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Angela Paiva Dionisio

[organização]

PESQUISAS
EM LINGUAGEM
E ENSINO
Angela Paiva Dionisio
[organização]

PESQUISAS
EM LINGUAGEM
E ENSINO

Pipa Comunicação
Recife, 2020
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons.
Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Capa e Projeto Gráfico Karla Vidal


Diagramação Augusto Noronha e Karla Vidal
Revisão Autores e organização

Catalogação na publicação
Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166

P371

Pesquisas em linguagem e ensino / Angela Paiva Dionísio (Organização


e Prefácio); Isis Milreu (Apresentação); Manassés Morais Xavier (Apre-
sentação). – Recife: Pipa Comunicação, 2020.

Livro em PDF

ISBN 978-65-87033-15-0

1. Linguística. I. Dionísio, Angela Paiva (Organização e Prefácio). II. Milreu,


Isis (Apresentação). III. Xavier, Manassés Morais (Apresentação). IV. Título.

CDD 410

Índice para catálogo sistemático


I. Linguística
Conselho Editorial Conselho editorial
Pipa Comunicação EDUFCG

Alex Sandro Gomes Anubes Pereira de Castro


Angela Paiva Dionisio Benedito Antônio Luciano
Caio Dib Erivaldo Moreira Barbosa
Carmi Ferraz Santos Janiro da Costa Rego
Cláudio Clécio Vidal Eufrausino Marisa de Oliveira Apolinário
Cláudio Pedrosa Marcelo Bezerra Grilo
Clecio dos Santos Bunzen Júnior Naelza de Araújo Wanderley
José Ribamar Lopes Batista Júnior Railene Hérica Carlos Rocha
Leila Ribeiro Rogério Humberto Zeferino
Leonardo Pinheiro Mozdzenski Valéria Andrade
Marcio Gonçalves
Pedro F. Guedes do Nascimento
Regina Lúcia Péret Dell’Isola
Rodrigo Albuquerque
Ubirajara de Lucena Pereira
Wagner Rodrigues Silva
Washington Ribeiro
Prefácio

Retomando o evento defesa de dissertação em


uma atividade de escrita

Angela Paiva Dionisio

Todos devem deixar algo para trás, quando morrerem, dizia meu avô.
(...) Não importa o que você faça, dizia ele, desde que você transforme
alguma coisa, do jeito que era antes de você tocá-la, em algo que é
como você depois que suas mãos passaram por ela. A diferença entre
o homem que apenas apara gramados e um verdadeiro jardineiro
está no toque, dizia ele. O aparador de grama podia muito bem
não ter estado ali, o jardineiro estará lá durante uma vida inteira.”
Ray Bradbury

Em que difere o livro Pesquisas em Linguagem e Ensino de


tantos outros já publicados em nossa área de investigação,
retomando pesquisas concluídas em pós-graduações? Posso
responder de forma breve: continua os diálogos entre os parti-
cipantes das bancas de defesas. Não se trata de transcrições
das interações ocorridas, quando da defesa! Reencontram-se,
neste livro, pesquisador(a) (na posição de orientando à época),
orientador(a) e participantes externos das bancas, represen-
tando uma outra possibilidade de diálogo, decorrente do

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Pesquisas em linguagem e ensino

evento defesa de dissertação: a escrita em parceria. O que


se buscou ao idealizar essa obra foi vivenciar as experiências
de pesquisa e de escrita acadêmicas com foco nos papéis de
orientando, orientador e de examinador, na figura do parti-
cipante externo1.
Como nos lembra Bazerman (2015, p. 75), “cada escrito
se acha profundamente inserido em algum sistema de ativi-
dade” e, por conhecer o sistema acadêmico, acreditei que
seria uma boa atividade de escrita a produção do livro com
o perfil deste livro, ou seja, capítulos, escritos pelos autores
das dissertações selecionadas e seus orientadores, nos quais
se destaca um aspecto relevante da pesquisa realizada e
capítulos, denominados de comentários, escritos pelos parti-
cipantes externos2 e orientadores das referidas dissertações
com foco no caráter inovador da pesquisa, quer metodo-
lógico, conceitual ou empírico. Nesta perspectiva, o livro
Pesquisas em Linguagem e Ensino se compõe de 10 capítulos e
10 comentários. A organização dos capítulos é uma compilação
de artigos referentes às dissertações selecionadas, dentre as

1. Por ser a primeira experiência de organização de escrita com este perfil, a


opção foi limitar o número de participantes, por isso, o examinador interno não
foi envolvido.

2. Dois participantes externos não puderam participar no momento da construção


dos comentários.

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Pesquisas em linguagem e ensino

defendidas em 2017 e 2018, no Programa de Pós-Graduação


em Linguagem e Ensino (PPGLE) da Universidade Federal de
Campina Grande (UFCG). O texto de apresentação, escrito
por Isis Milreu e Manassés Morais Xavier, oferece aos leitores
uma boa síntese dos capítulos e comentários3.
Com a participação dos examinadores externos, escre-
vendo em parceria com os orientadores, ideia cultivada há
anos, fortalece-se, assim, o papel do examinador e, princi-
palmente, se dá destaque as contribuições trazidas, as quais
ficavam restritas ao evento da defesa de dissertação. O que
era dito naqueles momentos se perdia no tempo...
A interação entre membros de bancas examinadoras
poderia receber uma atenção mais significativa dentre as
atividades catalogadas no âmbito acadêmico. Aqui, no livro
Pesquisas em Linguagem e Ensino, propomos os capítulos
Comentários não apenas como atividades que contribuem
para a formação do orientador/pesquisador, mas princi-
palmente como diálogos dos quais possam emergir outros
registros de escrita acadêmica. Relembro (e me amparo em)
Bazerman (2020) ao destacar que “os gêneros são o que as
pessoas reconhecem como gêneros em qualquer momento
do tempo” (p. 80), mas que “não significa que abrimos mão

3. Comentários são considerados capítulos.

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Pesquisas em linguagem e ensino

da nossa oportunidade de criar novidades e responder ao


nosso tempo.” (p. 123)
Dois outros aspectos que destaco como relevantes na
construção deste livro (e que espero motivar outras produções
com este perfil) residem no fortalecimento das interações
entre as instituições de ensino superior e, principalmente,
na consolidação das contribuições dos examinadores.
Acredito que este formato de construção de escrita acadê-
mica permitirá que se apresente à comunidade acadêmica
não apenas um perfil das investigações desenvolvidas no
PPGLE da UFCG, mas também uma análise crítica sobre
o conhecimento científico, relacionado às teorias linguís-
ticas e críticas literárias e o ensino de língua e de literatura.
Constitui ainda uma forma de continuar o diálogo entre
docentes de programas de pós-graduação que mantêm inte-
resses afins teóricos e metodológicos.
Três considerações para finalizar: agradeço imensa-
mente aos professores e alunos do PPGLE da UFCG, que me
acolheram como Professora Visitante e, especialmente, a
cada autor deste livro, bem como aos autores que assinam
como examinadores externos. A colaboração de vocês tornou
este livro possível. Quero registrar com carinho especial
os professores Isis Milreu e Manassés Morais Xavier, como
parceiros neste projeto, e a professora Denise Lino de Araújo,

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Pesquisas em linguagem e ensino

coordenadora do referido programa, como grande apoiadora.


Por fim, mas não menos importante, agradeço as parcerias
com a EDUFCG e com a Pipa Comunicação por disponibili-
zarem gratuitamente este livro para a comunidade acadê-
mica. A todos vocês, minha gratidão.

Campina Grande, 2020

Referências

BAZERMAN, C. Retórica da ação letrada. São Paulo: Parábola, 2015.


BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais, tipificação e interação. Recife/
Campina Grande: Pipa Comunicação/Editora da UFCG, 2020.
https://www.pipacomunica.com.br/livrariadapipa/categoria-produto/
serie-charles-Bazerman/
BRADBURY, R. Fahrenheit 451. São Paulo: Globo, 2012, p. 192.

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Apresentação

Contribuições das pesquisas do PPGLE


para a educação brasileira

Isis Milreu (UFCG)


Manassés Morais Xavier (UFCG)

O trabalho científico, especialmente no contexto da


pós-graduação, não nasce da noite para o dia, sendo, na
verdade, fruto do envolvimento do pesquisador com seu
objeto de estudo, com sua instituição formadora, com a
sociedade, com o seu orientador e com os seus examina-
dores. Trata-se de um conjunto de práticas que convocam
engajamento e, por conseguinte, formação, ampliando hori-
zontes de perspectivas e contribuindo com a propagação
da ação científica no contexto das humanidades.
Com o intuito de divulgar os múltiplos aspectos desse
processo, surge o livro Pesquisas em Linguagem e Ensino.
Trata-se de uma obra que gira em torno do envolvimento
de empreendimentos investigativos realizados através
do esforço acadêmico-científico de pesquisadores, hoje
mestres, e seus orientadores, vinculados ao Programa de
Pós-Graduação em Linguagem e Ensino, da Universidade

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Pesquisas em linguagem e ensino

Federal de Campina Grande, em suas duas áreas de concen-


tração, a saber: Estudos Linguísticos e Estudos Literários.
Ainda destacamos a produtiva relação entre os pesquisa-
dores e os seus examinadores, internos e externos à insti-
tuição, a qual se evidencia nessa publicação.
Para além do Prefácio assinado pela Profa. Dra. Angela
Paiva Dionisio, também organizadora da obra, e desta
Apresentação, Pesquisas em Linguagem e Ensino é composto
por 10 capítulos que enfocam investigações realizadas, em
nível de Mestrado Acadêmico, bem como seguidos de respec-
tivos capítulos compostos por comentários a respeito das
pesquisas apresentadas na compilação dos textos deste livro.
Destacamos que entre os 10 capítulos com respectivos capí-
tulos comentários, 06 referem-se a estudos linguísticos e 04
a estudos literários, os quais serão apresentados a seguir.
Iniciando a coletânea, o Capítulo 1, “A produção de video-
aulas: desafios para o ensino a partir de uma concepção socio-
interacionista”, de Vanessa Luciene Pereira da Silva e Williany
Miranda da Silva, mostra o recorte de uma pesquisa feita
com alunos do Curso de Letras/Português da UFCG matri-
culados na disciplina Estágio Supervisionado de Língua
Portuguesa-Ensino Médio. Os estagiários foram orientados
a elaborarem módulos didáticos e videoaulas. De acordo com
as pesquisadoras, os dados da pesquisa evidenciaram que há

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Pesquisas em linguagem e ensino

uma aproximação entre o uso de recursos tecnológicos e o


ensino reflexivo da Língua Portuguesa, realçando a neces-
sidade de a formação inicial investir na cultura digital como
uma das múltiplas possibilidades pedagógicas.
Em “Reflexão e Avaliação da Dissertação “Conteúdos
de Língua Portuguesa em videoaulas do Projeto ENEM na
Palma da Mão”, as professoras Regina Celi Mendes Pereira
e Williany Miranda da Silva comentam a referida pesquisa,
enfatizando o seu caráter formativo e inovador com video-
aulas enquanto interface didática no cenário da formação
inicial de professores de Língua Portuguesa. As autoras
destacam a importância da investigação para os estudos
contemporâneos da Linguística Aplicada que, se preocupam,
especialmente, com a formação inicial de professores em
situação de estágios supervisionados.
“Aprendizagem por Design: os movimentos do conhe-
cimento de estagiárias de um Curso de Letras — Língua
Inglesa” é o Capítulo 2, assinado por Luciana Parnaíba de
Castro e Marco Antônio Margarido Costa. Nele, os autores
abordam os movimentos do conhecimento de estagiárias
de um curso de Letras-Língua Inglesa a partir do aporte
teórico da Aprendizagem por Design — o qual investe na
importância de se construir o conhecimento em contexto
escolar, considerando a realidade fora dele como elemento

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Pesquisas em linguagem e ensino

formador, como estratégia didático-discursiva de cons-


trução de saberes.
O mencionado trabalho é examinado em “A pós-moder-
nidade como pano de fundo das pesquisas orientadas no
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino”, pelo
professor Marco Antônio Margarido Costa que apresenta
um breve relato de sua experiência enquanto orientador no
PPGLE/UFCG, enfatizando, principalmente, a orientação da
mencionada pesquisa. Para Costa, a investigação de Luciana
Parnaíba de Castro apresenta uma produtiva experiência
acadêmica que se dedicou a analisar os conflitos de esta-
giários frente às mudanças de paradigmas convocadas, no
âmbito da pós-modernidade, à formação de professores.
Na sequência, encontra-se o capítulo 3: “A constituição
histórica da escrita no discurso de manuais didáticos produ-
zidos na década de 1920”, de Ana Cristina Falcão Almeida
Tavares e Washington Silva de Farias, o qual traz uma
reflexão que compreende os manuais de ensino de escrita
como espaços complexos de circulação de variados discursos
e, também, como objetos simbólicos de produção de saberes.
A partir da análise de dois compêndios didáticos, os pesqui-
sadores trilham um percurso teórico-metodológico-analí-
tico que considerou, por meio de gestos de interpretação de
materialidades discursivas, que os manuais em estudo têm

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Pesquisas em linguagem e ensino

filiação retórico-poética da “arte de escrever” e, segundo os


autores, são atravessados por efeitos de distanciamentos de
versões prescritivas dessa filiação, criticando, nessa medida,
o excesso de purismo fortemente presente no discurso da
tradição retórica.
Maria de Lourdes da Silva Leandro e Washington Silva
de Farias comentam a citada investigação em “Gestos e
movimentos de interpretação do saber sobre a escrita em
manuais didáticos do século XX: entrecruzando olhares”. Na
visão de Leandro e Farias, a pesquisa sobre a constituição
histórica da escrita em manuais didáticos da década de 1920
funciona como uma referência de estudos discursivos que se
dedicam a compreender os gestos e movimentos da escrita
no período cronológico do século passado investigado.
O Capítulo 4, “Ação formativa no Ensino Médio com foco na
didatização de gêneros argumentativos e os efeitos no trabalho
prescrito docente”, de autoria de Luciana Vieira Alves Rocha
e Maria de Fátima Alves, tematiza o planejamento de ativi-
dades de ensino de escrita no contexto do Ensino Médio a
partir de uma intervenção em um curso de formação conti-
nuada sobre gêneros textuais argumentativos. O trabalho de
análise de sequência didática possibilitou às pesquisadoras
concluírem que os professores colaboradores conseguiram
planejar atividades e autorregularem o fazer docente.

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Pesquisas em linguagem e ensino

Em “A pesquisa de Luciana Vieira Alves Rocha e suas contri-


buições para o trabalho com gêneros argumentativos”, Fabiana
Ramos e Maria de Fátima Alves discorrem sobre a citada
investigação. A questão levantada pelas estudiosas insere a
pesquisa de Luciana Vieira Alves Rocha como um relevante
estudo que auxilia a expansão do conhecimento sobre os
efeitos da formação ao fazer docente, possibilitando engaja-
mento dialógico e uma prática sociointeracionista de ensino
de escrita de gêneros textuais argumentativos.
Já o Capítulo “O ensino de língua materna utilizando mate-
rial didático digital: reflexões de professores em formação”, de
Monaliza Mikaela Carneiro Silva-Tomaz e Edmilson Luiz
Rafael, discute sobre a formação de professores em sintonia
com as novas tecnologias da comunicação e da informação.
Nessa perspectiva, a pesquisa respondeu ao questionamento
sobre quais concepções de ensino de língua são requeridas
por professores em formação a respeito do uso de material
didático digital. A investigação apresenta como professores
mobilizam saberes por meio das tecnologias digitais, apon-
tando a necessidade, desde a formação inicial, de investi-
mentos acadêmico-profissionais na relação entre tecnologias
e ensino de língua materna.
Betânia Medrado e Edmilson Luiz Rafael escrevem
“Algumas considerações sobre a Dissertação de Monaliza”.

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Pesquisas em linguagem e ensino

Nele, Medrado e Rafael realçam a importância da referida


pesquisa para os estudos da Linguística Aplicada na moder-
nidade recente, visto que pretende “mergulhar” na reali-
dade dos contextos sociais investigados. Os comentaristas
destacam que o trabalho apresenta a inserção das tecnologias
digitais como interfaces pedagógicas, tornando a pesquisa
contemporânea e engajada com os letramentos digitais de
professores, bem como de seus alunos.
O capítulo “A estrutura do gênero textual enunciado de
atividades escolares” é assinado por Fabiene Araújo Xavier de
Ataíde e Denise Lino de Araújo. A pesquisa teve como obje-
tivo descrever a estrutura de enunciados de atividades em
materiais didáticos elaborados por professores e em módulos
de sistemas de ensino. As autoras compreendem o enun-
ciado de atividades escolares enquanto gênero textual por
manifestarem-se em contexto específico de uso, como, por
exemplo, a esfera escolar. Os dados da investigação possibi-
litaram às pesquisadoras constatarem quais eram as estru-
turas recorrentes ao gênero em estudo.
Na sequência, Angela Paiva Dionisio e Denise Lino de
Araújo tecem comentários sobre a citada pesquisa em “A
escrita do professor: enunciados de atividades escolares”,
acentuando a importância incontestável, segundo as
autoras, do enunciado de atividades escolares. Também

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Pesquisas em linguagem e ensino

destacam a ousada investigação realizada na investigação


de Fabiene Araújo Xavier de Ataíde que, ao estudar a escrita
de professores, “ouvindo-a” sensivelmente, ancorando-se
na Linguística Textual e na Linguística Aplicada, enfrenta
o desafio teórico-metodológico de defender os enunciados
de atividades como gênero da esfera escolar. Dessa forma,
a pesquisa de Ataíde pode ser compreendida como um
investimento científico que pode funcionar como referência
para estudos sobre elaboração de materiais didáticos e
trabalho docente.
Os próximos capítulos do livro são dedicados às pesquisas
voltadas para a relação entre a literatura e o ensino, as quais
abarcam diferentes modalidades e abordam textos literários
diversificados, apontando distintos caminhos para a formação
de leitores. Contudo, apesar dessas assimetrias, os trabalhos
apresentados possuem dois relevantes pontos de contato: a
interação entre os leitores e as obras literárias e a concepção
humanizadora de literatura, formulada por Antonio Candido
(1976; 2004). Desse modo, estas investigações renovaram
o ensino de literatura em distintos níveis de ensino (EJA,
Ensino Fundamental I e Ensino Médio) e levaram para a sala
de aula textos clássicos e populares, nacionais e estrangeiros,
como apresentaremos a seguir.

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Pesquisas em linguagem e ensino

Em “Literatura no ensino de Língua Portuguesa na Educação


de Jovens e Adultos: intercompreensão, teatro e alteridade”,
Josimar Alves da Silva e Josilene Pinheiro-Mariz refletem
sobre a formação educacional, literária e plurilíngue, a
partir do viés da intercompreensão de línguas românicas
(IC), vinculada com o teatro. Os autores consideram que a
experiência proporcionada pela leitura e adaptação teatral
de narrativas clássicas (Os miseráveis, de Victor Hugo, Dom
Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes, e Pinóquio, de
Carlo Collodi) ampliou os horizontes culturais e linguísticos
dos participantes da pesquisa.
Melânia Mendonça Rodrigues e Josilene Pinheiro-Mariz
comentam a referida investigação no texto “Literatura e pluri-
linguismo na formação de estudantes da Educação de Jovens e
Adultos”, ressaltando a necessidade de promover a cidadania
a partir de uma visão plurilíngue e intercultural na contem-
poraneidade. Opinam que os resultados alcançados pelo
pesquisador contribuíram tanto para a formação humana dos
aprendizes quanto dos professores através da metodologia
da intercompreensão de línguas românicas, indicando que
este público leitor pode ser tão competente literariamente
quanto todos os demais, se tiver oportunidade.
Por sua vez, no capítulo “Leitura literária nos anos iniciais
do ensino fundamental”, Sandra de Queiroz Rangel e Naelza

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Pesquisas em linguagem e ensino

de Araújo Wanderley discutem a formação do jovem leitor


através de textos literários de diferentes gêneros. Também
apresentam um recorte teórico-metodológico da disser-
tação de Rangel, destacando o papel do professor mediador
na escolha de textos e de metodologias para a adequada
escolarização da literatura, enfatizando a necessidade de
que a leitura literária seja compreendida como uma prática
social para que o letramento literário possa ser efetivamente
implantado no espaço escolar.
Em “Entre cigarras e formigas: leituras e recepção de Esopo,
La Fontaine, Lobato e Manoel Monteiro no Ensino Fundamental
I”, Lílian de Oliveira Rodrigues e Naelza de Araújo Wanderley
apreciam o trabalho mencionado anteriormente. Para as
autoras, o principal mérito da experiência foi a abordagem de
distintos textos com a mesma temática, visto que a pesqui-
sadora trabalhou com a leitura de fábulas, literatura infantil
e cordel, analisando a recepção de versões da conhecida
fábula “A cigarra e a formiga” e reafirmando a importância
da literatura popular para a formação dos jovens leitores.
O próximo capítulo, “Leitura de contos de Paulina Chiziane
e a recepção da condição feminina em sala de aula”, é escrito por
Márcia Cassiana Rodrigues da Silva e Maria Marta dos Santos
Silva Nóbrega. As autoras descrevem como foi a experiência

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Pesquisas em linguagem e ensino

de recepção de dois contos da escritora moçambicana em uma


escola do Ensino Médio. Entre as contribuições da pesquisa
para os participantes, enfatizam as reflexões realizadas sobre
o papel da mulher na sociedade e o envolvimento da turma
com as leituras, devido à metodologia adotada, as quais
conseguiram aproximar um universo geográfico distante,
mas próximo culturalmente.
Marcelo Medeiros da Silva e Maria Marta dos Santos Silva
Nóbrega avaliam a referida investigação em “Literatura e
questões étnico-raciais: do discurso legal à ação necessária
na escola”. Os comentaristas destacam a relevância do tema
do trabalho: a leitura de literatura africana de língua portu-
guesa, visto que as questões étnico-raciais ainda aparecem de
forma esporádica nas escolas, de maneira geral. Dessa forma,
salientam a necessidade de realização de mais pesquisas
com esta temática a fim de ampliar os horizontes culturais
dos leitores e efetivar a escolarização da literatura africana
no ensino brasileiro.
No capítulo “O conto no livro didático de 1º ano do Ensino
Médio”, Marina Macedo Santos Martins e José Hélder Pinheiro
Alves examinam como o conto é trabalhado em cinco manuais
didáticos, verificando a recorrência do gênero e a sua apre-
sentação ao leitor em formação. Também problematizam as

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Pesquisas em linguagem e ensino

limitações do livro didático e convocam os professores


a adotarem uma postura crítica diante dos manuais,
experimentando novas abordagens da narrativa breve,
como a proposta na citada investigação, a qual contri-
buiu para a formação de leitores críticos.
Por fim, José Hélder Pinheiro Alves comenta a
mencionada pesquisa em “Literatura no livro didá-
tico: uma reflexão sempre oportuna”, compartilhando
sua experiência com esta temática em orientações de
estágios supervisionados e investigações. O professor
acentua a importância de refletirmos se o modo como os
textos são trabalhados nos manuais didáticos favorece
a formação de leitores. Sobre o trabalho de Martins,
considera que a pesquisadora instigou novas leituras do
espaço em contos de Ricardo Ramos, o qual foi lido pelos
participantes em diálogo com a própria vida, ressaltando
o papel do mediador nos múltiplos caminhos para o
ensino de literatura.
Diante dessa breve apresentação, Pesquisas em
Linguagem e Ensino se configura como uma refe-
rência bibliográfica que congrega conceitos, métodos
e análises que contribuem para a construção de saberes
sobre linguagens e suas interfaces com a educação.
Assim, trata-se de um convite para conhecer os

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Pesquisas em linguagem e ensino

trabalhos realizados no Programa de Pós-Graduação


em Linguagem e Ensino, os quais visam colaborar com
a melhoria da educação em nosso país. Nesse sentido,
desejamos a todos uma boa leitura!

Campina Grande, 2020.

Referências

CANDIDO, A. A literatura e a formação do homem. Ciência e Cultura.


São Paulo, v. 24, n. 9, 1972.
CANDIDO, A. O direito à literatura. In: Lima, A. (org.) O direito à
literatura. Recife: UFPE, 2014.

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Sumário

32 Capítulo 1
A produção de videoaulas: desafios para o ensino
a partir de uma concepção sociointeracionista
Vanessa Luciene Pereira da Silva
Williany Miranda da Silva

58 Comentários do capítulo 1
Reflexão e avaliação da dissertação “conteúdos de
língua portuguesa em videoaulas do projeto-enem
na palma da mão”
Regina Celi Mendes Pereira
Williany Miranda da Silva

70 Capítulo 2
Aprendizagem por design: os movimentos do
conhecimento de estagiárias de um curso de
letras - língua inglesa
Luciana Parnaíba de Castro
Marco Antônio Margarido Costa
98 Comentários do capítulo 2
A Pós-Modernidade como pano de fundo das
pesquisas orientadas no Programa de Pós-Graduação
em Linguagem e Ensino
Marco Antônio Margarido Costa

108 Capítulo 3
A constituição histórica da escrita no discurso de
manuais didáticos produzidos na década de 1920
Ana Cristina Falcão Almeida Tavares
Washington Silva de Farias

134 Comentários do capítulo 3


Gestos e movimentos de interpretação do
saber sobre a escrita em manuais didáticos
do século XX: entrecruzando olhares
Maria de Lourdes da Silva Leandro
Washington Silva de Farias
146 Capítulo 4
Ação formativa no ensino médio com foco na
didatização de gêneros argumentativos e os efeitos
no trabalho prescrito docente
Luciana Vieira Alves Rocha
Maria de Fátima Alves

174 Comentários do capítulo 4


A pesquisa de Luciana Vieira Alves Rocha e suas
contribuições para o trabalho com gêneros
argumentativos
Fabiana Ramos
Maria de Fátima Alves

184 Capítulo 5
O ensino de língua materna utilizando material
didático digital: reflexões de professores em formação
Monaliza Mikaela Carneiro Silva-Tomaz
Edmilson Luiz Rafael

208 Comentários do capítulo 5


Reflexões sobre ferramentas digitais em um curso de
formação de professores
Betânia Passos Medrado
Edmilson Luiz Rafael
216 Capítulo 6
A estrutura do gênero textual enunciado de
atividades escolares
Fabiene Araújo Xavier de Ataíde
Denise Lino de Araújo

254 Comentários do capítulo 6


A escrita do professor: o enunciado de atividades
escolares
Angela Paiva Dionisio
Denise Lino de Araújo

262 Capítulo 7
Literatura no ensino de língua portuguesa na
educação de jovens e adultos: intercompreensão,
teatro e alteridade
Josimar Alves da Silva
Josilene Pinheiro-Mariz

286 Comentários do capítulo 7


Literatura e plurilinguismo na formação
humana de estudantes da educação de jovens
e adultos
Melânia Mendonça Rodrigues
Josilene Pinheiro-Mariz
300 Capítulo 8
Leitura literária nos anos iniciais do ensino fundamental
Sandra de Queiroz Rangel
Naelza de Araújo Wanderley

324 Comentários do capítulo 8


Entre cigarras e formigas: leituras e recepção de Esopo,
La Fontaine, Lobato e Manoel Monteiro no Ensino
Fundamental I
Lílian de Oliveira Rodrigues
Naelza de Araújo Wanderley

336 Capítulo 9
Leitura de contos de Paulina Chiziane e a recepção
da condição feminina em sala de aula
Márcia Cassiana Rodrigues da Silva
Maria Marta dos Santos Silva Nóbrega

360 Comentários do capítulo 9


Literatura e questões étnico-raciais:
do discurso legal à ação necessária na escola
Marcelo Medeiros da Silva
Maria Marta dos Santos Silva Nóbrega
374 Capítulo 10
O conto no livro didático de 1º do Ensino Médio:
leitura literária e propostas de trabalho
Marina Macedo Santos Martins
José Hélder Pinheiro

398 Comentários do capítulo 10


Literatura no livro didático: uma reflexão sempre oportuna
José Hélder Pinheiro

413 Sobre os autores


Capítulo 1
A produção de videoaulas: desafios
para o ensino a partir de uma
concepção sociointeracionista

Vanessa Luciene Pereira da Silva


Williany Miranda da Silva

Introdução

A Educação a Distância (EaD) transforma-se em um


modelo de educação favorável e compatível com as neces-
sidades da presente sociedade. Sua aplicação se configura
como “um meio complementar, substitutivo ou integrante
do ensino presencial para a formação das pessoas” (ROVER
et al., 2006, p. 136). A partir da presença de ferramentas
tecnológicas na EaD, são produzidos recursos pedagógicos
que contribuem com a prática de ensino, entre eles: livros
didáticos digitais, videoconferências, CDs de áudio e, entre
outros, a própria videoaula.
Nessa direção, este capítulo tem o objetivo de apresentar
um recorte de dados de uma pesquisa em nível de mestrado.
Nosso estudo parte de um cenário, na graduação, no exercício
da disciplina de estágio de Língua Portuguesa no Ensino
Médio, a qual os graduandos a realizam quando estão prestes

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Pesquisas em linguagem e ensino

a concluir o curso de Letras/Português na Universidade


Federal de Campina Grande. Nesse contexto, os estagiários
foram orientados para a elaboração de módulos e video-
aulas, como atividade de complementação de conteúdos, que
contribuíssem para a preparação de candidatos ao ENEM
a partir de 2016. Tal projeto, intitulado ENEM na palma da
mão, abarcou os temas Leitura multimodal, Variação linguís-
tica, Concordância nominal e verbal e Produção de texto
dissertativo-argumentativo, cujos materiais produzidos
estão publicados em um canal no YouTube (https://www.
youtube.com/channel/UCSkVZmh0xB2ddNZ73_f_8LQ).1
Além desta introdução, o capítulo está organizado em
três seções: concepção sociointeracionista de ensino, seguida
da estratégia de abordagem; videoaula enquanto gênero
comunicativo; e projeto ENEM na palma da mão: estrutura
e análise.

1. YouTube é uma plataforma que possibilita aos usuários o acesso a “conteúdo


audiovisual de forma gratuita, variada e rápida, além de uma participação ativa
no consumo, produção, manipulação e difusão da informação, podendo acessar,
compartilhar e comentar vídeos” (ROCHA; FURTADO; ROCHA, 2015, p. 40).

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Pesquisas em linguagem e ensino

Concepção sociointeracionista e abordagem


discursiva da linguagem

O sociointeracionismo foi empreendido pelo professor


de literatura, filólogo, advogado, psicólogo e médico Lev
Semenovitch Vygotsky (1896-1934). Seus estudos acerca
da formação social das funções cognitivas apresentam,
atualmente, um número maior de pesquisadores na área de
psicologia do desenvolvimento. Conduzem, de igual modo, o
contexto educacional em função da sua relevante atribuição
à mediação do adulto na ascensão das aprendizagens das
crianças (FOULIN, 2000; PEREIRA, 2010).
Segundo Foulin (2000), Vygotsky imprime a tese do desen-
volvimento cognitivo em uma concepção simultaneamente
histórica e cultural. Nessa direção, a questão da descentra-
lização das capacidades humanas assegura que, na gênese
do desenvolvimento, “os conhecimentos a serem adqui-
ridos são externos ao indivíduo e materializados nas obras
humanas: literatura, obras de arte, linguagem” (FOULIN,
2000, p. 36). A partir disso, esse processo evidencia dois
importantes componentes: os sistemas simbólicos e a inte-
ração social. Logo, o progresso das funções mentais supe-
riores (memória, linguagem, consciência) não ocorre sem
o manuseio dos sistemas simbólicos (linguagem, escrita,

35
Pesquisas em linguagem e ensino

números). Na vertente vygotskyana, a aprendizagem ou


apropriação dos sistemas de signos é compreendida como
primordial para o desenvolvimento individual. Tal impor-
tância tem relação com a sua possibilidade de controle sobre
o outro, em torno de comportamento e pensamento. Desse
modo, as aprendizagens são proporcionadas por atividades
realizadas perante tutoria do adulto. O progresso do indi-
víduo se dá através da cultura nas inter-relações sociais. “A
descoberta do meio, a ação sobre os objetos, mas também e,
sobretudo, a aprendizagem dos próprios sistemas simbólicos
dependem da mediação de outrem” (FOULIN, 2000, p. 37).
Esse esquema de desenvolvimento apresenta um impor-
tante espaço para a linguagem, pois as primeiras ações e
modos linguísticos manifestam-se no contexto de comuni-
cação inicial da criança com seu ambiente (FOULIN, 2000).
Para Silva (2017), ela incorpora um significativo papel no
processo de desenvolvimento do indivíduo, pois são os
símbolos que o conectam ao mundo. Porém, necessitam de
um mediador para impulsioná-las, sendo este mediador o
responsável por intervir na relação. Nesse caso, a linguagem
exerce um papel externo, que passará por aperfeiçoamentos.
Quando dirigida a si mesmo, é denominada “egocêntrica,
torna-se para a criança um meio de organizar suas próprias
ações no mundo” (FOULIN, 2000, p. 38).

36
Pesquisas em linguagem e ensino

Todavia, ponderar que a aprendizagem é o caminho do


desenvolvimento não quer dizer que todo o seu processo seja
realizado em todo instante. “A tese de Vygotsky significa,
antes, que as capacidades de aprendizagem de uma criança
não devem ser confundidas com o nível cognitivo alcançado
em dado momento” (FOULIN, 2000, p. 39). Ou seja, em dado
momento, estaria presente um progresso potencial, “no
qual as capacidades individuais poderiam ser ultrapassadas
quando certas condições estivessem reunidas” (FOULIN,
2000, p. 39). Isso está interligado a um dos mais representa-
tivos conceitos de Vygotsky: a chamada zona de desenvolvi-
mento proximal. Ela tem um importante papel no processo
de desenvolvimento do indivíduo, por pressentir e propiciar
o que ele será capaz de efetuar sozinho, ulteriormente. Por
isso, “a aprendizagem precede o desenvolvimento; a zona
de desenvolvimento proximal assegura o elo entre os dois”
(FOULIN, 2000, p. 39).
No que concerne à abordagem de ensino resultante dessa
concepção, Pereira (2010) menciona que temos a abordagem
discursiva da linguagem. Ela envolve o papel exercido pelo
outro, abarcando uma proporção elucidativa e constitu-
tiva. “As contribuições de Vygotsky, Volóchinov e Mikhail
Bakhtin deram um novo direcionamento aos estudos linguís-
ticos” (PEREIRA, 2010, p. 236). Tais autores, de modo geral,

37
Pesquisas em linguagem e ensino

partem dessas discussões epistemológicas que abrangem o


desenvolvimento e a abordagem discursiva da linguagem
(PEREIRA, 2010).

Videoaula: gênero comunicativo

O estudo dos gêneros não é algo novo, o seu início


vem desde Platão com a vinculação aos gêneros literários
(MARCUSCHI, 2008). Bakhtin (2010), em sua obra Estética
da criação verbal, os define partindo da ideia de que todos os
contextos da atividade humana mantêm uma ligação com o
uso da linguagem, caracterizando-os como multiforme, já
que estão intrinsecamente vinculados a diferentes campos
sociais. Sendo assim, os gêneros abarcam condições e finali-
dades específicas, que não consideram apenas o conteúdo e o
estilo de linguagem, mas, sobretudo, a construção composi-
cional. São esses elementos que estão inteiramente ligados e
determinam os campos de comunicação. O autor os nomeia
como gêneros discursivos por conceber que “[...] são inesgo-
táveis as possibilidades da multiforme atividade humana e
porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório
de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida
que se desenvolve e se complexifica um determinado campo”
(BAKHTIN, 2010 [ano da 5ª edição], p. 262).

38
Pesquisas em linguagem e ensino

Bronckart (2012), apoiado na abordagem sociodiscursiva,


postula que os gêneros são fundamentais mecanismos de
socialização, situados em práticas comunicativas. Seus obje-
tivos de ação da linguagem incorporam a construção de um
contexto situacional (situação de interação ou comunicação
como influenciadores na organização textual), temático
(conjunto de informações explicitamente apresentadas) e
estilístico (intervenção verbal mobilizada e empreendida
por determinado agente). Nas palavras de Hemais e Biasi-
Rodrigues (2005), fundamentados em Swales (1990), o prin-
cipal objetivo dos gêneros envolve a sua função e propósito
comunicativo como motivadores da ação.
Marcuschi (2010) amplia essa discussão e traz a noção de
gênero comunicativo, justificando que sua caracterização é
representada muito mais pela sua funcionalidade comunica-
tiva, cognitiva e institucional do que por suas especificidades
linguísticas e estruturais. Eles devem ser contemplados “em
seus usos e condicionamentos sociopragmáticos caracteri-
zados como práticas sociodiscursivas” (MARCUSCHI, 2010,
p. 20). Ainda segundo o autor, os gêneros não são entidades
formais, porém entidades comunicativas.
Desse modo e considerando que não nos comunicamos,
veiculamos ou acessamos conteúdos de língua portuguesa
se não for por algum gênero, conceituamos a videoaula

39
Pesquisas em linguagem e ensino

como gênero comunicativo. Seu modo de apresentação e


organização, a sua linguagem em torno dos recursos lexi-
cais, gramaticais e fraseológicos ou os sentidos e conteúdos
abordados atendem, respectivamente, à estrutura compo-
sicional, ao estilo e ao conteúdo temático que a configuram
e designam como tal. Logo, “todos os gêneros têm uma
forma e uma função, bem como um estilo e um conteúdo,
mas sua determinação se dá basicamente pela função e não
pela forma” (MARCUSCHI, 2008, p. 150). Significa dizer que
a videoaula se apresenta com objetivos e funcionalidade
constituída com base nas transformações e necessidades
ocasionadas pela inserção dos recursos tecnológicos na
vida social e educacional. Elas proporcionam novos hábitos
direcionados para professores, alunos e interessados em ter
acesso a diferentes conteúdos por meio da sua utilização.

Videoaulas no projeto ENEM na Palma da Mão:


estrutura e análise

As videoaulas do projeto ENEM na palma da mão apre-


sentam uma estrutura funcional semelhante, pois, em cada
uma delas, temos um estagiário(a)-expositor(a), com camisas
padronizadas, slides em uma TV, microfones, e uma duração
que varia entre 4 e 12 minutos.

40
Pesquisas em linguagem e ensino

Do ponto de vista da estrutura, temos uma previsibili-


dade para as etapas de abertura e encerramento, com pouca
variação. Essas duas seções apresentam, no momento inicial,
uma saudação aos internautas, a identificação e a menção ao
projeto. Já em seu encerramento, a disposição organiza-se de
modo diferenciado por cada estagiário(a)-expositor(a), com
destaque para convite, recomendação do módulo, dúvidas
e despedida.
No tocante à execução, constatou-se a recorrência
de abordagem sequenciada dos conteúdos através de
“Contextualização, exemplificação e definição”. Com o
reconhecimento da forma de exposição das videoaulas
(doravante, VA), pudemos caracterizar a estratégia, resul-
tante de uma pré-análise, denominada “Estratégia com
percurso iniciado pela contextualização”. Dessa identifi-
cação, procuramos estabelecer uma relação entre a estratégia
e a concepção de ensino que as VA evocam. Tal associação
permitiu contemplar uma relação entre conteúdo exibido e
concepção de ensino, chamada de “relação de proximidade”.
Para a análise, utilizamo-nos de exemplos reproduzidos
pelas imagens capturadas nas VA por meio de prints,
denominadas de figuras, enumeradas em ordem crescente.
Além disso, realizamos a transcrição de áudio das VA, como
comprovação das estratégias identificadas, transcrevendo-o

41
Pesquisas em linguagem e ensino

segundo as normas exibidas pelo Projeto NURC. 2 Sua


exposição acompanha uma sequência cronológica de
exibição em ordem, também crescente, denominadas de
Trecho 01, 02, 03...
As videoaulas que apresentam a estratégia de abor-
dagem com percurso iniciado pela contextualização são
as VA8 e VA13.
A VA8 é apresentada no canal como sendo a segunda aula
de um conjunto de seis sobre o tema “Concordância verbal e
nominal” e aborda o conteúdo “Concordância nominal (regra
geral)”. Sua exposição é realizada por um estagiário-expositor
com duração de 7 minutos e 50 segundos. No momento de
abertura, o estagiário-expositor menciona que o conteúdo será
abordado com foco na regra geral. Seguidamente, ele fala da
concordância nominal de modo contextualizado, situando-a
enquanto regra presente na norma padrão e importante para
o atendimento ao texto dissertativo-argumentativo, presente
no ENEM. A maneira como o estagiário contextualiza amplia
a sua simples definição, pois ele tenta situar a sua relação com
a norma padrão, a necessidade de seu domínio no exame e a
credibilidade proporcionada por seu uso. Vejamos:

2. As transcrições serão produzidas a partir das normas estabelecidas pelo Projeto


de Estudos da Norma Linguística Urbana Culta de São Paulo (NURC, 1998).

42
Pesquisas em linguagem e ensino

Trecho 1

A concordância nominal é uma das regras apontadas


pela norma padrão para o uso da língua e você sabe que a
norma padrão é uma das variedades linguísticas que es-
tabelece essas regras o uso da língua em situações mais
formais...e::dominar a concordância nominal é impor-
tante quando você vai escrever por exemplo um texto
dissertativo-argumentativo como é o caso do ENEM...
então presta atenção no conteúdo dessa aula para que
você possa usufruir desse conteúdo desse conhecimento
na hora de escrever sua redação...lembre-se que um
texto que apresenta um bom domínio da concordância
nominal é um texto que tem mais credibilidade.

Ulteriormente, o estagiário-expositor exibe uma tirinha


do personagem Charlie Brown para que sirva de base para a
compreensão do conteúdo. Para isso, realiza a sua leitura e
destaca um trecho que exemplifica um caso de concordância
nominal. Nessa direção, a tirinha contribui para a identifi-
cação e a exemplificação. Vejamos:

43
Pesquisas em linguagem e ensino

Figura 1. Exemplificação com o uso da tirinha na VA8

Fonte: https://youtu.be/dPJA3EXGz4M

Baseado na leitura dessa tirinha, o estagiário-expositor


retira, como exemplo, o trecho “Um nariz grande” e “orelhas
longas e estúpidas” do terceiro quadrinho. A partir disso, ele
situa cada palavra, apresentando a sua classe morfológica,
bem como o gênero e o número a que pertence, levando em
consideração a concordância nominal existente entre elas.
Observemos.

44
Pesquisas em linguagem e ensino

Trecho 2:

Eu gostaria de chamar a sua atenção para o terceiro qua-


dro dessa tirinha, mais especificamente para a última
frase desse quadro...um nariz grande orelhas longas e
estúpidas...vamos por partes...na primeira parte desta
frase nós temos um nariz grande um conjunto de três
palavras cujo núcleo é o substantivo nariz do gênero
masculino e que está empregado nessa frase no singu-
lar... relacionando a palavra nariz nós temos a palavra
um e a palavra grande...a palavra um é um numeral do
gênero masculino e que está sendo empregado obvia-
mente no singular nesta frase...já o adjetivo grande é
uma palavra do gênero neutro e ele pode concordar tan-
to com uma palavra do gênero masculino quanto com
uma palavra do gênero feminino e ele está empregado
também no singular...portanto perceba que há uma
relação de concordância de harmonia de acordo entre
estas três palavras.

A estratégia de abordagem realizada pelo estagiário-


-expositor se dá de modo detalhado, observando a relação
e o acordo entre as palavras. O mesmo ocorre com o trecho
“orelhas grandes e estúpidas”. Em seguida, é apresentado
um outro trecho de uma manchete de revista que também
traz um exemplo de concordância nominal, cujos tratamento

45
Pesquisas em linguagem e ensino

e explicação ocorrem de modo semelhante ao da primeira


situação. A partir disso, o estagiário exibe a conceituação
da regra geral para a concordância nominal, conforme
evidencia a Fig. 2.

Figura 2. Conceituação da regra geral da concordância nominal na VA8

Fonte: https://youtu.be/dPJA3EXGz4M

Nesta conceituação, há uma sinalização para a relação de


concordância entre o substantivo e seus determinantes no
que corresponde às flexões de gênero e número. Quanto aos
demais momentos da VA8, podemos ressaltar que o estagi-
ário-expositor ainda apresenta mais um exemplo com o uso
do gênero tirinha e uma atividade com um trecho retirado

46
Pesquisas em linguagem e ensino

de uma revista. Um aspecto a ser mencionado é que a sua


exposição pode ser visualizada de duas formas estratégicas.
A primeira engloba o percurso da contextualização, exem-
plificação e definição, conforme ilustramos anteriormente;
e o segundo restringe-se a leitura de exemplos (tirinha e
trecho de uma revista), retirada e focalização em trechos que
exemplificam a concordância nominal, e menção a sua regra.
No que se refere à concepção de ensino, podemos estabe-
lecer uma relação de proximidade com a estratégia de abor-
dagem sociointeracionista, pois há uma tentativa de rela-
cionar o uso da língua a um dado contexto. Há um processo
de mudança, emergência.
A VA13, por sua vez, é caracterizada no canal como sendo
a primeira videoaula de um conjunto de cinco acerca do tema
“Produção de texto dissertativo-argumentativo”. Ela é minis-
trada por uma estagiária-expositora que aborda o conteúdo
“Argumentação, estratégias e operadores argumentativos”
em 7 minutos e 43 segundos.
O início, assim como nas videoaulas anteriores, compre-
ende a exposição topicalizada do que será abordado ao longo
da VA13. Tal topicalização abarca a conceituação da argu-
mentação, bem como sua importância, além das estratégias
e operadores argumentativos. Vejamos:

47
Pesquisas em linguagem e ensino

Figura 3. Exposição topicalizada dos conteúdos na VA13

Fonte: https://youtu.be/B3sYqQ3ZANE

Logo após a exposição do que será abordado, a estagiária-


-expositora apresenta uma contextualização introdutória
para subsidiar a sua ministração acerca da argumentação.
Ela parte de um típico exemplo do cotidiano da relação entre
mãe e filho ou da professora com o aluno para enfatizar o
quanto utilizamos o recurso argumentativo para persuadir
o outro, conforme ilustra o Trecho 3.

48
Pesquisas em linguagem e ensino

Trecho 3:

[...] o que você faria se quisesse muito ir ao shopping


com seus amigos mas para isso tivesse que convencer
a sua mãe a deixá-lo ir ou o que faria se precisasse
convencer sua professora a realizar mais uma revisão
antes daquela tão temida prova? Isso mesmo! Você uti-
lizaria todos os argumentos possíveis para convencê-la
a mudar de opinião...Fazemos isso o tempo todo.

A partir da leitura do Trecho 3, podemos visualizar que


a estagiária apresenta uma contextualização baseada em
algo recorrente no dia a dia das pessoas e que o exemplo
tem um tom interrogativo como se estivesse priorizando
uma tentativa interativa, mesmo que a distância e sem a real
presença de alunos. Desse modo, a estagiária da VA13 pode
ter feito uso de expressões dialogais em tom de pergunta
para tornar o conteúdo o mais próximo possível do candi-
dato ao ENEM.
Na sequência, ela exibe uma tirinha do personagem
Calvin como exemplo do uso da argumentação. Nela, o
personagem pergunta a sua mãe se eles podem ir comer
pizza, porém a mãe argumenta que eles comeram pizza no
dia anterior e que elas são caras. Porém Calvin não aceita a
argumentação da mãe e contra-argumenta questionando se

49
Pesquisas em linguagem e ensino

ela prefere passar a noite cozinhando e lavando pratos em


vez de gastar dinheiro. Com isso, ele consegue convencê-la
a jantar pizza. Vejamos.

Figura 4. Exibição da tirinha como exemplo na VA13

Fonte: https://youtu.be/B3sYqQ3ZANE

Trecho 4:

Olhando para a tirinha percebemos que Calvin apre-


senta no primeiro quadrinho uma tese uma ideia inicial
ir comer pizza naquele dia mas sua mãe não aceita e
apresenta dois argumentos que são contrários à tese
apresentada pelo garoto e são eles o fato de terem

50
Pesquisas em linguagem e ensino

comido pizza fora no dia anterior e também comer


sempre fora de casa é caro...porém o garoto insatisfeito
[...] contra-argumenta [...] apresenta novos argumen-
tos que vão contra o de sua mãe [...] desta forma ele
convence a mãe a mudar de opinião.

O tratamento dado pela estagiária ao exemplo exposto


parte de sua leitura, interpretação e uso de termos próprios
das sequências argumentativas (argumentação, tese, argu-
mento) que são esclarecidos e conceituados após esse
momento interpretativo, conforme ilustra a Fig. 5.

Figura 5. Exposição de termos característicos da sequência argumentativa

Fonte: https://youtu.be/B3sYqQ3ZANE

51
Pesquisas em linguagem e ensino

Tal percurso estratégico de abordagem corresponde à


sequência da contextualização, exemplificação e conceitu-
ação. É possível perceber que a estagiária-expositora parte
de uma situação inicial contextualizada, apresenta uma
tirinha em que são observadas sequências argumentativas
e finaliza a sua abordagem com a conceituação de argumen-
tação, tese e argumento.
Portanto, com base na estratégia de abordagem inicial
da VA13, podemos estabelecer uma relação de proximidade
com a concepção sociointeracionista, uma vez que ela parte
de uma situação de uso cotidiano, incorporando assim uma
tentativa de trazer a abordagem discursiva da linguagem.
Com base na análise das VA8 e VA13, veiculadas no
Youtube pelo projeto ENEM na palma da mão, constatamos
que a primeira VA está situada no eixo da análise linguística
e a segunda VA no eixo da escrita, todavia isso não impede
uma abordagem a partir da concepção sociointeracionista
com foco na reflexão da linguagem.
No que se refere ao eixo da análise linguística, podemos
dizer que o ensino gramatical tem passado por tentativas
de ressignificação, uma vez que presenciamos a exempli-
ficação por meio da exposição de um gênero e não mais de
frases soltas e destoadas de um dado contexto. Entretanto,

52
Pesquisas em linguagem e ensino

segundo Mendonça (2006), ressignificar o ensino da gramá-


tica representa uma das questões mais desafiadoras para o
professor de Língua Portuguesa. Desse modo, o que é visto
na VA8 do referido projeto é representativo do que já ocorre
em sala de aula, o desafio de ensinar gramática trazendo
a reflexão de uso da língua não poderia ser mascarado em
decorrência da mudança espacial de sala de aula presencial
para o âmbito virtual. Isso comprova que os recursos tecno-
lógicos estão presentes no contexto educacional, porém a
sua utilização não inviabiliza ou descaracteriza os desafios
do professor de Língua Portuguesa. Além disso, buscar um
ensino voltado para uma abordagem discursiva é possível.
Mesmo diante dos desafios encontrados, é preciso tornar
possível a aproximação entre a reflexão da língua e a reali-
dade do candidato. Na VA8, o Trecho 1 evidencia que o
estagiário-expositor contextualiza a importância do conhe-
cimento e uso da variedade de prestígio, sinalizando assim
a finalidade do estudo do conteúdo.
Quanto à abordagem do conteúdo da VA13, podemos
perceber também um tratamento contextualizado, que
parte de uma situação corriqueira, tornando a reflexão da
argumentação algo comum e utilizado diariamente pelos
falantes. Não é algo distante ou apenas típico da produção

53
Pesquisas em linguagem e ensino

da dissertação-argumentativa. Assim como no eixo ante-


rior, identificamos uma reflexão do uso da língua situada
no contexto real dos candidatos.
Nessa direção, presenciamos uma ressignificação do
ensino da Língua Portuguesa associada às mudanças da
era digital. Esse novo espaço de formação docente possibi-
lita a criação de novos gêneros comunicativos direcionados
para os internautas. Embora não seja novidade que a propa-
gação de videoaulas tem sido ampla no universo midiático
por professores que se propõem a expor diferentes conte-
údos para diferentes finalidades e público, a sua realização
no espaço de formação configura-se como singular. Desse
modo, o sujeito tradicional é o que aprende o conteúdo da
transposição didática, mas a criação, a produção do gênero
videoaula exigiu desses sujeitos uma formação para além da
experiência, dos saberes profissionais (TARDIF, 2012). Eles
participaram de uma prática multiletrada que ultrapassou
os seus saberes acadêmicos.

54
Pesquisas em linguagem e ensino

Considerações finais

O projeto ENEM na palma da mão configura-se deci-


sivo para a inserção de estagiários no contexto profissional
vigente. A experiência possibilita um olhar diferenciado para
o âmbito educacional interligado com as transformações
sociais. Atuar em um espaço virtual caracteriza transitar
do ensino presencial para o ensino a distância. Significa
repensar a atuação do professor no século XXI, uma vez que
os alunos estão situados em ambientes digitais. Não há mais
como visualizar a sociedade destituída dessas mudanças. Elas
estão em todos os lugares e a escola precisa acompanhar esse
processo para que professores e alunos saibam como lidar
com os desafios contemporâneos.
Em se tratando das videoaulas produzidas, constatamos
que existe uma busca integrada entre o uso dos recursos
tecnológicos e a abordagem direcionada para a reflexão da
língua. É uma parceria que faz parte da realidade e possi-
bilita repensar a graduação em consonância com o mundo
digital, o próprio currículo e adequação ao universo profis-
sional que já vivenciamos. Não é nada para o futuro, já faz
parte do presente.

55
Pesquisas em linguagem e ensino

Referências

BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Prefácio à edição francesa


Tzvetan Todorov. Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. 5. ed. São
Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.
BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos. Por um
interacionismo sociodiscursivo. Tradução Anna Rachel Machado, Péricles
Cunha. 2. ed., 2. reimpr. São Paulo: EDUC, 2012.
FOULIN, Jean-Noel. MOUCHON, Serge. Psicologia da educação. Tradução
Vanise Dresh. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. p. 15-53.
HEMAIS, B. BIASI-RODRIGUES, B. A proposta sócio-retórica de John M.
Swales para o estudo de gêneros textuais. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.;
MOTTA-ROTH, D. (org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo:
Parábola Editorial, 2005. p. 108-129.
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São
Paulo: Parábola Editorial, 2008. p. 146-221.
MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In:
DIONISIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (org.). Gêneros textuais
e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. p. 19-38.
MENDONÇA, M. Análise linguística no ensino médio: um novo olhar,
um outro objeto. In: BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. (org.). Português no
ensino médio e formação de professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. p.
199-226.
NURC. Normas para transcrição. In: PRETI, D. (org.) Estudos de língua
falada: variações e confrontos. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 1998. p.
12-13.
PEREIRA, R. C. M. S. Didática do ensino de língua portuguesa, 2010.
Disponível em http://biblioteca.virtual.ufpb.br/files/didatica_do_ensino_
de_langua_portuguesa_1360182473.pdf. Acesso em 16 out. 2017.
PROJETO ENEM NA PALMA DA MÃO. Disponível em https://www.youtube.
com/channel/UCSkVZmh0xB2ddNZ73_f_8LQ. Acesso em 24 nov. 2017.

56
Pesquisas em linguagem e ensino

ROVER, A. et al. O vídeo no processo de mediação didático-pedagógica na


educação a distância. Roteiro, Unoesc, v. 31, n. 1-2, p. 135-158, jan./dez.
2006. Disponível em http://editora.unoesc.edu.br/index.php/roteiro/article/
download/8841/4873. Acesso em 16 dez. 2016.
SILVA, Juliane Paprosqui Marchi da. Psicologia da aprendizagem.
Universidade Federal de Santa Maria, 2017. Disponível em: https://nte.ufsm.
br/images/identidade_visual/MD_PsicologiadaAprendizagemFinal.pdf.
Acesso em: 15 out. 2017.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 14. ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2012.

57
Comentários do Capítulo 1

Reflexão e avaliação da dissertação


Conteúdos de língua portuguesa em videoaulas
do projeto enem na palma da mão

Regina Celi Mendes Pereira Silva


Williany Miranda da Silva
Contexto de produção: o processo de criação

O surgimento da dissertação Conteúdos de língua portu-


guesa em videoaulas do projeto ENEM na palma da mão emerge
de inquietações entre sujeitos envolvidos — professor de
estágio docente e alunos em formação — da disciplina cursada
durante o último semestre da licenciatura em Letras, deno-
minada de Estágio docente, da Unidade Acadêmica de Letras,
câmpus I da Universidade Federal de Campina Grande. Neste
período, a autora da dissertação fazia parte como estagiária.
A compreensão do produto ora relatado demanda uma viagem
no tempo com especificações para o lugar dos sujeitos, a
identificação do objeto de pesquisa, a opção teórica, a organi-
zação teórico-metodológica e, por fim, a definição e reflexão
sobre o objeto de pesquisa: videoaulas do projeto ENEM na
palma da mão.
Para início de conversa, os sujeitos, em situação de
formação no estágio supervisionado, estão à procura de um
bem, conforme Lutterman e Souza (2017: 19-22) assinalam
ao considerarem a correlação entre o conteúdo de ensino da
Língua Portuguesa e a formação docente. Nesse sentido, a
finalidade que precede a ação nem sempre explicita a clareza
desse percurso à obtenção desse bem. Segundo as autoras,

59
Pesquisas em linguagem e ensino

Desde o surgimento da disciplina, no tempo do Império


até meados da década de 1980, o bem predominante era o
domínio da língua padrão, ou seja, professores, material
didático, alunos, todos estavam empenhados em adquirir a
norma culta da língua. Nas últimas três décadas, pesquisas
das universidades têm provocado uma virada conceitual
sobre esse bem: ensinar a Língua Portuguesa é propor-
cionar condição de acesso dos alunos aos bens produzidos
pela língua: textos e discursos em circulação no mundo
social (...) Alcançar o meio-termo pode significar que nossas
subdivisões de conteúdos devam não ser tratadas com
excesso nem com falta. (LUTTERMAN; SOUSA, 2017, p.
21-22).

E assim os sujeitos — a professora-estagiária e os esta-


giários — se renderam ao desafio de desenvolver atividades
tanto presenciais quanto a distância, inovando com a criação
do projeto ENEM na palma da mão, material didático que
nasce em módulos produzidos pelos formandos e são rein-
ventados em videoaulas, disponíveis não só para alunos da
Educação Básica em vias de realizar exames nacionais, mas
também para usuários da rede mundial de computadores
com interesse em acessar gratuitamente material de ensino
sobre conteúdos de língua portuguesa.

