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Ayahuasca, meu relato

Essa semana fez 5 anos que eu tomei Ayahuasca pela primeira vez, ansiei muito por esse
número ou por qualquer número quando eu era novata, aquela sensação de que sabemos o
que estamos fazendo que a gente atribui ao tempo, mas que na verdade não tem NADA a ver
com ele...

Desses 5 anos todos em que eu tomei Ayahuasca uma vez por mês, uma vez por semana, uma
vez a cada 15 dias, a cada 2 meses, depois de 6 meses, dias seguidos... oscilei bastante na
frequência ao longo dos anos, assim como conheci diversos lugares que serviam esta bebida
ritualisticamente... Desses 5 anos, minhas experiências espirituais mais intensas foram nesse
último ano 2017-2018 o qual eu comunguei com Ayahuasca uma única vez, depois de ficar
aproximadamente um ano inteiro sem tomar.

Curioso as experiências mais marcantes terem sido quando eu parei de consagrar, não acham?
E já venho de uns 3 anos consagrando somente em casa com meu companheiro, mas ainda
assim, ritualisticamente.

Então foram 2 anos ou um pouco mais, frenéticos consagrando Ayahuasca em núcleos cristãos,
xamânicos e universalistas e depois mais 2 anos consagrando bem esporadicamente em casa,
e um ano inteiro sem tomar e enfim uma última consagração meses antes de escrever este
texto.

Após eu ter decidido parar de ir comungar fora de casa me passou centenas de vezes na
cabeça se eu tomaria Ayahuasca para sempre, ou se algum dia isso não faria mais parte da
minha vida, minha única certeza era que eu tinha um caminho espiritual a seguir...

Depois de introduzi-los nesses números todos, eu gostaria de levantar o ponto central do meu
discurso: Nos últimos 2 anos eu tive depressão, ansiedade e pânico. Fora outra coisa que
percebi também como uma espécie de despersonalização, eu não tinha mais certeza de quem
eu era, do que eu gostava, fiquei muito, muito confusa.

Algumas pessoas podem dizer que foi porque eu deixei de comungar nos centros pra
comungar na minha casa, mas não, primeiramente porque eu comungava bem menos em
casa, e também porque em uma das minhas épocas de crise (início de 2017) foi um ritual feito
em casa que me salvou...

O que aconteceu comigo?

Eu sentia que tinha uma missão, desde que tive o meu primeiro ritual eu senti que aquilo era
muito especial e queria muito trazer aquilo para minha vida, aprender, estudar e ajudar mais
pessoas. Com o tempo a missão foi tomando forma, ganhando cores, símbolos, nome, hinos,
estrutura ritualística, energia, até o meu eu do futuro tinha um rosto, meus filhos, enfim... O
que vou abordar aqui é muito complicado porque vai abalar o sistema de crenças de muita
gente...
Simplesmente do dia pra noite numa época em que passei um tempo um pouco maior sem
tomar Ayahuasca as coisas estranhas começaram a aparecer, comecei a questionar as
informações que eu recebia, comecei a questionar as doutrinas, as frases afirmadas nos hinos,
a índole dos líderes, ao mesmo tempo em que os cultos se popularizavam cada vez mais, cada
vez mais centros, ao ponto de abrirem um a 4 casas de onde eu morava há 3 anos atrás, com
essa popularidade eu via cada vez mais o comércio e o modismo tomar conta de tudo, e tudo
virar uma competição ridícula, ao ponto das pessoas irem em tal lugar porque lá era “mais
forte” ou desdenharem de um lugar porque era “mais fraco” e ver as pessoas se julgando
porque um não aguentava a “força” de tal trabalho ou tal Ayahuasca, ou um apontando o
outro falando de ego, um querendo ser mais moralista que o outro, e também começaram a
aparecer nas mídias situações de abusos de todo o tipo, inclusive sexuais, envolvendo núcleos
ayahuasqueiros, e essas informações foram chegando a mim...

Percebi que muitas vezes minha intuição me alertava de que havia algo errado em algum
lugar, em alguma letra de música, ou com alguma pessoa e eu me boicotava e dava desculpas
para mim mesma o tempo todo. Quando ficava bastante tempo sem tomar Ayahuasca e ficava
mal por qualquer motivo era sempre isso, é porque não estou mais tomando Ayahuasca
frequentemente, como se Ayahuasca fosse o meu remédio para todas as dores, um remédio
de uso prolongado.

