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ISSN 2236-4366

Regina Antunes Teixeira dos Santos


Marcos Nogueira, Editores

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)


Coordenador Geral: Luis Felipe Oliveira

ISSN: 2236-4366

Campo Grande/MS, Brasil


28 a 31 de maio de 2019
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Reitor
Marcelo Augusto Santos Turine
Vice-Reitora
Camila Celeste Brandão Ferreira Ítavo
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Nalvo Franco de Almeida Junior
Pró-Reitor de Extensão, Cultura e Esporte
Marcelo Fernandes Pereira
Diretora da Faculdade de Artes,
Letras e Comunicação
Vera Lúcia Penzo Fernandes
Coordenador do Curso de Música
Licenciatura
Gustavo Rodrigues Penha

Como citar este volume (How to cite this book):


Dos Santos, R. A. T., & Nogueira, M. (Eds). (2019). Anais do XIV Simpósio Internacional
de Cognição e Artes Musicais - SIMCAM 14. Curitiba, Brasil: Associação Brasileira de
Cognição e Artes Musicais (ABCM). ISSN: 2236-4366
Anais

Alexandre Gonçalves (UEM) Luis Felipe Oliveira (UFMS)


Ana Lucia Iara Gaborim-Moreira (UFMS) Marcelo Fernandes Pereira (UFMS)
André Luiz Oliveira (UNOESTE) Marcio Guedes Correa (UNESP/FMU)
Antenor Ferreira Corrêa (UnB) Mariana de Araújo Stocchero (UFMS)
Beatriz Raposo De Medeiros (USP) Marília Nunes (UEMG)
Guilherme Bertissolo (UFBA) Marcos Araújo (UFRGS)
Camila Fernandes Figueiredo (UFPR) Marcos Botelho (UFG)
Carlos Eduardo da Silva Vieira (UFRJ) Marcos José Cruz Mesquita (UNESP)
Celso Ramalho (UFRJ) Marcos Vinicio Cunha Nogueira (UFRJ)
Clara Marcia Piazzetta (UNESPAR) Maria Bernardete Castelan Póvoas (UDESC)
Claudia Zanini (UFG) Maria Clotilde Henriques Tavares (UnB)
Cristiane Nogueira Souza (NOVA, Portugal) Midori Maeshiro (UFRJ)
Dayane Battisti (UFPR) Nayana Di Giuseppe Germano (UFSM)
Ederaldo Júnior Sueiro (UNESPAR) Noemi Ansay (UNESPAR)
Eloi Fernando Fritsch (UFRGS) Pablo Gusmão (UFSM)
Flávio Denis Dias Veloso (PUC-PR) Patricia Vanzella (UFABC)
Frederico Gonçalves Pedrosa (UFMG) Rael Gimenes Toffolo (UEM)
Graziela Bortz (UNESP) Ravi Shankar Magno V. Domingues (UFPB)
Gustavo Rodrigues Penha (UFMS) Regina Antunes Teixeira dos Santos (UFRGS)
Igor Mendes Krüger (UFPel/UNIPampa) Ricardo Dourado Freire (UnB)
Jackes Douglas Nunes Angelo (UFMS) Rosane Cardoso de Araújo (UFPR)
Jean Felipe Pscheidt (UNESPAR) Sonia Ray (UFG)
Lilian Engelman Coelho (Censupeg) Valéria Lüders (UFPR)
Luciana Fernandes Hamond (UDESC) Veridiana de Lima Gomes Kruger (UFPel)
Luciane da Costa Cuervo (UFRGS)

COMISSÃO ORGANIZADORA - SIMCAM 14

Coordenação Geral
Luis Felipe Oliveira (UFMS)
Coordenação Artística
William Teixeira (UFMS)
Coordenação Executiva
Gustavo Rodrigues Penha (UFMS)
Mariana de Araújo Stocchero (UFMS)

Monitores
Adriana Souza da Silva Leticia Maria Nunes Lechuga
André Luiz Terêncio Ramão Natália Santos Almeida
Evelyn Nayara Verga de Lima Vanessa Araújo da Silva
Gabriela Simões Lima Vinícius Alves Maciel
Gilberto Pereira Rodrigues Victoria Talamini Rojas
Giulia Leal Reis Pinho (auxílio diagramação)
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

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Anais

Estudos quantitativos na área da cognição musical: uma


abordagem psicométrica 22
Nayana Di Giuseppe Germano, Hugo Cogo-Moreira, Graziela Bortz
Leitura à primeira vista no piano em grupo: avaliação cognitiva
por meio de uma escala psicométrica 31
Sérgio Inácio Torres, Graziela Bortz
Um panorama dos estudos de significação musical nos anais do
SIMCAM 40
Tailine Rocha Reginato, Rael Bertarelli Gimenes Toffolo
Memória gestual e pantomimas do cotidiano no ensino do
contrabaixo para iniciantes 55
Sonia Ray
Construindo a performance musical 56
Carlos André Weidt Mendes
Metáforas e recursos imaginativos em estratégias pedagógicas
musicais 63
Isadora Scheer Casari
Contribuições da neurociência para o estudo da plasticidade
cerebral induzida pelo treinamento musical 72
Maria Clotilde Henriques Tavares, Ricardo Dourado Freire
Análise musical por descritores de áudio baseados em modelos
psicoacústicos 83
Micael Antunes Silva, Tales Eduardo Pelison Botechia, Danilo
Augusto de Albuquerque Rossetti, Jônatas Manzolli
Improvisação ao piano com o uso do software MIROR-Impro:
um estudo exploratório com alunos de bacharelado em piano
no Brasil 92
Luciana Fernandes Hamond, Anna Rita Addessi, Viviane Beineke
Formas musicais: composição, cognição e cultura compondo
entendimentos 103
Guilherme Bertissolo
Respostas emocionais ao ritmo musical 104
Eunice Dias da Rocha Rodrigues, José Eugênio de Matos Feitosa,
Maria Clotilde Henriques Tavares
Criação musical e solfejo: entre lógica e percepção 114
Gustavo Rodrigues Penha
Sistematização do processo heurístico do oboísta para a
caracterização do timbre e da articulação através de parâmetros
acústicos e psicoacústicos 116
Ravi Shankar Magno Viana Domingues, Mauricio Freire Garcia,
Davi Mota,
Análise fenomenológico interpretativa: possibilidades de utilização
no campo de estudos da aprendizagem da composição musical 123
Igor Mendes Krüger, Veridiana de Lima Gomes Krüger, Lourdes
Maria Bragagnolo Frison
O Efeito Kiki-Bouba como referência para investigações
multissensoriais em música 132
Cristiane Nogueira, Helena Rodrigues
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Análise de métodos biomecânicos para controle e dinâmica do


instrumento bateria 142
Sandro Moreno, William Teixeira
8 Treinamento musical, ouvido absoluto e memória verbal:
um estudo sobre possíveis correlações 143
Priscila Satomi Acamine, Patricia Vanzella
Música interfere na apreciação estética em museu de arte
contemporânea 151
Bruna de Oliveira, Giulia Ventorim, Claudia Feitosa-Santana,
Patricia Vanzella
As manipulações do trato vocal na emissão das notas do registro
agudo e superagudo do clarinete baixo 152
Elaine Cristina Rodrigues Oliveira, Ricardo Dourado Freire
Arnold Jacobs e proposta musicopedagógica CDG:
sobre formação de professores de instrumento de metal 158
Michele Girardi, Helena Müller de Souza Nunes

Performance musical e o corpo: entendendo o repertório gestual


que suporta a prática instrumental 174
João Gabriel Caldeira Pires Ferrari
Espacialidade e sentido musical incorporado:
a mediação da linguagem 185
Marcos Nogueira
Converse: criação colaborativa 195
Guilherme Bertissolo, Lia Gunther Sfoggia, Luciane Cardassi
A esquizofrenia e o ensino do canto e do teclado:
uma pesquisa sobre possíveis estratégias didáticas 197
Helena Karavassilakis Uzun
A música e o cérebro executivo no processo de desenvolvimento
infantil 198
Maria Clotilde Henriques Tavares, Sandra Ferraz de Castillo
Dourado Freire
Mapeamento de amusia em grupo de adultos por meio de testes
de cognição e de processamento auditivo 209
Luciane da Costa Cuervo, Laura Uberti Mallmann, Gabriela
Peretti Wagner, Márcia Salgado Machado, Graham Frederick Welch,
Marcelo de Oliveira Dias
Leitura musical e sua relação com pensamento simbólico e
metacognição 220
Deyse Dayane Schultz, Guilherme Ballande Romanelli
A iniciação musical da criança pelo ensino coletivo de piano:
considerações psicopedagógicas 230
Ana Lucia Iara Gaborim-Moreira, Vanessa Araújo da Silva,
Luciana Cavalcanti Borges Mendes, Patrícia Kettenhuber de Lima
Ensino coletivo de flauta doce:
registros de uma experiência no Projeto Muca 238
Amarandes Rodrigues Junior
O papel de cantar na vida quotidiana dos adolescentes 248
Graça Boal-Palheiros, Ana Bertão
Estudio exploratório Brasil-Colombia: Auto-percepciones de
eficacia en pruebas orales de lectura musical:
material estudiado vs. primera vista 249
Pedro Omar Baracaldo
Coro infanto juvenil: contribuições para o desenvolvimento
cognitivo e psicossocial 256
Ana Lucia Iara Gaborim-Moreira, Keyla Lima Brito e Silva,
Vanessa Araújo da Silva
Uma música imersa no instante: as contingências na criação
improvisada segundo percepções e concepções de tempo 266
Manuel Falleiros
Metáforas do entendimento de harmonia 275
Mauro Orsini Windholz
Anais

Musicografia Braille: um recurso para compreensão musical


da pessoa cega 276
Vinicius Alves Maciel
A prática mental como estratégia de estudos para a construção 9
da performance musical 277
Sthevan dos Santos Nunes, Luciane da Costa Cuervo
Perspectivas de deliberação na prática de um pianista expert 278
Michele Rosita Mantovani, André da Silveira Loss, Regina Antunes
Teixeira dos Santos
Possibilidades de categorização para o real e o imaginário
na prática pianística 288
Renan Moreira Madeira, Regina Antunes Teixeira dos Santos
Percepção de cadências por graduandos e extensionistas de
curso de Música à luz da teoria ITPRA 295
Marcelo Ratzkowski, Rafael Puchalski, Regina Antunes Teixeira
dos Santos
A manipulação do andamento na comunicação de emoção
no Ponteio nº 6 de Camargo Guarnieri 303
Andrei Liquer de Abreu, Regina Antunes Teixeira dos Santos

Treinamento auditivo: relações entre métodos de rítmica e


processos cognitivos da percepção musical 312
Leticia Dias de Lima
Las habilidades auditivas musicales: prácticas, concepciones y
valoraciones en estudiantes de interpretación instrumental 321
Genoveva Salazar Hakim
O conceito de estrutura fundamental na análise schenkeriana e
suas bases cognitivas 331
Luis Felipe Oliveira
Tomada de consciência e conhecimento social:
noções de compositor, intérprete e professor de música 342
Leandro Augusto dos Reis, Francismara Neves de Oliveira
A manifestação artística dos Slams de poesia: impactos na
constituição da identidade 343
Camila de Oliveira Pinto
Musicoterapia e inteligências múltiplas: um olhar para o
desenvolvimento da criança com Síndrome de Down
participante do Coro Terapêutico 351
Tonia Gonzaga Belotti, Claudia Zanini
A música e a consciência na perspectiva da neurociência
cognitiva 353
Rejane Pacheco Carvalho
Avaliação em diferentes contextos da performance musical 360
Sonia Ray
Preparação para a performance do cantor: movimento e
gestualidade 361
Daniele Briguente, Sonia Ray
Estudo da literatura metacognitiva musical na demência
semântica 369
Cybelle Veiga Loureiro
Tecnologias digitais e suas conexões com o aprendizado e a
cognição musical de adultos no canto coral 375
Sandra Regina Cielavin, Adriana do Nascimento Araújo Mendes
Educação musical inclusiva: relato de experiência em uma turma
de ensino coletivo de violino em Belém-Pará 382
Aline da Silva Pedrosa, Jessica Caroline Pantoja Peniche,
Dione Colares de Souza
Categorização e esquemas de imagem em música:
críticas às formas de se realizar a pesquisa experimental 383
Nilo Rafael Baptista de Mello
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Musicoterapia no tratamento de bebês prematuros:


revisão bibliográfica 393
Rhainara Lima Celestino Ferreira
10 Tecnologias na educação musical: aplicativos e softwares
como ferramenta de auxílio na aprendizagem musical 401
Leonardo Gomes Martins
Tecnologia musical e Transtorno do Espectro Autista:
possibilidades e potencialidades na aula de música 402
Camila Fernandes Figueiredo, Valéria Lüders, Marlon Vidal da Silva
Desenvolvimento da criatividade musical: propostas didáticas e
concepções de alunos de licenciatura em música 410
Aline Paula dos Santos, Rosane Cardoso de Araújo
O ensino instrumental e a performance:
aspectos para a aquisição de habilidades musicais 417
Maria Isabel Veiga
Indeterminação musical e gesto:
processos criativos na construção da performance 418
Tatiana Dumas Macedo
Estudo n. 1 para violão de Camargo Guarnieri:
soluções de um compositor não violonista para os limites
polifônicos impostos pelo instrumento 428
Marcelo Fernandes Pereira
Expectativas musicais relacionadas à harmonia como gatilho
para emoções 430
José Eugínio Matos, Eunice Dias da Rocha Rodrigues,
Maria Clotilde Henriques Tavares
Cognição musical infantil: uma revisão bibliográfica 438
José Benedito Pimenta, William Teixeira
Um estudo exploratório sobre a psicologia da música 439
Marçal Pereira Machado
Autorregulação e aprendizagem musical: uma revisão
sistemática da produção do último triênio 441
Veridiana de Lima Gomes Krüger, Igor Mendes Krüger,
Lourdes Maria Bragagnolo Frison
Musical phrasing: shaping analysis by general timing
Of melodic lines based on Meyer’s theory of syntax 449
Samuel Henrique Cianbroni, Gilles Comeau, Regina Antunes
Teixeira dos Santos
Tradições de ensino pianístico: um estudo com professores
eminentes 457
Rebecca Silva Rodrigues, Regina Antunes Teixeira dos Santos
A criatividade e a imaginação na infância: perspectiva
vigotskiana e a educação musical 464
Teresa Cristina Trizzolini Piekarski, Valéria Lüders
A motivação dos alunos para estudar gaita-ponto sob a
Perspectiva da autodeterminação 476
Paulo Cardoso, Liane Hentschke, Regina Antunes Teixeira
dos Santos
Tradução e validação das Escalas Nordoff Robbins:
“Relação criança terapeuta na experiência musical coativa” e
“Musicabilidade, formas de atividade, estágios e qualidades
de engajamento” 486
Aline Moreira Brandão André, Cristiano Mauro Assis Gomes,
Cybelle Maria Veiga Loureiro
A música instrumental brasileira no ensino básico a partir do
repertório do choro 494
Camile Tatiane de Oliveira Pinto, Ana Paula Peters
Anais

11

É com imensa alegria que apresentamos à comunidade acadêmica o Caderno de Resumos


do XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais, o nosso SIMCAM 14.
Neste ano de 2019, a realização do simpósio reveste-se de um caráter especial pelos desafios
adicionais que se colocaram diante de todos os que estiveram envolvidos com a sua
produção. Apesar das dificuldades, a sensível atuação das pessoas — afinal, as instituições
nada são sem as pessoas que as constituem — da Associação Brasileira de Cognição e Artes
Musicais (ABCM) e da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) foi o que as
tornou vencíveis em tempos de tamanhas incertezas. Para além das ações, não se faz um
evento científico sem recursos, e devemos um louvável agradecimento ao Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Pró-reitoria de
Extensão, Cultura e Esporte (PROECE) da UFMS, através do Edital PROFE 2019, assim
como ao Serviço Social do Comércio (SESC). Devemos externar nossa profunda gratidão
aos pesquisadores brasileiros e estrangeiros que aceitaram o convite para compor as
inúmeras atividades acadêmicas que constituem a programação do SIMCAM 14,
especialmente porque na época em que os convites foram feitos não sabíamos nem se
conseguiríamos sequer emitir os bilhetes aéreos. Por fim, mas não menos importante,
manifestamos nosso agradecimento aos pesquisadores associados que com seu trabalho e
sua contribuição mantém ativa a ABCM e suas atividades — é para vocês que o SIMCAM
14 foi concebido e é uma honra tê-los em Campo Grande, MS.

It is with immense gladness that we present to the academic community the Abstract
Book of 14th International Symposium on Cognition and Musical Arts, our SIMCAM
14. In this year of 2019, the symposium accomplishment is overlaid with a special
character due to the additional challenges that have stood in front of all which were
involved with its production. Notwithstanding difficulties, the sentient action of
people — in the end, institutions are nothing more than the people that constitute them
— from the Brazilian Association of Cognition and Musical Arts (ABCM) and Federal
University of Mato Grosso do Sul (UFMS) was what make possible to overcome them,
especially in times of great uncertainty. Beyond the actions, a scientific event is not
possible without funds and in this sense we own to praiseworthily acknowledge the
National Council for Scientific and Technological Development (CNPq) and the
UFMS Office for Extension, Culture and Sports (PROECE), by means of the 2019
PROFE Public Call, and the Social Service of the Commerce (SESC). We shall express
our deep gratitude for the Brazilian and foreigner researchers that have accepted the
invitation to partake in the numerous academic activities which constitute SIMCAM
14 programme, especially because in the time the invitations were made we did not
know whether we could afford even for the air fares. Last, but not least, we manifest
out acknowledgment to all associated researchers that, with their work and
contributions, keep ABCM alive — SIMCAM 14 was conceived for you all, and it is
an honor to have you in Campo Grande, MS, Brazil.

Luis Felipe Oliveira


Coordenador Geral do SIMCAM 14
SIMCAM 14 Chair
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

12 (ABCM)
Sejam bem-vindo(a)s ao SIMCAM 14!
Em nome da diretoria da Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais (ABCM) quero
dar as boas vindas a todos os conferencistas brasileiros e estrangeiros, pesquisadores, professores,
alunos e colaboradores de tantas instituições do Brasil e do exterior, que vieram participar desta
edição do Simpósio, contribuindo significativamente para a ampliação do conhecimento na
área da cognição musical. O SIMCAM retorna à região Centro-Oeste, onde já esteve em três
edições, sinalizando um claro avanço da área, particularmente no Brasil, tendo recebido a
submissão de mais de 110 trabalhos. Isto ocorre num momento em que a Associação vem se
preparando para colaborar ainda mais efetivamente no agenciamento da interação entre os
pesquisadores dedicados à cognição musical, a partir da consolidação de variados serviços via
website. A aproximação das ações entre os pesquisadores é nossa prioridade e para isto
procuramos desenhar um simpósio mais produtivo em termos de debates e trocas, visando
modelos cada vez mais semivirtuais e multicentros para as próximas edições do evento.
Gostaríamos de agradecer o empenho de toda a comissão organizadora do SIMCAM 14, em
especial do coordenador geral do evento, Dr. Luis Felipe Oliveira, que conduziu da melhor
forma a parceria da ABCM com a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), assim
como a relação com as instituições de apoio como o CNPq e o SESC/MS. E da mesma forma
agradecemos à diretora científica do Simpósio, Dra. Regina Antunes Teixeira dos Santos, e aos
diretores de avaliação e pareceristas pelo trabalho enriquecedor que ofereceram, assim como a
todos os pesquisadores convidados e autores de trabalhos, performers, alunos monitores, enfim,
a todos que possibilitaram a realização exitosa de mais um SIMCAM.
Saudações e um ótimo simpósio a todos!

Welcome to SIMCAM 14!


On behalf of the board of directors of the Brazilian Association of Cognition and Musical Arts
(ABCM), I would like to welcome all Brazilian and foreign keynote speakers, researchers,
professors, students and collaborators, active and passive participants, from so many institutions
in Brazil and abroad, who are participating in this edition of Symposium, contributing
significantly to the expansion of knowledge in the area of musical cognition. SIMCAM returns
to the Midwest, where it has been in three editions, signaling a definite advance in the area,
particularly in Brazil, having received the submission of more than 110 papers. This authors
interest occurs at a time when the Association has been preparing to collaborate even more
effectively in the agency of interactions between researchers devoted to musical cognition,
from the consolidation of various services through its website. The approximation of actions
among researchers is our priority, and for this we seek to design a more productive symposium
in terms of debates and exchanges, aiming at increasingly more semi-virtual and multi-hub
models for the next SIMCAM editions. We want to thank the efforts of the entire SIMCAM
14 organizing committee, in particular, its general coordinator, Dr. Luis Felipe Oliveira, who
conducted the ABCM partnership with the Federal University of Mato Grosso do Sul (UFMS)
as well as the relationship with supporting institutions such as CNPq and SESC / MS. And, in
the same way, we thank the Symposium scientific director, Dr. Regina Antunes Teixeira dos
Santos, and the evaluation directors and members of review committee for the enriching job
they offered, as well as all researchers and authors, performers, student-monitors, ultimately, to
all those who made possible the successful accomplishment of this SIMCAM.
Greetings and an excellent symposium for all!

Marcos Nogueira
Diretor Presidente
ABCM President
Associação Brasileira de Cognição e Artes Musicais
Anais

13
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

14
PROGRAMAÇÃO
GENERAL SCHEDULE
Anais

MAIO 28 | May 28
CONFERÊNCIA
LECTURE 1
1 15

SALA MULTIUSO, 19h

Coordenador da sessão | Session Chair: Gustavo Rodrigues Penha (UFMS)

La invención musical infantil, de las exploraciones sonora de la


primera infancia a la composición
François Delalande

Todos lo saben: desde la edad más joven, los niños se complacen en producir sonidos,
primero con la boca, luego con los objetos que les caen en las manos. Para prolongar su
hallazgo, repiten el gesto: es lo que se llama una « reacción circular». Alrededor de ocho
meses, modifican el gesto para modificar el sonido, es decir producen variaciones.
Lo que se sabe menos, es que estas exploraciones senso-motoras son a la vez el germen del
gesto musical y el punto de partida de la invención. De hecho, tal conducta de exploración
empírica de fuentes sonoras e instrumentos se ha desarrollado en favor de las músicas
concretas, electroacústicas e instrumentales recientes que enfocan la investigación sobre el
sonido. Las "ideas musicales" que desarrollan no son tanto melodías y fórmulas rítmicas como
"singularidades sonoras".
Si disfrute de un entorno favorable, estimulado por "dispositivos" elegidos, el niño mismo
enriquecerá sus búsquedas sonoras hasta llegar a las preocupaciones del compositor o del
intérprete contemporáneo, hasta la composición, eventualmente con la computadora. A menos
que sean los músicos contemporáneos — compositores, instrumentistas, improvisadores — quienes
hubieran recobrado esta curiosidad para el sonoro que se manifiesta desde el primer año de la vida.

L'invention musicale des enfants, des explorations sonores de la petite enfance à la


composition
Tout le monde le sait : dès le plus jeune âge, les enfants prennent plaisir à produire des sons,
d’abord avec leur bouche, puis avec les objets qui leur tombent sous la main. Pour prolonger
leur trouvaille, ils répètent le geste: c’est ce qu’on appelle une «réaction circulaire». Vers huit
mois, ils modifient le geste pour modifier le son, c’est-à-dire produisent des variations.
Ce qu’on sait moins, c’est que ces explorations sensori-motrices sont à la fois le germe du geste
musical et le point de départ de l’invention. En effet, une telle conduite d’exploration
empirique des sources sonores et des instruments s’est développée à la faveur des musiques
concrètes, électroacoustiques et instrumentales récentes qui centrent la recherche sur le son.
Les «idées musicales» qu’elles développent ne sont plus tant des mélodies et des formules
rythmiques que des «singularités sonores».
Pour peu qu’il bénéficie d’un environnement favorable, stimulé par des «dispositifs» choisis,
l’enfant enrichira de lui-même ses recherches sonores jusqu’à rejoindre les préoccupations
du compositeur ou de l’interprète contemporain. À moins que ce soient les musiciens
contemporains — compositeurs, instrumentistes, improvisateurs — qui aient retrouvé cette
curiosité pour le sonore qui se manifeste dès la première année de la vie.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

18
Anais

MAIO 29 | May 29
MESA REDONDA 1 19

SALA MULTIUSO, 10h

A inserção da cognição musical nas graduações em música


Mediadora:
Rosane Cardoso de Araújo
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Debatedores:
Graça Boal Palheiros
Escola Superior de Educação do Porto (Portugal)
Genoveva Salazar
Universidad Distrital Francisco José de Caldas (Colômbia)
Marcos Nogueira
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

O desenvolvimento da Psicologia da Música em Portugal


Graça Boal-Palheiros
Esta comunicação apresentará um breve historial da inserção e do desenvolvimento da
investigação nas áreas da psicologia da música e educação musical nas instituições de ensino
superior em Portugal. Um dos impulsionadores deste desenvolvimento terá sido a criação, pela
primeira vez, em 1980, de cursos superiores conferindo graus académicos (licenciaturas, mestrados
e doutoramentos) em Ciências Musicais. Um segundo fator será certamente, a formação pós-
graduada adquirida pelos docentes das áreas de ensino da música em universidades estrangeiras, em
particular, no Reino Unido e nos Estados Unidos.
Em Portugal, no final da década de 1980, a Psicologia da Música era praticamente desconhecida
nas instituições superiores de ensino de música e as Faculdades de Psicologia não ofereciam estudos
neste domínio. A Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto (ESE/P.Porto), a par da
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH/UNL) foram
pioneiras neste domínio, tendo criado respetivamente, o CIPEM – Centro de Investigação em
Psicologia da Música e Educação Musical, em 1998, e o LAMCI – Laboratório de Música e
Comunicação na Infância. Nestas instituições, foram mais tarde oferecidos o Mestrado em
Psicologia da Música no Porto, em 2003, e o Doutoramento em Ciências Musicais, Especialidade
Ensino e Psicologia da Música, em Lisboa. Atualmente, a disciplina de Psicologia da Música
encontra-se nos currículos das licenciaturas em Educação Musical, na ESE/P.Porto, e em Música,
na ESMAE/P.Porto (Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo).

Experiencias pedagógicas e investigativas con referentes


conceptuales en la cognición musical en el
Proyecto Curricular de Artes Musicales (PCAM)
Genoveva Salazar
En el PCAM, el aprendizaje de la lectoescritura y el desarrollo de habilidades auditivas
musicales abordados en la asignatura Formación Auditiva han sido foco de preguntas
permanentes que han derivado en proyectos de investigación. Adicional al aporte pedagógico
y teórico musical, se ha visto la necesidad acudir a estudios y conceptos de campos como la
psicologia de la música y las ciencias cognitivas a fin de ampliar la comprensión sobre los
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

procesos de aprendizaje abordados en la asignatura y buscar estrategias que posibiliten cualificar


la práctica pedagógica. El objetivo es presentar experiencias académicas e investigativas en el
PCAM en la cuales el campo de la cognición musical ha aportado referentes conceptuales
20 relevantes en la comprensión de procesos y escenarios de aprendizaje musical. Para esto se
exponen estrategias que han permitido ampliar los referentes conceptuales respecto de la
cognición musical.
Son varias las investigaciones orientadas a comprender procesos cognitivos involucrados en
habilidades de lectura y audición musical, a entender estas como modos de conocimiento
musical y a aportar insumos para elaborar materiales didácticos (Salazar, 2003; Salazar et al.
2005; Salazar et al. 2015; Salazar 2016 y Salazar, 2018). Algunas de estas investigaciones han
propuesto seminarios para la fundamentación teórica en cognición musical, como base para
la formulación de categorías de análisis e interpretación, y el aporte a las reflexiones sobre
nuestras prácticas pedagógicas y musicales. Para esto, han sido fundamentales los trabajos de
autores como Sloboda, (1985); Johnson (1987); Zbikowski (2002); Clarke (2005); Martínez
(2005); Cox (2011) y Shifres (2013), entre otros.
Las investigaciones surgidas desde el área Formación Auditiva han incidido en la práctica
pedagógica de la asignatura. De igual forma, han propiciado que docentes y estudiantes
amplíen sus referentes conceptuales sobre la cognición musical y generen preguntas en relación
con sus prácticas.

Enfim, a emergência da psicologia da música como método


Marcos Nogueira
Gostaria de iniciar a discussão retomando o que Hugo Riemann (1905, 1914–15) denominou
teoria da imaginação tonal, no período final de sua produção teórica—campo este que, no
entanto, não teve tempo de desenvolver. Ele começava a se aproximar da emergente
psicologia experimental e aderia, já no seu artigo de 1905, à teoria do filósofo e psicólogo Carl
Stumpf (que publicara, de 1883 a 1890, os dois volumes de sua Psicologia do tom). Riemann
pretendia desenvolver uma investigação da percepção no ato de entendimento musical e
construir uma teoria da representação mental do som, que começou a esboçar sob o título Ideias
para um estudo sobre a imaginação tonal. Neste trabalho Riemann observou que desde seu
projeto seminal, a tese intitulada Lógica musical (1873), entendeu a escuta dos efeitos sonoros
da música não como um processo passivo, mas como manifestação das funções lógicas da
mente. No entanto, salientava que as deficiências de uma teoria acústica para explicar a
problemática da escuta musical, propriamente, o impediram de alcançar uma solução
satisfatória para o problema.
Neste novo paradigma teórico que tentava desenvolver Riemann passa a rejeitar a tradição
teórica que explicara a harmonia usando tanto o fenômeno acústico quanto qualquer recurso
proveniente de sua observação. Isto impôs-lhe o compromisso de desenvolver um novo modelo
teórico para o entendimento musical, que o levaria a romper com a física como principal campo
de fundamentação do processo de percepção e interpretação musical. Em seus últimos trabalhos,
portanto, a busca por uma “lógica” da escuta musical não fazia mais parte de seu empreendimento.
Seu interesse deslocara-se da pesquisa por uma realidade própria do som da música, para as
imagens mentais das relações percebidas na experiência da música no ato imaginativo da escuta.
Riemann assim passa a afirmar que uma teoria baseada na investigação dos elementos sonoros
da música, enquanto entidades autônomas—eventos sonoros “no mundo”—, em vez de se apoiar
no exame dos eventos musicais tais como imaginados pelo ouvinte, inevitavelmente fracassaria.
A obra final de Riemann anunciava, pois, de modo original e precursor sua descrença na
acústica e na fisiologia como referenciais para uma teoria da essência da música, assim como
qualquer abordagem analítica que partisse da observação da música como mero conjunto de
entidades sonoras autônomas a serem compreendidas pelo observador. Pretendo advertir que
somente nas últimas três décadas o novo programa vislumbrado por Riemann passou a se
tornar realidade em nossas escolas de formação acadêmica em música, não como nova área de
conhecimento musical, mas como novo método de investigação para todas as subáreas da
musicologia.
Anais

MAIO 29 | May 29
SESSÃO L1
Comunicações Orais | Oral Presentations
21

SALA 1, 14h
Coordenadora da sessão | Session Chair:: Regina Antunes T. dos Santos

14:00
Estudos quantitativos na área da cognição musical:
Uma abordagem psicométrica
Nayana Di Giuseppe Germano, Hugo Cogo-Moreira, Graziela Bortz

14:30
Leitura à primeira vista no piano em grupo:
Avaliação cognitiva por meio de uma escala psicométrica
Sérgio Inácio Torres, Graziela Bortz

15:00
Um panorama dos estudos de significação musical
nos anais do SIMCAM
Tailine Rocha Reginato, Rael Bertarelli Gimenes Toffolo
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Estudos quantitativos na área da cognição


22 musical: uma abordagem psicométrica
Nayana Di Giuseppe Germano,1 Hugo Cogo-Moreira2 e
Graziela Bortz1
1
Departamento de Música, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil
2
Departamento de Psiquiatria, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP),
Brasil
3
Departamento de Música, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Brasil
1
nayana.germano@ufsm.br, ²hugocogobr@gmail.com, 3grazielabortz@gmail.com

Resumo
Trabalhos dedicados ao estudo de fenômenos musicais cognitivos vêm crescendo nas últimas
décadas e, juntamente com esse aumento, pesquisas que se utilizam de métodos experimentais para
extrair resultados de um certo grupo de sujeitos foram igualmente expandidas. Os métodos
utilizados para a avaliação de trabalhos experimentais quantitativos são diversos, sendo muitas
vezes escolhidos sem o devido cuidado em atender o objetivo central da questão preconizada.
Neste sentido, a escolha de um método errôneo para avaliar determinado experimento pode gerar
resultados espúrios, o que pode invalidar a pesquisa por completo. O objetivo central desse
trabalho é delinear apontamentos sobre como a Psicometria pode ser utilizada em trabalhos
musicais que buscam estudar aspectos cognitivos e, principalmente, introduzir essa área do saber,
que é utilizada vastamente nas áreas biológicas, para a pesquisa em música, fornecendo uma visão
geral de suas aplicabilidades. Abordaremos brevemente o Modelo de Equação Estrutural (MEE) e
a Teoria de Resposta ao Item (TRI) como ponto de partida para explicações fundamentais. Será
também enfatizada a importância da validação de constructo nesse tipo de abordagem,
especialmente em trabalhos quantitativos. Acreditamos que uma visão interdisciplinar dessa rica
possibilidade possa auxiliar diversos pesquisadores da área da Cognição Musical a realizar trabalhos
quantitativos de uma maneira mais sólida, além de dispor de diversos recursos que, normalmente,
fogem do conhecimento geral do músico.
Palavras-chave: Psicometria, Teoria de Resposta ao Item, Modelo de Equação Estrutural,
Validade de Constructo, Cognição Musical.

Abstract
There has been an increase in the number of academic papers dedicated to the study of musical
cognitive phenomena over the last decades, many of which adopted an experimental
methodology in order to extract results from a certain subject group. The methods used for the
evaluation of results in quantitative experimental researches are multiple, and in many cases this
method is chosen without proper care regarding the central objective of the research. The choice
of an inadequate method to evaluate a research experiment may generate spurious results,
invalidating all conducted research. The main objective in this paper is to present information on
how Psychometrics can be used in musical research projects that aim do study cognitive aspects,
and also introduce this area, which is largely adopted in biological areas, to the musical research
in general, providing a perspective of its applicability. We will discuss briefly Structural Equation
Modeling (SEM) and Item Response Theory (IRT) as a starting point for basic explanations. We
will also emphasize the importance of construct validity in this type of approach, especially on
quantitative research. We believe that an interdisciplinary perspective of these tools may help
researchers dedicated to the study of Musical Cognition to conduct quantitative research projects
on scientifically solid grounds, providing them resources normally unknown to musicians in
general.
Keywords: Psychometrics, Item Response Theory, Structural Equation Modeling, Construct
Validity, Musical Cognition

INTRODUÇÃO
Trabalhos dedicados ao estudo de fenômenos musicais cognitivos, tais
como características da memória musical, o ensino da percepção musical,
o desenvolvimento do Ouvido Relativo (OR) e o estudo do Ouvido
Anais

Absoluto (OA) vêm crescendo nas últimas décadas e, juntamente com


esse aumento, trabalhos que se utilizam de métodos experimentais para
extrair resultados de um certo grupo de sujeitos foram igualmente 23
expandidos. Os métodos utilizados para a avaliação de trabalhos experi-
mentais quantitativos são diversos, sendo muitas vezes escolhidos sem o
devido cuidado a atender o objetivo central da questão preconizada. Neste
sentido, a escolha de um método errôneo para avaliar determinado
experimento pode gerar resultados espúrios, chegando até a invalidar a
pesquisa por completo.
Há uma questão central que norteia qualquer pesquisa que possui
como objetivo medir ou avaliar determinada habilidade cognitiva: este
tipo de habilidade é definida como fenômeno latente, que não pode ser
observado diretamente, isto é, não é possível medi-la em centímetros,
com uma fita métrica, ou em gramas, utilizando uma balança. A avaliação
de fenômenos latentes possui uma maneira diferenciada de medição,
normalmente através do uso da Psicometria, que será o tema desse
trabalho.
A Psicometria é uma ciência que estuda fenômenos psicológicos, ou seja,
fenômenos não mensuráveis diretamente, de cunho predominantemente
comportamental que se utiliza largamente da estatística para demonstrar
seus resultados. Há uma série de fatores envolvidos no uso da Psicometria
que podem enriquecer pesquisas na área da Cognição Musical, propor-
cionando resultados mais consistentes e confiáveis do ponto de vista da
validade de constructo. De uma maneira resumida, a proposta central
dessas pesquisas é, primeiramente, a criação de um modelo do fenômeno
a ser estudado, que é feito através de revisão bibliográfica minuciosa sobre
a latência proposta, a fim de conhecer as principais características do
fenômeno. Posterior a isso, estabelece-se os “sintomas” principais daquela
habilidade, isto é, criam-se os itens que serão testados. Estes itens precisam
ser observáveis e passíveis de medição direta, pois, dessa forma, avaliam-se
os itens (sintomas) e, através desses resultados, calcula-se diversas caracte-
rísticas da latência. É importante observar que, a princípio, todos os
modelos estão “errados”, justamente por serem modelos. Considera-se um
bom modelo aquele que melhor se aproxima da realidade.
As ciências biológicas, médicas e, em especial, a área da Psicologia, se
confrontam com o desafio de medir fenômenos latentes há muitas
décadas, uma vez que possuem o comprometimento de diagnosticar paci-
entes como portadores de certas doenças psicológicas, tais como depress-
ão, demência ou esquizofrenia, distúrbios estes que não podem ser
observados diretamente. Para tal, é comum o uso da Psicometria, pois ela
mede os sintomas de forma a dar indícios para que haja uma padronização
de resultados que categorize o indivíduo como portador ou não de certo
distúrbio e, juntamente com essa avaliação, mede-se também a quanti-
dade de traço latente que ele possui.
Se pensarmos em habilidades musicais cognitivas, percebemos que elas
se enquadram em fenômenos que não podem ser medidos diretamente,
isto é, fenômenos latentes. Há alguns poucos trabalhos que se utilizam da
Psicometria para avaliar habilidades cognitivas musicais (por exemplo,
Germano et al., 2016 e 2018; Bortz et al., 2018; Cogo-Moreira et al., 2012
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

e 2013). No entanto, a maior parte das pesquisas que têm como objetivo
avaliar, por meio de testes, habilidades musicais cognitivas, ainda utilizam
24 outros tipos de ferramentas estatísticas, o que pode ser um problema se
pensarmos nas seguintes questões:
1) Como saber se o teste proposto está, de fato, medindo a habilidade
latente de forma satisfatória?
2) Como dividir populações de indivíduos como portadores ou não
de determinada habilidade sem um teste estabelecido, validado e com
valores de referência consensuais entre os autores?
Tomemos como exemplo ilustrativo trabalhos que avaliam Ouvido
Absoluto (OA) na população de músicos por meio de testes de reconhe-
cimento de alturas isoladas sem referência. Em geral, tais testes atribuem
certa pontuação para acertos totais ou parciais e fazem soma simples de
escores, gerando potenciais problemas na avaliação da habilidade: Como
saber onde se encontra a linha tênue (ou nota de corte) que divide, de
maneira adequada, sujeitos portadores de OA de sujeitos não portadores?
Como saber se esse teste está, com certeza, medindo a habilidade do OA
e não qualquer outra habilidade perceptiva musical?
Se pensarmos de maneira pragmática, a soma simples de escores em
testes (comumente utilizado pela comunidade científica) pode ser
totalmente arbitrária quando se trata de habilidades não observáveis, uma
vez que existem diversos parâmetros que devem ser considerados, como
a dificuldade de cada item, por exemplo.
Com tudo isso em mente, o objetivo desse trabalho é delinear aponta-
mentos de como a Psicometria pode ser utilizada em trabalhos musicais que
buscam estudar aspectos cognitivos utilizando o procedimento de coleta e
avaliação de dados, seja por testes ou questionários. Abordaremos breve-
mente o Modelo de Equação Estrutural (MEE) e a Teoria de Resposta ao
Item (TRI) como ponto de partida para explicações fundamentais e,
principalmente, descreveremos a importância da validação de constructo
nesse tipo de abordagem, em especial, em trabalhos quantitativos.

CONSTRUÇÃO DE TESTES AVALIATIVOS

De acordo com Urbina (2007), trabalhar com testes ou avalições de


qualquer natureza (seja questionário, inventário, baterias ou escalas) é
uma escolha que deve ser feita de forma consciente. É preciso ter em
mente que a ferramenta em si deve possuir uma série de atributos
(validades) que evidencie o quão bem essa mensuração pretende avaliar.
Para além do instrumento, deve-se ter necessidades de pesquisa muito
claras, pois, caso a fundamentação teórica para o uso dos testes e a
aplicação esperada de seus resultados não estejam explícitas desde o início,
os escores provavelmente não serão muito úteis, ou, ainda, tenderão a ser
mal-usados. Um exemplo dessa deficiência seria desenvolver um teste
para medir a habilidade rítmica em certa população, mas não pesquisar de
forma satisfatória o que é a habilidade, como ela se manifesta e se já existe
uma escala que mede habilidades rítmicas de maneira satisfatória.
Além disso, se as informações buscadas já estão disponíveis em outras
fontes ou podem ser obtidas por outros meios, a testagem provavelmente
será supérflua, a menos que seu objetivo seja confirmar o que já se sabe ou
Anais

obter corroboração adicional (Urbina, 2007). Independentemente dos


propósitos em escolher utilizar-se da testagem psicológica, o primeiro
ponto a ser decidido é se a testagem é, deveras, necessária. Visando essa 25
questão, Goldman (1971), propôs que o pesquisador faça para si mesmo
as seguintes perguntas antes de realizar qualquer teste:
1) Que tipo de informações eu pretendo obter com a testagem?
2) Como estas informações serão usadas?
3) Quais destas informações já estão disponíveis em outras fontes?
4) Que outras ferramentas podem ser usadas para obter as informações
que eu busco?
5) Quais as vantagens de se usar testes em lugar de, ou juntamente
com, outras fontes de informação?
6) Quais as desvantagens ou os custos, em termos de tempo, esforço e
dinheiro, de usar testes em vez de, ou juntamente com, outras fontes de
informação?
Os testes só devem ser realizados caso o pesquisador considere, de forma
consciente, que a testagem proposta é realmente necessária, que trará ricas
contribuições para as pesquisas sobre o assunto e que é possível realizá-la
em termos de disponibilidade de verba e tempo. Após a decisão de que a
testagem é necessária e factível, o pesquisador deve levantar bibliografia
sobre o assunto a fim de elaborar um teste consistente com o que se
pretende pesquisar, além de decidir quais serão as formas de tabulação de
dados e análise dos resultados antes mesmo de planejar qualquer estímulo
do teste, pois, dessa forma, evita-se transtornos futuros com possíveis dados
inconsistentes com o tipo de análise a ser realizado.
Há diversos programas computacionais que avaliam dados segundo a
Psicometria. Tais programas podem ser utilizados por pesquisadores
interessados em realizar trabalhos dessa natureza. Pasquali (2013) sugere
em seu livro (Apendice C, página 322) variados programas e descreve
cada um brevemente, um catálogo muito útil para pesquisadores. O
software mais avançado e utilizado por diversos psicometristas na atuali-
dade é o Mplus (2017) que, apesar de não constar na lista de Pasquali, é
um programa sofisticado e de última linha que está tomando espaço pela
sua qualidade e pela oferta de diversas ferramentas analíticas.

MODELAGEM DE EQUAÇÃO ESTRUTURAL


A modelagem de equação estrutural (MEE) inclui um conjunto
diversificado de modelos matemáticos, algoritmos computacionais e
métodos estatísticos que ajustam conjuntos de relações de constructos aos
dados (Kaplan, 2004). Para representar os componentes dessa modelagem,
há um padrão de figuras que nos ajudam a construir e entender o modelo.
É importante observar que devemos ter claro aquilo que pretendemos
pesquisar e medir, elaborar um modelo e, só depois disso, realizar a
pesquisa. Esse modelo é representado da seguinte forma:
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

26

Figura 1. Diagrama Representativo dos componentes do


Structural Equation Modeling (SEM). Retirado de Germano (2018).

No diagrama, os fenômenos observáveis (ou itens), são representados por


retângulos ou quadrados; os fenômenos latentes, aqueles que não podem ser
diretamente mensurados, são representados por círculos ou ovais; as flechas
sempre apontam da causa para o efeito; flechas com pontas duplas repre-
sentam correlação entre as latências ou entre os itens; círculos menores
ligados aos quadrados são chamados resíduos e indicam que todo item
observável possui também uma latência dentro dele.
Dessa forma, podemos expor, como exemplo, um modelo teórico
construído para avaliar a habilidade do reconhecimento de alturas isoladas
sem referência, utilizado em uma pesquisa recente em Germano et al. (2018):

Figura 2. Modelo Teórico Hipotético do


Reconhecimento de Alturas Isoladas sem referência (Retirado de Germano et al., 2018).
Anais

No exemplo da figura 2, o fenômeno não observável é representado por


um círculo, indicando que esta habilidade não pode ser medida diretamente.
Os itens (representados por quadrados) constituíram o teste de reconhe- 27
cimento auditivo, em que, através dele, foi possível medir a latência proposta.
Não esqueçamos de notar que as flechas indicam o movimento da causa para
o efeito: o fenômeno latente é o responsável por causar o acerto ou o erro de
cada item, não o contrário, isto é, a quantidade de traço latente que cada
sujeito possui determinará o desempenho em sua avaliação.
O presente teste foi um estudo quantitativo, com 783 voluntários, em que
o modelo proposto foi avaliado a partir de diversas ferramentas picométricas,
dentre elas a TRI (que atribuiu dificuldade e discriminação para cada um dos
itens) e também a Análise de Classe Latente (que avalia em quantos grupos
essa população melhor se divide). Resultados extremamente relevantes e que
questionam toda a teoria do OA foram encontrados, como, por exemplo, o
fato de tal habilidade ser melhor concebida sem uma divisão clara de grupos
e os itens terem diferentes graus de dificuldade (o que questiona a bibliografia
que utiliza soma simples de escores em testes da mesma natureza, atribuindo
a mesma pontuação para todos os estímulos corretos). Maiores detalhes
podem ser encontrados no artigo original (Germano et al., 2018).
A partir de análises psicométricas, podemos dizer se o teste é ou não
passível de validação, isto é, analisamos diversas propriedades, em especial a
discriminação (também chamada carga fatorial) de cada item. Se os itens
estão bem discriminados, significa que eles estão medindo bem o fenômeno
proposto e, portanto, o teste funciona para avaliar o fenômeno latente em
questão.

TEORIA CLÁSSICA DOS TESTES VERSUS


TEORIA DE RESPOSTA AO ITEM

De acordo com Pasquali (2013), a Psicometria tem basicamente dois enfoques:


o clássico e o moderno. O enfoque clássico é baseado na Teoria Clássica dos
Testes (TCT), já o enfoque moderno é largamente baseado na Teoria de
Resposta ao Item (TRI). Ambos os enfoques são bastante distintos entre si, mas
não totalmente incompatíveis. A TRI, também conhecida como Teoria do
Traço Latente, tem complementado, e às vezes substituído, de forma eficaz os
métodos tradicionais de construção e delineamento de testes. A TCT, por outro
lado, não possui enfoque no traço latente, mas sim no comportamento,
baseando-se em um teste que mede um conjunto de comportamentos:
A TCT se preocupa em explicar o resultado final total, isto é, a soma
das respostas dadas a uma série de itens, expressa no chamado escore
total (T). Por exemplo, o T em um teste de 30 itens de aptidão seria
a soma dos itens corretamente acertados. Se você dá 1 para um item
acertado e 0 para um errado, e o sujeito acertou 20 itens e errou 10,
seu escore T seria de 20. A TCT, então, se pergunta o que significa
este 20 para o sujeito? A TRI, por outro lado, não está interessada no
escore total em um teste; ela se interessa especificamente por cada um
dos 30 itens e quer saber qual é a probabilidade e quais são os fatores
que afetam esta probabilidade de cada item individualmente ser
acertado ou errado (em testes de aptidão) ou de ser aceito ou rejeitado
(em testes de preferência: personalidade, interesses, atitudes)
(Pasquali, 2013, p. 67).
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Fica claro que a TRI está focada em produzir tarefas (itens), enquanto a
28 TCT está focada em produzir testes. Com os itens produzidos pela TRI,
pode-se construir quantos testes válidos quiser e, tais itens, avaliam traços
latentes.
Os psicólogos acreditam que qualquer comportamento humano é sempre
multideterminado, ou seja, mais do que um único traço latente entraria em
execução em qualquer tarefa. Utilizar-se da TRI unidimensional, ou seja, com
um único traço latente a ser testado, é assumir que existe uma aptidão
dominante referente ao conjunto de itens, fator esse que é o alvo de medição
do teste. É importante que o pesquisador esteja consciente do problema da
multideterminação do comportamento humano e que soluções multidimensionais
parecem ser mais condizentes com a realidade. Mesmo assim, a solução
unidimensional que a TRI traz é considerada bastante robusta, isto é, os desvios de
traços latentes secundários, além do traço dominante, produzidos na interpretação
dos escores de um teste são suficientemente pequenos para poderem ser
negligenciados (Junker & Stout, 1994; McDonald, 1994; Gessaroli, 1994, Apud
Pasquali, 2013).
Na TRI, os modelos se baseiam na premissa de que o desempenho de
uma pessoa em qualquer item de teste é uma função de um ou mais
traços ou habilidades e pode ser predito por eles. Os modelos buscam
especificar as relações esperadas entre as respostas (observáveis) dos
examinandos aos itens e aos traços (não-observáveis) que as
governam. Como acarretam predições, os modelos da TRI podem
ser avaliados (isto é, confirmados ou rejeitados) dependendo de como
se ajustam aos dados derivados das respostas aos itens do teste
(Urbina, 2007, p. 241).

Os dois parâmetros básicos que norteiam a TRI são a discriminação e a


dificuldade do item. A dificuldade do item, como o nome já diz, é o quão
fácil ou difícil aquele item é perante a latência testada. De acordo com Baker
(2001), a dificuldade de um item descreve onde está a função do item ao
longo de uma escala de habilidades, por exemplo, um item fácil funciona
entre os examinandos de baixa habilidade e um item difícil funciona entre os
examinandos de alta habilidade. A discriminação de um item descreve o quão
bem um item pode diferenciar examinandos que possuem habilidade abaixo
do nível do item daqueles examinandos que possuem habilidade acima desse
nível. Os itens criados são baseados em respostas que envolvam múltipla
escolha, sendo que quanto maior o número de alternativas erradas, chamadas
de distratores, maior será a influência na dificuldade do item, pois a
probabilidade de adivinhar a resposta correta é mais alta quando o número de
opções é menor. De acordo com Urbina (2007), um item de múltipla escolha
ideal é aquele que:
1) A alternativa correta é óbvia para o testando que conhece a resposta;
2) Os distratores parecem igualmente plausíveis para aqueles que não
conhecem a resposta.
Itens assim são difíceis de construir. Quando parecem obviamente errados,
geralmente são mal formulados ou são muito mais longos ou curtos do que a
alternativa correta. Os distratores costumam fornecer pistas que examinandos
espertos podem usar para eliminar alternativas e selecionar a resposta correta,
mesmo sem conhecê-la realmente.
Anais

APONTAMENTOS FINAIS 29
Este trabalho teve como objetivo central discorrer sobre a possibilidade
da utilização da Psicometria para a avaliação de trabalhos quantitativos
que buscam medir determinada habilidade cognitiva musical.
Acreditamos que uma visão interdisciplinar dessa rica possibilidade possa
auxiliar diversos pesquisadores da área da Cognição Musical a realizar
trabalhos quantitativos de uma maneira mais sólida, além de dispor de
diversos recursos que, normalmente, fogem do conhecimento geral do
músico.
É muito importante observarmos que a discussão geral gira em torno
de avaliar o teste e não o sujeito, pois, se não temos confiança no teste, não
podemos tirar conclusões confiáveis das características da habilidade
proposta. Por essa razão, acreditamos que é essencial termos testes
passíveis de validação para, só então, avaliarmos o sujeito no que tange à
habilidade em questão. Para exemplificar o quanto isso é importante,
basta pensarmos em uma pesquisa que avaliará o resultado de certa dieta
em uma população de obesos. Para isso, é necessário que a balança seja
confiável, pois, só assim, pode-se avaliar minimamente os resultados.
Imaginemos que cada pesquisador construa sua própria balança, utili-
zando seus próprios parâmetros e não realize um teste para averiguar se a
balança está, de fato, medindo o peso da população de forma satisfatória.
Tal cenário geraria resultados falsos e muito diferentes entre os
pesquisadores. Em trabalhos de cognição musical que se utilizam de testes,
é necessário possuir o mesmo raciocínio, caso contrário, é relativamente
fácil confiar em resultados que podem ser, a priori, espúrios.
As ferramentas psicométricas descritas neste artigo são apenas uma
exemplificação das inúmeras possibilidades de medição que a Psicometria
possui, e é necessário um estudo aprofundado para decidir qual ferramenta
melhor se enquadra para medir o que a pesquisa se propõe. Dessa forma,
esperamos que o artigo tenha sido útil para um primeiro contato com a
ferramenta e para a exposição desse viés de pesquisa.

Referências
Baker, F. B. (2001). The basics of item response theory. For full text: http://ericae.
net/irt/baker.
Bortz, G., Germano, N. G., & Cogo-Moreira, H. (2018). (Dis) agreement on sight-
singing assessment of undergraduate musicians. Frontiers in psychology, 9.
Cogo-Moreira, H., Andriolo, R. B., Yazigi, L., Ploubidis, G. B., Brandao de Avila, C.
R., & Mari, J. J. (2012). Music education for improving reading skills in children
and adolescents with dyslexia. Cochrane Database Syst Rev, 8(8), CD009133.
Cogo-Moreira, H., de Avila, C. R. B., Ploubidis, G. B., & de Jesus Mari, J. (2013).
Effectiveness of music education for the improvement of reading skills and
academic achievement in young poor readers: a pragmatic cluster-randomized,
controlled clinical trial. PloS one, 8(3), e59984.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Junker, B. (1994). Robustness of ability estimation when multiple traits are present
with one trait dominant. Modern theories of measurement: Problems and issues, 31-61.
30 Kaplan, D. (2008). Structural equation modeling: Foundations and extensions (Vol. 10).
Sage Publications.
Germano, N. G., Cogo-Moreira, H. & Bortz, G. (2016). Psychometric Features to
Assess Absolute Pitch: Looking for Construct Validity Evidences Regarding
Isolated Pitch Tasks in Undergraduate Brazilian Music Students. International
Conference on Music Perception and Cognition 15, ISBN: 978-3-200-05771-5. Graz,
Austria, 164-167.
Germano, N. G. (2018). Ouvido Absoluto e Ouvido Relativo: Um Estudo
Psicométrico dos Traços Latentes. (PhD’s Theses). Instituto de Artes da UNESP,
São Paulo, Brazil.
Germano, N. G., Cogo-Moreira, H. & Bortz, G. (2018). Absolute Pitch: In Search of a
Testable Model. International Conference on Music Perception and Cognition 14, ISBN:
1-876346-65-5. San Francisco, USA, 710-713.
Gessaroli, M. E. (1994). The assessment of dimensionality via local and essential
independence: a comparison in theory and practice. Modern theories of measurement:
problems and issues. Ottawa, Canada: Faculty of Education, University of Ottawa, 93-
104.
Goldman, L. (1971). Using tests in counseling. New York: Appleton-Century-Crofts.
McDonald, R. P. (1994). Testing for approximate dimensionality. Modern theories of
measurement: Problems and issues, 31-61.
Mplus (2017). (version 8) [Software Computer]. USA: Muthen & Muthen.
Pasquali, L. (2013). Psicometria: teoria dos testes na psicologia e na educação. Editora Vozes
Limitada. 5 edição.
Urbina, S. (2007). Fundamentos da testagem psicológica. Artmed Editora.
Anais

Leitura à primeira vista no piano em grupo:


avaliação cognitiva por meio de uma escala 31
psicométrica
Sérgio Inácio Torres,1 Graziela Bortz2
1,
Instituto de Artes, UNESP, Brasil
2
Instituto de Artes, UNESP, Brasil
1
pianista@oi.com.br, 2g_bortz@hotmail.com

Resumo
O piano em grupo no Brasil teve um crescimento expressivo nos cursos de licenciatura em música
na última década, porém, sua consolidação não se deu como nos Estados Unidos, pela falta de
formação dos professores e infraestrutura (Machado, 2016; Santos, 2013). Justifica-se a
investigação devido a esse aumento de demanda nas universidades, acrescido da falta de
profissionais qualificados. Nesta pesquisa empregaremos referenciais da Cognição Musical (Ilari,
2009) e de Estilos Intelectuais (Sternberg, Wagner & Zhang, 2007) para refletir, explicar e
contribuir com o desenvolvimento dessa práxis. Para tanto, será empregado o Inventário de Estilos
de Pensamento-Revisado e a partir dessa escala será desenvolvido um novo instrumento, com o
qual, caso validado, pretende responder à seguinte pergunta: - É possível mensurar objetivamente,
pelo viés cognitivo, a leitura à primeira vista de estudantes de piano em grupo? O objetivo é
compreender cognitivamente a avaliação da leitura à primeira vista no piano em grupo. Esta é uma
pesquisa quantitativa com licenciandos em música de universidades paranaenses. Por meio do teste
“Inventário de Estilos de Pensamento-Revisado II/TSI-R2” serão elencado os padrões cognitivos
de processamento dos discentes e suas preferências intelectuais. Após a análise e tratamento dos
elementos, teremos um panorama de como os estudantes se comportam cognitivamente. Isso
fornecerá suporte para elaboração e posterior validação de uma escala psicométrica para avalição
da Leitura à primeira Vista no Piano em Grupo.
Palavras-chave: cognição musical, piano em grupo, avaliação musical, leitura à primeira vista,
psicometria.

Abstract
The Brazillian group piano practices has a significant growth in undergraduate music courses in
the last decade, but its consolidation did not happens as in the United States, due to the lack of
teacher training and infrastructure (Machado, 2016 and Santos, 2013). This research is justified
because of this increased demand at universities, coupled with the lack of skilled professionals. On
this paper, we will use references by Musical Cognition (Ilari, 2009) to reflect, explain and
contribute to the development of this praxis. In order to do so, the Thinking-Revised Styles
Inventory (Sternberg, Wagner & Zhang, 2007) will use this scale to create new instrument,
which, if validated, intends to answer the following question: - Is it possible to measure
objectively, by the cognitive bias, the sight Reading of group piano students? The general
objective is to understand cognitively the reading assessment at sight-reading in the group piano,
with specific objectives: a) To raise the strategies used pre-reading at sight-reading; b) Identify
the "Intellectual Styles" of the students; c) Investigate through the Intellectual Styles subsidies for
the creation of a specific psychometric evaluation scale. This is a quantitative research with at least
approximately 400 students, graduating in music education from universities in Paraná. Through
the "Inventory of Thought-Revised Styles II / TSI-R2" test, the students' cognitive processing
patterns and their intellectual preferences will be listed. After the analysis and treatment of the
elements, we will have an overview of how students behave cognitively. This will provide support
for the elaboration and subsequent validation of a psychometric scale for evaluation of Reading at
first sight in Group Piano.
Keywords: musical cognition, group piano, musical evaluation, sight-reading, psicometric.

INTRODUÇÃO
A prática do ensino de piano em grupo no Brasil tem apresentado um
crescimento expressivo nos últimos anos, principalmente no ensino
superior (Reinoso, 2012), nos cursos de licenciatura em música. De
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

acordo com Gonçalves (2007) e Montandon (2007), a partir de 1970,


abriu-se a possibilidade para essa nova modalidade de ensino no Brasil –
32 que logo foi difundida para várias regiões do país. Porém, sua
consolidação não se deu como nos Estados Unidos pela falta de formação
dos professores e infraestrutura (Montandon, 1992). Esses fatores, contri-
buíram para o não fortalecimento do ensino de Piano em Grupo no país
(Machado, 2016; Santos, 2013; Reinoso, 2012). O aumento da demanda
nas universidades, acrescido da falta de profissionais qualificados, mostra
a importância de se ampliar as pesquisas nessa área, a fim de avançar nas
reflexões teóricas bem como suas aplicações práticas. Frequentemente,
muitos licenciandos que cumprem a disciplina de Piano em Grupo, não
têm o piano como instrumento principal, mas o utilizam como ferra-
menta de trabalho ou estudos relacionados à sua graduação (Corvisier,
2008; Montandon, 2009, 2007; Gonçalves, 2007).
Diante desse contexto complexo: universidades sem laboratórios de
piano em grupo, professores sem treinamento para o ensino coletivo e a
falta de metodologias para a realidade brasileira, é necessária para a
pesquisa nesta área, a interface com outros campos do conhecimento
musical como a Cognição Musical, que se configura relevante para
refletir, explicar e contribuir com essa práxis. O processo de desenvol-
vimento cognitivo discente é parte integrante do aprendizado musical,
que no ensino de piano em grupo, permeia o desenvolvimento sensório
motor, o uso de estratégias para leitura musical e demais competências.
Segundo Ilari, (2009, p. 29) “a cognição musical vem sendo definida
como uma área de natureza interdisciplinar que tem por objetivos
compreender os processos mentais que sustentam uma vasta gama de
comportamentos musicais como a performance e a criação, entre outros”.
Corroborando esse pensamento, Gruhn e Rauscher (2006) argumenta
que a Cognição pode ser vista como resultado de um processo de repre-
sentações mentais que são ativadas por estímulos. Nessa pesquisa, o
escopo tem o seu recorte voltado para a avaliação da leitura à primeira
vista por meio do viés cognitivo.
“A leitura à primeira vista é uma habilidade necessária para todos os
alunos em programas de graduação e pós-graduação; para atividades
como acompanhamento ao piano, música de câmara e outras práticas de
conjunto (Bortz, Germano & Cogo-Moreira, 2018 p. 1)”. No ensino de
piano em grupo nas universidades, a maior parte dos métodos utilizados
tem esta habilidade trabalhada progressivamente. O professor propõe
estratégias para que os alunos executem trechos musicais à primeira vista
com maior assertividade. De acordo com Lehmann e Macarthur (2002, p.
135) “A percepção (decodificação de padrões), a cinestesia (execução de
programas motores), a memória (reconhecimento de padrões), e a
habilidade para resolução de problemas (improvisação e suposições) são,
portanto, capacidades englobadas pela leitura à primeira vista”.
Posto que a leitura à primeira vista faz parte da prática pianística e do
ensino coletivo nas graduações em música, a avaliação dos alunos em
leitura musical configura-se um campo de estudo importante. A avaliação
em Música é um dos temas mais discutidos na atualidade devido as suas
vertentes. De um lado estão aqueles que rejeitam as mensurações, testes
Anais

de avaliação, alegando que são excludentes e renegam a subjetividade da


prática musical. Por outro prisma, as avaliações aplicadas por meio de
testes padronizados foram amplamente difundidas desde a década de 1960 33
até os dias de hoje, consolidada principalmente nos Estados Unidos
(Menezes, 2010). Essa pesquisa tratará a avaliação da leitura à primeira
vista no piano em grupo objetivamente. Para fortalecer esse fio condutor,
Costa e Barbosa, (2015, p. 135) sustentam que:
A ausência de critérios objetivos pode tornar a avaliação do fazer
musical numa tarefa demasiado subjetiva ou até arbitrária com
evidentes prejuízos para o processo de ensino-aprendizagem. Esta
subjetividade, mais presente no reconhecimento das qualidades
musicais do que na definição das mesmas, faz com que os
julgamentos daqueles que avaliam a performance musical dos
alunos sejam muitas vezes inconsistentes.

