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Sumário

Capa
Folha de rosto
Sumário
Dedicatória
1. Ah, não. Ele de novo, não
2. O novo testamento nunca soou tão sexy
3. Um brasileiro, um espanhol e um italiano entram em
uma festa gay em Barcelona
4. O dia em que quase beijei Jesus
5. Como assim estão dando convite para um ménage e
não recebi nenhum?
6. O fim
7. Alguém aí pediu um McClimão?
8. O beijo de Judas
9. Quem disse que três era demais estava mentindo
10. E vai se formando um clima terrível entre os brothers
11. Porque eu mereço
12. A noite do fogo
Epílogo
Baseado em fatos reais

Agradecimentos
Sobre o autor
Créditos
Também de Pedro Rhuas:

Enquanto eu não te encontro


Para todo mundo que já teve o coração partido
e achou que não daria a volta por cima.
O que pensamos ser o fim de uma história é
apenas o Universo nos preparando para uma
nova.
1
Ah, não. Ele de novo, não

barcelona, catalunha

23 de junho de 2016

Acho que acabei de ver um fantasma.


Isso ou os biscoitos que o Murilo me deu foram
batizados com algum tipo de alucinógeno e só
começaram a bater duas horas depois.
É a única explicação que encontro quando chego na fila
da Acrópolis — a festa onde todos os meus amigos de
Barcelona vieram comemorar a véspera de São João, um
feriado importante na cidade, com fogueiras armadas
nas ruas e o céu tomado por fogos de artifício — e vejo
um cara idêntico ao meu ex desaparecer dentro da
balada antes que eu tenha a chance de confirmar sua
identidade.
Puta merda.
Esse ex é especialmente perigoso porque, não
satisfeito em picotar meu coração, fodeu minha
autoestima e destruiu meu psicológico. Então, não. Se
meu ex está aqui, eu não estou nada feliz.
Mas talvez não seja Raul.
Talvez seja só de fato o biscoito batizado.
Fico com sérias dúvidas se dou ou não meia-volta e me
abrigo no único esconderijo seguro: a casa que divido
com outros três colegas do Ciências Sem Fronteiras, onde
meu ex jamais conseguiria entrar. Porém, isso significaria
perder uma festa. E não vou fazer isso por uma mera
possibilidade.
Sou o último do meu grupo a chegar na balada. Além
de arrependido por não ter vindo mais cedo com Murilo,
Ariel e Gustavo, ainda por cima tenho a porra de uma
crise de ansiedade na fila, torcendo para que o fantasma
seja, sei lá, só minha imaginação pregando peças.
Deve ser.
Meu Deus, precisa ser.
Afinal, qual é possibilidade de Raul estar em Barcelona,
no mesmo lugar que eu, justo esta noite?
Quando terminamos em outubro do ano passado,
cortei relações. Eu o bloqueei em cada uma das minhas
redes sociais (e dos meus amigos também, por
precaução), mas Raul insistiu em tentar fazer contato
através de contas fakes. Foi parte do motivo pelo qual
precisei tornar meus perfis privados — meu pai e seus
eleitores conservadores eram a outra. Então a menos
que ele tenha usado métodos de espionagem bem
escusos, não me parece plausível que saiba que estou
aqui.
Mas quando é que a vida foi plausível?
— Perdón, tío. ¿Estás bien?
A voz é de um cara atrás de mim na fila, preocupado.
— ¿Estás hablando conmigo? — Franzo a testa. Evito
fazer contato visual porque sei que minha ansiedade
deve transparecer pelos olhos.
— Sí, te veo un poco raro — diz ele. — Estás
temblando.
Merda, nem reparei que tremia. Envergonhado, enfio
as mãos nos bolsos da calça branca que escolhi usar.
Forço um sorriso e tento não dar mais bandeira.
— Estoy bien — dispenso as preocupações.
— ¿En serio? — O rapaz insiste, educado. — Si
necesitas algo, una aguita o lo que sea, puedo
ayudarte…
Eu só nego com a cabeça, incapaz de pronunciar
qualquer outra palavra.
Estamos em uma parte central do distrito de Eixample,
com ruas largas inicialmente projetadas para as
carruagens que passavam por ali séculos atrás. Quando
cheguei, os quarteirões octogonais foram os primeiros
que explorei nos tours oferecidos por alunos de
arquitetura.
Perto da Praça da Catalunha fica a Acrópolis, que se
tornou a boate favorita do meu grupo de amigos. A
música é legal, e os preços, bem razoáveis. Por fora, a
fachada não entrega muito, mas lá dentro a estrutura
imita um templo grego, com colunas clássicas altas e
brancas e jogos de luzes fantásticos.
Normalmente, fico feliz em estar aqui. Nessa noite,
penso no que aconteceria se simplesmente decidisse sair
da fila e caminhar por Barcelona. Poderia ir à praia, ver
os fogos de artifício reluzirem no espelho d’água, me
perder nas ruas estreitas do Bairro Gótico…
Mas não faz sentido. Eu nem deveria me sentir
sufocado. Raul e eu acabamos há meses. Ele não tem
mais poder sobre mim.
Com o coração acelerado, tiro o celular do bolso e
envio um pedido de socorro para a única pessoa que vai
me entender.

Acho que o Raul está em Barcelona, Lucas

MAS QUE PORRA?

Esse demônio não para de atormentar nem DO OUTRO LADO


DO MUNDO?!

Me conta tudo

Eu não sei, acabei de entrar na festa que te falei que ia e vi um


cara igualzinho a ele, Lu

IGUALZINHO

Tem certeza?

Tipo, de um a dez, qual a possibilidade de ser ele mesmo?

Talvez oito?
Oito é muito, Eri

AFFFFFF

Vsf, que droga

Conseguiu identificar alguma característica, algo que


realmente DIZ que é *aquele cara cujo nome me recuso a
escrever*?

ele tava com uma camiseta cinza com a capa de um álbum da


Marina and the Diamonds, que é a única coisa que existe no
guarda-roupa do Raul, e eu acho que…

hum…

tipo, ele tinha franja

e era meio alto

e usava jeans cintura alta

Eri, você descreveu todo gay branco padrão na face da Terra

Com essa descrição poderia ser literalmente qualquer um

HAHAHAHAHAHAHAH

Eu sei, mas…

Minha intuição tá dizendo que é ele

Sabe? Eu sinto que é


Normalmente diria pra confiar na sua intuição e tal

mas nesse caso acho melhor deixar pra lá

Vc tava super animado pra ir nessa festa, né?

Sim 😔

Quer que eu dê uma olhada?

Eu posso, tipo, stalkear o desgraçado, ver se ele postou algo…

Não, melhor não…

Pode ser só coisa da minha cabeça

E me recuso a deixar o Raul estragar minha primeira festa no


verão espanhol

Eu me RECUSO

ISSO AAAAÍ!

Promete me ligar a QUALQUER MOMENTO se precisar?

Sempre

Ótimo, agora sai do celular, olha ao seu redor

E põe essa raba pra jogo

Vai que tem algum gatinho te esperando (sempre tem) 😉


Te amo, viu?

Amo mais!

APROVEITE POR MIMMMMM

Queria estar em Barcelona contigo

Eu tb queria que vc estivesse aqui ❤️

Queria mesmo.
Sigo as instruções de Lucas — o irmão que a vida me
deu, a pessoa que melhor me conhece no mundo — e
olho em volta. A fila para entrar na Acrópolis é grande e
anda devagar, mas as pessoas daqui nunca estiveram
tão soltas.
Não que Barcelona tenha sido chata antes; acredite,
essa cidade pode ser tudo menos entediante, e os
espanhóis amam uma festa. A diferença é que existe
uma energia inegável no ar hoje, como uma promessa se
tornando realidade, Barcelona saindo de um estado de
hibernação.
Deve ser efeito do verão. Quando cheguei, era janeiro,
no auge do inverno. Chovia sem dar trégua e a cidade
estava fria, cinzenta. A água só parou de cair durante
uma breve estiagem em fevereiro, para logo voltar com
força em março e abril. Senti mais saudades do calor de
Natal e de Luna do Norte do que imaginava que sentiria,
mas as baixas temperaturas também caíram como uma
luva: combinavam com meu estado de espírito.
Com o coração partido, fingia felicidade para os amigos
que ficaram no Brasil e disfarçava como o término tinha
me afetado. Eles só queriam que eu aproveitasse ao
máximo a cidade dos meus sonhos, mas era difícil fazer
isso com um buraco no peito.
Meus novos amigos fizeram o possível para me animar
durante as primeiras semanas. Em geral, isso significava
me tirar de dentro do quarto para ir beber em algum bar
em Las Ramblas que descobriram ou em alguma festinha
na casa de alguém que conheceram pelo Grindr.
A universidade era incrível, mesmo que o nível fosse
altíssimo e bastante puxado. Fora das aulas, também
aprendia rápido. Catalão era tenebroso, praticamente
mandarim para os meus ouvidos, então concentrei meus
esforços em sair de Barcelona falando o melhor espanhol
possível. Cinco meses depois, ia em restaurantes sem
me sentir um impostor pelas carrers da capital.
E quando a primavera sorriu inesperadamente na
metade de abril, trazendo os primeiros sinais de verde
para a cidade, enfim comecei a me sentir melhor.
Finalmente pronto para abandonar o passado e viver o
momento Vicky Cristina Barcelona pelo qual tanto
esperei.
Afinal, Barcelona é uma instalação de arte a céu
aberto. Desde o Bairro Gótico às áreas mais modernas,
da grandiosidade em processo da Sagrada Família à zona
portuária com seus iates caríssimos, as mãos dos
grandes mestres da arquitetura, como Gaudí e Puig, se
revelam a cada esquina. Até do alto, vista a partir dos
Bunkers del Carmel, as ruas e os prédios da cidade
sempre contam histórias.
Espero também conseguir deixar minha impressão
digital em seu mapa. Qualquer marca duradoura de que
estive aqui durante esses meses.
— ¿De verdad estás bien? — o cara atrás de mim volta
a puxar assunto.
Fico incomodado com a insistência, me viro e rebato:
— Ya te dije que…
A frase morre antes de sair da boca.
Puta merda, ele é um gostoso.
Gordo e branco, com sardas nas bochechas que
cobrem o nariz arredondado. O cabelo é loiro-mel, e a
barba é aparada fina no queixo, sem bigode. Veste uma
regata branca lisa, calça jeans desbotada e uma bota de
couro marrom escura. Além das várias pulseiras no
braço, leva um cigarro atrás da orelha.
São os olhos castanhos avermelhados que roubam
minha atenção, porém. Mais que lindos e intensos, são
sábios, astutos. Como se enxergassem além da
superfície e vissem através de mim.
O fato de que estão focados nos meus lábios me
desnorteia.
— ¿Que ibas a decir? — As sobrancelhas dele franzem
enquanto me espera finalizar a frase, mas, por um
instante, desaprendo a falar.
Quando me recupero, faço uma manobra rápida para
reverter a situação.
— Que estoy bien, gracias. Y que eres muy amable por
preguntar. — Respiro fundo e abro um sorriso, o primeiro
desde meu encontro com o fantasma do Raul.
— Me alegro. — A voz é grave, grossa. — Eres
demasiado guapo para estar nervioso.
— Tu tambíen eres guapo — devolvo o elogio, o que o
faz sorrir.
— ¿Tienes mechero? — ele tira o cigarro da orelha e
pergunta. Devo fazer uma expressão confusa, já que
emenda: — Fuego. ¿Fire?
— Sí, por supuesto. — Balanço a cabeça e enfio a mão
no bolso da calça à procura do isqueiro.
— Gracias. Yo olvidé el mío. — Ele gira o cigarro entre
os dedos enquanto espera.
O objeto não está guardado no primeiro bolso que
vasculho. Tenho certeza de que trouxe comigo, mas o
fato de que o garoto não para de me encarar tampouco
facilita.
— Perdóname — digo, espremendo os lábios. — No
encontré. Creí que tenía, pero…
— No pasa nada. — Ele penteia a lateral do cabelo com
a mão. O compasso da voz é relaxado; chuto que talvez
tenha vinte e três anos. — Gracias por intentar.
Esse deveria ser o momento em que continuo o flerte,
certo? Porém, uma onda de timidez me atropela e escapo
do seu olhar.
O garoto não desiste tão fácil. Logo toca meu ombro
quando me viro para a frente, e ali estão aqueles olhos
inteligentes outra vez, bonitos demais para não serem
apreciados.
— Eres brasileño, ¿no?
— ¿Como sabes?
— El acento es inconfundible — responde com uma
mordida breve no lábio inferior. — Eu gosto do Brasil,
gosto de falar português.
Por esse sotaque carioca — o chiado do “s” quando
repete “gosto” — eu não esperava.
— E fala bem — retomo o português.
Agradecido, ele junta as duas mãos no coração.
— Bom saber que ainda não esqueci.
— Ah, para. Seu português é perfeito, bem melhor que
o meu espanhol.
— No, tío — ele se opõe. — Hablas español muy bien.
— Vale — é minha vez de sorrir com o elogio —, gracias
entonces.
— En serio. Me gusta tu acento. — O garoto repousa a
mão na minha cintura quando a fila avança, me guiando
para dar um passo à frente. Ao se afastar, não deixo de
notar que o ponto em que me tocou fica em brasa, mais
quente que o resto do corpo. — De que parte do Brasil?
— Natal.
— Ah, no Nordeste, então.
— Sabe onde é? — Surpreso, ergo uma sobrancelha. —
A maioria das pessoas aqui não conhece bem o Brasil.
— Bem, você vai ver que eu sei mais do que você
pensa. — Ele passa a mão pelos cabelos loiros.
— Ah, é?
Seu olhar percorre meu corpo antes de concordar com
uma expressão sedutora.
— Soy Jesús — murmura. O sorriso convencido se
espalha pelos cantos da boca. — Encantado.
2
O novo testamento nunca soou tão
sexy

Jesús.
É obsceno que esse seja o nome dele. Esse homem não
tem nada a ver com o Jesus dos sermões frenéticos do
padre Bento, o Jesus das aulas de catequese e das
missas de domingo em Luna do Norte, que eu só
frequentava porque tinha um crush num garoto do coral.
O Jesus que foi à cruz por insurreição ao poder de
Roma.
O Jesus que opera milagres e transforma água em
vinho.
Mas aqueles olhos…
Ele tem olhos de Jesus, não tem?
Profundos, revelando mais de quem o observa do que o
contrário, um espelho convidativo. Diante deles, o
entorno se desfoca — uma fotografia tirada com uma
lente de cinquenta milímetros.
De algum modo, sinto que posso confiar nesse
estranho.
Sinto que existe algo — um vínculo invisível, talvez —
me conectando a ele.
— Eric. — Estendo o braço para cumprimentá-lo. — Mi
nombre es Eric.
— Eric — ele ecoa. Envolve meus dedos e os leva
diretamente à boca. Os lábios encontram minha pele
enquanto me encara e beija minha mão, galanteador.
Algo se agita em mim, quente e leve, a ponto de quase
me fazer suspirar.
Eu não sou do tipo que suspira. Não mais.
O maior desafio para alguém que teve o coração
partido é seguir acreditando no amor.
As borboletas no estômago despertadas por Jesús me
fazem voltar à época em que eu e Lucas chegamos em
Natal para fazer faculdade. Eu era cheio de sonhos,
inocente demais para ver o perigo. Naquela época, amar
e ser amado parecia inevitável. Lembro das primeiras
festas, de como eu ainda confiava nos encontros do
Universo, como desejava mais do que tudo conhecer um
cara disposto a viver uma história de amor que valesse a
pena ser contada.
Pensei que Raul fosse essa pessoa; queria que fosse.
Só que nunca me enganei tanto na vida…
Desde que cheguei a Barcelona, ninguém foi capaz de
balançar meu coração.
Claro que não sou santo: vários caras passaram pela
minha cama nesses poucos meses na Espanha, até mais
do que no ano em que morei em Natal. Era só sexo
casual. Um ou outro tentou me conhecer melhor, mas
rejeitei as investidas. Não conseguia nem pensar a fundo
no assunto.
Como poderia confiar que nenhum deles me
machucaria como fui machucado?
Como garantir que, uma vez que me permitisse ser
vulnerável, não iriam arruinar todo o progresso que fiz
desde o término com Raul?
Mas isso ficou no passado. Agora é verão. Essa noite
pode ser o começo de algo novo.
— É um prazer te conhecer, Jesús — digo, e ele ainda
respira contra a pele da minha mão quando pronuncio
seu nome com meu melhor espanhol: Ressús.
— O prazer é todo meu. — Um sorriso imprudente. —
Todo mesmo.
Ele me solta e olho ao redor. O movimento de
Barcelona em torno da Acrópolis é intenso. Conversas em
inglês, espanhol e catalão se misturam com o som
abafado que escapa da boate sempre que o segurança
permite a entrada de alguém. Cheiro de lenha queimada,
cigarro e haxixe paira no ar.
Meu celular vibra com mensagens do Murilo, e peço
licença a Jesús para responder. A julgar pela selfie
tremida que recebo dos três, já estão bastante bêbados;
nenhuma novidade.

BARCELOBICHAS 💅
Murilo
eri, já tá vindo? 😟

a gente tá te esperando!

a festa tá incríveeeeeeel, vem logo!!! 🤩

só falta vc!

Já tô na fila, migo!

Murilo
URGENTE

ERIC, MEU DEUS!

veja o que está acontecendo aqui!!!

Foto 📷

MENTIRA?!

Ariel e…

Gustavo?

Se beijando???

Murilo
Sim!!! Se beijando!!!

Por favor, só vc pode me SALVAR!!!


Caio na gargalhada. Apesar de cursarmos graduações
diferentes, Murilo, Gustavo, Ariel e eu somos da mesma
leva do Ciências sem Fronteiras. Nos conhecemos em um
grupo de intercambistas meses antes da viagem. O fato
de que éramos os únicos usando memes de divas pop
nos uniu de imediato.
Enquanto Murilo, o baiano estudante de engenharia
que divide quarto comigo, é o nerd gatinho do grupo,
Ariel é o festeiro recifense que ninguém segura, e
Gustavo é o paraense aventureiro que mal para em casa.
Conviver com eles é uma delícia. Murilo é gay, Gustavo é
pansexual e Ariel é trans e bi. Considerando a maioria
das possibilidades (tipo morar em uma república só com
héteros-cis-brancos das exatas), tive muita sorte.
Tiro uma foto na fila e mando de volta no grupo,
tentando pegar Jesús casualmente no fundo (para depois
ter uma prova de que ele existiu). Estou lindo pra cacete
usando a trança raiz que elevou em mil por cento minha
autoestima, uma calça branca e uma camisa laranja com
lantejoulas que acentua o gostoso que sou.
Encaminho a selfie para os grupos com meus novos e
velhos amigos.

A ELITE 👑

Ana
Tá lindo! Trate de pegar geral!

Thammy
amigooo, como vc tá gato!
se eu tivesse aí faria fotos tão perfeitas hojeee

Lucas
🤩🤩🤩🤩🤩🤩🤩🤩

ERICCCCCC

GATOOOO

ORGULHO DA FAMÍLIA

E ESSE ESPANHOL AÍ NO FUNDO EIN???

ESPERO QUE ELE DERRAME BEBIDA NA SUA CALÇA BRANCA

KKKKKKKKKKK

Amo vcs, raparigas!!!

Juro, é como se meus amigos estivessem aqui. Seria


tão perfeito todos nós em Barcelona.
Penso na vida que deixei no Brasil. Agora eu estaria em
Luna do Norte, comendo a canjica da minha vó e milho
cozido, dançando quadrilha e ouvindo “Olha pro céu”, do
Luiz Gonzaga, até o refrão ficar martelando por semanas
na minha cabeça. Só que minha cidade natal está a um
milhão de quilômetros de distância, uma canção
esquecida no tempo desde que embarquei no voo para
Madri.
A mão de Jesús toca minha lombar.
— A fila andou — ele diz, cuidadoso, e avanço alguns
passos. — Acho que não vamos precisar esperar muito
para entrar.
Esticando o pescoço, dou uma espiada. A fila ainda
dobra a esquina, e conto umas trinta pessoas à frente.
Parece estar lotado lá dentro, com a entrada controlada.
Já que estamos empacados de novo, volto a me virar
para conversar com ele. Vou tirar proveito do tempo que
ganhamos juntos enquanto estamos aqui.
— Como você aprendeu a falar português?
— Com a vida — ele diz com um gesto vago.
Eu o encaro, curioso.
— Por favor, desenvolva.
— Hm. Tem certeza? — ele pergunta, reticente. Depois
que assinto, Jesús suspira. — Meu ex-namorado era do
Rio.
Claro que precisa ter um ex envolvido na história.
Espero que ele tenha tido mais sorte com o dele do que
eu com o meu.
— Por que terminaram?
— Muito ciumento.
Bom, aparentemente não.
— Ah, é?
— Tío, muchísimo. — Jesús solta o ar com força. —
Vocês brasileiros podem ser intensos demais.
— Aham… E vocês não gostam, né?
Ele dá de ombros, fita o chão e depois me olha com
cara de quem foderia minha vida num estalar de dedos.
— Primeira vez em Barcelona, Eric?
— Comecei a estudar aqui no início do ano — respondo,
e finjo que não reparei no modo como rapidamente
mudou de assunto.
— Onde?
— Na La Salle — digo. — Estudo arquitetura. Você
também faz faculdade aqui?
— Isso, relações internacionais.
— Pensa em seguir a carreira de diplomata?
— Sim. Vou passar um tempo em São Paulo, inclusive.
Em agosto — ele complementa. — Consegui um estágio
na Embaixada da Espanha.
— Ei, que demais. — Jesús deve ter um excelente
rendimento acadêmico se conquistou uma vaga dessas.
Pelo que sei, são disputadíssimas. — Espero que goste do
Brasil. Temos vários problemas, como qualquer lugar,
mas é um país incrível.
— Eu sei, amo o Brasil. Visitei meu ex no Carnaval e
mochilei um pouco pelo litoral do Rio — Jesús conta. —
Como estão as coisas no momento? Sei que a situação
política não é das melhores.
— Uma merda — confirmo.
— Vocês brasileiros merecem mais. O que acha da
Dilma?
— Que ela é corajosa — respondo. — A maneira como
se mantém firme contra todos que tentam derrubá-la é
impressionante.
Noto o interesse de Jesús com o rumo da conversa.
Será que ele está tentando sacar qual é a minha posição
política? Muitos dos meus colegas intercambistas vêm de
famílias ricas e têm opiniões bastante conservadoras.
Cansei de entrar em discussões com eles, que parecem
não entender tudo o que está em jogo em Brasília.
— Você acha que o impeachment é uma tentativa de
golpe de Estado? — Jesús pergunta.
— Claro. Isso me preocupa. Só estou em Barcelona por
causa de uma bolsa de estudos do governo. Se a Dilma
cair, não sei se consigo ficar aqui por muito mais tempo.
— Bom, espero que isso não aconteça — ele diz. —
Seria uma pena se partisse.
— É, eu também acho. Mas tenho esperanças. Parece
que o Supremo vai formar maioria para decretar o
impeachment como ilegal. — Paro de falar quando noto
que a fila andou de novo, e caminho um pouco para
alcançar o novo lugar. — Foi só por isso que falou
comigo, Jesús? Para praticar português e conversar sobre
política?
Ele balança a cabeça e coça a barba no queixo com um
sorriso maroto.
— Estava preocupado contigo, a princípio. — Jesús
baixa o tom de voz. Lentamente, se aproxima de mim. —
Pero además eres muy guapo, Eric.
Sou incapaz de tirar os olhos da boca de Jesús. É a
maneira como se move, o sinalzinho perto do lábio
inferior, quão macia…
Porra.
Eu poderia beijá-lo.
Eu poderia beijá-lo agora.
Mas não tenho essa chance.
Um cara tão gato quanto o espanhol surge por trás
dele, abraçando-o enquanto ri, e o beija exatamente
como desejei segundos atrás.
3
Um brasileiro, um espanhol e um
italiano entram em uma festa gay
em Barcelona

O garoto que acaba de surgir faz Jesús parecer inocente.