Então foi assim, do nada, quando fiquei muito tempo sem tomar Ayahuasca que consegui me
desligar das programações que eu recebia durante os trabalhos, imagine que você frequenta
um lugar toda semana, ou a cada 15 dias e lá vocês ouvem praticamente sempre as mesmas
músicas com as mesmas afirmações em um transe de 4 a 8 horas (isso quando não é mais
longo, beirando as 12h), uma hora isso vai virar uma programação mental e você vai começar a
achar que aquilo é a verdade, que aquilo é o certo, e com uma boa descarga de dopamina toda
vez, seu corpo entende que aquilo é bom pra você. Pronto.

Eu tinha virado um zumbi, eu só ouvia música ritualística, eu não me permitia mais certos
lazeres, eu criei paradigmas com a sexualidade, eu só me vestia de acordo com o que era
esperado do estereótipo de uma “mina ayahuasqueira”, eu passei a ficar mansa demais,
achava que tinha obrigação de me reconciliar com todo mundo, que eu tinha que ser
inabalável porque eu tomava Ayahuasca, que eu tinha que ser inabalável porque um dia eu
teria o meu próprio centro, eu passei a me calar para evitar discussões e deixei de falar muitas
vezes como eu me sentia, e assim no meu próprio mundinho eu também me sentia superior,
afinal eu tomava Ayahuasca e um dia eu teria meu próprio centro.

Junto do meu companheiro, do final de 2015 até agora canalizei mais de 100 músicas das quais
metade ou mais nós estamos apenas “jogando no lixo”, mesmo quase não tomando Ayahuasca
eu entrava em expansão de consciência por horas e às vezes por mais de um dia e escrevia
sem parar, de repente eu tinha músicas prontas, as letras eram tocantes e eu me emocionava,
todos se emocionavam quando ouviam, só podia ser “de Deus”... Além das músicas eu tenho
praticamente um livro inteiro escrito, o qual precisa ser completamente revisto e analisado,
pois muitas informações foram recebidas quando eu estava num estado que hoje eu entendo
como um estado de alienação e fanatismo.

A gente acha que nunca vai acontecer com a gente, a gente acha que a gente é forte, que a
gente sabe das coisas e quanto mais a gente acha que tá imune, mais a gente vacila e mais a
gente se arrisca a entrar num estado como esse, em 2016 eu já tinha crises de ansiedade que
eu controlava com rapé sempre acreditando que eram energias negativas, e criei para mim
mesma uma “história” de que “o mal” não iria querer que eu criasse um projeto tão grandioso
para ajudar pessoas, então eu estava sempre precisando me limpar de energias negativas
(parte disso até é real, mas eu negligenciei totalmente o lado material dessa circunstância),
então minhas crises eram na verdade ocultadas e não controladas fazendo o uso do rapé.

Como eu já mencionei em um vídeo, eu tive bem pouco contato com a doutrina do Santo
Daime em específico, porém mais da metade das músicas que eu canalizava estranhamente
vinham dentro do mesmo padrão de musicalidade, musicalidade esta que eu nem apreciava
antes de começar a receber os hinos e me iludir com eles, muitas das informações que eu
recebia traziam a ideia de que o Santo Daime era o “suprassumo” da Ayahuasca, como se fosse
até superior do que os cultos indígenas, era a sustentação do planeta, era a continuação do
trabalho de Jesus Cristo, assim eu passei a acreditar cegamente.

Se você acha pesado o nível de lavagem cerebral e manipulação em massa que ocorre nas
igrejas evangélicas, então você provavelmente nunca tomou Ayahuasca... Você simplesmente
toma algo que deixa as suas ondas cerebrais em alfa, tetha, delta (quem sabe?) e recebe
diretamente no seu inconsciente tudo o que eles querem. Entenda: tudo o que for falado,
sentido, vivido, ouvido e induzido durante o transe com Ayahuasca vai direto para o seu
subconsciente, agora imagine essa repetição na proporção que as pessoas fazem?

Existem 3 crenças principais que induzem as pessoas a esse erro de serem manipuladas
através da comunhão com Ayahuasca, ou outras plantas de Poder:

1 - Acreditar que Ayahuasca é Deus, atribuir a ela um caráter tão divinizado que faz com que as
pessoas pensem que nada de ruim poderia advir dela, mesmo em excesso, mesmo de forma
equivocada;

2 - Acreditar que é totalmente seguro tomar Ayahuasca sob a condução de um


Mestre/Padrinho em um centro religioso, como se o fato do espaço ser religioso e ter um líder
espiritual fosse imune à humanidade do ser que pode ser perverso e ter intenções negativas;

3 - Acreditar que é extremamente perigoso tomar Ayahuasca sozinho ou fora dos moldes
religiosos mais comuns dos centros, isto é, delegar sempre a sua experiência a um terceiro que
quase sempre ainda é um desconhecido e sempre limitar a sua experiência àquilo que te
oferecem e nunca ultrapassar esse limite, só tomar Ayahuasca ouvindo hinos de determinada
doutrina e coisas do tipo.

