Você está na página 1de 4

1 Considerações Iniciais

A Constituição Federal de 1988 foi o marco inicial que estabeleceu o recurso especial. Seu
objetivo foi desafogar o STF (“crise do recurso extraordinário”). Indicação de que o próprio STJ
já nasceu sob a perspectiva de ser um “filtro”.

 “Nenhum outro tribunal de cúpula no mundo julgava, em 1980, tanto quanto os


ministros do Supremo” [não indica fonte]

Efeito do filtro da repercussão geral: “o cenário permanece preocupante. O Superior Tribunal


de Justiça finalizou o ano de 2017 tendo julgado o número espantoso de 490.473 processos.
Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal concluiu o mesmo período tendo julgado 126.535
processos,”

2.Pano de fundo histórico, político e cultural do modelo brasileiro de proteção do direito


objetivo federal

O STF iniciou, em 1970, o movimento que culminaria, finalmente, na adoção da arguição de


relevância da questão federal no ano de 1975, na linha do que há muito propugnava Pires
Albuquerque.
Apesar disso, a arguição de relevância veio a ser totalmente eliminada do sistema com a
promulgação da Constituição de 1988. Diante da pecha de antidemocrático, o instituto
sucumbiu à sede de mudança que guiava o constituinte de 1988. A ideia de que o instituto
constituía produto dos vinte e um anos de ditadura o tornou incompatível com a nova ordem

2.2. Criação do STJ como forma de maximizar a proteção do direito objetivo federal
A ideia que se tinha era de que, com a criação de uma nova Corte, o alívio para o STF seria tal
que o mecanismo da arguição de relevância, vigente à época, se tornaria desnecessário.

A triste realidade, porém, é que a criação do STJ não resolveu a crise do recurso
extraordinário, embora a Corte tenha contribuído enormemente para a consolidação da
cidadania no Brasil

a criação do STJ, em 1988, não foi acompanhada de instrumentos eficazes de controle do


número de recursos a ele dirigidos, tornando-o, na prática, uma corte de terceira instância, à
qual qualquer pessoa pode submeter seu caso. A votação da EC 45/2004 (LGL\2004\2637),
como bem observa Arruda Alvim, desperdiçou a chance de estender ao recurso especial o
pressuposto da repercussão geral.
Parece-nos, porém, que o legislador não está insensível a essa demanda social, pois a
segunda etapa da Reforma do Judiciário, -: “A lei estabelecerá os casos de inadmissibilidade
do recurso especial”.

3.Recursos nos tribunais de cúpula: funções clássicas e contemporâneas


3.1.Função nomofilática
a aplicação correta da lei na solução de uma lide teria duas finalidades: uma primária,
vinculada ao interesse público, e uma secundária, ligada à satisfação do interesse das partes

3.2.Função uniformizadora
Essa função se dirige à conformação de uma unidade jurídica e à garantia do respeito aos
princípios da igualdade perante a lei e da legalidade. Busca-se que haja uniformidade na
aplicação e interpretação das regras e princípios jurídicos em todo o território submetido à sua
vigência

Num seio de uma sociedade de massa, na qual, como não poderia ser diferente, processos
muito similares se repetem aos milhares (senão aos milhões, em alguns casos), a falta de
uniformidade é um convite bastante atrativo à litigiosidade.
Se todos podem ter razão, os incentivos à litigância aumentam consideravelmente de ambos os
lados, pois, na penumbra da incerteza, há sempre uma chance de vitória (ou, digamos, de
vantagem) a motivar a propositura de um processo judicial.

3.3.Função dikelógica

Está associada à busca da justiça no caso concreto,Nos tribunais de cúpula, a opinião


clássica é a de que a função dikelógica assumiria um papel secundário,

3.4.Função paradigmática

No Brasil, a regra é que cada decisão judicial só tenha eficácia entre as partes e os
precedentes tenham caráter persuasivo, servindo tão somente de orientação para a livre
convicção do juiz (CPC (LGL\2015\1656), art. 371). desde a reforma do Poder Judiciário de
2004, é possível notar o recrudescimento de um movimento por parte da academia no sentido
de aumentar a força dos precedentes

4.Uma proposta de reforma do recurso especial aderente às características do Brasil


4.1.Estado atual da crise do recurso especial: por que o nosso modelo requer
peculiaridades?

O aumento do número de membros não resolveria, sequer mitigaria o problema, salvo se


alcançasse o Tribunal várias centenas de membros, divididos em dezenas de Turmas, o que
inviabilizaria seu papel constitucional de uniformização do direito federal ordinário,
institucionalizando-o como mera terceira instância, em cadeia sucessiva de recursos, a qual
somente posterga o término dos litígios, sem contribuir para a melhoria e racionalidade do
sistema.

O ano de 2017 foi o de menor crescimento no estoque19, isso se deve atribuir, em grande
medida, às diversas estratégias adotadas recentemente pelos legisladores e juristas de toda
sorte envolvidos na missão comum de frear a litigiosidade de massa. O remédio para essa crise
não pode ser outro, portanto, a nosso sentir, que não o defendido há décadas por Pires e
Albuquerque e Victor Nunes Leal: diminuir o número de processos que acorrem ao Superior
Tribunal de Justiça.

