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O uso do genograma na psicoterapia psicanalítica de casal e família

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Maíra Bonafé Sei


Universidade Estadual de Londrina
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R. S. Franco & M. B. Sei 399

O uso do genograma na psicoterapia

psicanalítica familiar

The use of the genogram in family psychoanalytic psychotherapy

Ricardo da Silva Franco1 & Maíra Bonafé Sei


Universidade Estadual de Londrina, Londrina, Brasil

Resumo
Objetivou-se, por meio desta pesquisa, investigar o uso do genograma na psicoterapia psicanalítica
familiar, para compreensão do papel que esta técnica pode desempenhar no setting familiar. Trata -se
de uma pesquisa qualitativa que fez uso do material clínico advindo de sessões com f amílias realizadas
em uma clínica de psicologia de uma universidade pública. O material clínico coletado foi analisado
por meio do referencial psicanalítico e pôde-se compreender que o genograma pode contribuir para a
compreensão da dinâmica familiar, elucidando aspectos da transmissão psíquica geracionale, com
isso, também o desenvolvimento do processo terapêutico. Conclui-se que esta é uma técnica que
pode favorecer o desenvolvimento da psicoterapia psicanalítica familiar, especialmente quando
empregada de forma mais livre e espontânea, dando margem para o aparecimento de aspectos
inconscientes, mais difíceis de serem acessados de outra maneira.
Palavras-chave: Genograma, Psicanálise de Família, Serviço-escola de Psicologia.

Abstract
The objective by means of this research was to investigate the use of the genogram in family
psychoanalytic psychotherapy so as to understand the role that this technique can play in the family
setting. It is a qualitative research that made use of clinical material arising fr om encounters with
couples and families held in a psychological clinic at a public university. The clinical material collected
was analyzed through the psychoanalytic theory and it could be understood that the genogram can
contribute to the understanding of family dynamics, elucidating aspects of generational psychic
transmission and thus the development of the therapeutic process as well. The conclusion is that this
is a technique that may favor the development of family psychoanalytic psychotherapy especi ally
when used in a freeer and spontaneous way, giving rise to the appearance of unconscious aspects
which are more difficult to be accessed otherwise.
Keywords: Genogram, Family Psychoanalysis, Psychological University Clinic.

1 Contato: rs_franco@hotmail.com

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Com o aumento da complexidade, do interesse A produção gráfica da composição familiar ao


e das pesquisas na área da saúde da família na con- longo das gerações possibilita ao profissional visua-
temporaneidade, o genograma tornou-se uma im- lizar os aspectos genéticos, médicos, sociais, cultu-
portante ferramenta sistematizada utilizada por rais e emocionais de cada grupo. Pode-se, assim,
diversos profissionais da saúde e não mais somente solicitar a inserção de dados objetivos, tais como: o
pelos terapeutas familiares (Athayde & Gil, 2005; número de membros, nomes, idades, doenças ge-
Castoldi, Lopes & Prati, 2005; Correia & Martins, néticas, membros falecidos, datas de aniversário,
2009; Freitas, 2008; Kruger & Werlang, 2008; Ma- datas de casamento, divórcios etc (Athayde & Gil,
chado, Soprano, Machado, Lustosa, Lima & Mota, 2005; Castoldi et al., 2005; Correia & Martins,
2005; Mello, Viera, Simpionato, Biasoli-Alves & 2009; Machado et al., 2005; Mello et al., 2005; Mu-
Nascimento, 2005; Muniz & Eisenstein, 2009; Pa- niz & Eisenstein, 2009; Pavarini et al., 2008; Rebe-
varini, Luchesi, Fernandes, Mendiondo, Filizola, lo, 2007). Os membros da família são mapeados e
Barham & Oishi, 2008; Penso, Costa & Ribeiro, os tipos de vínculos entre eles, bem como as carac-
2008; Rebelo, 2007; Tannús, Ramos, Santos, Car- terísticas individuais, são descritas no desenho.
neiro, Paiva & Tannus, 2011; Waters, Watson & Além disso, podem ser inseridos dados de ordem
Wetzel, 1994; Wendt & Crepaldi, 2007). Esta estra- mais subjetiva como: crenças, regras, valores, mi-
tégia auxilia-os a entender a estrutura e a dinâmica tos, traços de personalidade de cada membro, papel
de funcionamento de seus pacientes (McGoldrick de cada integrante na dinâmica da família entre
& Gerson, 1985/2000; Revilla, 2006), seja no aten- outras informações (McGoldrick & Gerson,
dimento individual ou em grupo, como, por exem- 1985/2000; McGoldrick et al., 2008; Penso et al.,
plo, no caso das terapias familiares. 2008; Revilla, 2006; Vitale, 2012; Waters et al.,
A técnica consiste na representação gráfica do 1994; Wendt & Crepaldi, 2007).
grupo familiar no decorrer de várias gerações (Cer- Além de tais informações registradas de forma
veny & Dietrich, 2008; McGoldrick, Gerson & concreta, o profissional pode obter ainda dados
Petry, 2008). Pode-se considerar o genograma co- comportamentais dos pacientes a partir da sua
mo uma espécie de árvore genealógica da família. É observação direta durante a confecção do geno-
empregado para a coleta e o registro de dados tanto grama. Se o paciente ou a família se irrita ao falar
objetivos quanto subjetivos da estrutura, da dinâ- sobre algum determinado membro, como o grupo
mica e do histórico familiar. Neste sentido, se relaciona enquanto produz o desenho, quais
McGoldrick e Gerson (1985, p. 17) conceituam o assuntos são tocados, quais materiais são disponibi-
genograma como “un formato para dibujar um lizados e escolhidos para o uso, dentre outros as-
árbol familiar que registra información sobre los pectos. Entende-se, assim, que estes dados podem
miembros de uma família y sus relaciones durante enriquecer e contribuir para a análise da pessoa ou
por lo menos três generaciones”. Para estes auto- família.
res, o genograma favorece uma apreensão das Trata-se de um instrumento norteador para a
normas familiares e a construção de hipóteses so- elaboração de possíveis hipóteses acerca da estrutu-
bre a influência da família na problemática apresen- ra e do funcionamento familiar, delineando de
tada e as mudanças desta ao longo do tempo. maneira mais esclarecedora a queixa trazida ou o

