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Data: 01/2020
What Lies Between Copyright © 2019 B.N Toler
SINOPSE
1 Universidade da Virginia.
mortos que acabaram me salvando. Eu estava encharcada e cansada até
a alma quando o espírito do Ike McDermott me encontrou na ponte de
Anioch, a poucos momentos de me jogar no rio e deixar isso me arrastar
para longe desta vida.
Ouça, eu não a conheço ou o que você passou, mas sei que daria
qualquer coisa para ainda estar vivo agora, não importa o quê. Não
desperdice o que muitos de nós nunca tivemos a chance de ter.
Ike, um soldado que perdeu a vida na guerra, uma alma presa no
limbo, me trouxe de volta para a terra dos vivos com essas palavras. Ele
me levou para Warm Springs, me ajudou a encontrar um emprego e
conhecer as pessoas certas. Ike me deu esperança. Eu me apaixonei por
ele e seu irmão George. E ele amava tanto George e a mim, que quando
chegou a hora de ele atravessar, encontrou a paz sabendo que estávamos
juntos - que estaríamos bem.
Depois que Ike partiu, levando uma parte de nós dois com ele,
George e eu encontramos uma maneira de sermos inteiros novamente -
juntos, embora a vida nem sempre tivesse sido um conto de fadas. Entre
o vício em drogas do passado de George e minha capacidade de ver os
mortos... as coisas poderiam ficar complicadas, mas nós nos amávamos
e lutávamos um pelo outro. Eu sabia que não importava o que, George
sempre me apoiaria. E ele sabia que eu sempre o apoiaria também.
Então, quando o show começou a se tornar demais para mim, ele
apoiou minha decisão de não assinar uma terceira temporada. Além da
direção em que os produtores estavam indo, tentando me transformar em
algum tipo de Barbie caçadora de fantasmas, eu estava cansada. Eu
estava preparada para ajudar os mortos, mas o que não estava preparada
era para a tremenda tristeza. Parecia que quanto mais almas eu
encontrava, mais trágico o desaparecimento delas havia sido. Nem todas
as pessoas morrem velhas e quentes em suas camas. Alguns morrem de
maneiras hediondas e terríveis. Havia muito horror no mundo, e parecia
implacável. Quanto mais me aprofundava, mais parecia sentir. Estava
ficando cada vez mais difícil anular minhas emoções; não assumir o
desespero dos muitos casos que resolvi. Em última análise, eu me vi
questionando tudo, desde meu dom, meu propósito e até mesmo a
Deus. Eu queria saber o porquê. Por que ele me fez assim? Por que Ele
deixou tantas coisas terríveis acontecerem? A lista de perguntas
continuava, sem nenhuma resposta.
Eu tentei me concentrar em tudo pelo qual era grata, em vez do
que estava me corroendo, roubando meu sono. Fazia três meses desde
que eu tive uma boa noite de descanso. Três longos e cansativos meses
de insônia e dores de cabeça. É engraçado - na verdade não é, e nunca
entendi porque as pessoas usam essa expressão quando estão falando
sobre algo que não é engraçado - como você pode estar flutuando um dia,
perdida em um momento, acreditando ingenuamente que tem tudo sob
controle, apenas para um único evento mudar sua vida para sempre.
Furrrrrleese.
Imagens seguiram a palavra desta vez - olhos vazios escuros e
dedos frágeis batendo contra a parede. As imagens e sons jogando em um
loop na minha mente, mais e mais, me puxando de volta para a noite em
que tropeçamos na Casa do Inferno e descobrimos os horrores dentro de
suas paredes decadentes.
Nós havíamos encerrado a produção da segunda e última
temporada do show no começo do dia e acabávamos de sair de uma festa
de despedida com a equipe em um restaurante chique de Nova
York. Apesar de estarmos no meio de junho, o calor do verão ainda não
havia chegado completamente à cidade, e decidimos aproveitar a noite
agradavelmente quente e desfrutar nossa última noite na Big
Apple. George e eu andávamos devagar, de mãos dadas, nossos dedos
unidos, desfrutando a satisfação de um capítulo se fechando em nossas
vidas e ansiando pelo próximo. Sniper e Anna andavam seis metros atrás
de nós, seu braço maciço sobre os ombros dela, aproveitando seu próprio
passeio de amantes. Os dois finalmente haviam decidido se unir
oficialmente depois de anos de hediondos flertes e namoros. Eu nunca
tinha visto Anna mais feliz. Deixando a filha de Anna, River com sua mãe,
eles se juntaram ao nosso fim de semana prolongado pra comemorar.
— Você está animada para voltar para casa amanhã? — George
perguntou enquanto andávamos sem rumo pela calçada, sem prestar
atenção para onde estávamos indo.
Eu sorri para ele, a ideia de dormir em nossa própria cama envolveu
meu coração como um caloroso abraço. — Eu estou. Você está?
— Estou pronto há algum tempo… só você e eu. Eu estou pronto
para... talvez começar a pensar em fazer um mini você e eu.
Eu congelei no meu caminho fazendo-o parar e me encarar, os cantos
de sua boca levantando em um sorriso incerto. — Um bebê? — Eu
sussurrei, lançando meus olhos em direção a Sniper e Anna, esperando
que eles não ouvissem.
Seu sorriso caiu, suas feições ficando frouxas, quando ele percebeu
minha expressão de pânico. — Quero dizer... não imediatamente, mas eu
pensei que poderíamos começar a pensar sobre isso... talvez. — Suas
palavras vagando quando ele levou minhas mãos ao seu peito, me
puxando antes de pressionar um beijo no topo da minha cabeça.
Um bebê? Eu estava pronta para isso? Eu não tinha tanta
certeza. Que tipo de mãe eu seria enquanto via pessoas mortas? E se o
bebê os visse também? E se eu ferrasse seriamente nosso filho?
— Ela teria seus olhos, esses incríveis olhos cinzentos, — George
murmurou contra a minha testa, sua voz de alguma forma temperando o
pânico crescendo dentro de mim. Meu coração se derreteu um pouco. Ele
disse “ela”. Ele queria uma menina. Deus eu o amava por não ser o macho
estereotipado que queria um menino. Beverly McDermott havia criado seus
filhos corretamente. Um lampejo do que parecia ser um déjà vu brilhou em
minha mente, luminoso e repentino - uma lembrança de quando Ike havia
dito algo parecido. Os homens McDermott estavam sempre tornando minha
fé no gênero masculino um pouco mais forte. — Ela teria meu cabelo, — ele
continuou com naturalidade, como se fosse indiscutível. — Eu não gosto de
me gabar, mas tenho alguns cachos agradáveis, cara.
Sorri quando inclinei minha cabeça e encontrei seu olhar escuro. Seu
sorriso era largo em seu rosto fazendo uma vibração surgir na minha
barriga. Deus, ele era bonito - embora aparentemente simples, essa
palavra continha um peso que resumia perfeitamente as características de
George. Estendendo a mão, passei meus dedos gentilmente pelos cabelos
grossos dele. — Você tem algumas madeixas bonitas, Sr. McDermott.
Ele se moveu, puxando-me para o seu lado, o braço protetoramente
em volta do meu ombro e retomou nosso passeio. Depois de alguns
momentos tranquilos, ele acrescentou: — Eu a ensinaria como caçar e
pescar... — ele fez uma pausa significativa, virando a cabeça um pouco e
cortando os olhos para mim. —... como uma dama de verdade.
Eu ri, minhas preocupações persistentes se dissipando quando
fiquei extasiada no devaneio que meu marido estava tendo sobre nossa
hipotética futura filha. Quando George estava feliz, isso me dava imensa
alegria - e eu sabia pelo tom de sua voz, que apenas o pensamento de
termos um bebê o deixava em êxtase. Eu estendi a mão e entrelacei meus
dedos com a mão que pairava sobre o meu ombro, um sorriso triste nos
meus lábios.
— O quê? — Ele perguntou, notando minha expressão.
Meu sorriso ficou maior. Eu não pude deixar de provocá-lo um
pouco. — Você sabe, se você tiver uma filha...
— Terei que me preocupar com todos os paus, — ele terminou,
revirando os olhos. — Sim. Sim. Eu conheço o ditado.
Rindo, virei à cabeça e beijei sua mão. — Ela nem sequer foi
concebida ainda, e você já é um pai protetor.
— Eu não estou preocupado com os meninos, — argumentou ele. —
Entre mim, Sniper, e Cameron... pfft... — Ele deu de ombros indiferente.
— Eu ouvi meu nome? — Sniper perguntou, seu sexy sotaque escocês
flutuando em nossa direção. Ele e Anna nos alcançaram enquanto
estávamos parados.
— Apenas afirmando o fato de que com Cameron, você e eu, nenhum
cara chegaria perto de nenhuma filha minha, — explicou George.
— Deus ajude o rapaz que tentar, — concordou Sniper.
— Nós já começamos a ficar de olho em River, — George chamou por
cima do ombro.
— Vocês dois são ridículos, — Anna riu.
Torcendo minha boca, senti um pouco de pena da hipotética menina
McDermott. George estava certo, com os três ao redor, ela teria sorte se
beijasse um homem antes dos vinte e cinco anos.
Naquele momento feliz, quando todos estávamos rindo e envolvidos
em nossos devaneios, eu esqueci minha realidade por uma fração de
segundo; esqueci que os planos “normais” não eram um luxo para mim. Foi
quando senti isso. Meu estômago se apertou e eu me esforcei para
mascarar qualquer reação externa enquanto cautelosamente olhava ao
redor em busca da fonte. Minha pele formigou quando meu olhar pegou um
tremor à nossa frente. Alguém estava nos observando enquanto
caminhávamos em direção a ele. Eu olhei para George para ver se ele havia
notado, mas ele parecia perfeitamente alheio à mulher mais velha
empoleirada na varanda. George estava tagarelando sobre nomes -
Georgeanna, aparentemente, estava no topo de sua lista - quando a mulher
e eu fechamos os olhos pela primeira vez. Eu afastei meu olhar, esperando
que ela não estivesse morta - talvez George estivesse muito envolvido em
seu devaneio e não a tivesse notado, mas quando os cabelos dos meus
braços arrepiaram, eu soube.
