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De Eudaimonia à felicidade.

Visão geral do conceito de felicidade na antiga cultura grega,


com alguns vislumbres dos tempos modernos1
ROSSANA LAURIOLA*

“... aquele homem é feliz (eudaimon) e abençoado (olbios) o qual,


conhecendo estas leis, continua com seu trabalho sem culpa diante
dos deuses... e evita a transgressão”
(Hesíodo, Trabalhos e Dias 826-828)
“O bom senso é a principal parte da felicidade,
e nós não devemos ser ímpios diante dos deuses...”
(Sófocles, Antigone 1347-1350)2

1. Introdução problemas que o sentido comum nos


“...não importa qual seja a nossa diria que são problemas das pessoas que
situação, se somos ricos ou pobres, estão lutando com a vida: todas estas
educados ou não, de uma raça, experiências e pensamentos todos nós já
gênero, religião ou outra coisa, todos tivemos pelo menos uma vez.
desejamos ser felizes”3 Ironicamente, é possível que nós, depois
de termos testemunhado este paradoxo,
Entre os problemas comuns que, através
mesmo assim muitas vezes não nos
dos séculos, têm preocupado a
perguntamos o que é a felicidade, ou,
humanidade, de poetas a filósofos a
quando perguntamos, sentimos um certo
pessoas comuns, podemos com certeza
desconforto ao tentar dar uma resposta,
colocar a questão da felicidade.
se ela não for simplesmente uma resposta
Desejar felicidade uns aos outros em vaga cheia de lugares comuns.
várias circunstâncias da vida, ouvir de
É interessante como este desconforto e
pessoas que aparentemente têm tudo o
essa dificuldade em definir a felicidade
que queriam e no entanto não podem
estão aparentes nos dicionários da
dizer que são completamente felizes, ver
maioria das línguas modernas da
pessoas que têm tudo que nós achamos
civilização ocidental4: todas as
que traria a felicidade e que no fim de
definições parecem ser parcialmente
contas têm todos os tipos de problemas –
tautológicas, e certamente
tais como as drogas e o álcool –
insatisfatórias, dada a recorrência de

* ROSANNA LAURIOLA leciona mitologia, latim e grego na Universidade do Texas em San


Antonio.

1
motivos como “o estado de bem estar,” definições. O que varia é a natureza das
“contentamento,” “satisfação”5. necessidades e objetivos, mas a maioria
Nenhuma dessas definições, por deles no fim dependem de agentes
exemplo, nos diz explicitamente em que externos (estar rodeados de pessoas que
consiste este “estado de bem estar.” amam e apreciam você e querem o
Além do mais, este estado parece não melhor para você, etc.). Portanto,
espelhar realmente a visão comum de embora um sentimento de autoaceitação
uma pessoa feliz: aquela que tem tudo o e contentamento pessoal possam ser o
que pensa que quer, deveria estar sempre segredo da felicidade que está na base de
em um estado de bem estar, mas pode ser todas as definições, parece que a
infeliz. Isto significa que a felicidade não autoaceitação e o contentamento se
pode depender do que está fora do tornam realidade somente se os agentes
indivíduo, isto é, bens materiais e outras externos são favoráveis a você e
possíveis fontes de “bem estar”, desde a permitem que você satisfaça suas
possessão do carro mais caro e mais necessidades. Em outras palavras, se
confortável a ter o emprego que a pessoa estas condições não são satisfeitas, todos
mais quer? De fato, o outro motivo nós estamos condenados à infelicidade?
recorrente é aquele do “contentamento,”
A impressão é mesmo a de um círculo
que torna o conceito ainda mais
vicioso, e ainda permanece um sentido
subjetivo, e ajuda a esclarecer o que
de desconforto e imprecisão para se
poderia ser difícil de entender, e por fim
apreender e entender o conceito de
ajuda a entender a felicidade como um
felicidade.
todo.
Nós temos que concluir – como Sócrates
A dificuldade, ou melhor, o sentimento o fez com referência à definição de
de desconforto é aparente em algumas “Bem” (Respublica 505b-507a; Menon
definições que um grupo de estudantes 78 d-e)7 –que está além do nosso poder
universitários deu às perguntas “O que é definir, e assim entender a felicidade?
a felicidade? Como definir a felicidade?” Ela é realmente algo indefinível – como
De fato, enquanto alguns deles não o filósofo G. E. Moore diria – a tal ponto
podem evitar de afirmar, no começo, que é melhor nem mesmo incluir tal
como é difícil descrever a felicidade, e palavra no dicionário – como um aluno
como uma definição pode ser subjetiva, de colegial sugeriu em uma pesquisa na
um deles não pôde evitar enfatizar, no Itália?8
fim da sua definição, que a felicidade é
rara. Considerando que “não há nada mais
antigo no mundo que a língua [...] a
De acordo com as respostas dadas pelos história da humanidade começa, não com
alunos, a felicidade pode ser várias rudimentares pedras, templos de rocha
coisas, e coisas diferentes para cada ou pirâmides, mas com a língua”9, o
pessoa. Pode haver vários tipos de propósito desta apresentação é contribuir
felicidade. À exceção de um deles6, cada para o entendimento de um conceito tão
um dos alunos entrevistados tende a vago, e tão fugidio, baseando minhas
enfatizar um componente interior na observações nas análises léxicas e
felicidade: ter as suas necessidades e conceptuais das palavras
objetivos satisfeitos, compartir seu semanticamente relacionadas com a
tempo com as pessoas que você ama, felicidade, palavras que pertencem à
aceitar o que você tem e o que é parecem língua e à cultura da qual nasce a história
ser um denominador comum de suas da civilização ocidental, isto é, a língua

2
dos gregos antigos. Sem ter como meta Embora olbos/olbios descrevam um
uma resposta completa e infalível, esta aspecto da Eudaimonia, começando com
análise e a comparação entre as culturas Hesíodo as duas palavras são
antiga e moderna pode talvez servir pelo principalmente usadas uma em lugar da
menos como um “fertilizante” para outra. Tal fato é evidente nas traduções
outras reflexões e pesquisas sobre este modernas onde o significado geralmente
tópicos. escolhido é “feliz,” ou “felicidade.”

