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2ª edição.
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permissão escrita da autora.
PIRATARIA É CRIME!
Park, N.S.
Sonho de um dia de verão / N.S. Park. – Romance
2. Ed. — Sob Livros, 2022
PARTE UM
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
PARTE DOIS
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
PARTE TRÊS
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
EPÍLOGO
CONVIDADOS ESPECIAIS
OBRIGADA!
SOBRE A AUTORA
POSSÍVEIS GATILHOS:
Menção a suicídio, traição, separação, luto.
Pegue uma moeda,
Faça um pedido.
Este livro é para você,
Sonhador.
“Às vezes, você precisa de
um tempo para pensar;
outras vezes você só precisa
fechar os olhos por um segundo e agir.”
Biscoito da sorte do restaurante Wang’s
As cordas da harpa começaram.
O choro melancólico do oboé veio logo depois.
O fim daquele tormento estava tão perto, mas eu não sabia se conseguiria
alcançar o desfecho.
Fora difícil demais até ali. Agulhas pareciam fincar meus pés, as pernas
queimavam com o treino excessivo e violento daquela semana e o coração
estava quebrado em pedaços irremediáveis.
Eu estava furiosa.
Bem mais do que isso.
Segui a fila de bailarinas, acompanhei cada passo perfeitamente — como
fizera nos últimos atos da peça. Encarei minhas mãos e meus pés se
movendo automaticamente. Jamais levantei os olhos para as centenas de
pessoas que nos assistiam.
Jeremmy deveria estar em algum lugar, contendo a mesma raiva que eu
sentia no peito para se orgulhar da irmã mais nova que se apresentava no
palco. Talvez Gina estivesse com ele; minha melhor amiga segurando a mão
do meu irmão para impedi-lo de avançar até os bastidores quando tudo
acabasse.
Minha mãe... Bem, eu não a culpava por não ter saído de baixo das
cobertas para vir me ver. Ela mal conseguira falar quando me despedi
naquela tarde, sua voz desgastada pelo choro.
Não a julgaria.
Se eu pudesse... teria feito o mesmo: me enfiado de baixo das cobertas e
ignorado o mundo.
Não senti a música. Não da forma que pensei que sentiria. Ensaiara por
semanas, e não me importara que não fosse a principal. Estar sob aquele
anfiteatro, me apresentando para aquelas pessoas...
Era meu sonho.
Mas não consegui sentir a emoção da canção tocada pela orquestra
principal de Nova Iorque. Não consegui me emocionar com as luzes e com
as fantasias lindas de plumas brancas.
Nada.
Eu não senti nada além de raiva genuína.
Eu estava destruída.
Segui, levada pelas notas dramáticas e pela harmonia mágica de todos
aqueles instrumentos. Ninguém perceberia o quão machucada eu me sentia.
Decepcionada. Não, meus passos eram precisos e perfeitos, o professor me
fizera ensaiar meses para aquela apresentação. Muito mais do que isso.
Mas meu mundo precisou ruir bem antes disso.
No dia em que meu sonho começava.
Continuei atenta às outras bailarinas, meus olhos fixos em cada
movimento, a mente concentrada — me esforçava ao máximo para focar e
esquecer aquela manhã desastrosa — nos próximos passos que deveria dar.
Eu dancei.
E dancei.
Tentei.
Até os olhos do professor encontrarem os meus.
Até o mar de lágrimas e tristeza me olhar com uma súplica.
Um pedido de desculpas.
Uma segunda chance.
O olhar de um pai arrependido.
O ápice da música chegou, notas mais fortes e dramáticas acompanhando
meu coração acelerado. Eu girei e dancei, me obriguei a ignorar a dor, tentei
afastar tudo o que me impediria de dar o melhor.
Mas o esforço e a dedicação não foram o bastante.
Outro olhar na direção do homem que me mostrara o melhor da música.
Outro olhar na direção do homem que me ensinara a extrair o melhor de
mim.
E eu errei um passo.
E outro.
Tropecei.
Laila me fuzilou quando interrompi bruscamente sua coreografia,
levando as outras a falharem também.
Mas continuei. Pedi desculpas baixinho e continuei, tentei voltar ao
ritmo. Só mais um pouco e acaba, repeti para mim mesma, só mais alguns
passos e você vai para casa.
Lágrimas quentes rolaram pelo meu rosto quando, outra vez, o encarei.
Havia preocupação nas feições bonitas do meu pai. Aquele olhar que me
dera tantas vezes nos últimos dezenove anos.
Continue. Você consegue.
Imagens embaçadas voltaram à minha mente, de novo e de novo. Eu me
lembrava dos passos, sabia perfeitamente como executá-los, mas a cena que
me despedaçava retornava mais uma vez.
Ele.
Ela.
Os dois.
Foi tão rápido. A música foi interrompida no exato momento em que a
tragédia aconteceu, a orquestra parou quando o maestro se deu conta, a
plateia arfou em choque e preocupação.
Não vi exatamente quando uma das meninas trombou em mim, sequer
me dei conta quando meus pés seguiram ritmos furiosos e descompassados,
me desequilibraram e um deles se torceu — provavelmente aquele mais
prejudicado pelas horas de treino, mal recuperado da torção de uma semana
atrás. O impacto do meu corpo no chão não pareceu importante. Só percebi
que algo havia dado errado quando uma dor aguda e intensa irradiou da
minha perna.
A cabeça também doía. Era insuportável. Não a perna, não o resto do
corpo caído, mas a dor latejante no meu coração. Era insuportável.
Eu tinha caído. Não conseguia me mexer, e lágrimas não paravam de
rolar.
Abri os olhos, a sombra de dezenas de pessoas se amontoando ao redor
turvando minha visão, todas fazendo perguntas idiotas.
Não, eu não estou bem!
Vários rostos pintados e mascarados me encararam do palco, mas apenas
um se destacou.
O cisne, branco como outras bailarinas no palco, com uma dor diferente
nos olhos.
Lyssa.
A dançarina principal.
A destruidora de lares.
Pensar que meu pai dera a ela o papel de protagonista porque estavam em
um caso me deixava ainda mais enjoada.
Perceber que a bailarina me encarava com culpa e preocupação me
causava repulsa.
Ela não tinha aquele direito. Se uma lágrima sequer rolasse por seu rosto
jovem e bonito, me forçaria a levantar para quebrar algo nela também.
Nutria aquele sentimento desde o momento em que a vira enroscada nos
braços do meu pai, me contivera ao vê-la no camarim mais cedo.
Tentei xingar. Tentei gritar para que todos naquele teatro soubessem que
o professor de balé mais prestigiado da cidade mantinha um caso com uma
das alunas.
Mas não consegui.
Apenas chorei.
— Valentina!
Quando o rosto familiar enfim abriu espaço na multidão que me
sufocava, quando encarei o cisne branco e então nosso instrutor novamente,
decidi: não dançaria outra vez. Não queria dançar.
A pessoa que me presenteara com minhas primeiras sapatilhas; o homem
que me fizera voar pela primeira vez; a pessoa que me ajudara nos
alongamentos todas as manhãs...
Era ele.
Eu dançava por causa dele.
Quando aprendia uma peça nova, era para fazer seu peito inflar de
orgulho. Quando executava passos extremamente difíceis, era para ver seus
olhos brilharem como quando ele via mamãe dançar pela casa.
Meu melhor amigo.
Meu professor.
Meu... pai.
— Tina! — Ele se ajoelhou ao meu lado, me tomando em seus braços.
Seus olhos continham terror e lágrimas, o rosto jovem demais para a idade
se contorcendo em preocupação e culpa. — Filha, onde dói?
Não respondi.
Queria me afastar, mas não consegui.
Meu pai tocou minha perna, o ponto onde a dor era crucial.
O grito escapou da garganta, turvando minha visão.
Estava doendo tanto...
Aquele homem tinha destruído tudo o que construíra. Todo amor, carinho
e admiração. Tudo. Tudo acabou quando a mulher de Cisne virou o rosto
naquele dia, se revelou. Quando declarou que estava apaixonada por ele.
Eu a admirara também.
Fora minha inspiração, a de todas as outras na academia.
— Tina, pelo amor de Deus! — Papai tocou meu rosto, aflito. — Diga
alguma coi...
— Tire essas mãos imundas dela! — Jeremmy avançou pelo mar de gente
que cochichava. Todos sabiam como eu idolatrava meu pai, sabiam como
éramos próximos.
A filha prodígio de Matt Ward.
Meu irmão o empurrou para longe, fazendo-o cair sentado, as mãos no
chão. Era como se o homem ao seu lado não passasse de um ser repugnante,
e não a pessoa que o criara com tanto amor, sempre nos tirando risadas, nos
lançando olhares de repreensão quando fazíamos algo errado. Jeremmy, que
era sempre tão gentil e reservado, olhou para nosso pai com um aviso.
— Toque nela, desgraçado, e eu quebro sua maldita perna também.
— Jeremmy...
— Perdeu o direito de se importar quando traiu nossa família — ralhou o
jovem, passando uma das mãos em minhas costas. — Volte para suas
alunas.
Meu pai não se moveu, como se o filho tivesse, de fato, quebrado alguma
parte de seu corpo.
— Tina... — Meu irmão me pegou com cuidado no colo, me tirando com
facilidade do chão. Não demorou muito para eu avistar o rosto da minha
melhor amiga. — Vai ficar tudo bem.
Me agarrei ao pescoço do rapaz, manchando de maquiagem e choro a
camisa social branca que ele fizera questão de comprar apenas para usar
naquela noite.
— Quero ir embora — sussurrei.
— Vamos para o hospital — rebateu, praguejando quando precisava pedir
a alguém para abrir espaço.
Tentei protestar, mas fui interrompida quando Gina berrou com uma
mulher curiosa que não saía da frente. Apenas afundei o rosto no ombro do
meu irmão e apertei os olhos fechados, desejando que aquele pesadelo
acabasse.
Tudo doía: minha perna quebrada, a cabeça que bati na queda, os pulsos e
os braços... Mas a dor no peito era a mais aterrorizante.
Eu não conseguia respirar.
— Você vai ficar bem — meu irmão continuou, sussurrando em meu
ouvido enquanto se apressava cada vez mais para me tirar do anfiteatro.
Gina estava empurrando os curiosos. Jeremmy, me mantendo presa em seus
braços. As feições bonitas do rosto dele pareciam misturadas ao ódio, e à
preocupação, e à tristeza. — Vamos ficar bem.
Quando o céu escuro e estrelado alcançou meus olhos, me permiti
encarar o cenário atrás de Jeremmy, o prédio em que eu passara anos
sonhando em me apresentar ficando para trás.
Diminuindo e diminuindo.
Naquela noite, deixei ali a coisa que mais me motivava a levantar pela
manhã:
Meu sonho.
“Não há nenhuma combinação de palavras
que eu poderia colocar na parte de trás de um cartão postal
A canção que eu posso cantar.
Mas eu posso tentar pelo seu coração.
Nossos sonhos, eles são feitos de coisas reais
Como uma caixa de sapatos de fotografias
Do tom sépia amoroso.
Amor é a resposta,
Pelo menos, para a maioria das perguntas no meu coração
Como “por que estamos aqui?” e “para onde vamos?”
E “por que é tão difícil?”.
Não é sempre fácil e às vezes a vida pode ser enganadora.
Vou te dizer uma coisa:
É sempre melhor quando estamos juntos.”
Better Together (Jack Johnson)
TINA
colocar na sacola artesanal. — Esse aqui fica delicioso com o doce que
você comprou, ou com vinho.
— Tenho certeza que a senhora é uma excelente cozinheira — comentei,
aceitando a sacola personalizada, seguida da pequena flor branca que a
dona da loja me estendeu. — Grazie![4]
O jovem ao meu lado abandonou a caneta sobre o papel e sorriu para a
mulher.
— É a melhor cozinheira da... — Ele parou de falar quando seus olhos
escuros encontraram os meus.
O sorriso em seu rosto morreu imediatamente.
Ele era novo e bonito, mas não analisei muito seu porte físico nem tentei
compreender a surpresa em seus olhos, pois meu celular começou a tocar
alto. Giselle: Andantino ecoou pela loja, anunciando uma chamada.
Desconectei rapidamente o fone e atendi, pedindo licença para as duas
pessoas que me encaravam.
— Oi — cochichei em português, me virando para a saída.
— Você saiu sem mim?!
Revirei os olhos.
— Só estou do outro lado da rua, Gina.
— Ah! — Suspirou, bocejando em seguida. — Então sobe pra gente
tomar café e ir ver o templo lá. Eu queria dormir mais um dia, mas parece
que não vou conseguir.
— Tô subindo.
— Ótimo. Vou tomar banho. — E desligou.
Me virei para a senhora atrás do balcão, reparando que o rapaz italiano
ainda parecia um pouco intrigado comigo, como se visse um tipo de
fantasma. Sabia que minha pele ficava extremamente pálida pela manhã,
mas não era motivo para me olhar daquele jeito.
— Er... Obrigada por isso. — Ergui a flor e a sacola para a mulher. —
Não vou mais incomodar a senhora.
— Você não é incômodo, bambina. Volte sempre que quiser.
Retribuí seu sorriso.
— Tenham um bom dia — falei, acenando para os dois. — Ciao.[5]
Empurrei o vidro, mas, antes de sair, escutei a voz grave falar mais baixo,
em italiano:
— Nonna, chi é quella ragazza?
TINA
TINA (00:23): Vê se não faz besteira. E não toma vinho demais. Toma
cuidado. Sei que sabe se cuidar, mas me preocupo mesmo assim. Vou te
esperar aqui amanhã.
A fincada aguda na cabeça foi a primeira coisa que senti quando tentei
abrir os olhos. Procurar distinguir o que era aquela luz exagerada em meu
rosto só tornou tudo pior. Um gemido rouco deixou minha garganta quando
reuni forças suficientes para me levantar. A dor de cabeça intensificou
quando entendi que aquela claridade era a luz forte de um dia ensolarado.
Senti o gosto amargo na boca ao tentar falar, mas nada compreensível
deixou meus lábios.
Tentei me levantar outra vez, mas uma mão me impediu com delicadeza.
A voz grave era abafada pelo zumbido em meu ouvido. A pessoa disse
algo em italiano, mas não para mim: respondeu a alguém. Pessoas se
aproximavam e se reuniam ao meu redor, me lembrando de uma
apresentação fracassada e uma perna quebrada.