Nessa busca de compreensão, podemos elencar a pesquisa sobre a


avaliação da leitura à primeira vista, no piano em grupo, de forma objetiva
pelo viés cognitivo uma contribuição pertinente e para a área da música
tem sua originalidade no Brasil, sabendo que por meio dos processos
avaliatórios pode-se: avaliar o progresso do aluno; motivá-lo; ajudar a
melhorar as estratégias dos professores; coletar dados para uso em
pesquisas, gerando conhecimento para orientar outras situações de
avaliação baseadas em sistemas semelhantes (Hentschke & Souza 2003).
Para tanto, será empregado o Inventário de Estilos de Pensamento-
Revisado (Sternberg, Wagner & Zhang, 2007) e a partir dessa escala será
desenvolvido um novo instrumento.
O Inventário de Estilos de Pensamento-Revisado é um teste que, quando
adotado, mostra os “estilos intelectuais” do aluno. Esse termo, “estilos
intelectuais” foi proposto por Zhang e Sternberg em 2005 para se referir às
particularidades cognitivas e intelectuais que os estudantes empregam no
processo das informações. Essa escala pré-existente será aplicada para estudar
os processos cognitivos que ocorrem nas fases anteriores a execução da
leitura à primeira vista dos graduandos em licenciatura em música no piano
em grupo: estudo individual, participação nas aulas e as estratégias que
utilizadas antes de executar a leitura musical. A partir dos resultados e
análises deste teste será desenvolvida e testada uma nova escala (um novo
instrumento), específico para leitura à primeira vista no ensino de piano em
grupo, que, após validação pretende responder a seguinte pergunta:- É
possível mensurar objetivamente pelo viés cognitivo, a leitura à primeira
vista de estudantes de piano em grupo?

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Estilos Intelectuais
O termo estilo intelectual foi proposto por Zhang e Sternberg em
2005, para se referir às particularidades cognitivas e habituais com que os
estudantes processam as informações (Oliveira, Trassi & Santos, 2017).
Para compreender melhor as estratégias de aprendizagem usadas pelos
discentes, é importante observar o estilo intelectual dos estudantes.
Assimilar as diferenças entre as habilidades e os estilos intelectuais,
tornado possível encontrar explicações para situações de fracasso e a
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

possibilidade de realizar novas intervenções nessas situações (Oliveira,


Trassi & Santos, 2017).
34
Os estilos intelectuais podem ser considerados como os diferentes
padrões de processamento, preferidos pelos estudantes, para empregar no
decorrer do preparo da informação na aprendizagem. Cada pessoa tem um
modo específico de organização cognitiva para receber e processar as
informações novas e construir conhecimento (Messick, 1984; Sisto, Santos
e Martins, 2003; Zhang & Cheng, 2014). Este conceito foi formulado por
Zhang e Sternberg (2005) dentro da perspectiva da teoria do Autogoverno
Mental. Esta teoria não busca identificar e classificar individualmente o
estilo intelectual de cada estudante, e sim visa classificar os modelos
individuais de estilo em dimensões e também em tipos que contemplam
características específicas (Oliveira, Trassi & Santos, 2017; Inácio, 2016;
Zhang & Cheng, 2014; Zhang, 2012; Zhang & Sternberg, 2005). Diversas
particularidades que envolvem as pessoas influenciam em seus estilos
intelectuais, pois estes são compostos por segmentos distintos - o
fisiológico, o psicológico e o sociológico. As pessoas costumam ter acesso
às práticas mais difundidas em seu meio social, isso também ocorre quando
se trata da aprendizagem (Zhang & Sternberg, 2005). Considera-se
também que não existe estilo intelectual “bom” ou “ruim”, mas tem se
destacado o fato de que alguns estilos acabam sendo mais eficazes, quando
são comparados a outros, em determinados contextos de estudos (Zhang &
Cheng, 2014; Zhang, 2015; Oliveira, Trassi & Santos, 2017).
Objetivos
O objetivo geral é compreender cognitivamente a avaliação da leitura
à primeira vista no piano em grupo, tendo como objetivos específicos: a)
Levantar as estratégias empregadas pré-leitura à primeira vista; b)
Identificar os “Estilos Intelectuais ”que norteiam esses estudantes; c)
Investigar por meio da aplicação do Inventário de Estilos de Pensamento-
Revisado subsídios para a criação de uma escala psicométrica específica
como novo instrumento.
Justificativa
A pesquisa no âmbito da prática do piano em grupo nas licenciaturas em
música oferece suporte para a disciplina nas universidades brasileiras, frente
à crescente demanda de alunos. Para isso, necessita de novas ferramentas.
Os fatores otimizadores são: a potencialização de espaço físico; a ampliação
do número de vagas para os alunos e a possibilidade do desenvolvimento
musical e cognitivo, por meio de uma prática coletiva (Goreti, 2016;
Rocha, 2016). Além da socialização e melhora do aprendizado conforme
argumenta Wristen (2006, p. 391)
Adultos que estudam piano em grupo têm muitas vantagens em
comparação com aqueles que têm com professor particular. Myers
(1990) relatou que as avaliações dos alunos com relação ao seu nível de
habilidade musical, melhoraram significativamente, como resultado
dos seus estudos em uma configuração baseada em habilidades de
classe. Os alunos mais adiantados servem para motivar o resto do
grupo. Os alunos principiantes são encorajados quando veem o
progresso daqueles. Há um entusiasmo que se constrói a partir de uma
Anais

classe na qual todos os participantes estão envolvidos. Os alunos estão


dispostos a ir além de suas zonas de conforto e tentar algo que todos os
outros membros do grupo irão fazê-lo com eles. Tocando em grupo
também é reforçado o senso de pulsação rítmica. 35
De acordo com pesquisas e os métodos de piano em grupo disponíveis,
entre as habilidades trabalhadas neste ensino temos: (1) usar o piano como
ferramenta em atividades envolvendo composição, (2) acompanhar peças
simples, (3) transpor músicas para outras tonalidades, (4) ler à primeira vista,
(5) improvisação, e (6) fazer redução de partituras de outros gêneros ao
piano bem como prática de conjunto. Ao recortarmos tais funcionalidades,
optou-se por destacar a leitura à primeira vista nas aulas de piano em grupo
por ser utilizada amplamente em classe e nas avaliações.
A respeito da leitura à primeira vista pode-se dizer que é um processo
neurofisiológico que depende de vários fatores,
tais como sua formação, ou seja, conhecimentos adquiridos em
teoria musical, harmonia e análise, habilidades desenvolvidas
na técnica do instrumento e a familiaridade com o repertório
que está lendo, além do estado físico-emocional em que se
encontra no momento da leitura – que pode influenciar em seu
raciocínio e sua concentração (Costa, 2011, p. 12)

Devido a todos esses componentes cognitivos que envolvem a


realização da leitura à primeira vista, a criação de um instrumento de
avaliação a partir de uma escala cognitiva já existente abre a possibilidade
de mensurar objetivamente uma prática musical posta. Nesta pesquisa, o
referencial teórico será delineado, principalmente, a partir dos autores da
Cognição Musical: Sloboda 2008, 2007, 2005; Ilari 2009, 2006; Estilos
Intelectuais: Oliveira, Trassi & Santos, 2017; Messick, 1987; Sisto, Santos &
Martins, 2003; Zhang & Cheng , 2014; Inácio, 2016; Zhang, 2012; Zhang
& Sternberg, 2005, e Leitura à primeira vista/performance: Hodges, 1992;
Leehman & McArthur, 2002; Marques, 2012; Young, 2010; Saxon, 2009;
Thompson & Lehmann, 2004; Lehmann & Ericsson, 1993; Pike, 2011, que
fornecem o arcabouço teórico.
Considera-se relevante o papel do professor em instrumentalizar as
estratégias de ensino, por meio do uso amplo e diversificado destas,
possibilitando ao estudante compreender e construir o conhecimento,
atendendo às especificidades dos alunos. Esta ação docente é significativa
e crucial a fim de que os educandos possam engajar-se na própria
aprendizagem. Para tanto, o professor organiza suas aulas (planejamentos,
estratégias de ação, objetivos específicos) além de opinar, trocar
informações e avaliar afim de buscar alternativas para resolver os desafios
da formação profissional (Moreira, 2015).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Pretende-se realizar a pesquisa com pelo menos 400 alunos – total de


discentes matriculados, nos cursos de Licenciatura em Música de
universidades públicas paranaenses por terem estilos diversificados da
prática de piano em grupo. Com uma amostra de 153 alunos, este número
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

é estimado a partir do fato de que nem todos os alunos matriculados em


Licenciatura em Música que participarão do levantamento estudam piano
36 em grupo.

Instrumento pré-existente

1) O Inventário de Estilos de Pensamento-Revisado II/TSI-R2 (Sternberg,


Wagner & Zhang, 2007) é um teste de aplicação individual ou coletiva que
avalia os estilos intelectuais. A escala é composta de 65 itens que avaliam os 13
estilos classificados em três tipos. As questões estão dispostas em uma escala
Likert com as seguintes opções: “De jeito nenhum” (1 ponto), “Não muito
bem” (2 pontos), “Um pouco” (3 pontos), “Bem de alguma forma” (4 pontos),
“Bem” (5 pontos), “Muito Bem” (6 pontos) e “Extremamente bem” (7
pontos).
Este instrumento irá levantar quais são os padrões cognitivos de
processamento, quando o indivíduo se depara com novas informações, a
partir das habilidades cognitivas, a forma de organização de dados pelos
estudantes pesquisados e suas preferencias intelectuais. Após a análise e
tratamento dos elementos desse inventário o pesquisador terá um panorama
de como os estudantes se comportam cognitivamente no enfrentamento com
novas informações. Este panorama irá sintetizar principalmente as etapas de
estratégias empregadas por cada discente nas etapas anteriores ao momento da
leitura à primeira vista.

Etapas de criação de um novo instrumento

Nesta pesquisa, os princípios da criação de um instrumento serão divididos


em procedimentos: teóricos, empíricos e analíticos (estatísticos analítico-
interpretativos). Contudo, existem procedimentos para operacionalização
(Reppold, Gurgel, & Hutz, 2014). No caso deste estudo será descrita somente
a primeira etapa que consiste nos procedimentos teóricos, elaboração dos itens
e evidências de validade baseadas no conteúdo. Isto pode ser determinado
pelas indicações da literatura, por entrevistas e pela análise documental. Em
seguida, definem-se as dimensões do teste, em termos constitutivos
operacionais, bem como elaboração dos itens. Para tanto, é comum a
realização de entrevistas com profissionais, sobre a fenomenologia do
construto, e com a população-alvo; levantamento dos instrumentos
disponíveis que o avaliavam e verificação dos dados obtidos de forma a relatar
dificuldades de ajustamento.
Com relação às evidências de validade baseadas no conteúdo
propriamente dito, pode-se dizer que esse processo objetiva
determinar se os itens elaborados são adequados teoricamente e
se algum dos fatores do atributo coberto pelo teste é super ou
sub-representado no instrumento pelo viés do pesquisador. Essa
análise teórica dos itens é realizada por juízes e inclui uma análise
semântica dos itens (Reppold, Gurgel, & Hutz, 2014 p.308).

Para a análise são necessários, no mínimo, dois juízes peritos para a versão
preliminar dos instrumentos. Após a versão preliminar será elaborada uma
escala que passará pelo processo de validação. Na esfera da pesquisa científica,
é essencial, após a elaboração de critérios, que estes possam ser testados com
Anais

o intuito de fundamentar e prover evidências acerca do modelo teórico em


questão. É a partir deste estudo que o modelo pode ser rejeitado ou não,
tornando possível o seu aperfeiçoamento. Todavia, a reflexão sobre os 37
critérios de avaliação envolvidos na leitura à primeira vista do Ensino de
Piano em Grupo nas universidades, e sua testagem até hoje não recebeu a
devida atenção por parte dos professores dedicados ao assunto. Por essa
razão, o objetivo deste trabalho será compreender cognitivamente a
avaliação da leitura à primeira vista no piano em grupo, e apontar os estilos
intelectuais que compõem essa habilidade. As questões aqui apontadas serão
testadas e analisadas com embasamento psicométrico e estatístico. Os testes
serão realizados por meio de avalições individuais, mediante de assinatura de
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, com autorização prévia do
diretor e dos professores de cada instituição. Todo o procedimento será
submetido ao Comitê de Ética na Plataforma Brasil e os dados coletados
serão estatisticamente analisados em softwares específicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa, em fase inicial, em andamento, por meio de um viés
cognitivo, visa classificar os modelos individuais de estilos intelectuais, nas suas
dimensões, e, também, em tipos que contemplam características específicas.
Ambos os aspectos, provavelmente comuns aos estudantes de piano em grupo,
nas Licenciaturas em Música. A partir disso, um novo instrumento será criado,
a fim de avaliar a leitura à primeira vista dos discentes. Até o presente
momento, não foi possível aferir resultados expressivos.

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XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Um panorama dos estudos de significação musical


40 nos anais do SIMCAM
Tailine Rocha Reginato,1 Rael Bertarelli Gimenes Toffolo2
1
Graduação em Música, Universidade Estadual de Maringá, Brasil
2
Departamento de Música, Universidade Estadual de Maringá, Brasil
1
tailinereginato@gmail.com, 2rbgtoffolo@uem.br

Resumo
Este texto apresenta a análise dos artigos que abordam a Significação Musical e seus desdobramentos
nos anais do SIMCAM, considerando seus possíveis enquadramentos nas vertentes da Cognição e por
consequência na Cognição Musical. Inicialmente, apresentamos uma breve descrição das vertentes
da cognição, a saber o Cognitivismo Clássico, o Conexionismo e a Cognição Dinâmica, tal qual
apresentada por Varela et al (2003) bem como seus desdobramentos para a Cognição Musical.
Posteriormente apresentamos o processo de análise e classificação realizado nos artigos do SIMCAM.
Dos 522 artigos dos anais (excluindo os artigos em formato pôster e resumos de conferências) foram
selecionados 69 artigos que abordam a Significação Musical ou se relacionam a ela de alguma forma.
Considerando o conteúdo dos textos e bibliografias utilizadas, os artigos foram classificados a partir
das vertentes da Cognição, tendo sido encontrados: 1 artigo relacionado ao Conexionismo, 15 artigos
ao Cognitivismo Clássico, 46 artigos à Cognição Dinâmica e 7 artigos que utilizam referenciais de
mais de uma vertente. Concluímos, considerando que os pesquisadores do SIMCAM têm se dedicado
mais à vertente da Cognição Dinâmica, a mais recente na área de Cognição demonstrando o
pioneirismo e qualidade da área e que análises futuras devem ser realizadas visando consolidar os
dados apresentados em outras áreas da Cognição Musical para além do conceito de Significação
Musical.
Palavras-chave: Significação Musical, SIMCAM, Cognição Musical
Abstract
This text presents the analysis of papers that discuss the concept of Musical Meaning, and it's
ramifications in SIMCAM's proceedings, regarding their classification in Cognition area, and
consequently in Musical Cognition. First, we present a brief overview of cognition's divisions,
such as Cognitivism, Connectionism and Dynamic Cognition as presented by Varela et al (2003)
and their developments in Musical Cognition. Subsequently, we present the analysis process and
classification realized in SIMCAM's papers. From 522 papers (excluding posters and conferences
abstracts) were selected 69 papers that aims the Musical Meaning or were somehow related to
Musical Meaning. Considering the contents and references, these papers were classified,
considering Cognitions ramifications, as 1 paper in the Connectionism area, 15 papers in
Cognitivism area, 46 papers in Dynamic Cognition area and 7 papers in which references points
to more that one area. We Concluded considering that the SIMCAM's researchers have been
dedicated to Dynamic Cognitions, the most recent division, proving the pioneer spirit and quality
of this research area, and the need for future research aiming to consolidate these data expanding
to other areas in Musical Cognition besides the concept of Musical Meaning.
Keywords: Musical Meaning, SIMCAM, Musical Cognition

INTRODUÇÃO
No decorrer de toda a história da música ocidental, é possível perceber
que diversas questões estão relacionadas ao estudo do Significado Musical,
como a relação da música com o ouvinte e as funções que tem para o
indivíduo e para a sociedade, a relação entre música e linguagem, as
motivações para a criação e para o fazer musical, entre outras. Portanto,
devido a essa grande quantidade de questões relacionadas ao estudo do
Significado Musical, a discussão sobre como acontece o processo de
significação foi, como era de se esperar, retomado no campo da Ciência
Cognitiva e da Cognição Musical.
Anais

As Ciências Cognitivas caracterizam-se por ser um campo de estudos


que inter-relaciona diversas áreas do conhecimento, fazendo parte dela a
Antropologia, a Filosofia, a Linguística, a Psicologia e a Computação, que 41
de forma bastante interdisciplinar, buscam compreender a mente humana
e como o ser humano compreende o mundo.
Gardner (1995, p. 19) define a ciência cognitiva como “um esforço
contemporâneo, com fundamentação empírica, para responder questões epistemo-
lógicas de longa data, principalmente aquelas relativas à natureza do conhecimento,
seus componentes, suas origens, seu desenvolvimento e o seu emprego”.
No Brasil, a Cognição Musical é representada pela Associação Brasileira
de Cognição e Artes Musicais (ABCM)¹ e a preocupação com a compreensão
da música no que se pode chamar de Significação Musical é fortemente
presente nos trabalhos da Associação.
A Cognição Musical é um campo de estudo plural e composto por diversas
linhas que são embasadas em referenciais teóricos diversos, muitas vezes,
antagônicos. Varela et al. (2003, p. 22) diz que “as ciências cognitivas ainda não
se estabeleceram como uma ciência madura”, uma vez que “cada uma das disciplinas
responde de forma diferente à pergunta sobre o que é a mente ou a cognição”.
Portanto, a compreensão do fenômeno musical e da prática musical por meio
dos estudos de cognição deve considerar suas diferenças teóricas, pois, o uso
de conceitos originários de áreas ou vertentes diferentes, quando aplicados
sem a compreensão de suas bases epistemológicas pode acarretar em proble-
mas metodológicos. Nesse sentido, o conceito de Significação ou Significado
Musical, sofre dos mesmos problemas quando aplicado como ferramenta para
compreensão do fenômeno musical e da prática musical como um todo. Nesse
sentido, um estudo exploratório do conceito de Significado Musical que
considere as diferenças metodológicas e epistemológicas que deram suporte
para a sua criação poderá contribuir para que não se incorra, no que se costuma
chamar nessa área de estudos, em “erros categoriais”, permitindo que os
estudos e desdobramentos do conceito sejam elucidados de forma mais
precisa.
A área da Cognição, em geral, se estrutura em três vertentes de acordo
com Varela et al. (2003): Cognitivismo Clássico, Conexionismo e Ciência
Cognitiva Dinâmica². Em todas as abordagens, busca-se a compreensão
do funcionamento da mente. Como não há a possibilidade de acessar a
mente de uma forma direta, o estudo da mente e desse processo acontece
através da criação de modelos teóricos para a sua explicação.

Cognitivismo Clássico
As primeiras investigações sobre a inteligência humana (em meados do
século XX) são originadas no que se chamou, no campo da Psicologia, por
Behaviorismo. Como não era possível ter acesso direto à mente, os
behavioristas a comparavam com uma caixa-preta, estudando a manifestação
da mesma (o comportamento), por meio de estímulo/resposta.
O Cognitivismo Clássico surgiu no final da década de 1940 em oposição
ao behaviorismo, envolvendo pesquisadores de diversas áreas incluindo a
Lógica, Matemática, Engenharia, Fisiologia e Neurofisiologia, entre outras
(Oliveira, 2003). O Cognitivismo buscava estudar o que se encontrava
dentro da caixa-preta behaviorista. Pesquisadores do Cognitivismo busca-
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

vam investigar a mente através do desenvolvimento de modelos lógicos que


a simulassem, desconsiderando a estrutura física e biológica do cérebro e os
42 modelos cerebrais, uma vez que mente e cérebro eram considerados coisas
diferentes: “a mente é vista como uma propriedade emergente da atividade física
do cérebro, mas não redutível a ela. Dessa forma, não podemos entender nem
descrever a natureza e o funcionamento da mente olhando apenas para o nível
local, cerebral.” (Oliveira, 2003, p. 16)
As manifestações do Cognitivismo são mais evidentes na Inteligência
Artificial Clássica (IA), principalmente considerando o trabalho de Alan
Turing que propõe um modelo lógico chamado Máquina de Turing. A
Máquina de Turing consiste, basicamente, em um dispositivo que corres-
ponde a um modelo abstrato do que virá a ser um computador, com memória,
estados e transição, e serve para determinar se uma função é computável ou
não, ou seja, acreditava-se que a máquina poderia solucionar qualquer tipo de
cálculo desde que fosse uma função algorítmica - que corresponde a uma
sequência de instruções predeterminadas e bem definidas que torna possível a
solução de problemas de classes semelhantes em um determinado número de
etapas.
Como afirmava Gardner: “As implicações destas idéias foram rapidamente
aproveitadas por cientistas interessados no pensamento humano, que percebe-
ram que se eles conseguissem descrever com precisão o comportamento ou os
processos de pensamento de um organismo, poderiam ser capazes de projetar
uma máquina que operasse de forma idêntica” (Gardner, 1995, p. 32).
Após a Máquina de Turing e do desenvolvimento do computador
digital, os modelos lógicos da mente puderam ser aplicados em máquinas
computacionais, já que o Cognitivismo compreendia a mente humana como
algo semelhante à computação, trabalhando com padrões, funcionando de
forma algorítmica, capaz de processar informações através de operações com
a manipulação de símbolos, que no caso correspondem a representações de
um mundo predeterminado, seguindo determinadas sequências de passos
que eram aplicados um por vez, semelhante ao funcionamento da Máquina
de Turing. Quanto mais próximo fosse o desempenho da máquina do
desempenho humano, mais bem sucedido seria o modelo de mente
humana. Nessa abordagem, sabemos que um sistema cognitivo é bem
sucedido quando passa pelo que chamamos de Teste de Turing: “Quando
os símbolos representam de forma adequada algum aspecto do mundo real,
e o processamento de informações leva a uma solução bem-sucedida do
problema proposto ao sistema” (Varela et al., 2003, p. 58).

Conexionismo
A abordagem Conexionista também surgiu na década de 1940 em
oposição ao Cognitivismo Clássico, baseando-se nas lacunas daquela
abordagem. A primeira modelagem Conexionista da mente foi criada
pelo neuropsiquiatra Warren McCulloch e pelo matemático Walter Pitts
(Gardner, 1995), ainda considerando o funcionamento da mente como
algo semelhante à Máquina de Turing, porém, nessa abordagem levou-se
em consideração a estrutura biológica do cérebro. McCulloch e Pitts
criaram um modelo de neurônio e de seu comportamento fazendo uma
analogia entre o processo eletrônico e as células nervosas.
Anais

A base do Conexionismo foi o estudo desses estados internos por meio


de estruturas que são chamadas de Redes Neurais Artificiais (RNAs), que
correspondem a modelos de inteligência formados por elementos simples 43
que equivalem aos neurônios que formam nosso cérebro, em que cada
elemento se conecta entre si de diversas formas. Esses elementos são
dispostos em camadas. Essas conexões são complexas, gerando a emergência
de propriedades globais superiores, surgindo, assim, comportamentos
correspondentes à função desejada.
As vantagens das RNAs são a capacidade de aprendizagem para a
melhoria do seu desempenho, reconhecimento de padrões e do estudo de
comportamentos auto-organizados, que funcionam através do fornecimento
de dados como entrada para uma RNA e informando qual deve ser a saída.
Quando a rede atinge uma solução generalizada para um problema, por
meio, em geral, da estabilização de suas camadas de saída, significa que houve
o processo de aprendizagem.
Nessa abordagem, as operações através da manipulação de símbolos são
substituídas por operações numéricas, pois o processamento de informações
baseado na manipulação de símbolos seguindo uma determinada sequência
de regras era bastante limitado quando a tarefa exigia uma grande quantidade
de operações sequenciais, considerando que o mundo em que vivemos possui
diversas propriedades sensoriais particulares e predefinidas.
Um sistema cognitivo da abordagem Conexionista é bem sucedido “quan-
do as propriedades emergentes (e a estrutura resultante) podem ser vistas como
correspondendo a uma capacidade cognitiva específica – uma solução bem-
sucedida para uma determinada tarefa” (Varela et al., 2003, p. 111).

Cognição Dinâmica
Ao analisar a abordagem Cognitivista e a Conexionista, é possível
perceber que ambas desconsideram as propriedades dinâmicas do mundo e
o corpo humano como realmente são. A diferença de tais vertentes com
relação ao mundo é que na primeira abordagem, este é visto como algo
predefinido, com regras operacionais bem definidas sintaticamente e na
segunda, além de um mundo com propriedades sensoriais particulares e
predefinidas, há um sistema artificial que aprende pela exposição ao mundo
e que é capaz de gerar resposta à estímulos desconhecidos (Oliveira, 2003).
Em ambas as abordagens a mente e o corpo eram vistos como coisas
diferentes e separadas, visão a qual se dava o nome de dualismo cartesiano.
Gardner (1995), em sua revisão sobre os conceitos das Ciências Cognitivas
aponta que Descartes considerava a mente algo mais abstrato, sem
extensão, com um funcionamento independente do corpo humano e o
corpo como algo material e mecânico. Portanto, devido a essas diferenças,
um não poderia interferir no outro.
Tais vertentes tornaram-se ineficientes em vários aspectos explicativos,
uma vez que há uma grande redução de dimensionalidade nos padrões dos
fenômenos utilizados nessas abordagens quando comparados com um
evento do mundo real. Sendo assim, é possível perceber uma grande
diferença entre o mundo desses modelos e o mundo real, dos seres humanos.
Foi com base nessas limitações explicativas que surgiu a vertente
denominada Ciência Cognitiva Dinâmica. Passa a incluir o corpo e o meio
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

ambiente para explicar a cognição, ou seja, não considera o mundo ou o


ser humano como algo predefinido, preestabelecido. As informações estão
44 na inter-relação da mente, que se encontra em um corpo (incorporado) e
que está presente em um mundo (situado). Nessa abordagem, para
compreender o processo de inteligência humana analisa-se, além da rela-
ção do indivíduo com o mundo, a história desse indivíduo enquanto
espécie e todo o processo de evolução dessa espécie.
De acordo com a visão dessa abordagem, um sistema cognitivo funcio-
na adequadamente “quando ele passa a ser parte de um mundo conti-
nuado existente (como os jovens de todas as espécies fazem) ou molda um
novo mundo (como ocorre na história da evolução)” (Varela et al., 2003,
p. 210).

MÚSICA E COGNIÇÃO
Devido à grande quantidade de questões relacionadas à prática musical,
o estudo sobre a forma com que compreendemos a música foi bastante
pertinente para a área da Cognição. Nas três abordagens da Ciência
Cognitiva foram feitos estudos para essa compreensão através de modelos
da mente e programas composicionais (Oliveira, 2003). Considerando a
música como um pensamento, formou-se toda uma área de estudos que
tentou modelar comportamentos musicais da mesma forma que as
diversas áreas da Cognição tentam modelar a mente. A Cognição Musical
estabelece-se enquanto uma subárea dos estudos de Cognição visando
investigar como se dá esse pensamento musical, como a mente compre-
ende os fenômenos sonoros e como o ser humano atribui significados a
esses fenômenos.
Na abordagem do Cognitivismo Clássico foram criados programas
computacionais aos quais foram atribuídos a tarefa de gerar músicas.
Primeiramente, escolhia-se o material musical que logo passaria por um
processo de organização para se transformar em estruturas formais. Esse
processo de organização acontecia devido a uma quantidade de regras
predeterminadas que atuavam dentro de um espaço com uma grande
quantidade de possibilidades musicais, ou seja, as regras eram aplicadas aos
elementos mais básicos e diziam o que poderia ou não ser validado.
O grande problema desses modelos da IA clássica é que não se levava
em consideração os aspectos estéticos, a percepção humana, e sim, apenas
os aspectos técnico-teóricos, ou seja, a atividade musical era reduzida à
sintaxe, assim como na gramática. Acreditava-se que ao organizar os
elementos musicais com base em regras estruturais predefinidas a obra
seria bem sucedida. Porém, esse pensamento tornou esses programas
bastante limitados com relação aos aspectos envolvidos na prática da
criação musical. As obras geradas com base nessas regras nem sempre
eram interessantes artisticamente.
Por sua vez, a partir do relacionamento da música com a vertente
Conexionista, são realizados além de estudos sobre o processo compo-
sicional, estudos sobre a percepção auditiva, através da criação de modelos
com redes neurais para a percepção rítmica, percepção de alturas, melodia e
tonalidade, que respondem pelo reconhecimento de padrões ou pela
aprendizagem causada pela exposição a esses fenômenos. Para o processo
Anais

composicional, modelos de redes neurais passam por conjuntos de


treinamento sendo expostas a alguns fenômenos musicais, extraindo regras
desse treinamento. A geração de obras, nesse caso, é baseada nessas regras. 45
“sua atuação gerativa será baseada em tais regras, e poderá até extrapolar tais
regras, mas não utilizar regras diferentes. O problema de geração de regras
composicionais não é superado por redes neurais”.(Oliveira, 2003).
A diferença dos estudos da IA Clássica e da vertente Conexionista é
que na IA Clássica, os experimentos feitos para a compreensão do
processo de composição musical correspondem a um conjunto de regras
predeterminadas, que partem de estudos da musicologia, que são
aplicadas a algum algoritmo, que pode ou não ser validado no final do
experimento, com foco na geração automática de músicas ou na análise
de obras musicais em sistemas consolidados (com regras bem definidas e
materiais bem definidos). Na vertente Conexionista temos uma rede que
extrai as regras através da aprendizagem ou treinamento com a exposição
a fenômenos musicais (que podem ser obras ou alguns aspectos de obras)
e essas regras que determinam o comportamento do sistema. Por esse
motivo, os modelos Conexionistas também se limitam a sistemas
teórico-musicais consolidados, pois são mais claros e bem definidos,
tornando mais precisa a análise do comportamento e dos resultados
gerados pela rede. (Oliveira, 2003)
Ao contrário das vertentes da IA Clássica e do Conexionismo, a vertente
da Cognição Dinâmica apresenta propostas alternativas e não-compu-
tacionais para o estudo da mente e sua relação com a música com a finalidade
de superar as lacunas das vertentes anteriores. Oliveira (2003), em seus
estudos sobre Cognição e Música, aponta duas teorias da vertente da
Cognição Dinâmica: a Teoria Ecológica da Percepção, baseada na teoria da
Percepção Direta de J. J. Gibson, e o Emergentismo. Ambas as teorias
consideram o corpo e o meio para explicar a nossa mente e compreensão dos
fenômenos sonoros. “O evento acústico é sempre situado numa situação
ambiental específica, com características específicas deste ambiente e da
interação do percebedor com o ambiente” (Oliveira, 2003, p. 172).
A teoria ecológica da percepção considera o ambiente acústico e todas
as informações presentes nesse ambiente, como o som gerado através de
perturbações mecânicas que são alteradas pelas propriedades desse
ambiente, frequência, amplitude desse som e ondas que possuem as
informações sobre a fonte sonora, e a ação do ser humano nesse ambiente,
sendo o ser humano e o meio interdependentes, pois essas informações
serão analisadas e transformadas ao chegar em nosso sistema perceptual,
guiando o comportamento do ser humano em determinadas situações.
Estudos sobre Paisagem Sonora enquadram-se geralmente nesta vertente.
Já o emergentismo estuda o surgimento de novas propriedades e
comportamentos gerados a partir da combinação de elementos já existentes,
elementos estes que vão desde o funcionamento neuronal até as organizações
sociais. Essas propriedades emergentes podem ser previsíveis ou impre-
visíveis. Concepções sobre os fenômenos de dissonância e consonância que
são explicados a partir de sua complexidade local (indivíduo) e contextual
(meio) costumam utilizar referenciais desta vertente.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

METODOLOGIA
Para a realização da pesquisa, foi feito um levantamento
46
bibliográfico de todos os artigos do SIMCAM que abordam de
alguma forma a Significação Musical e, logo após, analisamos esses
artigos a partir da descrição das vertentes da cognição (Cognitivismo
Clássico, Conexionismo e Cognição dinâmica) tal qual Varela et al
(2003). Para a análise dos artigos do SIMCAM, em um total de 552
artigos, excluindo resumos de conferências e artigos em formato
pôster, selecionamos 69 artigos que entendemos que, de alguma
forma, se dedicam ao estudo sobre a Significação Musical. Essa sele-
ção partiu de alguns termos utilizados no título dos artigos e em seus
resumos que nos levaram a considerar que o artigo trata de
Significação Musical ou seus desdobramentos. Portanto, consideramos
os seguintes termos:
Tabela 1. Principais termos indicativos utilizados para selecionar os artigos que de alguma forma
abordam o conceito ou subárea de Significação Musical nos Anais do Simpósio Brasileiro de
Cognição e Artes Musicais.

Significação Musical
Percepção na música
Emoção em música
Significação simbólica
Metáfora conceitual
Conhecimento musical
Compreensão musical
Gesto e música
Música e signos
Processo criativo
Representação sonora
Cognição Musical
Experiência musical incorporada
Expectativa em música
Antecipação em música
Sinestesia
Imaginação musical
Processo perceptive
Sentidos e música
Semântica musical
Imagética musical

Após a leitura crítica de cada um dos artigos selecionados, considerando


o conteúdo do texto e referências bibliográficas utilizadas em cada um
deles, realizou-se a classificação dos artigos em cada uma das vertentes da
Cognição considerando também, quando possível, artigos que
apresentavam abordagens provenientes de mais de uma das vertentes.
Anais

RESULTADOS
O enquadramento dos artigos foi organizado na tabela comparativa
47
abaixo (vide Tabela 2). Consideramos que fazem parte do Cognitivismo
Clássico (CC) os artigos que, em geral, utilizam cálculos estatísticos através
de testes da psicologia experimental ou que apresentam algum tipo de
modelagem algorítmica para a compreensão de um determinado processo
cognitivo. Na abordagem do Conexionismo (CX), consideramos aqueles
que falam sobre experiências utilizando redes neurais artificiais (RNAs). Os
artigos que consideraram o corpo, a cultura e as experiências do indivíduo
para a compreensão do processo de Significado Musical foram encaixados
na abordagem da Cognição Dinâmica (CD). Artigos que apresentavam
pressupostos teóricos provenientes de mais de uma vertente foram
considerados como Referencial teórico Misto (MIX)³.
Tabela 2. Distribuição dos artigos de Significação Musical por área da Cognição
em cada um dos anais do Simpósio Brasileiro de Cognição e Artes Musicais⁴.

Anais Total de artigos CC CX CD MIX


selecionados
SIMCAM 2 3 0 1 1 1
SIMCAM 4 10 0 0 9 1
SIMCAM 5 7 0 0 6 1
SIMCAM 6 9 2 0 5 2
SIMCAM 7 4 0 0 3 1
SIMCAM 8 5 2 0 3 0
SIMCAM 9 5 2 0 3 0
SIMCAM10 10 5 0 4 1
SIMCAM11 6 2 0 4 0
SIMCAM12 5 2 0 3 0
SIMCAM13 5 0 0 5 0
TOTAIS 69 15 1 46 7

O gráfico da figura 1 mostra como as vertentes da Cognição se desen-


volveram ao longo de todos os SIMCAM.

Figura 1. Gráfico comparativo da Evolução das vertentes da cognição no recorte dos artigos de
Significação Musical nos anais do SIMCAM.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Essa tabulação de dados pode revelar aspectos importantes do desen-


volvimento dos estudos de Significação Musical no âmbito da Cognição
48 Musical e da Cognição Geral no país.
Do SIMCAM2 para o SIMCAM4, houve um crescimento significativo
da quantidade de artigos sobre Significado Musical na vertente da
Cognição Dinâmica (CD). No SIMCAM7 essa vertente apresentou uma
queda que se manteve até o SIMCAM9 e volta a crescer no SIMCAM10.
No SIMCAM12, a quantidade de artigos nessa vertente caiu e voltou a
crescer no SIMCAM13, que é o mais recente.
A partir do SIMCAM6, a vertente do Cognitivismo Clássico (CC)
começou aparecer nos artigos sobre Significação Musical e apresentou um
crescimento significativo no SIMCAM10. Do 10 para o 11 houve uma
pequena queda que se manteve no 12. No SIMCAM13 não houve artigos
que se utilizaram dessa vertente.
A vertente do Conexionismo (CX) foi pouco presente. Apenas 1 artigo de
todos os SIMCAM ficou exclusivamente na abordagem Conexionista. O
motivo de essa área estar pouco presente, pode ser o fato de que, para realizar
pesquisas com RNAs, há a exigência de laboratórios altamente especializados.
No SIMCAM6 houve um crescimento na quantidade de artigos que mistu-
raram mais de uma vertente ao analisar o processo de Significação (MIX).
Houve uma queda a partir do SIMCAM7 até desaparecer no SIMCAM8 e 9.
No SIMCAM10 voltamos a ter um artigo que apresenta referenciais teóricos
misturados não voltando a aparecer nos anais seguintes.

CONCLUSÕES
A guisa de uma conclusão parcial sobre os dados levantados podemos
perceber que há uma ótima coerência geral e compreensão da comunidade
acadêmica no que se refere aos referenciais teóricos de cada subárea da
Cognição ao longo da história de existência da ABCM. Vemos que há uma
boa proeminência de artigos relacionados à Cognição Dinâmica, o que é
curioso considerando que dentre as vertentes da Cognição essa é a área mais
recente e ainda em desenvolvimento. Esse pode ser um indício da forte
atualização e qualidade dos pesquisadores que forma a comunidade do
SIMCAM, a despeito de na maior parte do mundo a comunidade acadêmica
de Cognição e Cognição Musical ter uma maior predileção pelo
Cognitivismo Clássico, subárea esta muito mais antiga e bem estabelecida na
academia. No SIMCAM, o Cognitivismo Clássico ficou em segundo lugar
com 15 artigos, distanciando-se fortemente do conexionismo (1 artigo) o
que demonstra ainda a força que tal vertente tem no campo geral da
Cognição, mas que ao mesmo tempo manteve-se praticamente estática –
pelo menos no campo da Significação musical – ao longo dos anos do
simpósio. Tal estabilidade, pode indicar, novamente, para a atualidade do
referencial teórico dos pesquisadores do SIMCAM, podendo também
indicar que o Cognitivismo Clássico parece estar a caminho da superação
dentro da área de Cognição Musical.
Detectamos 7 artigos que realizam pesquisas utilizando referenciais
teóricos de vertentes diferentes da cognição. A mistura de referenciais pode
ser resultado de uma busca por respostas que as vezes uma única vertente
não é capaz de oferecer, ou ainda pelo fato de que as vertentes ainda não
Anais

sejam tão claras para alguns pesquisadores. Mesmo dentro dos artigos
classificados como Cognição Dinâmica, vemos casos em que as vertentes
não necessariamente se misturam, mas alguns conceitos das vertentes 49
Conexionista e do Cognitivismo são reutilizados, como: representação,
processamento mental, entre outros. Nesse sentido, considerando as
recentes discussões sobre demarcação das vertentes da cognição, em
especial da Cognição Dinâmica, trabalhos futuros podem indicar um
refinamento dessa classificação. Além disso, abordagens similares a realizada
nesta pesquisa poderiam ser feitas em todas as outras subáreas do SIMCAM
para podermos verificar se as tendências apontadas se direcionam para o
mesmo caminho.

Notas
1 Para mais informações, visite o site da Associação em: http://www.abcogmus.org
2 Os nomes das vertentes foram padronizados neste artigo como Cognitivismo Clássico,
Conexionismo e Cognição Dinâmica apenas por questões metodológicas a despeito das
inúmeros variações que eles apresentam ao longo da literatura das Ciências Cognitivas e da
Ciência Cognitiva.
3 Para uma visão detalhada de como os artigos foram separados entre as vertentes consultar o
nosso trabalho: Um panorama sobre os estudos de Significação Musical nos anais do SIMCAM,
que analisou criticamente cada um dos 69 artigos selecionados. Por questão de espaço e escopo a
discussão de cada um dos artigos foi suprimida deste texto.
4 Ressaltamos que na época da realização da pesquisa não estavam disponíveis no site da ABCM
os anais do SIMCAM e do SIMCAM 3, por isso não foram considerados.

Referências
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Artigos classificados na vertente Cognitivismo Clássico


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Artigos classificados na vertente Cognição Dinâmica


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Windholz, M. O. (2017). Harmonia como Tensão: considerações acerca da principal
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Artigos com referenciais de mais de uma vertente


Falcón, J. A. (2010). Critérios analíticos perceptivos para o estudo da textura baseados
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SIMCAM, v.1, n. 1, p. 73-83.
Grassi, B. (2009). Estratégias para a resolução de problemas na composição musical. In:
SIMCAM 5. Anais do SIMCAM - V Simpósio de Cognição e Artes Musicais.
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Hickmann, F. (2006). O papel dos efeitos sonoros na significação em jogos eletrônicos.
In: SIMCAM 2. Anais do 1º Encontro Nacional de Cognição e Artes Musicais.
Curitiba: SIMCAM, v.1, n. 1, p. 251-256.
Porres, A. (2008). A relação entre sinal sonoro e signo musical: considerações sobre
sensação de rugosidade e sua tipomorfologia. In: SIMCAM 4. Anais do SIMCAM
- IV Simpósio de Cognição e Artes Musicais. São Paulo: SIMCAM, v.1, n. 1, p. 2-8.
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Modal. In: SIMCAM 7. Anais do SIMCAM - VII Simpósio de Cognição e Artes
Musicais. Brasília: SIMCAM, v.1, n. 1, p. 35-46.
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XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

MAIO 29 | May 29
54
SESSÃO L2
Comunicações Orais | Oral Presentations
SALA 2, 14h
Coordenador da sessão | Session Chair: Marcos Nogueira

14:00
Memória gestual e pantomimas do cotidiano no ensino do
contrabaixo para iniciantes
Sonia Ray

14:30
Construindo a performance musical
Carlos André Weidt Mendes

15:00
Metáforas e recursos imaginativos em estratégias
pedagógicas musicais
Isadora Scheer Casari
Anais

Memória gestual e pantomimas do cotidiano


no ensino do contrabaixo para iniciantes 55
(Resumo)
Sonia Ray (soniaraybrasil@gmail.com)
Universidade Federal de Goiás (UFG)
PPG Música Universidade Estadual Paulista (UNESP)
PPG Música Universidade de Brasília (UnB)
Problema/questão
A importância da memória no processo de aprendizagem musical foi destacada em recente revisão
bibliográfica sobre textos publicados entre 2006 e 2016 no maior evento dedicado a cognição e
música o Brasil, o SIMCAM (Silva et al., 2017, p.520). Na revisão fica evidente a constante
preocupação entre estudiosos do ensino do instrumento na relação intrı́nseca entre memória
muscular e aprendizado. Porém, quando se propõe aqui a associar pantomimas do cotidiano e
memória gestual à questão da memória muscular é otimizada por já estar associada ao cotidiano do
indivı́duo sendo este é capaz reproduzir gestos memorizados como uma pantomima do cotidiano.
Será preciso, contudo, reajustar o contexto da ação para que a ideia possa ser aplicada na execução do
instrumento, no caso, o contrabaixo acústico. Abordar a iniciação ao contrabaixo a partir da
associação de um processo cognitivo, memória gestual e pantomima, encontra fundamento pela
pedagogia da performance musical. Neste sentido, registrar e fundamentar práticas do ensino da
performance musical, como aqui proposto, é ação necessária para o desenvolvimento de novas
ferramentas didáticas na área. Uma grande parte dos estudos sobre gesto e memória é associada à
expressão musical ou à execução musical sem uso de partitura a exemplo das pesquisas de Davidson
(2015), Borém (2016), Chaffin, Imreh, Crawford (2012), Williamon e Goebl (2013), Santiago
(2015), entre outros.
Objetivos
Oferecer alternativa para expansão da visão pedagógica sobre o ensino-aprendizado do
instrumento musical, particularmente do contrabaixo acústico, via expansão da aplicação da
memória gestual associada a pantomimas do cotidiano.
Principais contribuições
O texto oferece o benefı́cio de ser aplicável em iniciantes em qualquer faixa etária ao lidar com
pantomima gestual inerente a hábitos comuns em comunidades ocidentais e motivação por
utilizar gestos conhecidos e dominados do cotidiano. A proposta ora apresentada pode ser
concebida como um modelo com potencial de ampliação em sua aplicação para outros tópicos na
iniciação ao contrabaixo que podem ser desenvolvidos a partir do mesmo princı́pio aqui
apresentado.
Implicações
O texto registrou e fundamentou uma prática do ensino do contrabaixo acústico dentro do
conceito de Pedagogia da Performance Musical. A ideia de associar a memória gestual e
pantomimas do cotidiano na introdução ao contrabaixo acústico é apresentada, fundamentada e
exemplificada, ficando registrado seu potencial didático no ensino de técnicas básicas de execução
do contrabaixo acústico.
Palavras-chave
Memória gestual e pantomimas, pedagogia da performance musical, ensino de contrabaixo.
Referências
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Performance. New York: Psychology Press.
Davidson, Jane. (2015). Exploring the Pianist’s Face. In: Anais do XI Simpósio Internacional de
Cognição e Artes Musicais. Pirenópolis: UFG.
Santiago, Diana (2015). Vestı́gios da Música no Tempo: pesquisas em memória e performance
musical. In: Anais do XI Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais. Pirenópolis:
UFG.
Webster, Peter. (2016). Seven big ideas in music teaching and learning: Implications for cognitive
research and practice. In: Anais do XII Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais.
Porto Alegre: UFRGS.
Williamon, A.; Goebl, Werner (Eds). (2013). Techniques for memorizing performance. In:
Proceedings of International Conference of Performance Sciences, 1. Viena: Universidade de Viena.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Construindo a performance musical


56 Carlos André Weidt Mendes
Programa de Pós-Graduação da Escola de Música da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
carlosweidt@gmail.com

Resumo
O grupo dos violinistas de orquestra é o mais numeroso e requisitado do conjunto (Flesch, 1930).
Apesar disso, muito pouco é pesquisado sobre as peculiaridades e idiossincrasias destes músicos.
Abordo neste estudo fundamentos da teoria da Autopoiesis (Varela, 1979) que darão suporte para
ajudar estes instrumentistas nos processos expressivos da performance musical e otimizar sua
performance em prol do melhor resultado artístico do conjunto. O paradigma enacionista (Varela,
Thompson & Rosch, 1991) esclarecera como uma ação material pode se refletir em estado mental
através de ações perceptivamente guiadas para o reconhecimento de padrões sensório-motores
recorrentes. Essa abordagem é capaz de explicar a relação entre um sujeito e um objeto musical de
maneira pré-conceitual e pré-linguística (Matyja & Schiavio, 2013). Assim sendo, a teoria de
Varela propôs que uma ação material se torne “incorporada” — para usar o termo enacionista —
em um organismo vivo, devido a uma sequência de procedimentos organizados para a
manutenção de determinada atividade que permanece apenas em certas condições, externas a ela.
O violinista de orquestra deve se sentir engajado com a concepção artística do maestro, orientar-se
através de diversos cues e usar seu “radar” para ficar atento ao que acontece ao redor para reagir de
acordo. Além disso, deve possui espírito colaborativo e cultivar boas relações com os colegas para
ajudar o conjunto a obter uma performance de sucesso. Isso inclui adotar uma postura que
favoreça a integração musical com o seu naipe e contribuir para a realização da Autopoiesis do
grupo orquestral.
Palavras-chave: Violinista de orquestra, Preparação da Performance Musical, Autopoiesis,
Enacionismo

Abstract
The group of violinists is the largest and most requested of the orchestra (Flesch, 1930).
Nevertheless, very little is researched about the peculiarities and idiosyncrasies of those musicians.
In this study, I approach the foundations of the theory of Autopoiesis (Varela, 1979) that will
support to help those instrumentalists in the expressive processes of musical performance and
optimize their performance for the best artistic result of the set. The enactivist paradigm (Varela,
Thompson & Rosch, 1991) clarified how a real action could be reflected in the mental state
through perceptually guided actions for the recognition of recurrent sensorimotor patterns. This
approach can explain the relationship between a subject and a musical object in a pre-conceptual
and pre-linguistic manner (Matyja & Schiavio, 2013). Thus, Varela's theory proposed that a real
action becomes "embodied" — to use the term enactivist — in a living organism, due to a sequence
of systematic procedures for the maintenance of a given activity that remains only under certain
conditions external to it. The orchestra violinist must be engaged with the conductor's artistic
conception, orient himself through various cues, and use his or her radar to be aware of what
happens around her or him to react accordingly. Besides, that performer must have a collaborative
spirit and cultivate good relationships with colleagues to help the team achieve successful
performance. That condition includes taking a stance that favors musical integration with her or
his choir and contributing to the achievement of the orchestral group's Autopoiesis.
Keywords: Orchestra Violinist, Musical Performance Preparation, Autopoiesis, Enactivism

INTRODUÇÃO
O grupo dos violinistas de orquestra é o mais numeroso e requisitado
do instrumento, apesar de sua aparente humildade ao se integrar às fileiras
das cordas (Flesch, 1930). Apesar disso, muito pouco é pesquisado sobre as
peculiaridades e idiossincrasias destes músicos. Eles próprios, submetidos a
uma rotina intensa de ensaios e concertos, às vezes em mais de um grupo
orquestral, não conseguem refletir apropriadamente sobre o que estão
Anais

fazendo e precisam executar o trabalho da melhor forma possível, nem


sempre em condições ideais. Outra questão pertinente é como se manter
atuando em nível compatível com as exigências artísticas de seu local de 57
trabalho ou em condições de arrumar um novo emprego num mercado
cada vez mais competitivo e saturado.
O violinista de orquestra precisa aproveitar o seu tempo ao máximo ao
estudar individualmente as suas partes e chegar preparado desde o primeiro
ensaio de um novo programa. Abordo neste estudo fundamentos da teoria
da Autopoiesis (Varela, 1979) que darão suporte na premissa aqui discutida
para ajudar este instrumentista nos processos expressivos da performance
musical e otimizar sua performance em prol do melhor resultado artístico
do conjunto. Quero objetivar os processos de produção de sentido musical
por mapeamento sensório-motor dos padrões gestuais envolvidos na
performance instrumental, visando à otimização da resolução de problemas
técnico-interpretativos e expressivos identificados por violinistas de
orquestra como padrões básicos da execução no instrumento. Além disso,
quero discutir sobre os recursos que esses instrumentistas empregam para
favorecerem a coesão e homogeneidade com o seu naipe. Essa informação
é de particular interesse para jovens violinistas, que enfrentam dificuldades
de conciliar o que aprendem nas aulas individuais do seu período de
formação com as necessidades específicas do naipe de uma orquestra
(Dobson & Gaunt, 2015; Hager & Johnsson, 2009).
O paradigma enacionista (Varela, Thompson & Rosch, 1991) esclarecera
como as ações corporais são a base experiencial dos processos mentais. Tais
processos são guiados pelo reconhecimento de padrões sensório-motores
recorrentes. A abordagem enacionista é, portanto, capaz de explicar a
relação entre um sujeito e um objeto musical de maneira pré-conceitual e
pré-linguística. (Matyja & Schiavio, 2013). Assim sendo, a teoria de Varela
propôs que uma ação material se torne “incorporada” — para usar o termo
enacionista — em um organismo vivo, devido a uma sequência de proce-
dimentos mentais organizados para a manutenção de determinada ativi-
dade que permanece, apenas em certas condições, externas a ela.

AUTOPOIESIS COMO METÁFORA DA PERFORMANCE


MUSICAL
Metáfora não se trata de mera “figura de linguagem” desprovida de
significado cognitivo, mas de algo que nos ajuda a organizar o pensamento
abstrato ao transportar as experiências de um domínio sensório-motor para
outro (Larson, 2012). Na Autopoiesis, ocorre a diferenciação entre duas
entidades inseparáveis: o "organismo", por um lado e seu "nicho ecológico",
no outro. Mas tais entidades são intrinsecamente efêmeras: elas permanecem
apenas em certas condições de limites externos, sobre os quais não exercem
controle (Stewart, 2010). Proponho uma metáfora da Autopoiesis com a
performance, em que a orquestra e o ambiente estabelecem uma relação de
reciprocidade, contingenciada pela duração do evento musical propriamente
dito e contida em uma Autopoiesis particular.
Bamberger (citada por Gardner, 1994) chamou a atenção para duas
maneiras contrastantes de processar música que correspondem aproxima-
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

damente a know-how versus know-that. O primeiro se refere ao conhecimento


intuitivo sobre como realizar alguma atividade e o segundo, ao conhecimento
58 proposicional sobre o conjunto real de procedimentos envolvidos na execução.
De fato, o choque entre esses modos pode até mesmo causar uma crise na vida
de jovens músicos. Segundo Bamberger, é comum que crianças tratadas como
prodígio progridam significativamente com base na apreensão figurativa da
música. Num determinado momento, porém, torna-se importante que elas
suplementem seu entendimento intuitivo com um conhecimento mais funda-
mentado. Bourgine e Stewart (citados por Stewart, 2010) forneceram subsídios
para que um sistema seja definido como "cognitivo" se e somente se gerar suas
ações e seus respectivos feedbacks de uma maneira muito específica, de modo a
manter sua Autopoiesis e, portanto, sua própria existência ou gerar o conjunto
de procedimentos que caracterizam uma performance. Em ambos os casos,
os inputs sensoriais são usados para orientar as ações. Em seguida, as ações
modificam o ambiente e/ou a relação do organismo com esse ambiente e
retroalimentam esse input. Trata-se de uma forma de conhecimento não
necessariamente know-that, mas uma forma de know-how expressado
diretamente em ação.

A PERFORMANCE MUSICAL NA ORQUESTRA


Chaffin e Lisboa (2008) afirmam que os instrumentistas possuem um
“mapa” mental da peça que executam, que lhes diz onde estão e o que vem a
seguir - uma série de marcos, organizados hierarquicamente pelas seções e
subseções da música. O músico assimila esses pontos de referência (performing
cues) para garantir que sua execução ocorra conforme o planejado. Chaffin e
Lisboa classificaram os performing cues como sendo de quatro tipos: estruturais
(relacionados à forma estrutural da obra e elaboração do material musical),
expressivos (sentimentos transmitidos para a audiência), interpretativos (onde
um aspecto interpretativo requer maior atenção no fraseado, tempo,
dinâmica, etc.) e básicos (organização dos aspectos técnicos para que sejam
realizados exatamente como pretendidos).
Para o violinista de orquestra, é natural que ele tenha que ceder à
concepção do maestro em relação aos performing cues estruturais,
expressivos e interpretativos da obra ensaiada. O ideal é que ele possa ser
genuinamente convencido pelo maestro de que a abordagem proposta é a
mais atraente possível (Boerner & Von Streit, 2007). Além disso, há os
pedidos efetuados pelo chefe de seu naipe no que diz respeito aos
performing cues básicos necessários para se adequar à visão proposta pelo
maestro (arcadas, articulações, dedilhados, etc.) e o instrumentista deverá
estar preparado para atendê-los, ainda que nem sempre concorde com eles.
Porém, ele não poderá abrir mão de dois que são fundamentais: ritmo e
afinação (Hager & Johnsson, 2009). Além disso, o instrumentista recém-
chegado na orquestra, por mais capacitado tecnicamente que seja, ainda
precisará de passar por um tipo de aprendizado que apenas pode ser
realizado em seu novo ambiente de trabalho, que envolverá sua capacidade
de trabalhar em conjunto e se adaptar a diferentes situações, inclusive ao se
relacionar com seus colegas (Dobson & Gaunt, 2015; Hager & Johnsson,
2009). Esse conhecimento tácito das normas que regem um grupo é um
dos dez elementos que Sawyer (citado por Dobson & Gaunt, 2015)
Anais

identificou como necessários para se atingir um estado que ele denominou


como group flow. Trata-se de uma performance em grupo realizada
artisticamente em alto nível. Os outros elementos mencionados são: a 59
presença de um objetivo compartilhado, escuta atenta e próxima,
concentração completa, estar no controle ainda permanecendo flexível,
misturar o seu “ego” com os demais através da escuta do que acontece ao
redor e reagir de acordo, participação igualitária, comunicação constante,
improvisar soluções para seguir adiante e o potencial de falha ou risco (este
último é o que faz com que uma orquestra desafie a si própria para
continuar a evoluir artisticamente). Essa teoria indica a necessidade dos
colegas de manterem um bom relacionamento entre si, o que favorece
com que os canais de comunicação estejam abertos e capazes de facilitar a
prontidão e adaptação requerida para o progresso dos ensaios.
Há uma semelhança entre os conceitos de Autopoiesis e group flow no
que se refere à junção de diferentes elementos para atingir um objetivo
em comum. Mas, na Autopoiesis, o mesmo resultado pode ser obtido
ainda que nem todos os componentes sejam conhecidos. Além disso, o
que mais importa para a Autopoiesis são os processos que contribuem para
a manutenção de sua existência (Varela, 1979).
Dobson e Gaunt (2015) realizaram uma série de entrevistas com músicos
profissionais e destacaram a importância de um conjunto de habilidades
agrupadas com a denominação de radar. Ele engloba ouvir, comunicar-se
e se adaptar a outros membros do conjunto o tempo todo durante o ensaio
e a performance. Um atributo chave do radar é a capacidade de dividir o
foco, já que ser capaz de atuar em um ambiente de alto nível técnico é
apenas um requisito básico. Em vez de simplesmente tocar a sua parte
individualmente, o performer é sempre orientado pela escuta e depois se
adequa à multiplicidade de ocorrências possíveis em seu naipe. É por essa
razão que nem sempre um músico tecnicamente excepcional consegue se
integrar a um naipe porque são necessárias também as habilidades de escuta,
comunicação e reação dentro do ambiente orquestral. Outro importante
conjunto de habilidades detectado por Dobson e Gaunt englobam as
habilidades sociais e interpessoais que enfatizam a importância de ser capaz
de lidar com qualquer tipo de pessoa, o que pode incluir senso de humor,
humildade, diplomacia, tato e uma atitude “boa” ou “positiva”. Dobson e
Gaunt mencionaram um fato apontado por diversos músicos mais
experientes como algo que incomoda em relação aos recém-chegados: a
exibição de sua exuberância técnica ao se aquecerem antes dos ensaios, o
que não os ajuda a angariar a simpatia de seus novos colegas. Dobson e
Gaunt acrescentam que isso poderia ser contraditório em um conjunto que
preza pela excelência, mas tal reação faz sentido quando se pensa que o
objetivo principal do grupo é trabalhar em equipe para realizar uma
performance de sucesso e não em prol de um único músico. De qualquer
maneira, não é recomendável se indispor com seus colegas, pois a convivência
com eles se torna intensa devido à rotina de ensaios, concertos e viagens, o
que faz com que as fronteiras entre os relacionamentos profissionais e pessoais
se tornam confusas quando eles passam mais tempo entre si do que com sua
família e amigos. Uma questão que parece clara é que o aprendizado em
uma orquestra profissional envolve aspectos tanto individuais como sociais
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

e nem sempre as escolas de música são capazes de prover todos eles (Hager
& Johnsson, 2009).
60 Palmer (1997) afirma que um dos objetivos da interpretação musical,
definida por ela como a “modelagem individual” de uma peça de acordo
com as próprias idéias ou intenções musicais do executante é transmitir o
sentido da música. Palmer ressalta que existem muitas definições possíveis
de sentido musical, mas concorda com vários teóricos que o definem como
tendo componentes principais que se relacionam com a estrutura formal da
obra, estados emocionais e movimentos físicos que contribuem para as
realizações do intérprete. Palmer também menciona o processo que ela
denominou como planejamento como parte da preparação para a performance.
Trata-se da interpretação conceitual da obra musical feita pelo artista, que
segmenta as unidades e estruturas musicais para serem integradas durante sua
execução. Porém, o trabalho de mera repetição dos trechos musicais, sem
atentar para esse trabalho de segmentação e integração, poderá acarretar um
resultado aquém do esforço realizado. Outro aspecto a ser considerado são as
limitações causadas pelas propriedades sintáticas específicas do estilo da obra,
que podem se sobrepor às interpretações individuais. A interrelação entre os
aspectos estruturais formais e expressivos deve ser observada também, pois é
o momento em que o intérprete deve escolher aqueles de maior relevância
e colocar a sua visão artística em eventuais ambiguidades existentes. No
âmbito de uma orquestra, essas responsabilidades costumam ser atribuídas
ao maestro, com auxílio dos chefes de naipe para que sua proposta funcione
na prática. Segundo Palmer, esse trabalho de interpretação conceitual deve
se refletir no emprego correto dos movimentos físicos para a sua realização.
Palmer acrescenta que ainda há uma lacuna de informações sobre o assunto
dos gestos musicais e afirma que há mais informação sobre as qualidades
intrínsecas do resultado sonoro do que sobre como ele foi obtido. Mesmo
assim, os gestos se tornam “engrenagens” visíveis, alimentadas pelas infor-
mações sensoriais da regência do maestro e as do próprio conjunto, que
exteriorizam o resultado sonoro de uma Autopoiesis de sentido musical.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muito do que Dobson e Gaunt afirmaram em sua pesquisa são elementos
corriqueiros e até óbvios para um violinista de orquestra experiente. Outra
informação importante demonstrada por Dobson e Gaunt é a enorme
lacuna que ainda existe entre o que o estudante aprende individualmente
com um professor, resultado de uma prática também individual e o que ele
encontra em seu local de trabalho. Parece se tratar de uma situação comum
a muitas carreiras, não apenas na musical, o que exige uma reflexão
profunda das instituições de ensino em geral. Mas o valor dessa pesquisa
reside em trazer à luz várias demandas de cunho artístico, social e
interpessoal que um profissional de orquestra deve ser capaz de cumprir
todos os dias. Há um benefício adicional nesse tipo de pesquisa que consiste
em ajudar na adaptação daqueles que acabaram de chegar ou aspiram a uma
vaga em um grupo sinfônico.
Penso que os trabalhos de Palmer e Chaffin e Lisboa oferecem visões
complementares sobre a performance musical e oferecem recursos para a
solução de problemas que possam vir a ocorrer. O primeiro apresenta uma
Anais

estratégia que discute os diversos aspectos gerais da interpretação, planejamento


conceitual e realização de movimentos físicos. Como mencionado, a maior
parte desta responsabilidade pode ser atribuída ao maestro, com a ajuda dos 61
chefes de naipe. O segundo oferece alguns elementos mais específicos que
podem nortear o trabalho do instrumentista, como os performing cues de
diversos tipos que o ajudam na compreensão e expressividade da obra
musical, mesmo que seja para atender às orientações do maestro que, numa
situação ideal, deve convencer os músicos de que sua proposta é válida.
Ao se sentir engajado com essa concepção artística do maestro, o
violinista de orquestra se orienta através dos diversos cues e usar seu “radar”
para ficar atento ao que acontece ao redor para reagir de acordo. Ele deve
estar sempre bem preparado tecnicamente e com espírito colaborativo para
ajudar o conjunto a obter o melhor resultado artístico possível. Isso inclui
adotar uma postura que favoreça a integração musical com os demais
colegas de seu naipe e contribuir para a realização da Autopoiesis do grupo
orquestral. Ainda há muito que pesquisar a respeito do gesto físico que
produz o resultado musical, mas isso não compromete a realização da
Autopoiesis pois o que importa é o processo que mantem sua existência e
não é necessário que todos os seus elementos sejam identificados.

