apareceu depois da segunda perturbação transapalnia­
na sofrida por esse desafortunado planeta e cuja ação prosse­
gue ainda em sua presença geral.
E importante lhe dizer, a respeito da lei cósmica que aca­
bo de mencionar, que ela apareceu e se manteve no Universo
depois da modificação que Nosso Criador aplicou à lei funda­
mental sagrada do Triamazikamno, com vistas a tornar Hero-
pás inofensivo, quer dizer, depois que os santos elementos des­
sa lei, até então totalmente independentes, foram submetidos a
torças extrínsecas.
Você, alias, só compreenderá esta lei cósmica, em todas
as suas facetas, quando eu lhe tiver explicado em detalhe, como
já lhe prometí, todas as leis capitais da criação do mundo e da
existência do mundo.
Saiba, por ora, a respeito desta questão, que em virtude
da lei cósmica mencionada, nunca em planeta algum de Nosso
Grande Universo dotado de uma existência normal, o hexioekha­
ri que se constitui na presença dos seres tri-cerebrais que pos­
suem órgãos perceptores e transformadores para a localização

276
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

da santa parte afirmativa do Triamazikamno sagrado, quer di­


zer, na presença de seres kestchapmartnianos de sexo “mascu­
lino”, pode fusionar com o hexioekhari que se constitui na
presença dos seres kestchapmartnianos bi-cerebrais de sexo oposto.
Ao contrario, o hexioekhari que se constitui nos seres
tri-cerebrais kestchapmartnianos do sexo “feminino” pode, as
vezes, quando a conjunção das forças cósmicas se faz de acor­
do com uma combinação particular, sob a ação dessa mesma
lei “de afinidade do conjunto das vibrações”, e em certas con­
dições circundantes, fusionar perfeitamente com o hexioekha­
ri que se constitui nos seres bi-cerebrais kestchapmartnianos
de sexo “masculino” — porém, desta vez, na qualidade de fa­
tor ativo do processo de realização do Triamazikamno sagrado
fundamental.

“Em suma, durante aqueles terríveis anos, produziu-se


em seu planeta um fenômeno muito raro no Universo, quer
dizer, houve fusão dos hexioekharis de dois seres kestchapmart­
nianos de sexos opostos e de sistemas de cérebros diferentes,
fusão que foi a causa do aparecimento dos ancestrais desses
“equívocos” de seres terrestres, chamados hoje “macacos”, que
nao dão muito descanso aos seus favoritos, chegando até a per­
turbar inteiramente, de vez em quando, sua estranha razão.
Uma vez passado esse terrível período, quando um pro­
cesso relativamente normal de existência ordinaria foi restabe­
lecido em seu planeta e quando seus favoritos dos dois sexos
se reencontraram e viveram juntos novamente, a continua­
ção da espécie nesses seres “macacos” se efetuou, desde então,
entre semelhantes.
E se a continuação da espécie desses seres-macacos, que
lá surgiram anormalmente, pôde prosseguir entre semelhan­
tes, foi porque a concepção dos primeiros desses seres anor­
mais tinha se feito de acordo com as mesmas condições exteriores

277
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

que mencionei, graças as quais se determina a presença dos


futuros seres kestchapmartnianos de sexo ativo ou passivo.

“O resultado mais interessante dessa manifestação por


demais anormal dos seres tri-cerebrais do seu planeta é o fato
de que lá existem atualmente numerosas espécies de descen­
dentes desses seres-macacos, de formas exteriores variadas; além
disso, cada uma dessas diferentes espécies tem uma semelhan­
ça muito impressionante com uma ou outra das formas de se­
res quadrúpedes bi-cerebrais que existem ainda em nossos dias.
E isso se deve ao fato de que no curso da fusão que foi a
origem do aparecimento dos ancestrais desses macacos, o he-
xioekhari dos seres tri-cerebrais kestchapmartnianos de “sexo
feminino” se uniu ao hexioekhari ativo dos mais diversos seres
quadrúpedes, que existem ainda em nossos dias.
E de fato, meu filho, tendo encontrado, ao acaso das via­
gens que fiz durante minha última estada pessoal no planeta
Terra, as diversas espécies independentes de macacos, e tendo
me posto a observá-los, devido a um hábito arraigado em mi­
nha essência, constatei que, com toda evidência, o conjunto do
comportamento exterior de cada “família” distinta desses ma­
cacos atuais, o que se chama suas “atitudes automáticas”, e até
os “traços” de suas caras se encontram exatamente na presen­
ça integral de diversos seres quadrúpedes normais de lá —
quanto a seus “traços psíquicos”, eles são, ao contrário, em
todas as famílias distintas desses macacos, completamente idên­
ticos, até nos mais ínfimos detalhes, aos traços do psiquismo
dos seres tri-cerebrais de “sexo feminino” de lá.”

Nesse ponto do seu relato, Belzebu calou-se. Após uma


longa pausa, apareceu em seus lábios um sorriso que era mani­
festamente de duplo sentido; olhou seu querido Hassin e, sem
parar de sorrir, prosseguiu:
— O texto do eterograma que acabo de receber assinala

278
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

ainda que, para terminar com esta questão, quer dizer, para
determinar quem descende de quem — o homem do macaco
ou o macaco do homem —, seus engraçados favoritos resolve­
ram mesmo se dedicar a “experiências científicas”, e que al­
guns deles foram para isso ao continente da Africa, onde abun­
dam esses macacos, para trazer de lá o número necessário para
suas “investigações científicas”.
A julgar por este eterograma, esses seres do planeta Ter­
ra que lhe interessam se entregam ali, uma vez mais, a uma de
suas habituais “excentricidades”.
De acordo com tudo que aprendí sobre eles por minhas
observações, já prevejo que esta “experiência científica” tam­
bém interessará no mais alto grau, evidentemente, aos demais
favoritos seus de lá e servirá, por certo tempo, de matéria-prima
à sua estranha razão para discussões e disputas intermináveis.
O que está, aliás, perfeitamente na ordem das coisas de lá.
No que diz respeito á “experiência científica” que eles se
propõem fazer nos macacos trazidos da Africa, posso dizer de
antemão, com toda certeza, que a primeira parte dela se desen­
volverá, em todo caso, “para honra deles”.
E se desenvolverá “inteiramente para honra deles” por­
que os macacos, como seres oriundos do que se chama um “re­
sultado titilariano”, têm uma forte tendência por natureza a se
ocupar de “titilação”, e podemos estar seguros de que eles con­
tribuirão com a sua parte, a partir de agora, ajudando com todas
as suas forças a seus favoritos em suas “experiências científicas”.
Quanto aos seres de lá que se preparam para realizar essa
“experiência científica” e quanto ao proveito que podem tirar
disso os demais seres tri-cerebrais, seus semelhantes, pode-se
fazer uma idéia, ao sc lembrar desta profundamente sabia sen­
tença do nosso venerável Mulá Nassr Eddin: “Feliz seja o pai
cujo filho se ocupa de assassinato e rapina: não terá tempo para
lhe dar uma lição sobre o capítulo da titilação”.

279
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“De tato, meu filho, nào lhe disse aínda, me parece, por
que nem por quem sou às vezes informado por eterograma,
depois de minha partida do sistema solar Ors, dos aconteci­
mentos importantes que se passam nos diversos planetas desse
sistema e, entre outros, naturalmente, no seu planeta Terra.
Você se lembra que eu lhe disse que o responsável por
minha primeira descida em pessoa à superficie do seu planeta
foi um jovem ser de nossa tribo que depois não quis mais per­
manecer ali e voltou conosco para o planeta Marte, onde se
revelou mais tarde um excelente governador para todos aque­
les de nossos semelhantes que residiam no planeta Marte, an­
tes de vir a sê-lo para todos os seres de nossa tribo que existem
ainda, por diversas razões, em certos planetas do sistema Ors.
Ora, meu tilho, ao deixar esse sistema, lhe dei de presen­
te meu famoso observatorio com tudo o que continha; em re­
conhecimento, ele se comprometeu, por sua parte, a me man­
ter a par, de ano em ano, segundo o cálculo de tempo do plane­
ta Marte, de todos os acontecimentos de importância que se
produziam nos planetas desse sistema.
Ele me informa atualmente com a maior pontualidade
dos acontecimentos importantes que se passam em todos os
planetas onde prossegue uma existência esseral; e, conhecen­
do meu profundo interesse pelos seres tri-cêntricos que povoam
seu planeta Terra, faz o melhor que pode, como vejo agora,
para me fornecer informações relativas a todas suas manifesta­
ções, e me dar assim a possibilidade de manter-me a par de
todo o processo de existência ordinaria desses seres tri-cere­
brais, embora eu me encontre, neste momento, a distâncias ina­
cessíveis, até para seus pensamentos infinitamente leves.
Esse governador extrai ele mesmo as diversas informa­
ções que me comunica sobre os seres tri-cerebrais do planeta
Terra, quer das observações a que se dedica sobre eles por meio
do grande tesskuano que lhe deixei, quer das informações
que lhe comunicam, por sua vez, os três seres de nossa tribo

280
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

que preteriram ficar para sempre no planeta Terra e possuem


atualmente, todos os três, no continente da Europa, sólidas em­
presas independentes — coisa indispensável a todo ser que lá
exista nas condições atuais.
Um deles mantém, numa grande cidade, um “estabeleci­
mento de agência funerária”; o segundo dirige, numa outra
grande cidade, um negocio de “transações matrimoniais e di­
vorcios”; e o terceiro é proprietário de numerosas agências e
sucursais que fundou em diversos centros para o que se chama
“câmbio de valores”...

“No entanto, meu filho, este eterograma me afastou muito


do meu relato.
Voltemos ao nosso primeiro tema.
Ora, quando desse quarto vôo ao planeta Terra, nossa
nave Ocasião desceu no mar chamado “Mar Vermelho”.
Havíamos lixado nossa escolha nele, antes de tudo, por­
que banhava, a leste, o continente chamado “Grabontzê”, para
o qual eu queria ir — e que hoje se chama “Africa” —, onde os
seres-macacos a mim necessários eram muito mais numerosos
do que nas outras partes de terra firme da superfície de seu
planeta; e depois porque convinha muito particularmente, nesse
período, para a ancoragem de nossa nave Ocasiao\ mas, sobre­
tudo, porque estava próximo do país atualmente chamado “Egi­
to”, que levava então o nome de “Nília” e onde ainda existiam,
nesse período, os seres de nossa tribo que haviam desejado per­
manecer nesse planeta e com a ajuda dos quais eu queria cap­
turar os macacos.
Pois bem, ao descermos no Mar Vermelho, deixamos a
nave Ocasião para navegar em “hipodrenekakh” em direção â
costa; de lá chegamos, montados em camelos, à cidade onde
residiam os nossos, e que era então a capital do futuro Egito.
Esta capital levava o nome de “Tebas”.
No primeiro dia de minha chegada à cidade de Tebas,

281
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

um dos seres dc nossa tribo que lá morava me disse, entre ou­


tras coisas, no decorrer da conversa, que os seres terrestres desse
país tinham inventado um novo sistema para observar de seu
planeta as outras concentrações cósmicas, que eles estavam
construindo os edifícios necessários a sua realização, e que as
incomparáveis comodidades e possibilidades oferecidas por esse
novo sistema eram, no dizer de todos, sem precedentes na Terra.
Depois, ele me expôs tudo o que tinha visto com seus
próprios olhos, e eu fiquei de imediato muito interessado, por­
que, ouvindo-o descrever certos detalhes desse novo edifício,
me parecia que esses seres terrestres tinham talvez encontrado
ali um meio de vencer o incômodo que eu tanto havia procura­
do suprimir nesses últimos tempos, enquanto acabavam de
construir meu observatório no planeta Marte.
Por isso decidi adiar para mais tarde a realização da mi­
nha intenção inicial, que era de partir imediatamente para mais
longe, ao sul do continente, para ali capturar os macacos ne­
cessários, e resolví ir antes ao lugar mesmo onde se erguia o
edifício, para visitá-lo detalhadamente e dar-me conta, por mim
mesmo, do que se tratava.

“Pois bem, no dia seguinte ao da minha chegada à cida­


de de Tebas, acompanhado, naturalmente, por nosso Ahun,
tomei como guia um ser de nossa tribo que já contava lá com
bom número de amigos — entre os quais o principal constru­
tor do dito edifício — e desci no que se chama um “tchurteteff”,
o grande rio que leva hoje o nome de “Nilo”.
Perto do lugar onde este rio se lança numa grande exten­
são saliakuriapiana, encontramos, em vias de conclusão, esses
edifícios de arte, vários dos quais me interessavam.
A própria localidade onde se efetuavam os trabalhos de
construção desse “novo observatório”, como eles o chamavam,
assim como de vários outros edifícios concebidos para o bem-
estar da existência deles, chamava-se então “Avazlinn”; alguns

282
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

anos mais tarde, foi chamado “Kaïronana”; e a chamam hoje


simplesmente “o subúrbio da cidade do Cairo”.
Os edifícios de arte em questão haviam sido iniciados
muito tempo antes de meu quarto vôo à Terra por um “faraó”
— nome que davam a seus imperadores os seres de lá — e
agora, por ocasião de minha primeira viagem a esta região, eles
estavam sendo concluídos por seu neto, outro “faraó”.
O observatório que me interessava ainda não estava ter­
minado, mas já era possível se dedicar nele a observações so­
bre a visibilidade das concentrações cósmicas e ali estudar os
resultados que davam essas concentrações, assim como a ação
recíproca de seus resultados.
Nesse período, na Terra, os seres de lá que se dedica­
vam a essas observações e a essas pesquisas eram chamados
“astrólogos”.
Porém, mais tarde, uma vez definitivamente fixada sua
doença psíquica chamada “procurar meio-dia às duas da tar­
de” — doença que tanto tez “decair” esses mesmos especialis­
tas, que, em lugar de “especialistas”, eram bons apenas para
dar nomes às concentrações cósmicas afastadas —, acabaram
por chamá-los “astrônomos”.

“A diferença de valor e de razão de ser, para aqueles


que os rodeiam, entre esses profissionais de então e os que
se dedicam hoje, de alguma maneira, às mesmas ocupações,
pode tornar evidente para você a “queda constante do grau
de cristalização” dos dados que engendram o “sadio pensar
lógico” que seus favoritos, enquanto seres tri-cerebrais, de­
vem possuir em suas presenças; é por isso que acho necessá­
rio lhe explicar esta degradação e ajudá-lo a ter dela uma
compreensão aproximada.
Naquele tempo, os seres terrestres tri-cerebrais de idade
responsável, que os outros chamavam de “astrólogos” — além
das observações e pesquisas que faziam sobre diversas outras

283
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

concentrações cósmicas, com vistas a uma extensão minuciosa


deste ramo de sua ciência —, tomavam sobre si, em relação aos
que os cercavam, varias outras obrigações determinadas da
essência.
Entre as principais dessas obrigações estava a que con­
sistia em dar — do mesmo modo como fazem nossos tzirlik-
ners — conselhos a todos os casais entre seus “fiéis”, como
então se dizia, sobre a época e a forma do processo sagrado de
“elmuarno”, de acordo com seus tipos, com vistas a uma con­
cepção desejável e conforme de seus resultados. Depois, uma
vez realizados esses resultados ou, como eles diziam, esses “re­
cém-nascidos”, eles deviam levantar seu “oblekiunerish”, quer
dizer, o que seus favoritos contemporâneos chamam um “ho­
róscopo”; com base nesse “oblekiunerish”, eles assumiam em
seguida o encargo — seja por si mesmos, seja por seus repre­
sentantes — de guiá-los, primeiro durante todo o período de
sua formação para uma existência responsável, depois durante
o processo desta mesma existência, e de lhes dar todas as indi­
cações necessárias, levando em conta igualmente as leis cósmi­
cas, constantemente elucidadas por eles, relativas à ação dos
resultados de outras grandes concentrações cósmicas sobre o
processo de existência esseral dos seres de todos os planetas.
Suas indicações e “conselhos preventivos” consistiam no
seguinte:
Assim que uma função se encontrava desarmonizada, ou
estava a ponto de tornar-se na presença de um ser de seus fiéis,
este se dirigia ao astrólogo do bairro. Então, segundo o oble­
kiunerish já levantado e as variações dos processos atmosféri
cos, variações suscitadas pela ação dos outros planetas de seu
sistema solar, tais como ele as previa em seus cálculos, o astró­
logo lhe indicava como ele devia se comportar em relação a seu
corpo planetario, em tais períodos determinados do movimen­
to krentonalniano de seu planeta; por exemplo: em que dire­
ção se deitar, como respirar, que movimentos efetuar de

284
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

preferência, que tipos de seres evitar frequentar e muitas pres­


crições deste gênero.
Além disso, quando cada um desses seres chegava ao sé­
timo ano de sua existência, ele lhe atribuía, sempre de acordo
com seu oblekiunerish, o ser de sexo oposto que lhe corres­
pondia, com vistas ao cumprimento de um dos mais importan­
tes deveres esserais, a continuação da espécie — em outros ter­
mos, como teriam dito seus favoritos, lhe designava uma “es­
posa” ou um “marido”.
E preciso fazer justiça a seus favoritos desse período; en­
quanto esses astrólogos existiram entre eles, seguiram estrita­
mente seus conselhos e os esposos só se uniam segundo suas
indicações.
Por isso os esposos se correspondiam sempre, enquanto
tipos, quase tão exatamente como se correspondem em todos
os planetas povoados de seres kestchapmartnianos.
Por mais afastados que estivessem de entrever muitas ver­
dades cósmicas trogoautoegocráticas, os antigos “astrólogos”
terrestres eram bem sucedidos nessas seleções, porque eles ao
menos conheciam perfeitamente as leis da ação dos diversos
planetas de seu sistema solar sobre os seres que povoavam seu
próprio planeta, quer dizer, a ação desses planetas sobre o ser
durante sua concepção, do ponto de vista de sua formação fu­
tura e, depois, durante o período de completa aquisição do ser
de um ser responsável.
Graças à experiência adquirida pela prática no curso
de longos séculos, e transmitida de geração a geração, eles
já sabiam quais eram os tipos de sexo passivo que correspondiam
aos tipos de sexo ativo. De modo que os casais selecionados
segundo suas indicações eram quase sempre correspondentes,
ao contrário do que ocorre hoje, quando os casais se formam,
quase sempre, entre tipos que não se combinam de modo al­
gum, o que faz com que no curso de toda a duração de sua
existência, quase a metade de sua “vida interior”, como eles

285
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

dizem, reflita o que nosso venerável Mulá Nassr Eddin expres­


sa com as seguintes palavras:
“Que bom marido, que boa esposa isso faz, quando o
mundo interior de um como do outro nào está recheado com
as constantes “recrim in ações” de sua metade!”.

“Em todo caso, meu filho, se os “astrólogos” tivessem


subsistido lá, teriam adquirido com o tempo uma tal experiên­
cia que a existência dos seres desse desafortunado planeta teria
chegado a se assemelhar hoje, um pouco pelo menos, no que se
refere à família, com a dos seres que lhes correspondem nos
demais planetas de Nosso Grande Universo.
Mas, esse costume benéfico para o processo de sua exis­
tência, seus favoritos, sem sequer tomar o tempo de aproveitá-
lo, atiraram-no, como fazem, aliás, com todas suas boas aquisi­
ções, aos “porcos glutões” de nosso venerável Mulá Nassr Eddin.
Seus astrólogos começaram eles também a “declinar”,
como sempre acontece lá, para acabar por desaparecer com­
pletamente.
Uma vez definitivamente suprimida a função desses “as­
trólogos”, apareceram em seu lugar outros profissionais do mes­
mo ramo, mas recrutados, dessa vez, entre os seres “sabios
de nova formação”, que pretenderam se dedicar, eles também,
à observação e ao estudo dos resultados engendrados por di­
versas grandes concentrações cósmicas e de sua ação sobre a
existência dos seres de seu planeta; entretanto, os seres ordina­
rios que cercavam esses profissionais não tardaram a notar que
suas “observações” e “estudos” consistiam muito simplesmen­
te em inventar nomes para diversos sóis e planetas afastados,
sem nenhum significado para eles, tais como existem aos mi­
lhões no Universo, assim como em supostamente medir, de uma
maneira só por eles conhecida, e que constituía seu segredo
profissional, a distância compreendida entre pontos cósmicos
que vêem de seu planeta através desses “brinquedos infantis”

286
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

que eles também chamam de “telescópios” — deram-lhes entào


o nome de “astrônomos”.

“E agora, meu filho, já que estamos falando desses “ul-


trafantasistas” contemporâneos, não faria mal esclarecer sua
razão quanto à importância real deles, tão altamente apreciada
por seus lavoritos.
Você deve conhecer, antes de tudo, a existência de “algo”
que se realizou para esses tipos terrestres — tal como sempre
se realiza por si mesmo para toda unidade cósmica, a lim de
servir de “Íator inicial” de compreensão a todo ser dotado de
Razão objetiva que busca se explicar o sentido e a razão de ser
de tal resultado cósmico dado.
Este “algo” que serve de “fator inicial” para avaliar a im­
portância desses tipos terrestres contemporâneos é um mapa
extravagante ao qual eles mesmos deram, inconscientemente,
é claro, o nome de “mapa inventário dos espaços celestes”.
Não precisamos tirar outras conclusões lógicas desse “la-
tor inicial” especialmente realizado em sua intenção; somente
o nome desse mapa basta para demonstrar que as indicações
que traz só podem ser relativas, porque, considerando os meios
de que dispõem, eles só podem ver de seu planeta — ainda
assim quebrando se a sua “respeitável cabeça” com nomes in­
ventados e cálculos eletuados com base em diversas categorias
de medidas — unicamente os sóis e planetas cujo curso de que­
da, para sua felicidade, não varia muito rápido em relação ao
seu, e lhes deixa, assim, a oportunidade de observá-los durante
muito tempo — se se leva em conta, naturalmente, a brevidade
de sua própria existência — e, como eles expressam com ênfa­
se, “de anotar sua posição”.
Em todo caso, meu filho, sejam quais forem os resulta­
dos da atividade desses representantes atuais da “ciência”, você
não lhes deve querer mal. Se não são de nenhum proveito para

287
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

sens favoritos, também nào lhes causam grande mal. Alinal de


contas, eles precisam se ocupar de algo.
Nào é por nada que usam óculos de fabricação alemã e
roupões cortados na Inglaterra.
E, afinal de contas, vamos deixá-los com seus pequenos
afazeres! Que o Criador esteja com eles!
De outro modo, eles acabariam, como a maioria daqueles
originais de lá que se ocupam também de “altas matérias”,
por se meter, para passar o tempo, a “presidir a batalha de
cinco contra um”.
E é reconhecido que os seres que se dedicam a este exer­
cício emitem sempre vibrações muito nocivas para os que os
cercam.
Bem... Basta... Deixemos em paz esses “titiladores” ter­
restres contemporâneos e retomemos nosso tema interrompido.

“Antes de continuar a lhe descrever o observatorio em


questão e os outros edifícios erigidos para o bem da existência
esseral, e como o “poder consciente” que se manifestava na
criação desses edifícios de arte que vi com meus próprios olhos
— semelhantes aos quais não houve nem antes, nem depois
daquele período — era também um resultado das aquisições
dos seres tri-cerebrais ordinários, membros da sabia sociedade
dos akhldanneses, constituída no continente da Atlântida an­
tes da segunda grande catástrofe terrestre, o melhor será, pen­
so, lhe contar, ainda que brevemente, a história dessa realmen­
te grande “sociedade científica”.
É absolutamente necessário que você seja informado so­
bre ela, porque precisarei, certamente mais de uma vez, no curso
das explicações futuras sobre os seres tri-cerebrais que lhe agra­
dam, lhe recordar esta sociedade de seres sabios de lá.
E, se devo lhe contar a história do aparecimento e da
existência dessa sociedade no continente da Atlântida, é tam­
bém para fazê-lo compreender que se certos seres tri-cerebrais

288
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

chegam a alguma coisa em seu planeta — graças aos “partkdolg­


deveres esserais”, quer dizer, graças a seu labor consciente e a
seus sofrimentos voluntarios —, nào somente eles aproveitam
do que adquiriram para o bem de seu próprio “ser”, mas uma
certa parte disso se transmite, como entre nós, por hereditarieda­
de, para se tornar o patrimônio de seus descendentes diretos.
Você pode se dar conta deste resultado conforme às leis
pelo fato de que, apesar das condições anormais de existência
esseral ordinaria que se haviam estabelecido pouco antes do
desaparecimento do continente da Atlântida, e que pioraram
após a segunda grande catástrofe a uma velocidade tal que todo
poder de manifestação das possibilidades próprias à presença
de todo ser tri-cerebral foi logo definitivamente “triturado” ne­
les, essas “aquisições científicas” puderam, contudo, se trans­
mitir mecanicamente por hereditariedade, pelo menos em parte, a
sua descendência distante.

“Antes de mais nada, é preciso lhe dizer que tomei co­


nhecimento dessa historia pelo que se chama um “teleoguina-
ra”, como os que também se encontram na atmosfera de seu
planeta Terra.
Talvez você não saiba ainda exatamente o que é um “te-
leoguinara”; trate então de transmutar, nas partes apropriadas de
sua presença geral, as informações relativas a esta realização
cósmica.
Um “teleoguinara” é uma idéia materializada, ou um pen­
samento que, depois de seu aparecimento, subsiste quase eter­
namente na atmosfera do planeta no qual ele surgiu.
O “teleoguinara” é constituído pela qualidade de con­
templação esseral que só possuem e podem realizar os seres
tri-cerebrais que revestiram em sua presença seus corpos esse­
rais superiores e que levaram o aperfeiçoamento da Razão
dessas partes esserais superiores até o grau do “Martfotaí
sagrado”.

289
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Uma série contínua de idéias esserais assim materializa­


das, relativas a um acontecimento qualquer, é chamada “Hta
korkaptil de pensamento”.
As “litas korkaptil de pensamento” referentes à historia
do aparecimento da sábia sociedade dos akhldanneses loram,
como eu soube muito mais tarde, intencionalmente lixadas por
um certo Asuchilon, hoje santo “Individuum eterno”, que re­
vestiu a presença geral de um ser tri-cerebral de nome Tetetos,
surgido precisamente no continente da Atlântida, e que lá existia
quatro séculos antes da segunda grande perturbação transa­
palniana.
Essas “litas korkaptil de pensamento” nunca sao destruí­
das enquanto existe no planeta o mesmo “tempo de movimen­
to” que no momento de seu aparecimento; elas nao estão sujei­
tas a nenhuma das transformações — qualquer que seja a cau­
sa cósmica — a que estão periodicamente submetidas todas as
outras substâncias e cristalizações cósmicas.
E seja qual for o tempo transcorrido, todo ser tri-cere­
bral que tenha adquirido em sua presença o poder de realizar o
estado esseral chamado “contemplação surptakalkniana” pode
perceber o texto dessas “fitas korkaptil de pensamento” e to­
mar consciência delas.

“Pois bem, meu filho, tomei conhecimento desses deta­


lhes sobre o advento da sociedade dos akhldanneses, em parte
pelo texto do “teleoguinara” mencionado, em parte graças a
numerosos dados que recolhi muito mais tarde, quando me
dedicava a investigações, minuciosas como sempre, acerca de
um lato de grande importância que me interessava.
Segundo o texto desse teleoguinara e os dados que co­
nheci mais tarde, ficou perfeitamente claro para mim que essa
sociedade científica dos akhldanneses, surgida no continente
da Atlântida e composta de seres tri-cêntricos da Terra, foi

290
QUARTA ESTADA SOBRE ATERRA

fundada setecentos e trinta e cinco anos antes da segunda per­


turbação transapalniana.
Ela foi fundada por iniciativa de um ser de lá, chamado
Bel-Kultassi, que soube prosseguir o aperfeiçoamento de suas
partes esserais superiores até o ser de um santo “Individuum
eterno”; esta parte superior do seu ser reside atualmente no
Santo Planeta do Purgatorio.
Ao elucidar todos os impulsos e manifestações esserais
interiores e exteriores que levaram esse Bel-Kultassi a fundar
essa verdadeiramente grande sociedade de seres tri-cerebrais
ordinários — que foi considerada em seu tempo, em todo o
Universo, como “digna de ser imitada” —, descobri que esse
futuro Santo Individuum, Bel-Kultassi, estando um dia em con­
templação, segundo o costume de todos os seres normais, e
enquanto seus pensamentos se concentravam por associação
sobre si mesmo, quer dizer, sobre a razão de ser e a meta de sua
própria existência, sentiu e reconheceu subitamente que o pro­
cesso de funcionamento de seu todo não havia se efetuado no
passado como deveria tê-lo feito, segundo uma sadia lógica.
Esta constatação inesperada abalou-o tão profundamen­
te que, desde então, ele consagrou-se por inteiro a decifrá-la, a
fim de ser, a qualquer custo, capaz de compreendê-la.
Resolveu, antes de mais nada, esforçar-se sem demora para
adquirir o “poder” que lhe daria a força e a possibilidade de
ser absolutamente sincero consigo mesmo, quer dizer, que lhe
permitisse vencer os impulsos tornados habituais no funciona­
mento de sua presença geral, em razão do fluxo das múltiplas
associações heterogêneas suscitadas nele por choques fortui­
tos de toda espécie, tanto exteriores como engendrados no fun­
do dele mesmo, impulsos chamados “amor-próprio”, “orgu­
lho”, “vaidade” etc.
E quando, depois de incríveis esforços “orgânicos” e “psí­
quicos”, o conseguiu, ele se pôs a pensar e a se lembrar, sem
nenhuma consideração pelos impulsos esserais que haviam se

291
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

tornado inerentes a sua presença, cm quais momentos esses


impulsos esserais tinham surgido nele no curso de sua existen­
cia passada, a que espécies diversas pertenciam e como ele ha­
via, consciente ou inconscientemente, reagido a cíes.
Analisando-se dessa maneira, lembrou-se pouco a pou­
co, primeiro, quais tinham sido os impulsos que haviam provo­
cado nele esta ou aquela reação em suas partes “independente­
mente espiritualizadas”, quer dizer, em seu corpo, em seu sen­
timento e em seus pensamentos; depois, o que acontecia com
sua essência quando ela reagia mais ou menos atentamente a
alguma coisa; enfim, quando e como ele manifestava conscien­
temente seu “eu” depois destas reações, ou quando agia de
maneira automática, dirigido só por seu instinto.
Foi então que esse portador de um futuro Santo Indivi­
duum, Bel-Kultassi, tendo se recordado assim de todas as suas
percepções, emoções e manifestações passadas, constatou cla­
ramente que suas manifestações exteriores não correspondiam
em nada às percepções nem tampouco aos impulsos determi­
nados que se formavam nele.
Ele se consagrou, depois, às mesmas observações since­
ras sobre as impressões exteriores e interiores percebidas no
momento mesmo por sua presença geral, exercendo o mesmo
controle consciente e total para verificar a maneira pela qual
estas impressões eram percebidas por cada uma de suas partes
espiritualizadas, em que caso e de que maneira sua presença
geral as recebia e que manifestações elas haviam desencadeado.
Essas observações conscientes, perseguidas em todas as
direções, e essas constatações imparciais convenceram então
definitivamente Bel-Kultassi de que, em sua própria presença,
alguma coisa não se fazia como teria de se fazer segundo uma
sadia lógica esseral.

“Como me mostraram depois minhas investigações deta­


lhadas, Bel-Kultassi, tendo adquirido a inteira certeza de que

292
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

as observações que havia feito sobre si mesmo eram justas, co­


meçou a duvidar da exatidão de suas próprias sensações e com-
preensões e a se perguntar se sua propria organização psíquica
não estaria falseada, por isso começou, antes de tudo, a verifi­
car se ele mesmo era normal, ao experimentar e ao compreen­
der tudo isso precisamente desta maneira e não de outra.
Decidiu, para realizar essa tarefa, esclarecer se os de­
mais experimentariam e reconheceríam a mesma coisa que
ele mesmo.
Com este propósito, pôs-se a interrogar seus amigos e
conhecidos, procurando saber como eles experimentavam tudo
isso e como tomavam consciência de suas percepções e mani­
festações passadas e presentes; ele o fez, naturalmente, com
muita prudência, para não afetar esses impulsos que eram
inerentes a eles também, tais como: “amor-próprio”, “orgulho” etc.
Bel-Kultassi, com essas perguntas, soube provocar,
pouco a pouco, a sinceridade de seus amigos e de seus co­
nhecidos, o que os levou a todos a sentir e ver em si a mesma
coisa que ele.
Entre eles houve então vários seres sérios, os quais, não
estando ainda completamente submetidos á ação das conseqüên­
cias das propriedades do órgão kundabuffer, penetraram até o
fundo das coisas e, tomando eles também um real interesse
pela questão, puseram-se a controlar o que se passava neles e a
observar com independência os que os rodeavam.
Pouco depois, sempre por iniciativa de Bel-Kultassi, eles
começaram a se reunir de vez em quando para comunicar uns
aos outros o que tinham observado e constatado.
Após longas verificações, observações e constatações im­
parciais, todo esse grupo de seres terrestres convenceu-se cate­
goricamente, como Bel-Kultassi havia feito, que eles não eram
o que deveriam ser.
Um pouco mais tarde vieram se juntar a seu grupo nu­
merosos seres que haviam adquirido a mesma presença.

293
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

E, depois, eles fundaram a sociedade a que deram o nome


de “Sociedade dos Akhldanneses”.
A palavra “Akhldann” expressava então a seguinte con­
cepção:
“Esforçar-se para tomar consciência do significado e da
meta do Ser dos seres”.

“Esta sociedade, desde que foi instituída, teve à sua fren­


te Bel-Kultassi e as atividades ulteriores de seus membros se
efetuaram sob sua direção.
Durante um grande número de seus anos, esta sociedade
existiu com o mesmo nome, e os seres membros da sociedade
se chamavam “Akhldansovors”; mas eles se repartiram, com
um propósito de caráter geral, em vários grupos independen­
tes, e os membros de cada um desses grupos tinham nomes
especiais.
Sua divisão em vários grupos se fez pela seguinte razão:
Quando ficaram definitivamente convencidos de que sua
presença comportava alguma coisa muito indesejável, e em­
preenderam a busca de todos os meios possíveis para conse­
guir se desembaraçar dela, a fim de se tornarem tais como de­
veríam ser, segundo uma sadia lógica, e corresponder assim à
razão de ser e à meta de sua existência — busca que haviam
resolvido levar a bom êxito a todo custo, já que ela era a base
mesma de seu trabalho —, logo se deram conta, ao abordar a
realização prática da tarefa que sua razão havia assumido, que
era absolutamente indispensável, para cumpri-la, reunir previa­
mente um número maior de informações detalhadas sobre os
diversos ramos especiais do saber.
E como lhes pareceu impossível que cada membro ad­
quirisse separadamente os conhecimentos especiais requeridos,
eles se dividiram, para maior comodidade, em vários grupos,
cada um dos quais estudaria uma das ciências especiais neces­
sárias à meta comum.

294
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

“Ora, meu filho, você deve saber que é precisamente a


partir daquele momento que data o aparecimento e a primeira
existência da verdadeira ciência objetiva, que se desenvolveu
de maneira normal até a segunda grande catástrofe que teve de
sofrer seu planeta; saiba igualmente que alguns de seus ramos
progrediram então numa velocidade sem precedente.
Desse modo, muitas pequenas e grandes “verdades obje­
tivas” cósmicas se tornaram pouco a pouco evidentes nesse pe­
ríodo aos seres tri-cerebrais que lhe agradam.
Os membros dessa grande sabia sociedade terrestre, a
primeira e talvez a última, se dividiram então em sete grupos
independentes, ou, como se diz ainda, em “seções”, e cada um
desses grupos, ou seções, tinha um nome determinado.
Os membros do primeiro grupo da sociedade dos akhl­
danneses foram chamados “Akhldan-fokhsovors”, o que signi­
ficava que os seres que faziam parte dele se dedicavam ao estu­
do da presença de seu planeta e da ação recíproca de suas par­
tes distintas.
Os membros da segunda seção foram chamados
“Akhldan-strassovors”, o que significava que os seres perten­
centes a este grupo estudavam o que se chama a “radiação” de
todos os demais planetas de seu sistema solar, assim como a
ação recíproca dessas diversas radiações.
Os membros pertencentes à terceira seção foram chama­
dos “Akhldan-metrossovors”, o que significava que estes seres
estudavam um ramo da ciência semelhante aquele que deno­
minamos “silkurnano” e que corresponde em parte ao que seus
favoritos atuais chamam “matemática”.
Os membros do quarto grupo foram chamados “ Akhldan-
psicossovors”; eram designados assim porque suas observações
tinham por objeto as percepções, as emoções e as manifesta­
ções de seus semelhantes — observações que eles controlavam
pela estatística.
Os membros pertencentes ao quinto grupo foram cha-

295
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

mados “Akhldan-harnossovors”, o que significava que os seres


pertencentes a esta seção se dedicavam ao estudo de um ramo
da ciência que compreendia as duas ciências atuais de lã, que
seus favoritos chamam “química” e “física”.
Os membros pertencentes à sexta seção foram chamados
“ Akhldan-mistessovors”; eles estudavam todos os fatos que se
produziam fora dos seres, fossem eles conscientemente provo­
cados do exterior, ou surgissem por si mesmos; e eles busca­
vam precisar, entre esses fatos, quais eram os falsamente perce­
bidos pelos seres e em quais casos.
Quanto aos seres do sétimo e último grupo, foram cha­
mados “Akhldan-gezpudjnissovors”; esses membros da socie­
dade dos akhldanneses estudavam aquelas manifestações que
se efetuam na presença dos seres de seu planeta, não como
conseqüência de diversos funcionamentos provenientes de im­
pulsos de diferentes naturezas engendrados pelos dados que
eles possuem, porém como conseqüência de influências cós­
micas exteriores que escapam ao seu controle.
Os seres tri-cerebrais de seu planeta que se tornaram
membros desta sociedade se aproximaram assim muito da
ciência objetiva, até um nível que depois não foi jamais alcan­
çado ali e que talvez nunca mais o seja.

“Não podemos nos impedir, também nesse caso, de ex­


pressar um pesar se nos lembrarmos que, para a grande infeli­
cidade dos seres tri-cerebrais de lá de todas as épocas seguin­
tes, justo no momento em que por fim se havia estabelecido,
nos seres membros dessa grande sociedade, após incríveis es­
forços esserais, o ritmo desejado de trabalho — tanto sob o
aspecto de um discernimento consciente de sua parte, quanto
de uma preparação inconsciente para o bem de seus descen­
dentes —, justamente no auge de seus esforços, portanto, al­
guns deles constataram, como já disse, que deveria em breve
ocorrer alguma coisa de grave para seu planeta.

296
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

A fim de discernir o caráter do sério acontecimento es­


perado, eles se dispersaram por todos os continentes e, pouco
depois, seu desafortunado planeta sofreu, como você sabe, a
segunda perturbação transapalniana.

“Ora, meu Íilho, após esta catástrofe, alguns dos seres


membros dessa grande sábia sociedade, que tinham permane­
cido sãos e salvos, se reuniram pouco a pouco e, não tendo
então mais pátria, fixaram-se inicialmente, com os outros so­
breviventes, no centro do continente de Grabontzê; mais tar­
de, porém, tendo “voltado a si” um pouco, após esse “cataclis­
mo não conforme às leis”, eles resolveram tentar juntos recons­
tituir sua sociedade e, talvez, prosseguir e realizar todas as ta­
reias que constituíam a própria base de sua sociedade aniquilada.
Infelizmente, naquela época, nessa parte da superlície do
continente de Grabontzê, as condições anormais de existência
esseral da maioria dos seres tri-cerebrais de lá, tais como ti­
nham sido estabelecidas antes da catástrole, já haviam recupe­
rado todos os seus direitos; por isso esses membros sobrevi­
ventes da sociedade dos akhldanneses se puseram a procurar,
nesse mesmo continente, um outro lugar de existência perma­
nente, que losse mais propício a seu trabalho, o qual exigia
uma inteira tranquilidade.
Eles julgaram conforme a seus projetos o vale de um gran­
de rio que corria em direção ao norte desse continente e para
lá emigraram todos com suas famílias, a fim de prosseguir
no isolamento a realização da tarefa que sua sociedade ha­
via assumido.
Toda a região por onde corria esse grande rio recebeu
deles, pela primeira vez, o nome de “Sakrunakari”.
O nome dessa região mudou depois varias vezes; atual­
mente é conhecida como “Egito” e o grande rio, que se chama­
va então “Nipilhuatchi”, tem, cm nossos dias, como já lhe dis­
se, o nome de “Nilo”.

297
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Pouco depois de que alguns dos antigos membros da sá­


bia sociedade dos akhldanneses se lixarem nessa parte da su­
perfície do planeta Terra, vieram também ali residir todos os
seres de nossa tribo que se encontravam, nesta época, no pla­
neta que lhe interessa.
Entre os seres tri-cerebrais de nossa tribo que habitavam
essa parte da superfície de seu planeta e os primeiros emigra­
dos dos antigos membros da sociedade dos akhldanneses, que
haviam por acaso sobrevivido, existia a seguinte relação:
Eu lhe disse um dia que, justo antes da segunda per­
turbação transapalniana, nossa pitonisa, numa profecia, ha­
via expressado a todos os seres de nossa tribo que deviam
emigrar sem tardar, para ali prosseguir sua existência, para
uma parte determinada desse continente que atualmente se
chama “África”.
Esta parte determinada do continente designada pela pi­
tonisa ficava a montante de um grande rio, o “Nipilhuatchi”;
os seres de nossa tribo ali existiram durante todo o tempo em
que durou a segunda perturbação transapalniana e ali perma­
neceram depois disso, quando tudo pouco a pouco retornou a
um estado relativamente normal. Quando a maioria dos seres
de lá que tinham sobrevivido havia quase esquecido o passado,
ao ver que nada lhes tinha acontecido, instalaram de novo um
de seus famosos “centros de cultura” no coração dessa futura
África, e os antigos membros da sociedade dos akhldanneses,
tendo começado, como já lhe disse, a buscar um lugar de resi­
dência permanente próprio para sua existência, eles encontra­
ram casualmente alguns seres de nossa tribo que os aconselha­
ram a emigrar a jusante do dito rio.
As relações amistosas dos nossos com numerosos mem­
bros da antiga sociedade dos akhldanneses datavam da época
em que eles os tinham conhecido no continente da Atlântida,
ou seja, quase desde a fundação dessa sociedade.
Como já lhe disse, e você talvez se lembre, no momento

298
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

em que desci pela primeira vez a esse planeta e em que os seres


de nossa tribo se reuniram na cidade de Samlios para encon­
trar, com minha colaboração, uma saída para a difícil situação
que se tinha criado naquela época, as assembléias gerais dos
nossos se realizaram precisamente numa dependência da prin­
cipal “catedral” da sociedade dos akhldanneses e, desde então,
estabeleceram-se relações amistosas entre os seres de nossa tri­
bo e alguns membros dessa sociedade.
Lá, no futuro Egito, para onde uns e outros haviam emi­
grado da maneira que mencionei, as relações dos nossos com
os antigos membros que haviam por acaso sobrevivido, ou com
seus descendentes, longe de se romper, duraram até quase o
momento em que os nossos deixaram seu planeta.

“A esperança que haviam formado esses poucos sobre­


viventes da sociedade dos akhldanneses de ressuscitar sua socie­
dade e de cumprir as suas tarefas não se realizou. Mas foi, no
entanto, graças a eles que a presença dos seres de várias gera­
ções conservou, após o desastre da Atlântida, o sentido e a “con­
vicção instintiva” da necessidade do que se chama o “ser pes­
soal completo”.
E foi igualmente graças a eles que certas aquisições da
razão dos seres tri-cerebrais de lá se conservaram enquanto essa
razão permaneceu normal neles, e enquanto elas foram, duran­
te um certo tempo, mecanicamente transmitidas por heredita­
riedade, de geração a geração, para chegar até os seres de tem­
pos remotos, e até certos seres contemporâneos.
Entre os resultados das sábias aquisições devidas aos
membros da sociedade dos akhldanneses, e que se transmiti­
ram por hereditariedade, incluem-se, sem nenhuma dúvida, os
imponentes e engenhosos “edifícios de arte” que vi construir,
por ocasião de minha quarta descida a seu planeta, por seres
que povoavam essa parte do continente chamado hoje “Áfri­
ca”, e dos quais me disponho a lhe falar.

299
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Embora esse novo observatorio, do qual nosso compatriota


me havia feito tantos elogios, não tivesse justificado minha ex­
pectativa, era, no entanto, assim como os demais edifícios de
arte dos seres dessa região, engenhoso no mais alto grau, e sus­
citou em minha presença geral dados apropriados para enri­
quecer meu consciente com numerosas e fecundas informações.
Para que você possa claramente se representar e com­
preender como estes edifícios de arte foram erigidos pelos se­
res tri-cerebrais dessa região, para o bem de sua existência es­
seral, bastará, penso, que lhe explique, com o máximo de deta­
lhes possível, em que consistia a particularidade de suas judicio-
sas invenções práticas nesse novo observatorio, pelo qual tinha
me decidido visitar aqueles lugares.

“Antes de tudo, devo informá-lo de dois fatos que con­


cernem às modificações da presença geral dos seres tri-cere­
brais que lhe interessam.
O primeiro consiste em que, no início, quando eles
existiam ainda normalmente, como convém a todos os seres
tri-cerebrais, e possuíam o que se chama a “visão oluestesnokh-
niana”, podiam discernir com seus próprios olhos a visibilida­
de de todas as concentrações cósmicas, pequenas e grandes,
situadas a uma distância correspondente à visão de um ser tri­
cerebral ordinário, e isso durante qualquer processo do Oki­
danokh onipresente que se efetuasse em sua atmosfera.
Quanto aqueles que haviam se aperfeiçoado conscien­
temente e tinham levado a sensibilidade de percepção de
seus órgãos visuais — como o fazem, aliás, em toda parte,
todos os seres tri-cerebrais — até o estado “oluesultrates-
nokhniano”, eles adquiriram a possibilidade de perceber a essa
mesma distância a visibilidade de toda unidade cósmica cujo
surgimento e existência ulterior dependiam das cristalizações
diretamente procedentes do Theomertmalogos sagrado, quer
dizer, das emanações de Nosso Mui Santo Sol Absoluto.

300
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

Porém, mais tarde, meu filho, quando definitivamente se


fixaram lá as anormais condições de existência esseral ordina­
ria e quando a Grande Natureza, pelas razões de que já lhe
falei, se viu forçada, entre outras medidas restritivas, a fazer
degenerar também o funcionamento de seus órgãos visuais até
o nível de uma visão dita “koritesnokhniana” — visão própria
exclusivamente à presença dos seres uni-cerebrais e bi-cere-
brais —, a visibilidade de toda concentração cósmica, pequena
ou grande, deixou de lhes ser perceptível, exceto quando se
efetuava, no seio do elemento ativo onipresente Okidanokh,
na atmosfera de seu planeta, o processo sagrado de “djartklom”,
quer dizer — segundo uma compreensão conforme a suas pro­
prias percepções—, “em plena noite”.
E o segundo fato, conseqüência da degenerescência da
visão deles ao nível koritesnokhniano, está baseado em uma lei
comum a todos os seres, a saber, que os resultados de toda
manifestação do Okidanokh onipresente são percebidos pelos
órgãos visuais somente por ocasião de um contato direto com
as vibrações que se constituem nos seres e realizam o funciona­
mento do órgão esseral, a fim de que ele perceba a visibilidade
das concentrações cósmicas no momento dado; o que significa
que os resultados das manifestações do Okidanokh onipresen­
te são percebidos somente no caso em que se efetuam dentro
de limites precisos que dependem da qualidade de percepção
alcançada pelo dito órgão, e para além dos quais cessa sua “inér­
cia de impulsão”; dito de outro modo, esses seres só vêem os
objetos que se encontram quase a seu lado.
Quando esses resultados se efetuam fora desses limites,
sua manifestação não chega até os seres cuja presença só com­
porta órgãos de percepção visual formados unicamente pelos
resultados do conjunto do Itoklanotz.
Parece-me muito oportuno lembrar aqui uma das pro­
fundas sentenças de nosso Mulá Nassr Eddin, sentença que
define claramente o presente caso, quer dizer, o grau de

301
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

percepção visual que seus favoritos contemporâneos não po­


deríam ultrapassar.
Esta sabia sentença, raramente citada, se formula assim:
“Mostre-me o elefante que foi visto por um cego — só
então acreditarei em você quando pretender ter visto uma mosca”.

“Ora, meu filho, graças aos dispositivos construídos nes­


se futuro Egito, destinados à observação das outras concentra­
ções cósmicas, e cuja iniciativa se devia à razão dos descenden­
tes distantes dos membros da sabia sociedade dos akhldanne­
ses, cada um de seus infelizes favoritos adquiriu, embora sua
visão tivesse se tornado há pouco tempo “koritesnokhniana”,
o poder dc perceber livremente, a todo tempo, ou, como eles
dizem, “de dia e de noite”, a visibilidade de todas as concen­
trações cósmicas distantes que caíam, no curso do processo de
movimento harmônico geral, na esfera de suas observações.
Para compensar a fraqueza de seus órgãos de percepção
visual, eles inventaram isto:
Em vez de instalar seus “tesskuanos” ou “telescopios”
— cujos planos de construção, diga-se de passagem, lhes vie­
ram igualmente de seus ancestrais distantes — na superfície do
planeta, como geralmente se fazia lá c como ainda se faz em
nossos dias, eles os colocaram, ao contrário, muito profunda­
mente no interior da Terra e se dedicaram à observação das
concentrações cósmicas situadas tora da atmosfera de seu pla­
neta, por meio de “túneis” especialmente cavados.
O observatório que vi possuía cinco desses túneis.
Eles se abriam às diversas regiões do horizonte celeste
em diferentes pontos do espaço ocupado pelo observatorio,
mas todos tornavam a se juntar em uma pequena escavação
subterrânea que formava uma espécie de cava. Ali os especia­
listas da época, os “astrólogos”, se dedicavam a suas observa­
ções, com vistas a estudar, como já disse, a presença visível e os
resultados da ação recíproca de outras concentrações cósmicas

302
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

pertencentes seja a seu próprio sistema solar, seja a outros sis­


temas de Nosso Cirande Universo.
Dedicavam-se às suas observações através de um ou ou­
tro desses cinco túneis, orientados nas diversas direções da
abóbada celeste, segundo a posição momentânea de seu plane­
ta, no processo de “movimento harmônico geral”, em relação à
concentração cósmica observada.
Eu o repito, meu filho, a principal particularidade do ob­
servatório erigido pelos seres tri-cerebrais do luturo Egito não
era nova para mim, o mesmo princípio tendo sido aplicado a
meu observatorio em Marte — com a única diferença de que
meus sete longos tubos estavam colocados na superfície do pla­
neta e não no interior; entretanto, todas suas inovações eram
tão interessantes em seus detalhes que fiz para todos os fins
úteis um croqui de tudo que vi por lá, e até tirei proveito delas
para meu observatório.
Quanto aos outros edifícios de arte de lá, falarei deles a
você em detalhe um pouco mais tarde; direi somente, por en­
quanto, que todos esses edifícios independentes, ainda inaca­
bados, se erigiam não longe do observatorio e — como soube
ao visitá-los, sempre sob a condução de nosso guia, o constru­
tor, amigo de um dos nossos — que eram destinados em parte,
eles também, à observação dos demais sóis e planetas de Nosso
Grande Universo, e em parte a determinar e dirigir intencio­
nalmente as variações da atmosfera circundante, a fim de obter
o “clima” desejado.
Todos esses edifícios de arte ocupavam uma superfície
bastante grande naquela localidade e estavam rodeados por uma
cerca feita de plantas chamadas ali “zalnakatar”, entrelaçadas
de maneira particular.

“E muito interessante assinalar aqui que na entrada prin­


cipal desse enorme cercado eles haviam erigido uma estátua de
pedra bastante grande — grande, naturalmente, em relação ao

303
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

tamanho da presença geral deles—, que chamavam “Esfinge”,


e que me lembrava muito uma estatua que eu tinha visto por
ocasião de minha primeira descida pessoal a seu planeta, na
cidade de Samlios, bem em frente ao imenso edifício que per­
tencia à sábia sociedade dos akhldanneses, e que era então de­
signado com o nome de “catedral principal” dessa sociedade.
Essa estátua que tanto me havia interessado, na cidade
de Samlios, era o emblema da sociedade; e ela tinha o nome de
“Consciência”.
Ela representava um ser alegórico, quer dizer, um ser cujo
corpo planetário era constituído pelas diversas partes dos cor­
pos planetários de uns ou de outros seres de determinada for­
ma que existem na Terra, os quais, segundo as concepções cris­
talizadas nos seres tri-cerebrais de lá, realizavam, cada um, o
ideal de um ou de outro dos funcionamentos esserais.
A massa principal do corpo planetário desse ser alegóri­
co estava representada pelo “torso” de uma determinada for­
ma de ser de lá, que tem o nome de “touro”.
Esse “torso” de touro repousava sobre as quatro patas de
um outro ser, de forma igualmente bem determinada, com o
nome de “leão”; e sobre a parte do torso do touro chamada
“costas” estavam fixadas duas grandes asas exatamente seme­
lhantes àquelas de um poderoso ser-pássaro que eles chamam
“ águia”.
No lugar onde se deveria encontrar a cabeça, estavam
presos ao tronco, por um pedaço de “âmbar”, dois seios repre­
sentando os “seios de uma virgem”.
Muito interessado por essa estranha figura alegórica, per­
guntei o seu significado, e um dos sábios membros dessa grande
sociedade de seres-homens me deu então as seguintes explicações:
“Esta estátua é o emblema da sociedade dos akhldanne­
ses, e serve a todos os membros de estímulo para despertar
neles e lhes recordar sem cessar os impulsos correspondentes
aqueles que ela deve representar”.

304
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

Depois ele prosseguiu:


“Cada unia das partes desta figura alegórica provoca, nas
três partes independentemente associativas de sua presença ge­
ral, quer dizer, no corpo, no pensamento e no sentimento, um
choque que determina associações apropriadas aos conheci­
mentos distintos os quais sao os únicos que permitem, em seu
conjunto, desembaraçar-se gradualmente dos latores indesejá­
veis que se encontram em cada um de nós — fatores transmiti­
dos por hereditariedade, ou que nós mesmos adquirimos, e que,
ao suscitar pouco a pouco em nós impulsos nefastos, são as
causas do lato de que não somos o que poderiamos ser.
“Esta esfinge nos lembra e nos mostra o tempo todo que
só nos é possível chegar a libertar-nos desses fatores forçando,
sem descanso, nossa presença geral a sempre pensar, sentir e
agir, nas circunstâncias requeridas, segundo o que este emble­
ma está encarregado de expressar.
“E todos nós, membros da sociedade dos akhldanneses,
compreendemos nosso emblema da seguinte maneira:
“O tronco deste ser alegórico, representado pelo torso
de um touro, significa que os fatores cristalizados em nós e que
suscitam em nossa presença impulsos funestos, tanto hereditá­
rios como pessoalmente adquiridos, só podem ser regenerados
por um labor obstinado, semelhante àquele para o qual é particu­
larmente apto, entre todos os seres de nosso planeta, o “touro”.
“E que este torso esteja fixado sobre as patas de um “leão”
significa que este labor deve se efetuar com a consciência e o
sentimento de audacia e de fé em seu próprio “poder”, sendo o
poder a propriedade que possui no mais alto grau, entre todos
os seres do planeta, o dono dessas patas — o poderoso leão.
“E as asas do mais forte dos pássaros, daquele que voa
mais alto, a “águia”, fixadas ao torso do touro, lembram cons­
tantemente aos membros de nossa sociedade que, nesse labor e
durante a atividade interior dessas propriedades psíquicas de
apreciação de si mesmo, importa meditar sem cessar sobre as

305
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

questões que não concernem às manifestações diretamente re­


queridas para a existência esseral ordinaria.
“Quanto à estranha imagem da cabeça de nosso ser ale­
górico, representada sob a forma desses “seios de virgem”, ela
significa que sempre e em tudo, nos diversos funcionamentos,
tanto interiores como exteriores, provocados por nossa pró­
pria consciência, deve predominar o “amor” — este amor que
só pode surgir e subsistir na presença das concentrações que se
constituem nas partes conformes às leis de todo ser integral
responsável em quem reside a esperança de Nosso Pai Comum.
“E que esta cabeça esteja fixada ao torso do touro por
meio do âmbar significa que este amor deve ser absolutamente
imparcial, quer dizer, perfeitamente isolado de todas as ou­
tras funções que se efetuam na presença geral de todo ser
responsável”.
Saiba, meu filho, para que o significado deste último em­
blema, ligado à matéria chamada “âmbar”, lhe seja inteiramen­
te compreensível, que o âmbar é uma das sete formações pla­
netárias na constituição das quais entram, em proporção igual,
as três partes sagradas, distintas e independentes do elemento
ativo Okidanokh onipresente; e essas formações intra e supra-
planetárias servem, no processo de realização planetária, de
“diques” para os três fluxos separados dessas três partes santas
independentemente localizadas.”

Nesse ponto do seu relato, Belzebu fez uma ligeira pau­


sa, como se meditasse sobre alguma coisa, e prosseguiu:
— Enquanto eu descrevia o que vi naquela parte de terra
firme de seu planeta, que subsistiu até hoje, e onde existem
ainda certos descendentes diretos dos membros da realmente
grande sábia sociedade dos akhldanneses, começou pouco a
pouco a reviver em mim — como resultado das manifestações
de minha razão esseral, e sob o efeito de diversas lembranças
associadas a toda espécie de impressões fixadas em minha pre-

306
QUARTA ESTADA SOBRE A TERRA

sença, suscitadas pelas percepções visuais das cercanias dessa


localidade — toda a série de associações de pensamentos liga­
das às cenas que evocam uma das emoções esserais que experi­
mentei durante minha última estada lá, no curso de uma visita
que fiz a esse Egito contemporâneo, num dia em que, mergu­
lhado em minhas reflexões, estava sentado ao pé de um desses
edifícios antigos que permaneceram por acaso intactos, que
têm hoje o nome de “Pirâmides”.
No funcionamento geral de minha razão se associaram,
entre outras, as reflexões seguintes:
“E provável!... Que nenhum dos bens outrora adquiri­
dos pela razão dos seres do continente da Atlântida para a exis­
tência esseral ordinária tenha se tornado o patrimônio dos se­
res atuais desse planeta — isso pode ainda se justificar logica­
mente, pelo simples fato de que, por razões cósmicas que não
vinham nem dependiam, de nenhum modo, dos seres tri-cere­
brais daqui, esse planeta foi objeto de um segundo grande ca­
taclismo não conforme às leis, no curso do qual esse continen­
te foi submerso com quase tudo o que ele continha.
“Mas o que aconteceu com esse Egito?
“O tempo de sua grandeza é ainda muito recente!...
“Por certo, em conseqüência da terceira catástrofe que
teve de sofrer este desafortunado planeta, e depois da quinta
catástrofe — da qual lhe falarei mais tarde —, esta parte de sua
superfície foi recoberta pelas areias. Porém os seres tri-cere­
brais que a povoavam não pereceram, se dispersaram somente
por diversas outras partes deste mesmo continente. Por isso,
fossem quais fossem as novas condições em que se encontra­
ram, os resultados cristalizados, transmitidos por hereditarie­
dade, de fatores aperfeiçoados para a constituição de um “pen­
sar lógico” esseral normal teriam devido, parece, se conservar
em sua presença...”
Ora, meu filho, quando, após meu “alstuzori” aflitivo,
ou como teriam dito seus favoritos, após estas “amargas refle-

307
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

xões”, quis tirar a limpo a verdadeira razão desse fato lamentá­


vel, minhas pesquisas minuciosas me levaram, enfim, a com­
preender e a reconhecer com todo o meu ser que essa anomalia
se devia neles unicamente a um dos aspectos caracterizados da
principal particularidade de seu estranho psiquismo, particu­
laridade que já se cristalizou para se tornar parte integrante de
sua presença geral e que serve de fator para o aparecimento
periódico, neles, do que se chama “a sede imperiosa de des­
truir tudo que está fora deles”.
Pois quando nesses seres tri-cerebrais o funcionamento
dessa particularidade fenomenal de seu psiquismo — assusta­
dora para toda razão — atinge seu paroxismo, e que eles a
manifestam ao exterior, quer dizer, quando eles se põem, em
qualquer parte da superfície de seu planeta, a efetuar o processo
de destruição mútua, eles aniquilam na mesma ocasião, sem
nenhum propósito preciso, até sem o que se chama uma “ne­
cessidade orgânica”, tudo o que cai por acaso na esfera de per­
cepção de seus órgãos visuais. Nesses períodos de fenomenal
paroxismo psicopático, os seres entre os quais se efetua esse
terrível processo destroem não somente tudo o que eles mes­
mos realizaram propositadamente, mas todas as obras que lhes
legaram os seres das épocas precedentes, e que foram por aca­
so conservadas intactas até eles.

“Portanto, meu filho, durante o período de minha quar­


ta estada pessoal na superfície de seu planeta, após minha che­
gada ao país que tem hoje o nome de Egito, existi alguns dias
entre os descendentes distantes desses seres membros da gran­
de sábia sociedade dos akhldanneses e tomei conhecimento de
certos resultados de seus partkdolgdeveres esserais, resultados
estes mantidos intactos para o bem de sua descendência; de­
pois me dirigí, escoltado por dois membros de nossa tribo, aos
países do sul desse continente, e lá, ajudados por seres tri-

308
QUARTA ESTADA SOBRE ATERRA

cerebrais do lugar, capturamos o número desejado de seres-


macacos.
Terminada esta operação, imediatamente tiz avisar te­
lepaticamente nossa nave Ocasião e, na noite seguinte, que
foi tão escura quanto se poderia desejar, a nave desceu em
nossa direção.
Após ter embarcado esses seres-macacos no comparti­
mento especial da nave Ocasião, arrumado para Gornakhur
Kharkhar e sob suas diretrizes, subimos de novo para o plane­
ta Marte e, de lá, ao fim de três dias marcianos, me elevei na
mesma nave, com os macacos, até o planeta Saturno.
Havíamos decidido empreender as experiências com os
macacos apenas no ano seguinte, quando eles já estivessem bem
aclimatados e adaptados a suas novas condições de existência,
e eu não os teria levado tão depressa ao planeta Saturno se não
tivesse prometido a Gornakhur Kharkhar, em nossa última en­
trevista, assistir a uma solenidade familiar que devia em breve
ocorrer.
Nessa solenidade familiar, chamada “khri-khra-khri”, os
seres próximos de Gornakhur Kharkhar deviam batizar seu pri­
meiro herdeiro, muito recentemente produzido.
Eu havia prometido assistir a ela, a fim de tomar sobre
mim, em relação ao herdeiro recentemente surgido, o que se
chama a “obrigação esseral alnaturorniana”.
E interessante observar aqui que o costume de tomar para
si semelhante obrigação esseral se encontrava igualmente na
Antiguidade, nos seres tri-cerebrais de seu planeta, e que ele
chegou mesmo até seus favoritos contemporâneos, mas eles não
guardaram senão a forma exterior desse grave e importante
procedimento. Os seres que, supostamente, tomam para si
mesmos esta obrigação são chamados por seus favoritos atuais
“padrinho” e “madrinha”.
Esse primeiro herdeiro de Gornakhur Kharkhar recebeu
então o nome de “Raurkh”.

309
Capítulo 24
Belzebu voa para o planeta Terra
pela quinta vez

BELZEBU prosseguiu o seu relato:


— Depois de minha quarta estada na superficie do pla­
neta Terra, longos anos se passaram.
Durante esse período, me dediquei naturalmente, de vez
em quando, por meio de meu tesskuano, a uma observação
atenta da existência esseral de seus favoritos.
O número deles havia crescido notavelmente: eles já
povoavam quase todas as grandes e pequenas partes de terra
firme de seu planeta; quanto a sua principal particularidade,
ela continuava, é claro, a se manifestar, quer dizer que eles se
entregavam, de tempos em tempos, ao processo de destruição
mútua de sua existência.
Grandes mudanças aconteceram durante o tempo que
transcorreu entre minha quarta e minha quinta visita à superfí­
cie de seu planeta — em particular nas regiões onde se concen­
trava a existência de seus favoritos. Todos os seus “centros de
cultura” do continente de Ashhark, por exemplo, onde eu ti­
nha ido em pessoa durante minhas descidas anteriores à Terra,
quer dizer, os países de Tikliamuish e de Maralpleissis, haviam
desaparecido completamente em minha quinta estada.
A causa dessa destruição de seus “centros de cultura”, e
das mudanças que se efetuaram em geral na superfície desse
QUINTO VÔO PARA A TERRA

desafortunado planeta, foi uma nova catástrofe, a terceira que


ele teve que sofrer.
Esta terceira catástrofe, de um caráter exclusivamente lo­
cal, se produziu em conseqüência de extraordinários “deslo­
camentos acelerados de partes da atmosfera”, ou, como te­
riam dito seus favoritos, de “grandes ventos” que duraram
vários anos.
A causa desses “deslocamentos anormais”, ou desses
“grandes ventos”, era, dessa vez também, os dois fragmentos
que tinham se desprendido de seu planeta, durante a primeira
grande catástrofe, para se tornarem mais tarde pequenos pla­
netas independentes desse sistema solar e que têm atualmente
os nomes de “Lua” e de “Anúlios”.
De fato, esta terceira catástrofe foi desencadeada unica­
mente pelo maior dos fragmentos desprendidos da Terra, quer
dizer, pela “Lua”; o menor, “Anúlios”, não desempenhou ne­
nhum papel nisso.
Os deslocamentos acelerados na atmosfera da Terra se
produziram da maneira seguinte:
Quando o pequeno planeta Lua, surgido por acidente —
e que, em sua tendência a voltar a cair sem cessar na direção de
sua base, seguia uma trajetória desde então já estabelecida, em
conformidade com a “lei de recuperação” —, teve constituída
de forma definitiva sua atmosfera, esta presença determinada,
recentemente surgida na superfície da Lua, não tendo ainda
adquirido sua harmonia própria no seio da harmonia do movi­
mento sistemário geral, o que se chama a “fricção osmualnia-
na”, não equilibrada, por assim dizer, com o conjunto, provo­
cou na atmosfera da Terra os ditos “deslocamentos acelerados”
ou “grandes ventos”.
E esses extraordinários grandes ventos se puseram, como
se diz, a “esboroar”, pela violência de suas correntes, as partes
de “terra firme” elevadas e a tapar com elas as “depressões”.
Entre essas depressões se encontravam, entre outras, as

311
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

duas regiões do continente de Ashhark nas quais se havia par­


ticularmente concentrado o processo de existência do primei­
ro e do segundo grupos de seres da Ásia atual, quer dizer, as
principais partes dos países de Tikliamuish e de Maralpleissis.
Certas partes do país de Perlânia loram então recobertas
pelas areias, assim como a região, situada no centro do conti­
nente de Grabontzê, onde se havia constituído, como já disse,
após o desastre da Atlântida, o que eles chamavam o principal
“centro de cultura” de todos os seres tri-cerebrais de lá, região
que, após ter sido, naqueles tempos, a parte mais florescente
da superfície de seu planeta, não passa hoje de um deserto que
tem o nome de “Saara”.
Saiba igualmente que, além dessas regiões, as areias re­
cobriram ainda, sob o efeito dos ventos anormais que então
sopravam, várias outras pequenas extensões de terra firme da
superfície desse desafortunado planeta.

“E interessante observar aqui que seus favoritos atuais


tomaram conhecimento, não se sabe como, de que os seres tri-
cerebrais daquele período tinham mudado de lugar de existên­
cia permanente; eles aplicaram a essas mudanças um “rótulo”
— o de “grandes migrações dos povos” — e as catalogaram em
suas pretensas ciências.
Atualmente, certos “sábios” de lá se esfalfam tanto quanto
podem e se empenham em pesquisar por que e como se opera­
ram essas mudanças, a fim de informar os outros sobre elas.
Existem hoje a esse respeito várias teorias, que, embora
não tenham entre si nenhum ponto comum, e revelem ser, ob­
jetivamente falando, mais fantásticas umas que as outras, são
todas, no entanto, reconhecidas pela “ciência oficial” de lá.
De fato, as verdadeiras causas das migrações dos seres
tri-cerebrais de então foram que, desde o início dos “esboroa-
mentos”, os seres que habitavam o continente de Ashhark,

312
QUINTO VÔO PARA A TERRA

temendo ser sepultados sob as areias, se deslocaram para ou­


tros lugares relativamente mais seguros.
E esse deslocamento dos seres tri-cerebrais de lá se efe­
tuou na ordem seguinte:
Uma grande parte dos seres tri-cerebrais que habitavam
Tikliamuish emigrou em direção ao sul do continente de Ash­
hark, para um país que recebeu mais tarde o nome de “Pér­
sia”. Os demais dirigiram-se para o norte, e os lugares onde se
lixaram receberam, mais tarde, o nome de “Kirghiztcheri”.
Quanto aos seres que habitavam o país de Maralpleissis,
alguns deles se deslocaram na direção do Levante, enquanto a
maioria se dirigia para o Ocidente.
Os que se encaminharam para o Leste, depois de ter trans­
posto altas montanhas, se lixaram nas margens de uma grande
“extensão saliakuriapiana”, numa região que recebeu, mais tar­
de, o nome de “China”.
Os outros seres de Maralpleissis, que buscavam sua sal­
vação em um deslocamento para o Ocidente, errando de lugar
em lugar, passaram finalmente a um continente vizinho que
recebeu, mais tarde, o nome de “Europa”.
Quanto aos seres tri-cerebrais que existiam ainda, nessa
época, no centro do continente de Grabontzê, eles se espalha­
ram por toda sua superfície.

“Ora, meu filho, minha quinta ascensão pessoal até seu


planeta ocorreu durante o período que seguiu imediatamente
a nova repartição de seus favoritos nesses diversos grupos.
Minha ascensão pessoal teve dessa vez por origem certos
acontecimentos que me disponho a lhe contar.
Porém, primeiramente, deixe-me dizer-lhe que a princi­
pal estranheza do psiquismo de seus favoritos, que é a “neces­
sidade periódica de destruir a existência de seus semelhantes”,
me interessava mais a cada um de seus séculos, enquanto, pa­
ralelamente, despertava em mim o desejo imperioso de conhecer

313
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

as causas exatas desta particularidade, fenomenal para seres


tri-cerebrais.
Foi por isto que, meu filho, querendo ter o máximo de
material possível para elucidar esta questão que me interessava
tão lortemente, organizei da maneira seguinte, entre minha
quarta e minha quinta estada no planeta Terra, as observações
a que me dedicava desde o planeta Marte, por meio do tesskua­
no, sobre esses originais seres tri-cerebrais.
Selecionei de propósito, entre seus favoritos, toda uma
série de seres isolados, e prosseguimos, durante um grande nú­
mero de seus anos — ora eu pessoalmente, ora aquele a quem
confiara esse encargo—, observações minuciosas, esforçando-
nos tanto quanto possível para não deixar escapar nada e exa­
minar sob todos os seus aspectos as particularidades de suas
manilestações no processo de sua existência ordinaria.
E lhe confessarei, meu filho, que, quando estava inteira­
mente livre, eu observava às vezes com o maior interesse, du­
rante “sinonums” inteiros — ou, segundo o termo com que
seus favoritos designam aproximadamente semelhante lapso de
tempo, durante “horas” inteiras —, os movimentos dos seres
tri-cêntricos de lá que tínhamos selecionado e tentava me ex­
plicar logicamente o que chamam suas “emoções psíquicas”.

“Ora, um dia, enquanto do planeta Marte eu me dedica­


va a essas observações por meio de meu tesskuano, me dei con­
ta subitamente de que a duração média de sua existência dimi­
nuía a cada século, até mesmo a cada ano, numa velocidade
regular bem determinada — e esse loi o ponto de partida do
estudo ulterior, muito sério desta vez, que fiz do psiquismo dos
seres tri-cerebrais que lhe interessam.
Naturalmente, após ter constatado esse tato pela primei­
ra vez, levei imediatamente em consideração não só a principal
particularidade de seu psiquismo, que consiste numa destrui­
ção mútua periódica, mas ainda as inumeráveis “doenças” que

314
QUINTO VÔO PARA A TERRA

causam estragos exclusivamente nesse planeta e a maioria das


quais surgia e continua, aliás, a surgir em conseqüência das
anormais condições exteriores de existência esseral ordinaria
que eles mesmos estabeleceram, condições que são em parte
responsáveis por sua incapacidade de prosseguir uma existên­
cia normal até o raskuarno sagrado.
Quando notei esse fato pela primeira vez, e me lembrei
de minhas impressões anteriores a esse respeito, enquanto mi­
nha essência recebia o choque disso, todas as partes distintas,
independentemente espiritualizadas, de minha presença geral
foram invadidas pela convicção de que em realidade, na ori­
gem, os seres tri-cerebrais de seu planeta existiam até doze sé­
culos, segundo seu cálculo de tempo, e alguns até mesmo quin­
ze séculos.
Para que você tenha uma idéia mais ou menos clara da
velocidade com a qual diminuía, nessa época, a duração média
de sua existência, lhe bastará saber que, no momento em que
deixei para sempre aquele sistema solar, o limite extremo dessa
duração era de setenta a noventa de seus anos.
E, nesses últimos tempos, se acontece a um deles existir
tão-somente até o limite mencionado, todos os demais seres
desse original planeta consideram que ele atingiu uma idade
excepcional.
Mas, se acontece a um deles existir, por acaso, um pouco
mais de um século, tal ser é mostrado em seus museus e, é cla­
ro, todos os outros seres de lá o conhecem, já que seus “jor­
nais”, como os chamam, publicam todos, e a todo momento,
sua fotografia, assim como descrições de seu tipo de existên­
cia, e até a enumeração de cada um de seus “leitos e gestos”.

“Ora, meu filho, como eu não tinha nada de especial a


fazer no planeta Marte durante o período em que constatei
subitamente esse fato, e como tentar elucidar essa nova estra­
nheza por meio de meu tesskuano era coisa completamente

315
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

impossível, decidi ascender até lá em pessoa, prometendo a mim


mesmo esclarecer no próprio lugar as causas desse fenômeno.
Alguns dias marcianos após minha resolução, embarquei
de novo na nave Ocasião.
Na época dessa quinta ascensão a seu planeta, o “centro
de vaivém dos resultados do aperfeiçoamento da engenho-
sidade esseral” deles, ou, como eles mesmos o chamam, seu
“centro de cultura”, era a cidade de Babilônia, aonde eu
havia resolvido ir.
Nossa nave Ocasião desceu, dessa vez, no que se chama o
“Golfo Pérsico”, pois tínhamos nos dado conta, antes do vôo,
por meio do tesskuano, de que o lugar mais propício, tanto
para os nossos projetos de viagem, que eram de alcançar a
cidade de Babilônia, quanto para a ancoragem de nossa nave,
seria precisamente essa extensão saliakuriapiana da superfí­
cie de seu planeta, que lá existe hoje em dia com o nome de
“Golfo Pérsico”.
Essa extensão de água convinha, com efeito, à viagem
que eu ia empreender, pois o grande rio sobre as margens do
qual se erguia a cidade de Babilônia vinha se lançar ali e tínha­
mos a intenção de tornar a subir seu curso.

“Nessa época, a “incomparavelmente majestosa Babilô­


nia” era, em todos os aspectos, das cidades mais florescentes.
Ela era considerada como um “centro de cultura” não só pelos
seres que povoavam o continente de Ashhark, mas pelos seres
de todas as outras grandes e pequenas terras firmes que res­
pondiam às necessidades da existência esseral ordinária naquele
planeta.
Quando cheguei pela primeira vez a seu “centro de cul­
tura”, eles estavam precisamente, naquela época, preparando
aquilo que foi mais tarde a principal causa de aceleração do
ritmo de degenerescência de sua “organização psíquica”, e antes
de tudo no sentido de uma atrofia do funcionamento instintivo

316
QUINTO VÔO PARA A TERRA

dos três fatores principais que é próprio à presença de todo ser


tri-cerebral possuir, e que suscitam nele os impulsos esserais
que existem com os nomes de “Fé”, “Esperança” e “Amor”.
E esta degenerescencia dos fatores esserais, agravando-
se por hereditariedade de geração a geração, levou seus favori­
tos atuais a possuir, no lugar do real psiquismo esseral, tal qual
ele deveria existir na presença de todo ser tri-cerebral, um psi­
quismo “real” por certo, ele também, mas perfeitamente ca­
racterizado por esta sábia sentença de nosso caro Mulá Nassr
Eddin:
“Ele tem tudo em si, menos o âmago e nem sequer o seu
germe”.

“Eu tenho absolutamente que lhe contar em detalhe o


que aconteceu naquele período em Babilônia, pois todas essas
informações podem lhe servir de excelente material para me­
lhor elucidar e transmutar em sua razão todas as causas cujo
conjunto determinou finalmente o aparecimento do psiquis­
mo, estranho para seres tri-cerebrais, que têm hoje em dia seus
favoritos.
Devo lhe dizer, para começar, que as informações relati­
vas aos acontecimentos que me disponho a lhe relatar me fo­
ram dadas por seres tri-cerebrais de lá qualificados pelos ou­
tros de “sábios”.
Antes de prosseguir, importa precisar aqui quais são os
seres de seu planeta que os demais chamam “sábios”.
De fato, bem antes de minha quinta estada ali, antes do
período em que, como já lhe disse, Babilônia estava em pleno
florescimento, aqueles que os outros tinham por “sábios” não
se pareciam em nada com todos esses seres que, no Universo
inteiro, se tornam realmente dignos de ser considerados como
sábios, quer dizer, que adquirem antes de tudo, graças a seu
labor consciente e a seus sofrimentos voluntários, a faculdade de
contemplar cada detalhe de tudo que existe em suas relações com

317
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

a origem do mundo e a existência do mundo, o que lhes permi­


te aperfeiçoar seu corpo superior até o grau requerido do Me­
didor sagrado de Razão objetiva, a fim de serem mais tarde
capazes de experimentar as verdades cósmicas acessíveis a seu
corpo esseral superior segundo seu nível de realização.
Porém, desde a civilização tikliamuishiana, e mais parti­
cularmente em nossos dias, tornam-se “sabios”, quase sempre,
os seres que “repisam” o maior número possível de informa­
ções de toda espécie, vazias de sentido, como as velhas avós
gostam de ensinar repetindo o que se dizia, segundo elas, nos
bons velhos tempos.
Saiba, a este respeito, que nosso estimãvel Mulá Nassr
Eddin determina o valor dos sábios de lá pela seguinte sentença:
“Todo mundo parece crer que nossos “sábios” sabem que
a metade de cem é cinquenta”.
Lá, em seu planeta, quanto mais um de seus favoritos
armazena informações que ele jamais verificou, e muito menos
experimentou por si mesmo, mais ele é considerado pelos de­
mais como “sábio”.

“Ora, tilho meu, quando chegamos à cidade de Babilô­


nia, ela transbordava literalmente de seres sabios vindos de
quase todo o planeta.
Esses seres encontravam-se reunidos na cidade de Babi­
lônia por uma razão das mais interessantes; por isso vou lhe
falar dela em detalhe.
De fato, quase todos os sábios da Terra tinham sido leva­
dos para lá à força, por ordem de um soberano persa dos mais
originais, sob o domínio do qual se encontrava naquele perío­
do a cidade de Babilônia.
Para que você compreenda muito bem sob que aspecto
fundamental o conjunto dos resultados das condições de exis­
tência esseral ordinária anormalmente estabelecidas lá tinha
suscitado essa originalidade do soberano persa, é indispensável

318
QUINTO VÔO PARA A TERRA

esclarecê-lo, primeiro, acerca de dois fatos estabelecidos mui­


to tempo antes.
O primeiro desses latos é que quase ¿mediatamente após
o desastre do continente da Atlântida começou a cristalizar-se
pouco a pouco na presença de cada um de seus favoritos, para
nela se fixar definitivamente no curso dos últimos séculos, uma
propriedade particular sob o efeito da qual a sensação chama­
da “felicidade de ser” — que experimenta de vez em quando
todo ser tri-cerebral como conseqüência de uma satisfação do
sentimento de seu valor interior — aparece exclusivamente na
presença deles quando dispõem em quantidade de um metal
muito conhecido lá, e que se chama “ouro”.
O pior é que, em razão dessa propriedade particular de
sua presença geral, a sensação ligada ao lato de possuir o dito
metal é ainda reforçada, em seu detentor, pelos seres que o
cercam e até pelos que não conhecem a existência desse ouro,
senao por ouvir dizer, e sem que dele tenham se convencido
por meio de percepções pessoais conformes.
Além disso, estabeleceu-se lá o costume de nunca tomar
em consideração as manifestações esserais que levaram tal ser
a possuir uma grande quantidade desse metal, o que basta para
desencadear, na presença dos seres que o rodeiam, o funciona­
mento dessa conseqüência cristalizada das propriedades do ór­
gão kundabuffer que tem o nome de “inveja”.
Quanto ao segundo fato, consiste nisto: após o período
em que a principal particularidade de seus favoritos funcionou
na presença deles com uma velocidade crescente, e no qual seu
processo de destruição recíproca de existência se efetuou, como
de costume, entre suas diversas comunidades, quando, mais
tarde, esta propriedade funesta, inerente somente a eles, se acal­
mou em sua presença geral, e que o dito processo cessou por
algum tempo, o soberano da comunidade na qual sobreviveu o
maior número de súditos, ao receber o título de conquistador,

319
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

se apropria geralmente de tudo que possuíam os seres da co­


munidade vencida.
Esse soberano vitorioso dá habitualmente aos seus súdi­
tos a ordem de se apoderar, na comunidade vencida, de to­
das as terras, de todos os jovens seres de sexo feminino c de
todas as “riquezas” que foram acumuladas ali no curso dos
séculos.

“Ora, meu filho, quando os súditos do original soberano


persa venciam os seres de uma outra comunidade, ele os proi­
bia de pegar qualquer dessas coisas, e até de tocá-las, e lhes
ordenava trazer, como “prisioneiros”, unicamente os seres sá­
bios da comunidade vencida.
A tim de se representar claramente e melhor compreen­
der por qual razão precisa surgiu na individualidade desse so­
berano persa esse estranho capricho, próprio somente a ele,
você deve saber que um ser sábio tri-cerebral, com o nome de
Kharnakhum — cuja essência se cristalizou mais tarde no que
se chama um “Individuum Hassnamuss Eterno” —, tinha ima­
ginado durante o período da civilização tikliamuishiana, na ci­
dade chamada “Tchiklaral”, que era supostamente muito fácil
converter qualquer um dos metais que abundam na superfície
do planeta nesse raro metal que é o “ouro”; bastava para isso
conhecer um segredo bem pequeno.
Sua funesta invenção se espalhou então rapidamente, e,
tendo se cristalizado na presença dos seres da época, passou
por hereditariedade de geração a geração, para se transformar
depois numa ciência perniciosa e fantástica conhecida pelo
nome de “alquimia”, nome emprestado a esse ramo da verda­
deira ciência que realmente existiu lá em épocas muito remo­
tas, no tempo em que ainda não estavam completamente cris­
talizadas na presença de seus ancestrais as consequências das
propriedades do órgão kundabuffer, e que poderia se revelar

320
QUINTO VÔO PARA A TERRA

das mais úteis, e até indispensável, aos seres tri-cerebrais de lá,


inclusive para os dos tempos atuais.
Por conseguinte, durante o período a que se refere meu
relato, esse soberano persa, perseguindo certos propósitos muito
provavelmente hassnamussianos, teve necessidade de uma gran­
de quantidade desse metal chamado “ouro”, raro na superfície
do planeta Terra; tendo, então, ouvido falar do procedimento
inventado por aquele que é hoje o “Individuum Hassnamuss”
Kharnakhum, experimentou o mais vivo desejo de obter ouro
por esse processo tão simples.
Tendo definitivamente resolvido conseguir ouro por meio
da “alquimia”, esse soberano persa tomou pela primeira vez
consciência, com todo seu ser, de que não possuía ainda o “pe­
queno segredo” sem o qual era totalmente impossível realizar
esse desejo. Ele se pôs então a procurar como fazer para desco­
brir esse “pequeno segredo”.
Suas reflexões o levaram ao raciocínio seguinte: “Uma
vez que os “sabios” já conhecem tantos outros “mistérios”, deve
haver pelo menos um que conheça também este mistério”.
Assim que chegou a esta conclusão — e atormentado pelo
funcionamento intenso de “surpresa esseral” de que esta sim­
ples idéia não lhe tivesse vindo mais cedo à mente —, ele man­
dou chamar alguns de seus fiéis súditos, os mais próximos, e
ordenou-lhes que procurassem entre os seres sábios de sua ca­
pital aquele que conhecesse esse “mistério”.
Quando lhe anunciaram, no dia seguinte, que nenhum
dos seres sabios da capital conhecia esse segredo, ordenou que
fossem interrogados, por sua vez, todos os sábios que se en­
contravam entre os seres das comunidades subjugadas; e, como
ao cabo de alguns dias recebeu a mesma resposta negativa, se
pôs a pensar, muito seriamente desta vez.
Primeiro, suas graves reflexões levaram sua razão a com­
preender que, sem nenhuma dúvida, entre os seres sábios de
sua comunidade devia bem se achar um que conhecesse também

321
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

esse “segredo”, mas que, por estar o respeito pelo “segredo


profissional” muito desenvolvido nos seres dessa corporação,
ninguém queria traí-lo.
Partindo disso, ele se deu conta de que não devia pe­
dir, e sim exigir uma resposta dos seres sábios a respeito
desse mistério.
No mesmo dia deu a seus ajudantes, os mais próximos,
instruções apropriadas, e estes se puseram a “interrogar” se­
gundo o método praticado, já há muito tempo, pelos seres de­
tentores de poder para obter respostas dos seres ordinários.
Quando esse original soberano persa ficou definitivamen­
te convencido de que os seres sábios de sua comunidade real­
mente nào conheciam esse mistério, procurou aqueles que po­
deriam conhecê-lo nas comunidades estrangeiras.
E como os soberanos dessas comunidades se recusavam
a entregar de bom grado seus seres sábios, para que eles fos­
sem “interrogados” por sua vez, ele resolveu obrigar pela força
esses soberanos rebeldes. Assumindo então o comando de nu­
merosas tropas que estavam submetidas a ele, organizou o que
se chama “incursões guerreiras”.
Esse soberano persa dispunha, com efeito, de tropas nu­
merosas, porque naquele período a “previdente adaptabilida­
de" da Grande Natureza havia feito aumentar o que se chama
a “natalidade” entre os seres dessa parte da superfície do pla­
neta onde estava situada a comunidade da qual acontecia ser
ele, por acaso, o soberano, e porque as condições necessárias
ao processo cósmico geral trogoautoegocrático estavam reali­
zadas, quer dizer, que dessa região da superfície do seu planeta
se elevavam em maior número as vibrações engendradas pela
destruição da existência esseral.”

Depois desta última explicação, Hassin interrompeu


Belzebu com as seguintes palavras:
— Querido avô, não compreendo por que a produção

322
QUINTO VÔO PARA A TERRA

das vibrações requeridas com vistas à realização desse mui gran­


de processo cósmico possa depender de uma parte determina­
da da superfície do planeta.”
À pergunta de seu neto, Belzebu respondeu:
— Como me disponho a fazer do problema muito parti­
cular desse terrível processo de destruição recíproca que eles
chamam “guerra” o tema de uma de nossas próximas conver­
sas sobre os seres tri-cerebrais do planeta Terra, deixaremos
sua pergunta em suspenso até essa conversa especial, pois pen­
so que você a compreenderá então perfeitamente.”
Dito isso, Belzebu continuou a falar dos acontecimentos
babilónicos.
— Quando esse original soberano persa se pôs, com suas
tropas, a vencer os seres de outras comunidades e a raptar à
força os “sábios” que se encontravam entre eles, estes últimos
foram levados para a cidade de Babilônia, que ele lhes havia
destinado como lugar de reunião e de existência, para permitir
a esse potentado, cujo domínio se estendia então sobre a meta­
de do continente da Ásia, “interrogá-los” mais tarde com toda
liberdade, na esperança de aprender de um deles o segredo de
converter um vil metal neste metal chamado “ouro”.
Ele organizou mesmo, especialmente com este fim, o que
se chama uma “campanha” através do país do “Egito”.
E empreendeu esta campanha porque, nessa época, os
seres “sábios” vindos de todos os continentes haviam se reuni­
do ali por ser o Egito considerado então, segundo uma opinião
amplamente difundida, como o lugar do planeta onde se podia
encontrar o máximo de informações que interessavam às di­
versas “ciências”.
Esse conquistador persa se apoderou de todos os seres
“sábios” que residiam então no Egito, quer fossem estrangei­
ros ou nativos; entre eles se encontravam ademais vários “su­
mos sacerdotes” egípcios, descendentes daqueles membros

323
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

sabios da sociedade dos akhldanneses que, tendo por acaso


sobrevivido, foram os primeiros a povoar esse país.
Mas urna nova paixao tendo surgido logo na presença
desse original soberano persa, para substituir a antiga, a saber,
a paixao pelo processo mesmo de destruição da existência de
seus semelhantes, ele por isso até se esqueceu desses “sábios”,
que continuaram a existir em plena liberdade, até nova ordem,
na cidade de Babilônia.
Os seres “sábios” vindos de quase todas as regiões do
planeta, e assim reunidos na cidade de Babilônia, se freqüenta-
vam assiduamente e falavam entre eles, como é próprio fazer a
todos os seres “sábios” do planeta Terra, sobre questões inco-
mensuravelmente mais elevadas que seu entendimento, e das
quais jamais teriam sido capazes de tirar algo de útil, nem para
eles nem para os seres ordinários de lá.
Foi precisamente desses encontros e conversas que sur­
giu entre eles, como quase sempre acontece entre os “sábios”
terrestres de lá, o que se chama “a questão palpitante do mo­
mento”, que os tocou desta vez, como eles diriam, até em seu
“foro íntimo”.
Essa questão que se tornou por acaso a “questão palpi­
tante do momento” apoderou-se de tal modo do ser deles que
eles até “se dignaram” descer de seu “pedestal” para falar dela
não só com os “sábios”, seus semelhantes, mas por toda parte,
em todo lugar e a qualquer um.
De modo que o interesse despertado por esse problema
ganhou pouco a pouco todos os seres tri-cerebrais ordinários
existentes em Babilônia e, no tempo de nossa chegada a essa
cidade, ela tinha se tornado, para todos os seres de lá, a “ques­
tão do momento”.
Ela era o objeto de conversas e de discussões animadas não
só entre os próprios sábios, mas entre os seres ordinários de lá.
Jovens e velhos, homens e mulheres, e até os açougueiros

324
QUINTO VÔO PARA A TERRA

babilónicos, todos falavam e discutiam a esse respeito — e


todos, sobretudo os sabios, ansiavam por resolver esse problema.
Antes de nossa chegada, numerosos seres que existiam
em Babilonia já haviam mesmo perdido completamente a ra­
zão por causa disso e muitos outros candidatos se apressavam
a seguir-lhes os passos.
Essa “questão palpitante do momento” consistia nisto:
esses “funestos sábios”, e com eles os seres ordinários da cida­
de de Babilônia, desejavam todos saber se eles possuíam uma
“alma”.
Existia em Babilônia, a este respeito, muitas teorias fan­
tásticas de todo tipo, e se “fabricavam” novas, às pressas. Evi­
dentemente, cada uma dessas “teorias embriagadoras”, como
se diz por lá, tinha seus adeptos.
Apesar de sua grande quantidade e de sua diversidade,
essas teorias se fundamentavam todas exclusivamente em um
ou outro dos dois princípios seguintes, diametralmente opos­
tos, é verdade.
Chamavam a um desses princípios “ateísta” e ao outro
“idealista” ou “dualista”.
Todas as teorias “dualistas” provavam a existência da
“alma” e, é claro, sua “imortalidade”, assim como as “atribula-
çôes” de toda espécie das quais ela era vítima depois da morte
do ser-homem.
Todas as teorias “ateístas” provavam exatamente o con­
trário.
Em suma, meu filho, quando chegamos à cidade de Ba­
bilônia, estavam construindo ali o que se chama uma verdadei­
ra “torre de Babel”.

Tendo pronunciado estas últimas palavras, Belzebu re­


fletiu um instante e retomou:
— Quero lhe explicar agora a expressão que acabo de

325
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

usar, de “torre de Babel”, expressão frequentemente emprega­


da em seu planeta pelos seres tri-cerebrais atuais.
Quero me deter nesta expressão e explicá-la a você, em
primeiro lugar, porque fui por acaso testemunha de todos os
acontecimentos que a originaram e, em segundo lugar, porque
a historia de seu aparecimento e das mudanças que ela sofreu
na compreensão de seus favoritos pode lhe demonstrar de for­
ma clara que as condições sempre anormalmente estabelecidas
de existência esseral ordinaria não deixam chegar aos seres das
gerações ulteriores nenhuma informação exata sobre os acon­
tecimentos reais que se passaram entre os seres de épocas re­
motas. E se lhes chega por casualidade alguma coisa no gênero
dessa expressão, ela serve imediatamente de base, na razão fan­
tástica de seus favoritos, a toda uma teoria, multiplicando as­
sim em sua presença os “egoplastikurs esserais” imaginarios
ou, como diriam eles mesmos, as “representações psíquicas”
que têm por efeito fazer surgir no Universo esse “psiquismo
único”, estranho para seres tri-cerebrais, que cada um de seus
favoritos possui.
Assim, pois, tendo me posto, desde nossa chegada à ci­
dade de Babilônia, a frequentar diversos seres de lá, para me
dedicar a observações conformes sobre eles, com vistas a eluci­
dar a questão que me interessava, encontrei quase por toda
parte esses sábios reunidos ali em grande número; e logo vim a
frequentar somente a eles, limitando exclusivamente a eles e
a suas individualidades todas as minhas investigações.

“Entre os seres sábios que eu frequentava com esse fim,


havia um com o nome de Hamolinadir, que havia sido, ele tam­
bém, trazido do Egito à força.
Ora, no curso de nossas conversas, travaram-se, entre esse
ser terrestre tri-cerebral Hamolinadir e eu mesmo, quase as
mesmas relações que se estabelecem em toda parte em geral
entre seres tri-cerebrais que se encontram com freqüência.

326
QUINTO VÔO PARA A TERRA

Esse Hamolinadir era um desses sabios de lá na presença


geral dos quais os fatores de impulsos próprios a um ser tri-
cerebral, que lhes haviam sido transmitidos por hereditarieda­
de, não estavam ainda inteiramente atrofiados; além disso, tor­
nou-se evidente para mim que, durante sua idade preparató­
ria, os seres responsáveis de seu meio o haviam mais ou menos
normalmente orientado, ele também, na direção de uma exis­
tência responsável.
Aliás, devo lhe dizer que havia naquele tempo, na cidade
de Babilônia, muitos outros sábios como ele.
Esse sábio Hamolinadir era da raça dita “assíria”; tinha
vindo ao mundo na própria cidade de Babilônia, e lá foi prepa­
rado para tornar-se um ser responsável; mas ele tinha sido ins­
truído no Egito, numa escola superior a todas as que existiam
naquele tempo na Terra e que era conhecida com o nome de
“Escola para tornar o Pensamento substancial”.
Quando o encontrei pela primeira vez, ele estava numa
idade em que seu “Eu” havia alcançado — quanto ao poder de
dirigir de maneira sensata o “funcionamento psíquico automá­
tico” de sua presença geral — a mais alta estabilidade acessível
a um ser tri-cerebral do planeta Terra daquele período, de modo
que ele tinha, durante o que se chama “o estado passivo de
vigília”, manifestações esserais nitidamente expressas, tais como
“consciência de si”, “imparcialidade”, “sinceridade”, “sensi­
bilidade”, “engenhosidade”, e assim por diante.
Pouco depois de nossa chegada em Babilônia, assisti com
esse Hamolinadir a diversas “reuniões” dos seres sábios de que
falei, e ouvi o que eles chamavam de “exposições” de todo tipo,
precisamente sobre a questão que era então o “tema do mo­
mento” e que havia provocado a “agitação dos ânimos” de to­
dos os babilônios.
Meu amigo Hamolinadir estava, ele também, muito exci­
tado por essa palpitante questão.
Ele se atormentava e se punha furioso, porque as

327
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

numerosas teorias, antigas e novas, difundidas sobre essa ques­


tão, eram todas, a despeito de suas provas absolutamente con­
traditórias, tão convincentes e verídicas tanto urnas como as
outras.
Segundo ele, as teorias que provavam que temos urna alma
“eram expostas de maneira lógica e persuasiva”, mas as que
provavam justo o contrario “não eram nem menos lógicas nem
menos persuasivas”.
Para que você possa se colocar no lugar desse simpático
assírio, lhe explicarei ainda que em geral, no seu planeta —
hoje como nos tempos de Babilonia —, toda teoria sobre o que
eles chamam “a questão do além”, ou qualquer outra “elucida­
ção de detalhes” relativa a algum fato determinado, é quase
sempre a invenção de seres tri-cerebrais de lá nos quais a maioria
das conseqüências das propriedades do órgão kundabuffer já
está inteiramente cristalizada, de modo que na presença deles
começa a funcionar à perfeição a propriedade esseral à qual
eles mesmos dão o nome de “astúcia”. Eles adquirem assim,
pouco a pouco em sua presença, seja conscientemente, seja au­
tomaticamente — quando digo conscientemente isto significa,
naturalmente, com o tipo de razão que há muito tempo eles
são os únicos a possuir —, certas propriedades que lhes ser­
vem para “localizar” os pontos fracos do psiquismo de seus
semelhantes; essas propriedades constituem então neles, com
o tempo, dados que lhes permitem experimentar, e até às vezes
compreender, a singular lógica dos seres que os cercam, e é em
conformidade com esses dados que inventam e combinam teo­
rias sobre esta ou aquela questão. E como conseqüência da
atrofia gradual, na maioria dos seres tri-cerebrais de lá, da fun­
ção esseral denominada “sentir instintivamente as verdades
cósmicas” — atrofia consecutiva às condições anormais de exis­
tência esseral ordinária que eles mesmos estabeleceram —, se
lhes acontece de se concentrar sobre o estudo de uma dessas

328
QUINTO VÔO PARA A TERRA

teorias, então se convencem dela, quer queiram ou não, com


toda sua presença.

“Ora, meu filho...


“Sete de seus meses após nossa chegada à cidade de Ba­
bilônia, tui um dia com meu amigo Hamolinadir ao que se cha­
ma um “congresso” científico.
Esse “congresso científico” tinha sido organizado pelos
seres trazidos no passado à força para a cidade; por isso reunia
— além dos sábios “confiscados” pelo soberano persa, que des­
de então tinha cessado de se apaixonar pela ciência da “alqui­
mia” e os havia esquecido a todos — numerosos sábios vindos
voluntariamente de outras comunidades e, como eles diziam
então, “por amor à ciência”.
Naquele dia, a ordem das intervenções dos oradores des­
se congresso científico fora sorteada.
Meu amigo Hamolinadir devia igualmente tomar a pala­
vra; por isso, participou do sorteio. Coube-lhe falar em quinto
lugar.
Antes dele, entre os oradores, uns expuseram novas
“teorias” de sua invenção, os outros criticaram algumas dou­
trinas já estabelecidas e bem conhecidas deles todos.
Finalmente, foi a vez desse simpático assírio.
Ele “subiu à cátedra”, como eles dizem, e de imediato os
bedéis suspenderam por cima dessa cátedra um cartaz indican­
do aquilo do que ele ia falar, pois tal era o costume nessa época.
O cartaz anunciava que o orador tinha tomado como tema
de seu discurso “a instabilidade da razão humana”.

Meu amigo terrestre começou por explicar qual era, em


sua opinião, a estrutura do “cérebro encefálico” do homem,
em que ocasiões e de que maneira são percebidas as diversas
impressões por seus outros cérebros; depois, ele esclareceu que
é somente após a realização de um “acordo” determinado

329
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

entre esses diversos cérebros que o conjunto dos resultados se


grava no “cérebro encefálico”.
No início, falou pausadamente, porém quanto mais fala­
va, mais se inflamava, até o momento em que, aos gritos, ele se
pôs a criticar a razão humana.
Criticava ao mesmo tempo, sem a menor piedade, sua
própria razão.
Sempre gritando, pôs-se a demonstrar, de maneira muito
lógica e convincente, a instabilidade e a variabilidade da razão
humana, explicando minuciosamente como era fácil provar
qualquer coisa a essa razão e persuadi-la do que se quisesse.
Já nos gritos de meu amigo terrestre Hamolinadir des­
pontavam os primeiros soluços, mas, em meio a esses soluços,
ele não deixava de prosseguir seu discurso.
“Para todo homem, dizia ele, para mim, naturalmente,
como para qualquer um, provar qualquer coisa não custa nada;
basta para isso conhecer os choques e as associações que se
deve suscitar nos diversos cérebros enquanto se demonstra esta
ou aquela verdade.
“Até se pode provar facilmente ao homem que o mundo
inteiro, inclusive os homens, é claro, não é senão pura ilusão,
que só há realidade e autenticidade no mundo em nossos “ca­
los dos pés” e, até mesmo, neste único que cresce no dedão do
pé esquerdo. Afora esse calo do pé, nada existe no mundo,
tudo só faz aparentar, e ainda somente para os “psicópatas ar­
redondados”.

Nesse momento de seu discurso, um bedel trouxe a esse


simpático ser terrestre tri-cerebral uma jarra d’água; ele bebeu
com avidez, depois retomou, um pouco mais calmamente:
“Tomem a mim mesmo como exemplo. Não sou um sá­
bio qualquer; em toda a Babilônia e em muitas outras cidades
consideram-me um homem de grande saber e de espírito.

330
QUINTO VÔO PARA A TERRA

“Segui até o fim um ensinamento tal como nao existe su­


perior na Terra e tal como não existirá provavelmente nunca mais.
“Mas o que trouxe então à minha razão esse desenvolvi­
mento superior quanto à questão que, já há um ou dois anos,
leva todos os babilônios à loucura?
“Apesar de seu desenvolvimento superior, minha razão
não me trouxe nada mais, no decorrer desta loucura geral sus­
citada pela questão da “alma”, do que “cinco sextas-feiras por
semana”.
“Durante esse período, examinei com a maior atenção e
a maior seriedade todas as teorias antigas e recentes sobre a
“alma”; não há uma só teoria sobre a qual eu não tenha, em
meu foro íntimo, concordado com o autor, todas estando ex­
postas com muita lógica e verossimilhança e minha razão não
podendo impedir se de aprovar a lógica e a verossimilhança delas.
“Aliás, eu mesmo escrevi, durante esse tempo, um estu­
do muito importante sobre esta “questão do além” e, provavel­
mente, bom número dos assistentes aprenderam a conhecer
meu pensar lógico; mais ainda, não há um entre vocês, com
toda probabilidade, que não me tenha invejado este pensar.
“E, no entanto, declaro honesta e sinceramente, a todos
vocês aqui presentes que, no que se refere à questão do além,
não sou nem mais nem menos, com todo o saber acumulado
em mim até este dia, que um simples “imbecil ao quadrado”.
“Estamos levantando neste momento aqui, na cidade de
Babilônia, uma “torre de Babel” internacional, com a esperan­
ça de subir até o céu, ver com nossos próprios olhos o que se
passa lá em cima.
“Esta torre se constrói aparentemente com tijolos de as­
pecto semelhante, mas eles são leitos de materiais os mais di­
versos.
“Entre estes tijolos, há o de ferro, há o de madeira, há o
de “massa”; há até mesmo o de “penugem”.
“Ora, construímos hoje com esses tijolos, em pleno centro

331
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

de Babilonia, urna torre desmesuradamente alta, e todo homem


mais ou menos consciente é bem lorçado a se dar conta de que
cedo ou tarde essa torre deverá desabar, esmagando em sua
queda não somente todos os habitantes da cidade, mas tam­
bém tudo que eht contém.
“Quanto a mim, quero viver ainda; não quero ser esma­
gado pela torre e me salvo sem mais tardar. Vocês, façam como
quiserem!”
Pronunciou estas últimas palavras andando, e desapa­
receu.
Nunca mais voltei a ver esse simpático assírio.
Como soube mais tarde, ele deixou a cidade de Babilô­
nia no mesmo dia para ir à Ninévia, onde morou até uma velhi­
ce avançada. Soube igualmente que esse Hamolinadir nunca
mais se ocupou com “ciências”, e passou o resto de sua exis­
tência a plantar “tchungari” — que se chama, hoje em dia,
“milho”.

“Ora, meu filho, o discurso desse Hamolinadir causou


imediatamente uma impressão tão forte nos seres de lá que eles
licaram durante quase todo um mês “como se tivessem sido
mergulhados em água”.
E, quando se encontravam, não talavam mais de nenhu­
ma outra coisa, e não laziam senão se recordar e se repetir pas­
sagens de seu discurso.
Eles as repetiram para si tantas vezes que certas expres­
sões de Hamolinadir se propagaram entre os seres ordinários da
Babilonia, onde se tornaram proverbiais.
Algumas de suas expressões chegaram mesmo até os seres
atuais do planeta Terra; entre elas está a de “torre de Babel”.
Os seres atuais representam-se hoje muito claramente que
se construiu um dia, nessa cidade de Babilônia, uma certa tor­
re, para permitir aos seres subir até Deus com seus corpos
planetários.

332
QUINTO VÔO PARA A TERRA

Os seres atuais do planeta Terra dizem ainda — e disto


estão intimamente persuadidos — que durante a construção
dessa “torre de Babel” se produziu, entre várias línguas, uma
certa confusão.
Chegou em geral aos seres atuais do planeta Terra um
grande número dessas expressões soltas, que tinham sido pro­
nunciadas ou estabelecidas por diversos seres dos mais sensa­
tos, acerca de algum detalhe de uma concepção integral, tanto
do tempo em que Babilônia era o “centro de cultura” como de
outras épocas. E seus lavoritos dos últimos séculos arquitetam
sobre esses “farrapos”, com sua razão demasiadamente confu­
sa, tamanhas “bobagens” que nosso arqui-astuto Lúcifer po­
deria, palavra de honra, invejá-los.

“Entre as numerosas doutrinas que tratavam da questão


do além, duas fizeram em Babilônia numerosos adeptos; es­
sas doutrinas não tinham, aliás, absolutamente nada de co­
mum entre si.
Ambas passaram, de geração a geração, para confundir
seu “sadio pensar esseral”, já bastante confuso sem isso.
Ao se transmitir de geração a geração, os detalhes dessas
duas doutrinas foram modificados, mas o pensamento funda­
mental que elas continham não mudou nada e chegou mesmo
até nossos contemporâneos.
Uma dessas duas doutrinas, que fez muitos adeptos em
Babilônia, era precisamente da categoria das “doutrinas dua­
listas”, e a outra, das “ateístas”; por conseguinte, uma demons­
trava que eles possuíam uma “alma”, a outra demonstrava exa­
tamente o contrário, quer dizer, que eles não tinham “alma”
alguma.
A doutrina “dualista” ou “idealista” afirmava que o cor­
po grosseiro do ser-homem continha um corpo sutil e invisível
que é a “alma”.

333
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Este “corpo sutil” do homem é imortal, quer dizer, ja­


mais é destruído.
Era dito, depois, que esse “corpo sutil”, quer dizer, a
“alma”, devia para toda ação, tanto voluntaria como involun­
taria, do “corpo tísico” cumprir com um pagamento adequado
e que todo homem, ao nascer, é constituído destes dois corpos,
quer dizer, do “corpo físico” e da “alma”.
Era dito ainda que, no momento mesmo do nascimento do
homem, pousam sobre seus ombros dois “espíritos” invisíveis.
Sobre seu ombro direito pousa o “espírito do bem”, que
tem o nome de “anjo”, e sobre seu ombro esquerdo, o outro
espírito, o “espírito do mal”, que tem o nome de “diabo”.
Desde o primeiro dia, esses espíritos, o espírito do bem e
o espírito do mal, registram em seus “caderninhos” todas as
manifestações desse homem; aquele que pousou sobre o om­
bro direito inscreve tudo que chamam de as “boas manifesta­
ções” ou as “boas ações” e o espírito pousado sobre o ombro
esquerdo, as “más”.
Faz parte das obrigações de cada um desses dois espíri­
tos sugerir ao homem o máximo possível de manifestações que
estão dentro de sua alçada, e obrigá-lo a cumpri-las.
O espírito do ombro direito, portanto, se esforça sempre
para conseguir que o homem se abstenha de executar as ações
que são da alçada do espírito contrário e faça o maior número
possível de ações que sejam de sua própria alçada.
O espírito do ombro esquerdo age, por sua vez, do mes­
mo modo, mas em sentido contrário.
Era dito ainda, nesse original ensinamento, que esses dois
espíritos rivais travam entre si uma luta incessante, e que cada
um deles “se vira do avesso” para que o homem cumpra, de
preferencia, aquelas ações que ele controla.
Quando o homem morre, estes espíritos deixam seu “cor­
po” físico na Terra e arrebatam sua “alma” para “Deus”, que
existe em algum lugar lá em cima, “nos céus”.

334
QUINTO VÔO PARA A TERRA

Lá em cima, “nos céus”, esse “Deus” está sentado, ro­


deado por seus fiéis anjos e arcanjos; diante dele se ergue
uma “balança”.
De cada lado da balança estão os “espíritos de serviço”.
Do lado direito ficam os espíritos chamados “servidores do
Paraíso” — estes são os “anjos” —, e do lado esquerdo, os
“servidores do Inferno” — estes são os “diabos”.
Os espíritos que, durante a vida do homem, ficam sobre
seus ombros, após sua morte levam sua “alma” a “Deus”;
“Deus” lhes toma então das mãos os “caderninhos”, nos quais
estão consignadas as anotações referentes a todas as ações, e os
coloca sobre os pratos da balança.
Sobre o prato da direita põe o caderninho do anjo, e so­
bre o prato da esquerda, o caderninho do diabo; e, segundo a
inclinação do prato da balança que prevalece, “Deus” ordena
aos espíritos de serviço que ficam deste lado de encarregar-se
dessa “alma”.

Do lado dos espíritos de serviço que ficam à direita, en­


contra-se precisamente o lugar que tem o nome de “Paraíso”.
Esse lugar é de uma beleza e de uma magnificência in­
descritíveis. O “Paraíso” está repleto de frutos divinos, assim
como de inumeráveis flores de aromas variados. O ar ressoa
sem cessar com os sons encantadores do canto dos querubins e
da música dos serafins. Muitas outras maravilhas estavam as­
sim enumeradas, cujos efeitos exteriores podiam, segundo as
percepções e concepções anormais que se tornaram inerentes
aos seres desse estranho planeta, dar-lhes o que eles chamam
uma “grande satisfação”, quer dizer, a satisfação de necessida­
des criminosas para seres tri-cêntricos, e cujo conjunto expul­
sou da presença deles, sem exceção, tudo que Nosso Pai Co­
mum havia depositado neles e que é indispensável a todo ser
tri-cerebral.
Sob o controle dos espíritos de serviço que ficam do lado

335
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

esquerdo da balança, quer dizer, dos diabos, se encontrava, de


acordo com esse ensinamento babilónico, o que se chama o
“Inferno”.
No que concerne ao Inferno, dizia-se que era um lugar
sem sombra de vegetação, onde reinava perpetuamente um ca­
lor incrível e onde nào se podia encontrar urna só gota d’água.
Nesse Inferno ressoam continuamente os sons de urna
horrível “cacofonía” e as chicotadas dos “insultos” enraivecidos.
Por toda parte ali estão erguidos instrumentos de tortura
de toda espécie, começando pela “grelha” e a “roda” para ter­
minar com as máquinas de “cortar os calos em pedaços” e
salpicados mecanicamente com sal — e assim por diante, no
mesmo estilo.
Essa doutrina babilónica “idealista” explicava, de ma­
neira circunstanciada, que o homem devia constantemente, a
tim de que sua “alma” fosse a esse “Paraíso”, esforçar-se na
Terra para dar a maior quantidade possível de material ao “ca-
derninho” do espírito-anjo pousado sobre seu ombro direito.
Caso contrario, os materiais mais numerosos iriam ali­
mentar as anotações do espírito pousado sobre o ombro es­
querdo e a “alma” do homem seria, então, infalivelmente lan­
çada nesse pavoroso “Inferno”.

Nesse momento, Hassin, não podendo mais se conter,


interrompeu de repente Belzebu com as seguintes palavras:
— E que manifestações eles consideram como boas ou
como más?
Belzebu envolveu seu neto com um estranho olhar e, ba­
lançando a cabeça, lhe disse:
— Para distinguir entre elas as manifestações esserais con­
sideradas em seu planeta como boas ou como más, sempre exis­
tiram, desde os tempos mais remotos, e existem ainda em nos­
sos dias, duas concepções independentes, que nada têm em
comum entre si e que se transmitem de geração a geração.

336
QUINTO VÔO PARA A TERRA

A primeira dessas concepções só existe e só se transmite


lá entre seres tais como eram antigamente, no continente da
Atlântida, os membros da sábia sociedade dos akhldanneses, e
tais como se tornaram, alguns séculos mais tarde, após a segun­
da perturbação transapalniana, os seres de lá que adquiriram
em sua presença geral, embora de uma maneira diferente, qua­
se os mesmos dados, e que tinham o nome de “iniciados”.
Esta primeira concepção se expressa lá na fórmula se­
guinte:
“Toda ação do homem é boa, no sentido objetivo da pa­
lavra, quando ele a cumpre segundo sua consciência; e toda
ação é má, se ele tiver de experimentar depois “remorsos” por
causa dela”.
Quanto à segunda concepção, ela surgiu pouco após a
“sabia invenção” do grande imperador Koniutsion e, transmi­
tida de geração a geração pelos seres ordinários de lá, difun­
diu-se pouco a pouco, por quase todo o planeta, sob o nome de
“moral”.
E interessante notar uma das particularidades que essa
“moral” de lá adquiriu quase desde seu aparecimento e que
acabou por se tornar inerente a ela.
Exatamente o que é esta particularidade da “moral” ter­
restre, você se representará e compreenderá facilmente se eu
lhe disser que ela possui, tanto dentro como fora, a proprieda­
de “única” que é o apanágio do ser chamado “camaleão”.
A estranheza e a originalidade dessa particularidade da
“moral” — e sobretudo da “moral” contemporânea — consis­
tem em que seu funcionamento se encontra, de uma maneira
automática, sob a inteira dependência do humor das “autori­
dades locais”; cujo humor depende, por sua vez, automatica­
mente ele também, do estado de quatro fontes de influências
que existem lá com os nomes de “sogra”, “digestão”, “tabaco
ordinário” e “grana”.

337
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“O segundo ensinamento babilónico que fez numerosos


adeptos e que, passando de geração a geração, chegou ele tam­
bém até seus favoritos atuais classificava-se entre as doutrinas
“ateístas” da época.
Este ensinamento dos candidatos hassnamuss terrestres
da época repetia até a saciedade que não existia no mundo ne­
nhum “Deus” e, muito menos, “alma” no homem e que, em
conseqüência, todos os raciocínios e discussões sobre a “alma”
não eram nem mais nem menos do que delírios de doentes vi­
sionários.
Demonstrava, cm seguida, que só existia no mundo uma
certa lei mecânica, segundo a qual toda coisa existente passa
de uma espécie à outra, quer dizer que os resultados surgidos
de causas anteriores quaisquer se transformam progressivamen­
te para se tornar as causas de resultados ulteriores.
Por isso o homem não é mais que a conseqüência de al­
guma causa anterior e deve servir, por sua vez, em definitivo,
de causa para conseqüências quaisquer.
Depois esse ensinamento dizia que todo fenômeno “so­
brenatural”, mesmo se ele pudesse ser realmente sentido pela
maioria das pessoas, não era nada mais do que um desses resul­
tados decorrentes da lei mecânica especial.
A total compreensão dessa lei pela razão pura depende
do conhecimento progressivo, imparcial e exaustivo de seus
múltiplos detalhes, os quais podem se revelar à razão pura na
medida mesma de seu desenvolvimento.
Quanto à razão do homem, ela é apenas o conjunto de
todas as impressões que ele recebe e que lhe fornecem, pouco
a pouco, dados para comparações, deduções e conclusões.
O resultado desse conjunto de dados lhe fornece amplas
informações sobre fatos variados que se repetem de maneira
idêntica ao redor dele, e que servem, por sua vez, na organiza­
ção geral do homem, de material para elaborar nele convicções

338
QUINTO VÔO PARA A TERRA

bem determinadas. Tudo isso constitui a razão do homem, quer


dizer, seu próprio psiquismo subjetivo.

“Seja qual for a maneira pela qual se tenha talado da


“alma” nos dois ensinamentos mencionados, e apesar dos fu­
nestos meios empregados por esses “sábios” reunidos ali e vin­
dos de quase todos os países do planeta para converter, pouco
a pouco, a razão de seus futuros descendentes em verdadeiro
“moinho de asneiras”, isso não teria sido ainda senão um mal
menor; mas todo o horror objetivo se deve ao fato de que disso
resultaram grandes males não só para sua descendência, mas
para tudo o que existe.
O fato é que, por ocasião da grande “agitação dos âni­
mos” na cidade de Babilônia, quando eles adquiriram em suas
presenças, por suas “elucubrações” coletivas, grande número
de dados para manifestações hassnamussianas — além das que
eles já possuíam — e quando foram dispersados para retornar
a seus países, eles se puseram a propagar por toda parte, in­
conscientemente, é claro, tais como micróbios contagiosos, to­
das as idéias cujo conjunto devia acabar por destruir os últi­
mos vestígios, e até os rastros, de todos os resultados dos San­
tos Trabalhos do Mui Santo Ashyata Sheyimash.
Esses Santos Trabalhos, “conscientemente sofridos”, ele
os havia intencionalmente realizado, com o fim de criar para
eles condições exteriores particulares de existência esseral or­
dinária, as únicas que teriam podido fazer desaparecer pouco a
pouco de sua presença as funestas consequências das proprie­
dades do órgão kundabuffer, de modo que, em seu lugar, eles
pudessem adquirir as propriedades conformes â presença de
todo ser tri-cerebral , presença cuja totalidade é â imagem exa­
ta do Universo.
Um outro resultado das “elucubrações” variadas âs quais
se entregaram então sobre a questão da “alma”, na cidade de
Babilônia, os seres “sábios” da Terra, foi que, pouco depois de

339
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

minha quinta estada pessoal na superficie de seu planeta, o


centro de cultura provisorio deles, a incomparável e verdadei­
ramente majestosa Babilonia, foi, por sua vez, como se diz por
lá, “totalmente varrida da face da Terra”.
E foi assim não só com a cidade de Babilônia, mas tam­
bém com tudo que tinha sido adquirido e realizado pelos seres
que haviam existido lá no curso de numerosos séculos.

“Para ser justo, devo lhe dizer agora que a principal ini­
ciativa da destruição dos Santos Trabalhos de Ashyata Sheyi­
mash não vinha absolutamente dos sábios terrestres reunidos
naquele tempo na cidade de Babilonia, porém das invenções
de um ser “sábio”, muito conhecido lá, que existiu no conti­
nente da Asia vários séculos antes dos acontecimentos babiló­
nicos e que tinha o nome de “Lentrohamsanine”; este ser, cuja
parte suprema havia se revestido numa unidade determinada e
tinha se aperfeiçoado até o grau requerido de Razão objetiva,
tornou-se, ele também, um dos trezentos e treze “Individuuns
Hassnamuss Eternos” que existem atualmente num pequeno
planeta que tem o nome de “Expiaçâo”.
Eu lhe falarei igualmente deste Lentrohamsanine, pois
as informações que darei sobre ele poderão lhe servir muito
para compreender o estranho psiquismo dos seres tri-cerebrais
que existem naquele original e distante planeta.
Mas só falarei de Lentrohamsanine depois de ter acaba­
do de lhe transmitir todas as informações que concernem hoje
ao Mui Grande Santo Individuum Ashyata Sheyimash e a sua
atividade em seu planeta; já que essas informações são de natu­
reza a lhe fazer compreender de maneira mais profunda e mais
substancial a estranheza do psiquismo dos seres tri-cerebrais
que lhe interessam e que povoam o planeta Terra.

340
Capítulo 25
O Mui Santo Ashyata Sheyimash
Enviado d’O-Alto à Terra

ORA, meu filho...


Escute agora com a maior atenção as informações que
vou lhe dar sobre aquele que é hoje o Mui Santo Individuum
cósmico geral, Ashyata Sheyimash, e sobre sua atividade relati­
va aos seres tri-cerebrais que surgem e existem no planeta Ter­
ra, que tanto lhe agrada.
Já lhe disse muitas vezes que, por Ordem Todo-Miseri­
cordiosa do Nosso Profundamente-Amante Pai Eterno Comum,
nossos Mui Altos e Mui Grandes Individuuns cósmicos reali­
zam às vezes na presença de um ser tri-cerebral da Terra a “con­
cepção determinada” de um Individuum sagrado a fim de que,
tornando-se um ser terrestre, este Individuum possa tomar pro­
vidências no próprio lugar e dar ao processo de existência es­
seral ordinaria deles uma nova direção conveniente, que lhes
permita libertar, talvez, sua presença das consequências já cris­
talizadas das propriedades do órgão kundabuffer, assim como
da predisposição a novas cristalizações.
Ora, sete séculos exatamente antes dos acontecimentos
babilónicos de que lhe falei, foi realizada, no corpo planetário
de um ser tri-cerebral de lá, a “concepção determinada” do
Individuum sagrado chamado Ashyata Sheyimash, a quem cou­
be a vez de ser enviado d’O-Alto e que é hoje um de nossos
Mui Altos e Mui Grandes Santos Individuuns cósmicos sagrados.
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Ashyata Sheyimash recebeu sua concepção no corpo pla­


netario de um menino de urna familia pobre pertencente ao
que se chama a “raça sumérja”, num povoado chamado “Pis-
paskana”, situado nào longe de Babilonia.
Cresceu e tornou-se um ser responsável em parte nesse
povoado, e em parte em Babilonia, que, sem ser ainda majesto­
sa, já era célebre na época.
O Mui Santo Ashyata Sheyimash foi o único Enviado d’O-
Alto que conseguiu, por seu Santo Labor, criar no seu planeta
condições tais que a existência desses infelizes seres se tornou,
durante um certo tempo, um pouco semelhante àquela dos se­
res tri-cerebrais que povoam os demais planetas de Nosso Ciran­
de Universo e que são dotados das mesmas possibilidades que
eles; esse Santo foi ainda o primeiro, no planeta Terra, que re­
cusou, para cumprir a missão que lhe havia sido destinada em
relação aos seres tri-cerebrais, recorrer aos modos e meios ha­
bituais instituídos no decorrer dos séculos por todos os demais
Enviados d’O-Alto.
O Mui Santo Ashyata Sheyimash não ensinou nem pre­
gou nada aos seres tri-cerebrais ordinários da Terra, contraria­
mente ao que haviam feito antes dele e que fizeram ainda depois
todos aqueles que foram enviados d’O-Alto com a mesma meta.
Nenhum ensinamento desse Santo foi, portanto, trans­
mitido, sob forma alguma, aos seres ordinários de lá, nem mes­
mo à terceira geração, e ainda menos aos seres ordinários atuais.
No entanto, os contemporâneos do Mui Santo Ashyata
Sheyimash fizeram chegar aos seres das gerações seguintes, por
intermédio dos que se chamam “iniciados”, informações pre­
cisas referentes a sua Mui Santa Atividade, e isso por meio de
um certo “legamonismo”, resultado de suas reflexões, chama­
do “Horror da Situação”.
Por outro lado, do tempo da sua Mui Santa Atividade,
conservou-se intacta até os nossos dias uma “tábua de manda-

342
O MUI SANTO ASHYATA SHEYIMASH

mentos” em mármore sobre a qual estavam gravados seus “con­


selhos” e seus “mandamentos” para os seres de sua época.
Esta tábua de mandamentos, conservada intacta, é hoje a
mais preciosa relíquia de um pequeno grupo de seres iniciados
de lá, a “confraria Olbogmek”, cujo lugar de existência se en­
contra no centro do continente da Asia.
A palavra “Olbogmek” significa: “As diversas religiões
nào existem, há somente um Deus Unico”.
Foi em minha última descida pessoal à superfície de seu
planeta que tomei, por acaso, conhecimento desse legamonis­
mo, que transmitiu às gerações sucessivas de seres-homens ini­
ciados do planeta Terra as reflexões de Santo Ashyata Sheyi­
mash, sob o título “Horror da Situação”.
Esse legamonismo muito me ajudou pessoalmente a elu­
cidar certos aspectos estranhos do psiquismo desses seres ori­
ginais que eu não tinha ainda chegado a compreender, apesar
da observação atenta a que me havia dedicado sobre eles du­
rante algumas dezenas de séculos.
— Querido e bem amado avô, pediu Hassin, diga-me,
por favor, o que significa a palavra “legamonismo”.
— Designa-se com o nome de “legamonismo”, respon­
deu Belzebu, um dos meios que empregam lá, para transmitir
de geração a geração as informações relativas a qualquer acon­
tecimento dos tempos mais remotos, os seres tri-cerebrais que
se tornaram dignos de ser e de se chamar “iniciados”.
Para que você compreenda melhor como as informações
podem ser transmitidas por legamonismo aos seres das gera­
ções seguintes, direi ainda algumas palavras sobre os seres de
lá que eram então chamados e que continuam a se chamar
“iniciados”.
Nos tempos antigos, no planeta Terra, essa palavra era
sempre empregada em um só sentido; chamavam-se assim os
seres tri-cerebrais que tinham adquirido em sua presença da­
dos objetivos quase idênticos, perceptíveis a todos.

343
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Mas, a partir dos dois últimos séculos, este mesmo termo


admite dois significados:
Segundo o primeiro, ele designa, exatamente como ami­
gamente, os seres de lá que, por seu labor pessoal consciente e
seus sofrimentos voluntarios, se tornaram “iniciados” e que,
tendo adquirido para si mesmos, desta maneira, méritos obje­
tivos perceptíveis aos demais seres, sem distinção de sistemas
de cérebros, despertam neles a estima c a confiança.
Em sua segunda acepção, esta palavra é o título de gloria
que se dão entre si os seres pertencentes aos chamados “ban­
dos de bandidos”, que tanto se desenvolveram durante esse
período e que têm por objetivo principal “despojar” os que os
rodeiam somente de valores “essenciais”.
Esses “bandos de bandidos” usam como pretexto certas
ciências “ocultas” ou “sobrenaturais” para levar a bom êxito
suas “pilhagens”.
E a cada um desses “bandidos” se dá lá o nome de iniciado.
Entre esses “iniciados” terrestres encontram-se até mes­
mo “grandes-iniciados”, os quais — sobretudo em nossos dias
— se distinguem dos “iniciados” ordinários “de nova promo­
ção” pelo fato de que, em suas ocupações de virtuosos, eles
passam, como se diz por lá, “pela água, pelo fogo, pelos canos
da estufa” e até mesmo por todas as salas de jogo de roleta de
Monte Cario.
Assim, pois, meu filho, chama-se “legamonismo” a trans­
missão regular de informações referentes a acontecimentos que
se passaram no planeta Terra nos tempos mais remotos e que
se realiza diretamente de iniciados a iniciados de primeira or­
dem, quer dizer, entre seres realmente eméritos, os quais trans­
mitem uns aos outros o que eles receberam de outros seres nao
menos eméritos.
Este modo de transmissão foi inventado pelos seres do con­
tinente da Atlântida; justiça lhes seja feita, esta maneira de proce­
der é realmente muito sensata e atinge perfeitamente sua meta.

344
O MUI SANTO ASHYATA SHEYIMASH

E o único meio graças ao qual as informações relativas a


certos acontecimentos dos tempos mais recuados podem che­
gar fielmente aos seres das gerações futuras.
Quanto às informações que passam de geração a geração
pela massa dos seres ordinários desse planeta, elas não tardam
nada a desaparecer completamente de sua memória ou não dei­
xam atrás de si, no melhor dos casos, como disse nosso caro
Mulá Nassr Eddin, senão “plumas e paetês e um tema para
Sherazade”.
Eis por que, quando chegam aos seres de gerações dis­
tantes alguns fragmentos de informações sobre tal ou tal acon­
tecimento e que os seres sábios “de nova promoção” se apode­
ram deles para cozinhar um de seus absurdos, vemos se produ­
zir o original fenômeno seguinte, instrutivo no mais alto grau:
na presença geral de todos esses “hipócritas” que ouvem o tex­
to desses absurdos, penetra de imediato, para se entregarem a
isso com ardor, o que se chama lá “o espírito funesto da dança
de Sao Guido”.
Quanto à maneira pela qual os seres sábios do planeta
Terra cozinham seus absurdos com os fragmentos de informa­
ções que lhes chegaram, nosso querido Mulá Nassr Eddin a
define perfeitamente em uma de suas sábias sentenças: “A pul­
ga foi posta no mundo para que seu espirro provoque o dilúvio
— cuja descrição é um objeto de estudo para nossos sábios”.
Devo lhe dizer que no tempo em que eu existia entre
seus favoritos, me era às vezes difícil conter o que eles chamam
o “riso incontrolável” quando um desses sábios discorria em
público ou me falava pessoalmente de acontecimentos antigos
dos quais eu mesmo havia sido testemunha.
Esses discursos e essas “histórias” estão plenos de fic-
ções cômicas, tais como jamais teriam podido inventar, apesar
de todos seus recursos, nosso arqui-astuto Lúcifer e nenhum
de seus assistentes.”

345
Capítulo 26
Legamonismo relativo
às reflexões do Mui Santo
Ashyata Sheyimash com o título
“Horror da Situação”

BELZEBU prosseguiu:
— O legamonismo por meio do qual se transmitiam as
reflexões do Mui Santo Ashyata Sheyimash começava com a
seguinte oraçào:

“Em nome da Causa de meu advento, me esforçarei sem­


pre por ser justo para com todo princípio espiritualizado de
Nosso Pai Comum, Todo-Poderoso Autocrata Eterno, e para
com todo princípio de Suas manifestações espiritualizadas fu­
turas. Amém”.
“Foi-me ordenado d’O-Alto, a mim, ínfima parcela do
Grande Todo, de revestir o corpo planetario de um ser tri-
cêntrico da Terra, a fim de ajudar todos os demais seres que
aparecem e existem sobre este planeta a se libertar das conse­
quências das propriedades do órgão que, por elevadas e graves
razoes, foi implantado na presença de seus ancestrais.
“Os Individuuns sagrados que foram, antes de mim, es­
pecialmente realizados d’O-Alto com esta intenção tentaram
todos, para atingir essa mesma meta, cumprir a tarefa que lhes
“HORROR DA SITUAÇÃO”

lora entregue por meio de um ou de outro dos três caminhos


sagrados predestinados ao aperfeiçoamento de si por Nosso
Criador Eterno Ele-mesmo, quer dizer, por meio dos caminhos
sagrados que se fundamentam nos impulsos esserais denomi­
nados “Fé”, “Esperança” e “Amor”.
“Quando fiz dezessete anos completos, me pus, por or­
dem d’O-Alto, a preparar meu corpo planetário com vistas a
poder ser imparcial durante minha existencia responsável.
“Preparando-me assim, tinha a intenção, logo que atin­
gisse a idade responsável, de cumprir, eu também, a tarefa que
me fora destinada, por meio de um ou de outro desses três
impulsos esserais sagrados.
“Mas me foi dado, durante o período de minha prepara­
ção, encontrar na cidade de Babilônia muitos seres pertencen­
tes a quase todos os “tipos” já constituídos e constatei, no de­
correr de minhas observações imparciais, os diversos traços de
suas manifestações esserais; desde então, insinuou-se pouco a
pouco em minha essência uma dúvida crescente quanto ã pos­
sibilidade de salvar os seres tri-cêntricos desse planeta por meio
de um ou de outro desses três caminhos sagrados.
“As diversas manifestações dos seres que encontrei ape­
nas fizeram aumentar minha dúvida e me convenceram logo
que essas conseqüências das propriedades do órgão kundabuffer,
transmitindo-se por hereditariedade através de uma longa su­
cessão de gerações, tinham se cristalizado de tal modo em sua
presença que elas constituíam, dali em diante, nos seres con­
temporâneos, como que partes legítimas de sua essência, de
modo que hoje essas conseqüências cristalizadas do órgão kun-
dabutfer são, para sua presença geral, como uma “natureza den­
tro de sua natureza”.

“Foi por isso que, quando enfim me tornei um ser res­


ponsável, decidi, antes de deter minha escolha em um dos três
caminhos sagrados com vistas a minha atividade ulterior, levar

347
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

meu corpo planetario ao estado de “ksherknara sagrado”,


quer dizer, até o estado de “percepção esseral, todos-cére-
bros-equ ilibrados”.
“Subi com este fim o monte “Vezinyama”, onde passei
quarenta dias e quarenta noites de joelhos, exercitando-me na
concentração.
“Nos quarenta dias seguintes, não comi nem bebi. Re­
cordei e analisei todas as impressões deixadas em mim por tudo
o que eu tinha percebido no curso do período de preparação
de minha existência.
“Os quarenta dias e quarenta noites que seguiram, per­
manecí de joelhos, não comi nem bebi, e arranquei, a cada meia
hora, em diversos lugares de meu peito, dois pêlos de cada vez.
“E foi somente após ter conseguido, assim, estar inteira­
mente libertado da influência de toda associação corporal ou
espiritual ligada às impressões de vida ordinária que me pus a
refletir no que ia fazer.

“As reflexões de minha razão purificada me levaram en­


tão à certeza de que já era tarde demais para salvar os seres
atuais por meio de um desses três caminhos sagrados.
“Essas reflexões me demonstraram categoricamente que
todas as funções autênticas, que deveriam ser nos homens tais
como elas são em todos os seres tri-cêntricos de Nosso Grande
Universo, já haviam degenerado em seus ancestrais distantes
em outras funções, que fazem parte das propriedades do órgão
kundabuffer, e que são extremamente semelhantes às verda­
deiras funções esserais sagradas de “Fé”, de “Esperança” e de
“Amor”.
“Esta degeneração devia provavelmente sua origem ao
fato de que, uma vez destruído o órgão kundabuffer em seus
ancestrais e embora estes houvessem então adquirido os fato­
res dos verdadeiros impulsos esserais sagrados, lhes restava ain­
da o sabor de numerosas propriedades do órgão kundabuffer;

348
“HORROR DA SITUAÇÃO"

desde entào, aquelas propriedades deste órgão que se pare­


ciam aos três impulsos sagrados se confundiram pouco a pou­
co com estes últimos, de modo que, em seu psiquismo, cristali­
zaram-se fatores de impulsos de “Fé”, de “Esperança” e de
“Amor” similares, por certo, aos verdadeiros e, no entanto,
absolutamente singulares.
“E os seres tri-cêntricos atuais crêem, amam e esperam,
por vezes, tanto com sua razão como com seu sentimento; mas
como crêem eles, como amam e como esperam? E aí que reside
toda a particularidade dessas três propriedades esserais.

“Eles também crêem, mas este impulso sagrado não fun­


ciona neles de maneira independente, como ocorre geralmente
em todos os seres tri-cêntricos dotados das mesmas possibili­
dades que povoam os diversos outros planetas de Nosso Gran­
de Universo; neles, este impulso surge sob a dependência de
certos fatores, determinados em sua presença geral por essas
mesmas conseqüências das propriedades do órgão kunda-
bufter, tais como essas singulares propriedades que surgiram
neles e às quais eles dão os nomes de “vaidade”, “amor-pró­
prio”, “orgulho”, “presunção” etc.
“Em conseqüência, os seres tri-cêntricos da Terra são
particularmente sujeitos a perceber e a fixar em sua presença
todo tipo de “sinkrpusarams” ou, como se diz por aqui, “dão
crédito a qualquer bobagem”.
“E extremamente fácil lazer crer qualquer coisa a um ser
desse planeta, desde que a percepção dessa “bobagem”, seja
ela provocada conscientemente de fora ou que surja automati­
camente, se acompanhe nele do luncionamento de um ou de
outro dos dados correspondentes, cristalizados neles, daquelas
propriedades do órgão kundabulfer que constituem o que se
chama a “subjetividade” desse ser, tais como o “amor-próprio”,
o “orgulho”, a “vaidade”, a “fanfarronice”, a “vangloria”, a
“arrogância” e assim por diante.

349
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

"Quando semelhante ação é sofrida por sua razao dege­


nerada e pelos fatores, igualmente degenerados em suas “loca­
lizações”, encarregados de realizar as sensações esserais, nào
somente se cristaliza neles uma convicção errônea em relação à
dita “bobagem”, mas, depois disso, eles chegarão mesmo até a
provar com ardor aos que os rodeiam, com toda sinceridade e
com toda confiança, que isso é precisamente assim e que não
poderia ser de outro modo.

“Por sua vez, os dados que engendram o impulso sagra­


do de “Amor” tomaram neles a mesma forma anormal.
“Na presença dos seres atuais, o estranho impulso ao qual
dão, eles também, o nome de “amor” permanece uma fonte
inesgotável — mas este estranho amor é, ele também, o resul­
tado de algumas das consequências cristalizadas das proprieda­
des do órgão kundabuffer, e este impulso surge e se manifesta, na
presença de cada um deles, de maneira inteiramente subjetiva.
“Tão subjetiva e tão diversa que, se interrogarmos uma
dezena deles sobre a maneira como experimentam este impul­
so interior — admitindo, é claro, que excepcionalmente res­
pondam com sinceridade e dêem uma franca descrição de suas
verdadeiras sensações e não daquelas que leram em alguma
parte ou de que ouviram falar —, todos os dez darão respostas
diferentes e falarão de dez sensações completamente distintas.
“Um explicará esse impulso somente sob seu aspecto se­
xual, um outro verá nele somente piedade, um terceiro apenas
desejo de submissão, um quarto somente uma comunhão de
interesses em relação a coisas exteriores, e assim por diante...
mas nenhum deles saberá descrever, nem mesmo de muito lon­
ge, a sensação do verdadeiro amor.
“E ninguém saberá descrevê-la, porque nenhum dos se­
res-homens ordinários daqui experimenta mais, já faz muito
tempo, a sensação do impulso esseral sagrado do verdadeiro
amor. E como eles ignoram esse “sabor”, não poderiam repre­

350
“HORROR DA SITUAÇÃO”

sentar-se, por pouco que seja, este impulso esseral sagrado que
mais beatitude traz à presença de todo ser tri-cên trico do Uni­
verso e que constitui em nos, em conformidade com a previ­
dência divina da Grande Natureza, dados tais que, experimen­
tando seus resultados, podemos, com toda felicidade, descan­
sar dos esforços meritorios que cumprimos com vistas a nosso
próprio aperfeiçoamento.
“Em nossos dias, quando um desses seres tri-cerebrais
ama um outro, ele o “ama”, seja porque este sempre o aprova e
o elogia de maneira imerecida, seja porque o nariz deste outro
se parece muito com o nariz da fêmea ou do macho com o qual
se estabeleceu, segundo as leis cósmicas de “tipo” e de “polari­
dade”, um contato que ainda nào foi rompido, seja enfim pela
simples razão de que o tio do ser que ele “ama” faz excelentes
negócios e poderia bem, um belo dia, ajudá-lo a fazer o mes­
mo. E assim por diante...
“Porém nunca mais os seres-homens daqui amam com o
verdadeiro amor, imparcial e não egoísta.
“Por isso, graças a esta espécie de amor dos seres con­
temporâneos, as predisposições hereditárias à cristalização das
consequências das propriedades do órgão kundabuffer se exer­
cem hoje sem obstáculo e elas se fixam definitivamente em sua
natureza, da qual se tornam parte integrante.

“Quanto ao terceiro impulso esseral sagrado, a “Espe­


rança” da essência, sua sorte é ainda pior que a dos dois pri­
meiros, na presença dos seres tri-cêntricos daqui.
“Não somente este impulso esseral se adaptou definiti­
vamente neles, sob uma forma desnaturada, a tudo o que con­
tem sua presença, mas a estranha e funesta “esperança” recen-
temente formada neles, que se substituiu ao impulso esseral de
Esperança sagrada, é hoje o principal obstáculo que os impede
de adquirir fatores para o funcionamento dos verdadeiros im­
pulsos esserais de “Fé”, de “Esperança” e de “Amor”.

351
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Devido a esta anormal “esperança” recentemente for­


mada, eles sempre esperam alguma coisa, o que paralisa cons­
tantemente todas as possibilidades que aparecem neles, quer
elas sejam provocadas de tora propositadamente ou surjam por
acaso de si mesmas, e que talvez teriam podido ainda destruir a
predisposição hereditária de sua presença à cristalização das
consequências das propriedades do órgão kundabufter.

“Assim que regressei do monte Vezinyama à cidade de


Babilônia, ali prossegui minhas observações, com vistas a des­
cobrir algum outro meio de levar uma ajuda a esses intelizes.
“Consagrei um ano inteiro a observações especiais sobre
todas suas manifestações e percepções e me convenci categori­
camente, no curso desse período, de que, de um lado, nos seres
desse planeta, os fatores que deveriam engendrar em suas pre­
senças os impulsos esserais sagrados de “Fé”, de “Esperança”
e de “Amor” já estavam completamente degenerados, mas
que, de outro lado, o fator que devia engendrar o impulso
esseral sobre o qual se fundamenta, em geral, todo o psi­
quismo dos seres de sistema tri-cerebral — impulso que exis­
te com o nome de “consciência moral objetiva” — não esta­
va ainda atrofiado e permanecia em suas presenças quase
em seu estado primitivo.
“Devido às condições anormalmente estabelecidas de
existência exterior ordinária, este fator, ao penetrar pouco a
pouco até as profundezas daquele de seus conscientes que eles
chamam aqui o “subconsciente”, não toma por este fato parte
alguma no funcionamento do seu consciente ordinário.
“E compreendi então, incontestavelmente, com todas as
partes perspicazes que constituem meu “Eu” integral, que so­
mente uma participação desse fator esseral, ainda intacto cm
suas presenças, no funcionamento geral do consciente sob a
direção do qual eles passam o que se chama aqui sua “existên­
cia de vigília” diária, permitiría salvar os seres tri-cerebrais atuais

352
“HORROR DA SITUAÇÃO”

daqui das conseqüências das propriedades do órgão que foi


propositadamente implantado em seus primeiros antepassados.
“Minhas reflexões ulteriores me confirmaram que seme­
lhante meta só poderia ser alcançada se sua existência esseral
ordinaria transcorresse, durante muito tempo, em condições
que houvessem sido previstas de maneira adequada.
“Quando tudo isto se transmutou inteiramente em mim,
resolvi me dedicar, desde então, exclusivamente à criação de
condições graças às quais o funcionamento da “consciência
moral sagrada”, conservada intacta em seu subconsciente, pu­
desse participar pouco a pouco do funcionamento de seu cons­
ciente ordinário.
“Que a bênção do Nosso Todo-Poderoso Criador Eter­
no Profundamente-Amante Pai Uni-Esseral Comum se esten­
da sobre minha resolução. Amém.”
Assim terminava o legamonismo consagrado às reflexões
do Mui Santo e Incomparável Ashyata Sheyimash sob o título
“Horror da Situação”.

“Ora, meu filho, quando tomei conhecimento em deta­


lhe, pela primeira vez, no início de minha última descida em
pessoa à superfície de seu planeta, do legamonismo de que aca­
bo de lhe falar, me interessei imediatamente pelas deduções
desse futuro Mui Alto e Mui Santo Individuum cósmico geral,
Ashyata Sheyimash; e, como não existia ali nenhum outro lega­
monismo nem nenhuma outra fonte de informações sobre sua
Mui Santa Atividade ulterior entre seus favoritos, resolvi me
dedicar a pesquisas detalhadas, querendo absolutamente sa­
ber que medidas ele tinha tomado e como as havia realizado,
depois, com o fim de ajudar esses infelizes a se libertar das
conseqüências, transmitidas por hereditariedade, das proprie­
dades do tão funesto órgão kundabufler.
Por isso, durante a minha última estada pessoal na super­
fície de seu planeta, considerei como uma de minhas tarefas

353
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

principais a pesquisa detalhada e a elucidação da Mui Santa


Atividade ulterior do Amante da Essência, o Grande, hoje
Mui Alto e Mui Santo Individuum cósmico geral, Ashyata
Sheyimash.
Quanto à “tábua de mandamentos” que por acaso se con­
servou intacta desde o tempo da Mui Santa Atividade do Gran­
de Ashyata Sheyimash e que constitui, ainda atualmente, a prin­
cipal relíquia da contraria de seres iniciados de la, que leva o
nome de “irmãos Olbogmek”, tive a oportunidade de vê-la, no
curso de minha última estada lá e de 1er sua inscrição gravada
no mármore.
Minhas pesquisas ulteriores me mostraram que quando,
cm seguida, o Mui Santo Ashyata Sheyimash organizou ali as
condições particulares de existência esseral ordinária que ele
havia se proposto estabelecer, loram colocadas, por sua ini­
ciativa e segundo seus conselhos, em lugares apropriados
de várias grandes cidades, tábuas de mandamentos em que es­
tavam gravados numerosos preceitos e sentenças para uma exis­
tência normal.
Porém, mais tarde, com a retomada de suas grandes guer­
ras, todas essas tábuas de mandamentos loram destruídas por
esses mesmos estranhos seres, com exceção de uma única den­
tre elas, que se conservou até nossos dias, não se sabe como; ela
é atualmente o bem mais precioso dessa “contraria”.
No mármore estava gravada uma inscrição referente
aos impulsos esserais sagrados chamados “Fé”, “Amor”,
“Esperança”.
Ei-la:

“Fé” “Amor” “Esperança”

A Fé da consciência é liberdade.
A Fé do sentimento é fraqueza.
A Fé do corpo é estupidez.

354
“HORROR DA SITUAÇÃO”

O Amor da consciência provoca o mesmo em resposta.


O Amor do sentimento provoca o contrario.
O Amor do corpo só depende do tipo e da polaridade.

A Esperança da consciencia é força.


A Esperança do sentimento é servidão.
A Esperança do corpo é doença.

“Antes de lhe hilar mais da atividade do Mui Santo Ashya­


ta Sheyimash para o bem de seus favoritos, devo explicar-Ihe
cm detalhe o impulso interior que eles denominam “Esperan­
ça”, pois o destino deste, como ele havia observado, era ainda
pior do que aquele dos dois primeiros.
E as observações e pesquisas ulteriores, que eu mesmo
especialmente prossegui sobre este estranho impulso, me mos­
traram com clareza que os fatores que engendram em sua pre­
sença um tal impulso anormal são, com efeito, para eles, dos
mais funestos.
Essa esperança anormal fez aparecer ali, com uma ten­
dência a se desenvolver, uma doença muito original, insólita
no mais alto grau, que causa estragos ainda em nossos dias e
que tem o nome de “amanhã”.
Esta estranha “doença de amanhã” tem efeitos terríveis,
sobretudo para os infelizes seres tri-cerebrais de lá, os quais,
ao saber, por acaso, que neles se encontram certas consequências
indesejáveis, convencem-se categoricamente disto, com toda
sua presença, e sabem quais esforços lhes sao indispensáveis
fazer para libertar-se delas, e até mesmo como fazê-los.
De fato, por causa desse funesto aspecto do imenso e ter­
rível mal, concentrado por diversas grandes c pequenas razões
no processo de existência esseral ordinária desses miseráveis
seres tri-cerebrais, aqueles dentre eles que vêm por acaso a
saber de tudo isso jamais chegam a efetuar os esforços re­
queridos e, adiando “de amanhã em amanhã”, perdem, eles

355
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

também, toda possibilidade de chegar ao que quer que seja


de efetivo.
Essa estranha doença de “amanhã”, tão funesta a seus
favoritos, tornou-se um entrave para os seres atuais, não só pelo
fato de que ela os priva para sempre de toda possibilidade de
excluir de sua presença as consequências cristalizadas do ór­
gão kundabuffer, mas ainda porque ela os impede, em sua
maioria, de cumprir honestamente até mesmo as obrigações
esserais absolutamente indispensáveis á existência ordinária,
nas condições já estabelecidas.
Por causa da doença de “amanhã”, os seres tri-cerebrais
de lá, os contemporâneos sobretudo, adiam quase sempre “para
mais tarde” o que deveriam fazer no momento mesmo, conven­
cidos de que “mais tarde” saberão fazer mais e melhor.
Mesmo aqueles dentre eles que reconhecem por acaso,
seja por meio de sua razão ou em conseqüência de uma ação
consciente vinda de tora, sua completa nulidade, e depois che­
gam a experimentá-la com todas as suas partes espiritualizadas
distintas e que sabem, por acaso ainda, os esforços esserais que
é preciso tazer e como fazê-los para virem a ser tais como con­
vém a seres tri-cerebrais — mesmo esses seres, adiando “de
amanhã em amanhã”, chegam quase todos a esse bem triste dia
em que surgem neles e começam a se manifestar os sinais pre­
cursores da velhice, chamados “impotência” e “debilidade”,
os quais constituem o quinhão inevitável de todas as formações
cósmicas, grandes e pequenas, ao final de sua existência.
A este respeito, devo absolutamente talar-lhe do estra­
nho fenômeno que lá notei, durante as observações e pesquisas
a que me dediquei, sobre a presença quase inteiramente dege­
nerada de seus favoritos; constatei positivamente que, num gran­
de número deles, ao final de sua existência planetária, a maio­
ria das consequências, cristalizadas em sua presença geral,
das propriedades desse mesmo órgão começava a se atrofiar
por si mesmas e que algumas delas desapareciam mesmo

356
• HORROR DA SITUAÇÃO”

completamente, o que lhes permitia ver melhor e sentir


melhor a realidade.
Surge então na presença geral de seus favoritos um in­
tenso desejo de trabalhar sobre si mesmos, de trabalhar, como
eles dizem, para “salvar suas almas”.
Mas, evidentemente, esses desejos já não servem mais para
nada, pela única razão de que é demasiado tarde para eles; o
tempo que lhes havia sido concedido para esse fim pela Gran­
de Natureza está terminado e, se bem que eles vejam e sintam a
obrigação de realizar os esforços esserais necessários... eles não
têm agora, para realizar seu desejo, nada mais do que estes “de­
sejos infrutíferos” e essa “impotência senil”.

“Ora, meu filho, minhas pesquisas e investigações ulterio­


res sobre a atividade do Mui Santo Ashyata Sheyimash para o
bem dos seres tri-cerebrais que surgem e existem em seu pla­
neta me mostraram o seguinte:
Quando esse Grande Individuum sagrado, quase incom­
parável por sua razão, ficou definitivamente convencido de que
os caminhos sagrados habituais, destinados ao aperfeiçoamen­
to de todos os seres tri-cêntricos do Universo, não convinham
mais aos seres do planeta Terra, então, após esse ano que ele
havia consagrado a efetuar observações e pesquisas especiais
sobre o psiquismo deles, subiu de novo o monte Vezinyama,
onde, durante vários meses terrestres, ele refletiu contempla­
tivamente sobre a maneira de realizar seu propósito, quer
dizer, salvar os seres desse planeta de sua predisposição he­
reditária a cristalizar as consequências das propriedades do
órgão kundabuffer, e isto por meio dos dados conservados in­
tactos em seu subconsciente para o impulso esseral sagrado
fundamental de “consciência moral objetiva”.
Suas reflexões o convenceram definitivamente de que,
em verdade, era possível salvá-los por meio dos dados suscetí­
veis de engendrar esse impulso esseral sagrado, mas com a

357
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

única condição de que as manifestações desses dados, conser­


vados intactos em seu subconsciente, participem integralmen­
te do funcionamento do consciente sob a direção do qual trans­
corre sua existência de vigilia diaria, e que esse impulso esseral
se manifeste, durante um longo período, sob todos os aspectos
deste consciente.”

358
Capítulo 27
Da ordem de existência
que criou para os homens
o Mui Santo Ashyata Sheyimash

E Belzebu retomou seu relato:


— Minhas pesquisas e investigações me mostraram ain­
da que o Mui Santo Ashyata Sheyimash, depois de ter medita­
do no monte Vezinyama, e esboçado cm sua razão o plano de­
terminado de sua Mui Santa Atividade ulterior, não retornou
mais a Babilônia, mas foi diretamente para a cidade de Djulfa­
pal, capital de um país situado no centro do continente da Ásia
e chamado outrora “Kurlandtech”.
Uma vez lá, ele se pôs em relação com os irmãos da “Con­
fraria Tchavtanturi”, que existiam na proximidade da cidade,
e cujo nome significava “Ser, ou não ser em absoluto”.
Essa confraria havia sido fundada, cinco de seus anos an­
tes da estada que ali fez o Mui Santo Ashyata Sheyimash, por
dois seres terrestres, que se tornaram verdadeiros “iniciados”,
segundo os princípios existentes antes da época “ashyatiana”.
Um desses dois seres terrestres tri-cerebrais tinha o nome
de Pandoliro; o outro o de Sensimiriniko.
Eu o farei observar a esse respeito que, na presença geral
desses dois verdadeiros iniciados terrestres de então, o revesti­
mento das partes superiores já estava realizado naquele mo­
mento e que eles chegaram, depois, no curso de sua existência,
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

a desenvolver o aperfeiçoamento dessas partes até o grau dese­


jado de Razão objetiva sagrada; hoje, suas partes esserais supe­
riores aperfeiçoadas se tornaram até dignas de ter, desde ago­
ra, o lugar de sua existência sobre o Santo Planeta do Purgatorio.
Segundo minhas pesquisas ulteriores aprofundadas, nes­
ses dois seres tri-cerebrais de lá, Pandoliro e Sensimiriniko,
tinha surgido e se fazia sentir sem cessar, em todas as partes
distintas já espiritualizadas de sua presença integral, a suspeita
de que sua organização geral havia adquirido, por certas ra­
zões evidentemente não conformes às leis, “alguma coisa de
muito indesejável” para eles — e, esta suspeita transformando-
se logo em convicção, eles viram, ao mesmo tempo, que lhes
era impossível se desfazer dessa “alguma coisa de muito inde­
sejável” que havia se posto a funcionar neles, por meio unica­
mente de seus dados interiores; resolveram então procurar, entre
seus semelhantes, alguns outros seres animados das mesmas
intenções e de juntar seus esforços com vistas a chegar a se
desembaraçar desta “coisa muito indesejável”.
Não tardaram a descobrir estes seres entre aqueles que
chamam “monges”, nos “conventos”, muito numerosos na épo­
ca, dos arredores da cidade de Djulfapal.
E foi com esses monges de sua escolha que eles funda­
ram então a dita “contraria”.

“Ora, o Mui Santo Ashyata Sheyimash, depois de ter es­


tabelecido as relações desejadas, por ocasião de sua estada na
cidade de Djulfapal, com os irmãos da dita confraria, que já
haviam trabalhado para constatar em si mesmos o funciona­
mento anormal de seu psiquismo, esclareceu a razão deles por
meio de informações objetivamente verdadeiras e dirigiu seus
impulsos esserais de maneira que eles pudessem sentir estas
verdades sem a menor participação dos fatores anormalmente
cristalizados que já se encontravam em suas presenças, nem
tampouco de fatores suscetíveis de surgir de novo dos resultados

360
DA ORGANIZAÇÃO ASHYATIANA

de percepções exteriores ligadas à forma anormalmente esta­


belecida lá de existência esseral ordinária.
Enquanto instruía dessa maneira os irmãos da antiga con­
fraria “Tchavtanturi” e deliberava com eles sobre suas conjec­
turas e sobre suas intenções, o Mui Santo Ashyata Sheyimash
se aplicava, ao mesmo tempo, em elaborar o que chamam as
“regras” ou, como também se diz por lá, os “estatutos” da con­
fraria que ia fundar com a ajuda deles na cidade de Djulfapal e
que mais tarde recebeu o nome de “confraria Hishtvori”, o
que significava “Só se chamará e se tornará o filho de Deus
aquele que adquirir em si mesmo a consciência”.
Uma vez tudo funcionando e organizado, com a partici­
pação dos irmãos da antiga confraria Tchavtanturi, o Mui San­
to Ashyata Sheyimash enviou os irmãos a diversos lugares, en­
carregando-os de propagar ali, segundo suas diretrizes, a idéia
de que no “subconsciente” dos homens se cristalizam para sem­
pre dados manifestados d’O-Alto, próprios para fazer nascer
neles o impulso divino da verdadeira consciência moral; e que
só aquele que adquirir o “poder” de fazer participar a ação
destes dados no funcionamento do consciente, com o qual ele
passa sua existência diária, terá o direito legítimo de se cha­
mar, no sentido objetivo, e de ser realmente, o filho verdadeiro
do Pai Criador Comum de toda coisa existente.
Os irmãos se puseram então a pregar essas verdades ob­
jetivas, em primeiro lugar entre os monges dos numerosos con­
ventos que se encontravam nos arredores de Djulfapal, depois
entre os seres ordinários da cidade.
O resultado de suas pregações foi que eles escolheram,
em primeiro lugar, trinta e cinco “noviços” sérios e bem prepa­
rados para a primeira confraria Hishtvori que haviam fundado
na cidade de Djulfapal.
Após o que o Mui Santo Ashyata Sheyimash, ao mesmo
tempo que esclarecia a razão dos antigos irmãos da confraria

361
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Tchavtanturi, começou ainda, com a ajuda deles, a esclarecer a


razão desses trinta e cinco “noviços”.
Isso seguiu assim durante um ano inteiro de lá e foi so­
mente então que, entre os irmãos da antiga contraria Tchavtan-
turi e entre os trinta e cinco “noviços”, alguns se mostraram
pouco a pouco dignos de se tornar o que se chama “irmãos de
pleno direito” da primeira contraria Hishtvori.
Segundo os “estatutos” estabelecidos pelo Mui Santo
Ashyata Sheyimash, cada um deles podia se tornar um desses
“irmãos de pleno direito” da confraria Hishtvori, com a única
condição de que, além de certos méritos objetivos, igualmente
previstos, ele chegasse a adquirir o “poder de dirigir conscien­
temente o funcionamento de seu próprio psiquismo”, a fim de
se colocar em estado de saber convencer à perfeição uma cen­
tena de outros seres ordinários, demonstrando-lhes o que deve
ser, nos homens, o impulso da consciência moral objetiva, como
convém manifesta-lo para que o homem possa responder á ver
dadeira razão de ser e à meta de sua existência e como adquirir,
por sua vez, o que se chama a “intensidade de poder” necessá­
ria para eles mesmos convencerem, pelo menos, uma centena
de outros.
Aqueles que se tornaram dignos de se converter em “ir­
mãos de pleno direito” da confraria Hishtvori receberam en­
tão, pela primeira vez ali, o nome de “sumos sacerdotes”.

“Para que você compreenda melhor a Mui Santa Ativi­


dade de Ashyata Sheyimash, é preciso que saiba igualmente
que, uma vez destruídos todos os resultados de seus Santos
Trabalhos, a palavra “sumo sacerdote”, assim como a de “ini­
ciado”, da qual já lhe falei, foi tomada por seus favoritos, como
o é ainda em nossos dias, em dois sentidos absolutamente
diferentes.
O primeiro — que antigamente estava em uso por toda
parte, mas que não está mais hoje em dia a não ser em certas

362
DA ORGANIZAÇÃO ASHYATIANA

regiões e, ainda, por grupos insignificantes e isolados — designa


estes profissionais que todo mundo chama agora lá “eclesiásti­
cos” ou “sacerdotes”.
O outro sentido desta palavra “sumo sacerdote” se apli­
cava e se aplica ainda hoje aqueles seres de lá que, por sua
existência piedosa e os méritos das ações que realizaram para o
bem dos que os cercam, se distinguem a tal ponto dos seres tri-
cerebrais ordinários que, cada vez que estes se lembram deles,
surge e se efetua em sua presença o processo chamado “gratidão”.

“Desde o tempo em que o Mui Santo Ashyata Sheyimash


esclarecia a razão dos irmãos da antiga confraria Tchavtanturi e
dos trinta e cinco “noviços” recentemente aceitos, difundiu-
se, entre os seres ordinários da cidade de Djulfapal e de seus
arredores, esta idéia verdadeira de que a presença geral dos
seres-homens continha todos os dados para a manifestação
do impulso divino de consciência moral objetiva, mas que este
impulso divino não participava de seu consciente geral, por­
que disto ele estava impedido por certas manifestações que, se
bem que lhes proporcionavam, no momento mesmo, diversas
“satisfações destinadas a serem pagas muito mais tarde”, assim
como numerosas vantagens materiais, atrofiavam em compen­
sação, gradualmente, os dados depositados pela Natureza na
presença deles com o fim de provocar, nos seres que os rodea­
vam, sem distinção de “sistema de cérebros”, o impulso objeti­
vo do Divino Amor.
Todas essas noções de verdade se propagaram sobretudo
graças à previdência idealmente sensata do Mui Santo Ashyata
Sheyimash, que exigia de cada um dos que se esforçavam para
se tornar “irmãos de pleno direito” da confraria “Hishtvori”
que ele adquirisse, além de numerosos “méritos” determina­
dos, o “poder” de fazer perceber o impulso divino de consciên­
cia a cada uma das três partes associativas espiritualizadas de
cem outros seres tri-cerebrais de lá.

363
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Quando a organização da primeira contraria Hishtvori,


na cidade de Djultapal, ficou mais ou menos regularizada e
prevista de tal maneira que o trabalho ulterior pudesse se fazer
de maneira independente, sob a exclusiva direção dos irmãos
da confraria, o Mui Santo Ashyata Sheyimash se pôs então a
escolher, entre os que já haviam se tornado “irmãos de pleno
direito”, os que começavam, tanto conscientemente com sua
razão como inconscientemente com o seu sentimento, a expe­
rimentar em seu subconsciente esse impulso divino, e que ti­
nham plenamente se convencido da possibilidade de conse­
guir, ao fazer determinados esforços sobre si, que esse impulso
esseral divino se tornasse e permanecesse para sempre parte
integrante do seu consciente ordinário. Ele separou então es­
tes iniciados “de primeiro grau”, que haviam experimentado e
conhecido esse impulso, e iniciou sua razão às “verdades obje­
tivas” que haviam permanecido até então totalmente ignora­
das dos seres tri-cerebrais de lá.
Estes seres iniciados de primeiro grau, que ele havia dis­
tinguido dos outros, receberam então, pela primeira vez, o nome
de “grandes-iniciados”.
Foi naquela época, note bem, que foram restaurados pelo
Mui Santo Ashyata Sheyimash todos os princípios que regem o
Ser dos iniciados de lá e que foram chamados mais tarde “as
restaurações ashyatianas”.

Foi a esses primeiros “grandes-iniciados” que o Mui San­


to, hoje Mui Grande Santo Ashyata Sheyimash, explicou, en­
tre outras coisas, em detalhe, o que era precisamente esse im­
pulso esseral de “consciência moral objetiva” e como surgiam,
na presença dos seres tri-cerebrais, os fatores apropriados para
suscitar sua manifestação.
Ele disse um dia a esse respeito:
“Os fatores para o impulso esseral de consciência moral
objetiva nos seres tri-cerebrais nascem das parcelas, localizadas

364
DA ORGANIZAÇÃO ASHYATIANA

em suas presenças, das “emanações da aflição de Nosso Pro­


fundamente Amante e Infinitamente-Paciente Criador Eterno”;
é por isso que a fonte de manifestação da consciência verda­
deira é por vezes chamada, entre os seres tri-cerebrais, o “Re­
presentante do Criador”.
“Esta aflição é suscitada em Nosso Pai Comum Sustentá­
culo de Todas as Coisas pela luta, que prossegue sem descanso
no Universo, entre a alegria e a dor.”
E acrescentou:
“Nós, os homens — do mesmo modo que todos os seres
tri-cêntricos do Universo inteiro sem exceção —, devido aos
dados cristalizados em nossa presença geral, para engendrar
em nós o impulso divino de consciência moral objetiva, nós
por inteiro — e toda nossa essência, até em sua raiz — só so­
mos e só devemos ser sofrimento.
“E devemos ser sofrimento porque esse impulso esseral
só pode se manifestar plenamente em nós pela luta constante
de dois funcionamentos de natureza completamente oposta,
oriundos de duas fontes cujos princípios são absolutamente
contrários, quer dizer, pela luta constante entre os processos de
funcionamento de nosso corpo planetário e os processos para­
lelos de funcionamento que se estabelecem à medida que nos­
sos corpos esserais superiores se revestem e se aperfeiçoam neste
mesmo corpo planetário — processos que, no seu conjunto, rea­
lizam nos seres tri-cêntricos todas as espécies de Razão.
“Por conseguinte, do mesmo modo que todos os seres
tri-cêntricos de Nosso Grande Universo, nós, os homens, que
existimos na Terra, devemos absolutamente lutar sem cessar,
em virtude da presença em nós de fatores destinados a engen­
drar o impulso divino de “consciência moral objetiva”, contra
os dois funcionamentos totalmente opostos que surgem e se
efetuam em nossa presença geral e cujos resultados são sem­
pre sentidos por nós, uns como “desejos” e os outros como
“não-desejos”.

365
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Porém, aquele de nós que conscientemente auxiliar o


desenrolar desta luta interior e que conscientemente ajudar os
“não-desejos” a prevalecer sobre os “desejos”, unicamente este
agirá segundo o Ser do Criador, Nosso Pai Comum, Ele-mes-
mo; mas aquele que conscientemente favorecer o contrário, só
fará aumentar Sua aflição.”

“Por tudo que acabo de lhe contar, meu filho, três dc


seus anos ainda não haviam se passado e já todos os seres ordi­
nários da cidade de Djulfapal e de seus arredores, assim como
os de numerosos países do continente da Asia, sabiam que
eles possuíam o impulso esseral divino da “verdadeira consciên­
cia”, suscetível de participar no funcionamento de seu “cons­
ciente de vigília” ordinário, e que, em todas as confrarias do
Grande Profeta Ashyata Sheyimash, todos os iniciados c su­
mos sacerdotes explicavam e indicavam o que importava fazer
e como fazê-lo para chegar a este fim; além disso, quase todos
se puseram a se esforçar e a se empenhar com vistas a se torna­
rem sumos sacerdotes das confrarias Hishtvori, que foram fun­
dadas em grande número naquele tempo, cm diversos países
do continente da Ásia, cada uma funcionando quase indepen­
dentemente.
Essas confrarias quase independentes surgiram lá na or­
dem seguinte:
Quando o conjunto do trabalho da confraria fundada na
cidade de Djulfapal ficou definitivamente regularizado, o Mui
Santo Ashyata Sheyimash enviou os “grandes-iniciados”, mu­
nidos de instruções apropriadas, a outros países e cidades do
continente da Ásia, para ali organizar essas confrarias; quanto
a ele, prosseguiu sua existência na cidade de Djulfapal, de onde
dirigiu a atividade de seus auxiliares.
Seja como for, meu filho, o fato é que seus favoritos, es­
ses estranhos seres tri-cerebrais, puseram-se eles também, qua­
se todos, a experimentar, com todas as suas partes esserais

366
DA ORGANIZAÇÃO ASHYATIANA

espiritualizadas, a necessidade da verdadeira consciência divi­


na objetiva e a lazer esforços para adquiri-la em seu consciente
de vigília ordinário; dito de outra maneira, quase todos os se­
res da Asia começaram a trabalhar sobre si mesmos, sob a dire­
ção dos “iniciados” e dos “sumos sacerdotes” da confraria
Hishtvori, a fim de fazer passar para seu consciente ordinário
os resultados dos dados presentes em seu subconsciente, onde
eles suscitam o impulso da verdadeira consciência moral divi­
na, e com o fim de obter assim a possibilidade, por um lado, de
extirpar de si — e talvez para sempre — as consequências das
propriedades do órgão kundabuffer — funestas tanto para eles
como para as gerações às quais eles as transmitiríam por here­
ditariedade — e, por outro lado, de participar consciente­
mente para diminuir a aflição de Nosso Pai Eterno Comum.
Desde então, nesse período, e sobretudo no continente
da Ásia, predominou pouco a pouco no processo ordinário de
existência esseral de seus favoritos — tanto em seu “estado de
vigília consciente” como cm seu “estado de passividade instin­
tiva” — o problema da consciência moral objetiva.
E entre os seres tri-cerebrais de então, mesmo aqueles
que nào tinham até o momento transmutado em sua presença
o gosto desse impulso divino e que não tinham ainda, em seu
consciente singularmente original, senão simples indicações a
respeito do impulso esseral que poderia se encontrar neles, es­
forçavam-se eles também por se manifestar, em tudo, em con­
formidade com essas indicações.

“O resultado de tudo que acabo de dizer foi que ao cabo


de dez de seus anos já haviam desaparecido por si mesmas as
duas principais formas anormalmente estabelecidas de existên­
cia esseral ordinaria que estavam, na época, exatamente como
hoje, na origem da maioria das causas nefastas que obstruem
cada vez mais a possibilidade de lá estabelecer as condições de
uma existência esseral normal, ainda que apenas exteriormente.

367
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Com eleito, em primeiro lugar, sua divisão em múltiplas


comunidades, com todas as suas formas organizadas de exis­
tência exterior, e mesmo interior, que eles chamam suas “orga­
nizações de Estado”, caiu por si mesma; e em segundo lugar, a
divisão dos seres no que se chama diversas “castas” ou “clas­
ses”, que havia sido instituída desde muito tempo nessas co­
munidades múltiplas, desapareceu igualmente por si mesma.
Para mim, a segunda dessas duas principais formas anor­
malmente estabelecidas de existência esseral ordinária, ou seja:
a repartição mútua em castas e classes diferentes, determinou
precisamente, como você também o compreenderá mais tarde,
a cristalização permanente, em seus favoritos, de dados para
uma propriedade psíquica particular, que só se tornou ineren­
te, em todo o Universo, unicamente à presença desses desafor­
tunados seres tri-cerebrais.
Esta propriedade excepcional formou-se neles pouco tem­
po depois da segunda perturbação transapalniana de lá. De­
senvolvendo-se e consolidando-se gradualmente neles, ela pas­
sou por hereditariedade de geração a geração, para chegar aos
seres atuais como parte integrante e inalienável de seu psi­
quismo geral, e eles mesmos chamaram esta propriedade tão
particular de “egoísmo”.
Explicarei também mais tarde a você, no momento opor­
tuno, no curso de meus relatos sobre os seres tri-cerebrais que
existem no planeta Terra, como seus favoritos foram levados,
em conseqüência das condições anormalmente estabelecidas
de existência esseral exterior, a se repartir pela primeira vez,
uns aos outros, em castas diferentes e como, devido a certas
anomalias consecutivas, esta funesta forma de relações recí­
procas subsiste ainda em nossos dias. Por enquanto, você ne­
cessita saber que se essa singular propriedade do psiquismo
deles, chamada “egoísmo”, apareceu em sua presença geral foi
porque, devido a essas mesmas condições anormalmente

368
DA ORGANIZAÇÃO ASHYATIANA

estabelecidas, seu psiquismo, pouco depois da segunda per­


turbação transapalniana, tornou-se duplo.
Este fato ficou evidente para mim no curso de minha úl­
tima estada pessoal na superfície do seu planeta, quando me
interessei tanto pelo legamonismo referente às reflexões do Mui
Santo Ashyata Sheyimash e intitulado “Horror da Situação”.
Com efeito, durante minhas pesquisas e investigações minucio­
sas sobre sua Mui Santa Atividade e sobre seus resultados, eu
quis saber por que e como a cristalização desses fatores, que
provêm das parcelas de emanações da aflição de Nosso Pai Cria­
dor Comum e servem à realização do impulso esseral divino de
consciência moral objetiva, se efetuava em sua presença justa­
mente no seu “subconsciente”, escapando assim a uma dege-
nerescência definitiva, ao contrário dos dados depositados ne­
les para suscitar em sua presença os impulsos esserais sagrados
de Fé, de Esperança e de Amor. E me convencí de que a essas
estranhas anomalias de lá se podia aplicar uma das sábias sen­
tenças de nosso estimado, insubstituível e venerado Mulá Nassr
Eddin, que diz:
“Toda felicidade real para o homem só pode sair de uma
infelicidade, experimentada como não menos real”.

“Este desdobramento de seu psiquismo geral se efetua


devido ao fato de que diversas “iniciativas individuais” partem
simultaneamente, por um lado, daquela das localizações que
predomina sempre na presença deles durante sua existência de
vigília — e que nada mais é do que o resultado de impressões
acidentalmente percebidas, suscitadas de fora pelo meio anor­
mal que os cerca, impressões cujo conjunto constitui o que eles
chamam seu “consciente” — e, por outro lado, dessa localiza­
ção normal que se encontra na presença dos seres de todas as
espécies, à qual eles dão o nome de “subconsciente”.
E já que essas “iniciativas individuais” provêm, durante
sua existência de vigília diária, de localizações heterogêneas,

369
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

cada um desscs seres está entáo, por assim dizer, dividido em


duas personalidades independentes.
Importa notar, a este respeito, que esta dualidade é igual­
mente a causa de que sua presença perdeu pouco a pouco o
impulso, indispensável aos seres tri-cerebrais, que tem o nome
de “sinceridade”.
Mais tarde, o hábito de reprimir intencionalmente este
impulso esseral chamado “sinceridade” até mesmo se enraizou
neles, e os seres tri-cerebrais de lá, desde o dia de seu “nasci­
mento”, sào acostumados por seus produtores ou, segundo sua
expressão, por seus “pais”, a um impulso absolutamente con­
trário, que c a “lalsidade”.
Ensinar e sugerir a seus próprios filhos a ciência de enga­
nar os demais e de ser mentiroso em tudo até se eleva, nos seres
do planeta Terra dos tempos atuais, à consciencia de um dever;
e é precisamente isto que eles designam com o lamoso nome
de “educação”.
Eles “educam” seus filhos a jamais poder nem mesmo
ousar se manifestar segundo a direção instintiva de sua “cons­
ciência moral” e a fazer somente o que está indicado nos ma­
nuais ditos de “bom-tom”, geralmente inventados lá por diver­
sos candidatos hassnamuss.
E, evidentemente, quando essas crianças crescem e se tor­
nam seres responsáveis, elas agem e se manifestam de maneira
automática, exatamente como lhes foi ensinado no tempo de
sua formação, quer dizer, segundo a forma como foram sugestio­
nadas, como “lhes deram corda”, em suma, como foram “edu­
cadas”.
Por causa de tudo isso, a “consciência moral objetiva”,
que poderia aparecer, desde a mais tenra infância, no consciente
dos seres desse planeta, se vê pouco a pouco “rechaçada” para
o interior e se encontra então, quando eles crescem, no que
chamam seu “subconsciente”.
E o funcionamento dos dados que servem para suscitar

370
DA ORGANIZAÇÃO ASHYATIANA

em suas presenças o impulso divino de consciência moral


objetiva há muito tempo cessou completamente de partici­
par no consciente, sob a direção do qual transcorre sua “exis­
tencia de vigília diaria”.
E por isso, meu íilho, que a cristalização em sua presença
da manifestação divina que constitui neles os “dados” que per­
mitem o advento desse impulso esseral sagrado vindo d’O-Alto
se efetua apenas cm seu “subconsciente”, e é unicamente por­
que seu subconsciente deixou de participar no processo dc sua
existência cotidiana que esses dados evitaram a degenerescên-
cia a que foram submetidos todos os outros impulsos esserais
sagrados que deveriam, eles também, se encontrar na presença
deles, quer dizer, os impulsos de “Fé”, de “Esperança” e de
“Amor”.
E em nossos dias, mesmo se, em alguns deles, os dados
divinos cristalizados cm sua presença em vista desse impulso
esseral se poem, por uma razão ou por outra, a se manifestar
fora do subconsciente e se esforçam por tomar parte no funciona­
mento de seu “consciente” ordinario anormalmente constituí­
do, mal se dão conta disso, eles tomam de imediato todas as
medidas para evitá-lo, porque nenhum ser na presença do qual
funcionasse esse impulso divino de verdadeira consciência mo­
ral objetiva podería mais, desde então, ali prosseguir sua exis­
tência nas condições reinantes atualmente.
Depois que, na presença de seus favoritos, se implantou
definitivamente o “egoísmo”, essa original propriedade esseral
se tornou, por sua vez, um dos fatores determinantes da crista­
lização progressiva, em seu psiquismo geral, dos dados próprios
para suscitar o aparecimento de alguns impulsos esserais mais
singulares ainda, que existem atualmente lá com os nomes de
“astúcia”, “inveja”, “odio”, “hipocrisia”, “desprezo”, “arrogan­
cia”, “servilismo”, “manha”, “ambição”, “duplicidade” etc.
As singulares propriedades psíquicas que acabo de enu­
merar c que não convêm, dc forma alguma, a seres tri-cerebrais,

371
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

já estavam completamente cristalizadas na presença da maioria


de seus favoritos e constituíam atributos inevitáveis de seu psi­
quismo, muito antes da época do Mui Santo Ashyata Sheyi­
mash; mas quando as novas formas de existência estabelecidas
propositadamente por Ashyata Sheyimash começaram a se fi­
xar no processo de sua existencia esseral, para ali se manter
depois automaticamente, essas estranhas propriedades desa­
pareceram por completo da presença de quase todos os seres
tri-cerebrais de lá.
Mais tarde, no entanto, quando eles mesmos destruíram
todos os resultados do Santo Labor do Amante da Essência,
Ashyata Sheyimash, essas propriedades particulares, que lhes
sào tào funestas, reapareceram neles, para se tornarem final­
mente, nos seres tri-cerebrais atuais, o âmago mesmo de toda
sua essência.

“Portanto, meu filho, quando os dados que suscitam esse


singular impulso esseral de egoísmo apareceram na presença
geral de seus favoritos e que essa “propriedade excepcional”
— cuja evolução produzia pouco a pouco novos fatores para
estranhos impulsos esserais, igualmente particulares, se bem
que secundários desta vez — usurpou, em sua organização, o
lugar de um “Amo Autocrata Unico”, não somente toda mani­
festação, mas ainda, como se diz, toda “veleidade de apareci­
mento” do impulso esseral divino tornou-se um entrave à ação
desse novo “Amo Autocrata”. Como conseqüência, seus favo­
ritos se viram obrigados, pela força das coisas, a sempre evitar,
tanto consciente quanto inconscientemente, sua participação
no funcionamento do consciente sob o controle do qual se tor­
nou próprio a eles realizar sua existência de vigília; e a ação
desses dados divinos se “desviou”, por assim dizer, cada vez
mais do funcionamento de seu “consciente” ordinário, a fim de
tomar parte somente no funcionamento de seu “subconsciente”.
Tendo elucidado tudo o que acaba de ser dito, graças às

372
DA ORGANIZAÇÃO ASHYATIANA

minhas minuciosas pesquisas e investigações, compreendi en­


tào por que surge e por que existe ainda hoje sua divisão, par­
ticularmente funesta para eles pelas conseqüências que ela oca­
siona, em diversas “castas” ou “classes”.
Depois, novas pesquisas aprofundadas me revelaram, por
outro lado, muito claramente que, mesmo nos seres contempo­
râneos, os dados para a aquisição do impulso divino funda­
mental de “consciência moral objetiva” continuam a se crista­
lizar e a se manter, durante toda a duração de sua existência,
naquele de seus conscientes que eles chamam o subconsciente.

“Que os dados deste “impulso esseral divino” se cristali­


zam ainda e que suas manifestações continuam a participar no
processo de existência esseral deles, o fato me foi confirmado,
fora mesmo das investigações a que acabo de fazer alusão, pe­
las freqüentes dificuldades que isso me criava durante o perío­
do em que, do planeta Marte, eu observava esses seres.
Com efeito, se, do planeta Marte, eu podia sempre obser­
var livremente, sem a menor dificuldade, através de meu tesskua­
no, a existência que prosseguia na superfície dos outros plane­
tas deste sistema solar, em compensação a coloração particular
da atmosfera de seu planeta Terra tornava âs vezes as observa­
ções a que me dedicava sobre o processo de existência de seus
favoritos simplesmente miseráveis.
Esta coloração especial provinha, como soube mais tar­
de, do aparecimento, na presença dessa atmosfera, de numero­
sas e freqüentes cristalizações irradiadas por seus favoritos quan­
do estão tomados pelo impulso interior particular que eles mes­
mos chamam “remorso de consciência”.
E isto porque, quando eles recebem um choque moral,
as associações que se fazem neles a partir de impressões anterior­
mente percebidas e que consistem, em sua maioria, como já lhe
disse, em “frivolidades” de todo tipo, se modificam, se acal­
mam e, por vezes, até cessam inteiramente por um certo tempo.

373
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Como conseqüência, na presença geral desses seres tri-


cerebrais de lá, se faz automaticamente uma combinação de
funcionamento que libera os dados presentes em seu subcons­
ciente para servir à manifestação do “impulso divino de cons­
ciencia moral objetiva” e permite sua participação temporaria no
funcionamento de seu consciente ordinario. Então se produ­
zem neles esses “remorsos de consciência”, que suscitam o apa­
recimento das cristalizações particulares de que acabo de falar,
as quais irradiam deles misturadas com outras radiações; c o
conjunto dessas radiações dá, ás vezes, á atmosfera de seu pla­
neta a coloração especial que impede o órgão esseral da visão
de penetrar livremente através dela.
Devo lhe dizer aqui que seus favoritos, sobretudo os con­
temporâneos, são mestres consumados na arte de impedir este
impulso interior chamado “remorso de consciência” de per­
manecer em sua presença geral.
Mal começam a sentir neles mesmos as primicias ou, para
melhor dizer, os “formigamentos” precursores do funcionamen­
to desse impulso esseral, e logo eles o “moem de pancadas”
sem aviso prévio, de modo que esse impulso, ainda não inteira­
mente formado neles, cessa no mesmo instante.
A fim de “moer de pancadas” esses “remorsos de cons­
ciência” nascentes, eles inventaram até diversos meios especiais
muito eficazes, que existem la com os nomes de “alcoolismo”,
“cocainismo”, “morfinismo”, “nicotinismo”, “onanismo”, “mo-
nasticismo”, “atenianismo” e alguns outros, cujo nome termi­
na igualmente em “ismo”.

“Repito, meu filho, que lhe explicarei no tempo requeri­


do quais são os resultados das condições anormalmente esta­
belecidas de existência ordinária que se tornaram fatores para o
aparecimento e a manutenção de sua divisão, tão funesta para
eles, em diversas castas.
Um dia, certamente, lhe darei informações precisas sobre

374
DA ORGANIZAÇÃO ASHYATIANA

esta anomalia; elas poderão lhe servir, em suas confrontações


lógicas ulteriores, para melhor compreender a estranheza do
psiquismo dos seres tri-cerebrais que lhe agradam.
Por enquanto, compenetre-se bem disto: quando a pro­
priedade psíquica particular de egoísmo “se aperfeiçoou” na
presença geral de seus favoritos e suscitou — como alias conti­
nua a fazê-lo — os diversos impulsos esserais secundarios de
que lhe falei, e quando, por outro lado, o impulso sagrado de
“consciência moral objetiva” deixou completamente de tomar
parte em seu consciente de vigília, os seres tri-cerebrais que
apareceram e existiram no planeta Terra, antes como depois da
Mui Santa Atividade de Ashyata Sheyimash, se esforçaram sem­
pre, durante o processo de sua existência ordinária, em obter o
bem-estar exclusivamente para si mesmos.
E como em geral não há nem poderia haver, em nenhum
planeta de Nosso Grande Universo, uma quantidade suficien­
te de tudo o que seria necessário para assegurar a cada qual um
bem-estar exterior igual, sem levar em conta o que se chama
“os méritos objetivos”, segue-se que o bem-estar de uns se cons­
trói sempre sobre a adversidade dos outros.
Esta preocupação com seu exclusivo bem-estar cristali­
zou pouco a pouco em seu psiquismo propriedades absoluta­
mente particulares e sem precedentes, tais como a “astúcia”, o
“desprezo”, o “odio”, o “servilismo”, a “mentira”, a “bajula­
ção” etc., que se tornaram, por sua vez, fatores de manifesta­
ções indignas de seres tri-cerebrais, ocasionando, por outro
lado, a destruição gradual de todas as possibilidades interio­
res, que lhes havia conferido a Natureza, de chegarem a ser
parcelas do “Grande Todo Racional”.

“Ora, meu filho, quando os resultados do Santo Labor


do Amante da Essência, Ashyata Sheyimash, tusionaram com
o processo do que eles chamam a existência “interior” e “exte­
rior” e, como conseqüência, os dados conservados intactos em

375
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

seu “subconsciente” para o impulso divino de “consciencia


moral objetiva” tomaram progressivamente parte no funciona­
mento de seu “consciente de vigilia”, a existencia esseral, tanto
do ponto de vista pessoal quanto do ponto de vista de suas
relações recíprocas, desenvolveu-se, naquele planeta, quase
como nos demais planetas de Nosso Grande Universo povoa­
dos por seres tri-cerebrais.
Desde então, seus favoritos se comportaram uns em rela­
ção aos outros do mesmo modo que em relação às manifesta­
ções do Unico Criador Comum, diferindo unicamente por seus
graus, e só testemunhavam respeito, a cada um, segundo os
méritos que este havia adquirido por si mesmo com a ajuda
dos “partkdolgdeveres esserais”, quer dizer, com a ajuda de
um labor consciente pessoal e de sofrimentos voluntários.
E por isso que, naquele período, deixaram de existir as
duas principais formas funestas de sua existencia ordinária, quer
dizer, a repartição em diversas comunidades independentes e a
divisão, no interior dessas comunidades, em diferentes “cas­
tas” ou, como ainda se diz lá, em diferentes “classes”.
Naquele tempo, todos os seres tri-cerebrais de seu plane­
ta se consideravam eles mesmos e a seus semelhantes simples­
mente como seres que carregam em si parcelas das emanações
da aflição do Pai Criador Comum.
E se assim ocorreu foi porque os dados do impulso esse­
ral divino participavam, por sua ação, no funcionamento de
seu consciente de vigília ordinário, e porque eles se manifesta­
vam, em suas relações recíprocas, unicamente segundo sua cons­
ciência; por isso, os amos cessaram, naquela época, de privar
os escravos dc sua liberdade e diversos seres detentores de po­
der desistiram, eles mesmos, de seus direitos imerecidos, por
terem reconhecido e experimentado, segundo sua consciência,
que possuíam e exerciam esses direitos e funções não para o
bem comum, mas para a exclusiva satisfação de diferentes

376
DA ORGANIZAÇÃO ASHYATIANA

fraquezas pessoais, tais como “vaidade”, “amor-próprio”, “tran-


qüilização de si” e assim por diante.

“Evidentemente, naquele período, também houve lá todo


tipo de chefes, de mentores e de “conselheiros especialistas”,
mas desta vez — como acontece em todos os demais planetas
do Universo povoados de seres tri-cerebrais que chegaram a di­
versos graus de aperfeiçoamento — era por diferença de idade
e pelo que se chama o “poder da essência” que eles acediam a
esta posição, e não mais por “direito hereditário” ou por eleição
— tal como se fazia antes dessa benéfica “época ashyatiana” e
como isto ainda se faz em nossos dias.
Todos esses chefes, mentores e conselheiros se converte­
ram em tais por si mesmos, pela força das coisas, segundo méri­
tos objetivos pessoalmente adquiridos e experimentados, com
toda certeza, por todos os demais seres de seu meio.
Eis como as coisas se passaram:
Todos os seres daquele planeta, tendo se posto a trabalhar
com vistas a adquirir em seu consciente esta divina função de
“verdadeira consciência”, transmutaram em si, com esse fim,
como isto se faz em toda parte no Universo, o que se chama
“ tendências esserais obligoluadas”, ou seja, as cinco tendências se­
guintes:
A primeira: ter, no curso de sua existência esseral ordiná­
ria, tudo o que é realmente indispensável e satisfatório para seu
corpo planetário.
A segunda: ter constantemente em si uma necessidade ins­
tintiva inextinguível de aperfeiçoamento, no sentido do Ser.
A terceira: esforçar-se conscientemente para conhecer
sempre mais a fundo as leis da criação do mundo e da existência
do mundo.
A quarta: pagar desde o início e o quanto antes por sua
vinda ao mundo e por sua individualidade, a fim de ser livre,

377
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

depois, para aliviar, em toda a medida do possível, a aflição de


Nosso Pai Comum.
E a quinta: sempre ajudar seus semelhantes, assim como
os seres de outras formas, com vistas a seu aperfeiçoamento
acelerado até o grau de “Martfotaï sagrado”, quer dizer, até o
grau de auto-individualidade.
Nesse período, em que cada ser terrestre tri-cêntrico tra­
balhava conscientemente sobre si mesmo segundo estas cinco
tendências, muitos deles logo obtiveram verdadeiros resulta­
dos, sob forma de méritos objetivos perceptíveis aos outros.
Esses méritos objetivos atraíram, é claro, sobre eles a aten­
ção dos seres que os rodeavam, que se puseram a lhes render
homenagem e a lhes testemunhar respeito, tratando até com
alegria de se mostrar dignos de despertar seu interesse e de
receber deles indicações e conselhos sobre a maneira de alcan­
çar, por sua vez, esse aperfeiçoamento.
Os seres daquele tempo que assim se faziam distinguir
designavam, por sua vez, entre seus semelhantes, quer dizer,
entre os seres de mesmo mérito, aquele que havia chegado mais
longe, e este último se tornava, automaticamente, sem direito
hereditário nem qualquer outro, o chefe de todos.
Quanto mais sua qualidade de chefe era reconhecida, mais
longe se estendia seu poder, e nào somente sobre as partes de
terra firme vizinhas, mas mesmo sobre continentes e ilhas
afastadas.
Nessa época, os conselhos e indicações desses chefes e,
em geral, cada uma de suas palavras, eram lei sagrada para os
seres tri-cerebrais de lá; eles os seguiam com alegria e devoção,
contrariamente ao que se passava antes que os resultados do
Santo Labor de Ashyata Sheyimash fossem alcançados — e ao
que continua, alias, a se passar hoje, agora que eles mesmos os
destruíram.
Quer dizer que hoje seus favoritos, esses estranhos seres
tri-cerebrais, não seguem as ordens e injunções de seus chefes

378
DA ORGANIZAÇÃO ASHYATIANA

ou, como clcs os denominam, de seus “soberanos”, a não ser


por medo do que chamam as “baionetas” ou os “ninhos de
percevejos”, que esses cheles e soberanos têm em grande quan­
tidade a sua disposição.
Os resultados do Santo Labor de Ashyata Sheyimash ti­
veram então uma repercussão, de uma forma bem definida,
sobre a terrível manifestação particular ao psiquismo de seus
favoritos, quer dizer, sobre sua “necessidade imperiosa de se des­
truir periodicamente uns aos outros”.
O processo de destruição recíproca lã estabelecido e pro­
vocado por essa terrível particularidade do psiquismo deles ces­
sou completamente no continente da Ásia e só prosseguiu, de
vez em quando, em terras firmes, grandes e pequenas, da su­
perfície de seu planeta, que ficavam muito afastadas de lá. E
isto porque a distancia não havia permitido que a influência
dos “iniciados” e dos “sumos sacerdotes” chegasse até elas, nem
que se transmutasse na presença dos seres que as povoavam.

“Mas o mais assombroso e o mais significativo dos resul­


tados do Santo Labor de Ashyata Sheyimash foi que, nesse
período, não somente a duração da existência desses desafor­
tunados voltou a ser um pouco mais normal, dito de outra
maneira, mais longa, como, por outro lado, enquanto diminuía
sua “mortalidade”, como eles dizem, ao mesmo tempo o nú­
mero de seus “resultados manifestados” para a continuação de
sua espécie, quer dizer, o que eles chamam a “natalidade”, rc-
duziu-se em pelo menos um quinto.
Assim foi praticamente verificada uma das leis cósmicas
denominada “lei de equilíbrio das vibrações”, tais como elas
resultam da evolução e da involução das substâncias cósmicas
requeridas para o Mui Grande Trogoautoegocrata cósmico.
Essa diminuição da “mortalidade” e da “natalidade” veio
de que, ao se aproximarem de uma existência normal para se­
res tri-cêntricos, eles se puseram a irradiar vibrações que

379
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

correspondiam mais às exigências da Grande Natureza, de


modo que esta teve menos necessidade das vibrações produzi­
das pela destruição da existência dos seres.
Você compreenderá perfeitamente esta lei de equilíbrio
das vibrações quando eu lhe tiver explicado, no devido tempo,
como já prometi várias vezes, todas as leis cósmicas funda­
mentais.

“Assim, meu filho, graças ao Labor Consciente do Mui


Santo Ashyata Sheyimash, seus favoritos se beneficiaram pou­
co a pouco, durante esse período, de bens sem precedente. Mas,
para grande desolação de todos os Individuuns mais ou menos
conscientemente pensantes, de todos os graus de razão, eles
mesmos os destruíram totalmente, os infelizes, pouco depois
que o Mui Santo Ashyata Sheyimash deixou seu planeta —
pois é assim que a eles se tornou próprio tratar todas as boas
aquisições de seus ancestrais; e eles destruíram e varreram a tal
ponto esses bens da tace de seu planeta que o rumor de que
houve um tempo, em seu próprio planeta, em que existiu seme­
lhante benefício, nem sequer chegou aos ouvidos dos seres atuais.
Entretanto, certas inscrições, que subsistiram desde os
tempos antigos e se conservaram ate nossos dias, contêm infor­
mações relativas à existência, no planeta deles, de uma “orga­
nização de Estado” de uma certa ordem, à frente da qual esta­
vam os seres do mais alto mérito.
Os seres atuais, segundo estas informações, se contenta­
ram em inventar um nome para esta “organização de Estado”;
chamaram-na de “Ordem dos Sumos Sacerdotes” e ficaram nisso.
Mas em que consistia essa “Ordem dos Sumos Sacerdo­
tes” e qual era sua razão de ser?... Esta é bem a última das
preocupações dos seres atuais do planeta Terra, a de saber com
o que se ocupavam os selvagens dos tempos antigos!...

380
Capítulo 28
O principal culpado
da destruição dos Santos Trabalhos
de Ashyata Sheyimash

VOCE se lembra, meu filho, eu já lhe disse, que os seres


“sabios” reunidos na cidade de Babilonia, vindos de quase toda
a superfície da Terra, não foram, em realidade, os primeiros
responsáveis pelo aparecimento dos fatores que determinaram,
para as gerações seguintes, a completa destruição dos benéfi­
cos resultados do labor consciente do Mui Santo Ashyata Sheyi­
mash; mas — como, aliás, tinha se tornado inato desde muito
tempo á maioria dos sábios terrestres de “nova promoção” —
eles loram, para seus contemporâneos primeiro, depois para as
gerações seguintes, tais quais “bacilos virulentos”, os propaga­
dores inconscientes de todo tipo de males que já existiam bem
antes deles.
Todas as nefastas atuações, grandes e pequenas, dos se­
res “sábios” da época, todas as suas nefastas manifestações in­
conscientes, que levaram ã destruição dos últimos vestígios dos
resultados, benéficos para os seres tri-cerebrais de lá, do Santo
Labor consciente do Amante da Essência Ashyata Sheyimash,
tiveram por causa, como me mostraram mais tarde as pesqui­
sas minuciosas que eu havia empreendido sobre sua Santa Ati­
vidade, o “achado” de um ser sábio muito célebre em seu tem­
po, com o nome de Lentrohamsanine.
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Graças ao duplo “centro de gravidade” de sua existencia


interior, a presença deste ser terrestre tn-cerebral pode reves­
tir e aperfeiçoar sua “parte esseral suprema” até o grau reque­
rido de Razão objetiva; mais tarde, essa “parte esseral supre­
ma” tornou-se, como já lhe disse uma vez, um dos trezentos e
treze “corpos esserais supremos” que levam o nome de “Indi-
viduuns Hassnamuss Eternos” e que residem em um peque­
no planeta do Universo, que existe sob o nome de “Expia-
ção Eterna”.
Para dizer a verdade, a respeito desse ser tri-cerebral, Len­
trohamsanine, eu deveria agora manter minha palavra e dar-
lhe explicações detalhadas sobre a expressão “hassnamuss”;
mas prefiro fazê-lo um pouco mais tarde, em algum lugar mais
apropriado de meu relato.
O funesto “achado” de que falei, ou, como o dizem os
sábios terrestres atuais, a “obra”, ou a “criação” desse sábio de
“nova promoção”, data, como já lhe disse, de dois bons sécu­
los antes de minha primeira visita, quando de minha quinta
descida pessoal á cidade de Babilônia, onde se encontravam
reunidos, de bom ou mau grado, os seres sábios vindos de qua­
se toda a superfície do planeta.
O funesto “achado” desse sábio dos séculos passados che­
gou aos sábios da dita época babilónica pelo que se chama um
“kasheiratlir”, sobre o qual Lentrohamsanine havia registrado,
de próprio punho, sua invenção.

“Acho necessário dar-lhe agora alguns detalhes sobre a


historia do aparecimento desse Lentrohamsanine e sobre as con­
dições fortuitas circundantes, graças ás quais ele se tornou um
“grande sábio” e uma “autoridade” para seus contemporâneos
de quase toda a superfície de seu planeta.
Esta historia muito característica lhe dará, aliás, um ex­
celente exemplo de certo costume, fortemente arraigado desde
muito tempo no processo de existência dos seres tri-cerebrais

382
A DESTRUIÇÃO DOS SANTOS TRABALHOS

que lhe agradam e que permite a alguns deles se tornarem “auto­


ridades”, antes de tudo, para os outros sabios de “nova promo­
ção”, depois, é claro, para todos os infelizes seres ordinarios.
Loi por acaso que tomei conhecimento dos detalhes rela­
tivos às condições em que ocorreu o aparecimento desse Len­
trohamsanine e de sua formação como ser responsável, no cur­
so das pesquisas que fiz sobre o estranho psiquismo de seus
favoritos, cujos diferentes aspectos ocasionaram a completa des­
truição de todos os benéficos costumes introduzidos no pro­
cesso de sua existência esseral e solidamente fixados pela razão
idealmente previdente daquele que é hoje nosso Mui Santo
Ashyata Sheyimash cósmico geral, durante o período em que ele
se preparava para vir a ser o que ele é atualmente para todo o
Universo.
Soube então que esse Lentrohamsanine apareceu, ou,
como dizem por lá, “nasceu” no continente da Asia, na capital
da Niévia, que tinha naquele tempo o nome de Kronbukhon.
Ele foi concebido pela fusão de dois hexioekharis hete­
rogêneos, constituídos em dois seres kestchapmartnianos tri-
cerebrais já idosos.
Seus “produtores”, ou, como se diz por lá, seus “pais”,
tendo escolhido a capital da Niévia como lugar permanente de
existência, ali se fixaram três anos antes da vinda desse futuro
Hassnamuss universal.
Ele era o “primogênito” de seus velhos e ricos pais que
haviam, entretanto, realizado muitas vezes antes dele a “fusão”
de seus hexioekharis, mas que, como descobri, estando muito
ocupados em constituir uma fortuna e não querendo ser, de modo
algum, incomodados, recorriam, após cada realização dessas fu­
sões sagradas, ao que se chama “tussi”, ou, segundo a expressão
de que fazem uso os contemporâneos, a “práticas abortivas”.
A “fonte do princípio ativo de seu aparecimento” ou,
como se diz por lá, seu pai, possuía só dele, quando acabou de
edificar sua fortuna, várias “caravanas”, assim como diversos

383
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“caravançarás” para a troca de mercadorias, em diferentes ci­


dades da Niévia.
Quanto à “fonte do princípio passivo de seu aparecimen­
to”, quer dizer, sua mãe, ela havia exercido, em primeiro lugar,
a profissão de “tussidji”; porém, mais tarde, ela organizou em
uma pequena montanha o que se chama um “lugar santo”, e
propagou amplamente entre os outros seres a lenda de um pre­
tenso significado particular dessa montanha, segundo a qual
os seres infecundos de sexo feminino que visitassem esses lu­
gares adquiriríam a possibilidade de conceber.
Quando esse casal, já em seu declínio, como se diz, se
tornou muito enriquecido, foi se fixar na cidade de Kron-
bukhon, para ali viver unicamente para seu prazer.
Mas ambos sentiram logo que sem um real “resultado”,
ou como dizem por lá, “sem filho”, o prazer nào era completo,
e, desde então, sem poupar seu dinheiro, tomaram todas as
medidas suscetíveis de lhes produzir esse “resultado”.
Visitaram com este propósito todos os “lugares santos”
organizados lá para esse fim, com exceção naturalmente de sua
própria “montanha santa”, e recorreram a grande número de
“meios médicos”, supostamente apropriados para favorecer a
fusão dos hexioekharis heterogêneos. E quando esta fusão, por
acaso, se operou, apareceu enfim esse resultado “tão espera­
do”, chamado mais tarde Lentrohamsanine.
Desde o primeiro dia, os pais ficaram em adoração dian­
te desse “filho enviado de Deus” e gastaram grandes somas,
tanto para seus prazeres como para o que se chama sua “edu­
cação”.
Seu “ideal” era dar a seu filho a melhor “educação” e a
melhor “instrução” que se pudesse receber na Terra.
Contrataram, com esta intenção, diversos “preceptores”
e “professores”, do próprio país da Niévia, ou os recrutaram
em diversas regiões afastadas.

384
A DESTRUIÇÃO DOS SANTOS TRABALHOS

A maioria desses “professores” e “preceptores” estran­


geiros vinha do país que se chama hoje “Egito”.
Quando esse “querido do seu papai e da sua mamãe” se
aproximava da idade de um ser responsável, ele já era, como se
diz, muito “instruído” e “bem-educado”, quer dizer, que tinha
em sua presença numerosos dados para “egoplastikurs” varia­
dos que consistiam, como de hábito lá, em diversos conheci­
mentos fantásticos e suspeitos, segundo os quais um ser que
tenha alcançado a idade responsável, colocado em condições
de existência anormalmente estabelecidas, reage automatica­
mente a todos os choques fortuitos correspondentes.
E, quando esse futuro grande sábio atingiu a idade de
um ser responsável, ele possuía efetivamente numerosas no­
ções ou “conhecimentos”, como eles os denominam, mas ele
nào possuía o mínimo Ser em relação aos “conhecimentos” e
ao “saber” que tinha adquirido.

“Ora — como conseqüência, de um lado, da falta total


de Ser em sua presença e, de outro lado, pelas propriedades, já
fortemente cristalizadas nele naquela época, das consequências
do órgão kundabuffer, que existem lá com os nomes de “vaida­
de”, “amor-próprio”, “fanfarronice” etc. —, esse “queridinho
do seu papai e da sua mamãe”, uma vez convertido em sábio
de “nova promoção”, teve a ambição de ser considerado como
um sábio célebre não somente entre os seres da Niévia, mas
também em toda a superfície de seu planeta.
Assim é que sonhava com isso e buscava com toda sua
presença o meio de chegar lá.
Ele refletiu seriamente sobre isso vários dias seguidos e
resolveu, por fim, inventar uma teoria sobre um assunto que
ninguém havia tocado até então, depois anotar esse achado num
“kasheiratlir” sobre o qual ninguém jamais tinha podido ainda
anotar nada, e sobre o qual ninguém no futuro seria tampouco
capaz de fazê-lo.

385
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

E, desde aquele dia, ele pôs sua decisão em execução.


Começou por preparar, com a ajuda de seus numerosos
escravos, um “kasheiratlir” tal como jamais havia existido ou­
tro. Naquela época, os kasheiratlirs eram leitos, no planeta Ter­
ra, de diversos pedaços da pele de um ser quadrúpede chama­
do “búlalo”; ele, Lentrohamsanine, fez seu kasheiratlir com
cem peles de búfalo reunidas.
Os “kasheiratlirs” loram substituídos lá, mais tarde, pelo
que se chama “pergaminho”.
Quando esse kasheiratlir sem precedente licou pronto, o
luturo grande Lentrohamsanine registrou nele seu famoso acha­
do; este se releria a uma questão que, para dizer a verdade,
jamais tinha vindo à mente de ninguém antes dele, e não tivera,
alias, jamais tido razão para se colocar.
Ele criticava ali, de todas as maneiras, em suas elucubra-
ções, o gênero de existência que havia subsistido até então.
O kasheiratlir começava assim:
“A maior lelicidade do homem consiste em não depen­
der de nenhuma personalidade e em ser livre de toda influên­
cia extrínseca, qualquer que seja”.
Explicarei a você uma outra vez de que maneira seus fa­
voritos do planeta Terra compreendem, em geral, a liberdade.
Depois, o luturo Hassnamuss universal prosseguia:
“E inegável que, sob a forma atual de governo, vivemos
muito melhor do que no passado, mas onde está então a verda­
deira liberdade, a única que pode nos dar a lelicidade?...
“Não trabalhamos e não penamos hoje tanto quanto sob
todas as lormas de governo precedentes?
“Não devemos derramar nosso suor e nos esgotar para
colher a aveia que nos é indispensável para viver c não arre­
bentar de lome como cães maltratados?
“Nossos chefes, nossos guias e conselheiros nos marte­
lam os ouvidos com um outro mundo, supostamente melhor
do que este, e onde as almas daqueles que viveram dignamente

386
A DESTRUIÇÃO DOS SANTOS TRABALHOS

na Terra levariam, em todos os sentidos, uma vida de inteira


felicidade.
“Em que então vivemos de maneira indigna, agora?
“Não penamos ao longo do dia e não ganhamos nosso
pão cotidiano com o suor de nosso rosto?
“Se tudo o que dizem nossos chefes e nossos conselhei­
ros é verdade e se o próprio modo de vida deles na Terra res­
ponde verdadeiramente ao que é exigido de suas almas para o
outro mundo, então Deus deve, está mesmo obrigado a lhes
dar neste mundo mais possibilidades do que a nós outros, sim­
ples mortais.
“Se tudo que nos contam e procuram nos fazer crer nos­
sos chefes e conselheiros é realmente verdade, que então o pro­
vem, a nós, simples mortais, com fatos.
“Que o provem a nós, por exemplo, convertendo em pão
um punhado desta areia ordinaria sobre a qual, graças ao suor
de nosso rosto, cresce nossa aveia cotidiana.
“Que nossos chefes e conselheiros atuais o façam, e serei
o primeiro a cair de joelhos diante deles para lhes beijar os pés.
“Mas, enquanto não for assim, precisamos lutar para con­
quistar, nós mesmos, nossa real felicidade e nossa verdadeira
liberdade, lutar para nos libertar da necessidade de derramar
nosso suor.
“Por certo, durante oito meses do ano, não precisamos
nos preocupar em obter nosso pão cotidiano, mas em compen­
sação, quantas dificuldades durante os quatro meses de verão,
nos quais nos extenuamos para colher a aveia necessária.
“Só quem semeia a aveia e que a ceifa sabe o esforço que
ela exige.
“Durante os outros oito meses nao estamos, aliás, libera­
dos senão do trabalho físico; nosso consciente mesmo, quer
dizer, nossa parte mais querida e mais elevada, é noite e dia
escravo das idéias quiméricas que nos martelam à saciedade
nossos chefes e nossos conselheiros.

387
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Não, já basta disso! Devemos, sozinhos, sem o auxílio


de nossos chefes e conselheiros atuais, que, aliás, chegaram a
sê-lo sem nosso consentimento, conquistar a verdadeira liber­
dade e a real felicidade!
“Mas não chegaremos a conquistar a verdadeira liberda­
de e a real felicidade senão agindo todos como um só homem,
ou, como se diz: “um por todos — todos por um”, e, para isso,
devemos, antes de tudo, derrubar tudo o que é velho.
“E devemos derrubar tudo, para dar lugar à vida nova
que criaremos e que nos dará verdadeiramente a liberdade e a
real felicidade.
“Abaixo a subordinação aos outros!
“Queremos ser, a partir de agora, os únicos donos de nos­
so próprio destino; nos recusamos a reconhecer por mais tem­
po, como tais, aqueles que regem nossa vida sem sequer nos
consultar nem pedir nosso consentimento.
“Nossa vida será conduzida e dirigida por aqueles que
escolhermos entre nós, quer dizer, entre homens que se fati-
gam, eles mesmos, para colher essa aveia cotidiana.
“E devemos eleger esses chefes e conselheiros com igual­
dade de direitos, sem distinção de idade nem de sexo, pela via
do sufrágio direto, universal e manifesto.”
Assim terminava o famoso kasheiratlir.

