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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE PSICOLOGIA

ENTRE O MAPA E O TERRITÓRIO: PERSPETIVAS DE


PSICÓLOGOS EM MOÇAMBIQUE SOBRE EXPERIÊNCIAS
ADVERSAS NA INFÂNCIA

Marta Gomes da Silva Ferreira da Trindade

MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA


Área de Especialização em Psicologia Clínica e da Saúde – Psicologia Clínica Sistémica

2021
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE PSICOLOGIA

ENTRE O MAPA E O TERRITÓRIO: PERSPETIVAS DE


PSICÓLOGOS EM MOÇAMBIQUE SOBRE EXPERIÊNCIAS
ADVERSAS NA INFÂNCIA

Marta Gomes da Silva Ferreira da Trindade


Dissertação orientada pela Professora Doutora Luana Cunha Ferreira

MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA


Área de Especialização em Psicologia Clínica e da Saúde – Psicologia Clínica Sistémica

2021
i

Agradecimentos

À professora Luana, cujo encorajamento, rigor e confiança trouxeram luz às dificuldades


deste caminho, e de quem o exemplo é sempre inspiração. Muito obrigada!

Às professoras de Sistémica, que durante estes dois anos me mostraram que havia um lugar
de Ciência (e de Humanidade) à minha medida.

À Dra. Ilka e ao Dr. Cremildo, que se disponibilizaram generosamente para me dar a


conhecer (um bocadinho mais de) Moçambique, a 12 000km de distância. À Joaninha, ao tio
Tito e à Minoca, que contribuíram também para me aproximar desta cultura diferente.

Ao Dr. Domingos Bié, pela sua investigação e recolha dos dados deste estudo, e aos
participantes cujas experiências foram os alicerces deste trabalho.

À equipa do ComParte, que durante este ano foi Casa!

À Susana, que fez tanto parte deste tempo e trouxe novos olhares ao meu mundo interior.

Aos meus Pais e ao Tomás, que “fazem parte da mobília”, dos momentos de frustração e de
entusiasmo deste processo e que abdicaram da mesa de jantar durante vários meses de
trabalho. Em especial, à minha mãe, que se dedicou por mais do que uma vez a ler e rever
esta tese, contribuindo para a sua qualidade.

Aos meus avós, tias-avós, tios e primos, que retratam a Família como lugar de alegria e
descanso e, de forma especial, à Leonor e à Ana, pela cumplicidade e apoio.

À Rita, à Joana e ao João, por toda a atenção, paciência e incentivo; a este espaço de
alegria, acolhimento e família emprestada onde me sinto tão bem.

À Sara e ao Francisco, pelo trabalho de equipa e por serem espelho de crescimento; pela
disponibilidade, presença e companheirismo durante estes anos todos, pelos inúmeros
piqueniques no lago e passeios à beira-rio.

À Rita, à Margarida, à Pilar, à Rita e à Rafa, cada uma à sua maneira, que formaram um
grupo sistémico extraordinário e para quem o palco (ou o céu) é o limite.

A todos os Amigos que me aumentam, que me fazem rir; que são, de alguma forma,
inspiração e guardam lugares únicos dentro de mim, OBRIGADA.
ii

“The flower that blooms in adversity is the most rare and beautiful of all.”
Mulan (Walt Disney Company)

Para todos os psicólogos em Moçambique que servem diariamente a (re)construção de


lugares e pessoas onde desponta a resiliência.
iii

Resumo
As Experiências Adversas na Infância (EAI) são objeto de uma vasta literatura, dada a sua
relevância para as trajetórias de desenvolvimento e bem-estar, reflexo do impacto que têm na
saúde física, mental e ajustamento social dos indivíduos que as experienciam. Persiste, no
entanto, a necessidade de compreender de forma mais aprofundada como as EAI se manifestam
e são percebidas no contexto moçambicano, dadas as diferenças interculturais na sua definição.
A literatura sugere que, na África Subsariana, muitas crianças e jovens são expostos a EAI;
apesar da escassez de investigação sobre esta temática em Moçambique, as características
sociodemográficas do país remetem para a importância de aprofundar o conhecimento
científico relativo à perceção do risco, da experiência de adversidade e das trajetórias de
desenvolvimento das crianças e jovens locais, bem como às características da intervenção
terapêutica realizada. Enquadrado pelo paradigma ecológico, este estudo recorre a uma
abordagem qualitativa, analisando tematicamente um conjunto de entrevistas a psicólogos
moçambicanos com intervenção em EAI, atendendo, em particular, ao impacto percebido das
características do contexto multissistémico para a experiência, trajetórias de desenvolvimento
associadas, intervenção e prevenção das EAI.
A análise temática dos dados fez emergir três temas principais: Experiências Adversas na
Infância, Intervenção Terapêutica e Recomendações para Prevenção. Os psicólogos retrataram
as suas perceções sobre a Caracterização do Contexto das EAI, identificando fatores de risco
que contribuem para a sua experiência ou que são em si adversidades, e reconhecendo
especificidades mais e menos adaptativas das Trajetórias de Desenvolvimento associadas às
EAI. As características ecológicas e multissistémicas do contexto são predominantemente
identificadas como propiciadoras de risco para as EAI, para o desenvolvimento de trajetórias
de resiliência e para o sucesso da intervenção terapêutica, salientando a importância de uma
abordagem contextual preventiva para a diminuição da experiência de adversidade pelas
crianças e jovens em Moçambique. É reconhecida a importância de promover o apoio social,
dado o seu papel enquanto fator protetor do contexto. Os resultados deste estudo surgem
maioritariamente alinhados com a literatura existente sobre as EAI no mundo ocidental e
remetem para a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre a experiência e intervenção
nas EAI no contexto de Moçambique. Acentua-se a necessidade da colaboração entre diferentes
agentes participativos no desenho e implementação de um plano preventivo das EAI neste país.

Palavras-chave: Moçambique; Experiências adversas na infância; Risco; Resiliência;


Investigação qualitativa.
iv

Abstract
Adverse Childhood Experiences (ACEs) are subject to a vast body of literature, given their
relevance to the development and well-being of those who experience them. They are
recognized as having an impact on physical health, mental health and social adjustment.
However, the need to deeply understand how ACEs manifest and are perceived in Mozambique
prevails, since there are many intercultural differences that may play a role on its definition.
Research targeting ACEs in Sub-Saharan Africa suggests that children and youth are frequently
exposed to them. Even though studies on this subject in Mozambique are scarce, the country’s
sociodemography suggest the need to deepen the knowledge about how risk, adversity and the
impact on development are perceived, as well as about the therapeutic interventions practiced.
This study stems from the framework of the ecological model and uses qualitative thematic
analysis on a set of interviews with Mozambican psychologists that intervene with ACEs. It
focuses on the perceived impact of multisystemic features on the experience, associated
developmental trajectories, intervention and prevention of ACEs.
Three main themes emerged from the analysis: Adverse Childhood Experiences, Therapeutic
Intervention and Recommendations for Prevention. Psychologists portrayed their views about
ACEs’ Context Description and identified risk factors that contribute to their experience and
that sometimes express ACEs themselves, as well as specificities of the Developmental
Trajectories that reflect resilience or inadaptation to adversity. Multisystemic ecological
features of Mozambique are mainly identified as risk factors for ACEs, for inadaptive
developmental trajectories and for therapeutic success. Participants emphasize the need for a
contextual preventive approach to reduce ACEs, recognizing social support as an important
contextual protective factor that must be promoted. Results are mainly aligned with Western’
literature on ACEs and depict the need for more investigation on ACEs in Mozambique. This
research also highlights the need for collaboration between different participatory agents in the
design and implementation of a preventive plan to reduce ACEs in Mozambique.

Key words: Mozambique; Adverse childhood experiences; Risk; Resilience; Qualitative


research.
v

Índice

Introdução ................................................................................................................................ 1
Enquadramento Teórico ......................................................................................................... 2
Contexto de Moçambique ...................................................................................................... 2
Experiências Adversas na Infância (EAI) .............................................................................. 4
Definição do Conceito na Literatura.................................................................................. 4
Vulnerabilidade e Risco na Etiologia das Experiências Adversas..................................... 5
Experiências Adversas na Infância no Seio dos Microssistemas ....................................... 7
Impacto das Experiências Adversas na Infância ................................................................ 9
Resiliência ............................................................................................................................ 10
O Papel do Psicólogo na Intervenção ................................................................................... 12
Método .................................................................................................................................... 13
Objetivos e Design do Estudo .............................................................................................. 13
Participantes ......................................................................................................................... 15
Instrumentos e Procedimento ............................................................................................... 16
Estratégias de Análise de Dados .......................................................................................... 17
Papel do Investigador: Etnocentrismo e Reflexividade ....................................................... 18
Resultados ............................................................................................................................... 20
Experiências Adversas na Infância ...................................................................................... 22
Caracterização do Contexto ............................................................................................. 22
Adversidade ...................................................................................................................... 25
Trajetórias de Desenvolvimento ....................................................................................... 27
Intervenção Terapêutica......................................................................................................... 31
Recomendações para Prevenção .......................................................................................... 35
Aprofundar os Resultados: um Olhar Intercategorial ............................................................... 37
Risco e Proteção a Diferentes Níveis do Ecossistema........................................................... 37
Interligação entre o Contexto e a Adversidade .................................................................... 38
Trajetórias de Desajustamento Psicossocial em Contextos de Adversidade .......................... 38
Quebrar o Ciclo da Adversidade: uma Abordagem Preventiva ao Contexto ......................... 39
Discussão ................................................................................................................................. 41
Panorama da Adversidade Precoce em Moçambique .......................................................... 41
Papel do Apoio Social Percebido ......................................................................................... 45
Atribuições dos Psicólogos ao Sucesso da Intervenção ....................................................... 47
“A stitch in time saves nine” : a Importância da Prevenção ................................................ 48
Remar contra a Maré: o Impacto Percebido do Contexto sobre a Prática da Psicologia ..... 50
Limitações e Forças .............................................................................................................. 51
Implicações e Sugestões para Estudos Futuros .................................................................... 52
Referências Bibliográficas ..................................................................................................... 54

ANEXOS

Anexo A: Guião de entrevista semiestruturada

Anexo B: Listagem final de categorias e respetivas definições operacionais


vi

Índice de Figuras

Figura 1
Mapa conceptual……………………………………………………………………………..14

Figura 2
Mapa de categorias de resultados………………………………….………………………...21

Figura 3
Mapa de subcategorias: descrição dos fatores de risco e proteção do contexto………..…….22

Figura 4
Mapa de subcategorias: tipologias de adversidade identificadas pelos participantes……..…26

Figura 5
Mapa de subcategorias: trajetórias de desenvolvimento associados à vivência de EAI……...28

Figura 6
Mapa de subcategorias: caracterização dos fatores identificados pelos participantes como
facilitadores ou prejudiciais à intervenção terapêutica em EAI……………………………...31

Figura 7
Mapa de subcategorias: recomendações oferecidas pelos participantes para a prevenção de
EAI e da severidade do seu impacto percebido…...……………………………..……………36

Figura 8
Mapa mental de relações entre as categorias de resultados………………………..………...41

Figura 9
Esquema explicativo do papel central do apoio social percebido nas várias esferas
analisadas…………………………………………………………………………………….45
1

Introdução
As Experiências Adversas na Infância (EAI) são reconhecidas como uma violação aos
Direitos das Crianças com impactos nefastos à sua saúde e desenvolvimento social (Jewkes et
al., 2010). Apesar da frequência com que as crianças e jovens do contexto africano
experienciam diferentes formas de adversidade (Cluver et al., 2015), a investigação sobre as
EAI revela uma lacuna na exploração das suas características, risco e intervenção neste
contexto (Jewkes et al., 2010). Moçambique, com índices elevados de pobreza extrema (Roser
& Ortiz-Ospina, 2019), doença (World Health Organization [WHO], 2017), violência
doméstica e analfabetismo (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2019), entre outros
problemas sociais (e.g., tráfico humano ou exploração infantil), parece desenhar um cenário
propício a que as crianças e jovens experienciem múltiplas e diversificadas EAI.
Adicionalmente, as características ambientais do país (e.g., United Nations International
Children’s Emergency Fund [UNICEF], 2017) e o seu passado recente de conflito (Chifeche
& Dreyer, 2019) acrescentam a uma configuração ecológica, aparentemente, de risco. Por outro
lado, as características culturais de Moçambique podem oferecer fatores de risco ou de proteção
para a experiência desta adversidade (e.g., o seu carácter coletivista (Cruz, 2017; Sartorius et
al., 2011) sugere a importância atribuída aos grupos sociais e às relações interpessoais para o
funcionamento da sociedade).
A conjugação de fatores stressores e de recursos do contexto enquadra-se no modelo de
resposta familiar de ajustamento e adaptação (modelo FAAR; Patterson, 1988) enquanto uma
alteração nas condições sociais do meio que pode produzir desequilíbrios no sistema familiar,
proporcionando a que a família se torne, também ela, contexto de risco ou proteção para a
experiência de adversidade. Deste modo, o contexto pode exercer um impacto percebido como
prejudicial ao desenvolvimento das crianças e jovens não apenas de forma direta, mas através
da sua influência sobre os processos vigentes no microssistema familiar. Apesar da
multiplicidade de características adversas identificadas num contexto que aparenta ser de risco,
nem todos os indivíduos que experienciam adversidade apresentam trajetórias de
desenvolvimento de desadaptação (Nelson & Prilleltensky, 2010), pelo que é adequada a
integração desta investigação com uma visão ecológica da resiliência (Ungar et al., 2013).
Este estudo surge com o objetivo exploratório de compreender as perceções de
psicólogos com experiência no acompanhamento a vítimas de EAI em Moçambique sobre o
panorama desta adversidade e sobre o seu papel e intervenção com esta população. O impacto
percebido do contexto sobre esta temática assume um papel preponderante na investigação,
justificando o seu enquadramento no paradigma ecológico (Bronfenbrenner, 1979).
2

Enquadramento Teórico
Contexto de Moçambique
A África Subsariana é um dos palcos mundiais de Experiências Adversas na Infância
(EAI) por crianças e jovens, incluindo contextos de abuso, violência doméstica e infeção
parental por HIV/SIDA, culminando na morte dos progenitores (Cluver et al., 2015); porém, é
identificada a insuficiência da literatura sobre esta temática no contexto africano (Jewkes et al.,
2010). Moçambique é um país do sudeste africano marcado por uma identidade cultural rica e
diversificada – bem como por uma história de vulnerabilidade, guerra, pobreza, fome, doença
e catástrofes ambientais. A turbulência que marca o contexto moçambicano revela-se um lugar
propício à experiência de adversidade, particularmente ao longo da infância e adolescência. O
impacto dos sistemas ecológicos envolventes assume um papel preponderante no
desenvolvimento dos indivíduos (Bronfenbrenner, 1979), não só por configurar um contexto
favorável à vivência crónica ou pontual de adversidade, mas porque é no seio destes
ecossistemas que se desenvolve a relação terapêutica (forte preditor do sucesso das
intervenções; Anderson et al., 2019); por outro lado, as características ecológicas dos mesmos
podem constranger a prática clínica (Anderson et al., 2000). Esta investigação propõe-se
analisar as perspetivas de uma amostra de psicólogos moçambicanos com prática de
intervenção com indivíduos que sofreram EAI sobre o seu trabalho com esta população,
atendendo à influência do contexto multissistémico sobre a sua atividade.
O protagonismo assumido pelos diferentes níveis do contexto nesta investigação
justifica o seu enquadramento no paradigma ecológico (Bronfenbrenner, 1979; 1986;
Bronfenbrenner & Ceci, 1994; Bronfenbrenner & Morris, 2006). Bronfenbrenner (1979)
conceptualiza o contexto como “um conjunto de estruturas encaixadas umas nas outras em
nichos, como uma série de bonecas russas” (p. 3). Na perspetiva ecológica, o desenvolvimento
reflete-se na acomodação progressiva e mútua entre o ser humano e as propriedades dos
microssistemas, influenciado pelas relações entre contextos e pelos sistemas mais abrangentes
nos quais os microssistemas estão inseridos (Bronfenbrenner, 1979; Bronfenbrenner & Ceci,
1994). O ser humano define-se como entidade dinâmica que progressivamente reestrutura o
contexto em que se insere e os microssistemas enquanto contextos que lhe são imediatos e onde
ocorrem os processos proximais – padrões de atividades, papéis e relações interpessoais
experienciados de forma regular e ao longo do tempo entre a pessoa e o contexto;
Bronfenbrenner, 1977; Bronfenbrenner & Ceci, 1994).
Simultaneamente, Rogoff (2003) alerta para a influência do contexto e da cultura
(conjunto de fatores contextuais manifestos nas práticas quotidianas, crenças e valores de uma
3

população) sobre o desenvolvimento, que aponta dever ser entendido à luz das práticas
culturais da comunidade que envolve a criança, dada a sua participação evolutiva e dinâmica
em atividades socioculturais comunitárias. Através do modelo ecocultural (Berry & Poortinga,
2006), que considera a própria cultura enquanto processo dinâmico e contínuo que inclui a
interação entre variáveis ecológicas, culturais e psicológicas, o comportamento individual pode
ser enquadrado nas influências culturais, económicas e históricas que o envolvem. A
identificação da influência da cultura no sofrimento psicológico sugere a importância de
integrar as experiências das crianças num enquadramento cultural que inclua a caracterização
do contexto sociopolítico e de relações de poder (Obasaju & LiVecchi, 2018).
A pertença a uma sociedade coletivista, como é a de Moçambique (Cruz, 2017;
Sartorius et al., 2011), tem implicações na forma como as pessoas se relacionam com os seus
microssistemas. A perceção do autoconceito é interdependente: os indivíduos consideram as
pessoas da sua família como continuações de si próprias, os objetivos individuais são
compatíveis com os do seu grupo, o comportamento social é concordante com a norma e os
indivíduos estabelecem relações sociais de partilha de recursos (materiais e não materiais) com
os outros, tendo o bem-estar coletivo em consideração nas suas decisões (Bhawuk, 2017).
As características dos contextos económico, sociocultural e histórico de Moçambique
assumem um papel central no quotidiano da população. Em 2014, 62,9% da população vivia
em situação de pobreza extrema (i.e., com rendimento inferior ao limiar internacional de
pobreza de 1,90$ diários; Roser & Ortiz-Ospina, 2019). Metade das crianças moçambicanas
(49%) é considerada financeiramente pobre – valor que é superior à taxa de pobreza monetária
nacional sem especificação etária (de 43,9%; UNICEF, 2020); a taxa de pobreza infantil
multidimensional (refletindo carência num conjunto de indicadores de saúde e bem-estar) é
uma das mais elevadas mundialmente (46,3%; UNICEF, 2020), com elevada disparidade entre
áreas urbanas (18,6%) e rurais (57,6%; UNICEF, 2020). Atualmente, mais de 10 milhões de
moçambicanos vivem em situação de pobreza alimentar (Chifeche & Dreyer, 2019).
Paralelamente a um contexto economicamente carenciado, Moçambique construiu-se,
nas últimas décadas, sobre uma tradição de conflito político com expressões de violência civil
e comunitária, entre as quais a guerra pela independência nacional com Portugal (entre 1964 e
1975) e um conflito civil entre dois movimentos políticos nacionais (entre 1975 e 1992). Este
violento conflito pós-colonial teve consequências devastadoras, particularmente, para os
grupos sociais mais vulneráveis (nomeadamente, crianças e jovens; Chifeche & Dreyer, 2019).
O final da guerra civil não aliviou o clima de tensões políticas e desafios socioeconómicos que
influenciam o acesso das crianças e jovens a serviços básicos como a educação e a saúde
4

(Chifeche & Dreyer, 2019), o que se expressa na elevada prevalência nacional de infeções por
HIV/SIDA (World Health Organization [WHO], 2017). O nível educacional da população é,
globalmente, baixo, com taxas de 39% de analfabetismo e de 38,6% de absentismo escolar em
crianças entre os 6 e os 17 anos (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2019).
Diversos outros problemas do foro social são vivenciados pela população de
Moçambique, tais como contextos de violência e conflitos comunitários frequentes (Slegh et
al., 2017), violência doméstica (INE, 2019), tráfico humano (U.S. Department of State, 2017)
e trabalho infantil (para enfrentar situações de pobreza familiar; UNICEF, 2010).
Adicionalmente, o país vê-se, frequentemente, assolado por catástrofes ambientais que
podem criar contextos de emergência humanitária (UNICEF, 2017). No momento de recolha
dos dados deste estudo (ano letivo de 2016/17), o panorama de crise presente em Moçambique
era diverso, severo e complexo, incluindo situações de secas, cheias, ciclones, surtos de cólera,
conflitos político-militares e grupos de pessoas deslocadas, agravando seriamente as
necessidades desta população (UNICEF, 2017).

Experiências Adversas na Infância (EAI)


Definição do Conceito na Literatura
As experiências infantis adversas operacionalizam-se como “eventos que ocorrem na
infância, variando em termos da sua severidade e, frequentemente, crónicos, que ocorrem no
seio da família ou ambiente social e causam dano ou sofrimento, prejudicando a saúde física
ou psicológica e o desenvolvimento da criança” (Kalmakis & Chandler, 2014; p. 1495). Esta
definição inclui situações de maus-tratos (experiências traumáticas como abuso físico, sexual
e emocional e negligência, ou combinações entre estas (Carr et al., 2018), que refletem as
convenções dos Direitos das Crianças (UNICEF, 2021) sobre o que constitui o cuidado infantil
inadequado); aspetos disfuncionais do agregado familiar (e.g., exposição a abuso de
substâncias, perturbações mentais, comportamentos delinquentes e violência dirigida à figura
materna; Felitti et al., 1998; violência doméstica e stress relacional, como a separação ou
divórcio parental, Anda et al., 2010); características adversas do contexto da criança (i.e.,
experiências de vitimização externas à família; Karatekin & Hill, 2018) e situações de
adversidade em contextos ou culturas particulares (e.g., casamento forçado, exposição a
violência e criminalidade comunitária, recrutamento precoce para grupos armados ou contextos
de doença e morte dos pais por Sida; Anda et al., 2010; Cluver et al., 2013). Karatekin e Hill
(2018) sublinham que a definição das EAI deve considerar as características das diferentes
populações e os seus aspetos culturais e geográficos, que podem revelar formas específicas de
5

adversidade (e.g., Anda et al., 2010) ou refletir diferenças nas tipologias de experiências
infantis que são percebidas como adversidade (Malley-Morrison, 2004).