Referências
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Between Musicians' Mood and a Conductor's Leadership Style [Promovendo a
Performance Orquestral: Interação entre o Humor dos Músicos e o Estilo de
Liderança de um Maestro]. Psychology of Music, 35 (1), 132-143
Chaffin, R., & Lisboa, T. (2008). Practicing Perfection: How Concert Soloists Prepare
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Performance]. Ictus, 9, 115-142.
Dobson, M., & Gaunt, H. (2015). Musical and Social Communication in Expert
Orchestral Performance [Comunicação Musical e Social em Performance Orquestral
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Palmer, C. (1997). Music Performance [Performance Musical]. Annual Review of
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Varela, F., Thompson, E., & Rosch, E. (1991). The embodied mind [A Mente
Incorporada]. Cambridge, MA: MIT Press
Anais

Metáforas e recursos imaginativos em


estratégias pedagógico musicais 63
Isadora Scheer Casari, 1

1
Departamento de Música, UNIRIO, Brasil
1
isadorascheer@hotmail.com
Resumo
Os sentidos experimentados com o corpo são relevantes em toda a área de investigação que tenha o
gesto como elemento crucial. O processo de objetivação do gesto pressupõe sentidos incorporados
como trajetória e apoio. As ações corporais que permitem a produção sonora — particularmente na
experiência da música — são construídas a partir de entendimentos que emergem da própria
experiência corporal com o movimento, com o deslocamento de peso, com a perda e a manutenção
do equilíbrio, com a realização de trajetórias e com a percepção das forças que atuam no movimento.
Na performance musical, entendimentos que são produzidos pelo corpo em ação são comunicados
em processos de ensino-aprendizagem. As imagens (visuais, cinestésicas) que construímos
mentalmente a fim de objetivar conhecimentos incorporados não estão disponíveis a terceiros.
Entendemos que a “metáfora conceitual” (Lakoff & Johnson, 1999; 2002) e os recursos imaginativos
e imagéticos são potentes comunicadores da experiência subjetiva e incorporada e desempenham um
papel importante nos processos de ensino-aprendizagem da performance musical. Nosso objetivo no
presente texto é propor uma categorização das estratégias de objetivação do conhecimento
incorporado empregados por dois professores experts de violino e de viola. Os dados em questão
foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas que visaram enfocar as expressões
linguísticas que possibilitam aos sujeitos objetivar suas reflexões subjetivas sobre seu conhecimento
prático. Os dados foram compilados, decompostos e recompostos para análise (Yin, 2016). Apoiamo-
nos em procedimentos de codificação propostos por Strauss e Corbin (2008) e de tais procedimentos
emergiram nossas principais categorias analíticas.
Palavras-chave: Metáfora, Imaginação, Pedagogia da Performance, Cognição Incorporada

Abstract
The meanings experienced within the body are relevant in all the research area that has the gesture
as a crucial element. The process of objectifying the gesture presupposes embodied meanings as
trajectory and support. Bodily actions that allow the sound production - particularly in the music
experience - are built from understandings that emerge from movement, the shifting of weight, the
loss and the maintenance of equilibrium, the completion of trajectories and with the perception of
the forces that act in the movement. In musical performance, understandings that are produced by
the body in action are communicated in teaching-learning processes. The images (visual,
kinaesthetic) that we construct mentally in order to objectify embodied knowledge are not available
to third parties. We understand that the "conceptual metaphor" (Lakoff &Johnson, 1999; 2002) and
the imaginative and imaginative resources are powerful communicators of subjective and embodied
experience and play an important role in the teaching-learning processes of musical performance.
Our objective in this text is to propose a categorization of the embodied knowledge objectivation
strategies employed by two expert violin and viola teachers. The data in question were collected
through semi-structured interviews that aimed to focus on the linguistic expressions that enable
subjects to objectify their subjective reflections on their practical knowledge. The data were
compiled, decomposed and recomposed for analysis (Yin, 2016). We rely on coding procedures
proposed by Strauss and Corbin (2008) and from these procedures emerged our main analytical
categories.
Keywords: Metaphor, Imagination, Performance Pedagogy, Embodied Cognition

INTRODUÇÃO
O professor ao querer comunicar a experiência de como um gesto é
sentido ou o entendimento de como o gesto deveria ser realizado e
percebido busca expressar sua experiência em palavras e, ao fazer isso, expõe
sua própria criação de uma organização gestual e seu próprio entendimento
sobre uma ação, o que se mostra, sobretudo, em suas construções metafó-
ricas e imaginativas. Conforme revisão feita por Turtelli, (2003) há uma
estreita relação entre a evocação de imagens e a realização de movimentos.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Na prática de atividades corporais, frequentemente são usadas imagens,


tanto visuais quanto cinestésicas, para ajudar os alunos a perceberem o
64 corpo e a se colocarem em um alinhamento adequado, como a imagem de
um eixo vertical que atravessa o corpo de cima a baixo para a manutenção
de uma postura alinhada e relaxada. Quando imaginamos uma ação,
tendemos a ter as reações corporais associadas a essa ação, o que pode
acarretar, em maior ou menor grau, um envolvimento de todo o corpo.
Nosso corpo mobiliza-se ao emprego de determinadas imagens, mesmo
que essas reações não sejam facilmente observáveis externamente, mas
apenas sentidas subjetivamente.
A imaginação tem um papel importante no estabelecimento de um
vínculo entre pensamentos e ações físicas por meio da criação consciente
de imagens que evocam qualidades presentes em movimentos. Quando
realizamos uma ação com o auxílio de uma imagem mental esta será
executada de uma forma específica. Isto quer dizer que certas qualidades
da ação serão especialmente destacadas pelo sujeito em sua experiência, o
que é diretamente relacionado ao emprego das imagens escolhidas.
Dependendo da imagem mantida pelo sujeito mentalmente, podem-se
produzir movimentos com diferentes qualidades, o que depende das
experiências prévias dos indivíduos.
Estudos sobre o uso de imagens em trabalhos de dança investigam o
potencial uso de imagens para produzir alterações em nossos movimentos
e em nosso organismo como um todo. Franklin (1996) defende
largamente a produção de imagens como ferramenta para a criação do
movimento. A técnica de realinhamento postural desenvolvida pelo autor
baseia-se no princípio de que por meio de imagens podemos acessar
controles subcorticais do movimento, que são geralmente de difícil acesso
consciente. Além disso, Franklin (1996) adverte que por meio de técnicas
de visualização é possível melhorar o alinhamento e o equilíbrio das
estruturas do sistema musco-esquelético.
As imagens utilizadas devem ter alguma ligação com a experiência dos
sujeitos, ou seja, devem ser baseadas em experiências prévias, pois se não
tivermos o conhecimento experiencial dos fatores envolvidos em uma
dada imagem, não seremos capazes de senti-la em nosso corpo. Se a pessoa
não se identificar com a imagem empregada ou não se sentir motivada por
ela, provavelmente não responderá fisicamente a seu emprego. Por isso, o
trabalho com imagens é frequentemente associado ao desenvolvimento da
percepção cinestésica, o que favorece ao sujeito vivenciar as imagens
sugeridas em seu próprio corpo.
Imagens não se restringem ao aspecto visual, a uma imagem ou à
representação de algo na consciência, por meio de uma forma visualmente
reconhecível ou representável. Tampouco configuram um fenômeno
estático cuja forma se cristaliza numa organização acabada. Imagem é um
modo de percepção de natureza fluida e dinâmica que constitui o próprio
ato da consciência (Damásio, 2015). A imagem é a experiência vivida dos
sujeitos, que encontra expressão visual, cinestésica, olfativa, gustativa e
auditiva. Se faz presente na construção de entendimentos e podem, até
certa medida, serem expressas pela linguagem. Enquanto partícipes da
construção de sentidos, as imagens formam uma Gestalt que, embora não
Anais

necessariamente possa ser apreendida racionalmente, é reconhecida como,


por exemplo, padrões que formam os esquemas de imagem (Johnson,
1987) e que nos possibilitam dar sentido ao vivido. Uma imagem pode 65
permanecer simplesmente como forma de uma percepção ou pode ainda
exercer um papel metafórico, rico em conexões com outras experiências e
imagens, portanto fértil em possibilidades de sentido.
As imagens são por sua natureza multimodais, expressam-se em
diferentes modos sensoriais. A metáfora é um veículo de sentidos. Por
conectar e atravessar diferentes modos de percepção e de cognição ela é
essencialmente transmodal. Em certos casos uma imagem é capaz de
motivar a ação, de forma que o corpo se articula em busca de entendimento
e ampliação das qualidades da ação, em uma dinâmica que pode ser
qualificada como criativa, intencional e produtiva e pode integrar a
construção de uma ação deliberada. Quando uma imagem funciona como
indutora de gestos e da qualidade de gestos, consideramos que ela funciona
como o domínio fonte para o entendimento de um gesto e de suas
qualidades, que são por sua vez o domínio alvo da inferência metafórica.
Na elaboração de suas estratégias narrativas, ambos os professores
entrevistados declaram que existe uma linguagem mais apropriada e eficaz
para comunicar experiências relativas à corporeidade e que o corpo
entende e responde melhor a um emprego específico da linguagem. Para
que o professor de instrumento possa intervir sobre o gesto de seus
estudantes é importante que ele dialogue com a experiência do aluno. Nesse
diálogo a metáfora e os recursos imaginativos se fazem presentes, na medida
em que são potenciais comunicadoras da experiência incorporada. O
predomínio da metáfora, do emprego de imagens que induzem sensações e
o uso de recursos imaginativos se fazem presentes nessa linguagem com o
objetivo de fazer emergir sensações relacionadas à produção sonora e de
sugerir certa disposição corporal para agir, o que relaciona-se com realização
de uma trajetória, a percepção de certo apoio e de certo equilíbrio, sentidos
que orientam a realização de uma ação deliberada.
Uma importante questão a ser desenvolvida nos processos de ensino-
aprendizagem do violino e da viola é a sistematização da narrativa gestual
do arco. Por “narrativa gestual” entendemos os processos de construção
de sentidos que participam do desenvolvimento de ações intencionais e
deliberadas como a distribuição de arco. Uma das funções da prática
cotidiana é a sistematização de ações, a ponto de elas poderem ser
empregadas em um nível subconsciente. Símbolos na partitura podem
ajudar no processo de introjeção da distribuição de arco, indicando se
determinado trecho será realizado na metade superior ou inferior do arco,
se determinada nota será realizada com mais ou menos arco, o que
determinará sua velocidade. Mas, de uma forma geral, essa narrativa é
cineticamente construída a partir de elaborações imagéticas e metafóricas
do executante. O intérprete decide a quantidade, velocidade, pressão e
ponto de contato que vai utilizar. Esse processo não é apenas intuitivo ou
simplesmente acontece de forma inconsciente, ele é construído pela
prática e pela deliberação sobre ação a partir de escolhas intencionais.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

ESTRATÉGIAS NARRATIVAS DE CONSTRUÇÃO DO GESTO


66
Recursos imaginativos
Na performance do violino e da viola, na ausência de referências visuais
que permitam um maior controle sobre a própria ação é importante que o
deslocamento espacial seja mapeado virtualmente na imaginação do
executante. A importância da imaginação cinestésica e o emprego de
recursos imaginativos emergem no discurso de ambos os professores
entrevistados. Notamos nos discursos analisados a presença de, pelo menos,
três tipos de imaginação cinestésica: a imaginação de trajetórias, sobretudo
no que diz respeito ao gesto do arco; a imaginação de distâncias, comum ao
dar sentido aos gestos da mão esquerda; e a imaginação do apoio, importante
tanto para o gesto do arco quando para a manutenção do equilíbrio
dinâmico do instrumento que se estabelece a partir de uma relação de apoio
e contra apoio da mão esquerda. O sentido de apoio funciona ainda como
um impulsionador da produção sonora. Consideramos que tanto a
imaginação de trajetórias quanto a de apoios referem-se não só à construção
de sentidos presentes nos gestos corporais, mas também agenciam a
elaboração de discursos sobre o sentido musical e sua imbricada relação com
a gestualidade no fazer musical. Mas essa discussão transcende os propósitos
do momento e, portanto, nos deteremos na discussão do seu papel somente
junto à elaboração de narrativas gestuais.

Imaginação de trajetórias
A imaginação de trajetórias é uma estratégia na busca de um deslocamento
espacial ideal, que significa mover-se com liberdade e com economia de
movimentos. Entender que o movimento que produz certo resultado
sonoro é construído, é entender que esse processo é intencional e que
depende da qualidade de ação do sujeito e em como essa ação é objetivada,
o que é diretamente relacionado a imaginação, fator relevante para a
deliberação sobre as qualidades presentes em uma ação como podemos
notar no seguinte trecho de entrevista:
Então se você precisa ter o arco reto, precisa passar reto sobre
as cordas, num ângulo de 90 graus. Essa reta, mesmo os
físicos e matemáticos hoje dizem, é a fração de um imenso
círculo. Então toda essa questão de círculos no toque é
importante. O Gallamian, quando fala em membro superior
direito, ele sempre fala num complexo de molejos. Ele
sempre está falando em mola, em molejo que, claro, é uma
espiral, que é uma curva com essa direção deslocada. Então o
retilíneo para nós é, sim, algo reto em 90 graus, mas não é
algo que não esteja acoplado a um movimento arredondado.
(…) Então você tem uma arcada que começa no talão, que
vai até a ponta, você pode mostrar ao aluno, isso aqui seria
parte de um imenso círculo que prosseguindo furaria o teto
e entraria pelo apartamento do vizinho, senão até dois
apartamentos acima e sairia do outro lado. É um pequeno
segmento desse imenso queijo redondo que você tem aí
(professor 1).
Anais

Ao sugerir por meio de um recurso imaginativo que o arco, um objeto


retilíneo é parte de um imenso círculo, o professor está induzindo certa
qualidade e certas características à ação de conduzir o arco sobre as cordas e, 67
com isso, além de sugerir certa vitalidade e trajetória a essa ação, convida o
aluno a perceber o movimento do arco como integrado a um grande círculo,
o que estimula uma maior participação da atenção sobre o movimento, além
de um maior engajamento na percepção de suas qualidades e na deliberação
sobre a ação que deve ser sentida como arredondada. Entendemos que esse
tipo de recurso imaginativo afeta e intervém na experiência incorporada dos
sujeitos. Esse exemplo objetiva, por meio de um recurso imaginativo de
trajetória, as sensações que emergem do gesto que conduz o arco.

Imaginação de distâncias
Então o Giuranna, conversando comigo, disse isso: a mão
esquerda em relação às duplas [cordas duplas] é geometria, é pura
geometria, é matemática. Quadratura, retângulo, triângulo, isso
tudo também é metafórico. Uma construção imaginativa. Ou
você tem uma escala maior sobre uma corda que você pode
digitar 1, 2, 3, 1,2 3, 4, 4 na subida, você também pode treinar
assim, naquela posição, 1, 2, 3, 1, 2 3, 4, 4 tudo dentro de uma
posição, você projeta ali, então é geométrica (professor 1).

Ao declarar que a mão esquerda obedece a uma geometria, o professor


cria uma estratégia narrativa imaginativa para dar sentido às distâncias entre
os dedos da mão esquerda assim como às distâncias percorridas nas
mudanças de posição. A imaginação dessa geometria é importante no
momento do estudo, com o objetivo de oferecer referências para que o
estudante possa desenvolver gestos precisos na mão esquerda. Imaginar essa
geometria é um recurso na direção de estabelecer marcações imaginárias no
corpo em interação com o instrumento que permitam a deliberação dos
gestos da mão esquerda. O dedilhado, enquanto obedecendo a uma
ordenação geométrica, pode ser transposto para fins de estudo, como no
exemplo dado no excerto acima, em que a mudança de posição entre os
dedos 3 e 1 é suprimida e o dedilhado é projetado em uma só posição.

Imaginação do apoio.
Eu sempre procuro mostrar cantando algo com uma voz que
pretende ser impostada e com outra que não pretende ser
impostada então … ou quando eu me apoio no diafragma.
Então sente que há um apoio constante do diafragma que eu
gostaria que passasse para o arco (…). Isso mexe muito na
produção sonora do aluno. E sabe que tem uma constância e
manutenção do arco que é indispensável para que o som seja
generoso (professor 1).

Apoio é um conceito fundamental na pedagogia vocal tradicional e está


relacionado não só à administração do ar e a habilidades respiratórias, mas
também a emissão, articulação, ressonância e projeção do som. (Alessandroni,
2015). Embora apoio não seja um conceito inerente à técnica do violino e da
viola, como é na técnica do canto, a sensação do apoio é um importante
parâmetro a ser desenvolvido em uma narrativa gestual, pois oferece uma
referência cinestésica para o desenvolvimento da sonoridade. Quando o
professor constrói uma estratégia narrativa de ensino-aprendizagem, visando
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

induzir a sensação de apoio no manuseio do arco, convida o estudante a


expandir, pela experiência sentida de apoio no diafragma, presente na
68 respiração e na produção sonora no canto, parâmetros norteadores para a
experiência gestual da produção sonora com o arco. Os papéis do diafragma
para os cantores e do arco para os instrumentistas de cordas são assim
correlatos, ambos devem ser sentidos como o apoio necessário para que a
produção sonora seja consistente. Mais do que declarar a importância do
canto e do solfejo para a produção sonora, o professor procura, pela analogia
com o canto, induzir a sensação de apoio e mostrar sua importância para
produção sonora, utilizando-se da experiência e das sensações que emergem
do diafragma.

Recursos metafóricos

Metáforas na percepção do corpo


Imagens, metáforas e recursos imaginativos, em geral, são utilizados em
muitas áreas que necessitam desenvolver a autopercepção corporal. Nos
processos de ensino-aprendizagem da performance musical esse tipo de
recurso narrativo emerge como forma de auxiliar o estudante na percepção
do próprio corpo e como um caminho na direção do desenvolvimento de
uma postura mais adequada a realização de ações musicais. Esse tipo de
recurso muitas vezes é utilizado de forma intuitiva, ou seja, não é
necessariamente um tipo de conhecimento sistematizado, mas aprendido
tanto na interação com outros professores, como também na tentativa de
conferir sentido às próprias ações.

Metáforas da sensação do gesto na produção sonora


Na produção do som, assim sobre o ponto de vista de
metáfora, a Bertha Volmer falava muito, sentir a resistência
da corda (…) quando você toca qualquer nota, a vareta cede,
a crina cede, e a corda também cede. Quer dizer, você tem
que sentir a resistência da corda. A nível de metáfora eu digo
que é como você apertar uma bola na piscina para dentro da
água. Então você empurra a bola, mas a água resiste e
empurra a bola para cima (professor 2).

Quando o professor usa, por exemplo, a imagem de uma bola que sofre
a resistência da água para se referir ao gesto do arco, ele está sugerindo
certa vitalidade a essa ação e está, por meio do emprego de uma imagem,
objetivando as sensações que emergem da gestualidade do arco na
performance do violino e da viola. Quando essa imagem ajuda o aluno a
compreender o gesto do arco que é no caso o domínio alvo da inferência
metafórica, essa imagem cumpre o papel de domínio fonte. Esse tipo de
recurso metafórico é capaz de condensar em um esquema, no caso o
esquema dinâmico de resistência e contrapressão, as relações de força
envolvidas na condução do arco.

Metáfora e resultado sonoro


Eu me lembro que a minha professora, a única que eu tive no
Brasil, que teve muito sucesso com seus alunos, sobretudo no
plano sonoro, que se chamava Yolanda Peixoto. Ela sempre
escrevia na partitura: ‘som pastoso, som pastoso’ e esse
pastoso já indicava à gente o que era (professor 1).
Anais

Metáforas, além de serem utilizadas para induzir certa disposição


corporal para a ação, são também amplamente empregadas para qualificar 69
e sugerir determinado resultado sonoro. Em vez de explicar e descrever o
tipo de sonoridade intencionada, o professor utiliza uma metáfora capaz de
condensar o tipo de resultado sonoro desejado. Entendemos que esse tipo
de recurso metafórico que visa sugerir determinada sonoridade atua
também na disposição corporal para agir, na corporeidade do aluno.

Metáfora e interpretação
Por exemplo no início da sonata de Debussy você vai começar
com um ré na corda ré harmônico as próximas nota são si, sol,
si … tudo sem vibrato, sem muita pressão, pouca pressão,
pouca velocidade, ponto de contato o mesmo porque naquele
momento eu quero que soe como algo impressionista, uma
pintura impressionista, onde eu vejo um borrão e mal
identifico o que está por trás dele. Em seguida, vem uma nota
súbito forte na corda sol …. mi…. Com muito vibrato. Então
você está sempre tendo que recorrer a um exemplo sonoro e
estabelecer relações, no caso com a pintura impressionista, por
exemplo. As coisas que devem soar de forma angelical e as
coisas que devem soar de forma carnal são exemplos que você
tem que dar e falar um pouco a respeito (professor 1).
Uma vez eu vi uma pessoa tocando a sonata de Debussy no
violino lá em Colônia e aquele negócio de você, depois da
interpretação, ver o que o professor falou … estava lá o
Rostal etc. e tal. Um falava que estava muito bem, bonito
tecnicamente, mas que ela precisaria ir a um Bafon lá em
Paris, no submundo para ver aquela atmosfera de Debussy,
de conhecer um pouco (professor 2).

O entendimento de que é preciso viver, emergir numa atmosfera interpre-


tativa em que elementos visuais e experienciais são apontados como impor-
tantes para a construção de uma concatenação de ações musicais corrobora a
hipótese de que habilidades musicais são construídas de maneira transmodal,
ou seja, transpassa diferentes modos de cognição e de mundos de sentido. O
exemplo da pintura impressionista, desprovida de contornos nítidos, apenas
manchas e cores e a evocação da atmosfera parisiense oitocentista emerge de
um mesmo entendimento que permeia narrativas pedagógico-musicais: a
interpretação é construída transmodalmente, num processo que agrega e
depende de elementos não apenas musicais.
Como sugerem teorias incorporadas da experiência musical, ouvir sons e
dar sentido a eles como música é uma abstração de relações estabelecidas
primeiramente de nossa ação corporal no mundo e pela vivência de experiên-
cias com o concreto e o material, como subir e descer, sofrer a restrição causada
por objetos físicos ou o simples ato de caminhar, que configura uma trajetória.
Se o próprio ato de objetivar sons como música emerge da experiência
humana de movimento e de seus desdobramentos, não existe música
constituída de elementos que sejam apenas musicais – ou mesmo aquilo que
denominamos música é uma abstração, como qualquer outra, inelutavelmente
metafórica. Além de ser oriunda de sentidos construídos pela corporeidade em
ação e na relação com o ambiente, a música é criada e executada em um
contexto cultural, uma “atmosfera” que nos permite estabelecer paralelos entre
sentido musical e ambiência cultural. Ao querer que o resultado soe como uma
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

pintura impressionista, o professor quer induzir por meio de uma imagem de


experiência visual certa sonoridade.
70
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na elaboração de estratégias narrativas de objetivação do conhecimento


gestual, observamos o emprego sistemático da imaginação metafórica. Os
recursos imaginativos implicados foram categorizados em imaginação: de
trajetórias, de distâncias e do apoio. Os recursos metafóricos foram
categorizados em metáforas: da percepção do corpo, da sensação do gesto
na produção sonora e de interpretação.
Ambos os professores têm a preocupação em desenvolver uma
linguagem que permita a comunicação do conhecimento incorporado. Esta
linguagem explora sobretudo procedimentos imagéticos e metafóricos, a
fim de objetivar o conhecimento e a competência gestual na performance,
corroborando nossa hipótese de que os recursos imagéticos, imaginativos e
metafóricos têm um papel central tanto na objetivação do conhecimento
incorporado quanto em seus processos de comunicação em situações de
ensino-aprendizagem. O emprego de imagens visa sobretudo sugerir
sensações ao estudante com o objetivo de intervir em sua elaboração
gestual. Ao funcionarem como domínio fonte para a objetivação do gesto
na performance, as imagens são um recurso metafórico que intervém na
percepção do próprio corpo, na emergência da sensação do gesto na
produção sonora, no resultado sonoro, assim como na interpretação.

Referências
Alessandroni, N. (2015). Desarollo conceptual, metáfora y metonímia: Un modelo para
compreender la trayectoria cognitiva del concepto “appoggio”. Epistemus: revista de
estudios em Música, Cognición y Cultura, 3, 69-87.
Damásio, A. (2015). O mistério da consciência. São Paulo: Companhia das letras.
Franklin, E. N. (1996). Dynamic alignment through imagery. Illinois: Human Kinetics.
Lakoff, G. & Johnson, M. (1999). Philosophy in the Flesh: The embodied mind and its
challenge to western thought. New York: Basic Books.
Lakoff, G. & Johnson, M. (2002). Metáforas da vida cotidiana. São Paulo: Mercado das
letras.
Johnson, M. (1987). The body in the mind: The bodily basis of meaning, imagination and
reason. Chicago: University of Chicago Press.
Turtelli, L. S. (2003). Relações entre imagem corporal e movimento: uma reflexão a
partir de uma pesquisa bibliográfica. (Dissertação mestrado). Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, Brasil.
Yin, R. (2016). Pesquisa qualitativa do início ao fim. Porto Alegre: Penso.
Strauss. A & Cordin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o
desenvolvimento de teoria fundamentada. Porto Alegre: Artmed.
Anais

MAIO 29 | May 29
SESSÃO L3
Comunicações Orais | Oral Presentations
71

SALA 3, 14h
Coordenador da sessão | Session Chair:: Ricardo Dourado Freire

14:00
Contribuições da neurociência para o estudo da plasticidade
cerebral induzida pelo treinamento musical
Maria Clotilde Henriques Tavares, Ricardo Dourado Freire

14:30
Análise musical por descritores de áudio baseados em
modelos psicoacústicos
Micael Antunes Silva, Tales Eduardo Pelison Botechia, Danilo
Augusto de Albuquerque Rossetti, Jônatas Manzolli

15:00
Improvisação ao piano com o uso do software
MIROR-Impro: Um estudo exploratório com
alunos de bacharelado em piano no Brasil
Luciana Fernandes Hamond, Anna Rita Addessi, Viviane Beineke
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Contribuições da neurociência para o estudo da


72 plasticidade cerebral induzida pelo
treinamento musical
Maria Clotilde Henriques Tavares,1 Ricardo Dourado Freire2
1
Departamento de Ciências Fisiológicas, Universidade de Brasília, Brasil
2
Departamento de Música, Instituto de Artes,
Universidade de Brasília, Brasil
1
mchtavares@gmail.com, 2freireri@unb.br

Resumo
A música enquanto estímulo sensorial é altamente complexa e estruturada em várias dimensões. O
seu processamento pelo cérebro requer a participação de áreas relacionadas à cognição, à emoção
e articula redes multissensoriais e motoras que se sobrepõem. A neurociência cognitiva tem
contribuído significativamente para a compreensão sobre como o cérebro interage com a música
na medida em que suas conexões neurais se entrelaçam de forma multifacetada com diversos
aspectos da cognição humana. Ouvir e, especialmente, produzir música promovem alterações
plásticas que ocorrem em níveis estruturais e funcionais do sistema nervoso, em escalas de tempo
variáveis, resultando em mudanças comportamentais associadas ao treinamento musical de longo
prazo. Baseado nas evidências da literatura sobre o potencial da música para alterar a organização
cerebral e aumentar a sua conectividade de modo incomparável a qualquer outra atividade
conhecida, apresentamos as principais contribuições da neurociência para o estudo da plasticidade
induzida pelo treinamento musical com foco naquelas obtidas por meio do uso de técnicas de
neuroimagem, que permitem visualizar áreas do cérebro em funcionamento enquanto ocorre um
estímulo sensorial.
Palavras-chave: Cérebro, cognição, prática musical, neuroimagem, treinamento musical

Abstract
Music, as a sensory stimulus, is highly complex and structured in several dimensions. The brain
processing of music requires the participation of areas related to cognition, emotion and joints
overlapping multisensory and motor networks. Cognitive neuroscience has played an important
role in understanding the brain’s ability to deal with music as its neural connections intertwine in
a multifaceted way with various aspects of human cognition. To listen and especially to produce
music promote structural and functional changes at the nervous system functions at varying time
scales and result in behavioral changes associated with long-term musical training. Considering
the potential of music to produce changes at the brain organization and improve its connectivity
in a uncomparable way to any other known activity, we present the main contributions of
neuroscience to the study of the plasticity induced by musical training with focus on those
obtained through neuroimaging techniques that allow visualizing working areas of the brain
while a sensory stimulus occurs.
Keywords: Brain, cognition, music practice, neuroimage, music training

INTRODUÇÃO
A atração humana pela música transcende barreiras culturais, razão pela
qual ela é encontrada em inúmeras culturas distintas (Sloboda, 2008). Não
necessitamos ter um conhecimento formal de música ou sermos
particularmente musicais para apreciá-la ou respondermos profundamente
à música, ela faz parte da nossa natureza e não existe cultura humana em que
ela não seja altamente desenvolvida ou apreciada (Sacks, 2007). De forma
importante, a música influenciou o nosso desenvolvimento ontogenético e
evolução e desempenha funções significativas na nossa vida diária (Pearce &
Rohmeier, 2012).
No entanto, se considerada do ponto de vista físico, a música é uma
mera coleção de sons com várias alturas, durações e outras características
fundamentais às quais a nossa mente atribui um significado, desenvolve
Anais

expectativas e promove respostas de natureza multidimensional (Sloboda,


2008), que incluem entre outros aspectos, emoções profundas e significativas.
Este fenômeno ocorre porque biologicamente, o nosso cérebro é musical, ou 73
seja, ele possui as bases neurais para processar a música (Perani et al., 2010).
O resultado é que quando ouvimos ou produzimos música, ocorre em
nosso cérebro o engajamento simultâneo de diversos processos bastante
complexos em termos perceptuais, cognitivos, motores e emocionais uma
vez que a música tem a habilidade única de conectar simultaneamente várias
áreas cerebrais (Koelsch, 2014), ativar redes neurais alternativas (Herholz &
Zatorre, 2012), modular funções fisiológicas e comportamentais, além de
ativar sistemas de gratificação e nosso senso estético e modificar o
funcionamento do cérebro (Sloboda, 2008).
A performance musical em nível profissional é uma das mais complexas
realizações humanas (Münte, Altenmüller & Jäncke, 2002). Musicistas
consideram a música em termos de características como melodias, harmonias,
temas, ritmos e tempos. No entanto, esses aspectos dependem de um forte
acoplamento entre percepção e ação que é mediado pela integração de regiões
sensoriais, motoras e multimodais distribuídas em todo o cérebro (Wan &
Schlaug, 2010; Brown, Zatorre & Penhune, 2015; Schlaug, 2014) que funda-
mentam os processos de atenção, linguagem, aprendizado e memória
(Perrone-Capano et al., 2017). Por meio do feedback auditivo, o musicista é
capaz de controlar a sua performance motora na qual seus movimentos são
fortemente relacionados às emoções processadas pelo sistema límbico. Tais
circunstâncias parecem desempenhar um importante papel para as adaptações
plásticas em vários níveis do Sistema nervoso Central (Altenmüller, 2106).
Dada tal complexidade, a música tem sido um importante objeto de
estudo para a área de neurociência (Pearce & Rohmeier, 2012), ciência
multidisciplinar que integra várias áreas como a biologia, a química, a física
e a psicologia e investiga o sistema nervoso sob três aspectos: estrutura (quais
os seus componentes e onde se localizam), função (como o sistema nervoso
se desenvolve, funciona e quais os seus mecanismos) e comportamento (como
o desenvolvimento e funcionamento do sistema nervoso ocorrem em
condições normais e patológicas e como afetam o nosso comportamento)
(Bear, 2015).
Compreender o complexo funcionamento do cérebro enquanto principal
elemento do sistema nervoso sob diferentes níveis de análise (moleculares,
celulares, sistêmicos, comportamentais e cognitivos, em ordem crescente de
complexidade) tem sido um grande desafio para a neurociência clínica e
experimental (Bear, 2015) e a música é apontada como um modelo ideal para
auxiliar nesse entendimento sobretudo após o advento das técnicas de
neuroimagem funcional ocorrido na década de 90, que impulsionou de
forma extraordinária o desenvolvimento de estudos relativos à forma como
ela é processada pelo sistema nervoso. Constatou-se, por exemplo, que áreas
do cérebro são ativadas durante o curso de uma atividade específica (di
Porzio, 2016), o que proporcionou uma maior compreensão dos mecanismos
neurais subjacentes à cognição humana e consequentemente, à cognição
musical (Cheever et al. 2018). Evidências produzidas pela neurociência nos
últimos vinte e cinco anos, convincentemente, indicam que o treinamento
musical de longo prazo e a aprendizagem de habilidades sensoriomotoras
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

exercem efeitos significativos sobre a estrutura e o funcionamento do sistema


nervoso (Merrett, Peretz & Wilson, 2013; Schlaug, 2014). Nessa perspectiva,
74 abordaremos as principais contribuições do campo da neurociência para o
estudo da plasticidade cerebral induzida pelo treinamento musical com base
na literatura científica da área.

A PLASTICIDADE CEREBRAL E A MÚSICA


A interação entre a música e o cérebro é bastante complexa de modo que
o cérebro de musicistas tem se mostrado uma excelente ferramenta para o
estudo da plasticidade induzida pelo treinamento (Schlaug, 2001; Münte et al.,
2002). Os termos “neuroplasticidade” ou “plasticidade” referem-se à capacidade
do cérebro de modificar parcialmente sua estrutura e/ou funcionamento em
resposta à experiência ou ao treinamento. A plasticidade designa a capacidade
de adaptação do sistema nervoso, especialmente dos seus neurônios às
mudanças nas condições às quais o indivíduo é exposto (Bear, 2015). A
descoberta da plasticidade produziu mudanças profundas na visão da ciência
que por cerca de 400 anos pressupunha que o sistema nervoso era imutável,
incapaz de adaptar-se e modificar-se em reposta ao ambiente. A visão da
época era a de que após a infância, o cérebro só era alterado pelo longo
processo de declínio associado ao envelhecimento. A teoria do “cérebro
imutável” decretava que indivíduos que nasciam com limitações estariam
condenados com essas limitações para sempre e que o tratamento neuro-
lógico para muitos transtornos cerebrais seria ineficaz (Doidge, 2016).
Porém, evidências produzidas por Paul Bach-y-Rita, e vários outros
pesquisadores que o sucederam, demonstraram que o cérebro é capaz de
alterar sua função quando necessário e de se reorganizar após lesões.
Bach-y-Rita demonstrou que deficientes visuais congênitos tornavam-se
capazes de enxergar a partir de um aparato desenvolvido por ele que
transmitia, através da língua, sinais elétricos para o sistema visual que
eram codificados como imagens e em apenas duas horas após um indi-
víduo ter os olhos vendados, sinais extras de toque eram transmitidos
através dos centros visuais ao seu cérebro. Eventualmente, regiões inteiras
da função visual mudam para outras funções - pessoas cegas usam o córtex
visual para ouvir, e surdas leem muito melhor do que outras. Tais evidên-
cias geraram dúvidas quanto à visão engessada da época, que foi gradual-
mente substituída pela visão atual de que o cérebro é “plástico” (Doidge,
2016).
A plasticidade designa a capacidade de adaptação do sistema nervoso,
especialmente dos seus neurônios às mudanças nas condições às quais o
indivíduo é exposto. Neurônios são células responsáveis pelo processamento
e pela transmissão de sinais elétricos e químicos (ou impulsos nervosos) no
sistema nervoso¹ e que juntamente com as células da glia, formam grandes
redes neurais. A cada vez que um estímulo incide sobre o sistema nervoso,
ele produz sobre os neurônios uma modificação, uma espécie de marca e
de acordo com as interações entre o indivíduo e o ambiente, essas marcas
vão se tornando registradas de forma temporária ou permanente, o que
faz com que o cérebro reorganize a sua estrutura e o seu funcionamento
(Bear, 2015; Doidge, 2016). Tais modificações em resposta às ações do
ambiente externo incluem desde a resposta do sistema nervoso a lesões
Anais

traumáticas e destrutivas de suas estruturas, até alterações sutis resultantes


dos processos de aprendizagem e memória e são uma característica
marcante e constante da função neural. Desse modo, a plasticidade não se 75
limita ao cérebro que se encontra em processo de desenvolvimento, o que
ocorre de forma significativa nos primeiros anos de vida até a
adolescência, mas, embora menos pronunciadas, ela também ocorre na
fase adulta (Wan & Schlaug, 2010).
No contexto musical, evidências apontam que modificações no sistema
nervoso podem ocorrer a partir do engajamento contínuo de regiões
cerebrais envolvidas na percepção e na execução musical durante o processo
de aprendizagem (Benz, Sellaro, Hommel, & Colzato, 2016). Para que algum
conteúdo seja aprendido/ memorizado é necessário a ocorrência dessas
modificações estruturais no sistema nervoso, de forma que esses processos
dependem da plasticidade nas conexões das redes neurais que parecem
ocorrer em grandes áreas distribuídas em todo o cérebro. Na verdade, essa
pode ser a única maneira de aprendermos, muito embora estejamos ainda
longe de compreender os mecanismos que fundamentam as importantes
interrelações entre a aprendizagem e a plasticidade nos circuitos cerebrais
(Doidge, 2016).

O PROCESSAMENTO DA MÚSICA PELO CÉREBRO E A


PLASTICIDADE CEREBRAL INDUZIDA PELO TREINAMENTO
MUSICAL
Não existe um centro único no cérebro para o processamento musical
(Jäncke, 2009a, b), impactos significativos sobre a estrutura e funcionamento
do cérebro gerados por ouvir ou produzir música envolvem várias áreas
cerebrais associadas ao processamento da audição de sons complexos, ao
processamento de elementos sintáticos comuns à linguagem e à música, ao
processamento da visão, ao processamento dos movimentos e do ritmo, ao
processamento das funções cognitivas superiores, ao processamento do
significado, das sensações de prazer (Janata, 2005; Peretz & Zatorre, 2005;
Perrone-Capano et al., 2017), de senso estético e até mesmo áreas cerebrais
relacionadas à previsibilidade (Zatorre, 2013).
Adquirir e manter habilidades musicais tem efeitos importantes e
quantificáveis na rede de neurônios do cérebro e no seu funcionamento,
o que promove mudanças comportamentais, estruturais e funcionais em
escalas de tempo que variam de dias a anos e são manifestações da
plasticidade cerebral (Dalla Bella, 2016). Por essa razão, o treinamento
musical emergiu como uma ferramenta promissora para a investigação da
plasticidade no cérebro humano, sendo a música considerada uma
tecnologia transformadora da mente (Patel, 2010).
A primeira evidência de que o treinamento musical de longo prazo
podia alterar plasticamente funções sensoriais e modificar a representação
corporal² em nível cortical foi verificada em áreas cerebrais do córtex
somestésico de músicos que tocavam instrumentos de corda (violistas,
violoncelistas e guitarrista) com a constatação de que a representação
cortical dos dedos da mão esquerda (a mão do dedilhado) era maior nesses
músicos do que nos indivíduos do grupo de comparação. No caso da mão
direita, em que nenhum movimento independente dos dedos é necessário
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

para a prática do instrumento, não havia diferenças quanto a sua


representação entre músicos das cordas e o grupo de comparação. Além
76 disso, a reorganização cortical da representação dos dedos era mais
pronunciada em músicos que haviam começado seu treinamento musical
em tenra idade (Elbert et al., 1995). Esses resultados sugeriram que a
representação de diferentes partes do corpo no córtex somatossensorial
primário dos seres humanos dependia do uso e das mudanças para se
adequar às necessidades e experiências dos indivíduos (Münte, et al., 2002).
Estudos posteriores compararam o cérebro de músicos profissionais,
músicos amadores e não-músicos (Schneider et al., 2002; Gaser & Schlaug,
2003) e verificaram alterações estruturais e funcionais em diversas áreas
cerebrais auditivas e motoras dos músicos profissionais, quando comparados
aos não-músicos e um aumento da atividade neural no córtex auditivo em
reposta a notas tocadas em um piano em músicos que eram pianistas. Mais
tarde, em um estudo considerado divisor de águas na literatura (Bengtsson et
al., 2005), foram demonstradas, por meio de ressonância magnética funcional,
correlações positivas entre a prática de piano e a organização dos feixes de fibras
de massa branca do cérebro de crianças, adolescentes e adultos. Pianistas
apresentavam um aumento desses feixes como o trato corticoespinhal
(envolvido no controle de movimentos voluntários) e o corpo caloso (estrutura
responsável por comunicar os dois hemisférios cerebrais). O grau de
modificação dessas estruturas estava correlacionado positivamente a dois
aspectos: o número de horas de prática e a idade de início do treinamento
musical. Maiores graus de modificação das estruturas foram observados para os
musicistas que haviam iniciado mais precocemente o treinamento musical e
tinham maior número de horas de prática (Bengtsson et al., 2005). A conclusão
do estudo foi a de que o treinamento musical de longo prazo, dentro de
períodos críticos de desenvolvimento, era capaz de induzir plasticidade em
feixes específicos de massa branca (Kraus & Chandrasekaran, 2010). Isto deu
suporte à ideia de janelas temporais de desenvolvimento do sistema nervoso
(ou períodos críticos) sensíveis à plasticidade associados ao treinamento
musical. Essas janelas de oportunidade já haviam sido descritas para o sistema
visual e para o aprendizado de uma segunda língua (Schlaug, 2010; White
et al., 2013; Doidge, 2016). O estudo em questão foi um dos primeiros a
demonstrar a ligação entre a experiência musical, enquanto habilidade
aprendida e consolidada a partir de extensas horas de prática, e a respectiva
plasticidade da massa branca do cérebro. O estudo permitiu também
investigar a plasticidade induzida pela prática em um contexto impossível de
ser investigado em laboratório, uma vez que os pianistas tinham dezenas de
milhares de horas de prática instrumental (Steele & Zatorre, 2018).
Diante desses resultados, a questão natural que se colocava era por
quanto tempo durariam esses efeitos plásticos induzidos pelo treinamento
musical? O endereçamento apropriado para as conclusões de Bengtsson
et al. (2005), requeria a condução de estudos longitudinais, o que ocorreu
ao se investigar por meio da técnica de tractografia por tensor de difusão,
que permite quantificar a espessura de estruturas corticais específicas, os
tratos da massa branca do cérebro de indivíduos antes e após o apren-
dizado de malabarismos (Scholz et al., 2009). Resultados deste estudo
revelaram alterações significativas nos feixes da substância branca em
regiões perto de onde a massa cinzenta cerebral também havia sofrido
Anais

alterações e foram associadas às habilidades visuoespaciais presentes no


malabarismo. Tais mudanças foram observadas após seis semanas de
treinamento intensivo e as alterações da massa branca persistiram por até um 77
mês após o término do treinamento (Scholz et al., 2009). Diferenças na
matéria cinzenta foram também documentadas entre músicos e não músicos
(Bermudez & Zatorre, 2005). Outros estudos comparando músicos adultos
com músicos de mesmo nível revelaram diferenças estruturais e funcionais
em regiões cerebrais de importância musical, como áreas sensoriais, audi-
tivas e áreas de integração multimodal (Schmithorst & Wilke, 2002;
Schlaug, 2006; Hyde et al, 2009).
Desde então, houve uma avalanche de estudos explorando o impacto do
treinamento musical na estrutura do cérebro e um interesse considerável em
compreender a durabilidade dessas mudanças anatômicas, que podem persistir
por décadas, mas em outros casos, podem ser transitórias e, talvez, reflitam um
processo de reorganização do próprio sistema nervoso (Steele & Zatorre,
2018). Evidências mais robustas da plasticidade induzida pelo treinamento
musical em estudos longitudinais ou randomizados mediante a comparação
de crianças e adultos músicos com não-músicos utilizando técnicas avançadas
de neuroimagem (particularmente com ressonância magnética funcional -
fMRI, e imagem por tensor de difusão - DTI) apontaram diferenças morfo-
lógicas e funcionais no cérebro dos músicos comparados aos não-músicos. As
diferenças foram observadas em termos de volume, morfologia (estrutura),
densidade, conectividade e atividade funcional entre uma série de áreas e
estruturas cerebrais como o cerebelo, córtex motor, córtex auditivo e corpo
caloso (Bermudez et al., 2009; Merrett et al., 2013; Perrone-Capano et al.,
2017; Reybrouck, Vuust, & Brattico, 2018).
Atualmente sabe-se que 15 meses de treinamento musical são suficientes
para produzir alterações plásticas de longo prazo sobre o sistema nervoso
(Hyde et al. 2009). Naturalmente, diferenças pré-existentes, fatores genéticos,
ambientais ou individuais não podem ser descartados na indução de plasti-
cidade por treinamento musical e nem se pode minimizar a importância de
outras variáveis presentes no processo de treinamento, dentre as quais
comentamos brevemente a idade de início do treinamento musical, o tipo de
treinamento, o tipo de instrumento musical e o ouvido absoluto (Merrett et
al. 2013; Zatorre, 2013)
Em termos da idade de início de treinamento musical, diversos benefícios
são descritos para crianças que começam em idade precoce (Bugos &
DeMarie, 2017) na medida em que ele expõe a criança a desafios por meio de
uma experiência multissensorial integradora que demanda altos níveis de
atenção, memória e outras habilidades cognitivas importantes para o seu
desenvolvimento (Dumont, Syurua, Feron and Hooren, 2017; Nunes-Silva,
Tavares & Vanzella, in press). Alterações anatômicas observadas na porção
anterior do corpo caloso em músicos que iniciaram o treinamento musical
antes dos sete anos de idade (comparados a não-músicos) foram documentadas
por Schlaug et al. (1995ª,b) e corroborados posteriormente por estudos que
demonstraram diferenças em outras regiões motoras, como o trato corti-
coespinhal e o córtex sensoriomotor (Imfield, 2009; Hudziak, 2014). A
exemplo do que ocorre em termos de habilidades no sistema visual (Bear,
2010) estes resultados sugerem a ocorrência de uma janela de oportunidade
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

para o desenvolvimento de habilidades motoras no sistema nervoso (para


revisão ver Penhune, 2011). Assim, pergunta-se: alterações estruturais
78 induzidas pelo treinamento musical precoce durante períodos críticos do
desenvolvimento do sistema nervoso seriam mantidas mesmo quando o
treinamento é interrompido imediatamente após esse período? Ou haveria um
ponto a partir do qual as alterações neuroplásticas tornar-se-iam fixas?
Estudo realizado com adolescentes demonstrou que o treinamento musical
iniciado nessa fase do desenvolvimento prolongou a estabilidade do
processamento subcortical do som e acelerou a maturação cortical de respostas
auditvas, o que sugere que ele pode melhorar o processamento neural do som
e conferir benefícios para as habilidades de linguagem (Tierney, Krizman &
Kraus, 2015). No que se refere a adultos, estudos apontam alterações
estruturais no sistema nervosos induzidas por uma tarefa motora complexa
após uma semana de treinamento e o retorno à linha de base na ausência do
treinamento, ainda que a prática sistemática leve concomitantemente ao
aumento da habilidade (Draganski et. al., 2004; Driemeyer et al., 2008). Disso,
podemos deduzir que é o ato de aprender uma tarefa que leva à plasticidade e não
a prática sistemática dessa tarefa ou a sua manutenção. Assim, são relevantes o
treinamento inicial, a prática acumulada mas também o quão recente a prática
da tarefa ocorreu. Tais fatores interatuam como variáveis moderadoras da
neuroplasticidade induzida pelo treinamento e geram importantes implicações
para os programas de treinamento, sobretudo para aqueles cujo foco recaem
no aprendizado de novas tarefas em detrimento dos que baseiam-se na
repetição de tarefas anteriormente aprendidas (Merret et al., 2013).
No que se refere ao tipo de instrumento e de treinamento musical,
músicos apresentaram melhores respostas auditivas funcionais para o seu
próprio instrumento de treinamento (Pantev et al., 1998) e especificidade
para timbres relacionados ao seu histórico de treinamento comparados a
não-músicos (Pantev, 2001) e músicos que tocam de ouvido ou improviso
parecem processar informações musicais complexas de forma mais acurada
do que músicos classicamente treinados, com diferenças verificadas em
suas respostas neurais auditivas (Tervaniemi et al., 2001). Já em termos do
ouvido absoluto³, são documentadas diferenças anatômicas e funcionais
para os seus portadores quando comparados àqueles que não possuem essa
habilidade, a saber, maior espessura cortical no giro temporal superior
esquerdo (Lu et al., 2014) e uma pronunciada assimetria em favor do
hemisfério esquerdo verificada no plano temporal do córtex auditivo,
sendo esta dissociada do treinamento musical estabelecido em idade
precoce (Keenan et al., 2001). Em termos funcionais, observa-se uma
ativação de áreas cerebrais distintas em reposta a estímulos musicais entre
os portadores e não portadores de ouvido absoluto. Enquanto músicos com
ouvido absoluto recrutam áreas no sulco temporal superior esquerdo e no
córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo, músicos sem ouvido absoluto,
mostram maior envolvimento do hemisfério direito e de estruturas
relacionadas à memória operacional, o que sugere o uso de estratégias
cognitivas diferentes para o processamento de alturas (Schulze, Gaab, &
Schlaug, 2009; Wilson et al., 2008).
Podemos dizer que existem evidências crescentes de que há no cérebro
uma rede bilateral em larga escala em diversas regiões (frontais, temporais,
Anais

parietais, cerebelares, límbicas e para-límbicas) associadas ao processamento


musical (Koelsch, 2014; Zatorre e Salimpoor, 2013; Janata, 2015) suscetíveis a
adaptações plásticas moldadas pelo treinamento musical (Kraus e 79
Chandrasekaran, 2010; Herholz e Zatorre, 2012). Diversos estudos utilizando
técnicas de neuroimagem funcional apontam diferenças estruturais e
funcionais significativas associadas ao treinamento musical no cérebro de
músicos comparados a não-músicos. Adicionalmente, outro conjunto robusto
de evidências demonstra o impacto do treinamento musical para domínios
cognitivos distais, não relacionados ao domínio musical (Moreno &
Bidelman, 2014). Porém para que tenhamos uma maior compreensão sobre
os efeitos neuroplásticos induzidos pelo treinamento musical é necessário
investigar como o desenvolvimento interage com a experiência na mode-
lagem da estrutura cerebral, como as modificações estruturais cerebrais podem
interagir com predisposições genéticas e que medidas macroscópicas como as
utilizadas nos estudos de imagem podem informar sobre os fundamentos da
plasticidade (Steele & Zatorre, 2018).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O treinamento musical de longo prazo tem contribuído de forma
relavante para a compreensão da plasticidade do cérebro humano na
medida em que a música parece ser um importante fator modulador desse
fenômeno. Resultados advindos dessa área de investigação podem
contribuir para o entendimento acerca da música e sua interrelação com
os processos de aprendizagem e memória assim como suas implicações
para o desenvolvimento cognitivo humano. Adicionalmente, a promoção
da plasticidade cerebral abre perspectivas para uma maior compreensão
das implicações advindas da utilização do treinamento musical enquanto
recurso educacional, assim como para o uso da música enquanto recurso
clínico e terapêutico como um gatilho para melhorar a funcionalidade do
cérebro tanto em indivíduos normais como aqueles com patologias.

Notas
1 No sistema nervoso, os corpos celulares dos neurônios compõem o que chamamos de substância
(matéria ou massa) cinzenta e as células da glia e os prolongamentos dos neurônios formam a substância
(matéria ou massa) branca, sendo parte desses neurônios revestidos pela mielina espécie de condutor que
amplifica a velocidade de transmissão das informações no sistema nervos e que confere a esse tecido o
seu aspecto esbranquiçado. A massa branca está associada principalmente à velocidade de processamento
do sistema nervoso ou conectividade enquanto a massa cinzenta é responsável por interpretar e processar
os sinais neurais ou impulsos nervosos e gerar a cognição.
2 No cérebro, essa área que ocorre bilateralmente nos hemisférios, contém uma representação
topográfica ordenada de nosso corpo na qual há uma magnificação em termos de tamanho para aquelas
áreas de maior sensibilidade corporal. Essa área foi descrita pelos pesquisadores W. Penfield e T. Ramusen
na década de 1950 e é conhecida como o “homúnculo de Penfield”, uma representação caricata da figura
humana em que dedos, mãos, faces, boca, língua e pés são retratados em tamanho desproporcional em
relação às outras partes do corpo, que possuem menor grau de sensibilidade e quantidade de células
receptoras para as sensações corpóreas. Representação topográfica similar é encontrada no córtex motor
primário (M1) e para as modalidades auditivas e visuais com os seus mapas tonotópicos e retinotópicos
respectivamente encontrados em nível periférico e central do sistema nervoso.
3 O ouvido absoluto é defini do como a habilidade de identificar corretamente ou entoar alturas
(pitches) sem uma referência externa.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

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Anais

Análise musical por descritores de áudio baseados


em modelos psicoacústicos 83
Micael Antunes da Silva, Tales Botechia, Danilo Rossetti ,
1 2 3

e Jônatas Manzolli4
1,2,3,4
Instituto de Artes/ Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora,
Universidade de Campinas, Brasil
1
micael.silva@nics.unicamp.br, 2tales.botechia@nics.unicamp.br, 3
danilo.rossetti@nics.unicamp.br, 4jonatas@nics.unicamp.br

Resumo
O presente artigo descreve a análise de duas peças acusmáticas ancoradas em descritores
psicoacústicos. As expansões tecnológicas do último século, levaram a composição musical ao
encontro dos fenômenos perceptivos e esses tornaram-se uma de suas interfaces para criação e
análise. Estudos atuais abrem espaço para a aplicação de suporte computacional no contexto da
musicologia sistêmica. Nosso artigo contextualiza e atualiza essa discussão, descreve a metodologia
de análise e discute os resultados.
Palavras-chave: análise musical, descritores de áudio, música acusmática, sharpness, escala bark.

Abstract
This paper describes the analysis of two electroacoustic pieces anchored in psychoacoustic
descriptors. The technological expansions of the last century have brought the musical
composition to the perceptual phenomena and these have become one of its interfaces for creation
and analysis. Current studies open the way for the application of computer support in the context
of systematic musicology. Our article contextualizes and updates this discussion, describes the
analysis methodology and discusses the results.
Keywords: musical analysis, audio descriptors, acousmatic music, sharpness, bark scale.

INTRODUÇÃO
No contexto da percepção musical, o limiar entre a distinção das
diferentes vozes dentro de uma polifonia e o intervalo de tempo no qual a
escuta funde essas vozes numa massa sonora é conhecido e bem definido.
Esse fenômeno foi recorrente em diferentes momentos da história da
música como, por exemplo, na expansão da polifonia no período da
Renascença. Essa técnica composicional levou a construção de obras com
diversas vozes independentes e, muitas vezes, as vozes imbricadas nessas
texturas polifônicas não podiam ser discriminadas pelo ouvinte. No século
XX, a chamada música de massas sonoras surgiu com destaque. Compositores
como Gÿorgy Ligeti, Krzysztof Penderecki e Iannis Xenakis, desenvolveram
essa estética, cada qual à sua maneira, em obras instrumentais e eletroacústicas.
Esse enfoque do século XX se apoia de maneira importante no estudo
da psicoacústica. Sethares (1998) realizou um exaustivo trabalho sobre
sistemas de afinação, relacionou o timbre com a dissonância sensorial e
aplicou essa abordagem para analisar a música clássica tailandesa. Parncutt
(2012) desenvolveu uma metodologia de análise da harmonia tonal a
partir de modelos psicoacústicos. Vassilakis (2001) implementou um
descritor de rugosidade para analisar arquivos de áudio. Além disso, há
ferramentas tecnológicas disponíveis de acesso livre como o software
Sonic Visualizer. Nele, já há um conjunto de rotinas que implementam
modelos psicoacústicos. Foram essas as ferramentas que utilizamos na
nossa análise, como veremos a seguir.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

A análise musical via descritores de áudio, construídos com modelos


psicoacústicos (aqui denominados de descritores psicoacústicos) tem como
84 objetivo aproximar o resultado sonoro da gravação de uma obra com a
recepção do ouvinte. Na análise que apresentaremos, os descritores têm a
propriedade de revelar nuances do timbre percebido e permitir a visualização
de uma possível segmentação formal das peças. Por se tratar de peças
acusmáticas e, portanto, não possuírem partituras, as representações gráficas
fornecidas pelos dados extraídos dos descritores permitem a constituição de
um pensamento cognitivo sobre elas através da comparação das informações
provenientes da análise por descritores com outras informações analíticas
extraídas pela escuta. Assim, aplicando essa possibilidade como método
analítico, este artigo apresenta um recorte da pesquisa desenvolvida pelos
autores com o foco nas gravações de performances ou de peças acusmáticas.
No recorte epistêmico aqui adotado, interpretamos os fenômenos sonoros
consequentes de uma peça musical, como estruturas perceptivas emergentes.

ELEMENTOS DAS OBRAS


Neste trabalho propomos uma análise comparativa de duas obras
acusmáticas, Asperezas (2018), de Micael Antunes, e Utopia (2018), de
Tales Botechia. Essas obras são baseadas no fenômeno perceptivo de
sobreposição de diferentes camadas sonoras que geram a percepção de
uma massa sonora que emerge da fusão entre as camadas constituintes.
Para uma melhor contextualização das obras, a definição do tempe-
ramento por igual se faz necessária, tendo em vista que essa discussão está
presente no processo composicional das peças aqui estudadas. O
temperamento por igual é um sistema de afinação que consiste em dividir
a oitava em um número de parte iguais. Embora no contexto da música
ocidental seja comumente relacionado à divisão em 12 partes, o tempe-
ramento por igual permite outras divisões da oitava. A peça Utopia, por
exemplo, foi criada com a divisão da oitava em 53 partes. Essa divisão tem
como referência histórica os teóricos da Grécia Antiga que utilizaram o
sistema pitagórico para obter essa particionamento da oitava. Ressalta-se
aqui que no modelo pitagórico, essas partições eram geradas com
proporções de números inteiros. Essa mesma divisão também foi utilizada
na China, e no Ocidente, por teóricos do século XVII como Mersenne,
Kirchner e Mercator (Barbour, 1951). A divisão da oitava em 53 partes tem
como uma de suas principais qualidades a afinação muito próxima de
quintas perfeitas, com a diferença de 0.1 cent de semitom.
Uma das propostas composicionais que atravessam este artigo é a
presença do fenômeno de timbre em movimento, tal como descrita por
Ligeti (2010). Segundo o compositor, esta foi uma consequência de
técnicas aprendidas em estúdio em seu trabalho com a música eletrônica
como assistente de G. M. Koenig. Em experimentos, Ligeti narra que
criava fusões a partir de um grande número de sequências sonoras
projetadas, separadamente, criando uma complexa polifonia. Nessa
técnica, diferentes elementos rítmicos, de curta duração e superpostos em
camadas, se fundem. Esse procedimento foi denominado posteriormente
de micropolifonia. Segundo ele "o tecido atinge tal densidade que as vozes
não são mais perceptíveis em sua individualidade e se pode apreender
Anais

apenas como um todo, em um nível mais elevado de percepção" (LIGETI,


2010, p. 185).
85
METODOLOGIA DA ANÁLISE

Análise musical com descritores de áudio


Fazemos aqui uma breve exposição dos descritores empregados na nossa
análise. O primeiro deles, o descritor de Irregularidade Espectral calcula a
variação de magnitude das frequências do espectro de duas janelas de análise
adjacentes (Simurra, 2018). A hipótese que fazemos é que esse descritor se
relaciona com o fenômeno psicoacústico da rugosidade. O Sharpness é rela-
cionado com a sensação de estabilidade e densidade de um som (Falst,
Zwicker, 2007, p. 249). O descritor bark coefficients, de bandas críticas (baseado
na escala bark), representa o espectro de frequências audíveis a partir de uma
divisão de frequências baseada num modelo da membrana basilar (Zwicker,
1961). Este modelo é importante no estudo da psicoacústica pois desdobra-se
em fenômenos perceptivos como mascaramento e rugosidade. A escolha
desses três descritores para a análise aqui descrita nos permitiu aprofundar os
estudos do comportamento de certas características perceptivas sobre estru-
turas sonoras recorrentes.
A análise das peças foi realizada em conjunto entre os autores, e se
deu cumprindo as seguintes etapas:
1- Escuta das peças em conjunto com a visualização das
representações gráficas dos descritores de áudio.
2- Segmentação das obras utilizando os dados dos descritores que se
mostraram relevantes do ponto de vista musical.
3- Análise comparativa das peças de modo a revelar semelhanças e
diferenças.
4- Discussões musicológicas desencadeadas a partir das análises.
É importante frisar que o método de análise buscou interpretar os
dados obtidos nos descritores à luz de questões musicais que se funda-
mentam nas referências do campo da composição musical, tal como
expostas na introdução.

Contextualização das peças


Asperezas (2018) de Micael Antunes

Vassilakis (2001, p. 24-25) destaca três categorias perceptivas


relacionadas à variação de amplitude do som: a primeira é o batimento, que
ocorre quando dois sons estão em uma diferença de 1Hz a cerca de 20Hz.
A segunda é a rugosidade, que se inicia no limiar da percepção de
batimentos até atingir um pico (1/4 da banda crítica, segundo o modelo
de rugosidade). Depois decai até atingir uma diferença maior que a de
uma banda crítica. Nesse estado há uma ausência de percepção de variação de
amplitude. A peça Asperezas teve como motivação a própria definição de
Vassilakis de rugosidade. Ou seja, se explorou na composição uma
passagem contínua entre batimentos, rugosidade e ausência de percepção
de variação de amplitude.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Para atingir tal objetivo, a peça foi inteiramente composta a partir de


Síntese FM¹, utilizando o Sintetizador Helm como gerador dos sons². Neste
86 patch, a onda portadora (onda triangular) sempre tem frequências e
amplitudes fixas, extraídas de uma escala do temperamento por igual (12
partes) e alteradas a cada seção da peça. Já a onda moduladora possui uma
mudança contínua em sua frequência e amplitude, com valores que giram
em torno da frequência e amplitude da onda portadora. Além disso, o índice
de modulação também é alterado continuamente. Desse modo, obtém-se o
resultado de uma contínua transformação espectral e de intensidade, que
visa reproduzir os fenômenos perceptivos destacados por Vassilakis (2001).
Cada seção da peça tem uma ou mais frequências centrais extraídas de uma
escala do temperamento por igual em 12 partes (Silva, 2018, p. 72-78). A
peça inicia com relações harmônicas entre essas frequências centrais, que
caminham no decorrer da peça para a inarmonicidade. A consequência é
um crescente adensamento dos fenômenos perceptivos.

Utopia (2018) de Tales Botechia

O material harmônico da peça foi criado a partir do temperamento


igual em 53 partes da oitava. A forma da peça é pensada como um arco,
cujo o elemento que se desenvolve de modo mais proeminente é uma
textura constituída de 7 alturas diferentes da escala temperada em 53
partes. Seguindo o arco, essa textura aumenta em intensidade e em seu
âmbito de oitavas, expandindo-se até uma distribuição de 5 oitavas. As
transições de expansão e contração dessa textura são marcadas por uma
unidade sonora em que pode-se perceber a sequência de dois acordes,
sendo o primeiro em fade in e o seguinte em fade out.
A respeito da textura principal da peça, cada uma de suas 7 alturas é
elaborada por uma síntese subtrativa de ruído rosa³ com uma fundamental
e outros 3 parciais de oitava. Esses parciais tornam-se proporcionalmente
mais audíveis de acordo com a intensidade enviada ao sintetizador. Ondas
senoidais alternam rapidamente e aleatoriamente entre os primeiros 16
parciais e com uma alteração de 7 ou 8 Hz em relação à altura da série
harmônica. Essas 7 alturas, por sua vez, criam micro arcos de intensidade
em fade in/out, cada uma com uma duração própria, gerando uma
densidade sempre mutável no resultado final da textura.
A unidade sonora que indica a transição é feita por uma passagem entre
ruído rosa filtrado e onda dente de serra. Outras sínteses, com sons de
ataques mais pontuais também permeiam a peça, e sempre seguindo a
divisão escalar de 53 partes por oitava.

RESULTADOS DAS ANÁLISE

Asperezas
Na Fig. 1 apresentamos os gráficos dos descritores irregularidade
espectral, sharpness e escala Bark da peça Asperezas. A seguir discutimos
e analisamos as informações obtidas a partir dos gráficos.
Anais

87

Figura 1: Descritores da peça Asperezas (2018). De cima para baixo: Irregularidade Espectral,
Bark Coefficients e Sharpness.