— Droga, — eu murmurei, fazendo George congelar.
— Onde eles estão? — Ele perguntou, sua voz baixa, lançando seu
olhar em todas as direções. A culpa me espremeu por dentro. Eu odiava
isso. Apenas alguns segundos atrás meu marido parecia estar no topo do
mundo, e agora estava todo preocupado.
Olhando ao redor, percebi que de alguma forma tomamos um
caminho errado. — Onde estamos? — Perguntei-me
calmamente. Enquanto caminhamos, perdidos em nosso devaneio, nosso
grupo realmente se perdeu. A vizinhança que nos rodeava era
abandonada, as ruas ladeadas por moradias meio dilapidadas com
janelas quebradas. A maioria das casas tinha placas de construção
pendurados nelas, talvez estivessem prestes a derrubar tudo e
reconstruir. — Ela está nos degraus, — eu respondi enquanto olhava para
ela. Quando nossos olhos se encontraram dessa vez, ela se animou. Ela
sabia que eu a tinha visto. Como uma bala, ela se materializou na nossa
frente, fazendo-me recuar um pouco. Porra eu odiava quando eles faziam
isso. Não importa quantas vezes os mortos fizessem isso comigo, sempre
me assustava.
— Você me vê? — Ela questionou, seus olhos azuis pálidos
arregalados em descrença.
— Sim, eu vejo você.
— Ela já está falando com você, — George suspirou. Meu coração
afundou. Por mais que meu dom fosse pesado para mim, eu sabia que era
difícil para ele também. Ele estava constantemente preso me vendo falar
com pessoas que não podia ver ou ouvir.
— Como isso é possível? — Perguntou a mulher.
Passei alguns minutos explicando sobre quem eu era e o que
fazia. Quando terminei, ela juntou as mãos e implorou com desespero: —
Por favor, me ajude. Não posso partir até que alguém saiba a verdade.
— A verdade sobre o quê?
Sua boca fina apertou quando ela virou a cabeça e fixou seu olhar
no condomínio ao nosso lado. Quando olhei para o barraco de uma casa,
um arrepio percorreu minha espinha fazendo minha pele gelar com
calafrios. Alguma coisa parecia ruim, mas eu não tinha ideia do que. — O
que ele fez com eles, — ela murmurou sombriamente.
Estreitando os olhos nela, abri a boca para perguntar o que ela
queria dizer quando suas feições se suavizaram e ela falou de novo. —
Você é uma jovem muito bonita, — ela elogiou, sua voz suave. — Eu aposto
que seu cabelo ficaria adorável trançado. Eu era boa em trançar quando
estava viva.
Eu fechei minha boca e a observei por um momento. Essa mulher era
estranha. Seu comportamento havia mudado, seu olhar vazio saltando de
desesperado para ansioso em questão de segundos.
Ela se materializou nos degraus e olhou para mim. — Você deve
entrar, — ela me informou antes de se materializar na varanda.
Eu examinei a casa novamente, pavor e incerteza florescendo na
boca do meu estômago. A casa era motivo suficiente para me sentir
desconfortável, mas acrescente a mulher estranha, e meu instinto estava
gritando para que eu abortasse a missão.
— Entre, — ela persistiu, apontando a mão para a porta da
frente. Sua voz ainda era suave e convidativa, mas era a tensão em seu
rosto que a entregava. A bondade era a personalidade que ela estava
tentando, mas não era difícil dizer que era um ato. Na verdade, parecia
quase doloroso para ela ter que fingir.
Embora eu a achasse suspeita, e meu instinto dissesse para não
confiar nela, não podia negar algo sobre a casa estar me puxando.
— Ela quer que a gente entre na casa, — expliquei a George enquanto
me movia para subir os degraus. Agarrando meu braço, ele me parou.
— Nós não vamos lá, — ele zombou como se eu fosse louca. — Quem
sabe se é seguro entrar lá, o lugar está em ruínas.
Olhando para a casa, suspirei. Ele estava certo. Parecia um buraco
de merda total. Embora eu concordasse com ele, não podia negar que
estava curiosa. Algo inexplicável me atraía para a casa. — Bem, eu posso
pelo menos espiar e ver, — eu arrisquei. Isso parecia um acordo justo.
— Charlotte, menina, — Sniper interveio. — Não sabemos se tem
alguém lá. E se houver invasores ou drogados?
Ele tinha um bom ponto. O lugar parecia um esboço do
inferno. Também parecia um lugar perfeito para as pessoas se
esconderem.
— Não há ninguém aqui, — a senhora chamou, tendo escutado suas
preocupações.
Olhando para Sniper e depois para George, eu repassei o que a
mulher havia dito. — Ela diz que está vazio.
George sacudiu a cabeça, inseguro. — Por que temos que entrar? Por
que ela não pode simplesmente dizer o que precisa aqui?
Novamente. Um ponto válido. Minha curiosidade ainda não havia
superado meu bom senso. Embora uma parte de mim quisesse entrar na
casa, a parte mais inteligente ainda estava aberta à razão.
— Você pode simplesmente explicar tudo aqui, por favor? — Eu falei.
— Não estamos confortáveis em entrar na casa agora.
Espremendo os olhos, ela se arrepiou de frustração. Todo o esforço
que estava colocando em parecer gentil e paciente evaporou. — Eu tenho
que te contar na casa. Eu não posso te dizer aqui. Você precisa entrar.
Estreitando meus olhos para ela, eu a estudei. Suas feições estavam
tensas; desconforto gravado em seu rosto. Mas ela estava morta - seria
impossível para ela sentir dor física. Virando-me para a casa, examinei-a
de cima a baixo, sentindo o mesmo puxão. Mas por que a casa me
puxaria? O pensamento de simplesmente ir embora não caia bem em mim.
Foi quando a vi - uma menina pequena, de cabelos e olhos escuros,
olhando para fora de uma das janelas do segundo andar. Então,
imediatamente depois que nossos olhos se encontraram, outra menina com
características semelhantes apareceu ao lado dela. Meu estômago deu um
nó enquanto elas olhavam para mim. Elas eram crianças... só meninas. E
elas estavam mortas.
— Quem são as meninas? — Eu perguntei à mulher, fazendo com
que Anna, Sniper e George balançassem a cabeça na minha direção.
— Há garotinhas também? — George perguntou.
— Elas estão aqui? — A mulher ofegou. — Onde? — Ela virou a
cabeça como se elas pudessem estar de pé ao lado dela. Seu choque fazia
sentido. Ela não saberia que elas estavam presentes. Por alguma razão,
almas no limbo não podiam se ver.
— Você vê crianças? — Anna ofegou, sua voz já rachando de
emoção. Talvez fosse porque ela era mãe, e o pensamento de uma criança
sofrendo tocasse seu coração de uma certa maneira, ou talvez ela
simplesmente não tivesse a constituição para nada disso, lidar com os
mortos.
— Shh, — Sniper a silenciou, sabendo que eu precisava me
concentrar, e várias pessoas falando ao mesmo tempo não eram úteis.
Eu ignorei Anna e George, olhando para a mulher, desta vez minha
boca apertada em frustração. Minha mente estava correndo com todos os
tipos de pensamentos malucos. Elas não se parecem com ela. Nenhum
pouco. — Há duas delas.
Materializando-se de volta nos degraus, ela apertou as mãos na
frente dela. — Você tem que entrar. — Olhando para longe de mim, ela
levantou o queixo em indignação. Essa mulher estava me dando nos
nervos. Ela queria que eu a ajudasse, mas achava que ia dar todas as
ordens. Normalmente, eu a colocaria no lugar dela, mas... havia as
meninas. Eu tinha que saber o que havia acontecido com elas. Eu tinha
que ajudá-las. Então mordi minha língua, com medo de que se eu a
atacasse, ela pudesse esconder a informação que estava procurando.
Olhando para os meus pés, sabendo que o que estava prestes a dizer
iria perturbar George, falei baixinho: — Eu tenho que entrar. Desculpe-me,
mas eu tenho que ir.
Eu podia sentir a tensão de George quando ele inspirou
profundamente, enquanto Sniper e Anna trocavam olhares
preocupados. Eu sabia que George não estava com raiva de mim,
estávamos prontos para uma pausa. Nós queríamos ir para casa e
respirar, mas aqui estava eu prestes a assumir outra alma perdida, ou
melhor, várias almas perdidas.
Quando levantei meu olhar para as meninas, elas não se
mexeram. Suas almas estavam se fundindo, obscurecendo, juntas,
nenhuma delas sabendo que estavam uma sobre a outra. Meu peito doía
enquanto eu me perguntava quanto tempo elas estavam no limbo, ambas
se sentindo sozinhas mesmo quando estavam juntas.
— Eu vou entrar primeiro e verificar, — Sniper se ofereceu depois de
um momento, nos contornando. Isso era algo que eu amava nele. Ele não
recuava e hesitava sobre uma tarefa. Ele sempre se adiantava e
trabalhava com a situação em questão, não importava o quão horrível
fosse.
— Eu vou com você, — George disse, seguindo atrás dele. Quando
ele passou por mim, eu agarrei sua mão fazendo-o voltar e encontrar o meu
olhar.
— Obrigada, — eu murmurei enquanto olhava em seus olhos
escuros, esperando que ele pudesse ver que eu sabia o quanto isso era
ruim, e como era grata. Dando a minha mão um aperto rápido, deixando-
me saber que estava tudo bem, ele a soltou e continuou a seguir Sniper
pelos degraus até a varanda.
— Não tem ninguém aqui — insistiu a mulher, claramente agitada
enquanto se materializava na varanda em frente à porta, como se quisesse
impedi-los de entrar.