60
Pesquisas em linguagem e ensino

A construção e utilização do material didático produzido


parecia já cumprir objetivos da disciplina. Na prática, estava
sendo observado o impacto de uma das possibilidades de
incrementação do livro didático, para além do impresso.
Segundo Silva (2016), tal investimento é o resultado de
mudanças nos modos de ler e de produzir textos, em conso-
nância com o paradigma complexo, incluindo-se gêneros
multimodais e hipermidiáticos.
As videoaulas se aproximam do que Rojo (2013) denomina
recursos educacionais abertos (REA), que estão sob domínio
público ou licenciados de maneira aberta para serem usados
ou adaptados por outrem, criando-se uma rede social cola-
borativa com finalidades educacionais e didáticas. Segundo
a autora, o êxito da proposta depende da disponibilidade
de tempo e da competência do professor para construí-los.
Esses requisitos foram vencidos pelos estagiários, ávidos
por novidade e motivados pela orientação norteadora da
supervisora. Nesse sentido, os resultados já poderiam ser
medidos pela produção do material que se construía a serviço
do objeto — o texto, resguardado em seus eixos de ensino.
Uma rotina escolar de greves e feriados e uma agenda de
trabalho com calendário civil, divergente da rotina universi-
tária, surgem como um elemento complicador para o cumpri-
mento das etapas necessárias à realização do estágio. Assim,

61
Pesquisas em linguagem e ensino

a produção de videoaulas se revelou um bem inovador, não


apenas para as obrigações institucionais, mas, sobretudo,
para o despertar de uma provável profissão ainda não devida-
mente regulamentada: o profissional licenciado com espaço
para divulgar conteúdos de ensino a distância (youtuber,
blogger, vlogger,...), dentro de parâmetros regulados por
uma teoria de sustentação, que embasa o ensino de Língua
Portuguesa.
Nisso consistia o diferencial inovador: os sujeitos apren-
dizes estavam vivenciando uma realidade tecnológica longe
de espontaneísmos ou de saberes especializados no âmbito da
filmografia: eram estagiários de Letras com finalidade espe-
cífica de tratar a língua/texto como objeto de ensino, vincu-
lando-o a outros saberes, monitorados por uma expertise que
extrapolava o currículo atual do curso. Outros sujeitos além
do universo escolarizado compunham essa equipe: técnicos
em filmagem e responsáveis pelo Laboratório de Informática
do curso de Libras, disponível aos cursos da Unidade em que
os estagiários estavam matriculados.
Tal mudança implicou uma prática pouco conhecida dos
discentes que se depararam com aspectos da interação, não
mais face a face, em ensino presencial, como a multimoda-
lidade, a redução do tempo de aula, a postura corporal, a
familiaridade com a câmera e os recursos fonográficos, as

62
Pesquisas em linguagem e ensino

marcas de oralidade formal, a precisão de exemplos para os


conteúdos divulgados, entre outros elementos, como o lugar
de identificação para o novo ambiente de ensino — o digital.
Após a realização de um estágio tão desafiador, seus
resultados resvalaram como um contínuo para entender a
experiência vivida e tão pouco divulgada no espaço acadê-
mico. Essa necessidade se coadunou com os interesses da
orientadora da pesquisa, uma vez que os produtos resultaram
em videoaulas de leitura, de escrita, de variação linguística,
entre outras. Tendo-se a linguagem como objeto de ensino,
em suas variadas nuances, sobretudo, em ambientes digitais,
de pronto engajamos o projeto de dissertação aos projetos
em curso: Novas configurações de ensino de leitura e escrita em
atividades de linguagem(ns) (2014-2017), com continuidade
em Configurações de ensino em práticas multidisciplinares de
linguagem(ns), (2018-2022), desenvolvidos durante a produção
da dissertação4 e de outros produtos desenvolvidos com o
corpus selecionado.
O enredo ora apresentado evidencia as marcas de moti-
vação que a experiência sinalizava para a estagiária e para
a orientadora. Sob o efeito das atividades desenvolvidas
em situação de estágio, era necessário cuidar para que
não adentrasse o “paradoxo do observador”, que, segundo
Oliveira (2011), trata-se de um contexto típico em discussão,

63
Pesquisas em linguagem e ensino

pois, “para poder medir, o observador precisa inserir-se no


processo que quer observar, mas ao inserir-se, ele também se
posta como elemento do processo (coisa observada), influen-
ciando e, logicamente, tornando imprecisos os resultados da
medida” (OLIVEIRA, 2011, p. 129).
Dito de outra forma, para uma análise mais adequada
e menos parcial dos dados, a mestranda precisava de um
distanciamento, tanto quanto possível, para explicitar e
analisar os objetos coletados, catalogados e analisados sob
o prisma das teorias relacionadas. Vale salientar que o “mar
de dados” gerados por ocasião da realização do estágio foi o
primeiro desafio a ser considerado, haja vista a interferência
como sujeito participante e colaboradora na realização de
estágio supervisionado. Necessário se fez uma tomada de
decisão e recorte para a construção do objeto de análise.
A opção em tratar de forma distanciada os dados, por certo,
causou estranhamento aos examinadores, cuja sugestão foi
a de instaurar uma abordagem metodológica mais huma-
nista em detrimento de uma abordagem mais centrada nos
produtos. Essa constatação influenciou o encaminhamento
do texto que acrescentou à análise, após a qualificação: as
respostas a um questionário realizado com a professora de
estágio e com os estagiários, ampliando a possibilidade de
reflexão sobre os produtos divulgados no ambiente digital.

64
Pesquisas em linguagem e ensino

Outro aspecto relativo às escolhas das videoaulas foi


norteado pela percepção dos conteúdos abordados no mate-
rial. A distinção entre o objeto de investigação científica e o
objeto de ensino exigiu, paradoxalmente, o distanciamento
da pesquisadora num papel diferente do sujeito que viven-
ciou o processo — tais sutilezas representaram momentos
substancialmente ricos para a constituição da pesquisa pelo
rumo que tomou.
Após a definição dos conteúdos veiculados nas videoaulas
como o objeto de estudo, outros desafios se anunciaram.
Diferentemente de outras investigações sobre objetos de
circulação ampla em ambientes digitais, das quais pouco se
sabe sobre os processos de criação e a finalidade de divul-
gação, muito se sabia dos bastidores da construção desse
objeto. Estavam no universo das sombras o acesso aos sujeitos
implicados, os relatórios de estágios, as anotações diversas,
as gravações informais, além da análise dos módulos produ-
zidos, materiais que enriqueceram e humanizaram o processo
de construção da dissertação, tornando-a mais elucidativa
do que inicialmente fora pensado.
A metodologia sofreu vários revezes, pois a catalogação
inspirada por outras dissertações não foi suficiente para
contemplar a variedade de dados e definir o corpus. Um
recorte era preciso ser anunciado e, com base em alguns

65
Pesquisas em linguagem e ensino

critérios, mencionado no corpo do texto; e influenciado pela


teoria de base sociointeracionista, adotada pela autora, o
processo de redefinição rendeu-se ao cronograma de ação
da pesquisa.
Essas considerações justificam o porquê da apresen-
tação do resultado de uma análise notadamente em defesa
de mais experiências docentes dessa natureza. O avanço
tecnológico e a acessibilidade desses materiais convergem
para outras práticas de ensino, diferentemente das naturali-
zadas e denominadas de tradicionais, em que se sobressai o
ensino presencial. Os currículos das licenciaturas, por vezes,
ignoram artefatos que se movem e migram de forma muito
rápida para o universo dos estudantes da Educação Básica.
Pensando dessa maneira, independentemente de programas
de governo, o Estado brasileiro precisa estar em consonância
com os movimentos internacionais, e os cursos, em especial,
os de licenciatura, precisam reinventar currículos, práticas
e ações em que a formação docente esteja mais bem apare-
lhada para os desafios do século que transcorre. O ensino
a distância pode não ser a solução, mas colabora para uma
alternativa em que mudanças de posturas de profissionais
e de materiais didáticos se tornam inevitáveis.

66
Pesquisas em linguagem e ensino

Avaliando o produto: dos aspectos estruturais


aos posicionamentos teórico-metodológicos

O caminho das pesquisas de cunho qualitativo-interpreta-


tivista é sempre instigante e permeado por surpresas. Nessa
dissertação, não seria diferente, mas se mostrou ainda mais
revelador do quão ricas são as investigações que se voltam
para a análise das rotinas da formação inicial e suas impli-
cações didático-pedagógicas. O mérito inicial da pesquisa
situa-se exatamente em dar visibilidade e materialidade aos
instrumentos de formação usados na disciplina de Estágio
Docente, pouco tempo depois de vivenciada a experiência no
curso. A estagiária, posteriormente na condição de pesquisa-
dora, volta-se para analisar o processo em que esteve envol-
vida, o que revela o caráter positivo da experiência vivenciada.
Os aspectos positivos vão além, na medida em que trazem
à tona uma discussão subjacente, mas igualmente impor-
tante, que diz respeito a como os professores em formação
inicial mobilizam os conhecimentos linguísticos e os trans-
põem didaticamente, tendo como aporte teórico os princí-
pios sociointeracionistas. Assim, a professora em formação
inicial assume, posteriormente, outro papel social, o de
pesquisadora da própria formação, ao investigar como os

67
Pesquisas em linguagem e ensino

conteúdos de língua portuguesa assumem a dimensão de


objetos de ensino-aprendizagem. Os estagiários tornam-se
protagonistas de um processo de mão dupla, uma vez que
o trabalho de transposição dos conteúdos faz emergir suas
concepções de língua/linguagem e a abordagem didática
subjacente às videoaulas.
Na condição de autores das videoaulas, os estagiários
configuram materialidade ao gênero, e a pesquisadora, enfim,
assume um posicionamento autoral decisivo na descrição dos
seus elementos constitutivos e em sua análise sociofuncional,
na qual o caráter didático se faz mais saliente.
Por fim, avalio que a pesquisa consegue ser ainda mais
exitosa, não só pela coerência e harmonia entre abordagem
teórica e orientação metodológica, mas por ter possibilitado
três dimensões de investigação das práticas linguageiras,
tão bem acolhidas no âmbito dos interesses da Linguística
Aplicada: dimensão da formação inicial no curso de licencia-
tura em Letras no contexto de Estágio Docente, dimensão do
estatuto de língua/linguagem e suas implicações didáticas;
e, finalmente, a dimensão agentiva, social e constitutiva
dos gêneros.

68
Pesquisas em linguagem e ensino

Referências

LUTTERMAN, Luana Alves; SOUZA, Agostinho Potenciano de. Professores


de língua portuguesa no estágio supervisionado: Práticas de formação
divergentes. In: LUTERMAN, Luana Alves et al. Educação linguística e
formação docente: diferentes olhares epistemológicos. Campinas, SP: Pontes,
2017. p. 19-32.
OLIVEIRA, Carlos Alberto de. Algumas considerações sobre o paradoxo do
observador e os ambientes virtuais de aprendizagem. Revista Caminhos em
Linguística Aplicada, v. 4, n. 1, p.123-138. 2011. Disponível em: http://www.
unitau.br/caminhosla. Acesso em: 29 jul. 2019.
SILVA, Williany Miranda da. Atividades de linguagem em contexto de
ensino: reflexões sobre o uso da tecnologia para a formação docente. In:
NÓBREGA, Carmen Verônica de A. R. et. al. Educação linguística e literária:
discursos, políticas e práticas. Campina Grande, PB: EDUFCG, 2016.

69
Capítulo 2
Aprendizagem por design:
os movimentos do conhecimento
de estagiárias de um curso de
Letras-Língua Inglesa

Luciana Parnaíba de Castro


Marco Antônio Margarido Costa

Introdução

Embora tenha havido diversas mudanças de paradigmas


do ensino de línguas estrangeiras ao longo das últimas
décadas, quando observamos as salas de aula, parece que
tais mudanças didático-pedagógicas não vêm tendo reflexo
nesses ambientes, pois o que se observa são aulas ainda com
a Abordagem Estrutural (WIDDOWSON, 1990), o método
de Gramática e Tradução (BROWN, 2007) ou, conforme
Cope e Kalantzis (2015), uma pedagogia didática, com um
currículo tradicional. Todos esses são termos para designar
um contexto no qual o professor e o livro didático são os
detentores do conhecimento, o aluno é visto como uma
folha em branco, os conteúdos devem ser aprendidos e/ou
memorizados, sem que haja crítica e reflexão sobre eles,

71
Pesquisas em linguagem e ensino

entre outras práticas que mantêm o aluno em uma posição


passiva e o professor em uma posição de autoridade.
Refletimos, então, que, para haver mudanças significa-
tivas nesse quadro, as transformações devem ter início na
formação de professores de línguas, sobretudo nas disciplinas
de Estágio Curricular Supervisionado (doravante ECS), pois
deste contexto é que surgirão os agentes que podem exercer
as mudanças que tanto almejamos nesse âmbito.
Dentre os pesquisadores que vêm trabalhando mudanças
na educação, de um modo geral, debruçamo-nos sobre
os estudos de Cope e Kalantzis (2005) com a abordagem
teórico-metodológica da Aprendizagem por Design, a
qual sugere que a aprendizagem formal ocorre (ou deveria
ocorrer) de acordo com determinados processos, chamados
de movimentos do conhecimento (knowledge movements):
experienciar, conceituar, analisar e aplicar (experiencing,
conceptualizing, analising, applying).
Este trabalho, portanto, expõe parte dos resultados de
uma pesquisa que analisou os movimentos do conhecimento
de estagiárias de um curso de Letras-Língua Inglesa, tendo
como aporte teórico a Aprendizagem por Design. Trata-se
de uma pesquisa descritiva qualitativa e de cunho etno-
gráfico. Os sujeitos da pesquisa foram duas alunas da disci-
plina ECS IV do curso de Letras-Língua Inglesa de uma

72
Pesquisas em linguagem e ensino

universidade pública, localizada no interior da Paraíba1. O


campo da pesquisa foi uma escola estadual onde as estagiá-
rias ministraram suas aulas. Os instrumentos de geração de
dados foram a observação participante, as notas de campo,
a gravação em áudio das aulas, a entrevista semiaberta e os
Relatórios Finais de Estágio (doravante RFE).
No presente trabalho, demos enfoque às escolhas peda-
gógicas das estagiárias participantes da pesquisa, atentando
para quais movimentos do conhecimento elas lançaram mão,
ainda que inconscientemente, para ministrar suas aulas no
estágio. Além disso, observamos se, nas entrevistas e nos
RFE, suas reflexões acerca do processo de estágio condisseram
com sua prática em sala de aula, ou seja, quais movimentos
do conhecimento elas mobilizaram enquanto alunas do ECS
para dar sentido a esse processo.

Aprendizagem por design

A abordagem teórico-metodológica conhecida como


Learning by Design2, que foi desenvolvida por Cope e Kalantzis

1. O projeto foi recebido pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Formação


de Professores da Universidade Federal de Campina Grande em 01/02/2016,
tendo recebido parecer favorável (Parecer n. 1. 478.798).

2. Neste trabalho, nos referiremos à abordagem como Aprendizagem por Design.

73
Pesquisas em linguagem e ensino

(2005) e baseada na pedagogia dos multiletramentos3, procura


alertar os educadores sobre a importância de se construir o
conhecimento em sala de aula levando em conta a realidade
do mundo fora dela, fazendo com que os alunos reflitam
sobre o que aprendem, a partir de suas realidades específicas.
A Aprendizagem por Design aponta quatro processos de
aprendizagem, também chamados de movimentos do conhe-
cimento (knowledge movements), que geralmente ocorrem nas
salas de aula: experienciar, conceituar, analisar e aplicar (expe-
riencing, conceptualizing, analyzing, applying). Esses movi-
mentos do conhecimento surgiram das orientações curricu-
lares da pedagogia de multiletramentos (COPE; KALANTZIS,
2000b; KALANTZIS; COPE, 2001b), que são: situated practice
(prática situada), overt instruction (instrução explícita), critical
framing (enquadramento crítico) e transformed practice (prática
transformada) (COPE; KALANTZIS, 2005).
O experienciar é um processo que tem relação com a expe-
riência do aprendiz no mundo real, com coisas e situações

3. The New London Group: um grupo de pesquisadores composto por Mary


Kalantzis, Bill Cope, Courtney Cazden, Norman Fairclough, Jim Gee, Gunther Kress,
Allan Luke, Carmen Luke, Sarah Michaels e Martin Nakata. O grupo se reuniu
durante uma semana em 1994, na cidade de New London, New Hampshire, Estados
Unidos. Os pesquisadores discutiram as mudanças no processo de letramento em
decorrência das novas demandas da nossa sociedade em transformação, dando
origem ao termo multiletramentos.

74
Pesquisas em linguagem e ensino

da vida diária: experiências pessoais, exposição aos fatos do


mundo. Essa experiência pode ser um processo inconsciente,
a forma como nós aprendemos através das relações sociais
que vivemos. Porém, na escola, essa experiência ocorre inten-
cionalmente, de forma planejada e sistemática. É algo que
pode ser manipulado no design da aprendizagem. A forma
como cada aprendiz irá reagir, engajar-se e aprender por
meio dessa exposição aos fatos do mundo dependerá de suas
experiências de vida individuais e suas percepções dos fatos
aos quais está sendo exposto. O experienciar pode ocorrer no
âmbito do que já é conhecido e do que é novo. Esse processo
ou movimento do conhecimento é fundamental para que haja
o senso de pertencimento, apontado por Cope e Kalantzis
(2005) como uma das condições de aprendizagem. Ele se
baseia na prática situada da pedagogia dos multiletramentos
que, por sua vez, tem sua origem no currículo construtivista,
que buscava romper com o ensino tradicional e valorizar o
conhecimento que os alunos trazem consigo.
O conceituar, de acordo com Cope e Kalantzis (2005,
p. 76), “é um processo que envolve o desenvolvimento de
conceitos abstratos e generalizados e uma síntese teórica
desses conceitos”. Assim como o experienciar, o processo de
conceituação divide-se em dois: a conceituação por nomeação
— que se dá através do desenvolvimento de termos abstratos e

75
Pesquisas em linguagem e ensino

generalizadores; e a conceituação por teorização — um processo


no qual nomes conceituais são conectados a uma linguagem de
generalização. Esse movimento, como foi visto antes, baseia-
-se na instrução explícita da pedagogia dos multiletramentos.
Portanto, seria o processo de aprendizagem mais relacionado
ao ensino tradicional e, consequentemente, mais criticado
por muitos estudiosos da área. Entretanto, após décadas de
crítica ao ensino de regras e conceitos, muitos desses estu-
diosos perceberam a importância desse processo para a apren-
dizagem, desde que conduzida de forma contextualizada e
significativa. Outro ponto importante sobre o processo de
conceituar, no design da aprendizagem, é que os aprendizes
sejam levados a tirar suas próprias conclusões, e não apenas
a receber as definições e regras prontas. Ou seja, o processo
deveria ser dedutivo.
O processo de análise, por sua vez, envolve o exame de
“elementos constituintes e funcionais de algo, e uma inter-
pretação da lógica subjacente para uma particular porção
de conhecimento, ação, objeto ou significado represen-
tado” (COPE; KALANTZIS, 2005, p. 77). A análise pode ser
funcional, quando se limita ao exame da função de um deter-
minado objeto de estudo e pode ser crítica, quando questiona
as intenções e interesses humanos subjacentes a determinado
objeto de estudo. Esse processo de aprendizagem se baseia no

76
Pesquisas em linguagem e ensino

enquadramento crítico da pedagogia dos multiletramentos.


Ele não busca romper com os processos de aprendizagem do
ensino tradicional ou construtivista, mas aliar-se a eles para
complementar as possibilidades de aprendizagem de alunos.
Por fim, o aplicar “envolve a intervenção ativa no mundo
humano e natural” (COPE; KALANTZIS, 2005, p. 66), condu-
zindo à aplicação do que foi experienciado, conceituado e
analisado, levando o aprendiz a, de fato, agir no mundo com
os conhecimentos adquiridos. O processo de aplicação pode
ocorrer de forma apropriada, quando se dá de modo previ-
sível. Também pode aplicar os conhecimentos adquiridos de
forma criativa, adaptando o que foi aprendido a contextos e
situações novas, dando novos significados e funções. Esse
processo de aprendizagem se alinha à prática transfor-
mada da pedagogia dos multiletramentos e, assim como o
enquadramento crítico, veio a complementar os processos
de aprendizagem existentes, enriquecendo o processo de
ensino-aprendizagem.
Segundo Cope e Kalantzis (2005), é fundamental que haja
uma variação desses processos durante o ensino/aprendi-
zagem. A ordem, a predominância ou até mesmo a ausência
de um ou outro processo dependerá das necessidades da
disciplina ou conteúdo.

77
Pesquisas em linguagem e ensino

Outro aspecto apontado pela abordagem de Cope e


Kalantzis (2005) é o de que há duas condições para que a
aprendizagem ocorra: o pertencimento e a transformação.
O pertencimento diz respeito à importância de situar os
alunos no contexto do conteúdo que está sendo ensinado/
aprendido, no nosso caso, os educadores devem buscar
fazer com que os alunos sintam que aprender uma língua
estrangeira é para eles e pode passar a constituir suas
experiências, e não algo estrangeiro/estranho (CORACINI,
2007), que não faz parte de suas vidas. Portanto, é papel
do professor auxiliar o aluno nesse processo de familiari-
zação com a língua estudada. Já a transformação ocorre
quando o professor leva o aluno, gradativamente, de sua
zona de conforto em busca da aquisição de novos conheci-
mentos. Daí Cope e Kalantzis (2005) utilizarem o conceito
de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) 4 de Vygotsky,

4. Zona de desenvolvimento proximal representa a diferença entre a capacidade


da criança de resolver problemas por si própria e a capacidade de resolvê-los com
ajuda de alguém. Em outras palavras, teríamos uma "zona de desenvolvimento
autossuficiente", que abrange todas as funções e atividades que a criança
consegue desempenhar por seus próprios meios, sem ajuda externa. Zona de
desenvolvimento proximal, por sua vez, abrange todas as funções e atividades que
a criança ou o aluno consegue desempenhar apenas se houver ajuda de alguém.
Esta pessoa que intervém para orientar a criança pode ser tanto um adulto (pais,
professor, responsável, instrutor de língua estrangeira) quanto um colega que já
tenha desenvolvido a habilidade requerida (OLIVEIRA, 1993).

78
Pesquisas em linguagem e ensino

bem como o conceito do professor como andaime, ou seja,


como suporte ao aluno.
Dessa forma, pautando-nos na Aprendizagem por Design,
consideramos que, tanto nos contextos de aprendizagem
escolar quanto no âmbito da formação de professores, é
essencial que se parta dos conhecimentos que os aprendizes
trazem consigo, a fim de que a aprendizagem faça sentido
para eles e a fim de valorizar seus conhecimentos prévios,
para que se caminhe em direção a novos conhecimentos,
novas aprendizagens, sempre ancorados na reflexão e na
crítica sobre o que é ensinado.

Movimentos do conhecimento das professoras


em formação

Tendo como base a Aprendizagem por Design e por meio


da análise dos dados, observamos que os movimentos do
conhecimento conceituar e analisar foram predominantes na
prática docente das participantes de nossa pesquisa, por se
tratarem de escolhas pedagógicas tradicionais, como pode
ser visto no Excerto 1 abaixo, retirado da primeira aula da
Estagiária A (doravante EA):

79
Pesquisas em linguagem e ensino

Excerto 1

EA: éh:: como/ como uma frase é formada? ( ) pode ser


pode ser. (Como) uma frase é formada? éh:: sujeito...
verbo e complemento... né isso? Então... as orações que::
que:: são construídas com verbos... verbos modais...
geralmente tem dois que é o verbo modal e o verbo prin-
cipal certo? [...] então gente... éh:: alguém ( ) pronome...
um pronome pessoal ( ) yes... como seria em inglês? ( )
muito bem agora ah... um modal verb... por exemplo?
can ok? do you understand? (EA, TA, Aula 1).

A EA inicia sua aula com a definição de modal verbs,


trazendo à tona questões sintáticas acerca do tema. Esse
design de aula se enquadra no movimento do conhecimento
conceituar, visto que ela parte da explicação dos conceitos
gramaticais para depois envolver os alunos em alguma
discussão ou utilização dos verbos. Entretanto, de acordo
com o seu plano de aula, ela pretendia aplicar uma abor-
dagem mais dinâmica, que envolvesse as quatro habilidades
comunicativas e que trabalhasse a gramática a partir de um
texto, conforme o Quadro 1 abaixo:

80
Pesquisas em linguagem e ensino

Quadro 1. Plano de Aula 1 da EA

III. Tema:

• Estratégias de leitura;
• Modal Verbs;
• Tema transversal: ensino superior.

IV. Objetivos:

Objetivo geral:
• Ler e compreender textos em língua inglesa, bem como
compreender e fazer uso dos verbos modais em inglês;

Objetivos específicos:
• Reconhecer as informações gerais e específicas de um texto;
• Desenvolver posicionamento crítico sobre textos em LI;
• Saber identificar e empregar os verbos modais no texto.

VI. Desenvolvimento do tema:

Aulas ministradas com foco nas quatro habilidades, com


exercícios escritos, de leitura e de repetição.

Fonte: Plano de Aula 1; EA.

81
Pesquisas em linguagem e ensino

O Excerto 1 e o Quadro 1 demonstram um conflito entre


o planejamento e a prática do estágio da EA, pois, no plano,
ela nos mostra que pretendia trabalhar com uma abordagem
voltada à leitura e interpretação de textos, estimulando o
posicionamento crítico dos alunos. No entanto, ela se limitou
a uma análise sintática de frases que, na realidade, foram
sendo elaboradas no momento da aula, com a participação
dos alunos. Esse breve exemplo apenas nos dá um vislumbre
de que o planejamento desenvolvido pelos professores, de
um modo geral, nesse caso, pelas estagiárias participantes
de nossa pesquisa, nem sempre é seguido da forma que eles
acreditam que seja a mais significativa para a aprendizagem
dos alunos. Questionamo-nos, nesse momento, as motiva-
ções para tais alterações.
De modo semelhante, a Estagiária B (doravante EB) desen-
volve uma aula na qual ela faz escolhas pedagógicas mais
relacionadas a um ensino tradicional, conforme o Excerto 2:

Excerto 2

EB: gente... o que que o apóstrofo s tá indicando aqui?


vamo/ traduzir essa frase...
A’s: Priscila é brasileira

82
Pesquisas em linguagem e ensino

EB: muito bem... Priscila é brasileira... então... isso aqui


tá dizen/... tá indicando o quê? como a gente... aqui
num é o verbo ser... num é é? então Priscila... is... Bra-
zilian... ((EB copiando no quadro))... pronto... aqui... é
esse caso aqui ((apontando no quadro))... é a contração
do is... Priscila’s Brazilian... Priscila é brasileira... outro
exemplo... (EB, TA, Aula 3).

No Excerto 2 acima, a EB chama os alunos a analisarem


frases e identificarem o que o ‘s indica em cada uma delas.
Trata-se de uma análise funcional, como denominam Cope e
Kalantzis (2005), pois o que está sendo analisado não são as
intenções do autor, mas a função do ‘s nas frases. A análise
funcional se caracteriza, portanto, como uma escolha peda-
gógica tradicional, visto que não há emissão de opiniões,
percepções etc., acerca do que está sendo estudado. Cope
e Kalantzis (2015) enfatizam que mesmo os processos de
aprendizagem característicos do ensino tradicional podem
ser redesenhados a fim de que as demandas da aprendizagem
pós-moderna sejam atendidas. Observemos mais um exemplo
dessa prática:

83
Pesquisas em linguagem e ensino

Excerto 3

EB: Wendy has... a... website... então aqui tá dizendo...


Wendy tem um website... mas o livro qué/ que diga...
este é o website de Wendy então... eu tiro o has... e vô/
botá/... this is... Wendy’s... aqui é onde eu vô/ colocá/ o
apóstrofo s... porque aqui tá dizendo que TEM... então
eu vô/ dizê/ que ela tem... ( ) né?... eu também tiro o
artigo... e coloco website... pronto isso aqui é a letra
B... do primeiro... a letra C... the dentists have an as-
sociation... óh o dentista tem uma associação... então
eu vô/ botá/... esta é a associação dos dentistas... então
eu não vou usar mais o have... eu vô/ botá/ this is... aí
quem é que tem a associação... num é o dentista? en-
tão primeiro o possuidor... dentists’... quando termina
em s... a gente coloca só o apóstrofo no final né? vocês
lembram? this is the dentists’ association... letra d...
Charles Dickens wrote books... tá dizendo... Charles
Dickens escreveu livros... então eu vô/ dizê/... estes são
os LIvros de Dickens... como é que eu que eu coloco?
num é plural? então agora é these are... estes são... o
possuidor... Charles Dickens... olha gente... nesse caso
como é um nome próprio... o nome dele termina em
s... mas eu vou acrescentar apóstrofo s também... mas
se aqui fosse uma palavra NO plural eu não colocaria...
(EB, TA, Aula 4).

84
Pesquisas em linguagem e ensino

Esse tipo de atividade se caracteriza como tradicional


por se constituir de frases descontextualizadas, as quais não
são analisadas em seu conteúdo, mas apenas utilizadas para
praticar as regras gramaticais em pauta, conforme Larsen-
Freeman (2001) aponta, apenas a dimensão da forma está
em foco, o sentido e o uso não estão sendo levados em conta.
Além disso, a EB lê e traduz as frases, deixando para os alunos
apenas a tarefa de escolher a palavra que melhor completa
cada frase. O fato de a própria EB traduzir as frases faz com
que os alunos não sejam estimulados a demonstrarem e
desenvolverem seus conhecimentos de interpretação na
língua-alvo. Os estudos da tradução apontam sua relevância
para o ensino e a aprendizagem de línguas, combatendo o
mito, difundido com a Abordagem Comunicativa e com o
Método Direto (BRANCO, 2011), de que seu uso interfere
negativamente na aprendizagem. No entanto, o que se criti-
cava no uso da tradução era, principalmente, a abordagem e
os propósitos da tradução, não apenas o fato de lançar mão
desse recurso. Vejamos, então, a reflexão que a EB conduz
durante a entrevista, dentre outras questões, acerca do uso
da tradução em sala de aula:

85
Pesquisas em linguagem e ensino

Excerto 4

EB: Ó, quando eu chego em casa, eu vou fazer uma


análise, eu digo: ah, eu deveria ter feito isso, isso e isso,
porque eu tenho a teoria, eu já sei o que eu tenho que
fazer, aí eu não fiz tudo, mas é como, quando você faz
uma prova e depois você diz: ah, eu sabia como era que
eu tinha que ter, eu tinha que ter dado um tempo, as
vezes eu, eu ... desorganizei a aula, por exemplo eu, eu
disse: traduzam, me sentei, mas aí eu disse: como eles
vão traduzir, era pra eu ter colocado pelo menos, que (o
professor da disciplina) fez isso, ele deu um vocabulá-
riozinho, na hora, né? Sem a resposta, mas ele deu um
vocabulário que dá pra entender, aí eu deixei pra fazer
isso depois, aí eu fiquei naquela ... sabe, a aula ... me
sento, me levanto e os alunos tão meio perdidos, mas
eu sabia como eu tinha que fazer, então eu acho que o
que falta é eu me organizar, organizar meu pensamento
na hora de dar aula. (EB, Entrevista).

Aqui, a EB demonstra quais são suas percepções acerca


da importância do uso da tradução em sala de aula e de como
abordar a tradução em benefício dos objetivos de apren-
dizagem. Logo, verificamos que a prática da EB durante o
estágio não condiz com suas percepções teóricas sobre essa
questão. Observemos mais um excerto:

86
Pesquisas em linguagem e ensino

Excerto 5

Ainda na preparação tivemos a oportunidade de produ-


zir nosso material de apoio, atividades voltadas para a
Matriz Curricular do Enem — Língua Estrangeira Mo-
derna — Inglês. Trabalhamos técnicas e estratégias de
leitura e em diversas aulas praticamos a Competência 2
e Habilidades 5, 6, 7 e 8 com atividades de interpretação
de textos em língua inglesa. Atentando para gêneros
textuais, função social dos textos, uso de tecnologias,
cultura, enfim, fizemos um apanhado geral que a meu
ver, nos deixou preparados para enfrentar a sala de aula.
No entanto como muito se fala nos debates acerca dos
estágios, na prática as coisas nem sempre saem como
planejamos ou nem sempre estamos preparados como
pensamos. (EB, RFE).

Há aqui uma relação de conflito, pois, a julgar pela prepa-


ração e percepção da EB acerca do estágio, como ela mesma
afirmou, “na prática, as coisas nem sempre saem como plane-
jamos”. No Excerto 5, a EB não menciona que ela e os demais
estagiários tenham sido preparados para darem aulas tradi-
cionais de gramática, pelo contrário, eles foram instruídos
a trabalharem de acordo com a matriz curricular do ENEM,
interpretação de textos, entre outros aspectos relevantes.
Inferimos que a EB compreende que algumas das práticas

87
Pesquisas em linguagem e ensino

desenvolvidas por ela no estágio não foram apenas uma


adaptação intencional do plano, mas práticas desenvolvidas
com base num sentimento de insegurança em relação à sua
falta de experiência, sentimento que a levou a desenvolver
práticas com as quais se sentia segura por serem conhecidas.
Em relação à abordagem de ensino, a EB comenta:

Excerto 6

É muito tentador continuar a dar aquela aula cristali-


zada que os professores e alunos estão acostumados,
é mais fácil e mais sem compromisso, como vi profes-
sores conversando na sala dos professores, um dizia
“enquanto eles não se calam eu também não dou aula,
se possível fico a aula toda sentado, quem sabe são
eles, meu salário eu vou receber do mesmo jeito”. Mas
o professor que tem compromisso com sua missão deve
tomar o caminho “mais árduo” um dia ele se tornará
fácil, com a experiência que se adquire ao longo do
tempo. Temos que repensar esses modelos que já estão
mais que ultrapassados. (EB, RFE).

Apesar do que foi exposto anteriormente acerca das esco-


lhas pedagógicas majoritariamente tradicionais da EB, infe-
rimos que ela não acredita que esta seja a melhor forma de

88
Pesquisas em linguagem e ensino

ensinar, mas ela acredita que é a mais fácil, sobretudo quando


o professor não está bem preparado ou quando está “sem
compromisso”, conforme ela relata no Excerto 6. As esco-
lhas pedagógicas tradicionais, segundo ela, são as escolhas
mais fáceis. Isso nos remete ao fato de os professores de hoje
serem sujeitos constituídos pela modernidade, portanto,
serem habituados a uma determinada forma de ensinar,
mas não necessariamente acreditando que ela seja a melhor
e mais eficiente. Também nos reportamos à necessidade de
ir do conhecido em direção ao novo (COPE, KALANTZIS,
2005), saindo da zona de conforto, a fim de alcançarmos
as mudanças almejadas. Constatamos, mais uma vez, essa
dicotomia de abordagens entre fácil/difícil, conhecido/novo,
no excerto seguinte:

Excerto 7

EB: [...] do meu estágio, eu vi que é difícil utilizar essa


teoria e ... é difícil por dois motivos: primeiro é um
trabalho a mais pro professor sim, estudar, fazer aquela
aula bem bonitinha, eu tenho que ter um esforço extra
pra isso, cê viu que ... teve momento que eu nem ... as-
sim, que eu fiz de qualquer jeito. (EB, Entrevista).

89
Pesquisas em linguagem e ensino

Além da abordagem de ensino, ela discute a aplicação das


teorias de ensino de línguas nas aulas do estágio. Por mais que
o professor em formação compreenda e corrobore esses textos,
na prática, conforme a EB afirma, as “coisas” são diferentes.
Assim, mais uma vez, a EB discorre sobre a dificuldade em
se preparar uma boa aula, uma aula “bonitinha”, de acordo
com as aulas ministradas pelo professor formador, e como
essa dificuldade, esse medo do novo, acaba por interferir em
sua prática e a faz permanecer em práticas seguras.
A EA também reflete sobre a importância de se abrir mão
das velhas práticas em nome da efetivação das mudanças de
que necessitamos no ensino e na aprendizagem de línguas.
O Excerto 8, portanto, aborda a questão de as estagiárias
e seus colegas não terem sido instruídos ou estimulados a
seguirem uma determinada abordagem ou método de ensino.
A EA também enfatiza a necessidade de constante prepa-
ração do professor:

Excerto 8

[...] fica também o desejo pelo constante desenvolvi-


mento profissional na formação continuada, o traba-
lho do professor é tão complexo e demanda tamanha
responsabilidade, que não cabe cair no uso de técnica
obsoletas, mas cabe a busca constante por renovação e

90
Pesquisas em linguagem e ensino

desenvolvimento. A aquisição de uma língua, não diz


respeito apenas a comunicação, mas no desenvolvimen-
to do senso crítico, do conhecimento cultural, social e
inclusive pessoal, para tanto, é preciso estar consciente
do papel do professor na sociedade. (EA, RFE).

Confirmamos, assim, a consciência da EA em relação


ao seu papel enquanto professora, a complexidade envol-
vida nessa profissão e a necessidade de mudanças no âmbito
das abordagens de ensino. A reflexão dela se alinha ao que
afirma Freitas (2004) de que a formação de professores
deve ir além de técnicas, estratégias e conhecimento do
conteúdo das disciplinas, buscando tornar esses profissionais
críticos e reflexivos, além de agentes ativos em sua área de
atuação (FREITAS, 2004, p. 124). Entendemos que, quando
a formação de professores ocorre no modelo tradicional, é
provável que os professores em formação o reproduzam em
suas aulas. Portanto, corroboramos Freitas (2004) quando
ela argumenta que a aprendizagem, seja ela escolar ou no
contexto da formação de professores, deve ser abrangente,
não se limitar a conteúdos e técnicas e, além disso, deve
se alinhar às demandas da sociedade pós-moderna (COPE,
KALANTZIS, 2005).

91
Pesquisas em linguagem e ensino

Por fim, observemos algumas considerações finais da EB:

Excerto 9

Nessa caminhada em rumo a essa tão esperada profissão


estudamos inúmeras disciplinas que são de fundamen-
tal importância para nossa formação com excelência,
mas nada a meu ver é tão importante quanto a hora
de praticar o que nos foi passado, que é a sala de aula,
ensinar, tentar mostrar os caminhos para que os alunos
encontrem as respostas por si mesmos, aprendemos que
o professor não se vê mais no patamar de ensinar, mas
sim de orientar, mostrar caminhos, direcionar e não
apenas lecionar. Quando o professor está ciente dessa
realidade tudo fica mais fácil, pois como diz nos PCN,
cada aluno tem sua bagagem de conhecimento que nós
não fazemos ideia, só no diálogo podemos ir descobrin-
do o potencial de nossos alunos, nunca menosprezando
alguém que parece não se dar muito bem em algum
aspecto de aprendizado, pois em outros campos esse
mesmo aluno pode ser muito bom. (EB, RFE.)

Quando a EB discute, no Excerto 9, sobre “tentar mostrar


os caminhos para que os alunos encontrem as respostas por
si mesmos”, ela demonstra sua percepção acerca do papel do
professor de hoje e demonstra também consciência sobre o

92
Pesquisas em linguagem e ensino

conceito de Vygotsky, de professor como andaime, quando


afirma que “aprendemos que o professor não se vê mais no
patamar de ensinar, mas sim de orientar, mostrar caminhos,
direcionar e não apenas lecionar”. Além disso, percebemos que
ela está ciente da necessidade de aulas focadas não apenas no
professor, mas também no aluno, dando espaço para que ele
desenvolva seus conhecimentos com o auxílio do professor.
Essas ideias e conceitos, como mencionamos anteriormente,
são conceitos dos quais a Aprendizagem por Design também
lança mão a fim de pensar nas formas mais construtivas e
significativas de se conduzir os processos de aprendizagem
em sala de aula, e é bastante relevante, a nosso ver, perceber
como essa conscientização está presente na formação das
estagiárias, mesmo que sua prática docente ainda esteja atre-
lada ao ensino tradicional, centrado no professor.
Dessa forma, remetendo-nos novamente aos movimentos
do conhecimento da Aprendizagem por Design, verificamos
que os movimentos predominantes nas práticas pedagó-
gicas de ambas as estagiárias foram aqueles relacionados
a um ensino tradicional, como o analisar funcionalmente
(regras gramaticais, alternativa correta sobre o texto etc.) e o
conceituar, tanto por nome quanto por teoria (nomear verbos
modais, teorizar sobre os usos do ‘s etc.). Evidenciamos que
a utilização desses movimentos do conhecimento não estava

93
Pesquisas em linguagem e ensino

necessariamente ligada às crenças das estagiárias em relação


às melhores formas de aprender, mas eram advindas de outras
questões presentes no estágio, como falta de experiência,
tempo curto e a relação com os alunos, a professora regente
e a direção da escola.
Entretanto, ao discorrer sobre a experiência do estágio
no RFE e nas entrevistas, elas demonstraram senso crítico
ao se dirigirem a todos os aspectos que compõem o estágio,
inclusive autocrítica. Identificamos, assim, o movimento
analisar criticamente, presente em seus processos de aprendi-
zagem, ainda que não tenhamos observado esse movimento
em suas práticas pedagógicas, o que poderia ter sido benéfico
para os alunos da escola.
Quanto ao experienciar, evidenciamos que elas se manti-
veram na experiência do conhecido, isto é, nas práticas peda-
gógicas tradicionais, por estas representarem sua zona de
conforto em meio aos obstáculos já existentes no estágio; e
o receio do novo, que seria a pedagogia reflexiva, proposta
por Cope e Kalantzis (2015), que leva em conta a variação de
todos esses movimentos, o que, como uma delas observou,
é algo difícil de realizar.
Por fim, sobre o movimento do conhecimento aplicar,
entendemos que elas tenham feito uma aplicação apro-
priada, no sentido de que elas elaboraram os planos de aula

94
Pesquisas em linguagem e ensino

e buscaram, dentro de suas possibilidades, aplicar esse


plano, mas sempre se mantendo dentro da zona de conforto.
Acreditamos que, ao utilizar uma variedade de movimentos
do conhecimento em sala de aula, o professor pode chegar a
uma aplicação criativa de seus conhecimentos, bem como levar
os alunos a essa aplicação, apesar de que não identificamos
essa ocorrência nos dados analisados. Todavia, acreditamos
que as participantes de nossa pesquisa aplicaram, ainda que
em teoria, os conhecimentos adquiridos na universidade, fato
que pode ser observado em seus RFE. Acreditamos que, no
decorrer de suas vidas acadêmico-profissionais, elas terão a
oportunidade de pôr em prática essa aplicação.

Considerações finais

Na análise dos dados, pudemos observar que os movi-


mentos do conhecimento conceituar e analisar tiveram predo-
minância nas aulas das estagiárias que, apesar de terem
planejado aulas que se concentrariam na leitura e compre-
ensão de textos, na prática das quatro habilidades comuni-
cativas e na resolução de exercícios voltados para o ENEM,
na sala de aula, vimos o modelo tradicional de aula de língua
predominar suas práticas. Os fatores que as levaram a tais
escolhas, de acordo com nossa análise, nem sempre, vão ao

95
Pesquisas em linguagem e ensino

encontro do que elas julgam ser uma boa aula de línguas,


porém, foi o que prevaleceu. Ambas as estagiárias discutiram
sobre as dificuldades de aplicação do que foi estudado na
universidade no contexto da escola. Portanto, entendemos
que as conclusões às quais chegamos não representam, de
fato, os processos de aprendizagem julgados significativos
pelas estagiárias. Como elas expuseram nos RFE e nas entre-
vistas, a realidade da prática em sala de aula nem sempre
condiz com o que é visto na disciplina em questão, ou mesmo
não condiz com o que elas acreditam que seja a melhor forma
de ensinar e aprender línguas.
Constatamos que as estagiárias compreendem que as
práticas pedagógicas tradicionais devem mudar e se alinhar
às demandas da atualidade. Elas, em muitos momentos, reco-
nhecem que não agiram de acordo com suas crenças acerca
do que se constitui como uma boa aula e demonstraram que
pretendem buscar essa mudança na continuidade de suas
vidas acadêmico-profissionais. Isso nos leva a concluir que,
apesar de elas terem desenvolvido determinadas práticas
pedagógicas, tidas como tradicionais, essas práticas não
foram necessariamente escolhas, mas ações seguras por
serem conhecidas, levando-as a permanecerem no campo
do conhecido, na Abordagem Estrutural, receando o novo,
uma abordagem híbrida.

96
Pesquisas em linguagem e ensino

Referências

BRANCO, S. de O. As faces e funções da tradução em sala de aula de língua


estrangeira. Cadernos de Tradução. v. 1. n. 27. Florianópolis, 2011.
BROWN, H. D. Teaching by principles: an interactive approach to language
pedagogy, 3. ed. White Plains, NY: Pearson Education. 2007.
COPE, B.; KALANTZIS, M. Learning by design. Melbourne: Common Ground,
2005.
COPE, B.; KALANTZIS, M. A pedagogy of multiliteracies: learning by design.
Nova York: Palgrave Macmillan, 2015.
CORACINI, M. J. Língua materna-estrangeira: entre saber e conhecer. In:
CORACINI, M. J. A celebração do outro: arquivo, memória e identidade:
línguas (materna e estrangeira), plurilinguismo e tradução. Campinas:
Mercado de Letras, 2007.
FREITAS, M. A. Educação e ensino de língua estrangeira hoje: implicações
para a formação de seus respectivos profissionais e aprendizes. In:
ABRAHÃO, M. H. V. (org.). Prática de ensino de língua estrangeira:
experiências e reflexões. Campinas: Pontes, 2004.
LARSEN-FREEMAN, D. Teaching Grammar. In: CELCE-MURCIA, M. (ed).
Teaching english as a second or foreign language. 3. ed. Boston: Heinle
Cengage Learning, 2001.
OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um processo
sócio-histórico. São Paulo: Editora Scipione, 1993.
WIDDOWSON, H. G. Aspects of language teaching. Oxford: Oxford University
Press, 1990.

97
Comentários do Capítulo 2

A pós-modernidade como pano de fundo


das pesquisas orientadas no programa de
pós-graduação em linguagem e ensino

Marco Antônio Margarido Costa


Ingressei no Programa de Pós-Graduação em Linguagem e
Ensino (PPGLE) da Universidade Federal de Campina Grande
como professor permanente em 2009. A partir desse ano,
tenho ministrado, com mais frequência, a disciplina Formação
de Professores de Línguas oferecida pelo programa. Um dos
conteúdos abordados na disciplina envolve a questão das
perspectivas de formação de professores de línguas (materna
e estrangeiras), em que se destacam contribuições de autores
como Kumaravadivelu (2012), que propõe um tipo de formação
nomeado como pós-método, orientado pelos parâmetros da
particularidade, da praticidade e da possibilidade, a fim de
que as demandas de uma sociedade globalizada, na qual nos
encontramos, sejam contempladas na formação.
O parâmetro da particularidade diz respeito à importância
de se compreender que, em função de cada contexto educa-
cional apresentar uma realidade singular, cabe aos agentes
ali envolvidos (professores, alunos etc.) encontrar soluções
para seus problemas locais e particulares. O parâmetro da
praticidade objetiva valorizar as teorizações dos professores
formuladas a partir da observação de suas próprias práticas.
Tal parâmetro busca desenvolver no professor a noção de que
ele não deve ser um aplicador de teorias prontas, muitas vezes,
não condizentes à sua realidade escolar. O terceiro parâmetro,
o da possibilidade, implica compreender que as experiências

99
Pesquisas em linguagem e ensino

vivenciadas por alunos e professores são determinantes para


a construção de novos conhecimentos e novas realidades.
De certa forma, as minhas orientações das dissertações de
mestrado junto ao PPGLE vêm tocando em questões relativas
ao universo da formação de professores de línguas, consi-
derando o desenvolvimento de epistemologias e metodolo-
gias decorrentes de reflexões que considerem a inserção do
prefixo “pós” como elemento problematizador de uma deter-
minada condição previamente estabelecida. Por isso, além
da perspectiva de pós-método, mobilizada exclusivamente
na formação de professores de línguas, busca-se contemplar
a noção de pós-modernidade como eixo globalizante orga-
nizador básico das relações históricas, sociais, culturais etc.
ao redor do mundo.
Para Kumaravadivelu (2012), a pós-modernidade engaja-se
com as diferenças e a multiplicidade de formas de expressão
e de interpretação, problematizando discursos hegemônicos
que preconizam uma única forma de conhecimento e a sobe-
rania de classe, raça, gênero etc.
A definição de Lyotard1 (1979/1986) para pós-modernidade
como sendo uma atitude de incredulidade em relação aos

1. Como explicita Coracini (2014, p. 401), Lyotard “é considerado o primeiro [autor]


a utilizar o termo ‘pós-moderno’ para se referir à contemporaneidade”. É nesse
sentido que emprego o termo.

100
Pesquisas em linguagem e ensino

metarrelatos (grandes narrativas da humanidade) contribui


significativamente para a compreensão das questões envol-
vendo as relações entre modernidade/pós-modernidade. Esses
metarrelatos são versões de histórias (pessoais, políticas,
morais, religiosas etc.) que são transmitidas pelas culturas a
fim de legitimá-las. Segundo essa perspectiva, esses grandes
relatos perderam a credibilidade, instaurando-se, com isso,
um movimento de deslegitimação do conhecimento. Ou seja,
a característica da modernidade de tornar o conhecimento
objetivo, fixo e imparcial não encontra respaldo em uma
época em que o questionamento, a incredulidade e a visão
caleidoscópica do conhecimento2 desestabilizam conceitos e,
por consequência, aspectos da vida em sociedade.
Tratando especificamente das relações educacionais,
Usher e Edwards (1994) argumentam que não é tarefa fácil
definir o termo pós-modernidade. Acreditam que qualquer
tentativa de formulação de um sentido fechado, estável e
único seria contrária à noção de pós-moderno, pois impli-
caria aí uma totalização — atitude que a pós-moderni-
dade rejeita. Postulam ainda que a pós-modernidade faz
da incerteza, da ausência de uma perspectiva central e do

2. Recorro à expressão de McLennan (1992/[1996?], p. 333), que formula a noção


de conhecimento na pós-modernidade como “a kaleidoscopic array of limited and
transient language games”.

101
Pesquisas em linguagem e ensino

significado “flutuante” fenômenos característicos desse


contexto. Os autores estabelecem uma distinção entre os
termos “pós-modernidade”, “pós-modernismo” e “momento
pós-moderno”. Para eles, este último descreve uma atitude
de aceitação do pluralismo e da diferença, enquanto que pós-
-modernismo designa as mudanças ocorridas na produção, na
propagação e no consumo da cultura. Quanto à pós-moder-
nidade, esses autores analisam que o termo expressa algo
que substitui a modernidade ou sucede a ela. Existe, com a
pós-modernidade, uma perspectiva que:

[...] descreve um mundo onde as pessoas precisam agir à


sua própria maneira sem seguir referências ou modelos
preexistentes. É um mundo de mudanças rápidas e de
assustadora instabilidade, em que o conhecimento está em
constante transformação e o significado “flutua”, sem sua
tradicional fixação teleológica em conhecimento de base
e no inevitável progresso humano. (USHER; EDWARDS,
1994, p. 10, tradução minha).3

3. No original: “[...] describes a world where people have to make their way without
fixed referents and traditional anchoring points. It is a world of rapid change, of
bewildering instability, where knowledge is constantly changing and meaning
“floats” without its traditional teleological fixing in foundational knowledge and
the belief in inevitable human progress”.

102
Pesquisas em linguagem e ensino

Não levarei em consideração a distinção entre “pós-moder-


nidade”, “pós-modernismo” e “momento pós-moderno” para
os propósitos deste texto, pois o aspecto que se sobressai
é que, independentemente da terminologia adotada, uma
questão se impõe: a representação como um mecanismo de
construção da realidade. Em outras palavras, neste momento
da pós-modernidade em que nos encontramos, os conceitos,
as imagens, as instituições (de modo geral) se desfazem ou
se mostram como construções que possuem prazo de vali-
dade definido. Esse é um aspecto que me interessa analisar
no tocante ao plano educacional. Ou seja, transitamos de um
momento em que a totalidade, as certezas, a normatização e
a organicidade governavam os conceitos e as relações sociais
(incluindo aí aspectos políticos, econômicos, culturais etc.)
para um momento de reformulação de concepções, de surgi-
mento de incertezas, de parcialidade, de ressignificação de
conceitos e, consequentemente, das relações na vida social.
Por conseguinte, como (re)pensar o papel da educação, da
formação de professores e das visões do que seja educar ou
formar professor nesse ambiente labiríntico?4

4. Empresto a expressão no sentido em que é usada por Kiziltan, Bain e Cañizares


(1993) para se referir à pós-modernidade como a imagem de um labirinto que
contrasta com um mundo ideal iluminista.

103
Pesquisas em linguagem e ensino

Usher e Edwards (1994) entendem que a noção de educação


está vinculada ao ideal iluminista da modernidade, assim, sua
adequação nesse ambiente pós-moderno parece não encon-
trar morada. Acrescentam que, se o papel da educação está
fundamentado na noção de formação de indivíduos capazes
de reconhecer suas potencialidades para se tornarem autô-
nomos e com aptidão para exercerem suas individualidades,
diante de um quadro que assume a ambivalência e a descen-
tralização das subjetividades (partindo da premissa de que
“pós-moderno” implica pluralidade e diferença), a educação
é afetada na sua estrutura epistemológica. Portanto, a pós-
-modernidade coloca desafios para a educação na questão
curricular, nos seus métodos e objetivos. Assumo, com isso,
que esses desafios se estendem também para a questão da
formação de professores. Essa é a premissa que tem orientado
meus interesses de pesquisa e orientação junto ao Programa
de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino desde 2009.
Nesse sentido, é exemplar a pesquisa realizada por Luciana
Parnaíba de Castro, intitulada Aprendizagem por design: os
movimentos do conhecimento de alunos do curso de Letras (língua
inglesa) na disciplina Estágio Curricular Supervisionado, defen-
dida em 2017, que apresenta uma forma de analisar os conflitos
de estagiários em processo de formação, considerando as
mudanças de paradigmas acarretadas pela pós-modernidade.

104
Pesquisas em linguagem e ensino

A categorização das (re)ações e conflitos desses estagi-


ários, visando flagrar os momentos de transição/transfor-
mação de tais paradigmas, deu-se por meio da perspectiva
da Aprendizagem por Design, elaborada por Cope e Kalantzis
(2005). Esses autores entendem que a produção de um novo
conhecimento se dá por meio de quatro movimentos especí-
ficos, ou ações, quais sejam: experienciar, conceituar, analisar
e aplicar. Por meio da associação de tais movimentos com as
noções e os conceitos da (pós)modernidade, a pesquisa de
Castro (2017) acompanha e descreve a rotina de um curso de
formação de professores de Inglês e suscita reflexões acerca do
trabalho do professor formador diante das dificuldades que o
contexto recente dos cursos de formação enfrenta, tais como:
ausência de compreensão sobre os propósitos do ensino de
línguas estrangeiras na educação básica e redução do inte-
resse pelos cursos de licenciatura, para não incorrermos em
outras repetições.
Entre as contribuições da referida pesquisa, destaco a
ênfase e o cuidado com as questões que envolvem a hete-
rogeneidade e a subjetividade dos licenciandos — aspectos
com que a Aprendizagem por Design parece ter contri-
buído —, uma vez que particularizam os processos de cons-
trução do conhecimento dos indivíduos. Esse mesmo cuidado
amplia-se para os cursos de formação e para o trabalho do

105
Pesquisas em linguagem e ensino

professor formador, por reforçar a preocupação que se deve


ter com as particularidades de cada ser humano em todo
o contexto educacional, reiterando um dos parâmetros
propostos por Kumaravadivelu (2012), apresentado inicial-
mente. Aprende-se com a leitura da dissertação que toda
tentativa de homogeneização (de conhecimento, de subjetivi-
dades, de métodos de ensino etc.) é ultrapassada e destrutiva
quando nos pautamos por um exercício de aprendizagem
com o outro.
Por fim, cabe destacar na dissertação de Castro a impor-
tância de uma concepção de estágio para a formação de profes-
sores que, alinhando-se aos conceitos de reflexão na e sobre
a ação (cf. SCHÖN, 2000) como prática intrínseca formativa,
evidencia uma possibilidade de construção de conhecimento
para a autonomia do professor. A demonstração do trânsito
dos movimentos do conhecimento, que têm início com uma
experiência “conhecida” até uma aplicação “criativa”,5 pode
ampliar o campo de visão do professor em formação e, desse
modo, propiciar uma desvinculação de práticas pedagógicas
modelares e tradicionais, tornando-o corresponsável pela
criação de práticas mais investigativas em seu futuro exercício

5. Refiro-me às subdivisões de cada movimento do conhecimento explicitadas


por Cope e Kalantzis (2005). Para maiores detalhes sobre tais subdivisões, ler
Castro e Costa neste mesmo volume.

106
Pesquisas em linguagem e ensino

docente. Certamente, essa deve ser a perspectiva incorporada


por Castro em seu trabalho, voltado para a formação de futuros
professores de Inglês, após a realização de sua pesquisa.

Referências

CASTRO, L. P. de. Aprendizagem por design: os movimentos do conhecimento


de alunos do curso de Letras (língua inglesa) na disciplina Estágio Curricular
Supervisionado. 2017. Dissertação (Mestrado em Linguagem e Ensino) -
Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 2017.
COPE, B.; KALANTZIS, M. Learning by design. Melbourne: Common Ground,
2005.
CORACINI, M. J. R. F. Entre a modernidade e a pós-modernidade: discurso e
ensino. Educação, Porto Alegre, v. 37, n. 3, p. 400-411, set./dez. 2014.
KIZILTAN, M. Ü.; BAIN, W. J.; CAÑIZARES M., A. Condições pós-modernas:
repensando a educação pública. Tradução Tomaz T. da Silva. In: SILVA, T. T.
(org.). Teoria educacional crítica em tempos pós-modernos. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1993. p. 205-232.
KUMARAVADIVELU, B. Language teacher education for a global society: a
modular model for knowing, analyzing, recognizing, doing, and seeing. New
York, London: Routledge, 2012.
LYOTARD, J. F. (1979). O pós-moderno. Tradução Ricardo C. Barbosa. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1986.
MCLENNAN, G. (1992). The enlightenment project revisited. In: HALL, S.;
HELD, D.; MCGREW, T. (ed.). Modernity and its futures. Cambridge: The Open
University, [1996?], p. 328-377.
SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino
e a aprendizagem. Tradução Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artes
Médicas Sul, 2000.
USHER, R.; EDWARDS, R. Postmodernism and education. London: Routledge,
1994.

107
Capítulo 3
A constituição histórica da escrita
no discurso de manuais didáticos
produzidos na década de 1920

Ana Cristina Falcão Almeida Tavares


Washington Silva de Farias

Introdução

Neste trabalho, tomamos os manuais de ensino da escrita


como espaços complexos de inscrição de variados discursos
(oficial, pedagógico, científico etc.) e como objetos simbó-
licos capazes de produzir saberes sobre a escrita — em que
consiste, a quem se destina, como pode ser apreendida e
ensinada — e de evidenciar as filiações teóricas e políticas
a que se submetem seus autores.
Objetivando de forma geral investigar o processo de cons-
tituição histórica da escrita como objeto de ensino-apren-
dizagem a partir da análise discursiva de manuais didáticos
produzidos no Brasil na década de 1920, selecionamos dois
manuais que abordam a “arte de escrever”: Manual de Estilo,

109
Pesquisas em linguagem e ensino

de José Oiticica (1940 [1925]), e Arte da Composição e do Estylo,


de Pe. Antônio da Cruz (1930)1.
Nesse sentido, buscaremos identificar, no discurso desses
manuais, os gestos de interpretação produzidos quanto à
representação da própria escrita, de quem ensina e de quem
aprende, consideradas as diferentes condições de produção
dos manuais em questão.
A relevância de estudos discursivos históricos como o
nosso está na possibilidade de compreender como certos
sentidos emergem, se estabilizam e se transformam ao longo
da história, produzindo efeitos de sentido sobre as identidades
e sobre as práticas dos sujeitos da língua e seus processos de
ensino e aprendizagem.

O saber escolar e os manuais didáticos

Podemos afirmar que o saber escolar é moldado, contro-


lado e modificado de acordo com cada contexto sócio-
-histórico em que se produz. De acordo com Souza (1999,
p. 21), “[...] no período colonial o ensino escolar constituiu

1. Este trabalho foi produzido a partir de um recorte da dissertação de sua


primeira autora (TAVARES, 2017), desenvolvida no Programa de Pós-Graduação
em Linguagem e Ensino (PPGLE) da Universidade Federal de Campina Grande
(UFCG), sob orientação do segundo autor.

