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Nuvens De Orquídeas

Romance espiritualista
( pelo espírito de Marcia )
Marluci Brasil de Castro
Academia Corumbaense de
Letras
Cadeira nº 01

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A passagem

O corredor do hospital parecia


não ter fim, uma grande esteira
branca exibia uma sucessão de
luzes pálidas que perfilavam
medrosas e coniventes com a
situação. Nunca o coração batera
tão forte, tão trêmulo, tão
descompassado...
O cheiro de éter quase inebria
os sentidos, eu estava meio tonta,
não sei se de medicamentos, se de
medo, se de dor...
A impressão era que minhas
vísceras ardiam em chamas, as
minhas entranhas eram torcidas e
retorcidas sem piedade, doía-me o
peito, doía-me as costas, ardia-me
a garganta pude sentir o constante
sabor do vômito, sabor amargo,
cor de bílis, cheiro pútrido.
Não ouvia a voz de meu filho,
mas podia ouvir minha mãe
recitando uma oração, podia sentir
os passos de meu pai
acompanhando a maca que
deslizava ameaçadora pelos
corredores, minha tia segurava-me
as mãos e dizia: “Tudo vai dar
certo, tenha fé em Deus”, a
enfermeira segurava-me o pulso e
de repente... A maca parou.
Grande porta envidraçada,
vidro colorido, uma surpresa, já não
podia abrir os olhos, mas podia
sentir com a audição mesmo que
ao longe o que se passava ao meu
redor.

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Mexeram comigo, senti meu
próprio peso, o desconforto da
cama dura, gelada.
Alguém abre-me os olhos e
me fita, mas está embaçado, não
consigo ver quem é.
O vômito agora toma outro
caminho, percorre ele a trilha
estreita de um tubo que me
enfiaram garganta abaixo...
O tilintar de instrumentos
cirúrgicos ecoa em meu cérebro...
Alguém levanta minha
cabeça, apertam-me com panos,
abrem-me os braços como se eu
fosse ser crucificada, começo a
perder os poucos sentidos que me
restam, mas ainda consigo ouvir :
“Tudo pronto?”.
Estou mais leve agora, tenho a
impressão de ter perdido peso...
Muito peso... Se não estivesse tão
confusa poderia afirmar que estou
flutuando, tudo parece em
câmara lenta. Estou deitada a dois
palmos acima de mim.
A sala de cirurgia parece
esfumaçada, nesse misto de
incertezas posso divisar a figura
frágil de uma freira, figura
pequena, de mãos pequenas que
me seguram as costas como que
querendo evitar que o meu corpo
fluídico despencasse em cima do
físico. Toca-me a fronte com a
outra mão e me fala quase que
num sussurro:
_ Deus seja louvado!
_Ajuda-me _ peço com a voz
entrecortada _ (a sensação da
sonda na garganta acompanha o
meu espírito) _ Ajuda-me _ repito.
_ Não sofra tanto minha irmã,
feche os olhos, acompanha-me
em prece e confia em Jesus!

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A freira miúda rezava tão
baixo que eu quase não podia
acompanhar, eu estava confusa...
_ “Senhor Jesus, aqui estamos
necessitadas de seu carinho. Aqui
estamos, senhor Jesus aguardando
que se faça a vontade do
Supremo, agradecemos a
oportunidade de estarmos
presentes em consciência neste
momento e imploramos a
tranqüilidade e a paz. Oh, Mestre
amado permita que a luz que nos
circunda possa alcançar todos os
leitos desta casa de caridades,
ameniza Senhor os sofrimentos,
elimina Senhor os males, abre
Senhor os caminhos “ .
A voz suave e tranqüila da
freira foi como um bálsamo na
minha alma. Comecei a sentir sono
profundo e em meu peito não mais
experimentei a dor de não
controlar a angústia do coração
em crise.
Experimentei uma sensação
de sono profundo e pesadelo
durante um tempo inconcebível,
ora ouvia a voz de meu pai, ora a
voz de minha tia , ora a voz de
minha irmã, todos chamavam-me
e eu não conseguia atende-los,
sentia vontade de chorar e só
percebia que o estava fazendo
quando experimentava algo
morno escorrer pelo meu rosto
gelado, eu sentia frio ...muito frio ...
Tinha saudades de meus
familiares, mas ansiava a presença
da freira miúda a fazer orações ao
meu lado, orações que me faziam
adormecer e não sentir mais o
desconforto de estar sendo
invadida por tubos, o frio do
ambiente, a dor dilacerante em
meu corpo.

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Houve um momento em que
tive a impressão que sofria
convulsões, meu umbigo doía, eu
sentia profundas e finas dores no
peito como se estivesse sendo
perfurada por algo longo e fino,
depois senti trancos, sacolejões e
tentei abrir os olhos, assustada quis
acordar, foi quando ouvi a voz de
minha irmã entregando-me nas
mãos de Deus e pude divisar a
figura de homem alto, forte, com
uma luz esbranquiçada na altura
da testa que não me permitia
observar-lhe o rosto, sequer
certificar-me do que ele trazia na
cabeça. O homem carregou-me
nos braços e eu adormeci
profundamente.
Os meus sonhos foram
povoados de crianças, de
paisagens montanhosas, mares,
córregos... Sentia-me sobrevoando,
feito pássaro, caminhos que
conhecia, mas que estranhamente
não me lembrava de tê-los
cruzado anteriormente.
Ouvi vozes, encontrei focos de
luz e sombras, pude observar um
anão com a cabeça
estranhamente grande olhando-
me á distância, no entanto não
senti medo, passei por ele, ele não
podia me alcançar...
Lembro-me de passar por essa
fase de minha viagem recitando
um nome:
Jesus...Jesus...Jesus...Jesus...

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As lembranças

A memória é algo de confuso


em nossos próprios sentidos, ela nos
transporta aos recantos mais
diversos em momentos que nos
soam como os mais estranhos
possíveis.
Não sei precisar quais os
caminhos que retornei ou mesmo
as situações que vivenciei, é tudo
muito efêmero. Às vezes tinha a
nítida impressão de ter revivido
situações em que os
acontecimentos eram-me
completamente familiares, outras
vezes tinha a sensação de estar
assistindo a um filme antigo onde
as personagens , embora
aparentemente desconhecidas,
eram pessoas do meu convívio.
Uma das lembranças que
mais me confundia era a periódica
volta, o som do batimento
cardíaco em eco, a sensação de
estar boiando, o conforto morno
da bolsa que me envolvia, as vozes
diferentes e queridas que
percorriam comigo esses
momentos de incubação.
Sempre que a aflição da
primeira vez me sombreava,
imediatamente eu adormecia em
meu próprio sonho, e o ciclo se
repetia.
Nas poucas vezes que abri os
olhos tinha a impressão de ainda
estar no hospital embora sem o
desconforto dos tubos e do cheiro
de éter. Não sentia mais frio, nem
vontade de chorar, uma
tranqüilidade perene servia-me de

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conforto e a presença de uma
moça magra, cabelos presos,
como se tivessem sido enrolados e
embutidos ao meu lado, dava-me
uma segurança que não consigo
dimensionar.
A moça sempre prestimosa,
enchia-me de afagos, penteava-
me os cabelos e com certa
freqüência, deslizava as mãos por
cima de meu corpo, com os olhos
fechados, sem dizer uma só
palavra provocava-me o
adormecer imediato.
Aquele dormir e acordar,
intermitentes, foram se espaçando
e comecei a ficar mais consciente
do que me acontecia, veio o
medo, a dor, a saudade, o desejo
de percorrer os caminhos de volta,
a ansiedade por noticias , tornei-
me agitada, a revolta amargurava-
me o espírito. Indaguei o por quê, e
não dei tempo para a resposta.
A moça se mantinha tranqüila
e me confessava estar tudo bem,
que a minha reação era normal,
que eu precisava orar para
entender o que se passava, e me
acalmar para aceitar o inevitável.
Houve um dia em que senti
vontade de me levantar, e pedi a
ela que não mais deslizasse as
mãos por sobre mim. Eu queria ficar
acordada, tomar ciência da
situação, descobrir os novos
caminhos, entender os porquês...
_ Posso fazer o que me pedes,
entretanto devo avisá-la que estás
fraca ainda .
_ Eu me sinto forte _ respondi _
tenho condições de me levantar.
_ Primeiro vamos nos sentar na
varanda, conversar um pouco e

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depois você me diz o que pretende
fazer.
Continuei deitada sem
conseguir me mexer, enquanto a
moça se afastava, parecia que
uma força gravitacional me
pressionava no leito.
Não demorou muito e ela
retornava com uma cadeira de
rodas, colocou a cadeira ao lado
da cama e me aplicou mais uma
vez aquele passe de energia, desta
vez a sensação foi completamente
diferente, sentia-me nova como
um banho refrescante após horas
de caminhada ao sol.
Quando me virou rumo à
porta pude divisar o quarto em que
me hospedava. Todo branco, sem
um móvel decorativo sequer, o
quarto abrigava apenas o meu
leito, uma cadeira, e ao lado uma
mesinha pequena com uma
garrafa de um líquido transparente
que pensei ser água .
_ Tenho sede _ argumentei.
_ A sede é apenas uma
sensação _ respondeu-me a moça,
mas ainda assim atendeu-me,
colocando um pouco daquela
água bendita num copo.
Ao sorver com ansiedade o
líquido, fui obrigada a pender a
cabeça para traz e assustei com o
que vi. O quarto não tinha um teto,
eram só paredes soltas com um
portal onde a cortina leve azulada
dançava ao sabor da brisa.
_ Onde está o teto do
hospital? Só vejo nuvens...
_ Precisa de teto, quem não
tem abrigo _ respondeu-me a
moça .
_ Onde estou? _ perguntei
_ Num centro de recuperação.

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_ Nem precisa me falar o que
aconteceu comigo, eu acho que
já sei.
_ Então vamos agradecer a
Deus.
_ Por eu estar morta? _
indaguei incrédula.
_ Por estar viva. _ respondeu a
moça .
_ Aqui é o NOSSO LAR?
_ NOSSO LAR é o lugar onde
nos sentimos bem, em casa. Você
se sente bem? Se sente em casa?
_ Bem eu me sinto, em casa...
Não sei ...
_ Então este lugar será o
NOSSO LAR quando você o aceitar
como tal.
_ Como é o seu nome?
_ Pode me chamar de irmã
Lucinda.
Virei-me assustada para ela,
não podia ser, a lembrança que
tinha de minha avó era a de uma
pessoa idosa e cansada. Ela
apenas me sorriu e completou:
_ Podemos ir Mozena ?
_ Sim _ respondi _ segurei a
mão que ela me colocou nos
ombros e deixei o pranto escorrer
farto pelo rosto enquanto era
conduzida pelos corredores da
casa de repouso.

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Na varanda

O lugar para onde fui levada


parecia saído de um sonho de
princesa. A varanda era ampla e
ficava no patamar de uma
escadaria de um material que se
parecia com o mármore, era tudo
impressionantemente branco.
Havia um parapeito
separando a sacada da varanda
do declive do terreno, e nesse
parapeito exibiam-se pequenas
flores de cores pálidas e sensíveis.
Também percebi um perfume
irresistível no ar. De vez em quando
eu ouvia o tilintar de um sino, mas
era algo tímido, quase inaudível.
Do alto da sacada eu podia
ver um prado de grama rasteira,
com alguns arbustos onde notei
flores e esparsas, frutinhas coloridas,
alguns animais de pequeno porte,
que não sei precisar quais eram
corriam soltos por aquela espécie
de jardim , soltos e alegres...
Ouvi cantos de pássaros, um
coral de vozes ao fundo, e o sol era
da cor laranja.
_ É engraçado o sol... _
murmurei.
_ Está anoitecendo.
_ E os bichos?...
_ O que tem os bichos?
_ De que espécie são?
_ São vários, não vês?
_ Estou sem os meus óculos...
_ Você não precisa deles!
Olhei incrédula para irmã
Lucinda:

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_ Não? ... Mas eu sou cega
sem eles...
_ O espírito não precisa desse
tipo de artifício, você pode
enxergar muito mais do que pensa,
e até sem utilizar os olhos, você
pode enxergar com a mente.
Sorri.
_ Isso eu conheço muito bem.
Sempre fui uma sonhadora. Voltei a
muitos lugares, só fechando os
olhos e sonhando.
_ Essa é a diferença! Agora
você pode fazer tudo isso sem
precisar sonhar.
_ Posso mesmo?
_ Sim, embora eu ache que
você precisa se preservar um
pouco mais.
_ Como assim?
_ Dar um tempo para você
mesma. Por enquanto aqui você
vai encontrar muita novidade, que
não precisa sonhar.
Fiquei quieta. Achei que era
melhor atender a sugestão de irmã
Lucinda.
Ela notava o meu desconforto.
_ Tudo bem? _ perguntou
sentando-se numa cadeira ao meu
lado.
Balancei afirmativamente a
cabeça.
_ Quando achar que está na
hora de fazer as suas perguntas,
estarei pronta para responder
aquilo que me for possível.
_ Você é minha avó?
_ Sou sua irmã.
Calei-me. Confesso que fiquei
decepcionada.