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problema em questão. Baseando-se nessa melhor Guerin (Penso et al., 2008). Ulterior, teóricos como
compreensão do grupo familiar, pode-se, então, Eileen, Pendegast, McGoldrick e Gerson contribuí-
pensar em intervenções apropriadas. Deve-se des- ram para que o genograma tivesse cada vez mais
tacar a possibilidade dos próprios pacientes, com o um rigor científico (Penso et al., 2008; Wendt &
uso do genograma, visualizarem, identificarem e Crepaldi, 2007).
refletirem sobre os pontos positivos e as dificulda- Como um instrumento sistematizado e científi-
des que permeiam a si mesmos e ao grupo co, o genograma possui determinadas regras para
(McGoldrick & Gerson, 1985/2000; McGoldrick ser construído. Todavia, embora existam determi-
et al., 2008; Wednt & Crepaldi, 2007). nadas regras para a sua elaboração, elas podem ser
Outro ponto interessante destacado refere-se à adaptadas de acordo com o contexto. Por exemplo,
questão das gerações. O uso do genograma baseia- em um consultório médico o genograma tenderá a
se na ideia da história familiar extrapolar a família ser executado de maneira mais objetiva não abrin-
nuclear, isto é, determinados padrões familiares do tanta possibilidade para os dados subjetivos. Já
podem estar presentes e repetindo-se há mais de dentro de um ambiente psicoterápico, como o caso
uma geração, sejam eles positivos ou negativos deste trabalho, os pacientes puderam dispor de um
(Penso et al., 2008; Vitale, 2012). espaço mais livre e criativo para a confecção de
Machado et al. (2005) argumentam que este re- seus genogramas.
curso possibilita apreender a repetição de relações Diante deste panorama, objetiva-se, então,
no seio da família, bem como de patologias, sendo apresentar e discutir o uso do genograma enquanto
relevante no campo de “doenças com traço familiar uma ferramenta auxiliadora na psicoterapia psica-
ou hereditário, aquelas influenciadas por fatores nalítica familiar a partir do recorte e da análise de
psicossociais e/ou socioambientais” (p. 150). Isso dois casos clínicos. O diferencial deste trabalho
permite uma visão mais nítida aos profissionais de pauta-se na aplicação do genograma com as famí-
saúde e aos familiares acerca dos padrões repetidos lias atendidas, haja vista que o foco dado à aplica-
ao longo das gerações. ção do mesmo centrou-se mais no aspecto projeti-
O genograma passou a ser um instrumento al- vo dele do que nas questões técnicas da aplicação
tamente sistematizado capaz de organizar os dados valorizadas pelos demais profissionais das áreas de
coletados e registrados da família durante o proces- Saúde. Em relação à psicanálise o trabalho funda-
so de avaliação nas diversas áreas da saúde menta-se, mais especificamente, nos aportes teóri-
(McGoldrick & Gerson, 1985/2000; Rebelo, 2007; cos da psicanálise de família, que dá grande impor-
Revilla, 2006; Waters et al., 1994), com uso inicial tância para o fenômeno da transmissão psíquica
por médicos de família, para registro e acompa- geracional, discutido por René Kaës (Trachtenberg
nhamento do histórico médico das famílias em & Chem, 2013).
atendimento de maneira eficaz e confiável
(McGoldrick et al., 2008; Wendt & Crepaldi, 2007). Transmissão psíquica geracional e a psicoterapia psicanalíti-
Foi denominado num primeiro momento de ca familiar
“diagrama familiar”, tendo sido posteriormente Configura-se como uma árdua tarefa encontrar
chamado de “genograma”, em 1972, por Philip uma definição universal para o conceito de família,