Vulnerabilidade e Risco na Etiologia das Experiências Adversas


É essencial compreender a raiz, precedentes e os fatores que estabelecem um contexto
sistematicamente propício a que sejam vivenciadas EAI, contribuindo para a compreensão da
sua etiologia e para a prevenir e diminuir a sua ocorrência (Mulder et al., 2018). Globalmente,
as teorias ecológicas apontam os fatores dos contextos proximais como tendo efeitos mais
fortes sobre o indivíduo, o que parece verificar-se para os fatores de risco das EAI, embora tal
possa dever-se ao facto de serem os fatores comummente estudados (Mulder et al., 2018). Pelo
contrário, os processos promotores de resiliência face à adversidade denotam uma forte
influência dos contextos alargados (Weine et al., 2012; citados por Ungar et al., 2013). Liel et
al. (2020) sugerem associações diferenciadas entre aspetos do contexto e o abuso infantil
(associado mais fortemente a fatores proximais) ou a negligência (associada a fatores de cariz
distal), indiciando uma possível interação com a tipologia de experiência adversa vivida.
Os contextos de abuso são relações interativas cuja origem é difícil determinar (Belsky,
1980), refletindo padrões de circularidade entre o comportamento hostil dos pais e dos filhos
(Burgess & Conger, 1978; Hunt et al., 2017). Alicerçado na perspetiva ecológica
(Bronfenbrenner, 1979), Belsky (1980; 1993) considera os fatores etiológicos que podem
assumir um papel na determinação dinâmica e interativa de contextos familiares de abuso,
incluindo aspetos da parentalidade, como a utilização de estratégias agressivas de resolução de
conflitos familiares (salientam-se evidências de que pais abusadores foram, muitas vezes,
crianças abusadas; Madigan et al., 2019; Pears & Capaldi, 2001) ou os efeitos de spillover da
relação conjugal para a parentalidade (Pedro et al., 2012). Também as características da criança
(e.g., Sidebotham & Heron, 2006; Zeskind, 2020) e alguns padrões de interação familiares
(Bentovim, 1992) assumem um papel na configuração multidimensional destes contextos.
A literatura aponta poucos fatores de risco inerentes às próprias crianças (Stith et al.,
2009) e enfatiza as características parentais como fortes preditores para a experiência de
negligência infantil (Mulder et al., 2018). Outros fatores do microssistema (particularmente,
familiar) aparentam aumentar o risco da experiência infantil de maus-tratos, entre os quais a
presença de psicopatologia na família, fatores maternos, da gravidez e do agregado familiar,
monoparentalidade, stress parental e conjugal, exposição a violência interparental,
criminalidade dos pais, dificuldades de ajustamento das crianças e características da
parentalidade (Farnia et al., 2020; Ferrari, 2002; Kors et al., 2020; Liel et al., 2020; Morris et
6

al., 2019; Parrish et al., 2011; Stith et al., 2009). É fundamental adotar uma perspetiva
multifatorial ao investigar estes fatores de risco, uma vez que, por exemplo, nem sempre um
mesmo fator predispõe as crianças a todas as formas de abuso e negligência (Stith et al., 2009).
Aos fatores microssistémicos acresce o efeito potencialmente prejudicial (ainda que
indireto; Belsky, 1980; Bronfenbrenner, 1977) dos contextos alargados. É o caso dos stressores
sociais (e.g., Brown & De Cao, 2018; Lawson, et al., 2020; Lynch & Cicchetti, 1998;
Rodriguez et al., 2018) dos diferentes exossistemas (contextos que não envolvem diretamente
o indivíduo, mas cujos eventos afetam ou são afetados pelo que acontece nos sistemas mais
próximos; Bronfenbrenner, 1979) ou dos valores culturais e sistemas de crenças (e.g., Alvy,
1975) ligados ao macrossistema (referente às consistências (e.g., culturais) na forma ou
conteúdo dos sistemas de ordem inferior, bem como às ideologias e sistemas de crenças
subjacentes a esses padrões; Bronfenbrenner, 1979). O modelo ecológico-transacional
(Cicchetti & Lynch, 1993) considera a complexidade dos contextos que envolvem a criança e
os fatores de risco e proteção para o desenvolvimento ativados pela sua interação recíproca.
Basilar a este modelo está a assunção de que a tolerância de uma sociedade a elevados níveis
de violência abre espaço à violência familiar (Belsky, 1980; 1993). Dada a história recente de
violência em Moçambique, esta experiência pode estar na etiologia da elevada prevalência de
casos de violência doméstica neste país (INE, 2019). Dos contextos envolventes emergem
ainda outros fatores de risco para a experiência de adversidades, como o estatuto
socioeconómico e dificuldades financeiras (Evans & Kim, 2012; Maguire-Jack & Font, 2017;
Parrish et al., 2011; Walsh et al., 2019), os níveis de violência comunitária (Lynch & Cicchetti,
1998), situações de guerra e conflito armado e condições de vida e disrupção social decorrentes
(Vindevogel et al., 2015) e fatores da cultura (e.g., estratificação social; Schell, 1997), entre
muitos outros (Lynch & Cicchetti, 1998).
A urgência e necessidade de intervenção com esta população é agravada pelo potencial
cumulativo que manifestam (i.e., o aumento gradual de experiências adversas aumenta o risco
para outcomes de inadaptação no futuro; Dong et al., 2004; Petruccelli et al., 2019),
contribuindo para a criação de contextos de polivitimização (inter-relação e coocorrência de
diversas adversidades em múltiplos contextos envolventes; Finkelhor et al., 2011). O contexto
moçambicano propicia a experiência de riscos em múltiplos níveis sistémicos (e.g., familiares,
comunitários, culturais e societais), e a literatura que evidencia o impacto nefasto desta
acumulação nas trajetórias de desenvolvimento é robusta (Burchinal et al., 2000; Dong et al.,
2004; Evans, 2003; Hunt et al., 2017; Parrish et al., 2011; Sameroff et al., 1987; Schneider,
2020; Wade et al., 2015). Evans e Kim (2012) sugerem a exposição elevada à acumulação de
7

fatores de risco enquanto mecanismo explicativo do efeito da experiência de pobreza na


infância sobre o stress crónico subsequente no início da idade adulta. Apesar das críticas
apresentadas aos modelos de cálculo do fator cumulativo do risco na investigação (e.g., Evans,
2003; Evans et al., 2013), estes são preditores mais precisos de trajetórias de desenvolvimento
(Evans, 2003; Dong et al., 2004), comparativamente a modelos de risco único.
Recentemente, Schoon et al. (2019) recorreram a uma abordagem centrada na família
para apresentar evidências da transmissão intergeracional de constelações de riscos
socioeconómicos e psicossociais (através das dinâmicas familiares). Também Tømmerås e
Kjøbli (2017) verificam o agrupamento em clusters dos fatores de risco presentes na sua
amostra de investigação (estando a pobreza – que, inadvertidamente, pode ser, por vezes,
utilizada como um “atalho” para a utilização de modelos de risco cumulativo (Sameroff et al.,
1987) – significativamente correlacionada com todos os outros fatores de risco analisados), e
os seus resultados refletem níveis mais elevados de problemas comportamentais em crianças
expostas à acumulação de riscos nas suas famílias.
Cluver et al. (2013) propõem um modelo explicativo do impacto negativo indireto da
vivência com progenitores infetados com HIV/SIDA através de diferentes variáveis associadas,
entre as quais a debilidade parental, a pobreza, a violência comunitária, o estigma em relação
à doença e o abuso infantil, remetendo também para a inter-relação entre diferentes fatores de
risco e para o seu efeito cumulativo sobre o desenvolvimento infantil (Cluver et al., 2015).

Experiências Adversas na Infância no Seio dos Microssistemas


A família e a ecologia social da criança são interdependentes e podem ser fontes de
stress ou de apoio, protegendo as crianças de adversidades como a violência ou a pobreza
(Kalmakis & Chandler, 2014). Além de ser reconhecido nas crianças um potencial de maior
vulnerabilidade a efeitos a longo prazo do stress ambiental (uma vez que ainda não
desenvolveram mecanismos de adaptação ao mesmo, não conseguem evitar interações que
provocam stress e são mais vulneráveis a que ativações fisiológicas extremas tenham o
potencial de alterar os seus mecanismos cerebrais em desenvolvimento; Fonagy & Target,
2002), os stressores do contexto alargado podem exercer um efeito negativo sobre o
desenvolvimento infantil através da influência que exercem sobre os microssistemas em que as
crianças se inserem (Patterson, 1988). É no seio destes microssistemas que se padronizam os
processos proximais (Bronfenbrenner, 1977), reconhecidos como os principais mecanismos
que produzem e sustêm o desenvolvimento humano (Bronfenbrenner & Morris, 2006; Merçon-
Vargas et al., 2020). O microssistema familiar, em particular, é um dos primeiros no qual estes
8

processos operam, construindo-se enquanto espaço privilegiado de influência sobre o


desenvolvimento individual (Bronfenbrenner, 1979).
As exigências (i.e., pressões e stressores) impostas de forma interna ou externa a uma
família podem produzir alterações no sistema familiar, desencadeando uma resposta de
promoção de um funcionamento homeostático através dos recursos e mecanismos de coping
familiares pré-existentes ou desenvolvidos (Patterson, 1988). As alterações das condições do
meio social são um exemplo destes stressores (Patterson, 1988) e a investigação suporta a
hipótese de que os stressores do contexto, se propícios à vulnerabilização das famílias,
desempenhem um papel na experiência precoce de adversidade (Coulton et al., 2007). Deste
modo, se, por um lado, a família, enquanto unidade social básica na qual as crianças e jovens
estão envolvidos (Yen et al., 2013) é o espaço favorável ao seu desenvolvimento adaptativo
(e.g., através do estabelecimento de relações seguras de vinculação, Bowlby, 1988; Carr, 2016),
por outro, pode argumentar-se que uma parcela considerável das experiências de adversidade
precoce ocorre no seio familiar e, consequentemente, afeta fortemente o seu funcionamento
(Scully et al., 2019), quer de forma direta (e.g., disfunções do agregado familiar; Scully et al.,
2019; Felitti et al., 1998; Kessler et al., 2010) quer por ser esse o espaço preferido para a sua
ocorrência (e.g., evidenciado pelas elevadas percentagens de pais como agressores dos filhos
(U.S. Department of Health & Human Services, 2020) ou pela transmissão intergeracional de
padrões de parentalidade abusiva e negligente, Bartlett et al., 2017; Assink et al., 2018).
Os indícios da possibilidade deste ciclo intergeracional de adversidade (Schoon et al.,
2019) e do papel assumido pelas variáveis familiares (e.g., coesão familiar, Sidebotham &
Heron, 2006) na determinação de contextos de risco reforçam não ser possível estudar as EAI
sem analisar o papel preponderante da família. O funcionamento familiar (i.e., a capacidade da
família para lidar adequadamente com as dificuldades e mudanças do quotidiano) não é
independente do funcionamento dos seus membros, sendo comum que famílias com indivíduos
com psicopatologia reportem maior disfunção (Hughes & Gullone, 2008). Apesar da
variabilidade interpessoal nas trajetórias de (in)adaptação, a experiência de adversidades
familiares pode aumentar a suscetibilidade das crianças para o desenvolvimento de padrões
comportamentais que refletem sintomas de internalização e/ou externalização (Grych et al.,
2000; Yen et al., 2013); por outro lado, adolescentes com perturbações de ansiedade têm maior
probabilidade de ter sido expostos a eventos familiares negativos (Phillips et al., 2005),
refletindo a relação circular entre o funcionamento familiar e a experiência de adversidade.
Scully et al. (2019) propõem que o funcionamento familiar medeie a relação entre a
experiência de adversidade na infância e a severidade de sintomas de saúde mental nas crianças.
9

Esta mediação ocorreria através de mecanismos e fatores passíveis de afetar as interações


familiares, aumentando a vulnerabilidade ao aparecimento de problemas psicossociais e de
saúde mental nas crianças (Kim, 2013). Entre estes mecanismos, salientam-se a modelagem
comportamental (Kim, 2013; Carr, 2016), o recurso a estratégias de parentalidade negativas
(Kim, 2013; Vostanis et al., 2006), a capacidade comprometida para estabelecer uma
vinculação segura, promover estimulação intelectual adequada e criar um ambiente de
parentalidade autoritativa, a insatisfação e conflito conjugal, separação parental,
desorganização familiar, ter irmãos com comportamentos desviantes (Carr, 2016) e a menor
reflexividade e consciência parental dos estados mentais das crianças (Fonagy & Target, 2002).
Também as características da comunidade envolvente podem criar contextos adversos
para as crianças nela inseridas, quer de forma direta (com fatores de risco como a pobreza, a
exposição a violência comunitária e o abuso de substâncias; Baglivio et al., 2017; Chaudry &
Wimer, 2016; Collings, 2011; Lee et al., 2020; Petruzzi et al., 2018; Wade et al., 2016; Wolff
et al., 2018), quer de forma indireta, proporcionando um cenário promotor dos maus-tratos no
microssistema familiar (Coulton et al., 2007; Lynch & Cicchetti, 1998). Coulton et al. (2007)
propõem algumas vias através das quais as características da comunidade podem impactar
diferenciadamente contextos de maus-tratos familiares, entre as quais a da influência
comportamental (impacto da estrutura do bairro sobre a organização e eficácia coletiva e sobre
os recursos e défices da comunidade, que por sua vez funcionam como stressores ou fatores de
proteção com influência nas interações familiares) e a do papel da comunidade na definição,
identificação e denúncia de situações de maus-tratos.

Impacto das Experiências Adversas na Infância


As experiências traumáticas precoces precedem, frequentemente, dificuldades sociais,
emocionais e cognitivas que aumentam o risco para comportamentos pouco saudáveis,
violência ou revitimização, doenças, incapacidades e morte prematura (Anda et al., 2010).
Felitti (2009) considera duas vias através das quais as EAI contribuem para problemas de saúde
no futuro: devido às consequências dos mecanismos de coping desadaptativos adotados para
lidar com a adversidade ou como resultado da experiência de stress crónico durante a infância.
A literatura sobre o impacto das EAI no desenvolvimento no contexto africano é
escassa; alguns estudos associam formas específicas de adversidade a depressão, consumo de
substâncias, ferimentos consequentes de violência física e infeções por HSV2 (herpes simples
vírus tipo 2) ou HIV (Jewkes et al., 2010), a ansiedade e outras experiências emocionais difíceis
(Dlungwana & Sathiparsad, 2008) e a uma perda do sentido de agência (Killian et al., 2008).
10

Relativamente a consequências mais imediatas da experiência precoce de adversidade


identificadas noutros contextos, Hunt et al. (2017) associam os maus-tratos infantis e
adversidades familiares a diferentes problemas de internalização e de externalização das
crianças. Também Church et al. (2012) evidenciam a relação entre a pobreza e o
comportamento infantil negativo, mediada por aspetos da parentalidade (i.e., o aumento do
stress parental), em linha com a proposta de Belsky (1993) de uma associação entre contextos
de abuso infantil e a parentalidade em circunstâncias de múltiplos stressores.
A maioria da investigação tem-se focado no estudo das consequências a longo prazo
das adversidades (Hunt et al., 2017), identificando-se (1) impactos na saúde física dos
indivíduos adultos (e.g., diabetes, cancro, problemas cardíacos, gastrointestinais, respiratórios,
neurológicos, entre outros; Carr et al., 2018; Petruccelli et al., 2019), (2) na sua saúde mental
(e.g., perturbações dissociativas, alimentares, psicóticas, de ansiedade, depressivas, de
personalidade, abuso de substâncias, stress pós-traumático, entre outros; Anda et al., 2002; Carr
et al., 2018) e (3) no seu ajustamento psicossocial (e.g., défices de funcionamento cognitivo,
atrasos na linguagem, vinculação insegura, comportamentos de risco, agressivos ou
antissociais, entre outros; Carr et al., 2018; Petruccelli et al., 2019). Brockie et al. (2015)
sublinham o impacto cumulativo das EAI ao reconhecer que, com cada experiência adversa
acrescentada, aumenta o risco para tentativas de suicídio, abuso de múltiplas substâncias
psicoativas em simultâneo, sintomas de stress pós-traumático e de depressão.
A consciencialização crescente do impacto das EAI na saúde e desenvolvimento a longo
prazo (Rog et al., 2021), que se reconhece poder ter repercussões nas gerações seguintes
(Metzler et al., 2017), tem levado a uma mudança no paradigma de intervenção que privilegia
uma abordagem preventiva à adversidade, com foco na mitigação dos processos subjacentes às
EAI na comunidade, além da família (Ellis & Dietz, 2017). As competências clínicas,
diversidade de conhecimentos teóricos e de investigação e variedade de abordagens e contextos
de ação colocam os psicólogos na posição de elementos essenciais a ser incluídos nestas ações
preventivas (Rog et al., 2021).

Resiliência
Face à experiência de adversidade e risco cumulativo, alguns indivíduos manifestam
outcomes de resiliência (Nelson & Prilleltensky, 2010). A resiliência é a propriedade que
permite a uma entidade ou sistema regressar à sua condição normal após um evento que
perturbou o seu estado inicial (Hosseini et al., 2016), podendo ser concebida enquanto traço ou
resultado, estável no tempo (Oshio et al., 2018) ou como as forças, competências e recursos
11

que expressam uma adaptação positiva à adversidade (Vindevogel et al., 2015) e que podem
ser cultivados (Leys et al., 2020). Neste estudo, a resiliência é conceptualizada como o processo
dinâmico e o resultado de uma adaptação bem-sucedida a experiências desafiantes, através da
flexibilidade mental, emocional e comportamental e do ajustamento às exigências (American
Psychological Association [APA]; 2015; Luthar et al., 2000).
Para a manifestação da resiliência contribuem fatores como as significações individuais
e envolvimento com o mundo, a disponibilidade e qualidade dos recursos sociais ou as
estratégias de coping (APA, 2015), refletindo a influência das características individuais e
também dos recursos do contexto (Ungar, 2012), nomeadamente, familiar e comunitário
(Hegney et al., 2007). Realça-se a importância do apoio social, evidenciada quando, perante
situações de crise, as famílias, grupos, comunidades, escolas, locais de trabalho e outros
sistemas sociais podem tornar-se alicerces de resiliência (Herdiana et al., 2018). Muller et al.
(2000) levantam a hipótese de que a rede de apoio dos jovens possa moderar os efeitos de viver
numa família violenta, enquanto Ozer et al. (2017) salientam a importância do apoio familiar
para atenuar o efeito da exposição a violência comunitária na saúde mental dos jovens. Do
mesmo modo, Coulton et al. (2007) sublinham a potencial proteção da comunidade face à
adversidade, sugerindo o seu possível papel na definição, identificação e denúncia de situações
de maus-tratos familiares.
A resiliência comunitária (reflexão coletiva, planeamento e ação para lidar com desafios
que ameacem o bem-estar dos indivíduos e da comunidade; Vindevogel et al., 2015), reflete
um olhar sistémico e menos individualista sobre o construto. Pensar a resiliência à luz de uma
visão ecológica (Ungar et al., 2013) permite considerar a interação dinâmica multidirecional
entre os diferentes níveis sistémicos em reciprocidade com o indivíduo que neles se insere,
expressando a resiliência como produto da qualidade da interação entre o indivíduo e o
ambiente e a competência de ambos para providenciar os recursos necessários à manutenção
do bem-estar (Ungar, 2008; Ungar et al., 2013). Quanto mais uma criança está exposta à
adversidade, mais a sua resiliência depende da qualidade do ambiente e dos recursos
disponíveis (Ungar, 2013): um ambiente com recursos adequados potencia na criança as
competências para enfrentar situações adversas (Ungar et al., 2013) e um ambiente disfuncional
pode levar à seleção de estratégias de coping desadaptativas (de Anda et al., 2000) e contribui
para determinar o grau de influência das características hereditárias prejudiciais à resiliência
(Bronfenbrenner & Ceci, 1994). O alinhamento entre as forças do indivíduo e os recursos
disponíveis no contexto pode ainda maximizar a probabilidade de que estas forças sejam
valorizadas enquanto representações de um funcionamento saudável (Lerner, 2006), isto é, a
12

resiliência é parcialmente definida pelo contexto em que se expressa (Woods-Jaeger, 2020).


Deste modo, a recuperação de eventos traumáticos não é apenas uma competência individual,
mas manifesta-se em função da ecologia social do indivíduo e do seu potencial para facilitar o
crescimento e adaptação positiva (Ungar, 2013). É fundamental procurar definições
contextualmente relevantes da resiliência para identificar os elementos que refletem, de facto,
a capacidade de funcionar normalmente e progredir face à adversidade (Woods-Jaeger et al.,
2020).

O Papel do Psicólogo na Intervenção


O impacto transversal e reconhecido do contexto multissistémico sobre o
desenvolvimento individual (Bronfenbrenner, 1979) suscitou o interesse da investigadora
acerca da forma como os psicólogos percebem o efeito da sua intervenção sobre indivíduos
que vivenciaram EAI em Moçambique, uma vez que as características ecológicas particulares
deste país podem constranger a sua prática. Murdock et al. (2010), por exemplo, identificam
um possível viés atribucional em terapeutas, que atribuíam defensivamente as razões do
abandono terapêutico a fatores do contexto ou do cliente, sem reconhecer o possível papel que
o terapeuta ou a intervenção pudessem ter nessa terminação precoce. Blow et al. (2007), por
outro lado, reconhecem a importância dos fatores do psicólogo (e.g., a sua competência) nos
outcomes terapêuticos dos clientes.
Em grande medida, e em linha com a abordagem dos fatores comuns (Lambert &
Barley, 2001), a investigação reconhece a qualidade da aliança terapêutica enquanto forte fator
preditor dos resultados da intervenção (Horvath et al., 2011). O estabelecimento desta relação,
porém, não depende apenas de fatores do indivíduo, do psicólogo e da abordagem terapêutica
(Hubble et al., 2009), mas também do contexto envolvente (Anderson et al., 2000). Será
expectável, assim, que os múltiplos níveis sistémicos tenham impacto sobre o setting e
conteúdo da intervenção, sobre o papel atribuído ao psicólogo e assumido por este, sobre a
formação e perspetivas do terapeuta e sobre a construção do sucesso terapêutico.
Por outro lado, a literatura remete para a possibilidade de que a alteração dos sistemas
mais abrangentes contribua em maior grau para a adaptação positiva do indivíduo do que a
promoção da mudança individual. Uma abordagem de intervenção focada no ambiente enfatiza
mudanças no contexto para potenciar o desenvolvimento infantil (Ungar et al., 2013), como a
estimulação de fatores promotores da resiliência no contexto familiar (Woods-Jaeger et al.,
2018). No entanto, os níveis ecológicos apresentam impactos diferenciais sobre o indivíduo,
tendendo os processos microssistémicos a ser menos preditores da resiliência (Weine et al.,
13

2012; citados por Ungar et al., 2013). A intervenção contextual para fomentar a resiliência,
porém, só acontece se a importância do papel do contexto for reconhecida pelos psicólogos.
Neste âmbito, o presente estudo procura colmatar a lacuna de estudos qualitativos que
permitam compreender com maior profundidade o contexto social no qual as crianças são
expostas a diferentes formas de adversidade e as dinâmicas sociais que influenciam práticas
abusivas (Jewkes et al., 2010), recorrendo a uma amostra de psicólogos com prática no
acompanhamento a indivíduos que vivenciaram EAI em Moçambique para analisar a sua
perceção sobre o contexto e a intervenção com esta população.

Método
Objetivos e Design do Estudo
O presente estudo1 procura indícios que permitam discernir o impacto percebido que as
diversas vertentes do contexto de Moçambique possam ter na construção do papel do
psicólogo, na sua intervenção e na perceção dos resultados terapêuticos com esta população.
Em função da questão de partida “Como é significado o papel do psicólogo em Moçambique
no contexto da intervenção clínica em experiências adversas na infância?”, foram definidas
duas questões de investigação: (1) como é que esta amostra de psicólogos em Moçambique
perceciona o seu papel na intervenção com indivíduos que viveram experiências adversas na
infância?; e (2) qual o papel do contexto (cultural, socioeconómico e histórico) nesta
intervenção?
O mapa conceptual apresentado na Figura 1 expressa as relações propostas entre
conceitos que fundamentam o desenho de investigação: a perceção da interação entre os fatores
de risco e proteção contextuais ilustra a configuração ecológica sobre a qual são vivenciadas
diversas tipologias de adversidade. A experiência desta adversidade, por sua vez, é percebida
como tendo um impacto no desenvolvimento, podendo conduzir as trajetórias individuais por
percursos de resiliência (facilitadas pelos fatores protetores do contexto) ou de inadaptação,
possibilitando o acompanhamento terapêutico; nesta situação, outcomes terapêuticos de
sucesso contribuem para a manifestação de resiliência. O contexto cultural, socioeconómico e
histórico de Moçambique constitui-se o cenário sobre o qual todas estas interações são
experienciadas, influenciando a caracterização das relações conceptuais e as definições dos

1
Este estudo está inserido no projeto de doutoramento do Dr. Domingos Bié, orientado pela Professora Doutora
Isabel Narciso (FPUL). A recolha de dados (i.e., elaboração do guião das entrevistas, condução e transcrição das
mesmas) ficou a cargo deste investigador, tendo sido realizada no ano letivo de 2016/17 em Moçambique.
14

construtos que as constituem, incluindo a construção social do papel do psicólogo e as


perceções sobre o sucesso terapêutico.