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_ Argumente. _ insistiu ela.
_ Eu esperava ouvir outra
coisa. Minha avó Lucinda, que me
chamava de Mozena era mais
carinhosa. Houve um momento em
que pensei que você fosse ela.
_ Eu compreendo. Quando
estamos no invólucro da carne, ou
quando ainda trazemos no espírito
as marcas dela , achamos que as
coisas deveriam continuar como
eram antes. Só quando
abandonamos as paixões é que
entendemos o amor. Tivemos sim
de forma carnal, um parentesco
durante mais de vinte anos ,
embora o nosso relacionamento
espiritual perdure por muito mais
tempo.
_ Mas é tão frio... impessoal...
_ Você está fragilizada,
sensível, carente ... Quer o colo da
vovó ou quer fazer uma prece
comigo? _ perguntou sorridente.
_ Uma prece _ respondi.
Lucinda colocou-se de joelhos
e recitou:
...Poderoso menino Jesus de
Praga , tu que disseste, bate três
vezes e a porta se abrirá...
Imediatamente comecei a
entender a mensagem de irmã
Lucinda. Nada podia me provar o
amor dela de forma mais
convincente.
Quando ela terminou a
recitação da novena arrisquei a
pergunta mais doída.
_ Quanto tempo faz que eu
morri?
_ Não fale em morte como se
fosse o fim da vida. Use outro
termo, temos tantos... morre quem
não acredita na vida. E depois

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você iria se confundir se pudesse
medir o tempo sem se inteirar que
como ele se estende no plano
espiritual .
_ Quanto tempo? _ insisti.
_ Algum tempo.
Eu estava ansiosa por saber.
_ André Luís dormiu doze anos,
eu li no livro NOSSO LAR, eu dormi
isso tudo?
_ Cada espírito tem um tempo
para se habituar na nova situação,
embora ela não seja tão nova
assim. O seu tempo foi menor .
_ Por que eu já era espírita?
_ Por que Deus quis assim.
Inquieta eu tentava fazer mais
perguntas, irmã Lucinda era toda
paciência a me ouvir e uma mestra
em conduzir as respostas às vezes
claras, às vezes imprecisas. Mas no
fundo eu entendia. Comecei a
sentir sono novamente e olhei para
ela.
Não foi preciso dizer nada,
com um sorriso nos lábios ela se
levantou e me passou a mão sobre
a fronte.
Meio tonta, perguntei :
_ Que sino é esse que escuto,
tão de levinho?
_ Sorte a sua ouvir esse sino. É
o aviso dos irmãos Marianos que
acaba de chegar mais uma
criança.
_ Eu gostaria de ajudar...
_ Você vai, minha irmã. Você
vai.
Adormeci.
Meu sono foi povoado de
crianças, brincadeiras de rodas,
passeios, salas de aula,

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enfermarias... Podia de certa forma
ver cada uma das crianças, quase
toca-las...
Posso dizer que foi um sonho
bom, muito bom! De certa forma
eu me sentia em casa, as crianças
tinham nomes conhecidos,
fisionomias conhecidas, eram-me
familiares e nosso entendimento
era perfeito. Ouvia risadas infantis,
alegres... soltas... espontâneas...
tudo profundamente leve e
agradável.
A visita

Quando acordei de mais um


período de sono, encontrei irmã
Lucinda ao meu lado como
sempre, entretanto desta feita ela
não estava sozinha, tinha ao seu
lado a figura de um rapaz miúdo e
magro, com vestes brancas e uma
faixa larga de pano azul celeste
cruzando o peito.
O rapaz tinha um sorriso
ameno nos lábios e me ofereceu
uma espécie de rosário com
contas branco-leitosas e azuis, na
extremidade trazia uma imagem
do menino JESUS.
Estranhei o presente
principalmente porque não
conhecia aquela espécie de terço
e o menino JESUS era feito de um

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material estranho, gelatinoso e
perfumado, parecia ter luz própria
e era morno.
_ Este é o irmão Mattias _ disse
a irmã Lucinda _ ele é um irmão da
ordem dos Marianos, veio te fazer
uma visita.
Sentei-me no leito e ajeitei os
cabelos.
_ Muito prazer e... obrigada
pelo presente. _ disse com todo o
respeito que aquela entidade me
inspirava.
O irmão Mattias tinha uma
áurea azulada quase fosforescente
e transmitia uma paz inexplicável.
Notei que ele não tocava o chão,
como eu e a irmã Lucinda, ele
simplesmente flutuava em uma
espécie de nuvenzinha da mesma
cor que a áurea que o circundava.
_ Estou feliz que esteja entre
nós. _ disse o irmão Mattias _ irmã
Lucinda falou-me que a irmã ouviu
sinos...
_ Ouvi sim, mas muito ao
longe, parece que são sininhos de
arvores de natal... Coisas assim... O
irmão me entende?
Ele sorriu.
_ Impossível não entender. Vim
até aqui para agradecer
juntamente com a irmã esta
audição abençoada, e esclarecer
as dúvidas que possa surgir.
Irmã Lucinda aproximou-se da
cama me deu as mãos e conduziu-
me a uma cadeira perto da janela
em forma de arco.
_ Vou deixa-la em companhia
de irmão Mattias, pode acreditar
que estará muito bem
acompanhada.

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_ Por favor... _ tentei impedir
sua saída segurando firme em suas
mãos _ fique.
_ Você ficará bem _ deu-me
um abraço fraterno e rumou para
a porta.
Irmão Mattias deslocou-se até
a janela sem tocar o chão, era
engraçado porque podia ver pelo
movimento das pernas que ele
trocava passos, embora os seus pés
não fossem visíveis.
Afastou uma parte da cortina
que parecia um véu de tule e
deixou a brisa entrar sem receios.
Olhando para o infinito disse:
_ Os encarnados
desenvolveram uma espécie de
apito que só os caninos ouvem...
Ficou quieto olhando para
fora, parece que esperando uma
reação de minha parte. Não
entendi o que ele queria dizer-me.
Ele continuou:
_ Os sininhos que você ouve,
são assim...
_ Assim como _ perguntei.
__ Muitos serão os chamados,
poucos os escolhidos...
Fiquei pensando, a que ele
estaria se referindo...
_ Seja mais claro, por favor, eu
ainda estou muito confusa.
_ Deixai vir a mim os
pequeninos, porque deles é o reino
dos céus.
O olhar de irmão Mattias era
doce, terno, aconchegante.
_ Maria foi,é e sempre será a
mais amorosa, a mais prestimosa, a
mais Santa de todas as mães. A
legião dos Marianos prega e tenta

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executar dentro de nossas
limitações esse amor de Maria. As
crianças são tão inocentes, tão
puras, tão frágeis que precisam de
atenção especial. Para entender a
criança é preciso que tenhamos
espírito de criança, que amemos as
crianças.
_ Eu sempre amei as crianças _
completei, sentindo uma ternura
invadir o meu espírito.
_ Eu sei... _ disse irmão Mattias
_ eu sei...
_ Sabe como? Você me
conhece à muito tempo?
_ Posso dizer que sim! E afinal
você ouve os sinos, não é
verdade?
Fiquei intrigada.
_ O que os sinos tem a ver com
as crianças?
_ Eles nos avisam quando uma
criança acaba de desencarnar, e
nós vamos prestar auxílio ao espírito
infantil, tudo em nome do amor de
Maria.
_ E o que mais?... _ quis saber.
_ Muitos serão os chamados,
poucos os escolhidos.
_ Não entendi. _ argumentei.
_ A pouco falei da espécie de
apito para caninos, os sinos são
assim, não são todos que os
ouvem.
_ Não? _ perguntei _ Como é
possível? É certo que são de
levinho, mas dá para ouvir sim.
_ Não dá não, minha irmã. Só
os ouve o espírito escolhido para
trabalhar com as crianças. Aqueles
que só reencarnam para cumprir
missões relacionadas com outras
crianças.

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Fiquei com o olhar fixo no rosto
de irmão Mattias.
_ O irmão está se referindo ao
meu filho?
Mattias olhou-me
demoradamente .
__ A sua missão está apenas
começando, assim que estiver
pronta levá-la-ei ao berçário. Você
será muito bem vinda à nossa
legião.
Senti uma vontade imensa de
chorar. Será que eu estava à altura
de tamanha graça? Ele dissera que
eu já era uma espécie de espírito
iluminado? Eu estava ouvindo
direito? Sentia-me tão pequena,
tão sem merecimentos que não
incorporava a idéia de uma
benção daquele porte.
_ Assim que se sentir forte, a
irmã fará terapia de grupo com a
irmã Clotilde e depois poderá
começar pelo berçário, eu mesmo
irei acompanha-la com o maior
prazer.
Assenti.
_ Quando começo? _
Perguntei.
_ Logo após as
comemorações da ascensão do
senhor.
_ Falta muito?
_ Alguns dias.
Fiquei imaginando, era a dica
para eu saber quanto tempo
passei adormecida.
_ Venha se deitar, você
precisa descansar .
Deu-me as mãos e levou-me
de volta ao leito.
_ Irmão Mattias...
_ Sim?..

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_ O rosário...
_ É um presente de nossa
ordem para os novos membros.
_ Como devo usá-lo?
_ Você descobrirá _ Ficou em
silêncio e depois completou _
Ouves? Os sinos tocam, esperam
por mim.
_ Obrigada.
_ Fique com Deus. Em breve
nos veremos.
E saiu flutuando nas nuvens da
forma como entrou.
O reencontro

Era uma manhã diferente, irmã


Lucinda, estava atrasada. E eu
pude comprovar este
desagradável episódio pelo fato
de ter acordado e não tê-la
encontrado ao meu lado.
Fiquei insegura e pela primeira
vez senti fome. Passaram-se alguns
minutos que me pareceram
verdadeiras horas intermináveis.
Quando a esperada irmã surgiu no
ambiente fui logo indagando com
a ansiedade dos abandonados:
_ Por que demorou tanto?
Estou te esperando à horas. Não sei
o que fazer. Posso me levantar
sozinha? Gostaria de ir à varanda?
Eu faria mal se tivesse ido, não?
Irmã Lucinda aproximou-se e
deslizou suavemente as mãos por

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sobre a minha cabeça, aplicou-me
aquele passe que de pronto
acalmou-me e abrandou-me o
coração.
_ Tenho fome _ declarei.
_ Então vamos orar. _ colocou-
se de joelhos e recitou a prece de
São Francisco de Assis.
Lembrei-me de minha mãe
naquele momento, e perguntei-me
se ela estaria fazendo o mesmo.
Irmã Lucinda esboçou um leve
sorriso e acrescentou:
_ Lembrei-me dela também.
_ Ainda tenho fome _ reclamei
com os olhos rasos de água.
_ A fome é apenas uma
sensação. Tudo o que diz respeito
ao corpo físico, é uma sensação,
embora no seu caso seja um
pequeno defeito perfeitamente
corrigível.
_ É defeito sentir fome ? _
perguntei magoada.
_ Só quando se está
descontrolada, com medo, irritada,
sentindo-se só? Sim, é um defeito
do espírito que pensa que se
agredir o alimento vai resolver a
situação. Era isso que você fazia
quando encarnada. Não pode ter
esquecido. Estou certa?
Naquele momento entrou no
quarto uma senhora aparentando
uns sessenta anos de idade, de
baixa estatura, com vestes que
lembrava uma enfermeira, trazia
nas mãos um prato com frutas e no
rosto um largo sorriso. Olhou para
irmã Lucinda e cumprimentou.
_ O Senhor te ama, irmã
Lucinda.
_ A ti também irmã Gertudes.

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Parou à minha frente e esticou
os braços oferecendo-me o prato
de frutas sorridente:
_ O Senhor te ama irmã.
Olhei para irmã Lucinda, que
assentiu com um sorriso e com a
cabeça. Quando tentei pegar um
cacho de uvas, a irmã Gertrudes
puxou o prato sem deixar de
estampar o sorriso.
_ O Senhor te ama, irmã. _
repetiu.
_ Ahmm?!... A ti também irmã.
A reação da irmã Gertrudes foi
imediata, sentou-se ao meu lado
repentinamente com o prato nas
mãos, ofereceu-me uma pêra e
passou a devorar o cacho de uvas
que eu intencionava degustar.
_ Aleluia. Glória ao Senhor. A
irmã aprende rápido. A irmã
também come quando sai de si?
Eu só como quando estou alegre,
mas como vivo alegre, é claro que
como demais _ e deu uma risada.
Irmã Lucinda dava claras
demonstrações faciais de que não
aprovava o comportamento da
irmã Gertudes que ao final da visita
devorou o prato de frutas
enquanto eu consumi apenas uma
pêra.
_ Bom ...bom... a nossa
hóspede está devidamente
alimentada, e eu devo alimentar
mais um faminto.
_ Desse jeito..._ argumentou a
irmã Lucinda _ a irmã vai demorar
a superar essa imperfeição.
_ Eu não tenho pressas
respondeu sorrindo a irmã Gertudes
saindo do quarto _ O Senhor ama
vocês irmãs.
E respondemos juntas:

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_ A ti também, irmã Gertrudes.
Sorrimos juntas daquela figura
simpática e alegre, irmã Gertudes
era uma espécie de descontração
personificada da casa de
recuperação. Irmã Lucinda
aproveitou aquele momento
singelo e perguntou:
_ Satisfeita?
_ Sim _ respondi _ e nunca
pensei que com uma pêra apenas,
eu pudesse experimentar a
completa saciedade.
__Você é um espírito, e o
verdadeiro alimento do espírito é a
prece. O que você experimentou
foi uma fruta fluídica, creio que
notou a diferença na textura do
alimento.
_ É mesmo _ concordei _ ela
desmanchava na boca como os
biscoitos que minha avó fazia.
Irmã Lucinda sorriu de minha
ingenuidade.
_ É parece mesmo. A irmã já
começa a me ver com outros
olhos, percebeu?
Assenti.
_ A irmã tem razão, às vezes as
lembranças nos confundem.
Naquele momento chegou um
rapaz de estatura mediana e foi
logo nos cumprimentando:
_ O Senhor nos ama, irmãs.
_ A todos nós. _ respondeu
irmã Lucinda.
_ Irmã Clotilde me pede que
conduza a irmã Mariana à sala de
terapia, breve iniciaremos as
preces.
Fiquei confusa. Por que não
me chamavam pelo nome? Irmã
Lucinda percebendo as minhas

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dúvidas foi tratando de esclarece-
las.
_ A irmã teve várias
encarnações, e deverá ter o nome
que melhor se identifica com a sua
alma. É a irmã que deverá escolher
como prefere ser identificada, por
enquanto deve prevalecer o nome
da ordem à qual a irmã irá atuar.
_ Posso sugerir? _ completou
uma voz masculina vinda da porta.
Virei-me imediatamente, senti
um nó na garganta e uma vontade
incontrolavel de abraça-lo.
_ O nome dela foi escolhido
antes que tivesse efetivada a sua
última reencarnação. _ disse.
Ele estava ali... na minha
frente, tal como eu me lembrava,
os mesmos traços, a mesma voz, o
mesmo porte altivo, autoritário e
profundamente terno.
_ Vovô ... _ balbuciei
emocionada.
Ele caminhou em direção à
irmã Lucinda , dei-lhe um beijo na
testa e completou:
_ Deus nos ama. Fez um bom
trabalho.
_ Com certeza. O mérito não é
meu.
Não suportei mais a espera e
me atirei nos seus braços soluçante.
_ Como estão todos em casa?
Anseio por notícias.
_ Estão bem. Com saudades...
mas bem.
_ Como é o seu nome? _
perguntou levantando-me o
queixo.
A resposta veio da porta numa
outra voz masculina , desta vez

46
uma nova lembrança
personificada :
_ Márcia.
Corri para o outro avô que me
esperava de braços abertos.
A terapia