Irregularidade Espectral. A percepção de irregularidade espectral é


reveladora da percepção da forma da peça Asperezas, dado que seu discurso
harmônico é baseado em oscilações do nível de rugosidade por meio da
manipulação da síntese FM. Observamos uma grande movimentação do
nível de irregularidade durante a peça, a partir da grande quantidade de
picos e vales. Ou seja, a microestrutura da peça é formada por uma oscila-
ção constante que pode ser medida através das variações desse descritor.
Essa oscilação constante é reforçada quando olhamos a frequência de
variação do nível de sharpness.
Ao proceder uma análise segmentada, observando o perfil formado pelos
picos de irregularidade, conseguimos também visualizar o comportamento
macroestrutural da peça. Operamos a segmentação em três partes: Na
primeira parte, do início até 4'51'', podemos observar uma crescente nos
picos de irregularidade, até 1'16'', onde ocorre o pico mais alto deste
segmento. A partir desse ponto culminante, os picos de irregularidade
decrescem, até 4'46''. A segunda parte, que em nossa segmentação vai de
4'52'' até 6'54'' é marcada por uma menor variação nos valores dos picos de
irregularidade. Em um terceiro momento, que vai de 6'55'' até 9'31'', temos
os níveis mais altos de irregularidade espectral, os quais são acompanhados
das maiores variações de regularidade de toda a peça.
Coeficientes da escala bark. Observando os coeficientes da escala bark,
percebemos que há uma grande distribuição de energia nas 19 primeiras
bandas críticas no início e no final da peça, que oscilam em conjunto com
a intensidade. Assim, podemos verificar que o nível de energia no plano
das frequências e intensidades ocorrem de maneira contínua. No centro
há uma maior concentração de energia em regiões específicas, com
energia maior energia em pontos entre 2 e 20 barks. Também é possível
notar que há um trânsito de energia contínuo entre bandas críticas, que
se deve pelas mudanças espectrais e de altura, causados pela síntese FM.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Sendo assim, verificamos que existem pontos mais estáveis e mais instáveis
na descrição das bandas críticas.
88 Há uma grande correspondência com o descritor de irregularidade
espectral, pois os fenômenos de irregularidade estão intimamente ligados à
quantidade e distribuição de energia entre a escala bark. A partir da mesma
segmentação realizada com o descritor de irregularidade, observamos que
na primeira parte, há grande energia entre os barks 2 e 4, sendo que ao
mesmo tempo toda a extensão das bandas críticas está recebendo energia
espectral. A maior energia em todas as bandas críticas, e especialmente no
grave, é encontrada em conjunto com o pico de irregularidade espectral do
primeiro segmento. A partir deste ponto, inicia-se um processo de rare-
fação da energia nas bandas críticas, em paralelo com a queda de irregu-
laridade apontada na seção anterior. Essa rarefação terá como consequência
a concentração das energias em bandas críticas específicas ao longo do
espectro, que perdurará até a seção 3, onde a irregularidade espectral
demonstra maior estabilidade. Na terceira segmentação, uma concentração
de energia em bark muito próximos (entre 4 e 8), além de um aumento de
energia em todas as outras bandas em uma intensidade inédita na peça,
causando os já citados pontos mais altos de movimentação do espectro. Por
fim, temos uma queda de energia nas bandas, que marca o final da peça.
Sharpness. Esse descritor possui perfil em que é possível destacar a
variação contínua que se observa nas características espectrais e de inten-
sidade da microforma da peça. Em um perfil geral, também é possível
traçar comparações com as análises realizadas com os dados extraídos
pelos descritores de irregularidade e escala bark, pois exibem uma curva
que se inicia crescente e após um pico, caminha até um vale, de onde
parte um perfil crescente durante o resto de toda a peça.

Utopia

Na Fig. 2 mostramos as curvas dos descritores irregularidade espectral,


sharpness e escala bark para essa peça. Dada a correlação formal presente na
peça em se criar um arco tanto na distribuição de alturas quanto em nível
de intensidade, os descritores utilizados apresentam alguns resultados em
comum que podem ser ressaltados de modo mais generalizado. A forma
geral tem uma tendência ascendente até alcançar o ponto alto próximo de
4’00’’ e permanece nesse ápice com curvas de pequenas variâncias até
aproximadamente 5’38’’, quando começa uma tendência descendente que
segue até o final da peça. Os pontos de transição, em todos os descritores,
são marcados por picos em todos seus pontos de aparição.
Irregularidade Espectral. Além de seguir a forma geral, esse descritor é o
que apresenta a maior variação em suas curvas, sejam estas presentes nos
picos de transição, como no momento de 4’00’’ a 5’38’’. Vale ressaltar que
os picos de transição passam a apresentar curvas mais extremas conforme
a intensidade aumenta. Esse aspecto de irregularidade é mais destacado
nas transições devido à qualidade timbrística do sintetizador que, para
criar um efeito de chorus, amplia proporcionalmente a quantidade de
batimentos em relação à sua intensidade.
Anais

89

Figura 2: Descritores da peça Utopia (2018). De cima para baixo: Irregularidade Espectral,
Bark Coefficients e Sharpness.

Coeficientes de escala Bark. Há uma relação clara entre a distribuição de


oitavas criada pela textura e os coeficientes da escala Bark. Nos momentos
de menor distribuição de oitavas (início e fim), os barks 2 e 3 são os que
contêm mais energia; já o momento com maior expansão da textura, há um
grande acúmulo de energia nos barks de 1 a 18. Em todos os momentos, os
picos de transição são mais constantes e, portanto, mais visíveis apenas nas
partes em que o acúmulo de energia está concentrado em poucos barks.
Sharpness. As curvas apresentadas por ambos se assemelham àquelas
vistas pelo descritor de irregularidade espectral, além das características
gerais a todos, como picos nos pontos de transição e uma forma em arco.
Porém o destaque se dá aos pequenos picos e vales que são bastante
correlacionados, no ponto de vista da escuta, com a percepção de
densidade da textura.

DISCUSSÕES
Podemos notar em ambas as peças que, apesar das diferenças de
estruturação dos materiais sonoros, seus desenvolvimentos ocorrem através
de evoluções timbrísticas, especialmente em relação à percepção de
adensamento e rarefação textural. Além disso, é possível perceber que a
estruturação no nível microtemporal de seus sons reflete a macroforma de
cada peça. Em Asperezas, a percepção de rugosidade e intensidade planejadas
para construir a síntese FM podem ser vistas também na forma da peça.
Desse mesmo modo, as evoluções de fade in/fade out presentes na textura
base de Utopia se relacionam com a forma em arco da peça e na sua
distribuição de oitavas, além da aparição de outros sons mais pontuais
próximos do ápice.
Notamos ainda que a noção de textura percebida nas peças está associada
à de timbre em movimento mencionada por Ligeti, ou seja, de um som cujo
timbre emerge das relações de fusão de diferentes timbres concomitantes.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Os descritores auxiliam assim na detecção dos momentos das peças em


que a fusão desses timbres é percebida.
90 É importante ressaltar aqui o papel que os descritores de áudio
podem desempenhar na segmentação de obras que atuam dentro do
contexto da música de massas sonoras, que apoiam nas possibilidades
de fusão, segregação e transformação do timbre seu discurso musical.
Como vimos em nossas análises, os descritores fornecem dados que nos
permitem observar de maneira mais minuciosa essas transformações,
sendo que neste contexto o recorte que utilizamos prezou por uma
aproximação com os fenômenos perceptivos. Assim, conseguimos
proceder a segmentação das obras aqui estudadas, abrindo caminho
para a apreensão da forma musical. Essa metodologia também poderá
ser utilizada em trabalhos futuros para a análise da música de massas no
contexto da música instrumental, buscando elucidar questões que estão
além das estruturas musicais sugeridas pela partitura.
Futuros trabalhos, além de aprofundar as questões aqui exploradas,
poderão buscar compreender como essa abordagem analítica pode
gerar novos processos composicionais. Métodos de síntese e geração
de material sonoro, ou mesmo planejamento da forma de uma peça
baseada na exploração de parâmetros relacionados com fenômenos nas
bandas críticas podem contribuir com o campo da composição que
tem na interação com o som e em suas consequências o seu discurso
musical. Por fim, entendemos que estas análises poderão gerar
questões que podem ser exploradas em trabalhos experimentais na área
das ciências cognitivas.

Agradecimentos
Mencionamos aqui os auxílios que suportam esta pesquisa, que é
desenvolvida no Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora
(NICS-Unicamp). Danilo Rossetti tem sua pesquisa de pós-doutorado
financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP), processo nº 2016/23433-8. Jônatas Manzolli recebe
auxílio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), processos 304431/2018-4 e 429620/2018-7.

Notas
1 Para o entendimento do processo de síntese FM, Cf. Chowning, 1974.
2 Para uma descrição detalhada da técnica de síntese utilizada e de seus parâmetros, ver Silva,
2018, p. 72-78.
3 Puckette (2006) define a síntese subtrativa como “a técnica de usar filtros para modelar o
envelope espectral de um som, formando outro som, geralmente preservando qualidades do
som original tais quais altura, roughness (rugosidade), noisiness (nível de ruído), ou graniness
(granularidade).”
Anais

Referências
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Michigan State College Press. 91
Botechia, T. (2018). Utopia. Acesso em 26 April, 2019, disponível em
https://soundcloud.com/tales-botechia/utopia-revisada-2018
Cannam, C., Landone, C., & Sandler, M. (2010). Sonic visualiser: An open source
application for viewing, analysing, and annotating music audio files. Proceedings of the
18th ACM international conference on Multimedia, Itália, 1467-1468.
Fastl, H. & Zwicker, E. (2007). Psychoacoustics: facts and models. Berlin: Springer.
Ligeti, G. (2010). Neuf essais sur la musique. Genebra: Éditions Contrechamps.
Parncutt, R. (2012). Harmony: A psychoacoustical approach. Springer Science & Business
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Classification) in the CUIDADO Project (Cuidado Project Report). Ircam. Acessado
em 26 May, 2019, disponível em
http://recherche.ircam.fr/anasyn/peeters/ARTICLES/Peeters_2003_cuidadoaudiofeatu
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Puckette, M. (2006). The Theory and Technique of Electronic Music. Acesso em 25 April,
2019, disponível em http://msp.ucsd.edu/techniques/latest/book.pdf
Rossetti, D.; Manzolli, J. (2017). De Montserrat às ressonâncias do piano: uma análise com
descritores de áudio. Opus, 23(3), 193-221. doi: 10.20504/opus2017c2309
Sethares, W. A. (1998). Tuning, timbre, spectrum, scale. Springer Science & Business Media.
Silva, M. .A. (2018). Asperezas. Acesso em 25 April, 2019, disponível em
https://soundcloud.com/micaelantunes/asperezas-binaural
Silva, M. A. (2018) Redução da dissonância sensorial em uma escala temperada utilizando
timbres inarmônicos: uma abordagem experimental e aplicações artísticas (Dissertação de
mestrado) Universidade de São Paulo, São Paulo.
Simurra, I. E. (2018). Análise Musical Assistida por Descritores de Áudio: um estudo de
caso da obra Reflexões de Jônatas Manzolli. Musica Theorica, 3(1), 33-67. ISSN 2525-
5541
Vassilakis, P. N. (2001). Perceptual and physical properties of amplitude fluctuation and their
musical significance (Tese de Doutorado) University of California, Los Angeles.
Zwicker, E. (1961). Subdivision of the audible frequency range into critical bands
(Frequenzgruppen). The Journal of the Acoustical Society of America, 33(2), 248-248.
doi: 10.1121.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Improvisação ao piano com o uso do software


92 MIROR-Impro: um estudo exploratório com
alunos de Bacharelado em Piano no Brasil
Luciana Fernandes Hamond,1 Anna Rita Addessi2 e Viviane Beineke3
Programa de Pós-graduação em Música (PPGMUS),
1,3

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Brasil


2
Departamento de Estudos em Educação, Universidade de Bologna, Itália
1
luhamond@yahoo.com, 2annarita.addessi@unibo.it, 3vivibk@gmail.com

Resumo
Estudos de pesquisa recentes (Hamond, 2017; Welch et al., 2005) forneceram evidências sobre os
benefícios do uso de tecnologia, quando utilizada, para aprimorar os aspectos específicos na
aprendizagem de instrumento e canto, no contexto de aulas individuais. A aplicação de tecnologia
pode gerar tipos de feedback adicionais ao provido pelo professor, comumente encontrado em aulas
individuais. Tipos de feedback adicionais seja visual em tempo real ou visual combinado com auditivo
em tempo posteriori aumentam a consciência do aluno sobre seu processo de aprendizagem. A
improvisação é uma prática comum entre os licenciandos, pois é uma das habilidades funcionais
essenciais para a atuação com professores na escola básica. No entanto, a improvisação pode ser um
desafio para os bacharelandos, que têm o piano como instrumento principal em aulas individuais em
que o foco está na interpretação pianística de repertório solo de diferentes períodos. O objetivo desta
pesquisa é investigar o desenvolvimento da improvisação com alunos regulares do curso de
Bacharelado em Piano de uma instituição de ensino superior brasileira, com o uso do software
MIROR-Impro mediado pela pesquisadora. Dois alunos de bacharelado tiveram duas sessões com
tecnologia registradas em vídeo; duas entrevistas semiestruturadas foram conduzidas a fim de
compreender as perspectivas dos alunos quanto ao uso dessa tecnologia. Os relatos dos bacharelandos
auxiliam na compreensão sobre a possível aplicação desta tecnologia, destacando os benefícios e
limitações quanto ao uso do software MIROR-Impro com alunos de Bacharelado em Piano, no
desenvolvimento de improvisação em instrumentos de teclado.
Palavras-chave: Feedback. Educação Musical e Tecnologias Digitais. Improvisação. Pedagogia do
Piano.

Abstract
Studies of recent research (Hamond, 2017; Welch et al., 2005) provided evidence on the benefits of
using technology when used to enhance specific aspects of instrument and singing learning in the
context of individual classes. The application of technology can generate additional types of feedback
than that provided by the teacher, commonly found in individual classes. Additional types of feedback,
whether real-time visual or visual combined with posterior-time auditory, increase student awareness
of their learning process. Improvisation is a common practice among undergraduates, as it is one of
the functional skills essential for acting with teachers in elementary school. However, improvisation
can be a challenge for bachelor's degree students, who have the piano as their primary instrument in
individuals classes where the focus is on pianistic solo repertoire interpretation from different periods.
The aim of this research is to investigate the development of improvisation with regular students of
the Piano Bachelor course of a Brazilian higher education institution, using the researcher-mediated
MIROR-Impro software. Two bachelor students had two video-recorded technology sessions; two
semi-structured interviews were conducted to understand students' perspectives on the use of this
technology. Bachelor students' reports help to understand the possible application of this technology,
highlighting the benefits and limitations of using MIROR-Impro software with Piano Bachelor
students in the development of improvisation on keyboard instruments.
Keywords: Feedback. Music Education and Digital Technologies. Improvisation. Piano
Pedagogy.

INTRODUÇÃO
Este artigo é um recorte da pesquisa de pós-doutorado e apresenta
revisão bibliográfica, metodologia, resultados parciais e discussões sobre o
Anais

uso de feedback mediado por tecnologia, para o desenvolvimento de


improvisação ao piano por alunos de Bacharelado em Piano, no contexto
de instituição de ensino superior no Brasil.¹,² 93
Feedback é essencial para a aprendizagem, sendo geralmente fornecido por
um agente, por exemplo, professores, colegas, livro, própria experiência, em
relação ao desempenho do aluno (Hattie & Timperley, 2007). No contexto
de ensino e aprendizagem de instrumento e canto presencial, o feedback pode
ser intrapessoal e interpessoal. O feedback intrapessoal ocorre no interior do
indivíduo: auditivo, visual e proprioceptivo, incluindo o cinestésico e o tátil
(ver Hamond 2017 para uma revisão desses trabalhos). O feedback interpessoal
ocorre entre dois indivíduos, podendo ser verbal ou não verbal. Os verbais
envolvem os seguintes comportamentos: dar instruções, fazer perguntas,
fornecer informações, prover feedback geral e outros comentários; e os não
verbais englobam: tocar, tocar com o aluno, modelar, imitar como o aluno
toca, fazer gestos, bater o pulso, e fazer expressões faciais (ver Hamond 2017
para uma revisão desses trabalhos). O feedback interpessoal também pode
ocorrer entre um indivíduo e a tecnologia por meio de feedback visual em
tempo real em aulas de canto (Welch et al., 2005) e em tempo real e posteriori
na em aulas de piano (Hamond, 2017), ambos no ensino superior.
Há evidências dos benefícios da aplicação da tecnologia no ensino
regular de música em escolas no Reino Unido (Himonides, 2012) como
ferramenta para a abordagem de ensino transformadora (Savage, 2007),
trazendo um ambiente de aprendizagem mais colaborativo (King, 2008).
No Brasil, o uso de tecnologias digitais em educação musical também
proporciona ‘um espaço colaborativo para discussão, construção e formação
do espírito crítico entre alunos e professores’ (Cernev, 2018, p.24). No
entanto, a aplicação de tecnologias digitais ‘deverá ser utilizada de forma
adequada para que as experiências de aprendizagem na música sejam
significativas’ (Oliveira et al, 2016, p.82).
A improvisação é uma das habilidades funcionais a ser desenvolvida
pelos alunos de Licenciatura em Música, podendo ser desenvolvida durante
a formação do futuro professor de música que irá atuar na escola básica ou
em outros espaços educacionais (Machado, 2016). Devido ao foco no
desenvolvimento técnico e interpretativo nos cursos de Bacharelado em
Piano, a improvisação tem sido uma atividade desafiadora para alunos de
graduação. Desta forma, a vivência de atividades dentro da prática criativa
como improvisação, composição e arranjo é fundamental e pode favorecer
sua melhor atuação como profissional, seja como instrumentista, professor
ou professor-músico (Glaser & Fonterrada, 2007).
A improvisação e composição musical de crianças têm sido investigadas
por diversos autores (Addessi, et al. 2017, Beineke, 2011; França & Swanwick,
2002). A finalidade teórico-metodológica da atividade da composição é de
‘[proporcionar] amplas possibilidades para a tomada de decisões musicais pelo
estudante, visando o desenvolvimento da autonomia’ (Beineke, 2003, p. 91).
A apresentação das composições de crianças em sala de aula faz com que elas
exerçam as três modalidades do fazer musical (França & Swanwick, 2002) ao
participarem ‘como compositor, executante ou audiência crítica’ (Beineke,
2011, p. 100). A atividade de composição em grupo pode proporcionar a
‘participação colaborativa entre as crianças e favorece a aprendizagem criativa,
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

na medida em que envolve negociação e tomada de decisões musicais pelas


crianças, que participam ativamente do processo de aprendizagem’ (Beineke,
94 2011, p. 101).
As atividades de composição ou improvisação de crianças têm sido
investigadas por meio do uso de tecnologia digital na Itália no projeto
europeu MIROR. A plataforma MIROR (Musical Interaction Relying On
Reflexion/ interação musical com base na reflexão) ‘é capaz de responder a
improvisação que a criança realizou no teclado por meio de uma saída
“reflexiva”, espelhando (com repetições e variações) a entrada de dados [que
foi realizada pela criança]’ (Addessi et al. 2017, p.1). O recurso ‘[da] interação
reflexiva sozinha [playback das improvisações] pode ser suficiente para
aumentar as habilidades de improvisação’ (Addessi et al., 2017, p.1). Os
resultados dessa pesquisa sugerem que ‘a interação reflexiva aumenta a
aprendizagem musical e criatividade musical em crianças’ e estão relacionados
com ‘[a] experiência de fluxo e os comportamentos de escuta das crianças
interagindo com um sistema reflexivo interativo’ (Addessi, 2014, p. 227).
Apesar do software MIROR-Impro ter mostrado benefícios no
desenvolvimento de improvisação com crianças, a plataforma foi criada
originalmente para atender jovens adultos músicos no desenvolvimento de
improvisações (Pachet, 2006), mas tem sido pouco investigada para esse
público. Além disso, a prática da improvisação oferece outros benefícios,
por exemplo, diminui a ansiedade (Pachet, 2006), e aumenta o estado de
fluxo (Addessi et al., 2017). O desenvolvimento da improvisação por meio
de tecnologia MIROR-Impro para o aluno de Bacharelado em Piano pode
ter um efeito não só no desenvolvimento da improvisação como parte de
suas habilidades funcionais, mas também pode melhorar o bem-estar do
aluno em apresentações em público.

OBJETIVO
As investigações recentes mostram evidências do impacto que as
aplicações de diversos tipos de tecnologia têm na educação musical
(Hamond, 2017; Himonides, 2012; Welch et al., 2005), especificamente
no ensino e aprendizagem e desenvolvimento de improvisação em
instrumentos de teclado (Addessi, 2014; Addessi et al., 2017; Pachet,
2006). Apesar de reconhecer o impacto desses resultados de estudos sobre
a prática no contexto de educação musical do Brasil, onde algumas
pesquisas experimentais estão em andamento (por exemplo Pscheidt et al.,
2019), é necessário realizar mais estudos. A divulgação e aplicação de
resultados de investigações sobre a prática de uma instituição de ensino
superior pode impulsionar a adoção de práticas pedagógicas na área de
educação musical que são essenciais para continuar o diálogo entre
pesquisa e prática pedagógica.
O objetivo geral dessa pesquisa é investigar os usos pedagógicos do
software MIROR-Impro, por meio de feedback adicional gerado por
tecnologia no desenvolvimento de improvisação em instrumentos de
teclado (piano digital), no contexto de uma instituição de ensino superior
brasileira, com alunos e seus professores para compreender as suas
perspectivas sobre o uso dessa tecnologia no curso de Bacharelado em
Piano. Os objetivos específicos dessa pesquisa são: (a) investigar o uso
Anais

pedagógico do software MIROR-Impro como ferramenta na


improvisação em instrumentos de teclado com alunos adultos; e (b)
investigar as funções e os tipos de feedback adicionais (visual e auditivo) 95
disponíveis que possam otimizar o processo da improvisação ao piano.
Visto a lacuna nas pesquisas brasileiras investigando sistematicamente o
uso de tecnologias digitais na educação musical, especificamente com
alunos de instrumento (piano), essa pesquisa se torna relevante. Essa
pesquisa visa contribuir para um melhor entendimento do uso do software
MIROR com interações reflexivas (playback das improvisações em sincronia
com suas respectivas visualizações em piano roll), para o desenvolvimento e
aprimoramento de improvisação musical por alunos de Bacharelado em
Piano, ao lado da pesquisadora (primeira autora) como facilitadora da
tecnologia.

METODOLOGIA E MÉTODOS
A metodologia adotada nessa pesquisa foi um estudo exploratório de
caso-ação (Braa & Vidgen, 1995) de natureza qualitativa. A coleta de
dados envolveu registro em vídeo e observação de duas sessões com o uso
do software MIROR-Impro com os dois alunos de Bacharelado em Piano;
duas entrevistas semiestruturadas com os alunos; e um grupo focal com
alunos e respectivo professor de piano com utilização de excertos de
vídeos de sessões, registradas para discussão e debate das perspectivas dos
participantes sobre o uso do MIROR-Impro. Uma análise de dados
qualitativa de métodos múltiplos foi realizada.

Participantes
Dois alunos de Bacharelado em Piano da última fase e seu respectivo
professor de uma instituição de ensino superior brasileira participaram
nesta pesquisa, juntamente com a pesquisadora (primeira autora). Os
participantes voluntários foram informados sobre os objetivos desse
estudo e consentiram a participação na pesquisa permitindo a coleta de
dados em vídeo e áudio e divulgação de resultados da pesquisa, seguindo
os procedimentos éticos.

Materiais/ Equipamentos
A pesquisa utilizou os seguintes recursos tecnológicos: piano digital,
cabos MIDI (Musical Instrument Digital Interface), um computador laptop,
rodando o software MIROR-Impro versão 3.15, uma tela de computador
adicional e um cabo VGA para as sessões para explorar o uso do software
MIROR-Impro com os alunos participantes. Os equipamentos para
coleta de dados foram duas câmeras digitais, dois tripés para as câmeras
digitais para as sessões e um gravador de voz, tanto para as sessões quanto
para as entrevistas e grupo focal.

Procedimentos de coleta de dados


A coleta de dados envolveu: (a) registro em vídeo das observações de
duas sessões por aluno com o uso do software MIROR-Impro (n = 4):
alunos participantes foram convidados a improvisar livremente e utilizar
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

o software mediado pela pesquisadora; (b) registro em áudio de duas


entrevistas por aluno (n = 4); e (c) registro em vídeo e áudio do grupo
96 focal com alunos participantes e respectivo professor (n = 1). O registro
de vídeo das sessões foi realizado por duas câmeras, uma capturando a
interação entre o participante e a tela de computador, e outra capturando
a tela do computador adicional.

Análise de dados
Este trabalho apresenta resultados parciais das entrevistas semiestruturadas
realizadas com os dois alunos de piano participantes. As entrevistas foram
transcritas voluntariamente por um aluno do curso de Licenciatura em
Música e conferidas pela primeira autora do artigo. A análise qualitativa de
dados está em andamento. O software NVivo11 (QSR International) para
análise qualitativa de dados está sendo utilizado para organizar os dados da
observação em vídeo, e dados de áudio das entrevistas com os alunos
participantes e dados de áudio e vídeo do grupo focal com alunos e professor.
A análise temática (Braun & Clarke, 2008) das transcrições está em andamento.
A sistematização final da análise será realizada com auxílio do QSR
International NVivo11. As próximas etapas de análise de dados serão a
triangulação dos dados coletados – registros em vídeo das observações, das
entrevistas e do grupo focal - para assegurar confiabilidade ou trustworthiness
(Guba, 1981) desta pesquisa.

Procedimentos metodológicos
A pesquisa explorou o uso do software MIROR-Impro, implementado no
projeto MIROR com uma tecnologia digital baseado em sistemas musicais
reflexivos interativos (IRMSs - Interactive Reflexive Musical Systems) que
foram projetados para melhorar a ‘criatividade individual na improvisação
musical’ (Pachet, 2006, p.360). O software MIROR-Impro pode gravar e
reproduzir dados correspondentes à improvisação do participante, quer
imitando a improvisação do participante ou reproduzindo uma resposta em
três categorias (eco, similar, diferente ou muito diferente) num jogo
contínuo entre a improvisação realizada e audição de respostas geradas por
computador. A visualização da improvisação foi mostrada para o aluno
participante em piano roll em tempo real, e em tempo posteriori na tela
adicional de computador, quando o software MIROR-Impro respondia a
improvisação gravada nas modalidades (eco, similar, diferente ou muito
diferente). O software MIROR-Impro oferece tipos de feedback adicionais: o
visual na forma de piano roll em tempo real e o visual combinado com o
auditivo em tempo posteriori.

RESULTADOS
Os resultados parciais dessa pesquisa são apresentados neste artigo
sobre a análise temática das transcrições das entrevistas semiestruturadas
com dois alunos da última fase do curso de Bacharelado em Piano uma
instituição de ensino superior brasileira. Os dois alunos receberam nomes
fictícios (Luciano e Carlos) para preservar as suas identidades. Os alunos
foram entrevistados em diferentes momentos por questões de logística de
Anais

sala e disponibilidade dos alunos. Luciano foi entrevistado antes da


primeira sessão e após a segunda sessão enquanto Carlos foi entrevistado
após cada sessão com o uso do software MIROR-Impro. Esse fato pode ter 97
influenciado a memória acerca das perspectivas em relação as experiências
sobre a primeira sessão. As entrevistas semiestruturadas tiveram duração
20 minutos e 36 minutos para Luciano, e 39 minutos e 40 minutos para
Carlos, respectivamente para a primeira e segunda entrevistas.

Experiências com o piano e com a prática da improvisação


Os alunos apresentaram diferentes experiências com o piano e com a
prática da improvisação. Luciano (23 anos) possui experiência com o piano
desde seus 6-7 anos, e experiência com violão e guitarra, e sempre buscou
conhecimento sobre a música popular, arranjo e improvisação fora da
universidade ao mesmo tempo que demonstra interesse no repertório
clássico. Carlos (21 anos) possui experiência com o instrumento de teclado
desde seus 14 anos, com experiência tocando instrumentos de sopro como
o saxofone, e relatou ter pouca experiência com improvisação livre,
experiência que adquiriu em grupo de música experimental em um
projeto de um dos professores da universidade. Quanto ao uso de
tecnologia na sua prática musical, Luciano tem experiência em usar
sequenciador MIDI para fazer arranjos com baixo e bateria e usar o play
along para improvisar ao piano sobre a gravação MIDI, além disso relatou
a prática de gravação de áudio; Carlos tem o costume de se gravar suas
performances mais comumente utilizando o registro em vídeo.
A necessidade de realizar no mínimo duas sessões para explorar o software
MIROR-Impro é uma evidência para avaliação da tecnologia desde que na
primeira sessão os alunos participantes ainda estão se adaptando a nova
experiência, e na segunda sessão os alunos parecem estar mais familiarizados e
mais confiantes ao lidar com a tecnologia e com as modalidades de resposta do
software:
A experiência em si já era diferente de tudo que eu já [estava] acostumado, foi
um pouco estranho... (Luciano, entrevista 2)
Na semana passada [...][eu] não sabia do que se tratava assim… como ia ser a
experimentação e interação com o software (Carlos, entrevista 2)

A percepção do aluno em relação ao que foi improvisado com o MIROR-Impro


O feedback visual, na forma de visualizações em piano roll, estavam
disponíveis aos alunos durante a realização da improvisação e enquanto as
respostas do software eram reproduzidas durante as duas sessões; e pareceu
dar suporte ao processo de desenvolvimento da improvisação nas sessões.
O feedback visual adicional nas sessões, seja no tempo real quanto a
posteriori (playback), combinado com o feedback auditivo parece ter
mudado a percepção do aluno em relação ao que foi improvisado, e
pareceu deixar os participantes mais conscientes sobre suas improvisações
e as respostas oferecidas pelo MIROR-Impro:
Já me gravei pra [para] estudar, mas daí era áudio e eu só me ouvia [...] E [eu]
nunca me gravei pra ver o que que o programa faz com o que eu toco e tal, então foi uma
experiência bem diferente com o que eu já tive [...] E ver isso graficamente
também, né… Isso na hora que [estou] tocando… e aí depois, ver isso graficamente,
mudou minha percepção sobre o que eu [estava] tocando, porque sei lá, [você] vê os
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

motivos, [você] vê visualmente o tipo de textura que [você] usou aqui, [você]
usou ali e [você] usou ali, né... (Luciano, entrevista 2)
98 Ter o visual também faz diferença assim.. é…[...] Acho interessante ver tanto o
aspecto rítmico como a organização de alturas, ver o som visualmente, no piano
roll tem a ver com as alturas e a gente vê ao longo do tempo como algo corrente,
é interessante ver o trecho sonoro materializado de alguma forma (Carlos,
entrevista 2).

A consciência de seus processos de improvisação


A associação do feedback visual, na forma de notação piano roll ou MIDI,
com a notação musical é uma evidência de que os alunos participantes
aumentaram a consciência de seus processos de improvisação em relação
aos parâmetros musicais escolhidos, por exemplo, na escolha de padrões
rítmicos, melódicos, uso de texturas (melodia acompanhada, arpejos,
contraponto), e harmonia, como ilustram os relatos:
Eu penso que esse jeito de se gravar em MIDI [Musical Instrument Digital Interface],
improvisar e ver, pode ser um bom jeito de estudar texturas diferentes na improvisação,
né tipo... “Ah, vou fazer um ponto, um negócio mais contrapontístico, agora vou
fazer um negócio com nota pedal” Que [você] vê a nota pedal vai aparecer um
riscão e a melodia em cima, né. (Luciano, entrevista 2)
Achei interessante essa possibilidade de interação e reação, essa coisa de resposta,
o próprio feedback visual que a gente tem né, quando ele gera o piano roll, é… e…
também perceber o modo como ele interage mesmo, [...] perceber coisa de ritmo
e definição é... de estrutura da música, aspecto rítmico e uma coisa que eu percebi
hoje foi a direção das coisas assim, a direção das frases e figuras e disposição
assim... como o todo da música, acho que esses aspectos mesmo, melódicos, rítmicos,
alguma coisa de harmonia também, intervalos... (Carlos, entrevista 2)

Dentre as modalidades de resposta utilizadas pelo software (eco, similar,


diferente e muito diferente), a utilização da modalidade eco, onde a
reprodução foi idêntica a improvisação sem alteração alguma, pareceu ser
bem útil para ambos participantes pelo fato deles perceberem auditiva e
visualmente os elementos que utilizaram em suas improvisações, e se
tornarem mais conscientes sobre o processo de improvisação e suas
próprias improvisações.

Os tipos de interação dos alunos e a tecnologia


No entanto as interações com o MIROR-Impro se deram ao se usar as
outras modalidades onde a resposta apresentava variações da improvisação
original. Os tipos de interação dos alunos e a tecnologia tiveram
características diferentes. Luciano se interessou em descobrir a lógica do
funcionamento do software por meio de suas respostas do software. Luciano
interagiu com a tecnologia de modo que parecia brincar como se estivesse
num jogo ao testar diferentes padrões e tentar compreender como o software
funcionava a partir das respostas que o software oferecia para cada modalidade
utilizada. Por outro lado, a interação de Carlos com a tecnologia foi a de
observar quais elementos a tecnologia selecionava a partir de sua
improvisação ao oferecer a resposta de volta, fazendo com que Carlos ficasse
mais consciente dos elementos que ele pouco utilizou e que poderiam ter
sido mais explorados na sua improvisação.
Anais

Limitações do uso do MIROR-Impro


Duas limitações do uso do MIROR-Impro foram encontradas pelos
99
alunos participantes. A primeira limitação foi o tempo considerado curto
entre as improvisações e as respostas oferecidas pelo programa. O
intervalo de tempo dado em silêncio (pausa) para que o software entenda
que seja o momento de dar a resposta pareceu muito curto segundo os
participantes; o que pareceu ter interferido nas improvisações, limitando
ou desestabilizando o processo de improvisação dos alunos. Na verdade,
essa limitação poderia ter sido contornada por meio de um ajuste desse
tempo de resposta previamente a coleta de dados. No entanto, mesmo ao
se deparar com essa limitação do tempo de resposta, Carlos relatou que
essa limitação do tempo o forçou a buscar caminhos para superar esse
problema, dando a ele certa estrutura, e levando-o a interagir mais com a
tecnologia.
A segunda limitação do uso do MIROR-Impro foi a questão do uso do
pedal que não é gravado no software. As improvisações eram realizadas
com pedal, mas as respostas do software não soavam com a ressonância do
pedal. Como a informação MIDI do pedal não era gravada a mesma não
era replicada na resposta oferecida pelo software. Essa questão de as
respostas do software não soarem com o pedal, causou uma interferência
no processo de improvisação dos participantes, influenciando no estilo,
caráter, e gêneros musicais escolhidos pelos participantes.

A pratica de improvisação no curso de piano


Os participantes relataram que não conseguem imaginar o uso do
software MIROR-Impro nas suas aulas de piano no curso de Bacharelado
em Piano, onde o foco é no repertório escrito e a prática da improvisação
não é conteúdo dessas aulas. No entanto, participantes sugeriram o uso do
software MIROR-Impro com a modalidade eco para analisar suas
interpretações dos repertórios estudados dentro das aulas de piano.
Mesmo depois de ter improvisado e interagido com a tecnologia, Carlos
relatou ter uma crença de auto eficácia baixa em relação a sua capacidade
de improvisar. Talvez a prática da improvisação para alunos de
Bacharelado com a tecnologia seja uma ferramenta para desenvolver essa
habilidade, principalmente para os alunos que não tem experiência de
improvisar ou para aqueles que acreditam que não são capazes de
improvisar; na verdade todos nós somos capazes de improvisar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso de tecnologia pode ser uma ferramenta para conscientizar os alunos
nos seus processos de aprendizagem de suas performances (Hamond, 2017)
e de suas improvisações (Addessi et al, 2017). Os resultados preliminares da
pesquisa apresentada mostram que o feedback visual combinado com
auditivo usado em tempo posteriori (Hamond, 2017) parece aumentar a
percepção dos alunos de suas improvisações, e dos elementos, variações
rítmicas e melódicas e das texturas escolhidas durante o desenvolvimento
das improvisações com software MIROR-Impro. Investigações sistemáticas
sobre o uso efetivo da tecnologia em aula de instrumento, seja para
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

desenvolvimento de improvisações ou de aprimoramento de performances,


ainda são muito incipientes, precisam ser realizadas para uma maior
100 compreensão do potencial pedagógico da tecnologia em sala de aula e para
quais os propósitos de uso. No entanto, professores precisam estar abertos e
se posicionarem como aprendizes junto com seus alunos (Webster, 2011),
para que o ensino de música acompanhe os avanços tecnológicos visando
o uso apropriado da tecnologia em sala de aula. Talvez os resultados dessa
pesquisa instiguem questões mais complexas, como mudanças curriculares
nos cursos de Bacharelado em Piano, por meio de disciplinas obrigatórias para
o desenvolvimento de habilidades funcionais como ocorre no piano em
grupo no curso de Licenciatura; e o uso de tecnologias no ensino e
aprendizagem de instrumento e canto como ferramenta adicional ao contexto
de ensino tradicional.

Notas
1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
2 Esta pesquisa é uma pesquisa de pós-doutorado da primeira autora intitulada “Improvisação em
instrumentos de teclado por meio do uso de feedback gerado por tecnologia: um estudo
exploratório” desenvolvida na linha de pesquisa de educação musical no Programa de Pós-
Graduação em Música (PPGMUS) da UDESC, com colaboração internacional por meio do
projeto MIROR-Musical Interaction Relying on Reflexion (European Commission, ICT- FP7:
www.mirorproject.eu), coordenado pela Prof.ª Dr.ª Anna Rita Addessi.

Agradecimentos
As autoras agradecem a todos os participantes desta pesquisa. Esta pesquisa de
pós-doutorado da primeira autora teve financiamento da CAPES. Esta
apresentação foi possível graças ao auxílio financeiro do Programa de Pós-
graduação em Música (PPGMUS), Universidade do Estado de Santa Catarina
(UDESC) para apresentação de trabalho em eventos científicos.

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XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

MAIO 29 | May 29
102
SESSÃO L4
Comunicações Orais | Oral Presentations
SALA 4, 14h
Coordenador da sessão | Session Chair: Danilo Ramos

14:00
Forças musicais: composição, cognição e cultura
compondo entendimentos
Guilherme Bertissolo

14:30
Respostas emocionais ao ritmo musical
Eunice Dias da Rocha Rodrigues, José Eugênio de Matos Feitosa,
Maria Clotilde Henriques Tavares

15:00
Criação musical e solfejo: entre lógica e percepção
Gustavo Rodrigues Penha
Anais

Forças musicais: composição, cognição e cultura


compondo entendimentos 103
(Resumo)
Guilherme Bertissolo (guilhermebertissolo@gmail.com)
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Problema/questão
Experimentamos o movimento em música na experiência musical em diversos níveis (Bertissolo
2013). Ouvimos o movimento na música e imaginamos a música no movimento (Nogueira 2009;
Spitzer 2004). Esse artigo aborda a relação entre música e movimento e sua consequente tematização
de forças musicais no domínio do entendimento (Larson, 2012; Brower, 2000). A principal questão
desse artigo é: como as noções de inércia, gravidade e magnetismo em música, propostas por Larson
(2012), aqui consideradas na perspectiva dos esquemas musicais de Brower (2000), podem ser
articuladas com uma semântica cultural através de exemplos de compositores da Bahia? A abordagem
aqui parte da noção de mente incorporada e pelas noções de metáfora conceitual e esquema de
imagem (Lakoff & Johnson, 1999, 2003; Johnson, 1990). Essas ideias estão fundadas principalmente
na corrente enacionista/atuacionista das ciências cognitivas contemporâneas, e compõem um leque
de alternativas a antigas dicotomias tais como mente-corpo.
Objetivos
Pretende-se com esse artigo discutir como as forças musicais propostas por Larson (inércia,
gravidade e magnetismo) atuam no entendimento e propor uma possível imbricação entre a
semântica cognitiva e a semântica cultural, através de três exemplos de obras de compositores da
Bahia.
Principais contribuições
Nossa principal contribuição é a articulação entre os esquemas de Brower (2000) e as forças
musicais de Larson (2012), com a apresentação de exemplos de forças musicais (inércia, gravidade
e magnetismo) em obras de compositores da Bahia. É importante mencionar que o sentido que
buscamos desvelar essas forças estão na perspectiva de uma semântica cultural (Jay, 1998).
Implicações
As teorias cognitivas do sentido musical podem nos ajudar a entender as forças musicais, mas seu
potencial pode ser multiplicado em relação à imbricação entre composição e cultura. Além disso,
é necessário que se estabeleça uma incursão pelos exemplos contemporâneos, já que grande parte
dos exemplos nessa literatura são da prática comum tonal.
Palavras-chave
Forças musicais, semântica cognitiva, semântica cultural
Referências
Bertissolo, G. (2013). Composição e Capoeira: dinâmicas do compor entre música e movimento. Tese
de Doutorado. Salvador: Programa de Pós-Graduação em Música/Universidade Federal da
Bahia.
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(2): 323–379.
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Lakoff, George, e Mark Johnson. (2003). Metaphors we live by. Chicago/London: University of
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Larson, Steve. (2012). Musical Forces: Motion, Metaphor, and Meaning in Music. Bloomington:
Indiana University Press.
Nogueira, Marcos. (2009). A semântica do entendimento musical. In Mentes em música, editado
por Beatriz Ilari; Rosane C. Araújo. Deartes-UFPR.
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Spitzer, Michael. (2004). Metaphor and Musical Thought. Chicado/London: University of
Chicago Press.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Respostas emocionais ao ritmo musical


104 Eunice Dias da Rocha Rodrigues,1 José Eugênio de Matos Feitosa2 e
Maria Clotilde Henriques Tavares3
1,3
Departamento de Ciências Fisiológicas, Instituto de Biologia,
Universidade de Brasília, Brasil
2
CEP - Escola de Música de Brasília, Brasil
1
eunicerr70@gmail.com, 2ematos33@gmail.com, 3mchtavares@gmail.com

Resumo
A música é conhecida por seu poderoso impacto emocional, sendo o arrastamento ou pareamento
rítmico -“rhythm entrainment”-, um fenômeno universal observado em sistemas físicos e biológicos,
que possibilita a adaptação de ritmos corporais internos (por exemplo, frequência cardíaca,
respiração) ao ritmo externo da música, e que recruta diferentes respostas fisiológicas do
organismo em níveis sensório-motor, perceptuais e comportamentais. Considerando tais
pressupostos, o presente artigo tem como objetivo compreender a participação do ritmo na
produção de emoções. Especificamente, buscou-se identificar os tipos de emoções geradas a partir
da exposição a ritmos determinados e detectar as áreas cerebrais responsáveis por seu
processamento. Constatou-se a capacidade do ritmo na indução de emoções como: alegria, medo,
tristeza, indiferença e nojo. Ritmos rápidos parecem estar relacionados à excitação, medo e
irreverência. Ritmos lentos apontam para estados de calma, serenidade e paz. Além da participação
do sistema límbico, destaca-se a participação dos núcleos da base, do cerebelo e do córtex pré-
frontal na expressão de emoções a partir do ritmo musical. Embora os mecanismos precisos de
interação no processamento de emoções e ritmo ainda permaneçam obscuros e o pareamento
rítmico seja um conceito relativamente recente, as pesquisas mostram que o envolvimento rítmico
musical parece estar relacionado ao surgimento de estados emocionais específicos, onde estruturas
rítmicas e atividade fisiológica desempenham papéis relevantes.
Palavras-chave: emoção, arrastamento rítmico, pareamento rítmico, “rhythm entrainment”,
processamento.

Abstract
The music is known for its powerful emotional impact, being the rhythmic entrainment, a
universal phenomenon observed in physical and biological systems, that allows the adaptation of
internal rhythms of the body (for example, heart rate, respiration) to the external rhythm of the
music, recruiting different physiological responses of the organism at sensory-motor, perceptual
and behavioral levels. Considering these assumptions, the present work aims to understand the
participation of rhythm in the production of emotions. Specifically, we sought to identify the
types of emotions generated from exposure to certain rhythms and to detect the brain areas
responsible for their processing. The capacity of the rhythm to induce emotions like: joy, fear,
sadness, indifference and disgust was verified. Rapid rhythms seem to be related to excitement,
fear, and irreverence. Slow rhythms point to states of calm, serenity, and peace. The participation
of the nuclei of the base, the cerebellum and the prefrontal cortex in the expression of emotions
from the musical rhythm is emphasized. Although the precise mechanisms of interaction in the
processing of emotions and rhythm still remain obscure and rhythm entrainment is a relatively
recent concept, research shows that musical rhythmic involvement seems to be related to the
emergence of specific emotional states, where rhythmic structures and activity play relevant roles.
Keywords: emotion, rhythmic entrainment, rhythmic pairing, processing.

INTRODUÇÃO
A música, por meio de seus elementos constitutivos possui uma
característica aparentemente universal: a capacidade de desencadear uma
diversidade de emoções nos ouvintes (Juslin et. al., 2016). Autores na área
da Psicologia da Música têm afirmado que a música é a linguagem de
emoções.Assim, de acordo com Langer (1957) as formas de sentimento
humano são mais congruentes com formas musicais do que com as formas
de linguagem e o poder da música é capaz de revelar a natureza dos
Anais

sentimentos com detalhes e verdades que não podem ser transmitidos por
meio da linguagem (Langer, 1957 & Gabrielsson, 2016).
No presente artigo entendemos emoção como estados psicofisiológicos 105
complexos que atribuem valor a determinados episódios, eventos e estímulos
(Dolan, 2002) ou experiências subjetivas acompanhadas de manifestações
orgânicas e comportamentais, reconhecíveis e estereotipadas (Damásio, 2000).
As emoções podem ser definidas em termos de uma ampla gama de
componentes que fazem parte de um episódio emocional, momento em que
alguns componentes tendem a agir em sincronia, ou seja, as emoções envol-
vem: a) avaliações cognitivas, que permitem, por exemplo, avaliar uma
situação como “perigosa”; b) sentimentos subjetivos como o medo; c) respostas
fisiológicas como o coração batendo acelerado; d) expressões emocionais,
como o choro; e) tendências de ação, como fugir em determinada situação.
Tais elementos agem de maneira sincronizada, com possibilidades de mudan-
ças na intensidade, qualidade e complexidade durante um episódio emocional
(Juslin, 2016). De acordo com Gazzaniga (2014), a emoção consiste em três
componentes: 1) uma reação fisiológica a um estímulo ou evento; 2) uma
resposta comportamental e 3) um sentimento.
Estudos que buscam estabelecer uma teoria da música e das emoções
geralmente procuram descrever as emoções induzidas pela música. Os
resultados de tais pesquisas retratam conclusões relativamente claras e
convincentes, tais como: a música pode despertar estados emocionais
básicos, como tristeza, felicidade, interesse e também estados emocionais
complexos como orgulho e nostalgia. Segundo Juslin (2016), os tipos de
emoção que ocorrem com mais frequência são: tristeza e melancolia,
felicidade e alegria, interesse e expectativa, amor e ternura, excitação e
energia, interesse e expectativa, orgulho e confiança, nostalgia e saudade,
energia e amor.
O ritmo musical tem sido apontado como elemento indutor de emoções.
Nesse sentido, o presente artigo abordará, por meio de revisão bibliográfica,
a resposta emocional ao ritmo da música, tendo como apoio o conceito de
“rhythm entrainment” ou pareamento rítmico. No aspecto rítmico, esse
conceito tem sido apontado como um mecanismo indutor de emoções.
Trata-se se de um processo em que os ritmos corporais internos, tais como
respiração, se adaptam ao ritmo externo da música, contribuindo para a
indução de uma resposta emocional (Miendlarzewska & Trost, 2014).
Whitek (2015), descreve esse fenômeno como o processo em que há a união
da atenção a determinado estímulo rítmico, geralmente expresso por meio
da sincronização sensório-motora. Considerando a interface entre a música
e as emoções, o presente trabalho tem como objetivo responder às seguintes
perguntas, por meio de revisão bibliográfica: 1) Que tipos de emoções são
geradas a partir da exposição a determinados ritmos musicais? 2) Que áreas
cerebrais/corticais estão envolvidas/ativadas no processamento do ritmo
musical?

MÚSICA E EMOÇÃO

A música é conhecida por seu poderoso impacto emocional (Miendlarzewska


&Trost, 2014). É consenso na literatura que a exposição à música provoca
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

diferentes emoções nas pessoas. Estimativas recentes revelam que cerca de


65% dos episódios musicais despertam diferentes tipos de emoções de acordo
106 com as diferenças individuais dos ouvintes. Os estudos sugerem que as
emoções vão desde simples excitação, como calafrios, sentimentos de felici-
dade ou tristeza até emoções mais complexas, como orgulho e nostalgia.
Ocorrem ainda as emoções mistas e as emoções estéticas, como espanto e
admiração, consideradas mais raras (Juslin, 2013).
A palavra emoção tem origem no Latim, que significa “mover” ou
“agitar” (“to move” or “to stir up”). Falar de emoção implica em relações com
o campo do afeto. Usa-se o termo afeto para uma abrangência a diversos
fenômenos, cuja característica definidora é a valência, ou seja, a avaliação
positiva ou negativa de um evento, pessoa ou objeto (Juslin, 2016). Em
termos musicais, por exemplo, estudos com adultos e crianças têm revelado
que a música consonante tem uma valência emocional diferente da música
dissonante, sendo que as pessoas demonstram uma clara preferência pelos
sons consonantes (Perani et al., 2010).
Várias teorias têm relacionado música e emoções, tais como: Meyer
(1956) e Huron (2006) sobre a “expectativa musical”, Baumgartner (1992)
sobre “memória episódica” e Juslin (2000), sobre “contágio”.
Outro debate sobre emoções refere-se aos mecanismos que as induzem.
Na tentativa de modelar e explicar os mecanismos que evocam a emoção
provocada por eventos musicais na vida cotidiana - sendo os mecanismos
entendidos como “descrição funcional do que a mente faz” - surgiu, na
década de 2000, a estrutura BRECVEMAC (Juslin, 2013), que inclui nove
mecanismos desenvolvidos de maneira progressiva: 1) Reflexo do tronco
encefálico, relacionado a respostas acústicas simples como o aumento da
velocidade ou da intensidade; 2) Pareamento Rítmico (rhythm entrainment),
relacionado ao ajuste gradual do ritmo corporal interno a um ritmo externo;
3) Condicionamento avaliativo, ou seja, associação condicionada por meio de
estímulos positivos ou negativos em relação à determinada peça musical; 4)
Contágio, “um mimetismo interno da expressão emotiva semelhante à voz
percebida da música”; 5) Imagens visuais, ou seja, imagens ou representações
internas resultantes de metáforas evocadas pela estrutura musical; 6) Memória
episódica, lembrança consciente de eventos, desencadeada por determinado
padrão musical; 7) Expectativa musical, relacionada à resposta, esperada ou
inesperada, ao desdobramento da estrutura sintática da música; 8) Julgamento
estético, alusivo à avaliação subjetiva da estética musical com base em critérios
individuais; e 9) Apreciação cognitiva, relacionada à avaliação multidimen-
sional dos objetivos da música na perspectiva do ouvinte (Juslin, 2013 & Juslin
et al., 2016). Neste artigo nos ateremos às respostas emocionais provenientes
dos mecanismos relacionados ao “rhythm entrainment”, traduzido para o
português como pareamento rítmico.

O ELEMENTO RÍTMICO COMO INDUTOR DE EMOÇÕES:


“RHYTHM ENTRAINMENT”
De acordo com a literatura pesquisada (Juslin, 2000 ; Juslin 2013;
Miendlarzewska & Trost, 2014; Stevens & Byron, 2016; Trost &Vuillemie,
2013) a estrutura rítmica da música é indutora de emoções. O ritmo,
musicalmente entendido como “a ordem e proporção em que estão
Anais

dispostos os sons que constituem a melodia e a harmonia” da música (Med,


1996, p.11) pode ser considerado o elemento principal de toda a música,
um processo fundamental da vida, considerando que nosso corpo opera 107
com base em padrões rítmicos, que podem ser modificados por ritmos
externos (Gomez & Danuser, 2007). O desempenho humano pode ser
avaliado dentro de um quadro rítmico. O corpo humano possui ritmos
naturais ou endógenos, tais como a batida do coração, a circulação
sanguínea, a respiração, a locomoção, o piscar dos olhos, a secreção de
hormônios, o ciclo menstrual, dentre outros ciclos (Clayton; Sager & Will,
2006).
O ritmo musical é encontrado em todas as culturas conhecidas e a
tendência de se mover em sincronia com o ritmo surge sem o treinamento
explícito (Cameron & Graham, 2016). Constitui uma habilidade humana
difundida a capacidade de perceber um ritmo regular na música e de se
sincronizar com a batida (Nozaradan, 2014). A tendência para a sincronização
dos osciladores biofisiológicos internos aos ritmos auditivos provavelmente
representa um relevante fator explicativo para o efeito de indução de emoções
por meio da música (Gomez & Danuser, 2007). Nesse contexto, um dos
mecanismos de indução de emoções é o conceito de “rhythm entrainment”, ou
pareamento rítmico. Esse fenômeno, como atualmente é conhecido, foi
inspirado numa experiência realizada no século XVII por Huygens (o
inventor do relógio de pêndulo), descrita como “a simpatia dos relógios”. Ao
fazer um experimento com dois relógios de pêndulo, Huygens notou que,
quando colocados sob uma superfície comum, funcionando com pêndulos de
forma não sincronizados, eles eram capazes de alcançar a sincronia entre si em
um período de cerca de meia hora (Clayton, Sager & Will, 2006). Esse
fenômeno pode ser observado em muitas circunstâncias, na natureza e em
nossa vida diária, em contextos biológicos e sociais como, por exemplo, a
sincronização das batidas de palmas em uma plateia. Outro exemplo clássico
do pareamento rítmico é o desejo de se mover ao ouvir determinado ritmo
musical (Trost & Vuillemie, 2013). Esse fenômeno também pode ser
verificado entre animais e insetos: grilos cantam em uníssono e vaga-lumes
piscam em sincronia. Podemos descrevê-lo como um processo em que ritmos
apresentados por dois ou mais fenômenos se tornam sincronizados, sendo que
um dos ritmos, o mais dominante, “captura” o outro (Clayton, Sager & Will,
2004). Destaca-se que, embora outros animais manifestem “pareamento”
rítmico, a capacidade de mover-se ritmicamente de forma métrica em relação
à música parece ser uma habilidade única da espécie humana (Jones, 1976). O
pareamento rítmico recruta, por meio da sincronização de ritmos corporais
com a música, diferentes níveis do organismo tais como o nível motor, o
fisiológico autonômico, o nível de atenção e até mesmo o nível social (Trost
et. al., 2014).
Trost & Vuillemie (2013) esclarecem que, no pareamento, o ritmo
externo da música interage com um ritmo corporal interno, tal como a
frequência cardíaca, e induz respostas emocionais. A tomada de consciência
dessas mudanças fisiológicas faz com que o ouvinte se sinta emocionalmente
envolvido. Assim, os processos que ligam a estrutura rítmica musical à atividade
fisiológica, como a frequência cardíaca ou respiratória, desempenham um
papel crucial na geração de emoções. Os resultados da pesquisa de Trost
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

et.al. (2014) sugerem que o pareamento rítmico representa um poderoso e


automático processo que é acionado até mesmo por músicas desagradáveis
108 e dissonantes, sendo mais amplamente estabelecido quando a música é
percebida como agradável. Acredita-se, ainda, que o arrastamento rítmico e
a sincronização sensório-motora evocam experiências com valências
positivas por meio do mecanismo de contágio emocional. Quando essas
experiências de sincronização ocorrem em contextos sociais, os estados
emocionais podem ser transferidos de uma pessoa para outra em virtude da
atenção compartilhada do tempo e da dinâmica da música (Witek, 2015).

O RITMO E AS EMOÇÕES: AS REAÇÕES A DIFERENTES


ESTRUTURAS RÍTMICAS
A estrutura rítmica da música envolve alguns conceitos correlacionados,
importantes para o entendimento de seus efeitos sobre as respostas
emocionais relacionadas à música. Quando falamos em ritmo, conforme
explicitado anteriormente, estamos nos referindo à organização temporal
dos sons musicais. A palavra ritmo tem origem no grego “Rhythmus” e
significa “aquilo que se move” (Castilho, 2009). Englobam o ritmo: a
pulsação, a métrica e o andamento. A pulsação refere-se a acentos que
ocorrem em intervalos regulares, está relacionada à própria pulsação
cardíaca. A métrica, por sua vez está relacionada à estruturação do ritmo no
compasso musical, em tempos fortes e fracos, ou seja, o padrão cíclico de
batimentos fortes e fracos (Cameron & Grahn, 2014). Já o andamento, é a
“indicação da velocidade que se imprime à execução musical” (Med, 1996).
As pesquisas que relacionam ritmo e emoção sinalizam que o ritmo regular
pode ser percebido como expressão de felicidade, dignidade, majestade e paz,
enquanto os ritmos irregulares e complexos podem expressar diversão,
desconforto e raiva. A variação do ritmo, por outro lado, pode sugerir alegria.
O ritmo fluente pode estar relacionado a expressões de felicidade, graciosidade,
serenidade e de sonho, enquanto o ritmo firme pode estar associado a
expressões de tristeza, dignidade e vigor (Gabrielsson, 2016). O ritmo com
andamento rápido pode evocar expressões de atividade, excitação, alegria,
potência, surpresa, agradabilidade, raiva, inquietação, capricho, medo e até
irreverência. Os ritmos com andamentos lentos, por sua vez, podem estar
associados a expressões de calma, serenidade, paz, serenidade, tristeza, digni-
dade, ternura, nojo e desgosto. Ritmos com andamentos lentos e rápidos estão
relacionados a diferentes expressões, porém, em termos de excitação e valên-
cia, o tempo rápido e acelerando geralmente são associados à alta ativação,
enquanto o ritmo lento e ritardando têm sido relacionados à baixa ativação e
ambas as combinações podem estar vinculadas à valência positiva ou negativa.
Em relação à pulsação, quando se tem um sentido mais claro do pulso há
maior atividade. Por outro lado, o pulso menos definido leva à sensação de
prazer/agradabilidade. A combinação entre tempo e densidade de notas (o
número de notas executadas por segundo) pode resultar em diferentes ativa-
ções: tempo rápido e alta densidade resulta em alta ativação; tempo lento e
baixa densidade de notas leva a menor ativação. Pode haver ainda ambigui-
dade de imagem na combinação de uma nota de tempo lento e alta densidade
(Gabrielsson, 2016).
Anais

De acordo com Witeck et. al. (2015) os estudos no campo do afeto musical
têm sido proeminentes na pesquisa sobre estruturas melódicas e harmônicas
em detrimento do ritmo, porém estudos recentes têm mostrado que as 109
melodias que violam as expectativas rítmicas, tais como os ritmos sincopados,
foram classificadas como mais agradáveis e mais felizes quando comparadas
com melodias cujos ritmos eram previsíveis. Os resultados da pesquisa de
Keller & Shubert (2011), por exemplo, sugerem que padrões rítmicos que
variam em complexidade podem influenciar o conteúdo emocional da
música. Dessa forma, ritmos musicais modulados simetricamente com
aumentos e diminuições na síncope entre pequenas frases musicais resultam
em estados de prazer e felicidade. Se a síncope aumenta, a complexidade
percebida também é aumentada, enquanto permanece constante em face da
síncope decrescente. Os autores afirmam que os efeitos da síncope nas
dimensões afetivas se apresentaram relativamente claros e foram classificados
como mais felizes do que outros padrões rítmicos. Essas emoções puderam
ser percebidas para os graus moderados de complexidade rítmica típicos da
música popular clássica ocidental. Por outro lado, o aumento dos níveis de
síncope e da ambigüidade métrica, característico de alguns gêneros musicais
como o jazz, pode favorecer um impacto mais pronunciado sobre a excitação
e a tensão (Keller & Shubert, 2011).

ÁREAS CEREBRAIS ENVOLVIDAS NO PROCESSAMENTO


DAS EMOÇÕES INDUZIDAS PELO RITMO MUSICAL
De acordo com a literatura pesquisada, o processamento das emoções
musicais envolve uma variedade de regiões cerebrais. Na visão de Juslin
(2013), por exemplo, as emoções musicais envolvem três regiões do
cérebro: 1) as regiões relacionadas à simples percepção da música, como o
córtex auditivo primário; 2) as áreas associadas à consciência das emoções,
mesmo que não se tenha uma causa especial, como o giro cingulado
anterior rostral e o córtex pré-frontal medial responsável por fazer a avaliação
da emoção; e 3) as regiões diretamente envolvidas no processamento das
informações emocionais de acordo com o mecanismo indutor da emoção.
Nessa perspectiva, Trost e Miendlarzewska (2014), revelam que estudos de
neuroimagem têm mostrado que a indução de emoções por meio da música
envolve regiões cerebrais também implicadas em outros tipos de emoções
não-musicais, tais como: o sistema de recompensa, a ínsula, a amígdala e o
hipocampo (que são parte do sistema límbico), e o córtex orbitofrontal
(relacionado à previsibilidade). Embora as emoções musicais abarquem essa
variedade de regiões cerebrais, não se deve entender que cada mecanismo
tenha sua ação em regiões isoladas, mas que envolvem um conjunto (rede) de
regiões cerebrais que interagem de forma dinâmica (Juslin, 2013).
Estudos específicos sobre o ritmo têm indicado que áreas cerebrais
específicas são fundamentais para a sua execução e percepção. O
processamento das informações relacionadas ao tempo promove ativação em
regiões neurais como o córtex sensório-motor, o córtex pré-motor, a área
motora suplementar, o cerebelo, os núcleos da base e o próprio córtex pré-
frontal conforme indicado por diversos estudos que utilizaram técnicas de
imageamento cerebral para verificar a resposta a estímulos rítmicos (Lewis
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et al., 2004; Braun, Rebouças & Ranvaud, 2009; Cameron & Grahan,
2014; Trost et. al., 2014; Miendlarzewska & Trost, 2014; Thaut, Trimarchi,
110 & Parsons, 2014; Witek et. al, 2014; Juslin, 2013, Bailey, Zatorre, &
Penhune, 2014).
Tais pesquisas têm revelado consenso quanto às regiões cerebrais
envolvidas em seu processamento e uma variedade de estudos tem mostrado
que as áreas do cérebro relacionadas à atividade rítmica estão diretamente
associadas à percepção e ação motora e que as atividades nessas regiões são
moduladas por complexidades rítmicas. (Witek et. al, 2014). Na visão de
Keller & Shubert (2011), por exemplo, é possível que o grau em que um
padrão rítmico envolve áreas relacionadas ao sistema motor do cérebro seja
aumentado de acordo com o crescimento da complexidade do ritmo. No
envolvimento da coordenação de ações motoras destacam-se os núcleos da
base, provavelmente responsáveis pela métrica e pela percepção de estruturas
rítmicas. Dentro dos núcleos da base, o núcleo caudado é apresentado como
a porção mais “cognitiva” dos núcleos da base, uma estrutura chave na
codificação da métrica musical. Relaciona-se ao planejamento motor, à
predição do erro e à recompensa, além de estar envolvido no processamento
do ritmo e na sincronização sensório-motora de batidas fáceis. Essa região
também é sensível à excitação emocional e correlaciona-se à antecipação de
calafrios. Sua ativação pode ser explicada pelo fato de os núcleos da base
estarem implicados nas alças motoras e límbicas, recebendo informação
rítmica em combinação com conteúdo afetivo musical (Trost et. al., 2014,
Thaut, Trimarchi & Parsons, 2014). Considera-se, ainda, que os núcleos da
base estão mais ativos durante a percepção de ritmos que induzem batidas
do que ritmos que não as induzem, além de estar mais fortemente
envolvidos em associações estímulo-resposta, enquanto o cerebelo
compromete-se com a correção “on-line de erros”, além de otimizar as
sequências motoras adquiridas (Herholz & Zatorre, 2012; Cameron &
Grahan, 2016).
Estudos sugerem que o ritmo, particularmente a métrica, recruta áreas
de processamento cognitiva e executiva, envolvendo as funções cognitivas
superiores que são mediadas pelo córtex-pré-frontal e circuitos subcorticais
envolvidos nas funções executivas. Esse fato parece favorecer a hipótese de
que apenas os humanos tenham condições de processar a métrica, enquanto
outras espécies podem processar padrões (Thaut, Trimarchi & Parsons,
2014). Além disso, são relatadas diferenças de ativação entre músicos e não
músicos: os músicos tendem a recrutar representações de nível superior nas
áreas temporal, occipital e frontal, enquanto os não-músicos parecem usar
mecanismos sensório-motores, núcleos da base (putâmen e caudado) e o
cerebelo (Thaut, Trimarchi & Parsons, 2014).