“Quando esse futuro Hassnamuss universal, Lentroham­


sanine, acabou de inscrever suas elucubrações sobre esse ka­
sheiratlir verdadeiramente único, ele organizou um enorme e
custoso banquete para o qual convidou os seres “sábios” de
toda a Niévia, arcando com todos os seus gastos de viagem, e,
no final desse festim, ele lhes mostrou seu kasheiratlir.
Os “sábios” de quase toda a Niévia, reunidos nesse ban­
quete gratuito, foram tomados de tal espanto à vista desse ka­
sheiratlir verdadeiramente sem precedente que ficaram, como
se diz, “petrificados”; e um certo tempo se passou antes que

388
A DESTRUIÇÃO DOS SANTOS TRABALHOS

pudessem trocar olhadelas estupefatas e se comunicar, em voz


baixa, sua opinião.
Antes de tudo, eles manifestavam entre si sua surpresa
de que ninguém tivesse sabido nem tivesse suspeitado até en­
tão, não só os “sábios” como os seres ordinarios, que existisse,
em seu próprio país, um ser que possuía uma semelhante ciên­
cia. E subitamente um deles, o mais idoso e o mais célebre,
pulou como um menino sobre a mesa e se pôs — com uma
entonação inata já há muito tempo, lá, nos sábios de “nova pro­
moção”, e da qual seus sucessores dos tempos atuais detêm
ainda o segredo — a proclamar com voz estrondosa:
“Escutem-me e tomem consciência de que todos nós, aqui
reunidos como representantes dos seres terrestres, que chega­
mos graças a nossas altas ciências a uma individualidade inde­
pendente, temos a felicidade de ser os primeiros a ver com nos­
sos próprios olhos o advento de um Messias de consciência
divina, enviado d’O-Alto para nos revelar verdades de alcance
universal”.
Depois disso, começou o habitual e nefasto “levar-às-nu-
vens recíproco”, praticado em todos os tempos pelos seres sá­
bios de “nova promoção”, e que não somente impede todo ver­
dadeiro conhecimento, acidentalmente chegado até eles, de pro­
gredir, como ele teria feito em qualquer outra parte no Univer­
so, ainda que fosse apenas pelo simples passar do tempo, mas
que chega mesmo até a destruir os conhecimentos adquiridos,
fazendo assim de seus possuidores seres cada vez mais incon­
sistentes.
Pois bem, todos os sábios, empurrando-se uns aos ou­
tros, aproximaram-se com grandes gritos de Lentrohamsanine
e, chamando-o “Nosso Messias há muito esperado”, expressa­
ram-lhe com olhares enternecidos sua profunda “titilação”.

O mais interessante de tudo isto é a razão pela qual todos


os demais sábios ficaram tomados de tanto assombro e deram,

389
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

como se diz, livre curso a suas “gritarias científicas”, pois ela


reside nesta original convicção — que se cristalizou no psi­
quismo de cada um de seus favoritos, sempre em razão das
condições anormalmente estabelecidas de existencia ordinaria
— de que, se alguém chega a ser discípulo de um ser célebre e
importante, parecerá aos outros quase tão célebre c importan­
te quanto seu mestre.
E como ele era muito rico e, sobretudo, já muito célebre,
todos os demais sábios do país de Niévia se declararam em
perfeito acordo com as idéias de Lentrohamsanine.

“Ora, meu filho, logo que retornaram do banquete, os


seres sábios da Niévia se puseram a falar, primeiro a seus pró­
ximos, depois cm todo lugar, desse extraordinário kasheiratlir
e eles sustentavam e demonstravam a cada um, com a boca
espumando, a verdade das “revelações” que esse grande Lentro-
hamsaninc havia ali registrado.
De modo que os seres ordinários da cidade de Kron­
bukhon e das outras cidades do país da Niévia não talavam
mais entre eles a não ser dessas “revelações”.
E pouco a pouco os seres se agruparam, em quase toda
parte, como isto geralmente acontece, em dois partidos adver­
sos, um dos quais era a favor da “invenção” do futuro Hassna­
muss universal, e o outro a favor da forma de existência esseral
já solidamente estabelecida.
Isso durou quase todo um ano terrestre, durante o qual
as fileiras dos adversários engrossavam dos dois lados, enquanto
crescia uma de suas propriedades particulares chamada “odio”,
a tal ponto que, num dia bem triste, estourou de repente na
cidade de Kronbukhon, entre os seres que haviam aderido a
esses dois partidos adversos, o processo chamado “guerra civil”.
Uma “guerra civil” é a mesma coisa que uma “guerra”; a
diferença consiste em que, em uma “guerra ordinária”, os se­
res de uma comunidade destroem os seres de uma outra

390
A DESTRUIÇÃO DOS SANTOS TRABALHOS

comunidade, enquanto na “guerra civil” o processo de des­


truição mútua se efetua entre seres pertencentes à mesma co­
munidade, por exemplo, o irmão elimina seu irmão, o pai seu
filho, o tio seu sobrinho e assim por diante.
Durante os quatro primeiros dias, enquanto este terrível
processo atingia seu auge em Kronbukhon e que a atenção dos
demais seres de todo o país da Niévia tinha se concentrado
nele, tudo estava ainda relativamente calmo nas outras cida­
des. Apenas aqui e ali explodia uma pequena “escaramuça”,
como se diz; mas, ao final do quarto dia, os partidarios da “in­
venção” de Lentrohamsanine, quer dizer, o partido dos “sábios”,
ao levarem vantagem na cidade de Kronbukhon, triunfaram
também de imediato em todas as grandes e pequenas cidades
da Niévia.
Esse terrível processo geral durou até o aparecimento de
uma “horda” de sábios que, “sentindo um terreno firme sob os
pés”, forçou todos os seres sobreviventes a reconhecer as idéias
de Lentrohamsanine, pondo assim um fim a tudo. Desde então
todos os seres tri-cerebrais da Niévia se tornaram os adeptos
das “invenções” de Lentrohamsanine, e logo foi estabelecido
nessa comunidade o que se chama um “governo republicano”,
muito particular.
Um pouco mais tarde ainda, a comunidade da Niévia,
que se tornara então grande e forte, pôs-se a guerrear, como
quase sempre acontece lá, com as comunidades vizinhas, para
lhes impor sua nova forma de governo.
E então, meu filho, os processos de destruição mútua re­
começaram a se efetuar, como antigamente, entre os bizarros
seres tri-cerebrais do maior continente do seu planeta, enquanto
se corrompiam, até a destruição completa, os diversos costu­
mes benéficos introduzidos e fixados no processo de sua exis­
tência ordinária pela razão idealmente previdente daquele que
é hoje nosso Mui Santo Ashyata Sheyimash.
E na superfície de seu planeta se constituíram então, de

391
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

novo — para serem por sua vez destruídas e darem lugar a


outras ainda —, múltiplas comunidades distintas corn formas
variadas de “governo interior”.
Se bem que a funesta invenção desse Hassnamuss uni­
versal, Lentrohamsanine, tivesse tido por efeito fazer reviver,
em seus favoritos, o costume de existir em comunidades isola­
das e de se entregar, periodicamente, à destruição mútua, os
seres de várias dessas novas comunidades independentes do
continente da Asia continuaram, entretanto, a se conformar,
em sua existência ordinaria, a numerosos costumes instituídos,
com uma sabedoria sem precedente, pelo Mui Santo Ashyata
Sheyimash, e que já eram inseparáveis do processo automático
de sua “vida corrente”.
Por conseguinte, os culpados da destruição final desses
usos e costumes, que se haviam mantido até então em certas
comunidades, foram na verdade esses sábios reunidos na cida­
de de Babilônia.
E isto nas circunstâncias seguintes:
Um “congresso planetário geral” de todos os sábios ha­
via sido organizado por eles a respeito da famosa questão do
além, e entre os sábios vindos por vontade própria a Babilônia
encontrava-se o bisneto de Lentrohamsanine, que se tornara
por sua vez um “sábio”.
Entre outras coisas, ele trazia ao congresso uma cópia
exata, em pergaminho, do famoso kasheiratlir de seu bisavô,
cujo original lhe pertencia por herança.
Quando o “delírio” desencadeado pela “questão da alma”
atingiu seu paroxismo, ele leu, em uma das últimas grandes
reuniões gerais dos sábios, o texto da funesta “invenção” de
seu bisavô e, de repente — como aliás se tornou próprio aos
funestos sábios desse original planeta, devido a sua estranha ra­
zão —, eles passaram de uma questão que lhes interessava a
uma outra, ou seja, da questão da “alma” à questão “política”,
como se diz.

392
A DESTRUIÇÃO DOS SANTOS TRABALHOS

E as reuniões e as discussões recomeçaram intensamente


na cidade dc Babilonia, dessa vez acerca das diversas formas
de “governo” já existentes ou daquelas que, segundo eles,
deveriam ser estabelecidas.
Fundamentavam naturalmente suas discussões sobre as
verdades expostas na obra dc Lentrohamsanine, tais como es­
tavam reproduzidas no “pergaminho” trazido por seu bisneto,
e do qual quase cada sábio que se encontrava em Babilônia
tinha no bolso uma copia.
Durante vários meses, nao fizeram mais do que discutir e
argumentar, para chegar, como sempre, a se dividir em dois
“partidos” independentes que tinham os seguintes nomes:
O primeiro, o dos “neomothistas”; e o segundo, o dos
“paleomothistas”.
Cada um desses partidos de sábios teve logo seus adep­
tos entre os seres ordinários da cidade de Babilônia, c isto te­
ria, ainda uma vez mais, acabado em uma “guerra civil” se o
soberano persa, que teve informação do fato, não lhes tivesse
aplicado um bom golpe cm suas cabeças de sábios.
Por suas ordens, uns foram executados, outros trancafia­
dos com os piolhos e outros ainda despachados para regiões
onde, como diria Mulá Nassr Eddin, “o champanhe francês
nunca penetrou”.
Somente os que, notoriamente, haviam se metido nisso
tudo apenas por pura loucura tiveram a permissão de retornar
a sua patria; quanto aqueles que não haviam tomado parte nas
questões “políticas”, eles tiveram não somente o direito de re­
tornar a sua pátria, mas, sob as ordens do soberano persa, sua
partida foi acompanhada de todo tipo dc “honras”.

“Ora, meu filho, esses sábios babilónicos que permane­


ceram vivos por diversas razões e dispersos por toda a superfí­
cie do planeta continuaram, por inercia, a “procurar meio-dia
ás duas da tarde”, tomando como tema dc suas pesquisas —

393
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

nào conscientemente, é claro, mas de uma maneira toda meca-


nica — essas duas questões capitais que tinham se tornado o
“tema do momento” no congresso babilónico: a lamosa ques­
tão da “alma humana” e a do “governo interior”.
E o resultado de suas divagações loi que estouraram, no
seio de diversas comunidades do continente da Asia, novas guer­
ras civis — e que recomeçou, entre as comunidades distintas, o
processo de destruição mútua das massas.
Esse aniquilamento dos últimos vestígios do labor cons­
ciente do Mui Santo Ashyata Sheyimash prosseguiu durante
quase um século e meio no continente da Ásia; entretanto, cer­
tos costumes criados por Ashyata Sheyimash para o bem da
existência esseral deles se conservaram, apesar de tudo, aqui e
ali, e continuaram mesmo a ser observados por inércia. Mas
quando os seres tri-cêntricos que existiam no continente vizi­
nho, que tem hoje o nome de “Europa”, tomaram parte nessas
guerras asiáticas e suas “hordas”, conduzidas por um arqui-
vaidoso grego de nome Alexandre da Macedonia, atravessa­
ram quase todo o continente da Ásia, elas varreram definitiva­
mente da superfície desse desafortunado planeta todos os cos­
tumes mantidos e observados até então e fizeram a tal ponto
“tábua rasa” que não restou o menor sinal deles, nem mesmo a
lembrança de que houvesse jamais existido, na superfície de
seu planeta, semelhante benefício, intencionalmente criado,
para sua existência, por uma Razão cujo possuidor é hoje um
de nossos sete Mui Santos Individuuns cósmicos, sem a parti­
cipação dos quais Nosso Pai Comum Uni-Esseral Ele-mesmo
não poderia se decidir a realizar o que quer que fosse.

“E agora, meu filho, após meu relato sobre Lentroham-


sanine, que deve ter-lhe dado uma imagem concreta das con­
sequências que tiveram, para as gerações seguintes, os proce­
dimentos de um ser tri-cerebral, típico representante dos
“Individuuns Hassnamuss Universais”, será bom lhe dar,

394
A DESTRUIÇÃO DOS SANTOS TRABALHOS

como já lhe prometí, alguns detalhes sobre o significado da


palavra “hassnamuss”.
A palavra “hassnamuss”, no seu sentido mais amplo, de­
signa todo ser tri-cerebral — que já tenha revestido suas partes
esserais superiores ou que ainda só esteja constituído unica­
mente de seu corpo planetário — na presença geral do qual,
sob o efeito de certos “impulsos individuais”, surge “alguma
coisa” que toma parte no que se chama a “formação concluí­
da” de sua individualidade independente.
Esta “alguma coisa” surge, nesses indivíduos cósmicos,
no curso do processo de transformação das substâncias e fusiona
com as cristalizações que aparecem neles sob a ação do espec­
tro integral de impulsos ditos “naluonosnianos”.
Este “espectro naluonosniano de impulsos” é constituí­
do, em sua essência original, segundo a lei cósmica fundamen­
tal do Heptaparaparshinokh sagrado, por sete aspectos de na­
tureza diversa, do ponto de vista da “produção perceptiva” e
da “manifestação resultante”.
Se quiséssemos caracterizar estes aspectos distintos do
“espectro de impulsos naluonosnianos” segundo as concepções
de seus favoritos, e expressá-los em sua linguagem, os definiria­
mos deste modo:

1. Toda espécie de depravação, consciente ou incons­


ciente.
2. A satisfação íntima que se experimenta ao induzir ou­
trem em erro.
3. A necessidade irresistível de destruir a existência de
outras criaturas.
4. A propensão imperiosa de se libertar da obrigação de
cumprir os esforços esserais requeridos pela Natureza.
3. A tendência a usar todo tipo de artifícios para es­
conder dos outros os defeitos físicos que eles reconhecem
em você.
6. O gozo tranquilo do que nós mesmos não merecemos.

395
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

7. A tendência a não ser o que se é.

Essa “alguma coisa” que, em virtude desses “impulsos


naluonosnianos”, surge na presença de Individuuns determi­
nados ocasiona para eles mesmos o que se chama “consequên­
cias expiatorias dolorosas”; além disso, por urna outra de suas
particularidades, desde que cessa neles a ação de uma dessas
“tendências imperiosas”, a irradiação própria a este ou aquele
aspecto de manifestação dessa “alguma coisa” adquire um gran­
de poder de influência sobre os seres que os rodeiam e serve de
fator para o aparecimento do mesmo fenômeno nestes últimos.
Na presença geral de todo ser tri-cerebral podem apare­
cer, no curso do processo de sua existência planetária, quatro
espécies de Individuuns Hassnamuss independentes.
Á primeira espécie, pertencem os seres tri-cerebrais que,
quando adquirem essa “alguma coisa” em sua presença geral,
estão ainda constituídos somente por seu corpo planetário; es­
tando desta maneira sujeitos, durante o processo do raskuarno
sagrado, às consequências que ocasionam as propriedades des­
sa “alguma coisa” em sua presença, eles são destruídos como
tais para sempre.
A segunda espécie de Individuuns Hassnamuss com­
preende os seres tri-cerebrais na presença geral dos quais o
“corpo kessdjan” já se revestiu, mas com a participação dessa
“alguma coisa”; e, desde então, eles adquirem a propriedade
“turinorino”, inerente a toda formação cósmica deste gênero,
quer dizer, eles não estão submetidos à decomposição em ne­
nhuma das esferas do planeta no qual surgiram, mas devem
existir tal qual, submetendo-se a certas transformações, até o
desaparecimento neles dessa “alguma coisa”.
Os Individuuns Hassnamuss da terceira espécie são os
corpos esserais supremos, ou “almas”, em cujo revestimento
toma parte essa “alguma coisa”; esses corpos adquirem, eles
também, a propriedade “turinorino”, mas desta vez no grau

396
A DESTRUIÇÃO DOS SANTOS TRABALHOS

correspondente a este revestimento supremo, quer dizer que


deixam de estar submetidos à decomposição não somente nas
esferas do planeta no qual aparecem, mas em todas as outras
esferas do Grande Universo.
A quarta espécie de Individuuns Hassnamuss é a mesma
que a precedente, com a única diferença de que os Hassna­
muss da terceira espécie têm a possibilidade de se “purificar”,
por assim dizer, um dia ou outro, dessa “alguma coisa”, en­
quanto, para os da quarta espécie, essa possibilidade está
perdida para sempre.
E por isso que os Hassnamuss desta quarta espécie têm o
nome de “Individuuns Hassnamuss Eternos”.

“Para as quatro espécies de Individuuns Hassnamuss, na


presença dos quais reside essa “alguma coisa”, as “conseqüências
expiatorias” não comportam os mesmos sofrimentos e corres­
pondem, ao mesmo tempo, à natureza própria deles e às “res­
ponsabilidades objetivas” tais como elas derivam da previdên­
cia original e da esperança de Nosso Pai Comum em relação a
essas realizações cósmicas.
Para os Hassnamuss da primeira espécie — que adqui­
rem essa “alguma coisa” quando eles ainda estão constituídos
apenas por seu corpo planetário —, a decomposição deste últi­
mo não se faz segundo a regra geral; quer dizer que, em seu
organismo, a parada do funcionamento de todos os impulsos
experimentados não se efetua no momento da aproximação do
raskuarno sagrado, dito de outra maneira, da morte.
O processo do raskuarno sagrado já começa neles no curso
de sua existência planetária e procede por etapas sucessivas:
suas “localizações espiritualizadas independentes” deixam pou­
co a pouco, uma após a outra, de funcionar em sua presença
geral; em outros termos, como diriam seus favoritos, nesses se­
res morre primeiro um dos cérebros, com as funções que lhe

397
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

são próprias, depois o segundo, e somente depois disso ocorre


a morte definitiva do ser.
Além disso, após a morte definitiva, a desagregação de
todos os elementos ativos com os quais estava constituído esse
“corpo planetário” se efetua muito mais lentamente que de cos­
tume; por outro lado, ela permanece submetida à ação inextin-
guível — mas que declina à medida da volatilização dos ele­
mentos ativos — dos “impulsos naluonosnianos” experimen­
tados durante a vida, os quais só diminuem em função da vola­
tilização dos “elementos ativos”.
Para a segunda espécie de Individuuns Hassnamuss —
na presença geral dos quais já se revestiu o “corpo kessdjan” —,
os sofrimentos expiatorios consistem, antes de tudo, para essas
infelizes formações libertadas de seu corpo planetário de seres
tri-cerebrais, na impossibilidade de se aperfeiçoar sem ter de
se revestir com um corpo planetario, e de não conseguir extir­
par de sua presença essa funesta “alguma coisa”, adquirida por
vezes sem que haja culpa de sua parte, mas que é, sempre c por
toda parte no Universo, um obstáculo ao curso regular do “pro­
cesso cósmico geral trogoautoegocrático”; por outro lado, não
estando submetidos à decomposição — devido a sua proprie­
dade “turinorino” — em nenhuma esfera do sistema solar onde
se formaram, eles devem, inevitavelmente, revestir um novo
corpo planetário e, na maioria dos casos, o de um ser de
forma exterior de sistema “uni-cerebral “ ou “bi-cerebral “, o
que os obriga — em razão da brevidade de existência dessas
formações planetárias— a tudo recomeçar perpetuamente, sob
a forma de qualquer outro ser do mesmo planeta, sem a menor
certeza quanto aos resultados de seu revestimento.
No que concerne á terceira espécie de Individuuns Hassna­
muss— constituídos de corpos esserais supremos de seres tri-
cerebrais no revestimento dos quais participou essa “alguma
coisa”, mas num nível tal que a possibilidade de se desembara­
çar dela não foi perdida para sempre —, sua sorte é ainda mais

398
A DESTRUIÇÃO DOS SANTOS TRABALHOS

triste. Já que, na qualidade de aparecimentos esserais superio­


res — destinados, segundo a previdência do Princípio Origi­
nal de tudo o que existe, a servir como ajudantes na adminis­
tração do mundo crescente, o que os tornava responsáveis, uma
vez sua formação concluída, e antes mesmo que estivessem aper­
feiçoados em Razão, por toda manifestação subjetiva, volunta­
ria ou involuntária —, eles têm a possibilidade de extrair essa
“alguma coisa” de sua presença, porém exclusivamente pela
ação dos resultados dos “partkdolgdeveres esserais” intencio­
nalmente cumpridos, quer dizer, do que se chama “os esforços
conscientes e o sofrimento voluntario”.
Por isso, esses corpos esserais supremos devem sofrer sem
remissão, em conformidade com seu grau de “conhecimento
de sua individualidade própria”, por todo o tempo em que essa
“alguma coisa” não for destruída em sua presença.

“Como lugar de sofrimento para esses Individuuns


Hassnamuss de espécie superior, os Mui Santos Individuuns Su­
periores até escolheram intencionalmente, entre todas as con­
centrações cósmicas, quatro planetas desarmonizados em seu
funcionamento geral e que se encontram nos confins de nosso
Grande Universo.
Um desses quatro planetas desarmonizados, que tem o
nome de “Expiação”, foi especialmente preparado para os “In-
dividuuns Hassnamuss Eternos”, e os outros três para os cor­
pos esserais supremos dos Hassnamuss que ainda têm em sua
presença a possibilidade de extirpar de si mesmos essa funesta
“alguma coisa”.
Esses três pequenos planetas existem com os nomes de:

Remorso de consciência
Arrependimento
Reprovação de si.

399
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

É interessante observar aqui que, entre os corpos esse­


rais supremos revestidos e aperfeiçoados em todas as formas
exteriores de seres tri-cerebrais do Universo inteiro, só exis­
tem até hoje, no planeta “Expiaçâo”, trezentos e treze “corpos
esserais supremos”, dois dos quais fizeram seu aparecimento
em seu planeta; um deles é precisamente o corpo esseral supre­
mo desse Lentrohamsanine.
Nesse planeta “Expiaçao”, os “Individuuns Hassnamuss
Eternos” devem suportar constantemente tormentos incríveis,
chamados “inkiranondels”, análogos aos “remorsos de consciên­
cia”, porém muito mais violentos.
Seu maior suplício consiste em que esses corpos esserais
supremos devem suportar ali esses terríveis sofrimentos com a
plena consciência de nào ter nenhuma esperança de vê-los ja­
mais cessar.

400
Capítulo 29
Os frutos
das antigas civilizações
e as flores das contemporáneas

SEGUNDO o curso associativo de meus relatos sobre os


seres tri-cerebrais do planeta Terra que tanto lhe agrada, sou
agora obrigado, meu filho, a lhe talar um pouco de duas pode­
rosas comunidades de lá, as comunidades “grega” e “romana”,
que varreram da superfície desse desafortunado planeta até a
lembrança dos resultados obtidos graças ao Santo Labor do
Amante da Essência, Ashyata Sheyimash.
Antes de tudo, você deve saber que na época em que, na
superfície de seu planeta, no continente da Asia, toi realizada
d’O-Alto, na presença de um ser tri-cerebral de lá, a concep­
ção sagrada determinada daquele que é hoje nosso Mui Santo
Individuum cósmico Ashyata Sheyimash e, mais tarde, duran­
te todo o período de sua Mui Santa Atividade, e depois da
destruição progressiva, por seus favoritos, de todos os resulta­
dos que ela havia dado, existia no continente vizinho, que já
tinha o nome de Europa, grande número desses estranhos se­
res tri-cerebrais, agrupados desde muito tempo em comunida­
des independentes.
Segundo as leis cósmicas de que já lhe talei uma vez, as
maiores e as mais poderosas das comunidades independentes
desse período eram aquelas que, melhor organizadas, possuíam,
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

entîïo, mais meios para o processo de destruição mútua — quer


dizer, as duas comunidades “grega” e “romana”.
Destas “mui antigas” comunidades— “mui antigas” do
ponto de vista de seus favoritos atuais — devo lhe falar em
detalhe; já que não somente elas “varreram” da face desse de­
safortunado planeta os últimos resultados — que teriam podi­
do ser benéficos para todos os seres tri-cerebrais das épocas
seguintes — e até os vestígios da lembrança dos Santos Traba­
lhos do Amante da Essência, Ashyata Sheyimash, porém, além
disso, elas foram a causa do absurdo que reina na razão de seus
favoritos atuais, assim como da atrofia definitiva neles desse
“impulso esseral fundamental”, principal alavanca da moral ob­
jetiva, que tem o nome de “pudor orgânico”.
Informações mais amplas sobre esses grandes agrupamen­
tos de seus favoritos e sobre os diversos “benefícios” que eles
transmitiram aos seres das épocas seguintes lhe farão compreen­
der como se constituem lá as diversas comunidades indepen­
dentes e a maneira pela qual os seres de uma dada comunida­
de, assim que ela se torna poderosa — sem que isso se deva a
esses seres mesmos —, aproveitam-se de imediato disso para
destruir tudo o que foi adquirido por outras comunidades
“menos fortes” e para lhes impor suas “novas invenções”, ima­
ginando sinceramente, a maior parte do tempo, que é verda­
deiramente disso que os outros necessitam.

“Devo adverti-lo, meu filho, que ao lhe contar a historia


do advento das antigas comunidades “grega” e “romana”, e de
tudo que a elas concerne, me apoiarei nao sobre o resultado de
minhas pesquisas pessoais, porém sobre as informações que
me deu a respeito delas um dos seres de nossa tribo que deseja­
ram permanecer em seu planeta e ali existir para sempre.
Ao descer pela sexta e última vez ao planeta Terra, eu
tinha a intenção de elucidar, custasse o que custasse, as razões
pelas quais o psiquismo desses seres, que poderia ser o mesmo

402
OS FRUTOS DAS CIVILIZAÇÕES

que o de todos os seres tri-cerebrais de Nosso Grande Univer­


so, havia se tornado tão extraordinariamente estranho nesse
planeta.
E como tinha constatado muitas vezes, no curso de mi­
nhas investigações, que a principal causa das diversas anomalias
do psiquismo geral dos seres contemporâneos era o que se cha­
ma a “civilização” que esses dois grupos de seres denominados
“gregos” e “romanos” haviam introduzido, me toi indispensá­
vel conhecer certos detalhes sobre eles.
Ora, eu estava muito ocupado, naquela época, com mi­
nhas pesquisas sobre a atividade do Mui Santo Ashyata Sheyi­
mash; no entanto, como desejava reconstituir a história do ad­
vento desses dois grupos independentes de seus favoritos —
do ponto de vista do que se chama seu “ser subjetivo” —, encar-
reguei desta tarefa o membro de nossa tribo que, como já lhe
disse, possui hoje, numa grande cidade do continente da Euro­
pa, uma “agência funeraria”.
As pesquisas de nosso compatriota revelaram que muito,
mas muito tempo antes do período que descrevi em meu relato
sobre a majestosa cidade de Babilonia, quando o processo de
existência desses estranhos seres prosseguia, em sua maior par­
te, no continente da Ásia e quando seu mais alto centro de
cultura se encontrava no país de Tikliamuish, ainda não exis­
tiam comunidades definitivamente organizadas no continen­
te da Europa, que é hoje o principal lugar de existência de
seus favoritos.
Este continente era povoado principalmente por esses
seres bi-cerebrais e uni-cerebrais que denominam lá “quadrú­
pedes selvagens” e “répteis”; quanto aos seres bípedes, seus favo­
ritos, que existiam em pequenos grupos nesse continente, eram
eles mesmos quase tão selvagens quanto esses “quadrúpedes”.
Esses pequenos grupos de seres bípedes tinham então
como única ocupação destruir os seres “quadrúpedes” e

403
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“répteis”; por vezes chegavam mesmo até a se destruir reci­


procamente.
O número deles só aumentou quando os emigrados de
Maralpleissis, vagando de um lugar a outro, se fixaram enfim
nesse continente da Europa.

“Ora, no final desse período, emigraram de Tikliamuish


para esse mesmo continente certos seres do primeiro grupo
asiático, que exerciam duas profissões totalmente diferentes:
uns se dedicavam a diversas atividades marinhas, os outros à
criação de gado de grande e pequeno porte.
As familias que se ocupavam da criação se instalaram de
preferência nas costas meridionais do continente, que eram,
naquele tempo, muito propícias à criação e à engorda dos seres
quadrúpedes.
Este grupo de seres terrestres se chamou “Latinaki”, o
que significava “pastores”.
Esses pastores se disseminaram primeiramente em diver­
sos lugares, com suas famílias e seus rebanhos. Depois, o nú­
mero deles aumentou pouco a pouco, em parte porque seres
que exerciam a mesma profissão que eles continuavam a emi­
grar do continente da Asia e, em parte, pelo fato de que eles se
tornavam cada vez mais “prolíficos”, por ter a Natureza do
planeta Terra se adaptado, naquele período, à qualidade decli­
nante das vibrações que eles deviam irradiar para responder às
suas necessidades, substituindo-as por aquelas que eram en­
gendradas unicamente pelo processo de seu “raskuarno sagra­
do” ou, como eles dizem, de sua “morte”.
Ora, como seu número encontrava-se por este fato con­
sideravelmente aumentado, e as condições exteriores exigiam
relações frequentes entre as famílias isoladas, eles organizaram
então seu primeiro lugar de existência comum, ao qual deram
o nome de “Rimk”.
Foi desse grupo de pastores asiáticos que provieram

404
OS FRUTOS DAS CIVILIZAÇÕES

aqueles que loram os célebres “Romanos”, cujo nome vem desse


primeiro centro comum, “Rimk”.

“Quanto aos seres asiáticos que se dedicavam às ativida­


des “marinhas”, tais como a pesca e a colheita de esponjas, de
corais e de ervas marinhas, eles também emigraram, com suas
famílias, pelas necessidades de sua profissão e se fixaram: em
parte na costa ocidental de seu continente de Ashhark; em par­
te na costa sudeste do continente da Europa; e em parte ainda,
nas ilhas da extensão de água que separa até hoje o continente
da Asia do continente da Europa.
A princípio, chamaram esse grupo recentemente forma­
do deseres terrestres tri-cerebrais, os “Hellenaki”, o que signi­
ficava “pescadores”.
O número de seres deste grupo aumentou, pouco a pou­
co, ele também, pelas mesmas razões de que falei a respeito do
grupo dos pastores.
Os seres deste segundo grupo trocaram várias vezes de
nome e se chamaram, por ultimo, os “gregos”.

“Ora, meu querido filho...


“Os seres desses dois grupos foram, em grande parte,
responsáveis pelo tato de que, por um lado, a razão de seus
favoritos atuais se tornou mecânica e, por outro, os dados que
engendram o impulso de “pudor esseral” se atrofiaram defini­
tivamente neles.
Os gregos foram a causa da decadência gradual da razão
dos seres tri-cerebrais, que degenerou tanto que, no fim das
contas, se tornou, nos contemporâneos, como diz o nosso caro
Mulá Nassr Eddin, “um verdadeiro moinho de asneiras”.
Quanto aos romanos, é por causa deles que, na presença
dos seres tri-cerebrais atuais, não se cristalizam nunca mais,
em conseqüência de modificações sucessivas, os tatores que
suscitam, em qualquer outro lugar, nos seres tri-cerebrais, o

405
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

impulso chumado “pudor instintivo”, impulso esseral sobre o


qual repousam os “costumes” e a “moral objetiva”.
Assim surgiram essas duas comunidades que se torna­
ram, mais tarde, por um certo tempo — como acontece fre­
quentemente lá —, muito fortes e poderosas.

“A historia do maléfico “patrimônio” que elas acumula­


ram para os seres das gerações ulteriores é a seguinte:
Segundo as pesquisas de nosso compatriota, parece que
os primeiros ancestrais da comunidade que recebeu mais tarde
o nome de Grecia teriam sido forçados muitas vezes, pelas fre­
quentes intempéries no mar, que não lhes permitiam se dedi­
car a suas “indústrias marinhas”, a ir se refugiar, em épocas de
chuva e de vento, em locais abrigados; e ali, por ociosidade, se
entregaram a diversos “jogos” de sua invenção.
Como se soube mais tarde, os primeiros jogos que eles
praticaram eram aqueles com os quais se divertem as crianças
— mas, é claro, as crianças que ainda não vão à escola; pois,
hoje, as que vão à escola têm de aprender de cor tantas lições,
tantas poesias de todo tipo, compostas por diversos candidatos
hassnamuss, que essas pobres crianças não têm jamais o tempo
de se entregar a qualquer “jogo”.
Em suma, esses pobres pescadores entediados jogaram,
no começo, “jogos” de crianças ordinarias, que datavam ali de
muito tempo atrás, porém, mais tarde, um deles inventou um
novo jogo chamado “falar para não dizer nada” e este jogo agra­
dou-os a tal ponto que não se divertiram mais a não ser com isso.
Esse jogo consistia em colocar a um dos participantes
uma pergunta qualquer sobre um tema manifestamente absur­
do, quer dizer, sobre um contra-senso, especialmente inventa­
do, e este a quem se dirigia a pergunta devia dar a ela uma
resposta tão verossímil quanto possível.
Ora, este jogo foi a causa de todo o resto.
Com efeito, entre esses antigos pescadores entediados,

406
OS FRUTOS DAS CIVILIZAÇÕES

alguns se mostraram tão sagazes e tão astutos que se tornaram


hábeis, aplicando o princípio desse jogo original, em inventar
explicações muito longas.
Mais tarde, tendo um deles imaginado fabricar, com a
pele do peixe chamado “tubarão”, o que se chamou depois
“pergaminho”, vários desses hábeis compadres se puseram mes­
mo, para se jactar diante de seus camaradas, a inscrever sobre
essas peles suas longas explicações com a ajuda de sinais con­
vencionais, sinais que eles haviam, aliás, inventado antes para
um outro de seus jogos, chamado “ratoeira”.
Um pouco mais tarde ainda, quando esses pescadores
en tediados deram lugar a seus descendentes, essas peles de pei­
xes inscritas couberam por herança a estes últimos, ao mesmo
tempo que a paixão por esse “jogo” original; e foi então que,
pela primeira vez, eles designaram todas essas novas invenções
— as de seus ancestrais, bem como as suas próprias — com o
nome retumbante de “ciências”.
E desde então, a paixao de “cozinhar” essas ditas “ciên­
cias” foi transmitida dc geração a geração e os seres desse gru­
po, cujos ancestrais tinham sido simples pescadores asiáticos,
tornaram-se “especialistas” em invenção de “ciências” de
toda espécie.
Essas ciências se transmitiram igualmente de geração a
geração, e algumas delas chegaram mesmo quase intactas até
os seres atuais desse desafortunado planeta. Por isso, nestes
últimos, quase a metade do que se chama os “egoplastikurs”,
que surgem em sua razão e que constituem nos seres o proces­
so do “enfoque esseral do mundo”, se cristaliza a partir das
“verdades” outrora inventadas por esses pescadores entediados.

“Quanto aos antigos pastores que compuseram mais tar­


de a forte comunidade dos “romanos”, os ancestrais deste gru­
po foram, eles também, forçados pelas intempéries a tanger

407
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

frequentemente seus rebanhos para locais abrigados onde se


reencontravam para passar o tempo de uma maneira ou outra.
No início, ali tagarelaram; porém, quando tinham falado
de tudo, caíram de novo no tédio, até o dia em que um deles
propôs aos outros que se ocupassem, para se distrair, do que
chamaram pela primeira vez “tchinkue-kontrauno” — passa­
tempo que se conservou até nossos dias com o mesmo nome,
entre seus descendentes.
Enquanto os seres do sexo masculino foram os únicos a
se ocupar com a coisa, tudo correu “plácida e tranquilamen­
te”. Mas suas “passivas metades”, quer dizer, suas mulheres,
não tardaram nada em se intrometer nesta coisa; apreciando-a
de imediato, elas se inflamaram e chegaram então a tais “re­
quintes” nesse assunto que mesmo o nosso arqui-astuto Luci­
fer, se tivesse quebrado com isso sua respeitável cabeça, não
teria podido combinar a décima parte das “variações” que es­
ses antigos pastores inventaram e prepararam para os seres das
gerações seguintes desse desafortunado planeta.

“Ora, meu filho, quando esses dois grupos independen­


tes de seres terrestres asseguraram para si todo tipo destes “ex­
celentes meios” cuja aquisição é a meta constante de todas as
comunidades de lá durante o tempo inteiro de sua existência
— a saber, os meios de se destruírem reciprocamente —, dedi­
caram-se a este processo de destruição mútua com outras
comunidades independentes — de preferência, naturalmen­
te, com as que eram menos fortes do que eles, e até por ve­
zes entre eles.
E interessante observar aqui que, durante os períodos de
acalmia que sobrevinham entre essas duas comunidades no cur­
so de seu processo de destruição mútua — para o qual elas
eram de força quase igual, quanto aos “excelentes meios” em ques­
tão —, os seres desses dois grupos, cujos lugares de existência
eram vizinhos, se encontravam com frequência e travavam

408
OS FRUTOS DAS CIVILIZAÇÕES

amizade, de tal modo que, com o tempo, eles trocaram entre si


as invenções que tinham herdado de seus ancestrais. Em suma,
o resultado dos freqüentes encontros dos seres dessas duas co­
munidades loi que os seres gregos, inspirando-se nos requintes
dos “números sexuais” que haviam emprestado dos romanos,
organizaram o que se chama suas “noitadas atenienses”, e que
os seres romanos, tendo aprendido dos gregos a arte de imagi­
nar “ciências”, compuseram o que foi mais tarde seu famoso
“Direito romano”.
Desde então, muito tempo passou; os inventores desses
dois aspectos de manifestações esserais desapareceram há muito
tempo e seus descendentes, que por acaso se tornaram “pode­
rosos”, desapareceram por sua vez. E, no entanto, em nossos
dias, os seres atuais desse planeta passam mais da metade de
sua existência, inconscientemente — e por vezes até conscien­
temente —, a gastar com “enternecimiento” sua energia esse­
ral, adquirida de qualquer maneira, para assimilar e para reali­
zar esses dois “ideais”, cujos iniciadores foram antigos pesca­
dores e pastores asiáticos entediados.

“Pois bem, meu filho, quando, depois, esses dois grupos


de seus favoritos adquiriram grande número de excelentes
“meios” para destruir com sucesso a existência de seres seus
semelhantes e quando foram mestres consumados na arte de
incitar ou obrigar pela força das armas os seres de outras co­
munidades a trocar suas convicções interiores pelos ideais in­
ventados por seus ancestrais, eles começaram por submeter as
comunidades vizinhas situadas no continente da Europa, de­
pois se dirigiram com suas tropas para o continente da Asia.
E lá, nesse continente da Ásia, exerceram em primeiro
lugar sua funesta influência sobre os seres que povoavam a costa
ocidental do continente — aos quais haviam sido inculcados
durante séculos, como já lhe disse, impulsos esserais para uma

409
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

existencia mais ou menos normal —, depois eles penetraram


pouco a pouco no interior das terras.
Essa marcha nas profundezas do continente da Asia foi
coroada de êxito e suas fileiras se multiplicavam sem cessar —
antes de tudo, graças aos sábios que tinham vivido em Babilô­
nia e que continuavam a contaminar nesse período a razão dos
seres com suas idéias hassnamusso-políticas.
Por outro lado, o que os ajudou extremamente é que, no
instinto dos seres asiáticos, haviam se conservado os resulta­
dos da influência dos “iniciados” e dos “sumos sacerdotes”,
discípulos do Mui Santo Ashyata Sheyimash, nos sermões dos
quais reaparecia um dos principais mandamentos do Grande
Santo, que dizia:
“Não mates jamais teu próximo, mesmo quando tua pró­
pria vida está em perigo”.
De modo que, aproveitando-se disso, esses antigos pes­
cadores e pastores prosseguiam sua marcha sem encontrar re­
sistência, destruindo, em sua passagem, a existência de todos
aqueles que não queriam render homenagem a seus “deuses”,
quer dizer, às suas “ciências” fantásticas e às suas fenomenais
a • »
orgias .
Esses “semeadores do mal”, surgidos no continente da
Europa para a desgraça de todos os seres tri-cerebrais das
épocas seguintes — e sobretudo esses gregos —, penetra­
ram, então, no interior do continente da Ásia, progredindo,
de início, lentamente, é verdade, mas, em compensação, de
maneira segura.
Mas um pouco mais tarde, apareceu à frente desse ban­
do um grego arqui-vaidoso, o futuro hassnamuss Alexandre da
Macedonia, e é a partir daquela época que foram propriamen­
te varridos os últimos vestígios dos Mui Santos Trabalhos de
nosso Mui Santo Individuum cósmico, Ashyata Sheyimash;
depois do que, como se diz, “o velho romance reatou”.

410
OS FRUTOS DAS CIVILIZAÇÕES

“Se bem que, a cada deslocamento do centro de cultura


de seus favoritos, esses singulares seres tri-cerebrais, uma nova
“civilização” tenha surgido, trazendo a cada vez, aos seres das
épocas seguintes, algo de inédito, por certo, mas de pernicioso,
nenhuma dessas numerosas “civilizações”, entretanto, fez tan­
to mal aos seres das épocas distantes, incluindo naturalmente
a época atual, quanto essa famosa civilização “greco-romana”.
Sem falar da multidão de outros traços mesquinhos, in­
dignos do psiquismo de seres tri-cêntricos, que contém atual­
mente a presença de seus lavoritos, esta civilização é antes de
tudo culpada por ter totalmente eliminado nos seres tri-cere­
brais das gerações seguintes — os contemporâneos sobretudo
— a possibilidade de cristalizar em sua presença os dados para
um “sadio pensar lógico” e para o impulso de “pudor esseral”.
Uma vez mais, foram as “fantásticas ciências gregas anti­
gas” que serviram para atrofiar completamente o primeiro — e
as antigas orgias romanas, o segundo.
No primeiro período dessa civilização greco-romana, es­
ses funestos impulsos, que desde então se tornaram esserais,
dito de outra maneira, “a paixao de inventar ciências fantásti­
cas” e a “paixão pela libertinagem”, chegaram a ser inatas aos
seres gregos e romanos; mais tarde, esses impulsos originais e
contra a natureza contaminaram pouco a pouco os seres de
numerosas comunidades de seus infelizes favoritos.
Tal era, por um lado, o resultado da influência constante
dessas duas comunidades; por outro, o de uma particularidade
psíquica comum a todos os seres tri-cerebrais desse planeta, e
já arraigada neles antes disso, que se chama ali “imitação”.
Ora, de século em século, as “invenções” dessas duas an­
tigas comunidades fizeram vacilar a tal ponto o psiquismo de
seus favoritos — já bastante abalado sem isso—, que, em nos­
sos dias, sua maneira de encarar o mundo e seu gênero de
existência cotidiana repousam exclusivamente sobre essas duas

411
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“invenções” dos seres da civilização “greco-romana”, quer dizer,


em fantasmagorías e em uma “obsessão pelo prazer sexual”.

“E interessante notar que, se a herança dos antigos ro­


manos acarretou na presença de seus favoritos o desapareci­
mento gradual e total do “pudor orgânico” próprio aos seres
tri-cerebrais, entretanto, em seu lugar, um impulso bastante
semelhante em aparência formou-se neles. Este “pseudo-im-
pulso esseral”, que eles chamam igualmente “pudor”, é hoje
dos mais prósperos na presença de seus favoritos atuais, mas
os dados que o suscitam são dos mais singulares.
Esse impulso esseral surge neles somente quando se en­
tregam a alguma manifestação que é considerada, em suas con­
dições anormalmente estabelecidas de existência ordinaria,
como descabida na presença de estranhos.
Mas se ninguém os vê, eles não sentem nunca esse impul­
so, em relação a nenhuma de suas manifestações, nem tampou­
co as que eles consideram como indesejáveis, segundo seu pró­
prio sentimento e sua própria consciência.
Nestes últimos tempos, os “benefícios” acumulados pe­
los antigos romanos penetraram a tal ponto na natureza de seus
favoritos de todos os continentes desse desafortunado planeta
que é até difícil dizer qual é atualmente a comunidade que re­
cebeu dos bons “romanos” a maior parte da herança.

“Quanto ao patrimônio herdado dos antigos gregos, quer


dizer, a paixão de inventar diversas “ciências” fantásticas, esta
paixão não se tornou inata a todos os seres contemporâneos
sem exceção; ela só se transmitiu, em cada uma das comunida­
des atuais desse original planeta, a seres bem determinados.
Contudo, esta paixão de “inventar ciências fantásticas”, vin­
da dos antigos gregos, se transmitiu principalmente a certos seres
de uma comunidade lá existente com o nome de “Alemanha”.
Os seres desta Alemanha contemporânea podem

412
OS FRUTOS DAS CIVILIZAÇÕES

atrevidamente ser chamados os “descendentes diretos da anti­


ga civilização grega”, já que são eles que, em nossos dias, tra­
zem à civilização moderna a maioria das “ciências” novas e das
“invenções” de toda espécie.
Infelizmente, meu querido filho, os seres dessa Alema­
nha ultrapassaram em muito os seres da Grécia antiga.
Com efeito, as “ciências” inventadas pelos gregos anti­
gos só corrompiam — e só corrompem ainda hoje — o “pensar
esseral” dos demais seres.
Mas os seres atuais da comunidade da Alemanha vão mais
longe; tornaram-se muito hábeis em inventar “ciências” que
servem para disseminar muito amplamente, entre todos os seus
favoritos, a doença específica chamada “procurar meio-dia as
duas da tarde”; ora, durante o processo dessa doença, grande
número deles observam meio conscientemente, ou até mesmo
de todo automaticamente, alguns pequenos detalhes do pro­
cesso cósmico de realização de tudo quanto existe. Depois, co­
municando esses detalhes a seus colegas, os usam para realizar
com eles algumas de suas “novas invenções”, aumentando as­
sim a soma desses “novos meios” que se acumularam de tal
maneira lá durante os dois últimos séculos, que sua ação se
tornou agora a “força resultante destruidora” que vem se opor
à “força resultante criadora” da Natureza.
E, de tato, meu tilho, foi somente graças às “ciências”
combinadas por certos seres dessa Alemanha contemporânea
que os outros seres tri-cerebrais ordinarios de todas as comu­
nidades adquiriram, por sua vez, a possibilidade de “inven­
tar”. Como conseqüência, eles “inventam” agora quase a cada
dia, aqui ou ali, alguma “novidade”, e todas essas “novas in­
venções” ou “novos meios”, aplicados ao processo de sua exis­
tência, fazem hoje com que a pobre Natureza, já suficiente­
mente debilitada — sem que, aliás, ela nada tenha a ver com
isso —, nào seja quase mais capaz de realizar seus próprios
processos “evolutivo” e “involutivo”.

413
RELATOS DE BELZEBU A SEU NE'l’O

“Para que você se represente melhor e compreenda mais


claramente como esses “herdeiros” contemporâneos sobrepuja­
ram seus “legatarios”, lhe falarei agora de alguns dos “meios”
mais difundidos hoje, cuja existência se deve exclusivamen­
te a esses “auxiliares da Natureza”, herdeiros diretos dos
antigos gregos.
Vou, portanto, explicar-lhe alguns desses meios, existen­
tes e postos em prática hoje por toda parte, tais como foram
inventados pelos seres dessa comunidade atual da Alemanha.
Eu queria, cm primeiro lugar, chamar sua atenção para o
curioso fenômeno seguinte: esses sucessores dos antigos gre­
gos designam suas malditas invenções por nomes terminando
todos, não se sabe por que, em “ina”.
Tomemos por exemplo, dentre essas invenções particu­
larmente funestas dos seres alemães, somente cinco delas, que
existem sob os nomes de “satkeína”, “andina”, “cocaína”, “atro­
pina” e “alizarina”, todas substancias químicas, das quais nos­
so caro Mulá Nassr Eddin diz que as empregam em nossos dias
“sem economizá-las”.
O primeiro desses “meios” especialmente inventados pe­
los seres alemães, a “satkeína”, nada mais é do que o “samuku-
ruazar”, quer dizer, um dos sete “gases neutralizantes” que apa­
recem e se encontram sempre na presença geral de cada plane­
ta, tomando parte na “cristalização concluída” de toda forma­
ção determinada, supraplanetária ou intraplanetária, c consti­
tuindo, sempre c cm tudo, cm seus diversos estados, o que se cha­
ma os “destruidores sem discriminação de toda coisa surgida”.
Acerca desta invenção alema, eu soube ainda, entre ou­
tras coisas, que um ser dessa comunidade, tendo obtido, por
acaso, o gás em questão a partir de diversas formações deter­
minadas supraplanetárias e intraplanetárias, observou assim a
particularidade que ele apresentava e comunicou-a a seus cole­
gas. Ora, a presença destes últimos, como, aliás, a de todos os
seres de sua comunidade, estava então tomada pelo que se

414
OS FRUTOS DAS CIVILIZAÇÕES

chama a “ emoção intensa” da principal particularidade dos


seres tri-cerebrais de seu planeta — e, de fato, eles estavam
todos inteiramente absorvidos nesse período por seu processo
de destruição mútua com os seres das comunidades vizinhas.
Por isso, resolveram com entusiasmo se consagrar à busca de
um meio de empregar a propriedade particular desse gas para
a destruição rápida e maciça da existência dos seres de outras
comunidades.
Eles orientaram então suas pesquisas nesse sentido, e um
deles descobriu logo que, se se comprimisse esse gás em estado
puro, de maneira a poder liberá-lo no espaço no momento de­
sejado, ele servia admiravelmente a seus propósitos.
Contentaram-se com isso e, desde então, os seres ordi­
narios dessa comunidade se puseram, durante o processo de
destruição mútua, a liberar no espaço esse gás artificialmente
isolado da harmonia geral de realização de tudo quanto existe,
no momento e nos lugares onde se agrupavam em maior nú­
mero os seres pertencentes ao que eles chamam o “inimigo”.
Quando esta substância cósmica de ação particularmen­
te destrutiva — intencionalmente liberada através da atmosfe­
ra nas condições que mencionei e que tende a fusionar de novo
com as outras substâncias cósmicas correspondentes — pene­
tra no corpo planetário de um ser tri-cerebral que se encontra
nas proximidades, ela destrói de imediato e para sempre sua
existência ou, pelo menos, altera irreversivelmcnte o funciona­
mento de alguma parte de sua presença geral.

“A segunda das substâncias químicas enumeradas, cha­


mada “anilina”, é uma substância química corante com a qual
se pode tingir a maioria das formações supraplanetárias com as
quais os seres tri-cerebrais de lá fazem objetos de todo tipo,
necessários ao processo de sua existência esseral cotidiana.
E por certo, esta “invenção” permite hoje a seus favori­
tos dar sem dificuldade a todos os objetos a cor que eles desejam

415
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

— mas o que acontece, em contrapartida, à duração de exis­


tencia desses objetos? E ai que jaz a “gata favorita” de seu fa­
moso Bismarck.
Outrora, no tempo em que esta funesta anilina nào exis­
tia ainda, seus favoritos coloriam os objetos de sua fabricação,
indispensáveis a sua existencia ordinaria — tais como “tape­
tes”, “quadros” e outras obras de lã, de madeira e de couro —,
com simples cores vegetais que, havia séculos, tinham aprendi­
do a extrair, e os objetos em questão podiam durar de cinco a
dez e até mesmo quinze de seus séculos.
Mas agora, graças exclusivamente a essa anilina, ou a
corantes de nomes diversos à base de anilina, ao cabo de uns
trinta anos não resta dos objetos pintados com essas novas co­
res mais do que a lembrança, c olhe la...
E preciso dizer que os seres da comunidade atual da Ale­
manha, com sua funesta anilina, sao responsáveis não somente
pela destruição rápida das obras de todos os seres atuais desse
planeta, mas pelo tato de que as obras dos tempos antigos
deixaram quase totalmente de existir naquele desafortuna­
do planeta.
E isso porque eles se puseram a colecionar, em todos os
países, com diversas finalidades hassnamussianas, ou, como eles
dizem, para seus famosos “objetivos científicos”, as obras anti­
gas permanecidas intactas e, como não tinham o menor conhe­
cimento acerca da maneira de conservar as coisas antigas, con­
tribuíram simplesmente para a sua rápida destruição.
Essas “antiguidades” que eles colecionavam lhes serviam,
alias — e lhes servem ainda —, de “modelos” para esses “arti­
gos baratos” conhecidos em todo esse desafortunado planeta
com o nome de “ersatz”.

“Quanto à terceira das substâncias químicas enumera­


das que eles “inventaram”, a “cocaína”, não somente esta “subs­
tancia química” traz, ela também, uma ajuda poderosa à

416
OS FRUTOS DAS CIVILIZAÇÕES

Natureza, apressando a decomposição das formações planetá­


rias — ou seja, no caso presente, do próprio corpo planetário
deles —, mas este “meio químico” exerce sobre o psiquismo
dos seres atuais do planeta Terra uma ação surpreendentemen­
te semelhante àquela que tinha sobre o psiquismo de seus an­
cestrais o famoso órgão kundabuffer.
No tempo em que seus ancestrais traziam em si a famosa
invenção do Grande-Anjo Luísos, eles estavam quase sempre
exatamente no mesmo estado que os seres atuais, depois de ab­
sorver esta invenção alemã, a “cocaína”.
Naturalmente, devo fazê-lo observar, meu filho, que se a
ação dessa invenção alemã tem por acaso um efeito semelhante
ao do famoso órgão kundabuffer, isto se fez sem intenção cons­
ciente da parte dos seres atuais da comunidade da Alemanha.
Foi pelo maior dos acasos que eles se tornaram colegas do Gran­
de-Anjo Luísos.
Hoje, quase todos os seres que se revelam como autênti­
cos representantes da civilização contemporânea usam lá dessa
“cocaína”; e é com o maior zelo, com o maior deleite e mesmo
com uma felicidade enternecedora, que introduzem em si mes­
mos esse “benefício” da cultura atual — sempre, naturalmen­
te, como o diz nosso caro Mulá Nassr Eddin, “para a gloria do
Grande Torto”.

“A quarta das substâncias químicas enumeradas, subs­


tância chamada “atropina”, conhece atualmente, ela também,
uma grande voga. Ela tem múltiplas aplicações; mas a mais cor­
rente delas serve a um propósito dos mais originais.
O fato é que, sempre em razão das condições anormal­
mente estabelecidas de existência esseral ordinária, o órgão vi­
sual deles adquiriu a propriedade de só achar os rostos bonitos
e agradáveis quando eles têm os olhos negros.
Ora, se se injeta de uma certa maneira, nos olhos dos
seres, esta substância química com o nome de “atropina”, suas

417
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

pupilas se dilatam e começam a enegrecer; por isso, a maioria


deles in jeta essa “atropina” nos olhos para que a expressão de
seu rosto pareça bela e agradável de olhar.
E é um tato, meu querido tilho: os seres terrestres que
injetam nos olhos esse “benefício” alemão conservam-nos ne­
gros até os quarenta e cinco anos.
Eu disse até os quarenta e cinco anos, porque ainda nào
houve um exemplo lá de que, depois dos quarenta e cinco anos,
o ser que empregou tal meio ainda possa ver e, portanto, con­
tinuar a usá-lo.

“A quinta das “invenções” enumeradas, que tem o nome


de “alizarina”, está igualmente difundida por toda parte.
Este benefício da civilização atual é sobretudo emprega­
do lá pelos que são chamados “confeiteiros” e outros especia­
listas que preparam para os seres deste planeta produtos dos
mais “saborosos” para seu primeiro alimento.
Estes confeiteiros e outros especialistas, que aprontam
para seus favoritos produtos saborosos para seu primeiro ali­
mento, empregam, portanto, inconscientemente, é claro, essa
“alizarina”, criação alemã de ação infalível, com o único fim de
dar a esses produtos um aspecto “sedutor” e “agradável”, em
conformidade com a meta que se tornou o ideal de toda a civi­
lização contemporânea e que nosso venerável Mulá Nassr Ed­
din teria expresso assim: “Contanto que tudo me pareça belo e
delicioso neste momento mesmo, que importa que a grama nao
cresça mais depois de mim!”
Em suma, meu tilho, esses sucessores atuais dos seres da
Grécia antiga, por meio de todas as suas “aquisições” práticas,
baseadas em “ciências” de sua invenção, fazem hoje o melhor
que podem para ajudar a pobre Natureza... para ajudá-la, é
verdade, exclusivamente no processo de decomposição.
Não é por nada que nosso venerável Mulá Nassr Eddin

418
OS FRUTOS DAS CIVILIZAÇÕES

tem costume de dizer: “Mais vale arrancar a cada dia dez cabe­
los da cabeça de sua propria mãe que não ajudar à Natureza”.

“Para dizer a verdade, os seres dessa comunidade atual


da Alemanha não foram os únicos a herdar dos gregos esta
capacidade de inventar “ciências” fantásticas e todo tipo de
novos meios para a existência esseral ordinária; esta faculdade
é igualmente o apanágio dos seres de uma outra comunidade,
independente ela também, que conhece por sua vez a “grandeza”.
Seus favoritos chamam esta outra comunidade atual de
“Inglaterra”.
Os seres desta segunda comunidade contemporânea são
até os únicos herdeiros diretos de uma “invenção” particular­
mente funesta dos antigos gregos, que eles assimilaram perfei­
tamente e põem todos os dias em prática.
Os antigos gregos chamavam essa “invenção” particular­
mente funesta “diapharon”; os seres atuais a chamam “esporte”.
Eu lhe falarei em detalhe deste famoso “esporte” moder­
no no final deste relato; saiba, enquanto isso, que os seres des­
sa comunidade da Inglaterra “inventam” hoje, por seu lado,
grande número de objetos necessários a seus favoritos no pro­
cesso de sua existência ordinária; porém, não se trata mais des­
ta vez, como no caso dos seres da comunidade da Alemanha,
de substancias químicas, não: suas invenções se referem prin­
cipalmente a “artigos metálicos”, como se diz.
Eles se tornaram hábeis, sobretudo nos últimos tempos,
em inventar — para com eles inundar os seres existentes em
toda a superfície de seu planeta — todo tipo de artigos metáli­
cos que têm os nomes de cadeados, barbeadores, ratoeiras, re­
vólveres, foices, metralhadoras, caçarolas, bastões, canhões, ca­
nivetes, balas, penas de escrever, minas, agulhas e muitos ou­
tros objetos desse gênero.
Desde que os seres desta comunidade atual inventaram
esses objetos práticos, a existência ordinária dos seres tri-cerebrais

419
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

de seu planeta tornou-se tal que nosso caro Mulá Nassr Eddin a
deline assim: “Isso nao é vida, é geléia gratuita”.
Os seres dessa comunidade hoje são, portanto, os benfei­
tores dos demais seres atuais de seu planeta e deram provas,
como se diz, de “filantropia”, sobretudo no que diz respeito à
sua primeira obrigação esseral — a de efetuar de tempos em
tempos o processo de “destruição mútua”.
Graças a eles, o cumprimento desse dever esseral se tor­
nou pouco a pouco, para seus favoritos atuais, simplesmente
uma “bagatela”.
Nos tempos antigos, sem a ajuda dessas invenções, seus
pobres favoritos tinham muita dificuldade para cumprir com
essa obrigação esseral e se viam forçados, para levá-la a cabo, a
derramar bastante suor.
Hoje, pelo contrario, graças a todos os acessórios que
inventaram os seres atuais da Inglaterra, eles se recostam, como
diz nosso venerável Mulá Nassr Eddin, “sobre uma verdadeira
cama de rosas”.
Os seres atuais não têm quase mais necessidade de fazer
o menor esforço esseral para destruir inteiramente a existência
de outros seres seus semelhantes.
Podem mesmo algumas vezes, sentados tranquilamente
na “sala de fumar”, destruir, como para passar o tempo, deze­
nas e as vezes mesmo centenas de seus semelhantes.

“Agora, seria bom, penso, falar-lhe um pouco dos des­


cendentes diretos da civilização “greco-romana” que existem
ainda hoje.
Os descendentes dos seres da comunidade da Grécia, que
foi em seu tempo “grande” e “forte”, continuam, em nossos
dias, a existir, e possuem igualmente sua própria comunidade
independente, mas eles perderam, por assim dizer, toda a im­
portância hoje para as outras comunidades independentes de lá.
Nem mesmo fazem mais o que faziam seus ancestrais,

420
OS FRUTOS DAS CIVILIZAÇÕES

que eram, dos pcs à cabeça, especialistas em invenção de


“ciências” fantásticas de todo tipo; e se, alias, algum grego con­
temporâneo metesse na cabeça inventar alguma nova “ciência”,
os seres das outras comunidades atuais não lhe prestariam a
menor atenção.
E eles não lhe prestariam nenhuma atenção pela simples
razão que a dita comunidade não dispõe, na presente hora, de
um número suficiente de “canhões” e de “navios” para consti­
tuir, diante das outras comunidades atuais de lá, o que se cha­
ma uma “autoridade”.
Em compensação, esses descendentes dos antigos gran­
des gregos, quer dizer, os gregos atuais, depois de haverem per­
dido o hábito, outrora inato em sua presença, de constituir para
os outros seres tri-cerebrais uma “autoridade imaginária”, aca­
baram por se adaptar à perfeição para ter, em quase todos os
continentes e ilhas, o que chamam “butiques”, onde vendem
sem pressa, devagarinho e bem tranquilamente, suas “espon­
jas”, “halvá”, “rahat-lukum” etc. e por vezes ainda “frutas se­
cas persas”, sem esquecer, naturalmente, as conservas de peixe
que têm o nome de “kefal”.

“Quanto aos descendentes dos famosos romanos, tam­


bém eles existem ainda, porem não têm mais o mesmo nome
de seus ancestrais, apesar de a cidade principal de sua comuni­
dade conservar até hoje o nome de “Roma”.
Os seres atuais da comunidade formada pelos descen­
dentes daqueles antigos pastores, que se tornaram depois os gran­
des romanos, receberam dos seres de lá o nome de “italianos”.
Os seres atuais da Itália não receberam quase nada de
seus ancestrais, exceto o impulso esseral específico que os an­
tigos romanos cristalizaram em suas presenças pela primeira
vez nesse planeta, e do qual todos os demais seres tri-cerebrais
de lá sotreram pouco a pouco o contágio.
Hoje, os seres da comunidade da Itália levam uma

421
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

existência muito calma e muito tranquila; nada mais fazem do


que inventar “sem ruído” formas sempre novas de seus inofen­
sivos e Bem inocentes “macaronis”.
No entanto, certos seres da Italia atual herdaram de seus
ancestrais uma “propriedade” particular e muito original cha­
mada “agradar a outrem”.
Não obstante, esta necessidade hereditária de “agradar”,
eles não a manifestam mais em relação aos seres, seus seme­
lhantes, senão somente aos seres de outras formas.
E preciso dizer, alias, com toda justiça, que em diversas
regiões da Italia atual, esta “propriedade” particular lhes foi
transmitida não tanto pelos antigos romanos como por seus
ancestrais das épocas mais remotas, do tempo em que propa­
gavam, entre os demais seres de sua comunidade e das frágeis
comunidades vizinhas, desnaturando, para as necessidades de
suas metas egoístas, o ensinamento dc um verdadeiro Enviado
d’O-Alto.
Hoje, os seres de diversas regiões da Italia atual manifes­
tam esta propriedade de “agradar a outrem” da maneira seguinte:
Quando eles destroem a existência de seres quadrúpedes
chamados “carneiros” e “cabras”, cujo corpo planetario eles
empregam para seu primeiro alimento, não o fazem de uma sõ
vez; mas, para lhes agradar, eles a destroem “muito gentilmen­
te” e “muito lentamente”, tomando seu tempo, quer dizer, ti­
ram-lhes primeiro uma pata, no dia seguinte, uma outra pata,
ao fim de alguns dias, uma terceira, e assim por diante, en­
quanto o “carneiro” ou a “cabra” ainda respira. E as “cabras”
ou os “carneiros” podem respirar muito tempo sem estas par­
tes de sua presença geral, já que elas não participam nas fun­
ções principais de absorção das substancias cósmicas necessá­
rias para a existência, mas somente nas lunções que engendram
em todo ser os impulsos que dão a sensação de si.
Depois do que acabo de dizer, não é muito necessário
nos estender mais sobre os descendentes atuais dos romanos,

422
OS FRUTOS DAS CIVILIZAÇÕES

que foram um dia tão “grandes” e tão “ameaçadores” para as


outras comunidades de la.

“Falemos um pouco agora dessa invenção particularmente


nociva dos antigos gregos, posta em prática em nossos dias pelos
seres da comunidade contemporânea da “Inglaterra” e que eles
chamam “esporte”.
Esses seres da comunidade atual da Inglaterra são, entre
todos, os que melhor aproveitam, no processo de sua existên­
cia ordinaria, essa funesta invenção dos antigos gregos, lhe acres­
centando até, cm razão de suas nefastas conseqüências, um dos
mais seguros fatores de redução de sua duração de existência
— já bastante insignificante sem isso; além do mais, tendo che­
gado hoje a vez deles de viver a “grandeza” de sua comunida­
de, e de se tornar assim “autoridades” aos olhos dos demais
seres tri-cerebrais de lá, como eles fizeram da prática dessa in­
venção seu ideal e de sua propagação sua meta, eles contami­
nam os seres de todas as outras grandes e pequenas comunida­
des desse desafortunado planeta.
A causa deste grave mal-entendido é que a possibilidade
de cristalizar os fatores que estão na origem do “pensar lógi­
co”, em todos os seres tri-cerebrais, desapareceu da presença
de seus favoritos.
E, posto que esse “pensar lógico” lhes faz falta, eles ad­
mitem todos, sem exceção, os dizeres de alguns candidatos
hassnamuss, que afirmam que o “esporte” lhes permite adqui­
rir “algo” muito salutar; acreditam nisso agora com toda sua
presença e, na esperança de adquirir esse “algo”, dedicam-se
com todas as suas forças a esse esporte.
Nem um desses infelizes sabe nem provavelmente jamais
se lembrará de observar que esse funesto “esporte” não so­
mente não lhes traz nada de bom, mas que abrevia mesmo cada
vez mais, como já lhe disse, a duração de sua existência, já su­
ficientemente lastimável sem isso.

423
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Para que você compreenda e se represente melhor por


que esse esporte só faz diminuir a duraçào de sua existencia,
seria bom lhe explicar aquí, como lhe prometí um dia, a dife­
rença que há entre a duração da existencia esseral segundo o
principio “tulasnitamniano” c a duração da existencia esseral
segundo o princípio “Itoklanotz”.
Você se lembra, meu filho, de que, ao explicar como seus
favoritos definiam o “curso do tempo”, eu lhe disse que, uma
vez sua presença desembaraçada do órgão kundabuffer, com
todas as suas propriedades — e sua duração de existência, con­
forme o princípio “fulasnitamniano”, sendo a partir de então a
mesma que aquela de todos os seres tri-cerebrais normais no
Universo inteiro —, eles deveriam necessariamente existir até
que seu segundo corpo esseral, o “corpo kessdjan”, fosse total­
mente revestido neles e aperfeiçoado em razão até o “Ishmetsh
sagrado”.
Mas mais tarde, quando se puseram a existir de maneira
cada vez menos digna de seres tri-cerebrais e cessaram com­
pletamente de realizar em suas presenças os partkdolgdeveres
esserais previstos pela Grande Natureza, e os únicos suscetí­
veis de fornecer à presença dos seres tri-cêntricos dados para o
revestimento das partes superiores — de modo que a qualida­
de de sua irradiação não respondia mais às exigências do gran­
de processo trogoautoegocrático universal —, a Grande Natu­
reza foi obrigada, com vistas a restabelecer o “equilíbrio das
vibrações”, a conformar progressivamente a duração de sua
existência ao princípio chamado “Itoklanotz” que rege em ge­
ral, em toda parte, a duração de existência dos seres uni-cere-
brais e bi-cerebrais, os quais estão privados das possibilidades
distribuídas aos seres tri-cerebrais e são, por conseguinte,
incapazes de realizar em suas presenças os partkdolgdeveres
previstos pela Natureza.
Segundo este princípio, sua duração de existência esseral,
assim como todo o conteúdo de sua presença geral, dependem

424
OS FRUTOS DAS CIVILIZAÇÕES

habitualmente dos resultados que derivam de sete dados cir­


cundantes, que são:

1. A hereditariedade em geral.
2. As condições e o meio no momento da concepção.
3. A combinação da irradiação de todos os planetas de
seu sistema solar durante sua formação no seio de sua pro­
criadora.
4. O nivel das manifestações esserais de seus procriado­
res — enquanto eles mesmos não tenham alcançado a idade de
um ser responsável.
3. A qualidade de existência esseral dos seres de seu cír­
culo imediato.
6. A qualidade das ondas de pensamento chamadas “te-
leokrimalnitchnianas” formadas na atmosfera que os rodeia —
e isto, igualmente, até sua maioridade; em outros termos, os
desejos e os atos cheios de bondade sinceramente manifesta­
dos pelos “seres do mesmo sangue”. Finalmente:
7. A qualidade de seus próprios “egoplastikurs esserais”,
quer dizer, dos esforços esserais que eles cumprem para trans­
mutar em si todos os dados necessários à obtenção de uma
Razão objetiva.

“A principal particularidade de uma existência submeti­


da ao Itoklanotz consiste em que, sob a dependência dos sete
dados exteriores enumerados, na presença dos seres que exis­
tem segundo este princípio, cristaliza-se em suas “localizações
esserais” ou, como dizem seus favoritos, em seus “cérebros”
— que constituem os pontos centrais de manifestação de todas
as partes independentes de sua presença geral — o que se
chama “bobinokandelmarchs”, quer dizer, “certa coisa” que
fornece a estas “localizações” ou “cérebros” uma quota deter­
minada de “associações” ou de “emoções” possíveis.
Ora, meu filho, como seus favoritos atuais, os seres tri-

423
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

cerebrais do planeta Terra, nào surgem mais senão segundo o


princípio Itoklanotz, cristaliza-se então igualmente em seus ce­
rebros, desde o momento da concepção até a idade de um ser
tri-cerebral responsável, “bobinokandelmarchs” que têm pos­
sibilidades bem definidas com vistas a realizar esses processos
de associações.
Para melhor lhe aclarar a questão e ajudá-lo a melhor
compreendê-la e para evitar, além disso, perder tempo demais
com explicações sobre a própria essência e a forma de funcio­
namento desta realização cósmica queé a “bobinokandelmarch”
— cristalizada, em conformidade com as leis, nas “localizações”
ou “cérebros” dos seres que existem exclusivamente segundo
o princípio “Itoklanotz” —, tomarei como exemplo os “jamtes-
ternokhs artificiais” que seus favoritos possuem com o nome
de “relógios mecânicos”.
Como você já sabe, todos esses “jamtesternokhs arti­
ficiais” ou relógios de corda, ainda que de sistemas diversos,
são, no entanto, todos construídos segundo o mesmo princípio
de tensão ou de pressão de uma “mola”.
Certos sistemas de “jamtesternokhs artificiais” ou “re­
lógios mecânicos” têm uma mola calculada e disposta de tal
maneira que a duração de sua tensão seja exatamente de vinte
e quatro horas; em um outro sistema, a corda só deve ser
dada â mola uma vez por semana; em um terceiro, só uma
vez por mês.
As “bobinokandelmarchs”, no cérebro dos seres que só
existem segundo o princípio Itoklanotz, correspondem à mola
dos “relógios mecânicos” de diversos sistemas.
Assim como a duração do movimento dos “relógios me­
cânicos” depende da mola que eles contêm, da mesma maneira
a duração de existência dos seres depende unicamente das bo­
binokandelmarchs que se constituem em seus cérebros desde
seu aparecimento, e depois, durante o processo de sua formação
ulterior.

426
OS FRUTOS DAS CIVILIZAÇÕES

Assim como se “dá corda” à mola dos relógios para uma


duração bem determinada, da mesma forma os seres podem
“associar”, ou ter experiências, na exata medida em que a Na­
tureza colocou possibilidades correspondentes nessas bobi­
nokandelmarchs, quando de sua cristalização em seus cérebros.
Eles podem associar e, por conseguinte, existir, justo esse
tempo, nem mais, nem menos.
Os “relógios mecânicos” podem andar enquanto a mola
está “tensa”, depois de lhes ter sido “dado corda”; da mesma
maneira, os seres nos cérebros dos quais se cristalizam as bobi­
nokandelmarchs podem ter experiências e, por conseguinte,
existir enquanto as bobinokandelmarchs, constituídas em seus
cérebros sob o eleito das sete condições exteriores menciona­
das, não se tenham esgotado.
Ora, meu filho, a partir do momento em que a presença
de seus favoritos foi privada dos resultados dos partkdolgde­
veres e em que só os resultados dessas sete condições exteriores
acidentais determinaram, desde então, a duração de sua exis­
tência, esta se tornou, sobretudo nos seres contemporâneos,
das mais variáveis.
A duração de sua existência pode variar atualmente de
um de seus minutos a setenta ou noventa de seus anos...
E, em consequência do que acaba de ser dito, seus favo­
ritos, qualquer que seja a maneira em que existam, quaisquer
que sejam as medidas que possam tomar — mesmo que se co­
loquem, como eles dizem, “sob uma redoma de vidro” —, as­
sim que o conteúdo das bobinokandelmarchs cristalizadas em
um de seus cérebros está esgotado, este cérebro cessa ¡media­
tamente de funcionar.
A única diferença entre os “relógios mecânicos” e seus
favoritos atuais é que os relógios têm somente uma única corda,
enquanto os seres têm três bobinokandelmarchs independentes.
Essas bobinokandelmarchs independentes das três “locali­
zações” ou cérebros dos seres têm geralmente os seguintes nomes:

427
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

1. Bobinokandelmarch do centro pensador.


2. Bobinokandelmarch do centro emotivo.
3. Bobinokandelmarch do centro motor.

Um lato que se repete frequentemente, nos últimos tem­


pos, é que o processo do “raskuarno sagrado” se realiza em
seus favoritos “por terços”, quer dizer, que eles morrem “par­
cialmente”. Este fato provém, ele também, de que esses seres
que surgem e se formam exclusivamente segundo o princípio
Itoklanotz gastam de maneira desigual, por sua existência de­
sarmonizada, o conteúdo desses três cérebros distintos e inde­
pendentes, quer dizer, suas bobinokandelmarchs; é por isso que
eles sào frequentemente vítimas desta terrível “morte”, que não
convém em nada a seres tri-cerebrais.
Durante minha estada lá, muitas vezes constatei, eu mes­
mo, entre eles, essa “morte por terços”.
O tato é que, mesmo quando a bobinokandelmarch de
um de seus cérebros está definitivamente gasta, seus favoritos,
os contemporâneos sobretudo, continuam, no entanto, a exis­
tir e, as vezes, até por muito tempo.
Por exemplo, acontece frequentemente lá que, em con­
seqüência de uma existência anormal específica, o conteúdo
de uma ou outra das bobinokandelmarchs tique inteiramente
esgotado; se for o caso do “centro motor”, que eles mesmos
chamam a “medula espinhal”, esse ser tri-cerebral atual, em­
bora continuando a “pensar” e a “sentir”, perde a possibilida­
de de dirigir a seu bel-prazer as partes de seu corpo planetário.
E interessante observar aqui que se um de seus favoritos
atuais morre assim parcialmente, para sempre, seus tzirlikners
contemporâneos, ou, como eles dizem, seus médicos, tomam
com toda certeza essa “morte” por uma enfermidade, dando a
essa doença imaginária toda espécie de nomes cujas consonân­
cias lembram as de uma antiga língua chamada “latim”, que

428
OS FRUTOS DAS CIVILIZAÇÕES

lhes é, alias, totalmente desconhecida, e eles se põem a tratá-la


por todo tipo de tramóias que lhes são próprias.
Os nomes mais difundidos dessas doenças sào os seguin­
tes: “hemiplegia”, “paraplegia”, “paralysis progressiva essen-
tialis”, “tabes dorsalis”, “paralysis agitans”, “sclerosis dissemi­
nata” etc.

“Esta morte por terços tornou-se Ireqüente durante os


dois últimos séculos no planeta Terra que lhe agrada tanto; ela
se encontra, sobretudo, entre aqueles seus favoritos, perten­
centes a todas as comunidades grandes e pequenas, que, em
razão de suas “profissões” ou de qualquer uma dessas “pai­
xões” que surgem lá — sempre devido às condições anormal­
mente estabelecidas de existência esseral ordinária—, chegam a
gastar, numa maior ou menor medida, durante sua existência
esseral, o conteúdo da bobinokandelmarch de um ou de outro
de seus cérebros.
Por exemplo, a “morte por terços” da bobinokandelmarch
do centro “motor”, ou medula espinhal, se produz Ireqüente­
mente entre os seres terrestres que se dedicam à ocupação pra­
ticada em nossos dias na comunidade atual da Inglaterra, como
conseqüência da funesta invenção dos antigos gregos — ocupa­
ção nefasta a que eles dão o nome de “esporte”.
Você compreenderá perfeitamente o caráter pernicioso
que apresentam as conseqüências desta nefasta ocupação de
lá, quando souber que, durante minha estada entre seus favori­
tos, tendo consagrado uma seção especial de minhas estatísti­
cas a pesquisas que me permitissem fixar a duração de existên­
cia dos seres tri-cerebrais de lá que exerciam a profissão de
“lutadores”, não pude anotar um só caso em que um deles te­
nha existido mais de quarenta e nove de seus anos.
A “morte por terços” devida ao gasto prematuro da
bobinokandelmarch do centro emotivo se produz o mais

429
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

frequentemente lá entre os seres terrestres que se tornam, por


profissão, o que se chama “representantes da arte”.
A maioria destes profissionais terrestres — e dos con­
temporáneos sobretudo — é inicialmente atacada por urna
doença de formas variadas, chamada “psicopatía”; depois, sob
a influência desta psicopatía, eles “aprendem a sentir”, como
eles dizem; a partir daí, experimentando freqíientemente este
impulso esseral anormal, eles desperdiçam pouco a pouco o
conteúdo da bobinokandelmarch de seu centro emotivo e, de­
sarmonizando com isso o ritmo de stia própria presença geral,
chegam a um fim original, aliás raro, mesmo entre eles.
E interessante observar aqui que a “morte por terços”
devida ao centro emotivo provém igualmente, em seus favori­
tos, de uma “psicopatía” muito original que chamam lá o
“altruísmo”.
Quanto à morte parcial prematura pela bobinokandel­
march do centro pensador, ela se encontra cada vez mais, nos
últimos tempos, entre seus favoritos. A morte pelo “centro pen­
sador” aflige sobretudo aqueles de seus favoritos que se esfor­
çam para se tornar — ou que já sao — “sábios” de nova pro­
moção, ou aqueles que são acometidos, durante sua existência, de
uma paixao pelo que se chama os “livros” e os “jornais”.
Dado que esses seres tri-cerebrais lêem demasiado e só
associam pensamentos, o conteúdo da bobinokandelmarch de
seu “centro pensador” se esgota antes do que o das bobinokan-
delmarchs de seus outros centros esserais.

“Ora, meu filho, todos esses infortúnios de seus favori­


tos, tais como a diminuição da duração de sua existência, e
tantos outros resultados deploráveis, provêm de que eles não
se tie ram conta, até agora, da existência da lei cósmica chama­
da “lei de equilíbrio das vibrações de fontes variadas”.
Se ao menos essa idéia lhes tivesse ocorrido c se tivessem
começado, como de hábito, a “procurar meio-dia as duas da

430
OS FRUTOS DAS CIVILIZAÇÕES

tarde” a respeito disso, certamente teriam encontrado um en­


tre eles para descobrir, por Hm, um “segredo” bem simples.
Estou persuadido de que alguém teria encontrado este
“segredo”, primeiro porque ele é dos mais simples e dos mais
evidentes, depois porque eles o descobriram há muito tempo e
até se servem dele para o que chamam suas “aplicações práticas”.
Inclusive aplicam o simples segredo do qual falo aos “re­
lógios mecânicos” que tomamos como exemplo a propósito da
duração de sua existência.
Em todos os relógios mecânicos de diversos sistemas, eles
se servem deste simples segredo para regular o que se chama a
“força de tensão” da mola, numa parte apropriada do mecanis­
mo do relógio, que eles chamam, creio, um “regulador”.
Este “regulador” permite ao mecanismo de um relógio
ao qual foi dado corda, por exemplo, para vinte e quatro ho­
ras, trabalhar um mês inteiro, ou, pelo contrário, parar, com a
mola distendida, em cinco minutos.
A presença de todo ser que existe unicamente segundo o
Itoklanotz encerra “algo” que se assemelha ao “regulador” dos
relógios mecânicos e que se chama “iransamkip”, o que signifi­
ca: “não se entregar às associações que são o resultado do fun­
cionamento de um só dos cérebros”.
Alias, ainda que seus favoritos tivessem se dado conta
desse simples segredo, isso não teria mudado nada; nem por
isso eles teriam feito os esforços esserais indispensáveis, acessí­
veis aos seres contemporâneos, eles mesmos, pelos quais, se­
gundo a previdência da Natureza, eles podem adquirir a capa­
cidade de ter o que se chama “associações harmoniosas”, as
únicas que elaboram na presença de todos os seres tri-cerebrais
— e, por conseqüência, na deles — a energia necessária a uma
existência esseral ativa.
Porém, hoje, esta energia só se elabora na presença de
seus favoritos durante seu estado completamente inconscien­
te, quer dizer, durante o que eles chamam seu “sono”.

431
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Seus favoritos, os contemporâneos sobretudo, vivem sem­


pre passivamente, sob a direçào de uma só das partes isolada­
mente espiritualizadas de sua presença geral, e entào nào se
manifestam nunca a não ser segundo fatores de propriedades
negativas, os quais surgem também neles em conformidade com
as leis. Produz-se desde então em sua presença, por essas ma­
nifestações negativas, um gasto desmesurado do conteúdo das
diversas bobinokandelmarchs que eles possuem, quer dizer, que
eles fazem a experiência das possibilidades de ação deposita­
das neles pela Natureza, em conformidade com as leis, somen­
te em um único ou em dois de seus cérebros; em consequência,
o conteúdo de uma só ou de duas de suas bobinokandelmarchs
se encontra prematuramente esgotado e eles cessam de agir —
exatamente como os relógios mecânicos, cujo movimento pára
quando a mola está distendida ou quando a potência do “regu­
lador” enfraquece.

Mais tarde lhe explicarei, a respeito dos seres que exis­


tem unicamente segundo o princípio Itoklanotz, por que razão
— enquanto suas manifestações só dependem de uma só ou de
duas de suas três fontes espiritualizadas e não do acordo har­
monioso das três — se exaure prematuramente, e acaba por
morrer neles, o cérebro que sofreu um excesso de associa­
ções durante o período de sua existência, e como ele esgota
por sua vez as outras bobinokandelmarchs, sem que estas te­
nham nada que ver com isso.
Saiba, a este respeito, que se encontra ainda atualmente
no planeta Terra, entre seus favoritos, certos seres cuja dura­
ção de existência chega até a cinco de seus séculos.
Você compreenderá sem dúvida por que, até nestes últi­
mos tempos, em alguns de seus favoritos — que, não se sabe
muito bem como, conheceram e assimilaram corretamente em
sua razão certos detalhes da “lei de associações” nos distintos
cérebros dos seres, assim como da lei de ação recíproca dessas

432
OS FRUTOS DAS CIVILIZAÇÕES

associações independentes, e que existem mais ou menos da


maneira requerida —, você compreenderá, digo, por que as
bobinokandelmarchs que se constituem em seus cérebros es­
serais distintos não se esgotam neles como em seus semelhan­
tes, o que lhes da a possibilidade de existir muito mais tempo
do que os outros seres deste planeta.
Durante minha última estada lá, eu mesmo conheci seres
terrestres tri-cerebrais contemporâneos que já viviam há dois
ou três e mesmo quase quatro de seus séculos. Eu os encontrei,
na sua maioria, numa grande “confraria” de seres tri-cerebrais
de lá, cravada no centro do continente da Asia e constituída
por seres pertencentes a quase todas as “religiões”.
Os irmãos dessa contraria haviam descoberto, em parte
por si mesmos, a “lei de associações” nos cérebros esserais, lei
da qual eles haviam, aliás, tido conhecimento graças a informa­
ções que lhes haviam chegado dos tempos antigos por intermé­
dio de verdadeiros iniciados.

“Quanto aos seres atuais da comunidade da “Inglater­


ra”, que são as vítimas dessa funesta invenção dos seres da an­
tiga civilização grega, não contentes em adotá-la para si mes­
mos no processo de sua existência, eles se esforçam agora, por
todos os meios, em inocular este mal nos seres de todas as de­
mais comunidades. E ocorre que, com seu esporte funesto, não
só esses desafortunados abreviam a duração de sua própria exis­
tência, já insignificante sem isso, mas, por culpa deles, sua co­
munidade sofrerá a mesma sorte que a grande comunidade de
lá, que tem o nome de “Russia”.
E eu pensava ainda nisto no momento de deixar definiti­
vamente aquele planeta.
E essas reflexões me vieram ao constatar que já os “de­
tentores de poder” dessa não menos grande comunidade da
Inglaterra começavam a tazer esse nefasto “esporte” servir aos
mesmos fins egoístas, de caráter hassnamussiano, que os seres

433
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

detentores de poder da comunidade da Rússia, quando eles


buscavam tirar partido da famosa questão da “vodca”. Assim
como os “detentores de poder” da comunidade da Rússia se
esforçaram então, por todo tipo de artifícios, em se aproveitar
da fraqueza de vontade dos seres ordinários a fim de lhes in­
culcar a intensa necessidade de utilizar essa “vodca”, da mes­
ma maneira os “detentores de poder” da comunidade da In­
glaterra trataram de levar pela astúcia os seres ordinários de
sua comunidade a praticar o esporte.
Ora, os temores que eu senti se mostram hoje, me pare
ce, plenamente justificados.
Com efeito, recebi há pouco do planeta Marte um etero-
grama em que me informavam, entre outras coisas, que essa
comunidade da Inglaterra contava mais de dois milhões e meio
de seres qualificados como “desempregados” e que os “deten­
tores de poder” de lá, longe de tomar, em relação a isso, a me­
nor medida, multiplicavam seus esforços com vistas a propa­
gar entre eles esse famoso “esporte”.
E, assim como, na grande comunidade da Rússia, todas
as revistas e jornais publicavam numerosos artigos sobre a ques­
tão da “vodca”, desta mesma maneira, na comunidade da In­
glaterra, mais da metade do conteúdo de todas essas “más se­
mentes” está consagrada hoje a esse funesto “esporte”.

434
Capítulo 30
A arte

NESSE ponto de seu relato, Belzebu calou-se. Depois,


voltando-se repentinamente para seu velho servidor Ahun, que,
sentado lá, o escutava com a mesma atenção que seu neto Has­
sin, ele lhe disse:
— Que laz você aí, meu bom velho, a me escutar com
tanto interesse como nosso Hassin? Você não loi comigo por
toda parte naquele planeta Terra? Você não viu com seus pró­
prios olhos e sentiu por si mesmo tudo o que conto a ele neste
momento?
E agora em vez de licar aí plantado, a “engrossar sua sa­
liva” enquanto eu lalo, se você contasse, por sua vez, algo a
nosso lavorito? Que quer você.temos de lhe contar o máxi­
mo de coisas possíveis sobre esses estranhos seres tri-cerebrais,
já que despertaram nele um tão grande interesse.
Certamente esses originais chamaram sua atenção com
alguma de suas extravagâncias; pois bem, diga-nos, então, algo
sobre isso.

Depois destas palavras, Ahun, após ter refletido uns ins­


tantes, respondeu:
— Depois de ter escutado vossos relatos, de uma psicologia
tão sutil, o que iria eu contar, eu, sobre essas “embrulhadas”?
Porém, ele se recuperou bem rápido e, com uma serieda­
de inabitual, emprestando do próprio Belzebu seu estilo e até
seus volteios de frases:
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

— Mas certamente... Como dizer? Esses estranhos seres


tri-cerebrais fizeram, mais de uma vez, a minha essência per­
der o equilíbrio e suas “loucas brincadeiras” agiram quase sem­
pre como choques sobre uma ou outra de minhas partes espiri­
tualizadas, para nelas provocar o impulso esseral de surpresa.
E, dirigindo-se então a Hassin, lhe disse:
— Muito bem, nosso querido Hassin.
Eu não vou, como Sua Alta Reverência, lhe contar cm
detalhe alguma estranheza do psiquismo desses “seres tri-cere­
brais” de Nosso Grande Universo... Não... Me limitarei a re­
cordar a Sua Alta Reverência certo tato cuja origem remonta
ao tempo de nossa quinta estada na superfície desse planeta e
que, quando retornamos ali pela sexta e última vez, havia con­
seguido, mais do que qualquer outro, desnaturar em cada um
de seus favoritos, desde sua vinda ao mundo até sua formação
como ser responsável, a capacidade de “pensar esseral” nor­
mal, para transformá-la quase cm “kaltusaru”.
Dirigindo-se em seguida ao próprio Belzebu, com um
olhar tímido e um tom inseguro, continuou:
— Não me reprove, Alta Reverência, se tomo a liberdade
de emitir em vossa presença a opinião que acaba de surgir em
mim, e que se baseia talvez em dados já por demais desbota­
dos, hélas!, para permitir conclusões esserais.
Ao expor a nosso querido Hassin as diversas razões pelas
quais o psiquismo dos seres tri-cerebrais atuais do planeta Ter­
ra que lhe interessam se transformou, como o senhor bem quis
expressá-lo um dia, em simples “moinho de asneiras”, jamais o
senhor nem mesmo tez alusão ao fator que contribuiu para isso,
talvez mais do que qualquer outro, durante seus últimos séculos.
Quero falar do fator a cujo aparecimento o senhor mes­
mo assistiu — disto me lembro muito bem — durante nossa
estada em Babilônia e que, depois, se tornou positivamente fu­
nesto aos seres atuais de lá — fator que eles chamam “Arte”.
E se o senhor consentisse, em sua sabedoria, em tratar

436
A ARTE

em detalhe esta questão, nosso querido Hassin talvez encon­


trasse aí, parece-me, o material ideal que lhe permitiría eluci­
dar, da melhor maneira, todas as estranhas anomalias do psi­
quismo dos seres tri-cerebrais que apareceram nestes últimos
tempos no planeta Terra que lhe interessa.
Dito isto, Ahun enxugou com a ponta de sua cauda as
gotas de suor que perlavam em sua fronte e calou-se; depois
retomou sua pose habitual de expectativa.

Belzebu o considerou com um olhar carinhoso e lhe disse:


— Eu lhe agradeço, meu bom velho, por ter-me lembra­
do disso. E verdade, eu não fiz menção desse funesto fator que
eles mesmos criaram e que atrofiou definitivamente até os da­
dos de seu pensar esseral que por acaso tinham permanecido
intactos neles.
No entanto, meu bom velho, se é verdade que ainda nunca
falei dele, não quer dizer que não haja pensado nisto. Nossa
viagem está longe de terminar e, com toda probabilidade, tena
me lembrado, no tempo devido, no decorrer dos relatos que
vou fazer depois a nosso querido Hassin, o que você acaba de
me trazer à memória.
Seja como for, talvez seja muito oportuno falar desde agora
dessa “arte” terrestre atual; pois, como você dissé, fui realmen­
te testemunha, durante a quinta estada que fizemos lá em pes­
soa, dos acontecimentos que estiveram na origem desse mal
contemporâneo, acontecimentos devidos, desta vez ainda, aos
seres sábios vindos de quase toda a superfície desse desafortu­
nado planeta e reunidos na cidade de Babilônia.
Depois Belzebu, dirigindo-se então a Hassin, continuou
nestes termos:
— A concepção determinada que existe hoje lá com o
nome de “arte” constitui, para seus infelizes favoritos, um dos
numerosos dados, cuja ação quase imperceptível, mas não me­
nos infalível, os converteu pouco a pouco — eles, seres que

437
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

têm, no entanto, cm sua presença todas as possibilidades de vir


a ser parcelas dc urna parte da divindade — simplesmente no
que se chama “carne viven te”.
A íim de esclarecer sob todos os seus aspectos a questão
da lamosa “arte” terrestre atual e de compreender claramente
sua origem, lhe é necessário, em primeiro lugar, conhecer dois
latos que se produziram na cidade de Babilônia, quando de
nossa quinta estada na superfície de seu planeta.
O primeiro desses latos lhe explicará com precisão por
que e como lui então testemunha dos acontecimentos que ser­
viram de base, nos seres tri-cerebrais contemporâneos do pla­
neta Terra, á própria existência dessa concepção realmente fu­
nesta que tem o nome de “arte”. O segundo o fará conhecer as
circunstâncias anteriores que deram nascimento a esses acon­
tecimentos.
No que concerne ao primeiro tato, devo dizer que, de­
pois dos acontecimentos de que já lhe talei, a respeito dos seres
sabios tri-cerebrais vindos de quase todos os países do planeta
— quer dizer, depois de sua cisão cm vários grupos indepen­
dentes e sua predileção pelo que se chama a “questão política”
—, surgiu em mim a intenção de deixar Babilonia e de prosse­
guir minhas observações entre os seres de uma comunidade já
poderosa, que tinha o nome de “Helias”. Por isso, decidi estu­
dar sua “língua” sem demora, procurando, desde então, de
preferência, os lugares da cidade frequentados por seres susce­
tíveis de me serem úteis para esse fim.
Ora, percorrendo um dia uma das ruas próximas de nos­
sa casa, percebi num grande edifício, diante do qual passara
frequentemente, um “agarra-olhares”, ou, como se diz agora
na Terra, um “letreiro”, indicando que esse edifício abrigava
um clube recentemente formado por sabios estrangeiros,
“Adeptos do Legamonismo”; sobre a porta pendia um cartaz
informando que a inscrição ao clube continuava aberta e que

438
A ARTE

os relatórios e sabias discussões ocorreriam exclusivamente na


língua local e na língua helénica.
Isso me interessou vivamente e pensei de imediato em
me servir desse clube recentemente aberto a fim de me aperfei­
çoar na prática desta língua helénica.
Avistando entào os seres que entravam e saíam por aque­
la porta, lhes fiz algumas perguntas sobre as particularidades
do clube.
Entre eles, tive a sorte de encontrar um sábio que por
acaso conhecia e, quando lui mais ou menos informado por
suas explicações, decidi de imediato tornar-me membro do clube.
Entrei, pois, com ele sem mais tardar e, fazendo-me pas­
sar por um sábio estrangeiro, pedi para me inscrever como adep­
to ao Legamonismo, o que obtive sem dificuldade, graças a
esse amigo ocasional que me tomava, ele também, como um de
seus colegas.
Ora, meu filho, assim que me tornei, desta maneira, um
“membro regular do clube”, segundo a expressão consagrada,
me pus a freqüentá-lo assiduamente, a fim de conversar com
aqueles de seus membros que dominavam a fundo a língua
helénica, cuja prática me era necessária.

Quanto ao segundo fato, ele decorria de certas circuns­


tancias que vou agora lhe expor.
Importa lembrar aqui que entre os seres sábios terrestres
que se encontravam então em Babilônia, uns haviam sido trazi­
dos à força, de quase todos os países do planeta, por ordem do
soberano persa de quem lhe falei, os outros tinham vindo por
vontade própria, atraídos por essa famosa questão da “alma”.
Ora, entre os primeiros encontravam-se alguns que não eram
em absoluto, como a maioria, sábios de “nova promoção”, po­
rém seres que se esforçavam, com uma sinceridade vinda de
todas as suas partes distintas espiritualizadas, em adquirir altos
conhecimentos, com o exclusivo fim de se aperfeiçoar.

439
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Esses poucos sabios terrestres já haviam merecido, antes


de sua chegada a Babilonia, por seus esforços reais e sinceros e
pela retidão de seu modo de existência e de suas atividades
esserais, ser considerados como “iniciados de primeiro grau”
por aqueles entre os seres terrestres tri-cerebrais que se fize­
ram dignos de vir a ser o que se chama “iniciados de pleno
direito, segundo as regras restauradas pelo Mui Santo Ashyata
Sheyimash”.
Ora, meu filho, quando me pus a frequentar esse clube,
as conversas que tive com seus membros, assim como diversos
outros dados, tornaram logo evidente para mim que esses pou­
cos sabios terrestres, que se esforçavam sinceramente para se
aperfeiçoar em Razão, sempre se haviam mantido à parte, não
se envolvendo nunca naqueles assuntos que, muito rapidamen­
te, cativaram a grande massa dos sábios babilónicos da época.
Estes poucos sabios permaneceram apartados desde o iní­
cio, enquanto os outros, de comum acordo, estabeleciam no
coração da cidade o lugar de suas assembléias e fundavam, para
melhor se ajudar reciprocamente, tanto material como moral­
mente, o clube central de todos os sabios da Terra; da mesma
maneira, mais tarde, quando o conjunto dos seres sábios se di­
vidiu em três seções distintas, tendo cada uma seu clube inde­
pendente em algum lugar da cidade, os sábios iniciados não
participaram de nenhuma dessas três seções.
Eles existiam nas cercanias de Babilônia, não frequen­
tando, por assim dizer, nenhum dos sábios da massa. E foi so­
mente alguns dias antes de minha admissão que eles se uniram
para organizar esse novo clube dos “Adeptos do Legamonismo”.
Todos esses sábios, sem exceção, haviam sido trazidos à for­
ça para a cidade de Babilônia; eles pertenciam, em sua maioria, ao
contingente arrebatado ao Egito pelo soberano persa.
Como soube mais tarde, a iniciativa de seu agrupamento
era devida a dois sábios que eram “iniciados de primeiro grau”.

440
A ARTE

Um desses dois iniciados terrestres pertencia a uma raça


de seres chamados “mouros”: ele se chamava Kanil-el-Norkel.
O outro iniciado se chamava Pitágoras; ele havia vindo
ao mundo entre os “helenos”, que mais tarde receberam o nome
de “gregos”.
Estes dois sábios, como o compreendi depois, se encon­
traram por acaso na cidade de Babilônia e, numa “troca de
opiniões uissapagaumniana”, quer dizer, no curso de uma de
suas conversas, cujo tema era: “Como estabelecer, nos seres
dos tempos atuais, formas de existência esseral que possam ser­
vir ao bem dos seres futuros”, eles constataram claramente que,
no transcurso das épocas, enquanto se sucediam as gerações
de homens na Terra, se produzia um fenômeno dos mais la­
mentáveis, a saber, que os processos de destruição mútua, cha­
mados “guerras” e “motins populares”, levavam sempre, por
uma razão qualquer, à supressão de numerosos seres iniciados
de todos os graus, arrastando em seu desaparecimento uma
grande quantidade de legamonismos, que constituíam, naque­
la época como hoje, o único meio de transmitir de geração a
geração diversas informações sobre os acontecimentos reais dos
tempos antigos.
Quando estes dois sinceros e honestos sábios terrestres
constataram tal lato, que eles qualificaram de “fenômeno la­
mentável”, deliberaram longamente sobre ele, o que os levou a
decidir aproveitar essa presença excepcional de tantos sábios
numa mesma cidade para reuni-los com o lim de encontrar, em
conjunto, algum meio de remediar essa questão aflitiva devida
às condições anormais da vida dos homens na Terra.
Foi precisamente com esse fim que fundaram esse clube ao
qual deram o nome de “Clube dos Adeptos do Legamonismo”.
A seu chamado responderam logo tão numerosos candi­
datos que, dois dias após minha admissão, as inscrições já se
encerravam.
O dia em que a lista loi encerrada, o número de membros

441
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

cio clube elevava-se a cento e trinta e nove, número que se man­


teve até que o soberano persa pôs na cabeça de colocar um tim
ao capricho que tivera para com esses sabios terrestres.

Como eu soube ao entrar no clubc, todos os membros


presentes no dia da abertura haviam organizado o que se cha­
ma uma “assembléia geral”, no curso da qual haviam decidido,
por unanimidade, ter a cada dia urna nova assembléia geral,
cujas exposições e discussões tratariam exclusivamente destas
duas questões: em primeiro lugar, “que medidas deveriam to­
mar aqueles membros que retornariam a sua terra, a tim de
recolher todos os legamonismos existentes em seu país e de
pô-los à disposição dos sábios do clube”; e, em segundo lugar,
“o que tazer para assegurar a transmissão dos legamonismos as
gerações futuras por algum outro meio que não tosse exclusi­
vamente a mediação dos iniciados”.
Quando de minha admissão, as duas questões já haviam
sido objeto de numerosas exposições e discussões diante des­
sas assembléias gerais; naquele dia, procurava-se particularmen­
te o meio de tazer participar da tarefa fundamental do clube os
seres iniciados pertencentes as “correntes” chamadas então
“onandjiki”, “xamanista”, “budista” contras.
E dois dias depois é que toi pronunciada, pela primeira
vez, diante dos membros desse clube, essa palavra que, che­
gando por acaso aos seres atuais de lá, iria constituir um dos
principais tatores de atrofia definitiva de todos os dados, que
permaneceram intactos neles, de um pensar esseral lógico mais
ou menos normal — ou seja, a palavra “arte”, que, naquele dia,
toi empregada em um sentido completamente diferente, e cuja
definição se referia a uma idéia totalmente distinta.
Naquele dia — em que pela primeira vez toi pronuncia­
da a palavra “arte”, cuja idéia real e o significado foram defini­
dos com precisão — estava inscrito, entre os oradores, um

442
A ARTE

sábio caldeo muito conhecido na época e já bastante idoso, de


nome Aksharpantsiar.
Como a exposição desse sábio caldeu já idoso, o grande
Aksharpantsiar, toi a origem de todos os acontecimentos que
deviam, depois, ter relação com sua famosa arte atual, vou ten­
tar me lembrar de seu discurso e repeti-lo a você tào textual­
mente quanto possível.
Começava assim:
“Os séculos passados, os dois últimos sobretudo, nos mos­
traram que, durante as inevitáveis psicoses de massa, que têm
como resultado sempre fazer surgir guerras entre os estados,
assim como motins no próprio seio dos estados, as inocentes
vítimas da bestialidade popular eram efetivamente, em sua maio­
ria, pessoas que haviam merecido, por sua piedade e pelas pri­
vações conscientes que eles se haviam imposto, tornar-se inicia­
dos; ora, é por seu intermédio que se transmitem com precisão
aos seres conscientes das gerações seguintes diversos legamo-
nismos que contêm informações sobre toda espécie de aconte­
cimentos autênticos ocorridos no passado.
“E se as inocentes vítimas da bestialidade popular se en­
contram sempre entre essas pessoas piedosas, é, a meu ver, por­
que já estando livres interiormente, elas não se identificam por
inteiro, como as demais, com os interesses ordinários; elas não
poderiam, portanto, compartilhar nem os entusiasmos, nem as
admirações, nem os enternecimentos, nem qualquer outra das
manifestações, tão evidentemente sinceras, dos que as cercam.
“E como, em tempos ordinários, essas pessoas existem
normalmente e dão provas àqueles que as rodeiam de manifes­
tações interiores e exteriores sempre benévolas, elas adquirem
a estima e o respeito de todos; ao contrario, quando a massa
dos homens cai nessa psicose e se divide, como de costume, em
dois campos opostos, esses homens, com a razão embrutecida
pela luta, se põem a suspeitar de maneira doentia daqueles
mesmos que, em tempo normal, sempre foram tranquilos e sérios.

443
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Desde então, se a atenção desses seres atingidos pela


psicose vem a deter-se com um pouco mais de insistência sobre
essas pessoas excepcionais, eles não têm mais a menor dúvida
sobre o tato de que esses homens sérios e de aparência sempre
tranquila não tenham sido, em tempo normal, nem mais nem
menos que os “espiões” de seus adversarios atuais.
“Sob o efeito de sua razão doentia, esses homens tor­
nados ferozes decidem categoricamente que a seriedade e a
tranquilidade dessas pessoas eram apenas “dissimulação” e
“hipocrisia”.
“E qualquer que seja o partido inimigo ao qual perten­
çam, o resultado de suas conclusões psicopáticas é que, sem
qualquer remorso de consciência, eles mandam matar essas
pessoas sérias e tranquilas.
“Tal é mais frequentemente, a meu ver, a razão pela qual
muitos legamonismos que têm relação com acontecimentos que
efetivamente se passaram na Terra desaparecem completamente
de sua face, no curso de sua transmissão de uma geração a outra.

“Ora, meus mui estimados colegas, se lhes apraz conhe­


cer minha opinião pessoal, lhes direi sinceramente, com todo
meu ser, que apesar de tudo que acabo de lhes expor a respeito
da transmissão do verdadeiro saber às gerações distantes, por
intermédio de iniciados qualificados, por meio dos legamonis­
mos, não há razão para mudá-la no que quer que seja.
“Que este modo de transmissão permaneça tal qual era
anteriormente, tal como está estabelecido na Terra desde tem­
pos imemoriais, sobre a base do “poder de ser” dos iniciados e
tal como foi restaurado pelo grande profeta Ashyata Sheyimash!
“Nós, os homens deste tempo, se quisermos ser hoje de
alguma utilidade aos homens dos séculos futuros, devemos nos
limitar a acrescentar a este modo de transmissão algum novo
meio, ditado pela prática de nossa vida atual na Terra, assim
como pela experiência das gerações precedentes, adquirida no

444
A ARTE

curso de numerosos séculos e tal como se evidencia das infor­


mações que nos chegaram sobre ela.
“Quanto a mim, eu lhes proponho, para efetuar esta trans­
missão à próxima geração, nos servir, por um lado, dos “afalkal-
nas” humanos, quer dizer, de diversas obras feitas pela mão do
homem e que se tornaram hoje em dia de uso corrente, por
outro lado, dos “soldjinokhas” humanos, quer dizer, de diver­
sas práticas e cerimônias estabelecidas há séculos na vida fami­
liar e social dos homens e que se transmitem automaticamente
de geração a geração.
“Certos “afalkalnas” humanos, especialmente os que são
leitos de materiais muito duráveis, podem se conservar intac­
tos e chegar assim aos homens das gerações distantes; ou en­
tão, cópias deles podem ser transmitidas de geração a geração,
em virtude dessa propriedade enraizada na essência dos ho­
mens, que consiste em lazer passar por suas as obras vindas
dos tempos mais remotos e as quais eles submetem somente a
ligeiras modificações de detalhes.
“Quanto aos “soldjinokhas” humanos, tais como os di­
versos “mistérios”, “cerimônias religiosas”, “costumes familia­
res e sociais”, “danças religiosas e populares” etc. embora no
curso dos séculos sua forma exterior esteja sujeita a frequentes
modificações, os impulsos que eles suscitam nos homens e as
manifestações que deles provêm nem por isso deixam de per­
manecer imutáveis.
“Por conseguinte, se, tanto nos fatores interiores que en­
gendram esses impulsos, como nas obras de que falei, introdu­
zirmos informações úteis, assim como o verdadeiro saber ao
qual já chegamos, podemos plenamente esperar que todo este
material chegará a nossos descendentes mais afastados, que al­
guém o decifrará e que os demais terão então a possibilidade
de utilizá-lo para seu bem.
“A questão que se trata agora de resolver é esta: como

445
RELATOS DE BELZEBU A SEU NE'l’O

realizar esta transmissão pelos diversos “afalkalnas” c “soldji­


nokhas” humanos que acabo de indicar?
“Pessoalmente, lhes proponho fazê-lo corn base na lei uni­
versal chamada “Lei de Sete”.
“A “Lei de Sete” existe na Terra e ali existirá sempre e
em tudo.
“Por exemplo, em virtude desta lei, o raio branco se com­
põe de sete cores distintas; todo som determinado é constituí­
do de sete tons diferentes; todo estado humano comporta sete
sensações independentes; por outro lado, toda forma determi­
nada não pode comportar senão sete dimensões diferentes; e
todo peso não pode manter-se sobre a terra senão quando está
submetido a sete “pressões recíprocas”; e assim por diante...
“Pois bem, queremos que os conhecimentos atuais, tan­
to os que adquirimos pessoalmente, como os que nos chega­
ram dos tempos passados e os quais reconhecemos por unani­
midade que serão úteis para nossos descendentes distantes,
sejam registrarlos nesses “afalkalnas” e “soldjinokhas” de ma­
neira a ser percebidos pela razão pura deles, por meio dessa
grande lei universal.

“A Lei de Sete, já o disse, existirá na Terra enquanto o


mundo existir e os homens de todos os tempos a verão e a com­
preenderão, enquanto existir na Terra o pensar humano; por
isso, podemos ousadamente afirmar que os conhecimentos as­
sim registrados nessas obras diversas existirão na Terra eles tam­
bém, para sempre.
“Quanto à técnica mesma, quero dizer, à aplicação desta
lei ao modo de transmissão considerado, ela poderia ser, a meu
ver, a seguinte:
“Em todas as obras que vamos criar intencionalmente
segundo os princípios desta lei, com o fim de transmiti-los as
gerações futuras, toleraremos de propósito certas inexatidões,
conformes as leis elas também, e é nestas inexatidões que

446
A ARTE

registraremos, de maneira inteligível, o conteúdo de um ou de


outro dos verdadeiros conhecimentos possuídos pelos homens
dos tempos atuais.
“Ao mesmo tempo, para permitir decifrar as inexatidões
dessa grande lei, ou, se quiserem, para lhes servir de “chave”,
inseriremos em nossas obras algo do gênero de um legamonis­
mo, que se transmitirá de geração a geração por intermédio de
uma espécie particular de iniciados, que chamaremos os “ini­
ciados na arte”.
“Nós os chamaremos assim porque o processo inteiro des­
ta transmissão de conhecimento às gerações distantes, pela Lei
de Sete, não será natural, porém artificial.
“Ora, meus eméritos e imparciais colegas...
“Como devem agora compreendê-lo, é bem evidente que
mesmo se, por uma ou outra razão, as informações úteis a nos­
sos descendentes, que têm relação com os conhecimentos ad­
quiridos pelos homens e com os acontecimentos terrestres do
passado, deixarem de chegar a eles por intermédio de verda­
deiros iniciados — não obstante, graças ao novo modo de trans­
missão que proponho, os homens das gerações futuras pode­
rão sempre reencontrar e compreender, se não tudo o que exis­
te hoje na Terra, pelo menos esses fragmentos dos conheci­
mentos gerais que lhes chegarão, por acaso, nas obras executa­
das pela mão dos homens deste tempo e nas diversas cerimônias
contemporâneas, onde teremos registrado o que quisermos,
segundo a grande Lei de Sete, graças a nosso sistema de nota­
ções “artificiais”.
Com estas palavras, o grande Aksharpantsiar terminou
seu discurso.

“Em sequência ao seu discurso, uma intensa agitação se


apoderou dos membros do clube dos Adeptos do Legamonis-
mo, que se lançaram de imediato a ruidosos debates, no fim

447
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

dos quais eles resolveram, por unanimidade, se conformar à


proposição do grande Aksharpantsiar.
Depois de uma curta interrupção para o jantar, eles reto­
maram a discussão e essa assembléia geral, a segunda do dia,
prolongou-se por toda a noite.
Eles tomaram então, por unanimidade, a decisão de co­
meçar, a partir do dia seguinte, a fabricar “minia-imagens” ou,
como dizem os seres atuais de lá, “maquetes” de obras diver­
sas, com as quais se exercitariam para determinar os procedi­
mentos práticos de notação especial, em conformidade com os
princípios indicados pelo grande Aksharpantsiar, e depois levá-
las ao clube para apresentá-las e explicá-las aos demais membros.
Dois dias depois, muitos deles já traziam, à noite, as
“minia-imagens” que haviam tabricado com suas próprias mãos
e as apresentavam com muitos comentários, enquanto outros
se dedicavam a reproduzir toda espécie de ações que os seres
desse planeta tinham tomado o hábito de executar em certas
ocasiões, no processo de sua existência cotidiana, como eles o
fazem ainda hoje.
Entre as maquetes propostas, algumas tratavam de dite
rentes combinações de cores, ou de diversas formas de edifícios c
de construções; quanto às demonstrações de manifestações es­
serais, elas se aplicavam ao manejo de instrumentos de música
variados, ou à interpretação de melodias de todo tipo ou, ain­
da, à reprodução exata de diversas emoções dos demais e as­
sim por diante.
Rapidamente, para maior comodidade, os membros do
clube dividiram-se em vários grupos e consagraram cada séti­
ma parte da duração de tempo que eles chamavam uma “sema­
na”, quer dizer, o que chamavam “um dia”, à apresentação e à
explicação das obras que se relacionavam a um dos ramos es­
peciais de sua ciência.
E interessante notar aqui que este lapso de tempo deter­
minado, a “semana”, se baseou sempre, em seu planeta, sobre

448
A ARTE

a divisão em sete dias, divisão introduzida ela também pelos


seres do continente da Atlântida e na qual eles expressavam a
Lei de Sete, que conheciam então perfeitamente.
Os dias da semana se chamavam no continente da Atlântida:
1. Adashsikra
2. Evosikra
3. Gevorgsikri
4. Midosikra
Maikosikra
6. Lukosikra
7. Soniasikri

Estes nomes mudaram frequentemente; em nossos dias


são chamados:
1. Segunda-feira
2. Terça-feira
3. Quarta-feira
4. Quinta-feira
5. Sexta-feira
6. Sábado
7. Domingo

Eles consagraram, então, como acabo de dizer, cada dia


da semana a algum ramo especial do saber, correspondente,
seja a obras executadas com suas mãos, seja a certas formas de
manifestações esserais conscientemente dirigidas.
Assim, eles consagraram ao primeiro grupo a segunda-
feira, que eles denominaram o “dia das cerimônias civis e reli­
giosas”.
Ao segundo grupo eles reservaram a terça-feira, que cha­
maram o “dia da arquitetura”.
Quarta-feira foi o “dia da pintura”.
Quinta-feira, o “dia das danças religiosas e populares”.
Sexta-feira, o “dia da escultura”.

449
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Sábado, o “dia dos mistérios” ou, como também o cha­


mavam, o “dia do teatro”.
Domingo, o “dia da música c do canto”.

“Na segunda-feira, quer dizer, o dia das cerimônias reli­


giosas e civis, os sabios do primeiro grupo apresentavam diver
sas cerimônias em que os “fragmentos de saber” destinados a
serem transmitidos eram anotados por meio de inexatidões na
Lei de Sete, inexatidões que intervinham, antes de tudo, nos
movimentos, conformes às leis, dos participantes.
Suponhamos, por exemplo, que o sumo sacerdote res­
ponsável pela cerimônia, ou, como se diz em nossos dias, o
padre, tivesse de levantar os braços para o céu.
Esta atitude, para estar em acordo normal coin a Lei de
Sete, exige, absolutamente, urna certa posição dos pés; esses
sábios babilónicos, eles próprios, pediam ao chefe da cerimô­
nia para colocar seus pés, não como estes deveriam estar se­
gundo a Lei, porém de outra maneira.
E era cm todas essas “outras maneiras”, introduzidas nas
atitudes dos participantes da cerimônia religiosa, que os sábios
desse grupo inscreviam, por meio de um “alfabeto” convencio­
nal, as concepções que eles tinham como meta transmitir, por
essas cerimônias, aos seres-homens das gerações futuras.

“Na terça-feira, quer dizer, o dia da arquitetura, os seres


sábios pertencentes ao segundo grupo traziam diversos proje­
tos e maquetes de edifícios ou de monumentos capazes de du­
rar muito tempo.
E traçavam o plano dessas construções, não segundo o
princípio de estabilidade, estritamente conforme à Lei de Sete,
nem como tinham o costume dc faze-lo, por automatismo, os
seres de lá, porém “de outra maneira”.
Por exemplo, enquanto a cúpula de tal edifício deveria,
segundo todos os dados, se apoiar sobre quatro colunas de certa

450
A ARTE

espessura e cie uma solidez determinada, eles a faziam ser su­


portada por três colunas somente. Avaliavam então o cmpu-
xo recíproco, ou, como se diz ainda, a “resistência recíproca”,
que sustenta o peso sobre o planeta segundo a Lei de Sete,
tomando por base de seus cálculos, além das próprias colunas,
diversas combinações excepcionais que derivam sempre da Lei
de Sete e já conhecidas naquele tempo pela massa dos seres
ordinários; cm outros termos, eles avaliavam o grau requerido
de resistência das colunas levando em conta, antes de tudo, a
torça do peso da própria cúpula.
Outro exemplo: certa pedra angular deveria, absoluta­
mente, segundo todos os dados lá estabelecidos, tanto pelo
automatismo de uma longa prática, como graças aos cálculos
plenamente conscientes de certos seres sensatos, ter uma mas­
sa determinada que correspondesse a uma certa força de resis­
tência; ora, esta pedra, eles a talhavam e a colocavam de tal
modo que isso não correspondia em nada aos ditos dados, e
eles determinavam, segundo a Lei de Sete, a massa e a torça de
resistência requeridas para suportar o peso das camadas supe­
riores de pedras tomando por base de seus cálculos a camada
interior, que eles dispunham, por sua vez, não de acordo com
os usos estabelecidos, mas baseando de novo seus cálculos nas
outras camadas interiores, e assim por diante.
L era nessas combinações arquitetônicas inabituais, oriun­
das da Lei de Sete que eles inscreviam — sempre por meio de
um “alfabeto” convencional — os elementos com alguma no­
ção útil.
Os membros sábios desse grupo do clube dos “Adeptos
do Legamonismo” serviam-se igualmente, para traduzir o que
queriam em suas “minia-imagens”, ou maquetes de futuros edi­
fícios, de uma lei chamada “Deïvibritzkar”, que é a lei de ação
das vibrações que surgem na atmosfera dos lugares fechados.
Esta lei, da qual nada chegou aos seres tri-cerebrais
atuais de seu planeta, era então bem conhecida dos seres de lá:

451
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

eles já sabiam perfeitamente que o tamanho e a forma de um


local, assim como o volume de ar que ele contém, exercem so­
bre o ser uma ação muito particular.
Servindo-se desta lei, eles registravam suas diversas con­
cepções da seguinte maneira:
Suponhamos que, segundo o caráter e a destinação de
um edifício qualquer, se deva esperar, em conformidade com a
Lei de Sete e segundo o uso estabelecido há séculos por auto­
matismo, que o interior do edifício provoque sensações bem
determinadas, numa certa sucessão conforme às leis.
Utilizando a lei de “Deïvibritzkar”, eles combinavam, em
seus projetos de edifícios, o plano interior dos locais de manei­
ra que as sensações provocadas nos seres presentes se desenro­
lassem, não na sucessão prevista e conforme às leis, porém numa
ordem toda diferente.
E era nestas alterações das sequências de sensações con­
formes às leis que eles inseriam, de uma certa maneira, o que
eles desejavam transmitir.

“Quarta-feira, dia da pintura, era consagrado ao estudo


das combinações de diferentes cores.
Nesses dias, os sábios deste grupo traziam e apresenta­
vam todas as espécies de objetos indispensáveis aos usos do­
mésticos, feitos de materiais coloridos capazes de durar muito
tempo, tais como “tapetes”, “tecidos” ou “tchincruaris”, quer
dizer, peles ornadas com motivos de diversas cores e espe­
cialmente preparadas para se conservar por numerosos séculos.
Nessas obras eram representadas figuradamente, ou bor­
dadas com fios de cores, diversas paisagens ou cenas da vida
dos seres que povoam seu planeta.
Antes de continuar a lhe explicar a maneira pela qual
esses sábios terrestres inscreveram então, nas combinações das
diferentes cores, este ou aquele fragmento de seu saber, devo
primeiramente lhe expor um fato relacionado com o que estou

452
A ARTE

falando, fato dos mais aflitivos para seus favoritos, e que, dessa
vez ainda, se produziu em sua presença em razão da forma anor­
mal que eles deram a sua existência cotidiana.
Este fato é a alteração progressiva que sofreram neles os
“órgãos perceptores” que se constituem na presença de todo
ser e, antes de tudo, o órgão que nos interessa particularmente
nesse momento, aquele que serve para perceber e distinguir o
que se chama a “fusão das vibrações, que são centros-de-
gravitação” e que chegam a seu planeta através dos espaços do
Universo.
Entendo com isto, de um lado, o que se designa como a
“resultante integral das vibrações de todas as fontes de realiza­
ção”, quer dizer, aquilo que o grande sábio Aksharpantsiar cha­
mava o “raio branco”, e, de outro lado, as distintas fusões des­
sas “vibrações que são centros-de-gravitação” e que os seres
percebem e diferenciam como “tonalidades de cores”.
Você deve saber que, quando do aparecimento no plane­
ta Terra desses seres tri-cerebrais e durante a primeira fase de
sua existência, antes do período em que lhes foi implantado o
órgão kundabuffer, e depois, quando este órgão foi extirpado
de sua presença, e mesmo bem mais tarde, depois da segunda
catástrofe transapalniana de lá, quase até nossa terceira desci­
da pessoal à superfície desse planeta, o órgão da visão se for­
mava neles com a mesma “sutileza de percepção” que na pre­
sença geral de todos os seres tri-cerebrais ordinários de Nos­
so Grande Universo.
Durante os diferentes períodos de que acabo de falar, em
todos os seres tri-cerebrais que surgiam nesse planeta, este ór­
gão atingia um grau de sensibilidade que lhe permitia perceber
essas fusões de “vibrações centros-de-gravitação” isoladas do
“raio branco” e diferenciar um terço de todas as “tonalidades
de cores” que se encontram em geral na presença dos planetas,
assim como na de todas as demais concentrações cósmicas, gran­
des e pequenas.

453
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Está exatamente estabelecido pela ciencia objetiva que o


número de fusões das vibrações “centros-de-gravitaçào”, iso­
ladas da “resultante integral das vibrações”, quer dizer, das “to­
nalidades”, ou, como dizem seus favoritos, das “cores”, atinge
exatamente um “kultanpanas”, o que, segundo os cálculos dos
seres terrestres tri-cerebrais, representa 5.764.801 tonalidades.
Um terço somente do total destas fusões, ou tonalidades
— com exceção de uma tonalidade acessível unicamente à per­
cepção de Nosso Todo Poderoso Eterno—, ou seja, 1.921.600
tonalidades, podem ser percebidas por todos os seres ordinarios
como “cores diversas”, em qualquer planeta de Nosso Grande
Universo em que eles façam sua aparição.
Mas se os seres tri-cerebrais levam o aperfeiçoamento de
suas partes superiores até sua plena realização, o que dá a seus
órgãos visuais a sutileza correspondente á “visão oluestesnokh-
niana”, eles podem desde então diferenciar dois terços do nú­
mero total das tonalidades existentes no Universo, número que
se eleva, segundo os cálculos terrestres, a 3.843.200 tonalida­
des de cores diversas.
E somente os seres tri-cerebrais que levaram o aperfeiçoa­
mento de suas partes esserais superiores até o estado chamado
“Ishmetsh” se tornam capazes de perceber e de diferenciar a
totalidade das fusões ou tonalidades mencionadas, com exce­
ção da única tonalidade acessível, como já o disse, a Nosso
Único Criador Todo-Poderoso.
Mesmo tendo a intenção de explicá-la mais tarde a você
com detalhe, penso que não é supérfluo abordar, desde agora,
a questão seguinte: como e por que, na presença das “concen­
trações cósmicas insapalnianas”, toda formação determina­
da adquire, em razão dos processos evolutivo e involutivo, a pro­
priedade de ter diferentes efeitos sobre o órgão que nos interessa?
Deve-se dizer, antes de tudo, que a “resultante integral
das vibrações”, assim como todas as formações cósmicas já de­
terminadas, se constitui em conformidade com o resultado

454
A ARTE

aperfeiçoado da lei cósmica fundamental do Heptaparaparshi­


nokh sagrado — quer dizer, da lei cósmica que os seres tri-
cerebrais do planeta Terra do período babilónico chamavam
“Lei de Sete”; em outros termos, esta resultante comporta sete
“conjuntos de resultados” ou, como se diz ainda as vezes, sete
“classes de vibrações”, provenientes de fontes cósmicas cujo
advento e ação ulterior dependem de sete outras fontes, as quais
surgem e dependem, por sua vez, de sete outras mais, e assim
por diante, até a Mui Santa Vibração Unica de sete proprieda­
des, oriunda da Supremamente Santa Lonte Original. E é de
sua totalidade que se compõe a “resultante integral das vibra­
ções” de todas as fontes de realização de tudo quanto existe no
Universo, graças ãs transformações das quais elas realizam,
depois, na presença das “concentrações cósmicas insapalnia-
nas”, o número de “tonalidades” diversas que eu mencionei.
Quanto às particularidades da “Mui Santa Vibração Única
de sete propriedades”, você só as compreenderá quando eu
lhe tiver explicado, no devido tempo, de maneira detalhada,
tal como já prometí varias vezes, todas as grandes leis funda­
mentais de criação do mundo e de existência do mundo.
Você tem que saber, enquanto isto, a respeito do fato que
nos ocupa, que, quando a “resultante integral das vibrações”,
ou, como teriam dito os seres terrestres tri-cerebrais, quando o
“raio branco” penetra, com a presença que lhe é própria, nas
esferas da presença de um planeta insapalniano onde sua trans­
formação é possível, ele sofre então, da mesma forma que todo
surgimento cósmico já determinado, suscetível de uma realiza­
ção ulterior, o processo cósmico chamado “djartklom”; em ou­
tros termos, como presença, ele permanece o mesmo, mas sua
essência se desagrega, por assim dizer, e engendra processos de
evolução e de involução das distintas vibrações “centros-de-
gravitação” que o constituem; e estes processos se realizam as­
sim: certos grupos de “vibrações centros-de-gravitação” se

455
RELATOS DE BELZEBU A SEU NE'l’O

separam dos outros para se converter em terceiros e assim


por diante.
Durante estas transformações, o “raio branco” atua por
suas vibrações “cèntros-de-gravitaçào” sobre outros processos
ordinarios de gênese e de decomposição planetárias, que se
efetuam nas proximidades, e essas vibrações “centros-de-
gravitação” submetidas às condições ambientes fusionan!, de
acordo com seu “parentesco de vibração”, para se tornar parte
integrante da presença geral das formações nas quais se ope­
ram esses processos.
Ora, meu filho, em cada uma de minhas descidas pes­
soais ao planeta Terra, observei em todos os seus favoritos
— inicialmente sem intenção consciente por parte de minha
razão, e depois com propósito deliberado — a alteração pro­
gressiva, que por fim se tornou completamente evidente para
mim, de que sofria esse órgão esseral.
Século após século, a “sutileza de percepção” desse ór­
gão — pelo qual se efetua, em grande parte, na presença dos
seres tri-cerebrais, a “saturação automática do exterior” que
serve de base à possibilidade de um aperfeiçoamento natural
— se enfraqueceu a tal ponto que, por ocasião de nossa quinta
estada lá, quer dizer, na época do “esplendor babilónico”, se­
gundo a expressão dos seres atuais, seus favoritos já não po­
diam mais, no melhor dos casos, perceber nem diferenciar a
fusão das vibrações “centros-de-gravitação” do raio branco, a
não ser até o terceiro grau do que se chama sua “acumulação
setenaria”, ou seja, trezentas e quarenta e três “tonalidades de
cor” somente.

E interessante notar aqui que grande número de seres


tri-cerebrais daquele período babilónico tinha se apercebido
do enfraquecimento progressivo da sutileza desse órgão. Al­
guns deles haviam mesmo fundado em Babilônia uma nova

456
A ARTE

sociedade que suscitou, entre os pintores de então, uma “cor­


rente” particular.
Esta “corrente” particular tinha por princípio “conhecer
e determinar a verdade unicamente por meio das tonalidades
compreendidas entre o branco e o preto”.
E, para executar todas as suas obras, eles empregavam
exclusivamente as tonalidades compreendidas entre o preto e
o branco.
Quando tive conhecimento, em Babilônia, dessa “corren­
te” particular de pintura, seus adeptos já utilizavam, para suas
obras, cerca de mil e quinhentas nuanças bem determinadas
da cor que chamam o “cinza”.
Essa nova “corrente pictórica” tez “muito barulho”, como
se diz, entre os seres que se esforçavam para chegar a conhecer
a verdade, pelo menos sobre alguma coisa; ela serviu mesmo
de ponto de partida a uma outra “corrente”, mais original ain­
da, nascida desta vez entre os que se chamavam então os “odo-
ristas” babilónicos, que estudavam e realizavam novas combi­
nações de “concentrações-de-vibrações” cuja influencia parti­
cular sobre o olfato dos seres suscitava efeitos bem definidos
sobre seu psiquismo geral — quer dizer, entre os seres de lá
que haviam tomado como tarefa encontrar a verdade por meio
dos odores.
Alguns admiradores deste modo de pesquisa, a exemplo
dos adeptos da nova corrente de pintura, fundaram, por sua
vez, uma sociedade análoga, que tinha por divisa: “buscar a
verdade nas nuanças compreendidas entre os odores que se
desprendem desde o momento em que a ação do trio produz o
congelamento até o momento em que a ação do calor produz a
decomposição”.
Como os pintores haviam feito para as cores, eles en­
contraram, entre os dois odores extremos assim definidos, cer­
ca de setecentas nuanças bem distintas, de que se serviram para
suas pesquisas experimentais.

457
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Não sei a que essas duas correntes originais os teriam


conduzido, nem onde eles teriam parado, se certo governador,
recentemente nomeado em Babilônia, não se pusesse, desde o
tempo de nossa estada lá, a perseguir os adeptos dessa segunda
“corrente”, visto que o olfato deles, que se tornara sofrivel-
mente sutil, começava a farejar e a desvendar, descuidadamente,
varios de seus “obscuros negocios”, o que o incitou a liquidar,
por todos os meios, tudo o que se relacionava não somente
com essa corrente, mas também com a primeira.

Para retornar ao órgão de que havíamos começado a fa­


lar, órgão destinado a perceber a visibilidade dos surgimentos
cósmicos exteriores a eles, o enfraquecimento de sua sutileza
em seus favoritos não parou de se agravar após o período babi­
lónico, a tal ponto que, quando de nossa última estada na su­
perfície desse planeta, seus favoritos já não tinham mais a pos­
sibilidade de perceber nem de distinguir — em vez das
1.921.600 “tonalidades de cores” que deveriam discernir — a
não ser o único resultado da antepenúltima “cristalização sete­
naria do raio branco”, quer dizer, quarenta e nove tonalidades
somente; e ainda, essa possibilidade só pertencia a alguns de
seus favoritos, os outros — a maioria provavelmente — esta­
vam até mesmo privados dela.
Mas o que há de mais interessante, a respeito do enfra­
quecimento progressivo desta parte — a mais importante de
sua presença geral —, é este fato, ao mesmo tempo lamentável
e cômico, que aqueles dos seres tri-cerebrais atuais de lá que
ainda estão aptos para distinguir essa miserável fração do total
das tonalidades — ou seja, apenas quarenta e nove — conside­
ram com um presunçoso desdém os outros seres, que perde­
ram até a faculdade de distinguir esse número miserável, os
olham como anormais nos quais o dito órgão sofreria de uma
falta de desenvolvimento e os qualificam de “doentes atacados de
daltonismo”.

458
A ARTE

As scte ultimas fusões de vibrações “ccntros-dc-gravitação”


do raio branco tinham então em Babilônia, assim como entre
os seres atuais de lá, os nomes seguintes:

1. vermelho
2. alaran jado
3. amarelo
4. verde
5. azul-celeste
6. índigo
7. violeta

“Ouça agora de que maneira os sábios pertencentes ao


grupo dos pintores inscreviam, cm inexatidões legais da gran­
de lei cósmica que eles chamavam “Lei de Sete”, por meio de
combinações destas sete cores distintas e de outras tonalidades
independentes de segunda ordem que delas derivam, diversas
informações proveitosas, assim como os fragmentos do saber
ao qual eles tinham chegado.
Em virtude da propriedade especial de que falava há pou­
co — c que já era bem conhecida dos pintores sábios de Babi­
lônia — no curso do processo de transformação da “resultante
integral das vibrações” ou “raio branco”, cada uma das cores
distintas que o compõem — quer dizer, cada grupo de vibra­
ções “centros-dc-gravitação” — deriva sempre de uma outra
para se transformar em uma terceira; por exemplo, a cor laran­
ja provém do vermelho e esta mesma cor laranja passa, por sua
vez, ao amarelo, c assim sucessivamente.
Ora, os sábios babilónicos, quando teciam ou bordavam
com fios de cores ou quando pintavam suas obras, dispunham
as diversas tonalidades — seja no sentido longitudinal, seja no
sentido transversal, seja ainda nos pontos de interseção das li­
nhas de cores — não na ordem legal, quer dizer, a ordem na
qual se efetua realmente este processo segundo a Lei de Sete,
mas de outra maneira; e era nessa “outra maneira” que eles

459
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

introduziam, de um modo também conforme às leis, os ele­


mentos de suas informações e de seu saber.

“Na quinta-feira, dia consagrado ao estudo das danças


religiosas e populares, os sábios pertencentes a este grupo de
pesquisas apresentavam, com as devidas explicações, toda es­
pécie de danças religiosas e populares, algumas já existentes e
que eles se contentavam em modificar, as outras inéditas,
inteiramente criadas por eles.
Para que você se represente e compreenda melhor de que
maneira eles inscreviam nessas danças o que queriam, você deve
saber, antes de tudo, que já há muito tempo os sábios de então
haviam descoberto que, em razão da Lei de Sete, toda postura
ou todo movimento de um ser está constituído de sete tensões
“que se equilibram reciprocamente”, as quais aparecem em sete
partes independentes de seu todo integral; que cada uma des­
tas sete partes comporta, por sua vez, sete “linhas de movimen­
tos” distintas e que cada linha possui sete “pontos de concen­
tração dinâmica”; enfim, que estas divisões sucessivas se repe­
tem da mesma maneira e na mesma ordem, mas em uma escala
sempre menor, até nas parcelas mais ínfimas, ou “átomos”, do
corpo inteiro.
Ora, no curso de suas danças, esses sábios introduziam
em seus movimentos, cuja harmonia permanecia conforme às
leis, inexatidões voluntárias, legais elas também, nas quais eles
inscreviam, em uma certa ordem, as informações e os conheci­
mentos que desejavam transmitir.

“Na sexta-feira, reservada à escultura, os seres sábios per­


tencentes ao grupo do dia traziam e apresentavam o que se
designava então com o nome de “minia-imagens” e que hoje
chamam “maquetes”, executadas num material que lá chamam
“argila”.
Estas “minia-imagens” ou “maquetes”, que eles traziam

460
A ARTE

pura expô-las, representavam geralmente os seres seus seme­


lhantes, quer isolados, quer em grupo, ou ainda outros seres de
formas exteriores de todo tipo existentes em seu planeta.
Entre essas obras se encontravam igualmente “seres ale­
góricos”, que eram representados com a cabeça de uma das
formas de seres de lá, o tronco de uma outra, as extremidades
de uma terceira etc.
Tudo o que era indispensável transmitir, os sábios per­
tencentes a esse grupo o inscreviam, em inexatidões legais pro­
cedentes do que se chamava entáo a “lei de proporções”.
O fato é que, naquele tempo, todos os seres tri-cerebrais
da Terra, e em particular os escultores, já sabiam que, segundo
a grande Lei de Sete, a dimensão de uma parte determinada
qualquer do todo integral de um ser é função das sete dimen­
sões de sete outras partes secundárias deste todo, as quais, por
sua vez, resultam de sete partes terciárias, e assim por diante.
Por conseguinte, as dimensões de toda parte, grande ou
pequena, de seu corpo planetário inteiro aumentam ou dimi­
nuem de uma maneira definida, em proporção às outras partes
do mesmo corpo.
Para compreender claramente o que acabo de dizer, o
rosto de um ser tri-cerebral qualquer pode nos servir de exce­
lente exemplo.
As dimensões do rosto de todo ser tri-cerebral em geral
e, por conseguinte, aquele de todo ser tri-cerebral do planeta
Terra, dependem das dimensões das sete partes fundamentais
de seu corpo inteiro, e aquelas de cada parte de seu rosto, to­
mada separadamente, dependem das sete diferentes dimensões
do rosto inteiro. Por exemplo, a dimensão do nariz de todo ser
resulta das dimensões das outras partes de seu rosto; sobre esse
nariz se determinam, por sua vez, sete “áreas de dimensões defi­
nidas”; estas áreas possuem elas também sete dimensões con­
formes à lei, e assim por diante, até o átomo do rosto, que

461
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

resulta ser urna das sete dimensões independentes que consti­


tuem as dimensões do corpo planetario inteiro.
Ora, era nas variações que infligiam a essas dimensões
legais que os sabios escultores, membros do clube dos Adeptos
do Legamonismo, inscreviam então todas as informações pro­
veitosas e os fragmentos de conhecimentos que eles possuíam
e que desejavam transmitir aos seres das gerações futuras.

“No sábado, dia dos mistérios, ou dia do teatro, tinham


lugar as demonstrações dadas pelos sábios membros do sexto
grupo. Eram as sessões mais interessantes e, como se diz, as
mais “populares”.
Passei a preferir, eu também, esses sábados aos outros
dias da semana e tratava de nào faltar a um sõ deles. Já que as
demonstrações dadas nesses dias pelos sábios deste grupo pro­
vocavam, frequentemente, nos outros membros dessa seçào do
clube um riso tao franco e tao espontâneo que me fazia esque­
cer, por momentos, entre que seres tri-cerebrais me encontra­
va, e eu mesmo me entregava a esse impulso esseral, ao qual é
próprio poder surgir somente entre seres de mesma natureza.
Os sábios desse grupo imitavam, em primeiro lugar, diante
dos outros membros do clube, diversas formas de emoções e
de manifestações esserais, depois escolhiam juntos, entre elas,
as que melhor se adaptavam aos diferentes detalhes deste ou
daquele dos mistérios já existentes, ou dos que eles mesmos
acabavam de compor; após o que, por alterações sistemáticas
nos princípios da Lei de Sete, eles inscreviam, nas emoções e
manifestações esserais que eles reproduziam, tudo o que dese­
javam transmitir.

A este respeito, saiba meu filho que, se nas épocas anterio­


res os mistérios — dos quais alguns encerravam numerosas no­
ções instrutivas conhecidas dos antigos — chegavam por ve­
zes, passando automaticamente de geração a geração, até sua

462
A ARTE

distante posteridade, pelo contrario, os mistérios no seio dos


quais os membros sabios do clube dos Adeptos do Legamonis­
mo haviam introduzido de propósito diversos conhecimentos
que eles contavam transmitir assim a seus descendentes afasta­
dos quase desapareceram totalmente lá, nesses últimos tempos.
Esses mistérios, introduzidos há séculos e séculos no pro­
cesso de sua existência ordinaria, começaram a declinar pouco
após o período babilónico; eles foram primeiramente substituí­
dos pelo que se chama “kesbaadjis”, ou, como os chamam em
nossos dias no continente da Europa, “marionetes”, antes de
serem suplantados para sempre pelas “representações teatrais”
ou “espetáculos”, que constituem ainda hoje uma das princi­
pais formas de sua arte contemporânea e cuja ação é particu­
larmente perniciosa no processo de “encolhimento” gradual
de seu psiquismo.
Eoi no início da civilização contemporânea que estas “re­
presentações teatrais” vieram definitivamente se substituir aos
mistérios quando certos seres, aos quais haviam chegado “de
qualquer jeito” fragmentos dc informações sobre a atividade
daqueles “sábios misteristas” babilónicos, se puseram a fazer
supostamente a mesma coisa.
Desde então, os outros seres de lá chamaram esses imita­
dores de mistérios de “comediantes”, de “atores” e mesmo,
hoje em dia, de “artistas”; e o número deles, diga-se de passa­
gem, cresceu consideravelmente nestes últimos tempos.

Pois bem, aqueles sábios do tempo de Babilônia que per­


tenciam ao grupo dos misteristas inscreviam diferentes infor­
mações proveitosas, assim como os conhecimentos que eles ti­
nham adquirido, por meio do que se chama o “curso dos movi­
mentos associativos” dos participantes dos mistérios.
Apesar de que, naquele tempo, os seres tri-cerebrais de
seu planeta conhecessem, melhor que ninguém, as leis do “curso
dos movimentos associativos”, no entanto, nao chegou aos

463
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

seres tri-cerebrais atuais absolutamente nenhuma informação


relativa a essas leis.
Dado que este “curso dos movimentos associativos” não
se efetua, de modo algum, na presença dos seres tri-cerebrais
que lhe agradam, da mesma maneira que na presença dos ou­
tros seres tri-cerebrais em geral, e isto por razões que lhe sao
particulares, preciso, antes de tudo, lhe falar dele em detalhe.
Tanto neles como em nós, este processo é o mesmo, mas
em nós ele se efetua somente quando repousamos proposita-
damente para deixar o conjunto do funcionamento de nossa
presença geral transformar devagar, sem ser perturbado por
nossa vontade, todas as espécies de energia esseral requeridas
para a continuação da existência ativa em todos os domínios;
neles, ao contrario, essas energias esserais de espécies diversas
somente podem surgir — e mesmo assim “fazendo-se rogar”,
naturalmente — quando eles estão totalmente inativos, quer
dizer, durante o que eles chamam seu “sono”.
Não obstante, como todos os outros seres tri-cerebrais
de Nosso Grande Universo, eles são constituídos de três partes
distintas, independentemente espiritualizadas, e cada uma de­
las possui, para o conjunto de seu funcionamento, um lugar de
concentração fundamental, dito de outra forma, uma localiza­
ção própria, à qual eles mesmos deram o nome de “cérebro”.
Assim, toda impressão, que ela venha de fora ou do interior, é
percebida independentemente, segundo sua natureza, por cada
um de seus cérebros; e depois, estas impressões — como ocor­
re na presença de todos os seres, sem distinção de sistema de
cérebros — se combinam com as impressões anteriores para
formar um conjunto de dados que, sob o efeito de choques
fortuitos, vão provocar em cada cérebro distinto associações
independentes.
Ora, meu filho, desde que seus favoritos cessaram por
completo de realizar conscientemente, em sua presença geral,
os partkdolgdeveres esserais — cujos resultados são os únicos

464
A ARTE

que podem fazer surgir nos seres, a partir de associações de


natureza diversa, o que se chama um sadio “pensar comparati­
vo”, assim como a possibilidade de manifestações ativas cons­
cientes —, seus cérebros distintos, cujas respectivas associa­
ções se desenrolam de maneira inteiramente independente,
suscitam a partir de então, em uma só e mesma presença geral,
três impulsos esserais de origem diversa, o que faz que neles se
formem, pouco a pouco, por assim dizer, três personalidades
que não têm entre si nada de comum — nem necessidades,
nem interesses.
Mais da metade de todos os mal-entendidos que surgem
no psiquismo geral de seus favoritos, sobretudo nestes últimos
tempos, tem por origem, de um lado, este processo, que se efe­
tua na presença inteira deles, de três espécies distintas de asso­
ciações independentes que suscitam neles impulsos esserais
oriundos de três localizações absolutamente diferentes por sua
natureza e suas propriedades; de outro lado, a existência, entre
essas três localizações, tanto neles como em todo ser tri-cere­
bral, de um vínculo destinado pela Grande Natureza a outros
funcionamentos de sua presença geral; enfim, o fato de que
todo choque, provocado por qualquer uma das impressões per­
cebidas e experimentadas, desencadeia associações de impres­
sões de três espécies divergentes nas ditas localizações e susci­
ta, por conseguinte, em uma só e mesma presença, três impul­
sos esserais de espécies absolutamente diferentes. Por isso, eles
experimentam quase sempre várias emoções simultâneas, cada
uma dessas emoções provocando, por sua vez, em seu ser intei­
ro, uma necessidade de manifestação correspondente, que se
realiza, segundo as partes determinadas de sua presença inte­
gral, em um movimento correspondente.
E estas emoções associativas de origem diversa se desen­
rolam em sua presença geral e procedem umas das outras, uma
vez mais, segundo a Lei de Sete.

465
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Assim, pois, cm Babilonia, aqueles membros sabios do


clube dos Adeptos do Legamonismo que pertenciam a esse gru­
po inscreviam os conhecimentos requeridos em movimentos e
ações dos participantes no mistério da maneira seguinte:
Se, por exemplo, tal participante no mistério, depois de
ter suscitado em um ou em outro de seus cérebros, segundo
associações conformes às leis, tal impressão nova correspon­
dente a seu papel, devia reagir por tal movimento ou tal mani­
festação determinada, ele executava esse movimento ou se en­
tregava a essa manifestação, não como deveria fazê-lo segundo
a Lei de Sete, mas “de outra maneira”, e era nessas “outras
maneiras” que os sábios desse grupo inseriam, de um certo
modo, o que queriam transmitir às gerações futuras.
E agora, meu filho, para que você faça uma idéia concre­
ta das demonstrações às quais eu gostava de assistir a cada sá­
bado para descansar da intensa atividade que desenvolvia en­
tão, vou lhe contar como esses sábios misteristas representa­
vam por mímica, diante dos outros membros sábios do clube
dos Adeptos do Legamonismo, toda espécie de emoções esse­
rais ou de manifestações que se desenrolavam segundo o curso
das associações e entre as quais se escolhiam elementos para os
mistérios futuros.
Haviam montado para essas demonstrações, numa das
grandes salas do clube, um palco elevado, que chamaram en­
tão um “refletor-de-realidade”; os seres das épocas posteriores
aos quais foram, por acaso, transmitidas informações relativas
a esses sábios misteristas babilónicos, e que se puseram a imitá-
los e a fazer supostamente a mesma coisa, chamaram esse gêne­
ro de construção, e o chamam ainda hoje, de “estrado”.
Pois bem, sobre esse “refletor-de-realidade”, ou “estra­
do”, apareciam sempre, no início da sessão, dois participantes;
geralmente um deles começava por ficar um certo tempo de
pé, imóvel, como se prestasse ouvido ao seu próprio estado

466
A ARTE

“dartkhelklustniano”, ou, como se diz ainda por vezes, ao esta­


do geral de sua própria “emoção psíquica associativa”.
Enquanto ele assim escutava a si mesmo, sua razão per­
cebia que a soma de suas emoções associativas tomara, por
exemplo, a forma de um desejo irresistível de dar uma bofeta­
da em tal ser, cuja simples visão servia sempre de ponto de
partida para associações de certas séries de impressões jã fixa­
das nele e que provocavam sempre em seu psiquismo geral
emoções desagradáveis, ofensivas para seu próprio sentimento
de “consciência de si”.
Suponhamos que essas emoções desagradáveis sejam sem­
pre produzidas nele à vista do que então se chamava um “tro-
dokhakhuna”, espécie de funcionário ao qual os seres contem­
porâneos dão o nome de “agente de polícia”.
Ora, uma vez sua razão esclarecida sobre esse estado psí­
quico e essa propensão “dartkhelklustniana”, ele se dava per­
feitamente conta, ao mesmo tempo, que dadas as condições
atuais de existência pública exterior jamais poderia satisfazer
plenamente sua propensão; por outro lado, já tendo se aperfei­
çoado em razão e reconhecendo sua sujeição ao funcionamen­
to automático das outras partes de sua presença geral, ele com­
preendia claramente que da satisfação desse impulso depende­
ría o cumprimento de um dever esseral de grande alcance para
os que o cercavam.
Ao mesmo tempo em que refletia desta maneira, ele de­
cidia, então, dar satisfação a essa propensão imperiosa da me­
lhor maneira que pudesse e de infligir ao menos a esse “trodo-
khakhuna” um “sofrimento moral”, que provocaria nele asso­
ciações de natureza ofensiva.
Ele se voltava, então, com esta intenção, para o outro
sábio que entrara ao mesmo tempo que ele no estrado e, tra­
tando-o então como um “trodokhakhuna”, lhe dizia:
“Eh! você... Você não conhece ainda seu dever? Não vê
que lá...” Nesse momento ele apontava seu dedo na direção de

467
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

uma outra sala do clube, onde estava o restante dos participan­


tes da demonstração do dia, e prosseguia: que lá, digo eu,
dois cidadãos, um “soldado” e um “sapateiro”, brigam na rua
e perturbam a tranquilidade pública? E você, durante esse tem­
po, se pavoneia, imaginando ser Deus sabe quem, cobiçando as
transeuntes, as mulheres dos honestos e dignos habitantes da
cidade!
“Espere um pouco, espécie de malandro. Pelo meu che­
le, o médico principal da cidade, eu larei saber a seus superio­
res o pouco de atenção e o descuido que você põe no exercício
de suas funções!”
A partir desse momento, o sábio que lalava, tendo dito
por acaso que tinha por chele um médico, entrava no papel de
um médico, enquanto o segundo sábio entrava no papel de um
“agente de polícia”; quanto aos dois outros sábios participan­
tes, que o “agente de polícia” trouxera da outra sala, eles assu­
miam então, respectivamente, os papéis do “sapateiro” e do
“soldado”.
E estes dois últimos sábios tinham de desempenhar esses
papéis de “soldado” e de “sapateiro” e de se manifestar exata­
mente como tais, pela única razão de que o primeiro sábio,
obedecendo a seu estado dartkhelklustniano e tendo tomado
para si o papel de médico, os designara com esses nomes.
üra, esses três sábios, aos quais o quarto havia inespera­
damente imposto que assumissem todo tipo de percepções c
de manilestações conlormes às leis, porém próprias a tipos que
lhes eram totalmente estranhos ou, como dizem seus favoritos,
de desempenhar papéis “emprestados” —os de “soldado”, de
“sapateiro” c de “agente de polícia” —, se punham então a
dirigir suas emoções e as manilestações reflexas que elas ocasiona­
vam, graças à propriedade esseral chamada “ikhriltatzkakra”,
bem conhecida dos sábios da época que já haviam suficiente­
mente aperfeiçoado sua presença para estar em condições de
realizar essa propriedade.

468
A ARTE

Os seres tri-cêntricos só podem possuir a propriedade


“ikhriltatzkakra” depois de ter adquirido em sua presença o
que se chama a “vontade egoaïturassiana”, a qual, por sua vez,
só pode ser obtida graças aos “partkdolgdeveres esserais”, quer
dizer, graças a esforços conscientes e a sofrimentos voluntários.
E assim que os membros sábios do grupo dos misteristas
chegavam a executar “papéis emprestados” e a viver, diante
dos outros membros sábios do clube, experiências e ações re­
flexas interiores que se produziam e se desenrolavam sob a di­
reção de sua razão bem esclarecida.
Depois, de comum acordo com os outros membros do
clube, eles escolhiam, entre os impulsos esserais assim apre­
sentados, os que melhor correspondiam à sua meta e que, em
conformidade com a lei de fluxo das associações de origem
diversa, deviam ser vividos e manifestados em ações bem de­
terminadas — depois do que eles inseriam esses elementos se­
lecionados nos detalhes de algum mistério.
E importante sublinhar aqui que os seres tri-cerebrais
que pertenciam ao grupo dos sábios misteristas de Babilônia
reproduziam realmente, de maneira surpreendente, até em seus
detalhes, as particularidades subjetivas das concepções e ma­
nifestações dos diversos tipos que lhes eram estranhos.
Pois não somente eles possuíam, como já o expliquei, a
propriedade esseral “ikhriltatzkakra”, mas também, como to­
dos os sábios terrestres de então, eles conheciam a fundo o que
se chama a “lei de tipo”, sabiam perfeitamente quais eram os
vinte e sete tipos bem determinados que se formam em seu
planeta e até mesmo o que cada um deles deveria perceber em
tal ou tal circunstância, como ele o percebia e como era obriga­
do a reagir.
Quanto à propriedade esseral chamada “ikhriltatzkakra”,
você deve ainda saber que só ela confere aos seres a possibili­
dade de se manter dentro dos limites de todos os motivos e
impulsos que suscitam, no momento mesmo, em sua presença

469
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

geral, as associações surgidas daquele de seus cérebros que eles


conscientemente escolheram como base de partida para ali de­
sencadear qualquer uma das séries de impressões já sentidas
por eles — c é somente graças a esta capacidade que um ser
pode perceber todos os detalhes do psiquismo de um “tipo”
que ele estudou bem, depois manitestar-se à sua imagem e
personificá-lo, por assim dizer, plenamente.
E, a meu ver, é a ausência desta propriedade que é a cau­
sa da maioria dos mal-entendidos que levaram os seres tri-cere­
brais que lhe agradam a possuir um tao estranho psiquismo.
Você deve saber que, na presença de todos os seres tri-
cerebrais cm geral — inclusive a dos seres tri-cerebrais con­
temporâneos de lá —, todas as impressões novas vao se acu­
mular nos três cérebros distintos, numa ordem dita “de paren­
tesco”, para participar cm seguida — com as impressões já fi­
xadas anteriormente — nas associações que suscita nestes três
cérebros toda nova percepção, conforme os “impulsos centros-
de-gravidade” que se encontram naquele momento em sua pre­
sença geral.
Assim pois, meu filho, dado que na presença de seus fa­
voritos contemporâneos fluem, sem cessar, três espécies de as­
sociações independentes, que suscitam continuamente impul­
sos esserais de natureza diferente e que, por outro lado, eles
deixaram por completo de obter conscientemente em sua pre­
sença todos os resultados cósmicos, que são os únicos que per­
mitem aos seres tri-cerebrais adquirir a propriedade esseral
ikhriltatzkakra, resulta que a presença geral de cada um de seus
favoritos atuais, durante o processo de sua existência, se com­
põe, por assim dizer, de três personalidades absolutamente dis­
tintas, não tendo e nao devendo ter nada em comum entre elas,
nem quanto a sua natureza original, nem quanto a suas mani­
festações.
Daí esta constante particularidade de sua presença geral,
segundo a qual, se eles se dispõem, com uma das partes de sua

470
A ARTE

essência, a querer uma coisa, no mesmo instante a segunda parte


deseja uma totalmente diferente, enquanto a terceira os faz fa­
zer uma outra, que vai contra as duas primeiras.
Em suma, se produz em seu psiquismo o que nosso caro
mestre Mulá Nassr Eddin define pela expressão: “barafunda”.

Para regressar às demonstrações de nossos sábios miste­


ristas de Babilônia, eu devo acrescentar que, durante toda a
representação, outros colegas vinham sem cessar engrossar o
número dos participantes, para se conformar a diversos inci­
dentes associativos deliberadamente provocados.
Além disso, cada participante — assumindo assim, se­
gundo o papel que lhe fora imposto, “por efeito do acaso”,
percepções e manifestações automáticas bem determinadas,
próprias a uma personalidade de um tipo que lhe era comple­
tamente estranho — devia conseguir, enquanto representava
seu papel, sair, sob um pretexto plausível, para ir vestir as rou­
pas apropriadas.
Se eles trocavam assim de indumentária, era para se ma­
nifestar mais claramente e de maneira mais impressionante nos
papéis que deviam interpretar e para que os outros membros
presentes do clube dos Adeptos do Legamonismo, que inscre­
viam e escolhiam os elementos com vistas a futuros mistérios,
fossem capazes de melhor orientar se c de fazer uma melhor
escolha entre tudo o que haviam visto.

“No domingo, consagrado à música e ao canto, os sábios


que pertenciam ao grupo desse dia executavam, quer em dife­
rentes “instrumentos-produtorcs-dc-sons”, quer com suas vo­
zes, todo tipo de “melodias” — como se diz lá —, depois eles
explicavam a todos os outros sábios a maneira pela qual haviam
anotado nessas obras o que queriam transmitir.
Propunham-se igualmente introduzir estas obras nos cos­
tumes das diversas comunidades, com a esperança de que as

471
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“melodias” de sua criação, passando de geração a geração, che­


gassem aos homens dos tempos futuros, que reencontrariam
nelas, tal qual ali havia sido depositado, o saber desde já al­
cançado na Terra e o utilizassem para o bem de sua existên­
cia ordinária.
Antes de lhe expor a maneira pela qual os sábios deste
grupo inseriam essas noções em sua obras “musicais” e “vo­
cais”, devo lhe explicar algumas das particularidades específi­
cas que comporta, na presença geral de todo ser, o órgão per­
ceptor do ouvido.
Entre essas particularidades específicas se encontra a pro­
priedade chamada “vibroeconitanko”.
Como você deve saber, as partes dos cérebros de todo ser
que a ciência objetiva chama “khlodistomatikuls” — c das quais
algumas são designadas pelos sábios médicos de seu planeta
com o nome de “gânglios nervosos cerebrais” — provêm da
cristalização das “vibrações niriunossianas”, que aparecem em
geral em todo ser, uma vez sua formação concluída, como re­
sultados do processo de suas diversas percepções auditivas;
depois, estes “khlodistomatikuls”, sob a ação de vibrações si­
milares ainda não cristalizadas, suscitam na região correspon­
dente de um ou outro destes cérebros esta particularidade “vi­
broeconitanko”, ou, como se diz ainda às vezes, “remorsos”.
Conforme a previdência da Grande Natureza, esses “khlo­
distomatikuls” servem efetivamente, na presença dos seres, de
fatores que favorecem o desencadeamento do processo de as­
sociações, nos momentos em que todo impulso interior lhes faz
falta e quando nenhuma excitação vinda de fora chega até seus
cérebros.
Quanto às “vibrações niriunossianas” ainda nao cristali­
zadas, que penetram em sua presença geral, elas são emitidas,
quer pelas “cordas vocais” das criaturas de toda espécie, quer
por meio de “instrumentos-produtores-de-sons” que eles in­
ventaram.

472
A ARTE

Ora, quando essas vibrações provenientes de uma dessas


fontes penetram na presença de um ser e entram em contato
com os “khlodistomatikuls” de um ou de outro de seus cére­
bros, elas suscitam ali então, em ligação com o funcionamento
geral do ser inteiro, o processo de “vibroeconitanko”.
A segunda particularidade do funcionamento desse ór­
gão perceptor é que as vibrações provenientes da sucessão dos
sons de uma melodia qualquer desencadeiam em geral associa­
ções naquele dos três cérebros no qual se prolonga com maior
intensidade, no momento dado, a “inércia do que acaba de ser
experimentado” e onde, por consequência, os impulsos sus­
citados pela experiência interior se sucedem numa ordem
automatizada.

Ora, esses sábios músicos e cantores de Babilônia combi­


navam suas melodias de tal modo que, em lugar de respeitar a
ordem habitual automatizada, a sequência das vibrações dos
sons desencadeasse nos seres uma sequência de associações —
e, por conseguinte, uma sucessão de impulsos para suas expe­
riências interiores — em uma ordem diferente, quer dizer, de
tal maneira que, ao penetrar na presença dos seres, as vibra­
ções provocassem o “vibroeconitanko” nos “khlodistomati­
kuls”, não só do único cérebro no qual predominavam, no
momento dado, as associações, como acontece habitualmente,
mas ora de um, ora de outro e às vezes do terceiro cérebro.
Além disso, determinavam a qualidade ou, como eles mesmos
teriam dito, o número de vibrações dos sons que deviam afetar
tal ou tal cérebro.
Sobre qual cérebro do ser deviam agir as vibrações desti­
nadas a constituir tais ou tais dados, e quais percepções novas
estes dados “determinantes de novos resultados” podiam pro­
duzir — nada de tudo isso lhes era desconhecido.
Graças às sequências de sons que eles combinavam,
surgiam simultaneamente, na presença dos seres, impulsos de

473
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

natureza diversa, que suscitavam diferentes sensações, total­


mente opostas, as quais provocavam, por sua vez, emoções
inabituais e movimentos reflexos que lhes eram estranhos.
E, de fato, meu filho, as sequências de sons assim combi­
nadas tinham sobre todos os seres na presença dos quais elas
penetravam uma ação totalmente estranha.
Mesmo em mim, um ser “feito de uma outra massa”, como
eles dizem, surgiam diferentes impulsos esserais, que se suce­
diam numa ordem não habitual.
E isto porque os sons de suas melodias, combinados em
uma sequência determinada, quando penetravam em minha pre­
sença geral, ali sofriam o “djartklom”, ou, como se diz ainda,
“triavam-se” e vinham afetar de maneira igual meus três “khlo-
distomatikuls” de origem diversa; como conseqüência, as asso­
ciações nascidas de séries de impressões semelhantes, mas de
natureza diversa, que se desenrolavam simultaneamente em meus
três cérebros independentes, com a mesma intensidade, susci­
tavam, não obstante, em minha presença, três impulsos de na­
tureza inteiramente diferente.
Por exemplo, se a localização de meu consciente, ou meu
“centro pensador” — para falar como seus favoritos —, susci­
tava em minha presença geral um impulso de alegria, a segun­
da localização, ou seja, meu “centro emotivo”, engendrava em
mim um impulso chamado “desgosto” e a terceira localização
de meu corpo, quer dizer, meu “centro motor”, um impulso de
religiosidade.
E era precisamente nesses impulsos inabituais, suscita­
dos nos seres por suas melodias instrumentais e vocais, que
eles inscreviam o que desejavam transmitir.

“Pois bem, meu filho, presumo que tudo o que lhe con­
tei sobre essa famosa “arte” terrestre atual bastará para lhe fa­
zer compreender por que e como me foi dado, durante o período
de minha quinta estada pessoal em seu planeta, de ser testemunha

474
A ARTE

dos acontecimentos que estiveram na origem da palavra


“arte”, acerca de que assunto ela foi pronunciada pela pri­
meira vez, durante o período que seus favoritos atuais de­
signam com o termo de “civilização babilónica”, e qual sen­
tido se lhe atribuiu.
Vou lhe falar agora de alguns fatos de lá, cujo conheci­
mento lhe permitirá representar claramente e compreender com
que rapidez o “pensar lógico” decaiu em todos os seres tri-
cerebrais que lhe agradam, de tal modo que, sem a menor re­
sistência de sua individualidade, eles se deixaram reduzir ao
estado de “escravos” por alguns deles, verdadeiras “nulidades”,
que, em conseqüência da perda definitiva do impulso divino
dc “consciência moral objetiva” c para seus exclusivos fins egoís­
tas, haviam feito desta va palavra “arte”, chegada por acaso até
eles, um “fator infalível” de atrofia definitiva para todos os
dados conservados intactos neles, com vistas á aquisição de
um ser consciente.
No curso de minha sexta e última estada pessoal lá, após
ter ouvido falar, quase por toda parte, de sua “arte” atual e ter
visto os seus efeitos, quando me informei a fundo de que se
tratava, me lembrei de meus amigos babilónicos de então, de
suas intenções cheias de bondade cm relação a seus descen­
dentes distantes e me interessei, depois, em elucidar em deta­
lhe, a cada vez que a ocasião se apresentava, quais haviam sido
exatamente os resultados de tudo aquilo de que tinha sido por
acaso testemunha, tal como acabo dc lhe contar.
Ao iniciá-lo, agora, nas impressões mantidas secretas diante
dos estranhos, que se fixaram cm minha presença geral quan­
do dc minha última estada pessoal na superfície de seu plane­
ta, como resultado de minhas percepções conscientes de sua
“arte” atual, meu “Eu”, no qual funciona com intensidade o
impulso esseral dc piedade, julga necessário insistir no fato dc
que, de todos os fragmentos de saber já adquiridos pelos seres
da civilização babilónica — fragmentos ricos dc um conteúdo

475
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

positivo para o bem da existência esseral ordinaria —, nada


chegou aos seres da civilização contemporânea, a não ser algu­
mas “palavras vãs”, desprovidas de todo significado.
E não somente não lhes chegou absolutamente nada dos
diversos fragmentos de saber que os sábios Adeptos do Lega­
monismo haviam anotado em “infrações legais” à lei sagrada
do Heptaparaparshinokh, ou Lei de Sete, mas além disso, du­
rante o tempo que transcorreu entre essas duas civilizações, a
engenhosidade esseral decaiu neles a tal ponto que em nossos
dias eles não conhecem mais e nem sequer suspeitam da exis­
tência, em seu planeta como em todos os demais lugares, desta
lei universal.

“No que concerne à palavra “arte”, em torno da qual sua


estranha razão os fizera “embrulhar”, como eles mesmos o di­
zem, “o diabo sabe o quê”, eis o que me mostraram minhas
pesquisas: entre outras expressões empregadas pelos seres sá­
bios da época da grandeza de Babilônia, que se transmitiram
automaticamente de geração a geração, a palavra “arte” veio
por acaso a fazer parte do vocabulário de certos seres tri-cere­
brais de lá, na presença dos quais, em razão de diversas cir­
cunstancias circundantes, as consequências das propriedades
do órgão kundabuffer se efetuavam em uma ordem tal que elas
os predispunham, por sua “ação recíproca”, ao aparecimento,
neles, de dados propícios à aquisição do ser dos “Individuuns
Hassnamuss”.
Ora, os seres tri-cerebrais desta espécie, aos quais essa
palavra, por uma razão ou outra, havia agradado, fizeram dela,
pouco a pouco, esta “coisa” que, sem cessar de ser, como se
diz, de uma “futilidade absoluta”, se revestiu, com o tempo, de
um exterior feérico, que torna definitivamente “cegos” todos
aqueles de seus favoritos que lhe prestam um pouco mais de
atenção que de costume.
Além da palavra “arte”, foi também automaticamente

476
A ARTE

transmitido de geração a geração grande número de outras pa­


lavras empregadas em Babilônia, em suas discussões, pelos
membros sábios do clube dos Adeptos do Legamonismo, e
mesmo certas "representações nebulosas” de varias concepções
bem determinadas de então.
Entre estas últimas tem lugar, tanto por seu nome como
por suas imitações caricaturais, o “teatro”, tal como ele existe
lá em nossos dias.
Você se lembra? Já lhe disse que em Babilônia os sábios
do grupo dos misteristas designavam seu local, assim como suas
demonstrações, com o nome de “teatro”.
Se eu lhe der agora alguns detalhes complementares so­
bre o teatro contemporâneo deles, você poderá compreender
como, apesar de todas as boas intenções e de todos os esforços
dos seres sábios do período babilónico, quase nada do verda­
deiro saber, adquirido no tempo da “cultura babilónica”, che­
gou aos seres dessa “cultura européia” atual, à qual essa “arte”
deve, em sua maior parte, o “exterior feérico” de que acabo de
falar. Além disso, você poderá perceber alguns aspectos da ma-
lignidade de sua famosa arte contemporânea.
Pois bem, os seres da época atual, tendo por sua vez re­
colhido certas informações sobre a atividade daqueles mem­
bros sábios do clube dos Adeptos do Legamonismo que per­
tenciam ao grupo dos misteristas, puseram em suas cabeças a
idéia de imitá-los e construíram para este fim edifícios especiais
que chamaram, eles também, de “teatros”.
E esses seres tri-cerebrais da civilização contemporânea
se reúnem muito frequentemente em seus “teatros”, em gru­
pos bastante importantes, a fim de observar — e supostamente
estudar — as diversas manifestações premeditadas daqueles que
chamam, há pouco tempo, de “artistas” — da mesma maneira
que em Babilônia, onde os outros membros sábios do clube
dos Adeptos do Legamonismo estudavam as representações dos
sábios do grupo dos misteristas.

477
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Esses “teatros” ocupam hoje, no processo ordinario de


existencia de seus favoritos, um lugar considerável; por isso,
eles constroem, com essa intenção, edifícios particularmente
imponentes, que são tidos, na maioria das cidades contempo­
râneas, como os monumentos mais dignos de atenção.

Não seria mal, penso, lhe dar a este respeito algumas ex­
plicações sobre o mal-entendido que se estabeleceu em relação
à palavra “artista”.
Esta palavra, que seus favoritos atuais receberam da épo­
ca babilónica, não lhes chegou, contudo, como as demais, quer
dizer, como uma palavra oca, desprovida de qualquer signifi­
cado, mas como o resíduo sonoro de uma palavra que então
estava em uso lá.
Naquele tempo, com efeito, os membros do clube dos
Adeptos do Legamonismo haviam recebido dos outros sábios
da época, que estavam bem dispostos em relação a eles, um
nome que tinham adotado para si mesmos e que seus favoritos
atuais teriam escrito “orpheísta”.
Este vocábulo era formado de duas raízes distintas, que
expressavam então duas noções que se traduziríam em nossos
dias pelas palavras “justo” e “essencial”; quando se chamava
alguém assim, isso significava que ele “experimentava a essên­
cia com justeza”.
Após o período babilónico, esta expressão passou auto­
maticamente, ela também, de geração a geração, conservando
quase o mesmo sentido; mas, há uns dois séculos, alguns seres
da época, afligidos por elementos hassnamussianos, tendo se
posto a “procurar meio-dia às duas da tarde” a respeito dessa
palavra oca “arte”, fundaram então diversas “escolas de arte” e
cada um se considerava como pertencente a uma ou outra des­
sas escolas. Ora, como eles não compreendiam mais o verda­
deiro sentido da palavra “arte” e como, entre estas escolas, havia
uma que havia tomado o nome de “Orpheu” — personalidade

478
A ARTE

imaginada pelos antigos gregos —, eles resolveram inventar uma


nova palavra que delinisse mais exatamente sua “vocação”.
E foi então que eles criaram, para substituir a expressão
“orpheísta”, a palavra “artista”, que devia significar “aquele
que se ocupa de arte”.
Para você melhor se representar todos os fatores que iriam
engendrar lã esse mal-entendido, primeiro você precisa saber
que antes da segunda catástrofe transapalniana, no tempo em
que seus favoritos se preparavam ainda de maneira normal, as­
sim como todos os seres tri-cerebrais de Nosso Grande Uni­
verso, para se tornarem seres responsáveis, eles tinham, como
aqueles, à sua disposição para sua linguagem — quer dizer, em
vista das relações recíprocas estabelecidas por meio de conso­
nancias apropriadas e intencionalmente emitidas — e podiam
pronunciar até trezentas e quarenta e uma consonâncias ou “le­
tras” distintas.
Porem mais tarde, quando todas as propriedades ineren­
tes â presença dos seres tri-cerebrais começaram — sempre por
culpa das condições anormais de existência esseral ordinaria
que eles mesmos haviam estabelecido — a decair cada vez mais,
essa “faculdade esseral” se pós, por sua vez, a degenerar neles
numa tal velocidade que os seres da época babilónica já não
dispunham mais, para suas relações verbais, do que setenta e
sete consonâncias distintas. Depois, a decadência foi tão rápi­
da que, ao cabo de cinco séculos, mal podiam ainda pronunciar
trinta e seis “letras” distintas; e os seres de certas comunidades
nem chegavam mesmo, de modo algum, a reproduzir esse
pequeno número de sons articulados.
No entanto, meu filho, as informações relativas â época
babilónica foram transmitidas de uma geração a outra, não so­
mente pela “tradição oral”, mas também por sinais traçados
sobre materiais de longa duração — ou, como lá se diria, por
“inscrições”, compostas de sinais convencionais ou “letras” que
expressavam os “sons esserais articulados” daquele tempo. Ora,

479
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

certos seres de lá tendo se posto, no início da civilização atual,


a decifrar essas inscrições “de qualquer jeito” deram-se conta
de que entre essas “letras” distintas havia um bom número de­
las que eles já nào podiam mais pronunciar e imaginaram en­
tão o que se chama uma “convenção-escrita”.
Em lugar de um sinal ou letra qualquer que não conse
guiam soletrar, sempre conservando o sabor de sua pronúncia,
eles resolveram escrever uma “letra” um pouco semelhante,
escolhida entre as que continha, naquela época, seu alfabeto;
c, para que cada um compreendesse que não se tratava desta
letra, mas de uma outra, acompanhavam-na de uma letra do
alfabeto dos antigos romanos, que já não significava mais nada,
porém existia ainda sob o nome de “h” c que os franceses
atuais pronunciam “ache”.
Desde então, todos os seus favoritos fizeram o mesmo,
quer dizer, a cada uma dessas letras suspeitas eles acrescenta­
ram esta “herança” romana.
No tempo em que essa “convenção-escrita” foi inventa­
da, essas letras suspeitas se elevavam ao número de vinte e cin­
co, mas, com o tempo, paralelamente ao enfraquecimento do
poder de pronunciação e à progressão de seus “rebuscamen-
tos”, o número de letras fictícias, inventadas por eles para o
exercício dessa “faculdade esseral”, se pôs a diminuir; no tem­
po em que foi criada a palavra “artista”, eles já não tinham
mais do que oito dessas letras e faziam preceder seu famoso
“h” de letras antigas, tanto latinas como gregas, o que dava a
seguinte notação: “th” — “ph” — “gh” — “ch” — “sch” —
“kh” — “dh” e “oh”.
A razão do mal-entendido de que falávamos está no si-
nal-convencional “ph”.
E isso porque este sinal se encontrava tanto na palavra
que servia para designar os sábios misteristas como no nome
de certa personalidade inventada pelos antigos gregos. Ora, a
esse nome se ligava, já disse, uma “escola de arte” daquele tempo

480
A ARTE

e os representantes da arte terrestre pensaram então, com sua


tacanha razão, que a primeira palavra não podia ter outro sen­
tido senão o de adeptos dessa “personalidade histórica”, Or-
pheu, e como um certo número deles não se classificava, de
modo algum, entre os adeptos em questão, eles inventaram,
em lugar desta palavra, a de “artista”.
Como você vê, as heranças dos antigos romanos não fo­
ram, de modo algum, todas funestas a seus distantes sucesso­
res; no presente caso, essa pequena letra “h” tornou-se mesmo
um fator animador, capaz de suscitar na presença de certos se­
res das gerações posteriores, embora já desprovidos de toda
iniciativa e de todo poder autônomos, suficiente “poder esse­
ral” para substituir a muito antiga e muito precisa expressão
“orpheísta” pela nova palavra “artista”.
Devo lhe falar aqui desta grande estranheza que é a atro­
fia progressiva, na presença de todos os seres tri-cerebrais de
lá, dessa “capacidade esseral” de reproduzir todas as conso­
nâncias necessárias ás relações mútuas.
O fato é que a deterioração desta capacidade, na presen­
ça geral dos seres, não se efetua com a mesma velocidade em
cada geração nem para cada um deles, e ela não afeta sempre
de maneira igual seus funcionamentos psíquico e orgânico; a
velocidade dessa deterioração varia segundo as épocas e os lu­
gares, atacando ora o aspecto psíquico, ora o aspecto físico do
funcionamento de seu corpo planetário.

Para ilustrar o que acabo de lhe dizer, podemos muito


bem tomar como exemplo a possibilidade de saborear e pro­
nunciar duas letras de consonâncias determinadas, emprega­
das lá pela maioria dos seres atuais de toda a superfície de seu
planeta, letras que vieram dos tempos mais remotos e que lhes
foram transmitidas pelos antigos gregos.
Estas duas letras se chamavam, entre os antigos gregos,
“theta” e “delta”.

481
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

É interessante notar aquí que, entre seus favoritos dos


tempos antigos, essas duas letras estavam especialmente desti­
nadas a participar da formação de dois tipos de nomes bem
distintos e de significado completamente oposto.
O uso da letra “theta” estava reservado às palavras que
expressavam uma idéia relacionada à noção de “bem”; e o da
letra “delta”, às palavras que evocavam a noção de “mal”; por
exemplo, “Theos” que quer dizer “Deus” e “Da’ímon” que quer
dizer “Demonio”.
O significado destas duas letras, assim como o “sabor”
de sua consonância, foram transmitidos a todos os seres da ci­
vilização atual, que anotaram, no entanto, não se sabe por quê,
essas duas letras diferentes e de essência absolutamente oposta
por meio de um único e mesmo sinal, o “th”.
Por exemplo, os seres de uma grande comunidade atual
de lá, que tem o nome de “Rússia”, não podem, de maneira
alguma, com a melhor vontade e por mais esforço que façam,
chegar a pronunciar essas duas letras; mas eles sentem muito
bem a diferença entre elas e cada vez que precisam empregar
estas letras em palavras que expressam um conceito determi­
nado, ainda que os sons que pronunciam não correspondam a
elas de modo algum, sabem, no entanto, como jamais empre­
gar uma pela outra.
Quanto aos seres da comunidade atual da Inglaterra, eles
pronunciam, ao contrario, essas letras quase da mesma manei­
ra que os antigos gregos, mas não fazem nenhuma diferença
entre elas e aplicam sem se importar, a palavras de significado
diametralmente oposto, um único e mesmo sinal convencio­
nal: seu famoso “th”.
Entre outras coisas, quando os seres desta Inglaterra atual
pronunciam sua expressão favorita, que sempre têm sobre os
labios, o “thank you”, eles fazem ouvir nitidamente a antiga
letra “theta”; e quando eles pronunciam sua não menos ex­
pressão corrente, o “there”, nela encontramos novamente, clara e

482
A ARTE

distinta, a antiga letra “delta”. No entanto, eles se servem para


essas duas letras, sem o menor “remorso de consciência”, de
seu “paradoxo universal”, o “th”.

“Mas já basta desta questão filológica de lá!


Continuemos de preferência a examinar as razoes pelas
quais seus favoritos atuais adquiriram o hábito de edificar tea­
tros, quase por toda parte; vejamos o que fazem lá exatamente
seus artistas contemporâneos e como ali se manifestam.
A meu ver, seu costume de se reunir no teatro — em gru­
pos por vezes bastante consideráveis — se explica pelo fato de
que estes teatros contemporâneos, com tudo que ali ocorre,
correspondem, por acaso, o melhor possível à presença geral
anormalmente constituída da maioria dos seres tri-cerebrais
atuais, que perderam completamente a necessidade — própria
aos seres tri-cerebrais — de manifestar em tudo sua própria
iniciativa, e cuja existência só se mantém graças a impulsos aci­
dentais, vindos de fora, ou por injunção das consequências,
cristalizadas neles, de uma ou de outra das propriedades do
órgão kundabuffer.
Desde o princípio da voga de seus teatros, eles lá se reu­
niam, como o fazem ainda hoje, não para olhar e estudar as
interpretações de seus “artistas contemporâneos”, porém uni­
camente para satisfazer uma das consequências das proprieda­
des do órgão kundabuffer — muito rapidamente cristalizada
na presença geral da maioria deles — que tinha o nome de
“urnel” e que seus favoritos atuais chamam “pavonear-se”.
E esta conseqüência do órgão kundabuffer inspira â pre­
sença da maior parte dos seres atuais a estranha necessidade de
provocar nos demais a expressão do impulso esseral chamado
‘‘surpresa”, ou mesmo de espreitar seu reflexo nos rostos da­
queles que os rodeiam.
Devido a esta estranha necessidade, eles não experimen­
tam satisfação senão unicamente à vista da surpresa provocada

483
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

nos outros por seu aspecto exterior, arrumado exatamente se­


gundo as exigencias do que chamam lá a “moda”, funesto eos-
turne, estabelecido desde o tempo da civilização tikliamuishia-
na e que se tornou, em nossos dias, um dos fatores esserais cujo
automatismo não lhes deixa mais nem o tempo, nem a possibi­
lidade de ver e de sentir a realidade.
Este costume, que lhes é tào funesto, consiste em modifi­
car periodicamente a forma exterior do que se chama “o véu
de sua nulidade”.
E interessante observar aqui que, no processo geral de
existência ordinaria dos seres tri-cerebrais que lhe agradam, as
modificações aplicadas a esse “véu” se tornaram o privilégio
daqueles seres dos dois sexos que já tinham se tornado “dig­
nos” de ser candidatos ao título de “Individuum Hassnamuss”.
Sob esse aspecto, os teatros atuais convêm perfeitamente
a seus favoritos, visto que lhes é muito cômodo e fácil mostrar
ali aos demais — como gostam de dizer — seus “penteados
extravagantes”, ou o “nó á última moda” de sua gravata, ou
ainda o “decote ousado” das partes ditas kupaïtarnianas de seu
corpo etc.; ao mesmo tempo, ali eles podem admirar as novas
“criações da moda”, lançadas segundo as mais recentes indica­
ções desses famosos candidatos ao título de “Individuum
Hassnamuss”.

Quanto á maneira como se comportam nesses teatros seus


“artistas” contemporâneos enquanto os outros ali “se pa-
voneiam”, para você ter uma idéia clara, deve antes de tudo
conhecer uma “doença”, estranha no mais alto grau, que exis­
te lá com o nome de “dramaturgite”, e â qual a presença de
alguns deles se encontra especialmente predisposta, devido à
exclusiva imprudência do que chamam suas “parteiras”.
Esta criminosa imprudência de suas “parteiras” vem de
que na maioria dos casos, antes de cumprir sua obrigação, elas
entram, de passagem, na casa de um de seus clientes, onde

484
A ARTE

bebem, um pouco além da conta, do “vinho” que lhes é ofere­


cido. Por isso a parteira profere, ao mesmo tempo que exerce
suas funções, certas palavras já fixadas no processo de existên­
cia ordinária de seus favoritos como uma “encantaçáo” de seus
“feiticeiros”, e o coitado do novo ser percebe, antes de qual­
quer coisa, desde o primeiro momento de seu aparecimento “à
luz do dia”, as palavras desta “maléfica encantaçáo”.
E esta encantaçáo se formula assim: “Quem me empur­
rou semelhante idiota?”
Ora, meu filho, por causa desta criminosa imprudência
da “parteira”, se implanta na presença do coitado do novo ser
a predisposição á estranha doença de que falo.
E quando um desses seres tri-cerebrais de lá, tendo ad­
quirido, desde sua vinda ao mundo, essa predisposição à “dra-
maturgite”, chega à idade de um ser responsável, por pouco
que seja então capaz de escrever e que tenha desejo de fazê-lo,
ele é ¡mediatamente tocado por essa estranha doença e se põe a
“procurar meio-dia ás duas da tarde” no papel ou, como se diz
por lá, a “compor” diversas “obras teatrais”.
Como tema de suas obras, ele escolhe geralmente diver­
sos acontecimentos supostamente ocorridos no passado, ou que
poderíam talvez se produzir no futuro, a menos que pertençam
pura e simplesmente à “irrealidade contemporânea”.
Entre outros sintomas dessa singular doença, a presença
geral do ser que é afligido por ela comporta ainda sete particu­
laridades verdadeiramente específicas:
A primeira consiste em que, desde o aparecimento des­
sa estranha doença na presença do dito ser, se propagam
sem cessar ao redor dele vibrações particulares que têm,
sobre os que os rodeiam, exatamente o efeito de um “cheiro
de bode velho”.
A segunda faz com que, como conseqüência da modifi­
cação de seu funcionamento interior, a forma exterior do corpo
planetário desse ser sofra, por sua vez, as seguintes modificações:

485
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

o nariz se empina e as mãos se postam, como se diz, em leque;


a palavra se acompanha de urna tossezinha particular etc.
De acordo com a terceira, este ser se sente sempre peno­
samente impressionado diante de certas formações naturais c
artificiais, completamente inofensivas, tais como um “ cam un-
dongo”, um “braço mostrando o punho”, a “mulher do diretor
de cena do teatro”, uma “espinha em seu nariz”, o “chínelo
esquerdo de sua própria mulher” e muitas outras coisas.
A quarta particularidade o leva a perder definitivamente
toda faculdade de compreender o psiquismo de seus semelhan­
tes ou de decifrá-lo.
A quinta o leva a criticar, tanto interior como ostensiva­
mente, todo o mundo e toda coisa, salvo o que provém dele.
A sexta atrofia nele, mais do que em todos os demais se­
res tri-cerebrais terrestres, os dados necessários à percepção
do que quer que seja de objetivo.
E, por fim, a sétima consiste em que surgem, em sua pre­
sença, “hemorroidas”, que são, diga-se de passagem, a única
coisa que ele traz cm si com modéstia.
Desde então, se o ser atacado por essa doença tem como
tio um membro de algum parlamento, ou se conheceu a viúva
de um antigo “homem de negocios”, ou ainda se, por uma ra­
zão ou outra, ele passou o tempo de sua preparação para a
idade responsável em um ambiente e em condições tais que ali
tenha adquirido automaticamente a propriedade chamada “in­
sinuarse sem sabão”, ocorre que os “diretores” ou, como os
chamam ainda, os “donos de ovelhas” fiquem com a sua “peça”
e ordenem a seus “artistas” que a representem exatamente tal
como a refinou este ser atacado pela estranha doença da “dra-
maturgite”.
Estes artistas atuais começam, antes de tudo, por inter­
pretar esta obra entre si, sem testemunhas. E isso até que sua
“interpretação” corresponda exatamente às indicações dadas
pelo doente, assim como às ordens do “diretor”; quando por

486
A ARTE

fim chegaram, sem nenhuma participação de seu próprio cons­


ciente nem de seu sentimento, a se converter no que se chama
“manequins vivos”, fazem-se entào ajudar por aqueles dentre
eles que nao se tornaram ainda tais “manequins” — o que lhes
vale o título de “diretor de cena” — e eles recomeçam, sob sua
direção, os mesmos exercícios, mas desta vez em presença de
outros seres ordinários, reunidos nesses famosos teatros con­
temporâneos.

E agora, meu filho, você concluirá sem dificuldade, se­


gundo tudo que acabo de lhe contar, que esses teatros, além
das numerosas conseqüências lastimáveis que eles ocasionam e
que irei lhe expor depois em detalhe, nao podem dar mais nada
que corresponda à meta elevada a que aspiravam os sábios ba­
bilónicos, quando eles criaram pela primeira vez esta forma de
representação consciente de percepções, prevendo as reações
associativas que elas provocariam nos demais seres seus se­
melhantes.
E preciso reconhecer, aliás, que seus teatros e artistas
atuais proporcionaram, por acaso, é claro, no processo de
sua existência esseral ordinária, um pequeno resultado “não
tao ruim”.
A fim de que você compreenda em que consiste este pe­
queno resultado “não tão ruim”, devo ainda lhe explicar uma
particularidade que se tornou inerente à presença geral dos
seres surgidos segundo o princípio Itoklanotz.
Segundo este princípio, a elaboração, na presença dos
seres, da energia indispensável a seu “estado de vigília” depen­
de da qualidade das associações que se efetuam em sua presen­
ça geral durante sua completa passividade ou, como dizem seus
favoritos, “durante o sono”; e, vice-versa, a energia indispen­
sável à “produtividade” do sono se elabora, por sua vez, no
curso do processo associativo que se efetua neles durante o

487
RELATOS DE’BELZEBU A SEU NETO

“estado de vigilia”, e ela depende, desta vez, da qualidade ou


da intensidade da atividade deles.
E é assim para esses seres terrestres tri-cerebrais, desde
que a Grande Natureza se viu obrigada, como já lhe disse, a
converter o principio “fulasnitamniano”, inerente até então à
sua presença, cm princípio Itoklanotz. No processo de sua exis­
tência estabeleceu-se então uma particularidade que continua
a agir em nossos dias: se, como dizem, eles “dormem bem”,
então estarão igualmente “bem acordados”; se, ao contrario,
estiverem “mal acordados”, nao deixarão de dormir mal.
Ora, meu filho, como eles se puseram nos últimos tem­
pos a existir de maneira demasiado anormal, o ritmo automáti­
co outrora estabelecido, que favorecia mais ou menos neles a
produção das associações requeridas, se viu ele também modi­
ficado, de modo que agora eles dormem mal e seu estado de
vigília é até pior do que antes.
E se estes “teatros” de hoje, com seus “artistas”, por aca­
so vieram a servir para a melhoria da qualidade de seu sono,
isto se deve às circunstâncias seguintes:
Quando a necessidade de realizar em si os “partkdolgde-
veres esserais” desapareceu completamente da presença da maio­
ria deles e, no processo de seu estado de vigília, as associações,
que provêm todas inevitavelmente de um choque, não se fixa­
ram mais a não ser com base em diversas “séries já automatiza­
das de marcas anteriores”, que consistem em “impressões ex­
perimentadas há muito tempo” e repetidas um número incal­
culável de vezes, então desapareceu, por sua vez, a necessidade
instintiva, inerente aos seres tri-cerebrais, de receber novos im­
pulsos, quer de suas partes esserais interiores isoladamente es­
piritualizadas, quer de percepções de origem exterior, apropria­
das para formar as associações esserais conscientes de que de­
pende precisamente a intensidade de transformação, na pre­
sença dos seres, de toda espécie de “energia esseral”.
Durante os três últimos séculos, o processo mesmo de

488
A ARTE

sua existencia se tornou tal que, na presença da maioria deles,


durante sua existencia diaria quase não surgem mais dessas “as­
sociações esserais conlrontativas”, que aparecem em geral nos
seres tri-cerebrais depois de toda espécie de percepções novas,
e que sao as únicas que permitem a cristalização neles de dados
para sua própria individualidade.
Ora, desde que eles levam assim sua existência cotidia­
na, seus favoritos, ao frequentar esses teatros atuais, para ali
seguir as absurdas manipulações de seus artistas contemporâ­
neos, recebem lá todo tipo de choques sucessivos, que desper­
tam reminiscências de imagens não menos absurdas e não me­
nos insensatas, já percebidas antes, e que desencadeiam neles,
de bom ou de mau grado, durante seu estado de vigília, associa­
ções esserais mais ou menos suportáveis; e, de volta à casa, quan­
do vao se deitar, dormem muito melhor do que de costume.
Porém, embora esses teatros atuais, com tudo que ali se
passa, tenham se revelado um excelente meio para melhorar o
sono de seus favoritos — por hoje somente, é claro! —, as conse­
quências objetivamente funestas que eles causam para os seres
— e sobretudo para os adolescentes — nem por isso são menos
numerosas.
O maior dano que esses teatros lhes causam é o de cons­
tituir neles um fator suplementar para a destruição definitiva
de toda possibilidade de experimentar esta necessidade pró­
pria aos seres tri-cerebrais, que se chama “necessidade de
percepções reais”.
E isto, antes de tudo, devido as circunstâncias seguintes:
Quando, tranquilamente sentados em seus teatros, eles
consideram todas as “manipulações” e manifestações, absur­
das mas variadas, de seus artistas contemporâneos — embora
eles se encontrem em seu estado de vigília habitual, toda asso­
ciação, tanto “especulativa” como “emotiva”, continua a se efe­
tuar, em sua presença, exatamente como ela o faria durante seu
período de completa passividade, ou sono.

489
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Quer dizer que, tendo assim recebido numerosos cho­


ques fortuitos, de natureza a despertar neles outros choques,
provenientes de percepções anteriormente fixadas e automati­
zadas cm séries de impressões, quando se projeta em cima dis
so o funcionamento de seus õrgaos “digestivos e sexuais”, ele
entrava o desenrolar destas associações esserais conscientes que,
por mais lamentáveis que sejam, já haviam bem ou mal se auto­
matizado, estabelecendo neles um ritmo mais ou menos regu­
lar para a transformação das substâncias necessárias a sua exis­
tência passiva, durante a qual devem, por sua vez, se transfor­
mar as substâncias necessárias para sua existência ativa.
Em outros termos, durante o tempo que eles passam nos
seus teatros, eles nao estão completamente no estado passivo
no qual se efetua o processo, bem ou mal automatizado neles,
de transformação das substâncias necessárias a seu estado de
vigília habitual; por isso, esses teatros atuais tornaram-se para
eles um novo fator funesto de destruição dessa “necessidade
de percepções reais” de que falei.
Entre outros aspectos da maleficencia de sua arte con­
temporânea, um dos mais evidentemente ignorados, porem dos
mais nocivos a todos os seres tri-cerebrais de lá, no que diz
respeito à possibilidade de adquirir o que se chama um “ser
individual” consciente, é a irradiação dos atuais “representan­
tes da arte”, eles mesmos.
Esta irradiação maléfica torna-se pouco a pouco lá o apa­
nágio ou o atributo específico dos representantes de todos os
ramos de sua arte; mas as “investigações químico-físicas” deta­
lhadas a que me dediquei, no entanto me mostraram de manei­
ra positiva, que ela resulta ser particularmente perniciosa nes­
ses “artistas” atuais ou “atores”, que operam em seus teatros
contemporâneos.
A ação nociva que exerce sobre todo o resto de seus fa­
voritos o conjunto das radiações emitidas por esses “artistas”

490
A ARTE

tornou-se das mais manifestas no curso de sua civilização atual,


nestes últimos tempos sobretudo.
Provavelmente, em outras épocas, alguns dentre os seres
ordinarios se devotavam a essa profissão, mas, naquele tempo,
os dados propícios à aquisição de “propriedades hassnamus­
sianas” não se cristalizavam sempre completamente na pre­
sença de cada um deles e, por outro lado, os demais favoritos
seus sentiam por instinto a influência perniciosa que emanava
deles e se preservavam dela, comportándo se em relação a eles
de maneira apropriada e com uma grande prudência.
Por isso, nos séculos passados, os demais seres encara­
vam esses artistas ou atores como sendo da mais baixa casta e
os consideravam com repugnância. Mesmo hoje em dia, lá, em
numerosas comunidades, principalmente no continente da Ásia,
não é admitido apertar-lhes a mão, como é, no entanto, quase
sempre de uso fazê-lo, quando uma pessoa se encontra com
outros seres, seus semelhantes.
Nessas comunidades, é ainda considerado como uma
mácula estar sentado ã mesa ao lado desses atores e comer
com eles.
Ao contrário, no continente que é atualmente o lugar prin­
cipal de sua “existência cultivada”, não somente os seres colo­
cam interiormente esses artistas contemporâneos no mesmo ní­
vel que eles, mas chegaram a tomá-los como modelos no que se
refere a seu exterior e hoje eles os imitam em tudo.

Um excelente exemplo confirmará o que acabo de dizer:


é o costume, universalmente observado hoje em dia por seus
favoritos, de raspar a barba e os bigodes.
Com efeito, cm épocas passadas, esses artistas profissio
nais terrestres deviam sempre ter, no processo de sua existên­
cia ordinária, a barba e os bigodes raspados.
E, se assim deviam raspar esses “testemunhos” de sua virili­
dade e de sua atividade, era antes de tudo porque, representando

491
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

sempre o papel de outros seres, precisavam frequentemente


mudar de aspecto, não somente dando ao seu rosto o trejeito
adequado, mas ainda colocando perucas, bem como barbas e
bigodes postiços, o que é impossível fazer enquanto se conser­
va os próprios; e, por outro lado, porque os seres ordinarios de
todas as antigas comunidades de lá consideravam esses artistas
como sujos e maléficos e, temendo não poder, em certas ocasioes,
reconhecê-los nas condições habituais de existência, e tocã-los
por descuido, tinham feito promulgar por toda parte um de­
creto que ordenava aos seres que exerciam a profissão de artis­
ta ou de ator de ter sempre raspados a barba e os bigodes.
A respeito deste costume imposto aos artistas, acabo de
me lembrar neste instante, enquanto lhe explicava essas razões,
certa “medida de justiça”, muito sensata e muito econômica,
tomada por seres tri-cerebrais da época da “civilização tiklia-
muishiana” e que se referia também à tonsura dos pêlos, mas,
desta vez, dos que crescem na cabeça.
Havia sido estabelecida, naquele período, uma lei cuja
aplicação era das mais estritas, decretando que os criminosos
de pouca importância, culpados, após exame e sentença de sete
seres idosos de seu distrito, de qualquer “imoralidade” ou “per­
versidade” que se relacionasse com uma das quatro categorias
previstas — criminosos dos que abarrotam hoje quase todas
suas “prisões” —, seriam condenados a se apresentar em toda
parte, por um tempo determinado, com um dos quatro lados
da cabeça raspado; além disso, cada um deles era obrigado,
durante um encontro ou uma conversa com outras pessoas, a
ter sempre a cabeça descoberta.
E interessante observar que existia igualmente uma lei
análoga â da tonsura, e que se aplicava às ações imorais das
mulheres.
Existia, com efeito, para as mulheres, um decreto es­
tritamente aplicado, ele também, e submetido dessa vez ao
julgamento de sete mulheres idosas do distrito, que tinham

492
A ARTE

merecido o respeito por suas ações passadas. As penas em que


as mulheres incorriam visavam quatro manifestações licencio­
sas, então consideradas lá como da maior imoralidade.
Se as pessoas que a cercavam reparassem que uma mu­
lher dava prova de negligência em relação a seus deveres de
família, não lhes prestando a atenção requerida — o que
deviam confirmar as sete respeitáveis mulheres idosas —, ela
era entào obrigada, nos termos dessa lei, a se mostrar em todos
os lugares, durante um dado tempo, com os lábios pintados.
Se se observava que uma mulher manifestava em relação
a seus filhos um enfraquecimento de seus impulsos maternos,
ela era condenada, nas mesmas condições, a se mostrar por
toda parte, durante um certo tempo, com o rosto maquiado e
pintado de branco e de vermelho, do lado esquerdo somente.
Se ficasse estabelecido que uma mulher manifestava ten­
dência a afastar as possibilidades de conceber um novo ser com
vistas à continuação de sua espécie, condenavam-na a mostrar-
se aos demais com o rosto maquiado e pintado de branco e de
vermelho, mas, desta vez, do lado direito somente.
Quanto às mulheres que tinham atentado contra seu prin­
cipal “dever de esposa”, quer dizer, que enganaram, ou mesmo
tiveram somente a intenção de enganar seu marido legítimo,
ou ainda tinham tentado destruir o novo ser que haviam con­
cebido, elas eram obrigadas, segundo o mesmo procedimento,
a mostrar-se em todos os lugares, durante um tempo determi­
nado, com o rosto inteiramente maquiado e pintado de verme­
lho e de branco.”

Nesse momento, Ahun interrompeu o relato de Belzebu


com as seguintes palavras:
“Alta Reverência, todas as vossas explicações sobre a arte
terrestre, assim como sobre os seres tri-cerebrais de lá que são,
por assim dizer, os representantes dela —e, sobretudo, sobre os
“comediantes” ou “artistas” contemporâneos —, me sugerem a

493
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

idéia de utilizar as impressões percebidas e fixadas em minha


presença geral durante minha última estada na superfície do pla­
neta Terra, para dar a nosso Hassin um bom e prático conselho.”

Dito isto, Ahun se preparava para fixar sobre o rosto de


Belzebu seu olhar interrogativo habitual, quando cie percebeu
nos lábios deste seu sorriso familiar, sempre marcado de triste­
za, mas bom e indulgente; então, sem esperar a permissão pe­
dida, dirigiu-se desta vez a Hassin e, não sem alguma confusão,
retomou seu discurso nestes termos:
“Quem sabe, nosso querido Hassin, talvez lhe aconteça
também, algum dia, ir a esse planeta Terra e existir entre esses
estranhos seres tri-cerebrais que lhe agradam...”

Depois, atendo-se sempre ao estilo e à entonação de Bel-


zebu, acrescentou:
“E por isso que quero iniciá-lo nos resultados das diver­
sas impressões que involuntariamente percebi e que concer­
nem aos diferentes tipos, atualmente estabelecidos, desses re­
presentantes da arte, assim como às particularidades de suas
manifestações.
Você deve saber que, não contentes de cercar esta arte
atual com uma falsa auréola, os seres tri-cerebrais da civiliza­
ção contemporânea tratam de igual para igual seus pretensos
adeptos, sobretudo há algumas décadas, imitando-os em todas
suas manifestações exteriores, chegando a ponto de encorája­
los e louvá-los em toda ocasião, de maneira imerecida.
E nestes representantes atuais da arte, que são, de fato,
em sua essência verdadeira, quase nulidades, se forma por si
mesma, sem consciência esseral alguma, a convicção errônea
de que eles são, não por certo como todos aqueles que os ro­
deiam, porém efetivamente “seres de ordem superior” — como
se intitulam eles mesmos —, o que permite à cristalização das
consequências das propriedades do órgão kundabuffer se

494
A ARTE

efetuar em sua presença mais intensamente do que na de todos


os demais seres tri-cerebrais de lá.
E as anormais condições circundantes da existência esse­
ral ordinária desses infelizes se estabeleceram tào bem que, em
sua presença geral, se cristalizam necessariamente, para se tor­
nar parte inalienável de seu psiquismo, aquelas consequências
das propriedades do órgão kundabuffer, que eles mesmos cha­
mam hoje “fanfarronice”, “orgulho”, “amor-próprio”, “vaida­
de”, “presunção”, “arrebatamento por si mesmo”, “inveja”,
“odio”, “suscetibilidade” etc.
Estas conseqiiências se cristalizaram com uma força e uma
intensidade particular nesses “representantes da arte” que são
os “manipuladores” dos teatros contemporâneos. E isto por­
que estes “manipuladores” têm sempre de interpretar o papel
de alguns de seus semelhantes, cujo ser é em muito superior ao
seu e, mesmo sendo, como já disse, verdadeiras nulidades, eles
fazem pouco a pouco de si mesmos, com sua razao já automa­
tizada, uma imagem completamente falsa.
Assim, pois, com seu “consciente” totalmente mecaniza­
do e seu sentimento para sempre “galimatizado”, eles se sen­
tem infinitamente superiores ao que são em realidade.
Devo lhe confessar a este respeito, meu querido Hassin,
que jamais, nem por ocasião de minhas primeiras visitas à su­
perfície de seu planeta, nem mesmo no início de minha última
estada lá, apesar dos frequentes encontros e das relações diver­
sas que mantinha com os seres tri-cerebrais que lhe interes­
sam, senti em minha presença geral o impulso sincero de pie­
dade esseral acerca do destino infinitamente aflitivo reservado
aqueles seres, devido a circunstâncias que não dependem, por
assim dizer, deles.
Porém no final de nossa sexta estada, quando se formou
em alguns deles esta espécie de presença interior que têm hoje
os representantes de quase todos os ramos de sua arte, e quando
esses “tipos” recentemente constituídos, que participavam no

495
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

processo de existência esseral ordinária em bases equivalentes


àquelas dos demais seres tri-cerebrais de lá, caíram por acaso
na esfera de percepção de minha vista, com sua “apreciação inte­
rior de si mesmos” já por demais anormal, eles serviram então
de choque para fazer surgir em mim o impulso de piedade não
somente para com eles, mas também para com todos os seus
infelizes favoritos.
Tente agora considerar, entre todos os seres tri-cerebrais
de lá, não qualquer um dos representantes de sua arte contem­
porânea, mas somente aqueles que se tornam dignos de adqui­
rir o título de “artistas” ou “atores”.
Se bem que de fato eles sejam quase, por sua verdadeira
essência, o que se chama “zeros” — quer dizer, alguma coisa
absolutamente nula e revestida somente de uma certa aparên­
cia —, à força de repetir sempre e por toda parte suas exclama­
ções favoritas, do tipo de “gênio”, “talento”, “dom” e muitas
outras expressões tão vazias como o são eles mesmos, acabam
por se convencer que são os únicos a ser “de origem divina”,
que são os únicos a ser “semideuses”.

“Agora, escute e trate de transmutar nas partes requeri­


das de sua presença geral, para utilizá-lo em seu devido tempo,
o conselho bem prático que vou lhe dar:
Se lhe acontecer, por alguma razão, de existir entre seus
favoritos desse planeta Terra, sobretudo num futuro próximo
— digo “próximo”, porque a presença dos seres tri-cerebrais,
seus favoritos, degenera frequentemente, como todas as condi­
ções exteriores, já fixadas, de sua existência esseral ordinária
— e se você quiser, como é próprio de um ser tri-cerebral cons­
ciente, empreender ali algum negócio tendo por objetivo o bem
dos seres que o rodeiam, e cuja realização dependa em parte
deles mesmos, seja qual for a comunidade contemporânea em
que você se encontre, e os “círculos” que frequente no interes­
se de sua atividade, se um dia encontrar alguns desses “artistas”

496
A ARTE

de lá, não deixe jamais de mostrar-se de uma extrema prudên­


cia, e tome todas as medidas requeridas para permanecer em
bons termos com eles.
Para que você perceba a razão pela qual é preciso ser tão
prudente com eles e para que possa melhor se representar es­
ses tipos terrestres contemporâneos e compreendê-los sob to­
das as suas facetas, devo absolutamente explicar-lhe dois fatos
que se tornaram lá dos mais evidentes.
O primeiro é que, sempre em razão das condições anor­
malmente estabelecidas de existência esseral ordinária, assim
como da funesta idéia “quiméricamente exagerada” de sua fa­
mosa arte, esses “representantes da arte”, segundo a idéia pre­
concebida que deles fazem os demais seres tri-cerebrais de lá,
estão cercados de uma auréola imaginária e adquirem assim
automaticamente uma tal autoridade que, em tudo, os outros
favoritos seus têm na maior conta a opinião deles e a conside­
ram como uma verdade incontestável.
O segundo fato se deve a que esses tipos contemporâneos
adquirem, durante sua formação, uma presença interior tal que
eles sao capazes, sem disto estar conscientes de forma alguma,
de se tornar tao facilmente escravo de um outro, como podem
vir a ser, com a simples mudança das circunstâncias exteriores,
seu inimigo mais ferrenho.
E por isso que o aconselho a ser extremamente prudente
com eles, a fim de que de modo algum se tornem seus inimigos
e para não criar assim, a você, na pessoa deles, um obstáculo à
realização de seus propósitos.
Portanto, nosso querido Hassin, o “tsiemes” de meu con­
selho — para o caso de você precisar existir efetivamente entre
os seres do planeta Terra e encontrar esses representantes da
arte atual — é, antes de qualquer coisa, de nunca lhes dizer a
verdade na cara.
Que a sorte o preserve disto!

497
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Toda verdade é urna grave ofensa para eles e é daí que


nasce, quase sempre, sua animosidade para com os demais.
A semelhantes tipos terrestres só se deve dizer na cara o
que pode “lisonjear” as consequências, infalivelmente cristali­
zadas neles, das propriedades do órgão kundabuffer que já enu­
merei, ou seja, a “inveja”, o “orgulho”, o “amor-próprio”, a
“vaidade”, a “mentira” etc.
E, segundo o que observei durante minha estada lá, as
maneiras de lisonjear que atuam infalivelmente sobre o psi­
quismo desses infelizes são as seguintes:
Que um desses representantes da arte tenha uma cara de
crocodilo, diga-lhe que ele evoca, de maneira irresistível, a ima­
gem de uma ave do paraíso.
Que um outro seja estúpido como uma porta, diga-lhe
que seu espírito iguala-se ao de Pitágoras.
Que ele tenha se comportado, em algum assunto, de ma­
neira “supremamente idiota”, diga-lhe que o grande astuto
Lúcifer não poderia ter feito nada melhor.
Que se você adivinha sem esforço, pela cara dele, que é
portador de certas doenças de lá, graças às quais ele positiva­
mente apodrece dia após dia —, dê a seu rosto uma expressão
da mais viva surpresa e pergunte-lhe:
“Conte-me um pouco, meu caro, que segredo você de­
tém para ter sempre esse ar juvenil, essa tez de “lírio e de ro­
sas” — e assim por diante... Você deve se lembrar de uma só
coisa... não diga jamais a verdade.
Embora seja preciso agir desse modo com todos os seres
desse planeta, isso é particularmente indispensável com os re­
presentantes de todos os ramos da arte contemporânea.”

Dito isso, Ahun, com uma afetação semelhante àquela


de uma casamenteira da Malmaison assistindo à bênção nup­
cial de seus clientes, ou aos trejeitos de uma modista de Paris

498
A ARTE

sentada no terraço do que se chama um “café ultra chique”,


pôs-se a ajeitar os cachos de sua cauda.
Então Hassin, olhando-o com seu habitual sorriso, im­
pregnado de sincera gratidão, lhe disse:
“Infinitamente grato, meu querido Ahun, por seu conse­
lho c por todos os esclarecimentos que me deu sobre certos
detalhes da estranheza do psiquismo dos seres tri-cerebrais desse
planeta de Nosso Grande Universo, tão ultrajado sob todos os
aspectos.
Depois, voltando-se para Belzebu, ele lhe dirigiu as se­
guintes palavras:
“Explique-mc, por favor, querido avô: será verdadeira­
mente possível que os propósitos e os esforços dos sabios babi­
lónicos não tenham resultado em nada, e que nada, absoluta­
mente nada, tenha chegado aos seres tri-cerebrais atuais desse
estranho planeta dos fragmentos de conhecimento que haviam
então sido adquiridos na Terra?”

A pergunta de seu neto, Belzebu respondeu:


— Sim, meu filho; para a maior aflição de tudo o que
existe no Universo, quase nada permaneceu intacto dos resul­
tados do trabalho deles e nada disso se tornou o patrimônio de
seus favoritos atuais.
As informações inseridas da maneira que descreví só fo­
ram transmitidas de geração a geração durante alguns séculos.
Pouco depois do período da “grandeza babilónica”, como
consequência, desta vez ainda, de sua principal particularida­
de, quer dizer, de seu “processo periódico de destruição mu­
tua”, não somente os seres ordinários de lá acabaram por es­
quecer quase tudo do Legamonismo que continha as chaves
das inexatidões legais da Lei de Sete, introduzidas em todos os
ramos dos “afalkalnas” e “soldjinokhas” humanos, mas eles per­
deram com o tempo, como já disse, até a noção da lei universal

499
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

do Heptaparaparshinokh sagrado, que eles chamavam entiio,


em Babilonia, “Lei de Sete”.
Todas as obras conscientes dos seres do período babiló­
nico foram pouco a pouco destruídas, quer porque elas vieram
a se corromper por si mesmas pelo efeito do tempo, quer em
razão do processo de destruição mútua, quando esta psicose
atinge o que se chama o estágio de “destruição de qualquer
coisa existente que caia na esfera de percepção visual”.
Tais são as duas principais razões pelas quais quase todos
os resultados conscientemente realizados pelos sábios da épo­
ca babilónica desapareceram da superfície desse desafortuna­
do planeta a uma velocidade tal que, ao cabo de três de seus
séculos, já não restava quase mais nada deles.
E importante observar ainda que a segunda dessas ra­
zões levou pouco a pouco ao declínio e depois ao desapareci­
mento quase total do uso dessa nova forma — esboçada e de­
pois posta a funcionar naquele tempo em Babilônia — com a
qual eles transmitiam às gerações seguintes diversas informa­
ções e fragmentos de saber, por intermédio de seres chamados
“iniciados na arte”.
Não ignoro nada da maneira como desapareceu esse cos­
tume, pelo qual alguns seres se tornavam “iniciados na arte”,
pois, justo antes de deixar para sempre aquele planeta, precisei
esclarecer a coisa a fundo para uma outra de minhas metas.
Até preparei, especialmente para esse fim, uma excelen­
te “tiklúnia”, escolhida entre os seres de sexo feminino de lá, e
foi por ela que obtive os esclarecimentos desejados.
As “tiklúnias” eram outrora designadas lá com o nome
de “pitonisas”; os seres atuais as chamam “médiuns”.
Estabelecí então que, nos últimos tempos, não restavam
mais que quatro desses seres “iniciados na arte”, graças aos
quais as chaves da compreensão da arte antiga continuam a se
transmitir por via de “hereditariedade em linha direta”, e que

500
A ARTE

esta transmissão hereditaria se efetua hoje em dia lá em condi­


ções muito complicadas e misteriosas.
Entre esses quatro seres iniciados que vivem em nossos
dias, um descende dos seres chamados pele-vermelhas, que ha­
bitam o continente da América; um outro, dos seres que povoam
as “ilhas Filipinas”; o terceiro, dos seres do continente da Asia
que habitam a região das “nascentes do Piandj”; e o quarto e
último, daqueles que se chamam “esquimos”.