Porque onde Jesús é, bem, Jesus, o recém-chegado é
Judas.
Judas: alto e forte, o cabelo como ônix, olhos escuros
de uma dália negra florescendo em noite sem lua, uma
pequena tatuagem de clave de fá acima da sobrancelha
direita. Não parece fazer o tipo contido. Sorri com
entrega absoluta, franzindo o canto dos olhos. E a visão
dos dois juntos — o recém-chegado com o braço em
volta de Jesús, o beijo rápido mas firme, a forma como
Judas passa a mão na bunda de Jesús, puxa-o pela
bermuda — faz meu coração disparar.
Será que existe algo entre os dois?
Judas acaricia a lateral do rosto de Jesús depois de
beijá-lo.
Ou são apenas bons amigos?
Amigos tão íntimos que se beijam como se não fosse
nada, como quem busca um coquetel de mimosa em um
iate para aplacar o calor do verão. Como se não fossem o
maior acontecimento que já presenciei.
Jesús corresponde o afeto, embora tenha voltado a me
olhar depois do beijo. O sorriso safado garante que
aquela cena — e seja lá o que role entre os dois — não
será um empecilho para o que pode acontecer entre nós.
— Dai, Jesú! Ti stavo cercando. — As palavras valsam
em italiano conforme passa o braço ao redor de Jesús e
registra minha presença, já que não parei de encará-los
esse tempo todo. — Chi è il tuo amico?
Não sei o que Jesús responde, mas o rapaz me sonda
de cima a baixo e diz:
— Ciao, bello, piacere! — E me surpreende ao me
puxar em um abraço apertado também.
Eu permito que ele me envolva. O perfume do italiano
é uma delícia, estrategicamente concentrado na região
do pescoço, onde há seis compassos de uma partitura
tatuados. Ele é mais alto que eu, o corpo esguio. A
camisa com gola V deixa visível os pelos escuros do
peito.
Quando me solta, não sei bem o que fazer. Falo com
ele em português? Mudo para inglês ou espanhol?
Continuo imaginando-o sem camisa na cama com Jesús?
Tantas opções.
— Nico fala português, Eric — Jesús diz.
— Enferrujado — completa o italiano. Ele junta as
pontas do polegar e do indicador para reforçar que fala
só um pouco. — Mas funciona.
— E seu nome é Nico — digo. — Pensei que fosse Judas.
— Judas? — repete, confuso.
— Bem, a gente já tem um Jesús aqui. Seria no mínimo
engraçado.
— Seria — Nico assente e mordisca o lábio. — Pena que
não posso te dar esse prazer, Eric.
Esse.
Minha pele esconde o rubor que o comentário provoca.
— Deixa eu adivinhar… — Entro no jogo. — Você
também tem um ex-namorado brasileiro?
— Por quê? — Nico pergunta. Ele volta a apoiar o peso
no ombro de Jesús, a boca curvada em um sorriso.
— Sei lá, vai que vocês fazem parte do clube dos
gringos com corações partidos por brasileiros.
O som das risadas se mistura ao barulho na fila.
— Poderia, mas não foi assim que aprendi português —
Nico responde. — Meu tio mora no Brasil há muitos anos,
tem uma pizzaria em Canoa Quebrada. De vez em
quando viajo ao Nordeste.
Isso explica o sotaque. Não é parecido com o do Pierre
— o namorado francês do Lucas —, mas é tão fofo
quanto, com as palavras mais demarcadas e uma
cadência cantarolada. Na minha opinião, a sonoridade do
italiano é melhor que a do francês, embora tenha certeza
de que Lucas não concordaria comigo (ele é
#TeamFrança até a morte).
Jesús aperta a cintura de Nico.
— Nicolò está em Barcelona para um concerto.
— Que já aconteceu — o italiano acrescenta com uma
piscadela. — Hoje é o dia de comemorar.
— Você é músico?
— Pianista.
Beleza, ele não segue o estereótipo do que se
esperaria de um pianista clássico. Agora os dedos longos
e delicados e as tatuagens musicais fazem mais sentido.
Ninguém deve ser capaz de se concentrar na música
quando ele está no palco; não quando é bonito desse
jeito.
— Gostaria de ter visto sua apresentação.
— Você teria amado. — Não há uma gota sequer de
falsa modéstia na voz. E eu teria mesmo. — Volto para a
Itália amanhã, é minha última noite em Barcelona. Quero
me divertir bastante.
— De onde na Itália, Nico?
— Firenze.
Quê?! Florença é a primeira parada do mochilão que
vou fazer no verão (que além da Itália ainda inclui Malta,
Grécia e Croácia). Não conheci ninguém da cidade nos
meus meses em Barcelona, e agora me encontro com
Nico na fila da Acrópolis poucos dias antes do voo? Quais
as chances?
— Nico, eu tenho um voo para Florença em uma
semana! A gente tem que sair quando estivermos por lá!
— Você pode ficar comigo, se quiser — diz ele de
imediato, a ambiguidade evidente. — Meu roommate
viajou e o quarto dele estará livre — explica.
— Poxa, já tenho reserva em um hostel. Mesmo assim,
obrigado.
Tudo bem que é uma reserva cancelável . Ainda que as
metas para o verão envolvam me aventurar e viver
coisas novas, não conheço esse cara bem o bastante
para aceitar um convite como esse.
Pelo menos, não ainda.
Quem sabe até o fim da noite?
— Que pena, adoraria te mostrar a cidade.
— Uma coisa não impede a outra. Posso não me
hospedar contigo e ainda ganhar um tour, certo?
Nico sorri.
— Tem razão. Não há nada como Florença em uma
manhã de sol.
Jesús dá um empurrãozinho em Nico.
— Italianos sempre acham que a Itália é o que há de
melhor no mundo.
— Porque é verdade! Barcelona vira apenas uma
sombra em comparação a Firenze. Você vai ver, Eric —
Nico rebate e fixa o olhar em mim. Depois, com o sorriso
ampliado: — Me dá seu número. Serei seu guia particular
na Itália.
— Ah, claro. — Tento não parecer empolgado demais,
embora esteja. Pra caramba. — Aqui.
Jesús me analisa enquanto passo meu celular a Nico.
Ele tira o cigarro da orelha e apalpa a calça de Nico em
busca de um isqueiro como se aquele gesto já fosse
familiar. Quando encontra, acende o cigarro. Dá um
trago. Em seguida, estende o braço na minha direção.
— ¿Quieres? — Jesús oferece. Os olhos castanhos
percorrem os meus.
— Sí, gracias.
Faço menção de pegar o cigarro, mas então, no último
segundo, ele se aproxima e o leva à minha boca. O rosto
está colado ao meu agora — um ato de covardia, uma
declaração de guerra.
Puxo a fumaça e a solto.
— Só um trago. — Sou incapaz de parar de encarar os
lábios dele. — Tô tentando parar.
— Vale. — A ponta do seu polegar encontra meu
queixo, depois passeia suavemente por minha boca…
— Pronto, fatto. — Nico me devolve o celular. Jesús dá
um passo para trás e gira o corpo para continuar
fumando, embora não rompa nosso contato visual. A
brisa marítima de Barcelona dissipa a fumaça. — Salvei
meu número, me procura quando estiver na Itália. A hora
que for, no momento que quiser.
Esboço um sorriso ao olhar a tela do celular. Nico
salvou seu contato como “Judas de Firenze”.
A fila avança de verdade agora.
Com a conversa, nem percebi que já estávamos quase
na entrada. Finalmente, o segurança nos revista e
permite nosso acesso ao saguão da Acrópolis. As paredes
brancas vibram; o espaço já é mais quente, com uma
estátua do deus Príapo no meio do salão, o chão de
mármore polido refletindo as luzes coloridas.
Me preparo para pagar o ingresso, mas Jesús me puxa
pela cintura. O quadril pressiona o meu rapidamente, só
a sugestão de um toque, mas o suficiente para arrepiar
todo meu corpo.
— Deixa comigo — ele murmura.
— Não precisa, Jesús.
Balança a cabeça.
— Cortesia da casa.
E porque os dois devem ter armado um complô, Nico
se aproxima de mim quando Jesús abre espaço; sua mão
passa de raspão na minha. Só então percebo a outra
tatuagem no antebraço, uma cobra serpenteando.
— Gosta? — pergunta ao me ver observá-la. Ele ergue
o braço, mas eu hesito. — Pode tocar.
Parece íntimo passar os dedos na tatuagem, na
sinuosidade do traço. Ainda assim, é o que faço. Analiso
o trabalho criativo do desenho. Não é uma cobra prestes
a dar um bote, e sim uma criatura adaptada ao seu
habitat, confortável demais consigo mesma para precisar
trocar de pele.
Como Nico.
— É bonita. — Ergo a vista; a atenção de Nico está
completamente focada em mim. — E a partitura?
— “La passione secondo Matteo”. A primeira do Bach
que meu avô me ensinou — explica, a voz caindo um
tom. — Ele adorava.
A primeira impressão que tive de Nico foi equivocada.
A princípio, achei que fosse mais velho do que realmente
é — mas deve ter a minha idade, talvez apenas um
pouco mais. Os olhos de pirata são contornados por cílios
longos, como se pintados com lápis. Os lábios formam
um coração e a pele é macia ao toque. O modo como o
cabelo liso cai sobre a testa e ele o joga para trás; o jeito
como sorri despreocupado…
— Veio só, Eric? — Nico pergunta.
Faço que não com a cabeça.
— Meus amigos estão lá dentro.
— Hum — ele diz. — Mas vai dançar comigo e Jesús um
pouco, não vai?
— Claro. Uma dança não mata ninguém.
Ele me enlaça pelo quadril.
— Mais que uma dança também vale?
— Depende, eu teria que pensar a respeito.
Nico me encara.
— Gostei do seu cabelo, gostei do seu jeito — ele
decreta meio do nada. — Gostei de você.
Ainda estamos presos no olhar um do outro quando
Jesús chega. Ele parece mais animado; dança no ritmo da
música pop que faz as paredes estremecerem.
O garoto abre um sorriso iluminado para Nico. A luz
rosa da escadaria que leva ao subsolo da boate cintila
sobre suas feições, e ele passa relaxadamente um braço
ao redor do meu ombro.
— Bueno, así mejor que empieze la fiesta, ¿no? — Jesús
beija minha bochecha. Parado na entrada do templo da
Acrópolis, ele diz: — Um brasileiro, um espanhol e um
italiano entram em uma festa gay em Barcelona. Como
termina mesmo essa piada?
Não faço a menor ideia, mas estou gostando das
possibilidades.
4
O dia em que quase beijei Jesus

A nostalgia é sorrateira. Ela te quebra por dentro, destrói


cada pedacinho do seu coração com uma saudade que
parece — mas só parece — inofensiva. Te paralisa
quando você escuta músicas antigas que te transportam
a lugares impossíveis de regressar, beijos que não serão
repetidos, pessoas que não voltará a ver… É uma
bomba-relógio prestes a explodir.
Não sinto nostalgia da minha infância nem da maior
parte da minha adolescência. Porém, sei que vou sentir
falta disso. Da Acrópolis. Dos meus dias de intercâmbio.
De Nico e Jesús. Da versão de mim que flerta com esses
garotos, entra na festa abraçado com eles.
Gosto de quem eu sou em Barcelona, especialmente
porque o Eric do passado não se sentia desejável. Só
comecei a ter noção de que a perspectiva das outras
pessoas em relação a mim havia mudado no último ano
do ensino médio. Passei tanto tempo sendo motivo de
chacota que desconfiava daquele súbito interesse das
meninas (e alguns meninos) do colégio por mim.
Eu não via o que viam, afinal, apenas conhecia o ódio
que meu corpo sofrera.
No dia em que Lucas falou que talvez tivesse
sentimentos românticos por mim, ri na cara dele.
Impossível . Antes, eu era o garoto sem graça e que não
era digno da atenção de ninguém, deixado de canto. Só
não mexiam comigo por medo do meu pai. Sem que
soubesse, foi a reputação ferrenha do vereador Dino
Santos que me salvou.
Passei minha infância me esforçando para viver na
sombra, onde a chance de ser machucado era menor. Foi
muito custoso desapegar desse sistema de defesa. E,
quando comecei a gostar um pouquinho de mim, achei
que entrar no padrão era a saída. Nas férias depois do
segundo ano do ensino médio, me joguei na academia
como se fosse a solução de todos os meus problemas.
Não para ficar saudável, mas sim para parecer saudável
frente aos outros.
Uma performance que não levava em conta minhas
próprias necessidades, que buscava um padrão
inalcançável na prática. Eu só queria ser desejado — e
estava disposto a fazer o que fosse para isso.
Dentro de casa, ficar no armário foi uma questão de
sobrevivência. Eu e minha mãe não tínhamos voz ou
liberdade para nada, apenas obedecíamos às vontades
do meu pai, mantendo a imagem de família perfeita para
seus eleitores sem jamais sair da linha. Não era apenas
minha sexualidade que eu escondia. Era eu mesmo.
Acho que foi por isso que me apaixonei pela Lady
Gaga.
Um gay com sua diva: existe clichê maior? Parece que
somos assim há gerações. Donna Summer, Cher, Janet
Jackson, Gal Costa, Madonna, Britney, Whitney Houston,
Rita Lee, Mariah Carey e tantas outras mais. Gays
sempre tiveram seus ícones, mulheres que os faziam se
sentir à vontade com a própria feminilidade em uma
sociedade machista e homofóbica. Claro que eu não
sabia de nada disso ao conhecer Gaga — pessoas queer
não marchavam pelas ruas de Luna do Norte com
bandeiras arco-íris.
Quando não existe mais ninguém ao seu redor dizendo
que você é incrível por ser exatamente quem é, e uma
baixinha sem medo de expressar suas várias facetas
aparece na televisão te dizendo para ter orgulho, você
acredita.
Na capital, até é possível ver um ou outro casal de
bichas de mãos dadas no shopping. No interior, não.
Porém, Stefani Germanotta tinha um jeito monstruoso de
me fazer sentir visto. Escutar “Bad Romance” na rádio
com meu pai sem que ele fizesse a menor ideia de quem
era a cantora por trás da música, ou assistir uma
reportagem do Fantástico sobre a Gaga no meio de um
jantar de família, fortalecia quem eu era.
Era como vencer às escondidas.
Quando dançava as faixas do The Fame Monster
sozinho no quarto, nocauteava papai todos os dias. E
quando ia para a escola de cabeça erguida, era só
porque meu mp3 tocava Born This Way no fone de
ouvido, e ninguém poderia me deter.
(Isso e o fato de que Lucas estava lá também, claro, fã
da Katy Perry, uma rivalidade alimentada durante anos.
Nunca foi Flamengo versus Botafogo entre a gente; era
Gaga versus Katy, “Roar” versus “Applause”, e a gente
adorava.)
Uma vez, Lu me perguntou por que eu amava tanto
Stefani Germanotta. Assistíamos pela milésima vez a
reprise do vma de 2011, agarrados a uma panela de
brigadeiro no apartamento que dividíamos em Natal.
— Sabe por que a Gaga é tão incrível? — respondi. —
Porque tem muita gente que põe um sorriso no rosto,
uma roupa colorida e finge que está tudo bem. Mas
quando a Gaga abraça a própria sombra sem se
esconder, ela conforta a minha sombra. Está dizendo que
não há nada de errado em ser quem eu sou, ou sentir o
que eu sinto, mesmo se for algo considerado feio. Ela não
dissimula, e essa honestidade em ser quem ela é, em
mostrar todos os monstros que a consomem por dentro…
isso é foda. Ela não odeia a própria esquisitice, ela a
celebra. E eu acho que isso é como ser lgbt.
Não acho que estaria aqui hoje se não fosse pela Gaga.
Por isso, quando a primeira canção que toca na festa
assim que Jesús, Nico e eu descemos as escadas brancas
de mármore da Acrópolis é a faixa de número treze do
Artpop, “Gypsy”, eu me jogo na pista e berro “essa é a
minha música!” enquanto os garotos me olham com um
sorriso.
É óbvio que a maior parte das pessoas não conhece a
canção, mas eu seria capaz de beijar os pés do dj em
agradecimento. Outros little monsters saem das
sombras. As luzes roxas da boate dançam com a gente,
piscam enquanto traçam caminhos elaborados pela
multidão. Grito cada parte da letra que Gaga canta, os
versos sobre arrumar as malas e partir na direção do
desconhecido, sobre seguir em frente apesar do que
deixamos para trás.
Gravo vídeos para amigos do fandom e para Lucas, que
sabe mais do que ninguém a importância desse
momento para mim. Acho até que choro, só um pouco,
de mãos dadas com uma drag queen. Nos esgoelamos;
sua peruca rosa balança alto, glitter reluz como
escaravelhos no deserto. A lace dela descola um
pouquinho na testa, mas quem se importa?
Agora sou um viajante em outro continente, e a letra
da canção ganha novo sentido. Não estou sozinho.
Mesmo se estivesse, faria diferença? A música é minha
companheira.
— Lindo te ver leve assim — Jesús diz por cima da
música seguinte quando chego ao seu lado. Ele me puxa
para um canto da boate onde podemos conversar sem
precisar berrar para sermos ouvidos e me entrega um
copo de gim-tônica com pepino e pimenta negra.
— Não passei vergonha, né? — respondo depois de
brindarmos. A garganta agradece a bebida gelada.
— Claro que não. Me encantó verte feliz. — Jesús me
encara daquela forma intensa que me deixa sem jeito.
Desvio o olhar. Não por muito tempo, só enquanto
recupero o fôlego.
— Cadê o Nico?
— Ali.
Jesús indica o banheiro com a cabeça. Nico tenta falar
com alguém pelo celular, aproximando a boca do
microfone. Está sério, o cenho franzido.
— Provavelmente é a mãe dele — Jesús conta ao
analisar o italiano. — Ela segue cada passo do Nico e,
quando ele não dá notícias, liga pra saber como está,
mesmo Nico morando sozinho em Florença há bastante
tempo.
— E a sua mãe? É assim também?
— Não, não. Nos falamos de vez em quando. Ela vive a
vida dela em Málaga, e eu a minha em Barcelona. —
Então Jesús não é da Catalunha, mas da Andaluzia. Ainda
não consigo diferenciar os sotaques entre as regiões. —
Estamos bem assim.
Será que as mães de Nico e Jesús sabem de suas
sexualidades? Sinto que mainha sabe da minha. Mesmo
que guarde essa informação para si — duvido que
conversaria a respeito com meu pai —, não acredito que
haja a menor possibilidade de que desconheça o fato de
que sou gay.
Nos meses confusos em que Lucas e eu ficamos a fim
um do outro, só pensávamos em nos beijar. De repente,
assistir clipes, jogar The Sims e rpgs de Percy Jackson no
Orkut já não bastava. Trocávamos beijos sorrateiros no
banheiro da escola, ou atrás do ginásio, ou na sala de
aula antes dos outros alunos chegarem.
Na época, fiquei obcecado. Não por estar apaixonado
por Lucas, mas por estar apaixonado pelo desejo que ele
acendia em mim. Pela sensação de tocar outro garoto,
sentir meu corpo vivo, ter alguém com quem
experimentar cada vontade sem precisar sofrer uma
rejeição.
Era algo tão novo.
Como era possível que o mesmo corpo que foi motivo
de risada entre os valentões da escola me
proporcionasse tamanho prazer? Tomar consciência de
que meu corpo não era uma prisão, e sim uma fonte de
desejo, um mapa a ser desbravado, foi transformador.
Tenho uma lembrança dessa época que se destaca.
Lucas e eu assistíamos um filme no meu quarto. Era
Tron: O legado, que demorou horas para baixar. Também
era chato que só a porra, por isso beijar Lucas era muito
mais divertido.
Meus pais estavam em casa, mas mainha não era de
invadir minha privacidade. Me despreocupei. Só que ela
fez pipoca para a gente e entrou no quarto sem bater. A
cabeça de Lucas estava no meu colo; eu fazia cafuné no
cabelo dele de uma maneira romântica demais, mesmo
para dois melhores amigos inseparáveis.
Ela me encarou. Estava escuro, mas vislumbrei a
suspeita em seus olhos castanhos.
— Aqui — ela disse, seca, e estendeu a bacia de
plástico para mim. — A pipoca de vocês.
Soube na hora que alguma coisa estava errada. Peguei
o balde e bati de leve em Lucas para ele se sentar.
Coloquei a pipoca no colo e agradeci. Por sorte, Lucas
estava entretido com uma cena de ação e só balbuciou
um obrigado rápido para mainha, sem nem tirar os olhos
da tela do computador. Pelo menos aquela merda de
filme valeu para alguma coisa. Se Lucas tivesse sacado a
tensão no ar, o desastre seria certo.
Antes de sair do quarto, minha mãe me estudou mais
um pouco. Algo deve tê-la convencido. Ao menos
parcialmente, já que deixou a porta do quarto
entreaberta, não fechada como encontrara, e não disse
mais nada.
Depois que ela saiu, esperei um tempo até cochichar
com Lucas.
— Acha que ela sabe?
— Quem sabe o quê?
— Minha mãe, Lucas! — continuei murmurando. — Ela
acabou de ver a gente.
— E?
— Você estava deitado no meu colo! E eu estava
fazendo cafuné…
— Não viu nada de mais. — Lucas pegou um punhado
de pipoca do balde. Seus olhos fingiam estar
concentrados no filme. — Se a gente estivesse se
beijando, pelo menos…
— Você só fala assim porque não é a sua mãe!
— Ai, Eric, come a pipoca, vai!
Dei um soco nele.
— Não sei onde eu estava com a cabeça quando
comecei a ficar contigo.
Lucas me roubou um selinho.
— Nem eu.
(Mas depois que Lucas me deixou com um chupão no
pescoço, coloquei um fim naquela história. Logo depois,
comecei a namorar uma garota. Ele me odiou, eu me
iludi que conseguiria gostar de uma menina e tirei meus
pais da minha cola por um tempo. Não durou muito.)
— E você com a sua mãe? — Jesús me pergunta. — Ela
sabe que você é gay?
— Acho que sim, mas nunca contei. A sua?
— Sabe. Não se importa.
— Isso é bom — digo. — No fundo, acho que a minha
também não vai deixar de me amar. Meu pai que é o
problema.
— Quando é que pais não são o problema? — ele diz
com uma pitada de rancor.
Momentaneamente em silêncio, observamos a
liberdade ao nosso redor. Todos aqueles garotos
desinibidos, sem medo de ser quem são no subsolo da
Acrópolis, os beijos e as fantasias que não ocultam nesse
universo paralelo. A noite ainda é o único refúgio para
muitos deles — para muitos de nós —, embora a lua e as
estrelas não reluzam no céu do teto da boate.
— Obrigado pelo drinque, e pelo ingresso também. —
Bato meu quadril de leve no de Jesús e sorrio para ele. —
Não precisava, foi gentil da sua parte.
— É um agradecimento adiantado ao Brasil.
Franzo a testa.
— Como assim?
— Um presente por tudo que o país vai fazer por mim
em breve. Cosechas lo que siembras — acrescenta. —
Como é isso em português?
— A gente colhe o que planta — traduzo para ele. —
Faz sentido… Mas nem sempre funciona, Jesús.
Penso em como me dediquei na relação com Raul, e o
que recebi em troca. Eu não merecia viver um
relacionamento abusivo. Ninguém merece. Mas às vezes
achamos que sim.
Um dos meus livros favoritos, As vantagens de ser
invisível, tem uma frase que aborda esse tema. Lembro
de tê-la sublinhado a lápis no exemplar que Lucas me
deu de presente anos atrás. É engraçado como, mesmo
tendo relido aquelas palavras — “a gente aceita o amor
que acha que merece” — inúmeras vezes, isso não me
impediu de cair na armadilha, de não perceber que
aceitava tão pouco dos outros por desconhecer meu
verdadeiro valor. Foi preciso me perder em um
relacionamento tóxico para descobrir que ainda tenho
um longo caminho pela frente na minha jornada de
autoconhecimento e amor-próprio.
— Tem razão — Jesús concede —, nem sempre.
Eu encosto meu ombro em Jesús.
— Tô feliz que puxou assunto na fila, a festa não ia ter
tanta graça se a gente não tivesse se conhecido.
— Não perderia a oportunidade.
— De fazer amizade com um brasileiro e praticar
português, né?
— Não, Eric. — Ele me olha intensamente mais uma
vez. — De te conhecer.
Mordo o lábio. Droga, preciso aprender a receber
elogios sem fugir deles. Mas é tão difícil. Quando
crescemos ouvindo nosso pai dizer para nos esforçarmos
mais, mesmo entregando o nosso melhor, é fácil
acreditar que nunca seremos suficientes.
Bebo mais um gole da gim-tônica e procuro por Nico. É
conveniente usar o italiano como desculpa, sobretudo
quando é tão disputado na festa. Depois da ligação,
flerta com um garoto branco com camisa de lantejoulas
azuis.
— Acho que você está mais a fim do Nico que de mim.
Estou certo? — Jesús conduz meu braço para eu ficar de
frente para o italiano.
A pergunta me surpreende.
— O Nico é… Você sabe. Não tem como olhar pra ele e
não babar.
Jesús passa a língua no canto da boca, dá uma risada e
desvia o olhar para a pista de dança.
— Sei muito bem.
Acho que pisei em algum calo. É a primeira vez que
noto sua confiança vacilar.
— Ei, é impossível olhar pra ti e não te achar
maravilhoso — digo. Jesús vira a cabeça ao ouvir minhas
palavras. — Você não fica atrás. É tão lindo quanto ele,
se não mais.
Jesús fecha os olhos. Quando os abre, parece grato.
Não consigo conter a curiosidade.
— Jesús, você e Nico namoram?
O espanhol apoia uma das pernas na parede e respira
fundo antes de responder; os feixes de luzes coloridas da
balada iluminam as feições do garoto.
— Não exatamente…
— Parece que sim.
Dá de ombros.
— Somos só bons amigos.
— Bons amigos que se beijam?
— Bons amigos que fazem muita coisa — Jesús diz com
malícia, mas então há uma mudança em sua postura. —
Nico e eu… — Ele pisca devagar. — É complicado.
Me encosto na parede.
— Gosto de histórias complicadas.
Jesús suspira.
— Nos conhecemos uns meses atrás, Eric. Nico veio
para um concerto em Barcelona, na minha faculdade.
Depois da apresentação, reparei que ele estava sozinho e
convidei Nico para sair com meus amigos. — Seu rosto se
ilumina com a lembrança. — Eu estava nervoso, mas
senti uma conexão. Nico topou e a gente viveu alguns
dias bem intensos. Desde então, sempre que está na
cidade, fica na minha casa. Me apaixonei por Nico de
cara, e acho que ele por mim também, da maneira dele.
No início, era forte demais. Eu até considerei passar um
semestre em Florença, mas desisti do plano.
— Por quê?
Jesús pega o drinque da minha mão e dá um gole.
— Porque faria isso por amor, mas o amor é traiçoeiro
— ele confessa. — Não sei se conseguiria correr esse
risco. Por isso, quando Nico está aqui, ficamos juntos.
Quando ele volta para casa, vive sua vida. Não é um
namoro à distância, não chega a ser algo sério…
— Mas namoraria com ele?
Nós dois assistimos Nico beijar o garoto na pista de
dança, e me pergunto se isso afeta Jesús de alguma
forma.
— Não, trabalhoso demais. — Ele me olha de soslaio e
dá uma risada. — Pelo bem do meu coração, acho melhor
manter as coisas como estão. Não quero me iludir.
Recordo a alegria de Nico ao encontrar com Jesús na
fila do lado de fora da Acrópolis. O carinho transbordava
dele.
— Ele parece gostar muito de você também, Jesús.
— E de você.
Solto uma risada.
— Ah, tá.
Jesús se aproxima, passa o indicador pela minha
mandíbula, me força a olhá-lo.
— Nós dois gostamos.
Se existe o melhor momento para beijá-lo, é agora:
quando Jesús corre os dedos pelo meu rosto. Do seu
toque, nasce uma corrente elétrica, o impulso de um
motor propelindo uma nave no espaço. Os olhos
castanhos avermelhados estão fixos na minha boca,
assim como antes, vorazes. Imagino o roçar da barba do
queixo dele na minha pele, a maciez de seu braço se
minha mão passeasse por ali, explorando-o…
Contrario essa vontade, me aproximo de Jesús e dou
apenas um selinho nele.
É rápido, terno, até infantil.
Me afasto antes que mude de ideia e pego o gim de
volta. Está mais aguado que antes; o gelo deve ter
derretido. Viro o copo para terminar.
— Preciso encontrar meus amigos — digo a Jesús. —
Volto logo, prometo.
— ¿Pero ya? — A decepção contagia sua voz. — Pensé
que te besaria ahora.
— Después.
— ¿De verdade vuelves?
— Por supuesto. Aparte la fiesta no es tan grande —
enuncio cada palavra com cuidado, entrelaçando nossos
dedos. — Creo que me encontrarías sin problemas.
— Bueno… Sei que você já tem o número do Nico —
Jesús sussurra na minha orelha ao me puxar em um
abraço —, mas posso pegar o seu também? Por
precaução.
Fofo.
Salvo meu contato no celular de Jesús com emojis de
foguinho e uma bandeira do Brasil. Ao terminar, beijo a
bochecha dele.
— Na minha ausência, vai lá curtir com eles. — Aponto
para Nico e o ficante. — Parecem se divertir.
— Não tanto quanto nos divertiríamos com você.
— Sei. — Aumento nossa distância. — Cuidado com os
pecados, Jesús.
Ele junta as mãos na altura do queixo e pisca para
mim.
— Nada que uma boa oração antes de dormir não
resolva.
Quando o perco de vista, sorrindo sozinho, tiro o celular
do bolso e mando mensagem para meus amigos.