110
Pesquisas em linguagem e ensino

um empreendimento exclusivamente eclesiástico, tendo


permanecido principalmente sob a responsabilidade dos
jesuítas.” A Igreja católica era a grande instituição respon-
sável pela veiculação e controle desse conhecimento escolar.
Nessa forma de controle, era necessário que o aluno não
só aprendesse o conhecimento dito “pedagógico”, mas que
fosse instruído nas doutrinas de sua religião, da moral e dos
bons costumes.
Bittencourt (2008) afirma ainda que um dos propósitos da
produção dos livros didáticos foi regularizar e controlar os
conteúdos levados à sala de aula. O receio de que os jovens
e crianças tivessem acesso a qualquer tipo de conteúdo
provocou a preocupação em instituir um conteúdo regu-
lamentado e uniforme. Dessa forma tornava-se crescente
a vigilância e o acompanhamento por parte do Estado da
produção didática, ao mesmo tempo em que diminuía a influ-
ência da Igreja sobre o ensino.
Entendemos, assim, o Livro Didático (LD) como um
instrumento complexo. Um espaço de significação e um
objeto simbólico capaz de denunciar sentidos que neles se
inscrevem, ideologias e conhecimentos que os constroem, e
entidades que os regulam. É um material rico de representa-
ções da história através da disseminação do saber. Em outras
palavras, um retrato do saber a ser cultivado em cada época:

111
Pesquisas em linguagem e ensino

“Eles, frequentemente, não vão apresentar somente as ques-


tões de objeto e método, mas farão essa retrospecção, uma
reconstrução valorada do passado, tanto da ciência quanto
da disciplina. (GIACOMELLI, 2007, p. 126)
Do ponto de vista de seu desenvolvimento histórico, cons-
titui-se, portanto, como “um espaço polêmico de leituras”
(FARIAS, 2016), permitindo observar a partir de seu funcio-
namento “a constituição de sentidos atribuídos à língua e
aos processos de seu ensino-aprendizagem[...]” (FARIAS,
2016, p. 8). É nessa perspectiva que o concebemos aqui: um
espaço rico, ao mesmo tempo de disseminação do saber e
de evidência do contexto histórico-político-social em que
se insere.

O discurso sobre a língua, a escrita e seu ensino


no Brasil nas primeiras décadas do século XX

A partir do século XX, aos poucos, a representação da


escrita como forma de comunicação vai ganhando espaço,
e não se restringe à produção a partir de modelos literá-
rios, mas de gêneros que consideram a relação autor-leitor,
como cartas, bilhetes, diálogos etc., evidenciando funções
outras da escrita. No início do século, que é o período que
corresponde à produção dos manuais que vamos analisar, a

112
Pesquisas em linguagem e ensino

demanda pela escola foi ficando cada vez maior e o país preci-
sava adequar o sistema educacional à necessidade da popu-
lação.Essa mudança no cenário histórico e político “inter-
feriu nas concepções de escola e objetivos do seu ensino”
(BITTENCOURT, 2008, p. 24).
No período mencionado, não havia programas oficiais de
abrangência nacional para orientação do ensino das disci-
plinas escolares, diferentemente do que ocorrerá a partir
da década de 1930 até o fim dos anos 1950, em que foram
editados programas com validade e obrigatoriedade nacio-
nais, influenciando fortemente a produção didática, que
buscava se adequar aos parâmetros pré-estabelecidos por
tais programas.
Nas primeiras décadas do século XX, o ensino de portu-
guês tinha como um de seus fins a preparação dos alunos
para a “boa escrita”, esta associada ao desenvolvimento
do estilo segundo preceitos e regras oriundos da tradição
retórico-poética dominante nos séculos passados.
Segundo Souza (1999, p. 104), os estudos da Retórica obje-
tivavam “o desenvolvimento de duas habilidades distintas:
a arte de escrever e — para usar termo da época — a capa-
cidade de admirar as composições escritas”. Essa “arte do
bem escrever” exerceu forte influência no ensino de escrita
no século XIX e perdurou ainda no século XX, apesar de já

113
Pesquisas em linguagem e ensino

estar, nessa época, em franca decadência, tendo em vista os


excessos prescritivistas que marcaram sua utilização como
modelo de escrita.
Em contraposição à dominância desse modelo tradicional,
a partir do movimento modernista, ganhou relevo uma
nova abordagem da linguagem, que rejeitava a “linguagem
pomposa”, o “tom declamatório”, a “dicção empolada” e o
“estilo palavroso[...]” da tradição retórico-poética (SOUZA,
1999, p. 90). Essa tendência crítica, historicista, partia da
premissa de que “qualquer texto — escrito e até oral — se
constitui como documento das “manifestações da inteligência
de um povo”. (SOUZA, 1999, p. 84). No entanto, apesar de
se contrapor ao estilo retórico-poético, o modernismo não
deixou de refletir vestígios dos preceitos retóricos.
Desse modo, registra-se, nas primeiras décadas do século
XX, um “retraimento” do prescritivismo retórico, mas com
“vestígios e sobrevivências” dos saberes da tradição, que
retornam como efeitos de memória no discurso dos manuais
de escrita, conforme pretendemos demonstrar na análise
dos dois manuais objeto deste trabalho.

114
Pesquisas em linguagem e ensino

Filiações e movimentos de sentido nas


representações da escrita na década de 1920

Do ponto de vista da Análise do Discurso (AD)2, abor-


dagem teórica de base deste trabalho, na produção de um
discurso não existe um sentido único, inerente às palavras,
mas efeitos de sentido, que podem variar a depender de vários
fatores: as condições de produção do discurso3, o gesto de
interpretação do interlocutor ou leitor, as formações discur-
sivas em que se inscrevem para a produção de sentidos.
Além disso, qualquer dizer sempre se relaciona a outros
já-ditos, disponíveis no interdiscurso, dos quais o sujeito,
consciente e inconscientemente, se apropria para signi-
ficar. O interdiscurso, redes de significantes organizados em
formações discursivas (FDs), assim, é aquilo que pertence à
ordem do repetível, é o lugar a partir de onde todo discurso
é produzido.
Esses pressupostos e conceitos nos auxiliarão na análise
dos modos de remissão do discurso sobre a escrita, em deter-
minada época, a discursos outros aos quais os sujeitos autores

2. Referimo-nos aqui à vertente pecheutiana de estudo do discurso.

3. Segundo Orlandi (2012, p. 30) em sentido estrito, as condições de produção


remetem ao contexto imediato; em sentido amplo, ao contexto sócio-histórico
e ideológico.

115
Pesquisas em linguagem e ensino

dos manuais aderem ou contestam. Desse modo, mesmo


de forma inconsciente, é possível encontrar, nos textos dos
manuais, marcas discursivas que denunciam filiações a pers-
pectivas teóricas, políticas e históricas determinadas.
Nessa abordagem discursiva, pois, o sentido é construído
e varia dependendo das posições assumidas/ocupadas pelo
sujeito que o produz e que o apreende. Por isso, os efeitos
de sentido abrem a possibilidades de novos gestos de inter-
pretação. Para Indursky (2007, p. 16), o efeito de sentido é “o
resultado do trabalho discursivo do sentido sobre o sentido,
evidenciando que o sentido sempre pode ser outro (...)”.
Dessa forma, a partir de elementos pré-textuais dos
manuais selecionados, como capa, folha de rosto e prefácio,
além de sua organização e composição como um todo, busca-
remos apontar vestígios dos gestos de interpretação sobre a
escrita que aí se inscrevem.
Elegemos três categorias teóricas que servirão de parâ-
metro à análise: os efeitos de sentido (sobre a escrita, o sujeito
que escreve, o sujeito que aprende e sobre o modo de ensinar);
as filiações às quais se vinculam esses efeitos de sentido; e os
movimentos de sentido observados na análise dos diferentes
manuais, conforme suas condições de produção.

116
Pesquisas em linguagem e ensino

Manual de estilo e a Arte da composição e do


estylo: movimentos da filiação retórico-poética
da escrita

O Manual de estilo e a Arte da composição e do estylo (ver


capas nas figuras 1 e 2), de uma forma geral, apresentam
um enfoque da escrita referenciado em um modelo retórico-
poético. Na década de 1920, o culto à eloquência e ao ornato
da linguagem, apesar de estar em declínio, ainda permanecia
latente nas propostas de ensino de escrita.

Figura 1. Capa Manual de Estilo ([1925]1940)

117
Pesquisas em linguagem e ensino

Figura 2. Capa Arte da Composição e do Estilo (1930)

Os autores dos manuais sob apreciação, José Oiticica e


Pe. Antonio da Cruz, respectivamente, indicam, nas apre-
sentações de seus textos, que pretendem contribuir para
um ensino inovador da escrita, mas mantêm, no desenvol-
vimento deles, a abordagem de questões características dos
manuais tradicionais.
O Manual de Estilo, de José Oiticica, é dividido em duas
partes: a primeira trata da “teoria do estilo”, fazendo uma
abordagem dos tipos textuais, dos principais vícios e figuras
de linguagem que “auxiliam ou prejudicam a produção
textual”, de fundamentos gramaticais e de modelos de
correção de trechos dados; a segunda traz “modelos e trechos
para exercícios”, dos quais o autor sugere a análise e correção
por parte do aprendiz.

118
Pesquisas em linguagem e ensino

Com relação ao manual Arte da Composição e do Estylo, o


livro é dividido em duas grandes partes: uma voltada mais
diretamente ao ensino-aprendizagem da escrita, outra
trazendo uma abordagem da história das literaturas portu-
guesa e brasileira, suas principais características, escolas,
autores, contexto histórico de circulação etc.
A primeira grande parte desse manual é dividida em três
capítulos: o primeiro trata da escolha do assunto na produção
textual, partes da composição e necessidade da correção;
o segundo aborda questões como a importância da leitura
para a atividade escrita, da imitação e da originalidade; o
terceiro trata das características dos “diversos gêneros de
composição”: narração, descrição e dissertação.
A seguir, apresentaremos a análise dos manuais que
acabamos de descrever brevemente, utilizando recortes
comparativos de seus textos que evidenciam sentidos produ-
zidos para a escrita, os sujeitos de seu ensino e aprendizagem,
bem como para os modos de aprender e ensinar.

119
Pesquisas em linguagem e ensino

As concepções de escrita

Recorte ME 14:

Êste Manual, fruto de laboriosa seleção, contém as nor-


mas fundamentais, apenas, para quem quér escrever
satisfatòriamente, com elegância, simplicidade,
clareza e vigor. Não visa de modo algum, e insisto
nesse ponto, fabricar escritores. Ministra tão somente,
os princípios claros, segundo os quais, podem os mais
destituídos de veia literária redigir a contento dos
leitores. (Prefácio, p. 8)

Recorte AC 1:

Existe um conjunto de leis e de regras que governam


a arte de escrever, considerada como inseparavel
da arte de pensar, o que equivale a dizer que é neces-
saria uma arte de escrever; importa, porém que seja
larga e apropriada aos tempos, desembaraçada de
quaesquer subtilezas e inutilidades, reduzida ao
essencial. (Prefácio, p. 4)

4. ME = Manual de estilo. AC = Arte da composição. Grifos nossos, quando


destacados em negrito. Em todos os recortes desta seção, mantivemos a grafia
original dos textos.

120
Pesquisas em linguagem e ensino

O recorte ME1 evidencia duas posições sobre a escrita


confrontadas pelo autor: uma ancorada no sujeito que obje-
tiva aprender a escrita para ser escritor (rejeitada), e outra
no sujeito que busca aprender a escrita para desenvolvê-
-la com clareza e simplicidade (acatada). Há uma proposta
de uma escrita não necessariamente ligada à arte literária,
rompendo com a ideia tão comumente instalada na época: a
de formar escritores.
Antonio da Cruz, no recorte AC 1, por sua vez, se refere
à escrita como uma arte que mantém uma relação com o
pensamento, como “inseparável da arte de pensar”. Seu gesto
revela uma adesão aos princípios retóricos que consideram a
escrita como expressão do pensamento. O autor associa essa
“arte de pensar” como sendo desenvolvida a partir do trabalho
de outros escritores, o que sugere uma escrita reprodutiva,
referenciada em um modelo já dado, como era defendida nas
orientações pedagógicas da retórica. Propõe, no entanto, uma
ruptura em relação a esse discurso quando rejeita o uso de
“inutilidades”, fazendo certamente referência aos “adornos”
da abordagem retórico-poética clássica.
Portanto, a representação de uma escrita desembaraçada
de excessivos preceitos e regras e que valorizasse a clareza
caracteriza os gestos de interpretação tanto de José Oiticica
como de Antônio da Cruz, ainda que com efeitos diferenciados.

121
Pesquisas em linguagem e ensino

Ao acompanharmos o sumário dos manuais, percebemos


que os autores selecionam conteúdos que reiteram a filiação
retórico-poética de ensino de escrita. No Manual de Estilo,
por exemplo, temos capítulos que tomam a escrita como arte,
abordando o que Souza (1999) chama de “qualidades gerais
do estilo”, como a pureza, clareza, correção, naturalidade,
harmonia; trata-se também dos “vícios correlativos”, como
o barbarismo, o solecismo, a obscuridade etc. Já no Arte da
Composição e do Estilo, A. Cruz retoma a tradição retórica
quando dedica partes do seu livro à abordagem da arte lite-
rária, da teoria do estilo, da técnica literária e sua aquisição,
dos gêneros literários, da métrica e da imitação e apreciação
das “obras alheias”. Esses conteúdos evidenciam uma reto-
mada, nos dois manuais, de saberes característicos da filiação
retórica da linguagem.

Sujeitos do ensino e aprendizagem da escrita

Recorte ME 2:

A autora, vaidosa de ter sido, no ano anterior, uma das


primeiras, declarou-me escrever assim, por assim lhe
haver aconselhado o professor. (...) Essa mesma aluna
meses depois, fazia composições ótimas, algumas
admiráveis de precisão, côr local e originalidade.

122
Pesquisas em linguagem e ensino

Era um notável temperamento artístico, desapro-


veitado e transviado pelo mau gôsto do professor.
(Prefácio, p. 7-8)

Recorte AC 2:

Censuravel é, pois, o professor que propõe a princi-


piantes assumptos geraes e vagos, acima do alcance
do seu espirito ou que elles não podem observar.
(p. 46)

Recorte AC 3:

Pratico não parece o conselho de alguns professo-


res de lançarmos no papel todas as ideias que nos
occorrem, reservando a escolha para o segundo jacto.
(...)Outros aconselham ou que se termine, de um só
folego, a obra literaria ou se vá devagar, corrigindo
a primeira pagina, antes de passar á segunda. (p. 32)

O tipo de proposta de ensino de escrita que se configura na


representação feita pelos dois autores se centra no esquema
tradicional: professor ensina e aluno aprende. Oiticica,
por exemplo, constrói um imaginário de um aluno depen-
dente, que age conforme a interferência adequada ou não do
professor, e por isso delega ao professor a responsabilidade

123
Pesquisas em linguagem e ensino

de desenvolver nos seus alunos suas habilidades de escrita.


No recorte ME 2, ele relata o desempenho de uma aluna que
era orientada “inadequadamente” pelo professor e depois
de sua interferência passou a escrever de forma satisfatória.
No mesmo recorte, percebemos alguns efeitos de sentido
sobre as qualidades de uma escrita adequada: “depois, fazia
composições ótimas, algumas admiráveis de precisão, côr
local e originalidade”.
Sobre a mesma questão, podemos observar, nos recortes
AC2 e AC3, que Antonio da Cruz, em outra direção, se refere
ao professor como um sujeito despreparado, que não tem
conhecimento das regras mais práticas para um bom ensino
de escrita. No recorte AC2, ele critica a forma como alguns
professores selecionam o assunto da composição, deixando
de propor assuntos que sejam do conhecimento do aluno.
Os dois autores, assim, refletem sobre esse papel do
professor, assumindo, no entanto, perspectivas diferentes
quanto à representação da escrita: Oiticica destacando como
suas qualidades a precisão e a originalidade; A. Cruz, a
importância da correção.

124
Pesquisas em linguagem e ensino

Modos de aprender e ensinar a escrita

Nos recortes a seguir, os dois autores mencionados


enfocam alguns aspectos que consideram relevantes para a
prática da escrita, como a importância da leitura no domínio
da escrita e a imitação de modelos de textos tidos como refe-
rência. Vejamos:

Recorte ME 3:

O verso de oito sílabas tem geralmente a acentuação


principal na quarta. Entretanto, admite outros ritmos
como: segunda, sexta e oitava, ou terceira, sexta e oitava.
Eis alguns versos de Olavo Bilac:
No ar sossegado um sino canta... (...) (p. 78)

Recorte AC 4:

Os alumnos, nomeadamente, necessitam de leitura.


Se lhes escasseiam as ideias, se as imagens lhes não
ocorrem, se lhes permanece frio o sentimento, leiam,
durante algum tempo, e a intelligencia despertará, a
imaginação voará livre e a sensibilidade se commoverá.
Faltam-lhes as palavras? Leiam e a leitura lhes minis-
trará. Acabrunha-os o trabalho? Leiam, sobretudo,
para aprender a arte de escrever. (p. 47)

125
Pesquisas em linguagem e ensino

Nos recortes ME 3 e AC 4, podemos verificar que a escrita


é concebida como uma atividade dependente da leitura, esta-
belecendo-se entre as duas atividades uma espécie de relação
de causa e efeito. Orlandi (1996a), no entanto, argumenta
que essa associação não é automática, pois implica modos
diferentes de ligação com a linguagem:

[...] não há uma relação automática entre ler-se muito e


escrever-se bem. Pode ocorrer que, quanto mais se leia,
mais forte seja o bloqueio para a escrita. Os processos de
leitura e de escrita são distintos e revelam relações dife-
rentes com a linguagem. Não se pode dizer, então catego-
ricamente, que um bom leitor é alguém que escreve bem.
Por outro lado, quem escreve bem não é necessariamente
um bom leitor. (ORLANDI, 1996, p. 90)

Pe. A. da Cruz defende essa necessidade de ler para o bom


exercício da escrita, e não só os clássicos, mas textos/obras
das mais diversas áreas. Além disso, evidencia a importância
de “admirar” as composições escritas. Esse era um traço forte
de constituição da tradição retórica, que não se limitava ao
ato de apreciar, mas de tomar como referência para a escrita
textos considerados modelares.

126
Pesquisas em linguagem e ensino

Oiticica também destaca a importância da leitura como


fator determinante na aprendizagem da escrita, por meio de
exercícios, que, no manual do autor, são compostos em sua
maior parte por trechos ou textos que servem de modelo.
A terceira parte do Manual de Estilo, inclusive, é dedicada
à discussão sobre os gêneros de composição, que Oiticica
apresenta a partir de cada estilo (narração, descrição e
dissertação). Os exercícios desse manual encaminham os
alunos à produção de textos que considerem a eloquência,
a métrica, a classificação de gêneros e estilos, as figuras de
linguagem, traços que remetem ao universo retórico-poético
da linguagem.
Com relação ao manual de Antonio da Cruz, a última
parte, como já dissemos, é referente à história da literatura.
O autor dedica metade do livro para fazer uma abordagem
sobre a origem, a constituição e o desenvolvimento das lite-
raturas portuguesa e brasileira, seus principais autores, obras
e escolas literárias, oferecendo assim não só um esboço de
como se configurou a expressão literária em Portugal e no
Brasil, mas também apontando os textos de seus autores
como modelos a serem seguidos na atividade de escrita.
De forma geral, podemos dizer que o funcionamento
discursivo no livro de Oiticica remete à busca da imple-
mentação de um ensino de escrita que esteja “adequado

127
Pesquisas em linguagem e ensino

aos tempos” que preze pela “simplicidade e clareza”. O que


vemos ao longo do livro é a admissão de parte dos conhe-
cimentos da retórica, um resgate, mesmo que, por vezes
inconsciente, por um efeito de memória associada ao esque-
cimento. Podemos afirmar então que o Manual de Estilo se
inscreve na perspectiva crítica e renovadora da tradição
retórico-poética, porém sem romper de todo com ela.
No manual de A. Cruz, por sua vez, verificamos uma
tensão entre uma concepção de escrita tradicional e uma
escrita inovadora. O autor defende claramente a escrita
como um dom, mas que precisa ser trabalhado e aprimorado
ao longo da vida. Toma como ponto de partida a tradição
retórico-poética para a abordagem teórico-metodológica
do seu manual e defende predominantemente os ensi-
namentos advindos dessa filiação. Por vezes remete seu
ensino à tradição, mas enfatizando sempre a importância
da modernização do ensino (a imitação não meramente
copiadora; a representação da escrita como um dom que
deve associar-se ao constante trabalho e estudo para que
se desenvolva), permanecendo, portanto sempre nesse jogo
entre tradição e inovação.

128
Pesquisas em linguagem e ensino

Considerações finais

Neste trabalho, nosso interesse foi investigar o processo


de constituição histórica da escrita como objeto de ensino-
aprendizagem a partir da análise discursiva de dois manuais
didáticos produzidos no Brasil entre os anos de 1925 e 1930.
A partir da análise, feita com base nos fundamentos da
Análise de Discurso, pudemos constatar alguns traços que
marcam o funcionamento discursivo desses manuais, que se
caracterizam por uma filiação à tradição retórico-poética.
O manual de Oiticica se caracteriza por sua busca em
apresentar um discurso de inovação e crítica à retórica
antiga, entretanto, acaba retomando muitos dos conceitos
que constituem essa filiação. O gesto de Oiticica sobre a
escrita, portanto, é marcado por um discurso tenso, polê-
mico e dividido.
O manual do Padre Antonio da Cruz também se insere
nesse espaço de contradição e divisão, quando defende
uma escrita livre de “inutilidades”, as quais certamente
se referem aos adornos que buscam o “embelezamento” do
texto. No entanto, revela uma adesão mais estreita à retórica
quando desenvolve em seu manual uma proposta de ensino-
aprendizagem de escrita que preza pela eloquência, pela

129
Pesquisas em linguagem e ensino

métrica, pela imitação dos grandes escritores, ou quando


associa a escrita à “arte de pensar”.
Em relação às representações dos sujeitos envolvidos no
processo de ensino-aprendizagem, pudemos observar um
modelo de ensino-aprendizagem de escrita onde professor
ensina e aluno aprende. O professor, nessa representação,
ocupa um papel primordial no processo de aquisição da
escrita, estando o processo de aprendizagem do aluno
dependente do seu trabalho de ensino.
Também foi possível observar que o discurso dos dois
manuais analisados, embora vinculado à filiação retórico-
-poética da “arte de escrever”, é atravessado por efeitos de
distanciamento das versões prescritivistas dessa filiação,
promovendo alguns deslocamentos inovadores, sobretudo
pela crítica aos excessos puristas da tradição retórica.
Esses resultados confirmam a constatação feita no
trabalho de Souza (1999), que, ao analisar a sobrevivência
da retórica no campo educacional brasileiro, registrou sua
permanência no ensino de língua ao longo do século XX,
mesmo tendo sido excluída do currículo oficial desde 1891.
Ao mesmo tempo, considerando os gestos de interpretação
próprios dos autores sobre a referida tradição, torna-se
evidente o caráter complexo da constituição histórica e
discursiva da escrita como objeto de ensino, o que demonstra

130
Pesquisas em linguagem e ensino

que suas representações, ao longo do tempo, passaram


por vários movimentos, quer reiterando quer deslocando
sentidos. Dessa forma, podemos afirmar, conforme a
análise dos manuais considerados neste trabalho, que o
discurso sobre a escrita, seus sujeitos e modos de ensino
e aprendizagem se constitui não como mera reprodução
de saberes já-dados, mas como um processo polêmico que
se molda a cada momento histórico pela articulação entre
tradição e renovação.

Referências

BITTENCOURT, C. Livro didático e saber escolar (1810-1910). Belo Horizonte:


Autêntica Editora, 2008. (p. 07-61)
CRUZ, Pe. A. Arte da composição e do estylo. Petrópolis: Vozes, 1930.
FARIAS, W. S. de. A coleção novo manual de língua portuguesa F. T. D. (1909-
1926): um espaço polêmico de leitura da história da língua e seu ensino no
Brasil. Campina Grande: EDUFCG, 2016.
GIACOMELLI, K. Ciência, disciplina e manual: É. Benveniste e a linguística
da enunciação. Tese (Doutorado em Letras). Rio Grande do Sul: Universidade
Federal de Santa Maria/ PPGL, 2007. 194p.
INDURSKY, F. A análise do discurso e sua inserção no campo das ciências
da linguagem. In: INDURSKY, F.; FERREIRA, M. C. L. (org.) A análise do
discurso no Brasil. São Paulo: Claraluz, 2007.
OITICICA, J. Manual de estilo. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves,
[1940(1925)].

131
Pesquisas em linguagem e ensino

ORLANDI. E. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 10. ed.


Campinas, SP: Pontes, 2012.
SOUZA, R. A. de. O império da eloquência: retórica e poética no Brasil
oitocentista. Rio de Janeiro: EDUERJ:EdUFF, 1999.
TAVARES, A. C. F. A. A constituição histórica da escrita no discurso dos
manuais didáticos do século XX. Campina Grande: UFCG, 2017.

132
Comentários do Capítulo 3

Gestos e movimentos de interpretação do saber


sobre a escrita em manuais didáticos do século
XX: entrecruzando olhares

Maria de Lourdes da Silva Leandro


Washington Silva de Farias
Introdução

Este texto encerra um gesto de interpretação complexo,


na medida em que foi produzido no entremeio de três lugares
discursivos — de uma pesquisadora, de seu orientador e de
uma examinadora —, logo, de movimentos de interpretação
entrecruzando olhares. Em conformidade com a proposta da
publicação em que se inscreve, trata-se de uma apreciação
da dissertação de mestrado A constituição histórica da escrita
no discurso de manuais didáticos de Língua Portuguesa do
século XX, desenvolvida por Ana Cristina F. A Tavares, no
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da
UFCG, sob orientação do segundo autor deste texto, e que teve
em suas bancas de qualificação e defesa a primeira autora. De
modo particular, nosso propósito é realçar as contribuições
inovadoras do trabalho mencionado aos campos de estudo
da linguagem e de seu ensino e aprendizagem.

Pressupostos epistemológicos e teóricos de


uma investigação sobre a escrita em manuais
de ensino

O olhar sobre os objetos de ensino nos diferentes campos


de conhecimento resulta de determinações históricas, ideo-
lógicas e inconscientes que caracterizam todas as práticas

135
Pesquisas em linguagem e ensino

humanas, conduzindo a uma abordagem desses objetos, em


cada momento histórico, como mais ou menos evidentes.
Entretanto, considerando sua historicidade inerente,
tais objetos, de fato, constituem-se mediante processos
complexos e heterogêneos de estabilização e deslocamento
de sentidos, de modo que não há objetos definíveis como
puros, homogêneos e sincrônicos em sua constituição
simbólica. Daí, só poderem ser compreendidos, de modo
consistente, levando-se em conta a historicidade radical
dos processos que determinam seus modos de significação
ao longo do tempo e através da memória.
Esse é o pressuposto do trabalho de pesquisa de Ana
Cristina F. A. Tavares (TAVARES, 2017), que, a partir de um
rico corpus de manuais de ensino/aprendizagem produzidos
entre as décadas de 1920 e 1960, debruça-se sobre processos
de significação que configuraram o saber sobre a escrita, ao
longo desse período, no Brasil. Nessa empreitada, a autora
considera que a constituição simbólica de um objeto de
saber no campo pedagógico — portanto, de um objeto de
ensino — não consiste unicamente numa apreensão acerca de
seu sentido (uma definição, concepção ou sentido do objeto),
mas também dos sujeitos que o ensinam e aprendem (sujeito
aluno e sujeito professor), e ainda dos modos propostos para
seu ensino e aprendizagem (propostas didáticas).

136
Pesquisas em linguagem e ensino

Nessa perspectiva, assumindo uma abordagem discursiva


da linguagem,1 o trabalho se destaca por investigar os manuais
de ensino/aprendizagem da escrita não apenas como instru-
mentos utilitários de apoio a práticas pedagógico-didáticas,
mas como espaço de significação ou de produção de sentidos,
numa visada ao mesmo tempo histórica, política e ideológica
da linguagem e suas práticas.
A autora se afasta, assim, dos enfoques de pesquisa
normativos acerca dos instrumentos de ensino/aprendi-
zagem centrados no julgamento de sua eficácia, lançando
sobre eles um olhar que abre possibilidades de compreensão
da própria constituição histórica dos saberes que encenam e
de cuja constituição simbólica participam. Além disso, não
se ocupa apenas das concepções dos objetos de ensino ou
dos métodos propostos para sua prática pedagógica, mas
do modo como constroem a relação dos sujeitos escolares
com a linguagem (no caso, a escrita). Trata-se, pois, de uma
abordagem que dá relevância aos manuais de ensino/apren-
dizagem para além de suas funções e utilizações imediatas,
elevando-os à categoria de objetos culturais e históricos
(BITTENCOURT, 2008; FARIAS, 2010).

1. Análise do discurso franco-brasileira de orientação pecheutiana.

137
Pesquisas em linguagem e ensino

Um aspecto que dá sustentação e consistência a esse deslo-


camento de olhar é a revisão teórica e bibliográfica feita pela
autora em busca de uma delimitação da complexidade do
que seja um saber pedagógico (CASTRO, 1995), bem como
o panorama que traça acerca do discurso pedagógico oficial
brasileiro sobre o ensino de língua e, em particular, sobre
a prática escolar da escrita. No primeiro caso, vale realçar
a demonstração da constituição heterogênea do discurso
pedagógico, no qual se atravessam, entre outros, elementos
dos campos científico (discurso científico) e estatal (discurso
oficial regulador), não deixando a autora de observar que tais
relações não resultam numa mera seleção ou apropriação de
saberes, mas em retomadas, apagamentos, deslocamentos
destes. No segundo, delimita, com argúcia, importantes movi-
mentos do discurso oficial do Estado brasileiro, na regulação
dos conteúdos do ensino de Língua Portuguesa, com destaque
para as questões do ensino/aprendizagem da escrita. Nesse
ponto, a autora identifica, ao longo do século XX, algumas
orientações dominantes ou inovadoras do discurso oficial
relativas à escrita, a exemplo da retórico-poética, da empi-
rista e da comunicacional.

138
Pesquisas em linguagem e ensino

Contribuições para a compreensão da


constituição do saber sobre a escrita no Brasil

Para demonstrar os movimentos de constituição da escrita


como objeto de ensino, a autora seleciona três grupos de
manuais, organizados segundo dois critérios, um cronoló-
gico (período histórico) e um discursivo (filiação teórico-
-metodológica). Pelo primeiro, considerou três momentos
da produção de manuais: as décadas de 1920, 1930 e 1960,
identificando, pelo segundo, em cada um desses momentos,
tendências dominantes ou inovadoras de representação da
língua e da escrita.
Da primeira década (1920), foram analisados Manual de
Estilo (1940 [1925]), de José Oiticica, e Arte da Composição
e do Estylo (1930), de Antônio da Cruz; da segunda (1930),
Aprende tu mesmo a redigir (1937), de Estevão Cruz, e Prática
de Redação (1939), de Raul Gómez; da terceira (1960), o Manual
de Expressão Oral e Escrita (1977 [1961]), de Joaquim Mattoso
Câmara Júnior, e Comunicação em Prosa Moderna (1969 [1967]),
de Othon Moacir Garcia.
A fim de compreender os gestos e movimentos de inter-
pretação sobre a escrita nesse corpus, o trabalho de Tavares se
ampara, sobretudo, na consideração das formas de repetição/
deslocamento do já dito, conforme propõe Orlandi (2012), ao

139
Pesquisas em linguagem e ensino

distinguir a repetição empírica (imitação pura, efeito papagaio),


a repetição formal (produção de frases) e a repetição histórica
(relação com a cultura, a história, a memória).
No discurso dos manuais da década de 1920, a autora
identifica a dominância da filiação teórica retórico-poética,
cujas marcas linguístico-históricas se mostram na metalin-
guagem pela qual são expressos os saberes sobre a escrita
(estilo, composição, clareza, concisão, harmonia etc.) —, bem
como alguns vestígios de deslocamento de sentidos, quanto a
essa perspectiva tradicional da “arte de escrever”, tendo em
vista a rejeição de seus excessos prescritivistas e classificató-
rios. O gesto de interpretação dos autores dos manuais desse
primeiro período produz, dessa forma, um efeito de novidade,
expresso sobretudo nas pretensões de simplificação e didati-
zação teórica. Esse gesto assinala, pois, uma certa tensão entre
tradição e inovação no que se refere ao discurso pedagógico
sobre a escrita. No entanto, mais do que uma mudança de
posição-sujeito ou deslocamento de saberes, o discurso dos
manuais em questão revela uma diferença enunciativa, ou
seja, um deslocamento que reitera a discursividade retórica.
No discurso dos manuais da década de 1930, a autora cons-
tata um deslocamento mais tenso dos saberes sobre a escrita,
tendo em vista a dualidade de filiação dos dois manuais anali-
sados. De fato, no discurso do manual de Estevão Cruz (1937),

140
Pesquisas em linguagem e ensino

mantém-se a filiação retórico-poética, enquanto no discurso


do manual de Raul Gómez (1939), há um deslocamento para
uma filiação empírico-racionalista, que vincula a escrita a
uma prática de reconhecimento da relação do sujeito com o
mundo,2 em conformidade com a metodologia decroliana.3
Neste segundo manual, portanto, a aprendizagem da escrita
pela imitação ou apropriação do estilo de autores modelares
deixa de ter primazia, colocando-se em destaque a atividade
psíquica do sujeito (observação, associação, expressão) no
seu processo de aprendizagem das “coisas a saber” sobre o
mundo. A autora conclui assim que, no segundo momento
de sua análise, o discurso do manual de Gómez, ao propor
uma outra forma de relação com a escrita, aponta para uma
orientação pedagógica que poderia favorecer gestos de inter-
pretação menos tendentes à repetição formal.
No discurso dos manuais da década de 1960, a despeito do
intervalo de tempo maior em relação à produção dos manuais
anteriores, a análise de Tavares constata uma persistência
e reiteração da filiação retórica quanto aos saberes sobre a
escrita, a despeito de alegações contrárias dos autores. De

2. Essa relação, porém, conforme as lições desse manual, se refere à apreensão


de um mundo simbolicamente transparente.

3. Referente ao psicólogo e pedagogo Jean-Ovide Decroly (1871-1932), um dos


fundadores da chamada Escola Nova.

141
Pesquisas em linguagem e ensino

forma subjacente ou explícita, estão presentes, nas formu-


lações dos manuais desse período, diversos elementos da
estrutura conceitual do sistema retórico da escrita: elocução,
correção, regras de construção e expressão do pensamento
etc. Os títulos dos manuais, a propósito, embora sugiram uma
aparente mudança de concepção de linguagem (e da escrita),
dada a presença neles do termo “comunicação”, ausente nos
estudos retóricos, não constituem indício de um real desloca-
mento de sentidos, pois o termo em questão se refere, no caso,
predominantemente, a operações dos processos retóricos de
invenção, composição e elocução. Os manuais desse último
período assumem, porém, uma feição mais pragmática e
técnica, dando destaque, sobretudo, à elaboração e expressão
individual dos sujeitos aprendizes da escrita com vistas à
objetividade, eficácia e correção de linguagem.4 Ainda assim,
seguindo a tendência dos manuais de Oiticica, Antônio Cruz
e Estevão Cruz, reiteram a crítica aos excessos retóricos e
promovem alguns deslocamentos metodológicos em relação
ao modelo tradicional de escrita: o manual de Garcia focaliza,
principalmente, os aspectos composicionais (estruturais) e
semânticos (lógicos) do texto escrito, afastando a preocupação
com a correção; o manual de Câmara Jr., por sua vez, destaca

4. Esta qualidade é bastante explorada no manual de Mattoso Câmara, mas está


ausente no de Garcia, que enfatiza a eficácia comunicativa do sujeito da escrita.

142
Pesquisas em linguagem e ensino

o papel da subjetividade no desenvolvimento da escrita. Os


dois manuais, além disso, a exemplo dos da década de 1930,
se dirigem aos aprendizes, minimizando a necessidade da
mediação de um terceiro5 sujeito (um professor) no processo
de aprendizagem da escrita.

Considerações finais

As análises efetuadas no trabalho de Tavares, de caráter


exploratório, permitem caracterizar a produção do saber
sobre a escrita entre as décadas de 1920 e 1960 no Brasil
como um processo ainda fortemente vinculado à tradição dos
estudos e práticas do campo da Retórica, dominando neles a
concepção de linguagem como expressão clara e harmoniosa
do pensamento. Portanto, o trabalho demonstra que a eficácia
ideológica da tradição discursiva retórica se prolonga no
discurso pedagógico brasileiro, ao longo do século XX, pelo
menos até a década de 1960 (limite cronológico da pesquisa
sob apreciação). Assim, a despeito do banimento da retórica
do currículo de língua portuguesa, ainda no século XIX, o
trabalho constata que os saberes daquela área de estudo da

5. No discurso de manuais, três posições-sujeito podem ser projetadas: a do


sujeito-aluno, a do sujeito-professor e a do sujeito-autor do manual.

143
Pesquisas em linguagem e ensino

linguagem continuaram produzindo efeitos de memória no


campo educacional na/pela produção de manuais ensino/
aprendizagem de língua (escrita).
Esse efeito de prolongamento, no entanto, não se (re)
produz como uma mera repetição (mnemônica ou formal),
uma vez que os gestos de interpretação dos sujeitos autores,
contemplados na pesquisa empreendida, demarcam alguns
efeitos de deslocamento (diferença), materializados em posi-
cionamentos críticos acerca dos excessos puristas e forma-
listas de posições tradicionais mais estreitamente identifi-
cadas com a filiação retórica, bem como no modo próprio
como cada autor mobiliza e atualiza os saberes dessa filiação.
Essa constatação evidencia que a produção do saber
sobre a escrita, no período investigado, não consiste numa
identificação plena com a perspectiva retórica tradicional
prescritivista, confirmando o pressuposto de que a
constituição histórica de objetos simbólicos ou ideológicos
resulta sempre de um batimento entre uma memória e uma
atualidade, pelo qual sentidos se repetem (paráfrase) e se
deslocam (polissemia). Nesse funcionamento, mostra-se o
trabalho simbólico e político — não visível a olho nu — dos
manuais de ensino (e de escrita, em particular) enquanto
uma prática disciplinadora contraditória: como cultivo ou
aperfeiçoamento do pensamento e da expressão — pensar,

144
Pesquisas em linguagem e ensino

sentir e escrever bem —, mas também como controle ou


subordinação do pensamento e da expressão — pensar, sentir,
escrever, segundo as diretrizes (im)postas pelos manuais
como únicas, legítimas e desejáveis.

Referências

BITTENCOURT, C. Livro didático e saber escolar (1810-1910). Belo Horizonte:


Autêntica Editora, 2008.
CÂMARA JR., J. M. Manual de expressão oral e escrita. 11. ed. Petrópolis:
Vozes, 1977 [1961].
CASTRO, R. V. de. Para a análise do discurso pedagógico: constituição e
transmissão da gramática escolar. Braga: Universidade do Minho, 1995.
CRUZ, E. Aprende tu mesmo a redigir. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1937.
CRUZ, Pe. A. da. Arte da composição e do estylo. 2. ed. Petrópolis: Vozes,
1930.
FARIAS, W. S. de. A coleção novo manual de língua portuguesa F. T. D. (1909-
1926): um espaço polêmico de leitura da história da língua e seu ensino no
Brasil. Campina Grande: EDUFCG, 2016.
GARCIA, O. M. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1969 [1967].
GÓMEZ, R. Prática de redação. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1939.
OITICICA, J. Manual de estilo. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves,
1940 [1925].
ORLANDI. E. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 10. ed.
Campinas, SP: Pontes, 2012.
TAVARES, A. C. F. A. A constituição histórica da escrita no discurso dos
manuais didáticos do século XX. Campina Grande: UFCG, 2017.

145
Capítulo 4
Ação formativa no Ensino Médio
com foco na didatização de gêneros
argumentativos e os efeitos no
trabalho prescrito docente

Luciana Vieira Alves Rocha


Maria de Fátima Alves

Introdução

Para ensinar a língua com base em práticas que dire-


cionem o aluno para o estudo dos gêneros que circulam na
sociedade e que se materializam nos textos, faz-se neces-
sário, no âmbito da escola, refletirmos e buscarmos alterna-
tivas para a transposição didática dos gêneros textuais. Uma
dessas alternativas metodológicas — as sequências didáticas
— advém dos estudos do Interacionismo Sociodiscursivo
(ISD), postulados pelos teóricos de Genebra: Dolz, Schneuwly,
Bronckart, entre outros.
Pensando na problemática do ensino de escrita em
nossa sociedade e nas ações do professor do Ensino Médio
para planejar suas atividades, utilizando o gênero como
instrumento didático, surgiu o seguinte questionamento:
que contribuições um curso de formação continuada

147
Pesquisas em linguagem e ensino

sobre gêneros textuais argumentativos pode trazer para o


planejamento do material didático e da prática docente? Na
tentativa de responder a esse questionamento é que surgiu o
nosso interesse pela realização de uma pesquisa que investiga
a forma como os gêneros textuais escritos são trabalhados
pelos professores do Ensino Médio, visando à reflexão e à
produção de instrumentos didáticos utilizados pelos docentes
no planejamento de suas aulas. Assim, objetivamos, neste
trabalho, discutir os resultados obtidos na produção de
sequências didáticas elaboradas pelos professores do Ensino
Médio com foco nos gêneros textuais escritos, a partir de um
curso de formação continuada.1
Para atendermos ao objetivo da presente pesquisa,
que está pautada no âmbito da Linguística Aplicada (LA),
buscamos refletir sobre o ensino de escrita de gêneros argu-
mentativos a partir de atividades planejadas pelo docente
em contexto de formação continuada e desenvolvemos um
estudo que adota os princípios qualitativos de investigação
de cunho colaborativo. Tomamos como corpus para análise
nesta pesquisa uma sequência didática pensada e produ-
zida por um dos professores que participaram do curso de

1. O principal objetivo do curso foi subsidiar teórica e metodologicamente


professores do Ensino Médio para a prática de ensino de escrita de gêneros na
esfera do argumentar.

148
Pesquisas em linguagem e ensino

formação continuada gêneros textuais na esfera do argu-


mentar: propostas teórico-metodológicas para o ensino,
ofertado pela pesquisadora (ROCHA, 2016) aos docentes de
Língua Portuguesa de uma escola pública do município de
Fagundes-PB, o que favoreceu a produção de sequências didá-
ticas produzidas pelos docentes, com a nossa colaboração.2
Organizamos o artigo em quatro seções: a primeira
consiste nesta introdução; a segunda seção discute a
concepção teórica do ISD sobre gêneros textuais e a sequência
didática como uma proposta metodológica para o ensino
destes, bem como apresenta as capacidades de linguagem
requeridas na apropriação dos gêneros; a terceira apresenta
um breve panorama sobre o trabalho docente na perspectiva
do ISD; a quarta seção apresenta a análise do planejamento
didático do professor colaborador da pesquisa antes do curso

2. O estudo ora delineado é um recorte da pesquisa de mestrado intitulada Gêneros


argumentativos e o agir docente: (re) configurando concepções e planejamentos para o
ensino de escrita, desenvolvido no mestrado em Linguagem e Ensino da Universidade
Federal de Campina Grande, no ano de 2016. Tal projeto foi desenvolvido em três
etapas: 1) Etapa de sondagem ou diagnóstica — na qual realizamos a entrevista com
os professores e observamos o planejamento e a prática docente antes do curso
de formação; 2) Etapa de intervenção ou formativa — na qual realizamos o curso
de formação continuada sobre o ensino de escrita de gêneros textuais da esfera
argumentativa; 3) Etapa conclusiva — em que houve a construção de sequências
didáticas por parte dos professores com a colaboração da pesquisadora e, por fim,
após o curso de formação continuada, realizamos uma sessão reflexiva sobre o
curso ofertado.

149
Pesquisas em linguagem e ensino

de formação continuada e a sequência didática produzida


pelo docente a partir do referido curso; por fim, serão apre-
sentadas as considerações finais.

A concepção teórica do ISD sobre gêneros,


sequência didática e capacidades de linguagem

Partindo de postulados vygotskyanos e bakhtinianos,


os pesquisadores do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD)
concebem o gênero como um megainstrumento que se
realiza empiricamente nos textos. “Há visivelmente um
sujeito, o locutor-enunciador, que age discursivamente (fala/
escreve), numa situação definida por uma série de parâmetros,
com a ajuda de um instrumento que aqui é um gênero, um
instrumento semiótico complexo” (SCHNEUWLY, 2004, p. 24).
Outras contribuições dessa teoria dizem respeito aos
instrumentos propostos pelo ISD como as sequências didá-
ticas que são formas de organizar as atividades e o trabalho
do professor para o ensino-aprendizagem de determinado
gênero em sala de aula, contribuição de pesquisadores como
Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz.
Nesse contexto, as pesquisas dos referidos teóricos do ISD
são direcionadas à investigação dos processos envolvidos na

150
Pesquisas em linguagem e ensino

didatização dos mais diversos gêneros de texto. Na proposta


do ISD, a sequência didática (doravante SD) constitui-se
como um “conjunto de atividades escolares, organizadas
de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral
ou escrito” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 97). Dessa forma,
as sequências didáticas buscam levar o aluno a se apropriar
de um determinado gênero textual.
O desenvolvimento da sequência didática, segundo
Schneuwly e Dolz (op. cit.), se caracteriza por um encade-
amento de atividades, o qual será organizado em quatro
etapas: a apresentação da situação — que consiste em uma
atividade de escrita prévia para sondar as dificuldades dos
alunos; a primeira produção ou produção inicial — permite
circunscrever as capacidades de que os alunos já dispõem e,
consequentemente, suas potencialidades.
A etapa seguinte se caracteriza pela elaboração dos
módulos — trata-se de trabalhar os problemas que aparecem
na primeira produção e de dar aos alunos os instrumentos
necessários para superá-los. Os módulos de atividades devem
contemplar as lacunas percebidas nos textos produzidos pelos
discentes. E na produção final o aluno pode pôr em prática os
conhecimentos adquiridos e, juntamente com o professor,
medir os progressos alcançados, configurando o momento

151
Pesquisas em linguagem e ensino

de reescrita do texto inicial. Assim, ao final dessas etapas, o


aluno tem a oportunidade de aprender a dominar a produção
de um determinado gênero textual.
Para a apropriação de um dado gênero, Schneuwly e
Dolz, (2004) também ressaltam a relevância das capaci-
dades de linguagem que evocam as aptidões requeridas do
aprendiz para a produção de um determinado gênero em
uma dada situação de interação, sendo estas: a) capaci-
dade de ação — responsável pela representação do contexto
de produção textual: quem escreve? Para quem escreve?
Com qual propósito? Onde o texto é publicado?; b) capa-
cidade discursiva — relacionada à infraestrutura geral do
texto, essa capacidade possibilita ao agente-produtor fazer
escolhas no nível discursivo, que, no modelo de análise do
ISD, são aquelas relacionadas à infraestrutura geral de um
texto — plano geral, tipos de discurso e sequências. Implica
perguntas do tipo: qual o formato do texto? Como é orga-
nizado?; c) capacidade linguístico-discursiva — responsável
pelos mecanismos de textualização e mecanismos enun-
ciativos e pelos aspectos transversais da escrita. Essa capa-
cidade permite ao agente-produtor realizar as operações
linguístico-discursivas implicadas na produção textual.

152
Pesquisas em linguagem e ensino

Um breve panorama sobre o trabalho docente


na perspectiva do ISD

Bronckart (2004, 2006) fornece uma definição ao termo,


aqui tomado para análise, do trabalho docente como “um
tipo de atividade própria da espécie humana, que decorre
do surgimento, desde o início da história da humanidade, de
formas de organização coletiva destinadas a assegurar a sobre-
vivência econômica dos membros de um grupo (BRONCKART,
2006, p. 209, grifos do autor).
E em relação ao trabalho docente, Bronckart (2006) afirma
que, para que um professor seja bem-sucedido em sua ativi-
dade de ensino, não basta o domínio do conteúdo, ele deve
saber gerir a aula e seu percurso, em função das expectativas
e dos objetivos institucionalmente prescritos, atentando para
as características e reações dos alunos.
Assim, foi através de estudos pautados numa perspectiva
discursiva, que concebe o ensino como trabalho, que a ativi-
dade docente passou a ser entendida como algo complexo,
difícil de descrever e caracterizar (BRONCKART, 2006).
Partindo da perspectiva que busca entender a comple-
xidade do trabalho docente, o ISD, com base nas noções da
ergonomia de linha francesa de trabalho prescrito e trabalho
realizado, elabora uma proposta para a análise do trabalho

153
Pesquisas em linguagem e ensino

docente (BRONCKART, 2006, 2008), como forma de melhor


entender as ações do professor.
A primeira das dimensões compreende o trabalho pres-
crito como “uma representação do que deve ser o trabalho,
que é anterior à sua realização efetiva” (BRONCKART,
2006, p. 208). No trabalho educativo, são os documentos
que definem e organizam a ação do professor (como PCNs,
OCEM e BNCC), as leis educacionais (como a Lei de Diretrizes
e Bases), as instruções, modelos e programas, caracterizados
por Bronckart (2008) como textos do entorno precedente do
agir. Os planos de aula e as sequências didáticas (instrumentos
didáticos objetos de análise na presente pesquisa) também são
considerados pelo autor como textos pertencentes a esse
nível de trabalho.
A segunda dimensão compreende o trabalho real(izado),3
a qual corresponde à atividade realizada em uma situação
concreta, como a atividade do professor em sala de aula.
(BRONCKART, 2008). É nesse nível que o trabalhador/
professor utiliza as prescrições, podendo transformá-las e
adaptá-las ao seu contexto, deixando de ser apenas um mero
reprodutor do prescrito.

3. Pérez (2014) explica que Bronckart (2006a) denomina de trabalho real o que
corresponde à noção de trabalho realizado da ergonomia. Já a noção de trabalho
real é acrescentada pela Clínica da Atividade através dos estudos de Yves Clot.

154
Pesquisas em linguagem e ensino

É a partir dessa proposta de análise do trabalho docente


que podemos compreender a complexidade do trabalho
educacional e do professor/trabalhador, visto que este passa
a ser entendido como um ator e não apenas como alguém
que executa o que prescrevem, mas como alguém que age
na prática, podendo modificá-la. Para fins de análise, nesta
pesquisa nos deteremos à abordagem do trabalho prescrito.

(Re)configurações do trabalho prescrito no


ensino de escrita de gêneros

As sequências didáticas têm se constituído como um dos


principais instrumentos para o processo de transposição
didática dos mais diversos gêneros de texto para a sala de
aula. Contudo, tal ferramenta didática ainda é pouco utilizada
por professores. Uma das possíveis justificativas para isso
se deve à instrumentalização insuficiente que os docentes
têm em sua formação inicial para aplicarem a metodologia
em sala de aula.
Diante do exposto, justifica-se a importância do curso
que ofertamos.4 É nesse contexto que esta seção traz a

4. A formação aconteceu durante o período de agosto a setembro de 2016, sendo


realizados cinco encontros, com duração mínima de três horas cada encontro,
totalizando uma carga horária de quinze horas, voltadas para a discussão do ensino

155
Pesquisas em linguagem e ensino

sistematização da análise de uma sequência didática elabo-


rada para ser aplicada em uma turma de 2° ano do Ensino
Médio por um dos professores-sujeito da pesquisa, que aqui
identificaremos como P2,5 tendo como foco o trabalho com
o gênero textual argumentativo editorial (carta ao leitor).
Também traremos, para análise e discussão nesta
seção, o planejamento do docente (P2) anterior ao curso de
formação continuada, para que possamos fazer um compa-
rativo entre a prescrição inicial do docente sobre determi-
nado gênero argumentativo e abordar as (re)configurações
apresentadas através da sequência, considerando também
as contribuições do curso para esse processo de transfor-
mação das ações docentes.
Assim, ao observar os planejamentos elaborados pelo
docente participante do curso de formação, identificamos
através de um estudo comparativo entre ambas as prescri-
ções que houve (re)configuração relacionada à exploração
das capacidades de linguagem no planejamento.

de produção escrita dos gêneros da esfera argumentativa e para a elaboração


de sequências didáticas como uma alternativa metodológica que contribui para
o processo de didatização dos gêneros textuais.

5. A pesquisa de mestrado anteriormente citada contou com a participação


efetiva de dois docentes (identificados como P1 e P2) de Língua Portuguesa da
escola lócus da pesquisa. Contudo, neste trabalho, nos apropriaremos dos dados
elaborados e fornecidos pelo colaborador P2.

156
Pesquisas em linguagem e ensino

No que diz respeito a essas capacidades de linguagem:


capacidade de ação, capacidade discursiva e capacidade linguís-
tico-discursiva (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004), analisamos
nas subcategorias a seguir a forma como os planejamentos
do docente (anterior ao curso de formação) e a sequência
didática (posterior ao curso de formação)6 abrangem tais
capacidades e se estão sendo exploradas de forma suficiente
para a produção do gênero textual selecionado.
Antes de observarmos a exploração de cada capacidade
de linguagem no trabalho prescrito do colaborador P2, é
importante salientar que, no planejamento elaborado antes
da formação, pouco identificamos o trabalho com as refe-
ridas capacidades. Esse planejamento, diferente da sequência
produzida após o curso de formação, está organizado de forma
bastante sintetizada, sem expor os objetivos e explorar os
procedimentos para a realização das atividades.

6. Para fins de análise, neste artigo fizemos um recorte da sequência didática


do colaborador P2. A sequência completa foi analisada na dissertação de
mestrado de Rocha (2017).

157
Pesquisas em linguagem e ensino

Capacidade de ação

Verificamos que, no planejamento das aulas do professor


(P2), as atividades apresentadas pouco exploram a capacidade
discursiva, apresentando apenas o gênero (texto disserta-
tivo-argumentativo); o tema a ser produzido (Redução da
maioridade penal no Brasil: uma medida adequada?) e a
finalidade (expor e defender o ponto de vista).
No exemplo de atividade a seguir, verificamos que, apesar
de o professor colaborador da pesquisa solicitar atividade de
leitura de textos, não fica claro como o gênero e o contexto
de circulação e produção deste serão trabalhados.

Exemplo 1

Proposta de produção textual

• Leitura, compreensão e interpretação dos textos de


apoio e do comando;
• Solicitação da produção inicial; [...]

Fonte: fragmento da atividade retirada do planejamento do colaborador P2.

158
Pesquisas em linguagem e ensino

No exemplo acima, a atividade 3 do planejamento de P2


propõe a leitura e interpretação textual, mas não descreve
a forma como essa atividade deveria ser explorada em sala
de aula, nem os aspectos a serem considerados e analisados
nos textos lidos. Essa falta de esclarecimento sobre as etapas
e os procedimentos realizados em cada atividade aponta
para uma prática pouco recorrente de elaboração de plane-
jamentos de atividades. O professor, muitas vezes, recorre às
atividades propostas pelos livros didáticos, privando-se da
autonomia de criar suas próprias atividades, pela facilidade
que esse material traz para o docente em relação ao acesso
dos alunos e às propostas já elaboradas.
Em contrapartida, a sequência didática elaborada pelo
docente após o curso de formação apresenta módulos de
atividades destinadas a desenvolver a capacidade de ação.
Observemos o quadro a seguir com os módulos da sequência
didática do professor que contemplam o trabalho com a
capacidade de ação:

159
Pesquisas em linguagem e ensino

Quadro 1. Atividades para o desenvolvimento da capacidade


de ação da SD de P2.

Situação inicial

• Leitura de uma notícia e editorial para observar a


relação entre eles, conteúdo, possíveis leitores, suporte
e objetivo.
• Leitura dos textos “Temporada de festas juninas
começa amanhã” e o editorial “Frutos do São João”
para entender a posição do jornal sobre o tema
abordado na notícia por meio de atividades;
• Identificar o fato que provocou a necessidade de
produção do editorial;
• Apontar os dados (argumentos), retirados da notícia,
utilizados pelo editorial;
• Compreender o jornal como suporte de textos de
opinião;
[...]

Módulo 1

Temática: Os perigos da festa junina.

Recursos didáticos necessários: Material xerocopiado;


pincel; quadro branco.

160
Pesquisas em linguagem e ensino

• Elencar elementos como público-alvo, objetivo do


texto, contexto de produção;
• Ler textos sobre o tema;
• Produzir a primeira versão coletivamente.

Fonte: sequência didática elaborada pelo professor colaborador, 2016.

Ao analisarmos o quadro acima, vemos que o primeiro


aspecto proposto pela SD do professor foi a situação inicial,
que se caracteriza como o momento em que o docente
descreve com detalhes aos alunos um problema de comuni-
cação a ser solucionado através da produção oral ou escrita
que será realizada por eles, especificando a situação de comu-
nicação que será efetivada através de determinado gênero, a
finalidade da produção e o público-alvo (DOLZ; NOVERRAZ;
SCHNEUWLY, 2004).
Contudo, na situação exposta pelo docente, percebemos
que, antes de esclarecer a situação de comunicação, este faz
um trabalho de reconhecimento do gênero, propondo uma
atividade de leitura de uma notícia e um editorial, ambos da
esfera jornalística. Entendemos que se trata de uma ativi-
dade comparativa em que os alunos deverão estabelecer
uma relação de aspectos semelhantes e diferentes entre os

161
Pesquisas em linguagem e ensino

gêneros. Tal atividade também permitirá ao aluno perceber


características do gênero editorial, como a exposição de uma
opinião, a utilização de argumentos, a função do gênero,
entre outros aspectos.
Nessa atividade de leitura, o professor colaborador propõe
abordar, através da leitura dos textos, aspectos como o
conteúdo temático, possíveis leitores, suporte e objetivo do
texto, fatores que envolvem o contexto de produção do gênero
e que são determinantes na capacidade de ação.
Ainda referente a essa capacidade, o primeiro módulo
planejado pelo professor em sua sequência, que segue a
produção da primeira versão do texto, apresenta aspectos
que indicam o trabalho com a capacidade de ação.
Nesse contexto, o módulo 1 sugere enumerar elementos
do contexto de produção do gênero, possivelmente através da
leitura de textos sobre o tema, “os perigos das festas juninas”,
como indica o próprio módulo, sem apresentar maiores infor-
mações sobre a atividade e ainda propõe a produção de uma
primeira versão coletivamente, sem também deixar clara a
finalidade e a organização dessa atividade.
Por fim, percebemos que, apesar de explorar de forma
parcial a capacidade de ação, o professor colaborador propõe
atividades em sua SD que envolvem essa capacidade, conside-
rando a importância de não só trabalhar aspectos estruturais

162
Pesquisas em linguagem e ensino

do gênero, como também levar os alunos a refletirem sobre


a função sociocomunicativa deste. Essa forma de considerar
o gênero encontra-se em consonância com o pensamento
de Bronckart (1999) ao esclarecer que, para conhecer um
determinado gênero de texto, também é preciso conhecer
suas condições de uso e sua adequação às características do
contexto social.

Capacidade discursiva

No planejamento de aulas do professor (P2), notamos a


presença de atividades que consideram a capacidade discur-
siva a partir do trabalho com alguns aspectos estruturais do
gênero, como podemos observar no exemplo a seguir:

Exemplo 2

Texto - “Cidade: sincretismo do mundo”

• Leitura, compreensão e interpretação de texto;


• Discussão do título, introdução, desenvolvimento e
conclusão;
• Conhecimento de estratégias argumentativas.

Fonte: fragmento de atividade extraído do planejamento das aulas de P2.

163
Pesquisas em linguagem e ensino

No exemplo acima, notamos que o docente se propõe


a trabalhar com a estrutura textual — introdução, desen-
volvimento e conclusão — e com as estratégias ou tipos de
argumentos, que estão no plano da sequência argumen-
tativa (BRONCKART, 1999). O trabalho com essa capaci-
dade discursiva é de extrema relevância para que os alunos
entendam como se desenvolve uma sequência argumenta-
tiva e que aspectos são relevantes para a construção de um
texto dessa natureza.
Contudo, apesar de o professor estar trabalhando com um
gênero escolar “texto dissertativo-argumentativo”, o modo
como a atividade é exposta no planejamento nos leva a inferir
que o texto, na visão desse professor, assume uma única
forma, que deve seguir um padrão de introdução, desenvol-
vimento e conclusão.
Em relação às sequências didáticas, assim como ao
trabalho com a capacidade de ação, também foi possível
verificarmos que a SD de P2 sugere módulos que abordam
a capacidade discursiva, focando no aspecto estrutural do
gênero. O quadro abaixo nos mostra os módulos de atividades
desenvolvidos na SD do professor para trabalhar com essa
capacidade discursiva:

164
Pesquisas em linguagem e ensino

Quadro 2. Atividades para o desenvolvimento da capacidade


discursiva da SD de P2

Módulo 2: [...]