Figura 1
Mapa conceptual

Foram definidos três objetivos específicos de investigação2: (1) caracterizar as


perceções dos psicólogos acerca das experiências adversas na infância e adolescência,
nomeadamente (a) em termos da tipologia percebida nos pedidos de ajuda psicológica, (b) do
impacto reconhecido pelos psicólogos no ajustamento dos indivíduos, e (c) relativamente aos
fatores de risco e de proteção familiares e comunitários que influenciam a ocorrência e a
severidade destas experiências; (2) analisar as perceções de psicólogos em Moçambique sobre
o seu papel na intervenção com indivíduos que viveram experiências adversas na sua infância
ou adolescência; e (3) examinar as significações dos psicólogos acerca da influência exercida
pelo contexto, analisado de forma multidimensional (nas dimensões cultural, socioeconómica
e histórica), sobre a intervenção psicológica com esta população.

2
O objetivo geral desta investigação é comum ao da investigação de doutoramento em que se insere: analisar a
perceção de psicólogos clínicos moçambicanos com experiência de acompanhamento de crianças e jovens
moçambicanos vítimas de experiências adversas relativamente a: (a) experiências adversas mais associadas a
pedidos de ajuda terapêutica; (b) fatores que facilitam a adaptação; (c) sucesso vs. insucesso terapêutico; e (d)
fatores do processo terapêutico que contribuem para o sucesso terapêutico.
15

O estudo enquadra-se no paradigma social construcionista, reconhecendo que a


realidade é continuamente construída e reconstruída por atores sociais no seio das interações
em que se envolvem com outros seres humanos e com o contexto em que estão inseridos
(Zeithaml et al., 2020) e que o racional do conhecimento científico e os seus frutos resultam de
uma negociação interativa e comunitária no seio das interações sociais (Gregen, 1985). A
seleção deste paradigma é em parte justificada pela natureza intercultural da investigação, que
interpela psicólogos em Moçambique a desenhar as suas perspetivas sobre o panorama da
experiência de adversidade precoce neste país. As diferenças interculturais na caracterização
dos processos psicológicos são marcadas e reconhecidas na literatura, convidando a
desconstruir as assunções sobre estes fenómenos através de um olhar atento sobre as estruturas
sociais, morais, políticas e económicas que as sustêm; deste modo, todos os processos
psicológicos se tornam possíveis objetos de estudo de uma análise transcultural e histórica
devido à sua natureza de construção social (Gregen, 1985). Os resultados deste estudo
pretendem, assim, não uma visão objetiva sobre as EAI em Moçambique, mas aceder às
construções sociais dos psicólogos neste país sobre o tema e às suas implicações, enfatizando
a forma como percebem o papel do contexto sobre a experiência de adversidade na infância e
sobre a sua intervenção nas EAI.
Dado o papel central do contexto, o modelo ecológico de Bronfenbrenner (1979)
enquadrou a descrição, análise e reportagem dos resultados obtidos. Exploraram-se as
perceções dos participantes, por vezes com caráter retrospetivo (apesar das limitações
associadas e posteriormente referenciadas), através de um design qualitativo transversal (i.e.,
cuja recolha dos dados é feita num único momento do tempo; Busk, 2005) e exploratório. A
seleção de um design exploratório (Marshall & Rossman, 2016) deveu-se ao facto de se
procurar estudar um fenómeno cuja magnitude, efeitos e prevenção requer mais investigação
para aprofundar a sua compreensão (Gilbert et al., 2009) e que não foi ainda suficientemente
estudado no contexto cultural em questão (Jewkes et al., 2010), que se reconhece ter uma
marcada influência nas EAI (Karatekin & Hill, 2018), bem como à tentativa de identificar e
analisar temas, padrões e categorias de significado socialmente relevante para os participantes
que se inter-relacionam para responder às questões de investigação colocadas e contribuir para
a compreensão dos processos associados às EAI.

Participantes
Os participantes foram recrutados através de uma amostragem teórica (selecionada a
partir da sua relevância para a investigação, com base nos resultados quantitativos dos
16

primeiros estudos do projeto de doutoramento, sem considerar a sua representatividade na


população em estudo; Corbin & Strauss, 2008; Moser & Korstjens, 2018) e de conveniência
(seleção não probabilística e não aleatória a partir da disponibilidade demonstrada pelos
participantes; Moser & Korstjens, 2018). A amostra era constituída por sete psicólogos do
sistema nacional de saúde de Moçambique, na cidade e província de Maputo, com experiência
clínica no acompanhamento psicoterapêutico a crianças e jovens moçambicanos vítimas de
experiências adversas. Destes participantes, seis eram do sexo feminino e um era do sexo
masculino; três tinham entre 20 e 30 anos e quatro tinham entre 40 e 50 anos. Todos tinham
como habilitações literárias uma licenciatura na área da Psicologia e, na área de intervenção
das experiências adversas na infância, dois tinham entre 0 e 5 anos de experiência, quatro
tinham entre 5 e 10 anos de experiência e um tinha entre 10 e 15 anos de experiência. Os
participantes foram contactados pessoalmente pelo investigador e convidados a participar no
estudo. Foram informados acerca da contextualização e dos objetivos de investigação e foi-
-lhes garantida a confidencialidade e anonimato dos dados recolhidos.

Instrumentos e Procedimento
Após a assinatura de um termo de consentimento informado e do preenchimento de um
questionário de dados sociodemográficos, solicitando informação relevante para a
caracterização da amostra (sexo, idade, habilitações académicas, tempo de exercício
profissional, tempo de serviço na área, categoria profissional atual, vínculo à instituição e
responsabilidades de chefia assumidas), foram realizadas entrevistas semiestruturadas aos
participantes (consultar Anexo A – Guião de entrevista semiestruturada). Nestas entrevistas, o
entrevistador explora um conjunto de tópicos pré-definidos com cada entrevistado, mas não
necessariamente por uma ordem específica ou formulados exatamente da mesma forma
(Phellas et al., 2011), o que permite um questionamento aprofundado e, ao mesmo tempo, a
manutenção do diálogo dentro dos parâmetros definidos para os objetivos de investigação
(Berg, 2007) Foram exploradas as perceções dos participantes acerca das experiências adversas
mais associadas a pedidos de ajuda terapêutica e da sintomatologia associada (e.g., “Quais têm
sido as patologias e sintomas relacionados com a adversidade sofrida na infância e juventude
que, com maior frequência, lhe têm aparecido nas consultas?”), dos fatores que contribuem
para a experiência precoce de adversidade (e.g., “A nível individual, que características da
criança/jovem é que podem favorecer a vivência de experiências adversas?”), das
especificidades das trajetórias de (in)adaptação a situações de adversidade (e.g., “Olhando
para a sua experiência, que fatores (no indivíduo, na família, no meio/rede social, na
17

comunidade) propiciam processos inadaptativos em indivíduos que vivenciam experiências


adversas na infância?”), da intervenção e significação de sucesso terapêutico (e.g., “Como é
que percebe se está a haver uma evolução positiva do paciente?”) e das necessidades dos
psicólogos para potenciar a eficácia da intervenção e possibilidades de prevenção da
adversidade (e.g., “Que aspetos acha que deveriam ser postos em prática para melhorar a
qualidade de atendimento destes pacientes e níveis de desempenho dos profissionais
envolvidos?”). O recurso a entrevistas individuais semiestruturadas em investigação apresenta
vantagens à recolha de dados, entre as quais a possibilidade de obter informação que não seria
alcançada através de técnicas como questionários e observação (Blaxter et al., 2006; citado por
Alshenqeeti, 2014), de esclarecer questões e aprofundar respostas que não tenham sido
compreendidas pelos participantes (Dörnyei, 2007; citado por Alshenqeeti, 2014) e de alcançar
uma descrição profunda sobre a visão do mundo dos entrevistados acerca de um determinado
fenómeno (Kvale, 1996).
As entrevistas tiveram uma duração média de 45 minutos e foram realizadas no Serviço
do Centro de Apoio Psicológico da Universidade Pedagógica de Moçambique. Foi fornecido
aos participantes um contacto da equipa de investigação, possibilitando a obtenção de
informações sobre o progresso e resultados do estudo. A investigação foi aprovada pela
Comissão Especializada de Deontologia do Conselho Científico da Faculdade de Psicologia da
Universidade de Lisboa.

Estratégias de Análise de Dados


Os dados foram analisados segundo a metodologia de análise temática de Braun e
Clarke (2006), recorrendo ao software de análise qualitativa QSR NVivo (versão 12). Após a
familiarização da investigadora com os dados recolhidos (através da leitura das entrevistas e
anotação de ideias emergentes em memos primordiais), procedeu-se à codificação inicial dos
dados, fragmentando o conteúdo das entrevistas em segmentos menores e associando-os a
conceitos com propriedades e dimensões específicas (Corbin & Strauss, 2008), através de uma
abordagem indutiva e aberta às direções teóricas a que os dados podiam conduzir (Charmaz,
2014). Posteriormente, e reconhecendo conscientemente o papel que o envolvimento da
investigadora assume sobre os resultados da análise, procedeu-se a uma codificação focalizada,
comparando os códigos iniciais com os dados originais, detalhando e desenvolvendo as
categorias mais salientes para a investigadora, construindo sobre os seus significados e
explorando a natureza das relações que estabelecem entre si para dar resposta às questões de
investigação colocadas ao longo do processo (Charmaz, 2014; Saldaña, 2016).
18

As relações compreendidas entre os potenciais temas para a análise, gerados a partir da


condensação dos códigos iniciais, foram sintetizadas em mapas manuais de organização
mental. A seleção dos temas mais salientes (segundo critérios de dimensão (número de
referências e de participantes), de centralidade na organização dos dados e de interesse e
novidade para a investigação) e posterior revisão (para potenciar a sua homogeneidade interna
e heterogeneidade externa; Braun & Clarke, 2006) deu origem ao mapa temático definitivo.
Concluindo o processo detalhado por Braun e Clarke (2006), os temas foram
renomeados e foram geradas definições individuais de acordo com os critérios de inclusão e de
exclusão em cada categoria. Todo o processo foi acompanhado pela escrita de memos, úteis
para registar pensamentos e ideias, comparações e relações entre categorias, questões e
direções futuras de análise (Charmaz, 2014). A investigadora recorreu à escrita de memos para
descrever as principais reflexões e decisões tomadas em relação à análise, bem como as dúvidas
emergentes e o registo de conversas com indivíduos próximos à cultura e sociedade
moçambicana. Dado o desfasamento temporal entre os momentos de recolha e de análise dos
dados, não foi possível confirmar a sua saturação teórica (i.e., quando a análise deixou de eliciar
novos temas e informações relevantes sobre o conjunto de dados; Richards, 2015).
Paralelamente à codificação, foram utilizados métodos de comparação constante entre
os dados das diversas entrevistas (procurando semelhanças e diferenças sobre os tópicos
abordados) e entre os dados e as características e propriedades das categorias emergentes da
análise, promovendo a proximidade e influência bidirecional entre os processos de codificação
e análise e mantendo a flexibilidade e responsividade da investigadora às direções dos dados
(Charmaz, 2014; Corbin & Strauss, 2008).

Papel do Investigador: Etnocentrismo e Reflexividade


Enquanto indivíduo que cresce e se desenvolve num determinado contexto, é comum
que o etnocentrismo ofereça ao investigador uma lente de observação e análise que o coloca na
posição de tomar como universais e garantidas as características e práticas da sua própria
cultura que, muitas vezes, apenas são reconhecidas quando contrastadas com os padrões de
valores, práticas e costumes que caracterizam culturas diferentes (Hofstede, 2007). Em cada
comunidade e cultura existem processos de proteção específicos para a resiliência, que
contribuem para o desenvolvimento positivo dos seus membros (Ungar, 2008). Em
investigação, frequentemente, não é considerada a influência dos fatores ambientais na
resiliência, apesar do seu impacto tanto mais forte quanto maior a adversidade; tal pode dever-
se ao etnocentrismo do investigador, se este desprezar fatores de resiliência de uma
19

determinada cultura ou contexto que não os seus (Ungar et al., 2013). Havendo evidências de
processos de proteção diferenciados em função do contexto, cultura e época histórica (Phelps
et al., 2007; citados por Ungar et al., 2013), e sendo as expressões de resiliência moldadas pelas
suas circunstâncias socioculturais (Tol et al., 2013), o etnocentrismo e consequente
desconsideração pelos aspetos contextuais pode constituir um viés à investigação.
Neste estudo, o etnocentrismo era um desafio esperado, uma vez que a cultura da
investigadora e dos participantes era distinta e, adicionalmente, a investigadora tinha um
conhecimento limitado acerca das características culturais dos psicólogos da amostra. Numa
tentativa de negociar esta limitação, foi dado ênfase ao papel reflexivo da investigadora que,
ao reconhecer conscientemente as crenças e valores subjacentes à investigação, pode
transformá-los para reduzir o constrangimento que impõem aos resultados (Smyth &
Shacklock, 1998). Foi, por isso, dedicado tempo ao mapeamento do contexto de Moçambique
(incluindo à investigação de aspetos históricos e culturais específicos, através de leituras e
documentários) e a interpelar (1) dois psicólogos moçambicanos contactados que se
disponibilizaram a conversar sobre as temáticas refletidas nos dados e (2) duas pessoas
portuguesas que conheciam em primeira mão as culturas locais e a população. A conversa de
consultoria para a familiarização com o contexto tida com os dois psicólogos cumpriu o
objetivo de facilitar uma lente mais informada sobre a análise de dados, acrescentando
qualidade, precisão e segurança à descrição e análise dos temas emergentes e das relações entre
as diferentes categorias, que estavam a ser dificultadas pelo contraste de linguagens (i.e.,
impasse gerado pela dificuldade em compreender com precisão partes dos registos das
entrevistas, uma vez que estas eram transcritas a partir da oralidade da língua portuguesa de
Moçambique e a investigadora que analisou os dados não esteve presente durante a realização
das mesmas, além de não ter conhecimento sobre a estrutura e funcionamento da sociedade e
sobre as culturas locais). Kvale (1996) salienta a natureza de construção social das entrevistas
e as diferenças entre um momento de entrevista e um documento transcrito da mesma:
“transcrever significa transformar (…) [e as] transcrições são traduções de uma linguagem
para outra” (p. 166), remetendo para a ideia de que as transcrições das entrevistas são
abstraídas da sua base de interação social e do seu contexto interpessoal (Kvale, 1996). O
acesso único da investigadora às transcrições das entrevistas de recolha de dados (i.e., a
“conversas descontextualizadas”; Kvale, 1996) constitui uma das limitações deste estudo,
posteriormente endereçada.
Através desta conversa, foi possível clarificar substancialmente melhor diversos temas
que surgiram nas entrevistas da amostra original (e.g., organização e funcionamento do sistema
20

de saúde de Moçambique, crenças culturais com influência na experiência de adversidade,


tipologias de adversidade mais presentes na população, papel e relação entre a família e a
comunidade na sociedade, entre outros). A utilidade destes esclarecimentos à análise de dados
justificou a decisão de codificar a conversa de consultoria recorrendo ao software de análise
QSR Nvivo (versão 12) e classificar o acrescento destes dois psicólogos aos sete participantes
da investigação enquanto uma “amostra alargada” do estudo.
Esta conversa de consultoria foi ainda útil a outros processos de reflexividade. Dada a
dispersão de resultados em múltiplos temas, por exemplo, responder às questões de
investigação integrando as diferentes categorias de análise foi um processo exigente; para
elaborar essas respostas, expressas na secção de discussão, a investigadora procurou
conscientemente colocar-se no lugar dos participantes e empatizar com os seus desafios de
intervenção no contexto, refletindo sobre o que seriam constrangimentos e forças contextuais
a esta prática. A oportunidade de conversar pessoalmente com psicólogos da área permitiu que
este processo fosse mais coerente e integrado.

Resultados
Neste capítulo, serão abordados os resultados inferidos a partir da análise temática
realizada aos dados e da qual resultaram três temas principais emergentes: Experiências
Adversas na Infância (8/945), Intervenção Terapêutica (8/434) e Recomendações para
Prevenção (8/89). Como ilustrado na Figura 2, cada um destes temas é dividido em diversas
subcategorias que contribuem para a organização e descrição do seu conteúdo (consultar Anexo
B – Listagem final de categorias e respetivas definições operacionais).3

3
Para esta secção, foram selecionadas apenas categorias relevantes para os resultados, i.e., cujas referências
tenham sido mencionadas por um mínimo de três fontes (à exceção da categoria Recomendações para Prevenção).
As categorias surgem acompanhadas pelo número de fontes em que foram codificadas (entrevistas com os
participantes ou registo da conversa de familiarização com o contexto) e pelo número de referências que
englobam, num modelo (n.º F/n.º R) – e.g., (4/23). As citações apresentadas para ilustrar as principais categorias
surgem identificadas pelo número do participante (e.g., P3) ou número do memo da conversa de familiarização
com o contexto (i.e., M1), de acordo com a fonte de onde foram retiradas.
21

Figura 2
Mapa de categorias de resultados

A categoria Experiências Adversas na Infância (8/945) espelha as perceções dos


psicólogos acerca das experiências que ocorrem no período da infância e adolescência e causam
danos ou sofrimento, prejudicando a saúde ou o desenvolvimento físico ou psicológico da
criança (Kalmakis & Chandler, 2014), incluindo situações de maus-tratos, disfunções do
agregado familiar, contextos de adversidade e experiências promovidas por contextos ou
culturas específicas. Nesta categoria, são englobadas tipologias da Adversidade (8/287)
identificadas pelos participantes, a Caracterização do Contexto (8/296) em que estas são
experimentadas e as diferentes Trajetórias de Desenvolvimento (8/362) associadas a estas
vivências. A categoria Intervenção Terapêutica (8/434) remete para a caracterização da
intervenção clínica destes psicólogos no que se refere à perceção dos fatores que Dificultam
(8/231) ou Facilitam (8/203) o sucesso terapêutico a diferentes níveis do contexto. A categoria
Recomendações para Prevenção (8/89) sintetiza as recomendações enunciadas pelos
participantes como essenciais a um plano preventivo da experiência de adversidade e da
severidade das trajetórias de inadaptação que lhe são associadas.
A estes temas de conteúdo acresce uma categoria de Fatores Percebidos (8/215) pelos
participantes como Proteção (8/52) e Risco (8/163) do contexto para a vivência de
experiências adversas, que polariza como protetoras ou ameaçadoras as características do
contexto descritas na categoria de Caracterização do Contexto (8/296).
22

Experiências Adversas na Infância


Caracterização do Contexto
A Caracterização do Contexto (8/296) das Experiências Adversas na Infância
(8/945), representada na Figura 3, remete para as perceções dos psicólogos relativas aos
descritores dos contextos onde são vividas EAI.

Figura 3
Mapa de subcategorias: descrição dos fatores de risco e proteção do contexto

No âmbito da Caracterização do Contexto (8/296) das Experiências Adversas na


Infância (8/945), ao analisar o microssistema da Família (8/156), os psicólogos identificam
Características Protetoras (6/22) que traduzem a sua imagem da família enquanto espaço potencial
para criar uma base de estabilidade e confiança que se estende a outros contextos da vida. Salientam
a existência de uma Estrutura Familiar (5/5) adequada e Apoio Familiar (4/13) que proporcione
uma Base de Segurança (4/6) promotora de estabilidade noutros contextos espácio-temporais da
vida do indivíduo: “na família, a pessoa se tiver uma estrutura sólida, que crie confiança, então (…)
a pessoa que vivenciou acaba tendo aquela segurança de que aquilo aconteceu por alguma razão e
que não voltará a acontecer mais” (P4) – este participante ilustra como uma estrutura familiar de
base pode projetar no indivíduo uma perceção adaptativa de estabilidade, segurança e justiça que se
estende às restantes esferas da sua vida. A par destas caraterísticas protetoras, porém, os participantes
reconheceram numerosas Características de Risco (8/133) neste microssistema, entre os quais,
23

opondo-se ao papel protetor da Estrutura Familiar (5/5) para o indivíduo, se inclui viver numa
Família Desestruturada (8/60), como é o caso de crianças que Não Têm Pais Presentes (5/34) na
sua vida (devido à morte dos mesmos – tornando-se Órfãos (5/13) – ou por Abandono (3/5), e que
acabam por ficar à responsabilidade de Outros Cuidadores Principais; 5/9), ou de crianças que
experienciam uma Separação Parental (4/7) ou alguma forma de Inversão de Papéis (4/4) na
família, passando a assumir um papel de cuidadores de outros membros do agregado familiar, como
pais debilitados pelo HIV/SIDA. Reconhecendo o potencial de proteção e segurança da família, os
psicólogos percebem-na como um espaço que, frequentemente, não cumpre essa função. Outra
característica familiar de risco para a adversidade é pertencer a uma Família Disfuncional (8/45),
com Conflitos Familiares (4/12), Violência Doméstica (4/9), Falta de Apoio Familiar (4/9), com
a Pertença do Agressor à Família (4/6) (e.g., em situações de abuso físico, sexual ou psicológico)
ou com exposição a Consumo de Substâncias (3/4) por parte de indivíduos do agregado familiar –
“crianças [que são] consumidores passivos, os pais os mandam comprar e elas em algum momento
inalam os fumos (…) [ao] viver num ambiente em que tem lá um consumidor, as crianças acabam
passando por algumas circunstâncias que não podiam vivenciar” (P4) – este participante reconhece
que o consumo de substâncias expõe as crianças a riscos e contextos desadequados para a sua idade,
aumentando o risco para que se tornem consumidoras passivas e facilitando o seu próprio consumo
no futuro. Deste modo, além de não estruturar o indivíduo e oferecer uma perceção de segurança para
o seu percurso de vida, os psicólogos identificam variadas situações de risco a que as famílias podem
expor as crianças. Finalmente, constituem-se circunstâncias de risco viver em contexto de Pobreza
Familiar (5/13) ou de Doença (5/12) (particularmente, criado pela presença frequente de infeções
por HIV/SIDA (4/10) em algum dos membros da família – os participantes destacaram, ao longo da
análise, a perceção do impacto negativo do HIV/SIDA na estrutura e interações familiares). A família
é, assim, percebida como um espaço que frequentemente não proporciona a segurança ou estabilidade
que poderia oferecer e que expõe as crianças a riscos diversificados para o seu desenvolvimento.
Relativamente à Comunidade (8/58), as Características Protetoras (6/24)
identificadas referem-se sobretudo a Aspetos Sociais (5/22) do contexto comunitário,
nomeadamente: a frequência e suporte da Escola (4/7) (e.g., um participante refere como o
tratamento antirretroviral [TARV] já é ensinado e discutido no programa de um dos anos
curriculares, contribuindo para a educação da população através da intervenção num foco
central do contexto: “hoje em dia (…) existe determinada classe que já até fala de comprimidos
[TARV], não sei exatamente em que classe é, se é na quinta, mas falam”; P3) e o Apoio Social
(3/13) da comunidade, incluindo o papel ativo que assume na identificação e denúncia de
situações de adversidade. Simultaneamente, reconhecem-se Características de Risco (7/33)
24