A sala de terapia era


espaçosa e clara, tinha apenas
uma imagem de JESUS com o olhar
voltado para o alto e com as mãos
abertas em braços estendidos,
como que querendo buscar algo
pedido com muita veemência ao
PAI SUPERIOR.
Percebi naquele momento
que desde que chegara à Casa de
Recuperação não tinha deparado
com nenhuma imagem de CRISTO
CRUCIFICADO, todas as imagens
com as quais me deparei eram de
um JESUS livre, em estado de
graça.
Irmã Clotilde era uma mulher
alta, de pele clara, olhos azuis, e
de corpo atlético, dava-me a
impressão de ser descendente de
alemã pelo porte físico e pelo tom

48
da voz, mas se passava uma
imagem de austeridade, em
contrapartida era terna, paciente e
doce.
As cadeiras colocadas em
círculo, abrigavam mais oito
pessoas fora eu. Uma moça
morena de olhos amendoados,
parecendo com uma nisei; uma
outra de olhos verdes,
aparentando uns quarenta anos;
um rapaz, de uns dezesseis anos de
idade, que brincava
insistentemente com duas bolinhas
que pareciam de madeira nas
mãos; um senhor de uns cinqüenta
e oito anos; uma negra de sorriso
largo; um homem sério, de uns
trinta e três anos; uma senhora
idosa, e um homem estranho, que
apesar de aparência jovem tinha
os cabelos brancos .
Irmã Clotilde iniciou a reunião
com a prece de Caritas, que recitei
com todo fervor no coração.
Notei durante a prece, que
alguns acompanhavam com fé,
mas que o rapaz brincava com as
bolinhas, e o senhor que estava ao
lado do rapaz fez a prece com as
mãos espalmadas em direção à
fronte do ausente; o homem jovem
de cabelos brancos, chorou; a
moça nisei caiu de joelhos para
fazer a prece. Ao termina-la, irmã
Clotilde apresentou-me ao grupo:
__ Meus irmãos, temos entre
nós uma nova irmã, da ordem dos
Marianos. A irmã acaba de chegar
entre nós e teve a graça de
esclarecer a sua própria passagem
quando ainda encarnada. Ela
pode nos contar a respeito de suas
experiências em como se sente
perante o que se passou em sua

50
vida, Irmã quero lhe apresentar :
Sue, e me apontou a nisei, Rodrigo,
e me mostrou o rapaz que
brincava com as bolinhas; irmão
Alfredo, e mostrou-me o senhor que
nitidamente mostrava ser um
acompanhante do rapaz;
Gracinha, e mostrou-me a negra
de sorriso largo; Jeniffer, foi a vez
da moça loira; Terezinha, e
mostrou-me a senhora de idade, e
os demais irmãos que ainda não se
manifestaram e não nos deram o
prazer de saber o nome que
escolheram para si. _ e dirigindo-se
aos outros apresentou-me _ Esta é
a irmã...
_ Márcia _ completei _ meu
nome é Márcia .
Todos assentiram com a
cabeça ou com um sorriso, com
exceção do rapaz que brincava
com as bolinhas.
_ A irmã gostaria de começar
a falar de sua experiência? _
perguntou irmã Clotilde.
_ Eu fui assassinado por meu
irmão. _ interrompeu o homem
jovem de cabelos brancos .
Todos olharam para ele
imediatamente, pude notar que a
sua fala causou espanto em todos.
Irmã Clotilde , irmão Alfredo e
Terezinha exclamaram
imediatamente:
_ Deus seja louvado !
Irmã Clotilde de pronto tomou
a dianteira da situação:
_ Vamos agradecer a Deus
pela benção que acabamos de
receber, com a manifestação do
irmão abre-se uma porta para a
comunicação entre nós, e assim
poderemos fraternalmente
entender os designos do Pai.

52
_ Graças te damos Senhor,
Graças sempre te daremos Senhor.
_ recitou sendo acompanhada por
três ou quatro membros da reunião.
O homem jovem de cabelos
brancos continuou, com o olhar
fixo no chão e com a voz pausada,
quase mecânica, repetia:
_ Eu fui assassinado pelo meu
irmão. Assassinado ...pelo meu
irmão.
Terezinha levantou-se de seu
lugar e pôs-se ao seu lado, colocou
a mão no seu ombro e disse :
_ Ele não pode mais te fazer
mal algum.
_ Ele me trancou no porão de
um navio abandonado no cais do
porto, estava escuro, úmido e frio,
tinha um cheiro podre no ar, me
deixou sem água e sem comida...
me deixou lá ... me deixou lá... por
causa da partilha dos bens, ele me
deixou lá... me deixou lá...
Notei que Sue e Gracinha
choravam, olhando para aquele
homem com uma expressão de
compaixão no olhar, Jeniffer e
Terezinha estavam em prece
silenciosa, irmão Alfredo, aplicava
constantemente um passe em
Rodrigo que insistia em se manter
ausente, e irmã Clotilde começou
a conversar com o homem jovem
de cabelos brancos tentando fazer
com que ele se libertasse das
imagens aterrorizantes que o
acompanhavam.
_ Meu irmão, não devemos
sofrer por antecedência, nem por
posteriori. Procure encarar os fatos
como algo terrível sim, mas que já
passou. O irmão já imaginou
quantas encarnações abreviou
com esse sofrimento? Já se

54
perguntou o que não terá feito ao
abreviador de sua vida carnal em
encarnações passadas?
_ Eu fui assassinado pelo meu
próprio irmão _ repetia _ ele me
deixou lá... ele me deixou lá...
Senti uma vontade imensa de
fazer uma oração por aquela alma
atormentada e quando vi recitava
uma oração:
_ Oh! Maria ! Abranda o
coração de teu filho, suaviza teu
sofrimento, carrega esta alma em
teu colo bendito, e acalenta-lhe as
esperanças. Passa a tua divina
mão em carinho pela fronte
ensandecida e apaga as
lembranças negativas. Ilumina
Maria com teu sorriso o futuro desta
alma, Abraça teu filho Mãe
Santíssima, pelo amor que só tu
podes dar, arranca esta dor do
coração dilacerado por Jesus vivo,
pelo Pai do Universo . Amem.
Quando terminei a oração,
irmã Clotilde sorria-me com os
olhos, os demais choravam
copiosamente, Rodrigo deixara cair
no chão uma das bolinhas com
que brincava, ficara com a outra
na mão chorando baixinho e o
homem jovem de cabelos brancos
exibia uma mecha de cabelos
castanhos enquanto me olhava
fixamente...

56
Os inocentes

Durante o período de quase


um mês freqüentei diariamente as
sessões de terapia de grupo e
pude entrar em contato com os
problemas de aceitação ou de
revolta de um pôr um daqueles
que se manifestavam.
Terezinha desencarnara vítima
de um tumor no pâncreas e
aceitava a sua atual condição sem
desespero, freqüentava o grupo
porque esporadicamente
acordava sentindo dores que só os
que experimentam esse mal,
podem sentir, o seu espírito ainda
se consumia com aquele mal;
Gracinha tinha no coração o
ressentimento pelo o que fora
vitimada em preconceito de cor,
enquanto encarnada e isso não
permitia a sua ascensão espiritual;
Sue tinha pesadelos envolvendo
enchentes e afogamento, fiquei
sabendo também que o seu nome
verdadeiro era Sueli mas ela
preferia ser chamada de Sue; a
moça de olhos claros tinha sido
vítima de um tumor uterino; o
homem jovem de cabelos brancos
(agora com uma mecha castanha)
chamava-se Pedro Afonso e
Rodrigo, acompanhado pelo tio
paterno , irmão Alfredo, era uma
vítima da violência urbana das
grandes cidades.
O garoto contou em prantos,
que fora seqüestrado na porta da
escola, que quase surtara de
medo, e que fora assassinado com
um saco plástico na cabeça
porque seu pai se recusara a pagar
o resgate.
Era difícil para Rodrigo, aceitar
o ponto de vista de seu pai, não

58
contava ele que seu progenitor
também não esperava aquela
reação dos algozes.
Numa tarde em que os sinos
tocavam quase sem intervalo
tomei a liberdade de manifestar o
meu desejo junto à irmã Clotilde:
_ Irmã Clotilde, muito aprendi
com a terapia de grupo, posso
dizer até sem medo de ser egoísta,
que devo agradecer ao PAI o
desencarne que tive, mas estou
inquieta, impaciente por começar
a desenvolver o meu trabalho.
Gostaria de encontrar o irmão
Mattias para expor os meus
anseios.
_ Compreendo minha irmã. _
disse _ o irmão Mattias questionou-
me a respeito de seu progresso, e
eu dei a ele a sua liberação para
os serviços da Ordem, há mais de
três dias. Esperávamos apenas que
partisse da irmã esse anseio de
trabalhar.
Senti um alívio enorme. Tinha
medo de estar sendo ingrata para
com a irmã Clotilde ao querer
afastar-me do grupo.
Naquela noite quando as
estrelas dividiam com o sol laranja
o brilho no firmamento recebi a
visita do irmão Mattias. O perfume
de flores campestres chegou antes
dele.
_ O Senhor nos ama, minha
irmã.
Rejubilei de satisfação.
_ A todos nós irmão Mattias. _
respondi.
_ Apraz-me saber de sua
condição. _ disse-me _ vim levá-la
a uma visita ao berçário, conforme
o prometido.

60
Levantei-me de pronto, sentia
o coração batendo forte no peito,
a ansiedade tomava conta de
meu ser. “Finalmente” _ pensei _
“finalmente”.
_ Antes, entretanto, minha irmã
vamos fazer uma oração a fim de
acalmares o espírito para que não
transmitas esta agitação em que te
encontras aos nossos pequeninos.
_ Posso prejudicá-los? _
perguntei angustiada _
_ A primeira regra para se
trabalhar com a criança, minha
irmã, é saber que ela é como um
imã poderoso, não só capta no ar
o que se passa ao seu redor, como
também incorpora as emoções do
que as circunda. Se você
demonstrar medo, a criança sentirá
medo; se for agressiva, a criança se
tornará agressiva; se for maldosa a
criança assim também será.
Senti-me desconfortável com
a minha situação e acompanhei a
prece de irmão Matais.
_ Divina Mãe, somos teus
servos, empresta-nos um pouco de
tua brandura e ensina-nos como
conserva-la conosco a fim de que
possamos emprestá-la um dia a
alguém. Só precisamos seguir teus
passos para sublimarmos a nossa
missão. Ensina-nos o caminho, Mãe
querida. Amém.
Saímos da casa de
recuperação onde eu me
encontrava pela primeira vez,
acompanhada de irmão Mattias
eu me sentia quase em vantagem
frente às diversas entidades com
quem cruzei. Todos nos
cumprimentavam e se dirigiam a
ele com tamanho respeito que me
enchia de satisfação a alma e o
pensamento.

62
Irmão Mattias flutuava ao meu
lado e fazia todo o percurso
orientando-me quanto aos
ministérios de recuperação por
onde passávamos.
_ Este é o Ministérios dos
Anciãos, para cá vem os que
desencarnam após logo tempo de
vida. Aquele é o Ministério da
Juventude, para lá vão os que
desencarnam na flor da vida.
_ De onde vem esses gritos ? _
perguntei _ Eu os estou ouvindo
mesmo?
_ Sim... Estes lamentos vem do
Ministério da Insanidade, é para lá
que vão os suicidas.
Respirei fundo e senti medo.
Quando paramos em frente
ao Ministério da Infância, irmão
Mattias segurou-me as mãos e
juntos deslizamos escadaria acima.
Experimentei uma sensação de
imenso bem estar com esse gesto
do irmão.
A primeira porta aberta pude
perceber vários irmãos trajados
igual ao irmão Mattias, alguns em
nuvens como ele, outros na minha
condição aplicando passes em uns
círculos trêmulos e luminosos que
flutuavam em cima dos leitos.
_ São as crianças? _ perguntei
atônica.
_ São os inocentes respondeu
irmão Mattias _ Aqueles que foram
impedidos de nascer pela vontade
de seus pais.
Naquele momento entendi o
porquê abortar uma vida é tão
desumano.

64
As revelações

Aquelas centenas de círculos


trêmulos flutuantes, provocaram-
me um desconforto inenarrável.
_ Como podem haver tantos
nessa situação? _ murmurei.
_ O desenlace fetal é em
número superior ao desencarne
infantil, minha irmã. A crise moral
que assola a crosta terrestre é a
grande causadora desta epidemia
assassina.
_ Aqui estão as vítimas de
aborto? _ perguntei a fim de
confirmar as minhas suspeitas.
Irmão Mattias apenas assentiu.
Tocou-me o braço e me conduziu
a um dos círculos mais trêmulos da
enfermaria. Este tremia tanto que
precisava de dois irmãos de apoio
ao seu lado. Pude notar que das
pontas dos dedos daqueles irmãos
saia uma luz dourada que o
envolvia, enquanto a prece a
Maria era feita acompanhada de
melodia. Quase que num sussurro,
perguntei:
_ Por que ele treme tanto?
_ Por que sofre muito.
_ Mais do que os demais?
_ Há quatro reencarnações
que tenta resgatar a dívida para
com a sua progenitora e é
rejeitado por ela.
_ Virgem Santa! _ exclamei
penalizada com a cena.
Passeamos por entre os leitos,
e os irmãos que ali trabalhavam
com os inocentes pareciam não
notar a nossa presença, tão
compenetrados que estavam em
seu trabalho.

66
_ Eles não nos ouvem? _
indaguei.
_ Não é a nós que precisam
ouvir. _ respondeu irmão Mattias.
Conduziu-me à outra sala, tão
grande quanto a anterior,
entretanto com um número de
internos inferior àquele. Notei que
os círculos luminosos desta vez não
se exibiam trêmulos aos meus olhos.
Eram mais calmos.
_ Aqui estão os inocentes que
foram expelidos espontaneamente.
São os irmãos que tem pouco para
resgatar, ou que só enfrentam o
processo da reencarnação para
ajudar um ente querido a apurar o
seu resgate de forma menos
dolorosa, evitando um sofrimento
maior.
Lembrei-me imediatamente
do aborto expontâneo que tive, do
meu sofrimento, de ver as minhas
esperanças evadirem como
fumaça no ar quando senti que
perdia o carinho do companheiro
e a chance de ter mais um fruto
daquele amor que experimentei
nos braços.
_ Eu perdi um filho dessa
forma. Gostaria de encontra-lo,
conhece-lo. Agradecer o que ele
fez por mim. Será que serei
merecedora dessa graça? _
perguntei.
Irmão Mattias ergueu os olhos
para os Céus e sorriu para mim.
_ A irmã já teve essa
oportunidade. O espírito já está
entre os seus familiares,
reencarnado cumprindo uma nova
missão.
Pensei nos primos, nos filhos
dos primos, em minha irmã, nos
sobrinhos.