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pois esta tem sofrido constantes e profundas modi- Kaës (1998, p. 9), “aquilo que não se retém, aquilo
ficações ao longo do tempo, especialmente nas de que não se lembra: a falta, a doença, a vergonha,
últimas décadas. Zimerman (2004, p. 375) argu- o recalcamento, os objetos perdidos, e ainda enlu-
menta que “a tradicional família nuclear, constituí- tados”. Esse mecanismo de transmissão recebe o
da por pais, filhos, avós, tem cedido um considerá- nome de transmissão psíquica transgeracional
vel espaço a outras composições distintas e atípi- (Henriques & Gomes, 2005).
cas” como, por exemplo, a união de casais homos- Observa-se, desse modo, que a transmissão psí-
sexuais. quica transgeracional refere-se aos aspectos trau-
Pode-se, assim, entender família como um gru- máticos, patológicos e sintomáticos transmitidos
po influenciado pela transmissão psíquica geracio- (Lawallet al., 2012; Trachtenberg et al., 2013). Nas
nal, com a construção da subjetividade de cada palavras de Garcia, Pires e Penna (2010, p. 69) “a
indivíduo acontecendo no espaço familiar e social transgeracionalidade é uma forma de transmissão
(Correa, 2003). O inconsciente de cada sujeito leva transpsíquica e envolve aspectos negativados, não
consigo a marca de outros inconscientes que estão representados na mente dos pais, que são transmi-
presentes e configuram seu contexto (Gomes & tidos ao psiquismo dos filhos em estado bruto, não
Zanetti, 2009; Granjon, 2001). Magalhães e Féres- elaborado”. Como um conteúdo não simbolizado e
Carneiro (2004, p. 244) argumentam que o “sujeito elaborado, em estado de suspensão, ele é transmiti-
não é auto-engendrado, e o trabalho psíquico de do para as gerações seguintes em que é feita, entre
constituição da subjetividade implica a metaboliza- os membros familiares, uma aliança inconsciente,
ção da herança no confronto com o outro que um pacto denegativo. Sobre esse pacto, Trachten-
transmite”. berg e Chem (2013, p. 26) indicam que este se or-
Tem-se a hipótese central de ser o material da ganiza como uma aliança inconsciente expressando
vida psíquica algo passível de transmissão entre e o negativo “no âmbito da intersubjetividade e se
intergerações de uma família (Correa, 2003). Toda- caracteriza por oferecer a cada sujeito do conjunto
via, o que seria esse material que vem do outro ao aquilo que tem como destino a repressão, a dene-
qual o sujeito se submete, seja para seu benefício gação, a recusa, a rejeição ou o enquistamento no
ou para sua própria ruína? Transmitem-se, de um espaço interno de um sujeito ou de vários sujeitos”.
espaço psíquico a outro, essencialmente, afetos, Pode-se dizer que o pacto denegativo está presente
representações, fantasias, valores, mitos, crenças naquilo que origina e fundamenta tanto os grupos,
etc (Lawall, Trivellato, Shikasho, Filgueiras, Silva & como a família, quanto o sujeito singular.
Almeida, 2012; Trachtenberg, Kopittke, Pereira, No entanto, não se transmite somente o negati-
Chem & Mello, 2013). vo, mas também aspectos positivos passíveis de
Segundo alguns autores, seria preferencialmente elaboração. Segundo Kaës (2001) é herança psíqui-
transmitido entre as gerações aquilo que é denomi- ca além dos conteúdos negativos “aquilo que am-
nado como conteúdos negativos (Trachtenberg et para e assegura as continuidades narcísicas, a ma-
al., 2013), ou seja, materiais brutos não simboliza- nutenção dos vínculos intersubjetivos, a conserva-
dos, elaborados e digeridos, sem a possibilidade de ção e complexidade das formas e da vida: ideias,
metabolização e integração de seus conteúdos. Para mecanismos de defesa, identificações, certezas,