deste contexto, como as desvantagens de estar inserido numa comunidade exposta a


Comportamentos de Risco (6/14) (particularmente, de Criminalidade e Violência
Comunitária (4/7) e de Consumo de Substâncias; 3/3) e a Inexistência ou Falta de
Qualidade da Rede Social (4/5) (i.e., a perceção de inexistência de uma rede social de apoio
ou de esta incluir influências prejudiciais ao desenvolvimento).
Os participantes reconheceram na Cultura (7/52) de Moçambique diferentes aspetos que
funcionam como Características de Risco (7/49) para a adversidade. Entre estes, destacam-se algumas
Crenças (6/32), como as relativas a Desigualdades de Género e Papéis Tradicionais (4/13), a
convicção de que se deve fazer (In)justiça pelas Próprias Mãos (3/9), isto é, que os problemas devem
ser resolvidos no seio familiar ou com o apoio da comunidade, sem necessidade de intervenção pelas
autoridades: “nesta componente de violação sexual, é também aquela questão de é algo que está a
acontecer no seio familiar então temos de tratar o assunto a nível familiar, que não há motivos de se
levar isso a outras instâncias” (P7) – este participante ilustra com clareza a firme convicção da
população de que os problemas que ocorrem no seio da família – incluindo situações de abuso ou
disfunção familiar – têm esse espaço preferencial para serem resolvidos; se necessário, podem contar
com o apoio de líderes da comunidade para as solucionar, mas não há a preocupação de que a exposição
ou experiência dessa adversidade possa violar os direitos das crianças e requerer uma intervenção das
autoridades competentes); e uma Elevada Tolerância à Violência (3/3): “é a melhor forma, que é
para educar alguém, ou para o indivíduo tornar-se alguém, como se costuma dizer, é preciso que seja
submetido a esse tipo de violência física” (P7). Este participante identifica uma crença difundida na
população de que a violência pode ser uma forma adequada de educação das crianças, o que pode
dificultar o discernimento sobre o que constituem situações de abuso, por exemplo. Também os
Comportamentos e Tradições (4/12) locais (como diversos Rituais Sexuais; 4/8) proporcionam um
risco aumentado para a vivência de adversidades na infância. Realça-se a capacidade de auto-
observação dos psicólogos que permitiu a identificação destas características de risco, dada a
dificuldade em analisar a própria cultura como um objeto exterior. As Diferenças Intraculturais (3/5)
identificadas pelos participantes refletem uma cultura nacional muito diversificada.
Por fim, a quarta e última categoria relativa à Caracterização do Contexto (8/296) das
Experiências Adversas na Infância (8/945) é a nível da Sociedade (5/31): as Características
de Risco (5/28) identificadas pelos psicólogos para a vivência de EAI prendem-se, sobretudo,
com a predominância de contextos de Pobreza (4/20) e falta de condições de vida dela
decorrentes e com alguns Problemas Estruturais do Contexto Nacional (3/8) (e.g.,
vulnerabilidades na organização do sistema nacional de saúde: “O pior é a falta desta
sensibilidade em termos de políticas de saúde que possam atender a estas comunidades
25

vulneráveis (…). Muitos abandonam o tratamento pela falha do sistema.” (M1) – neste
excerto, os psicólogos expõem como a inexistência ou lacunas nas políticas públicas que
promovam os cuidados de saúde à população levam a que diversos indivíduos desistam do
tratamento para o HIV/SIDA, fragilizando ainda mais as comunidades e famílias e aumentando
o risco para a experiência de adversidade). As carências económicas que afetam grande parte
da população facilitam a criação de contextos de risco e propiciam a experiência de adversidade
(e.g., “famílias com dificuldades financeiras ou com rendimento baixo, por mais que seja uma
família estruturada, marido, mulher, filhos, mas se o rendimento é baixo, a dificuldade que
existe de fazer face às exigências do dia-a-dia acabam criando conflitos” (P1) – este
participante salienta o efeito que as dificuldades económicas podem exercer sobre as dinâmicas
familiares apesar das características protetoras da família) e são, em si, uma adversidade:
“[a] maior parte destas crianças e adolescentes são vulneráveis (…) [e] carenciadas
(…), estão integradas em famílias pobres que, muitas vezes, não têm nem o alimento
para garantir a saúde, a medicação, também para poder ir à escola, não têm
necessidades básicas supridas. Então, independentemente de vivenciarem a doença
crónica ou não, a vulnerabilidade e falta de recurso já é um problema para
desenvolvimento de qualquer ser humano.” (P6)
Este participante destaca a desvantagem económica e falta de recursos enquanto uma
forma de adversidade com efeitos negativos sobre o desenvolvimento e independente de outras
que possam ser propiciadas por estes contextos.
Na perspetiva destes psicólogos, a família é desenhada como um lugar de risco
predominante e fortemente influenciado pelas características do contexto externo; em particular,
dos sistemas mais abrangentes, percebidos como amplamente proporcionadores de risco. Neste
contexto, a experiência de adversidade relatada como frequente no seio familiar é quase percebida
pelos psicólogos como um fenómeno estrutural da sociedade que se traduz em comportamentos e
situações recorrentes e culturalmente enraizados na população que, na perspetiva dos psicólogos,
os percebe como vulgares. A categoria de Adversidade (8/287) emerge para organizar esta
diversidade de tipologias de EAI salientadas pelos psicólogos.

Adversidade
No âmbito das Experiências Adversas na Infância (8/945), considerando a categoria
de Adversidade (8/287), destacam-se três grupos distintos de EAI identificadas, ainda que
diversas experiências não possam ser exclusivamente alocadas a um deles: Disfunções
Familiares (8/112), a experiência de Maus-Tratos (8/106) e de Contextos Adversos (8/69).
26

Figura 4
Mapa de subcategorias: tipologias da adversidade identificadas pelos participantes

O mapa apresentado na Figura 4 expressa as subcategorias identificadas pelos


psicólogos em cada grupo de experiências de Adversidade (8/287). Na subcategoria de
Disfunções Familiares (8/112) (e.g., “se estamos perante uma situação que os pais não estão
juntos, estão separados, os pais sempre têm aquelas experiências da violência ou os palavrões
dentro da família, uma família disfuncional” (P2) – o participante enumera alguns fatores que
expressam a sua visão sobre o que pode ser considerado disfuncionalidade familiar, entre os
quais a separação parental, experiências de violência e a presença de linguagem negativa no
seio da família, aludindo ao risco de exposição a estes contextos para o desenvolvimento), os
psicólogos salientaram a adversidade decorrente de contextos criados pela presença de
Infeções por HIV/SIDA (6/22), a Separação Familiar (6/12) – parental ou de outros
familiares; Não Ter Pais Presentes (5/53) devido à sua morte, criando situações de
Orfandade (5/22), ou por Abandono (4/11), deixando as crianças à responsabilidade de
Outros Cuidadores (5/12); os Conflitos Familiares (5/17) e a adversidade decorrente de
Doença Crónica ou Deficiência (3/3) da criança.
No âmbito da experiência de Maus-Tratos (8/106) infantis (e.g., “no caso das crianças
que vivem com o HIV, que até às vezes, muitas vezes sofrem maus tratos na família” (P6) – o
participante salienta a frequência da experiência de abuso infantil no seio familiar,
particularizando os contextos de HIV/SIDA – deixando transparecer a sua perceção sobre a
vigência de contextos de adversidade cumulativa), destacam-se as situações de Abuso (8/87),
nomeadamente, Físico (8/31), Sexual (7/23), contextos de Bullying (4/10) e de abuso
Psicológico/Emocional (4/6); e a Exploração Infantil (3/6). Os participantes expressam a
27

proliferação de diferentes formas de violência, criando contextos de abuso diversificados e não


exclusivamente para crianças: “a violência eu acho que tomou proporções alarmantes, a
violência no geral tanto para crianças e assim como para adultos” (P4). De facto, os
psicólogos apontam a difusão de variadas formas e contextos de violência, refletindo um
contexto em que estas situações estão firmemente enraizadas na população (espelhando-se,
inclusivamente, em crenças culturais que as podem torná-las mais aceitáveis).
Na categoria dos Contextos Adversos (8/69), enquadra-se como mais saliente o
reconhecimento de situações de Pobreza (7/25): “tem havido algumas necessidades em
questões económicas, em que alguns pacientes não conseguem ter o dinheiro de transporte
para chegar à unidade sanitária, alguns nem têm os alimentos, o pão de cada dia” (P4); da
exposição ou envolvimento em Consumo de Substâncias (6/15), de contextos de
Criminalidade e Violência Comunitária (3/6), de Casamento Prematuro (3/6) (que, ao
colocar crianças e jovens em contexto matrimonial, podem relacionar-se com as experiências
de abuso sexual infantil relatadas como frequentes no contexto do país), de Absentismo
Escolar (3/6) e de vivências de Guerra (3/4) na infância, relatadas por pacientes atualmente
adultos. Estes contextos adversos podem relacionar-se, por vezes, com aspetos culturais
específicos: “Eles fazem negociações de lobolo, ou pagar com isto ou aquilo, em troca de
favores, porque são pessoas que não têm bases financeiras” (P3) – neste caso, o participante
refere-se a negociações que considera desrespeitarem os Direitos Humanos, realizadas em
contextos de pobreza, e exemplifica com a prática cultural do lobolo, que consiste na oferta de
dinheiro ou bens à família da noiva em troca do seu casamento com o marido, celebrada numa
cerimónia tradicionalmente valorizada mas problemática, particularmente para as mulheres.
É reconhecida a influência da multiplicidade de situações de Adversidade (8/287)
identificadas pelos psicólogos nas Trajetórias de Desenvolvimento (8/362) das crianças e
jovens, diferenciadas entre mais ou menos adaptadas ao contexto em que se inserem.

Trajetórias de Desenvolvimento
Na categoria das Experiências Adversas na Infância (8/945), ilustrada na Figura 5,
são reconhecidos aspetos das Trajetórias de Desenvolvimento (8/362) dos indivíduos
associados à experiência de adversidade. Em geral, os participantes identificam enquanto
trajetórias de Inadaptação (8/288) a manifestação de Sintomatologia Psicopatológica (8/101)
e aspetos de Desajustamento Psicossocial (8/159) relacionados com a vivência de
adversidade.
28

Figura 5
Mapa de subcategorias: trajetórias de desenvolvimento associadas à vivência de EAI

Considerando a Sintomatologia Psicopatológica (8/101) mais frequentemente


mencionada pelos participantes, salienta-se o Impacto Percebido no Desenvolvimento (7/26),
que inclui Atrasos no Desenvolvimento (4/8) do indivíduo, um Impacto no Desenvolvimento
sem Especificação (4/7), Dificuldades de Aprendizagem (4/5) e situações de Enurese (3/4).
Destacam-se, depois, os Sintomas no Humor (7/25); particularmente, sintomas Depressivos
(7/21), identificando algumas Tentativas de Suicídio (4/6); e os Sintomas de Ansiedade e Stress
(7/13). De seguida, os psicólogos evidenciam as Manifestações Psicossomáticas (6/11), incluindo
a Lentificação Psicomotora (3/4) dos indivíduos, défices na Atenção, Concentração e
Hiperatividade (4/6) e sintomas de Psicopatologia sem Especificação (4/6). Os participantes
exemplificam: “para adultos, têm aparecido com stress pós-traumático, depressão, ansiedade”
(P4) – estas serão, na visão deste psicólogo, as perturbações que identifica como mais
frequentemente associadas às EAI, quando os clientes chegam ao atendimento.
Ao observar as trajetórias de Desajustamento Psicossocial (8/159), os impactos mais
fortemente reconhecidos revelam-se na Esfera Relacional (8/50), manifestando-se em Problemas
na Relação Interpessoal (6/34), como são as Dificuldades na Interação e Comunicação (5/10),
a Agressividade (4/8) e o Isolamento (4/7), e no Impacto Familiar (4/14), identificado,
sobretudo, no Impacto na Futura Família (4/7) constituída pela vítima: “vai assumir como uma
29

situação normal, vai achar que as famílias vivem assim, em conflitos, brigas, lutas, separações, e
acaba por ser uma vítima perpétua; cresce naquela situação, não tem mecanismos próprios para
perceber que pode mudar alguma coisa” (P1) – o participante caracteriza os modelos familiares
interiorizados pelos indivíduos que experienciam disfunções familiares, e que são, frequentemente,
transpostos para a família constituída por eles no futuro, podendo, como identificado, vir a subjazer
a um padrão de transmissão intergeracional de adversidade. Os psicólogos percebem uma
associação entre as EAI e o envolvimento em Comportamentos Desviantes (7/50), com o
Consumo de Substâncias (5/19), Comportamentos de Oposição (4/11), Delinquência (3/8) e
Comportamentos Sexuais de Risco (3/4) entre os mais comuns. Como evidencia um dos
participantes, “[a] maior parte deles (…) já está nas drogas, podemos ver que não têm uma
estrutura familiar, foram umas crianças que cresceram basicamente sem regras, que não têm uma
figura parental presente” (P3), salientando o risco de envolvimento em consumos de substâncias
como um fator associado à falta de estrutura da família de origem. É identificado o efeito da
adversidade na Esfera Ocupacional (6/23) – na manifestação de Dificuldades Laborais (5/5),
Dificuldades Escolares (4/8) e Absentismo Escolar (3/10). Esta população tende a evidenciar
uma Baixa Autoestima e Autoconfiança (6/12), remetendo para o impacto percebido da
adversidade no autoconceito: “tenho percebido que daqueles casos que tenho recebido (…) nas
consultas, que tenham sido vítimas na infância, para além de apresentar essa sintomatologia
psicológica, (…) são indivíduos que às vezes apresentam uma baixa autoestima, deficiências
naquilo que é o seu autoconceito” (P7) – este participante percebe um impacto negativo das EAI
no autoconceito, no papel da diminuição da autoestima. Por fim, quanto ao Bem-Estar (4/16)
individual, os psicólogos reconhecem nesta população uma Baixa Satisfação Pessoal (3/11).
A Gravidade (6/28) destas trajetórias depende de Fatores Individuais (5/12) e de Fatores
Contextuais (4/11). Os Fatores Individuais mais comummente identificados são os
Antecedentes e Comorbilidades (3/5) do indivíduo e aspetos da sua Personalidade e Recursos
Psicológicos (3/5). No âmbito dos Fatores Contextuais, é indicada a Falta de Apoio (3/3) como
agravadora da inadaptação: “E há situações em que este indivíduo (…) foi vítima de uma
determinada adversidade e não teve este suporte ou, pelo contrário, até passou a ser culpabilizado
(…) então isso também chega a agravar a situação.” (P7), ilustrando um contexto que culpabiliza
a vítima pela adversidade vivida e que pode agravar a desadaptação associada a essa experiência,
através da diminuição do apoio social disponível, que seria um potencial fator de proteção.
Apesar de os participantes reconhecerem tendencialmente trajetórias inadaptativas em
indivíduos que vivenciaram EAI, identificam também algumas manifestações de Resiliência
(8/71) face à experiência de adversidade – situações em que as vítimas de experiências adversas
30

manifestam uma adaptação global e bem-estar. A categoria da Resiliência (8/71) engloba os


Fatores Individuais (7/44) e os Fatores Contextuais (5/19) percebidos como tendo um impacto
na trajetória adaptativa.
Relativamente aos Fatores Individuais (7/44) que Facilitam (7/24) a Resiliência (8/71),
salientam-se as Estratégias de Coping Adaptativas (5/7), a Autoestima e Autoconfiança (4/4)
(e.g., “Se for uma pessoa que teve bases, sabe como tomar decisões, consegue resolver os seus
problemas, tem uma boa autoestima, afeto, há quem consegue ultrapassar” (P3) – o psicólogo
percebe a expressão resiliência enquanto produto de fatores internos do indivíduo, mais do que
contextuais – realça-se a identificação da autoestima enquanto fator facilitador da resiliência, dado
ter sido igualmente apontada enquanto uma das esferas afetadas negativamente pela experiência de
adversidades, sugerindo o autoconceito enquanto possível via através da qual as EAI contribuem
para trajetórias de (in)adaptação), e ainda a Adaptabilidade e Resolução de Problemas (3/5), as
Crenças Religiosas (3/4) e a Personalidade (3/3) do indivíduo.
No âmbito dos Fatores Contextuais (5/19) cuja influência nas trajetórias de adaptação é
reconhecida pelos psicólogos, destacam-se apenas os que Facilitam (5/18) a Resiliência (8/71);
em particular, o Apoio Social (5/9) e a Vivência Religiosa e Comunitária da Fé (3/4). A
identificação de fatores contextuais unicamente facilitadores da Resiliência (8/71) contrasta com a
diversidade de fatores de risco do contexto para a vivência de EAI (e.g., Características de Risco
(8/133) da família) e com a saliência dos Fatores do Contexto (8/123) que dificultam o sucesso
das intervenções terapêuticas com esta população, sugerindo um discurso positivo e de destaque
das forças do contexto no tema da Resiliência (8/71).
A identificação de mais e mais diversos fatores individuais do que contextuais na promoção
da Resiliência (8/71) parece traduzir uma perspetiva dos psicólogos que faz recair a
responsabilidade desta adaptação sobre o indivíduo, mais do que sobre o contexto envolvente. Os
psicólogos oferecem Definições e Expressões de Resiliência (4/7) que indiciam o que pode
constituir uma definição culturalmente relevante e socialmente construída desta adaptação.
Referenciam como parte integrante desta definição fatores individuais como a importância de uma
experiência emocional não patológica da adversidade, a manutenção da autoestima e o
restabelecimento do quotidiano. Um dos psicólogos exemplifica:
“jovens e crianças que, mesmo sabendo que têm o HIV e que devem fazer o tratamento
para vida toda, e muitas vezes são crianças e jovens vulneráveis, optam por ter uma vida
normal, são felizes, têm autoestima apesar da sua situação e são conscientes de que o mais
importante é seguir o tratamento, sim, e ter uma vida feliz e positiva, e transmitem de facto
muita alegria e muito orgulho, (…) e é a parte boa do resultado, do nosso trabalho.” (P6)
31

Este participante descreve a manifestação de outcomes de resiliência associados à experiência


de sucesso terapêutico (o que permite entrever a relevância atribuída à intervenção), mostrando como
a vivência de situações de adversidade, ainda que crónicas, pode estar ligada a crescimento e
realização pessoais e salientando a gratificação dos terapeutas com estas trajetórias adaptativas. O
participante refere-se, inclusive, à resiliência como constituindo uma escolha pessoal do indivíduo
que experiencia a adversidade – remetendo, novamente, para uma perceção de sobrevalorização da
responsabilidade individual na manifestação de resiliência, o que pode ter implicações menos
positivas para a intervenção terapêutica realizada.

Intervenção Terapêutica
Na categoria da Intervenção Terapêutica (8/434), os participantes identificaram diversos
fatores que Facilitam (8/203) ou Dificultam (8/231) o sucesso das intervenções, como representa a
Figura 6, reconhecendo como fatores de impacto sobre a intervenção aspetos que o cliente traz à
terapia, aspetos do psicólogo e aspetos do contexto da intervenção. Os participantes identificaram os
Fatores do Contexto (8/123) como os principais fatores que Dificultam (8/231) a intervenção, mas
os Fatores do Psicólogo (8/115) enquanto os principais aspetos que Facilitam (8/203) o sucesso
terapêutico, remetendo para a possibilidade de um viés atribucional ao sucesso das intervenções.

Figura 6
Mapa de subcategorias: caracterização dos fatores identificados pelos participantes como
facilitadores ou prejudiciais à intervenção terapêutica em EAI
32

Os psicólogos percebem na Intervenção Terapêutica (8/434) diferentes fatores que


Facilitam (8/203) o seu sucesso, enfatizando o contributo dos Fatores do Psicólogo (8/115).
De entre estes, salientam as Competências do Psicólogo (7/53); nomeadamente, a capacidade
de demonstrar Empatia (5/13): “empatia (…), saber escutar, não fazer julgamento (…),
principalmente empatia, tu tens que sentir no lugar da pessoa, não que vá fazer
contratransferência, [mas] tu escolheste uma profissão de ajuda” (P3) – o participante
sublinha enquanto fator mais importante para o sucesso da intervenção a capacidade de os
psicólogos expressarem empatia pelos seus clientes, fomentando uma aliança adequada que
reconhecem ter um impacto positivo no sucesso da intervenção; uma boa Formação e
Conhecimento (5/12) – continuando, também, a ter Intervisão e/ou Supervisão (3/6);
Conhecer o Contexto (4/8) em que está a trabalhar e ter Criatividade e Adaptabilidade (3/3)
às circunstâncias e recursos disponíveis. A estas competências acrescentam algumas Perceções
sobre a Intervenção (6/31) que Facilitam (8/203) a Intervenção Terapêutica (8/434), como
a Unicidade de Cada Caso (6/12) e a sensação de Gratificação (3/8) com o trabalho (e.g.,
“encontro muito sucesso nas crianças e é um grupo-alvo que eu gosto de trabalhar, e me
dedico muito, então, com as crianças sim, consigo ter, a satisfação é a cem porcento” (P3) –
este participante associa a gratificação que sente com o trabalho ao sucesso das intervenções,
realçando a maior facilidade em alcançar outcomes de resiliência com crianças,
comparativamente aos adultos, e a forma como isso o motiva a querer intervir com esse grupo
etário. Também as Estratégias (6/14) utilizadas na intervenção e a possibilidade de fazer o
Reencaminhamento para Outros Profissionais (4/8) quando necessário foram englobadas
nos fatores que proporcionam o sucesso do acompanhamento clínico. Por fim, o
reconhecimento dos psicólogos da Adversidade como Trauma (3/9) expressa a sua perceção
adequada das EAI enquanto experiências impactantes e da severidade das suas trajetórias.
Ainda no âmbito dos fatores que Facilitam (8/203) a Intervenção Terapêutica
(8/434), os psicólogos identificaram a influência dos Fatores dos Clientes e Contextos
Proximais (8/48); em particular, aspetos positivos dos Microcontextos dos Clientes (8/27).
Destes, salienta-se o Envolvimento e Apoio da Família (7/18): “do nosso lado de Psicologia,
trabalhamos com o indivíduo e depois trabalhamos com a família. Tem que se envolver a
família, porque a família (…) é a peça fundamental” (P4) – este participante reconhece a
importância da participação da família na intervenção para potenciar o seu sucesso); e o
Envolvimento e Papel da Comunidade (4/8): “se tiver um bom ambiente do trabalho ali, os
colegas aceitarem o nosso utente com os problemas que tem e apoiar de certa forma, pode vir,
ajuda bastante. Falo do trabalho (…), da parte social dos amigos, enfim” (P5) – outro
33

participante acrescenta o papel protetor e facilitador da rede social comunitária, se positiva e