CONCLUSÃO
O presente trabalho teve como objetivo compreender, à luz de uma
revisão bibliográfica, a participação do ritmo na produção de emoções.
Em particular, buscou-se descrever os tipos de emoções geradas a partir da
exposição a determinados ritmos e identificar as áreas cerebrais responsáveis
pelo processamento do ritmo. Diversos estudos apontam para uma clara
correspondência entre elementos das dimensões rítmica e o surgimento ou
Anais

intensificação de estados emocionais específicos. Tais estudos demonstram


uma estreita ligação do ritmo com vários aspectos da vida humana,
incluindo seu papel na música como indutor de emoções. 111
Embora haja indícios de que as emoções na música estejam associadas aos
efeitos do “rhythm entrainment”, as evidências empíricas que favorecem a visão
de que esse mecanismo atua como indutor de emoções ainda são incipientes
(Trost et. al., 2014). Nesse sentido, o conceito de “rhythm entrainment”, apesar
de relativamente recente, parece indicar uma tendência para a sincronização
dos osciladores biofisiológicos internos aos ritmos exteriores presentes na
música. Esse processo recruta diferentes níveis de resposta do organismo tais
como o nível motor, o fisiológico autonômico, o nível de atenção e até
mesmo o nível social (Trost et. al., 2014). O ritmo pode induzir expressões de
emoção tão diversas quanto felicidade, dignidade, paz, diversão, desconforto,
raiva, excitação, alegria, surpresa, agradabilidade, inquietação, medo,
irreverência, calma, serenidade, tristeza, ternura, nojo e desgosto. Tais
emoções podem apresentar variações de acordo com a complexidade,
estrutura, fluência e velocidade do ritmo (Gabrielsson, 2016). Longe de
pretender esgotar o tema em questão, porém, considerando a complexidade
que o tema envolve, buscou-se contribuir para o entendimento da literatura
relacionada ao assunto.

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XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Criação musical e solfejo: entre lógica e percepção


114 (Resumo)

Gustavo Rodrigues Penha (penha.gustavo@gmail.com)


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
Problema/questão
A prática musical calcada no paradigma da escrita (Delalande, 2007) tem o solfejo como um
operador de grande importância. Em sua concepção mais comum, o solfejo é tido como um
processo de decodificação de informações notadas em partituras ou tablaturas, com sua
subsequente enunciação sonora acústica ou mental. O solfejo é também compreendido também
como uma disciplina do ensino musical formal, que tem como objeto justamente o ensino dos
códigos de notação e de seus modos de decodificação. Entretanto, a partir do século XX, com a
proposta de Pierre Schaeffer (1998[1967]) de um Solfejo do objeto sonoro, o solfejo se abre a novos
campos de experiência musicais, e pode finalmente ser compreendido de novas maneiras.
Objetivos
Potencializar o conceito de solfejo, não limitando-o às suas concepções mais tradicionais, para
compreende-lo também como um operador musical que: 1) funciona como um filtro seletivo de
linhas expressivas durante um processo atual de percepção (a partir da concepção de percepção de
Henri Bergon (1999[1896]); 2) estabelece uma relação estrita entre determinada lógica musical e
a subsequente produção de tais ou quais efeitos perceptivos na escuta.
Principais contribuições
As principais contribuições que a presente pesquisa traz é a expansão do campo de atuação do
conceito de solfejo.
Implicações
Do ponto de vista perceptivo, ao funcionar como um filtro seletivo na escuta, o solfejo é o que faz
com que uma escuta selecione, em função da motivação implicada no ato da escuta, tais ou quais
linhas expressivas em detrimento de outras. É nesse sentido que a análise musical se serve de
diferentes tipos de solfejos: um solfejo formal, fraseológico, das relações harmônicas, das relações
métricas e rı́tmicas, etc. Já do ponto de vista em que é considerado uma relação entre uma lógica
do fazer musical e os subsequentes efeitos perceptivos na escuta produzidos por tal lógica, o solfejo
é efetivamente criador, de modo contı́nuo, de novas maneiras de perceber e de sentir. É a partir
dessa concepção que se pode considerar que toda invenção musical ocorre principalmente por
processos de experimentação que resultaram em novos solfejos, tais como, no século XX: solfejo
concreto, solfejo espectral, solfejo concreto instrumental, solfejo de texturas e massas, etc.
Assim, o solfejo apresenta-se não mais como uma disciplina do ensino musical, mas antes como
um operador musical em constante transformação, expandindo seus meios de atuação com o
desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias e, eventualmente, criando novos modos de
perceber e de sentir musicais.
Palavras-chave
Criação musical, análise musical, escuta, percepção, solfejo.
Referências
Bergson, Henri. (1999[1896]). Matéria e memória, tr. br. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes.
Delalande, François. (2007). De uma tecnologia a outra: cinco aspectos de uma mutação da música
e suas consequências estéticas, sociais e pedagógicas. In: Valente, Heloı́sa de A. Duarte
(Org.). Música e mídia: novas abordagens sobre a canção. São Paulo: Via Lettera.
Schaeffer, Pierre. (1998[1967]). Solfège de l'objet sonore. Paris: INA GRM.
Anais

MAIO 29 | May 29
SESSÃO C1
Comunicações Orais | Oral Presentations
115

SALA 5, 14h
Coordenador da sessão | Session Chair:: William Teixeira

14:00
Sistematização do processo heurístico do oboísta para a
caracterização do timbre e da articulação através de parâmetros
acústicos e psicoacústicos
Ravi Shankar Magno Viana Domingues, Mauricio Freire Garcia,
Davi Mota,
14:10
Análise fenomenológico interpretativa: possibilidades de utilização
no campo de estudos da aprendizagem da composição musical
Igor Mendes Krüger, Veridiana de Lima Gomes Krüger, Lourdes Maria
Bragagnolo Frison

14:20
O Efeito Kiki-Bouba como referência para investigações
multissensoriais em música
Cristiane Nogueira, Helena Rodrigues

14:30
Análise de métodos biomecânicos para controle e dinâmica do
instrumento bateria
Sandro Moreno, William Teixeira

14:40
Treinamento musical, ouvido absoluto e memória verbal:
um estudo sobre possíveis correlações
Priscila Satomi Acamine, Patricia Vanzella

14:50
Música interfere na apreciação estética em museu de arte
contemporânea
Bruna de Oliveira, Giulia Ventorim, Claudia Feitosa-Santana, Patricia
Vanzella

15:00
As manipulações do trato vocal na emissão das notas do registro
agudo e superagudo do clarinete baixo
Elaine Cristina Rodrigues Oliveira, Ricardo Dourado Freire

15:10
Arnold Jacobs e proposta musicopedagógica CDG:
sobre formação de professores de instrumento de metal
Michele Girardi, Helena Müller de Souza Nunes
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Sistematização do processo heurístico do oboísta


116 para a caracterização do timbre e da articulação
através de parâmetros acústicos e psicoacústicos
Ravi Shankar Magno Viana Domingues1, Mauricio Freire Garcia2 e
Davi Mota3
Departamento de música, Universidade Federal da Paraíba, Brasil
1
2
Departamento de instrumentos e canto, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
3
Departamento de instrumentos e canto, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
1
ravishankaroboe@ccta.ufpb.br, 2m.garcia@ufmg.br, 3davialvesmota@gmail.com

Resumo
Durante seu processo de formação, o instrumentista desenvolve uma série de habilidades cognitivas e
metacognitivas que contribuem para o aperfeiçoamento da manipulação de parâmetros musicais
necessários para a construção de uma performance. Considerando-se que oboístas realizam grande
parte desta manipulação através da palheta, é fundamental aprender a perceber, refletir e desenvolver
estratégias para a produção de palhetas que permitam alcançar de maneira eficiente seus objetivos
musicais. Esse desenvolvimento técnico e artístico é moldado segundo seu contexto cultural, social e
econômico onde um diversificado vocabulário de palavras e imagens como heurísticas são
apresentados e desenvolvidos. Se por um lado esse vocabulário heurístico facilita o agrupamento de
muitos hábitos técnicos e interativos em conceitos, o uso descontextualizado de tais expressões, pouco
contribui para o desenvolvimento de uma boa palheta e das habilidades técnicas dos oboístas. Desse
modo, o presente artigo explorou o processo heurístico do oboísta relacionado às metáforas utilizadas
para a caracterização do timbre e da articulação através de um estudo descritivo do tipo transversal, cuja
coleta de dados foi dividida em duas etapas: aplicação de um questionário, semi-estruturado, a 21
oboístas profissionais, brasileiros e estrangeiros, que gravaram dois excertos musicais contrastantes e a
realização de um teste subjetivo de percepção em 73 músicos, docentes e discentes de três universidades
brasileiras. Observou-se a relação entre alguns descritores acústicos e a classificação subjetiva realizada
pelos músicos o que contribuiu para a sistematização do processo heurístico dos oboístas para
caracterizar o timbre e a articulação.
Palavras-chave: oboé, cognição musical, timbre, articulação, descritores acústicos.

Abstract
During his training process, the instrumentalist develops a series of cognitive and metacognitive skills
that contribute to the improvement of the manipulation of musical parameters necessary for the
construction of a performance. Considering that oboists perform much of this manipulation through
the reed, it is essential to learn to understand, reflect and develop strategies for the production of reeds
that enable them to efficiently achieve their musical goals. This technical and artistic development is
shaped according to its cultural, social and economic context where a diverse vocabulary of words
and images as heuristics are presented and developed. While this heuristic vocabulary facilitates the
grouping of many technical and interactive habits into concepts, the decontextualized use of such
expressions contributes little to the development of a good reed and the technical skills of oboists.
Thus, the present article explored the heuristic process of the oboist related to the metaphors used for
the characterization of the timbre and the articulation through a descriptive cross-sectional study,
whose data collection was performed in two stages: recording two contrasting excerpts performed
by 21 Brazilian and foreign professional oboists, whose data were collected through a semi-
structured questionnaire, and the application of a subjective aural test to 73 musicians, faculties and
students of three universities. The recordings were analyzed according to acoustic descriptors and
subsequent statistical treatment. The acoustic data, extracted through the descriptors, were contrasted
with the data collected in the questionnaire and in the subjective aural test. It can be observed the
relationship between some acoustic descriptors and the subjective classification performed by the
musicians, which contributed to the systematization of the heuristic process of the oboists to
characterize the timbre and the articulation.
Keywords: oboe, musical cognition, timbre, articulation, acoustic descriptors.
Anais

INTRODUÇÃO
O oboé, assim como todo instrumento de palheta dupla, tem a produção
117
sonora realizada pela “vibração de duas lâminas flexíveis que se contrapõem e
formam um canal de passagem para o ar, possibilitando o ingresso de uma corrente
de ar modulada pela sua própria vibração” (Fuks, 2017, p.35).
A aprendizagem do processo de produção da palheta é fundamental na
formação do oboísta, pois seu estilo de tocar, sua técnica, relaciona-se direta-
mente com o material utilizado e o tipo de raspado da sua palheta, na mesma
medida em que suas habilidades técnicas e sua cultura sonora, compreendida
como a tendência sonora associada a tradições estéticas e interpretativas de
diferentes contextos geográficos, cronológicos e culturais (Fabian, 2014;
Milsom & Costa, 2014), irão influenciar a produção das suas palhetas.
Assim como os fagotistas, grande parte dos oboístas costumam fazer suas
próprias palhetas, sendo responsáveis em alguns casos por quase todas as
etapas da produção - seleção da cana por diâmetro, retitude e cor passando
pela goivagem, mensuração da espessura e densidade através do micrômetro
e do testador de dureza, moldagem, amarração e concluindo com a raspagem
e ajustes finais. Todo esse processo afeta muitos parâmetros musicais, tais
como a sonoridade, a afinação, a articulação, a flexibilidade e também a
resistência muscular do instrumentista.
Dentre os procedimentos relacionados à produção da palheta, o
raspado é considerado pelos oboístas, um dos aspectos que mais influencia
a produção sonora do oboé. Raspar a palheta, consiste em retirar o verniz,
ou parte exterior, da cana em diferentes pontos e níveis para que a palheta
vibre com o ar expirado pelo instrumentista.
Além de aspectos técnicos, aspectos expressivos são desenvolvidos ao longo
da trajetória musical do instrumentista. Esse desenvolvimento artístico será
moldado pelo seu contexto cultural, social e econômico onde um diversificado
vocabulário de palavras e imagens como heurísticas são apresentados e desen-
volvidos. Se por um lado esse vocabulário heurístico facilita o agrupamento e a
comunicação de muitos aspectos técnicos e interativos em conceitos, essas
reduções podem levar a conclusões tendenciosas a respeito, por exemplo, de
um determinado estilo interpretativo, levando o oboísta a justificar suas esco-
lhas nos preconceitos estabelecidos que influenciarão consequentemente a
construção da sua palheta, tendo em vista sua estreita relação com todos os
aspectos que envolvem sua performance.
A princípio, podemos agrupar os estilos de raspagem das palhetas de
oboé em dois grandes grupos: o raspado curto e o longo. O agrupamento
foi feito a partir da medição do tamanho total da palheta, da espessura da
cana, das dimensões dos moldes utilizados e de semelhanças visuais nos
desenhos das palhetas.
Conforme a sugestão de Ledet (1981), esses dois grupos podem ser
subdivididos por suas características, em seis diferentes estilos: francês,
inglês, holandês, vienense, americano e o alemão, que à época, havia sido
categorizado como um estilo de “fronteira”. Esses estilos não se encontram
limitados às suas fronteiras geográficas e, atualmente, a profusão de estilos
existentes dentro de cada uma dessas maneiras de construir e raspar a
palheta de oboé sobrepujam essas nomenclaturas de origem nacional.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Segundo (Poli, 2004; Gabrielsson, 2003) músicos realizam variações


sutis em parâmetros musicais, tais como articulação, intensidade e timbre
118 para comunicar aspectos expressivos da música que interpretam. Consi-
derando-se que o oboísta realiza grande parte da manipulação de tais
parâmetros através da palheta, exploraremos a relação entre a tipologia da
palheta e dois parâmetros musicais: a sonoridade e a articulação.
Com o acelerado desenvolvimento da tecnologia no início do século XX
e o crescimento da pesquisa sistemática sobre a performance, novas possibi-
lidades de feedback começam a surgir, como ferramentas que podem oferecer,
em tempo real, detalhes adicionais capazes de evidenciar parâmetros de
expressividade em um nível de detalhamento onde a percepção ganha uma
dimensão mais aprofundada da utilização dos recursos expressivos pelo músico
durante a execução musical (Loureiro; Magalhães et al., 2008).
Nesse contexto, o presente artigo propõe, a exploração de alguns parâ-
metros acústicos e psicoacústicos relacionados à sonoridade e à articulação
de oboístas que utilizam palhetas de raspado curto e longo, correlacio-
nando-as com os conceitos subjetivos utilizados para descrição desses
parâmetros musicais buscando compreender a influencia dos estilos de
raspado e sua relação com a cultura sonora do oboísta.

METODOLOGIA
Um estudo observacional descritivo do tipo transversal (Triola, 2014)
foi realizado entre setembro e dezembro de 2017 nos estados brasileiros
da Paraíba e do Rio Grande do Norte. O experimento foi divido em cinco
etapas:
1a) gravação de 21 oboístas profissionais do Brasil (14), Uruguai (1), EUA
(2), Canadá (1) e Europa (3) interpretando dois excertos musicais contrastantes
que proporcionaram condições de performance onde pode-se observar o
comportamento das variáveis dependentes (parâmetros acústicos) em relação
à manipulação das variáveis independentes (parâmetros físicos das palhetas de
raspado curto e longo: medidas e materiais utilizados na produção).

Figura 1. Excerto do solo para oboé do 2º movimento do Concerto em Ré maior


para violino e orquestra, op.77 de J. Brahms.

Figura 2. Excerto do Batuque de Lorenzo Fernandez (adaptação nossa).


Anais

2ª) aplicação de um questionário com questões abertas para coleta dos


dados sobre os instrumentos (marca e modelo) e as palhetas utilizadas na
gravação (marca, modelo, material e tamanho do tubo; marca, diâmetro, 119
espessura e densidade da cana; molde utilizado).
3ª) aplicação de um teste subjetivo de percepção em 73 indivíduos,
discentes e docentes do curso de música da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN) e Universidade Federal da Paraíba (UFPB), utilizando os adjetivos
extraídos das respostas dos oboístas ao questionário aplicado após a gravação
dos dois excertos musicais.

Tabela 1 – Adjetivos utilizados no teste subjetivo de percepção.

4ª) análise exploratória dos dados extraídos do sinal de áudio da gravação


dos dois excertos musicais através de seis descritores acústicos (centroide
espectral, achatamento espectral, irregularidade espectral, duração do ata-
que, índice de articulação e índice de legato) da interface EXPAN
(Campolina; Loureiro; Mota, 2009).
5ª) contraposição dos dados obtidos através dos descritores acústicos
com os resultados do teste subjetivo de percepção.
Após a organização dos dados extraídos por meio dos descritores
acústicos, do questionário e do teste subjetivo de percepção, realizou-se a
análise descritiva que incluiu o cálculo de frequências, medidas de tendência
central e de dispersão.
Previamente à análise entre a relação dos descritores acústicos e as
expressões utilizadas para a caracterização subjetiva do timbre e da articulação
dos oboístas, realizou-se a comparação dos valores dos descritores acústicos
nas categorias palhetas de raspado curto e palhetas de raspado longo através
dos testes t de Student simples e Mann-Whitney para comparação de médias
e medianas, respectivamente. Foi adotado o valor de significância de 5%
(0,05) para verificação das hipóteses. Se probalidade de significância for de
5%, ou seja, p>0,05, não se pode rejeitar a hipótese nula, mas se p<0,05,
rejeita-se a hipótese nula e aceita-se a hipótese alternativa (William, 2001).

RESULTADOS
Após a analise dos dados os oboístas que utilizaram palhetas de raspado
curto apresentaram médias de centroide espectral superiores aos que
utilizaram palhetas de raspado longo. Isto indica maior brilho no timbre
desses instrumentistas, contrariando o consenso existente entre os oboístas,
que relaciona a sonoridade escura com à palheta alemã (palheta de raspado
curto); e a sonoridade clara, à palheta americana (palheta de raspado longo)
(Mota, 2017b). Os dados do teste subjetivo de percepção corroboraram
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

com tais resultados, já que a sonoridade dos instrumentistas de raspado


curto foi mais vezes classificada como clara e brilhante.
120 Os oboístas que utilizaram palhetas de raspado curto tiveram sua
sonoridade classificada como clara, brilhante e redonda e a articulação
classificada como precisa, dura e leve, com valores de centroide espectral
e índices de articulação maiores e menor duração de ataque que o
instrumentistas que utilizaram palhetas de raspado longo.
A sonoridade dos oboístas que utilizaram a palheta de raspado longo
foi classificada com escura, opaca e redonda e a articulação como precisa,
mole e pesada, obtendo valores de irregularidade espectral e índices de
legato maiores do que os oboístas que utilizaram palhetas de raspado
curto.
Os adjetivos claro e brilhante foram relacionados aos maiores valores
de centroide espectral. O adjetivo opaco esteve relacionado a valores de
centroide espectral, duração de ataque menores e índice de articulação
maiores.
A expressão redondo e escuro estiveram relacionadas com valores
menores de duração do ataque, centroide, achatamento e irregularidade
espectral, bem como com índices de legato maiores.
Já a estridência na sonoridade de alguns oboístas esteve relacionada a
valores maiores de achatamento e irregularidade espectral e com uma
menor linearidade entre os valores.

Figura 4. Diagrama da relação entre a caracterização por adjetivos, da sonoridade


e da articulação, com os dados dos descritores acústicos obtidos com
a palheta de raspado curto (PC) e a palheta de raspado longo (PL).
Anais

Apesar da relação entre os descritores acústicos e as expressões


utilizadas para classificar a articulação ter sido menos conclusiva do que as
expressões utilizadas para classificar a sonoridade, observou-se que as 121
expressões precisa e leve estiveram relacionadas a menores valores de
duração do ataque e maiores índices de articulação.
Os descritores nos permitem algumas reflexões sobre o resultado sonoro
possível de se extrair com os diferentes raspados, mas não podemos ignorar a
resposta do instrumentista frente ao material utilizado. Considerando a palheta
como um meio para expressão do artista através da música, pressupõe-se que
o oboísta utilizará recursos técnicos para conseguir transmitir suas ideias
musicais. Sendo assim, estaríamos discutindo então a sonoridade e a artiulação
do oboísta e sua relação com a palheta ou a própria expressividade do
instrumentista e suas habilidades técnicas?

CONCLUSÃO
Nota-se que apesar das diferenças entre os parâmetros físicos das
palhetas, a cultura sonora é a principal influência no processo heurístico
do oboísta conduzindo sua compreensão dos conceitos subjetivos e sua
percepção dos parâmetros acústicos e psicoacústicos.
Em geral, o oboísta deseja uma “boa” sonoridade, ou seja, uma sonoridade
aceitável ao seus ouvidos, do público e de outros indivíduos que compõem seu
ambiente musical e que estão condicionados, em grande parte, por sua cultura
sonora. O meio musical nos Estados Unidos desenvolveu-se consentindo um
tipo de sonoridade de oboé, produzida com palhetas de raspado longo, no
qual, provavelmente, um oboísta de sonoridade marcadamente francesa,
inglesa ou vienense, encontraria sucesso limitado, por soar de maneira distinta
(LEDET, 1981). Desse modo, para que o oboísta alcance uma sonoridade
individualmente e socialmente aceitável, o estilo de palheta é ajustado à
maneira de se produzir o som, às características acústicas do oboé e à concep-
ção sonora do contexto musical no qual o instrumentista está inserido.
Cada instrumentista acaba por desenvolver seu modo de construir e
raspar a palheta, que vai se transformando ao longo da sua trajetória.
Desenvolvendo um sistema próprio de construção de palhetas, que passa
pela escolha dos materiais e sua enorme variedade (seleção da cana, tubo,
diferentes tipos de moldes), passando pelas formas de amarração, tempo
de espera e de raspagem da palheta, chegando aos diferentes tipos de
raspado. Esse sistema ajuda o instrumentista a ter referências mas, ao
mesmo tempo, cria barreiras de pré-conceitos que o impedem de observar
o que de positivo existe em outros modos de construção da palheta, o que
acaba muitas vezes limitando e/ou estagnando seu desenvolvimento.
Observou-se que influência do contexto musical parece ser significativa
e norteia as referências de sonoridade dos instrumentistas ou cultura
sonora. O timbre de um determinado oboísta pode ser percebido como
claro, brilhante e estridente em um determinado cenário musical e ser
percebido de maneira oposta em outro. Aí reside um desafio ao oboísta de
encontrar uma palheta, ou um determinado estilo de produção da palheta,
que lhe permita adaptar-se aos diferentes contextos musicais, inclusive às
demandas expressivas de cada repertório. Dificilmente, uma mesma palheta
será adequada para interpretar, por exemplo, uma sonata barroca, as
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

“Romances” de Schumann, a “Sequenza VII” de L. Berio, um “Chorinho” de


Pixinguinha e uma “Sinfonia” de Mahler. É bem provável que o oboísta sele-
122 cione dentre suas palhetas boas, as palhetas que apresentem as características
mais adequadas para expressar-se eficientemente dentro de cada contexto.
Deve-se ter em mente que os contextos musicais são dinâmicos, variando
significativamente em virtude de diferentes concepções estéticas e inter-
pretativas que são construídas e se transformam ao longo do tempo, ou seja,
uma cultura sonora predominante pode vir a ser substituída, exigindo talvez,
que o oboísta se adapte às novas tendências. Assim a contínua sistematização e
compreensão dos adjetivos segundo a heurística dos oboístas, apresentam
profícuas perspectivas para o desenvolvimento cognitivo e metacognitivo
desses instrumentais.

Referências
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Apresentados no I Encontro Internacional da Associação Brasileira de Palhetas Duplas e
II Encontro Nordestino de Palhetas Duplas (pp. 34–41), Brasil: Universidade Federal
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music, 31, 221–272.
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nineteenth- century ideals and practices. Expressiveness in music performance:
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estatística: atualização da tecnologia.
William, J. S. Estatística aplicada à Administração. São Paulo: Barbara, 2001.
Anais

Análise Fenomenológico Interpretativa:


possibilidades de utilização do campo de estudos 123
da aprendizagem da composição musical
Igor Mendes Krüger,1 Veridiana de Lima Gomes Krüger2 e
Lourdes Maria Bragagnolo Frison1
1,
Faculdade de Educação – PPGE, Universidade Federal de Pelotas/
Universidade Federal do Pampa, Brasil
2,3
Faculdade de Educação - PPGE, Universidade Federal de Pelotas, Brasil
1
igorkruger@unipampa.edu.br, 2limaveridiana@yahoo.com.br,
3
frisonlourdes@gmail.com

Resumo
O objetivo principal do presente trabalho é apresentar um ensaio acerca de procedimentos metodológicos
que visem à compreensão da autorregulação para a aprendizagem de processos criativo/musicais que
ocorrem em aulas de composição musical. Por tratar-se da aprendizagem para uma atividade humana,
artística, subjetiva e eminentemente criativa, julgamos que, antes de buscarmos compreender os
procedimentos desenvolvidos pelos estudantes durante suas empreitadas criativas, precisamos
compreender os sentidos por eles atribuídos para os diferentes elementos que escolhem utilizar durante
seus processos criativos. Chegamos a essas conclusões tendo como base os escritos de Bandura (1986), ao
afirmar que, ao serem expostas às circunstâncias proporcionadas por um mesmo ambiente, pessoas
diferentes percebem, selecionam, retêm e, consequentemente, representam características e aspectos
distintos do que vivenciaram. Isso permite que duas pessoas, que tenham experienciado juntas um mesmo
acontecimento apresentem versões completamente diferentes a respeito do mesmo. Diante disso,
acreditamos que, para abordar os sentidos atribuídos pelos estudantes, os quais incidem sobre seus
procedimentos autorregulatórios para a aprendizagem da composição, faz-se necessário o uso de uma
abordagem metodológica qualitativa, em caráter exploratório, que permita a realização de estudos
idiográficos. Assim sendo, apresentamos, como possibilidade metodológica para a realização de pesquisas
sobre a aprendizagem da composição, a Análise Fenomenológica Interpretativa (AFI) (EATOUGH &
SMITH, 2008), por oferecer contribuições à compreensão dos processos autorregulatórios para a
aprendizagem da composição musical e possibilitar o compartilhamento de idiossincrasias, afetos,
sentimentos e sistemas de crenças entre entrevistador e entrevistado.
Palavras-chave: autorregulação, criatividade, composição musical, metodologia, análise
fenomenológico interpretativa.

Abstract
The main objective of this work is to present an essay about methodological procedures that aim at the
understanding of self-regulation for the learning of creative/musical processes that occur in music
composition classes. Since we are dealing with learning for human, artistic, subjective, and eminently
creative activity, we believe that before we attempt to understand the procedures developed by students
during their creative endeavors, we need to understand the meanings they assign to the different
elements they choose to use during their creative processes. We arrive at these conclusions based on the
writings of Bandura (1986), when affirming that, when exposed to the circumstances provided by the
same environment, different people perceive, select, retain and, consequently, represent distinct
characteristics and aspects of what they catch experienced. This allows two people, who have experienced
together the same event, to present completely different versions of it. Therefore, we believe that in order
to approach the senses attributed by the students, which focus on their self-regulatory procedures for
learning composition, it is necessary to use a qualitative methodological approach, in an exploratory
character, that allows the realization of idiographic studies. Thus, we present, as a methodological
possibility to perform research on the learning of composition, the Interpretative Phenomenological
Analysis (IPA) (Eatough & Smith, 2008), for offering contributions to the understanding of self-
regulatory processes for learning musical composition and enabling the sharing of idiosyncrasies,
affections, feelings and belief systems between interviewer and interviewee.
Keywords: self-regulation, creativity, musical composition, methodology, interpretative
phenomenological analysis.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

INTRODUÇÃO
Ao longo dos últimos anos, temos nos ocupado em investigar a aprendi-
124
zagem da composição musical em âmbito universitário. Em função disso,
temos buscado, por meio de revisões da literatura da área, trabalhos que possam
subsidiar reflexões a respeito de processos formativo/composicionais. Nos
escassos¹ trabalhos acadêmicos dedicados à temática, vê-se a preocupação com
procedimentos pedagógicos para o ensino da composição musical, balizados
pela exploração de uma série de procedimentos e técnicas que abrangem a
utilização dos diferentes parâmetros compositivos, a exemplo dos escritos de
Pitombeira (2011)², Wilkins (2006), Kostka (2006), Cope (1997), Wuorinen
(1994), Austin (1989), Dalin (1974). A partir da análise de tais escritos, perce-
bemos que a aprendizagem da composição musical tem sido pautada de forma
unidirecional. Temos, em tais produções, contribuições para pensarmos os o
quês e comos referentes ao ensino da composição. Contudo, entendemos ser
válida a exploração dos por quês e comos da/para aprendizagem composicional.
Nesse sentido, defendemos um olhar atento ao indivíduo aprendente en-
quanto escopo possível de complementariedade aos trabalhos já produzidos
em prol de uma melhor compreensão de o tornar-se compositor.
Visando aproximarmo-nos desses indivíduos aprendentes e criadores
servimo-nos da concepção ontológica de humano como apresentada por
Bandura (1986) em sua Teoria Social Cognitiva (doravante TSC). Ao partir-
mos da perspectiva de Bandura para pensarmos o indivíduo que aprende e
cria, entendemos ser necessária uma assunção do papel da interpretação nas
transações agênticas³ do indivíduo com/no universo. As diferentes formas de
interpretação, representação e simbolização do vivido implicam nos modos
como as pessoas conectam o pensamento à ação (autorregulação). Desde a
TSC, buscamos a compreensão das representações de mundo composicio-
nal⁴ dos aprendentes e suas implicações sobre a autorregulação para a
aprendizagem desses.
Dito isso, trazemos, neste ensaio, reflexões a respeito de procedimentos
metodológicos de pesquisa que permitem a compreensão dos sentidos atri-
buídos, pelos estudantes de composição musical, a respeito dos processos
autorregulatórios empreendidos para a aprendizagem composicional, mais
especificamente, discutimos as contribuições oferecidas pela Análise Feno-
menológica Interpretativa (AFI).

TEORIA SOCIAL COGNITIVA


A concepção ontológica de ser humano, sob a qual se ancora a reflexão
aqui proposta, compreende os indivíduos como agentes dos percursos de
suas vidas. Isso significa dizer que o humano pode exercer alguma influência
sobre os acontecimentos que ocorrem ao longo de sua existência (Bandura,
1986). Ao postular o entendimento do ser humano enquanto agente,
Bandura (1986), apresenta-nos uma concepção de agência interativa, que se
constitui em meio ao que o autor denominou determinismo⁵ recíproco
triádico e bidirecional.
A reciprocidade triádica entre fatores pessoais (internos), ambientais
(externos) e comportamentais, permite que possamos compreender os seres
humanos como capazes de agir intencionalmente sobre/para os aconte-
Anais

cimentos de suas vidas, sem que, no entanto, possamos assumir a


existência de uma “agência absoluta” (Bandura, 2008b). Assim, essa pers-
pectiva “rejeita o dualismo entre a agência pessoal e uma estrutura social 125
desconectada da atividade humana” (Bandura, 2008a, p. 16) e destaca a
importância de não confundirmos agência com livre arbítrio, já que,
compreender que o humano se constitui em meio à interação, interno,
ambiente e comportamento é dizer que esse ambiente (externo) oferece tanto
possibilidades, quanto limitações para uma atuação agêntica. (Bandura,
1986). Sob essa perspectiva, o ser humano não é um mero reagente à
mercê de estímulos e contingências ambientais e, tampouco, o único
responsável pela condição de sua existência. Portanto, em meio à recipro-
cidade triádica, entende-se o ser humano como produzido pelas condições
sócio/estruturais do ambiente no qual vive e, também, produtor dessas
mesmas condições.
Uma atuação agêntica opera por meio de um conjunto complexo de
capacidades inerentemente humanas que nos permitem autoconhecimento,
autodesenvolvimento, adaptação e mudança (Bandura, 1986). Por inter-
médio das capacidades básicas da agência humana, dispostas na TSC, quais
sejam simbolização, intencionalidade, antecipação, autorregulação, autor-
reflexão e capacidade vicariante, os indivíduos interpretam suas interações
no/com o universo, atribuem sentidos a essas, constroem projetos de vida
que satisfaçam suas crenças e que confiram autossatisfação a sua existência.
Com isso, entendemos que compreender as ações do humano no/com
universo é, primeiramente, fazer emergir as representações mentais que cria
sobre si e sobre o universo em suas transações agênticas.
A simbolização, “notável capacidade de usar símbolos, que toca pratica-
mente todos os aspectos da vida das pessoas, fornece-lhes um poderoso
meio de alterar e adaptar-se ao seu ambiente” (Bandura, 1986, p. 18). Os
símbolos atuam como mediadores para o processamento e a transfor-
mação das experiências transitórias que, ao serem convertidas em modelos
internos, são usados como guias para ações prospectivas. Por intermédio
dos símbolos, o humano dá forma, sentido e continuidade às experiências
vivenciadas.
Além de simbolizarmos, também antecipamos cognitivamente nossas
ações no mundo. Planejamos mentalmente comportamentos futuros
“antecipando as consequências de prováveis ações prospectivas” (Bandura,
1986, p. 19), estabelecemos metas para atividades futuras e prevemos
consequências indesejadas. A projeção simbólica do futuro no presente
auxilia-nos no estabelecimento de cursos de ações de forma a facilitar a
obtenção dos futuros desejados.
O meio pelo qual transformamos os futuros projetados em realidades
experienciadas é a autorregulação, capacidade que permite que os humanos
conectem seus pensamentos às ações. Após elaborarem planos de ação através
da antecipação, os indivíduos partem para a ação, operacionalizando seus
comportamentos com vistas a alcançarem os objetivos desejados. A autor-
regulação opera por meio da redução e da produção de discrepâncias, o que
significa dizer que, à medida que o humano se depara com contingências
ambientais, pode produzir feedbacks autoavaliativos que servem para julgar se
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

as ações adotadas estão servindo à concretização do futuro projetado. Importa


dizer que a autorreação, decorrente dos feedbacks autoavaliativos,
126 não pode ser reduzida à mecânica reflexiva na qual os sinais de
feedback são comparados a um critério e, se existir incon-
gruência, o organismo é automaticamente redirecionado no
caminho correto. A autorregulação humana opera em termos
de guias gerais adotados, em vez de regras minuciosamente
prescritivas. Quanto mais complexas forem as atividades a
serem autorreguladas, e quanto menos particularizadas forem
essas regras de decisão, mais fatores de julgamento entrarão no
processo. O processo de autorregulação requer julgamento
dentro de um conjunto de diretrizes, que não podem ser
completamente prescritivas, porque há muitos elementos
variáveis nas situações. (Bandura, 1986, p.355, tradução nossa).

Simbolizamos, antecipamos e agimos guiados pela capacidade de


autorreflexão que permite que os indivíduos “analisem suas experiências
e seus próprios processos de pensamento” (Bandura, 1986, p. 21). Por
meio dessa capacidade, os indivíduos interpretam a si mesmos e ao mundo
que os circunda, criam crenças sobre todos os aspectos de suas relações
com/no o mundo e dão sentido a sua existência.
Tão importante quanto essas crenças do humano a respeito, pertencentes
ao universo que o circunda, são as crenças do humano a respeito de si
mesmo. Em função disso, Bandura nos diz da importância de atentarmos às
crenças de autoeficácia das pessoas, pois elas funcionam como mediadoras
dos processos cognitivos, afetivos, seletivos e motivacionais, uma vez que
“[...] o nível de motivação, os estados afetivos e as ações das pessoas baseiam-
se mais no que elas acreditam do que no que é objetivamente verdadeiro”
(Bandura, 1995, p. 2). Para esse autor, dificilmente alguém se engaja em uma
atividade em que não acredite ser capaz de alcançar êxito⁶. Normalmente, as
pessoas costumam direcionar suas energias para obter resultados que desejam
em busca de autossatisfação e, por essa razão, evitam o envolvimento com
atividades para as quais acreditam não possuírem capacidades de realizá-las,
protegendo-se de frustrações.
De modo a sintetizar a compreensão da natureza humana que fundamenta
as discussões contidas neste trabalho, pode-se dizer que o humano é aqui
entendido como um animal capaz de simbolizar cognitivamente todas as
experiências que vivencia, assim como, as informações que recebe por meio
da linguagem. É um agente capaz de representar, transformar e comunicar,
por meio de variadas formas de manifestações simbólicas, todos os aspectos de
sua relação no/com o mundo, portanto, um ser auto-organizado, proativo,
autorregulado e autorreflexivo que, guiado por suas crenças, pode influen-
ciar, de forma intencional, os rumos de sua existência, conectando os
pensamentos às ações, autorregulando-se enquanto interage com as contin-
gências dos ambientes sócio/estruturais aos quais se insere durante seu
percurso de vida.

APRENDIZAGEM SOB A ÓTICA DA TEORIA SOCIAL


COGNITIVA

Partindo da concepção de humano, aqui assumida, atribui-se à apren-


dizagem uma importância crucial para a sobrevivência e o desenvol-
Anais

vimento de nossa espécie. Nascemos com poucos padrões inatos (Bandura,


1986) e, em função disto, é pela aprendizagem que nos tornamos o que
somos. Os costumes, valores, linguagens, leis, músicas..., enfim, toda baga- 127
gem cultural do humano não está no código genético, não é transmitida
pelos cromossomos de uma geração a outra, ela é aprendida.
Com base nesta concepção ontológica, trabalhamos com o entendimento
de que o humano aprende por meio de duas formas principais: aprendizagem
observacional e aprendizagem enativa⁷ (Bandura, 1986). Dada à compreensão
de agência interativa, assume-se que a construção do conhecimento não
depende, exclusivamente, dos efeitos das ações experienciadas pelo indivíduo.
Não criamos a cultura com base em consequências reforçadoras e/ou punitivas
das experiências vivenciadas por cada novo membro da sociedade. Não
teríamos costumes, tradições, culturas, etc., se assim fosse. Há uma série de
restrições de tempo, recursos e mobilidade que instituem limites às atividades
que podem ser experienciadas diretamente. Assim, a capacidade vicariante é
essencial para o desenvolvimento e a sobrevivência da nossa espécie, uma vez
que nos possibilita transpor as restrições postas ao viabilizar a aprendizagem
observacional que promove o desenvolvimento cognitivo e social (Bandura,
1986). O ser humano é capaz de aprender habilidades, costumes, padrões,
valores, comportamentos etc. ao observar os seus pares, que servem como
modelos durante as transações agênticas.
Também aprendemos por meio de nossas experiências diretas no/com
o universo. A aprendizagem enativa envolve, muitas vezes, sequências de
tentativas e erros. Uma parte importante dos conhecimentos que
construí-mos durante a vida se dá através dessa forma de aprendizagem.
Ao executarmos uma determinada ação no mundo, observamos e
avaliamos os resultados alcançados por meio dessas, dando sentido aos
processos causais envolvidos em tais procedimentos e formando represen-
tações mentais que servirão para a elaboração de padrões de comporta-
mento, que poderão ser utilizados em circunstâncias futuras.

ANÁLISE FENOMENOLÓGICO INTERPRETATIVA


Como exposto na Introdução, ocupamo-nos em buscar compreender o
tornar-se compositor pondo em evidência o lugar do indivíduo aprendente
em meio a suas transações agêntivas. Tendo em vista que a acepção de
humano aprendente e criador que assumimos aqui repousa sobre os preceitos
da TSC e que, nessa, a ação do humano no universo é guiada por suas
representações e sistemas de crenças, voltamo-nos, especificamente, ao que
consideramos o elemento⁸ que perpassa e liga aprendizagem, criatividade e
autorregulação, necessárias a qualquer empreitada composicional, qual seja, as
representações e/ou imagens mentais relacionadas ao mundo composicional
desses indivíduos. A fim de explorar tais imagens mentais, apresentamos,
como possibilidade de metodologia investigativa, a perspectiva fenomeno-
lógico-interpretativa, notadamente, da Análise Fenomenológica Interpreta-
tiva (doravante AFI ), como apresentada por Eathough e Smith (2008), como
ferramenta adequada para a construção e análise dos dados empíricos.
Dada sua matriz epistemológica, ao articular fenomenologia e herme-
nêutica filosófica, mas, especificamente, no que tange aos pensamentos de
Heidegger e Gadamer, a AFI ocupa-se do “exame detalhado da experiência
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

individual vivida, e das formas como os indivíduos dão sentido a essa


experiência” (Eatough & Smith, 2008, p.179). Com isso, a AFI parte do
128 pressuposto de que nada é mais importante do que a experiência do humano
e de que essas se constituem dentro dos limites da facticidade do homem em
sua relação com o mundo, atentando “a todos os aspectos dessa experiência
vivida, desde os desejos, sentimentos, motivações, sistemas de crenças do
indivíduo até a forma como eles se manifestam, ou não, no comportamento
e na ação” (idem. p.181), manifestação essa que, aqui, identificamos enquanto
processos de aprendizagem de estudantes/compositores, ao transformarem as
imagens mentais sobre a composição em uma obra musical, valendo-se da
autorregulação. Importa dizer que a maneira com que cada indivíduo
compreende e explica tais experiências está sempre embasada em vivências
anteriores e, consequentemente, em seus preconceitos.
Uma pesquisa que se vincula à perspectiva fenomenológico-interpretativa
canaliza esforços para a exploração dos sentidos da ação que sustentam o
comportamento dos indivíduos. Sendo assim, o investigador busca, na
interpretação dos participantes do estudo, a compreensão da realidade
investigada. No entanto, entende-se que o pesquisador é, também, “(pela sua
biografia, pelas suas características pessoais, pelas suas crenças e posição social,
etc., bem como pelas suas opções científicas e políticas) um construtor do
mundo por ele mesmo estudado” (Amado, 2014, p. 42). Assim, reconhece-se
a impossibilidade de separação sujeito e objeto, e o pesquisador assume-se,
também, enquanto intérprete dos dados narrados, o que significa dizer que os
resultados obtidos com tais procedimentos investigativos não se constituem
como a verdade revelada acerca da aprendizagem da composição musical e,
sim, como uma verdade possível a respeito da mesma.
Para este tipo de investigação acreditamos que um instrumento de
produção de dados que oferece contribuições significativas à compreensão da
aprendizagem da composição musical é o estudo de entrevistas aberto
(Demarrais, 2004) de caráter idiográfico (Eatough & Smith, 2008). Em se
tratando do elemento que acreditamos interligar e perpassar aprendizagem,
autorregulação e criatividade — as representações e/ou imagens mentais
relacionadas ao mundo composicional do indivíduo — a entrevista aberta de
caráter ideográfico oportuniza a exploração de um elemento ainda não
investigado em âmbito acadêmico, abrangendo toda uma gama de
características subjetivas dos indivíduos em seus modos de manipulação do
mundo simbólico que, ao fim e ao cabo, acabarão materializando-se nas obras
por eles compostas. Assim, a valoração dos estudos idiográficos, trazidos pela
AFI, nos possibilita a compreensão das idiossincrasias dos indivíduos partícipes
de uma investigação.
Quanto à análise dos dados, parece-nos bastante pertinente o uso dos
preceitos da AFI, que compartilha alguns aspectos com a análise de discurso,
especialmente no que tange à compreensão de que as pessoas agem dentro
de uma realidade contingente, limitada pela linguagem de sua cultura e,
consequentemente, as análises oriundas do discurso elucidam tais contin-
gências, ou seja, as condições de emergência dos enunciados presentes em
tais discursos. No entanto, para a visão proposta pela AFI, esse aspecto em
comum com as análises discursivas consiste somente em uma parte do que as
pessoas podem comunicar durante uma entrevista. Para Eatough e Smith
Anais

(2008), as emoções, mesmo que possam ser comunicadas discursivamente, e,


por essa razão, possam ser analisadas como conversas, “não são simplesmente
jogos de linguagem e/ou efeitos do discurso” (p.184). Em se tratando do 129
elemento aqui discutido, por tratar de conceitos altamente abstratos que
envolvem a prática da composição musical, acreditamos que seja de suma
importância buscar compreender mais do que as contingências que cercam
os processos de aprendizagem, ao invés disso, faz-se necessário buscar
entender a compreensão dos entrevistados sobre suas práticas composicionais
e, principalmente, o entendimento desses a respeito dos conceitos que
utilizam para descrevê-las. Com isso, acreditamos que, utilizando os
preceitos da AFI para a análise de dados, seja possível fazer emergir as
principais imagens mentais (ou as mais recorrentes) que influenciam as
tomadas de decisões de cada estudante/compositor em seus processos de
aprendizagem criativo/musicais.
Embora a AFI seja utilizada principalmente para a realização de estudos
de caráter idiográfico, suas análises não precisam ficar restritas à
compreensão isolada a respeito dos mundos simbólicos compartilhados
pelos indivíduos. Um dos princípios da AFI, que pode ser adotado em
pesquisas que envolvam a aprendizagem da composição musical, é a
possibilidade de cruzamento de compreensões em âmbito idiográfico que
permitam apresentar, de forma monotética, as principais generalidades a
respeito da temática investigada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o presente trabalho, dedicamo-nos a tecer reflexões acerca de
procedimentos metodológicos de pesquisa que permitem a compreensão
dos sentidos atribuídos pelos estudantes de composição musical a respeito
dos processos autorregulatórios empreendidos para a aprendizagem
composicional.
Tal proposta originou-se da necessidade que identificamos de trazer o
indivíduo que aprende e cria para o centro das discussões que se ocupam
em compreender o tornar-se compositor. Assim, trouxemos da TSC os
preceitos teóricos que fundamentam a concepção ontológica de humano
e, consequentemente, de seus modos de aprender e criar mediante mani-
pulações simbólicas. Com isso, reconhecemos a importância da compre-
ensão das implicações referentes a interpretações, representações e sistemas
de crenças dos indivíduos sobre o agir com/no universo, o que nos conduz ao
entendimento de que a discussão em torno da aprendizagem composicional
requer a utilização de metodologias sensíveis aos elementos subjetivos que
envolvem as empreitadas composicionais.
Dito isso, argumentamos que a AFI oferece subsídios metodológicos
pertinentes à compreensão dos processos criativos e autorregulatórios de
estudantes de composição musical por valorizar a interpretação do
indivíduo a respeito dos sentidos atribuídos à experiência.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Notas
1 Cabe ressaltar que existe uma série de trabalhos que abordam a pedagogia da composição musical
130 em ambientes escolares e de musicalização infantil. Nesses contextos, a composição é utilizada
como meio para o desenvolvimento da sensibilidade e/ou de habilidades específicas necessárias aos
processos de musicalização. Nos cursos de Bacharelado em Composição, a obra artística resultante
dos processos de composição musical é tratada como objetivo final dos processos de ensino e
aprendizagem. Portanto, para a realização do presente trabalho, não analisaremos os referenciais
voltados à musicalização infantil, direcionaremos nossa atenção para os trabalhos pedagógicos que
visem à formação profissional de compositores.
2 O trabalho de Pitombera (2011) dedica-se a apresentar os paradigmas para o ensino da composição
musical, citando, como tais, os trabalhos de Wilkins (2006), Kostka (2006), Cope (1997), Wuorinen
(1994), Austin (1989), Dalin (1974). Nesse artigo, Pitombeira (2011) anuncia ter elaborado, com
base em tais paradigmas, em 2008, um Manual de Práticas Composicionais Contemporâneas para o curso
de Bacharelado em Composição da UECE, manual esse que foi tomado como referência pedagógica
em diferentes espaços educativos, espaços esses, dos quais destacamos: a disciplina Composição
Avançada do COMPOMUS (Laboratório de Composição Musical da Universidade Federal da
Paraíba); os módulos de Composição do Laboratório Kaplan de Pesquisa e Extensão em Música, da
Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, e, também, as disciplinas Práticas
Composicionais Contemporâneas, do Curso de Bacharelado em Composição, dessa mesma
universidade.
3 Transações agênticas podem ser compreendidas enquanto trocas e influências recíprocas de um
humano para outro humano e, também, do humano para com o ambiente.
4 Na falta de um termo melhor, optamos pela utilização de “mundo composicional” para fazer
referência ao conjunto de interpretações de cada estudante/compositor sobre os diferentes aspectos
que perpassam as interações que vivenciam enquanto autorregulam a aprendizagem de processos
criativos em contexto universitário.
5vO termo determinismo é usado aqui para significar a produção de efeitos por certos fatores, ao
invés de, no significado doutrinário de ações, serem completamente determinadas por uma
sequência prévia de causas que operam independentemente do indivíduo. Muitos fatores são
frequentemente necessários para criar um determinado efeito. Devido à multiplicidade de
influências interagentes, o mesmo fator pode fazer parte de diferentes combinações de condições
que têm efeitos diferentes. Fatores particulares estão, portanto, associados a efeitos probabilísticos,
e não inevitavelmente. (Bandura, 1986, p.23-24, tradução nossa).
6 Sob a perspectiva da TSC, pode-se entender êxito como condicionado aos interesses e
interpretações de cada indivíduo. Com isso, o que significa êxito para uma pessoa não
necessariamente o significará para outra.
7 Importa dizer que a maior parte das aprendizagens humanas são resultantes da combinação de
ambas as formas de aprendizagem: observacional e enativa.
8 Tal elemento emerge da proposição de tese de doutoramento, em curso, do primeiro autor
deste trabalho.

Referências
Amado, J. (2014). Manual de Investigação Qualitativa em Educação. Imprensa da
Universidade de Coimbra/Coimbra University Press.
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Anais

Bandura, A. (2008b). The reconstrual of “free will” from the agentic perspective of social
cognitive theory. In: Baer, J; Kaufmam, J; Baumeister, R. Are We Free? Psychology
and Free Will. (86-127). New York: Oxfort University Press. 131
Bandura, A. (Ed.). (1995). Self-efficacy in changing societies. Cambridge university press.
Cope, D. (1997). Techniques of the contemporary composer. New York: Schirmer.
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modern music. McGraw-Hill Humanities, Social Sciences & World Languages.
DeMarrais, K. (2004). Qualitative interview studies: Learning through
experience. Foundations for research: Methods of inquiry in education and the social
sciences, 1(1), 51-68.
Eatough, V; Smith, J. (2008). Interpretative Phenomenological Analisys. In: Willig,C;
StaintonRogers, W. The Sage Handbook of Qualitative Research in Psychology.
(pp. 179-194). Los Angeles: SAGE Publications.
Kostka, S., & Santa, M. (2018). Materials and techniques of post-tonal music. Routledge.
Pitombeira, L. (2011). Paradigmas para o Ensino da Composição Musical nos séculos XX e
XXI. OPUS, 17(1), 39-50.
Wourinen, C. (1994). Simple Composition. New York: C.F. Peters Corp.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

O efeito kiki-bouba como referência para


132 investigações multissensoriais em música
Cristiane Nogueira Souza1, Helena Rodrigues2
1
Departamento de Ciências Musicais - Universidade Nova de Lisboa, Portugal
2
Departamento de Ciências Musicais - Universidade Nova de Lisboa, Portugal
1
cristianemagdan@gmail.com, 2helenarodrigues@musicateatral.com

Resumo
O Efeito Kiki-Bouba refere-se a um dos primeiros testes envolvendo a correspondência entre
sentidos perceptivos, desenvolvido no contexto da psicologia Gestalt. A relação encontrada entre as
palavras kiki e bouba e duas imagens de formas distintas, tem fornecido evidências de uma conexão
entre estímulos linguísticos/sonoros e visuais, demonstrando a capacidade humana de perceber as
formas sonoramente, através de uma relação não-arbitrária entre sentidos auditivo e visual. O Efeito
Kiki-Bouba tem suscitado questões relativas ao modo como diferentes modalidades sensoriais se
inter-relacionam em termos de percepção e conhecimento, dando origem ao estudo das
correspondências intermodais. Dado que a experiência musical é, na sua essência, de natureza
multissensorial, questiona-se se o Efeito Kiki-Bouba se verifica em situações de caráter musical e se
poderá constituir um paradigma relevante para o estudo do fenômeno musical. O presente trabalho
apresenta um panorama desse paradigma a partir de revisão bibliográfica de referência realizada em
4 bases de dados online, a saber, PsycNET/ APA, da Associação Americana de Psicologia, as
plataformas Eric e Sage Journal, e o Google Scholar. Os resultados mostram que o Efeito Kiki-
Bouba é transversal a várias áreas do conhecimento, sendo abordado em estudos sobre
correspondências intermodais quer entre aspectos sensoriais como cognitivos, no âmbito da
linguagem, do simbolismo sonoro, da percepção e da sinestesia. Não obstante, há problemas que
estão ainda por identificar como, por exemplo, no que concerne à relação do Efeito Kiki-Bouba
com o movimento corporal e com dimensões específicas da escuta musical.
Palavras-chave: efeito kiki-bouba, música, correspondência intermodal, sinestesia

Abstract
The Kiki-Bouba Effect refers to one of the first tests involving the correspondence between
perceptual senses developed in the context of Gestalt psychology. The link between the words kiki
and bouba and two images in different forms has provided evidence of a connection between
linguist/sonorous and visual stimuli, demonstrating the human capacity to perceive forms sonically
through a non-arbitrary correlation between auditory and visual senses. O Kiki-Bouba Effect has
raised questions about how different sensory modalities interrelate in terms of perception and
knowledge, giving rise to the study of intermodal correspondences. Considering the musical
experience as essentially multisensory nature, it is questioned whether the Kiki-Bouba Effect occurs
in situations of musical character and may constitute a relevant paradigm for the study of the musical
phenomenon. The current work provides an overview of this paradigm based on a bibliographic
reference review in four databases online, namely PsycNET/ APA, of the American Psychological
Association, the ERIC and SAGE JOURNAL platforms, and GOOGLE SCHOLAR. The results
show that the Kiki-Bouba Effect is transversal to several areas of knowledge, being approached in
studies on intermodal correspondences between sensory and cognitive aspects, in terms of language,
sound symbolism, perception and synesthesia. Nevertheless, there are problems that are yet to be
identified, for example, the relation of the Kiki-Bouba Effect with body movement and with specific
dimensions of musical listening.
Keywords: kiki-bouba effect, music, crossmodal correspondence, synesthesia

INTRODUÇÃO
Desenvolvido em 1929 pelo psicólogo gestaltista Wolfgang Köhler
(1887-1967), o Efeito Kiki-Bouba (EKB) refere-se, originalmente, à ten-
dência de relacionar determinadas palavras sem sentido e sons com formas e
imagens, evidenciando uma conexão não-arbitrária entre estímulos
linguísticos/sonoros e visuais. O estudo original, realizado na ilha de
Tenerife, apresentou aos participantes duas imagens – uma de contornos
Anais

pontiagudos e outra de contornos arredondados. Em seguida, foi-lhes


solicitado que atribuíssem as palavras “baluma” e “takete” a cada uma das
imagens. A maioria dos participantes do experimento escolheu a palavra 133
baluma para a imagem arredondada e a palavra takete para a forma
pontiaguda (Köhler, 1929; 1947). Anos mais tarde, o experimento foi
reformulado e replicado com as palavras “kiki” e “bouba”, sendo encontrada
uma preferência de 95% a 98% na correlação entre as mesmas formas e
palavras, ou seja, kiki para a forma pontiaguda e bouba para a forma
arredondada (Ramachandran & Hubbard, 2001a). Desde então, o EKB tem
sido utilizado como base de pesquisas na área das correspondências inter-
modais, extrapolando a relação inicial com a linguagem e estimulando os
debates no âmbito do simbolismo sonoro, sinestesia e ideastesia.
Por correspondência intermodal entende-se o processo perceptivo onde,
em contato com um estímulo, duas ou mais modalidades sensoriais são
ativadas, interagindo entre si. Spence e Parise (2012) definem correspondência
intermodal como “a tendency for a sensory feature, or attribute, in one
modality, either physically present or merely imagined, to be matched (or
associated) with a sensory feature in another sensory modality” (Spence &
Parise, 2012, p. 410). Alguns autores sugerem que esse fenômeno possui uma
base biológica, e, portanto, tem uma origem inata (Parise & Spence, 2009;
Ludwing, Adachi & Matzuzawa, 2011; Shepherd, 2012). Por outro lado,
algumas pesquisas indicam que os seres humanos aprendem novas associações
entre dimensões sensoriais ao longo da vida, como afirmam Spence e Deroy
(2012). No centro das questões sobre as correspondências intermodais está, de
fato, a constatação unânime de que esse fenômeno é essencial para o
desenvolvimento cognitivo, uma vez que ele parece ser responsável por ajudar
na integração das informações multissensoriais.
A Música, enquanto área intrinsecamente multissensorial, tem sido foco
de interesse de vários estudos envolvendo correspondências intermodais.
Dado que o EKB remete igualmente para a questão das correspondências
intermodais e dos fenômenos multissensoriais, é objetivo do presente
trabalho verificar se existem estudos relacionando o EKB com a experiência
musical. Além disso, busca-se oferecer uma possibilidade de compreensão
do EKB como referencial para as pesquisas de correspondências intermodais
que envolvem a música. Para tal, foi realizada uma revisão bibliográfica de
referência que partiu de pesquisa em 04 bases de dados online, e que, para
além dos primeiros achados, se estendeu a outras publicações no decorrer da
produção escrita do trabalho.

MÉTODO
A pesquisa bibliográfica inicial foi realizada entre os meses de abril e
junho de 2018, em 04 bases de dados online, a saber, o PsycNET/ APA,
da Associação Americana de Psicologia e as plataformas Eric, Sage Journal
e Google Scholar. Os termos de pesquisa que orientaram as buscas foram
“kiki-bouba effect”, “kiki-bouba” e “kiki-bouba and music”. Além dos 04
sites indicados acima, outros repositórios científicos foram pesquisados,
como o Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP),
o Repositório da Universidade Nova de Lisboa (RUN), a Revista da
Associação Portuguesa de Psicologia e o Scientific Eletronic Library
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Online (Scielo). No entanto, esses locais não registraram resultados para


os termos pesquisados.
134 A pesquisa nas plataformas online apresentou um total de 32 publicações,
sendo 04 advindas da plataforma PsycNET/ APA, 03 da plataforma Eric e 25 do
Sage Journal. Os conteúdos gerais dos artigos foram rastreados mediante a leitura
prévia dos títulos e resumos disponibilizados. Os critérios utilizados na seleção
dos artigos para análise foram a ênfase no tema do EKB numa perspectiva
empírica, preferencialmente, e a disponibilidade online gratuita. Nesse caso, sete
publicações referiam-se a índices de assuntos ou relatórios de eventos variados e
foram excluídas. Das publicações restantes, foram selecionados 16 artigos dispo-
níveis online. A pesquisa realizada no Google Scholar acusou 103 publicações,
das quais constaram muitos trabalhos replicados das bases de dados já incluídas e
outros que não atendiam aos critérios para análise.
No que tange às publicações envolvendo a música e o EKB, embora as
pesquisas tenham identificado publicações sob o descritor “kiki-bouba and
music”, uma leitura mais minuciosa demonstrou que a maioria desses artigos
apenas citava o fenômeno kiki-bouba em alusão ao trabalho precursor de
Köhler. Entretanto, foram encontradas 02 pesquisas que tratam das relações
entre a Música e o EKB respaldadas por dados empíricos, cujos detalhes
serão apresentados ao longo deste artigo. Em termos metodológicos, optou-
se por uma revisão de literatura com abordagem expositiva ao invés de
analítica-comparativa.

Referências teóricas para a compreensão do Efeito Kiki-Bouba


O EKB tem sido considerado um marco nos estudos sobre correspondência
intermodal e ao longo de seu desenvolvimento recebeu o respaldado de vários
princípios teóricos. Para Wolfgang Köhler (1947), precursor do experimento,
a correlação entre sons e imagens era uma evidência de que a nomeação dos
objetos não ocorria arbitrariamente. Sendo assim, ele reafirma “a tese segundo
a qual os nomes das coisas e dos fatos, que são perceptíveis, táctil ou visual-
mente, se originam, muitas vezes, com base em tais semelhanças” (p. 131). Em
outras palavras, o psicólogo defendeu que a aparência visual dos objetos,
formas e imagens, parece compartilhar características ou qualidades expres-
sadas sonoramente, influenciando na nomeação destes.
Para os neurocientistas Vilayanur Ramachandran e Edward Hubbard
(2001a), responsáveis pela versão mais atual do paradigma, o EKB aponta
para evidências da origem evolutiva da linguagem e para a compreensão
de uma sinestesia sensório-motora, exemplificada pela dança, “where the
rhythm of movements synaesthetically mimics the auditory rhythm”
(Ramachandran & Hubbard, 2001a, p. 19) e pelos movimentos dos lábios
e da língua. Estes autores conjecturam
that the representation of certain lip and tongue movements in
motor brain maps may be mapped in non-arbitrary ways onto
certain sound inflections and phonemic representations in auditory
regions and the latter in turn may have non-arbitrary links to an
external object’s visual appearance (as in bouba and kiki) (p. 20).

Esse pressuposto, conhecido como “hipótese articulatória” (Peiffer-


Smadja, 2010, p. 10), corrobora as ideias de Köhler (1929, 1947), e destaca
a articulação dos lábios e da língua na produção de determinadas palavras.
Anais

Sendo assim, o movimento arredondado da boca ao proferir bouba e o


movimento mais seco em kiki seria a justificativa para a associação dos
sons às imagens. 135
O EKB também pode ser compreendido à luz do simbolismo sonoro,
sinestesia e ideastesia (Shukla, 2016, p. 242). Por simbolismo sonoro entende-se
a capacidade natural que os sons possuem de carregar significados inde-
pendentes. Como afirma Shukla (2016), “congruence between a sound and a
certain feature of a referent would make that sound more likely to be used in
naming that referent. This characteristic called ‘iconicity’ is largely
implicated in giving people the ability to make ‘Kiki-Bouba’ discrimination”
(p. 242). No caso da sinestesia, pode-se compreendê-la como um tipo de
correspondência intermodal, “a genuine perceptual phenomenon”
(Ramachandran & Hubbard, 2001b, p. 03). No EKB, o sentido visual é ativado
pela percepção sonora, ou vice-versa.
Mais recentemente, a ideastesia, um fenômeno subjacente à sinestesia,
tem contribuído para uma melhor compreensão do EKB. Para além de
uma conexão direta entre partes do cérebro responsáveis pelos estímulos
sensoriais, a ideastesia sugere uma ligação entre conceitos e sentidos,
mediada por recursos cognitivos. Enquanto a sinestesia ocorre apenas em
algumas pessoas, a ideastesia compreende parte essencial de nossas vidas,
pois “is a broader phenomenon happening across the senses that explains
and widens the scope of synaesthesia-like observations” (Shukla, 2016, p.
242). Uma vez que o EKB sugere uma variedade de associações, de
natureza semântica e sensorial, é considerado um excelente exemplo de
ideastesia, pois conecta as experiências perceptivas diárias com nossa
compreensão conceitual do mundo.