Eu não me incomodei em dizer aos caras o que ela falou. Enquanto
eles estavam ocupados inspecionando o lugar do lado de fora, eu reunia
qualquer informação que pudesse do espírito menos que encantador,
começando com o básico. — Qual é o seu nome?
Ela me olhou de cima. — Agnus.
Deixando isso rolar mentalmente, balancei a cabeça algumas
vezes. O nome se encaixava bem nela. — Agnus, — comecei, subindo os
degraus até que estava na frente dela. Sniper e George espiaram pelas
janelas sujas antes de se dirigirem para a porta da frente. — Nós vamos
verificar a casa para ter certeza de que é seguro. Então, se eu concordar
em entrar, você vai me explicar quem são essas garotas.
Seu olhar severo saiu do meu, mudando sua linha de visão para
além de mim, mas ela não abaixou a cabeça. Ela era uma mulher
orgulhosa e sabia como manter uma postura confiante - como se
acreditasse que parecendo abalada a faria parecer fraca e a colocaria em
desvantagem. Eu poderia dizer que ela não gostava que eu tomasse as
decisões, mas deve ter sabido, que em sua situação atual, me desafiar não
lhe faria nenhum favor, então permaneceu em silêncio.
A porta da frente estava trancada, e Sniper grunhiu quando ele
jogou o ombro contra ela, forçando-a a abrir. Agnus assustou-se com o som
e se afastou da porta quando Sniper a abriu e recuou. A porta rangeu
assustadoramente enquanto se abria lentamente, o som enviando um frio
estridente pela minha espinha. Meu olhar estava fixo na porta, quando
algo intenso e pesado me atingiu, tirando o ar dos meus
pulmões. Tropeçando para trás, quase caí, mas George agarrou meu braço,
me equilibrando.
— Você está bem? O que foi isso? — Ele perguntou quando encontrei
seu olhar preocupado.
Jogando meu olhar de volta para a casa, olhei para dentro e chupei
uma respiração irregular. Eu não tinha certeza. Fisicamente, nada me
tocou, mas parecia que eu havia sido revestida por uma onda de medo
imenso e desespero esmagador. Um caroço duro se formou na minha
garganta, aquela dor aguda que você tem quando quer chorar, mas está
lutando contra isso.
— Eu não sei, — eu resmunguei através da névoa em minha mente,
uma queimadura gelada de confusão e dor circulando em minhas
veias. Cortando meus olhos para Agnus, encontrei seu olhar nervoso fixo
em mim, confirmando que o que eu estava sentindo era preciso.
— É ruim. — Medo atou meu tom. — Algo muito, muito ruim.
2 IMAGEM
Eu imediatamente me senti como um idiota por não ter mandado
mensagem de texto para ela. Eu estava tão chateado depois do
consultório do médico que vim direto para a academia. — Eu sinto muito,
— eu suspirei, limpando meu rosto com a minha camisa antes de sair do
escalador. Eu estiquei minha mão enfaixada e acrescentei, — Três
pontos. Está tudo bem.
Charlotte olhou para a minha mão, depois para os pés dela por um
momento, antes de olhar de volta para mim. — Eu sei que não tenho
sido... eu mesma. Sinto muito.
Eu balancei a cabeça inflexivelmente. Sim, eu estava frustrado,
mas nunca com ela. Eu me senti terrível que ela pensasse isso. — Baby,
sinto muito também. Eu só quero ajudar, e sinto que estou falhando com
você.
Desta vez ela balançou a cabeça. — Você não tem ideia do quanto
me ajuda, George. Eu não poderia fazer isso sem você. Mas eu sei que
isso afeta nós dois.
Fechei os olhos, culpa ofuscando a frustração. Nenhum de nós
estava bem se preocupando constantemente com o outro, e, como não
havia nada que ela pudesse fazer para parar os espíritos, a última coisa
que precisava era que eu acrescentasse a isso meu aborrecimento por
não ser capaz de fazer mais. Qualquer raiva residual escoou de mim
quando encontrei seu olhar sincero e suspirei, — Eu quero que você
tenha paz, querida. Eu quero te dar isso.
Cuidadosamente tomando minha mão ferida na dela, certificando-
se de não tocar meu polegar enfaixado, ela apertou. — Acredite em mim,
você faz. — Ela hesitou brevemente quando encontrou meu olhar, seus
olhos suplicantes me dizendo que eu não ia gostar do que diria em
seguida. — Mas eu tenho que tirá-la de lá. Não posso deixá-la, George.
Meus ombros ficaram tensos instintivamente com o pensamento de
retornar a Nova York. Eu odiava o que ela estava dizendo, mas sabia que
não havia maneira de contornar isso. Para que encontrasse alguma paz,
Charlotte teria que voltar e ajudar a garotinha que nomeamos Click a
atravessar. Ela queria que eu lhe dissesse que entendia. Que a apoiaria.
Eu assenti. Eu entendia. Minha esposa tinha um coração do
tamanho do Texas, e não desistiria, deixando Charlotte sem
escolha. Talvez eu não pudesse protegê-la disso, mas poderia apoiá-la e
garantir que ela soubesse que estava com ela, sem importar o quê.
— Ok. — Eu apertei a mão dela de volta. — O que você precisar,
Charlotte. Estou aqui. Sempre. O bom, o mal...
—... o feio, — ela terminou. Seus olhos brilharam quando ela
estudou meu rosto antes de se atirar em mim, envolvendo os braços em
volta do meu pescoço.
Eu estava nojento e encharcado de suor, mas apertei-a contra mim,
inalando-a. — Eu te amo.
— Eu sei que ama, e isso significa tudo para mim, — ela murmurou
contra o meu pescoço. Quando ela se afastou, sorriu para mim.
— Te vejo em casa então?
— Isso aí, amor. Estou bem atrás de você.
Ela assentiu algumas vezes. — Vou começar o jantar.
Eu arqueei minha sobrancelha em diversão. — Macarrão e queijo?
— Charlotte não era a melhor cozinheira, mas tinha alguns pratos
exclusivos em que ela se especializou, como macarrão e pizza
congelada. Graças a Deus, éramos donos de um restaurante, e minha
mãe e a Sra. Mercer gostavam de cozinhar para nós, ou viveríamos
estritamente na dieta dos garotos da faculdade.
— Sim, — ela sorriu. — E a sobra do bolo de carne da Sra. Mercer
também. Minhas habilidades de reaquecimento são de nível
especializado.
Nós dois rimos, um pouco da tensão entre nós diminuindo antes
que ela descansasse as mãos no meu peito e ficasse na ponta dos pés
para me beijar. — Eu te amo.
Eu pressionei um beijo em sua testa. — Você nunca saberá,
Charlotte, o quanto isso significa para mim.
Eu a observei quando ela saiu. Porra eu era um homem de sorte. Um
pensamento rastejou em minha mente enquanto ela desaparecia na
esquina, e eu o mantive enquanto pegava meu telefone enviando um texto
para Sniper. Eu só poderia ser capaz de apoiá-la, mas talvez houvesse
alguém que pudesse fazer mais.
Qual é o nome da mulher que você viu na televisão que me contou
mais cedo?
Capítulo cinco
Charlotte
Aneurisma.
A palavra rolou na minha cabeça enquanto eu olhava
silenciosamente para a minha esposa. Minha cadeira estava tão perto da
cama do hospital quanto poderia, meus braços descansando no colchão
enquanto eu segurava sua mão frouxa, com cuidado para não perturbar
a linha intravenosa presa ao seu braço. Cílios negros macios repousavam
contra suas bochechas delicadas enquanto ela permanecia
imóvel. Adormecida. Na loucura e no medo que eu estava sentindo, era a
única coisa que me segurava, Charlotte não estava em coma, ela estava
apenas dormindo, mas no fundo, em um lugar escuro que me recusei a
reconhecer, eu sabia a verdade.
A porta do quarto se abriu e meu pai entrou, sua expressão
desolada enquanto o pai e a mãe de Charlotte o seguiram. Meu pai era o
tipo de homem que gostava de todos, mas não gostava particularmente
de Wayne Acres, nenhum de nós o fez. Não depois de ter jogado Charlotte
para o mundo, recusando-se a acreditar que ela pudesse ver os
mortos. Mas meu pai, sendo um homem melhor do que eu, deixara de
lado seu descontentamento e se ofereceu como um amigo para os Acres,
nesse momento de necessidade.
Olhando para a filha da porta, com lágrimas nos olhos
avermelhados, as mãos de Tracey Acres tremeram quando ela cobriu a
boca na tentativa de abafar o choro. Eu estremeci ao som de seu soluço
quebrado, sua reação a ver Charlotte neste estado tão angustiante
quanto se possa imaginar. Charlotte não se parecia nada com sua mãe,
que tinha a aparência da professora de escola de cidade pequena, com
seu cabelo castanho de estilo simples e roupas práticas. Não, Charlotte
parecia com seu pai com seus olhos cinzentos e cabelos escuros.
Obriguei-me a levantar, meu corpo pesado do pesadelo das últimas
vinte e quatro horas, e o desgaste por falta de sono. Eu contornei a cama,
mas parei, sem saber o que fazer. A maioria das pessoas com sogros se
abraçava, especialmente em uma situação como essa, mas os Acres e eu
nunca tínhamos criado esse tipo de relacionamento.
Se havia tensão ou uma fenda entre eu e meus sogros, eu tinha
uma participação nisso. Charlotte tentou ao máximo deixar o passado
para trás, mas eu não tinha certeza se o faria. Porém, alguém poderia
argumentar que, se eles não a expulsassem, eu nunca a
conheceria. Então onde eu estaria? Eu fiz uma careta com esse
pensamento. Drogado? Escondendo-me? Possivelmente morto? Eu olhei
de volta para Charlotte, meu peito doendo. Ela me salvou.
Não a leve, Deus. Por favor. Por favor, não a leve.
— Alguma atualização desde que conversamos esta manhã? —
Wayne perguntou em uma voz rouca.
Eu balancei a cabeça.
— Eu gostaria de falar com o médico, — ele resmungou.
— As rondas são a cada duas horas, — eu disse categoricamente.