• Apresentar tipos de introdução do editorial a partir de


exemplos;
• Verificar o tipo de introdução utilizado nos textos dos
alunos;
• Reescrever a introdução visando ao aperfeiçoamento e
à formulação da tese a ser defendida;
• Adequar a linguagem ao público-alvo.
• Conhecer e utilizar conhecimentos gramaticais
(operadores argumentativos) na construção do texto;

Fonte: sequência didática elaborada pelo professor colaborador, 2016.

Conforme verificamos na SD do professor, o módulo 2


agrega as capacidades discursivas, no que se refere ao estudo
de aspectos estruturais do gênero, e linguístico-discursivas,
simultaneamente, ao se trabalhar também com os aspectos
linguísticos implicados na construção textual. No que diz
respeito à capacidade discursiva, notamos que o foco do
docente é trabalhar com aspectos estritamente estruturais do
texto, propondo trabalhar a construção do texto por etapas,

165
Pesquisas em linguagem e ensino

que consistem primeiramente na introdução (módulo 2),


conforme verificamos no Quadro 2; e, nos módulos seguintes,
o desenvolvimento (módulo 3) e a conclusão (módulo 4). No
módulo 2, o docente sugere apresentar modelos de introdução
do editorial, consecutivamente, sem explicitar de que forma
o trabalho será realizado. Em seguida, ele também propõe
que, após esse estudo, os alunos façam a reescrita da parte
do texto que foi trabalhada no módulo.
Tal procedimento nos indica que a preocupação está
centrada na forma do texto. Isso também sinaliza para uma
intenção, do professor, de ajudar o aluno a compreender
como ocorre o processo de produção de cada etapa textual.
Por conseguinte, compreendemos que, na SD, encontramos
atividades que envolvem o estudo da infraestrutura textual
e, consequentemente, desenvolvem a capacidade discursiva.
A sequência centraliza-se na forma do texto, propondo ativi-
dades que desenvolvam cada etapa da construção textual
(introdução, desenvolvimento e conclusão).
Isso nos leva a refletir sobre a forma como o próprio
docente concebe a noção de texto e gênero textual, que
reflete diretamente na metodologia adotada para o trabalho
com o gênero em sala de aula. Logo, se o docente entende o
gênero como um padrão de formas, corre o risco de deixar de

166
Pesquisas em linguagem e ensino

lado aspectos fundamentais para a construção dos gêneros


textuais — os relativos ao contexto comunicativo.

Capacidade linguístico-discursiva

No planejamento do docente, encontramos uma ativi-


dade que pode ser direcionada para o estudo da capacidade
linguístico-discursiva. Verifiquemos o exemplo a seguir:

Exemplo 3

Texto - “Por trás das paredes”

• Leitura e compreensão e interpretação de texto;


• Discussão dos argumentos utilizados para defesa da
tese;
• Estratégias argumentativas, como perguntas e
respostas, bem como a comparação de fatos.

Fonte: atividade extraída do planejamento das aulas do colaborador P2.

Como podemos observar no excerto acima, o docente


segue a mesma estratégia utilizada nas outras atividades
(Exemplos 1 e 2), que é fazer leitura e interpretação de texto;
e, em seguida, propõe discutir os argumentos utilizados na

167
Pesquisas em linguagem e ensino

construção da tese, abordando o aspecto mais estrutural


do gênero e as estratégias argumentativas que também se
enquadram no estudo da capacidade discursiva.
Contudo, como dissemos, essa atividade pode ser direcio-
nada para o estudo de aspectos linguísticos característicos
da sequência argumentativa, na medida em que, ao explorar
as estratégias argumentativas com perguntas e respostas e
fazendo comparações dos fatos, o docente explore os aspectos
linguísticos que auxiliam na construção dessas estratégias,
fazendo um estudo dos operadores argumentativos.
A dificuldade em trabalhar com a capacidade linguístico-
discursiva foi um dos entraves apresentados pelos docentes no
trabalho com os gêneros na etapa formativa. Na elaboração
das SD, entretanto, após a formação, percebemos a (re)
configuração no agir prescrito dos docentes, visto que nas
duas sequências foram evidenciados módulos de atividades
que envolvem a capacidade linguístico-discursiva, sobretudo
no que se refere aos mecanismos de textualização.
Na sequência didática do docente, de acordo com o que
já explicitamos no subtópico anterior, encontramos três
módulos (2, 3 e 4) que abordam os aspectos referentes à capa-
cidade linguístico-discursiva, como se verifica no módulo 2
apresentado no segundo quadro. Ao final de cada módulo,
o docente propõe abordar os operadores argumentativos,

168
Pesquisas em linguagem e ensino

que são essenciais na construção do texto. Entretanto, não


deixa claro qual será o tratamento dado ao estudo desses
operadores, nem as atividades que serão trabalhadas.
Contudo, é importante salientar o caráter positivo de se
planejar atividades que envolvam tais aspectos linguísticos,
o que demonstra uma preocupação por parte do docente em
mostrar a relevância desses elementos ligados à coesão para
a construção textual.
Um outro fator que nos chamou a atenção é que, nos três
módulos (2, 3 e 4), os conteúdos referentes aos aspectos
linguísticos aparecem no final de cada módulo, após a ativi-
dade de reescrita das partes do texto. Também questionamos
esse procedimento, visto que esse conhecimento é funda-
mental para a construção textual e, sendo assim, deveria
ser trabalhado antes da reescrita para que os alunos conse-
guissem observar esses aspectos como operadores argumen-
tativos e os verbos no próprio texto.
Visto isso, ressaltamos que o professor se preocupou
em desenvolver módulos que contemplassem a capacidade
linguístico-discursiva, mesmo que de forma pouco
esclarecedora. Evidenciamos também que o docente
compreendeu a importância de desenvolver um trabalho
que integre leitura, escrita e análise linguística, partindo
do estudo das capacidades de linguagem no gênero textual.

169
Pesquisas em linguagem e ensino

Também é importante destacar que o trabalho com essa


última capacidade de linguagem não é uma tarefa fácil e
tem sido alvo de muitos estudos e cursos de formação com
o intuito de instrumentalizar os docentes para a construção
de sequências didáticas.

Considerações finais

Propusemo-nos, neste trabalho, analisar uma sequência


didática elaborada por um professor do Ensino Médio com
foco nos gêneros textuais escritos da ordem do argumentar.
Dessa forma, podemos organizar nossas considerações
finais contemplando, entre outros, dois pontos relevantes:
1) importância da autonomia do professor para o planeja-
mento de sequências didáticas contemplando as capacidades
de linguagem; e 2) apropriação de saberes pelos docentes
em curso de formação para um trabalho produtivo com os
gêneros na ordem do argumentar.
Foi pensando nesse contexto, que visa fomentar os
professores para a melhor utilização dos instrumentos
didáticos para o trabalho a partir dos gêneros da ordem do
argumentar, que nossa pesquisa se inseriu. Os resultados do
estudo apontaram para o fato de que, ao elaborarem suas
próprias sequências didáticas, os professores colaboradores

170
Pesquisas em linguagem e ensino

da pesquisa conseguiram desenvolver módulos de atividades


que envolveram as capacidades de linguagem (capacidades
de ação, capacidades discursivas e capacidades linguístico-
discursivas) requeridas dos alunos no processo de compreensão
do gênero textual, mostrando que esse instrumento didático
se configura como uma ferramenta de autorregulação da
prática docente.
A abordagem das capacidades de linguagem represen-
taram um avanço no planejamento do docente, apesar de
haver alguns aspectos que poderiam ser mais bem explorados
no trabalho com as capacidades, tais como a abordagem da
capacidade linguístico-discursiva nas produções dos alunos
e o trabalho com a capacidade discursiva através do estudo
dos operadores argumentativos. O professor colaborador P2
compreendeu que o trabalho com os gêneros textuais deve
considerar, além dos conhecimentos estruturais e conheci-
mentos linguísticos, os que envolvem o contexto de produção
e circulação do gênero (capacidade de ação). Também foi
possível constatar que o trabalho com os gêneros a partir das
capacidades de linguagem configurou-se como influência do
curso de formação continuada no planejamento do professor.
Dessa forma, reiteramos a importância de desenvolver no
professor a autonomia para elaborar seu próprio material
didático, tendo em vista seu conhecimento da realidade

171
Pesquisas em linguagem e ensino

que se apresenta em sala de aula. E sabendo preparar seu


próprio planejamento — a sequência didática —, o docente
terá subsídios necessários para auxiliar seus alunos na supe-
ração das dificuldades relacionadas à apropriação de deter-
minado gênero de texto.

Referências

BRONCKART, J. P.; MACHADO, A. R. Procedimentos de análise de textos


sobre o trabalho educacional. In: A. R. MACHADO (org.), O ensino como
trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina, EDUEL, 2004, p. 55-80.
BRONCKART, J. P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento
humano. São Paulo: Mercado de Letras, 2006.
BRONCKART, J. P. O agir nos discursos: das concepções teóricas às
concepções dos trabalhadores. Campinas: Mercado de Letras, 2008.
DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP:
Mercado de Letras, 2004.
ROCHA, Luciana Vieira Alves. Gêneros argumentativos e o agir docente:
(re)configurando concepções e planejamentos para o ensino de escrita.
Dissertação (Mestrado em Letras - Pós-Graduação em Linguagem e Ensino-
PPGLE) - Campina Grande, UFCG, 2017. 153p.

172
Comentários do Capítulo 4

A pesquisa de Luciana Vieira Alves Rocha e


suas contribuições para o trabalho com gêneros
argumentativos

Fabiana Ramos
Maria de Fátima Alves
Introdução

No contexto atual, a produção de conhecimento em torno


dos processos de formação docente e, simultaneamente,
de seus impactos para o agir do professor de línguas tem
se tornado um viés importante do campo de estudos da
Linguística Aplicada no Brasil. No bojo de tais pesquisas, os
estudiosos têm apresentado diferentes interesses e preocu-
pações, ora enfocando metodologias e instrumentos forma-
tivos, ora os efeitos desses processos, com especial ênfase
na didatização de diferentes gêneros textuais.
Nessa direção, a pesquisa Gêneros argumentativos e o agir
docente (re)configurando concepções e planejamento para o ensino
de escrita, de Luciana Vieira Alves Rocha, vincula-se ao projeto
de pesquisa Gêneros textuais como objeto de ensino: perspec-
tivas teóricas e instrumentos didáticos (PPGLE/UFCG). A inves-
tigação realizada por Vieira (2017) foi gerada e desenvolvida
no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Linguagem
e Ensino, com o intuito de refletir sobre a problemática do
ensino de escrita no Ensino Médio, focando a necessidade
de subsidiar os docentes a realizarem um ensino eficaz de
gêneros textuais na Educação Básica.
Considerando, dessa forma, a relevância de tal estudo
para ampliar o conhecimento sobre os efeitos da formação

175
Pesquisas em linguagem e ensino

na prática docente, o presente texto tem o intuito de refletir


sobre sua feitura em dois momentos distintos: o percurso
teórico-metodológico da pesquisa e a discussão sobre suas
contribuições, sob a ótica de sua orientadora e de sua exami-
nadora externa.

O percurso teórico-metodológico da pesquisa

O objetivo geral da pesquisa em foco foi investigar o agir


dos professores no que concerne ao trabalho com gêneros
argumentativos, visando auxiliá-los em uma possível (re)
configuração de práticas de ensino-aprendizagem da escrita
e teve como aporte teórico-metodológico o Interacionismo
Sociodiscursivo ISD, corrente teórica que visa estudar o
desenvolvimento humano a partir da análise das práticas
linguageiras nos mais variados contextos. De forma mais
precisa, lançou mão dos estudos desenvolvidos por Bronckart
(1997, 2008, 2010), Adam (1992), Dolz e Schneuwly (2004),
entre outros adeptos do ISD, a exemplo de Machado (2007),
Medrado (2011) e Lousada (2006).
O quadro teórico do ISD, a nosso ver, tem trazido muitas
contribuições para as pesquisas na área de linguagem, uma
vez que alia a prática à reflexão, permitindo uma visão dos
processos de intervenção formativa, desde a formação do

176
Pesquisas em linguagem e ensino

professor, a planificação e a realização efetiva do ensino (com


a mediação de instrumentos) até a investigação da apren-
dizagem e do desenvolvimento das capacidades dos alunos
(Cf. NASCIMENTO; VIEIRA, 2018).
Lançando mão da proposta da engenharia didática do
ISD, a pesquisa de Rocha (2017) caracteriza-se como sendo
qualitativa, de cunho etnográfico e de caráter colaborativo,
no contexto de uma escola pública do Ensino Médio de um
município paraibano. A pesquisa contempla três etapas (diag-
nóstica, de intervenção e de conclusão).
A primeira etapa, a diagnóstica, mediante entrevista
com os docentes sobre a concepção de gêneros e a forma de
explorá-los na escola, mostrou uma certa vaguidão deles
em relação ao conceito de gêneros textuais e dificuldades
no tocante à necessidade de construção de conhecimentos
sobre uma base sistemática de ensino de escrita na Educação
Básica.
Na perspectiva do ISD, os gêneros são concebidos como
configurações textuais relativamente estabilizadas ou cris-
talizadas pelo uso, que se associam a diversas atividades de
linguagem — familiar, jornalística, jurídica, publicitária,
literária etc” (BRONCKART, 2009; MIRANDA, 2015).
Para Bronckart (1999), “conhecer um gênero de texto
também é conhecer suas condições de uso, sua pertinência,

177
Pesquisas em linguagem e ensino

sua eficácia ou, de forma mais geral, sua adequação em relação


às características desse contexto social” (BRONCKART, 1999,
p. 48, grifos do autor).
A segunda etapa da pesquisa, partindo do diagnóstico
realizado na primeira etapa, foi uma proposta interventiva
para o trabalho com os gêneros textuais, mediante um curso
de formação intitulado Gêneros textuais na esfera do argu-
mentar: propostas teórico-metodológicas para o ensino de
gêneros argumentativos. Essa formação aconteceu durante o
período de agosto a setembro de 2016, totalizando uma carga
horária de quinze horas, voltada para a discussão sobre dife-
rentes concepções de gêneros textuais, ensino de produção
escrita dos gêneros da esfera argumentativa e elaboração de
sequências didáticas como uma alternativa metodológica que
contribui para o processo de didatização dos gêneros textuais.
A sequência didática é entendida aqui como uma sequência
de módulos de ensino organizados conjuntamente para
melhorar uma determinada prática de linguagem e tem
como objetivo buscar confrontar os alunos com práticas de
linguagem historicamente construídas, os gêneros textuais,
para lhes dar a possibilidade de reconstruí-las e delas se
apropriarem (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004).

178
Pesquisas em linguagem e ensino

Nas sequências didáticas produzidas pelos docentes


cursistas, eles tiveram a oportunidade de explorar as capaci-
dades de linguagem (ação, discursiva e linguístico-discursiva),
sob a orientação da pesquisadora.
A terceira etapa da pesquisa se deu através da reconfigu-
ração das sequências didáticas produzidas pelos docentes,
sob o olhar da pesquisadora, para o trabalho com a escrita
dos gêneros argumentativos. A nosso ver, a construção do
material didático pelos docentes, no percurso da atividade
formativa, conferiu autoria e autonomia aos cursistas, ao
mesmo tempo em que a mediação da pesquisadora favoreceu
a reflexão sobre a pertinência do material elaborado.

As contribuições do estudo

A pesquisa de Vieira configurou-se como um trabalho que,


indiscutivelmente, trouxe contribuições para compreender
as relações do processo de formação do professor comprome-
tido com as necessidades de uma formação centrada numa
sólida base teórico-metodológica e seus efeitos no agir do
professor no que diz respeito, sobretudo, ao trabalho com
gêneros textuais argumentativos. Nesse sentido, a opção
por investigar o trabalho do professor no Ensino Médio com
a produção de tais gêneros constituiu-se, por si só, uma

179
Pesquisas em linguagem e ensino

contribuição valiosa, considerando que esse trabalho é bali-


zado, na maioria das vezes, unicamente pela preocupação
com a clássica redação solicitada pelo Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM).
Por outro lado, a participação dos professores colabo-
radores da pesquisa nas fases do processo de formação e
elaboração do material didático (sequências didáticas para o
trabalho com gêneros argumentativos) revela que “qualquer
projeto de intervenção educacional tem que ser visto como
um projeto em construção, cuja responsabilidade deve caber
aos indivíduos diretamente envolvidos no processo como
agentes” (NASCIMENTO; GONÇALVES, 2018).
A ação formadora, a nosso ver, foi um ganho para a
formação docente, uma vez que possibilitou aos profes-
sores cursistas um engajamento dialógico para a construção
compartilhada e a apropriação de ferramentas que propi-
ciaram um planejamento e uma prática de ensino diferen-
ciada no que se refere à produção escrita.
Tal apropriação se materializa no trabalho de Vieira na
densa análise das capacidades de linguagem contempladas
pelas sequências didáticas elaboradas pelos colaboradores da
pesquisa. Tal análise apresenta o cotejo dos planejamentos do
trabalho com os gêneros argumentativos antes e após o curso
de formação, evidenciando a reconfiguração do planejamento

180
Pesquisas em linguagem e ensino

no que diz respeito ao trabalho com as capacidades de ação,


discursiva e linguístico-discursiva. Essas capacidades, não
ou superficialmente contempladas nos planos anteriores
à formação docente, passaram a ter lugar de destaque nas
sequências didáticas elaboradas posteriormente à formação,
na direção de subsidiar a produção escrita dos alunos.
Desse modo, tornam-se evidentes os efeitos da formação
realizada na pesquisa de Luciana Vieira para o redimensio-
namento das práticas de planejamento de ensino de escrita
de gêneros por parte dos docentes do Ensino Médio e, ao
mesmo tempo, revela-se que os pressupostos teórico-meto-
dológicos do ISD, “orientados por um conceito de ensino-
-aprendizagem fundamentado em gêneros textuais, tornam-
-se uma boa alternativa para propiciar aprendizagem e desen-
volvimento no professor e nos alunos da educação básica”
(NASCIMENTO; GONÇALVES, 2018).

Considerações finais

A título de considerações finais, gostaríamos de ressaltar


o papel da pesquisa e, especialmente, da pesquisa quali-
tativa na produção do conhecimento sobre o trabalho do
professor e suas possíveis reconfigurações. Em um contexto
em que muito se discute sobre as perspectivas de melhoria

181
Pesquisas em linguagem e ensino

da qualidade da educação no Brasil e se vincula a responsa-


bilidade dessa qualidade apenas ao professor, o trabalho de
Vieira lança luzes para refletirmos sobre a necessidade de
políticas permanentes de formação continuada que possam
instrumentalizar o agir docente.
Nesse sentido, a referida pesquisa revela que a formação
docente é potencialmente reconfiguradora do trabalho de
planejar, por meio dos instrumentos como a sequência didá-
tica. No trabalho de Vieira, é possível vislumbrar que a recon-
figuração do planejamento do professor pode propiciar efeitos
positivos sobre a prática de ensino e, por consequência, na
qualidade dos textos produzidos pelos alunos na escola.

Referências

ADAM, Jean-Michel. Gêneros e sequências textuais. Paris: Nathan, 1992.


ALVES, M. F.; REINALDO, M. A. R. Gêneros textuais como objeto de ensino:
perspectivas teóricas e instrumentos didáticos. Projeto de pesquisa
desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino
(PPGLE/UFCG). Mímeo.
BRONCKART, J. P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um
interacionismo sociodiscursivo. Tradução Anna Rachel Machado e Péricles
Cunha. 2. ed. São Paulo: EDUC, 2003 [1999].
BRONCKART, J. P.; MACHADO, A. R. Procedimentos de análise de textos
sobre o trabalho educacional. In: MACHADO, A. R. (org.). O ensino como
trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: EDUEL, 2004. p. 55-80.

182
Pesquisas em linguagem e ensino

BRONCKART, J. P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento


humano. São Paulo: Mercado de Letras, 2006.
BRONCKART, J. P. O agir nos discursos: das concepções teóricas às
concepções dos trabalhadores. Campinas: Mercado de Letras, 2008. 131p.
DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP:
Mercado de Letras, 2004.
MACHADO, Anna Rachel; GUIMARÃES, A. M. M. COUTINHO, A. (org.). O
interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas.
Campinas, SP: Mercado de Letras, 2007.
MEDRADO, Betânia Passos; PÉREZ, Mariana (org.). Leituras do agir docente:
a atividade educacional à luz da perspectiva interacionista sociodiscursiva.
Campinas, SP: Pontes Editores, 2011.
MIRANDA, F. Considerações sobre o ensino de gêneros textuais: pesquisa
e intervenção. In: LEURQUIN, E. et al. Formação docente: textos, teorias e
práticas. São Paulo: Mercado de Letras, 2015.
NASCIMENTO, E. L.; GONÇALVES, A. V. A perspectiva interacionista
sociodiscursiva no trabalho educacional. In: CRISTÓVAO, V. L. Gêneros
textuais/discursivo: ensino e educação (inicial e continuada) de professores
de língua. São Paulo: Mercado de Letras, 2018. p. 23-42.
ROCHA, L. V. A. Gêneros argumentativos e o agir docente (re)configurando
concepções e planejamento para o ensino de escrita. Dissertação (Mestrado em
Estudos Linguísticos) - Universidade Federal de Campina Grande, Programa
de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino (PPGLE), Campina Grande, 2017.
148f.

183
Capítulo 5
O ensino de língua materna utilizando
material didático digital: reflexões de
professores em formação

Monaliza Mikaela Carneiro Silva-Tomaz


Edmilson Luiz Rafael

Introdução

Ao longo do tempo, a concepção de ensino de língua


portuguesa passou por algumas mudanças conceituais e
metodológicas, o que, teoricamente, influenciou também o
processo de formação de professores.
Em relação à formação continuada, por exemplo, desta-
camos as contribuições de autores como Imbernón (2010),
Romanowski (2010), Candau (2003), entre outros, cujo pensa-
mento pauta-se, entre outros aspectos, na importância de
estabelecer uma relação entre aspectos teóricos e práticos,
concebendo a escola como o lugar onde a mudança educa-
tiva deve ocorrer, atentando para modificações sociais que
vêm ocorrendo.
Sob essa perspectiva, a formação continuada, compreen-
dida como sendo o curso intitulado Utilização de material

185
Pesquisas em linguagem e ensino

didático digital em projeto de ensino,1 deve estar voltada


para contribuir com o desenvolvimento do profissional
de educação, sob uma perspectiva de transformação, de
desenvolvimento pessoal e profissional da prática docente
(SANTOS, 2004; MAGALHÃES, 2001).
Considerando esse cenário, elencamos o seguinte ques-
tionamento: qual (quais) concepção(ões) de ensino de língua
estão subjacentes às reflexões de professores em formação a
respeito da sua prática de ensino utilizando material didático
digital? Para responder a esta indagação, temos o seguinte
objetivo: analisar as concepções de ensino de língua subja-
centes às reflexões de professores em formação a respeito
da sua prática de ensino utilizando material didático digital.
Este trabalho é parte de uma dissertação de mestrado apre-
sentada ao Programa de Pós-Graduação em Linguagem e
Ensino da Universidade Federal de Campina Grande.

1. Este curso engloba um projeto mais amplo, intitulado Novas configurações de


ensino de leitura e escrita em atividades de linguagem(ns), tendo como pesquisadores
responsáveis a Prof.ª Dra. Williany Miranda da Silva e o Prof. Dr. Edmilson Luiz
Rafael.

186
Pesquisas em linguagem e ensino

Metodologia

Por considerarmos que a linguagem é uma prática social,


seja no contexto da aprendizagem de língua materna ou
no de outra língua, este trabalho está inserido na área da
Linguística Aplicada — doravante LA (MENEZES; SILVA;
GOMES, 2009, p. 25).
Com relação ao curso de formação que gerou os dados
analisados neste trabalho e na dissertação de mestrado,
ocorreu em uma sala da Unidade Acadêmica de Letras (UAL),
que compõe o Centro de Humanidades (CH) da Universidade
Federal de Campina Grande (UFCG), e foi ministrado por dois
professores da referida unidade. O curso foi estruturado em
regime semipresencial, em sistema de créditos, com carga
horária de 45 horas/aula, ocorrendo no ano de 2016, especi-
ficamente no semestre letivo acadêmico de 2016.1.
Esta pesquisa é do tipo participante (BRANDÃO; BORGES,
2007, p. 56) e possui um viés documental (SEVERINO, 2007,
p. 122). Contou com a colaboração de oito sujeitos, sendo:
dois professores ministrantes do curso e seis professores
em formação. A partir deste momento, nomearemos os dois
professores ministrantes como PM1 e PM2.

187
Pesquisas em linguagem e ensino

Língua(gem): concepções e influências para o


ensino de língua materna

A prática de ensino de língua realizada por professores


é reflexo de uma concepção de ensino assumida por eles.
Planejar, elaborar e executar atividades está intrinsecamente
relacionado ao modo como esse profissional concebe o ensino.
No dizer de Travaglia (2009), há três concepções as quais
norteiam o modo como compreendemos a linguagem, a saber:
como expressão do pensamento, como comunicação e como
forma de interação. A linguagem como expressão do pensa-
mento está atrelada à noção de que os indivíduos expressam
o que pensam.
Compreender a linguagem como um código “capaz de
transmitir uma mensagem” é, de acordo com Travaglia
(2009, p. 22), afirmar que, por meio do domínio do código,
que é a língua, há o estabelecimento de uma comunicação
e a linguagem é o instrumento propiciador para isso. A
linguagem como comunicação foi evidenciada na década de
1970, no Brasil, antes concebida como sistema e estática, de
acordo com Pietri (2010, p. 14),2 a linguagem passou a assumir

2. A referência do autor aborda de forma mais específica a constituição da


disciplina de Língua Portuguesa, perpassando a mudança na nomenclatura, além
das modificações conceituais.

188
Pesquisas em linguagem e ensino

um novo caráter, passando a ser pragmática e utilitarista,


resultando em um ensino de caráter prático, proveniente da
teoria da comunicação, que possibilitava um prazer pessoal
que se estendesse à coletividade.
A linguagem enquanto interação pressupõe que o indi-
víduo faz muito além da utilização da língua como um meio
pelo qual ele exterioriza o seu pensamento. Nessa concepção,
o indivíduo pode, de acordo com Travaglia (2009, p. 23),
“realizar ações, agir, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/
leitor). A linguagem é, pois, um lugar de interação humana, de
leitores, em uma dada situação e em um contexto sócio-histó-
rico e ideológico”. Para Bronckart (1999, p. 37), a linguagem
está associada à capacidade humana de se comunicar, sendo,
portanto, “atravessado por e sob a dependência dos dife-
rentes níveis de organização do social”, sendo ainda uma
capacidade “humana de se comunicar por meio de signos”
(FIORIN, 2013, p. 13).
Na perspectiva de Costa Val (2002, p. 109), há três “famí-
lias teóricas” que orientam os estudos acerca da língua, sendo:
a primeira família concebe a língua enquanto estrutura, cujo
foco é a dimensão semântico-cognitiva, que pressupõe a
noção de gramática “como saber linguístico do falante, inter-
nalizado de maneira ativa e produtiva desde os primeiros
anos da infância”; a segunda aborda a língua como sendo

189
Pesquisas em linguagem e ensino

uma atividade mental, pressupondo que todo falante de


língua portuguesa nasce com uma predisposição linguística,
ou seja, possui conhecimentos gramaticais inatos; a terceira
pauta-se na premissa da língua como atividade social, rela-
cionada com a perspectiva discursiva, representada pelas
teorias que embasam a sociolinguística, o funcionalismo,
os estudos da enunciação, do texto e do discurso. A língua
é vista em funcionamento, sendo influenciada por aspectos
históricos, sociais, culturais, abordando, ainda, noções de
uma “gramática do texto/no texto”.3
Para o interacionismo sociodiscursivo (ISD), a língua é
um meio de atuação social, ou um meio de interação verbal,
sendo toda língua natural “baseada em um código ou um
sistema, composto de regras fonológicas, lexicais e sintáticas
relativamente estáveis, que possibilita a intercompreensão
no meio de uma comunidade verbal” (BRONCKART, 1999,
p. 69), o que pressupõe um ensino de língua portuguesa por
meio de textos introduzidos no ambiente escolar para cumprir
dado papel, seja ele: modelo para a produção, modelo de
inspiração ou modelo de referência, guiando as atividades
de ação de linguagem (BRONCKART, 1999).

3. Grifos da autora.

190
Pesquisas em linguagem e ensino

Material didático digital no ensino


de língua materna

Com relação ao que compreendemos como material didá-


tico, acreditamos ser todo instrumento pedagógico utilizado
pelo professor com o intuito de cumprir fins educacionais,
relacionados aos conteúdos de ensino. Nesse sentido, um dos
mais conhecidos e utilizados pelos profissionais de educação
são os livros didáticos, mas também há vídeos, filmes, CDs,
fotografias, jogos etc.
Libâneo (2013, p. 191) afirma que as diferentes disciplinas
escolares lançam mão de uma gama de materiais didáticos,
a exemplo de “ilustrações e gravuras, filmes, mapas e globo
terrestre, discos e fitas, livros, enciclopédias, dicionários,
revistas, álbum seriado, cartazes, gráficos etc.”.
Coadunando com a ideia de Libâneo (2013), Rojo (2013, p.
166) assegura que os materiais didáticos são “um ‘subsídio/
apoio’ e um ‘complemento’ ao ensino do professor e à apren-
dizagem dos alunos”. Assim, verificamos que tanto o professor
quanto o aluno são beneficiados com a utilização desses
materiais no ensino e, neste caso específico, no ensino de
língua materna.
Compreendemos, então, que os materiais didáticos estão
para além do compartilhamento de conteúdos, eles podem e

191
Pesquisas em linguagem e ensino

devem ser utilizados em função do ensino. Sob essa perspec-


tiva, Ritcher (2005, p. 6) aborda a relevância de o professor
lançar mão de outros materiais além do livro didático, propi-
ciando melhores resultados relacionados à aprendizagem e à
motivação dos alunos. Pensar em outros materiais didáticos,
o digital, por exemplo, é estar atento às novas demandas de
uma sociedade conectada, na qual os alunos/internautas
encontram-se imersos em ambientes digitais.
No que diz respeito à utilização de tecnologia em ambientes
educacionais, há programas governamentais que visam à
utilização tanto da tecnologia, por meio da internet, quanto
dos materiais digitais disponíveis para auxiliar os professores
a comporem suas aulas, o que tem sido um grande desafio.A
esse respeito, Mercado (2002) chama atenção para o que está
se configurando como uma sociedade cada vez mais tecnoló-
gica e adepta às novas tecnologias. Nessa direção, a escola,
como um lugar que proporciona a troca de conhecimentos,
além de uma formação crítica e cidadã aos seus alunos, deve
estar atenta para essas novas configurações de sociedade.
Some-se ainda a necessidade de pensarmos a respeito
das competências que agora são exigidas por uma sociedade
denominada de sociedade da informação, ou ainda, socie-
dade do conhecimento e da aprendizagem, pois, como afirma
Alarcão (2004, p. 21), “a competência não existe, portanto,

192
Pesquisas em linguagem e ensino

sem os conhecimentos. Como consequência lógica, não se


pode afirmar que as competências estão contra os conheci-
mentos, mas sim com os conhecimentos”.4
De acordo com Kenski (2012), a facilidade e o aumento
do acesso à internet contribuiram para (re)pensar a própria
formação de professores, no sentido de lhes possibilitar
momentos de aprendizagem e de troca de experiências sobre
a utilização da tecnologia em sala de aula.
Falar em material digital no âmbito da sala de aula, para
Ribeiro (2013, p. 41-42), implica duas possibilidades: falar
de ferramentas e aplicativos acessados no ambiente digital
ou dos objetos de aprendizagem, aqui considerados como os
recursos de áudio, vídeo, animação etc. Sob esta perspec-
tiva, a prática de sala de aula pode ser considerada como um
conjunto de atividades que auxiliam o aluno no desenvolvi-
mento da linguagem escrita, por exemplo, para alcançar um
determinado objetivo numa determinada situação, associadas
aos saberes, às tecnologias e às competências necessárias
para sua realização (KLEIMAN, 2005; BARTON; LEE, 2015).
De acordo com Martino (2015, p. 232), “a cultura não
existe enquanto estrutura autônoma de práticas sociais — um
‘texto’, isto é, uma ‘mensagem’, não existe sem o ‘contexto’,

4. Grifos da autora.

193
Pesquisas em linguagem e ensino

ou seja, as práticas sociais coexistem em conjunto, o que


significa dizer que o que está fora do ambiente escolar existe
em conjunto com o que há dentro dele”.
Assim, faz-se necessário compreender que, na atual socie-
dade do conhecimento, as mídias desempenham um papel
central nas práticas textuais e nos processos de construção
de sentido dos estudantes, os textos medeiam a maioria das
práticas digitais (BARTON; LEE, 2015), a produção e a apro-
priação do conhecimento ocorrem de maneiras múltiplas, o
que, consequentemente, exige (re)pensar o ensino a partir
dessa evidência.

Concepções de ensino subjacente às atividades


de ensino

Sabemos que as concepções de ensino de língua são


pautadas em conceitos que perpassam três noções, sendo
concebidas enquanto formas gramaticais, enquanto código
que transmite uma mensagem e enquanto atividade social.
Tais concepções foram explicitadas por Travaglia (2009),
Bronckart (2009), Costa Val (2002), entre outros. A partir
dessas três concepções, podemos dizer que as atividades
que um professor planeja e executa são guiadas a partir da
concepção de ensino de língua adotada por esse profissional.

194
Pesquisas em linguagem e ensino

Neste caso específico, os professores em formação, partici-


pantes do curso, realizaram momentos de prática de ensino de
língua em salas de aulas da Educação Básica, contemplando
atividades de leitura e produção de texto.
Por meio da transcrição de fragmentos de encontros do
curso de formação mencionado anteriormente, foi possível
reconhecermos, a partir do dizer dos professores em formação,
a(s) concepção(ões) de ensino que orientou(aram) sua prática
de ensino, especificamente no que tange às atividades de
leitura e de produção de texto utilizando material didá-
tico digital. No que diz respeito às concepções de ensino
subjacentes às atividades de leitura, passemos à análise dos
excertos a seguir:

Excerto 1

PF2: depois da gente discutir um pouco do filme o que


eles falavam... gostaram do filme que a gente trouxe
é:: nós passamos pra parte da estrutura do gênero
resenha falando daquele contextualização inicial
daquele parte da síntese da crítica e da avaliação que
essas partes constituintes da resenha até aí tudo foi
tranquilo né depois a gente passou uma atividade
pra eles de uma resenha de um outro filme que tam-
bém discutia sobre o racismo e aí a gente passou essa

195
Pesquisas em linguagem e ensino

atividade e não colocou a resenha na ordem o obje-


tivo da atividade era que os alunos identificassem as
partes que constituía a resenha.

(Trecho do encontro presencial 1, realizado no dia


07/10/2016).

No Excerto 1, podemos constatar que o que PF5 considera


inicialmente como atividade de leitura está relacionado com
leitura de imagens, ou seja, a leitura de um filme, ocorrendo
por meio de comentários de cunho apreciativo por parte dos
alunos. Compreendemos que essa atividade requer a reali-
zação de interpretação e inferência, a partir de elementos
não verbais, o que pressupõe que os alunos saibam realizar
tal procedimento.
Em seguida, a atividade de leitura foi norteada por um
texto impresso, o qual apresentava a organização estrutural
de um gênero que deveria ser produzido pelos alunos. Neste
caso, a atividade de leitura pode ser considerada como uma
atividade de decodificação, pois os alunos deveriam atentar
para as “instruções” do texto, aspecto que, na visão de PF5,
contribuiria para a produção do texto. Esse tipo de atividade
de leitura está relacionada à concepção de língua enquanto
formas gramaticais, a linguagem é concebida como expressão
do pensamento (TRAVAGLIA, 2009; COSTA VAL, 2002).

196
Pesquisas em linguagem e ensino

Considerando essa perspectiva, não há interação entre texto


e leitor, uma vez que há um modelo ou padrão a ser seguido.
Vejamos o exceto a seguir, ainda sobre atividades de
leitura:

Excerto 2

PM2: vocês consideram que a atividade foi muito bem


sucedida porque houve interação e era isso o objetivo
inicial ((silêncio))
PF5: ( ) era pra interpretar o meme ( )
PM2: certo considerando tô só fazendo perguntas
pra gente ficar pensando ( ) quando ((cita o nome de
PF6)) fala que a expectativa era que eles resistissem
e não fossem tão hábeis porque na experiência dela
com memória literária era muito difícil...
PF6: no sentido de ( ) o que nós temos são gêneros
mais tradicionais como crônica ((faz sinal de aspas)) (
) eu nunca tinha tido a experiência de levar um meme
PM2: é interessante o que você está chamando de
comum o que é aquele que causa mais estranhamento
é comum ao ambiente fora da escola ou é comum ao
ambiente da escola memórias
PF6: é comum a escola
PM2: e parece que não é comum a eles e o contrário
o meme que é comum a eles não é comum a escola

197
Pesquisas em linguagem e ensino

vocês não ficaram com a sensação eu estou com uma


turma de nono ano todo mundo sabe ler e o que foi
que eu ensinei
PF6: ( ) eles leem e acham graça mas nós queríamos
que eles olhassem e lessem criticamente qual o con-
texto quem produziu
PM2: a gente começa a observar traz o que é de fora
da escola pra dentro da escola e diz o tema é român-
tico e provoca humor e tem uma fratura entre aquilo
que vem de fora e que eles conhecem de um jeito
ou de outro e aquilo que a escola tem obrigação de::
ensinar a ler

(Trecho do encontro presencial 2, realizado no dia


21/10/2016).

No Excerto 2, verificamos que o professor ministrante 2


(PM) indaga PF5 acerca do objetivo inicial para a atividade de
leitura, pois o fato de ter ocorrido interação com a turma não
corresponde a um objetivo de aprendizagem e não necessa-
riamente é garantia de uma boa aula de leitura. Neste caso,
PF5 afirma que o objetivo da atividade foi realizar uma leitura
interpretativa do texto. Esse tipo de atividade é norteada, de
acordo com Costa Val (2002), por uma concepção de língua
pautada na transmissão de uma mensagem, ocorrendo por
meio de um código (língua).

198
Pesquisas em linguagem e ensino

No Excerto 2, PF5 apresenta uma concepção de língua


enquanto código. Tal constatação nos indica que, mesmo PF5
e PF6 terem participado da mesma experiência de formação
e terem desenvolvido o mesmo projeto de ensino para uma
turma da educação básica, o que corresponde a planejamento,
elaboração e execução de atividades de leitura, verificamos
que cada professor demonstra a sua concepção de ensino de
língua materna.
Em relação às atividades de produção de texto, analisa-
remos as concepções de ensino subjacentes em atividades
que direcionaram a produção de resenha e narrativa fantás-
tica. No que diz respeito à produção de resenhas, vejamos
os excertos 3, 4 e 5.

Excerto 3

PF2: [...] o nosso intuito inicial era a produção desse


gênero ((resenha)) pra que fosse publicado em um
blog

(Trecho do encontro presencial 1, realizado no dia


07/10/2016)

199
Pesquisas em linguagem e ensino

O que podemos constatar, com base no excerto acima, é


que a produção do texto, reconhecido estrutural e linguis-
ticamente como o gênero resenha, ocorreu a partir de
uma finalidade específica: sua publicação em um blog. No
entanto, a produção desse texto não ocorreu da maneira que
os professores em formação esperavam, conforme demonstra
o Excerto 4.

Excerto 4

PF2: a gente esperou que os alunos produzissem o


gênero resenha mas foi aí que as coisas desandaram e
não caminharam como a gente tinha pensado porque
os alunos não escreveram

(Trecho do encontro presencial 1, realizado no dia


07/10/2016).

Ao afirmarem que “as coisas desandaram”, considerando


a proposta de produção do texto, os professores em formação
demonstram que a atividade de ensino de língua parte do
texto, conforme a concepção de ensino de língua interacio-
nista (TRAVAGLIA, 2009; COSTA VAL, 2002). Neste caso
específico, verificamos ainda que a escolha do texto que será
produzido é feita pelo professor, a partir do que consideram

200
Pesquisas em linguagem e ensino

ser mais viável, a partir das experiências prévias vivenciadas


na sala de aula.
Constatamos, nesse mesmo excerto, que o fato de os
alunos não produzirem um texto escrito significou para os
professores uma resistência e uma quebra de expectativa do
professor, o que é evidenciado no momento em que PF2 afirma
que o que havia sido planejado — a escrita — não ocorreu
“como a gente tinha pensado”. Tal evidência também pode
ser constatada no excerto a seguir:

Excerto 5

PF2: foi um pouco frustrante quando a gente viu né


na sala de aula os alunos não tinham interesse ne-
nhum na produção do gênero a gente pensou meu
deus do céu foi TODO TRABALHO PERDIDO

(Encontro presencial 1, realizado no dia 07/10/2016).

Além de considerar que, ao propor atividade de produção,


o que havia sido planejado não ocorreu conforme o previsto,
PF2 ainda afirma que se sentiu frustrada porque os alunos não
demonstraram interesse para a produção escrita. Para PF2,
esta evidência configurou-se como um “trabalho perdido”.

201
Pesquisas em linguagem e ensino

No intuito de compreender essa frustração, o excerto a seguir


traz um trecho de um diálogo entre PM1, PF1 e PF2 acerca
da aula que foi destinada à produção. Vejamos:

Excerto 6

PM1: quando vocês chegaram a esse último ((filme))


vocês queriam ensinar o quê?
PF1: a gente queria ensinar o gênero resenha
PM1: e vocês acham que não conseguiram
PF1: não
PM1: por quê... por que eles não escreveram?
PF1: só um aluno
PM1: então alguém escreveu
PF1 e PF2 ((silêncio))
PM1: então o que foi que houve nesse momento ((si-
lêncio)) vocês disseram assim gente eles se deram su-
per bem na leitura mas eles não conseguiram escrever
não foi?
PF1: foi
PM1: então no momento da escrita no momento que
vocês foram pra escrever o que foi que aconteceu em
aula
PF1: eles não queriam fazer
PM1: eles se negaram a escrever

202
Pesquisas em linguagem e ensino

PF2: se negaram
PM1: nesse dia da aula houve alguma coisa escrita
deles
PF2: houve
PM1: é isso que eu estou dizendo você fez uma cara
assim ((riso)) não era o que eu esperava não era o que
eu queria mas houve alguma coisa

(Trecho do encontro presencial 1, realizado no dia


07/10/2016).

No Excerto 6, podemos perceber que a atividade de


produção está focada no professor, no sentido de que, para
eles, o trabalho não deu certo pelo fato de que apenas um
aluno realizou a produção e este aluno não a fez de acordo
com o que os professores esperavam, conforme evidenciado
no excerto na fala de PF1, ao afirmar que a atividade de escrita
não deu certo “porque eles não escreveram”. Divergindo de
uma proposta de produção de texto que parte da experiência
ou da necessidade do aluno, apresentaremos o excerto a
seguir.

203
Pesquisas em linguagem e ensino

Excerto 7

PF3: as atividades desenvolvidas eram propor que os


alunos produzissem uma narrativa fantástica curta
porque tinha que ser naquele espaço de tempo...

(Trecho do encontro presencial 1, realizado dia


07/10/2016).

Na fala de PF3, especificamente ao dizer que propôs “que


os alunos produzissem uma narrativa fantástica”, fica explí-
cita que a atividade de produção de texto não foi imposta,
mas seria apresentada aos alunos, o que nos indica que a
professora tenta não estabelecer uma relação de poder entre
ela e os alunos.
No entanto, ao justificar o porquê da escolha da produção
da narrativa fantástica, PF3 evidencia uma imposição da
escrita desse texto, uma vez que ele era o mais adequado, na
visão dela, para ser escrito no período de tempo disponível.
Percebemos que não havia uma finalidade para a produção,
nem tampouco um modelo a ser seguido, o que nos fornece
indícios de uma concepção de língua enquanto regras gramati-
cais, o que remete para uma concepção de texto como produto
acabado (COSTA VAL, 2002), não há espaço para a reescrita
do texto, sua primeira produção é a única considerada.

204
Pesquisas em linguagem e ensino

Considerações finais

De modo geral, buscamos, por meio da análise dos trechos


das transcrições dos encontros presenciais do curso de
formação continuada, evidenciar as concepções de ensino
de língua subjacente às atividades de ensino realizadas pelos
professores em formação, durante o período de participação
no curso.
A partir do que conseguimos analisar, com base nas
concepções de ensino de língua subjacentes à fala dos profes-
sores em formação, fica evidente que a prática de ensino
em sala de aula não está atrelada a apenas uma concepção.
Tal constatação ainda nos permite pensar de forma mais
ampla, no sentido de como está a formação do professor nas
universidades, especificamente nos cursos de licenciatura
em Letras - Língua Portuguesa e como este profissional,
depois de formado, está atuando e concebendo a sua própria
prática de ensino.

205
Pesquisas em linguagem e ensino

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206
Pesquisas em linguagem e ensino

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TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino
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207
Comentários do Capítulo 5

Reflexões sobre ferramentas digitais em um


curso de formação de professores

Betânia Passos Medrado


Edmilson Luiz Rafael
A dissertação de Silva-Tomaz, intitulada O ensino de língua
materna utilizando material didático digital: reflexões de profes-
sores em formação, reforça a concepção de que os espaços
formativos, sejam eles na formação inicial ou continuada,
contribuem, sobremaneira, para a ampliação e socialização
de conhecimentos imprescindíveis ao trabalho do professor.
Muito embora haja críticas a certos modelos de formação,
não podemos rechaçar a ideia de que é nesses espaços que
professores têm a oportunidade de trocar experiências e
conhecer novas ferramentas pedagógicas.
Ao lançar mão de um contexto de formação continuada
específica, qual seja o do curso de extensão Utilização de
Material Didático Digital em Projeto de Ensino, ministrado
por dois docentes da Universidade Federal de Campina Grande,
a autora explicita o posicionamento de que a formação de
professores precisa considerar conteúdos e discussões que
contribuam e estejam intrinsecamente atrelados à realidade
dos professores. Só assim é que a formação pode desencadear
momentos profícuos para o desenvolvimento profissional
desse grupo específico.
De maneira clara e didática, a autora expõe as demandas
e os objetivos desse curso de formação continuada, anali-
sando as vozes de professores que atuam na Educação
Básica. É preciso ressaltar, portanto, que a autora constrói

209
Pesquisas em linguagem e ensino

seu objeto de pesquisa alinhado às discussões mais recentes


de uma Linguística Aplicada, que requer que o pesquisador
produza conhecimento que responda às questões do tempo
que vivemos, ou seja, que seja uma pesquisa situada (MOITA
LOPES, 2013). Assim, o trabalho de Silva-Tomaz nos oferece,
com exposição instigante, uma entrada no universo de um
curso de formação de professores que visa ao tratamento das
ferramentas digitais na sala de aula de Língua Portuguesa.
Ao pressupor que “a prática de ensino de língua reali-
zada por professores é reflexo de uma concepção de ensino
assumida por eles”, Silva-Tomaz assume que o modo como
professores se apropriam das ferramentas pedagógicas indicia
maneiras de conceber o ensino e a aprendizagem. É nesse
sentido que toma para si a pergunta de pesquisa que visa
à discussão sobre “qual (quais) concepção(ões) de ensino
de língua está(ão) subjacente(s) às reflexões de professores
em formação a respeito da sua prática de ensino utilizando
material didático digital”.
Não podemos ignorar o papel das ferramentas digitais
em sala de aula atualmente. A sociedade moderna incor-
porou o mundo digital como uma dimensão concreta da vida
cotidiana e, por sua vez, a sala de aula não pode ficar aquém
das maneiras como os indivíduos interagem e constroem
conhecimento.

210
Pesquisas em linguagem e ensino

Obviamente não podemos deixar de considerar o grande


desafio que é para o professor se apropriar de ferramentas
digitais em sala de aula e, sem sombra de dúvidas, essa
questão tem motivado uma agenda interessante e bastante
profícua de discussão sobre a compreensão que professores
têm sobre como melhor abordar em sala de aula as relações
interpessoais que acontecem no meio digital.
Na discussão teórica de sua dissertação, Silva-Tomaz
discorre sobre as concepções de linguagem, referindo-se
às várias “famílias teóricas” (COSTA VAL, 2002) e, a partir
disso, situa seu trabalho na perspectiva de uma concepção de
linguagem como atividade social e, à luz do Interacionismo
Sociodiscursivo (BRONCKART, 1999; 2006; 2008), defende
que o ensino de Língua Portuguesa deve ocorrer por meio
de textos de referência ou, até mesmo, de inspiração para
nortear as ações de linguagem em sala de aula, servindo
assim como modelo para a produção. Além disso, Silva-Tomaz
discute, à luz de vários teóricos, visões de materiais didáticos
e sua transformação ao longo das últimas décadas, princi-
palmente quando referencia o advento de uma sociedade
mais tecnológica.
O contexto de pesquisa possibilitou à autora momento
privilegiado para acompanhar professores em formação,
planejando e executando atividades de ensino com material

211
Pesquisas em linguagem e ensino

didático digital, de leitura e produção de textos de língua


portuguesa em salas de aulas da Educação Básica. Os dados
gerados a partir disso trouxeram para a pesquisa um rico
material de análise sobre concepções de ensino que orien-
taram essas atividades.
Outrossim, este texto reforça o desafio que todos nós —
professores e formadores — temos diante de instrumentos
que precisam ainda ser compreendidos como ferramentas
didáticas. De tal modo, a dissertação de Silva-Tomaz engendra
uma questão ainda emergente: a inserção de ferramentas
tecnológicas em nossas salas de aula.
Como leitora privilegiada na banca de qualificação e na
de defesa de mestrado e como orientador, testemunhamos
a seriedade e ética com as quais Silva-Tomaz manuseou os
dados, bem como a maneira pela qual articulou o referen-
cial teórico às suas reflexões. Sua dissertação nos provoca
a pensar nas ferramentas tecnológicas para além do coti-
diano, pois é premente refletirmos sobre o planejamento e
os saberes do professor da Educação Básica em um mundo
tecnológico, que tem pressa nas suas transformações e em
seus impactos na sala de aula.
Nessas condições, seja como examinadora ou como orien-
tador, acreditamos ser importante destacar dois aspectos
que qualificam o trabalho no âmbito das investigações:

212
Pesquisas em linguagem e ensino

sobre formação de professores e sobre ensino de língua na


Educação Básica.
Quanto ao primeiro, a pesquisa assumiu uma concepção
de formação como reflexão crítica sobre a ação. Nesse sentido,
há uma valorização da prática como ponto de partida e de
chegada para produzir conhecimentos, afastando-se da ideia
de formação como mero treinamento. Esse aspecto torna-se
tangível pelo próprio objeto da pesquisa - ações e efeitos de
uma situação de formação na prática escolar, o que requereu
uma complexa metodologia de investigação, envolvendo
todos os sujeitos participantes do processo. A qualidade do
trabalho da pesquisadora se revelou exatamente no cuidado
com que conduziu os diversos instrumentos para depreender
como a reflexão sobre a ação de aprender, mediado pelas ações
formativas, foi se construindo ao longo do tempo.
Quanto ao segundo aspecto, a pesquisa assumiu um
compromisso com, nos limites do possível, a reflexão sobre
iniciativas acadêmicas no âmbito da extensão universitária,
tendo em vista apresentar caminhos de enfrentamento de
problemas teórico-metodológicos relativos ao ensino de
Língua Portuguesa na Educação Básica. No caso em foco, a
pesquisa muito contribui para pensarmos sobre alternativas
de ações extensionistas.

213
Pesquisas em linguagem e ensino

Referências

BRONCKART, J-P. Quadro e questionamento epistemológicos. In:


BRONCKART, J-P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um
interacionismo sócio-discursivo. Tradução Anna Rachel Machado, Pericles
Cunha. São Paulo: EDUC, 1999.
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epistemológicas e metodológicas. São Paulo: Mercado de Letras, 2006.
BRONCKART, J-P. O agir nos discursos: das concepções teóricas às
concepções dos trabalhadores. São Paulo: Mercado de Letras, 2008.
COSTA VAL, M. G. A gramática do texto, no texto. Revista de Estudos da
Linguagem, Belo Horizonte, v. 10, n. 2, p. 107-133, jul./dez. 2002.
MOITA LOPES, Luiz Paulo (org.). A linguística aplicada na modernidade
recente. São Paulo: Parábola, 2013.

214
Capítulo 6
A estrutura do gênero textual
enunciado de atividades escolares

Fabiene Araújo Xavier de Ataíde


Denise Lino de Araújo

Introdução

Que gêneros são tipicamente escolares? Como resposta a


esta pergunta, pode-se indicar o resumo, a resenha, a disser-
tação, o seminário, a exposição oral dentro da aula tida como
um evento, mas também os enunciados de atividades ou exer-
cícios escolares. Estes integram a dinâmica da vida escolar
de modo constitutivo.
Historicamente, esses gêneros estão tanto associados
à atividade docente, tendo em vista a fixação ou avaliação
da aprendizagem, como estão também associados às ativi-
dades dos alunos, pois lhes cabe cumprir a ordem indicada
pelo enunciado a fim de apresentar a resposta esperada, do
contrário são suscitadas revisões no processo de aprendi-
zagem, seja da parte deles, seja da parte do professor. Em
função das mudanças pelas quais passa o sistema escolar
atualmente, esse gênero não necessariamente é elaborado
pelo professor, já que materiais escolares, como os livros

217
Pesquisas em linguagem e ensino

didáticos e os módulos, os apresentam em grande quanti-


dade, inclusive, com sugestões para provas.
Isso posto, cabe dizer que os enunciados de atividades esco-
lares são considerados, na pesquisa que desenvolvemos, como
gêneros textuais que possuem, entre outras, a característica
constitutiva de apresentar sequências injuntivas, as quais
são responsáveis pelo esclarecimento do comando apontado
pela questão e incitação dos alunos à apresentação de uma
resposta, sobretudo quando se trata de situação avaliativa.
Este capítulo faz parte de uma pesquisa mais ampla, cujo
objetivo é descrever a estrutura de enunciados de atividades
em materiais elaborados por professores e também coletados
em módulos de sistemas de ensino. Dessa forma, os dados
analisados que dão ensejo às conclusões ora apresentadas
são compostos tanto de enunciados coletados em provas
elaboradas por professores para turmas específicas e em
contextos específicos, como de enunciados coletados em
materiais elaborados para serem usados em todo o Brasil.
Esperávamos encontrar estruturas que fossem comuns a essas
duas situações. E, conforme demonstraremos mais adiante,
os dados apontaram quatro padrões recorrentes desse gênero
em matérias das quatro áreas de estudos do Ensino Médio.
Para apresentar os resultados da pesquisa, organizamos
este capítulo em quatro seções, a saber: a primeira delas é

218
Pesquisas em linguagem e ensino

esta introdução, à qual se segue uma breve apresentação


da perspectiva sociorretórica de estudo de gênero, na qual
fundamentamos teoricamente a abordagem dos enunciados
como um gênero escolar. Depois, apresentamos o percurso
metodológico de coleta de dados, baseado na perspectiva
quali-quantitativa de análise de dados. Em seguida, apresen-
tamos a análise dos dados, que neste trabalho concentra-se
na descrição da estrutura dos enunciados e na indicação dos
percentuais de recorrência nas quatro áreas de estudos do
ensino médio. Por fim, as considerações finais. As referências
encerram este capítulo.

Enunciado de atividades escolares como um


gênero da ação docente à luz da perspectiva
sociorretórica

Os gêneros textuais emergem nas práticas sociais coti-


dianas, fato que lhes confere o papel de socializadores.
Através deles, as pessoas tentam compreender umas às
outras a fim de compartilhar significados com vistas aos
seus objetivos práticos. Em outras palavras, os gêneros
textuais são fenômenos de reconhecimento psicossocial que
fazem parte de processos de atividades socialmente orga-
nizadas (BAZERMAN, 2011, p. 32).

219
Pesquisas em linguagem e ensino

Tomando como base a concepção de texto como sendo


o aspecto visível e concreto da manifestação do discurso e
a de que os gêneros possuem dimensões tanto discursivas
quanto textuais, a noção de gênero para Bazerman (2015)
parte do princípio de que este não se localiza no texto, mas
sim na percepção que o criador e o receptor têm dele, ou seja,

Os gêneros corporificam compreensões de situações, rela-


ções, posições, humores, estratégias, recursos apropriados,
metas e muitos outros elementos que definem a atividade
e formam meios de realização. Os gêneros são modos de
fazer coisas — e como tais corporificam o que se deve fazer,
trazendo marcas do tempo e lugar no qual se realizam tais
coisas, bem como os motivos e ações realizados nesses
lugares. (BAZERMAN, 2015, p. 35).

Dentre os conceitos desenvolvidos pelos estudiosos da


retórica do gênero está o de conjunto e sistemas de gêneros.
Para Bazerman, o conceito de sistemas de gêneros refere-se
a descrever “a constelação de conjuntos de gêneros que
coordenam e possibilitam o trabalho de múltiplos grupos no
interior de sistemas de atividades mais amplos” (BAWARSHI;
REIFF, 2013, p. 115). Por sua vez, o conjunto de gêneros
refere-se aos gêneros mais delimitados, os quais permitem

220
Pesquisas em linguagem e ensino

que grupos determinados de indivíduos realizem específicas


ações em um sistema de gêneros.
Sendo assim, os enunciados de atividades escolares podem
ser entendidos como pertencentes a um sistema de gêneros
escolares que, à luz do que postula Bazerman (2011, p. 33),
compreende o conjunto de gêneros escritos por professores
de uma determinada disciplina, quais sejam o programa da
disciplina, os exercícios elaborados, os planos de aula, os
avisos por e-mail etc. Ainda segundo o autor (2011, p. 40),
“a maioria dos gêneros tem características de fácil reco-
nhecimento que sinalizam a espécie de texto que são. E,
frequentemente, essas características estão intimamente
relacionadas com as funções principais ou atividades reali-
zadas pelo gênero”.
Ainda de acordo com Bazerman (2011), os gêneros atuam
como uma espécie de instrumento de reiteração que confere
poder, fato perfeitamente observado nos enunciados de ativi-
dades escolares quando, ao apresentarem sequências injun-
tivas, deixam claro que há um comando dado pelo professor
o qual deverá ser correspondido pelo aluno.
Sendo um fenômeno de reconhecimento psicossocial, o
gênero, conforme os estudos da escola sociorretórica, não
pode ser descrito em seu aspecto material, tal como o texto.

221
Pesquisas em linguagem e ensino

Este, ao contrário daquele, segundo Bezerra (2017, p. 37),


“tem sempre um componente material, visível na escrita
e audível na fala, ao ser atualizado a partir de recursos
disponíveis no sistema linguístico e noutros sistemas semi-
óticos”. Sendo assim, o texto pode ser descrito como tendo
um aspecto material, já o gênero não. Ele é um conjunto de
traços linguísticos e semióticos usados para fazer a inte-
ração acontecer.
Assim sendo, o enunciado de atividades escolares é enten-
dido nesta pesquisa como um gênero, pois manifesta-se
em contexto de uso específico, no âmbito de sistema que
contém outros gêneros que constituem a esfera escolar. É
rotineiramente produzido por professores em situações espe-
cíficas, que incluem atividades de fixação, que não objetivam
necessariamente o estabelecimento de uma nota, e ativi-
dade de verificação de aprendizagem (cf. LINO DE ARAÚJO,
2017), para a qual o objetivo final é a obtenção de uma nota
mediante a apresentação da resposta julgada pelo professor
como sendo correta. Fora da escola, esse tipo de enunciado
aparece também em concursos públicos.
Do ponto de vista do funcionamento discursivo, o
enunciado das atividades apresenta necessariamente um
comando que deve ser atendido pelo aluno. Tal comando
é organizado normalmente por meio de uma sequência

222
Pesquisas em linguagem e ensino

injuntiva,1 ou seja, aquela que apresenta uma ordem ou


descreve um procedimento a ser executado. Sobre isso,
Rosa (2003, p. 21) descreve que:

Direcionado o nosso olhar para utilização da sequência


injuntiva, ao desejar “fazer agir” o seu destinatário, o
enunciador do texto pressupondo que seu interlocutor
está apto para realizar uma dada tarefa, explicita através
da sua ação linguística o “como fazer”: em face de um
macro-objetivo acional (ação principal) a se executar, o
enunciador apresenta uma série de comandos (ações secun-
dárias) que formam um plano de execução para que aquele
macro-objetivo seja atendido. (Grifos da autora).