Não consegui ver rosto algum, apenas sombras embaçadas pelo sol, que
parecia querer se exibir. Fechei os olhos e tentei me acalmar.
Respirei fundo e me sentei, a mão do estranho me dando apoio nas
costas.
Estreitei os olhos para o chão de pedras quentes e os turistas curiosos que
me encaravam de volta, murmurando em outras línguas, me perguntando se
eu estava bem.
O rosto do jovem preocupado à frente — a pessoa que mantinha a mão
em minhas costas — foi a primeira coisa que realmente consegui enxergar
com clareza.
E então o que se erguia majestosamente atrás dele.
Fontana Di Trevi.
Meu coração reiniciou uma corrida no peito. Confuso.
— O que... — Engoli em seco, voltando meu olhar para o rapaz diante de
mim. — O que aconteceu?
Corri os olhos pela multidão, que aos poucos se dispersava. Acima das
escadas, curiosos comentavam o ocorrido.
Um suspiro aliviado deixou os lábios do italiano.
— Você é americana — disse com um meio-sorriso. — Estava com medo
de ser russa ou algo do tipo. Não saberia como te pedir desculpas.
Balancei a cabeça com a esperança de me concentrar, entender por que
raios eu estava jogada no chão em frente à fonte dos desejos!
— O que aconteceu? — repeti a pergunta.
— Culpa minha. — O jovem afastou a mão que antes me sustentava e
coçou a nuca, envergonhado. — Estava com pressa para uma entrega e
acabei derrubando você com minha correria desnecessária.
Ele me observou daquele jeito outra vez, como se eu fosse uma criança
que caíra, ralara o joelho e estava prestes a chorar. Respirou fundo e franziu
as sobrancelhas escuras num misto de culpa e preocupação, levando uma
das mãos à minha testa, afastando os cachos dourados ali.
— Me perdoe, eu... não queria te machucar.
Toquei o ponto onde doía e reprimi outro gemido. O pouco sangue que
carimbou a ponta dos dedos me deixou enjoada.
— Está tudo bem... — comecei, tentando me levantar. O rapaz
rapidamente se adiantou em ajudar, me guiando ao banquinho mais
próximo. — Só estou um pouco confusa agora.
Por que eu estava na fonte? Onde estava Gina?
— Eu estava sozinha? — Busquei pelos longos cabelos de tranças
ornamentadas por anéis dourados.
— Alguns turistas estavam aqui, mas...
— Nenhuma morena alta?
— Não... — O estranho procurou ao redor também. — Você veio com
alguém? Eu estou com minha scooter, posso te levar até onde está
hospedada se quiser. — Os olhos pretos correram para minha testa outra
vez, e ele conteve uma careta. — Ou ao hospital.
— Obrigada, mas... — Pensei um pouco. Tentei recordar de detalhes que
deixara passar.
Não me lembrava de ter deixado o hotel sem Gina naquela manhã. Mas...
Também prometi antes de dormir que retornaria à fonte assim que
acordasse. Imagens borradas começaram a rodar em minha mente e, aos
poucos, deram lugar à compreensão. A Fontana, o restaurante, Gina e
Paolo, a última ligação da minha amiga e a moeda que deveria devolver
naquela manhã.
Girei a bolsinha presa ao meu corpo e a abri à procura da moeda que
furtara noite passada.
Meu corpo relaxou no assento. Estava bem ali.
Fechei a bolsa e encontrei os olhos escuros do rapaz me estudando.
— Você está bem? — Ele tocou minha testa com cuidado. — Quer que
eu te leve a um médico?
Neguei rapidamente e fiquei de pé. O italiano me imitou.
— Estou bem, não foi nada. — Ele não se convenceu.
— Eu tentei te segurar, juro, mas foi tão rápido e...
— Já sofri tombos piores, er...
— Theo. — Estendeu a mão para mim. — Me chame de Theo.
Sorri.
— Estou bem, Theo. Prometo.
— Certo. — Suspirou. — Vou tentar acreditar nisso. — Dessa vez, seus
lábios se esticaram em um sorriso largo e... lindo. Muito lindo.
Theo era bonito sim, eu notei desde o primeiro segundo em que colocara
os olhos nele, mas agora, mais calma, consegui notar o quão belo era. Mais
alto do que eu, e claramente se exercitava. Não era forte ou malhado, mas
tinha o porte físico de quem se alimentava bem e saía para correr todos os
dias. A pele era de um tom castanho-bronzeado, acentuando os olhos pretos
e os cabelos da mesma cor. Tinha o nariz reto e maxilar bem marcados e os
lábios avermelhados, o superior levemente mais cheio que o inferior, os
cantos bem puxadinhos.
E aquele sorriso...
Bem, talvez Theo derrubasse mais jovens por aí sem precisar
necessariamente atropelá-las.
E era italiano. Eu sabia porque o ouvira falar mais cedo. Um italiano tão
perfeito e natural quanto o inglês que usava para conversar comigo agora.
Notei os olhos negros me analisarem também, da mesma fora que eu o
estudava. Desviei o olhar rapidamente, sentindo o rosto esquentar mais um
pouco.
— Obrigada por... Bom, você me ajudou de alguma forma.
Theo soltou um riso baixo, cruzando os braços.
— Te joguei da escada e agora está me agradecendo? — Fez uma careta
fofa. — Americanos são estranhos.
— Outra pessoa poderia ter fugido da cena do crime. — Dei de ombros.
— Você ficou e se preocupou.
— Sendo assim... — Seus lábios repuxaram em um sorriso galante. —
De nada.
Sorri.
— Onde está hospedada, bella?
— Valentina — o corrigi rapidamente.
— Valentina — experimentou dizer, o sotaque italiano acentuando de
forma adorável o “Tina”. Contive a língua para evitar pedir a Theo que o
dissesse outra vez. — É um nome lindo.
Me perdi naqueles olhos pretos com uma sensação estranha brincando em
meu estômago. Já os vira antes, era o que eu sentia. Eram escuros como
obsidiana, mas brilhavam como um céu noturno e estrelado.
O som do celular tocando quebrou aquele contato, e as borboletas que
dançavam em minha barriga bateram asas para longe.
Pedi licença a Theo e atendi a ligação.
— Oi? — balbuciei, distraída.
— Hã... Tina? — Reconheci imediatamente a voz.
— Onde você está?!
— Eu acho que estou a caminho de Florença.
Pisquei, sem reação.
Um segundo...
Dois...
Três...
Ergui o antebraço em frente ao corpo e encarei o pequeno relógio de
couro preto que enfeitava meu pulso.
— Você tem um minuto para me explicar o que acabou de dizer.
— Os pais do Paolo tem um tipo de vinhedo por lá e vão fazer uma festa.
Ele me convidou e disse que me traria de volta amanhã.
Ela só podia estar brincando.
Soltei uma risada.
— Eu nunca entendo suas piadas, mas essa foi a melhor.
— Tina... Qual é! Você pode fazer o que quiser hoje e não vai me ter aí
para te atrapalhar, como foi ontem. Amanhã eu volto, então seguimos para
a próxima cidade que você quer conhecer.
Não respondi.
Não conseguia pensar em algo civilizado para dizer, sinceramente.
— A fonte funciona, Tina! — Giovanna suspirou. — Pedi a melhor
aventura romântica com um italiano, e esse pedido se realizou!
— Só pode ser brincadeira. — Apertei a ponte do nariz ao fechar os olhos
com força.
— Não é! Ela realmente funciona. E — soltou uma risadinha —, se
funcionou para mim, talvez o pedido que fiz para você também aconteça.
— Pediu para eu passar raiva? Está funcionando.
— Ha-ha. Só espere que vai acontecer.
Passei a mão no cabelo, prendendo os dedos nos cachos dourados.
— O que quer que eu faça, então, Giovanna?! Espere você voltar do seu
filme de verão na Itália com o Paolo?
— Ele está sendo maravilhoso, ok? Não precisa ficar preocupada
comigo, sei cuidar de mim mesma.
— Mal entende o que o cara diz, Gina!
— Leitura corporal não é difícil de ler, amor. É uma língua universal.
Ele me quer e eu quero ele. E ninguém conversa quando está beijando,
conversa?
Respirei fundo, sentindo o olhar atento de Theo em mim.
Abaixei o tom de voz e falei o mais calma e séria possível.
— Gina, volte para o hotel. Por favor. Essa porcaria de fonte não é
mágica, Paolo não é um príncipe encantado, é um idiota querendo se dar
bem com uma brasileira que conheceu em um restaurante. Só... volta.
— Só porque você não acredita não significa que não seja real. —
Bufou. — Tenho certeza que seu dia será mais divertido sem mim.
— Mas...
— Preciso ir agora. Te vejo amanhã. — E desligou.
Encarei o celular por um tempo, então deixei meu corpo cair sentado no
banquinho preto outra vez. Meus olhos fitaram a Fontana a alguns metros.
Alguns segundos de silêncio...
Então permiti que uma série de palavras feias deixasse minha boca.
Era comum Gina me abandonar nas nossas saídas, e eu normalmente
estava pronta para qualquer imprevisto relacionado à minha amiga, mas não
me preparei para aquilo. Não estávamos em Nova Iorque, onde eu poderia
muito bem pegar o metrô ou um ônibus e voltar para casa. Estávamos em
Roma, na Itália!
Ela só ganhara aquela viagem por minha causa!
Pisquei, tentando afastar a raiva que se transformava em ofensa e
lágrimas.
Não permiti que nenhuma caísse.
— Sua amiga? — Theo sentou ao meu lado.
— Ex-amiga — murmurei. — Sabe qual o melhor lugar por aqui onde eu
possa enterrar um corpo?
Ele riu.
— Quer me contar o que aconteceu?
O encarei.
— Ela fugiu para Florença! Consegue acreditar? Saiu correndo para
viver um romancezinho com um cara que conheceu noite passada! —
Bufei. — Italianos idiotas.
Os lábios de Theo tremeram com a tentativa de conter o sorriso.
Meus olhos se abriram mais, me dando conta de que o insultei
também.
— Eu não quis dizer... — Corei. — Nem todos devem ser... eu...
— Está tudo bem. — Ergueu a palma da mão direita, me interrompendo.
— Eu só sou cinquenta por cento italiano.
— Sério?
— Huh. — Assentiu, aquele sorriso lindo brincando em seus lábios. —
Minha mãe era americana, como você.
— Ah! — exclamei, não deixando passar despercebido o “era”, mas sem
coragem alguma para perguntar a ele o que tinha acontecido.
— Veio para Roma com sua amiga?
— Sim. — Fechei a cara outra vez. — Aparentemente, vou passar boa
parte da viagem sozinha. Gina disse que vai voltar amanhã, mas duvido
muito disso. Ela é... complicada. — Soltei o ar, passando a mão nas mechas
outra vez, contendo uma careta ao esbarrar sem querer na testa machucada.
— Vou só... voltar para o hotel e encomendar alguns filmes.
— Ei, o dia mal começou! Você pode conhecer Roma sem ela. Olha só —
girou meu pulso, indicando o relógio —, oito e meia ainda. Se quiser, posso
ser seu guia. Conheço Roma como a palma da minha mão.
Consegui sorrir e percebi que gostava muito do timbre de voz de Theo.
Era grave, melódico e muito bonito. Mas meus ombros caíram
desanimados, chateada por Gina ter me trocado daquela forma.
— A carona para me levar para o hotel ainda está de pé?
— Claro. — O rapaz se levantou e estendeu a mão para me ajudar a fazer
o mesmo. Não precisava, mas aceitei mesmo assim. — Minha moto está
estacionada no outro lado da rua, mas primeiro — Theo apontou para o
machucado em minha testa —, vamos cuidar disso.
— Não está tão ruim assim. — Torci o nariz em uma careta.
— Eu fiz isso com você, eu vou cuidar disso.
— Mas...
— Não é uma opção, bella. — Segurou firme minha mão. — De
qualquer forma, a farmácia não é longe.
Pensei em protestar, mas estava cansada demais para isso.
— Tudo bem — resmunguei, e me permiti ser levada por ele.
— Theo...
— Não precisa ser complicado, ou uma música clássica, só... uma dança.
Ri.
— Por que quer tanto me ver dançar?
— Porque não acredito que é uma bailarina.
— Era. — Bufei, soprando um cacho dos olhos. — Eu era uma bailarina.
— Não acredito.
— Não vou dançar pra você — falei simplesmente.
Ele deu de ombros.
— E eu não vou te contar o que pedi à fonte.
Comecei a rir, observando o rosto bronzeado e tão lindo.
Não sabia qual era a intenção de Theo com aquilo, mas apenas cogitar fez
meu coração bater mais rápido. Era de ansiedade? Me levantar e me
preparar para dançar para um rapaz que conhecera naquele dia? Meu
coração acelerou o ritmo porque queria aquilo? Ou seria medo de cair outra
vez?
Por favor... Era o que minha consciência e meu coração pediam em
uníssono. Por favor, tente só mais uma vez. Ninguém além de Theo vai ver.
Se você tropeçar e cair, ele com certeza vai estar pronto para te segurar.
Então, por favor... Só tente.
Inspirei profundamente, ciente de que poderia me arrepender disso
depois.
— Você escolhe a música — murmurei, me colocando em pé.
Um sorriso enorme e insinuativo iluminou o rosto de Theo.
— Dirty Dancing.
Gargalhei alto, lançando um olhar incrédulo para ele.
— O quê? — Cruzou os calcanhares, as pernas compridas esticadas na
grama escura. — Você disse que é seu filme favorito.
Não era uma má ideia.
E não seria balé.
Eu poderia deixar fluir... seguir os passos e meus sentimentos.
— Certo — resmunguei. — Coloca a música.
— Esse é o espírito! — Theo fez aquilo com a mão em forma de coxinha.
Sorri. — Qual o nome da música?
— Now I... have... the time of my life... — cantei exageradamente grave, o
fazendo rir.
Theo digitou e ergueu a tela. No entanto, antes de dar o play, disse,
sedutor:
— Dance pra mim, Baby.
THEO
Uma lágrima solitária escorreu por minha bochecha quando meus olhos
se abriram de repente.
Me sentei na cama sobressaltada, ofegante.
Meu coração batia rápido e dolorosamente no peito, me lembrando e
afirmando que o que eu jamais pensara ser capaz de sentir tão intensamente,
em apenas um dia, fora na realidade...
Um sonho.
A fonte, a moeda, Theo...
Foram um sonho.