No fim, se a felicidade significa levar O que é importante é apontar que nos


uma vida de qualidade, uma maneira dois casos, isto é, tanto em eudaimon ou
possível de alcançar-se este tipo de vida olbios, uma atividade específica dos
– como Sócrates nos ensina – é através deuses está presente a tal ponto que
da pesquisa.10 parece que a felicidade humana se
transforma em um “brinquedo” dos
2. No começo... A Felicidade na deuses. Este conceito é mais evidente na
Antiguidade Grega11 poesia de Pindar (V século BC) e na
tragédia grega. Em Pindar, os dois
No grego antigo há uma constelação de termos são usados às vezes um em lugar
palavras que podem ser mais ou menos do outro, frequentemente inter-
vistas como relacionadas ao antigo relacionados um com o outro, sempre,
conceito de felicidade, palavras como porém, como um sinal claro do favor dos
“feliz”, “abençoado”, deuses, e assim como um presente dado
12
“próspero/prosperidade” . pelos deuses através do destino/sorte16.
A seguinte passagem de Pythian s. 84-89
A palavra principal, porém, para a é muito sugestiva:
felicidade em grego antigo é Eudaimonia
(...) uma porção de felicidade
e eudaimon é o adjetivo para “feliz”. O
(Eudaimonia) assiste a você, porque
significado original destas palavras nos o senhor de seu povo, ou qualquer
diz muito sobre a maneira como a homem, é visto favoravelmente pelo
felicidade era concebida. De acordo com grande Destino. Mas uma vida sem
sua etimologia Eudaimonia significa tribulações não foi o destino nem de
“que tem um poder divino (daimon) bem Peleus, nem de uma pessoa quase
disposto (eu)”13. No pensamento grego deus como Cadmus. Mas nós
antigo a felicidade é uma condição aprendemos que eles, entre todos os
concedida por favor divino, e é feliz mortais, chegaram à maior
aquele que desfruta do favor dos felicidade (olbos) (...)
daimones, isto é, daqueles poderes Com estas palavras o poeta tenta
divinos que poderiam ser hostis14. A consolar Hieron, o senhor de Syracuse,
manifestação visível e tangível de ser que tinha uma doença: apesar do seu
favorecido pelos “poderes divinos”, isto sofrimento presente, Hieron deve
é, de ser livre da “má vontade divina”, é desfrutar a felicidade que lhe foi dada
o que é comumente chamado de pelos deuses com a consciência da
“prosperidade”, em termos tanto da fragilidade deste presente, como a
riqueza material como do sucesso. A “carreira” mítica de Peleus e Cadmus
palavra do grego antigo denotando este demonstram17. Os deuses jamais dão
aspecto de ser feliz é olbos, que significa apenas bênçãos aos homens18, e, mais
exatamente “prosperidade dada pelos importante, é fácil para eles elevarem o
deuses”. Assim, olbios é “próspero, homem somente para atirá-lo num
abençoado”15. abismo em seguida.

3
A felicidade humana assim parece ser glorioso porque, quando ele foi em
uma força espiritual além do controle dos socorro de seus compatriotas na batalha
homens, isto é, um “brinquedo” dos contra Eleusis, ele morreu no campo de
deuses. Esta ideia reflete uma batalha, gloriosamente.
característica da Eudaimonia antiga: de
Não satisfeito por esta resposta, Croesus
estar intimamente relacionada com
perguntou uma segunda vez, quem,
tyche, isto é, a sorte e a boa fortuna19. Um
depois de Tellus, lhe parecia a pessoa
homem feliz era aquele favorecido por
mais feliz, e assim Croesus esperava que
um bom daimon e assim eutyches, que é
talvez Sólon lhe desse pelo menos o
um “homem feliz/de sorte”20. Portanto,
segundo lugar. Mas Sólon respondeu,
para os gregos antigos, eudaimon
“Cleobis e Biton”. Eles tinham sorte o
também significava ter sorte, e
suficiente para cobrir suas necessidades;
Eudaimonia requeria a boa sorte até um
mais importante: eles fizeram uma ação
certo ponto, mas por fim, porque ela era
extraordinária que deu à sua mãe a
concebida como o frágil presente dos
possibilidade de participar no festival em
deuses, ela ficava exposta às vicissitudes
honra a Hera em Argos. Ela tinha que ser
do tempo e à vulnerabilidade dos
levada em um carro, mas os bois que
elementos21.
puxariam o carro não chegaram do
Este conceito é central à perspectiva dos campo a tempo. Então, os filhos Cleobis
gregos antigos, principalmente na Era e Biton puseram o jugo no próprio
Arcaica ou Clássica, e tal se prova tanto pescoço, e eles mesmos arrastaram o
pelo interessante debate sobre a carro que levava sua mãe. Toda a
felicidade que encontramos em uma assembleia dos que haviam ido para o
passagem da História de Heródoto, como festival viram este ato e, como Sólon
pelos fortes ecos que o conceito tem na comentou, “então a sua vida se encerrou
tragédia grega. na melhor maneira possível. Aqui,
também, o deus mostrou de forma
No primeiro livro de sua História (I, 30- evidente, como a morte é melhor que a
33)22, Heródoto fala sobre o encontro vida para um homem”24. A mãe
entre Sólon, um famoso poeta e implorou à deusa que desse a Cleobis e
legislador ateniense (séculos VI e VII Biton a bênção mais alta que os mortais
AC) e Croesus, rei de Lydia. O diálogo podem desejar25. Depois disto, Cleobis e
gravita para a questão da felicidade Biton dormiram no templo e nunca mais
humana23. Depois de dar demonstração acordaram, e assim se foram da terra.
dos seus tesouros e mostrar sua Enraivecido, Croesus pergunta a Sólon
magnificência, Croesus pediu a Sólon então qual é a sua felicidade, já que ele
que lhe dissesse quem, entre todos os colocou-a como nada. E Sólon responde:
homens que ele tinha visto, ele
considerava o mais feliz. Croesus fez Oh, Croesus... você perguntou sobre
esta pergunta porque achava que ele a condição do homem, de um que
mesmo era o homem mais feliz. Mas sabe que o deus é cheio de ciúme, e
gosta de trazer problemas para nós...
Sólon respondeu, “Tellus de Athenas,” já
O homem é um completo acidente.
que, como Sólon especificava, quando
Quanto a você, oh, Croesus, eu vejo
seu país estava em progresso Tellus teve que você é muito rico, e você é o rei
filhos bonitos e bons, e ele mesmo viveu de muitos homens, mas com respeito
para ver filhos nascidos de seus filhos, e ao que você me pergunta, eu não
viu as crianças crescerem. Além do mais, tenho resposta para dar enquanto eu
o fim de Tellus foi extremamente não souber que você terminou sua