Cadê vocês?

Acabei de QUASE dar um beijo em JESUS! 😌✌

Murilo
estamos no bar da pista de reggaeton!

não faço ideia do que vc tomou, mas deixa um pouquinho pra


mim. to a fim de beijar Jesus tb 🥲
5
Como assim estão dando convite
para um ménage e não recebi
nenhum?

— Tá, deixa eu ver se captei. — Murilo, nitidamente


bêbado, me encara quando termino de fazer a
retrospectiva dos últimos acontecimentos. — Você tava
quase pegando um espanhol chamado Jesús, e o italiano
amigo ou namorado ou sei lá o quê dele vai ser seu guia
turístico particular em Florença? E também quer te
pegar? — Ele entendeu direitinho. — Meu Deus, Eri!
Como assim estão dando convite para um ménage e eu
não recebi nenhum?
Dou de ombros, girando em uma cadeira perto do bar
com um sorriso na boca.
— Que sorte, puta merda — Murilo continua. — Eu nem
cheguei perto de pegar ninguém hoje.
Paro na frente dele.
— Por que não?
— Porque ninguém me quer.
— Ai, bicha. Que mentira da porra!
Murilo é um gato, com o cabelo loiro na altura do
queixo, a franja geralmente jogada de lado e um
bigodinho fino, suave. Tem cara de nerd que passa o dia
jogando League of Legends e à noite salva o mundo com
uma identidade secreta. Não faz o menor sentido,
portanto, que sua autoestima seja do tamanho de uma
ervilha pisoteada. Se realmente quisesse, Murilo passaria
o rodo na festa.
— Oxe, é verdade. Sou imbeijável.
— Até parece — digo, e o encaro de volta, sério. —
Tenho certeza que já te deram mole hoje.
— Não vi nada disso — resmunga e ajeita a camisa.
Murilo é todo engomadinho, sempre com o cabelo
perfeitamente penteado e a roupa como se tivesse saído
da lavanderia. Depois de duas horas de festa em um
lugar quente e úmido, nem derrete como qualquer outro
mero mortal.
— Porque você está completamente obcecado em
achar que é um oompa loompa quando é a porra do
Clark Kent, Murilo!
Ele finge que não me ouviu.
— Ali, até o Ariel e o Gustavo estão se pegando — diz.
De rabo de olho, espio a cena: em cima do tablado
geralmente ocupado por dançarinos seminus, nossos
colegas de apartamento sarram um no outro sem
qualquer pudor. Bom pra eles.
— O Ariel tá a fim do Gustavo desde que a gente
começou a morar junto — revelo. Com o canudo, rodopio
o gelo no copo de bebida que acabei de pegar.
— O Gustavo tá a fim dele desde essa época também.
— Por que não ficaram antes?
Murilo dá de ombros.
— Gustavo não queria estragar as coisas no nosso
grupo. Se não desse certo com Ariel, não queria que a
gente sofresse as consequências.
— Tava na cara que os dois queriam se comer — digo
—, assim como tá na cara que você é um gostoso e vai
pegar geral hoje, se deixar de ser besta.
Murilo exala profundamente.
— Às vezes acho que nada disso aqui é pra mim.
Lá vem.
— Disso o quê?
— Da vida gay. Festas, pegação, corpo malhado e boys
do Grindr…
— Quantos anos você tem, Muri? — eu arengo. —
Trinta?
Murilo me ignora, inabalável enquanto segue seu
discurso.
— Nunca sinto que realmente me encaixo, esses
relacionamentos líquidos como… — Ele ergue o próprio
copo. — Como uma taça de gim.
Minha gargalhada é abafada pelas batidas de uma
música do Daddy Yankee.
— Tá bom, Bauman. Entendo completamente sua
insatisfação com o mundo gay. Acredite, também
compartilho dessa mesma dor, mas agora você está em
uma festa. — Dou uma batidinha na perna dele. — As
pessoas estão aqui para se divertir e escapar da
realidade. Não pra, tipo, acharem o parceiro ideal com
quem vão passar o resto da vida.
— Mas isso também pode acontecer!
Tá. Ele tem razão. Penso em Lucas e Pierre, um ponto
fora da curva depois que se apaixonaram à primeira vista
em uma boate. Ainda assim…
— Por que não acontece comigo? — Murilo pergunta, a
voz fina.
— Nada vai acontecer se ficar choramingando aqui no
bar, vai?
Esse andar da boate tem músicas latinas tocando no
lugar do pop habitual e das batidas eletrônicas. Há mais
gente também, e eu me abano com um leque de papel
que encontrei na mesa, afastando as gotículas de suor na
testa enquanto observo os arredores.
A decoração geral, no entanto, permanece: os
bartenders servem coquetéis exóticos vestidos com
togas brancas, alguns com acessórios com folhas de
louro e coroas douradas. Máscaras e enfeites de cabeça
criam um visual teatral no interior da boate. É divertido
ver todos esses gays sem camisa, alguns com jockstrap e
body chains, em meio a colunas de mármore que
simulam templos gregos clássicos.
Em um fim de semana comum em Natal, eu estaria no
Titanic. Ainda que minha primeira lembrança na balada
seja gritando um meme da Inês Brasil na proa,
quebrando o celular do Lucas e vomitando nos pés do
meu amigo depois de uma briga com Raul, ainda consigo
sentir uma pontada de saudades de casa.
Morar em Barcelona só comprova o quanto a cena
queer em Natal é icônica. Achei que a Europa seria muito
mais inovadora nesse quesito, e até é, só que a gente
não fica tão atrás. Uma única festa no Titanic reúne mais
drags do que vi em todos os dias na Espanha.
Observo tudo ao meu redor. Ariel e Gustavo continuam
se pegando, e Murilo está mais relaxado. À esquerda,
vejo um garoto tímido lançar olhares para meu amigo.
— Você tem um admirador, Murilo.
— Para de coisa.
— Juro. Olha só. — Aproveito que o garoto está de
costas para apontar. — Ali, o de vermelho. Viu? Tava te
encarando.
Murilo claramente não acredita em mim, mas paga
com a língua quando o garoto se vira de novo e sorri
para ele. É tudo breve; o gesto, o olhar, o modo como o
menino levanta o copo em um sinal de reconhecimento,
bebendo pelo canudo.
— Vai lá.
— Eu não.
— vai lá! — insisto, e dou um empurrão para que vá
para a pista.
— E eu falo o quê, Eric?
— Qualquer coisa! Ou nada! Só puxa ele, beija e
pronto, boy!
— E-eu não sou bom nessas coisas.
Reviro os olhos e o seguro pelos ombros, de frente para
ele.
Se ainda não ficou evidente, Murilo só tem dezoito
anos. É o mais novo do grupo, enquanto eu sou o mais
velho com meus recém-completados vinte e um. Antes
desse intercâmbio, Muri nem podia ir em festas. Os
primeiros rolés da sua vida são esses de Barcelona. De
certo modo, me sinto responsável, um irmão mais velho
gay abrindo as portas do vale.
— Aqui, deixa eu dar um jeito em você. — Tiro a camisa
de Murilo de dentro da calça e desabotoo os primeiros
botões de cima.
— O que você tá fazendo? — ele protesta e tenta se
desvencilhar.
— Te desencalhando! — Destruo a pose de playboy
riquinho que vai arrastar as vítimas para uma seita de
criptomoedas ao bagunçar o cabelo de Murilo. Fica bem
melhor, e abro um sorriso orgulhoso. — Pronto. Fiz o que
podia, agora é com você.
— Eric, eu espero mesmo que…
— Chega, viado. Vai beijar, vai. — Eu o empurro, e ele
cambaleia até esbarrar no garoto, que finge surpresa ao
vê-lo.
Murilo nem puxa conversa: simplesmente dá um beijão
de língua no cara. É um tanto desajeitado, mas sincero, e
eu caio na gargalhada. Já que nenhum dos meus colegas
de apartamento precisa de mim no momento, é melhor
eu cuidar da minha própria diversão (ou melhor, diversão
em dobro).
A caminho do banheiro, porém, meu olfato detecta. A
fragrância floral, misturada com patchouli e vetiver. O
aroma passa por mim como uma flecha, e minhas
lembranças são inundadas — o garoto nu no banheiro da
minha casa em Natal, borrifando o líquido em sua pele
após a ducha, o cabelo preto molhado, o sorriso dirigido
a mim refletido naquele instante turvo anterior ao
colapso de tudo, quando eu ainda acreditava ter
encontrado o amor da minha vida; tão tolo.
Eu reconheceria o perfume preferido de Raul em
qualquer lugar.
É ele.
Só pode ser ele.
Olho para os lados, à procura de quem mais temo
encontrar ali. Fico na ponta dos pés, esbarro em
estranhos na multidão com medo de que seja ele. Vejo
rostos que não são os de Raul, e as pessoas ao meu
redor viram o pescoço para me encarar, confusas.
E então, bem na entrada do dark room da Acrópolis, a
camisa cinza, o corpo esguio, o cabelo escorrendo pela
testa.
Meu fantasma materializado.
6
O fim

O dia em que finalmente terminei com Raul foi um dos


piores da minha vida.
Raul me recebeu com um selinho na porta de sua casa,
mal reparando em mim. Disse um “oi” rápido e se jogou
no sofá, a cara enfiada no celular. Desconfortável, fiquei
em pé ao lado dele. Ao me ver ainda parado perto da
porta, ele franziu a testa e perguntou por que eu estava
estranho.
— Precisamos conversar — eu disse, hesitante.
— Não pode ser depois? Tô no meio de uma partida
aqui. — Ergueu o celular, conectado em um joguinho
inútil que claramente era mais importante do que
qualquer assunto que eu poderia querer discutir.
— Não. — Me forcei a parar de morder o interior da
boca. — Tem que ser agora.
E precisava mesmo. Nosso relacionamento era
insustentável. Me sentia mais doente a cada dia, as
energias drenadas. Quanto mais eu ficava com Raul,
mais pedaços de quem eu era pareciam se perder.
Quando ele tentava me beijar, eu me fechava. E quando
queria transar, fazia só para agradá-lo, olhando para o
teto esperando que acabasse, que gozasse logo e virasse
para o lado na cama para que não visse a expressão no
meu rosto.
Eu esperava que o amor e o encanto que senti por ele
no início retornassem a qualquer momento, mas, quanto
mais tempo esperava, mais a dor me consumia. Ao ficar
do lado dele, eu me traía.
Não existe nada pior do que trair a si mesmo.
— O que você quer, Eric? — ele disse.
Ríspido, grosso. Eu não era nada para ele, só uma
mosquinha zumbindo em sua orelha. Ainda assim, ele
queria me manter ao seu lado. Se eu era tão vazio de
importância para Raul, por que ele não me deixava
partir?
— Ainda com aquela história de ir para Barcelona?
— Não é só uma história. Eu vou, Raul. Ganhei uma
bolsa de estudos importante.
— Ah, tá. Sei. — Raul estalou o pescoço. — E você acha
que vai dar certo? Você nunca nem saiu do Brasil, Eric.
Nem sabe falar espanhol direito, seu sotaque vai ser
péssimo de entender. O nível das faculdades lá fora é
bem mais alto do que aqui, sabia?
Os comentários maldosos, o ar de superioridade, a
constante reafirmação de que eu não era capaz, que
meus sonhos eram menores que os dele, menos dignos
de serem partilhados…
Como pude demorar tanto tempo para perceber?
Sempre que algo bom acontecia na minha vida, Raul
fazia eu me sentir um lixo. Em seguida, emendava com
algum assunto dele, transformando toda e qualquer
conversa sobre ele, seus interesses e vontades.
Raul era o protagonista de sua vida, e reduzia todos à
sua volta a meros coadjuvantes.
— Acho que você tem que ficar. A gente pode viajar
pelo Brasil, se é isso que tanto deseja — Raul falou
diante do meu silêncio. — Seria bem mais barato pra
você e sua família.
Raul me achava pobre, mas ele nem era tão rico. E era
pão duro pra cacete. Para alguém cheio da grana como
gostava de se mostrar, contava cada centavo no rolé e
evitava se juntar aos meus amigos em passeios ou
jantares.
Demorei para perceber como era errado o jeito que me
tratava porque eu não queria enxergar. E porque, lá no
fundo, achava que merecia esse tratamento. Eu sei, eu
sei. Horrível. Por que nos sujeitamos a tão pouco? Por
que negamos o nosso valor?
— Para com isso. Para de achar que vou desistir do
meu sonho por você. Eu não quero viajar contigo ou com
a sua família — falei. — Eu quero terminar. E tô falando
sério.
Ele riu.
— Foi pra isso que você veio? — Raul cerrou o maxilar.
— Pra terminar comigo, Eric?
— Foi. Isso aqui — eu apontei para nós dois —, não
funciona mais. Eu nem acho que você esteja apaixonado
por mim. Você só gosta de me tratar como lixo. Isso te
deixa bem, né? Me humilhar e acreditar que eu vou ficar
quieto, que eu vou simplesmente te deixar sair impune
numa boa.
— Do que você tá falando? Eu nunca te tratei mal, Eric.
Tá exagerando, bebê, não precisa ser tão sentimental. —
Ele suavizou a voz. — São as provas da faculdade? Os
professores estão pegando pesado? Sabe que pode
conversar comigo sobre tudo, amor.
Travei, mordendo a boca com ainda mais força. Para
Raul, aquela cena era só mais um jogo. Um ciclo infinito
de desdenhar de mim ➞ dizer palavras cruéis ➞ botar
panos quentes para suavizar o próximo ataque. Ele
adoraria que eu caísse em sua chantagem, que
mostrasse que aquela narrativa barata funcionava
comigo.
Só que eu não estava mais disposto a me submeter a
ele.
— A gente não tem mais nada junto, ouviu? — ralhei.
— Acabou.
Ele revirou os olhos.
— Isso, vai nessa. Duvido que vai encontrar alguém
que goste de você.
Quis xingá-lo de todos os palavrões possíveis e quebrar
os vasos caros da mãe dele, que Raul dizia serem
preciosos demais para serem tocados.
Quis partir para cima dele, enchê-lo de porrada, obrigá-
lo a implorar perdão por tudo que me fez.
Mas não me rebaixaria assim.
— Sabe de uma coisa? Eu tô cansado, Raul! Esse seu
jeito nojento de me tratar como um merda só para se
sentir superior não cola mais. — Peguei uma sacola que
tinha arrumado mais cedo, com os pertences que ele
deixara no meu quarto, incluindo roupas e livros, e joguei
para ele, que a agarrou no ar.
— Ah, é assim que você resolve as coisas? — Raul
soltou uma risada debochada, a voz carregada de
sarcasmo. — Sempre o coitadinho, a vítima da história.
Depois não adianta mandar mensagem querendo voltar,
hein? Já perdi tempo demais contigo. Some da minha
vida de uma vez por todas, que eu vou encontrar alguém
muito melhor do que você.
Calei as palavras cruéis dele ao fechar a porta do
apartamento atrás de mim. Foi a última vez que o vi.
Até agora.
7
Alguém aí pediu um McClimão?

— Espera, por que você tá no McDonald’s?