“Escute bem agora e você saberá por que empreguei a


expressão “quase” ao dizer que, três de seus séculos depois do
período babilónico, havia “quase” completamente cessado de
existir toda reprodução consciente ou automática dos “afalkal-
nas” e “soldjinokhas” humanos.
De fato, dois dos ramos de sua ciência, aos quais se liga­
vam as obras conscientemente executadas pela mão do homem
durante o período babilónico, encontraram por acaso condi­
ções favoráveis, e alguns de seus elementos passaram de gera­
ção a geração, quer de modo consciente por parte dos seres
que se encarregavam de transmiti-los, quer automaticamente.
Um desses dois ramos recentemente deixou de existir,
mas o outro chegou, e até mesmo quase sem nenhuma modifi­
cação, até certos seres atuais.
E aquele cujos elementos lhes foram transmitidos com o
nome de “danças sagradas”.
E somente este ramo, conservado intacto desde o tempo
dos sábios babilónicos, permite a um número muito restrito de
seres tri-cerebrais de lá conhecer, após tê-las decifrado com
ajuda de certos esforços conscientes, diversas informações pro­
veitosas para seu Ser.
() segundo dos ramos em questão, aquele que deixou
recentemente de existir, era o ramo da ciência dos sábios babi­
lónicos consagrado à “combinação de diversas tonalidades de
cores” e que os seres atuais chamam a “pintura”.

501
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

A transmissão desse ramo de sua ciencia, de geraçao a


geração, se efetuou quase em toda parte e, se bem que no curso
dos séculos ela tenha desaparecido quase em todos os lugares,
ela prosseguia, ainda há muito pouco tempo, num ritmo intei­
ramente regular, tanto consciente quanto automaticamente, entre
os seres de uma comunidade chamada “Pérsia”.
E foi apenas justo antes de minha partida definitiva de
seu planeta — quando começaram a fazer-se sentir, na Pérsia,
os efeitos da “cultura européia” atual e, que, sob a influência
de seus “colegas” europeus, os seres persas que exerciam a pro­
fissão correspondente a esse ramo se puseram, por sua vez, a
“procurar meio-dia às duas da tarde” — que esta transmissão
cessou, lá também, completamente.
Apesar de tudo isso, chegou um número suficiente de
obras dos tempos babilónicos aos seres da civilização contem­
porânea, sobretudo aqueles do continente da Europa. Mas es­
ses seres, sem nem mesmo suspeitar os “tesouros de sabedo­
ria” ocultos nessas obras — que não eram “originais”, mas so­
mente copias meio apagadas, executadas por seus ancestrais
próximos, os quais não haviam ainda se tornado completamente
“plagiarios” —, sem tomar nenhuma das medidas apropriadas
que estavam a seu alcance, as armazenavam simplesmente no
que se chama seus “museus”. Ali, pouco a pouco, essas obras
foram destruídas para sempre, ou pelo menos em parte deteriora­
das pelos frequentes tratamentos que lhes fizeram sofrer os
copistas, ao fazer uso de diversas composições acidificantes e
corrosivas como o “alvejante”, a “cola de peixe” etc., com o
exclusivo fim de vangloriar-se diante dos camaradas ou de en­
ganar seus professores, ou ainda para outros propósitos hass-
namussianos.
Com toda justiça, é preciso reconhecer que, por vezes,
diante dessas obras que lhes chegaram por acaso, quer em sua
forma original, especialmente criada em Babilônia pelos mem­
bros do clube dos Adeptos do Legamonismo, quer na forma

502
A ARTE

de copias que delas haviam feito, no curso de sua transmissão


de uma geração a outra, diversos profissionais consciencio­
sos — a quem, como acabo de dizer, ainda não se tornara de
todo inerente “plagiar” e, portanto, recorrer ao retoque deta­
lhado dessas obras para fazê-las passar por suas —, alguns se­
res da civilização atual chegaram a suspeitar de que no seio
daquelas obras estava escondido “algo”; desde então eles se
puseram muito seriamente em busca desse “algo”, e aconteceu
até mesmo, mais de uma vez, que esses buscadores europeus
descobrissem nelas tal ou tal fragmento desse “algo” que ali
fora deliberadamente introduzido.
Foi assim que, no início da atual civilização européia, um
certo monge, antigo arquiteto, de nome Inácio, adquiriu até
mesmo a possibilidade de decifrar os conhecimentos e as infor­
mações proveitosas que haviam sido dissimuladas nas obras de
quase todos os ramos do que se chamava, já nessa época, a “arte
antiga” e que remontava aos tempos babilónicos.
Mas quando o monge Inácio estava a ponto de participar
sua “descoberta”, como se diz, a outros seres seus semelhan­
tes, ou seja, na ocasião, a dois de seus camaradas — monges
com os quais tora enviado como especialista, por seu superior,
a fim de dirigir o que se chama os “trabalhos de fundação” de
um templo que se tornou célebre depois —, estes o mataram
durante seu sono, por um motivo fútil, surgido desta conseqüên-
cia, cristalizada neles, daquela das propriedades do órgão kun-
dabutter que se chama “inveja”, e jogaram seu corpo planeta­
rio na extensão de água que rodeava a pequena ilha onde se
propunham erigir o templo em questão.
Esse monge Inácio veio ao mundo e se formou como ser
responsável no continente da Europa; mas, quando atingiu sua
maioridade, a tim de se enriquecer com informações relativas á
profissão que se tornara a meta de sua existência — a de “ar­
quiteto” —, ele partiu para o continente da Africa. E lá entrou
numa contraria que existia então nesse continente com o nome

503
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

de “Buscadores da Verdade”. Mais tarde, no tempo em que


essa contraria tinha emigrado para o continente da Europa e
havia crescido, seus membros adotaram o nome de “Benediti­
nos”, e ele já se incluía entre os “irmãos de pleno direito” da
contraria.
O templo de que acabo de talar existe ainda hoje lá e se
chama atualmente, me parece, a Abadia do “Mont Saint-
Michel”.
Nesse mesmo continente da Europa, de quando em quan­
do acontecia a alguns seres de espírito curioso observar, nas
obras dos diversos ramos da arte que chegaram a eles dos tem­
pos antigos, inexatidões legais; porém, mal descobriam a cha­
ve que lhes daria a compreensão dessas inexatidões, sua exis­
tência chegava ao tim.
Um outro ser do continente da Europa, tendo feito as
mesmas observações e interessando-se por elas cada dia mais,
chegou, por seu labor e sua perseverança, a decifrar perfeita­
mente as obras de quase todos os ramos da arte.
Este sábio ser terrestre tri-cerebral chamava-se Leonar­
do da Vinci.

“A guisa de conclusão ao relato que acabo de lhe lazer


sobre a arte terrestre contemporânea, não seria mal, me pare­
ce, participar-lhe ainda uma das múltiplas particularidades es­
pecíficas daqueles seres da civilização atual que se entregam a
essa famosa arte.
Esta particularidade específica consiste nisto: cada vez
que um dos seres de que falei, ao observar, em diversas obras
vindas dos tempos antigos, algum “ilogismo conforme às leis”,
se põe a proceder de maneira inteiramente nova no dito ramo
correspondente da arte, a fim de poder talvez se dar conta,
pela prática, deste “ilogismo conforme às leis”, a maioria dos
seres que o cercam, cuja profissão se vincula a esse mesmo ramo,

504
A ARTE

se tornam de imediato seus adeptos e se põe a fazer, suposta­


mente, a mesma coisa, mas, evidentemente, sem pé nem cabeça.
E esse caráter “específico” do psiquismo dos seres que
representam a arte contemporânea que explica o aparecimen­
to tão frequente, entre seus favoritos atuais, de “correntes ar­
tísticas” sempre novas e, por outro lado, o declínio acelerado
daquelas que foram bem ou mal instituídas pelas gerações
precedentes.
Se bem que um tal fenômeno seja comum a todos os ra­
mos da arte contemporânea, entretanto, por uma razão ou por
outra, os seres que se ocupam deste ramo da arte chamado “pin­
tura” são os mais propensos a ele.
Por isso existe em nossos dias entre esses profissionais
de lá um grande número de “novas correntes de pintura”, que
não têm nada em comum entre si. Entre essas correntes, as
mais conhecidas levam os nomes de “cubismo”, “futurismo”,
“sintetismo”, “¡magismo”, “impressionismo”, “colorismo”,
“formalismo”, “surrealismo” e muitas outras ainda, cujos no­
mes terminam invariavelmente em “ismo”.

Nesse ponto do relato de Belzebu, os cascos de todos os


passageiros da Karnak pareceram subitamente irradiar “algu­
ma coisa fosforescente”.
Isso significava que a nave Karnak se aproximava do lu­
gar de seu destino, quer dizer, do planeta Revozvradendr. E já
se manifestava uma intensa atividade entre os passageiros, que
se preparavam para descer da nave.
Belzebu, Hassin e Ahun puseram fim então à sua conver­
sa para fazer rapidamente seus preparativos.
Esse reflexo fosforescente dos cascos se devia a que a
sala de máquinas emitia em direção a essa parte da nave, após
tê-las concentrado nas proporções requeridas, as santas partes
do Okidanokh onipresente.

505
LIVRO SEGUNDO
Capítulo 31
Sexta e última estada
de Belzebu
na superfície de nossa Terra

QUANDO, dois “ornakres” mais tarde, a nave cósmica


intersistemária Karnak saiu das zonas atmosféricas do planeta
Revozvradendr para recair em direção do sistema solar Pan-
datznokh, rumo ao planeta Karataz, Hassin voltou a sentar-se
em seu lugar habitual e dirigiu a Belzebu as palavras seguintes:
“Querido bem-amado avô...
“Seja bom como sempre e conte-me ainda alguma coisa
sobre os seres tri-cêntricos que povoam o planeta que leva o
nome de “Terra”.
Em resposta, Belzebu se pôs a contar sua sexta e última
visita ao planeta Terra.
Ele disse:
— Fui pela sexta vez a esse planeta justo antes de obter
minha graça, que incluía a autorização de deixar aquele siste­
ma solar — tão afastado e quase fora do alcance das emanações
diretas do Supremamente Santo Sol Absoluto — , quer dizer,
justo antes de meu retorno ao centro do Universo, lugar de
meu advento, no seio mesmo de Nosso Eterno Uni-Esseral
Comum.
Desta vez, os acontecimentos orientaram-se de tal forma
que tive de existir bastante tempo entre esses seres originais —
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

de tato, um pouco menos de um de nossos anos, ou seja, mais


de trezentos anos segundo seu cálculo de tempo.
Eis as circunstancias que estiveram na origem dessa últi­
ma visita à superficie do planeta que lhe agrada tanto.
Devo lhe dizer que, após minha quinta visita, me pus de
novo a observar de quando em quando, como no passado, a
existência dos seres tri-cerebrais que lhe agradam. E eu redo­
brava a atenção durante os períodos em que se efetuava esse
processo de “destruição mútua”, que é sua principal parti­
cularidade.
Se os observava assim com tanta atenção, era que eu que­
ria absolutamente elucidar as causas das manifestações perió­
dicas dessa necessidade tao espantosa de seu psiquismo... es­
tranha a ponto de ser monstruosa.
Assim que tinha um pouco de tempo livre, eu passava
quase todo um dia ou toda uma noite marciana a seguir as mani­
festações variadas a que eles se entregavam no curso desse
processo.
E graças às observações especiais que eu tinha feito, tan­
to do planeta Marte como durante cada uma de minhas estadas
precedentes entre eles, acabei por adquirir um conhecimento
bastante preciso de todos os meios que eles empregavam com
vistas a uma “destruição mútua” mais eficaz de suas existências.

“Pois bem, meu filho, um dia em que, do planeta Marte,


eu seguia esse processo através de meu grande tesskuano, ob­
servei, de repente, alguma coisa absolutamente nova. Vi que,
sem sair de seu lugar, eles faziam alguma coisa com um objeto,
do qual saía uma fumacinha; imediatamente depois, do outro
lado, um ser caía, totalmente destruído, ou pelo menos mutila­
do em certas partes de seu corpo planetário.
Essa constatação me supreendeu muito, pois jamais an­
tes eu vira semelhante meio de destruição recíproca, e ne­
nhum dado se havia ainda cristalizado em minha presença

510
SEXTA ESTADA SOBRE A TERRA

que pudesse me fornecer uma explicação confrontativa lógica


do emprego de um tal meio de destruir a existência de outros
seres seus semelhantes.
Era totalmente impossível aplicar a esse novo procedi­
mento de destruição minhas explicações lógicas e psicológicas
anteriores.
Anteriormente, eu me dizia que essa particularidade anor­
mal de seu psiquismo não havia sido adquirida diretamente
pelos seres de urna dada época: eu compreendia que eles ti­
nham adquirido e haviam assimilado essa espantosa necessida­
de esseral no curso de numerosos séculos, e isto, como sempre,
em razão das condições anormais de existência estabelecidas
pelos seres de gerações anteriores; em nossos dias essa necessi­
dade periódica já era definitivamente inerente a esses seres tri -
cerebrais, que se viam obrigados a se entregar a essa atividade
em conseqüência de circunstâncias exteriores que não depen­
diam deles.
Saiba além do mais, meu filho, que no começo desses
processos eles se abstêm ainda instintivamente desta manifes­
tação contra a natureza. Mas uma vez dentro do próprio am­
biente do processo, quando cada um deles descobre, queira
ou não, e se convence com seus próprios olhos que destruir a
existência de seus semelhantes é tão simples, e que o número
daqueles que perecem cresce sem cessar, ele se põe então, ape­
sar de si mesmo, por instinto, a sentir e a apreciar mecanica­
mente sua própria existência. E ao se convencer assim que o
risco de perder no mesmo instante sua própria existência de­
pende exclusivamente do número de seres do campo adverso
que não foram destruídos ainda, a partir de então, em conse­
qüência do funcionamento acelerado, em sua imaginação, do
impulso chamado “covardia”, e da impossibilidade em que se
encontra, em tais momentos, com seu pensar esseral já enfra­
quecido, de raciocinar sadiamente, ele se esforça com todo seu
ser, por um desejo natural de conservação, em destruir o maior

511
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

número possível de existências no grupo inimigo, a fim de ter


mais chances de salvar a sua. E, com seu desejo de conservação
intensificando-se pouco a pouco, atingem logo um estado que
eles qualificariam de “bestial”.
Mas, quanto a esse novo meio de destruição de seus seme­
lhantes, eu não podia considerá-lo segundo a confrontação ló­
gica a que havia chegado, pela única razão de que os campos
inimigos estavam razoavelmente afastados um do outro e por­
que, nessas condições semifavoráveis, eles faziam bem tranqui­
lamente, bem friamente, e como que por tedio, “algo” com um
certo motivo, destruindo por esse gesto a existência de outros
seres seus semelhantes.

“Assim pois, esse novo meio de destruição mútua de suas


existências intensificou em minha essência a necessidade de
esclarecer e compreender a todo preço as verdadeiras razões
da monstruosidade desse psiquismo que se tornou próprio ex­
clusivamente à presença desses singulares seres tri-cerebrais.
Dado que nesse período eu não tinha nada de particular
a fazer no planeta Marte, decidi liquidar sem demora minhas
ocupações correntes, descer pessoalmente a seu planeta e, uma
vez ali, elucidar no lugar e resolver, custasse o que custasse,
esta questão que sempre me inquietara, a fim de não ter mais
que pensar, a partir daí, nesses fenômenos de Nosso Gran­
de Universo.
Ao cabo de alguns dias marcianos, voei para lá, sempre
na nave Ocasião.
Decidimos desta vez descer no continente da Asia, perto
do país chamado “Afeganistão”, pois antes de nosso vôo nos
tínhamos dado conta através de nossos tesskuanos que o “mais
recente” dos processos de destruição recíproca se efetuava justa­
mente nesse país.
Tendo descido em uma região próxima do Afeganistão,
resolvemos que nossa nave Ocasião deveria ancorar em algum

512
SEXTA ESTADA SOBRE A TERRA

lugar isolado, longe dos lugares povoados havia pouco tempo


por seus favoritos.
Devo lhe dizer que já nao era nada fácil, nos últimos tem­
pos, encontrar um lugar conveniente à ancoragem de nossa
nave, pois seus favoritos tinham, eles mesmos, fabricado para
si um grande número de dispositivos destinados à “locomoção
marítima”, dispositivos que eles chamavam “navios”, e estes
navios iam e vinham sem cessar, em todas as direções, de prefe­
rência ao redor dos continentes.
Poderiamos, é verdade, tornar nossa nave Ocasião ina­
cessível a seus órgãos de percepção visual, mas seria preciso
poder destruir sua presença mesma, para que ela pudesse esta­
cionar sobre as águas sem correr constantemente o risco de ser
abalroada por seus navios.
Por isso decidimos enviar desta vez nossa nave para pou­
sar no “Pólo Norte”, aonde seus próprios navios não tinham
ainda a possibilidade de ir.

“Enquanto descíamos à superfície de seu planeta, o pro­


cesso de destruição recíproca havia terminado no Afeganistão.
Mas nem por isso deixei de continuar a existir na vizi­
nhança desse país, porque é precisamente nesta parte do conti­
nente da Ásia que se efetuava então, com mais frequência, esse
tipo de processo.
Como eu tinha em vista, no curso desse último vôo pes­
soal a seu planeta, chegar a qualquer preço ao “conhecimento
total” das causas do fenômeno que inquietava sem cessar mi­
nha essência, quer dizer, de elucidar, sob todos seus aspectos,
as razões pelas quais o psiquismo dos seres tri-cerebrais que
lhe agradam se tornara um semelhante “prodígio”, não voltei
ao planeta Marte tão depressa como das outras vezes, mas con­
tinuei a existir entre seus favoritos durante quase trezentos de
seus anos.
No momento de expor as informações que devem

513
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

esclarecer os resultados dos dados depositados, por diversas


razões, na presença geral dos seres tri-cerebrais desse planeta
Terra que lhe agrada tanto, devo insistir sobre o lato de que
durante essa última estada pessoal na superficie de seu planeta
lui levado a lazer estudos muito sérios, assim como pesquisas
experimentais, sobre os detalhes do psiquismo de seus favori­
tos, e a observar todas suas percepções e manifestações como
indivíduos distintos, assim como suas reações de massa de uns
em relação aos outros, sob o eleito dos resultados que engen­
dram neles as diversas combinações de condições circundantes.
Tive até mesmo de recorrer desta vez, para essas experiên­
cias, aos três ramos da ciência geral que chamamos “saonoku-
riko”, “gazometrnolturiko”, “sakukinolturiko”, ramos dos quais
se encontra o equivalente entre seus favoritos nestas especiali­
dades que eles chamam “medicina”, “fisiología” e “hipnotismo”.
Graças a minhas pesquisas experimentais, me convencí
categoricamente, desde o início de minha sexta e última estada
lá, que as causas da estranheza de seu psiquismo se encontra­
vam, em sua maioria, não no consciente com o qual esses seres
se automatizaram para existir durante o que eles chamam seu
“estado de vigília”, mas neste consciente que sua anormal exis­
tência esseral ordinaria pouco a pouco reprimiu nas profunde­
zas de sua presença geral, o qual deveria ser seu consciente
real, mas permanece neles em seu estado primitivo — e que
eles chamam o “subconsciente”.
Esse “subconsciente” é, alias, esta parte de seu psiquis­
mo geral na qual não estão, de modo algum, atrofiados ainda
— como o Mui Santo Ashyata Sheyimash, você deve se lem­
brar, foi o primeiro a constatar — os dados do quarto impulso
sagrado chamado “consciência moral objetiva”.

“Depois de ter escolhido como lugar principal de minha


existência uma região com o nome de “Turquestao”, situada
no centro do continente da Asia, não me contentei em ir aos

5H
SEXTA ESTADA SOBRE A TERRA

lugares onde se efetuavam os processos que me interessavam,


mas, durante as tréguas e as acalmias desses processos, viajei
muito, indo quase a todos os continentes — exceto àquele que
tem hoje o nome de “América” — e frequentando os seres de
quase todas as “nacionalidades”, como eles dizem.
No curso dessas viagens nào permanecia muito tempo
em lugar algum, a nào ser em certos países independentes do
continente da Asia chamados “China”, “índia”, “Tibete”, sem
esquecer, é claro, essa comunidade “meio asiática, meio euro­
péia” que se tornou nesses últimos tempos a maior de todas e
que tem o nome de “Rússia”.
No início, consagrei todo o tempo que me deixavam mi­
nhas observações e pesquisas referentes à meta principal que
me havia atribuído, ao estudo das “línguas” de lá, a fim de
aumentar minhas possibilidades de estabelecer, em toda a par­
te, relações apropriadas com os seres de todos os “tipos”, per­
tencentes a diversas “nacionalidades”.
Talvez você ignore ainda, meu filho, o prodigioso absur­
do que só aparece, ele também, nesse desafortunado planeta, e
que consiste no fato de que — sempre em razão das anormais
condições exteriores de sua existência ordinária — existem para
suas “relações verbais” tantas “línguas” ou “dialetos” diver­
sos, que não têm entre si nada de comum, quanto existem gru­
pos distintos e independentes, nos quais eles pouco a pouco se
dividiram; enquanto em todos os demais planetas de Nosso
Grande Universo, povoados por seres tri-cerebrais, só existe
em toda parte um único tipo de “relações mútuas que se ex­
pressam por sons”.
Sim... esta “multiplicidade de línguas” é, ela também, uma
das particularidades exclusivas e características dos estranhos
seres tri-cerebrais que lhe agradam.
Por toda parte, para cada pequeno torrão de terra, e mes­
mo para cada um dos minúsculos grupos independentes que se
encontram por acaso isolados uns dos outros nesse torrão,

515
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

esses estranhos seres elaboraram, e continuam alias a elaborar,


para suas relações verbais, um “dialeto particular”.
Assim, em nossos dias, no planeta Terra, quando um ha­
bitante de uma localidade qualquer se encontra por acaso em
uma outra localidade do mesmo planeta, ele não pode estabe­
lecer nenhuma relação com seus semelhantes, a menos que
aprenda sua língua.
A mim mesmo, que conhecia então ã perfeição dezoito
de suas “línguas”, aconteceu-me por vezes, no decorrer de mi­
nhas viagens, de encontrar-me em condições tais que não po­
dia sequer arranjar forragem para meus cavalos, se bem que
tivesse os bolsos cheios do que eles chamam “dinheiro”, em tro­
ca do que lhe dão ali com a maior alegria tudo o que você quiser.
Se então um desses infelizes seres, que existe nesta ou
naquela cidade e que conhece todas as “línguas” ali em uso,
deve, por uma razão qualquer, ir a um outro lugar, apenas dis­
tante por vezes de uma centena de seus “quilômetros” — cerca
de cinquenta de nossos “klintranas” —, esse infeliz ser tri-ce­
rebral, embora tão perto do lugar onde sua existência bem ou
mal se estabeleceu, se encontra repentinamente, em razão das
anomalias em questão — e do fato de que os dados para as
percepções instintivas estão há muito tempo atrofiados na pre­
sença geral desses desafortunados —, esse infeliz, digo eu, se
encontra de repente privado de todo meio, e sem poder ex­
pressar aquilo de que mais necessita, nem compreender uma
só palavra do que se diz a ele.
Não somente essas “línguas” múltiplas não têm nada de
comum entre si, mas há as que não correspondem em nada as
possibilidades dos órgãos especialmente adaptados para esse
fim pela Natureza na presença geral do ser, e que se chamam
“cordas vocais”; eu mesmo, que tenho no entanto muito mais
possibilidades do que eles em relação a isso, nem sempre era
capaz de pronunciar algumas de suas palavras.
Os seres do planeta Terra se aperceberam eles mesmos,

516
SEXTA ESTADA SOBRE A TERRA

alias, deste “absurdo” e, recentemente, enquanto eu ainda es­


tava lá, vários “representantes” de suas “sólidas” comunidades
concordaram em se reunir para encontrar juntos um meio de
sair dessa dificuldade.
O principal propósito desses representantes de impor­
tantes comunidades atuais era de escolher uma das “línguas”
correntemente empregadas lá e de estender seu uso a todo o
planeta.
Entretanto, como de hábito, esta intenção realmente sen­
sata não levou a nada, e isso, evidentemente, por causa de suas
inevitáveis “discórdias”, que fazem sempre fracassar seus me­
lhores empreendimentos.
Será proveitoso a você, a meu ver, que lhe conte em deta­
lhe de onde vinha, dessa vez, o desacordo entre eles, pois você
terá assim um exemplo característico de todas as “discórdias”
que surgem geralmente entre eles.
Não se sabe por que esses representantes de sólidas
comunidades contemporâneas limitaram de imediato sua es­
colha de uma linguagem planetária comum às três seguintes
línguas: o “grego antigo”, o “latim” e... uma língua recente­
mente inventado pelos seres atuais sob o nome de “esperanto”.
A primeira dessas três línguas era aquela que tinham ela­
borado para suas “relações verbais” os seres dessa antiga co­
munidade de que lhe falei, oriunda de um pequeno grupo de
pescadores asiáticos, e que depois se tornou poderosa, seres
que foram durante um longo período especialistas em “inven­
ção de ciências”.
Os seres dessa comunidade, quer dizer, os antigos gre­
gos, além de grande número de “ciências”, legaram aos seres
atuais até sua “linguagem”.
A segunda língua da qual se propunham fazer uma lin­
guagem planetária comum, quer dizer, a “língua latina”, era a
dos seres de uma outra comunidade da Antiguidade, formada,
como já lhe disse, a partir de um pequeno grupo de pastores

517
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

asiáticos, aqueles mesmos cujos descendentes foram causa da


formação gradual, na presença de todos os seres das gerações
seguintes, de uma função desnaturada que se fixou definitiva­
mente nos contemporáneos, até tornarse inerente a eles, e pela
qual todos os impulsos com tendência evolutiva que surgem
neles são automaticamente paralisados em sua própria raiz —
função que eles chamam “sexualidade”.
Ora, quando esses representantes de diversas fortes co­
munidades atuais se reuniram para escolher juntos uma das
três línguas mencionadas, eles não puderam fixar sua escolha
nem sobre uma nem sobre outra daquelas de que acabo de
falar, e isto em razão das considerações seguintes:
O latim lhes pareceu pobre, no que se refere ao número
de palavras.
Com efeito, meu filho, os pastores, com suas necessidades
limitadas, não podiam criar um vocabulário muito abundante;
e embora sua língua tenha se tornado depois a de uma grande
comunidade, eles não legaram, salvo as palavras especiais que
exigiam as orgias, nada de válido para os seres atuais de seu
planeta.
A língua grega, ela, devido à riqueza de seu vocabulário,
teria podido muito bem servir de língua universal, dado que os
antigos pescadores, inventando todo tipo de ciências fantásti­
cas, tinham igualmente inventado um grande número de pala­
vras correspondentes, que depois permaneceram na língua; mas
os representantes das fortes comunidades atuais não puderam
deter sua escolha nela, em virtude de uma particularidade ori­
ginal que tinha a ver uma vez mais com seu estranho psiquismo.
De fato, todos os seres que haviam se reunido para esco­
lher uma língua planetária única eram representantes de
comunidades que se tornaram “poderosas”, ou, como eles di­
zem ainda, que se tornaram “grandes”, durante o período de
sua civilização atual.
Ora, esta língua grega antiga é ainda falada em nossos

518
SEXTA ESTADA SOBRE A TERRA

dias pelos seres de uma comunidade contemporânea chamada


“Grecia”; mas mesmo sendo os descendentes dos antigos “gran­
des gregos”, eles não dispõem, no entanto, hoje em dia, de tan­
tos “canhões” e de “navios” como uma qualquer dessas “im­
portantes” comunidades, cujos representantes tinham se reu­
nido com vistas a escolher, com o assentimento geral, uma úni­
ca língua para todo o planeta.
E provavelmente cada um desses representantes racioci­
nava mais ou menos desta maneira:
“Como diabos todo o mundo poderia falar a língua que
falam os seres de uma comunidade tão nula, que nem mesmo
tem suficientes canhões para que seus representantes possam
se sentir com o direito de participar, da mesma maneira que
nós, em nossos “five-o’clock internacionais”!
Com efeito, os seres atuais de lá que representam “im­
portantes” comunidades não sabem naturalmente nada das
verdadeiras razões pelas quais este ou aquele grupo de seus
semelhantes, que povoa tal parte da superfície de seu planeta,
em outros termos, esta ou aquela das comunidades que eles
constituíram, se torna por vezes, por um certo tempo, “impor­
tante” ou “poderosa”.
Eles estão até mesmo longe de suspeitar que, se assim é,
isso não tem nenhuma relação com as qualidades particulares
dos seres dessas “comunidades”, mas que isso depende exclu­
sivamente da parte do planeta na qual o mui grande processo
trogoautoegocrático universal requer, segundo as exigências do
movimento harmônico de todo seu sistema solar, um acrésci­
mo de vibrações oriundas quer de sua radiação, quer do pro­
cesso de seu raskuarno sagrado.
Quanto à terceira língua que esta assembléia de repre­
sentantes se propunha igualmente a estender a todo o planeta,
quer dizer, o esperanto, ela nem mesmo deu lugar a este tipo
tão frequente de querelas que eles caracterizam pela expressão
“com a boca espumando”, e até mesmo com sua tacanha razão

519
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

eles se deram imediatamente conta de que essa língua não po­


dia, de modo algum, convir a seu propósito.
Pois os inventores dessa nova “língua” tinham, sem dú
vida, imaginado que uma língua era algo de análogo às suas
“ciências” atuais, que é possível elaborar, sentado em sua casa,
em seu gabinete de trabalho; e por certo não lhes tinha vindo à
mente que toda linguagem mais ou menos “prática” só pode se
constituir no curso de numerosos séculos e ainda dentro de
um processo de existência esseral mais ou menos normal.
Essa nova invenção de lá, o “esperanto”, quase que só
pode servir às galinhas de nosso venerável Mulá Nassr Eddin,
quando elas espalham a seu respeito suas divertidas anedotas.
Em suma, esse excelente projeto de estabelecer uma lín­
gua planetária geral não mudou em nada seu “prodigioso ab­
surdo”; tudo permaneceu em nossos dias como antigamente,
quer dizer, esse relativamente pequeno planeta, com algumas
“terras semi-mortas”, não cessou de ser, como o diz ainda nos­
so caro mestre Mulá Nassr Eddin, “uma hidra de mil línguas”.

“Ora, meu filho... tendo começado minhas pesquisas rela­


tivas à meta principal que me havia fixado desta vez: tomar
consciência, a qualquer preço, das causas que haviam engen­
drado um tão singular psiquismo na presença dos seres tri-ce­
rebrais desse planeta, e tendo necessidade de esclarecer para
este fim certos detalhes de seu psiquismo, ocultos em sua pre­
sença geral, vi inopinadamente surgir diante de mim, desde o
início dessa última estada entre eles, uma dificuldade muito
séria. Com efeito, só era possível descobrir essas propriedades
ocultas, que se encontravam em seu subconsciente, com sua
participação voluntaria, quer dizer, com a participação do cons­
ciente que a eles se tornou próprio, no curso dos séculos, du­
rante seu estado de vigília.
Além disso, me dei conta de que era indispensável que
essa participação voluntária tosse obtida de todos os tipos de

520
SEXTA ESTADA SOBRE A TERRA

seres tri-cerebrais de lá, tal como eles se haviam definitivamen


te fixado nos últimos tempos.
Mas, naquela época, todos os dados para o aparecimento
na presença deles do impulso esseral chamado “sinceridade”
estavam já a tal ponto atrofiados neles que eles nào tinham mais,
mesmo se o desejassem, a menor possibilidade de ser sinceros,
não somente para com seus semelhantes, mas ainda para consi­
go mesmos, quer dizer, que eles eram incapazes, por meio de
uma de suas partes espiritualizadas, de criticar imparcialmente
ou de julgar uma outra de suas partes.
A este respeito, minhas últimas pesquisas especiais me
demonstraram que a atrofia dos dados de que deveriam dispor,
eles também, para serem capazes de sinceridade para consigo
mesmos tem uma certa origem, e que a atrofia da possibilidade
de serem sinceros para com os outros tem uma completamente
diferente.
A razao da atrofia da sinceridade para consigo mesmos é
a perturbação provocada na coordenação de seu psiquismo geral.
O fato é que no início de minha sexta estada entre seus
favoritos se cristalizavam ainda em sua presença geral os dados
próprios para fazer surgir neles, como em todos os seres tri
cerebrais, o impulso esseral chamado “remorso de si” e que
eles mesmos chamam “remorso de consciência”; mas, por ou­
tro lado, todas as suas manifestações interiores e exteriores, no
processo ordinário de sua existência esseral, convinham cada
vez menos a seres tri-cerebrais.
Dc modo que em sua presença as causas de manifestação
do impulso esseral de “remorso de consciência” surgiram cada
vez mais frequentemente. Mas, como as sensações esserais as­
sim suscitadas se pareciam com aquelas que provocam os
“partkdolgdeveres esserais”, elas ocasionavam inevitavelmen
te a repressão e a sujeição desse “princípio negativo”, inerente
à presença geral dos seres tri-cerebrais, que se chama “tranqui­
lização de si”. Desde então, não sem provocar neles uma

521
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

nova sensação desagradável de “remorso de consciência”, eles


refreiam e mesmo eliminam pouco a pouco — em primeiro
lugar deliberadamente, por iniciativa de suas partes mais sen­
satas, depois pela força do hábito adquirido — toda “crítica de
si”, diante de cada manifestação, interior ou exterior de sua
presença geral, desencadeada pelas incitações naturais de uma
ou outra das localizações independentes, isoladamente espiri­
tualizadas, próprias aos seres tri-cêntricos.
E essa “impotência”, invadindo cada vez mais sua orga­
nização, ocasionou, por sua frequente repetição, a desarmonia
geral do funcionamento de seu psiquismo; de modo que com o
tempo ela quase fez desaparecer de sua presença geral os da­
dos necessariamente inerentes a todos os seres tri-cerebrais de
Nosso Grande Universo para a manifestação da sinceridade,
até para consigo mesmos.
Quanto às razões que fizeram assim desaparecer de sua
presença geral os dados requeridos para a “capacidade de ser
sinceros” para com seus semelhantes, elas devem ser buscadas
nesta forma anormal de relações, estabelecida entre eles há mui­
to tempo, que está baseada, como já lhe disse, em sua divisão
em “castas” ou “classes”.
Desde que este hábito de se dividir em todas essas funes­
tas castas se tornou inerente a eles, começaram a se cristalizar,
na presença geral de cada um deles, duas “propriedades orgâni­
cas” singulares absolutamente opostas, cujas manifestações ces­
saram pouco a pouco de depender de seu consciente ordiná­
rio, assim como de seu “subconsciente”.
Estas duas propriedades fazem com que eles se compor­
tem sempre, uns em relação aos outros, quer com “arrogân­
cia”, quer com “servilismo”.
Enquanto se manifestam estas duas propriedades, toda
relação “em pé de igualdade”, como se diz, fica paralisada ne­
les; do mesmo modo, suas relações ordinárias, quer sejam interio­
res e sinceras ou mesmo puramente exteriores, se estabeleceram

522
SEXTA ESTADA SOBRE A TERRA

de tal maneira, nos últimos tempos sobretudo, que é hoje em


dia coisa corrente, para qualquer um que pertença a urna casta
considerada como superior àquela de um outro, ver surgir em
si, para corn este outro, os impulsos chamados lá “arrogancia”,
“desprezo”, “condescendência” etc. Mas se alguém estima que
a casta a que pertence é inferior àquela de um outro, nele sur­
girão inevitavelmente os impulsos que eles chamam “baixeza”,
“falsa humildade”, “servilismo”, “obsequiosidade”, “aviltamen­
to”, e outros impulsos específicos do mesmo gênero, cujo con­
junto não cessa de expulsar de sua presença a capacidade, que
eles também deveriam possuir, de “tomar consciência de sua
própria individualidade”.
Uma vez tornadas inerentes à sua presença geral, essas
propriedades os levaram pouco a pouco a perder o hábito de
ser sinceros para com seus semelhantes, depois a cessar auto­
maticamente de ser capazes disso, até mesmo com aqueles de
sua própria casta.
Eis por que, meu filho, já que eu existia entre seus favo­
ritos, decidi dessa vez escolher, entre as profissões de lá, aquela
que os leva por vezes a estabelecer automaticamente relações
que lhes permitem, até certo ponto, ser sinceros — e isso para
que me fosse possível fazer as perguntas que me eram indis­
pensáveis c recolher assim um material que fosse de natureza a
me esclarecer.
Tornei-me então um desses profissionais que se chamam
atualmente lá “médicos”.
Esta profissão corresponde mais ou menos àquela de nos­
sos “tzirlikners”.
Além dessa profissão, existe aliás uma outra lá, com os
representantes da qual seus favoritos tornam-se automaticamen­
te mais sinceros ainda talvez do que com os médicos, sobretu­
do quanto às suas “experiências interiores”, como eles dizem,
e isso era precisamente aquilo de que eu mais necessitava para
me esclarecer.

523
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Entretanto, embora tal profissão, à qual se consagram


mais frequentemente aqueles que levam o nome de “confesso­
res”, fosse de natureza a me fornecer mais material para mi­
nhas pesquisas, não fixei minha escolha sobre ela, pela razão
de que ela obriga sempre a desempenhar exteriormente um
papel e nao permite jamais levar em conta os verdadeiros im­
pulsos interiores que se experimenta por si mesmo.
Antes de continuar, preciso ainda lhe explicar um pouco
o que sao esses “médicos” atuais de lá, que deveriam corres­
ponder a nossos “tzirlikners”.
Provavelmente você já sabe perfeitamente que, entre nós,
no planeta Karataz, os “tzirlikners”, assim como os seres que
lhes correspondem nos demais planetas de Nosso Grande Uni­
verso, povoados por seres tri-cerebrais já formados, e que to­
mam para si as obrigações essenciais dos seres que os cercam,
são esses indivíduos responsáveis que consagram voluntaria­
mente sua existência inteira a ajudar todo ser de seu “territo­
rio” no cumprimento de suas obrigações esserais, quando esse
ser, por uma razão qualquer, ou simplesmente pelo único fato
de uma alteração temporária do funcionamento de seu corpo
planetário, deixa de estar apto para cumprir ele mesmo seus
deveres esserais interiores e exteriores.
Com toda justiça, é preciso observar que amigamente,
em seu planeta, os profissionais que chamamos hoje “médi­
cos” eram quase como “tzirlikners” e se entregavam quase às
mesmas ocupações. Mas, com o tempo, os seres responsáveis
de lá que se devotavam a essa profissão — quer dizer, ao cum­
primento desse eminente dever esseral, voluntariamente assu­
mido — pouco a pouco degeneraram, como toda coisa naque­
le estranho planeta, e eles também se tornaram totalmente sin­
gulares.
E em nossos dias, quando o funcionamento do corpo pla­
netário de um de seus favoritos se altera e esse ser deixa de
poder cumprir suas obrigações esserais, também ele recorre a

524
SEXTA ESTADA SOBRE A TERRA

um desses “médicos” atuais; e por certo esse “médico” não se


recusa a vir, mas quanto à maneira pela qual ele vem em sua
ajuda e pela quai manifesta sua essência no cumprimento das
obrigações assumidas, é aí — como diz nosso venerável Mulá
Nassr Eddin — que jaz o camelo estropiado do mercador Ver-
massan Zerunan Ala ram.
Saiba antes de tudo que hoje esses profissionais são, na
maioria dos casos, seres tri-cerebrais que, durante o período
em que eles se preparavam para se tornar seres responsáveis,
“repisaram” um grande número de informações diversas, re­
lativas aos meios de se desembaraçar do que eles chamam “doen­
ças”, meios aconselhados para esse fim aos seres tri-cerebrais
de lá e empregados desde sempre por velhas mulheres que vol­
taram a ser crianças.
Entre esses meios de se desembaraçar das ditas doenças,
entram em primeiro lugar o que se chamam lá “remédios”.
E quando um desses jovens seres torna-se um profissio­
nal responsável, e alguns de seus semelhantes se dirigem a ele
para lhe pedir sua ajuda, ele os aconselha precisamente a em­
pregar esses tais remédios.
A este respeito, será muito útil para o desenvolvimento
de sua razao enriquecer sua presença geral com uma nova
“implantação logicnesteriana”, dito de outro modo, com uma
informação que se refere a uma propriedade muito original
que o psiquismo desses profissionais atuais do planeta Ter­
ra adquire .
Esses profissionais terrestres adquirem essa original
propriedade psíquica logo depois de ter recebido o título de
“médico oficial”, e ela se manifesta neles enquanto dura seu
desejo de socorrer os seres que sentem necessidade disso.
O fato é que em sua presença geral a intensidade do de­
sejo de socorrer, assim como a qualidade mesma da ajuda que
prestam a outros, depende sempre exclusivamente do “odor
espalhado” pela casa onde foram chamados.

525
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Dito de outra forma, se dentro da casa para a qual esse


profissional atual foi chamado cheira ao que se chama “libras
inglesas”, não somente seu “desejo esseral” interior de ajudar
o ser que sofre aumenta, por causa desse odor, até o paroxis­
mo, mas ainda as manifestações exteriores de seu corpo plane­
tario tornam-se imediatamente as de um “dzedzatchun”, quer
dizer, de um cachorro espancado.
Esse odor dá mesmo ao rosto da maior parte dos médi­
cos atuais a aparência de se “lamber os beiços” e eles mantêm
seu “cotoco de rabo” bem baixo, quase colado entre as pernas.
Se, ao contrario, a casa em que esse “tzirlikner” terrestre
é chamado para atender a um ser doente cheira a “marcos ale­
mães” desvalorizados, seu desejo esseral interior de ajudar o
infeliz paciente aumenta do mesmo modo, mas unicamente para
incitá-lo a redigir o mais rapidamente possível o que se chama
uma “receita” — procedimento de invenção alemã — e sair o
mais breve possível dessa casa.
Devo lhe dizer, aliás, que neste segundo caso, quando
um desses seres terrestres atuais que exercem a profissão de
médico sai da casa onde necessitaram de sua ajuda e vai embo­
ra pelas ruas, toda sua aparência, até os músculos de sua face,
expressa sempre alguma coisa que se poderia traduzir assim:
“Ei! vocês todos, espécies de abortos, cuidem-se, ou eu os es­
mago como baratas. Não vêem vocês que quem passa aqui não
é qualquer um, mas um verdadeiro representante da ciência,
que assimilou todo o saber que distribuem hoje em dia os mais
altos centros de instrução?”.
A respeito desses “remédios” de que acabo de lhe falai e
que existem em grande número com todo tipo de nomes, lhe
direi agora que os seres ordinários os engolem, sob os conse­
lhos desses médicos atuais, supostamente para aliviar suas di­
versas doenças...
Devo absolutamente informá-lo sobre isso... Quem
sabe?... Talvez lhe seja preciso, um dia ou outro, existir nesse

526
SEXTA ESTADA SOBRE A TERRA

singular planeta, entre esses originais, c você nào saberá como


se servir desses inumeráveis medicamentos, nem que impor­
tância lhes dar.
Antes de tudo, saiba e lembre-se que todo jovem ser tri-
cerebral de lá que se prepara, após ter atingido a idade de uma
existência responsável, para exercer a profissão de médico, só
faz “repisar” o maior número possível de nomes de medica­
mentos entre os milhares daqueles que se conhece hoje em dia lá.
Mais tarde, logo que se torna um ser responsável que exer­
ce essa profissão, quer dizer, após ter recebido o título oficial
de “médico”, quando ele é chamado à cabeceira de seres que
têm necessidade de sua ajuda, toda essa ajuda consiste em fa­
zer um esforço esseral, mais ou menos intenso, para se lembrar
o nome de alguns desses medicamentos e escrevê-los sobre esse
pedaço de papel que enfeita com o nome de “receita”, com o
fim de indicar a mistura que se deve introduzir no corpo pla­
netário deste que ele chama “seu doente”. A imensidade de
seu esforço depende em primeiro lugar da “posição social” da
pessoa que sofre, em segundo lugar do número de olhares que
fixam sobre ele os seres que rodeiam o enfermo.
Depois, a receita que esse “tzirlikner” contemporâneo
acaba de escrever é levada pelos próximos daquele que o man­
dou chamar a uma de suas “farmácias”, onde o farmacêutico
prepara a “mistura” pedida.

“Você compreenderá perfeitamente como e com que se


preparam essas “misturas” nas farmácias quando eu lhe tiver
relatado uma das múltiplas informações que recolhi sobre esse
assunto e que vem de um ser de lá que exerce justamente a
profissão de farmacêutico.
O relato que vou lhe fazer refere-se ao período durante o
qual eu ia frequentemente à grande comunidade que leva o
nome de Rússia.
Em uma das duas capitais dessa grande comunidade, a

527
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

que tem o nome de “Moscou”, estabelecí por acaso relações


amigáveis com um desses farmacêuticos profissionais.
Esse farmacêutico, segundo as concepções de lá, era ido­
so, era um ser de caráter bonacbão e até afável.
Ele pertencia à “religião israelita”, como se diz.
Devo lhe dizer a este respeito que hoje, em quase todos
os continentes, os farmacêuticos são seres que pertencem, o
mais frequentemente, a essa “religião israelita”.
Em cada uma de minhas estadas na segunda capital da
Rússia, eu ia ver meu amigo farmacêutico e, nos fundos da loja,
geralmente decorada com o nome de “laboratório”, falávamos
de toda espécie de coisas.
Um dia, entrando como de costume em seu “laborato
rio”, vi que ele moía alguma coisa num almofariz e, como é de
uso em semelhante caso, perguntei-lhe o que fazia.
Ele respondeu:
“Estou moendo açúcar queimado para esta receita!”, e
me estendeu um papel sobre o qual estava redigida uma “re­
ceita” prescrevendo um medicamento muito difundido lá, com
o nome de “pó de Dover”.
Esse pó é chamado assim porque foi inventado por um
certo inglês de nome Dover; emprega-se principalmente con­
tra a tosse.
Percorrendo a receita que me havia estendido, me aper­
cebí que nela não entrava açúcar, menos ainda açúcar queima­
do, e lhe expressei minha surpresa.
Respondeu-me então, com um sorriso bonachão:
“E claro que não há açúcar nesse pó, mas ele contém
uma certa taxa de ópio”.
Depois, me explicou o que segue:
“Esse pó de Dover é, não sei por que, um dos remédios
favoritos na Rússia e ele é empregado por quase todos os povos
de nosso imenso império.
“Consome-se todo dia, no país inteiro, várias centenas

528
SEXTA ESTADA SOBRE A TERRA

de milhares de envelopes desse pó; ora, você sabe, o opio que


deve entrar em sua composição não é barato, caramba! Se se
puser ai opio verdadeiro, só esse ópio custaria, a nós farmacéu­
ticos, de seis a oito copeques por envelope; e devemos vender
esses envelopes entre três e cinco copeques... Aliás, mesmo que
se recolhesse o opio de todo o globo terrestre, isso não bastaria
para nossa Rússia somente.
“Assim, em lugar da receita do Doutor Dover, nós
farmacêuticos, inventamos uma fórmula onde só entram subs­
tâncias correntes e de preço acessível. Preparamos então esse
pó com a soda, açúcar queimado e uma pequena quantidade
de quinino. Todas estas substâncias são baratas. O quinino, é
verdade, custa um pouco mais caro, mas afinal de contas é pre­
ciso tào pouco dele! em nosso pó a dose de quinino é de dois
por cento, se tanto!
Aí não pude me impedir de interrompê-lo:
— Mas é incrível!... Como é possível que ninguém tenha
ainda descoberto que no lugar de pó de Dover você lhes dá
essa “mistura”?
— Claro que não, respondeu rindo meu bravo amigo.
Essas coisas só se reconhecem pela vista e pelo gosto; e taçam o
que fizerem, o pó de Dover que preparamos apresentará, sob
qualquer microscópio, a mesma cor que deveria ter segundo a
fórmula exata do Doutor Dover. Quanto ao seu gosto, sobre­
tudo graças à dose de quinino que nele entra, é impossível dis­
tinguido daquele do pó autêntico, que contém o opio verdadeiro.
— E a análise?, lhe perguntei.
— Que análise?, disse ele num tom irônico, mas com um
amplo sorriso. A análise verdadeira de um pó custaria tão cara
que se poderia pela mesma soma, nao somente comprar mais
de uma tonelada desse pó, mas abrir, posso garantir, uma far­
mácia inteira; é de se supor que por três ou cinco copeques
ninguém vai querer fazer semelhante asneira.

529
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Para di¿er a verdade, não sei mesmo se se poderia fazer


a análise de que você fala.
“Por certo, em cada cidade, existem “químicos-analis­
tas”. Cada município tem mesmo especialistas desse gênero a
seu serviço.
“Mas, que são esses “químicos-analistas” e que sabem
eles? Talvez você ignore em que consistem os estudos dos es­
pecialistas que ocupam esses postos tão importantes, e o que
compreendem disso? Então, deixe-me explicar-lhe.
“Tomemos, por exemplo, um “filho-de-papai”, um jo­
vem com o rosto deploravelmente espinhento — e ele está es­
pinhento porque sua “mamã” se julga “bem-educada” e consi­
dera “indecente” dar ao seu filho algumas explicações sobre
certos inconvenientes; de modo que esse filho, cujo consciente
não está, de modo algum, formado, faz o que “se faz” comple­
tamente sozinho, em si mesmo, e o resultado dessas “atuações”
se manifesta em seu rosto, como naquele de todos os jovens de
sua espécie, por espinhas bem conhecidas, até da medicina atual.
“Assim pois, mui honrado doutor...”
Antes de lhe relatar a continuação dessa conversa, devo
lhe dizer, meu filho, que a partir do momento em que lá me
tornei um médico profissional, seus favoritos me deram, por
toda parte, a mim também, o título de “doutor”.
Eu lhe falarei especialmente uma outra vez desse título
do qual fazem uso, já que esse nome de doutor valeu um dia a
nosso Ahun um mal-entendido muito aflitivo.
Mas voltemos a nosso afável farmacêutico:
“Pois bem, dizia ele, esse jovem, esse filho-de-papai de
rosto espinhento faz seus estudos em uma universidade qual­
quer para tornar-se “químico-analista-espccialista”, e é de pra­
xe, na universidade, só estudar em livros especiais fabricados
em sua maior parte na Alemanha pelos “sábios” do país.
E verdade, meu filho, que esses “parasitas” alemães ad­
quiriram o hábito, nestes últimos tempos sobretudo, de inventar

530
SEXTA ESTADA SOBRE A TERRA

“livros científicos” sobre todos os assuntos. E como “fazer uma


análise” é do domínio de suas ciências, esses “sábios” alemães
já compuseram sobre esse tema grande número de obras “cientí­
ficas”, das quais se servem quase todos os povos da Europa e
dos outros continentes.
“Ora, continuou esse bravo farmacêutico, nosso jovem,
depois de ter terminado seus estudos universitários, e adquiri­
do por consequência seu conhecimento sobre a “natureza das
substâncias” nos livros fabricados pelos “sábios alemães”, será
encarregado de fazer a análise de nosso pó de Dover.
“Nessas obras alemãs de onde ele tirou seu conhecimen­
to sobre a “natureza das substâncias”, se determina, é claro, de
quais elementos são constituídas as ditas substâncias e se dá
sempre a fórmula desses elementos.
“Indica-se ainda nesses livros o aspecto que tomam as
substâncias cuja presença encerra todos os elementos que ela
deve conter, e as modificações que sofre esse aspecto quando
esses elementos não estão ali; os livros alemães expõem ainda
alguns meios primitivos de reconhecer as diferentes subs­
tâncias, por exemplo, pela vista, o gosto, a combustão, e por
certos procedimentos de que as velhas avós ouviram falar em
seus bons velhos tempos — e assim por diante.
“Seus estudos terminados, o jovem recebe o título de
“químico-analista”. Acontece por vezes que, antes de ocupar
um posto responsável, ele faça um “estágio”, o que consiste em
geral em prestar durante algum tempo serviço no matadouro,
onde ele ajuda o químico municipal, um antigo filho-de-papai
como ele, a reconhecer no microscopio, de uma maneira co­
nhecida deles somente, se a carne de porco não tem a triquina.
Depois disso, assim que um lugar está vago, ele é designado
para o emprego oficial de químico-analista.
“Assim pois, meu caro doutor, nosso pó de Dover é enviado
a um desses químicos-analistas oficiais para ser analisado. Ao
recebê-lo, ele o reconhece como autêntico, seja a olho nu,

531
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

seja pelo gosto, como fariam os simples “mortais”, seja ain­


da porque o remetente lhe afirma que esse é realmente o pá
de Dover.
“Depois ele pega em sua mesa um “formulario farma­
cêutico”, redigido ele também pelos alemães, tal como deve
possuir um todo químico-analista oficial, e ali ele procura o
trecho onde estão anotadas as fórmulas de todos os pós.
“O pó de Dover sendo conhecido por toda parte, figura
evidentemente nesse formulário.
“Depois do que nosso respeitável químico-analista apa­
nha em sua mesa uma folha de papel que tem seu cabeçalho
oficial e escreve: “O pó que nos foi enviado para fins de análise
foi reconhecido, segundo todos os dados científicos, como sen­
do efetivamente o “pó de Dover”. Ali foram constatados à aná­
lise...” e ele copia a formula de seu “formulário farmacêutico”
alemão, não sem aumentar ou diminuir de propósito as doses,
mas muito ligeiramente, naturalmente, para que isso de forma
alguma dê na vista.
“Ele age assim, primeiro, para que todo mundo saiba que
ele não redigiu de qualquer maneira os elementos de sua análi­
se, mas que, ao contrário, se entregou a verdadeiras pesquisas;
depois, porque o “farmacêutico da cidade” é ele também, afi­
nal de contas, um personagem oficial, e porque não se tem nunca
muita vontade, em verdade, de fazer inimigos na cidade em
que se vive.
“O papel assim redigido é enviado ao remetente do pó
de Dover e o famoso “químico-analista” fica absolutamente
tranquilo, porque ninguém saberá que ele não fez nem sombra
de uma análise e porque ele não pode ser controlado, dado que
é o único químico-analista oficial da cidade, e que, por outra
parte, mesmo se levassem nosso pó a uma outra cidade, a al­
gum químico sem igual, não haveria nisso grande infortúnio.
Não há, no mundo, suficiente pó de Dover? Quanto ao pó de

532
SEXTA ESTADA SOBRE A TERRA

que ele supostamente lez a análise, já não existe mais, já que


para lazer essa análise se supõe que tenha sido destruído.
“Não se encontrará, aliás, ninguém que, por este pó de
Dover de três centavos, queira se meter num assunto tão delicado.
“Em todo caso, mui honrado doutor, já há trinta anos
que preparo esse pó segundo nossa “receita”... e que o vendo,
nem é preciso dizer. Mas até hoje, isso não me ocasionou ne­
nhum aborrecimento. Aliás, não há aborrecimento a temer, pois
o pó de Dover é conhecido em toda parte e em toda parte estão
convencidos de que ele tem um excelente efeito contra a tosse.
“A única coisa exigida de um medicamento é que ele seja
reconhecido como elicaz.
“Quanto à maneira de prepará-lo e quanto ao que se põe
nele... isso não dá na mesma?
“Por minha parte, depois de tantos anos que me ocupo
com esses medicamentos, adquiri a opinião bem arraigada que
nenhum dos remedios conhecidos pela medicina atual pode ser
por si mesmo de algum proveito, se o homem não tiver lé nele.
“E o homem só pode ter fé em um remédio qualquer se
este remédio é conhecido e se todo mundo afirma que ele é
muito elicaz contra esta ou aquela doença.
“Do mesmo modo para nosso pó: do momento em que
ele se chama “pó de Dover”, isto basta, porque todo mundo o
conhece e já sabe por ouvir dizer que não há nada melhor con­
tra a tosse.
“Além disso, nossa nova composição do pó de Dover é,
em realidade, bem superior aquela que seria preparada segun­
do a receita autentica, pela boa razão de não entrar nela ne­
nhuma substância nociva ao organismo.
“Por exemplo, segundo a fórmula do Doutor Dover, este
pó deve conter opio.
“E você conhece as propriedades do ópio...
“Se o homem laz dele um uso Ireqüente, até mesmo em

533
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

pequenas doses, seu organismo se acostuma a ele a tal ponto


que, se cessar um dia de tomá-lo, sofrerá cruelmente por isso.
“Com o pó preparado segundo nossa receita, isso jamais
acontecerá, pois que nele nao entra nem opio nem nenhuma
outra substância nociva ao organismo.
“Em suma, mui honrado doutor, todo mundo deveria ir
pelas ruas gritando do fundo do coração: “Viva a nova receita
do pó de Dover! ”
Ele queria ainda dizer algo, mas no exato momento o
empregado lhe trouxe uma pilha de receitas; e, ao ver isso, le­
vantou-se e me disse:
“Desculpe-me, meu caro doutor, devo interromper nos­
sa amigável conversa para me ocupar da preparação desses nu­
merosos pedidos.
“Como por infelicidade hoje meus dois ajudantes estão
ausentes, um porque sua respeitável metade está a ponto de
pôr no mundo uma boca a mais para alimentar, o outro porque
deve assistir ao processo de um motorista acusado de ter rapta­
do sua filha! ”

“Mas, basta disso...


Se você tivesse realmente, algum dia, de existir entre seus
favoritos, saberia, ao menos, graças a este último relato, que,
apesar das dezenas de nomes rebuscados que os médicos de lá
fazem figurar sobre as receitas, é quase sempre da mesma ma­
neira que esse pó de Dover que os remédios são preparados
nos estabelecimentos oficiais que têm o nome de “farmácia”.
Acontece mesmo as vezes que esses bravos farmacêuti­
cos preparam, desde de manhã, um tonel inteiro de um líquido
qualquer e uma grande caixa de pó, com os quais executarão,
durante todo o dia, cada nova receita, quer tirando o líquido
do tonel, quer extraindo o pó da caixa comum.
A fim de que estas misturas, preparadas de antemão, não
pareçam ser sempre as mesmas, esses bravos especialistas lhes

534
SEXTA ESTADA SOBRE A TERRA

adicionam alguma coisa para tingi-las de diferentes cores e


mudar o gosto e o cheiro delas.
Apesar de tudo que acabo de lhe dizer, aconselho-o viva­
mente a ser sempre muito prudente com certos medicamentos
de lá, porque acontece às vezes a esses bons farmacêuticos de
colocar em suas misturas — por engano, é claro — algum in­
grediente que tem uma açào tóxica sobre o corpo planetario.
Aliás, foi instituído lá — sempre por acaso, naturalmen­
te — para os seres dotados de uma razão normal o costume de
representar, nos frascos dessas misturas, o que chamam um “crâ­
nio” e duas “tíbias”, a fim de poder distinguir esse tipo de re­
médios tóxicos dos medicamentos ordinários.
Seja como for, lembre-se de que, entre os milhares de
remédios conhecidos, prescritos pelos médicos atuais de lá, só
três deles dão — e ainda nem sempre — certos resultados reais
para o corpo planetário desses seres tri-cerebrais ordinários,
seus contemporâneos.
Um dos três medicamentos que fazem às vezes prova de
uma certa eficácia é a substância — ou, para melhor dizer, o
conjunto dos elementos ativos que ela comporta — que os se­
res de Maralpleissis aprenderam a extrair da semente da pa­
poula e aos quais eles foram os primeiros a dar o nome de opio.
A segunda substancia é a que se chama lá “óleo de ríci­
no”; essa substância era conhecida há muito tempo pelos seres
do Egito, que a utilizavam para embalsamar suas múmias, e
tinham, aliás, notado que esse óleo podia ter, entre outras, a
ação que o faz ser empregado em nossos dias.
O conhecimento desse “óleo de rícino” havia sido trans­
mitido aos próprios egípcios pelos seres do continente da Atlân -
tida pertencentes à sábia sociedade dos “akhldanneses”.
Quanto à terceira substância, é aquela que os seres de lá
extraem igualmente, desde os tempos os mais antigos, do que
se chama a árvore de quinquina.

535
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“E agora, meu filho, escute as informações que vou lhe


dar sobre esse título de “doutor”, que foi recentemente inven­
tado para o uso dos médicos terrestres.
Isso também parece ser uma invenção dos seres da im­
portante comunidade da Alemanha, que imaginaram esse vo­
cábulo a fim de designar os méritos de alguns deles; mas essa
invenção se propagou logo por todo o planeta e tornou-se, não
se sabe por que, o título ordinário de todos os médicos atuais
de lá.
E necessário mesmo insistir sobre o fato de que essa in­
venção veio ainda juntar-se ao número desses fatores cujo con­
junto os induz constantemente em erro, e torna seu “pensar
esseral”, já bastante enfraquecido sem isso, de ano em ano mais
“gelatinoso”.
Durante nossa estada lá, essa nova palavra “doutor” va­
leu a nosso Ahun, que tem no entanto uma presença incompa­
ravelmente mais normal que a deles, e possui uma razão esseral
de qualidade bem superior, uma desventura muito desagradá­
vel, e até das mais estúpidas.
Seria, aliás, muito melhor, a meu ver, que ele mesmo a
contasse a você.
Com estas palavras, Belzebu virou-se para Ahun e lhe disse:
— Conte-nos então, meu bom velho, como isso se pas­
sou e o que o obrigou, durante vários dias, a “skuhiatchiner” e
a “tsirikuakhtziver”, ou, como diriam os seres tri-cerebrais do
planeta Terra, o que o fez “grunhir” e “sapatear” tanto quanto
sua amiga de lá, “Doña Gilda”.
Então Ahun, imitando de novo o estilo de Belzebu, e mes­
mo desta vez até suas entonações, começou seu relato.
“Essa desventura se produziu nas circunstâncias seguintes:
Perto do final de nossa sexta visita ao planeta Terra, ti­
vemos de existir algum tempo na capital desses seres alemães
que foram, precisamente, como se dignou dizê-lo Sua Alta Re­
verência, os inventores dessa “maldita” palavra “doutor”.

536
SEXTA ESTADA SOBRE A TERRA

No hotel que escolhêramos como lugar de residência ha­


bitava, no “número” vizinho ao meu, um casal de seres muito
simpáticos, que acabavam justamente de celebrar o sacramen­
to da união do ativo com o passivo, com vistas a servir, através
da continuação da espécie, ao mui grande processo trogoauto­
egocrático universal, ou, como diriam eles mesmos, que acaba­
vam de “se casar” e que passavam ainda por jovens esposos.
Travei conhecimento, por acaso, com esse casal em casa
de amigos e eles me convidaram depois muitas vezes a seu quar­
to, “para uma xícara de chá”, segundo a expressão em uso lá;
às vezes, ia mesmo vê-los sem ser convidado, para abreviar es­
ses tediosos serões alemães.
Ela estava, como eles dizem, em estado interessante e es­
perava seu “primogênito”.
Eles tinham vindo, como eu, à capital dessa comunidade
por um tempo indeterminado, atraídos pelos negócios da me­
tade ativa desse jovem casal, e tinham se hospedado no mesmo
hotel que nós.
O jovem esposo exercia uma profissão das mais origi­
nais, ignorada dos seres das demais comunidades desse incom­
parável planeta; ele era conhecido em todo lugar, em seu país,
como um dos melhores especialistas na arte de ornar o rosto de
seus clientes com “cutiladas”, tão apreciadas pelos estudantes
das universidades alemãs.
Um dia, ouvi baterem com pancadas nervosas contra a
parede de meu quarto.
Acudi prontamente, e vi que o “marido” não estava em
casa, pois fora atender a um chamado nesse dia; ficando sozi­
nha, a jovem sentiu-se mal e, a ponto de perder os sentidos,
tinha instintivamente batido em minha parede.
Quando entrei, ela já se sentia um pouco melhor, mas
suplicou-me que fosse buscar-lhe um doutor.
Naturalmente, me precipitei para a rua. Mas uma vez ali,
me perguntei: “E agora, aonde ir?”

537
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

De repente, me lembrei que não longe de nosso hotel


vivia um ser que todo mundo chamava “doutor”; na porta de
entrada de sua casa havia até uma placa metálica com seu nome
de família precedido do título de “doutor”. E corri de imedia­
to à casa desse doutor.
Mas ele estava jantando, e a empregada me pediu para
esperar alguns instantes na sala, explicándo me que o doutor e
seus convidados iam logo sair da mesa.
Sentei-me então na sala para esperá-lo, mas nao se pode
dizer que esperava muito tranquilamente.
Eu estava “sobre brasas ardentes”, segundo a expressão
dos seres de lá, pois estava muito inquieto com o estado de
minha vizinha.
No entanto, o “estimável doutor” nunca chegava. Vinte
minutos ou quase se passaram. Não podendo mais me conter,
eu toquei.
Quando a empregada entrou, roguei que me recordasse
ao doutor, que lhe dissesse que eu estava muito apressado e
que não tinha mais tempo para esperá-lo.
Ela saiu.
Cinco minutos ainda se passaram.
Entim o doutor apareceu.
Com toda pressa, expliquei-lhe o que esperava dele, mas,
para minha grande surpresa, ele soltou imediatamente uma for­
midável gargalhada.
Eu me dizia: “E provável que jantando com seus amigos
esse doutor tenha bebido mais do que devia de cerveja alemã”.
Foi só depois de ter um pouco acalmado sua histérica
gargalhada que ele conseguiu me dizer que, para seu grande
pesar, não era “doutorem medicina”, mas “doutorem filosofia”.
Naquele instante, conheci o mesmo estado que se tivesse
ouvido pela segunda vez a sentença de Nossa Eternidade conde­
nando ao exílio Sua Alta Reverencia e seus próximos e, por
conseguinte, a mim mesmo.

538
SEXTA ESTADA SOBRE A TERRA

Pois bem, nosso caro Hassin... deixei a sala desse doutor


para me encontrar na calçada na mesma situação.
Justo naquele momento passava por acaso um “táxi”.
Saltei para dentro e me perguntei: “Aonde ir agora?...”
Lembrei então que, no café onde ia algumas vezes, encon­
trava quase sempre um ser que todo mundo chamava “doutor”.
Ordenei ao motorista que me conduzisse o mais depres­
sa a esse café.
Lá, um “garçom”, que eu conhecia, me disse que esse
doutor acabara de sair com alguns amigos e que havia, por aca­
so, ouvido eles dizerem o nome do restaurante onde iam jantar,
e do qual me deu o endereço.
Embora esse restaurante ficasse bastante longe de lá, não
conhecendo outro doutor, disse ao motorista para me levar até
o local.
Ao fim de uma longa meia hora, chegamos a esse estabe­
lecimento e ali encontrei imediatamente meu doutor.
Desta vez ainda não era um médico, ai de mim!, mas um
“doutor em direito”.
Eu me havia definitivamente “enganado”, como se diz.
Para terminar, tive a idéia de me dirigir ao chefe dos gar­
çons do restaurante e de lhe explicar em detalhe o que eu pro­
curava.
Esse chefe dos garçons era um ser muito prestativo. Não
somente me explicou o que era preciso fazer, mas me acompa­
nhou mesmo à casa de um médico — um “doutor parteiro”
desta vez.
Tivemos a sorte de encontrá-lo em sua casa e ele foi bas­
tante bom para consentir em me seguir imediatamente. Mas,
enquanto estávamos a caminho, minha pobre vizinha já havia
posto ao mundo seu “primogênito”, um filho; ela o havia bem
ou mal envolvido em faixas, sem a ajuda de ninguém, e dormia
um profundo sono, depois de terríveis sofrimentos, suporta­
dos na solidão.

539
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

E eis por que, desde esse dia, detesto com toda minha
presença esse vocábulo “doutor”; e aconselharia a todo ser do
planeta Terra de só empregá-lo quando estiver verdadeiramente
furioso.
A fim de que você compreenda melhor o valor dos médi­
cos atuais de seu planeta, preciso ainda fazê-lo conhecer a sen­
tença que formulou a respeito deles nosso venerável Mulá Nassr
Eddin.
Ei-la:
“Deus, por nossos pecados, nos enviou dois tipos de médi­
cos: uns para nos ajudar a morrer, outros para nos impedir de
viver”.

540
Capítulo 32
O hipnotismo

E Belzebu retomou:
— Assim então, quando de minha sexta e última estada
pessoal na superfície do planeta Terra, decidi me fixar ali por
um período mais longo e me tornar um de seus médicos profis­
sionais. E tornei-me com eleito um médico, mas nào como a
maioria deles; escolhi ser o que eles chamam um “médico hip­
notizador”.
Quis ser um desses médicos profissionais, primeiro por­
que, nestes últimos séculos, eles são os únicos a ter acesso a
todas as “classes” ou “castas” de que lhe falei e, por outra par­
te, porque, inspirando confiança e gozando de uma grande au­
toridade, eles predispõem os seres ordinários à sinceridade, o
que lhes permite penetrar em seu “mundo interior”, como se
diz lá.
Escolhi ainda essa profissão porque ela me oferecia a pos­
sibilidade, não somente de realizar minha meta, mas de levar
um alívio médico a alguns desses infelizes.
E verdadeiramente, meu filho, a necessidade de tais mé­
dicos se faz cada vez mais sentir nesses últimos tempos, em
todos os continentes e em todos os seres, qualquer que seja a
classe a que pertençam.
Devo dizer que eu tinha então muita experiência nessa
especialidade, já que tivera de recorrer mais de uma vez aos
procedimentos ali empregados por essa espécie de médicos,
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

no tempo cm que esclarecía cm seus favoritos, tomados indivi­


dualmente, algumas sutilezas de seu psiquismo.
Saiba que antes seus favoritos, assim como os demais se­
res tri-cerebrais do Universo inteiro, não tinham a propriedade
psíquica particular que permite colocá-los no que se chama o
“estado hipnótico”. Esta propriedade tornou-se inerente a eles
em consequência de certas combinações que se efetuam em
seu psiquismo em razão da desarmonia do funcionamento de
sua presença geral.
Esta estranha propriedade psíquica apareceu pouco de­
pois do desastre da Atlântida e se fixou definitivamente na pre­
sença de cada um deles a partir do momento em que seu “zoos-
tata”, quer dizer, o funcionamento de seu “consciente esseral”
se dividiu para formar progressivamente dois conscientes dis­
tintos, que não tinham entre si nada de comum, e que eles de­
nominaram: o primeiro simplesmente o “consciente”, e o se­
gundo, quando por fim o repararam, o “subconsciente”.
Se você se esforça em bem se representar e em transmu­
tar nas partes correspondentes de sua presença geral tudo o
que me disponho a lhe explicar, poderá então compreender
quase a metade das razões pelas quais o psiquismo de seus fa­
voritos, esses seres tri-cerebrais que povoam o planeta Terra,
acabou por se tornar de uma raridade tão singular.
Esta particularidade psíquica de cair em “estado hipnó­
tico” é inerente, como acabo de lhe dizer, somente aos seres
tri-cerebrais de seu planeta; assim pode-se dizer que se eles
não existissem, não existiría, em parte alguma de Nosso Gran­
de Universo, a menor noção esseral do que é o “hipnotismo”.
Antes de continuar a lhe explicar tudo isso devo subli­
nhar que se, durante os vinte últimos séculos, o processo quase
inteiro da existência de vigília ordinaria da maioria dos seres
tri-cerebrais que lhe interessam, e sobretudo dos contemporâ­
neos, transcorreu sob a influência dessa propriedade, o que
eles mesmos chamam “estado hipnótico” nada mais é do que o

542
O HIPNOTISMO

estado durante o qual o processo devido a essa propriedade


singular se efetua neles de maneira acelerada e dá resultados con­
centrados.
Os resultados incoerentes que ocasiona no processo or­
dinario de sua existência essa propriedade recentemente fixa­
da neles não chamam sua atenção, ou, como eles mesmos
diriam, não lhes “saltam de modo algum aos olhos”, porque,
por um lado, por falta de um aperfeiçoamento de si normal,
eles não têm nenhuma amplitude de visão e porque, por outro
lado, como seres cujo aparecimento e existência estão subme­
tidos ao princípio Itoklanotz, tornou-se próprio a eles “esque­
cer o mais depressa tudo o que eles percebem”. Mas, quando
os resultados dessa particularidade são obtidos por “concen­
tração acelerada”, toda manifestação incoerente, neles mesmos
como nos demais, é então a tal ponto real que ela se torna cla­
ramente evidente e, por conseguinte, inevitavelmente percep­
tível, até mesmo para sua tacanha razao.
E até se alguns percebem por acaso, em suas próprias mani­
festações ou nas dos outros, algo ilógico, por falta de conhecer
a “lei de tipo”, eles atribuem isso as particularidades de caráter
de cada um.
Foram os seres sábios da cidade de Gob, no país de Ma-
ralpleissis, os primeiros que constataram essa propriedade anor­
mal de seu psiquismo; eles até criaram, a este respeito, um ramo
de sua ciência muito importante e muito detalhado, que se pro­
pagou por todo o planeta com o nome de “ciência das manifes­
tações irresponsáveis da personalidade”.
Porém, depois, assim que seus “processos regulares de
destruição recíproca” recomeçaram, este sólido ramo de sua
ciência, que era ainda relativamente normal, foi pouco a pouco
negligenciado, como todas as suas boas aquisições, e acabou
ele também por desaparecer completamente.
E foi somente numerosos séculos mais tarde que essa
ciência deu sinais de renascimento.

543
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Por infelicidade, a maioria dos seres sabios da época ja


eram sabios de “nova formação”... e eles maltrataram tao for­
temente esse renascimento que a “pobre”, antes mesmo de ter
podido se desenvolver, caiu bem depressa na lixeira.
Isto se deu da maneira seguinte:
Um modesto ser sabio de lá, de nome Mesmer, originário
do país chamado “Baviera”, e que não se parecia em nada com
seus contemporâneos, notou por acaso, no curso de uma de
suas experiências, a dualidade evidente do consciente nos se­
res seus semelhantes.
E isto o impressionou tanto que ele se consagrou inteira­
mente â questão.
A força de observar e de estudar, ele quase chegou a
resolvê-la.
Mas, quando ele quis tentar experiências práticas com
vistas a elucidar certos detalhes, viu de imediato erguer-se con­
tra ele uma particularidade própria a esses seres sábios de “nova
formação”.
Esta particularidade dos seres sábios terrestres de “nova
formação” se chama “retalhar até a morte”.
Como esse honesto ser sábio bávaro havia empreendido
suas pesquisas experimentais de modo diferente de como esta­
vam mecanizados a fazer todos os sábios de “nova formação”
da Terra, ele foi, como convém, meticulosamente “retalhado”.
E essa operação de “retalhamento” foi tão bem conduzi­
da que, depois de quase dois séculos, os sábios da Terra a pros­
seguem, por inércia, de geração em geração.
Por exemplo, todos os livros que tratam atualmente lá da
questão do “hipnotismo” — e há milhares deles — começam
sempre por dizer que esse Mesmer não era nem mais nem me­
nos do que um canalha puro-sangue e um charlatão de marca
maior, mas que nossos “honestos” e “grandes” sábios tinham
de pronto descoberto seu rastro e o haviam impedido de cau­
sar grandes desgraças.

544
O HIPNOTISMO

Quanto mais os sabios atuais desse original planeta são


eles mesmos “idiotas ao quadrado”, mais eles criticam Mes­
mer, e mais contam ou escrevem sobre ele absurdos de todo
tipo destinados a rebaixá-lo.
E, no entanto, o honesto e modesto sábio de seu planeta
que eles criticam assim é aquele que teria regenerado, se não o
tivessem retalhado, a única ciência que é necessária a eles e a
única que teria podido talvez salvá-los das conseqüências das
propriedades do órgão kundabuffer.
Não deixa de ser interessante observar a este respeito que,
justo antes de deixar para sempre aquele planeta, eu vi se repe­
tir exatamente o que havia se passado com Mesmer. Tratava-se
dessa vez de um honesto e modesto ser sábio pertencente à
comunidade da França, que, por seus trabalhos assíduos e cons­
cientes, encontrara o meio de curar a terrível doença que se
propagara, durante os últimos tempos, por todo o planeta.
Essa terrível doença tem lá o nome de “câncer”.
Como esse francês havia também ele empreendido expe­
riências práticas de modo não conforme ao usual, a fim de elu­
cidar em detalhe sua descoberta, outros sábios contemporâneos
manifestaram, por sua vez, em relação a ele, esta mesma parti­
cularidade, a de “retalhar até a morte”.
Em sua presença, meu filho, começam talvez a se cristali­
zar os dados capazes de suscitar, como em todos os casos desse
tipo, um impulso esseral de “convicção inabalável” a respeito
desse fato que — unicamente por culpa desses seres sábios de
“nova formação”, nos quais definitivamente se implantou esta
particularidade de sempre “retalhar” seu colega quando ele se
afasta do que já foi fixado pelas condições anormais de exis­
tência esseral ordinária lá estabelecidas — nunca mais, na pre­
sença dos seres tri-cerebrais de seu desafortunado planeta, se
efetua o “antkuano sagrado”, com o qual contava entre outros
o Mui Santo Ashyata Sheyimash.
Foi no curso de minhas investigações sobre a Mui Santa

545
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Atividade de Ashyata Sheyimash que tomei por acaso conheci­


mento dessa “esperança voltada para a essência”.
Talvez você ainda não saiba, meu filho, em que consiste
precisamente o processo cósmico do “antkuano sagrado”?
Chama-se “antkuano sagrado” o processo de aperfeiçoa­
mento cm Razao objetiva que se efetua por si mesmo nos seres
tri-cêntricos, simplesmente pelo “curso do tempo”.
Gcralmente, este aperfeiçoamento em Razão objetiva só
se obtém, em todos os planetas de Nosso Grande Universo po­
voados por seres tri-cerebrais, por um trabalho pessoal cons­
ciente e sofrimentos voluntarios.
Este “antkuano sagrado” só pode se efetuar unicamente
nos planetas onde as verdades cósmicas são todas conhecidas
por todos os seres.
E todas as verdades cósmicas são conhecidas por todos
nesses planetas porque, cm cada um deles, os seres que chega­
ram por seus esforços conscientes a conhecer certas verdades
as participam aos demais; de modo que pouco a pouco todas as
verdades cósmicas chegam a ser conhecidas por todos os seres
do planeta, quaisquer que sejam suas aspirações e seu grau de
aperfeiçoamento.
Nesse processo cósmico sagrado, intencionalmente rea­
lizado nos seres tri-cerebrais desses planetas por Nosso Todo-
Previdente Pai Eterno Comum, foi previsto que, durante o de­
senvolvimento do processo da lei cósmica sagrada fundamen­
tal de Triamazikamno em sua presença, o excedente da tercei­
ra força santa, quer dizer, da “Santa Conciliação”, obtido no
momento da assimilação de verdades cósmicas dessa ordem, cris­
talizaria por si mesmo neles os dados requeridos, para engendrar
este “algo” que se denomina “vontade egoaïturassiana esseral”.

“Assim então, meu filho, essa propriedade de “cair cm


estado hipnótico”, recentemcntc fixada na presença geral de
seus favoritos, consiste em que o funcionamento de seu

546
O HIPNOTISMO

“zoostata”, ou, como eles mesmos diriam, de sua “parte espi­


ritual”, passa a estar sob a dependência desse funcionamento
de seu “todo” integral, que se efetua neles em seu estado de
passividade absoluta, quer dizer, durante seu “sono”. E, du­
rante essa espécie de sono, todo o funcionamento de seu corpo
planetario permanece tal como se lhe tornou próprio ser em
“estado de vigília”.
Se você quer se representar melhor e compreender me­
lhor os resultados que suscita essa surpreendente propriedade
psíquica, você tem que conhecer, antes de tudo, dois fatos que
se realizam na presença geral de seus favoritos.
Um desses fatos aparece em sua presença geral devido à
lei cósmica que existe com o nome de “lei de adaptabilidade
da Natureza”; o outro provém, uma vez mais, das condições
anormais de existência esseral ordinaria que eles mesmos esta­
beleceram.
Eis o primeiro: a partir do momento em que se consti­
tuiu neles, por culpa de sua existência anormal, um “zoostata
bi-sistemário”, quer dizer, dois conscientes independentes, a
Grande Natureza se adaptou pouco a pouco a isso tão bem
que em definitivo, a partir de uma certa idade, se efetuam neles
dois ritmos diferentes de “inkliatsanikshana” ou, como diriam
eles mesmos, dois tipos distintos de “circulação do sangue”.
A partir dessa idade, cada um dos “inkliatsanikshanas”
de ritmo diferente, ou cada uma dessas “circulações do san­
gue”, começa a provocar neles o funcionamento de um de seus
dois conscientes; e vice-versa, o funcionamento intenso de um
consciente provoca neles a “circulação de sangue” que lhe cor­
responde.
A diferença desses dois tipos independentes de “circula­
ção do sangue”, em sua presença geral, se deve ao que se cha­
ma a “circulação tempodavlaksherniana” ou, segundo a expres­
são empregada pela “medicina” deles, ã “diferença de plenitu­
de dos vasos sanguíneos”; quer dizer que nas condições do

547
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“estado de vigilia” o “centro de gravidade da pressão sanguí­


nea” em sua presença se encontra em urna parte do sistema
geral dos “vasos sanguíneos”, ao passo que nas condições do
estado passivo, encontra se em urna outra parte desses vasos.
O segundo tato, proveniente das condições anormais de
existência esseral de seus favoritos, é o seguinte: desde o apa­
recimento de seus descendentes, eles se esforçam intencional­
mente para adaptá-los às condições anormais que os circun­
dam, para fixar em suas localizações logicnesterianas, por to­
dos os meios possíveis, o maior número de impressões prove­
nientes exclusivamente das percepções artificiais devidas aos
resultados de sua anormal existência — e esta ação funesta que
eles têm sobre seus descendentes, eles a chamam “educação”.
O conjunto de todas essas percepções artificiais se isola então
pouco a pouco, na presença geral daqueles que eles educam, e
adquire seu funcionamento independente, que só está ligado
ao funcionamento de seu corpo planetário na medida em que
ele é indispensável para sua manifestação automática. E é este
conjunto de percepções artificiais que eles tomam agora, por
ingenuidade, como seu verdadeiro “consciente”.
Quanto aos dados sagrados depositados neles pela Gran­
de Natureza para o verdadeiro consciente esseral — que eles
também deveriam possuir desde o começo de sua preparação
para uma existência responsável, com as propriedades que lhe
são inerentes, e que engendram os verdadeiros impulsos esse­
rais sagrados chamados “Fé”, “Amor”, “Esperança” e “Cons­
ciência moral objetiva” —, eles se isolam por sua vez, pouco a
pouco, e, entregues a si mesmos, evoluem independentemente
das intenções dos seres responsáveis que os rodeiam, assim
como das de seus portadores, que os tomam pelo que eles cha­
mam o “subconsciente”.
Unicamente por culpa desta ação que eles exercem so­
bre seus descendentes — ação funesta, do ponto de vista ob­
jetivo, mas “benéfica” segundo sua ingênua compreensão

548
O HIPNOTISMO

subjetiva —, todos os dados sagrados depositados neles pela


Grande Natureza para constituir o verdadeiro consciente esse­
ral se isolam desde o princípio e permanecem, durante toda
sua existência, em um estado quase primitivo; e todas as im­
pressões inevitavelmente percebidas pelos seis “skernalitsioniks
esserais” — ou, segundo sua terminologia, pelos seis “órgãos
dos sentidos”, destinados, em sua presença, à percepção espe­
cífica de todo objeto exterior, e que eles estimam, diga-se de
passagem, que são apenas cinco — se localizam e, adquirindo
seu funcionamento independente, tomam pouco a pouco a pre­
ponderância em toda sua presença geral.
Embora esta “localização” de impressões acidentalmen­
te percebidas esteja neles e que eles experimentem sua ação,
ela não toma parte em nenhum funcionamento, qualquer que
seja, inerente a seu corpo planetário, nem tampouco na aquisi­
ção da “Razao objetiva” na presença deles.
Todas essas impressões, intencional ou acidentalmente
percebidas, a partir das quais se constitui essa localização —
que não deveriam ter servido neles senão como materiais para
a lógica confrontativa do verdadeiro consciente esseral, que
eles deveriam possuir—, dão efeitos acidentais, que lhes pare­
cem hoje, em sua ingenuidade, simples reflexos daquilo que
chamam seu “instinto animal” — que eles consideram, alias,
como insignificante.
Unicamente pelo fato de que seus favoritos, os contem­
porâneos sobretudo, ignoram completamente e nem mesmo sus­
peitam da necessidade de aplicar nem que fosse sua famosa
educação a esse subconsciente de seus descendentes — e fa­
zem sempre de tal modo que cada ser da jovem geração não
perceba senão impressões de fonte anormalmente artificial—,
quando um desses seres atinge a idade responsável, todos seus
julgamentos esserais e todas as deduções que deles tiram são,
então, puramente subjetivos. E esses julgamentos e deduções
não têm nenhuma relação nem com os verdadeiros impulsos

549
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

esserais que surgem nele, nem com os fenômenos cósmicos ge­


rais que é próprio à razao de todo ser tri-cerebral experimen­
tar, e por meio dos quais se estabelece um laço entre todos os
seres tri-cerebrais de Nosso Grande Universo, a lim de que
eles contribuam juntos para a realização do funcionamento
cósmico geral em razão do qual existe tudo quanto existe no
Universo.
Para ter uma melhor compreensão desse “estado psíqui­
co” particular, tão funesto para seus favoritos, você deve saber
que, em nossos dias ainda, eles vêm ao mundo com dados de
todo tipo para a aquisição de uma verdadeira Razão esseral, e
que sua presença não comporta, em seu aparecimento, nenhu­
ma das “implantações logicnesterianas” que, mais tarde, servi­
rão de base para a localização de seu “falso consciente” e para
seu funcionamento distinto. E só mais tarde, com efeito, quan­
do eles começam a se desenvolver e se preparam para se tornar
seres responsáveis, seja por eles mesmos, seja sob a direção in­
tencional do que se chama seus “pais" ou seus “professores”
— quer dizer, dos seres responsáveis que tomaram para si pre­
parar esses seres para uma existência responsável — que eles
não percebem mais e não fixam mais a não ser as impressões
que constituirão cm seguida os dados para os impulsos corres­
pondentes ás condições circundantes anormalmente estabeleci­
das. E, desde então, este “consciente” artificial se forma gradual­
mente neles, para acabar por predominar em sua presença geral.
Quanto ao conjunto dos dados espiritualizados localiza­
dos em sua presença com vistas ao verdadeiro consciente esse­
ral — que eles chamam o “subconsciente” —, como não pos­
suem nem adquirem nenhuma “implantação logicnestcriana”
que lhes permita confrontar e criticar, e como não têm, desde o
início, senão a possibilidade de suscitar os impulsos esserais
sagrados chamados “Fé”, “Amor”, “Esperança” e “Consciência
moral objetiva”, eles crêem sempre, amam sempre c esperam
sempre, qualquer que seja o objeto de suas novas percepções.

550
O HIPNOTISMO

Ora, meu filho, quando se consegue, modificando o rit­


mo de circulação do sangue deles, suspender temporariamente
a ação da localização de seu falso consciente, que se tornou o
“soberano amo” de sua presença geral — o que permite aos
dados sagrados de seu verdadeiro consciente de fusionar li­
vremente, durante seu estado de vigilia, com o conjunto do fun­
cionamento de seu corpo planetario —, se favorecermos então,
da maneira requerida, a cristalização de dados suscetíveis de
fazer surgir nesta localização uma idéia contraria ao que ali
está fixado, e que se dirige a ação provocada por esta idéia
sobre a parte desarmonizada de seu corpo planetário — se pode
suscitar nesta parte uma modificação acelerada da circulação
do sangue.
Durante o período da civilização tikliamuishiana, quan­
do os seres sábios do país de Maralpleissis constataram pela
primeira vez essa possibilidade de “combinações” de seu psi­
quismo geral, e quando procuraram se pôr uns aos outros, á
vontade, nesse estado especial, eles compreenderam e encon­
traram logo a maneira de obtê-lo com a ajuda do que se chama
“ghanbledzoíne esseral”, quer dizer, esta substância cósmica
cuja essência os seres tri-cerebrais da civilização contemporâ­
nea estiveram bem perto dc compreender e que eles chamaram
o “magnetismo animal”.
Visto que para compreender esse fato e, talvez, também
as explicações que seguirão você precisa conhecer em detalhe
o que é o “ghanbledzoíne”, acho necessário, antes de prosse­
guir, informá-lo sem demora sobre esta substância esseral.
O “ghanbledzoíne” não é outra coisa que o “sangue” do
“corpo kessdjan” do ser; e, assim como o conjunto de substân­
cias cósmicas chamado “sangue” serve à alimentação e à reno­
vação do corpo planetario do ser, da mesma forma o “ghan-
bledzoine” serve à alimentação e ao aperfeiçoamento do cor­
po kessdjan.
Você deve saber que, em geral, a qualidade de composição

551
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

do sangue — na presença geral de seus favoritos como na de


todos os seres tri-cerebrais — depende do número de corpos
esserais já completamente formados neles.
Na presença dos seres tri-cerebrais, o sangue pode ser
composto de substancias que provem da transformação de três
“fontes cósmicas de realização”, distintas e independentes.
As substancias da parte do sangue esseral, destinadas pela
Natureza a servir ao corpo planetario de um ser, provêm da
transformação das substancias do planeta onde se constitui e
existe este ser.
Mas as substancias destinadas a servir ao corpo kessdjan
do ser, e cujo conjunto tem o nome de “ghanbledzoine”, se
obtêm pela transformação dos elementos de outros planetas, e
do próprio sol do sistema que é o lugar de aparecimento e de
existência desse ser tri-cerebral.
Enfim, a parte de seu sangue esseral denominada quase
em toda parte “aïssakhladonn sagrado”, e que serve à parte
mais elevada do ser, chamada “alma”, se constitui, ela, a partir
das emanações de Nosso Mui Santo Sol Absoluto.
As substâncias necessárias â formação do sangue do cor­
po planetário dos seres penetram neles pelo primeiro alimento
esseral ou, como dizem seus favoritos, pelos “alimentos”.
As substâncias necessárias ao revestimento e ao aperfei­
çoamento do “corpo esseral superior kessdjan” penetram em
sua presença geral com o ar que eles absorvem pelo que eles
chamam a “respiração” e por certos “poros” de sua pele.
Quanto às substâncias cósmicas sagradas necessárias ao
revestimento do corpo esseral supremo — parte esseral sagra­
da que eles chamam, como já lhe disse, sua “alma” —, elas só
podem, neles como em nós, ser absorvidas, transformadas e
revestidas da maneira requerida por meio unicamente do pro­
cesso chamado “contemplação aïessiriturassiana”, que se rea­
liza em sua presença geral com a participação consciente de
suas três partes espiritualizadas independentes.

552
O HIPNOTISMO

Você compreenderá somente mais tarde tudo o que se


retere as substâncias cósmicas com as quais se revestem e se
aperfeiçoam os três corpos esserais independentes na presença
geral de alguns de seus favoritos quando eu lhe tiver explica­
do, como já prometi, as leis cósmicas fundamentais da criação
do mundo e da existência do mundo; entretanto, para melhor
esclarecer nosso tema, nos é desde agora necessário abordar
essa questão e explicar como se modificou neles a forma de
realização do “segundo alimento esseral”, que eles absorvem au­
tomaticamente.
No princípio, depois da destruição do órgão kundabuffer,
quando eles tinham, como todos os demais seres tri-cerebrais
de Nosso Grande Universo, uma existência “fulasnitamniana”,
esse segundo alimento esseral se transformava neles normal­
mente, e todos os principais elementos que o compõem — dos
quais uns são oriundos de transformações que se operam em
seu próprio planeta, e os demais em outras concentrações de
seu sistema solar, de onde afluem para a atmosfera deles —
eram assimilados por sua presença geral na medida correspon­
dente aos dados determinados já presentes neles. Quanto aque­
les elementos que compõem esse alimento que não podiam ser
utilizados por cada um desses seres, uma parte de seu exceden­
te passava automaticamente, como em nós, para a posse de se­
res eméritos que os rodeavam.
Porém mais tarde, quando a maioria deles se pôs a existir
de maneira indigna de seres tri-cerebrais, a Grande Natureza
foi obrigada a mudar sua existência “fulasnitamniana” em exis­
tência conforme ao princípio Itoklanotz. Desde então, as cris­
talizações determinadas, previstas pela Grande Natureza, que
constituem a parte mais importante do segundo alimento esse­
ral — e que, depois de ter sido absorvidas pelos seres, se trans­
formam em substâncias para o revestimento e o aperfeiçoamento
de seu “corpo esseral superior kessdjan” — cessaram pouco a
pouco na maioria deles, em razão de uma existência esseral

553
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

anormal, de ser absorvidas, seja conscientemente, seja automa­


ticamente, para os lins previstos.
E como essas substâncias transformadas em outras con­
centrações cósmicas, apesar disso, continuavam a afluir para a
atmosfera de seu planeta, apareceu entre seus infelizes favoritos,
durante os últimos séculos, uma nova “doença” cuja ação é
manifestamente nociva para eles.
Com efeito, nào sendo, de modo algum, utilizadas para
os fins a que são destinadas, essas cristalizações cósmicas de­
terminadas, no curso dos deslocamentos que se efetuam na at­
mosfera, se concentram em algumas de suas camadas e pene­
tram em cada um de seus favoritos em conformidade com as
condições exteriores circundantes e com o estado interior de
sua presença geral, estado que depende, aliás, ele mesmo, em
primeiro lugar, da forma de suas relações com os outros. Po­
rem, penetrando precisamente neles, como em aparelhos natu­
rais dc transmutação das substancias cósmicas com vistas ao
Mui Grande Trogoautoegocrata cósmico geral, e não encon­
trando ali o “substrato” correspondente âs exigências do pro­
cesso dc “djartklom”, essas cristalizações, no curso das evolu­
ções ou involuções ulteriores que necessita sua transformação
cm novas cristalizações próprias a esse planeta, e antes mesmo
que essa transformação esteja concluída, exercem sobre os cor­
pos planetarios, sob o efeito de diversos outros fatores aciden­
tais, a ação que caracteriza essa doença específica recentemen­
te surgida la.
Seus favoritos deram a essa doença, da qual acabo de
definir a causa específica, nomes que variaram segundo as épo­
cas e as diversas partes da superfície de seu planeta; hoje em
dia ainda, eles a chamam de diferentes maneiras e “elucubram”
explicações de todo tipo sobre sua origem.
Entre os múltiplos nomes dados a esta doença, os mais
difundidos são atualmente os de: “gripe”, “influenza”, “gripe
espanhola”, “dengue”, e outros.

554
O HIPNOTISMO

Quanto aos elementos do segundo tipo de alimento es­


seral cuja absorção se efetua ainda hoje em dia nesses seres, as
substancias que os constituem nâo servem mais, depois que
eles perderam a possibilidade de existir segundo o princípio
fulasnitamniano, a não ser para favorecer, por alguns de seus
componentes, a transformação do primeiro alimento esseral e
a expulsão, fora do corpo planetário, de certos elementos já
utilizados.

“Voltemos agora, meu filho, a esta propriedade psíquica


particular de seus favoritos e à maneira pela qual eu a aprovei­
tei para minhas atividades pessoais entre eles, na qualidade de
“médico especialista”.
O “hipnotismo”, esse ramo de sua “ciência”, como eles
gostam dc dizer, que só fez seu aparecimento e se tornou
oficial muito recentemente, veio a ser, no entanto, um dos sérios
fatores que obscurecem sempre mais o psiquismo da maioria
deles, já bastante obscurecido sem isso, e acaba por desregular
o funcionamento de seu corpo planetário.
Uma vez transformado em um desses profissionais ter­
restres que se chamam “médicos hipnotizadores”, eu me inte­
ressei por essa “ciência” oficial, de modo que mais tarde, quan­
do me dedicava às minhas investigações habituais a respeito de
diversas questões importantes, tais como os resultados da ati­
vidade do Mui Santo Ashyata Sheyimash, e que encontrava por
acaso algum ponto concernente a esse ramo de sua “ciência”,
esclarecia assim minha razão sobre esse “malfadado problema”.
As causas que provocaram automaticamente — como
sempre, aliás, hoje — o renascimento dessa ciência consistem
em dois fatos dos mais originais, e mesmo, como eles o diriam,
dos mais “picantes”, e não seria sem interesse, a meu ver, dar-
lhe alguns detalhes sobre este “renascimento”.
Os sábios contemporâneos afirmam que o promotor des­
sa ciência foi um certo professor inglês de nome Brade, e que

555
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

quem a desenvolveu foi o médico francês Charcot. Em realida­


de, isso sucedeu de modo totalmente diferente.
As investigações detalhadas a que me dediquei sobre
essa questão me informaram que o primeiro, Brade, apre­
sentava sintomas evidentes de propriedades hassnamussia­
nas, e o segundo, Charcot, as típicas particularidades de um
filho-de-papai.
E tipos terrestres desse gênero nunca teriam podido des­
cobrir alguma coisa absolutamente nova.

“De fato, as coisas se passaram da maneira seguinte:


Um certo abade italiano de nome Pedrini exercia as fun­
ções de “confessor” num convento de freiras.
Este abade via frequentemente em confissão uma freira
com o nome de Eufrosina.
Corria o rumor de que essa freira caía frequentemente
em um estado muito singular e, uma vez nesse estado, entre­
gava-se a manifestações que pareciam estranhas aos que a
rodeavam.
Na confissão, ela se queixou ao abade Pedrini de se sen­
tir em certos momentos “possuída pelo diabo”.
O que lhe contou esta freira, assim como todos os rumo­
res que corriam sobre ela, interessaram vivamente o abade Pe­
drini, que desejou constatar a coisa por si mesmo.
Um dia, durante a confissão, ele procurou por todos os
meios despertar a sinceridade da freira e conseguiu, entre ou­
tras coisas, saber que essa “criança do claustro” tinha um aman­
te, que a havia presenteado com seu retrato numa belíssima
moldura, e que, durante os períodos de “folga” entre suas pre­
ces, ela se abandonava a contemplar a imagem de seu “bem-
amado”; e era precisamente durante esses períodos de “folga”
que ela se sentia, como dizia, “possuída pelo diabo”.
Esse relato feito com toda franqueza pela freira excitou
mais o interesse do abade Pedrini, que resolveu descobrir,

556
O HIPNOTISMO

custasse o que custasse, a razão desse lato; ele pediu então ã


freira Eufrosina que lhe trouxesse sem falta, na vez seguinte, o
retrato de seu bem-amado, em sua moldura.
E na vez seguinte, na confissão, a freira veio com o retrato.
Este não tinha por si mesmo nada de extraordinário, mas
a moldura era uma pura maravilha, toda incrustada de “nácar”
e de pedras coloridas.
Ora, enquanto o abade e a freira examinavam ambos o
retrato e sua moldura, o abade se apercebeu, de repente, que a
freira estava tomada por alguma coisa de singular.
Ela tinha em primeiro lugar empalidecido, havia ficado
alguns instantes como que petrificada, depois apresentara su­
bitamente manifestações que lembravam, em todos seus deta­
lhes, aquelas às quais se entregam os recém-casados durante o
que se chama sua “noite de núpcias”.
Depois de ter visto isso, o abade Pedrini se sentiu ainda
mais inflamado pelo desejo de explicar-se as causas dessa ma­
nifestação surpreendente.
Quanto à freira, duas horas após os primeiros sintomas
desse estado singular, voltava a si como se nada tivesse aconte­
cido, não sabendo nada e nem se lembrando de nada do que se
passara.
O abade Pedrini não estava em condições de decifrar por
si só esse fenômeno. Dirigiu-se então a um de seus amigos, um
certo doutor Bambini.
Quando o abade Pedrini expôs o caso em detalhe ao dou­
tor Bambini, este se interessou por ele vivamente, por sua vez,
e se puseram ambos ao trabalho para elucidar a questão.
Tentaram em primeiro lugar diversas experiências de ve­
rificação com a freira Eufrosina, e notaram ao cabo de várias
“sessões”, como se diz por lá, que a freira caía sempre nesse
estado singular quando seu olhar se detinha um pouco mais
em uma das brilhantes pedras de cor que ornavam a moldura
— aquela que se chama “turquesa da Pérsia”.

557
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Prosseguindo suas pesquisas, eles experimentaram essa


“turquesa da Pérsia” em outras pessoas e não tardaram a se
convencer categoricamente de que quase todos os seres tri-ce­
rebrais, sem distinção de sexo, se olhavam um pouco mais uma
certa espécie de objetos brilhantes e cintilantes, caíam logo num
estado parecido ao da freira; além disso, eles observaram que
as manifestações próprias a esse estado tomavam formas dife­
rentes em cada um e dependiam das emoções esserais predo­
minantes que o indivíduo havia experimentado antes, assim
como do objeto brilhante com o qual se havia por acaso esta­
belecido um laço no momento dessas emoções.
Ora, meu filho, assim que a notícia das observações, de­
duções e experiências desses dois seres originários da comuni­
dade da Itália se propagou entre os sábios contemporâneos de
“nova formação”, estes últimos se puseram a procurar “meio-
dia às duas da tarde” a esse respeito; e quando souberam en­
fim, por acaso, como sempre acontece com eles, que nesse es­
tado era possível trocar instantaneamente as impressões anti­
gas por novas, alguns deles utilizaram essa propriedade psíqui­
ca particular, inerente aos homens, para fins médicos.
Eles chamaram a partir de então esse modo de cura “tra­
tamento hipnótico”, e os seres que aplicam esse modo de cura,
“médicos hipnotizadores”.
Mas a questão de saber o que é esse estado e por que os
homens caem nele ficou sem solução até hoje.
Desde então surgiram lá, às centenas, “teorias” de todo
tipo, que ainda hoje são reconhecidas; por outro lado, milha­
res de grossos volumes foram consagrados a essa questão, obs-
curecendo ainda mais a razão, já bastante obscura sem isso,
dos seres tri-cêntricos ordinários desse desafortunado planeta.
Este ramo de sua ciência lhes foi, talvez, ainda mais ne­
fasto do que as invenções fantásticas dos antigos pescadores
helénicos e dos seres atuais da comunidade da Alemanha.
Graças a ele, o psiquismo dos seres ordinários desse

558
O HIPNOTISMO

desafortunado planeta se enriqueceu ao máximo de algumas


novas formas de “kalkalis esserais”, quer dizer, de “tendências
essenciais”, que tomaram a forma de ensinamentos precisos
existentes lá com os nomes de “anoklinismo”, “ darvinismo ”,
“antroposofismo”, “teosolismo” e muitos outros cujos nomes
terminam todos em “ismo”, os quais ocasionaram o desapare­
cimento detinitivo de dois dados de sua presença que lhes per­
mitiam ser, por pouco que fosse, tal como convém a seres tri-
cêntricos.
Esses dados essenciais, que eles possuíam ainda recente­
mente, engendravam neles os impulsos esserais que eles cha­
mam “sentimento patriarcal” e “sentimento religioso”.
Esse ramo de sua ciência contemporânea foi causa não
somente do aparecimento em sua presença geral de novos
“kalkalis” funestos, mas também, para numerosos deles, do
desregulamento de seu psiquismo, cujo funcionamento era efe­
tivamente bastante anormal sem isso, e que havia muito tempo
já sofria, para a maior desgraça deles, de uma desarmonia que
ia até â “cacofonía alnokuriana”.
Você se dará perfeitamente conta disso se eu lhe disser
que na época em que eu existia num continente chamado Eu­
ropa, praticando de novo ali a medicina na qualidade de “mé­
dico hipnotizador”, perto da metade de meus pacientes devia
seus males à intensa propagação dessa ciência funesta.
Com efeito, grande número de seres ordinários de lá, que
haviam lido as teorias fantásticas de todo tipo, escritas sobre
esse assunto por esses “sábios de nova formação”, se apaixo­
nou por suas fantasmagorías e, assim, tentaram se pôr uns aos
outros nesse estado hipnótico, até serem obrigados a se tornar
meus clientes.
Entre esses doentes se encontravam mulheres a quem seus
maridos, tendo lido por acaso essas obras, queriam sugerir seus
desejos egoístas, assim como filhos de pais insensatos, homens

559
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

dependentes, ou como se diz por lá, “sob o chinelo de sua aman­


te”, e assim por diante.
E tudo isso porque esses sabios funestos de “nova forma­
ção” haviam se posto a elucubrar teorias hassnamussianas a
respeito desse triste estado.
Nenhuma das teorias existentes atualmente sobre a ques­
tão do hipnotismo corresponde, por pouco que seja, à realidade.
Por exemplo, nos últimos tempos de minha estada nesse
desafortunado planeta, começava a desabrochar um novo meio
funesto de exercer sobre o psiquismo dos seres de lá a mesma
ação que tinha anteriormente, e que tem ainda hoje, esse ramo
de sua ciência denominado “hipnotismo”.
Este novo meio é chamado “psicanálise”.
Você deve absolutamente saber, meu filho, que quando
os seres da civilização tikliamuishiana constataram pela primeira
vez essa singular propriedade psíquica, e compreenderam que
ela permitia a destruição de certas propriedades particularmente
indignas deles, eles consideraram o processo que consiste em
provocar este estado em um outro, como um processo sagrado,
e o realizaram exclusivamente em seus templos em presença de
todos os fiéis reunidos.
Ao contrário, seus favoritos atuais não sentem mais em
sua presença o menor “impulso esseral de contrição” diante
dessa propriedade, e não somente não consideram de forma
alguma como “sagrada” a manifestação concentrada, quando
ela é provocada propositadamente em caso de necessidade,
senão que se servem mesmo dela até como meio para “atiçar”
certas consequências, definitivamente fixadas neles, das pro­
priedades do órgão kundabufter.
Por exemplo, mesmo quando se reúnem para celebrar
algum “rito patriarcal”, como um “casamento”, um “batismo”,
um “aniversário” etc., um de seus maiores divertimentos é ten­
tar se pôr uns aos outros nesse estado.
Por sorte, eles não conhecem — e não conhecerão, aliás,

560
O HIPNOTISMO

esperamos, jamais — nenhum outro meio que aquele que des­


cobriram pela primeira vez esses seres da comunidade da Ita­
lia, o abade Pedrini e o doutor Bambini, e que consiste em
olhar fixamente um objeto brilhante, cujo resplendor permite
efetivamente fazer cair alguns deles, como já lhe disse, nesse
“estado de manifestação concentrada”.

561
Capítulo 33
Belzebu hipnotizador
de profissão

E Belzebu retomou seu relato:


— Assim entao, ao existir entre seus favoritos na quali­
dade de hipnotizador profissional, prossegui minhas experien­
cias sobre o psiquismo deles, servindo-me principalmente des­
se estado particular que os seres atuais de lá chamam “estado
hipnótico”.
Para colocá-los nesse estado, recorrí em primeiro lugar à
ação que exerciam uns sobre os outros, com este mesmo lim,
os seres do período da civilização tikliamuishiana, quer dizer,
eu agia sobre eles por meio do meu próprio “ghanbledzoïne”.
Porém mais tarde, como o impulso esseral chamado
“amor por seus semelhantes” havia se posto a surgir frequente­
mente em minha presença, precisei efetuar esse processo em
grande número de seres tri-cerebrais de lá, não mais somente
para minha meta pessoal, mas desta vez com vistas ao próprio
bem deles, e, por esse meio mostrar-se desde então muito
prejudicial para minha existência esseral, imaginei um outro
que me permitiu obter o mesmo efeito, sem gastar meu pró­
prio “ghanbledzoïne”.
Minha invenção — que pus de imediato em prática —
consistia em modificar rapidamente essa “diferença de pleni­
tude dos vasos sanguíneos” de que falei, fazendo obstáculo de
uma certa maneira à livre circulação do sangue em certos vasos.
BELZEBU HIPNOTIZADOR

Graças a essa intervenção eu chegava, sempre mantendo


o ritmo já automatizado de circulação do sangue, próprio ao
“estado de vigília” deles, a fazer funcionar ao mesmo tempo,
nesses seres, o verdadeiro consciente, quer dizer, o que eles
chamam seu subconsciente.
Esse novo meio se revelou, sem dúvida, incomparavel­
mente superior àquele que empregam ainda hoje em dia os se­
res do seu planeta e que consiste em obrigar o sujeito que eles
hipnotizam a olhar um objeto brilhante.
Por certo se pode, como já lhe disse, colocá-los nesse es­
tado psíquico fazendo-os fixar um objeto brilhante ou cinti­
lante, mas isso nào dá resultado com todos os seres de lá, longe
disso. Com efeito, mesmo se em sua circulação geral a “dife­
rença de plenitude dos vasos sanguíneos” se modifica quando
eles fixam um objeto brilhante, o fator principal desta mudan­
ça reside, no entanto, numa concentração, voluntária ou auto­
mática, de pensamento e de sentimento.
E essa concentração só pode ser obtida graças a uma
expectativa muito intensa, ou por um processo que se efetua
neles e que eles expressam pela palavra “fé”, ou ainda pela
emoção de medo diante de alguma coisa iminente, ou enfim
pelo desenrolar dessas “paixões”, tais como “odio”, “amor”,
“volúpia”, “curiosidade”, e outras, cujo funcionamento se tor­
nou inerente à presença desses seres.
E por isso que, nos seres que lá chamam “histéricos” e
que perderam por um tempo, se nao para sempre, toda facul­
dade de concentração de “pensamento” e de “sentimento”, é
impossível, pela fixação de um objeto brilhante, provocar uma
“diferença de plenitude dos vasos sanguíneos” — impossível,
por conseguinte, desencadear neles o “estado hipnótico”.
Ao contrário, com o procedimento de minha invenção,
quer dizer, por uma ação determinada sobre os “vasos sanguí­
neos”, eu podia pôr nesse estado não somente qualquer um
desses seres tri-cerebrais que lhe interessam, mas também

563
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

numerosos seres uni-cerebrais e bi-cerebrais de lá, entre ou­


tros diversos “quadrúpedes”, “peixes”, “pássaros”, e assim
sucessivamente.
Quanto a esse impulso de amor por meus semelhantes,
que me obrigou a procurar um novo meio de conduzir seus
favoritos a esse estado que se tornara próprio a eles, apareceu
em mim para aí chegar a ser pouco a pouco predominante so­
bretudo porque, na época de minha atividade médica, os seres
tri-cerebrais ordinários de lá, qualquer que fosse sua casta, se
puseram logo, um pouco por toda parte, a me amar e a me
estimar, considerando-me quase como se eu lhes tivesse sido
enviado d’O-Alto para ajudá-los a se libertar de seus pernicio­
sos hábitos; em suma, eles se puseram a manifestar em relação
a mim impulsos esserais sinceros de “oskolniku”, ou, como eles
mesmos o dizem, de “gratidão” e de “reconhecimento”.
E não eram apenas os que eu salvara, nem somente seus
próximos que me testemunhavam esse “oskolniku esseral” ou
“reconhecimento”, mas quase todos aqueles que, de perto ou
de longe, tinham tido de tratar comigo, ou que tinham ouvido
falar de mim, com a única exceção desses profissionais que lhes
serviam de médicos.
Estes últimos, ao contrário, detestavam-me com todas suas
forças e se empenhavam em comprometer as boas relações que
eu tinha com os seres ordinários; detestavam-me, aliás, pela
simples razão que eu tinha bem depressa me tornado para eles
um concorrente sério.
E, para dizer a verdade, eles tinham por que me detestar,
já que, alguns dias apenas após minha estréia na carreira médi­
ca, eu já tinha diariamente centenas de doentes para minha
consulta e centenas de outros que procuravam tornar-se meus
clientes, enquanto meus pobres concorrentes viam-se na obri­
gação de esperar ao longo do dia, sentados em seus famosos
“consultórios”, que algum paciente quisesse bem cair em suas
mãos como uma “ovelha desgarrada”.

564
BELZEBU HIPNOTIZADOR

E, se eles esperavam com tanta impaciência essas “ove­


lhas desgarradas”, é porque algumas dentre elas se convertem
por vezes no que chamam de “vacas leiteiras”, que os médicos
ordenham, como se tornou de uso lá, para lhes fazer dar o que
eles designam com o nome de “grana”.
Para defesa deles, devo aliás, com toda justiça, acrescen­
tar que sem essa “grana” é cada vez mais impossível existir lá
nesses últimos tempos, e sobretudo para essa espécie de seres
tri-cerebrais que são seus famosos médicos atuais.

“Ora, meu filho, exerci em primeiro lugar minha ativida­


de de médico hipnotizador, como já lhe disse, no centro do
continente da Asia, em diversas cidades do Turquestão.
Comecei por residir nas cidades da parte do Turquestão
que foi chamada mais tarde “Turquestão chinês”, em oposição
à parte chamada “Turquestão russo”, depois de sua conquista
pelos seres da grande comunidade da Rússia.
Nas cidades do Turquestão chinês, fazia-se grandemente
sentir a necessidade de médicos de minha espécie, visto que,
naquele período, tinham se desenvolvido, mais intensamente
do que nunca, entre os seres tri-cerebrais que povoavam essa
região da superfície de seu planeta, dois dos perniciosos “hábi­
tos orgânicos” que haviam se tornado próprio aos seres desse
desafortunado planeta adquirir em sua presença.
Um desses funestos hábitos orgânicos consistia em “fu­
mar opio”, o outro em “mascar anash” ou, como se diz ainda,
“haxixe”.
O “ópio”, como você já sabe, é extraído da flor da pa­
poula, e o “haxixe”, de uma formação supraplanetária, lá cha­
mada “tchakla” ou “cânhamo”.
Minha existência transcorreu, então, antes de tudo, du­
rante esse período de minha atividade, em diversas cidades do
Turquestão chinês, porém mais tarde as circunstâncias me le­
varam a residir de preferência nas cidades do Turquestão russo.

565
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Nos seres que povoavam as cidades do Turquestao rus­


so, o primeiro desses perniciosos hábitos — ou, como cíes di­
zem as vezes, desses “vícios” —, o de turnar opio, era dos mais
raros, e a “mastigação” do “anash” tinha feito ali muito menos
estragos que em outros lugares. Em compensação, o uso do
que se chama a “vodca” russa estava lá em pleno florescimento.
Este produto funesto é tirado principalmente de urna
formação supraplanetária que tem o nome de “batata”.
Não somente o uso dessa “vodca”, como o do “opio” e
do “anash”, torna o psiquismo dos desafortunados seres tri-
cerebrais de lá absolutamente “galimatizado”, como, além dis­
so, ocasiona a degeneração gradual de certas partes importan­
tes de seu corpo planetario.
Deixe-me lhe dizer a este respeito que toi precisamente
no início de minha atividade entre seus tavoritos que estabele­
cí, com o tim de melhor orientar minhas pesquisas sobre seu
psiquismo, as “estatísticas” pelas quais se interessaram viva­
mente depois certos Mui Grandes Santos Individuuns cósmi­
cos do mais alto grau de Razão.

“Ora, meu tilho, enquanto eu existia na qualidade de mé­


dico entre os seres que povoavam as cidades do Turquestao,
tive de trabalhar com uma tal intensidade, sobretudo nos últi­
mos tempos, que certas tunções de meu corpo planetario vie­
ram mesmo a se alterar com isso.
Comecei então a refletir sobre o meio de abandonar toda
ocupação, ao menos por um certo tempo, e dc nada fazer além
de repousar.
Certamente eu teria podido, com este fim, retornar ao
planeta Marte, mas então ergueu-se diante dc mim meu pró­
prio “dimtsoniro” individual, quer dizer, meu dever esseral para
com a “palavra de essência” que me havia dado.
Com efeito, eu me havia dado minha “palavra de essên­
cia”, bem no início de minha sexta descida, dc existir entre

566
BELZEBU HIPNOTIZADOR

sens favoritos até que tivesse definitivamente esclarecido mi­


nha razão sobre todas as causas da formação gradual, em sua
presença geral, desse psiquismo esseral tão singular.
Ora, como eu não tinha ainda alcançado a meta que me
havia jurado atingir, já que não chegara até então a conhecer
todos os detalhes necessários ao esclarecimento completo
da questão, considerei um retorno ao planeta Marte como
prematuro.
Mas quanto a permanecer no Turquestao e ali organizar
minha existência de maneira a poder dar a meu corpo planeta
rio o repouso necessário, era impossível, pois em quase todos
os seres que povoavam essa parte da superfície de seu planeta
— do Turquestao russo ao Turquestão chinês — já haviam se
cristalizado, seja por percepções pessoais, seja segundo descri­
ções, dados suficientes para reconhecerem minha aparência ex­
terior; ora, cada um dos seres ordinários daquela região expe­
rimentava a necessidade de conversar comigo de si mesmo ou
de seus próximos, a respeito destes ou daqueles “vícios perni­
ciosos” e dos meios de se livrar deles — meios nos quais por
acaso me tornara um especialista sem precedentes.
Em conseqüência do plano que concebí então, depois
realizei, para escapar a essa situação, o Turquestao — em rela­
ção ao qual se fixaram então em minha presença dados que
tornaram para sempre sua lembrança agradável — deixou de
ser o lugar permanente de minha existência em seu planeta
durante o período de minha última estada. E desde então as
cidades de sua “famosa” Europa, com seus cafés onde lhe ser­
vem um “líquido negro” de procedência duvidosa, substituí­
ram completamente para mim as cidades orientais com seus
“tchaikhanês” e seus deliciosos chas aromáticos.
Resolví ir ao país do continente da Africa que eles cha­
mam Egito.
Escolhí o Egito porque este país era verdadeiramente,
naquela época, um lugar de repouso ideal. É por isso que

567
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

numerosos seres tri-cerebrais “abastados”, como eles dizem,


vinham ali de todos os outros continentes.
Logo que cheguei, fixei-me em uma cidade chamada “Cai­
ro”, onde organizei rapidamente a forma exterior de minha exis­
tência ordinaria de maneira a gozar do repouso que reclamava
meu corpo planetario depois de um labor assíduo e intensivo.
Você se lembra? Já lhe disse que tinha ido pela primeira
vez ao Egito por ocasião de minha quarta descida à superfície
de seu planeta, onde fora para capturar, com a ajuda de varios
seres de nossa tribo que existiam lá, um certo número desses
“mal-entendidos” surgidos por acaso, e que eles chamam “ma­
cacos”; eu lhe contei mesmo ter visitado ali numerosos edifícios
de arte muito interessantes, erigidos pelos seres do país, edifí­
cios entre os quais se encontrava o original observatorio desti­
nado ao estudo das concentrações cósmicas e que tanto excita­
ra minha curiosidade.
Em minha sexta descida, não restava quase mais nada
desses numerosos e interessantes edifícios dos tempos passados.
Eles tinham sido destruídos pelos seres de lá durante suas
“guerras” e suas “revoluções” ou recobertos pelas areias.
As areias provieram, aqui, dos grandes ventos, de que
igualmente lhe falei, assim como de um tremor de planeta que os
seres do Egito chamaram depois “tremor de terra alnepussiano”.
Durante esse tremor de planeta, uma ilha então chamada
“Siapura”, situada ao norte da que existe ainda em nossos dias
com o nome de “Chipre”, afundou gradualmente, de maneira
muito original, no interior do planeta, no espaço de cinco de
seus anos, e, enquanto durou esse processo, extraordinarios
“fluxos” e “refluxos” se produziram nas grandes extensões “sa-
liakuriapianas” circundantes, depositando sobre a terra firme
enormes massas de areia que se misturaram com as que tinham
sido trazidas pelos ventos.
Mas veja, meu filho, enquanto eu lhe falava do Egito e de
todas essas coisas, fui me dando conta pouco a pouco, até disso

568
BELZEBU HIPNOTIZADOR

tomar consciência com todo meu ser, de que eu cometera um


erro imperdoável no curso de meus relatos sobre os seres tri-
cerebrais que povoam o planeta Terra.
Eu lhe disse uma vez, talvez você se lembre, que nenhum
dos resultados atingidos pelos seres das gerações passadas ja­
mais chegou aos seres das gerações seguintes.
E bem aí, vejo-o agora, que residia meu erro.
Durante meus relatos precedentes sobre os seres que lhe
agradam, nem uma só vez passou por minhas associações esse­
rais a lembrança do acontecimento que se produziu na véspera
mesma do dia em que eu levantava voo da superfície de seu
planeta para sempre, e que prova que certos resultados alcan­
çados pelos seres dos tempos remotos chegaram, no entanto,
até seus favoritos contemporâneos.
A emanação de alegria que suscitaram então em mim a
graça concedida por Nosso Todo-Poderoso e Infinitamente Jus­
to Criador Eterno e o favor que Ele me outorgava de retornar
ao lugar mesmo de meu advento me impediu provavelmente
de perceber essa impressão com suficiente força para que, nas
partes correspondentes de meu Todo integral, se cristalizas­
sem inteiramente os dados suscetíveis de engendrar nos seres,
no curso das associações esserais provocadas pelas manifesta­
ções de mesma fonte, a repetição do que já foi experimentado.
Mas agora que me pus a falar desse Egito contemporâ­
neo, e que ressuscita aos olhos da minha essência a imagem
de certas regiões que me agradaram nessa parte da superfície
de seu planeta, as fracas impressões que eu havia guardado
daquele acontecimento se revestem pouco a pouco em mim de
uma certa consciência e me voltam claramente à memoria.
Antes de lhe relatar esse acontecimento, que só poderia
ser qualificado de lamentavelmente trágico, devo falar uma vez
mais, para lhe dar uma imagem mais ou menos clara, desses seres
tri-cerebrais do continente da Atlântida que haviam constituído
a sociedade científica que tinha o nome de Akhldann.

569
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Certos membros dessa sociedade, que já tinham alguma


noção do Okidanokh sagrado onipresente, descobriram, após
um labor assíduo, como extrair sucessivamente de sua atmos­
fera, assim como de diversas formações supraplanetárias, cada
uma das santas partes do Okidanokh, depois como conservar
sob uma forma concentrada essas santas substâncias cósmicas
“portadoras de forças” e, enfim, como utilizá-las para suas pes­
quisas científicas experimentais.
Os membros dessa grande sábia sociedade chegaram ain­
da, entre outras coisas, a se servir da terceira parte separada­
mente localizada do Okidanokh onipresente — a santa “força
neutralizante” ou “força de conciliação” — para levar toda for­
mação planetária “orgânica” a um estado tal que sua presença
conservasse para sempre todos os elementos ativos que nela se
encontrassem no momento dado; dito de outra maneira, eles
podiam suspender, e até mesmo deter completamente, sua ine­
vitável “decomposição”.
O conhecimento desse poder de realização se transmitiu
por herança a certos seres do Egito, mais precisamente aos se­
res iniciados que foram os descendentes diretos dos membros
sábios da sociedade dos akhldanneses.
Ora, vários séculos após o desastre da Atlântida, os seres
desse Egito, baseando-se em conhecimentos que vieram até eles,
chegaram a saber conservar para a eternidade — sempre por
meio da santa “força neutralizante” do Okidanokh sagrado —
os corpos planetários de alguns dentre eles, sem que se cor­
rompessem nem se decompusessem após o “ raskuarno sagra­
do”, ou, como eles o dizem, depois de sua “morte”.
De tato, meu filho, por ocasião de minha sexta visita a
esse planeta, nenhum dos seres que povoavam o Egito no tem­
po de minha primeira estada nesse país, nem nada do que ha­
via ali então existia mais e ninguém guardara a menor noção
disto. Mas os corpos planetários aos quais eles tinham aplicado

570
BELZEBU HIPNOTIZADOR

seu procedimento haviam permanecidos intactos; eles existem


lá ainda hoje.
Aqueles corpos planetarios permanecidos intactos rece­
beram dos seres atuais o nome de “múmias”.
Os seres do Egito transformavam os corpos planetarios
em “múmias” dc maneira muito simples. Mantinham o corpo
planetario destinado a ser mumificado no que chamam lá de
“óleo de rícino”, e isto durante duas semanas mais ou menos,
depois introduziam nele a santa “substância-iorça”, após tê-la
dissolvido de maneira apropriada.
Ora, meu lilho, aconteceu que um dia — assim como fui
informado, depois dc minha partida definitiva da superfície de
seu planeta, por um eterograma que relatava as pesquisas e
investigações de um de nossos compatriotas que existem ainda
hoje la — a existência de um de seus “faraós” terminou justo
no início dc um processo de destruição mútua entre os seres da
comunidade do Egito e os das comunidades vizinhas, e os que
estavam encarregados de colocar os corpos dos seres eméritos
em estado de se conservar eternamente não tiveram, de modo
algum, a possibilidade, cm razão do ataque inimigo, de manter
o corpo planetario desse faraó no óleo de rícino por tanto tem­
po quanto seria necessário, quer dizer, durante duas semanas.
Eles puseram, no entanto, o corpo no óleo de rícino e o encer­
raram numa cámara herméticamente fechada; depois do que,
tendo dissolvido a santa substância-força de uma certa manei­
ra, fizeram-na penetrar ela também nessa câmara, para obter
dela o resultado desejado.
Aconteceu que esta “santa-força”, realizando efetivamen­
te o que eles haviam esperado, se conservou nessa câmara her­
méticamente fechada, como isso se produz sempre sob a ação
do que chamam “catalisadores”, e se manteve em sua integri­
dade até muito recentcmentc.
Esta “coisa” sagrada teria permanecido em estado puro,
durante longos séculos, em meio de seres tri-cerebrais que, em

571
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

sua essência, já há muito tempo nào têm mais nenhuma “vene­


ração” por nada. Mas, por ter uma paixão criminosa surgido
na presença desses “inconscientes sacrílegos” contemporâ­
neos, engendrando neles a necessidade de ir atormentar até os
santos seres das gerações passadas, eles nem mesmo hesitaram
em empreender escavações para abrir aquela câmara, que de­
veriam ter considerado como um tesouro sagrado, altamente
venerado, e ioi assim que eles se entregaram â profanação cu­
jos resultados me levam neste momento, com todo meu ser, a
tomar consciência de meu erro — erro que consistiu em lhe
dizer com toda segurança que nada chegou dos seres das épo­
cas recuadas aos seres da civilização atual, enquanto este acon­
tecimento, ocorrido em nossos dias no Egito, é precisamente a
consequência de um dos resultados alcançados por seus ances­
trais no continente da Atlântida.
Eis a razão pela qual este resultado das aquisições científi­
cas feitas pelos seres das épocas mais recuadas chegou aos se­
res atuais e faz agora parte de seu patrimônio:
Você já deve saber, meu querido Hassin — como o sa­
bem, qualquer que seja seu grau de inteligência esseral, todos
os seres responsáveis de Nosso Grande Universo, e mesmo
aqueles que só estão ainda na segunda metade de sua prepara­
ção para a idade responsável —, que a essência da presença do
corpo planetário de toda criatura, como de toda unidade cós­
mica, grande ou pequena, “relativamente independente”, deve
ser constituída pelas três santas substâncias-forças, nela locali­
zadas, do Triamazikamno sagrado, quer dizer, das substâncias-
forças da Santa Afirmação, da Santa Negação e da Santa Con­
ciliação, e que ela deve mantê-las continuamente em um esta­
do de equilíbrio apropriado. E se, por uma razão ou por outra,
as vibrações de uma dessas três forças santas penetram em ex­
cesso numa presença qualquer, esta sofre fatal e inelutavelmente
o “raskuarno sagrado”; em outros termos, a total destruição de
sua existência ordinária.

572
BELZEBU HIPNOTIZADOR

Ora, meu filho, como já lhe disse, quando apareceu, na


presença de seus favoritos atuais, uma necessidade criminosa
de atormentar até as relíquias de seus ancestrais, e certos deles,
para satisfazê-la, chegaram até mesmo a cometer a perversida­
de de abrir aquela câmara herméticamente fechada, a santa
substância-força da Santa Conciliação, isoladamente localiza­
da nesse lugar, não tendo o tempo de se dissolver no espaço,
penetrou na presença desses homens e ali se manifestou segun­
do a propriedade, conforme às leis, que lhe é inerente.
Eu não direi nada agora sobre a maneira pela qual o psi­
quismo dos seres tri-cerebrais que povoam essa terra firme da su­
perfície de seu planeta chegou a degenerar, nem sob que forma.
Eu lhe explicarei talvez também no momento oportuno;
por enquanto, voltemos ao nosso tema interrompido.
No Egito, meu programa de existência exterior consis­
tia, entre outras coisas, em ir cada manhã dar um passeio na
direção do que chamam as “Pirâmides” e a “Esfinge”.
Essas “Pirâmides” e essa “Esfinge” eram os únicos e las­
timáveis vestígios, permanecidos por acaso intactos, dos ma­
jestosos edifícios de arte erigidos por gerações de mui grandes
akhldanneses e pelos grandes ancestrais dos seres desse Egito,
edifícios que vi construir com meus olhos durante minha quar­
ta estada em seu planeta.
Quase não tive a ocasião de me repousar no Egito, pois
as circunstâncias logo me obrigaram a deixar o país.
Essas circunstâncias foram, aliás, a razão pela qual as ci­
dades do querido Turquestao, com seus confortáveis “tchaí-
khanês”, passaram a ser substituídas dali em diante, para mim,
como já lhe disse, pelas cidades de seu famoso centro de cultu­
ra contemporâneo, o continente da Europa, com seus não me­
nos famosos “cafés-restaurantes”, onde oferecem a você, em
lugar do chá verde aromático, um líquido negro, que ninguém
saberia dizer do que é tirado...

57)
Capítulo 34
Belzebu na Rússia

OS acontecimentos que se produziram durante essa últi


ma de minhas estadas pessoais na superficie do planeta Terra,
e que estào ligados à forma anormal tie existencia esseral ordi­
naria de seus favoritos, assim como a quantidade de pequeños
incidentes que me revelaram os detalhes característicos do es­
tranho psiquismo deles, começaram assim.
Uma manha, durante um de meus passeios as “Pirâmi­
des”, um desconhecido, de meia-idade, cuja aparência nào lem­
brava em nada a de um nativo, aproximou-se dc mim e, depois
de ter me cumprimentado segundo os costumes de lá, dirigiu-
me as palavras seguintes:
“Doutor! O senhor me fará talvez o favor de me aceitar
como companheiro durante seus passeios matinais? Notei que
o senhor passeia sempre sozinho nestes lugares. Gosto muito,
eu também, de vir aqui de manha e, como estou, como o se­
nhor, absolutamente sozinho no Egito, tomo a liberdade de lhe
propor minha companhia.
Como as vibrações de sua radiação nào eram demasiado
“otkaluparianas” em relação as minhas — quer dizer, ele me
parecia “simpático”, segundo a expressão de seus favoritos —
e eu mesmo já pensara em estabelecer com alguém relações
que me permitissem repousar por vezes de um “pensar ativo”
por meio de conversas em que daria livre curso às minhas as­
sociações, aceitei de imediato sua proposta e desde aquele dia
passei com ele o tempo de meus passeios matinais.
A RÚSSIA

Depois de travar mais amplo conhecimento, soube desse


estrangeiro que ele pertencia à grande comunidade que tem o
nome de “Rússia” e que ele era, entre seus compatriotas, um
importante “detentor de poder”.
Durante nossos passeios, nossas conversas logo se volta­
ram de preferência, não sei por que, para a falta de vontade
dos seres tri-cerebrais e para as indignas fraquezas que eles
mesmos chamam “vícios”, fraquezas a que se habituam muito
rapidamente, sobretudo em nossos dias, e que acabam por se
tornar a única base sobre a qual se fundamenta sua existência,
assim como a qualidade de suas manifestações esserais.
Um dia, durante uma dessas conversas, ele se virou de
súbito para mim e me disse:
“Sabe o senhor, caro doutor, que em minha pátria se de­
senvolveu consideravelmente e se propagou nestes últimos tem­
pos, em todas as classes, a paixão pelo álcool? E esta paixão, o
senhor não o ignora, conduz cedo ou tarde a formas de rela­
ções recíprocas que terminam geralmente, como o mostra a
historia, na destruição dos costumes seculares e das aquisições
da sociedade.
“E por isso que vários dentre os mais clarividentes de
meus compatriotas, tendo enfim compreendido toda a gravi­
dade da situação que se havia criado no país, reuniram-se re­
centemente a fim de encontrar os meios de conjurar toda con­
sequência catastrófica. Para levar a bom termo sua tarefa, re­
solveram durante a sessão fundar uma sociedade com o nome
de “Comitê de proteção da sobriedade do povo” e me colocar
na chefia desse empreendimento.
“Hoje em dia, a atividade desse “comitê” encarregado
de tomar medidas contra essa chaga nacional está em plena
efervescência.
“Já fizemos muito, e temos ainda muito a fazer.”
Depois, refletiu um instante e prosseguiu:
“Agora, meu caro doutor, se o senhor me perguntasse

575
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

minha opinião pessoal sobre os resultados que se pode esperar


de nosso Comitê, para falar com franqueza, embora eu seja o
diretor, ficaria muito embaraçado de dizer sobre eles qualquer
coisa de bom.
“No que concerne à situação geral de nosso Comitê, não
conto mais, quanto a mim, a não ser com o “acaso”.
“A meu ver, todo o mal vem de que esse empreendimen­
to está sob o controle de vários grupos, dos quais depende a
realização de nossos projetos; e como, diante de cada proble­
ma, cada um desses grupos persegue seus próprios propósitos,
a solução de toda questão precisa que se relaciona com a meta
fundamental do Comitê é sempre pretexto para discordia. De
modo que em lugar de melhorar as condições que permitiríam
alcançar efetivamente os objetivos para os quais essa obra foi
fundada, tão indispensável para minha querida pátria, os mem­
bros do Comitê deixam dia após dia se multiplicar entre eles
todo tipo de mal-entendidos, de assuntos pessoais, de maledi­
cências, de intrigas, de perfidias, e assim sucessivamente.
“Por minha parte, nesses últimos tempos, tanto pensei e
repensei, tanto consultei pessoas que têm mais ou menos “ex­
periência da vida”, a fim de encontrar uma saída para essa situa­
ção, que se tornou tão lamentável, que por isso quase caí doen­
te e me vi obrigado, por insistências de meus próximos, a em­
preender esta viagem ao Egito com o único fim de descansar.
Pobre de mim, nem no Egito posso consegui-lo, pois esses som­
brios pensamentos não me deixam nenhum repouso.
“Pois bem, querido doutor, agora que o senhor conhece
aproximadamente o âmago da questão que está na origem de
meu desequilíbrio moral atual, eu lhe confessarei francamente
os pensamentos e as esperanças interiores que despontam cm
mim desde que eu o conheço.
“Com efeito, continuou ele, durante nossas longas e fre­
quentes conversas sobre os funestos vícios dos homens e sobre
os meios de libertá-los deles, me convencí plenamente de sua

576
A RÚSSIA

compreensão sutil sobre o psiquismo deles e de sua profunda


competência acerca das condições a serem criadas para lutar
contra sua debilidade. E por isso que o considero como o úni­
co homem capaz de ser uma fonte de iniciativa para organizar
a atividade do comitê que fundamos contra o alcoolismo e diri
gir sua aplicação na vida.
“Ontem de manhã, me veio à mente uma idéia em que
pensei todo o dia e toda a noite e, para terminar, resolví lhe
pedir isto:
“Consentiría o senhor em ir a meu país, a Rússia, e, de­
pois de ter visto no local tudo que lá se faz, aceitaria nos ajudar
a organizar nosso Comitê de tal maneira que ele traga realmen­
te à minha pátria as vantagens para as quais ele foi fundado?
E acrescentou:
“O seu justo amor pela humanidade me dá a coragem de
lhe dirigir esse pedido e a certeza de que o senhor não se recu­
sará a tomar parte nesta obra, de que depende talvez a salvação
de vários milhões de homens.”
Quando esse russo simpático acabou de falar, refleti um
instante e lhe respondí que com toda probabilidade aceitaria
sua proposta de ir à Rússia, pois este país podia também convir
à minha meta principal.
Eu lhe disse:
“Tenho atualmente uma única meta: que é a de elucidar
a fundo, em todos os seus detalhes, as manifestações do psi­
quismo humano, tanto nos indivíduos isolados como nas cole­
tividades. Ora, para estudar o estado e as manifestações do
psiquismo nas grandes coletividades, a Rússia me convirá mui­
to bem; pois essa doença que é a “paixão pelo álcool” se pro­
pagou entre vocês por quase toda a população, tal como com­
preendi no curso desta conversa, e assim terei a possibilidade
de fazer frequentes experiências sobre tipos variados, tomados
quer isoladamente quer em grupo.”
Depois de minha conversa com esse ser importante da

577
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Rússia, apressei-me a fazer meus preparativos. Ao cabo de al­


guns dias deixei o Egito com ele e duas semanas mais tarde já
estávamos na cidade que era o principal lugar de existência
dessa grande comunidade e que tinha ainda nessa época o nome
de São Petersburgo.
Desde sua chegada, meu novo amigo se dedicou a seus
negocios, que haviam se acumulado durante sua longa ausência.
Loi mais ou menos nessa época que foi terminada, entre
outras coisas, a construção do grande edifício destinado pelo
Comitê aos serviços da luta contra o alcoolismo, e meu amigo
ocupou-se imediatamente de tudo organizar e preparar para a
“inauguração” do edifício e o início das atividades que se rela­
cionavam com ele.
Eu, durante aquele tempo, tinha me posto, como de cos­
tume, a passear um pouco por toda parte e a frequentar seres
pertencentes a diversos “meios”, como se diz lá, para tomar
conhecimento das particularidades características de seus há­
bitos e costumes.
Eoi então que constatei pela primeira vez na presença
dos seres pertencentes a essa comunidade atual o caráter ma­
nifestamente duplo de sua “ego-individualidade”.
Depois dessa constatação, dediquei-me a pesquisas es­
peciais sobre a questão e descobri que a formação, em sua pre­
sença geral, dessa dupla individualidade era devida, antes de
tudo, a um desacordo entre o “tempo próprio ao lugar de sua
vinda ao mundo e de sua existência” e a “forma de seu pensar
esseral”.

“Na minha opinião, meu filho, você compreenderá mui­


to bem a dualidade particularmente marcante da individuali­
dade dos seres dessa grande comunidade, quando lhe tiver re­
latado palavra por palavra a opinião que me deu pessoalmente
sobre eles nosso venerável Mulá Nassr Eddin.
Devo lhe dizer que, durante a segunda metade de minha

578
A RÚSSIA

última estada entre seus favoritos, me aconteceu, mais de uma


vez, encontrar este sabio terrestre único, Mulá Nassr Eddin, e
de ter com ele “trocas de opiniões” sobre diversas “questões
da vida corrente”, como se diz por la.
O dia em que ele definiu por uma sábia sentença a verda­
deira essência dos seres dessa grande comunidade, nosso en­
contro ocorreu cm uma das partes de seu planeta chamada
“Persia”, não longe de uma cidade com o nome de Ispahan,
onde eu tinha ido para empreender pesquisas sobre a Mui San­
ta Atividade de Ashyata Sheyimash e para colher informações
sobre a maneira como apareceu pela primeira vez essa funesta
forma de sua “polidez”, que se encontra hoje por toda parte la.
Antes de chegar a Ispahan, eu já sabia que o venerável
Mulá havia partido para a cidade de Talayaltnikum visitar o
genro da filha mais velha de seu padrinho.
Mal cheguei nesta última cidade, me pus à sua procura.
E, durante todo o tempo de minha estada, fui frequentemente
a sua casa; sentados no telhado, como é de uso naquele país,
discutíamos juntos todo tipo de “sutis questões filosóficas”.
Uma manhã, indo a sua casa — creio que era o segundo
ou o terceiro dia depois de minha chegada lá —, fiquei impres­
sionado com o movimento extraordinário que reinava nas ruas;
por toda parte varriam, limpavam, penduravam o que chamam
de “tapetes”, “xales”, “bandeiras” etc.
Pensei: “Estes são provavelmente os preparativos para
uma das duas famosas festas anuais dessa comunidade.”
Uma vez no telhado, após ter trocado com nosso querido
e muito eminente sábio, Mulá Nassr Eddin, as saudações de
uso, mostrei com o dedo o que se passava na rua e perguntei-
lhe o que isso queria dizer.
Em seu rosto se delineou seu habitual trejeito benévolo e
como sempre fascinante, se bem que tingido de um certo des­
prezo. E ele se preparava para dizer algo, quando no mesmo

579
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

instante ressoaram na rúa os clamores dos pregoeiros públicos


e o galope de uma multidão de cavalos.
Sem uma palavra, nosso sábio Mulá levantou-se pesada­
mente e, agarrando-me pela manga, levou-me até a beira do
telhado; lá, piscando maliciosamente o olho esquerdo, chamou
minha atenção para a enorme “cavalgada” que passava a toda
velocidade, composta sobretudo, como descobri mais tarde,
por seres chamados “cossacos”, pertencentes a essa grande co­
munidade da Rússia.
No centro dessa enorme “cavalgada”, rodava uma “cale-
che russa” atrelada a quatro cavalos, conduzida por um co­
cheiro a quem sua extraordinária corpulência dava um ar “im­
ponente”. Este ar imponente, bem à maneira russa, se devia a
almofadas colocadas sob suas roupas, em certos lugares apro­
priados. Na caleche estavam sentados dois seres: um deles ti­
nha a aparência característica do país, o outro a de um típico
“general russo”.
Quando a cavalgada desapareceu, Mulá pronunciou em
primeiro lugar sua sentença favorita: “Bem feito, sim, é bem
feito para você. Não faça o que não deve ser feito! ” e, lançando
sua exclamação familiar, algo como “Zrt”, voltou a seu lugar,
convidando-me a fazer o mesmo; depois tendo atiçado em seu
“kalian” as brasas de carvão de lenha, soltou um profundo sus­
piro e pronunciou a seguinte tirada que, como sempre, não era
imediatamente compreensível:
“Neste instante acaba de passar, escoltada por um gran­
de número de “perus de raça”, uma “gralha” deste país, “im­
portante” por certo, e de alto vôo, mas já bem depenada e so-
frivelmente amarrotada.
“Nesses últimos tempos, aliás, as “gralhas de alta posi­
ção” deste país não dão mais um só passo sem esses “perus de
raça”; elas acariciam evidentemente a esperança de que suas
plumas, cujos lamentáveis restos se encontram, desta forma,

580
A RÚSSIA

constantemente no campo das potentes radiações desses pe­


rus, se fortalecerão talvez um pouco e cessarão então de cair.”
Não compreendi positivamente nada do que ele acabava
de me dizer, mas, já conhecendo seu hábito de expressar-se
primeiro de maneira alegórica, não me supreendi nem um pouco
e abstive-me de questioná-lo, esperando pacientemente as sá­
bias explicações que se seguiríam.
Com efeito, depois de sua tirada, quando ele terminou
de fazer conscienciosamente “gorgulhar” a água em seu “ka­
lian”, deu-me, com a “sutil causticidade” que lhe era própria, a
definição de toda a presença e da essência mesma dos seres da
comunidade atual da Pérsia: ele me explicou que comparava
os seres dessa comunidade da Pérsia aos pássaros “gralhas” e
os seres da grande comunidade da Rússia, de que se compunha
o cortejo que acabara de galopar ao longo da rua, às aves “perus”.
Depois ele desenvolveu seu pensamento em uma longa
dissertação:
“Se se faz a análise imparcial e a média estatística das
compreensões e das representações que adquiriram os homens
da civilização contemporânea, comparando entre si os povos
da Europa e aqueles dos outros continentes, e se se estabelece
uma analogia entre esses povos e os pássaros, os homens que
aparecem e existem no continente da Europa e representam o
“tsiemes” da civilização atual deverão ser chamados “pavões”,
nome da ave cuja aparência é a mais linda e mais suntuosa,
enquanto os homens dos demais continentes deverão ser cha­
mados “gralhas”, nome do pássaro mais sujo e que manifesta­
mente não serve para nada.
“Mas, quanto aqueles de nossos contemporâneos que en­
contram reunidas no continente da Europa as condições ne­
cessárias para seu aparecimento e depois para sua formação,
mas que mais tarde existem, e são por conseguinte “rechea­
dos”, em outros continentes — e inversamente, aqueles que
nasceram num outro continente e são “recheados” nas condições

581
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

reinantes no continente da Europa —, nào se poderia melhor


compará-los do que com a ave “peru”.
“Melhor do que qualquer outra ave, o “peru” representa
“algo” que não é nem carne nem peixe, mas que é em si, como
se diz, apenas “uma metade e um quarto, mais tres quartos”.
“Os melhores representantes do “peru” são os habitan­
tes atuais da Rússia, e é precisamente de voadores domésticos
deste género que estava escoltada esta “gralha” — uma das
mais importantes do país — que acaba de passar como um fu­
racão diante de nós.
“E verdadeiramente esses russos correspondem de ma­
neira ideal a esse original pássaro “peru”, como vou lhe de­
monstrar.
“Posto que eles vieram ao mundo e se formaram no con­
tinente da Asia, e sobretudo têm uma hereditariedade pura,
tanto orgânica como psiquicamente, forjada no curso de nu­
merosos séculos nas condições de existência reinantes nesse
continente, eles possuem sob todos os aspectos a natureza de
asiáticos e, por consequência, deveriam ser, eles também, “gra­
lhas”. Porém como se esforçam muito, nestes últimos tempos,
para se tornar europeus, e, com esse fim, se “recheiam” o me­
lhor que podem, eles deixam pouco a pouco de ser gralhas; e
posto que, segundo certos dados evidentemente conformes as
leis, eles de todo modo não podem se transformar em “pavões”
verdadeiros, por consequência, tendo deixado atrás de si a “gra­
lha” sem chegar ainda ao “pavão”, eles são, como lhe disse,
perfeitos “perus”.
“Por certo, o peru é uma ave muito útil, do ponto de
vista doméstico, pois sua carne— com a condição, evidente­
mente, que se mate o animal da maneira requerida, como os
antigos povos aprenderam a fazê-lo graças a uma prática secu­
lar — é melhor e mais saborosa que a de todas as demais aves;
em compensação, enquanto vivo, o “peru” é uma ave estra­
nha, de um psiquismo muito particular, que desafia toda

582
A RÚSSIA

compreensão, até mesmo aproximada — sobretudo por parte


dos nossos, com sua razão meio passiva.
“Um dos numerosos traços específicos do psiquismo do
peru é que essa estranha ave considera indispensável, não se
sabe por que, sempre fanfarronar; por isso, sem nenhuma ra­
zão, muito Ireqüentemente ela abre a cauda em leque.
“Ela fanfarrona e abre a cauda em leque até mesmo quan­
do ninguém a olha, sob o efeito somente de sua imaginação e
de seus estúpidos devaneios.”
Dito isso, Mulá Nassr Eddin levantou-se lentamente,
pesadamente, e, pronunciando de novo sua frase favorita: “Bem
feito, sim, é bem feito para você”, acrescentando desta vez: “Não
fique sentado onde você não deve”, pegou-me pelo braço e
descemos juntos do telhado.

Aqui, meu querido filho, sempre prestando homenagem


á sutileza da análise psicológica do nosso muito sábio Mulá
Nassr Eddin, devo dizer com toda justiça que se esses russos se
tornaram “perus exemplares”, a culpa disso é, aqui também,
unicamente dos seres da comunidade da Alemanha.
E a culpa desses seres da Alemanha é de ter negligencia­
do, ao inventarem suas famosas tinturas de anilina, uma das
particularidades específicas dessas cores.
O fato é que, por meio dessas tinturas de anilina, toda
cor natural pode ser transformada em uma outra qualquer, com
exceção de uma única, que é a verdadeira cor negra natural.
E foi esta imprevidência dos seres germânicos que pro­
vocou, para os pobres russos, essa escandalosa infelicidade.
Com efeito, contra toda expectativa, as plumas das “gra­
lhas”, que são tingidas pela Natureza em verdadeira cor negra,
não podem jamais ser tingidas de novo em uma outra cor, mes­
mo com a anilina de sua invenção. E essas pobres “gralhas
russas” não podem por consequência, de maneira alguma,
se transformar em “pavões”. Mas o pior é que tendo cessado

583
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

de ser “gralhas” e nao sendo ainda “pavões”, elas se tornam,


queiram ou não, “perus”, expressão ideal daquilo que nosso
caro Mestre formula assim: “uma metade e um quarto, mais
três quartos”.
Assim, graças à sábia definição que me deu em pessoa o
venerável Mulá Nassr Eddin, compreendi claramente, pela pri­
meira vez, por que todos os seres dessa grande comunidade de
lá possuem, quando atingem a idade responsável, uma indivi­
dualidade tão nitidamente dupla.

“Mas basta desse assunto. Escute agora os acontecimen­


tos nos quais tive de tomar parte, desde minha chegada à prin­
cipal cidade da comunidade da Rússia, que tinha então o nome
de São Petersburgo.
Como lhe disse, enquanto meu amigo, esse russo emi­
nente, tornava a pôr ordem em seus negocios, desorganizados
por sua ausência, eu passeava um pouco por toda parte, fre­
quentando seres de todas as “classes” e de todas as “posições”,
para estudar as particularidades características de seus hábitos
e costumes, e entender as causas de sua “necessidade orgâni­
ca” de álcool, assim como as conseqüências manifestas de sua
ação sobre sua presença geral.
E interessante observar que, desde meus primeiros en­
contros com diferentes seres tri-cerebrais pertencentes a diver­
sas “classes” e “posições”, constatei várias vezes este fato, que
se tornou para mim absolutamente evidente após uma obser­
vação mais atenta, de que a maior parte deles já carregava o
germe desse “funcionamento particular de sua presença geral”
que, já há muito tempo, aparece em seus favoritos sob o efeito
de uma certa combinação de duas causas exteriores indepen­
dentes.
A primeira destas causas é uma lei cósmica geral existen­
te com o nome de “Soliunensius”; e a segunda consiste num

584
A RÚSSIA

agravamento acentuado, em uma dada parte da superfície de


seu planeta, das condições de existência ordinária.
Quero falar do germe desse “funcionamento particular
de sua presença geral” que há vários anos se fixou na presença
de todos os seres dessa comunidade, sob essa forma que seus
favoritos já conheceram durante certos períodos bem determi­
nados, e que se torna para eles um “fator de estimulação” de
certas manifestações específicas— próprias, elas também, ex­
clusivamente aos seres tri-cerebrais do planeta Terra —, cuja
totalidade recebeu dessa vez entre os seres dessa grande comu­
nidade o nome de “bolchevismo”.
Eu lhe falarei um pouco mais tarde desse “funcionamen­
to particular de sua presença geral”.
Só abordei esta questão para lhe dar uma idéia das con­
dições já particularmente anormais de existência esseral nas
quais se exerceu minha atividade durante o tempo de minha
estada entre os seres dessa grande comunidade, em sua primei­
ra capital, São Petersburgo.
Bem antes de minha chegada a essa cidade, eu já tivera a
intenção — elaborando mesmo para este fim todo um plano e
preparando certos detalhes indispensáveis — de estabelecer
em uma de suas grandes aglomerações algo como um “labora­
torio de química”, no qual eu queria fazer, por meios previstos
de antemão, experiências especiais sobre certos aspectos pro­
fundamente ocultos de seu estranho psiquismo.
Por isso, meu filho, quando constatei, uma vez instalado
naquela cidade, que quase a metade de meu tempo estava li­
vre, resolvi aproveitar essa semidesocupação e trabalhar para
realizar esse projeto.
Segundo minhas primeiras informações, eu soube que
para instalar um laboratório era preciso antes de tudo a autori­
zação dos seres “detentores de poder” e empreendi sem demo­
ra os trâmites para obtê-la.
Desde os primeiros passos, compreendi que, em razão

585
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

de certas leis fixadas há muito tempo no processo de existencia


dessa comunidade, a autorização para abrir um laboratorio pri­
vado dependia de um certo “departamento” de um de seus
“ministérios”.
Dirigi-me então a esse departamento. Mas aconteceu
que os empregados, embora reconhecendo que a concessão
dessa licença era parte de suas obrigações, não sabiam como
deviam proceder.
E, como o compreendi mais tarde, não o sabiam muito
simplesmente porque ninguém jamais se dirigira a eles para
obter essa licença e, por conseguinte, o psiquismo automatica­
mente construído desses infelizes seres não pudera adquirir o
“hábito mecânico” correspondente a esse tipo de manifestação.
Devo dizer aqui que, há alguns séculos, quase todas as
manifestações que o cumprimento de seu dever esseral exige
se realizam, em todos os seres de lá, graças unicamente ao fun­
cionamento de dados constituídos neles pela frequente repeti­
ção de uma só e mesma coisa.
Nos seres detentores de poder dessa comunidade, a
cristalização desses singulares “dados esserais” automáticos se
efetuava, nessa época, muito mais intensamente do que em qual­
quer outro lugar, ao ponto de eles parecerem mesmo as vezes
totalmente desprovidos dos dados que suscitam o aparecimento
imediato dos impulsos essenciais próprios aos seres em geral.
Quanto ao fato de que ninguém, como acabo de lhe di­
zer, jamais havia se dirigido aos empregados daquele departa­
mento para lhes pedir uma licença, isso não significava de modo
algum que nenhum dos habitantes dessa capital não tivesse tido
necessidade de um “laboratório de química” — ao contrário,
jamais houvera nessa cidade tantos laboratorios de química
como durante aquele período, e, sem nenhuma dúvida, seus
proprietários tinham conseguido em alguma parte, e de algu­
ma maneira, a autorização requerida.
E eles não podiam deixar de tê-la. Existia para este fim,

586
A RÚSSIA

cm sua capital, como aliás em todas as grandes e pequenas co­


munidades, um certo “corpo administrativo”, sobre o qual re­
pousa em geral a “esperança fundamental de perfeito bem-es­
tar dos detentores de poder”, corpo que eles chamam “lorça
pública”, ou “polícia”, sendo uma de suas principais obriga­
ções a de velar para que todo aquele que abra uma empresa
esteja munido da licença correspondente. E como supor que o
“olho de lince” dos seres que representam a “esperança fun­
damental de perfeito bem-estar dos detentores de poder” dei­
xe escapar a mais mínima coisa e permita a um laboratorio
qualquer se instalar sem a autorização regulamentar de seus
patrões?
A principal razao desta aparente contradição era de uma
ordem muito diferente.
Devo lhe dizer que a atitude dos seres dessa comunidade
para com as leis e as regras fixadas no passado com vistas a
assegurar relações mútuas “normais” segundo sua compreen­
são, e em geral servir para sua existência ordinária, tornara-se
tal que somente podiam obter o benefício ao qual tinham obje­
tivamente direito aqueles que sabiam como tudo tomar às aves­
sas, quer dizer, agir ao contrario das regras e das leis em vigor.
Laboratórios privados, como aquele que eu queria insta­
lar, se poderia ter não um, mas milhares deles; bastaria conhe­
cer os “trâmites anormais” necessários para obter a autoriza­
ção de abrir esse laboratório c depois agir em conformidade
com essas anomalias.
Dado o pouco tempo que havia passado entre eles, eu
não tinha tido a ocasião de elucidar todas as sutilezas de sua
existência esseral ordinaria, que se tornara, como já lhe disse,
particularmente anormal nessa comunidade.
Por isto é que, desde que empreendí meus trâmites para
obter a licença necessária, tive de me submeter a vexames sem
fim, assim como a seus “absurdos atrasos” instituídos eles

587
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

também há muito tempo no processo de sua existência esseral;


e tudo isto para não chegar a resultado algum.
Isto começou assim:
Quando cheguei ao “departamento” em questão e me
dirigi aos empregados, eles se olharam uns aos outros, todos
desconcertados, depois se puseram a cochichar; alguns deles
folhearam febrilmente grossos livros, na esperança evidente de
neles encontrar algum regulamento relativo a essas licenças.
Para terminar, seu chefe veio a mim e, com um ar importante,
pediu-me que lhe trouxesse, de um outro departamento, cer­
tos “certificados de honorabilidade” referentes à minha pessoa.
Este foi o ponto de partida de idas e vindas intermináveis
de um departamento a outro, de uma administração a outra,
de um especialista oficial a outro, e assim por diante.
As coisas chegaram ao ponto de eu ter que andar de um
lado para o outro entre a “delegacia de polícia” e o “padre da
paróquia”; por muito pouco não tive de visitar a parteira oficial
da cidade...
Além disso, um desses “departamentos especiais” exigia,
não sei por que, no certificado de um outro departamento, o
carimbo de um terceiro.
Num tal departamento, tive de assinar um papel; num
outro, responder a perguntas que nada tinham a ver com a quí­
mica; num terceiro, me explicaram com muitos conselhos aon­
de me dirigir para equipar meu laboratório, que medidas to­
mar para não me envenenar, e assim por diante.
Como soube mais tarde, eu tinha sido recebido, sem des­
confiar disso, por um funcionário cujas obrigações consistiam
em dissuadir os que queriam instalar um “laboratório de quí­
mica” de realizar tão “execrável intenção”.
O mais cômico era que, para obter esta autorização, se
fazia necessário dirigir-se a cada vez a funcionários que não
tinham a mínima noção do que era, em geral, um laboratorio.
Não sei como tudo isso teria terminado se, depois de me

588
A RÚSSIA

debater em vão durante quase dois meses, não tivesse final­


mente renunciado a esses estúpidos trâmites.
E renunciei a eles por uma razão que não era desprovida
de humor.
Segundo os regulamentos desse absurdo procedimento,
eu deveria obter, com um doutor, um papel oficial certificando
que o trabalho de laboratório não faria minha saúde correr ne­
nhum perigo.
Fui então a um médico oficial. Mas, quando ele estava
prestes a me examinar e insistiu para que me despisse, a fim de
me bater em todo lugar com seu pequeno martelo, não pude
evidentemente consentir nisso. E não o pude porque, ficando
nu, seria forçado a revelar minha cauda, que eu dissimulava
sempre cuidadosamente, em seu planeta, nas dobras de mi­
nhas roupas.
Você compreende bem que, se um deles percebesse mi­
nha cauda, todos saberiam que eu não era um ser de seu plane­
ta e se tornaria impossível para mim permanecer entre eles e
prosseguir as experiências que me interessavam sobre a estra­
nheza de seu psiquismo.
Saí então da casa desse doutor sem o papel requerido e
foi por isso que, a partir daquele dia, renunciei a toda tentativa
de obter a autorização de instalar um laboratório privado.
Circulando por toda parte, tanto para minha meta par­
ticular como para me ocupar da autorização requerida, eu en­
contrava frequentemente meu primeiro amigo, aquele impor­
tante personagem, muito tomado por seus próprios negócios,
mas que encontrava tempo de me visitar ou de me receber em
sua casa.
Durante esses encontros, falávamos quase sempre do al­
coolismo em sua pátria e dos meios de lutar contra esse flagelo.
Em cada uma dessas trocas de opiniões, eu adquiria um
pouco mais de experiência, porque minhas observações im­
parciais e minhas pesquisas sobre todos os aspectos do

589
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

psiquismo dos seres de lá cristalizavam sem cessar em mim no­


vos dados.
Esse russo eminente atribuía um valor muito grande as
minhas considerações e aos meus comentarios sobre o que ha­
via sido leito pelo “Comitê de sobriedade do povo”, assim como
sobre seus projetos, e ele ficava sinceramente entusiasmado pela
justeza de minhas observações.
No início, todas as minhas sugestões, que ele expunha
nas assembléias gerais do Comitê, eram sempre adotadas c
realizadas.
Mas alguns dos participantes vieram a saber por acaso
que a iniciativa de numerosas medidas realmente úteis vinha
de um doutor estrangeiro, que nem mesmo era europeu, e to­
das as “intrigas” e “chicanas” habituais começaram de novo
mais fortes.
Os responsáveis por todos os mal-entendidos que ocasiona­
ram o fim lamentável da importante instituição que era esse
Comitê, criado para o bem de todos os seres tri-cerebrais dessa
comunidade de numerosos milhões de seres, foram, como sem­
pre e em toda parte, os seres sábios de “nova formaçào”.
O fato é que entre os principais membros da nova insti­
tuição encontravam-se, por solicitações de certos “detentores
hereditários de poder”, vários “sábios médicos”.
Estes se contavam entre os líderes desse comitê porque,
na presença dos seres detentores hereditários de poder daque­
le período, havia definitivamente se fixado, para se converter
em parte integrante de sua essência, esse “soberano amo inte­
rior”, tào funesto aos seres tri-cerebrais da Terra, e que se tor­
nou, para esses infelizes, a meta e a razão mesma de sua exis­
tência: o autotranqüilizador. De modo que, a fim de se poupa­
rem o menor esforço esseral, eles insistiram absolutamente para
que esses sábios médicos fossem integrados a essa grande insti­
tuição, de importante alcance social.

590
A RÚSSIA

Nestes últimos tempos, os sábios de nova formação sao,


na maior parte dos casos, seres desta profissão.
E é preciso dizê-lo, quando esses sábios de nova forma­
ção se tornam eles mesmos “detentores de poder” e ocupam,
por acaso, importantes postos responsáveis no processo de exis­
tência ordinária, eles são fontes de mal-entendidos de todo tipo,
bem mais frequentemente ainda do que os detentores de po­
der hereditários.
Eles são fontes de mal-entendidos porque em sua pre­
sença se combinam entre si, de uma certa maneira, as caracte­
rísticas que se tornaram próprias a três diferentes tipos con­
temporâneos de seus favoritos: os seres “detentores de poder”,
os sábios de “nova formação” e os “médicos profissionais”.
Assim então, meu filho, por iniciativa e insistência de vá­
rios seres detentores hereditários de poder dessa comunidade
— que, embora continuando a ser exteriormente detentores
de poder, não eram interiormente mais do que “ampulhetas
vazias”, ou “balões murchos” — foram chamados, para realizar
essa tarefa tão séria de “salvar” vários milhões de seus seme­
lhantes, esses “verdadeiros perus recheados”, ou, como eles o
diriam, esses “arrivistas”.
Enquanto esses arrivistas, levados por acaso ao poder, se
limitaram a fazer entre eles as mesquinhas intrigas que lhes são
próprias, não foi senão um mal menor para a obra comum; mas
quando, em consequência de “manobras” de todo tipo, suas
intrigas se estenderam a todos os membros do Comitê e eles
ficaram, como sempre, divididos em vários “clâs” — costume
largamente difundido lá e que impede a realização de toda obra
útil —, esta benéfica instituição que era o Comitê começou a
“se desfazer em todos os sentidos”, como se diz ali.
Na época em que cheguei, com meu primeiro amigo rus­
so, à capital dessa comunidade, essas mesquinhas intrigas fa­
ziam estrago entre os diferentes “clãs” da mesma forma que

591
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

entre os membros dessa organização de Estado realmente in­


dispensável.
Quando esses arrivistas, conduzidos por acaso ao poder,
souberam que a maioria dos conselhos e sugestões destinados
a melhorar sua organização vinham de mim, um profissional
como eles, mas que não pertencia ao que se chama sua corpo­
ração, eles compreenderam que suas manobras e suas intrigas
não teriam nenhuma importância para mim e as dirigiram con­
tra aquele que tinham colocado na chefia de seu Comitê.
E interessante observar a este respeito que se os dados
necessários a diversos impulsos esserais indispensáveis estão
debilmente cristalizados na presença desses profissionais
contemporâneos, em contrapartida, por uma razão ou por ou­
tra, os dados que determinam o impulso chamado “espírito de
corporação” se cristalizam e funcionam muito fortemente neles.
Assim, meu filho, enquanto ignorei a necessidade impe­
riosa que tinham os seres possuidores de poder dessa comuni­
dade de ocupar se de intrigas e de manobras, ou, como eles
mesmos o dizem por vezes, de “se arruinar” uns aos outros, eu
continuei a esperar, e aguardei pacientemente o tempo em que
condições favoráveis me dariam enfim a possibilidade de reali­
zar meu principal propósito, quer dizer, o de me dedicar a “pes­
quisas experimentais” sobre o psiquismo dos seres terrestres
tomados em massa. Mas quando ficou completamente claro
para mim que não poderia chegar a isto nessa comunidade,
devido ao gênero de relações mútuas estabelecidas lá, e me
convencí da impossibilidade de abrir um laboratório de quí­
mica, de maneira honesta, quer dizer, conformando-me estri­
tamente às regras prescritas, resolvi não mais demorar-me e
partir em busca de condições convenientes à minha meta, em
qualquer outra comunidade européia.
Quando meu primeiro amigo, esse alto personagem rus­
so, soube de minha decisão, mostrou-se muito entristecido,
como o ficaram, aliás, vários outros russos, que desejavam

592
A RÚSSIA

realmente o bem de sua patria e que haviam tido tempo de se


convencer de que meu saber e minha experiência poderiam ter
sido muito úteis à sua meta fundamental.
Alguns dias antes de minha partida, o Comitê se prepa­
rava para inaugurar o edificio que havia sido destinado, como
já lhe disse, à luta contra o alcoolismo, e ao qual os seres de lá
deram, nessa ocasião, o nome de seu imperador. Batizaram-no:
“Edificio Nacional do Imperador Nicolau II”.
Mas, na véspera de minha partida, meu eminente amigo
russo veio me procurar de improviso e, após me ter dito quan­
to ele lamentava me ver partir, pediu-me insistentemente para
permanecer alguns dias mais, para lhe permitir, após a consa­
gração e a inauguração do prédio, viajar comigo, o que o des­
cansaria um pouco de todas as confusões e intrigas que acaba­
ra de sofrer.
Como eu não tinha nenhuma razão para me apressar, acei­
tei e adiei minha partida até uma data indeterminada.
Dois dias mais tarde, teve lugar a grande inauguração do
edifício e, como eu recebera na véspera o que se chama um
“convite oficial”, fui a essa cerimônia.
Nessa solenidade nacional de uma comunidade de mais
de cem milhões de seres, à qual assistiu “Sua Majestade o Im­
perador, em pessoa”, como eles dizem, começou em relação a
mim o “uretztakmlkarul” resultante do conjunto das anomalias
do ambiente, que se forma automaticamente no psiquismo de
cada um dos seres tri-cerebrais atuais desse desafortunado pla­
neta e os mantêm a todos, por assim dizer, em um “círculo
mágico sem saída”.
Os acontecimentos que se seguiram, passaram-se na se­
guinte ordem:
No dia dessa solenidade, enquanto a cerimônia ainda
transcorria, meu primeiro amigo russo correu subitamente
em minha direção, abrindo uma passagem entre os seres que
se exibiam em todo o brilho de seus uniformes e de suas

593
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

condecorações e, com urna voz alegre, anunciou-me que eu


teria a “felicidade” de ser apresentado a Sua Majestade. De­
pois partiu de novo apressado.
Eu soube em seguida que durante a cerimônia ele falara
de mim ao imperador; então fora decidido que eu lhe seria
apresentado.
A apresentação ao “imperador”, ao “czar”, ou ao “rei” c
considerada, em todos os continentes desse desafortunado pla­
neta, como a maior das felicidades. Por isso meu amigo se ale­
grava por mim, além de toda expressão, por ter obtido esse
favor.
Ele contava, certamente, me proporcionar assim um “mui­
to grande prazer” e, ao mesmo tempo, acalmar sua consciên­
cia, pois ele se considerava responsável por minha estada in­
frutífera naquela capital.

“Depois desse acontecimento, dois dias se passaram.


Na manhã do terceiro dia, olhando por acaso pela janela
de meu apartamento, fiquei impressionado com o movimento
inabitual que reinava lá fora; em todo lugar se limpava, em
todo lugar se varria, enquanto inúmeros “guardas” e “policiais”
percorriam a rua em todos os sentidos.
Perguntei a causa dessa animação; nosso velho Ahun me
explicou que se esperava naquele dia, no bairro, a chegada de
um general muito importante.
No mesmo dia, à tarde, eu estava sentado em casa, con­
versando com um de meus novos conhecidos, quando o por­
teiro do edifício acorreu para mim, todo agitado e desconcer­
tado, e exclamou gaguejando: “Ss... sua... Exc... cel... celen-
cia!” Mas ele não teve tempo de terminai, Sua Excelência ela
mesma fez sua entrada. Assim que o pobre porteiro o viu apa­
recer, ele ficou como que fulminado, depois recuperou o san­
gue-frio e saiu o mais depressa possível, “recuando”.
Sua Nobre Excelência, com um sorriso amigável, impreg-

594
A RÚSSIA

nado entretanto da altivez característica dos seres detentores


de poder dessa comunidade, veio a mim, sempre olhando de
soslaio com uma grande curiosidade os objetos antigos que eu
tinha em meu quarto, e, apertando-me a mào de uma maneira
especial, sentou-se em minha poltrona lavorita.
Depois do que, continuando a examinar os objetos anti­
gos, ele disse:
“Em um dia ou dois o senhor será apresentado ao nosso
“Augusto Monarca”, e, como eu é que sou encarregado desse
tipo de assunto, vim lhe explicar como o senhor deverá se com­
portar nessa circunstância capital de sua vida.
Dito isso, levantou-se de repente e, aproximando-se de
uma estatueta chinesa, uma obra muito antiga, colocada num
canto do quarto, exclamou com uma admiração espontânea
que invadia toda sua presença: “Como é linda!... onde o se­
nhor encontrou esta maravilha de sabedoria antiga?...”
E, sem cessar de olhar a estatua e de entregar-se à sua
admiração ou, para ser mais exato, de identilicar-se com ela
com todo seu ser, ele prosseguiu:
“Eu me interesso muito, eu também, por todas as artes
antigas, mas dou preferencia para a arte chinesa; três dos cinco
quartos reservados para minhas coleções estão unicamente re­
pletos de obras de arte da Velha China”.
Continuando a falar com o mesmo fervor de sua paixáo
pelas obras dos antigos mestres chineses, ele voltou a sentar-se
sem cerimônia em minha poltrona e se pôs a discorrer sobre
antiguidades em geral, sobre seu valor e sobre os lugares onde
podem ser encontradas.
De repente, no meio da conversa, tirou precipitadamen­
te seu relógio do bolso, lançou-lhe um olhar maquinai, levan­
tou-se num pulo e me disse:
“Como é desagradável! Sou obrigado a interromper esta
conversa tão interessante, pois devo apressar-me em voltar para

595
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

minha casa, onde provavelmente já me esperam meu grande


amigo de infancia e sua encantadora mulher.
“Ele vem da província e está apenas de passagem, antes
de ir ao estrangeiro; não voltei a vê-lo desde o tempo em que
servíamos no mesmo regimento. Mais tarde, nós recebemos cada
um uma nomeação diferente, eu para a Corte, ele para um pos­
to civil.”
Depois acrescentou:
“No que se refere as instruções que estou encarregado
de lhe dar e pelas quais vim, vou enviar-lhe hoje mesmo meu
ajudante-de-ordens; ele lhe explicará tudo, e tao bem quanto
eu mesmo o faria”.
Depois do que, com um ar de importância febril, ele
me deixou.
Com efeito, na mesma noite, como Sua Nobre Excelên­
cia me prometera, um de seus ajudantes-de-ordens, que era
ainda, como se diz por lá, um “jovem”, quer dizer, um ser que
mal acabava de alcançar a idade responsável, veio à minha casa.
Esse ajudante-de-ordens tinha os traços específicos bem acen­
tuados de um tipo de ser terrestre tri-cerebral que se encontra
frequentemente, nestes últimos tempos, entre seus favoritos e
que se pode muito bem definir com estas palavras: “um filhi-
nho-de-papai... e de mamã”.
A sua chegada, esse filhinho-de-papai, quando me diri­
giu a palavra, se manifestou em relação a mim, muito automa­
ticamente, segundo os dados fixados cm sua presença geral pe­
las regras de “bom-tom” que lhe haviam sido inculcadas. Mas
um pouco mais tarde, quando se tornou claro a seu estranho
julgamento esseral que eu não pertencia nem a sua casta, nem a
uma casta superior a sua, e que eu parecia um desses seres que,
segundo a compreensão anormal de seus semelhantes, estão
apenas acima do que chamam de “selvagens”, ele mudou de
imediato de tom. A partir daí, ele continuou a se manifestar em
relação a mim ainda automaticamente, porém segundo os

596
A RÚSSIA

dados de “comando” e de “imposição” fixados eles também


na presença geral daqueles que, nessa comunidade, pertenciam à
mesma casta, e começou a me mostrar como eu devia entrar,
sair e me deslocar, quais palavras devia dizer e quando devia
pronunciá-las.
Embora ele tivesse passado duas horas a me mostrar como
eu devia me comportar, declarou que voltaria na manhã se­
guinte e me ordenou que eu me exercitasse para não cometer
equívocos suscetíveis de me conduzir “lá onde Makar nunca
levou seu bezerro”.
No dia da “apresentação suprema”, como eles dizem, che­
guei ao lugar de residência do chefe dessa grande comunidade.
Eu era esperado na estação por Sua Alta Excelência em pes­
soa, ladeado por cinco ou seis ajudantes-de-ordens. Desde esse
instante, ele se pôs — sem nenhuma participação de sua “ini­
ciativa subjetiva pessoal”, evidentemente, mas sob a exclusiva
direção do hábito automático adquirido pela repetição de uma
única e mesma coisa — a subjugar todas as minhas partes espi­
ritualizadas e todas as manifestações de minha presença geral,
tomando-as, por assim dizer, sob a tutela de seu próprio “eu”.
A partir desse momento, eu tive, quanto às minhas mani­
festações exteriores, de “dançar ao som de sua flauta”, como
teria dito nosso venerável Mulá Nassr Eddin.
Assim que deixamos a estação para nos sentar na cale-
che, ele se pôs a me explicar e a me indicar o que eu devia fazer
e dizer, e o que não devia nem dizer, nem fazer.
Quanto à maneira como ele me ensinou e como guiou
minha presença, um pouco mais tarde, na sala onde devia ocor­
rer a famosa apresentação... não se poderia falar disso, mesmo
na língua de Sherazade, menos ainda descrevê-la com a pluma
do “Senhor Filho de Cão”.
Nessa sala, cada um de meus movimentos, cada um de
meus passos e até o menor de meus baixar-de-pálpebras estavam

597
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

previstos dc antemão e me eram “soprados” por esse general


importante.
No en tanto, apesar de todo o absurdo dessa maneira de
proceder, se levarmos em consideração que o aperfeiçoamento
de um ser depende da quantidade e da qualidade de suas expe­
riências interiores, a justiça objetiva me obriga a reconhecer
que seus favoritos me forçaram naquela noite, inconsciente­
mente é claro, a experimentar e a sentir mais coisas talvez do
que eu experimentara e sentira durante todos os séculos de
minhas estadas pessoais entre eles.
Seja como for, tendo aceito essa famosa apresentação com
vistas a observar e a estudar o psiquismo tão singular e tao
“contorcido” de seus favoritos, devo dizer que depois da “for­
te prova” a que fui submetido aquele dia só respirei livremente
ao voltar ao vagao, quando meus carrascos, e sobretudo esse
general importante, mc deixaram enfim sozinho.
Durante todo esse dia, eu tinha estado tao absorvido pelo
cumprimento das inumeráveis manipulações estúpidas que exi­
giam de mim, e que mc cansavam em razão de minha avançada
idade, que eu nem sequer notara o rosto de seu infeliz “impe­
rador”, nem tampouco seu comportamento em toda essa co­
media.
E agora, meu filho, se se esforçar para bem assimilar o
que vou lhe informar sobre os acontecimentos que me sucede­
ram depois, e que foram os resultados dessa “famosa apresen­
tação a Sua Majestade o Imperador”, provavelmente você po­
derá se representar claramente e bem compreender como, en­
tre seus favoritos — sobretudo na grande comunidade da Rús­
sia daquela época —, o que se chama a “importância indivi­
dual” se avalia e se estabelece unicamente segundo efêmeros
“vctro-uretznels” exteriores, como foi o caso para mim nessa
circunstância.
Esse hábito de julgar os méritos dos seres segundo sua
efêmera aparência exterior, enraizando-se pouco a pouco neles,

598
A RÚSSIA

não cessou de desenvolver e de reforçar sua ilusão de que é a


essa aparência, precisamente, que se limita a aquisição do “ser-
individualidade”, e todos, subjetivamente, não se esforçam mais
senão para isso.
E por isto que em nossos dias, desde sua vinda ao mun­
do, eles todos perdem pouco a pouco até o “gosto” e até mes­
mo o “desejo” do que se chama o “Ser esseral objetivo”.
As manifestações desses “vetro-uretznels” começaram a
se fazer sentir em relação a mim desde a manhã do dia seguin­
te, no sentido de que todos os dados para uma representação
esseral de minha personalidade, outrora solidamente fixados
na presença de todos os seres de lã que me conheciam, tinham
bruscamente mudado só pelo fato de minha “apresentação ofi­
cial”, objetivamente funesta, a seu mais alto “detentor de poder”.
Para a individualidade deles, a idéia que faziam de mi­
nha importância pessoal, assim como de minhas qualidades e
méritos, mudou de repente: tornei-me para todos um ser “im­
portante”, e “inteligente”, e “extraordinario”, e “interessan­
te”... quer dizer, o possuidor de toda espécie de fantásticas qua­
lidades esserais de sua invenção.
Para ilustrar o que acabo de dizer, vou lhe dar esses pou­
cos exemplos muito característicos:
O proprietário do estabelecimento onde eu comprava mi­
nhas provisoes para a cozinha antes de ir aos meus negocios
quis a todo custo, no dia seguinte a essa “audiência imperial”,
como se diz às vezes por lá, levar ele mesmo minhas compras
para casa. Todos os policiais do bairro onde eu residia tempo­
rariamente, que já me conheciam como um médico estrangei­
ro, assim que me avistavam de longe, levavam a mão a sua vi-
seira, tal como para o mais importante de seus generais.
Na mesma noite, o chefe do primeiro departamento aon­
de eu tinha me dirigido trouxe-me ele mesmo em domicílio a
infeliz licença que dava direito à instalação de um laboratorio
de química, e na espera da qual eu havia enlanguescido três

599
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

meses, batendo à porta de todos os estabelecimentos oficiais e


nao oficiais. E no dia seguinte, eu recebia quatro outras autori­
zações vindas de diversos departamentos de outros ministérios,
cujas atribuições nào permitiam de forma alguma a outorga
dessas autorizações, mas aos quais eu tivera de me dirigir du­
rante meus absurdos trâmites.
Os proprietários, os lojistas, as crianças, e em geral todos
os que habitavam minha rua, tornaram-se tão amáveis comigo
como se eu tivesse tido a intenção de deixar a cada um deles
uma imensa “herança americana”. E assim por diante...
Depois desse acontecimento “vidocramano” eu soube,
entre outras coisas, que esse infeliz imperador se prepara sem­
pre, ele também, para esses encontros oficiais com seres es­
trangeiros.
E há muitos desses encontros oficiais, quase todos os dias,
e até varias vezes por dia; aqui uma “parada militar”, ali uma
“audiência” com o embaixador de um outro imperador; de ma­
nhã, uma “delegação”; ao meio-dia, uma “apresentação” no
gênero da minha; mais tarde, a “recepção” de diferentes “re­
presentantes do povo”, como os chamam — e com todos ele
tem de falar, ou até mesmo fazer todo um discurso.
Dado que a menor palavra de cada um desses imperado­
res terrestres pode ter, e tem mesmo freqüentemente, conse­
qüências sérias não somente para todos os seres da comunida­
de de que ele é imperador, mas também para os seres das de­
mais comunidades, cada palavra que ele pronuncia deve ser
examinada sob todos os seus aspectos.
Com este fim, ao redor desses imperadores ou reis —
que o sejam por direito hereditario ou por eleição — permane­
ce grande número de especialistas escolhidos entre os seres tri-
cerebrais ordinários de lá, e encarregados de lhes “soprar” o
que devem fazer e o que devem dizer, e em que momento pre­
ciso; além disso, essas indicações devem ser dadas de tal ma­
neira que os outros não possam notar que seu imperador ou rei

600
A RÚSSIA

se manifesta não por sua própria iniciativa, mas segundo a de


outrem.
Para lembrar-se de tudo isso, os imperadores devem evi­
dentemente se exercitar, eles também.
E o que significa se exercitar, você pode provavelmente
muito bem imaginar depois do que acabo de contar. Eu mes­
mo o compreendi com todo meu ser quando me preparei para
aquela famosa apresentação.
Não tive de suportar semelhante preparação senão uma
única vez durante toda minha existência no planeta deles. Que
semelhante preparação seja necessária a cada dia, e para cada
caso particular... possa a sorte poupar seja quem for dessa prova!
De minha parte, eu não queria a nenhum preço estar
na pele de um desses imperadores ou reis terrestres, e não o
desejaria a meu pior inimigo, nem mesmo aos inimigos de
meus próximos.

“Depois dessa inesquecível “apresentação suprema”, dei­


xei logo São Petersburgo, e tive desde então como lugar de
existência diversas cidades situadas no continente da “Euro­
pa”, ou em outros continentes. Mais tarde, voltei muitas vezes,
por assuntos muito diferentes, a essa comunidade da Rússia
onde se efetuou, durante esse período, seu grande “processo
de destruição mútua e de aniquilação de tudo o que eles ti­
nham adquirido anteriormente”, processo que eles chamaram
desta vez, como já lhe disse, “bolchevismo”.
Lembra-se? Prometí lhe explicar as verdadeiras cau­
sas fundamentais do aparecimento desse processo arqui-fe-
nomenal.
Pois bem, como eu lhe disse, esse aflitivo fenômeno apa­
rece lá sob a ação de dois fatores independentes: o primeiro é a
lei cósmica “Soliunensius”; o segundo, as condições anormais
de existência esseral ordinária que eles mesmos estabeleceram.
Para que você compreenda melhor em que consistem

601
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

estes dois fatores, eu os explicarei separadamente e começarei


pela lei cósmica “Soliunensius”.
Em primeiro lugar, você deve saber que todos os seres
tri-cerebrais, qualquer que seja o planeta onde eles nasçam e
qualquer que seja seu revestimento exterior, esperam sempre
com muita impaciência c alegria as manifestações de ação des­
ta lei, um pouco como seus favoritos aguardam suas grandes
festas chamadas “Páscoa”, “Baïram”, “Zadik”, “Ramada”,
“Kaïalana”, e tantas outras.
A única diferença é que se seus favoritos aguardam suas
festas com impaciência é porque nesses “dias santos” eles to­
maram o hábito de “se divertir” sem constrangimento e de “se
embriagar” livremente; enquanto nos demais planetas os seres
aguardam com impaciência as manifestações da ação do Soli u-
nensius porque, graças a ela, a necessidade de uma evolução
acelerada no sentido de uma aquisição progressiva da Razão
objetiva aumenta por si mesma.
Quanto às causas que desencadeiam diretamente a ação
dessa lei cósmica, elas diferem segundo os planetas, mas de­
pendem sempre elas mesmas do que se chama o “movimento
harmônico universal”; e, no que concerne ao seu planeta Ter­
ra, o que se chama o “centro de gravidade das causas” é cons­
tituído pela “tensão periódica” do sol desse sistema, provoca­
da, por sua vez, pela ação que exerce sobre ele o sistema solar
vizinho, que existe com o nome de “Baleauto”.
Neste último sistema, o “centro de gravidade das cau­
sas” é determinado pela presença do grande cometa “Solni”
entre suas concentrações. Em razão de certas combinações do
“movimento harmônico universal”, este cometa se aproxima
por vezes, em sua queda, muito perto de seu sol Baleauto, que
deve então aumentar fortemente sua “tensão” para se manter
na trajetória de sua própria queda. Esta tensão ocasiona a dos
sois que pertencem aos sistemas solares vizinhos, dentre os quais
se encontra o sistema Ors; e quando, por sua vez, o sol O rs

602
A RÚSSIA

aumenta sua tensão para não modificar a trajetória de queda


que lhe é própria, ele provoca igualmente a tensão de todas as
concentrações de seu sistema, entre as quais se encontra o pla­
neta Terra.
A “tensão” de cada planeta se taz sentir na presença ge­
ral de todos os seres que nele nasceram e que o habitam, en­
gendrando sempre neles, afora todo desejo ou intenção conscien­
te de sua parte, uma sensação chamada “iaboliunozor sagra­
do”, que seus favoritos teriam chamado “sentimento religio­
so”. E é precisamente esse sentimento esseral que aparece às
vezes nessas necessidades e nessas tendências, de que falei há
pouco tempo, em direção a um aperfeiçoamento de si, no sen­
tido de uma aquisição acelerada da Razão objetiva.
E interessante notar que, quando esta sensação sagrada
— ou qualquer outra sensação similar, provocada ela também
por uma realização cósmica — se produz na presença geral de
seus favoritos, eles a tomam por algum sintoma de uma de suas
numerosas doenças; neste caso, por exemplo, chamam esta sen­
sação “nervosidade”.
E preciso ainda notar que antigamente esse impulso pró­
prio à presença de todos os seres tri-cerebrais de Nosso Gran­
de Universo surgia e se desenvolvia quase normalmente na maio­
ria dos seres do planeta Terra, e isto desde o tempo em que o
órgão kundabuffer foi extirpado de sua presença até a segunda
perturbação transapalniana.
Porém mais tarde, entre os flagelos que ocasionaram as
condições de existência esseral ordinaria que eles haviam esta­
belecido, sobretudo a partir do momento em que começou a
predominar na presença de cada ser terrestre tri-cerebral esse
“deus interior maléfico” chamado “autotranqüilizador”, suce­
deu que sob a ação do Soliunensius surgiu neles, no lugar das
necessidades e tendências voltadas para um aperfeiçoamento
de si acelerado, alguma coisa que eles mesmos caracterizam
pelas palavras “necessidade de liberdade”, e que é a principal

603
RELATOS DE BELZEBU A SEU NET( )

causa tio aparecimento desses aditivos processos, o ultimo dos


quais se chama “bolchevismo”.
Eu lhe explicarei mais tarde como eles se representam
sua famosa “liberdade”; por agora, direi somente que a sensa­
ção determinada pela ação do Soliunensius aumenta neles a
necessidade de uma mudança nas condições exteriores de sua
existência esseral ordinária, bem ou mal asseguradas até então.
Depois da segunda perturbação transapalniana que so­
freu esse desafortunado planeta, quer dizer, após o “desastre
da Atlântida”, a ação da lei cósmica Soliunensius sobre a pre­
sença geral de seus favoritos exerceu-se não menos de quaren­
ta vezes, e em cada repetição essa estranha “necessidade de
liberdade”, já fixada na maioria deles, produzia finalmente
quase a mesma coisa que o que se produziu nestes últimos anos
no conjunto dos grupos que povoam a parte da superfície de
seu planeta chamada “Rússia”.
E muito importante notar aqui que esses terríveis pro­
cessos não teriam jamais podido se efetuar entre os seres tri-
cerebrais do planeta Terra se os dados permanecidos intactos
em seu subconsciente para engendrar o impulso esseral de cons­
ciência moral objetiva — dados sobre os quais o Mui Santo
Ashyata Sheyimash havia sido o primeiro a dirigir sua atenção,
e com os quais contara para cumprir sua missão — tivessem
tomado parte no funcionamento do consciente que se tornou
habitual a eles durante seu estado de vigília.
Pelo simples fato de que os dados para o impulso sagra­
do de “consciência esseral” não participam no funcionamento
de seu consciente, a ação da lei Soliunensius, assim como de
outras leis cósmicas inevitáveis, assume formas anormais e, para
eles, das mais lamentáveis.

“Quanto ao segundo fator de aparecimento desse pro­


cesso, ele se origina, como já lhe disse, de um conjunto de cau­
sas oriundas das condições anormais de sua existência esseral

604
A RUSSIA

ordinária, a razão fundamental disso é urna vez mais, a meu


ver, esta famosa divisão em “castas”, que caracteriza suas rela­
ções recíprocas e que não cessou de se manter lá, exceto du­
rante o período em que os resultados dos Mui Santos Traba­
lhos de Ashyata Sheyimash haviam definitivamente se enraiza­
do neles.
A única diferença é que, nos séculos passados, a divisão
em diversas castas se efetuava segundo a consciência e por
iniciativa de certos Individuuns isolados, enquanto hoje em dia
ela se realiza de todo mecanicamente, sem nenhuma participa­
ção da vontade ou da consciência de quem quer que seja.
Aqui, meu filho, acho oportuno explicar um pouco a você
de que maneira e em que ordem seus favoritos se encontram
automaticamente divididos em suas famosas classes, e como
eles mesmos se subdividem, depois, em “castas”.
Quando, em razão de diversas circunstâncias acidentais,
um grupo importante de seus favoritos se concentra em algum
lugar para ah organizar uma existência cm comum, alguns de­
les — nos quais, por uma razão ou outra, já se cristalizaram
fortemente essas consequências das propriedades do órgão kun-
dabutfer cujo conjunto dá à sua presença geral o impulso cha­
mado “astúcia”, e que, por outro lado, dispõem naquele mo­
mento de numerosos “meios de intimidação”, ou de “armas”
variadas — se distinguem logo dos outros seres, se põem â frente
deles e constituem o núcleo do que se chama a “classe dirigente”.
E visto que, em todos os seres tri-cerebrais do planeta
Terra, sobretudo naqueles dos últimos períodos, o impulso es­
seral sagrado denominado “consciência moral objetiva” não
participa no funcionamento de seu consciente ordinário — o
que lhes retira até o desejo de fazer o menor esforço esseral
consciente —, os seres que assim se distinguiram para consti­
tuir a classe dirigente, aproveitando-se dos “meios de intimi­
dação” em questão, forçam os demais seres do grupo a fazer,

605
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

em seu lugar, até esses esforços que todo ser deve absoluta­
mente cumprir na existência esseral ordinaria.
E como, pelas mesmas razões, os outros seres desse gru­
po também nao desejam mais cumprir pessoalmente esses es­
forços esserais — sobretudo nao para outros —, mas ao mes­
mo tempo têm medo desses “meios de intimidação”, eles re­
correm a todo tipo de astúcia para se desembaraçar “sobre os
ombros do vizinho”, como se diz, desses esforços esserais ine­
xoravelmente exigidos pelos seres da classe dirigente.
Disso resulta habitualmente que os seres de todos esses
grupos se selecionam pouco a pouco e se dividem em diferen­
tes categorias, segundo o grau de habilidade de seus artifícios.
E a divisão dos seres em categorias desta espécie leva, nas gera­
ções seguintes, a uma subdivisão em suas famosas castas.
O fato de se ligarem uns e outros a castas de toda espécie
cristaliza na presença de cada um deles, em relação aos seres
pertencentes a outras castas, o dado esseral chamado “odio”,
que não se encontra em parte alguma alias, em nenhum ser, cm
todo Nosso Cirande Universo, e que por sua vez engendra ine­
vitavelmente em sua presença geral os impulsos, “vergonho­
sos” para seres tri-cerebrais, que eles chamam “inveja”, “ciú­
me”, “adultério”... e muitos outros do mesmo gênero.
Assim então, meu filho, esses terríveis processos de des­
truição mútua e de aniquilamento de tudo o que eles haviam
adquirido se devem em grande parte a que, durante os perío­
dos em que a ação da lei cósmica Soliunensius se faz sentir em
sua presença geral, suscitando neles uma necessidade de “li­
berdade”, a intensidade da ação do dado que engendra sem
cessar o impulso de “timidez” diante dos detentores de poder
— dado já inerente a sua presença geral — começa a diminuir
automaticamente neles, enquanto aumenta a intensidade de
ação do estranho dado esseral que desencadeia o “odio” para
com os seres pertencentes a outras castas.
E por isso que eu disse que sua divisão em castas, que

606
A RÚSSIA

engendra, entre outros resultados, esse estranho dado esseral


cuja açao se faz sentir cada vez mais, e que é devido, como
certamente você mesmo pôde se convencer a partir de meus
relatos, às condições de sua existência esseral anormal, era o
segundo íator de aparecimento desses terríveis processos.
Esses terríveis processos surgem e se desenrolam habitual­
mente na ordem seguinte:
Isso começa sempre da mesma maneira. Vários seres de
um desses grupos, nos quais por acaso se cristalizaram mais
fortemente que nos outros os dados que engendram esse estra­
nho impulso em relação aos seres de outras classes — e sobre­
tudo em relação aqueles que pertencem à classe dirigente —,
sofrendo a ação do Soliunensius, vêem e experimentam mais
do que os outros a realidade; eles se põem então a “berrar”,
como se diz lá, e esses “berrantes oradores” se tornam para os
que os cercam o que chamam hoje em dia de “líderes”.
Depois, sob o duplo efeito de seus “berros” e da ação da
lei cósmica Soliunensius que se combinam anormalmente em
suas presenças, os outros se põem a berrar, por sua vez. E quan­
do esses berros dos seres ordinários começam a ressoar de ma­
neira demasiado cacofónica nos “nervos efeminados da meta­
de esquerda” de certos detentores de poder da comunidade,
estes últimos ordenam a quem de direito que engraxe com o
que se chama “creme escocês” os umbigos de vários desses
herradores tonitruantes; e é então que se desencadeiam todos
esses excessos que, gradualmente, atingem o paroxismo — mas,
para sua desgraça, não os levam finalmente a nada.
Se esses processos melhorassem pelo menos, por pouco
que fosse, a existência dos seres das gerações seguintes, aos
olhos de um observador imparcial eles não pareceríam talvez
tão terríveis.
Mas para a infelicidade de todos os seres tri-cerebrais de
Nosso Grande Universo, assim que cessa a “ação benéfica” des­
se fenômeno cósmico conforme às leis, e que esses terríveis

607
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

processos chegam ao fim, a “velha historia” recomeça, sua exis­


tência esseral ordinaria torna-se mais “amarga” do que antes,
enquanto se enfraquece mais ainda neles o “sadio conhecimento
do significado e da meta de sua existência”.
E ele se enfraquece, a meu ver, porque, depois desses
processos, os chefes da antiga classe dirigente são geralmente
substituídos por seres provenientes de diversas outras classes.
Ora, estas classes nunca tiveram, na pessoa de um de seus re­
presentantes das gerações passadas ou presentes, nenhuma
experiência das manifestações esserais, conscientes ou in­
conscientes, que possa lhes dar a capacidade de dirigir os pro­
cessos de existência exterior, e por vezes até mesmo interior, dos
seres que os rodeiam que, mesmo sendo seus “semelhantes”,
não atingiram ainda o mesmo grau de razão.
E preciso reconhecer, com toda justiça, que se nos seres
tri-cerebrais da antiga classe dirigente os dados presentes em
seu “subconsciente” para engendrar a verdadeira consciência
moral objetiva também nào participavam do funcionamento
correspondente a seu “estado de vigília”, eles tinham pelo me­
nos, em sua maioria, o hábito de governar, adquirido por here­
ditariedade e que se aperfeiçoava automaticamente de geração
em geração.
Pelo contrário, na presença dos seres que acedem pela
primeira vez ao poder, não somente não existe nenhuma ver­
dadeira consciência esseral, como não existia nenhuma nos se­
res da antiga classe dirigente, mas além disso diversos “char­
mes” começam a se manifestar neles de maneira particularmente
tumultuosa e a dar resultados tao terríveis quanto extraor­
dinarios; estes diversos “charmes” se cristalizam na presença
dos seres terrestres tri-cerebrais, c sobretudo em nossos dias,
como conseqüências de certas propriedades do órgão
kundabuffer, tais como “vaidade”, “orgulho”, “presunção”,
“amor-próprio” e outras, cujo funcionamento está ainda muito

608
A RÚSSIA

fresco neles, visto que elas quase nunca alcançaram o grau re­
querido de satisfação.
A esses seres terrestres, inopinadamente convertidos em
detentores de poder sem ter o menor dado hereditário corres­
pondente, ainda que tosse apenas a faculdade automática de
governar, aplica-se muito bem uma das sentenças de nosso caro
Mestre, que ele formula assim:
“Nunca encontrei um idiota habituado a andar em ve­
lhos chinelos e que tenha se sentido confortável em sapatos
novos da moda”.
E, realmente, meu filho, cada vez que a ação do Soliu­
nensius cessa no seu planeta Terra, e que seus favoritos reto­
mam sua existência “relativamente normal”, bem ou mal esta­
belecida, os “detentores de poder de última tornada” execu­
tam dessas “cabriolas assombrosas” que provocam a cada ano
nesse planeta uma recrudescência de natalidade do que cha­
mam de “lesmas”, “caramujos”, “pulgas”, “baratas” e tantos
outros parasitas, destruidores dos bens da Natureza.

“Já que falei do bolchevismo, vou lhe contar acerca des­


se assunto, para lhe dar uma vez mais um exemplo da origina­
lidade do pensar esseral de seus favoritos, uma de suas ingênuas
conclusões, não desprovida de humor.
Esta ingenuidade, que vem de um julgamento confronta-
tivo por demais empobrecido, consiste nisto: se bem que há
dois séculos todos os acontecimentos, sem exceção, que per­
tencem ao domínio das relações mútuas dos seres ocorrem ex­
clusivamente por si mesmos, sem a menor participação do cons­
ciente ou da iniciativa de um ser contemporâneo qualquer que
seja, eles atribuem sempre sem hesitação, e até mesmo com
inveja, todos os resultados, bons ou maus, desses acon­
tecimentos a este ou àquele de seus semelhantes.
Tamanha anomalia, fixada no conjunto de suas partes
espiritualizadas, é devida às razões seguintes:

609
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Em primeiro lugar, os dados esserais capazes, em sua


totalidade, de engendrar na presença dos seres a propriedade
chamada “pressentimento do futuro” desapareceram comple­
tamente neles, o que lhes retira a possibilidade dc prever, em
qualquer grau que seja, os acontecimentos futuros; de outra
parte, com seu “horizonte limitado” e sua “memoria curta”,
não somente eles não sabem nada do que se passou muito tem­
po antes em seu planeta, mas nem mesmo se lembram do que
acaba dc se passar ali na véspera, ou quase; enfim, ignoram
tudo das leis cósmicas em virtude das quais se desenrolam en­
tre eles esses lamentáveis acontecimentos. De modo que seus
favoritos contemporâneos estão convencidos, com toda sua pre­
sença, de que o terrível processo a que dão o nome de “bolche­
vismo” se produz pela primeira vez em seu planeta, e que, an­
tes de sua “pequena maravilha de civilização”, nunca houve
nada parecido; estão mesmo persuadidos de que esse processo
se deve à evolução progressiva da razão de seus semelhantes.
A conclusão confrontât iva que esses seres tiram do de­
senrolar dos processos similares que tão frequentemente se re­
petiram em seu planeta nos servirá de exemplo para ilustrar e
caracterizar a estupidez e a estreiteza fenomenal de suas consi­
derações esserais.
Segundo o simples bom senso de todo ser tri-cerebral,
tais processos não podiam deixar de se produzir. Desde que
me interesso pelo estranho psiquismo de seus favoritos e me
aplico a observá-lo sob todos os seus aspectos, eu mesmo assis­
ti a processos exatamente semelhantes — que eu chamaria “pro­
cessos de destruição de tudo o que cai no campo visual” -
mais de uma quarentena de vezes.
E interessante observar que quase a metade destes terrí­
veis processos se produziram não longe dos lugares onde se
concentra hoje o que eles chamam de sua “existência culta”,
na parte da superfície de seu planeta a que dão o nome de
Egito.

610
A RÚSSIA

E se estes terríveis processos se efetuaram tão Ireqüente­


mente no Egito, é que, durante longos períodos, essa parte da
superfície de seu planeta ocupou, em relação ao “movimento
harmônico universal geral”, a posição de “centro de gravidade
das radiações”. E por isso que a ação da lei cósmica Soliunen­
sius se fez frequentemente sentir na presença dos seres tri-ce­
rebrais que a povoam, provocando a cada vez neles a mesma
anomalia.
Traçando um paralelo entre os dados autênticos relati­
vos aos acontecimentos que se passaram no Egito e aqueles
que se fixaram a esse respeito na representação e na compreen­
são de quase cada um dos seres responsáveis formados por sua
famosa “cultura” atual — e que foram supostamente descober­
tos graças a sua “razão já aperfeiçoada” —, teremos um evi­
dente exemplo dos dados a partir dos quais se constitui seu
“pensar lógico” durante sua existência responsável. Além do
que isto me permitirá salientar uma vez mais toda a “malefi-
cência”, no sentido objetivo, do uso que eles definitivamente
estabeleceram no processo de sua existência ordinária em pro­
veito da jovem geração, e que eles adornam com os nomes re­
tumbantes de “educação” e de “instrução”.
Com efeito, entre as informações efêmeras e fantásticas
cujo conjunto constitui essa estranha razão que lhes é própria,
a eles somente, se coloca a historia desse Egito.
Esta historia fantástica, evidentemente inventada por al­
gum candidato à “individualidade hassnamussiana”, tornou-
se “assunto obrigatório” em todos os estabelecimentos de ins­
trução; ali a “enfiam a golpes de martelo”, com outras estupi­
dezes do mesmo gênero, nas distintas concentrações destina­
das ao funcionamento de percepções e de manifestações espi­
ritualizadas, ou, como eles teriam dito, nos “cerebros” desses
futuros seres responsáveis; e, quando esses infelizes efetivamente
se tornam “seres responsáveis”, essas informações fantásticas,

611
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“repisadas” à força, lhes servem de base para associações esse­


rais e para um “pensar confrontativo lógico”.
E por isso que, meu filho, nesse desafortunado planeta,
todo ser contemporâneo que chegou à idade responsável, em
lugar de ter o conhecimento real dos acontecimentos que se
passaram outrora no seu planeta, e que ele deveria possuir como
ser tri-cerebral normal, tem de todas as coisas — tanto pela
“noção inconsciente” que ele recebe delas com todo seu ser,
como pelas conjecturas de sua razão esseral — um conheci­
mento análogo ao que ele tem desse Egito.
E claro que, graças a seu sistema de “educação” e de “ins­
trução”, cada ser tri-cerebral supostamente responsável desse
original planeta conhece a história dos seres que existiam anti­
gamente nesse Egito.
Mas de que maneira ele a conhece, depois de ter assimi­
lado essas informações segundo o método que eles mesmos cha­
mam “repisar”, e que conjunto de representações esserais re­
sulta disso para suas três partes esserais espiritualizadas, você
se representará sem dificuldade e o compreenderá claramente
pelo exemplo que vou lhe dar.
Eles “sabem” quase todos que os antigos egípcios tive­
ram vinte e quatro dinastias. Mas se alguém pergunta a qual­
quer um deles: “E por que tiveram eles tantas dinastias?”, se
constatará que ele jamais havia pensado nisso.
E se se insiste para ter uma resposta, esse mesmo ser, que
há pouco “sabia” e afirmava com toda sua presença que os
antigos egípcios tinham tido vinte e quatro dinastias, revelará,
no melhor dos casos — com a condição, naturalmente, que o
ajudem a ser sincero e a expressar em voz alta as associações
que fluem nele —, a sequência de pensamentos lógicos que
seguem:
“Esses egípcios tiveram vinte e quatro dinastias.
“Bom...
“Isto prova que entre os egípcios existia uma organização

612
A RÚSSIA

de estado monárquica e que o cargo de “imperador” se trans­


mitia por hereditariedade de pai a filho. Ora, era costume que
os imperadores de uma mesma linhagem usassem o mesmo
nome, e que todos os imperadores que tinham o mesmo nome
constituíssem uma dinastia; por conseguinte, tantos nomes de
imperadores existiram, tantas foram as dinastias... Eis que isto
é muito compreensível e claro como um “remendo” nas calças
bulantes do venerável Mulá Nassr Eddin.”
E se alguém, entre os seres de cultura contemporânea,
quer absolutamente conhecer as causas das frequentes mudan­
ças de famílias de imperadores entre os antigos egípcios e con­
tinua a “cavoucar” para esclarecer sua razão sobre esse assun­
to, uma vez mais, no melhor dos casos, seu pensar esseral asso­
ciará mais ou menos na ordem seguinte:
“Evidentemente, se dirá ele, nos tempos antigos, aconte­
cia frequentemente no Egito que o “imperador” ou, como o
chamavam, o “faraó” ficasse fatigado de reinar e quisesse ce­
der seu poder a um outro. E ele cedia muito provavelmente
seu poder desta maneira e nas circunstâncias seguintes:
“Suponhamos que um certo faraó chamado “Silva” viva
e reine em paz sobre todos os egípcios para sua maior satisfação.
“Ora, este imperador ou faraó “Silva” se sente um dia
muito fatigado de reinar e, durante uma noite em claro, refle­
tindo sobre sua “situação de imperador”, ele constata pela pri­
meira vez e reconhece com todo seu ser que, querendo ou não,
a gente se fatiga de reinar, que esta ocupação é em suma uma
“brincadeira” bastante penosa e que, de um ponto de vista pes­
soal, não se pode dizer que ela seja de uma grande utilidade
nem de total segurança.
“O faraó Silva, penetrado dessa impressão, e aproveitan­
do-se da experiência adquirida ao longo de sua existência, de­
cide então encontrar o meio de “persuadir” alguém outro, para
que este o liberte de seu indesejável cansaço.
“Com este fim, ele convida talvez um Souza qualquer,

613
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

ate então obscuro, e, muito cortesmente, se dirige a ele nestes


termos:
“Mui Honrado e extremamente obsequioso Souza, eu lhe
“confesso com toda franqueza, como a meu único amigo e súdito
“digno de confiança, que o império sobre o qual reino já me
“aborrece ao mais alto ponto; isto vem talvez de que estou por
“demais fatigado.
“Quanto a meu querido filho e herdeiro, a quem eu
“poderia legar meu reino, entre nós seja dito, que embora tenha
“o aspecto forte e saudável, em realidade ele nao é nem um,
“nem o outro.
“O senhor, um pai cujo amor por seus filhos é bem
“conhecido, me compreenderá, disto estou seguro, se en
“lhe disser que amo profundamente meu filho herdeiro e que
“não queria vê-lo reinar e se fatigar como eu; é por isso que
“resolví lhe propor, ao senhor precisamente, que é um súdito
“leal e um amigo pessoal, de nos poupar, a mim e a meu filho,
“a tarefa de reinar, e de tomar para si esta alta obrigação.”
“E como esse Souza ainda obscuro é com toda a eviden­
cia um “bom diabo”, e como por outra parte a essa canalha
não falta “vaidade”, com lágrimas nos olhos, e levantando os
ombros — perdido por perdido —, ele consente e, a partir do
dia seguinte, seu reinado começa.
“Visto que o nome de família desse Souza é diferente, a
partir do dia seguinte então, o número de dinastias egípcias
aumenta uma unidade.
“Ora, como numerosos faraós do Egito se sentiam fatiga­
dos e, por amor a seus filhos, não queriam que lhes aconteces­
se a mesma coisa, eles renunciavam a seu reinado da mesma
maneira — e por isso houve tantas dinastias lá.”
Em realidade, a mudança das dinastias no Egito não se
efetuava tão simplesmente e, entre duas dinastias, se produziam
tais perturbações que o “bolchevismo” em comparação não
passa de uma brincadeira de crianças.