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dúvidas” (p. 9). Esse mecanismo de transmissão deriam fugir da censura com maior facilidade
recebe o nome de transmissão psíquica intergeraci- (Naumburg, 1991). No campo da psicoterapia
onal (Gomes & Zanetti, 2009). familiar psicanalítica, observa-se que os recursos
Ao se refletir sobre a prática da psicoterapia artístico-expressivos possibilitam uma via de co-
familiar psicanalítica, que aponta para a influência municação e expressão além das palavras (Sei,
da transmissão psíquica geracional no estabeleci- 2011), que coloca crianças, adolescentes, adultos e
mento das relações entre os familiares, entende-se idosos em um mesmo nível, haja vista as diferenças
que o terapeuta deve estar preparado, então, para cognitivas existentes entre os familiares (Manicom
considerar a história, acontecimentos, laços de no & Boronska, 2003). Além disso, as produções são
mínimo três gerações. Segundo Zimerman (2004, materiais concretos passíveis de análises posteriores
p. 375), “é fácil imaginar o intenso jogo de identifi- (Liebmann, 2000).
cações projetivas cruzadas, que se processam entre Quanto ao uso dos recursos artístico-
os membros da família, com as respectivas atribui- expressivos, McMurray e Schwartz-Mirman (1998)
ções de lugares a serem ocupados, papéis a serem defendem que eles podem ser utilizados por meio
executados e expectativas a serem cumpridas”. de atividades estruturadas, nas quais o sujeito faz
Nesse sentido, o funcionamento familiar tem de uso dos materiais a partir de uma atividade mais
ser observado e analisado como um sistema intera- dirigida e guiada pelas instruções do terapeuta.
cional e não, simplesmente, como um modelo me- Argumentam que uma segunda forma de atuação
cânico de papéis não conectados (Riley, 1998). baseia-se em um processo criativo mais livre e
Percebe-se uma complexa rede de relações em que espontâneo, haja vista que a fonte de inspiração da
o sofrimento trazido à sessão refere-se ao grupo pessoa seria seu próprio mundo interno, similar ao
em sua totalidade e não apenas a um indivíduo, processo de associação livre da técnica psicanalíti-
pois todos possuem papéis influenciadores e inter- ca.
ligados (Ramos, 2006). Nesta pesquisa compreendeu-se o uso do geno-
Nota-se, assim, quão complexa a psicoterapia grama enquanto um recurso artístico-expressivo,
familiar pode ser. Exige do terapeuta uma maior com uma proposta de atividade mais estruturada
sensibilidade para compreender a família como um no setting terapêutico familiar (McMurray &
todo e certo manejo para lidar com todos presentes Schwartz-Mirman, 1998). Foram disponibilizados
numa mesma sessão. Neste sentido, entende-se que nas sessões com as famílias vários materiais (lápis
o uso de recursos artístico-expressivos pode se de cor, tinta, jornais, revistas, colas, tesouras, papel
apresentar como uma atividade pertinente para o sulfite, cartolinas, giz de cera etc.) para a confecção
processo terapêutico familiar, tendo em vista a do genograma e elas tiveram maior liberdade para
complexidade da psicoterapia psicanalítica familiar. construírem seus genogramas.
Compreende-se que os recursos artístico- São passadas instruções gerais quanto à organi-
expressivos podem colaborar para a expressão de zação das informações, contudo sem uma intensa
aspectos inconscientes, dado que o inconsciente atenção às regras de composição do genograma.
manifesta-se mais pela via de imagens e, assim, por Com isso, acaba-se por concebê-lo mais como uma
meio das atividades expressivas, os conteúdos po- técnica projetiva, expressiva, por meio da qual a

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família pode trazer os lapsos nas representações Participantes


dos vínculos, os pequenos erros na configuração Participaram deste estudo duas famílias atendi-
do genograma, que acabam por registrar no papel das em psicoterapia psicanalítica realizada em um
aspectos inconscientes relativos aos vínculos e serviço-escola de Psicologia de uma universidade
histórias das famílias atendidas. Ao se considerar, pública do interior paranaense. Os atendimentos
então, o genograma como uma produção artístico- compunham um projeto de extensão de psicotera-
expressiva do grupo familiar, este teria a capacida- pia psicanalítica familiar e esta investigação insere-
de, no setting analítico, de funcionar como um obje- se em um projeto de pesquisa que visa investigar a
to mediador e mobilizador dos processos psíquicos psicoterapia psicanalítica realizada no contexto do
que viabiliza um acesso ao material recalcado e serviço-escola de Psicologia. Com isso, todas as
fomenta um processo elaborativo por parte dos famílias em atendimento são previamente convida-
indivíduos (Zanetti, 2013). das a participar desta pesquisa com apresentação
dos objetivos do estudo e assinatura do Termo de
Método Consentimento Livre e Esclarecido. Ressalta-se que
Trata-se de um estudo teórico-clínico baseado este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em
na apresentação de recortes de caso clínico de psi- Pesquisa da universidade na qual estes projetos são
coterapia psicanalítica familiar e, assim, o método desenvolvidos e as famílias participantes assinaram
qualitativo se mostra apropriado (Turato, 2005). o TCLE, tendo sido realizado o esclarecimento
Tal tipo de estudo busca investigar aspectos como acerca dos riscos e benefícios da participação na
os significados, simbolizações, representações do pesquisa e a garantia do direito de retirada do con-
indivíduo em estudo (Bassora & Campos, 2010). sentimento a qualquer momento.
Sobre a pesquisa qualitativa na psicologia clíni-
ca, Pinto (2004, p. 74) argumenta tratar-se de um Procedimentos
procedimento construtivo-interpretativo e acres- Dentre as famílias atendidas em psicoterapia
centa que está “é sempre uma pesquisa-ação, pois psicanalítica familiar em um serviço-escola de Psi-
conforme a ação vai sendo construída, ela é tam- cologia, foram selecionados dois casos nos quais o
bém investigada e interpretada e, com isso, o pró- genograma tivesse sido aplicado. Ressalta-se, con-
prio processo vai sendo modificado”. forme Turato (2005) que a escolha da amostra no
Quanto ao emprego da pesquisa qualitativa na caso da pesquisa qualitativa é intencional, com
modalidade de atendimento clínico familiar, Wen- busca proposital de pessoas que vivencial a questão
dtet al. (2007, p. 303) argumentam que ao estudar que está sendo pesquisada, com a seleção destas
“pequenas amostras, os estudos qualitativos privi- duas famílias tendo sido efetuada após a realização
legiam as regularidades, mas se preocupam com as dos atendimentos.
singularidades nas análises de cada grupo familiar Quanto ao genograma proposto nos atendi-
em especial”. mentos, ele delineia-se como uma atividade pro-
posta de maneira mais livre e projetiva, caracteri-
zando-se mais como um recurso artístico-
expressivo do que como um instrumento estrutu-