É a primeira coisa que Lucas fala quando atende minha
videochamada. Está com a câmera frontal tão perto do
rosto que só vejo seu nariz.
Eu me afundo mais na cadeira, escondido em uma
mesinha no McDonald’s em Ronda de la Universitat,
perto da Praça da Catalunha, e tento não demonstrar
como meu peito sobe e desce desenfreado, a ansiedade
me corroendo como ácido.
— Eu o vi de novo — sussurro.
— Quem?
— O Raul, Lucas! O Raul!
Silêncio.
A imagem trava bem quando Lu faz uma careta. O
cabelo castanho encaracolado cresceu desde a última
vez que o vi em Paris, no início da primavera. Ele colocou
alargadores pequenos nas orelhas e veste uma camisa
de chita quadriculada. Tudo nele é tão familiar.
— Então é ele mesmo?
— Não, é um irmão gêmeo perdido na Europa —
ironizo, impaciente. — Claro que é ele, Lucas!
A expressão do meu amigo se fecha.
— Que porra ele tá fazendo aí?
— Não sei.
Encolho os ombros, me recosto no banco acolchoado
do McDonald’s e suspiro.
— Você está sozinho? — Lu pergunta.
— Sim…
— E por que os meninos não estão contigo?
Viro o rosto para escapar do olhar sério de Lucas.
— Eu não contei que vi o Raul.
— Eric! Você deveria ter avisado que era uma
emergência! Você não está bem!
— Não quero estragar a festa dos outros — resmungo.
— Eles são seus amigos. Não estamos falando de um
chilique por um garoto aleatório. Você acabou de ver um
cara que realmente te machucou no passado e te fez
sofrer pra caralho, e que desperta todos os seus gatilhos.
Não deveria estar sozinho agora!
Fecho os olhos.
Ele tem razão. Quando vi Raul na fila, senti o princípio
de uma crise de ansiedade. Jesús e Nico me distraíram
por tempo o bastante para que a sensação passasse,
mas agora piorou. Saí às pressas da Acrópolis, andando a
esmo em Barcelona com taquicardia e palpitações até
passar na frente do McDonald’s. Parei para comprar água
e sorvete, torcendo para que a glicose ajudasse a subir a
pressão ou pelo menos me ajudasse focar em outra
sensação que não fosse meu corpo inteiro em estado de
alerta.
Não é a primeira vez que tenho uma crise assim, mas
já fazia bastante tempo desde a última.
Odeio me sentir indefeso.
Odeio que Raul ainda me cause isso, ainda tenha esse
poder sobre mim.
Eu já deveria ter superado, não?
— Por que você não está aqui, Lu? — Minha voz sai
diminuta. — Um abraço seu… — Encaro meu melhor
amigo. — Ajudaria bastante.
A ternura em Lucas me acolhe mesmo a milhares de
quilômetros.
— Eri… — A imagem pixelizada se torna um borrão. —
Queria te abraçar também. Pelo menos você me ligou.
Como tá se sentindo?
— Um pouco melhor falando contigo, mas…
— A gente pode fazer a respiração do sopro da vela
que o Pierre ensinou, o que acha?
É uma boa ideia. Deixo o celular apoiado na horizontal
junto à minha carteira na mesa e ignoro a vergonha de
fazer isso em público. Endireito os ombros. Começo a
acompanhar as respirações, guiadas por Lucas do outro
lado da ligação. Inspiro forte pelo nariz e exalo o ar pela
boca. Pierre nos ensinou a visualizar uma vela na mão,
soprando-a sem apagar a chama, e é o que faço.
— Melhor? — Lucas indaga depois de algumas
repetições. Faço que sim, e é verdade. Meu corpo parece
mais firme e a dor no peito diminuiu.
— Eu tinha tanta certeza de que, se acabasse
encontrando com ele, eu não teria reação nenhuma —
solto as palavras de uma vez. — Que, tipo, a gente se
cruzaria na rua e eu só passaria direto, sem nem erguer
o queixo pra cumprimentar, sabe? Mas não. Aqui estou
eu, me escondendo na porra de um McDonald’s quando
poderia estar curtindo com dois caras super maneiros
claramente a fim de mim!
— Ei, pega leve. Raul foi seu primeiro namorado de
verdade, seu primeiro em tantos sentidos… — Lucas me
tranquiliza. — Nossos sentimentos e emoções não
seguem uma linha reta. Você é humano. E daí que não
reagiu como um robô? Sua dor tem direito de existir. O
pior que você pode fazer é silenciar o que está sentindo.
Sua dor tem direito de existir.
Algo custoso de entender e assimilar. Depois que
terminei com Raul, por muito tempo pensei que minha
dor não fosse uma prioridade, e que a melhor maneira de
lidar com sua presença era ignorá-la.
Há tantas coisas urgentes acontecendo no mundo,
afinal.
Em comparação, que importam meus sentimentos?
Porém, é claro que importam, pois são meus.
Negar minha dor é negar a mim mesmo, me anular. A
questão nunca foi apenas um coração partido. Foi a
violência na relação, a dinâmica abusiva dentro dela, que
refletia em outras violências que passei a vida sofrendo.
Negar minha dor é continuar com o meu processo de
opressão e desumanização.
Já não posso mais permitir que isso se estenda.
— Sem falar que encontrar seu ex em Barcelona depois
de séculos sem se verem, numa festa onde você só
queria ficar bem e curtir, não é pouca coisa! — Lucas
preenche a lacuna do nosso silêncio. — Mesmo que,
beleza, ele seja um ex tóxico e terrível e provavelmente
a pior pessoa que eu conheço depois do seu pai, Eri, tá
tudo bem ficar mexido.
Termino de beber a água que comprei e reparo melhor
em Lucas. No alpendre da casa dos pais em Luna, se
balança na rede amarela que conheço desde sempre.
Vê-lo assim traz uma nova onda de saudades. Não é
algo que me acontece com frequência — adoro estar
aqui, os desafios que a vida no exterior me traz, todos os
desconhecidos que ainda vou encontrar. Só que às vezes
é impossível controlar o desejo de estar perto dos meus
amigos.
Os olhos castanhos de Lucas, granulados na tela,
focam só em mim, me dão completa atenção.
— Qual o próximo passo agora? Vai voltar pra festa ou
pro seu apê?
— Pra festa.
Lucas comemora.
— Boa, migo! Isso aí, não deixa o Raul estragar sua
noite!
— Mesmo com medo — falo —, não vou dar esse
gostinho a ele.
— Ele já fodeu demais com a sua vida. Volta pra lá
porque você tem uma missão — Lucas acrescenta. —
Esqueceu que tá me devendo um cunhado?
Reviro os olhos.
— Por que eu não posso simplesmente ficar solteiro?
— Porque isso estragaria nossos planos de fazer
casamento duplo!
— E eu lá quero casar, Lucas?!
— Ah, mas você vai, sim! Nem que seja obrigado.
Caímos na risada, a primeira verdadeira da ligação.
Minha respiração já não está mais trêmula, e a risada
alivia meus pulmões. Lucas anda mais obcecado que de
costume com esse lance de casamento desde que…
bom. Deixa pra lá. O protagonista dessa história aqui sou
eu, né?
— Se encontrar o Raul de novo…
— Vou falar o que precisa ser dito, e pronto.
— Ou nem falar, se não quiser. Não precisa fazer nada
que não queira. Você sabe disso, né?
— Sei.
— A única coisa que aquele filho da puta merece é uma
surra.
— Violência não resolve tudo, Lucas.
— Ah, mas que ia ser bonito de ver, ia.
Solto uma gargalhada tão alta que o carinha à minha
frente no McDonald’s me olha feio.
A tensão nos ombros diminui. Quem se importa se Raul
está em Barcelona, porra? Quem se importa se está na
mesma festa que eu? Nossa história acabou, e não vou
voltar atrás.
Raul e eu nunca, jamais, JAMAIS vamos voltar a ficar
juntos.
— Vou nessa. Deixei algumas pessoas me esperando.
— Quem? O espanhol lá?
Faço uma retrospectiva do meu encontro com os
meninos. Lucas me dá um sorriso malicioso no fim.
— Tá vendo? É disso que eu tô falando, Eri! O Universo
não te deixou sozinho.
Ah, a ironia dessa frase vinda dele. Lucas odiava
quando eu falava em conexões do Universo até a noite
em que conheceu o francês, o amor que ele achava não
ser capaz de viver, em uma série de casualidades digna
de cinema. Aquele foi o dia que sua vida se transformou.
Para ser sincero, foi o dia que nossas vidas começaram
uma nova página. Um ano atrás, o Titanic nos
transformou.
É absurdo pensar em como os papéis se inverteram,
como tudo pode mudar em um estalar de dedos. Hoje
sou eu o solteirão do grupo, e não Lucas, apesar das
dificuldades de um relacionamento à distância. Eu seria
incapaz de acreditar se me contassem que, em doze
meses, iria embora de Natal, me mudaria para
Barcelona, terminaria com Raul e estaria de rolo com
dois garotos lindos em uma festa.
— Te amo — digo para Lucas. — De verdade.
— Também te amo. E Eri — ele sorri e aproxima a
câmera do rosto —, só mais uma coisa. Você me ajudou a
entender que nada acontece por acaso, que a vida tem
seu próprio ritmo… Então, acho que a situação de hoje é
como o bicho-papão de que a gente morre de medo na
infância. Ele só assusta quando está escondido. Quando
a gente decide acender a luz, descobre que não tinha
nada ali. Talvez você só precise aprender que o seu
monstro já não te domina como antes, mas você nunca
vai saber se não encarar isso de frente. E eu sei — Lucas
continua, tão gentil — que você é uma das pessoas mais
fortes e fantásticas que já conheci. Não se esqueça disso.
Minha boca se curva em um sorriso gigante. É como se
meu amigo não estivesse em outro continente, e sim do
meu lado, me apoiando. Isso nunca vai mudar.
8
O beijo de Judas

De volta à festa, faço uma promessa para mim mesmo:


não vou dar a mínima.
Sério, que se foda.
que se foda mesmo!
Raul pode ir pro quinto dos infernos, exatamente como
merece. Por que eu deveria me sentir mal por ter
esbarrado nele? Por que eu deveria sair pra deixá-lo mais
à vontade? Nunca fiz nada de errado, exceto me
apaixonar. Ele é quem está no meu espaço, na boate que
virou tradição com meus amigos, na cidade que não
estava ao meu alcance, segundo ele.
Se no começo me assustei com a possibilidade de
esbarrar em Raul, agora estou com tanta raiva que, se
acontecer, é melhor que ele esteja preparado.
Enquanto Britney Spears canta “Gimme More”, encaro
meu reflexo no banheiro da Acrópolis. Antes, preferia
desintegrar a me olhar no espelho. Odiava cada parte do
que via ali. Se os outros me viam com repulsa, eu não
deveria sentir o mesmo? Às vezes, tudo o que eu mais
queria era sumir, sumir pra valer.
Agora tento ser mais gentil, rebato pensamentos
negativos com positivos. Quando penso que sou feio e
que minha existência não vale de nada, respiro fundo e
digo que sou lindo e tenho valor. Parece bobo, mas a
gente passa a maior parte do tempo se colocando para
baixo, principalmente se nosso corpo, sotaque,
sexualidade ou identidade de gênero não seguem os
padrões esperados pela sociedade.
Lembro da primeira vez que falei que me amava em
voz alta. Busquei as palavras várias vezes, só que,
entaladas na garganta, custavam a vir. Por uns cinco
minutos, tentei falar. A voz não saía. Lágrimas
começaram a rolar pelo rosto, eu me sentia fervendo por
dentro, até enfim arrancar as palavras em meio aos
soluços:
— Eu me amo.
Meu Deus, como foi difícil. Porém, depois de romper
esse bloqueio, nunca mais deixei de repetir a frase.
Descobri que um simples “eu me amo” funcionava como
um mantra poderoso. Uma vida toda de “eu me odeio”,
“eu sou horrível”, “ninguém nunca vai me querer” me
fazia encarar o amor como se eu estivesse à beira de um
precipício, suspenso apenas por um galho seco e
quebradiço, esperando uma mão oferecer ajuda.
Ninguém nunca esteve destinado a me salvar. Sou
minha própria salvação; só não sabia disso ainda.
— Dai, Eric! Te achei!
Nico aparece no banheiro movimentado da Acrópolis,
com os primeiros botões da camisa entreabertos e o
cabelo bagunçado. Acabou de sair de uma das cabines.
Se posiciona ao meu lado e lava as mãos distraído. Está
mais solto do que antes, uma pena flutuando pela brisa.
— Estava te procurando, você sumiu — ele continua. —
Ficamos preocupados. Está tudo bem?
Involuntariamente, encolho os ombros. Forço um
sorriso, endireito a postura; tento recuperar a animação
de antes. Não quero que saibam sobre o lance com Raul;
só quero ser o estrangeiro legal se divertindo na festa.
Não é pedir demais.
— Tive um contratempo e fiquei lá fora enquanto
resolvia — respondo, sem dar muitos detalhes. — Já
estou melhor, obrigado por perguntar.
Ele sorri.
— Daqui a pouco já não vou mais conseguir falar
português — Nico brinca ao enxugar as mãos com papel
toalha.
— Por que não?
— Duas possibilidades. Ou estarei muito bêbado… —
Ele faz uma bolinha com o papel e a atira na lixeira. —
Ou estarei te beijando.
— Bem — sorrio para ele —, que tal os dois juntos?
Nico se aproxima por trás e encaixa a cintura na minha
bunda. Seu olhar encontra o meu pelo reflexo do espelho
à medida que insinua a boca para perto da minha orelha.
— Somos guapíssimos juntos, ¿no?
Até então, Nico não falara nada em espanhol. O
sotaque italiano segue presente; a cadência musical do
idioma materno se esgueira entre as palavras.
Observo nosso reflexo. Nico, com as tatuagens na pele
alva, os lábios vermelhos, um quê de mistério e
entusiasmo no olhar. Eu, com a calça branca e a camisa
laranja com lantejoulas resplandecentes, a trança-raiz no
cabelo com degradê dos lados, os lábios grossos e a
barba geometricamente perfeita.
— Eres guapo — digo, mantendo a conversa no
espanhol.
— Não. — Ele balança a cabeça lentamente. — Eu disse
que nós dois somos.
Uma onda de calor me percorre quando Nico mordisca
o lóbulo da minha orelha.
Em outro lugar, os caras que entravam e saíam
banheiro sem dúvida reparariam naquela interação, a
julgariam. Não aqui. No mínimo, noto desejo na reação
de outros homens que passam por nós antes de voltar à
festa. Tampouco somos os únicos que se divertem;
algumas cabines estão fechadas há mais tempo do que
deveriam.
Nico sorri malicioso enquanto a língua desliza pelo meu
pescoço.
— Nunca peguei um italiano — digo, mordendo o lábio.
— Não? — ele pergunta. Com as mãos na minha
cintura, ele me vira até ficarmos cara a cara, meu corpo
preso contra a pia. Sem deixar de olhar para ele, balanço
a cabeça. — Isso é bom, vou ser o seu primeiro.
Filho da puta.
A sensação que experimento ao lado dele, o Eric
sedutor que Nico traz à tona, é deliciosa.
— Foi bom, Nico? — pergunto. Agora mais de perto,
noto os olhos vermelhos e o cheiro de maconha em sua
camisa.
Momentaneamente confuso, ele franze o cenho.
— O quê?
— O beijo que você deu naquele garoto quando Jesús e
eu estávamos olhando.
Ele se afasta para me sondar melhor, mas logo se
aproxima de novo e toca minha boca com o polegar.
— Ficou com ciúmes?
— Do outro cara? — digo, e ele assente. — Um pouco,
talvez.
— Por quê?
— Preferia que você me beijasse.
Nico aperta meu quadril. O som abafado do baixo
elétrico de uma música pop pulsa do lado de fora do
banheiro.
— Todavía puedo besarte, si quieres — ele sussurra. —
¿Puedo?
Sei que flertar com Nico é flertar com fogo. Com Jesús,
tudo parecia mais seguro. Com o pianista, por sua vez, é
arriscado, perigoso. Ainda assim, é apenas uma noite,
uma festa entre tantas… Esse beijo de Judas pode ser o
início da solução, não do problema.
Nico pressente minha resposta e me puxa para a única
cabine disponível. Fecha a porta atrás de nós e me
pressiona com força contra a superfície de madeira
enquanto suas mãos exploram meu corpo. Ele esgueira
um dedo até o elástico da minha cueca, sem perder
tempo.
Murmura meu nome, os olhos cor da noite fixados em
mim.
— O que você dizia?
Mesmo com a respiração e os pensamentos nebulosos,
encontro lucidez suficiente para elaborar as próximas
palavras:
— Que quero muito te beijar.
Nico grunhe. Quando ficou tão quente nesse banheiro?
Suor brota da minha pele, ensopando rapidamente a
camisa. Dentro da cabine no subsolo de Barcelona, o
verão recém-chegado escalda como as areias de um
deserto à luz do dia.
Ou talvez seja apenas Nico.
Nico: o Sol, cinco mil e novecentos graus queimando
em toda a superfície. Tenho medo de que, se chegar
perto demais, vou acabar em chamas.
Mas é exatamente isso que eu quero, não?
Ser queimado por Nico, como Roma incendiada por
Nero.
— Jesús… — minha voz vacila.
Os olhos castanho-avermelhados do espanhol me vêm
à mente. Falei que o beijaria, mas agora estou dentro de
uma cabine com Nico, prestes a…
Se nos visse, o que Jesús pensaria?
Nico rebate minha pergunta com um sorriso atrevido e
me puxa para mais perto. Nossos lábios estão a menos
de dois centímetros de distância, a respiração dele
quente em meu rosto.
— Não se preocupa, bello. Jesús não se importa.
— Como você tem tanta certeza?
— Vamos todos nos divertir juntos essa noite. Não te
ensinaram na matemática que a ordem dos fatores não
altera o resultado?
Então Nero acende a tocha, o Sol encontra minha boca
e Roma arde em chamas. Sinto meu corpo enrijecer
quando Nico me agarra e me beija. Aprecio o vazio
repentino da minha mente, como cada pensamento se
esvai sob o fogo.
Dedico atenção plena à sua boca, completamente
concentrado no presente, no fato de que a mão
ultrapassa as fronteiras do tecido da cueca e me toca. É
atenção plena o que sinto quando ele morde e chupa
meu lábio, depois ofega contra meu rosto, enforca
levemente meu pescoço…
— Mi dispiace, bello. I was going too fast — ele mistura
idiomas em seu sussurro. Se interrompe e alinha nossos
olhares; a mão permanece no mesmo lugar de antes,
onde deveria estar. — Foi você, sabia? — diz ele, em
português, enquanto os dedos sobem lentamente de
dentro da cueca até meu peitoral. — Que me deixou
assim.
— Como?
Mas não há resposta verbal. Passo as mãos pelo cabelo
liso de Nico, prendo-o entre meus dedos e o puxo para
um beijo. É boa a sensação de ter sua língua descendo
pela minha nuca, as mordidas que deixa no meu lábio
inferior, nunca fortes a ponto de doer — mas beijar a sua
boca é ainda melhor.
Levo os dedos para o interior da camisa dele,
erguendo-a para que eu possa tocar sua pele. Ele a
arranca de uma vez e a deixa apoiada em um dos
ombros.
Um delicado piercing de prata adorna o mamilo direito
de Nico, alojado entre a camada de pelos escuros e finos
do peito definido. Devagar, me ajoelho diante dele e toco
a joia metalizada.
Nico repete meu nome com seu forte sotaque italiano.
O som da sua voz ecoa como uma melodia que eu
gostaria de ouvir repetidas vezes.
— O quê? — Eu ergo a cabeça e o fito com um sorriso
travesso. — Você é sensível aí?
Nico concorda, as sobrancelhas franzidas. Ele é ainda
mais gostoso sob essa perspectiva, a tatuagem de
partitura sinuosa iluminada pelo brilho vermelho do
interior da cabine.
Gosto de manter os olhos abertos para assistir o que
provoco em Nico quando brinco com a língua na área do
piercing em seu mamilo. Gosto do sabor dele, da mistura
do perfume com suor. Gosto da forma como ele se
contorce, os espasmos na pele, o franzir da testa, os
lábios semiabertos.
Aos poucos, minha língua desce. Sigo sua linha alba, e
paro apenas onde o cinto impõe uma barreira. Roço a
bochecha no volume da calça de Nico, sentindo sua
rigidez.
— Bello… — adverte e sacode o queixo em uma
negativa. Ainda assim, me ajuda a desafivelar o cinto
quando minhas mãos se atrapalham. A roupa desliza
pelo quadril dele; cai até seus pés e revela uma apertada
boxer branca Calvin Klein.
Seu corpo se curva sob o meu toque, o pescoço
arqueia para trás. Finalmente me livro da cueca. Com os
olhos abertos para acompanhar as reverberações dos
toques, o subir e descer do peito dele, dedilho cada
centímetro dos muitos de Nico.
Em determinado ponto, porém, ele me interrompe.
Puxa uma das tranças, ergue meu queixo com o polegar.
Um sinal de alerta emana das íris escuras…
Mas nosso momento é interrompido por uma batida
estrondosa na porta da cabine, lembrete de onde
estamos e do que estamos fazendo.
— ¿Cuánto tiempo se van a quedar ahí, maricones?
¿Una vida? — Alguém bate várias vezes seguidas em
nossa cabine. — Reinas, si quieren follar, ¡van al puto
dark room!
Sem graça, me levanto rapidamente com a ajuda de
Nico, que me estende o braço como apoio. Ele parece
levar a interrupção numa boa, embora as bochechas
coradas contem uma história diferente.
— Continuamos depois — Nico diz baixinho no meu
ouvido. Me dá um selinho enquanto veste as roupas
rapidamente; a calça apertada falha em esconder o
volume, e fico ressentindo quando ele volta a vestir a
camisa, escondendo o peitoral esculpido pelos músculos.
— Com Jesús — acrescento, mais sério.
— Claro — responde, ainda sorrindo com os lábios
inchados —, com Jesús.
A pessoa do lado de fora insiste:
— ¡Algunas de nosotras necesitamos usar el baño!
— ¡Vale, vale! ¡Ya está! — Nico responde com um
revirar de olhos. Antes que a gente deixe a cabine, ele
me segura e me beija outra vez, a expressão mais suave.
— Estava gostoso.
— Muito. Mas é melhor a gente sair antes que
arrombem a porta.
— Aqui, Eric. — Ele alisa minha camisa e passa papel
higiênico nos joelhos da minha calça. Eu nem lembrei
que usava uma calça branca quando me abaixei. — Mais
apresentável assim.
Saímos da cabine com Nico escondendo sua ereção
atrás de mim. Ao erguer a vista, vejo que quem quase
demoliu a nossa porta é a drag queen de peruca rosa
que dançou comigo na pista.
— Mira lo que tenemos aquí. — A voz da drag sobe de
tom ao me reconhecer. Ela repousa a mão no meu
ombro, rindo. — ¡No sabia que eras tú! Perdóname,
cariño.
Abro um sorriso amarelo.
— Bueno, puedes entrar ahora.
— Pues no. Que si quieren follar, vuelvan. — Ela sorri e
aponta para o interior da cabine. — Pero si quieren seguir
la fiesta, están invitados. Por Gaga.
9
Quem disse que três era demais
estava mentindo