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vida de forma feliz. Porque com vulneráveis aos reversos da sorte.
certeza aquele que possui grandes Croesus está vivo ainda, e pode ser
estoques de riquezas não está mais exposto às mudanças da sorte, por isto
próximo da felicidade que aquele ele não pode ser chamado de “feliz”. Em
que tem somente o suficiente para
outras palavras, Sólon considera a
suas necessidades diárias, a não ser
que ele tenha sorte, e ele continue a
felicidade como uma condição da vida
desfrutar todas as suas coisas boas total de uma pessoa.
até o fim da sua vida. Porque muitos A opinião de Sólon sobre a felicidade
dos homens mais ricos foram
humana tem ecos marcantes na tragédia
desfavorecidos pela sorte, e muitos
daqueles cujos meios eram
grega26 e reflete a parte central da ideia
moderados tiveram excelente sorte. grega antiga da felicidade como algo
Os homens da classe anterior se efêmero e mutável como a vida humana,
sobressaem aos da seguinte em duas devido ao capricho e à inveja dos
maneiras; os que estão nesta última deuses27: ninguém tem o direito de ter o
classe se sobressaem aos da primeira nome de feliz antes do dia da sua morte,
em muitas maneiras. O homem rico já que os deuses frequentemente tomam
tem mais condições de satisfazer dos homens a prosperidade que
seus desejos, e de se manter em pé acabaram de dar-lhes.
durante uma calamidade. O outro
tem menos condições de suportar (...) Eu diria que um homem mortal,
estes males... mas ele têm as enquanto ele está esperando para ver
seguintes bênçãos: ele é perfeito de o dia final, não pode ter felicidade,
corpo, não tem doenças, está livre de ou ser libertado da dor até que ele
azar, é feliz com seus filhos, e bonito passe o final da vida”. (Sófocles,
de se olhar. Se, em adição a tudo Édipo Rei, 1528-30).
isto, ele termina a sua vida bem, ele
é verdadeiramente o homem que O fim de nenhum homem é feliz,
você busca, o homem que pode ser Ninguém é feliz...” (Euripides,
corretamente chamado de feliz. Iphigeneia in Aulis, 161-162)28.
Antes que ele morrer, porém, você Baseando-nos nas passagens acima
não pode chamá-lo feliz, mas parece que o que importa na definição de
somente um homem com sorte.
felicidade não é um contraste entre o
Raramente um homem pode juntar
todas estas vantagens... nenhum ser bem estar material e o espiritual, dado
humano é completo em todos os que os bens nomeados por Sólon para
aspectos – alguma coisa sempre está descrever a felicidade de Tellus, Biton e
faltando. Ele que junta em si o maior Cleobis eram, no fim, concretas, tais
número destas vantagens, e as como boa saúde, bons descendentes,
mantêm até a sua morte, e depois força física. O que importa é o contraste
morre em paz, aquele homem, entre o bem estar transitório e o estável,
senhor, na minha opinião, tem o isto é, a felicidade temporária e
direito de ter o nome de “feliz”. Mas definitiva que por sua vez é considerada
em todos os assuntos temos que impossível:
considerar bem o fim: porque muitas
vezes o deus dá aos homens um Ah, gerações de homens – exclama
vislumbre de felicidade, e depois os o coro em Édipo Rei de Sófocles
atira na ruína. (1186-1196) – como eu vejo que a
sua vida é tão próxima ao nada! Que
Tellus, Cleobis e Biton estavam homem, que homem ganha mais
permanentemente felizes porque eles felicidade (eudamonia) e a desfruta,
estavam mortos, e assim não mais e depois ela desaparece? Com a sua

5
sorte (daimon), sua sorte, infeliz felicidade ou infelicidade. Eles podem
Édipo, eu não chamaria nenhum receber a felicidade e logo podem tê-la
mortal de abençoado29. retirada deles; eles podem alcançar o
Édipo acaba de receber a prosperidade e ápice e depois cair no abismo.
está sendo homenageado como o rei de Mas, os mesmos poetas gregos antigos
Tebas, mas neste mesmo momento atestam a existência de um outro fator
ninguém pode ser chamado de mais que intervém para definir o conceito de
miserável que Édipo, que tem a sua vida felicidade em termos de contradição com
virada de cabeça pra baixo (II. 1197- os resultados que acabamos de encontrar.
1208). A contradição se deve ao fato de que os
De fato, “Nem mesmo o filho de Cronos próprios homens, às vezes, são
... deu aos mortais um destino livre de responsáveis pela sua própria perda da
dor, mas traz a todos sofrimento e felicidade dada pelos deuses33. Isto
alegria, um de cada vez... Porque nem acontece quando a felicidade e a
noite estrelada nem desgraças nem prosperidade dadas pelos deuses
riquezas duram para os mortais, mas a produzem um sentimento de saciedade
alegria e a perda se vão, e depois voltam” ou excesso (koros) que, por sua vez,
(Sófocles, Trachiniae 126-135)30. Com fazem com que os homens se tornem
estas palavras, em outra ocasião Sófocles avaros. Consequentemente, a
ressalta os casos alternados da vida necessidade de satisfazer o excessivo
humana, isto é, casos em que os seres desejo de ter mais e mais, ao invés de
humanos sofrem mudanças nas mãos dos uma apreciação dos presentes recebidos,
deuses invejosos. Encontramos a mesma provoca a insolência e as ações
coisa em Pindar: “Curto é o tempo em escandalosas, ultrajantes (hybris) que
que a felicidade dos seres humanos levam à cegueira moral e à ruína
cresce, e mesmo assim, ela cai por terra completa34. Sólon escreve (fr. 6, 4-5):
quando é destroçada pela adversa (...) o excesso (koros) produz o
vontade divina” (Pythian 8, 92-94)31. escândalo (hybris) quando muita
Estas são as razões pelas quais devemos prosperidade segue aqueles cuja
esperar pelo fim da vida para dar a mente não é sã35.
alguém o nome de feliz”. Esta condição Em outras palavras, os homens provam
é tão dependente de ter-se “o poder que não são capazes de “digerir” a
divino favorável”, e assim ter “sorte” que felicidade que os deuses e a sorte podem
podemos concluir com Eurípides que dar-lhes. Ao perder o autocontrole, isto
“Nenhum homem é feliz (eudaimon). Se é, a consciência das suas limitações, eles
a prosperidade (olbos) vem até ele, ele tentam ganhar ainda mais do que
pode ter mais sorte (eutyches) que outros receberam, embora já tenham recebido
homens, mas feliz, ele não é!” (Medea muito, e inevitavelmente cairão. Então
1228-1230)32. isto acontece, por exemplo, a Tântalo e a
Para resumir, as passagens mencionadas Ixion, personagens míticos que são
mostram que na antiga cultura grega a capazes de imitar o comportamento
felicidade é um brinquedo dos deuses, é humano e dar lições.
transitória, e mutável, e está sujeita às Se realmente existia algum homem
mudanças da sorte, assim como qualquer mortal que foi honrado pelos deuses
coisa humana, por causa do desejo dos do Olimpo –diz Pindar – aquele
deuses. Os homens parecem não ter homem foi Tântalo; mas, por fim!
nenhuma responsabilidade em sua Ele não foi capaz de digerir sua