— Eu quero falar com ele agora. — Seu tom era exigente.
Estreitando meus olhos para ele, inclinei a cabeça em
descrença. Ele achava que eu estava escondendo atualizações dele? —
Como eu disse, — encontrei seu olhar firme com igual determinação, —
eles voltarão em duas horas. — Meu tom de voz foi mordaz. Era
da minha esposa que estávamos falando. Será que ele achava que eu não
importunaria todo mundo para conseguir informações?
— Disseram que você a encontrou em uma casa de drogados, — ele
disse.
— É onde estava a garota que ela estava ajudando, — Tracey
interveio antes que eu pudesse responder.
— Oh, certo, — ele disse com um bufo de nojo. — Esse absurdo de
alma perdida no limbo. E suponho que você simplesmente a deixou
correr por uma cidade perigosa sozinha perseguindo essas ilusões? — Ele
cuspiu acusador para mim.
Eu andei em direção a ele. — Wayne, se você tem algo a me dizer...
— George, — meu pai disse baixinho, pisando entre nós e
colocando a mão no meu ombro para me manter no lugar. — Esta não é
a hora.
Eu balancei a cabeça, respirando fundo para me acalmar. Meu pai
estava certo, mas eu não deixaria Wayne bancar o importante e colocar
minha esposa em maior risco, vomitando suas opiniões sobre o bem-estar
mental de Charlotte. Eu girei para encontrar o olhar de Wayne sobre o
ombro do meu pai. — Não estou interessado em tentar convencê-lo do
dom de Charlotte; você já provou que seria um desperdício de energia que
eu não tenho. Mas se quer permanecer aqui e ver sua filha, você precisa
entender uma coisa.
— George... — meu pai começou insistentemente, mas eu o
interrompi.
— Não, papai. Isso precisa ser dito. — Eu dei-lhe um rápido olhar,
e ele assentiu e deu um passo ficando ao meu lado, enfrentando os pais
de Charlotte. Eu olhei de volta para Wayne e continuei: — Eu
não deixei Charlotte fazer nada. Você sabe melhor do que ninguém que
ela faz o que quer e não teria ido sozinha sem um bom motivo. Dito isto,
você está certo. Eu deveria estar lá com ela, e agradeci a Deus a cada
segundo das últimas vinte e quatro horas que a encontrei quando o
fiz. Eu sou aquele que está ao seu lado todos os dias nos últimos três
anos, e sou aquele que ainda estará ao lado dela quando ela acordar, e
todos os dias depois disso até eu morrer porque sou seu marido. Eu não
vou mantê-lo longe dela, mas com certeza não vou deixá-lo entrar aqui e
agir como se soubesse alguma coisa sobre o que é melhor para minha
esposa. Você perdeu o direito de exigir qualquer coisa em seu nome no
dia em que a expulsou de suas vidas.
Nesse momento, Tracey voou para o lado de Charlotte, pegando a
mão dela e beijando as costas dela. — Charlotte, querida, — ela
chorou. — Eu sinto muito. Estamos aqui agora. Estou aqui com você,
querida.
Eu queria revirar os olhos. Onde ela estava quando Charlotte
estava sozinha e prestes a se matar? Onde estava essa mãe de coração
sangrando na época?
— Wayne, agora não é a hora de começar uma briga, — disse Tracey
secamente. — Nossa filha está em perigo. — Lançando seu olhar cheio de
lágrimas para mim, ela prometeu: — Nós não vamos mais falar sobre seu
dom.
Voltei-me para Wayne, sua expressão relaxou enquanto observava
sua esposa chorar ao lado da cama de Charlotte. Depois de alguns longos
momentos, ele cortou seu olhar para o meu e relutantemente
assentiu. Ele não pressionaria mais, mas tampouco se desculparia.
Tudo bem, eu fiz o meu ponto; No entanto, parte de mim ainda
queria estrangular o homem. Meu pai deve ter visto minha expressão e
teve uma ideia do que eu estava pensando porque limpou a garganta,
chamando minha atenção. A raiva persistente desapareceu de mim
quando percebi que ele estava lutando para se manter tão bem quanto
eu. Charlotte fazia parte do clã McDermott agora. Ele a considerava uma
filha, e isso era tão difícil para ele quanto para qualquer pai.
— George, por que não lhes damos algum tempo com ela e pegamos
algo para você comer?
A cabeça de Wayne se animou quando ele olhou para mim, sem
dúvida, ansiosamente esperando que eu aceitasse a sugestão de meu pai.
Eu hesitei, sabendo que meu pai estava certo, mas não querendo
me afastar de Charlotte.
— Vamos lá, George, — meu pai insistiu com um aperto no meu
ombro. Eu não gostei disso, mas balancei a cabeça.
— Eu volto em uma hora. — Eu disse sem emoção quando passei
por Wayne.
No corredor, meu pai pousou a mão no meu ombro enquanto
caminhávamos em direção aos elevadores. — Eu sei que você não é seu
maior fã, mas eles são os pais dela.
— Só quando é conveniente para eles, — eu bufei, incapaz de me
conter.
Duas pessoas já estavam esperando quando nos aproximamos do
elevador, e meu pai entrou na minha frente, forçando-me a parar a
poucos metros de distância. — George, — ele começou em um tom severo
que eu conhecia bem. Era sua voz de amor bruto. Ele estava prestes a
me dizer algo que eu não gostaria de ouvir, mas precisava. Os pais têm
essa capacidade de ensiná-lo e repreendê-lo de uma só vez e você os
respeita por isso. Meu pai era um mestre nisso. — Charlotte é filha deles,
você não pode mudar isso, e filho, — sua voz falhou um pouco antes de
ele limpar a garganta, — se ela morrer, eles terão perdido dois filhos. Os
únicos filhos que eles têm. — O elevador apitou e nós entramos. Apertei
o botão do saguão quando as portas se fecharam, o peso de suas palavras
ameaçando me quebrar. Nessa única declaração, ele resumiu o impacto
que Charlotte teve sobre todos nós, e o que significaria se ela não
acordasse. Minha esposa, filha deles, poderia morrer.
— Eu sei que você está sofrendo, — ele continuou calmamente, —
e você é protetor sobre ela, mas vai ter que se colocar de lado aqui, filho,
e lembre-se que todos nós amamos Charlotte. Estamos todos com medo
e todos ficarão arrasados se alguma coisa acontecer com ela.
Suas palavras foram feitas para me endireitar, manter-me no
caminho certo e lembrar-me de não deixar minhas emoções levarem a
melhor sobre mim, mas parecia um soco no estômago toda vez que ele
dizia alguma coisa sobre Charlotte morrer. — Por favor, pare de dizer
isso. Pare de falar sobre ela estar morrendo — eu disse secamente,
recusando-me a deixar minha voz transmitir a agonia que senti ao pensar
em perdê-la. — Vou tentar, pai, — prometi. — Apenas não fale mais sobre
sua morte. OK?
Ele acenou com a cabeça quando as portas se abriram para o
saguão. Eu corri do elevador, sem esperar por meu pai enquanto ia direto
para o refeitório. Eu precisava de algo forte, mas não tinha certeza se café
seria suficiente.
Capítulo doze
Charlotte
Não tinha ideia de quanto tempo havia passado desde que eu tinha
morrido. De certa forma, parecia que tinha acabado de chegar do outro
lado, e de outras formas parecia que estava aqui há anos. As palavras me
faltavam sempre que eu tentava resumir o outro lado, da maneira como
éramos capazes de nos mover de um lugar para outro num piscar de
olhos, a beleza inacreditável de tudo isso; estar com Ike, rir com meu
irmão e sentir minha avó me abraçar, tudo estava além de qualquer coisa
que eu já imaginara. E mesmo que não tivesse aceitado completamente
estar aqui, a paz de não esbarrar constantemente em almas precisando
de ajuda era uma felicidade não adulterada.
Até que deixou de ser.
No meio de toda a paz e felicidade, o desespero e a culpa ainda iam
e vinham. Não importa o que, a tristeza estava sempre lá fazendo o
possível para me derrubar, certificando-se que eu nunca esquecesse o
que deixei para trás. George. Como ele estava? Ele estava tomando conta
de si mesmo? Eu sentia falta dos meus sogros. Eu sentia falta de Sniper
e Anna. Eles fizeram as pazes e resolveram tudo? Inevitavelmente,
quando a tristeza surgia, meus pensamentos sempre voltavam para a
doce alma presa em um quarto escuro. Click.
Ver os “guias turísticos” ajudando crianças perdidas me deu
esperança, mas ao mesmo tempo me deixou com raiva. Click deveria
estar nesse grupo. Por que essas crianças conseguiram atravessar e ela
não? Como era justo que eu estivesse aqui e ela estivesse lá? Não era. E
muito parecido com uma bola de neve rolando colina abaixo, a raiva
aumentava. Como poderia alguma versão do céu existir para alguns e
não para outros? Eu não merecia estar aqui quando ela não estava.
Estávamos todos descascando maçãs enquanto os pensamentos
continuavam a guerrear na minha cabeça. Nós tínhamos acabado de ir a
um pomar e as colhemos para que Vovó pudesse fazer sua famosa torta
de maçã. Pareceu-me estranhamente engraçado o quanto eu estava
gostando agora, quando detestava a tarefa quando era pequena; quando
estava viva.
— Sua pilha está parecendo muito pequena, Ike, — brincou Axel.
Os dois estavam no meio de uma disputa emocionante para ver
quem conseguia descascar mais maçãs. Ambos estavam rindo e
conversando enquanto Vovó e eu assistíamos.
Recostando na minha cadeira, eu mordi uma maçã, meus olhos
revirando enquanto me deixava gemer. Era absurdo como era
delicioso. — Por que tudo tem um gosto tão bom aqui? — Eu perguntei
em voz alta para ninguém em particular, não que tivesse uma resposta
deles de qualquer maneira. Axel colocou uma maçã na mesa,
acrescentando à sua pilha, e os olhos de Ike se estreitaram quando ele
acelerou seus esforços.