68
_ Não era mesmo para a irmã
ter muito tempo de convivência
carnal com aquele espírito.
Entendi o que ele queria dizer,
e experimentei uma sensação de
imenso prazer ao identificar na
lembrança o corpo pequenino em
meus braços, e os olhos da cor de
Maria a fitarem-me inocentes,
sorridentes, enquanto eu pensava
secretamente: “Minha filha”.
Saímos daquela sala e
chegamos à sala das crianças
excepcionais. Fiquei maravilhada
com o que vi. Os desenhos que
faziam, as explicações que davam
aos mentores em uma espécie de
sala de aula eram dignas de
aplausos, encontrei ali, as mentes
mais lúcidas, mais privilegiadas
com que cruzei em minha
existência toda, quer como espírito
encarnado, quer como
desencarnado.
_ Os irmãos que reencarnam
com limitações mentais são única e
exclusivamente para ajudar um
ente-querido no resgate de suas
próprias faltas ou para corrigir uma
imperfeição de seu próprio espírito.
Geralmente _ disse _ esta opção é
feita por eles próprios.
_ Um irmão com essa luz, tem
imperfeições?
_ A prepotência, minha irmã, o
orgulho são imperfeições do
espírito, não se esqueça disso.
_ Não me esquecerei.
De repente senti uma
presença atrás de mim. Virei-me e
deparei com uma criança. A
garota trazia nos braços um
brinquedo e no rosto as marcas de
um choro recente. Esboçava um

70
desejo e vergonha de se
aproximar, ao perceber que eu
notara sua presença escondeu-se
rapidamente atrás de um dos
armários azuis.
_ Quem é? _ perguntei ao
irmão Mattias.
__ A sua primeira tarefa. Trata-
se de uma irmãzinha carente,
criada nas ruas das grandes
cidades. Vítima de abusos dos
ensandecidos e de atropelamento.
É arredia, e profundamente pueril.
Senti um aperto em meu peito.
Ali estava a minha oportunidade
de trabalho. O que eu tanto
esperara. O que me consumia as
horas na espera. Quando busquei
irmão Mattias ele já deslizava em
direção á porta. Olhou-me com um
sorriso estampado no rosto e disse:
__ Procure pela irmã Cristina
para saber de suas acomodações
na ordem. Não se esqueça que é
noite e breve devemos recolher-
nos para as preces noturnas. _ e
saiu.
Procurei um lugar para me
sentar. Era impressionante como eu
era pequena frente ao irmão
Mattias. Eu tinha tantas perguntas...
Ele todas as respostas...
Olhei para a garota e lhe dei
um sorriso. Peguei o meu rosário, e
comecei a acaricia-lo em prece
íntima, pedi orientações, por onde
começar...
O menino JESUS brilhava de
forma singular , e seu perfume era
quase enebriante. A garota
motivada pela curiosidade da
luminosidade do SANTO MENINO,
foi aproximando-se sorrateira. Eu
fingi não ter percebido, continuei
em oração. Ela foi chegando cada

72
vez mais perto até ficar à minha
frente.
_ Dá pra mim? _ pediu com a
voz tímida.
_ Não posso respondi _
respondi _ ganhei de presente.
Posso tentar conseguir um para
você. Você quer?
Imediatamente ela começou
a chorar.
_ Se você ganhou, é seu. Você
pode dar. Feia...feia... _ e saiu em
direção à porta.
De lá a menina mordeu o seu
próprio braço, o que me provocou
um susto.
_ Tá doendo... tá doendo...
Põe ele aqui, põe ele aqui... e
apontava para o menino JESUS .
Levantei-me e caminhei em
sua direção.
_ Você provocou a sua própria
dor. O rosário não é brinquedo e
merece a nossa admiração e
respeito. Se você quiser posso lhe
contar a história desse menino.
Você quer?
A garota virou-me as costas e
saiu correndo, resolvi segui-la mas
percebi que não conhecia as
dependências do ministério,
entretanto a luz que o rosário
emitia deixava á mostras a trilha de
passos dados pela pequena,
orientando-me assim o caminho
certo de como encontra-la.

74
No pátio

Seguindo os passos da garota


cheguei até o pátio do ministério
que mais parecia um jardim de
inverno. Do teto que ora parecia
envidraçado, ora esfumaceado,
ora feito de nuvens, fluía luzes furta-
cores em raios quase que
direcionados a algumas crianças
que brincavam com animais
semelhantes aos de pequeno porte
que eu conhecera quando
encarnada.
Dirigi-me a um garoto de
aproximadamente oito anos que
brincava com outro menino e
cheguei à tempo de ouvi-lo dizer:
_ A gente não fica sozinho
aqui!
_ Mas e mamãe? _
perguntava o outro.
_ Ela está aqui. Sabe que
mamãe? A mamãe de Jesus e de
todos nós.
_ Você é meu irmão? _
perguntou o outro.
_ Eu e todo mundo daqui. Eu
acredito nesse pessoal, eles não
judiam da gente e são sempre tão
calmos. Aqui nós não apanhamos
e não sentimos dor.
Fiquei intrigada com o
esclarecimento daquele menino.
Seria tão bom se todas as crianças
pudessem se sentir assim. Parei ao
seu lado e ele dirigiu-me o olhar e a
palavra.
_ O Senhor nos ama irmã.
Senti uma ternura imensa.
_ A todos nós irmão ...

76
_ Mattias _ respondeu ele, e
me deu um sorriso revelador.
Fiquei atônica olhando a
cena. Foi quando senti alguém
tocar-me os ombros.
_ O Senhor nos ama, irmã
Márcia, seja bem-vinda.
Virei-me e deparei com uma
entidade simpática e sorridente.
_ Com certeza irmã...
_ Cristina, pode me chamar de
irmã Cristina.
Percebendo o meu
desconcerto diante da situação,
irmã Cristina levou-me até um
banco onde sentou ao meu lado.
_ Vês? Só aqueles irmãos com
um merecimento superior podem
optar por mudar a sua própria
imagem. Irmão Mattias tem essa
característica. Ele acredita que as
crianças se entendem melhor com
outras crianças, para ele a
presença do adulto inibe o espírito
infantil então ele procede esse tipo
de trabalho numa preparação
para que possamos trabalhar a
doutrina.
Lembrei-me da garota que
estava procurando... Onde estaria
a pequena? Tentei buscar as
marcas luminosas que o MENINO
JESUS indicava-me e não mais as
encontrei.
_ Elas sumiram. _ murmurei.
_ Não, minha irmã, elas não
sumiram, foi a irmã que perdeu a
concentração e deixou escapar o
sublime auxílio para a sua missão.
_ Eu fiz o que?!... _ perguntei
experimentando um desconforto
incrível.
_ Você desviou a sua atenção.
Terá que encontra-la sozinha, antes

78
das preces. Estaremos no mesmo
cômodo, terei prazer em resolver as
suas dúvidas, tenho certeza que
são muitas. Nós nos reuniremos no
salão de preces daqui a uma hora.
Senti-me angustiada. Como
pudera desviar a minha atenção
na minha primeira missão? Procurei
a garota pôr todo lugar, andei
pelos corredores, entrei em salas,
enfermarias, e decidi voltar ao
pátio. Sentei-me no banco e
abraçada ao rosário, acariciei o
MENINO JESUS.
_ Perdoa-me SENHOR, não fui
capaz de medir a tua bondade,
sou imperfeita, quero corrigir-me,
mas quero sobretudo recuperar a
TUA confiança. Oh! Mari , amada
mãe. Ajuda-me, não permita que
eu falhe.
Coloquei o rosário no banco
ao meu lado e fiquei olhando para
ele sem saber o que fazer. A luz
que emanava do MENINO JESUS
era pálida e eu embevecida com
a delicadeza do objeto nem
percebi o ruído no ambiente. Senti
vontade de chorar de emoção só
em perder-me em ternura ao
observar o Santo Menino e quando
levei a mão ao rosto para enxugar
as lágrimas, percebi que uma
mãozinha pequena saia por entre
as folhagens e sorrateiramente
tentara afanar o rosário que
repousava no banco ao meu lado.
Segurei-lhe delicadamente o
antebraço.
__Jesus te ama. _ foi o que me
veio na mente.
Ela saiu por entre as folhagens
e com um jeitinho tímido
perguntou-me:
_ Você também? _ Olhava-me
_ Você também me ama?

80
Sorri.
_ É claro que eu a amo. _
respondi.
_ Então me dá. _ exigiu.
Notei o quanto era importante
para ela ter o rosário em suas
mãos.
_ Posso pensar no assunto, mas
antes quero que você se sente ao
meu lado, que converse um pouco
comigo, que fiquemos amigas,
depois, se você me provar que é
uma boa menina, então eu deixo
você segurar o rosário. Está bem
assim?
A menina foi rápida, correu e
sentou-se no banco, em atitude de
concórdia .
_ Eu sou nova aqui _ comecei
a conversa _ você podia ser minha
amiga e me ensinar um monte de
lugares, por exemplo não sei onde
é o salão de preces, você me
ensina a chegar lá?
A garota assentiu sem tirar os
olhos do MENINO JESUS ,
demonstrando todo o seu fascínio
pelo rosário.
_ É por aqui. _ levantou-se e
saiu andando na frente _ Anda
você vai chegar atrasada. _
concluiu.
_ Espere-me _ pedi _
estendendo a mão.
Ela olhou-me demoradamente
e estendeu-me a mãozinha em
atitude amigável a fim de conduzir-
me ao salão de preces. Mantinha o
olhar fixo em minha outra mão que
segurava o rosário.
_ Como é o seu nome? _
perguntei.

82
_ Não sei. _ respondeu _ Você
vai me deixar segurar ele? _
perguntou em seguida.
_ Meu nome é Márcia _ desviei
sua atenção. _ Posso te chamar de
Maria .
_ Pode _ respondeu ainda
com olhar fixo no MENINO JESUS.
Chegamos ao salão. Várias
entidades estavam sentadas em
círculo. Irmão Mattias, na forma
visual que eu o havia visto pela vez
primeira, dirigiu-me um olhar de
satisfação.
_ O Senhor nos ama, irmã.
_ A todos nós. _ respondi .
_ Vejo que arranjou uma
companheira para as preces _
disse passando a mão pela
cabeça da garota que se
escondeu imediatamente atrás de
mim.
Passei o MENINO JESUS para a
mão que aprisionava a mão
pequenina da garota, de forma
que nós duas o segurássemos
juntas. Ela olhou-me com espanto.
__ Essa é a minha amiga ,
Maria . Maria do Rosário __
apresentei a garota ao irmão
Mattias.
A menina ao meu lado
olhava-me feliz, sorridente,
emocionada e profundamente
satisfeita.
O coral dos Marianos encheu
o ambiente com uma melodia
incomparável a tudo o que eu já
havia ouvido antes e diante das
estrelas e do sol laranja, ouvíamos
as preces que se seguiam uma a
uma por vozes que ecoavam no
ambiente como uma acústica de
conchas do mar.

84
Num determinado momento,
todos se ajoelharam e um manto
azul celeste desceu lentamente
para nos envolver por segundos
que jamais saberei precisar,
tamanha a sensação de bem estar
que experimentei.
A conversa

Maria do Rosário era na


realidade uma criança doce,
tímida, carente e cheia de
vontade de aprender coisas novas.
Enchia-me de perguntas e por
mais de uma vez eu a surpreendi
falando de mim entre as outras
crianças que brincavam no pátio
nos momentos de lazer.
_ Irmã Márcia, é a minha mãe
_ dizia ela _ eu vou pedir pra Deus
deixar ela ser minha mãe, porque
ela deixa eu pegar no MENINO
JESUS.
As outras crianças olhavam-na
sérias e compenetradas, como que
não conseguindo captar o que a
garota tentava dizer. Para elas
parecia que entender a
reencarnação seria algo difícil.

86
Lembrei-me da irmã Lucinda,
que não encontrava já a algumas
semanas.
À noite, no silêncio dos meus
aposentos pensei firmemente nela
e recebi em poucos minutos a sua
visita.
_ Por que me precisas com
tanto fervor, minha irmã? _
perguntou-me da porta por onde
acabava de entrar.
_ Deus seja louvado! _
exclamei e correndo ao seu
encontro para um afetuoso abraço
saudei a visitante _ O Senhor te
ama.
_ A ti também, minha irmã.
Segurei suas mãos e a conduzi
para a cama onde juntas sentamos
a fim de conversarmos a respeito.
_ Estou preocupada _ disse _
tenho trabalhado diretamente com
uma garota que atende pelo
nome de Maria do Rosário, e ela
tem se apegado a mim mais do
que devia. Tenho medo de que ela
sofra com a nossa separação que
um dia mais cedo ou mais tarde irá
acontecer. Temo que com esse
sofrimento todo o meu trabalho
venha por água abaixo. Não sei o
que fazer.
Irmã Lucinda, olhava-me com
um sorriso terno nos lábios e
acariciando-me as mãos
argumentou:
_ Se o seu trabalho for coeso,
você jamais irá perde-lo. Prefiro
pensar que você encontrou mais
um espírito familiar, de outras
encarnações para com ele
trabalhar. Esse apego de Maria do
Rosário pode não ser tão recente.
Deus sabe o que faz.