6
grande prosperidade e, devido a sua importante. Manter-se os bens dados
perda das coisas boas, ele se atraiu pelos deuses significa estar contente e
uma maldição poderosíssima sobre não desejar mais, respeitando e aceitando
ele mesmo... (Olympian 1. 53-59). os limites que os homens receberam. “É
Tântalo, homem mortal, recebeu dos correto tomar a medida de todas as coisas
deuses o privilégio de ser admitido ao de acordo com a situação própria de cada
banquete dos deuses, e de comer um” (Pythian 2.33-34) – como Pindar
ambrósia e beber o néctar – a comida e a comenta da insolência de Ixion – o que
bebida especiais dos deuses – com as significa que os homens devem desfrutar
quais os deuses o fizeram imortal. Mas dos presentes dos deuses e buscar aquilo
Tântalo não soube usar bem este presente que beneficia a mente mortal, ao mesmo
de felicidade e ele ousou demasiado: ele tempo mantendo-se consciente em que
abusou da hospitalidade do Olimpo ao estado se encontra.
roubar a comida especial dos deuses, a Não busque, minha alma, a vida dos
ambrósia, e ao dá-la aos mortais. Sua imortais; mas desfrute
insaciedade foi então punida quando ele completamente os recursos que
foi forçado a experimentar um desejo estão ao seu alcance. (Pindar,
insaciável que é eternamente Pythian 3. 59-620.
insatisfeito36. Similarmente incapaz de
O que pode arruinar a felicidade é a falta
manter a felicidade recebida foi Ixion:
de autocontrole dos homens, isto é,
Os homens nos contam que Ixion... quando eles vão além da medida
ensina a lição que os homens devem humana. E isto é ser irreverente e
pagar ao seu benfeitor com despeitoso com os deuses cuja punição é
demonstrações de gratidão. Ele inevitável.
aprendeu aquela lição bem, porque
embora ele tenha recebido o Se a falta de autocontrole é o que põe em
presente de uma feliz vida entre os risco a felicidade distribuída pelos
filhos de Cronos, ele não se deuses juntamente com a boa sorte, o
contentou com sua grande autocontrole e a moderação podem
prosperidade, mas com loucura de permitir que os homens conservem sua
espírito, ele se enamorou de Hera, a
felicidade. Se a falta de autocontrole é
parceira das alegrias conjugais de
Zeus. Mas a insolência de Ixion o
uma forma de tolice, o autocontrole e a
levou a uma louca paixão... (Pindar, moderação são uma forma de sabedoria,
Pythian 2.21-30)37 ou, ainda melhor ainda, é “ter o bom
senso de evitar comportamento que é
As passagens mencionadas parecem nocivo para a própria pessoa”38. Isto é
invalidar a conclusão de que para os possível uma vez que a pessoa conhece
gregos antigos a felicidade é algo que os os princípios básicos e éticos. E os
homens não podem alcançar por si gregos antigos sabiam muito bem que os
mesmos, alguma coisa dada pelos comportamentos mais nocivos são
deuses, alguma coisa conectada à sorte e aqueles da hybris, já que os seus
exposta às mudanças da vida, ou algo princípios éticos básicos eram aqueles
além do controle dos homens, já que ela resumidos na chamada sabedoria
depende de fatores externos. Na verdade, Délfica. “Conheça-se a si mesmo”, e
um certo grau de participação humana e “Nada em excesso”, eram as máximas
responsabilidade em pelo menos ser inscritas na fachada do templo de Apolo
capazes de manter a felicidade recebida em Delfos, como uma maneira de
foi algo que os antigos já consideravam lembrar às pessoas da necessidade de

7
estarem sempre conscientes dos limites 2. uma condição afetada pela
da nossa frágil natureza humana diante sorte e pelo acaso, portanto
do esplendor dos deuses. Respeitar estes mutável e transitória (a boa
princípios éticos é eusebeia, a reverência disposição do poder divino não é
para com os deuses. garantida, digamos, para
sempre):
Aquele que tem o bom senso e o
autocontrole é capaz de desfrutar dos 3. uma condição que se relaciona
presentes dados pelos deuses e de com a pessoa ter bom senso, quer
mostrar, ao fazê-lo, uma pia reverência dizer, em ter autocontrole e
para com eles, sem almejar aquilo que reverência pelos deuses. O que
não está ao seu alcance, e assim começar significa que a pessoa deve ser
a sofrer de avarícia. Este parece ser o contente e não procurar ter mais
segredo da felicidade nas palavras de nem ir além daquilo que está a
Pindar e dos dramaturgos trágicos. seu alcance.
O bom senso é a coisa mais À luz destes resultados, a felicidade
importante na felicidade, e não parece ser tanto algo independente e
devemos ser ímpios para com os dependente da força de vontade e da
deuses... (Sófocles, Antígona 1347- alma do indivíduo. Pode esta natureza
1350) implicitamente contraditória da
felicidade ser a razão, ou uma das razões,
Com estas palavras o coro comenta na
porque é tão difícil até mesmo descrevê-
destruição do rei Creon, que tolamente
la?
ousou contrariar as leis dos deuses para
proteger a segurança do seu reino, e Ter as suas necessidades e desejos
assim praticou hybris e cegueira moral. satisfeitos, ter pessoas que o amam, fazer
Mas mesmo assim ele recebeu um estado o possível para se sentir bem, receber o
invejável dos deuses39, mas, de uma certa mesmo amor que você dá, aceitar-se e/ou
forma, não foi capaz de digeri-lo. tornar-se autoconfiante, e assim por
diante, todas estas situações podem ser
Ser feliz, então, é ser sábio, isto é, é ter o
afetadas pelo acaso, pela sorte, isto é,
bom senso de estar contente com os bens
elas podem ser vulneráveis a
que você recebeu, e estar consciente que
circunstâncias externas que estão fora do
ninguém no mundo pode ser
controle da pessoa. Por exemplo, a
completamente eudaimon, “porque é
pessoa não pode ser feliz se as pessoas
impossível para qualquer pessoa receber
que ele/a ama morrem na hora errada.
o prêmio da felicidade completa”
Em outras palavras, várias definições de
(Pindar, Nemean 7, 55-56)40.
felicidade implicam que ela está sempre
3. Possível conclusão sujeita à sorte. Neste aspecto, talvez não
é por acidente que na maioria das línguas
Os componentes envolvidos no conceito indo-europeias, os termos modernos para
antigo de felicidade são de diferentes a felicidade estão relacionados de perto
naturezas e mesmo contraditórios entre com a palavra “sorte,” e “acaso”41. Para
si. A felicidade então seria: mencionar alguns exemplos, o termo
moderno do inglês, “happiness” tem a
1. uma condição caracterizada
sua raiz no antigo inglês médio “happ”
pela existência de um deus com
que significa sorte, acaso, isto é, o que
boa disposição, cuja expressão
“happens” – acontece – no mundo. Da
concreta é a prosperidade; mesma forma, o francês “bonheur”