— Homens, — Vovó murmurou baixinho, onde só eu podia ouvir.
— Eu acho que estou perdendo o ponto em tudo isso, — eu
anunciei apontando minha mão para eles e suas pilhas de maçãs
nuas. — Se você vencer, o que você ganha?
— A primeira torta que sair do forno, — declarou Axel.
— E se gabar, — Ike acrescentou.
— Ei, você. — Axel apontou seu descascador para mim. — É melhor
você parar de comer e voltar ao trabalho, ou não vai
ganhar nenhuma torta, — ele avisou. — O que acha disso? — Ele
terminou com uma sobrancelha arqueada.
Eu bufei com sua piada brega antes de bater a mão na minha
boca. Eu era um idiota sem esperança. Ike sorriu para mim, suas
covinhas aparecendo em suas bochechas. — Agradável.
Ignorando-o, fingi jogar legal e disse: — Isso foi uma piada terrível.
— Retire o que disse, Charlotte, ou você vai se arrepender, —
alertou Axel, fingindo mais ofensa do que ele realmente sentia. Eu apertei
os olhos enquanto nos encarávamos silenciosamente. Eu conhecia muito
bem o tom de aviso do meu irmão. Embora ele não tenha dito isso com
tantas palavras, estava ameaçando me punir por minha negligência,
dizendo que a retribuição poderia ser qualquer coisa, desde me prender
em uma chave de braço, e me dar um cascudo, ou algum outro método
que me envergonharia imensamente.
Os olhos de Ike encontraram os meus, sua boca se elevou em um
sorriso, claramente entretido por nossas brincadeiras de irmãos.
— Eu não vou retirar, — eu disse desafiadoramente, levantando
minha própria sobrancelha em desafio. — Não estou com medo, —
acrescentei com malícia. Nós estávamos do outro lado... que danos ele
realmente poderia causar?
A boca de Axel subiu ligeiramente. A julgar pela alegria em seus
olhos, minha reação foi exatamente o que ele esperava. Eu
imediatamente me arrependi da minha declaração anterior. Talvez eu
estivesse com medo. Por que os irmãos gostam tanto de cutucar um ao
outro? Com um profundo suspiro, ele se recostou na cadeira e
perguntou: — Ike. No seu breve período com Charlotte, ela já
compartilhou com você a história de seu primeiro dia do nono ano?
Pooooooorra. Com os olhos arregalados, sentei-me na cadeira,
praticamente engasgada com o pedaço da maçã que acabara de comer. —
Não se atreva, Axel, — eu tossi enquanto batia no meu peito, tentando
engolir.
Axel flexionou as sobrancelhas, um sorriso travesso tomando suas
feições.
— Eu acho que ela não me contou isso, — Ike respondeu, a
curiosidade óbvia em seu tom quando ele disparou seu olhar entre mim
e Axel. Ele sabia pela minha reação que Axel estava prestes a lhe contar
algo muito suculento.
— Aham, — Axel limpou sua garganta com arrogância.
Eu deixei cair meu rosto em minhas mãos. Isso ia ser ruim.
— Desculpe, eu preciso ter certeza de que a minha voz esteja clara
para isto, — ele explicou antes de mover a boca desajeitadamente, como
se a preparasse.
— Axel, — eu avisei, olhando para ele. — Não.
— Ou o quê? — Ele riu, um rubor cor-de-rosa tingindo suas
bochechas. Ele era meu irmão e, como é tradição entre os irmãos mais
velhos, ele adorava incitar sua irmã mais nova. Juro que em algum lugar
há um livro de leis para irmãos que afirma que eles devem encontrar
imenso prazer em provocar e torturar um ao outro.
— Eu acho que preciso ouvir isto, — Ike encorajou enquanto se
acomodava em seu assento, abandonando sua missão de ganhar no
descascamento de maçã. Aparentemente, qualquer coisa que me
envergonhasse valeria mais do que se gabar.
— Não deve ser tão ruim assim, — Vovó interveio.
Fechei meus olhos e coloquei minha cabeça em meus braços sobre
a mesa. Em retrospectiva, depois dos muitos anos que tive para me
recuperar da mortificação de tudo, e vendo como, neste exato momento,
eu estava morta, não, não era tão ruim. No entanto, como recém-formada
caloura no ensino médio, foi humilhante; como se minha vida tivesse
terminado, não havia sentido em continuar.
— Então, Char tinha uma queda por esse garoto... qual era o nome
dele? — Ele estalou os dedos como se o som fosse lembrá-lo. — Bobby?
— Billy, — eu gemi. Se ele ia contar, achei melhor ele pelo menos
dar os detalhes certos.
— Sim, está certo, — ele riu. — Billy. — Eu levantei minha cabeça
a tempo de ver Axel bater no braço de Ike. — Aquele garoto era um idiota,
mas Char achava que ele era a nata da colheita.
Eu revirei meus olhos. — Ele era o cara mais popular da oitava
série, — defendi.
— Era por isso que você gostava dele? — Perguntou Ike. — Porque
ele era popular?
— Não, — eu neguei muito rapidamente, sabendo que era
parcialmente verdade, se fosse totalmente honesta comigo mesma. — Ele
não era um idiota. Axel não está dizendo isso com precisão.
— Charlotte, — disse Axel, irritado com a minha negação. — Ele
tinha uma boca cheia de metal e usava o mesmo suéter vermelho vivo
todos os dias. Ele era um idiota, e você também era por gostar dele.
— Eu tinha catorze anos! — Me defendi em voz alta.
Axel riu. — Olhe para ela, — ele apontou, — ela está ficando tão
exaltada, e eu nem cheguei à parte boa.
Cruzando os braços, sentei-me e bufei infantilmente: —
Você não é mais meu irmão favorito.
— De qualquer forma, — ele continuou, sem se deter em minha
declaração, — Char queria se arrumar para o primeiro dia de aula.
— O primeiro dia é um grande negócio, — Vovó
interrompeu. Percebi, acrescentando ainda mais à minha mortificação,
que Vovó abandonara sua tarefa de descascar para dar toda a atenção à
história de Axel. — Eu acho legal ela querer se arrumar. — Deus abençoe
a mulher por me defender e tentar me fazer sentir melhor.
— Vovó, ela não se arrumou porque era o primeiro dia, foi porque
ela não tinha visto o velho Bobby-boy...
— Billy, — Ike interrompeu, corrigindo-o e ganhando uma carranca
de mim.
— Desculpe, Billy, — Axel se corrigiu. — Ela não tinha visto Billy
durante todo o verão, e queria parecer, — ele bateu os cílios e deslizou
em seu assento, — sexy.
Ike riu e minhas bochechas arderam enquanto eu olhava para
Axel. — Na lista de pessoas que eu gosto agora, há Vovó e Ike, todos os
meus amigos e familiares, todos os outros no universo vivo ou
morto, depois você. Você está no final, — eu disse a ele.
— Anotado, — respondeu ele secamente, em seguida, continuou. —
Mamãe e papai já tinham saído para o trabalho no momento em que
saímos para a escola, então Charlotte foi capaz de sair usando um
vestidinho e um sapato de saltos que eles nunca a deixariam sair de casa.
Eu franzi o rosto em frustração. — Não era tão sexy assim. Você faz
parecer que eu estava prestes a me prostituir.
— Charlotte! — Minha avó gritou.
— Desculpe, vovó, — eu me desculpei com um estremecimento, —
mas ele está exagerando.
— E você beija sua avó com essa boca, — Axel zombou em um
sotaque ridículo do Bronx.
— Isso foi realmente muito leve para Charlotte, — Ike entrou na
conversa. — Eu nunca ouvi tantas palavras sujas saírem de uma boca
tão bonita.
— Ike! — Foi a minha vez de gritar, lançando lhe um olhar de olhos
arregalados. Vovó não precisava saber sobre meu vocabulário colorido e
com que frequência eu o usava.
Desta vez ele estremeceu e mordeu o lábio inferior, dando-me um
olhar de desculpas. Vovó torceu a boca sem jeito, claramente tentando
não parecer divertida.
— O que é isso? O dia de conspirar contra Charlotte? — Eu gemi
quando joguei minha maçã meio comida em Axel, o acertando no peito.
Vovó apertou os lábios e cortou os olhos para mim, fingindo
desapontamento.
— Ok, ok. — Axel levantou as mãos em sinal de rendição. — Eu
vou dizer isto: o vestido em uma mulher adulta poderia ter ficado bom,
mas no peito plano, mal-saído-da-puberdade de Charlotte,
parecia muito maduro.
— Ugghhh, — eu gemi enquanto cobria meu rosto. — Por quê? Por
que você está fazendo isso comigo?
— Quantos anos se passaram desde que faleci? — Ele perguntou
retoricamente. — Estou só compensando o tempo perdido.
— Charlotte, realmente me dói ver você envergonhada, mas
eu tenho que ouvir isso, — disse Ike, desculpando-se, o que teria sido
bom se ele tivesse tido o menor remorso por encorajar minha humilhação.
— Imagine, — Axel estendeu as mãos na frente deles como se
estivesse enquadrando uma cena para um filme. — Charlotte, apenas
quarenta e três quilos mergulhada em botas, usando um pequeno vestido
justo que caía sobre ela como um cobertor molhado, revelando nada além
de braços e pernas finas...
— Ele entendeu, Axel, — eu gemi.
— Então, ela chega na escola e vai para a cafeteria, pronta para se
exibir e chamar a atenção de seu cobiçado Billy. Ela abre as portas
duplas e tira o casaco enquanto se aproxima. — Axel fez uma pausa e
encontrou meu olhar prolongando o momento para o efeito máximo. Ele
sempre fora, e aparentemente sempre seria, um mestre contador de
histórias. Finalmente, quando teve certeza de que minha humilhação
estava perfeitamente preparada, ele continuou: — Ela atravessou a
lanchonete em direção à mesa onde as amigas sentavam-se, confusas
com as risadas que pareciam estar enchendo o recinto.