614
A RUSSIA

No tempo em que o bolchevismo estava no auge, fui varias


vezes testemunha da sincera indignação de certas pessoas que,
por razões evidentemente independentes delas, não tinham to­
mado parte no processo mesmo e, por conseguinte, podiam
observar de fora, meio conscientemente, e se indignar com toda
sua presença diante das atuações dos seres, seus semelhantes,
que eles chamavam e chamam ainda hoje de “bolcheviques”.
A meu ver, não seria inútil lhe dizer, a este respeito, que
essa emoção esseral, caracterizada de maneira admirável pela
expressão: “indignar-se sinceramente em vão”, é, ela também,
uma das infelizes particularidades do psiquismo dos seres tri-
cerebrais que lhe agradam — e sobretudo em nossos dias.
Esta anomalia psíquica acaba por perturbar, em sua pre­
sença geral, numerosos funcionamentos já desarranjados de seu
corpo planetário, e até de seu corpo kessdjan — com a condi­
ção, naturalmente, que este segundo corpo esseral já esteja
revestido neles e que tenha alcançado a “individualidade” re­
querida.
E esta anomalia de seu psiquismo que consiste em “in­
dignar-se sinceramente em vão”, ou, como eles mesmos o di­
zem, “emocionar se sinceramente em vão”, resulta, por sua vez,
do fato de que o “horizonte esseral”, assim como a “sensação
instintiva da realidade em sua verdadeira luz”, próprios a to­
dos os seres tri-cerebrais, há muito tempo desapareceram de
sua presença geral.
Em razão da ausência dessas duas particularidades em
seu psiquismo, eles não podem de maneira alguma suspeitar
que os seres seus semelhantes não têm nada a ver com esses
terríveis processos, e que estes últimos se efetuam em seu desa­
fortunado planeta sob a ação de duas grandes causas inevitáveis.
A primeira destas causas é precisamente a lei cósmica
Soliunensius, inteiramente independente deles; quanto à se­
gunda, que depende deles em parte, ela consiste em que o con­
junto dos resultados das condições de existência esseral ordi-

615
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

nária, anormalmente estabelecidas por eles, impede os dados que


continuam a se cristalizar em sua presença geral, para nela en­
gendrar o impulso sagrado de consciência moral objetiva, de
participar do funcionamento de seu “estado de vigília” — dei­
xando então a ação da primeira causa tomar essa terrível forma.
Como jã o disse, eles não podem se representar nem com­
preender, mesmo de longe, que pessoas isoladas não poderiam
ser a causa desses terríveis processos planetários, que é total­
mente por acaso que elas ocupam certos postos, e que, em ra­
zão das condições já estabelecidas de existência em comum, o
fato mesmo de ocupar esses postos as obriga a se manifestarem
num papel ou em um outro. E os resultados desses papéis to­
mam ora uma forma, ora outra, segundo uma conformidade
rigorosa que não depende absolutamente deles.
Enquanto o último desses processos, o bolchevismo rus­
so, atingia seu auge, os seres das demais comunidades se indig­
naram bem sinceramente ao saber que os seres que se torna­
ram supostamente “ativos” nesse aflitivo processo tinham dado,
a outros seres ordinários, a ordem de fuzilar tal ou tal João,
Joaquim ou Paulo.
Para a clareza de minhas explicações, devo lhe dizer que
esse processo se efetua ainda hoje em uma parte relativamente
grande da superfície desse desafortunado planeta, e que, por
outro lado, durante estes últimos tempos o número de seus
favoritos aumentou muito. Mas se compararmos o total dc se­
res tri-cerebrais destruídos no curso dos processos preceden­
tes com aquele do processo atual, este último parecerá verda­
deiramente como uma “brincadeira de criança”.
Para que você compreenda melhor e compare os proces­
sos anteriores com o bolchevismo de hoje, eu lhe esboçarei dois
pequenos quadros da historia antiga, digamos por exemplo do
Egito, já que acabo de lhe falar dele.
No intervalo de duas dinastias de faraós ou reis egípcios,
desenvolvia-se no Egito um processo análogo ao bolchevismo

616
A RUSSIA

contemporâneo. O comitê central dos revolucionarios anuncia­


va, entre outras coisas, à população do país, que logo se proce­
dería à eleição dos cheles de seus grandes e pequenos centros,
ou, como se diz por lá, de suas cidades e aldeias, e que essas
eleições se lariam segundo o princípio seguinte:
Seriam eleitos como chefes das cidades e das aldeias aque­
les que depositassem em suas urnas sagradas mais “kroanes”
que os demais. “Kroanes” era o nome dado às oferendas de
sacrifício no Egito.
O tato é que, segundo a religião dos seres desse país, era
costume, durante as cerimônias religiosas, celebradas em lo­
cais especiais, colocar diante de cada ser ordinário que assistia
a essas cerimônias uma urna especial de terracota, onde ele
devia depositar, após cada recitação de certas preces, os legu­
mes ou trutas designados naquele dia. E esses objetos “dignos”
de serem oferecidos em sacrifício eram chamados “kroanes”.
Segundo toda probabilidade, essa “manipulação” tora
inventada como fonte de renda pelos teócratas da época, em
proveito de seus “espiões”, como eles dizem.
O decreto em questão estipulava que, em tal circunstân­
cia, os kroanes deviam ser olhos de “bandidos” — nome que
os seres ordinários davam a todos os seres que pertenciam à
classe dirigente, quando estes viravam as costas — sem excluir
os seres de “sexo passivo”, as crianças e os idosos.
Era em seguida especificado que aquele que tivesse mais
kroanes na sua urna sagrada no dia das eleições seria nomeado
Chefe de todo o Egito; e que os chefes das cidades e aldeias
seriam designados proporcionalmente ao número de kroanes
que conteriam suas urnas sagradas.
Você pode se representar, meu filho, o que se passava
por toda parte no Egito, naqueles dias, para que as urnas sa­
gradas contivessem o maior número de olhos de seres perten­
centes à classe dirigente dessa época.

617
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Uma outra vez, fui testemunha de uma cena nào menos


terrificante.
Para melhor representá-la a você, saiba antes de tudo que
no Egito se encontrava antigamente, em cada um de seus gran­
des centros ou “cidades”, uma vasta praça onde se desenrolava
todo tipo de cerimônias públicas, religiosas e militares. Por
ocasiao dessas cerimônias se reunia um grande número de se­
res vindos de todo o país.
Estes seres, cuja maioria pertencia às classes mais fracas,
atrapalhavam as cerimônias. Por causa disso certo faraó deu a
ordem de esticar cordas ao redor dessas praças a fim de que os
seres pertencentes às “classes inferiores” nào viessem pertur­
bar o andamento da cerimônia. Porém, uma vez as cordas esti­
cadas, tornou-se evidente que elas nào suportariam a pressào
da multidão e acabariam sempre por se romper. O faraó orde­
nou então que se fabricassem cordas metálicas; depois aqueles
a quem chamam lá de “padres” as abençoaram e lhes deram o
nome de “cabos sagrados”.
Esses cabos sagrados estendidos ao redor das praças re­
servadas às cerimônias públicas, principalmente nas grandes
cidades do Egito, tinham um comprimento colossal que atin­
gia por vezes um “ccntrotino”, ou, como teriam dito os seres
de seu planeta, quinze quilômetros de comprimento.
Pois bem, eu fui testemunha da maneira pela qual uma
multidão de seres egípcios ordinários enfiou em um desses ca­
bos sagrados — como um “chachlik asiático” — os corpos de
seres pertencentes à antiga classe dirigente, sem distinção de
idade nem de sexo.
Na mesma noite, com a ajuda de quarenta pares de búfa­
los, esse original “espeto” foi arrastado até o Nilo, onde foi
atirado.
Assisti a numerosos castigos desse gênero, quer durante
minhas estadas pessoais na superfície de seu planeta, quer do
planeta Marte através de meu grande tesskuano.

618
A RÚSSIA

E seus favoritos atuais, que são de uma ingenuidade sem


limites, se indignam sinceramente porque os bolcheviques de
hoje fuzilaram tal ou tal João, Joaquim ou Paulo.
Se se compara os atos cometidos pelos seres tri-cerebrais
de antigamente sob a influência desse “estado psíquico” com
os dos bolcheviques modernos, temos mesmo de louvar estes
últimos e agradecer-lhes pelo tato de que, apesar das diversas
consequências das propriedades do órgão kundabufter inevita­
velmente cristalizadas em suas presenças — como elas o são
em geral em todos os seres tri-cerebrais atuais de lá —, eles
tenham se manifestado, no momento mais intenso, quando não
eram nada mais que marionetes submetidas á influência da lei
cósmica Soliunensius, de maneira tal que se podia ao menos
reconhecer os cadáveres daqueles que eles tinham fuzilado
como sendo precisamente os de João, Joaquim ou Paulo, e não
de não importa quem.”

Nesse ponto de seu relato, Belzebu suspirou profunda­


mente, depois, o olhar fixo em um ponto, refletiu com con­
centração.
Hassin e Ahun, surpresos e entristecidos, o olhavam imó­
veis, numa intensa expectativa.
Ao cabo de um certo tempo, Hassin fez uma careta in­
compreensível, depois, num tom de ternura inquieta, dirigiu-
se a Belzebu, sempre mergulhado em seus pensamentos.
“Avô, querido avô, por favor, manifeste em voz alta as
noções adquiridas no curso de sua longa existencia, nesta pre­
sença geral que me é particularmente querida, pois elas pode­
riam me servir de base para encontrar, à pergunta que acaba de
surgir em minha essência, uma solução da qual não posso me
fazer nem mesmo uma representação aproximativa, por falta
de ter sobre ela o menor dado de confrontação lógica em ne­
nhuma das partes espiritualizadas de minha presença geral.
Esta pergunta que acaba de surgir em minha essência, e

619
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

para a qual minha presença inteira necessita de uma resposta, é


esta: se, por razões independentes deles, esses infelizes seres
tri-cerebrais que povoam o planeta Terra não têm a possibili­
dade, uma vez chegados à idade responsável, de alcançar e de
possuir a Razão objetiva divina, por que, visto que eles apare­
ceram há tanto tempo e que sua espécie se perpetuou durante
tantos séculos, eles não viram se formar pouco a pouco, unica­
mente pelo decurso do tempo, no processo de sua existência
ordinaria, apesar de suas condições anormais, os costumes e os
“hábitos automáticos instintivos”, que é próprio a todo ser ad­
quirir, e graças aos quais esta existência ordinária, tanto do pon­
to de vista “egoistamente pessoal” como do ponto de vista “co­
letivo”, transcorrería de maneira mais ou menos suportável, no
que diz respeito a uma atividade objetiva?”
Dito isto, nosso pobre Hassin interrogou com o olhar a
causa da causa de seu advento.
A pergunta de seu neto predileto, Belzebu respondeu:
— Provavelmente, meu querido filho... Durante longos
séculos, numerosos hábitos e “costumes morais”, às vezes ex­
celentes, muito úteis à sua existência ordinária, foram pouco a
pouco estabelecidos neles, como em todos os planetas onde
surgem seres nos quais uma parte da existência transcorre igual­
mente em processos ordinários; mas a desgraça quer que essas
benéficas aquisições, que se fixam no processo de sua existên­
cia ordinária somente pelo curso do tempo e melhoram ao se
transmitirem de geração a geração, acabem por desaparecer,
ou por se modificar, no sentido de que elas se tornam por si
mesmas “maléficas” e vêm engrossar o número desses fatores
funestos cujo conjunto “dilui” a cada ano mais não somente
seu psiquismo, mas até sua essência.
Se pelo menos todos esses bons hábitos, fixados pelo tem­
po no processo de sua existência, e esses “costumes morais” já
automatizados tivessem podido se conservar intactos e passar
por hereditariedade às gerações seguintes, só isto teria bastado

620
A RÚSSIA

para tornar sua existência, tào “desolada”, no sentido objetivo


da palavra, um pouco mais tolerável aos olhos de um observa­
dor imparcial.
As causas das modificações ou da destruição destes
benefícios esserais, que são esses excelentes hábitos e esses “cos­
tumes morais”, adquiridos no curso do tempo com vistas a uma
existência tolerável, residem uma vez mais nas condições anor­
mais de existência esseral ordinária que eles mesmos estabele­
ceram.
Pois estas condições anormais têm por resultado essencial
uma propriedade muito especial, recentemente surgida em seu
psiquismo e que se tornou a principal causa de seus males; eles
a chamam “sugestionabilidade”.
Em razão desta estranha propriedade fixada há pouco
tempo em seu psiquismo, o conjunto do funcionamento de sua
presença geral se alterou pouco a pouco; de modo que cada
um deles, sobretudo entre os que vieram ao mundo e se torna­
ram seres responsáveis durante os últimos séculos, terminou
por representar uma formação cósmica determinada, que só
tem a possibilidade de se manifestar quando ela se encontra
sob a constante influência de uma formação similar.
E de fato, meu filho, todos os seres tri-cerebrais que lhe
agradam, considerados quer isoladamente quer por grupos in­
teiros pequenos ou grandes, estão absolutamente obrigados,
ou bem a “influenciar” ou bem a sofrer a “influência” dos outros.
Para que você se represente melhor e compreenda a fun­
do de que maneira os costumes e hábitos úteis a sua existência
ordinária, adquiridos automaticamente no curso dos séculos,
desaparecem sem deixar vestígios ou são desnaturados, por cau­
sa dessa propriedade de seu estranho psiquismo, tomemos como
exemplo os seres terrestres tri-cerebrais que os demais seres de
seu planeta chamam “russos” e que representam a maior parte
da população da comunidade chamada “Rússia”.
A existência dos seres que estiveram na origem dessa

621
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

grande comunidade atual de lá, assim como das gerações que


os sucederam, transcorreu durante numerosos séculos nas vi­
zinhanças de seres pertencentes a certas comunidades asiáticas
que tinham por acaso conservado, durante períodos relativa­
mente longos, seu modo de vida cotidiano e entre os quais, por
conseqüência, se haviam constituído e lixado por si mesmos
no processo de sua existência ordinária, como acontece quase
sempre em semelhante caso, grande número de excelentes cos­
tumes e de práticas morais. E assim que esses russos, que se
encontravam freqüentemente com os seres dessas “antigas” co­
munidades — “antigas” aos olhos de seus favoritos — e até às
vezes mantinham com eles relações amigáveis, adotaram pou­
co a pouco, para introduzi-los no processo de sua existência
ordinária, muitos desses costumes úteis e dessas práticas morais.
Ora, meu filho, devido a essa singular propriedade dos
seres tri-cerebrais de seu planeta, que apareceu e se fixou no
psiquismo deles pouco depois da “civilização tikliamuishiana”
com uma intensidade devida ao agravamento das condições de
existência esseral ordinária que eles mesmos haviam estabele­
cido — propriedade psíquica que, desde o começo, se tornou
inerente à presença geral dos seres que constituíram essa futu­
ra grande comunidade —, eles se encontraram todos, no de­
correr desses últimos séculos, sob a influência dos seres de al­
guma comunidade asiática; desde então, todo o “modo exterior”
de sua existência ordinária, toda sua “forma psíquica associati­
va” ficaram submetidos a essa influência.
Ora, em conseqüência de uma mudança de circunstâncias,
devida desta vez ainda ao processo de “destruição mútua perió­
dica”, própria unicamente a esse planeta, os seres do planeta
Terra, que habitam a parte do continente da Asia que tinha e
tem ainda o nome de Rússia, se encontraram privados dessa
influência; e como haviam eles também definitivamente cessa­
do de realizar em sua presença geral os “partkdolgdeveres es­
serais” — ocasionando assim o reforço gradual da mais funesta

622
A RUSSIA

propriedade de seu psiquismo, que se chama “sugestionabili­


dade” —, eles foram forçados, por não poderem levar por si
mesmos uma existência independente, a submeter-se a uma nova
influência, a dos seres de diversas comunidades européias, e
sobretudo da comunidade que lá tem o nome de “França”.
Desde então os seres da comunidade da “França” exer­
ceram automaticamente sua influência sobre o psiquismo dos
seres da comunidade da “Rússia”, e estes últimos se esforça­
ram até mesmo por imitá-los em todas as coisas; de modo que
eles esqueceram pouco a pouco todos os excelentes costumes
já estabelecidos em seu processo de existência, e os hábitos
morais que tinham se tornado inerentes a eles e que eles
haviam emprestado mecanicamente ou semiconscientemente
dos seres das antigas comunidades asiáticas, para adquirir os
novos — “franceses”.
Entre esses usos e costumes automáticos que lhes haviam
sido transmitidos pelos seres das velhas comunidades asiáticas,
havia milhares deles verdadeiramente excelentes.
Dentre estes milhares de excelentes usos e costumes úteis,
tomemos dois como exemplo: o hábito de “mascar” o que se
chama “keva”, após ter consumido o “primeiro alimento esse­
ral”; e a prática de lavar-se periodicamente no que se chama
um “hammam”.
O keva é um mástique á base de diferentes raízes, que
se masca depois das refeições, e que, por mais que se mas­
que, não se decompõe nunca, mas se torna cada vez mais elástico.
Este mástique foi inventado por um ser muito sensato,
pertencente ele também a uma das velhas comunidades asiáticas.
O keva tem por utilidade estimular a secreção de “sali­
va” c de outras substancias elaboradas pelo corpo planetário
deles com vistas a uma transformação melhor e mais fácil de
seu primeiro alimento esseral ou, como eles o teriam dito, para
que esse alimento seja melhor e mais facilmente “digerido” e
“assimilado”.

623
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Por outro lado, o keva fortalece os dentes e limpa a cavi­


dade bucal dos restos do primeiro alimento; esta última prática
é verdadeiramente indispensável a seus favoritos, pois esses res­
tos não se decompõem enquanto se masca o keva e cessam
assim de exalar o odor desagradável que se tornou próprio aos
seres tri-cerebrais contemporâneos.

“O segundo costume, o de se lavar de vez em quando em


locais especiais chamados “hammans”, foi inventado, ele tam­
bém, por um ser asiático dos tempos antigos. Para que você
compreenda claramente a necessidade deste segundo costume
no processo de existência dos seres terrestres, devo primeiro
lhe explicar o seguinte:
O funcionamento do corpo planetário dos seres de todas
as formas de revestimento exterior está adaptado pela Nature­
za de maneira tal que o processo de nutrição do segundo ali­
mento esseral, que seus favoritos chamam “respiração”, se efe­
tue neles não somente pelos “órgãos de respiração”, mas tam­
bém pelos “poros” de sua pele.
E não somente o segundo alimento esseral penetra bem
fresco neles através dos “poros” de sua pele, mas alguns desses
poros eliminam os elementos deste segundo alimento, resul­
tantes de sua transformação, que já não são mais necessários ao
corpo planetário.
Estes elementos inúteis deveriam eliminar-se por si mes­
mos pelos poros da pele evaporando-se pouco a pouco, graças
aos fatores determinados pelos processos que se desenvolvem
no meio onde existe o ser em questão, tais como os movimen­
tos atmosféricos, os contatos acidentais, e assim por diante.
Mas, quando seus favoritos inventaram de se cobrir com
“roupas”, essas “roupas” dificultaram a eliminação normal, ou
evaporação, desses elementos do segundo alimento esseral que
se tornaram inúteis a seu corpo planetário, e estas substâncias
inúteis, não tendo mais a possibilidade de se evaporar no espaço,

624
A RÚSSIA

formaram por condensação, acumulando-se em certos poros


de sua pele, um depósito de “algo oleoso”.
E daí em diante este “algo”, entre tantos outros latores,
favoreceu nesse desafortunado planeta a formação dessas inu­
meráveis e variadas doenças, cujo conjunto constitui a causa
principal da diminuição gradual da duração de existência des­
ses infelizes.
Ora, meu hlho, desde a “mais remota Antiguidade”, como
o dizem seus favoritos atuais, um ser sábio asiático muito sen­
sato, de nome “ Amambaklutre”, constatou claramente, no curso
de suas observações conscientes dos fatos circundantes, que
esse depósito de “algo oleoso” nos poros da pele tinha uma
influência perniciosa sobre o funcionamento geral de todo o
corpo planetário; ele se pôs então a estudar esse mal e a buscar
os meios de contê-lo.
O resultado das pesquisas e das longas reflexões de
Amambaklutre, assim como de vários outros sábios que se tor­
naram seus adeptos e seus assistentes, foi que, diante da im­
possibilidade de persuadir os seres seus semelhantes de renun­
ciar a usar roupas, resolveram encontrar um meio de eliminar
artificialmente dos poros de sua pele esses resíduos do segun­
do alimento esseral, implantando no psiquismo dos seres que
os cercavam hábitos esserais que se tornariam indispensáveis a
eles com o tempo e penetrariam, assim, em suas práticas e cos­
tumes.
E o que esses antigos sábios asiáticos, sob a direção do
grande Amambaklutre, elucidaram então experimentalmente,
depois realizaram na prática, foi a origem dos “hammans” que
ainda existem hoje lá.
No curso de suas experiências científicas, eles descobri­
ram, entre outras coisas, que com uma lavagem ordinária, mes­
mo com água quente, é impossível eliminar esses depósitos oleo­
sos dos poros da pele, visto que essas excreções do corpo

625
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

planetario nao se encontram na superficie, mas nas profunde­


zas dos poros.
Novas experiencias lhes mostraram depois que só era pos­
sível limpar os poros da pele por um aquecimento lento, graças
ao qual esses depósitos oleosos adquirem a propriedade de se
dissolver gradualmente, para ser eliminados dos poros da pele.
Com esse fim, eles imaginaram então arrumar locais es­
peciais, aos quais eles deram o nome de “hammam”, e soube­
ram tão bem divulgar seu sentido e seu alcance entre os seres
desse continente, que eles implantaram em seu psiquismo a
necessidade de utilizar esses locais, segundo o método indica­
do, no processo de sua existência ordinária.
Essa necessidade de ir periodicamente ao hammam, uma
vez tornada inerente à presença dos seres do continente da Asia,
transmitiu-se aos seres da comunidade da Rússia.
No que diz respeito a esse depósito oleoso que se acumu­
la em certos poros da pele de seus favoritos, devo ainda lhe
dizer isto:
Visto que esta substância, quer dizer, essa “coisa oleosa”,
como, aliás, tudo quanto existe em Nosso Grande Universo,
não pode nunca se manter muito tempo no mesmo estado, ela
sofre inevitavelmente nesses poros os processos de evolução e
de involução requeridos pela Grande Natureza. E posto que,
durante estes processos, todos os surgimentos cósmicos “efê­
meros” ou “transitorios” eliminam o que se chama elementos
ativos de segunda ordem, que se cristalizam temporariamente
por “inércia das vibrações”, e como esses elementos ativos de
segunda ordem têm, como cada um sabe, a propriedade de ser
percebidos muito “cacofónicamente” pelos órgãos do olfato
dos seres — seus favoritos do planeta Terra que não fazem uso
do hammam exalam sempre um “rastropunilo” ou, como eles
dizem, um odor que eles mesmos consideram como “não mui­
to agradável”.
E, de fato, meu filho, em certos continentes, e sobretudo

626
A RÚSSIA

no continente da Europa onde não se conhece o costume de ir


ao hammam, me era muito difícil, como ser que tem um olfato
muito fino, existir entre esses seres tri-cerebrais, em razão de seu
“rastropunilo”, ou, como eles dizem, de seu “odor específico”.
O odor desagradável que exalavam aqueles cujos poros
não eram jamais submetidos a uma limpeza especial era tão
forte que eu podia sá por esse indício reconhecer sem dificul­
dade a que comunidade pertencia tal ser, e até distinguir um
ser de outro.
A variedade desses odores específicos depende da dura­
ção da decomposição dessas “excreções oleosas” nos poros de
sua pele.
Para sorte deles, esses odores desagradáveis não os afetam
demasiado dolorosamente. E, se eles não os afetam, é porque seu
olfato é muito debilmente desenvolvido, e porque, existindo sem­
pre entre esses odores, habituam-se a eles pouco a pouco.

“Assim então, meu filho, esses russos tinham empresta­


do dos seres asiáticos o costume de se lavar periodicamente em
“hammans” especiais, mas logo que caíram sob a influência
dos seres europeus e, sobretudo, já lhe disse isso, dos seres da
comunidade da França, como esses franceses não têm o hábito
de ir ao hammam, eles cessaram também de ir, e esse excelente
costume estabelecido há séculos acabou por desaparecer.
Amigamente, cada família russa, ou quase, tinha seu ham­
mam particular, mas por ocasião de minha última estada em
sua capital, então denominada São Petersburgo, onde existiam
naquele tempo mais de dois milhões desses seres russos, não
havia mais ali que sete ou oito desses hammans, e mesmo assim
só eram frequentados por “porteiros” e “operarios”, quer di­
zer, por seres vindos de suas aldeias afastadas, onde o hábito
de ir ao hammam, ou, como eles dizem as vezes, ao “banho”,
ainda não caíra completamente em desuso.
Quanto à maior parte dos habitantes da capital, composta

627
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

sobretudo de seres pertencentes ao que se chama a “classe diri­


gente”, eles cessaram completamente nos últimos tempos de ir
ao hammam, e se algum “original” se desviava até lá, ainda
pelo velho hábito, tratava de dar um jeito para que em sua cas­
ta ninguém se apercebesse.
“Que o Diabo não o permita!”, pensava esse temerario,
“de outro modo serei vítima de tais maledicências que minha
carreira estaria para sempre arruinada”.
Para os seres da classe dirigente, ir ao hammam era con­
siderado como muito “inconveniente” e “não inteligente”. E
era inconveniente e não inteligente pela única razão que “os
mais inteligentes”, segundo eles, dos seres atuais desse planeta
— os franceses — nunca vão ao hammam.
Esses infelizes ignoram, evidentemente, que há algumas
dezenas de anos, sempre em razão das condições anormalmen­
te estabelecidas de existência esseral ordinária, os franceses,
sobretudo da classe culta, não somente não iam ao hammam,
mas se abstinham de se lavar pela manhã, para não estragar seus
sábios artifícios da última moda, de preparação tão laboriosa.

“Quanto ao segundo costume que tomamos como exem­


plo e que era ainda, há dois séculos, uma necessidade orgânica
para cada um dos seres da comunidade da Rússia — o costume
de “mascar o keva”, depois de ter consumido o “primeiro ali­
mento esseral” —, ele não existe mais de modo algum entre os
russos contemporâneos.
Em compensação, vi com meus próprios olhos o costu­
me de “mascar o keva” se implantar, sem que eles compreen­
dessem, aliás, o alcance disso, entre os seres que povoam o con­
tinente da América, onde o uso do “keva” — ou, como eles o
chamam, do “chewing-gum” — está tão disseminado que deu
lugar à organização de um importante ramo industrial e co­
mercial. E interessante notar que o elemento básico do chewing-
gum americano é importado da Rússia, da região chamada

628
A RUSSIA

“Cáucaso”. Os seres que povoam essa região nem mesmo sa­


bem por que esses “loucos” americanos importam essa raiz que
não serve para nada nem para ninguém.
Naturalmente, não lhes ocorre a idéia de que se esses ame­
ricanos, ao importarem essa raiz “inútil”, são eletivamente “lou­
cos”, no sentido subjetivo da palavra, em contrapartida, no sen­
tido objetivo, eles não são nem mais nem menos do que “assal­
tantes que roubam em pleno dia” os seres da Rússia.
Ora, meu filho, grande número de outros excelentes cos­
tumes e práticas morais adotados no decorrer dos séculos pe­
los seres russos, e já integrados ao processo de sua existência
ordinária, desapareceu da mesma forma gradualmente no cur­
so dos dois últimos séculos, depois que os russos começaram a
sofrer a influência dos seres europeus. Em seu lugar, novos usos
e costumes se estabeleceram entre eles, tais como seus hábitos
de “beijar a mão das senhoras”, de “só fazer amabilidades às
senhoritas”, de “não olhar uma mulher, na presença de seu
marido, senão com o olho esquerdo”, e assim por diante.
Devo sublinhar aqui, com um impulso de pesar, que os
mesmos latos se produzem atualmente no processo de existên­
cia ordinária dos seres de todas as comunidades de lá, em qual­
quer continente que seja.
Espero que agora, meu filho, você possa mais ou menos
responder por si mesmo à pergunta surgida em seu ser, e se
representar claramente por que, embora a espécie deles exista
há tanto tempo, seus infelizes favoritos não viram se formar
neles esses hábitos esserais automáticos e essas práticas instin­
tivas graças aos quais sua existência teria transcorrido de ma­
neira mais ou menos tolerável, até mesmo na ausência de um
consciente objetivo.
Eu o repito, por causa dessa propriedade recentemente
fixada em seu psiquismo geral, tornou-se natural para eles, como
se fosse conforme as leis, quer influenciar os outros, quer en­
contrar-se sob a influência deles.

629
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Nos dois casos, os resultados da ação dessa original pro­


priedade são obtidos sem nenhuma participação de seu cons­
ciente, nem mesmo nenhum desejo de sua parte.
Graças a tudo que acabo de lhe dizer sobre o tato de que
os russos contemporâneos seguem sempre o exemplo dos ou­
tros, c os imitam sempre e em tudo, você poderá compreender
claramente até que ponto o funcionamento dos dados propícios
a um pensar comparativo lógico já está desorganizado na pre­
sença dos seres terrestres tri-cerebrais.
Em geral, seguir o exemplo dos outros, ou dar o exemplo
aos outros, é considerado e reconhecido, por toda parte no
Universo, como completamente razoável, até mesmo absoluta­
mente indispensável. E se os seres tri-cerebrais da grande co­
munidade da Rússia seguem o exemplo dos seres da comuni­
dade da Erança, é muito sensato de sua parte. Por que não
seguir um exemplo quando ele é bom?
Mas, em razão dessa singular propriedade de seu psiquis­
mo, assim como de vários outros traços específicos de seu es­
tranho caráter, definitivamente fixados neles desde que o hábi­
to de realizar as vezes os partkdolgdeveres esserais desapare­
ceu completamente de sua presença, esses infelizes se torna­
ram o que se chama “lastimáveis ceras para modelar” e se pu­
seram a seguir também o exemplo do que era mau, chegando
até a rejeitar o que eles mesmos tinham de bom, pela única
razão que isso não existia nos demais.
Eles não podem mesmo compreender, por exemplo, que
as condições de existência ordinária desses franceses haviam
sido estabelecidas talvez de maneira anormal, e que eles não
tinham tido ainda, por conseguinte, o tempo de reconhecer a
necessidade de se lavar às vezes no hammam e de mascar o
keva após ter feito uso do primeiro alimento esseral.
Mas rejeitar assim os bons costumes que lhes são próprios,
pela única razão de que eles não existem entre os seres franceses

630
A RÚSSIA

de quem seguem o exemplo — isto, já é dar prova de verda­


deira “parvomania”.
Embora a original propriedade que acabo de denominar
“parvomania” se tornou inata a quase todos os seres tri-cerebrais
que povoam seu planeta, sua manifestação e seus resultados se
fazem sentir mais entre aqueles que povoam o continente da
Europa.
Eu o constatei e o compreendi mais tarde, quando deixei
Sào Petersburgo para visitar diferentes países desse continente
— no qual residi muito tempo desta vez, contrariamente ao
que fizera em minhas viagens precedentes —, porque tive tem­
po de observar e de estudar em detalhe as sutilezas do psiquis­
mo dos seres tomados quer isoladamente, quer em grupos, em
todas as circunstâncias possíveis.
De fato, a forma de existência exterior de todas as
comunidades do continente da Europa não se distingue muito
daquela dos seres da grande comunidade da Rússia.
Mas as formas de existência dos diversos grupos dc seres
desse continente só diferem entre elas na medida em que a du­
ração aciden talmente mais longa dc uma dessas comunidades
lhe permitiu adquirir por automatismo certos costumes exce­
lentes e hábitos instintivos, que se tornam entào próprios uni­
camente aos seres dessa comunidade.
E preciso ainda notar aqui que a duração de existência
de uma comunidade desempenha efetivamente lá um grande
papel, visto que ela permite aos seres adquirir tais costumes e
hábitos.
Mas, para a infelicidade de todos os seres tri-cerebrais de
Nosso Grande Universo, qualquer que seja seu grau de razão,
a existência de cada um de seus grupos já mais ou menos orga­
nizado é em geral muito curta, devido, aí também, a essa des­
truição mútua periódica que é sua particularidade principal.
Assim que são estabelecidas, na existência geral de um de
seus grupos, excelentes práticas esserais, esse terrível processo se

631
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

desencadeia de repente, aniquilando os bons costumes e hábi­


tos adquiridos por automatismo no curso dos séculos; ou en­
tào, os seres desse grupo caem sob a influência de seres de um
outro grupo, que não tem nada em comum com aqueles sob
cuja influência se encontravam anteriormente.
Assim, todos esses costumes e hábitos morais são logo
substituídos por “novos”, a maioria dos quais são fabricados
às pressas e são bons “apenas para a moda do dia”, como se diz.”

632
Capítulo 35
Modificação no curso de queda
previsto para a nave
intersistemária “Karnak”

ENQUANTO Belzebu conversava com seus próximos,


vieram avisá-lo que o capitão da nave solicitava a permissão
para lhe falar pessoalmente.
Assim que Belzebu consentiu, o capitão entrou, virou-se
para ele, o saudou respeitosamente e lhe disse:
— Alta Reverência, no início de nossa viagem, dignastes-
vos dizer-nos que se decidiría talvez, no regresso, atracar no
Santo Planeta do Purgatório para ver ali a família de vosso fi­
lho Tuilan. Se tal é realmente vossa intenção, seria bom que me
désseis esta ordem sem demora, pois em breve atravessaremos
o sistema solar “Khalmiani” e se, para atravessá-lo, não modi­
ficarmos desde agora a orientação de nossa nave, aumentare­
mos em muito a duração de sua queda.
— Sim, meu caro capitão, respondeu Belzebu, não seria
mau passar por este Santo Planeta. Quem sabe se eu terei de
novo uma ocasião tão favorável para ir lá e ver a família de meu
querido filho Tuilan?
O capitão, depois de saudá-lo, estava a ponto de se retirar,
quando Belzebu pareceu de repente se lembrar de alguma coisa:
— Espere, meu caro capitão, tenho um outro pedido a
lhe fazer.
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

E quando o capitão, aproximando-se, sentou-se sobre o


assento que lhe indicaram, Belzebu continuou:
— Vou lhe pedir, após nossa visita ao Santo Planeta do
Purgatorio, que tenha a bondade de mudar a direção de nossa
nave Karnak, a tim de que possamos pousar durante o cami­
nho na superfície do planeta “Deskaldino”.
Com efeito, este planeta é atualmente o lugar permanen­
te de existência do grande Sarunurishan, meu primeiro educa­
dor, que foi a causa principal da espiritualizaçào de todas as
partes desta presença geral que hoje é a minha.
E eu desejaria, antes de voltar ao lugar de meu advento,
aproveitar a circunstância, como já o fiz em uma outra ocasião,
para cair aos pés do primeiro criador de minha essência verda­
deira, tanto mais que ao regressar hoje de minha última confe­
rência tica evidente para mim como, alias, para a maioria dos
indivíduos que se aproximam de mim, que o funcionamento
de cada uma das partes espiritualizadas de minha presença ge­
ral atual é plenamente satisfatória; e isto faz surgir em mim um
impulso esseral inextinguível de profundo reconhecimento para
com o grande Sarunurishan.
Sei muito bem, meu caro capitão, que não lhe dou com
isto uma tarefa muito fácil, pois já fui testemunha das dificul­
dades que há para satisfazer tal pedido, quando antes de des­
cer ao planeta Karataz, lugar de meu advento, para onde re­
tornavamos depois da graça que me tora concedida, eu quis
pela primeira vez ir ao planeta Deskaldino, e o capitão da
nave intersistemária Onipresente, que nisso consentira, co­
meçou a orientar a queda da nave em direção à atmosfera
daquele planeta.
Superando a muito custo todas as dificuldades, ele pôde,
no entanto, realizar o que eu havia lhe pedido, dando-me as­
sim a possibilidade, antes de retornar a minha pátria, de ir ao
planeta Deskaldino e de ter a felicidade de lá saudar o criador
de minha essência esseral atual, o grande Sarunurishan, e de

634
MODIFICAÇÃO NA QUEDA DA KARNAC

receber ali o que era para mim o mais caro e o mais precioso —
sua “bênção de criador”.
A este pedido de Belzebu, o capitão da nave Karnak
respondeu:
— As vossas ordens, Alta Reverência. Refletirei sobre os
meios de satisfazer vosso desejo. Ignoro quais obstáculos en­
controu o capitão da nave Onipresente, mas em linha reta entre
o Santo Planeta do Purgatório e o planeta Deskaldino encon­
traremos um sistema solar chamado “Salzmanino”, que con­
tém numerosas concentrações cósmicas, destinadas, com vis­
tas ao processo geral trogoautoegocrático, à transformação e á
radiação da substância zilnotrago. Em consequência, nossa nave
Karnak terá dificuldades de prosseguir sua queda cm linha reta
através desse sistema.
Em todo caso, de uma maneira ou de outra, me esforça­
rei, Alta Reverência, para satisfazer o vosso desejo.”
Dito isto, o capitão levantou-se, saudou respeitosamente
Belzebu e saiu.
Quando o capitão deixou o lugar onde Belzebu conver­
sava com seus próximos, seu neto Hassin correu para ele, sen
tou-se como de hábito a seus pés e, num tom carinhoso, lhe
pediu que prosseguisse seu relato sobre o que tinha lhe aconte­
cido depois de sua viagem à capital da grande comunidade dos
seres do planeta Terra, capital chamada então São Petersburgo.

635
Capítulo 36
Ainda um nadinha
sobre os alemães

DE São Petersburgo, disse Belzebu, alcancei primeira­


mente os países escandinavos; depois do que me fixei no prin­
cipal centro dç importante grupo de seres da Europa atual,
que chamam “Alemanha”.
Dito isto, Belzebu acariciou a cabeça encaracolada de
Hassin, depois com um sorriso malicioso, mas cheio de bonda­
de, continuou:
— Desta vez, meu filho, como quero lhe comunicar cer­
tas noções sobre a estranheza dos seres tri-cerebrais que per­
tencem a essa comunidade da Europa atual, renunciarei ao meu
hábito de entrar em todo tipo de detalhes para iniciá-lo em
meus conhecimentos — e lhe colocarei um “problema”. Dedi­
cando-se a resolvê-lo, você compreenderá a fundo o caráter
específico do psiquismo dos seres desse grupo europeu atual, e
para seu pensar ativo esse será um exercício ideal.
O original problema que imaginei em sua intenção con­
sistirá para você em deduzir, por uma meditação ativa, os da­
dos lógicos cujo conjunto lhe revelará em sua essência mesma
a razão pela qual esses seres, em qualquer lugar de seu “Vater-
land” em que se encontrem, têm o inocente costume, assim
que vários deles se reúnem para celebrar alguma “solenidade”,
ou simplesmente para “fazer a festa”, de cantar uma estrofe de
sua invenção, cujas notáveis palavras são estas:
UM NADINHA SOBRE OS ALEMÃES

Blòdsinn, Blòdsinn,
Du mein Vergniigen,
Stumpfsinn, Stumpfsinn,
Du meine Lust...

Pois bem, meu filho, se você chegar a decifrar este enig­


ma, sua presença geral conhecerá a inteira realização desta sa­
bia sentença de nosso querido mestre Mula Nassr Eddin, que
se formula assim:
“O cúmulo do prazer é obter o útil ao mesmo tempo que
o agradável”.
Ora, isto lhe será útil porque esse será um exercício ideal
para seu pensar ativo — e agradável, porque você satisfará as­
sim sua curiosidade, penetrando a fundo no traço específico
do psiquismo dos seres tri-cerebrais que pertencem a esse gru­
po europeu atual.
Como os seres desse grupo contemporâneo são, como já
lhe disse, os sucessores diretos dos antigos gregos em matéria
de invenção de “ciências” de todo tipo e como o problema que
lhe coloquei pode levá-lo, além de toda possibilidade de con­
frontação lógica, a conclusões diametralmente contraditórias
entre elas, acho necessário ajudá-lo um pouco fazendo-o co­
nhecer dois outros fatos.
O primeiro é que certas palavras dessa canção são in-
traduzíveis em qualquer outra língua de seu planeta — se bem
que ele esteja de tal modo provido delas que o chamam “a hi­
dra das mil línguas” — e o segundo, que a partir do momento
em que o impulso para inventar todo tipo de meios funestos
para “enfraquecer” o “pensar lógico esseral”, já bastante lasti­
mável sem isso, se formou definitivamente nos seres desse gru­
po, e se lhes tornou inerente, tal como o havia sido entre os
antigos gregos, eles inventaram uma “regra gramatical” segun­
do a qual, no curso de seus “intercambios de opiniões”, eles
colocam sempre a negação depois da afirmação; por exemplo,

637
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

em lugar de dizer “Eu nao quero isso”, dizem sempre “Eu que­
ro isso nào”.
Devido a esta “regra gramatical”, aquele que escuta é,
antes de tudo, forçado a considerar cada proposição como pas­
sível de realização, o que tem por efeito suscitar nele um certo
“diardukino esseral” ou, como eles mesmos o diriam, uma cer­
ta “experiência”; e só mais tarde, quando aquele que fala, con­
formando-se a essa regra gramatical, pronuncia enfim seu fa­
moso “nicht”, é que disso resulta a cada vez em sua presença
geral alguma coisa que os leva lenta mas seguramente a esse
traço específico que apresenta seu psiquismo e cuja descoberta
constitui precisamente o original problema que lhe coloquei.”

638
Capítulo 37
A França

UM pouco mais tarde, Belzebu recomeçou:


— Depois da Alemanha, minha existência no continente
da Europa prosseguiu durante algum tempo entre os seres da
comunidade chamada “Itália” e, depois da Itália, nessa comu­
nidade que havia se tornado, para os seres da Rússia, a “fonte
alimentadora” desse “vício” fixado no curso dos últimos sécu­
los no processo anormal de existência ordinária dos seres ter­
restres tri-cerebrais, e que se chama “sugestionabilidade” —
dito de outra maneira, me fixei entre os seres da comunidade
da “França”.
E agora, meu filho, quero fazê-lo conhecer os aspectos
específicos do psiquismo desses seres tri-cerebrais da França,
e isso de uma maneira tal que você possa, ao mesmo tempo,
dar-se conta de até que ponto se enfraqueceu, entre seus favo­
ritos, a faculdade normal de cristalizar todos os dados esserais
que permitem um discernimento pessoal e imparcial, e como
se constitui neles, em relação a cada realidade, uma opinião
subjetiva da essência, às vezes completamente oposta ao que
ela teria sido, se eles tivessem percebido diretamente esta mes­
ma realidade por meio de impressões pessoais.
O que acabo de lhe dizer pode ser perfeitamente posto
em evidência se tomamos como exemplo sua aplicação aos se­
res franceses.
O fato é que hoje, entre os seres de todos os grupos do
continente da Europa, onde se concentra o que eles chamam
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

sua “cultura”, assim como entre aqueles de todos os outros


continentes, cristalizam-se infalivelmente, desde o começo de
sua formação como seres responsáveis, certos dados sobre os
quais se fundamenta sua representação da individualidade des­
ses franceses, e que engendram neles a idéia bem arraigada que,
de todos seus semelhantes no planeta Terra, esses franceses
são, segundo sua expressão, os mais “licenciosos” e os mais
“devassos”.
Antes que eu escolhesse a comunidade da França como
lugar de existência permanente, já se havia constituído em mi­
nha própria presença uma representação análoga, pois tendo
ido um pouco por toda parte, entre os seres dos diversos gru­
pos que povoam a superfície de seu planeta, eu os havia fre­
quentemente ouvido emitir, na conversa, uma tal opinião so­
bre os seres franceses.
Eu havia no entanto, como já lhe disse, visitado mais de
uma vez essa comunidade da França, mas não tinha especial­
mente prestado atenção, por ocasião dessas viagens, às parti­
cularidades do psiquismo desses seres, nem tampouco à opi­
nião que deles se fazia em quase todas as demais comunidades
de lá.
Dessa vez, me fixei em uma de suas cidades do interior;
sem dúvida, minha presença esperava instintivamente perce­
ber as impressões suscitadas pelas manifestações “licenciosas”
e “devassas” dos seres do lugar; porém não tardei a constatar,
para minha profunda e crescente surpresa, que eu não teria
nada disso para perceber.
Mais tarde, quando me pus a freqiientá-los e a estabele­
cer amizade com alguns deles, assim como com suas famílias,
não somente se descristalizaram pouco a pouco em mim todos
os dados dessa “opinião maquinal”, mas, por sua vez, vieram
se cristalizar em minha presença os “dados esserais” que pro­
vocam a necessidade imperiosa de saber por que razão precisa­
mente tinha podido se constituir, na presença geral dos seres

640
A FRANÇA

de outras comunidades, uma opinião tão pouco conforme com


a realidade.
Esta questão me interessava cada dia mais, porque, exis­
tindo entre eles, eu via claramente que, longe de serem os mais
“devassos” e os mais “imorais”, os seres dessa comunidade
eram, muito pelo contrário, os mais “patriarcais” e os mais “vir­
tuosos” de todos os seres tri-cerebrais agrupados no continente
da Europa.
Eu me pus então a lazer observações especiais e a reco­
lher as requeridas informações, a fim de elucidar as razões des­
se equívoco de seus favoritos contemporâneos.
Durante o tempo em que permanecí nessa cidade do in­
terior, não pude elucidar nada em absoluto, porém mais tarde
quando lui para a capital desses seres franceses, desde o pri­
meiro dia, as principais causas desse mal-entendido se torna­
ram pouco a pouco claras para a minha razao.
Para descobrir essas causas, apoiei-me em minhas obser­
vações e em meu julgamento imparcial, assim como sobre os
fatos seguintes:
Chegando à capital chamada “Paris” — que, seja dito de
passagem, já se tornara, nas “cristalizações logicnesterianas”
dos seres terrestres tri-cerebrais de todos os continentes, o cen­
tro mesmo de sua “cultura” imaginária, tal como haviam sido
em seu tempo, para os seres das épocas passadas, as cidades de
Samlios, Kurkalaï, Babilônia e outros lugares —, lui diretamente
da estação para um hotel que me havia sido recomendado por
amigos de Berlim.
A primeira coisa que constatei loi que o pessoal do hotel
era inteiramente composto de estrangeiros, cuja maioria falava
inglês, enquanto pouco tempo antes, como eu soube, todos os
empregados desse mesmo hotel só falavam russo.
No dia seguinte a minha chegada a essa Samlios con­
temporânea, me pus à procura de um ser pertencente à comuni­
dade da Pérsia, que me havia sido recomendado, na capital

641
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

desta comunidade, por um de meus bons amigos, ele também


persa.
Meu novo amigo persa me propôs na mesma noite ir dar
uma volta pelo “boulevard des Capucines”, como dizem eles, e
de sentar-nos por um momento no seu lamoso “Grand Calé”.
Chegando ao “Grand Calé”, arranjamos um lugar em urna
das numerosas mesas que ocupavam, como é habitual em Pa­
ris, a metade da calçada.
Como já lhe disse, um “caté”, para os seres do continen­
te da Europa, ocupa o mesmo lugar que um “tchaïkhanê” para
os do continente da Asia; a única diferença é que nos tchaíkha-
nés do continente da Ásia lhe servem um líquido avermelhado
extraído de urna flor bastante conhecida por todos, enquanto
nos calés do continente da Europa o líquido que lhe servem é
absolutamente negro e ninguém conhece sua origem, a nao ser
o proprietário do estabelecimento.
Pusemo-nos a beber o líquido negro chamado “calé” que
nos serviram. Ali também eu notei que todos os servidores des­
se Grand Calé, ou, como os chamam, os “garçons”, eram seres
que pertenciam a outras comunidades da Europa c, cm sua
maioria, àquela que tem o nome de “Italia”.
Saiba que em geral, nessa parte da cidade de Paris, ou
melhor, nessa “Paris estrangeira”, cada “negócio” é a especia­
lidade de seres que pertencem a uma ou outra das comunida­
des atuais do continente da Europa, assim como dc outros con­
tinentes.
Pois bem, estávamos sentados nesse famoso Grand
Calé, ou melhor, na rua, diante do Grand Calé, e olhávamos
os passantes que passeavam perambulando na outra metade
da calçada.
Entre eles viam-se seres de quase todos os países da Eu­
ropa, assim como de outros continentes — de preferência, é
claro, de comunidades às quais tocava a vez dc serem prósperas;

642
A FRANÇA

contudo, naquela multidão predominavam os seres do conti­


nente da América.
Os seres do continente da América já tinham definiti­
vamente substituído, em Paris, os seres da grande comunidade
da Rússia, depois da “morte” desta última.
A maioria desses passeantes eram seres da classe dirigen­
te, habituados a vir frequentemente “tomar ar na capital do
mundo”, como eles dizem.
Entre eles se encontravam igualmente numerosos comer­
ciantes, que vinham a Paris procurar o que chamam de “arti­
gos da moda” e, sobretudo, perfumaria e toaletes femininas.
Distinguia-se ainda, na multidão colorida que circulava
no boulevard des Capucines, grande número de adolescentes
que ali estavam especialmente para estudar as “danças da moda”
e aprender a confeccionar “chapéus de última moda”.

Enquanto, sem parar de conversar, nós examinavamos


esta multidão heteróclita, onde os rostos expressavam a satis­
fação de ver enfim se realizar um sonho por tanto tempo aca­
lentado, meu novo amigo, o jovem persa, exclamou de repente
com surpresa, virando-se para mim e me mostrando com o dedo
um casal que passava:
“Veja, mas veja só! Eis ali “verdadeiros franceses!”
Olhei e vi que, de fato, esse casal se parecia enorme­
mente com os seres franceses que eu havia visto nas cidades
do interior.
Quando os perdemos de vista, discutimos sobre as cau­
sas que bem poderiam trazer este casal de “verdadeiros” fran­
ceses a esse bairro de sua “capital”.
Depois de diversas suposições, nos detivemos ambos com
a idéia de que esses franceses moravam provavelmente nos su­
búrbios da verdadeira Paris e tinham ido à casa de parentes
que habitavam numa parte desta Paris situada bem do lado
oposto, para ali celebrar alguma solenidade familiar.

643
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Com toda evidência eles deviam ter bebido, nessa soleni­


dade familiar, um pouco mais que o razoável e, terminada a
festa, ligeiramente embriagados, nao tinham querido fazer um
desvio para voltar a sua casa e tinham decidido tomar o cami­
nho mais direto. E este caminho direto passava precisamente
diante do Grand Café.
Era essa, provavelmente, a única razao pela qual esses
verdadeiros franceses se encontravam nesse bairro de Paris.
Enquanto conversavamos, nao parávamos de observar as
idas e vindas dos passantes, adornados à última moda.
A maioria deles exibia, com eteito, as últimas criações da
moda, mas percebia-se bem que suas roupas acabavam de ser
compradas — na véspera ou no mesmo dia —, e, ao observar
de perto seus rostos para ver como eles combinavam com suas
roupas, a gente podia se convencer com toda a certeza de que,
em suas casas, no processo ordinario de sua existência, eles
nào tinham os mínimos meios de se vestir tâo ricamente e de se
sentir tao à vontade.
Logo, no meio desses “príncipes estrangeiros de passa­
gem” — como certos “nativos” os chamam — formigavam todo
tipo de “profissionais dos dois sexos”, estrangeiros eles tam­
bém, mas já perfeitamente “aclimatados” a esse bairro de Pa­
ris. Meu jovem persa propôs, então, me servir de cicerone pari­
siense e me levar aos “lugares mal-afamados” da cidade para
ali ver a “devassidão francesa”. Aceitei, e deixamos o Grand
Café para dirigir-nos a uma “casa de prostituição” situada não
longe dali.
Soube que o dono desse “nobre estabelecimento” era um
judeu espanhol.
Nos salões da casa se encontravam um grande número
de mulheres: ali havia polonesas, vienenses, judias, italianas e
até duas negras.
Eu teria gostado de ver que aspecto podia bem ter uma
verdadeira mulher francesa naquele meio; mas soube por

644
A FRANÇA

minhas perguntas que nào havia uma única “verdadeira fran­


cesa” em todo o estabelecimento.
Deixando então aquela “casa de prostituição”, descemos
novamente ao bulevar; enquanto passeavamos, observávamos
a multidão disparatada dos passantes.
Cruzamos em nossa passagem com numerosos seres de
sexo feminino que traíam com sinais evidentes o propósito de
suas “buscas noturnas” nesses bulevares.
Todas essas mulheres pertenciam às nacionalidades já
enumeradas e a outras mais; ali havia suecas, inglesas, russas,
espanholas, moldávias... mas, por assim dizer, nem uma só ver­
dadeira francesa.
Logo, seres suspeitos do sexo masculino nos abordaram
para nos propor fazer com eles alguma coisa como “os Grão-
Duques”.
Eu não compreendia ainda o que significava “os Grão-
Duques”, mas, fazendo diversas perguntas, soube que essas es­
tranhas palavras tinham outrora em Paris, no tempo em que
florescia a “Rússia monárquica” hoje defunta, um sentido bem
determinado.
Naquela época os seres da Rússia que pertenciam à clas­
se dirigente gostavam muito da “capital do mundo” e lá faziam
frequentes visitas. Ora, cada um deles, ou quase, se fazia pas­
sar, por fanfarronice, por um personagem titulado: “conde”,
“barão”, “duque”, mas mais frequentemente ainda, “grão-du-
que”. E como eles não deixavam jamais de dar uma volta pelos
locais suspeitos da “Paris estrangeira”, esse passeio foi apeli­
dado pelos guias profissionais, e se chama ainda hoje, “o pas­
seio dos Grão-Duques”.
Tendo tomado um desses guias, fomos ver as curiosida­
des noturnas dessa “Kurkalaí” contemporânea.
Paramos em “antros” diversos; fomos ao café dos “pede­
rastas”, depois ao clube das “lésbicas”, depois a numerosos ou­
tros “centros funestos” onde se via todo tipo de coisas anormais,

645
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

tal como se passa de vez em quando em todos os principais


“centros de cultura” desses desafortunados fenómenos tri-ce­
rebrais.
De visita em visita a esses locais suspeitos, chegamos en­
fim às ruas do famoso “Montmartre” — na verdade, não de
Montmartre mesmo, mas da parte baixa do bairro assim cha­
mado, onde abundam funestas “casas noturnas” de todas as
espécies, destinadas, aliás, não aos seres da comunidade da Fran­
ça, mas exclusivamente aos “estrangeiros”.
Além desses estabelecimentos mal-afamados, lá se encon­
tram também numerosos restaurantes noturnos, reservados, eles
também, aos estrangeiros de passagem; eles ficam abertos até o
amanhecer.
Alias, esse bairro só se anima cm geral à noite; durante o
dia, tudo ali está quase “morto” c nunca se vê ninguém.
Quase todos os restaurantes possuem nesse lugar o que
se chama um “estrado” onde são representadas diversas “ce­
nas extraordinárias” que se passam, supostamente, entre seres
que existem em outros países da superfície deste planeta.
Ali se exibe a “dança do ventre” dos seres africanos, os
caucasianos com sua “dança dos punhais”, os “mulatos” com
suas serpentes, em suma, tudo o que, durante a temporada, é
considerado como “a atração da moda”.
Mas tudo que eles mostram lá, em seus “teatros mont-
martrianos”, como se se passasse entre os seres seus semelhan­
tes que povoam outros continentes de seu planeta, não tem,
em todo caso, nada em comum com o que vi com meus próprios
olhos naqueles lugares, eu que fui a toda parte e que sempre
tive um vivo interesse em olhar e estudar todas as manifesta­
ções específicas dos seres de cada país.
Em Montmartre foi recentcmcnte aberto um grande nú­
mero de “restaurantes russos especiais”. Ora, os “artistas” ou
“atores” que se apresentam nestes restaurantes russos especiais,
como em quase todos os demais restaurantes, são precisamente

646
A FRANÇA

seres da grande comunidade da Rússia e até mesmo, em sua


maioria, seres da antiga “classe dirigente”.
E interessante notar a este respeito que os pais e avós dos
“artistas” ou “atores” desses “teatros-restaurantes” atuais mor-
tificavam e ultrajavam outrora, nesses mesmos estabelecimen­
tos, com seu dinheiro que eles deviam ao suor de seus campo­
neses, a dignidade individual de seres de outras comunidades;
hoje, seus filhos e netos se humilham, por sua vez, para a satis­
fação dos “caprichos hassnamussianos” de novos “seres cheios
de dinheiro” vindos de outras comunidades.
Para definir este estado de coisas, nosso querido Mulá
Nassr Eddin tem, desta vez também, uma sentença muito sá­
bia. Ele diz:
“Se o papai gosta de dançar ao som do violino, seu filho
se verá por isso certamente obrigado a tocar o bombo”.
Eu estava sentado num desses restaurantes com meu jo­
vem amigo persa, quando este foi chamado por outros persas,
seus conhecidos, e fiquei sozinho na mesa, com o champanhe
que é obrigatório consumir à noite nos restaurantes de Mont­
martre.”

Nesse momento, Belzebu suspirou profundamente, de­


pois, como que a contragosto, retomou seu relato:
— Eis que ao lhe contar essa noite passada entre os seres
tri-cerebrais atuais de lá, num restaurante de Montmartre, a
“sensação esseral sarpitimniana” que experimentei então ressus­
cita involuntariamente cm mim; e as lembranças que tenho,
neste momento mesmo, de toda essa experiência se associam
com tanta intensidade e insistência nas três partes espirituali­
zadas de minha presença geral que elas me obrigam a me afas­
tar de nosso tema, a fim de compartilhar com você as tristes e
penosas reflexões às quais me levou minha solidão naquele
pavoroso ambiente montmartriano, depois da partida de meu
jovem cicerone persa.

647
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

O tato é que, pela segunda vez em minha existencia, se


efetuou então em meu ser esse processo de “sensação esseral
sarpitimniana”, que havia engendrado outrora em minha pre­
sença geral um sentimento de revolta diante dos aflitivos resul­
tados objetivos que sobrevieram e sobrevirão, talvez ainda, no
planeta Terra, ou até mesmo em todo Nosso Grande Universo,
devido unicamente ao tato da “imprevidência” de nossos Mui
Altos e Mui Santos Individuuns cósmicos.
E, desta vez, meu pensar esseral se pôs a associar na or­
dem seguinte:
“Como puderam eles não prever, em seus cálculos do
movimento harmônico das concentrações cósmicas, que o co­
meta Kondur e este desafortunado planeta Terra entrariam em
colisão?
“Se aqueles que deveriam tê-lo feito houvessem previsto
a coisa, nenhuma das desgraças que se seguiram e que deriva­
ram umas das outras teria acontecido. E não teria sido necessá­
rio implantar na presença dos primeiros seres tri-cerebrais deste
malfadado planeta o funesto órgão kundabuffer, que foi a ori­
gem de tantos terríveis e aflitivos resultados.
“E verdade que mais tarde esse funesto órgão, tendo ces­
sado de ser necessário, foi destruído; mas, também desta vez,
eles não previram que ao destruir o órgão não suprimiríam, com
isso, a possibilidade de que as conseqüências de suas proprie­
dades se cristalizassem facilmente na presença dos seres das
gerações seguintes, em razão do modo de existência que lhes é
próprio.
“Em outros termos, eles não previram, tampouco desta
vez, que se era possível destruir esse órgão, a lei cósmica
fundamental de Heptaparaparshinokh, com seus “mdnel-inn”,
nem por isso deixaria de ser a mesma, quanto ao processo evo­
lutivo, tanto para os seres tri-cerebrais do planeta Terra como
para tudo o que existe no Universo.
“E é mais particularmente a esta segunda imprevidência,

648
A FRANÇA

quase criminosa que se deve a terrível situação em que se en­


contram os seres tri-cerebrais daqui, no sentido de que, por
um lado, sua presença geral comporta, como a de todos os se­
res tri-cerebrais de Nosso Grande Universo, todas as possibili­
dades requeridas para o revestimento dos “corpos esserais su­
periores” e que, por outro lado, lhes é quase impossível, devi­
do à cristalização, que a eles se tornou inata, das diversas
conseqüências das propriedades do órgão kundabuffer, levar
até o grau requerido o aperfeiçoamento dessas partes superio­
res sagradas que se revestem neles. Ora visto que, segundo as
leis cósmicas fundamentais, formações tais como as “partes
esserais superiores” que se revestem na presença dos seres tri-
cerebrais não estão sujeitas à decomposição nos planetas e como,
ao contrário, o corpo planetário dos seres não pode existir eter­
namente e deve inevitavelmente sofrer, a seu tempo, o proces­
so do raskuarno sagrado, os desafortunados corpos esserais
superiores dos seres terrestres tri-cerebrais não têm outro re­
curso senao enlanguescer eternamente em revestimentos
planetários exteriores de todo tipo.”

“Pois bem, meu filho, sentado sozinho naquele restau­


rante de Montmartre e olhando a meu redor, eu continuava a
refletir;
“Quantos séculos se passaram desde que comecei a ob­
servar a existência dos seres tri-cerebrais deste infeliz planeta!
“No decorrer desses longos séculos, um grande número
de Individuuns sagrados lhes foram enviados d’O-Alto, com a
missão especial de ajudá-los a se libertar das conseqüências das
propriedades do órgão kundabuffer; e, não obstante, nada mu
dou aqui e o processo de existência esseral ordinária permane­
ceu tal como era antigamente.
“Durante todo esse tempo, não apareceu diferença algu­
ma nos seres tri-cerebrais deste planeta: aqueles que existiam

649
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

há quase cem séculos eram iguais aos contemporâneos que te­


nho aqui, diante de mim.
“Os seres sentados neste restaurante de Montmartre não
são os mesmos e não se comportam de uma maneira tão indig­
na quanto os seres da cidade de Samlios, no continente da Atlân-
tida, cidade que era considerada por todos os seres tri-cere-
Brais da época como “a fonte e o lugar de concentração dos
resultados adquiridos no sentido do aperfeiçoamento da ra­
zão” — ou como seu principal “centro de cultura”, se diria
hoje — e onde eu ia às vezes sentar-me em seus restaurantes de
então, chamados “sakrupiakis”, com os boêmios daquela época?
“Após o desastre da Atlântida, numerosos séculos se
passaram.
“Os seres tri-cerebrais se multiplicaram consideravelmen­
te; seu “centro de cultura” principal se encontrava então no
continente de “Grabontzê”, que tem hoje o nome de Africa.
“Numerosos séculos se passaram ainda. Seu centro de
cultura se tornou depois a cidade de “Kurkalaï”, no continente
da Asia, no país chamado “Tikliamuish”.
“Acontecia-me também naquele tempo sentar-me com
cies em seus “kaaltanês”, que eram o equivalente a seus restau­
rantes atuais. Não fui eu ali testemunha de cenas deste gênero?...
“ Ali, em frente a mim, esse senhor gordo com uma enor­
me proeminência no pescoço, que está sentado com duas pros­
titutas... Se o vestissem com uma roupa “kafiriana”, não seria
ele a copia exata daquele personagem que vi outrora num kaal-
tanê da cidade de Kurkalaï?
“Ou então, à minha esquerda, nessa outra mesa, esse jo­
vem que denuncia com convicção, com uma voz esganiçada, a
seus “companheiros de bebida”, a razão das desordens que aca­
bam de estourar numa comunidade qualquer... se se pusesse
em sua cabeça um “tchambardakh”, não se parecería, de uma
maneira impressionante, ao que se chamava então um verda­
deiro “klian-das-montanhas”?

650
A FRANÇA

“E aquele outro, de alta estatura, que banca o grande


senhor, pavoneando-se sozinho em seu canto e que, de vez em
quando, pisca o olho para uma senhora sentada junto a seu
marido na mesa vizinha; nào é ele um verdadeiro “verunkietz”?
“E os garçons que servem os clientes, tal como caes com
o rabo entre as pernas, não se diria que são escravos “asklaïs”?
“Depois de Tikliamuish, alguns séculos se passaram ain­
da. E me encontrei em sua majestosa cidade de Babilônia.
“Não ocorria ali exatamente o mesmo? E os seres tri-
cerebrais da cidade de Babilônia não eram eles esses mesmos
asklaïs, kafirianos, verunkietz, klians e outros?
“Só mudaram seus trajes e o nome de suas nacionalida­
des. No tempo de Babilônia, eles eram chamados assírios, per­
sas, sikitianos, aravianos e outros nomes todos terminando em

« taños » ou em « ■ ios» .
“Sim... e, após tantos séculos, eis-me aqui de novo no
que é hoje seu centro de cultura, a cidade de Paris.
“E é sempre a mesma coisa... Gritos, barulho, risos, injú­
rias, como cm Babilônia, em Kurkalaï e mesmo em Samlios,
seu primeiro centro de cultura.
“Os seres atuais não se reúnem para passar o tempo de
uma maneira indigna de seres tri-cêntricos, como o fizeram os
seres de todos os períodos passados neste desafortunado planeta?
“Durante todo o tempo em que observei esses infelizes,
não somente povos inteiros e numerosos centros de cultura
desapareceram sem deixar vestígios, mas as terras mesmas onde
existiam foram totalmente modificadas ou desapareceram elas
também da face deste desafortunado planeta, como aconteceu
com o continente da “Atlântida”.
“Depois de Samlios, eles estabeleceram seu novo centro
no continente de “Grabontzê”. Lã também os povos não se
extinguiram da mesma maneira? E se o continente ele mesmo
não foi engolido, a região do centro foi de tal forma recoberta

651
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

pelas areias que hoje não resta ali mais do que um deserto,
conhecido com o nome de “Saara”.
“De novo os séculos se passaram; seu centro se consti­
tuiu em Tikliamuish. Que resta dele, a não ser o deserto deno­
minado em nossos dias “as areias negras”?
“Talvez algum povo outrora célebre tenha sido então pou­
pado, mas hoje, em sua milésima geração, ele vegeta em algum
lugar na mais completa nulidade, não longe do lugar onde ha­
bitava antigamente.
“Os séculos sucederam-se aos séculos...
“Eu vi seu centro em Babilônia; o que restou dele, da­
quela realmente grande Babilônia? Um punhado de pedras, no
lugar da cidade; e quanto aos grandes povos de antigamente,
deles não resta mais do que alguns sobreviventes, considera­
dos por seus contemporâneos como completamente insigni­
ficantes.
“E o que sobreviverá de seu centro de cultura atual, da
cidade de Paris e dos povos hoje poderosos que gravitam em
torno dela, tais como franceses, alemães, ingleses, holandeses,
italianos, americanos e assim por diante?
“Os séculos que virão o mostrarão.
“Enquanto isso, uma só coisa é certa: esses infelizes ger­
mes de corpos esserais superiores que tinham aparecido e que
aparecem ainda em certos seres terrestres tri-cerebrais estão
condenados, como já o disse a você, a enlanguescer e enlan­
guescer na presença de formações anormais de toda espécie —
formações que a esse desafortunado planeta Terra se tornou
próprio elaborar, em razão das conseqüências, não conformes
às leis, devidas à imprevidência de alguns de nossos Mui Gran­
des e Mui Santos Individuuns cósmicos.”

“Eu ainda estava absorvido nessas reflexões, tão tristes


para minha essência, quando regressou meu novo amigo, o
jovem persa.

652
A FRANÇA

Ao cabo de algum tempo, o lugar tornou-se demasiado


barulhento e sufocante, e decidimos deixá-lo por um outro res­
taurante de Montmartre.
Porém quando nos levantavamos para sair, os seres do
pequeno grupo sentado à mesa vizinha, que nos haviam ouvi­
do discutir sobre o lugar onde queríamos ir, nos dirigiram a
palavra, convidándo nos para sentar por alguns instantes à sua
mesa, antes de partir com eles para o novo restaurante. Só nos
pediram que esperássemos um de seus amigos.
Nossos novos conhecidos eram seres do continente da
América.
Embora o ambiente fosse cada vez menos agradável, e o
tumulto das vozes embriagadas aumentasse, aceitamos, de iní­
cio, esperar seu camarada; mas, ao estourar um escândalo em
um dos recantos do restaurante, saímos ¿mediatamente sem
esses americanos.
O escândalo de que acabo de falar havia estourado por­
que um ser acabara de lançar na cabeça de um de seus convi­
vas uma garrafa de champanhe, e isto muito simplesmente por­
que este se recusara a beber à saúde do primeiro-ministro de
um governo qualquer, mas queria, a todo custo, beber à saúde
do sultão de Tuggurt.
Um dos americanos, que também não queria esperar mais,
nos acompanhou ao novo restaurante.
Ao conhecê-lo mais de perto, esse ser tri-cerebral nos pa­
receu muito alegre, observador e loquaz.
Ao longo de todo o caminho, depois no novo restauran­
te, ele não parou de falar e de nos fazer rir.
Ele nos divertia, sobretudo, por suas observações hábeis
e penetrantes sobre as aparências cômicas dos passantes e dos
clientes do restaurante.
Interrogando-o, soube que esse americano era proprie­
tário em Paris de uma grande escola de danças modernas.
Por tudo o que me disse de seu negócio, compreendí que

653
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

os alunos de sua escola eram exclusivamente americanos, que


lá iam antes de tudo para aprender a nova dança favorita, o
“foxtrote”.
Compreendi também que esse “foxtrote” tinha origem
puramente americana e que era sobretudo na América que ele
fazia furor.
Por isso, enquanto escolhíamos juntos uma nova marca
de champanhe, esse alegre americano tendo por um instante
cessado sua tagarelice, perguntei-lhe:
— Diga-me, por favor, caro Mister! Por que, nessas con­
dições, você nào montou sua escola em sua terra, na América,
em vez de fazê-lo aqui, na cidade de Paris, tão longe de sua
patria e do lugar de origem desse benéfico “foxtrote”?
— (¿orno?... Como?... exclamou ele num tom de surpre­
sa sincera. Saiba que tenho uma grande família! Se eu tivesse
instalado minha escola em minha patria, nào somente todos os
meus morreriam de fome, mas eu não ganharia sequer com o
que alugar algum úmido local nova-iorquino para nos abrigar,
em caso de mau tempo, dos ventos gelados de lá.
“Aqui, ao contrario, na cidade de Paris — que Nosso
Criador seja por isso louvado — há tantos aficionados quanto
se queira para aprender esse “foxtrote” e para pagar sem regatear.
— Não compreendo, eu interrompí. Você diz que seus
alunos são recrutados exclusivamente entre seus compatriotas
que estão de passagem e, ao mesmo tempo, que lá ninguém
frequentaria sua escola. Como compreender isso?
— Justamente aí está toda a astúcia!, respondeu esse ho­
norável americano. Ela se apoia em um desses minúsculos e
inumeráveis “mecanismos psicológicos” cujo conjunto consti­
tui a “tolice” de meus compatriotas.
“O fato é que minha escola se encontra em Paris, ou,
como dizem na minha terra, na América, as “pessoas cultas”,
na Babilônia contemporânea.
“E esta Babilônia contemporânea goza entre nossos

654
A FRANÇA

americanos de uma popularidade tão grande que cada um deles


considera como uma obrigação visitar esta “capital do mundo”.
“Todo americano, por menos fortuna que tenha, deve
absolutamente vir aqui.
“A propósito, sabe o senhor que em nosso país, na Amé­
rica, fazer fortuna não é coisa tão fácil? E preciso estar na Eu­
ropa para pensar que na América os dólares são encontrados
nas ruas. De fato, para aqueles que vivem lá, esses dólares, re­
pito, nao sao absolutamente facéis de se conseguir. Cada “cent”
se ganha com grande dificuldade, á custa de um labor físico
pessoal.
“Em nossa terra, na América, nao se paga, como em cer­
tos países da Europa, pela “celebridade”, o “renome”, o “ta­
lento” e outros valores efêmeros.
“Por exemplo, aqui na Europa, se um artista qualquer
pinta uma vez por acaso um bom quadro e se torna célebre,
mais tarde, sejam quais forem os borrões que ele execute, o
público os comprará sempre, pela única razao de que estas sao
obras assinadas pelo “famoso” artista Fulano de Tal.
“Com relação a isso, na América, é totalmente diferente.
“Lá, tudo se faz com dinheiro à vista e todo trabalho só
se mede a peso e a metro. O “nome”, o “talento”, o “gênio”...
estas mercadorias não valem muito entre nós; de modo que os
dólares custam esforços penosos aos americanos.
“Mas, para minha felicidade, nossos americanos têm cer­
tas fraquezas e, entre elas, a paixão “de ir ver a Europa”.
“Para satisfazer esta paixão, cada um deles chega até a se
privar do indispensável, economizando pouco a pouco os dó­
lares que ganha com grande dificuldade, a fim de garantir a
possibilidade de ir á Europa e, nem é preciso dizer, á “capital
do m undo”... Paris.
“E por isso que as ruas, aqui, estão “pavimentadas de
americanos”, como se diz. E como nossos americanos têm ain­
da uma outra fraqueza, desenvolvida até o exagero, que é a

655
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“vaidade”, sentem-se lisonjeados quando se diz que eles apren­


deram o foxtrote, não em qualquer lugar — em Boston ou em
Filadélfia — porém em Paris mesmo, de onde saem todas as
“novidades” para toda a Terra. E como o foxtrote é uma novi­
dade, o “foxtrote parisiense” será para eles a última palavra da
civilização.
“E assim que, graças a esses dois “fermentos” de nossos
compatriotas, eu que não sou mais do que um pobre professor
de danças, tenho sempre aqui um número suficiente de ameri­
canos que me pagam bem.
“E verdade que me pagam em francos e não em dólares;
mas é também preciso que os cambistas ganhem algo por sua
vez... Eles também têm família.”
Após esta explicação, ainda lhe perguntei:
— Diga-me, por favor, meu caro Mister, será possível que
seus compatriotas venham a Paris e aqui fiquem tanto tempo
apenas para aprender seu foxtrote?
— Por que somente para o foxtrote?, replicou ele. Du­
rante esse tempo, eles também visitam a cidade de Paris e seus
arredores; às vezes até vão bastante longe. Em suma, eles apro­
veitam para “estudar” a Europa.
“Eles “visitam” e “estudam” a Europa a fim de “aper­
feiçoar sua educação e sua instrução”, como se diz em meu
país — porém, cá entre nós, esta é uma dessas frases que repe­
tem como papagaios aqueles dos nossos que querem se fazer
passar por verdadeiros ingleses.
“Na realidade, eles só vão ver Paris e a Europa, repito,
para satisfazer sua vaidade.
“Não viajam para adquirir mais saber e informações, mas
com o único fim de poder dizer bem alto, mais tarde, ao con­
versar com seus amigos e conhecidos: “Fui à Europa e lá eu vi
isso, e isto e aquilo”.
“Mas sabe o senhor como meus queridos compatriotas
visitam e estudam a Europa? Não? Então escute:

656
A FRANÇA

“Aqui, na Europa, cada grande cidade possui uma su­


cursal de um estabelecimento com o nome de “Cook & Son”,
que responde muito bem a esse tipo de necessidade. Natural­
mente, existe também uma dessas sucursais em Paris.
“Assim, então, meus queridos compatriotas se reúnem
em grupos de algumas dezenas, qual um rebanho de carneiros,
e todo esse bando de “turistas” se senta num enorme “ônibus
Cook”, como o chamam, e vai embora... aonde bem se quiser
levá-lo.
“Nesse “ônibus Cook”, além do “motorista”, se encon­
tra também um “tipo Cook” completamente adormecido.
“Durante os deslocamentos deste famoso ônibus Cook,
esse tipo adormecido, com uma voz fraca, despeja de vez em
quando nomes de lugares aprendidos de cor, segundo um iti­
nerário feito por Cook ele mesmo, assim como os nomes de
diversas curiosidades, históricas e nào históricas, de Paris e de
seus arredores.
“Esses tipos adormecidos falam com voz muito fraca e
têm o aspecto meio tísico, porque estão sempre extenuados
e não dormem jamais o suficiente, provavelmente pela razão
de que a maioria deles, além de seu emprego em Cook & Son,
trabalha de noite com obstinação a fim de poder sustentar sua
família, visto que o pagamento insignificante de Cook & Son
nao bastaria, pois sustentar uma família não é uma tarefa fácil,
e sobretudo em Paris.
“Porém que esses tipos adormecidos tenham a voz fra­
ca... que lhes importa a nossos americanos?
“Não lhes dá no mesmo, o que resmungam esses “tipos
adormecidos”, e com que voz eles resmungam?
“Se o senhor pensa que meus queridos compatriotas, sen­
tados nesse ônibus Cook, se dão conta do que quer que seja, e
se lembrarão dos lugares que viram, o senhor se engana extre­
mamente.
“Que lhes importa o que viram e o que tudo isso signifi-

657
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

cava? Eles só precisam do “lato” de ter estado em tal lugar e de


ter visto tudo em suas grandes linhas.
“Contentam-se plenamente com isso, visto que mais tar­
de, na conversa, cada um deles poderá dizer descaradamente e
corn a consciencia tranquila que ele também foi, cá, c lá, e aco­
lá. E todos os demais americanos pensarão que aquele que fala
não é um “bosta de cabra”, mas que ele realmente esteve na
Europa e não perdeu nenhuma das curiosidades que toda pes­
soa “culta” tem a obrigação de ver.
“Ah! meu caro Senhor... talvez creia que sou o único a
viver da tolice de meus compatriotas?
“Quem sou eu, afinal? Não grande coisa — um pequeno
“professor de danças”.
“Mas o senhor notou, no primeiro restaurante, o gordo
Mister que estava sentado comigo?
“Aquele, sim, é que é um verdadeiro tubarão, tal como
os que muito se propagaram entre nós na América, sobretudo
nestes últimos tempos.
“Esse gordo Mister é um judeu inglês americanizado. E
um dos principais socios de uma firma americana bem conhecida.
“Esta firma tem sucursais em numerosas cidades da
América e da Europa e o gordo Mister em questão cumpre
precisamente as funções de diretor da sucursal de Paris.
“Esta sociedade, que se enche os bolsos especulando com
a tolice de seus compatriotas, o faz infelizmente desta vez com
um pouco de “trapaça” excessiva.
“Eis como tramam seu negocio:
“A sucursal parisiense desta firma, lançada por uma pu­
blicidade à americana, tornou-se conhecida um pouco em toda
parte por meus compatriotas. Bom número deles, impelidos
mais uma vez por sua “vaidade” e por outras fraquezas que,
diga-se de passagem, lhes são bem particulares, encomenda re­
gularmente suas “toaletes” à sucursal daqui e esta sucursal lhes
envia, da “capital do mundo”, os “verdadeiros modelos de Paris”.

658
A FRANÇA

“E isto se dá com a melhor das intenções, em conformi-


dade com todas as leis do comércio moderno, à base de “arit­
mética grega” e de “alta estratégia contábil”.
“Quanto ao aspecto mais íntimo do comércio desta “sé­
ria firma”, fundada por diversos tubarões de nosso país, é pre­
ciso ver como esses tubarões enganam a todos para encher seus
grandes bolsos.
“Assim, quando a sucursal de Paris recebe em primeira
mão um pedido de uma de suas clientes americanas, este pedi­
do é di-re-ta-men-te enviado á sucursal alemã. Na Alemanha,
onde a mercadoria e o trabalho saem muito mais baratos do
que na França, a dita sucursal executa bem de-va-gar e bem
tran-qui-la-men-te esse pedido segundo todas as exigências da
“moda de Paris”; depois do que, cola gentilmente sobre a mer­
cadoria “a etiqueta de Paris” e a expede por mar, via Hambur­
go, di-re-ta-men-te para a sucursal de Nova York, que a entre­
ga a sua cliente; c esta se alegra c se orgulha de poder usar no
dia seguinte nao “qualquer coisa”, porém uma verdadeira “toale-
te” feita em Paris, dentro dos “padrões da ultima moda”.
“O que há de mais interessante na história é que nin­
guém é lesado nos “negócios de comissão” dessa firma; bem ao
contrário, tudo ali está combinado da melhor forma, para a
facilidade e o proveito de cada um. Até os franceses, esses an­
fitriões da “capital do mundo”, ganham algo com esse comér­
cio... mas, para dizer a verdade, somente quanto ao lucro que
tiram com os selos de correio que a sucursal de Paris é efetiva­
mente obrigada a colar em sua correspondência.
“Como o senhor vê, todo mundo fica contente, todo mun­
do fica satisfeito, e até bem provido; e mais ainda, fica assim justi­
ficado um axioma económico-político, aliás contestado, segundo
o qual sem intercâmbios internacionais as Nações não poderiam
existir...
“E eu o que sou perto deles? Nada mais do que um po­
bre professorzinho de danças!

659
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Esse alegre americano queria ainda dizer alguma coisa,


mas no mesmo momento um tumulto espantoso estourou na
sala vizinha, de onde nos chegavam as vozes transtornadas de
homens e de mulheres. Levan tamo-nos para sair, e loi do lado
de lora somente que soubemos que um ser do sexo leminino,
de uma comunidade que tem o nome de “Espanha”, lançara
vitriolo no rosto de um outro ser do sexo leminino, de urna
comunidade chamada “Bélgica”, pela razão de que a segunda
havia dado de presente urna cigarreira, onde estavam gravadas
as palavras: “Sempre à sua disposição”, a um ser de sexo mas­
culino da comunidade da “Georgia”, cuja existência parisien­
se havia sido, até este dia, sustentada pela primeira.
Quando chegamos à rua, já era muito tarde; o dia come­
çava a despontar. Despedimo-nos desse divertido americano
para voltar a nosso hotel.

“No caminho de volta, eu refletia em tudo o que havia


visto e ouvido nesse famoso Montmartre, e compreendí então
muito bem por que e como se havia formado nos seres perten­
centes a outras comunidades uma opinião tão pouco conforme
com a realidade sobre os seres da comunidade da França.
Graças a tudo o que eu havia visto e ouvido aquela noite,
tornou-se claro para mim que os seres das demais comunida­
des, assim que chegam à França, vão diretamente para esse bair­
ro de Paris, e outros lugares semelhantes, onde tudo, sem ex­
ceção, está organizado e arrumado especialmente em sua in­
tenção por estrangeiros como eles, mas que estão instalados na
França há muito tempo e falam, por conseguinte, a língua do
país muito melhor do que eles.
E como a faculdade de discernimento esseral está geral­
mente atrofiada nos seres atuais e como eles não têm nenhuma
“amplitude de visão”, como se diz, eles tomam e olham tudo
isso como se tosse francês; e, mais tarde, quando voltam para
suas comunidades, contam aos compatriotas o que viram,

660
A FRANÇA

ouviram e experimentaram nesse bairro de Paris, como se tudo


isso fosse puramente francês e que só os franceses estivessem me­
tidos nisso.
E assim que se forma pouco a pouco a respeito deles, nos
demais seres, uma opiniào que nào corresponde em nada à
realidade.
Aliás, esta opinião que se formou sobre os seres da co­
munidade da França no estranho consciente dos seres das de­
mais comunidades tem uma causa mais profunda ainda e que
se baseia numa das singularidades de seu psiquismo geral. Esta
singularidade, eles a devem, uma vez mais, ao funesto costume
que imaginaram com o nome de “educação”.
O tato é que lá, desde o primeiro instante de sua vinda ao
mundo, enquanto a Natureza continua a desenvolver neles o
germe original de um futuro ser tri-cerebral responsável, seus
pais se põem a criar obstáculos a isso com sua funesta “edu­
cação”.
Melhor ainda, em razão desse pernicioso costume de
“educar”, eles saturam e recheiam de idéias efêmeras e fantásti­
cas de todo tipo as concentrações “spetsitualitivianas”, ou, como
eles diriam, os “cérebros” de seus recém-nascidos. Estas loca­
lizações, que são geralmente destinadas à percepção e à con­
servação de todas as impressões e de todos os resultados de
uma tomada de conhecimento esseral consciente, são, nos re­
cém-nascidos, absolutamente virgens e impressionáveis no mais
alto grau.
A maior desgraça para seus favoritos é que este funesto
processo prossegue, para a maioria deles, até quase a idade em
que deveriam se tornar seres responsáveis.
Daí esta singularidade de seu psiquismo, que consiste,
de um lado, em que quase todas as suas funções, destinadas a
manifestações esserais ativas, se adaptam pouco a pouco a res­
ponder somente ao conjunto dessas idéias mentirosas e fantás­
ticas; e de outro lado, em que a presença de cada um deles se

661
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

habitua gradualmente a perceber todas as novas impressões


sem nenhuma participação daqueles fatores esserais corn que a
Natureza gratifica os seres com vistas a percepções novas, quer
dizer, a só percebê-las através dessas idéias fantásticas e menti­
rosas que lhes loram inculcadas.
Os seres tri-cerebrais dc lá perdem, finalmente, até a
necessidade de perceber em sua totalidade as coisas que eles
veem e ouvem pela primeira vez. Elas não são para eles senão
impulsos que desencadeiam associações baseadas em informa­
ções correspondentes, anteriormente implantadas em sua pre­
sença.
De maneira que, quando seus favoritos atuais sc tornam
seres responsáveis, tudo o que eles veem e ouvem pela primei­
ra vez se percebe automaticamente, por si só, sem nenhum es­
forço, qualquer que seja, vindo da essência de suas funções, e
não provoca neles a menor necessidade esseral de sentir e de
compreender, cm sua integralidade, todo fenômeno que se de­
senrole neles ou fora deles.
Em suma, contentam-se com o que, um dia, lhes foi in­
culcado por alguém, consciente ou inconscientemente.

“Espero, meu querido filho, que após tudo que acabo de


lhe dizer, você compreenda por si mesmo por que, nos seres
tri-cerebrais pertencentes a outras comunidades de seu plane­
ta, se cristalizaram, com relação aos seres desse grupo distinto
que existe com o nome de “Erança”, os dados de uma opinião
tão pouco conforme com a realidade.
Seja como for, é verdadeiramente uma grande desgraça
para os seres ordinários desta Erança que os seres tri-cerebrais
contemporâneos pertencentes a outros grupos tenham eleito
para as suas “manifestações culturais” a capital dessa comunidade.
Quanto a mim, lamento com toda minha essência os se­
res ordinários dessa comunidade, pelo fato de que um dos bairros

662
A FRANÇA

de sua capital tenha se tornado o “centro de cultura contem­


porâneo” de todo o planeta.
E até muito simplesmente surpreendente que, apesar das
condições de existência ordinária já completamente anormais
dos seres da comunidade da França, já que por azar deles sua
capital foi e continua sendo considerada como o “principal cen­
tro de cultura” contemporâneo de todo esse desafortunado pla­
neta, a maioria deles tenha podido conservar intactos, em sua
presença, por mais inconscientemente que fosse, os dados re­
queridos para os dois impulsos esserais sobre os quais se ba­
seia a moral objetiva, e que têm os nomes de “patriarcalismo”
— ou “amor à família” — e de “pudor orgânico”.
Entretanto, como há muito tempo aíluem de todas as par­
tes, para esse “centro de cultura”, seres definitivamente devo­
tados ao “deus pérfido” que já reina como senhor absoluto sobre
a presença de cada um deles — “deus pérfido” que com efeito
se converteu em seu ideal e que se poderia muito bem definir
como segue: “chegar a se libertar de toda necessidade de esfor­
ço esseral e de toda inquietude da essência, em relação ao que
quer que seja” —, esses seres, uma vez na França, não podem
deixar de exercer, consciente ou inconscientemente, uma in­
fluência nefasta nos seres desta comunidade.
Você compreenderá muito bem, meu filho, até que pon­
to é deplorável para os seres ordinários da comunidade da Fran­
ça que o principal “centro de cultura” contemporâneo esteja
situado em seu país, se eu lhe informar sobre uma das con­
sequências que esse fato ocasionou para eles. Eu mesmo tomei
conhecimento dela pelas informações contidas em um dos últi­
mos eterogramas que me foram enviados sobre os seres tri-
cêntricos de seu planeta.
Saiba antes de tudo que esses seres inteiramente entre­
gues a seu “pérfido deus interior”, quando eles aíluem de to­
das as partes a um desses principais “centros de cultura”, têm
o hábito, entre outras más ações, de inventar por ociosidade,

663
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

com o único fim de satisfazer seus caprichos, novas formas de


manifestação de suas propriedades hassnamussianas, ou, como
eles dizem, novas “modas” que eles propagam em seguida
por todo o planeta.
Este costume hassnamussiano de “criar novas modas” já
existia nas antigas civilizações; no tempo da civilização tiklia-
muishiana, ele tinha o nome de “adiat”; e durante o período
babilónico, de “haidia”.
“Adiat”, “haidia” ou “moda” consistem para eles em in­
ventar novos meios de manifestações esserais para a existência
ordinária, assim como diversos procedimentos destinados a mo­
dificar e a dissimular a realidade de sua presença.
“Adiat”, “haïdia” ou “moda” desempenham, na existên­
cia esseral ordinária deles, o mesmo papel que nossos costu­
mes. Mas estes últimos foram estabelecidos para aliviar as con­
dições exteriores inevitáveis da vida corrente, independentes
dos seres, eles mesmos, e penetram pouco a pouco toda nossa
existência ordinária como imperiosa necessidade da essência.
Ao passo que esses costumes atuais, ou “modas”, são somente
temporários e só servem para satisfazer os insignificantes pro­
pósitos subjetivos, estritamente egoístas, desses hassnamusses
presentes e futuros, que se tornaram fenomenalmente anormais;
eles não são, aliás, nem mais nem menos do que os resultados
da razão automática, baseados em concepções muito relativas
que lhes impõem as condições anormalmente estabelecidas de
existência esseral ordinária.
Ora, há cerca de meio século, nessa cidade de Paris, cer­
tos candidatos hassnamusses imaginaram, para os seres de sexo
feminino de lá, o uso de cabelos curtos, e eles fizeram grande
algazarra para difundir sua funesta invenção, graças a meios e
procedimentos já solidamente experimentados entre eles.
No entanto, como os sentimentos de moralidade e de “pa­
triarcalismo” eram ainda muito fortes nessa época nos seres de
sexo feminino da comunidade da França, eles não adotaram

6M
A FRANÇA

essa perniciosa invenção, e toram os seres de sexo feminino


das comunidades que têm os nomes de “Inglaterra” e de “Amé­
rica” que se puseram a cortar os cabelos.
Ao privar-se assim deliberadamente de uma parte deles
mesmos, adaptada pela Grande Natureza com vistas a um cer­
to intercâmbio de substâncias cósmicas, os seres femininos des­
sas duas comunidades obrigaram a Natureza a reagir suscitan­
do resultados correspondentes, que não deixarão no futuro de
tomar certas formas, análogas àquelas que já surgiram por duas
vezes neste planeta: a primeira vez, no país de “Yuneano”, hoje
Kafiristão, onde apareceram as chamadas “amazonas”; e a se­
gunda vez na Grécia antiga, onde foi fundada a “religião da
poetisa Safo”.
Enquanto isso, nestas duas comunidades atuais, a comu­
nidade da Inglaterra e a da América, a devastação dos cabelos
dos seres femininos engendrou para a primeira as “sufragistas”
e para a segunda o que chamam de “Christian Science” e os
“clubes teosóficos”. Além disso, quando esta moda hassnamus-
siana dos cabelos curtos se espalhou por toda parte, observou-
se— como me informou um eterograma que me foi enviado —
um recrudescimento proporcional do que chamam de “doen­
ças femininas”, ou seja, diversas formas de inflamações dos
órgãos sexuais, tais como “vaginite”, “metrite”, “inflamação
dos ovarios”, assim como dos fibromas e do câncer.
Assim pois, meu filho, esta “moda” de cortar os cabelos
dos seres de sexo feminino, inventada em Paris por seres com
propriedades hassnamussianas, não tinha de início encontrado
nenhum sucesso na França; contudo, como sua capital se tor­
nara o lugar de reunião dos seres de todos os países dotados
dessas mesmas propriedades, estes, que persistiam cm propa­
gar essa funesta invenção, chegaram a seus fins, e os seres de
sexo feminino da França se puseram, por sua vez, a cortar os
cabelos. Para concluir, o cortam ali, hoje em dia, cada vez mais.
No eterograma em questão, assinalavam-me ainda que

665
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

nos cabeleireiros parisienses as mulheres faziam fila para mar­


car hora, exatamente como fazia, recentemente ainda na co­
munidade da Rússia, quem quisesse se inscrever para a distri­
buição da “farinha americana”. E esta tendencia contagiosa de
se fazer cortar os cabelos já dava lugar a processos entre os
cabeleireiros c os pais, maridos e irmãos dessas “ovelhas tos-
quiadas”, assim como a numerosos “divorcios”, como eles dizem.
E interessante notar que os juízes — como mc comuni­
cavam nesse eterograma — davam todas as vezes razao aos ca­
beleireiros, baseando-se no fato de que os seres de sexo femini­
no que se dirigiram a estes últimos já tinham mais de dezesseis
anos completos, devendo ser considerados, segundo as leis exis­
tentes, como maiores, o que llics dava o direito de fazer o que
melhor lhes parecesse.
E claro que se esses juízes franceses, c em geral os juízes
de todo o planeta, soubessem que existe no Universo uma lei
bem definida, que se aplica sem exceção a todas as vidas que
servem ao Ch ande Trogoautoegocrata para a transformação das
substancias cósmicas, eles teriam sem dúvida uma opinião
completamente diferente acerca da concepção que chamam
“maioridade”.
Com efeito, cm conformidade com esta lei cósmica defi­
nida, todos os indivíduos tais como os seres de sexo feminino
kestchapmartnianos sao, durante a transformação das substân­
cias cósmicas, as fontes dos elementos ativos que, nas forma­
ções cósmicas ulteriores, servirão, por sua fusão, ao processo
da grande lei sagrada de Triamazikamno, na qualidade de se­
gunda força santa; dito de outro modo, esses seres representa­
rão sempre o princípio negativo ou passivo.
Ora, segundo a lei cósmica de que estou falando, estas
fontes, destinadas â transformação dos elementos ativos que
servem de princípio passivo, não estão jamais livres de ter ma­
nifestações independentes, quaisquer que sejam elas. Só po­
dem gozar dessa independencia as fontes destinadas à trans­

666
A FRANÇA

formação dos elementos ativos que devem servir de “Santa Afir­


mação” ou dc “princípio ativo” para o Triamazikamno sagrado.
Do mesmo modo, as fontes que servem de princípio pas­
sivo nao podem ser responsáveis por suas manifestações; dito
dc outra maneira, elas não podem ser “maiores”.

“A respeito desses seres franceses, devo ainda lhe dizer,


para caracterizá-los plenamente, que os seres da “classe diri­
gente” dessa comunidade chegaram mesmo a inventar, a fim
de “tranqüilizar” os espíritos dos seres ordinários, um “exce­
lente meio”, análogo aquele dc que sc serviam os detentores dc
poder da grande comunidade da Rússia ao encorajar o uso da
famosa “vodca”, e àquele de que se servem atualmente os de­
tentores de poder da comunidade da Inglaterra, com seu não
menos famoso “esporte”.
Entretanto, dcvc-sc reconhecer que se os detentores de
poder da comunidade da França aplicam eles também com fins
egoístas, c com pleno sucesso, este “excelente meio”, este —
seja dito sem censura aos detentores de poder das comunida­
des da Inglaterra e da Rússia — não causa, por assim dizer,
nenhum dano aos corpos planetarios dos seres ordinários.
Melhor ainda, eles fornecem assim, sem querer, aos seres
ordinários dc sua comunidade uma certa vantagem, distrain­
do-os e libertando-os momentaneamente da obsessão perniciosa
da “moda”, inventada, como já lhe disse, por hassnamusses
presentes c futuros vindos dc diversos países para sua capital,
e à qual os seres ordinários desta França estão hoje cm dia,
talvez, mais escravizados ainda do que os outros.
Este “excelente meio” tem entre eles o nome dc “feira”;
atualmente essas “feiras” se organizam, cada uma por sua vez,
nas grandes praças de cada cidade e de cada aldeia — nos pró­
prios lugares onde, diga-se de passagem, os seres tri-cerebrais
dc lá tinham ainda, há uns dois séculos, o hábito de se reunir
para discutir “temas religiosos e morais”.

667
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Digamos, com toda justiça, meu filho, que essas “feiras”


francesas são realmente lugares muito divertidos.
Devo contessar que eu mesmo tinha prazer em passar ali
uma ou duas horas, sem pensar em nada.
Nestas feiras francesas, tudo é barato, tudo é excelente.
Por exemplo, por uma moeda de cinqüenta centavos, cada
um pode “dar voltas” até o completo embrutecimento, sobre
diversos “porcos”, “camaleões”, “baleias” etc., assim como so­
bre novas invenções americanas e não americanas, especialmen­
te concebidas para embrutecer.
E se os seres voltam a si demasiado rápido depois desses
jogos “embrutecedores”, eles podem então, por alguns centa­
vos a mais, se oferecer algo de saboroso, preparado no lugar,
na maior parte do tempo.
E verdade que depois dessas gulodices, esses seres sen­
tem, às vezes, o estômago “em frangalhos”, mas o que é isto em
comparação com o prazer que aí encontram?
E no caso em que um desses seres de lá queira “tentar
sua sorte”, como eles dizem, pode, na hora, com outra moeda
de cinqüenta centavos, satisfazer seu desejo e tentar sua sorte
de todas as maneiras, seja ele jogador ou esportista, já que essas
lamosas “feiras” francesas olerecem todo tipo de atrações exis­
tentes na Terra, inclusive os jogos de azar, desde a “roleta de
Monte Cario” até o “pôquer de ases de Tzopot”.

668
Capítulo 38
A Religião

EM seguida Belzebu continuou:


— Vou lhe dar agora algumas explicações sobre o que
serve de “antolhos” ao psiquismo desses infelizes seres tri-ce­
rebrais e causa sua diluição gradual — quer dizer, sobre as sin­
gulares “havatviernonis”, que em todos os tempos existiram
lá, cuja ação e efeitos sobre a presença geral dos seres foram
por eles designados, em seu conjunto, sob o nome de “espíri­
to religioso”.
Este fator realmente “maléfico”, no sentido objetivo da
palavra, que ocasiona pouco a pouco o enfraquecimento auto­
mático de seu psiquismo, apareceu nesse planeta a partir do
momento em que começaram a se cristalizar neles diversas con­
seqüências das propriedades desse maldito órgão kundabuffer;
depois do que, passando por formas exteriores variadas, ele se
transmitiu de geração a geração.
Ora, estas cristalizações favoreceram o aparecimento, na
presença de certos seres tri-cerebrais, dos primeiros germes de
propriedades hassnamussianas que engendraram neles uma ten­
dência a servir a seus propósitos egoístas inventando, para se­
mear a desordem entre seus semelhantes, diversas ficções, en­
tre as quais todo tipo de fantásticos “ensinamentos religiosos”,
como eles dizem. E, quando os demais se puseram a crer nestes
fantásticos “ensinamentos religiosos”, perdendo assim pouco
a pouco seu “pensar sadio”, apareceram então, no processo
de existência ordinária desses estranhos seres tri-cerebrais,
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

numerosas “havatviernonis” ou “religiões”, que nada tinham


de comum entre elas.
Embora estas numerosas “havatviernonis” ou religiões
nào tenham absolutamente nada em comum umas com as ou­
tras, todas elas estào edificadas sobre ensinamentos religiosos
que se fundamentam, por sua vez, sobre esta idéia funesta —
no sentido objetivo — que eles mesmos designam pela expres­
são “Bem e Mal”. Esta idéia, que foi realmente um dos principais
fatores de “diluição” de seu psiquismo, desencadeou recente­
mente graves acontecimentos entre os bem-aventurados “corpos
esserais supremos”, ou, como se diz por là, as “almas”, que mo­
ram no santo planeta em direçào ao qual caímos neste momento.
E indispensável, a meu ver, que lhe conte a historia de
tudo o que se passou, nào faz muito tempo, neste Santo Plane­
ta do Purgatório, primeiro porque esses acontecimentos têm
um caráter cósmico e estào ligados à individualidade de todo
Indivíduo responsável, constituído de maneira relativamente
independente, e depois porque ccrtos rebentos de nossa “ár­
vore genealógica” foram as causas involuntarias deles.
Mas lhe contarei esta história por último. Tenho para isso
muito boas razões, relativas ao desenvolvimento de seu pensar
esseral.
Enquanto isso, saiba que lá, no planeta Terra que lhe inte­
ressa, sempre existiram e ainda existem todo tipo de “doutri­
nas religiosas” sobre as quais se edificaram suas numerosas “re­
ligiões”, e que essas doutrinas aparecem geralmente da manei­
ra seguinte:
Já lhe disse que em razão da imprevidencia de certos Mui
Altos Individuuns sagrados, as conseqüências das proprieda­
des do órgão kundabuffer, que eles haviam inventado e depois
suprimido, se cristalizaram na presença geral desses infelizes,
de modo que se tornou quase impossível para eles se aperfeiçoa­
rem até o grau de Ser conveniente aos seres tri-cerebrais. Des­
de então, Nosso Todo-Misericordioso Pai Comum condescender!

670
A RELIGIÀO

cm ordenar a esses mesmos Individuuns sagrados que realizas­


sem mais Ireqüentemente, na presença de certos seres terres­
tres, o germe de um Individuum sagrado, a lim de que tendo
concluído sua formação como ser responsável, e tendo adqui­
rido o grau de Razão correspondente às condições já lixadas
no processo geral de existência dos seres tri-cerebrais desse
planeta, ele pudesse tomar consciência da realidade e indicar a
seus semelhantes como eles deviam, com sua razão, dirigir o
funcionamento de suas diferentes partes espiritualizadas para
descristalizar as consequências das propriedades do órgão kun-
dabuller e chegar a destruir neles a predisposição a toda nova
cristalização similar.
Ora, meu filho, depois do raskuarno sagrado desses se­
res terrestres tri-cerebrais na presença dos quais loi realizado o
germe de um Individuum sagrado — ou, como se diz por lá,
depois de sua morte—, seus contemporâneos, para guardar na
memoria todos seus conselhos e explicações e transmiti-los aos
seres das gerações seguintes, os reuniam num todo, e é esse
“conjunto de indicações” que serve geralmente de base a to­
dos os ensinamentos religiosos de lá.
A estranheza do psiquismo de seus favoritos em relação
a este tipo de ensinamentos religiosos se manifesta pelo lato de
que, desde o início, eles tomam ao pé da letra tudo o que lhes
disseram e explicaram esses autênticos Individuuns sagrados
realizados d’O-Alto, e não levam jamais em conta as circuns­
tâncias e ocasiões em que esta ou aquela verdade lhes loi dita
ou explicada.
Além disso, no curso de sua transmissão às gerações se­
guintes, esses ensinamentos religiosos, cujo sentido loi altera­
do desde o início, suscitam dois comportamentos já habituais a
esses estranhos seres tri-cerebrais. O primeiro consiste, para os
seres que pertencem à classe dirigente da época, em se apro­
priar de imediato desses ensinamentos religiosos para lhes apli­
car a nefasta “pergunta” que, nesse desafortunado planeta, se

671
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

formula assim: “A Religião para o Estado, ou o Estado para a


Religião?”; depois do que eles põem em prática todos os seus
artificios para fazer malabarismos com os fatos a fim de justifi­
car seus propósitos egoístas. O segundo se encontra em certos
seres ordinários de lá que, por culpa de seus “produtores”, ad­
quiriram em sua presença, desde sua concepção, depois du­
rante sua preparação para a idade responsável, as propriedades
chamadas “psicopatía” e “parasitismo” — que os privam para
sempre dos dados que favorecem a manifestação de todo dever
esseral, qualquer que ele seja — e tornam-se, por assim dizer,
“autoridades” quanto aos mínimos detalhes desses ensinamen­
tos religiosos, depois se encarniçam, “como abutres sobre uma
carcaça de chacal”, sobre esse conjunto de conselhos e indica­
ções dados por autênticos Individuuns sagrados, intencional­
mente realizados d’O-Alto.
Em suma, como resultado destes dois fatores, que se tor­
naram habituais a seus favoritos — as propriedades hassna­
mussianas dos seres da classe dirigente e a psicopatía de certos
seres ordinários —, eles sempre chegam, desde o aparecimen­
to de uma religião, e qualquer que seja a doutrina sobre a qual
ela se fundamenta, a se dividir em suas famosas “seitas”, que,
por sua vez, se dividem em outras seitas. Como conseqüência,
em todas as épocas ocorre com as religiões o mesmo que com
as inumeráveis línguas nesse relativamente pequeno planeta,
esta “hidra-de-mil-línguas”, segundo a expressão de nosso es­
timado Mulá Nassr Eddin, que teria definido o presente fenô­
meno: “uma cascata de titilações titilantes”.
No curso de minhas observações sobre o processo de exis­
tência desses originais seres tri-cerebrais, vi várias vezes se rea­
lizar, na presença de alguns deles, o germe desses Individuuns
sagrados, e em cada caso — com a única exceção daquele do
Mui Santo Ashyata Sheyimash e de tudo o que se refere a seus
Santos Trabalhos —, mal tinham eles sofrido o processo de
raskuarno sagrado, depois de ter cumprido a missão que lhes

672
A RELIGIÃO

lora imposta d’O-Alto, aparecia sempre lá um ensinamento re­


ligioso desse gênero. Quer dizer que esses estranhos seres ter­
restres começavam por reunir daqui e dali, num só todo, os
conselhos e explicações detalhados desses Individuuns sagra­
dos intencionalmente realizados d’O-Alto, com o Hm de con­
servar a memória deles e de transmiti-los às gerações seguintes,
depois este conjunto de indicações caía nas mãos dos dois ti­
pos de seres de que lhe talei, que se punham logo a “retalhá-
lo”; depois do que, dividindo-se em suas famosas seitas, elabo­
ravam por eles mesmos novas doutrinas fantásticas, o que sem­
pre tinha como efeito fazer surgir tantas religiões quanto exis­
tem nuanças no arco-íris, e de novo dar impulso a sua “velha
ladainha”.
De fato, durante os últimos séculos, seus favoritos viram
aparecer, no processo geral de sua existência planetária, várias
centenas desses ensinamentos religiosos independentes, e cada
um deles se baseava nos vestígios desse conjunto de indicações
e conselhos que lhes haviam dado aqueles Mui Santos Indivi­
duuns intencionalmente realizados d’O-Alto.
Sobre esse vestígios, em que se inspiraram tao estranha­
mente nos últimos tempos, esforçando-se, com sua tacanha ra­
zão, para deles emprestar umas idéias com as quais inventar,
mais e mais, novas doutrinas religiosas, eles fundaram, entre
outras, cinco religiões que subsistiram até hoje com os nomes de:

1 Budismo
2 Judaísmo
3 Cristianismo
4 Islamismo
5 Lamaísmo

Da primeira, a religião budista, já lhe falei uma vez.


A segunda, a religião judaica, foi supostamente edificada
sobre o ensinamento de Santo Moisés, um dos autênticos In d i -
vidtiuns sagrados, que foi intencionalmente realizado d’O-Alto.

673
RELATÍ )S DE BELZEBU A SEU NETO

Esse Individuum sagrado se manifestou lá no corpo pla­


netario de uma criança do sexo masculino que nasceu no Egito
pouco depois dc minha quarta estada em seu planeta.
Santo Moisés fez muitíssimo por eles e lhes deixou, para
a existência ordinária, grande número de indicações confor­
mes tào precisas que, se eles as tivessem seguido e aplicado de
maneira mais ou menos normal, teriam efetivamente chegado
a dcscristalizar todas as conseqüências das propriedades desse
funesto órgão kundabuffer e a destruir a predisposição dessas
conseqüências para novas cristalizações.
Mas, para a aflição de todos os seres tri-cêntricos de Nosso
Grande Universo, qualquer que seja seu grau de Razao, eles
misturaram pouco a pouco a todos os conselhos e indicações
desse “amante do normal”, Santo Moisés, uma tal quantidade
de “especiarias” de todo tipo que até seu santo autor ele mes­
mo, apesar de todo seu desejo, não teria podido reconhecer
nessa miscelânea o que quer que fosse como vindo dele.
Já os descendentes imediatos dos contemporâneos de San­
to Moisés tinham achado proveitoso, provavelmente para ser­
vir a seus propósitos particulares, inserir em seu ensinamento
quase todo o conteúdo dessa doutrina fantástica de que lhe
falei, você deve se lembrar, a respeito dos seres tri-cerebrais do
segundo grupo do continente de Ashhark, ou da Asia, e que o
sábio imperador Koniutsion, que mais tarde se tornou santo,
havia inventado para libertar seus súditos do pernicioso hábito
de mascar a semente de papoula.
Depois de Santo Moisés, lhes foi enviado d’()-AIto um
outro Individuum sagrado que estabeleceu as bases da religião
que seus favoritos contemporâneos chamam “cristianismo”.
Este Individuum sagrado, que recebeu lá o nome de Je­
sus Cristo, se manifestou no corpo planetário de um jovem ra­
paz pertencente ao povo que Santo Moisés, por uma ordem d’O-
Alto, havia escolhido entre os seres que habitavam o país do Egito
para conduzi-lo pelo continente da Ásia até a “Terra de Canaã”.

674
A RELIGIÃO

Depois de Jesus apareceram, sempre no continente da


Asia, dois Individuuns sagrados, sobre cujo ensinamento os
seres de lá edilicaram duas das religiões enumeradas, que exis­
tem ainda hoje.
() primeiro, Santo Maomé, apareceu entre os “árabes”.
O outro, Santo Lama, entre os seres que povoam o país chama
do "Tibete”.
Em nossos dias, o primeiro dos cinco ensinamentos
religiosos que citei, o budismo, está principalmente difundido
entre os seres dos quais uns habitam a “índia” — a antiga “Per
líinia” — e os outros os países chamados “China” e “Japão”.
Os adeptos da segunda doutrina religiosa, a doutrina ju­
daica, estão disseminados hoje por todo o planeta.
Não seria mal indicar aqui a razão pela qual os adeptos
dessa doutrina de Moisés estão disseminados por todo o plane
ta, pois esta explicação o fará compreender melhor uma origi­
nal propriedade do órgão kundabuffer, a que suscita o senti­
mento chamado “inveja”. Você compreenderá também por isso
de que maneira cada propriedade desse órgão, por menor que
seja, pode estar na origem de muito graves consequências.
( ) fato é que os seres que professavam a doutrina de Moi
sés haviam, em seu tempo, se organizado muito bem em sua
comunidade; por isso, essa propriedade com o nome de “inve
ja” começou a se cristalizar, em relação a eles, no psiquismo
dos seres de todas as outras comunidades da época.
E esta estranha propriedade se cristalizou tão fortemente
neles que numerosos séculos mais tarde, embora essa comuni­
dade judaica tivesse cessado de ser poderosa e organizada, e
houvesse até se extinguido, sofrendo assim a sorte reservada lá
a toda comunidade poderosa, não somente as relações dos se
res das outras comunidades com os descendentes dos hebreus
não mudaram, mas na maior parte deles esse sentimento de
“inveja” se tornou até mesmo orgânico.
A terceira religião, edificada sobre o ensinamento de

675
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Jesus Cristo, se difundiu logo tão amplamente, sob sua forma


original, que quase um terço dos seres tri-cerebrais desse pla­
neta se tornou seu adepto.
Porém, mais tarde, eles também se puseram a maltratar
este “ensinamento religioso”, baseado no “Amor resplande­
cente”, e o converteram em alguma coisa de igualmente “res­
plandecente”, mas desta vez, como diz nosso querido mestre
Mulá Nassr Eddin, em uma “resplandecente Terazakhabura
da feérica kesbaadji”.
Além disso, sucedeu que os adeptos deste realmente gran­
de ensinamento religioso se dividiram em várias seitas, a pro­
pósito de detalhes exteriores de importancia mínima, e deixa­
ram de se chamar simplesmente “Cristãos”, como os primeiros
adeptos dessa doutrina, para adotaros nomes de “Ortodoxos”,
“Zebrodoxos”, “Ipsilodoxos”, “Khamilodoxos”, e outros ape­
lidos, terminando todos em “doxo”.
E eles se puseram, sempre pelas mesmas razões egoístas
e políticas, a misturar as verdades e as certezas dessa doutrina
fragmentos de outras “doutrinas religiosas” já existentes lá —
fragmentos que nào somente não tinham nada em comum com
o ensinamento do Cristo, senão que contradiziam mesmo, as
vezes, de maneira flagrante as verdades que havia revelado o
Divino Mestre.
Misturaram primeiro a esse ensinamento numerosos
elementos, já muito desnaturados naquele tempo, da doutrina
de Santo Moisés. Muito mais tarde, durante o período que os
seres atuais de lá chamam a “Idade Média”, aqueles chamados
os “Padres da Igreja” inseriram, nessa religião cristã, a quase
totalidade da doutrina fantástica outrora inventada na cidade
de Babilônia, como já lhe disse, pelos seres sábios do partido
dos dualistas.
E foi muito provavelmente pelas necessidades de seu “pe­
queno comércio” e do de seus assistentes que os “Padres da

676
A RELIGIÃO

Igreja” da Idade Média efetuaram essa mistura, servindo-se dos


famosos “Paraíso” e “Inferno” que continha aquela doutrina.
Por isso, em lugar do ensinamento do Divino Mestre Je­
sus Cristo, que punha em evidência a força do Amor e a Mise­
ricordia Infinita de Nosso Criador que sofre pelos seres, agora
existe lá um ensinamento segundo o qual Nosso Criador per­
seguiría as almas de seus fiéis.
— Querido, bem-amado avô, explique-me, por favor, o
que se entende por “Padres da Igreja”?, interrogou Hassin.
— Chamam lá “Padres da Igreja” os seres que se tornam,
por profissão, os altos funcionários de uma “doutrina religiosa”.
Após esta resposta lacônica, Belzebu continuou:
— A propósito, você deve saber que o ensinamento de
Jesus Cristo se conservou intacto num pequeno grupo de seres
terrestres e, passando de geração a geração, chegou até nossos
dias sob sua forma original.
Este pequeno grupo de seres terrestres tem o nome de
“confraria de Essênios”. Os seres dessa confraria chegaram, de
início, a fazer passar o ensinamento desse Divino Mestre para
sua própria existência esseral, depois eles o transmitiram às
gerações seguintes como um excelente meio de se libertar das
consequências das propriedades do órgão kundabuffer.
Quanto à quarta grande religião existente hoje lá, que,
vários séculos depois da religião cristã, se edificou sobre o
ensinamento do “Todo-Esperançoso Santo Maomé”, ela se
difundiu grandemente e teria talvez quase se tornado para
eles todos “um foco de esperança e de conciliação”, se esses
estranhos seres não tivessem feito, também desta vez, uma
de suas “trapaças”.
De um lado, seus adeptos misturaram a ela certos
fragmentos das teorias fantásticas dos dualistas babilónicos; de
outro lado, os “Padres da Igreja” dessa religião, chamados des­
ta vez “xeques muçulmanos”, imaginaram introduzir nela a idéia
de todos esses bens que supostamente existem no famoso

677
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Paraíso do “outro mundo” — idéia que certamente jamais te­


ria vindo ao espírito do governador principal do Purgatorio,
Seu Sustentáculo-de-Todos-os-Quartos, o Arqui-Querubim
Helkguemathius, mesmo se ele tivesse com isso inten­
cionalmente sonhado.
Embora os adeptos dessa religião tenham eles também se
dividido desde o início em diversas “seitas” e “subseitas” —
que subsistem ainda hoje—, todos, no entanto, se ligam a uma
ou outra das duas “correntes” independentes, que se forma­
ram desde seu aparecimento.
Essas duas correntes da religião muçulmana lá se cha­
mam a “corrente sunita” e a “corrente xiita”.
E interessante notar que o odio psíquico que alimentam
uns pelos outros os seres pertencentes a essas duas correntes
de uma só e mesma religião está se convertendo definitivamente,
em conseqüência de seus frequentes conditos, em odio orgânico.
Durante os últimos séculos, certas comunidades européias
têm favorecido muito, por suas manobras, a singular metamor­
fose dessa estranha função esseral.
E elas continuam a recorrer a provocações a fim de que
entre os adeptos destas duas correntes independentes de lima
só e mesma religião cresça a animosidade, e que nenhuma uni­
ficação possa se fazer entre eles; pois, se esta se produzisse, o
fim dessas comunidades européias em breve chegaria.
Com efeito, os adeptos dessa doutrina muçulmana re­
presentam quase a metade dos seres tri-cerebrais de lá; porém
enquanto existir este ódio entre os adeptos desta religião, eles
não constituirão nenhuma ameaça séria de “destruição mutua”
para as comunidades européias.
Por isso os detentores de poder de certas comunidades
de “última fornada”, acidentalmente aparecidas, sempre esfre­
gam as maos e se alegram quando as centelhas de animosidade
brotam entre esses sunitas e esses xiitas, porque eles esperam as­
sim uma longa e segura existência para suas comunidades.

678
A RELIGIÃO

Quanto à quinta doutrina, a dc Santo Lama, este Indivi­


duum sagrado que loi ele também um verdadeiro Enviado de
Nossa Eternidade, ela se difundiu somente entre os seres tri-
cerebrais de lá que, em razão de sua situação geográfica, nao
tiveram quase nenhuma ocasiao dc encontrar os demais seres
desse desafortunado planeta, o que os pôs ao abrigo das condi­
ções anormalmente estabelecidas de existência esseral ordinária.
Entretanto, uma parte dessa doutrina não tardou a ser,
por sua vez, modificada, e até mesmo destruída por seus adep­
tos; a outra parte entrou mais ou menos na existência desse
pequeno grupo de seres, para ali exercer a ação que dela se
esperava. Dessa forma, entre os Mui Altos Individuuns sagra­
dos, cresceu a esperança dc ver esse ensinamento, devido ao
labor sagrado dc Santo Lama, realizar um dia o que, no Me
galocosmos, já se tornou uma necessidade para toda coisa
existente.
Mas seus favoritos não o permitiram, e, sem mais pensar,
deram, com seu “passeio militar” ou “guerra anglo-tibetana”,
uma bordoada a essa possibilidade.
Eu lhe falarei um pouco mais tarde desse “passeio mili­
tar”. E lhe falarei dele pela simples razão de que fui por acaso
testemunha dc todos esses tristes acontecimentos dc lá.
Mas antes devo lhe contar como hoje cm dia querem
“afundar” definitivamente em seu planeta, com a ajuda, é cla­
ro, do “General Torto”, até os vestígios destas duas religiões
que existem ainda hoje e que, ao mesmo tempo que sc torna­
ram irreconhecíveis, conseguiram, contudo, no curso dos últi­
mos séculos, dar á existência ordinária deles, tão incrivelmente
desregrada, uma certa semelhança, ainda que muito distante,
com aquela dos seres tri-cerebrais cm geral — e até torná-la
um pouco mais suportável, dc um ponto de vista objetivo, ao
menos para alguns deles.
Repito: se bem que estas duas grandes religiões tenham
sido edificadas “a trancos e barrancos” sobre o ensinamento

679
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

de dois verdadeiros Enviados de Nossa Eternidade, Santo Je­


sus e Santo Maomé, e que os seres tri-cerebrais dos séculos
passados tenham brutalizado essas duas doutrinas “como o
russo Sidor maltratava suas cabras”, foi no entanto somente
graças a elas que, até estes últimos tempos, alguns deles acredi­
taram em algo e tiveram esperança em algo, tornando assim
sua aflitiva existencia mais ou menos tolerável.
Mas os arqui-estranhos seres atuais de lá se encarrega­
ram de apagar definitivamente esses últimos traços da face de
seu planeta.
Embora o processo de destruição definitiva dessas duas
grandes religiões — processo devido à estranheza dc seu psi­
quismo — tenha começado depois de minha partida de seu
sistema solar, no entanto, graças a um eterograma relativo aos
seres desse original planeta, que recebi justo antes de nossa
decolagem do planeta Karataz, compreendo agora o que se
passa lá, e posso dizer desde esse momento, com toda a certe­
za, que, no futuro, eles não as maltratarão mais, já que estão
muito simplesmente destruindo-as até os escombros.
Esse eterograma me informava que haviam aberto, na ci­
dade de Jerusalém, uma universidade para a juventude judaica
e que a ordem havia sido dada, na comunidade da Turquia, de
fechar todos os “mosteiros de dervixes”, assim como de proi­
bir aos homens o uso do “fez”, e às mulheres o do “xador”.
A primeira metade da mensagem, referente à abertura
cm Jerusalém de uma universidade para a juventude judaica,
me mostra claramente que lá a religião cristã atinge, ela tam­
bém, o seu fim.
Para bem compreendê-lo, você deve saber que, não faz
tanto tempo, todas as comunidades situadas no continente da
Europa, e cujos seres constituem a maior parte dos adeptos
desta religião, sustentaram grandes guerras contra os adeptos de
outras religiões, para libertar esta cidade de Jerusalém; eles cha­
maram essas guerras de “cruzadas”.

680
A RELIGIÃO

Empreenderam essas “guerras” ou “cruzadas” com o úni­


co fim de que esta cidade de “Jerusalém”, na qual existiu, so­
freu e morreu o Divino Mestre, Jesus Cristo, se tornasse
exclusivamente cristã; e durante estas cruzadas quase a metade
dos seres de sexo masculino desse continente foi totalmente
aniquilada.
Hoje em dia, nessa mesma cidade de Jerusalém, foi aber­
ta para a juventude judaica uma de suas universidades atuais, e
isto, sem dúvida alguma, com o assentimento geral de todas
essas comunidades cristãs da Europa.
Chamam-se “judeus”, ali, os seres desse povo no meio
do qual apareceu e existiu o divino Jesus, a quem martirizaram
e crucificaram.
Embora os judeus da geração atual não sejam os inimi­
gos diretos de Jesus Cristo, hoje em dia cada um deles guarda
em si mesmo a convicção de que esse Jesus, que apareceu no
meio de seus ancestrais e se converteu em Personalidade Sa­
grada para todos os adeptos da religião cristã, era muito sim­
plesmente um “mitômano exaltado”.
Uma “universidade”, entre os seres atuais do planeta
Terra, é a “fornalha” na qual se queima tudo o que foi adquiri­
do durante dezenas de séculos pelos seres das gerações prece­
dentes; e, nessa “fornalha”, eles cozinham, às pressas, em pou­
cas horas, sua suculenta sopa de lentilhas, destinada a substi­
tuir todos os bens acumulados, durante séculos de esforços
conscientes e inconscientes, por seus desafortunados ancestrais.
Isto basta para me fazer ver e compreender com todo
meu ser o que se tornará, a partir de agora, essa Jerusalém, já
que nela eles abriram uma de suas famosas universidades e,
além do mais, para a juventude judaica.
Eu já me represento o quadro: apenas alguns anos terão
passado e nos lugares mesmos onde foi enterrado o corpo pla­
netario do divino Jesus haverá uma estação de táxis-automó-
veis, quer dizer, uma estação para essas “maravilhas” de

681
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

máquinas que fazem os seic^ ontemporáneos cometerem as


piores loucuras.
Não somente seres sacrílegos pouco a pouco desnatura­
ran!, para servir a seus propósitos egoístas e políticos, o ensina­
mento desse Divino Mestre, mas eles trabalham agora para des­
truir até sua lembrança.
O que, aliás, há muito tempo está no estilo de seus favoritos.
Seja dito dc passagem, tudo o que chamam hoje “civili­
zação” só tende a aumentar a velocidade dessas máquinas de
sua invenção, que são tão funestas para elas.
Com efeito, o último eterograma que recebi a respeito de
seus favoritos me informava que tinham estabelecido lá o “recor­
de de velocidade” dessa máquina em 650 quilômetros por hora.
Evidentemente, o único resultado desse “recorde” é que
as dimenscáes já muito reduzidas desse desafortunado planeta
se tornam, até mesmo para suas tacanhas representações esse­
rais da realidade, simplesmente insignificantes.
Ah sim... que o Criador esteja com eles, meu filho!
Seja qual lor a velocidade que alcancem com suas “má­
quinas”, do momento que eles permaneçam tal qual são— dá
na mesma: nem eles, nem mesmo seus pensamentos nunca irão
mais longe do que sua atmosfera.
A segunda religião, que foi edificada “com restos daqui e
dali”, como já lhe disse, sobre o ensinamento do “Todo-Espe-
rançoso Santo Maomé”, foi desde o início adotada por uma
maioria de seres com propriedades hassnamussianas que a uti­
lizaram para fins egoístas e políticos; de modo que ela foi a
mais “maltratada”.
Os seres detentores de poder de certas comunidades de
lá, para servir a seus propósitos hassnamussianos, se puseram a
“salpicar” esse ensinamento divino com “especiarias” de sua
invenção, o que deu uma “combinação sherakhuriana” cujo
segredo todos os famosos confeiteiros e “chefes de cozinha”
europeus de hoje teriam invejado.

682
A RELIGIÃO

Ora...
A julgar pelo final desse eterograma, o processo de des­
truição definitiva desta segunda grande religião está a ponto
de se desencadear — a menos que isto já tenha sido feito — em
conseqüência da ordem editada na comunidade da Turquia por
“detentores de poder”.
O fato é que esta comunidade da Turquia é a maior de
todas as comunidades onde os seres professam esta religião.
Devo lhe dizer antes de tudo que, desde o aparecimento
da religião muçulmana, certos seres dessa comunidade tinham
assimilado muito bem seu ensinamento sob sua forma original,
e o tinham pouco a pouco incorporado a sua existência co­
tidiana — tal como o haviam feito os Irmãos Essênios com a
doutrina crista.
E, mesmo depois que essa religião foi pouco a pouco
modificada sob a influência dos seres “detentores de poder”
de lá, seu ensinamento, no entanto, foi transmitido de geração
a geração, sob uma forma inalterada, pelos seres de que acabo
de falar.
Por isso restava ainda uma pequena esperança, com a
condição de que esses estranhos seres se tornassem um dia um
pouco mais sérios, de ver esse ensinamento renascer e realizar
as metas em vista das quais ele fora criado pelo Todo-Esperan-
çoso Santo Maomé.
Hélas, meu filho, os seres que haviam assimilado esse
ensinamento levavam o nome de “dervixes”, e foi precisamen­
te a seus mosteiros que foi dada a ordem de fechamento na
atual comunidade da Turquia.
Evidentemente com a destruição das confrarias de “der­
vixes” desapareceram inteiramente as últimas centelhas que,
incubando sob as cinzas, poderiam um dia ou outro reanimar
o braseiro das possibilidades com que contava e nas quais de­
positava esperança Santo Maomé.
Quanto ao segundo decreto promulgado na comunidade

683
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

da Turquia, que proibia aos seres de sexo masculino de usar o


lamoso “fez” e, aos seres de sexo leminino o “xador”, me laço
uma representação esseral muito clara dos resultados que essas
inovações darão no futuro.
Devido a essas inovações, se verá sem nenhuma dúvida
repetir-se na Turquia o que ocorreu aos seres da grande comu­
nidade da Rússia, quando eles se puseram a imitar tudo o que
era europeu.
Por exemplo, não laz mais de um ou dois séculos, antes
que os seres da grande comunidade da Rússia se pusessem a imi­
tar tudo o que é europeu, eles possuíam ainda as duas lunções
esserais chamadas “martaadamlik” e “namusslik”, ou como eles
teriam dito, o “sentimento religioso” e o “sentimento patriarcal”.
E é graças a esses dois sentimentos esserais que os seres
dessa grande comunidade eram, havia apenas dois séculos, re-
nomados entre os demais seres do planeta inteiro, por sua mo­
ralidade e pela solidez de suas práticas patriarcais.
Porém logo que eles se puseram a imitar tudo o que era
europeu, esses dois sentimentos esserais, permanecidos intac­
tos neles, se atrofiaram pouco a pouco, c em nossos dias, em
quase todos os seres dessa comunidade, o sentimento religioso
e o sentimento patriarcal não evocam mais do que essa idéia
resumida por nosso sábio mestre Mulá Nassr Eddin nesta sim­
ples exclamação:
“Deixe-me rir!”
Aliás, na Rússia, isso não começou nem pelo “xador” nem
pelo “lez”...
Não. Pois lá não usavam essas coberturas de cabeça.
Isso começou pela “barbas” dos seres de sexo masculino.
A “barba” representa para estes seres a mesma coisa que
para nós nossa cauda, que nos conlere, como você sabe, a nós
outros, seres de sexo masculino, a valentia e a atividade.
Agora é a vez desses iníelizes turcos.

684
A RELIGIÃO

Do momento em que eles quiseram trocar seu “fez” pela


“cartola” européia, a conseqüência se impôs por ela mesma.
E, sem dúvida alguma, o psiquismo desses seres turcos
não tardará a degenerar, como degenerou aquele dos seres da
comunidade da Rússia.
A única diferença é que, na origem dessa transformação
de seu psiquismo, houve, para os russos, um só ser, seu impera­
dor, ao passo que para os seres da comunidade da Turquia exis­
tiram vários deles.
Com efeito, esses turcos substituíram recentemente seu
antigo governo de Estado, estabelecido há séculos, por uma
forma particular de “república”, e eles tiveram vários dirigen­
tes, em vez de um só, como no antigo governo.
Talvez seu antigo governo fosse ruim; em compensação,
havia um só regente, e este impunha a sua comunidade somen­
te inovações muito raras, todas de ordem patriarcal.
Hoje, na chefia dessa comunidade da Turquia há vários
dirigentes, e eles todos procuram “meio-dia às duas da tarde”
para impor aos infelizes seres ordinários suas idéias de fede-
Ihos, que não correspondem em nada às necessidades cristali­
zadas há muito tempo no psiquismo dos seres dessa comunidade
nem tampouco aos princípios de moral esseral estabelecidos lá.
E ainda interessante notar que se, na Rússia, os velhos
dignitários patriarcais proviam seu imperador com grandes
quantidades de “dinheiro”, ganhas com o suor dos campone­
ses, e o enviavam ao continente da Europa para que ele apren­
desse ali, nas diversas comunidades de lá, o maior número pos­
sível de métodos de governo, a fim de melhor se orientar, em
seu regresso, na administração de sua comunidade — da mes­
ma forma, os pais “patriarcais” dos jovens dirigentes turcos de
hoje proveram seus filhos com grandes quantias de dinheiro,
ganhas desta vez com o suor dos que se chamam os “khaivan-
sanansakofs”, e também os enviaram ao continente da Europa,

685
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

a fim dc ali receberem, como lá se diz, urna “excelente ins­


trução”, para o maior futuro de sua patria.
Ora, meu filho, nestes dois casos, pelo fato de esses fu­
turos dirigentes de duas grandes comunidades de numerosos
milhões de seres haverem sido enviados ao continente da Eu­
ropa ainda muito jovens, antes de haverem tomado consciên­
cia de sua responsabilidade, e sobretudo porque foram dota­
dos de grandes quantias de dinheiro, cuja origem acabo de lhe
indicar, a existência dos seres do continente da Europa, de acor­
do com a impressão que deles recebiam — e que neles se crista­
lizava para sempre —, lhes parecia como tao esplêndida e tão
próspera que mais tarde, quando se tornavam, em razão das
condições de existência anormalmente estabelecidas, os diri­
gentes dessas comunidades, não podiam deixar de se esforçar
para tornar a existência de seus compatriotas tão feliz quanto a
dos europeus, tal como a concebia sua tacanha razão.
Os principais dirigentes atuais da comunidade da Tur­
quia viram e recolheram um grande número de coisas boas es­
pecialmente na comunidade da Alemanha, aonde haviam sido
enviados para estudar o que se chama “as artes militares”, quer
dizer, todas as sutilezas relativas á direção do processo de des­
truição mútua. Por isso eles existiram por muito tempo na co­
munidade da Alemanha, onde foram inclusive, durante longos
anos, o que chamam de “junkers alemães”.
E o que eles encontraram de melhor na Alemanha viram
c recolheram em Berlim, na capital, sobretudo na rua chamada
“Unter den Linden”.
Ignoro ainda que bens trarão amanhã a seus compatrio­
tas estes novos dirigentes turcos; enquanto isso, eles já organi­
zaram para seu país um “excelente negocio patriótico”.
Para que compreenda o essencial deste “excelente nego­
cio patriótico”, você precisa saber, antes de tudo, que nas ruas
e bulevares dos bairros de sua capital, chamados “Gálata” e
“Pera”, todos os seres de sexo feminino “de designação especial”

686
A RELIGIÃO

pertenciam a comunidades estrangeiras e que essas mulheres


ganhavam e gastavam “verdadeiras libras turcas”.
Mas graças às recentes inovações, os turcos alimentam
agora a esperança inabalável de que essas verdadeiras “libras
turcas patrióticas” deixarão de ficar à disposição dos seres de
sexo feminino de comunidades estrangeiras, e que, daqui em
diante, elas passarão unicamente entre as mãos de suas “queri­
das compatriotas de sobrancelhas negras”.
Não é por nada que nosso venerado Hadji Nassr Eddin diz:
“O essencial é ter muito dinheiro; quanto ao resto, que
nosso “namuss” se arrebente”.
Por vezes ainda, ele diz a esse respeito, na língua turca:
“Douniam ishi, pakmazli pishi, geyann purnundah pus-
sar eshahi dishi”.
O que significa em português:
“Os negocios deste mundo são como as bolachas de mel
que fazem crescer um dente de asno na boca de quem as come”.

“Agora vou lhe dar alguns detalhes, como lhe prometí,


sobre a doutrina do último dos Individuuns sagrados de que
falei, Santo Lama, que apareceu entre os seres do Tibete, e so­
bre as causas do naufrágio completo desse ensinamento.
A doutrina e as predicas desse santo se propagaram me­
nos do que as precedentes, por causa das condições geográfi­
cas do lugar onde ele apareceu e onde ele também ensinou a
esses infelizes seres tri-cêntricos o que precisavam fazer para
se libertar das consequências das propriedades do órgão kun-
da buffer.
Em razão dessas mesmas condições geográficas, os seres
dessa região, como já lhe disse, quase não tinham contato com
as condições anormais de existência ordinária dos seres de ou­
tras comunidades; por isso alguns deles se mostraram mais sen­
síveis ao ensinamento que lhes trouxe esse Santo Individuum,

687
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

e que penetrou pouco a pouco sua essência, para se realizar


enfim efetivamente.
Ora, meu filho, na regiào chamada Tibete, durante nu­
merosos anos, as coisas se arranjaram de tal modo que os seres
do país se agruparam segundo seu grau de transmutação do
ensinamento de Santo Lama, e segundo sua necessidade de tra­
balhar sobre si mesmos, e organizaram de maneira correspon­
dente sua existência diária. Graças ao isolamento de seu país,
inacessível aos seres de outras comunidades, eles tinham a pos­
sibilidade de trabalhar sem entrave, segundo as indicações de
Santo Lama, para se libertar das conseqüências das proprieda­
des do órgão que havia sido, para sua desgraça comum, im­
plantado na presença de seus primeiros ancestrais.
Entre esses seres, alguns já haviam chegado a esta liber­
tação, numerosos outros estavam em vias de chegar a ela, e
outros ainda tinham a firme esperança de empreender, por sua
vez, o caminho.
Mas, justo no momento em que as condições e as circuns­
tâncias favoráveis a um trabalho produtivo deste gênero tinham
definitivamente se estabelecido no Tibete, sobreveio um acon­
tecimento que destruiu para sempre, para os seres desse país,
toda possibilidade de se libertar um dia da desgraça que os
oprimia — ou, pelo menos, tirou-a deles por numerosos anos.
Mas, antes de lhe contar, devo ainda informar-lhe isto:
Há somente alguns séculos, em seu planeta, a particula­
ridade principal de seus favoritos, quer dizer, seu processo de
destruição mútua periódica, se efetuava geralmente entre seres
pertencentes a diversas comunidades de um mesmo continen­
te; e se, por exceção, esses processos se desenrolavam entre
seres de continentes diferentes, eles só diziam respeito aos po­
vos que habitavam os países limítrofes de dois continentes vi­
zinhos. Com efeito, os deslocamentos por mar apresentavam
ainda, há poucos séculos, grandes dificuldades para os seres
terrestres.

688
A RELIGIÃO

Mas um ser de lá, tendo por acaso descoberto a possibi­


lidade de utilizar, para os deslocamentos por mar, a força da
agua artificialmente rarefeita, ou, como eles o dizem, a “força
do vapor”, construiu um navio adaptado a esse modo de loco­
moção, e desde então esses seres terrestres se serviram dele
para seus processos de destruição mútua, que eles estenderam
até os confins dos continentes vizinhos, e mesmo até a outros
continentes.
Num desses continentes, o lugar de existência favorito
dos seres desse original planeta veio a ser a antiga “Perlama”
ou, como eles dizem hoje, a “India”.
Lembra-se? Contei a você que os seres do continente da
Atlântida chegaram inicialmente a essa mesma Perlânia, no
continente de Ashhark, ou Asia, para procurar pérolas ali, e
que foram depois os primeiros a povoar o país.
Ora, meu filho...
Essa desafortunada Perlânia, ou India, tornou-se igual­
mente, no curso dos últimos séculos, o lugar favorito dos seres
do continente da Europa, mas desta vez com o fim de nela
efetuarem seus processos de destruição mútua.
Vindos por mar, eles se entregavam a diferentes proces­
sos de destruição mútua, quer entre eles, quer com os seres
que povoavam o país: ou bem os seres de uma comunidade
européia se esforçavam por destruir a existência de seres per­
tencentes a uma outra comunidade européia, ou bem esses pro­
cessos se efetuavam entre seres do país, e os europeus vinham
em ajuda ora de uns, ora de outros.
Processos de destruição mútua de caráter local se
desenrolaram muito freqüentemente, sobretudo durante os úl­
timos dez ou quinze séculos, nessa desafortunada Perlânia.
Visto que os seres do país, que anteriormente só consti­
tuíam duas comunidades distintas, tinham se dividido, depois
de um desses grandes processos, em uma multidão de pequenas
comunidades independentes, essa tendência de seu psiquismo â

689
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

destruição mútua foi submetida, nessa parte da superfície da


Terra, a uma tal combinação que as “crises” explodiam por toda
parte, não simultaneamente, porem em momentos diferentes.
Esta nova combinação de seu psiquismo se produziu, ela
também, por causa dc um pequeno mal-entendido não previs­
to, ligado ao movimento harmônico geral de todo aquele siste­
ma solar.
Um dia lhe falarei com detalhes desse mal-entendido.

“Enquanto isso, voltemos a nossa historia.


Essa parte da superfície da Terra que se chama “índia”
conservou até nossos dias todas as suas riquezas naturais.
Por isso quando, no estranho psiquismo dos seres euro­
peus vindos a esse país para lã sc entregarem a seus processos
de destruição mútua, a necessidade de cumprir este horror pas­
sou, eles se instalaram nesses lugares, quer para ali preparar
seu próximo processo, quer, corno eles dizem, “para ganhar
dinheiro”, a fim de ter a possibilidade de enviar às suas famílias,
que ficaram no continente da Europa, o que provesse à sua
existência cotidiana.
E eles “ganhavam”, aliás, todo tipo de “riquezas”, exer­
cendo suas profissões, que consistiam sobretudo cm confec
cionar o que sc chama “botões de cobre”, “espelhos”, “colares
de pérolas”, “brincos”, “pulseiras”, e outras quinquilharias,
pelas quais os seres daquele lugar se mostravam eles também
muito ávidos.
Desde o início desse período, os seres do continente da
Europa se puseram igualmente, por diversos subterfugios, a
desapossar de suas terras os seres de Perlânia. Depois eles se
constituíram, como na Europa, em grupos independentes, se­
gundo suas comunidades de origem.
Esses seres continuaram a se manifestar, uns em relação
aos outros, conforme as singulares relações esserais que sem­
pre existiram, no continente da Europa, entre os seres de

690
A RELIGIÃO

comunidades vizinhas; quer dizer que, em razão das consequên­


cias das propriedades do órgão kundabutfer, eles alimentavam
um sentimento que se cristalizara neles sob a forma de funções
especiais que lá chamam de “inveja”, “ciúme”, “sandur” —
quer dizer, desejos de enfraquecimento ou de ruína — e assim
por diante.
Lá ainda, os seres de uma comunidade tocavam com toda
a força, contra os seres de uma outra comunidade, arias desta
“música hassnamussiana” que eles chamam “política”; em ou­
tros termos, se criticavam, se desacreditavam uns aos outros, e
“passavam a perna um ao outro”, com o propósito de adquirir
junto aos nativos o que se chama “autoridade”.
No curso desses “processos políticos”, um dos chefes de
uma comunidade européia aprendeu, não se sabe como, o “se­
gredo” de agir sobre o psiquismo dos seres de outras comunida­
des para fazê-los reconhecer a autoridade e a supremacia da sua.
Depois que esse ser iniciou os demais chefes de sua co­
munidade nesse segredo, cujo princípio é chamado “kzvtznel”
ou “técnica de provocação”, e que estes fizeram dele a base de
sua “política”, os seres dessa comunidade tiveram, desde en­
tão, o domínio em tudo e por toda parte.
Muito tempo depois do desaparecimento do ser que ha­
via aprendido por acaso o segredo de “kzvtznel”, assim como
dos outros chefes dessa comunidade, as gerações seguintes
continuaram, automaticamente, é claro, a empregar esse “se­
gredo”, o que lhes permitiu não apenas se apoderar de quase
toda Perlânia, mas também subjugar a essência mesma de to­
dos os seres que povoavam aquela parte da superfície do pla­
neta Terra.
Ora, na época a que corresponde a historia que vou lhe
contar e que se relaciona com a destruição dos trabalhos de
Santo Lama pelos seres atuais, dois séculos haviam se passado
e, no entanto, tudo continuava igual.
Os chefes dessa comunidade européia tinham tido a sorte,

691
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

graças ao segredo de “kzvtznel”, de tudo submeter pouco a


pouco à sua influência e de se apoderar de tudo; desde então,
orgulhosos de seus êxitos, chegaram até a querer enterrar suas
garras no que sempre havia sido considerado tora de alcance.
Em outros termos, resolveram se apropriar do país cha­
mado “Tibete”, que se considerava naquele tempo como ina­
cessível. Chegou entào um dia — que toi talvez para eles um
“belo dia”, mas, para todos os demais seres desse planeta,
um “dia bem triste” — em que eles reuniram um grande nú­
mero de seres de sua comunidade, e além disso mais seres per­
tencentes às pequenas comunidades locais que eles já haviam
submetido, e, com a ajuda das novas invenções de toda espécie
que lhes oferecia a “civilização européia” para os processos de
destruição mútua, eles se puseram bem tranquilamente a esca­
lar este país até então inviolado.
Apesar das facilidades que lhes proporcionavam todas
essas “novas invenções européias”, sua marcha em direção às
alturas foi das mais difíceis, e custou-lhes muito caro em “li­
bras esterlinas” e em “vítimas acidentais”, como eles dizem.
Enquanto essa multidão de seres terrestres prosseguia
com grandes dificuldades sua lenta ascensão, os que habita­
vam as alturas do Tibete ainda ignoravam tudo desse “passeio
militar” dos seres europeus em seu próprio país.
Foram advertidos disso somente quando essas tropas atin­
giram os planaltos.
Quando os seres da parte alta do país souberam desse
acontecimento inesperado, ficaram muito alarmados e muito
comovidos com isso, pois havia longos séculos eles tinham se
acostumado à idéia de que seu lugar de existência não era aces­
sível a ninguém, e que os seres das outras comunidades, quais­
quer que fossem os meios de que dispusessem para o processo
de destruição mútua, não poderiam, em nenhum caso, chegar
até eles.
E estavam tão seguros disto que nem uma só vez tinham

692
A RELIGIÃO

olhado na direção da planície para surpreender o que lá se fa­


zia, durante aquele tempo, a fim de penetrar em seu inacessível
país; de modo que eles não puderam tomar antecipadamente
nenhuma medida apropriada.
Loi então que começaram os tristes acontecimentos que
deviam destruir para sempre tudo que havia criado esse Indi­
viduum sagrado, o Todo-Crente Santo Lama.
Saiba que nesses altiplanos existia ainda um pequeno gru­
po de sete seres que, em conformidade com a regra estabeleci­
da lá desde o início, eram os depositários das indicações e dos
conselhos mais secretos de Santo Lama.
Esse grupo era composto de sete seres que tinham traba­
lhado, segundo as indicações de Santo Lama, para se libertar
das conseqüências das propriedades do órgão kundabuffer, e
assim levado seu aperfeiçoamento até o grau mais alto.
Quando esse “grupo de sete” soube o que se passava,
encarregou seu chefe na capital de tomar parte, com todos os
chefes do país, já alarmados, na conferência que ocorreu no
mesmo dia da irrupção daqueles hospedes indesejáveis.
No curso dessa primeira conferência, os chefes dos seres
tibetanos resolveram por unanimidade pedir com muita calma
e cortesia a esses visitantes nào convidados para regressarem
de boa vontade ao lugar de onde vinham, e para deixá-los tranqui­
los, a eles e a seu pacífico país, que não fazia mal a ninguém.
Ao cabo de alguns dias tornou-se evidente que não so­
mente esses hospedes inesperados se recusavam a partir, mas
que se apressavam, bem ao contrario, depois desse pedido, em
penetrar mais adiante nas profundezas do país. Cada vez mais
alarmados, os membros da conferência se puseram a refletir
sobre o que seria preciso fazer para impedir esses seres “de
entrar em uma casa alheia sem a isso ser convidados”.
Todo tipo de meios foram propostos com vistas a recha­
çar para fora do país esses seres que nele tinham se introduzido,

693
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

como gralhas cm ninho alheio. Mas voltava-se sempre a esta


idéia: destruir até o último esses inoportunos descarados.
E, para eles, tena sido muito fácil tazê-lo, meu Hlho, pois
a natureza do país era tal que um ser poderia por si só, sem
outro meio a nào ser pedras lançadas do alto das montanhas,
destruir milhares de inimigos que passassem pelos desfiladei­
ros — tanto mais que cada um conhecia a configuração de sua
patria como a palma de sua própria mao.
Lá pelo fim da conferência, todos os chefes do país esta­
vam num tal estado de excitação que, provavelmente, teriam
se decidido por esta proposta, aceita pela maioria, se, nesses
debates tumultuados, não tivesse intervindo o chefe do peque­
no “grupo de sete”, que os demais membros, como já lhe disse,
haviam enviado para lá como delegado.
Esse chefe, que era quase um santo, tratou então dc con­
vencer os demais participantes a renunciar ao que se propu­
nham a fazer. Disse-lhes:
“A existência de todo ser é para Deus, Nosso Criador
Comum, igualmente preciosa e querida; por isso, a destruição
desses seres, sobretudo em tão grande quantidade, causaria
muita pena Aquele que, sem isso, já experimenta bastante tris­
teza a respeito de tudo o que existe sobre a Terra”.
Tudo o que disse depois esse futuro santo, nessa confe­
rencia dos chefes tibetanos, agiu sobre eles de maneira tão con­
vincente que eles resolveram todos, não somente nada fazer
contra esses recém-chegados, mas, bem ao contrario, tomar
todas as medidas necessárias para que nada nem ninguém vies­
se entravar a marcha dos acontecimentos.
De modo que os seres vindos da planície na qualidade de
hospedes “não convidados”, não encontrando em parte algu­
ma o menor obstáculo, foram em frente até o próprio coração
do único país desse planeta que havia ficado ao abrigo das con­
dições cada vez piores de existência esseral ordinária.
Foi então que sobreveio o acontecimento que devia

694
A RELIGIÃO

converter-se em desastre, não somente para os seres presentes


e futuros desse infeliz país, mas talvez até mesmo para todos os
seres terrestres tri-cerebrais de hoje e de amanhã.
No curso de sua última conferência, os chefes de todo o
Tibete tomaram, entre outras, a resolução de que certos partici­
pantes sorteados iriam às regiões que esses estrangeiros de­
viam atravessar, para dar a conhecer de antemão aos habitan­
tes a decisão tomada por seus dirigentes e persuadi-los a acei­
tar que ninguém, em nenhum caso, criasse obstáculo à passa­
gem desses intrusos.
Entre os que tiveram de ir aos lugares onde deviam pas­
sar esses estrangeiros armados, a sorte havia designado esse
chefe do pequeno “grupo de sete”.
E, quando esse futuro santo chegava com essa intenção a
uma rua de um grande centro, nos arredores da qual a horda
armada dos seres estrangeiros fizera uma parada para tomar
um repouso indispensável, uma bala maligna, atirada por um
dos recém-chegados — quer de propósito, quer acidentalmente
— matou o futuro santo no próprio local.
Desse modo teve fim a existência do chefe desse peque­
no grupo de irmãos que já tinham quase atingido o mais alto
grau de aperfeiçoamento.
Apesar da terrível emoção que os submergia, não lhes
restava mais do que tomar ¡mediatamente todas as medidas ne­
cessárias para que o corpo planetário de seu chefe tosse trans­
portado para sua casa.
Para que você possa se representar melhor a situação an­
gustiante em que se encontravam esses seis irmãos privados de
seu chefe, e compreender bem as desastrosas consequências
desse acontecimento, preciso lhe explicar, pelo menos em li­
nhas gerais, a historia do aparecimento e da existência desse
pequeno grupo tibetano que, havia séculos, se compunha sem­
pre de sete seres tri-cerebrais.

695
RELATOS DE BELZEBU A SEU NEI’O

Esse grupo já existia bem antes cio aparecimento no pla­


neta Terra do último Individuum sagrado, Santo Lama.
Ele toi constituído no começo por sete seres, diretamen­
te iniciados por Santo Krishnatharna, Mensageiro de Nossa
Eternidade junto aos seres tri-cêntricos do planeta Terra que
povoavam a regiào de Perlânia.
Mais tarde, quando Santo Buda apareceu em Perlânia,
ele descobriu que numerosas indicações de Santo Krishnathar­
na, referentes ao psiquismo dos seres desse país, permaneciam
viáveis, e que o tato de assimilar estas indicações favorecia, em
todo ser, a destruição das consequências das propriedades do
órgão kundabuffer, das quais ele também havia sido encarre­
gado de ajudá-los a se libertar; desde entào, ele resolveu tazer
de algumas dessas indicações de Santo Krishnatharna a base
de seu ensinamento.
Esses sete seres, diretamente iniciados por Santo Krish­
natharna, quando Santo Buda lhes mostrou como justificar a
meta e a necessidade de sua existência, e quando eles o
experimentaram claramente, se convenceram de que as indica­
ções de Santo Buda, em seu princípio mesmo, não somente
não contradiziam em nada as indicações de Santo Krishnathar­
na, mas correspondiam melhor ao psiquismo dos seres da épo­
ca — e eles se tornaram então os adeptos de Santo Buda.
Mais tarde ainda, quando Santo Lama foi especialmente
enviado junto aos seres do Tibete, ele reconheceu, por sua vez,
que numerosas indicações de Santo Buda podiam ainda muito
bem corresponder ao psiquismo dos seres desse país, desde
que fossem a elas feitas algumas modificações de detalhe, ne­
cessárias pelas mudanças intervindas, sob o efeito do tempo,
nas condições de existência exterior. De modo que ele tomou
como base de sua doutrina numerosas indicações extraídas das
verdades reveladas, antes dele, por Santo Krishnatharna e re­
novadas por Santo Buda.
E, ainda desta vez, quando esse pequeno grupo de seres

696
A RELIGIÃO

iniciados claramente sentiu, com outros grupos de adeptos da


doutrina de Santo Buda, que os complementos e modilicações
trazidos a essa doutrina por Santo Lama correspondiam me­
lhor ao psiquismo contemporâneo, tornaram-se os adeptos de
Santo Lama.
Entre os seres desse pequeno grupo existia uma regra
que eles observavam escrupulosamente, segundo a qual certas
indicações secretas de Santo Lama, relativas aos seres de seu
grupo, não podiam ser transmitidas de geração a geração, ex­
ceto por seu chele, o qual só podia iniciar os seis outros se eles
tivessem adquirido certas possibilidades.
E toi por isso que os seis membros desse pequeno grupo,
que por seus méritos já estavam todos prontos para receber a
iniciação num luturo próximo, licaram tão aterrorizados quando
souberam do lim de seu chefe, pois o desaparecimento desse
chele, único iniciado daquele tempo, tirava deles, para sem­
pre, a possibilidade de serem eles mesmos iniciados nas indica­
ções mais secretas de Santo Lama.
O lim de seu chele loi tão inesperado que eles não esta­
vam nem mesmo seguros da única possibilidade que lhes resta­
va de receber essas indicações, comunicando-se com a razao
desse chefe por meio do processo do “almtznoshinu sagrado”
— possibilidade cuja existência conheciam e para a realização
da qual já tinham em si todos os dados requeridos.
Porém provavelmente, meu querido lilho, você não sabe
ainda nada desse processo sagrado?
Denomina-se “almtznoshinu sagrado” o processo graças
ao qual certos seres tri-cêntricos — que chegaram, depois de
terem revestido seu próprio corpo kessdjan, a levá-lo a um lun-
cionamento perleito, assim como a um grau de Razão bem de­
terminado— realizam intencionalmente a “materialização” do
corpo kessdjan de um ser que já deixou de existir, até uma
densidade tal que esse segundo corpo adquire de novo, por

697
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

um certo tempo, a possibilidade de se manifestar através de


certas lunções próprias a seu antigo corpo planetário.
E possível efetuar esse processo sagrado no corpo kessdjan
de um ser que, no curso de sua existência, levou, ele também,
este corpo esseral superior até um funcionamento perfeito, e
que, além disso, desenvolveu a razão deste corpo até o grau
chamado “mirotzinu sagrado da essência”.
Além do processo de materialização, ou revestimento
intencional, do corpo esseral kessdjan de um ser que deixou de
existir, pode também se efetuar no Nosso Grande Universo o
que se chama o “Mui Sagrado Djerimetli”.
Este segundo processo sagrado exige previamente o
revestimento intencional do corpo esseral supremo, quer di­
zer, do corpo da alma; depois do que pode se efetuar, como no
primeiro caso, o almtznoshinu sagrado.
Estes dois processos só podem naturalmente se efetuar
quando esses corpos esserais superiores se encontram ainda
nas zonas que permanecem em contato com a atmosfera do
planeta onde se efetua esse “mistério sagrado”.
A existência dessas “materializações”, provocadas de pro­
pósito e conscientemente por certos seres, e a possibilidade de
manter um vínculo e uma comunicação com elas só duram na
medida em que esses seres continuam a alimentar consciente­
mente esses corpos esserais superiores com seu próprio “aíssakhla-
donn sagrado”.
E então a esse processo sagrado de almtznoshinu que te­
riam podido recorrer os seis outros membros do pequeno “gru­
po de sete” para entrar em comunicação com a razão de seu
chefe, se eles tivessem podido, quando este estava vivo, prever
a possibilidade de seu fim súbito e levar a bom termo certa
preparação indispensável ao cumprimento desse processo.
Para compreender a essência mesma dessa preparação
ao processo sagrado do “mistério do almtznoshinu”, você deve

698
A RELIGIÃO

conhecer duas propriedades especiais do “ghanbledzoíne es­


seral”, quer dizer, do sangue do corpo kessdjan.
A primeira dessas propriedades do “ghanbledzoíne esse­
ral” consiste nisto: quando se subtrai uma parte qualquer dele
para isolá-la, se forma entre esta parte — em qualquer lugar e a
qualquer distancia que ela se encontre — e a concentração prin­
cipal desta substancia cósmica uma espécie de “rede”; além
disso, esta rede é constituída da mesma substancia, e sua den­
sidade ou sua espessura aumenta ou diminui segundo a distân­
cia que há entre essa parte isolada e a concentração principal.
A segunda propriedade especial do ghanbledzoíne con­
siste em que, se se introduz uma parte de novo, de propósito
ou por acaso, nessa concentração principal, em qualquer lugar
que esta se encontre e qualquer que seja a quantidade de ghan-
bledzoíne introduzida, este último fusiona com o ghanbledzoí-
ne da concentração original e se distribui nela por toda parte
uniformemente, tanto em quantidade como em densidade.
E, como o corpo kessdjan do ser se reveste de substan­
cias que, em seu conjunto, tornam essa formação cósmica mui­
to mais leve que a massa de substâncias cósmicas que constituem
a atmosfera que envolve os planetas, esse corpo kessdjan, logo
que se destacou do corpo planetário do ser, se eleva, em con­
formidade com a lei cósmica “Tenikdoa” — ou como a cha­
mam às vezes, “lei da gravidade” —, até a esfera onde ele en­
contra um equilíbrio de densidade e que é, portanto, o lugar
correspondente a tais surgimentos cósmicos.
Em consequência, a preparação necessária consiste em
retirar antecipadamente, durante a existência planetária do ser
em cujo corpo kessdjan se tem a intenção de proceder, depois
do raskuarno, ao mistério de almtznoshinu sagrado, uma parte
de seu ghanbledzoíne; e esta parte deve ser conservada em al­
guma formação supraplanetária apropriada, ou recolhida pe­
los seres que cumprem este “rito”, para introduzi-la neles e

699
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

fazê-la intencionalmente fusionar com o ghanbledzoïne de seu


próprio corpo kessdjan.
Dessa maneira, graças à primeira propriedade especial
do ghanbledzoïne esseral, quando um ser tri-cerebral, cujo grau
de aperfeiçoamento designa para o mistério do almtznoshinu,
deixa de existir, e quando seu corpo kessdjan se desprendeu de
seu corpo planetário, se estabelece uma “rede” que, como já
lhe disse, conecta esse corpo kessdjan, ou com o lugar onde
foi conservada uma parte de seu ghanbledzoïne, ou com os
seres que com ele intencionalmente revestiram seu próprio
corpo kessdjan.
Para tornar a você mais clara a sequência de nossa con­
versa sobre esse assunto, devo lhe dizer ainda que essa rede —
da qual uma das extremidades se mantém no corpo kessdjan
que se elevou até a esfera correspondente, e a outra permane­
ce, ou nas formações supraplanetárias onde foi fixada uma par­
cela da massa total do ghanbledzoïne desse corpo kessdjan, ou
nos seres que intencionalmente o fizeram fusionar com aquele
de seu próprio corpo kessdjan — só pode existir no espaço por
uma duração bem determinada, muito exatamente até o fim da
rotação que realiza ao redor de seu sol, o planeta no qual o
dado ser veio ao mundo.
Logo que começa uma nova rotação, a rede desaparece
inteiramente.
E ela desaparece porque, segundo a lei fundamental sa­
grada de Heptaparaparshinokh, a evolução e a involução das
substancias cósmicas necessárias ao Grande Trogoautoegocra­
ta na atmosfera que envolve cada planeta servem de novo uni­
camente ao processo trogoautoegocrático de caráter local, quer
dizer, dentro dos limites da “atividade autônoma” do sistema
solar dado somente; como conseqüência, todas as substâncias
cósmicas, sem exceção, presentes na atmosfera no curso dessa
rotação, e entre as quais se encontra a rede em questão, se

700
A RELIGIÃO

transformam ¡mediatamente em substâncias cósmicas apropria­


das a essa atmosfera.
Ora, meu filho...
Enquanto a rotação não está concluída, os seres que exis­
tem em um planeta, e que conservam em si uma parte do ghan­
bledzoïne de um corpo kessdjan ou que têm a sua disposição a
formação supraplanetária onde foi fixada uma parcela desse
ghanbledzoïne, podem a todo momento — com a condição, é
claro, de possuir todos os dados requeridos — atrair esse cor­
po e fazê-lo descer novamente para a parte firme de seu plane­
ta, depois “saturá-lo”, coma ajuda de seus próprios ghan-
bledzoínes, até a densidade requerida a fim de estabelecer um
contato com a razão dessa unidade cósmica independente, já
inteiramente constituída.
E esta espécie de atração, ou como se diz às vezes, esta
“materialização” se efetua pelo que se chama “vallikrine”, quer
dizer, pela operação que consiste para um ser em verter
conscientemente, de uma certa maneira, seu próprio ghan­
bledzoïne no corpo kessdjan onde se encontra a outra extre­
midade da rede.
Este processo sagrado do almtznoshinu já havia sido rea­
lizado várias vezes em seu planeta por seres tri-cêntricos, antes
de ser tentado no Tibete. Lá existiam até diversos legamonis­
mos a respeito desses processos sagrados de épocas anteriores.
O pequeno grupo de seres tibetanos já conhecia, por es­
ses legamonismos, todos os detalhes relativos a esse processo
sagrado e, evidentemente, sabia que era indispensável a prepa­
ração especial que ele exigia.
Porém como eles não tinham nenhuma outra possibili­
dade de conhecer todos os mistérios ocultos, senão a de tentar
estabelecer um contato com a razão de seu chefe falecido, eles
resolveram arriscar-se a realizar esse mistério sagrado no corpo
kessdjan de seu antigo chefe, ainda que a preparação não tives­
se ocorrido.

701
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

E o tato de ter tomado esse risco é que originou a catás­


trofe de que falei.
Como informaram minhas pesquisas ulteriores, essa ca­
tástrofe se produziu da maneira seguinte:
Esses seis “grandes iniciados”, que existiam ainda com
uma existência planetária, sc dividiram em dois grupos, que em­
preenderam, cada um por sua vez, durante três dias e três noi­
tes sem interrupção, realizar no corpo planetário de seu antigo
chefe o processo “vallikrine”, quer dizer, verter nesse corpo
seu próprio ghanbledzoine; mas por falta de ter estabelecido
antecipadamente um vínculo com o corpo kessdjan dele, seu
ghanbledzoine nào pôde servir para realizar o que esperavam
dele — ele só tez se acumular caoticamente por cima daquele
corpo planetário. E como, para desgraça deles, se efetuava na­
queles dias, na atmosfera desse lugar, uma intensa fusão do
elemento ativo Okidanokh, ou, como dizem os seres de lá, “vio­
lentas tempestades”, se produziu, entre essas duas manifestações
cósmicas ainda submetidas ao processo de transição de um fe­
nômeno cósmico determinado a um outro, o que se chama um
contato “sobrionoliano”.
E esse contato desencadeou, naquele pequeno espaço de
seu desafortunado planeta, o fenômeno cósmico acelerado de­
nominado “nitcho-unitchtono”, quer dizer, a evolução impre­
vista e instantânea de todas as cristalizações cósmicas circun­
dantes; em outros termos, todas as formações supraplanetárias
que se encontravam nas proximidades foram imediatamente
reconvertidas em “ethernokrilno”.
Esse contato “sobrionoliano” ou, como teriam dito seus
favoritos, essa “explosão” foi tao terrível que, durante esse
“nitcho-unitchtono”, tudo foi transformado em “ethernokril­
no”, tanto o corpo planetário do chefe desse pequeno grupo
de seres de lá, como aqueles dos seis outros irmãos que realiza­
vam o rito sagrado, assim como todas as formações suprapla­
netárias sem exceção, fossem elas já espiritualizadas ou no

702
A RELIGIÃO

estado de simples concentrações, que se encontravam num raio


de um “shmana” ou, segundo a expressão deles, de um “quilô­
metro quadrado”.
Entre todas essas formações aniquiladas, de origem na­
tural ou artificial, se encontravam todos os “livros” que pos­
suíam estes sete “grandes iniciados” terrestres, assim como os
objetos que lhes serviam para rememorar tudo o que se rela­
cionava com os três Individuuns sagrados, intencionalmente en­
viados d’O-Alto, Santo Krishnatharna, Santo Buda e Santo Lama.
Penso, meu filho, que você percebe agora o sentido das
palavras pelas quais defini o encantador “passeio militar” de­
les, precisando com isso que ele havia sido um desastre não
somente para os seres do país, mas talvez para os seres tri-cere­
brais de todo o planeta.

“Espero, meu querido Hassin, que você já tenha com­


preendido como as cinco religiões que enumerei, após terem
sido edificadas sobre as doutrinas de cinco verdadeiros santos
que lhes haviam sido enviados d’O-Alto para ajudá-los a se
libertar das consequências das propriedades do órgão kunda-
buffer, se modificaram progressivamente, sempre em razão das
condições anormais de existência esseral ordinária que eles
mesmos haviam estabelecido, até se converterem finalmente,
do ponto de vista de todo pensar sadio, em historias para
crianças — e como estas mesmas religiões puderam, no entan­
to, servir a alguns deles como suporte para os motivos morais
interiores graças aos quais sua existência comum foi, em certas
épocas, mais ou menos digna de seres tri-cêntricos.
Porém, desde a destruição definitiva dos últimos ves­
tígios dessas religiões, é difícil prever como tudo isso poderá
bem terminar.
Com esse encantador “passeio militar”, eles destruíram,
e até mesmo “com estrondo”, a última dessas cinco religiões,

703
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

edificada precisamente sobre a doutrina desse verdadeiro En­


viado d’O-Alto, Santo Lama.
A penúltima, edificada sobre o ensinamento de Santo
Maomé, eles a destroem neste momento, com a supressão de
seus famosos “fez” e “xador” e com a afável assistência dos
“junkers germânicos”.
Quanto à religião que havia sido edificada em uma época
anterior, sobre a doutrina de Jesus Cristo, religião e doutrina
nas quais os Individuuns supremos haviam depositado tanta
esperança, os seres tri-cerebrais de hoje, que já se tornaram
dos mais estranhos, a destroem para sempre ao organizar na
cidade de Jerusalém uma “universidade” para a juventude ju­
daica atual.
Provavelmente, a antiga religião baseada no ensinamen­
to de Santo Moisés se mantém ainda, mais ou menos, entre
seus adeptos, mas em razão do odio orgânico que experimen­
tam para com eles os seres das outras comunidades, estes últi­
mos, dominados pela idéia funesta existente lá com o nome de
“política”, a derrubarão com certeza, cedo ou tarde, e a ela
também “com estrondo”.
Enfim, no que concerne à religião supostamente edifica­
da sobre o ensinamento de Santo Buda, já lhe contei que com
seu famoso sofrimento, baseado cm uma idéia falsamente com­
preendida, eles fizeram desde o início desta doutrina um novo
meio de “prostituir o pensamento”, como eles mesmos dizem.
Diga-se de passagem, os primeiros que se entregaram a
essa “prostituição do pensamento” foram os “tanguoris”, de­
pois os “bramanistas”, os “shuenistas” etc.; hoje em dia sao os
“teósofos” e outros “pseudo-sábios” de lá.”

Dito isto, Belzebu guardou silêncio alguns instantes, e


podia-se ver que ele refletia intensamente; depois continuou:
— Acabo de me dar conta de que será muito proveitoso
para sua razao que eu lhe conte ainda um acontecimento

704
A RELIGIÃO

relativo ao mistério do almtznoshinu sagrado, e referente a um


dos Individuuns sagrados cuja concepção loi realizada entre
seus favoritos, aquele que recebeu, depois de sua formação, o
nome de Jesus Cristo.
Este importante acontecimento, que se relaciona a esse
Individuum sagrado realizado entre eles, é aquele que seus fa­
voritos, de acordo com a noção que têm dele, definem nestes
termos: “A Morte e a Ressurreição de Jesus Cristo”.
O conhecimento deste episódio lhe trará esclarecimen­
tos sobre o alcance e o significado essencial do mistério sagra­
do do almtznoshinu; e ele lhe dará um exemplo impressionan­
te da maneira pela qual os descendentes dos contemporâneos
desses Individuuns sagrados desnaturam completamente, des­
de a primeira geração, o sentido dos conselhos e indicações
que lhes deixam os autênticos Individuuns sagrados intencio­
nalmente realizados d’O-Alto entre eles, e de quem recolhem
aqui e ali uns fragmentos para reuni-los num único todo. E,
devido â estranha propriedade de seu psiquismo que se deno­
mina “procurar meio-dia às duas da tarde”, a alteração que
eles lhes fazem sofrer é tal que de todos seus pretensos ensina­
mentos religiosos não subsistem, entre os seres das gerações
seguintes, mais do que informações boas apenas para servir de
temas para “contos de baba”.
Pois bem, meu filho, quando esse Individuum sagrado,
Jesus Cristo, realizado no corpo planetário de um ser terrestre
tri-cerebral, teve de enfrentar a separação de seu revestimento
planetário exterior, certos seres de lá realizaram em seu corpo
kessdjan o processo sagrado do almtznoshinu a fim de terem a
possibilidade — no caso de uma ruptura violenta de sua existen­
cia planetária — de continuar a se comunicar com sua divina
Razão e de receber dessa maneira informações sobre certas ver­
dades cósmicas assim como diversas instruções para o futuro,
que ele nào tivera o tempo de lhes dar.
As informações relativas a esse grande acontecimento

705
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

foram escrupulosamente anotadas por certos seres que haviam


participado na realização desse processo sagrado e relatadas
propositadamente, por razões bem determinadas, aos seres or­
dinarios que os cercavam.
Mas dado que naquela época o funcionamento da estra­
nha razao de seus favoritos sofria de sua crise periódica de “exa­
cerbação” — sob a forma, já inata neles, de uma necessidade
de induzir ao erro os seres que os rodeavam — , numerosos
deles, que se esforçavam então para receber o título de “sábio”
— “de nova promoção”, é claro—, inseriram, na maior parte
das notas de descrição das testemunhas desse processo sagra­
do, destinadas a serem transmitidas às gerações seguintes, todo
tipo de “absurdos”. Por exemplo, apesar do fato incontestável
de que Jesus Cristo havia sido posto na cruz e, após a crucifica­
ção, sepultado, eles provavam com a mesma convicção que,
após ter sido crucificado e enterrado, Jesus ressuscitara, tendo
continuado a existir entre eles e a lhes ensinar todo tipo de
coisas, e que somente então ele se elevara com seu corpo pla­
netário até o Céu.
O resultado de suas “elucubrações criminosas”, de um
ponto de vista objetivo, foi que os seres das gerações seguintes
perderam inteiramente a verdadeira fé na doutrina divina e liber­
tadora, a única realizável para eles, do Todo-Amor Jesus Cristo.
Os absurdos que eles escreveram suscitaram pouco a
pouco, na presença de certos seres das gerações seguintes, um
impulso de dúvida, não somente a respeito do que acabo de
relatar, mas em relação a todas as informações autênticas rela­
tivas às instruções e explicações precisas desse Individuum sa­
grado, intencionalmente realizado d’O-Alto entre eles.
Os dados que engendraram a dúvida entre esses seres
terrestres tri-cerebrais se cristalizaram neles, para se tornar uma
parte inalienável de seu psiquismo, antes de tudo porque
eles adquiriram gradualmente, no curso de numerosos sé­
culos — apesar da existência quase automática que lhes é

706
A RELIGIÃO

própria —, dados que permitem sentir instintivamente, de ma­


neira mais ou menos correta, certas verdades cósmicas; por
exemplo, o fato indubitável de que se um ser sofreu o raskuar­
no sagrado, ou, como eles dizem, “se ele está morto”, e até
enterrado, este ser não poderá nunca mais existir — ainda
menos falar e ensinar.
Assim pois, aqueles desses infelizes nos quais prossegue,
se bem que num grau muito débil, o funcionamento do pensar
esseral conforme as leis de uma lógica sadia, não podendo acei­
tar absurdos tão extraordinarios e incoerentes, acabam por per­
der a fé em toda verdade, qualquer que ela seja, realmente enun­
ciada c comentada por esse Individuum sagrado, Jesus Cristo.
Quanto aos seres terrestres que representam a maioria, e
que, por muitas razões — mas antes de tudo porque se lhes
tornou próprio, desde os primeiros anos de sua existência, ocu­
par-se de “murdurten” —, se transformam geralmente, quan­
do atingem a idade responsável, no que se chama “psicópa­
tas”, eles acreditam cegamente, palavra por palavra, sem ne­
nhuma participação de seu pensar esseral lógico, em todos os
absurdos fantásticos que lhes chegam.
Forma-se então neles, automaticamente, uma “fé” de uma
especie muito particular nesse “ensinamento religioso”, como
se ele representasse o conjunto de todas as verdades relativas a
esse Individuum sagrado, Jesus Cristo, intencionalmente reali­
zado d’O-Alto entre eles.
As informações a respeito do que se chama “a Santa Ceia”,
contidas na “compilação de anotações” que chegou até seus
favoritos contemporâneos, que representa supostamente a his­
toria exata e verídica desse Individuum sagrado, e que eles cha­
mam “as Santas Escrituras”, não são outra coisa senão o relato
da preparação para o grande mistério do almtznoshinu realiza­
do no corpo kessdjan de Santo Jesus Cristo.
E interessante observar que no meio de todas as informa­
ções reunidas “daqui e dali”, cujo conjunto os seus favoritos

707
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

chamam “as Santas Escrituras”, um Bom número contém pala­


vras autênticas c até mesmo frases inteiras pronunciadas no
decorrer da Santa Ceia, tanto pelo Divino Mestre, como por
seus iniciados mais próximos, chamados, nessas Escrituras, “dis­
cípulos” ou “apóstolos”. Mas os seres terrestres atuais com­
preendem essas palavras e essas frases como eles compreen­
dem cada coisa, quer dizer, literalmente, sem ter consciência
do sentido interior que lhes foi dado.
E esta compreensão literal vem unicamente do fato de
que eles cessaram de realizar, em sua presença geral, os esfor­
ços esserais necessários ao cumprimento dos partkdolgdeve-
res, que sào os únicos que cristalizam nos seres tri-cereBrais os
dados de uma capacidade de verdadeiro julgamento esseral.
Por isso, meu tilho, eles nào podem sequer compreender
que, nem na época desse Individuum sagrado, Jesus Cristo,
nem na época cm que foram compostas as Santas Escrituras, os
seres empregavam tantas palavras como hoje.
Eles nào podem se representar que, naquela época, o
“pensar esseral” de seus semelhantes estava muito mais próxi­
mo do pensar normal, próprio aos seres tri-cereBrais, e que por
conseqüência a transmissão das idéias e de pensamentos era
ainda “imagoniziriana”, ou, como tamBém se diz, “alegórica”.
Dito de outra maneira, os seres terrestres tri-cercBrais de
então, para explicar a si mesmos uma ação qualquer, ou para
explicá-la aos demais, se referiam sempre à compreensão, já
fixada neles, de ações anteriores semelhantes.
Enquanto hoje isto se faz neles segundo o princípio cha­
in a do “ ca d en on i z i r i a n o ”.
E isto porque seu pensar esseral — sempre em razao das
condições anormalmente estaBclccidas de existência ordinária
— se efetua, desde então, sem nenhuma participação de sua “lo­
calização de sentimento”, ou, segundo sua terminologia, de seu
“centro emocional”, e acaBa por se automatizar completamente.
E por isso que, desde aquele tempo, para ter a possi Bi 1 i d a de

708
A RELIGIÃO

de compreender, eles mesmos, a mínima coisa ou de explicá-la


aos demais, por pouco que seja, eles sào automaticamente obri­
gados a inventar um grande numero de termos quase desprovi­
dos de sentido para designar os objetos e para expressar suas
pequenas ou grandes idéias, e loi assim que todo seu pensar se
pôs pouco a pouco, como acabo de lhe dizer, a se efetuar se­
gundo o princípio “cadenoniziriano”.
Ora, é com este pensar que seus favoritos atuais deci­
fram e se esforçam por compreender textos redigidos de ma­
neira “imagoniziriana” de acordo com o pensar dos seres con­
temporâneos do divino Jesus Cristo.
A este respeito, meu querido filho, preciso lhe explicar
certo fato, absurdo no mais alto grau e, de um ponto de vista
objetivo, realmente sacrílego, que lhe fará ver claramente a ver­
dadeira insignificância de suas interpretações das Santas Escri­
turas, as quais se difundiram muito amplamente, entre os seus
favoritos, depois de seu último processo de destruição mútua,
e que, como você já suspeita, contêm tudo o que se queira,
exceto a realidade e a verdade.
Quero falar do que está dito nas Escrituras Santas, tais
como elas chegaram até eles — supostamente sem ter sofrido a
menor alteração —, do mais importante, do mais sensato e do
mais devotado desses seres, diretamente iniciados por esse
Individuum sagrado, que se chamam seus “apóstolos”.
Esse discípulo devotado, amado por Tesus Cristo, se cha­
ma va Juaas .
Segundo a versão atual dessas Escrituras Santas, aquele
que nela vem extrair o conhecimento da verdade adquire em
sua essência a convicção de que esse Judas era o ser mais covar­
de, o mais vil e o traidor mais pérfido que se possa conceber.
Na realidade, não somente Judas era o mais fiel e o mais
devotado entre os adeptos mais próximos de Jesus Cristo, mas
só sua inteligência, sua engenhosidade e sua presença de espí­
rito permitiram a esse Individuum sagrado cumprir todos os

709
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

atos cujo resultado, se nào chegou a destruir completamente


neles as conseqüências das propriedades do órgão kundabuffer,
alimentou e inspirou, no entanto, durante uma vintena de sé­
culos, o psiquismo da maioria deles, e tornou ao menos sua
triste existência mais ou menos suportável.
Para que você se represente melhor a verdadeira indivi­
dualidade de Judas, eo alcance de sua manifestação, você deve
saber que, após a formação definitiva de Jesus Cristo como ser
responsável, este Individuum sagrado, tendo revestido o corpo
planetário de um ser terrestre, resolveu, para cumprir a missão
que lhe havia sido designada d’O-Alto, esclarecer a razão dos
seres terrestres tri-cerebrais por intermédio de doze deles, per­
tencentes a tipos diferentes, que ele se pôs a iniciar e preparar
pessoalmente.
Ora, no momento mais intenso de suas divinas ativida­
des, circunstancias que lhe eram alheias o obrigaram, antes de
ter levado a bom termo seus propósitos — quer dizer, antes
de ter tido tempo de lhes explicar certas verdades cósmicas e
de lhes dar as instruções necessárias para o futuro —, a deixar
se cumprir a ruptura prematura de sua existência planetária.
Ele decidiu então, de acordo com os doze seres terrestres
que ele havia intencionalmente iniciado, recorrer ao mistério
sagrado do almtznoshinu — do qual todos eles já conheciam o
processo de realização, e para cuja execução tinham adquirido
todos os dados requeridos — com o fim de conservar a possi­
bilidade, enquanto durasse o estado de individualidade cósmi­
ca no qual ele se encontrava, de concluir o trabalho de prepa­
ração conforme o plano que ele havia se traçado para cumprir
a missão que lhe havia sido designada d’O-Alto.
Mas, depois de haver tomado esta decisão, quando eles
estavam prontos para tentar a preparação requerida para esse
mistério sagrado, aperceberam-se que ela não poderia se fazer,
posto que já era demasiado tarde.

710
A RELIGIÃO

Estavam cercados pelos soldados e esperavam de um mo­


mento para outro sua prisão, com todas as suas conseqüências.
Foi então que interveio Judas.
Este futuro santo, inseparável e fiel assistente de Jesus
Cristo, foi “amaldiçoado” e “execrado” pelos estranhos seres
de seu planeta, em sua ingênua estupidez, quando, ao contrá­
rio, ele teria merecido a gratidão dos seres terrestres tri-cere­
brais de todas as gerações seguintes, pois ele lhes prestou um
imenso serviço objetivo.
Este ato sensato, corajoso, cuja iniciativa ele tomou com
uma dedicação desinteressada, consistiu nisto: no momento em
que se perdia a esperança de poder efetuar a preparação neces­
sária para o cumprimento do almtznoshinu sagrado, aquele que
é hoje Santo Judas levantou-se de repente e disse apressada­
mente:
“Eu irei, e farei o necessário para que vocês tenham a
possibilidade de cumprir sem entrave esta preparação sagrada;
vocês, ponham-se à obra sem tardar”.
Dito isso, aproximou-se de Jesus Cristo e, após ter con­
versado em voz baixa com ele durante alguns instantes, recebeu
sua bênção e se foi.
E os outros puderam levar a bom termo tudo o que exi­
gia o cumprimento do processo sagrado de almtznoshinu.

Depois do que acabo de lhe dizer, você compreenderá,


sem nenhuma dúvida, como os seres terrestres tri-cerebrais per­
tencentes aos dois tipos de que lhe falei falsificaram todas as
verdades para servir a seus fins egoístas, a ponto de cristalizar
na presença dos seres de todas as gerações seguintes uma re­
presentação tão manifestamente injusta de J udas — esse Santo
graças ao qual eles se beneficiaram durante vinte séculos de
uma fonte de paz benéfica no coração de sua existência desolada.
Penso mesmo que se eles assim apresentaram Judas em
suas “Santas Escrituras” foi porque um deles teve necessidade,

711
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

por uma razão qualquer, de minimizar a importancia de Jesus


Cristo.
Ele era, ao que parece, tão ingênuo, tão incapaz de pre­
ver coisa alguma e de pressentir coisa alguma, em suma, tão
imperfeito, que, embora tendo vivido longos anos com Judas,
mostrou ser incapaz de sentir e de compreender que seu discí­
pulo mais próximo era um pérfido traidor que o vendería por
trinta miseráveis denários.”

Neste ponto de seu relato, Belzebu, assim como todos os


passageiros da nave cósmica intersistemária Karnak, sentiram
de repente um sabor ácido e ligeiramente amargo penetrar seus
órgãos do gosto.
Esse sabor era provocado por uma “corrente magnética”
especial que vinha da cabine do piloto, para anunciar a todos
os passageiros que a nave se aproximava de seu destino, quer
dizer, do Santo Planeta do Purgatório.
Então, Belzebu interrompeu seu relato. Depois, olhando
seu neto com ternura, acrescentou:
— Precisamos agora, queiramos ou não, parar aqui nos­
sa conversa sobre esse Individuum sagrado, Jesus Cristo. No
entanto, meu filho, quando estivermos cm casa, em nosso que­
rido Karataz, lembre-me então, um dia em que tivermos tem­
po, de lhe contar o fim dessa história.
Todas as etapas da realização desse Individuum sagrado,
desde seu aparecimento no corpo planetário de um ser terres­
tre, e sua existência entre os seres dos diferentes grupos de seu
planeta, até sua morte violenta, despertarão seu interesse, já
que você deseja esclarecer sua razão sobre as sutilezas do psi­
quismo desses estranhos seres tri-cerebrais. Além disso, será
particularmente emocionante para você conhecer a historia de
Santo Jesus Cristo, durante o período de sua existência que
vai, segundo o cálculo de tempo deles, dos doze aos vinte e
oito anos.”

712
Capítulo 39
O Santo Planeta do Purgatorio

DEPOIS de varios dianosks, a nave cósmica Karnak afas­


tou-se do santo planeta para retomar sua queda em direção a
sen destino final, quer dizer, em direção ao planeta que fora o
lugar do advento de Belzebu e ao qual ele retornava para ter­
minar sua longa existência, essa longa existência que em razão
de circunstâncias bem definidas tivera dc passar cm diversas
concentrações cósmicas de Nosso Grande Universo, em con­
dições que lhe loram sempre indesejáveis, e que, no entanto,
cie havia vivido de uma maneira completamente meritoria, dc
um ponto de vista objetivo.
Quando a nave retomou sua velocidade habitual, o neto
dc Belzebu, Hassin, sentou-se a seus pés e lhe disse:
— Avô, querido avô! Explique-me, por favor, por que,
como mc disse meu tio Tuilan, Nosso Eterno Uni-Esseral Todo-
Abrangente aparece tão freqüentemente no planeta que aca­
bamos de deixar?”
A pergunta de seu neto, Belzebu, após ter refletido um
pouco mais longamente e com uma concentração maior do que
de hábito, respondeu lentamente:
— Sim... Não sei por onde começar, meu querido filho,
para responder a sua pergunta de uma forma que me satisfaça
a mim mesmo; pois, entre outras tarefas que me impus em rela­
ção a seu “oskiano”, decidi fazer de modo que você adquira,
precisamente na sua idade, todo o saber e toda a compreensão
possíveis a respeito desse santo planeta.
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Em todo caso, devo lhe dizer primeiro que o santo pla­


neta que leva o nome de Purgatorio é, para nosso Universo
inteiro, o coração e o lugar de concentração de todos os resulta­
dos das pulsações de tudo quanto funciona e existe no Universo.
E Nosso Pai Comum Criador Eterno aparece ali frequen­
temente pela única razão de que este santo planeta é o lugar de
existência dos mais infelizes entre os “corpos esserais supre­
mos” que realizaram seu revestimento em diferentes planetas
de Nosso Grande Universo.
Os “corpos esserais supremos” que já se tornaram dig­
nos de morar nesse santo planeta sofrem como talvez nada nem
ninguém sofra em todo Nosso Grande Universo.
E é por isso que Nosso Todo-Amante, Todo-Misericor­
dioso e Absolutamente Justo Criador Eterno, não tendo ne­
nhuma outra possibilidade de ajudar a esses infelizes corpos
esserais supremos, aparece lá tào freqüentemente, a fim de
apaziguá-los um pouco com Sua Presença em seu terrível mas
inevitável estado de inexprimível tormento.
Este santo planeta só começou a servir à meta para a qual
ele existe hoje muito tempo depois da conclusão do processo
de “criação” do presente “mundo”.
Anteriormente, todo “corpo esseral supremo”, tal como
aqueles que residem neste santo planeta, ia diretamente para
Nosso Mui Santo Sol Absoluto; porém mais tarde, depois que
se produziu no Megalocosmos a catástrofe universal que cha­
mamos hoje “o assustador período tchutboglitãnico”, os cor­
pos esserais supremos, tais como os que residem nesse santo
planeta, perderam a possibilidade de fusionar diretamente com
Nosso Mui Santo Sol Absoluto.
Loi, portanto, após o período “tchutboglitãnico” que se
fez sentir a necessidade do funcionamento de ordem universal,
que realiza atualmente o Santo Planeta do Purgatório.
E foi a partir dessa época que toda a superfície desse san­
to planeta foi organizada de maneira apropriada e adaptada a

714
O SANTO PLANETA DO PURGATORIO

esses corpos esserais supremos, a Hm de se tornar o lugar de


sua existencia, desde então inelutável.”
Dito isto, Belzebu refletiu um pouco, depois recomeçou
com um ligeiro sorriso:
— Este Santo Planeta do Purgatorio nao é somente o
ponto de concentração dos resultados do funcionamento de
tudo quanto existe, ele é também o melhor, o mais rico e o mais
belo de todos os planetas de nosso Universo.
Durante nossa estada lá, você deve se lembrar, víamos e
experimentavamos sempre que o espaço inteiro de Nosso Gran­
de Universo, ou, como diriam seus favoritos, o firmamento desse
santo planeta incomparável, parecia refletir o brilho da famosa
“turquesa almakur”. Quanto à atmosfera, ela era lá tão pura
quanto o que se chama o “cristal sakrualniano fenomenal”.
Cada indivíduo, lá, sente com toda sua presença o mun­
do exterior de maneira “iskoliunitsiriana” ou, como diriam seus
favoritos, “deliciosamente encantadora”.
Nesse santo planeta, as fontes minerais ou naturais, as
quais, no dizer dos conhecedores, não poderiam ser compara­
das, por sua pureza e sua limpidez, as de nenhum outro plane­
ta de Nosso Grande Universo, são em número de uma dezena
de milhares.
De todos os recantos de nosso Universo, foram ali reuni­
das, no dizer dos especialistas, quase doze mil espécies de pás­
saros canoros, entre os mais belos e os melhores.
Quanto ás formações supraplanetárias tais como “flores”,
“frutas”, “bagas” e outras, nem mesmo falaremos. Digamos
somente que ali se reuniu e aclimatou quase toda a “flora”, a
“fauna” e a “phoskalia” de todos os planetas de Nosso Grande
Universo.
Por toda parte, neste santo planeta foram preparadas, em
desfiladeiros bem situados, cavernas confortáveis de forma in­
terior variada, umas naturais, outras artificiais, na entrada das
quais se desfruta de uma vista impressionante, e onde se

715
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

encontra tudo o que pode exigir uma existencia de calma e de


felicidade, poupando de toda preocupação esseral as diversas
partes da presença de todo Individuum cósmico independente
— tais como podem vir a ser os corpos esserais supremos.
Nestas cavernas existem então, por sua escolha, todos os
corpos esserais supremos que, em razão de seus méritos, vém,
de todo Nosso Grande Universo, prosseguir sua existencia nesse
santo planeta.
Alem disso, eles dispõem lá das melhores, das mais cô­
modas e das mais rápidas das “egolionoptias” ou, como tam­
bém as chamam por vezes, “plataformas onipresentes”.
Estas egolionoptias se deslocam livremente, tão rápido
quanto se queira, em todas as direções da atmosfera do santo
planeta, alcançando até a velocidade com que caem os Sois de
Segunda Ordem de Nosso Grande Universo.
Esse sistema de egolionoptias foi, a meu ver, especial­
mente inventado para esse santo planeta pelo famoso Anjo, hoje
Arcanjo, Herkission.”

De repente, Belzebu calou-se e mergulhou de novo em


profundas reflexões, enquanto Hassin e Ahun o olhavam com
surpresa.
E foi só após um silêncio bastante longo que Belzebu,
meneando a cabeça, virou-se para o neto e lhe disse:
— Penso que seria muito sensato de minha parte respon­
der agora a sua pergunta — “por que Nossa Eternidade alegra
tão freqüentemente com Seu aparecimento o Santo Planeta do
Purgatório?” — de maneira a lhe dar, ao mesmo tempo, as ex­
plicações que já lhe prometí várias vezes a respeito das leis cós­
micas fundamentais, segundo os princípios das quais existe e
se mantém nosso presente mundo.
Aliás, só associando estas duas perguntas é que você terá
dados suficientes para se representar e compreender perfeita­
mente esse Santo Planeta do Purgatório, adquirindo, ao mesmo

716
O SANTO PLANETA DO PURGATÓRIO

tempo, novas noções sobre os seres tri-cerebrais do planeta Ter­


ra que lhe interessam.
Queria dar-lhe sem demora explicações tào claras e deta­
lhadas quanto possível sobre esse santo planeta, pois você pre­
cisará cedo ou tarde conhecê-lo, visto que cada ser tri-cerebral
responsável, sejam quais forem a causa e o lugar de sua vinda
ao mundo, assim como a forma de seu revestimento exterior,
deve acabar por conhecer a fundo tudo o que a ele concerne.
E este conhecimento é indispensável para se esforçar por
existir em uma direção que convenha a esse santo planeta, que
representa precisamente a meta objetiva e a razão de ser da
existência de todo ser tri-cerebral que traz em si, qualquer que
seja a causa disso, o germe de um corpo esseral supremo.
Pois bem, meu filho, antes de tudo, eu lhe lembrarei que,
se Nossa Eternidade criou o mundo tal como ele existe hoje,
foi porque se viu obrigado a isso.
No começo, no tempo em que nada havia ainda se mani­
festado e quando nosso Universo era somente um espaço vazio
infinito que a presença da substância cósmica original chama­
da “ethernokrilno” preenchia, sozinho, em todo esse espaço
vazio, existia Nosso Mui Grande e Mui Santo Sol Absoluto, e
esta única concentração cósmica era, para Nosso Criador Uni-
Esseral e para Seus Querubins e Serafins, o lugar de residência
de Seu Ser Glorioso.
Foi então que apareceu para Nosso Criador Todo-
Sustentador a imperiosa necessidade de criar nosso “Megalo­
cosmos”, quer dizer, o “mundo” que existe hoje.
Graças ao terceiro dos Mui Santos Cânticos de nossos
Querubins e Serafins, fomos dignos de saber que um dia Nos­
so Criador Todo-Poderoso constatou que, de modo quase
imperceptível, porém regular, o Sol Absoluto onde Ele existia,
com Seus Querubins e Serafins, diminuía de volume.
Essa divina constatação tendo Lhe parecido muito grave,
Ele resolveu revisar de imediato todas as leis que mantinham a

717
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

existencia dessa concentração cósmica. No decorrer dessa re­


visão, ficou evidente pela primeira vez a Nosso Criador Todo­
Poderoso que a causa dessa diminuição gradual do volume do
Sol Absoluto era muito simplesmente “Heropás”, quer dizer, o
próprio curso do Tempo.
Nossa Eternidade entrou então em profundas reflexões,
porque Ela tinha claramente consciência de que, se o Sol Ab­
soluto continuasse assim, sob a ação de Heropás, a diminuir de
volume, este Lugar único de Seu Ser sofreria, cedo ou tarde, o
aniquilamento definitivo.
Por isso, meu filho, Nossa Eternidade se viu Ela-mesma
obrigada a tomar certas medidas correspondentes, a fim de que
este impiedoso Heropás não pudesse, em definitivo, ocasionar
o desaparecimento de Nosso Mui Santo Sol Absoluto.
Depois, graças sempre a um dos cânticos sagrados de nos­
sos Querubins e Seratins — o quinto, desta vez —, fomos dig­
nos de saber que, depois de se ter inteiramente consagrado à
busca de um meio para afastar esta ameaça de um fim inevitá­
vel, decretado, em conformidade com as leis, pelo impiedoso
Heropás, Nossa Eternidade, como resultado de longas e divi­
nas reflexões, resolveu criar o “Megalocosmos” que existe em
nossos dias.
Para compreender mais claramente como Nossa Eterni­
dade resolveu conseguir tornar inofensiva a ação funesta do
impiedoso Heropás, e como Ela logrou realizar Seu propósito,
você deve em primeiro lugar saber que, anteriormente, o Mui
Santo Sol Absoluto existia com base em um princípio chama­
do “Autoegocrata”, segundo o qual as forças interiores que
mantinham a existência desta concentração cósmica tinham um
funcionamento independente, não subordinado a nenhuma
força exterior. Este sistema de forças estava baseado ele tam­
bém em duas leis cósmicas sagradas fundamentais pelas quais
se mantém o conjunto dc nosso presente Megalocosmos, quer

718
O SANTO PLANETA DO PURGATÓRIO

dizer, nas duas leis cósmicas sagradas originais que têm o nome de
“Heptaparaparshinokh sagrado” e de “Triamazikamno sagrado”.
Já lhe talei uma vez destas duas leis cósmicas sagradas
fundamentais; tentarei agora explicá-las a você um pouco mais
em detalhe.
Da primeira lei cósmica sagrada original, a lei de Heptapara­
parshinokh sagrado, a ciência cósmica objetiva dá a fórmula
seguinte:
“O fluxo das forças segue uma linha que se quebra sempre
a intervalos regulares e cujas extremidades se juntam”.
A linha segundo a qual se expressa esta lei cósmica sa­
grada apresenta sete pontos de deflexão ou, como também se
diz, sete “centros de gravidade”; e a distância que separa dois
pontos de deflexão ou “centros de gravidade” chama-se “sto­
pínder do Heptaparaparshinokh sagrado”.
O processo completo desta lei sagrada, que se exerce so­
bre toda coisa existente, desde seu aparecimento, comporta en­
tão sempre sete “stopínders”.
Quanto à segunda lei cósmica original, a do Triamazi­
kamno sagrado, a ciência cósmica objetiva a formula nestes
termos:
“Todo novo surgimento provém de surgimentos anterio­
res pelo “harnel-miatznel”, quer dizer, por uma fusão cujo pro­
cesso se cumpre assim: o que está no alto se une ao que está em
baixo, com o fim de realizar por esta união o que é mediano, o
qual se torna então, ao mesmo tempo, o superior para o inferior
seguinte e o inferior para o superior precedente”.
Já lhe disse que esse Triamazikamno sagrado comporta
três forças independentes que se chamam:

a primeira, “Surb-Otheos”,
a segunda, “Surb-Skiros”,
a terceira, “Surb-Athanatos”.

719
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

A ciência chama estas três forças santas do Triamazikamno


sagrado:
a primeira, “Força Afirmativa”, ou “Força de Impul-
são”, ou simplesmente, “Força Mais”,
a segunda, “Força Negativa”, ou “Força de Resistên­
cia”, ou simplesmente, “Força Menos”,
c a terceira, “Força Conciliadora”, ou “Força de Equilí­
brio”, ou ainda, “Força Neutralizante”.
Neste ponto de minhas explicações, relativas às leis funda­
mentais de “criação do mundo” e de “manutenção do mun­
do”, é interessante notar que os seres tri-cerebrais do planeta
que lhe agrada tanto tinham eles também começado, no tempo
cm que as conseqüências das propriedades do órgão kundabuffer
não estavam ainda cristalizadas em sua presença geral, a tomar
consciência das três forças santas do Triamazikamno sagrado,
que eles denominavam:
a primeira, “Deus, o Pai”,
a segunda, “Deus, o Filho”,
a terceira, “Deus, o Espírito Santo”.
Em diferentes circunstâncias, eles expressavam a signifi­
cação oculta destas Forças e sua esperança de receber a ação
benéfica delas para sua própria individualidade, pelas preces
seguintes:
“Fontes de divinas
“Alegrias, revoltas e sofrimentos,
“Dirigi vossa ação sobre nós.
ou então:
“Santa Afirmação,
“Santa Negação,
“Santa Conciliação,
“Transmutai-vos em mim
“Para meu Ser.

720
O SANTO PLANETA DO PURGATORIO

ou ainda:
“Deus Santo,
“Deus Forte,
“Deus Imortal,
“Tende piedade de nós.
E agora, meu lilho, escuta atentamente o que segue.
Como já lhe disse, Nosso Mui Santo Sol Absoluto se man­
tinha, de início, unicamente com a ajuda dessas duas leis sagra­
das originais; mas essas leis funcionavam então de maneira
independente, sem a ajuda de nenhuma força exterior, qual­
quer que ela fosse. Este sistema se chamava “Autoegocrata”.
Depois, Nosso Eterno Todo-Poderoso resolveu modifi­
car o princípio de funcionamento destas leis sagradas funda­
mentais, fazendo depender seu funcionamento, até então autô­
nomo, de forças vindas de fora.
Mas como esse novo princípio exigia fontes apropriadas
exteriores ao Mui Santo Sol Absoluto, de onde pudessem sur­
gir forças suscetíveis de verter se n’ Ele, Nossa Todo-Poderosa
Eternidade se viu obrigada a criar nosso Megalocosmos, com
todos os Cosmos de escalas diferentes e todas as formações
cósmicas relativamente independentes que ali se encontram.
E, desde então, o sistema que mantém a existência do Sol
Absoluto leva o nome de “Trogoautoegocrata”.

Nosso Pai Comum Eterno Uni-Esseral, tendo decidido


modificar o princípio segundo o qual se mantinha a existência
dessa única concentração cósmica, lugar de Seu Ser Glorioso,
começou por alterar o próprio funcionamento dessas duas leis
sagradas originais, e mais particularmente o do Heptaparapar­
shinokh sagrado.
A importante modificação que Ele fez sofrer ao funcio­
namento do Heptaparaparshinokh sagrado se referia a três de
seus stopínders, e consistia em uma alteração de sua “ação

721
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

subjetiva”. Ele prolongou a duração de um, abreviou a de ou­


tro e desarmonizou a do terceiro.
Com o fim de assegurar ao stopínder situado entre o ter­
ceiro e o quarto “ponto de deflexão” a propriedade requerida
para absorver, em proveito de seu funcionamento, o alluxo
automático de todas as forças circundantes, Ele prolongou sua
duração.
E precisamente este stopínder do Heptaparaparshinokh
sagrado que se chama “mdnel-inn mecânico-coincidente”.
Quanto ao stopínder que Ele abreviou, ele está situado
entre o último “ponto de deflexão” e o começo de um novo
ciclo do processo do Heptaparaparshinokh. Por esta alteração,
destinada a facilitar o começo do novo ciclo, Ele designou para
este stopínder um funcionamento dependente unicamente do
afluxo de forças exteriores que lhe trazem os resultados da ação
da concentração cósmica na qual se efetua o processo integral
desta lei sagrada fundamental.
E é este stopínder do Heptaparaparshinokh sagrado
que se chama ainda em nossos dias “mdnel-inn voluntaria­
mente realizado”.
Quanto ao terceiro stopínder, cuja “ação subjetiva” Ele
modificou, que é o quinto da série, e que é chamado “harnel-
haút”, sua desarmonia se operou por si mesma, em conseqiién-
cia da modificação dos dois outros stopínders.
Esta desarmonia de seu funcionamento subjetivo, que é
a conseqüência de sua assimetria relativa dentro do conjunto
do processo do Heptaparaparshinokh sagrado, consiste nisto:
Se o processo desta lei sagrada se efetua em condições
tais que ele seja submetido à ação de numerosas vibrações oriun­
das de “causas múltiplas” que lhe são extrínsecas, ele só dá
resultados exteriores.
Mas se este mesmo processo se efetua em uma calma ab­
soluta, na ausência total de vibrações oriundas de causas múl­
tiplas que lhe são extrínsecas, todos os resultados de sua açao

722
O SANTO PLANETA DO PURGATÓRIO

permanecem no interior da concentração onde ele se realiza e


estes resultados não são perceptíveis no exterior a não ser no
caso de um contato direto e imediato.
Se nenhuma destas duas condições diametralmente opos­
tas predomina no curso desse processo, os resultados de sua
ação se dividem geralmente em exteriores e interiores.
Assim, meu filho, a partir do momento em que Nosso Cria­
dor Eterno tez sofrer à lei de Heptaparaparshinokh sagrado
esta profunda modificação conduzida sobre a ação subjetiva
dos stopínders, ela interveio no processo de realização de to­
das as formações cósmicas, pequenas ou grandes.

Repito a você, meu querido Hassin: esforce-se para bem


assimilar tudo o que se refere a essas duas leis cósmicas funda­
mentais, visto que o conhecimento destas duas leis sagradas, e
sobretudo o das particularidades do Heptaparaparshinokh, lhe
permitirá depois compreender a fundo e sem dificuldade todas
as leis secundarias e terciárias de “criação do mundo” e de “exis­
tência do mundo”.
Pois em todo ser tri-cerebral, qualquer que seja a forma
de seu revestimento exterior, o conhecimento aprofundado des­
tas leis sagradas desenvolve a possibilidade, em presença de
qualquer fator cósmico independente dele — quer ele seja fa­
vorável ou desfavorável —, de refletir sobre a razão de ser de
sua existência e de adquirir os dados necessários para explicar­
se e para admitir o “conflito individual” que suscita, em geral,
nos seres tri-cerebrais, a contradição entre os resultados con­
cretos do processo de todas as leis cósmicas e aqueles que sua
“lógica sadia” lhes faz prever e mesmo esperar com toda certe­
za. De modo que, avaliando corretamente o significado essencial
de sua própria presença, eles estão em condição de tomar cons­
ciência do lugar que lhes corresponde realmente no conjunto
dessas realizações cósmicas.
Em outros termos, a assimilação de uma compreensão

723
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

global do funcionamento destas duas leis sagradas fundamen­


tais acaba por cristalizar, na presença dos seres tri-cerebrais,
dados que engendram a propriedade divina — indispensável a
todo ser tri-cerebral normal — que existe com o nome de “se-
muniranuss”, propriedade da qual seus favoritos têm uma re­
presentação aproximada, e que eles chamam “imparcialidade”.

Pois bem, meu querido filho, quando Nosso Pai Comum


Criador Todo-Poderoso empreendeu modificar o funcionamen­
to das duas leis sagradas originais, Ele dirigiu sua ação, oriun­
da do interior do Sol Absoluto, em direção ao espaço univer­
sal, criando assim a “Emanação do Mui Santo Sol Absoluto”,
que se chama hoje “Theomertmalogos” ou “Deus, o Verbo”.
Para a clareza de algumas de minhas explicações ulterio­
res, é preciso notar aqui que a “Força de Vontade” divina de
Nossa Eternidade não participou no processo de criação do
presente mundo a não ser no seu início.
A criação prosseguiu depois automaticamente, por si mes­
ma, sem nenhuma participação de Sua divina “Força de Von­
tade”, unicamente sob a ação das duas leis cósmicas funda­
mentais assim modificadas.
Este processo de criação se efetuou na ordem seguinte:
Graças à nova particularidade do quinto stopínder do
Heptaparaparshinokh sagrado, as emanações oriundas do Sol
Absoluto exerceram sua ação, em certos pontos do espaço do
Universo, sobre a substância cósmica primordial “ethernokril-
no” e condensaram assim, graças ao conjunto das antigas e no­
vas particularidades das leis sagradas originais, certas concen­
trações bem determinadas.
Depois, graças a esses mesmos fatores, essas concentra­
ções adquiriram suas próprias leis de Heptaparaparshinokh e
de Triamazikamno ligadas por sua ação recíproca; e desde en­
tão se cristalizou pouco a pouco nelas tudo o que era necessá­
rio ao aparecimento dessas grandes concentrações cósmicas

724
O SANTO PLANETA DO PURGATÓRIO

existentes ainda hoje, e às quais damos o nome de “Sois de


Segunda Ordem”.
Quando esses novos sóis loram inteiramente realizados,
e o funcionamento dc suas duas leis fundamentais ficou defini­
tivamente estabelecido neles, eles começaram, à imagem do Mui
Santo Sol Absoluto, a transformar e a irradiar seus próprios
resultados, que, unindo-se às emanações do Mui Santo Sol Ab­
soluto no espaço do Universo, tornaram-se, por sua vez, fato­
res de realização do processo cósmico fundamental da lei sa­
grada de Triamazikamno.
Dito de outra forma:
O Mui Santo Theomertmalogos se manifestou na quali­
dade de terceira força santa do Triamazikamno sagrado,
os resultados da ação de cada um dos novos “Sóis de Se­
gunda Ordem” serviram de primeira força santa,
e os resultados exercidos sobre cada um desses novos
“Sóis de Segunda Ordem” pelo conjunto dos demais serviram
de segunda força santa dessa lei sagrada.
Uma vez que o processo cósmico do Triamazikamno sa­
grado ficou estabelecido desta maneira no espaço do Univer­
so, cristalizações de “densidade” diferente começaram a se cons­
tituir a partir do ethernokrilno primordial e a se agrupar em
torno de cada um dos Sois de Segunda Ordem, para formar
novas concentrações — e foi assim que apareceram novos Sois,
chamados desta vez “Sois de Terceira Ordem”.
São estas concentrações cósmicas de Terceira Ordem que
chamamos em nossos dias “planetas”.
Nessa etapa do processo do primeiro ciclo exterior do
Heptaparaparshinokh fundamental sagrado— quer dizer, após
a formação dos Sóis de Terceira Ordem, ou planetas — e em
conformidade com o quinto stopínder modificado do Hepta­
paraparshinokh sagrado, que se chama “harnel-haút”, o im­
pulso inicial destinado ao conjunto do processo, tendo perdi­
do a metade de sua força de vivificação, não manifestou mais

725
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

fora de si, em sen funcionamento ulterior, senão a metade de


sua ação, guardando a outra em si para seu próprio funciona­
mento. Em conseqüência, nessas últimas grandes concentrações,
chamadas “Sois de Terceira Ordem”, ou “planetas”, começaram
então a surgir “analogias de surgimentos anteriores”.
E, como as condições circundantes de realização se ha­
viam estabelecido por toda parte em conformidade com a se­
gunda particularidade do quinto stopínder do Heptaparapar­
shinokh fundamental sagrado, o desenvolvimento do primeiro
ciclo exterior do Heptaparaparshinokh findou, e toda a ação
de seu funcionamento se exerceu, dali em diante, exclusiva­
mente sobre seus resultados já manifestados; desde então, es­
tes últimos foram submetidos a seus próprios processos perma­
nentes de transformação, chamados “evolução” e “involução”.
Depois, em conformidade desta vez com uma lei cósmi­
ca de segunda ordem, chamada “Litsvrts” ou “lei dc agregação
dos homogêneos”, estas formações “relativamente independen­
tes” que se chamam “analogias de surgimentos anteriores” se
agruparam nos planetas para constituir novas formações, “re­
lativamente independentes” elas também.
Por outro lado, graças a esses processos de “evolução” e
dc “involução” próprios ao Heptaparaparshinokh sagrado, co­
meçaram a se cristalizar e a se descristalizar, na presença de
todas as concentrações cósmicas, pequenas ou grandes, toda
especie de substâncias cósmicas definidas, que têm proprieda­
des subjetivas específicas, e que a ciência objetiva designa com
o nome de “elementos ativos”.
E os resultados da evolução e da involução desses ele­
mentos ativos, ao realizar o princípio trogoautoegocrático de
existência pela nutrição e a sustentação recíprocas de todas as
coisas no Universo, constituíram, em seu conjunto, o processo
cósmico geral “Iraniranomange”, ou, como já lhe disse, o que a
ciência objetiva chama “intercâmbio universal de substâncias”.
Assim então, meu filho, graças a esse novo sistema de

726
O SANTO PLANETA DO PURGATORIO

nutrição recíproca de todas as coisas existentes, no qual Nosso


Mui Santo Sol Absoluto Ele-mesmo tomava parte, estabele­
ceu-se no Universo esse equilibrio que não permite mais agora
ao impiedoso Heropás nenhuma possibilidade de engendrar o
que quer que seja de inesperado para Nosso Mui Grande e
Mui Santo Sol Absoluto. E, desta maneira, toda causa de divi­
na inquietude para Nosso Todo-Poderoso Criador Uni-Esseral
a respeito da integridade de Seu lugar de residencia eterna de­
sapareceu para sempre.

Devo lhe fazer notar aqui que urna vez concluida essa
mui grande realização divina, nossos Querubins e Serahns triun­
fantes deram, pela primeira vez, a todas essas formações novas,
nomes que subsistiram até nossos dias. Toda concentração re­
lativamente independente foi designada pelo termo “cosmos”,
e para distinguir entre elas as diferentes ordens de aparecimento
desses cosmos, acrescentaram a esse termo uma denominação
correspondente.
Eles chamaram essa Mui Santa Eonte Original, que é Nos­
so Sol Absoluto: “Protocosmos”.
Cada um dos “Sóis de Segunda Ordem” recentemente
surgidos, com o conjunto de seus resultados determinados:
“Deuterocosmos”.
E cada “Sol de Terceira Ordem”, que hoje chamamos
“planeta”: “Tritocosmos”.
Quanto às menores dessas formações “relativamente
independentes”, que surgem nesses planetas em conformida­
de com a nova particularidade do quinto stopínder do Hep­
taparaparshinokh sagrado, e que são as mais ínfimas das ana­
logias do Todo, elas foram chamadas “microcosmos”.
Enfim, os “agregados de microcosmos” que se concen­
traram igualmente nos planetas, em conformidade com a lei
cósmica de segunda ordem, chamada “de atração recíproca dos
semelhantes”, receberam o nome de “tetartocosmos”.

