Você está na página 1de 18

Miragens

de
Primavera

Washington Luiz de F. Neto


Sumário

Primeira Miragem..................1 - 5

Segunda Miragem.................6 - 10

Terceira Miragem...................11 - 17
Primeira
Miragem

1
Olá, meu nome é Verônica e hoje levantei da cama de
bom humor! Fui logo correndo ao varal estender as
roupas pois o sol resolveu nos visitar hoje, enquanto eu
pegava alguns grampos, escutei um som vindo do
quarto de meu neto e pensei, ele está com fome!. Logo
que acabei de estender as roupas, fui preparar a mesa
para tomarmos café, o chamei para comer, porém
ninguém me respondeu, chamei novamente e mesmo
assim toda resposta que havia era o silêncio. Fumei um
cigarro, fui até seu quarto, me deparo com vários livros
abertos em cima da sua cama e falei: estuda depois,
vem comer se não a comida vai esfriar. Ele lê mais
algumas coisas, para a música e vem até a cozinha
comer, pergunto a ele o quê estava lendo. Ele me
responde: - Coisas sobre a vida vó, e volta a comer
rapidamente, agradece a Deus quando acaba de comer
e volta para o seu quarto. Fui criada em uma família
conservadora, então vendo meu neto agradecer a
comida a Deus, é sim um dos melhores presentes que
tenho todos os dias.

2
Porém minha vida não anda sendo um completo mar
de rosas, meu marido deu a endoidar! A alguns meses
ganhei a herança de minha família, minha mãe ainda
vive mas resolveu distribuir a herança. Estou
construindo uma casa na praia, porém coloquei a casa
somente no nome dos meus filhos, para quando eu
morrer a casa continuar para eles, mas meu marido
não gosta muito da idéia. Caminho até a lavanderia
para tratar os passarinhos, e fumo outro cigarro.
Escuto, alguém caminhar na cozinha e vou até lá, é só
meu neto abrindo a geladeira, pergunto se já está com
fome, mas ele responde: - Me pergunte quando não
estou, mas e essa sua cara de pensativa, o que deu vó?
Olho no celular, e falo: - O nego endoidou! esta falando
que é um objeto na minha mão, apenas por quê não
coloquei o nome dele na casa de praia. Ele torna a me
perguntar: - Mas ele é um objeto para você? Sem
dúvida alguma, respondo em bom tom: - Jamais,
sempre estive ao lado dele, mesmo quando ele era
alcoólatra e muitas vezes tinha que o ajudar a tomar
banho.

3
Então meu neto escutando minha resposta, fecha a
geladeira rapidamente e fala: - Vó se acalme, o nego só
está passando por uma miragem, alguma hora ele vai
perceber que nunca foi seu objeto. Tomei aquilo como
verdade, e apenas acenei com a cabeça concordando
com a idéia, talvez fosse só uma fase ruim de meu
marido. Bocejando um pouco, meu neto fala que vai
voltar ao quarto mas diz que tem algo para me
mostrar, e diz que vai pegar. Mas até agora não
entendi bulhufas do que ele falou sobre miragens. Ele
volta do quarto e pede para eu abrir as mãos, e sim,
ele joga um esqueleto seco de lagartixa na minha
mão!. Fiquei espantada, pois ele havia passado verniz
no esqueleto e estava brilhando, ele me dizia que havia
achado essa lagartixa seca no seu quarto e alguns dias
depois tivera achado outra lagartixa do lado de fora da
janela do seu quarto. Eu pensei, nossa será que está
em temporada de lagartixa? porém ele a tirou
rapidamente da minha mão e voltou para o seu quarto.

4
Fumei mais um cigarro, e lá se foi meu neto para a
faculdade, e só voltaria mais tarde. Resolvi fazer um
pão de forma, para quando ele voltasse da faculdade
poder comer. Fiz o pão e fui dormir, acordei as 11:20
com o barulho do portão abrindo, já sabia quem tinha
chego, pulei da cama e fui até a porta da sala e avistei
meu neto olhando para a minha cadela Taigra na chuva
muito distante perto do muro do terreno. Gritei com ela
para que saísse da chuva, porém ela não desviava os
olhos do meu neto que parado na chuva, sorria para
ela como se tivesse descobrido algo. Gritei novamente
:saiam os dois da chuva, fiz pão, vá comer! Enquanto
eu tirava a cadela da chuva, meu neto falou: - Como a
Taigra é viva não é mesmo vó, respondi apenas que se
os dois não saíssem da chuva iam morrer de gripe.