É a primeira vez que abro publicamente esta situação de uma forma tão exposta, ciente de que
houveram pessoas aguardando pela minha “igreja”, pessoas que ouviram meus “hinos”,
pessoas que acreditaram que era a minha missão ter um centro ayahuasqueiro, agora eu
realmente me pergunto quantos desses que acreditaram em mim enquanto eu estava nesse
estado acreditarão em mim agora que me sinto mais lúcida do que nunca, e venho aqui negar
muitas das coisas que eu disse antes, eu não tenho vergonha de errar, e eu não tenho
vergonha de dizer que eu estava enganada, iludida ou alienada, eu já passei dessa fase da
negação, já passei pela decepção e também pelo sofrimento, agora que estou aprendendo
com esta experiência eu gostaria de compartilhá-la com vocês para alertá-los principalmente.

Neste momento eu estou me reconstruindo aos poucos, sinto minha personalidade bem
fragmentada, todo esse processo de ilusão me trouxe muito desequilíbrio no chakra da visão
(terceiro olho), e essa é a consequência, o pânico, o não saber mais com certeza o que é real e
o que não é, não conseguir confiar mais nas pessoas, estar sempre na expectativa de que as
coisas deem errado e sentir desespero por isso... Claro que não sinto isso o tempo todo, mas é
muito difícil lidar com mudanças, situações tensas, até mesmo começar algo novo é difícil.

Eu vi muita coisa, boa e ruim, real e irreal (mas o que é real, afinal, não é mesmo?), e sinto que
isso saturou e desordenou esse chakra, hoje eu acredito mais que é você quem faz seu futuro,
engraçado uma frase como essa vir de uma cartomante, mas sim, é você quem faz, você pode
se ver numa fazenda com 2 cachorros, crianças e um vestido azul, mas é você quem decide e
se você não fizer nada por isso, nunca vai acontecer, ou talvez você mesmo mude de ideia, é
disso que se trata, um Universo de possibilidades, e dentro desse Universo às vezes somos
pegos pelas nossas fraquezas, pelo nosso ego, eu era uma pessoa muito carente, me sentia
muito sozinha e não tinha certeza do que eu queria da minha vida (ou tinha e fui reprimida) e a
ideia de ter um espaço espiritual foi o meu ponto fraco, ser importante, ser amada, poder ser
útil às pessoas, ter pessoas queridas à minha volta, um mundo ideal onde as pessoas se
respeitassem, é o que a gente espera de um espaço espiritual, né? Mas na verdade isso é só
um ideal, ainda somos muito humanos pra atender essas expectativas todas... E isso
preencheu meus buracos por um tempo, e quando eu me retirei, mudei de estado, de cidade,
fui para longe de todos os centros e todas as pessoas que eu conhecia os meus buracos foram
se esvaziando das experiências místicas coletivas onde todo mundo se abraçava, o pessoal do
“gratidão” não me ligava pra perguntar como eu estava...

Ao ver meus buracos vazios novamente, coisa que levou cerca de 2 anos, foi que passei a me
questionar se tudo aquilo era mesmo correto, aqueles rituais, aquela quantidade de chá,
aquelas músicas, tudo, absolutamente tudo, e quanto mais eu percebia que tinha muita coisa
equivocada, mais eu percebia que não sabia mais nem quem eu era...

Foi aí que comecei a retornar pra mim, lembrar da minha infância, tentar me lembrar de mim,
de como eu costumava ser antes de ser devorada pela serpente, é como se eu tivesse morrido
por algum tempo, e eu realmente sentia que aquele eu do passado não existia mais, isso era
um pouco assustador, mas hoje estou conseguindo unir essas duas personalidades, juntando
meu verdadeiro eu, que ainda é uma menina sendo descoberta, com as experiências que vivi e
assim formando a minha mulher madura.