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rado de coleta de dados. Assim, são expostas ape- Além disso, tornou mais evidente as repetições que
nas informações sobre a representação habitual de permeiam as gerações.
homem (□) e mulher (○), da ligação de casamento As próprias famílias foram as responsáveis por
(―), filiação (│) e fraternidade (┌─┐), sem esclare- desenhar seus genogramas e quando este se apre-
cimento de como se representa divórcio, adoção, sentava muito confuso, solicitava-se que estas refi-
morte, doenças, dentre outras informações perti- zessem os desenhos, apontando para determinados
nentes sobre o vínculo e histórico da família. aspectos observados nas primeiras representações.
Entende-se que desta forma os aspectos in- Entende-se que, com isso, tem-se uma primeira
conscientes podem se evidenciar, trazendo infor- elaboração de questões vivenciadas pelas famílias
mações mais amplas sobre histórico e dinâmica da que as podem visualizar, concretamente (Lieb-
família. Além de um maior conhecimento sobre o mann, 2000), e transformá-las pela via imagética,
grupo familiar, compreende-se que o genograma contribuindo para este processo elaborativo (Zan-
pode exercer um papel elaborativo para a família etti, 2013).
(Zanetti, 2013), aspectos que justificam sua inser- De maneira a ilustrar tal argumentação, são
ção do atendimento destes indivíduos. apresentados dois casos de famílias atendidas em
Por se tratar de um estudo teórico-clínico, bus- psicoterapia psicanalítica familiar, junto às quais o
cou-se relacionar, na análise dos dados, a literatura genograma foi aplicado.
referente ao uso dos recursos artístico-expressivos
na psicoterapia psicanalítica (Naumburg, 1991; Sei, Caso 1
2011) e à psicanálise de família (Gomes & Zanetti, A família nuclear era composta por: Ana, de 33
2009; Granjon, 2001; Ramos, 2006) aos dados anos, casada com Felipe, de 31 anos, pais de Felipe
coletados, a saber relatos das sessões familiares e Rafael, de 5 anos. Em atendimento apenas mãe e
imagens dos genogramas desenhados pelas famí- filho compareciam. Ana procurou o atendimento
lias. por consequência de o marido ser usuário de crack.
Tiveram inúmeras separações e voltas ao longo do
Resultados e Discussão casamento. Felipe fugiu de casa, novamente, no
Almejou-se, com este trabalho, compreender o mesmo dia que começariam a terapia familiar.
papel desempenhado pelo genograma na psicote- O filho do casal vinha apresentando um históri-
rapia psicanalítica de casal e família. Por meio do co de comportamentos agressivos na escola. A mãe
material clínico advindo dos atendimentos, obser- temia que ele pudesse começar a fazer as mesmas
vou-se que o genograma que potencializou a com- escolhas erradas do pai. Havia também agressões
preensão acerca da dinâmica familiar. Por meio físicas entre o casal. Em certo episódio a mãe de
deste recurso, que se mostrou como um recurso Ana sentiu o desejo de matar seu genro com vene-
artístico-expressivos, foi possível acessar conteúdos no, porém Ana interviu expulsando-o de casa. Ana
inconscientes, expressos, por exemplo, nos lapsos mora com o filho junto da mãe, avó de Felipe Ra-
na confecção do genograma ou questionamento fael.
sobre o posicionamento de membros da família. Felipe levava o filho para contextos extrema-
mente inapropriados para o garoto. Em uma destas

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O uso do genograma na psicoterapia psicanalítica familiar 406

circunstâncias, levou-o para uma casa utilizada para de um irmão em outra cidade e estava morando na
o consumo de drogas, algo exposto pela primeira garagem deste. Mantinha minimamente um contato
vez no processo terapêutico, ao se solicitar que com o filho, ligando para ele, por exemplo, em seu
cada um fizesse uma linha da vida. aniversário.
Posteriormente, com o andamento das sessões,
descobriu-se que Felipe acabou fugindo para a casa