Figura 1. Takete e Maluma, Köhler (1929; 1947) Figura 2. Bouba e Kiki nos estudos atuais

O Efeito Kiki-Bouba na evolução das pesquisas sobre


correspondências intermodais
Se os primeiros experimentos com o EKB apontaram para a corres-
pondência entre sentidos visual e auditivo (Davis, 1961; Köhler, 1947;
Ramachandran & Hubbard, 2001a), os desdobramentos posteriores am-
pliaram o alcance desse paradigma para outras relações, tanto sensoriais
quanto cognitivas. Como observado na revisão de literatura, tem havido
um aumento, ainda que modesto, na produção de pesquisas envolvendo
o modelo de associação das imagens Kiki e Bouba a uma variedade de
áreas e outros campos percetivos, como o tato, paladar e olfato.
Uma das primeiras questões suscitadas pelo EKB referiu à universalidade
e transversalidade cultural do fenômeno. Sendo descoberto inicialmente
entre os falantes da língua inglesa da ilha de Tenerife, uma região onde a
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

língua predominante é o espanhol, almejava-se saber se outras culturas e


outros idiomas apresentariam a mesma correspondência. A esse respeito,
136 Ramachandran e Hubbard (2001) demonstraram a mesma tendência em
relacionar kiki com a imagem pontiaguda e bouba com a imagem arre-
dondada, quando aplicaram o experimento aos falantes de inglês e aos
falantes de tamil, um idioma do sul da Índia. Muito antes, em um dos
primeiros estudos envolvendo crianças, Davis (1961) observou que as
crianças nativas da península de Mahale, em Tanganica, na África, também
combinavam nomes com desenhos semelhantes às formas Kiki e Bouba,
sugerindo “that the similarities between structural properties of the sound
of the names and physical properties of the drawing are acknowledged at
Bremner et al. (2013) também observaram o simbolismo entre forma e
som em populações não-ocidentais, como os Himba do Kaokoland, no
Norte da Namíbia, um povo com reduzida influência ocidental e que não
utiliza linguagem escrita. A associação convencional do EKB, ou seja,
kiki para forma angular e bouba para forma arredondada, foi relatada em
82% dos participantes, fornecendo “the first demonstration that a remote
society without a written language also exhibits this effect” (p. 168).
Entretanto, algumas pesquisas também relataram uma correspondência
contrária, como no caso de Rogers e Ross (1975). Ao aplicarem o experimento
em 20 participantes na Papua Nova Guiné, as respostas contrárias ao efeito
excederam as respostas propensas, na relação de 11 para 9, respectivamente.
De igual modo, Styles e Gawne (2017), relataram resultados opostos na
associação entre forma e som entre os falantes do idioma Syuba, no Nepal,
onde 13 dos 24 participantes declararam respostas contrárias ao esperado.
Sendo esses os dois casos de fracasso do EKB documentados em pessoas
saudáveis¹, acredita-se que a falha não comprometa a hipótese da univer-
salidade do simbolismo sonoro, justificada provavelmente por uma questão de
“wordiness”, ou seja, os autores acreditam “these tests fail when the test words
do not behave according to the sound structure of the target language” (p. 1).
Numa ampliação do fenómeno kiki-bouba à luz de outros simbolismos,
algumas pesquisas investigaram as correspondências entre formas e sabores,
cheiros e cores (Barilari, de Heering, Crollen, Collignon, & Bottini, 2018;
Spence & Deroy, 2012; Woods, Spence, Butcher, & Deroy, 2013). De
forma especial, destaca-se o trabalho de Blazhenkova e Kumar (2018), que
desenvolveram experimentos baseados em experiências sensoriais práticas
nas modalidades tátil, auditiva, gustativa, olfativa e visual. Além disso, a
pesquisa envolveu tarefas de associação de emoções e de gênero. As formas
angulares/pontiagudas foram associadas a sabores amargos, sons altos e
dinâmicos, odores picantes e cítricos, cores avermelhadas, texturas ásperas,
emoções de excitação e surpresa, gênero masculino, palavras com vogais
fechadas e à palavra kiki. Por outro lado, as formas arredondadas foram
associadas a sabores adocicados, sons baixos e calmos, odor de baunilha,
cores esverdeadas, texturas suaves, emoções de tranquilidade, gênero
feminino, palavras com vogais abertas e à palavra bouba. Esses achados
evidenciaram a mútua influência dos sentidos, enriquecendo “the cross-
modal correspondences research field by providing evidence of consistent
shape associations across multiple sensory and higher level attributes” (p.
84).
Anais

Numa outra abordagem, alargando as fronteiras do fenómeno, Sidhu


e Pexman (2015) desenvolveram uma pesquisa associando as imagens
Kiki e Bouba com nomes próprios. O objetivo do estudo, dividido em 3 137
experiências, era investigar se a associação de formas e sons também se
aplicava a outros fonemas, uma vez que as características fonéticas
parecem influenciar tais relações. Por exemplo, os autores relatam que
algumas consoantes como “B, M, L, N” e as vogais “U, O”, tendem a se
associar com formas arredondadas, enquanto “K, P, T”, e as vogais “I, E,
A” sugerem associações com formas mais pontiagudas (Sidhu & Pexman,
2015, p. 2). Os resultados demonstraram “that the Bouba/Kiki effect
extend to labels with known referents, in the case of real first names” (p.
17). Resguardados os devidos cuidados, esses dados oferecem uma compre-
ensão alongada das características não-arbitrárias da linguagem.
Na mesma tendência, Karthikeyan, Rammairone e Ramachandra
(2016) examinaram as relações entre as expressões emocionais faciais e
formas angulares-pontiagudas e curvilíneas-arredondadas. Partindo dos
movimentos articulatórios dos lábios, sugeridos pelas vogais “I” e “O”, em
um sorriso e em um semblante mais severo, respectivamente, os autores
trabalharam com a hipótese de que palavras sem sentido poderiam se
relacionar também com as expressões de um sorriso ou de uma expressão
mais franzida ou mais aberta, de forma não-arbitrária. Os participantes do
estudo foram submetidos a um teste de associação de pares de palavras
previamente criadas (com variações das vogais “I” e “O”) com desenhos
faciais esquemáticos, apresentando uma variação entre triste-angular,
feliz-angular, triste-curvilíneo, feliz-curvilíneo. Ao final, observou-se
uma associação mais frequente de palavras com predominância de vogais
“I” nas expressões felizes, tanto para formas angulares quanto curvilíneas.
Para as expressões tristes houve uma associação mais frequente de palavras
com predominância de vogais “O”.
Esses resultados mostraram que não houve diferença notável entre as
versões curvilíneas e angulares dos desenhos felizes e tristes, ou seja, as
associações ocorreram sob maior influência das emoções expressadas do
que propriamente pelas formas. Os autores argumentam que as associações
podem ter sido influenciadas pelo contágio emocional, "in that the happy
“felling” on seeing a happy face may have been mapped onto the “pleasant”
sounding /i/ and the sad feeling on seeing a sad face was matched with the
gloomy sounding /o/ (e.g., Newman, 1933)” (Karthikeyan et al., 2016, p.
4). Por outro lado, este estudo revela que a ocorrência de aspectos simul-
tâneos pode gerar conflito nas correspondências, ou seja, “when two or
more aspects co-occur, these may compete with one another or one may
supersede the others in guiding the associations” (p. 4).
Como apontado até o momento, o EKB tem inspirado pesquisas em
diferentes áreas. Por outro lado, alguns domínios ainda carecem de maior
atenção. Por exemplo, a revisão bibliográfica realizada acusou que os
estudos envolvendo os movimentos físicos têm se resumido aos movi-
mentos articulatórios da boca e sua relação fonética (Gobara, Yamada, &
Miura, 2016). Entretanto, uma importante contribuição relacionando os
movimentos cinestésicos com o EKB é apresentada na pesquisa de
Koppensteiner, Stephan e Jäschke (2016). Esses pesquisadores coletaram
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

movimentos em situações reais de discurso e os transformaram em figuras


animadas bidimensionais através de um recurso computacional. Em
138 seguida, convidaram 99 participantes da Universidade de Viena para
julgarem os vídeos usando as palavras takete-malula, kiki-bouba, e outros
descritores verbais como medidas de angularidade e suavidade, tais como
macio-duro, arredondado-angular, rápido-lento, brusco-fluente.
Os resultados do estudo indicaram uma tendência em relacionar as
palavras maluma e bouba com movimentos percebidos como suaves,
arredondados, fluentes e lentos. Por outro lado, movimentos percebidos
como duros, angulares, irregulares e rápidos foram associados a takete e
kiki, confirmando “that people are able to link patterns created by moving
bodies of speakers to patterns inherent in the artificial words takete (or
kiki) and maluma (or bouba)” (Koppensteiner et al., 2016, p.12).
Embora esse estudo tenha utilizado descritores verbais e não
propriamente as imagens, ele representa uma evidência da natureza
abrangente do EKB demonstrando que o fenômeno não se limita apenas
a associações que envolvem formas inertes. Ao contrário, os movimentos
do corpo humano, enquanto produtores de padrões dinâmicos, podem
inspirar conexões verbais e não verbais coerentes com as características
das palavras kiki e bouba, e vice-versa.

O Efeito Kiki-Bouba e a música


No âmbito da música, a revisão de literatura acusou uma proporção
muito modesta de trabalhos que associam a temática ao EKB. Observa-se
que, embora crescente o número de pesquisas que exploram a experiência
musical na perspectiva das correspondências intermodais, nem todas
utilizam o paradigma kiki-bouba, como afirmam Athanasopoulos e Antović
(2018) e Loh e Ekstrand (2015). Entretanto, foi possível identificar dois
trabalhos relevantes na área, ainda que com abordagens distintas.
O trabalho de Adeli, Rouat e Molotchnikoff (2014) investigou a
correspondência entre timbres musicais e a forma visual. O experimento
envolveu uma amostra de oito timbres instrumentais programados em
computador (Piano elétrico, Marimba, Violão, Cello, Sax Tenor, Triângulo,
Pratos e Gongo) e formas arredondadas e pontiagudas inspiradas em Kiki e
Bouba com variações de cores (azul, verde, vermelho, amarelo e tons de
cinza). Os 119 participantes foram orientados para selecionar uma forma
visual equivalente para cada som ouvido. Dentre os achados da pesquisa, os
autores observaram uma forte correspondência entre timbre e forma “such
that sounds with harsh timbres (e.g., sounds derived from Crash Cymbals)
corresponded to a sharp jagged shape while soft timbres (e.g., sounds
derived from Piano) corresponded to a rounded shape” (Adeli et al., 2014, p.
9).
Por outro lado, timbres com ambas características sonoras, como no
caso do Sax Tenor, foram relacionados com formas mistas, ou seja, que
compartilhavam características tanto arredondadas quanto pontiagudas.
Isso parece demostrar que, embora determinadas características sonoras
possam ser muito diretamente percebidas e relacionadas a uma ou outra
forma específica, outras associações são menos evidentes. Os autores
buscaram explicar essa questão à luz de dois princípios, o da constância
Anais

perceptiva e o da frequência fundamental. Sendo um fenômeno existente


nos sentidos da audição e visão, o primeiro refere-se à percepção de carac-
terísticas que permanecem constantes mesmo em situações diferentes, 139
como por exemplo, o timbre de um determinado instrumento que não se
altera mesmo em face a mudanças de intensidade e altura. Por outro lado,
o segundo princípio considera uma mudança na correlação da forma para
o som, sempre que a frequência fundamental também seja alterada (Adeli
et al., 2014, p.09).
Outra pesquisa relevante na área de música baseada no EKB foi desen-
volvida por Murari, Schubert, Rodà, Da Pos e De Poli (2017) que elaboraram
um interessante experimento relacionando excertos musicais reais a ícones
bipolares que retratavam emoções, experiências sensoriais e formas, incluindo
os pares Takete-Maluma e Kiki-Bouba. Os estímulos musicais consistiam em
trechos com duração de 06 a 19 segundos de peças musicais de cada um dos
seguintes compositores: Brahms, Chopin, Bizet, Mozart, Vivaldi e Bach. Uma
peça de cada autor foi escolhida considerando variações de modo, andamento,
e gama de emoções evocadas. Os participantes do experimento compre-
enderam 68 indivíduos de uma universidade na Austrália, com idade média de
aproximadamente 22 anos. Para cada par de imagens, eles deveriam selecionar
aquela que melhor refletisse o caráter da música (Murari et al., 2017, p. 5).
Dentre os resultados mais relevantes para este trabalho, observou-se a associação
de ambas as imagens Maluma e Bouba para Brahms e Mozart e apenas Maluma
para Bach. Por outro lado, ambas as imagens Takete e Kiki foram atribuídas a
Bizet e Chopin, enquanto que Vivaldi foi associado apenas para Takete (p. 8).
Essas associações, para além do caráter de cada excerto musical,
também sugeriram uma ligação com os elementos musicais característicos
de cada peça. Como apresentado anteriormente, sons calmos foram asso-
cia-dos a formas arredondadas, enquanto que sons mais dinâmicos para
formas angulares (Blazhenkova & Kumar, 2018). Essa correspondência
fica evidente nos trechos de Brahms e Mozart, executados em um
andamento muito lento e atribuídos a Maluma e Bouba, enquanto que
Bizet e Chopin, com andamento mais acelerado, aludiram a Takete e
Kiki.
Por outro lado, o andamento não foi suficiente para relacionar a peça de
Bach da mesma maneira, mesmo destacando-se como um trecho alegre e
dançante. Nesse caso, outros elementos musicais, talvez em termos tímbricos,
tenham conduzido a percepção dos ouvintes para uma correspondência
contrária. Todavia, os achados dessa pesquisa evidenciam a capacidade da
música se relacionar com diferentes descritores, verbais e não verbais. Nas
palavras dos autores, esses ícones “appear to be able to convey a wide range
of sensory experiences” (Murari et al., 2017, p. 08). Desse modo, ao
elaborarem uma escala de ícones multissensoriais, os autores consideram que
sua utilização em pesquisas futuras “will allow a convenient way of
investigating nonverbal responses to music quantitatively” (p. 10).

CONCLUSÃO
O EKB compreende um interessante mapeamento não arbitrário que
evidencia a capacidade humana de perceber os fenómenos de modo
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

integrado. Fundamentado no simbolismo sonoro, sinestesia e ideastesia,


ele aponta para a possibilidade de que as experiências sensoriais se
140 organizam internamente a partir de correspondências de forma, sons,
linguagens e emoções, entre outras.
Embora o EKB possa ser considerado como paradigma de verificação das
correspondências intermodais, observa-se um número muito reduzido de
produções científicas que o utilizam. A preferência por metodologias mais
complexas e controladas, bem como o próprio desconhecimento sobre o
tema poderão explicar esta situação. Nesse sentido, a escolha por um
enfoque mais expositivo no desenvolvimento desta revisão teve como
objetivo tornar o assunto mais acessível para aqueles que desejam ter um
conhecimento introdutório sobre o tema. Admite-se, contudo, algumas
lacunas neste trabalho, especialmente com relação à origem e à
universalidade do EKB. Como corroboram os principais pesquisadores da
área, há evidências para compreender o EKB como um fenómeno inato e
universal, embora culturalmente influenciado. Entretanto, é necessário que
futuras pesquisas explorem a temática para que essas questões sejam melhor
compreendidas.
Como evidenciado na pesquisa bibliográfica, os estudos envolvendo o
EKB e a música representam uma fração muito pequena das investigações
sobre correspondências intermodais. Todavia, acredita-se que ambas as
áreas poderão se beneficiar da utilização deste fenómeno em futuras
pesquisas. Além disso, essa possibilidade permite a investigação de questões
com abordagens transversais, como a música e o movimento corporal,
outra área pouco examinada à luz do paradigma. Acredita-se que futuras
investigações nessa tríplice tendência poderão trazer importantes reflexões
sobre o desenvolvimento da música enquanto fenômeno holístico,
fomentando avanços para o campo da Psicologia da Música e Educação
Musical.

Nota
1 “Research on nonarbitrary correspondences revealed that individuals with autism or those with
damage to the brain sites involved in emotional processing demonstrated violations of the robust
‘‘kiki-bouba effect’’ (Blazhenkova & Kumar, 2018, p. 70).

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XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Análise de métodos biomecânicos para


142 controle e dinâmica do instrumento bateria
(Resumo)
Sandro Moreno (sandromorenobatera@yahoo.com.br)
William Teixeira (teixeiradasilva.william@gmail.com)
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

Problema
O estudo da bateria envolve muitas variáveis, entre elas a precisão técnica visando uma dinâmica com
eficaz controle do volume pelo instrumentista, algo de extrema complexidade. Ao serem percutidos,
os tambores produzem naturalmente grande amplitude sonora e, por essa razão, a investigação
proposta aqui busca as melhores opções de manejo técnico e gestual para obtenção de dinâmicas
baixas, não somente em caráter artístico-musical mas também com abordagem científica ao buscar
na Física conceitos de Mecânica e Ondulatória que embasem técnicas de moderação do som. O
conhecimento em Acústica será basilar para este processo, antecedendo a abordagem técnica para que
seja possível a apuração sobre a escolha das baquetas, analisando a qualidade sonora produzida
levando-se em conta a massa, dureza e a forma. Na pesquisa das habilidades, averiguamos a
sistemática proposta por três relevantes educadores e performers, George Lawrence Stone (1886-
1967), Gladstone (1892-1961) e Sanford A. Moeller (1869-1961). Destaca-se também a importância
da escolha correta do fulcro (o ponto de apoio de uma alavanca). Por ser a bateria um instrumento
ainda recente na história da música, tendo seu surgimento na virada do século XIX para o século XX,
tem-se um amplo caminho para diferentes abordagens de execução. A pesquisa aqui deteve-se a
encontrar a melhor trajetória para performance em baixa amplitude sonora.
Objetivos
Este trabalho tem como intento a exposição das técnicas de manejo e os gestos corporais
envolvidos na produção de uma sonoridade de baixa amplitude durante a prática da bateria.
Método
Uma análise multidisciplinar que explane conceitos musicais e da performance tendo como base a
Biomecânica, Ergonomia, princípios da Mecânica, Ondulatória e Acústica.
Resultados
Produção de um texto com registro das técnicas apresentadas no trabalho, posterior publicação em
formato de artigo científico.
Conclusões
O controle dinâmico sem a perda do fluxo musical é de extrema dificuldade para o performer deste
instrumento, a pesquisa efetuada ajuda o músico a encontrar este autodomínio, sobretudo a partir
da ênfase no fulcro.
Palavras-chave
Bateria, técnica, dinâmica, performance
Referências
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doutorado). Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo. São Paulo, SP,
Brasil. Recuperado de http://www.teses.usp.br.
Anais

Treinamento musical, ouvido absoluto e memória


verbal: um estudo sobre possíveis correlações 143
Priscila Satomi Acamine e Patrícia Vanzella
1 1, 2

1
Centro de Matemática, Computação e Cognição, Universidade Federal do ABC, Brasil
2
Núcleo Interdisciplinar de Neurociência Aplicada, Universidade Federal do ABC, Brasil
1
priscilaacamine@gmail.com, 2p.vanzella@ufabc.edu.br
Resumo
O ouvido absoluto (OA) é um traço cognitivo caracterizado pela capacidade de identificar e/ou
entoar uma altura específica sem o auxílio de referência externa. Estudos sugerem que portadores de
OA, quando comparados a músicos não portadores e não-músicos, tendem a apresentar uma
acentuada assimetria hemisférica (em favor do lado esquerdo) no Planum Temporale, área principal
em que a memória verbal é mediada, podendo sugerir um melhor desenvolvimento desta função
cognitiva. O objetivo deste trabalho é avaliar o desempenho de portadores de OA em um teste de
memória verbal e comparar aos de não-músicos e músicos sem OA para verificar a existência de
relações entre treinamento musical, ouvido absoluto e memória auditiva verbal. Os participantes
realizaram um teste de identificação de tons, para classificação de portadores e não portadores de OA,
e o Rey Auditory-Verbal Learning Test (RAVLT). Foi encontrada uma associação entre treinamento
musical e performance no teste de memória. Músicos aprenderam e reconheceram posteriormente
significativamente mais palavras que os não-músicos. Entretanto, quando os músicos foram
analisados separadamente em subgrupos de portadores e não portadores de OA e comparados com
os não-músicos, a diferença na performance deixou de existir. Verificou-se que o treinamento
musical está relacionado a uma melhor performance no teste de memória verbal. Não foi encontrada
diferença de performances no teste de memória entre os subgrupos de músicos portadores e não
portadores de OA e não-músicos.
Palavras-chave: ouvido absoluto, memória verbal, treinamento musical

Abstract
Absolute pitch (AP) is the ability to identify or produce a musical tone without reference to an
external standard. Research suggests that people with AP, as compared to both musicians without AP
and non-musicians, tend to show an exaggeration of the typical leftward asymmetry of the Planum
Temporale, the main area in which verbal memory is mediated, suggesting a better development of
this cognitive function. In this study, we evaluate the performance of AP possessors in a verbal
memory test and we compare it to those of non-musicians and musicians without AP to investigate
whether there are correlations between musical training, AP and auditory verbal memory.
Participants performed a tone identification task for classification of AP possessors and non-
possessors, and the Rey Auditory-Verbal Learning Test (RAVLT). We found an association between
music training and performance in the memory test. Musicians learned and remembered significantly
more words than non-musicians. However, when groups of musicians with AP and without AP
were analyzed separately and compared to non-musicians, the difference in performance ceased to
exist. We verified that musical training is related to a better performance in the verbal memory test.
There was no difference between subgroups of musicians with AP, musicians without AP and non-
musicians in the memory test performance.
Keywords: absolute pitch, verbal memory, musical training

INTRODUÇÃO
O ouvido absoluto (OA) é definido na literatura como sendo um traço
cognitivo caracterizado pela capacidade de identificar, usando rótulos, a
altura de qualquer tom isolado e/ou entoar uma altura específica sem o
auxílio de referência externa (Baggaley, 1974; Takeuchi & Hulse, 1993;
Ward, 1999; Parncutt & Levitin, 2001). A prevalência dessa habilidade
pode variar consideravelmente em função da população estudada. Alguns
estudos estimam que, na população geral, menos de uma em cada dez mil
pessoas a possuam (Bachem, 1955; Profita, Bidder, Optiz, & Reynolds,
1988). No entanto, as metodologias desses estudos incluem medidas
subjetivas e são difíceis de serem replicadas. Entre estudantes de música, a
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

prevalência varia amplamente (de cerca de 5% a 75%), mas em muitos casos


essa variabilidade pode ser atribuída a diferenças nos instrumentos e
144 critérios selecionados por diferentes autores para definir e avaliar a habi-
lidade (Baharloo, Johnston, Service, Gitschier, & Freimer, 1998; Deutsch,
Henthorn, Marvin, & Xu, 2006; Deutsch, Dooley, Henthorn, & Head,
2009; Gregersen, Kowalsky, Kohn, & Marvin, 1999; Miyazaki, Makomaska,
& Rakowski, 2012). No Brasil, um estudo relatou prevalência em torno de
6,5% entre estudantes de cursos superiores de música em Brasília e São
Paulo (Germano, Vanzella, Werke, & de Oliveira, 2013), enquanto outro,
realizado em uma escola de música em Natal, indicou uma prevalência de
18% (Leite, Mota-Rolim, & Queiroz, 2016).
Muitos estudos descrevem a existência de um período crítico, sendo este
até 6 ou 7 anos de idade, no qual a exposição às notas musicais juntamente
com seus rótulos correspondentes seria fundamental para a manifestação do
OA (Ward, 1999; Russo, Windell, & Cuddy, 2003; Trainor, 2005). Além
disso, há indícios de que falantes de línguas tonais, como o vietnamita e o
mandarim, são mais propensos a apresentarem OA (Deutsch, Henthorn, &
Dolson, 2004; Deutsch et al., 2006). De fato, a prevalência de OA entre
asiáticos é maior quando comparada a outras populações (Gregersen et al.,
1999; Deutsch et al., 2006).
Em 1998, Chan, Ho e Cheung realizaram um estudo na China que indicou
que o treinamento musical pode ter efeitos de longo prazo no aprimoramento
da memória verbal. Os participantes desse estudo eram asiáticos, falantes de
língua tonal e haviam iniciado o treinamento musical antes dos 6 anos de
idade. Levando-se em consideração os trabalhos citados no parágrafo anterior,
quanto à prevalência de OA em indivíduos com essas características, há grande
probabilidade de que muitos dos participantes do estudo de Chan, Ho e
Cheung (1998) fossem portadores desse traço cognitivo. Entretanto tal
habilidade não foi testada, e tampouco levou-se em consideração na discussão
do trabalho a possibilidade da presença de um traço como o OA ter levado a
melhores desempenhos de indivíduos com treinamento musical (comparados
a indivíduos sem treinamento) em testes de memória verbal.
Outra evidência em favor dessa hipótese seria o fato de que pesquisas feitas
com Imageamento por Ressonância Magnética revelaram diferenças anatô-
micas entre portadores e não portadores de OA. Esses estudos mostraram que
portadores de OA, quando comparados a não portadores, apresentam uma
acentuada assimetria hemisférica (em favor do lado esquerdo) em uma região
cerebral denominada Planum Temporale. (Schlaug, Jancke, Huang, & Stein-
metz, 1995; Zatorre, Perry, Beckett, Westbury, & Evans, 1998; Keenan,
Thangaraj, Halpern, & Schlaug, 2001). Caso isso seja resultado de uma
mudança na organização cortical (Bever & Chiarello, 1974; Elbert, Pantev,
Wienbruch, Rockstroh, & Taub, 1995), o lobo temporal esquerdo nesses
indivíduos poderia ter uma função cognitiva melhor desenvolvida (Chan et al.,
1998). Como a memória verbal é mediada principalmente nessa área
(Warrington, 1984; Morris, Abrahams, & Polkey, 1995; Sidhu et al., 2015), é
possível que portadores de OA apresentem melhor memória verbal que não
portadores.
O objetivo do presente trabalho é avaliar o desempenho de portadores
de OA em um teste de memória verbal e comparar aos de não-músicos e
Anais

músicos sem OA para verificar a existência de relações entre treinamento


musical, ouvido absoluto e memória auditiva verbal.
145
MÉTODO
Participantes
Foram avaliados 49 estudantes de graduação de ambos os sexos com
idades entre 18 e 35 anos, dos quais 28 pertenciam ao grupo “músicos”
enquanto os outros 21 pertenciam ao grupo “não-músicos”. Os participantes
músicos foram recrutados em cursos superiores de música e deveriam ter no
mínimo quatro anos consecutivos de treinamento musical formal. Os
participantes não-músicos foram recrutados em cursos superiores de outras
áreas e poderiam ter no máximo um ano de treinamento formal em música.
Todos os voluntários leram, concordaram e assinaram o Termo de Consen-
timento Livre e Esclarecido antes do início do experimento.
Os participantes responderam um questionário com perguntas sobre
dados demográficos e de experiência musical. Foram excluídos da análise
os voluntários que declararam ser portadores de distúrbios auditivos ou
neurológicos e que faziam uso recorrente de medicamentos controlados.
Além disso, dados de voluntários que não preenchiam os pré-requisitos de
escolaridade, idade e tempo de treinamento musical formal necessários
para a participação do estudo também foram desconsiderados da análise.
A amostra final analisada foi de 21 músicos (13 homens) e 15 não-
músicos (9 homens). A idade média dos participantes músicos foi de 25,05
(4,66) anos e dos não-músicos, de 22,27 (2,99) anos. A média de treina-
mento formal em música para os músicos foi de 10,43 (6,75) anos. Os
não-músicos apresentaram média de 0,24 (0,35) anos de estudo formal em
música. Dos não-músicos, 46,7% (n = 7) já havia estudado algum instru-
mento de maneira autodidata, mas apenas 4 reportaram o tempo de
estudo, com mediana de 4,5 (2,5 - 16,5) meses.
Os participantes realizaram um teste de identificação de tons (Vanzella
& Schellenberg, 2010), para classificação de portadores e não portadores
de OA, e o Rey Auditory-Verbal Learning Test (RAVLT), que consiste
em uma tarefa de aprendizado de lista de substantivos com posterior
reconhecimento das palavras aprendidas.

Teste de identificação de tons


Foi solicitado a todos os participantes que realizassem presencialmente
um teste de identificação de notas musicais para classificação de portadores
e não portadores de OA. Foi utilizado o teste desenvolvido por Vanzella e
Schellenberg (2010), disponível em <http://perfectpitch.freehostia.com/>.
No teste, os participantes deveriam identificar tons, através de seus rótulos
(i.e.: dó, ré, mi... ou C, D, E...), apresentados em quatro timbres diferentes
(ondas senoidais, piano, voz e voz sintetizada).
Esse teste de ouvido absoluto é dividido em quatro etapas, sendo que
cada uma apresenta 24 notas musicais (do Lá 3 ao Sol b 5) de maneira
aleatória em um som instrumental ou timbre específico. Após ouvir a
nota, o participante tem 3 segundos para clicar na resposta que julgar
correta, após esse tempo, uma outra nota é apresentada de forma auto-
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

mática. Não há feedback quanto ao acerto ou erro durante a realização da


atividade, e os resultados são apresentados apenas após o término de todas
146 as etapas do teste.
Os participantes receberam 1 ponto para cada resposta correta e 0,75 para
cada resposta desviada de um semitom, uma vez que erros dessa natureza
podem ser comuns entre portadores de ouvido absoluto (Athos et al., 2007).
A pontuação máxima em cada etapa é de 24 pontos. A partir desse teste, os
músicos foram classificados em dois subgrupos: com ouvido absoluto e sem
ouvido absoluto. Como verificado na literatura, a performance populacional
nos testes de identificação de tons é um contínuo, ao invés de uma habilidade
discreta bimodal de “tudo-ou-nada” (Leite et al., 2016). Desta forma, o
critério para separação desses dois grupos foi definido posteriormente por
meio da análise do desempenho dos voluntários no teste de nomeação de
alturas musicais e identificação do maior intervalo de performance.

Teste de avaliação da memória verbal


Os participantes realizaram, também, o Teste de Aprendizagem Auditivo
Verbal de Rey (RAVLT) que mede memória recente, aprendizagem,
interferência, retenção e memória de reconhecimento (Malloy-Diniz, da
Cruz, Torres, & Cosenza, 2000). O teste consiste de uma lista (lista A) de 15
substantivos lidos para o participante, com um intervalo de um segundo
entre as palavras, por cinco vezes consecutivas (A1 até A5), cada uma
seguida por um teste de lembrança. Na sequência, uma lista de inter-
ferência (lista B), também de 15 substantivos, é apresentada, seguida do
teste de evocação espontânea (B1). Em seguida, pede-se ao sujeito que
recorde as palavras da lista A, sem reapresentá-la (A6). Após um intervalo
de 20 minutos, testa-se, mais uma vez, a lembrança da lista A (A7) sem
que ela seja lida ao sujeito. Finalmente, testa-se o reconhecimento por
meio de uma lista de 50 palavras, sendo 15 da lista A junto de 35 palavras
distratoras (15 palavras da lista B e 20 palavras semelhantes às palavras das
listas A e B em termos semânticos ou fonológicos). Os participantes foram
orientados a circular nesta lista somente as palavras que lembravam per-
tencer à lista A. Foram realizados estudos normativos do RAVLT para a
população brasileira (Malloy-Diniz et al., 2000).
Neste experimento, as listas de palavras, assim como as instruções para
cada etapa do teste, foram apresentadas em forma de áudio gravado. No
intervalo de 20 minutos entre as tentativas A6 e A7 foi pedido aos
participantes que respondessem o questionário de informações pessoais e
de treinamento musical e que realizassem o teste de identificação de tons.
O RAVLT permite avaliar o índice de aprendizagem das palavras ao
longo das tentativas A1 a A5 (total de palavras descontando-se o valor de
A1) que mede memória de curto prazo; o índice de interferência proativa
(B1/A1) que trata da capacidade do sujeito em resistir ao efeito de distratores
proativos, ou seja, avalia a interferência de um conteúdo anteriormente
aprendido sobre a aprendizagem de um novo conteúdo; o índice de
interferência retroativa (A6/A5) que avalia a interferência de um novo
conteúdo na aprendizagem de um conteúdo anteriormente aprendido; a
velocidade de esquecimento (A7/A6) que avalia a vulnerabilidade do conteú-
do aprendido à passagem do tempo; e o reconhecimento (Lista de reconhe-
Anais

cimento) que avalia a capacidade do indivíduo de identificar corretamente as


palavras alvo dentre palavras distratoras semanticamente e fonologicamente
semelhantes às palavras alvo (Cotta et al., 2012). 147
Os testes foram realizados em salas silenciosas em instituições de ensino
superior nas cidades de São Paulo e São Bernardo do Campo. Todos os
estímulos auditivos (instruções e lista de palavras do RAVLT, bem como
os tons do teste de ouvido absoluto) foram apresentados por meio de um
notebook modelo Inspiron 14R 3650 da marca Dell e fones de ouvido
modelo T450BT da marca JBL.

Análise dos resultados


O desempenho dos grupos de músicos com OA, músicos sem OA e
não-músicos foi comparado em relação a cada medida do teste RAVLT
(índices de aprendizagem, interferência proativa, interferência retroativa,
velocidade de esquecimento e reconhecimento) através de uma ANOVA
de um fator. Foi feita também uma análise dos mesmos parâmetros
agrupando-se os músicos com e sem OA, como um grupo de músicos
geral e comparando à performance dos não-músicos, através de um teste
t de amostras independentes.

RESULTADOS
A pontuação do teste de OA utilizada foi o resultado apresentado na
tela final do teste de identificação de tons, após todas as etapas terem sido
realizadas, que considera 1 ponto para cada acerto da nota apresentada e
0,75 para cada resposta desviada de um semitom, sendo de 24 acertos a
pontuação máxima em cada etapa.
Foram classificados como portadores de ouvido absoluto os participantes
que obtiveram pontuação igual ou superior a 16 em um ou mais timbres do
teste de OA utilizado (n = 11, média = 19,23 (dp = 3,87)). Os participantes
sem ouvido absoluto deveriam ter obtido menos de 11 acertos em todos os
timbres, compondo o grupo de músicos sem OA (n = 10, média = 4,97 (dp
= 1,98)) e grupo de não-músicos (n = 15, média = 4,58 (dp = 1,04)).
Individualmente, os músicos com OA tiveram performances melhores
que o acaso na identificação dos tons, enquanto músicos sem OA e não-
músicos encontravam-se em nível de performance ao acaso (com exceção
de um não músico que verificou-se possuir ouvido absoluto e foi
desconsiderado das análises).
Tabela 1. Médias dos índices do teste de memória para os grupos de músicos (geral) e não-músicos.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Tabela 2. Médias dos índices do teste de memória para os grupos de músicos com OA, músicos sem
OA e não-músicos.
148

Quando se analisa os índices avaliados pelo teste RAVLT, comparando-


se o desempenho de todos os músicos (músicos com OA e músicos sem
OA) com o dos não-músicos, verifica-se diferença significativa para os
índices de aprendizagem e de reconhecimento. Músicos aprenderam (t =
2,393 (34); p = 0,022) e reconheceram posteriormente (t = 2,203 (24,074);
p = 0,037) significativamente mais palavras que os não-músicos. A média
de aprendizagem dos músicos foi de 19,81 (5,32) palavras, já os não-
músicos aprenderam em média 14,80 (7, 26) palavras. Além disso, os
músicos identificaram corretamente uma média de 14,67 (0,80) palavras,
sendo significativamente maior que a média de 13,93 (1,10) palavras dos
não-músicos. Os valores das médias de cada índice para os grupos de
músicos em geral e não-músicos e os p-valores correspondentes estão
representados na tabela 1.
Analisando-se os músicos separadamente em subgrupos de portadores
e não portadores de OA e comparando-os aos não-músicos, obtemos os
resultados apresentados na tabela 2. A média do índice de aprendizagem
foi de 20,18 (4,21) para o grupo de músicos com OA, 19,40 (6,54) para os
músicos sem OA e 14,80 (7,26) para os não músicos. Assim, embora os
resultados possam sugerir diferença entre essas médias, não houve
significância estatística (p=0,074). Ao se comparar as médias dos três
grupos, também não foram verificadas diferenças significativas para os
índices de interferência proativa (p = 0,461), interferência retroativa (p =
0,371), esquecimento (p = 0,445) e reconhecimento (p = 0,087), conforme
ilustra a tabela 2.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Foi possível verificar, neste trabalho, que músicos possuem memória de
curto prazo e memória de reconhecimento melhor que a de não músicos.
Esses resultados são consistentes com inúmeros estudos anteriores feitos
com músicos e não músicos que já mostraram evidências de que o
treinamento musical tem influência na memória verbal (Chan et al.,
1998).
Comparando-se músicos com OA a músicos sem OA e não músicos,
não foram encontradas diferenças significativas em relação aos índices de
memória avaliado pelo RAVLT. Entretanto, vale notar que para os índices
de aprendizagem e reconhecimento, apesar de não significativo, o valor de
p < 0,1 sugere haver uma diferença marginal entre as performances. Isto
pode ser atribuído a uma falta de poder ao analisar uma amostra de apenas
Anais

11 músicos portadores de ouvido absoluto. É possível que a análise de um


número maior de indivíduos levasse a resultados diferentes.
O número reduzido de participantes estudados pode ser citado como 149
uma das limitações deste trabalho. Entretanto, devido ao fato de ser o
ouvido absoluto uma habilidade cognitiva rara, com baixa prevalência
entre estudantes de música na cidade de São Paulo, tivemos dificuldade
em encontrar mais voluntários para participar do experimento.
As relações entre ouvido absoluto e outros traços cognitivo-comporta-
mentais ainda são pouco estudadas. O presente trabalho procurou contribuir
para a compreensão do funcionamento dessa habilidade. Novos estudos, com
amostras maiores de músicos com OA, são, contudo, necessários para que
conclusões mais robustas possam ser alcançadas sobre potenciais associações
entre essa rara habilidade cognitiva e outros aspectos cognitivos não musicais.
Verificou-se que o treinamento musical está relacionado a uma melhor
performance em teste de memória verbal. Músicos apresentaram desempenhos
significativamente melhores que os não músicos nos índices de aprendizagem
e de reconhecimento de palavras. Quando os músicos foram separados em
subgrupos de portadores e não portadores de ouvido absoluto, as diferenças
nesses índices, em relação aos não-músicos, deixaram de existir. No que se
refere aos índices de interferência proativa, interferência retroativa e velocidade
de esquecimento não houve diferenças em nenhuma das comparações do
grupo de músicos (geral ou subdividido por ouvido absoluto) com os não
músicos.

Agradecimentos
Este trabalho foi financiado pelo Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica (PIBIC/CNPq).

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Anais

Música interfere na apreciação estética


em museu de arte contemporânea 151
(Resumo)
Bruna de Oliveira (bruna.v.c.oliveira@hotmail.com)
Giulia Ventorim (giuliaventorim@gmail.com)
Universidade Federal do ABC (UFABC)
Claudia Feitosa Santana (claudia@feitosa-santana.com)
Fundação Dom Cabral
Patricia Vanzella (pvanzella@yahoo.com)
Universidade Federal do ABC (UFABC)
Problema/questão
Música evoca emoções, alterando a ativação de estruturas cerebrais a estas relacionadas (Koelsh, 2014).
Há evidências, também, que a presença de música de fundo pode influenciar na apreciação de obras
de arte (Pavlou & Athanasiou, 2014). Entretanto, pouco é conhecido sobre as características musicais
que podem causar este efeito. Dois possíveis fatores são a valência e o grau de excitabilidade (arousal)
da emoção relacionada à música, variáveis que descrevem emoção de acordo com a teoria do Modelo
Circumplexo (Posner, Russell, & Peterson, 2005). Não há estudos, entretanto, que tenham
investigado se estes elementos poderiam explicar a influência da música na apreciação de arte.
Objetivos
Pretendeu-se verificar se a presença de diferentes músicas de fundo poderia influenciar a apreciação
de uma obra de arte exibida em um museu de arte contemporânea. Mais especificamente, procurou-se
avaliar se a apreciação da obra seria modulada pelas diferentes características emocionais dos trechos
musicais selecionados, relacionadas a cada um dos quatro quadrantes do Modelo Circumplexo.
Método
Foram selecionados quatro trechos musicais, cada um com cerca de 60 segundos. Todos esses
excertos haviam sido previamente avaliados (Andrade et al., 2017) como correspondentes a cada
um dos quadrantes do Modelo Circumplexo de emoção. Participaram do presente estudo 142
visitantes do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo. Todos os participantes observaram a
mesma obra (“Composição Clara”, 1942, de Wassily Kandinsky) enquanto escutavam em fones de
ouvido um dos 4 trechos musicais ou em silêncio, resultando em 4 grupos experimentais e 1 grupo
controle. Um desenho inter-sujeitos foi adotado. Durante os primeiros 40 segundos, os
participantes ouviam instruções sobre o experimento enquanto o trecho era tocado ao fundo.
Repetia-se o trecho musical durante o período de observação, até que o participante decidisse
parar de observar a obra. Um questionário foi preenchido imediatamente após a apreciação.
Resultados
Foi encontrada uma relação entre valência da emoção da obra de arte e condição experimental.
Grupos que ouviram música de valência positiva, mas não negativa, demonstraram resposta de
valência mais positiva quanto à obra de arte comparados ao grupo controle.
Conclusões
Os resultados deste estudo sugerem que a emoção relacionada à música impacta a experiência estética de
uma obra de arte visual. Especificamente, emoções positivas associadas à música podem influenciar a
apreciação estética. Este resultado contribui com discussões no campo da neuroestética e áreas relacionadas.
Palavras-chave
Música, apreciação estética, emoção, neuroestética
Referências
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psychopathology. Development and psychopathology, 17(3), 715-734.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

As manipulações do trato vocal na emissão do


152 registro agudo e superagudo do clarinete baixo
Elaine Cristina Rodrigues Oliveira,1 Ricardo Dourado Freire 2
1
Departamento de Música, Universidade de Brasília, Brasil
2
Departamento de Música, Universidade de Brasília, Brasil
1
elaineclarineta@hotmail.com, 2freireri@unb.br

Resumo
Este artigo apresenta uma comunicação de pesquisa em andamento que têm como objetivo investigar
as manipulações que ocorrem no trato vocal de claronistas profissionais, quando executam o registro
agudo e superagudo de maneira satisfatória, e descrever as estratégias utilizadas por estes para a
aquisição de um controle eficaz sobre o funcionamento do trato vocal em suas performances.
Segundo Alves (2013), instrumentistas de sopro experts possuem um grande controle sobre o
funcionamento do trato vocal, o que resulta em uma boa qualidade sonora e um domínio relevante
na emissão sonora do instrumento como um todo. Esta é uma pesquisa qualitativa de caráter
exploratório e o instrumento utilizado para a coleta de dados será a entrevista semiestruturada. Os
participantes serão estimulados a comentar sobre seus processos de estudo e verbalizar sobre suas ações
musicais. Os sujeitos serão claronistas profissionais que possuam experiência como solistas. Com a
revisão de literatura realizada, pode-se inferir que inúmeros procedimentos físico-musculares
ocorridos no interior do trato vocal de claronistas são desconhecidos e permanecem apoiados em
bases tácitas.
Palavras-chave: trato vocal, clarinete baixo, claronistas, performance musical

Abstract
This article presents a research communication in progress that aims to investigate the manipulations
that occur in the vocal tract of professional bass clarinet players, when performing the acute and super
- acute recording in a satisfactory manner, and to describe the strategies used by them to acquire an
effective control on the functioning of the vocal tract in their performances. According to Alves
(2013), expert wind instrument players have a great control over the functioning of the vocal tract,
which results in a good sound quality and a relevant domain in the sound emission of the instrument
as a whole. This is a qualitative exploratory research and the instrument used for data collection will
be the semi structured interview. Participants will be encouraged to comment on their study processes
and verbalize about their musical actions. The subjects will be professional bass clarinet players who
have experience as soloists. With the review of the literature, it can be inferred that innumerable
physical-muscular procedures occurring within the vocal tract of the bass clarinet players are
unknown and remain supported on unspoken bases.
Keywords: vocal tract, bass clarinet, bass clarinet players, musical performance

INTRODUÇÃO
O clarinete baixo é um instrumento versátil e de grandes possibilidades
técnicas. Ao longo do século XX, músicos como Eric Dolphy, Josef
Horák, Henri Bok e Harry Sparnaay construíram carreiras sólidas como
solistas e virtuoses do clarinete baixo, inspirando as novas gerações de
artistas a seguirem caminhos semelhantes (Iles, 2015). Uma das principais
distinções quanto a técnica do clarinete baixo em relação ao clarinete
soprano são as peculiaridades na emissão do registro agudo e superagudo.
Devido a riqueza de harmônicos do clarinete baixo, o limite do registro
superagudo é sempre estabelecido pelo intérprete (Queirós, 2012). Além
das digitações serem específicas para o instrumento, no registro
superagudo a emissão é feita praticamente por notas de “overblowing”, ou
seja, de embocadura (Sparnaay, 2011). Muitas peças para clarinete baixo
exploram técnicas estendidas, que exigem uma manipulação correta de
procedimentos físico-musculares que ocorrem no trato vocal.
Anais

São encontrados na literatura específica diversos trabalhos que apresen-


tam a influência do trato vocal no som emitido pela clarineta. Apesar dos
experimentos científicos sobre o tema, existe uma lacuna de estudos que 153
abordem a aplicação das configurações do trato vocal no aprimoramento da
performance na clarineta (González & Payri, 2016), e mais especificamente
no clarinete baixo.
Claronistas profissionais possuem conceitos cognitivos próprios sobre o
modo como executam o instrumento, no entanto, esses conceitos podem
não ser difundidos pela dificuldade em estabelecer mecanismos de
compartilhamento, devido a subjetividade das concepções artísticas. Deste
modo, os aprendizados permanecem apenas com os próprios músicos, são
conhecimentos tácitos e se relacionam diretamente a inteligência prática
(Alves, 2013). O presente trabalho visa pesquisar as manipulações do trato
vocal em claronistas profissionais, transformando o conhecimento tácito,
que integra a rotina prática desses profissionais, em um conhecimento
explícito.

Trato vocal: contextos e abordagens


Trato vocal é o nome genérico dado à região compreendida entre a glote
e os lábios, da qual participam várias cavidades: laringe, faringe cavidades
oral e nasal (Russo, 1999). Segundo Pinho (1998), o trato vocal é definido
como um tubo contínuo com, em média, 3 cm de diâmetro e 17 cm de
comprimento, formado pela cavidade nasal, região de rinofaringe (nasofa-
ringe ou cavum), cavidade oral, região de orofaringe e laringe.

Figura 1. Vista da cabeça e parte do pescoço em corte sagital, Russo(1999).


XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Para Henrique (2009), a função do trato vocal se assemelha com à dos


154 ressonadores dos instrumentos de sopro. Porém, a forma dos ressonadores
dos aerofones é fixa, podendo apenas variar o comprimento através dos
orifícios ou das válvulas. Já na voz, o trato vocal praticamente não varia
de comprimento, mas pode assumir formas distintas o que permite a
emissão de sons diversos, através de ajustes da língua, posição dos lábios e
dos dentes e do palato móvel. A forma do trato vocal adulto, de forma
simplificada, assemelha-se a um cilindro sonoro reto fechado em uma das
extremidades. Este tubo sonoro é capaz de entrar em ressonâncias para as
seguintes frequências: 500, 1500 e 2500 Hz, frequências naturais do
sistema. A frequência de ressonância média para m falante do sexo
masculino é de 500 Hz (Russo, 1999).

Figura 2. Modelo de tubo do trato vocal para a vogal (a), Russo (1999).

Parte da energia gerada na cavidade da boca é absorvida por estruturas


do trato vocal, como as múltiplas ramificações e estruturas moles das
paredes que o constituem (Fuks & Fadle, 2002). Segundo os referidos
autores, ao interagir com a palheta e a coluna de ar do instrumento, o
trato vocal pode vir a ser considerado uma coluna de ar interna. Músicos
experts adquirem grande controle sobre o funcionamento do trato vocal,
resultando no melhoramento da qualidade sonora e no domínio da
emissão do som (Alves, 2013).
Na fala, as ressonâncias do trato vocal são chamadas de formantes, isto
é, faixas de frequências que concentram maior energia acústica. A
mudança constante na forma, na posição e no grau de elasticidade das
estruturas do trato vocal permite combinações acústicas variadas, ou seja,
diferentes ressonâncias, o que resulta na imensa variedade de sons de fala
que o ser humano é capaz de produzir. O trato vocal é composto de mús-
culos e tecidos mucosos que possuem um alto grau de amortecimento.
Como consequência desse fato, a curva de ressonância dele originada é
mais ou menos plana apresentando alguns picos de maior amplitude
somente nas frequências que contribuem para as zonas de maior
ressonância. O estreitamento do trato vocal aumenta a resistência da
Anais

energia acústica tornando os sons vocálicos, o/i e o/u/, menos intensos do


que o /a/ e o /o/ (Russo, 1999).
155
Pesquisas sobre as manipulações do trato vocal na clarineta e no
clarinete baixo
A clarineta tem sido objeto de extensos estudos científicos nos últimos
cinquenta anos, e pode ser considerada como ‘o “rato de laboratório” dos
instrumentos de sopro’ (Wolfe et al. 2013). No que se refere aos trabalhos
que abordam a interação das configurações orofaciais com a coluna de ar
dos instrumentistas, foi observado a importância do trato vocal no som
emitido pela clarineta, especialmente nos parâmetros de timbre, afinação
e nos efeitos de técnicas estendidas (González & Payri, 2016).
Para Backus (1985), o trato vocal tem uma influência insignificante no
som emitido pelo clarinete, no entanto vários outros estudos relatam que o
trato vocal tem uma forte influência na qualidade e na emissão do som da
clarineta (Fritz & Wolfe, 2005; Stauffer, 1968), além de ser absolutamente
necessário para controlar os efeitos de técnica estendida, como glissando,
multifônico, frullato, entre outros (Wolfe et al., 2013).
Fritz (2004), analisou aspectos da impedância e do comportamento de
modelos matemáticos que explicam as funcões dos tratos vocais de
dezessete clarinetistas. Foi empreendido um exprimento para determinar a
influência de duas formas do trato vocal (correspondes as vogais”ee” e “aw”
do idioma inglês) no som da clarineta. O experimento contou com um
trato vocal artificial composto por disco de diferentes diâmetros. O
espectro resultante mostrou qu alguns harmônicos foram acentuados ou
atenuados com a mudança da configuração do trato vocal dos clarinetistas,
no entanto as formas de trato vocal testas tenham provocado um efeito
quase nulo sobre a frequência (como citado em Coelho, 2014, p.36). Fritz
e Wolfe (2005), afirmam que os efeitos acusticos do trato vocal não podem
ser negligenciados e têm uma influencia musical significativa no som
produzido, além de ser extreamente importante para a execução de “efeitos
especiais”.
Nesta revisão de literatura não foi identificado nenhum experimento
científico que aborde especificamente a manipulação do trato vocal no
clarinete baixo. No entanto, Volta (1996 p.70), em seu livro intitulado “O
clarinete baixo”, orienta para que o clarinetista leia com cuidado o capí-
tulo de seu livro intitulado “A cavidade oral e o palato mole”, antes de
iniciar a pratica das notas agudas e superagudas. Em seguida, sugere vários
exercícios para o controle da posição da língua com a utilização de
formantes. Segundo o referido autor, o claronista pode controlar perfeita-
mente o movimento do palato mole, assim como um cantor pode
controlar a voz de cabeça.

Registros agudo e superagudo no clarinete baixo


Segundo Queirós (2012), não se pode afirmar com precisão qual seja a
extensão do clarinete baixo, pois o limite do registro superagudo depende
de diversos fatores, como a técnica do instrumentista e o contexto ao qual
a nota está inserida. Para o referido autor uma nota aguda isolada possui
mais facilidade de execução, do que a mesma nota inserida em uma
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

passagem longa ou rápida. Deste modo, destacamos a afirmação de Alves


(2013), na qual discorre que uma mesma nota pode assumir distintas
156 configurações do trato vocal em função dos contextos nos quais se
encontra inserida.
Para Sparnaay (2011), quando um compositor escreve para um
clarinetista que não considera o clarinete baixo como um instrumento
secundário, poderá dispor de uma extensão que compreenda do “dó
grave” (dó1) até (mi/fá5). No presente estudo será considerado região
aguda a extensão entre, (dó#4) e o (sol4), e o registro superagudo as notas
acima do (sol#4).
Entre o dó4 e o dó5, as dedilhações normalmente usadas, são dedilhações
específicas do clarinete baixo; em consequência este registro poderá levantar
problemas técnicos ao comum clarinetista. Este registo é sem dúvida o mais
difícil tecnicamente, sendo muito solicitado por compositores contem-
porâneos. Possui um timbre muito peculiar quando comparado com as
restantes possibilidades do instrumento, sendo que numa audição desatenta
poderá ser confundido com outros instrumentos mais agudos, como o
clarinete (Queirós, 2012).

METODOLOGIA
Esta é uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório e o instrumento
utilizado para a coleta será a entrevista semiestruturada. Os participantes
serão estimulados a comentar sobre seus processos de estudo e verbalizar
sobre suas ações musicais. Foram escolhidos seis claronistas profissional-
mente ativos, que atuam em grandes orquestras ou possuem uma carreira
musical como solistas. A análise dos dados contará com entrevista semi-
estruturada que será registrada, transcrita e suas respostas categorizadas para
uma melhor análise dos dados sob as lentes da literatura específica sobre o
trato vocal, memória muscular, conhecimento tácito e explícito e
performance musical em geral.

CONCLUSÃO
A relação do controle da emissão do som com a capacidade de expressão
musical para músicos de sopro é uma questão determinante. O contexto que
envolve a embocadura e o manuseio do trato vocal impactam a perfor-
mance musical como um todo (Alves, 2013). Com a revisão de literatura
realizada foi possível compreender a influência do trato vocal na perfor-
mance da clarineta e consequentemente no clarinete baixo. Ainda que em
alguns casos a influência do trato vocal seja sutil na execução da clarineta,
não deve ser menosprezada, pois pode ser considerada importante na pers-
pectiva musical como um todo (Benade, 1985). Pode-se inferir que
inúmeros procedimentos físico-musculares ocorridos no interior do trato
vocal de claronistas são desconhecidos e permanecem apoiados em bases
tácitas. Espera-se que a pesquisa possa explicitar fenômenos ressonantais do
trato vocal e conceitos importantes sobre o tema.
Anais

Referências
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um plano de instrução. (Tese de doutorado, Instituto de Artes, Universidade de 157
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XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Arnold Jacobs e Proposta Musicopedagógica


158 CDG: sobre formação de professores de
instrumento de metal
Michele Girardi,1 Helena Müller de Souza Nunes2
Música, Universidade Federal da Bahia, Brasil
1
2
Música, Universidade Federal de Rio Grande do Sul e
Universidade Federal da Bahia, Brasil
1
michelegirardi1986@gmail.com, 2helena.souza.nunes@gmail.com

Resumo
A performance musical é atividade psicomotora que envolve habilidades físicas controladas pelo
cérebro, implicando movimentos da essência interior de cada um. Reconhecer esses aspectos, racional
e espiritual, de modo equilibrado, favorece: qualidade e afinação do som, autocontrole e controle do
instrumento em si, e interpretação acessível e comunicativa da partitura. Sobretudo, possibilita
estratégias de estudo com e sem instrumento. Conforme pesquisas em Neurociência inerentes a
Representações Mentais e Imagética Musical, a prática musical não se reduz apenas a questões técnico-
mecânicas, nem precisa provocar sofrimento; importam, então, estratégias de performance simples e
naturais, cujo desafio é ensinar instrumento, obtendo o maior rendimento, com o mínimo de esforço.
O trabalho aqui apresentado integra fundamentos didático-pedagógicos de Arnold Jacobs (1915-
1998) com fundamentos teóricos da Proposta Musicopedagógica Cante e Dance com a Gente (CDG),
ambos em linha com pesquisas em Cognição Musical e Neurociência, cujo foco é formação de
professores para o desenvolvimento integral do aluno, por meio da prática musical.
Palavras-chave: Arnold Jacobs, Proposta Musicopedagógica CDG, Imagética Musical, Formação
de Professores

Abstract
Musical performance is a psychomotor activity that involves brain-controlled physical skills,
including movements of individual inner essence. The identification of these rational and emotional
aspects in a balanced way, improves: the sound quality and intonation, the personal self-control and
the management of the instrument itself, as well as an accessible and communicative interpretation
of the score. Above all, it enables study strategies with or without instrument. Acording to
Neuroscience research about Mental Representations and Musical Imagery, music practice is neither
limited to technical-mechanical matters, nor it needs to cause pain. Therefore, the focus is on simple
and natural performance strategies, whose challenge is to teach the instrument obtaining the highest
performance with the least effort possible. The work that I am presenting here integrates Arnold
Jacobs’ (1915-1998) didactic-pedagogical principles with the theoretical foundations of the Sing and
Dance with Us (CDG) Music Pedagogical Proposal. They are both in conformity with the research
on Musical Cognition and Neuroscience, which focuses on the teacher’s training aiming to the
student’s integral development through musical practice.
Keywords: Arnold Jacobs, CDG’s Music Pedagogical Proposal, Musical Imagery, Teacher’s
Training

INTRODUÇÃO
O instrumento musical é apenas um acessório que o músico utiliza para
contar histórias, compartilhando com o outro aquilo que ele é: seu Ser. Esta
visão, ligada à função do músico performer em qualquer nível, iniciante ou
avançado, amador ou profissional, representa a base dos fundamentos
didáticos de uma das maiores referências na área de ensino de instrumento
de metal: Arnold Jacobs (1915-1998). Tubista do lendário naipe de metais
da Chicago Symphony Orquestra, liderado pelo trompetista Adolph
Herseth, e professor visionário e inovador de instrumento de metal e
sopros em geral, ao longo de cerca de sessenta anos de ensino, ele renovou
o jeito de orientar o fazer musical por meio desses instrumentos. O
ensinamento de Jacobs se baseava tanto na sua excelente musicalidade,
Anais

quando em estudos na área das Ciências Humanas, como Anatomia,


Fisiologia e Neurologia. Seu objetivo era guiar o aluno no desenvolvimento
de sua mente musical, utilizando-se de uma abordagem simples em situações 159
complexas (técnicas, mecânicas e fisiológicas), favorecendo uma prática
instrumental mais natural, livre de tensões excessivas e, por isso, mais eficaz
e menos invasiva. Segundo Jacobs, “by using simple mental cues, the player
found the most effective way to control his body”¹ (Loubriel, 2013, p.19) e “all
good teaching is a simplifying process, a weeding out of what is unnecessary or
distracting”² (Frederiksen, 1996, p.93).
Considerando a prática instrumental como uma atividade psicomotora,
Jacobs resumiu sua abordagem musical e pedagógica na expressão Song and
Wind, conceito esse que, em sua simplicidade, é muito importante para
comunicar livremente uma mensagem musical para o público (Frederiksen,
1996). A palavra Song, parte psíquica da disciplina, traduzida como “canção
na mente”, representa a capacidade de ouvir, internamente, tanto o som,
quanto aquela clara ideia musical que se deseja compartilhar com o outro;
Wind, vento ou sopro, representa “all the physical aspects involved in providing
a motor force necessary to propel the player’s lips into constant vibrations”³
(Loubriel, 2013, p.3). O modelo de ensino de Arnold Jacobs apresenta
elementos em comum com a Proposta Musicopedagógica Cante e Dance
com a Gente (CDG). De matriz brasileira e coerente com a realidade de
ensino do País, o Modelo CDG foi pensado e proposto pela Prof. Dra.
Helena de Souza Nunes, em 1991, e sua fundamentação musicopedagógica
estudada e apresentada na tese de doutorado da autora, em 1999. Desde
então, a proposta vem sendo estudada pelo Grupo de Pesquisa Proposta
Musicopedagógica CDG (CNPq, 1999 – atual), que o autor desse trabalho
integra, desde o início de seu Doutorado, em 2016.
O Modelo Teórico CDG é triádico, inicialmente, inspirado na Tríplice
Hélice de Henry Etzkowitz (Leite, 2017). Ele está constituído pelos três
pilares, Cante - Dance - Gente, e por suas intercecções, Produtos - Ações
- Ideais, sendo todos os componentes conduzidos pelo Foco, intersecção
maior, entre todos. O objetivo da Proposta CDG é gerar e manter em
desenvolvimento um processo de formação de professores com foco no
desenvolvimento integral do aluno, por meio da prática musical. A obra de
Jacobs deu conta da formação do músico, com ênfase nos aspectos do
indivíduo instrumentista; a Proposta CDG, sem intensificar seu interesse
na performance individual, volta-se à atuação desse músico em seu(s)
contexto(s) e em sua relação o(s) outro(s), como por exemplo, no caso do
Ensino. Defende-se, com a mesma convicção, o conceito Song and Wind,
assim como o de Cante e Dance, na origem do som musical, entendendo-
se serem eles uma parte essencial, ao longo do percurso formativo para
professor de instrumento de metal. Acredita-se, que os conteúdos da área
de Neurociência e Cognição Musical, inerentes à Representação Mental e
à Imagética Musical, possam favorecer a consistência de uma proposta que
associe ambos, em sala de aula. Busca-se estratégias de ensino que, com
base na consciente participação da essência do próprio Ser, durante a
prática musical, conduzam o aluno ao desenvolvimento de um si mesmo, o
Eu, e a sua afirmação no mundo.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Song, a canção na mente, e o conceito do Cante


160
Os fundamentos didático-pedagógicos de Arnold Jacobs e o modelo
teórico da Proposta Musicopedagógica CDG apresentam coerência entre
elementos fundamentais: Song emparelha-se ao conceito do Cante e
Wind, ao do Dance. Para atender a proposta desse trabalho, apresenta-se,
primeiramente, a ligação entre o pilar Cante, do Modelo CDG, e a ideia
da “canção na mente”, ambas em linha com pesquisas de Cognição
Musical e Neurociência inerentes à Representação Mental e à Imagética
Musical.
Conforme a autora da Proposta CDG, o Cante “representa mundos
Internos e Particulares, tange a alma e as emoções grávidas de liberdades
desmedidas, conhecidas ou veladas, mas sempre constituídas por forças
inerentes, profícuas e corajosas, sejam elas de uma única pessoa ou de um
determinado grupo social, comunidade, nação, quiçá, humanidade” (APUD
Leite, 2017, p.55). Esse mundo “da pele para dentro”, na filosofia de Jacobs,
se traduz com a palavra Song, ao representar a “canção na mente”, uma
mensagem musical, alimentada por um som conceitualizado, rico em
experiências e emoções, que o músico desenvolve na própria mente e, por
meio do instrumento musical, compartilha com o mundo externo. Como
ele afirmou, “each individual possessed musical ideas [...] We play brass
instruments, but we are artists, we are musicians. We use music as a medium to
express ourselves with those particular instruments, but they are stupid pieces of
brass. They don´t have any brains”⁴ (Irvine, 2015, p.7).
A mensagem musical representa um produto final, foco para o músico,
que, desenvolvido no cérebro, influencia o ambiente externo por meio do
sistema nervoso motor. Assim, quando tocamos um instrumento, “the brain
sends commands based on the product desired rather than directly controlling
muscles to achieve a particular result”⁵ (Irvine, 2015, p.5). Jacobs costumava
dizer que se toca duas tubas, simultaneamente, sendo uma a que está nas
mãos e a outra, na mente. A tuba nas mãos é a imagem espelhada dos
pensamentos. “It does not matter what octave you sing in the mind. What comes
out of the instrument should be a mirror image of the conceptual thought of the
brain. It is a conceived sound”⁶ (Frederiksen, 1996, p.137).
A capacidade de desenvolver imagens apenas na mente, isso é, na
ausência de um estímulo sensorial externo, incluindo experiências como
“ver com os olhos da mente” ou “ouvir com os ouvidos da mente," é uma
das grandes habilidades cognitivas do ser humano. Em Neurocinêcia se
fala de Imagética Mental, referindo-se à “simulação mental de uma
experiência sensorial, através da manipulação das imagens mentais, na
ausência do estímulo original, em qualquer modalidade sensorial, seja ela
visual, auditiva, motora, olfativa ou gustativa que podem ocorrer de
forma isolada ou combinada” (Marangoni & Freire, 2016). A diferença
entre percepção e imagética, consiste na forma de acesso à informação:
durante a percepção, a mesma é registrada diretamente por meio dos
órgãos dos sentidos, enquanto que, na imagética, a informação perceptual
é acessada de uma memória associativa e ampliada. Isso, porque “a
imagética pode gerar informações a partir da combinação e modificação
Anais

das informações previamente armazenadas de maneiras diversas”


(Marangoni & Freire, 2016).
Em Música, refere-se à Imagética Musical como um processo multimodal, 161
pelo qual um indivíduo vivencia uma experiência mental que “engloba a
capacidade combinada de imaginar sons quando eles não estão presentes
(audição interior), podendo também envolver a imaginação do movimento
necessário à produção do som (tocado ou cantado), a visualização de uma
cena, a consciência de uma sensação ou emoção a ser expressa, musicalmente,
traduzindo-se numa ação imaginada, cuja eficácia está demonstrada pelas
Neurociências, em que o recurso à imagiologia sugere a existência de uma
equivalência funcional entre a prática musical real e imaginária ao nível dos
sistemas auditivo e motor” (Ruiz & Vieira, 2017).
Como relatado no livro Alucinações Musicais, de Oliver Sacks, e
aprofundado em inúmeros trabalhos acadêmicos e científicos (Zhang,
Chen, Wen, Lu & Liu, 2017; Chaves, 2011; Herholz, Lappe, Knief &
Pantev, 2008), desde meado dos anos 1990, estudos realizados por Robert
Zatorre e seus colegas, usando técnicas de neuroimagem, demonstraram
que “imaginar música pode ativar o córtex auditivo quase com a mesma
intensidade da ativação causada por ouvir música [percepção]. Imaginar
música também estimula o córtex motor e, inversamente, imaginar a ação
de tocar música estimula o córtex auditivo”. Isso observaram Zatorre e
Halpern, em um estudo de 2005, “corresponde às afirmações de músicos
de que são capazes de ‘ouvir’ seu instrumento durante a prática mental”
(Sacks, 2007).
As Representações Mentais da performance musical englobam uma
interação entre aspectos conceituais e imagéticos, cuja elaboração está
diretamente relacionada com contexto, características individuais e
convivência musical do intérprete (Marangoni & Freire, 2016). A imagética
musical, como destaca Seashore (1938), é um elemento importante para o
trabalho criativo e consciente da música. Como relatado no trabalho de
Marangoni & Freire (2016), na concepção de Seashore (1938), a imagética
musical “é um elemento chave no processo em que o músico faz música de
dentro para fora, ao invés de fora para dentro […] Dessa forma, ela pode ser
considerada como um processo em que o músico manipula mentalmente,
em diversos contextos, ideias musicais, explorando-as nas diversas
potencialidades” (Marangoni & Freire, 2016). Trata-se, assim, de “mundos
internos”, de “canções na mente”, ambas imaginadas e representadas, a
princípio, de dentro para fora.