— Oh, Charlotte, — Vovó apertou meu braço simpaticamente, todo
o divertimento foi embora. — Eles estavam rindo do seu vestido?
— Nem um pouco, — Axel riu com prazer. — Quase todo o corpo
estudantil estava rindo dela porque quando se vestiu naquela manhã, ela
não percebeu que tinha enfiado a parte de trás do vestido na sua
calcinha.
Cobri meu rosto com as mãos enquanto Axel continuava a rir.
— Bem, eu imagino que isso foi um pouco embaraçoso, mas não
parece tão ruim. — Oh, como eu amava a Vovó. Sempre tentando me
fazer sentir melhor ou encontrar um lado bom.
— Não, foi muito ruim, — eu expliquei. — Eu estava usando uma
tanga.
Eu me encolhi quando me lembrei da humilhação que senti
naquele dia. Foi um daqueles momentos em que crescemos, um
momento frágil entre a época em que a menina ainda é uma criança, mas
busca a feminilidade, quando eu queria ser algo que realmente não
entendia, como ser sexy. Minha mente correu em direção à meta, mas
meu corpo e bom senso não a alcançaram.
A boca de Ike arredondou de um “O” quando a compreensão surgiu.
As feições de Axel se contorceram. — Não podemos discutir você
usando uma tanga.
— Oh, me desculpe, Axel. Você está desconfortável com os
detalhes da história que está contando? — Eu apontei. — Me desculpe.
Virando o meu foco de volta para Ike, desesperada para acabar com
a humilhação, eu soltei, — Então eu mostrei a bunda para todo o corpo
discente no meu primeiro dia de escola. — Eu levantei um punho no ar,
fingindo uma falsa vitória. — Porque eu sou incrível.
Ike riu, mas pelo menos teve a decência de parecer se sentir mal
com isso. Axel não demonstrou nenhum remorso quando se inclinou
para o lado, rindo muito duro.
Quando o riso diminuiu, ele tirou o chapéu e passou a mão pelo
cabelo antes de colocá-lo de volta. — A escola ligou para mamãe e papai,
e rapaz papai ficou chateado. — Ele balançou a cabeça.
— Ele agiu como se eu quisesse mostrar minha bunda para todo
mundo, — eu resmunguei.
— Vocês dois precisam maneirar a linguagem, — Vovó gritou de
brincadeira, sem se preocupar em olhar para cima de sua tarefa de
descascar a maçã. Agora que a história havia terminado, ela estava
pronta para voltar ao trabalho.
— Desculpe, — nós dois pedimos desculpas em uníssono.
— Axel, essa não foi uma boa história para contar, — ela
continuou. — Você não deve envergonhar sua irmã desse jeito.
— Vovó, esse é o tipo de história que não se pode guardar para si
por toda a eternidade. Eu tinha que compartilhá-la.
— Quão pesado o fardo de manter isso para si mesmo deve ter sido,
— eu disse em simpatia simulada.
Sem perder o ritmo, Axel disse: — Bem, agora está fora do caminho
e todos podemos seguir em frente. Sinto-me melhor agora que me aliviei.
De pé, Vovó começou a recolher as maçãs. — Eu acho que tenho o
suficiente aqui. Ike, você me ajuda a levá-las para dentro? Eu posso
precisar de uma mão na cozinha, se você estiver disposto. — Eu queria
abraçá-la apertado por mudar de assunto.
Ike se levantou, preparando-se para ajudá-la em seus esforços. —
Não sou um bom cozinheiro, mas sou soldado. Eu sei como seguir
ordens, senhora.
— Por que vocês dois não passam algum tempo juntos, — sugeriu
Vovó para mim e Axel. — Volte daqui a pouco para o jantar.
— Parece bom, Vovó. Eu a ajudarei a limpar antes de irmos.
Axel ajudou a recolher as maçãs enquanto fui até Ike e agarrei seu
pulso. — Você está bem com isso? — Vovó era a melhor, mas isso não
significava que eu esperasse que ele gastasse seu tempo livre com ela.
— Sim, vá com o seu irmão, — ele insistiu. — Vai ser bom para
vocês dois terem algum tempo juntos.
Olhei de relance para o meu irmão mais velho, que estava
explicando a Vovó o sorvete de baunilha apropriado para a proporção de
torta de maçã, e olhei para ele. Como eu poderia amar tanto alguém que
tivesse o poder de me envergonhar como ele acabara de fazer?
Como se tivesse lido minha mente, Ike sorriu e deu de ombros: —
Isso é o que os irmãos fazem, constranger um ao outro
impiedosamente. Ele é muito engraçado. Eu posso ver porque ele era seu
melhor amigo.
— Engraçado às minhas custas, — eu murmurei.
— Na verdade, foi uma ótima história. Deu-me muita visão.
Eu levantei uma sobrancelha questionadora.
— Se eu não te conhecesse melhor, menina, acharia que você era
um pouco exibicionista.
Eu zombei. — O que isso significa?
— Bem… você mostrou a bunda na escola secundária. E você me
mostrou isso uma vez.
— Não. Eu não, — eu discordei calmamente, recusando-me a
deixá-lo me instigar uma reação.
— Então houve todo o calvário com o corte na sua bunda. Baixou
a calça na frente de dois homens — ele zombou.
Eu dei um soco no braço dele e bufei: — Não foi assim que
aconteceu.
Fingindo dor, ele esfregou o braço. — Umm... foi exatamente assim
que aconteceu.
Eu olhei para ele com os olhos apertados, não querendo admitir,
mesmo que ele estivesse tecnicamente correto. Finalmente, desisti e
aceitei a derrota da maneira mais madura que pude. — Você e Axel não
prestam, — declarei e bati meu pé.
Ike estava usando meu sorriso favorito e seus olhos estavam
iluminados com uma alegria suave.
— Pare de rir de mim, — eu exigi.
— Eu não estou rindo, — ele se defendeu, seus olhos brilhando.
— Sim você está. Com seus olhos. Você está praticamente de
joelhos no chão rindo de mim com os olhos.
— Você está imaginando coisas, Charlotte, — ele riu enquanto
balançou a cabeça com meu argumento.
— Esse brilho, — eu apontei. — Aí.
Estendendo a mão, ele roçou as costas dos seus dedos suavemente
contra a minha bochecha. — Eu não estou rindo de você, menina. Estou
te observando.
— Me observando?
— Você sabia que você enruga o nariz quando está frustrada? —
Eu não respondi. Eu sabia, mais ou menos, mas nunca percebi que ele
havia notado. — Você é deslumbrante, Charlotte.
Meu corpo zumbiu em resposta à felicidade que irradiava dele e ao
conhecimento que eu era responsável por isso. Seja por causa das
minhas histórias humilhantes, ou pelo jeito que meu nariz enrugava,
deixei Ike McDermott feliz. Algo sobre isso fez meu coração apertar. Como
eu amava esse homem. Eu sempre amei, e sempre amaria. Toda mulher
deveria ter isso, um homem olhando para elas do jeito que Ike estava
olhando para mim nesse momento, como se eu fosse a coisa mais
preciosa e bonita que ele já tinha visto.
Quando ele se inclinou para me beijar, meu coração disparou, meu
corpo inclinando em direção a ele, acolhendo seu toque. Nossos lábios
estavam a um sopro de distância quando o momento foi arruinado.
— Vocês podem fazer isso mais tarde. Jesus, — Axel disse com um
sobressalto.
Nós dois nos afastamos, surpresos pela interrupção. Ike fechou os
olhos e suspirou frustrado enquanto eu lançava um olhar mortal para o
meu irmão.
— Realmente, Axel? — Eu grunhi.
— Beijem-se em algum outro momento. Vou roubar minha irmã
um pouco. — O tom de Axel não dava espaço para discussões, não que
qualquer um de nós tivesse tentado.
— Até mais tarde, — Ike piscou para mim antes de desaparecer.
Eu olhei para o lugar onde ele estava, sorrindo como uma tonta.
— Bom Deus, Charlotte, — Axel reclamou.
Cortando meu olhar para ele, perguntei: — O quê? Você não
namora ou algo assim aqui?
Axel revirou os olhos e soltou um suspiro. — Não funciona assim
aqui.
— O que você quer dizer?
— Apesar de como isso pode parecer no momento, há um pouco de
finalidade quando você morre. Não, você não vai para um grande vazio,
mas também não continua simplesmente de onde parou só que em um
novo local. E definitivamente não há nenhum “Clube de Solteiros
Mortos”, — ele me cutucou de brincadeira, — acredite em mim, eu
procurei.
— Você é terrível, — eu disse, balançando a cabeça.
Ele piscou, depois ficou sério e continuou: — A coisa deste lado,
Char, é que é interminável e diferente para todos. Lembra-se daquela vez
que mamãe e papai nos levaram para o Smithsonian e havia tantas
pessoas na nossa frente enquanto esperávamos para entrar? — Eu
balancei a cabeça enquanto ele continuava. — Mas uma vez que
entramos, era como se fôssemos os únicos lá, e somente de vez em
quando veríamos outras pessoas. É assim que é deste lado e, como as
pinturas que olhamos, todo mundo vê esse lugar de maneira
diferente. Mesmo você e eu não vemos exatamente o mesmo. — Ele fez
uma pausa e olhou através das colinas ao redor da casa de Vovó.
Eu esperei que ele continuasse, mas depois de alguns minutos eu
perguntei baixinho: — Então, o que, você tem que fazer isso sozinho? —
Meu coração se partiu por ele com o pensamento.
— Honestamente, eu não sei se estarei sozinho, só porque não
encontrei aquela antes de morrer. Mas essa é a coisa engraçada do para
sempre, mana. Não há pressa quando você tem uma eternidade para
descobrir.
Fazia muito sentido, mas se o que ele dizia era verdade, por que eu
ainda sentia que o tempo estava passando? Minha mão encontrou o
caminho para o relógio de bolso que ainda estava no bolso da minha
bermuda, e eu poderia jurar que senti pulsar ao ritmo do ponteiro do
segundo.