727
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

E o conjunto dos cosmos que constituem nosso presente


mundo toi chamado “Megalocosmos”.

Nossos Querubins deram igualmente nomes às emana­


ções e às radiações emitidas por todos os cosmos de escalas
diferentes e através das quais se cumpre o Mui Grande Tro­
goautoegocrata cósmico.
Os nomes que eles deram a elas subsistiram até os nossos
dias. São eles:
1. Para as emanações do Mui Santo Sol Absoluto Ele-
mesmo, como já lhe disse: “Theomertmalogos” ou “Deus, o
Verbo”.
2. Para as radiações de cada um dos Sóis de Segunda
Ordem: “mentokifezoíne”.
3. Para as radiações de cada planeta tomado isolada­
mente: “dynamumzoíne”.
4. Para as dos microcosmos: “photoinzoíne”.
5. Para as radiações emitidas pelos tetartocosmos: “ghan-
bledzoine”.
6. Para as radiações do conjunto dos planetas de cada
sistema solar: “astroluolucizoíne”.
7. Para o conjunto das radiações de todos os Sois de
Segunda Ordem recentemente surgidos: “polorothcoparl”.
E eles chamaram o conjunto dos resultados oriundos de
todas as fontes cósmicas, pequenas e grandes, “Ensembluizar
cósmico geral”.
E interessante notar que a ciência objetiva dá deste “En­
sembluizar cósmico geral” a fórmula seguinte: “Tudo vem de
Tudo e retorna a Tudo”.

Nomes específicos foram igualmente dados a todas as


“cristalizações temporárias independentes” que aparecem em

728
O SANTO PLANETA DO PURGATÓRIO

cada um dos inumeráveis cosmos no curso dos processos evo­


lutivos e involutivos das leis sagradas fundamentais.
Nao vou enumerar os nomes da maioria desses “centros
de gravidade” que se cristalizam em cada um dos cosmos; só
nomearei os “elementos ativos centros de gravidade” que se
cristalizam nos cosmos aos quais irão se referir minhas explica­
ções ulteriores — quer dizer, aqueles que se cristalizam na pre­
sença dos tetartocosmos, onde eles constituem “centros de gra­
vidade temporariamente independentes”.
Estas cristalizações independentes que se constituem nos
tetartocosmos têm os seguintes nomes:

1. Protoekharis
2. Deuteroekharis
3. Tritoekharis
4. Tetartoekharis
5. Pentoekharis
6. Hexioekharis
7. Resulzarion

“E agora, meu filho, depois de tudo o que acabo de lhe


explicar, podemos voltar a esta pergunta: por que e como os
corpos esserais supremos, ou, como os chamam seus favoritos,
as “almas”, aparecem no Universo, e por que Nosso Pai Co­
mum Uni-Esseral dirigiu Ele precisamente Sua divina atenção
sobre esses surgimentos cósmicos?
Dc fato, quando o “equilíbrio geral de harmonia cósmi­
ca” foi estabelecido e regularizado em todos os cosmos de es­
cala diferente, os tetartocosmos, quer dizer, esses “agregados
de microcosmos” relativamente independentes que tinham apa­
recido na superfície dos planetas, encontraram lá condições
circundantes que correspondiam acidentalmente a certos da­
dos presentes neles, permitindo-lhes existir por um tempo de­
terminado sem “sekruano”, dito de outra forma, sem uma “ten­
são individual constante”. Foi então que na presença de cada

729
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

um deles apareceu a possibilidade automática dc se mover de


maneira independente de um lugar a um outro, na superficie
desses planetas.
E quando Nosso Criador Eterno notou neles esse mo­
vimento automático, Lhe veio pela primeira vez a idéia divina
de se servir dele como uma ajuda na administração do mundo
em crescimento.
A partir daquele momento, Ele se pôs a orientar todas as
realizações relativas a esses tetartocosmos de maneira a que o
inevitável “okrualno”, quer dizer, o ciclo periódico do proces­
so completo dc Heptaparaparshinokh, se cumprisse de tal ma­
neira que, na presença geral de alguns deles, mediante uma
modificação cm seu funcionamento, pudessem se transmu­
tar e se cristalizar — além dos resultados que deviam ali se
transformar em vista do novo intercâmbio cósmico geral de
substâncias — esses elementos ativos a partir dos quais podiam se
revestir neles novas formações independentes que tivessem a
propriedade de adquirir uma “razão individual”.
O fato de que essa idéia veio então pela primeira vez a
Nossa Eternidade nos é revelado, alias, pelas palavras dos cân­
ticos sagrados nos quais nossos Querubins e Serafins glorifi­
cam hoje em dia, em cada solenidade divina, as obras magnífi­
cas de Nosso Criador.
Antes de continuar a lhe contar como tudo isso foi reali­
zado, devo lhe dizer que o funcionamento do Iraniranomange
cósmico geral está harmonizado de tal maneira que os resulta­
dos das transformações que se operam nos diferentes cosmos
se localizam todos segundo sua “qualidade de vibrações”, de­
pois penetram por toda parte no Universo, desempenhando
seu próprio papel nas formações planetárias bem como nas su­
praplanetárias. O lugar temporário de sua livre concentração é
em geral o que se chama a “atmosfera” com a qual todos os pla­
netas de nosso Megalocosmos estão rodeados e através da qual se
estabelecem as relações necessárias ao Iraniranomange cósmico.

730
O SANTO PLANETA DO PURGATÓRIO

Assim então, essa divina atenção concedida aos tetarto­


cosmos teve por efeito trazer a eles, em sua qualidade de apa­
relhos que servem ao Mui Grande Trogoautoegocrata cósmi­
co, a possibilidade seguinte: além das substancias cósmicas
transformadas através deles, tanto para as necessidades desse
mui grande processo quanto para os gastos necessários ao pro­
cesso de sua própria existência — substâncias compostas ex­
clusivamente das cristalizações cósmicas derivadas das trans­
formações do próprio planeta onde esses tetartocosmos vie­
ram ao mundo —, apareceram, em sua presença geral, resulta­
dos análogos aqueles que são oriundos de fontes cósmicas de
uma ordem superior e são, portanto, constituídos por vibra­
ções de uma maior “vivificação”.
E é a partir de resultados cósmicos desta ordem que
começaram a se revestir, em sua presença geral, formas â sua
exata semelhança, constituídas antes de tudo de substâncias
cósmicas “mentokifezoíne”, quer dizer, de substâncias trans­
formadas pelo sol e pelos demais planetas do sistema solar nos
limites do qual esses tetartocosmos vieram ao mundo, c que atin­
gem cada planeta pelas radiações dessas concentrações cósmicas.
Desta maneira, a presença geral de certos tetartocosmos
se compôs desde então de duas formações independentes, oriun­
das de duas fontes cósmicas inteiramente diferentes, e estas
formações tiveram uma existência comum, como se elas esti­
vessem situadas uma dentro da outra.
Assim pois, meu filho, desde que esse novo revestimen­
to, uma vez completamente concluído, funcionou de maneira
requerida na presença desses tetartocosmos, estes últimos dei­
xaram de ser chamados “tetartocosmos” e receberam o nome
de “Seres”, o que significava “que têm duas naturezas”, e seu
segundo revestimento foi então chamado “corpo kessdjan”.
Mais tarde, quando o segundo corpo destas formações
de natureza dupla adquiriu tudo o que lhe era necessário, e
quando o funcionamento próprio âs realizações cósmicas dessa

731
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

ordem se estabeleceu de maneira definitiva, estas formações


começaram, por sua vez, e sobre a mesma base, por meio de
uma certa modificação em seu funcionamento, a absorver e
assimilar as substâncias cósmicas diretamente oriundas do Mui
Santo Theomertmalogos, a partir das quais analogias de uma
terceira espécie se revestiram nelas.
Estes revestimentos, que são as “partes supremas sagra­
das” dos seres, foram chamados “corpos esserais supremos”.
Mais tarde ainda, estes “corpos esserais supremos”, uma
vez definitivamente revestidos, deviam adquirir todas as fun­
ções apropriadas e, sobretudo, cristalizar em si mesmos os da­
dos suscetíveis de engendrar esta função sagrada que tem por
nome “Razão objetiva”, dados que só podem se cristalizar na
presença de realizações cósmicas desta ordem. E é somente no
momento em que esses “tetartocosmos” ou “seres” sofriam o
raskuarno, quer dizer, no momento em que essas “formações tri-
unitárias” se dividiam em suas tres naturezas diversas, que es­
sas “partes esserais supremas” recebiam a possibilidade de unir­
se com Nosso Mui Santo Sol Absoluto, Causa das Causas de
todas as coisas existentes e de cumprir assim o propósito no
qual Nosso Eterno Todo-Abrangente havia posto Sua esperança.

“Devo agora lhe explicar em detalhe em que ordem se


efetuava esse raskuarno sagrado nos primeiros tetartocosmos e
como ele se efetua hoje em dia nos seres tri-cerebrais.
Primeiramente, em cada planeta, o “segundo corpo esse­
ral’ ou “corpo kessdjan”, e o “terceiro corpo esseral” se des­
tacam do “corpo planetário fundamental” e, depois de ter dei­
xado este último no planeta, se elevam ambos até a esfera que
é o lugar de concentração das substâncias cósmicas a partir das
quais o “corpo kessdjan” foi formado.
E somente então é que ao cabo dc um certo tempo essas
realizações de “natureza dupla” sofrem o principal e definitivo
raskuarno sagrado, depois do qual as “partes esserais supremas”

732
O SANTO PLANETA DO PURGATÓRIO

dessa ordem tornam-se Individuuns independentes que possuem


sua própria Razão individual.
Antigamente — antes do período tchutboglitânico — esta
realização cósmica sagrada, uma vez cumprido esse segundo
processo de raskuarno sagrado, era julgada digna quer de unir-
se com a presença do Mui Santo Sol Absoluto, quer de ser
enviada a outras concentrações cósmicas onde se tazia sentir a
necessidade de tais Individuuns independentes.
Mas quando vem o momento desse processo definitivo
de raskuarno sagrado, se as realizações cósmicas desta ordem
ainda não atingiram o grau requerido na escala sagrada de Ra­
zão, esses corpos esserais superiores devem existir na esfera
mencionada, até que eles tenham aperfeiçoado sua razão ao
grau necessário.
E impossível aqui não mencionar o terror objetivo que
experimentam essas partes esserais superiores já constituí­
das que, em razão do conjunto dos resultados não previstos
d’O-Alto nos novos processos cósmicos, ainda não se aperfei­
çoaram até o grau necessário de Razão.
O fato é que, segundo diversas leis cósmicas de segunda
ordem, o “corpo esseral kessdjan” não pode existir muito tem­
po nessa esfera, e ao cabo de um certo tempo ele deve se de­
compor, mesmo se a parte esseral suprema que está nele não
tenha atingido o grau requerido de Razão. Ora, esta parte esse­
ral suprema, enquanto não está aperfeiçoada em Razão até o
grau requerido, deve sempre ser dependente de uma realiza­
ção kessdjaniana; de modo que, imediatamente depois do se­
gundo raskuarno sagrado, esta parte esseral suprema ainda não
aperfeiçoada se encontra num estado chamado “teshguekdnel”
ou “busca de uma realização similar de natureza dupla que lhe
corresponda”, na esperança — logo que a parte suprema desta
outra realização de natureza dupla, tendo alcançado o grau re­
querido de Razão, tiver sofrido o raskuarno sagrado definiti­
vo e antes que a rápida desintegração do corpo kessdjan

733
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

correspondente se tenha claramente leito sentir — de poder


entrar ¡mediatamente nesse corpo kessdjan estranho e conti­
nuar a existir ali em vista de seu aperfeiçoamento futuro, aperfei­
çoamento que deve ser cumprido cedo ou tarde por toda parte
esseral suprema.
Eis por que, na esfera onde se elevam, depois do primei­
ro raskuarno sagrado, os corpos esserais superiores, se efetua o
processo chamado “substituição okipakhaleviana das partes ex­
teriores das almas” ou “substituição do antigo corpo esseral
kessdjan por um novo”.
Devo lhe dizer, a este respeito, que seus favoritos se fize­
ram da “substituição okipakhaleviana” uma representação algo
similar em aparência; eles até inventaram para designá-la um
nome muito erudito, o de “metempsicose” ou de “reencarna-
ção”. Aliás, eles fizeram desta questão, no século passado, um
ramo de sua famosa “ciência”, que se tornou pouco a pouco, e
segue sendo hoje, um desses numerosos fatores funestos, cujo
conjunto torna sua razão, já bastante estranha sem isso, cada
vez mais “shurumburum”, como teria dito nosso caro Mulá
Nassr Eddin.
Segundo as teorias fantásticas desse ramo de sua “ciên­
cia”, que chamam “espiritismo”, eles supõem, entre outras coi­
sas, que cada um deles já tem um corpo esseral supremo, ou,
como eles dizem, uma “alma”, e que essa alma deve sofrer per­
pétuas reen earn ações, quer dizer, alguma coisa do gênero des­
sa “substituição okipakhaleviana” de que acabo de lhe falar.
Evidentemente, se esses infelizes tivessem tão somente
podido se dar conta do fato de que, em conformidade com a lei
cósmica de segunda ordem chamada “Tenikdoa”, ou “lei da
gravidade”, essa parte esseral, nos raros casos em que ela apa­
rece neles, se eleva imediatamente depois do primeiro raskuar­
no — ou, como eles dizem, depois da “morte” do ser — acima
da superfície de seu planeta, eles teriam talvez compreendido
que as explicações e as provas prodigalizadas por esse ramo de

734
O SANTO PLANETA DO PURGATORIO

sua “ciência”, a respeito de supostos fenômenos de todo tipo


que essas almas “de fantasia” desencadeariam entre eles, não
eram senão os frutos de sua imaginação ociosa, e, ao mesmo
tempo, eles teriam compreendido que todas as demais “pro­
vas” dessa ciencia não eram quando muito senão “asneiras” à
maneira do Mulá Nassr Eddin.
Escute agora o que acontece aos dois primeiros corpos
esserais, o corpo planetario e o corpo kessdjan:
Depois do primeiro raskuarno sagrado, o corpo planeta­
rio, por ser constituido de microcosmos, isto é, de cristaliza­
ções transformadas pelo planeta, se decompõe em conformi­
dade com uma lei cósmica dc segunda ordem chamada “Retar-
notoltur”, e se desintegra gradualmente no próprio planeta em
suas substancias originais.
Quanto ao segundo corpo esseral, o corpo kessdjan, por
ser constituido de substancias irradiadas quer por outras
concentrações do Tritocosmos, quer pelo sol mesmo do siste­
ma solar do qual ele depende, ele se eleva até essa esfera de que
falamos, onde ele se decompõe, por sua vez, depois do segun­
do raskuarno sagrado, de modo que as cristalizações que o
constituem retornam igualmente á esfera de seu aparecimen­
to primeiro.
Mas o corpo esseral supremo, por ser constituido de
cristalizações provenientes diretamente do Theomertmalogos
sagrado, nunca pode se decompor dentro dos limites do siste­
ma solar onde o ser veio ao mundo e onde passou sua existen­
cia. Esta parte suprema deve existir, nesse sistema solar, en­
quanto ela não tiver se aperfeiçoado até o grau requerido de
Razão, que confere às formações cósmicas desta ordem o po­
der de “irankipaekh”, quer dizer, o poder que têm as realiza­
ções constituídas das substâncias mais sagradas de existir sem
estar sob a dependência de uma formação kessdjaniana, nem
sob a “influência angustiante” de nenhum fator cósmico exte­
rior, qualquer que ele seja.

735
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Assim então, men filho, no começo clos tempos, uma vez


que essas realizações cósmicas tinham se aperfeiçoado até o
grau requerido da “escala sagrada de Razão”, elas eram leva­
das ao Sol Absoluto para ali cumprir o papel que lhes havia
sido designado por Nosso Criador Eterno.
Quanto à maneira de determinar o grau de individuali­
dade, você deve ainda saber que bem desde o começo nossos
Querubins e Serafins instituíram o “determinador sagrado de
Razão”, que existe ainda hoje, que mede a Razão, ou, mais exa­
tamente, a “totalidade de consciência de si” de todas as con­
centrações cósmicas, pequenas ou grandes, e que define seu
“grau de justificação em relação à razão de ser e à meta de sua
existência”, assim como o papel futuro de cada um dos Indivi­
duuns em relação a tudo o que existe em nosso Megalocosmos.
Este determinador sagrado de “Razão pura” não é nada
mais do que uma “escala-padrão”, dividida em partes iguais;
numa das extremidades dessa escala está marcada a falta total
de Razão, correspondente à calma maciça; na outra, a Razão
Absoluta, quer dizer, a Razão de Nosso Incomparável Criador
Eterno.
Aqui, penso que não seria mal lhe explicar a diferença de
natureza entre as fontes de manifestação da Razão esseral na
presença geral dos seres tri-cerebrais.
Em cada ser tri-cerebral, quaisquer que sejam o lugar de
seu aparecimento c a forma de seu revestimento exterior, po­
dem se cristalizar dados correspondentes a três espécies inde­
pendentes de pensar esseral, cujo conjunto de resultados ex­
pressa o grau de Razão que lhe é próprio.
Os dados correspondentes a estas três espécies de Razão
esseral se cristalizam na presença de todo ser tri-cerebral na
medida exata em que se revestem e se aperfeiçoam nele, graças
aos partkdolgdeveres esserais, as partes esserais superiores sem
as quais sua presença geral não poderia constituir um todo.
A primeira e a mais alta dessas Razões esserais é a “Razão

736
O SANTO PLANETA DO PURGATORIO

pura” ou “objetiva” inerente ao corpo esseral supremo, e que


só possui o ser na presença do quai esta parte suprema já se
formou e se aperfeiçoou — e isto unicamente no caso em que
ela se tornou o “centro de iniciativa” do funcionamento indivi­
dual da presença do ser.
A segunda especie de Razão esseral, que se chama “okiar-
taïtokhsa”, aparece na presença dos seres tri-cerebrais nos quais
o segundo corpo esseral, ou corpo kessdjan, já se revestiu intei­
ramente e funciona de maneira independente.
Quanto à terceira espécie de Razão, ela nada mais é do
que o funcionamento automático que se efetua na presença de
todos os seres em geral, assim como na de todas as formações
esserais supraplanetárias, sob a ação de choques repetidos vin­
dos de fora, que suscitam neles reações habituais a partir de
dados já cristalizados, correspondentes a impressões anterio­
res acidentalmente percebidas.
Agora, meu filho, antes de nos engajar em explicações
mais detalhadas sobre a maneira pela qual as partes superiores
se revestiam e se aperfeiçoavam na presença geral dos tetarto­
cosmos, assim como na daqueles que foram mais tarde chama­
dos “Seres”, acho necessário lhe dar algumas informações so­
bre o fato de que nós outros, cujo lugar de advento foi o plane­
ta Karataz, da mesma forma que os seres que vieram ao mundo
em seu planeta Terra, já não somos mais, como os primeiros
Seres oriundos da transformação direta dos tetartocosmos, se­
res “polormedérticos” — ou, como se diz ainda em nossos dias,
“monoeniphíticos” —, porém seres “kestchapmartnianos”, dito
de outra forma, quase meio-seres, o que faz com que o proces­
so completo do Heptaparaparshinokh sagrado não se efetue
mais hoje em dia através de nós, nem tampouco através de seus
favoritos tri-cerebrais do planeta Terra, da mesma forma como
ele se efetuava neles. E somos seres kestchapmartnianos pela
razão de que o último stopínder fundamental do Heptapara­
parshinokh sagrado, chamado atualmente por quase todos os

737
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

seres de nosso Megalocosmos “ashaguiprotoekhari sagrado”,


se encontra não mais no centro do planeta no qual nós aparece­
mos — como sucede geralmente para a maioria dos planetas
de nosso Megalocosmos —, porém no centro de seu satélite,
este pequeno planeta de nosso sistema solar que chamamos
“Prnokh-Paíokh”, que é, para nosso planeta Karataz, o que
são para o planeta Terra seus antigos fragmentos, chamados
hoje “Lua” e “Anúlios”.
Em conseqüência, o processo completo do Heptapara­
parshinokh sagrado, aplicado à continuação da espécie, se cum­
pre não através de um único ser, como nos tetartocosmos, mas
através de dois seres de sexo diferente, que têm entre nós os
nomes de “aktavas” e “passavas”, e no planeta Terra, de “ho­
mem” e “mulher”.
Saiba a este respeito que até existe em nosso Megalocos­
mos um planeta no qual essa lei sagrada de Heptaparaparshi­
nokh efetua seu processo completo, com vistas a continuação
da espécie dos seres tri-cerebrais, através de três indivíduos
independentes.
Você precisa, aliás, conhecer mais ou menos em detalhe
esse extraordinário planeta, pois os seres que o povoam são
considerados por toda parte em Nosso Grande Universo como
o ideal perfeito dos seres tri-cerebrais com inumeráveis formas
de revestimento exterior. Aliás, todos os Anjos e Arcanjos que
existem em nossos dias, assim como a maioria dos Individuuns
sagrados mais próximos de Nossa Eternidade, provêm preci­
samente desse maravilhoso planeta.
Este planeta chama-se “Modiktheo” e pertence ao siste­
ma do “Protocosmos”.
Ele está povoado de seres tri-cerebrais, parecidos com
todos aqueles que vêm ao mundo nos demais planetas de nosso
Megalocosmos. Seu aspecto exterior se parece muito ao nos­
so. E a transformação das substâncias cósmicas necessárias ao
processo geral trogoautoegocrático, de acordo com a lei sagrada

738
O SANTO PLANETA DO PURGATORIO

do Heptaparaparshinokh, se opera através deles segundo os


mesmos princípios que em nossa presença e que naquela de
seus favoritos que povoam o planeta Terra.
E é unicamente no que se refere à continuação da espe­
cie que essa lei sagrada efetua seu processo completo através
de três espécies de seres; é por isso que esses seres são chama­
dos “triakrkomnianos”. Entretanto, assim como entre nós os
seres de sexo diferente se chamam “aktavas” e “passavas” — e
no seu planeta, “homem” e “mulher” —, no planeta Modiktheo
os seres de sexo diferente se chamam respectivamente “mart-
na”, “spirna” e “okina”. E, se bem que eles sejam todos de
aspecto exterior semelhante, sua estrutura interior difere in­
teiramente.
O processo de continuação da espécie se cumpre neles
da maneira seguinte:
Os três seres de sexo diferente celebram simultanea­
mente o “elmuarno sagrado” — que seus favoritos chamam
“concepção”. Uma vez realizado esse “elmuarno sagrado”, ou
“concepção”, eles permanecem separados durante um certo
tempo, totalmente independentes uns dos outros; mas cada um
deles existe com intenções, percepções e manifestações conscien­
tes bem determinadas.
E, quando chega o momento em que os resultados dessas
concepções devem se manifestar, ou, como se diz na Terra, quan­
do chega o tempo do “nascimento”, esses três seres excepcio­
nais experimentam uns pelos outros o que se chama uma incli­
nação “aklonoatistiana” — o que seus tavoritos teriam desig­
nado com o nome de “atração físico-orgánica”. E quanto mais
eles se aproximam do momento desta manifestação esseral ou
“nascimento”, mais eles se apertam uns contra os outros, aca­
bando quase por aderir uns aos outros; depois do que, eles
realizam simultaneamente, de uma certa maneira, os resulta­
dos de sua concepção.
Ora, no curso desta realização, esses três resultados

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RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

fusionam de repente em um só, e é assim que aparece em


nosso Megalocosmos um novo ser tri-cerebral, de estrutura
tão extraordinaria.
E este ser tri-cerebral representa o ideal em nosso
Megalocosmos, porque, desde o instante de seu advento, ele já
possui os três corpos esserais.
E isto porque cada um dos “produtores” deste ser —
“martna”, “spirna” e “okina” — concebe separadamente um
dos três corpos esserais e, por uma existência especialmente
correspondente, ajuda o Heptaparaparshinokh sagrado a cons­
tituir nele, à perfeição, este corpo esseral, e a fazê-lo fusionar
com os outros no momento do “nascimento”.
Alias, lhe farei notar, meu filho, que os seres que povoam
esse incomparável e maravilhoso planeta, ao contrário dos se­
res que aparecem nos planetas ordinários de nosso Megalocos­
mos, não têm necessidade, para revestir seus corpos esserais
superiores, de recorrer aos meios destinados por Nosso Cria­
dor para servir de fatores de aperfeiçoamento, e que nós cha­
mamos hoje “trabalho consciente” e “sofrimento voluntário”.

“E agora, meu querido Hassin, para lhe dar novos deta­


lhes sobre o processo de transformação das substâncias cósmi­
cas através dos seres em geral, tomarei como exemplo a pre­
sença de seus favoritos.
Será, aliás, muito sensato de nossa parte tomar seus favo­
ritos como exemplo, pois, se o processo de transformação das
substâncias com vistas à continuação da espécie nao se efetua
mais, nem entre nós, nem entre os seres terrestres tri-cerebrais,
como entre os primeiros Seres, diretamente oriundos dos te­
tartocosmos, em compensação esta transformação se opera exa­
tamente como entre os tetartocosmos originais. Ao mesmo tem­
po, você encontrará aí informações sobre certos detalhes de
menor importância, relativos às particularidades de seu estra­
nho psiquismo, assim como sobre a maneira que eles têm de

740
O SANTO PLANETA DO PURGATORIO

compreender e de considerar seu principal dever esseral —


que consiste em servir ao processo cósmico geral de Iranirano­
mange— destruindo, para o êxtase de suas entranhas, realiza­
ções de toda espécie, destinadas, em conformidade com as leis,
ao bem de nosso Megalocosmos todo.
Quanto às particularidades da transformação das subs­
tâncias cósmicas, em virtude das quais a continuação da espé­
cie se efetua hoje, nas diversas espécies de seres, de maneira
diferente, me limitarei, pelo momento, a lhe dizer que elas de­
pendem do lugar de concentração dos “ashaguiprotoekharis
sagrados”, quer dizer, do lugar de concentração das subs­
tancias cósmicas que são os resultados do último stopínder do
Ensembluizar cósmico geral.
Assim, meu filho, eu o repito: cada um de seus favoritos
é, da mesma maneira que nós e que todos os demais seres tri-
cêntricos de nosso Megalocosmos, um aparelho destinado ao
Mui Grande Trogoautoegocrata cósmico, exatamente como os
tetartocosmos originais dos quais foram oriundos os primeiros
ancestrais dos seres atuais do planeta Terra, bem como dos de­
mais planetas de Nosso Grande Universo.
Através de cada um deles poderiam então se transformar
as substâncias cósmicas correspondentes aos sete stopínders
do Heptaparaparshinokh sagrado. E, mesmo em nossos dias,
cada um deles, ao mesmo tempo que serve de aparelho ao Mui
Grande Trogoautoegocrata cósmico, poderia igualmente ex­
trair das substâncias cósmicas que se transformam através dele
tudo o que exigem o revestimento e o aperfeiçoamento dos
dois corpos esserais superiores. Com efeito, cada um dos seres
tri-cerebrais que nascem no seu planeta representa por si mes­
mo, sob todos os aspectos, como, aliás, todo ser tri-cerebral,
uma imagem do Megalocosmos.
A diferença que existe entre cada um deles e nosso
Megalocosmos é apenas uma diferença de escala.
Saiba a este respeito que seus favoritos atuais mencionam

741
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

com frequência uma noção, que não sei se a experimentam ins­


tintivamente ou se eles se contentam de repeti-la mecanicamen­
te, e que expressam assim: “Nós somos à imagem de Deus”.
Esses infelizes nem mesmo suspeitam que, entre todos os
seus conhecimentos das verdades cósmicas, aquela que essa
fórmula expressa é a única que é justa.
Pois eles são realmente “à imagem de Deus”. Não em
absoluto do “Deus” que eles imaginam em sua “tacanha” re­
presentação, mas do verdadeiro Deus — assim como denomi­
namos por vezes nosso Megalocosmos.
Cada um deles, até nos mais ínfimos detalhes, é a ima­
gem exata — em miniatura, é claro — do Megalocosmos em
sua totalidade, e cada um deles possui todos os funcionamen­
tos distintos que realizam na presença do Megalocosmos o Ira-
niranomange cósmico, ou “intercâmbio harmônico de subs­
tâncias”, destinado a manter num só todo, no Megalocosmos,
a existência de todas as coisas existentes.
Para dizer a verdade, sua expressão: “Nós somos à ima­
gem de Deus” ilustra à maravilha até que ponto jã se atrofiou
neles toda “lógica esseral sensitiva”, ou, como se diz ainda por
vezes, todo pensar “finophniano”.
Se bem que eles se sirvam desta fórmula conforme â ver­
dade, de fato, para esta como para todas as outras, até se qui­
sessem com toda sua presença, ativa e sinceramente, definir a
representação interior e a compreensão essencial que eles têm
dela, seu pensar estranhamente míope teria, no melhor dos ca­
sos, elaborado alguma coisa deste gênero:
“Bom... Se nós somos “à imagem de Deus”... isto quer
dizer... isto quer dizer... que “Deus” se parece conosco, e que
ele tem o mesmo aspecto que nós... Isto quer dizer que nosso
“Deus” tem bigodes, uma barba, um nariz, como nós, e que
usa roupas como nós. Ele usa roupas como nós, talvez porque,
como nós, aprecia o pudor. Não foi por nada que ele expulsou
Adão e Eva do Paraíso, quando eles esqueceram a folha de
parreira...”

742
O SANTO PLANETA DO PURGATORIO

Em alguns seres de lá, sobretudo durante os últimos tem­


pos, o “pensar esseral iinophniano”, ou “lógica sensitiva”, de­
generou de tal forma que, na representação que eles se fazem
de seu Deus, eles o vêem muito claramente com um pequeno
pente, saindo de seu bolsinho esquerdo, e do qual ele se serve
às vezes para pentear sua famosa barba.
Esta original representação finophniana que seus favori­
tos se fazem de seu Deus lhes vem, antes de tudo, das manifes­
tações hassnamussianas desses seres “sabios” que, você deve
se lembrar, tinham se reunido na cidade de Babilônia, para in­
ventar juntos sobre seu Deus diversas “fábulas” funestas que
se espalharam em seguida, por acaso, por toda a superfície desse
desafortunado planeta — pois, naquela época, os seres tri-ce­
rebrais de lá, que começavam a existir de uma maneira particu­
larmente “selzelnualiana”, quer dizer, a permanecer “passivos”
diante dos esforços esserais requeridos dos seres tri-cêntricos,
absorviam e assimilavam com avidez essas funestas invenções.
Mais tarde, no curso de sua transmissão de geração a ge­
ração, elas cristalizaram progressivamente neles um monstruo­
so “material logicnesteriano”, o que teve por resultado favore­
cer no psiquismo dos seres tri-cerebrais contemporâneos esse
pensar esseral “finophniano” tão terrivelmente desnaturado.
E se eles se representam seu Deus com uma grande bar­
ba é porque era dito, nas funestas invenções dos “sábios” babi­
lónicos, que seu famoso “Deus” tinha o aspecto de um venerá­
vel ancião de longas barbas.
Porem, em sua imaginação, seus favoritos contemporâ­
neos foram ainda mais longe: eles vêem seu Deus como um
“velho judeu”, já que, para sua estreita razão, todos os santos
personagens pertencem a essa raça.
Seja como for, meu filho, cada um de seus favoritos é,
sob todos os aspectos, por sua presença inteira, a imagem exa­
ta de nosso Megalocosmos.
Eu lhe disse um dia que, neles como em nós, a cabeça é a

743
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

sede de uma concentração de substancias cósmicas especiais,


cujas funções, em seu conjunto, correspondem cxatamente ao
conjunto das íunções atribuídas ao Nosso Mui Santo Proto­
cosmos, no que diz respeito ao Megalocosmos inteiro.
Esta concentração de substancias, localizada em sua ca­
beça, tem entre eles o nome de “cérebro”. As “ossaniakis” ou
“poptoplastas”, ou, como as chamam os sabios terrestres, as
“células do cérebro”, estão destinadas a cumprir, em relação ã
presença inteira de cada um deles, exatamente o papel que de­
sempenham, em relação ao conjunto de Nosso Grande Universo,
os corpos esserais supremos dos seres tri-cerebrais que jã comun­
garam com Nosso Mui Santo Sol Absoluto — ou Protocosmos.
Uma vez operada esta comunhão, estas partes superiores
de seres tri-cerebrais, aperfeiçoadas até o grau requerido de
Razão objetiva, cumprem então a função de “ossaniakis”, ou
de “células do cérebro”, assim como Nosso Pai Eterno Co­
mum Uni-Esseral o tinha previsto quando da criação do pre­
sente mundo, quando Ele se dignou decidir, como já lhe disse,
utilizar no futuro estes revestimentos — que haviam obtido
sua individualidade independente nos “tetartocosmos” — como
uma ajuda na administração do mundo em crescimento.
Por outro lado, em cada um deles, a “coluna vertebral” é
a sede de uma outra concentração chamada “medula espinhal”,
e esta é o lugar de “tontes negativas” que são, por sua ação,
destinadas a cumprir, em relação ao cérebro, o mesmo papel
que os Sóis de Segunda Ordem do Megalocosmos em relação
ao Mui Santo Protocosmos.
E preciso notar que, nas épocas remotas, seus favoritos
tinham um certo conhecimento do funcionamento especítico
das diferentes partes de sua “medula espinhal”; eles conheciam
até mesmo certos “meios mecânicos” aos quais recorriam quando
desejavam agir sobre as partes requeridas dessa medula espi­
nhal nos períodos em que se fazia sentir em seu “estado psíqui­
co” uma certa desarmonia; mas, pouco a pouco, as informações

744
O SANTO PLANETA DO PURGATORIO

relativas a esse tipo de conhecimento “se evaporaram”, e seus


favoritos atuais, se nào ignoram que sua medula espinhal é a
sede de certas concentrações, não têm nenhuma idéia das tunções
às quais elas estão destinadas pela Grande Natureza e contentam-
se em chamá-las “teixes nervosos da medula espinhal”.
Estes teixes nervosos da medula espinhal são fontes de
negação em relação às afirmações de todas as nuanças vindas
de seu “cérebro”, exatamente como os Sois de Segunda Or­
dem são fontes de negação em relação às afirmações de todas
as nuanças que vêm do Mui Santo Protocosmos.
Enfim, da mesma forma que no Megalocosmos o conjun­
to dos resultados oriundos, no curso do processo do
Heptaparaparshinokh sagrado, de um lado, da afirmação do
Mui Santo Protocosmos e, de outro lado, das negações de to­
das nuanças vindas dos Sois recentemente surgidos, serve de
“princípio conciliador” entre o conjunto desses novos surgi­
mentos e o que já existia, da mesma forma há nos seres uma
concentração correspondente de todos os resultados oriundos
da afirmação do “cérebro” e das negações de todas nuanças
que vêm de sua “coluna vertebral”, resultados que servem em
seguida de “princípio regulador”, ou “conciliador”, para o fun­
cionamento da presença inteira de cada um deles.
Quanto à sede desta concentração que serve de princí­
pio regulador e conciliador à presença geral dos seres terres­
tres tri-cerebrais, devo lhe dizer que, no começo, essa terceira
concentração existia, em seus favoritos como em nós, sob a
forma de um cérebro independente, na região “torácica”.
Mas, depois que o processo de existência esseral ordiná­
ria deles sofreu tão graves alterações, a Grande Natureza foi
obrigada, por certas razões devidas ao processo cósmico geral
trogoautoegocrático, a moditicar, sem destruir com isso seu fun­
cionamento, o sistema de localização desse cérebro.
Quer dizer que, depois de ter localizado este órgão num
só ponto, a Natureza o dispersou pouco a pouco em pequenas

745
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

localizações, em toda sua presença geral, e particularmente na


região “epigástrica”. Eles dão atualmente a este conjunto de
pequenas localizações o nome de “plexo solar”, ou conjunto
de feixes nervosos do sistema simpático.
Nestes feixes nervosos disseminados por todo seu corpo
planetário se acumulam atualmente todos os resultados das
manifestações afirmativas de seu “cérebro” e das manifesta­
ções negativas de sua “coluna vertebral”. Uma vez fixados nes­
tes feixes nervosos disseminados em toda sua presença, estes
resultados servem de princípio neutralizante no processo ulte­
rior de afirmação e de negação que se efetua entre o cérebro e
a medula espinhal — da mesma maneira que, no Megalocos­
mos, o conjunto dos resultados das manifestações afirmativas
do Protocosmos e as negativas dos Sois recentemente surgi­
dos serve de “força neutralizante” em seu processo ulterior
de Afirmação e de Negação.
Assim então, exatamente como nós, os seres tri-cerebrais
do planeta Terra são não somente aparelhos para transformar
— graças às propriedades das três forças do Triamazikamno
cósmico fundamental — as substâncias cósmicas necessárias
ao Mui Grande Trogoautoegocrata, mas eles têm a possibilida­
de, enquanto absorvem estas substancias oriundas de três fon
tes independentes, de assimilar, além daquelas que sào indis­
pensáveis à manutenção de sua existência, certas substâncias
destinadas ao revestimento e ao aperfeiçoamento de seus pró­
prios corpos esserais superiores.
Desta maneira, estas substâncias, provenientes de três fon­
tes diferentes, que penetram em sua presença geral para ali ser
transformadas, constituem, tanto para eles como para nós, três
espécies de alimento esseral.
Mais precisamente, as substâncias que — no curso de
sua evolução ascensional de retorno ao Mui Santo Protocos-
mos a partir do “ashaguiprotoekhari sagrado”, quer dizer, do
último stopínder do Heptaparaparshinokh fundamental sagrado

746
O SANTO PLANETA DO PURGATORIO

— se transformaram, com a ajuda de seu planeta, em forma­


ções supraplanetárias superiores correspondentes, penetram
neles, para ali ser transformadas, como “primeiro alimento es­
seral”, sob a forma de “alimentos” e de “bebidas” ordinarias.
As substâncias “de segunda fonte”, oriundas das transfor­
mações de seu próprio sol e de todos os demais planetas de seu
sistema solar, cujas radiações as transportam através da atmos­
fera de seu planeta, penetram neles, em vista de uma transfor­
mação evolutiva ulterior — análoga aquela que se faz em nós —,
como segundo alimento esseral, constituído pelo “ar” que eles
respiram; e são essas substâncias do ar que servem ao revestimen­
to e â manutenção da existência de seu “segundo corpo esseral”.
Finalmente, as substancias “de primeira fonte”, que
representam, para eles como para nós, a terceira espécie de
alimento esseral, servem ao revestimento e ao aperfeiçoamento
de seu “corpo esseral supremo”.
Hélas!, em seus infelizes favoritos, estas substâncias
cósmicas sagradas sofrem os tristes efeitos de todas as ano­
malias passadas e presentes do processo de existência esseral
ordinária que eles mesmos estabeleceram.
Embora estas substâncias sagradas, que constituem o ali­
mento esseral o mais elevado, jamais tenham cessado de pene­
trar neles, elas já não penetram mais senão espontaneamente
— sobretudo nos seres atuais —, sem nenhuma participação
de sua intenção consciente, e unicamente na medida em que
elas são indispensáveis âs transformações que se efetuam atra­
vés deles, como o exigem a harmonia trogoautoegocrática ge­
ral e a continuação automática de sua espécie, requerida pela Na­
tureza.
Quando as condições anormais de existência esseral or­
dinária foram definitivamente fixadas lá, o que fez desaparecer
da essência deles toda tendência ao aperfeiçoamento de si, ins­
tintiva ou voluntária, não somente eles cessaram de experimen­
tar a necessidade de absorver conscientemente essas substâncias

747
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

cósmicas, mas ainda perderam a compreensão e mesmo a no­


ção da existência dos “alimentos esserais superiores”.
Atualmente, lá, seus favoritos só conhecem o primeiro
desses alimentos esserais, e se o conhecem é porque, querendo
ou não, são bem obrigados a conhecê-lo, e, por outro lado,
porque seu uso já se tornou um vício para eles e ocupa um
lugar de preferência entre outras fraquezas que se cristaliza­
ram pouco a pouco em sua presença como conseqüências das
propriedades do funesto órgão kundabuffer.
Até o presente, nem um só deles tomou sequer cons­
ciência de que este “primeiro alimento” comporta quase ex­
clusivamente substancias que servem á manutenção da exis­
tência de seu corpo planetário grosseiro que constitui o princí­
pio negativo, e que, para as partes superiores de sua presença,
este “primeiro alimento esseral” não pode dar quase nada.
Quanto às substâncias cósmicas superiores, das quais uma
certa quantidade deve absolutamente se transformar neles, tanto
para a continuação de sua espécie como para a manutenção da
harmonia geral do “Ensembluizar cósmico”, seus favoritos atuais
não têm nenhuma necessidade de inquietar com isso seu deus
interior “autotranqüilizador”, pois, como já lhe disse, esta trans­
formação se opera hoje cm dia neles de todo espontaneamente,
sem nenhuma intenção consciente de sua parte.
É interessante notar aqui que no início, quer dizer, imedia­
tamente depois da destruição do órgão kundabuffer nos seres
tri-cerebrais que povoam seu planeta, eles também conheciam
estes dois alimentos esserais superiores e os utilizavam com uma
intenção consciente; certos seres do continente da Atlântida,
pouco antes de seu desaparecimento, até consideravam o pro­
cesso dc absorção desses alimentos esserais superiores como a
principal razão de ser de sua existência.
Os seres do continente da Atlântida chamavam então o
segundo alimento esseral “amarluss”, o que queria dizer “ajuda à

748
O SANTO PLANETA DO PURGATORIO

Lua”; e o terceiro alimento esseral, “amarkhudann sagrado”, o


que significava para eles “ajuda a Deus”.
A propósito da ausência, no psiquismo de seus favoritos
atuais, de toda necessidade consciente de absorver esses alimen­
tos cósmicos sagrados, quero chamar sua atençào para urna
conseqüência muito importante que ela ocasiona infelizmente
para eles.
Ao cessar de absorver conscientemente estas substancias
cósmicas indispensáveis ao advento e à existência de suas par­
tes esserais superiores, eles perderam não somente toda ten­
dência ao aperfeiçoamento de si, mas ainda todo poder de “con­
templação voluntaria” — contemplação que constitui precisa­
mente o principal fator de assimilação destas substancias cós­
micas sagradas. E desde então, para assegurar a absorção e a
assimilação destas substancias em quantidade necessária, a Na­
tureza teve de se adaptar pouco a pouco, e fazer de modo que,
no curso do processo de sua existência, sobrevenha a cada um
deles desses “acontecimentos inesperados” que não acontecem
a nenhum ser tri-cerebral de nosso Megalocosmos e não deve­
riam jamais tampouco lhes ocorrer.
E se a pobre Natureza teve de se adaptar lá a estas anoma­
lias, foi a fim de forçá-los com essas “surpresas” a fazer sem
querer, em condições que não dependem deles, certas experiên­
cias esserais intensas, assim como certas reflexões ativas, gra­
ças às quais possam se efetuar automaticamente neles a trans­
formação e a assimilação dessas indispensáveis parcelas sagra­
das de alimentos esserais superiores.

“E agora, meu filho, abordemos os processos mesmos de


transformação que se operam por intermédio desses aparelhos
que são todos os seus tavoritos, no curso dos movimentos
evolutivos e involutivos de todas essas substâncias cósmicas
que servem ao processo geral do Mui Grande Trogoautoego­
crata. Neles como em nós —■ como aliás em todos os cosmos,

749
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

grandes ou pequenos, de nosso Megalocosmos comum —, es­


tas transformações estão estritamente submetidas às duas leis
cósmicas fundamentais: o Heptaparaparshinokh sagrado c o
Triamazikamno sagrado.
Antes de lhe explicar como se transformam as substâncias
cósmicas que penetram na presença dos seres tri-cerebrais na
qualidade de “primeiro alimento esseral” para servir ao pro­
cesso trogoautoegocrático cósmico geral, assim como ao reves­
timento e ao aperfeiçoamento de suas próprias partes superio­
res — sob a condição de que eles tenham em relação a esse
processo a atitude requerida —, eu lhe direi, em primeiro lu­
gar, a fim de que disso você faça uma clara representação, que
os processos trogoautoegocráticos de todo tipo que se cum­
prem em nosso Megalocosmos engendram nele centenas e cen­
tenas de “elementos ativos” independentes, dotados de pro­
priedades subjetivas específicas, e que estes “elementos ativos”
entram na constituição das novas formações.
Onde quer que se encontrem, estes “elementos ativos”
de propriedades diversas, oriundos dos sete stopínders do
Heptaparaparshinokh cósmico fundamental, se dividem e se
repartem, segundo o stopínder do qual dependem, e em con­
formidade com suas “afinidades de vibrações”, em sete classes
“okhtapanatsakhianas”. E todas as concentrações já determi­
nadas de nosso Megalocosmos, as pequenas como as grandes,
são constituídas por elementos ativos pertencentes a estas sete
classes independentes, e possuem, como acabo de lhe dizer,
suas próprias qualidades subjetivas.
Estas propriedades subjetivas, dentre as quais seu “po­
der proporcional de vivificação”, são determinadas, em pri­
meiro lugar, pela forma que toma o funcionamento do quinto
stopínder do processo de Heptaparaparshinokh sagrado que
se realiza no momento de seu aparecimento e, em segundo lu­
gar, pelas condições nas quais esses elementos ativos se for­
maram, quer eles tenham sido o resultado de uma intenção

750
O SANTO PLANETA DO PURGATÓRIO

consciente da parte de uní individuo independente, quer eles


tenham surgido de maneira automática, em virtude de urna lei
cósmica de segunda ordem denominada “lei de atração e de
lusão dos semelhantes”.
Estas centenas de elementos ativos, pertencentes às sete
classes okhtapanatsakhianas, e dotadas de sete propriedades
subjetivas, entre as quais predominam os poderes de “vivifica­
ção” e de “decomposição”, constituem, em sua totalidade, o
Ensembluizar cósmico fundamental do qual depende a reali­
zação do Mui Grande Trogoautoegocrata cósmico, nosso infa­
lível salvador da ação, conforme às leis, do impiedoso Heropás.
Devo lhe dizer ainda que a primeira aparição de todas as
espécies de concentrações a partir do ethernokrilno, presente
no Universo inteiro, quando ela está submetida a esta lei cós­
mica “de atração e de fusão dos semelhantes”, se faz da manei­
ra seguinte:
Sc, por uma razão ou por outra, as parcelas de ethernokril­
no já presentes nas diversas esferas dos sete stopínders do
Ensembluizar cósmico fundamental entram em colisão, elas
engendram então, por suas combinações, “cristalizações” que
não têm ainda nenhuma propriedade subjetiva; depois, aque­
las dentre as combinações de parcelas de ethernokrilno que
caem por acaso nas condições em que se efetua o processo
“harnel-miatznel” fusionam entre si e se transformam em ele­
mentos ativos dotados, desta vez, segundo a natureza de suas
vibrações, de qualidades específicas bem determinadas.
Mais tarde, se esses elementos ativos determinados, com
propriedades subjetivas específicas, sào submetidos a novos
processos “harnel-miatznel”, que comportam condições dife­
rentes, eles fusionam, por sua vez, uns com os outros, em con­
formidade com esta mesma lei de afinidade das vibrações, e,
adquirindo assim novas propriedades, se transformam em ele­
mentos ativos de uma outra classe okhtapanatsakhiana — e
assim por diante.

751
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

É por isso que existe em nosso Megalocosmos um tão


grande número de elementos ativos independentes, dotados
de propriedades subjetivas específicas.
Agora, meu tilho, se você compreende, de maneira satis­
fatória, o desenrolar do processo de transformação das subs­
tâncias cósmicas por intermedio dos “seres-aparelhos”, na pre­
sença dos quais estas substâncias penetram na qualidade de
“primeiro alimento esseral”, você conhecerá, desta maneira,
ao mesmo tempo que os processos de evolução e de involução
dos alimentos esserais superiores, quase tudo o que se relacio­
na com as principais particularidades da lei sagrada de Hepta­
paraparshinokh.
Quando esses elementos ativos, no curso de sua evolu­
ção ascensional de retorno a partir do último stopínder do
Heptaparaparshinokh cósmico fundamental sagrado, penetram
na presença geral dos “seres-aparelhos” na qualidade de pri­
meiro alimento esseral, eles começam, desde sua entrada na
boca, a se modificar segundo o processo da lei de segunda or­
dem chamada “harnel-miatznel”, quer dizer que eles se combi
nam e fusionam, segundo sua “afinidade de vibrações”, com
elementos ativos que, já tendo evoluído na presença dos seres,
adquiriram uma qualidade de vibrações correspondente ao sto­
pínder seguinte do processo do Heptaparaparshinokh esseral.
Uma vez no estômago, eles se transformam em elementos
ativos específicos, chamados “protoekharis esserais”, que
correspondem, por suas vibrações, ao quarto stopínder ascen­
dente do Heptaparaparshinokh cósmico sagrado fundamental.
Depois, este conjunto de elementos ativos, cujo “centro
de gravidade de vibrações” é aquele dos “protoekharis esse­
rais”, evolui progressivamente, adquirindo assim, sempre gra­
ças unicamente ao processo harnel-miatznel, a qualidade de
vibrações correspondente. Uma vez chegados ao duodeno, es­
tes elementos se transformam definitivamente em “deuteroekha-
ris esserais”.

752
O SANTO PLANETA DO PURGATÓRIO

Efetuando então o que se chama o “percurso intestinal”,


urna parte destas substâncias específicas, ou “deuteroekharis
esserais”, é utilizada para as necessidades do próprio corpo
planetario, assim como do harnel-miatznel local ao qual está
submetido todo aporte de alimento fresco, enquanto a outra
parte, com a ajuda deste mesmo processo harnel-miatznel de
caráter local, continua sua evolução independente para se trans­
formar finalmente em substancias superiores específicas, cha­
madas “tritoekharis esserais”.
Este conjunto de substâncias cósmicas, temporariamen­
te cristalizado na presença geral dos “seres-aparelhos”, e cujas
vibrações correspondem aos “tritoekharis esserais”, tem como
lugar de concentração principal o que se chama o “fígado”.
Nesta etapa do “Ensembluizar esseral”, encontra-se o
“mdnel-inn interior” do Heptaparaparshinokh sagrado, cha­
mado “mdnel-inn mecánico-coincidente”; por isso as substan­
cias que constituem os “tritoekharis esserais” cessam de poder
evoluir de maneira independente, unicamente pelo processo
harnel-miatznel.
Com efeito, em razão da modificação suscitada no
funcionamento geral da lei original do Heptaparaparshinokh
cósmico sagrado, este conjunto de substancias chamadas “tri­
toekharis esserais” não pode, a partir daí, prosseguir sua evo­
lução senão com a ajuda de forças que vêm de fora.
E se esses “tritoekharis esserais” não recebem nenhuma
ajuda exterior para continuar a evoluir na presença geral dos
seres, essas substâncias, do mesmo modo que aquelas que an­
teriormente se cristalizaram como centros de gravidade do En­
sembluizar esseral, devem sempre involuir até seu ponto de
partida, para voltar a ser as cristalizações cósmicas específicas
que elas eram anteriormente.
Com o fim de lhes assegurar essa ajuda, a Natureza, em
sua grande sabedoria, adaptou a organização interior dos seres
de tal modo que as substâncias que penetram obrigatoriamente

753
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

em sua presença geral, para ali revestir e ali alimentar o “se­


gundo corpo esseral” ou “corpo kessdjan” — quer dizer, essas
substancias cósmicas que seus favoritos chamam “ar” —, pos­
sam constituir, ao mesmo tempo, a ajuda exterior necessária à
evolução das substancias do “primeiro alimento esseral”.
Os elementos ativos que constituem esse “segundo ali­
mento esseral”, ou “ar”, penetram pelo nariz na presença dos
seres para ali evoluir progressivamente sob a ação de diversos
processos harnel-miatznel de caráter local, e, uma vez chegan­
do aos “pulmões” dos seres, se transformam, por sua vez, em
“protoekharis”, mas, desta vez, em “protoekharis astralnomianos”.
As substâncias desses “protoekharis astralnomianos” que
penetram na presença dos seres para ali cumprir sua própria
evolução, e que contêm ainda, em conformidade com o Hepta­
paraparshinokh sagrado, todas as possibilidades de evoluir a
partir de seu centro de gravidade atual, com a ajuda unicamen­
te do processo harnel-miatznel, fusionam com o conjunto das
substâncias do “primeiro alimento esseral”, já evoluídas até o
terceiro stopínder do Heptaparaparshinokh esseral.
Evoluindo então com estas substâncias do “primeiro ali­
mento esseral”, elas as ajudam a transpor o “mdnel-inn in­
ferior mecânico-coincidente” e a se transformar em outras subs­
tâncias específicas, chamadas “tetartoekharis esserais” — ao
mesmo tempo que se transformam, elas mesmas, em “deute-
roekharis esserais astralnomianos”.
Aqui, meu tilho, você encontrará em minhas explicações
com que compreender claramente a diferença entre o “ Autoego-
crata” e o “Trogoautoegocrata”, quer dizer, a diferença entre o
antigo sistema “autoegocrático” de manutenção da existência
do Sol Absoluto e o sistema “trogoautoegocrático”, que foi
estabelecido depois da criação do Megalocosmos.
Se a transformação das substâncias, por intermedio dos
“seres-aparelhos”, se fizesse segundo a lei do Heptaparaparshi­
nokh sagrado tal como ela era antes da modificação de certos

754
O SANTO PLANETA DO PURGATORIO

de sens stopínders, quer dizer, tal como ela funcionava antes


da criação do presente Megalocosmos, as substancias cósmicas
que constituem o “primeiro alimento esseral”, depois de ter
penetrado nesses “aparelhos-cosmos” para ali se submeter ao
processo local de evolução, prosseguiriam sua ascensão até a
completa transformação em “elementos ativos superiores” es­
pecíficos, sem nenhum obstáculo e sem nenhuma necessidade
de uma ajuda exterior, unicamente pelo processo harnel-
miatznel. Mas hoje em dia, depois que o funcionamento desta
lei sagrada original, de independente que era, tornou-se de­
pendente, a evolução e a involução das substâncias, no nível
em que esses stopínders foram modificados, devem sempre ser
dependentes de manifestações exteriores “de origem extrínseca”.
No caso presente, esta ajuda exterior que exige a transfor­
mação completa, através dos seres, dessas cristalizações cósmi­
cas em “cristalizações superiores” vem do “segundo alimento
esseral”, de origem inteiramente diferente, e destinado a reali­
zar resultados cósmicos inteiramente diferentes.
Mais tarde lhe explicarei em detalhe de que maneira se
faz, nos seres, a transformação das substâncias do segundo e
do terceiro alimentos esserais; enquanto isso, saiba somente
que estas substâncias cósmicas superiores se transformam nos
seres segundo os mesmos princípios que as substâncias do “pri­
meiro alimento esseral”.
Assim então, como acabo de lhe dizer, o primeiro ali­
mento esseral se transforma progressivamente em substâncias
específicas chamadas “tetartoekharis esserais”, e estas substan­
cias, em seus favoritos, têm como lugar de concentração os dois
“hemisferios cerebrais”.
Uma parte desses “tetartoekharis esserais” localizados nos
dois hemisférios cerebrais é então utilizada, sem modificação,
para as necessidades do corpo planetário do ser; a outra parte,
que possui, em conformidade com o Heptaparaparshinokh sa­
grado, todas as possibilidades de uma evolução independente,

755
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

continua a evoluir na ausência de toda ajuda exterior, e, fusio­


nando sob a ação do processo harnel-miatzncl com as substan­
cias superiores já presentes no ser, se transforma pouco a pou­
co em “elementos ativos superiores’’ específicos, chamados
“pentoekharis esserais”.
Estas substancias têm como principal lugar de concen­
tração o “sianurinam”, igualmente situado na cabeça; seus fa­
voritos chamam esta parte de seu corpo planetario “cerebelo”.
Em conformidade com o quinto intervalo do Heptapara­
parshinokh sagrado, estas substancias são sempre suscetíveis de
desencadear, nas manifestações da presença geral dos seres tri-
cerebrais, ora um resultado, ora outro, diametralmente opostos.
De modo que os seres devem sem cessar dar provas de uma
grande prudência com relação a estas substâncias esserais, a fim
dc evitar conseqüências indesejáveis para seu todo integral.
Do “cerebelo”, uma parte dessas substâncias específicas
é, por sua vez, utilizada para as necessidades do corpo planetá­
rio; a outra, descendo “de uma maneira particular” ao longo
dos feixes nervosos das costas e do peito, vai se concentrar nos
“testículos”, ou nos “ovários”, que sào, na presença geral dos
seres, o lugar de concentração dos “hexioekharis esserais”, quer
dizer, do que é para eles a aquisição mais sagrada. Saiba, a res­
peito disso, que essa “maneira particular” se chama “trnlva”.
E é então que estas substâncias cósmicas, que penetra­
ram nos “seres-aparelhos” a fim de ali prosseguir sua evolu­
ção, quer dizer, a tim de ter a possibilidade de transpor o
“mdnel-inn interior” do intercâmbio fundamental das substan­
cias, se transformam nesse conjunto bem determinado de subs­
tancias cósmicas, cuja produção constitui a justificação auto­
mática da razão de ser da existência de todo ser em geral, e em
particular dos seres tri-cerebrais atuais que povoam o planeta
Terra. Este conjunto de substâncias cósmicas é chamado, por
toda parte, “hexioekharis”.
Ora, meu tilho, esses “hexioekharis”, oriundos da evolução

756
O SANTO PLANETA DO PURGATORIO

do primeiro alimento esseral através dos “seres-aparelhos”, cor­


respondem por suas vibrações ao último stopínder do
Heptaparaparshinokh esseral, e chegam, em conformidade com
a particularidade deste stopínder, ao “mdnel-inn superior vo­
luntariamente realizável” da lei de Heptaparaparshinokh. Mas,
para completar sua transformação em novas substâncias de or­
dem superior e adquirir as vibrações correspondentes à força
de vivificação do grau seguinte, quer dizer, ao quinto stopín­
der do processo fundamental do Heptaparaparshinokh cósmi­
co sagrado, lhes é absolutamente necessária a ajuda exterior
que unicamente podem suscitar, na presença dos seres tri-cere­
brais, os fatores constituídos pelos partkdolgdeveres esserais,
de que lhe falei mais dc uma vez — dito de outra forma, os
fatores que Nosso Pai Comum Eterno consentiu em designar
como devendo ser os meios que permitem a certos tetartocos­
mos se tornarem, ao final de seu serviço consagrado ao Iranira­
nomange cósmico geral, ajudantes na administração do mun­
do em crescimento. Estes fatores sào até o presente o único
meio de assimilar as substâncias cósmicas necessárias ao reves­
timento e ao aperfeiçoamento dos corpos esserais superiores;
nós os chamamos hoje em dia: “trabalho consciente” e “sofri­
mento voluntário”.
E bom notar e mesmo sublinhar aqui que, entre todas as
substâncias cósmicas bem determinadas que se constituem e se
encontram sempre na presença geral de seus favoritos, eles só
conhecem bem — sendo mestres consumados na arte de lhes
fazer sofrer todo tipo de “manipulações” — os “hexioekharis
esserais”, aos quais eles dão o nome de “esperma”.
Alias, eles só designam e só consideram com este nome o
conjunto de substâncias específicas que se constituem unica­
mente na presença dos seres de sexo masculino, não dando
nenhum nome e nem concedendo nenhuma importância ao con­
junto das “substâncias últimas” que se constituem nos seres de
sexo feminino.

757
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Este conjunto de substancias que sc cristalizam inevitavel­


mente na presença dos seres, como resultado final das transfor­
mações de seu primeiro alimento esseral, tendo cessado, desde
que os seres negligenciam cumprir os partkdolgdeveres esse­
rais, de receber, em conformidade com o Heptaparaparshinokh
sagrado, a ajuda exterior exigida para completar sua evolução,
quer dizer, sua transmutação em novos elementos ativos de or­
dem superior, involuem até seu ponto de partida, para voltar a
ser as cristalizações que elas eram anteriormente.
Desde então, esses processos involutivos se tornaram fa­
tores que suscitam em sua presença geral o aparecimento dc
suas inumeráveis “doenças” e que, por isso mesmo, degradam
sua individualidade cm formação, ao mesmo tempo que abre­
viam a duração de sua existência.
Seus favoritos do planeta Terra, sobretudo os dos tem­
pos atuais, cessaram totalmente de utilizar conscientemente os
“hexioekharis esserais”, seja para seu próprio aperfeiçoamento,
ou para a reprodução consciente de um novo ser à sua imagem.
Estas substancias cósmicas sagradas, constituídas como
acabo de lhe explicar, servem neles, quer simplesmente ao Mui
Grande Trogoautoegocrata cósmico, sem nenhuma participa­
ção de seu próprio consciente esseral nem de seu desejo indivi­
dual, quer á concepção involuntaria de um novo ser á sua ima­
gem, que não é mais do que o lamentável resultado da fusão
destas substâncias sagradas dos dois sexos, que representam
duas forças opostas do Triamazikamno sagrado — fusão que se
opera durante o cumprimento dessa função cuja satisfação se
tornou o vício principal dos seres tri-cerebrais atuais, sob a
influência da “herança” dos antigos romanos.
E impossível, meu filho, não observar aqui com tristeza
que esta tendência viciosa, já definitivamente fixada neles, re­
presenta para seus favoritos atuais, por sua ação automática, o
meio mais seguro de destruir, em suas raízes mesmo, até os
impulsos que fazem por vezes surgir em sua presença certas

758
O SANTO PLANETA DO PURGATORIO

manifestações realmente dignas de seres tri-cerebrais, e que pro­


vocam neles o que se chama a “sede de ser”.
Eu o repito, não somente seus favoritos, os contemporá­
neos sobretudo, cessaram de utilizar conscientemente essas
substâncias sagradas — que devem sempre se cristalizar neles
- para o revestimento e o aperfeiçoamento de suas “partes
superiores”, assim como para o cumprimento desse dever es­
seral previsto pela Natureza, que consiste na continuação de
sua especie, mas, quando por acaso a coisa lhes acontece, eles a
consideram até mesmo como uma grande desgraça, pois as con­
seqüências que ela ocasiona fazem forçosamente obstáculo du­
rante um certo tempo à livre satisfação dos vícios numerosos e
diversos já fixados em sua essência.
Por isso os seres atuais se esforçam, em semelhante caso,
para impedir com toda sua presença e por todos os meios a
realização dessa manifestação acidental e involuntária, porém
sagrada, e prevista pela Grande Natureza.
LIá alguns séculos, um grande número desses seres, nos
quais se cristalizaram mais fortemente os dados propícios a todo
tipo de “propriedades hassnamussianas”, se tornou especialis­
ta em matéria de destruição dessas santas realizações esserais
acidentalmente realizadas; esses especialistas receberam lá o
nome de “fazedores de anjos”.
E, no entanto, esta “ação esseral” da qual seus favoritos
fizeram seu vício principal é considerada pelos seres de toda
natureza, no Nosso Grande Universo, como o mais sagrado de
todos os mistérios divinos.
Mesmo numerosos seres terrestres bi-cerebrais e uni-cere­
brais, cuja “presença conforme âs leis” não comporta, de for­
ma alguma, a possibilidade de uma “lógica comparativa”, tais
como “hienas”, “gatos”, “lobos”, “leões”, “tigres”, “cachorros
selvagens”, “rãs”, e muitos outros, continuam até hoje, com
seu instinto unicamente é claro, a experimentar esta ação
como sagrada, e a cumprem unicamente durante os períodos

759
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

designados pela Grande Natureza para esse mistério sagrado.


Os seres tri-cerebrais dão em toda parte a este período, que
corresponde ao começo de um novo ciclo do planeta no qual
eles existem, o nome de “dianosks do mistério sagrado do Ciran­
de Seruazar”; estes dianosks sao chamados no planeta que lhe
interessa “dias de primavera”.

Talvez você nao saiba ainda, meu Filho, o que é o “misté­


rio sagrado do Grande Seruazar”?
A pergunta de Belzebu, Hassin respondeu:
— Nào, querido avô, ainda nào conheço seus detalhes.
Sei somente que esses dianosks sào considerados entre nós, no
planeta Karataz, como grandes lestas, e sào chamados os “dia­
nosks de ajuda a Deus”. Eu sei também que todos nossos seres,
tanto “aktavas” como “passavas”, assim que uma destas gran­
des lestas termina, preparam-se imediatamente para a seguin­
te, e que durante o “lúnia” que precede esse mistério sagrado,
tanto os jovens como os velhos, ao mesmo tempo que cessam
de absorver o “primeiro alimento esseral”, agradecem mental­
mente a Nosso Criador Comum, no curso das cerimônias sa­
gradas, por lhes haver concedido a existência.
Sei ainda que as duas últimas dessas cerimônias majesto­
sas sào chamadas “dianosks de glorificaçào do primeiro proge­
nitor” de cada lamília.
Eis por que, a cada ano, por ocasião desses dianosks, nós
nos lembravamos e falavamos todos unicamente do senhor, que­
rido avô; cada um de nós, com todo seu ser, se esforçava então
para manifestar o desejo sincero de que seu destino lhe crie
sempre condições de existência esseral de natureza a ajudá-lo
cm seus esforços para levar rápida e facilmente sua razão até o
grau sagrado necessário e que, por isso mesmo, possa logo se
libertar desta atual “existência esseral ordinária”, tao penosa
para o senhor.”

760
O SANTO PLANETA DO PURGATÓRIO

Com estas palavras, pronunciadas num tom solene, Has-


sin se calou.
— Muito bem, meu filho, disse Belzebu. Falaremos do
mistério sagrado Seruazar quando tivermos voltado a nosso que­
rido Karataz.
Eu lhe explicarei então em detalhe onde e como se reali­
za o mistério sagrado Seruazar com vistas à continuação da
espécie, em que caso e de que maneira se realiza a fusão —
com os resultados que ela ocasiona — das duas espécies de
“hexioekharis esserais”, que efetuam sua transformação, a pri­
meira como princípio afirmativo, por meio desses “seres-apa-
relhos” que são os “aktavas” em nosso planeta Karataz, e, no
seu planeta Terra, os seres do sexo masculino, a segunda como
princípio negativo, por meio desses “seres-aparelhos” que são,
em nosso planeta Karataz, os “passavas”, e, no planeta Terra,
os seres do sexo feminino.

Voltemos agora a esses “corpos esserais supremos” ou


“almas” que, uma vez aperfeiçoados, vêm a esse Santo Planeta
do Purgatório e aos quais se referiam minhas explicações ante­
riores.
Assim então, no começo, no tempo em que essas partes
esserais supremas apareciam nos seres segundo o processo que
lhe descrevi e se aperfeiçoavam até o grau requerido de Razão
objetiva — dito de outra forma, quando, em conformidade com
o “mdnel-inn interior” do Heptaparaparshinokh sagrado, o cor­
po kessdjan se constituía nos seres a partir do segundo alimen­
to esseral, e quando, em conformidade com o “mdnel-inn su­
perior” da mesma lei sagrada, o “terceiro corpo esseral” ou
“corpo supremo” se revestia e se aperfeiçoava a partir do ter­
ceiro alimento esseral —, estas partes esserais supremas, intei­
ramente aperfeiçoadas, eram dignas, assim que elas se separa­
vam das partes esserais inferiores, de entrar imediatamente em

761
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

comunhão com a Mui Santa Fonte Original e de cumprir, a


partir daí, seu destino divino.
E isto continuou assim até aquele pavoroso acontecimento
cósmico conhecido hoje, como já lhe disse, com o nome de
“período tchutboglitânico”.
Antes deste desastre cósmico geral, todos os “corpos es­
serais supremos” que apareciam e se aperfeiçoavam em certos
tetartocosmos e em seus descendentes imediatos entravam di­
retamente em comunhão com o Mui Santo Protocosmos Ele-
mesmo, porque sua presença geral realizava ainda resultados
que Lhe correspondiam plenamente.
Até esse terrível acontecimento cósmico, o Theomertma-
logos sagrado, originado do Mui Santo Sol Absoluto, existia
ainda em estado puro, sem que nele entrasse nenhuma forma­
ção de origem extrínseca, dotada de propriedades subjetivas
particulares, e quando este Theomcrtmalogos sagrado pene­
trava na atmosfera dos planetas onde se constituíam as cristali­
zações sagradas cujos resultados, depois da transformação atra­
vés dos “seres-aparelhos”, serviam ao revestimento e ao aper­
feiçoamento dos corpos esserais signemos, estes últimos ad­
quiriam uma presença exatamente conforme às condições reque­
ridas para a existência na esfera do Mui Santo Sol Absoluto.
Porém mais tarde, depois que essa catástrofe cósmica
obrigou o Mui Santo Sol Absoluto a conferir às suas emana­
ções de Theomcrtmalogos propriedades subjetivas vindas de
concentrações de origem extrínseca, estas formações cósmicas
sagradas perderam a possibilidade de corresponder às condições
de existência requeridas na esfera da Mui Santa Fonte Original.
A intervenção de concentrações dc origem extrínseca ao
Theomcrtmalogos sagrado se fez pelas seguintes razões, aliás
totalmente imprevistas:
Cada um desses corpos esserais supremos, uma vez aper­
feiçoado até o nível de um Individuum independente, adquiria
sua própria lei de Triamazikamno sagrado e tornava-se, em

762
O SANTO PLANETA DO PURGATÓRIO

miniatura, uma fonte de emanações análoga ao Mui Santo Sol


Absoluto. Ora, quando estes Individuuns sagrados indepen­
dentes tornaram-se numerosos, estabeleceu-se entre suas ema­
nações e a atmosfera do Mui Santo Sol Absoluto um “contato
geneotriamazikamniano”, o que ocasionou para estas “partes
esserais supremas aperfeiçoadas” o terrível desastre em questão.
Certamente, a ação do resultado deste “contato
geneotriamazikamniano” se harmonizou logo com aquela que
já exercia Nosso Mui Santo Sol Absoluto Ele-mesmo; entre­
tanto, a partir daquele momento, as emanações de “Theomert­
malogos sagrado” tiveram que ser modificadas e as consequên­
cias primeiras desse desastre trouxeram, ao cabo de algum tem­
po, diversas perturbações nos movimentos harmônicos de nu­
merosos sistemas solares, determinando assim uma desarmo­
nia no funcionamento interior de certos de seus planetas.
Foi então que se destacou do sistema solar “Khlartuma-
no” o famoso planeta, dotado de particularidades totalmente
excepcionais, que desde então permanece isolado no espaço, e
que leva atualmente o nome de “Remorso de consciência”.
Este “contato geneotriamazikamniano” consistiu em que,
na atmosfera mesma do Mui Santo Sol Absoluto, esses corpos
esserais supremos se puseram a emitir vibrações inabituais, de
origens diversas, que, fusionando com as emanações do Mui
Santo Sol Absoluto, penetraram por toda parte com elas no
Megalocosmos, e atingiram certos planetas, onde continuavam
a surgir nos seres corpos esserais supremos. Essas vibrações
inabituais se transformaram e se cristalizaram então no seio do
Theomertmalogos sagrado, participando assim no revestimen­
to das “partes supremas” dos seres.
Desde então, a presença dessas realizações sagradas com­
portou propriedades particulares devidas a que certas manifes­
tações das outras partes do ser no qual essas realizações sagra­
das se revestem, tomam parte em sua formação e se incorpo­
ram a elas para dar os resultados insólitos que foram chamados

763
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

mais tarde e se chamam ainda hoje “os pecados do corpo da


alma”.
Estes diversos resultados foram a causa de que essas rea­
lizações cósmicas, até mesmo aquelas que já tinham levado seu
aperfeiçoamento até o grau requerido de Razão objetiva, ces­
saram de corresponder, por sua presença geral, às condições
de existência reinantes na esfera do Mui Santo Protocosmos, e
perderem dali por diante toda possibilidade de serem dignas
de comungar com Ele.
Assim que ficou clara a situação desesperada na qual se
encontravam esse corpos esserais supremos, aperfeiçoados em
razão, e tornados “Individuuns cósmicos sagrados independen­
tes”, mas cuja presença nao correspondia mais ao Mui Santo Sol
Absoluto, Nosso Proíundamente-Amante Criador, em Sua infini-
ta Justiça e Sua Misericordia, tomou imediatamente todas as me­
didas que exigia esse fenômeno imprevisto e dos mais aflitivos.
Este lamentável fenômeno colocava efetivamente esses
Santos Individuuns em uma situação sem satda, pois, já não
podendo mais, em razão dos “pecados” que sua presença com­
portava, reintegrar o seio da Eonte Original do Grande Todo,
eles haviam igualmente perdido, em razão de sua submissão à
lei cósmica de segunda ordem chamada “Tetetzender” — que
lhes impunha o grau da Escala sagrada de Razão ao qual eles
tinham chegado —, a possibilidade de uma existência livre na
superfície dos planetas ordinários.
Entre as divinas medidas que foram tomadas, estava a
ordem de escolher o melhor planeta de todo nosso Megalocos­
mos, de arrumar especialmente sua superfície e de reservá-lo a
partir de então para a livre existência desses corpos esserais
supremos, aperfeiçoados em Razão, a fim de que eles tivessem
assim todas as possibilidades de se purificar desses elementos
indesejáveis que sua presença comportava.
Eoi então que foi designado pela primeira vez com o nome
de “Purgatório” esse Santo Planeta, cuja direção e administração

764
O SANTO PLANETA DO PURGATÓRIO

foram assumidas por sua própria vontade por nosso Sustentá-


culo-de-Todos-os-Quartos, o Grande Arqui-Querubim Helk-
guemathius, aquele mesmo que foi o primeiro, depois da cria­
ção do mundo, a merecer a “Anklade sagrada”, quer dizer, quem
primeiro havia alcançado o mais alto grau de Razão ao qual
pode chegar um Individuum independente, qualquer que seja
sua natureza, grau que é o terceiro depois da Razão Absoluta
de Nossa Eternidade.
Se bem que, sob todos os aspectos, esse santo planeta
seja efetivamente o melhor, como você pôde se convencer por
si mesmo, e que exteriormente todas as coisas nele sejam tais
que cada Individuum independente as perceba, como já lhe
disse, de maneira “iskoliunitsiriana”, quer dizer, “deliciosamen­
te encantadora”, no entanto, os corpos esserais supremos que
o habitam não se importam nada com isso, pois eles estão sem­
pre profundamente absorvidos por seu intenso trabalho sobre
si mesmos, com vistas a purificar sua presença dos elementos
indesejáveis que ela comporta, por razões totalmente alheias a
sua individualidade.
Na presença geral desses infelizes corpos esserais supre­
mos, aperfeiçoados em Razão até os últimos limites acessíveis
aos Individuuns cósmicos superiores, se encontra um dado úni­
co que suscita por vezes neles a esperança de poder um dia se
purificar e merecer a felicidade de tornar-se, unindo-se a Ela,
uma parcela desta “Grandeza” que realiza Nosso Todo-Pode­
roso e Infinitamente Justo Pai Eterno Comum, para o bem e a
felicidade de tudo quanto existe em nosso Megalocosmos.

E interessante notar aqui que quase todos os seres tri-


cerebrais que povoam os diversos planetas de nosso Megalo­
cosmos conhecem ou sentem instintivamente a existência des­
te Santo Planeta do Purgatório; unicamente o ignoram os seres
tri-cerebrais de seu planeta, pelo menos a maior parte daqueles

765
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

que vieram ao mundo pouco antes do desastre do continente


da Atlântida, ou depois de seu desaparecimento.
Todos os seres tri-cerebrais de nosso Megalocosmos, qual­
quer que seja seu revestimento exterior, e a qualquer grau de
consciencia de si a que cheguem, se põem de imediato a so­
nhar, consciente ou instintivamente, em ir a esse santo planeta,
a fim de ter em seguida a felicidade de se tornar uma parcela
dessa Grandeza com a qual toda essência está destinada a
fusionar cedo ou tarde.
Quanto aos seres tri-cerebrais que alcançaram um nível
superior de consciência de si, eles consentem de bom grado, e
até mesmo com alegria, para realizar seu sonho, cm fazer a sua
presença geral suportar os desagrados que ocasionam para ela,
durante sua existência ordinária, as privações impostas a seu
corpo planetário, pois eles já compreendem perfeitamente, e
sentem organicamente, que seu “corpo esseral inferior” cons­
titui, na sua própria lei cósmica sagrada de Triamazikamno, a
fonte infalível de manifestações negativas de todo tipo, e deve­
rá por conseguinte, como tal, se manifestar sempre negativa­
mente cm relação a sua parte afirmativa — dito de outra for­
ma, que as manifestações de sua parte inferior deverão sempre
se opor ao que exige sua parte esseral suprema.
Todo desejo do corpo planetário é então percebido como
indesejável pela parte divina suprema que deve se revestir e se
aperfeiçoar nele. É por isso que todos os seres tri-cêntricos de
nosso Megalocosmos travam sem cessar uma luta impiedosa
contra os desejos de seu corpo planetário, a fim de que surjam
neles, no curso desse “conflito antagokrialniano”, as cristaliza­
ções sagradas a partir das quais se constituirá e se aperfeiçoará
em sua presença essa parte esseral divina.
Nesta luta incessante, o princípio de harmonia equilibran­
te é seu segundo corpo esseral, que, em sua própria lei indivi­
dual de Triamazikamno, representa a fonte neutralizante. Por
isso esta segunda parte esseral permanece sempre indiferente a

766
O SANTO PLANETA DO PURGATÓRIO

suas manifestações mecânicas; mas, durante suas manifestações


ativas, ela tende sempre, em conformidade com a lei cósmica
de segunda ordem “Urdekhplifata”, a se unir aos desejos mais
fortes, em uma ou outra das duas partes esserais opostas.

“Como já lhe disse, os seres tri-cerebrais de seu planeta


tinham eles também, no princípio, quer dizer, antes do desas­
tre do continente da Atlântida, uma compreensão aproximada
do Santo Planeta do Purgatório, e existia até mesmo então a
esse respeito vários legamonismos. Após o desaparecimento da
Atlântida, certos fragmentos desses legamonismos foram por
acaso conservados por alguns seres sabios da época, que se man­
tiveram sãos e salvos, para ser transmitidos de geração a geração.
Porém mais tarde, quando surgiu no psiquismo desses
estranhos seres tri-cerebrais a doença original que caracterizei
pelas palavras “procurar meio-dia às duas da tarde”, eles sub­
meteram a tais manipulações esses fragmentos de informações
que lhes haviam chegado a respeito do Santo Planeta do Pur­
gatorio que, no psiquismo dos seres das gerações seguintes, se
constituíram e se fixaram, sobre estas informações, em parte
autênticas, as representações e concepções que nosso incom­
parável e venerado Mulá Nassr Eddin definiu de maneira ideal
com esta única exclamação: “Diaabo-zu-urrt! ”.
Quanto aos fragmentos de legamonismos relativos ao san­
to planeta, cuja transmissão prosseguiu de geração a geração
por intermédio de verdadeiros iniciados de lá, eles subsistiram,
quase sem alteração, até uma época bastante tardia, aquela que
se chama “época babilónica”; mas, em razão da agitação que,
em Babilônia, havia se apoderado de todos os espíritos e que
se devia, como já lhe contei, aos seres sábios “de nova forma­
ção”, afligidos por numerosas propriedades indignas de seres
tri-cerebrais, estes fragmentos foram pouco a pouco desnatu­
rados e acabaram por “virar poeira”.
De fato, os iniciados daqueles tempos eram ainda seres

767
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

normais, relativamente responsáveis, que nào mudavam de ideal


tào facilmente como a maioria dos seres contemporâneos —
quer dizer, tão freqüentemente quanto os “fu-fu-clets londri­
nos” mudam de luvas. Mas, naquela época, a psicose que se
apoderara de todos esses estranhos seres tri-cerebrais, em seu
desejo de saber a todo custo se eles tinham uma “alma”, e se
esta alma era imortal, era tão forte e tão amplamente difundida
que essa necessidade doentia de seu psiquismo atingiu e conta­
minou até o juízo de verdadeiros iniciados da época, que, sob a
influência desta psicose, introduziram nos legamonismos rela­
tivos ao Santo Planeta do Purgatório tais “galimatias” que, de
enternecimento, a cauda de nosso Lúcifer ficou da cor “laranja
tango”.
A perturbação que atingiu o juízo dos seres iniciados da
época vinha, a meu ver, daquela bela teoria dos dualistas babiló­
nicos segundo a qual existiríam, num outro mundo, um “Paraíso”
e um “Inferno”.
E são essas duas expressões, “paraíso” e “inferno”, que
foram a causa de todo esse “galimatias”.
O fato é que um dos legamonismos sobre o Santo Plane­
ta do Purgatorio continha realmente essas duas palavras: “pa­
raíso” e “inferno”.
Mas ignoro se, em definitivo, essas palavras foram direta­
mente tiradas do legamonismo ou se se tratava ali de uma sim­
ples coincidência.
Seja como for, no legamonismo sobre o Santo Planeta do
Purgatório, estas palavras expressavam as duas concepções se­
guintes:
A palavra “paraíso” designava o esplendor e a riqueza
que reinam nesse santo planeta, e a palavra “inferno” definia o
estado interior que experimentam realmente os corpos esse­
rais supremos que o habitam — e que é um estado de angustia
perpétua, de dor e de opressão.
Era mesmo dada em um desses legamonismos uma

768
O SANTO PLANETA DO PURGATÓRIO

explicação detalhada sobre as causas deste estado. Ali era dito


que essas “partes esserais supremas” ou “almas”, chegadas fi­
nalmente a esse santo planeta ao termo de um incrível labor,
feito de sofrimentos conscientes, quando elas tinham visto e
compreendido a realidade e a razão de ser de todas as coisas
existentes, e sobretudo contemplado tão de perto e tão fre­
quentemente Nosso Eterno Criador Comum, tomavam cons­
ciência de que, em razão dos elementos indesejáveis que sua
presença ainda comportava, elas não estavam em condições de
ajudá-Lo no cumprimento de Sua Mui Santa Tarefa, para o
bem de todo nosso Megalocosmos.
Assim então, essas duas palavras levaram provavelmente
os pobres iniciados da época, contaminados pela psicose geral,
a imaginar-se que a bela teoria fantástica dos futuros “hassna-
muss babilónicos” fazia alusão às mesmas coisas, mas com um
pouco mais de precisão, e eles introduziram então, semicons­
cientemente, certos detalhes dessa teoria fantástica nos lega-
monismos relativos ao Santo Planeta. Depois essas informa­
ções, passando de geração a geração, se enriqueceram com este
tipo de floreios para os quais nosso caro Mulá Nassr Eddin
tem somente uma única palavra: “khralkanatonakhakhamar”.
Depois do que acabo de lhe contar, meu filho, você pode
julgar por si mesmo o gênero de concepções e de representa­
ções que se fazem atualmente seus favoritos a respeito do que
eles chamam as “questões do além”. Pode-se dizer com certeza
que, se nossas galinhas tivessem ouvido falar destas concep­
ções e representações, elas teriam sido sacudidas por um tal
riso incontrolável que bem poderia lhes acontecer a mesma coisa
que a seus favoritos quando tomam “óleo de rícino”.

Para que você sinta e que você compreenda melhor —


até a iluminação transcendente — o sentido das expressões que
acabo de empregar: “riso de galinha” e “óleo de rícino”, é pre­
ciso ainda que eu lhe fale de uma outra conseqüência destas

769
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“ultramaquinações” de sens favoritos, referente desta vez à


questão dos “hexioekharis esserais”, tanto mais que isso lhe
permitirá esclarecer, de maneira mais concreta, certas particu­
laridades, que já lhe assinalei, da lei cósmica fundamental de
Heptaparaparshinokh sagrado.
Depois do desastre da Atlântida, certos conhecimentos
relativos à origem e ao significado real desses “hexioekharis
esserais” se conservaram, e foram, eles também, transmitidos
de geração a geração.
Há trinta ou trinta e cinco dc seus séculos, depois de um
de seus maiores processos dc destruição recíproca, a maioria
deles •— como sempre acontece depois destes terríveis exces­
sos — começou a ver as coisas tais quais elas eram realmente c
a encontrar menos satisfação nas condições dc sua existência
ordinaria; ora, alguns daqueles que, tendo experimentado com
uma força particular o vazio de sua existência, buscavam um
meio de preencher esse vazio, tomaram por acaso conhecimento
dos fragmentos dc saber que diziam respeito ao significado dos
hexioekharis esserais e que tinham sc conservado sob sua for­
ma autêntica.
Essas informações fragmentárias, mas autênticas, de­
monstravam de maneira muito convincente que era possível se
aperfeiçoar por meio da substância dos “hexioekharis”, ou “es­
perma”, que se constituía neles; mas, para seu infortúnio, elas
não indicavam o que era preciso fazer para este fim, nem como
era preciso fazê-lo.
Alguns deles se puseram então a refletir e a fazer esfor­
ços perseverantes para compreender o que era preciso fazer
para trabalhar no aperfeiçoamento de si, servindo-se dessa subs­
tancia que se constituía inevitavelmente em sua presença.
Suas sérias reflexões os levaram â convicção de que o
aperfeiçoamento de si poderia, provavelmente, se realizar pela
continência, quer dizer, se eles se abstivessem dc expelir da
maneira habitual essa substância chamada “esperma” que se

770
O SANTO PLANETA DO PURGATORIO

constituía em sua presença; e alguns deles resolveram se agru­


par para existir juntos, a fim de verificar pela prática se essa
continência podia efetivamente dar os resultados esperados.
Entretanto, esses seres de seu planeta, que eram os pri­
meiros a se interessar por essa questão, por mais que se esfor­
çassem para resolvê-la, não chegaram a nada e precisaram de
longas observações conscientes e de intensas reflexões ativas
para que a segunda geração compreendesse, por fim, categori­
camente, que a única e exclusiva condição que tornava isso
possível era cumprir sem descanso os partkdolgdeveres esse­
rais. Aqueles dentre os seres desta geração, assim como os das
duas gerações seguintes, que se consagraram seriamente a essa
tarefa, chegaram efetivamente aos resultados esperados.
Porém a partir da quarta geração, os seres que se interes­
savam ainda por esta questão já não eram mais adeptos por
convicção de sua essência, mas por submissão a uma proprie­
dade chamada “imitação”, que tinha se tornado inerente a es­
tes seres terrestres tri-cerebrais — e no entanto, eles existiam
juntos e faziam, por assim dizer, a mesma coisa.
Desde essa época até nossos dias, estes “adeptos” não
cessaram de se organizar automaticamente em grupos, for­
mando ás vezes seitas sólidas, com nomes diversos, e, sempre
com base nessa mesma “continência”, eles existem longe de
tudo, em comunidades isoladas.
Os lugares para onde eles se retiram juntos levam o
nome de “mosteiros”, e os seres pertencentes a essas seitas,
o de “monges”.
Existem hoje lá grande número desses mosteiros e, de
fato, os numerosos “monges” que ali se retiram se abstêm rigo­
rosamente de expelir da maneira habitual a substancia dos “he-
xioekharis esserais”, ou “esperma”, que se constitui neles, mas
evidentemente sua continência não dá nunca nenhum resulta­
do sensato; e ela não dá nenhum, porque nem sequer vem mais
á mente desses infelizes “monges” contemporâneos a idéia de

771
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

que se o aperfeiçoamento de si pode se tazer por meio dessa


substancia, é unicamente com a condição de absorver volunta­
riamente e de assimilar conscientemente o segundo e o tercei­
ro alimentos esserais — o que é possível unicamente àquele
que previamente soube habituar todas as partes de sua presen­
ça a cumprir conscientemente os dois “partkdolgdeveres esse­
rais sagrados”, que sào o “trabalho consciente” e o “sofri­
mento voluntário”.
E, aliás, injusto dizer que esses “monges” não obtêm ne­
nhum “resultado sensato”; eles os obtêm até de dois tipos.
Para que você compreenda por que a continência desses
monges contemporâneos dá esses dois tipos de resultados, devo
lhe repetir uma vez mais que, segundo a lei cósmica fundamen­
tal do Heptaparaparshinokh sagrado, todas as formações, pe­
quenas ou grandes, de nosso Megalocosmos, que, no processo
de sua evolução, não recebem a ajuda exterior requerida no
momento de transpor os dois mdnel-inn do Heptaparaparshi­
nokh sagrado, sao obrigadas a involuir, para voltar ao estado
no qual elas se encontravam anteriormente.
O mesmo se dá, naturalmente, com essa substancia cós­
mica bem determinada que se constitui na presença desses
“monges” terrestres que praticam a continência.
Assim então, meu filho, já que esses monges terrestres,
sobretudo os contemporâneos, não são mais capazes de ajudar
voluntariamente a evolução ulterior dessa substância, inevita­
velmente constituída neles pelo uso regular do primeiro ali­
mento esseral — quer dizer, já que eles não realizam mais em
sua presença geral, quer seja intencional ou automaticamente,
nenhum partkdolgdever esseral —, e que, ao mesmo tempo,
não a expelem da maneira normal, prevista pela Natureza, ela
é obrigada, ela também, a involuir neles.
E, durante esta involução dos hexioekharis esserais, ou
“esperma”, elabora-se em sua presença geral, entre as numero­
sas substâncias intermediárias que engendra esse processo

772
O SANTO PLANETA DO PURGATÓRIO

involutivo, urna substancia específica que tem a propriedade


de exercer dois tipos de açào sobre o funcionamento geral do
corpo planetário dos seres.
O primeiro tipo de açào dessa substância específica con­
siste em favorecer a acumulação excessiva de “karatziaga”, ou,
como se diz lá, de “gordura”. E a segunda, em favorecer o apa­
recimento e a propagação, em todo o corpo planetário, de “vi­
brações poizoninoskirianas”.
No primeiro caso, esses monges terrestres que praticam
a continência tornam-se extraordinariamente “rechonchudos”,
como eles dizem; e, com efeito, encontram-se lá as vezes, den­
tre esses monges “rechonchudos”, exemplares afligidos por um
tal excesso de gordura que eles poderiam suplantar essas espé­
cies de seres que eles alimentam especialmente para aumentar
a camada de gordura de seu corpo planetário, e aos quais dào o
nome de “porcos”.
No segundo caso, ao contrário, esses monges se tornam,
como eles dizem ainda, “de uma magreza famélica”, e a açào
penetrante de suas “vibrações poizoninoskirianas” se faz so­
bretudo sentir em seu psiquismo geral, que se divide em duas
partes bem distintas, cujas manifestações adquirem caracterís­
ticas diametralmente opostas: uma exterior, aparente, visível e
perceptível a todos; a outra, interior, oculta, que os seres ordi­
nários de lá, sobretudo os contemporâneos, não são absoluta­
mente mais capazes de descobrir, nem de perceber. Em outros
termos, esses “monges poizoninoskirianos” são, em suas mani­
festações exteriores evidentes, “beatos de primeira ordem”, e,
em suas manifestações interiores, secretas e inconfessadas, “cí­
nicos rematados”, como diriam seus favoritos.
Quanto à razão pela qual, em alguns desses monges, o
processo involutivo dos hexioekharis engendra, no lugar de
uma acumulação de gordura, vibrações poizoninoskirianas, até
existe lá, a esse respeito, uma “teoria” muito detalhada, elabo­
rada já há vários séculos por certo “monge católico”, e que

773
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

prova de maneira concludente que se é assim é porque esses


monges “descarnados” se entregam assiduamente, durante os
jovens anos de sua existência, a uma ocupação que faz crescer
no rosto dos adolescentes terrestres “espinhas” bem conheci­
das, até mesmo por sua medicina atual.
Para que você se represente e compreenda plenamente o
significado desse tipo de continência entre os monges contem­
porâneos de lá, me resta participar a você uma certeza que ad­
quiri durante minha última estada entre eles, qual seja, a de
que esse processo involutivo dos hexioekharis tem por efeito
facilitar enormemente e, portanto, reforçar, na presença desses
infelizes monges terrestres que praticam a continência, a cris­
talização das diversas conseqüências das propriedades do ór­
gão kundabuffer.”
Neste ponto de seu relato, Belzebu foi interrompido por
um servidor da nave que lhe estendia um “leïtutchanbross”;
ele o aproximou de sua orelha e se pôs a escutar o conteúdo.

774
LIVRO TERCEIRO
Capítulo 40
Belzebu conta como os homens
conheceram e esqueceram
a lei cósmica fundamental
de Heptaparaparshinokh

DEPOIS que Belzebu escutou o “leïtutchanbross” que aca­


bavam de lhe entregar, seu neto Hassin dirigiu-se de novo a ele:
— Querido bem-amado avô! Ajude-me, por favor, a re­
solver uma contradição que não compreendo e não se concilia
com minhas confrontações lógicas.
Quando o senhor deu início a suas explicações sobre o
Santo Planeta do Purgatorio, encarregou-me da tarefa de me
compenetrar bem de tudo o que dizia, sem nada deixar passar,
e de manter todo o tempo meu “pensar ativo” em uma forte
tensão, para permitir que os dados necessários a uma boa re­
presentação de todos os detalhes relativos às duas leis cósmi­
cas sagradas originais se cristalizassem completamente em mim.
Durante todas as suas explicações me esforcei verdadeiramen­
te em fazê-lo, e essas leis cósmicas sagradas se tornaram tão
claras para mim que eu poderia até mesmo facilmente explicá-
las a um outro.
Em todo caso, já posso muito bem me representar a lei
sagrada de Triamazikamno e as particularidades de suas três
forças santas independentes; e tomei consciência disso de ma­
neira completamente satisfatória para minha essência pessoal.
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Quanto à lei sagrada de Heptaparaparshinokh, certos detalhes,


que aliás me parecem de menor importancia, permanecem ain­
da um pouco obscuros para minha razão, mas espero que, se
continuar a refletir ativamente sobre eles, eu chegue a
compreendê-los.
Entretanto, esforçando-me em assimilar bem essas leis
sagradas, senti claramente que elas eram muito complicadas e
que era difícil ter uma compreensão “total” delas. Coloquei-
me então uma pergunta que me surpreendeu muito e que con­
tinua a me intrigar e a me interessar: “Como é possível que os
seres tri-cerebrais que vieram ao mundo e existem no planeta
Terra tenham podido não somente compreender estas leis cós­
micas sagradas, mas ate reencontrá-las nos resultados cósmi­
cos que os rodeiam, quando, desde a segunda perturbação tran­
sapalniana, cada um deles, segundo a impressão que me deram
todos os seus relatos, possui na idade responsável, em razão de
seu “oskiano” anormal, somente uma “razão automática”? Ora,
unicamente com esta razão é impossível compreender essas duas
leis cósmicas sagradas, como eu mesmo me convencí disto com
toda minha essência, esforçando-me para consegui-lo.”
Depois do que Hassin ergueu para seu querido avô um
olhar interrogador, repleto de uma curiosidade intensa.
Belzebu refletiu um instante e disse:
— Bem, meu querido filho, vou tentar libertá-lo desta
perplexidade tão natural. Parece-me já ter-lhe dito que se, de­
pois desta perturbação, a maioria dos seres terrestres tri-cere­
brais só possui uma “razão automática”, devido ás suas condições
de existência esseral ordinária anormalmente estabelecidas, en­
tretanto, acontece às vezes que alguns deles escapem por acaso a
esta sorte comum e que em vez dessa habitual “razão automática”
se constitua neles a verdadeira “razão esseral objetiva”, própria a
todos os seres tri-cêntricos de nosso Megalocosmos.
Estas exceções são raras, sobretudo nestes últimos sécu­
los; no entanto, repito, elas são encontradas por vezes.

778
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

Para que você possa mais ou menos se representar e com­


preender como estas exceções se produzem entre eles, deve
antes de tudo se lembrar de que se sua razão, desde o momento
em que se cristalizaram neles as consequências das proprieda­
des do órgão kundabutfer, se tornou completamente automáti­
ca, a presença de cada um deles, desde seu nascimento e o co­
meço de sua formação, nem por isso deixou de sempre conter
o germe de todas as possibilidades que favorecem ainda boje
em dia, no curso da formação definitiva do ser responsável, a
cristalização dos dados esserais próprios para fazer aparecer e fun­
cionar depois a “razão objetiva” — razão que devem ter em sua
presença os seres tri-cerebrais de todas as naturezas e de todas
as formas exteriores, e que não é outra senão a “representante
da Essência mesma da Divindade”.
O maior azar deles, no sentido objetivo da palavra, você
já o “suspeitou instintivamente”, como me mostrou sua per­
gunta, sobretudo por sua alusão ao oskiano, é que, a despeito
dessas possibilidades de que eles dispõem realmente em seu
nascimento, as anomalias estabelecidas no processo de exis­
tência ordinaria dos seres que os rodeiam, que já chegaram á
idade responsável, os fazem cair desde os primeiros dias, mal
saídos do seio de sua mãe, sob a influência tenaz desse funesto
meio que eles inventaram para seu próprio uso, quer dizer, desse
tipo de oskiano a que deram o nome de “educação”.
Como conseqüência, as possibilidades de livre desenvol­
vimento de tudo o que pode contribuir ao aparecimento da
“razão esseral objetiva” se atrofiam pouco a pouco nesses seres
tao jovens, ainda inteiramente inocentes, e acabam por desa­
parecer para sempre no curso do período correspondente á
“idade preparatória”.
Assim, ao chegar á “idade responsável”, esses jovens se­
res, em lugar da “razão objetiva” que deveriam possuir no “cen­
tro de gravidade de sua essência”, dispõem somente desse es­
tranho conjunto de impressões artificiais e até mesmo falsificadas,

779
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

automaticamente percebidas, e que, mesmo não tendo nada


em comum com as localizações de suas partes esserais espirituali­
zadas, adquirem, no entanto, um vínculo com os funcionamen­
tos distintos de sua presença geral.
Dessa maneira, não somente o processo geral de sua exis­
tência flui de maneira automática, mas quase todo o processo
do funcionamento de seu corpo planetário depende logo uni­
camente de impressões exteriores fortuitas, elas mesmas per­
cebidas de maneira automática.
Em casos muito raros, alguns de seus favoritos, quando
eles atingem a idade responsável, possuem a verdadeira “razão
pura”, própria aos seres tri-cerebrais responsáveis.
Isto ocorre geralmente da maneira seguinte:
Acontece, por exemplo, que um desses novos seres, mal
saído do seio de sua mãe, encontra, para sua formação ulterior,
condições circundantes tais que ele escapa da influência auto­
mática das anomalias que saturam o processo de existência es­
seral exterior dos seres tri-cerebrais desse desafortunado pla­
neta. Por isso, os germes que lhe foram concedidos para a aqui­
sição da “razão pura” não têm tempo, durante o processo de
sua formação, de se atrofiar até em suas raízes.
Também acontece às vezes que, nestas condições relativa­
mente normais, esse jovem ser tri-cerebral, durante sua idade
preparatória para uma existência responsável, encontre como
guia responsável, para ajudá-lo a completar sua formação, um
ser tri-cerebral que foi formado — por acaso, é claro — da
mesma maneira que ele, e que possui um consciente de vigília
no funcionamento do qual tomam parte, graças à frequente
realização dos partkdolgdeveres esserais, os dados permaneci­
dos intactos em seu subconsciente para ali engendrar o impul­
so divino de “consciência moral objetiva”.
Ora, este guia, reconhecendo com toda sua presença o
importante significado da responsabilidade que ele tomou em
relação a esse novo ser, que apenas acaba de alcançar a idade

780
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

preparatoria nas condições que falei, se põe a criar para o seu


oskiano, com toda consciência e toda imparcialidade, numero­
sos fatores interiores e exteriores que favorecem a percepção
de impressões apropriadas, com vistas a cristalizar em sua pre­
sença geral todos os dados cujo conjunto é o único que pode
conferir ao ser tri-cerebral, urna vez chegado à idade responsá­
vel, o poder de ser “svolibrunolniano” ou, como diriam seus
favoritos, o poder de “nào considerar e de não se identificar
com as coisas exteriores através de suas próprias paixões inevi­
táveis”. Pois somente o impulso esseral suscitado no ser por
esses dados lhe permite constatar livre e objetivamente todos
os fenômenos reais que se desenrolam nos resultados cósmicos
circundantes.
Seria bom notar aqui que na maioria dos planetas de nosso
Megalocosmos onde aparecem e existem seres tri-cêntricos
encontra-se a mesma sentença, que se formula assim:
“Nosso Pai Eterno Comum é o Criador do ser tri-cêntrico.
Mas o real autor de sua essência durante o período de sua exis­
tência preparatória é seu “oskianotsner” — aquele que seus
favoritos chamam um “educador” ou um “mestre”.
Assim, então, acontece por vezes lã, até nestes últimos
séculos, de um de seus favoritos, chegado á idade responsável
e já inteiramente formado e preparado para receber as percep­
ções exteriores da maneira indicada, constatar por acaso nos
resultados cósmicos circundantes alguma particularidade con­
forme às leis. Ele se põe então a estudá-la sob todos os seus
aspectos e, quando ele chega enfim, após perseverantes esfor­
ços, a uma verdade objetiva, ele inicia nesta verdade outros seres
que o rodeiam.
Agora, meu filho, escute um pouco como esses singula­
res seres tri-cerebrais descobriram pela primeira vez a lei cós­
mica fundamental do Heptaparaparshinokh sagrado, como
certos seres dos tempos antigos vieram a tomar consciência dos
diversos detalhes desta lei e como o conjunto das informações

781
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

que se relacionavam com ela, transmitindo-se de geração a ge­


ração, veio a ser para todo ser tri-cerebral de seu planeta um
patrimonio que lhe tornava acessível este conhecimento — e,
por outro lado, o que seu estranho psiquismo conseguiu lazer
com tudo isso.
Vou até lhe explicar de maneira tão detalhada quanto
possível, na ordem de desenvolvimento histórico, tudo o que
concerne tanto à tomada de consciência dessa lei sagrada quanto
a seu esquecimento progressivo, pois estas explicações o aju­
darão muito a elucidar o que você chamou de “detalhes de
menor importância”, ainda imperfeitamente transmutados cm
sua razão. Além disso, você aprenderá assim que se encontra
âs vezes, mesmo em nossos dias, entre aqueles dc seus favori­
tos que se tornam verdadeiros sabios, seres responsáveis que,
por seus esforços conscientes, desprovidos de toda vaidade e
de toda parcialidade, poderiam, com a condição entretanto de
que os outros seres tri-cerebrais existam mais ou menos nor
malmente, fazer nascer e desenvolver pouco a pouco nesse de­
safortunado planeta a verdadeira ciência objetiva — o que lhes
traria talvez o bem de que desfrutam há muito tempo já, graças
a seus méritos, os seres tri-cerebrais dc todos os demais plane­
tas de nosso Megalocosmos.
No princípio, durante o período em que os seres tri ce­
rebrais desse planeta tinham ainda o órgão kundabuffer, natu­
ralmente nem sequer se cogitava que os seres da Terra pudes­
sem ter conhecimento de alguma verdade cósmica.
Porém mais tarde, quando esse funesto órgão foi extir­
pado de sua presença e que, em conseqüência, seu psiquismo
se libertou e se tornou, de alguma maneira, seu próprio e “in
dividual”, de imediato começaram historias de todo tipo, sus­
citadas por seu pensar esseral “relativamente sensato”.
A primeira vez que os seres tri-cerebrais que lhe agra­
dam perceberam a lei cósmica fundamental do Heptaparapar­
shinokh sagrado e tomaram consciência dela com toda sua

782
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

presença foi no continente da Atlântida, durante aquele perío­


do em que certos seres — como lhe contei, lembra-se? — com­
preenderam por si mesmos que havia em sua presença “algo
suspeito” e descobriram que eles tinham também certas possi­
bilidades que lhes permitiam destruir esse “algo suspeito”, a
lim de se tornarem tal qual deveriam ser.
Durante aquele período, pelo fato de que alguns deles ti­
nham se posto a observar os funcionamentos “anormais”, segun­
do um pensar esseral sensato, que se efetuavam em sua presença
geral, a buscar as causas dessas anomalias e a se esforçar para en­
contrar os meios de se libertar delas, numerosos ramos da verda­
deira ciência atingiram o mais alto grau de desenvolvimento.
Dentre aqueles que se interessavam seriamente pelo que
se chamava então “a atividade mais essencial da razão”, encon­
trava-se um ser terrestre tri-cerebral de nome “Theophani”,
que foi o primeiro a colocar as bases racionais a partir das quais
esse ramo da verdadeira ciência podia se desenvolver.
Como eu soube depois por acaso, esse Theophani, um
dia em que ele fazia secar sobre uma placa de mármore uma
mistura composta de extratos de uma planta chamada “pate-
tuk”, de resina de pinheiro e de creme de leite das famosas
“cabras khenionans”, para dela extrair um mástique destina­
do, uma vez endurecido, a ser mascado depois das refeições,
deu-se conta de que essa mistura, qualquer que fosse sua quan­
tidade, e qualquer que fosse a maneira pela qual era derrama­
da sobre o mármore, se concentrava sempre da mesma manei­
ra e, depois de completo resfriamento, tomava uma forma que
comportava sempre sete faces distintas.
Este fato, inopinadamente constatado por Theophani, o
surpreendeu muito; em sua presença geral surgiu então um in­
tenso desejo de esclarecer sua razão sobre as causas fundamen­
tais, e que lhe eram ainda desconhecidas, desse fenômeno con­
forme às leis.

783
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

A partir daquele dia, ele recomeçou a lazer a mesma coi­


sa, mas desta vez com uma meta consciente.
Desde o inicio das pesquisas empreendidas por Theo-
phani, outros sabios amigos seus, corn os quais ele comparti­
lhava suas constatações e suas experiências, por elas se interessa­
ram também muito e depois tomaram parte em seus trabalhos.
Após longas e minuciosas investigações, esse grupo de
seres sábios tri-cerebrais de seu planeta reconheceu pela pri­
meira vez e se convenceu categoricamente de que quase todos
os resultados cósmicos em curso de realização que se manifes­
tavam ao redor deles, e cujos resultados transitórios exteriores
eram percebidos pelos órgãos dos seres sob esta ou aquela for
ma definida, apresentavam sempre sete aspectos independentes.
E foi em razão dos trabalhos conscientes destes poucos
seres sábios tri-cerebrais de seu planeta que apareceu e se de­
senvolveu no continente da Atlântida esse ramo de uma ciên­
cia quase normal, que leva o nome de “tazalurinono”, o que
significa “ciência dos sete aspectos de todo fenômeno integral”.
Mas, após o desaparecimento desse continente, nao so­
brou nada deste ramo da verdadeira ciência, de modo que,
durante longos séculos, os seres desse planeta ignoraram tudo
acerca dessa lei cósmica sagrada.
Este ramo da ciência era provavelmente tão conhecido
no continente da Atlântida que os seres sábios de lá nao acha­
ram necessário inserir o que quer que fosse a seu respeito em
seus legamonismos, como tinham o costume de fazê-lo, eu já
lhe disse, para todas as noções cujo conhecimento intacto eles
queriam transmitir aos seres das gerações seguintes.
Se tivesse existido um legamonismo referente a esse ramo
da ciência, sem nenhuma dúvida alguns fragmentos dele te­
riam sido conservados por aqueles que escaparam do desastre,
como aconteceu com outras ciências adquiridas pelos seres do
continente da Atlântida.
Assim, longos séculos transcorreram antes que a ciência

784
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

do Heptaparaparshinokh sagrado fosse conhecida de novo,


graças aos dois grandes sábios terrestres, os irmãos Tchun-Kil-
Tess e Tchun-Tro-Pel, que depois se tornaram Santos e se en­
contram atualmente no Santo Planeta do Purgatorio que aca­
bamos de visitar.
Talvez você se lembre, eu já lhe disse, que, no continente
da Asia, existia antigamente um país chamado “Maralpleissis”,
onde reinava um imperador de nome “Koniutsion”, descen­
dente daquele membro sábio da sociedade dos akhldanneses
que tinha vindo da Atlântida para observar, naqueles lugares,
todo tipo de fenômenos naturais de seu planeta, e que esse
imperador havia inventado para seus súditos o “conto cheio de
sabedoria” que lhe narrei, a fim de salvá-los de seu funesto
hábito de mascar as sementes da flor “gulgulian”.
Ora, o neto do imperador Koniutsion, que se tornou, por
sua vez, imperador dos seres desse grupo, teve dois resultados
de sexo masculino, gêmeos, dos quais o primeiro foi chamado
Tchun-Kil-Tess e o segundo, Tchun-Tro-Pel. No país de Ma­
ralpleissis, a palavra “tchun” significava “príncipe”.
Esses dois irmãos, descendentes diretos de um dos prin­
cipais membros da sociedade científica, encontrando-se em con­
dições satisfatórias durante sua “idade preparatoria”, se es­
forçaram por eles mesmos para nao deixar se atrofiar a facul­
dade hereditária, presente neles como em todo novo ser terres­
tre tri-cerebral, de cristalizar os dados que suscitam o poder de
realizar os partkdolgdeveres esserais. E como, além disto, a “fon­
te afirmativa” de seu advento, ou, como se diz, seu “pai”, deci­
dira destinar a existência responsável deles à carreira de sábio,
tomando todas as medidas necessárias para prepará-los para
ela, eles tinham se tornado, desde o início de sua idade respon­
sável, quase tais como o são em todos os outros planetas de
nosso Megalocosmos os seres tri-cerebrais que aspiram à mes­
ma meta, quer dizer, que prosseguem suas pesquisas científicas
não para satisfazer essas fraquezas que se chamam “vaidade”,

785
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“orgulho”, “amor-próprio” — tal como o fazem, sobretudo em


nossos dias, os seres de lá quando escolhem essa carreira —,
mas com vistas a atingir um nivel de ser superior.
Eles se tornaram antes de tudo sábios-especialistas-em-
medicina, como se diz, depois muito simplesmente sabios.
Passaram o tempo de sua idade preparatoria e os primei­
ros anos de sua existência responsável na cidade de Ciob, no
país de Maralpleissis; mas, quando as areias começaram a re­
cobrir essa parte da superfície de seu planeta, ambos se junta­
ram aos emigrantes que se dirigiam para o leste.
Esse grupo de seres terrestres que fugia do país de Maral­
pleissis, dentre os quais se encontravam esses dois irmãos gê­
meos, futuros grandes sábios, transpôs as alturas do leste e foi
se fixar nas margens de uma grande extensão de água.
Esses seres terrestres tri-cerebrais formaram mais tarde,
nesse país, que leva atualmente o nome de “China”, uma im­
portante comunidade existente ainda hoje.
E foi nesse novo lugar permanente de existência, chama­
do “China”, que estes dois irmãos, os primeiros desde o desas­
tre do continente da Atlântida, tomaram consciência da lei cós­
mica fundamental do Heptaparaparshinokh sagrado.
E muito curioso e muito interessante notar que, no prin­
cípio, suas constatações se referiam precisamente ao conjunto
de substâncias cósmicas localizadas na formação supraplane­
tária que se chama hoje em dia lá “papaverum”, ou ainda, “pa­
poula”. Como já lhe disse, foi para destruir cm seus súditos o
hábito inveterado de mascar essas sementes que seu bisavô, o
grande imperador Koniutsion, havia inventado seu famoso “en­
sinamento religioso”.
Provavelmente esses dois grandes sábios terrestres tinham
herdado de seu ancestral, o imperador Koniutsion, além da
faculdade de compreender e de reconhecer seus deveres esse­
rais para com os seres que os rodeavam, um interesse apaixona­
do pelo estudo desse produto, que sempre foi para seus favoritos

786
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

um dos múltiplos latores funestos que levaram seu psiquismo, já


bastante enfraquecido sem isso, à degeneração definitiva.
Para que você possa compreender melhor e se represen­
tar por que e como essa pequena formaçào supraplanetária,
chamada “gulgulian” ou “papoula”, permitiu a esses sábios ter­
restres redescobrir essa grande lei cósmica, você deve saber
antes de tudo que, em todos os planetas, em todas as forma­
ções supraplanetãrias e intraplanetárias, e em particular naque­
las que constituem o que se chama a “flora”, surgem, com vis­
tas à transformação das substâncias cósmicas no curso do pro­
cesso Iraniranomange, três classes de cristalizações.
As cristalizações que pertencem à primeira classe são cha­
madas “surgimentos unastralnianos”; aquelas que pertencem
à segunda classe, “surgimentos okhtastralnianos”; e as que per­
tencem à terceira classe, “surgimentos polormedérticos”.
Por intermédio dos surgimentos “unastralnianos” se
transformam, no curso de processos evolutivos ou involutivos,
as cristalizações cósmicas, ou “elementos ativos”, que provêm
unicamente das substâncias transformadas pelo próprio plane­
ta onde se constitui esse tipo de formações supraplanetãrias ou
intraplanetárias, com vistas ao Iraniranomange cósmico geral.
Por intermédio dos surgimentos “okhtastralnianos” se
transformam, além das cristalizações cósmicas de que acabo
de falar, os “elementos ativos” que provêm de substancias
transformadas pelo próprio sol e pelos outros planetas do sis­
tema solar dado.
E por intermédio dos surgimentos de terceira classe, cha­
mados “polormedérticos”, se transformam, além das cristali­
zações cósmicas das duas primeiras classes, os “elementos ati­
vos” que provêm da transformação das substancias de diversas
concentrações cósmicas que pertencem a outros “sistemas so­
lares” dc nosso Megalocosmos comum.
A formação supraplanetária conhecida em seu planeta
com o nome de “flor de papoula” pertence precisamente â classe

787
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

dos surgimentos polormedérticos; através déla se opera a evo­


lução ou a involução do conjunto dos resultados da transfor­
mação de todas as demais “concentrações cósmicas centros de
gravidade” que penetram na atmosfera de seu planeta, no cur­
so do processo cósmico geral chamado “propagação universal
das radiações de todas as concentrações cósmicas”.

“Assim então, meu filho, uma vez mais ou menos estabe­


lecidos em seu novo lugar permanente de existência, nessa
China ainda muito jovem, esses dois grandes sábios terrestres,
Tchun-Kil-Tess e Tchun-Tro-Pel, retomaram o cumprimento
voluntario — interrompido muito contra a vontade deles —
do partkdolgdever esseral relativo á carreira que tinham es­
colhido para sua existência responsável, quer dizer, a pesquisa
científica no domínio da medicina.
Eles se puseram então a estudar esse conjunto de subs­
tâncias cósmicas que havia muito tempo seus favoritos tinham
aprendido a extrair de uma planta “polormedértica”, e que eles
chamavam “ópio”, o que significava, na língua dos seres desse
grupo, “distribuidor de sonhos”.
Esses dois grandes irmãos empreenderam o estudo do
opio porque tinham notado, junto com numerosos seres tri-
cerebrais da época, que o fato de absorver um certo extrato
dessa substância abolia provisoriamente toda sensação de dor.
Eles começaram por elucidar a ação de todas as suas pro­
priedades, na esperança de descobrir algum meio de tirar par­
tido de uma delas para destruir, ou pelo menos limitar, a ação
dessa “doença psíquica”, de forma particular, então bastante
disseminada entre os refugiados que os rodeavam.
No curso de suas pesquisas, eles notaram em primeiro
lugar que esse ópio comportava sete cristalizações independen­
tes, dotadas de propriedades subjetivas bem determinadas.
Prosseguindo suas investigações, eles constataram clara­
mente que cada uma das sete cristalizações independentes desse

788
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

“todo” comportava, por sua vez, sete outras cristalizações dis­


tintas, dotadas igualmente de propriedades subjetivas indepen­
dentes, e comportando de novo sete outras cristalizações — e
assim por diante, quase ao infinito.
Este lato os surpreendeu e os interessou tào vivamente
que, deixando de lado todos os problemas que eles tinham co­
locado para si anteriormente, consagraram-se a partir de en­
tão, exclusivamente e com perseverança, ao exame desse sur­
preendente fenômeno que eles mesmos foram os primeiros a
constatar e acabaram por obter resultados sem precedente —
até na época em que existia o continente da Atlântida — e sem
equivalente depois, em qualquer época, entre os seres tri-cere­
brais de seu planeta.
Ora, tendo sido levado — numerosos séculos depois da
existência planetária desses grandes sábios terrestres, hoje Santo
Tchun-Kil-Tess e Santo Tchun-Tro-Pel — a tomar conhecimen­
to, em razão das necessidades de algumas de minhas pesquisas,
da história detalhada da sua atividade, eu soube que depois de
terem se convencido categoricamente que este conjunto de subs­
tâncias cósmicas chamado “ópio” era constituído por toda uma
série de combinações de sete elementos ativos com proprieda­
des subjetivas distintas, eles se puseram a estudar, com os mes­
mos fins, numerosos outros resultados cósmicos, ou “fenôme­
nos”, que se produziam ao redor deles.
Porém, mais tarde, eles limitaram suas pesquisas a três
dentre esses resultados: o “ópio”, o que se chama o “raio bran­
» « »,
co e o som .
Ao estudar estas três manifestações diversas de processos
cósmicos, eles puseram em evidência e se convenceram intei­
ramente de que esses três resultados, embora não tendo entre
eles nada em comum, nem por sua origem nem por suas mani­
festações exteriores, nem por isso deixavam de apresentar uma
exata semelhança em sua estrutura interior e seu funcionamento,
até nos mais ínfimos detalhes.

789
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Em suma, pela segunda vez em seu planeta, bem depois


do desastre do continente da Atlântida, foi constatado e categorica­
mente demonstrado pelos dois irmãos gêmeos, para todos os
fenômenos independentes, exteriormente distintos, que cada
um deles, considerado como uma unidade, comportava no con­
junto de suas manifestações sete unidades independentes de
segunda ordem, dotadas de propriedades subjetivas específi­
cas; que estas “unidades independentes de segunda ordem”
eram, por sua vez, constituídas de sete unidades de terceira
ordem e, assim por diante, quase até o infinito; e que, em cada
uma dessas unidades de primeira ordem, de segunda ordem,
de terceira ordem, e assim por diante, os processos de relação
recíproca e de influência recíproca se efetuavam, em todos os
detalhes com a mais rigorosa exatidao, da mesma maneira e
com as mesmas conseqüências.
Eles definiram então, pela primeira vez, no curso de suas
pesquisas, designando-os com nomes diferentes, os sete aspectos
independentes isolados por eles a partir de um resultado inteiro,
assim como seus derivados de segunda e de terceira ordem.
Denominaram os sete primeiros aspectos de cada conjunto:

1. Erti-pikan-on
2. Ori-pikan-on
3. Sami-pikan-on
4. Okhti-pikan-on
5. Khuti-pikan-on
6. Epsi-pikan-on
7. Shvidi-pikan-on

os de segunda ordem:

1, Erti-nura-tchaka
2 Ori-nura-tchaka
3 Sami-nura-tchaku
4 Okhti-nura-tchaka

790
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

5 Khuti-nura-tchaka
6 Epsi-nura-tchaka
7 Shvidi-nura-tchaku

E, para precisar a qual dos três resultados de processos


cósmicos se referia cada uma destas definições, eles a comple­
tavam assim:
Para definir as nuanças do som, após ter anotado o número
de suas vibrações, acrescentavam a ele sempre a palavra “alil”.
Para definir as particularidades de composição do “raio
branco”, eles acrescentavam a expressão “nar-khra-nura”.
E, para definir os elementos ativos do produto polorme­
dértico chamado “ópio”, juntavam simplesmente o número
correspondente a seu “peso específico”.
Enfim, com vistas a determinar as vibrações específicas e
o peso específico, esses grandes sábios terrestres tomaram como
unidade de base a vibração do som, que foram os primeiros a
denominar “som mundial niriunossiano”.
Eu lhe explicarei mais tarde o significado da expressão
“som mundial niriunossiano”, empregada pela primeira vez por
esses dois grandes sábios terrestres. Enquanto isso, para que
você compreenda claramente as explicações a seguir, sobre o
tema dado, deve saber ainda que, em todos os planetas, os ver­
dadeiros sábios tomam como unidade de base, para seus cálcu­
los confrontativos do peso específico e das vibrações específi­
cas, o que a ciência objetiva define como a mais pequena par­
cela do Mui Sagrado Theomertmalogos que ainda contém a
“plenitude de vivificação” das três forças santas do Triamazi­
kamno sagrado. Mas em seu planeta, os verdadeiros sábios,
assim como os sábios de nova formação de todas as épocas,
para chegar aos mesmos fins, quer dizer, para seus “cálculos
confrontativos” de todas as partes distintas, com propriedades
diversas, de um todo qualquer — por exemplo, para estabele­
cer o “peso específico” dos diversos elementos ativos que eles

791
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

descobrem, entre aqueles que devem se encontrar ñas esferas


em que transcorre sua existência — sempre tomaram como
unidade de base o que se chama “o átomo de hidrogênio”, con­
siderando-o, nao se sabe por que, ao mesmo tempo como in­
divisível e o mais íntimo de todos.
Não se pode deixar de notar que esses “funestos sabios”,
entre seus favoritos, nem sequer suspeitam que se em todas as
esteras de seu planeta seu “átomo de hidrogênio” é efetiva­
mente indivisível e constitui a unidade mais pequena, isto não
quer dizer que ele não possa ser dividido ainda mais, um gran
de número de vezes, nos limites de outros sistemas solares, ou
mesmo nas esferas de certos outros planetas de seu próprio
sistema solar.
A este respeito, saiba que esse “hidrogênio” é precisa­
mente uma das sete substâncias cósmicas cujo conjunto reali­
za, para o sistema solar dado, o que se chama “a oitava ansapal­
niana interior” das substâncias cósmicas, oitava independente
que é, por sua vez, uma das sete partes independentes da “oita­
va ansapalniana cósmica fundamental”.
No sistema solar a que pertence nosso querido Karataz,
existe igualmente uma “oitava ansapalniana interior” indepen­
dente, e nós chamamos suas sete substâncias cósmicas hetero­
gêneas, dotadas de propriedades diversas:

1. Planokurab, que é precisamente seu hidrogênio.


2. Alillonofarab
3. Krilnomolnifarab
4. Talkoprafarab
5. Khritofalmonofarab
6. Siriunorifarab
7. Klananoïzufarab

Em seu planeta, os verdadeiros seres sábios deram, se­


gundo as épocas, nomes diferentes a essas sete cristalizações
“relativamente independentes” dotadas de propriedades diversas,

792
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

ou, segundo sua expressão, a esses “elementos ativos” que cons­


tituem “a oitava ansapalniana interior” de seu próprio sistema
solar; em nossos dias, os “sabios químicos”, que já são
“supersábios de nova formação”, os chamam de:

1. Hidrogênio
2. Fluor
3. Cloro
4. Bromo
5. Iodo

Quanto às duas últimas cristalizações distintas, eles não


lhes dão nome algum, já que os nomes que elas tinham na épo­
ca de seus ancestrais não chegaram até eles, e em nossos dias
eles nem sequer suspeitam da existência em seu planeta dessas
duas substâncias cósmicas, que são, no entanto, os principais
latores indispensáveis a sua própria existência.
Estas duas últimas substâncias cósmicas, que permane­
cem perfeitamente perceptíveis e perfeitamente acessíveis em
todas as esferas de seu planeta, ainda eram conhecidas, há dois
séculos apenas, pelos seres de lá que eram chamados então “al­
quimistas” — mas que os “esquisitos sábios” atuais chamam
simplesmente “charlatães ocultistas”, considerando-os como
vulgares “exploradores da ingenuidade humana”. E esses
alquimistas as designavam sob os nomes de “Hydro-umiak” e
“Piotrkarniak”.

“Assim então, meu filho, esses grandes sábios terrestres,


hoje Santos, os irmãos gêmeos, Tchun-Kil-Tess e Tchun-Tro-
Pel, foram os primeiros, após o desastre da Atlântida, a estabe­
lecer de novo as bases dessa ciência. E não somente estabelece­
ram as bases desse “conjunto de informações especiais”, mas
foram também os primeiros na Terra a constatar duas das três
particularidades fundamentais que comporta a grande lei de

793
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

que lhe falei, quer dizer, a constatar seus dois “mdnel-inn”.


Eles deram entào a este ramo da verdadeira ciencia, semelhan­
te aquela que se chamava no continente da Atlântida “ciencia
dos sete aspectos de todo fenómeno integral”, o nome de “Lei
de Nove”; e isto porque eles acrescentavam às sete manifesta
ções bem diferenciadas, que chamavam “duztzakos”, dessa
grande lei, as particularidades que eles tinham constatado pela
primeira vez e que designavam pelo nome de “suansoturabitzo”,
o que significava “aspecto obrigatoriamente descontínuo do
livre curso da totalidade”. E se eles assim chamaram esta lei,
foi antes de tudo porque haviam adquirido a inteira convicção,
no curso de suas pesquisas aprofundadas, de que, em todos os
“resultados cósmicos transitorios” que eles estudavam, essas
particularidades, que tinham sido os primeiros a constatar, ocor­
riam obrigatoriamente cm momentos precisos do processo desta
grande lei.
Esses dois grandes sábios chineses recorreram para suas
pesquisas a todo tipo de experiências químicas, físicas e mecâni­
cas e chegaram a imaginar um aparelho muito complicado e
dos mais instrutivos que denominaram “alla-attapann”.
Por meio deste aparelho “alla-attapann” eles puderam,
então, provar a si mesmos e demonstrar aos demais que esses
três “resultados transitórios” de processos cósmicos, a saber, o
produto “polormedértico” chamado “opio”, o “raio branco” e
o “som”, tinham em sua essência mesma uma propriedade co­
mum — em outros termos, que esses três fenômenos cósmicos,
de aparência exterior completamente diferente, tinham exata­
mente a mesma “estrutura de realização”, o que lhes dava, para
se manifestar, a mesma “conformidade com as leis”, geradora
de ações recíprocas; e que cm virtude desta conformidade com
as leis estas três manifestações aparentemente independentes e
de aspecto diferente tinham uma sobre a outra a mesma ação
que no interior de seus próprios limites. Dito de outro modo,
o “duztzako” de qualquer um desses resultados atua sobre o

794
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

“duztzako” correspondente de um outro resultado exatamen­


te como isto deve se efetuar nesse “duztzako” determinado que
é um dos sete aspectos deste outro resultado cósmico integral.
Esse aparelho por meio do qual os grandes irmãos fa­
ziam suas experiências, eu o vi com meus próprios olhos nu­
merosos séculos após o período em que eles existiram lá, e ad­
quiri um conhecimento profundo de sua construção.
Já que a razão das circunstâncias acidentais que me leva­
ram a tomar conhecimento dos detalhes de construção e de
funcionamento desse notável instrumento de experiências alia -
attapann está ligada ao amigo de minha essência Gornakhur
Kharkhar, será, sem dúvida alguma, muito interessante para
você e, ao mesmo tempo, muito instrutivo que eu a descreva
minuciosamente.
O estudo detalhado que fiz desse surpreendente apare­
lho, que, graças a Gornakhur Kharkhar, tornou-se célebre en­
tre os verdadeiros sábios de quase todo nosso Megalocosmos,
teve por origem as circunstâncias seguintes, devidas ao acaso.
Um dia, por ocasião de uma visita ao amigo de minha
essência, Gornakhur Kharkhar, no planeta Saturno, ele, que
havia igualmente ouvido falar desse aparelho, me pediu, no
curso de uma conversa, que lhe trouxesse um do planeta Terra,
se eu fosse ainda uma vez para lá.
E quando desci pouco depois ao planeta Terra consegui
um desses aparelhos e o levei para o planeta Marte, com a in­
tenção, assim que as circunstâncias a isso se prestassem, de
enviá-lo a Gornakhur Kharkhar no planeta Saturno.
Ora, durante muito tempo, como nossa nave Ocasião não
teve que ir ao planeta Saturno, guardei o aparelho alla-atta-
pann na minha casa em Marte; ele caía frequentemente no cam­
po de percepção automática de meus órgãos visuais e, durante
os momentos em que repousava de um pensar ativo, eu o ob­
servava com atenção, de modo que acabei por me familiarizar com
todos os detalhes de sua construção e de seu funcionamento.

795
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Este famoso instrumento de experiências, alla-attapann,


era composto de três partes independentes.
A parte anterior se chamava “lussotchepana”, a parte cen­
tral “dzendvokh”, e a última, a parte posterior, “riank-pokhortarz”.
A parte anterior, chamada “lussotchepana”, compreendia
uma espécie de tubo em forma de cone, cuja extremidade mais
larga estava herméticamente ajustada à esquadria da única ja­
nela do aposento onde se faziam as experiências, a outra extre­
midade apresentava uma pequena fenda com um “disco cole­
tor”, pela qual o que chamam de raios da “luz do dia”, que
entravam pela janela, eram transformados, como teriam dito
seus favoritos, em “raio branco concentrado”.
Esse “raio branco concentrado” passava então por um
cristal de forma especial onde ele se quebrava em sete “raios
coloridos distintos”, que caíam sobre uma pequena platafor­
ma de marfim chamada “pirindjiel”.
Esta plataforma “pirindjiel” estava construída e regula­
da de tal modo que esses raios coloridos nela eram concentra­
dos de novo, de uma outra maneira desta vez, e, ao atravessar
um segundo cristal, de forma especial ele também, caíam sobre
uma outra plataforma mais larga, igualmente de marfim, cha­
mada “polorishburda”.
Em frente deste “polorishburda” se encontrava um pe­
queno aparelho de construção particular, por meio do qual,
por um deslocamento apropriado, podia-se isolar qualquer um
dos raios coloridos que caíam sobre o “polorishburda” e diri­
gi-lo mais longe, sobre a terceira parte do alla-attapann, cha­
mada “riank-pokhortarz”.
Seria bom lhe dizer aqui que o saber relativo às ca­
racterísticas do primeiro cristal dessa parte do aparelho alla-
attapann chegou até seus favoritos atuais; e eles chamam esse
cristal de “prisma”.
Por meio deste prisma, os sábios terrestres contemporâne­
os obtêm igualmente sete raios coloridos a partir do raio branco, e

796
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

cies sonham ainda poder desta maneira conhecer certos outros


fenômenos cósmicos.
Mas, evidentemente, todos os seus sonhos e outras for­
mas de “titilação científica” nao deram em nada, já pelo único
fato de que através dc seu “prisma” eles obtêm somente o que
chamam “raios coloridos negativos” do raio branco, e que, para
compreender qualquer outro fenômeno cósmico que se re­
laciona com as modificações transitórias desse raio branco, é
absolutamente necessário ter á sua disposição seus raios colo­
ridos positivos.
No entanto, seus favoritos contemporâneos imaginam que
os raios coloridos obtidos por meio desse brinquedo infantil
que chamam “prisma” são os “raios positivos”, como aqueles
que haviam obtido os grandes sábios, e, em sua ingenuidade,
crêem que o “espectro” que eles extraem do raio branco dá
exatamente a mesma ordem de aparecimento dos raios que
aquela na qual eles surgem de sua fonte.
Em suma, no que se refere a estes funestos sábios de nova
formação, não se pode senão repetir a expressão de que seus
favoritos mesmos se servem tão freqüentemente: “Que o diabo
os carregue!”
Não é por nada que alguns de nossos “Individuuns sa­
grados” não têm em geral outro termo para designar seus favo­
ritos a não ser o de: “farsantes”.

“Assim então, por meio desses dois cristais, aqueles gran­


des sábios extraíam do raio branco esses raios coloridos positi­
vos, depois, com a ajuda da plataforma “polorishburda”, parte
central do “lussotchepana”, cada um desses raios coloridos era
dirigido sobre a terceira e principal parte desse surpreendente
aparelho, quer dizer, sobre o “riank-pokhortarz”.
Esta parte principal consistia em um “tripe” ordinario,
no topo do qual estavam ajustadas, de uma certa maneira, uma

797
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

sobre a outra, duas esferas, igualmente de marfim; a esfera su­


perior era um pouco maior que a inferior.
A pequena esfera, a inferior, apresentava, bem em frente
da parte do lussotchepana já atravessada pelos “raios coloridos
positivos”, uma cavidade de forma particular, onde se coloca­
va, para as experiências, seja o produto polormedértico inte­
gral, chamado “opio”, seja um de seus elementos ativos, isola­
do para as necessidades da experiência.
A esfera superior estava perfurada horizontalmente de
lado a lado, na altura do lussotchepana, enquanto, perpendicular­
mente a esse amplo cilindro, estava furada uma abertura me­
nor e menos profunda, que alcançava só o centro, e fazia direta­
mente face ao lussotchepana.
Esta segunda abertura, que só alcançava o centro, estava
disposta de maneira tal a poder dirigir à vontade os raios colo­
ridos, seja diretamente a partir do lussotchepana, seja por re­
flexão a partir da cavidade da pequena esfera inferior.
Pelo cilindro oco da grande esfera podia ser facilmente
manobrado um “bambu” especialmente preparado de antemão.
Muito tempo antes da experiência, muitos desses bam­
bus eram mergulhados em uma escuridão absoluta ou em uma
“luz de coloração alaranjada”, como se diz na Terra, obtida
pela combustão do “simkalash” que se extrai de um certo tipo
de “argila” cujas jazidas se encontram, em geral, em seu plane­
ta em terrenos saturados de ácidos “salunilovianos”, formados
eles mesmos de “masmolina” ou, segundo a denominação em
uso entre seus tavoritos, de “nafta”.
Esses bambus eram depois mergulhados num líquido as­
sim composto:
1. Clara de ovo do pássaro chamado “amersamarskanara”
2. Seiva da planta chamada “tchiltunakh”
3. Excremento de um ser quadrúpede que leva o nome
de “kesmaral”
4. Amálgama de mercúrio preparado de maneira especial.

798
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

Uma vez bem embebidos, esses bambus eram inseridos


um por um em outros bambus mais grossos, não preparados, e
cujas extremidades eram então herméticamente seladas.
Esta operação ocorria naturalmente ela mesma em uma
escuridão absoluta, ou à luz alaranjada do “simkalash”.
Depois, quando havia necessidade, para uma experiên­
cia, de um desses bambus impregnados, uma extremidade do
bambu grosso, não embebido, era inserida de uma certa ma­
neira no buraco cilíndrico perfurado através da esfera maior
do “riank-pokhortarz”, e se abria com a ajuda de um gancho
lixado numa pequena vareta, por meio da qual se podia mano­
brar o bambu impregnado com a velocidade desejada.
Ora, tal era a ação do líquido no qual esses bambus fo­
ram mergulhados que a parte do bambu impregnado sobre a
qual o raio colorido caía — quer ele viesse diretamente do lus-
sotchepana ou após reflexão na cavidade da pequena esfera infe­
rior— tomava instantaneamente e para sempre a cor desse raio.
As partes expostas desses bambus impregnados tomavam
igualmente as cores correspondentes às “vibrações sonoras”
que as atingiam, vibrações produzidas pelas cordas estendidas
sobre a parte central do aparelho, chamada “dzendvokh”.
Este “dzendvokh” consistia em uma moldura muito sóli­
da, de forma especial, feita de presas de “mamute”, sobre a
qual estavam esticadas numerosas cordas, de tamanho e de es­
pessura diversas, feitas umas de “tripas torcidas de cabras”,
outras de pêlos da cauda de seres de formas exteriores variadas.
— Diga-me, por favor, querido avô: o que é um “mamu­
te”? perguntou Hassin.
— Um mamute, respondeu Belzebu, é um ser bi-cere­
bral; ele existia antigamente em seu planeta, e, em relação aos
demais seres de todos os sistemas de cérebros, sua forma exte­
rior era de grandes dimensões.
Os seres dessa espécie foram eles também vítimas das
conseqüências da catástrofe no curso da qual se desprendeu

799
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

do planeta Terra esse grande fragmento, hoje chamado “Lúa”,


que se tornou o que chamei um “arrivista planetario” indepen­
dente no seio do sistema solar Ors, e que permanece para seu
desafortunado planeta a fonte principal de todo mal.
Quando a atmosfera desse pequeno planeta “arrivista”
se constituiu e pouco a pouco se harmonizou, a atmosfera do
planeta Terra foi submetida, como já lhe disse, a ventos violen­
tos que fizeram de certas partes de sua superfície desertos de
areia, enquanto nas regiões dos pólos “norte” e “sul” a neve
caía continuamente, a ponto de preencher todas as depressões
de terrenos na superfície desses “polos”.
Estes seres chamados “mamutes” residiam habitualmen­
te nessas partes de terra firme da superficie de seu planeta, e,
durante aquelas terríveis “tempestades de neve”, como se diz,
foram todos sepultados; desde então, este tipo de seres nunca
mais reapareceu por lá.
E interessante notar que ainda hoje se encontram enter­
rados sob a neve, que preenchia essas depressões mais tarde
recobertas de “kashimann”, quer dizer, desta substância que
constitui na superfície de seu planeta o que se chama “solo”,
corpos planetários de mamutes, em excelente estado de con­
servação.
Se eles se conservaram tão bem, e depois de tanto tempo,
é porque a neve foi muito rapidamente recoberta de “kashi­
mann”, realizando assim as condições de “isolação khlaniana”,
ou, como teriam dito seus favoritos, as condições de uma esfe­
ra herméticamente fechada, no interior da qual esses “corpos
planetários de mamutes” jamais estiveram expostos ao que se
chama lá “decomposição”; em outros termos, os “elementos
ativos” de que são, em geral, constituídos esses corpos planetá­
rios jamais involuíram completamente até sua “origem primeira”.

“Assim então, meu filho, esse surpreendente aparelho


alla-attapann demonstrava que os três “resultados transitorios”

800
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

cie processos cósmicos dos quais acabo de falar não somente


tomam formas análogas em suas manifestações interiores, como
sao constituídos dos mesmos fatores.
Por meio desse aparelho, era possível verificar e demons­
trar, por um lado, que em cada um desses três resultados tran­
sitorios de processos cósmicos gerais, que nào têm entre si nada
em comum exteriormente, se efetuavam as mesmas ações recí­
procas, que derivam uma da outra, para constituir um funcio­
namento comum e que, no que diz respeito às particularidades
evolutivas e involutivas da lei de Heptaparaparshinokh, em cada
um desses estados intermediarios a ação do funcionamento to­
tal de um desses resultados exercia uma influência sobre a ação
de um outro no estado correspondente, exatamente como no
interior de seus próprios limites — por outro lado, que uma
completa afinidade existia entre esses resultados cósmicos transi­
tórios quanto às propriedades das vibrações que os constituíam.
Esta completa afinidade nas relações interiores mútuas
desses três resultados transitórios sem nenhuma relação exterior
se demonstrava da maneira seguinte:
Por exemplo, tal raio colorido, dirigido sobre tal elemen­
to ativo do ópio, o transformava em um outro elemento ativo,
cujas vibrações recém adquiridas correspondiam àquelas do
raio colorido que tinha atuado sobre ele.
Obtinha-se o mesmo resultado dirigindo sobre esse mes­
mo elemento ativo, no lugar desse raio colorido, as vibrações
sonoras correspondentes das cordas do dzendvokh.
Além disto, se se fazia passar tal raio colorido através de
tal elemento ativo do opio, esse raio adquiria então, em sua
passagem, uma coloração cujas vibrações correspondiam àque­
las deste elemento ativo; ou bem se tal raio colorido era dirigi­
do de maneira a atravessar a “onda de vibrações sonoras” que
ressoava ainda naquele momento, de uma corda correspondente
do dzendvokh, ele adquiria, passando por esta onda, uma ou­
tra cor, correspondente às vibrações dadas pela corda.

801
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Enfim, se tal rain colorido e tais vibrações sonoras eram


simultaneamente dirigidos sobre um dos elementos ativos do
opio, escolhido entre aqueles cujo número de vibrações era
inferior ao total das vibrações do raio colorido e do som, esse
elemento ativo do opio era transformado em um outro, cujo nú­
mero de vibrações correspondia exatamente ao total das vibra­
ções oriundas dessas duas causas diferentes, e assim por diante.
Esse incomparável aparelho de experiências provava
igualmente que as mais altas vibrações de um resultado impu­
nham sempre sua direção a todas as vibrações inferiores de
outros “resultados cósmicos transitorios”.
Depois de tudo o que acabo de lhe dizer, meu filho, você
está agora em condições de compreender certas informações
graças às quais poderão se cristalizar em seu pensar os dados
que lhe permitirão se representar, por um lado, a forma geral
que tomaram na China os resultados do labor consciente, im­
parcial e obstinado dos dois santos irmãos, esses grandes
sábios terrestres, por outro lado, o grau de desagregação a que
caiu a inteligência esseral na presença desses infelizes seres ter­
restres tri-cerebrais.
Assim então, pela segunda vez, no curso de minhas ob­
servações sobre a existência dos seres tri-cerebrais que lhe agra­
dam, eu vi surgir, naquela China ainda muito nova, graças aos
dois irmãos gêmeos, esses grandes sábios terrestres, um ramo
independente da verdadeira ciência, constituído pelo “conjunto
de informações referentes ao problema especial” do qual havia
tomado plenamente consciência a razão aperfeiçoada de seres
tri-cerebrais de épocas anteriores e referente à lei cósmica fun­
damental do Heptaparaparshinokh sagrado, então chamada
“Lei de Nove”. Durante os dois ou três séculos que se segui­
ram ao raskuarno sagrado dos dois grandes irmãos gêmeos, esse
ramo da ciência não somente se transmitiu de geração a gera­
ção de maneira quase normal e sem ser deformado, mas, graças

802
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

a outros verdadeiros sábios que os sucederam, ele se fez mais


detalhado e tornou-se acessível aos próprios seres ordinários.
Se assim loi, é antes de tudo porque eles tinham conser­
vado o costume, estabelecido pelos seres sábios do continente
da Atlântida, de transmitir essa classe de informações aos seres
das gerações posteriores somente pelo intermedio de verda­
deiros iniciados.
Não posso me impedir aqui, meu filho, de notar e de
reconhecer com toda certeza que se este costume sensato, esta­
belecido há tanto tempo, tivesse se mantido, ainda que fosse
automaticamente, no processo de existência desses infelizes se­
res tri-cerebrais que lhe agradam, não há dúvida, no caso pre­
sente, que esse conjunto de verdadeiras informações, das quais
havia plenamente tomado consciência a razão de seus ances­
trais ainda “relativamente normais”, teria se conservado e po­
deria tornar-se o patrimônio de seus favoritos atuais; assim,
dentre eles, os que lazem ainda constantes esforços para não se
tornarem as vítimas definitivas das consequências do maldito
órgão kundabutler teriam podido aproveitar essas informações
para ajudá-los em sua luta interior, já tornada quase impossível.
Para pesar de todos os Individuuns mais ou menos conscien­
tes, e relativamente independentes, de nosso Megalocosmos, e
para a desgraça de todos os seres tri-cerebrais que povoam seu
desafortunado planeta, eles acabaram pouco a pouco por des­
naturar e por destruir quase definitivamente esse benefício que
seus grandes ancestrais, durante o período de que acabo de lhe
talar, quer dizer, durante dois ou três de seus séculos, haviam
criado para eles, graças a seus “esforços conscientes” e a seu
“sofrimento voluntário”.
Isto se produziu por duas razões.
A primeira foi que, devido às condições anormais de exis­
tência esseral exterior que eles mesmos haviam estabelecido,
alguns deles, ao se tornarem seres responsáveis, desenvolveram

803
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

essa “necessidade psico-orgânica” particular, que se poderia


formular assim em sua língua:
“Sede inextinguível de serem considerados como sábios
pelos seres que os rodeiam”.
E esta necessidade psico-orgânica fez aparecer neles a
estranha inerência da qual lhe falei mais de uma vez, que eles
mesmos chamaram “tendência à sofisticação astuciosa”.
A este respeito, meu filho, saiba de uma vez por todas
que quando eu emprego a expressão “sábios de nova forma­
ção” faço sempre alusão àqueles de seus favoritos que estão
afligidos por esta inerência específica.
A outra razão se devia a certas circunstancias temporarias
independentes deles, devidas a processos cósmicos gerais,
especialmente à ação da lei “Soliunensius”, e sob a influência
das quais começaram a se enfraquecer, na presença geral dos
verdadeiros iniciados de lá, os dados esserais cristalizados ne­
les para ali engendrar os impulsos chamados “penetração” e
“previsão”. Eles se puseram então a considerar os tipos de nova
formação que acabo de descrever como sendo dos seus, e a
iniciá-los em algumas das verdadeiras informações cujo con­
junto era conhecido somente por eles; desde então esse ramo
da verdadeira ciência, tendo já caído em domínio de um nu­
mero maior, se degradou pouco a pouco, para acabar por ser
de novo quase completamente esquecido.
Empreguei a palavra “quase” porque, após esse período,
logo que um processo de existência esseral relativamente nor­
mal foi restabelecido, certos elementos desse conjunto de impor­
tantes informações objetivamente verdadeiras foram de novo
transmitidos às gerações seguintes unicamente por intermédio
de verdadeiros iniciados e, transmitindo-se de geração a gera­
ção, chegaram intactos a um número muito limitado, é verda­
de, de seus favoritos atuais.
A maioria deles só recebeu de herança, de todo o verda­
deiro saber do qual tinham tomado consciência seus grandes

804
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

ancestrais longínquos, uns poucos elementos práticos sem im­


portância, que chegaram automaticamente até eles e que, duran­
te o perturbado período de que falei, tinham se espalhado ampla­
mente entre os seres ordinários desta China ainda muito nova.
Dentre as informações fragmentarias que lhes chegaram
automaticamente, se encontram, de um lado, varios procedi­
mentos que permitem extrair do produto polormedértico cha­
mado “opio” alguns de seus elementos ativos independentes;
de outro lado, a “lei de combinações das cores”; por fim, a
“gama de sons de sete notas”.
No que concerne à primeira destas três informações rela­
tivas aos resultados práticos obtidos pela razão dos seres tri-
cerebrais da China antiga, devo lhe dizer que como certas par­
tes constitutivas desse produto chamado “ópio” têm a proprieda­
de particular de exercer uma ação agradável sobre seu anormal
psiquismo geral, eles se puseram a tazer dele uso constante, e é
por isso que o conhecimento de numerosos procedimentos para
extrair certos de seus elementos ativos independentes foi
transmitido de geração a geração e chegou a seus favoritos
atuais.
Ainda hoje, eles extraem um grande número de seus ele­
mentos distintos e deles se servem com ardor com vistas a sa­
tisfazer as conseqüências, já cristalizadas neles, das proprieda­
des do órgão kundabuffer.
Estes elementos extraídos da composição geral desse pro­
duto polormedértico têm, naturalmente, nomes novos entre seus
tavoritos atuais.
Um “bizarro sábio químico” contemporâneo, um certo
Mendeleyev, até reuniu os nomes de todos os elementos ativos
obtidos, e ele os classificou, supostamente, segundo seus “pe­
sos atômicos”.
Embora sua classificação não corresponda em nada à rea­
lidade, pode-se todavia reconstituir aproximadamente, segundo

805
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

esses “pesos atômicos”, a classificação estabelecida pelos gran­


des sábios terrestres da China.
Dos quatrocentos elementos ativos do “ópio”, então co­
nhecidos pelos grandes irmãos, os químicos contemporâneos
da Terra não sabem extrair mais do que quarenta e dois, que
levam hoje os nomes seguintes:

1. Morfina
2. Protopina
3. Lantopina
4. Porfiroína
5. Opio ou narcotina
6. Paramortina ou tebaína
7. Formina ou pseudomorfina
8. Metamorfina
9. Gnoscopina
10. Oleopina
11. Atropina
12. Pirotina
13. Readina
14. Tiktutina
15. Kolotina
16. Xantalina
17. Zutina
18. Tritopina
19. Laudamina
20. Laudanosina
21. Podotorina
22. Arkhatosina
23. Tokitosina
24. Liktonosina
25. Meconidina
26. Papaverina
27. Criptonina

806
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

28. Kadminina
29. Kolomonina
30. Koilononina
31. Cotarmina
32. Hidrocotarmina
33. Opianina (meconina)
34. Meconoïozina
35. Listotorina
36. Fiktonosina
37. Codeina
38. Narceina
39. Pseudocodeina
40. Microparaïna
41. Microtebaïna
42. Messaïna

Durante minha ultima estada em seu planeta, eu soube


que os seres sábios contemporâneos da comunidade da Ale­
manha tinham, supostamente, descoberto procedimentos para
extrair do opio vários outros elementos ativos independentes.
Mas, como já me convencera que os “sábios” contempo­
râneos dessa comunidade não fazem, na maioria das vezes, se­
não se entregar à sua fantasia e, tais como os seres da Grécia
antiga, não preparam nada de bom nem de útil para as gera­
ções futuras, não me interessei por essas “descobertas científi­
cas”, como eles as chamam, e ignoro os nomes desses novos
elementos ativos de hoje.
No que se refere à segunda das informações chegadas
aos seres contemporâneos a respeito dos resultados práticos
obtidos pela razão dos seres da China antiga, a saber, a ciência
relativa à “lei das combinações de cores”, ela foi transmitida
de maneira quase contínua de geração a geração, mas sob uma
forma ano após ano mais desnaturada, para acabar por cair, há
dois séculos apenas, em um esquecimento quase total.

807
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Em nossos dias, certas informações relativas a esta lei con­


tinuam a se transmitir, mas sao conhecidas somente por alguns
seres tri-cerebrais pertencentes à comunidade que existe com
o nome de “Pérsia”; aliás, desde que a influência da famosa
“pintura européia moderna” se propaga automaticamente entre
esses seres, deve-se esperar, como diz nosso venerável mestre, que
elas se evaporem, por sua vez, “o mais rápido e para sempre”.
Quanto à “gama de sons de sete notas”, que lhes chegou
dos seres da China antiga, devo lhe dar a seu respeito o máxi­
mo de detalhes possível, antes de tudo porque isso o fará me­
lhor compreender as leis das vibrações que permitem consta­
tar e conhecer todas as particularidades do Heptaparaparshi­
nokh sagrado, depois porque eu trouxe para casa, entre outros
objetos intencionalmente fabricados pelos seres tri-cerebrais
que lhe agradam, com vistas a um uso cotidiano em sua exis­
tência ordinária, um “instrumento produtor de sons” com nome
de “piano”, no qual as “cordas” geradoras de sons estão dis­
postas e podem ser afinadas da mesma maneira que no “dzend-
vokh”, quer dizer, a segunda das partes principais do famoso
aparelho de experiências alla-attapann, criado pelos grandes
irmãos gêmeos.
Quando regressarmos a nosso querido Karataz, poderei
lhe dar nesse piano uma demonstração direta do que se chama
“a ordem de sucessão dos processos de fusão recíproca das
vibrações”. Graças a minhas explicações práticas, você poderá
melhor se representar e compreender até certo ponto como e
em que ordem se efetua em nosso Megalocosmos o processo
do Mui Grande Trogoautoegocrata, e de que maneira surgem
as grandes e pequenas concentrações cósmicas.
Ao lhe contar como sobreviveu essa informação relativa
aos “resultados práticos” provenientes de uma ciência antiga
verdadeira, e como ela chegou de maneira automática até seus
favoritos contemporâneos, eu lhe darei antes de tudo esclare­
cimentos mais precisos sobre essa mesma lei das vibrações, que

808
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

os grandes irmãos formularam pela primeira vez com o nome


de “lei das vibrações de sons com sete centros de gravidade”.
Já lhe disse que no início, quando esse conjunto de ver­
dadeiras informações autênticas, ou este fragmento de verda­
deiro saber, era transmitido pelos seres de uma geração aque­
les das gerações seguintes unicamente por intermédio dos ver­
dadeiros iniciados, não somente o sentido exato que ali havia
sido inserido se manteve em toda sua integridade, mas essas
informações se fizeram mais “detalhadas”, graças a outros ver­
dadeiros sábios que os sucederam, a ponto de até se tornarem
acessíveis à percepção dos próprios seres terrestres tri-cere­
brais ordinários.
Entre estes sucessores apareceu, um século e meio de­
pois do raskuarno sagrado dos santos irmãos, um verdadeiro
sábio de nome King-Tu-Toz, que cdificou, baseando-se nos prin­
cípios de construção da parte central do aparelho alla-attapann,
chamada “dzendvokh”, uma teoria muito detalhada que ele
intitulou “teoria da evolução e da involução das vibrações”;
para confirmar sua teoria, ele fabricou um aparelho especial dc
demonstração que chamou “lav-mertz-nokh”, e que mais tar­
de, diga-se dc passagem, também ficou conhecido por quase
todos os seres sábios de nosso Megalocosmos.
Este aparelho “lav-mertz-nokh” se compunha, do mes­
mo modo que a parte central do alla-attapann, de uma moldu­
ra muito sólida sobre a qual estavam esticadas numerosas cordas
feitas de tripas e de crinas de diversos seres quadrúpedes de lá.
Uma extremidade de cada corda estava presa a uma das
bordas da moldura e a outra a era velhas dispostas na borda oposta.
Estas cravelhas estavam ajustadas de maneira a girar livre­
mente em seus “alvéolos”, c as cordas que estavam presas nelas
podiam ser esticadas ou afrouxadas à vontade, a fim de dar o
número desejado de vibrações.
Entre as numerosas cordas esticadas no lav-mertz-nokh,
quarenta e nove eram coloridas de branco e a “totalidade das

809
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

vibrações” de cada uma delas, quer dizer, o som determinado


produzido por suas oscilações, toi chamado “centro de gravi­
dade da oitava”. Este som determinado correspondia ao que
seus favoritos chamam atualmente um “tom inteiro”.
Cada grupo de sete cordas, que dava estes “sons centros
de gravidade” ou “tons inteiros”, era entào e é ainda chamado
uma oitava.
No aparelho lav-mertz-nokh estavam então esticadas as
cordas que representavam sete oitavas de “tons inteiros”, cuja
harmonia total dava o que se chama o “hanziano sagrado”, quer
dizer, precisamente o que os dois grandes irmãos tinham pres­
sentido, e que aconteceu coincidir quase exatamente com o que
eles chamavam, como jã disse, o “som mundial niriunossiano”.
Cada uma dessas oitavas de cordas do lav-mertz-nokh
dava a totalidade de vibrações que, segundo os cálculos dos
grandes irmãos gêmeos, correspondia ao conjunto das vibrações
de todas as substâncias cósmicas oriundas de sete fontes distintas
independentes, substâncias que constituem um dos sete centros
de gravidade da “oitava cósmica fundamental ansapalniana”.
No lav-mertz-nokh, este ser sábio chinês, King-Tu-Toz,
afinava cada corda branca separadamente, de maneira a dar o
número proporcional de vibrações que devia se encontrar, se­
gundo os cálculos dos grandes irmãos, nas substâncias que cons­
tituem um dos sete centros de gravidade do conjunto dado de
substâncias, o qual constitui por sua vez um dos sete centros
de gravidade da oitava cósmica fundamental das substâncias.
No lav-mertz-nokh, cada oitava, como cada tom inteiro
da oitava, tinha seu próprio nome.
Assim, a oitava superior das cordas era chamada
“Aratshiaplmuish”

a segunda oitava superior, “Erkrordiapan”


a terceira superior, “Erordiapan”
a quarta superior, “Tshorordiapan”

810
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

a quinta superior, “Piandjiapan”


a sexta superior, “Vetserordiapan”
a sétima superior, “Okhterordiapan”.

Quanto às “cordas centros de gravidade”, que estavam


tingidas de branco, elas tinham em todas as oitavas o mesmo
nome acompanhado do nome da oitava dada.
Estes tons inteiros eram chamados:

o primeiro, no topo da oitava, “Adashtanas”


o segundo, “Evotanas”
o terceiro, “Gevorgtanis”
o quarto, “Maïkitanas”
o quinto, “Midotanas”
o sexto, “Lukotanas”
o sétimo, “Sonitanis”.

Os seres terrestres contemporâneos chamam esses mes­


mos tons inteiros: dó, si, lá, sol, fá, mi, ré.
A este respeito, meu Hlho, a fim de que a grandeza desses
dois santos irmãos lhe pareça ainda mais evidente, chamo sua
atenção para o fato de que seus cálculos com vistas a estabelecer
a “qualidade de vivificação das vibrações do som”, que, segun­
do suas suposições, correspondia à vivificação das fontes cós­
micas das substâncias, resultaram coincidir quase exatamente
com a realidade.
Seu mérito era tanto maior porque eles não possuíam,
como seres terrestres, nenhuma verdadeira informação sobre
este assunto. E se eles foram capazes de fazer suposições corre­
tas e cálculos quase exatos sobre todo tipo de verdades cósmi­
cas objetivas, foi exclusivamente graças a seus esforços conscien­
tes e a seu sofrimento voluntário.
Depois esse sábio, King-Tu-Toz, dispôs sobre o lav-mertz-
nokh, em certos pontos de cada oitava, entre as cordas brancas
correspondentes aos tons inteiros, cinco outras cordas tingidas

811
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

de negro desta vez. Ele chamou estas cordas negras de “senii-


sakhsakhsa”, o que correspondia, segundo a terminologia dos
seres terrestres, ao que eles chamam de “semitons”.
No lav-mertz-nokh, nenhuma destas “cordas semitons”
estava esticada nos espaços que separavam aquelas cordas dos
tons inteiros entre as quais, segundo as indicações dos santos
Tchun-Kil-Tess e Tchun-Tro-Pel e em conformidade com o
Heptaparaparshinokh sagrado, não há possibilidade de evolu­
ção nem de involução independente das vibrações do som —
espaços que eles foram os primeiros a denominar “intervalos”.
E, nos lugares precisos da oitava onde estes “intervalos” de­
viam se encontrar, esse ser sábio, King-Tu-Toz, dispôs, entre
os tons inteiros, cordas especiais feitas de crinas provenientes
da cauda de seres ali chamados “cavalos”.
Estas cordas de crina davam vibrações que nao eram sem­
pre as mesmas, e King-Tu-Toz as chamou “vibrações caóticas”.
O número de vibrações produzidas por estas cordas de
crina não dependia de sua tensão, como para as outras cordas,
mas de causas diferentes — especialmente de três condições
oriundas de resultados cósmicos circundantes, ou seja: a ação
das vibrações que se propagavam ao redor delas e que eram
produzidas por outras cordas do lav-mertz-nokh, o estado do
que se chama a “temperatura da atmosfera” no momento dado
e as radiações dos seres que se encontravam nas proximidades,
sem distinção de sistemas de cérebros.
Nesse lav-mertz-nokh se havia igualmente disposto, em
cada oitava, entre essas cordas negras, brancas e de crina, qua­
torze cordas feitas elas também de tripas torcidas, tingidas de
vermelho e chamadas “kisskestchur”; se os seres terrestres con­
temporâneos utilizassem estas cordas, eles as chamariam “quar­
tos de tom”.
Além disto, todas as cordas “quartos de tom” que esta­
vam esticadas ao lado das cordas de crina estavam ajustadas
de tal maneira que, ao esticá-las ou ao afrouxá-las, podia-se,

812
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

a qualquer momento, fazer variar à vontade as vibrações que


elas produziam; assim, estas vibrações podiam ser reguladas e,
no ouvido, fusionar com as “vibrações caóticas” emitidas pelas
cordas de crina.
E isto porque as frequentes variações destas vibrações
das cordas de crina — cuja qualidade dependia, como já disse,
da temperatura da atmosfera, das radiações dos seres que se
encontravam nas proximidades e de muitas outras causas —
davam às vibrações dessas cordas vermelhas, quando elas não
fusionavam com as das cordas de crina, a propriedade de agir
sobre os seres presentes de uma maneira muito “cacofónica e
perniciosa”, podendo chegar até a sua total destruição.
Mas, modificando freqüentemente a tensão das cordas
vermelhas, e fazendo fusionar suas vibrações com aquelas que
provinham do lav-mertz-nokh, elas eram tornadas inofensivas,
quer dizer, o conjunto das vibrações oriundas do lav-mertz-
nokh se tornava, para os seres que as percebiam, um “fluxo de
harmonia” e cessava de ter sobre eles uma ação nociva.

“Assim pois, meu filho, esse aparelho lav-mertz-nokh, da


mesma forma que a teoria detalhada desse ser sábio conscien­
cioso dos tempos antigos King-Tu-Toz, sofreu a mesma sorte
que o incomparável aparelho alla-attapann e que o conjunto
de verdadeiras informações das quais tinham tomado cons­
ciência os grandes irmãos.
Em razão da formação persistente, e até mesmo aumen­
tada, em certos de seus favoritos, desse novo tipo de sábio que
tem uma tendência inerente a “sofisticar astuciosamente”, todo
esse conjunto de informações se alterou, e pouco a pouco seu
verdadeiro sentido e sua importância real foram esquecidos.
Quanto ao fato de que o princípio fundamental de dispo­
sição das cordas no aparelho lav-mertz-nokh, assim como no
dzendvokh, parte central do alla-attapann, chegou automati­
camente a seus favoritos contemporâneos, eis aqui as razões:

813
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Quando a crise aguda desse “período contuso” passou,


certos fragmentos, permanecidos intactos, de todas essas gran­
des aquisições devidas à razào de seres tri-cerebrais ainda “re­
lativamente normais”, toram de novo transmitidos às gerações
seguintes da maneira que havia sido estabelecida anteriormen­
te no processo de sua existência ordinária, quer dizer, segundo
um modo de transmissão assegurado unicamente por seres que
já tinham merecido tornar-se verdadeiros iniciados e adquiri­
do o seu saber. Entretanto, de ano cm ano, aumentava entre
eles o número de seres responsáveis afligidos por esta famosa
tendência; foi então que apareceu, nessa mesma China, um ser
tri-cerebral de nome “Tchai-Yu”, que, chegado à idade respon­
sável, tornou-se ele também um sábio de nova formação. Este
Tchaï-Yu foi a causa de que a ciência dessa gama de sons de
sete tons e sua aplicação prática se tornassem acessíveis a todos
c se transmitissem automaticamente, de geração a geração, até
seus favoritos contemporâneos.
Nos primeiros anos de sua existência responsável, esse
Tchaï-Yu foi designado, em razão de certos méritos subjetivos
correspondentes, como candidato ao título dc “iniciado de pri­
meira ordem”; depois lhe foi dada uma ajuda, sem que ele sou­
besse, por quem dc direito, segundo um costume estabelecido
há muito tempo entre os verdadeiros iniciados, a fim de que
ele recebesse todas as informações requeridas relativas a dife­
rentes acontecimentos reais que tinham ocorrido antigamente
em seu planeta.
Como me mostraram mais tarde minhas minuciosas
investigações, ele se tornou digno de conhecer todos os deta­
lhes de construção do grande aparelho lav-mertz-nokh.
Loi então que com o único fim de se ver considerado
como “sábio” pelos seres que o rodeavam, esse Tchaï-Yu, que
foi um dos primeiros tipos de “sábio ideal de nova formação”,
quer dizer, um ser que tinha plenamente desenvolvido a ten­
dência a “sofisticar”, começou, com base em informações

814
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

relativas aos detalhes do grande aparelho lav-mertz-nokh, do


qual ele tinha tido conhecimento da maneira que talei, não so­
mente a elucubrar uma teoria de sua lavra — teoria que não
alirmava nem negava absolutamente nada acerca das leis das
vibrações —, mas a construir um novo instrumento produtor
de sons, simplificado, que chamou “king”.
Essa simplificação consistia em que, sem absolutamente
levar em conta nem as cordas vermelhas nem as cordas de cri­
na esticadas no lav-mertz-nokh, ele tomou como base de seu
instrumento produtor de sons unicamente as cordas brancas e
negras, só conservando mesmo o número de cordas correspon­
dente a duas oitavas, e as colocou numa ordem tal que a oitava
inteira do meio dispunha, para seu desenvolvimento evolutivo
e involutivo, da metade da oitava superior seguinte e da meta­
de da oitava inferior precedente.
Embora a teoria “elucubrada” por esse Tchaí-Yu não te­
nha subsistido muito tempo ela tampouco, o instrumento pro­
dutor de sons “king” que ele tinha construído nem por isso se
tornou menos acessível a todos, em razão de sua simplicidade.
E como os resultados que se extraíam dele por uma ação inten­
cional se revelaram excelentes e dos mais aptos para “afagar”
numerosos dados cristalizados na presença geral deles graças
às consequências das propriedades do órgão kundabutfer, ele
passou automaticamente de geração a geração.
A forma exterior desse instrumento, o modo de constru­
ção de sua moldura, a tensão das cordas e seus próprios nomes
toram muito frequentemente modificados pelos seres das gera­
ções seguintes, para chegar, entre seus favoritos contemporâ­
neos, a esses pesados instrumentos produtores de sons, com­
plicados até a idiotice — e que não correspondem em nada à
sua torça tísica que recaiu ao nível da infância —, que eles
chamam “clavicímbalos”, “clavecinos”, “órgãos”, “pianos de
armario”, “pianos de cauda”, “harmonios” etc. Entretanto, o
princípio fundamental do que se chama “alternância de sons

815
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

centros de gravidade” se conservou até nossos dias idéntico


aquele que aplicaram os santos irmãos Tchun-Kil-Tess e Tchun-
Tro-Pel no dzendvokh, quer dizer, na parte central do incompa­
rável aparelho de experiencias alla-attapann de sua invenção.
E por isso, meu filho, que essa “subdivisão chinesa da
oitava de sons em sete tons”, simplificada por Tchaï-Yu, e che­
gada até seus favoritos contemporâneos, que a aplicam hoje
em dia a todos os instrumentos produtores de sons que acabo
de enumerar, ainda pode servir, como já lhe disse, ao “estudo
comparativo direto” e ao conhecimento aproximado da ma­
neira pela qual as substâncias cósmicas de densidade e vivifica­
ção diversas se constituem, no curso do grande processo tro­
goautoegocrático, a partir do que se chama o “fluxo das vibra­
ções surgidas umas das outras” e da maneira pela qual elas se
unem e se desunem para formar grandes e pequenas concen­
trações relativamente independentes, realizando assim o Irani­
ranomange cósmico geral.
Aliás, você logo se convencerá por si mesmo, quando,
em nosso regresso ao nosso querido Karataz, eu lhe mostrar e
explicar praticamente, como já lhe prometí, a significação do
princípio de afinação desse instrumento contemporâneo, o
“piano”, instrumento produtor de sons que eu trouxe, entre
outros objetos, da superfície de seu planeta, com o fim de elu­
cidar experimentalmente em casa, com toda tranqüilidade —
por não ter tido tempo de tazê-lo no lugar —, uma de suas
particularidades, ligada ao estranho psiquismo dos seres tri-
cerebrais que lhe interessam, assim como às vibrações de vi-
viticação diversa, engendradas ao redor deles.
E agora lhe comunicarei uma pequena constatação que
fiz no curso de minha última estada entre eles: os seres tri-cere­
brais contemporâneos de seu planeta, se bem que eles tenham
feito desta subdivisão chinesa em sete tons a base de todos os
seus instrumentos produtores de sons e que percebam a cada
dia seus resultados, longe de se sentirem com isso minimamente

816
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

inspirados — como des deveriam sê-lo objetivamente —, bem


ao contrario, mantêm intencionalmente em si, sob a ação desse
modo de afinação, sem nenhum remorso, e até com um impul­
so de satisfação, o fluxo dessas associações que surgem em sua
presença geral, em todas as suas partes espiritualizadas, sob a in­
fluência de dados cristalizados neles pelas conseqüências das
propriedades desse maldito órgão kundabuffer.
Depois dessa demonstração prática ao piano, você pode­
rá não somente, estou seguro, se representar mais ou menos o
que se entende por “fluxo das vibrações centros de gravidade
oriundas umas das outras e que fusionam harmoniosamente”,
mas constatar uma vez mais, com um impulso de surpresa, o
quanto se enfraqueceu na presença geral de seus favoritos a
essência da ação desses dados esserais que devem, em geral, se
cristalizar na presença de todos os seres tri-cerebrais e cujo
conjunto é chamado “sutileza do instinto”.

Assim então, meu filho, graças, por um lado, à contínua


degradação, na presença geral de seus favoritos, da qualidade
dc funcionamento dos dados cristalizados neles para um sadio
pensar esseral e, por outro lado, ao número sem cessar cres­
cente dos que, dentre eles, se tornavam seres responsáveis de
novo tipo, quer dizer, “sábios de nova formação”, não chegou
finalmente mais nada, aos seres tri-cerebrais contemporâneos
que povoam esse desafortunado planeta, desse conjunto de in­
formações detalhadas, quase sem precedente no Universo, das
quais a razão de seus semelhantes tinha outrora plenamente
consciência e que são hoje em dia utilizadas para o bem dos
seres tri-cerebrais ordinários em todos os planetas de nosso
Megalocosmos, com exceção do único planeta onde elas fize­
ram sua aparição — mais nada, digo, a não ser o que o nosso
venerável Mulá Nassr Eddin define com as palavras seguintes:
“Louvado sejas, õ Criador, por não teres feito os dentes
do lobo como os chifres de meu querido búfalo, pois posso

817
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

hoje fazer todo tipo de pentes encantadores para minha amá­


vel esposa”.
No caso particular da “subdivisão chinesa da oitava em
sete tons”, se bem que ela tenha chegado a seus favoritos atuais
e que eles a apliquem o mais possível no processo de sua exis­
tência ordinária, eles nem sequer suspeitam, no entanto, que
esta subdivisão foi especialmente criada e edificada segundo
os princípios inquebrantáveis sobre os quais repousam todas
as coisas existentes em nosso Megalocosmos.
Se se exclui um número insignificante de seres perten­
centes a certos pequenos agrupamentos existentes no conti­
nente da Asia, que instintivamente perceberam o sentido ocul­
to desta “divisão chinesa de um som inteiro em sete centros de
gravidade distintos” e que limitam sua aplicação prática àque­
las de suas manifestações que eles consideram como sagradas,
se pode dizer sem temor que na presença de quase todos os
seres tri-cerebrais de seu planeta deixaram completamente de
se cristalizar, no curso dos últimos séculos, os dados que per­
mitem reconhecer a elevação de pensamento e a significação
contidas nesta “divisão”. E, nesse mesmo continente da Ásia,
como nas demais terras firmes da superfície de seu planeta, os
seres contemporâneos, tendo já perdido toda sensibilidade
instintiva, empregam esta divisão com o único fim de satisfazer
seus desejos mesquinhos, indignos de seres tri-cerebrais.
O que há de mais interessante em toda a história que
acabo de lhe contar, acerca do conhecimento que tiveram da
lei sagrada do Heptaparaparshinokh os seres tri-cerebrais que
povoam seu planeta, é que, a despeito do grande número de
informações de todo tipo — ou, como eles dizem, de “ramos
independentes do conhecimento científico”, que de novo sur­
giram entre eles e que estes devem se obrigar a “estudar com
afinco”, segundo sua expressão —, a “lei das vibrações” que
constitui, no entanto, o ramo o mais importante, aquele que
dá a possibilidade, ao menos aproximada, de reconhecer a

818
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

realidade, permanece para eles totalmente desconhecida, abs­


tração feita, evidentemente, de sua famosa “teoria do som” de
aparecimento relativamente recente, teoria por assim dizer es­
tudada a fundo e bem conhecida pelos seus “sábios físicos” e
“sábios músicos” contemporâneos.
Para lhe dar uma “imagem luminosa” da essência de seus
favoritos contemporâneos, pondo em evidencia diversos mal­
entendidos surgidos no domínio desse ramo da ciência e am­
plamente difundido entre alguns deles — mal-entendidos ca­
racterísticos e capazes de lhe servir de excelente material para
que você se represente e avalie o sentido e a importância obje­
tiva de todos os demais ramos independentes de sua “ciência
exata” atual —, considero como necessário explicar-lhe em de­
talhe as teorias das “vibrações do som” que estudam e preten­
dem conhecer estes “funestos sábios” de hoje.
Mas antes de lhe falar disso, minha essência, uma vez
mais, ordena à minha presença inteira de expressar minha sin­
cera compaixão pela sorte daqueles seres tri-cerebrais atuais
que, praticando sem descanso os partkdolgdeveres esserais,
alcançam esse grau de razao em que se torna inevitavelmente
necessário para eles adquirir em sua presença os dados corres­
pondentes às verdadeiras informações relativas à lei das vibrações.
Isto me volta à memoria neste instante, por associação,
com um impulso de piedade, porque encontrei mais de uma
vez, durante o período de minha última estada entre eles, al­
guns desses seres tri-cerebrais aos quais se tornara indispensá­
vel, em razao do estado de seu “aperfeiçoamento psíquico”,
perceber e assimilar verdadeiras informações sobre a lei das
vibrações; e ao mesmo tempo eu compreendia que, com toda
evidência, eles não tinham nenhuma fonte de onde extrair esse
tipo de informações.
E verdade que eles têm atualmente a respeito disso um
“conjunto de informações”, ou como eles mesmos o chamam,
uma “teoria das vibrações”, mas os infelizes seres que necessitam

819
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

desses conhecimentos nao podem tirar nada deles que seja um


pouco satisfatório para suas pesquisas, apesar de todos os seus
desejos e de todos os seus esforços — exceto diversas noções
duvidosas e contraditórias.
Assim, meu Hlho, na origem desses mal-entendidos terres­
tres se encontra o lato de que certos fragmentos de informa­
ções referentes à “lei das vibrações” chegaram aos seres con­
temporâneos de duas fontes diferentes, quer dizer, dos antigos
chineses e dos antigos gregos, cuja comunidade, já lhe disse,
você deve estar lembrado, foi constituída há muito tempo, en­
tre os continentes da Asia e da Europa, por pescadores asiáti­
cos, aqueles mesmos que inventaram, por tedio, durante os
períodos de intempéries, “ciências” de todo tipo, dentre as quais
essa “ciência das vibrações do som”.
E depois esta “ciência”, passando de geração a geração,
chegou a seus favoritos atuais quase ao mesmo tempo que a
ciência chinesa.
Todos os mal-entendidos ulteriores provieram de que as
informações que lhes vinham dos antigos chineses precisavam
que uma oitava inteira de vibrações continha “sete restoriols”,
quer dizer, que a oitava se compunha de “sete sons centros de
gravidade”, enquanto nas informações gregas era dito que a
oitava inteira de vibrações compreendia cinco restoriols, quer
dizer, que a oitava se compunha de cinco centros de gravidade
ou de cinco tons inteiros.
Ora, por este simples fato de que o funcionamento dos
dados cristalizados, no curso dos últimos séculos na presença
de seus favoritos para uma “compreensão esseral lógica”, se
faz quase “âs avessas” e que, devido â sua tacanha razão lógica,
essas duas informações de fontes diferentes pareceram a eles
igualmente verossímeis, os seres da civilização contemporânea,
que tinham se posto a cozinhar, com tanta facilidade como se
fossem panquecas, todo tipo de “especialidades científicas”,
caíram num estado de grande “perplexidade” e, durante vários

820
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

anos, nào puderam chegar a decidir, entre essas duas informa­


ções totalmente contraditórias, a qual dar a preferência a fim
dc adotá-la e admiti-la entre os ramos de sua “ciência oficial”.
Depois de ter “gasto muita saliva”, como eles dizem, de­
cidiram finalmente, para nào ofender a ninguém, e ao mesmo
tempo para que esse ramo de sua ciência abrangesse, de uma
só vez, essas duas teorias contraditórias que lhes tinham chega­
do dos tempos antigos, reuni-las numa só. E um pouco mais
tarde um deles, chamado “Haïdoropulo”, inventou uma muito
longa explicaçào “matemática” desse mal-entendido, precisan­
do por que uma das teorias falava de uma divisào da oitava em
sete tons inteiros e a outra em cinco tons inteiros somente, e
como se produzira essa importante contradição; desde então
suas explicações matemáticas apaziguaram definitivamente to­
dos os representantes qualificados da civilização contemporânea,
de modo que eles arquitetam hoje em dia com uma consciência
tranquila todas as suas “fantasmagorías” relativas às vibrações so­
bre as explicações matemáticas “desse bom Haïdoropulo”.
Estas explicações repousavam sobre as considerações
seguintes:
Esse bom Haïdoropulo calculava, de uma maneira co­
nhecida só por ele, o número de vibrações dos “sete tons intei­
ros” chineses, depois ele explicava que, na oitava chinesa de
sete tons, os tons inteiros chamados “mi” e “si” não eram real­
mente tons inteiros, mas somente semitons, visto que o núme­
ro de suas vibrações correspondia quase aquele dos semitons
gregos, que, de acordo com a divisão da oitava grega, se encon­
travam precisamente entre os tons inteiros chineses “mi” “fá”
e “si” “dó".
Em seguida, ele emitiu a hipótese de que era provavel­
mente cômodo para os chineses ter eles também os “restoriols”,
quer dizer, os centros de gravidade da voz, nesses semitons, e que
por essa razão eles dividiam suas oitavas não em cinco tons
inteiros como os gregos, porém em sete tons, e assim por diante.

821
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Depois desta explicação do senhor Haïdoropulo, todos


os sábios contemporâneos de nova formação tranqüilizaram-
se definitivamente, como já disse, colando uma etiqueta sobre
esse novo ramo de sua “ciência oficial”.
Desde então este ramo existe entre eles com o nome de
“teoria da lei das vibrações”, e, como teria dito nosso sábio
mestre Mulá Nassr Eddin, ele por isso “se enche de satisfação”.
A este respeito, me lembro ainda de uma sábia sentença
que, queira ou não, não posso deixar de expressar em voz alta;
ela vem também de nosso venerável Mulá Nassr Éddin, que a
formula assim:
“Ei! vocês, kurfuristaneses esquisitos! Que diferença
pode lhes fazer ter uma mula ou uma lebre para seus trabalhos
de campo? Não têm ambas quatro patas?”
Evidentemente, seus favoritos atuais não sabem e nem
sequer suspeitam que suas duas divisões da oitava em tons in­
teiros, divisões que eles chamam “chinesa” e “grega”, tiveram
por origem duas causas totalmente diferentes: a primeira, quer
dizer, a divisão chinesa, foi, como já lhe disse, o resultado do
conhecimento aprofundado que tinham da lei de Heptapara­
parshinokh os dois grandes irmãos gêmeos, sábios que perma­
necem inigualáveis na Terra; a segunda, quer dizer, a divisão
grega, foi edificada sobre a única base dos “restoriols da voz”
naturais aos seres gregos, na época em que foi composta essa
oitava grega de cinco tons.
Os “restoriols da voz”, ou, como os chamam ainda por
vezes, os “sons fáceis da voz”, se constituíam e se constituem
ainda, entre seus favoritos, em número quase igual àquele dos
agrupamentos independentes entre os quais eles se dividiam e
se dividem ainda. E isso é assim porque esses sons fáceis da voz
se constituem, em geral, nos seres a partir de numerosas condi­
ções circundantes, exteriores e interiores, independentes deles:
geográficas, hereditarias, religiosas e até a partir da qualidade do

822
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

alimento, ou da “qualidade das influencias recíprocas”, e as­


sim por diante.
Seus tavoritos contemporâneos nào podem, naturalmen­
te, compreender que, apesar de todo seu desejo e de todos seus
esforços, os antigos gregos, “por mais conscienciosa que possa
ter sido sua atitude a este respeito”, não encontraram, na divi­
são da oitava de sons em tons determinados, nada mais nada
menos do que esses cinco tons inteiros. Com eteito, a totalida­
de das condições interiores e exteriores, independentes deles,
só lhes permitia apoiar-se, ao se dedicarem a seu canto, em
seus cinco “restoriols da voz”.
Chamam-se “restoriols” ou “sons centros de gravidade
da voz”, dentre os diferentes sons produzidos pelos órgãos apro­
priados, aqueles que os seres emitem — segundo propriedades
tixadas neles e que dependem do funcionamento geral de sua
presença, propriedades que são, por sua vez, o resultado da
hereditariedade e de taculdades adquiridas — em uma mani­
festação livre, solta e de longa duração, sem provocar nenhu­
ma tensão de suas demais tunções distintas. Em outros termos,
existem “ restoriols” quando o ritmo do resultado desta manifes­
tação se harmoniza perfeitamente neles com as outras funções
de sua presença geral, cujo ritmo já está fixado por todas as con­
dições interiores e exteriores de sua existência esseral ordinária.
Devido a diversas condições de caráter local e a certas
qualidades hereditárias, nos seres de quase cada agrupamento
ou de cada região geográfica, se constituem diferentes “resto­
riols” ou “sons centros de gravidade da voz”; por isso a divisão
da oitava em tons inteiros ditere totalmente nos seres segundo
o lugar da superfície de seu planeta que eles habitam.
Existem hoje, entre seus tavoritos, agrupamentos dc se­
res que têm a faculdade de emitir não mais somente cinco ou
sete “sons centros de gravidade”, mas até treze ou mesmo de­
zessete tons inteiros da oitava dos sons.
Para ilustrar o que acabo de dizer, os seres de um pequeno

823
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

agrupamento do continente da Asia nos servirão de excelente


exemplo. Eu gostava muito de ouvi-los cantar, pois possuíam,
entre outras capacidades fisiológicas — ao mesmo tempo que
não tinham dados senão para a manifestação de três “restoriols”
somente—, a de emitir em seu canto até quarenta sons distin­
tos bem determinados.
Seus cantos eram magníficos e, no entanto, qualquer que
fosse a amplitude de sua voz, a tranqüilidade de emissão e a
duração das vibrações do som dependiam de um dos três de
seus restoriols orgânicos.
A particularidade fisiológica dos seres desse pequeno gru­
po consistia em manter constantemente, na oitava inteira de
sua voz, qualquer que fosse o número de sons produzidos, um
“total invariável de vibrações”, apoiando-se sobre os três úni­
cos restoriols que lhes eram inatos, restoriols que, durante toda
a duração de sua manifestação, tinham a propriedade de pro­
vocar na presença inteira de um outro ser o que se chama uma
“centralização” ou um “eco”.
Compreendí isto muito claramente quando, interessado
por seus cantos, me pus a estudar essa particularidade, tão rara
entre seus favoritos atuais, por meio de três “diapasões” espe­
ciais que mandei fabricar e de vários “vibrômetros” muito sensí­
veis que me pertenciam e que havia inventado para mim o amigo
da minha essência, Gornakhur Kharkhar.
A divisão chinesa da oitava em tons inteiros não levava
absolutamente em conta essa propriedade esseral.
Esta divisão da oitava em sete tons inteiros, assim como
as informações que constituem a totalidade desse ramo espe­
cial da ciência relativa à Lei de Nove, estavam baseadas nos
resultados dos trabalhos conscientes e dos sofrimentos vo­
luntários dos dois grandes irmãos gêmeos, cujos corpos supremos
se tornaram assim dignos de serem beatificados e residem agora
no santo planeta onde tivemos recentemente a felicidade de ir.

824
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

Seja como for, meu filho, lamento muito que me seja


impossível por meio deste instrumento contemporâneo pro­
dutor de sons, o piano, que eu trouxe de seu planeta, explicar-
lhe inteiramente as leis de vibrações oriundas de todas as fon­
tes, e que realizam o Ensembluizar cósmico geral, o que se podia
fazer de maneira ideal no notável lav-mertz-nokh, criado pelo
sucessor dos grandes irmãos gêmeos, um não menos grande
sábio, o chinês King-Tu-Toz.
Nesse notável aparelho de experiências lav-mertz-nokh,
King-Tu-Toz dispos e afinou, segundo os cálculos correspon­
dentes dos grandes irmãos, exatamente tantas cordas gerado­
ras de vibrações quantas fontes sucessivas existem no Univer­
so, desde qualquer planeta até o Protocosmos, na presença das
quais as vibrações das substâncias cósmicas, modificando-se
em conformidade com a lei, fusionam da maneira requerida no
curso do processo trogoautoegocrático, para engendrar o con­
junto das realizações ulteriores.
Entretanto, meu tilho, se bem que o instrumento produ­
tor de sons, o piano, que eu trouxe da superfície de seu plane­
ta, seja uma invenção muito típica de seus tavoritos atuais, ain­
da é possível, já que o modo de afinação das cordas de seus
“tons inteiros” e de seus “semitons” não sofreu nenhuma alte­
ração, demonstrar experimentalmente, observando a ordem de
fusão das vibrações emitidas pelas cordas da maneira requeri­
da, as leis que regem as vibrações oriundas de qualquer uma
das oitavas cósmicas fundamentais de substâncias, quer dizer,
oriundas de um dos sete conjuntos de fontes fundamentais.
Assim é possível se representar e conhecer como todas as vi­
brações se engendram umas às outras e agem umas sobre as
outras, qualquer que seja sua fonte; com efeito, como já lhe
disse, todos os cosmos de escala diferente, assim como cada
uma das sete partes independentes destes cosmos, e cada uma
de suas manifestações, são quase em todos os pontos seme­
lhantes ao Megalocosmos, e em cada uma dessas unidades as

825
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

fontes sétuplas de vibrações exercem, umas sobre as outras, as


mesmas ações recíprocas que aquelas que se exercem no
Megalocosmos; por conseguinte, quando se compreende as leis
de vibrações para um centro de gravidade qualquer, torna-se
possível compreendê-las aproximadamente para todos os cen­
tros de gravidade, com a condição naturalmente que se leve
em conta sua diferença de escala.
Eu o repito, quando se afinam da maneira requerida as
cordas desse piano e se provocam as vibrações requeridas nas
cordas correspondentes, a fusão de vibrações que disto resulta
coincide quase exatamente, até de um ponto de vista matemá­
tico, com o conjunto de vibrações das substâncias provenientes
das fontes cósmicas adequadas em conformidade com o Hep-
taparaparshinokh sagrado.
Nesse piano, as vibrações de cada “tom inteiro” e de cada
“semitom” de qualquer oitava passam umas às outras estrita­
mente segundo a lei do Heptaparaparshinokh sagrado, de modo
que suas vibrações, como ocorre sempre e por toda parte no
Universo, se ajudam mutuamente a evoluir ou a involuir.
A este respeito, é interessante notar aqui que se os cálcu­
los e hipóteses desses grandes sábios terrestres se revelaram
quase exatos, isto se deve a que eles tomaram, por acaso, como
base de seus cálculos, a mesma unidade que aquela que se uti­
liza em toda parte no Megalocosmos, quer dizer, essa ínfima
parcela da mui santa substância do Theomertmalogos que pode
ainda conter a plenitude de força de vivificação que lhe é própria.
Vou agora lhe explicar, meu filho, como lhe prometí, o
“som mundial niriunossiano”.
O “som mundial niriunossiano” é o som cujas vibrações
eram tomadas nos tempos antigos, como “vibrações absolu­
tas” da nota “dó” — como o são ainda em nossos dias por um
número muito restrito de seus favoritos, e principalmente na Chi­
na —, para afinar os instrumentos produtores de sons.

826
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

Eis como se chegou a constatar a existência deste som


em seu planeta:
O primeiro que fez sua descoberta foi aquele membro
sábio da sociedade dos akhldanneses, fundada no continente
da Atlântida, que era precisamente o antepassado desses dois
irmãos sábios, e que, você deve se lembrar, encontrou por aca­
so os primeiros ocupantes do país de Maralpleissis, que nâo
tardaram a tomá-lo como chefe.
Naquela época, esse membro sábio da sociedade dos akhl­
danneses prosseguia suas observações sobre diferentes fenô­
menos cósmicos que se produziam tanto nesse planeta como
além dele, e foi assim que ele teve a ocasião de constatar que,
em uma certa região desse país, bastante próxima daquela onde
se edificou mais tarde a cidade de Gob, duas vezes por ano,
após certas perturbações atmosféricas, o mesmo som definido
se fazia ouvir durante um lapso de tempo bastante longo.
Ele fez então construir, no lugar, o edifício que lhe era
necessário para a observação dos “corpos celestes”, como se
diz lá. Sua intenção era com efeito, enquanto continuava seus
trabalhos, dedicar-se a todo tipo de observações e de pesquisas
sobre esse resultado cósmico, à primeira vista completamente
incompreensível para ele.
Mais tarde, quando os dois grandes irmãos, esses futuros
santos, empreenderam suas pesquisas sobre a lei cósmica sa­
grada de Heptaparaparshinokh, visto que eles já tinham co­
nhecimento desse resultado cósmico, eles se estabeleceram es­
pecialmente nos próprios locais, e foi ali que conseguiram elu­
cidar o caráter e a natureza desse som estranho, do qual eles
fizeram a unidade de medida de todos os seus cálculos em geral.
Nesse piano, as “vibrações de origem extrínseca” pro­
vêm de diferentes choques, ruídos, roçamentos, mas sobretu­
do do que se chama as “vibrações aéreas de inércia”, que se
formam em geral no espaço atmosférico a partir de vibrações
naturais anteriores.

827
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

A este respeito, podemos traçar um paralelo com o tim


de lazer sobressair a realização idêntica do quinto stopínder
do Heptaparaparshinokh sagrado em dois processos que não
têm exteriormente nada em comum.
Assim como o primeiro alimento esseral só adquire seu
poder de vivificação depois de sua transformação em “pento-
ekhari esseral”, do mesmo modo, nesse piano, as vibrações de
uma corda só adquirem o poder de vivificação correspondente
depois de sua fusão com as vibrações anteriores produzidas a par­
tir do conjunto das “vibrações centros de gravidade” da nota “sol”.
E possível se convencer de maneira categórica por esse
meio, quer dizer, pelo piano, desta última particularidade da
lei do Heptaparaparshinokh sagrado, nem que tosse somente
constatando que as vibrações das notas “mi” e “si”, emitidas
em uma sala herméticamente fechada, cessam instantaneamente;
em outros termos que as notas “mi” e “si”, em razão da inércia
devida ao choque que as engendra, sofrem uma involução e
cessam instantaneamente: a nota “mi” retorna ã nota “dó”, e a
nota “si” ao “fã” inferior.
Para concluir as explicações que lhe dei sobre a divisão
em sete tons da oitava dos sons tal como ela existe entre seus
favoritos, preciso uma vez mais, hélas!, insistir nesse tato de
que, se lhes chegou algum fragmento de conhecimento, eles
esqueceram o essencial dele. E isto, sempre pela mesma razão:
o abandono de toda realização dos partkdolgdeveres esserais
em sua presença geral, abandono que é neles a causa mesma da
decadência gradual do pensar próprio a seres tri-cêntricos.”

Neste ponto de seu relato, Belzebu, de novo, se pôs a


refletir profundamente, depois seu olhar se fixou na raiz do
nariz de seu neto.
Depois de um silêncio bastante longo, ele lhe disse:
— Ah, meu querido filho...
Queira ou não, devo agora lhe contar as experiências

828
A LEI DE HEPTAPARAPARSHINOKH

relativas às leis das vibrações, das quais fui testemunha no pla­


neta Terra.
E as descreverei a você, elas também, em todos seus deta­
lhes, pelas duas razões seguintes:
Por um lado, porque já lhe falei muito desta primeira lei
sagrada fundamental de Heptaparaparshinokh, e ficaria muito
aborrecido se por uma razão qualquer você não conseguisse
captar claramente todas as suas particularidades.
Por outro lado porque o ser terrestre que realizou essas
experiências, graças ao conhecimento das vibrações cósmicas
que ele adquirira, foi o exclusivo e único, no curso dos longos
séculos que eu passei na Terra, a reconhecer minha verdadeira
natureza.

829
Capítulo 41
O dervixe bukhariano
Hadji-Assvatz-Truv

MEU primeiro encontro com esse ser terrestre tri-cere­


bral contemporâneo, na casa de quem vi essas experiências,
será sem dúvida para você muito interessante, e não menos
instrutivo, pois, segundo toda a probabilidade, é graças a ele
que o conhecimento da lei cósmica sagrada fundamental de
Heptaparaparshinokh será restaurado e se tornará acessível a
todos os seres ordinários que têm sede de conhecimento, até
mesmo aos contemporâneos. Por isso lhe contarei este encon­
tro com todos os seus detalhes.
Eu o encontrei três anos antes da minha partida definiti­
va deste sistema solar.
Um dia, viajando pelo continente da Asia, em uma re­
gião chamada “Bukhara”, travei por acaso conhecimento com
um ser tri-cerebral com quem estabeleei amizade. Este ser per­
tencia à comunidade que povoava essa região da superfície de
seu planeta; ele era membro de uma confraria de dervixes e se
chamava Hadji-Zctir-Boga-Eddin.
Ele era o protótipo desses seres terrestres tri-cerebrais
contemporâneos que têm tendência a se apaixonar pelos “as­
suntos elevados”, como se diz por lá, e se automatizam a falar
deles ao primeiro que apareça, em toda ocasião, oportuna e
inoportuna, antes de ter tomado consciência disso com toda
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

sua essência. Comigo como com os outros, em cada um de nos­


sos encontros, ele só abordava esse gênero de questão.
Um dia chegamos a talar da antiga ciência chinesa que lá
se chama “Shat-Tchaï-Mernis”.
Esta ciência não representa nada mais que os fragmentos
de um conjunto de informações autênticas relativas ao Hep-
taparaparshinokh sagrado, informações de que tinham toma­
do consciência os dois grandes irmãos chineses, assim como
outros verdadeiros sábios da Antiguidade, e que eles tinham
chamado “Conjunto de verdadeiros conhecimentos sobre a Lei
de Nove”.
Já lhe disse que certos fragmentos desses conhecimen­
tos, permanecidos por acaso intactos, tinham sido transmiti­
dos de geração a geração por intermédio de um número muito
restrito de seres iniciados de lá.
Para dizer a verdade, será uma felicidade real para os
seres terrestres tri-cerebrais dos tempos futuros se estes frag­
mentos permanecidos intactos, que foram transmitidos e con­
tinuam a se transmitir de geração a geração graças a alguns
raros seres iniciados, não caírem entre as mãos dos “sábios con­
temporâneos”.
E será uma felicidade real, porque, se esses fragmentos
intactos de verdadeiros conhecimentos caíssem nas mãos dos
sábios atuais de lá, estes, com seu hábito inveterado de “procu­
rar meio-dia às duas da tarde”, fariam de todo o saber introdu­
zido nesses fragmentos um desses “guisados científicos”, cujo
segredo eles têm, e a razão vacilante de todos os demais seres
tri-cerebrais se apagaria então para sempre; além disso, estes últi­
mos restos das grandes aquisições de seus ancestrais seriam, por
sua vez, definitivamente varridos da face desse infeliz planeta.

“Assim então, meu filho...


“Um dia em que eu falava com o dervixe Hadji-Zefir-
Boga-Eddin da antiga ciência chinesa “Shat-Tchaï-Mernis”, ele

831
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

me propos, no curso da conversa, acompanhá-Io à casa de um


outro dervixe, seu amigo, que conhecia a fundo essa antiga cien­
cia chinesa, a fim de falar com ele sobre ela.
Disse-me que seu amigo morava longe de todos, no
Alto Bukhara, onde se dedicava a certas experiências relati­
vas a essa ciência.
Como nenhum assunto particular me retinha, naquele
momento, na cidade onde nos encontrávamos e como este sá­
bio dervixe vivia precisamente nas montanhas que eu desejava
há muito tempo explorar, aceitei imediatamente, e partimos no
dia seguinte.
Depois de ter deixado a cidade, caminhamos três dias.
Finalmente, muito adentro, nas montanhas do Alto
Bukhara, nos detivemos num pequeno desfiladeiro.
Esta região tem o nome de “Alto Bukhara”, porque suas
montanhas dominam o resto do país, o “Baixo Bukhara”.
Nesse pequeno desfiladeiro, meu amigo o dervixe Hadji-
Zefir-Boga-Eddin me pediu que o ajudasse a levantar uma laje
de pedra, que, quando a deslocamos, descobriu uma pequena
abertura de cujos lados sobressaíam duas barras de ferro.
Ele as aproximou uma da outra e se pôs à escuta.
Ouviu-se logo elevar-se um estranho murmúrio e, para
minha grande surpresa, Hadji-Zefir-Boga-Eddin se pôs, por
sua vez, a falar por aquela abertura, numa língua que me era
desconhecida.
Quando ele terminou, recolocamos a laje no lugar e reto­
mamos nosso caminho.
Após ter transposto uma distância bastante considerá­
vel, paramos diante de um rochedo; Hadji-Zefir-Boga-Eddin
espreitava visivelmente alguma coisa com uma atenção con­
centrada, quando a enorme rocha que ali se encontrava desli­
zou de repente, descobrindo a entrada de uma caverna.
Penetramos nesta caverna e continuamos a avançar;

832
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

notei entào que nosso caminho estava alternativamente ilumi­


nado pelo que se chama gas e eletricidade.
Esta iluminação me surpreendia muito particularmente;
entretanto eu não podia me decidir a desviar com minhas per­
guntas a atenção séria de meu companheiro.
Depois de ter percorrido certa distância, numa das cur­
vas, vimos vir a nosso encontro um ser terrestre tri-cerebral
que nos acolheu com toda a amabilidade em uso por lá, e que
nos conduziu mais adiante.
Era o amigo do dervixe Hadji-Zelir-Boga-Eddin.
Ele já era muito idoso, do ponto de vista de seus favori­
tos e, em relação às pessoas que o cercavam, ele parecia muito
alto e extraordinariamente magro.
Chamava-se Hadji-Assvatz-Truv.
Enquanto conversava conosco, ele nos conduziu a uma
pequena sala da caverna; sentamo-nos no feltro que cobria o
chão e prosseguimos nossa conversa comendo um “shila-pilaft ”
frio do país, que esse ser idoso trouxera da sala vizinha num
prato de terracota.
Durante a refeição, meu primeiro amigo dervixe lhe dis­
se, entre outras coisas, que eu também me interessava muito
pela ciência Shat-Tchaí-Mernis; depois ele lhe deu um apanha­
do de meus conhecimentos na matéria e do que, em geral, cons­
tituía o tema de nossas conversas.
Após o que o dervixe Hadji-Assvatz-Truv me colocou ele
mesmo algumas perguntas. Eu lhe respondia, cada vez, da ma­
neira requerida, mas evidentemente sob a forma que em mim
já se tornara habitual, e atrás da qual eu sempre soube ocultar
minha verdadeira natureza.
Com efeito, durante minhas estadas em seu planeta, eu
me tornara hábil em talar de uma maneira tal que seus favori­
tos me tomavam sempre por um de seus sábios.
Pela conversa que se seguiu, eu compreendí que esse ve­
nerável Hadji-Assvatz-Truv se interessava há muito tempo por

833
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

essa ciência, c que, durante os dez últimos anos, tinha se dedi­


cado a estudar exclusivamente seu aspecto prático.
Compreendi igualmente que ele havia chegado, no curso
de suas pesquisas, a resultados que já estão tora do alcance dos
seres tri-cerebrais de lá.
Tendo feito esta constatação, fiquei muito surpreso com
ela, e desejei vivamente entender o que isto queria dizer, pois já
me dera conta de que havia muito tempo esses conhecimentos
tinham desaparecido da razão dos seres terrestres; era, portan­
to, pouco provável que esse venerável Hadji tivesse frequente­
mente ouvido falar deles e que, assim, como sempre ocorre
com eles, seu interesse tivesse podido, com o tempo, despertar.
Com eteito, meu filho, já há muito tempo se tornou pró­
prio aos seres tri-cerebrais que lhe agradam de só se interessar
por aquilo que eles vêem frequentemente ou por aquilo que
ouvem frequentemente falar. Mas logo que eles se interessam
por alguma coisa, este interesse sufoca neles todas as outras
necessidades esserais, e lhes parece então que o que os apaixo­
na é a coisa mesma “que faz girar o mundo inteiro”.
Quando se estabeleceram, entre mim e esse simpático
dervixe Hadji-Assvatz-Truv, as relações requeridas, e ele co­
meçou a me falar mais ou menos normalmente — sem a “más­
cara” atrás da qual se abrigam sempre seus tavoritos contem­
porâneos em presença de seus semelhantes, sobretudo quando
os vêem pela primeira vez —, eu lhe perguntei, colocando evi­
dentemente nisso a forma requerida, por que e como ele se
interessara por esse ramo da verdadeira ciência.
A esse respeito, farei você notar que na superfície de seu
planeta se constituíram pouco a pouco, no processo de exis­
tência ordinária dos estranhos seres tri-cerebrais que povoam
cada uma de suas regiões, formas particulares de relações exte­
riores que se transmitem de geração a geração.
Estas diferentes formas de relações se constituíram por
elas mesmas após a atrofia definitiva, no psiquismo de seus

834
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

favoritos, dessa propriedade esseral que permite perceber o


sentimento interior de um outro em relação a si, propriedade
que não pode deixar de existir em nenhum ser de Nosso Gran­
de Universo, quaisquer que sejam sua forma e o lugar de seu
aparecimento.
Atualmente, em seu planeta, as boas ou as más relações
recíprocas se estabelecem unicamente na base de manifesta­
ções exteriores artificiais e sobretudo no que eles chamam “ama-
bilidade”, quer dizer, palavras vazias, que não contêm às vezes
o menor átomo do que se chama “o resultado de um impulso
interior benévolo”, impulso que surge em geral na presença de
todo ser logo que ele encontra um de seus semelhantes.
Em nossos dias, qualquer que seja o sentimento benévo­
lo que um ser experimenta em relação a um outro, se, por uma
razão qualquer, ele dirige a este último'palavras que o “bom
costume” considera como descabidas, tudo se acaba; em todas
as localizações separadamente espiritualizadas deste se crista­
lizarão então, infalivelmente, os dados que suscitam nele, por
associação, a convicção de que este ser, que em realidade lhe
quer bem, foi posto no mundo somente para lhe fazer, a cada
instante, as mais negras “vilanias”, como eles dizem.
De modo que se tornou indispensável, lá, nestes últimos
tempos, se se quiser fazer amigos e não atrair para si “inimigos
ferozes”, conhecer, antes de tudo, as inúmeras “maneiras de se
dirigir” às pessoas.
A existência anormal que levam esses estranhos seres tri-
cerebrais não somente estragou seu próprio psiquismo, mas
ainda, por repercussão, o de quase todos os seres terrestres
uni-cerebrais e bi-cerebrais.
Os dados que suscitam o impulso esseral interior de que
acabo de falar já cessaram de se constituir na presença dos se­
res uni-cerebrais e bi-cerebrais com os quais os estranhos seres
tri-cerebrais que lhe agradam têm, hoje como antigamente, con­
tatos frequentes.

835
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Esses dados esserais aparecem ainda na presença de cer­


tos seres uni-cerebrais e bi-cerebrais de lá, tais como “tigres”,
“leões”, “ursos”, “hienas”, “serpentes”, “tarântulas”, “escor­
piões” etc. cujo gênero de existência jamais exigiu o menor
contato com seus favoritos bípedes. No entanto, devido às con­
dições anormais de existência ordinaria estabelecidas por seus
tavoritos, já se constituiu na presença dos seres que acabo de
enumerar uma particularidade muito estranha e das mais inte­
ressantes, quer dizer, estes tigres, leões, ursos, hienas, serpen­
tes, tarântulas, escorpiões etc. percebem o sentimento de medo,
que sentem diante deles os demais seres, como animosidade
em relação a eles; por isso eles se esforçam por destruí-los para
se libertarem de sua “ameaça”.
Isto ocorre porque seus tavoritos, sempre em razão de
suas condições anormais de existência, tornaram-se pouco a
pouco, da cabeça aos pés, “tristes poltrões”, como eles dizem,
e porque, ao mesmo tempo, a necessidade de destruir a exis­
tência de outrem se enraizou neles, ela também, da “cabeça
aos pés”. E por isto que, quando seus favoritos, que sao agora
poltrões “de primeira classe”, saem para destruir a existência
desses seres dc outras formas — que se tornaram para sua des­
graça, e nosso pesar, muito mais fortes do que eles, tanto tisica-
mente como sob o aspecto de outros méritos esserais —, ou
quando os encontram por acaso, eles têm deles um tal pavor
“que se borram nas calças”, como se diz em semelhante caso.
Ao mesmo tempo, impelidos pela necessidade, enraizada
em sua presença, de destruir a existência de outros seres que po­
voam seu planeta, eles encontram de imediato o meio de tazê-lo.
Como conseqüência, sob a ação das irradiações próprias
a esses originais, se constitui pouco a pouco, na presença geral
dos seres de outras formas, em lugar dos dados que deveriam
neles se encontrar para suscitar o impulso de um “testemunho
instintivo de respeito e de simpatia”, um outro dado cuja fun­
ção particular consiste em fazê-los tomar como uma “ameaça”

836
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

o sentimento de covardia que experimentam a respeito deles


seus favoritos.
Eis por que esses seres uni-cerebrais e bi-cerebrais, quan­
do eles encontram seus favoritos, se esforçam sempre em des­
truir sua existência, para evitar todo perigo a si mesmos.
Antigamente, em seu planeta, todos os seres, apesar da
diversidade de suas formas exteriores e de seus sistemas de ce­
rebros, existiam juntos, na paz e na concórdia. Mesmo em nos­
sos dias, acontece às vezes ainda que um de seus favoritos se
aperfeiçoe até o ponto de experimentar, com todas as suas par­
tes espiritualizadas, que todo ser, ou que todo “alento”, como
se diz, é, para Nosso Pai Criador Eterno, igualmente próximo
e querido e, por outro lado, de chegar, cumprindo os partkdolg­
deveres esserais, à total destruição dos dados que suscitam em
sua presença um impulso de covardia diante dos seres de ou­
tras formas; de modo que estes últimos, longe de atentar con­
tra a sua existência, lhe testemunham respeito e se mostram
dispostos a servi-lo, como a um ser que tem mais possibilida­
des objetivas do que eles.
Em suma, uma multidão de fatores menores, ligados à
existência anormal de seus favoritos, os levaram finalmente a
estabelecer para suas relações mútuas numerosas formas de
“amabilidades verbais”, como eles dizem, cada região tendo,
aliás, sua forma particular.

“A atitude desse simpático ser tri-cerebral, Hadji-Assvatz-


Truv, era tanto mais benévola em relação a mim porque eu era
amigo de seu melhor amigo.
Notemos a respeito disso que os seres tri-cerebrais da­
quela parte da superfície de seu planeta são hoje os únicos en­
tre os quais existem ainda verdadeiras relações amigáveis.
Entre eles, como em qualquer outro lugar entre os seres
tri-cerebrais, e como ocorria antigamente em todo seu planeta,
não é só o amigo que é amigo, mas seus próximos e seus amigos

837
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

são eles também considerados como amigos e tratados como o


próprio amigo.
Eu queria estabelecer com Hadji-Assvatz-Truv relações
ainda melhores, porque desejava saber como ele se interessara
por essa ciência e como chegara a resultados científicos sem
precedentes na Terra; de modo que empreguei liberalmente na
conversa todas as fórmulas da amabilidade verbal em uso na­
quela região.
Durante a conversa, inteiramente consagrada à ciência
chamada na época Shat-Tchaí-Mernis, viemos, a propósito
da natureza e da significação das vibrações em geral, a falar da
oitava de sons.
Hadji-Assvatz-Truv disse então que a oitava de sons apre­
senta sete aspectos de manifestações totais relativamente inde­
pendentes, e que além disto as vibrações de cada uma dessas tota­
lidades relativamente independentes obedecem à mesma lei, tan­
to cm seu modo de surgimento como em suas manifestações.
Sempre a propósito das leis de vibrações dos sons, ele
prosseguiu:
“Se eu mesmo me interessei pela ciência Shat-Tchaí-
Mernis foi precisamente por meio destas leis de vibrações dos
sons; e foi por causa delas que dediquei, desde então, toda mi­
nha vida a essa ciência.”
Ele refletiu um instante e continuou:
“Devo dizer-lhes em primeiro lugar, meus amigos, que,
antes de entrar nesta confraria de dervixes, eu era um homem
muito rico; no entanto, gostava de praticar, de vez em quando,
um ofício: eu fabricava instrumentos musicais de cordas, do
gênero dos “saazis”, “taris”, “kiamiantchis” etc.
“Mesmo depois de meu ingresso na confraria, eu consa­
grava todo meu tempo livre a esse ofício, construindo instru­
mentos de música para uso dos dervixes.
“Foi por isso que me tomei de um tão forte interesse pe­
las leis das vibrações.

838
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

“Um dia, o Xeque de nosso mosteiro mandou me cha­


mar e me disse:
“Hadji !, no mosteiro onde eu não era ainda mais que um
“simples dervixe, quando os monges músicos, por ocasião de
“certos mistérios, tocavam as melodias dos cânticos sagrados,
“nós outros dervixes experimentavamos todos, ao ouvir essas
“melodias sagradas, sensações particulares, correspondentes ao
“próprio texto do cântico.
“Enquanto aqui eu nunca ainda notei, apesar de minhas
“longas e minuciosas observações, que essas melodias sagradas
“exerçam uma ação qualquer sobre nossos irmãos dervixes.
“O que se passa então? Qual é a razão disso?
• “Conhecer essa razão tornou-se há pouco tempo minha
“meta, e o fiz vir para falar disso com você: talvez, em sua
“qualidade de fabricante amador de instrumentos de música,
“você me ajude a elucidar esta interessante questão”.
“Dito isso, nos pusemos a examinar o problema sob to­
dos os seus aspectos.
“Após longas deliberações, chegamos à conclusão de que
a razão buscada estava provavelmente na natureza mesma das
vibrações dos sons. Com eleito, no curso de nossas conversas,
tornara-se claro para nós que no mosteiro onde nosso Xeque
lora um simples dervixe se tocava, além do tambor, diversos
instrumentos de cordas; enquanto aqui, em nosso mosteiro, es­
sas mesmas melodias sagradas eram exclusivamente executa­
das em instrumentos de sopro.
“Decidimos então substituir imediatamente todos os
instrumentos de sopro do mosteiro por instrumentos de cor­
das. Mas isso colocava uma questão muito importante, aquela da
impossibilidade de recrutar entre nossos dervixes um número su­
ficiente de especialistas para tocar esses instrumentos de cordas.
“Então nosso Xeque, depois de refletir alguns instan­
tes, me disse:
“Hadji, você que é um especialista na matéria, experimente!