Pisquei várias vezes antes de fechar os olhos outra vez, com força, ainda
desacreditada de que tudo não passara de um filme do meu subconsciente.
Fechei os olhos de novo com a tola esperança de abri-los e encontrar...
O teto branco do hotel.
Um sonho.
Fora tudo um maldito sonho!
Encarei o cômodo que clarearia mais à medida que o dia finalmente
começasse, e a tela do celular brilhou quando pressionei o botão,
confirmando o que eu temia.
Cinco horas.
Eu normalmente levantava naquele horário, mas me recordava
claramente de desativar o despertador comum para as férias na Itália.
Passei as mãos nos cabelos desgrenhados, observando o pijama simples
que colocara para dormir na noite anterior, após o banho.
Uma vontade de gritar estava presa na garganta.
Ainda conseguia sentir as mãos dele em meu rosto, a sensação dos lábios
de Theo percorrendo uma trilha preguiçosa por meu maxilar e bochechas...
minha boca...
Faltou tão pouco...
Merda!
Praguejei, afundando o rosto no travesseiro.
Não costumava sonhar assim. Na verdade, normalmente esquecia a
maioria dos sonhos que rodavam na minha cabeça sempre que fechava os
olhos. Em geral, me lembrava dos que eu mais evitava recordar: uma
bailarina machucada caindo de novo e de novo num estúdio velho, cinzento
e igualmente quebrado.
Mas aquele...
Theo.
Ele fora tão real.
Cada segundo pareceu tão real.
Precisei de longos segundos para afastar aquele formigamento nos
lugares onde o italiano me tocara, varrer meus pensamentos para longe do
sorriso dele. Mesmo a risada do rapaz ficou nítida em minha mente, me
provocando sensações impossíveis para a Tina de semanas atrás.
Sonho.
Fora só um sonho.
Mordi o lábio, reprimindo a melancolia que queria dominar meu corpo
ainda dormente. Quando finalmente me permiti enxergar além das imagens
de um sono profundo, visualizei a silhueta da jovem estirada na cama do
outro lado. Giovana ainda usava as roupas da noite passada, os cachos
embaraçados misturados às tranças enfeitadas por anéis dourados. Um dos
pés com a meia; o outro, não.
Um misto de raiva e alívio percorreu meu corpo. Porém, movida pelo
sentimento pior, levantei agarrada ao travesseiro.
— Como. Você. Ousa. Me. Deixar. Por. Um. Cara! — grunhi à medida
que pontuava cada palavra com travesseiradas fortes, motivada pela
indignação da noite passada, pela frustração de Giovanna ter aparecido no
meu sonho e interrompido o que poderia ter sido um beijo apaixonado. —
Sua. Amiga. De. Merda!
— O que é, praga?! — resmungou a jovem, rouca, cobrindo o rosto com
o antebraço. Mal abria os olhos.
— Praga? — Bati nela com mais força, sentindo outras lágrimas
escorrerem. Não sabia por que sonhar com um cara legal e um dia incrível
me afetaram tanto, mas ali estava: Valentina Ferreira, chorando por um
romance iludido e inacabado. — Você ia me deixar aqui pra fugir com o
Paolo para Florença, sua...
Os olhos dela se abriram devagar.
— Sim, sim. — Bufou. — Eu estou lá, não vê? Se está tendo um sonho
ruim, não estraga o meu, poxa. Me acordou na hora que eu ia beijar o
Capitão América.
Um riso seco deixou minha garganta.
Com uma última travesseirada nela, soltei a fronha e me sentei à beira da
cama.
Estava... vazio.
Ter aquele sonho preenchera pedaços trincados do meu coração, fora
mágico, real, tão lindo... Acordar daquele jeito deixava tudo vazio outra
vez.
Theo me fizera rir inúmeras vezes, me levara para lugares incríveis, me
fizera dançar...
— Tina? — Gina tocou meu braço. — Você está chorando?
— Não. — Virei o rosto para que ela não visse mais.
— O que aconteceu?
Minha amiga se sentou, me puxando para um abraço na mesma hora em
que me desmontei de verdade.
Não era apenas por Theo que eu estava triste.
Era pelo que ele me havia feito sentir.
Era pelas feridas que deixei ele ver.
Pela Valentina que guardara rancor demais e deixara de sonhar por dois
anos.
— Oh, amiga... — Giovanna acariciou minha cabeça. — Não me assusta.
Você nunca chora assim, o que foi?
Sinto falta da dança, quis dizer. Sinto falta de como minha família era
antes, das brincadeiras bobas do meu pai, de ver ele e minha mãe
dançando pela casa. Sinto falta de sorrir por coisas idiotas porque elas
simplesmente me faziam bem.
Sinto falta da Valentina que costumava ser.
A Valentina do sonho.
— Eu só... tive um sonho. — Funguei.
Gina suspirou, me abraçando mais forte.
— Aqueles sonhos de novo? — perguntou baixinho.
Sim, minha amiga sabia dos sonhos frequentes que preenchiam minhas
noites. O pesadelo de paleta cinza. Aquele em que o estúdio estava
desmoronando e eu tentava dançar mesmo assim, com uma dor insuportável
na perna quebrada. No sonho, uma caixinha de música estragada tocava; a
bailarina nela era suja e triste.
Eu caía sempre que tentava uma pirueta e encarava as dezenas de
Valentinas nos espelhos ao redor, todos trincados. Quando ia ao chão,
começava a chorar. Então uma outra música iniciava, uma triste, mas
reconfortante, e uma luz aparecia. No entanto, sempre que a silhueta de
alguém começava a surgir naquela luz, eu acordava.
Só que, pela primeira vez, sonhara de verdade.
— Não foi um sonho ruim — murmurei, fitando minhas mãos
entrelaçadas sobre o colo, me lembrando de como a mão de Theo era maior
e cobria a minha. — Só... um sonho de um dia de verão.
Fechei os olhos por alguns segundos e inspirei.
— Me desculpa te acordar — falei, apoiando a cabeça no ombro de Gina.
— Foi apenas um reflexo do sonho. Você meio que me deixou sozinha aqui
em Roma pra ir namorar com o Paolo em Florença.
Giovanna soltou um som engraçado de descontentamento.
— Eu voltei, ok? Voltei assim que li aqueles três capítulos de livro que
você mandou — resmungou. — Podia mandar áudio, sabe que odeio ler
textão.
Ri, me afastando para observar o rosto dela.
— Então você voltou porque se sentiu culpada? Que gracinha...
Gina me mostrou a língua.
— Eu voltei porque você estava certa. Preciso começar a pensar nos
sentimentos das pessoas que deixo para trás. — Ela afastou um cacho loiro
do meu rosto. — Vivo fazendo isso com você e com o Jeremmy, não é
justo.
— Obrigada. — Sorri docemente. — É sempre uma delícia estar certa.
Ela me empurrou para fora da cama.
— São cinco horas da manhã — praguejou, voltando a deitar. —
Podemos, pelo menos, levantar às nove? Sua agenda diz que temos que
devolver o cartão do quarto na recepção até às dez.
— Você leu minha agenda?
— Claro! — Gina sorriu, os olhos fechados, o rosto apoiado sobre as
duas mãos unidas no travesseiro. — Vamos seguir seu itinerário de viagem.
É seu aniversário, afinal.
Meus lábios se esticaram também. Porém, quando retornei para a cama,
senti aquele vazio pesado outra vez.
Não consegui pregar os olhos, muito menos afastar Theo dos
pensamentos.
Um suspiro ecoou do outro lado.
— Quer me falar desse sonho? Talvez ajude.
Ergui os olhos para Gina, meu rosto recostado contra o travesseiro.
— Só fiquei com o que você disse na cabeça — murmurei. — Sobre a
moeda e a Fontana.
— Ah, sim, sua ladra. — Bocejou. — Vai devolver a moeda?
— Eu estava planejando fazer isso pela manhã e acabei... sonhando com
a Fontana e a moeda e...
— Um italiano gatinho? — Ergueu as sobrancelhas duas vezes.
Ri.
— Sim... um italiano gatinho. — Muito mais do que isso. Choraminguei.
— Mas foi diferente, Gina. Você sabe que eu não costumo sonhar colorido.
Foi um sonho digno dos filmes que a Lena gosta.
— Saudades daquela baixinha...
— Pois é, eu também. — Suspirei. — Talvez meu subconsciente tenha
reunido tudo e colocado no sonho.
— E o que aconteceu nele?
Contei para ela.
Tudo.
Cada mínimo detalhe.
Quando cheguei ao final, Gina parecia mais acordada do que nunca.
— Quer dizer que sonhou com o dono da moeda que você roubou? —
Existia um rosto no sorriso dela. — Você teve um dia romântico com o cara
da Fonte?
Revirei os olhos.
— Foi só um sonho — retruquei. — Theo pode nem ser mesmo o nome
dele. E eu posso muito bem tê-lo visto em algum lugar, meus
“divertidamentes” estavam sem um elenco bom e escolheram ele.
Aleatoriamente. Talvez ele nem seja italiano!
Pensar nisso embrulhou meu estômago, lembrar que Theo não era real
me deixou inquieta.
Giovanna riu.
— Amiga, mas... E se a Fontana quis te dar uma lição e fez você sonhar
com o dono da moeda. De verdade?
Então, Theo seria real...
Mas era impossível. E mágico.
— Certo. — Ri. — Como se a Fontana fosse se vingar de cada um que a
rouba.
— E por que não? — A brasileira já estava de pé, andando pelo quarto.
— Não só faria sentido como seria um ótimo castigo. Sonhar com o dono
da moeda que você furtou da fonte... Isso é genial! — Gina parou de
ziguezaguear para me encarar, animada. — A gente precisa voltar lá hoje!
— Arfou. — Agora! Tá mais vazio nesse horário. Quero roubar algumas
moedas...
— Gina! — Gargalhei.
— O quê? — perguntou, séria. — Não vamos roubar, só... pegar
emprestado! Seria, tipo, como alugar um filme. A gente vai lá, devolve a
moeda do Theo, pega mais uma e vê qual será o sonho da vez.
Balancei a cabeça.
— Você é maluca!
— Qual é! — Me sacudiu. — Não quer testar a teoria?
— E parar na cadeia? — Ri. — Não, obrigada. Theo disse que a gente
pode ir presa por isso e...
Ele não é real.
— Você gosta dele — minha amiga afirmou.
— Do cara dos meus sonhos... — zombei, fechando os olhos. — Sou
apaixonada.
— E se... o cara dos seus sonhos... — começou, pensativa — ...também
tiver sonhado com você?
A encarei.
Gina sorriu.
— Pra quem não acredita nessas coisas, você claramente está pensando
nisso.
— Eu não tinha pensado nisso. — E não acredito nessa fonte idiota.
— E se o Theo estiver acordado neste mesmo segundo, pensando na
bailarina do sonho?
— Cala a boca!
— Você precisa voltar à Fontana, Tina! — A garota riu, eufórica. —
Pensa só, você chega no lugar e o Theo também está lá, te esperando com
uma rosa na mão, dizendo todo romântico um “Buongiorno, amore mio”.
Revirei os olhos.
— Foi só um sonho — repeti.
— Foi mesmo?
— Foi.
— Foi mesmo? — insistiu, franzindo a testa, me cutucando na costela.
— Que droga, Giovanna! — A empurrei para longe. — Foi!
— Tem certeza?
— Sim... — Não.
Os lábios perfeitos da minha amiga se esticaram como os de um gato.
Ela recuou um passo e cruzou os braços, convencida.
— Vai se arrepender se deixarmos Roma e você não confirmar minha
teoria. Vai arruinar a sua viagem — disse, paciente. — Porque não vai
conseguir parar de se perguntar se o cara que viu nos seus sonhos foi
mesmo real.
A encarei por alguns segundos, o peito subindo e descendo com uma
emoção diferente de qualquer outra que sentira antes.
Esperança.
Esperança tola de que Giovanna e a senhora da loja de doces tivessem
razão e a Fontana di Trevi fosse mesmo um lugar mágico.
— Eu te odeio — resmunguei, me sentando no colchão com o coração
acelerado.
Gina sorriu, satisfeita.
— E eu te amo. — Segurou meu rosto com as duas mãos e beijou minha
testa. — Agora troca de roupa e vai lá pegar seu homem.
— Ele não...
— Para de pensar, Valentina! — minha amiga me repreendeu quando
hesitei. — Só pega a droga da moeda e vai logo pra fonte!
Assenti, voltando os olhos para a escrivaninha, onde havia colocado a
moeda antes de dormir.
Meu coração iniciou uma corrida mais rápida.
— Gina? — chamei depois de me abaixar no chão para verificar e
conferir na bolsa. A jovem inclinou parte do corpo para fora do banheiro
para me olhar. A encarei apreensiva. — Cadê a moeda?
THEO
— Tem certeza que ela vai gostar de mim? — A garota de longos cabelos
escuros e olhos dourados ao meu lado cochichou quando paramos em frente
à pequena portinhola de madeira que separava a calçada de pedras do
jardim colorido de nonna.
Ri.
Tina revirou os olhos.
— Eu é que deveria estar preocupada com isso — reclamou a bailarina
para a amiga, se agarrando mais ao meu braço.
— Ela já te conhece — a lembrei. Contei sobre a senhora da loja de
doces, sobre ter reconhecido Valentina quando a vira no dia anterior, incerto
se me aproximava ou não. Obviamente, não contei a ela sobre os outros
sonhos que tivera com Tina antes de realmente conhecê-la, mas a jovem
pareceu surpresa e feliz por saber que, no fim das contas, a senhora gentil
que conhecera antes era a pessoa que a aguardava para um jantar naquela
noite.
Mesmo sabendo disso, ela permaneceu nervosa.
A amiga de Valentina verificou o bafo, então seguiu ajustando o busto de
um dos vestidos “mais comportados” que ela encontrara na mala. Finalizou
lambendo a ponta do dedo para ajustar as sobrancelhas.
— Pois é — resmungou a morena, os olhos castanhos se voltando a
amiga e eu. — Eu estou como a intrometida aqui! Ela pode não gostar de
mim. — Cobrindo parte da boca com uma das mãos, sussurrou: — Ouvi
dizer que italianos idosos são mal-humorados.
— Giovanna! — Valentina lançou a ela um olhar de repreensão.
Gargalhei.
— Non preoccuparti, Gina[27]. Nonna vai adorar você, tenho certeza. —
Avancei, abrindo passagem para as duas jovens. — Ela sabia que você viria,
então entre. Italianos não gostam de esperar.