aceitadora, no sucesso terapêutico. Os participantes parecem perceber o apoio dos contextos
proximais à intervenção como um potencial para a extensão das mudanças terapêuticas a outros
contextos da vida do cliente. Além destes aspetos dos microssistemas, os participantes
identificaram Características Pessoais (7/20) dos clientes facilitadoras do sucesso,
salientando-se unicamente a procura de intervenção por Iniciativa Própria (3/5). O
reconhecimento da importância da iniciativa pessoal para o sucesso da intervenção torna a
acentuar a responsabilidade atribuída ao cliente para a transformação de trajetórias desajustadas
em outcomes de resiliência.
Na categoria dos Fatores do Contexto (7/39) que Facilitam (8/203) a Intervenção
Terapêutica (8/434), sublinha-se a importância do Trabalho em Rede (7/35), incluindo o
trabalho com Equipas Multidisciplinares (5/16), o Apoio do Sistema (4/4) e a Colaboração
com Agentes Comunitários (3/15) – também este trabalho articulado entre uma rede de
entidades requer a iniciativa de uma das partes para ser estabelecido:
“Embora o Ministério [da Saúde] tenha trabalhado muito no sentido de estabelecer
essa ligação da medicina contemporânea com a medicina (…) tradicional. Então tem
havido esta ligação dos comités das comunidades, os líderes comunitários têm-nos
ajudado em falar daquilo que são, propagar os serviços prestados, a importância da
busca dos nossos serviços, tanto que também tem médicos tradicionais que passam guia
de transferência, isso já é feito para que o indivíduo possa se dirigir a unidade sanitária
para se beneficiar-se dos cuidados aqui.” (P7)
Este participante realça como fundamental o trabalho em colaboração com pessoas-
-chave nas comunidades, que servem de ponte com a população e permitem potenciar a
divulgação dos serviços de acompanhamento psicológico, alcançando um maior número de
pessoas e facilitando a informação e acesso à intervenção em caso de necessidade.
Na categoria de aspetos que Dificultam (8/231) a Intervenção Terapêutica (8/434),
os participantes reconhecem nos Fatores do Contexto (8/123) um papel central; em particular,
salientam a Falta de Recursos (8/25) (quer a Falta de Recursos Materiais (8/12), quer a
Falta de Recursos Humanos (4/11) no Sistema Nacional de Saúde [SNS]), os aspetos do
Espaço de Atendimento (7/18) (destacando-se a Falta de Condições (6/7) dos espaços, a
Falta de Privacidade (4/5) e a Inexistência de um Espaço para as Consultas (3/5) – “a
maioria [das salas] (…) não tem ventilação, razão pela qual somos obrigados até a atender
com portas abertas, que não é correto, e quebrando assim ligeiramente algum sigilo, porque
com porta aberta qualquer colega pode (…) entrar, interrompendo a sessão.” (P4) – este
34

participante exemplifica como a falta de condições de uma sala de atendimento pode,


inadvertidamente, violar o direito do cliente à privacidade na intervenção e prejudicar
consequentemente o seu sucesso). Identificam ainda as Conceções Sociais (6/31) sobre a
Psicologia e a doença mental (levando à Desvalorização da Psicologia pelo SNS (4/7), que
não investe na formação, condições e recursos humanos da área), a Substituição por Outros
Apoios (4/23) (sobretudo pelas respostas da Medicina Tradicional Moçambicana; 3/21), a
Falta de Respostas Sociais (3/9), as Raras Denúncias às Autoridades e Falta de Acesso à
Intervenção (3/9), representado o facto de muitas situações de adversidade não serem
denunciadas e, consequentemente, o acesso à intervenção terapêutica ser limitado e a Inação
do Governo (3/3) (e.g., “ficamos fracassados porque o governo não está lá a intervir, a fazer
o papel dele, então, como psicólogos, ficaria um pouco complicado (…), não está a surtir o
efeito, mas se calhar se estivesse lá o governo (…), talvez podia ajudar.” (P4) – este
participante aponta a falta de apoio do sistema governamental como uma das causas de fracasso
da sua intervenção, reflexo da forma como as conceções sociais enviesadas sobre a Psicologia
regem até os sistemas mais abrangentes em Moçambique e dificultam a intervenção e
prevenção das EAI). O contexto é, desta forma, percebido enquanto um obstáculo basilar à
prática da Psicologia e, consequentemente, ao sucesso das intervenções realizadas – tanto a um
nível sistémico mais amplo (do Governo e das políticas públicas), como a nível das crenças e
comportamentos da própria população, enraizadas na sua cultura e funcionamento.
Dos Fatores do Psicólogo (8/60) que os psicólogos reconhecem como aspetos que
Dificultam (8/231) a Intervenção Terapêutica (8/434), salientam-se as suas Perceções sobre
a Intervenção (5/34), que refletem uma sensação de Impotência (4/16): “O que é que eu posso
fazer? Não tem comida, eu mando para ação social, a ação social (…) nem a vinte por cento
[dos casos] responde. Então, há coisas que (…) não depende de ti.” (P5) – o participante
expressa a impotência sentida perante a falta de respostas de apoio do sistema e a incapacidade
de ajudar os clientes a lidar com determinados stressores crónicos; de Falta de Confiança (3/8)
– no próprio e, até, na intervenção – e o reconhecimento do Fracasso (3/3) de muitas
intervenções. Apontam a própria Falta de Formação, Intervisão e Supervisão (5/6) dos
psicólogos enquanto fator de obstáculo ao sucesso terapêutico. A perceção da Adversidade
como Desafio (4/10) exigente e complexo é também identificada como um dos Fatores do
Psicólogo (7/60) que Dificultam (8/231) a Intervenção Terapêutica (8/434).
Os participantes identificam Fatores dos Clientes e Contextos Proximais (8/48) que
Dificultam (8/231) o sucesso da Intervenção Terapêutica (8/434), destacando os Problemas
de Base (5/13) (sobretudo, económicos) a que os psicólogos não têm capacidade de dar
35

resposta, elevadas taxas de Dropout (4/7) do acompanhamento e a presença de uma Mistura


de Problemas (3/5) num só caso terapêutico. Um dos participantes refere a dificuldade de
intervir com clientes que não têm possibilidades económicas de se alimentar ou de comprar a
medicação:
“Aquele paciente está com uma fonte de ‘stress’, [a] depressão não vai passar agora
(…), eu tento aliviar, faço o meu papel, mas (…) a fonte esta lá, (…) porque ele não
tem o que comer, o que beber, mas dizem: «se você não tomar antirretroviral, (…) está
a regredir na evolução do teu quadro».” (P3)
Neste excerto, é reforçada a dissonância sentida por um dos psicólogos ao exigir a um
cliente que tome a medicação para o HIV/SIDA, sabendo que ele não vê supridas necessidades
básicas como a alimentação. O participante salienta a cronicidade da fonte de stress como fator
perpetuador das dificuldades e independente das transformações alcançadas pela intervenção.
Um olhar global sobre as características da intervenção reconhece a proximidade nas
relações terapêuticas que transparece no discurso dos psicólogos e se espelha em categorias
como a sensação de Gratificação (3/8) com o sucesso das intervenções, a perceção de
Impotência (4/16) e preocupação por não terem capacidade de apoiar mais, diversas
referências a histórias pessoais, à importância da Empatia (5/13) e de cuidar os clientes como
família e à gratidão que expressam pela possibilidade de participar no estudo, salientando a sua
relevância para o contexto e intervenção. A adversidade imposta pelos ecossistemas
envolventes não restringe o seu efeito à esfera dos clientes, pelo que também os psicólogos
poderão sentir a necessidade de desenvolver estratégias de coping adaptativas para serem
resilientes às condições do meio. A proximidade com que descrevem as relações clientes
poderá ser uma estratégia de resiliência à adversidade imposta à sua prática, fomentando a
motivação para o trabalho, ou refletir um estilo de aliança terapêutica com especificidades
culturais ou de caráter mais familiar mediante as condições ecológicas severas (e.g., que
espelhe os fatores protetores identificados com clareza nas relações interpessoais adaptativas).

Recomendações para Prevenção


Os psicólogos entrevistados sublinharam a importância dos mecanismos preventivos da
experiência de adversidade na infância e dos seus efeitos nefastos no desenvolvimento,
explorando ideias de prevenção sobre o contexto em que estas ocorrem que surgem ilustradas
na categoria Recomendações para Prevenção (8/89), expressa na Figura 7.
36

Figura 7
Mapa de subcategorias: recomendações oferecidas pelos participantes para a prevenção de
EAI e da severidade do seu impacto percebido

A categoria Recomendações para Prevenção (8/89) organizou o discurso dos participantes


num plano em que estes apontam os principais Grupos ou Entidades a Envolver (6/27) (e.g., este
participante enfatiza a importância da intervenção multidisciplinar, englobando múltiplas áreas de
conhecimento e diferentes níveis de intervenientes no sistema – membros da comunidade,
profissionais e decisores políticos: “(…) incluiria mesmo a sociedade, falo de associações
organizacionais que trabalham com a doença mental, líderes comunitários, já falamos aqui dos
médicos tradicionais que (…) trabalham diretamente connosco (…), saúde mental no geral,
psicólogos, técnicos, ação social, os próprios clínicos, políticos, professores (…)”; P5) na ação de
prevenção, os Alvos de Intervenção (7/22) – sistemas onde esta ação seria realizada (e.g., “os
professores também (…), educar eles, envolver, saber quais são os riscos de uma criança, sofrer
‘bullying’ na escola, sofrer violência, (…) os professores (…) têm um papel muito importante, dizer
que não à violência” (P3) – este participante realça o papel central dos professores e a importância
da sua sensibilização para que o contexto escolar se torne cada vez menos um contexto adverso; tendo
sido identificado o papel da Escola (4/7) enquanto Característica Protetora (6/24) da Comunidade
(8/57), mais do que diminuir a ocorrência de adversidade neste meio, os psicólogos assinalam a
possibilidade de potenciar os seus aspetos protetores, salientando o papel de apoio que pode ser
assumido pela comunidade envolvente) e um conjunto de Ações de Prevenção (8/40), isto é, ações
e medidas a ser implementadas para diminuir a ocorrência de adversidade e facilitar o acesso à
intervenção quando esta não pode ser impedida. De ressalvar que os psicólogos se focaram
37

fundamentalmente nas Ações Psicossociais (Nível Comunitário) (8/33), comparativamente às


Ações Governativas (Nível Político) (3/6), mencionadas de forma vaga e pouco esclarecedora (e.g.,
“olhando para as nossas comunidades, diria que a política económica também podia ajudar, se
melhorasse” (P4) – a falta de assertividade e convicção expressa no excerto parece remeter para o
desconhecimento dos psicólogos do que poderia ser feito a nível político para prevenir as EAI).

Aprofundar os Resultados: um Olhar Intercategorial


Risco e Proteção a Diferentes Níveis do Ecossistema
Através de uma análise comparativa e reflexiva entre as diversas categorias encontradas na
análise temática, foi possível identificar padrões e processos mais específicos que podem constituir-
-se como explicativos de alguns resultados. Os psicólogos discerniram um conjunto de Fatores
Percebidos (8/215) como Risco (8/163) e Proteção (8/52) do contexto para as EAI que, quando
cruzados com os descritores da Caracterização do Contexto (8/296), revelam a perceção dos
participantes sobre a distribuição do Risco (8/163) e Proteção (8/52) por diferentes níveis sistémicos
e a sua influência diferencial percebida na experiência de adversidade.
Os psicólogos identificam mais fatores de Risco (8/163) do que fatores de Proteção (8/52)
no contexto de Moçambique. Reconhecem alguns Fatores de Proteção na Família (6/17) e Fatores
de Proteção Comunitários (5/15), que refletem os contributos dos dois microssistemas para a
proteção das crianças neles inseridos; no entanto, identifica-se uma elevada discrepância entre a
quantidade de Fatores de Risco Familiares (7/79) e de Fatores de Risco Comunitários (6/26).
Embora identifiquem risco para as EAI na família e na comunidade, os psicólogos reconhecem um
maior risco nas características das famílias em que estas crianças estão inseridas, ideia reforçada se
for considerada a proporção de fatores de risco e de proteção na família (17 referências a proteção/79
referências a risco) e na comunidade (15 referências a proteção/26 referências a risco). Pode colocar-
-se a hipótese de que a comunidade funcione como unidade organizadora de uma sociedade
tendencialmente coletivista como Moçambique, assumindo um papel central na proteção das vítimas
de EAI. Porém, é de salientar que os psicólogos da amostra alargada sublinharam mais o papel
protetor (existente ou potencial) da comunidade do que os psicólogos da amostra original.
A um nível sistémico abrangente, não foram reconhecidos fatores de proteção na sociedade
ou cultura; a nível do exossistema, porém, foram identificados Fatores de Risco Societais (4/22)
(e.g., taxa de pobreza muito elevada) e, no macrossistema, salientes Fatores de Risco Culturais
(6/20) inerentes a práticas culturais regionais (e.g., “está a ser motivado o abuso sexual por causa da
cultura numa determinada zona (…), o homem vai cobiçar essa menina, vai precisar dessa menina,
então é só pegar e (…) forçar a prática de relação sexual” (P2) – o participante refere-se à prática
38

cultural fomentada em algumas zonas do país que legitima que um homem que não conseguiu
encontrar esposa force a relação sexual com crianças e, tendo abusado delas sexualmente, possa
considerá-las comprometidas consigo, correspondendo às expectativas sociais de casamento e
construção de uma família).

Interligação entre o Contexto e a Adversidade


Ao longo da análise, foi clara a perceção de que os fatores de risco do contexto e as tipologias
de adversidade não podiam ser distinguidos claramente, expressando as perceções dos psicólogos
sobre a forma como o contexto pode funcionar como elemento de adversidade e, simultaneamente,
aumentar o risco para outras EAI. A categoria de sobreposição destes temas, Interligação entre o
Risco e a Adversidade, expressa aspetos que se revelam simultaneamente como contextos de risco
e EAI em diversos ecossistemas: Adversidade na Família (7/70), Adversidade na Comunidade
(7/19), Adversidade na Sociedade (3/17) e Adversidade Perpetuada pela Cultura (5/12).
Destaca-se a identificação da coocorrência de risco e EAI no microssistema familiar. A
experiência de Disfunções Familiares na Família (7/52) é reconhecida como espelhando as
características manifestas de risco deste sistema (e.g., Não Ter Pais Presentes (4/21) , experienciar
Conflitos Familiares (4/12), viver em contextos de HIV/SIDA (3/8), de Separação Parental (3/6)
e de Pobreza Familiar; 3/6). A experiência de Maus-Tratos na Família (6/18) associa-se a
contextos de Violência Doméstica (4/8) e à Pertença do Agressor à Família (3/4), em situações de
abuso; e a vivência de Contextos Adversos na Família (5/15) relaciona-se com a experiência de
Pobreza Familiar (4/12). No microssistema comunitário, os psicólogos associam aos descritores do
contexto adversidades como os Maus-Tratos na Comunidade (5/13) e os Contextos Adversos na
Comunidade (4/8), ambos relacionados com os Comportamentos de Risco (3/3) comunitários.
Nos níveis sistémicos mais amplos, salientam-se a experiência de Contextos Adversos na
Sociedade (3/17), associada à predominância da pobreza extrema, e a Adversidade Perpetuada
pela Cultura (5/12), sublinhando o papel de aspetos culturais como promotores ou perpetuadores de
EAI (salientam-se os Maus-Tratos Perpetuados pela Cultura (3/8) – e.g., contextos de abuso
sexual perpetuados e justificados por rituais culturais sexualizados com crianças).

Trajetórias de Desajustamento Psicossocial em Contextos de Adversidade


A sobreposição entre as características do contexto que são já experiências de adversidade
(Interligação entre o Contexto e a Adversidade) relaciona-se com as trajetórias de
Desajustamento Psicossocial (8/159) identificadas pelos participantes, formando a categoria de
Trajetórias de Desajustamento Psicossocial em Contextos de Adversidade, que reflete, em
39

particular, associações entre as características adversas dos ecossistemas e duas das trajetórias de
desajustamento: a de Comportamentos Desviantes (4/9) reconhecidos como associados às EAI e a
do impacto percebido na Esfera Relacional (2/8) das vítimas. O impacto percebido desta
sobreposição na Esfera Relacional (2/8) reflete a perceção dos psicólogos sobre o efeito dos
contextos de adversidade nas relações interpessoais – quer nas competências para estabelecer
relações, quer nos contextos relacionais e, em particular, na família constituída pelas vítimas,
podendo indiciar a criação de um contexto de adversidade para gerações futuras: “uma criança que
cresce a ver, por exemplo, pais a lutarem, a praticarem violência, essa criança tem probabilidade
no futuro também desenvolver o mesmo comportamento dos pais” (P5), e perpetuando um ciclo
intergeracional de adversidade. Este ciclo pode não ser exclusivo do contexto familiar: a trajetória de
Comportamentos Desviantes (4/9) estende-se à comunidade e, sendo semelhante a diversos fatores
de risco comunitário para as EAI, pode acontecer que as trajetórias associadas a estas experiências
funcionem como perpetuadoras de um contexto comunitário de risco para as gerações futuras.
Deste modo, os psicólogos parecem perceber uma relação bidirecional entre os contextos
caracterizados pela adversidade – Interligação entre o Contexto e a Adversidade – e as
Trajetórias de Desajustamento Psicossocial em Contextos de Adversidade: por um lado, a
experiência de contextos de risco e de diferentes tipos de adversidade pode levar a trajetórias de
desenvolvimento inadaptativas, como são os fatores de inadaptação psicossocial referidos. A
experiência deste desajustamento no dia-a-dia, por sua vez, pode manifestar-se em comportamentos
que perpetuam um contexto de adversidade familiar e comunitária que levará crianças das gerações
seguintes a vivenciar os mesmos contextos de adversidade e a seguir, globalmente, o mesmo tipo de
trajetórias de desajustamento – e assim sucessivamente.

Quebrar o Ciclo da Adversidade: uma Abordagem Preventiva ao Contexto


O ciclo percebido entre adversidade e trajetórias dificilmente será quebrado sem uma
abordagem contextual. A identificação dessa necessidade pelos psicólogos transparece na relação
entre a sua perceção de fatores que Facilitam (8/203) e Dificultam (8/231) a Intervenção
Terapêutica (8/434) e as características das Recomendações para Prevenção (8/89) sugeridas,
emergindo cinco padrões temáticos, explicitados de seguida, que identificam as necessidades
percebidas do contexto ao caracterizar como os psicólogos adaptam os fatores de influência na
intervenção para a prevenção: a identificação de um problema complexo, a formação dos psicólogos,
os recursos e condições de trabalho, a educação da população e a promoção do apoio social.
O reconhecimento do risco e adversidade no contexto de Moçambique e o esforço para os
reduzir é percebido como um problema complexo: é multidimensional, multicausal e interdependente
40

nas suas dimensões. Os psicólogos identificam enquanto fatores que dificultam o sucesso das
intervenções os Problemas de Base (5/13) trazidos pelos clientes e sobre os quais a intervenção clínica
tem pouco efeito; a Falta de Respostas Sociais (3/9) a estes problemas e a Inação do Governo (3/3)
traduzem ainda a imagem dos psicólogos de um sistema governamental pouco apoiante da sua
intervenção, dificultando o trabalho com esta população. Os participantes realçam a importância do
Trabalho em Rede (7/35) (e das suas subcategorias), atendendo a vários níveis do sistema, como
facilitador da intervenção. A complexidade deste contexto encontra um olhar solucionador dos
psicólogos que remete, nas linhas preventivas propostas, para a necessidade de Envolver as
Comunidades (4/8), de incluir Profissionais de Múltiplas Áreas (3/10) e, inclusive, o Governo (3/5)
na prevenção das EAI. Os psicólogos salientam ainda a importância de uma intervenção
multissistémica vertical (expressa nas duas formas de Ações de Prevenção; 8/39) e horizontal
(relacionada com os diferentes microssistemas que propõem ser Alvos de Intervenção (7/22).
O segundo padrão remete para a formação dos psicólogos. É identificada a Falta de
Formação, Intervisão e Supervisão (5/6) enquanto fator que dificulta a intervenção e,
paralelamente, as Competências do Psicólogo (7/53) (e.g., Formação e Conhecimento; 5/12)
enquanto facilitadores do seu sucesso. Esta dualidade torna a espelhar-se na ação preventiva que
remete para a necessidade de possibilitar melhor Formação aos Psicólogos (2/3) em Moçambique.
Os recursos e condições de trabalho destacam-se enquanto fatores que dificultam o sucesso
terapêutico (e.g., Falta de Recursos (8/25) humanos e materiais e condições do Espaço de
Atendimento; 7/18). Na sequência destas fragilidades, os psicólogos recomendam a melhoria das
Condições dos Espaços de Atendimento (2/2) como ação de prevenção.
A educação e informação das populações é outro aspeto saliente na comparação entre as
categorias. São identificadas as Conceções Sociais (6/31) e a Substituição por Outros Apoios
(4/23) enquanto obstáculos à intervenção, refletindo o desconhecimento da população acerca da
Psicologia e doença mental e a desvalorização da intervenção terapêutica como útil e independente
de outros apoios cultural e socialmente privilegiados. As dificuldades emergentes desta
desinformação refletem-se no destaque das ações preventivas de Psicoeducação (5/16) em diferentes
microssistemas (i.e., identificados enquanto Alvos de Intervenção; 7/22).
Por fim, os participantes realçam a necessidade de promoção do apoio social. A importância
de uma rede social apoiante foi reconhecida de forma transversal ao longo dos temas de análise,
espelhando o olhar tendencialmente coletivista dos participantes e o seu reconhecimento das forças
e proteção que emergem de relações interpessoais positivas. O Envolvimento e Apoio da Família
(7/18) e o Envolvimento e Papel da Comunidade (4/8) foram identificados como fatores dos
Microcontextos dos Clientes (8/27) marcadamente apoiantes e promotores do sucesso terapêutico.
41

Pelo contrário, a categoria de Raras Denúncias às Autoridades e Falta de Acesso à Intervenção


(3/9) reflete os efeitos prejudiciais que a inexistência do apoio comunitário pode ter na proteção das
vítimas de EAI. Neste sentido, as ações de prevenção espelham a promoção do papel crucial dos
microssistemas e rede social, realçando a importância da Ativação da Comunidade (2/5) enquanto
canal de apoio na identificação e denúncia de contextos adversos (e.g., familiares) e da criação de um
Centro de Saúde Mental e Social (2/3) de apoio às famílias vulneráveis nas comunidades.

Discussão
Panorama da Adversidade Precoce em Moçambique
O mapa de relações ilustrado na Figura 8 sintetiza os resultados apresentados,
explicitando como o risco e proteção percebidos no contexto moçambicano interagem e
desenham o cenário sobre o qual são vivenciadas EAI. É reconhecido o potencial das EAI para
conduzir as trajetórias de desenvolvimento individuais por percursos de maior ou menor
adaptação; as trajetórias inadaptativas parecem poder contribuir para perpetuar o ciclo de
adversidade em gerações futuras. Para o sucesso das intervenções terapêuticas em EAI
contribuem fatores do contexto, do psicólogo e do cliente. Finalmente, e porque, num contexto
propiciador de adversidade, muitos indivíduos não têm acesso à intervenção clínica, os
participantes deixam algumas recomendações que poderiam ser englobadas num plano de
prevenção face às EAI e à severidade das trajetórias de inadaptação associadas.

