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Introdução

O Artigo procura destacar:

(i) Que a previsão do filtro da relevância se insere em um movimento de mudança


ideológica e cultural já vivenciado em nossa realidade, mas ainda conformado por
um sensível grau de negação; e
(ii) Que é diante dessa premissa que a pertinência do critério poderá ser,
satisfatoriamente, compreendida.

1. O STJ e os precedentes: redesenhando a corte de vértice

É imprescindível que o STJ possa se portar como uma Corte Suprema. (...) Sob esse
fundamento [papel de corte Suprema dentro de um sistema de precedentes/órgão de vértice],
seria justificado que tribunais providos dessa atribuição deixassem de agir como Cortes
Superiores, tornando-se, para melhor desempenho dessa função, verdadeiras cortes supremas.
Sob esse viés, agiriam de maneira predominantemente responsiva e com um olhar
coerentemente limitado ao próprio caso revisto.

Fazer com que a singela revisão do caso, na melhor das hipóteses, fosse apenas um caminho
para o exercício de outras funções pelo órgão.

Importância de se ter um ´órgão de vértice = igualdade e segurança jurídica.

2. Do discurso teórico à realidade: a tragédia da justiça e o direito ao recurso

O que faz com que o volume de trabalho trazido aos nossos Tribunais de vértice assuma
natureza tão vultuosa e significativa? A resposta conduz um fator essencialmente ideológico e
cultural, relacionado à própria maneira como a garantia de recorrer é por vezes entendida.
Assim como ocorre com a própria garantia de ação, ou com a ideia de acesso à justiça, também
aqui parece haver um alargamento, por vezes, ilusório e excessivo de portas jurisdicionais.

Há inúmeros argumentos favoráveis à ampliação e à valorização dos recursos. Coloca-se aqui,


como exemplo, a possibilidade de controle da instância superior sobre os atos dos degraus
inferiores da seara judiciária — viabilizada pelas medidas recursais. Igualmente, compreende-
se o recurso como um parâmetro de controle de falibilidade que é própria da atividade
jurisdicional e à condição humana. Dinamarco: possibilidade de recorrer integra o conteúdo da
noção de “devido processos legal”.

Essa espécie de argumento inequivocamente também atingiu os recursos de função


extraordinária dirigidos aos Tribunais Superiores. Foi por força disso que também eles
acabaram assumindo um contorno teórico de direito quase absoluto dos litigantes. Esse
cenário geral faz com que, hoje, haja um ambiente de tragédia no âmbito de tais Cortes. (...) a
abertura em demasia do Judiciário cria demanda incompatível com a sua capacidade de
atuação; paradoxalmente, assim, deixa-se de presta um serviço adequado para as situações
que mais exigiriam. A senha teórica de oferta uma garantia plena a qualquer situação faz com
que, materialmente, qualquer debate tenha sua condução em certa medida prejudicada.

Rodolfo de Camargo Mancuso: a “oferta de justiça estatal a toda e qualquer controvérsia,


acaba provocando três deletérios efeitos: fomenta a litigiosidade ao interno da sociedade;
desestimula a busca pelos meios alternativos, e, ainda, resulta em sobrecarga ao Judiciário,
atulhando-o de processos que, antes, poderiam e deveriam ser resolvidos em outras
instâncias”. Assim o autor entende que “os milhões de processo em curso em nosso aparelho
judiciário estatal derivam, em larga medida, de uma leitura exacerbada e irrealista que tem
sido feita do acesso à justiça”.

3. Entre “jurisprudência defensiva” e relevância: em procura do realinhamento


funcional

Sistema recursal tem um curioso paradoxo: ao mesmo tempoe que se espera que o Superior
Tribunal de Justiça e o STF desempenhem uma atividade virtuosa no enriquecimento do
sistema jurídico, suas portas são mantidas amplamente abertas; com o pretexto de se
desenhar um modelo pretensamente democrático ou inclusivo, cria-se um ambiente agridoce
no qual a função desejada dos Tribunais de vértice é desacompanhada de estruturas e
procedimentos capazes de viabilizá-la.

Relevância da questão federal = tentativa de estreitamento das portas do Tribunal – não para
reduzir sua carga de trabalho, mas para qualificar sua atuação em debates mais rentes ao seu
objetivo primordial.

Citação relevante de trecho de Luiz Alberto Gurgel de Faria e Isabela Medeiros Gurgel de Faria:
Em razão da quantidade de recursos direcionados ao Tribunal da Cidadania, pode-se
considerar que ele adota um modelo de livre acesso, permitindo a chegada de causas
corriqueiras. Para que os julgadores tenham o tempo e as condições necessárias para
refletir e debater sobre teses e, consequentemente, formar precedentes que uniformizem a
interpretação e a aplicação das normas federais infraconstitucionais no Brasil, é importante
que surja um modelo de acesso limitado45, o que acontece com a criação de um filtro ou
requisito de admissibilidade recursal.
Alguns juristas defendem que limitar número de recursos ao STJ seria limitar o
acesso à justiça, motivo pelo qual incentivam o aumento do número de Ministros. No
entanto, o número maior de magistrados conduziria a uma completa dispersão e
pulverização dos julgamentos, o que impediria o alcance do objetivo do tribunal, qual seja, o
de uniformizar a interpretação do direito federal infraconstitucional, formando precedentes46.
Um filtro não obstaria o acesso à justiça. É fato que não se tolera, em um processo justo,
a negativa de oportunidade de obter um rejulgamento da causa 47, ou seja, a matéria deve
poder ser decidida por meio de dois diferentes julgamentos. Ocorre que o princípio do duplo
grau de jurisdição encontra-se satisfeito quando ocorre a apreciação pelos Tribunais de
Justiça ou pelos Tribunais Regionais Federais, os quais são Cortes de Justiça. O STJ e o
STF, de maneira diferente, são tribunais de precedentes ou cortes supremas, cuja missão é
a uniformização, e não ser uma terceira instância – que é o que, na prática, tenta-se fazer
com o STJ.

4. A relevância e a discricionariedade: um sistema em ilusão

Em nossa visão, o novo requisito reforça uma lógica de negação que parece permear o sistema
brasileiro: de um lado, procura-se preservar um pretenso direito de recorrer às Cortes
Supremas; de outro, estabelece-se um obstáculo vago e poroso capaz de inibir esse direito. Ao
final, consideramos que se procura conciliar o inconciliável: assegurar um hipotético direitos,
mas chancelar parâmetro discricionário que pode fulminar, por si só, seu exercício.
Compreendemos que a indeterminação do requisito fará com que, por meio dele, a Corte
possa definir, por conta própria, aquilo que deseja ou não julgar; possa, enfim exercer um juízo
discricionário a respeito dos processos compatíveis com a sua atuação — limitando, para isso, a
possibilidade de recorrer a conferida às partes. {Essa questão] certamente não dialoga de
maneira plena com a visão ampla e irrestrita da possibilidade recursal.

Com isso, consideramos que a relevância acaba surgindo, precipuamente, como uma
ferramenta de legitimação retórica: ao mesmo tempo que se procura fazer crer á parte que ela
tem o direito de recorrer à Corte Suprema, estabelece-se um trava para que a própria Corte
iniba voluntariamente essa garantia, para que decida, por seus próprios critérios, o que deseja
apreciar.

Para que uma Corte seja Suprema, é preciso escancarar que nem toda circunstância poderá ser
a ela recorrível; que a garantia do recurso ali, possuirá aplicabilidade diametralmente oposta
àquela que historicamente se forjou. Somente com esse sacrifício, sua estruturação se tornará
viável.

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