— Ninguém gosta — Tina resmungou, passando a mão pelo vestido
turquesa simples, soltando o ar com força apenas para inspirar fundo outra
vez.
Mesmo que tentasse não demonstrar, eu sabia que ela estava tão nervosa
quanto a amiga.
Como se fosse possível, Valentina conseguiu ficar ainda mais linda
naquela noite. Eu certamente já sentia falta do vestido amarelo perturbador
e lindo, mas não gostara menos daquele mais justo, de estampa lisa, que a
jovem usava. Destacava os cachos dourados que emolduravam o rosto dela.
— Vamos — disse Tina, passando por mim junto de Giovanna.
Fomos recebidos pelo cheiro delicioso do tempero de nonna quando
entramos na casa. Gina soltou um choramingo de fome ao inspirar,
deixando a amiga para trás e seguindo o rastro que denunciava onde
aconteceria o jantar. Valentina entrelaçou nossas mãos ao me acompanhar
lado a lado pela sala.
Andamos até o quintal dos fundos, onde eu tinha ajudado nonna a
espalhar velas e luzes para iluminar melhor o local. A mesa de madeira
antiga estava disposta no centro da grama, e minha avó recolhera algumas
flores de seu estimado jardim para colocar no jarro no centro, entre os
diversos pratos típicos preparados.
Era engraçado ver as duas convidadas se preocupando tanto em
impressionar nonna quando, na verdade, quem me fizera rodar a cidade
toda atrás dos ingredientes certos fora a própria italiana.
Minha avó adorava companhia, e adorava ainda mais exibir os dotes
culinários dela. Não era de se gabar, não o tempo todo, mas amava receber
elogios. Principalmente de estrangeiros.
Quando os olhos pretos, tão comuns na família Abertinalli, encontraram
as duas jovens que me acompanhavam, um sorriso enorme emoldurou seu
rosto bronzeado e enrugado.
Nonna exclamou suas boas-vindas, estendendo os braços para a primeira
vítima de seu abraço de urso.
— Valentina! — A apertou, se afastando para depositar beijos estalados
em cada bochecha da dançarina. — Como é bom te ver outra vez, bambina!
Tina sorriu tímida.
— Digo o mesmo, senhora... er...
— Antonella — minha avó se apressou em dizer. — Mas me chame de
nonna.
— Nonna — repetiu, os lábios dela se esticando. — Antonella é um
nome lindo, nonna.
— Como o seu, minha querida. — Nonna desviou os olhos escuros para
Giovanna, que estava praticamente sem respirar ao lado de Tina.
Quando nos conhecemos de verdade no saguão do hotel, algumas horas
depois de reencontrar Valentina na Fontana, ela agiu exatamente como no
sonho. Praticamente repetindo as mesmas palavras — deixando de fora a
parte dos italianos idiotas.
Parecia ser uma garota confiante, mas, por algum motivo, estava
extremamente nervosa ao ver a senhora de idade se aproximar dela.
— Você deve ser a amiga — falou nonna, dando a mesma recepção à
Gina. — Como você é bela, menina.
— Ah! — Sorriu a jovem, sem graça. — O-obrigada, Sra. Antonella.
— Nonna — a corrigiu.
— Certo, nonna.
— Também é do Brasil, como Valentina? — perguntou, apontando para
as cadeiras ao redor da mesa, começando a andar, levando as duas garotas
junto.
— Isso — Gina respondeu, surpreendentemente tímida. Lancei um olhar
questionador para Valentina, que deu de ombros, como se também não
soubesse por que a amiga estava tão diferente. — Me mudei para os
Estados Unidos para morar com ela.
— E seus pais?
Gina congelou por alguns segundos, mas não foi preciso dizer nada;
minha avó era muito boa em ler entrelinhas.
— Também perdi pessoas que amava, querida. Tenho uma ideia de como
se sente. — A olhou com um meio-sorriso, gentil. —Venha! Sente-se ao
meu lado.
Afastei uma das cadeiras para Tina, que agradeceu ao se acomodar e
esperar que eu fizesse o mesmo.
— Então... — falou baixinho para mim enquanto nonna e Gina
engatavam em um tipo de conversa mais sentimental. — Essa é a casa em
que você cresceu?
— Huh — assenti, passando o braço por seus ombros descobertos. Me
deliciei ao sentir os pelos do braço dela se arrepiarem quando minha mão
quente tocou sua pele fria.
— É aconchegante. — Segurou minha mão, escorando a cabeça em meu
ombro. — É o tipo de casa que você olha e sabe que as pessoas que
moraram aqui foram felizes.
— Que... profundo — brinquei, mesmo concordando. Eu tinha muitas
lembranças boas daquele lugar.
— Me deixa. — Me cutucou com uma careta fofa.
— E a sua casa?
Suspirou, encarando o prato vazio diante dela.
— Minha casa agora é um apartamento no centro comercial da cidade —
falou, mais séria. — A casa em que eu morava... era um protótipo de
estúdio de dança. Havia um cômodo enorme com um piano de cauda que
meu pai comprou para a minha mãe de presente de cinco anos de
casamento. Existiam espelhos enfileirados por toda a parede e uma janela
enorme que dava vista para as outras casas. Eu gostava de me esconder lá às
vezes. Sempre. Era meu lugar favorito na casa.
— Sua mãe... — comecei, um pouco hesitante, não sabia até que ponto
poderia cavar; até onde Tina se sentia confortável conversando comigo.
Ela ergueu a cabeça para me olhar quando não completei a frase,
esperando.
— Sua mãe parou de dançar também?
— Hm... eu não a vejo dançar há muito tempo. — Ela encarou nossos
dedos entrelaçados. — Bem antes de meu pai sair de casa, na verdade. Ela
preferiu cuidar mais da casa do que deixar Jeremmy, Gina e eu com babás.
Foi uma escolha dela.
— O que ela faz hoje?
— Ela é professora de música no fundamental em uma escola do bairro
em que moramos. Sabe, ela até está namorando com meu ex-professor de
inglês do ensino médio.
Observei, divertido, a jovem fazer uma careta.
— Ainda bem que já me formei, porque, sinceramente, não suportaria
chegar em casa e ver ele sentado no sofá, corrigindo provas. — Tina riu. —
Mas o Rick é um cara legal. Meio caladão, mas paparica muito minha mãe,
então está tudo bem. Ela merece alguém que a faça feliz.
— E você? — brinquei, me inclinando para mais perto dela, ciente de que
tínhamos uma plateia.
— Eu mereço uma pessoa que me faça feliz também — cochichou de
volta, os olhos verdes brilhando para mim; estavam mais escuros naquela
noite. — Acha que encontro alguém?
Sorri, pronto para roubar um beijo dela quando um pigarreio me
interrompeu.
Olhamos para nonna, que nos encarava com as sobrancelhas grossas
erguidas. Gina sequer tentava disfarçar o sorrisinho.
— Vamos jantar — a senhora falou, controlando o sorriso.
Valentina aprumou as costas, se afastando de mim. Sua bochecha
salpicada por sardinhas tomou um tom delicioso de rosa, deixando-a ainda
mais bela.
— Isso — falou, envergonhada, seu peito subindo e descendo com
rapidez. — Vamos jantar.
A lua cheia brilhava acima de nós. A sobremesa tinha sido servida e,
depois de bons minutos escutando minha avó falar sobre a receita passada
de geração em geração na família Abertinalli para a curiosa Gina, observei
parte do rosto visível da bailarina que, em poucas horas, havia me
conquistado ainda mais.
Sua risada... era como acender uma vela em uma sala escura, extensa e há
muito trancada, aquele fiapo de luz iluminando todo o cômodo esquecido.
Não sabia que ele existia e que precisava de vida até Valentina aparecer.
Meu coração era aquecido a cada olhar trocado, a cada sorriso que ela me
direcionava, a cada palavra que saía de sua boca.
Enquanto ela escutava atentamente a história que nonna contava, afastei
um dos cachos que nunca parava quieto, sempre caindo sobre os olhos da
jovem. Cada ponto de seu rosto me parecia tão familiar, como se eu a
conhecesse há anos, e não apenas há um dia e alguns sonhos.
Me lembrei do sonho, do último que compartilhamos, de cada conversa.
Tina era tão apreciadora de histórias quanto eu. Sabia que, apesar de estar
relaxada e despreocupada com o que faríamos depois, no fundo, seu espírito
aventureiro queria descobrir mais da Itália.
E eu entendia. Claro que entendia.
Folheara a agenda com seu itinerário de viagem, tão organizado em
tópicos do que faria e o que visitaria na linda caligrafia arredondada de
Valentina.
Jamais deixaria que Tina desperdiçasse seus outros dias aqui. Sim, tinha
muito de Roma que eu ainda poderia mostrar a ela — e teria a satisfação de
fazê-lo — mas havia Gina, e as duas tinham planejado conhecer outras
cidades juntas.
Não queria ser um intruso nas férias das turistas, mesmo sabendo que era
praticamente impossível me afastar de Valentina naquele momento.
E ela iria embora em duas semanas, para o outro lado do mundo.
— O que foi? — sussurrou para mim, os olhos grandes e brilhantes como
o sol me olhando curiosos.
— Qual é o próximo destino? — perguntei, e senti os olhares das outras
duas na mesa.
O quintal ficou silencioso.
Tina hesitou, e vi em suas feições delicadas várias perguntas confusas e
complicadas rodeando sua mente. Sabíamos no que estávamos nos metendo
quando nos beijamos naquela fonte, mas encarar a realidade de que ela
partiria em breve me assustava.
— A-acho que... — Tina engoliu em seco, desviando o olhar para a
amiga do outro lado da mesa. — Talvez a gente poderia, er...
— Eu fico — Gina se pronunciou, calmamente.
— O quê?
— Tininha, vamos ser sinceras, ok? Você e o Theo estão apaixonados, a
história de vocês começou de forma tão mágica e preciosa... — Suspirou,
um sorriso largo se abrindo em sua boca. — Eu jamais atrapalharia as férias
românticas de vocês.
— Mas você nem escutou o que eu ia dizer! — Valentina riu, se
afastando de mim para se inclinar sobre o tampo de madeira da mesa. — O
que eu ia dizer é que podemos ficar por aqui mesmo, e conhecer com calma
cada canto de Roma. Ou talvez... — Me olhou com um sorriso tímido. —
Talvez Theo podia ir com a gente dar umas voltinhas por aí.
— Ficaria honrado. — Sorri para ela, ciente de outro detalhe importante.
— Mas não posso deixar nonna e a loja sozinhas.
Gina bateu palmas, empolgada.
— Pronto! — falou, incrivelmente decidida. — Vocês dois vão viver o
sonho de verão de vocês, tipo, uma viagem por Veneza, Verona, Milão e
etecetera... e eu fico aqui com a nonna!
Franzi a testa, e senti que a garota ao meu lado também.
— Gina, ficou doida?
— Não, amor da minha vida. — Sorriu a brasileira, soprando um dos
cachos negros do rosto enquanto minha avó assistia a tudo com muita
diversão nos olhos escuros. — Estou te dando um presente porquê...
Advinha só? Sou a melhor amiga do mundo! Vai passar os dias que restam
com o Theo, e eu darei tudo de mim para ajudar aqui. Não falo italiano, mas
posso ser útil em outras finalidades. E meu inglês pode ajudar com os
turistas. Se — ela olhou para minha avó, um pouco mais contida — a
senhora não se importar, é claro.
— Eu vou adorar sua companhia, bambina — respondeu a senhora
italiana.
— Giovana! — Tina choramingou. — É óbvio que não vou te trocar por
um cara. Não sou você!
Giovanna não se magoou, enquanto Tina me lançava um olhar culpado.
Dei de ombros.
— Sem ofensas — brinquei.
— Posso falar com você em particular? — Tina disse baixinho para a
amiga e se levantou.
Gina revirou os olhos, mas assentiu, e as duas foram para a entrada da
cozinha. Nonna e eu ainda conseguíamos vê-las, mas éramos incapazes de
ouvir a conversa das duas.
Me virei para nonna e dei de ombros outra vez. Com um sorriso de quem
não se divertia há anos, ela me imitou.
TINA
— Para alguém que passou os últimos dias com o cara dos sonhos
em uma viagem pela Itália, você não parece muito feliz — cochichei para
Tina, que suspirava com pesar a cada cinco minutos.
Desviei o olhar para Theo no outro lado, ajudando a avó na cozinha,
distraído, escutando o que nonna lhe contava tão animadamente.
Os dois mal se tocaram desde que chegaram, mal conversaram, mas eu
não sabia se pelo cansaço da viagem ou porque algo não tinha saído como o
planejado.
— Brigaram? — Franzi a testa.
Como se saísse de um transe, minha amiga virou o rosto para mim e
piscou, me encarando como se tentasse lembrar o que eu tinha dito.
— Você e o Theo brigaram?
Ela negou e suspirou novamente.
— Acho que, se tivéssemos brigado, teria sido melhor — resmungou,
apoiando a cabeça em meu ombro, entrelaçando o braço ao meu. — Vamos
ficar em Roma para sempre?
Sorri.
— Não me provoque, sabe que vou dizer sim.
Valentina riu.
— Foi divertido, sabe. — Ela se afastou um pouco para me encarar. —
Ser um pouco Gina durante a viagem.
— É claro que foi, gracinha. — Revirei os olhos. — Deveria usar o modo
Gina sempre.
— Apenas nos fins de semana.
Meus lábios se curvaram para cima.
Apertei a mão dela.
— Talvez eu adote o modo Tina de vez em quando — provoquei. —
Sabe, vou me tornar uma mulher de negócios, acho que vou precisar de uma
agenda.
Uma risada rouca ecoou pela sala, atraindo o olhar de Theo para minha
amiga. Não me incomodei em disfarçar ao encarar a faísca que iluminou os
olhos dele.
Bobinho apaixonado.
Nonna me olhou rapidamente, como se também tivesse notado. A idosa
sorriu quando voltou a se concentrar na panela à sua frente.
— Vocês dois se decidiram? — perguntei para Tina, diminuindo o tom de
voz. — Sobre o que vão fazer?
A moça suspirou, brincando com os anéis em meus dedos, vez ou outra
tirando um deles para enfeitar a própria mão.
— Decidimos... tentar. O que quer que seja.
— Namoro à distância, huh? — Cutuquei as costelas dela, e minha amiga
fez uma careta.
— Vai ser uma merda.