Encontramos Jesús perto da cabine do dj na área pop da


Acrópolis.
Ele dança de olhos fechados. O cabelo cor de mel
balança conforme se mexe no ritmo da música —
“Cheers (Drink to That)”, da Rihanna, que canta com um
sorriso. Quando Nico e eu nos aproximamos, ficamos sem
graça de interrompê-lo; Jesús está tão bonito assim,
completamente entregue ao momento. As pessoas
começam a erguer os braços e a brindar com amigos ou
desconhecidos, como a letra pede, e é arriscado demais
segurar dois drinques — um para mim e outro para ele —
enquanto nos esprememos para passar pela multidão
animada.
— Jesús — quase grito, bem próximo ao ouvido dele,
para conseguir sua atenção. — Aqui, toma.
Ele abre os olhos lentamente. Um sorriso ainda maior
se forma em seus lábios ao me ver. Seus braços me
puxam pela cintura e a boca encontra o meu pescoço.
Mesmo com o corpo inclinado para trás, tentando manter
o equilíbrio dos copos nas mãos, a gim-tônica escorre e
mancha a camisa dele. Jesús, alheio, parece não se
importar; sua voz é alta e animada ao me abraçar ainda
mais forte e dizer em espanhol que sentiu minha falta.
Resisto ao impulso de beijá-lo quando Nico passa os
braços ao redor de nós dois. Uma drag queen com roupa
de guerreira amazona serve shots de tequila depois que
Rihanna diz que há uma festa rolando e todos deveriam
brindar.
A tequila é forte; Jesús engasga e Nico faz careta.
Imediatamente, tentamos camuflar o sabor com a gim-
tônica misturada com soda italiana de limão siciliano. Há
um acordo tácito para todos engolirem a bebida de uma
vez só, em um só gole. Ao terminar, o coro da música se
mistura com os sons da Acrópolis, tudo fica turvo e eu
relaxo.
Tiro o celular do bolso e faço uma selfie de nós três.
Nico pede para ver a foto; no meio, ele saiu de olhos
fechados, então tiramos outra, e mais uma e mais uma e
mais uma, os feixes de luz da boate girando ao nosso
redor. Já estamos bêbados demais e as fotos saem cada
vez piores. É divertido, o rosto corado de Jesús, as
gargalhadas de Nico, o empurra-empurra das pessoas…
Lembro de outra festa, meses atrás. Lucas, Pierre e eu
fomos na Raidd, uma boate famosa no Marais, o bairro
gay de Paris. O choque foi imenso ao nos depararmos
com os dançarinos só de sunguinha se banhando no
chuveiro em vitrines espalhadas pela balada.
Foi na quarta-feira que cheguei a Paris para
surpreender meu melhor amigo. Pierre foi quem
organizou a viagem, e nunca vou esquecer a cara do
Lucas quando abriu a porta do apartamento do
namorado em Montmartre e me viu.
— eric! — gritou ao pular em cima de mim, quase me
derrubando. Eu estava exausto depois de arrastar duas
malas pesadas pela escadaria íngreme e infinita do
prédio de Pierre, mas retribuí o abraço de Lucas. Fazia
meses que não o via; não me recordava de passar tanto
tempo longe assim dele na vida.
— Se eu soubesse que eram tantas escadas —
reclamei, dramático —, teria ficado num hostel.
A memória de primavera me traz um sorriso enquanto
danço de olhos fechados. Durante a visita, Pierre, Lucas e
eu conversamos muito sobre o verão que viria a seguir,
as possibilidades que se apresentavam para mim no
horizonte, e agora o horizonte está aqui, na pista de
dança da Acrópolis com Nico e Jesús. Em uma semana,
viajo para a Itália. Porém, até lá, não consigo evitar a
sensação de que as coisas estão prestes a mudar mais
uma vez.
Penso no breve encontro com Raul, que quase me fez ir
embora mais cedo da festa. E se eu tivesse voltado para
casa? Não estaria agora com Jesús e Nico. Deve haver
algum motivo para o destino ter me trazido a esses
garotos em plena noite de São João. E, caramba, Nico é
de Florença, minha próxima parada! Só pode ser a
resposta de que estou na estrada certa, porque é assim
que o Universo funciona após aprendermos a ler os
sinais.
Sequer registro a transição entre as faixas, e quando
dou por mim, estou ouvindo “Lush Life”, da Zara Larsson.
Nico dança na frente do dj, e Jesús, recuado, me encara.
As luzes preenchem a pista com uma tonalidade forte de
roxo. Ele parece mais lindo do que nunca.
— Que foi? — digo só mexendo os lábios, já que minha
voz não será ouvida.
— Nada — responde, mas é mentira.
Eu me aproximo. É um fascínio etílico que me puxa
para dançar mais perto, nossos corpos colados. Toco o
braço de Jesús, depois descanso a mão em seu peitoral.
Faço carinho na bochecha dele e brinco com a orelha. Se
essa é uma missão de reconhecimento, preciso
memorizar tudo caso precise de um relatório mais tarde.
A textura da pele, os arrepios que meu toque provoca,
como nos mexemos juntos ao som da música… Por um
tempo, não há mais ninguém ali além de nós dois. Eu,
perdido nos olhos de Jesús. Ele, deliciando-se com os
meus.
Quando a ponte da faixa começa, aproximo mais meu
rosto. Vejo cada detalhe de suas feições: as sardas que
pontilham suas bochechas, os cílios longos que destacam
os olhos, o contorno das íris avermelhadas que brilham
na luz neon. Ele avança a boca, centímetro a centímetro.
Então desvia, leva os lábios ao meu ouvido e sussurra,
com a voz estremecida:
— Quiero besarte.
Eu quero também, então o puxo. Beijo Jesús, aquele
beijo prometido desde que nos encontramos na fila, o
beijo que sempre foi dele e agora também é meu.
Acho que é disso que mais gosto: como o beijo é fácil.
Por que nas histórias o beijo do protagonista precisa
demorar para acontecer, ser cautelosamente
conquistado? Eu não vivi infinitos dias de inverno para
desperdiçar esse beijo no verão.
E o beijo de Jesús é uma delícia.
Ele tem gosto de manhãs de sol na praia, mel e fumaça
e dedos que raspam a areia do mar para construir
castelos que logo serão devorados pelas ondas.
De bíblico, nosso beijo não tem nada, nada mesmo,
mas sinto vontade de cair de joelhos e rezar para que
nunca termine.
Jesús desce a mão até a minha bunda, e eu levo a
minha à dele também. O gelo do último gole de gim
ainda derrete na boca enquanto ele suga e morde meu
lábio.
Desejo Jesús ainda mais perto, sua ereção contra a
minha. Mexo o quadril no ritmo da música, apenas o
suficiente para que saiba o que quero, o quanto irei
rebolar para ele mais tarde.
Quando o beijo termina, Jesús se afasta, sorri. Passa o
dedo pela minha testa e balança a cabeça como se
reagisse a uma piada não dita.
— Hermoso — sussurra, o calor da respiração pesando
entre nós. Então imerge em mim outra vez.
Meu coração acelera ainda mais que no primeiro beijo.
Penso que beijá-lo é como encontrar uma memória que
eu não sabia guardar, enterrada em mim à espera de ser
desvendada.
Mas agora há outro alguém entre nós.
A versão do Calvin Harris para “How Deep Is Your Love”
começa a tocar quando Nico aparece.
— Vocês juntos — ele diz, as costas eretas — são
lindos.
Nós três nos entreolhamos. Estamos bem debaixo de
um globo de luz, e os raios que refratam em seus vários
espelhos brilham sobre nossa pele em mil tons de roxo.
Nico passa a língua pelo lábio, Jesús sorri com a
sobrancelha arqueada e eu memorizo a cena com o que
me resta de sobriedade.
Percebo que esperam por uma deixa minha. Não
demoro para entregá-la.
Beijo Jesús primeiro, em seguida me viro para Nico.
Então, é a hora deles. A visão dos dois… Nico e Jesús se
provam com cumplicidade; gosto de testemunhá-los,
integrar essa tríade.
A primeira rodada é apenas o começo. Depois dela,
vislumbres: Jesús me beijando enquanto Nico finca as
unhas nas minhas costas. Nico descendo a mão para
dentro da minha cueca enquanto Jesús bloqueia a visão
do restante das pessoas. Jesús rindo quando a cabeça de
Nico bate na minha sem querer na pressa do
movimento…
Eu quero mais disso, da testosterona que corre debaixo
da nossa pele sob a esfera de espelhos; o painel de led
na parede atrás do dj avivando nossos rostos entre as
colunas de mármore polido. É uma experiência nova para
mim. Nós três nos beijando, o paraíso completo.
— Demasiado caliente, chicos — Jesús diz depois de
mais alguns beijos, falando alto por conta da música. —
¿Salimos un poco?
Nico e eu concordamos com a ideia.
Jesús segura minha mão direita, e Nico, a esquerda. É
difícil atravessar a multidão pulando ao som da música
vencedora do Eurovision do ano passado, “Heroes”, do
Måns Zelmerlöw. Para chegar à saída, somos forçados a
mudar de formação. Seguimos em fila, com Jesús na
dianteira e eu no meio com as mãos em seus ombros.
Finalmente, conseguimos subir as escadas para sair da
Acrópolis. Desviamos de drag queens bêbadas e de um
grupo barulhento de estadunidenses, até que Nico para
no meio dos degraus e se ajoelha. Ali, bloqueia nosso
caminho.
— ¿Estás borracho, chico? — Jesús o questiona.
— ¡Claro que no! — Nico arrasta a frase, tentando
manter a sobriedade.
— Bueno, ¿entonces que haces?
Ele fica sério de repente, um olhar intenso direcionado
a nós dois.
— Estou apaixonado por vocês.
— Apaixonado? — repito, incrédulo. Ouvi certo mesmo?
— Sim — o italiano insiste. — Molto innamorato.
Solto uma risada.
— Nico, você tem uma história com Jesús, faz sentido
estar apaixonado por ele — eu digo. — Mas a gente
acabou de se conhecer, cara, talvez seja meio
precipitado e…
— Não, Eric — ele me interrompe, fazendo beicinho. —
Vai estragar meu plano!
O português dele é uma delícia de ouvir. Antes, ele
tinha mais controle do idioma. Agora o sotaque é uma
mistura deliciosa, ora italiana, ora espanhola.
— ¿Que haces, tío? — Jesús pergunta com as mãos na
cintura.
— Eu quero — Nico abre um sorriso bêbado —, que
vocês dois sejam meus namorados.
Isso basta para Jesús entrar imediatamente na onda de
Nico.
— Tudo bem, eu topo — o espanhol diz. — Mas só se o
Eric quiser também. Isso é uma via de, sabe, mão tripla.
Os dois me olham na expectativa. A cena inteira é
ridícula.
— Não tenho certeza do que está acontecendo, mas se
Jesús topou, topo também.
— ¡buenísimo! — Nico, que se levanta com um pulo,
ergue o punho no ar. — Agora tenho dois namorados!
É fofo, mas me sinto na obrigação de corrigi-lo:
— Só por essa noite. Ainda tenho muito que refletir
antes de entrar em um trisal.
Nico volta a fazer um biquinho. Depois, agarra nós dois
pela camisa.
— Posso beijar meus namorados? — sussurra. Ele
mordisca os lábios; os olhos escuros devoram os nossos.
Esse beijo é mais atrapalhado que os outros: Nico cai
na gargalhada e Jesús esbarra o nariz no meu. Ao mesmo
tempo, é tão leve e simples que me pego desejando
prolongá-lo a noite toda. Nossa comédia romântica
particular.
Ainda estou abraçado aos dois quando sinto uma mão
no meu ombro e meu coração parar por um momento.
— Eric, não acredito! Que bom que te encontrei!
10
E vai se formando um clima terrível
entre os brothers

— Eric! — Raul repete. — Sou eu. Não está feliz em me


ver?
Eu me viro para encará-lo, depois de descer um degrau
no susto. Ele se aproxima e me abraça. Não retribuo. Fico
tenso. O perfume. O tom animado e alegre. A sensação
do corpo junto ao meu…
Sinto meu estômago revirar. Apesar do que me
convenci enquanto estava sentado no McDonald’s, não
estava preparado para vê-lo — não assim de perto, como
se a muralha que construí para separar nossos destinos
ruísse de repente, em um desabamento inesperado.
Raul sorri como se nada tivesse acontecido. Como se
fosse o reencontro aguardado entre duas pessoas que se
gostam e se amam. Como se não tivesse dito tudo que
disse.
Sempre o coitadinho, a vítima da história.
Duvido que vai encontrar alguém que goste de você.
Recobro meus sentidos e me afasto dele com força.
Raul está ali em carne e osso, com a pele branca que
eu costumava traçar com os dedos, o cabelo escuro e
bagunçado, a franja longa demais caindo sobre a
sobrancelha direita… Diante do meu silêncio, os olhos
dele me perscrutam com uma mistura de animação e
ressentimento enquanto sobe um degrau e impõe uma
barreira física entre mim e os homens que eu beijava
instantes atrás.
Penso em todas as vezes que imaginei nosso
reencontro. Todas as frases que formulei na cabeça, cada
ação e cada gesto. Nada me preparou para estar cara a
cara com meu ex.
— Caramba, Eric, vai só me ignorar assim?
Não consigo reagir, falar, sequer me livrar da mão dele
que agora aperta meu braço. O ar se interrompe a meio
caminho dos meus pulmões. Fico acuado, constrangido,
amedrontado. Eu gostaria de poder me defender, eu
gostaria de…
— Larga ele. — Nico praticamente rosna para Raul. —
Agora.
Raul se vira para Nico, depois volta a olhar para mim.
Subitamente, parece se dar conta do que faz. Ele se
sobressalta; olha para os próprios dedos que me
seguram com força, e, enfim, me solta.
— Desculpa — ele diz. É vergonha que vejo estampada
em seu rosto? Arrependimento? É difícil definir suas
intenções. — É que fiquei tão surpreso de te ver.
Não consigo responder.
Tento abrir a boca de novo, mas a voz não sai.
— Sai de perto dele — Nico insiste, descendo um
degrau na escada para ficar no mesmo nível de Raul.
— Não se mete — Raul rebate. — Eu conheço o Eric,
não somos estranhos.
— Não importa. Não faço a mínima ideia de quem você
é, cara, mas ele claramente não quer conversar. Vai
embora.
Raul não se intimida. Cruza os braços na frente do
peito e desafia Nico.
— Quem você pensa que é?
— Sou amigo do Eric — o italiano responde —, ao
contrário de você.
O confronto entre os dois se estende naqueles
segundos de silêncio. Jesús se coloca atrás de Nico e
puxa-o pela camisa sem dizer uma palavra. Atrás deles,
mais pessoas esperam o embate terminar na escadaria,
e a sensação de sufoco aumenta.
— Eric, é sério isso? — Raul levanta a voz. — Vai me
tratar como um desconhecido depois de tudo que a
gente viveu? Pensei que ia ter mais consideração por
mim!
— Consideração? E depois de tudo o quê, Raul? — As
palavras raspam minha garganta, mais altas do que eu
pretendia. — Você acha que estou feliz em te encontrar?!
Raul afasta a franja da testa e endireita a postura.
— Ei, calma, sem gritar. Aqui não é o lugar, podemos
conversar em um ambiente mais calmo…
— Não!
— Por favor — ele baixa a voz. — Preciso muito falar
contigo.
Essa estratégia é velha: sempre me empurrava até o
limite da minha estabilidade emocional e então resolvia
recuar para manter sua fachada calma, como se eu
estivesse me precipitando na situação.
— Qual é o seu problema? Não é não, porra! — Nico se
desvencilha de Jesús. — Sai daqui agora!
Mas Raul não se intimida.
— Manda seu cão de guarda ficar longe de mim, Eric —
ele diz, marchando um passo na minha direção bem
quando uma drag queen risonha arrisca passar pela
escada ao nosso lado, o vestido rosa de paetês
farfalhando, as asas de fadas em suas costas
tremeluzindo.
A cena se desenrola em câmera lenta.
Raul tenta partir para cima de Nico, mas quando o
italiano desvia, meu ex pisa em falso e escorrega na
cauda do vestido da drag.
A drag se segura no corrimão e consegue se firmar, e
eu me encolho ao lado dela. Raul não tem a mesma
sorte.
Ele perde o equilíbrio e seu corpo começa a rolar pelos
degraus — um, dois, três — com uma rapidez
impressionante. Os braços se agitam
descontroladamente no ar, ele tenta encontrar apoio,
mas é tarde demais.
Levo a mão à boca e sinto um arrepio percorrer o corpo
quando Raul finalmente atinge o chão e seu grito agudo
ecoa pela Acrópolis.
Não sou o único pego de surpresa: Nico também
parece completamente atordoado. É Jesús quem age
primeiro e corre para amparar Raul. Ao meu lado, a drag
queen se oferece para chamar ajuda, mas tudo o que
consigo fazer é continuar paralisado, meu olhar fixo em
Raul enquanto ele se contorce no chão, lutando para se
levantar.
— ¿Estás bien? — o espanhol pergunta ao estender a
mão para ele.
— Sai de perto de mim! — ele vocifera.
Raul consegue se levantar sozinho. Um filete vermelho
escorre do nariz e mancha a gola da camisa cinza
ensacada em uma calça jeans cintura alta com rasgos
nos joelhos. Ele leva a mão ao rosto, tonto, e é quando
nota o sangue. Seu rosto se alarma, se transfigura.
No instante seguinte, Raul desmaia nos braços de
Jesús.

Dois seguranças carregam Raul até uma espécie de


enfermaria. Ficamos do lado de fora, numa área da boate
que eu nem sabia que existia. O paramédico diz que vai
averiguar a necessidade de encaminhá-lo a um pronto-
socorro.
Depois que Jesús e eu nos sentamos em um sofá
apertado, minha cabeça repassa os últimos
acontecimentos. Na real, ver Raul ferido não é tão
satisfatório quanto imaginei que seria.
Nico volta do bar com garrafas de água que distribui
entre nós três. A sensação é de que a vida real nos deu
um tapa na cara depois do sonho que foram nossos
beijos na pista.
— Desculpa — digo a eles, de cabeça baixa.
— Desculpa pelo quê? — Jesús pergunta.
— Estraguei a noite de vocês.
— Não estragou nada, Eric.
Eu suspiro.
— Sei lá, agora vocês estão aqui em vez de estarem se
divertindo.
— Não precisa se desculpar. — Há impaciência na voz
de Nico. — Eric, o cara estava segurando seu braço com
força, você claramente não estava bem. Se alguém
precisa pedir desculpas, é ele. Ou eu.
Eu o encaro com uma sobrancelha erguida enquanto
ele senta ao meu lado no sofá.
— Você?
— Sim. Eu não deveria ter reagido de forma tão
agressiva, mas a atitude dele… — Uma sombra cruza o
rosto de Nico. — Me lembrou tanto meu padrasto.
Quando eu era criança, ele batia na minha mãe. Era
como se fosse ele de novo ali na minha frente. — Nico
desvia o olhar. — Senti que era ele. Eu não podia deixar,
eu não podia deixar que…
— Nico. — Me agacho diante dele e repouso a mão em
sua coxa. — Sinto muito pelo lance da sua mãe, que
essas lembranças tenham vindo à tona…
— Tudo bem, só promete que não vai se culpar pelo
que aconteceu — ele diz.
Fico com um aperto no coração. É impossível não
lembrar da minha própria infância. Não gosto de pensar a
respeito. Tenho tanto em mim que nunca verbalizei. Meu
pai…
Respiro fundo outra vez. Não é a hora nem o lugar para
revisitar essas lembranças.
Nico faz carinho na minha bochecha, finalmente
encontrando meus olhos.
— Quem é ele? — Jesús me pergunta em seguida. Sua
cabeça aponta para a porta fechada da enfermaria.
Sangue do Raul mancha sua camisa.
Com um suspiro, volto a sentar e bebo um gole de
água.
— É meu ex.
— Você o conheceu em Barcelona?
— Não, nós namoramos no Brasil. Terminamos antes de
eu vir pra cá. Não o via há meses. Eu queria… —
Endireito a postura. — Teria sido melhor se a gente não
tivesse se encontrado. Raul me machucou muito. Foi um
relacionamento bastante tóxico, mas eu demorei para
entender os problemas.
A voz de Jesús é suave.
— Foi por causa dele que você ficou ansioso na fila?
— Achei que o tinha visto — confirmo —, mas não tinha
certeza.
A expressão no rosto do espanhol é solidária.
— Lo siento, Eric. Então ele não mora em Barcelona?
— Não, ele mora em Natal. Eu não fazia a menor ideia
de que estava aqui, mas também não é nenhuma
surpresa. Parte da família dele é de Lisboa.
Jesús afasta uma mecha de cabelo da frente do rosto.
— Você podia ter nos avisado que isso estava
acontecendo. Poderíamos ter ido pra outra festa ou…
— Eu ia falar o quê, Jesús? Que eu achava que a porra
do meu ex tinha resolvido aparecer só para me
atormentar? — Olho de Nico para Jesús. Sei que estão
tentando ajudar, mas… — Raul já arruinou tantas coisas
pra mim, não queria que destruísse mais isso… Nós três,
nossa noite.
— Eric… — Jesús meneia a cabeça e entrelaça nossas
mãos. — Foi um presente para mim te conhecer na fila.
Me sinto bem ao seu lado, como se nosso encontro
tivesse uma importância que só vamos descobrir mais
tarde. Não quero que ninguém te machuque.
— Você está seguro agora. — A expressão de Nico é
reconfortante. — Ninguém vai te fazer mal.
Gentilmente nos abraçamos, esses estranhos e eu.
Que vida levam fora das luzes da Acrópolis, com suas
colunas e arcos simetricamente calculados, fumaça de
gelo seco e o pulsar das músicas? O que fazem em suas
manhãs, que comida preferem, o que escutam em dias
cinzentos? Que sonhos têm quando estão dormindo, e o
que sonham acordados?
A proximidade é reconfortante. Não entendo por que
permanecem ao meu lado depois da confusão com Raul.
Isso me faz pensar que, mesmo após esta noite terminar,
talvez continuem presentes na minha vida.
Amantes ou amigos, não ligo. Só quero ter a chance de
encontrá-los mais uma vez.
A porta da sala onde Raul recebe os primeiros socorros
se abre. Uma mulher simpática de olhos verdes com
hijab e uma bata branca coloca a cabeça para fora e nos
diz:
— Buenas notícias, el chico despertó. Detenemos la
hemorragia. Solo fue un susto, voy a liberarlo ahora. —
Ela se interrompe, e então, nos analisando: — ¿Quién de
ustedes es Eric?
— Soy yo — digo.
— Raul quiere verte.
Só que eu não quero.
— Dile que estaré afuera.
As sobrancelhas da mulher fazem uma careta.
— ¿No vas a esperar por él?
— No. No tengo nada que ver con él.
11
Porque eu mereço