Compreendendo a linguagem como uma forma de ação


social, fica pressuposto que, ao produzir um gênero de base
injuntiva, o sujeito age sobre o mundo e sobre os outros, pois
tem a finalidade de fazer o destinatário agir, seja concordando
com o que foi exposto, comprando um produto, respondendo
a um exercício, instalando um equipamento, preparando
um prato, seguindo instruções etc. Ou seja, o intuito do
gênero será o de “fazer agir”. No caso dos enunciados de

1. A sequência injuntiva, segundo Rojo (apud BARROS, 2004, p. 33), está voltada
a instruir ações, cujo domínio social da comunicação exige a regulação mútua
de comportamentos.

223
Pesquisas em linguagem e ensino

atividades escolares, especificamente, a incitação do “fazer


agir” presente nas sequências injuntivas é feita de modo
direto, por meio da forma verbal no imperativo ou do uso do
presente do indicativo na terceira pessoa do singular.
A literatura disponível a respeito dos estudos sobre o
gênero enunciados de atividades escolares, encontrada por
nós até o presente momento, limita-se aos estudos realizados
por Barros (2004), retomados por Lino de Araújo (2017), nos
quais ambas as autoras salientam a presença da sequência
injuntiva nos enunciados de atividades e tarefas escolares.
O objetivo da pesquisa desenvolvida por Barros (2004,
p. 47) foi o de:

Treinar a habilidade de ler, compreender e produzir gêneros


textuais de sequência injuntiva, para levar o aluno a
relacionar a prática de leitura e compreensão do gênero
instrução de uso à prática de leitura e compreensão das
instruções dos gêneros escolares, notadamente as ques-
tões de avaliação.

Corroborando essa constatação de Barros (2004), Lino


de Araújo e Silva (2015) diz que, “nas atividades de fixação
ou de verificação da aprendizagem, assim como nos demais
gêneros que dão orientações para que o leitor saiba o que
deve ser feito, verbos indicam a ação que deve ser realizada”.

224
Pesquisas em linguagem e ensino

Diante do exposto, defendemos os enunciados de ativi-


dades escolares como gênero textual pertencente ao conjunto
de textos escritos por professores. Este possui finalidades
próprias, entre as quais estão: (1) a de fazer com que o aluno
corresponda a um pedido/ordem exposto no comando do
enunciado, a fim de gerar uma resposta que receberá uma
determinada valoração, seja ela em forma de nota ou simples-
mente pela atestação da realização da atividade/aprendi-
zagem; (2) os interesses específicos, como por exemplo o de
atender ao que está sendo solicitado no comando do enun-
ciado; e (3) o público-alvo determinado: ordens dadas por
professores a alunos, em geral por escrito, num conjunto
denominado atividade/prova, em que cada enunciado corres-
ponde a uma questão a ser respondida, geralmente por escrito
e individualmente.
Para fins de sistematização desta pesquisa, os enunciados
coletados foram analisados com base na sua estrutura textual,
da qual salientaram-se de modo recorrente quatro sequências
prototípicas, que serão descritas na seção a seguir.

225
Pesquisas em linguagem e ensino

Metodologia

Este capítulo descreve a constituição de enunciados das


atividades escolares — no que tange à estrutura — presentes
em materiais didáticos da 1ª e da 3ª séries do Ensino Médio
de uma escola privada de Campina Grande. Esses materiais
são tanto provas elaboradas por professores quanto exercí-
cios integrantes do módulo adotado pela escola.
Assim sendo, o corpus que deu origem à pesquisa é docu-
mental, pois os exercícios e as provas estavam na semiose
escrita, alguns impressos, outros em PDF, por serem mate-
riais digitais. Já a natureza da pesquisa que os investigou foi
quali-quantitativa, porque acolhemos a definição de Ferreira
e Lino de Araújo (2013, p. 2), segundo a qual esse tipo de
investigação conjunta “privilegia a interpretação dos dados,
o entendimento dos fenômenos e processos socialmente
situados num contexto, através da busca de um equilíbrio
entre as perspectivas de pesquisa qualitativa e quantitativa”.
Ainda nos baseamos em Baquero (2009, p. 8), segundo o qual
“todo e qualquer dado quantitativo está baseado em julga-
mentos qualitativos; e todos os dados qualitativos podem
ser descritos e manipulados numericamente”.
Assim, os enunciados foram coletados em provas bimes-
trais das disciplinas Língua Portuguesa, Matemática, História

226
Pesquisas em linguagem e ensino

e Biologia em oito módulos desses mesmos componentes,


sendo quatro do Sistema de Ensino UNO e quatro do Sistema
de Ensino Ético, materiais cuja adoção vem se dando em
substituição aos livros didáticos, como parte do marketing
de grandes grupos editoriais internacionais. Dessa forma,
analisamos um total de 540 enunciados de atividades esco-
lares, sendo 270 destes produzidos por professores e 270
presentes no material didático.
Norteamos, portanto, a pesquisa pelo seguinte questio-
namento: que estruturas dos enunciados de atividades esco-
lares como gênero são depreendidos do material produzido
por professores e de materiais apostilados? Para responder
ao questionamento, o nosso objetivo principal foi o de
descrever a estrutura composicional de enunciados de ativi-
dades avaliativas das disciplinas citadas, tanto dos módulos
quanto das elaboradas por professores.
A motivação para estudar os enunciados escolares na
perspectiva sociorretórica de gêneros adveio da nossa expe-
riência com o ensino. Uma das autoras, na época da coleta
de dados, era professora da educação básica e coordenadora
do Ensino Médio de uma escola particular. Nessa função,
rotineiramente analisava/escolhia o material didático a ser
adotado nessa unidade de ensino, bem como selecionava e/
ou corrigia itens para compor as avaliações. A outra autora

227
Pesquisas em linguagem e ensino

já havia elaborado diversos materiais didáticos para teste


em situações específicas de ensino e havia elaborado um
trabalho acadêmico descrevendo o papel dos verbos na cons-
tituição de enunciados. Portanto, para ambas, os enunciados
das atividades eram material de trabalho/pesquisa.
A escolha das disciplinas cujos enunciados foram anali-
sados (Língua Portuguesa, Matemática, História e Biologia)
se deu mediante a análise do material impresso com vistas à
seleção de uma disciplina de cada área do conhecimento, ou
seja, Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Matemática
e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias;
e Ciências da Natureza e suas Tecnologias.
Sobre o corpus coletado, vale esclarecer que alguns dos
enunciados elaborados por professores são autorais, isto é,
elaborados por eles mesmos. Outros enunciados eram cole-
tados por esses professores em provas de vestibulares ou reti-
rados de outros livros didáticos. Além disso, o material elabo-
rado/composto pelo professor deveria ter 60% de questões
discursivas e outros 40% de questões objetivas, conforme
recomendação da escola. Assim, o corpus apresentava um
mix que interessava ao trabalho descritivo que nos propu-
semos a realizar por apresentar fontes e naturezas diversas,

228
Pesquisas em linguagem e ensino

além de serem de séries distintas. Cabe informar que os


dados foram coletados nas avaliações do primeiro bimestre
letivo, março/abril de 2016, portanto, numa condição de
formalidade na qual não cabia que o professor esclarecesse
o enunciado para os alunos. Este deveria estar suficiente-
mente claro para ter a sua ordem atendida.
Diante disso, a quantidade de enunciados de atividades
escolares analisados na pesquisa está apresentada na tabela
a seguir:

Tabela 1. Quantidade de enunciados analisados

Fontes/Disciplinas Língua Portuguesa

Produzidos pelos professores da 22


1ª série

Produzidos pelos professores da 24


3ª série

Presentes no módulo do UNO 22 módulo ‘A linguagem’

Presentes no módulo do Ético 24 módulo ‘Morfossintaxe IV’

Total de enunciados analisados 92

229
Pesquisas em linguagem e ensino

Fontes/Disciplinas Matemática

Produzidos pelos professores da 50


1ª série

Produzidos pelos professores da 71


3ª série

Presentes no módulo do UNO 50 módulo ‘Conjuntos e


Números’

Presentes no módulo do Ético 71 módulo ‘Números


Complexos / Polinômios’

Total de enunciados analisados 242

Fontes/Disciplinas História

Produzidos pelos professores da 30


1ª série

Produzidos pelos professores da 28


3ª série

Presentes no módulo do UNO 30 módulo ‘O conhecimento


Histórico e a Pré-História’

Presentes no módulo do Ético 28 módulo ‘O mundo no século


XX’

Total de enunciados analisados 116

230
Pesquisas em linguagem e ensino

Fontes/Disciplinas Biologia

Produzidos pelos professores da 18


1ª série

Produzidos pelos professores da 27


3ª série

Presentes no módulo do UNO 18 módulo ‘Origem e Evolução


da Biosfera’

Presentes no módulo do Ético 27 módulo ‘Fundamentos da


Genética’

Total de enunciados analisados 90

Total de enunciados analisados nesta pesquisa: 540

Fonte: elaborado pelas autoras (2017).

É importante informar que a ordem de utilização dos


módulos não foi escolhida pelos professores. A coordenação
geral da escola, visando à organização da distribuição do
material, adotou a ordem sequencial dos módulos, ou seja,
num total de 24 módulos de Língua Portuguesa, os 8 primeiros
estão destinados à 1ª série do Ensino Médio, os 8 seguintes à
2ª série e os 8 últimos à 3ª série. Sendo assim, os enunciados
de atividades escolares aqui analisados são os que constam
no módulo de número 1 de cada disciplina e de cada série, e

231
Pesquisas em linguagem e ensino

também os enunciados produzidos pelo professor da referida


série a partir do trabalho com o módulo em análise, precisa-
mente no período do 1º bimestre do ano letivo de 2016.
A categorização de dados adotou como parâmetro
observar o enunciado e textos que lhe davam suporte/contex-
tualização, antecedendo-o ou sucedendo-o, conforme será
demonstrado na seção a seguir.

A estrutura dos enunciados de atividades


escolares

A análise de dados constatou o que havia sido descrito


por Lino de Araújo (2017), que o enunciado de atividade é um
comando injuntivo encabeçado por verbo no infinitivo ou na
terceira pessoa do singular, e acrescentou a essa sequência
prototípica a de quatro arranjos textuais, a saber:

• Comando (C);
• Texto + Contextualização + Comando (TCC);
• Contextualização + Comando (CC); e
• Texto + Comando (TC).

O primeiro desses arranjos — comando (C) — corresponde


ao já descrito na literatura, acrescentando que, neste caso,

232
Pesquisas em linguagem e ensino

foram também catalogados os comandos em forma de


pergunta. O segundo (TCC) é o arranjo próprio das questões do
ENEM, o terceiro (CC) e o quarto (TC) constituem uma espécie
de variação do segundo, porque um deles apresenta apenas
a contextualização e o outro apenas o texto antecedendo
o comando. Como se pode observar, nos quatro casos, o
comando encerra o enunciado. Após este, espera-se que o
aluno responda de forma correta/coerente ao que foi solicitado.
Cabe destacar que esses quatro formatos se adaptam tanto a
questões objetivas como a questões discursivas.
Dos dados analisados, essa é a seguinte distribuição rela-
tiva à estrutura e quantidade de questões analisadas:

Tabela 2. Quantidade de enunciados encontrados com base


na estrutura da questão

Estrutura da questão Quantidade de questões


encontradas

C 172

TCC 130

TC 122

CC 116

Fonte: elaborado pelas autoras (2017).

233
Pesquisas em linguagem e ensino

Como se pode observar na tabela, a predominância é de


questões que apresentam a estrutura Comando (32% do total),
ou seja, são questões cujos enunciados são simples, diretos
e sem contextualização, recuperando, portanto, a estrutura
mais tradicional de enunciados escolares. O exemplo a seguir
apresenta um enunciado Comando com pergunta em questão
objetiva.

Exemplo 1

Fonte: módulo de gramática (2014, p. 5).

Conforme demonstra o exemplo, temos um comando


cujo enunciado é formado apenas pela questão, na qual está
implícita a ordem: “Assinale a alternativa que corresponde
à resposta correta para a seguinte questão...”. Enunciados
como este, seja em forma de pergunta ou de ordem, não
apresentam nenhum outro subsídio que auxilie o aluno na
elaboração/indicação da resposta.

234
Pesquisas em linguagem e ensino

Já enunciados formados pelo comando TCC apresentam


subsídios para a resposta porque apresentam texto e contextu-
alização. Porém, este tipo de enunciado é pouco didático, pois,
lê-se o texto para depois saber o que fazer com ele, uma vez
que “inverte o formato clássico, que começa com o enunciado
e depois apresenta o texto base” (LINO DE ARAÚJO, 2017, p.
). Tal inversão é uma das principais críticas feitas ao ENEM,
com base nas teorias sociocognitivistas de leitura, visto que
o candidato lê o texto sem saber para quê nem por quê, obri-
gando-o à necessária (re)leitura. Vejamos o exemplo a seguir:

Exemplo 2

Fonte: questão retirada do simulado de História do professor que trabalha


com o módulo 1 do Sistema UNO.

235
Pesquisas em linguagem e ensino

Nesse exemplo, assim como em todos os deste modelo,


são perceptíveis quatro manchas gráficas: o texto, seguido
da referência que se encontra abaixo e à direita (a qual, em
alguns casos, auxilia no encaminhamento da resposta);
depois, a contextualização alinhada ao texto, que, muitas
vezes, sem nenhum destaque visual, junta-se ao enunciado;
e, por fim, as alternativas enumeradas e separadas por espaço
em branco. Se, do ponto de vista gráfico, as manchas ajudam
a “achar as partes” da questão, do ponto de vista didático, o
enunciado sem nenhum destaque, como no caso em pauta,
pode prejudicar o atendimento da ordem implicitamente
prevista, que é a indicação da alternativa correta.
O terceiro tipo de comando é formado por texto e comando
(TC), como no exemplo a seguir:

236
Pesquisas em linguagem e ensino

Exemplo 3

Fonte: questão retirada do simulado de Língua Portuguesa do professor que


trabalha com o módulo 1 do Sistema UNO.

237
Pesquisas em linguagem e ensino

Enunciados formados por texto e comando (TC) envolvem


sempre a interpretação do texto, dificilmente trata-se de
comandos que buscam respostas informações explícitas,
quer sejam questões objetivas quer sejam questões discur-
sivas. No caso em tela, veja que o comando colocado abaixo
do texto expõe o aluno à mesma dificuldade de questões do
tipo TCC, que é a releitura do texto, caso o comando não
tenha sido lido antecipadamente.
O último tipo de comando identificado foi CC (Contexto
e Comando), conforme demonstra o exemplo a seguir:

Exemplo 4

Fonte: questão retirada da Avaliação Conclusiva de Matemática do professor


que trabalha com o módulo 1 do Sistema UNO.

238
Pesquisas em linguagem e ensino

Esse exemplo apresenta um problema matemático a ser


resolvido e, a fim de não apresentar somente os números a
serem considerados no momento do cálculo, vale-se de uma
suposição, apresentada no breve contexto, seguido de uma
pergunta explícita.
Considerando os números da tabela, cabe dizer que a
diferença significativa em termos de percentual é a mesma
para a questão tipo C, que alcança 32% dos dados; os demais
tipos apresentam percentuais de recorrência muito próximos,
a saber: 24, 23 e 21%, respectivamente, para TCC, TC e CC.
Descritas as quatro estruturas, a análise de dados voltou-se
para a identificação da sua presença no corpus, conside-
rando para isso o material dos professores e o dos sistemas
de ensino, que está apresentada na tabela a seguir.

Tabela 3. Estrutura do enunciado elaborado e ou selecionado pelos profes-


sores e presente no material didático

Estrutura do enunciado C TCC TC CC

Material didático dos sistemas


129 37 45 59
de Ensino

Material didático elaborado ou


43 93 77 57
selecionado pelos professores

Fonte: elaborado pelas autoras (2017).

239
Pesquisas em linguagem e ensino

Lendo essa tabela, observamos que a estrutura C é mais


recorrente no corpus: são 129 ocorrências nos módulos
didáticos, isso corresponde a 23,88% do total de 540 ocor-
rências analisadas. Essa estrutura, porém, passa a ocupar
o último lugar quando se focaliza apenas o material elabo-
rado pelos professores, ou seja, são 43 ocorrências, ou 7,96%
dos dados. Sendo assim, a estrutura mais recorrente nos
módulos é a menos recorrente no material dos professores.
Da mesma forma, a mais recorrente neste tipo de material,
que é a estrutura TCC, com 97 ocorrências, ou 17,22%, é a
menos recorrente naquele material, no qual se identificam
apenas 37 ocorrências, ou 6,87%.
Além disso, observamos os dados da linha 3, que apre-
senta a ocorrência da estrutura TC. Essa estrutura é mais
recorrente no material dos docentes, no qual foram iden-
tificadas 77 ocorrências, ou 14,25% do corpus, contra 45
ocorrências no material dos módulos, ou 8,33%. Esses
números, associados aos acima apresentados, indicam o
fortalecimento da tendência dos professores de elaborarem
enunciados baseados em textos, pois as estruturas TCC e
TC, conforme indica a tabela, são as mais recorrentes no
material dos docentes.
Por fim, os dados da linha 4, que dizem respeito às ocor-
rências da estrutura CC no corpus analisado. Como se pode

240
Pesquisas em linguagem e ensino

observar, essa estrutura está presente nos dois materiais


numa mesma proporção, pois o percentual é da ordem de
10% para essa estrutura num e noutro material.
O aparecimento expressivo de enunciados que utilizam
a estrutura TCC no material elaborado e ou selecionado
pelos professores mostra que eles estão utilizando, em suas
avaliações, questões que se aproximam muito do estilo
presente nas provas do ENEM.
A predominância, na elaboração dos professores, da
estrutura TCC em relação à C é recorrente, isso é visto
mesmo quando analisamos as disciplinas isoladamente.
Inicialmente analisamos as disciplinas de Língua Portuguesa
e Matemática, conforme vemos nos gráficos 1 e 2:

241
Pesquisas em linguagem e ensino

Gráfico 1. Ocorrência das estruturas de enunciado nas questões elaboradas


ou selecionadas pelos professores e presentes no material didático de Língua
Portuguesa

Fonte: elaborado pelas autoras (2017).

242
Pesquisas em linguagem e ensino

Gráfico 2. Ocorrência das estruturas de enunciado nas questões elaboradas


ou selecionadas pelos professores e presentes no material didático de
Matemática

Fonte: elaborado pelas autoras (2017).

243
Pesquisas em linguagem e ensino

O Gráfico 1 mostra que, no componente Língua


Portuguesa, em ambos os materiais, módulos e materiais
elaborados pelos professores, destaca-se a tendência para os
comandos TCC e TC. No caso dos materiais elaborados pelos
professores, as duas estruturas têm a mesma recorrência, ao
passo que as outras duas estruturas, C e CC, praticamente
não aparecem no corpus. Por outro lado, no material dos
sistemas de ensino, prevalece a estrutura TC, ao passo que C
e TCC aparecem quase com a mesma recorrência, mas num
índice que é metade do índice de TC. E não aparece nenhuma
ocorrência de CC. Assim, os enunciados nesse componente
tendem a prestigiar as estruturas que envolvem o texto.
No caso da disciplina Matemática, os dados mostram
que a diferença na estrutura dos enunciados entre os que
foram elaborados ou selecionados pelos professores e os
que estão presentes no material didático é significativa. No
material elaborado pelos professores, os quatro modelos
estão presentes. O destaque fica por conta da menor inci-
dência da estrutura TC em relação às demais, que orbitam
praticamente no mesmo percentual. Já no material dos
módulos de ensino, destaca-se a estrutura C em 80% dos
dados analisados. Segue-se a esta a incidência de questões
CC, típicas das questões matemáticas com as simulações;
depois a estrutura TCC e praticamente nenhuma ocorrência

244
Pesquisas em linguagem e ensino

da estrutura TC, justamente uma das mais presentes no


componente Língua Portuguesa, seja no material dos profes-
sores seja no dos sistemas de ensino.
A predominância evidente da estrutura C no material dos
sistemas de ensino indica uma perspectiva tradicional de
elaboração de questões, bastante diferente da perspectiva
adotada nas questões do ENEM. Esse problema acentua-se
quando salientamos que, nesta pesquisa, também estão
sendo analisadas questões da 3ª série do Ensino Médio, ou
seja, alunos que estão prestes a se submeter a esse exame
ainda estão respondendo a questões cujos enunciados não
correspondem à realidade que será vivenciada no final do
ano letivo.
Tal fato se repete também, de modo bastante claro, nas
disciplinas de História e Biologia, como é mostrado abaixo:

245
Pesquisas em linguagem e ensino

Gráfico 3. Ocorrência das estruturas de enunciado nas questões elaboradas


ou selecionadas pelos professores e presentes no material didático de
História

Fonte: elaborado pelas autoras (2017).

246
Pesquisas em linguagem e ensino

Gráfico 4. Ocorrência das estruturas de enunciado nas questões elaboradas


ou selecionadas pelos professores e presentes no material didático de
Biologia

Fonte: elaborado pela autora (2017).

247
Pesquisas em linguagem e ensino

Observando o Gráfico 3, vemos que os enunciados do


componente História também apresentam particularidades
quanto à incidência. Por sua natureza, o componente guarda
alguma correlação com o que ocorre no componente Língua
Portuguesa, pois a estrutura TC se mostra a mais recor-
rente no material elaborado pelos professores, seguida pelos
enunciados do tipo TCC. Chama atenção o fato de a relação
entre eles ser a “metade”, ou seja, TCC é percentualmente a
metade de TC, e são pouco presentes as estruturas CC e C.
Por outro lado, nos módulos, a estrutura C é mais recorrente,
ainda que seu percentual não seja alto, aproximadamente
25%. As demais estruturas aparecem nesse material, mas em
percentuais próximos entre si e na casa dos 15% no máximo.
Isso posto, cabe destacar que, no material dos professores,
o foco é para o texto como objeto para o qual se volta o
comando, atendendo assim tanto à natureza discursiva da
matéria quanto à tendência de filiação ao “modelo ENEM”.
Já nos módulos, observamos tendência inversa a esta.
Observando o Gráfico 4, relativo ao componente Biologia,
vemos que, no material elaborado pelos professores,
destacam-se as estruturas TCC e CC. Já no material dos
sistemas de ensino, destaca-se a estrutura CC, pois muitos
enunciados se valem de simulações como na disciplina

248
Pesquisas em linguagem e ensino

Matemática, mas chama atenção também que a estrutura


C tem uma boa incidência neste componente.
Em síntese, na elaboração e/ou seleção de questões para
as avaliações feita pelos professores, se sobressaem em todos
os componentes as questões que induzem o aluno a elaborar
a sua resposta tomando como base informações apresentadas
na própria questão (texto ou contexto). O contrário dá-se
com o material dos sistemas de ensino: há uma tendência
para as questões do tipo C. Mesmo que na disciplina Língua
Portuguesa esta não seja a estrutura mais recorrente, ela
é a mais recorrente em Matemática, e aparece em índices
significativos em História e Biologia. Assim sendo, é possível
afirmar que o material didático examinado permanece vincu-
lado a uma perspectiva mais tradicional de orientação para
a resolução de questões, basicamente se utilizando de um
mesmo modelo independentemente de qual seja o compo-
nente curricular. Por outro lado, os professores parecem
não estar sofrendo influência direta desse material adotado
pela escola; pelo contrário, cada vez mais estão se aproxi-
mando do modelo e da estrutura de enunciados que incitam
a reflexão.

249
Pesquisas em linguagem e ensino

Considerações finais

Com o objetivo de analisar a constituição de enunciados


de atividades avaliativas de quatro disciplinas do Ensino
Médio, especificamente Língua Portuguesa, Matemática,
História e Biologia, em materiais didáticos de dois sistemas
de ensino e na elaboração de provas pelos professores dessas
mesmas disciplinas, desenvolvemos esta pesquisa baseada
nos procedimentos da pesquisa quali-qualitativa.
Os dados nos levam a afirmar que enunciado de ativi-
dades escolares é um gênero textual característico da esfera
escolar que tem como principal finalidade incitar o sujeito
aluno a uma ação de demonstração de conhecimentos.
Nessa esfera, tem significados já estabelecidos, os quais
são tomados como parte da comunicação professor-alunos e
sua elaboração atende a regras de composição linguísticas e
editoriais (gráficas) que orientam o aluno para a realização
de uma ação, que, no caso do contexto estudado, visa à
avaliação da aprendizagem.
Além dessa constatação, identificamos quatro estruturas
recorrentes nos componentes focalizados:

250
Pesquisas em linguagem e ensino

• Comando
• Texto+Contexto+Comando
• Texto+Comando
• Contexto+Comando

Sendo a primeira delas a mais recorrente em todo o corpus,


porém figura em alta incidência apenas nos enunciados dos
módulos didáticos. As demais estruturas aparecem em todo
o corpus.
Por fim, foi possível concluir que a recorrência da estrutura
mais tradicional de enunciados de atividades escolares nos
módulos dos sistemas didáticos não influencia a elaboração
pelos professores, os quais se baseiam no modelo adotado
pelo ENEM com foco para o texto e sua compreensão.

Referências

BAQUERO, Marcello. A pesquisa quantitativa nas ciências sociais. Porto


Alegre: UFRGS, 2009.
BARROS, S. I. G. Seguir instruções na escola: a sequência injuntiva em
questão e em ação. 116 p. Monografia (Especialização em Linguística
Aplicada ao Ensino de Língua Materna) - Campina Grande, Universidade
Federal de Campina Grande, 2004.
BAZERMAN, C. Gêneros textuais, tipificação e interação. Angela Paiva
Dionisio e Judith Chambliss Hoffnagel (org.). 4. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

251
Pesquisas em linguagem e ensino

BAZERMAN, C. Gênero, agência e escrita. Angela Paiva Dionisio e Judith


Chambliss Hoffnagel (org.). 2. ed. São Paulo: Cortez, 2011
BAZERMAN, C. Retórica da ação letrada. Tradução Adail Sobral, Angela
Paiva Dionisio, Judith Hoffnagel, Pietra Acunha. São Paulo: Parábola
Editorial, 2015.
BAWARSHI, Anis S.; REIFF, Mary Jo. Gênero: história, teoria, pesquisa,
ensino. São Paulo: Parábola, 2013.
BEZERRA, Benedito Gomes. Gênero no contexto brasileiro: questões (meta)
teóricas e conceituais. São Paulo: Parábola Editorial, 2017.
FERREIRA, Elisa Cristina Amorim; LINO DE ARAÚJO, Denise.
Desenvolvimento da escrita na academia: investigando o gênero Resenha.
In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE LETRAS E LINGUÍSTICA. 3, 2013.
Uberlândia. [Anais...]. Uberlândia: EDUFU, 2013. p. 1-15.
LINO DE ARAÚJO, Denise. Enunciados de atividades e tarefas escolares:
modos de fazer. São Paulo: Parábola Editorial, 2017.
LINO DE ARAÚJO, Denise Lino de; SILVA, Williany Miranda da. Gêneros e
ensino: didatizando objetos para ensino de língua. In: LINO DE ARAÚJO,
Denise Lino de; SILVA, Williany Miranda da (org.). Gêneros (escolarizados)
em contextos de ensino. Curitiba: Appris, 2015.
ROSA, Adriana Letícia Torres da. A sequência injuntiva passo a passo.
Dissertação (Mestrado em Linguística) - Recife, UFPE/PE, 2003.

252
Comentários do Capítulo 6

A escrita do professor: enunciados


de atividades escolares

Angela Paiva Dionisio


Denise Lino de Araújo
Um dos gêneros ainda sem grande prestígio acadêmico
em nossas licenciaturas, embora sua relevância seja incon-
testável, consiste nos enunciados de atividades escolares.
Pensar na produção de atividades escolares requer o envol-
vimento também com as atividades de recepção dos indi-
víduos no sistema escolar, que são os estudantes. Esta foi a
primeira “ousadia acadêmica” de Fabiene Araújo Xavier de
Ataíde: por em destaque a escrita do professor. A segunda
“ousadia”, não menos relevante, consistiu na capacidade
de “ouvir” essa escrita, seu objeto de investigação.
A clássica definição de Ferdinand Saussure, no capí-
tulo II, do livro Curso de Linguística Geral (1975), de que o
ponto de vista cria o objeto deu ensejo à Linguística como
uma ciência para a qual a metodologia para identificação/
descrição/análise do objeto tem um lugar de relevo. No
campo da Linguística Aplicada, isto não é menos impor-
tante e dá ensejo a uma perspectiva mais radical, aquela que
defende a geração de dados (MASON, 1997) e não apenas
sua “coleta”. Nessa perspectiva, os dados “falam” e cabe
ao pesquisador “ouvi-los”.
Tendo em vista esses dois posicionamentos paradig-
máticos, a pesquisa de Ataíde (2017) — norteadora da sua
dissertação de mestrado — apresentava um desafio de ordem
teórico-metodológica que era enxergar os enunciados de

255
Pesquisas em linguagem e ensino

atividades como gênero da esfera escolar. Para isso, a funda-


mentação na perspectiva sociorretórica se mostrou deci-
siva ao demonstrar que a existência do gênero não era uma
questão idiossincrática, desvelando sobretudo os aspectos
relacionados à composição.
Assim, o trabalho de natureza qualitativa foi organizado
a partir da geração de dados. De acordo com Reel e Mello
(2011:35):

a pesquisa qualitativa rejeita a ideia de que o pesqui-


sador pode ser um coletor de informações completamente
neutro sobre o mundo social. Ao contrário, ele é visto
como alguém que constrói ativamente o conhecimento
sobre o mundo de acordo com certos princípios e métodos
que derivam de sua postura epistemológica. Ou seja, o
pesquisador não encontra os dados à sua espera para serem
coletados, mas trabalha de forma a gerá-los a partir das
fontes e instrumentos que escolheu. Isso implica reco-
nhecer que o processo de geração de dados é um processo
participativo, analítico e interpretativo marcado tanto pela
perspectiva ontológica do pesquisador acerca da realidade
social quanto pela sua perspectiva epistemológica de como
a realidade pode ser conhecida.

256
Pesquisas em linguagem e ensino

Essa perspectiva adotada por Ataíde (2017) levou-a a


identificar os dados, i. e, gerá-los, de forma minuciosa em
meio a um corpus documental ampliado, de modo que não
se restringiu a recolhê-los, mas a selecioná-los construindo
segmentos inteligíveis e coordenados entre si. Ao gerar
os dados, a autora inicialmente realizou um tratamento
quantitativo e, depois, uma análise qualitativa para revelar
significados relativos ao uso do gênero na esfera escolar.
Desse modo, Ataíde (2017) lançou-se à tarefa a partir
de sua experiência e inserção na dinâmica de uma escola
particular como coordenadora de ensino, fazendo emergir
desse lugar dois conjuntos dados não apreciados até então
no Programa de Pós-graduação em Linguagem e Ensino: os
enunciados de questões de provas elaboradas por profes-
sores e os de módulos didáticos adotados pela escola. De um
lado, dados artesanais, visto que elaborados por professores
para a situação local de sua disciplina, numa dada turma
da escola X. Por outro lado, dados homogeneizados cole-
tados dos módulos; estes tanto tinham cópia de questões
vestibulares como tinham enunciados sem identificação
da sua origem o que nos passava a impressão de terem
sido escritos com exclusividade para aquele material não
avaliado pelo Programa Nacional do Livro Didático. Um
primeiro desafio era tornar esses dados comparáveis e a

257
Pesquisas em linguagem e ensino

resposta para isso veio do fato de ambos serem usados na


escola focalizada com finalidade avaliativa, cujo cronograma
previa quando seriam aplicadas as avaliações dos módulos
e quando seriam aplicadas as avaliações dos professores.
Essas gozavam do privilégio de serem as avaliações finais
dos bimestres, enquanto as dos módulos figuravam com
simulados. Ambas tinham pesos e notas especificadas no
âmbito daquela instituição de ensino.
Como é próprio da Linguística Aplicada, o foco da
pesquisa concitava a olhar os dados sem pré-conceitos e
“deixá-los falar”. A perspectiva quali-quanti revelou sua
voz. Primeiro, o levantamento de 540 enunciados, sendo
270 identificados nos módulos dos sistemas Uno e Ético e
270 no material elaborado por professores das disciplinas
Língua Portuguesa, História, Biologia e Matemática. Depois,
a análise qualitativa dos achados.
No caso em pauta, a recorrência respondeu à questão da
composição do gênero enunciado escolar, pois, os padrões
apareceram independentemente da área — Linguagens,
Ciências Humanas, Biológicas e Matemática — como tendên-
cias mais específicas em cada uma delas, conforme descrito
pela pesquisadora (op. cit 2017). A descrição da composição
dos enunciados — Comando (C), Texto + Contextualização
+ Comando (TCC), Contextualização + Comando (CC) e

258
Pesquisas em linguagem e ensino

Texto + Comando (TC) — juntamente com a descrição das


ações textuais discursivas solicitadas por cada um desses
tipos de comando — completar, incitar a ordem, questionar
e reconhecer informação — já garantiria que a dissertação
citada cumpria com o objetivo de descrever um gênero não
estudado na área, pois, até 2017, apenas o trabalho de Lino
de Araújo (2017), a partir da descrição de Rosa (2003) e de
Barros (2004) para sequências injuntivas, revelava os enun-
ciados como gênero escolar, focalizando a composição e o
funcionamento apenas na disciplina Língua Portuguesa.
Entretanto, o trabalho de Ataíde (op. cit.) vai além ao
deixar os “dados falarem” desvelando o uso dos enunciados e
das ações textuais no contexto aplicado, ou seja, em relação
às fontes dos dados: se os módulos ou as provas elaboradas
pelos professores. Nesse âmbito, a “fala” mais significativa
da análise de dados demonstra que os enunciados elaborados
pelos professores se mostram sintonizados e influenciados
pelo modelo de enunciado popularizado pelo ENEM, ou
seja, o modelo TCC que suscita função textual discursiva
de completar (cf, ATAÍDE, 2017:80). De acordo com Ataíde
(2017: 78), os módulos tanto apresentam mais questões
compostas pelas demais estruturas — CC, C, e TC — , como...

259
Pesquisas em linguagem e ensino

parecem estar voltados mais para a realidade do Sudeste


e do Centro-Oeste, cujo foco não é somente o ENEM, mas
sim vestibulares como o ITA (Instituto Tecnológico de
Aeronáutica), o IME (Instituto Militar de Engenharia), além
de algumas universidades que não utilizam o ENEM como
processo seletivo de entrada de alunos no ensino superior.

A pesquisa conduzida pelo modelo quali-quanti permitiu


repercutir duas “falas” que emanam dos dados. A primeira
delas diz respeito à desconexão dos módulos com o prin-
cipal exame de entrada no ensino superior — ENEM —, e sua
clara vinculação com a realidade do Sudeste na qual outros
processos seletivos têm prevalência. Ao dizer isto, a autora
faz uma crítica à adoção dos módulos numa realidade na
qual o ENEM é a realidade enfrentada pela imensa maioria
dos alunos. A segunda diz respeito à conexão dos professores
com essa demanda dos alunos, pois, nas avaliações por eles
elaboradas é mais recorrente o modelo de questões do ENEM.
Dito em outras palavras, esse segundo achado revela a não
submissão dos professores ao material didático adotado pela
escola e seu esforço paralelo de se manterem atualizados
com a realidade dos alunos.
Isto posto, cabe destacar que esses dois achados são
frutos não só da quantificação dos dados, mas da sua inter-
pretação. Nesse sentido, a pesquisa é original, ao associar

260
Pesquisas em linguagem e ensino

o desenvolvimento de um estudo em Linguística Textual,


descrevendo a composição e funcionamento de um gênero,
a um estudo em Linguística Aplicada, ao focalizar o seu uso
em práticas situadas de linguagem. Por fim, é importante
sublinhar que a pesquisa de Ataíde (2017) apresenta uma
grande contribuição para os estudos sobre elaboração de
materiais didáticos e para os estudos sobre a ação docente.

Referências

ATAÍDE, Fabiene Araújo Xavier. O enunciado de atividades escolares como


gênero textual. Dissertação de Mestrado. Campina Grande, UFCG. 2017
BARROS, Soraia Itaiene Gomes. Seguir instruções na escola: a sequência
injuntiva em questão e em ação. 116p. Monografia de Especialização em
Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Materna, Universidade Federal de
Campina Grande, 2004.
LINO DE ARAÚJO, Denise. Enunciados de atividades e tarefas escolares:
modos de fazer. São Paulo: Parábola Editorial, 2017.
MASON, Jeniffer. Qualitative researching. London: SAGE Publications, 1997.
REES, Dilys Karen. MELLO, Heloísa Augusta Brito de. A investigação
etnográfica na sala de aula de segunda língua/língua estrangeira. Cadernos
do IL, Porto Alegre, n. 42, junho de 2011. p. 30-50. Acesso em 20 de
dezembro de 2020.
ROSA, Adriana Letícia Torres da. No comando, a sequência injuntiva. In:
DIONISIO, A. P.; BESERRA, N. da S. (org.). Tecendo textos, construindo
experiências. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.
SAUSSURE, Ferdinad. Curso de linguística geral. [Tradução Antônio Chelini
et al.] São Paulo: Cultrix, 1975.

261
Capítulo 7
Literatura no ensino de língua
portuguesa na educação de jovens e
adultos: intercompreensão, teatro e
alteridade

Josimar Alves da Silva


Josilene Pinheiro-Mariz

Introdução

Pensar a formação educacional, literária e plurilíngue


deve ser tarefa de constante inquietação do profissional
da grande área das Letras, domínio no qual estão inse-
ridas a literatura e a linguística. A intercompreensão de
línguas românicas (IC) surgiu na década de 1990, na Europa.
Muito embora esse profissional não tenha como centro de
sua formação a alfabetização, é impossível, para nós, não
pensar na educação de base pelas vias da leitura literária,
por exemplo. Por esse prisma, é imperativo olhar para um
público que se configura em um verdadeiro desafio para o
professor com formação em Letras: o público da Educação
de Jovens e Adultos (EJA). Ora, como dar aulas de Língua
Portuguesa para adultos que, em muitos casos, retornaram à
escola após décadas? Ou como ler literatura com esse público

263
Pesquisas em linguagem e ensino

de modo a despertar nesses estudantes o interesse pela arte


literária, instigando-os a perceber o outrem na vivência
com a literatura em outras línguas? A arte teatral, quando
associada à literária, se configuraria em um caminho que
pode promover esse despertar?
É no sentido de encontrar respostas que possam ir ao
encontro dessas perguntas que caminha este capítulo, pois
damos enfoque à importância da leitura literária na formação
de leitores literários da EJA. Partindo da realidade de ensino
da Língua Portuguesa, buscamos identificar alguns cami-
nhos que pudessem nos conduzir a uma formação mais
completa, na qual o leitor da EJA também tenha acesso à
literatura, haja vista ser essa uma forma de humanização
(CANDIDO, 2006).
Considerando essa realidade de ensino, também foi nosso
intento não dissociar a intrínseca relação entre língua e
literatura, permitindo que os aprendizes da EJA também se
deparassem com obras literárias consideradas canônicas,
uma vez que, via de regra, os textos ofertados aos estu-
dantes dessa modalidade de ensino são textos com mensa-
gens, por assim dizer, pragmáticas. Para a execução das
aulas, buscamos um método que fosse eficaz e eficiente
para a leitura literária do grupo participante. Assim, nesta
pesquisa-ação, realizada em uma escola estadual de Ensino

264
Pesquisas em linguagem e ensino

Fundamental, no município de Campina Grande,1 junto a


estudantes da EJA, para além de discutir a necessidade da
não dissociação entre língua e literatura, seguimos orien-
tações da metodologia conhecida como intercompreensão
de línguas românicas, entendendo que seria um caminho
profícuo para uma formação linguístico-literária do público
da EJA atendido pelo projeto. Para a execução de nossa
proposta, encontramos como principal ponte de acesso à
leitura literária em diversas línguas a arte teatral.
Assim, este texto discute a importância da leitura lite-
rária junto ao público da EJA, buscando promover a disso-
ciação entre língua e literatura pelos caminhos da inter-
compreensão de línguas românicas (ILR ou IC), tendo como
suporte de ação a arte teatral. A fim de melhor esclarecer
esta proposta, em um primeiro momento, apresentaremos,
em linhas gerais, qual é a proposta da IC. Considerando que
ela surge no âmbito dos estudos da didática das línguas,
ressaltamos o seu papel enquanto essencial promotora
de uma política que abre as janelas do universo do estu-
dante, apontando outras formas de ler o mundo, sobre-
tudo quando pensamos no aprendiz da EJA. Com esse fim,
trazemos alguns dos especialistas em IC, bem como as suas

1. Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (HUAC/UFCG) sob o


número 55996616.0.0000.5182, de 20 de setembro de 2016.

265
Pesquisas em linguagem e ensino

ponderações sobre o tema, a exemplo de Capucho (2010),


Andrade, Melo-Pfeifer e Santos (2009), Andrade e Sá (2014);
e, ainda, sobre a importância da abordagem da literatura no
ensino/aprendizagem de estudantes da EJA. Na sequência,
trazemos discussões sobre como a ILR pode ser um elemento
que promove a alteridade, embasadas em ponderações de
Bakhtin (2006) e, finalmente, reflexões sobre a arte teatral
levando a leitura literária para estudantes da EJA.

Intercompreensão de línguas românicas e


literatura na EJA

A intercompreensão de línguas românicas é uma abor-


dagem que permite mover o aprendiz do seu conhecimento
linguístico para outro que não seja do domínio, permitindo
uma comunicação efetiva, além da capacidade do reencontro
de línguas próximas. De acordo com Capucho (2010, p. 103),
“a noção de intercompreensão não constitui uma invenção
artificial no campo da linguística aplicada ou da didática das
línguas; ela corresponde aos processos naturais e espontâneos
postos em prática por indivíduos ‘comuns’, em situações de
contactos exolíngues”. Assim, pode-se dizer que ela está ao
alcance de todos os aprendizes, por possibilitar os contatos
exolíngues, ou seja, a troca de comunicação entre línguas

266
Pesquisas em linguagem e ensino

diferentes. Para Andrade e Araújo e Sá (2014), trata-se de


uma proposta muito completa e humanizadora, pois, para
ela, “a IC vem concorrer para colocar o discurso sobre o seu
ensino/aprendizagem em prol das grandes finalidades da
educação (coesão social, cidadania, diálogo intercultural,
paz)” (ANDRADE; ARAÚJO E SÁ, 2014, p. 135), o que reforça
o quão eficaz pode ser essa abordagem na formação humana.
De acordo com Andrade, Melo-Pfeifer e Santos (2009, p.
289), “a credibilização da IC necessita, em nosso entender,
de ser cimentada pela migração do conceito para os lugares
privilegiados de desenvolvimento linguístico-comunicativo:
os espaços de educação e de formação”. Observando por essas
lentes, o aprendizado pelo plurilinguismo na Europa, por
exemplo, começa nas escolas, nas universidades, pela LM
e se expande pelas demais línguas estrangeiras vizinhas,
levando-nos a comunicação mais efetiva, em que cada sujeito
será valorizado em seu contexto.
A escola é, por certo, o espaço mais apropriado para o estí-
mulo à expansão plurilinguística, pois, a partir de atividades
socioeducativas, os aprendizes podem ser conduzidos ao exer-
cício da cidadania. Notadamente, a figura do professor é muito
importante, uma vez que ele pode contribuir na expansão dos
horizontes de expectativa dos discentes para a vida, além de
mediar situações escolares para o aprendizado mais amplo.

267
Pesquisas em linguagem e ensino

Na sala de aula da EJA, o professor, muitas vezes, é a grande


referência, e tudo que ele diz assume o papel de verdade
única. Desse modo, quando o educador resolve trabalhar
com o texto literário, os aprendizes aderem à proposta, não
só pela fruição, mas por perceberem que o encaminhamento
do docente poderá levá-los a novas descobertas, inclusive no
desenvolvimento cognitivo.
De acordo com a LDB (Lei de Diretrizes e Bases, 1996), em
seu artigo 37, a educação de jovens e adultos “será destinada
àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos
no ensino fundamental e médio na idade própria” (BRASIL,
1996, p. 15). Percebemos, por experiência empírica em sala
de aula, alunos entre 17 e 60 anos que deixaram os estudos
por diversos fatores sócio-econômico-culturais. Nessa pers-
pectiva, não se pode esquecer que os estudantes da EJA são
oriundos de uma realidade pouco favorecida socioeconomica-
mente, que alguns estiveram fora da sala de aula por muitos
anos e que precisam se sentir reinseridos no espaço escolar.
Segundo Arroyo (2006, p. 24), o público da EJA é formado
predominantemente de “jovens e adultos com uma história,
com uma trajetória social, racial, territorial que tem que
ser conhecida, para acertar com projetos que deem conta
de sua realidade e de sua condição”. Todavia, esses apren-
dizes, com idade a partir dos 16 anos, ao retornarem para o

268
Pesquisas em linguagem e ensino

convívio escolar, se deparam com situações anteriormente


vivenciadas, uma vez que muitas escolas não têm bibliotecas
e as que as têm não funcionam efetivamente; e, assim, os
aprendizes, que já não recebem uma formação voltada para
a leitura literária, são excluídos do prazer de ler o livro que
tenha despertado o seu interesse.
No que diz respeito ao papel da literatura na formação
de leitores da EJA, Carvalho e Pinheiro-Mariz (2011, p. 15)
ressaltam que “a educação de jovens e adultos tem como
principal objetivo auxiliar na supressão das discriminações
e na busca por uma sociedade mais justa e menos desigual”.
Logo, entende-se que a leitura literária, nessa modalidade
de ensino, pode se configurar em um proveitoso espaço para
ajudar a suprimir discriminações, dada a força da obra lite-
rária ao estimular o imaginário do aprendiz. Isso deve ser
levado em conta quando se observa o perfil do estudante
da EJA, que é formado, na sua maioria, por serventes de
pedreiro, auxiliares de serviços gerais, balconistas, garis,
vendedores, entre outros empregos que não permitem tempo
para a realização das atividades escolares. Tal perfil é um
dos principais argumentos para a não abordagem de obras
literárias na EJA.
Entretanto, entendemos que o leitor pode ser todo ser
humano, independentemente de suas peculiaridades ou do

269
Pesquisas em linguagem e ensino

meio no qual ele vive. Partilhamos do pensamento de Eco


(1988) ao argumentar que o texto deve postular a cooperação
do leitor para que ele possa atualizar-se. Ademais, devemos
pensar o autor e o leitor-modelo como tipos de estratégia
textual, ou seja, “o leitor-modelo constitui um conjunto de
condições de êxito, textualmente estabelecidas que devem
ser satisfeitas para que um texto seja plenamente atualizado
no seu conteúdo potencial” (ECO, 1988, p. 45).
Por esse olhar, nas leituras e inferências do leitor, abrem-
-se novas perspectivas para o que se deve fazer com o texto
que se tem em mãos. É assim que entendemos a perspectiva
de leitura literária em uma visão plurilinguística, uma vez
que pode estimular reflexões sobre a importância da alteri-
dade na formação do leitor, conforme vemos na sequência
destas ponderações.

Intercompreensão pelos caminhos


da alteridade

Além do respaldo da IC, apresentamos as nossas reflexões


a partir dos postulados teóricos de Bakhtin (1997, 2006),
relacionados aos conceitos do dialogismo e da alteridade, o
que na nossa visão permite compreender melhor a relação
do texto com o aprendiz, uma vez que essa relação pode

270
Pesquisas em linguagem e ensino

se estabelecer no processo de alteridade apresentado no


eu-para-mim ou no outro-para-mim.
A intercompreensão de línguas românicas não é apenas
uma proposta para o Ensino Fundamental ou para a EJA,
pode ser aplicada em qualquer modalidade de escolaridade,
desde a alfabetização à pós-graduação, podendo permitir ao
aprendiz uma visão transcendente e plural das sociedades
de diferentes culturas. Nesse sentido, quando pensamos a
concepção de linguagem de forma interativa e dialógica,
pensamos na alteridade, no momento em que cada sujeito
apropria-se do discurso do outro e transforma-o, validando
no meio sociocultural. Assim, de acordo com Bakhtin (1997):

Essa alternância dos sujeitos falantes que traça fronteiras


estritas entre os enunciados nas diversas esferas da ativi-
dade e da existência humana, conforme as diferentes atri-
buições da língua e as condições e situações variadas da
comunicação, é diversamente caracterizada e adota formas
variadas. É no diálogo real que esta alternância dos sujeitos
falantes é observada de modo mais direto e evidente; os
enunciados dos interlocutores (parceiros do diálogo), a que
chamamos de réplicas, alternam-se regularmente nele.
(BAKTHIN, 1997, p. 294).

271
Pesquisas em linguagem e ensino

Desse modo, a alternância entre os alunos é um elemento


norteador no processo dialógico, possibilitando aos apren-
dizes trocas discursivas concretas. Muitos aprendizes da
EJA, que não foram estimulados em seus lares para a leitura
literária, poderão em sala de aula apresentar seus enunciados
como sujeitos participativos, dialogando com o professor e
com a comunidade na qual estão inseridos.
Para tanto, os aprendizes também se constituem nessa
relação pela alteridade, pois o mesmo ser que, muitas vezes,
se reflete no outro pode também apresentar inúmeras infe-
rências. Portanto, encontramos no dialogismo, através da
palavra do aprendiz, a importância da coletividade, que, de
acordo com Bakhtin (2006):

A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa


desse interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do
mesmo grupo social ou não. [...]. Na realidade, toda palavra
comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de
que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige
para alguém. Ela constitui justamente o produto da inte-
ração do locutor e do ouvinte. (BAKHTIN, 2006, p. 114-115).

A alteridade está entre “eu” e o “outro”, é uma relação


de pura construção contínua em que ocorre a interação, ou
seja, que nos leva a compreender também nesse processo do

272
Pesquisas em linguagem e ensino

texto e do aprendiz. Depreende-se que a alternância entre os


sujeitos possibilita uma transferência ou interação entre os
aprendizes de LM, levando-os a conhecer línguas (neste caso,
as aparentadas: espanhola, francesa, italiana, entre outras),
através do conhecimento plurilíngue e multicultural, uma
vez que a IC possibilita essa formação plurilíngue.
Nesse sentido, levar a IC ao público da EJA pode ser enten-
dido como lançar-se na redescoberta do cotidiano escolar, na
relação profícua entre professor e aluno, estimulando para
o conhecimento amplo e diverso. De acordo com Capucho
(2010), em práticas de IC, os professores não serão “detentores
de todo o saber”, mas apenas praticantes de um método de
descoberta das línguas, que deverão partilhar com os seus
alunos. Trata-se, pois, também, de uma ruptura na própria
concepção do papel do professor” (CAPUCHO, 2010, p. 106).

Leitura literária pela arte teatral

A literatura transcende o ser através da arte e o huma-


niza, instigando-lhes os mais diversos sentimentos, surgindo
numa reflexão social e histórica, como nos assegura Moisés
(2012), pois a literatura se realiza a partir de uma série de
documentos escritos, entendida como a arte da palavra que
reflete o ser no mundo. Nesse sentido, o texto dramático é

273
Pesquisas em linguagem e ensino

um gênero literário que sensibiliza pela linguagem, consi-


derando-se que a sociedade aparece representada por ela
mesma. No meio escolar menos favorecido, a ausência de
uma sala para apresentações teatrais é uma constante e,
considerando-se que são estudantes com frágeis condições
financeiras, poucos têm acesso ao gênero em espaços como
uma casa de espetáculos ou um teatro propriamente dito.
Por essa razão, em nossa pesquisa, identificamos na arte
teatral uma possibilidade de redescoberta de mundos para os
aprendizes constituídos em nosso público. Na prática teatral,
os participantes da pesquisa apresentaram seus sentimentos,
uma vez que foram conduzidos a construir outros olhares
sobre os temas propostos e a sentir outras sensações, expe-
rimentando, portanto, novas emoções. Atentando-se, nesse
caso, para o que Massaro (2008) nos chama atenção: “[...]É
preciso reconhecer que as experiências substantivamente
teatrais estão perfeitamente sintonizadas com as abordagens
sociointeracionais das linguagens (e entre elas das línguas
materna ou estrangeiras)” (MASSARO, 2008, p. 80). Por essa
ótica, compreendemos a teatralidade como um importante
suporte ao ensino de línguas. Todavia, é essencial que o
aprendiz seja convidado a adentrar, com o professor, a ence-
nação proposta a partir do texto trabalhado.

274
Pesquisas em linguagem e ensino

Como sabemos, o texto literário (em especial, o dramá-


tico) possibilita ao aprendiz experimentar sensações múlti-
plas, valorizando-o em todos os aspectos, pois qualquer
pessoa pode aprender ou reaprender a olhar, sentir, gesti-
cular, movimentar-se, respeitando o espaço e o outro. Com
essa perspectiva, propusemos uma ação que reunia leitura
literária em uma perspectiva plurilíngue, pelas trilhas da IC
junto aos estudantes. Os corpora desta investigação foram
constituídos por atividades de leitura, com escuta de áudios
e propostas de interpretação dos excertos literários feitas
a partir de exercícios realizados em sala de aula de Língua
Portuguesa, com o propósito de minorar problemas de apren-
dizagem relacionados a dificuldades de leitura e, sobretudo,
a literária na interpretação de texto, bem como aperfeiçoar
a LM a partir da proposta da ILR. Além disso, também se
constituíram em objeto de estudo edições de releituras das
obras literárias, que foram apresentadas através da adap-
tação dramatúrgica, estimulando a leitura e a compreensão,
e favorecendo a amplitude linguístico-cultural da LM, com
suporte na encenação teatral.
Os excertos selecionados foram dos seguintes romances:
Les Misérables, de Victor Hugo; Don Quijote de la Mancha,
de Miguel de Cervantes e Le avventure di Pinocchio, de Carlo
Collodi. Os aprendizes foram estimulados à leitura em outras

275
Pesquisas em linguagem e ensino

línguas a partir da escuta dos excertos selecionados e, ao fina-


lizarmos o último estudo de texto — a narrativa Pinóquio —,
propusemos ao grupo a realização de uma encenação baseada
nos excertos lidos e analisados. A nossa proposta se acosta ao
que acentua Boal (2000) ao ressaltar que o teatro nasce a partir
do momento em que o ser humano descobre que pode se ver.
A adaptação recebeu o título O que é a vida?. Foram cons-
truídos doze personagens: Narrador(a); Padre; Mulher 1;
Mulher 2; Jean Valjean; Dom Quixote (Seu Alonso); Sobrinha;
Governanta; Trabalhador; Pai (Gepeto); Pinóquio; Grilo
Falante e um Coral. O texto foi dividido em três cenas, de
modo que a primeira foi centrada em Os Miseráveis, de Victor
Hugo; a segunda, em Dom Quixote de La Mancha, de Miguel
de Cervantes; e a terceira e última, no boneco Pinóquio, de
Carlo Collodi.2
Com a turma de 24 estudantes e também participantes
da pesquisa, não havia personagens para todos, então deci-
dimos aplicar o sistema coringa de Boal (2000), em que
uma personagem pode ser representada por vários atores, o
que demandaria um tempo maior para a execução da apre-
sentação. Por essa razão, optamos por colocar em cena a
presença de um coral que abriria o espetáculo. Após algumas

2. Aqui, os títulos estão em língua portuguesa, pois a adaptação foi feita nessa
língua para que todos os participantes pudessem participar.

276
Pesquisas em linguagem e ensino

leituras, foram distribuídos os papéis para a interpretação


teatral. Os aprendizes que não foram contemplados com uma
personagem foram encaminhados também para atuação
através do coral.
A cada final de ensaio, havia um debate e, então, aprovei-
távamos para coadunar a encenação que estávamos fazendo
com as narrativas que foram trabalhadas em LE pela IC,
pois, de acordo com Alas-Martins (2014), a IC também pode
vir a fortalecer as potencialidades dos alunos. Em um dos
debates, surgiu o interesse pela leitura de outros autores.
Desse modo, começamos a levar livros de Machado de
Assis, Clarice Lispector, Luís Fernando Veríssimo, Bernardo
Guimarães, dentre outros, e promovia-se um espaço de
partilhas de leituras.
Os ensaios caminhavam pelo viés da improvisação, pois,
de acordo com Spolin (1998), todos são capazes de atuar em
um palco, bem como improvisar. E assim, fazíamos atividades
de relaxamento, além de jogos dramáticos, haja vista que, no
dia da apresentação, pelo nervosismo ou outra situação qual-
quer, poderia, por exemplo, ocorrer o esquecimento do texto
dramático. Com o espetáculo quase pronto, identificou-se
um pequeno obstáculo a respeito do local da apresentação.
A escola estadual, situada na Zona Leste da cidade, possuía
um anfiteatro que, devido a questões de infraestrutura,

277
Pesquisas em linguagem e ensino

infelizmente era utilizado para outros fins. Todavia, o grupo


decidiu “resgatar” o espaço para o espetáculo.
A receptividade dos estudantes foi intensa, pois a novi-
dade de uma apresentação artístico-cultural agradou a
todos, sobretudo por quebrar a rotina da sala de aula. No
dia da apresentação, devidamente vestidos com figurino
apropriado e maquiados, os “artistas” dirigiram-se ao anfi-
teatro prontos para o espetáculo. Os aprendizes estavam
entusiasmados, passavam seus textos, ensaiavam a canção.
Saudamos a plateia, que estava repleta de estudantes, profes-
sores e funcionários. Havia um olhar de deslumbramento
pela maioria em ver aquele anfiteatro iluminado.
Logo na primeira cena, percebeu-se o brilho nos olhos
de todos. A narradora indagou se o bispo teria tomado a
atitude correta, em relação a Jean Valjean, e sinalizou que, às
vezes, é preciso dar uma chance para alguém nessa situação.
Em seguida, convidou a todos para a segunda cena e para a
terceira e última cena. A interação com os espectadores foi
para além das expectativas, pois não houve, em nenhum
momento, interrupções como algumas vezes acontecem
quando há eventos dentro de uma escola.
Era nítida a alegria nos aprendizes por terem realizado
uma atividade prazerosa, divertida e que exigiu outras
habilidades, tornando a obra literária algo mais real. Ao

278
Pesquisas em linguagem e ensino

identificarmos os comentários, após a encenação, inevitavel-


mente evocamos Andrade e Sá (2014), para quem, através da
IC, se pode observar uma educação linguística, levando-se
em consideração que a IC é como um espaço de transfor-
mação das pessoas e das relações com elas e com o mundo.
Igualmente, podemos afirmar que foi possível identificar o
que diz Pinheiro-Mariz (2008) quando ratifica que estudar
uma LE é vivenciar outra cultura no campo linguístico e
também no social. Por essa ótica, podemos afirmar que a
leitura literária por uma perspectiva plurilíngue na prática
do espetáculo teatral, somado à IC, pode proporcionar uma
significativa imersão em outras culturas, por vezes, distantes
da maioria dos estudantes, promovendo, certamente, uma
transformação de vidas.