Figura 8
Mapa mental de relações entre as categorias de resultados
42

Os participantes descreveram um cenário de adversidade diversificado em


Moçambique, incluindo circunstâncias de disfunção familiar, de maus-tratos e de contextos
adversos. Em particular, e em linha com a literatura existente no contexto africano (Jewkes et
al., 2010), contextos de abuso físico e sexual foram identificados como extremamente comuns.
O facto de não ter emergido uma categoria sobre a negligência apoia a lacuna identificada na
investigação sobre este fenómeno (Dunne, 2009), remetendo para a possibilidade de que os
psicólogos reconheçam em menor grau a frequência e severidade desta situação para o
desenvolvimento infantil, comparativamente a circunstâncias de maus-tratos ativos, como as
diversas formas de abuso identificadas. Apesar de os efeitos associados à negligência serem
tão graves como as consequências da experiência de abuso (Gilbert et al., 2009) e de a
negligência ser considerada a mais frequente forma de maus-tratos (McSherry, 2007), os
resultados deste estudo apoiam o fenómeno reconhecido pela literatura como a “negligência da
negligência” (i.e., a tendência de a investigação sobre maus-tratos se focar no estudo dos
contextos de abuso), justificada, entre outros, pela dificuldade em definir negligência (e.g.,
devido às diferenças interculturais sobre o que é considerado cuidado negligente) e identificar
os seus efeitos e pela subestimação do impacto negativo desta situação (McSherry, 2007).
Os fatores de risco para a adversidade foram identificados pelos participantes de forma
alocada a diferentes níveis do ecossistema, remetendo para a influência diferencial dos múltiplos
níveis sistémicos sobre o desenvolvimento humano (Bronfenbrenner, 1979). A maior parte dos
fatores de risco pertenciam aos microssistemas do indivíduo e, em particular, ao contexto
familiar, sendo comuns a diversos riscos identificados na literatura, como as fragilidades na
estrutura e funcionamento familiares, incluindo a experiência de contextos de HIV/SIDA ou a
exposição aos comportamentos de risco parentais identificados pelos participantes (e.g., Cluver
et al., 2013; Farnia et al., 2020; Maepa et al., 2019; Stith et al., 2009; Vindevogel et al., 2015).
Apoiando a literatura existente, os participantes salientaram o papel dos determinantes parentais
na criação de contextos de abuso (Mulder et al., 2018). A saliência e natureza do risco
identificado na família revelam como os psicólogos percebem este microssistema profundamente
influenciado pelas condições do meio social que o envolve, adequando a leitura destas interações
através da lente do modelo de resposta familiar de ajustamento e adaptação (Patterson, 1988) e,
consequentemente, suscitando interesse sobre a natureza e expressão dos processos de resiliência
familiar desenvolvidos numa cultura tendencialmente coletivista (e, especificamente, em
Moçambique) para lidar com o stress identificado nos níveis ecológicos abrangentes.
Também no seio do microssistema comunitário os fatores de risco identificados
apoiaram a literatura existente, referindo-se à adversidade associada à experiência de contextos
43

de pobreza e de comportamentos de risco comunitários, entre os quais a violência comunitária


e o consumo de substâncias (Lee et al., 2020; Petruzzi et al., 2018; Wolff et al., 2018). A
perceção dos psicólogos sobre o impacto da falta de recursos no desenvolvimento infantil (quer
por se associar a outras situações de risco, quer por constituir uma adversidade) vai igualmente
ao encontro da posição fundamentada na literatura que reflete o efeito direto e indireto da
pobreza em indicadores de bem-estar, desenvolvimento e educação (Chaudry e Wimer, 2016).
Aos indicadores de pobreza familiar acresce o risco aumentado da pobreza comunitária para
os outcomes de desenvolvimento (Magnuson, 2014; citado por Chaudry & Wimer, 2016).
Considerando os aspetos culturais do macrossistema, o modelo ecológico transacional
(Cicchetti & Lynch, 1993) tem por base a assunção de que uma sociedade com níveis elevados de
tolerância à violência proporciona uma maior frequência de contextos familiares de violência
(Belsky, 1980; 1993), o que pode ser o caso em Moçambique, dado ter sido identificada essa
tolerância cultural e, simultaneamente, a presença de formas diversificadas de violência em
múltiplos palcos de atuação. Dada a importância do contexto cultural para a investigação das EAI
(Dunne, 2009; Omigbodun et al., 2008; Scully et al., 2019), é fundamental reconhecer as suas
características e refletir sobre a sua potencial relação com a identificação das EAI e das trajetórias
de maior ou menor adaptação que lhes são associadas. Outras crenças culturais identificadas pelos
participantes podem ser relacionadas com a literatura sobre as EAI no contexto africano: a
inexistência de denúncias de maus-tratos às autoridades (dado a sua resolução ser considerada do
âmbito familiar e comunitário) pode ter por base o não reconhecimento de que o abuso e o seu
efeito no desenvolvimento constituem um desrespeito aos Direitos das Crianças (e.g., a
investigação sugere um contexto em que a proteção do agressor é preferida à da vítima, inclusive
pela família desta; Shumba, 2014). Por outro lado, o contexto de desigualdade de género
reconhecido pelos psicólogos poderá estar subjacente ao risco aumentado para que crianças do sexo
feminino experienciem determinadas EAI, frequentemente relacionadas com tradições e rituais
culturais prejudiciais ao seu desenvolvimento (e.g., Cluver et al., 2011; Maepa et al., 2019;
Rafferty, 2013). As diferenças intraculturais identificadas pelos participantes, reflexo de um país
de comunidades com características culturais específicas e diversas, poderão explicar a dispersão
de resultados (diversificados e, por vezes, pouco salientes na análise) percebida pela investigadora.
Ao longo da análise, foi difícil distinguir entre o que eram características de contextos
de risco para a experiência de adversidade e o que eram já experiências, em si, adversas, uma
vez que muitos dos descritores dos contextos identificados pelos psicólogos se enquadravam
já na categoria de EAI. Este resultado surge alinhado com a literatura sobre a inter-relação entre
diferentes formas de adversidade (Dong et al., 2004) e como estas podem manifestar um efeito
44

cumulativo, contribuindo para criar contextos de polivitimização (Finkelhor et al., 2011) e


intensificando o seu impacto nefasto no desenvolvimento (Evans et al., 2013) – o que distingue
as crianças em risco das restantes não é tanto a exposição a um determinado fator de risco, mas
uma história de vida de uma multiplicidade de desvantagens familiares, sociais e económicas
(Fergusson & Horwood, 2003), como as identificadas nesta investigação. A sobreposição entre
as características de risco dos contextos e as tipologias de EAI verificou-se, particularmente,
no seio familiar (o que pode ser explicado por a maioria dos fatores de risco e das EAI terem
sido identificadas nesse microssistema). Porém, na sua análise sistemática da literatura,
também Scully et al. (2019) identificaram a sobreposição entre os construtos de funcionamento
familiar e EAI, alertando para a necessidade de utilizar definições coerentes e homogéneas na
investigação sobre estes temas. Se esta sobreposição pode explicar a correlação positiva e
significativa entre o funcionamento familiar e a vivência de EAI verificada nesta revisão, a
associação entre as variáveis pode também ser compreendida dado o enquadramento de que
muitas das EAI identificadas ocorrem no seio familiar e, como tal, relacionam-se de forma
próxima com o funcionamento deste sistema (Scully et al., 2019). Por sua vez, os resultados
desta dissertação salientam não só a perceção dos psicólogos relativa ao maior número e
diversidade de fatores de risco alocados ao contexto familiar, mas também a uma elevada
frequência de adversidades a manifestar-se neste microssistema (e.g., todas as disfunções
familiares, diversas formas de violência e dificuldades económicas no seio familiar).
A literatura reconhece a influência destes contextos de adversidade nas trajetórias de
desenvolvimento e bem-estar (e.g., Hatcher et al., 2019; Mosley-Johnson et al., 2019). As
perceções dos psicólogos sobre esta influência apoiaram a investigação, refletindo os impactos
percebidos na saúde mental (Brown et al., 2017; Carr et al., 2018; Hatcher et al., 2019; Petruccelli
et al., 2019) e ajustamento psicossocial (nomeadamente, bem-estar social e relacional, expressando
dificuldades na interação, agressividade e isolamento, e na família constituída pela vítima no futuro
– o que poderá contribuir para perpetuar um ciclo intergeracional de adversidade (Assink et al.,
2018). Além do impacto percebido nas relações interpessoais, os psicólogos identificaram
trajetórias desadaptativas associadas a comportamentos desviantes (consumo de substâncias,
comportamentos de oposição, comportamentos sexuais de risco e delinquência) a impactos
escolares e laborais, baixa autoestima e baixa satisfação pessoal, apoiando a literatura atual; Anda
et al., 2010; Brockie et al., 2015; Burnette, 2013; Carr et al., 2018; Folayan et al., 2020; Mosley-
Johnson et al., 2019; Papalia et al., 2018; Petruccelli et al., 2019; Stempel et al., 2017).
No entanto, a experiência deste contexto de risco e de adversidade cumulativos não é
determinante de outcomes desadaptativos para os indivíduos (Fergusson & Horwood, 2003). Os
45

psicólogos reconheceram igualmente que nem todos os indivíduos que experienciam EAI
manifestam outcomes de desajustamento. Os contributos que identificaram para potenciar as
trajetórias de resiliência e adaptação foram, porém, predominantemente centrados nas características
e estratégias de coping individuais, face aos fatores do contexto. No âmbito dos fatores contextuais
promotores da resiliência, reconheceu-se o papel da rede social e comunitária, suportando a
investigação relativa à importância deste aspeto na promoção da adaptação (Coulton et al., 2007;
Herdiana et al., 2018; Muller et al., 2000; Ozer et al., 2017). Apesar da importância das características
individuais na variabilidade interpessoal das manifestações de resiliência à adversidade (e.g., Oshio
et al., 2018), a literatura sublinha o papel das características do ecossistema do indivíduo nas
manifestações de resiliência (Ungar et al., 2013), como são as características do meio, a família, a
cultura ou o sentido de pertença a uma comunidade (Hegney et al., 2007), e a forma como o indivíduo
pode interagir com elas para transformar ambientes de risco em contextos de maior proteção
(Kumpfer, 2002). A menor medida do reconhecimento destes fatores na promoção da resiliência pode
traduzir uma convicção dos psicólogos de que a resiliência depende, sobretudo, de fatores individuais,
sobre-responsabilizando as vítimas das EAI com expectativas irrealistas para os outcomes da sua
adaptação à adversidade e negligenciando aspetos fundamentais do contexto que podem ser
promovidos enquanto potenciadores da resiliência a maior escala – inclusivamente, porque um
contexto adverso como os psicólogos reconhecem ser o de Moçambique levará a resiliência das
crianças e jovens a depender ainda mais da proteção dos fatores ecológicos (Ungar, 2013).

Papel do Apoio Social Percebido

Figura 9
Esquema explicativo do papel central do apoio social percebido nas várias esferas analisadas
46

O papel-chave do apoio social percebido como disponível nos diferentes microssistemas


do indivíduo foi transversal à análise, surgindo enquanto fator de proteção dos microssistemas
familiar e comunitário para as EAI, promotor de trajetórias de resiliência e aspeto facilitador das
intervenções terapêuticas. A inexistência ou falta de qualidade percebida da rede de apoio foi
identificada como risco dos contextos familiar e comunitário para a vivência de EAI e fator
agravador das trajetórias inadaptativas. A falta de apoio social surgiu ainda enquanto reflexo das
próprias trajetórias de desajustamento psicossocial, no papel do isolamento. Também na literatura
é identificada a influência positiva do apoio social no bem-estar psicológico enquanto promotor da
saúde e bem-estar e atenuador do impacto do stress (Killian et al., 2008; Turner & Butler, 2003).
O esquema apresentado na Figura 9 expressa algumas das relações propostas entre
categorias de resultados. Os contextos de adversidade (inter-relação entre risco contextual e EAI)
são percebidos pelos psicólogos como passíveis de propiciar apoio social às crianças ou de não
disponibilizarem esse suporte (na família e na comunidade). A perceção da disponibilidade do
apoio social, por sua vez, funciona como fator de proteção (ou, no caso da sua ausência, de risco)
para a vivência de EAI. Realça-se a importância da perceção de disponibilidade do apoio e não do
apoio efetivamente disponível (e.g., em situações de stress familiar, mesmo quando o apoio está
disponível, as crianças podem ter mais dificuldade em percecioná-lo; Turner & Butler, 2003). Os
contextos de adversidade influenciam as trajetórias de (in)adaptação das crianças e jovens através
do impacto das EAI no desenvolvimento e bem-estar (e.g., Anda et al., 2010; Carr, 2018; Mosley-
Johnson et al., 2019; Petruccelli et al., 2019). Se desadaptativas, as trajetórias podem, por sua vez,
influenciar os contextos, desenhando uma conjuntura de adversidade que se torna contexto de risco
para a experiência de adversidades pelas crianças e jovens das gerações seguintes – mantendo um
ciclo intergeracional de maus-tratos familiares (Assink et al., 2018), ou perpetuando o consumo de
substâncias e os comportamentos de criminalidade e violência na comunidade. Porém, o contexto
de adversidade poderá ter alguma influência nas trajetórias de desenvolvimento individual também
através do apoio social percebido: contextos com disponibilidade de apoio social na família e
comunidade são reconhecidos como mais protetores face à adversidade e à severidade das
trajetórias de inadaptação do que contextos em que não existe apoio familiar ou em que a rede
social comunitária é percebida como prejudicial ao desenvolvimento, dada a sua inexistência ou
falta de qualidade (Herdiana et al., 2018). Assim, a perceção de mais ou menos apoio social nos
microssistemas dos indivíduos poderá estar associada, respetivamente, a trajetórias de resiliência
ou de desadaptação perante as EAI, apoiando a literatura (Jones et al., 2018; Longhi et al., 2021).
No âmbito das trajetórias de desajustamento psicossocial, os participantes identificaram a
esfera relacional enquanto a área mais afetada pelas EAI (i.e., isolamento social, que se pode
47

traduzir num menor apoio social percebido, dificuldades na interação e comunicação e maior
tendência a comportamentos agressivos). Estas dificuldades parecem traduzir um défice nas
competências sociais que pode dificultar a criação uma rede de apoio protetora face à adversidade
– a associação entre as EAI e redes de apoio social menores, menos satisfatórias e piores
competências para estabelecer relações sociais duradouras e positivas apoia a literatura existente
(Hill et al., 2003). Também os sintomas de psicopatologia podem apresentar um efeito negativo
sobre a construção da rede social, dificultando a criação de relações positivas e elicitando o conflito
interpessoal (Hammen, 2006; Pachucki et al., 2015), remetendo para uma possível circularidade
entre a perceção de apoio social e a saúde mental (Turner & Brown, 2010). Estas evidências podem
suportar a hipótese de que a falta de apoio social funcione não apenas enquanto risco do contexto
para a experiência de adversidade e para a severidade das trajetórias de ajustamento associadas,
mas como consequência das próprias trajetórias inadaptativas, dadas as limitações que impõem à
construção de uma rede social apoiante e protetora. O papel que a disponibilidade percebida deste
apoio poderia assumir enquanto protetor da vivência de adversidades cumulativas (Hatch, 2005) e
de trajetórias desajustadas (e.g., Ozer et al., 2017) deixa de se verificar e a ausência deste apoio
percebido permanece um fator de risco contextual.
Em algumas situações, a manifestação de comportamentos ou sintomas patológicos ou
inadaptativos pode levar a que o indivíduo seja alvo de intervenção, que pode ser bem-sucedida
(alterando a trajetória para um rumo de resiliência) ou mal-sucedida, mantendo o desajustamento
e, eventualmente, contribuindo para a criação de novos contextos de risco intergeracionais. Para o
sucesso terapêutico concorrem fatores do contexto multissistémico, entre os quais é reconhecido o
papel facilitador central do apoio familiar e comunitário. Neste contexto, surgem recomendações
para prevenção que promovem, direta ou indiretamente, o apoio social (em particular, da
comunidade), revelando o reconhecimento dos psicólogos da importância deste elemento na
proteção das EAI e na promoção da resiliência e do sucesso terapêutico com esta população.

Atribuições dos Psicólogos ao Sucesso da Intervenção


Os psicólogos identificaram como principais fatores facilitadores do sucesso
terapêutico aspetos do psicólogo e, em menor medida, fatores dos clientes e contextos
proximais e fatores do contexto. Por contraste, reconhecem primariamente fatores do contexto
como obstáculos ao sucesso e só depois fatores do psicólogo e fatores dos clientes e contextos
proximais. A discrepância entre os contextos onde são identificados fatores de sucesso e
insucesso terapêutico é saliente, e, ainda que não possa ser enquadrada numa hipótese de
assimetria entre o ator e o observador (Malle, 2006), poderá oferecer algumas pistas sobre as
48

atribuições dos psicólogos ao sucesso da sua intervenção. Em particular, estas diferenças


poderão remeter para a presença de um self-serving bias (SSB, i.e., a tendência a atribuir
outcomes pessoais de sucesso a causas internas e outcomes pessoais negativos a causas
situacionais ou externas (Shepperd et al., 2008), previamente evidenciado em psicoterapeutas;
Murdock et al., 2010) na consideração pelas causas do sucesso e insucesso terapêutico – o que
poderia ser interessante de averiguar, uma vez que os próprios psicólogos referem sentir falta
de formação, supervisão e intervisão na prática clínica, fatores reconhecidos como contributos
para a qualidade da intervenção (e.g., Bostock et al., 2019) e falta de confiança nas suas
capacidades e no potencial da intervenção. Podendo ter múltiplas causas (Shepperd et al.,
2008), o SSB é potenciado pelo grau de ameaça à autoimagem (Campbell & Sedikides, 1999),
pelo que seria útil investigar se, se se verificasse o enviesamento, este fosse motivado pela
necessidade de proteger a imagem profissional num contexto pouco apoiante da Psicologia.

“A stitch in time saves nine” 4: a Importância da Prevenção


O desajustamento psicossocial e impacto percebido para a saúde mental dos indivíduos
vítimas de EAI, identificado nesta investigação e, de forma robusta, na literatura (e.g., Carr et al.,
2018; Mosley-Johnson et al., 2108; Petruccelli et al., 2019;), evidenciam a necessidade premente
de implementar políticas de proteção para prevenir situações de abuso e providenciar a intervenção
necessária aos sobreviventes destes contextos (Carr et al., 2018). A noção de prevenção radica no
campo da saúde pública, referindo-se às ações com o objetivo de reduzir stressores ambientais e
promover fatores de proteção nos indivíduos (Nelson & Prilleltensky, 2010). Os problemas
psicossociais distinguem-se de diversos problemas de saúde pública por serem determinados por
múltiplas causas, frequentemente associadas a diferentes níveis sistémicos (Nelson & Prilleltensky,
2010). Apesar da variedade de fatores de risco associados à experiência de abuso, disfunção
familiar e contextos adversos (Stith et al., 2009; Schoon et al., 2019; Lin et al., 2019) e do seu
potencial cumulativo (Finkelhor et al., 2011), alguns indivíduos manifestam outcomes de
resiliência por beneficiarem de fatores de proteção que atenuam as consequências das experiências
negativas (Nelson & Prilleltensky, 2010).
Bellis et al. (2019) enquadram as EAI como um problema que pode ser prevenido,
promovendo a qualidade de vida de inúmeros indivíduos e evitando o impacto desadaptativo das
EAI no seu desenvolvimento; reconhecendo a prevalência das EAI e dos seus efeitos, Ellis e Dietz

4
“Um ponto a tempo poupa nove”, i.e., uma ação menor na altura adequada pode evitar dificuldades maiores no
futuro (provérbio citado em Nelson & Prilleltensky (2010), referindo-se à importância da abordagem preventiva).
49

(2017) sublinham a necessidade de alargar o foco de intervenção além do contexto clínico para
endereçar os determinantes sociais subjacentes às EAI, centrando a sua intervenção preventiva na
promoção de resiliência comunitária. Também os participantes deste estudo descrevem ações e
focos da prevenção que promovem a proteção das comunidades e famílias.
As recomendações para a prevenção da experiência de adversidade e severidade do impacto
associado sugeridas pelos participantes vão ao encontro das recomendações identificadas por Woods-
Jaeger et al. (2018) para quebrar o ciclo intergeracional de experiências adversas, expressas por
indivíduos que o vivenciaram. Em particular, as ações de psicoeducação e sensibilização relacionam-
se com a recomendação (a) de consciencializar a comunidade acerca das EAI (Woods-Jaeger et al.,
2018); a criação de centros de apoio social e comunitário e a ativação do papel da comunidade
enquadram-se na recomendação (b) sobre cultivar uma comunidade apoiante; e a melhoria da
qualidade dos serviços de saúde mental disponíveis, bem como as ações de psicoeducação,
correspondem à recomendação (c) que salienta a necessidade de facilitar o acesso a serviços de
educação e apoio parental e de saúde mental. O alinhamento de perspetivas entre os participantes
destas investigações salienta não apenas a necessidade de implementar estas recomendações de forma
adaptada ao contexto a que se referem, mas a importância de envolver as comunidades, famílias e
indivíduos que participam nestes contextos na procura de soluções adequadas aos problemas
psicossociais que se manifestam neles. A necessidade de envolver ativamente as comunidades foi
referida pelos participantes deste estudo, enquadrando-se na perspetiva de Nelson e Prilleltensky
(2010), que sublinham a importância do envolvimento cívico na construção de soluções,
ultrapassando a tendência de o desenho de políticas públicas de intervenção social ser feito
exclusivamente por entidades e profissionais que não são diretamente afetados por essas decisões.
A marcada discrepância entre o tipo de ações de prevenção propostas (focadas numa
intervenção psicossocial) pode dever-se à perceção de agência dos psicólogos (que se percebem
como mais capazes de atuar a nível microsistémico, acentuando essas ações) ou refletir também
uma perceção enviesada de que estas ações mais cirúrgicas tenham um impacto mais positivo
(i.e., promotor de resiliência) do que ações nos contextos abrangentes, contrariamente ao que
indica a literatura (Ungar et al., 2013). Adicionalmente, pode espelhar a falta de confiança dos
participantes na capacidade e motivação dos sistemas abrangentes (nomeadamente, políticos)
para cuidar e proteger a população das EAI (ideia refletida noutras categorias; e.g.,
Desvalorização da Psicologia pelo SNS, Falta de Respostas Sociais e Inação do Governo).
Apesar da perceção do contexto como pouco valorizador da Psicologia, os resultados
deste estudo espelham as autoperceções dos psicólogos enquanto elementos fundamentais ao
trabalho multidisciplinar de elaboração do plano de prevenção face às EAI; do mesmo modo,
50

Rog et al. (2021) salientam a mais-valia dos conhecimentos destes profissionais em áreas tão
diversas quanto a intervenção comunitária para a promoção da resiliência, a investigação e
divulgação do conhecimento acerca das EAI na população e a participação e envolvimento em
estruturas governamentais de desenho de políticas públicas apoiadas pela investigação em EAI
e promotoras de práticas informadas e potenciadoras da resiliência.