5
Segunda
Miragem

6
Hoje foi a primeira vez que rimei com o pessoal da
faculdade, não preparado até em tão, seguia rimando
na solidão. Com medo de não ser bom o suficiente,
jamais tinha conseguido rimar mais que alguns
segundos em uma roda de freestyle de rap, e agora
mesmo, por forças maiores eu acabara de quebrar esse
meu recorde que por sorte, foi de alguns segundos a
mais. Sim eu me achei um bosta, - Gargalhadas. Mas
como já falei, estava com sorte e meu amigo Bertotti
me falou que o importante é não usar vícios de
linguagens e não repetir palavras de conexões, mas
que tinha que continuar mesmo que falha-se, como
acontecerá com ele alguns minutos atrás. Me motivei e
disse: - Pode crer mano, não desistiremos jamais. Voltei
a sala e quando sento na cadeira, escuto meu
professor a resmungar: - Essa tecnologia que não para
de avançar!!. Não dando muita bola, seguia a rimar nos
meus pensamentos, e adentro de algumas idéias,
percebi a completa revolução da tecnologia do ano
2000 até então, e como o tempo passava evoluindo as
coisas, evoluindo nossas necessidades.
7
Me ocorreu um sentimento de saudade, de todas
aquelas vezes que eu jogava vídeo - game com meu
pai até mais tarde, mas logo percebi que estava
apenas rimando, por que meu pai sempre viajou
demais e nunca teve muito tempo para jogar vídeo -
games comigo. A aula se encerrou, e fui pegar o ônibus
para voltar para casa, mas que mancada havia
percebido que meu cérebro criava imagens que nem
existiam! Apenas para tapar buracos da minha infância
que sempre sonhei em ter. Seriam miragens eu
pensava, coisas que sustentam o que sou hoje, esses
momentos nem existiram, mas para mim eram tão
familiares, estava enlouquecendo igual o marido de
minha avó pensava. Enquanto caminhava, me
despedia de alguns conhecidos que também iam para
as suas casas, atravessei ruas, passei por bares,
comprei amendoins, para comer na viagem de ônibus
até a casa da minha avó, onde morava eu, minha vó,
uma senhora de muitas comilanças e cigarros chamada
Verônica, e o nego, seu segundo e amado marido.

8
Chegando no ônibus, percebi que era cedo e me
deparo com vários lugares para sentar, começo a
andar. Sempre sento na poltrona 14, sua luz de
passageiro pega e a janela sempre fecha, mas hoje vi
que sua luz estava apagada, como a luz da poltrona do
seu lado, a 13. Um tanto pensativo olho para frente e
penso, que bobagem a minha pensar em luzes de
poltronas. Me sento ali mesmo, abro o amendoim e
coloco uma música no celular, tiro o fone da mochila e
o coloco nos meus ouvidos, e continuo pensando a
respeito da miragem que tive na sala de aula, de um
acontecimento da minha infância que nunca vivi, mas
não me conformo de tudo aquilo ter saído de maneira
rimada, mesmo que eu tenha facilidade na escrita. E
assim tudo acaba ficando escuro, e prevalecendo o
sono contra minha vontade de pensar. Meia hora
depois acordo, já a caminho de casa passo por uma
pequena igreja católica, e a grande maioria do ônibus
faz o sinal da cruz, e volta a suas conversas sobre seus
interesses próprios. E eu ainda perplexo pelo poder que
meu cérebro tinha sobre meus sentimentos.
9
Chego em casa, e olho a cadela da minha vó, com seu
tapete deitada com a chuva caindo sobre sua cabeça, e
me lembro da história das duas lagartixas que
encontrei mortas semana passada.

