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Boa noite, sejam bem-vindos. Hoje eu queria aqui mencionar o fato de que está
sendo lançado o meu livro A Consciência de Imortalidade e dar algumas
explicaçõezinhas sobre ele, as quais talvez não estejam lá.
Em primeiro lugar, não é um livro sobre a imortalidade, muito menos é algo que
pretenda resumir ou transmitir os ensinamentos da Igreja Católica ou de qualquer religião
que seja sobre a imortalidade. Eu quis trabalhar a experiência humana real da
imortalidade através sobretudo dessas chamadas experiências de quase-morte (Eu não
sei por que chamam de “quase-morte”. O sujeito está clinicamente morto, está morto
mesmo. O certo seria “morte temporária”, não “quase-morte”. Chamar de “quase-morte”
já é diminuir muito a importância do fenômeno) Eu quis especular algo sobre isso a partir
dos depoimentos.
Os depoimentos são em número muito maior do que as pessoas geralmente
imaginam. E uma das coisas mais incríveis do nosso tempo é a total indiferença que a
mídia (jornal e televisão) tem sobre isso aí, que são evidentemente os acontecimentos
mais importantes do mundo. Por um motivo muito simples: se uma única alma humana
é imortal, se ela começa e não termina mais, ela vai durar mais do que toda a história
humana, porque a história humana um dia vai terminar. Meça e diga: que importância
tem toda a História da humanidade comparada com a duração de uma única vida
humana? Não significa absolutamente nada. A simples existência da imortalidade já
muda completamente a escala com que você vê as coisas. E a minha idéia era
justamente conseguir meter na cabeça das pessoas essa mudança de escala.
Geralmente, mesmo as pessoas religiosas têm a idéia de que elas estão vivendo
na realidade e depois da morte existe um não-sei-quê que se chama de imortalidade, de
Céu, de Inferno etc. etc. Esse próprio modo de expor as coisas já falsifica tudo porque
você não está falando de uma imortalidade real, você está falando de uma idéia de
imortalidade. É a idéia que você mesmo tem.
Agora, como seria a imortalidade de fato para aquelas pessoas que a
experimentaram de algum modo? Esse que foi meu ponto de partida. Decidi não
especular sobre o conceito de imortalidade, sobre a doutrina da imortalidade, mas sobre
os fatos, isto é, os depoimentos a esse respeito.
Eu mesmo não tenho essa experiência. Pode-se dizer que tive experiências
similares quando era criança, mas não chegavam a esse ponto. Mas eu acredito que
hoje em dia eu consiga conceber essa idéia de imortalidade de maneira muito mais
concreta do que em outras épocas. Inclusive, quando você toma consciência
* Esta aula foi ministrada especialmente para o lançamento do livro A consciência de
imortalidade, daí achei por bem transcrevê-la, já que ela serve como um apêndice ao livro. Não
houve revisão do professor no texto da transcrição, e quem quer que encontre erros ou outras
imperfeições, fique à vontade para arrumá-los.
efetivamente da imortalidade, é essa vida aqui que começa a te parecer meio irreal, em
comparação. Por quê?
Preste bem atenção. Tudo o que você percebe neste mundo, você percebe por
fragmentos. Você não percebe uma coisa inteira. As pessoas que você está vendo, por
exemplo, você as vê de maneira contínua ou você tem que piscar, o seu olho desvia?
Então o que você vê é uma sucessão de imagens separadas e uma não tem nada que
ver com a outra. Você acredita que elas formam a unidade de um ser – e de fato formam,
você não está enganado nisso aí –, mas não foi sua visão que lhe deu essa informação.
Foi a presença real da pessoa que a visão traduziu de maneira muito parcial e imperfeita.
Isto é que é importante.
No mundo em geral as abordagens filosóficas do assunto se dividiram em duas:
realistas e idealistas. Realista é aquele que acredita que nós vemos as coisas como elas
realmente são, e idealista acredita que nós não enxergamos nada da realidade, nós
inventamos tudo – tudo vem da mente, do espírito etc. etc.
É claro que essas duas são uma imensa besteira. Eu não vejo como um idealista
possa negar que um objeto que esteja na sua frente lhe passe alguma informação. Se
tudo viesse de nós mesmos, nós não teríamos sequer como distinguir os vários objetos.
Por exemplo, eu tenho várias pessoas na minha frente, cada uma delas acredita que ela
tenha uma individualidade que é dela, que não é do vizinho. E eu as vejo exatamente
assim. O que me impediria de confundi-las todas? Se fossem apenas imagens que eu
estivesse projetando, elas não teriam essa autonomia do eu real humano. Elas não
poderiam dizer “eu” e serem responsáveis pelos seus atos. E no entanto, cada pessoa
que você conhece não é só uma visão, um elemento visual que você tem, nem auditivo
nem táctil. É uma presença humana que diz “eu” e que tem pretensões de ser tão
autônoma quanto você.
A posição idealista é absolutamente insustentável mas a realista também é. Por
quê? Porque tudo que nós percebemos é percebido de maneira parcial e interminente.