Remar contra a Maré: o Impacto Percebido do Contexto sobre a Prática da Psicologia


Em 2013, Moçambique, com 22 mil habitantes, contava com 86 psicólogos nos serviços
de psiquiatria e saúde mental. Não existia uma lei de regulação da profissão, um Código de Ética
(Federação das Associações de Psicólogos dos Países de Língua Portuguesa, 2013) ou uma Ordem
de Psicólogos, mas apenas uma Associação de Psicologia de Moçambique criada em 2004 com
objetivos de promoção e profissionalização dos psicólogos em Moçambique e integração dos
profissionais no sistema estatal (Batista, 2019). Neste contexto, a presente investigação procurou
responder a duas questões: “como é que a amostra de psicólogos em Moçambique perceciona o
seu papel na intervenção com indivíduos que vivenciaram experiências adversas na infância?” e
“qual o papel do contexto (cultural, socioeconómico e histórico) nesta intervenção?”. Para uma
resposta integrativa das diferentes categorias emergentes, foi fundamental o papel reflexivo da
investigadora e a sua tentativa de se colocar no lugar de um psicólogo a atuar neste contexto,
reconhecendo as limitações e as forças que oferece à intervenção com indivíduos com EAI.
Os participantes parecem perceber-se enquanto indivíduos, por um lado, diferentes do
resto da sociedade (e.g., as conceções sociais sobre a Psicologia e a doença mental não estão
enraizadas no seu funcionamento). Por outro lado, revelam bastante consciência da difusão e
variedade de contextos de risco e da seriedade do seu efeito sobre o desenvolvimento,
requerendo o envolvimento ativo e em rede de diferentes agentes para que, em colaboração,
possam diminuir os riscos e promover as características protetoras do contexto. Esta
consciência contrasta com as crenças culturais identificadas como perpetuadoras da
adversidade, o que pode contribuir para acentuar a diferenciação entre o psicólogo e a
população e para a construção de um contexto pouco consciente da seriedade do risco e pouco
recetivo à intervenção e mudança – podendo fazê-los sentir-se isolados e a “remar contra a
maré”, ao procurar promover a confiança numa ciência desvalorizada e pouco compreendida.
A sensação de impotência no apoio a muitos dos problemas que afetam a população reflete
a perceção de dependência entre o papel profissional dos psicólogos e os fatores contextuais; os
participantes referiam, por vezes, assumir um papel atenuador do sofrimento, mais do que promotor
do bem-estar. Como se se percebessem como motores da mudança, sem combustível para
51

funcionar. Reconhecem a importância de trabalhar em rede, colaborando com outras entidades,


envolvendo ativamente as comunidades e os sistemas políticos para atuar num contexto
multissistémico – mas que é percebido como pouco recetivo, informado, motivado ou valorizador
da sua ação, quer em termos de decisores a níveis sistémicos abrangentes, quer a nível da
população-alvo da intervenção. O contexto é reconhecido enquanto o grande obstáculo às soluções
propostas e, em simultâneo, a chave para o sucesso. A necessidade sentida de atuar no contexto
reflete o reconhecimento da influência que este exerce sobre o bem-estar individual, levando os
psicólogos a delinear um plano preventivo focado na alteração das condições ambientais; porém,
esta intervenção abrangente é frustrada pela falta de condições e recursos adequados.
As características dos ecossistemas assumem um papel central nas várias esferas da intervenção
(exercendo, regra geral, um efeito negativo), dando resposta à segunda questão de investigação. O
impacto percebido do contexto é exercido a diferentes níveis sistémicos (e.g., microssistemas do cliente,
aspetos dos sistemas políticos e de serviço público do exossistema e características culturais do
macrossistema) e transversal ao papel do psicólogo (enquanto profissional, como referido, e pessoa,
crescendo também ele num contexto com algumas características adversas semelhantes às do dos
clientes), ao ambiente terapêutico (e.g., sendo comum haver condições dos espaços de atendimento
precárias que prejudiquem o acompanhamento), às características do cliente (e.g., conceções sociais
vigentes) e à disponibilidade de respostas de ajuda em caso de necessidade (frequentemente, não há
serviços disponíveis para apoiar as crianças e famílias em situações de adversidade como as de carência
económica, sem necessidades básicas supridas). Os aspetos da cultura identificados pelos participantes
foram reconhecidos como fatores de risco para as EAI, promovendo práticas que se tornam abusivas e
perpetuando crenças rígidas que justificam e mantêm a adversidade dos contextos; também as carências
económicas que afetam a população facilitam a criação de contextos de risco e propiciam EAI. Em
suma, o risco contextual de Moçambique torna-o cenário frequente de EAI e, simultaneamente,
obstáculo à intervenção protetora dos psicólogos, que se percebem como identificadores diferenciados
do risco e desadaptação e propõem uma prevenção centrada na alteração das condições do meio.

Limitações e Forças
As principais limitações deste estudo prendem-se com as diferenças culturais entre a
investigadora e a população-alvo, possibilitando um viés etnocêntrico à análise. Adicionalmente, a
distância temporal entre a recolha e análise dos dados e a falta de contacto entre os investigadores
responsáveis pelos dois processos pode ter impedido a relação de fluência, coerência e continuidade
entre o desenho da investigação e os resultados emergentes. Esta distância temporal impossibilitou a
certeza de que a saturação teórica (Richards, 2015) tenha sido alcançada, uma vez que ainda que
52

houvesse necessidade de recolher novos dados para explorar direções elicitadas pelos resultados, o
desfasamento entre dois momentos de recolha teria um impacto enviesado sobre os resultados.
O contraste entre a oralidade da língua portuguesa de Portugal e Moçambique poderá ter
também enviesado a interpretação e análise de dados, condicionando os temas emergentes, uma
vez que a investigadora apenas pôde ter acesso às transcrições das entrevistas realizadas,
oferecendo uma contextualização distinta dos dados (Kvale, 1996). A análise foi realizada por
uma única investigadora, impedindo o recurso a medidas de fiabilidade interavaliadores; porém,
o processo de consultoria com a orientadora da dissertação, a utilização de uma amostragem
teórica e o recurso à reflexividade da investigadora e a consultores externos para diminuir o
etnocentrismo valorizam a qualidade da metodologia qualitativa utilizada (Cameron, 2011).
A lacuna na investigação das EAI no contexto africano (Jewkes et al., 2010) levou a que
muita da literatura revista e contrastada na contextualização teórica do estudo e na discussão proviesse
de investigações em países desenvolvidos, com características sociodemográficas e culturais
distintas. Dada a importância dos fatores culturais nesta área de investigação (Karatekin & Hill, 2018;
Malley-Morrison, 2004), as comparações com amostras de outros contextos devem ser feitas com
cuidado e atenção, podendo resultar em enviesamentos à investigação. Por fim, a inexistência de uma
definição clara do que era considerado características do contexto (em particular, familiar) e de como
estas se distinguiam das EAI pode ter estado na origem da relação próxima e, frequentemente,
sobreposta entre estes dois temas, ainda que muitas EAI sejam experienciadas no seio familiar e,
como tal, afetem consideravelmente o funcionamento e descrição deste contexto (Scully et al., 2019).
O estudo apresenta ainda limitações inerentes ao design de investigação; em particular,
ao seu cariz qualitativo (e.g., subjetividade da investigadora e dificuldade em replicar a
investigação), transversal (e.g., impossibilidade de inferir relações causais) e retrospetivo (e.g.,
condicionamento das respostas por enviesamentos retrospetivos). A amostra reduzida de
participantes impossibilita a generalização dos resultados para a população investigada.

Implicações e Sugestões para Estudos Futuros


Esta investigação contribui para o aprofundamento da investigação das EAI em contextos
culturalmente diversos e, em particular, no contexto africano, reconhecido como uma lacuna na
literatura (Jewkes et al., 2010), enriquecendo o campo pelo seu caráter qualitativo e exploratório.
Muita da investigação sobre EAI em África foca a prevalência e diversidade das mesmas; este
estudo, porém, complementa as perceções sobre os aspetos supramencionados com alguns dos
impactos percebidos pelos psicólogos como associados às EAI, sugerindo um ciclo intergeracional
de adversidade como mecanismo possivelmente subjacente à manutenção de contextos de risco.
53

Este estudo contribui para levantar diversos problemas e necessidades relacionados com a prática
da Psicologia vigentes em Moçambique (e.g., as conceções sociais da população sobre o tema ou
as condições precárias de atendimento) e que dificultam o sucesso terapêutico, salientando a
urgência da necessidade de uma abordagem preventiva que colmate a lacuna entre a quantidade de
crianças que vivem EAI e o número de indivíduos que tem acesso a uma intervenção terapêutica
de qualidade. Ainda que não detalhadamente, esta investigação ilumina já alguns dos alvos e linhas
de ação que poderiam traçar este percurso preventivo, sugeridos pelos psicólogos no terreno.
Dadas as diversas limitações, foram levantadas questões que, não podendo ser respondidas
adequadamente nesta investigação, constituem sugestões para a investigação futura no tema. Seria
interessante compreender em detalhe os aspetos-chave reconhecidos como diferenciadores entre as
trajetórias inadaptativas e de adaptação, contribuindo para uma definição culturalmente relevante
da resiliência em Moçambique, o que permite reconhecer adequadamente as suas manifestações.
Seria útil compreender a relação entre os fatores de influência no sucesso terapêutico e as
características de risco e proteção contextuais e culturais, aprofundando a relação percebida entre
o risco contextual e os obstáculos terapêuticos e explorando em pormenor as potenciais forças que
este contexto pode oferecer à intervenção. Tendo o contexto sido reconhecido como fonte de
obstáculos à intervenção, seria ainda útil explorar os processos de resiliência desenvolvidos pelos
psicólogos perante a adversidade ecológica. O reconhecimento do efeito do stress dos contextos
alargados sobre os microssistemas salienta a necessidade de analisar os processos de resiliência
familiar culturalmente relevantes desenvolvidos em Moçambique e os mecanismos através dos
quais estes podem ser potenciados pelo contexto. Seria fundamental aprofundar as linhas
preventivas sinalizadas pelos psicólogos para criar um plano detalhado, sistémico e adaptado ao
contexto, podendo recorrer-se a metodologias participativas de investigação-ação que envolvessem
direta e ativamente os intervenientes dos sistemas de experiência e intervenção na adversidade (e.g.,
através de focus group, que permitissem a colaboração entre diferentes psicólogos, membros das
comunidades e equipas multidisciplinares, identificadas como essenciais à prevenção).
No âmbito das implicações para a investigação, ainda as EAI contem com vasta literatura
no mundo ocidental, dadas as relações identificadas entre características culturais de Moçambique
e as EAI e a natureza social construcionista dos processos psicológicos (Gregen, 1985), esta
investigação contribui para ressalvar a necessidade de aprofundar o conhecimento científico sobre
o tema em Moçambique; particularmente, derivada das perceções dos psicólogos sobre a sua
associação à diminuição do bem-estar e ajustamento. Os resultados suportam a importância de
considerar as características culturais dos contextos no estudo das EAI, identificando o seu papel
na determinação e perpetuação de contextos de adversidade que não pode ser negligenciado.
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https://doi.org/10.1002/9781119171492.wecad156
ANEXOS
Anexo A: Guião de entrevista semiestruturada

Blocos Temáticos Objetivos Questões ilustrativas/chave


1. Consentiment • Ler e obter o consentimento
o informado e informado dos participantes Nota introdutória e consentimento informado em anexo
abertura da • Introduzir o tema da entrevista
entrevista
• Recolher informação sobre Na sua prática clínica tem recebido, em consultas, pacientes (crianças,
2. Experiência experiência clínica de jovens, adultos) que sofreram adversidades durante a infância e
clínica de experiências adversas na adolescência? Que tipo de adversidades sofreram esses pacientes?
Experiências infância e adolescência: e.g.,
Adversas tipo de experiências adversas Pensando na sua experiência, quais as adversidades mais
que seguiu em clínica; frequentemente vivenciadas pelos seus pacientes durante a infância e
experiências mais e menos adolescência lhe aparecem na clínica? E quais as menos frequentes?
frequentes; perfil
sociodemográfico dos Quais têm sido as patologias e sintomas relacionados com a
pacientes; perfil da família; adversidade sofrida na infância e juventude que, com maior frequência,
perfil social; sintomatologia lhe têm aparecido nas consultas?
mais frequente em função de
diferentes EAIA; grau de Que tipos de experiências adversas surgem, na sua clínica, associados a
severidade em função de maior severidade de patologias e sintomas?
diferentes EAIA
Imagine que tem de fazer um filme (ou escrever uma história) sobre
uma criança ou jovem que vivencia adversidade infantil. Baseando-se
na sua experiência clínica, como retratava essa criança?
Quais seriam as principais características sociodemográficas, físicas,
psicológicas dessa criança; as características sociodemográficas e
relacionais da sua família, e como seria a sua rede/meio social?

E se tivesse de fazer um filme (ou escrever uma história) sobre um


adulto que vivenciou experiências adversas na infância, como retratava
esse adulto?
Quais seriam as principais características sociodemográficas, físicas,
psicológicas desse adulto, as principais características relacionais e
sociodemográficas da sua família e como seria a sua rede/meio social?
3. Fatores que • Identificar fatores que Quais são, para si, os fatores que propiciam a vivência da adversidade
contribuem contribuem para a vivência de infantil no contexto sociocultural moçambicano?
para a EAIA (e.g., individuais,
vivência de familiares, A nível individual, que características da própria criança/jovem é que
experiências sociais/comunitários, podem favorecer a vivência de experiências adversas? E que
adversas na socioeconómicos, políticos) características da família e da sociedade moçambicana no geral?
infância e
adolescência
4. Consequência • Identificar e compreender as A partir da sua prática clínica, como acha que cada tipo de experiência
s da vivência principais consequências da adversa na infância afeta as características, o desenvolvimento, a saúde,
de vivência de EAIA no o bem-estar e satisfação com a vida do próprio indivíduo, as suas
experiências indivíduo, na sua vida familiar, relações na família e as suas relações sociais?
adversas na profissional,
infância e social/comunitária e política Acha que as experiências adversas estão relacionadas com a satisfação
adolescência (em função do tipo de EAIA) com a vida, medo da felicidade, perdão e atribuições?
5. Trajetórias de • Identificar fatores e processos Olhando para a sua experiência, que fatores (no indivíduo, na família,
(in)adaptação (e.g., individuais, familiares, no meio/rede social, na comunidade, etc.) propiciam processos
sociais/ comunitários, inadaptativos em indivíduos que vivenciam experiências adversas na
socioeconómicos, políticos) infância, ou seja, o que pode contribuir para as pessoas não
que contribuem para trajetórias conseguirem superar o que lhes aconteceu?
inadaptativas após a vivência
de EAIA E, que fatores (no indivíduo, na família, no meio/rede social, na
comunidade, etc.) acha que contribuem para a minimização dos efeitos
• Identificar fatores e processos da adversidade, permitindo que seja possível o processo de adaptação e
(e.g., individuais, familiares, recuperação?
extrafamiliares, comunitários,
socioeconómicos, políticos)
que contribuem para trajetórias
adaptativas após a vivência de
EAIA

6. Intervenção • Recolher informação Que modelos e estratégias terapêuticas tem usado no atendimento a
terapêutica sobre abordagens pacientes com psicopatologias derivadas da vivência de adversidade na
terapêuticas e estratégias infância?
utilizadas em função de
diferentes EAIA; duração Qual tem sido a duração média da intervenção em pacientes que
média ou mais frequente vivenciaram adversidade infantil, tendo em conta a idade, sexo,
dos processos escolaridade e condição social?
terapêuticos;
• Identificar sinais de Se um colega sem experiência clínica nesta área das experiências
evolução positiva adversas vividas na infância lhe pedisse conselhos sobre como agir em
processos terapêuticos com crianças, quais as principais
recomendações que daria?

E quais as recomendações que daria se lhe pedisse conselhos sobre


como agir em processos terapêuticos com jovens?
E quais as recomendações que daria se lhe pedisse conselhos sobre
como agir em processos terapêuticos com adultos?
7. Sucesso • Identificar fatores que Como é que percebe se está a haver uma evolução positiva do
terapêutico promovem ou paciente?
retardam/impedem o sucesso
terapêutico (ou evolução Que fatores individuais, familiares ou de outra natureza acha que
positiva) concorrem para o sucesso, fracasso ou até mesmo abandono terapêutico
• Compreender expectativas (do deste grupo de pacientes?
psicólogo) de sucesso
terapêutico (em função de Face a estas situações de experiências adversas, quando recebe um
diferentes tipos de EAIA) paciente com estas problemáticas, as suas expectativas relativamente à
• Compreender a eficácia geral eficácia da intervenção são mais positivas ou mais negativas? Pode
percebida (dos psicólogos em justificar?
geral) face à intervenção em
situações de EAIA Como avalia o processo clínico com estes pacientes, olhando para todas
as demandas e possibilidades que o nosso sistema nacional de saúde
oferece?
8. Necessidades • Recolher informação sobre Quais são as principais necessidades dos psicólogos para aumentarem a
dos psicólogos intervenção ideal em situações eficácia da intervenção nestas situações?
para melhorar de EAIA
a eficácia da • Identificar componentes/ Que aspetos acha que deveriam ser postos em prática para melhorar a
intervenção dimensões qualidade de atendimento destes pacientes e níveis de desempenho dos
• Identificar recursos necessários profissionais envolvidos?
9. Prevenção • Compreender a perspetiva Se lhe pedissem para pensar num plano de prevenção das experiências
sobre a prevenção real e ideal adversas durante a infância, que ideias poderia sugerir? Como fazer?
de EAIA Com quem? Que estratégias utilizar?
• Identificar fatores e processos
contextuais que possibilitariam O que seria necessário para implementar uma intervenção preventiva
uma intervenção preventiva eficaz da adversidade infantil no contexto moçambicano?
eficaz
10. Agradeciment • Questionar se há alguma Comentários finais do entrevistado e agradecimentos do entrevistador
o e finalização informação a acrescentar.
• Agradecer e finalizar a
entrevista.
Anexo B: Listagem final de categorias e respetivas definições operacionais