8
(felicidade) e “hereux” (feliz) têm na sua deve reconhecer, e neste caso, ter bom
raiz a velha palavra francesa “heur”, que senso – que é o segredo que parece
significa sorte, acaso42. A palavra garantir a felicidade e a torna mais fácil
italiana “felicità”, a palavra espanhola de descrever – talvez possa também
“felicidad” e a portuguesa “felicidade”, querer dizer aceitar que: “Os eventos
todas vêm do latim “felix” – afortunado seguirão seu curso, e não vale a pena
– e “felicitas” – sorte, fortuna43. ficarmos com raiva deles; mais feliz é
aquele que toma os eventos e os usa da
Se a felicidade é tão dependente da sorte, melhor maneira possível” (Eurípides,
por que seria tão difícil descrever a Bellerophon, fragmento, 298). Assim
felicidade como sendo nada mais do que uma pessoa sensata, de bom senso, é
“ter boa sorte”? Mas por que, então, aquela que é capaz de ser flexível e
aqueles que têm boa sorte podem ser adaptar-se às circunstâncias,
infelizes? minimizando assim os efeitos do
“Eu não tenho ideia porque Verônica fez infortúnio.
isto”, disse a mulher em lágrimas. “Nós Apesar da impressão de que estas
sempre fomos bons pais, nós considerações possam ser lugares
sacrificamos tudo para dar a ela a melhor comuns, se nós refletirmos
educação possível... ela tem um bom profundamente sobre elas, veremos que
trabalho, ela tem boa aparência, a assim há pouca diferença entre o que os antigos
mesmo...” “e assim mesmo ela tentou se e nós pensamos sobre a felicidade, como
matar”, disse o Dr. Igor. “Não há razão garanti-la, mesmo com tantas coisas que
para vocês ficarem surpresos; as coisas podem acontecer-nos. No entanto,
são assim mesmo. As pessoas embora os antigos nos deram uma
simplesmente não sabem o que fazer resposta com a qual muitos concordam,
com a felicidade...” Paulo Coelho, nós ainda sentimos a necessidade de
Veronica decide morrer44. perguntar-nos o que a felicidade é, e
como sermos felizes.
A situação da protagonista do romance
de Coelho não é muito diferente da Esta é uma necessidade nata e
situação de Tântalo ou de outras inescapável dos seres humanos? Ou nós
situações descritas nas passagens não somos capazes, no fim das contas, de
poéticas mencionadas acima. A pessoa ter o bom senso de estarmos contentes
infeliz é aquela que não sabe lidar com com as respostas que já obtivemos? E
as coisas boas que lhe foram dadas, pode ser que o mal-estar que sentimos ao
portanto, a pessoa feliz é aquela que tem definir a felicidade depende
o bom senso tanto de desfrutar o que ela simplesmente do fato que, no fim, temos
tem e estar agradecida pelo que tem, ao dificuldade de aceitar que nós não
perceber que – como Pindar diz - podemos ser objetivamente felizes em
ninguém pode ter tudo. “Um homem que tudo e para sempre?
possui riquezas não poderia ser
corretamente chamado de homem feliz;
muito melhor seria chamar de feliz o
homem que aceita o bem que os deuses
lhe concederam, e o usa com sabedoria.”
(Horácio, Carmen IV. 9, 45-48).
No entanto, existe ainda a
imprevisibilidade da sorte que a pessoa

9
APÊNDICE Kiffini Dula
PEQUENA PESQUISA SOBRE A A felicidade para mim é quando todos os
FELICIDADE aspectos da vida estão, no mínimo, o mais
próximo possível do equilíbrio. Com isto eu
(Pesquisa feita pela autora entre seus alunos
quero dizer que você está confortável dentro
na Universidade do Texas em San Antonio)
de você mesmo e com o mundo à sua volta.
Claire A. Bransteller Você tem todas as suas necessidades básicas
Não tenho certeza se posso ajudar. A satisfeitas, e com um pouquinho extra. Você
felicidade não é uma coisa que se pode tem a sua saúde e a sua força, você está em
colocar em palavras facilmente; a felicidade uma situação financeira confortável, e você
significa algo diferente para cada pessoa. tem pessoas na sua vida que amam e
Como a beleza, ela frequentemente está no apreciam você pelo que você é e também
olho de quem olha. Para mim a felicidade é pelo que você não é. Você é feliz quando as
ter perto de mim as pessoas que eu amo e pessoas que você ama têm suas necessidades
com as quais me importo, e ser capaz de satisfeitas, mais as coisas que mencionei
fazer algo que eu posso desfrutar. Eu acho acima existem nas vidas deles também.
que existem diferentes tipos de felicidades, a Chrystal Hamilton
felicidade que eu sinto quando eu posso
passar um tempo com meu namorado e A felicidade é difícil de descrever. Ela varia
melhor amigo Jason, é diferente da de pessoa a pessoa dependendo das suas
felicidade que eu sinto quando ganho um A crenças. Eu acho que a felicidade consiste
em uma classe para a qual eu estudei em ser capaz de amar-se completamente.
bastante. Eu não tenho certeza se estas Chegar a um estado de espírito feliz é a
palavras fazem muito sentido, mas espero capacidade de encontrar paz consigo mesmo
que elas ajudem o projeto. e amar quem você é.