Algumas conclusões

À guisa de conclusão, consideramos importante ressaltar


que, no contato com o livro didático de Português (LDP), os
estudantes da EJA conhecem a literatura dramática, porém
esse contato é frágil, pois, em sua abordagem, o gênero é
evidenciado de forma muito superficial, uma vez que esse
gênero parece não ser validado no processo de ensino e
aprendizagem. Além disso, muitos docentes conhecem e

279
Pesquisas em linguagem e ensino

outros não sabem como explanar esse gênero, levando aulas


isoladas, ou seja, alguns professores apresentam a sua turma
um pequeno trecho de uma peça teatral e depois, solicita
uma “pequena encenação”.
Diante dessas assertivas, é preciso retomar o pensamento
de Boal (2000) ao acentuar o papel do teatro na humanização,
uma vez que permite o ver-se a si mesmo, o descobrir-se.
Para ele, “ao ver-se, percebe o que é, descobre o que não é,
e imagina onde pode ir. Cria-se uma tríade: EU observador,
EU em situação, e o Não-EU, isto é, o OUTRO. [...]. Esta é
a essência do teatro: o ser humano que se auto-observa”
(BOAL, 2000, p. 10).
Assim, é preciso estimular o teatro em sala de aula, uma
vez que possibilita ao aprendiz a observação, a ação, a auto-
observação e, evidentemente, a participação de forma coletiva.
Logo, o texto dramático produz efeitos de interlocução entre
segmentos diversos, dentro da sociedade, pois é um gênero
que pode enaltecer e até denunciar situações sócio-político-
culturais essenciais ao ser humano. Através dessas reflexões,
pode-se verificar que a experiência adquirida pelos aprendizes
pelo processo da leitura literária, na percepção da abordagem
da IC, viabilizou uma ampliação dos horizontes culturais
dentro de uma diversidade linguística.

280
Pesquisas em linguagem e ensino

Também observamos os dados pela dialogia interativa


e pela alternância de Bakhtin (1997, 2006), uma vez que os
aprendizes, como leitores, adentraram a leitura literária e
dialogaram com as narrativas, construindo sentidos dos
textos na interação e na própria alternância dos sujeitos na
relação do “eu” com o “outro” e vice-versa. Outra visão que
corrobora a nossa percepção é a de Vygotsky (2005) no que
diz respeito à relação entre pensamento e linguagem, que
se desenvolve reforçando e transformando um ao outro ao
longo do processo.
Sendo assim, foi possível pela IC caminharmos, com a
turma de estudantes da EJA em Língua Portuguesa, através
da linguagem teatral, pois a encenação com os aprendizes,
a nosso ver, deu cor a todo um percurso, sobre o qual nos
debruçamos quando da investigação através da IC, pois
permitiu também dar voz aos estudantes da EJA, que se
redescobriram capazes de alargar seus conhecimentos
linguísticos e culturais.

281
Pesquisas em linguagem e ensino

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284
Comentários do Capítulo 7

Literatura e plurilinguismo na formação


humana de estudantes da educação de jovens e
adultos

Josilene Pinheiro-Mariz
Melânia Mendonça Rodrigues
No âmbito das Letras ou da Educação, e em diversos
espaços acadêmicos e escolares, tem havido uma constante
discussão a respeito da necessidade de se formar cidadãos com
uma visão plurilíngue e intercultural, levando-se em conta o
mundo contemporâneo. Como exemplo disso, identificamos
ações nacionais — de governos anteriores — que buscaram
promover esse pensamento, estimulando-se mobilidade
acadêmica, instigando as universidades a pensarem de modo
mais focado na internacionalização a partir de programas
como o Idiomas sem Fronteiras (IsF)1 ou o Internacional de
Licenciaturas (PLI).2
Com o olhar voltado para a internacionalização, segundo
dados do MEC (2019), até novembro de 2018, o programa
IsF ofertou 364.519 vagas em diversos cursos de idiomas
em instituições federais e estaduais. Só entre os anos de
2014 e 2018, foram 337.317 vagas para estudantes cursarem
língua inglesa, oportunizando vagas de trabalho para 1.140
professores; em língua francesa, foram 5.400 vagas de curso

1. Com a determinação do atual governo da suspensão do programa, em Resolução


do Conselho Pleno da Andifes nº 01/2019, o IsF passa a ser parceiro da Associação
Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior, tornando-se
Rede Andifes IsF e, portanto, deixando o quadro do Ministério da Educação e
Cultura (MEC).

2. Este programa, que foi a versão do Ciências sem Fronteiras (CsF) para as
licenciaturas, teve sua vida ainda mais curta que o CsF.

287
Pesquisas em linguagem e ensino

ofertadas por 72 professores; em espanhol, 6.240 estudantes


e 88 professores; em italiano, 2.810 vagas de cursos minis-
trados por 24 professores; em alemão, 2.388 vagas e 40
professores; e, em japonês, 2.110 vagas ministradas por 32
professores. Evidentemente, não há como pensar em inter-
nacionalização sem pensar na nossa língua, o português —
para estrangeiros — como ponte, a fim de estimular um real
diálogo intercontinental entre universidades. Assim, o IsF
também ofertou, nesse mesmo período, 8.254 vagas para
estrangeiros que buscavam estudar o português, sendo os
cursos ofertados por 100 professores dessa modalidade de
ensino da língua portuguesa.
Ao observar esses dados, o que pode nos parecer tão
somente uma fatigante informação numérica é, na realidade,
uma ratificação de nossa exposição inicial que percebe uma
legítima necessidade de se estudar línguas em nosso país.
Daí, portanto, a imprescindibilidade de se adotar, no sistema
acadêmico e escolar, uma proposta plurilíngue, compreen-
dendo-se a necessidade de ofertar possibilidades de ensino
de uma significativa diversidade de línguas no Brasil. Isso
se confirma diante dos dados tão concretos que comprovam
uma demanda (provavelmente reprimida em âmbito nacional)
formada por estudantes de graduação que buscam estudar
línguas estrangeiras com os mais diversos fins.

288
Pesquisas em linguagem e ensino

Evidentemente, deve-se frisar o papel da universidade


como o principal espaço que pode estimular transformações
sociais, podendo repercutir no Ensino Básico. Mas, como
ressaltar, nesse contexto, a importância de estudar línguas
estrangeiras (LE) em um país dito de uma língua nacional,
ou na melhor da hipótese, bilíngue, haja vista a LIBRAS
também ser língua brasileira? Por que é importante formar
estudantes plurilíngues e com uma visão inter e pluricul-
tural? Esses, talvez, sejam alguns dos questionamentos que
mais inquietam especialistas e que, muito provavelmente,
constituem-se no motor da pesquisa que resultou na disser-
tação de mestrado intitulada Intercompreensão de línguas
românicas e literatura na educação de jovens e adultos
para a formação humana, defendida por Josimar Alves
da Silva, sob a orientação da professora Josilene Pinheiro-
Mariz. Esse trabalho contou com a contribuição, desde a
qualificação até a defesa, da Prof.a Dr.a Melânia Mendonça
Rodrigues, da Unidade Acadêmica de Educação, e do Prof. Dr.
Marco Antônio Margarido Costa, da Unidade Acadêmica de
Letras, ambos da Universidade Federal de Campina Grande.
A pesquisa em questão ousou levar clássicos da litera-
tura universal para estudantes da Educação de Jovens e
Adultos (EJA) de uma escola estadual, situada em um bairro
da periferia do município de Campina Grande. Todavia, na

289
Pesquisas em linguagem e ensino

sua atitude ousada, o professor Josimar Alves da Silva, em


diálogos no processo de realização da pesquisa, percebeu que
seria estimulante para os participantes da pesquisa a leitura
também na língua original dos clássicos selecionados. Nessa
esteira, apresentou aos seus estudantes três romances, por
assim dizer, canônicos; sendo um de língua francesa: Les
misérables, de Victor Hugo; outro em língua espanhola: Don
Quijote de la Mancha, de Miguel de Cervantes e o clássico
infantil italiano, de Carlo Collodi, Le avventure di Pinocchio.
A dissertação que resultou dessa pesquisa instiga qual-
quer estudioso da literatura, dadas as peculiaridades do
grupo, sobretudo no que diz respeito à grande heteroge-
neidade em vários aspectos, ressaltando-se a faixa etária
dos estudantes, que ia dos 18 aos 50 anos de idade. Instiga
porque pode-se dizer, a partir dos dados coletados, que
foi uma exitosa experiência de leitura literária em línguas
estrangeiras. Tal elemento já aponta para a delicadeza
da situação de ensino de língua portuguesa, com a qual
o pesquisador se deparou, resultando na certeza de que
qualquer pessoa, independentemente de classe socioeco-
nômica, pode e deve ter acesso aos “ditos clássicos literá-
rios”. Destaque-se que, também para o autor da pesquisa,
os estudantes dessa modalidade de ensino merecem atenção
e respeito, haja vista que se afastaram da escola por fatores

290
Pesquisas em linguagem e ensino

múltiplos, resultando em um distanciamento que, por vezes,


reflete certo receio de (re)vivenciar o ambiente escolar.3 Para
além da leitura dos clássicos supracitados e compreendendo
que os estudantes da modalidade EJA são capazes de leituras
de mundo diversas, a proposta de apresentar aos aprendizes
a metodologia conhecida como intercompreensão de línguas
românicas (IC ou ILR) foi uma outra ação que estimulou a
quebra de paradigmas já estabelecidos de que adultos não
são capazes de aprender outras línguas ou que os aprendizes
da EJA não têm interesse por aprender outras línguas.
Tal realidade nos conduz a ponderar a partir da afirmação
de Andrade, Lourenço e Sá (2010, p. 70) de que “lidar com
as múltiplas diversidades (linguísticas, culturais, sociais,
comportamentais, cognitivas) presentes nas escolas torna-se,
hoje, um dos maiores desafios da educação”. Por certo, pensar
na modalidade EJA é levar em consideração essa realidade
de diversidades múltiplas que, em grande parte das vezes,
estimula uma leitura equivocada do comportamento desses
estudantes. É preciso ressaltar o que afirmam Oliveira e
Alas Martins (2017) sobre uma real demanda por línguas
estrangeiras (LE) por parte de estudantes da EJA. Não é difícil

3. Para melhor compreender tal afirmativa, é interessante ler sobre os participantes


da pesquisa no capítulo 3 da dissertação: “Percurso metodológico para a
intercompreensão de línguas românicas em aula de língua portuguesa na EJA”.

291
Pesquisas em linguagem e ensino

compreender que o fato de esses estudantes estarem afastados


do sistema escolar por anos os distancia igualmente da
autoestima, da segurança, que poderia resultar em autonomia
e outros fatores neuro-didáticos que dão um importante
suporte para a formação do aprendiz. Por essa razão, para a
maioria deles, ler em outra LE é um desafio quase inatingível,
pois acreditam que não seriam capazes de ler nem mesmo
em língua portuguesa. Muito embora esse seja um discurso
que ressoa entre eles, tais relatos constituíram-se na tônica
para que esta pesquisa fosse realizada.
Na referida dissertação, o seu autor inicia as suas reflexões
destacando a importância da leitura literária na educação
de jovens e adultos, momento no qual reforça o quanto é
importante dar atenção a esse público dadas as suas condi-
ções de aprendizagem; na sequência, pode-se ler sobre a
necessidade da leitura literária para esse público que, de um
modo geral, não tem muito acesso às obras literárias. Isso
porque paira um pensamento velado de que esses estudantes
precisam ler documentos que devem, de alguma forma, ser
úteis para eles, o que reforça, portanto, que a literatura não
teria “uso”, por essa razão, não “precisa” ser lida.
Então, contrariando esse lugar-comum, a dissertação
de Josimar Alves da Silva revela como permitir o acesso a

292
Pesquisas em linguagem e ensino

uma multiplicidade linguística e a leitura de cânones literá-


rios ao seu público-alvo. Assim, o caminho escolhido para
esse fim foi o da arte teatral. Por certo, o fato de o autor
da dissertação ser também ator de teatro foi um impor-
tante fator para consolidar a escolha; todavia, não se pode
esquecer que, segundo Spolin (1998), todos somos capazes
de improvisar e, certamente, o professor é um profissional
que está sempre carecendo improvisar, pois as situações
do cotidiano escolar são diversas e novas cotidianamente.
Logo, por esse prisma, o capítulo 4 seguiu seu desenvol-
vimento, intitulado: “A abordagem plurilíngue e multicul-
tural na sala de aula de Língua Portuguesa”. Nesse momento
da leitura, é possível identificar significativos dados que
revelam o quanto os estudantes da EJA são capazes de ler
em outra língua, não somente compreendendo, por exemplo,
um excerto do romance Les misérables, de Victor Hugo; mas,
sobretudo, revelando possibilidades de partilhar conheci-
mentos adquiridos ao longo da vida, especialmente no que
diz respeito ao preconceito. O trecho selecionado para uma
primeira leitura foi o conhecido incipt do romance, em que o
protagonista Jean Valjean é ajudado pelo religioso. A partir
desse momento, que foi nomeado “reconhecendo palavras”,
os participantes responderam a algumas perguntas, entre

293
Pesquisas em linguagem e ensino

as quais ressaltamos: “Você acha possível alguém, nos dias


atuais, ajudar uma pessoa que tenha saído da prisão? Por
quê?”. Ao ler as respostas, identificamos que elas revelaram
as inquietações dos aprendizes. A título de exemplo, citamos:
“É muito difícil pelo preconceito e desconfiança por parte
das pessoas da sociedade”; “Sim, porque a pessoa não pode
ser que cometeu o erro e também pode ser inocente”; “Sim,
pessoas da família, amigos”; “Sim, porque todo mundo erra
e tem direito a uma chance”; “Não, pois ninguém no tempo
atual ajuda mais ninguém, porque o povo está ganancioso
só pensa em dinheiro”. Não é difícil identificar um senti-
mento de desconforto nessas respostas e é por essa razão que
reafirmamos que a vivência com esse heterogêneo grupo de
aprendizes configurou-se um expressivo espaço de trocas,
pois, seguramente, muito se pôde aprender com eles.
Ao ler a dissertação, pode-se ainda verificar que há
diversos outros momentos em que se aprende com o grupo
com características tão especiais, dadas as importantes
diferenças entre as pessoas que convivem no mesmo espaço
e partilham das mesmas inquietações, as quais inúmeras
vezes, são fruto de abandono de autoridades e também de
suas próprias famílias. Ainda nesse mesmo capítulo, pode-se
verificar outros momentos em que a vivência desses estu-
dantes da EJA com os clássicos literários propostos revela as

294
Pesquisas em linguagem e ensino

agruras partilhadas com os protagonistas dos romances: seja


nos sonhos de Dom Quixote, ou nas mentiras de Pinóquio,
ou mesmo nas atitudes rudemente ternas do misterioso
protagonista de Os miseráveis.
Na sequência, pode-se verificar que em “A IC no ensino de
língua portuguesa através do teatro”, o autor revela ponde-
rações como as de Spolin (1998), Boal (2000) e Reis (2008),
ressaltando o papel do professor como mediador, capaz de
estimular vieses múltiplos de sua ação, “justamente pelo
fato de o texto teatral ser polissêmico, podendo ser objeto
de leituras múltiplas” (REIS, 2008, p. 51).
Os resultados da abordagem não deixam dúvida sobre
a importância da pesquisa; o que pode ser confirmado nos
relatos dos participantes, nas páginas 117 a 120. Tais relatos
ratificam a importância de se atentar para esse público
como cidadãos que carecem de atenção, a partir de políticas
públicas mais efetivas e que deem a eles condições para reto-
marem seu espaço, outrora impossível de ser sonhado. Os
resultados mostram ainda o quanto a articulação entre lite-
ratura e o plurilinguismo pode ser fundamental na formação
humana não somente do aprendiz, mas também do professor
que partilhar com seu estudante as mais variadas experiên-
cias, de um modo muito particularmente especial na EJA.

295
Pesquisas em linguagem e ensino

É, portanto, indispensável ressaltar que entendemos a


literatura como humanizadora e, muito provavelmente por
isso, as grandes obras são capazes de provocar a empatia,
a catarse, estimulando sentimentos dos mais diversos, nas
mais diferentes pessoas, o que confirma que ler clássico pode
ser para qualquer ser humano, pois não se pode esquecer
que a literatura é atemporal e, mais que isso, a literatura é
um direito de qualquer ser humano (CANDIDO, 2008).
A dissertação Intercompreensão de línguas româ-
nicas e literatura na educação de jovens e adultos para
a formação humana, defendida por Josimar Alves da Silva
(2017), nos confirma o quanto são necessárias discussões
que coloquem na ordem do dia uma sensibilização às línguas
e à leitura literária de modo sistematizado e consolidado.
Por esse motivo, compreendemos a metodologia da inter-
compreensão de línguas românicas um espaço sine qua non
para se fomentar uma formação humana mais completa.
Entendemos que essa forma de trabalho é uma essencial
maneira de sensibilizar para uma formação cidadã e huma-
nizante, podendo promover e ativar o repertório linguístico,
assim como o estímulo ao desenvolvimento da competência
plurilíngue e pluricultural de aprendizes em qualquer nível
de escolaridade. A partir dessa ótica, os dados expostos no

296
Pesquisas em linguagem e ensino

início deste texto deixarão de ser meros dados informativos


e passarão a ocupar um lugar de destaque nas discussões da
didática das línguas, permitindo, assim, que a EJA ou qual-
quer outro grupo das ditas minorias sociais sejam contem-
plados com efetivas ações para a transformação social pela
literatura e pelo plurilinguismo.

Referências

ANDRADE, A. I.; LOURENÇO, M.; SÁ, S. Abordagens plurais nos primeiros


anos de escolaridade: reflexões a partir de contextos de intervenção.
Intercompreensão, 15, Chamusca, Edições Cosmos / Escola Superior de
Educação de Santarém, 2010. p. 69-89.
BOAL, A. Jogos para atores e não atores. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2000.
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Relatório Nacional do Programa
Idiomas sem Fronteiras. Professores e vagas ofertadas por idioma. Disponível
em http://isf.mec.gov.br/historico-botoes/pesquisas-e-relatorios/33-
pesquisas-e-relatorios/199-relatorio-nacional. Acesso em 27 nov. 2019.
CANDIDO, A. O direito à literatura. In: CANDIDO, A. Vários escritos. Rio de
Janeiro: Duas Cidades, 2004.
OLIVEIRA, J. M. F.; ALAS MARTINS, S. A Intercompreensão de línguas
românicas e a compreensão de textos em língua inglesa: uma experiência
nos cursos da EJA. In: ARANHA, M.; ARAÚJO, N.; ALMEIDA, S. (org.).
Discursos linguísticos e literários: investigações em Letras. São Luís:
EDUFMA, 2017. p. 95-111.

297
Pesquisas em linguagem e ensino

REIS, M. G. M. O texto teatral e o jogo dramático no ensino de francês


língua estrangeira. Tese (Doutorado em Língua e Literatura Francesa) -
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em http://www.teses.usp.br/teses/
disponiveis/8/8146/tde02122008-171004/pt-br.php. Acesso em 09 out. 2015.
SILVA, J. A. Intercompreensão de línguas românicas e literatura na
educação de jovens e adultos para a formação humana. (Dissertação de
Mestrado) Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande.
2017. Disponível em: http://dspace.sti.ufcg.edu.br:8080/jspui/handle/
riufcg/7808. Acesso em 27 jun. 2020.
SPOLIN, V. Improvisação para o teatro. 4. ed. São Paulo: Editora Perspectiva
S. A, 1998.

298
Capítulo 8
Leitura literária nos anos iniciais do
ensino fundamental

Sandra de Queiroz Rangel


Naelza de Araújo Wanderley

O dever de educar consiste, no fundo, no ensinar as crianças a ler,


iniciando-as na literatura, fornecendo-lhes meios de julgar livre-
mente se elas sentem ou não a “necessidade de livros”. Porque, se
podemos admitir que um indivíduo rejeita a leitura, é intolerável
que ele seja rejeitado por ela. É uma tristeza imensa, uma solidão
dentro da solidão, ser excluído dos livros — inclusive daqueles que
não nos interessam.
Daniel Pennac

Introdução

A leitura, geralmente, é vista como uma atividade essen-


cial a qualquer área do conhecimento. Assim sendo, esta
deveria ser sempre estimulada e iniciada no âmbito familiar
enquanto instituição que se constitui como uma das mais
importantes na intermediação da criança com o livro e com
a institucionalização da literatura. Entretanto, no cotidiano
da criança, dificilmente há a presença de um mediador que
possa aproximá-la do universo de fábulas e de lendas, de
narrativas fantásticas ou realistas, bem como da ludicidade
dos jogos poéticos.

301
Pesquisas em linguagem e ensino

Ao expurgar a leitura, ignorando a riqueza cultural dos


textos narrativos e poéticos, a família deixa de contribuir
com o processo de letramento, de “reforçar o sentido social da
leitura, e de propiciar a função mediadora, que as diferentes
modalidades literárias instalam entre sujeito e o outro, o
sujeito e o mundo” (SARAIVA, 2001, p. 24).
No entanto, importa lembrar que, no Brasil, as famí-
lias, muitas vezes, não desempenham sua função de media-
dora de leitura, devido à influência dos padrões culturais
de comportamento e, sobretudo, às condições socioeconô-
micas da maior parte da população brasileira, que tendem
a inibir o contato familiar, haja vista que as necessidades
impostas pela sobrevivência chegam a exigir dos pais dupla
jornada de trabalho e solicitam a participação no orçamento
doméstico até mesmo dos idosos, “aqueles que traduziam
uma voz do passado, apta a estabelecer o contraponto com
a experiência do presente, e revelavam a riqueza da tradição
oral pela recuperação de narrativas, de jogos mnemônicos,
de brincos, de parlendas” (SARAIVA, 2001, p. 24).
Além de tais fatores socioeconômicos impedirem o acesso
aos livros, via contexto familiar, destacamos que a quan-
tidade de bibliotecas existentes no país é mínima, e que a
indústria cultural, através dos meios de comunicação de
massa, principalmente a TV, exerce grande influência na

302
Pesquisas em linguagem e ensino

ocupação do tempo livre de nossas crianças e jovens. Assim,


o espaço escolar acaba sendo o canal em que se estabelece
o primeiro contato da criança com as obras literárias e, se
pensarmos na realidade de boa parte dos alunos, sobretudo
os que são matriculados na rede pública de ensino, muitas
vezes, apenas a escola torna-se o único local em que elas
se deparam com o universo dos livros. Por essa e outras
razões, “compete à escola, mais do que nunca, preservar um
espaço para a leitura, análise e interpretação dos clássicos
da nossa literatura, formando leitores mais exigentes e mais
competentes no uso da língua” (CHIAPPINI, 2005, p. 272).
Nesse sentido, este trabalho apresenta um recorte
de algumas considerações teórico-metodológicas emba-
sadas em uma pesquisa bibliográfica realizada durante
nossa pesquisa no mestrado em Linguagem e Ensino, da
Universidade Federal de Campina Grande-PB, cujas refle-
xões compreendem a escola como o lugar, por excelência,
onde se aprende a ler. Assim, é necessário percebermos
a relevância do seu papel em favorecer, de fato, o acesso
à leitura literária, porque, como muito bem pontua Ligia
Chiappini (2005, p. 180, grifo da autora), “o texto literário é
o que mais atividade exige do seu leitor. Ela ‘pesca’ o leitor
pela pele e pelo sentimento, além da inteligência”. Além
desse importante aspecto, o leitor poderá se apropriar da

303
Pesquisas em linguagem e ensino

língua, do conhecimento, e elaborar um mundo próprio.


Tais condições podem ser o pré-requisito, a via de acesso e
o exercício de um verdadeiro direito à cidadania, sobretudo
nos dias de hoje.

O papel do professor mediador na


formação do leitor infantil

No contexto escolar dos anos iniciais do Ensino


Fundamental, a leitura literária conta, ou deveria contar, em
grande medida, com a mediação de bibliotecários, gestores,
coordenadores pedagógicos, supervisores, pais e outros
mediadores de leitura. No entanto é, sobretudo, o professor
a figura principal para fazer a aproximação entre os textos
e as crianças em atividades que possibilitem a construção
de sentidos por esse leitor que já pode ler sozinho, mas que
ainda depende de orientações.
Espera-se que, nesse segmento da escolaridade, as
crianças tenham acesso permanente aos livros de litera-
tura, para que se familiarizem com a linguagem literária.
Contudo, sublinhamos que a simples inserção da literatura
em sala de aula não é suficiente para o aluno, nem pode
ser algo ocasional, apenas com vistas a um preenchimento

304
Pesquisas em linguagem e ensino

de tempo, sem intencionalidade, é necessário contar com


alguém preparado para fomentar e intermediar seu inte-
resse, diante dos livros, isto é, um mediador.
O papel do mediador de leitura não é tão simples, requer
mudanças de posturas, planejamento e condução de abor-
dagens didáticas constantes e “adequadas”. Para Tinoco e
Stephani (2016):

A mediação é um trabalho complexo, fundamentado na


reflexão e no planejamento e, ao planejar sua mediação,
o docente deve levar em conta os seguintes aspectos:
que ele tem o papel de parceiro na aprendizagem; que
é testemunha privilegiada do embate entre o mediado
e o ambiente e que é observador do comportamento do
mediado, avaliando-o e favorecendo seu progresso, sua
melhoria no pensar. (TINOCO; STEPHANI, 2016, p. 100).

Nessa perspectiva, a mediação é compreendida como um


processo de interação entre sujeitos, no caso, entre professor
e aluno. Assim sendo, ambos são coparticipantes do processo
de ensino e aprendizagem. Por essa razão, a mediação implica
uma relação de confiança, empatia e colaboração recíproca.
Ainda de acordo com Tinoco e Stephani (2016, p. 109),
“a mediação no ensino da leitura literária pressupõe um

305
Pesquisas em linguagem e ensino

levantamento e uma consideração no que se refere aos hori-


zontes de leitura dos alunos”, ou seja, “o mundo de sua vida,
com tudo que o povoa: vivências pessoais, culturais, sócio-
-históricas e normas filosóficas, religiosas, estéticas, jurí-
dicas, ideológicas, que orientam ou explicam tais vivências”
(AGUIAR; BORDINI, 1988, p. 87).
De acordo com Oliveira (2010), para que o trabalho de
mediação entre a literatura e a criança seja eficaz, será
necessário que o professor leia com bastante atenção
as obras que pretende utilizar em sala de aula, de modo
espontâneo, sem a priori pensar em sua abordagem. Em
seguida, após ter percebido o que as obras podem oferecer, o
professor poderá planejar sua atuação metodológica durante
o momento das leituras.
Assim, é imprescindível que o professor seja um leitor
assíduo da literatura infantil, não por obrigação, mas para
seu próprio enriquecimento como pessoa, “pois, para trans-
mitir o amor pela leitura e acima de tudo de obras literárias,
é necessário que se tenha experimentado esse amor” (PETIT,
2008, p. 161). Nesse sentido, o professor precisa conhecer,
selecionar e indicar livros para as crianças, já que a interação
entre a criança e o livro está, principalmente, sob sua respon-
sabilidade profissional, bem como “conhecer as teorias que

306
Pesquisas em linguagem e ensino

fundamentam e/ou explicam a experiência leitora”, como


afirmam Tinoco e Stephani (2016, p. 110).
Outros fatores primordiais que exercem influência na
mediação do professor, e que precisam ser considerados,
são a “história de leitura e a qualificação profissional”, cujas
condições interferem no seu desempenho em sala de aula.
Sobre esse fato, Oliveira (2010) esclarece que alguns profes-
sores, realmente, não se interessam por ler ou contar histó-
rias para seus alunos, ou o fazem de maneira inadequada,
porque tiveram suas histórias de leitura impedidas durante a
infância pelo pouco ou nenhum contato com os livros. Além
desse fato, a qualificação docente pode não ter propiciado
ao professor o contato com a literatura como uma maneira
de recuperar esse elo perdido ao longo da infância. Diante
desse contexto, a autora realça que:

É necessário repensar a formação inicial e continuada, de


modo que o processo de formação docente seja construído
e reconstruído em favor de uma nova postura pedagógica
que inclua, com consistência, a leitura do texto literário
nas diversas modalidades do ensino. (OLIVEIRA, 2010,
p. 50-51).

307
Pesquisas em linguagem e ensino

Nesse sentido, percebemos a necessidade de mudanças


na organização curricular da formação inicial, bem como
a implementação de políticas públicas voltadas para a
formação continuada dos professores e demais mediadores
de leitura, que auxiliam os alunos na tarefa, de não apenas
se aproximar dos textos, mas de construir seus sentidos nas
diversas modalidades do ensino, sobretudo nos anos iniciais
do Ensino Fundamental.
Outro importante ponto que merece ser destacado,
quando se discute a formação do professor como leitor, é
que ela não se dá de uma só vez, nem de modo único, porque
é um processo que acontece ao longo do tempo e não apenas
na formação inicial ou continuada. Lígia Cademartori (2012),
em O professor e a literatura, apresenta algumas situações
que representam a experiência leitora de alguns professores,
a saber: há professores que não conseguem ser leitores, por
mais que tentem, o que não impede de alguns deles se empe-
nharem na divulgação do livro entre seus alunos; outros
professores tiveram uma formação de leitor favorecida por
circunstâncias familiares e/ou escolares; e há ainda profes-
sores que se tornaram leitores, apesar de todas as proba-
bilidades para não sê-lo. Além disso, a autora destaca que:

308
Pesquisas em linguagem e ensino

Muitos professores não tiveram as condições necessárias


para se desenvolverem devidamente como leitores e, às
vezes, pensam ser deficiência pessoal, o que, na verdade,
provém de âmbito muito mais amplo, como a dívida social
do país com seu povo. (CADEMARTORI, 2012, p. 25).

Desse modo, independentemente da experiência como


leitor, cada professor tem sua própria história de leitura,
configurada na relação que manteve com ela, a partir da sua
infância com os livros. Daí a importância de favorecer, aos
alunos, o contato com os livros de maneira adequada desde
a Educação Infantil, quando iniciam sua trajetória escolar,
pois, quando o trabalho com a literatura é bem-sucedida, o
gosto pela leitura literária e o interesse pelos livros podem
ser despertados desde cedo, de modo a aguçar a vontade de
ler mais e conhecer outros livros que compõem o grande
acervo de obras da cultura escrita.
Magda Soares e Aparecida Paiva, em artigo introdutório
no “guia” dos anos iniciais do PNBE 2014, além de apresentar
as obras que constituem o acervo do programa, para o referido
ano, e propor orientações de usos desses acervos, ressaltam
que: “Nas relações de leitura autônoma ou mediada que
ocorrem nos anos inicias, vale apostar numa relação cúmplice
e aproximada entre o mediador e a criança...” (BRASIL, 2014,
p. 11, grifo nosso). A “relação cúmplice e aproximada entre

309
Pesquisas em linguagem e ensino

o mediador e a criança”, pontuada pelas autoras, corrobora


o papel de mediador apresentado por Michèle Petit (2009),
em A arte de ler ou como resistir à adversidade:

Apropriar-se efetivamente de um texto pressupõe que


a pessoa tenha tido contato com alguém — uma pessoa
próxima para quem os livros são familiares, ou um
professor, um bibliotecário, um fomentador de leitura,
um amigo — [...]. Alguém que manifesta à criança, ao
adolescente, e também ao adulto, uma disponibilidade, uma
recepção, uma presença positiva e o considera como sujeito.
[...] tudo começa com encontros, situações de intersubjeti-
vidades prazerosas, que um centro cultural, social, uma
ONG, ou a biblioteca, às vezes, a escola, tornam possíveis.
Tudo começa com uma hospitalidade. (PETIT, 2009, p. 48).

Tal discussão sobre o papel do mediador foi realizada por


Petit no livro Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva, em
que a antropóloga apresenta vários relatos de jovens fran-
ceses que inicialmente foram afastados da “cultura letrada”
por fatores sociais. A partir de entrevistas realizadas com
esses jovens, a pesquisadora constatou que não foi a escola a
instituição responsável por favorecer o “gosto pela leitura”.
Curiosamente, houve uma particularidade com muitas
pessoas do meio rural, sobretudo “entre os mais velhos ou

310
Pesquisas em linguagem e ensino

mais desprotegidos”, para os quais a escola foi a “porta de


entrada”, o lugar onde se podia ter acesso aos livros “que
tanta falta lhes faziam”.
Além dessa constatação, a autora assinalou que as princi-
pais características, pontuadas pelos jovens entrevistados, a
respeito desse “professor singular”, que favorece o gosto pela
leitura, são as seguintes: acolhedores, hospitaleiros e caris-
máticos. Tais pré-requisitos tendem a provocar uma imagem
positiva dos professores para os alunos, o que Petit chama
de “atenção personificada”, cuja marca representa algo que
vai além das funções e do trabalho exigido aos professores.
Nesse sentido, Rouxel (2013) aponta na mesma direção de
Petit por evidenciar que:

É a atenção dada ao aluno, enquanto sujeito, a sua fala e


a seu pensamento construído na e pela escrita que favo-
rece seu investimento na leitura. A importância do clima
estabelecido no interior da comunidade interpretativa (a
classe, o professor) é enfatizada: um contexto onde reinam
a confiança, o respeito e a escuta mútuos é propício ao
encontro com os textos literários — e é mesmo determi-
nante. (ROUXEL, 2013, p. 31).

Observamos que o reconhecimento ao sujeito leitor e a


importância do clima de confiança, estabelecido entre ele e

311
Pesquisas em linguagem e ensino

o professor, são aspectos recorrentes nas discussões sobre


a mediação do professor, ante o encontro dos alunos com o
texto literário, estabelecido durante o ato da leitura. Além
disso, Petit (2008), ainda refletindo sobre o papel do professor,
ante ao ensino da literatura, afirma que:

Cada um — professor, bibliotecário ou pesquisador — pode


se interrogar mais sobre sua própria relação com a língua,
com a literatura. Sobre sua própria capacidade de se ver alte-
rado pelo que surge, de maneira imprevisível, na sinuosidade
de uma frase; de viver as ambiguidades e a polissemia da
língua, sem se angustiar. E a se deixar levar por um texto,
em vez de tentar sempre dominá-lo. (PETIT, 2008, p. 161).

A atitude de interrogar-se pela própria relação com a


língua, com a literatura, de deixar-se viver a polissemia dos
textos, em vez de tentar sempre dominá-los, representa algo
para se pensar na prática pedagógica de modo mais amplo.
Perguntar o porquê das palavras, refletir, inventar são alguns
indícios de uma pedagogia diferente, oposta ao papel que
tradicionalmente se exige do professor, de mero reprodutor,
na sala de aula, de conteúdos e relações autoritárias, através
de aulas expositivas, nas quais o aluno tende a apenas ouvir
e não buscar por si mesmo produzir o conhecimento, os
discursos ou leituras, dos quais sejam verdadeiros sujeitos.

312
Pesquisas em linguagem e ensino

Mas, por outro lado, se o professor perceber a relevância


do seu papel político no interior da escola, já que não há
pedagogia neutra, como nos alerta Paulo Freire (2013) há
bastante tempo, e adotar uma postura “prática problemati-
zadora, dialógica por excelência”, aberta, curiosa, indagadora
e não apassivada, portanto contrária à prática “bancária”
da educação, certamente ele vai “favorecer o encontro com
o texto literário e criar condições pedagógicas para que as
crianças e jovens também possam descobrir a riqueza e o
encanto do texto literário” (ALVES, 2009, p. 134).
Paulo Freire (2013), em Pedagogia do oprimido, tece consi-
derações indispensáveis em torno da importância do diálogo
no processo de ensino e aprendizagem. Assim, com muita
propriedade, em várias passagens do livro, fica evidente
o quanto o pedagogo tinha convicção da importância do
diálogo, pois “sem ele não há comunicação e sem esta não
há verdadeira educação” (FREIRE, 2013, p. 115). Assim, uma
grande contribuição de Paulo Freire à educação como um
todo é o princípio do diálogo, pois,

Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o


diálogo se faz uma relação horizontal, em que a confiança
de um polo no outro é consequência óbvia. Seria uma
contradição se, amoroso, humilde, cheio de fé, o diálogo

313
Pesquisas em linguagem e ensino

não provocasse um clima de confiança entre os sujeitos.


Por isso inexiste esta confiança na antidialogicidade da
concepção ‘bancária’ da educação. (FREIRE, 2013, p. 113,
destaques do autor).

O francês Célestin Freinet, um dos pedagogos mais inova-


dores da educação do século XX, assim como Freire, formu-
lava suas propostas pedagógicas contrapondo-se ao “estabe-
lecido”, a partir de uma escola do povo e de uma pedagogia
popular e moderna (VILAPLANA, 2003). As técnicas de
Freinet são pensadas sobre a base da comunicação. Uma delas
trata-se do “texto livre”, cuja estratégia “nasce do gosto e da
necessidade de expressão das pessoas. Tem a função de expli-
citar aquilo que sentimos, pensamos, amamos” (BRUGUERA,
2003, p. 78).
Na perspectiva freinetiana, o papel da imaginação também
é fundamental para o desenvolvimento intelectual e afetivo
da criança, bem como o papel do professor, cuja prática se
realiza da seguinte maneira:

Ele organiza a atividade partindo das sugestões das


crianças, encoraja-as a encontrar soluções e instru-
mentos para potencializar a imaginação, a busca; é quem
reúne as sugestões, ajuda a ordenar e a recordar, amplia

314
Pesquisas em linguagem e ensino

conhecimentos, cria situações que possibilitam novas expe-


riências, estimula a capacidade de observação, ajuda com
sua intervenção verbal ou não) a exercitar o pensamento,
organiza um espaço para a verbalização das ideias, das
hipóteses etc. (QUINGLES, 2003, p. 80).

Percebem-se as semelhanças entre Freinet e Freire,


expressas não apenas em relação à concepção de educação,
entendida como atividade política, mas como uma proposta,
em que o diálogo, a expressão livre do aluno, através da
verbalização, desenhos livres ou trabalhos de expressão
plástica, é uma peça chave, podendo contribuir, e muito,
com o ensino da leitura do texto literário em sala de aula,
sobretudo com crianças.
Uma metodologia de formação de leitores, nessa perspec-
tiva mais dialógica, encontra-se apoiada nas particularidades,
subjetividades e descobertas dos alunos, visando favorecer o
seu encontro com o texto literário, através de um momento
privilegiado, intenso, que poderá marcar a sua história, “a
sua memória, os seus valores, a sua personalidade”, deno-
minado por Rouxel (2014, p. 22) de “experiência estética”.
A referida autora apresenta certo otimismo em relação a
essa possibilidade, mesmo ciente dos desafios encontrados
atualmente ante o ensino da literatura. Sem pretender

315
Pesquisas em linguagem e ensino

apresentar receitas prontas, a autora propõe a construção


da “didática da leitura subjetiva”, cuja finalidade consiste
em “desenvolver a competência estética do leitor, ou seja,
sua aptidão para reagir ao texto, para estar atento às reper-
cussões que a obra suscita nele mesmo e a exprimi-los”
(ROUXEL, 2014, p. 25).
A abordagem metodológica, proposta pela autora, repre-
senta apenas um caminho possível, entre tantos outros, para
utilizar o texto literário em sala de aula de uma forma dialó-
gica, em que os alunos são convidados a objetivar e trocar
sua leitura, a partir do debate suscitado em sala de aula,
fazendo com que eles sejam capazes de “argumentar a sua
recepção”. Embora a “leitura subjetiva” ainda esteja sendo
“inventada” e represente um desafio para a abordagem do
ensino da literatura, concordamos que ela, talvez, represente
uma didática “rica de promessas em termos de formação do
leitor” (ROUXEL, 2014, p. 33).

Considerações finais

Existe sensibilidade para as discussões sobre a impor-


tância da leitura, traduzida em inúmeras iniciativas públicas
ou privadas, voltadas para a formação de leitores na escola, a
exemplo do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE),

316
Pesquisas em linguagem e ensino

que distribui anualmente, desde 1998, centenas de livros lite-


rários para milhares de escolas públicas da Educação Básica.
Contudo, essa notável política pública, empreendida pelo
Ministério da Educação (MEC), embora venha cumprindo o
importante papel de fazer chegar até as escolas públicas brasi-
leiras livros de literatura para todos os segmentos da escola-
ridade – Educação Infantil, Ensino Fundamental, Educação
de Jovens e Adultos (EJA) e Ensino Médio, favorecendo a
inserção dos alunos matriculados nessas modalidades de
ensino à “cultura letrada”, não necessariamente reflete um
aumento na procura por literatura.
Observa-se que apenas o acesso aos livros não é sufi-
ciente para garantir a democratização da leitura e o “desen-
volvimento de competência literária”, haja vista que esse
objetivo continua sendo um dos grandes desafios da escola
atualmente, pois “o Brasil ainda não é um país de leitores”
(CADEMARTORI, 2012, p. 25), cuja realidade é justificada pela
referida autora como uma situação determinada por fatores
de natureza social, econômica, política, histórica e cultural.
Assim, faz-se necessário que, aliado à distribuição do livro
pelo PNBE, haja um programa de formação permanente para
os professores, visto que as lacunas na sua formação, somadas
a outros fatores, impedem que esses recursos traduzam-se
em mudança efetiva no cenário atual.

317
Pesquisas em linguagem e ensino

No tocante aos anos iniciais do Ensino Fundamental,


modalidade em que estão matriculadas crianças de seis a dez
anos de idade, em média, percebe-se que elas têm contato
permanente com esses bens culturais, que são os livros de
literatura, talvez porque uma das funções do ensino da litera-
tura, nessa etapa de escolarização, seja “sustentar a formação
do leitor” (COSSON, 2006, p. 20).
No entanto, o ensino da literatura na Educação Básica,
segundo Anne Rouxel (2014), não está sendo realizado da
forma adequada, porque o texto literário geralmente tende a
ser utilizado apenas como pretexto para abordar conteúdos
e atividades de interpretação de textos, trazidos em livros
didáticos. A autora revela a principal consequência que tal
proposta traz em seu bojo:

Ainda hoje, na realidade das aulas do ensino básico e


mesmo, às vezes, na educação infantil, a leitura exigida
repousa sobre uma série de observações formais que
entravam o investimento pessoal do leitor. O texto lido
e estudado é quase sempre um pretexto à descoberta
e aquisição de ferramentas de análise e, então, objeto
de uma rotina desencarnada que deixa “fora de jogo” o
leitor enquanto sujeito. (ROUXEL, 2014, p. 20, destaque
da autora).

318
Pesquisas em linguagem e ensino

Entendido, na maioria das vezes, como mero pretexto à


descoberta e aquisição de ferramentas de análise, o texto
literário é utilizado a partir de uma abordagem metodo-
lógica pautada em procedimentos muito usados nos livros
didáticos, como já analisado por Magda Soares quando fala
de “escolarização inadequada”, que “se traduz em sua detur-
pação, falsificação, distorção, como resultado de uma ‘peda-
gogização’ ou uma ‘didatização’ mal compreendida que, ao
transformar o literário em escolar, desfigura-o, desvirtua-o,
falseia-o” (SOARES, 1999, p. 22).
Nessa perspectiva, fica evidente que a utilização da litera-
tura infantil e juvenil, apenas com o objetivo de comemorar
determinadas datas, transmitir lições de moral, inculcar
determinados valores, ensinar gramática, medir sílabas,
responder a questões objetivas de “interpretação” de textos,
circular substantivos, adjetivos ou verbos, tendo, na maioria
das vezes, o livro didático como principal intermediário, não
se traduz na “adequada” escolarização assinalada por Soares,
ao contrário, pois se constitui num trabalho “inadequado”
justamente por esvaziar o texto literário do seu potencial,
“afastando, e não aproximando, o aluno das práticas de leitura
literária, desenvolvendo nele resistência ou aversão ao livro
e ao ler” (SOARES, 1999, p. 47).

319
Pesquisas em linguagem e ensino

A soma desses aspectos equivocados prejudica as ativi-


dades de leitura e contribui para afastar os alunos da
experiência que a literatura proporciona e de um possível
“letramento literário”, compreendido como “o processo de
apropriação da literatura enquanto construção literária de
sentidos” (COSSON; PAULINO, 2009, p. 67), e como uma
“prática social”, cuja função é de “responsabilidade da escola”.
Em suma, percebemos que a concretização do “letra-
mento literário” na escola, e fora dela, é imprescindível no
processo educativo, se quisermos formar leitores críticos e
mais humanos. Assim, é necessário perceber a literatura
e seu ensino com outros olhos, porque ela inicia o acesso
ao imaginário, oferece a socialização, permite desenvolver
cada vez mais a sensibilidade corporal, espiritual e linguís-
tica, além de ser um direito inalienável do cidadão em uma
democracia, conforme afirma Chiappini (2005).

Referências

AGUIAR, Vera Teixeira de; BORDINI, Maria da Glória. Literatura: a formação


do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.
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320
Pesquisas em linguagem e ensino

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SEBARROJA, Jaume Carbonel et al. (org.). Pedagogia do século XX. Tradução
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321
Pesquisas em linguagem e ensino

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322
Comentários do Capítulo 8

Entre cigarras e formigas: leituras e recepção de


Esopo, La Fontaine, Lobato e Manoel Monteiro
no Ensino Fundamental I

Lílian de Oliveira Rodrigues


Naelza de Araújo Wanderley
Apresentação da pesquisa

Ao refletir sobre o trabalho com o texto literário em sala


de aula, a pesquisa também destaca aspectos que podem
concorrer para que o processo de mediação desse texto ocorra
de forma mais eficiente, visando não apenas ao cumprimento
das atividades pré-fixadas pelos componentes curriculares,
mas também contribuindo para a formação de leitores e para
a difusão do gosto pela atividade de leitura.
O tema abordado apresenta-se bem definido, conside-
rando-se a área de estudo em questão, Literatura e Ensino,
uma vez que a pesquisa apresenta-se voltada para discussões
sobre a mediação do texto literário no âmbito da sala de aula,
o processo de recepção e a importância da literatura oral no
processo de formação do leitor.
Nesse sentido, o trabalho aponta, ainda, dificuldades
e desafios do ensino de literatura, relativos a metodolo-
gias adotadas na prática pedagógica, ao papel do aluno no
processo de mediação da leitura e, até mesmo, à seleção dos
textos a serem trabalhados em sala de aula, com o propósito
de sugerir possíveis caminhos para um ensino de literatura
que alcance seus objetivos de maneira mais proficiente e
aprazível para o aluno/leitor.

325
Pesquisas em linguagem e ensino

O texto tem como objeto de estudo a recepção esté-


tica de versões da fábula A cigarra e a formiga, mediadas
para crianças na fase inicial de formação, 5º ano do Ensino
Fundamental I. A escolha pela temática e pelo público a ser
estudado deve-se ao fato de que, nessa fase, o trabalho com
textos como a fábula é capaz de suscitar no aluno o interesse
pela natureza alegórica dos discursos apresentados e pelo
questionamento frente ao contexto no qual está inserido.
A escolha da fábula como texto a ser trabalhado em sala
de aula também é justificada pelo vínculo com o povo e com
a oralidade, vigente tanto na fábula quanto na literatura de
cordel, e pelo encanto que essas literaturas despertam em
seus leitores através do tempo.
A pesquisa buscou responder a questões norteadoras
voltadas para a recepção das versões, para as relações esta-
belecidas pelos leitores a partir do diálogo estabelecido entre
as narrativas, para os resultados obtidos a partir do trabalho
com os textos escolhidos em sala de aula e para a escolha da
metodologia adotada pelo professor.
No que se refere ao aspecto metodológico, enquanto
ferramenta analítica utilizada para a descrição e discussões
acerca do objeto de estudo, foi utilizada uma abordagem
qualitativa, com procedimentos descritivo-interpretativos
na observação da subjetividade, dos interesses e dos valores

326
Pesquisas em linguagem e ensino

apresentados pelos sujeitos envolvidos na pesquisa. Esta pode


ser classificada como pesquisa-ação, uma vez que ocorreu a
participação efetiva do pesquisador junto aos investigados
seguida da elaboração de sugestões que apontam caminhos
metodológicos que visem melhorar a realidade estudada.
O estudo apresenta-se dividido em três capítulos. O
primeiro trata da leitura literária na escola, destacando a
importância desse espaço e da figura do mediador para o
processo de formação do leitor nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. O segundo volta-se para as relações entre a
literatura de cordel e a literatura infantil e para a abordagem
destas em sala de aula. O terceiro e último capítulo é dedi-
cado à descrição da experiência de leitura realizada durante
o experimento.
Ao final da pesquisa, foi possível constatar que, apesar
das dificuldades encontradas, principalmente no espaço da
escola pública, é possível oferecer ao aluno leitor um encontro
efetivo e afetivo com o texto literário em sala de aula, a
partir da adoção de estratégias voltadas para a ludicidade e
que contribuam para uma melhor interação entre a criança
e o texto lido.

327
Pesquisas em linguagem e ensino

Entre cigarras e formigas: versos que


entretecem vida e escola

A contribuição que a pesquisa traz para a área principia


pela escolha do tema, como já dito: o trabalho em sala de aula
com a fábula “A cigarra e a formiga”, considerando diversas
versões desse texto literário. Ao analisar a seleção dos textos
a serem trabalhados na proposta de intervenção feita pela
autora numa turma dos anos iniciais do Ensino Fundamental,
pode-se perceber que a pesquisadora leva os leitores de sua
dissertação a um passeio por diferentes perspectivas de
abordagem da fábula, que vão de textos clássicos do cânone
ocidental como os de Esopo e de La Fontaine, passando pelo
texto de Monteiro Lobato, que marca a tradição literária
infantil brasileira, até o texto do cordel de Manoel Monteiro,
que, além de ser um texto contemporâneo, apresenta para
as crianças o universo da poesia popular, texto esse que tem
linguagem e contexto tão próximos das crianças, mas que,
ainda hoje, não tem o espaço adequado no ambiente escolar,
pois, nesse panorama em que se encontra a literatura em sala
de aula, o trabalho com a literatura de cordel é ainda mais
delicado, como confirma Pinheiro (2007, p. 17), ao dizer que,
“de todos os gêneros literários, provavelmente, é a poesia
o menos prestigiado no fazer pedagógico da sala de aula”.

328
Pesquisas em linguagem e ensino

As discussões iniciais do texto trazem para a cena o


papel da leitura literária na escola, com questionamentos
importantes para se entender o lugar no texto literário nos
primeiros anos do Ensino Fundamental. Segundo a autora, os
documentos que apontam as diretrizes desse nível de ensino,
como as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica
(BRASIL, 2013), não indicam efetivamente a presença desse
texto nos anos iniciais, e a pesquisadora indaga se essa
ausência não poderia gerar uma confusão sobre a neces-
sidade de incluir o trabalho com os textos literários nesse
nível de ensino. A discussão do lugar do literário na escola
complementa-se quando o texto problematiza o papel do
livro didático e a abordagem que esse material faz da lite-
ratura na escola.
O texto progride apresentando e discutindo as categorias
teóricas advindas da Estética da Recepção a serem exami-
nadas, com destaque para “o horizonte de expectativas”.
Ao buscar a relação construída entre leitor e texto, a autora
considera o saber prévio do leitor como elemento singular
para o planejamento das ações de mediação do literário.
O capítulo seguinte aborda o texto matriz e as relações
existentes entre as versões, com destaque para as relações de
familiaridade existentes entre a fábula e a literatura de cordel.
O liame construído nessa parte do texto entrelaça-se com

329
Pesquisas em linguagem e ensino

a apresentação da vivência com a literatura na sala de aula.


Após apresentar todo o contexto da pesquisa: seu método,
os instrumentos de coleta e as primeiras conversas com
os alunos, o texto concentra-se na experiência vivenciada.
Alguns instrumentos da pesquisa ganham uma dupla função,
uma vez que o “diário de leitura” e a “folha do pensar”, por
exemplo, funcionam com um propósito para além do registro,
pois apoiam a adequada mediação do texto na sala de aula.
Por meio deles, pode-se perceber que os alunos vão grada-
tivamente expressando suas impressões e vivências num
processo contínuo de construção de sentido do literário.
As oficinas que compõem a intervenção foram organi-
zadas com base na sequência básica, formulada por Rildo
Cosson (2006) a partir do letramento literário. Os títulos
que expõem os encontros são retirados das falas dos alunos e
traçam um perfeito quadro de desenvolvimento do trabalho.
No primeiro, “Faz um dever para a gente copiar?”, a expe-
riência inicia com a já esperada resistência dos alunos ao
trabalho de mediação. A sondagem inicial já havia revelado
a pouca experiência com o literário que os alunos tinham.
Na fase de motivação, uma atividade que sugeria o uso do
corpo intimida as crianças criando momentos de distração
e impaciência, gerando a questão dita por um aluno a qual
intitula a oficina. A reação das crianças gera questionamentos

330
Pesquisas em linguagem e ensino

e reflexões pertinentes sobre a complexidade do ambiente


da sala de aula, sobre seus modelos consagrados e sobre as
práticas que se podem mudar.
Na segunda oficina, “ Era quando os bichos falavam, tia!”,
inicia-se o processo de construção de sentidos. Antecedendo
a apresentação da primeira versão, a experiência vislumbra
o horizonte de expectativas dos alunos. O questionamento
sobre a história da cigarra e da formiga, já conhecida de
algumas crianças, ativa alguns conhecimentos prévios sobre
a narrativa e sobre o gênero fábula, situando-os no tempo
mítico das narrativas infantis e rememorando os outros
espaços da presença do literário na vida das crianças.
A partir daí, o trabalho oferece uma dimensão das possi-
bilidades de identificação que os alunos têm com o texto lite-
rário. Jouve, ao tratar da fruição do imaginário (2002, p. 108),
afirma que, como experiência estética, o texto “desprende
o leitor do universo do real, implicando-o no universo do
texto”. Isto possibilita renovar a percepção que o leitor tem
do mundo, abrindo-o para a experiência do outro. Pode-se
acrescentar a essa reflexão o fato de que o texto estabelece
plena identificação com seu leitor, potencializando esse poder
do literário e, aos poucos, na intervenção, as crianças vão
realizando essa interação.

331
Pesquisas em linguagem e ensino

Nas sequências seguintes, que trabalham as versões de La


Fontaine e Monteiro Lobato, intituladas, respectivamente,
“Tia, a gente pode desenhar?” e “Eu sou a Emília!”, vão sendo
paulatinamente entrelaçadas as vivências com a narrativa
que os alunos tinham com as novas experiências dos textos
apresentados, criando um diálogo que amplia os horizontes
de expectativa dos alunos. Nesse ponto da intervenção, a
autora destaca o uso da linguagem não verbal como um proce-
dimento da pesquisa, principalmente nas séries iniciais do
Ensino Fundamental. A “Folha do pensar” adquire um papel
importante no processo de construção de sentido do texto
literário, possibilitando aos leitores a reflexão acompanhada
da escrita e do desenho. Essa ferramenta possibilita ao leitor
a condição ativa no processo de construção de sentidos.
É importante destacar a atividade realizada na inter-
venção chamada de “Teatro da leitura”, inspirada nas suges-
tões de Grazioli (2015), que consistem em apresentar a leitura
do texto “em voz alta dramatizada, utilizando elementos
da ‘performance’, como vozes, expressão facial e corporal”
(RANGEL, 2018, p.113). A ludicidade e o dinamismo presente
na atividade confirmam a necessidade e a importância da
leitura oral no ensino de literatura, defendida por muitos
estudiosos, como, por exemplo, Marinho e Pinheiro, (2012).

332
Pesquisas em linguagem e ensino

Numa trajetória crescente, a intervenção ganha seu ponto


alto quando inicia o trabalho com o texto de cordel de Manoel
Monteiro. Isso se reflete também no título que a autora dá à
oficina, com a fala do aluno que diz: “Como eu queria voltar
no tempo para a aula começar de novo”. A justificativa dessa
culminância pode iniciar pelo diálogo entre o texto oral e
a fábula que motiva a autora a escolher o texto de cordel.
Este apresenta-se como uma expressão cultural que dialoga
com a representação da própria realidade na qual os alunos
estão inseridos.
A experiência apresentada comprova essa tese inicial. A
autora destaca que a atenção e o interesse despertado pela
leitura foram motivados pelos procedimentos intrínsecos
ao texto do cordel, como, por exemplo, a proximidade do
narrador da poesia com o destinatário, no caso específico,
os alunos leitores. É importante destacar que a atividade de
sondagem revelou que o cordel era um gênero desconhecido
pela maioria da turma e, mesmo assim, o texto de Manoel
Monteiro foi eleito como uma das versões de que os alunos
mais gostaram.
As demais atividades desenvolvidas também corroboram
o sucesso da intervenção e do texto popular. A apresentação
de cordelistas possibilita o diálogo com os produtores de lite-
ratura de cordel da região, ampliando o conhecimento dos

333
Pesquisas em linguagem e ensino

alunos. O “Teatro da leitura”, realizado agora com o texto de


cordel, proporcionou aos leitores a vivência da narrativa com
todas as possibilidades de fruição. O riso repetido da criança
diante da leitura da passagem Boa tarde, cigarrinha/ como é
que vai a senhora, contida no texto do cordel e lida por outro
colega, confirma a experiência satisfatória no trabalho com
a leitura literária que intencionava o trabalho.

Considerações finais

A pesquisa apresentada nos faz acreditar que a literatura


é uma experiência enriquecedora e que é possível fazer das
aulas de literatura um evento que coloca o leitor entre o
universo do texto e o universo fora do texto, confrontando as
experiências do mundo com a experiência ficcional, porque,
como nos lembra Jouve (2002, p.123), “se a leitura é uma
experiência, é porque, de um modo ou de outro, o texto
age sobre o leitor.” Assim, as práticas de leitura tornam-se
efetivas quando o texto provoca efeitos no leitor, e este se
posiciona de forma crítica frente aos textos, fazendo infe-
rências e construindo sentidos.
O trabalho aponta que estas reflexões aplicam-se de
modo mais intenso ao texto popular. A literatura de cordel
sempre foi uma literatura repleta de temas, formas, situações

334
Pesquisas em linguagem e ensino

vivenciadas pelo homem. Conforme Lúcio e Pinheiro (2001,


p. 85), “encontramos na literatura de cordel uma variedade
de temas, situações humanas, tragédias, comédias, casos
inusitados e relatos históricos, imaginários e tantas coisas
mais.” É exatamente nesses aspectos que a pesquisa aqui
analisada mostra-se rica e diversificada, abrindo possibili-
dades para o trabalho com o literário na escola.

Referências

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2006.
GRAZIOLI, F. Teatro infantil: história, leitura e propostas. Curitiba: Positivo,
2015.
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MARINHO, Ana Cristina; PINHEIRO, Helder. O cordel no cotidiano escolar.
São Paulo: Cortez, 2012.
PINHEIRO, Helder; MARINHO LÚCIO, Ana Cristina. Cordel na sala de aula.
São Paulo: Duas Cidades, 2001.
PINHEIRO, Hélder. Poesia na sala de aula. 3. ed. Campina Grande: Bagagem,
2007.