É importante se afastar de tempos em tempos dos cultos, dos centros, dos enteógenos e fazer
um detox, visitar o SEU centro, o centro do SEU ser, seu templo interno e se perguntar como
você está com todas essas experiências. Hoje as pessoas tomam Ayahuasca numa frequência
tão grande que não há tempo de trazer todo esse conteúdo pra sua realidade, não há tempo
de discernir sobre ele, sobre verdades, sobre desejos e sobre verdadeiras premonições e
contatos espirituais, e mais, há lugares onde não se incentiva o questionamento e a pesquisa
sobre o que se viveu, e o tempo passa, seu consciente esquece, e aquele conteúdo fica aí
jogado num canto escuro do seu inconsciente esperando o dia que você vai olhar pra ele e
tentar se conhecer de verdade.

Tomar enteógenos sem questionar suas experiências não é se conhecer, é como ir ao cinema
ver um filme sem pé nem cabeça e se emocionar com as cenas mais bonitas, e fazer daquela
emoção a sua religião.

Eu sei que muitas pessoas vão dizer “comigo não” ou “você já tinha uma pré-disposição a ter
problemas psicológicos” e coisas assim, mas eu também era uma dessas pessoas que levantava
a bandeira da Ayahuasca como se fosse a bandeira de um país, eu também era do “comigo
não”, simplesmente se deem esse tempo, se permitam ao menos questionar tudo de vez em
quando.

Essa é a minha história, e ela ainda não acabou.

Camila dos Reis Cavalcanti em 15/08/2018.

17/10/2018

Como me tornei Xamã?

Dizem que para se tornar um Xamã é preciso morrer, e a gente nunca pensa que isso é algo
assim tão ao pé-da-letra. Algumas pessoas fazem ritos iniciáticos envolvendo jejuns, dietas,
mortes simbólicas e até mesmo iniciações formais por terceiros (seja isso algo a que devemos
dar crédito ou não), e alguns mais raros principalmente na era moderna e no meio urbano,
passam por experiências de quase morte, geralmente relacionadas aos elementos da
natureza...

Tudo começou quando eu fui embora para o estado do RJ no final de 2015, morando em uma
ilha e tentando começar uma vida mais simples, mas também muito isolada, ali começaram
meus primeiros sinais de loucura, ali tanto eu como meu marido de forma indireta fomos
humilhados, fomos enganados por um senhor que havia nos prometido trabalho e a venda de
um terreno, ali sofremos algumas privações materiais e embora tivéssemos “casa” para onde
voltar na cidade, na casa dos nossos pais, o que é “casa” afinal? Como eu poderia voltar para a
cidade depois de experiências tão intensas em contato com a natureza... Nós moramos em
uma barraca de camping na beira da praia por 3 meses, passamos por muitos medos durante
tempestades, nós dois tínhamos pesadelos frequentes envolvendo desde perseguições a
trabalhos de magia, e também obsessões espirituais. Ficamos doentes algumas vezes, pela
precariedade do local tivemos dias em que ficamos sem luz, sem água e por ser uma ilha a
falta de alimento mesmo nos mercados era constante, mas também fizemos belas trilhas,
comungamos com Ayahuasca na praia deserta de frente pro mar à noite, comungamos com o
rapé em diversos lugares, também brigamos algumas vezes e quisemos nos separar, como
qualquer casal jovem...

Nas últimas semanas eu sentia que iria enlouquecer, eu chorava muito e só queria ir embora,
nesse meio tempo nós também canalizávamos músicas de medicina frequentemente, e textos
sobre espiritualidade também, isso era mais comigo...

Conseguimos com muita dificuldade nos mudar para uma casinha simples numa periferia, zona
rural de Angra dos Reis, naquela casa foi a primeira vez que tive um ataque daqueles de
acordar gritando. Ali havia dias em que eu tinha processos de expansão de consciência até
mesmo sem comungar com as medicinas, às vezes durava dias, e eu escrevia o tempo todo,
canções e textos... Eu sentia que algum dia teria um espaço espiritual, que eu seria uma
“dirigente”, mas eu nem fazia ideia do tamanho dessa responsabilidade.

Ali passamos mais algumas privações materiais, começando porque não tínhamos móveis,
éramos dois jovens com mochilas e barracas de camping, a dona da casa nos emprestou um
colchão e um fogão, a gente não tinha nem copo pra beber água, nem filtro... reutilizamos
muitas vezes copinhos plásticos, a gente comia sentados no chão, com o tempo fomos
recebendo algumas doações da família e de uma amiga também, e ficamos menos
desprovidos, mas a vida era muito difícil ali, não conseguíamos trabalho e estava cada vez mais
insustentável viver lá, até que chegou o tempo frio, e descobrimos que não funcionava
chuveiro quente naquela casa, e a casa começou a dar muitos problemas, a dona não
repassava as contas que pagávamos e cortavam nossa luz, as coisas entupiam, tinham goteiras
e muitos vãos nas telhas, passamos muito frio e tomamos muitos banhos de canequinha...