Figura 1: Genograma 1 – Caso 1

Dois genogramas foram construídos ao todo, Mello et al., 2005; McGoldrick et al., 2008; Penso
cada um em uma sessão diferente. O primeiro foi et al., 2008; Waters et al., 1994; Wendt & Crepaldi,
confeccionado pela família de modo mais livre e 2007), pode-se observar neste genograma os se-
espontâneo a partir de instruções gerais, permitin- guintes dados objetivos: o nome de cada membro;
do e facilitando o contato com o material recalcado um número mais aproximado do total de mem-
(McMurray & Schwartz-Mirman, 1998; Naumburg, bros; as uniões; os divórcios e as mortes. Foram
1991; Sei, 2011; Zanetti, 2013). Mãe e filho tiveram expostas informações importantes sobre a compo-
a sua disposição vários tipos de materiais como sição do grupo familiar ao longo das gerações.
lápis de cor, giz de cera, canetas, revistas, cola entre Em relação aos dados subjetivos, esses trazem
outros. Ana teve de montar sozinha ambos os aspectos interessantes a respeito da estrutura e da
genogramas, enquanto o filho desenhava outras dinâmica de funcionamento do grupo familiar
coisas. O material escolhido por ela foi o lápis gra- (McGoldrick & Gerson, 1985/2000; McGoldricket
fite comum, sem a presença de qualquer outra cor al., 2008; Penso et al., 2008; Revilla, 2006; Vitale,
que não o cinza. 2012; Waters et al., 1994; Wendt & Crepaldi, 2007).
Sendo um instrumento empregado para a coleta No genograma, a família de Ana está representada
e o registro de dados referentes à estrutura, à di- de maneira mais organizada e compreensível em
nâmica e à história familiar (Machado et al., 2005;

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comparação com a de seu marido. Já a família dele Além disso, pode-se observar os desenhos feitos
aparece de forma confusa e aglomerada. por Felipe Rafael ao lado do genograma em si. Ele
A subjetividade de cada sujeito é construída no traz a importância que o genitor ocupa em sua vida
espaço familiar e social, pois o inconsciente de cada por meio da representação de determinados even-
um leva a marca dos outros inconscientes presentes tos com o pai nos quais a presença da mãe está
em seu contexto (Gomes & Zanetti, 2009; Gran- ausente. Segundo Garcia et al. (2010), a transgera-
jon, 2001). Tal consideração é pertinente para se cionalidade diz respeito à transmissão psíquica dos
refletir sobre a informação dada por Ana acerca de aspectos negativos, não representados na mente
sua mãe e a família, apresentadas como pessoas dos pais e que são transmitidos ao psiquismo dos
frias, reservadas e seguidoras de regras. Já os fami- filhos em estado bruto. O pai, que foi abusado em
liares por parte de seu pai são descritos como ale- sua infância, não abusa do filho, mas o expõe a
gres e festivos. A mãe de Ana buscou em seu ex- mesma história que ele esteve exposto levando-o
marido justamente o seu oposto, assim como ela para lugares perigosos de uso de drogas. Felipe
em Felipe, repetindo, de certa forma, a escolha da recebeu o mesmo nome do pai, desse modo, pode-
mãe. se levantar a questão: fará ele a aliança inconsciente
Observa-se uma estranha ligação entre os pais e com o pai aceitando tal herança e reeditando a
avós de Felipe que sugere um incesto dentro da história da família?
família. A mãe de Felipe, Telma, pode ser conside- Outro dado interessante presente são os cora-
rada irmã de seu marido, João, pois quando a mãe ções que Ana atribuiu aos parentes pelos quais têm
da Telma veio a falecer, a mãe do João adotou mais carinho como, por exemplo, seu cunhado a
Telma. Os dois começaram um relacionamento quem considera como um irmão.
com 15 anos e posteriormente se casaram. Há uma
linha que une todos os avós de Felipe, como se
seus pais fossem irmãos.
Felipe Rafael no genograma parece estar afasta-
do de todos, como se de fato não tivesse amigos.