A mancha escarlate de sangue confere um aspecto


macabro à camisa de Raul. A impressão que deixa é que
se meteu em uma briga, faltando apenas um olho roxo
para completar a imagem. Fora isso, está bem. Vaso ruim
não quebra fácil. Poderia ter sido pior — um degrau a
mais, um pouco mais de força no esbarrão com a drag
queen, e talvez essa história terminasse em um hospital.
Para ele, no caso. Eu não o acompanharia nem se me
pagassem.
Uma parte de mim acha que, independente de
qualquer coisa, a justiça foi feita hoje.
Evito olhar diretamente para Raul. Estamos do lado de
fora da boate, sentados no meio-fio enquanto ele
pressiona a compressa gelada que a equipe da Acrópolis
forneceu. Nosso silêncio é tão afiado e frio quanto o gelo
sobre o machucado em sua pele.
A meu pedido, os meninos nos deixaram a sós.
Insistiram em permanecer do meu lado, mas acabei por
recusar.
— Te daremos espaço — Jesús disse, todo preocupado
—, mas não vamos voltar pra festa ainda.
— Deviam. Não quero que parem de se divertir por
minha causa. — Olhei para Jesús, sério. — Por favor.
Ele negou com a cabeça. Nico, ao seu lado, estava em
silêncio, desconfortável perto de Raul, que não podia nos
ouvir.
— Não, Eric. Vamos ficar por perto, só por precaução.
— Jesús indicou a cervejaria e restaurante de tapas ao
lado da boate, ainda aberto para atender o fluxo da
clientela no São João.
— Jesús…
— Estamos com fome. — Ele deu um sorriso sutil. —
Não é só por você, fica tranquilo.
Suspirei, exausto. Estava cansado demais para rebater.
Eu não queria envolver mais ninguém nessa história;
sequer contei aos meus amigos esse rolo todo — Gustavo
e Ariel avisaram que retornaram para casa mais cedo, e
Murilo sumiu desde que o deixei no bar. Porém, Nico e
Jesús já estavam envolvidos. Se queriam montar guarda
e tomar conta de mim, eu ia me permitir esse cuidado.
— Nesse caso, tudo bem — falei.
— Nico está precisando colocar alguma coisa na
barriga que não seja gim-tônica.
— Mas se precisar de ajuda pra bater nesse stronzo —
Nico se empertigou —, só me chamar. Farei com prazer.
Dei um beijo na bochecha dele.
— Meu herói. Acho que você já me defendeu o
bastante por hoje.
— Tome cuidado — Jesús sussurrou antes de arrastar
Nico para o restaurante. — E qualquer coisa…
— Sei onde encontrar vocês.
— Isso. — Ele deu um beijo rápido no canto da minha
boca e fez um carinho rápido na minha bochecha. — Nos
vemos pronto.
Agora, sentado na calçada, não faço ideia de como
começar essa conversa com Raul.
O silêncio se prolonga.
É difícil me livrar do sabor amargo no céu da boca.
Odeio estar aqui com Raul.
Odeio.
— Então. — Ele pigarreia. — Barcelona. Tá gostando?
Ah, não.
Não, não e não.
Nem a pau!
Essa é a primeira conversa que temos depois de tudo o
que aconteceu entre nós. Raul só pode estar de
sacanagem se acha que vou ficar de papinho fiado.
— O que você tá fazendo aqui, Raul? — Ríspido,
tamborilo impaciente os pés no asfalto.
— Te mandei um e-mail mais cedo falando pra gente se
encontrar, não sei se você viu.
— E-mail?
— Estou bloqueado nas suas redes sociais, e dos seus
amigos também. — Ele não esconde o ressentimento. —
Nunca entendi por que precisava de tudo isso.
Meu Deus, inacreditável.
— Você realmente achou que eu ia querer te ver?
— Por que não?
— Porque estar perto de você me faz mal! É sério
mesmo que não percebe?
Raul engole em seco.
— Eu não sabia que ia te encontrar aqui. Um amigo me
disse que o melhor rolé de hoje era no Acrópolis e eu
vim. Não era minha intenção te enquadrar, boy. Se
soubesse que viria…
— O quê, Raul? Teria evitado?
— Acho que teria vindo de qualquer forma — ele
admite. — Pra tentar falar contigo.
— Eu só quero distância.
A boca dele treme.
— É um direito seu.
— Pois é, mas olha onde a gente tá. — Faço um gesto
amplo indicando o pequeno espaço entre nós. — Então
acho que conseguiu o que queria.
Por meses, achei que evitar Raul — evitar olhar para o
que deu errado no nosso relacionamento, para as
cicatrizes e bagagens que me deixou — era a melhor
solução. Só que fingir que nada tinha acontecido
claramente não funcionava.
Agora estamos cara a cara, distantes da cidade onde
nossa história começou, também em uma festa. Algo em
mim acreditava que, se o reencontrasse, eu me
desmancharia. Perderia a razão e a lógica, me sentiria
fraco. De certa forma, foi o que passou quando paralisei
na escada da Acrópolis.
Não voltará a se repetir.
— Aqueles caras lá… — Raul diz.
— Não, nem começa.
Mas ele não conhece o conceito de limites, nem
mesmo com a porra do nariz destroçado.
— Você tá com eles? — sua voz sai anasalada por
causa do machucado. — Tipo um trisal?
— Cara, não é da sua conta! Você não tem direito a
nenhuma informação sobre o que eu faço ou com quem
estou.
— Desculpa — ele diz. — É só que… Você sabe. Me
importo com você.
— Você agarrou meu braço, Raul! Mal me encontrou e
já apertou meu braço com força e não queria soltar! Só
soltou porque o Nico se meteu! — minha voz se eleva. —
Raul, esse sentimento de posse que você tem por mim
é… é doentio! Eu não sou seu, nunca fui seu. Tudo que
eu quero é que você suma da minha vida!
Raul tira a compressa de gelo do rosto, apenas para
fazer uma careta de dor e recolocá-la de volta no lugar.
— Sei que você me odeia, e tá tudo bem se sentir
assim. — Ele olha para os pés. — Entendo que esteja
com raiva de mim. Você ficou, tipo, condicionado a
enxergar maldade em cada palavra minha.
Sinceramente, eu também ficaria bravo se fosse você.
Não tem nada que eu diga que possa mudar isso.
O farol de um carro joga a luz sobre nós dois e ofusca
minha visão. Desvio o olhar para o restaurante em que
Nico e Jesús pegaram uma mesa do lado de fora. Consigo
sentir a atenção firme dos dois em mim, o que me
tranquiliza. Não acho que vou precisar de ajuda, mas é
bom saber que tenho a quem recorrer.
— Eu te machuquei, você me odeia… — Raul continua.
— Se é assim que as coisas são…
— E essa conversa é o quê, Raul? Seu arco de
redenção? Você quer que eu tenha pena de você?
Ele afasta a franja na testa. Há uma pequena linha de
sangue seco ali, mas não faço questão de avisá-lo.
— Quero me desculpar.
É impossível cair na lábia desse novo Raul arrependido.
Talvez, se ele não tivesse me agarrado na escada, eu
poderia ceder ao benefício da dúvida… mas o jeito como
me segurou mudou tudo. Foi no calor do momento, sem
que tivesse tempo de premeditar nada. E são situações
assim que revelam as reais intenções de alguém.
Pessoas mudam, aprendem com seus erros, e, se estão
realmente dispostas, tentam melhorar. Mas eu não nasci
ontem. É muito conveniente da parte de Raul ressurgir
das cinzas tal qual um cavaleiro montado em um
unicórnio erguendo uma bandeira da paz.
Na época em que estávamos juntos, Raul não poupava
comentários escrotos sobre mim, mesmo na frente dos
meus amigos e de outras pessoas. Na verdade, parecia
gostar de plateia. Uma vez, ele disse para o Lucas que a
bolsa de iniciação científica que eu batalhei para
conseguir não era grande coisa comparada à sua própria
vida acadêmica.
Em outra, enquanto andávamos numa loja de
departamentos, falou na frente da vendedora que eu
estava gordo demais e precisava perder alguns quilos se
quisesse ficar bonito com a roupa que estava
experimentando. Fiquei completamente sem graça na
frente da garota, que baixou o rosto e se afastou.
No entanto, o pior foi no dia em que contei a ele que
viria para Barcelona. Eu estava tão feliz. Ana, Thamirys,
Lucas e Pierre tinham celebrado aquela vitória comigo.
Era o meu maior desejo se tornando realidade, e Raul
sabia disso.
Só que em vez de vibrar pela conquista, Raul apenas
me olhou com desdém e disse:
— Acho que a Europa não é pra você. Tem certeza que
vai?
Fiquei sem chão. Se ele me amasse de verdade, teria
pulado de alegria. Mesmo confuso com nosso futuro, me
parabenizaria.
Quando realmente se ama alguém, você não faz essa
pessoa se sentir indigna dos próprios sonhos.
— Por que não se candidata pra uma faculdade na
Colômbia? Ou sei lá, faz algo em São Paulo mesmo? —
ele acrescentou casualmente, a voz inabalável. — É
muito mais barato ficar por aqui.
Eu sequer conseguia sentir raiva. Tudo que sentia era…
decepção. Me senti arrasado, completamente
desmerecido. Era a confirmação de que passei meses me
doando e entregando meu coração a alguém que jamais
se importou.
Nocauteado na cama de Raul, eu tentei mais uma vez:
— Amor, não ouviu o que eu disse? — perguntei. —
Passei no Ciência Sem Fronteiras! Fui aprovado em uma
das melhores universidades de Barcelona. Não tá
orgulhoso do seu namorado?
Quando ele finalmente tirou a atenção do celular e me
encarou, pensei que seria o momento em que cairia na
real e me tomaria em seus braços.
— Legal, Eric — ele disse, apenas. — Dá pra trazer um
pouco de água gelada pra mim da cozinha? Tô com sede.
Ao olhar para trás, tenho plena consciência de quão
ingênuo fui. Não queria aceitar que Raul não me amava.
Admitir que nosso relacionamento estava condenado
significava reconhecer que o conto de fadas construído
na minha cabeça não passava disso: uma invenção.
As mentiras que contamos a nós mesmos são mais
perigosas do que as contadas pelos outros.
Respiro fundo, deixo as memórias se dissiparem. Pelo
menos não está frio. Ter essa conversa com ele no
inverno seria insuportável.
— Ensaiei tantas vezes o que diria se te encontrasse de
novo. A maneira como fiz você se sentir… — Raul
prossegue com a voz vacilante. Fita o chão, a testa
contraída. — Eric, sinto muito por ter agido tão mal. Você
me amou com todo o coração, e eu te tratei de forma
horrível, no passado e naquela hora na escadaria
também. Você não merecia, nunca mereceu.
Mantenho o olhar fixo na aldrava de bronze na porta do
prédio do outro lado da rua.
— Espero que um dia possa me perdoar — Raul
murmura.
— Por que precisa tanto do meu perdão?
— Porque eu também te amei.
— Será que me amou mesmo? Tem certeza que era
amor?! — Deixo a chama da raiva explodir dentro de
mim, os braços erguidos. — Você acabou com meu amor-
próprio, sempre me fez sentir insuficiente! E isso é o
oposto do que uma relação saudável deveria fazer!
Nunca vibrou ou ficou feliz pelas minhas conquistas! E
agora que estou finalmente conseguindo me divertir, que
conheci dois caras incríveis, você resolveu aparecer de
novo e é incapaz de me deixar em paz!
Raul se contorce. Busca palavras, abre a boca, fecha. E
então solta:
— Eu te amei de verdade, Eric.
Palavras… É fácil usá-las para manipular. Escolha-as
com cuidado, mova-as entre os dedos, brinque com elas,
até conseguir o efeito desejado. Até encontrar alguém
disposto a engoli-las.
Não confio em Raul. Porra, o que ele acha? Que basta
pedir desculpas e tudo vai ficar bem? Que as memórias
horríveis serão apagadas? Que as violências serão
esquecidas? Na vida real, não é assim que funciona.
Só que também não quero carregar comigo o peso da
raiva, conservar Raul na minha vida nem mesmo para
odiá-lo. Não. Não posso . Fui eu quem abriu as portas da
minha vida para ele. Somente eu posso fechá-las.
Sei que não preciso perdoá-lo, mas, para seguir em
frente, é isso que eu vou fazer.
Não por ele.
Por mim.
Eu volto a encarar a primeira pessoa a quem me
entreguei de corpo e alma e percebo que tinha erguido
vários muros desde que terminamos. Eu me fechei, não
deixei que outras pessoas se aproximassem. Parei de
confiar plenamente nos outros porque, da última vez que
me abri, fiquei tão machucado.
Logo quando me sentia mais seguro para ser quem
sou, apareceu alguém na minha vida para refazer os
caminhos de abuso que sofri do meu pai. Foi isso que
Lucas me disse uma vez, e eu não quis ouvir. Disse que
eu estava reproduzindo com Raul a mesma dinâmica do
relacionamento com o homem que me criou.
A ferida que permanece no meu coração desde o dia
que saí do quarto de Raul em Natal segue aberta. É hora
de pegar agulha e linha e fechar os pontos, mesmo
doendo — e como dói. Nunca vou deixar o que aconteceu
comigo se repetir.
Quando decido perdoar Raul, é de mim que estou
cuidando. A última coisa que eu quero é me agarrar ao
ódio e ao ressentimento, não me permitir virar a página
para os novos começos que Jesús e Nico provaram estar
à minha espera.
Estou pronto para abandonar o pesadelo que foi nosso
relacionamento.
Estou pronto para tirar de Raul o poder que ele tem
sobre mim.
Estou pronto para deixá-lo no passado — não como
algo esquecido, mas como um aprendizado.
E se não confio em Raul, sei em quem confio.
Confio no Universo.
O Universo sabe o que faz.
Quem chega, quem entra, quem sai.
Afinal, quais eram as chances de encontrar meu ex
hoje à noite, na Acrópolis, a um mundo de distância do
lugar onde nos conhecemos? Se existe um motivo para
termos nos reencontrado, é para finalmente encerrar
esse ciclo e abrir caminho para um novo.
— Escuta, Raul. Quando me liguei no que nosso
relacionamento se transformou, não quis acreditar. Me
esforçava para ver só o lado positivo e fugia das
sombras. Acontece que, mesmo que a gente as ignore,
nossas sombras não vão embora. Se não jogamos luz
sobre elas, nos seguem, machucam.
Endireito a coluna e faço questão de olhar diretamente
em seus olhos.
— O que mais me doeu não foi só você ter sido
abusivo. Foi perceber que eu não consegui escapar dessa
realidade, que acreditei que merecia ser tratado daquele
jeito. Eu não odiei apenas você, mas a mim também. E
era isso que eu não podia tolerar.
— Eric…
Lágrimas rolam pelo rosto de Raul, mas o curioso de
tudo é que eu não estou chorando. Não me sobraram
lágrimas para lamentar pelo nosso relacionamento.
— Então, antes de você ir, saiba que fechei essa porta
entre a gente para sempre. Você e eu — digo, mantendo
a voz firme — não vamos nos encontrar de novo.
Entendeu? Nunca. Nunca mais.
Raul limpa as lágrimas com o dorso da mão.
— Posso te abraçar?
— Não — falo, simplesmente. — Não pode.
Ele assente e levanta, resignado. Já cumpri o desejo do
Universo. Dentro de mim, sei que o perdoei, mas Raul
não merece ouvir essas palavras. Nada mais precisa ser
dito.
— Te desejo tudo de melhor, Eric.
— Valeu. Pra você também.
Raul fica parado na minha frente quando nos
levantamos. Acho que espera algum gesto. Um aperto de
mão, uma batidinha nas costas… Se é isso, vai ficar
sonhando.
— Aliás, ainda penso em você quando escuto a Gaga —
diz.
— E você arruinou Marina & The Diamonds pra mim.
— Ah, não. Ela não tem culpa de eu ter sido um otário.
— Raul solta uma risada, mas sente dor por conta do
machucado no nariz e se encolhe. — Bom, então vou
nessa. Foi… hum… legal te encontrar aqui, não
esperava…
— Tchau, Raul — eu o interrompo, e o silêncio é
definitivo.
De pé na calçada, observo Raul se distanciar. Conforme
se apequena no meu campo de visão, andando com
dificuldade, imagino que ele também reduz em meu
peito e se desintegra aos poucos, minúsculo. No meio do
caminho, ele para e olha na minha direção antes de
entrar num táxi. Compreendo que essa é a última vez
que o verei.
O carro vira a esquina e desaparece na Carrer de la
Diputació.
Sinto alívio. Alívio, e um novo sentimento.
A certeza de que essa história acabou e que meu
coração está livre para amar novamente, sem medo.
Por mim.
Porque eu mereço.
12
A noite do fogo

Depois que Raul vai embora, comemoro.


O ponto-final colocado nessa história me eletriza.
Primeiro, respiro fundo, ainda sem acreditar. Depois, sou
devorado por uma vontade incontrolável de viver. Um
sorriso insistente se exibe na minha boca, leve e honesto
como não sentia há meses.
Busco Nico e Jesús no restaurante. Digo que está tudo
bem agora, e a felicidade estampada em meu rosto os
convence.
Voltamos para a Acrópolis, onde aproveitamos para
dançar e nos beijar mais. Eu me liberto na pista de
dança, e, quando Cher pergunta se acredito em vida
após o amor, eu berro alto que sim, pois já desvendei a
resposta, fui ao fundo do poço e escalei meu caminho de
volta.
Canto aos berros cada música, me sentindo em paz
comigo mesmo — especialmente depois que o dj manda
um hit da Gaga após o outro.
Sou o Eric que piruetava pelo quarto, o Eric que
sonhava acordado com um palco colorido em que
pudesse subir sem medo e mostrar exatamente quem
era, o Eric que acreditava no amor antes de ter seu
coração pisoteado.
Ninguém tira esse momento de mim.
Às três da manhã, Jesús me puxa de lado e faz a
proposta que muda o rumo da noite.
— E se a gente for embora? — ele sussurra no meu
ouvido, o hálito etílico.
— Já? — Pisco. — Não sei se quero ir pra casa.
— Pra sua, não. — Umedece os lábios e sorri, maroto.
— Para a minha.
Esse é um convite bem interessante.
— Ah. Pra sua casa.
— Com o Nico — Jesús acrescenta.
— E você quer que eu vá, tipo, com vocês?
Ele revira os olhos e dá um tapinha no meu braço.
— Me encantaría que vinieras dormir con nosotros.
Minha cama é espaçosa, e meu guarda-roupa é seu, se
quiser se trocar depois.
— Jesús, eu…
— Não vamos dormir logo — ele continua, sem deixar
que eu interrompa. — Só quero dar uma passada lá para
nos trocarmos e irmos à praia em seguida, se você
quiser.
Então nada de outras coisas?
— À praia? — Franzo o cenho. — Não é meio tarde?
— É noite de São João, a verdadeira festa é em
Barceloneta. E o voo do Nico é à tarde. Podemos ver os
fogos e o nascer do sol na praia. É uma noite mágica.
Não sei onde estaremos no ano que vem nesta época —
Jesús baixa a voz, praticamente murmurando —, mas sei
que quero aproveitar o agora com você.
Eu o encaro. Ele tem um olhar carregado de
promessas, tão charmoso e certo do que quer — de que
me quer. Com o passar da noite, só me senti mais
próximo dele. E por mais que esteja adorando o rolé na
Acrópolis, ele tem razão. Ir à Barceloneta ver o sol raiar
seria incrível.
Finalmente, concordo com a cabeça.
— Que bueno que vienes. — Satisfeito, ele se inclina e
me dá um beijo. — Vou chamar o Nico. Me espera aqui, já
volto.