839
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Talvez você consiga inventar um instrumento de cordas no


“qual qualquer dervixe, sem ser especialista, poderá produzir
“os sons da melodia desejada, por uma simples açào mecânica,
“por exemplo uma torção, uma percussão ou uma pressão”.
“A proposta de nosso Xeque me interessou de imediato viva­
mente, e foi com um grande prazer que empreendi esta tarefa.
“Tomada minha resolução, levantei-me e, após ter rece­
bido sua bênção, voltei para casa.
“Lá me sentei e por longo tempo, seriamente, refleti. O
resultado de minhas reflexões foi que resolvi fazer címbalos de
cordas, e inventar, com a ajuda dc meu amigo o dervixe
Kerbalaï-Azis-Nuaran, um mecanismo de pequenos martelos,
cujos golpes produziríam os sons desejados.
“Na mesma noite, fui â casa de meu amigo, o dervixe
Kcrbalaí-Azis-Nuaran.
“Embora este passasse entre seus camaradas e conheci­
dos por um grande original, todos o respeitavam e o estima­
vam, pois era muito inteligente e muito sábio, e levantava fre­
quentemente perguntas que obrigavam cada um a refletir seria­
mente, quer o quisesse ou não.
“Antes de ter entrado na ordem dos dervixes, ele tinha
sido um verdadeiro “saatki” profissional, dito de outra forma,
um relojoeiro.
“No mosteiro, ele também consagrava todo seu tempo
livre a este ofício que lhe era caro.
“Meu amigo, o dervixe Kerbalaï-Azis-Nuaran, se apai­
xonara, entre outras coisas, havia algum tempo, por uma sin­
gular idéia: ele queria fabricar relógios mecânicos que indicas­
sem a hora com exatidão, sem a ajuda de nenhuma mola.
“Ele explicava esta idéia bizarra de maneira muito breve
e muito simples:
“Nenhuma coisa em nosso planeta, dizia ele, está em
“estado de estabilidade absoluta, pois a Terra mesma se
“move. Só a gravidade representa na Terra uma estabilidade,

840
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

“e isto somente na metade do espaço ocupado por seu volume.


“Quero obter um equilíbrio tão perfeito das alavancas que a
“velocidade mesma do deslocamento da Terra lhes imprimirá um
“movimento que irá corresponder exatamente á marcha dos
“ponteiros de um relógio.”
“Quando cheguei à casa desse original amigo e lhe expli­
quei o que queria obter, e que assistência esperava dele, ele se
interessou logo vivamente pela coisa e me prometeu ajudar o
tanto que pudesse.
“A partir do dia seguinte, nos pusemos ambos ao trabalho.
“Graças a esta colaboração, o arcabouço do instrumento
musical mecânico que eu concebera ficou logo pronto. De mi­
nha parte, eu dispunha as cordas no lugar e na distância reque­
ridos, enquanto meu original amigo continuava a trabalhar no
mecanismo dos pequenos martelos.
“E quando terminei de esticar as cordas e de aliná-las da
maneira apropriada, fiz uma constatação de um tal interesse
que ela me levou a empreender sobre as leis das vibrações ex­
periências que prossigo ainda hoje.
“Isto começou assim:
“Devo em primeiro lugar dizer-lhes que eu já sabia mui­
to bem que uma meia corda dá um número de vibrações duas
vezes maior do que o de uma corda inteira de mesmo diâmetro
e de mesma densidade, e, em conformidade com esse princí­
pio, eu dispus nos címbalos “cavaletes” para as cordas; depois,
as afinei todas de maneira a fazê-las corresponder a uma antiga
melodia sagrada toda em “oitavas de tons”, servindo-me para
este fim, é claro, de meu “perambarsasidavan”, ou, como o
chamavam os europeus, de meu “diapasão”, que dava as vibra­
ções do “dó absoluto” chinês.
“Enquanto as afinava, constatei pela primeira vez que o
princípio segundo o qual o número de vibrações das cordas é
inversamente proporcional a seu comprimento não se traduzia

841
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

sempre, mas somente às vezes, por orna “fusão geral de conso­


nancia harmoniosa”.
“Esta constatação me interessou tão fortemente que re­
servei então toda minha atenção unicamente a essas pesquisas
e cessei completamente de me ocupar dos “címbalos”.
“Aconteceu que meu original amigo se tomou ele tam­
bém de um vivo interesse pela questão, e nos pusemos juntos a
estudar esse fato que nos surpreendia a ambos.
“Passaram-se varios dias antes que notássemos, meu ami­
go e eu, que tínhamos abandonado nosso trabalho principal;
decidimos então consagrar, a partir daquele dia, a metade de
nosso tempo ao acabamento dos címbalos e a outra a nossas
pesquisas.
“E de fato, nos tornamos logo hábeis em levar a cabo ao
mesmo tempo estas duas tarefas de tal modo que uma não atra­
palhasse em nada a outra.
“Os címbalos mecânicos de minha invenção ficaram logo
prontos e nos deixaram inteiramente satisfeitos. Eles acaba­
ram por se assemelhar um pouco a um “realejo grego”, mas de
quartos de tons, e de tamanho ligeiramente maior.
“Eram postos cm ação fazendo-os girar, o que obrigava
os pequenos martelos a bater nas cordas desejadas; e esta
concordância de ação era obtida por meio de uma pilha de
canas chatas nas quais havíamos esculpido entalhes, onde as
cabeças dos martelos vinham se inserir para provocar a sacudide­
la das cordas.
“Para cada uma das melodias sagradas, tínhamos prepa­
rado e atado uma pilha especial dessas canas chatas, que se
podia trocar à vontade segundo a melodia exigida.
“Quando entregamos enfim nossos címbalos a nosso Xe­
que e lhe participamos o que nos interessava acima de tudo
naquele momento, não somente ele nos deu sua bênção, e nos
autorizou a deixar o mosteiro durante um certo tempo, para
nos ocuparmos da questão que nos cativava, mas até chegou a

842
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

colocar a nossa disposição grandes somas de dinheiro sacadas


das reservas do mosteiro.
“Nós nos transferimos entào para cá, para viver longe do
mundo, lora de nossa confraria.
“Vivi aqui com meu amigo na paz e na concordia, até o
dia, ainda Bastante próximo, em que perdi para sempre este
inesquecível e insubstituível amigo.
“Ele desapareceu em circunstancias lamentáveis:
“Há algumas semanas, ele tinha descido á cidade de X...,
às margens do rio Amu Daria, para Buscar diversos instrumen­
tos e materiais.
“Quando saía da cidade para voltar para cá, uma Bala
perdida, proveniente de um tiroteio entre russos e anglo-
afegaos, o abateu no próprio local, e eu fui ¿mediatamente in­
formado desta desgraça por um sarto que estava de passagem
por lá, e que ambos conhecíamos.
“Alguns dias mais tarde, trouxe seu corpo e o enterrei
aqui”, e indicou com a mão um canto da caverna, onde se dis­
tinguía uma espécie de montículo.
Depois Hadji-Assvatz-Truv se levantou, fez um gesto de
prece, com toda evidência para o repouso da alma de seu ami­
go, e com um movimento de cabeça nos fez sinal para segui-lo.

“Nos pusemos em marcha e chegamos de novo ao principal


corredor da caverna; lá, esse respeitável ser terrestre se de­
teve diante de uma saliência, sobre a qual exerceu uma leve
pressão.
A rocha se afastou, descobrindo a entrada de uma nova
sala da caverna.
A sala na qual penetramos apresentava, tanto por sua
estrutura natural como por sua arrumação artificial, uma tal
originalidade — em relação às manifestações atuais da razão
de seus favoritos — que quero descrevê-la em detalhe para você.
As paredes dessa sala, a abobada e até mesmo o chao

843
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

estavam recobertos por varias camadas de um feltro muito es­


pesso. Como me explicaram mais tarde, esta cavidade natural
fora utilizada e adaptada de maneira a não deixar chegar, nem
das outras salas, nem de tora, a menor vibração, qualquer que
fosse sua origem, quer se tratasse de um gesto, de um roçamen-
to, de um murmúrio, ou até mesmo de vibrações produzidas
pela respiração de diversas “criaturas”, grandes ou pequenas,
que se encontrassem nas proximidades.
Nesse extraordinário local, encontravam-se varios apare­
lhos de experiencias de formas estranhas, entre os quais um
modelo desse instrumento produtor de sons, que eu mesmo
trouxe da superfície de seu planeta, e que seus favoritos cha­
mam “piano de cauda”.
A tampa do piano estava aberta, e podia-se ver que em cada
série de cordas estavam ajustados pequenos aparelhos independen­
tes que serviam para medir o “grau de vivificação das vibrações de
fontes diversas” e que tinham o nome de “vibrômetros”.
Ao ver o número desses vibrômetros, minha surpresa atin­
giu esse nível de intensidade que nosso Mulá Nassr Eddin caracte­
riza assim: “Passados os limites da saciedade, a gente arrebenta”.
Este impulso de surpresa só fizera crescer em mim, des­
de o momento em que vira, nos corredores da caverna, a ilumi­
nação a gás e a eletricidade. Eu já me havia perguntado de onde
tudo aquilo viera e de que maneira.
Eu já sabia muito bem que esses estranhos seres tri-cere­
brais tinham aprendido de novo a se servir para sua “ilumina­
ção”, como eles dizem, dessas fontes oriundas de formações
cósmicas, mas eu sabia também que o material necessário a
essa iluminação exigia um equipamento muito complicado, que
se encontrava exclusivamente lá onde existia uma de suas gran­
des aglomerações.
E, de repente, esta iluminação aparecia ali, longe de toda
aglomeração, sem nenhum desses sinais de que se acompanham
em geral essas possibilidades, nos seres terrestres atuais...

844
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

Quando percebi o “vibrômetro” que servia para medir o


“grau de vivificação das vibrações”, minha surpresa atingiu seu
paroxismo.
Eu estava tanto mais surpreso porque, pelo que sabia,
nao existiam mais em parte alguma, naquela época, aparelhos
por meio dos quais fosse possível contar qualquer espécie de
vibrações, e me perguntei, uma vez mais, onde esse venerável
ancião, que habitava em montanhas selvagens, tào longe dos
seres que representam a civilização terrestre contemporânea,
tinha bem podido conseguir tais aparelhos.
Apesar de todo interesse que eu experimentava, não ou­
sava pedir explicações ao venerável Hadji-Assvatz-Truv; e não
ousava, porque receava que uma pergunta tão fora do assunto
fizesse mudar o curso de nossa conversa, que, eu esperava, traria
um esclarecimento ao problema que me interessava acima de tudo.
Nessa sala da caverna, havia ainda numerosos aparelhos
que me eram desconhecidos, e principalmente um estranho
dispositivo ao qual estavam fixadas várias “máscaras”, como as
chamam. Dessas máscaras partiam em direção à abobada da
caverna espécies de tubos, feitos de goelas de vacas.
Por estes tubos, como soube mais tarde, chegava de fora
o ar indispensável à respiração dos seres que assistiam às expe­
riências, pois, durante aquele tempo, o local ficava hermética­
mente fechado.
Durante as experiências, os seres presentes usavam em
seus rostos as “máscaras” ligadas ao estranho dispositivo.
Quando todos estávamos sentados no chão dessa sala da
caverna, o venerável Hadji-Assvatz-Truv precisou, entre ou­
tras coisas, que no curso de suas pesquisas ele tivera de estudar
a fundo, com seu amigo, o dervixe Kerbalaí-Azis-Nuaran, to­
das as teorias das vibrações elaboradas em todas as épocas pe­
los mais sérios dos sábios terrestres.
“Nõs estudamos, disse ele, a teoria assíria do grande

845
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Malmanakh, a teoria árabe do célebre Selneh-Eh-Avaz e a do Hló-


sofo grego Pitágoras, sem contar, é claro, todas as teorias chinesas.
“Construímos aparelhos exatamente semelhantes àque­
les com os quais todos esses Sábios da Antiguidade faziam suas
experiências. Um deles, ao qual aliás acrescentamos alguma
coisa, tornou-se depois nosso principal aparelho de pesquisa.
“Era com esse aparelho que Pitágoras fazia suas experien­
cias; ele lhe havia dado o nome de “monocórdio”. Após tê-lo
modificado, eu o chamei “vibroshow”.
Dito isto, ele pressionou fortemente com uma mão algu­
ma coisa no chão, enquanto com a outra ele indicava um apa­
relho de forma estranha, precisando que este era o aparelho
“monocórdio” modificado.
O “aparelho” que ele designava consistia em uma pran­
cha de dois metros, cuja metade da face anterior estava dividi­
da em “trastos”, como o braço do instrumento produtor de
sons chamado “guitarra”, e no qual uma só corda estava esticada.
Na outra metade estavam ajustados numerosos “vibrô­
metros”, todos parecidos com aqueles que estavam fixados às cor­
das do “piano”; eles estavam dispostos de tal modo que seus pon­
teiros se encontravam justo acima dos trastos da primeira metade.
Na face posterior desta prancha estava fixada toda uma
rede de pequenos tubos, uns de vidro, outros metálicos, desti­
nados eles também a produzir sons, resultantes desta vez de
vibrações suscitadas por certos deslocamentos e correntes, quer
no ar ordinário, quer num ar artificialmente comprimido ou
rarefeito. Para medir as vibrações destes sons, eles se serviam
dos mesmos vibrômetros que os usados para as vibrações
emitidas pelas cordas.
O venerável Hadji-Assvatz-Truv queria ainda dizer algu­
ma coisa, mas nesse momento apareceu, vindo de uma outra
sala da caverna, um jovem rapaz de tipo “uzbek”, trazendo em
uma bandeja chá verde e xícaras.
Quando o jovem rapaz colocou a bandeja diante de nós e

846
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

sc retirou, o venerável Hadji se pôs a verter o chá nas xícaras,


depois, voltando-se para nós, pronunciou com um tom agradá­
vel a seguinte fórmula, que se emprega sempre em semelhante
caso naquela região:
“Aceitemos com veneração esta graça da Natureza, a fim
de estar em estado de contribuir para sua gloria”.
E ele acrescentou:
“Eu já sinto diminuir as forças que me sustentam, por
isso me é indispensável absorver a parte justificada do que pode
manter a animação de todo meu eu até a próxima dose”.
E com um sorriso benévolo, ele se pôs a tomar seu chá.
Enquanto ele bebia, resolvi aproveitar a ocasião para inter­
rogá-lo sobre as questões que me preocupavam.
Em primeiro lugar, lhe perguntei isto:
“Muito estimado Hadji, até o presente eu estava conven­
cido de que em nenhuma parte, na Terra, existia um aparelho
que permitisse medir exatamente as vibrações. E, no entanto,
vejo aqui um grande número desses “medidores”.
“Como se explica isto? De onde o senhor tem estes
aparelhos?”
O venerável Hadji-Assvatz-Truv respondeu:
“Estes aparelhos foram fabricados com vistas a nossas
experiencias por meu defunto amigo Kerbalaï-Azis-Nuaran, e
é a eles que devo todos os conhecimentos que adquiri sobre a
ciência das vibrações.
“Antigamente, com efeito, continuou ele, no tempo em
que florescia a grande Tikliamuish, existia na Terra um grande
número de aparelhos desse tipo; mas hoje estes aparelhos não
existem mais, se se excluem, é claro, esses “brinquedos infan­
tis” que se encontram na Europa, por meio das quais é por
assim dizer possível contar as vibrações, e que lá têm o nome
dc “sirenes”. Também eu me servi de uma dessas “sirenes”, no
começo de minhas experiencias.
“A sirene foi inventada, há dois séculos, por um certo

847
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

sábio tísico de nome “Zebek”; lá pelo meio do século passado,


ela toi por assim dizer aperfeiçoada por um certo Cagniard de
la Tour.
“A construção desse “brinquedo” é feita de tal modo que
uma massa de ar, comprimida num tubo, é projetada sobre um
disco giratório perfurado com furos que têm cada um o mesmo
diâmetro que o orifício do tubo de ar; enquanto o disco gira, o
tubo que contém o ar comprimido é aberto e techado alterna­
damente.
“Ora, durante sua rotação regular, o disco deixa passar,
através de seus furos, fluxos de ar sucessivos que dão um som
de altura sempre igual; e o número de giros, registrado por um
mecanismo de relojoaria, e multiplicado pelo número de furos
do disco, indica o número de vibrações deste som num inter­
valo de tempo dado.
“Para desgraça dos europeus, nem o primeiro inventor
desta “sirene”, nem aquele que a aperfeiçoou sabiam que o
som podia provir tanto da açâo das próprias vibrações como
do simples sopro de ar; e, como a sirene deles dá um som devi­
do unicamente ao sopro de ar, e de modo algum às vibrações
naturais, não se poderia de nenhuma forma se servir desse en­
genho para determinar o número exato das vibrações.
“O fato de que o som pode ser produzido por duas cau­
sas, quer dizer, seja pelas vibrações naturais do mundo, seja
pelo simples sopro do ar, satisfaz plenamente a curiosidade in­
telectual; vou, aliás, prová-lo imediatamente a vocês”.
Dito isto, o venerável Hadji saiu e trouxe de uma outra
parte da caverna um vaso de flores que pôs no meio da sala; ele
mesmo se sentou diante do aparelho “vibroshow”, o antigo “mo-
nocórdio” do célebre Pitágoras.
Voltando-se para nós, ele disse:
“Vou agora produzir, com esta rede de tubos, cinco sons
distintos, sempre os mesmos. Quanto a vocês, queiram dirigir sua
atenção para este vaso de flores, e verificar em seus relógios o

848
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

tempo durante o qual eu continuarei a emitir esses sons; retenham


também os números indicados pelos ponteiros dos vibrômetros.”
Depois do que, ele se pôs a insuflar ar nos tubos correspon­
dentes com um pequeno fole, o que deu uma melodia uniforme
de cinco tons.
Essa melodia uniforme durou dez minutos. Nào somente
havíamos retido os números indicados pelos ponteiros dos vi­
brômetros, mas os cinco sons estavam fortemente gravados em
nossa memória auditiva.
Quando Hadji cessou sua música monótona, vimos que
as flores tinham permanecido tào frescas quanto antes.
Hadji deixou entào o “monocórdio” e veio sentar-se diante
do instrumento emissor de sons denominado “piano”; ele cha­
mou uma vez mais nossa atenção para os ponteiros dos vibrô­
metros e se pôs a tocar sucessivamente as teclas corresponden­
tes do piano, que reproduziram a mesma melodia uniforme de
cinco tons.
Os ponteiros dos vibrômetros, desta vez ainda, indica­
ram os mesmos números.
Cinco minutos apenas tinham se passado quando, a um
sinal de cabeça de Hadji, olhamos o vaso de flores e nos aper­
cebemos de que as flores estavam positivamente murchando; e
quando, ao cabo de dez minutos, o venerável Hadji cessou sua
música, não restavam mais no vaso senão os talos todos mur-
chos e ressecados das flores que pouco antes estavam tao frescas.
Então, Hadji voltou a se sentar perto de nós e disse:
“Como me convenceram as pesquisas que prossegui du­
rante longos anos, e como enuncia a ciência Shat-Tchaí-Mernis,
existem efetivamente no mundo dois tipos de vibrações: as vi­
brações criadoras” e as “vibrações de inércia’.
“Ora, me dei conta por experiência que as cordas mais
aptas para produzir essas “vibrações criadoras” eram feitas seja
de um certo metal, seja de tripas de cabra.

849
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“As cordas feitas de outros materiais não têm a mesma


propriedade.
“As vibrações que elas engendram, como aquelas que
suscitam os deslocamentos de ar, são vibrações puramente iner­
tes. Em semelhante caso, os sons provêm de vibrações obtidas
pelo atrito do ar em movimento e pela ação mecânica da força
de inércia.”
Hadji-Assvatz-Truv prosseguiu:
“Antes, fazíamos nossas experiências com a ajuda unica­
mente desse “vibroshow”. Mas um dia em que meu amigo
Kerbalaï-Azis-Nuaran tora fazer compras na cidade bukharia-
na de Z..., descobriu por acaso este pumo numa venda em lei­
lão, entre os pertences de um general russo que ia embora; ten­
do percebido que suas cordas eram feitas precisamente do metal
que nos era necessário para nossas experiências, ele o com­
prou, e não sem grandes dificuldades, como vocês podem ima­
ginar, o transportou até aqui através da montanha.
“Após ter instalado o piano, nós o afinamos exatamente
segundo as leis das vibrações definidas pela antiga ciência chi­
nesa Shat-Tchaí-Mernis.
“Para atinar o instrumento de maneira correta, decidi­
mos não somente nos basear no “dó absoluto” da antiga escala
chinesa, mas levar em conta, como o recomendava esta mesma
ciência, as condições geográficas e da pressão atmosférica, da
forma e da dimensão do local, da temperatura média no espa­
ço circundante, a do local mesmo e assim por diante — levan­
do em consideração até a soma das emanações emitidas pelos
seres humanos que assistiríam às experiências que projetavamos.
“Uma vez o piano atinado desta maneira, as vibrações
que ele produzia adquiriram efetivamente todas as propriedades
de que se fala nessa grande ciência.
“Agora vou lhes mostrar o que é possível fazer com as
vibrações oriundas deste piano ordinário, apoiando-se nos

850
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

conhecimentos a que chegou o homem no domínio das leis das


vibrações.”
Depois ele se levantou de novo.
Dessa vez, ele trouxe de uma outra sala da caverna um
envelope, papel e um lápis.
Ele escreveu algo no papel, inseriu o que escrevera no
envelope, o colou e o pendurou num gancho que pendia da
abóbada, no meio da sala, depois tornou a sentar-se ao “piano”
e, sem dizer uma palavra, se pôs como da primeira vez a tocar
certas teclas, o que deu de novo uma melodia monótona.
Desta vez, na melodia, voltavam constantemente, regular­
mente, dois sons da oitava mais baixa do piano.
Ao cabo de alguns instantes, percebi que meu amigo, o
dervixe Hadji-Boga-Eddin, se sentia desconfortável em sua
cadeira; ele trocava o tempo todo sua perna esquerda de lugar.
Pouco depois, ele se pôs a coçar ligeiramente a perna
esquerda, e eu via bem, pelas caretas de seu rosto, que ela lhe
doía muito.
O venerável dervixe Hadji-Assvatz-Truv nào dava a isso
nenhuma atençào, continuava a tocar as mesmas teclas.
Quando por lim terminou, virou-se para nós e, dirigin­
do-se a mim:
“Por favor, amigo de meu amigo, levante-se, tire você mes­
mo o envelope do gancho e leia seu conteúdo.”
Eu me levantei, peguei o envelope, o abri e li o seguinte:
“Devido às vibrações oriundas do piano, deve se formar
em vocês dois, na perna esquerda, a três centímetros acima do
joelho e a dois centímetros à esquerda do meio da perna, o que
se chama um “furúnculo”.
Quando terminei de 1er, o venerável Hadji nos pediu que
nós dois desnudássemos as partes designadas de nossas pernas
esquerdas.
Quando as descobrimos, vimos na perna esquerda do der­
vixe Boga-Eddin, exatamente no lugar indicado, o “furúnculo”

851
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

anunciado; ao contrário, em mim, para extrema surpresa do


venerável Hadji-Assvatz-Truv, não havia absolutamente nada.
Quando Hadji-Assvatz-Truv o constatou, pulou de re­
pente de seu lugar, como um jovem, e gritou todo excitado:
“Isto não pode ser!”
E ele se pôs a olhar fixamente minha perna esquerda,
com olhos de louco.
Cerca de cinco minutos se passaram assim. Devo reco­
nhecer: pela primeira vez nesse planeta, perdi a compostura e
não pude encontrar de imediato o meio de sair do apuro.
Finalmente, ele se aproximou de mim, e estava prestes a
dizer alguma coisa, quando de repente, sob o efeito da emo­
ção, suas pernas se puseram a tremer violentamente; ele teve
de se sentar no chão e me fez sinal para fazer o mesmo.
Quando nos sentamos, olhou-me com olhos muito tris­
tes e me disse em um tom compenetrado:
“Amigo de meu amigo! Em minha juventude, eu era um
homem rico, tão rico que uma dezena pelo menos de minhas
caravanas, contendo cada uma perto de um milhar de camelos,
partia cada dia em todas as direções de nossa grande Ásia.
“Meu harém era considerado por todos os entendidos
como o melhor e o mais suntuoso da Terra — e todo o resto era
nesta escala; em suma, eu tinha, à saciedade, tudo o que pode
dar nossa vida ordinária.
“Pouco a pouco tudo isto me aborreceu tão fortemente e
saturou-me a tal ponto que à noite, quando ia deitar-me, pen­
sava com horror que no dia seguinte tudo recomeçaria da mes­
ma forma e eu teria de arrastar o mesmo fardo esmagador.
“No fim, tornou-se insuportável para mim viver em tal
estado interior.
“De modo que um dia em que experimentava mais
particularmente o vazio da existência ordinária, me veio a idéia,
pela primeira vez, de pôr fim a minha vida por um suicídio.

852
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

“Durante varios dias, pensei nisto com o maior sangue-


1rio. E, para terminar, tomei a decisão categórica de fazê-lo.
“Na última noite, quando entrei no quarto onde queria
pôr meu projeto em execução, lembrei-me de repente que eu
não lançara um último olhar para aquela que havia sido a me­
tade responsável na criação e na formação de minha existência.
“Lembrei-me de minha mãe, que ainda era viva. E com
esta lembrança tudo em mim licou transtornado.
“Eu me representei de imediato o quanto ela sofreria
quando soubesse de minha morte, e sobretudo em tais circuns­
tâncias.
“Lembrando-me dela, eu via o quadro de minha querida
velha mãe, solitária daí em diante, suspirando com resignação,
prostrada em sua dor, e lui tomado de uma tal piedade que os
soluços me subiram à garganta, quase me sufocando.
“Somente então reconheci com todo o meu ser o que havia
sido e o que era para mim minha mãe, e que sentimento ines­
gotável eu deveria experimentar por ela.
“Desde então minha mãe tornou-se a lonte de onde eu
extraía o sentido de minha vida.
“A qualquer momento que losse, de dia como de noite,
assim que eu me lembrava de seu rosto querido, novas forças
me animavam, e eu sentia crescer em mim o desejo de viver e
de tudo lazer com o único lim de que sua existência transcor­
resse agradavelmente.
“Isto durava havia dez anos, quando ela morreu de uma
doença impiedosa, e de novo fiquei só.
“Após sua morte, meu vazio interior tornou-se cada dia
mais intolerável.”
Neste ponto de seu relato, o olhar do venerável Hadji-
Assvatz-Truv se deteve por acaso no dervixe Boga-Eddin. Le­
vantou-se precipitadamente e lhe disse:
“Querido amigo! Em nome de nossa afeição, perdoe ao

853
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

velho que sou por ter esquecido de pôr um fim à dor que pro­
vocaram em você as vibrações portadoras de mal deste piano.”
Dito isto, sentou-se ao piano e recomeçou a tocar as te­
clas. Desta vez, só se ouviram duas notas, uma pertencente à
oitava mais alta, a outra à oitava mais baixa, que ele tocava
alternadamente, ao mesmo tempo que exclamava:
“E agora, graças às vibrações provenientes dos sons des­
te mesmo piano, estas, porém, “portadoras de bem”, que os
sofrimentos de meu velho e fiel amigo tenham fim!”
E de fato, cinco minutos não haviam se passado e o rosto
do dervixe Boga-Eddin voltou a ficar sereno; do enorme e hor­
rível furúnculo que até então ornara sua perna esquerda não
restava nem vestígio.
Então o dervixe Hadji-Assvatz-Truv voltou a sentar-se
perto de nós e, com ar completamente apaziguado, continuou:
“No quarto dia após a morte de minha querida mãe, eu
estava sentado em meu quarto e pensava com desespero no
que ia ser de mim.
“De repente, sob minha janela, um dervixe errante se pôs
a cantar seus cânticos sagrados.
“Olhei para a rua e, vendo que o dervixe que cantava era
idoso, e tinha um belo rosto, resolvi pedir-lhe conselho, e en­
viei imediatamente meu criado para convidá-lo a vir me ver.
“Ele entrou. Quando, após as saudações de costume, ele
sentou-se no “mindari”, descrevi para ele meu estado de alma,
sem nada lhe esconder.
“Quando terminei, o dervixe recolheu-se profundamen­
te, depois, após um longo silêncio, olhando-me fixamente, se
levantou e disse:
“Só há uma saída para você: é a de consagrar-se à religião.”
“Com estas palavras, ele saiu salmodiando uma oração e
deixou minha casa para sempre.
“Após sua partida, eu me pus de novo a refletir.
“Desta vez, o resultado de minhas reflexões foi que

854
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

resolvi, naquele mesmo dia, irrevogavelmente, entrar para uma


“contraria de dervixes” — nao em meu país, mas em algum
lugar distante.
“A partir do dia seguinte, dividi e distribuí toda minha for­
tuna entre meus parentes e os pobres e, duas semanas mais tarde,
deixando para sempre minha patria, eu vim aqui, para Bukhara.
“Tào logo cheguei, entrei em uma das numerosas “con­
trarias de dervixes” da região. Eu havia detido minha escolha
em uma confraria conhecida entre o povo pela austeridade de
seu genero de vida.
“Infelizmente, esses dervixes não tardaram a produzir em
mim um efeito decepcionante. Mudei então de contraria, mas
também lá foi a mesma coisa.
“Para terminar, fui admitido nesse mosteiro cujo Xeque
me deu por tarefa inventar o instrumento de cordas mecânico
de que acabo de lhes falar.
“Depois, como lhes contei, apaixonei-me pela ciência das
leis das vibrações, que não cessei de estudar até hoje.
“Mas, hoje, esta ciência me obriga, por sua vez, a conhe­
cer o mesmo estado interior que na véspera da morte de minha
mãe — o amor que eu tinha por ela tinha sido a única fonte de
calor que sustentara, durante tantos anos, minha existência vazia
e insuportável.
“Agora ainda, não posso me lembrar sem estremecer o
momento em que nossos médicos vieram me dizer que minha
mãe não passaria daquele dia.
“No terrível estado em que me encontrava então, a pri­
meira pergunta que surgiu em mim foi a seguinte: Como viver
de agora em diante?
“O que me aconteceu depois, já lhes contei.
“Em uma palavra, ao apaixonar-me pela ciência das vi­
brações, descobri pouco a pouco minha nova divindade.
“Esta ciência foi para mim como uma segunda mãe. Du­
rante numerosos anos, ela se revelou tão protetora, tão segura,

855
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

tão fiel quanto havia sido minha mãe. E até este dia, só vivi e só
tui animado por suas verdades.
“Até este dia, nem um só caso se apresentou em que as
verdades que havia descoberto a respeito das leis das vibrações
não tenham dado, em suas manifestações, os resultados preci­
sos que eu esperava delas.
“Mas hoje, pela primeira vez, os resultados que eu espe­
rava com toda certeza não se produziram.
“O que há de mais terrível é que estive mais atento do
que nunca ao calcular exatamente as vibrações necessárias ao
presente caso, quer dizer, para que o furúnculo previsto se for­
masse em seu corpo justo naquele lugar, e não em um outro.
“E eis que acontece uma coisa sem precedente. Não so­
mente ele não está no lugar indicado, mas ele nem mesmo se
formou em outros lugares de seu corpo.
“Essa ciência, que me havia sido tão fiel quanto minha
mãe, me traiu há pouco pela primeira vez, e isto desperta em
mim uma tristeza indizível.
“Hoje, posso ainda me resignar a esta imensa desgraça,
mas o que acontecerá amanha?... Não posso nem mesmo me
representar.
“E se, pelo momento, chego a aceitá-la um pouco, é pela
única razão de que não esqueci as palavras de nosso grande
profeta dos tempos antigos, Esaí Nura, segundo as quais “um
indivíduo é irresponsável por suas manifestações durante sua
agonia — e durante sua agonia somente”.
“Com toda evidência, minha ciência, minha divindade,
minha segunda mãe, ela também está em agonia, já que ela agora
me trai.
“E sei muito bem que a agonia é sempre seguida pela morte.
“Quanto a você, querido amigo de meu amigo, você
desempenhou para mim, sem querer, o mesmo papel que os
médicos que me anunciaram, na véspera da morte de minha
mãe querida, que ela não passaria daquele dia.

856
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

“Pois, por sua vez, você me traz a notícia de que meu


segundo lar se extinguirá amanhã ele também.
“Sinto ressurgir em mim os terríveis sentimentos e as sen­
sações que experimentei desde o momento em que nossos mé­
dicos me anunciaram a morte iminente de minha mãe até aquele
de seu falecimento.
“Assim como então, no meio desses terríveis sentimen­
tos e sensações, eu guardava a esperança de que ela talvez não
morresse, da mesma forma, neste momento, brilha ainda debil­
mente em mim alguma coisa que se parece com essa esperança.
“Ah! amigo de meu amigo. Agora que você conhece meu
estado de alma, pergunto-lhe sinceramente, pode você me ex­
plicar em virtude de que força sobrenatural o furúnculo que
deveria obrigatoriamente se formar em sua perna esquerda não
apareceu ali?
“Pois a certeza de que ele devia infalivelmente se formar
tornou-se, há muito tempo, tão inquebrantável em mim quan­
to as “rochas tuklunianas”.
“E ela é inquebrantável porque, durante cerca de qua­
renta anos, estudei dia e noite com perseverança essas grandes
leis das vibrações do mundo, a tal ponto que compreender seu
sentido e as condições de sua realização tornou-se para mim
como uma segunda natureza.”
Tendo pronunciado estas palavras, aquele que era talvez
o último grande sábio da Terra se pôs a me olhar nos olhos com
uma expressão cheia de expectativa.
Pode você se representar, meu querido filho, a posição
na qual eu me encontrava? Que podia responder-lhe?
Pela segunda vez naquele dia, por causa desse ser terrestre,
eu fui pego em uma situação para a qual não via nenhuma saída.
Desta vez, mesclava-se ainda a este estado, tão inabitual,
meu próprio “khikdjnapar esseral”, ou, como teriam dito seus
favoritos, minha “piedade” por esse ser terrestre tri-cerebral,
tanto maior porque ele sofria por minha causa.

857
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Ao mesmo tempo, eu sabia muito bem que bastariam al­


gumas palavras, não somente para tranqüilizá-lo, mas para fazê-
lo compreender que, se o furúnculo nào se formara em minha
perna esquerda, isto provava ainda mais a verdade e a justeza
da ciência que ele adorava.
Moralmente, eu tinha todo o direito de dizer-lhe a verda­
de sobre mim, pois por seus méritos ele já se tornara “Kalme-
nufor”, quer dizer, um dos seres tri-cerebrais desse planeta com
os quais não nos é proibido d’O-Alto ser completamente sinceros.
Mas, me era impossível fazê-lo naquele momento, em pre­
sença do dervixe Hadji-Boga-Eddin, uma vez que ele ainda era
um ser tri-cerebral ordinario de lá; ora, havia sido há muito
tempo proibido d’O-Alto, sob juramento, aos membros de nossa
tribo, comunicar o mínimo verdadeiro conhecimento a esses
seres, em nenhum caso.
Esta proibição havia sido feita, me parece, por iniciativa
do Mui Santo Ashyata Sheyimash.
E ela nos havia sido leita por esta razão que só é indis­
pensável aos seres tri-cerebrais de seu planeta o “saber do ser”.
Toda informação, ainda que fosse verdadeira, dá em ge­
ral aos seres somente “conhecimentos mentais”, e esses “co­
nhecimentos mentais” só lhes servem, como já lhe disse, para
restringir suas possibilidades de adquirir o “saber do ser”.
E como este “saber do ser” permaneceu, para seus infeli­
zes favoritos, o único meio de se libertar definitivamente das
conseqüências das propriedades do órgão kundabuffer, essa
proibição em relação aos seres da Terra havia sido imposta,
sob juramento, aos membros de nossa tribo.
Eis por que, meu filho, na presença do dervixe Hadji-
Boga-Eddin, eu não me decidi a explicar de imediato a esse
digno sábio terrestre, Hadji-Assvatz-Truv, a verdadeira razão
de seu insucesso.
Mas como os dois dervixes continuavam a esperar minha

858
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

resposta, eu precisava bem lhes dizer alguma coisa; assim, diri­


gindo-me a Hadji-Assvatz-Truv, disse-lhe simplesmente isto:
“Venerável Hadji-Assvatz-Truv! Se o senhor consentir em
que não lhe responda de imediato, eu juro, pela causa de meu
advento, dar-lhe um pouco mais tarde uma explicação que o
satisfará plenamente. O senhor se convencerá então não so­
mente que sua “ciência” bem-amada é a mais verdadeira de to­
das as ciências, mas ainda de que depois de Santo Tchun-Kil-Tess
e Santo Tchun-Tro-Pel o senhor é o maior dos sábios da Terra.”
A minha resposta, o venerável dervixe Assvatz-Truv se
contentou em pôr sua mao direita sobre a região onde, nos
seres terrestres, se encontra o coração; nesse país, um tal gesto
significava: “Eu creio e espero, sem a menor dúvida”.
Após o que se voltou, como se nada tivesse acontecido,
para o dervixe Boga-Eddin e recomeçou a falar da ciência Shat-
Tchai-Mernis.
De minha parte, para dissipar todo constrangimento, in-
diquei com a mão um nicho da caverna, de onde pendiam nu­
merosas tiras de seda colorida e lhe perguntei:
“Muito estimado Hadji, que fazem todos aqueles panos
ali, no nicho?
A minha pergunta, ele respondeu que essas tiras coloridas
serviam elas também para suas experiências sobre as vibrações.
“Eu esclarecí, há pouco tempo, precisou ele, quais eram
as cores cujas vibrações tinham uma ação nociva sobre os seres
e os animais, e até que ponto.
“Se você o desejar, lhe mostrarei igualmente esta experiên­
cia, que é das mais interessantes.”
Ele se levantou e passou outra vez para a sala vizinha, de
onde trouxe, auxiliado desta vez por um jovem rapaz, três se­
res quadrúpedes que se chamam lá “cachorro”, “carneiro” e
“cabra”, assim como vários aparelhos de forma estranha, pare­
cidos com braceletes.
Ele enfiou um desses braceletes no braço do dervixe

859
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Boga-Eddin, e o outro em seu próprio braço; ao mesmo tem­


po, virou-se para mim e disse:
“Em você, não o colocarei... tenho para isso excelentes razões”.
Depois, enfiou no pescoço da “cabra”, do “carneiro” e
do “cachorro” esses estranhos aparelhos e, designando seus
vibrômetros, pediu-nos que lembrássemos ou anotássemos to­
dos os números que indicassem os ponteiros nesses seres de
aspectos tão diversos.
Olhamos os números indicados pelos cinco vibrômetros
e os anotamos nos “blocos de notas” que nos dera o jovem rapaz.
Depois, o dervixe Assvatz-Truv voltou a sentar-se no fel­
tro e nos disse:
“Toda forma de “vida” tem um “total de vibrações” pró­
prio somente a ela; é o conjunto das vibrações emitidas por
todos os órgãos determinados desta forma de “vida”.
“Em cada forma de vida, esse total varia segundo os
momentos e depende da intensidade com que as fontes
correspondentes, ou órgãos, transformam essas vibrações de
origem diversa.
“Ora, dentro dos limites de uma vida inteira, todas essas
vibrações heterogêneas e de origem diversa se fundem sempre
no que se chama o “acorde subjetivo de vibrações” dessa vida.
“Tomemos nós dois como exemplo, a mim e a meu ami­
go Boga-Eddin.
“Observe...” e, mostrando-me os números que indicava
o vibrômetro colocado em seu braço, continuou: “tenho um
total de tantas e tantas vibrações; meu amigo Boga-Eddin tem
tantas e tantas mais.
“E porque ele é bem mais jovem do que eu, e que certos
de seus órgãos funcionam muito mais intensamente do que os
meus, produzindo nele vibrações correspondentes muito mais
intensas.
“Observe agora os números dos vibrômetros do “cachor­
ro”, do “carneiro” e da “cabra”. No cachorro, o total é três

860
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

vezes mais elevado do que no carneiro e uma vez e meia mais


elevado do que na cabra, enquanto o total de seu acorde geral
de vibrações é pouca coisa menos elevado que o meu e que o
de meu amigo.
“Mas devo dizer que, sobretudo em épocas recentes,
numerosos sao os homens na presença geral dos quais o total
do “acorde subjetivo de vibrações” é interior aquele que acusa
a presença deste cachorro.
“Isto se deve a que, na maioria deles, uma das funções, a
da emoção, que produz o maior número de vibrações subjeti­
vas, já está quase completamente atrofiada, de modo que o to­
tal de suas vibrações se revela interior aquele do cachorro.”
Dito isto, o venerável Hadji-Assvatz-Truv se levantou de
novo e se dirigiu para o lugar onde pendiam os panos coloridos.
Ele se pôs então a desenrolar, uma após outra, essas tiras
de “seda de Bukhara”. Pegando uma peça de pano de uma
determinada cor, ele recobria com ela, por meio de um disposi­
tivo especial de polias, não somente as paredes e a abóbada,
mas o chao inteiro da gruta, de tal forma que todo o lugar fica­
va, a cada vez, como que revestido do mesmo pano colorido. E
cada vez o total de vibrações de todas essas formas de vida se
achava modificado.
Após esta experiência, esse grande sábio terrestre contem­
porâneo nos pediu para segui-lo, e deixamos aquela sala para
voltar ao corredor principal, antes de entrar num pequeno corre­
dor lateral.
Atrás de nós trotavam a cabra, o carneiro e o cachorro,
com suas coleiras improvisadas.
Andamos bastante tempo, para chegar enfim à sala princi­
pal dessa morada subterrânea.
O venerável dervixe Hadji-Assvatz-Truv se dirigiu a um
nicho da grande sala e, apontando com a mão um monte de
pano de cor estranha, disse:

861
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Este pano é tecido especialmente com as fibras da plan­


ta “tchaltandr” e conservou sua cor natural.
“Essa planta tchaltandr é urna das raras formações na
Terra cuja cor nào possui a propriedade de modificar as vibra­
ções das fontes vizinhas e, por outro lado, ela mesma é comple­
tamente insensível a todas as demais vibrações.
“Foi por isso que, para empreender experiências sobre
as vibrações emitidas por outras fontes que nào as cores, enco­
mendei especialmente este pano com o qual fiz uma espécie de
“tenda”, concebida de maneira a poder, à vontade, ocupar todo
este espaço ou ser deslocada cm todos os sentidos e tomar qual­
quer forma.
“É com esta “tenda” original que prossigo atualmente as
experiências que chamarei “arquiteturais”. Elas me revelam
que espécies de locais exercem uma açào nefasta sobre os ho­
mens e os animais, e em que medida.
“Estas experiências “arquiteturais” já me convenceram
plenamente que as dimensões e a forma geral do interior de
um local não são as únicas a exercer sobre os homens e sobre
os animais uma enorme influência, mas que as “curvaturas”, as
“saliências”, os “cantos”, as “sinuosidades” das paredes etc.
contribuem sempre, eles também, por meio das modificações
que eles acarretam às vibrações produzidas na atmosfera do
local, para melhorar ou empobrecer as vibrações subjetivas dos
homens e dos animais presentes.”
Ele se pôs então a realizar diante de nós, com essa grande
tenda, diferentes experiências, no curso das quais notei, entre
outras coisas, que as vibrações ambientes, modificando-se sob
o efeito de diversos fatores circundantes, tinham, sobre a pre­
sença geral dos seres tri-cerebrais que lhe agradam, uma ação muito
mais forte do que sobre os seres uni-cerebrais e bi-cerebrais.
O que, com toda evidência, é igualmente devido às anor­
mais condições, interiores e exteriores, de sua existência esse­
ral ordinária.

862
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

“Após estas demonstrações arquiteturais, ele nos condu­


ziu a uma outra pequena sala onde realizou numerosas experien­
cias, que nos fizeram claramente ver e compreender quais vi­
brações, oriundas de causas diversas, atuam sobre os “acordes
subjetivos de vibrações” de seus favoritos — e de que maneira.
Elas nos mostraram ainda os resultados que davam as
vibrações oriundas das radiações de seres tri-cerebrais de tipos
diversos, ou de seres bi-cerebrais e uni-cerebrais, assim como
as vibrações de suas vozes e as de numerosas outras fontes.
Ele nos apresentou entre outras coisas, comentando-as,
várias experiências que punham em evidência a ação funesta
que exerce sobre os seres contemporâneos de lá a produção,
abundante e supostamente voluntaria, do que eles chamam suas
“obras de arte”.
Entre estas últimas, havia “quadros”, “estátuas” e natu­
ralmente suas famosas “composições musicais”.
Mas, de todas as experiências apresentadas por esse sá­
bio, sobressaiu em definitivo que as vibrações mais nocivas para
os seres tri-cerebrais contemporâneos de lá eram as que provo­
cam neles o que se chamam “medicamentos”.

“Fiquei quatro dias no domínio subterrâneo desse autên­


tico sábio terrestre; após o que regressei com o dervixe Boga-Ed-
din para a cidade de Bukhara, de onde tínhamos vindo — e foi
assim que terminou meu primeiro encontro com esse ser notável.
Durante esses quatro dias, ele nos mostrou e nos expôs
muitas outras coisas a respeito das leis das vibrações. Mas o
que para mim apresentou maior interesse foi a explicação que ele
deu, em último lugar, da existência naquela morada subterrânea
— perdida naquela região selvagem, longe de todo agrupamento
de seres terrestres contemporâneos — da luz elétrica e do gás.
Durante seu relato, esse ser terrestre tri-cerebral, tão sim­
pático, ao nos participar certos detalhes, não pôde se dominar:

863
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

de seus olhos escorreram, de repente, lágrimas sinceras que me


tocaram então a tal ponto que jamais pude esquecê-lo.
Certos dados que esse relato pôs em evidência poderão
constituir, em vista de sua existência futura, um excelente ma­
terial de confrontação, e ajudá-lo a compreender os resultados
do que se chama um “destino subjetivo”, resultados que se
produzem em geral, em nosso Megalocosmos, em toda parte
onde aparecem e existem juntos uma grande quantidade de
indivíduos relativamente independentes.
Acontece frequentemente nessas coletividades que o “des­
tino”, para certos indivíduos, se mostre absolutamente injusto
no processo de sua existência pessoal, mas que, por esse fato
mesmo, todos os demais seres que existem com eles se benefi­
ciem de uma ampla colheita de justos frutos, no sentido objeti­
vo da palavra.
Por conseguinte lhe falarei disto com o máximo de deta­
lhes possível; tentarei mesmo lhe repetir seu relato tão textual­
mente quanto eu puder, sem mudar nada.
Foi no momento de deixar aquele domínio subterrâneo
que me convencí de que os resultados das aquisições da razão
dos ancestrais dos seres tri-cerebrais atuais não tinham inteira­
mente desaparecido. Por certo, os seres das gerações que se
sucederam nesse estranho planeta tendo cessado, em razão de
sua existência anormal, de transmutar conscientemente em si
mesmos as verdades cósmicas descobertas por seus ancestrais,
essas verdades não progrediram lá, como elas o fazem por toda
parte; no entanto, elas se concentraram automaticamente naque­
le estranho império subterrâneo de seu planeta, esperando ser de­
senvolvidas e aperfeiçoadas pelos seres tri-cerebrais futuros.

“Assim então, quando eu questionei o venerável Hadji-


Assvatz-Truv sobre os métodos que haviam permitido realizar
aquela iluminação a gás e a eletricidade em seu império subter­
râneo, ele me contou isto:

864
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

“Estes dois tipos de iluminação têm origens inteiramente


diferentes e cada um deles tem sua própria historia.
“A iluminação a gas existe aqui desde nossa chegada; foi
instalada aqui por minha iniciativa e de meu velho amigo, o
dervixe Kerbalaï-Azis-Nuaran.
“Quanto à iluminação elétrica, ela só existe há muito
pouco tempo e a iniciativa pertence a um outro de meus ami­
gos, um europeu, ainda muito jovem.
“Será preferível, a meu ver, que lhe conte separadamente
cada uma destas histórias.
“Comecemos pela iluminação a gás.
“Na época em que chegamos aqui, havia nas proximida­
des um lugar santo chamado “A Gruta Santa”, para onde atluíam
os peregrinos e os devotos de todo o Turquestao.
“E a crença popular pretendia que certo “Khdreïlav” vi­
vera outrora nessa gruta, de onde ele teria sido arrebatado e
elevado ao céu, em vida.
“Ela dizia ainda que ele fora arrebatado de maneira tão
inesperada que não tinha tido nem tempo de apagar o fogo que
iluminava sua gruta.
“E esta crença era tanto mais forte posto que na gruta
ardia efetivamente um “togo perpétuo”.
“Ora, amigo de meu amigo...
“Nem eu, nem o dervixe Kerbalaï-Azis-Nuaran podía­
mos dar crédito a essa crença popular e resolvemos pesquisar
as verdadeiras causas desse tato insólito.
“Possuindo naquele tempo recursos materiais suficien­
tes, e dispondo das condições indispensáveis ao estudo desse
fenômeno sem que ninguém pudesse nos atrapalhar, nós nos
pusemos a pesquisar sua origem.
“Aconteceu que não longe dessa gruta, debaixo do solo,
corria um rio, que atravessava uma camada de terreno com­
posta de minerais cuja ação combinada provocava, em contato

865
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

com a água, um desprendimento de gás inflamável, o qual por


acaso encontrara uma saída por uma fissura do solo da gruta.
“Este gás, inflamando-se acidentalmente, fora, com toda
evidência, a origem desse “logo perpétuo”.
“Depois de ter esclarecido esse mistério e descoberto que
a nascente desse rio se encontrava nao longe de nossa morada
subterrânea, resolvemos, meu amigo e eu, desviar artificialmente
esse gás para a caverna.
“E, desde entào, ele passa por canalizações de terracota
de nossa construção dentro da sala principal da caverna, de
onde é distribuído, por meio de “bambus”, segundo as neces­
sidades do lugar
“Quanto ao aparecimento da luz elétrica em nossa gruta,
eis sua história:
“Um dia, pouco depois de nossa instalação, vi chegar,
vindo da parte de um velho dervixe amigo meu, um viajante
europeu muito jovem ainda, que desejava me conhecer para
falar comigo dessas leis das vibrações, pelas quais eu me inte­
ressava.
“Não tardei em fazer amizade com ele, em primeiro lu­
gar porque ele era muito sério em sua busca da verdade e, de­
pois, porque ele se mostrava bom e sensível às fraquezas de
cada um, sem exceção.
“Ele estudava as leis das vibrações em geral, mas seus
trabalhos tinham por objeto, antes de tudo, as vibrações que
engendram nos homens as diversas doenças.
“Seus estudos o levaram, entre outras coisas, a descobrir
a origem da doença que existe nos homens com o nome de
“câncer”, assim como o meio de destruir neles este apa­
recimento funesto.
“Ele constatou, depois demonstrou praticamente, que
existe para todo homem, mediante um certo gênero de vida e
uma certa preparação, uma possibilidade de elaborar consciente­
mente em si mesmo vibrações suscetíveis — com a condição de

866
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

com elas saturar o doente de uma certa maneira e em mo­


mentos determinados — de destruir para sempre esta terrí­
vel doença.
“Depois de nos separarmos, ficamos longo tempo sem
nos ver; mas nos davamos sempre notícias um do outro.
“Eu soube assim que meu jovem amigo, pouco após ter
me deixado, tinha se casado em seu país e, durante os anos que
seguiram, vivera com sua mulher uma vida “toda de amor la-
miliar e de sustento moral recíproco”, como se diz entre nós,
na Asia.
“Eu estava sobretudo interessado pelas notícias relativas
aos resultados que ele havia obtido na busca de um tratamento
capaz de destruir nos homens as causas mesmas das vibrações
que cristalizam os latores de aparecimento dessa doença —
visto estas causas estarem em relação estreita com aquelas cujo
estudo constituía o interesse principal de minha vida.
“fã sabia que ele ainda não havia encontrado um trata­
mento ao alcance de todos. Mas recebi, durante esse período,
vários relatórios dignos de fé informando-me que ele havia des­
coberto, para tratar as pessoas atingidas por essa doença, um
meio ainda impraticável para os demais, mas com o qual ele
obtinha a cada vez uma destruição radical deste abominável
flagelo da humanidade.
“Informações indubitáveis me chegaram sobre os felizes
resultados que ele atingira em varias dezenas de casos.
“Depois, aconteceu, por razões que não dependiam nem
dele nem de mim, que durante uns dez anos fiquei privado de
qualquer notícia desse jovem europeu.
“Já tinha quase completamente esquecido sua existência
quando um dia, enquanto eu estava inteiramente absorvido em
minhas ocupações, ouvi alguém usar nosso sinal secreto; quan­
do respondi e perguntei quem estava ali, reconheci imediata­
mente sua voz. Ele me pediu para lhe abrir o caminho de nossa
morada subterrânea.

867
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“É inútil dizer que estávamos ambos muito felizes de nos


reencontrar e de retomar nossas trocas de pontos de vista so­
bre nossa querida ciência das “leis das vibrações”.
“Quando a emoção de nosso primeiro encontro se acal­
mou, e desembalamos todos os objetos trazidos em lombo de
camelo por meu jovem amigo — entre os quais se encontrava o
famoso aparelho europeu de “Roentgen”, uma meia centena
de “elementos Bunsen”, vários “acumuladores” e varios paco­
tes de lios elétricos de materiais diversos —, nos pusemos a
talar tranqüilamente. Ele contou sua vida, e eis o que eu soube,
com uma grande tristeza:
“Alguns anos antes, quando, em conformidade com as
leis do Mundo, as condições ambientes e as circunstâncias se
tornaram tais que em quase toda a Terra os homens perderam
toda segurança no amanhã e toda esperança de um domicílio
lixo, ele notou de repente, em sua mulher bem-amada, os sin­
tomas da horrível doença cujo tratamento se tornara uma das
principais metas de sua existência.
“E ele licou apavorado, porque as condições circundan­
tes não lhe davam a menor possibilidade, para destruir essa
terrível doença, de aplicar o tratamento que descobrira e que
ele era, no momento, o único a poder realizar.
“Quando mais ou menos recuperou sua calma, depois
dessa apavorante constatação, se deteve na única decisão pos­
sível: esperar pacientemente tempos mais favoráveis, e até lá
esforçar-se em criar para sua mulher condições de vida nas quais
o processo dessa temível doença se desenrolasse tão lentamen­
te quanto possível.
“Um pouco mais de dois anos se passaram. Durante esse
tempo, as condições circundantes melhoraram e se tornou então
possível a meu jovem amigo se preparar para utilizar, enfim, o
único meio que ele conhecia para curar esse mal.
“Mas, enquanto ele trabalhava para se colocar em condi­
ções de aplicar esse tratamento, num dia bem triste, quando

868
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

atravessava uma rua de uma grande cidade européia, no tu­


multo de uma “manifestação”, ele caiu debaixo de um automó­
vel, e se não loi morto na hora, ficou muito gravemente ferido.
“Em conseqüência de seus ferimentos, ele permaneceu
vários meses “inconsciente”; por outro lado, na impossibilida­
de em que se encontrava de dar uma direção consciente e vo­
luntária à vida ordinária de sua mulher, esta viu sua doença se
agravar muito rapidamente, e ainda mais porque desde o aci­
dente ela cuidara dele sem se poupar, num perpétuo estado
de ansiedade.
“E, quando meu pobre jovem amigo recuperou finalmen­
te consciência, ele percebeu rapidamente, com terror, que o
processo da doença de sua mulher já estava no último estágio.
“Que fazer?... O que vai acontecer?... As conseqüências
de seus ferimentos o privavam ainda de toda possibilidade de
se preparar, elaborando em si a qualidade requerida de vibra­
ções, para pôr em prática o tratamento que ele tinha descober­
to para destruir esse flagelo.
“Não vendo nenhuma outra saída, resolveu então recor­
rer ao tratamento empregado pelos representantes da medici­
na européia atual, e que permite, segundo eles, triunfar sobre
essa doença.
“Dito de outra maneira, decidiu recorrer ao que chamam
“raios X”.
“E as “sessões de raios X” começaram.
“No curso do tratamento, ele notou que se a principal
“concentração”, ou “centro de gravidade” da doença, no corpo
de sua mulher, parecia em vias de se atrofiar, em contrapartida,
uma “concentração” similar aparecera em outra parte do corpo.
“Ao cabo de vários meses de “sessões” regulares, como
se diz na Europa, uma nova concentração independente apa­
receu em uma terceira parte do corpo.
“Para terminar, chegou o momento em que tiveram que
reconhecer que os dias da doente estavam “contados”.

869
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Diante dessa desgraça, meu jovem amigo decidiu renun­


ciar a todas as “tramóias” da medicina européia contemporâ­
nea e, sem levar em conta seu próprio estado, começou a ela­
borar em si as vibrações requeridas, e a saturar com elas o cor­
po da doente.
“Embora ele tenha conseguido, apesar de dificuldades qua­
se insuperáveis, prolongar por cerca de dois anos a existência de
sua mulher, ela acabou por morrer dessa terrível doença humana.
“E preciso acrescentar que, durante o último período da
doença, depois que ele cessou de recorrer às “sofisticações” da
medicina contemporânea, viu-se aparecer no corpo de sua mu­
lher duas novas “concentrações” independentes.
“Quando meu jovem amigo reencontrou um pouco de
calma, após esse lim atroz, ele recomeçou a consagrar uma par­
te de seu tempo a suas queridas pesquisas sobre as grandes leis
do Mundo, dedicando-se mais particularmente em descobrir
por que tinham surgido, no corpo de sua mulher, no curso do
tratamento do “câncer” pelos raios X, as “concentrações” in­
dependentes que ele tinha constatado, concentrações que não
se desenvolvem habitualmente, e que ele nao tinha jamais en­
contrado durante seus longos anos de observação.
“Como se verificou complicado, para não dizer praticamente
impossível, elucidar, nas condições em que ele se encontrava, esta
questão que o interessava, ele resolveu vir a minha casa para ten­
tar, com minha ajuda, resolvê-la experimentalmente.
“E foi por isso que trouxera consigo todo o material neces­
sário às pesquisas experimentais.
“A partir do dia seguinte, pus a sua disposição uma das
salas de nosso domínio subterrâneo, assim como várias “ca­
bras salmamures”, e tudo de que pudesse ter necessidade para
suas experiências.
“Entre outros preparativos, ele pôs em funcionamento o
aparelho Roentgen com a ajuda dos elementos Bunsen.
“E três dias ainda nao tinham se passado desde sua

870
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

chegada e ele já havia descoberto o que loi a origem da ilumi­


nação elétrica permanente de nossa caverna.
“Isto começou assim:
“Enquanto fazíamos certas experiências por meio de meus
vibrômetros e calculavamos as vibrações da corrente elétrica
que produzia os raios X no aparelho Roentgen, notamos ime­
diatamente que o número de vibrações da corrente elétrica pro­
duzida pelos elementos Bunsen aumentava ou diminuía todo o
tempo; e, como era da mais alta importância para nossas expe­
riências nos assegurarmos de ter um número determinado de
vibrações para dada duração da passagem da corrente, tornqu-
se claro que essa espécie de corrente elétrica não conviria de
forma alguma a nossas pesquisas.
“Esta constatação desencorajou e deprimiu muito meu
jovem amigo.
“Abandonou de imediato as experiências começadas e
se pôs a refletir.
“Nos dois dias que seguiram, ele não cessou de pensar
nisso; pensava nisso mesmo comendo.
“No lim do terceiro dia, nos dirigíamos para a sala onde
fazíamos nossas refeições; quando, ao passar por uma pequena
ponte construída sobre o curso de agua na parte principal de
nossa caverna, ele parou de repente e, batendo na testa, gritou
todo excitado: “Eureca!”...
“O resultado de sua exclamação foi que no dia seguinte,
ajudado por vários tadjiks que contratara, ele se dedicou a trans­
portar, de diferentes minas abandonadas da vizinhança, blocos
de minério de três espécies, escolhidos entre os maiores que
puderam deslocar. Ele os fez dispor segundo uma certa ordem
no leito de nosso curso de água subterrâneo.'
“Uma vez terminado este trabalho, ele instalou dois po­
los que ligou por um procedimento dos mais simples, servin­
do-se do próprio rio, aos acumuladores, que ele havia modificado

871
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

um pouco. No mesmo instante uma corrente elétrica de certa


amperagem passou nesses acumuladores.
“E quando, ao cabo de vinte e quatro horas, ligamos nos­
sos vibrômetros na corrente elétrica assim determinada, cons­
tatamos que, mesmo tendo uma amperagem insuficiente, o
número de vibrações que ela dava permanecia absolutamente
invariável durante todo o tempo de sua passagem através dos
vibrômetros.
“Para aumentar a força da corrente elétrica obtida dessa
maneira original, ele fabricou “condensadores” de materiais
diversos — “peles de cabras”, um certo tipo de “argila”, “resi­
na de pinheiro” —, produzindo assim uma corrente elétrica
correspondente à amperagem e à voltagem da máquina Roentgen
que ele trouxera.
“Graças a essa tonte original de corrente elétrica, nos con­
vencemos disto:
“Embora o recurso a esta invenção européia para o trata­
mento da horrível doença de que talamos ocasione a atrotia
dos “centros de gravidade” do mal, em todo o corpo do ho­
mem, ele facilita grandemente as “metástases” em certas glân­
dulas e favorece a propagação e o desenvolvimento da doença
em novos tocos.
“Assim então, amigo de meu amigo...
“Uma vez satisfeito com este esclarecimento, meu jovem
amigo cessou de se interessar pela questão que o absorvera tanto
durante todo aquele período; ele voltou para sua casa, na Eu­
ropa, deixando para nosso uso pessoal a fonte de luz que ele
criara e que não necessitava nem de atenção nem de material
extrínseco. Desde então, pouco a pouco instalamos lâmpadas
elétricas em todos os lugares em que precisávamos.
“Embora esta fonte original não esteja em condições de
elaborar suficiente energia para todas as lâmpadas que temos
em nossas grutas, como não desperdiçamos essa energia e só a
empregamos na medida em que nos é necessária, ela vai pouco

872
O DERVIXE HADJI-ASSVATZ-TRUV

a pouco carregando os acumuladores, e por vezes mesmo em


tão grande quantidade que instalamos aparelhos a fim de utili­
zar seu excesso para nossas diversas necessidades domésticas.”
Neste ponto do relato de Belzebu, todos os passageiros
da nave trans-sistemária Karnak sentiram um gosto ao mesmo
tempo doce e amargo invadir as zonas interiores de sua boca.
Isto significava que a nave Karnak se aproximava de um
planeta onde ia lazer uma parada não prevista ao partir.
Este planeta era o planeta Deskaldino.
Belzebu interrompeu seu relato e regressou a sua
“keshah”, ou cabine, assim como Ahun e Hassin, para prepa­
rar-se para descer no planeta Deskaldino.

Nota: Se alguma pessoa se interessa, por acaso, pelas idéias


expostas neste capítido — se por elas se interessa seriamente, e
não “superficialmente”, como o fazem em geral os homens contem­
porâneos — e se esta pessoa dispõe de dados psíquicos, morais,
físicos e materiais cuja qualidade seja satisfatória, segundo mi­
nha compreensão, eu a aconselho com insistência a aplicar todas
as suas forças para reunir, antes de tudo, as condições necessárias
para merecerse tornar um “aluno de pleno direito” de meu “labo­
ratorio universal”, laboratorio que tenho a intenção de abrir após
terminar minhas obras, e cuja criação estará ligada à última fase
de minha intensa atividade para o bem da humanidade inteira.

O AUTOR

873
Capítulo 42
Belzebu na América

QUANDO, dois “dianosks” mais tarde, a nave Karnak


retomou sua queda e os adeptos convictos do venerável Mulá
Nassr Eddin se sentaram em seus lugares habituais, Hassin vi-
rou-se de novo para Belzebu e lhe disse:
— Querido avô, permita-me lembrá-lo, como me pediu...
dos seres tri-cerebrais... do planeta Terra... os... como se cha­
mam?... aqueles que aparecem e existem do lado diametral­
mente oposto àquele onde floresce a civilização terrestre
contemporânea?... esses seres de quem você dizia que são mes­
tres consumados na arte de dançar o “foxtrote”?...
— Quem? Os americanos?
— Sim, sim, os americanos! exclamou Hassin, alegremente.
— E verdade, eu me lembro... Eu havia lhe prometido
falar um pouco desses “fenômenos” contemporâneos.
E Belzebu começou assim:
— Visitei essa parte da superfície de seu planeta que se
chama em nossos dias “América do Norte” justo antes de mi­
nha partida desse sistema solar.
Para ir lá, deixei a cidade de Paris, no continente da Eu­
ropa, que havia sido meu principal lugar de existência nos últi­
mos tempos.
Do continente da Europa, embarquei num confortável
“navio”, como o fazem hoje todos os “possuidores de dólares”,
e cheguei à capital da América do Norte, a cidade de Nova
BELZEBU NA AMÉRICA

York, ou, como ainda a chamam por vezes, “a cidade miscelâ­


nea de todos os povos da Terra”.
Do desembarcadouro, fui direto a um hotel de nome “Ma­
jestic”, que meus amigos de Paris me haviam recomendado, e
que, por uma razão ou outra, chamava-se também, não oficial­
mente, o “hotel judeu”.
Eu me instalei no “Majestic”, ou “hotel judeu”, e, no mes­
mo dia, me pus à procura de um “Mister” que me haviam igual­
mente recomendado, em Paris, outros amigos meus.
Chama-se “Mister”, naquele continente, todo ser de sexo
masculino que não usa o que se chama uma “saia”.
Quando entrei na casa do “Mister” para quem tinha uma
carta de recomendação, o encontrei, como convém a todo ver­
dadeiro homem de negocios americano, mergulhado até o pes­
coço em inumeráveis “dollar business”.
A meu ver, seria bom notar aqui, desde o começo de meu
relato sobre os americanos, que todos os seres tri-cerebrais con­
temporâneos que constituem a população de base dessa parte
da superfície de seu planeta se ocupam unicamente desses “ne­
gocios de dólares”.
Quanto aos demais ofícios e profissões indispensáveis ao
processo de existência esseral, só os exercem seres vindos de
outros continentes, a título temporário, na intenção de “ga­
nhar dinheiro”, como se diz.
Sob esse aspecto, as condições de existência esseral se
tornaram, para seus favoritos, sobretudo nesse continente, com­
pletamente “tralalalualalalá”, ou, como diria nosso mestre ve­
nerado Mulá Nassr Eddin, “parecidas com uma bolha de sa­
bão, que só pode durar muito tempo num meio tranquilo”
Atualmente, lá, as condições são tais que se, por uma ra­
zão ou outra, os especialistas profissionais de todas as cate­
gorias, que são indispensáveis a sua existência coletiva, cessas­
sem de vir de outros continentes na esperança de “ganhar di­
nheiro”, pode-se dizer com segurança que, no espaço de um

875
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

mês, toda a ordem de sua existência ordinaria desabaria, já que


ninguém, entre eles, seria capaz sequer de assar pao.
A principal razão do desenvolvimento gradual de urna
tal anomalia se deve buscar, de um lado, na lei que eles mes­
mos promulgaram para definir os direitos dos pais em relação
aos filhos, de outro lado, na instituição, em cada escola, de
uma “caderneta de poupança em dólares”, que responde ao
principio de inculcar nas crianças o amor por esses dólares.
Por esta razão, e por outras ainda — ligadas às singulares
condições exteriores que eles estabeleceram para sua existên­
cia ordinaria —, na presença geral de cada um dos habitantes
desse continente, quando ele chega à idade responsável, o im­
pulso dominante de sua “febril” existência é o furor de “fazer
dólares”, e o amor aos dólares mesmos.
E por isso que cada um deles se ocupa sempre com “ne­
gócios de dólares”, e sempre com vários ao mesmo tempo.
O “Mister” para quem eu tinha uma carta de recomen­
dação estava então ele também enfiado em seus negocios dc
dólares; apesar disto, recebeu-me muito amavelmente. A leitu­
ra da carta que lhe havia entregue produziu nele um estranho
processo, que alguns de seus favoritos já notaram — pois se
tornou inerente aos seres atuais — e que se chama “pavonear­
se inconscientemente”.
Esse estranho processo se desencadeou nele porque a car­
ta que eu lhe havia entregue mencionava a recomendação de
um certo “Mister” meu conhecido, considerado por grande
número de pessoas e entre outras por esse “Mister” mesmo,
como um “trapaceiro de primeira ordem”, segundo a expres­
são empregada às suas costas — quer dizer, como um excelen­
te homem de negócios.
Embora no início ele ficasse sob o poder desta tendência
própria a seus favoritos contemporâneos, ele se tranquilizou
pouco a pouco conversando e, para terminar, me disse que se
punha “à minha inteira disposição”. Depois, lembrando-se de

876
BELZEBU NA AMÉRICA

repente de alguma coisa, acrescentou que para seu grande pe­


sar, em razão de circunstancias independentes de sua vontade,
ele não podia, de nenhuma maneira, se ocupar de mim naquele
dia e que era obrigado a adiar a coisa para o dia seguinte, por
estar muito ocupado com importantes negócios.
E, aliás, até mesmo com a melhor vontade do mundo, ele
não poderia se ocupar de mim, pois esses infelizes americanos,
que são sempre conduzidos por seus negocios de dólares, não
podem jamais lazer o que querem, exceto no domingo — e
aquele dia não era um domingo.
Lá, naquele continente, os negócios de dólares, ou ou­
tros, não dependem jamais dos próprios seres; ao contrário,
são seus favoritos que dependem inteiramente de seus negócios
de dólares.
Em suma, como aquele dia não era um domingo, esse
autêntico “Mister americano” não podia fazer o que queria,
quer dizer, ir comigo e me apresentar às pessoas que me eram
necessárias. Marcamos então um encontro para a manhã do
dia seguinte num certo lugar de sua famosa “Broadway”.
A Broadway não é somente a rua principal de Nova York,
é ainda a rua mais longa de todas as grandes cidades atuais de
seu planeta.
No dia seguinte, me dirigi ao lugar combinado.
Como o “táxi” que tomei não saíra das fábricas de Mis­
ter Ford, cheguei adiantado: meu Mister ainda não estava lá.
Esperando-o, passeei de um lado para o outro. Mas, como
nessa parte da Broadway todos os “corretores de câmbio” nova-
iorquinos fazem o “footing” antes de seu famoso “lunch”, logo
a multidão era tal que, para evitá-la, decidi ir me sentar em
alguma parte, num lugar de onde pudesse ver meu Mister chegar.
Havia justamente, não longe dali, um de seus típicos “res­
taurantes”, através dos vidros do qual se podiam ver todos os
passantes.
Devo dizer que, em parte alguma em seu planeta, em

877
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

nenhum outro agrupamento de seus tavoritos, há tantos res­


taurantes como em Nova York. Eles são particularmente nu­
merosos nos bairros centrais, e os proprietários desses restauran­
tes são, em sua maioria, “armênios”, “gregos” e “judeus russos”.
E agora, meu Hlho, para que você descanse um pouco de
um pensar ativo, quero me ater, durante algum tempo, à forma
de pensar de nosso querido mestre Mulá Nassr Eddin, para lhe
expor um costume dos mais originais, muito em voga há al­
guns anos nos restaurantes nova-iorquinos.
Como os detentores de poder dessa comunidade proibi
ram rigorosamente aos seres ordinários a fabricação, a impor­
tação e o uso de todo “líquido alcoólico”, e que para este fim
deram ordens aos seres sobre os quais repousa sua esperança
de quietude, é por assim dizer impossível conseguir álcool. Isto
não impede que se possa fazer servir, nesses restaurantes nova-
iorquinos, com o nome de “Arak”, de “Duziko”, de “Uísque
escocês”, de “Bénédictine”, de “Vodca”, de “Grand Marnier”,
ou outros nomes diversos, tantos “líquidos alcoólicos” quanto
se queira — os quais são exclusivamente fabricados no mar,
cm velhas “barcaças”, não longe do litoral desse continente.
Todo o “sal” desta história consiste em que, se a gente
afasta o dedo mínimo cobrindo ao mesmo tempo com a palma
direita um lado da boca, e se pronuncia o nome de um líquido
qualquer, este líquido, sem maior dificuldade, aparece de ime­
diato sobre a mesa — mas em garrafas de limonada ou nas
famosas “garrafinhas de Vichy” francesas.
Esforce-se agora por esticar ao máximo sua vontade e
operar em sua presença uma mobilização geral de todos seus
“órgãos perceptores”, para escutar e assimilar, sem perder nada,
tudo o que lhe direi sobre a maneira pela qual se prepara no
mar, em velhas barcaças, perto da costa desse continente, os
“líquidos alcoólicos” enumerados.
Lamento muito, pessoalmente, não ter podido me fami­
liarizar mais com esta ciência terrestre contemporânea.

878
BELZEBU NA AMERICA

Tudo que pude saber é que em cada uma de suas receitas


de fabricação entravam os ácidos “sulfúrico”, “azótico”, “clo­
rídrico” e, acima de tudo, a “encantação” do famoso professor
alemão contemporâneo, “Kischmenhof”.
Este último ingrediente, a encantação cio professor Kisch­
menhof para os líquidos alcoólicos, é de um interesse delicioso.
Opera-se, dizem, da maneira seguinte:
Antes de tudo, é preciso preparar, segundo alguma velha
receita, bem conhecida dos especialistas na materia, mil garra­
fas de líquido. E é absolutamente necessário mil delas, pois, se
se preparasse uma que fosse a mais ou a menos, a encantação
não atuaria mais.
Depois as mil garrafas preparadas são deitadas umas con­
tra as outras e, no maior silêncio, se deposita no meio delas
uma dessas garrafas de álcool autêntico, tal como as que exis­
tem lá um pouco por toda parte. Ela é deixada ali uns dez mi­
nutos, após o que, esfregando-se a orelha direita com a mão
esquerda, se pronuncia muito lentamente, com as pausas ne­
cessárias, a encantação alcoólica.
A partir daí, não somente o líquido das mil garrafas se
transforma instantaneamente nesse verdadeiro líquido alcoóli­
co contido na única garrafa, mas ele adquire ao mesmo tempo
o nome desta garrafa.
Entre as encantações desse incomparável professor ale­
mão Kischmenhof, existem algumas, como eu soube, absoluta­
mente assombrosas.
Essas notáveis encantações do famoso perito alemão, es­
pecialista na materia, são de “invenção” bem recente: elas da­
tam do início do último grande processo europeu de destrui­
ção recíproca.
Quando a crise alimentar se fez sentir em sua patria, a
“Alemanha”, o grande professor, compadecido com a situação
de seus concidadãos, inventou sua primeira encantação, que
servia para preparar uma “sopa de galinha” instantânea e barata.

879
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Esta primeira encantação, interessante no mais alto grau,


que leva o nome de “sopa alemã de galinha”, se efetua nas con­
dições seguintes:
Num vasto caldeirão colocado sobre o fogão, despeja se
agua ordinária na qual se jogam algumas folhas de salsa bem
picada.
Abre-se então ao máximo as duas portas da cozinha e, se
não existir segunda porta, uma janela; depois do que, pronun­
ciando com voz forte a encantação, se persegue uma galinha a
toda velocidade através da cozinha.
E, no instante seguinte, fumega no caldeirão uma delicio­
sa “sopa de galinha”.
Ouvi dizer que, durante os anos de seu grande processo
de destruição mútua, os seres da Alemanha fizeram o maior
uso dessa encantação e este modo de preparar uma “sopa de
galinha” provou ser excelente e, em todo caso, muito econômico.
O fato é que uma mesma galinha pode bastar por muito
tempo, porque pode ser perseguida e enxotada indefinidamen­
te, até que ela “faça greve”, como se diz, e se recuse a respirar
por mais tempo.
E nos casos em que a galinha, embora tendo existido en­
tre seus favoritos, não tivesse ainda se deixado contaminar por
sua hipocrisia e se recusasse efetivamente a respirar por um
instante mais, os seres da comunidade da Alemanha tinham
instituído este costume:
Quando a galinha havia “feito greve”, seus proprietários
a faziam solenemente assar ao forno e, para celebrar esta rara
ocasião, jamais deixavam de convidar todos os seus parentes
para jantar.
Ê interessante notar a este respeito que um outro de seus
professores, célebre ele também, de nome Steiner, estabeleceu
matematicamente, no curso de suas “pesquisas científicas so­
bre os fenômenos sobrenaturais”, que, quando se servia seme­
lhante galinha nesses “grandes jantares”, a anfitriã repetia sem­
pre a mesma coisa.

880
BELZEBU NA AMÉRICA

Cada dona de casa, levantando os olhos para o céu e apon­


tando seu indicador para a galinha, dizia com ternura que aquilo
era um famoso “faisão do Pamir”, e que este faisão lhe fora
enviado expressamente por seu querido sobrinho, residente no
Pamir na qualidade de cônsul de seu grande “Vaterland”.
Existe nesse planeta um grande número de encantações
que correspondem a todo tipo de fins.
Essas encantações se multiplicaram muito lá, depois que
numerosos seres desse original planeta se tornaram especialis­
tas em fenômenos sobrenaturais com os nomes de “ocultistas”,
“espíritas”, “teósofos”, “magos violetas”, “quiromantes”, e as­
sim por diante.
Estes especialistas têm, além de sua aptidão para “criar
fenômenos sobrenaturais”, o dom incontestável de “vender gato
por lebre”.

“A proibição de todo consumo de álcool na América pode


nos servir de luminoso exemplo para compreender quanto se
atrofiou, nos seres atuais responsáveis, detentores de poder, a
possibilidade de cristalizar dados para uma sadia apreciação
esseral, já que, de fato, semelhante absurdo se repetiu mais de
uma vez lá.
Devido a esta proibição, todos sem exceção, nesse conti­
nente, consomem atualmente álcool, mesmo aqueles que em
outras condições jamais o teriam consumido.
Sucede hoje na América, com o consumo do álcool, o que
se passava no país de Maralpleissis com a mastigação das se­
mentes de papoula.
A diferença é que antigamente pelo menos, no país de
Maralpleissis, os seres se entregavam ao uso da verdadeira se­
mente de papoula, enquanto na América os seres consomem o
primeiro líquido que aparece, desde que leve o nome de um
líquido alcoólico existente num país qualquer de seu planeta.
Uma outra diferença é que, para absorver o álcool proibido,

881
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

os seres que povoam o continente da América estão longe de


ser tão ingenuos quanto o eram os de Maralpleissis na arte de
escapar da vigilancia governamental.
Você mesmo verá pelos exemplos seguintes quanto seus
favoritos foram longe sob esse aspecto.
Atualmente, todo rapaz, em cujos labios o “leite materno”
mais ou menos já secou, leva consigo um “estojo de charutos”
ou “de cigarros”, de aspecto completamente inofensivo; e, quan­
do ele está no restaurante ou num de seus famosos “dancings”
e tira de seu bolso seu estojo de charutos ou cigarros, todo
mundo em volta dele pensa naturalmente que quer fumar.
De jeito nenhum! Basta um pequeno giro dado cm seu
estojo de charutos ou cigarros, e eis que aparece cm sua mão
esquerda um minúsculo copo onde, com a mão direita, ele des­
peja bem devagar e bem tranquilamente o líquido que está no
estojo para charutos ou cigarros — provavelmente uísque es­
cocês, mas fabricado, como já lhe disse, em alguma velha bar­
caça, perto das costas da América.
No curso das observações a que me dediquei, fui um dia
testemunha de uma outra cena.
Em um restaurante, nao longe de minha mesa, estavam
sentadas duas jovens americanas.
O servidor, ou como o chamam, o “garçom”, lhes trouxe
uma garrafa de água mineral e dois copos.
Uma delas manobrou de uma certa maneira o cabo dc
seu guarda-chuva da moda, e deste cabo, bem devagar e bem
tranquilamente, verteu nos copos um certo líquido, provavelmente
também uísque escocês ou alguma coisa do mesmo gênero.
Em suma, meu filho, se repete exatamente, nesse conti­
nente da América, o que se passava antigamente na grande co­
munidade da Rússia, onde os seres detentores de poder tinham
eles também proibido o consumo da famosa “vodca russa”, c
onde, devido a essa proibição, os seres se habituaram muito

882
BELZEBU NA AMERICA

depressa a substituir esta “vodca” pela não menos lamosa “han-


ja”, que a cada dia ainda laz morrer ali milhares desses infelizes.
Mas é preciso lazer justiça aos seres americanos atuais:
por sua habilidade em ocultar das autoridades o uso que fazem
do álcool, eles se mostram muito mais “civilizados” que os se­
res da comunidade da Rússia.

“Assim então, meu filho, para fugir da multidão, entrei


num desses típicos restaurantes nova-iorquinos, sentei-me a uma
mesa e me pus a observar a multidão através da janela.
E como é costume em toda parte, no seu planeta, quando
uma pessoa se senta num restaurante ou em qualquer outro
lugar público, pagar por algo, com o que se chama “dinheiro”,
em proveito do proprietário do estabelecimento, eu pedi tam­
bém, para fazer como eles, um copo de sua famosa “laranjada”.
Esta célebre bebida americana é leita de uma mistura de
suco de laranja e de “grape-fruit”; e os seres desse continente
consomem sempre e por toda parte incríveis quantidades dela.
Esta lamosa “laranjada” os refresca às vezes, é verdade,
durante os grandes calores, mas, pela ação que ela tem sobre as
mucosas de seu estômago e de seu intestino, ela constitui um
dos numerosos fatores cujo conjunto ocasiona, lentamente tal­
vez, mas seguramente, a ruína desta função “inútil e desprezí­
vel” que se chama “função digestiva do estômago”.
Assim, sentado à mesa, diante desta laranjada, sempre
espreitando os passantes, na esperança de descobrir entre eles
o Mister que eu esperava, me pus por tédio a examinar em
detalhe aquela sala de restaurante.
Entre os objetos que se encontravam na mesa, avistei o
“menu” do restaurante.
Chama-se “menu”, em seu planeta, uma folha de papel
onde estão escritas todas as comidas e bebidas que o restauran­
te pode servir.
Percorrendo tudo o que figurava nessa folha, vi, entre

883
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

outras coisas, que naquele dia se podia pedir setenta e oito pra­
tos diferentes.
Isto me surpreendeu muito, e me perguntei que tipo de
fogão podiam bem ter esses americanos em sua cozinha, para
conseguir preparar num só dia setenta e oito pratos.
Devo dizer que eu tinha visitado todos os continentes, e
que neles tinha sido hospede de numerosos seres de castas di­
versas. Tendo freqüentemente assistido à preparação das refei­
ções, nas casas deles bem como na minha, eu já sabia mais ou
menos que, para preparar um prato, era preciso no mínimo
três ou quatro caçarolas. Calculei então que seria certamente
necessário a esses americanos, já que preparavam setenta e oito
pratos numa só cozinha, perto de trezentas caçarolas.
Tive vontade de ir me dar conta por mim mesmo como
era possível conseguir colocar trezentas caçarolas em um só
fogão, e resolvi dar o que eles chamam uma boa “gorjeta” ao
garçom que me servira a laranjada para que ele me deixasse ver
com meus próprios olhos a cozinha daquele restaurante.
O garçom arranjou a coisa e fui à cozinha.
Ao entrar... que é que você imagina? Que cena crê você
que eu vi? Um fogão com trezentos caldeirões e caçarolas?
Nada disso!...
Nada mais do que um mísero pequeno “embrião” de fo­
gão a gás, tal como têm em seu quarto os “celibatários por prin­
cípio” ou as “abominadoras de homens”, ou seja, as “solteiro­
nas que não servem para nada”.
Ao lado desse “embrião de fogão” estava sentado um co­
zinheiro com pescoço de touro, de origem escocesa, que lia o
jornal, como todo americano se sente obrigado a fazer; tratava-
se, creio, do “Times”.
Eu olhava com estupefação em torno de mim, e olhava
também o pescoço de touro daquele cozinheiro.
Enquanto permanecia assim, embasbacado, um garçom,
vindo da sala do restaurante, entrou na cozinha e, num estranho

884
BELZEBU NA AMÉRICA

ingles, pediu a esse cozinheiro de pescoço grosso um prato


muito complicado.
Deixe-me dizer a respeito disso que, só pelo sotaque do
garçom que pedira o prato de nome complicado, eu tinha adi­
vinhado que ele chegara havia pouco tempo do continente da
Europa, com o sonho de encher os bolsos de dólares america­
nos — sonho que têm em geral todos os europeus que ainda
não estiveram na América e que, no seu país, hoje em dia, não
deixa mais ninguém dormir em paz.
Quando nosso candidato ao título de “multimilionário
americano” pediu o prato complicado a esse cozinheiro de pes­
coço maciço, este, pesadamente e sem se apressar, se levantou
de seu lugar e desenganchou uma pequena “frigideira de sol­
teiro”, como se diz lá.
Após acender seu “embrião de fogão”, colocou nele a
frigideira; sempre pesadamente, aproximou-se de um dos nume­
rosos armarios que havia ali, tirou dele uma lata dc conserva, a
abriu e despejou todo o conteúdo na frigideira.
Após o que, da mesma maneira, aproximou-se de um ou­
tro armário, de onde tirou uma nova lata de conserva; mas,
desta vez, só despejou uma pequena parte de seu conteúdo na
frigideira e mexeu bem a mistura, antes de dispor tudo cuida­
dosamente num prato que ele colocou sobre a mesa. Depois,
se sentou de novo em seu lugar e retomou a leitura interrompi­
da dc seu jornal.
Esse cozinheiro de pescoço grosso fazia tudo isto na mais
completa indiferença, como um verdadeiro autômato; pelos seus
movimentos era visível que seus pensamentos planavam ao
longe, provavelmente nos lugares onde se desenrolavam os
acontecimentos descritos naquele jornal americano.
Pouco depois, o garçom que tinha pedido o prato com­
plicado voltou, trazendo uma grande bandeja de cobre sobre a
qual se espalhava uma porção de “talheres da moda” de metal

885
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

oco; colocou na bandeja o prato cheio desse estranho alimento


e levou tudo para a sala do restaurante.
Quando voltei a sentar-me na sala, vi na mesa vizinha um
“mister” que comia, lambendo os beiços, o prato a cuja prepa­
ração eu assistira por acaso na cozinha.
Olhando pela janela, distinguí enfim na multidão o Mis­
ter que me esperava; paguei minha conta e saí do restaurante.

“E agora, meu tilho, atendo-me sempre à forma de pen­


sar de nosso querido mestre, quero lhe talar um pouco da “lín­
gua” desses seres americanos.
Devo lhe dizer que, antes de chegar a esse continente, eu
já talava a língua dos seres que o povoam, quer dizer, a “língua
inglesa”.
Mas, desde o dia de minha chegada na capital da Améri­
ca do Norte, experimentei grandes dificuldades para me fazer
compreender, pois, se os americanos empregam essa língua
inglesa para suas relações verbais, é uma “língua inglesa” bem
deles e até, de fato, muito original.
Tendo então encontrado estas dificuldades, resolvi estu­
dar sua original “língua inglesa”.
No terceiro dia depois de minha chegada, quando eu me
dirigia ao encontro desse Mister que eu tinha conhecido, para
pedir-lhe que me recomendasse a um mestre capaz de me ensi­
nar essa “língua inglesa”, avistei de repente, luminosamente
projetado no céu, um “anúncio americano” redigido assim:

SCHOOL OF LANGUAGES BY THE SYSTEM


OF MR. CHATTERLITZ
13 North 293rd Street

(Escola de Línguas pelo Sistema do Sr. Chatterlitz)

Seguia uma enumeração das línguas ensinadas, com a


duração dos estudos para cada uma delas. Especiticava-se

886
BELZEBU NA AMÉRICA

principalmente que o estudo da “língua inglesa americana”


exigia de cinco minutos a vinte e quatro horas.
Nao pude compreender de imediato o que isto significa­
va; mas de todo modo decidi ir na manhã seguinte ao endereço
indicado.
No dia seguinte, quando me apresentei na casa desse Mis­
ter Chatterlitz, ele me recebeu em pessoa, e, ao saber que eu
queria estudar a “língua inglesa americana” segundo seu siste­
ma, começou por me explicar que, segundo ele, esta língua
podia ser aprendida de três maneiras diferentes, respondendo
cada uma delas a uma necessidade particular.
“A primeira maneira, disse ele, ensina a língua indispen­
sável aos homens que têm absolutamente necessidade de ga­
nhar nossos dólares americanos.
“A segunda interessa aqueles que, mesmo não tendo necessi­
dade de nossos dólares, gostam, no entanto, de “faturar uns dóla­
res” e querem passar, entre os americanos, não por qualquer um,
mas por verdadeiros “gentlemen”, educados à inglesa.
“Quanto à terceira, ela se dirige a quem quer ter a possi­
bilidade de conseguir, sempre e em toda parte, uísque escocês.”
Como as horas reservadas ao estudo da língua inglesa
pela segunda maneira eram as que melhor me convinham, de­
cidi entregar-lhe na hora os dólares que ele pedia para ensinar
o segredo de seu sistema.
Quando lhe paguei os dólares, que ele fez bem depressa
desaparecer em seu bolso secreto com um ar negligente — mas
na realidade com a avidez que se tornou própria a todos os
seres de seu planeta —, ele me explicou que para estudar, pela
segunda maneira, bastava lembrar cinco palavras:
1 May be
2 Perhaps
3 Tomorrow
4 Oh ! I see
5 All right.

887
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Ele acrescentou que se eu tivesse de talar com um ou


varios de seus “misters”, só teria que pronunciar, de vez em
quando, uma destas cinco palavras.
“E suficiente, disse ele, para convencer todo mundo que
você conhece perfeitamente a língua inglesa, e que você é um
“ás” em assuntos de dólares.”
Embora o sistema desse honorável Chatterlitz fosse tão efi­
caz quanto original, jamais tive a ocasião de pô-lo em prática.
E isto porque encontrei por acaso na rua, no dia seguinte
mesmo, um de meus velhos amigos, diretor de jornal no conti­
nente da Europa, que me indicou um segredo bem melhor para
aprender a língua americana.
Visto que eu lhe contava, entre outras coisas, que havia
estado na véspera na casa de Mister Chatterlitz e lhe falava de
seu sistema, ele me interrompeu:
“Sabe, meu caro doutor? Já que você é um dos assinan­
tes de nosso jornal, não posso abster-me de lhe revelar um dos
segredos da língua local.”
E acrescentou:
“Como você já conhece várias de nossas línguas européias,
se empregar meu segredo, você dominará com perfeição a lín­
gua do país e poderá falar de tudo o que quiser, em vez de
somente fazer crer aos demais que você conhece a língua ingle­
sa — para o que, aliás, o sistema desse Chatterlitz é realmente
excelente.”
Ele me explicou depois que se, ao pronunciar qual­
quer palavra de uma língua européia, a gente imagina ter na
boca uma batata fervente, disso resulta em geral uma pala­
vra inglesa.
“E se você se representar agora que esta batata ferven­
te está salpicada de “pimenta vermelha” finamente moída,
terá então a chave da pronúncia ideal da língua inglesa ame­
ricana.”
Aconselhou-me também a não me preocupar com a

888
BELZEBU NA AMÉRICA

escolha das palavras, por estar a própria língua inglesa com­


posta de um conjunto de palavras tiradas ao acaso de quase
todas as línguas européias; por isso, essa língua possui varias
palavras para cada concepção ordinaria, “o que faz você dar de
cara quase sempre com a palavra justa”.
“E se, contra toda expectativa, lhe acontecesse empregar
uma palavra que não existe nessa língua, não haveria grande
dano: no pior dos casos, seu interlocutor pensará singelamente
que é ele que não conhece a palavra.
“Tudo o que você tem que fazer é de bem se representar a
batata quente... e depois, basta! Chega de “bobagens” como esta!
“Meu segredo, eu o garanto; e vou até lhe dizer que você
poderá cancelar sua assinatura se, seguindo meu conselho, sua
“língua americana” não for ideal.”

“Ao cabo de alguns dias, tive de partir para Chicago.


Esta cidade, por sua extensão, é a segunda do continente
da América; ela é como sua segunda capital.
Meu amigo de Nova York, ao me acompanhar à estação,
me deu uma carta de recomendação para um “mister” da cidade.
Assim que cheguei, fui á casa desse “mister”.
Esse “mister” de Chicago era amável e atencioso no mais
alto grau.
Chamavam-no “Mister Ombilicus”.
Na primeira noite, esse amável “Mister Ombilicus” me
propôs acompanhá-lo à casa de um de seus amigos, a fim de
que, dizia ele, eu não me aborrecesse naquela cidade estrangeira.
Naturalmente aceitei.
Encontramos lá um bom número de jovens americanos.
Todos esses convidados eram particularmente alegres e
“brincalhões”.
Contavam, cada um por sua vez, “historias engraçadas”
e o riso que elas provocavam flutuava no aposento, como a

889
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

fumaça quando o vento do sul sopra nas chaminés das fabricas


americanas onde se preparam as salsichas chamadas “hot-dogs”.
Como eu mesmo sou grande aficionado de historias en­
graçadas, minha primeira noitada na cidade de Chicago se pas­
sou muito alegremente.
E eu teria achado isto razoável e agradável se um dos
traços comuns a todas estas histórias não me tivesse profunda­
mente surpreendido e intrigado.
O que me surpreendia e intrigava tão fortemente era sua
“ambiguidade” e sua “obscenidade”.
Esta obscenidade e esta ambiguidade eram tais que qual­
quer um desses jovens contadores americanos poderia ter mais
pontos que o famoso “Boccaccio”.
“Boccaccio” é o nome de um escritor que compôs para
os seres da Terra uma obra muito instrutiva intitulada “Deca­
meron”, muito difundida lá em todos os continentes: é o livro
favorito dos seres contemporâneos pertencentes a quase todas
as comunidades.
No dia seguinte, esse bom Mister Ombilicus me levou
para passar a noite na casa de outros amigos seus.
Havia ali, de novo, grande número de jovens seres ame­
ricanos dos dois sexos, sentados nos cantos de um grande sa-
lao, onde falavam em voz baixa e muito tranquilamente.
Estávamos sentados há pouco tempo quando uma jovem
e bonita americana veio sentar-se a meu lado e se pôs a tagarelar.
Como se deve, mantive a conversa. Tagarelamos sobre todo
tipo de coisas. Ela me perguntou bastante sobre a cidade de Paris.
Sempre conversando, esta “garota”, como eles dizem, se
pôs de repente, sem mais nem menos, a me acariciar o pescoço.
Eu pensei: “Como ela é gentil! Provavelmente avistou
uma “pulga” em meu pescoço e o acaricia para acalmar mais
rapidamente a irritação causada pela mordida”.
Mas, quando notei que todos os jovens americanos que

890
BELZEBU NA AMÉRICA

estavam lá se acariciavam também uns aos outros, fiquei estu­


pefato, não podendo compreender o que se passava.
Minha primeira suposição caiu por si mesma, pois era
impossível imaginar que todo mundo tivesse pulgas no pescoço.
Perguntava-me o que tudo aquilo significava. Mas, ape­
sar de todos os meus esforços, não era capaz de explicá-lo.
Quando, um pouco mais tarde, ao sair da casa, interro-
guei Mister Ombilicus, ele soltou um gargalhada irresistível,
tratando-me de “palerma” e de “caipira retardado”. Quando
ele se acalmou um pouco, ele me disse:
“Que original você é! O que é que há? Saímos de um
“petting-party”.
E, continuando a rir de minha ingenuidade, ele me ex­
plicou que na véspera assistíramos também a um party, mas a
um “story-party”.
“Amanhã, prosseguiu ele, eu pensava levá-lo a um
“swimming-party”, onde as pessoas jovens se banham juntas,
mas, é claro, em roupas de banho especiais.”
Depois, reparando que meu rosto tinha ainda traços de
assombro, acrescentou: “Mas, se estas “modestas reuniões” não
lhe agradam, podemos tentar outras que não estão abertas a
todo mundo: há muitos desses “parties” entre nós, e sou mem­
bro de vários deles. Nessas reuniões privadas, poderemos en­
contrar, se você o desejar, alguma coisa mais “substancial”.
Mas não pude aproveitar da gentileza do tão amável e
obsequioso Mister Ombilicus, pois na manhã seguinte recebi
um telegrama que me chamava de volta a Nova York.

Detendo-se em seu relato, Belzebu se pôs a refletir; de­


pois de um tempo bastante longo, ele suspirou profundamente
e prosseguiu:
— No dia seguinte, em vez de partir pelo trem da manhã,
como tinha decidido ao receber o telegrama, adiei minha via­
gem para a noite.

891
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

A razào que me reteve em Chicago será para você um


excelente exemplo do mal que pode fazer certa invenção des­
ses americanos, invenção muito difundida em seu planeta e que
é urna das causas principáis do que se poderia chamar o “enco­
lhimento do psiquismo” de todos os seres tri-cerebrais dos de­
mais continentes. Assim, lhe falarei disso em detalhe.
A funesta invenção dos seres da América que estou pres­
tes a lhe explicar não foi somente a causa do “encolhimento”
que sofreu, num ritmo sem cessar crescente, o psiquismo dos
seres desse desafortunado planeta, mas ela foi também o moti­
vo da destruição definitiva da única função esseral, própria a
todos os seres tri-cerebrais, que até estes últimos tempos apa­
recia por ela mesma em sua presença e que se chama cm toda
parte “instinto normal de pressentir a verdade no seio da
realidade”.
Em lugar desta função indispensável a todo ser tri-ce­
rebral, se cristalizou pouco a pouco cm seus favoritos uma ou­
tra função bem definida, cuja ação provoca neles uma dúvida
constante acerca de todas as coisas.
Esta invenção funesta, eles a chamam “publicidade”.
Para que você compreenda melhor o que vai seguir, devo
lhe dizer que, varios anos antes de minha partida para a Amé­
rica, percorrendo um dia o continente da Europa, comprei al­
guns livros para 1er no trem a fim de abreviar as longas e abor­
recidas horas de viagem. Num destes livros, escrito por um
autor célebre, li um capítulo sobre a América, onde se tratava
longamente dos “matadouros” da cidade de Chicago.
Chama-se “matadouro”, lá, um lugar especial onde os
seres terrestres tri-cerebrais destroem a existência de seres de
diversas outras formas, dos quais eles consomem com delícia o
corpo planetário como seu primeiro alimento — em conformi­
dade com as condições anormais de existência esseral ordiná­
ria que eles mesmos estabeleceram.
Mais ainda, quando eles se entregam a semelhante

892
BELZEBU NA AMÉRICA

manifestação nesses estabelecimentos, eles dizem, e se imagi­


nam eles mesmos, que cumprem um dever indispensável, e isto,
por assim dizer, da maneira a mais “humana”.
Esse célebre autor contemporâneo descrevia com admi­
ração, por tê-los visto com seus próprios olhos, esses matadou­
ros da cidade de Chicago, tão maravilhosamente organizados
segundo ele.
Exaltava a perfeição das máquinas de todo tipo e se ex­
tasiava com a limpeza extraordinária que reinava lá. “Não so­
mente, precisava ele, a humanidade para com os seres de ou­
tras formas atinge, nesses matadouros, um grau divino, mas as
máquinas ali estão aperfeiçoadas a tal ponto que, quando se
faz entrar um boi por uma porta, a gente pode, se o desejar,
reencontrá-lo ao cabo de dez minutos, em uma outra porta,
sob forma de salsichas quentes já prontas. Enfim ele insistia no
fato de que tudo isto se fazia sem a ajuda da mão do homem,
unicamente graças a essas máquinas aperfeiçoadas, e que, por
conseqüência, tudo ali era limpo e apetitoso num grau supremo.
Vários anos depois de ter lido esse livro, deparei com um
artigo de uma revista russa muito séria que fazia, nos mesmos
termos, o elogio desses matadouros.
Eu ouvi ainda falar deles por milhares de pessoas, muitas
das quais tinham sido, por assim dizer, testemunhas dos es­
plendores que descreviam.
Em suma, antes de minha chegada na cidade de Chicago,
eu já sabia que lá existia uma “maravilha” sem igual na Terra.
Devo dizer que sempre me tinha interessado por esse tipo
de estabelecimentos, onde seus favoritos destroem a existência
de seres terrestres de formas diversas; além disso, depois que
tive de instalar numerosas máquinas em meu observatorio do
planeta Marte, eu manifestei sempre o mais vivo interesse por
todo tipo de maquinários.
É por isto que, encontrándo me por acaso nessa cidade
de Chicago, pensei que seria imperdoável não aproveitar a

893
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

ocasião para visitar os matadouros, e decidi então, na manhã


mesma de minha partida, em companhia de um de meus novos
amigos americanos, ir ver esse raro edifício de seus favoritos.
Chegando lá, por indicações de um assistente do diretor-
chefe, tomamos por guia um dos empregados de um Banco filia­
do ao estabelecimento e partimos com ele visitar os matadouros.
Sob sua condução, passamos em primeiro lugar pelos
pátios onde mantinham cercados os infelizes seres quadrúpe­
des antes de abatê-los. Estes pátios eram exatamente semelhan­
tes aos de todos os estabelecimentos da mesma ordem em seu
planeta, mas numa escala muito maior; eles eram em compen­
sação muito mais sujos que os dos matadouros que eu vira em
outros países.
Depois atravessamos vários anexos. Um deles era o de­
pósito frigorífico para a carne já pronta; no seguinte, destruía­
se a existência de seres quadrúpedes com a ajuda de simples
marretas e os despedaçavam no próprio lugar — exatamente
como em todos os demais matadouros.
Ao visitar este último anexo, pensei que este era prova­
velmente o lugar onde se abatem os animais especialmente des­
tinados aos judeus, que o código de sua religião obriga, como
eu já sabia, a destruir os animais de uma maneira particular.
Passeamos muito tempo por esses anexos, e eu esperava
sempre o instante cm que chegaríamos, enfim, à seção de que
tanto ouvira falar e que a todo custo queria visitar.
Mas, quando participei a meu guia meu desejo de que
fôssemos lá o mais depressa possível, ele me respondeu que já
tínhamos visto tudo dos famosos matadouros de Chicago e que
ali não havia mais outra seção.
Pois bem, meu querido filho, em nenhuma parte encon­
trei a menor máquina, com exceção de pequenos vagões sobre
trilhos reservados ao transporte das pesadas carcaças e que se
encontram em todos os matadouros. Imundície, em compen­
sação, vi a mais não poder, nesses matadouros de Chicago.

894
BELZEBU NA AMÉRICA

No que se refere à limpeza e organização, os matadouros


da cidade de Tiflis, que eu vira dois anos antes, eram em cem
côvados superiores aos da cidade de Chicago.
Por exemplo, em Tiflis, não se poderia jamais ver no chão
uma só gota de sangue, enquanto em Chicago não se podia dar
um passo sem encontrar poças dele.
Provavelmente, um desses grupos de homens de negócios
americanos, no qual se enraizou o hábito de recorrer à “publi­
cidade” para cada um de seus empreendimentos, quis fazer
propaganda para os matadouros de Chicago, a fim de deles
dar, em todo o planeta, uma imagem que em nada corres­
ponde á realidade.
Desta vez ainda, segundo seu hábito, eles não devem ter
poupado seus dólares. E, como a função esseral sagrada de
consciência moral se atrofiou completamente nos escritores e
repórteres terrestres, disso resultou que, em quase todos os seus
favoritos que povoam os diferentes continentes de seu planeta,
se cristalizou uma representação singularmente exagerada dos
matadouros de Chicago.
Tudo isto se fez, se pode dizer, verdadeiramente “à
americana”.
Nesse continente da América, os seres tri-cerebrais se tor­
naram tão virtuosos na arte da publicidade que se poderia apli­
car a eles esta sentença de nosso querido Mulá Nassr Eddin:
“Tornar-se-á o amigo do Grande Chifrudo aquele que se
aperfeiçoar até o grau de razão e de ser que lhe permitirá fazer
de uma mosca vulgar um elefante”.
Eles se tornaram, com efeito, tão hábeis em fazer de uma
mosca um elefante, e o fazem com tanta frequência que hoje,
se se encontra um verdadeiro elefante americano, é preciso
“lembrar-se de si mesmo com todo seu ser” para não ter a im­
pressão de que é uma simples mosca.

“De Chicago voltei para Nova York, e como realizara muito

895
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

rápido e dc maneira satisfatória todos os projetos que havia


formado ao vir a esse continente, e que, além disso, as condi­
ções de existência ordinaria em que me encontrava correspon­
diam perfeitamente a essa necessidade de repouso completo
que se tornara para mim periodicamente necessário no curso
de minha última descida ao seu planeta, decidi prolongar mi­
nha estada nessa cidade e ali existir deixando que minhas rela­
ções com os seres de lá se fizessem sob a exclusiva dependên­
cia das associações esserais que fluiríam inevitavelmente em mim.
Existindo então desta maneira no principal centro dessa
grande comunidade contemporânea, e frequentando por mo­
tivos variados seres de todos os tipos e de todos os meios, cons­
tatei um dia, sem nenhuma premeditação — pela exclusiva for­
ça desse hábito que eu tinha adquirido de sempre recolher, “de
passagem”, material destinado a minha estatística comparativa
da expansão das doenças esserais e dos estranhos “vícios sub­
jetivos” dos seres das diversas comunidades —, um fato que
me interessou vivamente: a saber que, na presença de quasc a
metade dos seres tri-cerebrais que encontrei, as funções que
servem para a transformação do primeiro alimento esseral es­
tavam desarmonizadas ou, como eles mesmos o diriam, que
seus órgãos digestivos estavam deteriorados, e que um quarto
deles, ou quase, já era candidato a uma doença específica, pró­
pria aos seres de lá, que eles designam com o nome de “impo­
tência”. Esta doença priva para sempre um grande número de
seres de seu planeta da possibilidade de propagar sua espécie.
Quando por acaso constatei isso, tomei um tal interesse
pelos seres desse novo agrupamento que mudei a forma ado­
tada para minha existência entre eles: reservei, a partir daí, a
metade do tempo consagrado a meu repouso para fazer ob­
servações e pesquisas especiais sobre as causas desse fato tão
singular para mim, mas tão deplorável para eles. Até tive que
empreender com este fim viagens a outras províncias dessa gran­
de comunidade contemporânea, visitando certos centros, onde

896
BELZEBU NA AMÉRICA

cu nao ficava, alias, mais de um dia ou dois, salvo na cidade de


Boston, ou, como a chamam às vezes, “a cidade daqueles que
escaparam à degenerescência da nação”, onde passei toda uma
semana.
O resultado de minhas observações e de minhas pesqui­
sas estatísticas mc trouxe a prova de que essas duas doenças
estão, em certa medida, disseminadas entre os seres contempo­
râneos que povoam todos os continentes. Mas nesse continen­
te elas o estão a tal ponto que suas conseqüências me aparece­
ram de imediato: “Se isto continua com essa velocidade, pen­
sei, este grande agrupamento independente de seres tri-cere­
brais que lhe agradam sofrerá, num futuro próximo, a mesma
sorte que a comunidade que se chamava outrora “Rússia mo­
nárquica”, quer dizer que, por sua vez, será destruído. A única
diferença se dará no processo de destruição”.
Como já lhe disse, meu filho, o processo de destruição da
grande comunidade que era a “Rússia monárquica” teve por
origem o caráter anormal da razão dos seres “detentores de
poder”. Enquanto o processo de destruição desta comunidade
americana será a conseqüência de anomalias orgânicas.
Em outros termos, a “morte” da primeira comunidade
veio da ruína do “espírito”, como eles dizem; enquanto a mor­
te da segunda virá do estômago e do sexo.
De fato, já há muito tempo se reconheceu que, em geral,
a possibilidade de uma longa existência para os seres tri-cere­
brais atuais de seu planeta depende exclusivamente do funcio­
namento normal das duas funções esserais em questão, ou, para
melhor dizer, do estado de seu aparelho digestivo e do funcio­
namento de seus órgãos sexuais.
E sao precisamente estes dois suportes orgânicos destas
funções tão necessárias à presença geral deles que tendem hoje
cm dia a se atrofiar — e isto a uma velocidade acelerada.
Essa comunidade da América é ainda muito jovem; como

897
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

se diz em seu planeta, é um bebê, e o leite não teve tempo de


secar em seus labios.
E visto que, nos seres de uma comunidade tão jovem,
esses dois motores principais de sua existência já estão em vias
de regressão, penso que neste caso também — como acontece
com tudo o que existe no Universo — a etapa ulterior para
uma fusão com o Infinito dependerá da direção e da intensida­
de das forças desencadeadas pelo impulso inicial.
Em nosso Megalocosmos, todos os seres dotados de ra­
zão consideram como uma lei, sempre e em tudo, tomar cuida­
do com o impulso inicial, pois pela inércia adquirida a força
que ele suscita se torna o motor principal de toda coisa exis­
tente, para fazê-la voltar ao Ser Primeiro.”

Nesse momento, entregaram a Belzebu um “léítutchan-


bross”. Depois de ter escutado seu conteúdo, ele dirigiu-se a
Hassin e disse:
— Penso, meu filho, que, se eu lhe explicar em detalhe a
causa mesma da desarmonia dessas duas funções fundamen­
tais na presença dos seres tri-cerebrais americanos, isto lhe per­
mitirá compreender melhor e se representar mais claramente a
estranheza do psiquismo desses seres tri-cerebrais que lhe
agradam.
Para comodidade da exposição, lhe explicarei em pri­
meiro lugar as causas da desarmonia das funções de transfor­
mação do “primeiro alimento esseral”, ou, como eles mesmos
o diriam, as causas da decadência de seu estômago.
A desarmonia destas funções está ligada a várias causas
definidas, compreensíveis até para uma razão normal de ser
tri-cerebral ordinário. A mais importante de todas é que, des­
de a formação de sua comunidade, eles adquiriram pouco a
pouco — devido ao conjunto das condições e influências cir­
cundantes, que emanam de uma autoridade anormalmente ins­
tituída por ela mesma — o hábito, agora arraigado neles, de

898
BELZEBU NA AMÉRICA

não empregar nada fresco para seu primeiro alimento esseral e


de só fazer uso de produtos em decomposição.
Hoje em dia, os seres desse grupo não consomem jamais,
por assim dizer, os produtos comestíveis quando eles ainda con­
têm, para seu primeiro alimento esseral, todos os elementos
ativos com os quais a Grande Natureza os proveu, e que são
indispensáveis a todo ser para poder existir normalmente; mas
eles “conservam”, “congelam” ou “essencificam” previamente
todos os seus produtos e só os consomem quando a maior par­
te dos “elementos ativos” necessários para uma existência nor­
mal já se volatilizou.
Se esta anomalia se implantou no processo ordinario de
existência esseral dos seres tri-cerebrais desse novo agrupa­
mento, e continua a se propagar e se fixar por toda parte entre
seus favoritos, é sempre pela mesma razão: desde que todos os
seres tri-cerebrais de seu planeta cessaram de realizar os esfor­
ços esserais indispensáveis, eles perderam toda possibilidade
de cristalizar em si mesmos os dados esserais graças aos quais o
mal que lhes causa esta ou aquela de suas manifestações pode
ser experimentado pelo instinto, mesmo na ausência de todo
verdadeiro conhecimento diretor.
E, se somente alguns desses desafortunados possuíssem
este instinto próprio aos seres tri-cerebrais, eles teriam podido,
só pelo fato de associações fortuitas e de confrontações esse­
rais ordinárias, reconhecer eles mesmos em primeiro lugar, para
advertir depois aos demais, que a partir do momento em que o
vínculo original entre os produtos destinados ao “primeiro ali­
mento esseral” e a Grande Natureza se rompe, estes produtos,
por mais que estejam isolados, quer dizer, congelados, essenci-
ficados ou conservados em latas “herméticamente fechadas”,
eles devem, como toda coisa no Universo, se transformar e se
decompor unicamente pela ação do tempo, segundo o princí­
pio mesmo e na ordem mesma segundo os quais eles foram
constituídos.

899
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Saiba, a este respeito, que os elementos ativos a partir


dos quais a Natureza constituiu todas as formações cósmicas
— tanto os que sao suscetíveis de serem transformados pelos
tetartocosmos durante o consumo dos produtos destinados a
seu primeiro alimento, como aqueles com os quais sào forma­
dos todos os demais surgimentos já completamente espirituali­
zados, ou semi-espiritualizados — sào obrigados, assim que
chega a hora, e quaisquer que sejam as condições em que eles
se encontrem, a se dissociar, segundo uma certa ordem, da massa
no seio da qual eles tinham fusionado durante o processo tro-
goautoegocrático.
Evidentemente, sucede o mesmo com os produtos que
esses seres americanos apreciam tanto e que eles conservam no
que sao chamadas “latas de folha-de-flandres herméticamente
soldadas”.
Por mais isolados que estejam esses produtos em suas
latas herméticas, quando chega a hora da “desagregaçào”, os
elementos ativos correspondentes começam infalivelmente a
se dissociar da massa total. Assim separados da massa total,
estes elementos ativos se agrupam sempre segundo sua origem,
no interior dessas latas herméticamente fechadas, quer sob for­
ma de “gotas”, quer sob forma de “pequenas bolhas”, que se
“desagregam” instantaneamente, quando se abre a lata para
consumir seus produtos, e se volatilizam no espaço para ali
reencontrar seus respectivos lugares.
Por certo, os seres desse continente consomem às vezes
as frutas no estado fresco. Mas, para dizer a verdade, estas fru­
tas nem sequer sào frutas — sào no máximo, como diria nosso
querido Mestre, “uma simples brincadeira”.
Pelas “manipulações” de toda espécie a que se dedica­
ram com as árvores frutíferas que crescem em abundância nes­
se continente, os “sábios de nova formaçào” chegaram pro­
gressivamente a fazer hoje, dessas frutas americanas, uma

900
BELZEBU NA AMÉRICA

“verdadeira festa para os olhos” — e não mais uma forma de


alimento esseral.
As frutas são cultivadas de tal forma lá que uma vez ma­
duras elas não contêm quase nada do que foi destinado pela
Grande Natureza para ser absorvido com vista a uma existên­
cia esseral normal.
Evidentemente, esses sábios terrestres contemporâneos
estão longe de suspeitar que toda formação supraplanetária ar­
tificialmente enxertada, ou que sofreu outras manipulações do
mesmo gênero, fica reduzida a um estado chamado “absoïzo-
mosa” pela ciência objetiva, no qual ela extrai de seu meio uni­
camente as substâncias cósmicas úteis ao revestimento de sua
“presença subjetiva submetida â reprodução automática”.
Com efeito, desde o início desta última civilização, os seres
dos inumeráveis agrupamentos de lá já não assimilavam mais
do que um só dos sete aspectos do principal mandamento im
posto d’O-Alto a todos os seres tri-cerebrais, que é de “esfor­
çar-se para alcançar a pureza interior e exterior”. O único as­
pecto que eles retiveram — e ainda sob uma forma desnatura­
da —, para dele fazer seu ideal, se define pelas seguintes pala­
vras: “Ajudai todas as coisas em torno de vós, animadas ou
inanimadas, a adquirir uma bela aparência”.
E eles verdadeiramente se esforçaram, durante os dois
últimos séculos sobretudo, para obter essa “bela aparência”,
mas, é claro, só para os objetos exteriores a eles, que se torna­
vam, por acaso, “de moda”.
Durante esse período, tornou-se completamente indi­
ferente para eles que estes objetos exteriores não tivessem por
si mesmos nenhuma substância — com a condição de que ti
vessem, como eles dizem, “aparências sedutoras”.
Para voltar âs proezas que efetuaram os seres contem­
porâneos desse continente quanto à realização da “beleza
exterior” de suas frutas, devo dizer, meu filho, que em parte
alguma nos demais continentes desse planeta, assim como em

901
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

nenhum dos demais planetas desse sistema solar, vi frutas de


tào bela aparência quanto no continente da América; em con­
trapartida, no que diz respeito a sua substância interior, só se
pode repetir com nosso querido mestre Mulá Nassr Eddin: “O
maior dos benefícios para o homem é a ação do óleo de rícino”.
Quanto à maestria com que eles lazem suas famosas con­
servas de frutas, “nào há língua para expressá-la, nem pluma
para escrevê-la”. E preciso ter visto com seus próprios olhos
para experimentar em sua presença geral o grau de “arrebata­
miento” a que pode conduzir a percepção visual da beleza exte­
rior dessas conservas de trutas americanas.
Quando a gente passa pelas principais ruas de uma cida­
de desse continente, sobretudo de Nova York, e se aproxima
da vitrina de qualquer loja de trutas, é muito difícil dar-se con­
ta à primeira vista do que se tem diante de si: será uma mostra
de quadros “futuristas” da cidade de Berlim, no continente da
Europa, ou a exposição de alguma célebre loja de perfumaria
para os estrangeiros, em Paris, “capital do mundo”?
E só ao cabo de um certo tempo, quando você chega en­
fim a perceber os diversos detalhes da decoração dessa vitrina,
e que tenha mais ou menos recuperado o seu bom senso, é que
você constata claramente o quanto a diversidade de cores e de
formas dos “potes” e “frascos” das vitrinas americanas de fru­
tas em conserva supera a das vitrinas análogas no continente
da Europa. E esta diversidade de cores e de formas é certa-
mente devida à combinação que resulta, no psiquismo geral
dos seres desse novo grupo, da mistura das raças anteriores
independentes, combinação que acontece corresponder a uma
melhor percepção e a uma mais completa apreensão do senti­
do e do alcance dos prodígios realizados tanto pela razão dos
seres da comunidade da Alemanha, no que se refere às subs­
tâncias químicas de sua invenção que levam o nome de “andi­
na” e de “alizarina”, quanto pela dos seres da comunidade da
França, em matéria de “perfumaria”.

902
BELZEBU NA AMÉRICA

Eu mesmo, quando vi pela primeira vez uma dessas vitri­


nas, não pude me impedir de entrar na loja e de lá comprar uns
quarenta frascos de todas as formas, cheios de frutas em con­
serva, apresentando toda uma gama de cores.
Eu os comprei para agradar aos seres que me acompanha­
vam entào, e que vinham dos continentes da Asia e da Europa,
onde ainda não se encontra frutas de tão magnífica aparência.
Com efeito, quando levei minhas compras para casa e as distri­
buí, eles não ficaram menos surpresos nem menos contentes
do que eu com seu aspecto, mas, depois que as consumiram
como primeiro alimento, bastava ver suas caretas e a mudança
de cor de seus rostos para compreender o efeito que estas fru­
tas podem ter sobre o organismo dos seres.
Há pior ainda: foi o que sucedeu nesse continente com
um produto dos mais importantes do ponto de vista do primei­
ro alimento esseral, tanto para eles como para quase todos os
seres tri-cerebrais do Universo — quero falar do “prosphora”,
ao qual eles deram o nome de “pão”.
Antes de lhe dizer em que consiste esse pâo americano,
devo lhe informar que essa parte de terra firme da superfície
de seu planeta, chamada “América do Norte e do Sul”, é cons­
tituída — em razão de numerosas combinações acidentais que
derivam, por um lado, do segundo grande “cataclismo não con­
forme às leis” do qual esse desafortunado planeta foi objeto e,
por outro, da posição ocupada por esta terra firme no processo
de “movimento sistemário geral” — por uma camada de “ter­
ra” que sempre foi das mais adequadas â produção do “grão
divino” com que se faz o “prosphora”. A superfície do solo
desse continente, se se souber tirar partido dele consciente­
mente, será suscetível de realizar, em uma única “boa safra”, a
plenitude do processo inteiro do Heptaparaparshinokh sagra­
do; dito de outra forma, ele pode dar uma colheita de “quaren­
ta e nove por um”. E mesmo explorando esse solo semicons­
cientemente, como se faz hoje, as colheitas desse “divino grão”

903
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

são de uma abundância considerável em relação àquelas dos


demais continentes.
Ora, meu Hlho, quando os seres desse continente se tor­
naram, graças a diversas circunstâncias fortuitas, os felizes
possuidores de enormes quantidades daquilo que é o objeto
dos sonhos do estranho psiquismo de seus favoritos atuais, e
que leva por toda parte o nome de “dólares”, adquirindo as­
sim, nas “representações esserais” dos seres de todos os de­
mais continentes, segundo um costume estabelecido de longa
data, o que se chama “autoridade”, eles se puseram, como de
hábito, a “procurar meio-dia às duas da tarde” na esperança de
alcançar o ideal contemporâneo de que lhe falei — especial­
mente a propósito do grão divino com que se faz o “prosphora”.
Desde o começo e por todos os meios, eles “se encarniça­
ram” sobre este grão divino, para dar ao produto a que ele
serve de base “uma bela e sedutora aparência”.
Eles inventaram para este fim todo tipo de máquinas com
as quais eles “aparam”, “raspam”, “lustram” e “dão polimen­
to” a esse trigo que teve a infelicidade de surgir no continente
deles, até a completa destruição de todos os “elementos ati­
vos” concentrados na superfície do grão, por baixo do que se
chama “gluma”, e que são precisamente destinados pela Gran­
de Natureza para renovar, na presença geral dos seres tri-cere­
brais, o que foi empregado para servi-la dignamente.
Desse modo, meu filho, o prosphora ou pão, feito do tri­
go que cresce em abundância nesse continente, não contém
hoje nada de útil para os seres que o consomem; e as únicas
coisas que eles ganham com isso são gases nocivos e o que cha­
mam de “vermes intestinais”.
Notemos, aliás, com toda a justiça que, se eles não tiram
desse trigo nada que lhes permita servir melhor, e mais
conscientemente, a Grande Natureza, inconscientemente em
contrapartida, produzindo esses vermes intestinais, eles ajudam
muito seu planeta a servir de maneira honrosa o Mui Grande

904
BELZEBU NA AMÉRICA

Trogoautoegocrata cósmico geral. Estes vermes intestinais nào


sao, eles também, seres por intermedio dos quais se transfor­
mam as substâncias cósmicas?
Em todo caso, os seres que povoam esse continente já
conseguiram, pelas manipulações a que se entregam com esse
pao, o que eles desejavam e se esforçavam tào ardentemente
em obter, posto que os seres de todos os demais continentes
nunca deixam de dizer deles, por exemplo:
“Formidáveis, esses americanos! Até seu pâo é deslumbrante,
tào “belo”, tào “branco”, uma verdadeira maravilha! E realmente
o esplendor dos esplendores da civilização contemporânea”.
Mas que este pào nào seja mais “bom para nada” depois
que eles assim se encarniçaram com o trigo, e que ele constitua
mesmo um dos numerosos fatores de decadência de seu estô­
mago, que lhes importa? Nào ocupam eles um lugar de prefe­
rência no que se chama a “civilização européia”?
O mais curioso é que, em sua ingenuidade, eles dào o
que a Natureza formou de melhor e de mais útil para eles nesse
grào divino... a seus porcos — quando nao o queimam. Quan­
to a eles, só consomem a substância destinada pela Natureza a
servir de vínculo e de suporte aos elementos ativos, que estào
sobretudo localizados, como já lhe disse, sob a gluma do grào.
Um outro fator importante da desarmonia das funções
digestivas nesses desafortunados seres americanos é o sistema
que eles recentementc inventaram para a evacuação dos resí­
duos de seu primeiro alimento, a saber, os assentos confortá­
veis de seus “water-closets”.
Nào somente esta funesta invenção nào cessou de ser um
dos principais fatores da desarmonia que aparece neles como
em quase todos os seres dos demais continentes — os quais,
aliás, se puseram há pouco tempo a imitar com zelo todos seus
originais métodos destinados a “secundar” seu funcionamento
transformador —, mas ela permitiu a seus favoritos, que se es­
forçam hoje em dia para cumprir esta inevitável funçào esseral

905
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

com a maior sensação possível de agradável quietude, que en­


contrassem um novo estimulante para servir com mais fervor a
seu deus “autotranqüilizador”, esse deus que, como já lhe dis­
se repetidas vezes, representa ainda em nossos dias o maior de
todos os males que engendram e provocam as anomalias de
seu psiquismo e de sua existência esseral ordinária.
Eis um fato, luminoso como um “painel publicitário ame­
ricano”, que lhe servirá dc excelente exemplo para você se re­
presentar que extraordinárias perspectivas de futuro esta in­
venção abre a eles. Alguns desses seres americanos atuais, quan­
do auferiram, por um golpe do acaso evidentemente, uma boa
quantia de seus famosos dólares, instalam, em seus “water-
closets com assentos confortáveis”, diversos acessórios, tais
como uma pequena mesa, um telefone, um “aparelho de ra­
dio”, de maneira a poder, comodamente sentados, continuar
sua “correspondência” ou discutir por telefone todos os seus
“assuntos de dólares”, a menos que não queiram 1er com toda
tranqüilidade esses famosos jornais, dos quais não poderiam
mais privar-se, ou ainda escutar as obras musicais de diversos
hassnamusses dc lá, obras que todo “homem de negocios”
americano é igualmente obrigado a conhecer, a partir do ins­
tante em que estão “na moda”.
Todo o mal que faz esta invenção americana do ponto dc
vista da desarmonia do funcionamento digestivo dos seres tri-
cerebrais atuais de seu planeta se deve às razões seguintes:
Antigamente, quando dados mais ou menos normais se
cristalizavam ainda na presença geral de seus favoritos para
nela engendrar a Razão objetiva, e quando eles podiam refletir
por si mesmos, ou pelo menos compreender se outros seres
seus semelhantes, já bem informados, lhes davam explicações,
eles se punham na postura que essa função exigia. Mais tarde,
quando esses dados esserais cessaram definitivamente de se cris­
talizar neles, e eles não cumpriram mais essa função senão dc
maneira automática, seu corpo planetário podia ainda, graças

906
BELZEBU NA AMERICA

ao sistema anterior a essa invenção americana, adotar por ele


mesmo, exclusivamente pela força do “instinto animal”, a pos­
tura necessária. Mas desde que todos os seres americanos utili­
zam, para esse ato indispensável, esses assentos confortáveis
de sua invenção, seu corpo planetário perdeu toda a possibili­
dade dc se dobrar, nem que fosse instintivamente, na postura
requerida, o que determina neles a atrofia progressiva dos mús­
culos encarregados de realizar esta indispensável função esse­
ral e os torna sujeitos ao que eles chamam “constipação”, as­
sim como a diversas doenças específicas que aparecem unica­
mente na presença desses estranhos seres tri-cerebrais de Nos­
so Grande Universo.
Dentre todas as causas primárias c secundárias cujo con­
junto provoca a desarmonia progressiva dessa função funda­
mental na presença geral de seus favoritos atuais que povoam
o continente da América do Norte, há uma delas das mais ori­
ginais, c de uma “evidência gritante”, mas que, graças a seu
“entendimento de frango”, floresce “incógnita”, acompanha­
da de um impulso dc satisfação egoísta.
Esta curiosa causa, que se pôs por sua vez, bem suave­
mente e bem tranqüilamente, a desarmonizar sem piedade essa
função, consiste cm uma paixão imperiosa que experimentam
os seres desse grande grupo de ir tão freqüentemente quanto
possível ao continente da Europa.
Você deve ser informado desta causa singular, pois ela o
fará compreender o resultado funesto que ocasionam para
seus favoritos as “elucubrações desastrosas” de seus “sábios”
contemporâneos.
Para melhor compreender e melhor se representar esta
causa de uma tal desarmonia na presença geral dos seres
americanos, você deve em primeiro lugar conhecer certos de­
talhes referentes aos órgãos encarregados de realizar neles essa
indispensável função.
Entre os órgãos que servem à transformação completa

907
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

do primeiro alimento, há um que existe quase em toda parte


corn o nome de “tusspushokh”, ou, como eles mesmos o cha­
mam em sua terminologia científica, “apéndice”.
A ação desse órgão consiste, segundo as previsões da
Grande Natureza, em armazenar sob forma de gas diversas
substancias cósmicas de ligação que se desassociam no curso
da transformação das diversas cristalizações supraplanetãrias
que compõem o primeiro alimento esseral, para ajudar depois,
por sua pressão, na execução do ato pelo qual os resíduos do
alimento são evacuados da presença geral do ser.
Os gases acumulados nesse órgão realizam, por sua “des­
carga”, o efeito mecânico previsto pela Natureza, independen­
temente do funcionamento geral de transformação que se efe­
tua nos seres, e isto em momentos determinados, que diferem
segundo os hábitos subjetivos de cada um.
Ora, meu filho, durante as frequentes viagens que eles
fazem ao continente da Europa, e cuja duração total, ida e vol­
ta, varia de doze dias a um mês, as condições nas quais eles se
encontram ocasionam uma mudança diária do momento fixa­
do para o cumprimento desse ato, o que determina um fator de
desarmonia progressiva no processo de seu principal funcio­
namento de transformação. Com eteito, quando, em razão des­
sa perturbação cotidiana, eles ficam vários dias sem cumprir
essa função obrigatória, e não utilizam para os fins previstos os
“gases” acumulados nesse órgão, estes, não respondendo mais
ao propósito que lhes havia designado a Grande Natureza, se
escapam pouco a pouco da sua presença para se espalhar im­
produtivamente no espaço — manifestação que em sua totali­
dade torna, aliás, a estada cm seus navios quase intolerável para
um ser cujo órgão de percepção dos odores é mais ou menos
normal. E é assim que eles acabam o mais frequentemente por
sofrer de “constipação mecânica”, o que, por sua vez, provoca
a desarmonia progressiva dessa função transformadora capital.
Ao lhe expor há pouco, meu filho, as causas da desarmonia

908
BELZEBU NA AMÉRICA

das funções encarregadas da transformação do primeiro ali­


mento esseral na presença desses seres americanos, expliquei-
lhe entre outras coisas, a propósito dos “assentos confortáveis”
de sua invenção, que seus favoritos do planeta Terra se esfor­
çavam de novo para cumprir essa indispensável função esseral
com a maior sensação possível de satisfação íntima. Eu disse
“de novo” porque outrora esses estranhos seres tri-cerebrais
que lhe agradam já haviam introduzido, em diversos períodos,
nos usos de sua existência ordinária, melhorias desse gênero.
Eu me lembro muito bem de um desses períodos, onde
os seres de então — que seus favoritos contemporâneos, seja
dito de passagem, teriam bem simplesmente considerado como
“selvagens” — inventaram todo tipo de comodidades para sa­
tisfazer essa necessidade esseral, prosaica é verdade, porém ine­
vitável, para a qual esses americanos atuais, que se imaginam com
toda ingenuidade ter atingido o “nec plus ultra” da civilização,
conceberam esses assentos confortáveis para seus “water-closets”.
Isso se passava na época em que o principal centro de
cultura de todo seu planeta era o país de Tikliamuish, então no
apogeu de seu esplendor.
Os seres do país de Tikliamuish inventaram um dia para
essa necessidade esseral alguma coisa no gênero desses confor­
táveis assentos americanos, e essa funesta invenção se espalhou
não menos amplamente em todos os demais países povoados
pelos seres tri-cerebrais desse desafortunado planeta.
Se se pusesse em paralelo a invenção dos seres da civili­
zação tikliamuishiana com essa dos americanos atuais, se po­
deria qualificar esta última, para empregar a expressão de que
eles mesmos se servem em suas comparações, de simples “brin­
quedo de criança”.
Os seres da civilização tikliamuishiana imaginaram uma
espécie de “confortável sofá-cama” do qual era possível se ser­
vir tanto para dormir como para o “keïfov”, de sorte que,
alongado nessa maravilhosa invenção, se podia cumprir, sem

909
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

manifestar o mínimo esforço esseral, a indispensável função


para a quai os seres contemporâneos do continente da Ameri­
ca imaginaram suas “privadas”.
Essas “camas-maravilhas” estavam arranjadas de tal ma­
neira que bastava deslocar ligeiramente uma alavanca lateral
para que de imediato, sem deixar a cama, tudo se arrumasse de
modo a permitir satisfazer “com toda a comodidade” esta ine­
vitável exigência, o mais “confortavelmente” possível e, o que
é mais, com o maior “chiqué”.
Não lhe será supérfluo saber ainda, meu filho, que essas
famosas camas tiveram por eteito desencadear importantes c gra­
ves acontecimentos no processo de existência ordinária deles.
Enquanto prevaleceu lá, para responder a essa necessi­
dade esseral, o antigo sistema, relativamente normal, sua exis­
tência transcorreu na paz e na concordia; mas assim que certos
seres “detentores de poder e de riquezas” inventaram suas fa­
mosas “camas confortáveis”, que receberam o nome de: “para
gozar plenamente a felicidade deve-se gozá-la com alarde”, surgiu
então entre os seres ordinários aquilo que desencadeou as impor­
tantes e deploráveis conseqüências a que acabo de fazer alusão.
Devo lhe dizer que na época mesma em que os seres de
Tikliamuish inventaram essas “camas-maravilhas”, o planeta
sofria o processo cósmico geral “Tchirnuanovo”, quer dizer
que, para se conformar ao deslocamento do centro de gravida­
de desse sistema solar no seio do movimento de harmonia cós­
mica geral, o centro de gravidade da Terra se encontrava ele
mesmo deslocado.
Durante tais períodos, como você sabe, aumentam no psi­
quismo dos seres do planeta que sofre o “Tchirnuanovo” as
sensações “blagonuarnianas”, ou, como as chamam ainda, os
“remorsos de consciencia” acerca das más ações anteriores reali­
zadas a despeito de suas próprias convicções.
Mas, por várias razões, umas acidentais, outras imputáveis
a eles somente, a presença geral de seus favoritos se tornou tão

910
BELZEBU NA AMERICA

singular que a ação dessa realização cósmica geral se desenrola


nela de maneira diferente que na dos seres tri-cerebrais que
povoam os demais planetas; quer dizer, em lugar dos “remor­
sos de consciência” surgem o mais frequentemente, para se pro­
pagar em uma grande escala, certos processos específicos cha­
mados “destruição recíproca dos microcosmos nos tetartocos-
mos”, processos que eles consideram como doenças epidêmi­
cas, e que eram conhecidas nos tempos antigos com os nomes
de “kaliunium”, “morkrokh”, “selnoano” etc., tais como elas o
são hoje em dia com os nomes de “peste”, “cólera”, “gripe es­
panhola”, e assim por diante.
Ora, os seres de Tikliamuish notaram que a maior parte
daqueles que faziam uso desses “sofás-camas” demasiado con­
fortáveis estava sujeita a numerosas doenças, que levavam en­
tão os nomes de “kolbana”, “tirdiank”, “moyassul”, “tcham-
parnakh” e outras, que os seres contemporâneos chamam “ta­
bes”, “esclerosis disseminata”, “hemorroidas”, “ciática”, “he­
miplegia” e assim por diante. E alguns desses seres, que, por
não realizarem nunca mais os partkdolgdeveres esserais, tinham
cristalizado em sua presença dados geradores de diversas pro­
priedades hassnamussianas, e especialmente impulsos “revo­
lucionários”, observaram essas particularidades e resolveram
fazê-las servir a seus próprios fins. Os seres desse tipo lança­
ram entre seus contemporâneos a idéia de que todas as doen­
ças epidêmicas em questão vinham desses “parasitas burgue­
ses” que, ao empregarem as camas “para gozar plenamente a
felicidade deve-se gozá-la com alarde”, contraíam doenças de
todo tipo, com as quais contaminavam depois as massas.
Em virtude da singular propriedade de que já lhe falei e
que se chama “sugestionabilidade”, os seres que os cercavam
se deixaram pegar, é claro, por essa “propaganda”; e depois de
tê-la longamente discutido, como se faz sempre em semelhante
caso, se cristalizou cm cada um deles um fator cujo apa­
recimento periódico suscita em sua presença geral o singular

911
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

estado psíquico, relativamente prolongado, que chamarei “per­


da da sensaçào de si”. Para terminar, eles destruíram por toda
parte, segundo seu hábito, não somente todas essas “camas-
maravilhas”, mas até a existência dos seres que se serviam delas.
A crise, alias, perdeu logo sua intensidade na presença
da maioria dos seres ordinarios desse período. Entretanto, a
“destruição encarniçada” dessas camas e dos seres que se ser­
viam delas durou, por inércia, vários anos, até que essa funesta
invenção foi definitivamente posta fora de uso; se esqueceu até
muito rápido que tal espécie de cama tivesse jamais existido
em seu planeta.
Seja como for, pode-se dizer com certeza que, se a civili­
zação contemporânea continua a se desenvolver no mesmo es­
pírito e na mesma velocidade que hoje entre os seres dos gru­
pos que povoam o continente da América, eles não tardarão a
se civilizar a ponto de terem “sofás-camas” tão surpreendentes
quanto as camas chamadas “para gozar plenamente a felicida­
de deve-se gozá-la com alarde”.

“E agora, meu filho, seria bom que eu lhe desse alguns


exemplos relativos à invenção dos produtos em conserva para
o primeiro alimento esseral e â aplicação que fazem deles, no
processo de sua existência, os seres desse grupo contemporâ­
neo, considerados pela estranha razão dos seres de todos os
demais continentes como “modelos”, simplesmente porque
crêem que eles são os primeiros, em seu planeta, a inventar
usos esserais tão práticos e tão salutares — no caso presente, o
meio de se alimentar com os produtos em conserva, o que os
faz, por assim dizer, economizar tempo.
Evidentemente, os infelizes seres tri-cerebrais atuais que
povoam seu planeta não sabem e não podem mesmo suspeitar
que, em diferentes épocas, seus ancestrais longínquos, forma­
dos muito mais normalmente do que eles como seres responsá­
veis, já tinham “quebrado a cabeça”, como se diz, para descobrir

912
BELZEBU NA AMÉRICA

algum procedimento prático de perder o menor tempo possí­


vel para cumprir a indispensável função esseral de se alimen­
tar. Mas cada vez que eles descobriam uma, se convenciam,
após um breve ensaio, que quaisquer que fossem a natureza
dos produtos e a maneira pela qual eram conservados, eles
se deterioravam com o tempo e se tornavam impróprios para
seu primeiro alimento. Por isso eles cessavam sempre de uti­
lizar esses meios no processo de sua existência ordinária.
Como exemplo, lhe citarei um procedimento análogo ao
modo atual de conservação dos produtos que servem ao pri­
meiro alimento esseral, procedimento que vi praticar no país
de Maralpleissis.
Era no tempo em que os seres da região de Maralpleissis
“rivalizavam” em todas as coisas com os seres do país de Ti­
kliamuish e lhes faziam uma guerra e uma concorrência encar­
niçadas na esperança de conquistar para seu país o renome de
“principal centro de cultura”.
Foi precisamente com este fim que eles imaginaram algo
análogo a essas conservas americanas.
Entretanto, os seres de Maralpleissis não conservavam
seus produtos comestíveis em latas de folha-de-flandres “com
secreções tóxicas” como essas de que se servem os seres do
continente da América, porém em recipientes “sikharenionianos”.
Estes recipientes “sikharenionianos” eram confecciona­
dos em Maralpleissis com o que se chama “nácar” finamente
moído, gema de ovo de galinha e a cola tirada do peixe chama­
do “chuzna-esturjão”.
Esses recipientes tinham o aspecto e a qualidade dos fras­
cos de vidro tosco que existem atualmente em seu planeta.
Apesar da vantagem evidente que apresentavam esses
recipientes para a conservação dos produtos, certos seres sen­
satos de Maralpleissis tinham constatado que, naqueles dos seus
que faziam um uso regular dos produtos assim conservados, se
atrofiava progressivamente o que se chama “pudor orgânico”.

913
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Assim que eles difundiram entre os seres ordinarios a no­


tícia desta constatação, os que os cercavam cessaram de prati­
car este procedimento, que caiu logo em tal desuso que os se­
res da quinta e sexta gerações nem sequer tiveram conheci­
mento de que tivesse jamais existido.
Em quase todas as épocas, no continente da Ásia, fize­
ram uso de diversos procedimentos de conservação dos pro­
dutos comestíveis; ainda em nosso dias, os seres de lá conhecem
vários deles, que eles receberam de seus ancestrais longínquos.
Mas nenhum deles é tão nocivo quanto esse que inventa­
ram os seres atuais da América, com suas latas de folha-de-
flandres de secreções tóxicas.
O princípio mesmo de conservar produtos em recipien­
tes “herméticamente fechados” para subtraí-los à ação da at­
mosfera, e evitar-lhes assim o processo de decomposição, é bem
conhecido por certos grupos asiáticos atuais, mas jamais eles
recorrem a essas latas de folha-de-flandres americanas.
Na Asia, emprega-se exclusivamente para este fim o que
se chama a gordura de “kurdiuk”.
A gordura de “kurdiuk” é uma matéria que se acumula
em grande quantidade em torno do rabo dc seres quadrúpedes
bi-cerebrais, chamados lá “carneiros”, que se encontram por
toda parte nesse continente.
Essa gordura de rabo de carneiro não comporta nenhu­
ma cristalização cósmica nociva á presença geral dos seres tri-
cerebrais; ela constitui por si mesma um dos principais produ­
tos que servem de primeiro alimento para a maioria dos seres
do continente da Ásia. Ao contrário, os metais com os quais os
seres atuais do continente da América fabricam as latas que
servem para conservar seus produtos, mesmo se a superfície
interior dessas latas está completamente isolada da influência
da atmosfera, liberam com o tempo certos elementos ativos,
dos quais alguns são “tóxicos”, como eles dizem, para a pre­
sença geral dos seres.

914
BELZEBU NA AMÉRICA

Os elementos ativos tóxicos que emanam da folha-de-


flandres ou de outros metais similares, retidos no interior des­
sas latas herméticas, não podem se volatilizar no espaço. En­
contrando então, no seio dos produtos conservados, certos ele­
mentos que lhes correspondem por “afinidade de especie” segun­
do seu número de vibrações, se incorporam a eles em conformi­
dade com a lei cósmica de fusão; e combinados com esses produ­
tos é que eles entram no organismo dos seres que os consomem.
Nao contentes por utilizar esses recipientes “emissores
de veneno”, que são tão nocivos para eles, seus favoritos atuais
do continente da América conservam de preferencia seus pro­
dutos no estado cru.
Quanto aos seres do continente da Asia, eles conservam
todos os seus produtos alimentares no estado assado ou cozi­
do, pois, segundo as noções que receberam de seus ancestrais
longínquos, os produtos conservados dessa maneira se decom­
põem menos rapidamente do que no estado cru.
De fato, quando um produto é assado ou cozido, faz-se
artificialmente, entre certos elementos ativos que constituem a
massa principal do produto, uma “fusão química”, que permi­
te a numerosos elementos ativos, úteis aos seres, permanecerem
integrados a esse produto durante um tempo muito mais longo.
Aconselho-o mais uma vez a adquirir um conhecimento
mais profundo da lei das “fusões químicas e mecânicas” de
todo tipo que se efetuam no Megalocosmos.
Pois o conhecimento desta lei cósmica o ajudará a se repre­
sentar e a bem compreender por que e como aparecem na Na­
tureza inumeráveis formações de aspectos diversos.
Quanto à maneira pela qual se obtém uma fusão durável
dos elementos ativos no interior dos produtos fazendo-os co­
zer ou grelhar, você a compreenderá perfeitamente se puder se
representar o processo que tem lugar durante a preparação ar­
tificial do “prosphora”.
Por toda parte em geral, os seres que preparam o “prosphora ”

915
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

ou “pão” o fazem com a consciência de sua significação sagra­


da; seus favoritos atuais são os únicos a prepará-lo sem nenhu­
ma consciência de seu ato, pela simples força de um hábito
automático, adquirido por hereditariedade.
No pão, as cristalizações das substancias cósmicas se fa­
zem como sempre segundo a lei de Triamazikamno, cujas três
forças santas estão representadas aqui pelas substancias de três
fontes relativamente independentes: a Santa Afirmação, ou prin­
cípio ativo, está representada pela totalidade das substâncias
cósmicas que constituem o que seus favoritos chamam “água”;
a Santa Negação, ou princípio passivo, pela totalidade das subs­
tâncias que constituem o que seus favoritos chamam “farinha”;
e a Santa Conciliação, ou princípio neutralizante, pelas subs­
tâncias que constituem o resultado de toda combustão, o que
seus favoritos chamam “fogo”.
Para tornar mais clara a idéia que expressei sobre a impor­
tância de uma fusão durável das substâncias cósmicas de fon­
tes diversas, tomemos por exemplo a totalidade de substâncias
relativamente independentes que serve de elemento ativo na
constituição desse “prosphora” ou “pão”, quer dizer, esta tota­
lidade que seus favoritos chamam “água”.
Esta totalidade de substâncias cósmicas, chamada “água”
na Terra, que representa uma “mistura mecânica natural”, só
pode se conservar intacta com a condição de manter seu víncu­
lo com a Natureza. Se se rompe o vínculo que une essa “água”
à Natureza, por exemplo, se se retira de um rio um pouco de
água para guardá-la num recipiente qualquer, ao cabo de um
certo tempo esta água não pode deixar de se destruir pouco a
pouco ou, como também se diz, de se corromper — processo
que tem, além disso, sobre os órgãos perceptores dos seres “um
efeito kakodórico” —, em outros termos, segundo a expressão
de seus favoritos, “esta água começa a feder”.
O mesmo processo se observa em caso de mistura;
se se mistura essa água com farinha, obtém-se uma mistura

916
BELZEBU NA AMERICA

mecánica temporaria chamada “massa”, na qual, ao cabo de


um tempo relativamente curto, a agua acaba sempre por se cor­
romper.
Mas se esta massa, quer dizer, essa mistura de agua e de
farinha, é cozida no logo, então, graças às substâncias oriundas
do fogo ou constituídas por ele e que representam aqui, como
lhe disse, a terceira força santa, neutralizante, da lei sagrada de
Triamazikamno, se produz uma “fusão química”, ou “fusão du­
rável de substâncias”, que dá por resultado uma nova totalida­
de de substâncias à base de água e de farinha, quer dizer, o
“prosphora” ou “pão”, que resistirá ao impiedoso Heropás e
não se corromperá antes de muito tempo.
O pão assim obtido pode secar, se esmigalhar, e até, se­
gundo toda aparência, se desagregar completamente, porém
os elementos da água que tomaram parte no processo de trans­
formação não serão destruídos antes de um tempo bastante
longo, durante o qual eles conservarão sua atividade como “ele­
mentos ativos prosphóricos duráveis”.
Ainda desta vez, repito, meu filho, se os seres atuais que
povoam o continente da Ásia conservam exclusivamente seus
produtos assados ou cozidos, e não crus como o fazem de
preferência os seres americanos, eles agem assim porque esse
costume lhes chegou de ancestrais, cuja comunidade existia
havia vários séculos, e que tinham, por conseguinte, atrás de si
uma longa experiência, enquanto os seres americanos perten­
cem a uma comunidade “que nasceu ontem mesmo”, como
teria dito nosso sábio Mestre.
Para que você possa melhor apreciar a importância real
desta invenção, fruto autêntico da civilização contemporânea,
devida aos seres que povoam o continente da América, não
será inútil que o informe sobre os procedimentos que utilizam
ainda em nossos dias os seres do continente da Ásia para con­
servar certos produtos.
Por exemplo, o modo de preparação do que se chama

917
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“kovurma”, produto particularmente apreciado pelos seres de


numerosos grupos do continente da Asia.
Esta “kovurma” se prepara no continente da Asia de ma­
neira muito simples: assa-se cuidadosamente a carne cortada
em pequenos pedaços, que se comprime em seguida dentro de
um “vaso de barro” ou num “burdiuk”* de cabra.
Depois esses pedaços de carne assados sào regados com
gordura derretida de rabo de carneiro.
E claro que esses pedaços regados com gordura acabam
mesmo assim por se estragar; contudo, durante um tempo rela­
tivamente longo, eles nao adquirem nenhuma toxicidade,
Os seres do continente da Asia consomem essa “kovur­
ma” quer iria, quer requentada.
Neste último caso a carne é tal que se acreditaria que o
animal toi morto no mesmo dia.
Um outro produto muito procurado lá, e de boa conser­
vação, é o que se chama “yagüi-yemuish”, que é feito de frutas
variadas, colhidas bem frescas, enfiadas num cordão, “como
um colar”, depois cuidadosamente cozidas em água; depois do
que este original colar, meio esfriado, é mergulhado várias ve­
zes na gordura derretida de rabo de carneiro antes de ser pen­
durado e submetido à ação de uma boa corrente de ar.
Enquanto elas estão penduradas, as f rutas preparadas des­
sa maneira quase nunca se estragam, e, quando alguém quer se
servir desse original “colar de alimento”, mergulha-o por al­
guns instantes em água quente. O calor faz então derreter com­
pletamente a gordura aderida às frutas, e estas têm o mesmo
sabor tal qual se acabássemos de colhê-las da árvore.
Embora as frutas assim preparadas difiram pouco das ou­
tras pelo gosto e se conservem por muito tempo, os seres afor­
tunados do continente da Ásia preferem, no entanto, as fru­
tas frescas a elas.

* Pele de cabra escorchada de maneira especial.

918
BELZEBU NA AMÉRICA

E isto, com toda evidência, é porque eles são os descen­


dentes diretos de seres que pertencem a comunidades secula­
res, e porque na maioria deles, devido às capacidades que rea­
parecem neles por hereditariedade, a cristalização dos dados
que favorecem a sensação instintiva das coisas reais se faz mais
intensamente do que na maioria de seus favoritos atuais.
Repito, meu filho, os seres das épocas passadas, sobretu­
do no continente da Asia, tentaram repetidas vezes utilizar di­
versos modos de conservação dos produtos alimentícios, mas
isto acabava sempre da mesma maneira: um dia ou outro, cer­
tas pessoas, por suas observações conscientes ou fortuitas, des­
cobriam as conseqüências nocivas que ocasionavam essa práti­
ca, tanto para seus próximos como para elas mesmas; elas par­
ticipavam isso então a todos os demais seres, que, depois de
um exame tão imparcial quanto possível, se convenciam da
justeza de suas deduções e baniam, dali em diante, esse uso do
processo de sua existência.
Bem recentemente ainda, certos seres do continente da
Ásia se esforçaram não somente por encontrar um método de
conservação dos produtos alimentares, mas por buscar algum
novo meio de perder o menor tempo possível com essa indis­
pensável necessidade esseral de absorver seu primeiro alimen­
to e eles estiveram a ponto de encontrar uma solução inteira-
mente satisfatória.
Posso lhe descrever, em todos os seus detalhes, os
interessantes resultados das pesquisas que eles tinham em­
preendido nesse domínio, pois conheci pessoalmente o ser ter­
restre tri-cerebral que descobriu essa solução, graças a seus es­
forços conscientes. Assisti mesmo a algumas das experiências
conclusivas às quais ele se dedicou sobre as possíveis aplica­
ções desse método aos seres.
Seu nome era Assiman; ele era membro de um grupo de
seres tri-cerebrais da Ásia que tinham reconhecido sua escravi­
dão a certas causas que se encontravam neles mesmos e que

919
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

haviam organizado uma existência em comum para trabalhar


sobre eles mesmos a fim de se libertar delas.
E interessante notar que esse grupo de seres terrestres
tri-cerebrais, entre os quais se encontrava o irmào Assiman,
existia primeiramente no país de Perlânia, chamado em nossos
dias “Industão”; mas, quando os seres do continente da Euro­
pa ali irromperam, pondo obstáculo ao seu pacífico trabalho,
eles emigraram para os “montes Himalaia”, e se fixaram, alguns
no “Tibete”, os outros no que se chama “os vales do Hindu-Kuch”.
O irmào Assiman estava entre aqueles que se estabelece­
ram nos vales do Hindu-Kuch.
Como o tempo era coisa preciosa para todos os membros
dessa confraria que se consagravam ao aperfeiçoamento de si,
e o processo de alimentação os ocupava muito, o irmão Assi­
man, muito versado numa ciência que levava então o nome de
“alquimia”, se pôs a trabalhar seriamente na esperança de des­
cobrir um “composto químico” cuja absorção permitisse, ao
ser que dele fizesse uso, existir sem perder tantas horas a pre­
parar e a consumir os produtos de todo tipo que servem de
primeiro alimento.
Depois de um longo e intenso labor, o irmão Assiman
elaborou uma combinação de substâncias químicas que, toma­
da uma vez a cada vinte e quatro horas, sob a forma de “pó”,
na dose de um pequeno “dedal”, permitia existir sem absorver
outra coisa senão água e cumprir, de maneira plenamente satis­
fatória, todas as suas obrigações esserais.
Por ocasião de minha chegada imprevista ao mosteiro
onde Assiman existia com os demais irmãos desse pequeno gru­
po de seus favoritos atuais, todos faziam uso desse composto
havia quase cinco meses, e o irmão Assiman, assistido por ou­
tros irmãos competentes na matéria, prosseguia assiduamente
suas experiências, desta vez em grande escala.
Mas estas experiências lhes provaram que essa prática
não poderia convir, ela tampouco, à existência normal dos seres.

920
BELZEBU NA AMÉRICA

Esta constatação uma vez feita, eles nào se contentaram


em renunciar ao uso desse composto: destruíram a sua formula
mesma, tal como a calculara o irmão Assiman.
Alguns meses mais tarde, tive a ocasião de regressar a
esse mosteiro e ali tomar conhecimento de um documento es­
tabelecido pelos irmãos no mesmo dia em que cessaram para
sempre de utilizar esse meio realmente surpreendente.
Esse documento continha, entre outras coisas, certos de­
talhes dos mais interessantes sobre a ação que exercia o com­
posto do irmão Assiman. Era dito que, uma vez introduzido na
presença dos seres, esse composto, além de suas propriedades
nutritivas, tinha sobre os “nervos moveis” do estômago um efei­
to muito particular: não somente ele suspendia toda necessida­
de de alimento, mas suprimia todo desejo de ingerir o menor
produto alimentício e, se por infelicidade um deles o engolisse
à força, ficava então por muito tempo às voltas com certo esta­
do desagradável, que vinha da absorção forçada desse produto.
Ali se dizia ainda que, nos primeiros tempos, nenhuma
mudança fora observada na presença dos seres que se alimen­
tavam desse produto; até seu peso não diminuía. Era somente
ao cabo de cinco meses que seu efeito nocivo se fazia sentir na
presença geral do ser pelo declínio progressivo da potência e
da sensibilidade de certos órgãos de percepção e de manifesta­
ção. Por exemplo, sua voz se enfraquecia, sua visão, sua audi­
ção diminuíam, e assim por diante. Além disto, em alguns de­
les, a perturbação das funções esserais era precedida de uma
alteração de seu estado psíquico geral.
O documento redigido por esses irmãos descrevia com
muitos detalhes as modificações do caráter dos seres que, ha­
via cinco meses, faziam uso do notável composto de Assiman —
tudo isto ilustrado com comparações acertadas e das mais justas.
Embora não tenha guardado na memoria nenhum dos
casos citados nesse documento, o “sabor” que deles me ficou

921
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

me permitirá lhe transmitir seu sentido geral, servindo-me, desta


vez ainda, da linguagem de nosso venerável Mulá Nassr Eddin.
Por exemplo, um irmão, com um caráter semelhante ao
de um “anjo do Bom Deus”, segundo sua expressão, se torna­
va de repente irritável, como este personagem do qual nosso
caro Mulá Nassr Eddin dizia um dia:
“Ele é tão irascível quanto o paciente que acaba de ter­
minar sua cura com um célebre especialista europeu de doen­
ças nervosas”.
Ou ainda, seres que ontem eram tão pacíficos quanto es­
ses pequenos “cordeiros de manteiga” que os devotos põem
em sua mesa suntuosamente servida, por ocasião das grandes
lestas religiosas, se mostram hoje tão exasperados quanto fi­
cam os professores alemães quando um professor francês des­
cobre algo novo no domínio da ciência contemporânea.
Enfim, aquele que ontem ainda amava com o mesmo amor
com que um pretendente terrestre ama uma rica viúva — é
claro, enquanto não recebeu dela um só centavo — se tornava
tão rancoroso quanto essa gente cheia de odio, que se verá,
com espuma na boca, injuriar o pobre autor que escreve neste
momento sobre mim, e sobre você, um livro intitulado Crítica
imparcial da vida dos homens.
Pois ele será odiado, esse pobre autor arrivista, pelos “ma­
terialistas puro-sangue” como pelos “deístas de 96 quilates”, e
até mesmo por aqueles de seus favoritos que são “incorrigíveis
otimistas” enquanto seu estômago está cheio e sua “amante”
não lhes faz “cenas”, e que, quando estão em jejum, tornam-se,
ao contrário, “implacáveis pessimistas”.
Já que chegamos por acaso a falar desse “singular escri­
tor arrivista”, só me resta lhe participar, meu filho, a perplexi­
dade que eu sinto em relação a ele, já há muito tempo, e que, aliás,
só faz crescer, a respeito da ingenuidade de que ele faz prova.
Devo lhe dizer que ele também se tornou, desde o início
de sua existência responsável — seja acidentalmente, seja pela

922
BELZEBU NA AMÉRICA

vontade da sorte, sobre isso nada sei —, um adepto, e até um


adepto declarado, de nosso sábio e respeitado Mulá Nassr Ed­
din, e que ele nào deixou nunca passar a menor ocasião de agir,
no processo ordinário de sua existência esseral, segundo as sen­
tenças inimitáveis e sem precedente de nosso venerado mestre.
Ora, pelo que dizem dele as informações que recebi por
eterograma, ei-lo agora agindo sem levar em conta um dos mais
sérios e dos mais práticos conselhos — o que, aliás, não está ao
alcance de todo mundo — que esse mestre dos mestres formu­
la assim:
“O ! pobre amigo! Se dizes a verdade na Terra, és um gran­
de imbecil; mas se fazes o hipócrita, não és senão um covarde,
e não menos grande!
“Creia-me, mais vale não fazer nada, ou melhor, deita-te
em teu divã e aprende a cantar como cantam os pardais que
ainda não foram convertidos em “canários americanos”.

“Agora, meu filho, recolha com atenção as informações


que vou lhe dar sobre a causa da desarmonia progressiva, na
presença dos seres atuais do continente da América, de sua
segunda função esseral principal, a do sexo.
A desarmonia desta função se deve a várias causas de
caráter diverso, mas a principal é, a meu ver, a negligência de
que dão provas esses seres quanto à limpeza de seus órgãos
sexuais, negligência “enraizada em sua essência e já integrada
a sua natureza”.
Quanto mais tomam cuidado com seu rosto e o conser­
vam com a ajuda de numerosos cosméticos — tal como o fa­
zem os seres europeus —, tanto mais eles negligenciam seus
órgãos sexuais; e, no entanto, são justamente esses órgãos que
necessitam da maior limpeza por parte de todo ser tri-cerebral
mais ou menos consciente.
Não se pode, por outro lado, censurá-los inteiramente,
pois, com relação a isso, os mais culpados são os seres do

923
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

continente da Europa, em razão dos costumes que eles adota­


ram no processo de sua existência esseral ordinaria.
O fato é que esse grande grupo contemporâneo, ainda
muito recente, está quase inteiramente constituído de seres que
vinham, e continuam, aliás, a vir, de grandes e pequenos gru­
pos que povoam o continente da Europa.
E, se a maior parte dos seres tri-cerebrais que constituem
hoje essa nova comunidade não é, ela mesma, de imigrantes,
seus pais ou seus avós o eram e, ao desembarcar nesse conti­
nente, trouxeram para ele todos os seus costumes europeus,
dentre os quais os que ocasionaram essa negligência para com
os órgãos sexuais.
E por isto que, meu tilho, quando lhe explicar em que
situação está a questão sexual entre os americanos, tudo o que
direi se aplicará igualmente aos seres do continente da Europa.
Os resultados da falta de asseio dos seres tri-cerebrais
atuais do planeta Terra que povoam os continentes da Europa
e da América sobressaem claramente em minhas estatísticas.
Tomemos por exemplo o que chamam lá de “doenças
venéreas”. Elas estão tão disseminadas nesses dois continentes
que se teria dificuldade de encontrar um único ser que não
tenha sido atingido por ela sob uma forma qualquer.
Seria bom que você tomasse conhecimento, entre outras
coisas, dos interessantes dados que figuram em minhas estatís­
ticas, que mostram o quanto estas doenças estão mais dissemi­
nadas entre os seres da América e da Europa do que entre os
do continente da Ásia.
Muitas dessas “doenças venéreas” estão totalmente au­
sentes nos seres das velhas comunidades asiáticas, enquanto
entre os seres europeus e americanos elas têm quase a amplitu­
de de verdadeiras epidemias.
Tomemos por exemplo a famosa “gota militar” ou, como
a chamam os sábios de lá, “gonorréia”. Nos continentes da Eu­
ropa e da América, quase todos os seres, tanto de sexo feminino

924
BELZEBU NA AMÉRICA

quanto de sexo masculino, são atingidos por esta doença, em


urna ou outra de suas diferentes lases, enquanto no continente
da Asia ela só se encontra nas fronteiras, onde os seres estão
em relação constante com os europeus.
Os seres pertencentes à comunidade que existe no conti­
nente da Ásia com o nome de Pérsia ilustram muito bem o que
acabo de dizer.
Entre os seres que habitam esse territorio relativamente
importante, não se encontra esta doença nem no centro, nem
no leste, nem no sul, nem no oeste do país.
No norte, em contrapartida, e sobretudo na região cha­
mada “Azerbaijão”, que está em contato direto com a grande
comunidade meio-européia meio-asiática da Rússia, o índice
dessa doença aumenta à medida que nos aproximamos deste
último país.
Acontece exatamente o mesmo para os países do leste do
continente da Ásia. A porcentagem dessa doença aumenta em
função da frequência das relações dos seres desses países com
os do continente da Europa. Nas “índias”, por exemplo, e numa
parte da China, essa doença se propagou, particularmente nes­
tes últimos tempos, pelos lugares onde os seres do país estão
em contato com os europeus da comunidade da Inglaterra.
Pode-se então dizer que os principais propagadores des­
sa doença entre os seres do continente da Ásia são, a noroeste,
os seres da grande comunidade da Rússia, e a leste os da comu­
nidade da Inglaterra.
A razão pela qual essa doença, como muitas outras
calamidades, está completamente ausente no resto do conti­
nente da Ásia, se deve, a meu ver, a que a maioria dos seres
desse continente manteve, em sua existência diária, excelentes
costumes que Lhes vieram de seus ancestrais distantes.
Estes costumes estão tão profundamente implantados por
sua religião em sua existência diária que, observando-os
mecanicamente, sem “procurar meio-dia às duas da tarde”, eles

925
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

ficam ao abrigo dc ccrtos males que aparecem em seu desafor­


tunado planeta em número cada vez mais considerável, em razão
das anormais condições de existência que ali se estabeleceram.
Se os seres da maioria dos grupos do continente da Asia
escapam às numerosas doenças venéreas e a outras “anomalias
sexuais”, eles o devem muito simplesmente aos costumes co­
nhecidos lá com o nome de “suniate” e de “abdest”.
() primeiro destes costumes, chamado “suniate” ou, como
o denominam às vezes, “circuncisão”, preserva de numerosas
doenças venéreas a maior parte dos seres asiáticos que chega­
ram à idade responsável; além disso, ele protege a maioria das
crianças e dos jovens desse “flagelo” conhecido com o nome
de “onanismo”, que faz tantos estragos entre a juventude dos
continentes da Europa e da América.
Segundo este costume, os seres “adultos” de quase todos
os grupos atuais do continente da Asia realizam em seus “re­
sultados”, quer dizer, em seus filhos, quando eles alcançam a
idade requerida, um ritual que consiste em secionar nos garo­
tos o que se chama o “freio” e o “prepúcio” do pênis.
Hoje em dia, os filhos dos seres terrestres que foram
automaticamente submetidos a este costume estão quase liber­
tados das conseqüências inevitáveis de certos males já fixados
de maneira definitiva no processo de existência de seus tavoritos.
Por exemplo, segundo minhas estatísticas, o “flagelo” de
que talei, quer dizer, o “onanismo das crianças”, é muito raro
entre aqueles que sào submetidos ao costume da “circuncisão”,
enquanto os jovens que não a sofreram estão todos, sem exce­
ção, sujeitos a esta anomalia sexual.
() segundo desses costumes, o do “abdest”, ao qual os
diversos grupos asiáticos dão todos, aliás, um nome diferente,
não é outra coisa senão a ablução obrigatória dos órgãos sexuais
após cada visita ao que chamam de “water-closets”.
E sobretudo graças a este segundo costume que a maioria

926
BELZEBU NA AMÉRICA

de seus favoritos que povoam o continente da Ásia estão isen­


tos de doenças venéreas e de “anomalias sexuais” de todo tipo.”

Dito isso, Belzebu se pôs a refletir. Após um longo silen­


cio, ele continuou:
— Isto de que falamos neste momento me trouxe à me­
moria uma conversa muito interessante que tive, durante mi­
nha estada na França, com um jovem ser tri-cerebral dos mais
simpáticos.
Para fazê-lo melhor compreender o que acabo de dizer,
lhe contarei essa conversa inteira, pois não somente ela lhe dará
a explicação desse costume do “abdest” ou das “abluções”,
mas a de grande número de outras questões relativas ao singu­
lar psiquismo de seus favoritos.
O ser com o qual tive essa conversa era aquele jovem
persa que, você deve se lembrar, se tornou a pedido de nossos
amigos comuns meu “cicerone” na cidade de Paris, onde eu resi­
dia justo antes de minha partida para o continente da América.
Um dia, eu esperava esse jovem persa no terraço do fa­
moso Grand Café da cidade de Paris.
Assim que ele chegou, eu vi em seus olhos que estava
mais “embriagado” do que de hábito.
De uma maneira geral, ele bebia muito, e quando
frequentavamos os restaurantes de Montmartre, onde o cham­
panhe é de praxe, como eu não gostava nem o bebia, ele se
encarregava com muito prazer de bebê-lo todo sozinho.
Não contente por estar sempre embriagado, ele era ain­
da, como se diz lá, grande “mulherengo”.
Quando avistava o “rosto agradável” de um ser do sexo
feminino, sua expressão, sua respiração mesma mudavam de
imediato.
Tendo notado que ele estava naquele dia mais bêbado do
que de hábito, eu lhe perguntei, assim que se sentou a meu
lado e que pediu um café com um “aperitivo”:

927
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

— Diga-me, por favor, meu jovem amigo, por que você


bebe sempre esse veneno?
Ele respondeu à minha pergunta:
— Ah ! Meu caro doutor! Bebo esse veneno primeiro por­
que tenho um tal hábito dele que não poderia deixá-lo sem
sofrer, e também porque o eleito do álcool me permite olhar
sem me agitar “os horrores que se passam aqui”, e fez com a
mão um gesto circular.
“Comecei um dia com esse “veneno”, como o senhor diz,
em razão de circunstâncias imprevistas, e das mais desagradá­
veis para mim, que me obrigaram a vir a esta maléfica Europa,
para aqui viver por bastante tempo.
“No início, eu bebia porque todos os que eu frequentava
bebiam também e, se você não bebe, logo começam a tratá-lo
de “mulherzinha”, de “boneca”, de “gracinha”, de “querida”,
de “pequeno tesouro”, de “fracote”, e de outros apelidos do
mesmo gênero. E, como eu nao queria que minhas relações de
negócios me gratificassem com estes nomes ofensivos, me pus
a beber eu também.
“Além disto, quando vim pela primeira vez ao continen­
te da Europa, constatei a que ponto as condições de vida aqui
são opostas, do ponto de vista da moralidade e do patriarcalis-
mo, àquelas nas quais cresci, e experimentei com isso um sen­
timento doentio de vergonha e de inconcebível embaraço. Em
contrapartida, notei que não somente o álcool aliviava minha
angústia, senão que eu começava a ver tudo isso com um olhar
tranquilo e que até era tomado pelo desejo de participar dessa
vida anormal, tão contrária a minha natureza e a minha manei­
ra de ver.
“E é por isso que, desde então, cada vez que começo a
experimentar essa sensação desagradável, me ponho a beber
álcool, encontrando nele até um sentimento de justificação, de
modo que pouco a pouco me habituei ao que o senhor acaba
tão judiciosamente de qualificar de veneno.”

928
BELZEBU NA AMÉRICA

Depois de ter pronunciado estas palavras com um im­


pulso evidente de profundo pesar, ele se calou alguns instantes
para acender um cigarro de tabaco misturado com “tambak”.
Aproveitei para lhe perguntar:
— Bem... Admitamos que eu tenha mais ou menos com­
preendido a explicação que você dá de sua imperdoável intern
perança e que eu possa me pôr em seu lugar. Mas o que diria
você do outro vício, também imperdoável, a meu ver, que taz
de você um tao refinado “mulherengo”?
“E então? Você se detém diante de qualquer saia, con­
tanto que ela ondule nas cadeiras de uma criatura de cabelos
longos?”
A minha pergunta, ele suspirou profundamente, depois
respondeu:
“Parece-me que esse hábito se deve em parte à razão de
que falei, mas penso que posso dar a isso uma outra explicação
psicológica, muito interessante ela também.
“Se isto lhe é agradável, meu caro doutor, lhe contarei
em detalhe como eu mesmo o compreendo.”
Expressei naturalmente o desejo de ouvi-lo, mas lhe pro­
pus irmos primeiro nos sentar no interior do Grand Café, na
sala do restaurante, pois começava a ficar úmido fora.
Uma vez sentados à mesa, pedimos uma garrafa do seu
famoso “champanhe”, e ele continuou:
“Quando de sua estada entre nós, na Pérsia, o senhor
talvez tenha tido a ocasião, caro doutor, de notar a atitude muito
especítica dos homens para com as mulheres.
“Entre nós, na Pérsia, os homens têm para com as mu­
lheres duas “atitudes orgânicas” bem distintas, segundo as
quais nós dividimos inconscientemente as mulheres em duas
categorias.
“A primeira atitude dirige-se à mulher como atual ou fu­
tura mãe, e a segunda à “mulher-fêmea”, se poderia dizer.
“Esta particularidade de nossos persas, de ter em sua

929
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

natureza dados que permitem estas duas atitudes tão indepen­


dentes, se constituiu neles há dois séculos e meio somente.
“Segundo as explicações que disso me deu um dia meu
tio, o Mulá — que os que o cercavam tratavam pelas costas de
“Mulá da velha escola” —, há dois ou três séculos, os homens,
por razões que dependem evidentemente de certas leis mundiais
superiores, empreenderam um pouco por toda parte na Ierra,
e sobretudo entre nós, na Asia, guerras mais violentas do que
de hábito, enquanto o sentimento religioso se enfraquecia niti­
damente na maioria, a ponto de desaparecer completamente
em alguns deles.
“Foi então que se espalhou entre os homens uma doença
psíquica de forma particular, que levava um grande número
deles à demência ou ao suicídio.
“Por isso, certos homens sensatos pertencentes a diver­
sos grupos independentes do continente da Ásia, ajudados por
representantes da medicina da época — bem superior, diga-se
de passagem, à medicina contemporânea —, decidiram pes­
quisar seriamente a causa desse novo infortúnio humano.
“Após um longo e imparcial labor, descobriram, por um
lado, que só contraíam essa doença os homens no subcons­
ciente dos quais não surgia mais nenhum impulso de fé em
quem quer que seja, nem no que quer que seja, e, por outro
lado, que os homens adultos que cumpriam periodicamente
com as mulheres o ritual normal do acoplamento nao estavam
de modo algum sujeitos a ela.
“Quando se soube, em todo o continente da Ásia, a que
conclusões eles tinham chegado, os governadores e os chefes
dos diferentes grupos se alarmaram, visto que quase todas as
tropas regulares de que dispunham eram constituídas de ho­
mens adultos e que as guerras contínuas nao permitiam a ne­
nhum deles viver normalmente com sua família.
“E como, nessa época, cada um dos chefes de Estado dos
diversos países asiáticos sentia vivamente a necessidade de um

930
BELZEBU NA AMERICA

exército forte e saudável, eles foram obrigados a assinar uma


trégua, e a dirigir-se em pessoa, ou enviar representantes, à ca­
pital do canado de “Kilmantush”, para ali buscarem juntos uma
saída para a situação que se criara.
“Após longas reflexões e deliberações, estes detentores
de poder dos diversos grupos asiáticos, ou seus delegados, che­
garam a concluir, de acordo com os representantes da medici­
na da época, que eles só poderiam pôr fim a esta situaçào insti­
tuindo por toda parte na Asia — como se faz hoje no continen­
te da Europa — o que se chama “prostituição”, e encorajando-
a por todos os meios, para assegurar seu pleno florescimento.
“Quase todos os chefes de Estado da época aderiram às
conclusões dos representantes dos povos do continente da Ásia,
reunidos na capital do canado de Kilmantush, e desde então
eles se puseram, sem o menor remorso de consciência, a enco­
rajar todas as mulheres — à exceção de suas próprias filhas —
a se engajar nessa ocupação tão repugnante e tão contraria à
natureza de todo ser normal, e prodigalizaram seu apoio, sem
distinção de casta nem de culto, a todas aquelas que desejas­
sem partir com essa intenção suja — e eles o faziam até com
um sentimento de piedade, como se se tratasse da mais genero­
sa das manifestações humanitarias.
“Visto que abordamos este assunto, permita-me, caro
doutor, fazer uma ligeira digressão para lhe relatar as sabias e
interessantes reflexões de meu tio, o Mulá, sobre as causas des­
se flagelo da civilização contemporânea.
“Um dia em que conversávamos os dois, durante o Ra-
madã, aguardando o chamado do Mulá do distrito anunciando
a hora da refeição, chegamos a falar desse “flagelo” humano, e
meu tio me disse, entre outras coisas:
“Você não tem razão de acusar e de desprezar as mulheres
“dessa espécie.
“Elas não são, em sua maioria, pessoalmente culpadas

931
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

)or seu triste destino; os verdadeiros culpados sâo seus pais,


maridos ou tutores.
“Sim, por certo, os únicos a censurar e a desprezar sâo
seus pais, maridos ou tutores, que, durante o período de sua
dade preparatoria ao ser adulto, enquanto elas ainda não
possuem seu próprio bom senso, as deixam se tornar a presa
de uma propriedade chamada preguiça.
“Se bem que nessa idade a preguiça seja só automática e
que essas raparigas nâo tenham de tazer grandes esforços para
dominá-la, o que lhes permite, quando elas adquirem seu
próprio bom senso, impedir esta preguiça de tomar plena
posse delas, no entanto, em conformidade com resultados
independentes de nossa vontade e que denvam das leis cósmicas, a
organização psíquica das mulheres é tal que, em todas as suas
iniciativas e suas boas manifestações, o princípio ativo deve
infalivelmente intervir.
“Ora, por culpa de diversas idéias próprias à civilização
atual sobre o “direito das mulheres”, ilustradas por slogans
tais como “voto das mulheres”, “igualdade de direitos”, “igualdade
de condições” — idéias ingênuas aos olhos de todo homem
que tenha vivido sua vida de maneira normal, mas que sao
inconscientemente aceitas pela maioria dos homens
contemporâneos—, essas infelizes mulheres, que nem sequer
estão completamente preparadas para um dia serem mães, não
encontram perto delas, durante os primeiros anos de sua vida
adulta, as indispensáveis fontes de princípio ativo, conformes
às leis, que deveríam ser seus pais ou tutores, depois seus maridos,
aos quais cabe a responsabilidade desde o instante do casamento.
Elas estão desde então entregues ao processo intensivo de
imaginação e de entusiasmo próprio a essa idade transitoria,
processo conforme às leis, e previsto pela Natureza com vistas a uma
melhor realização de dados que favoreçam o desenvolvimento de
“seu bom senso, de modo que a preguiça automática se insinua

932
BELZEBU NA AMERICA

“pouco a pouco em sua essência e se toma nelas uma necessidade


“cada vez mais exigente.
“Uma tal mulher não desejará evidentemente cumprir as
“obrigações dc uma verdadeira “mulher-mãe”, e como a prostituição
“lhe permite não fazer nada e até mesmo experimentar grandes
“gozos, se forma pouco a pouco cm sua natureza, assim como
“no “consciente passivo” que lhe é próprio, uma tendência
“irresistível a tornar-se uma “mulher-fêmea”.
“Mas, como os dados atribuídos a toda mulher para suscitar
“nela o impulso dc “pudor” não se atrofiam de imediato no
“instinto dessas “mulheres-fêmeas”, e como nenhuma delas, apesar
“dc todo o desejo mental que disso tenha, pode suportar tomar-se
“uma prostituta em seu país natal, cada uma se esforça, instintiva c
“semiconscientemente, em ir embora para longe de sua pátria,
“para se entregar sem reserva, com toda tranqüilidade, a
“uma profissão que não lhe trará nada senão prazer.
“Quanto à extensão que assume hoje na Terra inteira esta
“calamidade humana, ela se deve, a meu ver, exclusivamente
“ao fato de que numerosos homens experimentam, da mesma
“forma que essas jovens mulheres, futuras prostitutas, e por
“razões similares, uma “necessidade orgânica essencial de não
“fazer nada a não ser gozar”. E uma das formas sob as quais
“essas “podridões” contemporâneas satisfazem sua criminosa
“necessidade consiste em seduzir essas mulheres, depois em
“facilitar sua partida para algum país estrangeiro.
“Numerosas pessoas sensatas já puderam observar que
“esses seres dos dois sexos, vítimas da mesma doença, se buscam
“sempre, consciente ou instintivamente, e acabam sempre por
“se encontrar, justificando uma vez mais o velho provérbio:
“um “gatuno reconhece um outro de longe”...
“Ora, meu caro doutor, por todas estas razões, tão bem
compreendidas por meu sábio tio, o Mulá, grande numero dc
mulheres prostitutas, nos anos que seguiram, foram para a Pér­
sia, vindas de diversos outros países.

933
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Mas cm razão cia atitude instintiva adquirida no curso


dos séculos pelas mulheres persas, sem distinção de culto, quan­
to à moralidade e ao patriarcalismo das tradições familiares,
essas mulheres estrangeiras se viram na impossibilidade de se
misturar com a massa das mulheres persas, e desde então exis­
tiu entre nós as duas categorias de mulheres de que lhe falei.
“Como a maioria dessas mulheres estrangeiras vivia com
toda liberdade entre nós e se mostrava por toda parte, nos mer­
cados e outros lugares públicos, elas atraíam muito frequente­
mente os olhares de nossos persas durante o que se chama o
“funcionamento do centro de gravidade sexual”, de modo que
se formou pouco a pouco neles, de maneira inconsciente é cla­
ro, ao lado da atitude em relação à mulher “como mãe”, uma
outra atitude para com a mulher, vista como uma simples fêmea.
“ A propriedade de observar estas duas atitudes bem de­
finidas para com as mulheres, passando por hereditariedade
de geração a geração, acabou por se enraizar a tal ponto neles
que não somente nossos persas reconhecem hoje em dia estas
duas categorias de mulheres segundo seu aspecto, como se dis­
tingue um homem de um carneiro, de um cachorro ou de um
asno etc., mas eles adquiriram inclusive alguma coisa que, por
instinto, os impede de tomar uma pela outra duas mulheres de
categorias diferentes.
“Eu mesmo podia reconhecer a distancia, sem nunca mc
enganar, a espécie de mulher que passava. Mas, com a melhor
vontade do mundo, eu seria muito incapaz de lhe explicar ago­
ra em que eu as distinguía: seria por seu andar, ou por qualquer
outro sinal? O fato é que as distinguía infalivelmente, se bem que
essas duas categorias dc mulheres usem os mesmos véus.
“E todo persa normal — quero dizer, enquanto ele não
cai sob a influência do “tambak”, do álcool ou do opio, cujo
consumo infelizmente se espalhou cada vez mais, nestes últi­
mos tempos, entre os nossos — pode sempre dizer sem erro

934
BELZEBU NA AMÉRICA

qual mulher é uma “mulher-mãe” e quai outra é urna “mulher-


fémea”, quer clizer, urna “prostituta”.
“Entre nós, a “mulher-mãe”, a qualquer religião que per­
tença, e independente dc toda relação familiar ou pessoal, é
vista por todo persa normal como uma verdadeira irmã, en­
quanto as mulheres da segunda categoria não passam, para ele,
de simples animais que provocam inevitavelmente um senti­
mento de repugnancia.
“A capacidade de um tal comportamento instintivo em
relação às mulheres é muito forte entre nós e nào depende ab­
solutamente de nosso consciente.
“Por exemplo, imagine que, por uma razão qualquer, a
mais jovem e a mais bela mulher da Pérsia se encontre por aca­
so na mesma cama que um homem de seu próprio distrito; este
homem, se não caiu, repito, sob a influência do ópio ou do
álcool, será organicamente incapaz, ainda que tenha a intenção
bem determinada, de tratá-la como uma fêmea.
“Ele tratará essa mulher como sua própria irmã, a ponto
de que se ela manifestasse uma “ação orgânica” para com ele,
ele só se compadecerla mais dela, considerando-a como “pos­
suída por uma força impura”, e ele faria todo o possível para
ajudá-la a conjurar o perigo.
“Esse mesmo persa, aliás, se está em seu estado normal,
tampouco poderá tratar uma mulher da segunda categoria, quer
dizer, uma prostituta, como uma “mulher-fêmea”, pois, por mais
bela e mais jovem que ela seja, ele sentirá invencivelmente para
com ela uma repugnância orgânica; e só poderá tratá-la como
mulher se introduzir em seu organismo os produtos embriagan­
tes, funestos ao homem, que citei.
“Ora, meu caro doutor, vivi na Pérsia até a idade de vinte
anos, respeitando esses costumes e essas tradições, como todo
persa normal.
“Aos vinte anos, recebi de herança ações, que fizeram
de mim o associado de uma importante casa de comércio,

935
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

especializada na exportação de frutas secas persas para diver­


sos países da Europa.
“Por um concurso de circunstancias independentes de
minha vontade, minha posição nessa casa de comércio melho­
rou, e me tornei seu representante geral nos países do conti­
nente da Europa para onde ela exportava suas frutas.
“Fui primeiro para a Rússia, depois à Alemanha, à Itália,
e a outros países europeus, e, para terminar, já se vão sete anos
que vivo na França.
“Na vida de nenhum desses países estrangeiros existe uma
demarcação tão nítida entre esses dois tipos de mulher, a “mu­
lher-mãe” e a “mulher-prostituta”, como a que vi e senti em
minha pátria durante toda a minha juventude.
“Por toda parte, entre eles, a atitude que os homens ob­
servam em relação às mulheres é puramente mental, quer di­
zer, imaginária, e não orgânica.
“Aqui, por exemplo, por mais frequentemente que sua
mulher o engane, um marido jamais saberá que ela lhe é infiel
se ele não vê ou se não ouve falar disso.
“Ao passo que entre nós, na Pérsia, sem ter visto nem
sabido, um marido sente por instinto que sua mulher lhe é in­
fiel; e, da mesma forma, a mulher sentirá sempre a menor infi­
delidade de seu marido.
“Alguns sábios do continente da Europa até se dedica­
ram entre nós, bem recentemente, a investigações especiais
muito sérias a respeito dessa sensação instintiva particular.
“Como tive a ocasião de saber, eles chegaram à conclu­
são de que, nos países onde reinam a “poliandria” ou a “poli­
gamia”, quer dizer, onde os costumes locais autorizam “vários
maridos” ou “várias mulheres”, os esposos adquirem uma dis­
posição “organo-psíquica” particular em suas relações mútuas.
“Uma tal disposição organo-psíquica existe também en­
tre nós outros, persas, visto que somos, como o senhor sabe,
adeptos da religião muçulmana, e praticamos por conseguinte

936
BELZEBU NA AMERICA

a poligamia, quer dizer, a lei autoriza cada homem a possuir até


sete mulheres.
“E esta particularidade se manifesta de tal maneira que urna
mulher legítima não experimenta jamais o sentimento de infideli­
dade de seu marido com relação às outras mulheres legítimas.
“Este sentimento só aparece nela quando seu marido a
engana com uma mulher estranha.
“E não é senão hoje em dia, meu caro doutor, depois dc
ter vivido na Europa e visto tudo o que aqui se passa entre
esposos, que aprecio plenamente nosso costume da poligamia,
estabelecido de maneira tão sensata e tão salutar para os ho­
mens como para as mulheres.
“Embora, entre nós, todo homem possa ter várias mu­
lheres e não uma só, como é o caso na Europa, onde a fé cristã,
que não tolera senão uma, é predominante, como comparar a
honestidade e a consciência que têm os persas em seu comporta­
mento em relação às suas mulheres com as que demonstram os
maridos europeus em seu comportamento para com sua única
mulher e para com sua família em geral?
“Olhe, pois, à sua volta e veja o que aqui se passa.
“Observe somente as salas deste Grand Café onde, ao
lado das prostitutas profissionais e dos “gigolôs” que estão aqui
sempre, centenas de homens e de mulheres, sentados às mesi-
nhas, conversam alegremente entre si.
“A primeira vista, o senhor diria destes homens e destas
mulheres que são pares de pessoas casadas, vindas para visitar
Paris, ou para algum negocio de família.
“Em realidade, é quase certo que, em todas as salas deste
Grand Café, nem um só desses casais de homens e mulheres
que tagarelam tão alegremente, antes de irem juntos para o hotel,
é um casal de esposos legítimos, se bem que, segundo seus do­
cumentos, cada um deles seja o marido ou a mulher legítima de
alguém.
“Enquanto estes homens e mulheres tagarelam aqui, suas

937
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“legítimas metades” que ficaram em casa, no interior, sem dú­


vida imaginam e contam aos seus conhecidos que sua “mulher
legítima” ou seu “marido legítimo” viajou a Paris, capital do
mundo, com o propósito de fazer compras muito importantes
para sua família, ou ver uma pessoa que será muito útil à famí­
lia, ou outra coisa nesse gênero.
“Quando de fato, para vir aqui, essas aves de arribaçao
usaram de subterfugios durante o ano inteiro e inventaram todo
tipo de historias destinadas a convencer suas legítimas meta­
des da necessidade de sua viagem. E agora que estão aqui, em
companhia de velhacos e intrigantes de sua espécie, se esfor­
çam em comum acordo, em nome de Santa Ilimenéia e para
sua maior glória, com a arte consumada que alcança nessa ma­
téria a alta civilização contemporânea, em ornar a testa de suas
legítimas metades, que ficaram no lar, com “chifres artísticos”
os maiores possíveis.
“Na Europa, a vida familiar está estabelecida de tal ma­
neira que, se o senhor encontra um homem na companhia de
uma mulher e durante a conversa deles percebe em suas vozes
certas notas alegres, enquanto um sorriso aparece em seus ros­
tos, o senhor pode estar completamente seguro de que eles em­
pregarão todos os seus cuidados, se já não o fizeram, para gra­
tificar sua “legítima metade” com o maior e o mais magnifico
par de chifres.
“De modo que todo homem, por pouco astuto que seja,
passa aqui por um marido muito honesto e um “patriarcal pai
de família”.
“Pouco importa aos que o rodeiam que esse “honesto” e
“patriarcal” pai de família tenha ao mesmo tempo — se seus
meios, é claro, lhe permitem — tantas “amantes” quantas quei­
ra; ao contrário, lhe testemunharão mesmo, em geral, mais res­
peito que aos homens que são incapazes de ter sequer uma
amante.
“Os “honestos maridos” que possuem alguma fortuna

938
BELZEBU NA AMÉRICA

têm em geral, além de sua única mulher legítima, não sete, mas
às vezes até sete vezes sete “mulheres ilegítimas”.
“E aqueles maridos europeus que não têm os meios de
manter várias “mulheres ilegítimas”, além de sua “legítima me­
tade”, passam quase todo seu tempo a “babar de cobiça”, como
se diz; quer dizer que ao longo do dia eles seguem e “devoram
com os olhos” todas as mulheres que passam.
“Dito de outra forma, eles enganam o dia todo sua única
“mulher legítima”, em pensamento e em sentimento, um nú­
mero incalculável de vezes.
“Entre nós, na Pérsia, se bem que os homens possam ter
até sete mulheres legítimas, seus pensamentos e seus sentimen­
tos estão dia e noite ocupados em organizar o melhor possível
a vida interior e exterior de suas diferentes mulheres legítimas.
“Estas últimas, por sua vez, lhes são profundamente de­
votadas, e esforçam-se noite e dia, com toda sua alma, para
ajudá-los em suas obrigações de vida.
“Aqui as relações interiores entre esposos se equivalem:
assim como a vida interior do marido é quase por inteira
monopolizada pela traição para com sua única mulher legíti­
ma, por seu lado a vida interior desta única mulher legítima,
desde o primeiro dia de sua união, foge para sempre para lon­
ge da família.
“Em geral, a mulher européia, desde o dia de seu casa­
mento, considera seu marido, em seu foro íntimo, como seu
“bem pessoal”.
“Após a primeira noite, acreditando-se, daí em diante,
segura de sua propriedade, ela consagra toda sua vida interior
a perseguir essa “alguma coisa” que constitui o ideal incerto
do qual se enamoram desde a infância as senhoritas européias,
graças a essa famosa “educação” que imaginam em sua inten­
ção, sempre com mais refinamento, certos escritores desones­
tos de lá.
“Durante minha estada nesses países europeus, observei

939
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

que no ser das mulheres nào se forma mais nada do que deve­
ria constantemente manter, tanto nelas como em nós, o que se
chama “pudor orgánico”, ou pelo menos uma tendência a este
pudor, sentimento sobre o qual repousa, a meu ver, o “dever
feminino”, e que as ajuda a se abster instintivamente das ações
que tornam as mulheres imorais.
“E por isto que, cada vez que a ocasião se apresenta, toda
mulher daqui pode facilmente, sem sofrer por isso e sem ne­
nhum remorso de consciência, enganar seu marido.
“A meu ver, é a ausência desse pudor nas européias que
pouco a pouco aboliu a fronteira que separa a “mulher-mãe”
da “mulher-prostituta”; hoje em dia, estas duas categorias de
mulheres não fazem mais que uma há muito tempo, e os ho­
mens não dividem mais as mulheres desta maneira, nem em
pensamento nem em sentimento, como o faz quase todo persa.
“Atualmente, aqui, só se pode distinguir a “mulher-mãe”
da “mulher-fêmea” quando se vê com os próprios olhos todas
as suas manifestações.
“Nas condições européias de vida familiar, a ausência da
instituição benéfica da poligamia — instituição que deveria, a
meu ver, ser introduzida aqui há muito tempo, nem que fosse
por esta simples razão que, segundo as estatísticas, o número
de mulheres aqui ultrapassa em muito o dos homens — dá lu­
gar a milhares de outros aborrecimentos e inconvenientes que
poderiam muito bem não existir.
“Assim então, muito honrado doutor, a principal causa
do segundo de meus vícios é que cresci e fui educado segundo
tradições morais diametralmente opostas aos costumes daqui,
e vim para a Europa na idade em que as paixões animais sao
particularmente efervescentes no homem. Toda minha desgra­
ça foi, em suma, chegar à Europa muito jovem e ser considera­
do aqui como muito bonito. Meu tipo de levantino me valeu
ser o objeto de uma caça persistente por parte de muitas jovens
mulheres, para as quais eu representava um tipo de macho muito
original.

940
BELZEBU NA AMERICA

“Elas me caçaram como a uma caça rara.


“E en era verdadeiramente para elas uma “caça rara”,
em razào da gentileza e da cortesia que se desenvolveram em mim
desde a infância em relação às nossas “mulheres-mães” persas.
“A minha chegada aqui, eu continuei muito naturalmen­
te e, sem disto me dar conta, a testemunhar às mulheres a mes­
ma gentileza e a mesma cortesia.
“Ao princípio, em meus encontros com as mulheres eu­
ropéias, só fazíamos falar — o mais freqüentemente da civiliza­
ção contemporânea e de nossa civilização persa, por assim di­
zer atrasada. Mas um dia, sob a influência do álcool, de que eu já
fazia um uso excessivo, eu caí pela primeira vez, quer dizer,
para um futuro pai de família responsável, me portei de manei­
ra vergonhosa.
“Embora me custasse grandes sofrimentos e remorsos de
consciência, a influência dos que me cercavam, combinada à
ação do álcool, logo me forçaram a cair pela segunda vez. De­
pois não fiz senão descer a ladeira, de tal forma que, em rela­
ção a isso, tornei-me hoje o mais sujo dos animais.
“Às vezes, nestes últimos tempos, quando me acontece
estar completamente livre da ação do álcool, experimento mo­
ralmente uma grande angústia e me detesto com todo o meu
ser; nesses momentos, apresso-me a engolir álcool, para esque­
cer tudo e pôr um termo a meu sofrimento.
“Após ter vivido esta vida monstruosa em diversos paí­
ses europeus, acabei por me tixar em Paris, a cidade onde, dos
quatro cantos do mundo, as mulheres vêm com a intenção mani­
festa de “fazer crescer chifres” na testa de seus legítimos esposos.
“Em Paris, me entreguei inteiramente a esses dois vícios
humanos, o álcool e a “caça às saias”, segundo sua expressão.
Eu me pus a correr à direita e à esquerda, sem o menor discerni­
mento; e agora, saciar esses dois vícios se tornou para mim mais
indispensável do que satisfazer minha tome.

941
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Eis o que toi minha vida até boje. O que me espera mais
tarde, não o sei, e não quero sabe lo.
“Aliás, me esforço sempre em lutar contra mim mesmo
para nao pensar mais nisso.”
Dito isto, ele suspirou profundamente e baixou a cabeça
com ar abatido. Eu lhe perguntei:
— Mas, diga-me, por favor, você não teme ser infectado
pelas terríveis doenças de que estão atacadas a maioria das mu­
lheres que perseguem os “mulherengos” tais como você?
A esta pergunta, ele deu um novo suspiro, calou-se por
alguns instantes, e disse:
— Pois bem, muito caro e muito estimado doutor, refleti
muito sobre esse problema durante estes últimos anos; ele até
mesmo se tornou para mim o objeto de um tal interesse que
graças a ele minha miserável vida interior pôde, apesar de tudo,
transcorrer de maneira mais ou menos suportável.
“Penso que, em sua qualidade de médico, lhe interessará
saber como e por que esta questão me cativou tanto há alguns
anos, e a que conclusões me levaram as observações e os es­
tudos muito sérios que fiz, cada vez que voltava a um estado
mais ou menos normal.
“Há cinco anos, passei por uma tal depressão nervosa
que o álcool quase não agia mais em mim e não era mais
suficiente para apaziguar meu estado psíquico.
“Durante esse período, aconteceu-me encontrar com
frequência amigos e camaradas que discutiam muito entre si
sobre as doenças vergonhosas e a facilidade com que eram
contraídas.
“Essas conversas me puseram em guarda, e tornei-me
pouco a pouco tão medroso como certas mulheres histéricas.
“Eu me dizia que estando quase sempre em estado de
embriaguez, eu só tinha relações com essas mulheres contagio­
sas, e que, se até então não apresentava ainda nenhum sintoma

942
BELZEBU NA AMÉRICA

evidente dessas doenças, segundo toda probabilidade já carre­


gava o germe de uma delas.
“Decidi então dirigir-me a diversos especialistas a fim de
saber de que doença eu bem podia estar atacado.
“Nenhum desses especialistas encontrou o que quer que
seja em mim, mas nem por isso deixei de me inquietar, pois meu
medo das doenças, assim como o simples bom senso, manti­
nham minha convicção de que eu já devia estar contaminado.
“Resolví não considerar nenhuma despesa c chamar para
consulta vários especialistas, escolhidos entre as celebridades
de toda a Europa. Eu podia, aliás, me permitir isso, porque,
como a Guerra Mundial havia interrompido por toda parte as
comunicações e os preços tinham subido como uma flecha,
nossa casa de comercio, graças às grandes reservas de frutas
secas em todos os seus entrepostos, teve naquele ano lucros
consideráveis, e me coube uma soma bastante importante.
“Os grandes especialistas europeus que eu tinha convo­
cado, após terem se dedicado a investigações muito “detalha­
das” e a análises químicas cujo segredo eles detem, me declara­
ram, em uníssono, que meu organismo não apresentava o me­
nor traço de doença venérea.
“Suas conclusões apaziguaram os temores que eu havia
sentido. Mas desenvolveram em mim um sentimento de curio­
sidade e um interesse tão intensos por esta questão que, desde
então, a busca de sua solução tornou-se uma verdadeira mania,
uma espécie de “idéia fixa”.
“Foi a partir desse momento que empreendi sobre as
doenças venéreas estudos e observações muito sérios; essas
pesquisas animaram minha “vida miserável” e lhe deram um
sentido.
“Durante esse período de minha vida, não cessei de me
dedicar a esses estudos e observações com todo o meu verda­
deiro “eu” interior — estivesse eu embriagado, meio embria­
gado ou em jejum.

943
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Eu me pus, entre outras coisas, a 1er com avidez todo


tipo de obras que tratam dessas doenças; li, por exemplo, qua­
se toda a literatura francesa e alemà consagrada a este assunto.
“De resto, me era fácil tazê-lo, já que, como o senhor
pode constatar, domino tào bem a língua francesa que dificil­
mente se imaginaria que não sou um puro intelectual francês.
Sucede o mesmo com a língua alemã, pois vivi bastante tempo
na Alemanha, estudando por tédio, em minhas horas livres, a
língua e a literatura do país.
“De modo que me foi possível, quando me interessei por
esta questão, tomar conhecimento de tudo o que a civilização
contemporânea acumulou de saber sobre as doenças venéreas.
“Nesses livros, eram oferecidas centenas de teorias e cen­
tenas de hipóteses sobre as causas dessas doenças; mas não ha­
via ali uma única explicação verdadeiramente convincente so­
bre a razão pela qual certas pessoas são contaminadas, enquanto
outras não o são.
“E me convencí logo de que as ciências que existem atual­
mente na Europa não me ensinariam isso.
“Toda essa literatura — sem contar, evidentemente, a mul­
tidão de espessas “obras científicas” cujo conteúdo prova de
imediato a toda pessoa mais ou menos normal que eles foram
escritos por “perfeitos profanos”, quer dizer, pessoas que não
sabem nada de nenhuma doença humana — me deu a certeza
de que os homens são atacados por doenças venéreas só pelo
fato de sua falta de higiene.
“Ao chegar a esta conclusão categórica, não me restou
mais do que concentrar toda minha atenção a fim de pesquisar
em que podia consistir minha higiene pessoal para me ter as­
sim protegido, até agora, de toda infecção.
“Eu me pus a refletir da maneira seguinte:
“Não me visto de modo mais limpo do que todos os que
vivem aqui, na Europa. Como todo mundo, cada manhã, eu
lavo o rosto e as mãos. E, como todo mundo, me parece,

944
BELZEBU NA AMÉRICA

estabelecí para mim uma regra de ir ao banho turco urna vez


por semana... Em suma, por mais que eu passasse em revista to­
dos os meus hábitos, não encontrei nada que pudesse fazer de
mim uma exceção quanto a isso. E, no entanto, o fato era este:
com minha vida monstruosa, eu corria todos os riscos de ser con­
taminado.
“A partir daquele momento, meus pensamentos se apoia­
ram em duas convicções imparciais, já completamente enraiza­
das em mim: a primeira, que aquele que tem relações com tais
mulheres deve cedo ou tarde ser contaminado, e a segunda,
que só a higiene protege o homem de toda infecção.
“Continuei refletindo assim durante quase toda uma se­
mana, até que me lembrei, de repente, de um hábito que tinha
sempre cuidadosamente escondido de meus conhecidos euro­
peus, hábito ao qual damos na Pérsia o nome de “abdest”.
“O uso do abdest, ou, como se diz ainda, das “abluções”,
ocupa entre nós, na Pérsia, um dos primeiros lugares entre os
costumes do país.
“Para dizer a verdade, supõe-se que todo adepto da reli­
gião islâmica se conforma a este costume, mas só os muçulma­
nos da seita xiita o seguem rigorosamente. E, como quase to­
dos os persas são da seita xiita, este costume não está em parte
alguma tão difundido como entre nós.
“O costume do abdest consiste, para todo persa xiita,
tanto de sexo feminino como de sexo masculino, em lavar-se
obrigatoriamente os órgãos sexuais após cada visita aos “water-
closets”. Para este fim, cada família possui certos utensílios
especiais, cântaros de forma particular chamados “ibrh”, que
ela considera como atributos indispensáveis. E mais a família é
rica, mais “ibrhs” deve possuir, visto que um desses cântaros
deve sem falta ser colocado à disposição de qualquer novo con­
vidado, desde sua chegada.
“Também eu havia sido submetido a este costume, desde
a mais tenra infância, e ele penetrou pouco a pouco a tal ponto

945
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

minha vida cotidiana que, mesmo quando cheguei à Europa,


onde ele falta totalmente, nao pude passar um só dia sem fazer
estas “abluções”.
“Com eteito me é muito mais fácil ticar sem lavar o rosto,
mesmo depois da dor de cabeça que se segue à embriaguez, do
que nào lavar com água tria certas partes de meu corpo, após
ter estado nos “water-closets”.
“Desde que estou na Europa, tenho de suportar, devido
a este hábito, muitos dissabores, a tal ponto que tive de renun­
ciar a todo o con torto moderno de que poderia dispor.
“Por exemplo, vivendo neste momento em Paris, minha
situaçào material me daria a possibilidade de habitar no me­
lhor hotel, com todo o con torto moderno. Pois bem, este hábito
nao me permite tazê-lo: sou torçado a viver em algum hotel sujo
afastado do centro e de todos os lugares a que devo ir a cada dia.
“O hotel onde vivo atualmente apresenta uma só e única
comodidade essencial para mim. Ela consiste em que a casa, de
construção antiga, possui ainda privadas do “modelo antigo”,
em vez dessas novas invenções americanas. Esse velho sistema
de privadas é justamente o que convém melhor a meu hábito.
“Quem sabe? Talvez até eu tenha escolhido semiconscien­
temente a França como lugar de residência principal pela única
razão de que aqui se encontram ainda, sobretudo no interior, pri­
vadas do modelo antigo, do mesmo sistema que o nosso.
“Nos outros países da Europa, essas “privadas à turca”,
como eles dizem, já quase não existem mais. São substituídas
cada vez mais pelas do sistema americano, que comporta “con­
fortáveis assentos de privadas” bem lustrados, nos quais eu não
poderia de modo algum fazer outra coisa senão me refestelar
lendo seu famoso livro intitulado “Decameron”.
“E foi assim, meu caro doutor, que ao me lembrar de
repente esse hábito compreendi logo que se até o presente ha­
via evitado essas vergonhosas doenças, eu o devia sem nenhuma

946
BELZEBU NA AMÉRICA

dúvida a esse único lato, qual seja, o de que eu lavava freqüen­


temente com água tria meus órgãos sexuais.”
Após estas explicações, esse jovem e simpático persa le­
vantou as mãos para o céu e disse com todo seu ser:
“Bendita seja, por todos os séculos dos séculos, a memo­
ria daqueles que criaram para nós este benéfico costume”.