E mais uma vez as privações materiais começavam a afetar o meu psicológico de uma forma
muito intensa, eu vivia chorando, ficava dias só deitada na cama... até que meu pai resolveu
nos emprestar seu kitnet de Praia Grande até que a gente se restabelecesse financeiramente...
estávamos então voltando pra cidade, completamente frustrados e agora íamos morar de
favor na casa do meu pai, estamos agora em julho de 2016.

O que era para ser algo provisório acabou durando cerca de 2 anos. Também lá tivemos muita
dificuldade para nos estabelecermos financeiramente, raramente o Mikael conseguia
trabalhar, e eu só depois de muito tempo consegui recomeçar a fazer atendimentos pela
internet porque o meu estado mental era muito instável, no começo tínhamos esperança, mas
tivemos também alguns problemas com a família, devido a estarmos recebendo ajuda material
e as complicações da dependência deles...

Foi em dezembro de 2016 que comecei a ficar realmente mal, eu tinha depressões fortíssimas,
ficava sem comer direito, só queria ficar na cama e chorava diariamente, eu sentia uma
angústia que me deixava atordoada a ponto de me contorcer fisicamente com frequência, o
Mikael dizia que meu olhar ficava vazio, e eu sentia muitas vezes que eu iria sumir num abismo
que só existia na minha mente, tudo isso durou mais ou menos de dezembro a fevereiro de
2017, eu não entendia o que acontecia, nós rezávamos, fazíamos oferendas, rituais,
acendíamos velas, fazíamos defumações, às vezes me acalmava, mas era sempre por um
tempo pequeno demais... a maior parte do tempo eu me sentia a beira da loucura e comecei a
ter pensamentos suicidas e de automutilação, porque queria acabar com aquele sofrimento,
muitas vezes me imaginava cometendo o suicídio ou me machucando e vivia intensamente
uma luta interna entre viver e morrer, tive 2 ou 3 episódios de acordar gritando naquela casa,
era real demais, eu sentia muito desespero e pedia por socorro, como se algo estivesse
tentando me “pegar” mas do “outro lado”. Eu não conseguia ir em centros de Umbanda,
quando chegava na porta eu tinha que ir embora, não conseguia entrar, não tinha ninguém pra
quem eu pudesse pedir ajuda, todas as pessoas que eu confiava estavam distantes.

Um dia cheguei no ápice do meu desespero e pedi para o Mikael fazer um ritual de cura para
mim, pesquisei e encontrei um ritual da linha do Santo Daime, o ritual Linha de Arrochim, é um
ritual para cura espiritual, nas orientações se pede que não toque na pessoa nem se ela perder
a consciência, e com muito medo fizemos esse ritual em casa. O primeiro ritual foi no dia
02/03/2017.

Vi muitos espíritos ruins sendo levados, era uma atuação conjunta da linha de Baianos da
Umbanda, com a linha dos Exus. Eu ficava repetindo a frase “libertem as almas”, senti que
haviam 7 almas me obsediando, e elas foram levadas pelo meu Exu, não sei que destino terão.
Eu caí no chão por duas vezes, e eu não conseguia falar muitas das vezes, tive muita
tremedeira e contorções no corpo. Minha cabocla Jurema me disse que eu precisava firmar
minha cabeça para que outros (obsessores) não tomassem conta dela. No final senti que eu
ressucitei, que fui resgatada, chorei muito, mas sabia que não tinha ainda acabado, eu teria
que fazer mais dois rituais como aquele nas semanas seguintes.