88
_ Mas como devo agir? _
perguntei aflita.
_ Não lhe parece que o seu
coordenador é o seu melhor
conselheiro?
Cabisbaixa argui:
_ A irmã fala do irmão Mattias?
_ Com toda certeza. _
respondeu irmã Lucinda _ procure
conversar com ele, verá que
encontrará ali a solução para os
seus problemas.
_ Mas irmão Mattias é tão
ocupado e depois não quero
abusar da graça que tive em tê-lo
ao meu lado quando precisei. Ele é
tão iluminado ... tão...
Irmã Lucinda colocou-me os
dedos na boca como que
querendo impedir-me de
continuar.
_ Irmão Mattias é um
benemérito sim, mas acima dele
há várias centenas de irmãos mais
iluminados, e sobre todas essas
centenas, outras centenas, e sobre
essas outras centenas, alguns
milhares, e sobre todos os milhares
o mais iluminado de todos. Aquele
que é a própria Luz, a própria
Sabedoria... Lembre-se: Adorai a
DEUS sobre todas as coisas.
Senti-me pequena diante da
explicação de irmã Lucinda.
_ Devo falar com ele, então?
_ Sem dúvida _ respondeu-me
_ este é o melhor momento para
encontra-lo. Agora as crianças
dormem, o ministério está calmo e
você poderá estar com ele na
gruta, ao lado do pátio.
Irmã Lucinda despediu-se com
um abraço afetuoso quando saiu.
Fiquei em dúvida se iria ou não

90
procurar pelo irmão Mattias, afinal
se ele estava na gruta, poderia
estar meditando e eu não queria
atrapalhar. Mas enchi-me de
coragem e fui à sua procura.
A gruta era de um material
que lembrava as pedras
semipreciosas, como a ametista e
a água-marinha, as luzes que
irradiava de uma planta
semelhante a uma moita com
folhas em formato de coração
iluminavam e propagavam-se por
todo o local.
Às vezes sentia meus olhos
ofuscados com tamanha
luminosidade. Irmão Mattias
sentado em posição budista
meditava e parecia de alguma
forma flutuar.
Fiquei do lado de fora da
gruta observando aquele
momento de luz e coloquei-me em
prece. Foi quando ouvi sua voz
confundir-se com os meus próprios
pensamentos:
_ Junte-se a mim, irmã Márcia.
Vamos orar juntos.
Fiquei ainda alguns minutos
parada, até entender o que se
passava.
Quando sentei-me ao seu
lado, imitando a sua posição, senti
o perfume de flores-do-campo que
ele exalava.
A voz de irmão Mattias tomou
conta de meu cérebro:
_ A Virgem Santa é uma
excelente ouvinte, ela nos acalma,
nos orienta, é a nossa melhor e
mais eficiente intercessora junto ao
PAI CELESTIAL , não há o que ela
peça por nós que não seja
atendido de pronto pelo CRIADOR.

92
Peça conselhos a ela, e deixe que
ela toque seu coração.
Senti uma brisa norma
envolver-me, fechei os olhos e tive
a impressão de estar levitando
também. De olhos fechados,
tentava encontrar na lembrança a
imagem da VIRGEM, mas tudo o
que eu via era a imagem de meu
filho e a imagem de Maria do
Rosário se confundindo.
_ Oh! MARIA SANTÍSSIMA,
esclarece-me! _ pedi.
Irmão Mattias ao meu lado em
prece agradecia à Virgem Santa e
eu pude sentir mais de duas
presenças no ambiente. Quando
saímos do estado de meditação
irmão Mattias conduziu-me a um
banco onde nos sentamos.
_ Às vezes minha irmã, os
espíritos interligados se encontram
por vária ocasiões. Maria do
Rosário não é sua missão por obra
do acaso, quando eu lhe disse que
a sua missão com seu filho estava
apenas começando, na minha
explanação estava incluído esse
seu trabalho.
_ O que tem a ver Maria do
Rosário com o meu filho? _
perguntei _ Ele está encarnado, e é
uma criança ainda.
_ O que não impede de haver
um relacionamento espiritual entre
eles.
Olhei fixamente para irmão
Mattias:
_ Farei um bom trabalho. _
afirmei.
_ Não tenho dúvidas disso _
respondeu.

94
A amizade

Durante o tempo que


trabalhei com Maria do Rosário,
desenvolvi um carinho muito
especial por ela. A garota enchia-
me de perguntas, tornara-se uma
criança alegre e comunicativa e
durante muitas e muitas vezes me
auxiliara na recepção de novas
crianças.
Havia ocasiões em que eu
tinha a nítida impressão de que ela
se apresentava como adolescente
embora a sua imagem continuasse
iguala de uma criança, era como
se com o tempo e com as nossas
conversas, com os nossos estudos
ela fosse crescendo ,
amadurecendo.
Uma noite após as preces, em
meus aposentos senti um
desconforto pertinente. Percebi
que alguém estava à minha espera
e que a minha presença poderia
ser necessária em algum lugar
naquele exato momento. De
imediato pensei em irmão Mattias,
levantei-me e me dirigi à sala de
orações como que conduzida por
uma força alheia a tudo o que eu
conhecia. Lá encontrei Maria do
Rosário, cabisbaixa rabiscando no
chão um desenho invisível.
Sentei-me ao seu lado e pus-
me em preces. Tudo o que eu
queria naquele momento era
forças e intuição para poder ajudar
a menina.
_ Irmão Mattias me fez dormir
_ disse ela
_ E não foi bom? _ perguntei.
_ Foi... _ respondeu.

96
Ficou quieta por alguns
instantes.
_ A gente vai se separar? _
perguntou.
_ Por que você me pergunta?
_ indaguei.
_ Não sei... É que eu estou
sentindo triste.
Embalei Maria do Rosário até
que ela adormecesse enquanto
pensava numa forma de encontrar
o irmão Mattias a fim de instruir-me
a respeito do que estaria para
acontecer.
No dia seguinte, irmão Mattias
surpreendeu-nos adormecidas no
salão de preces e foi o seu perfume
que me despertou.
_ O Senhor nos ama, minhas
irmãs.
_ A todos nós, irmão _
respondi, enquanto tinha Maria do
Rosário adormecida ao meu lado.
Levantei-me devagar para
não acordar a menina.
_ A criança disse-me que o
irmão a fez adormecer...
Irmão Mattias ao meu lado,
com aquela paz que lhe era traço
singular respondeu-me.
__ Os laços de amizade não se
desfazem com o tempo. O amor e
a verdadeira amizade são nós que
não se desatam mesmo com
diversas encarnações ou com
temporários afastamentos. Não se
preocupe. A irmã fez um bom
trabalho.
_ Vou afastar-me de Maria do
Rosário? _ perguntei _ Terminou a
minha missão?

98
_ Existem missionários para
todo tipo de missão. Um mestre
alfabetiza o infante, outro o
introduz no mundo do pensamento
organizado e outro o aperfeiçoa,
mas só a experiência poderá
reconduzi-lo à efetivação de seus
conhecimentos.
Olhei o irmão Mattias com
carinho, entendia que ele dissera-
me que a minha missão estava
terminada. A quem caberia a
tarefa de continuar o trabalho com
Maria do Rosário?
_ A irmãzinha tem feito sessões
de afinidade espiritual com sua
nova orientadora, ela já se
encontra em estágio inicial de
amadurecimento a fim de que
possamos encaminha-la ao
Ministério da Reencarnação.
Senti um frio no estômago.
_ Maria do Rosário?
Reencarnada? _ Perguntei.
_ O tempo urge que ela o
faça, o que ainda não aconteceu
por não aceitar nenhum orientador
que não fosse de sua admiração e
confiança. Você, minha irmã, foi
eleita por ela.
_ Quanto tempo ainda terei
ao seu lado?
_ O tempo que for necessário.
O mesmo trabalho que irmã
Celeste, sua nova orientadora está
fazendo, você também o fará.
Através do sonho manteremos
contato com a menina até que ela
se sinta confiante e preparada
para sua missão.
Angustiava-me o fato de
perder a presença de Maria do
Rosário, tínhamos nos tornado
amigas a ponto de

100
desenvolvermos juntas conversas
telepáticas.
Queria saber quando seria o
seu reencarne, em que condições,
qual a família que a abrigaria,
certificar-me de que ela seria feliz.
_ Tudo a seu tempo, minha
irmã. Tudo a seu tempo! _ disse-me
carregando a menina no colo e
conduzindo-a ao dormitório.
Pensei ter ficado sozinha no
salão, peguei o meu rosário e
coloquei-o no pescoço em forma
de colar, de jeito que o MENINO
JESUS na altura de meu coração
dali arrancasse a angustia que eu
experimentava.
Chorei de saudades de casa,
dos familiares, do meu filho, sem
entender o que esperava por ele e
por Maria do Rosário.
_ Tudo pode acontecer, irmã
Márcia. _ disse-me a voz que vinha
de um canto da sala.
A entidade vestia trajes
semelhantes ao do irmão Mattias e
flutuava nas nuvens como ele.
Cabelos longos e negros,
esvoaçantes, olhos claros, pele
alva.
A moça tinha um sorriso meigo
nos lábios e no olhar. Deslizou em
minha direção, sentou-se ao meu
lado e fez um sinal para que eu
sentasse também. Obedeci de
pronto.
Ela tocou-me a fronte
obrigando-me a deitar a cabeça
em seu colo e acariciando-me os
cabelos argumentou:
_ Não sofra pela felicidade,
minha irmã. Tu és um espírito feliz. O
desencarne que tiveste, poucos o
tem. A forma como foste recebida,

102
poucos o são . O trabalho que
fizeste com Maria do Rosário ,
poucos o fazem .
Senti meu coração mais
calmo.
_ Eu vou poder vê-la?
_ Sempre que quiser. Acho
mesmo que precisarei de sua ajuda
...
Levantei a cabeça de seu
colo com rapidez e olhei-a
interrogativamente.
_ Vai precisar de minha ajuda?
_ Perguntei.
_ É provável.
Foi quando pude observar
melhor a irmã que estava ao meu
lado, me amparando naquele
momento de insegurança. Ela era
absolutamente bela e serena.
Olhou para mim, e com a
faixa azul de seu traje enxugou-me
os olhos.
_ Breve receberemos grande
número de crianças em estado
crítico. Chame-me se precisar.
_ E como a chamo? _
perguntei.
_ Procure por irmã Celeste.

104
O auxílio

Naquela manhã, os hinos


entoados pelos irmãos Marianos
tiveram uma entonação diferente,
havia uma comoção perene no ar,
a emoção transpirava e exalava
perfumes inesquecíveis .
Irmão Mattias surgiu como que
do nada e me surpreendeu em
prece, colocou-se ao meu lado e
acompanhou-me no louvor à
VIRGEM.
Fui a primeira a iniciar o
diálogo.
_ É engraçado, irmão Mattias,
sinto no ar uma manifestação que
não sei precisar. Há uma paz mais
profunda, uma segurança mais
efetiva , uma esperança mais
sincera. _ disse experimentando
uma tranquilidade singular _ Não
sei do que se trata, só consigo
sentir, e pelo que pude observar os
demais irmãos também
experimentam a mesma sensação
que eu.
Irmão Mattias a meu lado,
com o olhar perdido no infinito
argumentou:
_ O CRIADOR em sua
magnitude, sabe como nos tocar a
alma, e principalmente como
conduzir os seus mistérios. A irmã
vai experimentar uma sensação
muito mais agradável que essa
quando recebermos o auxílio
precisado a fim de
desempenharmos a nossa missão
de resgate dos pequeninos em
crise.
Lembrei-me do que dissera
irmã Celeste.
_ Pequeninos em crise?
Resgate? _ perguntei _ o irmão se

106
refere a uma tragédia na Terra?
Onde? O que acontecerá?
_ Aquiete-se minha irmã. Não
há nada que não possa ser
solucionado no Reino do SENHOR.
Teremos sim um desencarne
numeroso nos próximos dias na
crosta terrestre, um abalo sísmico
significativo acompanhado de
inundações provocará a
passagem dos pequeninos que já
tiveram cumpridas as suas missões.
Não pude evitar o desconforto
da ansiedade.
_ Isso não pode ser
contornado? _ inqueri.
_ A irmã teme o que? _
indagou.
_ O sofrimento das crianças. _
respondi.
Irmão Mattias sorriu.
_ JESUS sofreu para redimir as
nossas culpas, e Maria esteve ao
seu lado o tempo todo, prestando-
lhe apoio. Os pequeninos sofrerão
o desenlace, não o desencarne. E
nós aqui estaremos cumprindo o
papel da VIRGEM SANTA sendo
auxiliados pelo o que há de melhor
em termos de apoio.
_ E os pais das crianças?
_ Serão assistidos por outra
equipe, de igual valor. Por ora
devemos nos manter em preces
para nos prepararmos para o
resgate, a tranquilidade dos irmãos
que aqui ficarão serão de enorme
importância para o êxito da
missão.
_ Que riscos poderão haver? _
perguntei.
Irmão Mattias explicou-me
com todo vagar.

108
_ Entre esta colônia e a crosta
terrestre há um lugar de sofrimento
e sombras, ali permanecem os
irmãos com altas doses de resgates
não concluídos, os revoltados, os
obsediadores, os grandes
responsáveis pelos erros dos irmãos
encarnados.
Fiquei atônica.
_ O inferno existe?
Irmão Mattias tocou-me os
lábios.
_ Na casa do SENHOR não se
menciona o inimigo. Felicidade
atrai felicidade e desgraça atrai
desgraça. O MAL só existe e se
instala onde ele é sempre
lembrado; o BEM só existe e se
instala onde ele é sempre
lembrado e praticado.
Pedi perdão ao SENHOR
mentalmente . Lembrei-me das
recomendações de minha mãe :
“Diga sempre que está tudo bem,
mesmo que não esteja .”
_ E como iremos trabalhar? _
perguntei.
Irmão Mattias explicou:
_ Os internos do Ministério
adormecerão todos em três dias, e
nós nos revezaremos em orações
ininterruptas para nos prepararmos
para o resgate.
_ Iremos até a crosta? _
perguntei eufórica.
_ Somente os orientadores,
precisamos dos irmãos aqui em
prece para nos ajudar.
Confesso que fiquei
decepcionada, ali estava a
oportunidade de rever os
familiares.
_ Eu não posso acompanha-
los? _ indaguei timidamente.

110
_ A irmã ainda não está
preparada para uma missão como
essa. _ respondeu.
_ Mas por que ?
_ A passagem pelo Umbral
pode ser dolorosa.
_ Entendo _ respondi .
Os sinos tocaram de forma
diferente, e eu olhei
interrogativamente para o irmão
Mattias.
_ Vamos ao salão de preces,
preparar os nossos pequeninos
para o adormecimento de três
dias.
_ Por que por três dias? _
perguntei.
_ É o tempo que precisamos
para nos prepararmos para
recebermos o auxílio sublime.
Sentia-me pequena em minha
própria ignorância:
_ Perdoe-me por tantas
perguntas. Mas de que auxílio o
irmão está falando.
Ele plantou os olhos para o
infinito e esclareceu.
_ As trevas não resistem à luz.
Seremos presenteados com a
presença de uma legião
abençoada que nos
acompanhará na missão. São
irmãos donos de tamanho
esclarecimento que até a nós
ofusca a visão. Precisaremos deles
para cruzarmos a zona do
sofrimento ser sermos incomodados
pelas sombras.
_ Há quem tente atrapalhar? _
perguntei abobalhada.
_ Nunca menospreze o
inimigo, minha irmã.