Jessica Briones William G. McBride

(de um ditado) “A felicidade não é ter tudo o A felicidade é o resultado de encontrar-se o


que você quer, é querer tudo o que você melhor que a vida tem a oferecer.
tem.” O que este encontro é, e quando ocorre, eu
O desejo pode ser uma força irresistível na acho que nós sabemos as respostas as duas
vida de uma pessoa e nunca morre ou perde coisas, graças a Deus, com a ajuda diária das
o vigor. A felicidade, para mim, é pessoas.
reconhecer que, mesmo se você Michael C. Moore
constantemente obtém o que você quer, você
sempre pode querer mais. É bom alcançar A felicidade significa correr com meu pai
um ponto de complacência e satisfação; num sábado de manhã, e no meio da nossa
algumas vezes, as coisas precisam ser “boas corrida começa a chover. A felicidade é
o suficiente.” Isto é mais do que eu queria cozinhar e rir com minha mãe. A felicidade
dizer, mas basicamente, isto é o que eu é passar uma tarde sem preocupações com
entendo deste ditado. uma pessoa que eu amo, sem medo, sem
ansiedade, seguro no conhecimento da
Kate Fischer adoração e devoção das pessoas que eu amo.
A felicidade é difícil de colocar em palavras, A felicidade é completar uma meta ou
mas aqui está minha opinião: projeto, alcançando ou excedendo todas as
expectativas. Mas acima de tudo, a
A felicidade não é simplesmente ter tudo o felicidade é uma evolução, e a felicidade é
que você quer, é saber o que você quer e ter rara!
a confiança de acreditar que você merece
esta felicidade, e é capaz de alcançá-la, seja Eric Robinson
em termos de amor, realizações ou A felicidade é um estado físico raro, que dá
autoidentidade. mais prazer que quaisquer outros. A

10
felicidade pode ser sentida como o resultado Di Benedetto V., L’ideologia del potere e la
de vários ganhos e sucessos, mas ela tragedia greca. Ricerche su Eschilo. Torino 1978.
provavelmente não é mais nada que o Dirichlet G. L., De Veterum Macarismis, in
sentimento subjetivo causado por várias “Religionsgeschitliche Versuche und
misturas e combinações de hormônios e Vorarbeiten”, XIV (1914) 4, pp. 1-71.
outros neurotransmissores. Estas Finley M. I., The Portable Greek Historians,
combinações parecem produzir vários Penguin Books 1977.
estados de felicidade, indo desde a
satisfação/contentamento, à intensa euforia. Gentili B. et al., Pindaro. Le Pitiche, Milano 1995
Embora alguns insistam que isto é um Hoffmann M., Ethische Terminologie bei
quadro muito amargo e austero da felicidade Homer, den alten Elegikerns und Jambographen,
humana, um que abre as portas e convida o Tubingen 1914.
niilismo e existência sem sentido, a Irwin T. H., Permanent Happiness: Aristotles and
felicidade, “mesmo como um estado Solon, in “Oxford Studies in ancient philosophy”
puramente físico” me parece a meta mais 3 (1985), pp. 82-124.
importante da vida humana.
Lauriola R., Sofocle. Edipo Re (Introduzione,
Ao contrário daqueles que insistem que a Traduzione, Commento e Interpretazioni, a cura
felicidade é simplesmente a ausência de di R. L.) Torino 2000.
tristeza, eu estou convencido que a Lauriola R., Pandora, the Beautiful Evil: the
felicidade é uma forma de existência Coming of Evil to Light in Ancient Greek world,
positiva, o que é demonstrado pelo fato de in “Revista Espaço Acadêmico” September
que algumas pessoas que não são tristes (2005)
também não são felizes. Lewis Ch. T. and Short Ch., A Latin Dictionary,
Oxford 1966 (reprint)
Adreinne M. Villareal
Liddel H. G. - Scott R. - Jones H. S., A Greek-
Para mim a felicidade é saber que eu fiz o English Lexicon, Oxford 1996
melhor que pude para mim mesmo a para as
pessoas à minha volta que são as mais May R., Freedon and Destiny, New York -
London 1999.
importantes para mim.
McMahon D. M., From the happiness of virtue to
the virtue of happiness: 400 B.C. - A.D. 1780, in
Bibliografia “Daedalus” 133 (2004) 2, pp. 8-17

Abel D. Herbert, Genealogies of Ethical Mehrotra R., The Essential Dalai Lama, Viking
Concepts from Hesiod to Bacchylides, in Penguin 2005
“Transactions and Proceedings of the American Müller F. Max, Contributions to the Science of
Philological Association” 74 (1943), pp. 92-101. Mythology, London 1897
Ackrill J.L., Aristotle on Eudamonia, in A. Nussbaum Martha C., The Fragility of Goodness:
Oksenberg Rorty (ed.), Essays on Aristotle’s Luck and Ethics in Greek Tragedy and
Ethics, Berkerley 1980, pp. 15-33. Philosophy, Cambridge University Press, 1986
AA.VV., Didattica delle Lingue Classiche. Opstelten J. C., Sophocles and Greek Pessimism,
Proposte e Applicazioni Pratiche, Perugia 1992 Amsterdam 1952

Bowra C. M., The Good man and the good life, Privitera G. A., Pindaro. Le Istmiche, Milano
in The Greek Experience, Cleveland and New 1982
York 1957, pp. 85-102. Rademaker A., Sophrosyne and the Rhetoric of
Chantraine P., Dictionnaire Etymologique de la Self-restraint. Polysemy & persuasuve use of an
Langue Grecque, Paris 1999. ancient Greek value term, Leiden - Boston 2005
Scodel R., Hybris in the Second Stasimon of the
De Heer C., Makar, Eudaimon, Olbios, Eutyches.
Oedipus Rex, in “Classical Philology” 77 (1982),
A Study of the Semantic Field Denoting
214-223
Happiness in Ancient Greek to the End of the 5th
Century B.C., Amsterdam 1969. Slater W. J., Lexicon to Pindar, Berlin 1969

11
Vegetti M., L’etica degli Antichi Roma-Bari Wierzbicka A., ‘Happiness’ in cross-linguistic
1989 and cross-cultural perspective, in “Daedalus”
133 (2004) 2, pp. 35-37.