Na festa de São João, Barcelona é uma cidade viva


mesmo depois da meia-noite. Sinto um pouco da magia
do Carnaval que perdi ao deixar o Brasil em janeiro,
antes da folia começar, e essa sensação me enche de
alegria. Pessoas lotam as calçadas, e quem não está nas
ruas ocupa as varandas e os terraços das residências,
muitas delas com bandeiras da Catalunha — bem
diferentes da espanhola — hasteadas nas sacadas.
— Os catalães chamam a data de Nit del Foc — Jesús
diz com uma pronúncia perfeita.
— Noche del Fuego? — traduzo.
— Isso.
Pensei que pegaríamos um táxi, mas Jesús disse que
morava ali perto e seguimos andando. Ele explica cada
detalhe da comemoração durante o percurso. Na Nit del
Foc, existem três elementos principais: o fogo é a
purificação e a renovação, por isso as diversas fogueiras
acesas pela cidade; a água simboliza a cura; e as ervas
representam o remédio. Alguns acreditam que, na Noite
do Fogo, as ervas medicinais são muito mais poderosas,
por isso muita gente sai em busca delas durante a
celebração.
Também conversamos sobre outros assuntos. Jesús
está ansioso para a viagem ao Brasil. Vai em setembro
por cinco meses e Nico planeja visitá-lo. Faço a maior
propaganda do Nordeste e ofereço meu quarto em Natal
como hospedagem.
Nico me enche de expectativa em relação a Florença.
Ele vai tocar num concerto em um museu da cidade
quando eu estiver por lá, e me quer como convidado de
honra. Fico surpreso ao descobrir que sua carreira de
pianista está deslanchando. Nico tem apresentações
marcadas durante todo o verão em um importante
circuito europeu que vai de Oslo a Praga, além de estar
no meio das gravações do seu primeiro álbum com
composições próprias.
Guiado pelos dois, nunca estive tão à vontade em
Barcelona. Mais uma vez, a cidade me deixa
embasbacado. A Plaça Catalunya está repleta de pessoas
que esperam por transporte público ou simplesmente
caminham. Lentamente, deixamos o Eixample e
acessamos a área mais icônica de Barcelona, o Bairro
Gótico.
A transição é gradativa: os prédios envelhecem e a
arquitetura revela gárgulas e estruturas refinadas.
Quando chegamos à Pla de la Seu, a Catedral de
Barcelona salta aos olhos. Um grupo de skatistas fuma
na escadaria, e alguns turistas aproveitam a caminhada
noturna para tirar selfies bem em frente à Catedral, com
suas torres pontiagudas e formas triangulares.
Em seguida pegamos a ruazinha estreita junto ao
museu Frederic Marès.
— Esse é o caminho pra sua casa? Você mora no Bairro
Gótico?
O sorriso que Jesús me dá é simplesmente estonteante.
— Gosta daqui?
— Para, é o meu lugar favorito de Barcelona! — digo,
empolgado. — Eu e meus amigos tentamos encontrar um
apartamento na região, mas não achamos na época.
Caminhamos por mais três minutos. A iluminação vem
de lampiões antigos fixados nas muralhas de pedra. No
meio dos labirintos do bairro, a sensação é de que
viajamos no tempo. Chegamos à parte traseira da
Catedral e, de lá, viramos em uma esquina ainda mais
estreita.
De repente, paramos.
— Jesús, seu apartamento fica no Templo de Augusto?
Arregalo os olhos e ele solta uma risada.
— Tecnicamente, fica atrás do templo. A essa hora está
fechado, por isso não consigo te mostrar, mas da janela
do meu quarto tem uma vista direta para lá.
Por um momento penso que Jesús pregou uma peça,
mas não é o caso.
Escorado na janela do seu apartamento, vejo as ruínas
de um templo romano construído no século i a.C. Foi um
dos primeiros lugares que visitei quando me mudei para
Barcelona. É um ponto turístico até que secreto; nem
todo mundo sabe da existência desse templo dedicado
ao imperador César Augusto.
— Parece que você gostou — diz Nico, se empertigando
atrás de mim na janela.
— Com certeza. Olha pra isso, Nico!
Ele passa a mão pela minha clavícula.
— Na primeira vez que Jesús me trouxe aqui quase não
acreditei.
— É incrível.
Escondidas em um pátio cercado de paredes azuis e
verdes, as quatro colunas preservadas do antigo templo
ficam no meio da cidade. Quando soube pelo meu guia
que pessoas realmente moravam ali ao redor, fiquei
chocado. Estar na casa de Jesús e comprovar com meus
próprios olhos me dá a sensação de que não sou um
mero espectador da história, mas parte viva dela.
Eu me viro para Nico, que já está sem camisa. Jesús foi
à cozinha pegar água. O italiano e eu ficamos sozinhos
no quarto espaçoso e repleto de livros do anfitrião, a
mala de Nico debaixo de uma escrivaninha e uma
enorme bandeira da Andaluzia no alto da parede onde
fica a cama de Jesús.
— Dá para acreditar que os romanos construíram isso
há tanto tempo? — pergunta Nico. Ele desvia o olhar
para observar o templo.
— Eles tiveram um grande império — digo. — Mas
também foram cruéis.
— Criaram monumentos que duram até hoje.
— Os gregos também, e a mitologia deles é mais legal.
Nico morde o meu pescoço.
— Desrespeitando meus ancestrais, Eric?
Circulo seu piercing com a ponta do dedo.
— Então você e Jesús já… dormiram juntos… aqui,
praticamente dentro do Templo de Augusto.
Seus olhos ficam ainda mais escuros quando me
encaram novamente. Com a ponta do dedo indicador,
traço a tatuagem de uma clave de fá acima da
sobrancelha.
— Ah, Eric. — Um suspiro sacana. — Sim, muitas vezes.
— E não achou estranho?
— Estranho o quê?
— Sei lá, Nico. Transar com Jesús em solo sagrado.
Ele dá um tapinha na minha bunda.
— Minha mãe enlouqueceria se soubesse disso — ele
diz. — Do meu lance com Jesús.
— Por quê?
— É extremamente católica e conservadora. Me
acusaria duplamente de blasfemar Jesus.
O espanhol volta com duas toalhas limpas em um
braço e uma jarra de água no outro, bem a tempo. Se é
surpreendido por Nico sem camisa praticamente me
prensando contra a parede, não deixa transparecer.
— Ouvi meu nome — diz, jogando as toalhas na minha
direção. Eu pego as duas no ar, sentindo o algodão macio
entre os dedos, e rapidamente entrego uma para Nico,
que a deixa despreocupadamente sobre o ombro.
— Errado, a gente tava falando do seu homônimo
famoso — respondo.
— Ah, o cara lá de cima? — Ele aponta para o céu.
— Esse mesmo.
— Todos pensam que, por ter esse nome, sou um
santo. Ou deveria ser.
Jesús balança a cabeça; um sorriso leve brinca em seus
lábios.
— Isso a gente sabe que não é verdade — murmuro.
Jesús arqueia uma sobrancelha e senta na beirada da
cama; as botas rangem levemente contra o assoalho de
madeira. Ele as descalça e as coloca com cuidado ao
lado da cama. Quando termina e nos fita, os olhos
brilham com malícia.
— Bom, vou tomar banho e lavar o sangue do seu ex
de mim, Eric — diz como se fosse uma tarefa rotineira.
Envergonhado, escondo o rosto com as mãos.
— Desculpa. Ninguém merece.
— Não é sua culpa. — Jesús dispensa minha
preocupação e foca em Nico, que está atrás de mim com
os braços cruzados. — Foi Nicolò quem…
— Dai, eu estava pedindo vocês em namoro! — o
italiano interrompe. — E Eric partiu meu coração dizendo
que aceitaria meu amor apenas por uma noite!
Jesús tira a camisa. Não consigo evitar que meus olhos
acompanhem sua pálida pele nua, seguindo até a
tatuagem no lado direito do peito: um círculo com a
Árvore da Vida, passarinhos voando na direção dos
ombros. É um dos meus símbolos favoritos; já pensei em
tatuar no pulso, mas ainda não tive a chance.
— Vou entrar agora. — Ele aponta para o banheiro da
suíte, e então tira a calça sem quebrar o contato visual,
ficando pelado sem nenhum pudor.
Ao entrar no banheiro, Jesús deixa a porta aberta, um
claro convite. Ouço o barulho da água caindo no box. A
velocidade do meu coração dá um salto; o fluxo
sanguíneo se agita.
Nico dá um beijo suave no meu pescoço.
— Também vou para o chuveiro — ele sussurra, então
se afasta e se despe rapidamente.
Seus músculos retesam sob a pele enquanto ele se
livra da calça e da cueca. Diferente de Jesús, faz uma
pilha com as peças e as joga de qualquer jeito em cima
da mala. Parado na soleira da porta, seu corpo esguio na
contraluz, Nico apoia o antebraço na parede e diz:
— Por que não se junta a nós? Tem espaço de sobra
para três.
E então o filho da puta dá um sorrisinho malicioso e
desaparece dentro do banheiro, a bunda contraindo
antes de desaparecer.
O antigo eu hesitaria, ficaria escondido sob as cobertas
com medo de ser visto, esperando pela escuridão para
finalmente se soltar. Silencio minhas inseguranças com
um grande foda-se, tiro a roupa e me junto a eles no
banheiro.
Vapor espirala, e o som da água escoando pelo ralo
não abafa as risadas dos meninos.
— Permiso — eu digo.
Jesús abre a porta do box imediatamente.
— Oi. Bem-vindo.
Ele está bonito, a pele avermelhada por causa da água
fervente. O cabelo loiro está jogado para o lado. Reparo
nas sardas que cobrem seu corpo, nas estrias esparsas
na região da bunda, os pelos praticamente inexistentes.
Tantos minúsculos sinais pincelam a pele de Jesús. Em
espanhol, são chamados de “lunares”. Não tem como
não pensar na lua ao vê-lo assim, radiante.
— Que bom que decidiu se juntar a nós. — Ele estende
a mão para mim, e eu a aceito. Os olhos me escaneiam
de cima a baixo e, em seguida, voltam para os meus
lábios.
Jesús gosta de olhar para a minha boca. E sei que
também gosta de beijá-la.
Entro no box. Nico está virado para a parede, os bíceps
contraídos enquanto lava o cabelo; os músculos das
costas ondulam quando esfrega a parte de trás da
cabeça. Noto uma marquinha de bronzeado que não
reparei antes.
— Nicolò — pede Jesús, o corpo bastante próximo ao
meu. — Dá espaço pro Eric também. — E então,
abaixando o tom de voz: — É bom ter vocês aqui comigo.
Parece certo.
Nico salpica água em mim ao girar. Não me surpreende
vê-lo já excitado. O corpo molhado se insinua contra o
meu; a boca roça em mim quando passo por ele para
ficar embaixo do chuveiro.
— Porra, tá muito quente!
— O Jesús só gosta assim.
Sinto um choque térmico com a água escaldante.
Demoro alguns segundos para me acostumar com a
temperatura, aumentando um pouco o fluxo gelado para
neutralizá-la.
— Tem sabonete? — pergunto a Jesús.
— Aqui. — Ele se adianta para fazer as honras. As mãos
deslizam pelo meu corpo e me ensaboam com carinho.
Há desejo e afeto em seu toque; um arrepio me
atravessa quando massageia a curva da minha cintura
sensualmente. Nico fica observando, as próprias mãos
percorrendo seu corpo enquanto observa a cena.
Acontece sem ninguém precisar dizer nada. Não sei
quem dá o primeiro passo, se Nico, Jesús ou eu. Apenas
sei que, de repente, nos abraçamos e nos beijamos,
corpos nus em meio à água morna, mãos que provocam
a intimidade um do outro, exploram novos limites.
E há uma urgência entre nós que não senti antes, nem
mesmo quando finalmente nos beijamos na pista. Lá,
descobríamos o que aquele momento significava para
nós, como funcionaríamos em um trio.
Agora? Agora é poesia — cadência perfeita, rápida e
intensa, entre nós.
O espaço no banheiro se torna muito pequeno para o
que queremos fazer, então saímos pingando do chuveiro.
Enxugamos um ao outro aos risos enquanto seguimos
para o quarto.
Meu corpo é o primeiro a cair no colchão quando Jesús
me joga na cama e monta em cima de mim. Sinto o
sangue pulsar da cabeça aos pés; cada fibra do meu ser
responde a ele e a Nico, que, deitado, mordisca meu
mamilo, puxa-o entre os dentes.
Perco o controle por um momento.
Adoro o caos que se segue, me divirto sem saber o que
vai acontecer em seguida.
A surpresa quando eles me beijam e me beijam e me
beijam ainda mais.
Nico, me tocando como se eu fosse seu piano, os
dedos longos e calosos sabendo perfeitamente o que
fazem, o peito definido que sobe e desce com a
respiração ofegante.
Jesús, dominando a diplomacia, orquestra nossas
posições, indica aos poucos o caminho se não sabemos
em que direção prosseguir.
Confidenciamos carícias, minhas mãos traçam o
peitoral de Jesús, as dele descem pela minha virilha, a
boca de Nico resvala minhas costas…
Jesús cobre a extensão de todas as partes que Nico não
acessa.
Depois de fazermos tudo que podemos com bocas e
dedos, Jesús se afasta e abre a gaveta da mesa de
cabeceira. De lá, tira um tubo de lubrificante e mais duas
camisinhas. Ele repassa um preservativo para mim, e
deposita o outro na de Nico. Em seguida, liga o pisca-
pisca amarelo fixado à parede, e abre o Spotify no
celular. “Same Ol’ Mistakes”, do álbum ANTI, começa a
tocar baixinho. Nos imagino em um ângulo diferente, as
luzes nos enquadrando na cama do espanhol com a
bandeira da Andaluzia ao fundo.
Nunca fiz o que vamos fazer agora — nunca estive com
mais de uma pessoa ao mesmo tempo —, e a dúvida
deve ficar evidente em meu rosto, na respiração
ofegante e entrecortada, no suor que verte sem trégua.
— ¿Te sientes cómodo estando en el medio? — a
pergunta parte de Jesús.
— Sí — respondo com o olhar fixo nele.
— Bien. — Ele sorri. — Y si necesitas parar en algún
momento…
Balanço a cabeça antes que ele possa concluir a frase.
— No creo que lo haga.
— Yo tampoco.
— Y si te hago daño, Jesús… — Eu faço uma pausa
enquanto o encaro, sério. — Dime, ¿vale?
— Solo intenta ir despacio.
— Prometo.
Ele corre a mão por minhas tranças.
— Tú también, Nico — Jesús o adverte, cuidando de
mim. — Despacio.
O italiano sussurra em concordância, põe o queixo no
meu ombro e se inclina para beijar o outro garoto.
Estamos mais próximos do que nunca, cada centímetro
de pele conectada.
Conforme os dois se beijam, tento abrir a embalagem
da camisinha, mas me atrapalho. Meus dedos tremem.
— Deixa comigo, bello — Nico murmura. Abre a minha,
joga a embalagem no chão e põe a camisinha em mim.
Estremeço ao sentir a mão dele encaixando a proteção.
— Listo.
Nico, já ensopado de suor, é sólido como diamante. A
parte posterior das coxas se choca contra o meu quadril,
e ele usa as mãos para abrir minhas pernas um pouco
mais. Jesús despeja lubrificante na palma estendida de
Nico, depois o aplica em mim, e em si mesmo.
A expectativa no ar é quase palpável. As luzes
douradas que Jesús acendeu piscam cada vez mais
rápido, dando ritmo ao nosso fluxo veloz. Banham as
costas de Jesús, com a bunda empinada pronta para me
sentir.
Acontece tudo ao mesmo tempo: eu, dentro de Jesús;
Nico, dentro de mim. Gemidos arranham nossas
gargantas e se juntam à música abafada.
A única forma de não gritar e acordar a vizinhança nos
arredores do Templo de Augusto é mordendo a pele de
Jesús. Puxo seu cabelo para me distrair do terremoto em
meu peito, fecho os olhos enquanto Nico vai cada vez
mais fundo, devagar, com cautela.
Dói no começo, mas depois me acostumo — depois
imploro por mais, incerto da capacidade de voltar a uma
realidade em que não estou sentindo o que sinto agora,
perfeitamente em casa entre os dois.
Entramos em um ritmo só nosso. Nico massageia
minhas costas, me beija, dá tapas na minha bunda
quando o ritmo acelera. Ele segue com movimentos
amplos, indo o mais profundamente que pode e em
seguida recuando, sem nunca me deixar. E eu mostro a
eles o que sei também, a ginga do meu rebolado em
meio aos gemidos de Jesús…
Não há um centímetro meu que não seja explorado
pelos dois. Esquecemos os planos de ver o nascer do sol
na praia, esquecemos que ainda existe um Universo fora
deste apartamento e, na cama, brincamos de amar.
Invertemos papéis — Nico de quatro enquanto eu assisto
Jesús provar do seu gosto. Testamos estratégias novas
que nunca julguei possíveis, Nico e eu ao mesmo tempo
dentro de Jesús, nos beijando enquanto ele geme e
agarra o travesseiro ao alcançar o êxtase. Em seguida
temos o nosso, em sincronia, desabando nos lençóis
ensopados de suor, o mundo turvo, sinestésico.
— La mejor manera de empezar el verano, ¿no? —
Jesús ofega e ri ao limpar o peito molhado com a toalha.
— Sim — Nico sussurra. — Eu e meus namorados.
Nós três caímos na gargalhada. A Nit del Foc faz jus ao
seu nome, a madrugada tão quente no quarto que o
resto do álcool em meu corpo evapora. Naquele instante,
sei que é o começo.
O verão da minha vida não é amanhã ou depois.
É hoje.
Aqui e agora.

Acordo um tempo depois com uma voz sussurrando


meu nome. Por um instante, esqueço completamente
onde estou ou como vim parar aqui. Então, vejo o rosto
de Jesús, a boca dele próxima à minha, e a realidade me
atinge.
— ¿Eric? ¿Estás despierto?
— Sí — sussurro, sonolento e um tanto desnorteado. —
¿Qué pasó?
— Tuve um sueño.
Me ajeito para encará-lo melhor.
— ¿Una pesadilla?
Ele nega. A intensidade do sonho relampeja em seu
rosto suado. Ao lado, Nico ronca baixinho, a perna
parcialmente entrelaçada à minha, o ruído constante de
um ventilador compondo a trilha sonora do nosso sono.
— No, no era malo . — Seus olhos estão carregados
pela urgência. — Mas, Eric, não era um sonho para mim.
Era para você.
— Pra mim? — pergunto. — Você lembra de alguma
coisa?
— Era numa praia. Cala Waikiki, em Tarragona. É uma
cidade perto daqui. Estive lá no verão passado — ele
murmura, depois se apoia no cotovelo. — Eric, não sei
explicar direito, mas sinto que você precisa ir a esse
lugar.
— Por que você acha isso?
Jesús hesita, como se procurasse as palavras certas.
— No sonho, você… — Jesús franze a testa com força,
tentando recordar. —Parece que tem uma coisa te
esperando lá. Algo que você tem procurado, alguém
importante. Eu só vi uma silhueta, mas havia essa voz na
minha cabeça me dizendo que você precisava estar lá,
para te avisar.
Meu corpo inteiro se arrepia.
— Acha que alguma coisa ruim vai acontecer comigo?
— Não parecia um mau presságio. Parecia… — Ele se
cala. Depois, os vincos em sua testa relaxam. — Parecia
algo muito bom.
— Tarragona — repito. O nome não me é
completamente estranho. De repente, eu me recordo
onde o escutei antes. Em uma aula da faculdade, um
professor comentara sobre um anfiteatro romano
localizado lá.
— De trem, fica perto de Barcelona — Jesús diz. — Você
pode passar um dia lá antes da sua viagem à Itália. Eu te
ensino como chegar.
— Por que não vem comigo?
— Não. É algo que você precisa fazer sozinho.
Respiro fundo ao ouvir aquelas palavras. Ao meu lado,
Nico se mexe, mas não desperta.
— Você costuma ter sonhos assim, proféticos?
Jesús alisa meu rosto. O dedo trilha o caminho desde
minha bochecha até o couro cabeludo entre as tranças.
— Às vezes. E eles geralmente viram realidade. — Ele
tapa a boca com a mão ao bocejar. — Vamos dormir mais
um pouco? Quando acordarmos, conversamos melhor
sobre o sonho.
Eu assinto. Dou um selinho em Jesús e o agradeço por
me contar sobre o sonho. Faço um registro mental desse
momento, do corpo quente e desnudo se enroscando
contra o meu ao se ajeitar na cama, a bunda encaixando
em mim como uma peça de quebra-cabeça…
E então, depois que já fechei os olhos e quase
adormeci outra vez, Jesús se agita de novo.
— Eric, lembrei de uma coisa.
— Fala — digo, ainda sem abrir os olhos.
Não sei se estou acordado ou dormindo, se isso faz
parte do sonho ou da realidade.
— É às 15h15. É nesse horário que você precisa estar
na praia.
— Por que 15h15?
— Eu não sei, mas é importante.
— Quando acha que eu devo ir?
— Quando você estiver pronto.
— Hum. — Eu beijo a nuca de Jesús e suspiro. —
Gracias, Jesús.
Epílogo

cala waikiki, tarragona

Não tenho certeza do que estou esperando.


Caminhei por mais de duas horas até chegar na praia
do sonho de Jesús. E é mesmo paradisíaca: uma enseada
secreta rodeada por árvores frondosas e montanhas de
calcário amarelo, as águas claras do Mediterrâneo se
chocando contra pedras esparsas na areia, uma visão
idílica no verão europeu.
Sentado com as pernas cruzadas em uma canga com o
desenho do Morro do Careca e o mar de Natal, fito o
horizonte e depois olho o relógio no pulso.
15h.
Só mais quinze minutos até o horário que o espanhol
sussurrou para mim em sua cama antes de voltar a
dormir.
E se nada acontecer?
E se ninguém importante aparecer no meu caminho?
Mesmo se nada acontecer, terá valido a pena.
Esse lugar é fantástico. Segui as instruções de Jesús e,
três dias depois da noite em que exorcizei meu fantasma,
antes de começar a minha viagem pela Itália, vim a
Tarragona. A viagem de trem foi incrível, desvendando
aos poucos a Costa Dourada, como se chama essa zona
da Catalunha. Passei por algumas das praias mais lindas
que já vi, que se estendiam no rápido intervalo antes de
desaparecermos em túneis estreitos.
A arquitetura de Tarragona também é linda, distinta do
modernismo de Barcelona. Com mais de dois milênios de
história, seu passado esplendoroso se expõe nas ruínas
romanas, das muralhas ao anfiteatro com vista para o
mar azul-turquesa. Peguei um hostel no centro histórico
e, às doze, logo depois de almoçar, parti na minha
missão.
Fui de ônibus do centro de Tarragona até a metade do
percurso. Me guiei pelo Google Maps e só vez ou outra
pedi informações a estranhos na rua para confirmar. Da
parada, segui a pé pela praia até escalar o início de uma
encosta irregular e adentrar uma trilha em meio à
vegetação. Praticamente não cruzei com ninguém; me
deliciava com o sentimento de estar só, apaixonado pela
cor do céu vibrante do verão, os rápidos descansos na
mata quando ela se abria e revelava uma vista especial
do mar.
Cala Waikiki enfim se apresentou em uma brecha no
meio dos pinheiros, e meu peito bateu acelerado.
Conseguia pressentir algo me chamando. Um lampejo
imprevisível de intuição tomou conta. Algo parecia fora
de lugar e, ainda assim, perfeitamente encaixado…
Fui descendo pela trilha até chegar na entrada da
praia. Um cartel de madeira dizia que era uma zona
liberada para nudismo. A princípio, fiquei ansioso. Não
me sentia completamente à vontade para ficar pelado.
Neguei todos os convites para ir a Mar Bella, a praia de
nudismo em Barcelona que meus colegas de
apartamento visitam desde que o sol começou a
aparecer. Eles sempre voltavam com histórias de amores
de verão que duravam menos que um fósforo riscado.
Desde que começaram a frequentar o lugar, ir em uma
praia de nudismo se tornou uma meta pessoal para mim.
Queria enfrentar meus medos, mostrar a mim mesmo
que não precisava questionar ou esconder meu corpo.
Jesús não fazia ideia de nada disso, e gargalhei ao ver a
placa.
Felizmente, não fosse por mim e mais quatro pessoas
espalhadas pela faixa de areia, a praia estaria vazia. Tirei
a roupa e agora estou tostando no sol, livre como raras
vezes antes.
Olho o relógio.
15h10.
Esperar só me deixa ansioso, então decido matar o
tempo com um banho de mar. Coloco os pés primeiro. A
água está fria, nada como o calor do mar de Natal. Ainda
assim, insisto e mergulho de uma vez.
Depois que me acostumo à temperatura, é um bom
banho. Nado, e dali aprecio melhor a vista da praia, as
falésias amarelas e o paraíso esverdeado que as rodeia.
Agradeço ao Universo por esse momento, por estar vivo,
por estar aqui. Não é só o sonho de Jesús que vivo: é o
meu também.
Fecho os olhos e, quando os abro mais uma vez, vejo
um clarão dentro da água, a poucos metros de mim.
Franzo a testa.
O brilho forte mais parece alguém apontando uma
lanterna na minha direção.
Intrigado, nado até lá. Não sou dos melhores
nadadores, então não é fácil encontrar a fonte da luz
como pensei que seria. Depois de um tempo observando,
porém, mergulho no ponto que julgo ser correto.
Minhas mãos agarram a areia. Subo à superfície,
cuspindo e sacudindo a água dos olhos. Espero encontrar
um tesouro, um diamante lapidado. Estreito os olhos sob
o sol forte. O que encontro é um pedaço de concha, fino
e irregular, com a parte rosada do interior reluzindo com
madrepérola.
Giro a concha entre os dedos. É tão linda e delicada.
Fora da água, não tem o mesmo fulgor, mas continua
sendo um desenho surpreendente da natureza. Tenho a
impressão de que é um presente, e que o levarei comigo
como um amuleto de agora em diante.
Saio da água e sento na canga, à vontade com partes
de mim que nunca foram tocadas pelo sol antes.
Outra vez, busco o relógio.
15h25.
Os 15h15 vieram e foram embora. E se o encontro
prometido fosse com a madrepérola? Talvez seja o
Universo conversando comigo através daquele amuleto,
mostrando seu brilho logo após minha prece, como se
me dissesse que não estou sozinho, que o tesouro mais
importante é aquele que já carrego dentro de mim.
Embora seja verdade, vejo que o Universo tem planos
maiores. Descubro isso após sentir vontade de olhar para
trás e vê-lo. Sua pele é tão negra quanto a minha, linda e
dourada. Ele veste um calção de praia branco do qual se
livra sem a menor hesitação ao se sentar perto de mim
na areia.
Será que é possível olhar para alguém e sentir que já o
conhece? Como se a pessoa sempre tivesse feito parte
de mim, sempre existido na minha história, no fundo da
minha alma, apenas esperando para ser anunciada?
Se é possível, aqui está a prova.
Ele carrega um livro em espanhol: Viver en la luz.
Abaixo do título, o nome da autora: Shakti Gawain.
Nossos olhos se cruzam e sorrimos um para o outro.
— Hola — ele diz com um sotaque que não identifico.
— ¿Puedo sentarme aqui?
— Hola — respondo. — Óbvio.
Em alguns minutos, ele perguntará meu nome.
Eu descobrirei o seu — Isaac.
Isaac, que tem os olhos verdes e a pele preta retinta,
sobrancelhas e lábios grossos, e a risada mais linda que
já ouvi. Isaac, que só por hoje é mistério, mas logo se
tornará a melhor rotina que já conheci, um companheiro
de viagem inseparável, a pessoa que vai me ensinar a
confiar mais uma vez, a quem devotarei meu coração
com mais entrega do que jamais fiz antes, escrevendo
não só um capítulo, mas um livro inteiramente novo para
a minha história. Isaac, que me enxergará exatamente
por quem eu sou, que entenderá meus medos e dilemas,
que os partilhará e me acolherá plenamente, porque não
é alheio a nada que se passa na minha vida; porque me
ama como mereço ser amado.
Aqui é onde tudo começa, e, com a madrepérola em
mãos, me dou este início de presente.
— ¿Cual es tu nombre?
— Soy Eric.
— Isaac — ele diz. — Es un hermoso día de verano,
¿verdad, Eric?
— Sí. Creo que es lo mejor.
Baseado em fatos reais

O ano era 2018. Fevereiro, pleno inverno na Europa.