112
Fomos ao salão de preces e
colocamo-nos em orações, como
que por passe de mágica todas as
crianças adormeceram
profundamente e passamos em
orações por três dias consecutivos.
No final desses três dias,
aquela sensação de bem estar era
cada vez mais forte, e de repente
começou a cair pétalas de flores
no chão do salão de preces.
Foi maravilhoso, a chuva de
pétalas forrou o ambiente e o
facho de luz esbranquiçada tomou
conta do de tudo. Uma luz tão
forte que nos ofuscava a visão,
mas que nos permitia a percepção
da imagem de homens
extremamente altos, segurando
lanças nas duas mãos e turbantes
na cabeça.
_ Deus seja louvado! _ era a
exclamação da assembléia.
_ Quem são eles? _ perguntei
baixinho ao irmão Mattias .
_ O auxílio que esperávamos. _
respondeu .
_ De onde vieram? _ insisti.
_ De esferas superiores. São os
LANCEIROS DE MARIA.
Não pude evitar o choro
emocionado.

114
O resgate .

Contou-me a irmã Celeste,


numa de nossas rotineiras
conversas sobre Maria do Rosário
que o resgate fora um sucesso.
Que sem o auxílio dos LANCEIROS
DE MARIA seria muito difícil abrir a
passagem pelo Umbral.
As crianças adormecidas,
como que num pesadelo
debatiam-se e choravam
procurando por suas mães, e os
irmãos que se recusam a
reconhecer a Luz Celestial,
sombreavam os pequeninos
fazendo com que seu sofrimento
fosse maior e mais duradouro.
Havia crianças que se
abraçavam e tentavam às escuras,
um abrigo. Outras retomavam a
posição fetal e gemiam o próprio
choro, outras de olhos bem abertos
corriam por entre as sombras em
choro desesperado aos gritos
buscando socorro.
Fiquei sem saber o porquê, os
irmãos não esclarecidos
assombravam aqueles pequeninos.
Indaguei e obtive a resposta.
_ Os irmãos do Umbral, em sua
grande maioria são espíritos
vingativos, revoltados, que não
aceitam o desencarne, são os
invejosos, os amargurados , os
caluniadores. Irmãos desta estirpe
não podem sequer admitir que não
haja sofrimento para com os outros.
Eles pensam que se sofrem, os
outros também devem sofrer.
_ Como os LANCEIROS DE
MARIA trabalham? _ perguntei .
_ Eles vão na frente, iluminam
o caminho. As sombras fogem
quando é chegada a luz. O espírito
endurecido, acompanha as

116
sombras e também foge da luz, os
que são atormentados pela
sombra e que merecem a chance
de conhecer A GRANDE VERDADE,
permanecem no local, alguns
desmaiados, outros, cegos pela luz
ofuscante, outros adormecidos.
_ Mas só as crianças são
resgatadas? _ perguntei .
_ Pelos Marianos? Sim.
_Temos outras equipes
então..._ concluí satisfeita.
_ Certamente _ respondeu a
irmã Celeste _ do grupo de mais de
duzentos espíritos resgatados, só
quarenta eram crianças.
Rejubilei de alegria. Os
LANCEIROS DE MARIA auxiliavam
todos os espíritos necessitados.
Acabei entendendo o porquê
quando lembrei-me de que MARIA
SANTÍSSIMA é mãe de todas as
criaturas.
As crianças resgatadas
curiosamente pareciam ser da
mesma idade. Quis saber o motivo
e irmã Celeste informou-me de que
quando uma criança ou um
adolescente desencarna, é normal
que isso aconteça. O espírito logo
assume a forma pueril para facilitar
a reeducação espiritual.
_ A criança assimila o
ensinamento melhor que o adulto!
_ respondeu ela.
Contou-me ainda que
curiosamente as zonas mais
escuras do Umbral se encontram
em cima dos países mais
adiantados e das cidades mais
populosas. O que justifica o índice
de violência crescente onde tais
características estão presentes.

118
Irmã Celeste mantinha-me
informada de tudo o que se
passara com as equipes de
resgate. Os irmãos Marianos
trouxeram as crianças; os irmãos
Nazarenos resgataram os suicidas;
os irmãos Luzeiros trouxeram os
anciãos; os irmãos Josentinos
trouxeram os espíritos que
desencarnaram em idade madura
e os irmãos Juventinos resgataram
os jovens.
O que me causou espanto foi
verificar o grande número de
suicidas, resgatados pelos irmãos
Nazarenos; e o mais curioso ainda
é que em sua maioria os
resgatados eram jovens demais
para cometerem o desatino.
_ O uso de drogas tem
matado os jovens. _ explicou irmã
Celeste. _ embora o jovem faça
uso da droga com a intenção de
viver uma nova e alucinante
experiência , ele acaba um dia
errando a dose, e mesmo que não
erre , a droga é um veneno lento, o
que não deixa de se caracterizar
como suicídio.
As explicações de irmã
Celeste, enchiam-me o espírito de
elucidações, sentia-me bem ao
entender tanta coisa
_ No resgate, encontramos um
irmão que sofre a várias eras no
Umbral.
_ Várias eras? _ perguntei _
não o resgataram.
_ Ele se recusava a nos
acompanhar. Dizia-se culpado de
algo cometido e que merecia
sofrer por muitas e muitas eras ...
_ Foi trazido desta vez ? _
inqueri.

120
_ Nos braços dos LANCEIROS
DE MARIA .
_ Aleluia , Senhor! Ele aceitou a
LUZ?
Irmã Celeste concluiu.
_ Não sabemos. Foi levado
diretamente ao Ministério da
Reencarnação. Ele estava
desmaiado e os irmãos
vampirescos tiraram dele o resto de
forças que possuía.
_ Vampirescos? _ indaguei _
Isso é lenda.
_ De certa forma sim ...
Irmã Celeste ainda me
elucidou de que os “resgates”
ocorrem sempre que há
desencarne em massa, e que os
“auxílios” variam de legião para
legião.
Naquela noite orei ao senhor
agradecendo por todas as graças
que recebi, e pedi perdão pelo
meu egoísmo ao me achar uma
criatura sofredora quando senti
saudades de casa e revoltei-me
por ter tido uma passagem tão
breve entre os encarnados.

122
A permissão

Em semanas seguidas
trabalhamos com as crianças
resgatadas do Umbral, e o trabalho
fora coroado de êxito.
Estranhamente eu me sentia
cansada com o peito oprimido e
uma estranha sensação de
impotência.
Numa noite pus-me a orar,
pedindo à Virgem Santa que me
aliviasse aquele estar, ou então
que abrisse a visão de meu espirito
espírito a fim de que eu pudesse
superar aquele estado de espírito.
Irmão Mattias visitou-me
naquela noite.
_ O Senhor te ama, irmã.
Eu podia até estar errada em
sentir aquela admiração pelo
irmão Mattias, mas... como me
fazia bem, estar ao seu lado!
_ A todos nós, meu irmão. _
respondi.
Sentando-se a meu lado,
irmão Mattias esclareceu.
_ Temos uma hóspede
especial no salão de preces. _
disse.
_ Maria do Rosário? _
perguntei eufórica, afinal sentia
saudades da menina.
_ Não._ respondeu-me.
Tive medo . Seria a sobrinha
querida ?Angustiei-me em pensar
em minha irmã,.. Como estaria ela?
_ Não se precipite nos seus
julgamentos. O Ministério de Maria
atende aos pequeninos e em
alguns casos às mães, quando o
sofrimento lhes assoma o espírito. É
chegada a hora de sua gratidão.

124
Sem entender o que se
tratava, levantei-me rapidamente
e segui irmão Mattias. No salão de
preces encontrei irmã Lucinda
recolhida em orações, com uma
fisionomia cansada embora de seu
peito eu pudesse ver os raios de luz
que fiquei sem saber se eram
emitidos por ele, ou se eram por ele
recebidos.
_ Irmã Lucinda pede auxílio
aos LANCEIROS DE MARIA. Ela vai
precisar de muita força... _ falou-
me em voz baixa.
Aproximei-me de irmã Lucinda
e abracei-a afetuosamente. Na
verdade não sabia o que fazer.
Perguntei-me o que teria sido de
mim se não a tivesse tido ao meu
lado quando do meu desencarne...
_ Meu filho sofre... _ disse-me
num fio de voz _ sofre muito .
Irmão Mattias, com o
pensamento elevado flutuou mais
do que o normal quando recitou a
prece: Oh! Mãe Divina ! Olha-nos
por todos os segundos ! Abranda o
coração amargurado. Ameniza o
sofrimento. Aborta o mal. Auxilia os
aflitos e dá-nos o sublime bem-estar
do perfume de tua presença .
Amém.
Eu ainda abraçada a irmã
Lucinda ouvi o irmão Mattias
orienta-la.
_ A irmã recebeu das esferas
superiores a permissão de estar ao
lado de seu filho o tempo que for
necessário. Irmão Clemente, da
nossa ordem, acompanhará a irmã
nesta difícil jornada .
_ Eu posso acompanha-la? _
Perguntei _ Sinto-me forte, em
condições, prometo que só farei o
que me for permitido. _ segurei-lhe

126
as mãos _ Diga que posso, por
favor!
_ Partirão todos ao alvorecer,
logo após as preces matinais. A
caravana de apoio ao desencarne
sairá do portal do Ministério dos
Anciãos.
Não posso negar que meu
coração rejubilava de alegria,
enfim eu conseguira permissão
para rever os parentes, pensava
em meu filho, em meus pais, em
todos... E me perguntava qual filho
de irmã Lucinda estaria em
tamanho sofrimento.
Durante o percurso do
deslocamento telepático, irmã
Lucinda permanecera sempre
calada, com o rosário que
recebera de irmão Mattias
apertado nas mãos, e com as
mãos coladas no peito.
Feito o deslocamento
encontramo-nos corredores de um
hospital que me era desconhecido.
Irmão Clemente na frente,
conduzia-nos deslizando igual ao
irmão Mattias. Ao chegar à frente
de um quarto de porta bege
abraçou a mim e a irmã Lucinda
colocando uma de cada lado e
de repente estávamos as duas
dentro do quarto.
Irmã Lucinda correu para o
filho agonizante.
_ Não durma! Não durma!
Fique acordada comigo... _ Pedia
`a tia querida que o
acompanhava paciente e sofrida.
Irmão Clemente apenas olhou
para mim e eu entendi a minha
missão. Desloquei-me até ela e a
abracei em preces. Sua áurea
tremula e fatigada quase não
podia perceber a minha presença.

128
_ Eu estou aqui meu irmão,
tenha calma, estou acordada .
Irmã Lucinda em preces
começou a aplicar uma sessão de
passes no filho agonizante embora
a áurea que o envolvia repelisse os
fluidos positivos e salutares que lhe
eram enviados. Mesmo assim, irmã
Lucinda incansavelmente não
parava de lhe enviar o lenitivo ,
passei a fazer o mesmo na irmã
que o acompanhava, percebi que
ela sentia fortes dores de cabeça e
nas costas , mas não interrompi a
sessão .
___ Estou sem ar ____ gritava
ele ___ eu vou morrer sem ar .
___ Adormeça , meu irmão ___
pedia a irmã ___ você precisa
descansar .
__ Não ___ ele se recusava __
se eu dormir eu morro, eu não
acordo mais ... Não durma, fique
acordada comigo .
Naquele momento fomos
interrompidos por uma enfermeira
encorpada e de pele quase negra
. Foi notável que ela registrou a
nossa presença . Aproximou-se de
minha tia e lhe confidenciou :
__ Ele vai dormir . Faça prece
em voz alta que isso o fará
adormecer . Vocês estão sendo
bem assistidos .
Entendemos o que ela quis
dizer , mas minha tia no centro de
suas noites insones e no seu
esgotamento físico e espiritual não
conseguiu captar a mensagem em
seu completo teor, mas atendeu
ao pedido e juntamente com irmã
Lucinda começou a recitar o
Novena de Menino Jesus de Praga
ininterruptamente , uma , duas ,
três, muitas vezes até que o tio

130
adormecesse para não mais
acordar .
Seu espírito saiu do corpo e
vagou pelo quarto sem saber por
onde ir, parecia não nos ver e irmã
Lucinda sempre ao seu lado,
acompanhou-o porta afora ...
_ Nós acompanharemos a
irmã que aqui fica _ disse irmão
Clemente.
_ E irmã Lucinda? _ quis saber.
_ Acompanhará o filho, por
onde ele for, tentará afastar dele
toda negatividade, permanecerá
a seu lado até que ele a veja e
aceite segui-la .
_ Ela terá ajuda? _ perguntei.
_ Com certeza _ respondeu.
Ficamos ao lado da tia
querida até o momento em que
ela foi entregue aos cuidados dos
familiares que a aguardavam
ansiosos e sofridos.