Wind, o controle técnico, e o conceito de Dance


Na Proposta CDG, o Dance “remete a mundos Externos e Aplicados,
de natureza comprovável, legislativa, intelectual, formal. Ele está
circunscrito ao corpo, escrito no corpo e depende dele ao mesmo tempo
que o subjuga; em sentido conotativo, a tudo o que está corporificado,
tornado material e concreto, capaz de ser apreendido, experimentado e
comunicado por intermédio deste corpo limitado, mas por isso mesmo
querido, real e compreensível […] Ele se confronta com o Cante, porque
lhe cerceia movimentos, exige explicações e impõe julgamentos” (Nunes,
2015). Tal conceito se reflete na expressão Wind, que, segundo Jacobs,
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

representa o ato de soprar, parte física da disciplina e fonte de energia que


o músico de metal precisa para alimentar a mensagem conceptual da
162 canção na mente. Um sopro específico, aprendido, alimenta a vibração
dos lábios, constituindo-se a fonte material de geração do som.
O corpo humano é uma máquina complexa que, segundo Jacobs, responde
a pensamentos simples e honestos. Por isso, durante uma performance musical,
“the human body understand commands in the form of mental images of sound”⁷
(Loubriel, 2013, p.11). Segundo Jacobs, se um músico pensa, artisticamente,
consegue aprimorar sua performance: “what has to improve is the player’s
concentration. It’s not about the embouchure or about muscles - they are already
developed. It’s how you think when you play your instrument that’s going to help you
improve”⁸ (Loubriel, 2013, p.10). Para guiar os alunos no desenvolvimento de
uma mente musical, o professor de instrumento pode promover estratégias
simples de ensino, que dificilmente são apresentadas em recursos didáticos
tradicionais. Pesquisas em Neurociência e Cognição Musical sobre
performance e prática instrumental, entre elas Fonseca e Marangoni (2016),
Marangoni (2016), Shagalimova (2015), Moreira (2013), Alves (2012), Keller
(2012), Clark, Williamon e Aksentijevic (2012), Trusheim (1991), relatam os
benefícios promovidos pela utilização da Imagética Musical e das
Representações Mentais, no desenvolvimento musical dos indivíduos
envolvidos na pesquisa.
Como apresentado no estudo de Ferigato e Loureiro (2017) sobre
imagética musical e metáfora, “a metáfora pode ser uma das maneiras de
formalizar a imagem musical de um som a favor da realização deste através
do gesto corporal sobre o instrumento, como por exemplo: uma metáfora
para um som, como aquilo que dá os subsídios necessários para a formalização
da imagem deste som e para a incorporação deste conhecimento através da
ação” (Ferigato & Loureiro, 2017). Segundo Gibbs (1999), citado em Vieira
e Ruiz, “a presença de metáforas no discurso quotidiano é explicada pelas suas
funções comunicativas: as metáforas oferecem um meio de expressão de
ideias, um meio compacto de comunicação, permitindo aos indivíduos
comunicar a complexidade, riqueza e fluência das experiências dificilmente
transmissíveis pela linguagem literal” (Vieira & Ruiz, 2017). É, então,
possível recorrer a imagens vivas na memória incorporada do aluno,
imagens cotidianas, que possam despertar uma experiência de imagética
mental firme e, com isso, estimular o movimento respiratório desejado.
Nesse caso, é comum o uso de expressões como: soprar uma vela de
aniversário, soprar na vela de um barco para empurrá-lo longe, soprar como
o vento que move as folhas, imaginar um tubo de ar como água saindo de
uma torneira, etc.
Estudos em Neurociência sobre representação mental, ou seja, “um
processo no qual as representações internas correspondem aos estímulos
externos […], incluindo forma e conteúdo do objeto representado,
segundo os quais o conhecimento está armazenado na memória” (Alves,
2012), é possível desenvolver estratégias de ensino que favoreçam
aprendizado sem necessidade de uma prática exaustiva. Considerando,
que pesquisas conduzidas por Dadds et al, 1997 e Kosslyn, 1988, 1994
demonstraram como a percepção real de um objeto e sua imaginação
visual dividem as mesmas bases neurais (Alves, 2012), é possível, durante
Anais

o ensino instrumental, propor atividades de aprendizado longe do


instrumento, atividades essas que envolvam a representação mental dos
movimentos necessários ao controle técnico, sem precisar sobrecarregar a 163
musculatura envolvida no processo. Como observado por Alvaro Pascual-
Leone, em estudos sobre o fluxo regional de sangue no cérebro, “a
simulação mental de movimentos ativa algumas das mesmas estruturas
neurais centrais requeridas para a execução dos movimentos reais. [...] A
combinação das práticas física e mental leva a um aperfeiçoamento da
execução mais acentuado do que a prática física sozinha, fenômeno esse
para o qual nossas descobertas fornecem uma explicação fisiológica”
(Sacks, 2007).
Tais estudos e considerações comprovam as afirmações de Arnold
Jacobs acerca da aprendizagem musical/instrumental, com foco num
produto final que, desenvolvido conceptualmente, guia o sistema motor na
realização de todos os movimentos físicos necessários a concretizar e
compartilhar uma mensagem musical. Isso nos permite, também, pensar e
promover simples estratégias de ensino que, aproveitando das capacidades
fisiológicas naturais do ser humano, conduzam o aluno a um maior
rendimento, com o mínimo de esforço, além de proporcionar uma prática
musical que favoreça a expressividade do Eu, sem se reduzir a meras
questões técnico-mecânicas e nem precisar provocar sofrimento. Como
descrito num estudo realizado por Fonseca e Marangoni, “através da
imagética motora foi possível diminuir o número de repetições físicas para
o aprendizado e ganhos de precisão e velocidade” (Fonseca & Marangoni,
2016), pois, como demonstrado por Stephan e colaboradores, em 1995,
“áreas motores são ativadas tanto na imaginação dos movimentos quanto
na execução do próprio movimento” (Alves, 2012). Trata-se, então, de
limites externos e físicos, delineando capacidades mentais de fora para
dentro.

Das realidades inerentes e o conceito de Produto


Na Proposta Musicopedagógica CDG, a intersecção entre o Cante e o
Dance dá origem ao Produto, significando “... objetos palpáveis (intelec-
tuais ou materiais), resultantes do que foi possível construir pelo encontro
dos dois universos, sendo um interior e outro, exterior” (Nunes, 2015). Para
Jacobs, o que resulta do equilíbrio entre Song e Wind é uma qualidade
sonora livre, expressão honesta do instrumentista, segundo suas palavras,
“Playing with simplicity is the most efficient way to play”⁹ (Loubriel, 2013,
p.20), buscando o uso natural do sistema respiratório; a qualidade do som:
construção [pessoal] do timbre em cada região; um jeito de tocar sem
esforço; uma maneira mais natural de fazer música (fluidez na forma de arte
da música). O Produto do instrumentista, seu som de boa qualidade, resulta
também do equilíbrio entre mundos internos e externos, imaginados e
representados mentalmente, antes de soarem aos ouvidos, produzidos
fisicamente pelos músculos, que controlam os movimentos do corpo,
particularmente, dos dedos e da pressão do ar.
Inúmeras pesquisas e relatos de experiência corroboram o beneficio
promovido pela aplicação de técnicas de Imagética e Representação Mental,
tanto na performance musical, como no desempenho esportivo. Promover
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

maior conhecimento de temáticas da Neurociência e Cognição Musical em


cursos de formação de professores pode favorecer a formulação de princípios
164 úteis à sala de aula, com foco no desenvolvimento integral do aluno, como
músico, artista e performer de um si mesmo, privilegiando um jeito de tocar
com liberdade, livre de tensões desnecessárias. Considerando o conceito The
Art Form of Music, fundamento da abordagem pedagógica de Arnold Jacobs,
cujo significado é “makes music by thinking artistically, not physically or
mechanically”¹⁰ (Loubriel, 2013, p.10), assume-se a convicção de que a mente
é mais poderosa que o corpo e, por isso, se um músico pensa, artisticamente,
consegue também aprimorar sua performance. De acordo com Loubriel,
desenvolvendo sua abordagem pedagógica, Arnold Jacobs trouxe mudanças
positivas à performance musical e ao ensino de instrumento de metal: “these
positive changes include the development of an efficient and effective process for
rectifying brass players’ artistic and technical deficiencies, the importance of playing
with freedom while avoiding isometric contractions, and an emphasis on the artistic
aspects of brass playing as a platform for teaching”¹¹ (Loubriel, 2013, p.xii).
A pesquisa de Trusheim (1991) com músicos de metal de importantes
orquestras sinfônicas americanas relata como inúmeras estratégias de
imagética musical são aplicadas por esses profissionais para aprimorarem uma
performance musical; com base nas experiências armazenadas na memória ou
em imagens da vida real, tais artistas idealizam o conceito de som, com suas
características de qualidade, intensidade, timbre e projeção, as nuances
dinâmicas, a qualidade das articulações, além de buscar novas ideias de estilo
e de interpretação musical. Outro beneficio ofertado pela mente humana é a
possibilidade de vivenciar um momento de estudo eficaz, sem necessitar do
instrumento. Por meio da Prática Mental, definida por Coffman (1990) como
“o ensaio secreto ou imaginário de uma habilidade sem movimento muscular
ou som” (Marangoni & Freire, 2016), é possível executar mentalmente uma
peça, recriando ou experimentando, mentalmente, movimentos necessários
ao desempenho desejado. Esse recurso “é uma ferramenta crucial para toda
pessoa que toca um instrumento, e a imaginação de estar tocando pode ser
quase tão eficaz quanto a realidade física” (Sacks, 2007); além disso, permite
evitar uma prática física exagerada, prevenindo no indivíduo o surgimento de
patologias físicas dolorosas e incapacitantes.
Frente a tais considerações e observando os lugares de educação e
aprendizagem musical, percebe-se a importância, na vida dos alunos, da
presença de professores com uma formação mais abrangente, tanto em
conceitos musicais, quanto em funções fisiológicas, capazes de encontrar
respostas simples para situações complexas, a fim de encorajar o aluno a
encontrar sua própria personalidade como músico e intérprete (Irvine,
2015). A Proposta Musicopedagógica CDG tem em sua origem a orien-
tação Multimodal, “uma abordagem de ensino musical que retira de cada
uma das teorias de aprendizagem aquilo que apresentam de importante e
adequado para o processo de musicalização” (Nunes, 2011). Nela, o
professor “percebe a si mesmo como uma obra de referência aberta,
comprometido com sua construção interior, que também deve ser ali-
mentada por outros Processos de Criação; entende que sua prática
musicopedagógica é um espetáculo de si mesmo e, por isso, busca o
domínio intelectual e técnico das obras que utilizará, assim como das
Anais

metodologias mais adequadas a essas; assume o zelo por estar a serviço dos
outros, sem desejar o estrelismo, pois seu interesse é o desenvolvimento
musical e humano de seus alunos” (Leite, 2017). 165
Conforme Verhaalen, “o método está no professor e é o professor” e a
ele “cabe conhecer, refletir e fazer a escolha do encaminhamento adequado
em cada situação surgida. Em uma abordagem multi-modal não existem
respostas prontas; existem sim referenciais seguros e situações de desafio”
(Menezes, 2014). Cabe ao professor saber observar o aluno, identificando
suas habilidades e dificuldades, e ser capaz de orientá-lo para controlar as
funções complexas do corpo com a ajuda de simples indicações. Portanto,
é preciso que o professor de instrumento de metal seja uma obra aberta, um
eterno aprendiz, propenso a aprimorar seu conhecimento para ter
confiança necessária a encorajar seus alunos na direção certa: de afirmar-se
em um si mesmo, por meio da prática musical.

CONCLUSÃO
Com base nas pesquisas cientificas em Cognição Musical e Neurociência
referentes à Representação e Imagética Mental aplicada à Música, é possível
assumir que o músico, enquanto Artista, utiliza-se de seu instrumento para
promover essências de si mesmo, à medida que adquire habilidades de contá-
las aos demais. Com base nas próprias experiências, elabora em sua mente
musical uma Canção (Song), um som concebido, ato da Criação em si,
estímulo psíquico para efetivar uma ação física que, alimentada pelo Vento
(Wind), força motora e sopro do seu espírito, torna-o um contador de
histórias, compartilhando com outros aquilo que ele é: seu Ser. Assim, ao
compreender que a intersecção do Song, ou Cante, com o Wind, ou Dance
resulta em qualidade do som produzido, o som que o instrumentista toca é
um Produto de seu Ser, conforme preconiza a Proposta Musicopedagógica
CDG. E este Produto pode ser mais bem aproveitado, se sustentado por
conhecimentos neurocientíficos. De acordo com Schön (2018), Shagalimova
(2015), Trusheim (1991), acredita-se na relevância dos assuntos aqui apre-
sentados para a formação de professores, a quem se dedica este texto. A
continuidade deste trabalho poderá resultar no desenvolvimento de materiais
didáticos, formulação de princípios pedagógicos e sugestões de procedimentos
práticos, que envolvam efetivo proveito de capacidades cognitivas envolvidas
na performance de um instrumento de metal, possibilitando, também, um
válido modelo de fuga da experiência educativa como puro e penoso
treinamento técnico.

Notas
1 Tradução do Autor: “Aplicando simples indicações [estratégias] mentais, o músico encontra a
maneira mais eficaz de controlar seu corpo”.
2 T.A.: “Todo bom ensinamento é um processo simplificador, que elimina o que é desnecessário
ou distraidor”.
3 T.A.: “Todos os aspectos físicos envolvidos no fornecimento de uma força motora [um sopro
específico] necessária ao músico de metal, para impulsionar os lábios em vibração constante”.
4 T.A.: “Qualquer indivíduo possui ideias musicais. […] Tocamos instrumentos de metal, mas
somos artistas, músicos. Fruímos da música como meio para nos expressar por meio de
instrumentos, que não deixam de ser estúpidos pedaços de metal que não tem cérebro”.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

5 T.A.: “O cérebro envia comandos [para os nervos motores], baseando-se sobre o produto
desejado, ao invés de controlar diretamente os músculos para alcançar um resultado particular”.
6 T.A.: “Não importa qual oitava você está cantando na mente. O que sai do instrumento deveria
166 ser uma imagem espelhada dos pensamentos conceptuais da mente. É um som concebido”.
7 T.A.: “O corpo humano compreende as instruções em forma de imagens mentais do som”.
8 T.A.: “O que é preciso desenvolver é a concentração desse músico. Não é a embocadura ou os
músculos, que eles já estão desenvolvidos, mas sim é o como se pensa, quando se está tocando o
instrumento, que vai ajudar em teu desenvolvimento”.
9 T.A.: “Tocar com simplicidade é a forma mais eficiente de tocar”.
10 T.A.: “Fazer música pensando artisticamente, não fisicamente ou mecanicamente”.
11 T.A.: “Tais alternativas incluem o desenvolvimento de um processo eficiente e eficaz para
corrigir limitações artísticas e técnicas do músico, a importância de tocar com liberdade, evitando
contrações isométricas, e uma ênfase no aspecto artístico do músico de instrumento de metal como
uma base para o ensino”.

Referências
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XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

MAIO 29 | May 29
168
MESA REDONDA 2
SALA MULTIUSO, 16h

Cognição musical e performance


Mediador:
William Teixeira da Silva
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
Debatedores:
Ricardo Dourado Freire
Universidade de Brasília (UnB)
Patricia Vanzella
Universidade Federal do ABC (UFABC)
Danilo Ramos
Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Articulações entre memória operacional e leitura na performance


musical
Ricardo Dourado Freire
O termo memória operacional foi adotado pela psicologia cognitiva para “cobrir o sistema ou
sistemas envolvidos na manutenção temporária e na manipulação de informações.” (Baddeley,
2001) Barrouillet e Camos (2015) consideram que o processamento e o armazenamento não
competem entre si pelo espaço mental ou pela energia mental, que são limitados, e observam
que a memória operacional pode ser uma séria de alternâncias entre a manutenção da
informação e sua transformação, sendo que o fator tempo pode ser considerado como o seu
principal aspecto de funcionamento. Estudo experimental com exemplos musicais, realizado
no Brasil, chegou a conclusão que o processamento do “material melódico tem características
diferentes do material verbal, pois a manipulação de sequências melódicas na memória
operacional parecer ser mais difícil do que a manipulação de sequências verbais.” (Werke,
2008) Baddeley (2001) realizou várias versões para o modelo teórico de representação da
memória operacional, sendo que o modelo de 2000 estabelece a relação entre um sistema
executivo central que gerencia três sistemas auxiliares: alça fonológica, esboço visual e retentor
episódico, sendo que os sistemas auxiliares estão articulados com a memória de longo prazo.
O último modelo apresentado por Baddeley (2012) apresenta uma visão dos complexos e
múltiplos vínculos que existem entre memória operacional, memória de longo prazo e ação
em tempo real. Os modelos de Baddeley serviram de inspiração para a elaboração de atividades
de leitura musical nas aulas de Linguagem e Estruturação Musical da Universidade de Brasília,
disciplina que aborda de maneira integrada o estudo de teoria musical, solfejo, leitura rítmica
e percepção musical. O objetivo de pesquisa é observar como uma abordagem centrada no
processamento múltiplo de informações contribui para a performance musical dos estudantes
em atividades de leitura rítmica e melódica. A proposta de sílabas de solfejo métrico (Freire,
2003) oferece o elemento semântico que necessita ser recuperado na memória de longo prazo,
enquanto a memória operacional gerencia a leitura em sincronia com um exemplo musical.
Neste contexto, o processo de leitura musical envolve vários sistemas sensoriais incluindo
aspectos auditivos, visuais e motores que articulam informações anteriores e experiências novas
em tempo real. Os modelos de representação da memória operacional permitem a revisão de
padrões tradicionais de ensino e oferecem novas possibilidades exploratórias para o processo
de aprendizagem da leitura e da performance musical.
Anais

Substratos neurais da performance musical


Patricia Vanzella
169
Algumas de nossas habilidades musicais são inatas e outras são adquiridas através da exposição
e do engajamento. Tocar um instrumento (ou cantar) com fluência técnica e expressividade
requer uma prática extensiva que, ao longo de anos, acaba por modelar a forma e o tamanho
de nossas redes neurais. Por esse motivo, a performance musical tem sido considerada um
ótimo modelo para estudar a plasticidade do cérebro humano. Nesta palestra serão apresentados
alguns estudos na área da neurociência cognitiva da música que revelam substratos neurais
relacionados à performance musical, bem como os resultados de uma pesquisa realizada pelo
grupo “Neurociência e Música na UFABC” (Universidade Federal do ABC) na qual investigou-
se se seria possível identificar, do ponto de vista neural, os papéis de líder e de seguidor em
conjuntos musicais.

Feedback cognitivo como estratégia de ensino para a


comunicação de emoções entre pianista e ouvinte no ato da
performance musical: resultados preliminares
Danilo Ramos
O termo emoção refere-se a uma reação afetiva breve e intensa despertada a partir de um estímulo
externo e que costuma durar de alguns minutos a algumas horas. Emoções musicais são as
emoções despertadas pela música. Proposto por Patrik Juslin, o modelo BRECVEMA leva em
conta a existência de oito mecanismos subjacentes pelos quais as emoções são ativadas em
ouvintes em situações de escuta musical: reflexo do tronco encefálico, condicionamento
avaliativo, contágio emocional, imagens visuais, memória episódica, expectativa musical,
pareamento rítmico e julgamento estético. Este modelo compõe a estrutura conceitual da Teoria
Unificada das Emoções Musicais, referencial teórico escolhido para este estudo. A literatura
científica aponta que o ensino da comunicação de emoções durante uma performance musical é
uma habilidade que costuma ser negligenciada por professores de piano tanto no Brasil quanto
no exterior. O feedback cognitivo é uma ferramenta utilizada para auxiliar o estudante de música
a comunicar emoções a seus ouvintes no ato de sua performance musical. Nesta palestra teórico-
vivencial, apresentarei os objetivos, os procedimentos metodológicos e os resultados preliminares
de meu projeto de pesquisa intitulado Feedback cognitivo como estratégia de ensino para a
comunicação de emoções entre pianista e ouvinte, desenvolvido no LEME – Laboratório de
Estudos sobre Música e Emoção junto ao GRUME – Grupo de Pesquisa Música e Emoção da
Universidade Federal do Paraná.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

MAIO 29 | May 29
170
CONFERÊNCIA
LECTURE 2
2
SALA MULTIUSO, 19h

Coordenador da sessão | Session Chair: Josemar de Campos Maciel (UCDB)

Musical meaning: an ecological perspective


Eric Clarke
The question of what music’s meanings might be, and whether music has meaning at all, goes
back to some of the earliest writings on music. The question has been tackled from a great
variety of disciplinary perspectives — including musicology, philosophy, religion, psychology,
semiotics, anthropology, and sociology — together constituting a huge body of thought.
Starting with a brief consideration of approaches based on language, semiotics, and
expectation, I argue for the value of perceptual approach based on ecological theory. Ecological
theory is based on an understanding of the reciprocity of perceivers and their environments;
on the importance of understanding an organism’s world in terms of perception and action
relationships; on adaptation and perceptual learning; and on what the psychologist James
Gibson called the affordances of the environment — what the environment offers in terms of
opportunities and risks. Music — or to use Christopher Small’s term ‘musicking’ — is a
particular kind of environment that affords a huge range of experiences, and I use this talk to
explore some of them, and how they might be productively understood within that ecological
perspective. My emphasis is on recognizing the number and diversity of ‘ways of listening’ (the
title of my own book published in 2005), and thus the many meanings of music. It may be
therefore be less appropriate to ask what music means (since it means many different things to
different people) and rather to ask how music means.

O sentido musical: uma perspectiva ecológica


A questão de quais sentidos da música poderiam ser, e se a música tem algum significado,
remonta a alguns dos primeiros escritos sobre música. A questão foi abordada a partir de uma
grande variedade de perspectivas disciplinares — incluindo musicologia, filosofia, religião,
psicologia, semiótica, antropologia e sociologia — em conjunto, constituindo um enorme corpo
de pensamento. Começando com uma breve consideração de abordagens baseadas na
linguagem, semiótica e expectativa, defendo o valor da abordagem perceptiva baseada na teoria
ecológica. A teoria ecológica baseia-se no entendimento da reciprocidade de perceptores e seus
ambientes; sobre a importância de entender o mundo de um organismo em termos de relações
de percepção e ação; na adaptação e aprendizagem perceptiva; e sobre o que o psicólogo James
Gibson chamou de affordances do meio — o que o ambiente oferece em termos de oportunidades
e riscos. Música — ou para usar o termo musicking de Christopher Small — é um tipo particular
de ambiente que oferece uma enorme variedade de experiências, e uso esta fala para explorar
algumas delas, e como elas podem ser produtivamente entendidas dentro dessa perspectiva
ecológica. Minha ênfase está em reconhecer a quantidade e a diversidade de "maneiras de
escutar" (título do meu próprio livro, Ways of listening, publicado em 2005) e, portanto, nos
muitos sentidos da música. Pode ser, portanto, menos apropriado perguntar o que a música
significa (já que significa muitas coisas diferentes para diferentes pessoas) do que perguntar como
a música significa.
Anais

171
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

172
Anais

MAIO 30 | May 30
SESSÃO L5
Comunicações Orais | Oral Presentations
173

SALA 1, 14h
Coordenadora da sessão | Session Chair: Sonia Ray

14:00
Performance musical e o corpo: entendendo o repertório gestual
que suporta a prática instrumental
João Gabriel Caldeira Pires Ferrari

14:30
Espacialidade e sentido musical incorporado:
a mediação da linguagem
Marcos Nogueira

15:00
Converse: criação colaborativa
Guilherme Bertissolo, Lia Gunther Sfoggia, Luciane Cardassi
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Performance musical e o corpo:


174 entendendo o repertório gestual que suporta a
prática instrumental
João Gabriel Caldeira Pires Ferrari1
1
Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
1
joaogabriel3006@terra.com.br

Resumo
O trabalho enfoca os diferentes conceitos de “gesto” que suporta a prática interpretativa,
relacionando-os com os conceitos de “movimento”e “gesto corporal” (Madeira & Scarduelli, 2014) e
as affordances de Gibson (1979), para então discutir a tipologia do “gesto” como embasamento para
um modelo de análise musical cognitiva (Ben-Tal, 2012; Zbikowski, 2011, Madeira & Scarduelli,
2015).O artigo pretende discutir a ideia de que os gestos físicos que constituem a performance musical
contém informações a respeito da expressão musical (Leman et al., 2012; Davidson, 2012),
relacionando esses conceitos para explicar de que modo a interação instrumento-performer determina
o entendimento do músico e o resultado da produção artística. O gestual será abordado pela teoria da
cognição incorporada (Johnson, 1987) e o instrumento pela abordagem ecológica como discutida
por Windsor e de Bézenac (2012). A revisão referida pretendeu relacionar conceitos a fim de clarificar
o conceito de “gesto” em performance musical. A presente pesquisa reconhece o gesto como ação de
caráter expressivo do performer, ao mesmo tempo codificador e resultado de processos cognitivos. O
trabalho considera que, na pesquisa atual, há uma valorização do gestual diretamente envolvido na
produção sonora e uma negligência no estudo do gesto “acompanhante”. A hipótese central do
trabalho é a importância desse gesto acompanhante/expressivo na prática instrumental, que revela
informações únicas a respeito do discurso musical.
Palavras-chave: cognição incorporada, performance musical, gesto expressivo, violão

Abstract
The paper focuses on different concepts about “gesture” that support the musical performance, relating
them with the concepts of “movement” and “bodily gesture” (Madeira & Scarduelli, 2014) and
“affordances” (Gibson, 1979), to then discuss the gesture typology as a basis for a model of cognitive
musical analysis (Ben-Tal, 2012; Zbikowski, 2011, Madeira & Scarduelli, 2015). The paper pretends to
discuss the idea that physical gestures that constitute the musical performance contain information
pertaining to the musical expression (Leman et al., 2012; Davidson, 2012), associating these concepts to
explain how the interaction instrument-performer determines the understanding of the musician and
the result of the artistic production. The gestural will be approached through the embodied cognition
theory (Johnson, 1987) and the instrument through the ecological approach as discussed by Windsor and
de Bézenac (2012). The review previously mentioned intended to relate concepts in order to clarify the
concept of “gesture” in musical performance. The research in question recognizes the gesture as an
action of expressive character of the performer, at the same time codifying and result of cognitive
processes. The paper considers that, in today’s research, there is an overrating of the gestural directly
involved in the sound production and a negligence on the study of the “accompanying” gesture. The
central hypothesis of the paper is the importance of this accompanying/expressive gesture on the
performance, that reveals unique information about the musical discourse.
Keywords: embodied cognition, musical performance, expressive gesture, guitar

INTRODUÇÃO
Música é movimento, mas o que significa essa afirmação? Podemos
pensar que a música é composta por ondas sonoras que vibram e
realmente se movem no espaço físico. A música pode nos motivar a se
mover, dançando ao som de uma melodia ou se levantando para aumentar
ou abaixar o volume de um rádio. De maneira mais óbvia e direta, “a
música é uma das artes que se concretizam e se realizam através do
movimento” (Zavala, 2012, p.1). Mesmo quando a ação não é presente
(ou visível) música quase sempre implica em ação humana (Cadoz;
Anais

Wanderley, 2000 apud Ben-Tal, 2012, p. 248); seja na preparação de um


instrumento ou máquina, na produção sonora por médio de um
intérprete e na manipulação póstuma desses sons gerados. Essas e outras 175
questões acerca de música e movimento já foram amplamente exploradas
nas teses de Bertissolo (2013) e Zavala (2012), mas continuam sendo
propulsoras para a musicologia. No presente artigo exploraremos de que
forma o corpo influencia a performance e os tipos de gestos que fazem parte
da prática instrumental, ressaltando e focando em um gesto específico: o
gesto expressivo ou intencional.

O corpo é importante para a performance?


Uma das abordagens do estudo em performance musical, ao pensar no
conceito de “música é movimento”, é o estudo do corpo “performático”.
A fenomenologia beneficiou em muito o estudo do “corpo musical”,
rompendo com o “dualismo cartesiano” onde “o corpo e a mente são
vislumbrados como entes separados, tendo a mente um papel superior”
(Zavala, 2012, p.8). De fato, concordamos com a fenomenologia, pois “a
mente e o corpo participam de maneira interligada na nossa percepção
para a construção do sentido musical” (Merleau-Ponty, 1999, p.136 apud
Zavala, 2012, p.8). Desse modo, não se pode discutir música sem pensar
no corpo que ouve, concebe ou interpreta essa música.
Leonido e colegas (2017) investigaram e comprovaram a visão do campo
de estudos sobre a importância do estudo do corpo em performance. O artigo
se propôs a estudar a “integração corpo-mente-instrumento na arte musical”
(Leonido, Licursi, Cardoso & Morgado, 2017, p.79) e como hipóteses
anteviram que: (i) “uma coordenação motora diferenciada é condição
essencial para músicos”; e (ii) “os movimentos corporais são componentes
importantes para a performance musical” (Leonido et al., 2017, p.79).
Através de um inquérito por questionário (fechado e aberto) a docentes,
discentes de instituições de ensino musical, entre outros indivíduos ligados à
área, observaram que a maioria (mais de 73% de todos os inqueridos)
concordava com as duas hipóteses. Futuros desdobramentos acerca dessas
hipóteses podem ser conferidos no artigo supracitado. Verifica-se assim que
há um “senso comum” ou conhecimento informal observado que reconhece
a importância do estudo do corpo em performance.

O CORPO COMO MEDIADOR DE EXPERIÊNCIAS

Como o corpo é importante para a performance?


A fenomenologia, através da ideia de que o corpo é responsável pelo nosso
entendimento de mundo, deu margem à teoria da “cognição incorporada”.
Nessa teoria vigente, o corpo de um sujeito pode ser considerado o mediador
entre o ambiente no qual o sujeito vive e as experiências subjetivas do sujeito
naquele ambiente (Leman, 2012, p.5), a nossa interação com o mundo se dá
através do nosso corpo. A partir dessas ações de um sujeito com o mundo
constrói-se um repertório de gestos, que também pode ser considerado um
repertório de experiências (Leman, 2012, p.5), visto que tais são inseparáveis.
O conceito de gesto pode ser aplicado tanto a sons quanto a movimentos
corporais, como iremos explorar a seguir.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

O repertório de gestos e ações faz parte de um mecanismo complexo


de agrupamento entre ação e percepção que é responsável pela predição
176 de experiências e também por questões de intenção musical (Leman,
2012, p.6): ao ouvirmos um som podemos recorrer a experiências passadas
para relacionar essa experiência de escuta com uma ação que teria
originado esse som. O gesto no campo das práticas interpretativas é um
objeto de estudo de destaque, entretanto não se pode conceber um gesto
separável do indivíduo que realiza o gesto (intérprete) e do indivíduo que
percebe esse gesto (intérprete, espectador, pesquisador, etc.).

CAMPOS DE PESQUISA
A área de pesquisa do corpo em performance musical é variada,
possuindo divergências de pressupostos filosóficos, metodológicos (ou
estratégias de pesquisa) e teorias empregadas. A fim de entender melhor o
repertório gestual da performance, nos debruçaremos brevemente sobre
alguns principais campos de estudo acerca da prática instrumental. A
pesquisadora Jane Davidson (2012), com carreira de quase duas décadas
de pesquisa, identifica quatro grandes campos de pesquisa: estudos sobre
programações motoras, sobre afetos/efeitos musicais, sobre treinamento
musical e sobre a criação musical colaborativa (Davidson, 2012, p.596-7).
Consideremos principalmente os dois primeiros campos.

Estudos sobre programações motoras


Originalmente definido como motor-programming studies, apresenta
como principal preocupação investigar como o corpo “monta” ou constrói
a performance musical. Para o presente artigo vale destacar a importância
dada desse campo à influência da cultura e de fatores biomecânicos no fazer
música: além das programações motoras haveria fatores biomecânicos que
moldam como produzimos a performance musical. O exemplo citado no
artigo é o dutar do Afeganistão, instrumento tradicional do Irã e Ásia
Central. O instrumento possuiria similaridade a todos outros instrumentos
da família do alaúde em formato e tamanho justamente por causa de
facilidade de postura de mão. Assim as características culturais de um
instrumento musical dependeriam de princípios ergonômicos (Baily, 1985
apud Davidson, 2012, p.597).

Estudos sobre afetos/efeitos musicais


Em inglês definido como musical affect studies, se propõe a estudar a
expressividade e comunicação através de meios corporais. Segundo
Davidson (2012) estudos desse gênero associam quantidade de movimento
e expressividade através de “gestos” corporais usados na performance, como
por exemplo, uma relação de quanto maior a intenção de expressão, mais
amplos eram os movimentos do intérprete, observada pela autora (1994
apud Davidson, 2012), sendo também observada por Madeira e Scarduelli
(2014, p.22).
Nesse campo de estudos se incluem com maior predominância o
estudo de “gestos” corporais, “movimentos específicos imbuídos no fluxo
geral da performance” (Davidson, 2012, p.598, tradução nossa). A autora
Anais

reconhece também um gesto específico que “acompanha” a performance:


embora não seja diretamente necessário para a produção musical, possui
um papel essencial que em algum nível impacta o som produzido, como 177
estudaremos posteriormente.
Um importante conceito desse campo, além do estudo do gesto em si,
é a ideia que esses gestos interpretativos seriam próximos a gestos
cotidianamente usados em comunicação não verbal. Segundo Watt e Ash
(1998, apud Davidson, 2012) a música atuaria como um parceiro de
conversa, e os gestos realizados durante a performance seriam gestos que
geram e reagem às estruturas musicais (p.599).

TIPOLOGIA DO GESTO

O gesto corporal
Entendendo a importância do estudo do corpo em performance, o modo
como o corpo influencia em nosso entendimento de mundo e
especificamente nosso entendimento musical, e os diferentes gêneros de
pesquisa acerca do corpo, revisaremos agora brevemente diferentes
conceituações do “gesto” em música. Zavala (2012) destaca definições que
circulam o termo, como expressão, intencionalidade, postura e atitude
(p.17), todos permeados pela ideia de movimento. Bertissolo (2013)
também oferece grande discussão acerca do termo (p.26-35) fortemente
embasado na teoria da cognição incorporada.
Madeira e Scarduelli (2014) realizam uma longa revisão bibliográfica em
seu artigo “O gesto corporal na performance musical”, e elaboram um novo
conceito de gesto corporal mais genérico, que é citado pelos pesquisadores
em um trabalho posterior: “movimento corporal realizado consciente ou
inconscientemente, marcado pela significância, seja pelo transmissor ou o
receptor” (Madeira & Scarduelli, 2015, p.7). Concordamos com os autores
previamente citados nesse parágrafo no sentido de que o gesto é
principalmente expressivo, no sentido literal de expressar algo. No estudo da
prática instrumental violonística os autores Madeira e Scarduelli revisam
conceitos de gesto e definem três tipos de gesto:
Gesto de excitação. Mão direita do violonista na tradição destra, “cuja
função principal é transmitir energia do instrumentista para o
instrumento” (Madeira & Scarduelli, 2015, p.7).
Gesto de seleção. Mão esquerda do violonista na tradição destra, “nos
quais é transmitida pouca ou nenhuma energia do instrumentista ao
instrumento, cuja função principal é selecionar a frequência a ser posta
em vibração” (p.7).
Gesto acompanhador. Movimentos ou conjunto que não se relacionam
diretamente com os gestos previamente definidos (excitação ou seleção),
mas sim com o conteúdo musical. Esse último gesto é brevemente
definido e pouco exemplificado, o que denota possivelmente uma menor
preocupação com esse tipo de gesto.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

O GESTO “DES”NECESSÁRIO
Parte da contribuição desse artigo é demonstrar a importância do gesto
178
que não está diretamente relacionado à produção musical, o gesto corporal
da prática interpretativa que não executa a nota, que visa (conscientemente
ou inconscientemente) a expressão. Em Delalande é o gesto acompanhante:
“gestos de peito, ombro, mímicas e respiração” (Delalande, 1998 apud
Madeira & Scarduelli, 2015, p.2). Em Jensenius e colegas são comunicativos e
em Cadoz e Wanderley semióticos; visam principalmente à comunicação
performer-performer ou performer-receptor (Jensenius et al, 2010 apud Madeira
& Scarduelli, 2015, p.3). Como visto previamente é o gesto acompanhador de
Madeira e Scarduelli.
Entende-se que todos os gestos expressam, portanto são expressivos,
mas propomos uma definição específica de um gesto expressivo que teria
como principal função ou impacto a expressão musical do intérprete.
Observemos a seguir a presença desse tipo de gesto na literatura existente
e sua consequente importância para o entendimento musical.

O gesto expressivo como gramática musical


Já foi explorado no presente artigo a ideia do gesto corporal da performance
como análogo a outras formas de comunicação não verbal fora da música.
Em cima desse conceito Zbikowski se propõe a estudar a relação do gesto
musical (entendido aqui como gesto corporal utilizado na performance
musical) com uma possível gramática musical, em uma comparação entre
música e linguagem, seguindo inclusive a teoria contemporânea da metáfora:
o gesto musical seria um mapeamento de um domínio (de experiências
físicas) a outro domínio (sequências de materiais musicais) para organizar
nosso entendimento do segundo domínio (Zbikowski, 2011, p.83).
De acordo com o autor, para expressar nossos pensamentos precisamos
tanto de recursos imagéticos e dinâmicos de gesto quanto construções
estáveis e firmes da linguagem (2011, p.89). A linguagem “estável” musical
seria sequências de material musical análogos a processos dinâmicos, como
passagens de fixação ou desestabilidade harmônica, ou cadências finais. O
gesto “dinâmico” musical por sua vez seria, por exemplo, o gesto de
balançar de um pianista, conceituado no artigo como o gesto expressivo. Esse
gesto expressivo, segundo Zbikowski, seria usado como uma forma de
complemento expressivo ao pensamento embasado em estruturas musicais.
Leman e colegas (2009) também ressaltam esse gesto como complemento
da expressão: “gestos de mão que acompanham a fala podem ser vistos
como um componente motor da fala, necessário para criar o espaço
narrativo que é compartilhado em uma situação comunicativa” (McNeill,
2005; Gallagher, 2005 apud Leman, Desmet, Styns, van Noorden, &
Moelants, 2009, p.274).
Em uma performance de Fred Astaire tocando “The Way You Look
Tonight”, Zbikowski observa gestos específicos alinhados com processos
dinâmicos musicais. Gestos descendentes de cabeça se relacionariam com a
“categoria X” de firmamento tonal da música; gestos circulares da cabeça
do pianista se relacionam na música com a “categoria Y”, um momento de
desestabilidade tonal; e gestos de afastamento e aproximação do teclado do
piano se relacionariam com um momento de cadência final. Novamente,
Anais

esses movimentos não são “necessários” para a performance, mas significam


profundamente o conteúdo musical.
179
O gesto expressivo na prática instrumental da harpa
Na prática instrumental da harpa encontra-se o estudo do gesto expressivo
(embora não explicitado como tal) no texto de Ferigato e Loureiro (2018).
Com o propósito de investigar significados e funções do gesto corporal os
autores propuseram a dois harpistas convidados, de nível intermediário, a
executarem um excerto de caráter cadencial que foi composto para o estudo,
com os seguintes critérios: ser absolutamente inédito para os instrumentistas
e conter elementos técnicos e expressivos variados que estimulassem o
gestual corporal (Ferigato & Loureiro, 2018, p.2). O excerto apresentava
duas versões com mudanças de expressão (aqui entendida no uso comum do
termo: piano, forte, mezzo-forte, etc.) e dinâmica musical (crescendos e decres-
cendos). O artigo apresenta como resultado a observação de dois tipos de
gestual: gestos de transição realizados pelas mãos e gestos acompanhantes
realizados pela cabeça e tronco do intérprete.
O primeiro, gesto de transição pelas mãos, seria um movimento de mãos
desconectadas do instrumento em saltos de grupos de notas. Segundo os
autores, “[a]inda que este gesto se caracterize como técnico, a forma como
se apresenta em sua trajetória é um indicativo importante da intenção
expressiva” (Ferigato & Loureiro, 2018, p.6), sendo de novo reconhecido
como um dos gestos mais característicos da prática instrumental da harpa.
O segundo grupo de gestos, os gestos acompanhantes de cabeça e tronco,
seria mais evidente em momentos de frases ligadas, com as mãos conectadas
ao instrumento, e tendo a cabeça e tronco “acompanhando de forma
mimética nas variações de dinâmica e agógica” da música (p.6). Os autores
ressaltam um fator importante: quanto maior a quantidade de um tipo de
gestos, menor a quantidade do outro tipo de gesto em certo momento da
prática.

O gesto expressivo na música guqin


Em um estudo de caráter quantitativo, Leman e colegas (2009) exami-
naram a correlação de movimentos da prática instrumental e movimentos de
ouvintes que percebem essa prática. Segundos autores essa possível relação
comprovaria uma percepção da expressão musical compartilhada que seria
intimamente embasada em nossa cognição incorporada. Para tal, a pesquisa se
baseou em um “gênero” musical desconhecido aos participantes: a música
guqin. Os autores ressalvam a contribuição dessa tradição musical para a
cognição incorporada ao apontar que a codificação dos gestos interpretativos
em padrões de som se daria de modo relativamente direto (Leman et al., 2009,
p.264). O instrumento guqin, da família da cítara, consiste em uma prática
interpretativa aonde a mão direita realiza o ataque pinçado às cordas, e a mão
esquerda seleciona e modifica as frequências realizadas (próximo à prática
instrumental do violão, por exemplo).
Metodologia. Instruíram os participantes a responder espontaneamente
através de uma espécie de joystick durante a escuta à música. Depois da
primeira sessão de escuta “interpretada” os ouvintes poderiam ouvir
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

livremente os excertos; após a segunda, os participantes poderiam


examinar a partitura gráfica; após a terceira, poderiam ter acesso ao vídeo
180 do intérprete tocando os excertos. A quarta sessão consistia de uma escuta
informada de partitura e vídeo. Ambos os movimentos do intérprete e dos
participantes foram mapeados e gravados.
Resultados. O padrão de velocidade do intérprete que apresentou maior
correlação com o padrão de velocidade dos ouvintes foi o ombro direito
do intérprete. Esse gesto teria um caráter intencional: a mão direita
transferiria energia à corda, enquanto a mão esquerda utilizaria essa
energia da corda para modificar a frequência (como um glissando). Logo
após tocar com a mão direita, então o intérprete focaria sua atenção na
mudança de frequência da mão esquerda, e o ombro direito refletiria essa
intenção interpretativa (p.273). Os autores esclarecem:
Assim, a articulação de ombro que se junta ao pinçar das
cordas [da mão direita] pode ser uma expressão do padrão de
movimento que deve ser executado posteriormente pelo
intérprete. Nesse sentido, o movimento do ombro possui um
caráter intencional ao invés de um caráter executor. (p.274,
tradução nossa)
Para o presente trabalho concordamos e ressaltamos a importância dos
conceitos de gestos intencionais ou expressivos ao invés de gestos executores,
e o mapeamento de gestos em áreas do corpo, com movimentos de grande
escala realizados pelos ombros e cotovelos, e movimentos de pequena
escala realizados pelos pulsos e dedos.

O gesto expressivo em duos e solo de sopro


De maneira similar ao estudo sobre a prática da harpa, Jane Davidson
(2012) explorou os gestos expressivos em duos e música solo de sopros. Com
um pequeno trecho a duas vozes composto especificamente para o estudo,
a pesquisadora desejava explorar como a música seria abordada em contexto
de música solo ou a duas vozes. Esse estudo pertence ao quarto grupo de
estudos do corpo identificados por Davidson (criação musical colaborativa),
então a ideia principal era verificar a expressão e comunicação entre intér-
pretes para uma música colaborativa, porém encontra resultados relevantes
à prática instrumental como um todo, como discutiremos.
Utilizando apenas categorias de movimentos (e não amplitude de
movimentos) a autora sumariza (Davidson, 2012, p.605): (i) instrumentistas
do mesmo instrumento se movem de maneira similar; (ii) houve uma
correlação entre movimentos de perna e balançar rítmico, e um movimento
de segurar o instrumento e “circular” o instrumento, algo típico da prática
instrumental dos sopros; (iii) houve uma correlação entre efeitos de movi-
mento e contornos musicais (como o subir e descer de uma frase relacio-
nado com dobras de joelho, entre outros).
Reforçamos a influência de fatores biomecânicos do instrumento que
pautam e facilitam a expressão musical de certos gestos. Não se identificaram
gestos expressivos faciais relevantes, apenas olhares de “entrada” e coorde-
nação de grupo. Como a pesquisadora investigava especificamente a
expressão corporal através de expressões faciais ela realizou um segundo
estudo com pianista solo.
Anais

O gesto expressivo em piano solo


Davidson teve como hipótese que a expressão musical através do corpo
181
seria composta por ações de movimentos corporais e faciais. A prática
instrumental de sopros dificultaria a expressão facial, pois a face estaria
muito ocupada com a atividade de controle instrumental (Davidson, 2012,
p.614). Logo, utilizou-se da prática pianística por ser um instrumento que
possibilita a expressão facial e a expressão corporal.
Metodologia. Diferente dos outros estudos examinados, esse estudo se
deu através de observação de uma gravação prévia. Davidson observou o
pianista Lang Lang tocar a Liebestraum de Liszt, tido como uma canção
de amor. Vale notar que Lang Lang é reconhecido por ser um dos mais
expressivos do ramo (sendo considerado até gestual demais por alguns
espectadores), mas como a autora ressalta, o repertório gestual é único a cada
intérprete e instrumento, embora os gestos possam ser compartilhados.
Resultados. A pesquisadora, juntamente com uma aluna de graduação,
observou momentos chave da narrativa musical que se relacionaram tanto
com gestos de corpo (expressão corporal) quanto com gestos de face
(expressão facial). Esses gestos ocorriam em conjunto, como por exemplo,
um balançar para cima e para baixo da cabeça enquanto a face demonstrava
sobrancelhas levemente levantadas, às vezes com uma boca entreaberta
(p.616). Como a pesquisadora escreve: “em suma, Lang Lang gera uma
grande intenção de expressão cuja mensagem é distribuída, por ambos o
corpo e a face” (p.618, tradução nossa).

O balançar do músico e estruturas musicais


De modo geral a performance é pautada pelos aspectos biomecânicos do
instrumentista e instrumento, mas também pelos aspectos e intenções
expressivas manifestadas pelo corporal do instrumentista. Os achados de
Davidson reforçam a teoria de um “centro físico de informação expressiva”
(p.624): em um nível de maior escala poderia ser identificado em movi-
mentos de balanço ou oscilação corporal ou em menor escala em movi-
mentos de levante de sobrancelhas ou mão.
Assim, os gestos seriam extensões do centro físico, uma forma de
balanço genérico: os harpistas usariam o torso e cabeça quando não
pudessem usar suas mãos de maneira expressiva; os flautistas não podem
utilizar expressões faciais por sua técnica de boca, então utilizam
movimentos de corpo; e os pianistas valorizam certos gestos a outros
dependendo da configuração corporal.
É importante pensar que o gesto em si não seria expressivo. Do mesmo
modo que pensamos em repertórios de gesto específicos para cada
indivíduo, cada instrumentista teria um repertório de gestos e expressões
próprios. Os gestos são utilizados por diversos intérpretes de maneiras
diferentes, porém é a qualidade do movimento e não o movimento em si,
ao ocorrerem em momentos de expressão musical, que tornariam a sua
função principal de um gesto expressivo ou intencional (Davidson, 2007,
p.398). Essa relação entre expressão e estruturas musicais pode ser
observada em momentos de tensão e relaxamento musical que é expresso
em tensão e relaxamento corporal (Davidson, 2012, p.617).
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

OS LIMITES DO GESTO: “AFFORDANCES”


Para entender melhor os limites do gesto e o modo de como os
182
instrumentos podem influenciar nossa expressividade como intérpretes,
recorremos à teoria de affordances de Gibson (1979), contextualizada em
Windsor e de Bézenac (2012). Em diversos textos examinados se torna
clara a importância dada aos fatores biomecânicos do instrumento como
limitadores da atuação do intérprete, segundo teorias da cognição
incorporada. Entretanto a abordagem ecológica de Windsor e Bezenac
muda o foco ao examinar os aspectos relacionais da percepção musical: a
affordance seria essa interação entre um organismo e um objeto ou evento
em um ambiente. Dependeria tanto das capacidades do organismo
quanto das estruturas de objetos, eventos, ambientes, etc.
Diversos trabalhos já conceituaram a interação entre um músico e seu
instrumento como affordance (Gimenes & Manzolli, 2006; Madeira &
Scarduelli, 2014): ambos o desenho instrumental quanto fatores sensório-
motores do instrumentista seriam importantes em moldar as estruturas que
“regulam” a expressão musical (Windsor & de Bézenac, 2012, p.108). O
instrumento seria um tipo de transdutor, convertendo padrões de
movimento corporal em padrões de som (Baily, 1992, p.149 apud Windsor
& de Bézenac, 2012, p.108). Dessa forma o instrumento incorporaria as
efetividades de seu usuário e possuiria affordances próprias (Windsor & de
Bézenac, 2012, p.109). A configuração material do instrumento facilitaria
ou dificultaria a execução de um determinado repertório gestual.
Entretanto nem sempre os músicos escolheriam o caminho de menos
resistência. Algumas tradições da prática instrumental vão contra as
características do instrumento usado. Ao tentar “tirar de ouvido” uma
música de piano no violão, por exemplo, o violonista também estaria indo
contra o gestual “confortável” do instrumento por determinações estéticas
(p.109). Heijink e Meulenbroek (2002) observaram que às vezes violonistas
preferem digitações (de mão esquerda) mais difíceis de serem executadas
para manter uma coerência sonora de uma melodia ou frase musical.

CONCLUSÃO
A pesquisa sobre “gesto” e, de modo geral, a influência do corpo na
expressão musical é recente, porém apresenta grandes contribuições para
nosso entendimento de música e performance. Entretanto há uma maior
preocupação em mapear e identificar gestos da prática instrumental que
elaborar experimentos e teorias sobre os gestos que não estão diretamente
envolvidos no tocar, como o gesto expressivo. Esperamos ter demonstrado
com a literatura apresentada o estado atual do campo e a importância do
estudo desse gesto, que também é considerado, em diversas práticas
instrumentais, o gesto mais perceptível da prática daquele instrumento.
Cada prática instrumental pode elaborar uma própria tipologia de gesto
e um estudo de gestos possivelmente expressivos. Pretendemos em futuras
pesquisas estudar especificamente o violão que já possui um rastro de
tradição instrumental e tipologia gestual, embora pouco desenvolvida no
sentido do gesto expressivo.
Anais

Esse gesto, como explorado por Davidson, pode ser considerado uma
forma de comunicação não verbal (como visto em Zbikowski e Leman)
da expressão musical. Ainda falta pesquisa que confirme essa hipótese, mas 183
como na fala, é possível que a dificuldade de entendimento do discurso
musical possa se dar pelo conflito entre os materiais musicais e a expressão
corporal do intérprete. Ao identificar esse tipo de gesto e sua relação com
o discurso musical, futuras pesquisas podem oferecer novos recursos para
a pedagogia da performance musical.

Referências
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Reino Unido: Ashgate Publishing.
Anais

Espacialidade e sentido musical incorporado:


a mediação da linguagem 185
Marcos Nogueira 1

1
Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
1
marcosnogueira@musica.ufrj.br

Resumo
A partir do advento das pesquisas experimentais em cognição incorporada, foi possível verificar empirica-
mente que os processos sensório-motores, quais sejam a orientação e a prontidão do corpo para agir no
espaço, condicionam e regulam os modos de conexão dos conteúdos cognitivos, permitindo assim que a
mente transcenda o espaço. É desse modo que o pensamento abstrato é inelutavelmente conectado às
funções sensório-motoras e, assim, à estrutura espacial das interações do corpo no mundo. Cumpre
advertir para a anterioridade das experiências de “ocupação” do espaço — sensório-motoras — em relação
às experiências de “conceituação” do espaço — simbólicas. O presente trabalho está ancorado à hipótese
de que a hegemonia espacial em nosso sistema perceptivo e cognitivo está fundamentada no fato de que
o indivíduo retém e prioriza os sentidos espaciais — descartando a formação de outros possíveis tipos de
sentido —, porque a objetividade espacial oferece à memória um desempenho mais rápido e preciso.
Parece que nossas estratégias cognitivas ao usarmos esquemas espaciais de memória para entender o
mundo são processos sistemáticos de redução da complexidade descritiva do ambiente. Assim sendo,
entendo que para atribuirmos “materialidade” aos objetos musicais e assim construirmos os sentidos
incorporados da música, é preciso, antes, reduzirmos a densidade do meio sonoro, possibilitando a
apreensão do fluxo musical em modalidades coexistentes e interagentes de coerência configurativa.
Reconheço tais processos como: 1) a categorização de eventos sonoros distintivos na forma de
“movimentos”; 2) a atribuição de relações “formais” estilı́sticas, a partir do reconhecimento de
invariâncias, recorrências e contrastes de padrões; e 3) a percepção de dinâmicas de “tensão”, relacionadas
a aspectos inconscientes ou conscientes de diversas funções mentais.
Palavras-chave: Cognição incorporada, espacialidade, sentido musical

Abstract
From the advent of experimental research on embodied cognition, it was empirically verified that
sensorimotor processes, which are the body's orientation and readiness to act in space, condition and
regulate the connection modes of cognitive contents, thus allowing the mind transcends space.
Therefore, abstract thinking is inextricably connected to sensorimotor functions and thus to the spatial
structure of body interactions in the world. It should be noted that the experiences of "occupying" space
— sensorimotor — are before the experiences of "conceptualization" of space — symbolic. The present
work is anchored to the hypothesis that spatial hegemony in our perceptual and cognitive system is based
on the fact that the individual retains and prioritizes spatial meanings — discarding the formation of other
possible types of meanings — because spatial objectivity offers to memory faster and more accurate
performance. It seems that our cognitive strategies using spatial memory schemes to understand the
world are systematic processes of reducing the descriptive complexity of the environment. Therefore, I
understand that in order to attribute "materiality" to musical objects and thus to construct the embodied
meanings of music, we must first reduce the density of the sonic environment, enabling the
understanding of the musical flow in coexistent and interacting modalities of configurative coherence. I
recognize such processes as 1) the categorization of distinctive sound events in the form of "movements",
2) the attribution of stylistic "formal" relations, based on the recognition of invariance, recurrence, and
contrast of patterns, and 3) the perception of “tension” dynamics related to unconscious or conscious
aspects of various mental functions.
Keywords: Embodied cognition, spatiality, musical meaning

INTRODUÇÃO
Este é um estudo em semântica cognitiva da música, fundamentado no
papel central do sentido baseado no corpo para o entendimento e a comunicação
humanos. Se admitirmos que agimos e pensamos essencialmente no âmbito de
uma dimensão estética da experiência — aqui entendida como conjunto de
processos mentais que possibilita a produção de sentidos dos diversos aspectos
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

da nossa experiência —, devemos reconhecer que são os processos cognitivos


constituintes desta dimensão que dão origem ao que denominamos mente,
186 sentido, imaginação e pensamento. Em pesquisa seminal que descortinou a
centralidade do conceito de mente incorporada na consolidação da corrente
enacionista (enactivist) das ciências cognitivas, George Lakoff e Mark Johnson
(1980) explicaram que ao experimentarmos o mundo com os nossos corpos,
produzimos estruturas básicas de memórias de sentidos resultantes de interações
perceptivas e programas motores corporais significativamente recorrentes nesta
experimentação cotidiana. Estes padrões de memória, esquemas de imagem
essencialmente pré-conceituais e inconscientes, condicionam então a coerência
na formação de novos sentidos de experiências subsequentes, numa cadeia
incessante de mapeamentos entre domínios de experiência e conhecimento.
Mapear uma experiência ou um domínio de experiências a partir de outro
domínio é entender a nova experiência ou o novo domínio que enfrentamos
aplicando padrões de sentido cristalizados na memória pela intensa recorrência
de certas experiências sensório-motoras em nossa interação corporal com o
mundo. Este mapeamento — um pareamento de atributos ontológicos —
entre domínios distintos de experiência implica projeções metafóricas de um
domínio (de origem) em outro (alvo), e a nova teoria assim estabelecia uma
surpreendente atualização do conceito de metáfora, propondo a discussão do
termo metáfora conceitual como condição fundamental da produção de
conhecimento em qualquer domínio.
Seguindo um caminho diverso do proposto pela “teoria da comparação”,
que suportou o conceito de metáfora desde Aristóteles, a emergente ciência
cognitiva incorporada esclarecia que o dispositivo cognitivo da metáfora não é
propriamente baseado em “semelhanças literais” percebidas ao confrontarmos
domínios diferentes — como “ver” e “entender”, por exemplo —, mas sim
regulado por correlações de experiências entre domínios de origem e o
domínio alvo. Uma das perguntas deixadas pelo trabalho seminal de Lakoff
e Johnson é: por que temos as metáforas que temos? Por que certas metáforas
são mais recorrentes em nossa produção conceitual? Joseph Grady (1997),
desenvolveu então uma teoria de como as correlações experienciais entre
domínios mais comuns são aprendidas de maneira particularmente não
reflexiva. Grady chamou essas metáforas básicas de "primárias", porque
emergem naturalmente da coativação de memórias e experiências sensório-
motoras, desencadeando processos mentais de conexão neural entre os
domínios envolvidos. Embora possamos cogitar que as metáforas primárias
seriam universais metafóricos, é preciso atentar para a questão cultural aqui
fortemente determinante. Culturas distintas compartilham de fato inúmeras
metáforas primárias, mas tendem a elaborá-las de formas diferentes, dando,
portanto, origem a variações semânticas, isto é, dando origem ao que
entendemos propriamente por culturas, enquanto conjuntos de sentidos e
usos dessas metáforas.
Johnson (2017), recentemente, explicou que os estudos no âmbito do
cognitivismo clássico, dominante até os anos 1970, misturavam a linguística
gerativa, a psicologia de processamento informacional, a filosofia analítica
da linguagem e os estudos em inteligência artificial. A concepção
chomskyana de gramática (ver Chomsky, 1965), baseada em ideias como
a da existência de “estruturas formais inatas” na prática linguística,
Anais

ocuparam lugar central no campo de pesquisas cognitivistas, defendendo


uma visão funcionalista da mente, enquanto dispositivo capaz de operar
funções formais essencialmente desincorporadas. Johnson salienta que, 187
naquele momento, as pesquisas em neurociência cognitiva tiveram papel
crucial na fundamentação de um novo paradigma em ciências cognitivas,
colocando definitivamente em questão o dualismo mente/corpo e revelando
a importância das experiências sentimental e emocional em todos os
processos de pensamento (ver Damasio, 1994). A partir do novo aporte
teórico baseado em estudos empíricos reveladores a nova corrente conhecida
como linguística cognitiva desafiava a visão inatista de Chomsky sobre a
linguagem (Feldman, 2006; Gibbs, 1994; Lakoff, 1987; Talmy, 2000),
passando a entender a linguagem como desenvolvimento das capacidades
cognitivas do indivíduo para agir e perceber.
O presente estudo é parte de pesquisa iniciada há duas décadas, em
torno do papel central do sentido baseado no corpo para o entendimento da
experiência musical. Sendo assim, esta semântica incorporada do entendi-
mento musical tem como objetos de estudo a ação do corpo no espaço e as
expressões linguísticas e gestuais que revelam, enquanto interfaces comunica-
cionais, pistas significativas acerca dos processos mentais constitutivos da
dimensão estética da experiência da música. Armstrong e Wilcox (2007)
advertiram que desde Platão entende-se que o gesto é algo “natural”, uma
forma icônica de expressarmos nosso entendimento do mundo, revelando
assim uma conexão imediata entre nossos gestos corporais e coisas no
mundo a que eles se referem. De acordo com essa linha de pensamento, a
introdução do gesto manual icônico na semântica cognitiva ilumina o
problema da atribuição de sentido a sinais vocais arbitrários, uma vez que
gestos icônicos “assemelhados a coisas a que se referem” — e tendo o valor
potencial de uma palavra ou frase — podem fundamentar as relações
simbólicas dos sons da fala com seus referentes. No presente artigo,
entretanto, pretendo discutir, especificamente, a mediação da linguagem —
enquanto especialização simbólica da iconicidade gestual — na investigação
do sentido musical. Donde devo explicitar a aplicabilidade das descobertas
da linguística cognitiva de orientação incorporada ao desenvolvimento de
uma semântica cognitiva da música. Para isto é necessário responder
algumas perguntas: Quais as razões da hegemonia da experiência espacial
em nosso pensamento abstrato? Como a contínua atuação do corpo no
meio circundante estabelece padrões de entendimento que, por sua vez,
originam os padrões de expressão do indivíduo? Em que medida as expressões
linguísticas acerca do entendimento musical podem ser abordadas como
modelo para a investigação dos processos mentais que suportam a produção
de sentido musical?

CORPO, ESPAÇO E SENTIDO


Devido à nossa tradição “racionalista” a maioria das pessoas se surpre-
ende com o fato de a linguagem não ser expressa e percebida através da
nossa modalidade sensorial dominante, que é, inquestionavelmente, a
visual. Todavia, se o sentido da audição é menos relevante como dispositivo
de interação experiencial e o empregamos como suporte de nosso sistema
de comunicação mais importante, que é a linguagem, não podemos
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

negligenciar os fundamentos visuais e espaciais das expressões linguísticas.