335
Capítulo 9
Leitura de contos de Paulina Chiziane
e a recepção da condição feminina em
sala de aula

Márcia Cassiana Rodrigues da Silva


Maria Marta dos Santos Silva Nóbrega

Introdução

Nos últimos anos, várias políticas de acesso à leitura alte-


raram o sistema educacional brasileiro, a exemplo do Decreto
nº 91.542, de 19 de agosto de 1985, que instituiu o Programa
Nacional do Livro Didático; do Programa Nacional Biblioteca
na Escola, desenvolvido desde 2007; do Decreto nº 4.886, de
novembro de 2003, que estabeleceu a Política Nacional de
Promoção da Igualdade Racial; e da Lei Federal nº 10.639,
sancionada em 9 de janeiro de 2003, que alterou a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Esta última tem o
objetivo de tornar obrigatória a implementação do ensino
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na estrutura
curricular na educação básica e no ensino superior.
Considerando que uma das funções sociais da escola é a
formação cidadã dos seus educandos, é imprescindível que
nesse espaço ocorra uma discussão ampla no tocante ao

337
Pesquisas em linguagem e ensino

respeito à diversidade e ao combate ao preconceito, ao racismo


e à discriminação, com vistas a atender ao que prescreve a
Lei nº 10.639/2003. Essa problemática, de ordem social, faz
parte de um legado do colonialismo que procurou destituir as
sociedades invadidas de seus atributos culturais (SHOHAT;
STAM, 2006). O estudo da literatura africana e afro-brasileira,
em sala de aula, torna-se um importante instrumento para a
redução dessas disparidades. Entre as muitas desigualdades
existentes, para efeitos da pesquisa que resultou na nossa
dissertação de mestrado1, interessou-nos trabalhar textos
de autoria feminina, notadamente aqueles em que a mulher
negra é protagonista. Escolhemos dois contos da moçam-
bicana Paulina Chiziane,2 por entendermos que, neles, a
autora busca não só denunciar a condição de subalternidade
feminina, mas também permite ao leitor refletir sobre o papel
que a mulher pode vir a exercer na vida social e familiar por
meio da reconstrução de sua identidade. A partir das tensões

1. A dissertação de mestrado intitulada Leitura de contos de Paulina Chiziane em


sala de aula: uma experiência no Ensino Médio foi desenvolvida na Escola Estadual
do Ensino Fundamental e Médio Dom Adauto, localizada em Juarez Távora-PB
e teve como participantes alunos do 3º ano do Ensino Médio, matriculados no
turno da noite.

2. Os contos escolhidos foram “As cicatrizes do amor” (cf. SAÚTE, Nelson: As mãos
dos pretos: antologia do conto moçambicano. 2007); e “Mutola”, inserido no livro
As andorinhas (2013).

338
Pesquisas em linguagem e ensino

vivenciadas por suas personagens, a escritora desconstrói e


reconstrói identidades até então carentes de qualquer publi-
cação de expressividade cultural.

A escrita de Chiziane e o peso do patriarcalismo


no contexto moçambicano

A escrita de Paulina Chiziane se destaca pela crítica à


posição social e cultural da mulher na sociedade moçam-
bicana, procedimento estético bastante recorrente em suas
obras e ratificado pela autora em entrevistas. Aspectos do
cotidiano moçambicano servem como motivação para a escri-
tora, tais como o número pequeno de mulheres que ocupam
cargos relevantes no país, a baixa escolarização feminina e a
grande quantidade de situações de humilhação e submissão
ao homem em que as mulheres se encontram. Chiziane iniciou
sua atividade literária em 1984, com a publicação de contos
na imprensa moçambicana. Em 1990, lançou a obra Balada
de amor ao vento, que é considerado seu livro de estreia e
também o primeiro romance de autoria feminina publicado
em Moçambique. Segundo Nazareth (2003), essa obra tem:

339
Pesquisas em linguagem e ensino

Um valor iniciático: em que a voz feminina alcança dire-


cionar o modo de narrar. Nesse romance, os cenários
ressaltam os deveres da mulher, destacando-os numa reali-
dade de prazeres, mágoas, tristezas e frustrações, como
acentua a escritora em sua entrevista a Michel Laban, em
1998. Os tabus e interdições, característicos do mundo
tradicional, mas também os novos encargos, trazidos pelas
alterações advindas dos modos como as mulheres passam
a conviver com o mundo da modernidade, cruzam-se na
experiência literária dessa escritora, que fez observação
da condição social das mulheres o seu tema predileto.
(NAZARETH, 2003, p. 7).

Por esse olhar, pode-se dizer que, por intermédio da ficção,


Chiziane representa a voz ficcional das mulheres moçambi-
canas, já que as suas narrativas constituem uma crítica ao
poder cultural estabelecido. Surgindo de um meio tradicio-
nalmente dominado pelos homens, a sua criação literária
se impôs pela perspectiva feminina, conseguindo o feito de
apreender as contradições do processo social e político do
seu país, ao denunciar o lugar da mulher moçambicana que
vivencia as tensões entre a tradição e a modernidade, uma
imposição do patriarcalismo eurocêntrico.

340
Pesquisas em linguagem e ensino

Acerca da condição de subalternidade imposta à mulher


africana, sob um ponto de vista antropológico, Chabal consi-
dera que:

Em Moçambique, como em qualquer outra parte da África,


a condição da mulher, a sua situação, o tipo de oportuni-
dade que tem na sociedade, o estatuto que tem dentro da
família, na sociedade, é algo que de facto merece ser visto.
Porque as leis da tradição são muito pesadas para uma
mulher. [....]a mulher se está a tornar cada vez mais escrava.
Porquê? Por que a mulher vai trabalhar, mas nunca atinge
igualdade de oportunidade. Os homens não mudaram,
nem estão interessados em mudar, não se esforçam por
isso. A mulher é que vai se esforçando. É claro, também é
uma luta necessária, porque uma ou outra vão ganhando
independência económica, vão ganhando um pouco mais
de capacidade para realizar isto ou aquilo, e libertam-se
da dependência. Mas a maior parte das mulheres não.
(CHABAL, 1994, p. 298- 299).

A falta de igualdade de direitos entre homens e mulheres,


para Chiziane, deve-se ao legado deixado pelo sistema colo-
nial. Em entrevista concedida na 1ª Bienal do Livro e da
Literatura, realizada em Brasília-DF, em abril de 2012, a
escritora afirmou que, “no continente africano, antes da

341
Pesquisas em linguagem e ensino

colonização, a arte e a literatura eram femininas. Às mulheres,


era atribuída a função de narrar e transmitir conhecimentos,
no entanto, com a colonização e a implantação do sistema
educacional do império, os homens passaram a aprender
a escrever e contar histórias” (CHIZIANE, 2012); ao passo
que, às mulheres, foram atribuídas as tarefas de cuidar do
lar, sem questionar o poder patriarcal, razão pela qual há
um número inferior de mulheres escritoras.
Em entrevista à revista eletrônica Maderazindo, em 2002,
a moçambicana declara que escrever para as mulheres em
seu país era e é uma ousadia, o que justifica a sua busca por
espaços, bem como a construção de sua identidade enquanto
mulher e escritora:

Para mim, escrever é uma maneira de estar no mundo.


Eu preciso de meu espaço, é por isso que eu escrevo. Em
primeiro lugar, eu escrevo para existir, eu escrevo para mim.
Eu existo no mundo e a minha existência repete-se nas
outras pessoas. [...] O meu ponto de partida é a oralidade, e
todos os meus trabalhos até hoje são baseados na tradição
oral, daí que eu não gosto de dizer que fiz um romance,
uma novela, ou seja, o que for. Eu conto uma história e, ao
contá-la, acrescento um pouco. (CHIZIANE, 2002).

342
Pesquisas em linguagem e ensino

A autora se considera uma contadora de história que se


utiliza de elementos da cultura tradicional, por considerá-los
formadores de valores éticos e comportamentais advindos
de uma oracultura consagrada, a exemplo de contos, mitos
e provérbios moçambicanos, em sua maioria. Ao trazer essa
oralidade para os textos, Chiziane propõe uma reflexão sobre
a história e a cultura dos países africanos, sobretudo as de
sua terra natal.
Em “As cicatrizes do amor”, a escritora traz para o centro
do enredo a figura de Maria, uma personagem que passa por
um processo de amadurecimento após ser proibida de se casar
com o homem que amava, por este não atender às exigências
dos costumes de seu povo. Com o fim do relacionamento,
Maria, que já estava grávida, é expulsa de casa quinze dias
após o nascimento da filha. O conto é narrado em primeira
pessoa por uma voz feminina que, já no início da narrativa,
questiona a posição social imposta à mulher: “Diabos me
levem se não estou bem nesta rodada de mulheres sentadas
na areia e os homens nas cadeiras” (CHIZIANE, 2007, p.
361). Na voz da personagem, tem-se a sugestão da condição
de inferioridade feminina por não ser permitido à mulher
o direito de escolher o lugar para se sentar, uma vez que as
cadeiras já se encontram reservadas aos homens.

343
Pesquisas em linguagem e ensino

Em “Mutola” (2013), o protagonismo do enredo gira em


torno da desportista moçambicana Maria de Lurdes Mutola,
medalhista de ouro na corrida dos 800 metros na Olimpíada
de Sidney. O contexto da narrativa focaliza o período
pós-independência de Moçambique e é perceptível o peso
do patriarcalismo tradicional determinando a ocupação dos
espaços sociais, de forma distinta, em função do gênero. No
universo feminino en que Maria de Lurdes cresce, as mulheres
devem se preocupar com coisas de mulher, “por exemplo: ser
mais sensual. Fazer enxoval. Concluir um curso de cozinha
e outro de boas maneiras, enquanto esperas um noivo, para
casar e fazer filhos” (CHIZIANE, 2013, p. 90). Desse modo, a
grande conquista feminina seria a chegada de um noivo que
lhe fará sua esposa e dará filhos. Neste contexto, a mulher é
considerada um objeto antes de ser um sujeito.
Ao ingressar em um time de futebol masculino, Mutola
torna-se a única a marcar gols durante uma partida, levando
seu time à vitória. Nesse evento, a protagonista vivencia
uma situação paradoxal: a alegria por ter marcado um gol e
a tristeza da rejeição, já que ao se destacar nos gramados e
marcar gols, todos ficam espantados e sem reação para euforia
frente à conquista. Os companheiros da equipe não sabem
como comemorar os gols, afinal “como podiam eles cele-
brar a golada com abraços efusivos, abraços, saltos mortais,

344
Pesquisas em linguagem e ensino

carregadas nas costas [...] se ela era mulher?” (CHIZIANE,


2013, p. 92). Nem os jornalistas atinavam como narrar os gols,
pois “não sabiam o que dizer ao certo, não foi ainda desenvol-
vido o vocabulário para golos de mulher” (CHIZIANE, 2013,
p. 92). Evidencia-se, portanto, a força do sistema patriarcal,
visto que a compreensão da dinâmica em torno do futebol
tem sua estrutura organizada por e para homens; para as
mulheres, cabe a exclusão, fatidicamente reconhecida pela
própria Paulina: “Nós, mulheres, somos oprimidas pela
condição humana do nosso sexo, pelo meio social, pelas
ideias fatalistas que regem as áreas mais conservadoras da
sociedade” (CHIZIANE, 2013, p. 6).

Ensino de literatura africana


e formação de leitores

O Parecer nº 003/2004, do Conselho Nacional de


Educação, aprovado em 10 de março de 2004, que trata
das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira, reconhece a necessidade de reduzir o precon-
ceito em relação à população negra no Brasil. De acordo com
o documento, é preciso:

345
Pesquisas em linguagem e ensino

[...] a valorização e respeito às pessoas negras, à sua descen-


dência africana, sua cultura e história. Significa buscar,
compreender seus valores e lutas, ser sensível ao sofri-
mento, causado por tantas formas de desqualificação:
apelidos depreciativos, brincadeiras, piadas de mau gosto
sugerindo incapacidade, ridicularizando seus traços físicos,
a textura dos seus cabelos, fazendo pouco das religiões de
raiz africana. Implica criar condições para que os estu-
dantes negros não sejam rejeitados em virtude da cor da
sua pele, menosprezados em virtude de seus antepassados
terem sido explorados como escravos, não sejam desen-
corajados de prosseguir estudos, de estudar questões que
dizem respeito à comunidade negra. (BRASIL, 2004b, p. 4).

Assim, espera-se que a escola passe a incluir em seu


currículo uma educação para a diversidade, propiciando
ao aluno o reconhecimento e a valorização da pluralidade
cultural africana e afrodescendente. A partir de então, é
possível discutir as diferenças como algo que irá contri-
buir para formação de uma sociedade plural, que respeite
a diversidade de raças e etnias.
Para que sejam alcançadas mudanças significativas, no
tocante aos textos literários no espaço escolar, além das
estratégias de leitura, novas práticas têm se desenvolvido,

346
Pesquisas em linguagem e ensino

entre as quais Rouxel (2014, p. 26) destaca a importância da


leitura silenciosa, tanto em sala de aula quanto fora dela, e “o
trabalho com diários e cadernos de leitura”. Reconhecemos
que a leitura silenciosa tem seu destaque, contudo a leitura
oral em sala de aula é de grande importância. Em conformi-
dade com Pinheiro (2007), a leitura em voz alta, repetida mais
de uma vez, ajuda o leitor a perceber a entonação adequada
para encontrar os diferentes modos de leitura, valorizando
assim a expressividade na experiência do leitor. Em relação
ao uso de diários e cadernos de leitura, Rouxel reconhece
que esses instrumentos em sala de aula:

Permitem observar o ato da leitura, captar as reações, as


interrogações dos leitores ao longo do texto, identificar as
passagens sobre as quais eles se detêm, que eles às vezes
grifam para guardar o termo destacado. Esses escritos
possibilitam vislumbrar como a personalidade do leitor
se constrói no espelho do texto: os julgamentos axioló-
gicos sobre os discursos ou a ação das personagens, as
hesitações e as interrogações sobre a maneira de apreciar
o mundo ficcional ou a qualidade da escrita testemunham
essa construção identitária. (ROUXEL, 2014, p. 26).

Essa construção identitária também pode ser obser-


vada quando o leitor associa o texto lido aos outros textos

347
Pesquisas em linguagem e ensino

que conhece, com outras obras de arte ou com os conheci-


mentos que adquiriu através de experiências. O trabalho que
desenvolvemos com a turma de 3º ano do Ensino Médio teve,
também, como finalidade considerar as vivências dos alunos
com a intenção de enriquecer ainda mais as discussões em
sala sobre os contos da autora Paulina Chiziane, conforme
relataremos a seguir.

Experiências de leitura com os contos “As


cicatrizes do amor” e “Mutola”

Para o desenvolvimento desta pesquisa, elaboramos


um questionário com o objetivo de obter informações dos
educandos sobre as escolhas e/ou vivência com a leitura de
textos literários, assim como a existência ou não de contato
com textos de autoria africana. Com relação às leituras lite-
rárias, constamos que os alunos têm contato com uma diver-
sidade de gêneros literários, a exemplo de contos, romances,
crônicas, folhetos de cordel etc. Deste modo, percebem a
leitura literária como essencial à sua formação leitora e
cidadã, uma vez que a literatura, segundo Candido (1995),
é indispensável no processo de humanização. Com relação à
preferência pela leitura de contos, quatorze, dentre os dezes-
sete alunos, afirmaram ter realizado alguma atividade com

348
Pesquisas em linguagem e ensino

contos, o que, de certo modo, contribuiu para a realização


de nosso trabalho, tendo em vista o conhecimento prévio
acerca do gênero.
Após coletarmos essas informações, iniciamos o planeja-
mento dos encontros pedagógicos, o qual privilegiou estra-
tégias desenvolvidas antes, durante e após a leitura, sendo
boa parte do resultado coletada em Diário de Leitura. Solé
(1998), ao se referir ao ensino de estratégias de leitura em
sala de aula, afirma que:

Ao ensinar estratégias de compreensão leitora, entre os


alunos deve predominar a construção e o uso de proce-
dimentos de tipo geral, que possam ser transferidos sem
maiores dificuldades para a situação de leitura múltiplas
e variadas. Por este motivo, ao elaborar estes conteúdos e
ao garantir sua aprendizagem significativa, contribuímos
com o desenvolvimento global de meninos e meninas,
além de favorecer suas competências como leitores. (SOLÉ,
1998, p. 70).

Os encontros de leitura formulados basearam-se na


proposta apresentada por Solé (1998), sistematizados nas
seguintes etapas.

349
Pesquisas em linguagem e ensino

Momento antes da leitura

A introdução ao tema se deu a partir da apresentação de


slides contendo imagens de mulheres negras assumindo dife-
rentes papéis: mãe, esposa, médica, religiosa, entre outros.
Essa dinâmica teve como objetivo levar o aluno a refletir
acerca do papel ou posição da mulher negra na sociedade,
com vistas a auxiliá-lo na recepção da temática a ser traba-
lhada, posteriormente, nos contos. Uma das alunas comentou
que, embora as mulheres negras estejam ocupando dife-
rentes espaços na sociedade, elas ainda estão numa posição
de inferioridade e, em se tratando da negra, essa condição é
duplicada em relação àquela de pele branca.
Na sequência, exibimos algumas cenas do filme A cor
púrpura (1985),3 dirigido por Steven Spielberg. Um dos alunos,
não conseguindo mais esconder a sua indignação com as
condições que eram impostas à personagem, considerou
que a ficção não difere da realidade, refletindo acerca dos
casos de várias mulheres submissas e violentadas nos mais

3. O filme narra a trajetória de Celie, mulher pobre, negra e sem estudos que vive
na Georgia durante o século XX e que acaba sofrendo inúmeros abusos, entre eles
o de ser violentada pelo seu próprio pai, ato que acaba gerando duas crianças,
as quais, no momento do nascimento, foram separadas da mãe e entregues a um
casal de missionários. Posteriormente, a protagonista casa-se com o viúvo Albert,
que a trata como escrava, obrigando-a cuidar do lar e dos enteados.

350
Pesquisas em linguagem e ensino

diferentes espaços de sociedades diversas. Após a cena em


que a protagonista é violentada sexualmente pelo pai, o
discente comentou:

Professora, o filme retrata uma história muito pesada e sofrida


por uma mulher negra no passado, e que ainda se repete, no
presente, por pessoas marginalizadas em diferentes socie-
dades. As mulheres desse local são muito desvalorizadas e
tratadas com violência, uma realidade que ainda permanece
em muitos espaços, inclusive no Brasil (IJ).4

Momento durante a leitura

Esta etapa contempla a leitura dos contos propriamente


dita. Antes de procedermos à leitura oral de cada texto, reali-
zamos uma discussão acerca das expectativas criadas pelos
alunos, tendo como parâmetro o título do conto. Interessante
que, no primeiro conto, “As cicatrizes de amor”, os discentes,
por unanimidade, apontaram que o texto falava de alguém
que tinha sofrido por um amor não correspondido. Já em
relação a “Mutola”, as respostas acerca do título da narrativa
foram diversificadas: desde a sugestão de se tratar de uma

4. Para preservar a identidade dos alunos, elegemos identificá-los, em nossa


pesquisa, com siglas.

351
Pesquisas em linguagem e ensino

águia ou de uma animal desconhecido no contexto brasileiro,


até a história de um homem importante do lugar; não houve
quem fizesse alusão à história de uma mulher.
Procedemos à leitura (silenciosa e em voz alta).
Procedimentos da “leitura compartilhada”, proposta por
Colomer, também serviram de recurso pedagógico, contri-
buindo, de modo significativo, para auxiliar a reflexão dos
alunos acerca de algumas leituras não autorizadas pelo texto.
A esse respeito, serve como exemplo a percepção de um dos
discentes:

Neste conto, o título causa uma impressão de que a história


é relacionada a um homem e não a uma mulher. Logo no
primeiro parágrafo, fala-se de um homem que apanhou
uma águia e fala também de um biólogo. Mas no decorrer
da história, você percebe que é algo diferente: uma mulher
sonha em ser jogadora. (TLH).

Depreende-se desse excerto que o aluno tenta estabelecer


uma relação de sentido entre o título do conto e o enredo,
a partir da primeira parte do texto, que faz menção a dois
homens, por isso associa “Mutola” a uma figura masculina,
ideia desconstruída à medida que avança na leitura da narra-
tiva. Temos, portanto, uma quebra de expectativa do texto
que não corresponde às esperadas pelo aluno.

352
Pesquisas em linguagem e ensino

Uma aluna considerou a protagonista do conto como uma


mulher que está à frente das outras, pois não aceita a condição
de subalternidade feminina imposta em África, enquanto que
as demais, apesar de aceitarem, criticam Mutola por tentar
ser “diferente”. Outros alunos ressaltaram que Mutola não
queria ser apenas mais um objeto na sociedade e para isso
lutava para ter o seu espaço, conforme se pode depreender
das falas transcritas abaixo:

O texto retrata uma mulher forte, decidida, que não se


deixa abater por julgamentos e críticas feitas às suas
escolhas. Uma mulher que busca seus objetivos e que
vai contra o pensamento de todos para realizar seus
sonhos. Enfrenta o preconceito, pois a mulher tinha
de ser dona de casa. Não poderia fazer nada que fosse
considerado coisa de homem. Tinha de ser submissa.
Mas Mutola era diferente. E não a compreendiam. (AS).

Maria de Lurdes, “Mutola”, é uma pessoa guerreira, que


é determinada e gerenciada por sonhos. O conto nos
encanta com a capacidade de reflexão, faz-nos mergu-
lhar na trajetória da personagem. Mutola é gerida por
sonhos, mas não é qualquer sonho, é algo que suscita
muita discussão e preconceito. (IAA).

353
Pesquisas em linguagem e ensino

A voz de Mutola é de uma mulher que sabe o que quer,


independente dos preconceitos das pessoas que, pra ela,
tanto faz o que dizem. ela só pensa em realizar seu so-
nho se tornando uma mulher à frente da outra, fazendo
o que gosta, afinal ninguém é obrigado a fazer o que
acham certo. Enquanto uns só queriam se embelezar e
arrumar marido, a realidade dela era completamente
outra, que se pode comparar com a nossa do tempo de
hoje. Diferente do conto anterior, ela não é uma pes-
soa submissa, é completamente dona do que quer e de
suas vontades. É uma pessoa que está acima das outras
mulheres, fazendo aquilo que deseja, não o que acham
certo aos olhos dos outros. (JFS).

O conto em si mostra que Mutola não queria ser apenas


mais uma mulher na sociedade, ela queria ter um futuro.
Dedicando-se ao futebol, ela entra num time e se torna
a melhor jogadora do time. As outras mulheres acham
ruim por ela não ser como as demais mulheres, pois ela
quer ter um futuro, uma carreira, ser independente.
Ela queria ter um lugar na sociedade, fazer a diferença
entre as mulheres, se dar a própria condição na socie-
dade. (TGE).

Ao observarmos essas falas, percebemos que os discentes


tocam em questões significativas para a discussão sobre as

354
Pesquisas em linguagem e ensino

condições de inferioridade da mulher em contexto africano.


A esse respeito, cabe chamar Bonnici (2009) para discussão
por defender um agravamento na condição de submissão
feminina durante a colonização, tangenciada pela imposição
dos costumes eurocêntricos que impunham um “discurso
colonialista [era] impregnado pelo patriarcalismo e pela
exclusividade sexista” (BONNICI, 2009, p. 263).
Aos homens, eram dados todos os privilégios; já às
mulheres, não se tolerava a participação na vida social e
econômica do país, tampouco era permitido opinar sobre os
assuntos da casa, já que, no lar e na relação a dois, era a voz
masculina que determinava as regras, restando às mulheres
a submissão e o silenciamento.
Mutola representa, pois, para os alunos, as mulheres afri-
canas que lutam constantemente para o reconhecimento na
esfera social, desconstruindo discursos e ganhando espaços
na sociedade pós-colonial. É uma mulher que assume o
desafio do enfrentamento discursivo a caminho da mudança.
Na visão dos discentes, a partir de suas lutas e conquistas,
Maria deixa de ser um objeto oprimido pelo sujeito domi-
nador e passa a ser, também, um sujeito que ganha visibili-
dade e autonomia através do esporte, inicialmente o futebol
e posteriormente o atletismo, contribuindo para a recons-
trução identitária e histórica do seu país.

355
Pesquisas em linguagem e ensino

Momento após a leitura

Nesta etapa, mobilizamos a atenção dos alunos para


uma avaliação acerca da intervenção realizada. A resposta
nos surpreendeu, visto que os discentes buscaram conhecer
nas cercanias da região algumas práticas relacionadas à
cultura africana, de modo a ampliar a percepção cultural,
inicialmente, provocada pela leitura dos contos. Como resul-
tado, eles visitaram um terreiro de umbanda localizado na
cidade e uma comunidade quilombola, o Sítio Matão, loca-
lizada no município de Gurinhém-PB. No primeiro espaço,
fizeram entrevista com o líder religioso, conheceram algumas
imagens sagradas daquela religião, o que, conforme rela-
taram, contribuiu para diminuir o preconceito existente
contra as religiões candomblé e umbanda e seus praticantes,
surgindo, assim, uma compreensão acerca da tolerância reli-
giosa. Já na comunidade quilombola, os discentes entrevis-
taram Roberto Nobel, líder do grupo de percussão Olodum
Matão, que trouxe informações sobre a organização do
quilombo e a fundação do grupo.
Após essas duas visitas, os alunos sugeriram à direção da
escola uma socialização da experiência com a cultura afri-
cana realizada a partir das aulas de literatura. Para isso, eles
conseguiram convencer a coordenação da escola a alterar o

356
Pesquisas em linguagem e ensino

Projeto Pedagógico para aquele ano, incluindo ações voltadas


para a temática africana. Foi realizada, no mês de novembro,
a culminância do referido projeto, intitulado A África está
entre nós. Ainda que essa atividade tenha se realizado fora
do cronograma da intervenção planejada para a pesquisa,
alguns alunos avaliaram a experiência como exitosa. Entre
muitos depoimentos, destaca-se o de GRJ, para quem:

Nem tudo no continente africano é só pobreza, fome,


miséria, como nos é ensinado nos livros didáticos, que
parte de uma visão eurocêntrica, que sempre negou
a história, a diversidade e os valores étnicos raciais
do continente africano e sua real contribuição para a
formação da história, do povo e da cultura brasileira.

Brevíssimas considerações finais

A pesquisa revelou que a leitura de textos da literatura


africana, notadamente aqueles escritos por uma mulher
negra, dentro de um regime patriarcal, de um modo geral,
era algo novo para os leitores. Percebeu-se, também, que a
metodologia utilizada não foi diferente daquela comumente
utilizada por pesquisadores que se impõem mediadores de
leitura, qual seja, a leitura compartilhada. O ganho metodo-
lógico da experiência foi confirmado a partir do envolvimento

357
Pesquisas em linguagem e ensino

da turma durante a leitura dos textos, o que possibilitou a


vivência de uma experiência estética em torno de um universo
geograficamente distante, mas culturalmente próximo, da
realidade brasileira.

Referências

BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394,


de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras
providências. Presidência da República [do Brasil], Casa Civil, Subchefia
para Assuntos Jurídicos, Brasília, DF, [2003]. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/civil_03/leis/2003/L10.639.htm. Acesso em: 05 out. 2016.
BRASIL. Decreto nº 4.886, de 20 de novembro de 2003. Institui a Política
Nacional de Promoção da Igualdade Racial - PNPIR e dá outras providências.
Presidência da República [do Brasil], Casa Civil, Subchefia para Assuntos
Jurídicos, Brasília, DF, [2003]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
civil_03/leis/2003/L10.639.htm. Acesso em: 05 out. 2016.
BRASIL.Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História Cultura Afro-Brasileira e Africana
(Parecer Homologado 003/2004). Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, 2004b.
Disponível em http://portal.mec.gov.br. Acesso em 15 jan. 2017.
BONNICI, T. Teoria e crítica pós-colonialistas. In: BONNICI, T.; ZOLIN, L.
(org.). Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas.
3.ed. ver. Eamp. Maringá: Eduem, 2009. p.257-285.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio.Vários
escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995. p.235-263.

358
Pesquisas em linguagem e ensino

CHABAL, P. Vozes moçambicanas: literatura e nacionalidade. Lisboa: Vega,


1994.
CHIZIANE, Paulina. As cicatrizes do amor. In: SAÚTE, Nelson (org.). As
mãos dos pretos: antologia do conto moçambicano. 2. ed. Lisboa: Publicações
Dom Quixote, 2007.
CHIZIANE, Paulina. As andorinhas. Belo Horizonte: Nandyala, 2013.
CHIZIANE, Paulina. Eu, mulher: por uma nova visão do mundo. Belo
Horizonte: Nandyala, 2013.
CHIZIANE, Paulina. Novelas brasileiras passam imagem de país branco,
critica escritora moçambicana. Entrevista concedida a Alex Rodrigues. 1ª
Bienal do Livro e da Leitura, Brasília, 17 de abril de 2012. Disponível em
http://www.agenciabrasil.ebc.com.br. Acesso em 10 abr. 2016.
COLOMER, Teresa. Andar entre livros: a leitura literária na escola. Trad.
Laura Sandroni. São Paulo: Global, 2007.
NÓBREGA, Maria Marta dos Santos Silva. A literatura de expressão
portuguesa em alguns livros didáticos. In: NÓBREGA, M. M. dos S. S.;
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ROUXEL, Annie. Aspectos metodológicos do ensino da literatura. In: DALVI,
Maria Amélia; REZENDE, Neide Luzia de; JOVER-FALEIROS, Rita (org.).
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SAÚTE, Nelson (org.). As mãos dos pretos: antologia do conto moçambicano.
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SHOHAT, E.; STAM, R. Crítica da imagem eurocêntrica. Trad. Marcos Soares.
São Paulo: Cosac Naify, 2006.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Trad. Claúdia Schilling. 6. ed. Porto
Alegre: ArtMed, 1998.

359
Comentários do Capítulo 9

Literatura e questões étnico-raciais do discurso


legal à ação necessária na escola

Marcelo Medeiros da Silva


Maria Marta dos Santos Silva Nóbrega
Apresentação da pesquisa

Desde o início dos anos de 1970, há um crescente inte-


resse, no Brasil, pela produção literária de autores e autoras
africanos que escrevem em língua portuguesa. Entretanto,
persiste certa atmosfera de dispersão que tem dificultado
bastante a circulação de dados e a discussão de ideias em
torno dessa produção literária e, consequentemente, tem
ainda alocado os estudos sobre a produção literária africana
de língua portuguesa em uma posição de marginalidade no
âmbito de nossas universidades e escolas (CHAVES; MACÊDO,
2006), apesar de termos um número expressivo de cursos
ministrados, dissertações e teses defendidas.
Acrescente-se a isso que o fato de o mercado editorial
nacional ter descoberto essa seara ainda inexplorada comer-
cialmente não impediu que a publicação de livros de autoria
africana ou afro-brasileira ainda esteja, na maioria dos casos,
restrita a alguns nomes que caíram no gosto do público e
das editoras. Mesmo assim, todas essas ações constituem,
portanto, um conjunto de ações que talvez nos permita
um contato direto com a cultura africana ou torne visível
a necessidade desse contato para que possamos ter uma
melhor compreensão dos laços que unem as duas margens
do Atlântico.

361
Pesquisas em linguagem e ensino

Na esteira dessa necessidade de conhecer a África, mas,


sobretudo, as Áfricas que habitam em nós, foi promulgada a
Lei nº 10.639/03, que introduziu a obrigatoriedade da escola-
rização de novos conteúdos curriculares sobre a história da
África, da cultura africana e afro-brasileira. A promulgação
de tal lei institui “um certo saber a ser ensinado e aprendido
na escola, um saber para educar e formar através do processo
de escolarização” (SOARES, 2020, p. 155). Com isso, tem-se
a intenção de levar as escolas a reiterarem e valorizarem
“a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica
e política pertinente à história do Brasil” (CARVALHO;
NOGUERA, 2013, p. 18) e, consequentemente, reconstruírem
e reorganizarem seus currículos a fim de que nossos alunos
não sofram as consequências do perigo de serem formados
a partir de uma história única.
Todavia, sabemos que não podemos nos restringir apenas
às boas intenções. É preciso ir além dos limites de um discurso
bem intencionado, até porque, em uma sociedade como a
nossa, “em que o preconceito é uma presença insidiosa a
comprometer a dose de cordialidade que procuramos ver como
marca de nossa identidade, as boas intenções precisam neces-
sariamente se fazer acompanhar de medidas concretas, de
ações voltadas às mudanças dos ventos” (CHAVES; MACÊDO,
2006, p. 10). Acreditamos que, em consonância com os ventos

362
Pesquisas em linguagem e ensino

que a Lei nº 10.639/03 trouxe, mas não se constituindo em um


discurso simplesmente bem intencionado, podemos alocar a
pesquisa realizada pela professora Márcia Cassiana Rodrigues
da Silva, do Programa de Pós-Graduação em Linguagem e
Ensino da Universidade Federal de Campina Grande.
Sob o título Leitura de contos de Paulina Chiziane em sala
de aula: uma experiência no ensino médio, a professora-
-pesquisadora realizou um trabalho importante que envolve
a entrada do texto literário africano de língua portuguesa
em sala de aula e a preocupação com a formação de leitores
de tais textos mediante um conjunto de ações didáticas que
procurou valorizar o encontro texto-leitor a partir de uma
metodologia de leitura compartilhada. Aqui, pois, já se fazem
presentes alguns elementos que tornam relevante a disser-
tação e sobre os quais vamos nos deter com mais afinco.
O primeiro elemento é, portanto, a escolha do próprio
objeto de estudo: a literatura africana de língua portuguesa,
cuja presença em sala de aula da educação básica em nosso
sistema de ensino ainda é muito esporádica. Primeiro, porque
são poucos os materiais didáticos que contemplam tal lite-
ratura. Segundo, porque, durante o processo formativo dos
professores e professoras que estão, na atualidade, atuando
em sala de aula, as questões sobre literatura africana de
língua portuguesa, quando não invisíveis, passaram a passos

363
Pesquisas em linguagem e ensino

largos das indicações de leitura, dos debates, das reflexões.


Em outras palavras, apesar da obrigatoriedade da Lei nº
10.639/03, percebemos que a escolarização dessa literatura
ainda não se efetivou plenamente de maneira que, se podí-
amos estar refletindo sobre como essa escolarização estava
sendo realizada, estamos ainda preocupados, de certa forma,
com a sua implantação.
Para entendermos melhor a importância do trabalho reali-
zado pela referida professora-pesquisadora, lembremos que,
ainda no ano de 2003, foram firmadas algumas políticas de
promoção da igualdade racial no âmbito da educação. Entre
elas, destacam-se: 1. parceria entre o Ministério da Educação
(MEC) e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial da Presidência da República (Seppir), com vistas à
implementação de programas (a exemplo do projeto A Cor da
Cultura) e ações valorativas para a promoção de uma educação
antirracista; e 2. criação da Comissão Técnica Nacional de
Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação dos
Afro-Brasileiros (Cadara), com competência para acompa-
nhar, analisar e avaliar as políticas educacionais voltadas
para a educação das relações étnico-raciais. Não se pode
olvidar que esse tipo de educação, balizada na valorização das
relações étnico-raciais, tem como princípio de socialização
uma experiência de alteridade, por considerar que o outro

364
Pesquisas em linguagem e ensino

(o negro) é um sujeito possuidor de uma cultura, história e


imaginário próprios e deve ser respeitado e reconhecido na
sua diferença.
Nesse sentido, o trabalho desenvolvido por Márcia Cassiana
Rodrigues da Silva evidencia o quanto o contato com a litera-
tura africana é importante no processo formativo de alunos
brasileiros, a fim de que não só sejam conhecidos autores/
as e obras da outra margem do Atlântico, mas também que
nossos alunos possam perceber o diálogo intercultural que
uma literatura mantém com a outra e, acima de tudo, viven-
ciem experiência da alteridade, a partir da percepção da indi-
vidualidade alheia que o texto tende a provocar.
Eis aqui, portanto, outra relevância desenvolvida pela
referida professora-pesquisadora: o fato de, por meio do texto
literário, ela ter propiciado aos sujeitos colaboradores um
trânsito por culturas diferentes. Sabemos o quanto o ensino
de literatura brasileira e, consequentemente, a formação de
leitores tem se centrado, na grande maioria dos casos, no
contato com a leitura de textos apenas de autores e autoras
brasileiras. Isso, de certo modo, limita a formação de nossos
alunos e alunas, sobretudo se pensamos que muitos deles,
em virtude das desigualdades sociais que grassam em nosso
país, têm limitadas as formas de contato cultural, ainda
que vivamos em tempos de internet. Assim, ao trazer o

365
Pesquisas em linguagem e ensino

texto africano de língua portuguesa para a sala de aula, a


professora-pesquisadora cria a possibilidade de aproximação
intercultural a partir do reconhecimento e da valorização
da diversidade que compõe as culturas postas em diálogo a
fim de propiciar a troca de experiências e o enriquecimento
mútuo dos alunos e alunas.
Não é à toa que a questão da identidade do negro, mais
especificamente da mulher negra, é a categoria temática
que conduziu a escolha dos textos que foram trabalhados
nas oficinas realizadas com os alunos durante o processo de
intervenção didática do qual veio boa parte dos dados que
foram analisados e que permitiram à professora-pesquisa-
dora conduzir a uma reflexão sobre o narrador nos contos
“As cicatrizes do amor” e “Mutola”, da escritora moçambi-
cana Paluna Chiziane; e sobre o vivido pelos alunos e alunas
não só durante a leitura, mas ao largo da vida deles, como
sujeitos que necessitam (re)discutir questões em torno de
preconceitos envolvendo a negritude. Leitura, literatura,
experiência ficcional e empírica se entrecruzam e ressigni-
ficam os sujeitos envolvidos na pesquisa.
Ao escolher trabalhar com literatura africana em sala de
aula, Márcia Cassiana Rodrigues da Silva não só contribui
para a formação de leitores para quem o texto literário
é objeto de desejo, mas para a ampliação dos horizontes

366
Pesquisas em linguagem e ensino

culturais desses leitores, uma vez que a literatura é “mais


que um conhecimento, ela é a incorporação do outro em mim
sem renúncia da minha própria identidade”. Nesse sentido,
“a experiência literária não só nos permite saber da vida por
meio da experiência do outro, como também vivenciar essas
experiências” (COSSON, 2006, p. 17).
Desse modo, ao vivenciar a experiência do outro, o sujeito
leitor amplia a própria experiência sobre si, sobre o seu
entorno, sobre o seu próprio ser e estar no mundo a partir de
um processo em que o/a aluno/a não só escuta o que o texto
tem a dizer, mas ele/a também diz o que tem a dizer. Assim,
na confluência desses dizeres, alargam-se horizontes sociais
e existenciais, o que corrobora a lição de Antonio Candido
segundo a qual a literatura é um elemento imprescindível à
formação humana não só porque preenche as nossas neces-
sidades de fantasia e desejo, mas, ao proceder assim, atua em
nós afinando as nossas emoções, abrindo-nos para o diálogo
com o outro como alteridade (CANDIDO, 1995).
Como resultado dessa ação, o público com o qual a
professora-pesquisadora trabalhou conferiu a sua pesquisa
mais uma singularidade — os alunos, por iniciativa própria,
ampliaram o campo de atuação do experimento e visitaram a
comunidade quilombola do Sítio Matão, localizada no muni-
cípio de Gurinhém-PB. Na ocasião, além de vivenciarem

367
Pesquisas em linguagem e ensino

aspectos da cultura local, conheceram o grupo de Percussão


de danças de origem africana, Olodum Matão, e entrevis-
taram o seu líder. As entrevistas foram gravadas e encon-
tram-se no Facebook, na página denominada, pelos alunos,
de A cor da Cultura. A partir desse registro, a pesquisa de
Márcia Cassiana Rodrigues da Silva procura refletir acerca
da invisibilidade que paira sobre as comunidades quilom-
bolas nos trabalhos acadêmicos, bem como contrapor-se aos
estereótipos que se criaram em torno dos quilombolas, de
suas terras, história e práticas culturais.
Outra nuance que singulariza a pesquisa e que não pode
estar fora da reflexão de sala de aula foi algo que a pesquisa-
dora conseguiu despertar nos demais professores da Escola
que lhe serviu como campo de atuação o interesse pela cultura
africana, ao passo que foi montado um projeto voltado para
o Continente africano, utilizando as TIC’s como suporte.
Alunos de outras séries do 3º ano e do 2º ano do Ensino
Médio, juntamente com a pesquisadora e professores de
Língua Portuguesa, História e Sociologia se envolveram ao
ponto de dissociarem o ensino de literatura de sua visão
historicista, focalizando no seu veio cultural, o que contribui
para uma aproximação entre leitor e texto pelo viés da inter-
culturalidade. Em se tratando do ensino de literatura, o viés
historicista era o que aparecia como sugestão curricular e

368
Pesquisas em linguagem e ensino

seguido na escola, já que há uma vigilância e um controle


para que não se deixe de seguir o que, de certa forma, já está
cristalizado como currículo.
Sabemos o quanto a perspectiva historicista não contribui
para a formação de leitores efetivos do texto literário. Essa
perspectiva pode legar um saber sobre o cenário literário, os
estilos de época, os autores (quase não aparecem autoras),
mas não consegue fomentar a formação de leitores, justa-
mente porque não é objetivo do historicismo literário propi-
ciar o contato efetivo entre texto e leitor. Em virtude desse
viés historicista, apesar de o livro didático utilizado na turma
colaboradora trazer dois capítulos dedicados à literatura afri-
cana e afro-brasileira, esse material nunca era trabalhado
porque, a despeito da ausência de exemplares para todos os
alunos, o referido capítulo era o último do livro e, como a
professora se guiava pelo aspecto historicista, o ano letivo
findava e não tinha havido tempo para chegar à leitura de
tal capítulo. Perdia-se, pois, uma excelente oportunidade de
ampliar os horizontes culturais dos alunos e alunas a partir
do próprio livro didático. Com isso, notamos a instrumen-
talização da prática pedagógica a partir da homogeneização
do currículo sem que se atente para as demandas locais.
Essa realidade passa a sofrer alterações após a intervenção
da pesquisadora.

369
Pesquisas em linguagem e ensino

A percepção de que era preciso que as práticas de leitura e


de escrita desenvolvidas no interior da escola fizessem sentido
para os alunos, para que delas se apropriassem, foi algo que
a pesquisa de Márcia Cassiana Rodrigues da Silva conseguiu
iluminar na escola parceira de sua investigação científica.
Como argumenta a professora-pesquisadora, o trabalho reali-
zado foi exitoso porque a turma analisada abdicou do uso
de uma proposta pronta, pautada no historicismo literário,
e decidiu investir em uma experiência metodológica nova
naquele contexto educacional, tendo como objeto de estudo
a temática africana e a diversidade étnico-racial, com ênfase
na identidade da mulher negra e no preconceito racial e de
gênero. Trata-se de uma temática que, em conformidade
com os dados coletadas pela pesquisadora, ainda não tinha
sido trabalhada na Escola pesquisada.
O trabalho com a temática africana e/ou com textos de
autoria africana não deve se restringir apenas a momentos
esporádicos e em datas específicas, mas, sim, necessita ser
a força motriz a guiar currículo, ações docentes e vivências
discentes. Consequentemente, as ações interculturais desen-
volvidas na escola devem despertar e manter o sentimento
de pertença dos alunos das e nas tradições afros e, a partir
disso, contribuem para a valorização de identidades étnico-
-raciais existentes em nosso País. Essas ações deverão, por

370
Pesquisas em linguagem e ensino

fim, oportunizar ao aprendiz questionar e desconstruir o


mito eurocêntrico já desgastado, mas ainda vigente no Brasil,
da existência de grupos humanos superiores e inferiores.
Enfim, o objeto de estudo, os textos literários utilizados
como corpus, a metodologia empregada para a abordagem de
leitura condizente com o que se espera de uma prática afeita
ao encontro efetivo com o texto literário, tudo isso mostra que
o trabalho realizado por Márcia Cassiana Rodrigues da Silva
logrou êxito ao mostrar que a leitura literária pode permitir,
como lembram Machado et al. (2012), a construção de novos
paradigmas relacionais a partir do cultivo de valores éticos
e da transformação dos sujeitos envolvidos no ambiente
escolar. Com isso, a professora-pesquisadora mostra que não
basta legislar apenas. Em educação, as leis podem impul-
sionar transformações, mas estas só se efetivam na prática
concreta de sala de aula.

Referências

BRASIL. Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de


20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação e
inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática
“História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Diário Oficial
da União, Brasília, jan. 2003. Disponível em http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm.

371
Pesquisas em linguagem e ensino

BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CEB nº 8, de 20 de


novembro de 2012. Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Escolar Quilombola na Educação Básica. Diário Oficial da União, Brasília, 21
nov. 2012.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários
escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995.
CARVALHO, Carlos Roberto; NOGUERA, Renato. Breve introdução aos
estudos das relações étnico-raciais. In: CARVALHO, Carlos Roberto;
NOGUERA, Renato; SALES, Sandra Regina. Relações étnico-raciais e
educação: contextos, práticas e pesquisas. Rio de Janeiro: NAU; EDUR, 2013.
p. 09-19.
CHAVES, Rita; MACÊDO, Tania. Apresentação. In: CHAVES, Rita; MACÊDO,
Tania. Marcas da diferença: as literaturas africanas de língua portuguesa.
São Paulo: Alameda Editorial, 2006. p. 9-13.
COSSON, RILDO. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto,
2006.
MACHADO, Emília et al. Da África e sobre a África: textos de lá e de cá. São
Paulo: Cortez, 2012.
SOARES, Magda. Português na escola: história de uma disciplina curricular.
In: Bagno, Marcos (org.). Linguística da norma. São Paulo: Edições Loyola,
2002, p. 155-177.

372
Capítulo 10
O conto no livro didático de 1º ano
do Ensino Médio: leitura literária e
propostas de trabalho

Marina Macedo Santos Martins


José Hélder Pinheiro Alves

Neste artigo apresentamos uma síntese da análise de


cinco livros didáticos de língua portuguesa do primeiro ano
do ensino médio, à luz das discussões de nossa pesquisa de
dissertação1. Analisamos o modo como o conto é trabalhado
nestas obras atentando para a recorrência do gênero e como
é apresentado ao leitor em formação.

1. Em nossa pesquisa de mestrado, intitulada de Desvendando os espaços em


contos de Ricardo Ramos: Experiências de leitura compartilhada (2018), realizada
sob orientação do professor Dr. José Hélder Pinheiro Alves, realizamos um
experimento com uma turma de 1º ano de ensino médio de uma escola pública.
Neste, nos propomos a trabalhar e vivenciar experiências de leitura com alguns
contos do autor Ricardo Ramos a fim de observar a recepção dos alunos,
buscando compreender o diálogo estabelecido entre texto e leitor e captando
também as diferentes leituras da turma sobre o mesmo texto. Além disso, diante
de nossa percepção sobre a importância que o livro didático possui nas aulas
de literatura, sendo o principal instrumento de ensino, ao menos na maioria
das escolas, analisamos em nossa pesquisa como a literatura é trabalhada em
alguns destes livros. O link para acesso à pesquisa: https://drive.google.com/
file/d/10PyaWXxpjAiJjtdRtnRE-bRJKYkyvlTU/view.

375
Pesquisas em linguagem e ensino

Dessa forma, considerando o papel protagonista (muitas


vezes) do livro didático na sala de aula, analisar esses mate-
riais se faz importante, pois esse instrumento traz consigo
fundamentos do ensino de literatura que têm sido experien-
ciados em muitas escolas. Conhecer alguns destes livros
possibilita, portanto, que tenhamos uma visão, mesmo que
limitada, do ensino ofertado aos alunos.

O ensino de literatura no nível médio


e o o livro didático

Há um consenso entre pesquisadores no que diz respeito


ao papel do livro didático nas escolas: ele é o instrumento
de ensino dominante em muitas disciplinas, inclusive nas
aulas de língua portuguesa, servindo assim de base para as
aulas de redação, gramática e literatura. Chiappini (1983, p.
103) conceitua o livro didático da seguinte forma:

[...] o manual é um livro que põe o saber ao alcance da mão


e, por isso mesmo, congelando-o nas ‘ideias instituídas’,
o destrói. [...] O manual apazigua, por meio de respostas
bem dosadas, a inquietação criadora que leva o homem
a questionar.

376
Pesquisas em linguagem e ensino

A nomenclatura, “manual”, aponta para o ensino enges-


sado que esse tipo de livro parece propor. Como a autora
afirma, por meio de respostas dosadas esses materiais apazi-
guam e minam discussões que poderiam gerar inquietação
e divergência, o que se coloca como algo negativo, tendo em
vista que são esses processos (também) que contribuem para
a formação crítica e criativa do sujeito.
Do mesmo modo, Dalvi (2013, p. 90), anos mais tarde,
afirma que o livro didático constitui-se como

[...] instrumento iniciático da leitura para a formação de


coletividades; suporte privilegiado do conteúdo educativo,
objeto de manufatura inscrito em uma lógica industrial e
comercial e subjugado aos contextos legislativo e regula-
mentar (Choppin, 2002); veículo portador de um sistema
de valores, de uma ideologia, de uma cultura; proposto em
geral para cimentar a uniformidade do pensamento, para
divulgar determinadas crenças, inculcar normas, regras
de procedimentos e valores.

Através dessa definição, a autora revela um posiciona-


mento em relação ao livro didático que considera não apenas
a esfera educacional na qual está inserido, mas também as
questões políticas e administrativas que o envolvem. Dalvi

377
Pesquisas em linguagem e ensino

deixa claro o fato de que esse instrumento de ensino está


submetido a “instâncias maiores” que definem e selecionam o
material que se propõe aos alunos. Portanto, o livro didático
já chega aos discentes imbuído de valores, ideologias e ideias
previamente aprovadas, que se deseja que sejam absorvidas.
Entretanto, para democratizar o uso do livro didático em
sala de aula, faz-se necessário que o professor abra espaço
para que os alunos (e ele mesmo) se posicionem diante das
ideias apresentadas no material, de modo que a “voz” prove-
niente daquele não seja a única aceita ou tida como correta.
Outras considerações sobre o livro didático e o ensino
de literatura à luz de alguns autores pode ser encontrada
em nossa dissertação. Por hora, deixamos clara a ideia de
que utilizar apenas este “manual” parece reduzir, e muito,
o trabalho com a literatura e com a leitura.

Critérios de escolha dos livros e alguns dados

Como indicamos no início deste artigo, realizamos em


nossa dissertação uma análise com cinco livros didáticos2

2. Livros analisados na pesquisa: Português: trilhas e tramas (2016), Português:


linguagens 1 (2016), Se liga na língua: literatura, produção de texto, linguagem
(2016), Ser protagonista: língua portuguesa (2016), Português: contexto, interlocução
e sentido (2016).

378
Pesquisas em linguagem e ensino

de língua portuguesa de 1º ano do ensino médio, os quais


foram escolhidos com base em dois critérios. O primeiro se
refere ao livro utilizado pela turma na qual realizamos o
experimento, eleito por nos possibilitar conhecer um pouco
“da literatura com a qual a turma convivia” (considerando
que a professora afirmou utilizar quase sempre o livro didá-
tico), o que acreditamos ser importante.
Os outros quatro livros escolhidos estão contidos nos
onze livros de língua portuguesa aprovados pelo PNLD
2018 (Programa Nacional do Livro e do Material Didático).
Eles nos possibilitaram entender o ensino de língua portu-
guesa, e, consequentemente, de literatura — já que tudo é
apresentado “num só pacote” — que as escolas públicas têm
aprovado nos últimos anos através de suas escolhas. Afinal,
ao selecionar um determinado livro para o trabalho em
sala de aula, a escola mostra à sua adesão àquela proposta
determinada pelo livro didático.
Através do corpus selecionado, analisamos cinco pontos
específicos: 1. Quais e quantos contos estão presentes no
livro didático? 2. Os contos aparecem fragmentados ou em
sua integralidade? 3. Qual a proposta de trabalho (mais recor-
rente) sugerida pelo livro com os contos? 4. O livro sugere ou

379
Pesquisas em linguagem e ensino

dá suporte para um trabalho complementar3 com os contos?


5. A leitura possui um papel protagonista ou secundário nas
propostas de trabalho literário analisadas?
Além disso, também observamos a predominância de
autores contemporâneos ou clássicos nos contos observados
e listamos os capítulos dos livros dedicados à literatura. Todos
os pontos indicados anteriormente foram analisados com base
nos capítulos dedicados ao ensino de literatura, especifica-
mente, ou seja, os pontos não foram analisados nos capítulos
destinados ao ensino de gramática ou produção textual.

As propostas de um dos livros didáticos pesquisados

Após compreender os elementos norteadores de nossa


pesquisa e critérios de escolha dos livros, faz-se relevante
trazer uma amostra de nossa análise dos livros didáticos de
português, o que faremos especificamente e mais detida-
mente através do livro Se liga na língua: Literatura, Produção
de texto, Linguagem (2016)4.

3. Alguns livros trazem propostas complementares com os textos no “manual


do professor”, geralmente localizado no final do material. É a essas atividades
que aqui nos referimos.

4. Autores: Wilton Ormundo e Cristiane Siniscalchi (2016).

380
Pesquisas em linguagem e ensino

Como o título do livro indica, ele está dividido em litera-


tura (Capítulo 1 ao 9), produção de texto (Capítulo 10 ao 16)
e linguagem (Capítulo 17 ao 22). A parte destinada ao estudo
de literatura está dividida da seguinte forma:

Quadro 15. Unidades e capítulos relacionados ao estudo de literatura no livro


didático Se liga na língua: literatura, produção de texto, linguagem

Literatura: uma só realidade não é o bastante

Unidade 1: Afinal, pra que serve a literatura?


• Capítulo 1: O texto literário
• Capítulo 2: Gêneros literários (I): o épico e o dramático
• Capítulo 3: Gêneros literários (II): o lírico (estudo do poema)

Unidade 2: A herança lusitana


• Capítulo 4: Os primórdios da literatura na nossa língua
• Capítulo 5: Quinhentismo: escritos sobre um outro mundo

Unidade 3: Barroco: um movimento extravagante


• Capítulo 6: Barroco: movimentos dos contrastes
• Capítulo 7: O barroco no Brasil: Gregório de Matos e Padre
Vieira

5. A enumeração dos quadros neste artigo não corresponde àquela feita na


dissertação.

381
Pesquisas em linguagem e ensino

Unidade 4: Arcadismo: simplicidade, equilíbrio e razão


• Capítulo 8: Arcadismo: o retorno dos clássicos
• Capítulo 9: Arcadismo no Brasil: a poesia épica e lírica

Fonte: elaborado pela autora.

A partir do quadro acima, podemos entrever um pouco


do que se propõe de estudo de literatura no livro. A unidade
1 lança a pergunta “Afinal, pra que serve literatura?”, e os
capítulos que a compõem — um, dois e três — abordam o
texto literário e não literário (percurso do capítulo: denotação
e conotação, movimentos literários, contexto e historio-
grafia e repertório do leitor) e os gêneros épico, dramático e
lírico. Subentende-se, portanto, que as discussões a respeito
da literatura estão baseadas nos assuntos eleitos para esse
momento de “debate”, mas a discussão proposta pelos autores
sobre “pra que serve a literatura” fica resumida ao seguinte
comentário (2016, p14):

O crítico literário Antonio Candido defende que a função


da literatura é organizar em palavras nosso caótico mundo
interior. Você já não teve a sensação de ler uma história ou
um poema que expressava exatamente o que você estava
sentindo? Pois então... é a isso que o crítico se refere
(ORMUNDO e SINISCALCHI).

382
Pesquisas em linguagem e ensino

Será que a pergunta suscitada na unidade se resume


apenas a isso, ou seja, a literatura só tem essa função de
organizar nosso caótico mundo interior? Neste ponto, fica
evidente o quanto o papel do professor é importante no uso
do livro didático, pois ele pode (e deve, nesse caso) inserir
outros pontos nas discussões, inclusive, fazendo os alunos
associarem as funções da literatura a leituras que já tenham
sido feitas por eles (em que essas leituras “ajudaram”? O que
causaram neles? etc.).
O quadro 8, que lista os capítulos do livro em questão,
também nos possibilita perceber a focalização da literatura
quinhentista, do barroco e do arcadismo. Além disso, também
são trabalhados os gêneros épico, lírico e dramático. O livro
revela, portanto, uma estrutura mais tradicionalista, ainda
muito ligada às primeiras manifestações de literatura no
Brasil, não trazendo capítulos destinados, por exemplo, a
literatura africana de língua portuguesa, nem capítulos que
abordem a literatura contemporânea — como fazem outros
livros analisados6 em nossa pesquisa.
Diferentemente da abordagem histórica vista na maior
parte dos capítulos, destacamos a seção “Leitura puxa
leitura”, que indica obras de diferentes épocas e de gêneros

6. Como o Ser protagonista e Português: trilhas e tramas.

383
Pesquisas em linguagem e ensino

distintos que podem ser lidos pelos alunos. Essa proposta


será um bom caminho para o professor, que pode escolher
alguns destes livros para vivenciar com a turma através da
leitura, ou até mesmo permitir que eles escolham os livros
de acordo com seus interesses.
Observando parte do material didático dedicado à litera-
tura, encontramos apenas um texto do gênero conto:

Quadro 2. Abordagem do gênero conto nos capítulos relacionados ao estudo


de literatura no livro didático Se liga na língua: literatura, produção de texto,
linguagem

Contos presentes nos “No metrô vazio”


capítulos de literatura (miniconto)

Autor do conto Heloísa Seixas

Fragmentado ou integral? Integral

Proposta de trabalho com Exercício com cinco questões que


o conto dizem respeito aos elementos
da narrativa: narrador; espaço;
personagens; tempo e enredo.

Fonte: elaborado pela autora.

384
Pesquisas em linguagem e ensino

O quadro nos mostra o irrisório número de contos do


livro, com apenas um conto, nas cento e vinte e quatro
páginas dedicadas à literatura. Esse número parece insig-
nificante quando considerarmos o período pelo qual o livro
é utilizado — um ano letivo —, o que se agrava ainda mais
se o material for “o instrumento mor” das aulas, podendo
ser esse o único conto que o aluno lerá durante todo o ano.
Além disso, o exercício encontrado propõe apenas ques-
tões relacionadas aos elementos da narrativa. Evidentemente,
caso haja espaço para as reflexões dos alunos em relação ao
texto, os quesitos do exercício podem ser uma boa estratégia
para auxílio à leitura. Entretanto, caso o professor se restrinja
a discutir apenas aquilo que se pede nas questões, isso poderá
limitar a recepção dos discentes, fazendo com que só atentem
para o que se pede no exercício. Como na maioria dos casos,
o exercício, por si só, nos parece muito pouco para fazer o
leitor refletir sobre o conto, além de engessar a leitura.
Além das atividades, comuns ao longo do material, o livro
possui um “Suplemento ao professor”, no qual se encon-
tram propostas de realização de cada unidade e capítulo.
Sugere-se, por exemplo, o que estudar em cada bimestre, além
de algumas atividades complementares, onde se encontram
indicações de trabalho com outros textos, saraus poéticos,
atividades interdisciplinares etc.

385
Pesquisas em linguagem e ensino

Na proposta da página 392, sugere-se que o professor leve


a crônica “D’El-Rei D. Pedro”, de Fernão Lopes, para leitura
com os alunos, entretanto, mais uma vez, o trabalho com o
texto está baseado em exercícios, e apenas ao final da reali-
zação da atividade é que se propõe uma conversa coletiva
sobre a crônica. Dessa forma, ao invés da leitura coletiva
ser o ponto de partida é tida como “ponto final”, quando os
discentes já responderam mais uma vez a questões sobre o
texto. Novamente a leitura adquire um papel secundário na
aula de literatura.

O conto nos demais livros: uma visão condensada

Após examinar mais detidamente um dos livros didá-


ticos analisados em nossa pesquisa, traremos à discussão
a condensação da análise dos cinco livros didáticos pesqui-
sados, buscando evidenciar alguns dos dados que puderam
ser constatados.
Com base na observação aos dados recolhidos, temos o
seguinte quadro geral:

386
Pesquisas em linguagem e ensino

Quadro 3. Ocorrência e propostas de trabalho com o gênero conto nos livros


didáticos do 1º ano do ensino médio analisados

Livro Número de Proposta de


didático contos na parte trabalho com os
dedicada à contos
literatura

Português: 0 Não possui contos.


linguagens

Ser protagonista 7 Exercícios após


a leitura e conto
como base para
explicação de
conteúdo.

Português: trilhas 9 Exercícios após a


e tramas leitura.

Português: 2 Exercício após a


contexto, leitura e conto
interlocução e como base para
sentido explicação de
conteúdo.