Figura 2: Genograma 2 – Caso 1

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O segundo genograma realizado pela mãe este- como casal no desenho, não há o símbolo de sepa-
ve pautado mais na primeira forma de atuação da ração na linha que os liga mesmo ele morando na
prática arterapêutica mencionada por McMurray e casa de seu irmão, em uma cidade distante daquela
Schwartz-Mirman (1998), ou seja, configurou-se na qual Ana habita.
como uma atividade mais estruturada, com orienta- Por fim, o material utilizado por Ana é nova-
ções mais diretivas por parte da terapeuta respon- mente o lápis grafite sem a presença de nenhuma
sável pelo caso na tentativa de melhor organizar as cor e os membros da família de seu pai não apare-
informações registradas na primeira versão do cem, eles que são descritos como alegres e festivos.
genograma. Os dados objetivos presentes são pra- Nesse sentido, pode-se levantar a questão: a parte
ticamente os mesmos do desenho anterior com o feliz deve permanecer oculta? A sessão é o lugar de
acréscimo de dois itens importantes: (1) a legenda trazer somente as coisas ruins? Parece que só há
contendo os símbolos para alcoolistas, dependente espaço para as histórias confusas, tristes ou de
de drogas, deficiente físico e mortes e (2) aparece a superação.
informação sobre algum abuso na infância vincula-
do ao Felipe. Caso 2
Tendo em vista que a família não pode ser en- A família era composta por: Beatriz, de 41 anos,
tendida como um modelo mecânico de papéis casada com Caio, de 41 anos também, pais de Ali-
separados, mas como uma complexa rede de rela- ne, 11 anos, e Pedro, 8 anos. Beatriz tinha um ter-
ções (Ramos, 2006; Riley, 1998), o sofrimento tra- ceiro filho mais velho, Roberto, de 20 anos, fruto
zido e vivenciado na sessão, na verdade, refere-se de seu primeiro casamento. Entretanto, o jovem
ao grupo em sua totalidade e não apenas a um não morava com eles, já era casado e possui uma
indivíduo (Magalhães & Féres-Carneiro, 2004; filha. No atendimento somente mãe e filha compa-
Ramos, 2006). Baseado nesses novos dados sobre reciam, com Pedro tendo participado das sessões
os alcoolistas e os dependentes de drogas, torna-se iniciais.
evidente que a história familiar extrapola a família Beatriz buscou pelo atendimento por indicação
nuclear (Gomes & Zanetti, 2009; McGoldrick et do Hospital Universitário da cidade. Sua filha era
al., 2008; Penso et al., 2008; Ramos, 2006), visto diagnosticada com TDAH e Transtorno de Perso-
que a história trazida como queixa se repete tanto nalidade, porém ela não soube especificar qual
na família de Ana quanto na de Felipe. O irmão de transtorno de personalidade. O pai estava preso
Ana era alcoolista, assim como seu cunhado era por ter abusado da filha. Embora a mãe tenha feito
alcoolista e viciado em drogas, porém ambos con- a denúncia, ela tinha dúvidas sobre a veracidade
seguiram vencer seus vícios. dos fatos, pois encontrava-se em uma posição am-
A relação incestuosa mais uma vez está presente bivalente entre amor e ódio em relação a esse par-
por meio das setas que unem os avós de Felipe no ceiro. Por vezes acreditava que a menina pudesse
topo do genograma. Felipe outra vez aparece meio ter inventado a história, haja vista que lidar com
isolado. Ana e Felipe ainda permanecem unidos tais fatos deveria ser uma tarefa extremamente

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árdua. Ela visitava o marido com regularidade na apresentado. Beatriz conta que sempre havia sido
prisão e os dois faziam planos para quando ele agredida pelo pai desde quando sua mãe estava
saísse de lá. grávida.
Aline apresentava comportamentos agressivos
na escola, assim como sua mãe também os havia

Figura 3: Genograma 1 – Caso 2

Aline verbalizou que a sua família, a família nu- longo das gerações, um número mais próximo da
clear, formaria a base para toda a árvore genealógi- quantidade total de membros, um número mais
ca, contudo, a imagem produzida assemelhou-se a próximo da quantidade total de membros de cada
um labirinto sem saída. Um mergulho numa com- sexo, as doenças presentes na história familiar
plexa rede de relações marcadas por histórias e (HIV e esquizofrenia), a identificação dos mem-
acontecimentos difíceis, sendo tudo registrado pela bros de drogas (álcool, cigarro etc.) do grupo fami-
cor cinza do grafite. As demais cores apareceram liar, quais membros do sexo feminino estavam
nas margens. Pode-se questionar: as cores estão grávidas e a informação do marido de Beatriz que
fora do genograma, assim como as coisas boas? estava preso.
Enquanto uma ferramenta sistematizada, con- Nota-se, novamente, que a história da família
tém dados objetivos importantes (McGoldrick et extrapola a da história da família nuclear (Gomes &
al., 2008; Wendt & Crepaldi, 2007). Neste geno- Zanetti, 2009; Paiva, 2009; Penso et al., 2008), pois
grama, são observados os seguintes aspectos: gran- muitos casos de alcoolistas e usuários de drogas
de parte dos nomes de cada integrante familiar ao aparecem e repetem-se nos dois lados da família.

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O uso do genograma na psicoterapia psicanalítica familiar 410