132
O primeiro encontro

Rever os familiares foi uma


experiência dolorosa e alegre ao
mesmo tempo. Tive vontade de
abraçar um a um, de lhes acalmar
o coração aflito pela perda
recente do tio , entretanto o que
me foi possível foi apenas estar
presente no momento em que
precisaram de mim.
Minha mãe, acamada com o
acontecido, necessitava de
cuidados médicos e espirituais.
Ficamos, irmão Clemente e eu à
cabeceira de sua cama, velando o
seu sono forçado pelos
medicamentos de que fizera uso,
na esperança de que o seu espírito
descansasse também.
Estávamos em preces quando
fomos interrompidos pela presença
do espírito que me carregara nos
braços quando do meu
desencarne.
Ele era muito alto, peito nu,
flutuava em nuvens como irmão
Clemente e trazia na cabeça um
turbante com uma pedra luminosa.
_ Estamos sendo visitados por
um protetor da família _ disse o
irmão Clemente.
A sua voz ecoou em meu
pensamento. Era uma voz forte,
pausada, e extremamente bel .
_ Que a paz e o amor do
MEIGO RABI DA GALILEIA se faça
presente neste ambiente.
_ Amém _ disse irmão
Clemente
Naquele momento senti uma
enorme vontade de atirar-me em
seus braços, relembrei os
momentos confusos pelo qual
atravessara e o quão fora

134
importante a sua presença
naquela hora. Ao seu lado estava
a freira miúda que também me
prestara auxílio, não consegui
resistir e chorei nesse primeiro
encontro.
Ele em posição altiva,
colocou-se entre meu pai e meu
filho que mesmo adormecidos
recebiam os fluidos salutares de
sua presença, ela veio ao meu
encontro me deu um afetuoso
abraço e depois deslocou-se até a
cabeceira de minha mãe a fim de
dirigir-lhe os cuidados de que
necessitava .
Pude ouvir três batidas suaves
e ecoadas, como se fosse
badaladas em bronze oco. Irmão
Clemente olhou para o indiano e
assentiu com a cabeça como que
entendendo o apelo feito
telepaticamente por ele e
deslocou-se até o meu filho, com
as mãos postas os três aplicaram
passes nos entes queridos.
As três batidas se repetiram,
notei que irmã Rosa de Lima
abaixara a cabeça e se colocara
em preces, irmão Clemente
tomara a mesma atitude, e o
indiano ajoelhou-se colocando
uma das mãos no peito e a outra
espalmada em direção á porta.
O cheiro forte de sândalo
tomou conta do quarto, meu pai
mexeu-se na cama, ele sentia
dores no peito, mas provavelmente
pensava estar sonhando. Meu
coração disparou, pensei estar
assistindo o seu desencarne
quando o seu espirito se
desprendeu do corpo e flutuou
sobre ele preso apenas a um frágil
fio de plasma;

136
_ Eleve o seu pensamento,
minha irmã _ ordenou-me o
indiano.
As batidas se repetiram e uma
legião de outros irmãos indianos
entraram no quarto iluminado. A
sensação de bem estar foi
imediata.
_ Salve o MEIGO RABI .
_ Salve. _ todos responderam
Foi então que presenciei a
segunda maior e mais bela visão
espiritual que tive. Entrou no quarto
uma irmã morena de olhos claros,
tão claros que não se podia
precisar se eram olhos ou se eram
pedras luminosas que ela tinha no
rosto.
A luminosidade era tanta que
as vezes tornava-se impossível ver-
lhe a face. Ela aplicou em meu pai
uma transferência energética que
devolveu-lhe ao espírito toda a
tranquilidade de que necessitava.
Depois concentrou-se em
passes salutares no peito dolorido e
o momento de crise dissipou .
Assim como vieram, os
indianos se foram, e eu fiquei a sós
com o irmão Clemente.
_ Quem era aquela entidade ?
_ perguntei.
_ Irmã Nadjara _ respondeu _
da legião dos indianos orientais .
Fiquei maravilhada com a
elevação espiritual daquela legião.
_ Gostaria de ver minha irmã e
sobrinhos _ argumentei.
_ Não podemos interromper a
restituição de ectoplasma que está
sendo feita. A irmã os verá numa
outra oportunidade. Urge que
voltemos à colônia.

138
Senti-me aborrecida. Queria
ficar mais um pouco.
_ Tudo irmã, tem seu tempo e
medida. Como encarnados
podemos nos tornar afetivamente
presos a alguém. Espiritualmente
esta afetividade não deixa de
existir, entretanto a disciplina é
fundamental.
Resolvi não discordar e segui o
irmão Clemente.
Fizemos o caminho de volta
com os pensamentos em preces
de apoio à irmã Lucinda que
cumpria a árdua tarefa de
acompanhar o filho desencarnado
que apesar de parcialmente
esclarecido, colhia os amargos
frutos de seu envolvimento anterior
com o baixo-espiritismo.
140
NA COLÔNIA

Quando retornei à colônia


encontrei irmã Cristina à minha
espera. Sempre amável ela foi-me
dando algumas explicações de
como ajudar irmã Lucinda em sua
missão.
_ Podemos ajudar _ dizia ela _
vamos dedicar as nossas horas de
descanso para nos colocarmos em
preces à virgem e ao SANTO
MENINO pedindo que a irmã tenha
muita fé, paciência e luzes
necessárias para alcançar o seu
objetivo.
_ Por que, tanto sofrimento ? _
quis saber.
_ Dois grandes fatos guardam
ao espírito motivos de sofrer, o
primeiro de todos é atentar contra
a vida, seja a de outrem ou a sua
própria; outra é impedir o
crescimento espiritual de quem
quer que seja. Quando se atenta
contra a vida colhe-se o plantio em
situações diversas, a outra, o
assedio dos irmãos em questão
torna o sofrimento mais demorado.
_ Como assim?
_ É uma espécie de cobrança.
Acostuma-se o espírito não tão
iluminado a prazeres materiais que
provoca entre eles um apego
desmedido e interesseiro, então
esses irmãos aproximam-se do
desencarnado para sugarem dele
o que lhe resta de ectoplasma, pois
é a única forma de se continuar a
receber os prazeres materiais.
Provocam uma espécie de
pesadelo no irmão desencarnado
que inconsciente não percebe que
já não pertence ao mundo do

142
invólucro e se debate
concentrando toda a sua atenção
no que pensa ser um sonho ruim,
não percebendo assim o que se
passa ao seu redor, fica difícil
enxergar a luz quando se está no
escuro.
Lembrei-me das atividades às
quais, com certeza irmã Cristina
estava se referindo.
_ Mesmo sendo guias? Esse
comportamento é possível?
_ Existe o espírito guia, e o
espírito protetor. Se formos analisar
com calma, veremos que o guia
dependendo de como é
valorizado pode guiar para as duas
extremidades (o bem e o mal), no
entanto o espírito protetor tem
duas funções: proteger e orientar.
Lembrei-me de irmã Lucinda
quando se referia ao irmão Mattias
como o meu “orientador espiritual “
e nunca como meu guia .
_ Entre os encarnados,
desenvolveu-se uma espécie de
culto onde os espíritos incorporados
exibem apetrechos que servem
para identifica-los.
_ São os guias
_ E os protetores? _ indaguei.
_ Não precisam de
identificação.
Senti meu coração apertar...
Lembrei-me das atividades de meu
tio, de sua intimidade com o baixo-
espiritismo, comparei as
explicações de irmã Cristina e
chorei .
_ Não se sinta atormentada
com o que ainda não aconteceu.
Enquanto há vida, seja qual for, há
esperança. Concentre o seu
trabalho em proteger a sua família,

144
mesmo que em preces enviando
mensagens de esclarecimentos,
alguém há de te ouvir.
Pensei em minha mãe.
Concentrei nela todas as minhas
energias. Enviei-lhe pensamentos
positivos, carinho e fluidos de
paciência e amor.
Nos dias que se seguiram,
dedicamos , eu e irmã Cristina, as
nossas horas de descanso em
prece, prestando auxílio à irmã
Lucinda. Procurava por palestras
buscava em livros... Tudo o que
pudesse esclarecer-me as dúvidas
e mostrar-me o caminho, era bem-
vindo.
O fato de meu tio ter sido um
fumante ativo e excessivo,
consciente do mal que estava
causando ao seu organismo e
consequentemente à sua vida,
colocara-o na lista dos suicidas, já
era sabido então que ele quando
fosse resgatado seria encaminhado
ao Ministério da Insanidade.
Visitei aquele ministério várias
vezes, presenciei sofrimentos
espirituais que me chocaram:
irmãos que tinham constantes
convulsões levando a mão à
garganta, outros que procuravam
pela própria mão, outros ainda
viviam se agarrando em qualquer
coisa que lhes aparecesse à frente,
como que tentando impedir a
queda brusca... era tudo tão
esclarecedor...
Perguntei-me várias vezes o
porquê os encarnados não se
atinham para estas situações.
Numa manhã quando estava
em reunião com um grupo de
crianças recebi a visita de irmão
Mattias .
_ O Senhor te ama, irmã.

146
_ A todos nós, irmão.
_Vim comunicar-lhe a boa-
nova.
Senti-me feliz.
_ Irmã Lucinda retornou à
colônia.
_ Meu tio, veio com ela? _
perguntei emocionada
_ Ele adormece no Ministério
da insanidade.
_ Deus seja louvado!
_ Amém!
_ Onde está ela? _ quis saber.
Irmão Mattias aproximou-se.
_ Está se submetendo a um
tratamento de recuperação no
salão de preces do Ministério onde
o filho repousa. A missão
demorada foi desgastante para
ela, mas o êxito aconteceu.
_ Quando vou poder ver meu
tio?
_Vai depender dele.
_ Demora muito?
_ Espero que não tanto.Vai
depender dele.
_ Tomara _ completei _ já
esperamos tempo demais!
_ Esperamos apenas o
necessário __ concluiu irmão
Mattias _ Irmã Lucinda estará entre
nós para as preces noturnas.
E saiu deixando conosco o
perfume de flores do campo.

148
O INESPERADO

Era uma noite diferente, a brisa


soprava úmida, embora calma
(sinal de chuva na crosta terrestre),
havíamos terminado a sessão de
preces noturnas quando o irmão
Mattias encontrou-me na varanda
larga e florida do Ministério.
_ O senhor nos ama.
Virei-me de pronto.
_ Com toda a certeza, irmão
Mattias. _ respondi.
_ Temos visitas no salão de
entretenimentos.
_ Quem ? _ quis saber.
_ Irmão Castro vem lhe
apresentar um conhecido.
Levantei-me sem demora e
acompanhei o irmão Mattias.
Quando entramos no salão
de entretenimentos das crianças
corri em direção ao avô querido. O
engraçado era que perdera
aquele medo infantil que sempre
nutrira pelo pai de minha mãe.
A sua figura, carregada de
austeridade cedera lugar a uma
firme e determinada doçura. Ao
seu lado pude encontrar duas
entidades, uma delas reconheci de
pronto, a aparência mais magra
não alterara aquele sorriso largo no
rosto. Abriu-me os braços:
_ Mozena querida. _ recebeu-
me a entidade.
_ Tio Éca _ abracei-o
demoradamente.
_ Aproveitamos a visita que
fizemos a nosso irmão para
revermos você.
“Deus seja louvado” _ pensei.

150
_ Que assim seja! _ todos
responderam
_ O tio já está recebendo
visitas? _ indaguei.
_ Sob a permissão dos
Nazarenos.
_ Gostaria de...
_ Tudo a seu tempo irmã _
atalhou-me irmão Mattias.
Vovô aproximou-se e me
apresentou a terceira entidade.
_ Este é um grande amigo.
Vem trazer notícias dos familiares.
Senti meu coração encher de
alegria, já tinha um tempo
considerável que eu só conseguia
me comunicar com os familiares
em preces. Gostaria de saber os
detalhes, colocar-me à disposição
para ajudar, caso estivessem
precisando de mim.
Dirigi-me ao seu encontro.
_ Seja bem-vindo, irmão.
_ Francisco _ disse ele _ mas
pode me chamar de Chico.
_ Com esse tamanho? _
brincou o tio querido _ chame-o de
Chiquinho.
O irmão Francisco era de
estatura baixa, magro, pele
morena e com um bigode fininho
(quase imperceptível) que ele
costumava alisar como se fosse
farto enquanto conversávamos.
_ Trouxe notícias de minha
família? _ indaguei ansiosa.
_ Estão bem. _ tranquilizou-me
ele _ vim comunicar a todos que
breve teremos entre nós uma irmã
valiosa que nos prestará auxílio
tanto quanto e talvez até mais do
que já foi feito.

152
_ Um desencarne, na família?
_ ansiei.
_ Um reencontro entre nós. _
corrigiu vovô.
_ Na realidade a irmã já se
desprende durante o sono e
passeia pelos jardins da colônia em
companhia de irmãos afins.
Podemos observar um de seus
passeios agora.
_ Está aqui ? _ perguntei.
_ Neste exato momento. Eu
mesmo a tenho conduzido nos seus
desprendimentos. Para evitar
caminhos escusos _ completou _
Gostaria de vê-la?
Olhei interrogativamente ao
irmão Mattias que assentiu com a
cabeça e com um sorriso.
Acompanhei os irmãos até
uma praça da colônia onde os
arbustos exalavam perfume de
flores diversas.
Várias entidades espirituais
passeavam pela praça, chamou-
me a atenção um casal que
pareciam enamorados e que o
irmão Mattias orientou-me serem as
chamadas almas gêmeas e que
nem sempre é certo que se
encontram em encarnações
contínuas.
__ Lá está ela __ disse-me
irmão Francisco.
Fomos ao seu encontro. Ela
parecia estar presa a um fio de
plasma que a acompanhava o
tempo todo, deslizava pela grama
verde do parque sem nos ver ,
tocava as folhas das plantas, e de
vez em quando levantava os olhos
para o alto, respirava fundo, como
que querendo preencher os

154
pulmões com o ar perfumado e
sorria de olhos fechados.
Meu coração batia
acelerado, sentia-me emocionada,
não sabia como me aproximar, o
que dizer, como agir .
_ Lembre-se de Maria
Santíssima. __ confidenciou-me
irmão Mattias secretamente.
Elevei os meus pensamentos, e
agradeci .
Ela abriu os olhos e nos olhou
sem fixar a visão, somente alguns
segundos depois pode perceber a
nossa presença e então correu ao
meu encontro.
_ Que saudades, minha filha,
que saudades! _ murmurou
enquanto foi arrancada de meus
braços abruptamente.
Atônica procurei pelas
entidades que me
acompanhavam. Irmão Francisco
não estava mais entre nós .
_ Por que? _ quis saber com
lágrimas nos olhos.
Irmão Mattias abraçou-me
pela primeira vez, e o perfume de
flores do campo me envolveu .
__ O corpo da irmã, reclamou
a presença do espírito. Fique
tranquila ela te leva na lembrança.
Despedi-me do avô e do tio e
voltei para os meus aposentos com
a paz fazendo morada em meu
peito.