Se liga na língua 1 Exercício após a


leitura.

Fonte: elaborado pela autora.

387
Pesquisas em linguagem e ensino

Como fica evidente, o gênero conto quase não é contem-


plado nos livros Português: contexto, interlocução e sentido e
Se liga na língua, nos quais se encontram respectivamente
dois/um textos do gênero. No livro Português: Linguagens
o conto nem sequer está presente nos capítulos dedicados
à literatura.
Destacamos, também, que mesmo nos livros Ser protago-
nista e Português: trilhas e tramas, nos quais encontramos o
maior número de contos (respectivamente sete e nove textos),
esse tipo de narrativa não é tão recorrente se comparada ao
poema, por exemplo. Esse dado nos chama a atenção, pois há
pouco tempo atrás o poema era tido como um dos gêneros que
menos aparecia nos livros didáticos, como Pinheiro (2006,
p.106) sinalizava: “A quantidade de textos literários é sempre
muito pequena, sobretudo quando se trata do gênero lírico”.
O quadro também evidencia o trabalho que esses livros
didáticos propõem com a literatura, atrelando sempre a
leitura do texto à resolução de exercícios, geralmente com
questões de interpretação ou questões que exigem mais
localização de informações sobre os textos. Isso pode ser
visto, por exemplo, no livro Português: contexto, interlocução
e sentido (2016)”, que sugere, logo após a leitura do conto “A
cápsula”, de Heloísa Seixas, a resolução de cinco questões de
interpretação. Do mesmo modo, no livro Ser protagonista:

388
Pesquisas em linguagem e ensino

língua portuguesa (2016), apesar de encontrarmos sete contos


de diferentes autores (o que é bastante positivo se compa-
rado aos outros livros), novamente nos deparamos com cinco
destes contos sendo resumidos a propostas de trabalho com
exercícios de interpretação.
Neste ponto, não queremos tornar os exercícios interpre-
tativos “vilões”, nem recriminá-los como se não pudessem ser
uma opção de trabalho para o texto literário. Mas destacamos
a importância de não atrelar, obrigatoriamente, uma ideia
de “utilidade” à literatura (AVERBUCK, 1982), nem pensá-la
com funções didáticas ou pragmáticas, sempre.
Considerando essa questão, um dos problemas da abor-
dagem dos livros didáticos analisados é o de utilizar o texto
literário como pretexto para se aprender algum conteúdo,
como, por exemplo, características de escolas literárias. Dessa
forma, a leitura não ocupa um lugar de protagonismo na
aula de literatura, pois se torna um subterfúgio enquanto
deveria ser o ponto de partida das aulas. Acreditamos que
é necessário possibilitar que o aluno vivencie experiências
com os textos que não estejam atreladas, necessariamente,
a conteúdos ou exercícios. Precisamos compreender que
o ato de ler se constitui como algo relevante, que permite
experiências e reflexões, de modo que “só a leitura” já pode
ser muito efetiva numa aula de literatura.

389
Pesquisas em linguagem e ensino

Na realidade, o momento de discussão dos textos será


decisivo para o processo da formação leitora, pois, caso ele
permita que os alunos expressem suas percepções, reflitam
sobre suas colocações e a dos outros, a utilização de exercí-
cios não será um problema, por não ser o objetivo da aula,
mas apenas o complemento do momento singular que será
a leitura e recepção dos alunos.
Ainda com relação à análise, há de se destacar, também,
que encontramos, em alguns dos livros examinados, discus-
sões sobre os elementos estruturais da narrativa, como pode
ser observado na tabela abaixo, referente ao livro Português:
trilhas e tramas (2016).

Contos presentes nos


“O homem nu”
capítulos de literatura

Autor do conto Fernando Sabino

Fragmentado ou integral? Integral

Proposta de trabalho com Exercício com seis questões de


o conto interpretação de texto, a maioria
ligada aos personagens da trama

390
Pesquisas em linguagem e ensino

Contos presentes nos


“Circuito fechado (1)”
capítulos de literatura

Autor do conto Ricardo Ramos

Fragmentado ou integral? Integral

Proposta de trabalho com Exercício com nove questões


o conto ligadas aos elementos da narrativa

Contos presentes nos “Miguilim”


capítulos de literatura (definido como conto no livro)

Autor do conto Guimarães Rosa

Fragmentado ou integral? Fragmento

Proposta de trabalho com Exercício com uma questão


o conto objetiva que diz respeito ao
narrador observador do texto

Nestes exercícios nos quais os elementos narrativos são


centrais, percebemos que a maioria deles exige identifi-
cação de informações no texto, como: qual o narrador do
texto; quais os personagens que compõem a história; quais
os lugares que aparecem no conto etc. Este tipo de questão
não exige reflexão do aluno sobre o texto, mas apenas requer
localização e identificação de informações.

391
Pesquisas em linguagem e ensino

Com base nisso, o que percebemos em relação a quase


todos os livros didáticos analisados, inclusive este, é que a
mediação do professor em relação à leitura do texto é essen-
cial. Caso o docente não crie um ambiente no qual o aluno
possa compartilhar a sua leitura e debatê-la com os demais,
compreendendo o sentido plural inerente ao texto literário,
o seu contato com o texto será limitado, pois estará atre-
lado apenas àquilo que ele é levado a pensar e refletir com
base no exercício proposto nos livros. O mesmo vale para a
percepção dos elementos narrativos, que fica, na maioria das
vezes, limitada a uma identificação de informações, enquanto
poderia ser pensada através da importância destes para o
próprio significado do texto. Por exemplo, ao ler o romance
Dom Casmurro, qual seria o objetivo de pedir para o aluno
transcrever as descrições das personagens? Os “olhos de
cigana oblíqua e dissimulada” e os “olhos de resseca” dizem
muito sobre a personagem Capitu, mas apenas transcrever
isso parece bastante limitante e engessado, não instigando
o aluno ao pensamento reflexivo, crítico e criativo.
Desse modo, nos parece limitado fazer com que os alunos
reflitam sobre os textos apenas através dessas questões
(propostas pelo livro), pois elas, muitas vezes, não exploram
aspectos centrais e sentidos mais “ocultos” nos textos (os
“vazios” — Iser, 1999), a serem descobertos pelo aluno,

392
Pesquisas em linguagem e ensino

deixando reflexões importantes de lado. Ainda é importante


mencionar que abordar os textos apenas pelo viés trazido
pelos livros didáticos também mina, de certo modo, o diálogo
natural estabelecido entre texto e leitor, de modo que o aluno
acaba não encontrando espaço para vivenciar, a seu modo,
o texto. Pelo contrário, na maioria das vezes os exercícios
dos manuais conduzem-no a uma “leitura” (ou observação)
específica sobre o texto literário.
Desse modo, quando consideramos a leitura uma das
questões cruciais do ensino de literatura e observamos a
oferta de contos literários e o trabalho proposto com eles
nesses livros didáticos, fica claro que esses materiais carecem
de aprofundamento e criticidade. Portanto, não nos parece
suficiente o trabalho de literatura apenas baseado no livro
didático, pois

[...] vamos percebendo que um livro difere pouco de outro.


Que muitos textos se repetem e o que foi descoberta passa
a ser limitação. E passamos também a ver que, por exemplo,
aquele poeta de que tanto gostamos aparece no livro de
modo tão resumido, tão limitado [...] passei a perceber que
os livros didáticos [...] poderiam ser bem mais completos
se privilegiassem mais a leitura dos textos (PINHEIRO,
2006, p. 103).

393
Pesquisas em linguagem e ensino

Essa limitação de leitura, indicada por Pinheiro, pôde


ser observada nos contos encontrados nos materiais por nós
analisados, dos quais três livros apresentam menos de três
contos nos capítulos de literatura, o que representa 60%
do material didático com um número quase irrisório desse
tipo de narrativa. Além disso, todos eles, 100%, não inserem
mais que um conto do mesmo autor, limitando ainda mais
o conhecimento da literatura deste.
Sobre a limitação desses livros, Chiappini (1983, p.105) nos
provocava, há décadas, com a sua reflexão, ainda bastante
atual em que afirma:

Talvez seja possível a invenção de um livro didático que


não suponha uma concepção “bancária” do ensino e da
aprendizagem. Talvez seja possível a invenção de um anti-
manual, ou de um plurimanual; de livros que não tragam o
saber condensado, congelado a partir de uma perspectiva
unitária, mas incorporem a diversidade (...). Antimanuais,
abrindo-se para fora de si mesmos, para o contrário daquilo
que propõem como verdade e, em consequência, forçando
o leitor a sair do livro único.

Enquanto não se criam “antimanuais” e “plurimanuais”


e o ensino literário continua sendo regido pelos livros didá-
ticos — na maior parte das escolas —, precisamos possibilitar

394
Pesquisas em linguagem e ensino

aos alunos algo além daquilo que lhes é ofertado de maneira


condensada e congelada. Isso só será possível se adotarmos
uma postura crítica diante desses materiais didáticos, pois
“[...] no fundo do manual, e sob as diversas máscaras que
ele adquire, encontra-se uma concepção de ensino-apren-
dizagem que deve ser analisada e criticada” (CHIAPPINI,
2005, p. 96, grifos nossos).
Dessa forma, diante da consideração de que o livro didá-
tico não deve e não pode ser tido como “única verdade” —
até mesmo pela visão limitada que apresenta —, percebemos
que ele deve ser potencializado pelo professor, mesmo que
o material seja interessante e inovador em alguns aspectos.
Não podemos esperar que ele resolva todos os problemas,
como se fosse “o salvador da pátria”, apesar de ser bem
mais prático utilizá-lo dessa forma do que dedicar mais
tempo a planejar “novas aulas”, não indicadas em manuais
do professor ou em livros.
Portanto, a análise do modo como o conto é trabalhado
no livro didático do 1º ano do Ensino Médio, foi da maior
importância para propormos uma abordagem do conto na
sala de aula em nossa intervenção didática. Observamos que
é possível encontrar outros caminhos de vivência do texto
literário nesta série do nível médio e, assim, contribuir com
a formação de leitores.

395
Pesquisas em linguagem e ensino

Colocar a leitura literária em evidência na aula de litera-


tura demandará tempo, tanto em relação ao planejamento das
aulas, quanto no que se refere à dedicação à leitura literária,
pois o professor deve ser também leitor, estando preparado
para as discussões, reflexões e dúvidas que poderão ser susci-
tadas nas aulas. Desse modo, o professor precisa lutar contra
a acomodação e praticidade, a fim de chegar ao objetivo que
aqui chamamos sempre de “maior”: a contribuição para a
formação leitora.

Referências

ABAURRE, M. L. M; ABAURRE, M. B. M.; PONTARA, Marcela. Português:


contexto, interlocução e sentido. 1º ano: ensino médio. 3. ed. São Paulo:
Moderna, 2016.
AVERBUCK, Lígia Morrone. A poesia e a escola. In: Leitura em crise na escola:
as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986.
AGUIAR, Vera Teixeira de; BORDINI, Maria da Glória. Literatura: a formação
do leitor. Alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.
AGUIAR, Vera Teixeira. O saldo da leitura. In: DALVI, M. A.; REZENDE,
N.; JOVER-FALEIROS, R. (org.). Leitura de literatura na escola. São Paulo:
Parábola, 2013.
BARRETO, Ricardo Gonçalves et al. Ser protagonista: língua portuguesa. 1º
ano: ensino médio. 3. ed. São Paulo: Edições SM, 2016.
BENATO, Maria Luciana Scucato, DALLA-BONA, Elisa Maria. A
desmarginalização do texto poético na escola: uma experiência com haicais
escritos para crianças. In: DEBUS, E.; BAZZO, J. L. S; BORTOLOTTO, N.
(org). Poesia (cabe) na escola: por uma educação poética. Campina Grande,
PB: EDUFCG, 2018.

396
Pesquisas em linguagem e ensino

CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens 1. 1º ano: ensino


médio. 8. ed. reform. São Paulo: Atual, 2012.
CHIAPPINI, Ligia. Invasão da catedral: literatura e ensino em debate. São
Paulo: Mercado Aberto, 1983.
CHIAPPINI, Ligia. Livro didático, gramática e literatura. In: Reinvenção da
catedral. São Paulo: Cortez, 2005.
DALVI, Maria Amélia. Literatura na escola: propostas didático-
metodológicas. In: DALVI, Maria Amélia; REZENDE, N.; JOVER-FALEIROS,
R. (org.). Leitura de literatura na escola. São Paulo: Parábola, 2013.
ORMUNDO, W.; SINISCALCHI, C. Se liga na língua: literatura, produção de
texto, linguagem. 1º ano: ensino médio. São Paulo: Moderna, 2016.
PINHEIRO, Hélder. Teoria da literatura, crítica literária e ensino. In:
NÓBREGA, Marta; PINHEIRO, Hélder (org.) Literatura: da crítica à sala de
aula. Campina Grande: Bagagem, 2006.
PINHEIRO, Hélder. Reflexões sobre o livro didático de literatura. In:
BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. (org). Português no ensino médio e formação do
professor. São Paulo: Parábola editorial, 2006.
PINHEIRO, Hélder. Ensino da literatura: experiência estética e formação do
leitor. In: PINHEIRO, Hélder (org). Memórias da Borborema 4: discutindo a
literatura e seu ensino. Campina Grande: Abralic, 2014.
SETTE, Graça et al. Português: trilhas e tramas. 1º ano: ensino médio. 2. ed.
São Paulo: Leya, 2016.

397
Comentários do Capítulo 10

Literatura no livro didático: uma reflexão


sempre oportuna

José Hélder Pinheiro


Por uma pedagogia que reconheça as potencialidades do texto lite-
rário, na medida em que provoca o leitor e faz dele um intérprete,
de certo modo, coautor.
Lígia Chiappini de M. Leite, 1983

Situando o problema

Venho pesquisando o modo como a literatura é trabalhada


em Livros didáticos (LD) do Ensino Fundamental e Médio há
várias décadas. Uma questão que sempre norteou as pesquisas
era: o modo como os textos literários são trabalhados nestas
obras favorece a formação de leitores? Outra questão, nascida
da primeira, era saber se a abordagem possibilitava o diálogo
texto versus leitor ou o texto era utilizado para confirmar
um saber teórico estabelecido para ser aprendido.
Embora o eixo de nossas pesquisas fosse quase sempre
o trabalho com o poema, não deixávamos de lado o texto
narrativo, que, também, nem sempre era trabalhado de uma
perspectiva que contribuísse para a formação de leitores. Em
artigo em que analisávamos a presença da poesia em livros
didáticos do Ensino Fundamental, cuja primeira edição é de
2001, após apontarmos questões problemáticas que pode-
riam conduzir a um desencontro entre poesia e o leitor em
formação, afirmamos:

399
Pesquisas em linguagem e ensino

O ideal era que os autores, conscientes das especificidades


do texto literário, repensassem o modo de abordá-lo.
Também não creio que o afastamento do leitor jovem da
poesia se deva apenas ao LD e à escola. Mas não podemos
negar que os dois não têm ajudado como poderiam ajudar.
Se há problemas bem mais fundos relativos ao afastamento
de leitores da poesia, o esforço para possibilitar ao leitor
jovem o acesso a bons textos, abordados de modo conse-
quente, é de grande importância. (ALVES, 2020, p. 103)

Em artigo posterior, em que discutíamos o LD de literatura


no nível médio de ensino, chamamos a atenção para uma
espécie de fixidez no modo de apresentar os conteúdos ditos
historiográficos, que praticamente também não favorecia o
diálogo leitor versus textos. Esta questão, com a publicação
da BNCC, se não foi totalmente superada, por outro lado ficou
em aberto a possibilidade de trabalhar a literatura de outras
perspectivas. Destacávamos, novamente, que o problema
não era “de negar a história da literatura, antes, diria, de
valorizá-la, mas não privilegiando um método que força a
memorização e não a experiência real de leitura dos textos”.
(PINHEIRO, 2006, p. 112)
No início deste século, ao propormos alguns cami-
nhos para a abordagem do texto literário no Ensino Médio,

400
Pesquisas em linguagem e ensino

influenciados sobretudo pelo trabalho importantíssimo de


Lígia Chiappini M. Leite (1983), destacamos que

Partimos do princípio de que antes de estudar teorias


ou conhecer panoramas históricos, o jovem adolescente
precisa ter uma experiência prazerosa e significativa. Isto
é possível quando o jovem leitor se sente representado de
algum modo nas obras que lê para poder atribuir sentidos
à sua leitura. Não se trata de leitura “oba oba”, nem do
vale tudo interpretativo como muitas vezes ocorre em
sala de aula. Trata-se de, conhecendo a realidade afetiva,
econômico-social e cultural dos alunos, propor leituras
para serem vivenciadas, discutidas, e, porque não, até recu-
sadas por determinados leitores. (ALVES, 2001, p. 21-22)

Na orientação de estágios de literatura no EM, realizamos


algumas experiências significativas que procuravam levar em
conta as observações acima apontadas, fugindo ao modelo
predominante no LD. Um caminho possível era o trabalho por
gêneros literários, sobretudo no EM. Foi assim que, em turmas
da primeira série, dedicamos praticamente um bimestre à
poesia lírica — com poemas de vários autores ou com um
único poeta ou poetisa; ou, ainda, com contos e crônicas ou
com outros gêneros, através de unidades temáticas.

401
Pesquisas em linguagem e ensino

Em estágio realizado numa escola pública à noite, em


três turmas do primeiro ano do Ensino Médio, fizemos uma
experiência com a poesia de Vinícius de Moraes, voltando-
-nos mais detidamente para o gênero lírico, que praticamente
comparece em todo livro didático desta série de ensino. Três
anos depois, uma jovem caloura se aproximou de mim, na
Universidade, e falou: “Eu conheço o senhor. Eu fui aluna de
uma daquelas turmas em que vocês estudaram a poesia de
Vinícius de Moraes, no primeiro ano do EM. Nunca mais me
esqueci daquela vivência. Estou agora aqui, fazendo Letras.”
Noutra experiência, levamos poemas de Cecília Meireles para
turmas do terceiro ano do EM e lembro-me do envolvimento
de alguns alunos e alunas com a poesia.
Experimentos com a narrativa também foram realizados
em várias pesquisas de mestrado que orientamos e que
pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Linguagem
e Ensino (PPGLE/UFCG) também orientaram. O trabalho
com o conto na sala de aula, em diálogo com a literatura de
cordel, mostrou caminhos que podemos considerar novos
para o trabalho com o texto literário no EM, conforme a
pesquisa de Farias (2010), em que reflete sobre a recepção
do folheto Vida e testamento de Cancão de Fogo, de Leandro
Gomes de Barros e do conto “Traços biográficos de Lalino
Salãthielou a volta do marido pródigo”, de Guimarães Rosa.

402
Pesquisas em linguagem e ensino

Segundo a autora, “durante a leitura compartilhada, os alunos


perceberam semelhança entre as obras, além de elencarem
elementos que diferenciavam os dois personagens principais
[...]” (FARIAS, 2010, p. 154) Ainda, segundo a pesquisadora,
“constatamos que a sala de aula, enquanto espaço de expe-
riência literária significativa dá lugar a textos literários que
não constam nos manuais, sem prejudicar os conhecimentos
literários dos alunos, mas auxiliando a desenvolver sua criti-
cidade em relação aos textos lidos” (FARIAS, 2010, p. 156)1.
O exemplo acima apresentado, bem como as pesquisas
indicadas, apontam caminhos para superar o impasse que
o ensino de literatura experimenta há décadas, sobretudo
no nível médio de ensino.

Sobre a pesquisa de Marina Macedo

A dissertação, Desvendando espaços em contos de Ricardo


Ramos: experiências de leitura compartilhada, de Marina
Martins (2018), além da discussão sobre o elemento estrutural

1. Outros trabalhos com o conto em sala de aula, desenvolvidos no Programa de


Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da UFCG, são os seguintes: Rodrigues
(2017), em que reflete sobre uma experiência no ensino médio com o conto
“Corações solitários”, de Rubem Fonseca; e Farias (2017), em que trabalha com
contos de Maria Valéria Rezende.

403
Pesquisas em linguagem e ensino

da narrativa espaço, como um motor na formação de leitores,


realiza uma importante discussão sobre a narrativa curta
nos LD, mais especificamente nos livros do primeiro ano do
ensino médio. A pesquisa, atenta ao horizonte de expecta-
tiva dos alunos e ao material literário oferecido pelo livro
didático, busca ampliá-lo, o que mostra, na prática, que é
possível superar os limites destas obras tão importantes no
dia-a-dia dos professores, sem, necessariamente, rechaçá-las.
Um caminho experimentado pela pesquisadora, é o de
centrar a leitura num dos elementos estruturais da narra-
tiva, mas aqui entra o diferencial: o eixo não é meramente
introduzir um conceito a mais a ser decorado; antes, é favo-
recer na leitura e releitura do conto, formas de interação
entre texto e leitor. Por exemplo, ao ter em mente a noção
de espaço, buscam-se narrativas em que este elemento possa
ser destacado e assumir um papel importante para os leitores
em formação2. A seguir, ler com os alunos e atentar para o
modo como eles se colocam diante do texto. Ratificamos que
o fundamental não é trazer o conceito para ser meramente

2. Contemporaneamente, os estudos sobre o espaço vêm sendo ampliados e têm


ganhado bastante visibilidade. Destaque-se, entre nós, os trabalhos de Ozíris
Borges Filho, tanto autoral quanto na organização de obras que tratam do tema.
Veja-se: Borges Filho (2009), em que os colaboradores abordam o espaço a partir
de várias e obras; e Borges Filho (2016), obra que traz textos teóricos básicos
sobre espaço de importantes teóricos.

404
Pesquisas em linguagem e ensino

reconhecido. É ir construindo o conceito à medida que se


vai lendo e discutindo.
No caso do espaço, observar como ele se articula aos
demais elementos da narrativa. Por exemplo, que lugares
as personagens (principais e secundárias) ocupam? Que
espaços desejam e o que podem fazer para alcançá-los? As
personagens sonham espaços de vivência coletiva ou os
sonhos são individuais, revelando projetos mais egocêntricos?
É possível perceber uma dialética entre espaço real e espaço
imaginário ou desejado? Quais os espaços que permeiam a
narrativa? Casas, quartos, bares, campos, cozinhas, mar,
açude, banheiro, corredores, elevadores etc. Eles são referidos
no plano mais real ou imaginário? Essas perguntas — e tantas
outras que podem ser feitas partindo do próprio contexto
dos alunos — buscam apenas instigar o leitor a encontrar
sentidos para determinadas configurações espaciais. E, aí,
cada contexto é que vai estimular a percepção dos espaços e
associá-los ou não ao horizonte de expectativa dos leitores.
Ocupar ou não um espaço é questão de poder, de ter ou
não condições de ocupar. A discussão pode levar a pensar o
porquê de certos grupos sociais morarem em ruas esbura-
cadas, esquecidas pelas administrações públicas, e outras
não. Portanto, discutir espaço pode levar a perceber com
mais acuidade nosso lugar no mundo. Lembremos um conto

405
Pesquisas em linguagem e ensino

de Lygia Bojunga Nunes, “O bife e a pipoca”, em que dois


adolescentes, de condições sociais totalmente diversas, se
encontram. À medida que um vai conhecendo o mundo —
digo, sobretudo, o espaço — do outro, vai ficando evidente
a diferença socialde condições de vida, enfim, de classe. No
entanto, na narrativa, as personagens, muitas vezes perplexas
com os espaços que o outro habita, vão como que aprendendo
e apreendendo as diferenças e compreendendo melhor um
ao outro.
Lido no contexto de ensino, o conto pode chamar a atenção
para as desigualdades sociais de uma perspectiva, diria, dialó-
gica. À medida que vão se conhecendo, os pré-adolescentes
vão também tomando consciência dos mundos de um e de
outro. Destaco dois momentos do que chamei de perplexidade
de cada um. No primeiro fragmento, Tuca chega na casa de
Rodrigo e, no segundo, Rodrigo observa a casa de Tuca:

1. E quando viu o tamanho da sala; e quando entrou no


quarto de Rodrigo tinha (só pra ele?) com TV, aparelho
de som, armário em toda parede (uma porta estava
aberta, nossa! quanta roupa lá dentro); e quando o
Rodrigo perguntou:

— tá com sede?

406
Pesquisas em linguagem e ensino

— tô — e foram na geladeira (que é isso! Que cozinha


tão grande! Que cozinheira de uniforme! Que monte de
comida lá dentro da geladeira). (BOJUNGA, 2007, p. 56)

2. Enquanto o garoto falava, o Rodrigo ia olhando pro


barraco: dois cômodos pequenos, um puxado lá fora pro
fogão e pro tanque, e a tal porta fechada que o garoto
tinha mostrado e que devia ser um outro quarto; ou
quem sabe banheiro? Juntando tudo, o tamanho era
menor que a cozinha da casa dele; e eram onze irmãos
morando ali! E mais a mãe?! (BOJUNGA, 2007, p. 70-71)

Como se observa, o espaço pode ser um elemento da narra-


tiva da maior importância para mergulhar nas diferenças
sociais das personagens, mas também nos seus desejos, na
sua sensibilidade, na forma como enfrentam as dificuldades
e muitas outras questões. A linguagem de que lança mão a
escritora, aproximando-se da fala, o modo como apresenta
o pensamento de cada personagem também pode ser discu-
tido no contexto de ensino. Já nos lembrava Osman Lins
(1976), em obra ainda bastante rica em formulações teóricas
e percepções analíticas voltadas para o espaço romanesco,

A narrativa é um objeto compacto e inextrincável, todos


os seus fios se enlaçam entre si e cada um reflete inúmeros
outros. Pode-se, apesar de tudo, isolar artificialmente um

407
Pesquisas em linguagem e ensino

dos seus aspectos e estudá-lo — não, compreende-se, como


se os demais aspectos inexistissem, mas projetando-o
sobre eles: neste sentido, é viável aprofundar, numa obra
literária, a compreensão do seu espaço ou do seu tempo,
ou, de um modo mais exato, do tratamento concedido, aí,
ao espaço ou ao tempo: que função desempenham, qual
a sua importância e como os introduz o narrador. (LINS,
1976, p. 63-64)

Explorar essas nuances da obra ou estimular os leitores


em formação a explorá-las se constitui uma das tarefas do
professor-mediador. Mas, para realizar com propriedade esta
tarefa, além de se constituir como leitor e mais, como leitor
inquieto, há que também se preparar metodologicamente
numa perspectiva dialógica. Isto é, não se colocar como quem
tem um saber a ser transmitido de modo bancário, conforme
discute Paulo Freire, mas buscando ajudar o jovem leitor a
construir pontes com sua própria vida, com sua realidade,
enfim com seu horizonte de expectativa.

408
Pesquisas em linguagem e ensino

Por fim

Por certo, o trabalho de Marina contribui tanto para um


mergulho no sentido do espaço em narrativas curtas de
Ricardo Ramos, quanto para estimular os leitores a desco-
brirem o sentido do espaço nas obras lidas em diálogo com a
própria vida — suas, de seus familiares, como o experimento
revela. Nas palavras da própria pesquisadora,

Acreditamos que os momentos de estranhamento, de


quebra de expectativa e de “não gostar” de algum texto
(...) são comuns e próprios do processo de recepção. Esses
momentos constituíram a leitura e recepção dos alunos, e
muitas vezes foram impulsionadores para que descobrissem
outros das tramas lidas. (MARTINS, 2018, p. 134)

A autora reflete também sobre as dificuldades enfrentadas


pelo mediador, sobretudo quando precisa repensar todo um
percurso metodológico que está entranhado em sua vida —
quer como aluno ao longo da formação, quer como professor
que normalmente segue o modo como os livros didáticos
organizam os conteúdos. Neste sentido, afirma com lucidez
e humildade que

409
Pesquisas em linguagem e ensino

as dificuldades de mudar uma metodologia de ensino são


reais, pois numa aula onde a base deve ser o texto literário
existe outra ideia implícita que sustenta essa prática: para
que o professor possa contribuir para formação do seu
aluno como leitor ele mesmo precisa ser um leitor primeiro,
(...) um leitor interessado numa formação leitora sempre
em construção, nunca acabada ou suficiente. (MARTINS,
2018, p. 135-136)

Por certo, cada livro novo lido pelo professor — ou revi-


sitado — estará aberto a práticas novas, em construção.
Afinal, a arte não se esgota em nenhuma leitura, daí o modelo
fechado que ainda predomina nos livros didáticos preci-
sarem sempre de discussão, de questionamento e, claro, da
indicação de caminhos diferenciadosque contribuam para
formar leitores.

Referências

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DIAS, L. Francisco (org). Texto, escrita, interpretação: ensino e pesquisa. João
Pessoa: Ideia, 2001.
ALVES, J. H. P. Abordagem do poema: roteiro de um desencontro. In:
BEZERRA, M. A; DIONÍSIO, A. (org.) Livro didático de português: múltiplos
olhares. Campina Grande: Editora da UFCG, 2020.
BOJUNGA, Lygia. Tchau. 18. ed. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga, 2007.

410
Pesquisas em linguagem e ensino

BORGES FILHO, Ozíres; BARBOSA, Sidney (org). Poéticas do espaço literário.


São Paulo: Editora Clara Luz, 2009.
BORGES FILHO, Ozíres (org). O espaço literário: textos teóricos. Uberaba:
Ribeirão Gráfica e Editora, 2016.
FARIAS, Alyere Silva. Encontro com Lalino e Cancão: estranhamentos
e parecenças na vivência do texto literário na sala de aula. 2010. 162f.
Dissertação de Mestrado (POSLE-UFCG) Campina Grande, 2010.
FARIAS, Mariana N. R. de; NÓBREGA, M. M. dos S. S. A importância do
mediador no processo de leitura literária: experiências com contos de
Maria Valéria Rezende em sala de aula. In: MENDES, A. de M; COSTA, M.
E; WANDERLEY, Naelza de A. (org). Linguagens, literatura e representações:
diálogos possíveis. Campina Grande: EDUFCG, 2017.
LEITE, Lígia C. M. Invasão da catedral: literatura e ensino em debate. Porto
Alegre: Mercado Aberto, 1983.
LINS, Osman. Lima Barreto e o espaço romanesco. São Paulo: Ática, 1976.
MARTINS, Marina M. Santos. Desvendando o espaço em contos de Ricardo
Ramos: experiências de leitura compartilhada. 140f.Dissertação de Mestrado
(PPGLE-UFCG) Campina Grande, 2018.
PINHEIRO, Hélder. Reflexões sobre o livro didático de literatura. In: BUZEN,
C., MENDONÇA, M. (org). Português no ensino médio e formação do professor.
São Paulo: Parábola, 2006.
RODRIGUES, Luciana. M. M; ALVES, J. H. P. Alternativas para abordagem
do conto em sala de aula: uma vivência com “Corações solitários”, de Rubem
Fonseca. In: MENDES, A. de M; COSTA, M. E.; WANDERLEY, Naelza de A.
(org). Linguagens, literatura e representações: diálogos possíveis. Campina
Grande: EDUFCG, 2017.

411
Sobre as autoras e autores

Ana Cristina Falcão Almeida Tavares possui graduação em


Licenciatura em Letras pela Universidade Federal de Campina
Grande (2015), mestrado em Linguagem e Ensino pelo Programa
de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino-PPGLE/UFCG (2017).
Atualmente é professora na Rede Estadual de Ensino da Paraíba.
Tem experiência na área de Linguística, com ênfase na análise do
discurso pedagógico. E-mail: cristinaealisson@gmail.com

Angela Paiva Dionisio é professora visitante no PPGLE da


UFCG; é professora titular aposentada da UFPE. Coordenou a
área do PIBID Letras/Português UFPE (2011-2013) e, juntamente
com Suzana Cortez (2014-2016). Atuou como professora e
orientadora no PROFLetras UFPE (2013-2015). Coordenou o
PROCAD-NF 2008, entre o PG Letras-UFPE e POSLE-UFCG
(2009-2013). Coordenou o PG Letras da UFPE no período de
2006 a 2010, onde atuou como professora e orientadora de
1998-2012. Possui graduação em Licenciatura Plena em Letras
pela Universidade Federal de Campina Grande (1986), mestrado
(1992) e doutorado em Linguísitica (1998) pela Universidade
Federal de Pernambuco. Realizou estágio de pós-doutoramento
na Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, nos Estados,
com o Prof. Charles Bazerman. Criou o Núcleo de Investigações
sobre Gêneros Textuais (NIG) da UFPE e a Série Bate-Papo
Acadêmico, coordenando-os até 2017.
E-mail: angelapaiva27@gmail.com

413
Betânia Passos Medrado é professora Associada IV da
Universidade Federal da Paraíba, atuando no Departamento de
Letras Estrangeiras Modernas e no Programa de Pós-graduação
em Linguística (PROLING). Mestre (1993) e Doutora (2006)
em Letras, com estágio de pós-doutorado (2017) na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-LAEL). Atua na área da
Linguística Aplicada, investigando os seguintes temas: formação
inicial e continuada de professores de línguas; linguagem e
trabalho docente; construção identitária e desenvolvimento
profissional; ensino de línguas estrangeiras e inclusão escolar de
pessoas com deficiência; coordenadora do Grupo de Pesquisa Agir
de Linguagem, Docência e Educação Inclusiva (ALDEI-CNPq); e
membro do GT Formação de Educadores na Linguística Aplicada
(ANPOLL). Atuou como consultora para a Proposta Curricular do
Ensino Fundamental do Estado da Paraíba (2010) e foi avaliadora
do Programa Nacional do Livro Didático de Língua Estrangeira
(PNLD 2014; PNLD 2015; PNLD 2017). Professora Visitante na
Universidade de British Columbia, Vancouver, Canadá (outubro/
dezembro 2019). Professora orientadora do Programa de
Residência Pedagógica da UFPB (Núcleo Espanhol-Inglês).
E-mail: betamedrado@gmail.com

Denise Lino de Araújo é professora associada da Unidade


Acadêmica de Letras da UFCG, onde atua como docente na
graduação em Letras e no Programa de Pós-graduação em
Linguagem e Ensino. Tem formação em Linguística Aplicada,
numa vertente mestiça e indisciplinar, construída no Pós-
doutorado em Educação, feito no GECC FAE/UFMG, 2012-2013;

414
no Doutorado em Educação, USP 2004; no Mestrado em LA,
pela Unicamp, em 1995; na Especialização em LA pela PUC
MG, em 1993, e na graduação em Letras/Português, pela UFPB
em 1991. Seus trabalhos de ensino, pesquisa e extensão têm
como foco o ensino de português como língua materna, em
especial no Ensino Médio, a transposição didática, currículo,
os objetos de ensino e a formação de professores de Português.
Em função desses temas orienta pesquisas de mestrado e
doutorado. Idealizadora e coordenadora do Projeto de ensino
ENEM na PALMA da MÃO. Membro do grupo de pesquisa
Teorias da Linguagem e Ensino e do GT da ANPOLL Ensino
e a Aprendizagem na Perspectiva da Linguística Aplicada.
Atualmente é coordenadora do Programa de Pós-graduação em
Linguagem e Ensino. E-mail: deniselinoaraujo@gmail.com

Edmilson Luiz Rafael é licenciado e mestre em Letras pela


Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Doutor em Linguística
Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
com estágio de pós-doutorado em Educação na Universidade
Federal de Pernambuco. Professor Titular de Língua Portuguesa
e Linguística e Docente Permanente do Programa de Pós-
Graduação em Linguagem e Ensino da Universidade Federal
de Campina Grande. Membro do Grupo de Trabalho Ensino e
Aprendizagem na Perspectiva da Linguística Aplicada da ANPOLL,
atua como pesquisador em linhas que tematizam relações entre
conhecimentos linguísticos, ensino de língua e formação de
professores. E-mail: eluizrafael@gmail.com

415
Fabiana Ramos possui Graduação (1995) e Mestrado (1999)
em Letras, pela Universidade Federal da Paraíba, Doutorado
em Linguística (2015) também pela mesma Universidade.
Atualmente é professora adjunta do Curso de Pedagogia da
Universidade Federal de Campina Grande, como também do
Programa de Pós-graduação em Educação dessa Universidade
(PPGEd/ UFCG), nos quais tem ministrado disciplinas que
abordam o ensino de Língua Portuguesa e de Literatura Infantil,
bem como o trabalho com a pesquisa e os gêneros textuais
acadêmicos. Como pesquisadora tem desenvolvido e orientado
pesquisas na graduação e na pós-graduação (Especialização
e Mestrado) relacionadas, principalmente, aos seguintes
temas: formação do professor, construção identitária docente,
letramento, formação de leitores e literatura infantil.
E-mail: fabiramos.ufcg@gmail.com

Fabiene Araújo Xavier de Ataíde possui graduação em


Licenciatura Plena em Letras, pela Universidade Federal de
Campina Grande; Especialização em Fundamentos da Educação,
pela Universidade Estadual da Paraíba; e Mestrado em Linguagem
em Ensino, pela Universidade Federal de Campina Grande. É
professora das Redes Privada e Estadual de Ensino da Paraíba,
e tem experiência na área de Análise Linguística e Produção
Textual. E-mail: fabienearaujo@gmail.com

Isis Milreu é doutora em Letras pela Universidade Estadual


Paulista (Área de Conhecimento: Literatura e Vida Social), na
qual também cursou o Mestrado. Possui Graduação em Letras,

416
com habilitação em Português/Espanhol/Francês pela referida
instituição. Atualmente é professora de literaturas hispânicas da
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e coordenadora
do Programa de Pós-graduação em Linguagem e Ensino
(PPGLE). Em 2013 realizou o estágio de Doutorado Sanduíche
na Universidade de Buenos Aires (UBA), com financiamento
da CAPES. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em
Línguas Estrangeiras Modernas (Espanhol e Francês); Literatura
Espanhola, Literatura Hispano-Americana e Literatura Brasileira,
atuando principalmente nos seguintes temas: literatura latino-
americana contemporânea, literatura e história, literatura e
cinema, literatura comparada e ensino de literatura. É vice-líder
do Grupo de Estudos de Literatura e Crítica Contemporânea
e participa dos seguintes Grupos de Pesquisa cadastrados no
CNPq: Abordagens de textos literários na escola e Narrativas
Estrangeiras Modernas. Orienta pesquisas voltadas para a
literatura latino-americana contemporânea de autoria feminina e
suas intersecções com o ensino e/ou a história.
E-mail: imilreu@gmail.com

José Hélder Pinheiro Alves tem graduação em Letras -


Faculdades Integradas de Uberaba (1983), Mestrado em Letras
(Literatura brasileira) pela Universidade de São Paulo (1992),
Doutorado em Letras (Literatura brasileira) pela Universidade de
São Paulo (2000) e Pós-doutorado pela Universidade Federal de
Minas Gerais (2004). Professor Titular em Literatura Brasileira
na Universidade Federal de Campina Grande, PB. Publicou vários
livros e artigos em periódicos nacionais. Destaca-se Poesia na

417
sala de aula (Parábola, 2018), Cordel no cotidiano escolar (Editora
Cortez, 2012 - com Ana Marinho) e mais recentemente O Preço
do jumento: poesia em contexto de ensino (EDUFCG - 2020).
Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura
Brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas:
literatura e ensino, poesia, literatura infantil e literatura de
cordel. É membro do GT Literatura e ensino da ANPOLL.
E-mail: helder.pinalves@gmail.com

Josilene Pinheiro-Mariz possui graduação em Letras Português-


Francês pela Universidade Federal do Maranhão (1996), mestrado
(2001) e doutorado (2008) em Letras (Estudos Linguísticos,
Literários e Tradutológicos em Francês) pela Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São
Paulo e Pós-Doutorado pela Universidade Paris 8 -Vincennes-
Saint Denis (2013), sobre o texto literário escrito por autoras
de língua francesa fora do Hexágono. Professora Associada
na Unidade Acadêmica de Letras, da Universidade Federal de
Campina Grande, atuando na graduação em Letras- Língua
Portuguesa e Língua Francesa e na Pós-Graduação em Linguagem
e Ensino (Mestrado e Doutorado). Participou como pesquisadora
no projeto DIPROLínguas: Distância e proximidade entre
português, francês e outras línguas: potencial da reflexão
comparativa (2018-2022) CAPES-COFECUB. Profissional de
Letras: Língua e Literaturas de Língua Francesa, atuando
principalmente nas seguintes áreas: Estudos da relação entre
língua e literatura, confluindo para reflexões sobre literaturas
“ditas francófonas”, africanas e de diáspora; formação de leitores

418
de textos literários em língua estrangeira e materna (FLE e
PLE); intercompreensão de línguas românicas; didática de
línguas/literaturas e ensino de FLE (crianças e adultos), estudos
interculturais e ensino. Foi tutora do PET-Letras/UFCG. Foi
Professora Convidada na Université Paris 8. É Editora da Revista
Letras Raras. E-mail: jsmariz22@hotmail.com

Josimar Alves da Silva é mestre em Linguagem e Ensino pela


Universidade Federal de Campina Grande (2017). Graduação em
Letras pela Universidade Federal de Campina Grande (2008).
Atualmente é Supervisor Escolar do Ensino Fundamental
II-Anos Finais (6ºs aos 9ºs anos) no Colégio Nossa Senhora
de Lourdes. Desenvolve estudos e pesquisas em Política e
História da Educação, atuando principalmente na formação
e trabalho docente/educação. Desenvolve também estudos e
pesquisas em Língua e Literatura Brasileira. Atualmente, suas
áreas de interesse são: redação, língua/literatura e ensino,
intercompreensão de línguas românicas, dramaturgia. É membro
do Grupo de Pesquisa Laboratório de Estudos de Letras e
Linguagens na Contemporaneidade (CNPq/UFCG).
E-mail: josimares@gmail.com

Lílian de Oliveira Rodrigues possui graduação em Letras pela


Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1994), Mestrado
em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (1997) e Doutorado em Letras pela
Universidade Federal da Paraíba (2006). Foi professora do
Ensino Fundamental da Rede Estadual de Ensino do Rio Grande

419
do Norte e do Município de Natal. Hoje é professora adjunta
da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN),
integrando o corpo docente do Departamento de Letras
Vernáculas e do Mestrado Profissional em Letras, no Campus
de Assu. Foi Coordenadora de Área do Programa de Iniciação
à Docência (PIBID), no mesmo Departamento, no período de
2013-2018. Atualmente, trabalha como Assessora Técnica e
Analista de Ciência Tecnologia e Inovação da Fundação de Apoio
à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Norte. Sua experiência na
área de Letras tem ênfase na Literatura, atuando principalmente
em temas ligados à relação Memória e Identidade, à Literatura
Popular, à Literatura Infantil e Juvenil e ao Ensino de Literatura.
E-mail: rodrigueslilian@yahoo.com.br

Luciana Parnaíba de Castro é professora assistente do


curso de Letras - Língua Inglesa, do Centro de Formação de
Professores da Universidade Federal de Campina Grande, onde
ministra as disciplinas de Língua Inglesa, Leitura e Produção
de Textos em Língua Inglesa e Linguística Aplicada ao Ensino
de Língua Inglesa. É formada em Licenciatura Plena em Letras
(Língua Portuguesa e Língua Inglesa - 2007) pela UFCG,
Centro de Formação de Professores. Possui Especialização
em Ensino de Língua Inglesa e Uso de Novas Tecnologias
pela Universidade Gama Filho (EAD - 2013) e mestrado em
Linguagem e Ensino pela Universidade Federal de Campina
Grande, Centro de Humanidades, 2017. Em 2014 participou do
Programa de Desenvolvimento Profissional para Professores

420
de Inglês - PDPI, financiado pela CAPES em parceria com a
Fulbright, com duração de seis semanas. Foi coordenadora do
Laboratório de Práticas Pedagógicas de Língua Inglesa do CFP/
UFCG entre 2018 e 2019. É integrante do grupo de estudos
avançados Geletramentos desde 2019. Seus interesses de
pesquisa são ensino e aprendizagem de línguas, letramentos/
multiletramentos, formação e trabalho docente.
E-mail: lucianaparnayba@gmail.com

Luciana Vieira Alves Rocha é mestra em Linguagem e


Ensino pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG);
Especialista em Ensino de Língua Portuguesa para a Educação
Básica, pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e
Graduada do Curso de Letras- Licenciatura em Língua Portuguesa
pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Atuou como
Professora Substituta de Língua Portuguesa e Linguística da
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) entre os anos de 2018
e 2019. Trabalha como Professora de Língua Portuguesa na
Educação Básica. Desenvolve e orienta pesquisas vinculadas a
área da Linguística Aplicada sobre Ensino de Língua Portuguesa,
Formação Docente, Multimodalidade e Didatização dos gêneros
textuais. E-mail: lucianavieiracg@hotmail.com

Manassés Morais Xavier é doutor em Linguística pela


Universidade Federal da Paraíba. Mestre em Linguagem e Ensino
pela Universidade Federal de Campina Grande. Especialista em
Tecnologias Digitais na Educação, Bacharel em Comunicação

421
Social-Jornalismo e Licenciado em Letras-Língua Portuguesa
pela Universidade Estadual da Paraíba. Realizou Estágio Pós-
Doutoral em Linguística na Universidade Federal da Paraíba.
Professor Adjunto II de Língua Portuguesa e Linguística na
Unidade Acadêmica de Letras, Centro de Humanidades, da
Universidade Federal de Campina Grande (UAL/CH/UFCG)
e Professor Permanente no Programa de Pós-Graduação em
Linguagem e Ensino da Universidade Federal de Campina Grande
(PPGLE/UFCG). Membro dos Grupos de Pesquisa: Linguagem,
Interação e Cultura (GELInC/UFCG); Teorias da Linguagem
e Ensino (CNPq/UFCG); Linguagem, Enunciação e Interação
(GPLEI/CNPq/UFPB); e O Círculo de Bakhtin em Diálogo (CNPq/
UEPB). Desenvolve pesquisas tendo como referências teórico-
metodológicas estudos da Teoria Dialógica da Linguagem, da
Linguística Aplicada, da Educomunicação e das Teorias da
Comunicação e do Jornalismo. Tem interesse por temas como
formação de professores e de comunicadores sociais, leitura,
análise linguística, gêneros jornalísticos e midiáticos, práticas
educomunicativas e redes sociais digitais.
E-mail: manassesmxavier@yahoo.com.br

Marcelo Medeiros da Silva é doutor em Letras pela


Universidade Federal da Paraíba e docente da Universidade
Estadual da Paraíba, onde atua no Programa de Pós-Graduação
em Formação de Professores e no curso de Letras do campus
VI. Foi coordenador de área do PIBID e, atualmente, coordena
o Programa de Residência Pedagógica de Língua Portuguesa
na cidade de Monteiro. Desenvolve pesquisas voltadas para os

422
seguintes temas: mulher e literatura, representações de gênero
e de sexualidades, ensino de literatura, formação de leitores e
formação de professores.
E-mail: marcelomedeiros_silva@yahoo.com.br

Márcia Cassiana Rodrigues da Silva é mestra em Linguagem


e Ensino pela Universidade Federal de Campina Grande. Atua
como professora de Língua Portuguesa na rede estadual de ensino
da Paraíba. Desenvolve pesquisas com temáticas voltadas para
questões de gênero e identidade étnico-racial nas literaturas
africanas de língua portuguesa.
E-mail: cassianamarcia@yahoo.com.br

Marco Antônio Margarido Costa é doutor em Letras


pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), com estágio na
Universidade de Wisconsin-Madison (EUA). Realizou pesquisa
de pós-doutorado na FFLCH e na Universidade de York (Canadá).
É professor do curso de licenciatura em Letras - Língua Inglesa
e do Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino
da Unidade Acadêmica de Letras da Universidade Federal de
Campina Grande (UFCG). Possui experiência na área de ensino-
aprendizagem de língua inglesa, linguística aplicada, análise de
discurso e formação de professores de língua inglesa. Participa
do projeto nacional Letramentos: Linguagem, Educação,
Cultura e Tecnologia, vinculado à Universidade de São Paulo, e é
membro do grupo de pesquisa Laboratório de Estudos de Letras
e Linguagens na Contemporaneidade (LELLC-CNPq/UFCG). Foi

423
editor geral da revista Leia Escola do Programa de Pós-Graduação
em Linguagem e Ensino da UFCG e, atualmente, é editor
associado da revista Letras Raras do LELLC.
E-mail: marcoantoniomcosta@gmail.com

Maria de Fátima Alves é doutora em Linguística pela


Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), professora da
Unidade Acadêmica de Educação (UAED/UFCG) e do Programa
de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino (PPGLE/UFCG).
Atua como pesquisadora no grupo de pesquisa “Teorias de
Linguagem e Ensino” (UAL/UFCG) e já orientou diversos
trabalhos científico-acadêmicos no âmbito da Linguística
Aplicada. Desenvolve pesquisas com foco nos seguintes temas:
leitura, escrita, formação docente, letramento, gêneros textuais
e ensino de língua portuguesa. Já produziu material didático
para Programas Nacionais com foco na Educação Básica.
Tem diversos trabalhos publicados em periódicos na área de
Linguística e capítulos em livros especializados. Organizou,
juntamente com colegas da Unidade Acadêmica de Educação
(UAEd/UFCG), os seguintes livros: “Práticas de Linguagem e
Ensino”, “Formação de Mediadores de Leitura: caderno de teoria
e prática”, e “Programas Nacionais de Formação Continuada:
ressignificando práticas de Linguagem”.
E-mail: fatima.uaed@gmail.com

Maria de Lourdes da Silva Leandro possui graduação em


Licenciatura em Letras pela Fundação Universidade Regional
do Nordeste (FURNE, 1974) e mestrado em Linguística

424
pela Universidade Federal da Paraíba (1982). Doutorado em
Linguística e Ensino, na área da Análise do Discurso, pela
Universidade Federal da Paraíba (2008). Professora aposentada
pela Universidade Estadual da Paraíba desde 2019. Atuou na
Graduação e Pós-Graduação (Especialização e Mestrado em
Formação do Professor). Sob a contribuição da Linguística e
da Análise do Discurso, orientou pesquisas, monografias e
dissertações de mestrado com ênfase no ensino da produção
textual escrita e na formação do professor, focalizando temas
como: autoria no texto escrito, instauração e processo; discurso
pedagógico em sala de aula; processos de reescritura e questões
de leitura e escrita. E-mail: lourdes.leandro@uol.com.br

Maria Marta dos Santos Silva Nóbrega é doutora em Teoria


e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas
e pós-doutorado em Literatura e Interculturalidade pela
UEPB. Atua como professora na Graduação em Letras-Língua
Portuguesa e na Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da
Universidade Federal de Campina Grande. Tem experiência na
área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira (atuando
principalmente nas seguintes áreas: lirismo moderno, literatura
infantil e metodologia do ensino de literatura) e em literaturas
africanas de língua portuguesa (com pesquisas voltadas para
memória, identidade e interculturalidade).
E-mail: martanobregaufcg@gmail.com

425
Marina Macedo Santos Martins é doutoranda no Programa de
Pós-Graduação em Linguagem e Ensino - PPGLE, da Universidade
Federal de Campina Grande (UFCG). Possui Mestrado em
Literatura e Ensino pela Universidade Federal de Campina
Grande (UFCG), mesma instituição onde se graduou em Letras.
Atualmente leciona no IFPB como professora substituta atuando
no Ensino Básico, Técnico e Tecnológico.
E-mail: marinamsm_@hotmail.com

Melânia Mendonça Rodrigues possui mestrado em Educação


pela Universidade Federal da Paraíba (1980) e doutorado
em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (2003), com área de concentração em Estado e Política
Educacional. Atualmente é professora titular aposentada da
Unidade Acadêmica de Educação da Universidade Federal de
Campina Grande e integrante do corpo docente do Mestrado
Acadêmico em Educação da referida Universidade. Desenvolve
estudos e pesquisas em Política e História da Educação, voltando-
se, mais especificamente, para: educação brasileira; políticas para
a educação básica no Brasil contemporâneo; história da educação
e da escola pública no Brasil; formação e trabalho docente.
Atualmente, suas áreas de interesse são formação e trabalho
docente e trabalho e educação. E-mail: melania.r@uol.com.br

Monaliza Mikaela Carneiro Silva Tomaz é graduada em


Letras - Língua Portuguesa pala Universidade Federal de
Campina Grande (UFCG). Mestre em Linguagem e Ensino pela
Universidade Federal de Campina Grande. Atuou como bolsista

426
PIBID e participou do PROLICEN. Atualmente atua como
Coordenadora Pedagógica no Ensino Fundamental I no Instituto
de Pedagogia Natural - Escola Casinha de Brinquedo - Campina
Grande/PB. E-mail: mikaelamona@hotmail.com

Naelza de Araújo Wanderley possui graduação em Licenciatura


plena em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
de Patos (1992), Especialização em Metodologia do Ensino
Superior pela Fundação Francisco Mascarenhas / UFPB (1996),
mestrado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (2001),
doutorado em Letras pela Universidade Federal da Paraíba
(2005) e pós-doutorado na área de Letras pela Universidade
Federal de Pernambuco (2007). Foi professora do Ensino Médio
em escolas da rede privada, na sua cidade natal - Patos-PB e na
Rede Estadual de Ensino no Rio Grande do Norte, na cidade de
Parelhas. Foi professora das Faculdades Integradas de Patos,
onde atuou também como coordenadora do Curso de Letras
e do Programa de Pós-Graduação Lato Sensu.Atualmente, é
professora Associada da Universidade Federal de Campina
Grande, integrando o corpo docente do Curso de Engenharia
Florestal e do Programa de Pós-Graduação em Linguagem e
Ensino. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em
Literatura Brasileira, atuando principalmente nos seguintes
temas: Literatura colonial, Literatura Portuguesa - período
medieval; Literatura de cordel, Literatura e ensino, Metodologia
da Pesquisa. E-mail: naelzanobrega@gmail.com

427
Regina Celi Mendes Pereira Silva possui doutorado em
Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (2005). Foi
coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Linguística
(PROLING) da Universidade Federal da Paraíba, de junho de
2009 a junho de 2012, onde desenvolve pesquisas vinculadas
à Linguística Aplicada com ênfase nos seguintes temas:
gêneros, letramento, escrita, formação docente e processos
de ensino-aprendizagem de produção textual. Foi conselheira
da Associação Nacional de Letras e Linguística (ANPOLL),
quadriênio 2012-2016. É editora da Revista Prolíngua e
coordenadora da sub-sede da Cátedra UNESCO em Leitura e
Escritura no Brasil. Desenvolve projetos de acompanhamento aos
professores de língua portuguesa da rede pública e tem atuado
em cursos de formação desses profissionais. É líder do grupo
Ateliê de Textos Acadêmicos ATA/CNPq/UFPB e uma das líderes
do grupo de pesquisa GELIT/CNPq/UFPB (Grupo de Estudos em
Letramentos, Interação e Trabalho), integrante do GT de Gêneros
textuais/discursivos e membro do grupo ALTER-PUC/SP.
E-mail: reginacmps@gmail.com

Sandra de Queiroz Rangel, natural de Parari, município


brasileiro localizado na Região Geográfica do Cariri Paraibano,
filha primogênita do poeta José Ednaldo Rangel e de Sônia Maria
de Queiroz Rangel, ainda no início de sua adolescência, deixou
sua terra e mudou-se para Campina Grande/PB, onde morou
durante alguns anos na casa de sua madrinha, Inácia de Loyola
Aires Caluête, e, anos depois, com sua tia Doracy Aires Caluête.
Apaixonada pelos livros, Sandra prosseguiu seus estudos, sempre

428
com muito interesse, entusiasmo, dedicação, esperança e amor,
vivenciando experiências, com os outros, sobretudo com os
professores, que a conduziram a acreditar no poder transformador
e humanizador da educação e da literatura. A autora é graduada
em Pedagogia, pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), fez
Especialização em Supervisão Educacional, pela FIP (Faculdades
Integradas de Patos), fez Mestrado, em Linguagem e Ensino, pelo
PPGLE, na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
Atua como Supervisora Escolar, coordenando os Anos Iniciais do
Ensino Fundamental, na Escola Municipal Deputado Tertuliano
de Brito, no município de São João do Cariri/PB.
E-mail: sandra.rangel23@gmail.com

Vanessa Luciene Pereira da Silva é professora da Educação


Básica no Sesc Centro Campina Grande, onde leciona para turmas
da Educação de Jovens e Adultos (EJA), no ensino fundamental
e médio.Possui Graduação pela Universidade Federal de
Campina Grande (UFCG), na qual exerceu a função de monitora
nas disciplinas de Estudos de Oralidade e Escrita e Estudos
Linguísticos Contemporâneos; atuou por dois anos no Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID); e por
dois anos no Programa Mais Educação da Escola Estadual do
Ensino Fundamental Nossa Senhora do Rosário. Tem Mestrado
em Linguagem e Ensino, pela UFCG, com participação como
bolsista da Capes,no Projeto de Pesquisa Novas Configurações
de Ensino de Leitura e Escrita em Atividades de Linguagem (NS),
no campo da Linguística Aplicada, com ênfase nas Tecnologias
de Informação e Comunicação e Ensino de Língua Portuguesa.

429
Neste último, participou do estágio docência,acompanhando
e ministrando a disciplina Introdução à Linguística, para
graduandos em Licenciatura Plena em Letras, na Unidade
Acadêmica de Letras (UAL-UFCG).
E-mail: vanessaluciene19@hotmail.com

Washington Silva de Farias possui graduação em Licenciatura


em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (1991), mestrado
em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (1998) e
doutorado em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba
(2010). Atualmente é professor efetivo da Universidade Federal de
Campina Grande, atuando no curso de graduação em Letras-LP e
no Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino - PPGLE/
UFCG. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em
Análise do Discurso, atuando principalmente nos seguintes temas:
constituição e representação discursiva de sujeitos e sentidos;
discurso, memória e identidades; discurso, educação e ensino.
E-mail: washfarias@gmail.com

Williany Miranda da Silva é professora associada IV da


Unidade Acadêmica de Letras e membro do Programa de Pós
Graduação em Linguagem e Ensino (PPGLE) da Universidade
Federal de Campina Grande, na área de Estudos Linguísticos.
Possui mestrado e doutorado em Letras pela Universidade
Federal de Pernambuco e atua na área de Linguística, com ênfase
em Leitura e Produção de Textos, destacando-se os seguintes
temas: materiais didáticos, ambientes digitais, concepções de
ensino, formação docente, livro didático, escrita e oralidade.

430
Com estágio de pós-doutoramento, concluído pela Universidade
Federal de Minas Gerais (2013), e outro pela Universidade Federal
do Ceará, (UFC -2018-2019), atualmente desenvolve projetos de
pesquisa; envolvendo tecnologias, linguagens, gêneros textuais
orais e escritos e formação docente, com orientações tanto na
pós-graduação quanto na graduação, em programas PIBIC e
PIBID- Letras. Neste último, atuou como coordenadora de 2016
a 2018. Membro do grupo de pesquisa Teorias da linguagem e
ensino, e representante da linha de pesquisa “Ensino de línguas e
Formação docente”, do PPGLE, do qual é integrante desde 2004.
E-mail: williany.miranda@gmail.com

431
Pipa Comunicação Editorial

Acreditamos que produção e difusão de conhecimento podem


mudar o mundo, por isso criamos um selo editorial. Criar
experiências de leitura agradáveis e acessíveis para todos é
a nossa missão. Para isso investimos em design e múltiplos
formatos de leitura. Confiamos no poder da autoria e que
todos somos autores em potencial, desta forma estimulamos a
publicação do primeiro livro para dar voz e impulsionar o voo
dos novos autores.

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outros já publicados em nossa área de investigação, retomando
pesquisas concluídas em pós-graduações? Posso responder de for-
ma breve: continua os diálogos entre os participantes das bancas
de defesas. Não se trata de transcrições das interações ocorridas,
quando da defesa! Reencontram-se, neste livro, pesquisador(a) (na
posição de orientando à época), orientador(a) e participantes exter-
nos das bancas, representando uma outra possibilidade de diálogo,
decorrente do evento defesa de dissertação: a escrita em parceria.

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