Categoria Definição Operacional F R


Conjunto dos fatores identificados na caracterização do contexto a diferentes níveis sistémicos, polarizados de acordo com a sua perceção enquanto risco ou proteção do
FATORES PERCEBIDOS 8 215
contexto.
Proteção Fatores percebidos como protetores para a vivência de EAI. 8 52
Risco Fatores percebidos como propiciadores de risco para a vivência de EAI. 8 163
Tipologia, contexto e trajetórias associadas às experiências adversas na infância. Estas experiências ocorrem na infância e causam dano ou sofrimento, prejudicando a
EXPERIÊNCIAS ADVERSAS
saúde ou o desenvolvimento físico ou psicológico da criança (Kalmakis & Chandler, 2014). Incluem situações de maus-tratos (abuso ou negligência), disfunções do 8 945
NA INFÂNCIA
agregado familiar, contextos de adversidade e experiências promovidas por contextos ou culturas específicos.
Experiências consideradas adversas ou traumáticas vividas no período da infância; quer sejam mencionadas pelos psicólogos nesse contexto (enquanto eventos adversos),
Adversidade 8 287
quer noutros (e.g., a descrever a situação familiar de uma criança que experiencia outras adversidades).
Contextos adversos Características adversas do contexto envolvente (e.g., comunidade ou cultura) consideradas prejudicias ao desenvolvimento das crianças que são expostas a elas. 8 69
Absentismo escolar Crianças que não frequentam a escola. 3 6
Casamento prematuro Casamentos arranjados de crianças, particularmente, de raparigas. 3 6
Presença do consumo de substâncias psicoativas ou alcoólicas em qualquer contexto próximo da criança, que a envolva (propiciando o consumo) ou exponha a situações
Consumo de substâncias 6 15
associadas e desapropriadas para a sua idade.
Criminalidade e violência comunitária Contextos comunitários onde os psicólogos percebem a frequência de situações de crime (incluindo de violência) entre os membros da comunidade. 3 6
Guerra Referências de clientes adultos às memórias traumáticas de contextos de guerra na infância. 3 4
Pobreza Crianças que vivem sem condições económicas adequadas e não têm as necessidades básicas supridas, afetando o seu desenvolvimento e bem-estar. 7 25
Características da estrutura ou funcionamento familiar consideradas pelos psicólogos como desadaptativas ou prejudiciais ao desenvolvimento da criança nesse
Disfunções familiares 8 112
microssistema.
Conflitos familiares Famílias em que a presença de conflito entre os seus membros é frequente, expondo ou envolvendo diretamente as crianças nesta interação. 5 17
Doença crónica ou deficiência Presença de doença crónica ou de deficiência nas crianças. 3 3
Infeções por HIV-SIDA Presença de infeções por HIV/SIDA no contexto familiar (infeção da criança ou de outros membros da família). 6 22
Não ter pais presentes Crianças que não têm pais presentes na sua vida (e.g., por morte ou abandono dos pais). 5 53
• Abandono Crianças que foram abandonadas pelos pais (e.g., por mudança de local de residência). 4 11
• Orfandade Crianças cujos pais faleceram. 5 22
• Outros cuidadores Crianças que vivem com outros cuidadores principais que não os pais biológicos (e.g., vizinhos ou família alargada). 5 12
Separação familiar Famílias em que se verifica uma separação dos pais ou de outros membros da família (e.g., separações entre irmãos). 6 12
Qualquer ato ou omissão por um cuidador ou adulto dirigido à criança que resulta, tem o potencial de resultar ou ameaça resultar em dano ou sofrimento para a criança,
Maus-tratos 8 106
mesmo que não intencional.
Abuso Contextos de cuidado inapropriado a crianças sob a forma de maus-tratos de um cuidador ou outro adulto. 8 87
• Bullying Contextos de vitimização e violência entre pares. 4 10
• Físico Recurso intencional à força física dirigida à criança que resulta ou pode resultar em ferimentos físicos. 8 31
• Psicológico/ emocional Comportamentos intencionais que revelam a uma criança que ela não é desejada, não tem valor ou está ameaçada. 4 6
• Sexual Qualquer tentativa ou realização de um ato sexual, contacto sexual ou interação sexual sem contacto de um cuidador ou outro adulto dirigida a uma criança. 7 23
Exploração infantil Situações de trabalho laboral de crianças (geralmente, em idade escolar). 3 6
Caracterização do Contexto Engloba as características dos contextos onde as crianças vivem as experiências adversas, como descritas pelos psicólogos que participaram na investigação. 8 296
Comunidade Características do contexto comunitário que os psicólogos associam à experiência de adversidade na infância. 8 57
Características de risco Características do contexto comunitário percebidas como potenciadoras ou perpetuadoras de risco para a vivência de adversidade na infância. 7 33
• Comportamentos de risco Comportamentos frequentes na comunidade e reconhecidos como propiciadores de um contexto de risco para as crianças e jovens nela inseridos. 6 14
▪ Consumo de substâncias Bairros com maior tendência ao consumo de substâncias, onde existem focos de venda que facilitam o envolvimento das crianças e jovens nesse consumo ou a traficar 3 3
▪ Criminalidade e violência Situações de crime frequentes na comunidade (e.g., assaltos), incluindo a referência a contextos de violência comunitária (i.e., violência física presente entre membros da
4 7
comunitária comunidade).
• Inexistência ou falta de qualidade da Características negativas da rede social de apoio; nomeadamente, a inexistência de uma rede de apoio ou a perceção da sua falta de qualidade (e.g., referência a más
4 5
rede social influências ou a uma má vizinhança).
Características do contexto comunitário percebidas pelos psicólogos como capazes de proteger em relação à experiência de adversidade ou de atenuar o efeito das
Características protetoras 6 24
experiências adversas que já ocorreram, promovendo a resiliência individual.
• Aspetos sociais Características sociais da comunidade percebidas como protetoras da experiência de adversidade ou da severidade das suas consequências. 5 22
Apoio social disponibilizado pela comunidade a que pertence um indivíduo ou família e papel ativo que a comunidade assume na identificação e denúncia de situações de
▪ Apoio social 3 13
adversidade.
▪ Escola Experiências ou características positivas e protetoras associdadas ao contexto escolar, predominantemente ligadas à educação (e.g., para o HIV) e perceção de suporte. 4 7
Cultura Características da cultura moçambicana que os psicólogos associam à experiência de adversidade na infância. 7 52
Características do contexto cultural moçambicano percebidas pelos psicólogos enquanto potenciadoras ou perpetuadoras de risco para a vivência de adversidade na
Características de risco 7 49
infância.
• Comportamentos e tradições Comportamentos e tradições culturais que os psicólogos associam à experiência de adversidade. 4 12
▪ Rituais sexuais Rituais culturais referidos que envolvem momentos de prática sexual abusiva. 4 8
• Crenças Crenças culturais que os psicólogos associam à experiência de adversidade. 6 32
▪ (In)justiça pelas próprias Crença de que os problemas que surgem e dão origem à vivência de adversidade (e.g., um abuso sexual dentro da família) devem ser resolvidos no núcleo familiar ou com
3 9
mãos o apoio de pessoas reconhecidas dentro da comunidade.
▪ Desigualdades de género Conjunto de fatores que refletem uma sociedade em que o poder é diferenciadamente alocado ao homem (em detrimento da autonomia da mulher) e em que há uma forte
4 13
e papéis tradicionais expectativa para o cumprimento de papéis tradicionais de género.
▪ Elevada tolerância à Elevada tolerância social a situações de violência, incluindo a crença de que a violência pode ser uma forma legítima de educação (associada à normalização de situações
3 3
violência de abuso físico ou violência comunitária, por exemplo).
• Diferenças intraculturais Referências a disparidades intraculturais (em relação a outros países e entre diferentes grupos dentro do mesmo país ou comunidade). 3 5
Família Características do contexto familiar que os psicólogos associam à experiência de adversidade na infância. 8 156
Características de risco Características do contexto familiar percebidas enquanto potenciadoras ou perpetuadoras de risco para a vivência de adversidade na infância. 8 133
• Doenças Contexto de doença no seio familiar (pelo indivíduo ou um membro do agregado familiar). 5 12
▪ HIV-SIDA Presença de infeção por HIV/SIDA na criança ou em algum dos membros da família. 4 10
• Família desestruturada Características da estrutura familiar que os psicólogos percebem como associadas ao risco aumentado para a experiência de EAI. 8 60
▪ Inversão de papéis Crianças que assumem o papel de cuidadoras de outro(s) membro(s) da família (e.g., elementos debilitados por doença, ou irmãos por morte dos pais). 4 4
▪ Não têm pais presentes Crianças cujos pais não assumem o papel de cuidadores principais ao longo da infância. 5 34
❖ Abandono Crianças cujos pais as abandonaram por diversas razões, podendo tê-las deixado ao cuidado de outras pessoas ou não. 3 5
❖ Órfãos Crianças cujos pais faleceram. 5 13
❖ Outros
cuidadores Não viver com os pais (crianças que são cuidadas pela família alargada ou por vizinhos devido à morte ou abandono dos progenitores). 5 11
principais
▪ Separação parental Famílias em que o casal parental se separou ou divorciou. 4 7
• Família disfuncional Características do funcionamento familiar que os psicólogos percebem como associadas ao risco aumentado para a experiência de EAI. 8 45
▪ Conflitos familiares Presença frequente de conflitos no seio familiar, entre os membros da família. 4 12
▪ Consumo de substâncias Famílias em que há consumo de substâncias psicoativas ou de álcool e em que as crianças são envolvidas ou expostas a este contexto. 3 4
▪ Falta de apoio familiar Famílias em que é percebida a falta de apoio social aos elementos que fazem parte dela. 4 9
▪ Pertença do agressor à
Famílias em que o agressor (particularmente, em situações de abuso físico ou sexual) é um membro da família da vítima. 4 6
família
▪ Violência doméstica Famílias que experienciam contextos de violência entre os seus elementos, podendo envolver diretamente as crianças ou expô-las a estas circunstâncias. 4 9
• Pobreza familiar Famílias que vivem sem as condições económicas suficientes para assegurar as necessidades básicas e níveis mínimos de saúde e bem-estar dos seus elementos. 5 13
Características do contexto familiar percebidas pelos psicólogos como capazes de proteger em relação à experiência de adversidade ou de atenuar o efeito das
Características protetoras 6 22
experiências adversas que já ocorreram, promovendo a resiliência individual.
• Apoio familiar Perceção de apoio social disponível no contexto familiar. 4 13
Reflete a relação entre o apoio e a estrutura familiares, expressando como uma família apoiante oferece uma base segura que protege em relação a consequências
▪ Base de segurança 4 6
negativas da adversidade (e.g., promovendo uma visão positiva do mundo ou um sentido de autoconfiança).
• Estrutura familiar Família estruturada, com papéis definidos e que oferece segurança, estabilidade e um ambiente positivo às crianças. 5 5
Sociedade Características sociais a nível mais abrangente que os psicólogos associam à experiência de adversidade na infância. 5 31
Características de risco Características da sociedade moçambicana percebidas pelos psicólogos enquanto potenciadoras ou perpetuadoras de risco para a vivência de adversidade na infância. 5 28
• Pobreza Ausência das condições económicas que permitam o bem-estar mínimo dos indivíduos, vendo supridas as suas necessidades básicas e vivendo em condições dignas. 4 20
• Problemas estruturais do contexto Fragilidades identificadas na estrutura e funcionamento da sociedade moçambicana, com consequências para o bem-estar da população (e.g., mau funcionamento do
3 8
nacional Serviço Nacional de Saúde).
Caracterização dos percursos de desenvolvimento das crianças e jovens que experienciam EAI de acordo com os atributos que os psicólogos percebem como estando
Trajetórias de Desenvolvimento 8 362
associados à vivência de adversidade na infância.
Características inadaptativas (i.e., que refletem dificuldades no funcionamento e bem-estar ou sintomas patológicos) das trajetórias de desenvolvimento de indivíduos que
Inadaptação 8 288
viveram EAI.
Desajustamento psicossocial Trajetórias que refletem impactos na esfera psicossocial (e.g., comportamentos sinalizados) desadaptadas ou que causam sofrimento. 8 159
Perceção de impacto no autoconceito de indivíduos que viveram EAI, particularmente centradas numa diminuída autovalorização e falta de confiança nas próprias
• Baixa autoestima e autoconfiança 6 12
capacidades.
• Bem-estar Impacto percebido na esfera do bem-estar, satisfação e conforto pessoais. 4 16
▪ Baixa satisfação pessoal Perceção da diminuição do bem-estar, refletindo sofrimento pessoal. 3 11
Comportamentos considerados desviantes da norma e desajustados face a uma adaptação positiva de resiliência, que os psicólogos percebem manifestar-se de forma
• Comportamentos desviantes 7 50
associada às EAI.
▪ Comportamento sexual
Comportamentos sexuais de risco elevado (e.g., com indivíduos infetados por ISTs, sem contraceção, prostituição…), percebidos como associados às EAI. 3 4
de risco
▪ Comportamentos de
Comportamentos de rebeldia, desafio à autoridade, desrespeito por normas, entre outros; percebidos como associados às EAI. 4 11
oposição
▪ Consumo de substâncias Perceção de um consumo excessivo de substâncias psicoativas ou alcoólicas associado às EAI. 5 19
▪ Delinquência Comportamentos de crime (e.g., assaltos) percebidos como associados às EAI. 3 8
• Esfera Ocupacional Impacto percebido na esfera do trabalho e da escola, de acordo com o contexto/idade do indivíduo. 6 23
▪ Absentismo escolar Não frequência da escola. 3 10
▪ Dificuldades escolares Impacto percebido das EAI no aproveitamento e integração escolar. 4 8
▪ Dificuldades laborais Impacto percebido das EAI no rendimento do trabalho. 5 5
• Esfera Relacional Impacto percebido na esfera das relações interpessoais. 8 50
▪ Impacto familiar Impacto percebido no seio do microssistema familiar. 4 14
❖ Impacto na
Impacto percebido na família que o indivíduo (vítima de EAI) constitui no futuro, na sua vida adulta. 4 7
futura família
▪ Problemas na relação
Impacto percebido no funcionamento e comportamento no seio das relações interpessoais. 6 34
interpessoal
❖ Agressividade Comportamentos de agressividade e violência face ao outro. 4 8
❖ Dificuldades na
interação e Dificuldades de comunicação e interação, introversão, comportamento antissocial. 5 10
comunicação
❖ Isolamento Perceção de isolamento social, solidão e falta de rede de apoio do indivíduo. 4 7
Sintomatologia psicopatológica Sintomas psicopatológicos identificados como associados à vivência de EAI. 8 101
• Atenção, Concentração e
Sintomas de défice de atenção, dificuldades de concentração, hiperatividade e agitação motora. 4 7
Hiperatividade
• Impacto Percebido no
Perceção de impacto no desenvolvimento individual, incluindo patologias do desenvolvimento. 7 26
Desenvolvimento
▪ Atrasos no
Perceção de um atraso no desenvolvimento individual (particularmente, cognitivo) face à experiência de EAI. 4 8
desenvolvimento
▪ Dificuldades de
Perceção de dificuldades de aprendizagem (que se refletem sobretudo no contexto escolar) face à experiência de EAI. 4 5
aprendizagem
▪ Enurese Forma de incontinência urinária. 3 4
▪ Impacto no
desenvolvimento sem Outros impactos percebidos no desenvolvimento individual sem mais especificação. 4 7
especificação
• Manifestações Psicossomáticas Sintomas psicossomáticos percebidos como associados às EAI. 6 11
▪ Lentificação psicomotora Crianças com o movimento lentificado, manifesto, por exemplo, em atividades de pares. 3 4
• Psicopatologia sem Especificação Sintomas de problemas de saúde mental sem outras especificações, associados a sofrimento e mal-estar individual. 4 6
• Sintomas de Ansiedade e Stress Sintomatologia ansiosa face à experiência de EAI (e.g., insónias, fobias, etc). 7 13
• Sintomas no Humor Sintomatologia associada a perturbações do humor. 7 25
▪ Depressivos Referência a sintomas de depressão. 7 21
❖ Tentativas de
Menções a tentativas de suicídio na sequência da experiência de EAI. 4 6
suicídio
Gravidade Engloba os fatores percebidos como contributos para a severidade das trajetórias de inadaptação face à adversidade. 6 28
• Fatores contextuais Fatores do contexto que contribuem para a severidade das trajetórias de inadaptação. 4 11
▪ Dificultam Fatores do contexto percebidos como agravantes das trajetórias de inadaptação. 4 5
❖ Falta de apoio Contextos percebidos como pouco apoiantes e, por vezes, culpabilizantes da vítima. 3 3
• Fatores individuais Fatores individuais que contribuem para a severidade das trajetórias de inadaptação. 5 12
▪ Antecedentes e
Experiência de outras adversidades no passado ou de adversidades cumulativas; ou experiência simultânea de múltiplos aspetos de desajustamento/psicopatologia. 3 5
comorbilidades
▪ Personalidade e recursos
Características da personalidade individual e dos recursos para fazer face a situações adversas. 3 5
psicológicos
Resiliência Processo e resultado de uma adaptação positiva e ajustada às EAI, reveladora de bem-estar e um funcionamento culturalmente adaptado. 8 71
Definições e expressões de resiliência Expressões de adaptação positiva à adversidade mencionadas pelos psicólogos que refletem a sua visão sobre o que é considerado resiliência. 4 7
Fatores contextuais Fatores do contexto percebidos como tendo um impacto na manifestação da resiliência. 5 19
• Facilitam Fatores do contexto percebidos como facilitadores da resiliência. 5 18
▪ Apoio social Suporte da rede social envolvente. 5 9
▪ Vivência religiosa e
Conjugação das crenças associadas à fé e da experiência da fé de forma comunitária, associada ao apoio da rede social. 3 4
comunitária da fé
Fatores individuais Fatores do indivíduo percebidos como tendo um impacto na manifestação da resiliência. 7 44
• Dificultam Fatores individuais percebidos como dificultadores/obstáculos à manifestação de resiliência face às EAI. 4 10
▪ Antecedentes e
Experiência de outras adversidades no passado ou de adversidades cumulativas; ou experiência simultânea de múltiplos aspetos de desajustamento/psicopatologia. 3 6
Comorbilidades
• Facilitam Fatores individuais percebidos como facilitadores da resiliência face às EAI. 7 24
▪ Adaptabilidade e
Capacidade de adaptação às circunstâncias e de resolução de problemas quotidianos. 3 5
resolução de problemas
▪ Autoestima e
Características do autoconceito que, existindo, facilitam a resiliência, entre as quais um sentido de valor de si próprio e confiança nas próprias capacidades. 4 4
autoconfiança
▪ Crenças religiosas Referência à vivência da fé de indivíduos religiosos. 3 4
▪ Estratégias de coping
Recurso a estratégias de coping consideradas adaptativas para lidar com a adversidade. 5 7
adaptativas
▪ Personalidade Características adaptativas da personalidade que facilitam a resiliência às EAI. 3 3
INTERVENÇÃO
Caracterização da intervenção clínica em EAI no que se refere à perceção dos fatores que facilitam ou dificultam o sucesso terapêutico a diferentes níveis do contexto. 8 434
TERAPÊUTICA
Dificultam Fatores percebidos pelos psicólogos como dificultadores/obstáculos ao sucesso das intervenções terapêuticas. 8 231
Fatores do contexto Fatores percebidos pelos psicólogos como dificultadores/obstáculos ao sucesso das intervenções terapêuticas alocados ao contexto alargado. 8 123
Conceções sociais Estigmatização da doença mental e conceções enviesadas sobre a Psicologia. 6 31
• Desvalorização da Psicologia pelo
Referências à desvalorização, descredibilização e falta de apoio das estruturas sociais (SNS, sistema governamental) em relação à prática da Psicologia. 4 7
SNS
Espaço de atendimento Características físicas, estruturais ou do funcionamento dos espaços de atendimento disponíveis às consultas de Psicologia. 7 18
• Falta de condições Condições das salas percebidas como insuficientes para um acompanhamento de qualidade (e.g., sem arejamento ou móveis). 6 7
• Falta de privacidade As salas de atendimento não asseguram a privacidade dos clientes, violando o seu direito à confidencialidade da informação. 4 5
• Inexistência de um espaço para as
Não existe um espaço adequado apenas reservado à consulta de Psicologia. 3 5
consultas
Falta de recursos Referência a falta de recursos humanos e materiais percebida como prejudicial ao acompanhamento. 8 25
• Falta de recursos humanos no
Referências à marcada falta de psicólogos a trabalhar no sistema nacional de saúde. 4 11
sistema
• Falta de recursos materiais Referências à falta de recursos materiais (incluindo testes psicológicos ou brinquedos) que prejudicam a intervenção. 8 12
Os sistemas de assistência social existentes não têm capacidade para dar resposta a todos os pedidos de apoio (e.g., assistência com necessidades básicas de alimentação
Falta de respostas sociais 3 9
ou habitação).
Inação do governo Falta de iniciativas das instâncias governamentais para intervir ou prevenir a vivência de EAI em Moçambique. 3 3
Raras denúncias às autoridades e falta de acesso
Os problemas resolvem-se com as famílias ou então com os chefes de comunidade. Não chegam às autoridades "estatais" e, por isso, dificilmente chegam à intervenção. 3 9
à intervenção
Substituição por outros apoios Substituição do acompanhamento psicológico por outro tipo de apoios não equivalentes. 4 23
• Medicina tradicional moçambicana Substituição ou complementação com tratamentos espirituais (medicina tradicional, curandeiros). 3 21
Fatores do psicólogo Fatores do próprio psicólogo e intervenção percebidos como dificultadores/obstáculos ao sucesso das intervenções terapêuticas. 7 60
Adversidade como Desafio Perceção da intervenção com indivíduos com EAI como um desafio exigente e que leva, por vezes, à desistência dos psicólogos. 4 10
Falta de formação, intervisão e supervisão Referência à falta de formação de qualidade e à frequente inexistência de supervisão e/ou intervisão para apoiar os psicólogos. 5 6
Perceções sobre a intervenção Perceções dos psicólogos sobre a própria intervenção que dificultam o sucesso da mesma. 5 34
• Falta de confiança Falta de confiança dos psicólogos nas suas competências e na eficácia da intervenção. 3 8
• Fracasso Perceção de fracasso de muitos dos casos que acompanham. 3 3
Não conseguir chegar a todos, pensar nos que precisam ou vão precisar mas não chegam às consultas, incapacidade para ajudar mais e melhor, abdicar de aspetos
• Impotência 4 16
essenciais porque não há outra opção...
Fatores percebidos pelos psicólogos como dificultadores/obstáculos ao sucesso das intervenções terapêuticas alocados ao cliente e aos seus contextos imediatos (e.g.,
Fatores dos clientes e contextos proximais 8 48
família e comunidade).
Dropout Clientes que desistem da intervenção. 4 7
Mistura de problemas Casos de indivíduos com várias comorbilidades, situações de adversidade cumulativa, entre outros. 3 5
Problemas de base Problemas que o psicólogo não consegue resolver e que dificultam a intervenção (e.g., dificuldades económicas). 5 13
Facilitam Fatores percebidos pelos psicólogos como facilitadores/promotores do sucesso das intervenções terapêuticas. 8 203
Fatores do contexto Fatores percebidos pelos psicólogos como facilitadores/promotores do sucesso das intervenções terapêuticas alocados ao contexto alargado. 7 39
Trabalho em rede Referência à necessidade e importância de trabalhar de forma articulada com diferentes entidades e a uma intervenção a vários níveis sistémicos. 7 35
• Apoio do sistema Respostas positivas dos sistemas de assistência social aos clientes. 4 4
• Colaboração com agentes
Colaboração com líderes comunitários ou religiosos e com médicos tradicionais. 3 15
comunitários
• Equipas multidisciplinares Eficácia e valorização da possibilidade de intervenção com equipas multidisciplinares. 5 16
Fatores do psicólogo Fatores do próprio psicólogo e intervenção percebidos como facilitadores/promotores do sucesso das intervenções terapêuticas. 8 115
Adversidade como Trauma Reconhecimento adequado da adversidade enquanto acontecimento traumático para as crianças e jovens. 3 9
Competências do psicólogo Competências, conhecimentos e características do psicólogo que facilitam a intervenção terapêutica. 7 53
• Conhecer o contexto O sucesso terapêutico é facilitado pelo facto de o psicólogo conhecer bem o contexto (i.e., comunidade, bairro) em que está a trabalhar. 4 8
• Criatividade e adaptabilidade Capacidade de adaptação às circunstâncias e criatividade para aproveitar os recursos disponíveis. 3 4
• Empatia Capacidade de estabelecer relações empáticas, valorizando a abertura, simplicidade, amabilidade, escuta ativa e não julgamento do cliente. 5 13
Ter uma boa formação, agregar conhecimentos de múltiplas áreas distintas, saber aplicar adequadamente instrumentos (como testes psicológicos). Continuar a ter sempre
• Formação e conhecimento 5 12
acompanhamento e possibilidade de discutir os casos, através de grupos de intervisão e/ou de supervisão clínica.
• Intervisão e/ou supervisão Ter acesso a intervisão e/ou supervisão clínica é percebido como um fator que facilita a intervenção. 3 6
Estratégias As estratégias que os psicólogos referem utilizar na intervenção são percebidas como facilitadoras do sucesso terapêutico. 6 14
Perceções sobre a intervenção Perceções dos psicólogos sobre a intervenção terapêuticas tidas como positivas, motivadoras e facilitadoras da intervenção. 6 31
• Gratificação Sensação de gratificação com o trabalho, balanço positivo das dificuldades e dos aspetos positivos da intervenção. 3 8
• Unicidade de cada caso Perceção dos psicólogos de que “cada caso é um caso”, salientando as suas características únicas e especificidades. 6 12
A abertura à possibilidade de reencaminhar para outros profissionais (da área da Psicologia ou de outras) em caso de necessidade é percebida pelos psicólogos como
Reencaminhamento para outros profissionais 4 8
promotora do sucesso das intervenções.
Fatores percebidos pelos psicólogos como facilitadores/promotores do sucesso das intervenções terapêuticas alocados ao cliente e aos seus contextos imediatos (e.g.,
Fatores dos clientes e contextos proximais 8 48
família e comunidade).
Características pessoais Características dos clientes que facilitam o sucesso das intervenções terapêuticas. 7 20
• Iniciativa própria O facto de os clientes procurarem acompanhamento clínico por iniciativa própria promove o sucesso da intervenção. 3 5
Microcontextos dos clientes Características dos contextos proximais dos clientes que facilitam o sucesso terapêutico. 8 27
• Envolvimento e apoio da família Perceção de apoio social no seio familiar, expresso no incentivo e aceitação do indivíduo (cliente) é reconhecido. 7 18
• Envolvimento e papel da
Perceção de apoio social e papel ativo da comunidade enquanto fator que promove o sucesso terapêutico. 4 8
comunidade
Recomendações enunciadas pelos participantes como essenciais a um plano preventivo da experiência de adversidade na infância e da severidade das trajetórias de
RECOMENDAÇÕES PARA PREVENÇÃO 8 89
inadaptação que lhe são associadas.
Ações de prevenção Nível da prevenção - individual, comunitário, político. 8 39
Ações governativas (nível político) Ações governativas/políticas aplicadas a nível do Governo. 3 6
Desenvolvimento das políticas económicas Referência à necessidade de desenvolver a economia do país e as políticas públicas decorrentes. 2 3
Ações psicossociais (nível comunitário) Ações psicossociais aplicadas a nível da comunidade. 8 33
Ativação da comunidade Necessidade de formar a comunidade e ativar o seu papel na identificação e denúncia de contextos de adversidade. 2 5
Necessidade de criar centros psicossociais de apoio à comunidade; em particular, a famílias em contexto de adversidade (apoiando a suprimir as necessidades básicas e a
Centro de saúde mental e social 2 3
dar formação para um ofício).
Condições dos espaços de atendimento Necessidade de investir na melhoria das condições dos espaços de atendimento psicológico. 2 2
Formação aos psicólogos Necessidade de proporcionar mais formação aos psicólogos para potenciar a sua intervenção. 2 3
Necessidade de realizar ações de psicoeducação e sensibilização das famílias, escolas, empresas (entre outros) em relação a diferentes temas dentro da adversidade e do
Psicoeducação 5 16
cuidado adequado a crianças.
Alvos identificados pelos psicólogos para intervir de forma preventiva, expressando a identificação da necessidade de intervir de forma transversal em diferentes
Alvos de intervenção 7 22
contextos nos quais as crianças se inserem.
Comunidades Reconhecimento da necessidade de intervir preventivamente nas comunidades onde ocorrem EAI. 4 6
Escolas (com crianças e professores) Reconhecimento da necessidade de intervir preventivamente nas escolas, tanto com a população-alvo das crianças como com os professores. 5 8
Famílias e cuidadores Reconhecimento da necessidade de intervir preventivamente com as famílias e outros cuidadores das crianças. 4 8
Identificação dos grupos ou entidades a envolver no desenho e implementação do plano de prevenção das EAI em Moçambique, refletindo a necessidade percebida de
Grupos ou entidades a envolver 6 27
envolver elementos de diferentes níveis sistémicos do contexto onde as EAI são vividas.
Envolver as comunidades Reconhecimento da necessidade de envolver ativamente os membros das comunidades onde ocorrem EAI no desenho e implementação do plano preventivo. 4 8
Governo Reconhecimento da necessidade de envolver as instâncias governamentais e sistemas abrangentes no desenho e implementação do plano preventivo. 3 5
Reconhecimento da necessidade de envolver profissionais de múltiplas áreas distintas de conhecimento, salientando a importância do trabalho multidisciplinar e
Profissionais de múltiplas áreas 3 10
articulado em rede para o sucesso da prevenção.

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