— Vai, mas pode dar certo — a consolei. Sabia que aquela cabecinha
cacheada girava com diversos “e se”, pensando se era uma boa ideia, se ela
deveria terminar com Theo, se brigariam em algum momento e se
separariam do mesmo jeito. — Pode dar certo.
Ela assentiu.
Ficamos em silêncio por mais alguns minutos, inutilmente quietas na sala
enquanto Theo e nonna preparavam a mesa para o jantar. Os dois insistiram
em fazer a comida, até porque o italiano já deveria saber sobre a falta de
talento culinário de Tina. A senhora também alegou que sentira falta do
neto e tinham assuntos para colocar em dia.
Então, Valentina e eu esperamos na sala, onde podíamos ver os dois
trabalhando na cozinha, mas não escutar.
Tivemos privacidade para conversar também, e não me surpreendi
quando Tina revelou que estava, de fato, amarradinha por Theo. Usei
aqueles minutos de choramingo de amiga apaixonada para fugir das
próprias perguntas que a jovem provavelmente queria fazer.
— A mensagem no grupo... — ela murmurou, sem me olhar. — Você vai
embora, não é?
Meu coração se calou de repente, apenas para tomar fôlego para batidas
mais agitadas em meu peito.
Não respondi.
— Acha que sou idiota? — Tina riu com escárnio. — Depois da nossa
conversa dias atrás, comecei a ligar algumas coisas. Também escutei sua
briga com o Jeremmy. Vocês dois não são muito discretos, se quer mesmo
saber. Se sua mensagem não é um “vou me mudar”, então...
— Não quero que pensem que não sou grata a vocês — sussurrei, com
um nó na garganta.
Tina se afastou.
— Não pensamos que é ingrata, Gina. — Bufou. — Eu só... Só me diz o
que fizemos de errado? O que te leva a pensar que não é da família? Que é
um fardo?
— Eu... — Não sabia de fato. — Só me sinto assim. Consigo ver o
quanto se esforçam. Parece demais e até... sufocante.
Valentina tentou não se encolher, mas eu percebi.
Fechei os olhos.
— Não quis dizer... — Soltei o ar, tentando de novo ao encará-la. —
Quando você e o Jemmy faziam algo errado, seus pais os repreendiam, os
colocavam de castigo. Sempre que eu aprontava, sua mãe fazia aquela
careta de pena e só dizia: “Isso é errado, querida. Não pode”. Nunca me
colocava de castigo ou me dizia para tomar cuidado com os garotos da
escola... — Meus olhos arderam. — Sempre me senti a coleguinha que
visita a casa da amiga, que foi ali para passar uns dias de férias e não... para
morar lá. Sinceramente, acho que o único que me tratava como alguém de
casa de verdade era o Jeremmy. Ele sempre brigava comigo e me xingava,
sempre fechava a cara e me repreendia... Era chato, sim, mas... com ele, eu
sabia que era família.
Sabia que estava magoando Tina, mas ela precisava entender...
— Sempre que me via brincando com sua boneca favorita, você me
olhava com pena, Tina — confessei baixinho. A essa altura, os olhos da
minha amiga também brilhavam com a chegada do choro. Não me importei
se Theo e nonna assistiam. — Me dava seus brinquedos como se tivesse
pena de mim, e não porque eu era sua irmã... Não te culpo por agir assim,
mas eu sentia tanta falta de casa. Tudo que queria era normalidade, não
pessoas me lembrando o tempo todo de que eu era uma órfã sem lugar para
ir. As crianças da escola fofocavam, sabia? Eu era a garota negra e sem-teto
que os Ward adotaram por compaixão. Muitas riam quando você dizia que
era minha irmã.
— Gina...
— Não estou te culpando, Tininha. — Entrelacei minha mão à dela. —
Eu te amo muito, mais do que eu mesma me amo. Só estou... te contando a
verdade pela primeira vez. Não é fácil. E talvez eu nunca me sinta,
realmente, parte da família. É por isso que preciso ir.
A primeira lágrima escorreu na bochecha dela.
— Não por não amar vocês, mas... preciso de algo meu. Mesmo que seja
sozinha, quero ter meu próprio apê, pagar minhas próprias contas e sentir
que tenho algo.
— Vai... voltar para o Brasil? — Aquela pergunta pareceu machucá-la
ainda mais.
— Eu não sei — confessei.
— Não precisa voltar para o Brasil. Pode ficar ou... ou abrir sua
confeitaria em Boston, como sempre quis. Eu te aju... — Tina se calou.
Então, tirou as mãos da minha, abraçando o próprio corpo. — Não sei o que
quer de mim. Não sei como... ser uma amiga melhor, como não te ferir...
— Sei que sempre fez o melhor.
— Me sinto um lixo agora, então não tente reverter. — Bufou, limpando
a bochecha corada de sol. — Não sabia que se sentia assim ou que as
crianças te zoavam por ser adotada pelos meus pais... Eu... Eu tinha orgulho
de te chamar de irmã. Ainda tenho. — Ela soluçou. — Até sonhei no avião
que você estava casando com o Jeremmy...
Não consegui segurar o riso.
— Então não eram só sonhos cinzas, no fim das contas — debochei. —
Sonhou que eu tinha um filho dele também?
— Huh — resmungou. — E ele era lindo.
Rolei os olhos, mas com um sentimento estranho revirando meu
estômago.
— E ele? — Tina insistiu. — Você realmente não sente nada pelo meu
irmão?
Ah, certo... Ela ouvira a conversa. A briga.
— Eu...
— Você realmente quer ficar longe dele?
Não fui sincera quando briguei com o irmão de Tina naquele dia. Não
acreditava em nenhuma palavra que proferira para ele naquela noite.
Meus olhos correram para a cozinha, para os dois italianos que tentavam
fingir não notar que nós duas estávamos tendo uma conversa séria.
— Vamos discutir isso quando a gente voltar. — Apontei com o queixo.
— Vamos jantar.
Ameacei levantar, mas Valentina me puxou para um abraço apertado.
— Me desculpa — sussurrou em meu ouvido. — Me desculpa ter feito
você se sentir assim. Não te olhava com pena porque queria te diminuir,
mas porque eu não queria te ver sofrer. Porque sabia que sentia falta dos
seus pais. Só tentei... fazer você esquecer a dor. Aparentemente, não fiz um
bom trabalho...
— Me desculpa também. — Sorri, sentindo o gosto salgado das lágrimas
que escaparam. — Devia ter contado como realmente me sentia. Eu amo
vocês, de verdade. É só...
— Complicado. — Se afastou, limpando meu rosto. — Eu entendo.
Assenti.
Tina pressionou os lábios em uma linha fina, como se tentasse conter o
choro.
— Eles vão entender — garantiu. — Na reunião, quando contar pra eles...
Minha mãe e Jeremmy vão entender.
Eu esperava que sim. Tinha o pressentimento ruim de que, quando
confessasse aqueles sentimentos dos últimos dez anos, tia Sabrina se
sentiria culpada e magoada.
— Só... — Valentina continuou, tomando fôlego. — Só não vai para
muito longe. Por favor.
O tom em sua voz me acertou como um soco.
— Pode não se sentir parte da família, e compreendo que se sinta
desfalcada, mas preciso da minha melhor amiga. — Fungou. — Você pode
comprar um apartamento e começar a juntar para sua confeitaria, mas...
precisa mesmo voltar para o Brasil?
Ri.
— Pode assumir que sou o amor da sua vida e eu penso nisso.
— Preciso de mais algumas aulas sobre o modo Gina — disse
dramaticamente. — E de alguém pra me ensinar a cozinhar. — Tina arfou.
— E se nós duas morássemos juntas? Podemos alugar um apartamento no...
Ergui a sobrancelha para ela, e minha amiga bufou.
— Vou te deixar voar — prometeu. — Só... pense nisso. Pode voar para o
bairro vizinho.
Gargalhei.
Apontei para a cozinha outra vez.
— Conversamos sobre isso no avião. — Nonna terminava de colocar o
último prato na mesa pequena. — Vamos aproveitar nossos últimos dias
com eles. Você não tem muito tempo para namorar.
A bailarina fechou a cara, emburrada. Porém, antes de sair para a
cozinha, me abraçou uma última vez.
— Te odeio.
Sorri.
— E eu te amo.
TINA
Passei pela porta de vidro com o coração agitado e dolorido no peito. Por
que, exatamente, tinha tanto medo de tentar, eu não sabia, mas estava ciente
da expectativa que tia Sabrina e Valentina — até mesmo tio Matt —
colocariam em mim. Jeremmy e Gina? Quem diria, huh?
E se eu o decepcionasse? E se, quando começássemos a namorar, Jemmy
percebesse que não era tudo isso? Brigávamos o tempo todo! Como
poderia funcionar? E se fosse estranho e...
Não. Não seria estranho de forma alguma, beijar Jeremmy naquela noite
não fora nada estranho. Parecera tão certo...
Mas não.
Preferia manter aquele limite e ainda ter meu amigo do que começar algo,
acabar terminando e ter, enfim, um motivo para me sentir fora da família
Ferreira.
Mãos fortes seguraram meus ombros e me viraram em direção à
vidraçaria outra vez, para a calçada, para o carro preto estacionado lá fora.
Então, o cheiro apimentado e delicioso de Jay me atingiu como um soco.
Ele chegou mais perto, por trás, nada incomodado com quem assistia. O
pessoal do Wang’s poderia não comentar sobre, mas mantinham o que
sabiam para si. Eu sentia.
— Ele vai te esquecer — sussurrou em meu ouvido. Aquela afirmação
provocou algo em meu estômago. — Daqui há um tempo... vai esbarrar
com uma mulher de sorriso cativante. Talvez se encontrem em um café ou
trabalhem juntos. Vão conversar, trocar números. Um encontro vai se tornar
dois, e o segundo se tornará o terceiro. Quando se assustar, o Sr.
Emburradinho vai chegar de mãos dadas em um encontro de família, e você
vai estar lá para assistir...
Engoli em seco, meu coração acelerando dolorosamente.
O filme se tornou nítido em minha cabeça, tão real que não consegui
mandar meu chefe cuidar da própria vida.
— Porque você ama ele, mas não dá o braço a torcer, vai assistir a tudo,
convencendo a si mesma de que não se importa se ele está com alguém que
não você. Mas, por dentro, vai desejar afogar a Srta. Sorriso Cativante em
algum lugar. — Senti o sorriso de Jay na minha pele. — Então, amor, por
que não se poupa da história triste e vai logo atrás dele?
Estávamos na recepção. Jason me empurrou sutilmente de volta para a
saída enquanto falava.
Meus olhos ainda fitavam o carro lá fora. O vidro escuro não me deixava
saber se Jeremmy ainda estava observando a cena ou não. Talvez Jason
soubesse que sim, o rapaz assistia a tudo, fervilhando daquele ciúme que eu
compartilhava no momento, pela garota de sorriso encantador, ruiva e
peituda, que imaginava em uma reunião de família do futuro.
— Pensei que me quisesse, Jay — murmurei, não me importando se
Kade, o amigo de Jason e sócio do lugar, que substituíra o rapaz da
recepção naquela noite, ouvia. O olhar entediado dele me mostrava que o
jovem de óculos e lábios bonitos já conhecia a peça, já estava acostumado
com as cantadas idiotas do chefe Wang.
— Ah, eu quero — murmurou. — Mas não sou idiota de tentar algo com
você de novo.
Ri, mesmo sentindo o estômago revirar.
— Só me aproximo de corações disponíveis, amor. — Tirou as mãos de
mim, se afastando. Só um pouco. — Deus me livre estar no meio de um
triângulo amoroso.
Virei o rosto para ele.
O safado sorria, sem vergonha alguma.
— Ainda estou em horário de trabalho. Pensei que fosse rígido quanto a
isso.
Jason se inclinou para perto do amigo e, como se lessem a mente um do
outro, Kade estendeu a ele o jarro de vidro.
O chefe mal olhou para o biscoito da sorte em sua mão, apenas fechou o
punho e quebrou a massa seca. Ele tinha aquela mania de pegar um dos
biscoitos aleatórios e usar a frase neles para completar algum discurso
motivacional para os funcionários do restaurante. Às vezes, a frase
coincidentemente complementava sua fala; outras tantas as palavras do
papelzinho não tinham nada a ver, nos arrancando risadas bobas e alegres.
Apesar de ser um cretino idiota quando se tratava de manter um
relacionamento duradouro, Jason Wang sabia ser um homem decente, até
muito carinhoso, de sorriso galante e um coração bondoso. Quando
aprendesse a ouvir os próprios conselhos seria, então, um cara quase
perfeito.
Ao finalizar a leitura do que tinha em sua mão, abriu aquele sorriso
largo e lindo e virou a tirinha para mim.
“Às vezes, você precisa de um tempo para pensar; outras vezes você só
precisa fechar os olhos por um segundo e agir.”
Não evitei meu próprio sorriso. Tomei o papel de sua mão.
— Você tem mais cinco minutos pra ir lá fora, dizer que ama o cara, dar
uns beijos nele e voltar para o trabalho — declarou, cruzando os braços.
Mordi o lábio.
Li o papel de novo.
Encarei Jason.
Por fim, o menos interessado em fazer parte do assunto. Mesmo assim,
aparentemente o mais sensato.
— O que acha, Kade?
O rapaz conferiu o relógio no pulso inexpressivamente.
— Quatro minutos agora — disse, e então ergueu a sobrancelha. O que
você está esperando? Era o que ele parecia dizer.
Meu sorriso ficou mais largo, meu coração bateu com mais urgência.
Fechar os olhos por um segundo e agir.
Abri a porta de vidro e disparei para o outro lado da rua. Corri até o
Sedan preto.
A janela escura desceu quando me aproximei, ofegante.
— Veio repetir que o “Jay” vai te levar para casa? — A expressão no
rosto de Jeremmy confirmava que ele assistiu à cena, e a dor nos olhos dele
me assentia que fora difícil de ver.
Sabia que Jason se aproximara de mim com aquele propósito.
Mas não importava mais.
— Saia do carro — pedi.
O rapaz deu uma risada seca.
— Já estava de saída, eu só...
— Saia do maldito carro, Jeremmy — o interrompi, puxando a maçaneta,
xingando ao perceber que estava trancado.
Quando o encarei, ele destrancou, ainda emburrado.
Emburrado de uma forma que me fez querer beijá-lo ainda mais.
Depois de relutar um pouco, o jovem saiu, visivelmente confuso e
cansado. Não esperei nem mais um segundo antes de contornar os ombros
dele e o puxar para um beijo.