1
Com referência ao conceito de felicidade nos 7
Entretanto, Sócrates então alcança a definição
tempos modernos, eu baseio algumas das do Bem em Respublica 517b-532c, Timaeus 47b.
reflexões nas definições feitas por um grupo de 8
“Io personalmente non metterei la parola
estudantes de faculdade (ser também o
Apêndice). Eu gostaria de agradecer aos felicità nel vocabolario” (“Eu pessoalmente não
seguintes alunos pela sua ajuda: Claire A. gostaria de incluir a palavra felicidade no
Branstetter, Jessica Briones, Kiffini Dula, Kate dicionário”) Ver, AA.VV., Didattica delle
Fisher, Chrystal Hamilton, William G. McBride, Lingue Classiche. Proposte e Applicazioni
Michael C. Moore, Erick Robinson, Adrienne M. Pratiche, Perugia 1992, pp. 105-216. The
Villareal. A todos meus sinceros agradecimentos. quotation is on p. 138.
9
F. Max Müller, Contributions to the Science of
2
Os textos gregos são aqueles estabelecidos na
Mythology, London 1897, vol. I, p. V.
série The Loeb Classical Library, exceto por
Sófocles, Oedipus Rex, para o qual eu preferi 10
Ver Platão, Apologia 27 a-38 a, Euthyphro 11
seguir o texto estabelecido por A. Dain e P. c-15 c, Alcibiades I 113 e-114 b.
Mazon, Sófocles, Paris 1967 Belles Lettres, vol.
2. As traduções são em geral adaptações da
11
Esta pesquisa vai ater-se à análise do conceito
tradução de The Loeb Classical Library, a não ser de felicidade dos gregos antigos como ela é
que sejam diferentemente identificadas em nota. refletida na literatura da poesia arcaica e clássica.
É desnecessário dizer que é um dos principais
3
The Quest for Human Happiness in R. objetivos da indagação filosófica (Ver
Mehrotra, The Essential Dalai Lama, Viking Agostinho, Sermones 150, 3.4), começando com
Penguin 2005, p. 7. Platão (ver, por exemplo, Respublica 354ª.
Gorgias 471d, Apologia 41c-421, para
4
Aqui me refiro às línguas que pertencem à
mencionar algumas passagens) a Agostinho e
família indo-europeia, como o grego antigo, o
Tomás de Aquinas (para um resumo geral, ver
latim (do qual se originam as línguas romance,
AA.VV., didattica cit., 00 195-200). Na filosofia
como o italiano, francês, português), as
da Grécia antiga, uma atenção especial foi dada
germânicas (da qual vem a língua dos anglo-
por Aristóteles, especialmente em Ethica
saxões, e, portanto, o inglês).
Nicomachea (para alguns estudos gerais sobre
5
Para mencionar algumas das línguas ocidentais, este assunto, ver, see J.L. Ackrill, Aristotle on
o que encontramos nos seus dicionários mais Eudamonia, in A. Oksenberg Rorty (ed.), Essays
comuns é: “a state of well-being, contentment, on Aristotle’s Ethics, Berkerley 1980, pp. 15-33;
joy” in Merriam-Webster’s Collegiate M. Vegetti, L’etica degli Antichi Roma-Bari
Dictionary (s.v. happiness; see also below n. 43); 1989, pp. 10-12; 173-183). Para uma história
“Stato di chi è felice” in Dizionario Garzanti concisa da felicidade na filosofia e na religião,
della Lingua Italiana (s.v. felicità); “estado del ver D. M. McMahon, From the happiness of
animo que se complace en la posesion de un bien. virtue to the virtue of happiness: 400 B.C. - A.D.
Satisfaccion, placer, contento” in Larousse, 1780, in “Daedalus” 133 (2004) 2, pp. 8-17. Para
Diccionario Enciclopédico de la lengua española um apanhado geral de evidência tanto em
(s.v. felicidad); “Bonheur supreme” Larousse, filosofia como em literatura, ver também C. M.
Dictionnaire de la Langue Francaise (s.v. Bowra, The Good man and the good life, in The
félicité). See also below n. 43. Greek Experience, Cleveland and New York
1957, pp. 85-102.
6
Um aluno, (Eric Robinson, veja o Appendix),
considerou a felicidade como o resultado de
12
Sobre esta mencionada constelação de termos
mudanças fisiológicas no corpo humano. Esta semanticamente associados com a palavra
opinião está de acordo com os resultados da “felicidade”, ver G. L. Dirichlet, De Veterum
ciência moderna que mostra um interesse Macarismis, in “Religionsgeschitliche Versuche
especial em entender os fatores neurobiológicos und Vorarbeiten”, XIV (1914) 4, pp. 1-71; C. De
por detrás dos estados de felicidade e prazer. heer, Makar, Eudaimon, Olbios, Eutyches. A
Study of the Semantic Field Denoting Happiness
in Ancient Greek to the End of the 5th Century

12
18
Cf. Homer, Iliad, 24. 527-533. Ver também,
B.C., Amsterdam 1969; AA.VV., Didattica cit., sobre este assunto R. Lauriola, Pandora, the
pp.159-169. Beautiful Evil: the Coming of Evil to Light in
Ancient Greek world, em Revista Espaço
13
“Faveur des deux”: P. Chantraine, Dictionnaire Acadêmico, September (2005). Ver também J.C.
Etymologique de la Langue Grecque, Paris 1999, Opstelten, Sophocles and Greek Pessimism,
p. 791. “Eudaimon est... is qui habet bonum Amsterdam 1952.
daemonem” (“Feliz é aquele que tem um bom
espírito tutelar ”): Dirichlet, , art. cit., p. 10. Não
19
Cf. LSJ: que diz “o ato de um deus...
completamente de acordo com esta etimologia considerado um agente ou causa além do controle
está o primeiro significado dado em H. G. Liddel humano”, assim também “sorte, destino, acaso”.
- R. Scott - H. S. Jones [LSJ, e em seguida], A 20
Sobre a ligação entre eudaimonia e tyche, cf.
Greek-English Lexicon, Oxford 1996, s.v.
Homeric Hymn to Athena 11. 5, e especialmente,
eudamonia: “prosperidade, boa sorte,
Dirichlet, art. cit., p. 10 and n. 4.
opulência,”. Para ver as variedades de traduções
modernas, veja as notas números 15 e 16. 21
Ver Vegetti, op cit.; pp. 175-177.
14
Assim, “livre da má vontade divina,” see De Para esta passagem, ver T. H. Irwin, Permanent
22