— Ok, já chega de coisas pesadas, — ele reclamou e rapidamente
mudou de assunto, o que me fez pensar se ele realmente estava sozinho
e não gostava de pensar nisso. — Aonde você quer ir? — Axel
perguntou. — Leve-nos até lá.
Eu parei e olhei ao redor. — Eu não sei como... — Eu acenei com a
minha mão em torno de. —... simplesmente ir a algum lugar. — Eu só
tinha me transportado, ou qualquer outra coisa, uma vez quando Ike
desmaiou e levei ambos para a casa da Vovó, e eu não tinha ideia de como
tinha feito isso.
— Ok, eu vou te ensinar. — Ele jogou um braço por cima do meu
ombro, me apertou de lado e beijou minha têmpora. Ele então se afastou
e se virou para mim. — Feche seus olhos.
Eu fiz como ele instruiu. — E agora?
— Agora pense no lugar que você mais quer, neste exato segundo.
Engolindo, deixei minha mente vagar, surpresa por onde ela
pousou. Axel não gostaria, mas por alguma razão, era onde eu queria
estar.
— Agora gire duas vezes e bata os calcanhares três vezes, — ele
instruiu.
Eu abri meus olhos para que ele pudesse ver-me revirando-os com
desagrado. Ele estava brincando comigo tratando-me como se eu fosse
Dorothy do Mágico de Oz. Sua cabeça caiu para trás quando ele riu de
mim. — Desculpe, eu tive que fazer, — ele se desculpou enquanto seu
corpo convulsionava. Seu sorriso sumiu abruptamente quando ele
percebeu onde eu havia nos trazido. Suas feições se contorceram: — Por
que você quis vir aqui, Char?
— Este foi o último lugar em que estivemos vivos juntos, —
expliquei, engolindo um caroço enquanto o observava estudar a rua
deserta, calçadas vazias e passagens arborizadas que levavam às
entradas dos prédios de tijolos do nosso campus universitário. — Este foi
o último lugar que eu envolvi meus braços em torno de você.
Axel não respondeu, seu olhar fixo em alguma coisa. Olhando por
cima do meu ombro, segui sua linha de visão até o lugar exato em que
fomos atingidos na noite em que ele morreu. Voltando-me para ele,
perguntei: — Você sabe que não foi sua culpa, certo?
Arranhando a nuca, ele balançou a cabeça em negação. — Se eu
não tivesse a moto, não estaríamos nela. Eu deveria ter escutado meu
pai.
— Pfft, — eu bufei. — Ele não sabe tudo, Axel.
Puxando-me para ele mais uma vez, ele nos levou a um banco a
cerca de nove metros de onde havíamos caído.
— Você vai ter que perdoá-lo, sabe?
— Eu o perdoei, — me defendi, um pouco alto demais. — É
apenas... dor.
Quando chegamos ao banco, Axel se inclinou para trás e abriu os
braços ao longo do comprimento do banco, enquanto me sentei.
— Ele não era perfeito. — Axel admitiu. — Se você me perguntasse
o que eu achava do nosso pai na manhã antes de eu morrer, eu teria lhe
enchido os ouvidos sobre todas as suas deficiências.
Eu assenti. Axel e nosso pai estiveram se estranhando por meses.
— Ele estava sempre na minha cola. Isso me deixava louco. Eu
senti que nunca teria qualquer noção do que ele pensava sobre mim...
como se não importasse o que eu fizesse, ou o quanto eu tentasse, nunca
seria bom o suficiente para ele.
Olhando de volta para ele, inclinei a cabeça. Eu sabia que eles
tinham desentendimentos, mas nunca percebi o alcance disso. — Eu não
sabia que você se sentia assim, Axe. Você nunca me disse.
Sua boca se levantou de um lado quando ele cortou seus olhos para
mim. — Você era a favorita dele, Charlotte. Todo mundo sabia disso.
Eu recuei, uma risada de choque escapando de mim. — O
quê? Isso não é verdade.
— Cem por cento verdade. Você sempre conseguia o que queria. A
menina do papai, — ele zombou quando me cutucou no lado.
Eu bati na mão dele. — Tanto faz. Eu não lembro dessa maneira.
Ficamos em silêncio por um momento antes de Axel falar
novamente. — Ele só queria que eu fosse melhor do que ele. Ele queria
que eu tivesse mais do que ele.
— O que você quer dizer?
— Quero dizer... eu não entendia quando estava vivo, e sim, talvez
se eu tivesse chegado a sua idade, ou até mesmo me tornado um pai, eu
teria entendido, mas depois que fui afastado tudo, pude ver.
— Ver o quê?
— Por que ele era do jeito que era. Papai gostava de se sentir no
controle. Ele gostava que as coisas fossem de certa maneira. Era aí que
ele encontrava a paz. Claro, eu sempre fui o único a ir contra a
corrente. Isso o deixava louco porque ele não podia me manter na
linha. Eu só achei que ele era controlador e um narcisista, mas ele não
era. Eu estava errado.
Eu olhei para ele em descrença. Axel admitindo que estava errado
era monumental, ainda mais em relação ao meu pai.
— Amor e medo andam de mãos dadas às vezes. Ele nos amava
tanto que o assustava, e quanto mais medo ele tinha, mais me empurrou
para entrar na linha.
— Você está o defendendo? — Eu perguntei surpresa.
— Não... bem, sim, — ele admitiu. — Eu não estou dizendo que ele
era perfeito ou qualquer coisa... Eu só quero dizer que posso ver que ele
era um homem que tinha realmente medo de amar. Eu o assustava.
Uma lágrima escorreu pela minha bochecha. — Acho que eu
também.
Axel apertou meu ombro. — Eu era uma adolescente selvagem e
então você… você acordou com esse dom que ele não entendia. Nós
estávamos fora de seu controle; fora de seu escopo de controle. Ele não
podia nos proteger do que não conseguia controlar. Ele não sabia o que
fazer.
Ao absorver suas palavras, pude ver seu ponto. Talvez meu pai
estivesse com medo do que ele não podia controlar. Talvez isso o
amedrontasse tanto que era mais fácil me deixar ir, contra me manter
perto e sentir o peso disso todos os dias. Eu não podia desculpá-lo, mas
de certa forma, eu podia entender. A vida comigo e meu dom não era
fácil. Minha mente foi para o George. Ele nunca desistiu; nunca se
afastou de mim. Ele seguiu pelo caminho que me foi colocado, grato
apenas por estar ao meu lado mesmo quando era difícil. Meu peito
apertou quando um agradecimento me consumiu. Meu marido era meu
herói.
— Nada na vida está no controle. Para nenhum de nós. Papai virou
as costas para nós, Axe — eu o lembrei. — Ter medo não é uma desculpa.
— Você tem que perdoá-lo, Char. É quando você encontrará paz.
— Eu o perdoei, — argumentei. — Eu simplesmente não consigo
esquecer. — Eu gemi frustrada comigo mesma e com o meu
pensamento. — Você não entende.
Ele cruzou os braços sobre o peito e olhou para mim pensativo. —
Hey… eu tenho uma eternidade de tempo. Faça-me entender.
Eu bufei. Como eu poderia fazê-lo entender? Algo tinha morrido,
mas não realmente. Não no sentido convencional. A definição da morte é
o fim permanente da vida de um organismo biológico. Processamos isso
como humanos ou animais, qualquer coisa com batimentos cardíacos ou
respiração. Eu me considerava uma professora quando se tratava da
morte, afinal, eu podia ver os mortos, como poderia não ser bem versada
nessa área? A coisa é que, porém, muitas outras coisas perecem, e elas
não se encaixam nesse contexto.
Segurei o banco com ambas às mãos e me inclinei para frente,
deixando meu olhar fixar-se em uma minúscula flor amarela que
conseguiu crescer através de uma rachadura no concreto perto do meu
pé. — Ele era o maior homem que eu conhecia, — eu finalmente
comecei. — As pessoas brincam em torno da frase “ele está morto para
mim”, mas embora possa ser verdade até certo ponto, não é realmente
preciso explicar o que elas realmente significam; o que significaria se eu
dissesse sobre o papai.
Axel ficou quieto por um longo momento antes de perguntar: —
O que você quer dizer?
Lambi meus lábios secos e escaneei o campus vazio enquanto
procurava as palavras. — Quero dizer à conexão que tinha com ele como
filha está morta. Morreu no dia em que ele desistiu de mim e me mandou
embora. Ele cortou pela garganta com o golpe de uma caneta. E com essa
conexão foi todo o respeito, confiança, fé que eu tinha nele como pai e,
em grande medida, como um ser humano decente. Que homem honrado
joga fora sua filha, sua única criança sobrevivente? Tudo o que restou foi
um vazio onde fui forçada a viver pelo resto da minha vida.
Olhei para Axel e encontrei-o me observando. — Teria sido melhor
se ele tivesse morrido, — eu admiti sem rodeios. — Eu preferiria ter visto
o seu caixão sendo abaixado ao chão, do que perder o jeito que eu o via
e o jeito que ele se sentia sobre mim. — Inclinando minha cabeça para
cima, eu olhei para o céu sem nuvens enquanto lutava pelas palavras
certas para me explicar. — Ver alguém assim, mantendo-os em tão alta
consideração... — Eu parei quando minha voz tremeu de emoção. Eu
mudei meu olhar de volta para a flor e dobrei na rachadura com o meu
sapato. — Todos nós precisamos ter alguém para vermos dessa
maneira. Alguém que nos inspira... nos ensina. — Um sorriso triste
capturou meus lábios. — Não existem funerais para quando você perde
o respeito por alguém. Só tem que viver o resto de seus dias sabendo que
essa pessoa não era quem você achava que era.
Axel cobriu minha mão, ainda segurando o banco, com a dele e
apertou. — Eu sei que ele te machucou, mas você está se machucando
mais por não deixar ir. Perdão é uma escolha, Char. Está na hora de se
curar.