156
A recuperação

Os dias e as noites passaram-


se, um a um... uma a uma ... O
trabalho no Ministério da Infância
seguia em ritmo acelerado.
É surpreendente o tempo, na
espiritualidade. O que se faz em
anos na terra pode ser feito em
horas no cosmos, segundos são
preciosos...
A mim nem parecia que o
meu desencarne já acontecera
em consideráveis anos, ou que
irmã Lucinda passara outros anos
no Umbral seguindo e orientando
meu tio, ou que ele agora já
recuperado, frequentava as
sessões de terapia de grupo
indeciso em que nome escolher
para a sua identificação.
Numa de minhas visitas ao tio
ouvi irmã Lucinda sugerir.
_ Por que você não escolhe
Silas?
_ Por que, Silas, irmã? _ quis eu
saber.
_ É um belo nome _
argumentou _ e traz a
identificação de uma encarnação
ocorrida em Ouro Preto. Ele sabe
do que eu falo... _ completou.
_ Silas foi um atormentado, era
escritor, boêmio, e dependente do
álcool. Foi boa alma, mas sofredor.
Passou a vida procurando uma
companheira que estivesse dentro
de seus padrões de perfeição, e
talvez por esse motivo jamais
percebeu que essa companheira
passou várias vezes por perto de si,

158
esteve à seu alcance. Foi autor de
muitas da cartas panfletadas pela
cidade de Ouro Preto quando os
inconfidentes tentaram mudar o
destino do país . Embora não tenha
se ligado direta e abertamente ao
movimento, Silas prestava de forma
obscura o seu apoio . No fundo era
um menino... um artista...
Olhei para o nazareno que
acompanhava meu tio e que era
nitidamente o seu orientador
espiritual, e ele continuou a
explanação:
_ Silas reencarnou e trouxe
consigo alguns de seus defeitos
espirituais e muito de suas
qualidades também. _ sorrindo,
passou a mão pela cabeça de
meu tio, que, olhava para ele
maravilhado e agradecido _
Conheço Silas a muito tempo... _
completou.
Irmã Lucinda olhava
embevecida o nazareno que
atendia o seu filho, e direcionava a
ele fluidos de amor que lhe eram
absorvidos pelo peito enquanto
como que por outro canal eram
enviados ao meu tio. O irmão
nazareno parecia funcionar como
uma espécie de filtro de tudo o
que era direcionado a ele.
_ Sinto-me recuperado, e
tenho vontade de escrever.
Histórias fervem em minha cabeça,
são tantas, que nem consigo
separar uma da outra e isso me
confunde, mas a falta de ar não
permite que eu me concentre para
alcançar o meu objetivo.
O irmão nazareno sorria
afetuosamente para o meu tio.
_ Irmão... o que mais temos
aqui na Colônia é ar, e da mais
pura qualidade... Já conversamos

160
sobre as sensações após o
desencarne...
Era extremamente gratificante
ver a recuperação de meu tio. Os
nazarenos trabalhavam de forma
afetuosa e tranquila, eram
enérgicos e positivos e usavam
túnicas brancas amarradas à
cintura com um cordão grosso.
Flutuavam em nuvens,
apresentavam cabelos longos e
ondulados, possuíam nariz afilado e
exibiam perfurações nas mãos e
nos pés .
Um dia procurei pelo irmão
Mattias a fim de buscar respostas
para os meus questionamentos.
_ Uma coisa me inquieta,
irmão, porque os Marianos tem
aparências diversas e os Nazarenos
tem uma aparência padrão? Todos
eles são uma espécie de sósias da
imagem que nos deram de JESUS
enquanto estávamos encarnados .
_ MARIA SANTISSIMA _ disse ele
_ apareceu em várias versões, veja
por quantos nomes ela é
conhecida, louvada e cultuada.
JESUS DE NAZARÉ apareceu em
uma única versão. O espírito não
tem forma, nem sexo, nem cor. Ele
apenas escolhe qual a melhor
forma de se apresentar.
_ Por que os nazarenos cuidam
dos insanos e dos suicidas? _
perguntei.
Irmão Mattias sentou-se a meu
lado na escadaria do Ministério
onde estávamos conversando e
esclareceu
_ Aqueles que não acreditam
em JESUS, julgam-no um suicida.
Olhei para o irmão Mattias
abobalhada.

162
_ JESUS? Isso é loucura!
_ Você acaba de encontrar a
segunda resposta à sua pergunta.
Só os insanos poderiam admitir tal
absurdo.
_ Mas por que eles acham que
JESUS é um suicida?
Irmão Mattias sorriu com
compaixão:
_ Eles argumentam que JESUS
sabia que ia morrer, porque estava
jurado de morte, sendo procurado,
sabia da traição de Judas e não
fugiu, não procurou se salvar.
_ Isso é absurdo! __ completei
_ é uma ofensa à divindade do
MENINO JESUS! Como os nazarenos
ainda usam o nome dele para se
apresentarem como ele,se sabem
dessa blasfêmia?!
Irmão Mattias tocou-me o
peito com a mão e uma onda de
calor aqueceu-me o espírito.
_ ”Se alguém lhe atingir a face
direita, ofereça-lhe a esquerda. E
perdoe, não sete...mas sete vezes
setenta e sete vezes.” _ silenciou
por alguns instantes e completou _
Jamais permita novamente que o
vírus da revolta se instale em seu
espírito.
Abracei os joelhos e chorei
copiosamente, entre arrependida,
e feliz. Irmão Mattias levantou-se e
deu-me as mãos.
_ Vamos orar no salão de
preces.
_ Em intenção de quem? _quis
saber.
_ Em intenção do irmão Silas. _
olhou-me e sorriu.

164
NOS JARDINS

Numa certa manhã fomos,


irmã Celeste, irmã Cecília, eu e um
grupo de crianças fazer uma
excursão aos jardins da colônia.
O perfume que exalava das
flores era fabuloso. Cada flor tinha
o seu perfume característico e era
essencialmente singular.
As crianças corriam por entre
a relva úmida e a marca de seus
pés eram marcados por flores
miúdas de cor azul
_ MARIA SANTÍSSIMA sempre é
providencial _ comentou
embevecida irmã Celeste.
Sentei-me ao seu lado no
chão.
_ Não há condições de
perdermos as crianças dessa
forma..._ completei.
Irmã Celeste sorriu de minha
ingenuidade
_ Estamos numa colônia
espiritual, minha irmã. Aqui
crianças não se perdem. Qualquer
criança que é encontrada é
levada ao Ministério pelos irmãos
que residem na colônia. _
esclareceu.
O sol aquela manhã estava
brilhante, embora não fizesse calor,
a brisa era constante... “As manhãs
são lindas” _ pensei.
_ Nada que o PAI CELESTIAL
criou, é desprovido de
encantamento. _ confidenciou-me
a entidade que se aproximou de
nós naquele momento.

166
Olhei para o rapaz de estatura
mediana, cabelos e olhos
castanhos, com vestes verdes e
brancas que sentou-se conosco na
relva fresca.
_ Um irmão Juventino _
esclareceu irmã Celeste.
Olhou-me com um sorriso nos
lábios.
_ O Senhor nos ama, irmã ? _
perguntou.
_ Com todo ardor ! __ afirmei .
__ Certamente! __ concordou .
Perdeu o olhar entre as
crianças que brincavam nos jardins
enquanto completou:
_ Conheço alguém que a
admira muito e que gostaria de lhe
oferecer uma lembrança, embora
não saiba exatamente o que.
_ Alguém que me admira? _
perguntei _ Como pode ser? Quem
é?
_ Um amigo em comum.
Alguém que você ajudou muito
sem ter se atido a quanto. _
esclareceu.
Irmã Celeste percebendo o
rumo de nossa conversa,
desculpou-se delicadamente nos
deixou a sós com DEUS.
_ No início foi um pouco difícil,
mas tivemos a ajuda dos mentores,
e conseguimos penetrar no mundo
do irmão. _ acariciou uma flor
rasteira e continuou _ Eu sugeri que
ele lhe oferecesse uma rosa, mas
ele teme que não seja de seu
agrado _ acariciou outra flor,
enquanto esperava uma
manifestação de minha parte _ ele
ainda está fragilizado, não gostaria
que se sentisse inseguro ou

168
decepcionado por não conseguir
lhe agradar.
Entendi a intenção do irmão
Juventino...
_ Eu amo todas as flores...
_ Deve ter alguma, em
especial..._ sugeriu com um sorriso
nos lábios
_ Orquídeas! Eu amo as
orquídeas!
Deu um sorriso largo e um
profundo suspiro.
_ Ele tinha razão, a irmã é uma
alma iluminada.
_ Por eu amar as orquídeas? __
quis saber.
_ É... _ respondeu _ obrigada
pela dica _ levantou-se, afastou-se
e retornou em seguida _ JESUS fica
contigo e me acompanha
também! _ afirmou.
Senti um enorme prazer em
constatar que o espírito dos jovens
é sempre o mesmo, em qualquer
dimensão.
Irmã Celeste, percebendo que
eu ficara sozinha aproximou-se.
_ Há algo de especial nas
orquídeas que eu desconheço? _
procurei saber com ela.
_ As orquídeas são o símbolo
da vida após a morte. _
esclareceu.
_ Símbolo? _ perguntei.
Irmã Celeste olhou o sol
demoradamente e continuou :
__ A orquídea nasce de um
tronco velho, podre e sem vida, é
uma flor delicada, bela e sensível.
Como as almas, nós sobrevivemos
à putrefação de nosso invólucro
carnal._ esclareceu-me.

170
Deitei-me na relva e fechei os
olhos, era reconfortante a
explicação de irmã Celeste.
_ Aqui está a sua amiga.
Reconheci de pronto a voz do
irmão Juventino. Abri os olhos e
reconheci imediatamente o rapaz
que estava ao seu lado, segurando
timidamente uma orquídea nas
mãos.
Levantei-me rapidamente.
_ Rodrigo... que bom te ver! _
exclamei.
Abraçamo-nos
demoradamente. Sentamo-nos na
relva e conversamos o resto da
manhã. Rodrigo mostrava-se
tímido, sempre enchia os olhos de
lágrimas embora não permitisse
que elas caíssem, e me dizia sentir
saudades de seu tio Alberto, que
agora já não podia mais ficar ao
seu lado. Contei-lhe de minha
experiência com irmã Lucinda e
ele pareceu entender.
Ao cair da tarde irmã Celeste
convidou-nos a retornar ao
Ministério. Despedi-me de Rodrigo
que prometeu-me nova visita .
Satisfeita contei à irmã Celeste
o drama de Rodrigo...
_ Temos que correr, preciso
colocar a orquídea que ganhei
num copo com água ...
_ Na colônia, as flores que são
dadas com amor jamais perdem o
viço! _ esclareceu, enquanto
flutuava a meu lado de volta ao
Ministério da Infância.

172
Afinal...

Durante o equivalente à
meses, trabalhamos com as
crianças sem grandes alterações.
Certa manhã irmão Mattias
visitou-me enquanto eu trabalhava
com os menores desencarnados
em situação de subta-
enfermidade.
_ O SENHOR ama todos os seus
filhos. _ chegou nos acalentando o
espírito.
_ Para a nossa felicidade! _
retribui o cumprimento.
_ Precisamos conversar _ disse.
Segui o irmão Mattias até a
gruta onde nos sentamos em frente
à moita com folhas em formato de
coração.
_ Tenho sentido a irmã com o
coração oprimido pela tristeza ... _
comentou o elevado irmão.
Senti vontade de chorar.
_ Tenho saudades de casa. _
confessei _ Venho sentindo
saudades e não consigo explicar a
mim mesma porque tenho
pensado muito em meu filho, meu
pai, irmã e sobrinhos ... Tenho a
impressão de que algo ocorre com
eles. Pensei em pedir ao irmão
permissão para visita-los
novamente. _ conclui.
_ A vontade soberana do
SENHOR nos reserva surpresas que
nem sempre compreendemos.
_ Seja mais claro, por favor _
pedi.
_ Sentes aflição, porque os
parentes encarnados direcionam à

174
irmã uma carga muito grande de
tristeza._ esclareceu.
_ O que está acontecendo?!
O coração batia-me
descompassado no peito.
_ Por que eles estariam
sofrendo tanto? _ chorei _ Gostaria
de revê-los. _ supliquei.
_ A irmã poderá fazer essa
visita, tão logo se intere da
novidade que tenho para lhe
contar.
_ Qual é a notícia? O que
acontece?
_ Esta tarde faremos uma visíta
ao centro de recuperação. Irmã
Lucinda estará à sua espera. _
levantou-se _ Vou deixa-la em
prece a fim de que acalmes o
espírito _ e saiu.
A gruta parecia de coloração
diferente aquela manhã. Orei à
MARIA SANTÍSSIMA, ao MENINO
JESUS, ao PAI CELESTIAL. Pedi
forças, esclarecimentos e
paciência para esperar o início da
tarde quando então teria contato
com a novidade que me esperava.
De volta às atividades normais,
não vi o tempo passar.
Encontrei irmã Celeste que
comunicou-me o recente
reencarne de Maria do Rosário,e o
sucesso do nascimento .
Quando irmão Mattias
procurou-me novamente eu já me
encontrava mais calma e
preparada para o que pudesse vir,
embora não tivesse ainda me
interado da notícia.
Saimos juntos do Ministério da
Infãncia a fim de nos dirigirmos ao
Centro de Recuperação.

176
O primeiro contato com
aquele ambiente tão familiar
encheu-me a mente de
lembranças e o peito de emoções.
Relembrei cada momento
passado ali em companhia de irmã
Lucinda; as visitas de irmão Mattias;
da irmã Gertrudes; as terapias com
irmã Clotilde; o reencontro com
irmão Castro e com irmão Alberto;
as dúvidas; os esclarecimentos e
pedi um tempo ao irmão Mattias
para orar em agradecimento o
apoio recebido quando do meu
desencarne.
_ Jesus amado, quero dedicar
todos os segundos de toda a
minha vida em agradecimento e
em louvor à ti pela felicidade de
ter encontrado a luz. Amém.
Irmão Mattias esperava-me
orando também e finalmente
iniciou a elucidação dos fatos.
_ Irmã Lucinda regressou a três
dias da crosta.
_ Por que não pude
acompanha-la? _ perguntei.
_ Porque não era sua missão.
_ Ela foi sozinha? Alguma
missão especial? _ quis saber.
_ Irmã Lucinda foi à crosta em
companhia de irmão Castro, e dos
irmãos que lhe prestaram auxílio
quando a irmã se viu necessitada
de tal.
Olhei interrogativamente para
irmão Mattias, entre ansiosa e
sofrida.
Nesse momento chegavamos
até o quarto ao lado daquele que
me abrigara no início de minha
estada no Centro de
Recuperação. A cortina azulada
ainda era esvoaçante e os fluídos
permaneciam salutares.

178
Irmã Lucinda ao lado do leito
aplicava passes recuperadores no
espírito de minha mãe que
adormecia profundamente.
Coloquei-me a seu lado e
deixei que as lágrimas corressem
abundantemente pelo meu rosto.
_ Seja bem-vinda. _ disse-me
irmã Lucinda ao me receber. _
Solicitei o seu auxílio nesta missão, e
os mentores nos concederam a
graça com a permissão do
CRIADOR.
Irmão Mattias deu-me um
afetuoso abraço e se despediu
deixando-me em minha nova
missão, esclarecendo-me ainda
que as crianças sob os meus
cuidados estariam à minha espera
durante o dia e que durante as
noites eu poderia trabalhar com
irmã Lucinda na recuperação de
minha mãe.
Ansiei pelo despertar daquele
espirito tão querido e pensei numa
forma de lhe agradar.
Minha mãe sempre fora uma
apaixonada por flores, pensei em
lhe enfeitar o quarto com uma
variedade delas , elevei os olhos e
o pensamento ao CRIADOR
pedindo um auxílio , foi quando
notei que as nuvens que
substituiam o teto da Centro de
Recuperação assumiam a forma
de orquidias .
Estava definitivamente selada
a eternidade da vida!

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[não existe fim]

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