O próximo trabalho aconteceu em 09/03/2017, eu já sabia o que esperar, mas o medo maior
era de nunca mais voltar a ser uma pessoa “normal” (e de fato, eu nunca mais voltei...), sentia
como um abismo na minha psique, entendi que eu iria morrer, que alguém havia feito algum
tipo de trabalho intencionando a minha morte, eu ouvi que fui “encomendada”, e por isso
estava sentindo afinidade com a Santa Muerte, porque eu estava para morrer, por isso a
vontade de morrer, vi muitos Exus trabalhando por mim, em especial seu 7 Caveiras e também
a Rosa Caveira, também senti que trabalharam em parceria com os Pretos-Velhos . Eu vi que
quem pediu minha morte foi a minha sogra, vi que ela era uma pessoa má, mas que ninguém
sabia. Também auxiliaram o Tranca Ruas e o Zé Pelintra. Entendi que esses dois trabalhos são a
minha preparação e que só terminariam com a Consagração de Yemanjá na minha coroa, vi
nós dois, eu e Mikael entregando uma oferenda numa jangadinha de bambu no mar, para
concluir o trabalho. Yemanjá é energia de vida, de criação, e eu estava enfrentando a morte, a
inversão da vida, o campo de Omulu (negativo da Geração), por meio de Exu 7 Caveiras, seu
representante, estavam me esgotando no sentido da morte, para que eu pudesse assentar a
vibração de vida. Entre muitas coisas que aconteceram neste ritual, senti que essa consagração
de Yemanjá, uma força que me rege a nível terrestre, que é o elemento Água, não foi algo
porque era chegado o momento, ou porque era o meu destino, mas uma medida de
emergência para que eu não morresse.
E em 15/03/2017 fizemos o último trabalho, mas dessa vez com uma seleção de pontos de
Orixás e com a consagração de Yemanjá programada durante o trabalho e assim aconteceu.
Não tive muitos insights sobre o meu processo mais, foram mais entendimentos sobre a
Umbanda e a vibração de Yemanjá, mas me lembro de ter entendido que eu estava mesmo
sofrendo ataques e por isso acordava gritando, mas também estava com crises de ansiedade, e
essas crises ocorreram durante o trabalho também, então fiz a oferenda e finalizamos, fiquei
cerca de uma semana sob uma irradiação fortíssima de Yemanjá, como jamais havia sentido na
vida, mas acabou passando com o tempo.

Claro que depois disso eu ainda tive crises depressivas, eu ainda tive crises de ansiedade, mas
elas passaram a ser mais amenas e com uma frequência muito menor, e somente mais uma
vez eu acordei gritando nas semanas que se seguiram, e outra vez depois de mais de um ano,
então realmente algo foi tirado de mim.

Eu nunca estive tão próxima da morte, e no meu caso a morte não era por causas naturais, ou
simbólica, era um trabalho de magia negra, e eram 7 espíritos tentando fazer com que eu
tirasse a minha própria vida, e eu sobrevivi, e pude vê-los sendo levados e minha alma sendo
resgatada pelos meus próprios olhos espirituais, essa foi a minha “morte do Xamã”.

Depois disso ainda passei por muitas coisas, fui vítima de magia negativa mais vezes, e embora
estivesse mais fortalecida, convivo com a depressão diariamente, sinto que essa situação me
deixou uma marca na alma, algo que sempre me faz querer ir embora desse mundo vez ou
outra, sinto que essa é a cicatriz que carrego de uma batalha espiritual, de conhecer o mal do
mundo e das pessoas, mas ela me trouxe a capacidade de ir e voltar ao “mundo dos mortos”
ou ao “outro lado” e confrontar a escuridão, porque há um abismo escuro em mim e no
mundo, que conheço agora, e só porque ele existe é que posso me confrontar com o negativo,
porque aprendi a voltar, só mesmo conhecendo o caminho de volta é que se pode resgatar
alguém que foi “pego” pelas trevas, sejam elas internas ou externas.

Esse foi o momento mais difícil que passei em minha vida, e eu viria a ter crises de pânico
ainda em 2018, estou em recuperação delas, que já são bem mais escassas e amenas, mas
sinto que tudo isso são sequelas daquela fase, não credito todo o mal a mulher que desejou a
minha morte, mas tudo foi uma soma de fatores ambientais e psíquicos que prepararam
terreno para a minha iniciação desde o meu nascimento, a lua em que nasci, meus traumas de
infância, minha sensibilidade e as privações e humilhações que passei, é difícil de compreender
como a vida se encarrega de nos preparar para as grandes missões, mas eu só posso ser grata
por mais controverso que isso possa parecer, ainda estou em processo de purificação para que
o meu rito de passagem seja concluído, por isso ainda sinto tristeza, apatia, medo e
eventualmente vontade de morrer, é porque esse ciclo não terminou ainda de se fechar,
somente com a minha completa purificação e um rito de renascimento poderei enfim assumir
as minhas responsabilidades espirituais e assim encontrar o meu lugar de paz.

Para que nasça um Xamã, um doente precisa morrer.


Xamã, Fogo Interior, Eu Sou.

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