Depois se calou e considerou longamente, pensativamen­


te, um grupo de americanos sentados nao longe de nós que
discutiam para saber se as mulheres se vestem melhor na Ingla­
terra ou no país deles.
E, de repente, virou-se para mim e me disse:
“Muito caro e muito estimado doutor! Desde que o co­
nhecí, pude me convencer de que o senhor é um homem muito
instruído, e até muito culto.
“Talvez o senhor tivesse a bondade de me dar sua opi­
nião para me ajudar a resolver um problema que, nestes últi­
mos anos, nao cessa de despertar minha curiosidade nos mo­
mentos em que não bebo e impede meus pensamentos de fluí­
rem sossegadamente.
“Não posso compreender como, desde que vivo na Eu­
ropa, entre os adeptos de uma religião confessada pela metade
da humanidade, ou quase, não encontrei ainda um único bom
costume na vida ordinária deles, enquanto entre nós, seguido­
res da religião muçulmana, há tantos deles excelentes!
“A que se deve isto? Qual a razão disso?
“Será possível que os fundadores dessa grande religião
não instituíram nenhuma regra sensata para a vida ordinária
de seus adeptos?”
Ora, meu filho, como no curso de nossas relações esse
jovem persa tinha conquistado minha simpatia, eu nao podia
me recusar a responder sua pergunta; resolvi então dar-lhe al­
gumas explicações, mas, é claro, sob uma forma tal que ele não

947
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

pudesse sequer suspeitar quem eu era, nem qual era minha ver­
dadeira natureza.
E lhe respondi:
“Você diz que a religião a que pertence uma das metades
da humanidade — você quer provavelmente lalar da “religião
cristã” — não comporta costumes tão Bons quanto a sua, a
religião muçulmana?
“Como assim? Ao contrário! Esta religião suscitou um
número Bem maior de Bons costumes do que todas as que exis­
tem hoje: nem um só dos ensinamentos religiosos da Antigui­
dade deu tantas regras excelentes para a vida cotidiana ordinária
quanto aquele soBre o qual loi lundada essa “religião cristã”.
“Mas que os adeptos dessa grande religião, soBretudo
aqueles que chamavam na Idade Média os “Padres da Igreja”,
tenham pouco a pouco tratado esse ensinamento como “BarBa
Azul” tratou suas mulheres — quer dizer, torturando-o a pon­
to de lazer desaparecer dele todo o encanto e toda a Beleza —,
isto é uma outra questão.
“Devo lhe dizer que, em geral, todas as grandes religiões
autênticas existentes ainda em nossos dias — e que foram cria­
das, como a historia mesma o atesta, por homens que haviam
todos alcançado o mesmo grau de aperfeiçoamento em relação
à razão pura — foram Baseadas soBre as mesmas verdades.
“As únicas diferenças entre estas religiões se atêm às in­
dicações precisas que elas dão com vistas ao cumprimento de
certos detalhes relativos a seus ritos. E essas diferenças resul­
tam da maneira pela qual cada um dos grandes fundadores
adaptou de propósito essas indicações ao nível de aperfeiçoa­
mento intelectual dos homens de sua época.
“Na Base de toda doutrina soBre a qual se funda uma
nova religião, encontram-se sempre dogmas pertencentes às re­
ligiões anteriores e já solidamente fixados anteriormente na vida
dos homens.
“Assim se encontra plenamente justificada uma sentença

948
BELZEBU NA AMÉRICA

que nos vem dos tempos mais recuados: “Não pode haver nada
de novo sob a lua”.
“Em cada doutrina religiosa, como acabo de dizer, as úni­
cas coisas novas são os pequenos detalhes que seus fundadores
nela introduzem de propósito, adaptando-os ao nível de aper­
feiçoamento intelectual dos homens de sua época.
“E assim que o ensinamento sobre o qual está baseada a
religião cristã repousa quase por inteiro em uma grande dou­
trina anterior, que se chama hoje judaísmo, e que contava anti­
gamente, ela também, com adeptos em uma grande parte do
mundo.
“Os grandes fundadores da religião cristã, tendo tomado
por base a doutrina judaica, só modificaram dela seus detalhes
exteriores, para conformados ao nível das mentes dos “con­
temporâneos de Jesus Cristo”. E, de fato, previram com acerto
tudo o que era realmente necessário ao bem dos homens.
“Eles consideraram disposições tanto para a alma quan­
to para o corpo e deram mesmo todas as indicações indispen­
sáveis para uma existência sossegada e feliz. Tudo isto com uma
sabedoria sem precedente, a fim de que esta religião fosse sem­
pre adaptada aos homens, até em um futuro distante.
“Se o ensinamento dessa religião não tivesse sido altera­
do, ele poderia talvez até convir aos homens contemporâneos,
que nosso Mulá Nassr Eddin define assim: “Eles não pestane-
jarão a não ser que lhes crave uma viga no olho”.
“Com as novas instruções especialmente previstas para a
vida ordinária, que respondiam às necessidades dos contem­
porâneos de Jesus Cristo, passaram na origem, para esta reli­
gião cristã, grande número dc excelentes costumes, já solida­
mente fixados na vida dos adeptos da religião judaica.
“Mesmo seus bons costumes, como o de “suniate” ou
“circuncisão”, que a religião muçulmana tomou emprestado
da religião judaica, existiam eles também na religião cristã pri­
mitiva. Na origem, eles eram obrigatórios c todos os adeptos os

949
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

observavam estritamente; toi só mais tarde, nao se sabe por


que, que eles desapareceram de repente dessa religião.
“Se você quiser, meu jovem amigo, eu lhe contarei em
detalhe a história do costume de suniate desde o seu apareci­
mento, e você compreenderá por que a religião judaica com­
portava uma prática tão benéfica para a saúde e a vida normal
dos homens, e como o ensinamento dessa religião, ao ser toma­
do como base da religião cristã, não podia deixar de integrar
esse costume ao processo de vida ordinária de seus adeptos.
“Este costume que vocês chamam “suniate” foi criado e
introduzido na doutrina judaica pelo grande Moisés.
“Quanto à razão pela qual ele o introduziu na religião do
povo judeu, tomei conhecimento dela graças a um antigo
manuscrito caldeu.
“Este manuscrito relatava que o grande Moisés, no tem­
po em que conduzia o povo judeu da terra do Egito para a
terra de Canaã, percebeu um dia que entre as crianças e os
adolescentes desse povo, que lhe havia sido confiado d’O-Alto,
estava fortemente espalhada uma doença então chamada “mur-
durten”, e que nossos contemporâneos chamam “onanismo”.
“Sempre segundo esse manuscrito, o grande Moisés mos­
trou-se com isso muito inquieto e se dedicou a observações
muito atentas com vistas a descobrir a causa deste mal e o meio
de desenraizá-lo.
“Depois de suas pesquisas, esse incomparável sábio es­
creveu um livro intitulado “Tukha tess nalul pan”, o que signi­
fica em língua moderna “Quintessência de minhas reflexões”.
“Tomei igualmente conhecimento deste livro notável.
“No início das explicações sobre a doença “murdurten”
era dito, entre outras coisas, que a Grande Natureza levara o
organismo dos homens a uma tal perfeição que cada órgão es­
tava dotado de meios de defesa contra todo ataque do exterior,
e que, por conseguinte, se certos órgãos funcionavam de ma­
neira incorreta nos homens, a culpa disso era sempre dos

950
BELZEBU NA AMÉRICA

próprios homens, devido às condições de vida diária que eles


tinham estabelecido.
“Quanto à origem da doença murdurten nas crianças,
era dito no capítulo seis, versículo onze, desse livro sem igual,
que as crianças contraíam essa doença pela razão seguinte:
“Entre as substâncias bem definidas que o organismo
humano elabora e que ele rejeita sem cessar como supérfluas,
encontra-se uma que leva o nome de “kulnabo”.
“Esta substância se elabora no organismo dos seres a fim
de neutralizar outras substâncias, necessárias ao funcionamen­
to de seus órgãos sexuais. Ela se constitui e participa do funcio­
namento desses órgãos pouco após o aparecimento do ser, quer
dizer, desde sua infancia, e qualquer que seja seu sexo.
“A Grande Natureza ordenou as coisas de tal modo que
os resíduos dessa substância, tornados inúteis, são eliminados
do organismo, nos meninos, no lugar situado entre o “tulkhto-
tino” e o “sarnuonino”, e nas meninas, no lugar situado entre
os “montes kartotakhnianos”.
“O que esse incomparável livro chama “tulkhtotino” e
“sarnuonino” corresponde a essas partes do “penis” que a me­
dicina contemporânea designa respectivamente com os nomes
de “glande” e de “prepúcio”, e que se encontram na extremi­
dade do membro genital nos meninos. Os “montes kartotakh­
nianos” que, nas meninas, recobrem o “clitoris”, se chamam “la-
biae majores” e “labiae minoris” ou “grandes e pequenos labios”.
“A substância “kulnabo” não tem nome na medicina
contemporânea, pois ela lhe é totalmente desconhecida como
substância independente.
“A medicina moderna só conhece a massa geral de subs­
tâncias que compreende, entre outras, a substância “kulnabo”.
“Esta massa, que ela chama “smegma”, é constituída de
substâncias absolutamente heterogêneas secretadas por diver­
sas glândulas que não têm entre si nada de comum, tais como:

951
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

as glándulas “sebáceas”, as glándulas de Bartholin, as glándu­


las de Cooper, as glándulas nolniolnianas e outras.
“A eliminação e a volatilização dos resíduos dessas
substâncias deveriam se efetuar, nesses lugares do organismo,
graças a todo tipo de contatos acidentais, assim como a diver­
sos movimentos que se produzem na atmosfera.
“Mas as roupas que os homens inventaram usar, e que
não estavam previstas pela Natureza, impediram esses fatores
de contribuir para o processo de eliminação e de volatilização
dessas substâncias, o que ocasionou as conseqüências seguin­
tes: esse kulnabo, permanecendo muito tempo nesses lugares,
provoca ali uma secreção, cuja substância constitui ela mesma
um meio favorável à multiplicação dos micróbios que existem
na atmosfera ou nas “esferas subjetivas” de todos os objetos
que estão em contato direto com as crianças. Este processo de
multiplicação provoca nas crianças, nesses lugares do organis­
mo, o que chamam “coceiras”.
“Estas coceiras obrigam, no começo, as crianças a se esfre­
garem e se coçarem inconscientemente.
“Ora, como nesses lugares do organismo se encontram
concentradas todas as terminações nervosas criadas pela Grande
Natureza com vistas à sensação particular necessária ao cum­
primento do processo sagrado de elmuarno, que aparece nos
adultos ao final do acoplamento, o fato de se esfregarem e de
se coçarem — sobretudo durante os períodos em que se efetua
nos órgãos das crianças um processo de preparação para o fu­
turo funcionamento sexual — lhes faz experimentar uma certa
sensação agradável. A partir de então, sentindo por instinto
qual é a ação que lhes proporcionou esta sensação agradável,
elas se põem a esfregar esses lugares por sua própria iniciativa,
até mesmo quando não sentem nenhuma coceira. De modo que a
fila dos pequenos “murdurtenistas” cresce na Terra, dia após dia.
“Quanto às medidas tomadas pelo grande Moisés para
desenraizar esse mal, eu tomei conhecimento delas, não mais

952
BELZEBU NA AMÉRICA

pelo lamoso e incomparável livro “Tukha tess nalul pan”, mas


por um papiro muito antigo.
“O texto desse papiro deixava entender claramente que
o grande Moisés havia tirado uma conclusão prática das idéias
expostas no livro “Tukha tess nalul pan”, criando com isso para
seu povo dois ritos religiosos, dos quais um se chamava “sikt
ner tchorn” e o outro, “tziel putz kann”.
“O “sikt ner tchorn” sagrado foi especialmente criado
para os meninos, e o “tziel putz kann” sagrado para as meni­
nas; sua prática era obrigatória.
“O rito do “sikt ner tchorn” era idêntico àquele do “sú­
mate”; consistia em secionar nos meninos o “vojiano” ou “fre-
num”, o que liberava a cabeça do membro genital da pele ou
“prepúcio” que a recobria, dando a esta a possibilidade de des­
lizar para trás.
“Como o provam as informações que nos chegaram dos
tempos antigos — como também, aliás, o nosso próprio bom
senso —, o grande Moisés, muito experto em ciências médicas,
queria obter por esta operação que as substâncias acumuladas
nesse lugar se eliminassem por si mesmas, mecanicamente, gra­
ças a contatos acidentais de todo tipo, e cessassem assim de
provocar essa perniciosa coceira.
“A extensão do saber médico do grande Moisés é atesta­
da por numerosas fontes históricas; estas concordam em teste­
munhar que ele devia seus conhecimentos aos sumos sacerdo­
tes dos quais fora aluno durante sua permanência no Egito, e
que adquiriram, eles mesmos, sua ciência de seus ancestrais do
continente da Atlântida, esses primeiros e últimos verdadeiros
sábios da Terra, membros da sociedade dos akhldanneses.
“Os resultados benéficos dos costumes criados pelo gran­
de Moisés são ainda visíveis hoje.
“No que concerne ao costume da circuncisão, eu que pos­
suo um excelente diagnóstico e que sei discernir por uma olha­
dela no rosto de um homem qual é a desarmonia de que sofre

953
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

seu organismo, posso afirmar, sem receio, que esta horrível


doença infantil chamada “onanismo” nao se encontra, por as­
sim dizer, nas crianças em que este ritual foi cumprido, ao pas­
so que as crianças cujos pais nao observaram esse costume es­
tão quase todas sujeitas a ela.
“Alguns dentre os que não foram submetidos ao rito da
circuncisão escapam, entretanto, ao onanismo; mas trata-se
dessas raras crianças cujos pais são cultos, na plena acepção da
palavra, e compreendem claramente que a possibilidade ulte­
rior de um pensar normal em seus filhos dependerá exclusiva­
mente do fato de que tenham ou não sofrido dessa doença em
sua infância ou adolescencia.
“Estes pais cultos nào ignoram, de modo algum, que se
seus filhos ou suas filhas experimentam em seu sistema nervo­
so, ainda que uma única vez, antes de terem alcançado sua maio­
ridade, a sensação final do processo “uamonuanossiniano”, eles
não serão nunca mais capazes de um pensar normal quando fo­
rem adultos. De modo que esses pais consideram sempre sua pri­
meira e principal obrigação educar seus filhos nesse sentido.
“Eles não julgam, tal qual a maioria dos pais atuais, que a
educação das crianças tenha por único propósito obrigá-las a
aprender de cor o maior número possível de poesias compos­
tas por “psicópatas murdurtenianos” ou a saber fazer belas re­
verências diante de seus amigos e conhecidos — pois, infeliz­
mente, é a isto que se limita toda a educação, segundo as con­
cepções dos homens de nosso tempo.
“Assim, pois, meu caro, muito devasso e, no entanto, bem
simpático jovem...
“Estes dois ritos, criados pelo grande Moisés e introdu­
zidos na vida ordinária do povo judeu para compensai a inven­
ção funesta das roupas — invenção que tinha destruído os fa­
tores previstos pela Natureza para preservar esses órgãos da
ação funesta das substâncias que eles segregam —, foram trans­
mitidos de geração a geração, tanto pelos adeptos da religião

954
BELZEBU NA AMÉRICA

judaica como por outros povos que os retomaram sem neles


mudar quase nada. Foi só após a morte do grande Salomão que
o costume “tziel putz kann” cessou de ser observado pelos adep­
tos da religião judaica; somente o costume “sikt ner tchorn” se
manteve automaticamente entre eles e chegou mesmo até os
representantes contemporâneos dessa raça.
“Este costume, como tantas outras práticas dos antigos
judeus, passou para a religião cristã; seus adeptos o observa­
ram, no princípio, escrupulosamente cm sua vida ordinária,
mas ele não tardou a desaparecer desta religião ainda nova, e
nunca mais se ouviu falar dele.
“Sim, por certo, meu caro amigo, se o ensinamento do
divino Jesus Cristo tivesse sido fielmente respeitado, sob sua
forma original, a religião à qual ele serviu de base, e que foi
concebida com uma sabedoria sem precedente, seria a melhor
de todas as religiões existentes, e até mesmo de todas as que
poderiam ser fundadas no futuro.
“Voltando à sua religião muçulmana, além do costume
da poligamia, ela não comporta nada que não se possa encon­
trar nas doutrinas judaica e cristã.
“O costume da poligamia, estabelecido segundo as de­
duções científicas do famoso sábio árabe Naulan-el-Aul, foi
introduzido na vida cotidiana dos homens após a fundação da
religião cristã.
“Sua religião apareceu muito mais tarde. Seus fundado­
res lhe deram de propósito uma forma mais concisa, pois era
intenção deles enfatizar certos costumes diários.
“E isto em razão de dois fatos que se tornaram evidentes
na época: o declínio da religião cristã e a perda flagrante, nos
seres ordinários, da capacidade de “contemplação”, único es­
tado no qual podem ser compreendidas as verdades expostas
em detalhe nos verdadeiros ensinamentos religiosos.
“Tendo notado estes fatos, os grandes criadores da religião
muçulmana decidiram, de um lado, simplificar o ensinamento e,

955
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

de outro, insistir em certos costumes para que a existência co­


tidiana dos adeptos dessa nova religião, que tinham perdido a
capacidade de contemplação e, por conseguinte, a possibilida­
de de uma compreensão consciente das verdades, pudesse ao
menos se desenrolar mecanicamente de maneira mais ou me­
nos suportável.
“Eoi então que eles instituíram, dando-lhes uma impor­
tância particular, os costumes de suniate, de abdest e de poli­
gamia, dos quais podemos constatar hoje em dia ainda os re­
sultados benéficos.
“Por exemplo, como você mesmo o notou muito justa­
mente, graças â circuncisão e âs abluções, observamos nos adep­
tos dessa religião a ausência quase completa de “onanismo” e
de certas doenças venéreas. Por outro lado, graças à poligamia,
a vida de família se apóia entre eles neste sustento mútuo psico-
orgânico, que falta quase totalmente aos adeptos contemporâ­
neos da religião cristã.
“De todos os costumes proveitosos que tinham sido in­
troduzidos pelos grandes fundadores da religião cristã na vida
de seus adeptos a fim de salvaguardar a saúde e a moralidade
necessárias a uma existência feliz, não restou nada, exceto o
jejum periódico, quer dizer, o costume de se abster, cm diferentes
momentos do ano, de consumir certos produtos comestíveis.
“Alias, este costume benéfico, quando não foi ainda com­
pletamente abandonado, sofre de ano em ano novas alterações,
pois os adeptos dessa religião o observam de tal maneira que
eles não extraem mais dele, de modo algum, o proveito em
vista do qual ele tinha sido instituído.
“As mudanças que intervieram no processo de jejum são
das mais características c constituem um excelente exemplo da
maneira pela qual todos os bons costumes cristãos se modifica­
ram no curso do tempo até seu desaparecimento definitivo.
“A maneira pela qual os “cristãos ortodoxos russos”

956
BELZEBU NA AMÉRICA

praticam hoje em dia o jejum ilustrará perfeitamente o que acabo


de lhe dizer.
“Estes cristãos ortodoxos russos pegaram sua religião toda
dos ortodoxos gregos, que lhes transmitiram, entre outros cos­
tumes cristãos, o de “jejuar”.
“Milhões de cristãos ortodoxos russos continuam hoje
em dia a jejuar “segundo todas as regras”, exatamente como o
“código ortodoxo” o prescreve.
“Mas, quanto a sua maneira de praticar o jejum, ela evo­
ca irresistivelmente certa sentença de nosso querido Mulá Nassr
Eddin, que não deixa jamais de dizer em semelhante caso: “Que
importa se eu canto como um asno, enquanto me chamarem
de rouxinol?”
“E bem assim que acontece com o jejum dos cristãos or­
todoxos russos: desde que os chamem cristãos, e sobretudo
ortodoxos, que lhes importa se o jejum não é de nenhum
proveito para eles?
“Como já lhe disse, esses cristãos ortodoxos russos ob­
servam ainda muito escrupulosamente as épocas e os dias de
jejum, tal como estão indicados em seu código.
“Mas o que é permitido ou proibido comer durante o
jejum? É nesse mistério que está enterrada a pata esquerda do
cachorro de pêlo encaracolado do ex-imperador Guilherme.
“Você compreenderá as mil maravilhas como eles jejuam
hoje em dia, quando eu lhe repetir o discurso que me fez recente­
mente, na Rússia, um desses verdadeiros cristãos ortodoxos.
“Tendo encontrado esse russo por questão de negocios,
liguei-me a ele e lhe fiz frequentes visitas.
“Os que o cercavam consideravam-no como um bom cris­
tão e como um “pai de família patriarcal”. Ele pertencia à seita
dos “Velhos Crentes”.
“Os Velhos Crentes são esses cristãos ortodoxos cujos
ancestrais tinham recusado, havia vários séculos, se submeter
as novas regras inventadas por alguma “autoridade” e tinham

957
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

permanecido fiéis às antigas regras, elas mesmas inventadas por


alguma “autoridade”, mas um século ou dois antes do cisma
religioso em questão.
“Um dia em que jantava na casa dele, na companhia de
varios outros cristãos ortodoxos russos, esse honorável Velho
Crente dirigiu-se a mim c disse:
“Pois bem, meu queridinho!
“Devo dizer-lhe que os seres dessa comunidade têm o
hábito, após o segundo copo de verdadeira vodca russa, de pro­
digalizar a seus amigos cognomes diversos, tais como “meu que­
ridinho”, “meu gorduchinho”, “meu lindo pançudo”, e outros
apelidos.
“Assim então, esse respeitável “verdadeiro” cristão orto­
doxo russo, que me honrava com o título de “queridinho”, me
disse:
“Tanto íaz, meu queridinho, logo estaremos na Quaresma...
“E então que vamos nos regalar juntos com verdadeiros pratos
“russos!
“Para dizer a verdade, durante “os dias gordos”, entre
“nós na Rússia, se come quase sempre a mesma coisa.
“Mas, em épocas de jejum, é uma outra história! E, sobretudo,
“durante a Quaresma!
“Nao há dia que não seja digno dos pratos os mais suculentos.
“Você sabe bem, meu queridinho?
“Outro dia fiz a esse respeito uma notável “descoberta”.
“Esta descoberta é mil vezes superior aquela desse velho
“original, Copérnico, que, tendo se estendido no chão um dia
“em que beberá demais, acreditou sentir claramente que nossa
“Terra girava.
“Ah! a bela maravilha!
“Semelhantes achados, só em nossa mãe Moscou, se fazem
“todos os dias às centenas de milhares!
“Não!... Minha descoberta, ela sim, é verdadeira, sensata e
“instrutiva no mais alto grau.

958
BELZEBU NA AMÉRICA

“Descobri que, até hoje, nós todos temos sido perfeitos


“imbecis e idiotas rematados, por imaginar e estar mesmo
“absolutamente convencidos de que, se durante a Quaresma
“vemos desfilar tantos pratos variados e saborosos, é à arte tão
“famosa de nossos mestres-cucas e de nossos cozinheiros que o
“de vem os.
“O dia, verdadeiramente bendito para meus próximos,
“em que me tornei digno de compreender esta verdade, foi
“aqueleem que nosso incomparável Dumiacha conseguiu
“enfim a segunda camada folhada de seu pastel, complemento
“indispensávelà “sopa de rodovalho ao fígado de bacalhau”.
“Naquele dia, compreendí com todo meu ser onde estava
“nosso erro.
“Primeiro o compreendí eu mesmo; depois demonstrei a
“todos os meus que se, durante o jejum, provamos tantos pratos
“variados e suculentos, os únicos a quem somos devedores disso
“são nossos gloriosos e divinos peixes.
“Em tempos de jejum, e sobretudo durante a Quaresma,
“nossas casas se alegram pelas frequentes aparições do
Venerável Esturjão e do
Honorável Sterlet e do
Respeitável Linguado e do
Inesquecível Rodovalho e de
Sua Excelência o Salmão e da
Musical Tenca e da
Ternamente plástica Perca e do
Irascível Lúcio e da
Hipócrita da Carpa e da
Irrequieta Truta e da
Soberba Pescada e do
Altivo Arenque e da
Brema de possante personalidade
“e de todos os nossos outros benfeitores, e de todos os nossos
“outros protetores.

959
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Só de ouvir seus nomes, nosso coração enternecido se


“pôe a bâter mais forte em nosso peito.
“Seus nomes não são simplesmente nomes, mas uma
“verdadeira melodia.
“Será que se pode comparar a harmonia da música inventada
“pelos Beethoven ou pelos Chopin e outros desocupados desse
“genero com a dos nomes desses peixes abençoados?
“Ao ouvir os nomes dessas magníficas criaturas, um
“sentimento de beatitude se infiltra cm nós c se espalha por
“todas as nossas veias e todos os nossos nervos.
“Ah! Bem-aventurados peixes! Vós que fostes criados
“primeiro por nosso Criador! Tende piedade de nós, e sustentai-nos
“também nos dias gordos! Amém!”
“Após esta prece, nosso honorável cristão ortodoxo russo
virou um bom grande copo da mais pura vodca, depois ele
contemplou com entcrnecimento, ao lado dele, uma estatueta
de “Vénus e Psichê”.
“E é bem verdade, meu amigo, todo cristão ortodoxo rus­
so considera o jejum mais ou menos da mesma maneira.
“Durante esses jejuns cristãos, que lhes vêm dos ortodo­
xos gregos, todos eles consomem a carne de peixe.
“Isto não é “pecado” para eles, e o comem um competin­
do com o outro, como se fosse um “prato de abstinência”!
“Uma só coisa me é incompreensível: de onde esses fu­
nestos russos ortodoxos tiraram que, durante esses jejuns cris­
tãos, e sobretudo durante a Quaresma, eles podiam consumir
carne de peixe?
“E isto me é incompreensível, porque nunca os cristãos
ortodoxos dos quais eles emprestaram sua religião, quer dizer,
os gregos, a comeram em épocas de jejum.
“Mesmo atualmente, os gregos só comem peixe uma úni­
ca vez durante a Quaresma, em conformidade com o código da
Igreja ortodoxa, para celebrar a memória de um dia da vida do
divino Jesus Cristo.

960
BELZEBU NA AMÉRICA

“Nào somente o resultado de um jejum em que a pessoa


se alimenta de carne de peixe não é de nenhum proveito para
aquele que jejua, mas ele é mesmo absolutamente contrario ao
que queria e ensinava o Divino Mestre Jesus Cristo, assim como
à razão pela qual os grandes fundadores da religião cristã ti­
nham estabelecido esse costume.
“Em apoio ao que acabo de dizer, lhe citarei, meu jovem
amigo, o que li um dia sobre o jejum cristão, num antigo manus­
crito “judaico-essênio”.
“Esse antigo manuscrito “judaico-essênio” precisava que o
costume de jejuar em certas épocas do ano, especialmente desti­
nado aos adeptos do ensinamento de Tesus Cristo, foi instituído
muito tempo após sua morte, ou seja, no ano 214 da era cristã.
“O costume do jejum foi estabelecido e introduzido na
religião cristã pelo Grande Concilio secreto de “Kelnuan”.
“Este concilio secreto de Kelnuan, no qual tomaram par­
te todos os adeptos desse ensinamento, ainda novo, realizou-se
na região de Kelnuk, às margens do Mar Morto. Daí o nome de
“Concilio de Kelnuan”, que ele tem na historia da religião cristã.
“Ele tinha sido mantido secreto porque, naquela época,
aqueles que seguiam o ensinamento do Cristo eram, por toda
parte, impiedosamente perseguidos pelos detentores de poder.
“E, se os detentores de poder os perseguiam dessa ma­
neira, é porque temiam muito, no caso em que todo mundo se
pusesse a viver segundo esse ensinamento — e mesmo se eles
próprios também devessem com isso ganhar uma vida melhor
—, perder toda a ocasião de fazer sentir aos outros seu poder e,
por conseguinte, ser privados dos impulsos cuja satisfação pro­
vocava neles o afagar de seu deus interior, o “amor-próprio”.
“Assim então, no curso desse Concilio de Kelnuan, foi
instituído pela primeira vez o costume segundo o qual os adep­
tos do ensinamento do Cristo cessariam, em certas datas, de se
alimentar com diversos produtos comestíveis.
“O que serviu de ponto de partida para esta instituição

961
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

toi uma controvérsia que ocorreu no Concilio de Kelnuan en­


tre dois célebres sabios da época, o grande “Khertunano” c o
ilustre filósofo grego “Veguendiadi”.
“O grande Khertunano era o representante de todos os
adeptos que povoavam as costas do Mar Vermelho; o filósofo
Veguendiadi, o de todos os adeptos da Grécia.
“O filósofo Veguendiadi só era conhecido como sabio
em sua própria patria. Khertunano, por sua vez, era célebre em
toda a Terra e passava por ser a mais alta autoridade no que
concerne ao conhecimento das leis da organização interior do
homem; além disso, ele era um grande experto na ciencia da
“alquimia” — que não tinha, evidentemente, nada a ver com
essa “ciência” que os homens contemporâneos designam pelo
mesmo nome.
“Esta famosa controvérsia entre o grande Khertunano c
Veguendiadi ocorreu nas circunstancias seguintes:
“O filósofo Veguendiadi se esforçou, dizem, durante dois
dias inteiros, em expor e provar que era absolutamente in­
dispensável difundir, entre todos os adeptos do ensinamento
de Jesus Cristo, esta concepção de que matar os animais para
se alimentar com sua carne era um pecado dos mais graves,
tanto mais que a carne era um alimento muito prejudicial à
saúde — e assim por diante.
“Depois do filósofo Veguendiadi, vários outros represen­
tantes se sucederam para defender ou criticar sua teoria.
“Finalmente, com passo digno e medido, o grande Kher­
tunano subiu á cátedra e se pôs a falar, da maneira clara c tran­
quila que lhe era própria.
“Segundo o texto do manuscrito, ele tomou a palavra nes­
tes termos:
“Estou absolutamente de acordo com todos os argumentos
“e todas as provas apresentados aqui por nosso irmão em Jesus
“Cristo, o filósofo Veguendiadi.
“Acrescentaria mesmo a todas as suas deduções que matar

962
BELZEBU NA AMÉRICA

“outras vidas com o único fim de encher sua pança é a pior de


“todas as covardias, de que só o homem é capaz.
“Se eu mesmo nào me tivesse interessado também, há
“numerosos anos, por esta questão, e não houvesse chegado a
“conclusões francamente diferentes, após tudo o que nosso
“irmão em Jesus Cristo, Veguendiadi, acaba de nos demonstrar,
“eu não hesitaria um instante, e sem mais refletir estaria disposto
“a lhes convencer a todos e a lhes suplicar para não esperar
“amanhã, e para regressar correndo a suas cidades e suas
“aldeias, sem voltar para trás, para lá gritar em todas as praças:
“Parem, homens, parem!... Cessem de se alimentar de carne!
“Este hábito é contrário a todos os mandamentos de Deus e é a
“causa dc todas as suas doenças”.
“Como veem, não faço nada disso. E se não o faço é porque
“minhas longas e perseverantes pesquisas nesse domínio me
“levaram, como acabo dc dizê-lo, a conclusões completamente
“diferentes.
“Tudo o que posso lhes afirmar pelo momento é que jamais
“acontecerá na Terra que todo mundo professe a mesma religião.
“Além de nossa religião cristã, haverá sempre outras religiões; e
“quem poderá dizer se seus adeptos, eles também, se absterão dc
“carne?
“Ora, se hoje em dia não temos a segurança de que todos os
“homens cessarão um dia ou outro de se alimentar de carne,
“precisamos tomar outras medidas, mais eficazes, no que diz
“respeito a esta prática; com efeito, se, entre os homens, alguns
“comem carne, enquanto outros não a comem dc modo algum,
“estes últimos, segundo minhas pesquisas experimentais, terão de
“sofrer os mais terríveis males que possam existir.
“Minhas experiências detalhadas me demostraram, por
“exemplo, que entre os homens que se abstêm de carne, mas
“nem por isso deixam de viver entre aqueles que a comem, o
“que chamamos “força de vontade” cessa de se constituir.
“Elas me provaram igualmente que, se a saúde física

963
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“melhora naqueles que nào consomem carne, à força de viver


“em contato com os que fazem uso dela, o estado psíquico deles
“se agrava inevitavelmente — mesmo se seu estado orgánico
“continua a melhorar.
“Por conseguinte, eles só têm chance de obter um bom
“resultado se viverem no mais completo isolamento.
“Quanto aos que sempre consomem carne ou produtos
“que contêm o elemento chamado “eknokh”, se o estado de
“seu organismo parece não mudar, em compensação seu
“psiquismo — sobretudo em seus traços principais, que se
“designam às vezes com o nome genérico de “caráter” — perde
“pouco a pouco suas qualidades positivas e morais e se altera
“até tornar-se irreconhecível.
“Devo dizer que tirei todas estas conclusões de uma
“série de experiências que realizei durante numerosos anos,
“graças a dois homens generosos e filantrópicos, o rico pastor
“Allah-Ek-Linokha, que me ajudou com seu dinheiro, e o sabio
“que todos respeitamos, El-Kuna-Nassa, do qual emprestei um
“aparelho de sua invenção, chamado “arostodossokh”.
“Por meio deste notável aparelho, pude, a cada dia, durante
“vários anos, dar-me conta do estado geral do organismo de
“milhares de homens que viviam nas condições requeridas, à
“custa do bom pastor Allah-Ek-Linokha.
“Que Nosso Criador faça prosperar seus rebanhos!
“Graças a minhas pesquisas experimentais, me convencí
“plenamente de que, se os homens continuassem a comer carne,
“disso resultaria para eles os maiores males, mas que, por outro
“lado, se alguns deles cessassem de fazer uso dela, isto também
“não daria nada de bom. Desde então, consagrei-me por inteiro
“a este problema: apesar de tudo, o que se poderia fazer a este
“respeito para o bem futuro da maioria dos homens?
“Cheguei, antes de tudo, a convencer me categoricamente
“de duas coisas:
“A primeira, que os homens tinham de tal modo se

964
BELZEBU NA AMERICA

“acostumado, há séculos, a se alimentar de carne, que corn sua


“frágil vontade jamais poderiam renunciar a isso por eles mesmos
“ese libertar dessa tendencia criminosa; a segunda, que mesmo se
“os homens decidissem não comer carne, mesmo se mantivessem
“a palavra durante um certo tempo e acabassem por perder
“esse hábito, eles não seriam jamais, no entanto, capazes de
“abster-se dela bastante tempo para tomá-la em aversão. E não
“serão jamais capazes de fazê-lo, porque jamais, na Terra, os
“homens terão todos a mesma religião nem formarão um só e
“único império, e fora destas condições não poderia existir
“nenhuma influência, fosse ela persuasiva, autoritária ou
“ameaçadora, que pudesse se exercer de igual maneira sobre
“todos os homens — sempre suscetíveis de serem arrastados
“pelo exemplo, pelo desejo ou por qualquer influência magnética
“— e lhes assegurar o poder absoluto de cumprir, uma vez
“tomadas, suas decisões.
“Apesar destas conclusões, tão incontestáveis para mim,
“me pus de novo, tomando-as a partir de então como base de
“minhas investigações, a buscar com perseverança uma saída
“para a aflitiva situação em que os homens se encontravam
“aprisionados.
“E aí também, evidentemente, só pude retomar em vasta
“escala todas estas pesquisas graças às riquezas inesgotáveis do
“pastor Allah-Ek-Linokha e ao surpreendente aparelho do sábio
“El-Kuna-Nassa.
“Essas novas pesquisas me mostraram que se o psiquismo
“dos homens declina em conseqüência da contínua introdução
“no organismo da substância “eknokh”, contudo, a ação desta
“substância só é particularmente prejudicial em certas épocas do ano.
“Assim então, meus irmãos em Jesus Cristo, apoiando-me
“em tudo o que acabo de lhes dizer, e principalmente nos resultados
“de minhas últimas observações, continuadas dia a dia durante
“um ano em numerosas pessoas, e que puseram em evidência a
“diminuição da nocividade do eknokh em certos momentos do

965
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“ano, posso agora lhes expor minha opinião pessoal, a saber,


“que se se propagasse entre os adeptos do ensinamento de Jesus
“Cristo o costume de se abster, em épocas determinadas, dos
“produtos em cuja composição predomina a substancia eknokh,
“este costume teria alguma chance de ser observado e de trazer
“aos homens um real proveito.
“Minhas pacientes investigações alquímicas me demonstraram
“que a substancia eknokh entra na constituição de todos os
“organismos vivos sem exceção, qualquer que seja o meio em
“que existam: na superfície ou nas profundezas da Terra, na
“agua ou até mesmo na atmosfera.
“Esta substancia está igualmente presente em tudo o que
“contribui para a formação desses organismos, por exemplo, no
“líquido amniótico de toda fêmea em gestação, não importa a
“qual espécie ela pertença, e em certos produtos como o leite, os
“ovos, o caviar, e assim por diante.”
“As idéias do grande Khertunano suscitaram nos mem­
bros do Concilio de Kelnuan tanta surpresa e agitação que o
tumulto o obrigou a suspender seu discurso; renunciando en­
tão a prosseguir, ele desceu da cátedra.
“O manuscrito indicava depois que como conclusão des­
sa jornada os membros do Concilio decidiram por unanimida­
de determinar, com a ajuda do grande Khertunano, os momen­
tos do ano em que a substância eknokh exercia sobre os ho­
mens a ação mais nociva e propagar ativamente, entre os adep­
tos de Jesus Cristo, o costume de jejuar em tais momentos, quer
dizer, de se abster de produtos que contivessem a substância
eknokh, tão prejudicial então para eles.
“E era assim que terminava o manuscrito judaico-essênio.
“Como você vê, os fundadores desse costume queriam
fazer de sorte que os adeptos da religião cristã se abstivessem,
em certas épocas do ano, dos produtos que contêm essa subs­
tância prejudicial a sua saúde, e mais ainda a seu psiquismo.
“Quanto aos infelizes cristãos ortodoxos russos, se bem

966
BELZEBU NA AMÉRICA

que eles se considerem como os verdadeiros adeptos dessa gran­


de religião e que jejuem eles também, nem por isso deixam de
consumir a carne dos peixes, cujo organismo comporta preci­
samente, segundo as pesquisas do grande Khertunano, o ele­
mento eknokh, contra cuja ação nociva foi instituído este sábio e
salutar costume.”
Aqui, meu filho, terminou minha conversa com esse sim­
pático jovem persa.

“A propósito da destruição ou da alteração que os seres


atuais fazem sofrer aos costumes salutares que lhes vieram de
seus sábios ancestrais, nosso incomparável Mulá Nassr Eddin
tem uma sentença das mais sensatas e das mais bem apropriadas:
“Ah, as gentes, as gentes! Por que vocês são gente? Se
vocês não fossem gente, quem sabe seriam mais inteligentes!”
Com seu ditado favorito, o famoso “Tio Sam” da Améri
ca expressava muito bem esta mesma idéia. Conta-se que, quan­
do bebia um pouco de gim em demasia, o Tio Sam dizia sem­
pre, entre dois copos:
“When nothing’s right, only then, all is right”.
Quanto a mim, diria simplesmente:
“Malvada Lua!”
Em todo caso, meu querido filho, devemos reconhecer
que certos costumes dos tempos mais antigos, que chegaram
aos seres atuais de seu planeta, são excelentes para sua exis­
tência ordinária.
E eles são excelentes porque foram criados e introduzi­
dos no processo de existência de seus semelhantes por seres
terrestres tri-cerebrais que tinham aperfeiçoado sua razão até
graus muito elevados, os quais, hoje em dia infelizmente, nin­
guém mais pode alcançar.
Os únicos costumes que os seres-homens contemporâ­
neos são capazes de instituir só fazem degradar mais a qualida­
de de seu psiquismo.

967
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

É assim que, há pouco tempo, é prática corrente, lá, dan­


çar sempre e por toda parte uma dança chamada “foxtrote”.
No momento atual, esse foxtrote faz furor entre eles. A
toda hora do dia e da noite, ele é dançado tanto por jovens
seres apenas formados, que ainda não tomaram consciencia do
significado e da meta de sua existencia, como por muitos ou­
tros, cujos traços denunciam claramente, aos olhos de todo ser
tri-cerebral mais ou menos sensato, que no que se refere à du­
ração de sua existência, como teria dito nosso Mestre, “a can­
ção é não só cantada, mas repetida”. A verdade é que, durante
esses foxtrotes, o processo que se opera nesses seres é exata­
mente o mesmo que se dá nas crianças atacadas da doença cha­
mada “murdurten” pelo grande Moisés.
O grande Moisés tinha consagrado metade de sua exis­
tência a desenraizar esta doença nas crianças; seus favoritos
contemporâneos de idade responsável a ressuscitam, se diria, com
deliberado propósito, e a propagam não somente entre as crian­
ças, mas também entre os adultos e até mesmo entre os idosos.

Como já lhe disse, entre os costumes benéficos dos tem­


pos antigos que chegaram até seus favoritos contemporâneos,
muitos sao ainda observados pelos seres de diversas com uni
dades do continente da Asia.
Alguns deles parecem â primeira vista, em suas manifes­
tações exteriores, de uma estranheza e de uma barbaridade que
chegam ao absurdo. Mas ao examinar mais de perto, de manei­
ra imparcial, o real significado de qualquer um desses costu­
mes, a gente se impressiona com a habilidade com que foram
introduzidas neles as vantagens, de ordem moral ou higiênica,
das quais devem se beneficiar aqueles que os observam.
Tomemos, por exemplo, um dos costumes mais absur­
dos em aparência, que se encontra entre os seres de uma tribo
asiática chamados “Lurs de Kolen” ou “Ciganos de Kolen”,
que habitam entre a Pérsia e o Afeganistão.

968
BELZEBU NA AMERICA

Este costume, que os seres das demais tribos desig­


nam com o nome de “fumigação cigana”, por mais tolo que
pareça, dá o mesmo resultado que as “abluções” ou “ab-
dest”, entre os persas.
Esta tribo de ciganos passa por ser a mais suja de todas as
que existem na Terra. E, de lato, eles são tão sujos que suas
roupas formigam sempre com esses insetos chamados “piolhos”.
O costume de “fumigação individual” serve, alias, igual­
mente para a destruição desses insetos.
Embora os membros dessa tribo sejam verdadeiramente
dos mais sujos, eles nunca contraíram nenhuma doença vené­
rea; mais ainda, eles ignoram até a existência de semelhantes
doenças, e nem mesmo ouviram alguma vez dizer que os ho­
mens podiam ser atingidos por elas.
A meu ver, uma tal imunidade se deve a esse costume,
inventado por um homem sensato da Antigiiidade para o bem
dos homens de seu tempo, e que, passando depois de geração a
geração, chegou por acaso a esses seres sujos da tribo dos “Ci­
ganos de Kolcn”.
Para o rito da “fumigação individual”, cada família de
ciganos possui um “ateshkaïn”, ou tamborete, de um modelo
especial, que eles consideram como muito sagrado. Todo seu
ritual se cumpre com a ajuda desse tamborete sagrado.
Cada família desses ciganos possui também um “tandur”,
quer dizer, uma fossa de argila de forma particular, muito co­
mum na Ásia, que lhes serve de logareiro e no qual eles cozi­
nham o pão e preparam as refeições.
Nesses “tandurs” queima-se de preferência o “kiziak”,
espécie de combustível à base de excrementos de animais
quadrúpedes.
O rito começa assim:
Quando toda a família cigana está reunida à noite, cm
casa, o primeiro cuidado de cada um é de tirar suas roupas e de
sacudi-las no tandur.

969
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

No tandur quase sempre faz calor, porque os excremen­


tos queimam lentamente, e a cinza que se forma em volta do
“kiziak” conserva o logo por muito tempo.
E interessante notar que, no momento em que esses ciga­
nos sacodem suas roupas no “tandur”, se passa um fenómeno dos
mais curiosos: os piolhos que formigam nas roupas saltam e, cain­
do no fogo, estalam antes de serem queimados. Ora, os sons que
produzem, ao estalar, esses piolhos de dimensões variadas com­
põem em seu conjunto uma surpreendente “sinfonia musical”.
Por vezes, o estalo desses piolhos dá ao ouvinte a im­
pressão do crepitar de várias dezenas de metralhadoras.
Uma vez que esses honoráveis ciganos sacudiram suas não
menos honoráveis roupas, eles procedem a seu ritual sagrado.
Primeiro eles instalam solenemente no tandur, segundo
um certo cerimonial, o tamborete sagrado da lamília; depois,
cada um por sua vez, desde os mais idosos aos mais jovens,
vêm tomar lugar ali.
O tamborete sagrado consiste em uma simples tábua bas­
tante estreita na qual estão lixados quatro pés de ferro. Isto
lhes permite manter-se cm pé no tandur sem ter os pés sobre as
cinzas quentes.
Logo que um membro da lamília tomou lugar no tandur,
todos os demais entoam um certo cântico sagrado e aquele que
está sobre o tamborete, flexionando os joelhos, se abaixa c se
levanta com lentidão e dignidade, ao mesmo tempo que recita
uma prece — e isto até que todas as partes de seus órgãos
sexuais tenham sentido o calor do tandur.
Um outro costume parecido com este e aparentemente
tao estúpido existe numa pequena tribo, a dos “Curdos Tussu-
li”, que visitei na Transcaucasia, nao longe do monte “Ararat”.
Esta tribo não é tão suja quanto a dos “Ciganos de Ko-
len”; ao contrário, esses curdos, graças a seu banho diario no
rio “Araxe” e à sua vida ao ar livre, pois são, na sua maioria,
pastores de ovelhas, são não somente muito limpos, mas nem

970
BELZEBU NA AMÉRICA

sequer exalam o odor específico dos seres de quase todas as


pequenas tribos que povoam esta grande Asia.
Entre os “Curdos Tussuli”, cada família possui sua pró­
pria “saklia” que lhe serve de lugar de habitação e de recep­
ção, pois o costume de se fazer frequentes visitas é muito de­
senvolvido nesta tribo.
Ora, faz parte de seus hábitos ter em um canto da entra­
da de cada “saklia” um “mangal sagrado”, espécie de fogareiro
em que queima permanentemente carvão de madeira ou ki-
ziak. E perto de cada mangal pende um “ktalnotz”, quer dizer,
uma pequena caixa de madeira, que deve conter sempre raízes
de uma certa planta.
O rito da fumigação exige aqui que, antes de entrar no
cômodo principal da saklia, cada membro da família ou cada
convidado, sem distinção de sexo, se aproxime do mangal sa­
grado a fim de se purificar, como eles dizem, da influência dos
maus espíritos pelos quais o homem está sempre cercado quan­
do ele se dedica a trabalhos honestos.
Esta “purificação” se efetua da maneira seguinte:
Cada um deve aproximar-se, apanhar na caixa uma raiz e
jogá-la no fogo; depois, deve expor seus órgãos sexuais à fuma­
ça que se desprende dessa raiz.
Se se trata de uma mulher, ela solta simplesmente sua
saia e fica em cima do mangal; se for um homem, ele tira ou
abaixa seus “sharovars” e fica do mesmo modo em cima da
fumaça.
E só depois dessa “purificação” que eles podem entrar
no cômodo principal; caso contrário, eles crêem que não so­
mente as más influências entrarão na casa, mas que o acúmulo
dessas influências pode atrair para o homem graves doenças.
Esses mangais sagrados são em geral dissimulados com
os melhores “djedjins”, espécie de panos exclusivamente teci­
dos pelos curdos.

971
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Eu o repito, meu filho: existem atualmente, no continen­


te da Asia, numerosos costumes desse gênero.
Fui pessoalmente testemunha de centenas desses costu­
mes, à primeira vista estranhos e bárbaros, mas cujo estudo
sério e imparcial revela o sentido oculto, sempre orientado para
a mesma meta: a de destruir os funestos agentes propagadores
de diversas doenças, fortificando, ao mesmo tempo, o pudor
moral.
Em contrapartida, no continente da Europa, eu não en­
contrei, por assim dizer, um só costume especialmente criado
com um propósito de higiene ou com o de inculcar nas massas
o senso moral.
Por certo, existem na Europa costumes de todo tipo, exis­
tem mesmo milhares deles; mas, se os seres de lá os instituíram,
foi para ter mais chance de se agradarem uns aos outros ou
para ocultar sua verdadeira situação, quer dizer, para mascarar
as formas indesejáveis de sua aparência exterior — indesejá­
veis, evidentemente, segundo suas concepções subjetivas — e
dissimular a nulidade de seu próprio valor interior.
Os costumes que reinam atualmente lá agravam a cada
ano mais a oposição da personalidade e da razão dos homens.
O pior é que hoje em dia todo o “oskianotznel”, ou siste­
ma de educação, das novas gerações se resume em impor as
crianças costumes variados que só engendram a imoralidade.
Em conseqüência, os dados cristalizados há muitos séculos para
ajudar na formação de um ser à imagem de Deus, e não de um
simples “animal”, como o diriam eles mesmos, se descristali-
zam mais de ano para ano; por outro lado, seu psiquismo tor­
na-se quase digno daquele que nosso querido Mestre definiu
por estas palavras: “Há de tudo nele, exceto ele mesmo”.
E de fato, meu filho, na ausência total de bons costumes
patriarcais, sua famosa “educação” converteu definitivamente
os seres atuais desse continente no que se chama “autômatos”,
ou bonecos mecânicos vivos.

972
BELZEBU NA AMÉRICA

Hoje, eles já nâo podem mais se animar e se manifestar a


não ser que se pressione por acaso sobre os “botões” corres­
pondentes às impressões que eles perceberam mecanicamente
durante sua idade preparatoria.
Se não se pressionam esses “botões”, cada um desses se­
res nada mais é, como diz ainda nosso muito sábio Mulá Nassr
Eddin, que um “agregado de pedaços de carne”.
Devemos notar aqui, meu filho, que uma das causas prin­
cipais do estado no qual se encontram os seres da civilização
contemporânea é uma vez mais o onanismo.
Esta doença que, nesses últimos tempos, assumiu o cará­
ter de uma epidemia é ela mesma a consequência da educação
deles, que tem por princípio inculcar a idéia funesta, profun­
damente enraizada no consciente de cada um, que é preciso
evitar, a todo custo, falar às crianças da questão sexual.
Insisto, aliás, no fato de que esta idéia, tão estreitamente
percebida por sua ingênua razão, e cujo alcance nenhum deles
compreende, já que a consideram como uma simples questão
de “decência” ou de “indecência”, é para dizer a verdade a
causa original de sua fenomenal “mecanicidade psíquica”.
Nesse conjunto de concepções bem arraigadas que eles
chamam “educação”, um lugar especial está reservado à expo­
sição precisa e detalhada do que se deve ou nào dizer às crian­
ças — em outros termos, do que se tem motivos para conside­
rar como “conveniente” ou “inconveniente”.
Devo lhe dizer que, perto do final de minha última esta­
da na superfície de seu planeta, tive de estudar esta penosa
questão, sob todos os seus aspectos.
A fim de que você saiba mais ou menos a que resultados
leva a educação atual das crianças, lhe contarei certo incidente
que despertou em mim um interesse todo particular por esta
calamidade terrestre.
A história que vou lhe contar se passou na grande co­
munidade da Russia; ela lhe dará, no entanto, uma imagem

973
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

impressionante da espécie de educação que recebem todas


as crianças na civilização contemporânea.
Ela é mesmo muito característica, porque, nessa grande
comunidade da Rússia, os seres “responsáveis”, e sobretudo os
da “classe dirigente”, se esforçam para educar suas crianças
exatamente da mesma maneira que os seres “ responsáveis” das
outras comunidades que povoam os continentes da Europa e
da América.
Antes de lhe contar o incidente em si, começarei por lhe
fazer o relato de acontecimentos anteriores, que evidenciarão
o sentido mesmo do que eles chamam “educação” e que con­
tribuíram, eles também, para suscitarem mim um interesse todo
particular por esse problema.

“Naquele ano, tive de ficar vários meses seguidos na ca­


pital dessa comunidade, a cidade de São Petersburgo.
Lá eu tinha como amigos um casal de pessoas idosas.
O marido era “senador”; a mulher, que pertencia â “alta
sociedade”, era patrocinadora de várias obras de beneficência.
Eu ia frequentemente visitá-los e gostava de jogar xadrez
com o senador, como faziam então as “pessoas distintas”.
Esses velhos esposos tinham várias filhas.
As mais velhas já estavam todas “colocadas”, quer dizer,
casadas. Na casa só restava a mais nova, uma garota de doze anos.
Como esses esposos nao tinham mais de se preocupar
com suas outras filhas, decidiram dar à sua caçula a melhor
educação possível, segundo as concepções da época. Com este
fim, eles a puseram “interna” em um dos melhores desses esta­
belecimentos de instrução pública que se chamam lá “institutos”.
A garota só ia para casa aos domingos e em dias de gran­
des festas; uma vez por semana, num dia fixo, o pai e a mãe iam
vê-la no internato.
Ora, aos domingos e em dias de festa, eu ia quase sempre
ã casa deles, e ali encontrava essa encantadora garota, ainda

974
BELZEBU NA AMÉRICA

muito jovem para estar corrompida; às vezes, ia até passear com


ela no parque vizinho.
Durante esses passeios, ora gracejavamos, ora ela me fa­
lava de suas lições ou me contava suas novas impressões.
Esses encontros e essas conversas estabeleceram entre nós
uma espécie de amizade que se afirmava de semana a semana.
Ela era muito viva em suas percepções e suas manifesta­
ções, ou, para retomar os termos usados em seu meio, era uma
garota “petulante e, no entanto, ponderada”.
Um dia, meu amigo senador foi encarregado por seu go­
verno de uma distante “inspeção”, em algum lugar na Sibéria.
Sua mulher queria acompanhá-lo, pois o senador sofria
de uma doença de fígado que exigia cuidados constantes. Mas
se via impedida pela situação de sua filha caçula, que não teria
ninguém para cuidar dela.
De modo que seus pais, meus velhos amigos, vieram me
encontrar uma bela manhã para me perguntar se eu consenti­
ría, durante sua ausência, em substituí-los junto à sua filha,
quer dizer, ir vê-la a cada semana no instituto e levá-la para
casa nos dias de festa.
Naturalmente, aceitei de imediato a proposta deles.
O senador e sua mulher partiram logo para a Sibéria e
me dispus a cumprir pontualmente as obrigações que assumira
para com sua filha, que se tornou assim, verdadeiramente, mi­
nha pequena protegida.
Desde minha primeira visita a essa instituição, especial­
mente criada visando à educação das crianças, percebí alguma
coisa de estranho que me levou, cm seguida, a observar e a
estudar as conseqüências que ocasiona, para seus favoritos
atuais, esse “flagelo” dc sua invenção.
No dia de minha visita a essa “instituição distinta”, como
eles dizem, havia muita gente no parlatorio reservado às entre­
vistas dos pais e tutores com suas filhas ou suas pupilas.
Alguns pais acabavam de chegar, outros conversavam com

975
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

suas filhas, outros ainda estavam sentados e aguardavam, toda


sua atenção fixada nas portas por onde entravam de hábito as
pupilas do estabelecimento.
Após explicar à vigilante de plantão quem eu desejava
ver, sentei-me, por minha vez, para esperar minha pupila oca­
sional. Enquanto isso, olhava a meu redor.
Todas as alunas desse “estabelecimento distinto” usavam
vestido igual e todas estavam penteadas da mesma maneira, os
cabelos repartidos cm duas tranças. Estas lhes caíam pelas cos­
tas, amarradas em suas extremidades por fitas.
A estranheza dessas tranças me saltou ¡mediatamente
aos olhos.
Em certas alunas, as fitas flutuavam livremente nas cos­
tas, enquanto em outras, elas estavam amarradas de uma certa
maneira.
No primeiro dia de festa que se seguiu, quando levei
minha pupila para casa, perguntei-lhe, na hora do chá, diante do
samovar:
“Queira me explicar, Sofia, por que as alunas de seu ins­
tituto, onde se é tão estrito quanto ao uniforme, se permitem
essa fantasia no uso de suas tranças?
Ela enrubesceu e guardou silêncio, os olhos pensativos
lixados em seu chá, depois acabou por responder com um cer­
to nervosismo:
“Sim, é verdade. Mas isto não é tão simples. E mesmo o
grande segredo do instituto. No entanto, não posso ocultá-lo
de você, que é meu amigo, pois estou absolutamente segura de
que não falará disso a ninguém e que não trairá jamais nosso
grande segredo”.
E me confessou francamente isto:
“Entre nós, a maneira de amarrar as fitas foi inventada
expressamente pelas internas, para poderem se distinguir umas
das outras, quer dizer, para reconhecer a que clube pertence
cada aluna, sem que as professoras das classes, as inspetoras e,

976
BELZEBU NA AMÉRICA

em geral, todos os que nao são alunas do instituto, possam sus­


peitar da coisa e adivinhar nosso segredo.
“Todas as internas do instituto se dividem em duas catego­
rias: umas pertencem ao “clube masculino”, as outras ao “clu­
be feminino” e nós nos reconhecemos pela maneira como es­
tão amarradas nossas fitas.”
Depois ela explicou-me muito precisamente em que con­
sistia a diferença desses dois clubes.
Ela disse que no instituto toda recém-chegada era consi­
derada por obrigação como membro do clube feminino, e que
mais tarde somente, se ela desse prova de algum atrevimento
para com a professora da classe ou a vigilante, ou se ela se
mostrasse capaz de iniciativa no que quer que fosse, passava
cntao, com o consentimento de todas as alunas, ao grupo dos
membros do clube masculino:
“A partir desse momento, ela amarra juntas as fitas de
suas duas tranças.
“Nosso clube usa de hábito para lugar de reunião seja
uma sala de aula livre, seja o dormitório, e mais frequentemen­
te ainda os banheiros.
“As eleitas do clube masculino gozam dos privilégios se­
guintes: têm o direito de escolher, para dispor delas à sua von­
tade, tantos membros do clube feminino quanto desejarem, e
estas são obrigadas a sempre satisfazer as menores exigências dos
membros do clube masculino, e a dedicar-se, sem reservas, a faci­
litar sua estada em nosso internato, por exemplo, fazendo suas
camas de manhã, copiando-lhes as lições, dando-lhes uma parte
das guloseimas que recebem de seus pais, e assim por diante.
“A principal ocupação dos clubes consiste em 1er em co­
mum os livros proibidos, obtidos por uma de nós — e sobretu­
do um manuscrito muito raro, comprado com o dinheiro de
uma subscrição geral do instituto. Este manuscrito expõe em
detalhe o ensinamento da famosa poetisa Safo.”
Devo lhe dizer, meu filho, que Safo era uma poetisa

977
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

grega que hoi a primeira cm seu planeta a descobrir “o cami­


nho da verdadeira felicidade”, para a satisfação dc inumerá­
veis mulheres, tanto da época da civilização greco-romana como
de nossos dias.
Esta grande criadora da “felicidade feminina” residia na
Ilha de Lesbos. E do nome desta ilha que vem o título das
mulheres que se tornaram dignas dc compreender e realizar,
no processo de sua existência, o ensinamento dessa mulher no­
tável; hoje em dia as chamam “lésbicas”.
Minha pupila — que assim se tornava, por acaso, minha
iniciadora quanto às sutilezas do psiquismo dos seres de sexo
feminino de seu planeta — explicou-me ainda que toda aluna
do instituto, membro do clube masculino, podia escolher para
seus passatempos quantas parceiras ela desejasse. Esses passa­
tempos, é claro, estavam em perfeito acordo com o ensinamen­
to da poetisa Safo.

Um fato como este que acabo dc lhe contar, tomado en­


tre milhares de outros, o fará compreender, penso eu, que esta
monstruosidade fenomenal não teria jamais podido aparecer
na nova geração sem essa funesta idéia de que talar às crianças
de questões sexuais é de todo inconveniente.
Esta noção dc “conveniência” é, aliás, uma herança que
os seres da civilização atual receberam dc seus ancestrais da
época chamada “Idade Média”.
Esses candidatos hassnamusses da Idade Média, princi­
pais destruidores do verdadeiro sentido do ensinamento do Di­
vino Mestre Jesus Cristo, legaram ainda a eles uma regra de
vida diária de sua invenção, que chamaram “bom-tom”. Esta
funesta invenção criou tão profundamente raízes no psiquis­
mo das massas que ela se tornou orgânica e se transmite por
hereditariedade de geração a geração, de sorte que hoje em dia
seus favoritos, cuja vontade se tornou tão débil, não podem,
mesmo que o decidam conscientemente, renunciar a esta anormal

978
BELZEBU NA AMÉRICA

concepção, ancorada em seu psiquismo, que falar a seus filhos


de “questões sexuais” é dar prova de grosseria.
Como? Falar a seus próprios filhos de questões sexuais?
Mas não há nada de mais “indecente”!
Os únicos assuntos que os homens da civilização atual
abordam, a fim de instruir seus filhos, são as elucubrações reu­
nidas por diversos candidatos hassnamusses, no que eles cha­
mam os “manuais de bom-tom”.
E como é dito nesses manuais que falar da questão se­
xual é muito inconveniente, e mesmo imoral no caso das crian­
ças, os homens atuais, até mesmo se percebem que seu filho
favorito, ou sua filha bem-amada, está “apodrecendo”, não
podem nem ousam, qualquer “desejo intelectual” que disso
tenham, explicar francamente a seus filhos em que esse hábito
criminoso é verdadeiramente um mal e um pecado.

Ora, meu filho, o senador tinha voltado da Sibéria com


sua mulher, liberando-me assim da obrigação que eu assumira
para com sua filha caçula, quando sobreveio o incidente que
serviu de ponto de partida, como lhe disse, a minhas observa­
ções especiais e a meus estudos sobre essa terrível questão con­
temporânea.
Esse infeliz incidente se produziu em São Petersburgo,
em um estabelecimento do mesmo gênero.
A diretora dessa instituição, julgando que uma de suas
internas tinha agido contrariamente a suas famosas “regras de
conveniência”, lhe fez uma repreensão tão severa e tão desca­
bida que a culpada e uma de suas amigas — duas jovens ado­
lescentes que tinham em germe todos os dados para se torna­
rem “mulheres-mães” normais — se enforcaram juntas.
As investigações que fiz acerca deste assunto me mostra­
ram o seguinte:
Entre as alunas desse estabelecimento se encontrava uma
certa Elizabeth, que seus pais haviam trazido diretamente de

979
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

sua propriedade campestre para Sao Petersburgo para ali receber,


nesse “centro superior de instrução”, a mais moderna educação.
Uma vez no internato, essa criança de treze anos estabe­
leceu amizade com uma outra adolescente, de nome Maria.
Naquele ano, o dia da “lesta da primavera”, quer dizer, o
lu de maio, mandaram todas as alunas da instituição, segundo
o costume, lazer um longo passeio através dos campos. As duas
“amigas íntimas” estavam colocadas em grupos dilerentes, que
caminhavam a uma certa distancia um do outro.
E eis que, nos prados, Elizabeth vê passar não longe dela
um animal quadrúpede com nome de “touro”.
Desejando chamar a atenção de sua amiga íntima para
esse gentil animal quadrúpede, ela se pôs a gritar com toda
lorça: “Maria, Maria, olha, um “touro”!
Apenas ela pronunciou esta palavra “touro”, de imedia­
to todas as vigilantes se precipitaram para esta pobre Elizabeth
e a cumularam de veementes repreensões.
“Oh! Como ousa você lalar do “touro”? Vejam só! Este
animal quadrúpede se ocupa de coisas... de que jamais deve
lalar uma pessoa bem educada, muito menos uma jovem que
pertence a uma instituição distinta como a nossa!”
Enquanto as vigilantes se encarniçavam sobre esta pobre
Elizabeth, todas as alunas do instituto se agruparam em volta
delas. De repente apareceu a diretora em pessoa. Ao saber do
que se tratava, ela se pôs, por sua vez, a repreender severamen­
te a garota: “Você não tem vergonha! Pronunciar uma palavra
como essa... considerada como tão indecente!”
Por lim, Elizabeth, não podendo mais aguentar, pergun­
tou toda cm lágrimas:
“Como se deve chamar, então, esse animal quadrúpede,
já que é na verdade um “touro”?
A diretora respondeu: “Você chamou esse animal pelo
nome que lhe dá o vulgo. Mas você, pelo lato mesmo que está
no instituto, você saiu das tileiras do vulgar e, por conseguinte,

980
BELZEBU NA AMÉRICA

deve sempre ter a presença de espírito de dar às coisas incon­


venientes nomes que não soem de maneira inconveniente.
“Por exemplo, quando você avistou um animal inconve­
niente, se tivesse vontade de mostrá-lo à sua amiga, poderia
gritar: “Olhe, Maria, eis um beefsteak! ” Ou ainda: “Maria, olhe
no prado o que é tão bom de comer quando temos fome! ”
Tudo isto deixou a pobre Elizabeth tão nervosa — so­
bretudo porque a repreendiam na presença de todas as suas
amigas — que ela não pôde se conter mais e exclamou com
todo seu ser:
“Ah vocês! Infelizes solteironas que vocês são! Espanta­
lhos ambulantes! Resíduos do inferno! Porque chamei uma
coisa por seu nome, vocês se lançaram sobre mim para beber
meu sangue. Sejam três vezes amaldiçoadas!”
E com estas palavras, ela desmaiou.
Depois, desmaiaram, uma após outra, a diretora e várias
professoras e vigilantes.
Quanto às outras professoras e vigilantes desse nobre
estabelecimento, elas fizeram uma algazarra digna dos judeus
da cidade de Berditchev na hora do mercado.
Para concluir, quando as professoras e vigilantes, caídas
desmaiadas, recuperaram seus sentidos, elas constituíram em
pleno campo, sob a presidência da própria diretora, um “conse­
lho de professoras” cujo veredicto foi que expediríam, depois
do retorno à cidade, um telegrama ao pai de Elizabeth, pedin­
do-lhe que viesse buscar sua filha, visto que ela fora mandada
embora para sempre do instituto e privada do direito de entrar
em qualquer outro instituto do império da Rússia, qualquer
que ele fosse.
Na mesma noite, uma hora depois que todas as alunas
tinham regressado, um dos porteiros percebeu por acaso no
galpão de madeira essas duas adolescentes, que teriam podido
um dia tornar-se mães, balançando-se na ponta de cordas amar­
radas às vigas do teto.

981
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

No bolso ele Maria, encontrou-se um bilhete assim con­


cebido: “Sou solidaria de minha querida Elizabeth. Não quero
mais viver com nulidades como vocês. Parto com ela para um
mundo melhor”.
Esse lato me interessou então de tal modo que me dedi-
quei, de maneira particular, é claro, a investigações psicanalíti-
cas profundas sobre o psiquismo de todos os participantes des­
sa lúgubre história.
Compreendi, entre outras coisas, que no momento de sua
explosão se produziu no psiquismo da pobre Elizabeth um ter­
rível “charivari”.
E seria muito surpreendente que uma tal confusão nào
se produzisse no psiquismo de uma garota de treze anos, que
ainda não tomara consciência dela mesma, e que, antes desse
infeliz incidente, havia sempre vivido na casa de seu pai, numa
dessas grandes propriedades russas, onde seus sentidos se
haviam impregnado com essa mesma riqueza de natureza
que reinava naquele dia nos campos, perto da cidade de Sao
Petersburgo.
Tinham-na levado a essa capital ruidosa e sufocante para
mantê-la longas semanas encerrada em uma gaiola improvisa­
da. E, de repente, ela havia se encontrado em um ambiente
onde cada nova impressão despertava nela lembranças de sen­
sações maravilhosas.
Em seu planeta, os primeiros dias da primavera ofere­
cem as vezes certas cenas cujo encanto é irresistível. Represen­
te-se isto:
Ao longe, as vacas pastam... A seus pês, campánulas bran­
cas saem timidamente da terra... Roçando sua orelha, um pas­
sarinho alça vôo... A direita surge um canto de pássaro
desconhecido... Da esquerda vem o perfume penetrante de al­
guma flor escondida...
Em suma, em tais momentos, um ser tão jovem como era
Elizabeth, reencontrando-se repentinamente em um ambiente

982
BELZEBU NA AMÉRICA

feito de uma multidão de impressões extraordinarias, após ter


vivido tanto tempo numa cidade sufocante, deve experimentar
uma alegria esseral natural que faz surgir nela todo um mundo
de associações.
E isso Elizabeth devia sentir tanto mais fortemente por­
que antes do instituto ela tinha sempre vivido no campo, na
propriedade de seu pai, longe das condições já demasiado anor­
mais das cidades.
Cada nova impressão devia então despertar nela longín­
quas impressões da infancia, ligadas, por sua vez, a diversas
outras lembranças agradáveis.
Não é difícil se representar que o aparecimento inespe­
rado desse animal quadrúpede chamado “touro”, evocando
aquele que ela havia conhecido na propriedade de seu pai — e
que todas as crianças queriam bem, a ponto de lhe levar pão às
escondidas —, desencadeou, nessa adolescente impressioná­
vel, associações correspondentes, que a fizeram experimentar
uma alegria sincera; e, como ela nao estava ainda estragada pe­
las condições anormais de existência estabelecidas lá, quis
compartilhá-la com sua amiga íntima que se encontrava a algu­
ma distância, e a chamou para atrair sua atenção sobre esse
gentil “touro”.
Agora, lhe pergunto, como deveria ela chamar esse ser
quadrúpede se era de fato um “touro”?
Seria “beefsteak”, como a aconselhou a “honorável” di­
retora dessa “honorável instituição” muito especialmente cria­
da para a “educação das crianças”, segundo o sistema bárbaro
que existe hoje em dia lá para desgraça deles?

“Como o vê, meu filho, em meu desejo de dar-lhe mais


amplos detalhes sobre os seres tri-cerebrais que povoam o conti­
nente da América, acabei por lhe falar dos seres existentes em
todos os continentes desse original planeta.
Não penso, aliás, que você me censurará por isso, pois

983
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

desta maneira você aprendeu um grande número de fatos que


aclaram novos aspectos de seu estranho psiquismo.
Quanto ao “grau de degenerescência” a que caiu a pre­
sença geral dos seres que constituem essa grande comunidade
contemporânea da América do Norte, do ponto de vista da
possibilidade de adquirir um ser mais próximo daquele dos
seres tri-cerebrais normais, posso lhe dizer algo tranquilizador:
a meu ver, a porcentagem dos seres na presença dos quais essa
possibilidade nào está completamente perdida é, entre eles, mais
elevada do que noutros lugares.
Embora esta nova comunidade tenha se formado por um
fluxo, que dura ainda hoje em dia, de seres tri-cerebrais vindos
do continente da Europa, onde, para encontrar seres que guar­
daram essa possibilidade, é preciso, como o diz nosso querido
mestre Mulá Nassr Eddin, “procurar especialmente com um
holofote de alta potência”, essa porcentagem, repito-lhe, é mais
elevada na América que nos países europeus.
E isto se deve, a meu ver, ao fato de que aqueles que
emigraram e emigram ainda do velho continente são, em sua
maioria, “pessoas simples”, e não rebentos de seres europeus
pertencentes à classe dirigente, nos quais as predisposições às
propriedades hassnamussianas, transmitidas hereditariamente
de geração a geração durante longos séculos, desenvolveram
uma tal “suficiência interior” que esta não lhes permite mais
hoje em dia se fundir com a massa, para empenhando-se com
ela, por meio de esforços comuns, se aproximar do que de­
veríam vir a ser como seres tri-cerebrais.
Foi unicamente graças a esta ausência quase total de re­
bentos da classe dirigente européia, entre os seres do continen­
te da América, e graças ao fato de que sua massa constitui um
meio no qual nos é ainda possível, a nós outros, existir sem
sofrer a influência das emanações locais dos que nos rodeiam
— cuja ação sobre as “forças interiores naturais subjetivas” de

984
BELZEBU NA AMÉRICA

todo ser é nefasta —, que pude, durante minha estada entre


eles, repousar como eu queria.

“Já que passei tanto tempo, meu filho, a lhe explicar o


significado de todos os costumes perniciosos que os seres des­
sa grande comunidade atual inventaram, ou que eles restaura­
ram, costumes muitas vezes praticados antes deles em seu pla­
neta, e que se tornaram funestos, no sentido objetivo, não so­
mente para eles, mas para seus favoritos que povoam os de­
mais continentes — me será então absolutamente necessário, à
guisa de “acorde final”, iniciá-lo na sequência de idéias que
surgiram em meu pensar no dia de minha partida da cidade de
Nova York e só terminaram no navio que me levava para o
leste, longe desse continente.
Naquele dia, eu estava sentado no “Columbus Circle”,
num desses singulares cafés que eles chamam “Childs”, espe­
rando, para dirigir-me com eles ao embarcadouro, os seres do
continente da Europa que me haviam acompanhado à Améri­
ca. Eu olhava pela janela o vaivém dos passantes que pareciam,
para uma percepção automática, se distinguir uns dos outros em
seu aspecto exterior, graças a essa invenção funesta chamada
“moda”, recentemente implantada entre eles, e da qual, mais
do que em qualquer outro lugar, eles são os escravos, mas que
para mim pareciam, quanto à sua “consistência interior”, to­
dos surpreendentemente semelhantes.
Observando-os, eu voltava às deduções definitivas que
havia feito na véspera e pensava que, no processo planetário
geral de existência ordinária desses estranhos seres tri-cerebrais,
os seres dessa nova comunidade representam, para esta parce­
la do “curso de Heropás”, o foco temporário de manifestação
intensiva de uma particularidade, há muito tempo inerente à
totalidade de seu estranho psiquismo, e da qual um dos mais
santos Individuuns dizia um dia que ela era “a principal fonte
periódica de novas anomalias”.

985
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Esta série de associações, assim como as reflexões ativas


que se seguiram, tiveram como ponto de partida uma constata­
ção que fiz por acaso, a saber, que aquilo que constituía a “to­
talidade de aparência subjetiva” de cada um deles, como as
roupas, os gestos, as maneiras, e cm geral todos os hábitos que
eles contraem no curso de sua existência coletiva, não é senão
imitação pura e simples de tudo o que, entre os seres das co­
munidades independentes dos demais continentes, é conside­
rado pelos seres livres dessas comunidades mesmas — livres,
quer dizer, já plenos de experiência e, por conseguinte, sem
nenhuma ilusão sobre o que pode dar o processo de existência
ordinária — como uma manifestação indigna de seus seme­
lhantes.
Esta constatação fortuita me surpreendeu muito, porque
eu já tinha adquirido a inteira convicção de que se, por um
lado, os seres da época pertencentes a quase todas as demais
comunidades desse planeta, quer fossem de formação recente
ou antiga, imitavam o mais possível c adotavam com entusias­
mo, no processo de sua existência ordinária, todas as inova­
ções dos seres desse jovem agrupamento, por outro lado, todas
as manifestações exteriores destes últimos, e por conseqüência
tudo o que lhes servia de “base subjetiva interior”, consistiam ex­
clusivamente de todos os maus hábitos que, para grande pesar
dos seres livres das demais comunidades independentes, se fi­
xaram, como já lhe disse, na presença geral dos seres ordinarios,
a ponto de se tornarem inerentes a eles.
Esta surpreendente constatação fez surgir em mim um
desejo muito intenso de descobrir as causas lógicas que haviam
engendrado esse absurdo terrestre.
O dia inteiro, enquanto estava sentado no “Childs” onde
eu esperava os seres do continente da Europa que me acompa­
nhavam, bem como no táxi que me levava ao embarcadouro, e
mesmo no navio, eu não cessava de refletir, da maneira mais
ativa, para resolver esta questão, naturalmente mantendo

986
BELZEBU NA AMÉRICA

sempre, aos olhos dos estranhos, a aparência de olhar maqui­


nalmente o que se passava ao meu redor. Eu tinha, aliás, me
tornado especialista e até mesmo “virtuose” na arte de agir as­
sim, a fim de me assemelhar a eles e de passar despercebido,
ou, como se diz, de nào “atrair os olhares”.
Enquanto sentado no convés, eu olhava as luzes do con­
tinente se esfumarem à medida que o navio se afastava em di­
reção ao leste, eu refletia, comparando entre eles todos os fatos
e considerando seu encadeamento lógico. Cheguei então a elu­
cidar quase inteiramente por que e como semelhante absurdo
pudera surgir nesse infeliz planeta.
Para começar, estabeleci uma quantidade de fatos susce­
tíveis de terem favorecido seu aparecimento, depois, eliminan­
do pouco a pouco, como se faz em caso semelhante, tudo que
não era senão consequência inevitável, acabei por descobrir
um fato, sem importância à primeira vista, que me surpreen­
deu até mesmo muito, mas que nem por isso deixava de ser a
causa original dessa anomalia.
Dei-me conta, com efeito, de que essa famosa “educa­
ção”, de que tão frequentemente lhe falei, comporta entre ou­
tras consequências a de sempre fazer aparecer na presença ge­
ral de cada um deles, durante o período de preparação para
uma existência responsável, qualquer que seja a comunidade a
que pertença, os dados que suscitam a convicção bem arraiga­
da de que nunca, nas épocas passadas, seus semelhantes haviam
se aperfeiçoado até a razão que os contemporâneos atingiram e
poderiam mesmo ainda ultrapassar.
Concentrando então meus pensamentos neste fato e lem­
brando-me de todas as impressões, conscientes ou automáti­
cas, que tinha tido acerca deste assunto durante as observações
a que me dediquei sobre eles, me pareceu pouco a pouco que,
com efeito, todos os seus favoritos, os dos últimos trinta sécu­
los sobretudo, se convencem, no curso de sua existência res­
ponsável, de que sua “civilização” contemporânea é o mero

987
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

resultado do desenvolvimento contínuo e espontâneo de sua


razão, iniciado desde o aparecimento dos seres tri-cerebrais em
seu planeta.
Ora, acontece que, num agrupamento qualquer, certos
seres, detendo, por acaso, alguma coisa que é vista como dese­
jável — o que lhes confere de imediato uma autoridade —,
vêm a conhecer, igualmente por acaso, é claro, uma idéia mui­
tas vezes retomada pelos seres de épocas passadas, e que, fa­
zendo-a passar por sua, eles a propagam ao seu redor. Desde
então, os seres dos demais agrupamentos, sob a influência des­
ses dados constituídos durante sua idade preparatoria e que
suscitam neles essa “convicção” errônea, e em razão de sua
falta total, devido a uma educação incorreta, de fatores susce­
tíveis de engendrar em sua presença a “sensação instintiva da
realidade” e a “amplitude de visão” próprias a todo ser tri­
cerebral de idade responsável, crêem que essa idéia apareceu
pela primeira vez em seu planeta, e que, do momento que sua
aplicação prática é realizada por aqueles mesmos que possuem
essa “alguma coisa de desejável”, ela deve ser realmente exce­
lente. E eles se pôem então a imitá-los em tudo, tomando tanto
o bom como o mau, mesmo que seja contrario a tudo o que já
está solidamente fixado em sua existência ordinária, com o
único fim de possuir, por sua vez, essa “alguma coisa” que é
vista “por hoje” como desejável.
Lembrei-me mesmo de ter seriamente refletido acerca des­
se assunto muito tempo antes, quando durante minha quinta
estada na superfície de seu planeta, na época em que a cidade
de Babilônia era considerada como o centro de cultura de seus
favoritos, tive de fazer, por ocasião de um problema similar,
uma “análise lógica” desse estranho aspecto do psiquismo des­
ses originais seres tri-cerebrais.
Eu tinha então raciocinado assim:
Provavelmente pode-se encontrar uma desculpa para essa
maneira de pensar, se se leva em consideração as condições

988
BELZEBU NA AMÉRICA

anormais de existência ordinaria outrora estabelecidas entre


eles, que impediram toda informação exata, relativa aos acon­
tecimentos das épocas passadas, de chegar aos seres tri-cere­
brais contemporáneos. Mas como admitir que até o presente
nenhum deles — embora se passe por vezes em seu pensar,
mesmo em nossos dias, “alguma coisa” que se parece com o
processo de “lógica confrontativa” — tenha se dado conta de
uma idéia tão simples e, segundo sua expressão, “infantil”?
Essa idéia é a seguinte: se, como eles dizem e como disto
estão mesmo convencidos, seu planeta existe há muitos longos
séculos, com seres de sua espécie, e se antes deles milhões e
milhões de seus semelhantes, quer dizer, seres dotados de pen­
samento, ali se sucederam, como é possível que entre esses mi­
lhões e milhões não se encontrassem alguns capazes de inventar,
para a felicidade de seus contemporâneos, diversas como­
didades análogas a essas dos seres americanos atuais, que to­
dos os demais imitam sem nenhuma crítica e até se extasiam
com elas, tais como os confortáveis assentos de seus water-
closets, as conservas, e assim por diante?
Esta falta imperdoável de pensamento é tanto mais estra­
nha quando eles mesmos afirmam a existência de numerosos
“sábios antigos”, como eles os chamam, e não negam as mui
numerosas informações que lhes chegaram sobre as verdades
objetivas descobertas por esses sábios antigos, informações que
alguns de seus favoritos atuais fazem passar, aliás, sem nenhum
remorso de consciência, como produto de seu próprio pensa­
mento, explorando-as para diversos fins egoístas, sem descon­
fiar que o resultado inevitável de todas essas manipulações será
o de levar cedo ou tarde seus descendentes a algum desastre
definitivo.
Segundo as observações que fiz sobre eles desde o desa­
parecimento do continente da Atlântida, esta particularidade
de seu pensar, tão difícil de compreender por “análise lógica”,
e que engendrou neles a convicção errônea de que falei, sempre

989
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

foi a causa “centro de gravidade” de quase todos os


acontecimentos desagradáveis, grandes e pequenos, surgidos
no processo de sua existencia coletiva.
Em razào dessa convicção errônea, resultado de seu es­
tranho pensar, assim como da açào que tem sobre o funciona­
mento do seu sentimento as conseqüências das propriedades
do órgão kundabuffer, que surgem inevitavelmente neles na
idade responsável e levam os nomes de “inveja”, de “avidez” e
de “ciúme”, acontece sempre lá, quando os seres de um agru­
pamento qualquer vêm a possuir alguma “novidade” conside­
rada como muito apreciável, que os seres de todos os agrupa­
mentos dos demais continentes, ao ouvir talar da tal coisa, ex­
perimentam em sua presença geral, em conseqüência de um
hábito funesto fixado em sua vida cotidiana e que eles expres­
sam pelas palavras “não ser ultrapassado pelo progresso”, o
desejo dc possuí-la por sua vez. Em cada um deles aparece en­
tao, como já lhe disse, de um lado, a necessidade de imitá-los e,
de outro lado, a certeza absoluta de que os seres desse agrupa­
mento têm um modo dc existência inteiramente justo, já que
chegaram a adquirir o que é considerado como muito apreciável.
Notemos a respeito disso a picante singularidade do pen­
sar de seus favoritos, no qual não se efetua jamais o processo
chamado “reflexão”, que lhes permitiría mais ou menos com­
preender as verdadeiras razoes pelas quais certos seres possuem o
que provoca nos outros a “inveja”, a “avidez”, o “ciúme”, e
assim por diante.
E por isso que, meu filho, se é verdade que os seres desse
novo agrupamento não adquirem por si mesmos e não se apro­
priam de nenhum dos resultados obtidos pelos esforços cons­
cientes e o sofrimento voluntário dos seres tri-cerebrais das épo­
cas passadas, se é verdade que todo seu conteúdo interior e
todas as suas manifestações exteriores consistem unicamente
daquilo que os seres contemporâneos de outros agrupamentos
independentes têm de pior, nem por isto estes últimos deixam

990
BELZEBU NA AMÉRICA

de imitar, o quanto podem, cada uma de suas invenções — e


isto pela única razão de que os seres desse novo agrupamento
se tornaram os detentores do que há de mais desprezível, no
sentido objetivo da palavra, mas que as condições anormais de
existência ordinária desses infelizes os fazem considerar como
desejável.

Dentre todas as inovações funestas dos seres dessa gran­


de comunidade, que por acaso adquiriram autoridade, a mais
prejudicial, quer dizer, aquela cujos maus efeitos serão no fu­
turo os mais difíceis de corrigir em sua presença geral, é o há­
bito que eles adquiriram de passar a maior parte de sua exis­
tência em casas muito altas.
Para que você compreenda bem a que ponto esta inven­
ção lhes é prejudicial, devo primeiro lhe explicar o seguinte:
Lembra-se, quando lhe falei do “meio funesto” de que
eles se servem hoje em dia com o nome de “esporte”, eu lhe
disse que no princípio seus favoritos tinham eles também uma
duração de existência “fulasnitamniana”, que se prolongava
obrigatoriamente até que o corpo kessdjan se tivesse revestido
neles e aperfeiçoado até o grau requerido de razão, mas que,
mais tarde, quando eles estabeleceram condições muito anor­
mais de existência esseral ordinaria, a Grande Natureza foi, a
partir de então, obrigada a realizar a presença deles e o proces­
so de sua existência segundo o princípio Itoklanotz, quer di­
zer, em conformidade com os resultados de certas causas cir­
cundantes.
Desde então, uma destas causas foi o “grau de densidade
das vibrações” de seu segundo alimento esseral, ou, como eles
mesmos diriam, “o grau de concentração” do ar respirado.
Com efeito, esta formação cósmica que serve de segundo
alimento aos seres é, ela também, constituída segundo a lei cós­
mica fundamental, a do Triamazikamno sagrado, e se realiza
por conseguinte mediante três tipos de substâncias cósmicas he­
terogêneas, correspondentes às três santas forças independentes.

991
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

As primeiras destas substancias sào as emanações do sol


do sistema no qual essa formação cósmica serve de segundo
alimento aos seres.
As segundas, as substancias transformadas pelo próprio
plafleta no qual existem os seres que absorvem esse alimento.
E as terceiras, as substancias transformadas pelos demais
planetas desse sistema, que as comunicam a esse planeta por
meio de suas radiações.
Assim, o processo de fusão de todas as substancias
necessárias à formação normal e à existência dos seres não pode
se efetuar, na proporção requerida, a não ser aquém de uma
distância determinada da superfície do planeta, porque, segun­
do uma lei cósmica de segunda ordem chamada “Tenikdoa”
ou, como a chamam seus favoritos, “lei de gravidade”, as subs­
tâncias correspondentes à segunda força santa do Triamazika-
mno sagrado não têm a possibilidade de ultrapassar um certo
limite da atmosfera.

A meu ver, você mesmo pode considerar agora todas as


consequências do que acabo de lhe expor e reunir os dados
requeridos para uma opinião pessoal sobre o alcance desta in­
venção.
Penso, aliás, meu filho, que satisfiz plenamente sua
curiosidade a respeito desses adeptos “dólares-foxtrotistas” da
famosa “Christian Science”.
Em nome da justiça objetiva, resta-me reconhecer que, o
que quer que sejam hoje em dia esses americanos e o que quer
que possam vir a ser, tive apesar de tudo, durante o período em
que existi entre eles, a possibilidade de um repouso interior; e
devo agora expressar-lhes minha sincera gratidão.
E por isso que, meu filho, meu herdeiro, você que já rece­
beu e receberá ainda, por hereditariedade, tudo o que eu ad­
quiri no curso de minha longa existência — evidentemente na
medida em que você mesmo o mereça por uma existência esseral

992
BELZEBU NA AMÉRICA

consciente, honestamente posta a serviço de Nosso Pai Eterno,


Sustentáculo de todas as coisas —, eu lhe ordeno: se lhe acon­
tecer de ir ao planeta Terra, de se dirigir sem falta à cidade de
Nova York, ou, se esta cidade já nào existir mais, ao lugar onde
se localizava, de deter-se ali e de pronunciar em voz alta, com
todo seu ser, estas palavras:
“Nestes lugares, meu bem-amado avô, meu equitativo
mestre, Belzebu, passou agradavelmente alguns instantes de
sua existência”.
Eu o encarrego mesmo — como herdeiro a quem cabe a
tarefa de cumprir as obrigações que seu predecessor tomou
sobre si e das quais, por uma razão ou outra, não pôde
desincumbir-se inteiramente — de conceder atenção especial
a uma questão que me interessou muito e que não tive a possi­
bilidade de esclarecer, dado que era então prematuro fazê-lo:
dito de outra maneira, de pesquisar que forma nefasta terá to­
mado para seus descendentes, evidentemente, se eles ainda ti­
verem descendentes nesse momento, uma “doença” muito dis­
seminada hoje em dia e que certo Mister Onanson denominou
“prurido literário”.
Com efeito, meu filho, durante minha estada entre seus
favoritos, entrei em relação mais ou menos estreita com nume­
rosos seres, e notei muito depressa que cada um deles, ou qua­
se, já havia escrito um livro, ou que estava escrevendo um, ou
ainda que ele “se destinava à literatura”.
Esta original doença, de que sofriam quase todos os se­
res daquele continente, sem distinção de idade nem de sexo, se
espalhava como uma epidemia no meio da “juventude”, quer
dizer, entre os que chegavam à idade responsável, e sobretudo
entre aqueles que tinham ainda muco no nariz e o rosto cober­
to de inumeráveis espinhas.
A este respeito, devemos notar uma particularidade do es­
tranho psiquismo desses seres originais que lhe interessam, parti­
cularidade que há muito tempo ocupou um lugar na existência

993
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

coletiva deles e pode se formular assim: “concentração de in­


teresses na idéia que se tornou, por acaso, a questão do mo­
mento”.
Foi assim que alguns deles, mais “astutos” que os de­
mais, e nos quais estavam mais atrofiados os dados próprios
para engendrar o impulso esseral chamado “refrear instintiva­
mente todas as manifestações suscetíveis de induzir seus seme­
lhantes cm erro”, fundaram “escolas” e compuseram “manuais”
de todo tipo, nos quais eles mostravam em detalhe, com um
cuidado particular, segundo que ordem as palavras deviam se
suceder para que uma obra fosse melhor percebida e melhor
assimilada pelo leitor.
Desse modo, aqueles que frequentavam estas “escolas”
ou que liam estes “manuais”, sendo eles mesmos, quanto a seu
ser, e a seu conhecimento da realidade, tipos que nosso mestre
Mulá Nassr Eddin definiu como “nulidades que desprendem
uma atmosfera de vibrações insuportável”, dedicavam-se a suas
“sofisticações” conformando-se a essas regras. Desde então,
pelo fato de que o processo de leitura tinha se tornado para
eles uma necessidade orgânica, sob o efeito de diversas anoma­
lias ligadas às condições de existência ordinária desse novo agru­
pamento, e que por outro lado não lhes era possível apreciar o
conteúdo de uma obra, a não ser lendo-a do começo ao fim,
todos os seres desse continente, seduzidos pela multidão de
títulos “retumbantes”, se puseram a 1er e a 1er, a tal ponto que,
obviamente, seu pensar, já bastante “diluído” sem isto, se “di­
luía” e se “diluía” cada vez mais.

“Não foi descuidadamente que eu disse há pouco: “se


eles ainda tiverem descendentes naquele momento”, pois no­
tei neles certa singularidade, devida à nova conformação do
corpo planetário dos seres de sexo feminino, singularidade que
eu já havia observado numerosos séculos antes, no processo de

994
BELZEBU NA AMÉRICA

existência ordinaria de certos de seus favoritos, e cujos efeitos


pude entao constatar com muita exatidão.
Esse curioso fenômeno tinha se produzido, antes do de­
sastre da Atlântida, no processo de existência de um pequeno
grupo de seres tri-cerebrais originarios de diversas grandes co­
munidades de entao. Estes seres existiam à parte, numa ilha
célebre chamada “Balakanira”, situada a leste do continente
da Atlântida, e que toi tragada ao mesmo tempo que este.
Este pequeno grupo acabou por se extinguir, em razào
de uma estranha particularidade da conformação do corpo pla­
netário dos seres de sexo feminino, e a maneira pela qual a
continuação da espécie se deteve foi chamada, pelos membros
sábios da sociedade dos akhldanneses, “dezsupsentozirosso”.
Esta estranha particularidade consistia em que, depois
de vários séculos, a bacia dos seres de sexo feminino se tornava
cada vez mais estreita.
Este estreitamento da bacia se fazia a uma velocidade tão
rápida que, dois séculos antes de seu desaparecimento definiti­
vo, a “vinda ao mundo” de suas concepções acidentais e de­
senvolvidas de qualquer maneira se fazia por um meio chama­
do “sitrik”, que eles denominam hoje em dia operação cesariana.”

Neste ponto do relato de Belzebu um forte redemoinho


se produziu no éter que penetrava toda a nave Karnak. Isto
significava que os passageiros eram chamados ao “djamdjam-
pal”, quer dizer, ao refeitório da nave, onde eles se reuniam
periodicamente para absorver juntos o segundo e o primeiro
alimentos esserais.
Por isso Belzebu, Hassin e Ahun suspenderam sua con­
versa para se apressarem em ir ao “djamdjampal”.

995
Capítulo 43
Belzebu expõe suas maneiras de ver
sobre o processo periódico
de destruição mútua
dos homens

QUANDO Belzebu, Hassin e Ahun voltaram do “djamdjam­


pal” e retomaram seus lugares habituais, Hassin, voltando-se
de novo para seu avô, lhe disse:
— Querido avô! Graças a suas explicações detalhadas
sobre diferentes episódios do processo de existência dos seres
tri-cerebrais da Terra, eu adquiri uma concepção clara e uma
compreensão suficiente de seu singular psiquismo. Entretan­
to, uma pergunta se coloca ainda em mim acerca de uma de
suas particularidades, que não posso explicar a mim mesmo e
que me parece ilógica, até mesmo levando em conta a surpreen­
dente estranheza desse psiquismo. Meus pensamentos voltam
sem cessar a esta questão embaraçosa e, mesmo enquanto cele­
bravamos no djamdjampal o mistério sagrado, eles não se des­
prendiam dela.
Todas as suas explicações relativas ao processo de exis­
tência dos seres terrestres tri-cerebrais de idade responsável
me fizeram ver bem que, se a maioria deles, sobretudo após a
terceira perturbação transapalniana, quase não dispõe mais que
de uma razão puramente automática, eles podem, no entan­
to, com a ajuda dessa única razão, dar mostras de uma tal
DESTRUIÇÃO MÚTUA

engenhosidade que são mais ou menos capazes de constatar


em seu planeta todo tipo de leis da Natureza, segundo as quais
eles inventam até mesmo certas comodidades para sua existên­
cia ordinaria.
Ao mesmo tempo, em todos os seus relatos passa, como
um traço vermelho, a lembrança desta particularidade própria
a eles somente, que é a necessidade periódica de se destruírem
mutuamente.
E eis, querido avô, o que não posso compreender: como
é possível que, existindo há tanto tempo, eles nunca tenham
tomado consciência, e continuem a não se dar conta, do horror
desta particularidade?
Será possível que este processo não lhes tenha jamais apa­
recido como o mais terrível de todos os flagelos que possa exis­
tir no Universo inteiro e que, após ter tomado consciência dele,
jamais reflitam a seu respeito, nem tentem descobrir algum meio
de desenraizá-lo?
Peço-lhe, querido avô, que me explique por que isto é
assim, e quais são, dentre os diversos aspectos que apresenta a
estranheza do psiquismo deles, os que determinam esta
particularidade.”
Dito isso, Hassin levantou para seu querido avô um olhar
marcado por intenso desejo de saber.

Em resposta à pergunta de seu neto, Belzebu o conside­


rou em silêncio com um “sorriso cheio de remorsos”, depois
suspirou profundamente e disse:
— Ah !... meu filho querido...
Essa particularidade constitui, com todos os resultados
que ela acarreta, a principal causa de suas anomalias, e especial­
mente de todo o “embaralhamento lógico deles”.
Após uma nova pausa, ele prosseguiu:
— Pois seja! Eu o ajudarei a compreender essa questão,
até porque já lhe prometi explicá-la em detalhe.

997
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Mas, cm consideração ao desenvolvimento de seu pensar


ativo, nao lhe exporei minha opinião pessoal a esse respeito;
me contentarei em lhe comunicar o material indispensável para
uma confrontação lógica, a fim de favorecer em você a cristali­
zação dos dados que lhe permitirão formar uma opinião indi­
vidual sobre a questão.
Você me perguntou, entre outras coisas, se eles não ti­
nham jamais refletido sobre essa tendência abominável que
pertence só a eles.
Com certeza: como não teriam refletido sobre ela? Como
não a teriam percebido?...
Alguns desses seres tri-cerebrais pensam mesmo nisso fre-
qüentemente, e compreendem perfeitamente, apesar do auto­
matismo de sua razão, que essa tendência à destruição recípro­
ca periódica é um horror inimaginável e uma infâmia tal, que
não se pode sequer lhe dar um nome.
Infelizmente, suas reflexões não chegam nunca a nada.
Com efeito, se alguns raros seres refletem por vezes seria­
mente sobre o assunto e fazem a seu respeito certas constata­
ções sensatas, estas jamais se propagam amplamente, nem pe­
netram no consciente dos demais seres, e isto em razão da au­
sência de uma organização planetária comum submetida a uma
diretiva única.
Alias, as possibilidades que têm os seres terrestres de “re­
fletir sinceramente” sobre semelhantes questões são verdadei­
ramente miseráveis.
Você deve saber que, desde o início de sua existência
responsável, devido às condições de existência esseral anor­
malmente estabelecidas lá, seu “psiquismo de vigília” chega a
ser tal que eles não podem pensar sinceramente nas coisas, nem
vê-las sob sua luz verdadeira, salvo quando seu estômago está
a tal ponto cheio do primeiro alimento esseral que seus “ner­
vos móveis” não podem mais se mexer, ou, como eles dizem,
quando estão “completamente saciados”, e quando, por outro

998
DESTRUIÇÃO MÚTUA

lado, eles satisfizeram plenamente, para o momento dado, é


claro, todas as necessidades indignas de seres tri-cerebrais, já
inerentes a sua presença e que nela se tornaram os fatores
dominantes.
Ora, essas mesmas condições anormais de existência não
permitem a todos os seres satisfazerem tais necessidades; as­
sim, por esta razão e por outras ainda, a maior parte deles não
pode “pensar sinceramente”, ainda que tenha esse desejo, e
não pode ver nem sentir a realidade. E por isso que a “sinceri­
dade de pensamento” e a “sensação de realidade” se tornaram
há muito tempo um luxo dos mais raros, inacessível à maioria
dos seres de seu planeta.
Só têm a possibilidade de satisfazer suas necessidades até
a saciedade certos seres “importantes”, detentores de poder; e
são eles precisamente que, por sua situação, poderiam agir, se­
não para destruir este mal, pelo menos para diminuí-lo por
pouco que seja.
Mas esses seres “importantes”, detentores de poder, que
têm a possibilidade de satisfazer suas necessidades até a sacie­
dade e que poderiam fazer alguma coisa, não fazem absoluta­
mente nada — e isto por razões totalmente diferentes.
Uma vez mais, a principal dessas razões é este meio fu­
nesto fixado no processo de sua existência esseral ordinária e
que eles chamam “educação”.
Este meio funesto é aplicado lá, durante a idade preparató­
ria, a todos os jovens seres, e em particular aqueles que se tor­
narão quase sempre depois detentores de poder.
Ora, pelo fato de que estes futuros detentores de poder
não aproveitam o tempo fixado pela Grande Natureza para a
preparação dos dados que correspondem a uma existência res­
ponsável meritória, mas o desperdiçam para desenvolver neles
as propriedades que resultam de sua famosa educação, quando
estes jovens seres alcançam a idade responsável e começam a
cumprir suas obrigações, eles não têm naturalmente nenhum

999
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

dado para manifestar urna “reflexão lógica”, e se mostram in­


capazes de toda relação imparcial para com aqueles seus seme­
lhantes que estão colocados sob seu poder pela vontade das
condições circundantes.
Em razão dessa educação anormal, não somente nada se
deposita neles que os ponha em condições de compreender e
de realizar o que quer que seja de efetivo, mas bem ao contra­
rio, aparecem gradualmente neles numerosas conseqüências das
propriedades do maldito órgão kundabuffer inventado pelo
Grande-Anjo, hoje Arcanjo, Luísos, e estas, transmitindo-se
por hereditariedade de uma geração a outra, cristalizam-se no
psiquismo desses infelizes para ali se tornarem funções orgânicas.
As mais difundidas dessas conseqüências são as que exis­
tem hoje em dia lá com os nomes de “egoísmo”, “parcialida­
de”, “vaidade”, “amor-próprio” e assim por diante.
A este respeito, alias, nosso sábio Mulá Nassr Eddin dá
desses importantes detentores dc poder a definição muito in­
teressante, a saber:
“O grau dc importância dessa gente depende exclusiva­
mente do número de calos nos seus pés”.
Assim então, meu filho, aqueles seus favoritos atuais que
têm a possibilidade de se empanturrar à vontade e de satisfazer
plenamente todas as suas demais necessidades, e que poderiam
fazer alguma coisa para lutar contra o domínio deste mal terrí­
vel em seu planeta, nem sequer aproveitam — quando estão
saciados, suas necessidades estão satisfeitas e eles estão espar­
ramados em seus “macios divãs ingleses” a fim de “digerir bem”,
como se diz por lá — esses momentos tão favoráveis a um pen­
sar sincero, mas se abandonam simplesmente a seu funesto deus
“autotranqüilizador”.
E como é impossível a todo ser tri-cerebral do Universo,
e por conseguinte a todo ser de seu planeta, existir sem o pro­
cesso de pensar, e que ao mesmo tempo seus favoritos querem
ser livres para se abandonar a seu funesto deus interior

1000
DESTRUIÇÃO MÚTUA

“autotranqüilizador”, pouco a pouco eles se tornaram mestres


consumados na arte de pensar automaticamente, sem nenhum
esforço esseral de sua parte.
'lemos que fazer-lhes justiça: nisto, eles alcançaram a per­
feição. E atualmente seu pensar flui em todas as direções sem
nenhuma tensão voluntária de qualquer parte que seja de sua
presença.
Por exemplo, quando, “fartos e satisfeitos”, esses impor­
tantes detentores de poder se estendem em seus inevitáveis so­
fas, seu pensar associativo, cujo desenrolar não poderia cessar,
ao receber impulso somente dos reflexos de seu estômago e de
seus órgãos sexuais, vagabundeia livremente em todas as dire­
ções, “como bem lhe apraz”, com tanta desenvoltura como se
“vagasse à noite em Paris, ao longo do boulevard des Ca­
pucines”.
Quando um desses detentores de poder se refestela em
seu macio divã, pensam-se nele coisas deste gênero:
“Como me vingarei de meu amigo Silveira, que anteon­
tem olhou de soslaio para a mulher que “eu amo”, não com o
olho direito, mas com o esquerdo?...”.
Ou bem este importante detentor de poder repete en­
quanto “digere”:
“Por que não foi o meu cavalo que ganhou a corrida
ontem?”
Ou ainda: “Por que certas ações, que em realidade não
valem absolutamente nada, sobem dia a dia na Bolsa?”
A menos que ele não se ponha a sonhar: “Se eu estivesse
no lugar de Paulo Silva que inventou um novo procedimento
para multiplicar as moscas e fazer marfim com os esqueletos
delas, com todo o dinheiro que teria ganho, teria feito isto,
aquilo e aquilo outro, e não como esse imbecil que, tal qual o
cachorro do jardineiro, não come ele mesmo seu osso e nem
deixa que outros o comam...”.

1001
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Acontece, alias, por vezes na Terra que certos importan


tes detentores de poder pensem de repente, por acaso, nao mais
sob a influência dos reflexos do estômago e dos órgãos sexuais,
mas, sincera e muito seriamente, em alguma questão relativa a
este terrível problema.
Mas essas sinceras reflexões se produzem elas mesmas
na maior parte do tempo de maneira automática, por razões
exteriores acidentais. Por exemplo, a existência de um de seus
próximos chegou ao fim brutalmente no curso do último gran­
de processo de destruição; ou bem alguém os ofendeu grave­
mente; um outro os enterneceu, seja concedendo-lhes um gran­
de favor, seja fazendo-lhes uma dádiva que não esperavam; ou
ainda, eles sentem com toda certeza se aproximar o fim de sua
própria existência.
Em semelhante caso, se um desses detentores de poder
reflete sinceramente no mal terrível que causa estragos em seu
planeta, ele se indigna cada vez com todo seu ser; e evidente­
mente, neste estado, ele dá a si mesmo sua palavra de empreen­
der e de realizar, a qualquer custo, tudo o que for necessário
para que um tal flagelo não se reproduza mais.
Mas eis a desgraça: assim que o estômago desse ser “sin­
ceramente indignado” começa a se esvaziar, ou desde que es­
sas impressões exteriores se apaguem um pouco, ele esquece
de imediato a palavra que deu a si mesmo, e se põe de novo cada
vez mais, consciente ou inconscientemente, a fazer tudo o que
em geral suscita o aparecimento desses processos entre as
comunidades.
Acontece muito freqüentemente por lá, meu filho, que
estes seres detentores de poder se esforcem, de uma maneira
•completamente involuntária, ou por vezes semi-intencional, em
tudo fazer para acelerar um novo processo de destruição recí­
proca. Acontece mesmo que eles sonham em ver esse processo
adquirir a maior amplitude possível.
E esta necessidade monstruosa aparece no psiquismo

1002
DESTRUIÇÃO MÚTUA

anormal deles, porque eles esperam desses processos certos pro­


veitos egoístas, até esperando, com seu pensar degenerado, que
quanto maior for a amplitude do processo, mais consideráveis se­
rão os proveitos que dele extrairão para si ou para seus próximos.

Acontece, entretanto, por lá que alguns desses impor­


tantes detentores de poder se unam a fim de fundar uma socie­
dade especial para encontrarem juntos, depois colocar em prá­
tica, algum meio para abolir essa particularidade.
Quando deixei para sempre esse sistema solar, falava-se
muito em seu planeta da constituição de uma nova “liga”; pa­
rece-me que eles tinham a intenção de chamá-la “Sociedade
das Nações”.
Eu disse “nova”, porque lá eles fundaram muitas vezes
sociedades desse gênero que acabaram sempre por morrer da
mesma estranha maneira, quer dizer, “sem agonia”.
Lcmbro-me muito bem do aparecimento de uma dessas
sociedades na cidade de “Samoniks”, no país de Tikliamuish,
que era então considerado o principal centro de cultura de to­
dos os seres tri-cerebrais de seu original planeta.
Pela primeira vez, seres importantes da maioria das
comunidades do continente da Ásia se reuniram nessa cidade,
com a intenção de elaborar um acordo geral, a fim de que não
surgisse mais, entre as diferentes comunidades asiáticas, algu­
ma causa que pudesse desencadear tais processos de destrui­
ção recíproca.
Esta sociedade tinha por divisa: “Deus está ali onde não
se derrama o sangue do homem”.
Mas cm razão de seus diversos propósitos pessoais, egoís­
tas e vaidosos, esses importantes detentores de poder acaba­
ram por brigar e regressaram para suas casas sem terem reali­
zado nada.
Vários séculos após Tikliamuish, uma dessas sociedades
apareceu ainda nesse mesmo continente da Ásia, no país então
chamado “Mongolplantsura”.

1003
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

E esta sociedade tinha tomado por divisa: “Ama teu pró­


ximo, serás amado por Deus”.
Esta sociedade, não tendo dado ela tampouco nenhum
resultado positivo, terminou sua existência da mesma maneira.
Depois uma sociedade semelhante se constituiu no país
que leva hoje o nome de “Egito”; ela tinha dessa vez por divisa:
“Aprende primeiro a criar uma pulga antes de ter a audácia de
matar teu próximo”.
Mais tarde ainda, uma outra sociedade loi fundada no
país da “Pérsia” com a divisa: “Todos os homens são de essên­
cia divina, mas que um só deles seja morto por um outro, e
todos serão reduzidos a nada”.
Muito recentemente ainda, há quatro ou cinco séculos
apenas, uma última sociedade loi constituída no continente da
Ásia, na cidade chamada, creio, “Mossulópolis”. Esta socieda­
de foi chamada “A Terra pertence ao Criador Comum, ela é
igualmente livre para todas as Suas criaturas”.
Mas logo, ao estourar uma disputa entre seus membros,
ela mudou de nome, e usou depois, antes de desaparecer, o de:
“A Terra só pertence aos homens”.
Os membros desta sociedade, “A Terra é igualmente li­
vre para todos”, teriam talvez podido cumprir algo sensato,
primeiro porque seu programa de base era realizável, depois
porque eles eram todos, sem exceção, seres idosos e honorá-
veis, que tinham adquirido muita experiência e não tinham mais,
portanto, a mínima ilusão sobre tudo o que pode, em geral,
proporcionar uma existência planetária ordinária.
Por isso eles tinham muito menos dessas propriedades
chamadas “egoísmo”, “vaidade”, e outras, que fazem de hábi­
to desmoronar toda associação desse gênero.
De fato, alguma coisa real teria podido sair dessa socieda­
de, e isto, antes de tudo, porque não havia entre eles um único
detentor de poder, nem um só desses seres que, impelidos por
seus propósitos egoístas e vaidosos, acabam sempre, quaisquer

1004
DESTRUIÇÃO MÚTUA

que sejam as aquisições da sociedade de caráter planetário ge­


ral de que são membros, por despacha-las, com forte “acompa­
nhamento musical”, para o lamoso porco de nosso Mulá Nassr
Eddin que engole tudo o que lhe dão, sem a menor “cerimônia
de salão”.
Os únicos negócios públicos que respeitam por vezes,
sobretudo em nossos dias, esses importantes detentores de po­
der, são aqueles de que podem esperar ganhos consideráveis,
seja para eles pessoalmente, seja para os seres de sua casta.
Por certo, as tareias empreendidas por toda sociedade
desse gênero poderiam dar bons resultados para todos os seres
de seu planeta, sem distinção de casta, mas assim que peque­
nas dificuldades surgem nos negócios da sociedade, ou, como
se diz, assim que uma crise nela se declare, estas tareias logo
aborrecem os seres terrestres detentores de poder, e, só de
mencioná-las, só de se lembrar delas por associação, uma care­
ta de sofrimento aparece no rosto deles.
Os trabalhos dos seres que tinham denominado sua socie­
dade “A Terra pertence ao Criador Comum, ela é igualmente
livre para todas as Suas criaturas” não levaram a nada, eles
tampouco, se bem que esses seres tenham leito quase tudo o
que é possível fazer nas condições que reinam quase sempre
nesse incomparável planeta. Eu lhe falarei disso um pouco mais
tarde, e até mesmo de maneira detalhada, porque as informa­
ções relativas ao desmantelamento dessa sociedade fundada por
seus favoritos para tentar desenraizar ou pelo menos enfra­
quecer essa criminosa propriedade, implantada neles, coloca­
rão bem em evidência a estranheza de seu psiquismo e lhe ser­
virão de material para compreender as principais causas objeti­
vas desses pavorosos processos de destruição mútua.

Voltando à liga que acaba de se constituir lá, como já lhe


disse, com vistas a estabelecer e a realizar praticamente as medi­
das capazes de pôr fim em seu planeta a esses terríveis processos,

1005
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

liga que se chamará ou já se chama “Sociedade das Nações” —


se você quer conhecer minha opinião sincera, estou mais do
que certo de que desta vez ainda dela não sairá nada, e isto por
duas boas razões.
A primeira só se tornará clara para você no final de meu
relato, e a segunda é que esta propriedade já penetrou na carne
e no sangue dos seres tri-cerebrais do planeta Terra. E como
nada pôde ser cumprido por seus favoritos das épocas passa­
das, os quais, quando alcançavam a idade responsável, chega­
vam pelo menos, no que se refere ao Ser, ao que se chama a
“lembrança de si”, nada poderá então ser inventado nem reali­
zado por seres tais como os membros dessa sociedade que não
possuem outra razão que aquela da maioria de seus contempo­
râneos, e só se aperfeiçoam até o grau definido nestes termos
por nosso Mulá Nassr Eddin:
“Olhe, olhe, ele já sabe distinguir mamãe de papai”.
Provavelmente esses importantes detentores de poder,
que sao ou que serão membros dessa nova sociedade, nao che
garáo conscientemente a nada; em compensação, retirarão in­
conscientemente desse empreendimento um “proveito” pessoal
considerável e dos mais úteis, pois essa sociedade oficial lhes
dará uma desculpa muito plausível para engabelar infalível
mente suas “patroas”, em outros termos, sua “mulher”, sua
“amante”, sua “sogra” ou ainda alguma “vendedora” de uma
de suas grandes lojas.
Graças a esta nova “fonte de riqueza” oficial, eles pode­
rão, para o futuro com toda tranquilidade, passar o tempo en­
tre seus amigos, importantes detentores de poder como eles, e
nos numerosos “five-o’clock internacionais”, que não deixa­
rão de ser organizados sob pretexto de negocios que devem
servir ao objetvo de sua importante sociedade oficial, longe
dos olhares “silenciosos, mas terríveis” de suas vigilantes patroas.
Essas sociedades de seres detentores de poder aparecem

1006
DESTRUIÇÃO MÚTUA

geralmente no final de um de seus grandes processos de des­


truição recíproca — e quase a cada vez da seguinte maneira:
Em primeiro lugar, alguns deles, tendo pessoalmente so­
frido no curso desse processo perdas “sensíveis”, estas conti­
nuam por inércia a exercer uma influência sobre sua presença
geral, engendrando no funcionamento de seu psiquismo uma
combinação tal que os dados depositados em seu subconscien­
te para ali suscitar o impulso esseral de “consciência moral”
participam por si mesmos no funcionamento do “consciente
automático” que há muito já se tornou habitual neles — dito
de outra forma, a combinação com que sonhava o Mui Santo
Ashyata Sheyimash para todos os seres tri-cerebrais desse de­
safortunado planeta se realiza, por si mesma, em seu psiquismo.
Assim então, meu filho, quando esses seres detentores de
poder se encontram e discutem longamente sobre esta terrível
propriedade, eles chegam pouco a pouco a vê-la quase sob seu
verdadeiro aspecto, e um desejo sincero aparece neles de fazer
todo seu possível para aniquilar este espantoso horror que causa
estragos a seu planeta.
Desde então, se esses seres detentores de poder com a
“consciência ressuscitada”, que vêem e sentem a realidade quase
sob seu verdadeiro aspecto, se encontram bastante freqüente-
mente para ter uns sobre os outros uma influência durável, eles
acabam por se unir para buscar juntos um meio de realizar seu
sincero desejo.
Este é o ponto de partida habitual de todas as sociedades
desse gênero.
Esses seres obteriam talvez, no fim das contas, alguns re­
sultados benéficos, se por infelicidade outros importantes deten­
tores de poder não entrassem logo nessas sociedades para par­
ticipar de sua atividade.
E estes últimos participam dos trabalhos dessas socieda­
des, não porque neles também a consciência moral falou, lon­
ge disto, mas bem simplesmente porque sendo eles mesmos

1007
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“altas personagens” são obrigados, segundo as condições anor­


malmente estabelecidas de existência ordinária, a se tornarem
membros de toda sociedade “importante”.
Ora, quando estes outros detentores de poder entram nes­
sas sociedades e começam a tomar parte em seus trabalhos,
eles manifestam em todo seu esplendor a propriedade de que
lhe talei, quer dizer, com seus propósitos pessoais, egoístas e
vaidosos, eles não demoram em “jogar por água abaixo” todas
as tarefas já cumpridas pelos seres de consciência ressuscitada,
e de passar uma magistral “rasteira” nos primeiros fundadores
dessas sociedades.
É por isto que essas sociedades fundadas para o bem co­
mum de todos os seres do planeta morrem bem depressa, e
morrem, como já lhe disse, “sem agonia”.
Sobre os resultados efetivos que podem dar todas as boas
tentativas desses seres importantes, nosso estimado Mulá Nassr
Eddin tem ainda uma muito sábia sentença:
“Os séculos nos ensinaram que os asnos de Karabagh
nunca cantarão como rouxinóis, nem tampouco reprimirão sua
nobre paixão pelos verdadeiros cardos shushunianos”.
A este respeito, creio oportuno lhe informar que, duran­
te meus longos séculos de observação atenta dos seres tri-cere­
brais do planeta Terra, não tive uma só vez a ocasião de obser­
var, entre os membros dessas sociedades, que de vez em quan­
do eles fundam lá com vistas a encontrar um meio de assegurar
às massas uma existência feliz, seres que possuíssem uma razão
mais ou menos objetiva, ainda que um certo número de seus
favoritos, como já lhe disse, chegue a este resultado por seus
esforços perseverantes em direção ao aperfeiçoamento de si.
As observações que fiz durante minha última estada me
permitiram compreender, entre outras coisas, por que os seres
que possuem uma razão objetiva não entram jamais nessas so­
ciedades.
Para pertencer a uma dessas sociedades é preciso, antes

1008
DESTRUIÇÃO MÚTUA

de tudo, ser “alguém importante”; e nas condições de existên­


cia anormalmente estabelecidas na Terra só é tido por “impor­
tante” aquele que tem bastante dinheiro, ou que se torna “cé­
lebre” entre os demais seres de lá.
De lato, taz um certo tempo, só se tornam célebres e im­
portantes os seres nos quais a função sagrada chamada “cons­
ciência moral esseral” está inteiramente ausente; ora, dado que
na presença dos seres esta tunção sagrada está sempre em rela­
ção com tudo o que representa em si, e que é, a razão objetiva,
os seres que têm em si mesmos a razão objetiva sempre têm
igualmente a “consciência moral” — por conseguinte eles não
se tornarão nunca “importantes” entre os demais.
E por isso que os seres dotados de razão pura não tive­
ram e não terão jamais a possibilidade de fazer parte de socie­
dades formadas por seres “importantes”, detentores de poder.
Em suma, meu filho, pode-se muito bem aplicar a esta
questão certa sentença formulada um dia por nosso querido
Mulá Nassr Eddin:
“E uma verdadeira maldição: se puxas o rabo, a crina se
enlameia; se puxas a crina, é o rabo que se enlameia”.
Seja como for, seus favoritos contemporâneos querem de
novo encontrar algum meio de aniquilar esta terrível particula­
ridade que já se enraizou em seu psiquismo tão solidamente
quanto as consequências das propriedades do órgão kundabuffer.
E, evidentemente, os membros da liga atual que se cha­
ma “Sociedade das Nações” se esforçam para chegar a isso por
todo tipo de acordos e de regulamentos de sua invenção, aná­
logos aos que tinham tentado estabelecer para este mesmo fim
os seres dos tempos antigos, quer dizer, graças a meios e a pro­
cedimentos pelos quais, a meu ver, é absolutamente impossível
chegar hoje em dia ao que quer que seja de positivo.
Um tal empreendimento pode, entretanto, em nossos dias,
ser de grande proveito para eles, mas exclusivamente para seus
inevitáveis jornais, para suas conversas de salão, e, é claro, para

1009
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

os numerosos negocios hassnamussianos de seus “especulado­


res da Bolsa”.
Atualmente, o estado das coisas é tal, no que respeita a
esse mal terrível, que a destruição total, imediata, desta mons­
truosa propriedade que já penetrou, como lhe disse, em sua
carne e em seu sangue é uma tarefa não somente insensata para
sua miserável razão, mas, de maneira geral, quase impossível.
E, no entanto, meu filho, embora os membros dessa liga
planetária comum, chamada “Sociedade das Nações”, sejam
privados da razão objetiva própria à presença de todos os seres
tri-cerebrais que atingiram a idade responsável, eles mesmos
teriam talvez podido chegar a resultados positivos na tarefa prin­
cipal a que se propuseram se só tivessem se preocupado com a
solução e a realização dos problemas que ficam dentro dos li­
mites de sua competência c de seus poderes.
Mas, conhecendo sua “maneira de fazer”, estou certo
de que eles não se ocuparão das questões acessíveis a sua
compreensão.
Vão querer tudo fazer e acreditarão tudo fazer para que
estes “processos de destruição recíproca” cessem de imediato
e para sempre.
Se eles se dessem verdadeiramente conta, com todo seu
ser, do horror objetivo destes processos, e desejassem sincera­
mente eliminar este mal da superfície de seu planeta, eles pe­
netrariam, quisessem ou não, na essência mesma desse proble­
ma e compreenderíam que para descristalizar uma proprieda­
de fixada em seu psiquismo há centenas de séculos algumas
décadas não seriam suficientes.
Se compreendessem isso, eles não tentariam decidir nem
realizar o que quer que seja nesse domínio para o bem de seus
contemporâneos, mas consagrariam toda a sua atenção, todas
as suas forças e todas as suas possibilidades para trabalhar uni­
camente em vista do bem dos seres das gerações futuras.
Por exemplo, em vez de “procurar meio-dia às duas da

1010
DESTRUIÇÃO MÚTUA

tarde” ou, como se diz por lá, “de bancar o Dom Quixote”,
para obter, de uma só vez, a suspensão total desses processos,
eles se esforçariam por desenraizar a crença que se fixou cm
sua existência ordinaria acerca dos benefícios que trariam duas
de suas concepções; dito de outro modo, eles aboliríam o cos­
tume de exaltar certos participantes desses processos, de lazer
deles “heróis” e de recompensá-los com honrarias distribuin­
do-lhes “condecorações”, e eles suprimiríam pelo menos este
lamoso ramo de suas “ciências hassnamussianas”, inventado
por algum ser “espinhento”, no qual é negligentemente prova­
do que a destruição recíproca periódica é de fato indispensá­
vel na Terra, pois sem ela havería um intolerável acréscimo da
população ocasionando tão terríveis crises econômicas que os
seres-homens se devorariam entre si.
Se eles chegassem a lazer desaparecer a primeira dessas
concepções, já firmemente lixada no processo de sua anormal
existência esseral ordinária, aniquilariam para sempre mais da
metade dos “fatores automáticos” que predispõem o psiquis­
mo dos adolescentes a ceder á esta propriedade singular de
sempre cair no estado particular que lhes é habitual durante
esses processos. Quanto à supressão da segunda, ela lhes per­
mitiría poupar aos seres dos tempos futuros algumas dessas
inumeráveis idéias idiotas que não cessam de surgir lá, idéias
que, transmitidas de geração a geração como incontestáveis
artigos de fé, muito contribuem para a formação em sua pre­
sença de propriedades, nenhuma das quais convém aos seres
tri-cerebrais de nosso Megalocosmos, e dentre as quais existe
uma que os faz “duvidar da existência da divindade”. E esta
dúvida que ocasiona para eles o desaparecimento quase total
de certos dados que deveriam absolutamente se depositar na
presença de todos os seres tri-cerebrais, e cuja totalidade en­
gendra o impulso denominado “sensação instintiva” das ver­
dades cósmicas, experimentadas por todos os seres, sejam eles

1011
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

uni-cerebrais ou bi-cerebrais, sempre e em toda parte no


Universo.
Mas, para a infelicidade de todos os seres terrestres ordi­
narios, esses importantes detentores de poder vindos de todas
as partes de seu planeta não se ocuparão de tais questões, que
eles consideram como estando aquém de sua dignidade.
Onde iríamos parar se, de repente, esses membros “im­
portantes” de uma sociedade tão “importante” fossem se ocu­
par de problemas tão negligenciáveis!
Em geral, posto que na maioria de seus favoritos con­
temporáneos os dados apropriados para permitir uma mani­
festação individual cessaram completamente de se cristalizar, e
como esses seres tri-cerebrais se manifestam sob a exclusiva
sugestão das conseqüências das propriedades do órgão kunda­
buffer, os assuntos que estão dentro dos limites de sua com­
preensão e de seu poder não lhes interessam de forma alguma,
ao passo que estão sempre prontos a intervir quando se trata
de resolver questões que são em muito superiores a sua razão.

“Devido a esse “traço” de seu original psiquismo, se


constituiu neles, no curso dos vinte últimos séculos, uma outra
necessidade “psico-orgânica” das mais estranhas.
A principal manifestação desta necessidade psico-orgâ­
nica consiste em que cada um deles se crê absolutamente obri­
gado a “fazer os outros ouvirem a voz da razão” ou, como eles
dizem, de “colocá-los no bom caminho”.
Sabe você, meu filho? Ao lhe falar deste singular traço
de caráter que todos eles possuem, sem exceção, me vem a idéia
de que seria desejável lhe dar, acerca do estranho psiquismo
deles, um conselho análogo àquele que você recebeu de nosso
velho Ahun ao final de minhas explicações sobre a famosa “arte”
contemporânea deles.
Ele lhe recomendou, entre outras coisas, que se lhe acon­
tecesse, por alguma razão qualquer, de vir a existir no planeta

1012
DESTRUIÇÃO MÚTUA

Terra e de se juntar a esses estranhos seres tri-cerebrais, de sem­


pre ser muito prudente com os contemporâneos do tipo “re­
presentante da arte”, a lim de jamais ofendê-los e de não fazer
“inimigos mortais” entre eles.
Nosso querido Ahun, que pensava então nas intimeras
fraquezas deles, tais como o “amor-próprio”, o “orgulho”, a
“vaidade”, e muitas outras, lhe indicou, entre estas proprieda­
des específicas, aquela que convinha “alagar” em cada caso.
Ele lhe explicou, até com detalhes, como lhes falar e o
que se deve dizer a eles para que estejam sempre bem dispos­
tos em relação a você, não digam jamais de você senão o bem e
o louvem em toda parte e em toda ocasião.
Nada tenho a acrescentar a este conselho, que é certa­
mente ideal para o tipo de seres de que ele falou.
Os atuais “representantes da arte” foram cumulados com
as propriedades específicas enumeradas por nosso Ahun e, se
você souber a cada vez “afagá-los”, eles ficarão em adoração à
sua frente e se manifestarão como verdadeiros “escravos osklaía-
nos” em relação a você.
Mas, se bem que este conselho seja muito sabio, e mesmo
indispensável a quem quer existir entre eles, pessoalmente não
o considero prático para você; e não o é, de um lado, porque
nem todos os seres da Terra são “representantes da arte” e,
portanto, este conselho não poderia se aplicar a todos sem ex­
ceção, de outro lado, porque lhe seria difícil se perguntar e se
lembrar, em cada caso, qual dessas inumeráveis fraquezas con­
vém afagar.
Vou ensinar-lhe então um grande “segredo” do psiquis­
mo deles, insistindo em certa particularidade que, se você sou­
ber se servir dela, poderá provocar em cada um deles a mani­
festação que Ahun lhe assinalou.
Se quiser tirar proveito desta particularidade para agir
sobre eles, não somente você terá excelentes relações com to­
dos, mas será até capaz, conhecendo esse segredo, de assegurar

1013
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

para si urna feliz e tranquila existencia, tanto em relação à pos­


se dos “sinais monetarios” indispensáveis, como do ponto de
vista dessas outras comodidades terrestres, cujo gosto e a be­
néfica significação nosso querido Mestre definiu com estas úni­
cas palavras: “um verdadeiro mar de rosas”.
Provavelmente você já adivinhou, meu filho, que meu
conselho, ou o segredo que vou lhe comunicar, se refere a essa
necessidade psico-orgânica de “fazer os outros ouvirem a voz
da razão” e de “coloca-los no caminho da verdade”.
Esta propriedade específica, que aparece no psiquismo
deles, desta vez também, em razão das condições anormalmen­
te estabelecidas de existência esseral ordinaria, torna-se parte
integrante de sua presença quando eles alcançam a idade res­
ponsável.
Todos, sem exceção, experimentam essa necessidade
psico-orgânica; os velhos e os jovens, os homens e as mulheres,
e mesmo os que eles chamam de “abortos”.
Esta singular necessidade provém ela mesma de uma outra
de suas propriedades, que consiste nisto: cada um deles, a par­
tir do momento em que adquire a capacidade de distinguir entre
“seco” e “molhado”, inebriado por seus méritos, cessa para
sempre de ver e de observar suas próprias anomalias e seus
próprios defeitos, para ver e observar somente os dos outros.
Lloje em dia, cada um de seus favoritos adquiriu o hábito
de ensinar a seus semelhantes coisas de que jamais teve ainda a
menor noção, nem mesmo em sonho. E o mais cômico é que se
os “outros” não o escutam, ou não fingem querer escutá-lo,
não somente ele se ofenderá com isso, mas irá mesmo até expe­
rimentar em seu foro íntimo uma sincera indignação; em con­
trapartida, se um desses “outros” consente em aprender dele o
que é “a voz da razão”, ou, pelo menos, finge querer aprendê-
la, não apenas ele “amará” e “respeitará” este outro, mas ele
mesmo se sentirá no auge da satisfação e da felicidade.

1014
DESTRUIÇÃO MÚTUA

Notemos, alias, que este é o único caso em que seus favo­


ritos podem falar dos demais sem odio e sem crítica.
Pois bem, meu filho, eis aqui meu conselho:
Se, por uma razão ou outra, você tiver de existir entre
eles, aparente sempre querer aprender algo deles. Aja dessa
maneira, até mesmo com seus filhos: você terá entào excelen­
tes relações com todos e será considerado em cada família como
o amigo mais estimado da casa.
Lembre-se sempre de que, em razão da presunção resul­
tante desta propriedade específica, qualquer um deles, por mais
nulo que seja ele mesmo por sua essência, olha bem do alto,
com desprezo, as atitudes e a conduta dos demais, sobretudo
se elas vão de encontro a seus pontos de vista subjetivamente
constituídos; neste caso, como acabo de lhe dizer, julgam-se ofen­
didos e experimentam em si mesmos uma sincera indignação.
Notemos a respeito disso que, por causa desta proprie­
dade, seus favoritos não cessam de se indignar com os defeitos
dos que os rodeiam e tornam assim sua própria existência, já
bastante aflitiva e anormal sem isto, objetivamente insuportável.
Estas perpetuas indignações fazem com que a existência
esseral ordinária desses infelizes transcorra quase sempre em
“sofrimentos morais” estéreis, e esses vãos “sofrimentos mo­
rais”, agindo muito tempo por inércia sobre seu psiquismo de
maneira “semtzektzionaliana”, ou, como diriam em seu plane­
ta, de maneira “deprimente”, acabam por torná-los “instruar-
nianos”, ou “nervosos”, evidentemente sem nenhuma partici­
pação de seu consciente.
Desde então, no processo de sua existência ordinária, eles
perdem toda “moderação”, até nas manifestações esserais que
não têm nada a ver com as causas iniciais desta “instruarnia”.
Por si só, esta propriedade que consiste em “indignar-se
com as faltas dos outros” tornou pouco a pouco sua existência
arquitragicômica.

1015
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Por exemplo, você pode ver a cada passo cenas desse


gênero:
Um deles literalmente “caiu debaixo do chínelo de al­
guém”, quer dizer, perdeu diante desse alguém a única coisa
que eles adquirem por meio de sua funesta “educação”, em
outros termos, a “máscara” sob a qual eles escondem muito
habilmente dos demais seus defeitos interiores e exteriores. Pois
bem, este ser que está debaixo do chinelo de sua mulher ou de
sua amante, ou de qualquer um que o tiver “desmascarado”, e
que se tornou assim o escravo servil de um ou outro desses
“patrões”, se indigna muito mais que todos os outros se algum
imperador não se mostra capaz de manter sob sua lei dezenas
ou centenas de milhares de seres de sua comunidade.
O mais curioso é que em geral são precisamente estes
“farsantes terrestres” caídos debaixo do chinelo de alguém que
redigem para seus semelhantes tratados nos quais indicam
minuciosamente tudo o que se deve fazer e como se deve fazer
para governar bem os demais.
Ou ainda, se um desses seres contemporâneos, cujo co­
ração “sai pela boca” à vista de um camundongo que foge sob
seus pés, sabe que alguém perdeu a compostura diante de um
tigre, será tomado por uma “heroica indignação”, o condenará
diante de seus amigos e provará, “com espuma na boca”, que
ele é um miserável covarde e até mesmo um criminoso, por ter
tido medo de um “tigre de nada”.
E, uma vez mais, todos os livros e tratados consagrados
ao que se deve fazer e ao que não se deve fazer quando se en­
contra um tigre ou qualquer ser análogo são redigidos por es­
ses “heróis aterrorizados por camundongos”.
Ou então, um daqueles que colecionam às dezenas as
“doenças crônicas” — cujo estômago, por exemplo, não fun­
ciona mais durante semanas inteiras, cujo corpo está coberto
de todo tipo de feias espinhas, e que naturalmente sofre dia e
noite —, em suma, um ser que há longos anos não passa de um

1016
DESTRUIÇÃO MÚTUA

“museu anatômico ambulante” de todas as doenças que exis­


tem nesse planeta, indigna-se, mais do que qualquer outro, se
alguém pega por descuido um resfriado.
E esses “museus anatômicos patenteados” instruem os
outros, com muita autoridade, sobre a maneira de se desemba­
raçarem desses resfriados; eles escrevem até mesmo todo tipo
de livros e de manuais sobre as múltiplas doenças e seus diver­
sos tratamentos.
A cada instante, lá, se podem observar absurdos deste
gênero:
Um deles, que nào sabe sequer com o que pode de fato
se parecer o ser minúsculo chamado “pulga”, que tão treqüen-
temente o pica, escreve um grosso volume ou organiza “confe­
rencias populares” para explicar que a pulga cuja picada tez
inchar o pescoço de um certo imperador, conhecido na histó­
ria com o nome de Naukhan, tinha na pata esquerda uma “anor­
mal excrescencia vermelho amaranto de forma particularmen­
te estranha”.
E este especialista em pulgas, que escreve um grosso vo­
lume sobre a “pequena excrescência vermelho amaranto” da
pulga cuja picada tez inchar o pescoço do venerável imperador
Naukhan, ou que durante toda uma noite fará sobre este tema
uma “conferência popular”, se ofenderá e ficará mesmo toma­
do por uma violenta indignação se alguém não o crê e expressa
suas dúvidas em sua cara; e se indignará sobretudo de que se­
melhante “ignoramus” não tenha ainda jamais ouvido falar das
“verdades” que ele lhe comunica.
Com vistas a satisfazer esta estranha necessidade psico-
orgânica, seus favoritos, para não sofrer, devem ter pelo menos
uma “vítima” oferecida a seu ensinamento; mas naqueles den­
tre eles que, por manifestações desse gênero, adquiriram em
seu meio uma certa autoridade, e pela força crescente do hábi­
to se tornaram grandes “descarados”, o apetite aumenta e exi­
ge um número de vítimas cada vez maior.

1017
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

De fato, meu filho, bastaria a todo ser normal observar


semelhantes cenas, que se encontram a cada passo em seu pla­
neta na existência desses estranhos seres tri-cerebrais, e estu­
dar seriamente suas próprias percepções, para adquirir um
amplo conhecimento de todos os ramos da ciência objetiva.
Aliás, se lhe acontecer um dia de existir entre eles e de
ser testemunha dessas manifestações esserais incongruentes, por
mais que conheça a causa de tais incongruências, você não
poderá deixar de rir interiormente. Ao mesmo tempo, com todo
seu ser, você será tomado de compaixão por esses infelizes, e a
seu riso interior virá por ela mesma se associar uma “tristeza
palnassuriana da essência”.

“Esta particularidade do psiquismo dos seres terrestres


tri-cerebrais se desenvolveu ao mais alto grau naqueles que
pertencem à casta à qual se dá o nome de “intelligentzia”.
A palavra “intelligentzia” traduz a noção que definiria­
mos pela expressão “força em si mesmo”.
Se bem que durante numerosos séculos este termo tenha
guardado lá quase o mesmo sentido, hoje em dia seus tavoritos
o empregam, sem com isso se incomodarem de forma alguma,
para designar os seres que representam exatamente o contrá­
rio do que esta palavra quer dizer.
A palavra “intelligentzia” vem da língua grega antiga.
É interessante notar que esta palavra era também usada
pelos antigos romanos, que a haviam emprestado dos gregos,
não por seu sentido, mas por sua consonância; eles imagina­
ram depois que a raiz da palavra pertencia a sua própria língua.
Entre os antigos gregos, esta palavra designava os seres
que tinham se aperfeiçoado a ponto de poder dar às suas fun­
ções uma direção conforme à sua vontade, contrariamente ao
que se passa em toda formação cósmica não espiritualizada,
cuja ação é sempre uma reação a causas exteriores.
Encontra-se ainda por vezes, é verdade, em seu planeta,

1018
DESTRUIÇÃO MÚTUA

seres que respondem mais ou menos ao sentido desta palavra,


mas somente entre os que sào considerados pela maioria como
“não inteligentes”.
A meu ver, se a classe do que lá se denomina “intelli­
gentzia” fosse chamada muito simplesmente “mecanicãnzia”,
isto seria talvez mais justo.
E seria mais justo não somente porque os seres que per­
tencem à “intelligentzia” já não podem dar nenhuma direção a
suas funções esserais, mas porque neles já se atrofiaram com­
pletamente os dados que suscitam, desde sua vinda ao mundo,
impulsos de iniciativa da essência para sua existência esseral
ordinária, dados que a Grande Natureza deposita na presença
de todos os seres tri-cerebrais.
Durante sua existência responsável, os seres que perten­
cem à “intelligentzia” só se manifestam, ou melhor, só agem
automaticamente quando eles recebem de fora choques aci­
dentais ou intencionais, que são os únicos que dão a eles a pos­
sibilidade de uma experiência e de uma animação adequadas,
ao desencadear o desenvolvimento de séries de associações li­
gadas a impressões anteriores fortuitas automaticamente per­
cebidas, associações completamente independentes de seu pró­
prio desejo ou de sua vontade.
Estes choques exteriores lhes são dados, em geral, pri­
meiramente, pelos objetos animados ou inanimados que caem
por acaso na esfera de seus órgãos de percepção visual; em
segundo lugar, pelos seres de todo tipo que eles encontram;
em terceiro lugar, pelos sons ou as palavras que os atingem; em
quarto lugar, pelos odores que percebem; ou ainda, pelas
sensações desacostumadas que experimentam, de vez em quan­
do, no curso do funcionamento de seu “organismo”, quer di­
zer, de seu corpo planetário — e assim por diante.
Porém jamais suas manifestações exteriores, nem os
impulsos esserais interiores, que deveriam depender das

1019
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

diretrizes de seu “Eu” esseral, obedecem a seu próprio desejo,


vindo de sua presença inteira.
Devo lhe dizer ainda que certos seres terrestres que per­
tencem à “intelligentzia”, cujas manifestações psíquicas, de­
pois de ter sofrido diversas modificações no curso de sua exis­
tência responsável, já adquiriram formas bem estabelecidas, e
familiares aos que os rodeiam, já não são designados pelos de­
mais seres com o nome coletivo de “intelligentzia”; a eles são
dados outros nomes, compostos de várias palavras, ou melhor,
de várias raízes de palavras, tiradas elas também do grego anti­
go, tais como:
Burocratas
Plutócratas
Teócratas
Democratas
Zebrocratas
Aristocratas
e assim por diante...
O primeiro desses nomes, o de “burocrata”, é dado aos
seres da “intelligentzia” nos quais as séries de associações au­
tomáticas já fixadas, e que engendram neles experiências bem
determinadas, são em número limitado. E, como conseqüên­
cia, nesses burocratas, os choques recebidos de fora, por varia­
dos que sejam, suscitam associações que se referem sempre às
mesmas experiências, associações que, à força de se repetir,
adquirem um caráter específico e se manifestam de maneira
completamente independente, sem a participação de nenhu­
ma parte esseral, isoladamente espiritualizada, de sua pre­
sença geral.
Quanto ao segundo desses nomes, o de “plutócrata”, ele
é atribuído aos seres que, após certas transformações de seu
psiquismo, se mostraram capazes, no curso de sua existência
responsável, de engabelar artisticamente todos os honestos, ou
por melhor dizer ingênuos, compatriotas que eles encontraram e

1020
DESTRUIÇÃO MÚTUA

de assim se tornarem proprietários de uma grande quantidade


de “dinheiro” e de “escravos”, como eles dizem.
Saiba, a esse respeito, que sào estes tipos terrestres os
que deram o maior número de Individuuns Hassnamusses.
Durante minha estada na Terra, eu soube por acaso, no
curso de minhas pesquisas sobre a questão que me interessava,
o segredo da origem dessa palavra “plutócrata”.
Como já lhe disse, durante os últimos vinte e cinco sécu­
los, todas as noções e as coisas suspeitas foram designadas por
palavras pertencentes à língua grega antiga; assim, esses nomes
“burocrata”, “aristocrata”, “democrata” etc., que expressam
noções suspeitas, são compostos eles também de duas palavras
gregas antigas.
Por exemplo, a palavra “burocrata” é composta de
“buró”, que significa “chancelaria”, e “crata”, que significa
“ter” ou “conservar”.
Juntas, as duas palavras significam: “aquele que tem a
guarda ou a direção de toda a chancelaria”.
Quanto à palavra “plutócrata”, sua historia é um pouco
diferente e não remonta muito longe.
A palavra foi inventada há uns sete ou oito séculos.
Seres desse tipo já existiam, contudo, na Grécia antiga;
mas ali eles eram chamados “plussiocratas”.
Há alguns séculos, portanto, os seres deste tipo tendo se
multiplicado lá, tornou-se evidente que seus semelhantes
deviam glorificá-los com um título qualquer; e aqueles que na­
quela época se ocupavam com essas questões inventaram en­
tão o nome de “plutócrata”.
Parece que eles discutiram e refletiram muito tempo an­
tes de adotar esse nome. E discutiram e refletiram muito tem­
po porque eles compreendiam muito bem que esses tipos ter­
restres eram vigaristas de marca maior, saturados, por assim
dizer, até a medula dos ossos de hassnamusserias de toda espécie,

1021
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

c que era preciso achar-lhes um nome que lhes conviesse à


perfeição.
Procuraram antes de tudo honrá-los com um nome “bem
sonante”, correspondente ao significado interior deles; mas ao
refletir renunciaram a isso, porque esses tipos terrestres, gra­
ças a suas “ladroeiras”, tinham adquirido mais “força” e “po­
der” talvez do que seus reis, e eles temeram, se os glorificassem
com esse nome tão conforme com sua significação interior, vê-
los se ofender e fazer mais mal ainda ao seu redor.
Finalmente eles decidiram ser astuciosos, e imaginaram
um nome pelo qual podiam definir a verdadeira qualidade de­
les, e ao mesmo tempo aparentar lisonjea los.
Conseguiram isto da maneira seguinte:
Como o título desses tipos terrestres devia evidentemen­
te se compor de duas palavras gregas antigas, e como os nomes
dessa espécie terminam todos pela palavra grega “crata”, para
que esse título “não saltasse aos olhos”, eles lhe deixaram a
antiga consonância grega “crata”.
A primeira metade da palavra não foi emprestada do gre­
go antigo, como era costume, mas do russo; pegaram a palavra
russa “plut”, que significa “gatuno”, e dela extraíram o nome
“plutócrata”.
Esses sábios seres terrestres chegaram a seus fins o me­
lhor possível, já que todos, tanto esses parasitas como os de­
mais, se consideram hoje em dia satisfeitos.
Esses parasitas estão, aliás, tão contentes com seu título
que não receiam pavonear-se de cartola, mesmo nos dias de
semana.
Quanto aos demais seres, se estão satisfeitos, é porque
podem gratificar esses monstros com o nome que lhes convém,
e estes não somente não se zangam, mas, ao ouvirem que os
glorificam dessa maneira, até abrem a cauda em leque como
verdadeiros “perus”.
O terceiro dos nomes enumerados, o de “teócrata”, serve

1022
DESTRUIÇÃO MÚTUA

para qualificar certos membros da “intelligentzia”, na presen­


ça geral dos quais se produz uma “perturbação”, no sentido
psico-orgânico da palavra, quase idêntica àquela que se pode
observar nos “plutócratas”.
A única diferença entre os plutócratas e os teócratas é
que, para satisfazer suas necessidades hassnamussianas, os pri­
meiros agem sobre os que os rodeiam, explorando a função
que eles chamam “confiança”, enquanto os segundos se ser­
vem daquela que substituiu pouco a pouco em seus favoritos a
função sagrada que constitui, para todos os seres tri-cerebrais,
um dos três caminhos sagrados de aperfeiçoamento de si, fun­
ção que eles chamam “fé”.
Para que você compreenda melhor essa diferença en­
tre teócratas e plutócratas, bastará, uma vez mais, que lhe
repita uma das sentenças de nosso mestre venerado, Mulá
Nassr Eddin.
Falando um dia dos inúmeros atos de autoridade aos quais
está submetido o psiquismo geral dos homens ordinários, ele
disse de repente, sem mais nem menos:
“Que lhes importa, às pobres moscas, a maneira como
são mortas? Se com um golpe de casco dos diabos chifrudos
ou com uma carícia da asa resplandecente de um anjo divino?”
Quanto aos tipos terrestres que chamam de “democra­
tas”, devo lhe dizer que eles não vêm sempre da classe heredi­
tária da “intelligentzia”; a maioria deles são antes de mais nada
simples seres ordinários, e somente mais tarde, após terem se
introduzido nessa classe graças a uma “proeza” excepcional, é
que eles se transformam em “democratas”.
E, durante o processo desta transformação, a degenera-
ção das funções oriundas da função sagrada de “consciencia
moral” ocasiona neles os mesmos resultados que nos plutócra­
tas e nos teócratas.
A propósito desses “democratas”, importa observar que,
se um deles ocupa por acaso um cargo de “detentor de poder”,

1023
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

suas atuações desencadeiam às vezes um fenómeno cósmico


dos mais raros: vemos os calos dos pés se converterem em
pedicuros.
Este raro fenômeno se produz, a meu ver, porque os de­
mocratas que ocupam acidentalmente um cargo de detentor
de poder não receberam por hereditariedade nenhuma predis­
posição para saber instintivamente governar os outros, e são,
por conseguinte, completamente incapazes de dirigir a exis­
tência dos seres que se encontram sob sua autoridade.
Para retratar estes tipos terrestres, nosso inestimável mes­
tre Mulá Nassr Eddin tem ainda uma sentença bem apropria­
da. Cada vez que a pronuncia, ele começa por elevar os braços
ao céu, depois, com a maior veneração, ele diz:
“Louvado sejas, ó Tu, Nosso Grande e Justo Criador, por
haver permitido, em Tua Justiça e Tua Graça infinitas, que as
vacas não voem como encantadores passarinhos”.
E agora, meu lilho, entre os tipos enumerados, me resta
falar daqueles que os demais seres chamam “zebrocratas” e
“aristocratas”. A gente os distingue dando-lhes apelidos, tais
como: “emir”, “conde”, “khan”, “príncipe”, “melik”, “barão”
etc., cuja sonoridade exerce uma ação das mais agradáveis so­
bre esta função que não cessa de se manifestar com força em
seus favoritos até sua morte e que se chama “vaidade”.
Eu lhe confessarei francamente que dar uma boa defini­
ção desses tipos terrestres é muito difícil, não somente na lín­
gua ordinária, mas ainda na de nosso mui sábio Mulá Nassr
Eddin.
Tudo o que se pode afirmar é que eles são simples “brin­
cadeiras da Natureza”.
Para dizer a verdade, embora seus favoritos os chamem
diferentemente, os aristocratas e os zebrocratas se assemelham
sob todos os aspectos e são dotados de propriedades interiores
idênticas.
Você deve se lembrar de que já lhe expliquei que existe

1024
DESTRUIÇÃO MÚTUA

em seu planeta, segundo as comunidades, duas espécies de “or­


ganização de Estado”. Uma se chama “regime monárquico”, a
outra, “regime republicano”.
Nas comunidades de regime republicano, esses tipos sao
chamados “zebrocratas”, enquanto naquelas onde existe o re­
gime monárquico os chamam “aristocratas”.
A lim de lhe dar um apanhado do que são esses dois ti­
pos terrestres, o melhor será, penso eu, que lhe fale do assom­
bro que me tomava, durante minha estada em seu planeta, a
cada vez que me acontecia encontrar esses “mal-entendidos”.
A cada vez, eu me perguntava: “Como tais tipos terrestres po­
dem existir neste original planeta quase tanto tempo quanto os
outros seres tri-cerebrais?”
Eu já tinha me colocado essa questão a propósito dos
seres que pertencem à classe dos burocratas; mas eu podia mais
ou menos encontrar resposta para isso. Com efeito, por mais
limitadas que sejam suas “séries de experiências”, eles as têm,
entretanto, e até mesmo a toda hora do dia e da noite.
Pelo contrario, segundo minhas observações, todo o “ma­
terial de experiência” dos aristocratas e dos zebrocratas se li­
mita, de fato, a três séries de impressões.
A primeira se refere ao assunto do alimento; a segunda
consiste em lembranças associadas ao funcionamento passado
de seus órgãos sexuais; e a terceira compreende as lembranças
que eles têm de sua primeira ama-de-leite.
Mas de que maneira seres que têm, como material total,
somente estas três séries de impressões podem ter a mesma
duração de existência que os demais seres tri-cerebrais que po­
voam a superfície de seu planeta? Isto permanece para mim
um enigma insolúvel.
Conta-se que, diante deste singular problema da duração
de existência desses tipos terrestres, nosso arqui-astuto Lúci­
fer se pôs um dia a refletir, a refletir tão intensamente que to­
dos os pêlos da ponta de sua cauda se tornaram cinzas.

1025
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Voltando a essas “brincadeiras da Natureza”, só me resta


tentar lhe explicar por que existe, entre os nomes dados a uma
mesma espécie de seres, uma diferença tão surpreendente.
Digo “tentar”, porque ignoro eu mesmo a razão exata
disso, mas conhecendo as raízes desses dois nomes, creio po­
der adiantar, sem me enganar, que ela se deve a um de seus
costumes.
Devo lhe dizer que seus favoritos têm prazer, não se sabe
por que, em organizar o que chamam “espetáculos de mario­
netes”.
Ora, por uma razão ou outra, gostam igualmente de fa­
zer participar esses mesmos zebrocratas ou aristocratas cm seus
“espetáculos de marionetes”; assim, os introduzem sempre no
“jogo”.
Mas, como estes seres já não são por si mesmos mais do
que fantoches absolutamente vazios e, portanto, inconsisten­
tes, é preciso que os demais seres da comunidade os sustentem
durante esses “jogos de marionetes”.
E é precisamente a maneira de sustentá-los, ou melhor, a
escolha do braço que os sustenta, que deu essa diferença de
nome.
Assim é que nas comunidades onde existe o “regime
monárquico”, há muito tempo é costume sustentá-los com o
braço direito; de modo que, nessas comunidades, esses tipos
são chamados “aristocratas”.
Ao contrário, nas comunidades onde existe um “gover­
no republicano”, os sustentam com o braço esquerdo — daí
seu nome de “zebrocratas”.
A propósito destas diferenças de nomes entre os seres
terrestres, ouço ainda nosso sabio Mulá Nassr Eddin pronun­
ciar uma de suas notáveis sentenças.
Um dia cm que falávamos da diferença que apresentam
os julgamentos respectivos dos magistrados ou “kazi” turcos e
persas, ele disse, a respeito da identidade de sua justiça:

1026
DESTRUIÇÃO MÚTUA

“Ah, meu querido amigo...


“Onde se encontrará na Terra juizes capazes de exami­
nar com sabedoria a culpabilidade dos homens?
“Os “kazi” sao em toda parte os mesmos, só seus nomes
são diferentes. Na Pérsia são chamados persas, e turcos na
Turquia.
“Alias, acontece o mesmo para cada coisa na Terra; os
asnos sào todos parecidos, somente se dá a eles nomes dife­
rentes.
“Por exemplo, a espécie de asnos que chamam no Cáu­
caso de “asnos karabaghianos” se encontra na Turquia com o
nome de “asnos khorassanianos”.
Estas sábias palavras se imprimiram em meu cérebro, e
durante minha existência em seu planeta me voltavam à me­
moria a cada vez que eu tinha de fazer uma comparação...
“Que seu nome seja abençoado para sempre no planeta
onde ele veio ao mundo e se formou!”
Assim então, meu filho, repito, se por uma razão ou ou­
tra você tiver de ir a esse planeta, não perca de vista que a
fraqueza de que lhe falei se desenvolve sobretudo nos seres
ordinários da “intelligentzia” e particularmente naqueles que
pertencem a uma das castas enumeradas e cujo nome termina
em “crata”.

“Após esta ligeira digressão em tomo do conselho práti­


co que lhe dei, voltemos a nossa séria questão.
Começarei pelo relato que lhe prometi sobre o apareci­
mento da sociedade de seres terrestres que tomara por divisa:
“A Terra pertence ao Criador Comum, ela é igualmente livre
para todas as Suas criaturas”, e sobre as razões de seu fracasso.
Você terá assim a possibilidade de bem compreender a primei­
ra e principal causa pela qual esses terríveis processos de des­
truição recíproca devem inevitavelmente se desencadear entre
esses infelizes seres tri-cerebrais de nosso Megalocosmos.

1027
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Na mesma ocasião, você saberá como o que se poderia


chamar a “Natureza local”, quando um acontecimento inespe­
rado obstrui seu funcionamento correto para as necessidades
do Trogoautoegocrata cósmico geral, se adapta de tal maneira
que seus resultados possam fusionar em conformidade com a
harmonia desse mui grande processo cósmico.
Essa sociedade de seres-homens, como já lhe disse, apa­
receu há quatro ou cinco séculos no continente da Asia, numa
cidade existente então com o nome de “Mossulópolis”.
Ela se constituiu nas circunstâncias seguintes:
Os processos em questão eram precisamente nessa épo­
ca mais frequentes do que nunca nesse continente.
Alguns se desenvolviam entre diferentes comunidades,
outros no interior dessas comunidades mesmas. Estes últimos
receberam, mais tarde, o nome de “guerras civis”.
Uma das principais causas desses espantosos processos
que se produziam no continente da Ásia, ora entre diferentes
comunidades, ora no interior das comunidades mesmas, foi uma
religião ainda muito recente, edificada de maneira fantástica
sobre o ensinamento de um verdadeiro Enviado de Nossa Eter­
nidade, Santo Maomé.
A sociedade de que lhe talo se constituiu por iniciativa
dos membros de uma contraria que existia então na Asia Cen­
tral com o nome de “Colegio dos Iluminados”.
Você deve saber que naquela época esses irmãos eram
objeto de uma grande veneração por parte dos seres tri-cere­
brais de quase todo seu planeta, que davam até ãs vezes a essa
contraria o nome de “Colégio de todos os santos vivos da Terra”.
Esta contraria de seres terrestres tinha sido fundada muito
tempo antes por seres que haviam descoberto em si mesmos as
conseqüências das propriedades do órgão kundabuffer, e que
tinham se agrupado para trabalhar juntos a fim de se liberta­
rem delas.
Ora, quando esses terríveis processos de destruição

1028
DESTRUIÇÃO MÚTUA

recíproca se tornaram demasiado frequentes no continente da


Asia, certos membros da confraria, tendo à sua frente o vene­
rável irmão Olmantabur, resolveram pela primeira vez exami­
nar se seria possível obter de uma maneira qualquer, se não a
supressão total desse terrível fenômeno, pelo menos a diminui­
ção de uma calamidade tão flagrante.
Consagrando-se desde então à colocação em prática de
sua decisão, eles visitaram diversos países do continente da Ásia
e, pregando por toda parte, de maneira comovente, sobre o
crime e o pecado monstruosos que representavam tais proce­
dimentos, levaram assim numerosas pessoas a compartilhar suas
convicções.
O resultado de seu labor imparcial e realmente humani­
tário foi a fundação, na cidade de Mossulópolis, da grande e
séria sociedade de seres-homens chamada: “A Terra pertence
ao Criador Comum, ela é igualmente livre para todas as Suas
criaturas”.
Desde o início, os membros dessa sociedade realizaram
grande número de coisas que não haviam podido ser realiza­
das anteriormente por nenhum ser terrestre, e que não o foram
nunca mais depois.
E eles foram capazes disso porque, desde a origem, o pro­
grama tinha sido muito judiciosamente composto do ponto de
vista de suas possibilidades de realização nas condições exis­
tentes.
Este programa de base compreendia uma ação progres­
siva que devia levar aos resultados seguintes: primeiramente, a
instituição, para todos os seres do continente da Ásia, de uma
religião comum, que eles se propunham edificar sobre o ensi­
namento da seita dos “parsis”, um pouco retocada; em segun­
do lugar, a escolha de uma língua comum, que teria sido o “tur­
comano”, a língua mais antiga do continente, cujas raízes haviam
servido à formação de numerosas línguas asiáticas.
Por outro lado, entrava no programa fundamental dessa

1029
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

sociedade estabelecer, no centro da Ásia, na cidade de Marge-


Ian, capital do que se chama o “canato de Ferghan”, a organi­
zação de um governo central único para todos os países da Asia,
que teria o nome de “Concilio dos Mais Velhos” e seria com­
posto de seres respeitáveis pertencentes a todas as comunida­
des do continente.
Como o indicava seu nome, esse Concilio devia, com efei­
to, se compor exclusivamente dos seres de mais idade e os mais
respeitáveis, pois, segundo sua compreensão, nesse planeta,
unicamente tais seres podiam se mostrar justos e imparciais
para com todos os seus semelhantes, qualquer que tosse sua
religião ou sua comunidade.
Desde sua fundação na cidade de Mossulópolis, a socie­
dade já incluía seres de quase todas as comunidades asiáticas.
Havia entre eles “mongóis”, “árabes”, “kirghizes”, “geor­
gianos”, “rutenos”, “tâmeis” e até o representante pessoal do
famoso conquistador da época, Tamerlan.
Graças a sua atividade intensa, verdadeiramente impar­
cial e não egoísta, as “guerras” e as “guerras civis”, cujo núme­
ro crescia sem cessar no continente da Ásia, começaram a dimi­
nuir, e esperava-se obter ainda muitos outros resultados
satisfatórios.
Mas alguma coisa sobreveio então, que ocasionou a ruí­
na dessa eminente sociedade de seres-homens.
Todos os acontecimentos que se seguiram, se desencadea­
ram sob a influência de um filósofo de nome Atarnakh, muito
conhecido na época, e da teoria que ele expunha num tratado
intitulado: “Por que há guerras na Terra?”
O aparecimento desse filósofo transtornou todas as no­
ções que tinham os membros da sociedade.
Conheço muito bem sua historia, pois, durante as pes­
quisas que fiz sobre os resultados da obra do Mui Santo Ashya­
ta Sheyimash, eu tive necessidade de conhecer certos detalhes

1030
DESTRUIÇÃO MÚTUA

relativos à atividade desse filósofo, assim como à sua própria


pessoa.
Atarnakh nasceu em Mossulópolis numa família de curdos.
Chegando à idade responsável, ele tornou-se efetivamente
um grande sábio, pelo menos para o planeta Terra.
Para começar, esse curdo Atarnakh consagrou numero­
sos anos terrestres ao estudo assíduo de todo tipo de questões
suscetíveis, acreditava ele, de proporcionar uma solução a este
problema: “Qual é em geral o sentido da existência do homem?”
E foi no curso de seus estudos que lhe caiu nas mãos um ma­
nuscrito sumério muito antigo, mas em excelente estado.
Este manuscrito estava bem conservado, porque fora es­
crito com o sangue do ser “chirman” em peles de seres-serpen-
tes chamados “kaliandjeks”.
Tal como me mostraram minhas investigações, o texto
desse manuscrito, escrito por um sábio da Antigiiidade, inte­
ressou o mais possível o filósofo Atarnakh; ele foi muito parti­
cularmente tocado por uma passagem do manuscrito onde esse
sábio emitia a hipótese seguinte:
“Segundo todas as probabilidades, reina no mundo uma
lei de sustentação recíproca de tudo o que existe.
“E, com toda evidência, nossa vida, ela também, serve
para sustentar alguma coisa grande ou pequena no mundo”.
Esta idéia expressa no manuscrito antigo apaixonou a tal
ponto o filósofo Atarnakh que ele se consagrou desde então
por inteiro ao estudo desse único aspecto da questão que o
interessava.
Eoi esta idéia que serviu de base a toda uma teoria veros­
símil que ele expôs, após vários anos de pesquisas e de verifi­
cações experimentais minuciosas de suas próprias conclusões,
em sua obra intitulada: “Por que há guerras na Terra?”
Eu tomei também conhecimento desta teoria.
Ela estava verdadeiramente próxima da realidade.
Todas as hipóteses do curdo Atarnakh estavam mais ou

1031
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

menos conformes com a essência mesma do grande processo


cósmico fundamental do Trogoautoegocrata universal, que já
lhe expliquei de maneira mais ou menos detalhada ao lhe falar
do Santo Planeta do Purgatório.
Em sua teoria, o filósofo Atarnakh estabelecia de manei­
ra formal que reina, sem nenhuma dúvida, no mundo, uma lei
de “sustentação recíproca de tudo o que existe”, que para esta
sustentação recíproca contribuem certas substâncias químicas,
com a ajuda das quais se opera o processo de espiritualização
dos seres, quer dizer, a “vida”, e que estas substâncias quími­
cas só servem â sustentação de tudo o que existe no momento
em que a vida de um ser cessa, dito de outra maneira, quando
ele morre.
Com a ajuda de numerosas confrontações lógicas, ele
demonstrava de maneira positiva que, em certos períodos, de­
via absolutamente se produzir na Terra um número rigoroso
de mortes, cujo conjunto emitisse vibrações de uma potência
determinada.
Um dia, por ocasião de uma reunião geral dos seres mem­
bros da dita sociedade, este ser terrestre pouco comum, que
participava da assembléia na qualidade de representante eleito
por toda a população do país chamado “Curdistão”, expôs em
detalhe sua teoria com tanta eloqüência que ela acabou por
suscitar nos membros da sociedade uma grande agitação e uma
grande confusão.
Essa teoria os surpreendeu a tal ponto que reinou pri­
meiro entre eles um “silêncio sepulcral”; estupefatos, nem um
só podia fazer o menor gesto. Permaneceram assim durante
um tempo bastante longo, depois o silêncio deu de repente
lugar a um tumulto ensurdecedor, como se a vida de cada um
deles dependesse de seu grau de excitação e do ímpeto com
que o expressava.
Para concluir, eles decidiram por unanimidade, tarde da
noite, designar entre eles varios seres sabios e encarregá-los de

1032
DESTRUIÇÃO MÚTUA

estudar juntos os detalhes dessa teoria que os havia tào forte­


mente impressionado para depois lazer um relatório para a
assembléia geral.
Desde o dia seguinte, os membros sábios eleitos pela socie­
dade “A Terra pertence ao Criador Comum, ela é igualmente
livre para todas as Suas criaturas” começaram a se familiarizar
com as teorias de Atarnakh.
Mas para a infelicidade de todos os seres terrestres tri-
cerebrais dos tempos futuros, aconteceu que, embora, em sua
maioria, os membros eleitos fossem, eles também, seres idosos,
nos quais as funções funestas que tornam o ser de seus favori­
tos “ciumento” e “ávido” já estavam quase atrofiadas, em con­
trapartida, alguns deles, por numerosas razões — e especial­
mente a maneira pela qual haviam sido educados em sua intan
cia —, não tinham ainda adquirido suficiente experiência para
se convencerem do caráter irrealizável de seus devaneios, dita­
dos por sua educação anormal, e não estavam, portanto, ainda
bastante desiludidos para se mostrarem inteiramente justos e
imparciais.
À medida que se familiarizavam com os detalhes dessa
surpreendente teoria, eles caíam num estado típico, particular
aos seres terrestres, no qual esqueciam as notáveis hipóteses
que os haviam impressionado; a partir de então, retornando
pouco a pouco, como é próprio aos seres tri-cerebrais de lá, às
suas concepções anteriores puramente subjetivas e, por conse­
guinte, sempre cambiantes, eles se separaram de imediato em
dois partidos opostos.
Uns se puseram com convicção, e sem nenhuma crítica
lógica, a fazer de todas as suposições emitidas nessa teoria sim­
ples artigos de fé; os outros, como é próprio à maioria dos “sá­
bios” terrestres, a discutir e a provar todo o contrario dessas
hipóteses, para se tornarem, no fim de contas, os inimigos não
somente da teoria de Atarnakh, mas do próprio Atarnakh.
Em suma, meu filho, esses sábios eleitos para estudar em

1033
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

detalhe essa teoria, cm lugar de ajudar os demais membros da


assembléia a sair de seu embaraço e de sua agitação, em lugar
de procurar uni-los, só fizeram aumentar, por suas próprias
disputas, a confusão de suas noções; e pouco a pouco, na pre­
sença geral dos diferentes membros dessa séria sociedade, sur­
giram automaticamente dados que suscitavam duas convicções
completamente opostas.
A primeira destas convicções era que tudo se passava ver­
dadeiramente como o expunha a teoria do filósofo Atarnakh,
quer dizer, as “guerras” e as “guerras civis” respondiam na Terra
a uma necessidade periódica, independente de toda intenção
pessoal dos homens.
Quanto à segunda, era aquela que tinham compartilha­
do até então todos os membros da sociedade, e segundo a qual,
se eles conseguissem realizar seu programa, seria possível des­
truir na raiz mesma esse mal que reinava no planeta, depois do
que tudo entraria de novo dentro da ordem.
A partir daquele momento, discussões, distúrbios e que­
relas eclodiram entre os membros da sociedade, e, mais uma
vez, sucedeu o que havia muito tempo se tornara habitual para
eles, como já lhe disse: essas querelas e esses distúrbios se es­
tenderam logo aos seres ordinários de lá, quer dizer, aos de­
mais habitantes da cidade de Mossulópolis, provocando a ex­
citação de seu anormal psiquismo.
Não sei como tudo isto teria terminado se os irmãos do
“Colégio dos Iluminados” não tivessem chegado e nao tives­
sem se metido no assunto.
Sob influência deles, todos os membros dessa séria socie­
dade se apaziguaram pouco a pouco; reencontraram sua calma
e sua gravidade para refletir, depois deliberar sobre o que era
preciso fazer no futuro.
Estas reflexões e deliberações os levaram a eleger por
unanimidade o curdo Atarnakh como chefe, pedindo-lhe que
os ajudassem a sair dessa penosa situação.

1034
DESTRUIÇÃO MÚTUA

Após várias reuniões dirigidas pelo filósofo Atarnakh,


chegou-se, por um acordo unânime, às conclusões categóricas
seguintes:
“Segundo as leis da Natureza, as “guerras” e as “guerras
civis” respondem sempre na Terra a uma necessidade periódi­
ca, sem nenhuma intervenção da vontade dos homens; e isto
porque a Natureza, em certos períodos, exige uma grande quan­
tidade de mortos.
“Somos todos, então, forçados a reconhecer, com uma
grande tristeza e uma inevitável resignação interior, que ne­
nhuma decisão da razão humana poderia impedir que o san­
gue se derramasse entre as nações e no seio mesmo das nações.
E por isto que decidimos por unanimidade liquidar nossos as­
suntos correntes, assim como a obra toda de nossa sociedade, e
nos dispersar, contra nossa vontade, para voltar aos nossos la­
res e carregar de novo o “fardo da vida cotidiana”.
E foi somente depois de tomada esta resolução categóri­
ca, quando todos os membros dessa verdadeiramente séria so­
ciedade decidiram começar, no mesmo dia, a liquidar todos os
seus negocios, que Atarnakh, a quem eles consideravam como
um verdadeiro sábio, mas que nem por isso deixava de ser um
curdo orgulhoso e cheio de amor-próprio, subiu à cátedra e
disse:
“Meus honoráveis colegas,
“Estou sinceramente penalizado por ter sido a causa
involuntária da dissolução de nossa grande empresa filantrópi­
ca, à qual vocês consagraram, vocês, os mais honoráveis e os
mais inteligentes entre os homens de todos os países, mais es­
forços imparciais e não egoístas que ninguém na Terra jamais
foi, nem será jamais capaz de fazê-lo para os demais, quer di­
zer, para seres completamente desconhecidos e indiferentes.
“Durante varios anos, vocês trabalharam sem descanso a
fim de obter para a massa o bem, o mais essencial, e eis que
minha teoria, na qual, eu também, trabalhei durante muitos

1035
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

anos para o proveito de homens que me eram estranhos, reduz


a nada seu infatigável labor e suas generosas aspirações.
“A consciência de ser o culpado de todos os mal-enten­
didos que se produzem entre vocês tirou-me toda tranquilida­
de, nestes últimos dias, e nào cessei de refletir e de me pergun­
tar se havia um meio de reparar minha falta involuntária.
“Ora, meus sábios colegas, eleitos de todos os países da
Terra, quero participar a vocês a conclusão definitiva a que me
levaram minhas reflexões.
“Se as leis universais que descobri fazem obstáculo aos
meios com que vocês contavam para proporcionar aos homens
uma certa felicidade, estas mesmas leis, por mais estranho que
isso possa lhes parecer à primeira vista, podem, com a condi­
ção de utilizá-las de outra maneira, permitir atingir a meta que
nos fixamos.
“Eis o que devemos fazer:
“Os resultados de todas minhas pesquisas demonstram
claramente que a Natureza exige na Terra, em certos períodos,
um número definido de mortes, mas, por outro lado, consegui
pôr em evidência que, para as necessidades da Natureza, pou­
co importa quais sejam essas mortes — as dos homens ou as de
outras formas de vida.
“Segue-se, portanto, que se o total de mortes exigido pela
Natureza é alcançado por meio de um certo número dc mortes
de outras formas de vida, então a quantidade requerida de mor­
tes de homens diminuirá com toda evidência em proporção.
“E será absolutamente possível chegar a isto se todos os
membros de nossa sociedade continuarem a trabalhar com a
mesma intensidade, não mais em vista de realizar nosso pri­
meiro programa, mas a fim de fazer reviver na Terra, em uma
escala maior do que antes, o antigo costume de oferecer sacri­
fícios aos deuses e aos santos, destruindo outras formas de vida. ”

Quando este curdo orgulhoso terminou seu discurso, os

1036
DESTRUIÇÃO MÚTUA

membros da sociedade não ficaram menos assombrados e trans­


tornados do que no dia em que ele expusera sua famosa teoria.
Durante os três dias e três noites que seguiram este me­
morável discurso, eles não se separaram, e os locais postos à
disposição dessa sociedade de seres-homens do planeta inteiro
pelos cidadãos de Mossulópolis ressoaram com o alarido inin­
terrupto de suas discussões e deliberações. Para terminar, no
quarto dia, eles realizaram uma assembléia geral, no curso da
qual eles tomaram por unanimidade a resolução de agir, dali
em diante, como o indicaria o grande filósofo curdo Atarnakh.
No mesmo dia, o nome da sociedade foi trocado. Seus
membros adotaram por divisa: “A Terra é só para os homens”.
Alguns dias mais tarde, eles saíram da cidade de Mossu­
lópolis para seus respectivos países, onde, sob as diretrizes ge­
rais do filósofo Atarnakh, tomaram todas as medidas suscetí­
veis de reanimar e de implantar de novo nos homens que povoa­
vam o continente da Ásia a idéia de “se tornar agradáveis” a
seus deuses e a seus ídolos, matando seres de formas diversas.
E, de fato, desde que passaram à realização prática de
seu novo programa, o costume de oferecer sacrifícios a seus
“santos” imaginários, destruindo a existência de diversos seres
uni-cerebrais e bi-cerebrais fracos ou estúpidos, se restabele­
ceu logo em todo o continente da Ásia.
Os membros da nova sociedade, “A Terra é só para os
homens”, realizaram sua tarefa, desde o início, por intermédio
do “clero” da religião fundada sobre o ensinamento de San­
to Maomé, então largamente propagada em todo o conti­
nente da Ásia.
Desta vez , o costume assumiu uma amplitude que não
havia atingido no tempo em que lá desci, a pedido do Anjo
Luísos, para fazê-lo desaparecer nos seres tri-cerebrais. Como
já lhe disse, Sua Conformidade havia então julgado este costu­
me indesejável do ponto de vista dos fenômenos cósmicos de
maior envergadura, pelo fato de que o número de seus favoritos

1037
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

aumentara muito e, com ele, o número dos que queriam “agra­


dar” a seus ídolos fantásticos.
A destruição da existência de outras formas de seres
recomeçou então, e não somente de maneira privada, nas famí­
lias, mas também publicamente, em lugares reservados.
Estes lugares estavam desta vez, em sua maioria, associa­
dos à lembrança de Santo Maomé ou de seus companheiros.
O número de vítimas aumentava dia a dia, de forma que,
uma centena de anos após o aparecimento da sociedade “A
Terra é só para os homens”, se destruía por ano, num só lugar,
até cem mil desses seres que já eram sacrificados em épocas
anteriores, tais como “bois”, “carneiros”, “camelos” etc.
No curso dos dois últimos séculos, os lugares que com
preferência honravam assim foram, entre outros, as cidades de
Meca e de Medina na Arábia, a de Meshed na região de Bagdá
e as proximidades de Yenikishlak no Turquestão.
Em suma, no continente da Asia, o “sangue recomeçou a
correr aos borbotões”.
As oferendas de sacrifícios se multiplicavam durante as
festas muçulmanas, “Baïram” e “Gurbane”, assim como du­
rante as festas cristas lá existentes com os nomes de “Mi-
Carême”, “São Jorge” e outras.
Certamente, meu filho, quando esta anomalia foi de novo
implantada nos seres tri-cerebrais de lá, graças aos intensos
esforços dos membros da sociedade “A Terra é só para os ho­
mens”, seus terríveis processos de destruição mútua se fize­
ram, com efeito, mais raros e se desenvolveram dentro de limi­
tes mais estreitos; mas a mortalidade dos seres tri-cerebrais nao
diminuiu por isto, ao contrário, ela cresceu, em razão da alte­
ração gradual e contínua de sua existência esseral e da baixa
consecutiva da qualidade das vibrações que emanavam de sua
presença para as necessidades da Natureza, o que ocasionou
neles, de um lado, a diminuição da duração da existência, de
outro lado, o aumento do que eles chamam “natalidade”.

1038
DESTRUIÇÃO MUTUA

E assim toi até que um certo Assadullah Ibrahim Oglê,


célebre dervixe persa, que veio ao mundo e se tornou um ser
responsável no mesmo continente, impôs a tudo isso uma dire­
ção diferente.
O início da atividade do dervixe Assadullah Ibrahim Oglê
data de apenas uns trinta ou quarenta anos.
Simples fanático da religião muçulmana, e não possuin­
do os sérios e profundos conhecimentos do curdo Atarnakh,
ele só percebeu, no tato de oferecer sacrifícios, a horrível in­
justiça dos homens para com seres de outras formas, e se fixou
como meta de sua existência chegar, custasse o que custasse, a
destruir na Terra esse costume que ele considerava como an ti -
religioso.
Desde então, viajou pelo continente da Asia, sobretudo
pelos países onde a maioria dos seres tri-cerebrais era adepta
da religião muçulmana. Ele agiu principalmente por intermé­
dio de outros dervixes, que eram encontrados então em quase
todas as comunidades do continente da Ásia.
Esse engenhoso e enérgico persa, o dervixe Assadullah
Ibrahim Oglê, persuadiu por toda parte os dervixes, com mui­
ta inteligência, da “verdade” de sua idéia; estes, por sua vez,
convenceram os seres ordinários de todo o continente da Ásia
que não somente a destruição de seres de outras formas não
era agradável a Deus, mas que os destruidores teriam de sofrer
um duplo castigo no outro mundo, no inferno: uns, por seus
próprios “pecados”, outros, pelos “pecados” dos seres que eles
tinham destruído, e assim por diante.
Graças a essas prédicas sobre o outro mundo, feitas pe­
los dervixes considerados como autoridades na matéria, os se­
res da Ásia reduziram com efeito, de ano para ano, o número
de seus sacrifícios.
E o resultado de toda a atividade desse “generoso dervi­
xe persa” foi o último grande processo de destruição recípro­
ca, ou, como dizem seus favoritos, a “Guerra Mundial”.

1039
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Ora, meu filho, se o eminente sábio curdo Atarnakh, pe­


las hipóteses que avançava em sua teoria, tinha se aproximado
muito da realidade, ele não compreendera, entretanto, o mais
importante, quer dizer, que as vibrações requeridas pela Gran­
de Natureza, e constituidas pelas emanações dos seres, tanto
no curso de sua existência, como por ocasião do processo de
raskuarno, têm uma significação não tanto por sua quantidade
como por sua qualidade.
Provavelmente o curdo Atarnakh, por ser um ser terres­
tre pouco comum, o teria compreendido, se tivesse conhecido
os detalhes dos resultados obtidos, quando nesse planeta fo­
ram mais ou menos estabelecidas as condições de existência
esseral especialmente criadas para os seres tri-cerebrais graças
ao Mui Santo Labor do “Amante da Essência”, o Mui Santo
Ashyata Sheyimash.
Durante aquele período, não só a “mortalidade” deles
diminuiu, mas o mesmo se deu com sua “natalidade”.
E isto porque, os seres terrestres ao existirem então mais
ou menos como convem a seres tri-cêntricos, suas emanações
davam vibrações mais próximas daquelas que exigia a Grande
Natureza para o Mui Grande Trogoautoegocrata cósmico ge­
ral, e mais particularmente para o sustento da Lua e de Anúlios.
Desde então, a Grande Natureza não deixou de se adaptar di­
minuindo a natalidade, tanto mais que, para o período que ia
seguir, a necessidade das vibrações destinadas a sustentar a exis­
tência do planeta Lua devia ela mesma diminuir.
Entre os diversos aspectos desta questão fundamental,
aquele que diz respeito ao sentido e à meta da existência de
seus favoritos é de uma tal importância e permite tão bem com­
preender muitas coisas que se passam na Terra, e, entre outras,
tudo o que se refere às causas mesmas da guerra, que eu consi­
dero como necessário voltar a isso uma vez mais.
Você deve se lembrar, foi por ocasião da conversa pessoal
que me foi dado ter com Sua Conformidade o Anjo Luísos,

1040
DESTRUIÇÃO MÚTUA

hoje Arcanjo, que eu soube como os seres tri-cerebrais desse


planeta têm por principal destino elaborar — pelo processo
mesmo de sua existência — as vibrações requeridas pela Natu­
reza para sustentar esses antigos fragmentos de seu planeta,
chamados agora “Lua” e “Anúlios”.
Sua Conformidade me disse então que os dois antigos
fragmentos da Terra tinham definitivamente tomado seu lugar
regular dentro do movimento de harmonia geral e que toda
apreensão por uma surpresa qualquer havia dali em diante de­
saparecido, porém, que, para evitar toda complicação eventual
num futuro distante, fora decidido pelos Mui Altos e Mui San­
tos Individuuns realizar na Terra as medidas necessárias à for­
mação do que se chama “askokinn”, de modo que esta subs­
tância cósmica sagrada, indispensável à sustentação da Lua e
de Anúlios, possa ser produzida de maneira contínua pelo seu
planeta.
Sua Conformidade me explicou ainda que esta substân­
cia cósmica sagrada askokinn fusiona em geral no Universo
com as substâncias sagradas “abrustdonis” e “helkdonis”, e que,
por conseguinte, para ter o grau de vivificação necessário a
esta função de sustentação, a substância sagrada “askokinn”
deve primeiro se libertar das duas outras.
Para dizer a verdade, meu filho, não compreendi no ins­
tante mesmo tudo o que ele me disse; isto se tornou claro para
mim somente mais tarde, quando eu soube, no curso de meus
estudos sobre as leis cósmicas fundamentais, que são precisa­
mente as substâncias abrustdonis e helkdonis que servem à for­
mação e ao aperfeiçoamento dos corpos esserais superiores nos
seres tri-cerebrais — quer dizer, o “corpo kessdjan” e o “corpo
da alma” — e que a separação do askokinn sagrado das duas
outras substâncias se efetua em geral quando, em qualquer pla­
neta que seja, os seres as transmutam em si mesmos por seus
esforços conscientes e seu sofrimento voluntario, para a for­
mação e o aperfeiçoamento de seus corpos superiores.

1041
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

E quando me interessei por seus favoritos e me pus a


observar e a estudar seu estranho psiquismo, compreendí por
que e para que fins a Grande Natureza, assim como os mais
Altos e mais Santos Individuuns, se adaptam sempre paciente­
mente a todas as coisas. A respeito disso, formou-se em mim a
opinião seguinte:
Se ao menos sens favoritos tivessem refletido bem sobre
isso, e se eles tivessem se esforçado com toda honestidade para
servir a Natureza sob este aspecto, talvez seu aperfeiçoamento
esseral tivesse podido efetuar-se de maneira automática, quase
sem a participação de seu consciente; em todo caso, a pobre
Natureza de seu desafortunado planeta não teria sido forçada
a penar a fim de se adaptar, e de salvaguardar assim a harmonia
cósmica geral.
Porém, para a infelicidade de tudo quanto existe no Me­
galocosmos, seus favoritos não colocam a menor honestidade
para cumprir seus deveres para com a Natureza, à qual, no
entanto, são devedores, estritamente falando, de sua própria
existencia.
A propósito desta ausencia de honestidade cm seus favo­
ritos no cumprimento de seus deveres para com a Natureza,
acabo de me lembrar de uma muito sábia sentença de nosso
mestre incomparável, Mulá Nassr Eddin, sentença cujo senti­
do oculto encontra uma justificação no presente caso:
“A peste e o cólera são, apesar de tudo, mais nobres que
a honestidade humana, pois com eles, pelo menos, os homens
que tem uma consciência moral podem ainda viver em paz”.
Ora, meu querido Hassin, quando ficou claro que a ne­
cessidade instintiva de fazer esforços conscientes e de sofrer
voluntariamente para perceber e transmutar em si as substan­
cias sagradas abrustdonis e helkdonis — libertando assim os
askokinns sagrados para a sustentação da Lua e de Anúlios —
havia completamente desaparecido do psiquismo de seus favo­
ritos, a Grande Natureza foi ela mesma obrigada a adaptar-se

1042
DESTRUIÇÃO MÚTUA

para extrair esta substância sagrada por outros meios, dentre


os quais se encontrava precisamente o terrível processo perió­
dico de destruição recíproca.
Para que você possa ter uma apreciação justa de seus
favoritos contemporâneos, acho oportuno lembrar-lhe que, uma
vez eliminada nos seres tri-cerebrais de seu planeta a ação do
órgão kundabuffer, eles aprenderam muito depressa, desde as
primeiras gerações, que uma certa substância cósmica devia se
transformar através deles, e que ajudar nesta transformação era
uma de suas mais importantes obrigações esserais.
Você se lembra, eu lhe disse que os seres tri-cerebrais do
continente da Atlântida consideravam até esta obrigação esse­
ral como sagrada, e a chamavam “amarluss”, o que significava
na língua deles “ajuda à Lua”.
Naquela época, quer dizer, no curso do período chama­
do civilização samliossiana, eles seguiam escrupulosamente
certos costumes que tinham inventado, e que lhes permitiam
cumprir esses deveres esserais da maneira mais eficaz.
Esses seres até imaginaram um meio muito sábio e muito
prático de cumprir essas duas obrigações esserais — a de
aperfeiçoar seus corpos esserais superiores e a de servir o Mui
Grande Trogoautoegocrata —, reunindo-as e cumprindo-as si­
multaneamente.
Eles realizaram esta união da maneira seguinte:
Em toda aglomeração, e até mesmo em cada bairro des­
sas aglomerações, erguiam-se obligatoriamente três edifícios
especiais, muito imponentes.
O primeiro, destinado aos seres de sexo masculino, era
chamado “agurokhrostini”.
O segundo, reservado aos seres de sexo feminino, era
chamado “gynekokhrostini”.
E o terceiro, dedicado aos seres considerados como
pertencentes ao “sexo do meio”, era designado pelo nome de
“anoroparionokima”.

1043
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Os dois primeiros desses imponentes edifícios eram vis­


tos como sagrados pelos seres do continente da Atlântida.
Representavam para eles o que são para os seres atuais da Ter­
ra seus “templos”, “igrejas”, “capelas” e outros lugares sagrados.
Quando desci pela primeira vez a esse planeta, visitei em
pessoa, no continente da Atlântida, alguns desses edifícios e
soube assim a que estavam destinados.
Nos templos para homens, ou “agurokhrostinis”, os se­
res de sexo masculino da aglomeração, ou do bairro, cum­
priam cada um por sua vez, num estado bem definido, chama­
do “lembrança de si”, os “mistérios” apropriados.
Os seres do continente da Atlântida tinham esta concep­
ção bem firme de que os seres do sexo masculino são fontes de
manifestação ativa; eles se entregavam, então, sem descanso,
em seus agurokhrostinis, a uma contemplação ativa e conscien­
te, e neste estado eles cumpriam os mistérios sagrados corres­
pondentes, a fim de transmutar em si próprios as substancias
sagradas abrustdonis e helkdonis.
Agiam assim intencionalmente e em plena consciência,
para que a substância sagrada que então se libertava neles e
irradiava por intermédio de suas emanações, com vistas a uma
vivificação ulterior, se tornasse a parte ativa na lei sagrada que
eles denominavam “Lei de Santa Trindade”.
Nos “ginekokhrostinis”, reservados aos seres de sexo
feminino, cada mulher se encerrava obrigatoriamente durante
toda a duração de certos períodos, que os seres contemporâ­
neos chamam “menstruações”. Além disto, as mulheres, reco­
nhecendo-se elas mesmas como seres passivos, esforçavam-se
por permanecer passivas durante todo o tempo de seu isola­
mento, a fim de que a substância que se irradiava por intermé­
dio de suas emanações servisse de parte passiva no processo da
mesma lei sagrada, com vistas a sua vivificação ulterior.
De modo que elas passavam seu tempo, no interior desses

1044
DESTRUIÇÃO MÚTUA

ginekokhrostinis, num estado de passividade total, esforçan­


do-se conscientemente para não pensar em nada.
Com este fim, elas tratavam de não ter nenhuma ex­
periência ativa durante seu período menstrual e, para que o
curso das associações não as impedisse de se concentrar, tudo
estava arranjado de maneira a orientar constantemente seus pen­
samentos para o bem de seus filhos presentes ou futuros.
Quanto aos edifícios da terceira espécie, que tinham o
nome de “anoroparionokimas”, tinham sido construídos, como
acabo de lhe dizer, para os seres pertencentes ao que se chama­
va então o “sexo do meio”. Nosso Mula Nassr Eddin os teria
qualificado de “quiproquos” ou “nem um, nem outro”.
Entre os seres pertencentes ao “sexo do meio”, uns eram
do sexo masculino, os outros do sexo feminino.
Eram seres que, por diversas razões, não tinham mais a
possibilidade nem de se aperfeiçoar, nem de servir a Natureza,
ou, como o diz em uma de suas sentenças o nosso querido Mula
Nassr Eddin, que eles não eram “nem uma vela para um anjo,
nem um atiçador para um diabo”.
Nessas casas se isolavam, por um certo tempo, os seres
masculinos que, por uma razão ou outra, estavam desprovidos
de toda possibilidade de contemplação consciente, e os seres
do sexo feminino que não tinham nunca menstruação ou nos
quais a menstruação se efetuava de maneira anormal, ou ainda
as mulheres que em certos períodos se transformavam, em re­
lação a seus desejos sexuais, no que se chamava “khaneome-
nis”, ou, segundo a expressão de nosso querido Mula Nassr
Eddin, “em verdadeiras éguas na chegada da primavera”.
Os seres do continente da Atlântida estavam então
familiarizados com certos sintomas, bem definidos e muito origi­
nais, que permitiam reconhecer esses seres a fim de isolá-los
nos anoroparionokimas.
Estes sintomas consistiam nas particularidades seguintes:
1. Se um ser acreditava em qualquer absurdo;

1045
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

2. Se se pusesse a provar aos demais algo que ele mesmo


nao conhecia, ou que conhecia mas do qual nào estava seguro;
3. Se faltava a sua palavra de honra ou prestava juramen­
to sem necessidade;
4. Enfim, se ele manifestava uma tendência a “espionar”
os outros e a ocupar-se de “tuk-su-kef”.
Mas o sintoma mais indiscutível era o aparecimento num
ser do que se chama “moyassul”, aparecimento que seus favo­
ritos contemporâneos consideram como uma doença, à qual
eles dão o nome de “hemorroidas”.
Aqueles que apresentavam estes sintomas eram obriga­
dos a residir em permanência nesses anoroparionokimas du­
rante os períodos indicados pelos seres que os cercavam. Não
estavam submetidos a nada, e existiam como bem lhes aprou-
vesse. O único propósito era impossibilitá-los de ter algum con­
tato com os seres normais da região, e até de falar com eles.
A razão de sua estada forçada nesses edifícios era, segun­
do as concepções da época, que, como conseqüência de suas
diversas “taras”, eles atrapalhavam com suas emanações, em
certos períodos do mês, a existência tranqüila e regular dos
seres que os cercavam.

“Assim é, meu querido filho...


Os seres dos últimos tempos do continente da Atlântida
conheciam ainda um grande número de excelentes costumes
que correspondiam a uma existência normal. Quanto a seus
favoritos contemporâneos, só se pode ter pena deles pelo fato
de que a segunda catástrofe sofrida pelo seu desafortunado pla­
neta tenha tragado esse continente com tudo o que ele carrega­
va, fazendo desaparecer, ao mesmo tempo, todos os bons cos­
tumes que, no curso de longos séculos, haviam pouco a pouco
penetrado no processo da sua existência ordinária.
Muito tempo após o desastre do continente da Atlân­
tida, um desses costumes esteve, entretanto, a ponto de ser

1046
DESTRUIÇÃO MÚTUA

restabelecido: o de utilizar, no processo de existência ordiná­


ria, edifícios análogos aqueles de que acabo de lhe falar.
A necessidade desses edifícios foi de novo compreendi­
da por um rei hebreu muito sensato, de nome Salomão, que
decidiu ele também instituí-los.
O tipo de edifício especial que esse rei hebreu cheio de
sabedoria decidiu construir, e que subsistiu muito tempo de­
pois dele, foi chamado por seus súditos “tak-tchan-nan”.
Parecia-se com os ginekokhrostinis do continente da
Atlântida. Como estes últimos, ele era destinado aos seres de
sexo feminino, que deviam ali permanecer durante toda a du­
ração de sua menstruação.
O rei Salomão apressou-se em estabelecer esse costume
durante seu sábio reinado, pois constatara diversas vezes que,
no estado de menstruação, o caráter dos seres de sexo femini­
no se tornava, para aqueles que os cercavam, e sobretudo para
seus maridos, absolutamente intolerável, e até prejudicial de
um ponto de vista psico-orgânico, tão inconsequente era sua
conduta em relação a outrem; e ele decidiu promulgar sem de­
mora para seus súditos uma severa lei instituindo em cada aglo­
meração a construção obrigatória de edifícios especiais onde
seriam encerrados os seres de sexo feminino durante toda a
duração desse estado.
Até me foi dado 1er o texto da lei que ele havia promulgado.
Esta lei decretava entre outras coisas que, durante todo o
período de sua menstruação, as mulheres eram impuras, no
sentido sagrado da palavra, e que para os demais, e em particu­
lar para seus maridos, era então não somente um grande pecado
tocá-las, mas até um crime contra a lei sagrada falar com elas.
Em seus maridos ou, em geral, nos homens que se aproxi­
mam delas, ou que falam com elas durante esse período, pene­
tra uma força impura, ou espírito maligno. E, por conseguinte,
não há mais entre os homens, nas relações cotidianas ou nos
negocios senão mal-entendidos, querelas e inimizade.

1047
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Esta última tese do Grande Sábio terrestre que toi o


rei Salomão representa ainda em nossos dias uma verdade
incontestável.
Com eteito, esta é uma das numerosas razões pelas quais
a existência ordinária dos seres de seu planeta é hoje em dia
tão absurda.
Nos seres terrestres contemporâneos de sexo teminino
se retorça ainda durante esse período a propriedade especítica
adquirida no curso dos últimos séculos, e que eles chamam
“histeria”. Enquanto dura esse estado, as mulheres reduzem
os seres que as rodeiam, e sobretudo seus maridos, à situação
dos intelizes aos quais nosso grande Mulá Nassr Eddin taz alu­
são quando ele diz:
“A meta de sua existência é a de ser a presa das sangues­
sugas”.
E de tato, é unicamente porque os seres contemporâneos
de sexo teminino vão e vêm em liberdade durante suas mens­
truações que muitos dos seres contemporâneos de sexo mascu­
lino jamais podem ter entre si boas e amigáveis relações, o que
taz deles, muito treqüen temen te, verdadeiros blasfemadores “ar­
rependidos tarde demais”.
Esse benéfico costume instituído pelo sábio rei Salomão
subsistiu muito tempo entre os hebreus e teria, certamente, se
propagado por toda a Terra não fosse certa propriedade especí­
tica de lá, de que já lhe talei.
Pois quando esse povo, por sua vez, decaiu de sua gran­
deza, como sempre acontece por lá, os seres das outras comu­
nidades que, do tempo de sua glória e de seu poder, já o odia­
vam, impelidos por esse impulso de ciúme e de inveja, que se
tornou inerente a seus tavoritos em relação a tudo o que é su­
perior a eles, não somente o desprezaram e o perseguiram de
imediato, mas englobaram evidentemente em seu desprezo to­
dos os excelentes costumes que esse povo tinha adquirido
até então.

1048
DESTRUIÇÃO MÚTUA

E quando este povo hebreu caiu sob a influência de ou­


tras comunidades que se tornaram fortes, ele se pôs a seguir o
exemplo delas, em virtude de uma propriedade característica
de que já lhe falei suficientemente, de modo que, longe de se
propagar, este bom costume foi depreciado e, para terminar,
esquecido por seus próprios fundadores.
Hoje, ele não sobrevive mais, exceto entre os seres de
uma pequena comunidade das montanhas do Cáucaso, conhe­
cidos com o nome de “hevsurs”, esses hevsurs cuja existência
nào deixa dormir em paz os sábios terrestres, em razão do pro­
blema que sua origem coloca.
A respeito desse hábito que seus favoritos adquiriram,
de destruir os bons costumes já estabelecidos em seu planeta
graças aos esforços de seus ancestrais, mais uma vez, somos
forçados a expressar nossas condolências à pobre Natureza,
que sem cessar deve se adaptar e se readaptar a tudo.
Para comentar este infortúnio que pesa sobre a Natureza
deles, nosso caro mestre, o incomparável Mulá Nassr Eddin,
tem ainda algumas sentenças muito sábias.
Ele dirá por exemplo, em semelhante caso:
“Se você não tiver sorte na vida, você pegará uma doença
venérea até com sua madrinha!”
Ou ainda:
“Ah! meu pobre amigo! Enquanto te punha no mundo,
tua mãe devia estar cantando um lamento armênio”.
Em tais ocasiões, o intérprete da sabedoria popular rus­
sa, Kusma Prutkoff, tem também uma boa fórmula:
“O mais infeliz de nós todos é ainda a pinha: todos os
“Makar” tropeçam nela!”
Eu repito, a desafortunada Natureza do planeta Terra
deve centinuamente e sem descanso adaptar-se para se mani­
festar “de outra maneira”, sempre “de outra maneira”, a fim
de se manter na harmonia cósmica geral.

1049
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Para que você se represente e compreenda melhor de que


maneira a desafortunada Natureza se adapta com vistas a obter
o “equilíbrio das vibrações” exigido desse planeta para a har­
monia cósmica geral, bastará lhe falar de um fato que se pro­
duz neste momento lá, em consequência de um processo que
eles chamaram “Guerra Mundial”.
No curso deste processo, aconteceu, provavelmente por­
que os seres alemães tinham inventado o que se chama “gases
tóxicos” e os seres ingleses o que se chama “metralhadoras es­
peciais de tiro rápido”, que o número de raskuarnos, ou mor­
tes, nao previstos pela Natureza, ultrapassou dessa vez em muito
os limites do necessário; em outros termos, para falar como
esses candidatos hassnamusses que são os homens de negocios
contemporâneos, houve “superprodução” de mortes de seres
tri-cerebrais.
De modo que a Natureza teve de novo de dar-se muito
ao trabalho ou, como se diz, “suar sangue e água” para corrigir
esta imprevidência e se adaptar, uma vez mais, da maneira re­
querida.

Desta vez, como pude me assegurar no decorrer de mi­


nha última estada lá, e como isto me foi confirmado mais tarde
por um eterograma, a Natureza, com toda evidência, está para
aumentar, com vistas aos tempos futuros, a natalidade dos se­
res de outras formas.
Eu mesmo notei que nas cidades de Petrogrado e de Ti­
flis, situadas na grande comunidade da Rússia — onde perece­
ram, durante a Guerra Mundial, mais seres do que em qual­
quer outra comunidade —, quadrúpedes chamados “lobos”,
quadrúpedes que a gente jamais encontra nas regiões habita­
das e que detestam os homens, já corriam pelas ruas.
Quanto à informação comunicada por eterograma, ela
precisava que na grande comunidade da Rússia a natalidade
dos seres roedores chamados “camundongos” e “ratos” tinha

1050
DESTRUIÇÃO MÚTUA

aumentado em tais proporções que eles já haviam devorado


quase todas as reservas de víveres dos seres dessa comunidade.
Este eterograma anunciava ainda que os detentores de
poder da comunidade da Rússia haviam apelado aos seres
de uma outra comunidade européia para empreender a des­
truição da existência dessas pequenas criaturas cujo número se
multiplicara entre eles. Em troca, prometiam dar-lhes quanto
dinheiro quisessem.
Uma redução temporária do número desses pobres ratos
e camundongos poderia, sem nenhuma dúvida, ser obtida pe­
los variados meios de que esses especialistas dispõem para a
destruição da existência; mas jamais eles consentirão em
empreendê-la gratuitamente; e quanto a lhes dar esse dinheiro,
os seres da Rússia, apesar de suas promessas, não estarão, é
claro, em condições de fazê-lo, visto que isto poderia custar-
lhes muito mais caro do que sua última guerra.
E, para tirar dinheiro das fontes de onde eles o extraíram
a mancheias durante este grande processo..., como disse nosso
querido Mulá Nassr Eddin:
“Quanto a isso, nem pensar!... Até um asno pode com­
preender que, em tempos de paz, a carne de mujik não vale nada”.

Dito isto, Belzebu calou-se. Considerando em silêncio seu


neto, ele parecia esperar algo dele. Este, como se falasse para si
mesmo, disse em um tom triste, quase desesperado:
— Como acabará tudo isto? Não há realmente saída al­
guma?
Será possível que as infelizes almas que se formam nesse
desafortunado planeta permaneçam eternamente num estado
de não-perfeição, será possível que elas tenham de se revestir
sem fim com formas planetárias variadas, e de enlanguescer
pelos séculos dos séculos, por causa das malditas consequências
das propriedades do órgão kundabuffer, implantado no corpo

1051
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

planetario dos primeiros seres tri-cêntricos da Terra, por ra­


zões que lhes eram totalmente extrínsecas?
Onde está então esse pilar sobre o qual supostamente
repousa nosso Megalocosmos inteiro, e que leva o nome de
Justiça?...
Não!... Isto não pode ser!... Há algo de falso nisso, pois
nem uma só vez, desde minha vinda ao mundo, se insinuou em
mim a menor dúvida quanto á existência da Justiça objetiva.
E absolutamente necessário ver claro e compreender...
Por quê?... Por quê?...
Em todo caso, a meta de minha existência será, a partir
de agora, compreender claramente por que as almas que apa­
recem nesses seres terrestres tri-cerebrais se encontram nessa
situação, de um horror sem precedente...”
Depois, o pobre Hassin, muito abatido, abaixou a cabe­
ça e ficou pensativo.
Belzebu o considerou com um olhar estranho — estra­
nho porque deixava transparecer seu amor por Hassin, e por­
que ao mesmo tempo se podia sentir nele o quanto ele estava
feliz que seu neto experimentasse uma tal tristeza.
O silêncio se prolongou durante um tempo bastante lon­
go. Por fim, Belzebu deu um profundo suspiro, como que vin­
do do fundo de seu ser, e, voltando-se para seu neto, dirigiu-
lhe as palavras seguintes:
— Sim, meu querido Hassin.
Há nisso, certamente, algo que não é justo.
Mas, se nada pôde ser feito para os seres desse planeta
por aquele que possui atualmente a Razão do “Podkulad sa­
grado”, e que é um dos primeiros assistentes de Nossa Eterni­
dade na administração do mundo, o Mui Santo Ashyata Sheyi­
mash — se ele não pôde fazer nada, que podemos nós esperar,
nós cuja razão não ultrapassa muito a dos seres ordinários?
Lembre-se que em suas reflexões recolhidas sob o título
“Horror da Situação” o Mui Santo Ashyata Sheyimash dizia:

1052
DESTRUIÇÃO MÚTUA

“Se ainda for possível salvar os seres da Terra, só o Tem­


po poderá fazê-lo”.
Quanto a nós, só podemos repetir estas palavras a pro­
pósito da terrível particularidade de que acabamos de falar,
quer dizer, seu processo periódico de destruição mútua.
Tudo o que podemos dizer pelo momento é que se essa
particularidade dos seres terrestres deve desaparecer desse de­
safortunado planeta, isto só se fará com a ajuda do Tempo,
quer sob a direção de um ser de uma muito alta Razão, quer
graças a certos acontecimentos cósmicos excepcionais.”
Com estas palavras, Belzebu voltou a fixar Hassin com o
mesmo olhar estranho.

1053
Capítulo 44
Segundo Belzebu, a concepção
que os homens se fazem
da justiça é, no sentido
objetivo, uma “miragem maldita”

BELZEBU, sorrindo, continuava a olhar afetuosamente


seu neto. E lhe disse:
— Meu querido Hassin, para você que será um dia meu
substituto chegou o momento, me parece — agora que você
pôde assimilar, graças a tudo que lhe contei sobre os seres tri-
cerebrais que povoam o planeta Terra —, de aprofundar a
“questão” a que lhe prometi consagrar meus últimos relatos.
Quero falar da funesta idéia, tão difundida entre eles, á
qual fiz alusão, você deve se lembrar, a propósito dos princi­
pais “antolhos” de seu psiquismo, quer dizer, a propósito de
suas diversas “havatviernonis”, ou “religiões”, como eles as
chamam — idéia da qual eles fizeram a base de todas essas
religiões, e que é a do “Bem” e do “Mal”.
Contei também a você que esta funesta idéia, que reina
entre os seres terrestres tri-cerebrais, havia recentemente sus­
citado no Santo Planeta do Purgatorio um grande aconteci­
mento, ou, segundo a expressão de seus favoritos, um grande
“escândalo”, e que a causa involuntária desse escândalo tinha
sido um ser pertencente a sua “hernasdjinsa” ou, como se diz
na Terra, a sua “árvore genealógica”.
UMA MIRAGEM MALDITA

Para que você se represente mais claramente o que eu


ainda tenho a intenção de lhe explicar, preciso primeiro voltar
a acontecimentos distantes, que, à primeira vista, não têm nada
em comum com essa idéia.
Pois bem, já lhe disse que por ocasião de minha quinta
descida à superfície de seu planeta minha estada foi muito bre­
ve, e que retornei quase de imediato para minha casa, no pla­
neta Marte.
Retornei para lá porque meus amigos me haviam comu­
nicado, do Centro, que um dos Querubins mais próximos de
Nosso Eterno Todo-Abrangente logo aparecería em Marte,
portador de um decreto que me concernia pessoalmente.
Pouco após minha chegada, o Querubim eletivamente
fez sua aparição no planeta Marte. A decisão d’O-Alto que ele
estava encarregado de me transmitir, me informava que em ra­
zão de meus esforços conscientes para chegar a resultados de
interesse cósmico geral — esforços que haviam levado à aboli­
ção do costume dos “sacrifícios” entre os seres tri-cerebrais
que lhe agradam — e em razão da súplica apresentada por Sua
Conformidade, o próprio Anjo Luísos, a Nosso Pai Eterno Co­
mum, o castigo que me tora infligido por minha falta pessoal
seria reduzido, no sentido que ele cessaria, desde então, de se
estender a meus descendentes.
A partir daquele momento, era então possível a meus fi­
lhos, quer dizer, a seu pai e a seu tio Tuilan, retornar ao Centro
quando o desejassem, para cumprir as obrigações que lhes
corresponderíam no seio das inúmeras realizações de Nosso
Pai Universal.
Após este acontecimento, de uma tal importância para
nossa família, meus filhos não tardaram, com efeito, a deixar o
planeta Marte para voltar ao Centro, onde, desde a chegada
deles, dado seu conhecimento aprofundado das leis da ciência
objetiva em certos domínios e de sua capacidade em realizar a

1055
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

sua aplicação prática, eles foram designados para cargos res­


ponsáveis apropriados.
Seu pai foi imediatamente nomeado para o cargo de “tzir­
likner” numa das partes da superfície de nosso querido Kara­
taz, e tornou-se pouco a pouco digno de assumir a responsabi­
lidade de tzirlikner-chefe de todos os seres tri-cerebrais de nosso
planeta, responsabilidade que ele assume ainda neste momento.
Quanto a seu tio Tuilan, ele foi arrolado, eu já lhe disse,
entre os ajudantes do diretor da estação de eterogramas do Santo
Planeta do Purgatório, que estava então, como hoje em dia,
“ligado eterograficamente” com quase todos os planetas de
Nosso Grande Universo.
Mais tarde, ele também mereceu ser nomeado para o car­
go de diretor-geral, que ocupa ainda agora.
Eu devo, aliás, lhe explicar, meu filho, por que, desde
sua chegada ao Centro, meus resultados, ou, segundo a expres­
são de seus favoritos, meus “filhos”, foram julgados dignos de
ocupar imediatamente esses cargos responsáveis.
Para que compreenda a razão disto, você necessita saber
que entre os que compartilharam, desde o princípio, meu exí­
lio se encontrava o tzirlikner-chefe de nosso planeta Karataz, o
jovem, mas já muito sábio Puludjistius, que, depois da graça
suprema que nos foi concedida, mereceu tornar-se — e é ainda
hoje — o assistente do Grande Observador dos movimentos
de todas as concentrações do Megalocosmos, Seu Ego-Manu-
tenção, o Arqui-Serafim Ksheltarna.
Ora, desde que comecei a organizar meu observatorio
no planeta Marte, o sábio Puludjistius me propôs empregá-lo
como inspetor e intendente de minha nova instituição.
Naturalmente, aceitei de imediato, já que seu conheci­
mento da posição de todas as grandes e pequenas concentra­
ções cósmicas, e das leis que regem sua sustentação recíproca,
fazia dele uma das maiores autoridades na matéria. E, desde
então, esse grande sábio Puludjistius veio existir em minha casa.

1056
UMA MIRAGEM MALDITA

Mais tarde, quando os resultados de meu princípio ativo


apareceram e se lormaram até a idade requerida, eu pedi a esse
grande sábio Puludjistius que assumisse igualmente o cargo de
“oskianotsner”, ou, como teriam dito seus favoritos, de “edu­
cador” de meus filhos; ele consentiu nisso com solicitude, pois,
se encontrando ali em condições inabituais, ele nào podia apro­
veitar seus múltiplos conhecimentos de maneira satisfatória, e
minha proposta lhe abria, em relação a isso, um amplo campo
de atividade.
A partir daquele momento, fora do tempo reservado a
suas obrigações, pouco numerosas no início, ele se consagrou
inteiramente a criar as condições interiores e exteriores graças
às quais meus filhos receberíam impressões que lhes permi­
tiríam cristalizar em si mesmos os dados esserais necessários a
uma existência responsável digna de seres tri-cerebrais.
Meus filhos se ligaram de tal modo a ele que não o deixa­
vam mais, mesmo nas horas em que ele cumpria suas princi­
pais funções no observatorio; e, até nestas condições, o bom
Puludjistius não cessava de esclarecer a razão deles e de lhes
dar explicações práticas sobre o exame das diversas concentra­
ções, os meios de estudar suas influências recíprocas e o signi­
ficado dessas influências.
Ele lhes explicava como e por que tal ou tal concentração
cósmica determinada ocupava precisamente tal lugar e lhes ensi­
nava as particularidades da influência recíproca dessas concen­
trações no curso do processo cósmico geral trogoautoegocrático.
Assim, sob a direção desse sábio notável, se cristalizaram
na presença geral de meus resultados, não só os dados necessá­
rios a todo ser tri-cerebral responsável, mas muitos outros, per­
mitindo-lhes uma tomada de consciência e uma percepção di­
reta das verdadeiras informações relativas às concentrações cós­
micas e a seu funcionamento.
E foi justamente durante esse período que se formou

1057
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

pouco a pouco em cada um de meus filhos um interesse subje­


tivo por um terreno favorito de estudo e observação.
Seu pai, por exemplo, gostava de estudar a influência e a
sustentação recíprocas das concentrações cósmicas situadas nas
zonas mais próximas da Fonte Primeira, o Mui Santo Sol Ab­
soluto, enquanto seu tio Tuilan manifestava um interesse parti­
cular pela observação do planeta Terra e do processo de exis­
tência dos seres tri-cerebrais que o povoam. Aliás fui eu, numa
certa medida, quem havia despertado nele este interesse, pois,
na época de minhas investigações sobre o psiquismo de seus
favoritos, eu o encarregava frequentemente, quando estava
ocupado com outra coisa, de anotar todas as mudanças que se
operavam neles.
Quando meus filhos estavam a ponto de deixar para sem­
pre o planeta Marte, seu tio Tuilan, enquanto eu lhe dava mi­
nha bênção, rogou-me com insistência que lhe comunicasse
periodicamente os resultados de minhas observações e de meus
estudos sobre o estranho psiquismo dos seres bípedes do pla­
neta Terra — o que lhe prometí, é claro. Eles voaram, então,
para o centro mais próximo de Nosso Pai Comum.

Desde sua chegada, eles se revelaram muito competentes


quanto ao conhecimento da posição das concentrações cósmi­
cas, assim como de suas propriedades e particularidades, e
muito versados na arte dos cálculos relativos ao conjunto das
influências recíprocas; por isso eles foram imediatamente no­
meados para os cargos de responsabilidade de que falei.
Quando conheci o lugar permanente de existência deles
e os cargos para os quais foram julgados dignos, enviei a partir
de então a Tuilan, como lhe prometera, quatro vezes por ano,
segundo nosso cálculo do tempo, uma cópia fiel de todos os
resumos que fazia de minhas observações.
Numerosos anos tinham se passado desde o dia em que
enviara o primeiro desses eterogramas a Tuilan, e eu ignorava

1058
UMA MIRAGEM MALDITA

tudo do que ele fazia com eles, até o dia em que fui informado
dos acontecimentos extraordinarios que se passavam no pla­
neta do Purgatorio.
Aconteceu que o alto-governador do Santo Planeta do
Purgatorio, o Sustentáculo-de-Todos-os-Quartos, o Arqui-
Qtierubim Helkguemathius, soube por acaso que um dos as­
sistentes do diretor da estaçào de eterogramas, Tuilan, recebia
periodicamente do sistema solar Ors mensagens muito longas
que lhe enviava seu pai. Ele manifestou o desejo de tomar co­
nhecimento delas, e, após tê-lo feito, nào só se interessou mui­
to por cias, mas até mesmo deu a ordem, a seu tio Tuilan, para
difundir seu texto no “tulukhtertzinek”* planetário geral, a fim
de que certos “corpos esserais supremos” que habitam o santo
planeta pudessem ouvir, para descansar, se o quisessem, as infor­
mações relativas ao psiquismo dos estranhos seres tri-cere­
brais que povoam um dos mais distantes planetas de nosso
Megalocosmos.
Seu tio Tuilan, desde então, fez como lhe fora ordenado.
Logo que recebia meus eterogramas, ele os difundia no “tu­
lukhtertzinek” planetário geral, e, desse modo, todas as almas
justas que habitam o santo planeta eram mantidas a par de mi­
nhas observações e pesquisas sobre esse estranho psiquismo.
Desde então, certos corpos esserais supremos do santo
planeta, que seguiam muito atentamente todas as minhas inves­
tigações, se puseram, por sua vez, a refletir sobre a estranheza
desse psiquismo.
As reflexões desses bem-aventurados corpos esserais su­
premos os levaram a compreender que havia algo de falseado
no psiquismo dos seres tri-cerebrais do planeta Terra, e eles
chegaram a discernir o que havia de suspeito na origem desse
“algo”; muitos deles acabaram mesmo por se indignar seria­

* O “tulukhtertzinek” se assemelha, até certo ponto naturalmente,


ao que se chama na terra “T.S.F. [N.T.: “T.S.F” é abreviação de
“Téléphonie Sans Fil”, primeira denominação do rádio na França.]

1059
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

mente com o que lhes parecia, à primeira vista, uma injustiça


d’O-Alto.
A medida que estes últimos participavam aos demais suas
impressões, o número de “almas justas” indignadas aumentava,
a ponto de, nas “tzaruariakhs”* do santo planeta, nào haver
outro tema de reflexão e de conversa.
Para concluir, os habitantes do santo planeta escolheram
cinquenta almas justas que deviam juntas empreender pesqui­
sas e descobrir a verdadeira razão pela qual um tal absurdo
aparece no psiquismo desses seres tri-cerebrais e impede todo
aperfeiçoamento à “parte esseral suprema” que, por diferentes
razões, se constitui as vezes em alguns deles.
As cinquenta almas justas eleitas eram precisamente as
que haviam já merecido se tornar candidatas ao retorno à Mui
Santa Fonte de tudo o que existe.
E o Sustentáculo-de-Todos-os-Quartos, o Arqui-Queru-
bim Helkguemathius, governador do santo planeta, não somen­
te sancionou a escolha dessas cinquenta almas bem-aventura­
das, mas lhes fez conhecer sua decisão muito misericordiosa de
ajudá-las de toda maneira no cumprimento da tarefa que se
impunha a elas.
Assim, então, meu filho, para esses cinquenta candidatos
ao Sol Absoluto, uma vez empreendidas suas pesquisas, tor­
nou-se evidente, depois de longas e minuciosas investigações,
que a principal causa de todas as anomalias do psiquismo dos
seres tri-cerebrais que povoam esse planeta tinha sido o apare­
cimento desta idéia bem arraigada, agora ancorada neles, de
que existem, supostamente, além da essência dos seres, dois
fatores diametralmente opostos — o princípio do Bem e o prin­
cípio do Mal — que são os instigadores de todas as suas boas e
más manifestações.

* As “tzaruariakhs” do santo planeta correspondem mais ou menos


ao que se chama na Terra “cidades” e “aldeias”.