10
Terceira
Miragem

11
Sempre gostei de pensar sobre coisas, pensar sobre
por que o certo não pode ser o errado e vice-versa, a
explicação de algo nunca foi para mim uma resposta,
mas a resposta sempre foi um grande medo. O que
vem depois do fim? Uma resposta final e um ponto, não
deixando mais nada ser criado depois disso, ou
originando novos inícios que nem imaginamos como
podem acabar, ficamos no aguardo até esse fim
chegar. Mas sempre entendi que vivemos nessa terra e
perecemos também nela, algo que nos faz sermos
iguais perante a morte, uma certeza que sempre tive e
que nunca busquei explicação nem resposta, pois
todos nós temos um ponto final em nossas histórias.
Não sou Religioso, mas vejo como um espelho Jesus
Cristo e todo seu amor que espalhou pelo mundo, e
como ele também acredito em um Ser que hoje posso
chamar de Deus, por isso sempre aceitei a morte como
algo do ser, inato e imutável. Hoje no café da manhã,
minha avó me perguntou sobre o que eu tanto
estudava em meu quarto, eu respondi: - Coisas sobre a
vida vó.

12
Não nos vale estudar a morte, eu sempre achei
tomando isso como a única verdade que o mistério da
vida nos dá, Epicuro um filósofo do mundo antigo
sempre falou, “Quem nega o medo da morte, consegue
buscar o objetivo da vida que é a felicidade.” Concordo
que o medo pode nos distanciar de objetivos, mas não
podemos julgar a “felicidade”, pois cada um tem a sua
em seu mundo de escolhas, podendo ajudar pessoas a
buscarem suas felicidades ou tendo uma visão mais
centrada em si, na busca da sua realização pessoal. Me
levanto da cama e vou até a geladeira ver se tem algo
para comer, e minha avó pergunta se já estou com
fome, respondi algo idiota mas vejo na sua feição
preocupação. Pergunto o que está acontecendo, e ela
me responde que o nego endoidou e está falando que
ele é apenas um objeto em sua mão..eu sempre soube
que minha avó amava muito seu marido, então voltei a
perguntar: - Você o trata como objeto?.

13
Ela responde rapidamente que não e fala de todas as
vezes que já cuidou dele quando era alcoólatra. Eu
fechei a geladeira, respirei fundo e percebi que esses
sentimentos que ele sentia de ser usado não existiam,
mas algo ainda não fazia sentido. Da onde vinham
esses sentimentos? Conclui que ele só poderia estar
criando memórias que sustentam esses sentimos que
ele sentia. Falei para minha avó, que ele só passava
por alguns problemas e podia estar vendo miragens de
acontecimentos na vida dele que nunca aconteceram.
Minha vó apenas acenou com a cabeça, acho que ela
não entendeu muito bem. Me bateu um sono, mas
lembrei que havia achado duas lagartixas semana
passada e uma acabei envernizando, fui até meu
quarto pegá-lá e mostrei para minha avó. Ela falou algo
sobre temporada de lagartixas, porém me lembrei que
estava treinando rimar em alguns beats de rap que
tinha baixado, peguei a lagartixa de sua mão e voltei
para o meu quarto.

14
Voltando da faculdade, com muita fome, e ainda mais
confuso sobre influência de memórias que nem
vivemos em sentimentos reais,como eu ter acreditado
por alguns segundos que eu realmente
jogava vídeo - game com meu pai até tarde. Abro o
portão e vejo a cachorra da minha avó deitada na
chuva me olhando e nesse momento me lembro das
imagens das lagartixas mortas, o olhar da cachorra era
sereno mesmo tremendo de frio na chuva, e assim
percebi que a aceitação de uma caminho mortal me
desprendia dessas miragens falsas que sofremos
muitas vezes na vida, essas miragens são criadas
quando temos sentimentos de coisas que nunca
passamos, mas não nos damos conta que aquele
sentimento não é nosso, pela não aceitação da nossa
realidade ou da nossa vida. As lagartixas morreram, e a
cadela da minha vó estava no caminho de sua morte.

15
Muitas vezes passamos por situações em nossas vidas
que buscamos não aceitar, e brotam sentimentos em
nossos corações de uma realidade que nunca
passamos. Muitas pessoas aceitam essas emoções mas
não sabem nem de onde elas vieram, assim se
obrigando a criar miragens de algum passado que
nunca existiu. Eu estou na chuva, mas uma semente de
riso me surgiu e me libertou dessas miragens, me
fazendo aceitar que eu não tinha tanta certeza da
morte assim, e que a vida era ainda mais misteriosa.
Compreendi finalmente a frase de Sócrates “Só sei que
nada sei” deixando meu caminho até a morte ainda
mais interessante. Aliás, tomara que eu não esteja
vivendo uma miragem. Afinal quando vou aceitar
minha realidade e acordar?.

16 FIM

Você também pode gostar