Observei o céu mudar de cor. Não havia muito o que pudesse fazer
naquele momento além de notar o cinzento — aparentemente tão comum
nos últimos dias — se alterar e escurecer.
A noite ainda era linda, pelo menos.
— Vamos fechar a loja mais cedo. — Nonna adentrou o estabelecimento,
já retirando seu avental. — Já dispensei Camila.
Franzi a testa, conferi as horas no relógio em meu pulso.
Seis e quinze. Geralmente fechávamos às oito nas sextas.
— Aconteceu alguma coisa?
Minha avó parou diante do balcão onde eu estava e, com as mãos
enrugadas na cintura, observou o lugar: as prateleiras quase vazias pela falta
de estoque. A idosa alegara estar cansada demais para fazer mais doces
aquela semana. Assim, as flores e plantas continuavam dependuradas por
toda parte; os biscoitos empilhados atrás de mim, provavelmente.
Então, depois de inspirar fundo, minha avó disse:
— Me cansei deste lugar.
Ri de sua expressão decidida, como se dissesse que se cansara da parede
bege de sua sala e quisesse pintar de outra cor.
— E o que quer fazer a respeito, senhora? — Ergui uma sobrancelha,
ainda riscando desenhos aleatórios na última página da agenda que
usávamos para anotar os pedidos fiados de alguns conhecidos.
— Quero vender esta espelunca.
Parei com a caneta.
— O quê?
Como se não tivesse dito nada demais, como se não tivesse declarado que
queria abrir mão de um sonho, do lugar que cuidava com tanto carinho há
mais de vinte anos, se voltou para a porta de vidro e virou a plaquinha,
alertando para os que estivessem lá fora que estávamos fechados.
— Tem vinte e seis e já está com problemas em me ouvir, garoto? —
resmungou, erguendo o cabo de vassoura improvisado que usava para
pendurar os vasos e começando a remover os que aguaria mais tarde. —
Quero vender este lugar.
— Mas... — Pela primeira vez, eu não tinha o que dizer. Se fosse
qualquer outro Abertinalli falando, levaria a declaração como uma piada,
mas nonna não costumava brincar. Não daquele jeito. Não em relação à sua
loja.
Finalmente, a senhora voltou os olhos escuros para mim.
— Uma moça gentil vai vir olhar a casa às sete. Pode ir ao mercado
buscar alguns legumes? Quero preparar um jantar especial.
— Nonna, non capisco[38]. — Dei a volta no balcão para segurar seus
ombros e mantê-la quieta enquanto falava comigo. — Como assim, vender
a loja e olhar a casa?
— Exatamente o que pensa que significa.
— De repente? — Meu coração bateu acelerado no peito. — Você está
morrendo?
Uma risada alegre e rouca reverberou pelo lugar e, com carinho materno,
ela estendeu a mão bronzeada e enrugada pelo tempo e pelo sol até meu
rosto.
— Vai demorar muito até que eu te deixe, mio nipote[39].
— Então... cosa sta succedendo?[40] — perguntei, preocupado.
Talvez ela estivesse doente? Apesar de não achar que pudesse ser o caso,
minha avó cuidava muito bem da saúde, mas talvez... eu tenha deixado algo
passar. Estava distraído demais nas últimas semanas e acabara não
reparando em nonna, se algo estava acontecendo com ela.
— Nonna? — insisti quando a resposta não veio.
Ela suspirou, afastando minhas mãos de seus ombros para segurá-las
entre as suas, as apertando levemente.
— Você é tudo que me resta agora, Theo. Antes, quando ainda era um
garotinho, cuidava de sua avó da forma como podia e, desde que seus pais
se foram, se esforça para continuar me dando uma vida confortável e feliz.
— Aquele sorriso no rosto da senhora, minha segunda mãe, fez minha
garganta se fechar, uma fincada familiar alfinetar o coração. — Não me
perdoaria se continuasse vivendo os anos restantes sem me preocupar em
fazer o mesmo por você. Não me perdoaria se, um dia, te visse sofrer igual
ao seu pai.
De novo, sem uma resposta pronta para dar a ela.
— Sei o quanto se esforça por mim, chegou a hora de eu fazer o mesmo
pelo meu filho.
— Não vou permitir que venda a loja. — Minha voz saiu estranha. Grave
demais. Emotiva demais. — Não vou permitir que venda a casa que o
nonno construiu com tanta dificuldade pra você.
— Seu avô não está aqui para me ver cometer tal crime, e os anos que
vivemos nesta casa estão guardados em meu coração. O que foi, já passou.
Agora só nos resta o hoje, esperar pelo amanhã. — E com um erguer de
lábios divertido e presunçoso demais para alguém da sua idade, nonna
completou: — Em outro lugar.
— No! — exclamei no mesmo segundo.
— Sim. — Voltou aos seus afazeres. — Acha que não sei onde seu
coração está? Que não vejo nos seus olhos quando espera uma ligação de
Valentina o que realmente quer? Decifrar o amor no rosto dos jovens
sempre foi uma tarefa fácil; não importa quantos anos passem, quão velha
eu fique, sei reconhecer um coração apaixonado.
Revirei os olhos, mesmo com o peito queimando em expectativa tola,
apertado com uma saudade irrefreável.
A simples menção ao nome dela fazia meu corpo reagir daquela forma.
Independentemente se tínhamos discutido ou não.
— Não vou permitir que deixe tudo por minha causa, nonna. Muito
menos pedir que se mude para o outro lado do oceano. — Mas eu queria,
queria do fundo do coração. Porém, não a forçaria àquilo. Nunca.
Roma era sua casa. Sua história.
— Não estou pedindo sua opinião — retrucou. — Se vou morrer um dia,
acho que é bom começar a viver algumas aventuras logo. De qualquer
forma, vejo em seus olhos que não há nada que te prenda aqui além desta
velha egoísta.
Ri, passando as mãos nas mechas do cabelo, tentando inutilmente
silenciar a confusão em minha mente.
— Mas é seu sonho... A loja. Esses doces... As pessoas que conhece aqui
— tentei outra vez. Por ela.
— Meu sonho é viver da melhor maneira que posso. Sorrir todos os dias,
mesmo com as lutas. — Deixou sobre o balcão sua planta favorita, uma
cheia de folhas espalhadas para todas as direções, com verdes de vários tons
a iluminando, um broto tímido de uma flor branca crescendo no centro. —
Esse é meu sonho, Theo. Viver cada dia como se fosse o último, esperar que
o amanhã me traga coisas melhores e ser feliz.
Minha garganta se fechou. Raramente perdia a fala, mesmo com nonna,
mas não consegui fingir humor dessa vez, fingir para ela.
Pigarreei.
— Tem certeza?
— Assoluta[41]. — Tocou meu rosto outra vez. — Adoro Valentina e
sinto saudade de minha pequena Gina, tenho certeza que a bambina me
receberá de braços abertos e que serei útil em sua confeitaria. Não ficarei
atoa na América, tenho certeza disso.
Aquele fiapo de sombra e incerteza se dissipou ao ver a sinceridade
nos olhos pretos da senhora. Escuros, porém brilhantes.
Inspirei o ar doce da loja. Pensei. Batidas rápidas ecoavam no meu
coração.
— Vamos para Boston, então? — questionei, esperando ver
hesitação nos olhos de nonna. Mas isso não aconteceu.
O sorriso largo e enrugado não deixou espaço para dúvidas.
— Andiamo![42]
A última vez que estivera em um teatro como aquele foi aos dezesseis
anos, quando estávamos visitando Nova Iorque e minha mãe decidira sair
do hotel para fazer “algo diferente”. Me lembrava de ser um tipo de
concurso, adolescentes de uma escola de dança local se apresentavam. Me
arrependia por não ter prestado a devida atenção ao que acontecia no palco
naquele dia, nas apresentações. Caso contrário, teria uma história para
contar à Tina.
E ali estava. O lugar era bem maior do que o anfiteatro que eu visitara
com minha mãe anos atrás. Havia poucos assentos disponíveis quando as
luzes se apagaram e a melodia — que me lembrava circo e contos de fadas
— começou a tocar.
Nonna mal piscava para o palco, passara a tarde falando o quanto estava
animada para assistir à apresentação de Valentina. Tudo o que a idosa vira
da bailarina no último ano foram alguns vídeos de ensaios que minha
namorada vez ou outra compartilhava comigo.
A senhora de sessenta e oito anos olhou para o palco enorme com a
emoção de uma criança.
Aquela expressão maravilhada no rosto dela ao ver a orquestra e as
pessoas ao redor fez aquele receio de trazê-la até Boston sumir. Ela parecia
feliz, mesmo tendo se despedido de sua antiga casa e sua loja semanas atrás.
Pensei em perguntar se minha avó estava bem, mas as cortinas se
abriram, e qualquer preocupação deixou de existir quando vi a fonte no
centro.
A bailarina solitária, encolhida contra as pedras.
A primeira música era triste. Os dois bailarinos principais contaram suas
histórias em uníssono. Ambos sozinhos e apagados no cenário noturno,
rodeando aquela fonte na esperança de que algo acontecesse. A lua enorme
sobre ela era a única fonte de luz.
Sempre que a bailarina de vestido simples e preto contornava a fonte,
triste e quebrada, o rapaz fazia o mesmo, e eles se desencontravam. Caíam
quando tentavam dançar.
Sinceramente, não sabia o que sentir.
Meu coração batia agitado por vê-la ali, a apenas metros de distância de
mim. Mais perto do que estivera nos últimos meses. Mais de um ano sem
tocá-la, sem sentir o perfume doce e delicioso que impregnava sua pele
macia.
Como eu sentira falta dela...
Brigamos na última ligação, semanas antes, mais do que isso. Pensei em
deixá-la em paz por um tempo, para que nós dois esfriássemos a cabeça,
pelo menos até que aquela noite acabasse e pudéssemos finalmente pensar
num plano. Sabia o quanto aquela apresentação seria especial para
Valentina, o quanto ela se dedicara para estar ali, no palco. Então, silenciei e
dei aquele espaço a ela.
Foi a coisa mais difícil e burra que fiz.
Mas aquela carta chegou. Nonna decidira por mim o que fazer. E agora,
finalmente, a via dançar outra vez.
A última música começou, seguindo a regra de melodia melancólica e
nostálgica, como se todos os atos anteriores fossem apenas o prólogo para
aquele momento.
Outros bailarinos atuavam no palco. Ao contrário dos dois principais, de
preto, usavam fantasias brancas lindas, pintando o cenário e iluminando o
escuro como estrelas.
Era incrível.
O rapaz encontrou a bailarina triste primeiro, a segurou antes que ela
caísse, por trás de Tina, erguendo um dos braços dela com suavidade no ar;
então o outro, como se a ensinasse a dançar. Os passos da jovem era um
reflexo dos do rapaz atrás dela, ambos se movendo como se fossem um só,
um vento suave ao redor daquela fonte.
O sorriso que Valentina deu a ele quando o bailarino a virou para que o
encarasse fez meu estômago se contorcer, não inteiramente de ciúmes — eu
até fizera algumas aulas, seria o parceiro dela em outras danças; não no
palco, mas em encontros que ela jamais esqueceria. Não, meu peito se
agitou ao confirmar que aquela dança, toda aquela peça, era uma releitura
da nossa história.
Os passos em falso que demos antes de nos encontrarmos, as danças
solitárias que fazíamos antes de nos esbarrarmos, os tombos que levamos e
as lágrimas que deixamos cair antes que os nossos caminhos se cruzassem...
Nonna segurou minha mão e a apertou de leve, como se também
reconhecesse aquela história.
Segurei a respiração quando Tina correu até o rapaz e as mãos dele
rodearam sua cintura, a ergueram até a lua grande e brilhante. Quando o
dançarino a desceu, a dúzia de bailarinos os cobriu, transformando o palco
em um semicírculo de estrelas e sonhos.
Em um segundo, os dois bailarinos de fantasias pretas estavam
escondidos pelo círculo branco de luar; no outro, os dançarinos se
dispersavam e revelavam uma luz amarela.
Uno raggio di sole.
A lua subiu no estante em que o clímax da música avançava. Um sol
brilhante desceu.
O vestido preto de Tina, magicamente, revelou camadas amarelas na saia;
o corpete brilhava como se ela fosse o próprio sol. A camisa do rapaz
também era outra, como se o tecido preto fosse fino e fácil demais de tirar
naquele meio tempo escondidos.
Os olhos dela fitaram a plateia.
Surpresa pareceu iluminar seu rosto perfeito.
Mas antes que pudesse confirmar o que viu, o parceiro a puxou do lugar e
a guiou pelo palco na última valsa.
A frase cantada me disse que aquele era o fim da história.
Um final feliz.
Conferi o bolso da calça, o papel dobrado e amarelado nele.
Sorri.
Me levantei.
E então saí.
TINA
As cortinas se fecharam.
A plateia ainda aplaudia do outro lado.
E meu coração não desacelerou o ritmo quando soltei a mão de Luca e
corri para fora do palco.
— Valentina!
Ignorei o chamado da professora, provavelmente querendo me elogiar ou
criticar por algum passo em falso no palco.
Talvez aquele antes que eu visse — ou sonhasse — com os olhos de Theo
me olhando da plateia.
— Preciso ir! — gritei apressada, desviando da equipe que começava a
guardar tudo ou apertar as mãos uns dos outros para se parabenizarem pelo
bom trabalho naquela noite.
Escutei um resmungo atrás de mim, mas segui em frente.
Ainda estava com o vestido da peça, as saias oscilando enquanto descia
apressada os degraus dos bastidores e corria em direção à plateia.
Recebi alguns elogios e sorrisos amigáveis ao me misturar à multidão que
se dispersava para a saída, mas continuei, empurrando alguns e pedindo
desculpa em seguida, procurando por ele.
Tinha que ser ele. Eu não poderia ter inventado, como uma miragem.
Não. Tinha que ser ele.
— Desculpa! — Me virei para passar, esticando a mão entre o casal para
sinalizar que estava ali. — Com licença... Me desculpe.
— Tina! — Escutei o grito eufórico da minha amiga, e logo braços finos
me puxaram para um abraço apertado. — Você estava incrível, mulher!
Tem noção que voou naquele palco?! — Se afastou, as mãos em meu
ombro. — Ele te carregou no ar, foi tão maravilhoso!
Meu irmão revirou os olhos atrás dela, um buquê de rosas em suas mãos.