Nesse mesmo sentido, a influência da transmissão com drogas e contraiu HIV, vindo a falecer. Aline,
psíquica na formação do inconsciente (Gomes & de maneira semelhante, teve de fazer o mesmo que
Zanetti, 2009; Kaës, 1998; Kaës, 2011; Paiva, 2009; o seu tio, prendendo o pai. As esposas não conse-
Trachtenberg et al., 2013) pode ser vista na identi- guem colocar um limite em seus parceiros e são os
ficação de Beatriz com a sua mãe na escolha de um filhos que acabam tendo de fazê-lo. Beatriz tam-
parceiro. As histórias se repetem, assim, o pai de bém não elaborou toda essa violência, transmitin-
Beatriz a agredia desde quando ainda estava na do-a para a filha que reedita sua história.
barriga da sua mãe, pois ele queria que a esposa a Há um processo de negação, pois Beatriz nega
abortasse. Beatriz escolheu um parceiro que, assim ter escolhido um sujeito violento. O ego na tentati-
como seu pai, agredia a filha. Caio abusou de Aline va de se proteger contra ideias ou afetos dolorosos,
em um ato de pedofilia. não passíveis de elaboração, utiliza-se dos meca-
Conforme alguns autores defendem, transmite- nismos de defesa, dentre eles tem-se a negação.
se preferencialmente entre as gerações os chama- Dessa maneira, Beatriz nega os aspectos negativos
dos conteúdos negativos, materiais brutos difíceis do marido, por vezes duvidando da própria filha
de elaboração (Gomes & Zanetti, 2009; Kaës, dizendo que pode ter sido uma invenção da meni-
1998; Paiva, 2009; Trachtenberg et al., 2013). Essa na, assim como sua mãe negava os de seu pai. To-
identificação mencionada entre mãe e filha sobre a davia, a própria Aline também se encontra dividida
escolha de um parceiro relaciona-se com a trans- entre encarar e negar as atitudes do pai.
missão psíquica transgeracional, isto é, refere-se a Interessante, desse modo, dizer que a legenda
um aspecto traumático, patológico e sintomático “preso” somente foi colocada após a terapeuta
não simbolizado transmitido de uma geração à questioná-los se mais alguém fora ele havia sido
outra (Gomes & Zanetti, 2009; Henriques & Go- preso. Neste momento colocam a grade no lugar
mes, 2005; Lawallet al., 2012; Trachtenberg et al., que representa Caio, mas ainda assim somente
2013). O negativo no caso desta família pode ser a metade do quadrado foi marcado com a grade,
violência, as situações abusivas. visto que metade da pena já foi paga. Nas palavras
Em certo episódio, Paulo, pai de Beatriz, agre- de Aline, ela já perdoou o pai. Agora falta a lei
diu tanto sua esposa que quando os filhos chega- perdoá-lo.
ram em casa pensaram que sua mãe estava morta. Neste genograma o filho mais velho de Beatriz
Alberto, irmão de Beatriz, irado e para proteger aparece como fruto da sua atual união, porém no
seus irmãos e suas irmãs pegou um machado e segundo desenho descobre-se que ela esteve em
matou o pai com cem machadadas. Permaneceu um casamento anterior à união com Caio. Sobre
preso durante um mês e depois foi absolvido das uniões, observa-se não haver nenhuma separação
acusações, porém Alberto acabou se envolvendo registrada.

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Figura 4: Genograma 2 – Caso 2

Este genograma trata de uma evidente tentativa Compreende-se, além disso, que a inserção, na
de organização dos dados familiares com o auxílio psicoterapia psicanalítica familiar, do genograma
da terapeuta. Todavia, ainda assim não tenham realizado de forma mais projetiva, funcionando
conseguido desenvolver o genograma. Compreen- como um recurso artístico-expressivo, possibilitou
de-se que talvez, eles ainda não estivessem prontos uma maior acessibilidade ao material recalcado do
para desenrolarem todas as histórias da família, grupo (Sei, 2011; Zanetti, 2013), especialmente no
como, por exemplo, o fato de Caio também usar que se refere aos aspectos negativos da transmissão
drogas, ou seja, ainda não estavam preparados para psíquica transgeracional. A dificuldade de separa-
se aventurarem pelos caminhos desconhecidos do ção de ambas as esposas diante de relacionamentos
labirinto inicialmente representado. Pode-se visua- conjugais insatisfatórios, histórias pregressas de
lizar o primeiro casamento de Beatriz com José e a violência, símbolos acrescentados ilustram concre-
primeira separação registrada tanto neste quanto no tamente aspectos que talvez não aparecessem no
genograma anterior. discurso destas famílias.
Entende-se, ademais, que a solicitação, em ses-
Considerações finais são, de um segundo genograma pode fomentar o
Considera-se, por meio da investigação realiza- papel que esta técnica tem na promoção de uma
da, que o genograma se mostrou uma importante elaboração sobre questões trabalhadas no atendi-
ferramenta norteadora para os terapeutas familia- mento. Observa-se, assim, que mudanças na repre-
res. Colaborou para a formulação de possíveis sentação da família podem ser executadas após a
hipóteses acerca da estrutura e do funcionamento percepção dos lapsos e dificuldades presentes no
familiar nos dois casos analisados, delineando de primeiro genograma. Estes “erros”, esquecimentos,
maneira mais esclarecedora a queixa trazida ou o impasses podem ser vistos e trabalhados verbal-
problema em questão. mente, gerando a conscientização acerca de aspec-
tos até então inconscientes.

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O uso do genograma na psicoterapia psicanalítica familiar 412

Como pôde ser percebido por meio deste traba- de


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