Heer, op.cit., pp. 25-26; cf. Também Chantraine, Happiness: Aristotles and Sólon, pp. 82-124.
op. cit., p. 246; McMahon, art. cit., p.7 and n. 2. 23
A passagem de Heródoto apresenta uma
15
Ver Chantraine, op. cit., p. 791. Ele traduz LSJ grande variedade de termos semanticamente
“happy, blest” – “feliz, abençoado” conectados ao conceito de felicidade, todos os
especialmente com referência a bens materiais termos introduzidos acima, tais como – além dos
(s.v. “olbios”), e “felicidade, especialmente apropriados eudaimonia e audaimon – olboos,
felicidade material» (s.v. “olbos”). Na verdade, olbios, eutyches. A conexão entre esta
podemos verificar que existe uma certa possível proximidade e a possibilidade de permuta é
troca no uso de Eudaimonia e olbos, o que resulta aparente na tradução: quase sempre os termos
na não existência de uma boa tradução moderna recebem o significado de “feliz,” ou “felicidade”.
(ver abaixo, número 16). Outro termo que pode
ser incluído no mesmo campo semântico
24
Sobre esta crença, ver Sófocles, Oedipus at
denotando felicidade é makar (sobre este termo, Colonu 1225-1226: “Não nascer vem primeiro
ver acima de tudo, Dirichlet, art. cit.; De Heer, (como felicidade), e, uma vez que nascemos,
op. cit., pp.4-7), que denota principalmente um voltar para o lugar de onde viemos o mais rápido
estado de felicidade divina, isto é, de beatitude. possível é a melhor coisa (em seguida)”.
16
Como podemos ver, as duas palavras
25
A tradução acima vem de M. I. Finley, The
denotando felicidade, a própria – eudemonia, e a Portable Greek Historians, 41-44.
alternativa olbos – são traduzidas da mesma 26
Ver De heer, pp. 56-100 para uma discussão
maneira, o que pode provar que elas eram sobre o léxico denotando felicidade na tragédia
percebidas como igualmente indicando grega.
felicidade. Em W. J. Slater, Lexicon to Pindar,
Berlin 1969, eudamonia é traduzida como “boa
27
O chamado phthonos theon, i.e. “inveja dos
sorte”, eudaimon como “de sorte”; olbos como deuses” para os povos gregos antigos: o poder
“prosperidade” e olbios como “de sorte”. Embora dos seres humanos e a sua prosperidade, se
nesta tradução o foco seja um pouco diferente, excessivos, podem provocar o ciúme dos deuses
isto é, na presença de sorte (ver abaixo), os que intervêm causando uma mudança a fim de
termos parecem ser permutáveis. Sobre Pindar, colocar os destinos em equilíbrio e manter os
ver também De Herr, op. cit., pp. 40-44. homens dentro deste equilíbrio. Para mais sobre
estes conceitos, ver Pindar, Pythian 10. 20-22;
17
Cadmus e Peleus são exemplos míticos tanto Herodotus, History III, 39-43; VII, 10 and 46
da mudança da sorte como da impossibilidade de
receber-se somente coisas boas dos deuses. Zeus
28
Ver também Aeschylus, Agamemnon 928;
dá aos homens tanto coisas más como boas. Sophocles, Women of Trachis 1-3; Euripides,
Cadmus e Peleus têm o privilégio de ter a Andromache 96-103; Children of Herakles 863-
presença dos deuses no banquete de seu 864.
casamento; ambos recebem presentes de 29
Sobre o conceito da fragilidade da felicidade
casamento dos deuses, mas depois disto ambos na cultura grega dos séculos ver IV e V AC, e
recebem tanto felicidade como tribulações dos Martha C. Nussbaum, The Fragility of Goodness:
deuses. Ver também número 18.

13
36
A punição se refere a uma sede e uma fome
Luck and Ethics in Greek Tragedy and intoleráveis: ele foi condenado a ficar em pé em
Philosophy, Cambridge University Press, 1986. uma poça de água e não poder satisfazer a sua
sede, já que cada vez que ele abaixava a cabeça
30
Ver também Sófocles, Antigone 1158-1165: para alcançar a água, a água recedia. Da mesma
“... a sorte sempre melhora a vida e também e forma, cada vez que ele tentava alcançar as frutas
destrói o homem feliz e o infeliz … Creon uma que cresciam acima da sua cabeça, o vento movia
vez foi objeto de inveja… ele tinha salvo sua os galhos para longe de seu alcance.
terra de Cadmean dos inimigos, tinha sido
nomeado rei da sua terra, e estava na posição de
37
Ver também Sophocles, Oedipus Rex 872-894,
comando, feliz com um grupo de nobres filhos... e comentários em R. Scodel, Hybris in the
E agora, tudo está perdido…” Second Stasimon of the Oedipus Rex, em
“Classical Philology” 77 (1982), 214-223; R.
31
Sobre este conceito, ver Pythian 3, 103-107; Lauriola, Sofocle. Edipo Re (Introduzione,
10. 20-21 (e sobre este assunto, ver B. Gentili et Traduzione, Commento e Interpretazioni, a cura
al., Pindaro. Le Pitiche, Milano 1995, p. 627); di R. L.) Torino 2000, pp. 145-152.
Olympian 7, 94-95; Isthmian 4, 5-7 (on which G.
A. Privitera, Pindaro. Le Istmiche, Milano 1982, 38
Sobre este assunto, ver A. Rademaker,
p. 173) Sophrosyne and the Rhetoric of Self-restraint.
Polysemy & persuasuve use of an ancient Greek
32
É muito significativa nesta passagem a
value term, Leiden - Boston 2005.
ocorrência dos três termos principais (eudaimon,
olbos, eutyches) relacionados ao campo 39
Ver acima, número 30.
semântico da felicidade, e assim denotam a 40
Ver também Bacchylides, 5.50 ff., e De Heer,
dificuldade do conceito.
op. cit., pp. 50-51.
33
A relação dialética entre destino e liberdade 41
Ver M. McMahon, art, cit., pp. 7-8. Também
humana, isto é, entre responsabilidade humana
A. Wierzbicka, ‘Happiness’ in cross-linguistic
em determinar o próprio destino da pessoa
and cross-cultural perspective, in “Daedalus”
aparece já nas primeiras expressões literárias dos
133 (2004) 2, pp. 35-37.
antigos gregos, na Odisseia (1. 28-43), e desde
aquele tempo, ela representa um assunto 42
Na verdade, no dicionário inglês mencionado
importante: nós somos livres e portanto acima (número 5) embora a conotação dada
responsáveis pelo nosso destino, ou há algum como “obsoleta” para o primeiro significado é a
tipo de desígnio vital que nos coloca em um “felicidade” e “boa sorte.” Já o francês, (ver
caminho específico na nossa vida, e que não acima, número 5), “heureux” (feliz), lemos: “qui
podemos mudar? Neste tópico, para uma visão jouit du bonheur favorisé par le sort”. E
geral, ver R. May, Freedom and Destiny. substantivo «bonheur» significa «circunstance
favorable qui amène le succès». A raiz dos dois
34
Para uma discussão destes conceitos, ver M.
termos franceses é claramente «heur», ou seja,
Hoffmann, Ethische Terminologie bei Homer,
«sorte».
den alten Elegikerns und Jambographen,
Tubingen 1914; D. Herbert Abel, Genealogies of 43
Em Ch. T Lewis and Ch. Short, A Latin
Ethical Concepts from Hesiod to Bacchylides, Dictionary, Oxford 1966 (reprint), s.v. felicitas
em “Transactions and Proceedings of the como sinônimo encontramos fortuna, fors, sors,
American Philological Association” 74 (1943), fatum.
pp. 92-101, espec. pp. 94-96. 44
Esta citação vem da página 77, Publisher:
35
Ver Pindar, Isthmian 3. 1-3; Aeschylus, Harper Perennial, 200. Os itálicos são da autora.
Agamemnon 750-755 sobre o qual comenta V.
Di Benedetto, em L’ideologia del potere e la
tragedia greca. Ricerche su Eschilo. Torino 1978,
pp. 40-45.

14

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