Urge, portanto, na mesma medida do necessário aumento da força de seus precedentes,


propiciar ao Tribunal condições reais de tempo de reflexão.
A adoção do sistema flexível de redução de seus encargos, sem mutilação de sua
competência, proposta por Victor Nunes Leal, sob a forma da arguição de relevância.

Para fazer frente ao volume sempre crescente de processos, as decisões tornaram-secada vez
mais individuais, em detrimento da técnica de julgamento em colegiado

A multiplicação de óbices – cuja aplicação, como visto, é marcada por inerente grau de
subjetividade – tem conduzido o Tribunal, em determinados casos concretos, a adotar também
a subjetividade para a finalidade oposta, ou seja, para flexibilizá-los, em hipóteses em que o
exame do recurso especial se impõe a bem do sistema. Caminha-se paulatinamente, já,
portanto, para a prática da ideia de arguição de relevância, como imperativo de sobrevivência
do STJ na qualidade de tribunal de uniformização do direito federal.

Com o filtro da relevância, prevemos que será retrilhado o caminho inverso, no sentido do
retorno ao julgamento colegiado e do abrandamento do rigor dos óbices, em situações
limítrofes, como no tocante ao exame da explicitude do prequestionamento materialmente
verificado no conteúdo do acórdão.

4.2.Experiência estrangeira
EUA: É aceito para julgamento o caso que obtiver a concordância de quatro juízes (rule of
four). Os critérios para admissão envolvem fatores não somente jurídicos, mas também
políticos. Não basta que o recorrente demonstre erro de direito; deve demonstrar que é
essencial para o sistema a solução de sua causa pela Suprema Corte. Entre os fatores que
Costumam justificar a concessão writ of certiorari, menciona Ives Gandra divergência na
interpretação da legislação federal, desrespeito notório aos procedimentos judiciais correntes e
repercussão geral de determinada questão de
legislação federal.

Alemanha: o recurso tem lugar somente se admitido pelo Tribunal de Apelação ou


com o provimento de um agravo pelo próprio Bundesgerichtshof, nas causas de valor superior
a 20 mil euros.,

4.3.Delineamento do modelo proposto


As características fortemente centralizadoras do federalismo brasileiro, em que o direito
processual e quase todo o material, é federal, não se compadeceriam com o sistema de
absolutamente livre discricionariedade característico da Suprema Corte Americana.

Critérios mais precisos que possibilitem a segurança de que haverá exame mais frequente de
questões federais, abordadas de forma discrepante nos diversos Tribunais de segundo grau.

Cumpre evitar que o inatingível ideal de tornar objetivos os critérios de admissibilidade dos
recursos especiais, por natureza subjetivos, conduzam a um sistema de “filigranas legislativas”
que naufrague num “preciosismo detalhista.

Preconiza-se, portanto, um sistema flexível que, embora marcado pela subjetividade inerente à
função de julgar, seja de fácil compreensão pelos profissionais do direito e pela coletividade
dos jurisdicionados. O modelo, já testado com êxito, deve ser, no nosso entendimento, o
adotado pela EC 45/2004 (LGL\2004\2637)
Por jurisprudência dominante, entendemos a consolidada na Seção competente do STJ.

A repercussão direta da causa alcança apenas os envolvidos. Mas deficiências do gênero,


culposas ou dolosas, falibilidades do sistema judiciário, humano como todos os demais
serviços públicos, devem ter sua correção facilitada e não entravada, inclusive no âmbito da
jurisdição especial, desde que atendidos os pressupostos legais e constitucionais de cabimento
do recurso. Sobreleva aqui, também em prol da sociedade e não apenas dos litigantes, a
função dikelógica do recurso especial.

Não se trata de uma arguição de relevância pura, mas de um modelo híbrido, dual, que
concebe duas possibilidades para a apreciação das causas pelo STJ: para aquelas de diminuto
valor, uma avaliação mediante o sistema da relevância; e para aquelas de considerável valor,
uma avaliação mediante o sistema de alçada.

5. Conclusão

O recurso especial não é, em tese, necessário à satisfação do direito individual à tutela


jurisdicional do Estado, suficientemente assegurado com o duplo grau de jurisdição ordinária,
mas é imprescindível, notadamente no Estado Federado, para preservar a autoridade e a
uniformidade da interpretação do direito federal.

Preferível permitir constitucionalmente ao STJ filtrar as questões sobre as quais há


necessidade de uniformização, a alimentar a ilusão constitucional de que é possível caber,
realmente, recurso para Tribunal Superior Federal de todos os litígios individuais em que se
possa arguir a violação de lei federal.

A despeito da subjetividade inerente ao critério da relevância, concluímos que, se adotados os


contrapesos necessários, após ampla discussão e regulamentação pelo Congresso Nacional,
seu estabelecimento tornará mais objetivo o exame da admissibilidade dos recursos especiais.

Mais oportunidade de ter o seu mérito analisado, o que, por ventura, também reforçaria a
função nomofilática dos recursos dos tribunais de cúpula

Você também pode gostar