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É imprescindível que o STJ possa se portar como uma Corte Suprema. (...) Sob esse
fundamento [papel de corte Suprema dentro de um sistema de precedentes/órgão de vértice],
seria justificado que tribunais providos dessa atribuição deixassem de agir como Cortes
Superiores, tornando-se, para melhor desempenho dessa função, verdadeiras cortes supremas.
Sob esse viés, agiriam de maneira predominantemente responsiva e com um olhar
coerentemente limitado ao próprio caso revisto.
Fazer com que a singela revisão do caso, na melhor das hipóteses, fosse apenas um caminho
para o exercício de outras funções pelo órgão.
O que faz com que o volume de trabalho trazido aos nossos Tribunais de vértice assuma
natureza tão vultuosa e significativa? A resposta conduz um fator essencialmente ideológico e
cultural, relacionado à própria maneira como a garantia de recorrer é por vezes entendida.
Assim como ocorre com a própria garantia de ação, ou com a ideia de acesso à justiça, também
aqui parece haver um alargamento, por vezes, ilusório e excessivo de portas jurisdicionais.
Sistema recursal tem um curioso paradoxo: ao mesmo tempoe que se espera que o Superior
Tribunal de Justiça e o STF desempenhem uma atividade virtuosa no enriquecimento do
sistema jurídico, suas portas são mantidas amplamente abertas; com o pretexto de se
desenhar um modelo pretensamente democrático ou inclusivo, cria-se um ambiente agridoce
no qual a função desejada dos Tribunais de vértice é desacompanhada de estruturas e
procedimentos capazes de viabilizá-la.
Relevância da questão federal = tentativa de estreitamento das portas do Tribunal – não para
reduzir sua carga de trabalho, mas para qualificar sua atuação em debates mais rentes ao seu
objetivo primordial.
Citação relevante de trecho de Luiz Alberto Gurgel de Faria e Isabela Medeiros Gurgel de Faria:
Em razão da quantidade de recursos direcionados ao Tribunal da Cidadania, pode-se
considerar que ele adota um modelo de livre acesso, permitindo a chegada de causas
corriqueiras. Para que os julgadores tenham o tempo e as condições necessárias para
refletir e debater sobre teses e, consequentemente, formar precedentes que uniformizem a
interpretação e a aplicação das normas federais infraconstitucionais no Brasil, é importante
que surja um modelo de acesso limitado45, o que acontece com a criação de um filtro ou
requisito de admissibilidade recursal.
Alguns juristas defendem que limitar número de recursos ao STJ seria limitar o
acesso à justiça, motivo pelo qual incentivam o aumento do número de Ministros. No
entanto, o número maior de magistrados conduziria a uma completa dispersão e
pulverização dos julgamentos, o que impediria o alcance do objetivo do tribunal, qual seja, o
de uniformizar a interpretação do direito federal infraconstitucional, formando precedentes46.
Um filtro não obstaria o acesso à justiça. É fato que não se tolera, em um processo justo,
a negativa de oportunidade de obter um rejulgamento da causa 47, ou seja, a matéria deve
poder ser decidida por meio de dois diferentes julgamentos. Ocorre que o princípio do duplo
grau de jurisdição encontra-se satisfeito quando ocorre a apreciação pelos Tribunais de
Justiça ou pelos Tribunais Regionais Federais, os quais são Cortes de Justiça. O STJ e o
STF, de maneira diferente, são tribunais de precedentes ou cortes supremas, cuja missão é
a uniformização, e não ser uma terceira instância – que é o que, na prática, tenta-se fazer
com o STJ.
Em nossa visão, o novo requisito reforça uma lógica de negação que parece permear o sistema
brasileiro: de um lado, procura-se preservar um pretenso direito de recorrer às Cortes
Supremas; de outro, estabelece-se um obstáculo vago e poroso capaz de inibir esse direito. Ao
final, consideramos que se procura conciliar o inconciliável: assegurar um hipotético direitos,
mas chancelar parâmetro discricionário que pode fulminar, por si só, seu exercício.
Compreendemos que a indeterminação do requisito fará com que, por meio dele, a Corte
possa definir, por conta própria, aquilo que deseja ou não julgar; possa, enfim exercer um juízo
discricionário a respeito dos processos compatíveis com a sua atuação — limitando, para isso, a
possibilidade de recorrer a conferida às partes. {Essa questão] certamente não dialoga de
maneira plena com a visão ampla e irrestrita da possibilidade recursal.
Com isso, consideramos que a relevância acaba surgindo, precipuamente, como uma
ferramenta de legitimação retórica: ao mesmo tempo que se procura fazer crer á parte que ela
tem o direito de recorrer à Corte Suprema, estabelece-se um trava para que a própria Corte
iniba voluntariamente essa garantia, para que decida, por seus próprios critérios, o que deseja
apreciar.
Para que uma Corte seja Suprema, é preciso escancarar que nem toda circunstância poderá ser
a ela recorrível; que a garantia do recurso ali, possuirá aplicabilidade diametralmente oposta
àquela que historicamente se forjou. Somente com esse sacrifício, sua estruturação se tornará
viável.