Três semestres depois de ganhar uma bolsa de
estudos, eu finalmente tinha me mudado para a cidade
do Porto, em Portugal. Não falava inglês, não falava
espanhol, mas queria uma coisa: me desafiar — e viver
cada segundo do intercâmbio que tanto batalhei para
conseguir.
Logo na minha primeira viagem para Lisboa, fui parar
em um hostel gay chamado My Rainbow Rooms. Saí para
almoçar em um café no bairro Saldanha, perto do Parque
Eduardo iv, com meu anfitrião, um homem de meia-idade
nascido nos Estados Unidos, mas de família portuguesa.
Ele preferia falar inglês, mas, ao perceber que eu não
dava conta do idioma, manteve a conversa em nosso
idioma comum. Contei tudo a ele sobre os meus sonhos e
projetos, em especial um certo livro que começara a
escrever em 2016, e que ainda me enchia de dúvidas,
sem saber que, anos depois, essa mesma história
mudaria minha vida.
De cara, meu anfitrião se solidarizou por mim. Ele me
fez um convite. Se quisesse, eu poderia voltar a Lisboa
durante o verão para trabalhar no hostel. O trabalho era
exatamente o que eu buscava: cuidar das redes sociais e
fazer ações de marketing digital. Só havia um porém:
para conseguir a vaga, eu precisava falar inglês.
Foi assim que, depois desse encontro, decidi que não
havia tempo a perder. Entre dates com gringos, leituras,
séries e filmes legendados, conversas inteiras usando
Google Tradutor, muita boa vontade e nenhum medo de
passar vergonha, ao longo de cinco meses me joguei na
estrada.
Uma das minhas aventuras favoritas nesse período foi
Barcelona.
Imagine só: eu havia acabado de fazer uma jornada
incrível sozinho passando por Londres, Oslo, Estocolmo e
Copenhague para celebrar meu aniversário de vinte e
dois anos. Mal havia parado no Porto quando encontrei
uma passagem baratíssima para a Espanha e parti.
A essa altura, meu inglês já não era horrível. Eu até
dava conta de algumas conversas interessantes, não tão
complexas quanto gostaria. Mas havia sobrevivido a pelo
menos doze países sem usar português nenhuma vez —
uma vitória.
Eu me sentia tão empoderado por minhas recentes
aventuras que decidi me arriscar mais. Foi assim que
desembarquei em Barcelona às onze horas da noite sem
ter um lugar para me hospedar.
Nessa época, o Couchsurfing, um aplicativo que nos
permite dormir na casa de outras pessoas sem pagar
nada, era meu fiel escudeiro. Era uma forma de me
conectar com outros viajantes e economizar na
hospedagem, que sempre foi a parte mais cara da
viagem para quem sobrevivia na Europa com 250 euros
— na época, por volta de 1200 reais. O Couchsurfing
tinha me salvado em todos os lugares onde eu estivera
até então, menos, claro, em Barcelona.
Ninguém me respondia.
Absolutamente ninguém.
Confiando somente no Universo, não entrei em pânico.
Aterrissei. A Ryanair — empresa low cost que usava para
fazer essas viagens — atrasou a entrega das malas.
Quando consegui sair do aeroporto, era quase meia-noite
e ainda não tinha lugar para ficar. O pesadelo de
qualquer viajante, certo? Bem, para mim, não.
No ônibus que ia ao centro da cidade, fiz amizade com
duas portuguesas, e juntos saímos para comer em um
restaurante-bar na Plaza Catalunya. Tentei contato com
mais algumas pessoas no Couchsurfing. Nada. Em
determinado ponto, as meninas seguiram o rumo delas e
eu fui atrás do meu, seja lá qual fosse.
Fiz, portanto, o que qualquer sem vergonha faria nas
minhas condições: comecei a perguntar para outros
jovens onde podia encontrar uma boa festa naquela
noite. Arrastando minha mala a esmo por Barcelona, com
uma mochila nas costas e à procura de uma festa,
causava comoção por onde passava, e todos estavam
dispostos a me ajudar.
Meu espanhol não era dos melhores, mas, depois de
virar uma esquina e me deparar com duas meninas se
beijando, consegui a resposta de que precisava.
— Chicas, ¿dónde puedo encuentrar una buena fiesta
com música pop y gays?
Elas me olharam com um sorriso piedoso e
compartilharam a informação que eu tanto procurava.
Após dobrar a esquina e caminhar pouco mais de uma
quadra, ficava uma das boates mais famosas da região.
Lá, me garantiram que não faltariam gays e música pop.
Foi assim que fui parar na Arena, com minha bagagem
e a recomendação das sáficas perfeitas que salvaram
minha noite. Na fila da boate, enquanto esperava para
entrar, mandei um áudio para um amigo contando minha
aventura — e garantindo à minha mãe que eu estava
vivo, contra todas as expectativas.
Aquelas breves conversas mudariam o rumo da minha
experiência em Barcelona.
Senti uma mão no meu ombro. Ao me virar, me deparei
com um espanhol bonito, mais ou menos da minha
idade, que perguntou se eu era brasileiro. Assenti na
hora, surpreso. Em português, ele explicou que ouvira
minha conversa e que amava o Brasil. Seu nome era…
Jesús.
Ele era estudante de relações internacionais, e não
estava sozinho: era acompanhado por um italiano
chamado Nico, que apareceu pouco depois. Nico, pianista
que morava em Florença, estava hospedado na casa de
Jesús em Barcelona. Jesús pagou meu ingresso em um
ato de pura bondade, e eu deixei minha mala e mochila
no guarda-volumes da boate.
Conversa vai, conversa vem, e quando contei aos dois
que não tinha lugar para ficar em Barcelona, Jesús
ofereceu sua casa. Assim que entramos na festa, ele e
Nico começaram a se beijar, e logo outro cara se juntou a
eles. Afinal, por que não? Bebemos e curtimos os quatro.
A noite parecia fácil, alegre, despreocupada.
E foi.
Só que antes das duas da manhã, Jesús e Nico queriam
ir para casa com nosso quarto elemento, um garoto que,
honestamente, sequer lembro do rosto. Eu estava tão
animado com a minha primeira festa em Barcelona que
rejeitei a oferta.
Combinamos o seguinte: eles iriam embora e, mais
tarde, se precisasse, eu daria sinal de fumaça e dormiria
na casa de Jesús. Na minha cabeça, se nada desse certo,
eu poderia ir a algum McDonald’s procurar alguma
solução on-line, talvez mais uma tentativa com
couchsurfers ou um hostel barato.
Depois que Jesús e Nico foram embora, eu me acabei
na balada. Enchi a cara, passeei pelo dark room, fui parar
em uma cabine do banheiro com um espanhol (que
depois me mostrou a foto do marido e do filho lindinho,
na maior naturalidade), rebolei ao máximo e até me
juntei aos dançarinos para girar em uma barra de pole
dance.
A noite era minha.
Mas o problema de noites como essas é que elas
terminam.
Às seis e pouco da manhã, a música parou.
Lembro de me esgueirar pelas escadas e perguntar a
uma drag queen:
— ¿Qué pasa, la fiesta ya acabó? — Isso e, claro, o
mais importante de tudo: — ¿Dónde es el after?
— El after es en nuestras camas, cariño — ela
respondeu antes de dar as costas e sair flutuando com
suas plumas, a maquiagem já derretida.
Com o sol ainda por nascer, voltei para as ruas de
Barcelona suado, levemente bêbado, com glitter pelo
corpo, a boca inchada de tanto beijar, carregando a
mala, a mochila e… ainda sem rumo.
As pessoas já estavam indo embora. Meu celular tinha
apenas um por cento de bateria. Precisava pensar rápido,
ou logo dormiria debaixo da ponte. Ao olhar adiante, vi
um grupo de seis outras bichas dobrarem a esquina. Não
sei. Algo em meu peito disse: são elas. Simplesmente saí
em disparada na direção do grupo, arrastando a mala.
Desacelerei ao chegar mais perto, para não assustar
ninguém.
Fingi tranquilidade. Fiz como antes, perguntei onde era
o after, e ganhei a mesma resposta. Fiz uma carinha
triste e, dessa vez, expliquei minha situação.
Disse que não tinha lugar para ficar, não tinha ideia de
onde ir, e que estava com fome. Perguntei se sabiam
onde eu poderia comer alguma coisa. Por sorte, eles
também tinham larica, e estavam justamente a caminho
de uma padaria ali perto.
Éramos sete. O grupo era composto por quatro amigos
do Panamá, dançarinos que moravam na Espanha havia
um tempo. As outras duas bichas eram peguetes casuais.
Lancei meu charme, fui a pessoa mais simpática do
mundo e, quando terminamos de comer (não me
pergunte detalhes, não recordo), o mais sério deles, que
me analisara bastante o tempo todo, perguntou se eu já
sabia o que ia fazer.
Obviamente, não.
Ele suspirou, olhou para o lado, então esfregou os
olhos, abriu a boca, fechou…
— Tudo bem, pode dormir no nosso apartamento —
disse —, mas só hoje.
Que. Alívio. Da. Porra.
Eu estava confiante de que Jesús me receberia mais
tarde — minha intuição confiava bastante nele —, então
uma parada breve para cochilar enquanto o garoto não
me respondia era tudo que eu precisava. Agradeci,
abracei meu novo anfitrião, e acompanhei o grupo até o
apartamento.
Poderia ser uma viagem qualquer, mas foi meu
primeiro tour de verdade por Barcelona. E foi o melhor,
aliás: o apartamento em questão ficava na parte mais
central do Bairro Gótico, com uma bandeira do Panamá
pendurada na janela em meio aos prédios com uma das
arquiteturas mais fascinantes que eu já vira.
Minha sorte era inacreditável. Ganhei um sofá,
cobertores e uma garrafa d’água — mais do que o
suficiente. Me ajeitei, agradeci ao Universo, dormi e só
saí da casa dos meus anjos da guarda panamenses ao
fim da manhã, quando Jesús me enviou uma mensagem
dizendo que eu podia ir para o apartamento dele, não
muito longe dali.
Meu reencontro com Jesús foi exatamente como
premeditei.
No fim das contas, passei três dias na casa dele junto
com Nico. Prefiro não entrar em detalhes sobre o que
aconteceu — se você leu este livro, já deve ter uma
ideia. Não confirmo nem nego nada, e meus advogados
estão a postos caso me questionem.
Foi Jesús, inclusive, quem me propôs ir a Tarragona,
onde tive minha primeira experiência em uma praia
nudista (a mesma onde finalizei este livro). A cena da
madrepérola realmente aconteceu, mas na Costa da
Caparica, em Portugal.
Jesús e eu mantivemos contato. Ele viajou um tempo
pelo Brasil, nos reencontramos em Lisboa, e também no
ano seguinte, quando me mudei para Barcelona depois
de passar alguns meses no Marrocos.
Desde então, sempre conto a história do dia em que
“Jesus” me salvou em uma boate em Barcelona, me
beijou, me levou para sua cama e eu gostei. Porque é
uma história boa demais para não ser aproveitada.
Então, sim.
Essa história é baseada em fatos reais — exceto pelo
ex-tóxico, que foi inspirado em outra pessoa de verdade,
que teve uma relação com uma pessoa próxima. Eu só
não imaginava que o Eric, um dos meus personagens
mais queridos, acabaria por herdá-la. Quando tive a ideia
de escrever algo sobre ele, sabia que precisava se passar
em Barcelona. Nessa época, as noites eram vividas de
forma tão intensa que cada festa daria um livro. Amores
voláteis, sonhos lúcidos. Bons tempos.
Cinco anos depois de ter vivido o que vivi ao
desembarcar em Barcelona naquela noite sem lenço e
sem documento, guardo a sensação deliciosa desse dia
que me marcou para sempre. Afinal, foi a consolidação
da minha certeza de que eu era amparado e cuidado
pelo Universo. A partir daí, me arriscaria muito mais —
para desespero completo da minha mãe e boas risadas
dos meus amigos.
Depois daquela viagem, voltei a Portugal para enfim
trabalhar no hostel durante o verão. Quando nos
reencontramos, meu chefe nem lembrava que no
passado eu não falava inglês. Antes de começar o
trabalho, porém, eu ainda faria mais uma viagem, dessa
vez pela Holanda e pela Espanha. No meio dessa
aventura, que me levou a escolher “Rhuas” como
sobrenome artístico, trouxe meu despertar espiritual e
marcou o retorno da escrita de eente — que até então
seguia nos rascunhos, esperando sua hora —, eu viveria
uma história de amor.
Não com um francês.
Não com um espanhol.
Com um italiano.
Não o Nico. Outro.
Mas essa história eu vou ficar te devendo. Talvez um
dia, no futuro… Quem sabe?

Com amor em uma noite de lua cheia em Palomino, na


Colômbia,

Pedro Rhuas
Maio de 2023
Agradecimentos

Escrever agradecimentos é sempre um choque.


Eu lembro da versão de mim que achava que nunca
terminaria de escrever um livro, e, meu Deus, aqui
estamos. Outro. E não um livro qualquer, mas uma
história que é tão pessoal e aprofunda um personagem
tão querido como o Eric. Começo agradecendo, portanto,
aos meus leitores. Sem vocês, nada disso seria possível
— nada mesmo. Foram muitas mensagens pedindo por
mais do universo de Enquanto eu não te encontro, tantas
que eu não podia simplesmente ignorar.
Afinal, o Eric é um personagem especial para muita
gente. Diversos leitores se viram nas feridas dele, no
relacionamento tóxico e abusivo em que estava
envolvido, na família homofóbica que ainda prende suas
asas. Só que também se viram na alegria, no
companheirismo, nas conquistas, na linda relação com o
Lucas e na força para acreditar em seus sonhos. Este
livro é um agradecimento a todos os Erics por aí.
Obrigado por existirem, por viverem sua verdade, por
lutarem por dignidade e amor.
Espero que a jornada do Eric de fechar um ciclo de
abuso em sua vida te inspire, e que você se lembre de
que novos começos estão à nossa espera, basta
seguirmos rumo a um futuro que nos priorize, onde
sejamos amados como merecemos.
Dito isso, obrigado a Juan, meu querido e grande
amigo, por ter sido meu fiel escudeiro na adolescência e
no início da nossa vida adulta, em um momento em que,
sem nossa amizade, estaríamos completamente
perdidos. Obrigado por ser luz e uma presença
constante, mesmo hoje cada um vivendo sua própria
jornada e já não conversando tanto quanto antes.
Sabemos da importância que tivemos na construção de
nossas identidades e sonhos. Você foi um dos meus
primeiros leitores, e sei que continuará sendo por muito,
muito tempo.
Fred, como não incluiria você aqui? Algumas pessoas
surgem em nossas vidas com tanta potência, trazendo
tanta transformação. Você é uma delas. Quando te falei
que queria escrever um livro sobre o Eric, você me
incentivou e deu apoio. Suas leituras e direcionamentos,
como sempre, impactaram o material que aqui está. O
rumo do livro, o aprofundamento dos personagens, o
conflito — tudo isso amadureceu contigo, Fred. Obrigado,
amigo. Você sabe que, na minha cabeça, você é e
sempre vai ser o meu empresário. Obrigado por existir. O
mundo é mais lindo com você nele.
Minha querida agente Alba Milena, sinto gratidão por
absolutamente TUDO. É uma delícia viver essa jornada
literária sendo acompanhado por uma pessoa tão
empenhada em me ver vencer. Obrigado por estender a
mão e estar ao meu lado para conquistarmos o mundo
juntos!
E agora, como não poderia deixar de ser, Nino e
Thalyta! Meu Deus, que sorte a minha ter encontrado
vocês. Obrigado do fundo do coração por terem topado
essa ideia mirabolante de construir o meu universo
literário comigo. Eu não sei o que seria de mim sem o
amor que vocês dão ao Rhuasverso e às minhas obras,
sem os surtos no nosso grupo quando mando os trechos
mais picantes ou simplesmente o carinho inesgotável
que me acompanha a qualquer hora do dia. Sinto que
encontrei duas pessoas dispostas a crescerem comigo,
que me incentivam e que são os leitores betas mais fiéis
que poderia encontrar. Vocês são um presente do
Universo. Amo vocês!
Muito obrigado ao meu amigo Luca Guadagnini pelos
surtos incríveis quando mandei versões desta história e
por todas as horas iguais que vimos junto; te amo. E
gratidão para sempre ao maravilhoso ícone Rodolfo
Rodrigues pela leitura antecipada! Amigo, outra vez, sem
querer, eu escrevi a sua vida, e isso me deixa muito
orgulhoso. Gays não têm um segundo de paz, né?
Gratidão à minha família por serem tão pacientes.
Enquanto eu escrevia este livro no início de 2023, ia
dormir tarde da noite, varando a madrugada. Myio, você
é luz, e meu coração transborda por inteiro em te ver
crescer e se encontrar nesse universo em expansão que
é a vida. Mãe, você é força que sempre me inspira.
Obrigado por respeitar as minhas jornadas e a
necessidade de voar para longe, passarinho que sou e
você criou. Amo vocês!
Obrigado à minha editora, Nathália Dimambro, por
sempre lapidar tão bem minhas histórias e fazer com que
elas se desenvolvam na direção certa. Nath, você é uma
profissional incrível e tenho muito orgulho dos projetos
que já fizemos juntos. Obrigado de coração, e espero que
diversas viagens de parapente te esperem por aí, como
você merece!
À Laura Pohl, pela excelente contribuição na etapa
editorial. Você é uma escritora maravilhosa. Seu apoio na
reta final de O Universo sabe o que faz foi extremamente
importante para o livro. Te desejo milhares de best-
sellers, meu bem!
À equipe da Seguinte, cada profissional envolvido em
tornar este livro real, muito obrigado!
À Renata Nolasco, nossa capista maravilhosa, gracias!
Foi uma delícia repetir nossa dobradinha mossoroense de
sucesso!
A todos os influenciadores literários que vão ler e
apoiar este livro também, valeu demais, gente! Por favor,
não hesitem em entrar em contato comigo para
colaborarmos e pensarmos juntos em ideias para
espalhar esta história. O trabalho de vocês é fantástico e
muito me orgulha.
Aos viajantes do Lagarto Banana Hostel em Pipa, no
Rio Grande do Norte, onde escrevi boa parte desta
história, muito obrigado! Seja em uma rede na Casa da
Árvore ou simplesmente deitado na minha barraca à
sombra da Mata Atlântica, vocês foram uma companhia
gostosa demais enquanto eu trabalhava, me distraindo
quando eu mais precisava e me ouvindo falar sobre a
história. Não vejo a hora de voltar!
A todos os rhuers por aí, aos meus amores do fã clube,
preparados para pedir pela história em formato físico,
peçam mesmo. Cobrem a Seguinte (oi, editora, tudo
bem? haha). Brincadeiras à parte, sério. Caramba. Amo
tanto vocês! tanto, tanto, tanto, tanto. Obrigado por
respeitarem meu tempo, surtarem com cada trabalho
que faço (no Telegram, Instagram, TikTok e basicamente
qualquer rede social existente), comentarem nos posts,
por fazerem tudo o que vocês fazem por mim. Não vai
ser hoje que vou pagar a terapia, mas quem sabe um
dia?
Finalmente, ao Universo.
À espiritualidade, por ter me presenteado com o final
desta história em uma linda cerimônia com medicina
sagrada que me permitiu ver a importância de um arco
de crescimento consistente…
Por favor, Universo, continue protegendo meu caminho,
continue trazendo abundância à minha vida, continue
proporcionando encontros que não são por acaso e me
presenteando com revelações nos meus sonhos. Permita
que minhas histórias cheguem a mais e mais pessoas, no
Brasil e no mundo.
Universo, eu sou grato por toda a inspiração, amor e
apoio que recebo na minha vida. Eu me coloco à sua
disposição para ser um canal para suas palavras. Me
torne cada vez mais aberto para espalhar suas bênçãos e
me conectar com o sagrado. Eu amo a vida e agradeço a
oportunidade de existir hoje, agora, neste plano. Com
sua força me guiando, caminho rumo ao meu propósito
de alma.
Gratidão a todas as pessoas que vão ler este livro, às
entidades que me protegem, à vida, à Mãe Terra em
regeneração.
Seguimos de mãos dadas.
PEDRO RHUAS cresceu entre o Rio Grande do Norte e o Ceará.
Contador de histórias, é escritor, cantor e jornalista. Suas letras e
narrativas falam de amor à primeira vista, protagonismo lgbtqiap+
e as potências de um Nordeste vivo. Enquanto eu não te encontro —
vencedor da Clipop, o concurso literário da Seguinte — é seu livro de
estreia.
t i y @pedrorhuas
Copyright © 2023 by Pedro Rhuas

O selo Seguinte pertence à Editora Schwarcz s.a.

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de


1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

capa Renata Nolasco

revisão Renato Potenza Rodrigues

versão digital Verba Editorial

isbn 978-85-5534-260-8

Todos os direitos desta edição reservados à


editora schwarcz s.a.
Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32
04532-002 — São Paulo — sp
Telefone: (11) 3707-3500
www.seguinte.com.br
contato@seguinte.com.br
Enquanto eu não te encontro

Rhuas, Pedro
9786557822272
272 páginas

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Em seu livro de estreia, Pedro Rhuas traz uma história


sobre amor à primeira vista, encontros e desencontros,
cultura nordestina, música pop e drag queens. Nenhum
encontro é por acaso. A vida tem sido boa para Lucas.
Ele passou no Enem para estudar publicidade; se mudou
com Eric, seu melhor amigo, do interior do Rio Grande do
Norte para a capital; e conseguiu sua tão aguardada
liberdade. Mas, no amor, Lucas é um desastre. O maior fã
de Katy Perry no Nordeste tem certeza de que nem toda
a sorte do mundo poderia fazer com que ele finalmente
se apaixonasse pela primeira vez. Até que, em uma
despretensiosa noite de sábado em 2015, tudo muda.
Quando Lucas e Eric vão na inauguração do Titanic, a
mais nova balada da cidade, Lucas esbarra
(literalmente!) em Pierre, um lindo garoto francês que
parece ter saído dos seus sonhos. Em meio a drinques,
segredos e sonhos partilhados, Lucas e Pierre se
conectam instantaneamente. Eles vivem o encontro mais
especial de suas vidas, mas o Universo tem outros planos
para o futuro… Até a noite acabar, o que será que vai
acontecer com eles? Com uma voz original e divertida,
repleta de referências pop e à cultura do Rio Grande do
Norte, o livro de estreia de Pedro Rhuas vai te fazer rir
alto e se apaixonar. "Com protagonistas LGBTQIAP+ e
ambientado no Nordeste, o clássico clichê de encontros e
desencontros ganha nova força neste delicioso romance
de Pedro Rhuas. Um livro divertidíssimo e apaixonante,
para deixar o leitor torcendo pelo felizes para sempre." —
Clara Alves, autora de Conectadas "Com o ritmo
contagiante de uma música que não sai da cabeça,
Enquanto eu não te encontro me deixou com um sorriso
no rosto e uma vontade incontrolável de dançar." — Vitor
Martins, autor de Quinze dias e Um milhão de finais
felizes

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Eu, minha crush e minha irmã

Crespo, Bia
9788555342905
264 páginas

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Em seu romance de estreia, Bia Crespo nos presenteia


com uma história hilária e cativante sobre primeiros
amores, o amor entre irmãs e o amor-próprio. Antônia se
meteu numa baita confusão. Ela topou um namoro de
mentira com sua maior crush, Júlia. Tudo porque Júlia
quer ficar mais perto de Tamires, irmã de Antônia — e a
lésbica mais disputada da faculdade. Antônia não quer
enganar a irmã e tem plena consciência de que Júlia está
se aproveitando da situação, mas é impossível dizer
"não" quando sua crush tem os olhos grandes e
expressivos, o cabelo cheiroso, um sorriso radiante…
Quanto mais dates falsos as duas têm, mais elas se
aproximam, e Antônia pode jurar que aquela conexão é
pra valer. Mas Júlia está irredutível em sua missão de
conquistar Tamires, e talvez Antônia esteja perdendo a
chance de se envolver com Camila, uma colega do curso
de cinema que parece gostar de Antônia do jeitinho que
ela é. Agora caberá a Antônia decidir até onde consegue
levar essa mentira sem machucar quem ama — e o
próprio coração.

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O príncipe

Cass, Kiera
9788580866827
72 páginas

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Antes que trinta e cinco garotas fossem escolhidas para


participar da Seleção... Antes que Aspen partisse o
coração de America... Havia outra garota na vida do
príncipe Maxon. Conto inédito e gratuito, O Príncipe não
só proporciona um vislumbre dos pensamentos de Maxon
nas semanas que antecedem a Seleção, como também
revela mais um pouco sobre a família real e as dinâmicas
internas do palácio. Você descobrirá como era a vida do
príncipe antes da competição, suas expectativas e
inseguranças, assim como suas primeiras impressões
quando as trinta e cinco garotas chegam ao palácio. É
uma leitura indispensável a todos que terminaram A
Seleção e ficaram querendo mais! Ao final, contém os
dois primeiros capítulos de A Elite, segundo volume da
trilogia.

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A mágica mortal

Montes, Raphael
9788555342875
272 páginas

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A cada truque de mágica, um crime. Em seu primeiro


livro juvenil, o mestre do suspense Raphael Montes nos
apresenta ao Esquadrão Zero — um grupo de jovens
detetives que vai encarar uma investigação repleta de
perigos e reviravoltas. No mundo da mágica, nem tudo é
o que parece. Pedro sabe disso muito bem, afinal,
sempre foi fascinado por ilusionismo. Só não imaginava
que ia entrar para valer nesse universo por causa de um
crime terrível. Depois que seu melhor amigo é vítima de
um mágico sinistro, Pedro decide encontrar o culpado a
qualquer custo. Assim, o garoto reúne Pipa, Analu e
Miloca, seus amigos de escola, para formar o Esquadrão
Zero — e juntos desvendarem o caso. Não demora para o
criminoso fazer novas vítimas, sempre utilizando
números de mágica famosos. Em uma corrida contra o
tempo, os quatro jovens investigadores terão de cruzar a
cidade numa aventura que envolve ilusionistas
excêntricos, livros eletrizantes e um castelo imponente.
Será que o grupo conseguirá descobrir quem é o mágico
assustador antes que ele realize seu próximo truque?
Indicado para leitores a partir de 10 anos. "Um suspense
mais intrincado do que um quebra-cabeça montado pelo
avesso." — Pedro Bandeira "Com escrita fluida e
magnética, Raphael Montes fez um thriller adolescente
com tudo a que tem direito: morte, suspense e muita,
muita mágica." — Thalita Rebouças

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O guarda

Cass, Kiera
9788580869507
102 páginas

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O guarda é o segundo conto que se passa no universo


criado por Kiera Cass, autora da trilogia A Seleção.
Depois de conhecermos os verdadeiros pensamentos e
inquietações de Maxon em O príncipe, agora temos um
vislumbre das ideias e emoções do jovem Aspen, ex-
namorado de America, que vai trabalhar como soldado
no palácio durante o concurso. Antes de ir para o palácio
competir pelo coração do príncipe Maxon, America Singer
era completamente apaixonada por Aspen. Criado como
um Seis, ele nunca imaginou que acabaria se tornando
um dos soldados responsáveis por proteger a monarquia.
Em O guarda, a história é contada pelo seu ponto de
vista, a partir do momento que a Seleção é reduzida à
Elite. Sua rotina é composta de exercícios e tarefas
variadas dentro da casa da família real — desde cuidar
da correspondência até combater os ataques rebeldes.
Pela primeira vez, o enfoque é o mundo paralelo dos
funcionários do palácio, suas dinâmicas e rede de
relacionamentos, que America nunca chegou a conhecer.
O guarda também está disponível em edição impressa,
como parte da antologia Contos da Seleção, que traz
ainda O príncipe com final estendido e bônus exclusivos
(como uma entrevista com a autora e informações
inéditas sobre os personagens), além dos três primeiros
capítulos de A escolha, último livro da trilogia, que será
lançado em maio de 2014.

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