Eu empurrei um pouco de cabelo atrás da minha orelha e
suspirei. — Eu só achei que deste lado… não sentiria nada. Eu
simplesmente me sinto... eufórica. Imaginei que flutuaria em uma nuvem
com pequenos querubins me alimentando com uvas.
Axel riu. Ele sabia que eu estava brincando. — Bem, talvez não
haja querubins nos alimentando com uvas, mas ainda assim é muito
chique aqui. Este lado, céu... chame do que você quiser, mana, o ponto é
que é o que fazemos. Você não encontrará paz a menos que realmente
deixe tudo ir. Mais ou menos como Ike quando você o conheceu. Ele não
poderia encontrar o seu céu até que você o soltasse.
— Axel, como poderia estar aqui se não tivesse soltado? Se algo
fosse deixado inacabado, eu estaria no limbo.
Ele encolheu os ombros. — Eu não sei, Char. De certa forma, não
parece que você está realmente aqui.
Os cantos da minha boca caíram. — O que isso significa?
Ele deu de ombros novamente. — Eu só sei que sinto algo em você.
Eu balancei a cabeça, frustrada. Ele estava certo. Alguma coisa
estava errada. Eu tinha negócios inacabados, Click. Mas não havia como
eu ajudá-la, agora que estava aqui. No que dizia respeito ao meu pai, eu
tinha deixado ir. Quero dizer, sim, eu ainda estava machucada, mas
perdoei meu pai. Certo? Claro que sim. Eu disse a ele que o fiz.
— Ei, — ele acariciou minhas costas, — eu não estou tentando
incomodá-la.
— Podemos conversar sobre outra coisa? — A pergunta saiu sem
rodeios, com a minha frustração evidente no meu tom.
Axel me observou por um momento, sua boca pressionada como se
estivesse debatendo se deveria dizer alguma coisa ou não, mas depois de
um momento ele saltou. — Tenho uma ideia melhor. Vamos dar uma
volta.
Erguendo o braço, ele deliberadamente gesticulou para algo do
outro lado da rua. Segui o movimento com o meu olhar, ofegando sobre
o que ele queria que eu visse. A quinze metros de distância de nós estava
uma motocicleta. Era a motocicleta exata em que caímos na noite em que
ele morreu, até a cor. Meus olhos se arregalaram quando olhei para
ele. — Você não pode estar falando sério, — eu disse, surpresa.
— Não tenha medo, mana, — ele encorajou. — Eu não vou, — ele
moveu a cabeça roboticamente, — te matar.
— Isso foi uma piada terrível, — eu o repreendi.
Ele olhou para mim como se eu fosse ridícula quando me agarrou
pelos pulsos, levantando-me e me puxando com ele em direção à moto. —
Foi um pouco engraçado e você sabe disso.
Realmente não foi, mas não me incomodei em discutir.
— Não há nada a temer, Char, — disse ele quando passou a perna
longa sobre a moto e a endireitou para que eu pudesse subir. — Que
lugar melhor para realmente viver do que aqui na vida após a morte? —
Um flash de ansiedade me atingiu, fazendo-me parar. Desde o acidente,
até mesmo ver uma motocicleta me enviava a um ataque de
pânico. George até vendeu sua moto depois que decidimos ficar juntos,
sacrificando seu amor pelo passeio pelo meu bem-estar mental. Mesmo
que eu não fosse montá-la, apenas me preocupar com ele montando
desencadearia um ataque.
— Vamos lá, Char, — Axel insistiu novamente, batendo no assento
atrás dele. — É hora de deixar tudo ir.
Eu sabia que estava morta e não iríamos nos destruir desta vez. Eu
sabia, mas ainda tive que engolir o medo que sentia. Ele estava certo, no
entanto; Eu precisava deixar a memória trágica do nosso acidente ir
embora. Tudo isso aconteceu no passado e estávamos juntos
novamente. Subindo, eu me aproximei e passei meus braços ao redor
dele.
Quando decolamos, algo caiu, um peso que eu não registrava há
muito tempo. Talvez tenha sido a conversa sobre o nosso pai, expurgando
os pensamentos e sentimentos que eu estava abrigando, mas não tinha
dito a ninguém. Talvez fosse subir na traseira da moto e deixar de lado o
medo que havia me acorrentado por tanto tempo. Talvez os dois. Algo
parecia diferente. Meu irmão estava certo. Paz poderia ser encontrada em
deixar ir, mas eu não tinha certeza se estava pronta para deixar ir tudo.
Capítulo vinte e dois
Ike
Não sei por que, mas nos trouxe ao quintal da Vovó. Achei que
talvez meu filho gostasse das galinhas como Meadow, mas quando ele
olhou para mim com uma expressão perplexa eu não tinha tanta certeza.
— São galinhas. — Fazendo uma careta para ele eu cacarejei
algumas vezes na minha melhor imitação de galinha. Ele olhou
vagamente para mim. — Claramente, você tem o senso de humor de seu
pai, — eu lhe disse; no entanto, eu estava apenas brincando. George
tinha um grande senso de humor. É claro que nosso filho não-nascido
não saberia nada disso. — Vá em frente, — eu disse a ele, acenando para
ele ir em frente. — Vá explorar um pouco.
Com um pouco de receio, ele saiu da varanda e se aproximou das
galinhas cacarejantes. Quanto mais ele se afastava, mais fraca eu me
sentia. O desespero que senti ressoou dentro de mim, vibrando e
ameaçando me abrir por dentro e sangrar. Estava custando cada
pedacinho da minha força para não colapsar em um monte de soluços. A
expressão no rosto de Ike quando ele descobriu que eu estava grávida
queimava em minha mente. Ver tanta dor nos olhos de alguém que você
tanto ama parecia o equivalente a ser esfaqueada no peito.
Uma mão pegou a minha, entrelaçando meus dedos com os
seus. Eu não tive que olhar, eu sabia que era Vovó. Marlena deve tê-la
mandado de volta logo depois que eu saí.
— Eu sei que não parece, mas tudo ficará bem, Charlotte Anne. Eu
prometo.
Olhei para o meu filho a tempo de vê-lo recuar quando uma galinha
clamou alto em sua direção. Vovó riu. Eu sabia que as coisas ficariam
bem... ou eu acreditava que iriam... para mim de qualquer maneira. Eu
voltaria à vida e, com sorte, me recuperaria totalmente. Eu acordaria com
George e minha família e, eventualmente, me tornaria mãe. Eu teria uma
vida linda. Mas só depois que fizesse a coisa mais difícil que já tive que
fazer, me despedir de Ike McDermott. Novamente. Antes que eu pudesse
voltar à vida, teria que primeiro destruir não apenas meu coração, mas
também o de Ike.
— Eu... — Eu parei, empurrando a emoção subindo pela minha
garganta. Não chore, Charlotte. Não se atreva a chorar. — Eu não sei o
que dizer a ele. Como faço para deixar tudo bem? Como me despeço de
você e de Axel? Como me despeço de Ike... novamente?
— Ele encontrará paz novamente, amor. Pode levar algum tempo,
mas ele vai. E não é um adeus, Charlotte. Certamente você deve saber
isso mais que tudo. Você vai vê-lo novamente. Você vai nos
ver novamente.
Virei-me para olhar para ela e as paredes que eu estava
trabalhando para segurar se desintegraram. O rosto meigo de minha doce
avó me encarou, mas não como a jovem mulher vivaz que parecera
quando cheguei, mas como a avó redonda e grisalha de que me lembrava,
com a evidência da idade gravada em seu rosto. Vovó tinha mudado a si
mesma por mim. Algo sobre a familiaridade disso me destruiu e parei de
lutar. A dor que eu estava segurando irrompeu de dentro, e um soluço
estridente me escapou, seguido por outro e outro. Ainda segurando
minha mão, ela me levou para um banco e sentou-se, fazendo-me colocar
minha cabeça em seu colo. Eu chorei mais do que nunca na minha
vida. A felicidade, a dor, o medo, a dúvida, o amor derramaram de mim
enquanto ela acariciava minha cabeça e falava suavemente comigo.
— Deixe tudo sair, Charlotte Anne. Purgue tudo.
Não sei quanto tempo chorei, mas quando o pior passou, e tudo o
que restou foi uma mulher de rosto encharcado, soluçando com a cabeça
repousando no colo de sua avó, Vovós disse: — Você vai ser uma
excelente mãe, Charlotte.
Eu gostaria de sentir tanta fé em mim mesma quanto ela. Através
dos olhos embaçados, olhei para o meu filho. Ele estava imóvel como uma
estátua no centro do caos de galinhas ao seu redor. Ele estava perdido
aqui. Ele não sabia como agir como um garotinho porque nunca teve a
chance de ser um.
— Este George... ele ficará feliz? — Perguntou Vovó.
Minha boca subiu, calor se infiltrando em meu coração. — Sim. Ele
ficará emocionado. Ele será um pai incrível.
Sentando-me, limpei meu rosto e nariz. Vovó ainda era a versão do
seu eu experiente. Eu olhei para o rosto dela, memorizando. — Obrigada
por isso, Vovó, — eu lhe disse.
Ela sorriu. — Você deveria ir e procurar Ike e Axel antes de ficarmos
sem tempo.
Meu peito se apertou. Eu não tinha ideia de como fazer isso. Eu
senti que não era mesmo possível me obrigar a fazê-lo. Era sempre uma
situação impossível quando se tratava de Ike e George. Nunca haveria
qualquer vitória. E agora, não havia outra escolha. Meu filho. Outro
homem McDermott.
Vovó deve ter tido uma noção do que eu estava pensando com o
olhar no meu rosto, porque ela disse: — Você deve fazer isso. Não há
muito tempo.
Eu balancei a cabeça e limpei meus olhos com meus dedos.
— Eu vou assistir meu bisneto, — ofereceu-se Vovó. — Vá em frente
agora. Seja forte.
Abracei-a com força mais uma vez e depois desapareci.
Capítulo quarenta
Ike
Fim