— Obrigada por virem. — Deixei minha busca de lado por um minuto,
apenas o suficiente para fitar o rosto cheio de orgulho de Jeremmy. Jamais
me esqueceria de como ele me carregara no colo da última vez, como se
preocupara e me incentivara. Como cuidara de mim. Eu o amava mais do
que ele poderia imaginar, e vê-lo ali, sorrindo daquele jeito, fez meus olhos
arderem.
Depois de mais um abraço em Gina, me afastei para aceitar as flores do
meu irmão.
— Você está linda, pirralha.
— Eu sei. — Pisquei um olho para ele, que riu. Cheirei as rosas, e uma
lágrima caiu sobre uma delas. — Obrigada, Jemmy.
Ele me abraçou, com cuidado para não amassar o buquê. Antes que
declarações sentimentais e embaraçosas pudessem sair da boca dele, um
flash atingiu meus olhos, e então o sorriso enorme da minha mãe iluminou
meu campo de vista.
Ela entregou a câmera a Jeremmy, me apertando em seus braços com
força o suficiente para me tirar o ar.
— Foi a peça mais linda que já vi em toda minha vida — fungou, se
afastando, espremendo minhas bochechas contra suas mãos frias. — Meu
bebê estava tão lindo no palco! Ah, minha filha, que orgulho eu tenho de
você!
— Que orgulho nós dois temos. — A voz grave sobressaiu aos
murmúrios das pessoas que passavam por nós. Estávamos no meio do
corredor, a poucos metros da porta lateral direita que levava à saída.
Senti meu irmão ficar tenso quando meu pai se aproximou. Minha mãe
apenas abriu espaço para ele e apertou levemente a mão do ex-marido em
cumprimento.
Sorri ao abraçá-lo.
— Estou feliz que veio — falei baixo em seu ouvido.
— Não perderia por nada, querida. — Me soltou, o mesmo sorriso
orgulhoso que vira no rosto de Jeremmy enfeitava o seu. Apesar de ainda o
achar magro demais e ver mais mechas grisalhas enfeitarem seus cabelos
castanhos, o ex-bailarino tinha uma aparência consideravelmente melhor.
Mais saudável. Jemmy odiava quando comentávamos sobre nosso pai, mas
era simplesmente impossível não notar a grande semelhança física entre ele
e o homem. A não ser pelo cabelo mais claro e alourado de meu irmão, os
olhos castanhos, cabelos lisos e pele mais bronzeada eram os mesmos. —
Postura impecável, passos precisos e... — Segurou minha mão livre para me
girar no lugar. — Você está perfeita.
— Obrigada, pai.
Não éramos mais a mesma coisa; eu ainda mantinha um pé atrás, mas
estávamos bem. As coisas entre nós dois melhoravam, e aquela dor
insuportável que eu sentia já não me feria tanto.
Apesar de amar minha família e querer aproveitar o resto da noite com
eles, precisava fazer uma coisa antes.
Encontrar alguém antes.
— Tem uma pizzaria incrível a três quadras daqui — Giovanna declarou
depois de cumprimentar meu pai com um abraço. — Deveríamos ir pra
comemorar o grande retorno da Tina. O que acham?
— Estou faminta! — Minha mãe sorriu, guardando a câmera na bolsa.
— Vamos, então. — Jeremmy puxou a noiva de perto do pai, como se
não suportasse que ela sequer falasse com ele. — Antes que fique tarde.
— Eu... vou indo. — Meu pai recuou o primeiro passo. Aquele silêncio
constrangedor. O único som foram as pessoas saindo, murmurando sobre o
espetáculo, sugerindo um lanche em algum lugar.
Parei de bisbilhotar entre as cabeças para procurar Theo quando notei o
tom de voz do ex-bailarino.
Gina derreteu aquele gelo habilmente, acertando o cotovelo na lateral do
corpo de Jeremmy para se afastar.
— Você vem com a gente, tio Matt — ela falou, já empurrando quem
podia para a saída. — Não vai embora sem um lanchinho. Vamos.
Ele me olhou, como se pedisse permissão.
Dei o melhor sorriso que consegui.
— Vão na frente. — Apontei para o corredor adiante. — Peço à minha
professora para me dar uma carona e me deixar lá. Preciso me trocar.
— Eu posso te esperar se quiser... — Jeremmy tentou, implorando por
uma saída, por uma desculpa para ficar longe do pai.
— Não! — O empurrei para a noiva dele. — Eu alcanço vocês depois.
A tola esperança de que Theo, por algum milagre, tivesse voado de Roma
até ali para me ver dançar se desmanchou como um frágil castelo de cartas.
Ele não estava em lugar algum, vê-lo na plateia foi fruto de minha
imaginação, a saudade falara mais alto.
Quando Gina percebeu meu olhar, aquela coisa que só nós duas
compartilhávamos, entendendo que eu precisava de alguns minutos sozinha,
exclamou mais ordens para que todos se apressassem para conseguirem a
melhor mesa.
Esperei que saíssem para permitir que meu sorriso, enfim, se partisse e
desaparecesse.
Ele não estava ali.
Por que estaria? E se estivesse, por que não me procurar para
conversarmos?
Monica, a dançarina mais nova da turma, me esperava com minha
mochila quando apareci nos bastidores. Como os vestiários ainda estavam
ocupados e alguns bailarinos aproveitavam os últimos minutos com suas
fantasias para fotos, decidi esperar para me trocar e partir para a pizzaria.
Peguei meu celular e segui para o lugar mais silencioso que encontrei: o
palco.
Me sentei na beirada, deixei meus pés oscilarem no ar. Pensei que,
quando estivesse em um palco outra vez, quando olhasse a plateia e o chão,
temeria cair novamente. Mas dançar naquela noite fora libertador.
Não tinha mais medo de cair.
Tinha medo de perder a pessoa que me ajudara a levantar.
Eu percebi, talvez tarde demais, que Theo tinha razão. Gina também.
Errara em pensar que ficar sem ligar ou falar com meu namorado porque
estava ocupada ensaiando era uma desculpa justificável. E então me dei
conta de como estava repetindo cegamente os passos do meu pai. De como
estava tão focada em dançar de novo e me apresentar que esquecera das
pessoas de fora.
Não foi intencional. Eu jamais quis magoar Theo ou deixá-lo em segundo
plano... Mas foi o que fiz, não é? Mesmo que nós dois tivéssemos
prometido um para o outro correr atrás da nossa “felicidade solo” primeiro
antes de termos um plano, eu não deveria ter mergulhado tão
profundamente no meu objetivo a ponto de fazê-lo esperar por uma ligação
todas as noites.
Prometer acertar é simples e até sincero na teoria, mas tão difícil de se
executar na prática...
E eu falhara com Theo.
Eu esquecera, naquele último ano, da pessoa que me ajudara a levantar e
dançar outra vez, do italiano de sorriso gentil e coração solitário.
Mas lembrei naquela noite, quando sorri no palco, dancei sem cair e, por
fim, pensei ter visto seu rosto lindo na plateia.
A dança daquela noite não foi apenas para mim, mas em homenagem a
ele. Aquela apresentação não faria sentido se continuássemos brigados.
Digitei o número.
Esperei que ele atendesse.
Fora de serviço.
Mordi o lábio, tentando outra vez. Nada.
Mantive o aparelho contra o ouvido. Encarei as sapatilhas em meus pés
com um pesar sufocante no peito.
— Não pode me atender ou não quer me atender? — perguntei para o
nada.
— Não quero.
Ergui o rosto. Meu coração bateu dolorosamente mais rápido.
No final do corredor central, ali estava. Theo. Ele estava ali. Caminhando
lentamente em direção ao palco. Em minha direção.
O cabelo parecia mais curto do que me lembrava, as laterais mais
aparadas, as mechas escuras penteadas para trás, mas não perfeitamente.
Alguns fios escapavam, provocando aquelas reações em meu estômago:
saudade, desejo, amor...
A camisa social preta, as mangas compridas dobradas até altura do
cotovelo, me lembravam uma noite de verão em uma ponte em Verona. O
colar que ele me dera estava cuidadosamente guardado na mochila ao meu
lado.
Ele estava ali mesmo, me olhando de um jeito que, se eu não estivesse
sentada, teria amolecido minhas pernas já cansadas da semana de treino
intenso.
— Theo... — Minha voz falhou. A visão embaçou com a chegada de
lágrimas que eu não impedi.
Ele não disse nada, apenas caminhou sem pressa pelo corredor,
avançando devagar até o palco. Até mim.
Mordi o lábio, sentindo o gosto salgado e úmido de lágrimas na língua.
Os últimos meses vieram como um peso em meu coração: as noites de
conversa; os e-mails que enviávamos em forma de cartas; as risadas que
compartilhamos em ligações...
Nossa última briga...
Theo parou a uns cinco metros, as mãos no bolso da calça jeans clara.
Observou meu rosto, o vestido, as sapatilhas em meus pés. Sério demais.
Ele esperou.
Esperou que eu falasse algo.
— Me desculpa. — Deixei as palavras que ensaiara por semanas
correrem pela minha garganta, segurando o corpo ali para que não saltasse e
corresse até o italiano. Me envolvi num autoabraço como se aquele gesto
fosse o suficiente para me conter. — Eu... fui uma idiota.
Céus, eu sentia tanta falta dele!
— Conversar com você por telefone ficou cada vez mais difícil... E eu sei
que não é uma boa desculpa, mas estava cansada disso. Das ligações, das
videochamadas... — Minha voz tremeu. — Eu queria ver você, mas não por
uma tela. Queria escutar sua voz... mas não... não por um áudio. Dançar foi
a única forma que encontrei de silenciar a vontade de pegar o primeiro
avião para Roma. Eu... Dancei até cansar para me esquecer que não beijaria
e abraçaria você quando chegasse em casa. Não percebi que isso só estava
me distanciando mais de você. Sei que não é o suficiente. — Solucei. — Sei
que te magoei... Eu... sinto muito. Sinto tanto, Theo...
Engoli em seco.
Nada. Ele não disse absolutamente nada.
Meu estômago retorceu, dessa vez com ansiedade e hesitação.
— Eu... — Não enxuguei as lágrimas que caíam copiosamente em meu
rosto. — Fala alguma coisa, por favor...
Theo deu o primeiro passo, correndo lentamente aqueles olhos lindos por
mim outra vez. Outro passo e mais um, até ficar bem perto, até precisar
inclinar a cabeça para me olhar, para me encarar.
O rapaz esticou os braços na minha direção.
Outro soluço escapou da minha garganta.
— Tem certeza que consegue me segurar? — perguntei baixinho,
soltando um riso sem graça e rouco.
Nenhuma resposta, apenas os braços ainda erguidos na minha direção,
como se dissesse com aquele leve esticar de sobrancelhas: eu nunca te
deixaria cair.
Com o coração acelerado, larguei o celular ao lado da mochila e me
preparei para pular. Me preparei para finalmente sentir as mãos do meu
namorado me segurarem outra vez.
Ele esperou.
Empurrei meu corpo para fora do palco.
Theo me segurou, embolando os tules da saia, mas os braços alcançaram
meu quadril. Quando o senti me apertar contra seu corpo, envolvi as pernas
ao seu redor e o abracei.
O choro completo e quebrado que eu segurava até então escapou. Alto e
soluçado.
— Senti sua falta... — Afundei o rosto em seu pescoço, aquele perfume
me embalando, aquietando a bagunça em meu coração.
Ele não disse nada até então, mas aquilo era o bastante. Aquele abraço
era o suficiente para eu saber que ficaríamos bem.
Horas pareciam ter se passado, os braços fortes me prendendo era tudo
que eu queria e precisava no momento, mas apenas alguns segundos de
silêncio e choro depois e Theo se pronunciou.
— Eu também senti sua falta — murmurou, finalmente, aquela voz grave
e macia que eu adorava tanto me embalando como uma canção. — Mais do
que imagina.
— Me desculpa ter brigado com você. — Apertei os braços em seus
ombros. Eu não o soltaria. Nunca mais. — Fui uma boba apaixonada com
saudades do namorado, não soube reagir bem.
Uma risada baixa deixou sua garganta.
— Me desculpe também. — Se inclinou para conseguir acesso ao meu
rosto. Minha pele fria e encharcada de lágrimas salgadas. Theo me encheu
de beijos, mas não onde precisávamos mais. — Somos dois bobos
apaixonados com saudade um do outro, no fim das contas.
Mantive os braços ao seu redor, e ele não reclamou quando o apertei mais
forte.
— Você veio... — sussurrei. — Não acredito que veio.
— Só se estiver sonhando outra vez, bella. — Riu. — Mas acredito que
sou bem real.
— A apresentação... — Me afastei o suficiente para encará-lo nos olhos,
não me importava se estava ou não um desastre de maquiagem borrada. —
Era pra você.
Ah... Aquele sorriso. Céus, eu não poderia mais viver sem aquele erguer
genuíno de lábios. Era perfeito, largo e tão lindo.
— Eu sei. — Manteve um dos braços firmes em minha lombar para
erguer a mão livre até meu rosto. Não havia cacho algum para ele afastar;
mesmo assim, Theo tocou a lateral da minha face com carinho. — Você
estava linda. Mesmo agora, com a maquiagem borrada... — Riu, passando o
polegar por minha bochecha, brilho dourado agora enfeitando sua pele
bronzeada. — Está linda.
Sorri.
— Grazie, grazie[43].
— E aquele cara... — Segurei a respiração. Bom, ele vira, afinal. O casal
dançando no palco. Theo assumiu uma expressão convencida nas feições
lindas. — Eu sou bem mais atraente do que ele, certo?
Gargalhei.
— Huh. — Funguei ao assentir, me acalmando do choro aos poucos. —
Um bilhão de vezes mais atraente.
— Ótimo. Contanto que saiba disso. — Ele se inclinou e me beijou. Me
beijou com a mesma intensidade e urgência da primeira vez, na Fontana.
Doce, porém profundo.
Suspirei, me desmanchando nos braços dele, agradecida por minha
família não estar ali para testemunhar a cena. Aquela faísca não estava
apagada. Não, longe disso. Parecia mais forte do que nunca, começando em
um ponto abaixo do umbigo, incendiando o resto do meu corpo até queimar
o coração.
Cedo demais, Theo se afastou e, para meu desapontamento, me colocou
no chão. Antes que eu pudesse protestar, levou uma das mãos ao bolso.
— Recebi uma coisa... — Ergueu o papel pálido e levemente amassado.