Nós não recebemos dos objetos que nos circundam essa visão assim maciça e
impressiva a ponto de reconhecer a realidade porque ela está diante de nós. Ela não
está diante de nós, é só um pedacinho dela. O exemplo que eu sempre dou é o seguinte,
todo mundo sabe que um cubo tem seis lados. Nunca ninguém viu seis lados de um
cubo. Nunca, ninguém. Você só vê três ao mesmo tempo. Quando você vira para ver o
lado quatro, o lado um some. Todos nós sabemos o que é a forma cúbica, nós sabemos
que o cubo ocupa um lugar no espaço, que ele não é só um elemento visual, mas nós
não temos a tradução visual disso de maneira alguma. Então a pergunta é a seguinte:
como é que eu sei que o cubo tem seis lados? Não é pelo visual. Também não pode ser
por raciocínio, porque o raciocínio pode levar você a alguma conclusão errada e eu
poderia me equivocar na contagem dos lados do cubo. Poderia parecer que eram seis
mas talvez sejam sete, talvez sejam oito. Mas isso nunca acontece. Então, é daí que eu
tiro a idéia do que chamei de “conhecimento por presença”.
Ou seja, não é por um dos sentidos que isto nos chega, é pela presença total do
objeto. Eu não posso perceber essa presença, nem pelos olhos, nem pelas mãos, nem
* Esta aula foi ministrada especialmente para o lançamento do livro A consciência de
imortalidade, daí achei por bem transcrevê-la, já que ela serve como um apêndice ao livro. Não
houve revisão do professor no texto da transcrição, e quem quer que encontre erros ou outras
imperfeições, fique à vontade para arrumá-los.
pelo ouvido. Nada me dá acesso a isso. Mas eu tenho que reconhecer que a presença
existe. Porque se eu não a reconhecer, eu vou ter que chegar na conclusão idealista de
que sou eu quem está inventando tudo, conclusão que me leva a outras conclusões
absolutamente insustentáveis.
Nós temos que admitir que a presença do objeto nos dá algum conhecimento para
além do que os nossos sentidos percebem. Era isso que Leibniz estava querendo dizer
quando ele dizia que se juntássemos todos os aspectos mensuráveis, matematizáveis
de um ente, ainda não obteríamos a realidade dele; ficaria faltando alguma coisa. O que
é essa coisa? Essa coisa é justamente o que chamo de presença.
Eu uso a palavra “presença” num sentido um pouco diferente do que usa o Louis
Lavelle. O Louis Lavelle quando fala em “presença”, ele está falando sempre da presença
total do ser diante de nós. Eu nunca investiguei isso. Isso a gente encontra no livro do
Louis Lavelle. Eu tô falando da presença dos entes, um por um. Você vai ter que
reconhecer que cada ente que você conhece lhe dá algo para além do que você percebe
dele pelos sentidos e do que você pode deduzir dele por pensamento. Se fosse só por
pensamento, isso significaria que a única realidade que você percebe no objeto, foi o seu
pensamento que captou. Então ele só existe no seu pensamento. Você cairia no
idealismo total, o que já vimos ser absolutamente inaceitável.
Cada objeto, seja uma pessoa, seja uma ente do mundo físico, seja um animal –
qualquer coisa, ele me dá alguma informação pela sua simples presença, a qual
transcende tudo o que os meus sentidos captam dele e que não é captável por
pensamento. É captável pelo quê? Pela minha própria presença, porque eu também
estou presente. Eu nunca sou um puro observador – isso é a coisa mais importante! Eu
não posso imaginar o mundo como uma tela diante da qual eu seja puro observador, que
eu só esteja vendo e não esteja agindo sobre esse mundo. Não é possível isso. E grande
parte do pensamento realista cai um pouco nessa ilusão de achar que se está vendo o
mundo objetivo. Não, as coisas não são assim. O que eu capto da presença do objeto,
eu não capto pela minha visão, pela minha audição, pelo meu tato e nem pelo meu
pensamento. Eu capto pela minha presença. Eu também estou presente.
Essa noção de presença é muito mais importante do que tudo o que os filósofos
idealistas e realistas disseram ao longo do tempo. Pode-se dizer que essa minha
abordagem seja materialista, mas ela é mais materialista do que os materialistas. Porque
o materialista, no fim das contas, faz tudo depender da percepção sensível, e eu digo
que não, que há algo que vai para muito além da percepção sensível. E é dentro dessa
presença que se recortam os vários aspectos que você percebe pelos vários sentidos. O
meu aparato de percepção, que se divide em visão, audição, tato etc. etc., ele é que
divide o objeto em todos esses aspectos. Mas no próprio objeto, na constituição efetiva
desse objeto, esses aspectos estão separados? Não. Eles estão unidos no quê? Na
presença dele. Esta percepção, este sentimento da minha presença diante de um objeto
que também está presente, isto é a base de toda percepção humana, de todo
conhecimento humano.