os sábios gregos ▰ Avancemos um pouco mais em nossa investigação sobre a felicidade, colocando-nos agora algumas questões: Se o que nos move é, em última instância, o desejo de ser feliz, mas nem todo ato traz felicidade, como alcançar nosso objetivo? Considerando a fragilidade e a vulnerabilidade humanas, como devemos agir para levar uma vida feliz ou, ao menos, não infeliz? Quais são as fontes da felicidade? ▰ É aí que entra em cena o sábio, o filósofo. Como ficará mais claro adiante, responder de forma filosófica a essas questões envolve primeiramente formar uma ideia bem fundamentada sobre muitos outros temas: como é o mundo, quem somos nós, que lugar ocupamos no mundo, como conhecemos as coisas, que sentido tem a existência de cada um e muitos outros problemas filosóficos. Todas essas respostas devem ser coerentes entre si, formando um sistema. O que é um sistema?
▰ Sistema – conjunto de elementos em que
um depende do outro, compondo um todo orgânico, coerente e organizado. ▰ Assim, ao tentar responder a essas e outras perguntas, os sábios da Grécia antiga, nossos primeiros filósofos (do mundo ocidental), acabaram elaborando sistemas filosóficos distintos, com explicações que procuraram abarcar toda a complexidade do universo natural e humano. Veremos, logo mais, algumas dessas respostas. Antes, porém, abordemos o tema das fontes de felicidade, para formar um mapa prévio, orientador. Fontes da felicidade. ▰ Que elementos, condições ou coisas tornam um indivíduo feliz? De acordo com textos antigos, os elementos mais desejados e perseguidos pelas pessoas em geral durante a Antiguidade eram (e você perceberá que continuam sendo): Bens materiais e riqueza – sempre estiveram entre as fontes mais cobiçadas e pelas quais as pessoas mais se esforçam; Status social, poder e glória – pode-se até matar por eles, mesmo quando as pessoas não são tão conscientes do valor que lhes dão; Prazeres da mesa e da cama – fontes básicas do bem-estar corporal e emocional, boa parcela da humanidade dedica-se regularmente e com avidez a eles; ▰ Saúde – valorizada por muitos, principalmente quando falta, mas perseguida pelos mais moderados ou disciplinados; ▰ Amor e amizade – considerados importantes pela maioria, mas com frequência relegados a um segundo plano em termos de prioridade. ▰ Pressupõe-se que a carência de uma dessas fontes possa explicar a infelicidade de alguém. o curioso é que, com frequência, pessoas que desfrutam de tudo isso não se sentem felizes, ou são infelizes por tê-las em excesso. Como explicar isso? Dependerá a felicidade de outros fatores mais essenciais? Variará de pessoa para pessoa? ▰ Em uma primeira análise, podemos perceber na lista acima uma tendência em considerar a felicidade como o resultado de fatores predominantemente materiais e externos que afetam a vida de um indivíduo: bens, dinheiro, reconhecimento do meio social, prazeres ditos “carnais”, ausência de doenças. As circunstâncias internas, sua vida interior, não contariam tanto, nem a coletividade em que vive esse indivíduo. ▰ Diferindo da tendência geral, a maioria dos filósofos – especialmente os gregos antigos – propôs caminhos mais comportamentais e intelectuais (ou espirituais) para a obtenção da felicidade verdadeira. Alguns deles também empregaram uma perspectiva menos individualista, concebendo a felicidade como resultado de um processo coletivo, alcançado em conjunto com a comunidade. Platão: conhecimento e bondade ▰ No grego antigo, várias palavras traduziam distintos aspectos da felicidade. A principal delas era eudaimonia, derivada dos termos eu (“bem- -disposto”) e daimon (“poder divino”). Trata-se da felicidade entendida como um bem ou poder concedido pelos deuses. subentendia- se que, para mantê-la, a pessoa deveria conduzir sua vida de tal maneira a não se indispor com as divindades, para o que era preciso sabedoria. mesmo assim, ainda corria o risco de perder esse bem ou poder se os deuses assim o desejassem, por qualquer motivo arbitrário. ▰ Isso significa que a felicidade era tida como uma espécie de fortuna ou acaso – enfim, um bem instável que dependia tanto da conduta pessoal, como da boa vontade divina (cf. LAurioLA, De eudaimonia à felicidade..., Revista Espaço Acadêmico, n. 59) ▰ Platão (427-347 a.C.) – considerado por boa parte dos estudiosos o primeiro grande filósofo ocidental, juntamente com seu mestre, sócrates – foi um dos principais pensadores gregos a se lançar contra essa instabilidade, em busca de uma felicidade estável, postura que caracterizará de forma marcante a ética eudemonista grega. (Veja a biografia de Platão no capítulo 12. Distintos aspectos de seu pensamento serão abordados também em várias outras partes deste livro.) ▰ No entendimento de Platão, o mundo material – aquele que percebemos pelos cinco sentidos – é enganoso. nele tudo é instável e por meio dele não pode haver felicidade. Por isso, para esse filósofo, o caminho da felicidade é o do abandono das ilusões dos sentidos em direção ao mundo das ideias, até alcançar o conhecimento supremo da realidade, correspondente à ideia do bem. o que isso significa e como devemos agir para alcançar essa condição? Harmonizar as três almas. ▰ Para entender a concepção platônica de felicidade, precisamos compreender primeiramente sua doutrina sobre a alma humana, contida na obra A República. Para Platão, o ser humano é essencialmente alma, que é imortal e existe previamente ao corpo. A união da alma com o corpo é acidental, pois o lugar próprio da alma não é o mundo sensível, e sim o mundo inteligível. A alma se dividiria em três partes: ▰ Alma concupiscente – situada no ventre e ligada aos desejos carnais; ▰ Alma irascível – situada no peito e vinculada às paixões; ▰ Alma racional – situada na cabeça e relacionada ao conhecimento