O desdobrou, revelando que aquele desgaste nas pontas e as dobras se
deviam ao número de vezes que Theo o lera, o guardara e o desdobrara de
novo e de novo.
Meu coração frágil segurou as batidas por alguns segundos.
Uma noite cheia de surpresas.
Aquela, em especial, significava ainda mais.
A carta que eu escrevera em Verona, na casa de Julieta.
Theo a lera.
— Eu a recebi uma semana depois da nossa briga. — Soltou uma risada
rouca. — Coincidentemente.
Tomei o papel de sua mão, reli as palavras ali.
“Antes que eu decida amá-lo, preciso descobrir como fazer isso por mim
primeiro. Quero amá-lo inteiramente e, se ainda estiver quebrada, não sei
se posso fazer isso.
Quero que ele faça o mesmo.”
Uma gota solitária encontrou caminho no papel e eu sorri, sentindo a mão
do meu namorado no rosto, o indicador evitando que outras lágrimas
cristalinas manchassem a carta.
“Se estão lendo esta carta entre outras tantas milhares, considerarei uma
bênção, um sinal de que, talvez, quem quer que esteja guiando meu
caminho do céu, queira que eu encontre Theo novamente.
Se esta carta chegar até ele um dia, superando o tempo e o caminho de
Verona até Roma, chuva e sol, vou entender que os céus estão a nosso
favor.
Que devemos ser.
Ele e eu.
Acham que podem me ajudar?
Daqui a um ano. Em Roma. Numa loja cheia de flores e doces...
Podem encontrar meu Theo?
Quero que ele saiba que, durante um ano, vou me dedicar em me fazer
feliz, em me conhecer e me amar. E, depois desse tempo, estarei
esperando.”
— Acho que não precisamos de mais sinais, certo? — falou quando ergui
meus olhos de encontro aos dele. — Estamos destinados...
Passei a mão com a carta por seu ombro e, apoiando-a em sua nuca,
trouxe seu rosto para perto do meu.
O beijei.
Devagar dessa vez.
Quando nos separamos, me preparei para dizer as palavras mais mágicas
do que qualquer fonte.
Porém, Theo as disse primeiro, em sua língua nativa:
— Ti amo — sussurrou sobre meus lábios, a respiração quente e ofegante
se misturando à minha. — Te amo, Tina, da forma mais inconsequente e
boba que você possa imaginar. E eu não vou a lugar algum. Me pediu para
te encontrar quando descobrisse meu sonho, e eu estou trabalhando nisso,
todos os dias, mas nonna me disse o suficiente: ser feliz e viver cada dia da
melhor forma possível. Esse é meu sonho. Não me arrepender do hoje e
esperar um amanhã melhor. E você, Valentina Ferreira. Você é meu sonho.
— E você o meu. — Sorri, o beijando uma vez, duas... três... Prometi que
o ajudaria, e talvez tenha falhado nos últimos meses, me concentrando
apenas em mim, no balé, mas ele estava ali agora. Eu faria o melhor para
manter o sorriso lindo nos lábios daquele rapaz. Para fazê-lo rir e esquecer
as coisas ruins que o afligiam. — Não quero ficar longe de você de novo.
— Não vai.
— Então...
— Eu vou ficar. — Os lábios dele esticaram.
— E a nonna? — Meus olhos se arregalaram. — Você...
— Ela está com a Gina agora. — Deu de ombros. — Está mais animada
do que eu pra começar a morar em Boston.
Balancei a cabeça, confusa.
Eu não tinha visto nonna. Ela assistira à apresentação também?
— Encontrei com Gina e sua família na saída, ela chorou quando viu
minha avó. — Riu, divertido. — Pensei que seria melhor conversar com
você depois que todo mundo tivesse ido, então sua amiga sugeriu levar
minha avó com ela, só para nonna reclamar do gosto da pizza de vocês.
Ri.
De fato, a pizza italiana era de outro mundo. Mas eu adorava o sabor da
boa massa americana também.
— Então vocês vão ficar? — Perguntaria sobre a casa, a Vespinha e a loja
deles depois. Tínhamos muito o que conversar ainda.
— Huh. — Ele abraçou minha cintura. — Vou ficar aqui. Com você.
Talvez fosse a magia da apresentação, Theo ali e a carta... mas minhas
emoções estavam à flor da pele, eu não conseguia parar de chorar. Era como
uma torneira estragada desde que voltara de Roma.
— Eu também te amo — finalmente disse. Ele precisava escutar, mesmo
que já parecesse saber. — Eu te amo, Theo.
Ele apoiou sua testa na minha e fechou os olhos por alguns segundos.
Não sabia se alguém bisbilhotava atrás das cortinas vermelhas, não me
importava se até mesmo minha professora estivesse assistindo. Tudo estava
quieto, no lugar certo.
Abracei a cintura de Theo, descansei minha cabeça em seu peito.
Feliz. Feliz de verdade.
— Qual é o plano? — perguntei baixinho.
— Vamos viver o hoje intensamente. — Beijou o topo da minha cabeça,
os braços em meu ombro. — E esperar que o amanhã nos surpreenda.
TINA
GINA
Gelo cobriu qualquer amor, carinho e desejo dos olhos do meu noivo
quando ele encarou o pai ao meu lado. Fúria genuína embalava Jeremmy
quando o rapaz viu meu braço entrelaçado ao de tio Matt. Apesar da mágoa
que me fitou quando os olhos do jovem se voltaram para os meus, não
hesitei, sequer uma vez.
Não nos casaríamos sem que ele enfrentasse aquilo, e eu simplesmente
não me importava se teria que colocá-los frente a frente para se abraçarem
diante de dezenas de pessoas.
Eu tinha uma lista generosa das qualidades que me encantavam em
Jeremmy; sabia dos defeitos dele também, todos que aprendera a amar nos
últimos anos, mas não aceitaria aquilo. Não quando Tina, e até tia Sabrina,
conseguiram perdoar Matt. No entanto, não era sobre perdoar o pai, mas
sobre nunca falar daquele assunto, jamais se abrir realmente para as coisas
que o machucavam tanto.
E aquilo o feria mais do que qualquer outra coisa.
Se lidar com meu futuro marido emburrado durante a festa era o preço a
pagar, tudo bem. Não ligava, mas Jeremmy abraçaria o pai naquele fim de
tarde. Era a tradição. Não sabia como os casamentos ali aconteciam, mas,
em todos os casamentos dos quais participara no Brasil, vira o pai da noiva
abraçar o noivo ao deixá-la diante do altar.
Tio Matt hesitou ao ver a raiva no rosto do filho, como se sentisse um
intruso no casamento, mas eu cutuquei suas costelas com o cotovelo, o
forçando a continuar.
Jeremmy se obrigou a cumprir com os passos que faltavam até o ponto
marcado pela cerimonialista.
Por alguns segundos, parados no tapete vermelho, pai e filhos se
encararam.
As pessoas que nos assistiam pareciam segurar o ar, ao lado do altar. Tina
estava de olhos arregalados, a testa franzida diante do que eu pedira ao pai
dela para fazer.
Sorri docemente para tio Matt e o abracei.
— Obrigada por tudo — falei antes de beijar a bochecha dele.
Caminhei para o lado de Jeremmy e falei baixo, para que apenas os dois
ouvissem.
— Não vou me casar com você até que fale com o seu pai. — Jemmy
voltou o rosto para mim, os olhos arregalados e aflitos. Dei de ombros. —
Não consegui pensar em outra coisa. — Inspirei pacientemente, o buquê de
lírios nas mãos. — Não estou com pressa.
O peito de Jeremmy subiu e desceu rapidamente, e as mãos se fecharam
com tanta força ao lado do corpo atlético que os nós dos dedos
embranqueceram.
Tio Matt trocou o peso dos pés, nervoso.
— Eu... — começou mesmo assim, rouco. — Sinto muito.
— Sente muito... — Riu Jemmy baixinho, com escárnio. Desprezo.
Os olhos do homem diante do meu noivo brilharam com lágrimas e
remorso. Os dois tinham quase a mesma altura. Pouco mais de um metro os
separava, e eu sabia que todos ali presentes seguravam o ar nos pulmões
para ouvir o que acontecia no coração da igreja. A conversa baixa e
murmurada dos dois homens era um eco pelo templo.
— Sim, Jeremmy. Eu sinto muito. — Um passo e outro. Por fim, Matt
Ward encarou aquele momento como uma oportunidade única de se
humilhar pela última vez diante do filho que se dedicara a odiá-lo nos
últimos anos. O perdão de Jeremmy era mais importante do que o orgulho.
— Perdi o valor para você, seu carinho e amor, mas ainda é meu filho. E
Gina é importante para mim também. Não vou parar de me desculpar com
você, mas... Quero que saiba que o amo, tenho orgulho do homem que se
tornou, e agora... tenho a honra de vê-lo se casar. — O volume da voz grave
diminuiu, lágrimas escorreram pelo rosto bronzeado. — Sei que odeia me
ver aqui. Que odeia, talvez, o fato de eu ainda respirar, mas meu sentimento
em relação a você não mudou. Tenho orgulho do homem que se tornou e
sei, tenho certeza: será o marido incrível para Gina que jamais fui para sua
mãe. Só... vim desejar a vocês dois felicidades. E dizer que te amo.
As narinas de Jeremmy dilataram de raiva, inspirando e expirando rápido
demais, como se quisesse quebrar algo no pai. Mas depois que os ombros
largos de tio Matt encolheram, desistindo, depois que o ex-bailarino se
virou para fazer o caminho de volta pelo tapete vermelho, talvez o trajeto de
volta para o apartamento solitário dele em Nova Iorque, toda aquela raiva
nos olhos de meu noivo se diluíram em lágrimas que se acumularam nos
olhos castanhos e lindos.
Jeremmy observou as costas do pai como se visse, pela primeira vez em
muito tempo, as memórias boas que vivera com ele, as lembranças boas que
aquele erro no estúdio de dança apagaram da mente do rapaz.
Toquei levemente meus dedos nos do meu noivo, um pedido
silencioso para que se abrisse. Tentasse. Não deixasse o pai ir embora.
A primeira lágrima caiu.
Jemmy fechou os olhos com força e xingou, se esquecendo de que
estávamos dentro de uma igreja.
E o aperto sufocante do meu coração se afrouxou quando aquele idiota
teimoso finalmente cedeu lugar ao filho que existia dentro dele e se
apressou até o pai.
Os convidados também pareceram voltar a respirar, torcendo por isso,
para que Jeremmy parasse o pai e abraçasse o homem no meio da igreja.
Permiti que um sorriso largo e salgado de lágrimas se abrisse em meu
rosto. Com uma olhada rápida para trás, onde as madrinhas estavam, notei o
choro silencioso no rosto de Tina, até mesmo no rosto lindo da prima da
minha amiga. Um olhar para o primeiro banco e vi tia Sabrina enxugar as
bochechas.
Não me importava se era um contratempo na cerimônia: Jeremmy
finalmente abraçara o pai depois de quase cinco anos sem dirigir qualquer
palavra ao homem. Não entendi o que meu noivo falou para o sujeito diante
dele naqueles segundos, quase um minuto, que seguiram. Porém, depois de
apontar para a mãe, para o lugar vazio ao lado dela, Jeremmy acompanhou
tio Matt pelo corredor, ambos com os olhos vermelhos de choro. Meu sogro
me abraçou uma última vez antes de seguir caminho para o lugar destinado
aos pais do noivo, e então senti a mão morna de Jemmy segurar a minha ao
me guiar pelos poucos degraus até o púlpito onde o pastor Willer nos
esperava, com um sorriso emocionado no rosto enrugado e velho.
Só quando paramos um de frente para o outro Jeremmy me encarou,
sério, enquanto o reverendo começava o discurso de “Familiares e amigos...
Estamos reunidos aqui hoje...”. Meu noivo me fitou com aqueles olhos
lindos e semicerrados e sussurrou, quase sem emitir som algum:
— Coisinha esperta e intrometida.
Sorri.
— De nada. — Pisquei um olho para ele.
Jeremmy apenas me encarou, como se dissesse que resolveria o que fazer
comigo quando estivéssemos sozinhos.
Meus lábios se esticaram mais, e eu não desviei o olhar do dele nem
mesmo quando começamos as declarações, as promessas, as trocas de
aliança.
Na alegria e na tristeza.
Na saúde e na doença.
Até que a morte nos separe.
— Pode beijar a noiva.
THEO
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[1]
Cheguei!
[2]
Como está esta manhã?
[3]
Biscoito com amêndoas secas. São geralmente consumidos pelos italianos no café da manhã.
[4]
Obrigada!
[5]
Oi/Tchau.
[6]
Entendeu?
[7]
Olá, Sr. Donalli. Como está a família?
[8]
Está bem, rapaz. Quem é a bela jovem?
[9]
Namorada?
[10]
Não, acabei de conhecê-la.
[11]
Certo. Sr. Donalli, pode me dar um daqueles, por favor?
[12]
Tchau, Donalli.
[13]
Tchau, Abertinalli. Menina.
[14]
Este é o Coliseu Romano.
[15]
Pois bem.
[16]
Isso é verdade.
[17]
(I’ve Had) The Time Of My Life — Bill Medley
[18]
Be My Baby — The Ronettes
[19]
Maldita Itália ou Itália de merda!
[20]
Aí está você...
[21]
Não estou entendendo...
[22]
Com certeza! ou Sem dúvidas!
[23]
Sorte; benção.
[24]
Menina; garota.
[25]
Meu filho.
[26]
Boa sorte!
[27]
Não se preocupe.
[28]
Tudo bem. Vamos fazer isso.
[29]
Conhecido aqui no Brasil como nhoque. Um prato feito à base de massa de batata com molho de
tomate.
[30]
Por que não? (A pronúncia é bem parecida. Per-qué nô?)
[31]
De nada.
[32]
Obrigada.
[33]
Charlatão.
[34]
Mentirosa.
[35]
Vestimenta tradicional da China.
[36]
Mentirosa.
[37]
Ballet de repertório: Tipo de balé que conta uma história e é dividido em atos.
[38]
Não estou entendendo.
[39]
Meu neto.
[40]
O que está acontecendo?
[41]
Absoluta .
[42]
Vamos!
[43]
Obrigada, obrigada.
[44]
De nada.
[45]
Navillera.
[46]
O que acha de aprender a dançar?
[47]
Versão de Louis Armstrong e Ella Fitzgerald.