1060
UMA MIRAGEM MALDITA

Eles estabeleceram então que esta idéia funesta, univer­


salmente ditundida, para a qual, pouco a pouco, se cristalizam
dados em cada um desses seres, durante sua formação para a
idade preparatória, toma posse de seu psiquismo geral assim
que eles chegam à existência responsável, e torna-se, ao mes­
mo tempo que um meio de se tranquilizar e de justificar todas
as suas manifestações, o obstáculo fundamental à possibilida­
de que aparece em alguns deles de aperfeiçoar sua parte esse­
ral suprema.
Quando os justos habitantes do santo planeta se conven­
ceram de tudo isto, eles se puseram a refletir, depois a delibe­
rar entre eles sobre os meios de pôr fim a esta situação, e sobre
o que eles poderiam pessoalmente empreender.
Segundo o que me contaram, eles organizaram em todas
as “tzaruariakhs” assembléias e conferências, para tratar, unin­
do seus esforços, de chegar a uma decisão.
Após longas deliberações e “escrutínios” complicados en­
tre as almas justas de cada tzaruariakh, e depois entre as dife­
rentes tzaruariakhs, eles tomaram quase por unanimidade a
resolução seguinte:

“Em primeiro lugar, depositar aos pés de Nosso Criador


e Autor uma petição a fim de que, em Sua Providência, Ele
envie aos seres tri-cerebrais do planeta Terra um Mensageiro
d’O-Alto, que tenha em si mesmo todos os dados correspon­
dentes a um grau de Razão que lhe permita encontrar, no pró­
prio lugar, uma possibilidade de desenraizar esta idéia; depois,
já que o aparecimento no planeta Terra de uma idéia tão funes­
ta havia sido e permanecia a causa principal da terrível sorte
reservada às partes esserais supremas sagradas que se constitu­
em lá, ousar suplicar com contrição a Nosso Pai Comum de
não consentir que o corpo esseral supremo do ser terrestre tri­
cerebral culpado pelo aparecimento desta idéia seja recebido
no santo planeta, mesmo se ele estiver aperfeiçoado até o grau

1061
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

requerido de Razão sagrada, e de condená-lo a existir eterna­


mente no planeta “Expiação”.
Ora, meu filho, assim que os habitantes do santo planeta
tinham adotado esta resolução, estourou, como lhe disse, um
“escândalo” do qual nenhum dos Individuuns sagrados que
conhece esta historia épica pode se lembrar sem tremer.
Este escândalo se desencadeou da maneira seguinte:
Uma vez tomada a resolução, se empreendeu de imedia­
to, por iniciativa dos cinquenta eleitos, candidatos ao Sol Ab­
soluto, descobrir o ser terrestre tri-cerebral — já possuidor,
talvez, de uma parte esseral suprema — que era culpado do
aparecimento desta idéia funesta em seu planeta.
Segundo suas conclusões, o ser tri-cerebral que tinha sido
o primeiro a favorecer a cristalização desta idéia era um certo
Makar Kronbernksion, cuja parte esseral suprema, aperfeiçoa­
da até o grau requerido de Razão, tinha não somente merecido
ir para o santo planeta, mas já era considerada como uma das
primeiras candidatas que seriam recebidas no Mui Santo Sol
Absoluto.
Como me contaram mais tarde, assim que a notícia foi
conhecida, um concerto de lamentações se elevou de todo o
santo planeta; não houve uma só alma justa que pudesse pen­
sar sem remorso neste fato aterrador.
Durante o quarto de um ano, ou quase, só se fez falar e
discutir sobre este “escândalo” sem precedente, e, em cada
tzaruariakh, comissões e subcomissões se esforçaram para en­
contrar uma saída para esta situação extraordinária.
E, finalmente, se adotou, sempre em virtude dos mesmos
princípios, a seguinte resolução:
“Manter as conclusões do primeiro julgamento planetá­
rio comum emitido em relação â parte suprema de Makar Kron­
bernksion, mas depositar aos pés de Nosso Eterno Todo-Mise­
ricordioso, em nome de todos os habitantes do santo planeta,
uma petição implorando-Lhe que aliviasse esta terrível sentença”.

1062
UMA MIRAGEM MALDITA

E, desde o momento do primeiro aparecimento de Nos­


so Criador Eterno Todo-Misericordioso no santo planeta, esta
petição loi depositada a Seus pés.
Conta-se que Nosso Criador Todo-Misericordioso, após
um instante de reflexão, consentiu então em ordenar a esta alma
meritória que prosseguisse sua existência no santo planeta en­
quanto não se conhecessem todas as consequências de sua ação
nefasta.
Embora essa parte esseral suprema definitivamente .cons­
tituída fosse a causa fundamental da impossibilidade de um
aperfeiçoamento concluído para todos os corpos esserais su­
premos que aparecem na presença de certos seres tri-cerebrais
de seu planeta, Nosso Pai Comum nem por isso deixou de dar
esta ordem misericordiosa, provavelmente porque Ele espera­
va que estes seres acabariam talvez por dar-se conta de seus
erros e se poriam, por eles mesmos, a existir como convém a
seres tri-cêntricos. A partir de então não seria mais necessário
infligir um castigo tão terrível à parte suprema desse ser que
tinha chegado, recusando-se a ceder às condições adversas in­
dependentes dele e muito superiores em força às suas possibi­
lidades, e lutando sem piedade contra seu próprio princípio
negativo inevitável, a se aperfeiçoar até o grau que lhe havia
permitido alcançar o umbral do Princípio de tudo o que existe
no Universo.
Graças à ordem dada por Nosso Criador Todo-Miseri­
cordioso, a parte suprema desse pobre Makar Kronbernksion
existe ainda hoje no santo planeta e, desde então, sua sorte
depende exclusivamente dos seres tri-cerebrais que interessam
a você.”

Após uma pausa bastante longa, Belzebu continuou:


— As primeiras informações relativas a esses aconteci­
mentos chegaram a mim durante minha sexta descida à super­
fície de seu planeta; tive por eles, evidentemente, o mais vivo

1063
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

interesse, e me pus, por minha vez, a estudar no próprio lugar,


em detalhe, esta lastimável história na qual tinham se metido
seus favoritos.
Antes de tudo, meu filho, acho necessário lhe confessar
sinceramente, a você, que será meu substituto direto, que se os
justos habitantes do santo planeta, por todo tipo de meios muito
complicados, chegaram à conclusão de que a principal e até a
única causa das anomalias do psiquismo de seus favoritos sem­
pre fora essa idéia funesta, eu não poderia, quanto a mim,
afirmá-lo categoricamente.
E, no entanto, não se poderia negar que esta idéia fantás­
tica tenha desempenhado um grande papel na “diluição” pro­
gressiva do psiquismo desses infelizes.
Na época em que me interessei por todos esses aconteci­
mentos e em que empreendi pesquisas para reconstituir a his­
toria do aparecimento e da formação da individualidade de
Makar Krorfbernksion, numerosas impressões se depositaram
em mim, cristalizando os dados necessários a uma opinião sub­
jetiva.
Estas pesquisas especiais me mostraram claramente que,
embora tendo sido o primeiro a fazer uso dos termos “Bem” e
“Mal”, ele não teve nada a ver com o tato de que estas palavras
adquiriram mais tarde, no processo de existência de todas as
gerações seguintes de seus favoritos, um significado tão funesto.
Vou agora lhe dar a conhecer, meu filho, as informações
que recolhí sobre o aparecimento de Makar Kronbernksion e
sobre o desenvolvimento do processo de sua existência, a fim
de que se cristalizem em você os dados correspondentes que
favorecerão uma representação aproximada desse fato terres­
tre, dos mais aflitivos.
Desde que decidi me ocupar desta história, a cada vez
que encontrava um individuum qualificado, não deixava de
me informar com ele de tudo o que podia lançar alguma luz

1064
UMA MIRAGEM MALDITA

sobre um ou outro dos aspectos da individualidade desse Makar


Kronbernksion.
Você saberá, talvez com interesse, que um dos primeiros
individuuns que pôde me dar informações a esse respeito foi
um ser idoso de nossa tribo, que se mostrou verdadeiramente
muito útil.
Durante a conversa, ele me ensinou muitas coisas e me
indicou várias fontes excelentes de onde tirei, mais tarde, nu­
merosas e proveitosas informações.
O ser idoso de que falo não era outro senão o tio do jo­
vem ser de nossa tribo que havia provocado minha primeira
descida aquele planeta, e que se tornara o regente de todos os
membros de nossa tribo exilados no sistema Ors.
Esse ser idoso existia no continente da Atlântida precisa­
mente na época em que o próprio Makar Kronbernksion exis­
tia ali também.
Segundo todas as informações que recolhi, e segundo
meus diversos métodos especiais de investigação, aconteceu que
este ser terrestre tri-cerebral, de nome Makar Kronbernksion,
apareceu no continente da Atlântida, como resultado do pro­
cesso sagrado de “elmuarno” cumprido por dois seres tri-cere­
brais de sexo diferente que acabavam de alcançar a idade res­
ponsável.
Dado que este casal tinha, sob todos os aspectos, uma
hereditariedade sadia, e que nesse continente as condições ex­
teriores de existência ordinária eram ainda mais ou menos nor­
mais e se revelaram particularmente favoráveis a esse casal, o
resultado do seu processo sagrado, quer dizer, seu “filho”, que
foi mais tarde chamado Makar Kronbernksion, recebeu em sua
presença, quando de seu aparecimento e durante os primeiros
anos de sua infância, dados quase idênticos àqueles de que dis­
põem em seu advento, para adquirir o ser necessário a sua fu­
tura existência responsável, os seres tri-cerebrais kestchapmart-
nianos de todos os demais planetas de nosso Megalocosmos.

1065
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

E como seus produtores, ou, como se diz, seus “pais”,


tinham, por acaso, experimentado o desejo de preparar seu re­
sultado para se tornar um ser responsável que exercesse a pro­
fissão de “sábio”, e tiveram a sorte de encontrar para ele guias
qualificados, este, uma vez chegado à idade responsável, tor­
nou-se um sábio muito bom — para o planeta Terra, evidente­
mente.
Logo, ele se tornou mesmo digno, por seus méritos
científicos, de vir a ser membro de pleno direito da sociedade
dos akhldanneses.
Durante o processo de sua existência responsável, con­
sagrada por inteiro à ciência, ele teve um dia uma visão clara de
seu próprio valor e se deu conta sinceramente de sua nulidade.
A partir daquele momento, tomado por uma profunda
aflição, ele se pôs a meditar com gravidade sobre seu estado. E
o resultado de suas meditações foi que, em cada uma das par­
tes de sua presença inteira, surgiu pouco a pouco a esperança,
depois a convicção definitiva, de que o trabalho consciente e o
sofrimento voluntário poderiam transforma-lo de nulidade em
“alguma coisa”.
Ele começou então a trabalhar conscientemente, sem a
menor piedade por sua parte negativa, criando propositada-
mente condições de natureza a contrariá-la. Ele aplicou, aliás,
esses esforços conscientes, e essas condições voluntariamente
criadas, unicamente às manifestações è percepções relaciona­
das com as obrigações que ele havia assumido como ser res­
ponsável, quer dizer, somente no domínio das investigações
científicas.
Foi durante este período de sua existência que ele com­
preendeu certas verdades cósmicas.
Ora, pelo fato de que nele como na maior parte dos seres
tri-cêntricos desse período se cristalizavam ainda os dados que
engendram o impulso esseral chamado “amor por seus seme­
lhantes”, ele decidiu, para que também os demais seres de seu

1066
UMA MIRAGEM MALDITA

planeta pudessem tomar conhecimento das verdades que ele


havia descoberto, gravar no mármore um “bulmarchann” inti­
tulado “Influências positivas e negativas sobre o homem”.
Chamava-se “bulmarchann”, no continente da Atlânti-
da, o que os seres contemporâneos de lá chamam um “livro”
Tive a ocasiao, no decorrer de minha sexta estada lá, de
ver com meus próprios olhos uma cópia fiel desse bulmarchann,
feita em presas de “tchirniano”, e de decifrar minuciosamente
seu texto.
Será para você muito interessante e muito instrutivo sa­
ber como a cópia do bulmarchann gravado pela própria mão
de Makar Kronbernksion, copia que decifrei durante minha
última estada em seu planeta, pôde se conservar até a época
contemporânea; por isso lhe falarei brevemente dela.
Quando o original desse bulmarchann havia sido con­
cluído, os demais membros sábios da sociedade dos akhldan-
neses o aprovaram com uma sincera admiração e o puseram no
centro da “catedral-matriz” dos seres pertencentes aquela so­
ciedade.
E como o número dos seres que se interessavam pelo texto
desse bulmarchann aumentava sem cessar, os chefes da socie­
dade decidiram fazer várias copias dele para colocá-las no cen­
tro de cada uma das catedrais que existiam então em outras
cidades do continente da Atlântida, assim como em outros con­
tinentes.
Com este fim, executaram sete copias escrupulosamente
exatas, em presas de “tchirniano”.
Assim como me mostraram minhas “investigações spipsyco-
nalnianas”, uma destas copias estava destinada à catedral de
um pequeno continente chamado “Sinkraga”, situado não lon­
ge do continente Grabontzê.
Este pequeno continente Sinkraga, como o da Atlântida,
foi tragado com tudo o que carregava, quando da segunda per­
turbação transapalniana que sofreu esse desafortunado planeta.

1067
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Quanto ao continente Grabontzé, que chamam hoje Áfri­


ca, ele não desapareceu inteiramente nas profundezas do pla­
neta, mas sofreu a mesma sorte que outros continentes que
existem ainda hoje, como por exemplo o da Ásia: certas partes
foram tragadas, enquanto outras terras surgiram do fundo das
águas e se uniram às partes que permaneceram intactas para
formar o continente tal qual ele é hoje.
Essa cópia, parece, acabara de ser transportada ao conti­
nente Grabontzé para ser enviada, depois, à catedral a que es­
tava destinada, quando a segunda grande catástrofe devastou
seu desafortunado planeta; entretanto, a parte do continente
Grabontzé onde ela se encontrava tendo sido por acaso pou­
pada, a cópia permaneceu intacta.
Após este terrível acontecimento, a obra desse Santo “em
instância”, Makar Kronbernksion, ficou muito tempo sob as
ruínas e foi pouco a pouco recoberta de “kashimann”. E so­
mente uns trinta séculos mais tarde, tendo seus favoritos se
multiplicado de novo, e um processo de destruição recíproca
tendo estourado nas proximidades, entre as comunidades cha­
madas “Filnuanzi” e “Plitazurali”, é que os seres pertencentes
à comunidade Filnuanzi, ao cavar a areia na esperança de en­
contrar água potável para eles e seus camelos, descobriram essa
copia e a desenterraram.
Pouco depois, tendo concluído, como já era costume, o
que se chama lá uma “paz amigável”, e repartido tudo o que
haviam adquirido no curso desse processo por meios igualmente
habituais entre eles, meios que eles chamam “anexação”, “pi­
lhagens”, “tributos”, “requisições” e outros, as duas comuni­
dades em questão pegaram cada uma a metade dessa realmen­
te grande obra, cujo único valor, aos olhos dos seres terrestres
desse período, residia na raridade da matéria.
Uma dessas metades, passando de um grupo a outro por
razões diversas, caiu finalmente, sete séculos mais tarde, entre
as mãos dos sumos sacerdotes egípcios.

1068
UMA MIRAGEM MALDITA

Essa estranha e original reunião de vái i -as de tchir-


niano, já incompreensível para eles, se converteu em uma relí­
quia sagrada e permaneceu assim até o período em que o impe­
rador persa de quem já lhe falei apareceu inesperadamente com
suas tropas e “varreu”, como se diz, o infeliz Egito.
Esta primeira metade da cópia do bulmarchann foi de­
pois transportada para o continente da Ásia, e, passando de
mão em mão, coube por herança, lá pela metade de minha sex­
ta estada, ao sacerdote áíssor em cuja casa a vi pela primeira vez.
Quanto à outra metade dessa obra, da qual jamais houve
e da qual jamais haverá equivalente lá, passou ela também de
mão em mão, por todo tipo de razões, chegou a uma das regiões
centrais do continente da Asia, e desapareceu finalmente no
solo do planeta, se bem que a uma pequena profundidade,
durante o que se chama um “tremor de terra”.
Eu devo lhe explicar a este respeito como obtive sobre
esses fatos, e em geral sobre diversos acontecimentos seme­
lhantes ocorridos muito tempo antes, as informações que
lhe comunico.
Eu já lhe disse que no decorrer de minha sexta descida à
Terra tornara-me um “médico hipnotizador” profissional, e que
a fim de estudar o psiquismo de seus favoritos eu tinha feito,
entre outras coisas, uso do “hipnotismo”, servindo-me de uma
original propriedade que eles adquiriram em seu psiquismo.
Durante o período de minhas atividades entre seus favori­
tos, submeti alguns deles a uma preparação especial, e fiz des­
sas pessoas o que nos tempos antigos eles chamavam “pitias”,
e que os contemporâneos chamam “médiuns”.
Podem ser transformados em “pitias”, ou “médiuns”, os
seres tri-cerebrais em quem o funcionamento interno do corpo
planetário se adapta, seja espontaneamente sob o exclusivo
efeito de uma combinação acidental de condições ambien­
tais, seja sob a ação intencional de um outro consciente, a
toda variação do psiquismo geral, que sobrevêm por ocasião de

1069
UMA MIRAGEM MALDITA

Essa estranha e original reunião de váru -,as de tchir-


niano, já incompreensível para eles, se converteu em uma relí­
quia sagrada e permaneceu assim até o período em que o impe­
rador persa de quem já lhe falei apareceu inesperadamente com
suas tropas e “varreu”, como se diz, o infeliz Egito.
Esta primeira metade da cópia do bulmarchann foi de­
pois transportada para o continente da Ásia, e, passando de
mão em mão, coube por herança, lá pela metade de minha sex­
ta estada, ao sacerdote áíssor em cuja casa a vi pela primeira vez.
Quanto à outra metade dessa obra, da qual jamais houve
e da qual jamais haverá equivalente lá, passou ela também de
mão em mão, por todo tipo de razões, chegou a uma das regiões
centrais do continente da Ásia, e desapareceu finalmente no
solo do planeta, se bem que a uma pequena profundidade,
durante o que se chama um “tremor de terra”.
Eu devo lhe explicar a este respeito como obtive sobre
esses fatos, e em geral sobre diversos acontecimentos seme­
lhantes ocorridos muito tempo antes, as informações que
lhe comunico.
Eu já lhe disse que no decorrer de minha sexta descida à
Terra tornara-me um “médico hipnotizador” profissional, e que
a fim de estudar o psiquismo de seus favoritos eu tinha feito,
entre outras coisas, uso do “hipnotismo”, servindo-me de uma
original propriedade que eles adquiriram em seu psiquismo.
Durante o período de minhas atividades entre seus favori­
tos, submeti alguns deles a uma preparação especial, e fiz des­
sas pessoas o que nos tempos antigos eles chamavam “pitias”,
e que os contemporâneos chamam “médiuns”.
Podem ser transformados em “pitias”, ou “médiuns”, os
seres tri-cerebrais em quem o funcionamento interno do corpo
planetário se adapta, seja espontaneamente sob o exclusivo
efeito de uma combinação acidental de condições ambien­
tais, seja sob a ação intencional de um outro consciente, a
toda variação do psiquismo geral, que sobrevêm por ocasião de

1069
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

uma modificação súbita na circulação do sangue. Em tais pes­


soas, nada vem se opor ao livre exercício de diversas particula­
ridades de seu psiquismo, consciente ou inconscientemente
dirigidas de tora, nem tampouco ao predomínio automático
dos dados ainda presentes em seus favoritos para a formação
do verdadeiro consciente esseral — dados e particularidades
cujo funcionamento constitui em seu conjunto o que eles cha­
mam “subconsciente”.
No subconsciente deles permaneceu por acaso intacto,
graças a numerosos fatores constituídos neles, uma particulari­
dade do psiquismo dos seres tri-cerebrais, suscetível de se mani­
festar sob certas condições, e que se chama “visão e sensação
do que se passou nos tempos mais remotos”.
Assim, então, meu filho, quando eu soube, no decorrer
de minha sexta descida, a origem da aflitiva historia de ordem
cósmica que se desenrolara em seu planeta, empreendí ali mes­
mo pesquisas a esse respeito e tentei obter esclarecimentos so­
bre a individualidade desse Makar Kronbernksion; mas, como
muito tempo havia transcorrido desde aqueles acontecimentos
e todo vestígio “kaltzanuarniano” do ser do culpado havia já
desaparecido, decidi não me ater as formas habituais de investi­
gação e de pôr igualmente em prática meios “spipsyconalnianos”.
Dentre estes meios “spipsyconalnianos”, recorrí ao que
se chama “mediunidade”, aproveitando a propriedade especial
de que falei, nos médiuns que havia preparado.
Como minhas pesquisas sobre a personalidade e as ativi­
dades desse Makar Kronbernksion me revelaram a existência
provável, na superfície desse planeta, de “alguma coisa” que
devia estar em estreita relação com ele, me pus em busca dessa
“alguma coisa”, servindo-me dos mesmos meios.
Soube assim que um sacerdote aïssor detinha a metade
da copia do bulmarchann criado por Makar Kronbernksion, e
que esse sacerdote aïssor existia no continente da Ásia, numa
localidade chamada “Urmia”. Fui então a este lugar e, tendo

1070
UMA MIRAGEM MALDITA

entrado em relação com ele, verifiquei logo que ele possuía,


eletivamente, o que ele chamava “uma massa de marlim infor­
me”, considerando-a ao mesmo tempo como uma antiguidade
de enorme valor.
Após breves discussões, ele consentiu em me mostrá-la,
mas não quis vendê-la por nenhum preço; entretanto, ao cabo
de vários dias de negociações, obtive dele a permissão de fazer
uma cópia dela em alabastro, que levei para minha casa.
Quanto à segunda metade, não tardei, sempre pelo mes­
mo método, em descobrir onde ela estava, mas tive muita difi­
culdade e trabalho para obtê-la e decifrar seu texto.
Se bem que não houvesse decorrido tempo suficiente,
como já disse, para que essa segunda metade estivesse profun­
damente enterrada no solo do planeta, era entretanto impossí­
vel desenterrá-la usando meios ordinários.
A dificuldade vinha de que ela se encontrava nas proxi­
midades de um centro de existência de seus favoritos; eu devia,
portanto, prever tudo e tomar as precauções necessárias para
que ninguém pudesse saber, nem mesmo suspeitar, o que quer
que fosse.
Entre outras medidas, cheguei até a resgatar de diversos
grandes e pequenos proprietários a área que me interessava e
os lotes de terreno ao redor, que mandei cavar exclusivamente
por operários estrangeiros, sob pretexto de perfurar poços para
uma mina de cobre.

“Assim então, meu filho, após ter encontrado dessa ma­


neira as duas metades da cópia da obra desse “Santo em ins­
tância”, Makar Kronbernksion, transportei-as para uma cida­
de do país chamado em nossos dias “Turquestão”, que era en­
tão meu lugar de residência permanente, e me pus a decifrar
no bulmarchann as inscrições e figuras gravadas que ilustra­
vam a tese científica de Makar Kronbernksion, intitulada “In­
fluências positivas e negativas sobre o homem”.

1071
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Quando regressarmos para casa, tentarei me lembrar e


lhe transmitir tão textualmente quanto possível o conteúdo
dessa grande obra oriunda da razão e feita pela própria mão de
um ser tri-cerebral; mas, enquanto isso, me limitarei a expor a
parte do texto na qual Makar Kronbernksion definiu pela pri­
meira vez a noção de Bem e de Mal, tomando estas palavras
como símbolo das forças que servem de base à constituição da
presença e à formação dos estados sucessivos de todo surgi­
mento cósmico relativamente independente, e por conseguin­
te de todo ser.
Se se traduzisse em linguagem ordinária as concepções
expostas no bulmarchann, se poderia expressá-las assim:
“Com toda evidência, nós outros, homens, fomos forma­
dos e permanecemos constituídos, como toda unidade que exis­
te no Universo, das mesmas três forças independentes, por meio
das quais se efetua o processo de sustentação recíproca de tudo
que existe, quer dizer, das três forças universais seguintes:
“A primeira nasce sem cessar de causas que aparecem no
seio da Fonte Original ela mesma sob o efeito da pressão dos
novos surgimentos, depois flui por inércia fora desta Fonte Ori­
ginal.
“A segunda força universal é aquilo em que se converte
esta primeira força, quando, após ter perdido o impulso de inér­
cia, ela tende a fusionar de novo com o princípio de seu adven­
to, sob a ação da lei cósmica fundamental segundo a qual “os
efeitos de uma causa devem sempre reintegrar esta causa”.
“No processo geral de sustentação recíproca, estas duas
forças são inteiramente independentes e conservam, sempre e
em tudo, em suas manifestações, suas propriedades e
particularidades específicas.
“A primeira destas duas forças fundamentais, aquela que
é obrigada a sempre se manifestar fora da fonte de seu adven­
to, deve constantemente involuir; ao contrário, a segunda,

1072
UMA MIRAGEM MALDITA

esforçando-se em fusionar com a causa de seu advento, deve


sempre e em tudo evoluir.
“Dado que a primeira destas três forças provém de ações
vivificantes que se produzem no seio mesmo da Causa de tudo
o que existe, e recebe assim em sua presença o germe desse
mesmo poder de manifestar a vivificação, ela pode ser conside­
rada como “Bem”, quer dizer, como fator de realização dos
efeitos que tendem a retornar à fonte, efeitos que, em relação à
primeira força, podem e devem ser considerados como “Mal”.
“Além disto, a primeira força, que se manifesta sob a ação
de causas inevitáveis e imperativas que aparecem na Fonte Ori­
ginal ela mesma, pode, deste ponto de vista, ser considerada
como passiva.
“A segunda, a força de retorno, pelo fato de que ela deve
sempre resistir a fim de ter a possibilidade de reintegrar sua
causa, ou pelo menos de se manter contra a corrente oposta da
primeira força passiva que recebeu o impulso de inércia do
Princípio Primeiro, deve ser considerada ativa.
“Quanto à terceira força universal, ela não é outra senão
o resultado do conflito que opõe, em toda parte e em tudo,
estas duas forças fundamentais, descendente e ascendente.
“Embora esta terceira força independente não seja mais
que o resultado das duas primeiras forças fundamentais, ela é,
no entanto, o princípio espiritualizante e conciliante de toda
formação cósmica.
“Ela é o princípio espiritualizante e conciliante de toda
formação cósmica, porque ela ali surge e ali deve existir, como
presença, por tanto tempo quanto exista esta formação, resul­
tado de diversas resistências mútuas particulares surgidas en­
tre as duas forças fundamentais que fluem em direções total­
mente opostas.”

Assim então, meu querido filho, é exatamente neste

1073
RELATOS DE BELZEBU A SËU NETO

sentido que as palavras “Bem” e “Mal” foram empregadas pela


primeira vez por esse desafortunado Makar Kronbernksion.
Graças a seu bulmarchann, assim como a outros dados
que esclarecí no próprio lugar, cristalizou-se em mim uma opi­
nião pessoal sobre Makar Kronbernksion, assim como sobre
todo o resto, opinião que diferia inteiramente daquela que ha­
viam expressado as almas justas que habitam o santo planeta,
como conclusão de suas pesquisas que eram talvez muito sen­
satas, mas indiretas.
Eu repito: se é verdade que “a idéia de um Bem e de um
Mal exteriores” deve sua origem à individualidade desse Makar
Kronbernksion, este, a meu ver, não é em nada responsável
pela forma funesta que ela tomou.
Seja como for, meu filho, as pesquisas minuciosas e impar­
ciais que fiz no próprio lugar puseram em evidência os fatos
seguintes:
Quando esta idéia adquiriu pouco a pouco uma forma
maléfica, ela tornou-se para o psiquismo de seus favoritos um
“fator determinante”, próprio para cristalizar na presença ge­
ral deles dados correspondentes à noção fantástica de que exis­
tiría, fora deles, fontes objetivas de “Bem” e de “Mal” exercen­
do uma ação sobre sua essência. Desde então se cristalizaram
em seu psiquismo, primeiro espontaneamente, depois com a
ajuda de seu estranho consciente, dados secundários que en­
gendraram, por associações esserais automáticas, a convicção
de que a causa de cada uma de suas manifestações, boa ou ma,
não era para ser buscada neles mesmos, não era o egoísmo cri­
minoso de sua essência, mas tal ou tal influência exterior que
não dependia absolutamente deles.
Se esta idéia fantástica fez tanto mal a todos esses infeli­
zes, é porque os dados capazes de engendrar o que se chama
“uma concepção esseral do mundo que abarca múltiplos as­
pectos” já haviam cessado de se cristalizar na presença deles —
sempre por causa das condições anormais de existência esseral

1074
UMA MIRAGEM MALDITA

ordinária que eles mesmos haviam estabelecido — para dar


lugar a uma “concepção do mundo” exclusivamente baseada
nessa nova idéia.
E, de fato, hoje, seus favoritos fazem repousar todas as
suas questões, tanto as da existência esseral ordinária quanto
as do aperfeiçoamento de si, assim como suas diversas “filoso­
fias”, suas “ciências” de todo tipo e, é claro, seus inumeráveis
ensinamentos religiosos, sem contar suas famosas “morais”,
“políticas”, “justiças”, “costumes” etc., sobre esta única idéia
fantástica, e para eles tão funesta, no sentido objetivo da palavra.

E agora, meu filho, para completar tudo o que lhe disse


desta idéia, lhe contarei como os seres de nossa tribo, exilados
nesse original planeta, participaram sem querer do desencadea-
mento desses acontecimentos cósmicos, e estou seguro de que
você terá então uma representação quase exata da famosa con­
cepção que seus favoritos se fazem do “Bem” e do “Mal”.
A maneira pela qual os nossos foram involuntariamente
causa da fixação definitiva dessa idéia esquisita no processo de
existência ordinária desses estranhos seres tri-cerebrais foi a
seguinte:
Já lhe disse várias vezes que, desde o começo, numerosos
seres tri-cerebrais de nossa tribo tiveram de existir lá, de se
mesclar com os ancestrais de seus favoritos e até de manter
com alguns deles relações amigáveis.
E preciso notar que, naquele tempo, nada ainda fazia
prever a historia tragicómica que vou lhe contar, a não ser, pouco
antes que os nossos deixassem aquele planeta, o aparecimento
entre os seres de lá, pelo menos entre os mais ingênuos, da idéia
de que os seres de nossa tribo eram, por assim dizer, “imortais”.
Esta idéia lhes vinha evidentemente do fato de que, em
nossa tribo, os seres tinham uma duração de existência muito
mais longa do que a deles; de modo que os casos de raskuarno
sagrado eram ali muito raros. Pode ser até que este mesmo

1075
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

processo sagrado não tenha acontecido uma única vez entre os


nossos, no curso desse período.
Eu repito: exceto o que acabo de dizer, nada de parti­
cular se passou ali na época em que os nossos existiam entre eles.
Porém, mais tarde, por certas razões, tendo sido expresso
d’O-Alto o desejo de ver o número de seres de nossa tribo, que
existem no planeta Terra, diminuir o mais possível, a maioria
deles emigrou para outros planetas do mesmo sistema e so­
mente alguns permaneceram entre seus favoritos. Foi então que
começou a história cômica à qual os verdadeiros nomes de al­
guns dos nossos estão misturados hoje em dia.
Os acontecimentos que deram lugar à singular coinci­
dência pela qual esses estranhos seres tri-cerebrais mesclam o
nome de seres de nossa tribo à sua idéia fantástica foram os
seguintes:
Pouco após a partida dos nossos, um certo Armanaturga,
que existia na época em que florescia a civilização tikliamuishia-
na, e que exercia a profissão de sumo sacerdote, incluindo-se
mesmo entre aqueles que os demais consideravam então como
“sumos sacerdotes sábios”, editicou todo um ensinamento re­
ligioso sobre esta idéia funesta.
Ele explicou pela primeira vez, neste ensinamento religio­
so, que certos espíritos invisíveis, existentes entre eles, propa­
gavam o bem e o mal “exteriores” e forçavam os homens a
receber e a manifestar este bem e este mal; os espíritos propa­
gadores do bem chamavam-se “Anjos”, os espíritos propagado­
res do mal, “Diabos”.
Os “Anjos”, portadores e propagadores do bem, quer
dizer, do que há de mais alto e de mais divino, sendo eles mes­
mos altos e divinos, não podem jamais ser vistos nem sentidos
pelos homens.
Em contrapartida os “Diabos”, sendo da mais baixa ori­
gem, já que eles vêm do “fundo dos abismos”, podem ser vis­
tos pelos homens.

1076
UMA MIRAGEM MALDITA

E se, de fato, os homens não vêem sempre os Diabos, é


unicamente porque estão sob seu domínio; é por isto que, quan­
to mais o homem se torna um Justo, mais cresce para seu olho
a visibilidade dos Diabos.
Este novo ensinamento religioso conheceu uma ampla
difusão. E certos de seus favoritos, ao saber segundo os relatos
de seus ancestrais que outrora existiam na Terra seres suposta­
mente imortais, que tinham desaparecido de repente, decidi­
ram espalhar o rumor de que se tratava aí, evidentemente, dos
próprios Diabos, os quais, prevendo o aparecimento de um
verdadeiro ensinamento religioso, e temendo serem descober­
tos pelos homens, tinham se tornado invisíveis, mas continua­
vam, em realidade, a existir entre eles.
E os verdadeiros nomes de certos membros de nossa tri­
bo, que chegaram por acaso aos seres da época em que apare­
ceu esse ensinamento religioso, receberam então uma signifi­
cação toda particular, depois se transmitiram de geração a ge­
ração até seus favoritos contemporâneos.
Eles não cessaram de associar a estes nomes todo tipo de
“funções” fantásticas que, em sua imaginação, são o apanágio
da corporação dos seres Diabos, supostamente organizada por
Nosso Criador Ele-mesmo, e enviada a seu planeta para
encarniçar-se sobre eles.
Em suma, na imaginação desses farsantes tri-cerebrais de
nosso Megalocosmos, um Diabo é aquele “personagem” invi­
sível, que existe, por assim dizer entre eles, que habita seu pla­
neta por ordem de Nosso Criador Todo-Sustentador, com vis­
tas a realizar certas de Suas metas.
Estes Diabos seriam obrigados a sugerir aos seres-homens
todo tipo de verdades e de contraverdades, e a forçá-los a ma­
nifestar a cada instante as inúmeras “vilanias” que já constituem
uma particularidade da presença deles.
Evidentemente, nenhum deles suspeita que, se todas es­
sas vilanias ocorrem entre eles, é unicamente porque, existindo

1077
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

de maneira indigna, deixaram se desenvolver neles mesmos este


funesto deus interior que chamei “autotranqüilizador”, que
exerce um poder absoluto sobre todo o seu psiquismo, e para
quem, unicamente, esta idéia de bem e de mal exteriores é ne­
cessária.
Em todo caso, esta idéia fantástica fez uma enorme pro­
paganda de nosso incomparável Lúcifer, para a glória e a lou-
vação de seu nome, já que em nenhuma parte do Universo seus
talentos são tão louvados nem glorificados como o são entre
seus favoritos.”

Neste ponto do relato de Belzebu, um dos servidores da


nave cósmica Karnak entrou na sala onde ocorriam as conver­
sas e entregou a Belzebu um leïtutchanbross que lhe era ende­
reçado. Antes de sair, ele anunciou alegremente a todos que os
reflexos da esfera do planeta Karataz já estavam visíveis.

1078
Capítulo 45
Segundo Belzebu,
o fato de que os homens
captam a eletricidade da Natureza
e a destroem ao utilizá-la
é urna das causas principais
de diminuição da duração
da vida humana

APOS ter tomado conhecimento do texto do leitutchan-


bross e de colocá-lo sobre o “sinuru”, especie de estante, que
se encontrava perto dele, Belzebu suspirou de novo profunda­
mente e retomou seu relato.
— Se as condições anormais de existência dos seres tri-
cerebrais daquele planeta tivessem tido más consequências so­
mente para eles — como seres tri-cerebrais — e para sua
possibilidade de aperfeiçoar inteiramente os “corpos esserais
superiores” que tiveram a suprema infelicidade de aparecer ne­
les ou que poderiam aparecer neles no futuro, isto só teria sido
um mal menor para o nosso Megalocosmos comum.
Mas, hoje em dia, todo o drama reside em que sua exis­
tência anormal já tem repercussões nefastas sobre a existência
normal dos seres tri-cerebrais que povoam outros planetas —
pertencentes, é verdade, ao seu sistema solar — e sobre as
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

possibilidades de aperfeiçoamento das partes esserais superio­


res que se revestem na presença desses seres.
Soube por acaso desse fato aflitivo, de caráter cósmico
geral, justo antes de deixar para sempre o sistema solar Ors.
A propósito desses acontecimentos que me permitiram
reconhecer claramente a realidade desse fato e cristalizar em
minha presença geral os dados esserais “imperecíveis” que me
proporcionaram a convicção absoluta dele, o que mais lhe in­
teressará é saber que fui muito ajudado em tudo isto pelo “re­
sultado”, ou como teriam dito seus favoritos, pelo filho do amigo
de minha essência, Gornakhur Kharkhar, o jovem individuum
consciente Gornakhur Raurkh, que, como seu produtor, havia
tomado por meta de sua existência o estudo detalhado das pro­
priedades da substância cósmica onipresente Okidanokh, e ti­
nha pouco a pouco merecido ser considerado ele também um
dos seres tri-cerebrais sabios do mais alto grau.
Sabe, meu filho? Já que todos os acontecimentos, todas
as conversas, que serviram para elucidar e fixar em mim os
fatores de uma convicção categórica a respeito desse fato de­
sastroso, são em si mesmos muito interessantes e podem ser,
para você, dos mais instrutivos, e como, além disto, ainda não
percebemos senão os reflexos da esfera de nosso querido Ka­
rataz, posso lhe falar de tudo isto em detalhe.
Para que você compreenda melhor por que se cristaliza­
ram em meu ser os dados que me permitiram constatar esse
fato e dele tomar plenamente consciência, vou lhe contar, na
ordem, todos esses acontecimentos e começarei meu relato do
instante em que, me encontrando ainda em seu planeta, recebi
a notícia de minha graça.
Logo que tive conhecimento desse ato de suprema cle­
mência em relação a mim, decidi, naturalmente, retornar o mais
depressa ao lugar de meu advento, tão querido a minha essência.
Mas, para me preparar bem para uma viagem tão longa,

1080
A ELETRICIDADE CAPTADA E DESTRUÍDA

me era indispensável, em primeiro lugar, elevar-me até o pla­


neta Marte.
Alguns dias mais tarde, deixei para sempre seu planeta e
retornei para Marte, desta vez ainda a bordo de nossa nave
Ocasião.
Mal chegamos, recebemos uma ordem d’O-Alto orde­
nando, tanto a mim como a todos os seres de nossa tribo dese­
josos de retornar ao lugar de seu advento, que fôssemos com a
nave Ocasião ao planeta Saturno, onde o grande navio intersis-
temário Onipresente viria nos buscar para nos levar a nosso
destino.
Entretanto, eu tinha que permanecer algum tempo em
Marte para liquidar ali todos os meus assuntos pessoais e dar
diferentes ordens referentes aos seres de nossa tribo. Soube
então que o “tuf-nef-tef ” desejava me ver.
“Tuf-nef-tef” é o nome que tem em Marte o chefe de to­
dos os seres tri-cerebrais desse planeta, quer dizer, o que cor­
respondería ao ser que, na mesma situação, chamariam em seu
planeta “imperador”.
Eu conhecera esse tuf-nef-tef, ou imperador, em sua juven­
tude, quando ele era apenas um “plef-perf-nuf”; um plef-perf-
nuf é mais ou menos a mesma coisa que um tzirlikner entre
nós, ou um médico em seu planeta Terra.
A este respeito, devo lhe dizer que, em quase todos os
planetas de Nosso Grande Universo, e particularmente nos
demais planetas desse sistema solar, é por seu mérito que um
ser se torna um chefe, e o mais íreqüentemente pelo mérito
que adquiriu como plef-perf-nuf, ou médico — mas, médico
do espírito tanto quanto do corpo.
Meu primeiro encontro com esse tuf-nef-tef marciano ti­
nha ocorrido logo após nossa chegada àquele sistema solar e
nossa instalação em Marte. Ele residia então justamente, na
qualidade de plef-perf-nuf, naquela parte da superfície do

1081
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

planeta onde me havia estabelecido com todos os que me acom­


panhavam.
Desde então, após ter existido em diversos lugares desse
planeta, sempre na qualidade de plef-perf-nuf, ele se tornara
digno, por seus méritos, de ser reconhecido como chefe de to­
dos os seres marcianos; e, como ele se aproximava do estado
de Ishmetsh sagrado, ele havia desejado retornar aos mesmos
lugares onde passara sua juventude. Eis por que este antigo
plef-perf-nuf, agora tuf-nef-tef, morava naquela época perto
de minha residência em Marte.
Esse tuf-nef-tef seria aos olhos de seus favoritos um ser
verdadeiramente muito idoso; segundo o modo marciano de
cálculo do tempo, ele tinha, com efeito, uns doze mil anos, o
que em anos terrestres não seria muito menos.
Devo lhe dizer que, no planeta Marte, a duração da exis­
tência dos seres é em geral quase a mesma que a dos seres tri-
cerebrais de todos os demais planetas de nosso Megalocosmos,
com exceção, evidentemente, desses seres que se constituíram
diretamente a partir dos primeiros tetartocosmos e que podem
ter uma duração de existência quase três vezes mais longa.
Os seres tri-cerebrais que aparecem e existem no planeta
Marte, assim como os de todos os planetas de nosso Megalo­
cosmos onde se desenvolve uma existência normal para seres
tri-cêntricos, têm a plena possibilidade de atingir o estado do
Ishmetsh sagrado, quer dizer, este estado em que a existência
de um ser só depende, no que diz respeito ao Mui Grande Ira-
niranomange cósmico, das substâncias que surgem diretamen­
te das manifestações da Mui Santa Fonte Original Ela-mesma,
ao passo que, para os demais seres, essa existência depende
das substâncias cósmicas que surgem dos resultados de todas
as concentrações que são centros de gravidade do Ensemblui­
zar cósmico fundamental.
Se eles chegam a este estado de Ishmetsh sagrado e se a
razão de sua parte suprema já está plenamente desenvolvida

1082
A ELETRICIDADE CAPTADA E DESTRUÍDA

até o grau requerido pelo Medidor sagrado de Razão objetiva,


então o processo do raskuarno sagrado só se cumpre neles quan­
do eles o desejam; além disto, seu corpo esseral supremo passa
diretamente para o Santo Planeta do Purgatorio.
Assim então, eu havia voltado do planeta Terra para o
planeta Marte e me apressava em ali liquidar todos os meus
assuntos, quando me informaram que o tul-nel-tel desse pla­
neta desejava ver-me pessoalmente.
Este pedido do honorável tul-nel-tel me toi transmitido
por Ahun, por meio do que é chamado, naquele planeta, um
“kelê-e-oíu”*.
Este kelê-e-otu dizia:
“Alta Reverência, soube que tostes tornado digno de re­
ceber de Nosso Pai Criador Comum a plena remissão de vos­
sas taitas de juventude e que ides deixar minha pátria para sem­
pre. E por isto que o velho que sou está muito desejoso de vê-
lo. Gostaria de vos dar minha bênção pela última vez e, na
mesma ocasião, agradecer na vossa pessoa a todos os seres de
vossa tribo pela atitude benevolente que manifestaram, duran­
te tão longos anos, para com os seres de minha pátria.”
O kelê-e-otu terminava assim:
“Eu mesmo teria me apresentado em vossa casa se, como
sabeis, as dimensões de meu corpo planetário não me impedis­
sem totalmente. Devo, pois, rogar-vos que não recuseis vir, vós
mesmos, a meu “tal-te-tut”**.
Devo dizer que os seres tri-cerebrais do planeta Marte
conheciam, desde o começo, nossa verdadeira natureza e a ra­
zão que nos obrigava a morar no planeta deles.
Os próprios seres tri-cerebrais da Terra não souberam

" "Kelê-e-ofu”, no planeta Marte, equivale ao que se chama na Terra


um “bilhete”.
- “Fal-fe-ful”, em marciano, significa “residência”.

1083
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

nunca nada disso e nem mesmo suspeitaram quem éramos nem


por que existíamos em seu planeta.

Pois bem, meu tilho, logo que recebi o convite do hono-


rável tuf-nef-tef, decidi, naturalmente, me dirigir até la ¡media­
tamente. Ao chegar, conformei-me em primeiro lugar ao ceri­
monial e às trocas de cortesias em uso lá; depois do que esse ser
verdadeiramente muito grande, no pleno sentido dessa pala­
vra, dirigiu-me, no curso da conversa, um pedido. Tal pedido
ia ser o ponto de partida da cristalização dos dados que deviam
suscitar mais tarde em mim a convicção inabalável que os re­
sultados provenientes da existencia anormal dos seres tri-cere­
brais de seu planeta haviam já começado a exercer uma ação
prejudicial sobie a existencia ordinaria dos seres tri-cerebrais
que aparecem e existem no planeta Marte, quanto a sua possi­
bilidade de se aperfeiçoar, como convém a seres tri-cerebrais.
Vou tentar lhe transmitir quase textualmente, em nossa
língua, o pedido do grande tuf-nef-tef:
“Alta Reverencia,
“Pela graça suprema que vos foi concedida d’O-Alto, ha­
veis reconquistado o direito à livre realização de todos os vos­
sos desejos, justamente merecidos. E, por esta graça todo-
abrangente, tendes de novo a plena possibilidade de ser o que
há muito poderieis ter sido, em virtude de vossas aquisições
anteriores, no que se refere à Razão. Nem é preciso dizer, Alta
Reverência, que, a partir de hoje, encontrareis diversos Indivi-
duuns correspondentes a vosso Ser, e já chegados aos mais al­
tos graus de Razão.
“E por isto que me permito dirigir-me a vós, como a um
velho amigo, pedindo-vos que, quando encontrardes esses In-
dividuuns, por favor, vos lembreis do velho que sou e não vos
esqueçais de pedir-lhes sua opinião sobre um fato que, durante
estes últimos anos, não cessou de desencadear, em todas as

1084
A ELETRICIDADE CAPTADA E DESTRUIDA

minhas partes espiritualizadas, associações angustiantes, depois


não vos recuseis, quando tiverdes tomado conhecimento da
opinião deles, a me comunicá-la, na primeira ocasião.”
E ele prosseguiu:
“Eis o lato: durante os últimos “ftofus”, constatei muito
claramente nos seres de nosso planeta a progressão constante,
a cada “Itolu”, de sua “nurfuftafaf”* e, junto com isto, uma
diminuição proporcional da intensidade de seu poder de pen­
sar ativo.
“Quando descobri pela primeira vez este lato tão deplo­
rável para os seres de nosso planeta, me pus a refletir intensa­
mente para descobrir sua causa, a fim de ser capaz de dar aos
seres que haviam depositado sua contiança em mim indicações
que lhes permitissem lutar para desenraizar este indesejável
lator, aparecido há pouco em sua presença geral; mas, embora
eu tenha Irequente e longamente meditado sobre essa questão
que me atormentava sem parar, não fui ainda capaz até hoje de
elucidar, até mesmo aproximadamente, de onde vinha o mal e
que medidas convinha tomar para destruí-lo.”
Assim terminava o pedido do honorável tul-nef-tef do
planeta Marte. Naturalmente, meu filho, prometí logo a meu
velho amigo comunicar-lhe sem falta as respostas que pudesse
obter de Individuuns qualilicados.

Alguns dias marcianos após essa entrevista, deixamos para


sempre aquele hospitaleiro planeta e nos dirigimos para Saturno.
Logo que ali chegamos, o chefe dos membros de nossa
tribo que lá moravam veio até nós e nos comunicou o conteú­
do do eterograma que acabara de receber, dizendo que a gran­
de nave intersistemária Onipresente só abordaria o planeta Sa­
turno no começo do “khre-khri-khra”.
Khre-khri-khra designa ali um período de tempo deter­

* A expressão “nurfuftafaf” significa nesse planeta algo análogo ao


que é chamado na Terra “abulia”.

1085
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

minado pela posição que ocupa aquele planeta em relação, por


um lado, ao sol de seu sistema e, por outro lado, a um outro
planeta desse mesmo sistema, chamado “Netuno”.
Um ano saturniano se compõe de sete desses períodos
bem definidos e cada um deles tem seu próprio nome.
Como faltava ainda, segundo os cálculos do tempo do
planeta Marte, mais ou menos um “meio-íuss” antes daquele
“khre-khri-khra” ou, segundo o cálculo do tempo de seus fa­
voritos, cerca de um mês e meio, decidimos organizar nossa
existência esseral ordinária dc maneira a tornar essa espera mais
ou menos suportável.
Alguns dos nossos permaneceram na nave Ocasiao, ou­
tros se instalaram nas casas que tinham posto à nossa disposi­
ção os amáveis seres do planeta Saturno. Quanto a mim, fui
com Ahun a Rirkh, grande aglomeração de seres tri-cerebrais
onde existia meu amigo Gornakhur Kharkhar.
Na noite de nossa chegada, perguntei ao amigo de minha
essência, no curso de uma conversa amigável, como se efetua­
va o processo de existência de seu herdeiro, meu querido “re­
sultado kessdjaniano exterior”, ou, como teriam dito seus fa­
voritos, meu “afilhado” Gornakhur Raurkh.
Ele me agradeceu e me disse que a existência de Raurkh
se desenvolvia muito bem e que ele tinha inclusive se tornado
seu herdeiro em todos os aspectos, já que escolhera, como ele
mesmo noutro tempo, fazer do estudo detalhado da substância
onipresente Okidanokh a meta dc sua existência responsável.
Após um silêncio, acrescentou que, ao aprofundar a ciên­
cia desta substância cósmica Okidanokh, seu herdeiro já havia
“farejado sua essência mesma”.
Ele disse depois que em razão das descobertas científicas
de seu herdeiro, nao somente os fatores de convicção outrora
cristalizados em seu ser por longos anos de um labor obstinado
já se haviam todos descristalizados, mas que ele havia até mes­
mo destruído todos os aparelhos de sua invenção, destinados a

1086
A ELETRICIDADE CAPTADA E DESTRUÍDA

suas pesquisas sobre a substancia cósmica onipresente, inclu­


sive sua famosa “lâmpada nao radiante”. Depois, com um pro­
fundo suspiro, ele concluiu:
“Penso agora, exatamente como “o resultado de meu
Todo”, que foi um erro muito grande de minha parte ter me
dedicado tanto tempo a esta ocupação que deve ser considera­
da, num sentido objetivo, como um “imperdoável pecado”.
Conversando depois sobre temas diversos, segundo o cur­
so associativo de nosso pensar esseral, viemos a falar dos seres
tri-cerebrais que povoam o planeta Terra.
Você deve estar lembrado, eu já lhe disse, que meu ami­
go Gornakhur Kharkhar sempre havia estado a par das obser­
vações que eu fazia sobre o estranho psiquismo deles; eu lhe
enviara mesmo, como a seu tio Tuilan, cópias de algumas de
minhas notas.
Assim então, estávamos falando desses seres tri-cere­
brais que lhe agradam quando Gornakhur Kharkhar me per­
guntou:
“Diga-me, por favor, meu amigo, será possível que a
duração média da existência desses infelizes continua ainda
a diminuir?”
Começava a lhe expor o estado atual da questão e os no­
vos dados que havia reunido a respeito desta anomalia quando
seu resultado Gornakhur Raurkh entrou na sala.
O recém-chegado, se bem que ele tivesse exatamente a
mesma aparência exterior que seu “produtor”, parecia pleno
de vigor e de ardente juventude.
Quando ele se acomodou em seu poleiro, à maneira dos
seres tri-cerebrais desse planeta, me dirigiu, segundo seus costu­
mes, com sua voz angélica e musical, todo tipo de desejos benevo­
lentes, próprios para despertar sensações esserais satisfatórias.
E, para terminar ele declarou, não sem ênfase:
“Embora seja somente meu “pai kessdjaniano”, se crista­
lizaram em mim, com relação ao senhor — pelo fato de haver

1087
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

cumprido com uma consciência tão inteira as obrigações divi­


nas que o senhor assumiu a meu respeito, por ocasiao de meu
“khri-khra-khri”* —, dados equivalentes aos que deveriam se
encontrar na presença geral de todo ser tri-cerebral em relação
a seu próprio produtor: e esta é, sem dúvida alguma, a razão
pela qual me lembro tão freqüentemente do senhor e lhe dese­
jo a cada vez, em pensamento, que disponha a todo momento
de condições propícias à realização de um futuro objetivamen­
te bom e feliz.”
Mas você provavelmente não me compreendeu, meu fi­
lho, quando lhe disse que Gornakhur Raurkh instalou-se em
seu poleiro.
O fato é que, em razão de seu revestimento exterior, os
seres tri-cerebrais desse planeta adquiriram com o tempo o há­
bito de só encontrar repouso nesta postura: inclinando-se de
uma certa maneira, eles deixam apoiar todo o peso de seu cor­
po planetário sobre suas extremidades interiores, e, para este
modo de repouso, pouco a pouco se tornou indispensável para
eles manter-se a uma certa altura. E por isto que esses seres tri-
cerebrais adotaram o hábito de tixar, bastante longe do chao,
nos lugares onde existem, bastões especiais que eles chamam
“poleiros”.
Acrescentarei que eles têm o costume de enfeitar esses
“poleiros” com diversos ornamentos e de gravar neles todo tipo
de motivos, como fazem aliás seus favoritos, que demonstram
a mesma fraqueza na decoração de seu “mobiliário”.
Assim então, após ter-se instalado em seu poleiro e me
haver desejado as boas-vindas, meu querido “resultado kessdja-
niano exterior”, ou “afilhado”, Gornakhur Raurkh, participou
em nossa conversa.
Ora, meu filho, enquanto íalávamos sobre temas varia­
dos, tive a curiosidade de perguntar a meu afilhado por que

* “khri-khra-khri”, no planeta Saturno, designa o rito sagrado que na


Terra é chamado “batismo”.

1088
A ELETRICIDADE CAPTADA E DESTRUÍDA

razões tinham se cristalizado em sua presença os dados que


engendraram nele um impulso de poderoso interesse pelo co­
nhecimento de todos os aspectos da substância cósmica oni­
presente Okidanokh e o tinham tornado digno de lazer, à se­
melhança de seu produtor, grandes descobertas cósmicas.
Quando o jovem Raurkh me respondeu de maneira detalhada,
tornou-se evidente para mim que a existência anormal de seus
favoritos devia exercer uma açâo funesta sobre a existência
normal e o aperfeiçoamento consciente dos seres que povoam
o planeta Marte; ao mesmo tempo, encontrei nessa resposta
precisa, estabelecida em bases científicas, os elementos susce­
tíveis de dar uma solução ao problema sobre o qual meu
velho amigo marciano, o grande tuf-nef-teí, me pedira que
investigasse.
Vou tentar, meu filho, lhe transmitir em nossa língua, tâo
exatamente quanto possível, o sentido mesmo de sua resposta.
Após ter refletido alguns instantes sobre a pergunta que
eu lhe havia colocado, Gornakhur Raurkh me respondeu com
uma profunda seriedade:
“No começo de minha existência, na idade em que me
preparava para me tornar um ser responsável, consagrei a maior
parte de meu tempo — como convém a todos os seres tri-cere­
brais dessa idade — a me exercitar a fim de adquirir o poder
de “refletir ativamente de maneira sustentada”; e me veio en­
tão o hábito, durante os intervalos de repouso indispensável,
de fazer funcionar os diversos aparelhos experimentais de meu
produtor.
“Ora, no curso desse período de minha existência, notei
mais de uma vez que, em certos dias, a força e o nível de meu
pensar ativo diminuíam muito particularmente.
“Esta constatação despertou em mim um interesse sub­
jetivo que me incitou, de maneira imperiosa, a tomar consciên­
cia das razões desse fato. Desde então me pus a pesquisar suas
causas, prestando atenção tanto a mim mesmo como a tudo o

1089
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

que se passava ao redor de mim, e ao cabo de um “khri” adqui­


rí a convicção formai de que esse estado indesejável se produ­
zia em mim cada vez que nosso grande “vida-tchakhan”*
entrava em ação.
“Esse é, precisamente, o tato que se tornou, desde que o
constatei, a razão de meu interesse crescente por essa substan­
cia cósmica onipresente e pelo estudo aprofundado de todos
os seus aspectos.
“Q resultado de minhas experiências foi o de me trazer,
bem desde o começo, um número incalculável de provas de
todo tipo, que estabeleciam tanto para mim, como para os de­
mais, o fato de que a substancia cósmica Okidanokh é um ele­
mento da presença geral da atmosfera de nosso planeta, como
também da dos demais planetas, que toma parte no surgimen­
to de todas as formações planetárias e supraplanetárias — en­
tre as quais, naturalmente, a parte “khraprkhalikhrokhniana”
de todo ser —, assim como na sustentação de sua existência.
“No curso de minhas pesquisas experimentais ulterio­
res, adquiri igualmente a inteira certeza de que, se nosso siste­
ma solar possui, como todos os demais sistemas solares do Gran­
de Universo, seu próprio “Ensembluizar”, e se cada planeta,
com sua atmosfera, é o lugar específico de concentração de tal
ou tal classe de substancias cósmicas do Ensembluizar sistemá-
rio dado, a substancia cósmica Okidanokh nem por isso deixa
de ser uma parte indispensável, e até mesmo predominante, da
presença de cada planeta.
“Minhas experiências me mostraram ainda que esta subs­
tancia cósmica está concentrada em cada sistema segundo uma
proporção estritamente determinada pelo equilíbrio universal,
e repartida entre as atmosferas de todos os planetas do sistema
solar dado, em proporções estritamente definidas. Desde en­
tão, cada vez que esta substância universal é gasta, seja por

■' “vida-tchakhan” corresponde, mais ou menos, ao que na Terra se


chama “dínamo”.

1090
A ELETRICIDADE CAPTADA E DESTRUÍDA

acidente, seja propositadamente, em um lugar qualquer do es­


paço atmosférico, ela deve absolutamente ser renovada ali a
lim de restabelecer o equilíbrio de suas proporções na atmos­
fera, o que se efetua por um afluir dessa substância, que aflui
de outros lugares. E este deslocamento equilibrante do Okida
nokh deve se efetuar não somente de um ponto a um outro da
atmosfera de todo planeta, mas também da atmosfera de um
planeta àquela de um outro, se, neste último, se gastou dela,
por esta ou aquela razão, mais do que o permite a norma esta
belecida.
“Enfim, consegui elucidar para minha própria razão, com
precisão e sob todos os seus ângulos, depois provar aos de
mais, o fato de que não somente a substância cósmica Okida-
nokh, presente em nossa atmosfera, e constantemente renova
da, é necessária a presença geral de nosso planeta, e constitui
até o mais importante dos fatores de aparecimento e de manu
tençao da existência, mas que a essência de cada formação in
traplanetária e supraplanetária “relativamente independente”,
assim como a essência dos seres de todos os sistemas de cére
bros e de revestimentos exteriores, dependem elas também
dessa substância; enfim, que a possibilidade para os seres tri
cerebrais de se aperfeiçoarem e de fusionarem então com a
Causa Primeira de todas as coisas existentes depende dela, do
mesmo modo, exclusivamente.
“Eu repito, o resultado de todas as minhas pesquisas ex­
perimentais me permitiu reconhecer, muito claramente, e ad­
quirir dados indiscutíveis para provar aos seres que me rodea
vam que, de todos os pontos de vista, a destruição, na presença
do planeta e em sua atmosfera, da substância cósmica onipre­
sente Okidanokh equivale quase ã destruição consciente de
todos os labores e resultados da Mui Santa Causa Primeira de
tudo o que existe.”
Com estas palavras, ainda todo animado por seu assunto,

1091
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

meu querido afilhado, o jovem e ardente Gornakhur Raurkh,


terminou seu discurso.

No meio das explicações de Gornakhur Raurkh sobre as


propriedades da substancia cósmica onipresente Okidanokh e
as consequências inevitáveis que ocasionam sua extração da
presença geral de todo planeta e sua destruição, uma suspeita
nasceu em mim, e todo tipo de imagens surgiram em minim
memoria, ligadas a impressões anteriores da existência ordiná­
ria de seus favoritos — percebidas, quer no curso de minha
estada pessoal entre eles, quer no tempo em que, do planeta
Marte, me dedicava a observações atentas sobre eles —, ima­
gens referentes às diferentes maneiras pelas quais, segundo as
épocas, eles extraíam da natureza de seu planeta essa substân­
cia, ou suas partes distintas, e as utilizavam com fins ingenua­
mente egoístas.
E, enquanto Gornakhur Raurkh prosseguia suas expli­
cações, me lembrei por associação do pedido do grande tuf-
nef-tef do planeta Marte; com todo meu ser, e sem a menor
dúvida, tomei então consciência de todas as consequências malé­
ficas dessa manifestação dos seres tri-cerebrais de seu planeta.
Eles deram à totalidade ou às partes distintas dessa
substância, que para eles também é sagrada, nomes diferentes
segundo as épocas; atualmente, eles chamam o resultado da
fusão e da destruição recíproca das duas partes dessa substân­
cia onipresente: “eletricidade”.
E de fato, embora eles já tenham muitas vezes descober­
to em outras épocas, é claro que sempre em conseqüência de
circunstâncias acidentais, como extrair da natureza de seu pla­
neta e como utilizar para diversos fins “ingenuamente egoís­
tas” as partes distintas dessa substancia onipresente, absoluta­
mente indispensável a processos cósmicos normais, jamais, no
entanto, eles a destruíram em tão grande quantidade quanto
agora.

1092
A ELETRICIDADE CAPTADA E DESTRUÍDA

Assim, graças às explicações de meu “resultado kessdja-


niano exterior”, adquiri a certeza inquebrantável do caráter
maléfico da influência que já exercem os resultados da anor­
mal existência ordinária dos seres tri-cerebrais que lhe agra­
dam; e por si mesma ficava resolvida a questão que inquietava
meu velho amigo, a saber: por que, havia algum tempo, se tor­
nava cada vez mais difícil para os seres tri-cerebrais do planeta
Marte se aperfeiçoarem.
E, para definir a maneira pela qual esta questão foi resol­
vida, me servirei de uma sábia sentença, raramente emprega­
da, de nosso estimado Mulá Nassr Eddin:
“Você não sabe jamais quem o ajudará a sair da galocha”.
Com efeito, para resolver esta questão, meu mui velho
amigo contava com Individuuns cujos dados e possibilidades
eram muito diferentes daqueles de meus amigos saturnianos,
que eram simples seres tri-cerebrais ordinários. Ele não havia
provavelmente suspeitado que, para tais questões, esses seres
tri-cerebrais ordinários, que adquirem informações a respeito
de todo tipo de fatos cósmicos reais, graças somente a seus
“partkdolgdeveres esserais”, são justamente mais competentes,
na maioria dos casos, que qualquer dos Anjos e dos Queru­
bins, com seu ser todo feito, que, mesmo estando aperfeiçoa­
dos em Razão até altos graus, podem parecer ser, no que diz
respeito às confrontações práticas, apenas indivíduos da espé­
cie assim descrita por nosso sempre venerado Mulá Nassr
Eddin:
“Jamais compreenderá os sofrimentos de um outro aquele
que não os experimentou ele mesmo, ainda que possua a Ra­
zão divina e a natureza de um Diabo autêntico”.

Nesse ponto do relato de Belzebu, espalharam-se por toda


a nave intersistemária Kamak vibrações artificialmente emiti­
das, que tinham a propriedade de penetrar na presença geral

1093
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

de todos os passageiros da nave e agiam sobre as “fibras nervo­


sas” do estómago.
Este fenómeno artificial anunciava aos passageiros que
para eles era tempo de se réunir no “djamitchunatra”, espécie
de “refeitório” monástico, onde o segundo alimento esseral era
tomado em comum.

1094
Capítulo 46
Belzebu explica a seu neto
a significação da forma
e da ordem que escolheu
para expor suas informações
sobre os homens

APÓS o processo de absorção do segundo alimento esse­


ral, Belzebu, ao deixar o “djamitchunatra”, não retornou imedia­
tamente ao lugar onde se habituara a conversar com os seus, mas
ele entrou primeiro em sua “keshah”, a fim de refrescar, com um
certo líquido, sua cauda já toda murcha, medida a que era obri­
gado a recorrer de vez em quando, em razão de sua avançada
idade.
Voltando de sua keshah, e entrando sem barulho na parte
da nave Karnak onde geralmente passava seu tempo com os
seus, ele surpreendeu esta comovente cena:
Seu neto bem-amado, Hassin, estava de pé num canto, de
costas, e chorava, o rosto escondido em suas mãos.
Muito emocionado, Belzebu se aproximou de Hassin e,
com voz inquieta, lhe perguntou:
— O que tem, meu querido filho? Você está chorando de
verdade?
Hassin queria responder, mas era visível que os soluços de
seu corpo planetario o impediam de falar.
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Foi só depois de um certo tempo, quando seu corpo pla­


netario se acalmou um pouco, que ele considerou seu avô com
um olhar muito triste e, sorrindo com afeição, lhe disse:
— Não se inquiete por mim, meu querido avô. Este estado
logo passará.
Pensei muito, e muito ativamente, durante estes últimos
“dianosks”, e provavelmente esse novo ritmo mudou o anda­
mento geral do funcionamento de minha presença inteira.
E agora, enquanto o novo ritmo de meu pensar não estiver
harmonizado com os ritmos já estabelecidos de meu funciona­
mento geral, é provável que esteja ainda sujeito a anomalias tais
como estas lágrimas.
Devo confessar, meu querido avô, que a principal causa
deste estado de minha presença geral foi a representação esse­
ral, surgida por associação em meu pensar, da situação e do
destino dos desafortunados corpos esserais superiores que, em
conseqüência de uma série de acasos, aparecem na presença
geral dos seres terrestres tri-cerebrais e ali permanecem, semi-
constituídos.
Esta associação de idéias, acompanhada por um impulso
crescente de tristeza, nasceu em mim no djamitchunatra, du­
rante o processo sagrado de absorção do segundo alimento es­
seral. Lembrei-me deles por associação, num momento em que
estava cheio de alegria por tudo o que ali se passava.
Ao me lembrar desses desafortunados seres tri-cerebrais,
sobre os quais você me deu tantas informações nestes últimos
tempos, veio-me o pensamento de que as consequências das pro­
priedades dessa maldita “alguma coisa” — enxertada na pre­
sença geral dos ancestrais deles por razões inteiramente inde­
pendentes de sua essência, devidas unicamente à imprevidên-
cia de certos Mui Santos Individuuns — privavam para sem­
pre, não somente os corpos esserais superiores revestidos neles,
mas eles mesmos, como seres ordinários, da possibilidade de
experimentar essa felicidade que se manifesta na presença de

1096
ORDEM ESCOLHIDA POR BELZEBU

todo indivíduo relativamente independente quando ele participa


do processo sagrado de absorção do segundo alimento esseral,
como acabamos nós mesmos de fazê-lo.”
Quando Hassin terminou de falar, Belzebu olhou-o longa
e fixamente nos olhos, depois, com um sorriso que revelava um
impulso esseral de amor, ele disse:
— Eu vejo agora que, durante os últimos “dianosks”, você
com efeito refletiu muito ativamente, ou que, como diriam alguns
de seus favoritos atuais, “você não dormiu interiormente”. Va­
mos nos sentar em nossos lugares habituais e falemos um pouco
do assunto sobre o qual já prometi conversar com você e que
corresponde perfeitamente à situação presente.”
Quando se sentaram e, por sua vez, Ahun chegou, Bel­
zebu continuou:
— Começarei, antes de tudo, por expressar o impulso de
alegria que surge em minha presença geral em relação a você.
Estou pessoalmente muito, muito contente com esta crise que
se declarou e que prossegue em você.
Estou contente com isto, antes de tudo, porque os soluços
sinceros que vi e que se manifestam justo durante o período de
sua existência em que, segundo as leis do grande Heropás, você
já está no caminho do Ser de um ser responsável — quer dizer,
nessa idade precisa em que se cristalizam todos os dados neces­
sários aos funcionamentos que constituem a individualidade de
todo ser tri-cerebral durante sua existência responsável, e em
que eles adquirem um “ritmo” harmonioso no seio do funciona­
mento geral — me dão a certeza de que a consciência aproxima-
tiva, e até mesmo a simples “sensação”, que você pode ter de
minha alegria esseral, ilógica à primeira vista, lhe serão mais tarde
muito proveitosas, e até indispensáveis, tal como elas o são para
todo ser tri-cerebral durante o período de sua existência respon­
sável. De modo que começarei por explicar-me a este respeito.
Seus soluços me dão a certeza de que, em sua futura exis­
tência responsável, sua presença geral comportará os preciosos

1097
RELATOS DE BELZEBU A SEU. NETO

dados esserais do sentimento, que é a base mesma da essência de


todo portador de Razão divina, dados que foram definidos por
Nosso Pai Comum em uma fórmula colocada em cima da en­
trada principal do Santo Planeta do Purgatorio, e queé a seguinte:
“Só entrará aqui aquele que se mostrou capaz de se por no
lugar dos outros resultados de meus trabalhos”.
Sua essência obedeceu a este mandamento divino quan­
do, no momento mesmo em que experimentava a felicidade,
você soluçou com toda sua presença ao se lembrar de repente,
por associação, que outros estavam privados dela.
Estou tanto mais feliz porque esses dados indispensáveis a
todo ser começam a se manifestar em você justo no momento em
que ali se cristalizam e ali se constituem todos os fatores cuja
formação não depende em nada da própria razão do ser, mas
unicamente dos que o cercam, das condições exteriores circun­
dantes e do grande Iraniranomange cósmico.

E agora podemos abordar esta questão: por que, durante


toda nossa viagem nesta nave transespacial, lhe falei tanto dos
seres tri-cerebrais que povoam o planeta Terra, e por que o fiz
nessa ordem?
Em meu regresso a nosso querido Karataz, estando livre
de qualquer outra obrigação esseral, tomei voluntariamente para
mim a responsabilidade de dirigir seu “oskiano” ou, como teriam
dito seus favoritos, sua educação, até que se realize em você o
Ser de um ser responsável. Ora, este período de sua existência é
precisamente aquele em que se harmonizam em geral, nos seres
tri-cerebrais, todas as funções cujo conjunto engendra neles o
que se chama um “pensar sadio”. Foi por isso que, quando em­
preendemos esta viagem na nave Karnak, resolví me aproveitar
dela para ajudar a que a harmonização dessas funções e a forma­
ção consecutiva de seu futuro pensar ativo se fizessem em
você precisamente na ordem que reconhecí, com toda minha
presença, no curso do processo de minha longa existência,
que era justo.

1098
ORDEM ESCOLHIDA POR BELZEBU

Tendo notado, no começo de nossa viagem, que você se


interessava muito pelos seres tri-cerebrais do planeta Terra, de­
cidi, com o pretexto de satisfazer este interesse, lhe falar deles de
uma maneira tal que os “egoplastikurs” necessários às suas futu­
ras associações esserais se cristalizassem em você sem que inter-
viesse a menor dúvida.
Por isso, em quase todos os meus relatos, ative-me estrita­
mente aos dois princípios seguintes:
O primeiro, de nada lhe apresentar como sendo minha
opinião pessoal, a lim de que os dados indispensáveis a sua
própria convicção não se cristalizassem em você sob uma for­
ma já pronta, segundo a opinião de alguém outro.
E o segundo, de escolher intencionalmente a ordem em
que lhe contaria todos os acontecimentos do planeta Terra, re­
lativos ao aparecimento e ao desenvolvimento gradual, no pro­
cesso de existência ordinária de seus favoritos, das diversas ano­
malias interiores e exteriores cujo conjunto determina seu triste
estado atual, aliás quase irremediável, e isto de tal modo que,
unicamente com base em certos fatos que eu lhe comunicaria,
você pudesse tirar suas próprias conclusões subjetivas, com res­
peito a todas as causas desses acontecimentos.
E decidi agir assim a fim de que numerosos egoplasti­
kurs de essência diversa se cristalizassem nas localizações cor­
respondentes de sua presença, para as necessidades de suas
futuras confrontações lógicas, e que, por um pensar ativo, se
efetuasse em você, de maneira mais intensa, a elaboração das
substâncias sagradas “abrustdonis” e “helkdonis”, requeridas
para o revestimento e o aperfeiçoamento de suas duas partes
esserais superiores.
E agora, meu filho, para que você compreenda melhor isto
de que falo neste momento, acho necessário dizer-lhe de novo,
sob uma forma mais precisa, a diferença que muitas vezes defini
entre o “saber” e a “compreensão” que podem ter os seres tri-
cerebrais.

1099
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Para fazer ressaltar mais claramente esta diferença, toma­


rei uma vez mais como exemplo a razão ordinária de seus
favoritos.
Se se compara o que eles denominam sua “razão cons­
ciente”, já definitivamente fixada nos seres atuais de lá, com a
razão dos seres tri-cerebrais que povoam os demais planetas de
nosso Megalocosmos, a primeira pode ser chamada “razão do
saber”, e a segunda: “razão da compreensão”.
A “razão da compreensão”, razão consciente própria a
todos os seres tri-cerebrais, e que os seres terrestres das épocas
passadas possuíam, é alguma coisa que fusiona com a presença
geral; por isso toda informação percebida por esta razão torna­
se para sempre parte indivisível deles mesmos.
Quaisquer que sejam as mudanças de um ser e as varia­
ções do meio no qual ele se encontra, todas as informações
percebidas por esta razão, e todos os resultados que engendra
a contemplação esseral do conjunto das informações anterior­
mente percebidas por esta mesma razão, sempre farão parte de
sua essência.
Quanto à “razão do saber”, que se tornou habitual à
maioria de seus favoritos contemporâneos, toda nova impressão
que ela percebe, e todo resultado intencional ou simplesmente
automático de impressões anteriores, só fazem parte do ser de
maneira temporária; só podem aparecer neles em certas cir­
cunstâncias e com a condição de que as informações que lhes
servem de base sejam “refrescadas” e “repetidas” de vez em
quando, sem o que estas impressões anteriores se alteram por
elas mesmas, ou se evaporam até para sempre da presença des­
ses seres tri-cerebrais.
Se bem que, no que diz respeito ao Triamazikamno sagra­
do, o processo de formação dessas duas razões esserais se de­
senrole de maneira idêntica, os fatores que determinam a mani­
festação de suas três forças santas independentes são ali diferentes.
Na formação da “razão do saber”, os fatores afirmativo e

1100
ORDEM ESCOLHIDA POR BELZEBU

negativo são constituídos pelas impressões contraditórias anterio­


res cristalizadas em uma qualquer das três localizações que os
seres tri-cerebrais possuem; e unicamente as impressões recen­
temente percebidas do exterior servem, nesse caso, de tercei­
ro fator.
Na “razão da compreensão”, o primeiro lator, o da “Santa
Afirmação”, é constituído pelas impressões recentemente per­
cebidas naquela das localizações que detém naquele momento o
“centro de gravidade do funcionamento”. O segundo, oda “Santa
Negação”, é formado pelos dados correspondentes já presentes
em uma outra localização. E o terceiro fator é constituído pelo
que se chama “autokolitzikners esserais” ou, como também os
chamam, “khudatzvabognari”. O sentido desta palavra é o se­
guinte: “resultados da tendência, mantida com perseverança, para
manifestar sua própria individualidade”.
A esse respeito, não é inútil lembrar-lhe, mesmo se você já
souber, que nas três localizações dos seres tri-cerebrais os “auto­
kolitzikners esserais” se elaboram unicamente a partir dos resul­
tados da realização dos “partkdolgdeveres esserais”, que são os
fatores destinados por Nosso Pai Comum, desde o aparecimento
dos seres tri-cerebrais, para servir de meios para o aperfeiçoa­
mento de si.
E são estas formações que, na presença geral dos seres
tri-cerebrais, realizam, como terceira força santa do Triama-
zikamno, o advento da “razão da compreensão”.
Só estes fatores permitem, no curso do processo de fusão
de impressões recentemente percebidas, e com base no Tria-
mazikamno sagrado, a cristalização de dados propícios para
um conhecimento e uma compreensão pessoais, quer dizer,
próprios de cada um; por outro lado, é exclusivamente no cur­
so desses processos de cristalização de dados favoráveis para a
aquisição da consciência que se produz na presença deles o
que se chama uma “fricção zernotukalniana”, a qual determi­
na nos seres tri-cerebrais a formação das substâncias sagradas

1101
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“abrustdonis” e “helkdonis”, necessárias ao revestimento e ao


aperfeiçoamento de suas partes superiores.
Devo, aliás, lhe dizer a este propósito que só as novas
impressões que se cristalizam nessa ordem, e que aparecem no
ser como resultado de um pensar consciente, se integram, nas
localizações deste ser, às series de dados que correspondem às
impressões semelhantes já fixadas nele.
Ao contrario, as novas impressões cristalizadas segundo
uma outra ordem, quer dizer, segundo a “razão do saber”, se
depositam de qualquer jeito nas localizações esserais, sem ne­
nhuma “classificação”. Todas estas novas impressões se inscre­
vem nas séries de impressões anteriores que não têm quase
nunca nada de comum com elas.
Eis por que, na presença dos seres tri-cerebrais que só
têm a “razão do saber”, tudo o que acabam de aprender se
deposita e fica para sempre no estado de simples informação,
da qual eles não tomam, de modo algum, consciência com seu ser.
Por isso todos os novos dados percebidos e fixados neles
desta maneira não têm nenhum valor quanto ao proveito que
deles poderiam retirar para sua existência futura. Além disto, a
duração de descristalização deste tipo de impressões depende
da quantidade e da qualidade dos impulsos engendrados no ser.
Todo “conhecimento”, como dizem seus favoritos, que
os seres adquirem desta maneira em sua presença geral, per­
manece subjetivo, e não tem, por conseguinte, nada em co­
mum com o que se chama o “conhecimento objetivo”.
Assim então, meu filho, decidi suscitar em seu ser essa
“fricção zernofukalniana”, que permite a cristalização de no­
vas percepções em proveito da “razão da compreensão”, tanto
mais que eu já conhecia muito bem o que chamam as “leis de
fixação e de dissolução das idéias nas localizações dos seres”,
cujos detalhes eu havia estudado nos seres tri-cerebrais que lhe
agradam no curso de minhas estadas entre eles, na qualidade
de “hipnotizador profissional”.

1102
ORDEM ESCOLHIDA POR BELZEBU

E a fim de determinar em você uma percepção correta das


novas informações que queria lhe proporcionar, escolhí, entre
outros princípios inflexíveis, fazer sempre de modo que a pene­
tração progressiva do que se chama a “quintessência das infor­
mações” se fizesse em você na ausência total dos impulsos esse­
rais de “indignação”, de “ofensa”, de “vexaçao”, e assim por
diante.
Quanto à ordem das informações que lhe dei, e ao seu
efeito sobre a compreensão de sua essência, devo lhe dizer que,
desde o instante em que notei seu interesse pelos seres terres­
tres tri-cerebrais, se tivesse lhe participado, a propósito de cada
acontecimento, somente minha convicção pessoal e a opinião
que havia se fixado em mim a respeito deles, no curso de minhas
observações, para lhe dar só depois “o conjunto de informa­
ções” abundantes e variadas que lhe comuniquei, todos esses
fatos teriam sido percebidos em você sem nenhuma confronta­
ção lógica, e os dados assim cristalizados teriam se depositado
em suas localizações correspondentes como simples informa­
ções, sem verdadeira compreensão esseral.
Foi por isto que conduzi meus relatos sobre os seres tri-
cerebrais que povoam o planeta Terra de tal maneira que se
cristalizassem, nessas localizações, grande número de dados
diversos para suas futuras associações esserais, relativas quer à
totalidade quer aos diferentes ramos do saber objetivo, e que
por outro lado o processo de “fricção zernotukalniana” se efe­
tuasse intensamente em sua presença geral, para chegar ao re­
sultado que acabo de constatar pela maneira como me respon­
deu quando lhe perguntei “por que você chora?”.

Agora que estou mais ou menos convencido, meu filho, de


que não perdi meu tempo e que meus relatos sobre os seres
terrestres tri-cerebrais lhe proporcionaram o benefício que eu
esperava deles, penso que poderiamos parar de falar disso, a fim
de não mais provocar cm você o processo de pensar ativo; além

1103
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

disso, não nos resta quase nada de tempo, pois chegaremos


logo a nosso querido Karataz.
Entretanto, devo ainda lhe dar este conselho formal, que
lhe explicarei em poucas palavras:
Você se esforçará, recorrendo à razão que está em sua
presença, em fazer de modo que certas funções que se desen­
volvem em você e lhe dao, como a todo ser tri-cerebral, a pos­
sibilidade de um pensar ativo permaneçam inativas, ou, como
se diz, descansem, e isto por uma duração igual aquela de nos­
sa viagem, quer dizer, igual aquela que consagramos a falar de
seus favoritos. Com efeito, este repouso é necessário às fun­
ções que, durante este tempo, participaram mais intensamente
do que de hábito de seu pensar ativo, e cujo andamento nao
depende, aliás, da essência dos seres, mas se encontra sob a
dependência exclusiva do que se chama “a harmonia geral do
ritmo cósmico”.
A propósito disto, você deve sempre se lembrar que a
razão de todo ser e a intensidade de ação desta razão depen­
dem do funcionamento correto de todas as partes distintas de
sua presença inteira.
Assim, o conjunto dos funcionamentos do “corpo pla­
netario” e este corpo mesmo representam a maior parte de um
ser, mas estes funcionamentos distintos, e este mesmo corpo
por inteiro, isolados das demais partes espiritualizadas do ser,
constituem somente uma formação cósmica dependente, que
nao tem consciência de nada; de modo que, segundo o princí­
pio do que você chamou uma vez “o pilar universal da Justi­
ça”, cada parte espiritualizada do ser deve sempre se mostrar
justa em relação a essa parte dependente e inconsciente, e não
exigir dela mais do que ela pode dar.
Dá-se com o corpo planetário de um ser o mesmo que
com todas as coisas no Megalocosmos: para que ele possa ser­
vir corretamente às suas partes dominantes, quer dizer, para que
esta parte auxiliar do ser inteiro sirva como convém à sua essência

1104
ORDEM ESCOLHIDA POR BELZEBU

mesma, esta deve sempre ser justa e só exigir dela o que está
dentro dos limites de suas possibilidades.
Sem falar de justiça, é necessário agir para com a parte
inconsciente do ser de maneira a permitir a certas lunções que
permaneçam inativas de vez em quando, e isto para que esta
parte inconsciente tenha sempre a possibilidade de fazer fusio­
nar pouco a pouco, e no tempo requerido, seus ritmos subjeti­
vos, recentemente adquiridos, com os ritmos objetivos de nosso
Megalocosmos.
Notemos a este respeito que, no Megalocosmos, a fusão
dos ritmos só ocorre “katznukitzkerno”, ou, como teriam dito
seus favoritos, “segundo uma progressão conforme às leis”.
Assim então, se quiser que seu pensar ativo trabalhe cor­
reta e produtivamente, no curso de sua futura existência res­
ponsável, você deve agora, uma vez que este pensar já come­
çou a se efetuar em você, e que este processo interior tem con­
sequências indesejáveis para seu corpo planetário, cessar com­
pletamente de fazê-lo funcionar, durante um certo tempo, por
mais desejo que disso tenha, senão você sofrerá o “dezonakua-
sanz”, quer dizer que uma única parte de sua presença inteira
adquirirá um “ritmo” novo e, em conseqüência, você se tornará
um ser “unilateral”, como diriam seus favoritos.
Aliás, a maioria deles, e sobretudo os contemporâneos,
quando alcançam a idade responsável, se convertem precisa­
mente nesses seres “unilaterais”.
Em suma, é só por uma modificação progressiva do ritmo
de cada parte do todo que é possível modificar o ritmo deste
mesmo todo sem lhe causar prejuízo.
Para concluir, acho necessário repetir que, num ser, a reali­
zação do pensar ativo e das consequências úteis desse pensar
tem como condição exclusiva o funcionamento em igual grau,
em sua presença, das três concentrações de resultados espiritua­
lizados que têm o nome de “centro pensador”, “centro emocio­
nal” e “centro motor”.

1105
Capítulo 47
Resultado, conforme às leis
de um pensar imparcial

BELZEBU ainda ia talar, quando de repente tudo fi­


cou iluminado e como que penetrado por “alguma coisa azul
céu”. No mesmo instante a queda da nave Karnak diminuiu
sensivelmente.
Isso significava que nessa esfera do Universo se aproxi­
mava uma das grandes “egolionoptias” cósmicas, e que ela ia
abordar a nave espacial Karnak.
E, com efeito, através das paredes transparentes da Kar­
nak apareceu logo a fonte de onde provinha essa “alguma coi­
sa azul céu” que iluminava não somente o interior da nave,
mas também, em torno da grande “egolionoptia” cósmica, todo
o espaço do Universo que podia ser abarcado pela visão ordi­
nária dos seres.
Essas grandes “egolionoptias” são em número de quatro
no Universo, e cada uma delas está sob a direção de um dos
“Sustentáculos-de-Todos-os-Quartos” do Universo.
Uma atividade febril, mesclada de alguma inquietude,
apoderou-se dos seres que se encontravam a bordo da nave, e,
ao cabo de certo tempo, todos os passageiros e os membros da
tripulação se reuniram na grande sala situada no centro da nave.
Cada um segurava em uma mão um ramo de murta e na
outra, um “dezjelkashê”.
Quando a grande egolionoptia cósmica abordou a Kamak,
RESULTADO DE UM PENSAR IMPARCIAL

certas paredes desta última se afastaram de uma maneira espe­


cial, e se viu então dirigir-se da egolionoptia para a grande sala
da nave uma procissão composta de varios Arcanjos e de urna
multidão de Anjos, de Querubins e de Serafins, que segura­
vam todos na mão, desta vez, uma palma.
Á frente da procissão caminhava um venerável Arcanjo,
seguido de dois Querubins, que carregavam solenemente uma
espécie de cofre pequeno de onde irradiava “alguma coisa ala-
ranjada”.
Na grande sala da Karnak, só, diante de todos, encontra­
va-se Belzebu; atrás dele, seus próximos e o capitão da nave, e
atrás deles, a uma distância respeitosa, todos os demais.
Quando a procissão saiu da egolionoptia e chegou perto
dos seres de mesma natureza que Belzebu, reunidos para espera
la, ela parou; os dois grupos de seres tri-cerebrais de naturezas
diversas entoaram então o hino a Nossa Eternidade, hino que é
sempre cantado em semelhante caso no Universo inteiro pelos
seres de todas as naturezas e de todas as formas de revestimen­
to exterior.
Este hino se canta com as palavras seguintes:

O Tu, infinitamente paciente Criador de tudo o que respira,


Tu, Causa plena de amor de tudo o que existe,
Tu, Unico Vencedor do impiedoso Heropás,
Ao som de nossos louvores
Regozija-Te agora e repousa na beatitude.
Por um labor sem precedente, Tu criaste o Princípio
Ao qual está submetido nosso advento.
E por tua vitória sobre Heropás,
Tu nos deste a possibilidade
De nos aperfeiçoarmos até a Anklade sagrada.
Repousa agora como Tu o mereceste.
Nós, por reconhecimento,
Manteremos tudo o que Tu criaste

1107
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

E sempre e em tudo Te louvaremos eternamente,


Tu, Criador e Autor,
Tu, Origem de todo Fim,
Tu, oriundo da Eternidade,
Tu, que conténs em Ti mesmo o lim de toda coisa,
O Tu, Eterno Infinito.

Quando o hino terminou, o venerável Arcanjo que esta­


va à frente da procissão aproximou-se de Belzebu e proclamou
solenemente:
“Por ordem de Seu Sustentáculo-de-Todos-os-Quartos,
o Arqui Querubim Peshtvogner, nós aparecemos diante de vós,
Alta Reverência, munidos de seu santo cetro pessoal, a fim de
reconstituir — em conformidade com a Graça que vos foi con­
cedida d’O-AIto em razão de alguns de vossos méritos — vos­
sos chifres, que havíeis perdido quando de vosso exílio”.
Dito isso, o venerável Arcanjo voltou-se para o pequeno
cofre que os Querubins carregavam e, com grande precaução,
retirou piedosamente dele o cetro sagrado.
Então, todos os assistentes se ajoelharam, enquanto os An­
jos e os Querubins entoavam os cânticos sagrados apropriados.
Depois o Arcanjo, tendo à mão o cetro sagrado, voltou-
se de novo para Belzebu e dirigiu aos seres da natureza deste as
palavras seguintes:
“Seres criados por Nosso Eterno Uni-Esseral, pela Gra­
ça infinita de Nosso Criador, o ser Belzebu, que havia outrora
pecado, é hoje perdoado e admitido de novo entre seus seme­
lhantes!
“Visto que a virilidade e o grau de razão dos seres de
vossa natureza se determinam e se manifestam pelos chifres
que carregais, devemos, com o assentimento de nosso Susten-
táculo-de-Todos-os-Quartos e com vossa ajuda, reconstituir os
chifres perdidos de Belzebu.
“Seres criados por Nosso Único Pai Comum, vossa ajuda

1108
RESULTADO DE UM PENSAR IMPARCIAL

consistirá em que cada um de vós consinta em renunciar vo­


luntariamente, em favor de Belzebu, que mereceu Sua Graça,
a algumas parcelas da substância de seus próprios chifres.
“Deste modo, que todos aqueles que nisto consintam e o
desejem se aproximem deste cetro sagrado e venham tocar sua
empunhadura. Da duração deste contato dependerá a quanti­
dade de elementos ativos emprestados de vossos próprios chi­
fres que servirão para constituir neste ser agraciado, de mesma
natureza que vós, os chifres correspondentes a seus próprios
méritos.”
Dito isso, o venerável Arcanjo manteve em cima de Bel­
zebu ajoelhado a esfera do cetro sagrado, e girou sua empu­
nhadura em direção aos assistentes, a fim de que os que o dese­
jassem pudessem vir tocá-la.
No mesmo instante uma grande agitação percorreu o gru­
po dos seres da natureza de Belzebu, pois cada um tentava avan­
çar para tocar cm primeiro, e pelo maior tempo possível, o ce­
tro sagrado.
Mas a ordem não tardou a se estabelecer: cada um vinha,
em sua vez, segurar a empunhadura pelo tempo que indicava o
capitao da nave, que tomara para si a responsabilidade de diri­
gir esta solenidade.
Durante a cerimônia, chifres começaram a aparecer na
cabeça de Belzebu.
No começo, enquanto eles não faziam senão tomar for­
ma, os assistentes se comportavam com uma gravidade tran­
quila e concentrada. Mas, assim que apareceram as primeiras
ramificações dos chifres, o interesse redobrou e eles deram si­
nais de uma intensa curiosidade. E isto porque estavam todos
muito impacientes para conhecer o número de ramificações
que surgiríam nos chifres de Belzebu, pois este número devia
determinar, em conformidade com o Medidor sagrado de Ra­
zão objetiva, o grau de Razão que Belzebu havia alcançado.
Uma primeira ramificação se formou, depois uma segunda,

1109
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

e uma terceira, e o aparecimento de cada uma delas provocava


em todos os assistentes uma satisfação profunda, que os fazia
estremecer de alegria.
Mas, quando se constituiu uma quarta ramificação, a ten­
são alcançou, em todos, seus extremos limites, pois a formação
desta ramificação significava que a Razão de Belzebu já havia
se aperfeiçoado até o “Ternunalda sagrado”, quer dizer, não
restavam a Belzebu senão dois graus para chegar à Anklade
sagrada.
Esta cerimônia extraordinaria chegava ao fim, e os
assistentes ainda não tinham tido o tempo de se recuperar de
sua viva emoção de alegria, quando surgiu por ela mesma, nos
chifres de Belzebu, uma quinta ramificação de forma particu­
lar, já conhecida de todos eles.
Todos os seres presentes, sem exceção, e o venerável Ar­
canjo mesmo, caíram prosternados diante de Belzebu, que já
se erguera e se mantinha de pé, transfigurado, pleno da gran­
deza que lhe conferiam seus chifres majestosos.
E todos tinham se prosternado diante dele, porque a quin­
ta ramificação de seus chifres significava que ele já possuía a
Razão do “Podkulad sagrado”, quer dizer, o último grau de
Razão antes do da Anklade sagrada.
A Razão da Anklade sagrada é a mais alta a que um ser,
em geral, possa chegar; ela é a terceira após a Razão Absoluta
de Nossa Eternidade.
Quanto à Razão do Podkulad sagrado, até a qual se
aperfeiçoara Belzebu, ela é igualmente muito rara no Univer­
so. E por isto que o venerável Arcanjo mesmo caiu prosterna­
do diante de Belzebu, pois ele não era, por sua Razão, mais do
que um “Deggindad sagrado”, quer dizer que para aceder á
Anklade sagrada lhe restava ainda superar três graus.
Quando todos se ergueram, o venerável Arcanjo, diri­
gindo-se desta vez a todos os seres presentes, de diversas natu­
rezas, pronunciou as palavras seguintes:

1110
RESULTADO DE UM PENSAR IMPARCIAL

“Seres criados pelo mesmo Criador:


“Nós merecemos ser os primeiros a contemplar esta rea­
lização do Podkulad sagrado, que representa o sonho de todos
nós, assim como o de cada um dos seres de nosso Megalocosmos.
“Regozijemo-nos e cantemos nossa alegria por um tão
grande privilégio, pois ela atua como um impulso regenerador
sobre o poder que nós temos de lutar contra nosso próprio
princípio negativo, poder que é o único que conduz ao Podku­
lad sagrado ao qual chegou um dos filhos de Nosso Pai Co­
mum, que inicialmente pecou em razão de sua juventude, mas
soube mais tarde se tornar merecedor em sua essência, por seus
esforços conscientes e seus sofrimentos voluntários, de vir a
ser um dos muito raros Podkulads sagrados de todo o Nosso
Grande Universo”.
Após esta exortação do Arcanjo, todos os seres presentes
na nave espacial Kamak entoaram o santo cântico que sempre se
canta em caso semelhante, conhecido pelo nome de “Alegria”.
E, quando esse cântico chegou ao fim, todos os Anjos e
os Querubins, tendo à sua frente o venerável Arcanjo, retorna­
ram para a egolionoptia cósmica, que se afastou de imediato da
nave Karnak e desapareceu pouco a pouco no espaço. Então,
os passageiros e a tripulação da nave se dispersaram, e a Kar­
nak recomeçou a cair, em direção a seu destino.

Depois desta grande solenidade universal, Belzebu, seu


neto e seu velho servidor Ahun, profundamente emocionados,
como todos os demais passageiros, por este acontecimento ines­
perado, regressaram à parte da nave onde tinham ocorrido to­
das as suas conversas sobre os seres-homens que aparecem e
existem na Terra.
E quando Belzebu, cujo aspecto transfigurado estava ago­
ra conforme aos seus méritos, se sentou em seu lugar habitual,
seu velho servidor Ahun, que lhe fora dedicado por quase toda

1111
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

a duração de sua existência, caiu prosternado diante dele e,


com uma voz sinceramente suplicante, lhe disse:
“Podkulad sagrado de nosso Megalocosmos!
“Concedei-me graça e perdoai ao infeliz ser tri-céntrico
ordinario que sou todas as manifestações desrespeitosas,
voluntarias e involuntarias, de que me tornei culpado no pas­
sado, para com vossa essência sagrada.
“Concedei-me graça e perdoai-me, perdoai a este ser tri-
cêntrico que existe há muito tempo, mas que, para sua desgra­
ça — e pela única razão que, durante sua idade preparatoria,
ninguém, entre seus mais velhos, favoreceu nele a formação
dos fatores psíquicos que conferem o poder de intenso cum­
primento dos partkdolgdeveres esserais indispensáveis a todo
ser tri-cerebral —, nem mesmo se mostrou bastante perspicaz
para experimentar às vezes, ainda que instintivamente, a reali­
dade uni-esseral e inquebrantável oculta sob as aparências que
ela reveste em conformidade com o Trogoautoegocrata cósmi­
co e com as condições circundantes, realidade sagrada para
tudo o que respira, e que leva o nome de “Razão objetiva”.
Dito isto, Ahun, como que pasmo de assombro, imobili­
zou-se numa expectativa muda.
Belzebu, guardando silêncio, considerou-o com um olhar
que, percebido de fora, estava cheio de amor e de perdão, mas
no qual transpareciam também uma tristeza da essência e uma
resignação pelo inevitável.
Durante toda a cena, Hassin havia se mantido à parte,
na pose conhecida em todo lugar com o nome de “pose do
famoso eremita universal Harnatulkpararana do planeta Kir-
mankshana”.
E quando, ao cabo de alguns instantes, Belzebu, tendo
passeado seu olhar em torno de si, notou a pose de seu neto,
disse a ele:
— E então, meu filho? Será que em sua presença se passa
a mesma coisa que na de nosso velho Ahun?

1112
RESULTADO DE UM PENSAR IMPARCIAL

À pergunta de Belzebu, Hassin respondeu com um tom


incerto, e até mesmo tímido, que nao lhe era habitual:
— Sim, quase, Podkulad sagrado de nosso Megalocos-
mos. Com a única diferença que, neste momento, o impulso de
amor se faz mais forte em mim, tanto em relação a nosso Ahun
como em relação aos seres do planeta Terra.
Este impulso de amor aumenta em mim, porque também
eles contribuíram, me parece, para me tornar merecedor de ser
testemunha da glorificação daquele que foi a causa da causa de
meu advento, e que foi até hoje muito simplesmente “meu queri­
do avô”, mas se torna agora para mim também um dos Podku-
lads sagrados de nosso Megalocosmos, diante de quem tudo
se inclinará e diante de quem tenho a felicidade de estar
neste momento.
— Eh eh eh!... exclamou Belzebu, dando aos traços de
seu rosto a expressão que lhe era habitual durante sua estada
na Terra. Depois ele disse:
“Para começar, quero expressar em voz alta, na língua de
nosso venerável Mulá Nassr Eddin, o pensamento que surgiu
em mim, por associação, a respeito das palavras completamen­
te inabituais de Ahun, e de sua pose que lhe era tão pouco
familiar.
Nosso querido Mestre teria dito em semelhante caso:
“Não derrame lágrimas vãs, como o pobre crocodilo que
se lançou sobre o pescador para agarrar sua nádega esquerda,
e errou seu golpe”.
E agora, retomem seus lugares e falemos um pouco.
Se bem que nossa nave já entra na atmosfera de nosso
planeta Karataz, não o abordaremos tão depressa, pois as na­
ves espaciais devem sempre amortecer a inércia adquirida an­
tes de chegar ao lugar de sua ancoragem.”
Hassin e Ahun se conformaram de imediato, sem dizer
palavra, à sugestão de Belzebu. Era visível, em seus movimen­
tos, como em tudo o que transparecia de seu psiquismo, que

1113
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

uma protunda mudança se operara neles em relação à pessoa


de Belzebu, após o acontecimento universal que acabava de se
produzir.
Quando voltaram aos seus lugares e se sentaram — com
menos desembaraço do que anteriormente —, Belzebu virôu-
se para Hassin e lhe disse:
— Antes de tudo, meu filho, dou-lhe minha palavra — a
menos que algum acontecimento de origem exterior, indepen­
dente de nossa essência, disso nos impeça — que lhe explica­
rei, quando chegarmos em casa, tudo aquilo de que lhe prome­
tí talar a respeito de seus favoritos, mas que, por uma razão ou
outra, ainda não abordei.
Enquanto isto, se você tem alguma pergunta que precise
de uma explicação imediata, pode fazê-la.
Mas, o previno de que não temos mais suficiente tempo
para que eu possa dar à minha resposta a forma que empregava
de hábito no curso de nossas conversas; trate então de formular
sua pergunta de tal maneira que minha resposta possa ser breve.
E você poderá mesmo me mostrar assim, mais uma vez,
até que ponto seu pensar lógico se desenvolveu durante meus
relatos sobre o estranho psiquismo dos seres tri-cêntricos que
aparecem e existem no planeta Terra.”
Ante esta proposta de seu avô, Hassin refletiu profunda­
mente durante um tempo bastante longo; depois disse, um
pouco exaltado:
— Podkulad sagrado e causa fundamental da causa de
meu advento!
Depois da cerimônia que acaba de se realizar, desde o
momento em que sua essência sagrada se revestiu de um aspec­
to conforme, e que por isto mesmo toda sua significação, que
só raros seres tri-cerebrais podiam perceber e compreender,
tornou-se evidente e mesmo tangível, tanto para mim como
para toda unidade cósmica distinta do senhor, cada uma de

1114
RESULTADO DE UM PENSAR IMPARCIAL

suas palavras, cada um de seus conselhos, adquiriu para mim


força de lei.
Assim, devo esforçar-me com toda minha presença para
obedecer à proposta que o senhor acaba de me fazer, e tratar
de formular minha pergunta o melhor possível, e da maneira
mais breve.
Podkulad sagrado e causa da causa de meu advento! Para
que todas as convicções que se formaram em mim graças a suas
explicações sobre as anomalias que se produzem no planeta
Terra se cristalizem definitivamente, eu gostaria muito de
conhecer ainda sua sincera opinião pessoal sobre a pergun­
ta seguinte:
Como o senhor teria respondido, se Nosso Todo-Abrangente
Criador Eterno Ele-mesmo o tivesse chamado e perguntado:
“Belzebu!
“Tu que és, entre todas as minhas realizações, um dos
resultados acelerados que eu esperava, expresse brevemente a
conclusão de teus longos anos de observações e de estudos im­
parciais do psiquismo dos seres tri-cêntricos que aparecem no
planeta Terra, e diga se existe ainda um meio de salvá-los e de
pô-los no caminho justo.”
Dito isto, Hassin se levantou e, mantendo uma atitude
de profunda veneração, dirigiu para Belzebu um olhar cheio
de expectativa.
Por sua vez, Ahun se levantou.
Belzebu, sorrindo afetuosamente à pergunta de Hassin,
disse que ele estava agora completamente convencido de que
seus relatos tinham proporcionado a seu neto os resultados de­
sejados; depois, em tom sério, ele acrescentou que, se Nosso
Criador Uni-Esseral Todo-Abrangente o tivesse verdadeiramen­
te mandado chamar para lhe colocar uma tal pergunta, ele
teria respondido...
De repente, o próprio Belzebu se levantou e, estendendo
o braço direito para a frente, o braço esquerdo para trás, dirigiu

1115
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

seu olhar a algum lugar ao longe, como se quisesse penetrar as


profundezas mesmas do espaço.
Ao mesmo tempo, “alguma coisa amarelo pálido” apare­
cia pouco a pouco ao redor de Belzebu e o envolvia, mas era
impossível compreender ou discernir sua origem: essa “algu­
ma coisa” emanava de Belzebu, ele mesmo, ou chegava até ele
de fontes distantes através dos espaços?
No seio desta formação cósmica incompreensível para
todo ser tri-cerebral, Belzebu, com uma voz forte que nao lhe
era habitual, proferiu com um tom compenetrado:
“O Tu, que és o Todo e toda coisa de meu todo!
“A única medida de salvação para os seres do planeta
Terra seria implantar hoje em sua presença um novo órgão,
análogo àquele de kundabuffer, mas dotado, desta vez, de pro­
priedades tais que cada um desses infelizes, durante o processo
de sua existência, experimente e tome sem cessar consciên­
cia da inevitabilidade de sua própria morte, assim como da
morte de cada um daqueles sobre os quais se detém seu olhar
ou sua atenção.
“Só esta sensação e este conhecimento podem agora re­
duzir a nada o egoísmo que se cristalizou definitivamente neles
e absorve sua essência toda inteira, destruindo, ao mesmo tem­
po, a tendência a odiar os demais, que é sua conseqüência, ten­
dência que determina essas relações recíprocas cuja existência
é a causa principal de todas as suas anomalias, indignas de se­
res tri-cerebrais e funestas para eles, assim como para todo o
Universo.”

1116
Capítulo 48
Conclusões do Autor

APÓS seis anos de trabalho, vividos sem a menor pieda­


de para comigo mesmo e num estado de tensão mental quase
incessante, terminei enfim ontem de redigir, sob uma forma
acessível a todos, parece-me, a primeira das três séries de livros
que tinha a intenção de escrever, e nos quais havia decidido
expor um conjunto de idéias cujo desenvolvimento devia me
permitir cumprir em teoria, antes de realizar sua aplicação prá­
tica por um meio já previsto e ajustado, três tarefas que me
fixara: pela primeira série, destruir nas pessoas tudo o que,
em suas falsas representações, lhes parece existir em realidade,
em outros termos, varrer sem piedade “todo o bricabraque acu­
mulado no pensar humano no curso dos tempos”; pela segun­
da, preparar “novos materiais de construção”; e, pela terceira,
“edificar um mundo novo”.
Tendo acabado a primeira série desses livros, seguirei ago­
ra uma prática, estabelecida na Terra, já há muito tempo, a de
sempre concluir uma “grande obra” pelo que uns denominam
um “epílogo”, outros um “posfácio”, outros, ainda, um “post-
scriptum” etc. e terminarei, eu também, por alguma coisa des­
se gênero.
Com esse fim, reli esta manhã muito atentamente o “pre­
fácio” que havia escrito seis anos atrás, com o título: “Desper­
tar do Pensar”, com a intenção de ali pegar as idéias que me
permitirão realizar o que chamarei uma “fusão lógica” deste
começo com a conclusão que me proponho escrever.
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Lendo esse primeiro capítulo, redigido há apenas seis


anos, tive a sensação de que ele fora escrito há muito, muito
tempo — sensação que aparece provavelmente hoje em minha
presença geral pelo fato que, durante estes anos, tive de pensar
com intensidade e até, se poderia dizer, “experimentar” todo o
material de que necessitava para escrever oito grossos volu­
mes. Pois não é sem razão que neste ramo da verdadeira ciên­
cia relativa às “leis de associações do pensar humano”, que nos
veio dos tempos mais antigos, mas que é conhecido apenas por
uma pequena minoria de nossos contemporâneos, toi estabele­
cido que “a sensação do curso do tempo é diretamente propor­
cional à qualidade e à quantidade dos pensamentos que fluem”.
Eu lia então esse primeiro capítulo, sobre o qual havia
profundamente meditado e “experimentado” cada aspecto sob
a ação quase exclusiva de uma automortiticação voluntaria, e
que havia escrito em uma época em que o funcionamento de
minha presença geral — funcionamento que engendra no ho­
mem o que se chama “o poder de se manifestar por sua própria
iniciativa” — estava completamente desarmonizado, quer di­
zer, na época em que eu ainda estava muito doente, em conse­
quência de um acidente que eu tinha tido pouco tempo antes,
no final de uma corrida louca em que meu automóvel tora se
espatifar, a toda velocidade, contra uma árvore, testemunha
silenciosa da fuga desordenada dos séculos, na histórica estra­
da entre a capital do mundo, Paris, e a cidade de Fontaine­
bleau — “corrida” que, segundo toda sadia compreensão hu­
mana, deveria pôr um fim a minha vida —, e, de repente, sur­
giu em mim uma decisão muito firme.
Ao lembrar o estado no qual estava durante o período
em que escrevia esse primeiro capítulo, não posso me impedir
aqui — em razão de certa pequena fraqueza que me faz sempre
experimentar uma satisfação íntima, cada vez que vejo apare­
cer, no rosto dos estimáveis “representantes atuais da ciência
exata”, esse sorriso que só a eles pertence — de acrescentar

1118
CONCLUSÕES DO AUTOR

que se, depois desse acidente, meu corpo ficou ferido e “escan­
galhado” a ponto de oferecer, durante longos meses, um qua­
dro que poderia ser intitulado: “um pedaço de carne vivente
em uma cama limpa”, nào obstante meu espírito (ou o que se
chama habitualmente assim), submetido há muito tempo a uma
justa disciplina, não ficou, de modo algum, deprimido, apesar
do estado físico de meu corpo, tal como deveria ter ficado se­
gundo todas as noções deles. Muito ao contrario, seu poder até
se encontrava aumentado pela excitação intensa que haviam
feito surgir nele, justo antes do acidente, as repetidas decep­
ções que me causaram os homens, sobretudo os que se consa­
gram à ciência, como eles dizem, e a desilusão que me propor­
cionou esse ideal, pouco a pouco, formado em minha presença
geral sob o efeito de um mandamento inculcado desde minha
infância, e que lembra que “a meta mais elevada e o sentido
mesmo da vida humana é o de se esforçar pelo bem de seu pró­
ximo”, o que só é possível por uma renúncia consciente ao seu.
Assim, após ter relido com atenção esse capítulo de intro­
dução à primeira série, escrito nas condições que disse, e ao me
lembrar por associação dos textos de numerosos capítulos se­
guintes que, segundo minha convicção, eram de natureza a pro­
duzir no consciente dos leitores impressões inabituais, “engen­
drando sempre resultados substanciais”, eu decidi — “eu”, ou
mais exatamente, essa “alguma coisa” de dominante em minha
presença geral que representa hoje a soma dos resultados oriun­
dos dos dados cristalizados durante minha vida, dados que sus­
citam geralmente, no homem que se fixou como meta adquirir,
no curso de sua existência responsável, um “pensar ativo im­
parcial”, a capacidade de penetrar e de compreender o psi­
quismo dos mais diferentes tipos de homens —, eu decidi, digo,
sob o efeito do impulso chamado “amor ao próximo”, que no
mesmo momento surgia em mim, me limitar, para concluir essa
primeira série, a reproduzir o texto da primeira das numerosas
conferências lidas em público na época em que existia ainda o

1119
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

estabelecimento fundado por mim com o nome de “Instituto


para o desenvolvimento harmônico do homem”.
Este Instituto, diga-se de passagem, não existe mais e me
parece, ao mesmo tempo, necessário e oportuno, sobretudo para
apaziguar certas pessoas em diversos cantos do mundo, declarar
sem reserva que eu o liquidei completamente e para sempre.
Não foi, alias, sem um inexprimível impulso de tristeza e
de desencorajamento que me vi obrigado a tomar a decisão de
liquidar esse Instituto, assim como tudo o que havia sido orga­
nizado e preparado com tanto cuidado para a abertura em va­
rios países, no ano seguinte, de dezoito de suas seções — em
suma, de abandonar tudo que eu havia criado até então por
um labor quase sobre-humano. No entanto, foi preciso me de­
cidir a isso, porque cerca de três meses após o acidente de que
falei, o funcionamento de meu pensar ordinario tendo mais ou
menos se restabelecido, se bem que meu corpo permanecesse
completamente impotente, compreendí que tentar salvaguardar
a existência desse Instituto, na ausência de verdadeiros homens
a meu lado e na impossibilidade em que estariam, sem minha
ajuda, de conseguir os enormes meios materiais que ele exigia,
conduziría fatalmente a uma catástrofe cujo resultado para mim
mesmo, em minha velhice, assim como para numerosas pes­
soas inteiramente dependentes de mim, seria o de “vegetar”
meio esfomeados.
A conferência que me proponho acrescentar como con­
clusão desta primeira série foi lida mais de uma vez, durante a
existência do Instituto, por meus “alunos de primeira linha”,
como eram chamados então. Alguns deles, para meu mais sin­
cero pesar, manifestaram depois uma deplorável predisposição
de sua essência a uma transformação rápida de seu psiquismo
em psiquismo “hassnamussiano”, predisposição que se tornou
logo evidente e perceptível a todas as pessoas mais ou menos
normais que os cercavam no momento da crise inevitável —
provocada por meu acidente — de tudo o que eu havia realizado

1120
CONCLUSÕES DO AUTOR

antes, pois foram todos vistos “tremer por sua pele”, aterrori­
zados com a idéia de perder seu bem-estar pessoal, do qual,
aliás, me eram devedores, depois, desertando a obra comum,
com o rabo entre as patas, regressar furtivamente a seus canis,
onde, aproveitando as migalhas caídas de meu “festim de
idéias”, eles abriram o que chamarei de seus “laboratórios de
falsificação”, e, com um secreto sentimento de esperança, e tal­
vez mesmo de alegria, ao pensamento de se ver logo livres para
sempre de meu vigilante controle, começaram a fabricar, com
todo tipo de pobres ingênuos, “clientes para asilos de loucos”.
E escolhi esta conferência porque, desde o momento em
que empreendi propagar as idéias que eu queria fazer penetrar
na vida dos homens, ela foi especialmente concebida, aqui, na
Europa, para servir de introdução à série completa das confe­
rências cujo conjunto era o único que podia pôr em evidência,
de uma forma acessível a todos, a necessidade e até mesmo a
imperiosa obrigação de uma colocação em prática efetiva das
verdades imutáveis que eu elucidara e estabelecera no decor­
rer de meio século de trabalho ativo de dia e de noite, e provar,
ao mesmo tempo, que é realmente possível fazer estas verdades
servirem ao bem de todos. Por outro lado, encontrando-me no
auditório, quando da última leitura que se fez dela, acrescen­
tei-lhe um suplemento que correspondia em todos os pontos
ao pensamento secreto inserido pelo sr. Belzebu, ele mesmo,
no que chamarei “seu acorde final”, e este suplemento, ao ilu­
minar uma vez mais esta suprema verdade objetiva, permitirá,
a meu ver, ao leitor percebê-la e assimilá-la como convém a um
ser que se pretende “à imagem de Deus”.

1121
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Primeira Conferência

DIVERSIDADE, CONFORME ÀS LEIS,


DAS MANIFESTAÇÕES DA INDIVIDUALIDADE
HUMANA

Lida pela última vez no Neighbourhood Playhouse,


em Nova York, em janeiro de 1924

Como ressalta, ao mesmo tempo, das investigações de nu­


merosos sábios das épocas passadas e das pesquisas conduzi­
das segundo métodos absolutamente excepcionais pelo “Insti­
tuto para o desenvolvimento harmônico do homem”, do sr.
Gurdjieff, a individualidade integral de todo homem — em
conformidade com as leis superiores, assim como com as con­
dições do processo de vida dos homens que se estabeleceram
na Terra desde o começo e ali se lixaram pouco a pouco —,
qualquer que seja a hereditariedade da qual esse homem é o
resultado e quaisquer que sejam as condições acidentais de seu
aparecimento e de seu desenvolvimento, esta individualidade,
dizemos nós, para responder, desde o começo da idade respon­
sável, ao sentido e à predestinação de sua existência como ho­
mem, e não como simples animal, deve absolutamente consis­
tir de quatro personalidades distintas bem determinadas.
A primeira destas quatro personalidades independentes
não é nada mais do que o conjunto do funcionamento automá­
tico, próprio tanto do homem como do animal, cujos dados se
compõem, de um lado, da soma total dos resultados das im­
pressões recebidas desde o nascimento, e provenientes tanto
da realidade circundante como de tudo o que foi intencional­
mente implantado neles, e, por outro lado, dos resultados do
processo, ele também inerente a todo animal, que se chama
“devaneio”. O conjunto deste funcionamento automático é o

1122
CONCLUSÕES DO AUTOR

que a maioria das pessoas chama, em sua ignorancia, o “cons­


ciente” ou, no melhor dos casos, o “pensar”
A segunda das quatro personalidades, que tem, o mais
freqüentemente, um funcionamento completamente indepen­
dente da primeira, é a soma dos resultados daqueles dados que
se depositam e se fixam na presença do homem, como na de
todo animal, através de seus seis órgãos “receptores de vibra­
ções de qualidades diferentes”, órgãos que funcionam em con­
formidade com as novas impressões percebidas, e cuja sensibi­
lidade depende da hereditariedade e das condições em que se
efetuou a formação preparatoria para uma existência res­
ponsável.
A terceira parte independente de um ser integral re­
presenta, ao mesmo tempo, o funcionamento de base de seu
organismo e o jogo das manifestações reflexomotrizes que agem
umas sobre as outras no interior deste funcionamento, ma­
nifestações cuja qualidade depende, ela também, da heredi­
tariedade e das diversas condições da formação preparato­
ria desse ser.
Quanto á quarta personalidade do homem, que deveria
também representar uma das partes distintas do indivíduo in­
tegral, ela não é outra coisa que a manifestação do conjunto
dos resultados do funcionamento já automatizado das três
personalidades enumeradas, separadamente formadas nele e
independentemente educadas; em outros termos, ela é o que
num ser é chamado o “Eu”.
Na presença geral do homem, existe, para a espiritnali-
zação e a manifestação de cada uma das três partes, separada­
mente formadas, de seu todo integral, o que se chama uma “lo­
calização centro-de-gravidade” independente, quer dizer, um
cérebro; e cada uma destas localizações, com seu sistema intei­
ro, possui, para o conjunto de suas manifestações, particulari­
dades e predisposições próprias somente a ela. Em consequên­
cia, para que o aperfeiçoamento integral do homem seja possível,

1123
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

é absolutamente indispensável aplicar a estas três partes a justa


educação que convém a cada uma delas, e não o tratamento
que lhes é infligido em nossos dias com esse mesmo nome de
educaçao .
Só então o “Eu” que deve existir no homem será seu pró­
prio “Eu”.
Segundo as pesquisas experimentais já assinaladas e pros­
seguidas durante longos anos em bases serias, assim como,
aliás, segundo uma reflexão sadia e imparcial, acessível até mes­
mo a um homem contemporâneo, a presença geral de cada um
— e sobretudo a daquele que, nao se sabe bem por que, ex­
pressa a pretensão de não ser um homem comum, mas um “in­
telectual” no verdadeiro sentido da palavra — deveria se com­
por dessas quatro personalidades distintas, plenamente carac­
terizadas, e cada uma delas deveria ser desenvolvida de manei­
ra apropriada, a fim de que, durante a existência responsável,
as manifestações de todas essas personalidades distintas se har­
monizem entre si.

Para pôr em plena evidência a diversidade de origem e


de natureza das personalidades que podem se manifestar na
organização geral do homem e marcar bem a diferença entre o
“Eu” que deve existir na presença geral de um homem-sem-
aspas, quer dizer, de um verdadeiro homem, e o “pseudo-eu”
que as pessoas confundem hoje em dia com ele, se poderia re­
correr a uma excelente analogia. Ela tem sido usada, como se
diz, “com todos os molhos”, à força de ser empregada por aque­
les que se chamam espíritas, ocultistas, “teósofos” e outros es­
pecialistas contemporâneos da “pesca em águas turvas”, em
seus falatórios sobre o “corpo astral”, o “corpo mental” e ou­
tros corpos que eles supõem existir no homem; no entanto, ela
conserva seu valor para esclarecer a questão que nós examina­
mos neste momento.
O homem, considerado como um todo, com suas locali­

1124
CONCLUSÕES DO AUTOR

zações distintas funcionando separadamente, ou melhor, com


todas as suas “personalidades” formadas e educadas indepen­
dentemente umas das outras, oferece uma analogia quase per­
feita com uma equipagem destinada ao transporte de um pas­
sageiro e composta de uma carruagem, de um cavalo e de um
cocheiro.
E preciso notar, antes de tudo, que a diferença entre um
verdadeiro homem e um pseudo-homem, quer dizer, entre o
homem que tem seu próprio “Eu” e aquele que não o tem, é
posta em evidência, nesta comparação, pelo passageiro senta­
do na carruagem. No primeiro caso, o do verdadeiro homem,
o passageiro é o amo; enquanto, no segundo, ele não é senão o
primeiro passante que aparece e que, como o cliente de um
“fiacre-táxi”, muda a todo instante.
O corpo tísico do homem, com todas as suas manifesta­
ções reflexomotrizes, corresponde simplesmente à própria car­
ruagem; o conjunto do funcionamento e das manifestações do
sentimento corresponde ao cavalo atrelado à carruagem, e que
a puxa; quanto ao cocheiro em seu assento, conduzindo o ca­
valo, ele representa o que se chama habitualmente o conscien­
te ou o pensar; enfim, o passageiro sentado na carruagem, e
que comanda o cocheiro, é o que se chama o “Eu”.
Toda a desgraça dos homens contemporâneos provém
essencialmente de que, em razão dos métodos de educação
anormais infligidos por toda parte à jovem geração, a quarta
personalidade, que deveria estar presente em todo homem que
alcançou a idade responsável, neles está inteiramente ausente;
e quase todos eles comportam somente as três primeiras partes
enumeradas, que, aliás, se formaram sozinhas e de qualquer
maneira. Em outros termos, os homens contemporâneos de ida­
de responsável não representam nada mais do que um “fiacre-
táxi”, e em que estado!... uma carruagem deteriorada, cujos
belos dias já estão longe... um velho pangaré... e, na boléia, um
cocheiro em farrapos, meio dormido, meio bêbado, que passa

1125
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

o tempo destinado pela Mãe Natureza ao aperfeiçoamento de


si a esperar ñas esquinas das ruas, perdido em sonhos fantásti­
cos, algum passageiro de ocasião. O primeiro que passa o cha­
ma de longe, o aluga por hora, dispõe dele como quer, e não
somente dele, mas de todas as partes da equipagem que estão
subordinadas a ele.
Se prosseguirmos nesta comparação entre um homem
contemporâneo típico, com seus pensamentos, seus sentimen­
tos, seu corpo, e um fiacre-táxi com cavalo e cocheiro, nos apa­
recerá claramente que, em cada uma das partes constituintes
desses dois conjuntos, devem se formar hábitos, necessidades
e gostos claramente definidos que só pertencem a essa parte.
Com efeito, em conformidade com a sua diversidade de ori­
gem, com as condições de sua formação e com suas possibili­
dades particulares, devem se constituir em cada uma delas seu
próprio psiquismo, suas próprias noções, suas próprias regras
subjetivas, seus próprios pontos de vista, e assim por diante...
O conjunto das manifestações do pensar humano, com
todas as inerências próprias a seu funcionamento c todas as
suas particularidades específicas, corresponde, sob quase to­
dos os aspectos, à essência e às manifestações de um típico co­
cheiro de fiacre.
Como todos os cocheiros de fiacre em geral, ele é do gê­
nero “Jeca”. Não é completamente iletrado, visto que a le­
gislação de seu país decretou a “instrução pública obrigatória”
e, em sua infância, de vez em quando, ele teve de esfregar os
fundilhos de suas calças nos bancos da “escola dos irmãos da
paróquia”.
Embora ele mesmo tenha vindo do campo e permaneci­
do tão ignorante quanto seus companheiros que ficaram na al­
deia, no entanto, chamado por sua profissão a se meter com
pessoas de nível e educação diferentes, ele juntou daqui e dali
toda uma seleção de expressões que abrangem noções varia­
das; e, agora, olha do alto, com um perfeito desprezo, tudo o

1126
CONCLUSÕES DO AUTOR

que vem da aldeia, rejeitando-o com indignação como “obscu­


rantismo”.
Em suma, é um tipo ao qual se aplica perfeitamente este
adagio: “Gralha, gralha, tu perdes teu tempo, jamais serás um
pavão”.
Ele se toma por competente, até em matéria de religião,
de política e de sociologia. Com seus iguais, adora discutir;
com os que considera como seus inferiores, ele ensina; com
seus superiores, mostra-se bajulador, servil: “fica de quatro
diante deles”.
Uma de suas maiores fraquezas é correr atrás das arru-
madeiras e das cozinheiras do bairro, mas o que ama acima de
tudo é, após uma boa comilança, degustar um ou dois copi­
nhos; depois do que, plenamente saciado, meio adormecido,
ele sonha...
Para satisfazer suas fraquezas, ele rouba regularmente
parte do dinheiro que seu amo lhe confiou para a forragem do
cavalo.
Como todo “mercenário”, nosso Jeca só anda a paula­
das, e se lhe acontece lazer alguma coisa sem ser acossado, é
sempre na espera de uma gorjeta.
Esta atração pela gorjeta pouco a pouco o levou a adi­
vinhar certas debilidades das pessoas com quem ele trata, para
tirar proveito delas, e automaticamente aprendeu a usar de as­
túcia, a bajular, a “passar pomada”, em suma, a mentir.
Assim que uma ocasião se apresenta e que tem um mo­
mento livre, ele se enfia em um café ou um bar onde fica horas
a devanear diante de um copo de vinho, a conversar com um
tipo de sua espécie, ou ainda a 1er o jornal.
Ele trata de ter um ar imponente, usa barba e, se é ma­
gro, recheia suas roupas para parecer mais importante.
Quanto ao centro do sentimento, o conjunto de suas
manifestações e o sistema inteiro de seu funcionamento cor­
respondem o melhor possível ao cavalo do “fiacre-táxi”.

1127
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Esta comparação do cavalo e da organização do senti­


mento humano nos permitirá, aliás, pôr em evidência o caráter
errôneo e unilateral da educação infligida hoje á jovem geração.
O cavalo, em consequência da negligência de que deram
prova os que o cercaram desde sua mais tenra idade, e pelo
lato de sua constante solidão, se fechou, de certo modo, em si
mesmo; em outros termos, sua “vida interior” se viu reprimi­
da, e ele não dispõe mais, para suas manifestações exteriores,
senão da única força de inércia.
Em razão das anormais condições circundantes, ele nun­
ca recebeu uma educação especial; ele cresceu e se formou
unicamente sob a influência de surras brutais e de perpétuas
vociterações.
Foi sempre mantido preso; e quanto a seu alimento, à
guisa de feno e de aveia, nunca recebeu mais do que palha, o
que não corresponde em nada a suas necessidades reais.
Não tendo percebido jamais, em nenhuma manifestação
dos que o rodeavam, o menor sinal de ternura ou de amizade,
o cavalo está pronto agora a dar-se, com todo seu ser, a qual­
quer uní que lhe fizer a menor carícia.
Tanto e de tal modo que as tendências do cavalo, privado
de toda aspiração e de todo interesse, devem, inevitavelmente,
se concentrar no comer, no beber e numa atração automática
pelo outro sexo; de modo que ele ronda sempre lá onde pode
satisfazê-las e se, por acaso, percebe algum lugar onde uma
dessas necessidades foi saciada, mesmo que por uma vez, ele
espreita o instante propício para escapar para lá.
E preciso ainda acrescentar que, mesmo tendo uma com­
preensão muito débil de seus deveres, o cocheiro é ainda capaz
de pensar, pelo menos um-pouco logicamente, e, levando em
conta o amanhã, de procurar, por temor de perder seu empre­
go, ou na esperança de receber uma recompensa, fazer alguma
coisa por seu amo sem ser literalmente forçado a isto. Mas o
cavalo, na ausência de toda educação especial, adaptada a sua

1128
CONCLUSÕES DO AUTOR

natureza, não recebeu no tempo requerido nenhum dado que


lhe permita manifestar as aspirações que exige uma existência
responsável; ele não pode, portanto, compreender, nem se pode
mesmo esperar dele que compreenda, por que ele deveria fa­
zer algo. Por isso ele considera suas obrigações com uma total
indiferença e só trabalha por medo de uma surra suplementar.
Quanto à carruagem que, na nossa analogia, correspon­
de ao corpo considerado isoladamente das demais partes inde­
pendentes da presença geral do homem, sua situação é ainda pior.
Esta carruagem, como todas as carruagens, é feita de ma­
teriais diversos. Sua construção é das mais complicadas. Ela
havia sido destinada — isto parecerá evidente a todo homem
de julgamento sadio — ao transporte de todos os fardos, e não
ao uso que se faz dela hoje, quer dizer, somente para transporte
de clientes de passagem.
A principal causa dos inumeráveis mal-entendidos de que
é vítima se deve ao fato de que ela havia sido prevista para
circular por caminhos vicinais, e que os mestres carruageiros
haviam ajustado, em consequência, certos detalhes interiores
de sua construção.
Por exemplo, o princípio da lubrificação — que é uma
das principais necessidades de um veículo feito de materiais
múltiplos — tinha sido concebido de tal maneira que a graxa
pudesse se espalhar por todas as peças metálicas, sob a ação
unicamente das sacudidelas devidas aos solavancos, inevitáveis
em tais caminhos. Ora, esta carruagem, destinada a pequenos
caminhos vicinais, estaciona agora o mais frequentemente na
cidade e, quando ela roda, é em avenidas asfaltadas, lisas como
mesas de bilhar.
Na falta de sacudidelas, a lubrificação de todas as peças
não se faz mais uniformemente; de modo que algumas delas
acabam por enferrujar e cessam de cumprir o papel que lhes
fora designado.
Em regra geral, uma carruagem roda bem quando suas

1129
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

partes moveis estão bem lubrificadas. Quando elas não mais


estão suficientemente lubrificadas, esquentam, e, levadas à in-
candescência, danificam as peças vizinhas. Além disso, se em
alguma parte há excesso de graxa, a boa marcha da carruagem
fica comprometida. Num e noutro caso, torna-se cada vez mais
difícil para o cavalo puxá-la.
O cocheiro contemporâneo, nosso “Jeca”, ignora tudo
isto. Não tem a menor idéia desta necessidade de uma lubrifi­
cação uniforme de sua carruagem, e, mesmo se a lubrifica, ele
o faz sem conhecimento verdadeiro, por ouvir dizer, seguindo
cegamente as sugestões do primeiro que passa.
De modo que quando esta carruagem, agora mais ou me­
nos adaptada a estradas lisas, deve, por uma razão qualquer,
arriscar-se a passar por um atalho, sempre lhe acontece alguma
coisa: ora é uma porca que solta; ora é um parafuso torto — há
sempre uma peça que se desarranja: e, depois de tais tentati­
vas, a viagem raramente termina sem reparações mais ou me­
nos consideráveis.
Em todo caso, tornou-se hoje em dia cada vez mais peri­
goso servir se dessa carruagem para os fins a que estava destinada.
Se a gente se mete a repará-la, é preciso em primeiro lu­
gar desmontar tudo, examinar as peças uma por uma, e, como
sempre em semelhante caso, passá-las no querosene a fim de
limpá-las bem, antes de montar tudo de novo. Com frequên­
cia, aliás, revela-se urgente trocar uma peça importante; tudo
isto não é grave, quando só se trata de uma peça barata, mas
acontece por vezes que a reparação custa mais caro que a com­
pra de uma carruagem nova.
Ora, é claro que tudo que acaba de ser dito a respeito das
partes distintas, cujo conjunto constitui um “fiacre-táxi”, apli­
ca-se exatamente à organização geral da presença do homem.
Em razão da ausência, em nossos contemporâneos, de
todo conhecimento e de toda capacidade para preparar conve­
nientemente os adolescentes para uma existência responsável,

1130
CONCLUSÕES DO AUTOR

educando as diferentes partes que compõem sua presença ge­


ral, cada homem aparece hoje em dia como alguma coisa de
verdadeiramente absurda e cômica no mais alto grau, ofere­
cendo, para retomar nosso exemplo, uma cena deste tipo:
Uma carruagem do último modelo, mal saída da fábrica,
envernizada por autênticos mestres carruageiros alemães da ci­
dade de Barmen e, entre os varais, esse tipo de cavalo que se
chama na região da Transcaucasia “dglozi-dzi”. (“Dzi” quer
dizer: cavalo; Dgloz era o nome de um certo armênio, especia­
lista na arte de comprar e esfolar pangarés.)
Na boleia desta carruagem de grande estilo se mantém
um cocheiro sonolento, mal barbeado, hirsuto, vestido com uma
sobrecasaca engordurada que recolheu na lata de lixo onde a
jogara, como um trapo, Benedita, a cozinheira. Em sua cabeça
reluz uma flamejante cartola nova, réplica exata da de Rockfel-
ler, enquanto na sua lapela se abre um enorme crisântemo.
E o homem contemporâneo deve inevitavelmente apre­
sentar este aspecto bufão, pois, desde o primeiro dia de seu
aparecimento, estas três partes formadas nele — e que, apesar
de serem de origem diferente e de possuir cada uma delas
propriedades de qualidade distinta, deveriam, entretanto, para
servir a uma meta única, desde a entrada do homem na exis­
tência responsável, constituir por seu conjunto mesmo seu “todo
integral” — começam a “viver” isoladamente, por assim dizer,
e a se fixar cada uma em manifestações específicas, sem jamais
se habituar a se prestar mutuamente a sustentação automática
indispensável, nem tampouco a se compreender umas às ou­
tras, até mesmo de maneira aproximada; de modo que, mais
tarde, quando são requeridas manifestações combinadas, estas
não podem se produzir.
Certamente, graças ao “sistema de educação da nova ge­
ração”, já solidamente estabelecido na vida do homem — e
cujo único princípio consiste em repetir aos alunos, até o com­
pleto embrutecimento, uma multidão de palavras e de expressões

1131
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

vazias de sentido, e em fazê-los reconhecer, só pela diferença


de sonoridade, a realidade que estas palavras supostamente sig­
nificam —, o cocheiro é ainda capaz de explicar mais ou me­
nos, aos que são do mesmo tipo que ele, os desejos que ele
experimenta e, por vezes, de compreender, por pouco que seja,
seus semelhantes.
Por suas tagarelices com os outros cocheiros, à espera de
cliente, e por seus repetidos “flertes”, na soleira das portas,
com as empregadas da vizinhança, nosso Jeca até assimilou di­
versas formas do “saber-viver”.
Ele se adaptou igualmente às condições exteriores da vida
dos cocheiros em geral; por exemplo, automatizou-se em dis­
tinguir uma rua de outra e a encontrar, diante de uma rua in­
terrompida por causa de obras, algum outro caminho para che­
gar ao endereço desejado.
Mas o cavalo!... Se é verdade que esta funesta invenção
contemporânea que se chama “educação” não se estende até
ele — o que preserva da atrofia suas faculdades hereditarias —,
sua formação, no entanto, se efetua nas condições anormais do
processo de existência ordinária; deste modo ele cresce esque­
cido de todos, como um órfão, e, ainda por cima, maltratado,
sem nada adquirir que corresponda ao psiquismo bem deter­
minado de seu cocheiro, nem a seu saber, de modo que ele
permanece totalmente ignorante das formas de relações recí­
procas que se tornaram habituais a este último, e entre eles não
se estabelece, em definitivo, nenhum contato que lhes per­
mita se compreenderem.
Pode acontecer, contudo, que em sua vida reclusa o ca­
valo venha a descobrir alguma forma de relação com seu co­
cheiro e até a se familiarizar com alguma “linguagem”; mas,
por desgraça, o cocheiro o ignora e nem sequer suspeita que
isto seja possível.
Além do fato de que, nestas condições anormais, nenhum
dado se constitui entre o cavalo e o cocheiro para lhes permitir,

1132
CONCLUSÕES DO AUTOR

por pouco que seja, se compreenderem automaticamente, há


ainda muitas outras razões exteriores, independentes deles, que
lhes tiram toda possibilidade de alcançarem juntos a meta úni­
ca à qual eles foram destinados.
Com efeito, assim como as diferentes partes independen­
tes de um “fiacre-táxi” estão ligadas entre si, a carruagem ao
cavalo pelos varais, e o cavalo ao cocheiro pelas rédeas, da
mesma forma todas as partes distintas da organização geral do
homem estão ligadas entre si, o corpo com a organização do
sentimento pelo sangue, e a organização do sentimento com a
do pensar pelo que é chamado “ghanbledzoine”, quer dizer,
por esta substância que se constitui na presença geral do ho­
mem a partir de todos os esforços esserais intencionalmente
cumpridos.
O deplorável sistema de educação atual conduziu .a este
resultado, qual seja, que o cocheiro deixou de ter sobre seu
cavalo a menor influência; quando muito, ele pode suscitar no
consciente do animal, por meio das rédeas, estas três idéias:
direita, esquerda e pare.
E ainda nem sempre é assim, pois as rédeas são feitas, em
geral, de materiais que reagem a todos os fenômenos atmosfé­
ricos: por exemplo, sob uma chuva torrencial, elas incham e se
alongam; quando faz calor, é o contrário; de modo que sua ação
sobre a sensibilidade automatizada de percepção do cavalo é
variável.
A mesma coisa se produz na organização geral do ho­
mem ordinario todas as vezes que nele se modifica, sob o efeito
de uma impressão qualquer, o que se poderia chamar “a densi­
dade e o ritmo do ghanbledzoine”: seu pensar perde então toda
possibilidade de ação sobre a organização do sentimento.
Assim então, para resumir tudo o que acaba de ser dito,
queiramos ou não, temos de reconhecer que todo homem deve
se esforçar para ter seu próprio “Eu”; de outro modo, ele não

1133
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

será jamais senão um “fiacre-táxi”, em que poderá sentar se


qualquer passageiro, que disporá dele a seu bel-prazer.
Aliás, não será supérfluo indicar aqui que o “Instituto
para o desenvolvimento harmônico do homem” deu-se como
meta, entre outras tarefas fundamentais, de um lado, educar
em seus alunos, primeiro separadamente, depois em suas rela­
ções recíprocas, segundo as necessidades de sua vida subjetiva
futura, cada uma das três personalidades independentes de
que falamos; por outro, de engendrar e de desenvolver neles o
que cada portador do nome de homem-sem-aspas deveria ter:
seu próprio “Eu”.

Para uma definição mais exata, e se poderia dizer cientí­


fica, da diferença que existe entre um verdadeiro homem, quer
dizer, um homem igual ao que ele deveria ser, e um “homem-
entre-aspas”, tal como se tornou a maior parte de nossos
contemporâneos, convem citar aqui o que disso dizia um dia
Gurdjieff em uma de suas conferências.
Ele se expressou assim:
“Para definir o homem, considerado de nosso ponto de
vista, as ciências modernas — anatômica, fisiológica ou psico­
lógica — não poderiam nos ajudar, pois cada uma das caracte­
rísticas que elas descrevem se encontra, num grau ou noutro,
em todo homem sem exceção; por conseguinte, elas não nos
permitiríam assinalar a diferença exata que queremos estabe­
lecer entre os homens.
“A medida desta diferença só pode ser dada pela fórmu­
la seguinte:
“O homem é um ser que pode “fazer”, e “fazer” signifi­
ca: agir conscientemente e a partir de sua própria iniciativa.
“E verdadeiramente, todo homem de juízo mais ou me­
nos sadio e capaz de ser, por pouco que seja, imparcial deve
admitir que até aqui não houve e nem poderia haver definição
mais completa e mais exaustiva.

1134
CONCLUSÕES DO AUTOR

“Se se aceita, mesmo que seja provisoriamente, esta defi­


nição, uma pergunta surge de imediato: um homem que é o
produto da educação e da civilização contemporâneas pode
fazer o que quer que seja conscientemente e por sua própria
vontade?
“Não, respondemos na hora.
“E por que não?
“Por esta única razão de que, como o “Instituto para o
desenvolvimento harmônico do homem” já o demonstra e o afir­
ma categoricamente, apoiando-se em provas experimentais,
tudo sem exceção, do começo até o fim, se faz por si mesmo no
homem contemporâneo. Não há nada que um homem contem­
porâneo faça ele mesmo.
“Em sua vida pessoal, familiar e social, em política, em
ciências, em arte, em filosofia, em religião, em suma, em tudo o
que constitui o processo devida ordinária do homem contemporâ­
neo, tudo, do começo ao fim, se faz por si mesmo, e não há
uma só dessas “vítimas da civilização contemporânea” que possa
“fazer” o que quer que seja.
“E esta afirmação categórica, experimentalmente prova­
da pelo “Instituto para o desenvolvimento harmônico do ho­
mem”, a saber, que o homem ordinário não pode fazer nada,
mas que tudo se faz por si mesmo nele, coincide com o que diz
do homem a “ciência positiva exata” contemporânea.
“A “ciência positiva exata contemporânea” diz que o
homem é um organismo muito complicado que se desenvolveu
por evolução a partir dos organismos mais simples e que se
tornou capaz agora de reagir de uma maneira muito complexa
as impressões exteriores.
“Esta capacidade de reação do homem é a tal ponto com­
plexa, e os movimentos reflexos podem estar a tal ponto afas­
tados das causas que os provocaram e os condicionam, que,
para um observador ingênuo, as ações do homem, ou pelo
menos uma parte delas, parecem completamente espontâneas.”

1135
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Mas, segundo as idéias de Gurdjieff, o homcm ordinario


é realmente incapaz do menor gesto, da menor palavra, inde­
pendentes e espontáneos. Ele é, todo inteiro, apenas o resul­
tado de influências exteriores. O homem é urna máquina
transformadora, urna especie de estação transmissora de forças.
Assim, do ponto de vista do conjunto das idéias de
Gurdjieff e em perfeito acordo com a “ciência positiva exata”
contemporânea, o homem só difere dos animais por uma maior
complexidade em suas reações às impressões exteriores e pela
estrutura de seu sistema de percepção.
Quanto ao que se atribui ao homem e que se chama “von­
tade”, Gurdjieff nega completamente a possibilidade de sua
existência na presença geral do homem ordinário.
A vontade é uma certa combinação obtida a partir dos
resultados de propriedades bem definidas especialmente ela­
boradas em si mesmos pelos homens que podem “fazer”.
Na presença dos homens ordinários, o que eles chamam
sua “vontade” nada mais é do que a resultante dos desejos.
A verdadeira vontade é sinal de um grau muito alto de
ser, em comparação com o ser dos homens ordinários. E unica­
mente os que possuem um tal ser podem “fazer”.
Todos os demais não são senão autômatos, máquinas ou
brinquedos mecânicos postos em movimento por torças exterio­
res, que só atuam na medida em que age, ao sabor das condi­
ções exteriores, o “mecanismo de corda” colocado neles; ora a
mola deste mecanismo eles não podem nem alongá-la, nem
encurtá-la, nem modificá-la por sua própria iniciativa.
Assim, mesmo reconhecendo para o homem as maiores
possibilidades, lhe recusamos todo valor como unidade indepen­
dente, por todo o tempo em que ele permanecer o que é hoje.

A fim de sublinhar essa total ausência de vontade no


homem ordinário, acrescentaremos aqui uma passagem em­
prestada de uma outra conferência de Gurdjieff em que as

1136
CONCLUSÕES DO AUTOR

manifestações dessa famosa vontade atribuída ao homem são


pitorescamente descritas.
Dirigindo-se a uma das pessoas presentes, ele dissera:
“Você goza de uma considerável fortuna e de suntuosas
condições de existência. Beneficia-se do respeito e da estima
universais. A frente das importantes empresas que você con­
trola, encontram-se homens capazes, que lhe são inteiramente
devotados. Em uma palavra, sua vida é um verdadeiro mar
de rosas.
“Você dispõe do seu tempo como bem lhe apraz, patro­
cina as artes, você decide um negócio de alcance mundial to­
mando seu café, e até se interessa pelo desenvolvimento das
forças espirituais secretas do homem. Você não é alheio às coi­
sas do espírito e se sente à vontade diante de qualquer questão
filosófica. Você é instruído e erudito. Graças a seus extensos
conhecimentos nos mais variados domínios, você tem a repu­
tação de um homem inteligente, hábil para resolver qualquer
problema. Você é o modelo do homem culto.
“Todos os que o conhecem olham-no como um homem
de uma grande vontade, e a maioria até mesmo considera seus
sucessos como os resultados da manifestação dessa vontade.
“Em suma, sob todos os aspectos, você é digno de ser
tomado como exemplo e só resta invejá-lo.
“Esta manhã você acordou um pouco deprimido por cau­
sa de um sonho ruim.
“Este ligeiro mal-estar deveria se dissipar rapidamente,
porém ele deixou seu vestígio.
“Uma certa languidez, uma hesitação em seus movi­
mentos...
“Você se dirige ao espelho para se pentear e a escova lhe
escapa; você acaba de apanhá-la, ela lhe escapa de novo. Você
a apanha então com uma leve impaciência; ela escorrega das
suas mãos pela terceira vez. Você tenta agarrá-la no ar, mas...
um gesto desajeitado de sua mão atira-a contra o espelho. Você

1137
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

se precipita... tarde demais... Craque! Eis um buquê de estre­


las nesse espelho antigo de que você tanto se orgulhava.
“Ah, que o diabo o carregue! ” E você imediatamente ex­
perimenta a necessidade de descarregar sua cólera em alguma
coisa ou em alguém. Não encontrando seu jornal ao lado de
sua xícara de café, porque o empregado o esqueceu, a taça de
sua impaciência transborda e você decide que semelhante va­
gabundo não poderá permanecer mais tempo em sua casa.
“Chegou a hora de sair. Como faz um tempo maravilho­
so e você não vai longe, diz ao motorista que irá a pé. Atrás de
você, roda silenciosamente o esplêndido carro que você aca­
ba de comprar.
“O belo sol produz em você um efeito apaziguador.
Uma aglomeração que se formou na esquina da rua chama
sua atenção.
“Você se aproxima e, no meio da multidão, vê um ho­
mem desmaiado, caído na calçada. Um guarda, ajudado por
alguns “curiosos”, põe o homem num táxi para levá-lo ao
hospital.
“Preste então atenção à semelhança que existe entre o
rosto do motorista de táxi e o daquele bêbado que você atrope­
lou no ano passado quando voltava, ligeiramente ébrio você
também, de festejar um alegre aniversário; e note como se li­
gam em suas associações este acidente da esquina da rua e a
torta que você comeu naquele dia.
“Ah! a maravilhosa torta!
“Ao esquecer seu jornal, o empregado estragou, esta
manhã, seu desjejum. Não poderia esta infelicidade ser reparada?
“Aqui está justamente um elegante café aonde às vezes
você vai com os amigos.
“Mas por que, de repente, lembrar-se do empregado?
Seus aborrecimentos desta manhã já estavam quase esqueci­
dos!... E agora, será a torta verdadeiramente tão boa com o
café?

1138
CONCLUSÕES DO AUTOR

“Veja! Eis aí duas jovens mulheres na mesa ao lado. Que


loira deslumbrante!
“Ela lhe lança um olhar, enquanto você a ouve dizer a
sua companheira: “Ele é exatamente do meu tipo!”
“Ao surpreender estas palavras, pronunciadas talvez em
sua intenção com uma voz um pouco alta, você ousaria preten­
der que não experimentou um “estremecimento íntimo”?
“E se eu lhe perguntasse agora: valia verdadeiramente a
pena se meter em um tal estado esta manhã por coisas tão in­
significantes? Você me respondería, é claro, pela negativa e ju­
raria que, no futuro, isso não lhe aconteceria mais.
“E preciso dizer como seu humor se transformou enquan­
to você travava conhecimento com essa loira pela qual experi­
mentou interesse e que também o experimentava por você, e o
que foi seu estado durante todo o tempo que passou com ela?
“Você voltou para casa com uma cantiga nos lábios e até
mesmo o espetáculo de seu espelho quebrado só lhe arrancou
um sorriso.
“Mas, a propósito... e aquele importante negocio pelo
qual você saiu esta manhã?... Só agora você acaba de se lem­
brar dele? Não importa!... Ora! sempre se pode telefonar.
“Você vai ao telefone e a telefonista lhe dá um número
errado.
“Liga de novo e o engano se repete. Um homem então
lhe expressa que você o aborrece. Você diz que não é culpa sua
e, de palavra em palavra, fica sabendo, com surpresa, que você
é um grosseiro, um idiota e que se ligar mais uma vez, ele...
“Um tapete que ficou preso debaixo de seus pés provoca
uma tempestade de indignação e é preciso ouvir com que tom
você repreende o empregado que lhe traz uma carta.
“Esta carta é de uma pessoa que você estima, e cuja opi­
nião lhe importa muito.
“O conteúdo é tão lisonjeiro que, lendo-a, sua irritação

1139
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

se dissipa pouco a pouco, para dar lugar a esse “delicioso em­


baraço” do homem que ouve pronunciar seu próprio elogio.
“E c com o humor, o mais agradável, que você termina
sua leitura.
“Eu poderia continuar assim a fazer o quadro do seu dia,
ó você, homem livre!
“Talvez creia que exagero?
“Não, este é um instantâneo fotográfico, rigorosamente
exato. Ao natural.”

Falando da vontade do homem e dos diferentes aspectos


de suas manifestações, supostamente autônomas, que não são
senão motivo de sofisticação e de auto-adulação para aqueles,
dentre os espíritos contemporâneos, que se chamam “busca­
dores” — enquanto não passam, a nosso ver, de ingênuos—,
não fará mal lembrar aqui o que foi dito por Gurdjieff em uma
outra de suas conferências; o conjunto das idéias que ele expôs
nessa ocasião pode, com efeito, pôr muito bem em evidência o
caráter ilusorio desta vontade que é hoje em dia atribuída a
todo homem.
Ele se expressou assim:
“O homem aparece no mundo tal qual uma folha de pa­
pel virgem e todos imediatamente começam a sujar esta folha,
competindo para cobri-la com inscrições de todo tipo: educa­
ção, lições de moral, informações ditas científicas, noções di­
versas de dever, de honra, de consciência, e assim por diante.
“E todos proclamam o caráter imutável e infalível dos
métodos de que se servem para enxertar esses ramos na árvore
da personalidade do homem.
“A folha pouco a pouco se suja e quanto mais ela ficou
suja, quer dizer, quanto mais um homem está recheado de in­
formações efêmeras e de todas essas noções de dever, de honra
e outras, que lhe foram inculcadas ou sugeridas, mais ele passa
por “inteligente” e merecedor aos olhos dos que o cercam.

1140
CONCLUSÕES DO AUTOR

“E a folha suja, vendo que as pessoas tomam sua sujeira


por um mérito, acaba por se considerar ela também da mesma
maneira.
“Eis o modelo do que designamos com o nome de “ho­
mem”, fazendo-o seguir bem frequentemente por palavras tais
como “talento” ou “gênio”.
“E nosso “talento”, se não encontra ao acordar suas chine­
las ao pé da cama, fica com um humor execrável por todo o dia.
“O homem ordinário não é livre, nem em sua vida, nem
em suas manifestações, nem em seus humores.
“Ele não pode ser o que gostaria de ser, nem mesmo o
que ele se crê.
“O homem — isto soa soberbamente! O nome de ho­
mem significa por si mesmo “coroa da criação”.
“Mas este título convém realmente aos homens contem­
porâneos?
“E, no entanto, é bem verdade que o homem deve ser a
coroa da criação, já que ele tem em si todas as possibilidades
de adquirir dados exatamente semelhantes aos do Realizador
de tudo o que existe no Universo.
“Para ter o direito de se dizer um homem, é preciso ser um.
“E, para ser um, é preciso antes de tudo, com uma perse­
verança infatigável e um impulso de desejo inextinguível de
todas as partes distintas e independentes que constituem nossa
presença geral — quer dizer, com um desejo que venha simulta­
neamente do pensar, do sentimento e do instinto orgânico —, tra­
balhar para adquirir um conhecimento completo de nós mes­
mos, sempre lutando sem descanso contra nossas próprias fra­
quezas subjetivas, depois, nos apoiando nos resultados assim
obtidos unicamente por nossa consciência e que põem em evi­
dência os defeitos comprovados de nossa própria subjetivida­
de, assim como os meios que permitirão combatê-los, che­
gar a desenraizá-los por uma atitude impiedosa em relação a
nós mesmos.

1141
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

“Para falar francamente, o homem contemporâneo, tal


como podemos conhecê-lo quando somos capazes de imparcia­
lidade, nâo é nem mais nem menos do que um simples meca­
nismo de relojoaria — de uma construção muito complexa, é
verdade.
“O homem deve então se esforçar por penetrar cada um
dos aspectos de sua mecanicidade a fim de compreendê-la a
fundo, caso contrario ele não chegará jamais a apreciar em toda
sua amplitude, com todas as consequências e os resultados que
ela implica, o significado que esta mecanicidade pode ter, tan­
to para seu próprio futuro quanto para a justificação do senti­
do e da meta de sua vinda ao mundo e de sua existência.
“Para aquele que deseja estudar a mecanicidade humana
em geral e elucidar bem sua natureza, o melhor objeto de estu­
do é, certamente, ele mesmo e sua própria mecanicidade; mas,
um estudo eficaz e uma compreensão sensata, com todo o ser e
não como “psicópata”, quer dizer, com uma única parte da
presença inteira, só podem ser o resultado de uma observação
de si corretamente conduzida.”
“A respeito desta possibilidade de conduzir corretamen­
te uma observação de si, sem risco de incorrer em nenhuma
das consequências maléficas que resultam muito freqüentemen-
te de tentativas desta ordem, quando elas são iniciadas sem os
conhecimentos requeridos, parece-nos indispensável dizer, para
evitar todo excesso de entusiasmo, que segundo nossa ex­
periência, baseada em múltiplas informações exatas, a coisa não
é, de forma alguma, tão simples como pode parecer à primeira
vista. E é por isto que tomamos como base de uma observação
de si corretamente conduzida o estudo da mecanicidade do
homem contemporâneo.

Antes mesmo de empreender o estudo desta mecanicida­


de e de todos os princípios requeridos para uma observação
correta de si, o homem deve decidir, de uma vez por todas, que

1142
CONCLUSÕES DO AUTOR

ele será sincero consigo mesmo sem nenhuma reserva, que nào
fechará os olhos a nada, não se furtará a nenhum resultado,
aonde quer que ele o conduza, que nào terá jamais medo de
tirar conclusões e não fixará de antemão para si nenhum limi­
te; por outro lado, a fim de que a explicação desses princípios
possa ser convenientemente captada e assimilada por cada um
daqueles que seguirão este novo ensinamento, é indispensável
instituir uma forma de “linguagem” apropriada, pois a forma
atual não convém em nada a tais elucidações.
No que se refere à primeira condição, é preciso, desde o
início, advertir o homem, que não está habituado a pensar e a
agir segundo linhas conformes com estes princípios de obser­
vação de si, que lhe será necessária uma grande coragem para
aceitar sinceramente os resultados obtidos e não se deixar de­
sanimar, mas submeter-se a eles e perseverar com a crescente
obstinação que exige este estudo.
As conclusões que ele deverá tirar serão de natureza a
pôr “de cabeça para baixo” todas as suas convicções e crenças
já profundamente enraizadas, assim como a inteira ordem de
suas maneiras de ver ordinárias; e, em semelhante caso, um
homem pode muito bem se ver despojado, talvez para sempre,
de todas as suas ilusões agradáveis, de todos os “valores caros a
seu coração”, que lhe haviam assegurado até então uma vida
tranquila e acolchoada.
Por uma observação de si correta, um homem pode, des­
de os primeiros dias, compreender claramente e reconhecer,
sem dúvida possível, sua total impotência e sua completa falta
de recursos diante de tudo que o circunda.
Ele se convencerá assim com todo seu ser que cada coisa
o dirige, que cada coisa o governa. Ele mesmo não governa e
nem dirige nada em absoluto.
É atraído ou repelido, não somente por todas as coisas
animadas, que têm em si mesmas o poder de desencadear nele

1143
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

esta ou aquela série de associações, porém ainda por coisas in­


teiramente inertes ou inanimadas.
Se ele se liberta de toda imaginação de si e de toda ten­
dência a adormecer — impulsos que se tornaram inerentes ao
homem contemporâneo —, saberá que sua vida inteira não é
mais do que uma reação cega a essas atrações ou repulsões.
Ele verá claramente como se formaram suas pretensas
concepções do mundo, suas opiniões, seus gostos, seu caráter
etc., em suma, como se constituiu sua individualidade e sob
quais influências ela é suscetível de ser modificada.

Quanto à segunda condição, a instituição de uma lingua­


gem correta, ela é indispensável, porque a linguagem adotada
em nossos dias e que adquiriu, se assim podemos dizer, “direi­
to de cidadania”, esta linguagem em que falamos, escrevemos
livros e transmitimos nosso saber e nossas concepções, perdeu,
a nosso ver, todo valor para um intercâmbio de opiniões mais
ou menos exato.
As palavras com que é feita nossa linguagem contempo­
rânea só podem, como consequência do sentido arbitrário que
as pessoas lhes dão, veicular noções indefinidas e relativas; por
isso o homem ordinário as toma de maneira muito “elástica”.
A nosso ver, aliás, se esta anomalia se introduziu na vida
dos homens, foi uma vez mais por culpa do sistema anormal de
educação aplicado às jovens gerações.
E este sistema é em grande parte responsável por isso
porque, como já dissemos, à força de obrigar os jovens a repe­
tir como papagaios o maior número possível de palavras, sem
jamais ensiná-los a diferenciá-las de um modo que não seja por
sua sonoridade, como se o sentido que elas contêm não tivesse
nenhuma importância, este sistema de educação chegou pou­
co a pouco a fazer as pessoas perderem toda a faculdade de
refletir sobre o significado ou o alcance das palavras que elas
dizem ou que lhes são ditas.

1144
CONCLUSÕES DO AUTOR

Por esta faculdade se ter atrofiado nas pessoas, enquanto


subsistia para elas a necessidade de transmitir seus pensamen­
tos de maneira mais ou menos exata, elas se viram obrigadas,
apesar do número já ilimitado de palavras das línguas contem­
porâneas, quer a emprestar palavras de outras línguas, quer a
inventar novas sem cessar, e tudo isso para chegar ao resultado
seguinte: quando um homem contemporâneo quer expressar
uma idéia para a qual ele dispõe de um grande número de pa­
lavras aparentemente adequadas e, quando para esse fim, ele
escolhe uma palavra que suas considerações mentais lhe indi­
cam como a mais justa, ele experimenta, ao mesmo tempo, por
instinto, uma dúvida quanto à justeza de sua escolha, e volta a
dar então, inconscientemente, a essa palavra o sentido subjeti­
vo que ela sempre teve para ele.
Em consequência deste hábito já automatizado, e do de­
saparecimento gradual de toda capacidade de concentrar e de
manter em si uma atenção ativa, o homem ordinário, todas as
vezes que pronuncia ou ouve uma palavra, sublinha sem que­
rer tal ou tal aspecto da noção que esta palavra expressa, redu­
zindo assim, invariavelmente, sua significação total a um só tra­
ço. Em outros termos, em lugar de abranger todas as implica­
ções da idéia dada, esta palavra significa para ele somente o
primeiro sentido que lhe vem à mente, ao acaso do desenrolar
automático das associações. E, por conseguinte, cada vez que,
no curso da conversa, o homem ouve ou enuncia uma mesma
palavra, ele lhe dá um sentido diferente, por vezes em total
oposição com o sentido próprio da dada palavra.
Para todo homem relativamente consciente deste fato, e
por pouco que seja capaz de observação, a conversa de dois de
nossos contemporâneos torna-se, sobretudo quando novas pes­
soas vêm se juntar a eles, um verdadeiro “festival sonoro tragi­
cómico”.
Cada interlocutor introduz seu próprio sentido subjetivo
em todas as expressões que formam os centros de gravidade

1145
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

sucessivos dessa “sinfonia de palavras sem conteúdo” e, para o


ouvido de nosso observador imparcial e precavido, isto não
evoca nada mais do que aquilo que é chamado, nos antigos
contos sinokulupianianos das Mil e Uma Noites, um “fantásti­
co absurdo cacofónico”.
Conversando desta maneira, nossos contemporâneos ima­
ginam que eles se compreendem uns aos outros e estão até se­
guros de se transmitirem seus pensamentos.
Nós, que nos apoiamos em numerosos dados indiscutí­
veis confirmados por experiências psico-físico-químicas, afir­
mamos categoricamente que nossos contemporâneos, enquan­
to permanecerem o que eles são, quer dizer, “homens ordi­
narios”, não chegarão jamais, qualquer que possa ser o assun­
to de que falam e sobretudo se se trata de um assunto abstrato,
a entender pelas mesmas palavras as mesmas idéias, e que, por
conseguinte, eles nunca se compreenderão uns aos outros.
E por isso que, no homem contemporâneo ordinario, toda
experiência interior, até mesmo uma experiência dolorosa, que
poderia obrigá-lo a pensar e levá-lo a resultados lógicos susce­
tíveis de serem às vezes muito benéficos para as pessoas que o
cercam, permanece inexprimível e se transforma simplesmen­
te para ele no que se chama um “fator de escravização”.
Por esta razão, o isolamento da vida interior de cada um
cresce ainda mais e o que se chama a “instrução mútua”, tão
necessária para toda existência coletiva, desaparece cada vez mais.
Como consequência da perda de toda faculdade de refle­
xão, o homem ordinário contemporâneo, quando ouve ou quan­
do emprega na conversa uma palavra que só por sua sonorida­
de lhe parece familiar, jamais pára para pensar nessa palavra, e
nem mesmo se pergunta qual é seu significado exato, pois ele
já decidiu, de uma vez por todas, que a conhece e que os de­
mais também a conhecem.
Por certo, a pergunta pode se levantar nele se escuta pela
primeira vez uma palavra completamente nova, mas, em tal caso,

1146
CONCLUSÕES DO AUTOR

ele se contenta em substituí-la por uma outra, cuja sonoridade


lhe é familiar e imagina então que a compreendeu.

Para tornar mais claro o que acaba de ser dito, um exce­


lente exemplo nos será dado por uma palavra bem frequente­
mente empregada em nossos dias, a palavra “mundo”.
Se as pessoas pudessem captar tudo que se passa em seu
pensamento cada vez que elas ouvem ou que pronunciam a pala­
vra “mundo”, a maioria delas deveria admitir — com a condi­
ção naturalmente de querer efetivamente ser sinceras — que
ela não evoca para elas nenhuma noção precisa. Seu ouvido
capta um som ao qual está acostumado, e cujo sentido lhes é
por assim dizer conhecido, e é como se elas dissessem para si
mesmas: “Ah ! sim, o mundo, eu sei o que é” — depois do que,
com toda serenidade, seguem em frente.
Se, deliberadamente, alguém chamasse a atenção delas
sobre esta palavra e soubesse obrigá-las a dizer o que enten­
dem exatamente com ela, primeiro se mostrariam desconcerta­
das, mas retomando bem depressa seu sangue-frio, quer dizer,
mentindo logo a si mesmas, se lembrariam da primeira defini­
ção que aparecesse, que apresentariam como sendo sua, mes­
mo que, de fato, jamais tenham pensado nela antes.
E, se esse alguém tivesse sobre vários de seus contemporâ­
neos, até mesmo escolhidos entre os que receberam o que se
chama “uma boa instrução”, uma autoridade suficiente para
obrigá-los a dizer exatamente o que entendem pela palavra
“mundo”, os veria então “usar de rodeios” com tanto embara­
ço que se lembraria do óleo de rícino com ternura.
Por exemplo, aquele que folheou alguns livros de astro­
nomia dirá que o “mundo” é uma multidão de sóis rodeados
de planetas, situados a distâncias colossais uns dos outros e
formando em seu conjunto o que é chamada a “via láctea”,
para além da qual, a distâncias incomensuráveis e fora dos li­
mites dos espaços acessíveis a nossas investigações, é de se

1147
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

presumir que se encontram ainda outras constelações e outros


mundos.
Um outro, interessado pela física contemporânea, falará
do mundo como de uma evolução sistemática da matéria, co­
meçando com o átomo e elevándo se até as maiores aglomera­
ções, tais como os planetas e os sóis; talvez ele se refira à teoria
da similitude do mundo dos átomos e dos elétrons com o mun­
do dos sóis e dos planetas, e assim por diante no mesmo estilo.
Um outro ainda que, por alguma razão, fez da filosofia
sua mania e leu toda a embrulhada relativa a este assunto, dirá
que o mundo não é senão o produto de nossa representação e
de nossas imaginações subjetivas e que nossa Terra, por exem­
plo, com suas montanhas e seus mares, com seus reinos vegetal
e animal, é apenas um mundo de aparências, um mundo ilusório.
Um homem a par das últimas teorias do espaço polidi-
mensional dirá que o mundo é habitualmente considerado como
uma esfera infinita de três dimensões, mas que, em realidade,
um mundo tridimensional não pode existir como tal e que ele é
somente a seção imaginária de um outro mundo de quatro di­
mensões, de onde vem tudo o que se passa ao redor de nós e ao
qual tudo retorna.
Um homem cuja concepção do mundo se fundamenta
nos dogmas da religião declarará que o mundo é o conjunto
das coisas existentes, visíveis e invisíveis, que Deus criou e que
dependem de sua vontade. No mundo visível, nossa vida é bre­
ve, mas, no mundo invisível, onde o homem recebe a recom­
pensa ou o castigo de tudo o que fez durante sua estada neste
mundo visível, a vida é eterna.
Uma pessoa afeiçoada ao “espiritismo” dirá que, parale­
lamente ao mundo visível, existe um outro, um mundo do além,
e que comunicações já foram estabelecidas com os seres que
povoam esse além.
Um fanático da teosofía irá mais longe ainda e afirmará
que existem sete mundos que se interpenetram uns aos outros,

1148
CONCLUSÕES DO AUTOR

compostos de uma matéria cada vez mais rarefeita, e assim por


diante.
Em suma, nem um só de nossos contemporâneos seria
capaz de dar uma definição exata, aceitável por todos, do sen­
tido real da palavra “mundo”.

Toda a vida interior do homem ordinário nada mais é do


que um “contato automatizado” entre duas ou três séries de
associações feitas de impressões anteriormente percebidas e fi­
xadas em cada uma de suas três localizações de natureza diver­
sa, ou “cérebros”, sob a ação de um impulso qualquer que sur­
ge nele por acaso.
Quando estas associações reaparecem, quer dizer, quan­
do se produz uma repetição de impressões correspondentes,
constata-se que, sob a influência de algum choque acidental,
exterior ou interior, elas desencadeiam em uma outra localiza­
ção a repetição de impressões de mesma natureza.
Todas as particularidades da concepção que se faz do
mundo um homem ordinário e os traços característicos de sua
individualidade resultam e dependem, ao mesmo tempo, da
ordem na qual os impulsos aparecem nele no momento em que
ele percebe novas impressões e do automatismo pelo qual se
desencadeia o processo de repetição dessas impressões.
E isto explica, como o próprio homem ordinário pode
sempre observar, a incoerência das diversas associações, que
não têm entre si nada em comum, que se desenrolam simulta­
neamente nele em seu estado passivo.
Estas impressões são percebidas na presença geral do
homem graças às três espécies de aparelhos receptores das sete
“vibrações planetárias centros-de-gravidade”, que se encontram
nele como em todo animal.
A estrutura desses aparelhos de percepção é a mesma em
todas as partes do mecanismo.
Eles consistem em dispositivos que lembram os “rolos”

1149
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

ou discos de cera virgem para fonógrafos; sobre estes rolos to­


das as impressões recebidas se registram desde o nascimento, e
até mesmo antes, desde o período de formação no seio da mae.
Além disso, os diversos aparelhos que constituem esse
mecanismo geral possuem um certo dispositivo automático,
graças ao qual toda impressão nova fica registrada, de um lado,
paralelamente às impressões similares anteriores, e, de outro
lado, em uma ordem cronológica.
Assim, toda impressão vivida se inscreve em varios luga­
res e em varios rolos, onde ela se conservará em toda sua inte­
gridade.
Estas impressões gravadas tem a propriedade, cada vez
que elas entram em contato com vibrações de mesma natureza
e de mesma qualidade, de “se animarem” por elas mesmas; elas
são então o lugar de uma ação semelhante aquela que provo­
cou seu primeiro aparecimento.
E esta repetição de impressões anteriormente percebidas
que engendra o que se chama uma “associação”; e aqueles dos
elementos desta repetição que caem no campo da atenção do
homem condicionam o que se chama a “memória”.

A memória de um homem ordinário, comparada à de um


homem harmoniosamente desenvolvido, está pessimamente
adaptada à utilização de sua reserva de impressões no curso de
sua vida responsável.
Com a ajuda de sua memória, o homem ordinário só pode
reencontrar e utilizar uma parte íntima de sua reserva total de
impressões, ao passo que a memória de um homem verdadeiro
leva em conta todas as impressões sem exceção, a qualquer
momento que elas tenham sido percebidas.
Múltiplas experiências foram feitas, estabelecendo com
uma exatidão incontestável que todo homem que se encontra
em certos estados, correspondentes por exemplo a um certo
grau de hipnose, pode se lembrar das menores coisas que lhe

1150
CONCLUSÕES DO AUTOR

aconteceram; ele pode lembrar de todos os detalhes circun­


dantes, e dos rostos e das vozes de todas as pessoas que o cer­
caram, desde os primeiros dias de sua vida, quando ele ainda
era, no dizer das pessoas, um ser inconsciente.
Quando um homem está num desses estados, se pode
artificialmente pôr em funcionamento até mesmo os rolos ocul­
tos nos recantos mais obscuros de seu mecanismo. Mas aconte­
ce também que esses rolos se põem em marcha por si mesmos,
sob a influência de um choque, manifesto ou não, provocado
por uma emoção qualquer; e diante do homem aparecem en­
tão, de repente, cenas esquecidas há muito tempo, imagens,
rostos e assim por diante.”
Neste ponto, interrompí o leitor desta conferência e jul-
guei oportuno acrescentar o que segue:

SUPLEMENTO
Tal é o homem médio ordinário: um escravo inconscien­
te, inteiramente a serviço de desígnios de ordem universal, que
não têm nada a ver com sua individualidade.
Ele pode permanecer tal qual é durante toda sua vida,
depois, como tal, ser destruído para sempre.
Entretanto, a Grande Natureza lhe deu a possibilidade
de não ser um simples instrumento cego a serviço desses desíg­
nios objetivos dc ordem universal. Ele pode, mesmo servindo-a e
realizando o que lhe foi designado, já que este é o quinhão de
toda criatura, trabalhar ao mesmo tempo, “egoistamente”, para
sua própria individualidade.
Esta possibilidade lhe foi dada, ela também, para servir à
meta comum, pois o equilíbrio mesmo destas leis objetivas exi­
ge tais homens, relativamente libertados.
Entretanto, se bem que esta libertação seja possível, não
é dito que todo homem tenha a chance de chegar a ela.
Um grande número de razões podem se opor a isto, as quais,
na maioria dos casos, não dependem nem de nós pessoalmente,

1151
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

nem das grandes leis cósmicas, mas somente de diversas condi­


ções acidentais de nossa vinda ao mundo e de nossa formação,
quer dizer, da hereditariedade e das circunstâncias em que se
efetuou o processo de nossa “idade preparatória”. Estas con­
dições incontroláveis podem ser suficientes para tornar esta
libertação impossível.
Para nos libertarmos de nossa total escravização, a prin­
cipal dificuldade consiste no fato de que nos é necessário, com
uma decisão vinda de nossa própria iniciativa e uma perseve­
rança sustentada por nossos próprios esforços — quer dizer,
não pela vontade de um outro, mas por nossa própria vontade
—, extirpar de nossa presença as consequências já fixadas de
certas propriedades daquele famoso órgão kundabuffer, com
que foram afligidos nossos ancestrais, e até mesmo as predis­
posições a essas mesmas consequências, sempre suscetíveis de
surgir de novo.
Para permitir que vocês compreendam, pelo menos de
maneira aproximada, o que representam este estranho órgão e
suas propriedades, assim como as manifestações de suas con­
sequências em nós mesmos, é indispensável nos determos ain­
da algum tempo nesta questão e dar alguns detalhes suple­
mentares.
A Grande Natureza, em sua previdência, e por impor­
tantes razões — sobre as quais serão dados esclarecimentos
teóricos em conferências ulteriores —, foi obrigada a introdu­
zir na presença geral de nossos ancestrais distantes um órgão
cujas propriedades deviam protegê-los contra toda possibili­
dade de ver e de sentir a realidade.
Por certo, a Grande Natureza retirou depois esse órgão
da presença geral deles, mas em razão da lei cósmica chamada
“assimilação dos resultados de atos frequentemente repetidos”
— segundo a qual a frequente repetição de um mesmo ato faz
aparecer em toda concentração cósmica, sob certas condições,
uma tendência a reproduzir resultados semelhantes — a pre-

1152
CONCLUSÕES DO AUTOR

disposição que se havia formado em nossos ancestrais se trans­


mitiu por hereditariedade de geração a geração, de modo que,
a partir do momento em que seus descendentes estabeleceram
no processo de sua existência ordinária numerosas condições
que se mostraram propícias para sua manifestação, conforme
às leis, as consequências das diversas propriedades desse órgão
apareceram neles, e, passando por hereditariedade de geração
a geração, toram pouco a pouco assimiladas, para dar no tim
de contas quase as mesmas manifestações que em seus an­
cestrais distantes.

Para melhor compreender a maneira pela qual essas con­


sequências se manifestam em nós, consideremos um fato que
nossa razão poderá captar perfeitamente e que nada poderia
pôr em dúvida.
Todos os homens são mortais e cada um de nós pode
morrer a qualquer momento.
E agora, façamo-nos esta pergunta: pode um homem real­
mente se representar c, por assim dizer, “experimentar” em sua
consciência o processo de sua própria morte?
Não! Sua própria morte e o que ele experimentará no
curso desse processo, um homem não pode jamais representá-
lo para si, por mais forte que seja o seu desejo de fazê-lo.
Em nossos dias, um homem ordinário pode, a rigor, se
representar a morte de um outro homem, ainda que muito
incompletamente.
Ele pode se representar, por exemplo, que um certo sr.
Silveira, à saída do teatro, é atropelado por um automóvel e
esmagado.
Ou bem, que uma tabuleta arrancada pelo vento caia na
cabeça do sr. Souza que passava por ali, e o mata na hora.
Ou ainda, que o sr. Pereira, por ter comido caranguejos
estragados, envenenou-se e, como ninguém conseguiu salvá-
lo, morrerá no dia seguinte.

1153
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Cada um de nós pode sem esforço evocar coisas deste


género. Mas pode um homem ordinario admitir para si mesmo
a possibilidade que ele admite para os Srs. Pereira, Silveira e
Souza? Pode ele verdadeiramente experimentar o desesperan­
te que seria para ele a descoberta de urna tal eventualidade?
Pensem no que aconteceria ao homem que pudesse cla­
ramente se representar e experimentar a inevitabilidade de sua
própria morte!
Se refletirmos nisto seriamente e chegarmos a tomar real­
mente consciência de nossa própria morte, o que poderia ha­
ver de mais aterrador do que isto?
Na vida ordinária, tora este tato terrível que é a inevitabi­
lidade de nossa própria morte, há, em verdade, sobretudo em
nossos dias, muitas outras coisas cuja simples imagem e só a
idéia que poderiamos ter de vivê-las deveriam evocar em nós
um sentimento de angústia indizível e insuportável.
Pensem naqueles de nossos contemporâneos que perde­
ram para sempre a possibilidade de toda esperança objetiva
real para sua vida tutura — talo daqueles que, não tendo ja­
mais “semeado” o que quer que seja durante sua vida respon­
sável, não terão, por conseguinte, nada para “colher” no tutu-
ro — e suponham que eles um dia tomem consciência da inevi­
tabilidade de sua morte iminente. Só de pensar nesta provação,
eles se enforcariam.
A ação particular que exercem sobre o psiquismo dos
homens ordinários as consequências desse órgão consiste pre­
cisamente em impedir a maioria de nossos contemporâneos —
esses seres tri-cêntricos nos quais toram depositadas todas as
esperanças de Nosso Criador, como possíveis ajudantes para
Suas metas mais elevadas — de conhecer algum desses reais
terrores. De modo que eles podem prosseguir tranquilamente
sua existência, cumprindo em plena inconsciência os fins para
os quais toram criados ou, pelo menos, aqueles que correspon­
dem às metas mais imediatas da Natureza, já que em razão de

1154
CONCLUSÕES DO AUTOR

sua vida anormal e indigna eles perderam toda possibilidade


de servir a desígnios mais elevados.
Pelo fato destas mesmas consequências, não somente seu
psiquismo não conhece tais terrores, mas eles chegam até a
inventar, para se tranquilizar, todo tipo de explicações fantás­
ticas, plausíveis unicamente do ponto de vista de sua ingênua
lógica, tanto sobre o que eles percebem realmente como sobre
o que não podem de Íorma alguma perceber.

Suponham, por exemplo, que o problema de nossa inca­


pacidade de experimentar plenamente os diversos terrores au­
tênticos que podem nos atingir e, cm particular, o terror de
nossa própria morte, se torne a “questão ardente do momen­
to”, como acontece de vez em quando com certas questões na
vida atual. E provável que todos os nossos contemporâneos,
desde os simples mortais até aqueles que sao chamados “sábios”,
proporiam então uma resposta categórica, da qual não duvida­
riam um só instante, e se esforçariam, “com espuma na boca”,
como se diz, em demonstrar que, de fato, o que preserva os
homens do risco de experimentar tais terrores é a “vontade”
que eles possuem.
Mas, se se admite isto, por que então essa pretensa von­
tade não nos protege contra todos os pequenos temores que
nos assaltam a cada passo?
Com o propósito de “realizar” o que digo agora, quer
dizer, de compreendê-lo verdadeiramente com todo seu ser, e
não somente com esse “pensar transviado” que se tornou, para
desgraça de nossos descendentes, a propriedade dominante dos
homens contemporâneos, represente-se agora o que segue.
Hoje, depois desta conferência, você volta para sua casa,
você se despe e se deita. Porém, no instante mesmo em que
deita em sua cama, alguma coisa salta de debaixo do travessei­
ro, corre ao longo’de seu corpo e desaparece. Você se encolhe,

1155
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

afasta vivamente o cobertor e se senta na cama, banhado de


suor trio.
E, enquanto as batidas de seu coração abalam a tranqui­
lidade que reina em seu quarto, você avista, oculto entre as
dobras dos lençóis, um camundongo...
Conlesse-o francamente: um arrepio não percorre todo
seu corpo só de pensar em uma coisa semelhante?
Não é verdade?
E agora se esforce, por favor, para fazer uma exceção e se
represente unicamente com a ajuda de seu pensar ativo, sem a
menor participação da emotividade subjetiva fixada em você,
que semelhante desventura lhe aconteça. Você ficará então es­
tupefato de ver que reagiria desta maneira.
O que há então de tão aterrador nisso?
Ele não passa de um pequeno camundongo caseiro, a mais
inofensiva de todas as criaturas.
E agora, lhe pergunto, como tudo isto que acaba de ser
dito pode se explicar por essa vontade, cuja existência se pre­
sume em todo homem?
Como conciliar este fato de que um homem fica apavora­
do por um tímido pequeno camundongo, assim como pela amea­
ça de milhares de outros nadas, que poderiam mesmo jamais
acontecer, enquanto ele não experimenta nenhum terror dian­
te da inevitabilidade de sua morte?
Em todo caso, explicar uma contradição tão flagrante pela
ação da famosa “vontade” humana é impossível.
Se você considera esta contradição com sangue-frio, sem
preconceito de qualquer especie, quer dizer, sem nenhuma des­
sas idéias já prontas que nos foram inculcadas por pretensas
“autoridades” — cujos sofismas, aliás, só têm influência sobre
as pessoas em razão de sua ingenuidade e de seu “instinto de
rebanho”, sem falar dos resultados que uma educação anormal
faz surgir em seu pensar —, torna-se então plenamente eviden­
te para você que todos esses temores, graças aos quais o homem

1156
CONCLUSÕES DO AUTOR

escapa ao desejo de se enforcar, são permitidos pela própria


Natureza, na medida em que eles são indispensáveis ao proces­
so de existência ordinária.
Com efeito, sem eles, sem todas estas “mordidas de pul­
ga”, pois objetivamente eles não representam nada mais do que
isso, embora os experimentemos como “terrores sem prece­
dente”, não poderiamos mais experimentar nenhum sentimento
de alegria, de tristeza, de esperança, de decepção e outros, não
teríamos mais nem preocupações nem estímulos, nem aspira­
ções, nem, em geral, nenhum desses impulsos que nos obrigam
a agir, a tentar alcançar alguma coisa, a nos esforçar em direção
a uma meta.
E precisamente o conjunto do que se poderia chamar “es­
sas experiências pueris” sofridas automaticamente pelo homem
ordinário que, por um lado, constituem e sustentam sua vida e,
por outro, não lhe deixam nem o tempo nem a possibilidade
de ver e de sentir a realidade.

Se fosse dado ao homem ordinário contemporâneo ex­


perimentar, ou até mesmo lembrar-se mentalmente que, num
prazo previsto, por exemplo amanhã, em uma semana ou em
um mês, ou até dentro de um ano ou dois, ele deve morrer e
morrer deveras, o que subsistida então, nos perguntamos, de
tudo o que até esse dia preencheu e constituiu sua vida?
Tudo perdería de imediato para ele sua razão de ser e sua
significação. Para que esta condecoração que ele recebeu on­
tem por longos anos de serviço e que o cumulara de alegria,
para que o olhar tão promissor que finalmente lhe lançou esta
mulher que fora até então o objeto de seus desejos constantes e
não satisfeitos, para que o jornal no café da manhã, a saudação
respeitosa do vizinho na escada, e tudo de que ele gosta: o tea­
tro à noite, e as horas de repouso, e o doce sono... para que serve
tudo isso?
Não, por certo, estas coisas não terão mais a significação

1157
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

que ele lhes havia dado até então, se o homem souber que a
morte virá, nem que seja em cinco ou dez anos.
Em suma, olhar sua própria morte “de trente”, o homem
ordinário não o pode, nem o deve. O chão desaparecerla de
repente sob seus pés, e com toda sua acuidade surgiria a per­
gunta: “Para que serve esta vida, e por que sofrer?”
E é justamente para que uma tal pergunta não possa se
colocar que a Grande Natureza, convencida de que na maioria
dos homens não se constituía mais nenhum fator de manifesta­
ções meritorias que convêm aos seres tri-cêntricos, favoreceu,
em sua sabedoria e sua previdência, o aparecimento, na pre­
sença geral deles, das diversas consequências de propriedades
indignas deles, propriedades que, na ausência das realizações
requeridas, lhes permitem não perceber e não experimentar a
realidade.
E, se a Grande Natureza se viu obrigada a se adaptar a
essa anomalia, no sentido objetivo da palavra, foi porque em
razão das condições de vida ordinária estabelecidas pelos pró­
prios homens, a queda de qualidade das radiações requeridas
para metas cósmicas elevadas exigia imperiosamente, para a
manutenção do equilíbrio, uma compensação baseada no nú­
mero de nascimentos e na duração da existência.
Assim então, a vida não é dada aos homens para eles mes­
mos, mas para servir à metas cósmicas elevadas e é por isso que
a Grande Natureza vigia para que ela possa transcorrer de uma
forma mais ou menos tolerável, e não termine prematuramente.
Nós outros homens, não engordamos nossos carneiros e
nossos porcos, não cuidamos deles, não estamos atentos para
lhes tornar a vida tão confortável quanto possível?
Mas fazemos tudo isso porque apreciamos suas vidas por
suas vidas mesmas?
Não! fazemos tudo isso para, um dia, degolá-los e tirar
deles a boa carne de que precisamos, com o máximo de gordura.
Da mesma forma, a Natureza toma todas as medidas para

1158
CONCLUSÕES DO AUTOR

que vivamos sem ser tomados pelo horror, e para que não nos
enforquemos, mas vivamos muito tempo; depois, assim que o
necessita, ela nos degola.
Nas condições de vida ordinária dos homens, tais como elas
estão estabelecidas, esta é uma lei inquebrantável da Natureza.
A vida nos é dada para uma meta elevada e somos todos
juntos obrigados a servi-la — e esta é nossa razão de ser, e o
sentido mesmo de nossa vida.
Todos os homens, sem exceção, são escravos desta “gran­
deza”, todos devem submeter-se sem discutir, e cumprir sem
mentira nem compromisso de nenhuma espécie o que é deter­
minado para cada um segundo seu ser, quer dizer, segundo o
que lhe foi transmitido por hereditariedade e o que adquiriu
conscientemente por si mesmo.

E agora, depois de tudo o que acabo de dizer, eu queria,


para voltar ao assunto principal desta conferência, lembrar-lhes
duas expressões que empregamos repetidas vezes para definir
o homem, as de “verdadeiro homem” e “homem-entre-aspas”,
e concluir assim:
() verdadeiro homem, que já adquiriu seu próprio “Eu”,
assim como o homem-entre-aspas, que não o possui, são am­
bos igualmente escravos dessa “grandeza”; entretanto, há en­
tre eles esta diferença: o primeiro, ao assumir uma atitude cons­
ciente em relação a sua escravidão, adquire a possibilidade, ao
mesmo tempo em que serve à realização universal, de consa­
grar uma parte de suas manifestações, em conformidade com
as previsões da Grande Natureza, para a aquisição de um “ser
imperecível”, ao passo que o outro, porque não toma consciência
de sua escravidão, permanece durante todo o processo de sua
existência uma simples coisa que, quando não se necessita mais,
é destruída para sempre.

Para tornar o que acabo de dizer mais compreensível e

1159
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

mais concreto, vamos recorrer a uma imagem: compararemos


a vida humana em seu conjunto a um grande rio oriundo de
tontes variadas, que corre na superfície de nosso planeta, e a
vida de cada homem, em particular, a urna das gotas d’água
que compõem este rio de vida.
Este rio corre, inicialmente, como urna única massa ao
longo de um vale relativamente plano, depois, no lugar onde a
Natureza foi submetida ao que se denomina um “cataclismo
nào conforme às leis”, ele se divide em duas correntes distin­
tas, ou sofre o que se poderia chamar “a divisão das aguas”.
Toda a agua da primeira corrente, pouco depois de ter
atravessado este lugar, desemboca num vale ainda mais plano
e, atravessando regiões desprovidas de todo “pitoresco”, ela
prossegue seu curso até o vasto oceano.
O segundo braço, ao contrário, corre através dos obstá­
culos formados pelo “cataclismo não conforme às leis” de que
falamos, e para terminar, precipitando-se nas fendas que sao
elas mesmas consequências desse cataclismo, desaparece nas
profundezas da terra.
Depois da “divisão das águas”, as duas correntes prosse­
guem sua rota independentemente e nào se misturam nunca
mais, mas, em certos momentos, elas se aproximam a tal ponto
que todos os resultados do processo de seu curso se ladeiam, e
por vezes mesmo, quando se produzem grandes perturbações
atmosféricas, tais como ventos, tempestades etc., acontece que
salpicos ou gotas isoladas passam de uma corrente para a outra.
Tomada individualmente, a vida de todo homem, até a
idade responsável, corresponde a uma gota d’água da corrente
inicial desse rio, e o lugar onde se faz a “divisão das águas”
corresponde ao periodo em que ele alcança sua maioridade.
Antes desta divisão, cada movimento das águas, que se
efetua, em conformidade com as leis, com vistas à realização
do destino predeterminado do rio inteiro, aplica se em toda
sua amplitude, assim como em seus menores detalhes, a cada

1160
CONCLUSÕES DO AUTOR

gota separada, mas somente enquanto essa gota pertence à mas­


sa total do rio.
Para a gota mesma, todos os seus deslocamentos próprios,
todas as direções que ela toma e todos os estados causados por
suas mudanças de posição, pelas condições circundantes aci­
dentais e pelo ritmo acelerado ou reduzido de seu andamento,
tudo está inteiramente entregue ao acaso.
As gotas não têm um destino pessoal predeterminado. O
destino predeterminado só existe para o conjunto do rio.
No curso inicial do rio da vida, as gotas estão ora aqui,
ora ali; um minuto mais tarde elas podem cessar de existir como
tais, ser projetadas fora do rio e se evaporar.
Assim, quando a Grande Natureza se viu obrigada, em
razão da vida indigna dos homens, a fazer degenerar a presen­
ça deles de maneira correspondente, foi estabelecido que, em
vista da realização de todas as coisas existentes, o conjunto da
vida humana na Terra seria desde então dividido em duas cor­
rentes; e a Grande Natureza concebeu um plano, conforme às
leis, do qual ela fixou gradualmente todos os detalhes de reali­
zação, de tal maneira que, em cada uma das gotas d’água da
corrente inicial do rio da vida, pudesse surgir — ou não surgir
— quando das “lutas interiores subjetivas contra seu próprio
princípio negativo”, essa “alguma coisa” graças à qual são ad­
quiridas certas propriedades que permitem entrar, no momento
da divisão das águas, em uma ou em outra das duas correntes.
Esta “alguma coisa” que, na presença de cada uma des­
sas gotas d’água, serve para realizar a propriedade correspon­
dente a uma ou a outra das correntes, é, na presença geral de
todo homem que alcançou a idade responsável, esse “Eu” de
que se tratou na conferência de hoje.
Um homem que possui seu próprio “Eu” entra em uma
das correntes do rio da vida e aquele que não o possui entra
na outra.
O destino de cada gota do rio da vida é determinado, no

1161
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

momento da “divisão das águas”, pela corrente mesma na qual


ela se engaja.
E isto porque, como já o disse, a primeira dessas duas
correntes se verte finalmente no oceano, quer dizer, nessa esfe­
ra da Natureza com a qual certas grandes concentrações cós­
micas operam frequentes “trocas de substâncias” por meio do
processo chamado “Pokhdalissdjancha” — do qual nossos con­
temporâneos conhecem, aliás, um aspecto fragmentário que eles
chamam “ciclone”. A gota d’água adquire então a possibilida­
de de evoluir como tal até a concentração superior seguinte.
Quanto ao outro braço, que submerge, no fim de seu
curso, nos abismos subterrâneos, onde ele participa no proces­
so chamado “criação involutiva”, que prossegue sem fim no
interior do planeta, ele é transformado em vapores e distribuí­
do nas esferas apropriadas, em vista de novos surgimentos.
Após a divisão das águas, os grandes e pequenos proces­
sos sucessivos, que, até nos detalhes do movimento exterior,
asseguram o cumprimento dos destinos predeterminados das
duas correntes, dependem eles também destas mesmas leis cós­
micas; entretanto, os resultados que deles derivam “se subjeti-
vizam”, se poderia dizer, de maneira correspondente, em cada
uma das duas correntes, e funcionam então independentemen­
te, sem cessar de se prestar assistência e de se sustentar um ao
outro. Estes resultados “subjetivizados” de segunda ordem,
oriundos de leis cósmicas fundamentais, funcionam as vezes
lado a lado, por vezes se chocam ou se cruzam, mas jamais
fusionam. E a ação destes resultados de segunda ordem pode
até mesmo, se as condições circundantes se prestarem a isso,
estender-se às gotas separadas.

Para nós, homens contemporâneos, o maior mal é que,


em razao das diversas condições de nossa vida ordinária, e so­
bretudo em razão de nossa anormal “educação”, só possuímos,
na idade responsável, presenças que correspondem à corrente

1162
CONCLUSÕES DO AUTOR

do rio da vida destinada a se perder nos abismos subterráneos,


e nós caímos nessa corrente. Desde então ela nos arrasta aonde
ela quer, como quer, e nós, sem refletirmos nas consequências,
permanecemos passivos, deixando-nos levar como destroços
de navio, à deriva.
Enquanto permanecermos passivos, não somente seremos
obrigados a ser apenas instrumentos a serviço das “criações
involutivas” da Natureza, mas deveremos, pelo resto de nossas
vidas, nos submeter como escravos ao capricho de todo tipo de
acontecimentos cegos.
Visto que a maioria de vocês já passou o limiar da idade
responsável e reconhece com toda sinceridade que ainda não
adquiriu seu próprio “Eu”, e visto que, por outro lado, se dão
conta, a partir do essencial do que acabo de dizer, que as pers­
pectivas que os esperam nada têm de particularmente agradá­
vel, então, temendo que vocês — vocês justamente que toma­
ram consciência disto — se sintam muito “desencorajados” e
caiam no “pessimismo” tão ditundido na vida anormal de hoje,
eu lhes direi com toda franqueza, sem nenhuma segunda in­
tenção, apoiando-me em convicções estabelecidas no curso de
longos anos de estudos, e reforçadas por múltiplas experiências
conduzidas de maneira excepcional — experiências sobre os
resultados das quais baseei o “Instituto para o desenvolvimen­
to harmônico do homem” —, que, até para vocês, não é dema­
siado tarde.
Com efeito, os estudos e as experiências de que acabo de
talar me provaram claramente que nossa Mãe Natureza, em
sua vigilância infinita, previu para os seres a possibilidade de
adquirir o núcleo de sua essência, quer dizer, seu próprio “Eu”,
mesmo após ter alcançado a idade responsável.
Esta previdência da equânime Natureza consiste para nós
em que, mediante certas condições interiores e exteriores, a
possibilidade nos foi dada de passar de uma corrente à outra.
A expressão de “primeira libertação do homem”, que nos

1163
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

vem dos tempos mais remotos, designa precisamente esta


possibilidade de passar da corrente destinada a perder-se nos
abismos subterrâneos para a outra corrente, aquela que se lan­
ça nos vastos espaços do oceano sem limites.
Mas passar para a outra corrente não é coisa tão simples:
“a gente quer passar e passa”. Para passar, você precisa antes
de tudo cristalizar conscientemente em si mesmo dados que
suscitem em sua presença geral um impulso constante e
inextinguível do desejo desta passagem; depois uma longa pre­
paração será necessária.
Antes de qualquer coisa, esta passagem exige uma re­
núncia a tudo o que, nessa corrente do rio da vida, lhe parece
“riquezas” — mas não é em realidade senão hábitos automáti­
cos, adquiridos por escravidão.
Em outros termos, você deve morrer para tudo o que
constitui a vida ordinária.
E desta morte que falam todas as religiões.
Tal é o significado da sentença que nos chegou dos tem­
pos mais recuados: “Sem morte não há ressurreição”. Dito de
outra maneira: “Se não morres, não serás ressuscitado”.
Não se trata aqui da morte do corpo, pois para esta mor­
te não há necessidade de ressurreição.
Sc existe uma alma, e se ela for imortal, ela pode prescin­
dir de uma ressurreição do corpo.
Esta ressurreição não é, de forma alguma, necessária para
comparecer ao Juízo Final diante de Nosso Senhor, como nos
ensinam os Padres da Igreja.
Não, todos os profetas enviados d’O-AIto e Jesus Cristo
mesmo falaram desta morte que pode intervir cá embaixo, nes­
ta vida, quer dizer, da morte do “tirano”, que faz de nós escra­
vos, e cuja destruição é a única que pode assegurar a primeira
grande libertação do homem.

Para resumir as idéias que acabam de ser expostas, tanto

1164
CONCLUSÕES DO AUTOR

na conferência como no suplemento que hoje acrescentei, a


respeito das duas categorias de homens, que do ponto de vista
de seu conteúdo interior não têm entre si nada de comum, e a
respeito deste fato aflitivo de que, em razão do agravamento
das condições de sua existência ordinária, e em particular de
seu nefasto sistema de educação, as diversas consequências das
propriedades do órgão kundabuffer se manifestam muito mais
intensamente na presença geral dos homens destes últimos tem­
pos, eu considero indispensável dizer e até mesmo sublinhar
que todos os mal-entendidos que surgem em nossa vida coleti­
va, e sobretudo em nossas relações mútuas, todos os dissabo­
res, disputas, acertos de conta, decisões precipitadas — deci­
sões cuja realização tem como consequência fatal intermináveis
processos de “remorsos de consciência” — e até mesmo todos
esses grandes acontecimentos, tais como guerras, guerras civis
e outras calamidades, são simples efeitos desta característica
da atenção dos homens ordinarios que jamais trabalharam sobre
si mesmos, que eu chamaria “refletir a realidade ao contrario”.

Todo homem capaz de refletir, por pouco seriamente que


seja, sem “se identificar” com suas paixões, concordará conos­
co sobre tudo o que acaba de ser dito, se ele levar em conside­
ração este simples fato, muito frequente no processo de nossa
vida interior, de que todas as provações que nos parecem tão
terríveis quando as atravessamos, em contrapartida, depois de
um lapso de tempo ás vezes insignificante, quando elas foram
substituídas por outras e quando, ao lembrar delas por acaso,
as submetemos a um raciocínio lógico ligado a nosso novo hu­
mor, nos parecem não valer sequer “um velho tostão furado”.
Visto que os resultados de seu pensar e de seu sentimen­
to conduzem bem frequentemente o homem ordinário a fazer
“de uma pulga um elefante e de um elefante uma pulga”.
As manifestações desta funesta propriedade na presença
geral dos homens assumem particular intensidade durante

1165
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

acontecimentos tais como guerras, revoluções etc. E é então


que aparece, da maneira mais evidente, esse estado que eles
sao, aliás, capazes de constatar, sob cuja influencia eles caem
todos, com raras exceções, e que eles mesmos chamam “hip­
nose das massas”.
O que caracteriza este estado é que os homens ordinários,
cujo pensar, já bastante débil sem isto, se encontra ainda dimi­
nuído durante tais períodos, caem sob a influência das tunes-
tas elucubrações de um demente qualquer e, tornando-se lite­
ralmente as vítimas dessas elucubrações, se manitestam então
de maneira completamente automática.
Enquanto eles estão sob a influência desta propriedade
maléfica, já enraizada nos homens ordinários de nosso tempo,
sua presença geral cessa por completo de possuir esta coisa
sagrada que é chamada “consciência moral objetiva”, cuja aqui­
sição lhes havia sido tornada possível graças aos dados neles
depositados pela Grande Natureza, como em seres à imagem
de Deus, para distinguidos dos simples animais.
Os homens de algum saber consideram sinceramente la­
mentável esta propriedade de nossos contemporâneos, porque
já há muito tempo, segundo os dados históricos, assim como
segundo as experiências de numerosos verdadeiros sábios das
épocas passadas, a Grande Natureza não tem mais nenhuma
necessidade de um fenômeno como a hipnose das massas para
manter seu equilíbrio. Muito pelo contrário, pois as manifesta­
ções periódicas desta propriedade nos homens a obrigam sem­
pre a novas adaptações, tais como o crescimento da taxa de
natalidade, as modilicações do que se chama “o tempo do psi-
quismo geral”, e assim por diante.

Após tudo o que acabo de dizer, parece-me necessário


insistir neste fato de que todos os dados históricos que chega­
ram a nossos contemporâneos e de que tive por acaso conheci­
mento — falo dos dados que têm, realmente, relação com o

1166
CONCLUSÕES DO AUTOR

que se passou na vida dos homens de antigamente e nao da­


queles que foram inventados pelos sabios contemporáneos, e
sobretudo pelos “sabios germánicos”, cujas “historias” rechearam
todos os jovens cerebros da superficie da Terra — mostram
claramente que os homens das épocas passadas não se divi­
diam em duas correntes, mas seguiam todos uma única e mes­
ma corrente de vida.
A vida inteira da humanidade só se dividiu em duas cor­
rentes a partir da civilização dita “tikliamuishiana”, que prece­
deu imediatamente a civilização babilónica.
Foi a partir daquele momento que se organizou pouco a
pouco o modo de existência atual da humanidade, cuja vida,
como todo homem de bom senso deve constatar, só pode, a
partir de então, transcorrer de maneira mais ou menos tolerá­
vel, se os homens estão divididos em amos e escravos.
Embora ser amo ou escravo seja igualmente indigno do
que os homens deveriam ser uns para os outros, como filhos de
Nosso Pai Comum, no entanto, dadas as condições existentes
às quais já está submetido todo o processo da vida coletiva dos
homens e cuja origem remonta à mais alta Antigüidade, deve­
mos nos reconciliar com este fato e aceitar um compromisso
que, do ponto de vista de uma razão imparcial, corresponde a
nosso bem pessoal, sem contudo desobedecer aos mandamen­
tos que foram especialmente promulgados para nós, homens,
pela “Fonte Primeira de tudo o que existe”.
Um tal compromisso é possível, a meu ver, se certos ho­
mens tomam conscientemente como meta principal de sua
existência adquirir em sua presença todos os dados necessários
para se tornarem amos entre seus semelhantes.
Se partirmos deste princípio e nos conformarmos à sábia
sentença dos antigos tempos que afirma que “para ser um justo
e bom altruísta é indispensável ser primeiro um egoísta puro-
sangue”, cada um de nós, aproveitando o bom senso que nos

1167
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

toi dado pela Grande Natureza, deve se fixar como meta es­
sencial a de chegar a ser um amo.
Não um amo segundo o sentido que esta palavra adqui­
riu para os homens contemporâneos, dito de outra forma, al­
guém que tem muitos escravos e muito dinheiro, e isto o mais
frequentemente por herança, porém um homem que, graças a
suas ações objetivamente virtuosas para com os que o cercam
— quer dizer, graças às ações manifestadas unicamente sob a
inspiração de sua razão pura, sem nenhuma participação dos
impulsos que engendram nele, como em todos os homens, as
consequências das propriedades do funesto órgão kundabu-
tter —, adquire em si essa “alguma coisa” que obriga todos os
que o cercam a se inclinar diante dele e a executar suas ordens
com devoção.

Assim, então, considero como concluída esta primeira


série de minhas obras e sob uma forma tal que eu mesmo estou
satisfeito com ela.
Em todo caso, me dou minha palavra que, a partir de
amanhã, não dedicarei nem mesmo cinco minutos mais de meu
tempo a esta primeira série.
E agora, antes de me pôr à redação da segunda série, em
vista de lhe dar uma forma, a meu ver, acessível a todos, tenho
a intenção de descansar um mês inteiro, de não escrever abso­
lutamente nada e, para estimular meu organismo, fatigado ao
extremo, de beber bem de-va-gar as quinze garrafas que me
restam deste “super-ultra-celeste néctar” que se chama hoje
em dia na Terra “Vieux Calvados”.
Este velho Calvados, seja dito de passagem, é aquele que
merecí descobrir por acaso, há varios anos, vinte e sete garra­
fas, sepultadas sob uma mistura de cal, areia e palha finamente
picada, num dia de inverno em que cavava uma fossa para nela
conservar cenouras, numa das adegas de minha principal resi­
dência atual.

1168
CONCLUSÕES DO AUTOR

Segundo toda probabilidade, estas garrafas de divino li­


cor haviam sido enterradas por monges que viviam neste lugar,
longe das tentações deste mundo, para a salvação de sua alma.
Parece-me agora que não foi sem intenção que eles as
enterraram ali, e que em virtude da faculdade denominada “in­
tuição perspicaz” — cujos dados, deve-se acreditar, haviam se
constituído neles graças a sua vida piedosa — eles previram
que este divino líquido cairia em mãos dignas de compreender
o significado de tais coisas, e que ele incitaria o possuidor des­
sas mãos a exaltar com toda consciência o sentido do ideal so­
bre o qual a corporação desses monges estava fundada, a fim
de operar sua melhor transmissão à geração seguinte.
Durante este tempo de repouso, rherecido sob todos os
aspectos, quero beber este líquido esplêndido, o único que,
nestes últimos anos, me deu a possibilidade de tolerar sem sofri­
mento a presença, a meu lado, dos animais meus semelhantes,
de ouvir novas anedotas e por vezes, na falta de novas, de ouvir
as antigas — com a condição, naturalmente, que o contador
tosse bom.

E apenas meio-dia, e, como a palavra que dei a mim mes­


mo de não escrever mais nada para esta primeira série só come­
ça amanhã, resta-me um pouco de tempo e, sem quebrar meu
juramento, posso acrescentar, com a consciência tranquila, que
há um ou dois anos eu havia decidido categoricamente só fazer
aparecer a primeira série de minhas obras. Quanto à segunda e
à terceira séries, eu tinha a intenção de não publicá-las, porém
de organizar sua propagação com vistas a realizar uma das ta­
refas fundamentais que me fixei para mim mesmo sob jura­
mento de minha essência, e que consiste em convencer, a qual­
quer custo, todos os meus contemporâneos do absurdo de to­
das as suas idéias inveteradas sobre a pretensa existência de
um “outro mundo”, com seu famoso e tão maravilhoso “Paraíso”
e seu tão aterrorizante “Inferno”, provando teoricamente,

1169
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

depois demonstrando praticamente — com uma evidência tal


que mesmo uma “perfeita vítima” da educação contemporâ­
nea não poderia compreender sem estremecer —, que, na ver­
dade, o Paraíso e o Inferno existem, não em alguma parte “em
um outro mundo”, mas cá embaixo, perto de nós, na Terra.
Após a publicação dos livros da primeira série, eu me
proponho, para difundir as idéias contidas nas obras da segun­
da série, organizar simultaneamente, em diversos centros im­
portantes, leituras públicas abertas a todos.
Quanto aos livros da terceira série, tenho a intenção de
permitir o acesso a eles somente aos ouvintes da segunda série
que terão sido selecionados, segundo minhas instruções preci­
sas, por pessoas especialmente preparadas, e que serão capa­
zes de compreender as reais verdades objetivas que neles
exporei à luz.

1170
ÍNDICE
ÍNDICE
Livro Primeiro
Capítulo 1
Despertar do pensar. 15
Capítulo 2
Prólogo: Por que Belzebu veio ao nosso sistema solar. 59
Capítulo 3
Causa de um atraso na queda da Karnak. 64
Capítulo 4
A lei de queda. 74
Capítulo 5
Sistema do Arcanjo Khariton. 78
Capítulo 6
Perpetuum Mobile. 81
Capítulo 7
Do conhecimento do verdadeiro dever esseral. 85
Capítulo 8
Onde este malandro do Hassin, o neto de Belzebu,
ousa nos tratar de lesmas. 88
Capítulo 9
Causa da gênese da Lúa. 90
Capítulo 10
Por que os “homens” nao sao homens. 96
Capítulo 11
Um traço picante do original psiquismo dos homens. 102
Capítulo 12
Primeiros estrondos. 106
Capítulo 13
Por que, na razão do homem, o imaginario pode ser
percebido como real. 111
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Capítulo 14
Onde se entrevê uma perspectiva que não promete
nada de muito alegre. 115
Capítulo 15
Primeira descida de Belzebu à Terra. 118
Capítulo 16
Relatividade da noção de Tempo. 129
Capítulo 17
Arqui-absurdo: Segundo as assertivas de Belzebu,
nosso sol nào ilumina nem aquece. 141
Capítulo 18
Arqui-fantástico. 154
Capítulo 19
Belzebu relata sua segunda descida ao planeta Terra. 180
Capítulo 20
Terceiro vôo de Belzebu ao planeta Terra. 209
Capítulo 21
Primeira visita de Belzebu às índias. 228
Capítulo 22
Belzebu no Tibete pela primeira vez. 251
Capítulo 23
Quarta estada pessoal de Belzebu no planeta Terra. 266
Capítulo 24
Belzebu voa para o planeta Terra pela quinta vez. 310
Capítulo 25
O Mui Santo Ashyata Sheyimash Enviado d’O-AIto à Terra. 341
Capítulo 26
Legamonismo relativo às reflexões do Mui Santo
Ashyata Sheyimash com o título “Horror da Situação”. 346

1174
ÍNDICE

Capítulo 27
Da ordem de existência que criou para oshomens o
Mui Santo Ashyata Sheyimash. 359
Capítulo 28
O principal culpado da destruição dos Santos
Trabalhos de Ashyata Sheyimash. 381
Capítulo 29
Os frutos das antigas civilizações e as flores das
contemporáneas. 401
Capítulo 30
A arte. 435
Livro Segundo
Capítulo 31
Sexta e última estada de Belzebu na superficie de
nossa Terra. 509
Capítulo 32
O hipnotismo. 541
Capítulo 33
Belzebu hipnotizador de profissão. 562
Capítulo 34
Belzebu na Rússia. 574
Capítulo 35
Modificação no curso de queda previsto para a nave
intersistemária “Karnak”. 633
Capítulo 36
Ainda um nadinha sobre os alemães. 636
Capítulo 37
A França. 639
Capítulo 38
A Religião. 669

1175
RELATOS DE BELZEBU A SEU NETO

Capítulo 39
O Santo Planeta do Purgatorio. 713
Livro Terceiro
Capítulo 40
Belzebu conta como os homens conheceram e esqueceram
a lei cósmica fundamental de Heptaparaparshinokh. 777
Capítulo 41
O dervixe bukhariano Hadji-Assvatz-Truv. 830
Capítulo 42
Belzebu na América. 874
Capítulo 43
Belzebu expõe suas maneiras de ver sobre o processo
periódico de destruição mútua dos homens. 996
Capítulo 44
Segundo Belzebu, a concepção que os homens se fazem
da justiça é, no sentido objetivo, uma “miragem maldita”. 1054
Capítulo 45
Segundo Belzebu, o lato de que os homens captam a
eletricidade da Natureza e a destroem ao utilizá-la é
uma das causas principais de diminuição da duração
da vida humana. 1079
Capítulo 46
Belzebu explica a seu neto a significação da íorma e da
ordem que escolheu para expor suas informações sobre
os homens. 1095
Capítulo 47
Resultado, conforme às leis, de um pensar imparcial. 1106
Capítulo 48
Conclusões do Autor. 1117

1176
tel ■ 25226368
Relatos de
Belzebu a seu Neto
Os Relatos de Belzebu a seu Neto constituem a primeira série de
uma obra monumental que deveria incluir três séries. O autor
destinava-lhe o papel “de extirpar do pensar e do sentir do leitor,
sem piedade e sem o menor compromisso, as crenças e opiniões
enraizadas há séculos no psiquismo dos homens a propósito de tudo
que existe no mundo”.
Nesta série, Gurdjieff expõe suas idéias sob a forma, comum às
grandes tradições, de um relato mítico “na escalado Universo”, porém
centrado em um problema essencial: o significado da vida humana.

“Seu objetivo é contar aos homens... a verdade sobre eles mesmos. Talvez
eu devesse dizer contar de novo, porque ele recolhe do passado filamentos extraviados
de conhecimento e os entrelaça em uma poderosa trama de exposição
contemporânea. Este é um livro estranho, excitante e perturbador, único em
seu gênero”.
P. L. Travers, World Review

“Uma obra altamente peculiar de ficção didática... completamente fascinante...


uma experiência intelectual bem incomum”.
D. S. Savage, The Spectator

“Uma importante mensagem para a humanidade”.


London Sunday Times

ISBN 85-86204-07-2

’ HORUS
Editora
9’788586 204076

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