Portanto, resta a pergunta acerca do por que adotamos objetos da audição
188 como principal coleção de sinais para a comunicação. Em notável
exploração da experiência humana do som e de seus produtos linguísticos
e musicais, David Burrows (1990) voltou-se para a hipótese de um modo
de consciência único que constituiria o fundamento de todo pensamento
e da expressão musical. Segundo ele, a evolução humana teria relação com
a maneira como experimentamos o som, porque essa experiência nos livra
das amarras do mundo material ao qual estão atados os objetos da visão,
tornando possível o surgimento de modos de pensar, expressar e comunicar
essencialmente humanos. Sendo assim, enquanto a visão diz mais respeito a
coisas e objetos, a audição é mais interior e se volta mais para processos que
para coisas. Advirto que é possível admitir que nossa capacidade de abstrair
uma íntima e complexa construção mental a partir de uma diversidade de
perceptos é o que nos permite associar sinais arbitrários ou convencionais
a conceitos que estruturam aqueles processos mentais. Os conceitos e
sinais sonoros que formam a linguagem são, antes de tudo, assimilados
como resultado de mapeamentos de experiências diretas com o mundo ao
nosso redor, processo que ocorre primeiramente na modalidade icônica
visual (gestual), antes que possa ser projetado no domínio simbólico auditivo.
Não devemos, contudo, esquecer que ao transferirmos a expressão do canal
visual para o auditivo o gesto visível original nunca sai de cena e continua
sendo essencial para os processos de entendimento e comunicação — seus
resíduos, não raro, acompanham os atos de fala.
Um indicador da hegemonia da experiência espacial na produção de
pensamento abstrato é o processo de aquisição de vocabulário e de conceitos,
na primeira infância (Bloom 2000; Smith 2005). Nossa imersão inaugural no
mundo instaura um treinamento primordial e sistemático de abstração. Essa
prática contínua de produção de sentidos — em grande parte não proposi-
cionais — do mundo ao redor constitui-se assim a partir do desenvolvimento
proprioceptivo e de habilidades na manipulação de objetos físicos que consti-
tuem o meio ambiente. E uma hipótese complementar para a constituição dessa
hegemonia em nosso sistema perceptivo e cognitivo é a de que o indivíduo
retém e prioriza os sentidos espaciais — descartando a formação de outros
sentidos —, porque a objetividade espacial oferece à memória um desempenho
mais rápido e preciso (Spivey, 2007). E se a alocação de recursos atencionais a
relações espaciais proporciona às tarefas práticas mais recorrentes um melhor
desempenho, este procedimento terá a primazia no tratamento de todas as
modalidades de representação da experiência, sejam elas mais ou menos
determinadas pelo espaço. Enfim, “memórias de sentidos, movimentos,
formas, intenções e conceitos conformam assim uma complexa mistura
multimodal de entendimentos do mundo, fortemente impregnada de
espacialidade e de relações espaciais radicalmente confundidas e consolidadas”
(Nogueira, 2019).
Cumpre ainda advertir para a anterioridade das experiências de
“ocupação” do espaço — sensório-motoras — em relação às experiências de
“conceituação” do espaço — simbólicas. Os indivíduos desenvolvem mais
rapidamente suas competências de formar o espaço, de se movimentar no
espaço e de intencionar ações no espaço, do que de nomear, conceituar e
Anais

estruturar o espaço. A experiência de ser no espaço e de produzirmos


sentidos — não necessariamente conceituais — em nossa condição espacial
de corpo em ação é anterior, tanto à produção simbólica dessa experiência 189
quanto dos processos de entendimento das coisas que não compartilham
conosco o espaço ao redor ou a materialidade: as coisas abstratas (Fauconnier,
1985). Assim, uma das contribuições mais relevantes do paradigma
enacionista das ciências cognitivas foi a descoberta de que estruturamos
nossas experiências de abstração e as tornamos conceitualmente significativas
a partir de sentidos — essencialmente inconscientes e pré-proposicionais —
previamente constituídos em experiências de ação sensório-motora de
interação com o meio. Enfim, somos “no espaço” e a pesquisa neste âmbito
tem perguntado como o espaço é percebido, processado, representado,
comunicado.
É plausível considerar a fenomenologia heideggeriana da existência
humana — o Dasein —, como projeto definitivo de ruptura com a tradição
moderna que via o “conhecimento” como estruturas mentais duradouras e
independentes do mundo físico e dos processos sensório-motores corporais
com os quais continuamente atualizamos nosso conhecimento. Chamo
atenção especialmente para o seu conceito de “prontidão para a ação
manual” ou “manualidade” (Zuhandenheit). Heidegger (1927) salientou que
a nossa postura primordial diante do mundo ou o nosso modo primário de
“ser no mundo” é ser pragmaticamente engajado ao mundo. O pensamento
de Heidegger não deixaria então de inspirar a descrição de incorporação em
Merleau-Ponty (1945) ou de ressoar nas teorias de James Gibson (1977),
incluindo o conceito seminal de affordances. Ao final dos anos 1970, nada
mais faltaria ao desenvolvimento de uma teoria da cognição incorporada
senão a fundamentação do processo mental que suportaria a produção de
sentidos incorporados nos mais variados domínios de ação humana.
Esta foi a contribuição original de Lakoff e Johnson, que vislumbraram
que o raciocínio abstrato e a conceituação dependem de processos metafó-
ricos consistentes que não foram contemplados pelas tradições filosófica ou
linguística por serem estas essencialmente “objetivistas”. Nessa tradição a
linguagem é um sistema formal que consiste em um conjunto de símbolos
sem sentido, vinculados a estruturas sintáticas inatas, ordenadas por relações
lógicas. E neste contexto teórico, o conceito de metáfora era simplesmente
associado a um fenômeno semântico suportado por uma “teoria da
comparação” — ou da similaridade —, assente desde os gregos, segundo a qual
o sentido metafórico baseava-se apenas em um conjunto de proposições de
similaridade: a metáfora “A é B” deveria ser redutível a “A é como B”, segundo
as possíveis semelhanças identitárias ou funcionais entre A e B. E assim o
sentido da metáfora permanecia, exclusivamente, no nível linguístico.
Todavia, devemos admitir que não há “fatos” metafóricos, uma vez que todas
as metáforas nesses termos constituídas são falsas: “e se metáfora é o que
ocorre quando um termo é transferido do uso que confere seu sentido, para
um contexto em que não pode ser aplicado, só há metáforas onde há
também usos literais” (Nogueira, 2004). Devemos admitir, no entanto, que
existem contextos em que as metáforas são indispensáveis. É o caso da
situação em que as usamos para descrever algo que não pertence ao mundo
sensível, coisas ausentes ou inacessíveis aos atos perceptivos que, como
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

salientou Gilbert Durand (1993), são os objetos privilegiados da arte, da


religião e da metafísica, domínios em que os signos se referem a sentidos e
190 não a coisas sensíveis.
Em A metáfora viva (1975) e em artigos e conferências no mesmo
período, Paul Ricoeur propôs discussões fundamentais para a indicação de
um novo caminho para o entendimento dos processos metafóricos. Ele
nos mostrou que embora não haja fatos metafóricos, quando usamos
metáforas estamos interessados em descrever a realidade. Quando usamos
metáforas para descrever coisas do mundo real — da experiência imediata
—, estamos empregando atalhos opcionais (e dispensáveis) para verdades
complexas. Todavia, a “metáfora indispensável”, aquela que empregamos
para descrever algo que não pertence ao mundo material, visaria à descrição
de um mundo “como se nos parece”, isto é, da perspectiva da imaginação.
Ainda aderente à tradição objetivista e procurando superar os impedimentos
naturais desse pensamento ao entendimento de uma metáfora que deveria ir
além da superfície linguística, Ricoeur, primeiramente, afirma que a metáfora
só faz sentido como resultado de dois termos numa enunciação metafórica,
sendo assim um fenômeno de predicação e não de denominação. Isso implicou
uma segunda tese: não haveria nenhum desvio do sentido literal, mas um
real funcionamento da operação de predicação. Ou seja, para Ricoeur já
estava claro que aquilo que merecia a nossa atenção deveria ser não uma
mera tensão entre dois termos envolvidos numa enunciação, mas sim
entre duas interpretações opostas: “é o conflito entre duas interpretações
que sustenta a metáfora” (Ricoeur, [1976]1996, p. 62). Outra questão
central abordada por Ricoeur diz respeito ao “trabalho” da semelhança que,
de fato, congrega o que antes estava distante. Para ele não haveria uma
simples substituição de um termo por outro, mas uma verdadeira produção
de sentido a partir da tensão entre as duas interpretações (a literal e a
metafórica). E essas “metáforas de tensão” não seriam simplesmente traduzíveis,
pois revelam um sentido próprio, algo novo sobre a realidade, e assim não
poderiam ser tratadas como ornamentos emocionais.
Ricoeur ensinou que o processo de entendimento não é apenas um ato
intelectual e linguístico, mas revela uma condição incorporada de estar no
mundo e de apreendê-lo. Ele entendeu o papel do corpo na produção de
sentido, no raciocínio e na imaginação, e assim promoveu uma atualização
definitiva do conceito de metáfora. A metáfora deixa de ser simples questão
de palavras, de dispositivo linguístico, para ser estudada como processo
imaginativo básico, a partir do qual somos capazes de convocar sentidos
corporais no raciocínio e na conceituação abstratos. Seguindo o rastro
deixado por Ricoeur, ao investigarem a estrutura de mapeamento entre
domínios que constitui as metáforas, Lakoff e Johnson verificaram que os
domínios “de origem” em metáforas transculturais são tipicamente formados
em nossas experiências sensoriais, motoras e afetivas. Em outras palavras,
além da superfície linguística, metáforas são dispositivos cognitivos
regulados pela natureza de nossos corpos à medida que nos envolvemos com
nosso ambiente físico e social.
Anais

DESCREVENDO A MÚSICA
Retomando o esforço teórico de Ricoeur, Lakoff (1987) e Johnson (1987)
revelaram que praticamente todos os nossos conceitos abstratos são definidos 191
por múltiplas metáforas que não podem ser simplesmente reduzidas a
declarações de semelhança literal. A fundamentação desta evidência tornou
plausível, como método para o desenvolvimento de uma semântica incor-
porada da música, a investigação dos processos cognitivos revelados nas pistas
deixadas pelas expressões linguísticas do entendimento musical em sua
dimensão estética. Além disso, os resultados das pesquisas seminais em
cognição incorporada não deixaram dúvidas acerca da validade da metáfora
conceitual como modelo teórico para suportar tal investigação. A maneira
como nossos sistemas motor e perceptivo caracterizam-se enquanto sistemas
neuronais estabelece certo número de padrões de memória recorrentes e
intrinsecamente significativos — que eles denominaram esquemas de imagem. A
relevância particular dessa teoria para a investigação do sentido musical é que
tais padrões são significativos para nós antes e abaixo do sentido linguístico.
Ao vislumbrarem que os esquemas de imagem desempenhariam um papel
importante na estruturação dos domínios de origem das metáforas primárias,
Lakoff e Johnson investigaram a estrutura esquemática na tentativa de
descobrir como o corpo poderia dar origem ao sentido, pois se um indivíduo
tem um conceito de um objeto é porque este indivíduo é capaz de simular os
tipos de interação perceptiva, motora e afetiva que naturalmente tem com este
tipo de objeto. E essa simulação não é circunscrita a algum domínio conceitual
abstrato, mas executada através das ações corporais que envolvem os mesmos
aglomerados neurais funcionais envolvidos nas variadas modalidades de
interação com o objeto em questão.
Opondo-se aos pressupostos gerativistas (vinculados ao cognitivismo
clássico), a ciência cognitiva incorporada propõe que em vez de “nascermos
com todo o conhecimento sintático” de que precisamos para a expressão,
aprendemos uma sintaxe linguística pela exposição a construções linguís-
ticas que capturam aspectos significativos de nossas experiências perceptivas
e ações motoras diárias. Exercitamos, portanto, certos padrões gramaticais,
porque são resultantes de mecanismos cognitivos de percepção, movimento
corporal e ação com objetos, que moldam nosso raciocínio e nossa concei-
tuação. Tudo isto tem por cenário o espaço circundante, e a razão para a
hegemonia espacial em nosso sistema perceptivo e cognitivo não poderia
deixar de estar profundamente associada à objetividade que as experiências
espaciais oferecem à memória. Por isso, se a alocação de recursos atencionais
a relações espaciais proporciona às tarefas práticas mais recorrentes um melhor
desempenho, este procedimento terá a primazia no tratamento de todas as
modalidades de entendimento e representação “da experiência”, sejam enten-
dimento e representação mais ou menos determinados pelo espaço.
A experiência musical e o sentido da música constituem um campo ideal
para a pesquisa semântica desses padrões, tendo em vista que a expressão
musical é essencialmente intencional e envolve profunda radicalização do
esforço de abstração (por mapeamentos) e conceituação (Brower, 1997-8,
2000; Spitzer, 2004; Zbikowski, 1998, 2002). Mas qual a relação entre corpo,
espaço e escuta musical? Habitualmente, vinculamos os sons, estes objetos
imateriais, a coisas no espaço, do mesmo modo que a estas também
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

vinculamos cores, por exemplo. Entretanto, mesmo que vinculemos os sons


a coisas materiais, a “realidade sônica” da música estabelece, insistentemente,
192 sua autonomia de mundo sem matéria, constituído para além dos sons.
Assim, construímos mentalmente uma “realidade virtual” para a música, uma
abstração de realidade objetiva, espacial e essencialmente visual. O sentido é
uma experiência de coerência, de unidade, de padrão. Se dada configuração
no mundo é apreensível, é porque constitui padrão, constitui relações de
conformidade. Diante do padrão apreendemos uma relação de conformidade
que é sentido. E quando apreendemos um padrão naquilo que experimen-
tamos, podemos recorrer mais diretamente aos recursos da chamada memória
de trabalho, o que possibilita a produção mais rápida de sentidos. Se o padrão
é algo que se constitui pela repetição, uma coisa apresenta padrão quando
percebemos sua simetria ou algum tipo de lógica configurativa, propriedades
que emergem de uma condição repetitiva apresentada pela coisa. Fazemos as
coisas terem algum sentido, porque conseguimos reconhecer na coisa algum
padrão, alguma conformidade no âmbito temporal da memória de trabalho
— algo da ordem de alguns segundos. E assim nos abrimos para um
entendimento mais abstrato de mundo.
Na medida em que as pesquisas neste contexto sugerem que nossos
modos de perceber e descrever objetos e eventos do domínio espacial
fundamentam nosso entendimento de objetos e eventos no domínio
abstrato, é plausível considerar a hipótese de que ideias abstratas são
construídas e moldadas não apenas pela linguagem, mas pela tensão entre
linguagem e processos expressivos análogos, como a música. Ao descrever
seu entendimento de certo trecho musical o ouvinte não está consciente
dos processos cognitivos que originaram este entendimento, nem tampouco
das escolhas conceituais que faz para construir as representações mentais de
seu entendimento da música. Os estudos em linguística que atuam sob o
paradigma da cognição incorporada, demonstram que o sentido e o
entendimento estão inextricavelmente relacionados às nossas concepções
sobre o que são ações realizáveis. Mas o desafio de abordar tais teorias no
campo da semântica musical envolve o desenvolvimento de um modelo
que explique como eventos abstratos, tais como os que constituem aquilo
que reconhecemos como música, podem ser descritos com expressões
linguísticas fundadas em ações.

CONCLUSÃO
Tendo em vista as descrições linguísticas de nosso entendimento musical,
proponho aqui investigar padrões de abstração: 1) de categorização de
eventos sonoros distintivos na forma de “movimentos”, que nas expressões
linguísticas dão origem à proposição de verbos; 2) de relações “formais”
estilísticas, a partir do reconhecimento de invariâncias, recorrências e
contrastes de padrões, representadas nas expressões linguísticas por objetos
e complementos; e 3) de dinâmicas de “tensão”, relacionadas a aspectos
inconscientes ou conscientes de “intencionalidade” (enquanto funções
mentais), cuja origem é identificada na sintaxe linguística pela atribuição
do sujeito. Quero, portanto, admitir que os movimentos, as formas e as
intenções que aprendemos a experimentar na interação com o fluxo
musical são a base experiencial da constituição dos sentidos da música.
Anais

Contudo, ações e intencionalidade, aquilo que mais essencialmente caracte-


rizam a nossa expressividade, visam à forma, um sentido crucial para o
reconhecimento e a categorização de objetos. Objetos “marcados” pela 193
mesma ordem de substantivos mantêm algum tipo de similaridade de
forma. E se retomo aqui o conceito de forma — porém não no contexto
formalista tradicional — é para referir atos de apreensão do que quero
entender como pistas acústicas na experiência da escuta musical. Trata-se de
investigar como respostas de orientação musicais (ver Nogueira, 2016)
sinalizam a presença de pistas (sejam estas um evento simples, uma
agrupação pontual ou o ponto de início de uma agrupação sequencial mais
extensa), a partir das quais marcamos a cena musical e disparamos,
propriamente, o processo de formação de abstrações formais.
Assim sendo, a pesquisa pela conformação das descrições linguísticas
do entendimento da música pode começar pela identificação das pistas
acústicas que provocam as respostas de orientação do ouvinte e orientam
a formação de padrões musicais. Tais pistas determinam nossas escolhas
para a construção das expressões linguísticas do entendimento musical e
nestas estão subliminarmente presentes: pistas tonais, considerando a
pregnante percepção de alturas sonoras e às condições de compatibilidade
entre os conteúdos tonais da cena auditiva musical por continuidade,
homogeneidade, regularidade e simetria; pistas texturais, considerando tanto
envoltórias de intensidade sonora e comportamento espectral (timbre) dos
eventos quanto a densidade do fluxo (com respeito à complexidade de
segregação); pistas temporais, tendo em vista que o sistema perceptivo
presume que componentes da cena percebidos como sincrônicos são
fundidos como um mesmo evento, enquanto componentes assincrônicos
são percebidos como “movimento”; e pistas topográficas, considerando a
ênfase dada à espacialidade dos componentes da cena, um mapeamento de
posições no espaço fenomênico do fluxo musical, que emerge no ato da
escuta quando o processo atencional sobrepõe a posição espacial do
evento musical às demais potencialidades funcionais deste evento.

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Anais

Converse: criação colaborativa


(Resumo)
195
Guilherme Bertissolo (guilhermebertissolo@gmail.com)
Lia Gunther Sfoggia (liasfoggia@gmail.com)
Luciane Cardassi (luciane.cardassi@gmail.com)
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Problema/questão
Converse é uma obra colaborativa para piano, eletrônica em tempo real e dois vídeos processados
em tempo real acompanhados de performance de movimento. Foi composta conjuntamente pelos
autores. A ideia inicial desse trabalho partiu do conceito de Estado de Prontidão, oriundo de uma
pesquisa artística (Haseman, 2006, 2015; Bacon, Midgelow 2014, 2015), realizada em âmbito
formal por Lia Sfoggia no Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade
da Universidade Federal da Bahia (Sfoggia, 2019). Estado de Prontidão é um dos conceitos
inferidos no contexto da capoeira (Nenel, 2018; Sodré, 2002; Bertissolo 2013) e se refere à
necessidade do capoeira manter-se alerta e disponível, e como esse comportamento influencia no
modo de se mover. A ideia de imprevisibilidade em relação ao futuro, o fato de nunca sabermos o
que pode acontecer no instante seguinte, a possibilidade de sofrer uma ataque a qualquer
momento, a desconfiança. Tudo isso propicia a necessidade de manter-se num constante estado
corporal de prontidão para agir.
Objetivos
O principal objetivo do trabalho foi desenvolver um trabalho colaborativo a partir da noção de
estado de prontidão, envolvendo piano, eletrônica em tempo real, vídeo e performance de
movimento.
Método
Essa obra foi composta em um processo colaborativo de pesquisa artística, que envolveu reuniões
presenciais entre os autores, inicialmente semanais, e, posteriormente, duas e três vezes por
semana. As sessões de trabalho envolviam sempre laboratórios criativos, registrados em vídeo e
fotografia, que acabaram sendo incorporadas no conteúdo audiovisual da obra.
Links
Gravação em áudio: https://www.dropbox.com/s/1svs9yzx0fz417y/converse.wav
Registro em vídeo da estreia: https://youtu.be/1hinbVS8DWI
Palavras-chave
Colaboração, capoeira, estado de prontidão
Referências
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n. 1, p. 7–31.
Bacon, J. M.; Midgelow, V. L. (2015). Processo de articulações criativas (pac). In: Silva, C. R.et al.
(Ed.). Resumos do 5 o Seminário de Pesquisas em Andamento PPGAC/USP. (Tradução de
Eduardo Augusto Rosa Santana, revisão de Pedro de Senna). São Paulo: PPGAC/ECA-USP,
v. 3.1. .
Bertissolo, G. (2013). Composição e Capoeira: dinâmicas do compor entre música e movimento. Tese
de Doutorado. Salvador: Programa de Pós-Graduação em Música/Universidade Federal da
Bahia.
Haseman, B. (2006). A manifesto for performative research. International Australia
Incorporating Culture and Policy, theme issue Practice-led Research, v. 118, p. 98–106.
Haseman, B. (2015). Manifesto para a investigação performativa. In: Silva, C. R. et al. (Ed.).
Resumos do 5 o Seminário de Pesquisas em Andamento PPGAC/USP. (Tradução de Marcello
Amalfi). São Paulo: PPGAC/ECA-USP, v. 3.1.
Mestre Nenel, M. N. (2018). Bimba: um século da Capoeira Regional. Salvador: EDUFBA.
Sfoggia, L. (2019). Corpos que são: a Capoeira Regional reverberada em processos criativos em arte.
(Tese de Doutorado). Salvador: Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e
Sociedade/Universidade Federal da Bahia.
Sodré, M. (2002). Mestre Bimba: corpo de mandinga. Rio de Janeiro: Manati.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

MAIO 30 | May 30
196
SESSÃO L6
Comunicações Orais | Oral Presentations
SALA 2, 14h
Coordenadora da sessão | Session Chair: Patricia Vanzella

14:00
A esquizofrenia e o ensino do canto e do teclado: uma pesquisa
sobre possíveis estratégias didáticas
Helena Karavassilakis Uzun

14:30
A música e o cérebro executivo no processo de desenvolvimento
infantil
Maria Clotilde Henriques Tavares, Sandra Ferraz de Castillo Dourado Freire

15:00
Mapeamento de amusia em grupo de adultos por meio de testes de
cognição e de processamento auditivo
Luciane da Costa Cuervo, Laura Uberti Mallmann, Gabriela Peretti Wagner,
Márcia Salgado Machado, Graham Frederick Welch, Marcelo de Oliveira
Dias
Anais

A esquizofrenia e o ensino do canto e do teclado:


uma pesquisa sobre possíveis estratégias didáticas 197
(Resumo)

Helena Karavassilakis Uzun (helenakms@hotmail.com)


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

Problema/questão
A inclusão social das pessoas que possuem algum distúrbio mental tem provocado discussões e dado
origem a uma serie de abordagens e teorias nas áreas da Psicologia e da Pedagogia, mas na área de
Música, este tema ainda parece ser pouco explorado. Neste artigo, discorremos sobre o processo de
aprendizagem musical em aulas de canto e teclado de uma aluna esquizofrênica e apresentamos
alguns resultados obtidos. Procuramos mostrar como a música contribui de forma significativa para
o bem-estar da pessoa diagnosticada como esquizofrênica, podendo mesmo oportunizar aquisições
e aprendizagens artísticas, que geralmente são tidas como inatingíveis.
Objetivos
Este estudo consistiu em apurar se, ao ter acesso a uma educação musical, poderiam ser verificados
benefícios para a pessoa portadora de distúrbio mental. Pretendeu –se aferir resultados que
pudessem ser comparáveis no que concerne à prática de diferentes metodologias e estratégias
pedagógicas no ensino da música para com uma aluna com esquizofrenia e sua relação com o
aprendizado musical no canto e no teclado.
Método
A abordagem da pesquisa é qualitativa, onde se revelam aspectos da prática pedagógico-musical.
Como metodologia, realizamos pesquisa bibliográfica buscando a intersecção entre os campos da
educação musical e da musicoterapia, no que diz respeito à esquizofrenia – e encontramos poucos
referenciais nesses termos. Já nas aulas práticas de teclado e canto, foi utilizado um roteiro de
observação sistemática (diário de campo) durante 3 meses (setembro a novembro de 2017), com o
apoio de gravações de áudio e vídeos, analisados posteriormente. Durante este processo, a pesquisa
teve o acompanhamento do Grupo de Pesquisa em Educação e Prática Musical (GPEP) da UFMS,
que orientou a coleta de dados de forma estruturada e contribuiu para a fundamentação da análise
desses dados.
Resultados
Pela análise das aulas realizadas, pôde-se perceber a importância da aprendizagem pelo viés da
afetividade. Segundo Morin, “o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da
afetividade, isto é, da curiosidade, da paixão, que, por sua vez, são a mola da pesquisa filosófica ou
científica (2002, p.20).
Segundo Oliveira Pinto (2007, p.163), “a música pode produzir sujeitos, ampliar intensidades,
provocar fluxos de sensibilidade”, considerando a amplitude do fazer musical: cantar, tocar, escutar,
dançar, chorar, dar gargalhada, compor. Nesse sentido, o objetivo das aulas não foi somente o
aprendizado técnico-interpretativo do canto e do teclado, mas a possibilidade de oportunizar uma
experiência prazerosa e significativa para o bem-estar do aluno.
Conclusões
A partir da análise das aulas de canto e teclado realizadas, pudemos verificar que o diferencial no
processo de ensino-aprendizagem, no caso do aluno com distúrbios mentais, parece ser
realmente a atitude do professor: foi imprescindível a atitude afetiva, indicando calma, tolerância,
paciência e compreensão. Esperamos que este artigo venha contribuir para futuros estudos sobre
o estudante de música com esquizofrenia e venha ainda somar para um melhor desempenho
dessa parcela da população, despertando o seu lado artístico e musical.
Palavras chave
Esquizofrenia, Educação Musical especial, musicoterapia.
Referências
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XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

A música e o cérebro executivo no


198 processo de desenvolvimento infantil
Maria Clotilde H. Tavares1, Sandra F. C. Dourado Freire2
Departamento de Ciências Fisiológicas, Universidade de Brasília, Brasil
1
2
Departamento de Teoria e Fundamentos, Universidade de Brasília, Brasil
1
mchtavares@gmail.com, 2sandra.ferraz@gmail.com

Resumo
Estudos sugerem que o aprendizado musical beneficia o desenvolvimento de competências
cognitivas em crianças, sendo este mediado pelas funções executivas (FEs) que são consideradas
um indicador da regulação emocional na infância. Limitações metodológicas de tais estudos levam
a resultados inconclusivos e impedem o estabelecimento de relações causais. Contudo, resultados
de estudos com mapeamento da atividade cerebral têm fornecido suporte adicional para os
benefícios sugeridos ao apontarem alterações plásticas do sistema nervoso associadas à experiência
musical precoce. Neste artigo, apresentamos uma compilação de estudos sobre o tema, discutimos
sua importância e implicações para o desenvolvimento infantil e reforçamos a premissa de que o
aprendizado musical durante a infância é uma ferramenta promissora para fundamentar habilidades
necessárias ao desenvolvimento cognitivo, promover o funcionamento executivo, e proporcionar
uma experiência multissensorial e mediada pela emoção.
Palavras-chave: Cognição, funções executivas, desenvolvimento, infância, aprendizado musical

Abstract
Studies suggest that musical learning benefits the development of cognitive skills in children,
which is mediated by executive functions (FEs) that are considered an indicator of emotional
regulation in childhood. Methodological limitations of such studies lead to inconclusive results
and prevent the establishment of causal relationships. However, results from studies with mapping
of brain activity have provided additional support for the suggested benefits in pointing to plastic
changes of the nervous system associated with early musical experience. In this article, we present a
compilation of studies on the theme, discuss its importance and implications for child development,
and reinforce the premise that music learning during childhood is a promising tool to substantiate
necessary skills for cognitive development, improve the executive functioning, and provide an
integrated multisensory and emotion-mediated experience.
Keywords: Cognition, executive functions, development, childhood, musical learning

INTRODUÇÃO
A experiência musical em idade precoce tem sido apontada na literatura
especializada como capaz de auxiliar de forma significativa o processo de
desenvolvimento em crianças, atuar como um importante adjuvante na
promoção dos processos educacionais, além de fornecer-lhes desafios e
experiências multissensoriais, sociais e afetivas que promovem melhorias
em habilidades de aprendizagem e estimulam o desenvolvimento cognitivo
de modo geral (Dumont, Syruria, Feron & Van Hooren, 2017).
O desenvolvimento infantil, como subárea de estudo da Psicologia
moderna, é investigado em termos das mudanças físicas (ou sensório-motoras),
cognitivas e socioafetivas que ocorrem no período compreendido desde a
concepção e nascimento do ser humano até a adolescência e no qual verificam-
se processos interdependentes de mudanças que são múltiplos, multidirecionais
e plásticos (Cole & Cole, 2004; Oliveira & Teixeira, 2011; Palacios, 2004).
Desta forma, mudanças físicas relativas ao crescimento do corpo e do sistema
nervoso, por exemplo, afetam não só as capacidades sensório-motoras, mas
podem impactar, de forma recíproca, aspectos cognitivos, como memória,
atenção, linguagem e pensamento e a potencialidade da criança para aprendi-
zagens, e/ou os aspectos socioafetivos referente às capacidades dela relacionar-
se e vincular-se ao outro, bem como desenvolver o senso de si.
Anais

Nesta perspectiva, a compreensão das Funções Executivas (FEs) preenche


um papel importante na compreensão do desenvolvimento de competências
cognitivas e das funções psicológicas superiores. Isto porque aprender a 199
construir reflexões próprias, agir de modo voluntário e ter autonomia são
capacidades intrinsecamente relacionadas ao desenvolvimento das funções
executivas (Núcleo Ciência Pela Infância, 2016) na medida em que permi-
tem a obtenção de controle estratégico sobre os próprios processos mentais.
Este controle ocorre por meio da inibição de pensamentos e ações ou pelo
desenvolvimento da consciência dos próprios pensamentos, sentimentos e
comportamentos (Bowmer et al., 2018) que são típicos do funcionamento
executivo realizado pelo cérebro dentre as suas múltiplas e complexas
funções.
O funcionamento executivo regula processos essenciais relacionados a
comportamentos dinâmicos orientados para um objetivo, que requerem a
formulação de um plano de ação baseado na memória, experiências e
aprendizados passados, auto-controle, flexibilidade de ação e adaptabilidade,
assim como a capacidade do próprio indivíduo em monitorar e avaliar suas
estratégias e ações para a consecução de objetivos previamente estabelecidos.
Esses processos são referidos como executivos com base na ideia que sua
manipulação serve para controlar e regular o processamento da informação
pelo cérebro (Gazzaniga, 2006). Assim, as funções executivas (FEs), são
essenciais para que a criança (ou adulto) seja capaz de aprender, resolver
problemas, resistir à interferências do ambiente, manter a atenção no que
pretende realizar, tomar decisões, estabelecer prioridades, fazer planos
futuros, regular o seu próprio comportamento de acordo com a avaliação de
um contexto (inclusive em novas situações), ajustar-se com flexibilidade ao
modificar estratégias e planos de ação de acordo com a necessidade, além de
buscar resolver problemas mentalmente, e estabelecer prioridades. (Diamond
& Ling, 2016). Adicionalmente, outro ponto extremamente importante é o
fato de que as FES permitem enxergar o mundo de uma perspectiva
diferente da sua própria (Diamond, 2013), aspecto fundamental para o
desenvolvimento cognitivo e emocional da criança.
Face às implicações que o funcionamento executivo exerce sobre os
diferentes aspectos da vida da criança, existe atualmente um grande inte-
resse em incrementar suas funções executivas (FEs), acelerar o seu desen-
volvimento, assim como deter ou retardar o seu declínio no envelhe-
cimento e/ou remediar os seus déficits (Diamond & Ling, 2017). No
contexto do desenvolvimento infantil, diversos programas computado-
rizados (especialmente para treinamento de memória operacional) e
atividades curriculares e extracurriculares têm sido criados para estimular o
desenvolvimento das funções executivas (e.g. Montessori; Cogmed; Tools
of minds; Take 10!®; Arts®; Chicago School Readiness Program, jogos,
treinamento de resistência, exercícios aeróbicos, teatro “mindfulness”, yoga,
artes marciais, etc.). Resultados desses programas de intervenção e atividades
têm se mostrado positivos, mas ao mesmo tempo, parecem também ser
temporalmente limitados e pontuais ou específicos, ficando restritos aos
domínios cognitivos em que o treinamento musical se baseia (e.g. domínios
proximais, como por exemplo para aqueles mediados por habilidades
auditivas) (Diamond & Ling, 2017).
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Diferentemente de todos esses programas, contudo, o estudo da


música na infância parece destacar-se entre os recursos capazes de
200 produzir possíveis incrementos nas funções executivas de forma dura-
doura (Jaschke, Honing, & Scherder, 2018). Aprender e praticar música
depende de uma série de habilidades cognitivas dentre elas as FEs (Okada
& Slevc, 2018) e diversos estudos apontam um efeito positivo dessa
experiência sobre as FEs após um período relativamente curto de tempo
(e.g. com a prática diária ocorrendo durante 8 semanas conforme relatado
por Moreno et al., 2011; com a prática ocorrendo duas vezes por semana
durante 5 semanas como descrito por Mason, 2017; e ainda com a prática
duas vezes por semana durante 6 semanas como relatado por Bugos & De
Marie, 2017). Adicionalmente, tocar um instrumento musical em idade
precoce requer altos níveis de integração sensório-motora, induz a altos
níveis de atenção e a atividade musical de curto prazo engaja os sistemas
atencionais do cérebro, o que dentre outros aspectos, resulta em múltiplos
benefícios cognitivos relacionados a diferentes domínios de aprendi-
zagem¹ (Miendlarzewska & Trost, 2014; Bugos & De Marie, 2017).
Contudo, não se tem claro se o treinamento musical é capaz de promover a
melhoria das habilidades cognitivas necessárias ao funcionamento executivo
do cérebro ou o quanto desta relação depende de fatores diversos como
disposições individuais, habilidades cognitivas diferenciadas e experiências
musicais variadas (Clayton et al., 2018). Pressupõe-se que o treinamento
musical promove o incremento nas funções executivas e isto, por sua vez,
resulte em um melhor desempenho cognitivo (Schellenberg & Weiss,
2013). As FEs podem ser incrementadas tanto na infância como em
qualquer outra etapa de desenvolvimento por meio de diversas abordagens,
então o que se busca saber é o quanto elas podem ser incrementadas, o quão
duradouros são os seus benefícios, além dos determinantes desses aspectos
(Diamond & Ling, 2017). Por exemplo, considera-se o caráter individual
ou em grupo da experiência musical na infância como um fator importante
para a sua eficácia sobre as FEs, muito embora não se tenha um consenso
sobre a quantidade da prática necessária para produzir alterações executivas
ainda que se assuma que práticas mais longas e com maior frequência
resultem em efeitos exponencialmente mais robustos (Bowmer et al.,
2018).
Esses benefícios têm sido demonstrados na infância não apenas para
habilidades executivas, mas também sobre habilidades motoras, cognitivas,
sociais, de linguagem e acadêmicas (Bugos & DeMarie, 2017; Dumont et
al., 2017) e sugerem que a experiência musical possui um potencial extra
para dar suporte aos processos de desenvolvimento e educacionais da
criança.
Um corpo considerável de evidências aponta benefícios produzidos
pelo treinamento musical sobre os três domínios das FEs: (a) a memória
operacional, (b) a flexibilidade cognitiva, e (c) o controle inibitório (ver revisão
em Okada & Slevc, 2018). Este são respectivamente definidos como: (a) a
capacidade de armazenar, atualizar e manipular informações mentais que
perceptualmente não estão presentes durante a execução de uma dada
tarefa relacionada a tais informações; (b) a capacidade de inibir respostas
preponderantes ou automatizadas; e (c) a capacidade de alterar o próprio
Anais

comportamento para adaptar-se às modificações do ambiente por meio de


mudanças e alteração de estratégias e planos de ação (Diamond & Ling,
2016). Uma vez que para saber o que é relevante ou apropriado ou mesmo 201
que comportamento deve ser inibido é preciso manter em mente os
objetivos, a memória operacional fundamenta o controle inibitório. Assim,
ela aumenta a probabilidade desta informação guiar o comportamento e
diminui a probabilidade de ela inibir um comportamento equivocado
(Diamond, 2013). Já a flexibilidade cognitiva, inclui também as funções
executivas de maior complexidade como o planejamento, o raciocínio e a
resolução de problemas, enquanto o controle inibitório por sua vez, inclui o
controle de interferências que depende da inibição cognitiva e da atenção
executiva, e a inibição de respostas que depende do auto-controle e disciplina.
Dentre as FEs, o controle inibitório é mais difícil de ser estabelecido por
crianças pequenas (Diamond, 2013) se comparado as outras FEs. Com base
nesses elementos, vejamos então de que modo o aprendizado musical se
relaciona com o funcionamento executivo.

AS FUNÇÕES EXECUTIVAS NO CONTEXTO DO


APRENDIZADO MUSICAL NA INFÂNCIA
Na medida em que a aprendizagem musical requer a participação dos
principais elementos das FEs, presume-se a sua importância para mediar essas
habilidades, bem como para favorecer o alcance de um comportamento
independente e autorregulado por parte da criança.
Aprender a tocar um instrumento musical requer diversas habilidades
altalmente complexas em termos perceptuais, motores, interoceptivos e
emocionais (Vuilleumier & Trost, 2015). Produzir sons no presente enquanto
a criança recorda-se de suas relações como experiência passada parece
fundamentar as habilidades de atenção e memória observadas em músicos
treinados, o que envolve a coordenação de movimentos corporais e a
percepção auditiva (Bowmer et al., 2018). Em particular, esse processo pro-
move o engajamento de funções cognitivas que permitem à criança recrutar
outras habilidades como pensar adiante, esperar a sua vez, auto-controlar-se
e modificar o seu comportamento de acordo com o requerido no ambiente
musical. Essas habilidades são gradualmente adquiridas durante o processo
de treinamento e aprendizado e estritamente relacionadas ao desenvol-
vimento das funções executivas que ocorre ao longo da infância e segue o
seu curso de desenvolvimento até a adolescência, muito embora algumas
dessas funções só se encontrem completamente maduras no início da idade
adulta (Diamond, 2013).
Em adultos, efeitos positivos do treinamento musical são documentados
sobre as funções executivas em seus três domínios, porém a grande maioria
dos estudos desenvolvidos tem produzido resultados confusos, inconclusivos
e de difícil comparação (Okada & Slevc, 2018; Slevc & Jaeggi, 2019). Em sua
maioria, eles são do tipo correlacionais, empregam diferentes abordagens,
mensuram diferentes aspectos das FEs por meio de testes diversos, com
ausência de grupo controle ou falta de randomização entre os grupos de
comparação, ao mesmo tempo em que utilizam diferentes categorizações
entre músicos e não-músicos para fins de comparação, o que impede inferir
relações de causalidade e realizar generalizações² (Clayton et al., 2016). Além
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

disso, no contexto da averiguação dos efeitos do treinamento musical sobre


as FEs, delineamentos do tipo longitudinais ainda são raros na literatura
202 (Roden et al., 2014). Ao mesmo tempo, a compreensão sobre a relação entre
treinamento musical e as FEs exige considerar como o treinamento musical
na infância se baseia nas habilidades executivas (Okada & Slevc., 2018),
relação ilustrada a seguir, juntamente com as evidências acerca dos efeitos do
aprendizado musical sobre os domínios principais das FEs.

FLEXIBILIDADE COGNITIVA
A atividade musical requer o uso de pensamento flexível por diversas
razões. Se considerarmos a atividade musical feita de forma conjunta como
em grupos ou orquestras, ela exige do indivíduo a habilidade de tocar de
forma coordenada com outros músicos no sentido de atender às orientações
do regente, o que pode incluir dentre outros aspectos, modificações da
performance em termos de andamento, dinâmica, ritmo, expressividade e
interpretação e que por sua vez, requerem o ajuste contínuo da performance
musical.
Nesse contexto, a ação coordenada requer a necessidade para adaptar-se
de forma flexível entre múltiplos fluxos e demandas auditivas (Loehr et al.,
2013) e se ajustar como membro do grupo (Loehr & Plamer, 2011; Moore
& Chen, 2010), o que pode resultar em vantagens em termos de flexibilidade
cognitiva. Os músicos individuais que atuam em conjuntos devem atender
simultaneamente a suas próprias partes e às partes desempenhadas pelos
demais membros do grupo. Para isto, é necessária a alocação de recursos
atencionais com habilidade e flexibilidade entre diferentes fontes sonoras
para o monitoramento de suas próprias partes em relação às outras partes,
assim como o agrupamento dos elementos dessas partes para a obtençao de
toda a textura do conjunto (Keller, 2001).
Evidências a favor da flexibilidade cognitiva associada ao contexto
musical têm sido sido produzidas por estudos que apontam que crianças
submetidas à experiência musical apresentaram maiores taxas de oxigenação
cerebral (BOLD) em regiões do cérebro associadas ao funcionamento
executivo (e.g. córtex pré-frontal ventrolateral; área motora suplementar)
(Nachev, Kennard & Husain, 2008; Nee et al., 2013; Zuk et al., 2014) em
respostas a testes de alternância, comumente utilizados para verificação da
flexibilidade cognitiva, quando comparadas a crianças que não possuem
treinamento musical.

MEMÓRIA OPERACIONAL
Tocar um instrumento exige recordar diversos elementos ao mesmo
tempo, o que requer requer dentre outros aspectos, a memorização da
sequência motora relativa à execução da peça musical, o armazenamento de
informações visuais a partir da leitura de uma partitura por exemplo, a
capacidade do indivíduo prever o que vai ser tocado adiante no sentido de
preparar a sua performance musical (tanto do ponto de vista técnico como
expressivo), a habilidade de realizar a leitura visual com a antecedência de
quatro notas para permitir a boa execução da peça, a habilidade de recordar-
se em termos sonoros das notas musicais e o arranjo que compõem a peça e
a intenção de imprimir à mesma uma vinculação da expressão emocional à
Anais

execução da peça em si. Essas habilidades permitem uma organização e


atualização constante dos conteúdos manipulados pela memória operacional
(Palmer, 2013). Durante a leitura musical em uma partitura, é necessário 203
lembrar o que tocar enquanto se observa quais notas estão surgindo, que
características a música apresenta, o quão rápido é preciso tocar, ou qual o
padrão de batidas da música, etc. O esforço será ainda mais intenso e mais
dependente da memória operacional caso se esteja tocando de memória, sem
o auxílio de partituras. Para isto, o indivíduo terá de lembrar por exemplo de
todas as suas partes na música, quais notas tocar, em que momentos estão as
pausas, qual a sequência motora das notas. Tudo isto exige bastante da
memória, além do que essa atualização que implica em manter a habilidade
simultânea de atenção e visão/leitura está correlacionada com habilidades de
memória operacional não relacionadas ao domínio musical mensuradas por
exemplo, por escores médios obtidos por músicos em testes de operação,
leitura, rotação e matriz de dígitos (Meinz & Hambrick, 2010). Músicos
apresentaram desempenho superior em testes de memória operacional (do
tipo “N-back) com respectivo aumento das taxas de oxigenação cerebral no
córtex pré-frontal e o treinamento musical foi preditivo do desempenho em
tarefas de atualização da memória operacional como memória para letras,
para trilhas e memória espacial (Okada, 2016). No aprendizado musical que
ocorre na infância, a criança vai aprendendo a coordenar essas habilidades
mnemônicas de forma gradativa em grau crescente de complexidade
sensoriomotora. Porém, no que tange à influência do treinamento musical
para a memória operacional verificada para essa fase do desenvolvimento, há
na literatura uma diversidade de estudos que demonstram resultados mistos,
ora indicando desempenho superior para crianças com experiência musical,
ora descrevendo resultados modestos ou ausentes Isto sugere a necessidade
de estudos adicionais para esclarecer os potenciais benefícios da experiência
musical sobre a memória operacional na infância (Dumont et al, 2017).

CONTROLE INIBITÓRIO
Ao tocar música, é necessário o controle dos próprios impulsos.
Músicos precisam saber quando tocar com os seus instrumentos ou vozes
e quando é necessário manter-se em silêncio, esperando o seu momento
para tocar. Desta forma, naturalmente, espera-se que o treinamento musi-
cal promova vantagens do ponto de vista do controle inibitório (Okada
& Slevc, 2018) que em geral é avaliado por meio de tarefas que envolvem
conflitos cognitivos. Além dos aspectos relativos à atenção sustentada e a
alternância da atenção no sentido de ajustar aquilo que se está tocando em
relação ao que está sendo tocado por outros indivíduos em uma atividade
coletiva (Jentzsch, Mkrtchian & Kansal, 2014), o contexto musical
demanda atenção e exercício do controle inibitório para monitorar
conflitos e controlar a própria performance (Palmer, 2013). Foi demons-
trado por exemplo (por Vuust et al., 2006; 2011), que o controle inibitório
é induzido ao se escutar e acompanhar ritmos complexos com uma mão
enquanto marca-se o tempo com a outra mão, o que resultou na ativação
de áreas cerebrais (área 47 de Broodman e córtex cingulado anterior) que
são associadas a este tipo de controle e ao monitoramento de conflitos.
Nessa linha, há evidências de menores efeitos de interferência em testes
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

clássicos de conflito que envolvem controle inibitório para músicos (e.g. teste
de Stroop e teste de setas de Simon) quando comparados ao desempenho de
204 indivíduos sem treinamento musical (Bialystok & DePape, 2009), além de
melhor desempenho em teste de controle inibitório (e.g. stop-signal teste)
também realizados por músicos comparados a não-músicos (Strait et al.,
2010; Moreno & Bidelman, 2013). Assim, em adultos, o treinamento
musical mostrou-se como preditivo de altos níveis de controle inibitório em
músicos (Jäncke, 2009).
Crianças que participaram de treinamento musical, ou de um programa de
artes ou simplesmente não participaram de nenhum tipo de programa,
diferiram quanto ao desempenho apresentado em testes de controle inibi-
tório. Desempenho superior foi verificado para as primeiras em detrimento
das demais em tarefas de conflito utilizadas para mensuração da habilidade de
planejamento, coeficiente de inteligência verbal e tarefas de inibição (Jaschke
et al., 2018). Resultado similar foi encontrado anteriormente por Moreno e
cols. (2011), em crianças de 5 anos, em testes de inteligência verbal e em
tarefas de conflito habilidade verbal após 20 dias de treinamento musical,
quando comparadas a outro grupo de crianças que participaram de um
programa de artes. Sachs et al. (2017), não encontraram diferenças comporta-
mentais em tarefas de FEs, porém, utilizando ressonância magnética
funcional (fMRI) observaram que crianças com 2 anos de treinamento
musical ou prática de esporte apresentaram maiores taxas de ativação em
regiões cerebrais associadas ao processamento de conflitos. Esses resultados
sugerem que atividades extracurriculares e em especial, o treinamento
musical, é potencialmente associado com modificações nas redes neurais de
controle cognitivo no cérebro. Foi demonstrado ainda que habilidades como
planejamento, inibição e memória operacional, que estão relacionadas às FEs,
são igualmente recrutadas em nível cerebral tanto quando se toca música
quanto se busca resolver problemas aritméticos (Zuk et al., 2015). Outro
estudo, um dos raros do tipo longitudinal, demonstrou que crianças que
participaram durante dois ou três anos de treinamentos musicais individuais
e em grandes grupos de orquestra apresentaram um desempenho superior em
testes padronizados de FEs quando comparadas às crianças do grupo controle.
Diferenças no desempenho foram verificadas também para crianças que
participaram do programa de treinamento musical durante apenas 1 ano
(Holochwost, et al., 2017).
De modo geral, em que pesem as limitações metodológicas dos estudos
acerca dos efeitos positivos do treinamento musical sobre as FEs, que têm
produzido resultados de difícil comparação face à disparidade de medidas
das FEs utilizadas, extensão e tipo de treinamento musical administrado
(Okada & Slevc, 2018), mais recentemente, esses estudos tem recebido
suporte adicional de resultados baseados em técnicas de neuroimagem
funcional. Estes documentam alterações plásticas em estruturas do sistema
nervoso relacionadas ao funcionamento executivo em crianças e adultos
submetidos ao aprendizado de um instrumento musical, tais como o
aumento da espessura cortical observada em áreas motoras e no córtex pré-
frontal dorsolateral e no córtex orbitofrontal – (Hudziak et al., 2014), e em
regiões do giro frontal relacionadas às habilidades aprendidas durante o
treinamento instrumental (e.g. como movimentos finos independentes em
Anais

ambas as mãos), dentre outros (Sluming et al., 2002). A plasticidade ocorre


em regiões cerebrais que possuem controle primário sobre as funções
musicais ou em regiões de integração multimodal para essas habilidades que 205
possivelmente, mediam efeitos de transferência da música para domínios não-
musicais (e.g. memória verbal, habilidades de pronúncia em um segundo
idioma, habilidades de leitura e funções executivas). Em crianças esses
efeitos perduram até a adolescência e se correlacionam com a intensidade e
a duração da prática instrumental (Miendlarzewska & Trost, 2014).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tocar ou praticar música permite a construção de várias habilidades e na
infância, essas são habilidades-chave para fundamentar outros processos
cognitivos e competências sócio-emocionais. Essa experiência envolve o
controle consciente do pensamento, da ação e da emoção (Zelazo, 2004,
2012), aspecto extremamente importante para situações de aprendizagem, já
que o caráter emocional ou da gratificação inerente a uma tarefa é capaz de
modelar situações de aprendizagem e esta é melhor estabelecida em contextos
motivacionais agradáveis, ou seja, em um contexto permeado pela emoção e
motivação (Diamond e Ling , 2013). Nesse contexto, o treinamento musical
constitui uma ferramenta promissora para incrementar as FEs enquanto um
programa agradável de treinamento ecologicamente validado. A experiência
musical na infância pode funcionar como um elo de integração entre aspectos
cognitivos e emocionais das crianças e favorecer a sua socialização face à
emocionalidade associada à música.
Finalmente, o aprendizado musical reflete uma experiência multis-sensorial
promissora para dar suporte às das funções executivas que são reconhe-
cidamente importantes para o processo de desenvolvimento infantil e para o
ajuste na vida adulta. A continuidade dessa experiência multissensorial exerce
efeitos significativos na plasticidade cerebral a curto e longo prazo (Herholz &
Zatorre, 2012) e pode representar uma importante fonte de prazer e de
realização humana ao longo da vida.

Notas
1 Têm sido demonstrados impactos positivos do treinamento musical para “domínios proximais”,
aqueles relacionados aos aspectos musicais e mediados principalmente pelo sistema auditivo. Porém,
há um corpo crescente de evidências documentando esses impactos também para domínios distais,
relacionados a habilidades cognitivas gerais, não associadas aos aspectos musicais (Schellenberg &
Winner, 2011; Burgos & De Marie, 2017. Para revisão, ver Nunes-Silva, Tavares & Vanzella, no prelo).
2 Para revisão ver Okada & Slevc, 2018; Okada & Slevc 2019; e Dumont, Syurina, Feron & van
Hooren, 2017.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

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Anais

Mapeamento de amusia em grupo de adultos por


meio de testes de cognição 209
Luciane Cuervo, Graham Frederick Welch, Marcelo de Oliveira Dias,
1 2 3

Laura Uberti Mallmann,4 Gabriela Peretti Wagner,5


Márcia Salgado Machado,6
1,3
Departamento de Música, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
2
Institute of Education, University College London, Reino Unido
4,5,6
Programa de Pós-Graduação em Psicologia e Saúde, Universidade Federal de
Ciências da Saúde de Porto Alegre, Brasil
1
luciane.cuervo@ufrgs.br, 2welch@ioe.ac.uk, 3diasmusiarte@gmail.com,
4
lauraumallmann@gmail.com, 5gabrielapwagner@gmail.com,
6
fgamarciasm@gmail.com

Resumo
Este trabalho apresenta um recorte de um projeto de pesquisa maior, relativo ao contexto de
práticas musicais de pessoas com amusia, cuja implementação envolve pesquisadores das áreas de
Música, Psicologia e Fonoaudiologia. O projeto é coordenado pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul em parceria com a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e
University College London, de Londres. O foco desta exposição concentra-se no detalhamento
de pré-testes de cognição que antecederam uma oficina de música para indivíduos adultos no
formato de intervenção de curta duração, com periodicidade semanal durante 4 meses, direcionada
a adultos de 18 a 65 anos não músicos. O objetivo geral do projeto é verificar os usos e funções das
novas tecnologias digitais nas práticas musicais de pessoas com amusia, e dentre os específicos,
mapear a ocorrência da amusia entre os participantes, bem como realizar uma investigação num
prisma interdisciplinar.
Palavras-chave: cognição musical; educação musical; MBEA.
Abstract
This paper presents a part of a larger research project, concerning the context of musical practices
of people with amusia, whose implementation involves researchers from the fields of Music,
Neuropsychology and Speech Therapy. The project is coordinated by the Universidade Federal
do Rio Grande do Sul in partnership with the Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto
Alegre and University College London of London. The focus of this study is on the detailing of
cognition pre-tests that preceded a music workshop for adult individuals in the weekly short-term
for 4 months intervention format directed at non-musician adults 18 to 65 years of age. The
overall objective of the project is to verify the uses and functions of new digital technologies in
the musical practices of people with electronic music, and among those that are used, to map an
occurrence of music among participants, as well as to conduct an investigation in an
interdisciplinary perspective.
Keywords: music cognition; music education; MBEA.

INTRODUÇÃO
Este trabalho apresenta um recorte de um projeto de pesquisa maior,
relativo ao contexto de práticas musicais de pessoas com amusia, cuja
implementação envolve pesquisadores das áreas de música, neuropsicologia
e fonoaudiologia de duas universidades brasileiras e uma britânica. O foco
desta exposição concentra-se no detalhamento do planejamento de pré-
testes de cognição que antecedem uma oficina de música para indivíduos
adultos no formato de intervenção de curta duração. Embora o projeto se
interesse em mapear pessoas com amusia, não foi considerado um fator de
exclusão a não identificação do distúrbio nos participantes.
A amusia consiste em uma disfunção ligada ao processamento musical
no cérebro, aos aspectos da percepção do ritmo ou da melodia ou
execução musical e, com menos frequência, somados a dificuldades de
leitura ou grafia musical. Pode ser adquirida por lesão ou de ser natureza
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

congênita, e manifestar-se nos aspectos perceptivos ou receptivos, assim


como na combinação deles (Perezt et al., 2002). Para sua identificação, foi
210 elencada a Montreal Battery of Evaluation of Amusia - MBEA (Perezt et al.,
2002), uma bateria de testes integrada pela análise de seis componentes:
escala, contorno, intervalo, o ritmo, métrica e memória musical. Essa
bateria se limita a contemplar aspectos perceptivos do participante, ou
seja, consiste num teste de discriminação auditiva.
Neste projeto foi selecionada a sua versão reduzida e adaptada ao
contexto brasileiro (Nunes-Silva et al., 2012). De acordo com Nunes-Silva
et al. (2010) a base da MBEA foi construída a partir do modelo cognitivo-
neuropsicológico do processamento musical de Peretz, Champod e Hyde
(2003), cujo conteúdo esquematiza o processo de reconhecimento da
música, de acordo com a figura 1.

Figura 1. Modelo cognitivo-neuropsicológico do processamento musical, adaptado de


Peretz, Champod & Hyde (2003) por Nunes-Silva, Loureiro & Haase (2010, p.212).

A versão reduzida possui previsão aproximada de 1h de duração. Aliados


à MBEA foram somados outros testes de natureza neuropsicológica e
formulários sobre histórico de musicalidade, de modo a enriquecer os dados
coletados, somando mais 1h de duração, totalizando 2h para cada participante.
Os próprios autores da bateria de identificação da amusia mencionam
aspectos de suas limitações, sugerindo a adição de outros mecanismos para a
avaliação de componentes não abarcados pela MBEA, como por exemplo,
aspectos emocionais (Peretz et al., 2003). Em sua revisão crítica do teste em
diferentes formatos, Pfeifer e Hamann (2015) também alertam para a
necessidade de somar outros mecanismos e analisá-los de modo contex-
tualizado.
É possível afirmar que a quantidade de trabalhos na área de educação
musical, psicologia da música e musicoterapia que se utilizem do emprego
das Novas Tecnologias Digitais (NTD) é tímida no que concerne à
investigação sobre dificuldades de execução e percepção musical, problemas
vocais e desafinação. Um dos estudos foi realizado na Inglaterra (Anderson,
Himonides, Wise, Welch & Stewart, 2012) e buscou investigar a trajetória
Anais

de cinco cantores com amusia. Na oficina realizada por experiente profis-


sional do ensino de canto, foi utilizado o software Computer Pitch Matching
Task (CPM) para a tarefa de “combinação de alturas no computador”, entre 211
outros recursos, com a qual os sujeitos de pesquisa se envolviam ativamente
na organização de alturas, mas sem a exigência do uso da voz. Os participantes
foram orientados a usar duas teclas do teclado de um computador, primeiro
para um jogo de tiro ao alvo com tons, e então um tom de comparação,
apresentado por meio de fones de ouvido.

CHAMAMENTO DE VOLUNTÁRIOS E COMPOSIÇÃO DO


GRUPO DE PARTICIPANTES
A coleta de dados entre indivíduos adultos com idades entre 18 e 65 anos
está prevista para ocorrer em três etapas: 1) Pré-intervenção: a inscrição
prévia mediante aceite do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que
se dá também no preenchimento de formulário on-line (Google Forms) de
dados sobre a saúde e o histórico de musicalidade do participante, somada
aos testes realizados, de fluência verbal de abrangência semântica e
fonológica, de inteligência e raciocínio e de cognição musical receptiva para
identificação de amusia; 2) Intervenção: uma oficina de música com duração
de 16 encontros presenciais e previsão de atividades correspondentes à
mesma carga horária à distância, na qual serão realizadas avaliações vocais
sobre afinação, classificação vocal, percepção musical, entre outros elementos;
3) Pós-intervenção: retomada dos mesmos testes realizados previamente à
oficina, de modo a compreender aspectos que possam ter sido positivamente
influenciados pelas práticas musicais propostas na intervenção.
Este texto procura delinear o planejamento da etapa 1 de coleta de dados,
concernente à realização de baterias de testes referidos anteriormente a partir
do chamamento e pré-seleção de participantes voluntários. O chamamento
da oficina buscou atrair pessoas iniciantes, sem prática musical, e
preferencialmente que se achassem “desafinadas”, com dificuldades para a
música. Essa foi uma tentativa de aumentar as chances de se encontrar
pessoas portadoras de amusia, visto que o índice médio encontrado nas
populações investigadas tem sido entre 2,5% (Sacks, 2007) e 4% (Peretz et
al., 2002). O texto da chamada de participantes voluntários também buscou
um tom informal, acolhedor, de modo a cativar pessoas que atendessem ao
perfil almejado, acompanhado de um cartaz. A procura foi tão imediata que,
em menos de 48 horas, as vagas já haviam sido preenchidas, tornando
desnecessária a impressão dos materiais, os quais somente circularam em seu
formato virtual.
Jovens e adultos de Porto Alegre ou região, que nunca
estudaram música, mas sonham em praticá-la com especialistas,
fiquem atentxs!
- Se você se acha desafinado, ou que "não tem ouvido para a
música", mas adora cantar e ouvir música...
- Se você tem curiosidade sobre a linguagem musical, mas
não teve a chance de explorá-la...
- Se você tem desejo de conhecer como anda a sua saúde
auditiva, vocal e cognição...
- Se você está disposto(a) a praticar música por umas 5h
semanais envolvendo cantar, ouvir, se exercitar com
aplicativos e exercícios orientados em casa...
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Inscreva-se nesta oficina gratuita!


Ela acontecerá sábado pela manhã, de agosto a dezembro de
2019!
212 Informações e pré-inscrições pelo e-mail
laboratoriomusicalidade@gmail.com
Vagas limitadas!

(Mensagem publicada nas redes sociais de membros da equipe,


assim como enviada por aplicativos de mensagens instantâneas,
como Whatsapp).

Figura 2. Flyer virtual de divulgação e chamada de participantes voluntários para a oficina


de música. Arte de Thamires Stecker (2019).

Houve diferenças de números de participantes após aplicados os critérios


de exclusão, bem como a ocorrência de fatores externos ao projeto, como
disponibilidade de tempo dos interessados para os agendamentos. Assim,
para as 40 vagas previstas, 98 pessoas escreveram ao e-mail do projeto
manifestando interesse nos dois dias seguintes e dessas, 64 preencheram
efetivamente o formulário online de inscrição, considerando também o
TCLE. Após agendamento, 44 pessoas realizaram as baterias de avaliação
previstas e 42 participantes iniciaram o projeto. Em termos de participação,
foi combinado que a falta não justificada de 2 encontros seguidos ou 3
alternados causa o desligamento do projeto. Desses participantes, ainda está
sendo realizado o mapeamento de portadores de amusia, considerando o
cruzamento das diferentes fontes de coleta de dados.
De acordo com a perspectiva defendida nesse projeto, a amusia não é
considerado como um distúrbio incapacitante para a música, embora o “a”
Anais

seja um prefixo normalmente associado à negação. Uma pessoa com amusia,


mesmo em graus acentuados, pode não ser destituída de musicalidade (Cuervo
& Maffioletti, 2015). Nessa linha de pensamento, a intervenção de curta 213
duração consiste numa ação includente, a qual busca integrar os participantes
independentemente de sua experiência musical, sendo priorizada, aliás, o perfil
de pessoas sem experiência com a música.

TESTES PREVISTOS – PLANEJAMENTO E EXECUÇÃO


Considerando a equipe multidisciplinar formada para a realização do
projeto, foi almejada uma investigação que contemplasse aspectos distintos
das três principais áreas envolvidas: música, neuropsicologia e fonoaudio-
logia. Neste sentido, cada subgrupo de pesquisadores delineou aspectos que
julga pertinentes para o seu recorte, configurando a sua coleta de dados para
trabalhos no âmbito de graduação, iniciação científica e pós-graduação. O
projeto de mestrado de Laura Malmann, orientado pela professora Gabriela
Wagner (UFCSPA) e co-orientado pelas professoras Luciane Cuervo (UFRGS)
e Márcia Machado (UFCSPA), busca mensurar, identificar e compreender o
impacto da intervenção (oficina de música) na cognição dos seus partici-
pantes, a partir da realização de baterias de testes realizadas anterior e poste-
riormente a esse procedimento. Em seu planejamento piloto, foram
pesquisados e propostos os seguintes procedimentos (nas Baterias de Avalia-
ção e Reavaliação – 1º e 3º momento):
Questionário de dados sócio-demográficos e culturais: composto de um
questionário contendo informações sócio-demográficas (idade, sexo, etc.),
culturais (escolaridade, frequência de leitura e de escrita, educação/
experiência musical, etc.) e de saúde. Será aplicado na fase das avaliações pré-
oficinas musicais.
- Inspeção do meato acústico externo (MAE): a inspeção do MAE é
realizada através da introdução de um otoscópio no canal auditivo externo,
de forma indolor, com o objetivo de observar possíveis obstruções que
possam interferir nas avaliações auditivas consecutivas.
- Questionário de dados sócio-demográficos e culturais: composto de um ques-
tionário contendo informações sócio-demográficas (idade, sexo, etc.), culturais
(escolaridade, frequência de leitura e de escrita, educação/ experiência musical,
etc.) e de saúde. Será aplicado na fase das avaliações pré-oficinas musicais.
- Audiometria tonal liminar: avaliação realizada em cabine auditiva
acusticamente tratada, no qual o paciente responde cada vez que perceber
estímulos acústicos previamente apresentados. Serão testadas as frequências
(Hertz - Hz) de 250, 500, 1000, 2000, 3000, 4000, 6000 e 8000, bilateral-
mente, por via aérea, utilizando-se fones supra-aurais. Será realizada também
a testagem por via óssea nos casos de limiares auditivos por via aérea a partir
de 20 dB (nível de audição), utilizando um vibrador ósseo, testando-se as
frequências (Hz) de 500, 1000, 2000, 3000 e 4000 (Momensohn et al., 2011).
- Limiar de reconhecimento de fala: realizado em cabine auditiva acusti-
camente tratada, após a realização completa da audiometria tonal limiar.
Nessa avaliação, o participante deve repetir uma lista de palavras — ditadas
pelo avaliador — até alcançar o mínimo nível de audibilidade possível para
compreendê-las. O objetivo é investigar o limiar de reconhecimento de fala
através da repetição de trissílabos e polissílabos (Russo et al., 2011).
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

- Timpanometria: consiste em medir de maneira objetiva o volume de ar


da orelha média e a impedância do sistema tímpano-ossicular, através de
214 introdução de pressão de ar concomitante à pressão sonora no meato
acústico externo. Nessa avaliação, o participante não necessita emitir
resposta ao avaliador, com relação aos estímulos que estiver percebendo. O
exame é realizado através da colocação de uma sonda emborrachada no
meato acústico externo, por onde serão emitidos som e pressão de ar (Russo
et al., 2011).
- Pesquisa dos reflexos acústicos: consiste em medir de maneira objetiva
a resposta reflexa do músculo estapédio, através da emissão de tons puros
nas frequências (Hz) de 500, 1000, 2000 e 4000. Nessa avaliação, o
participante não necessita emitir resposta ao avaliador, com relação aos
estímulos que estiver percebendo. O exame é realizado através da colo-
cação de uma sonda emborrachada no meato acústico externo, em uma
orelha, e fone supra-aural na orelha contralateral, por onde serão emitidos
sons em intensidades que possam desencadear o reflexo (Russo et al.,
2011).
- Teste de padrão de frequência (Pitch Pattern Sequence - PPS): o teste de
padrão de frequência avalia a habilidade auditiva de ordenação temporal
através da apresentação de 60 sequências de três estímulos sonoros que se
diferenciam entre si pela frequência, na qual a baixa tem 880 Hz e a alta
tem 1122 Hz. Esse teste possui duas etapas: a primeira é a etapa de
murmúrio, na qual o participante deve imitar/murmurar a sequência que
ouvir; após 30 imitações, a segunda etapa é a fase de nomeação, na qual o
paciente deve nomear a sequência (Auditec, 1997).
- Teste de padrão de duração (Duration Pattern Sequence - DPS): o teste
de padrão de duração avalia a habilidade auditiva de ordenação temporal
através da apresentação de 60 sequências de três estímulos sonoros que se
diferenciam entre si pelo tempo, no qual o curto tem 250 ms e o longo
tem 500 ms. Esse teste possui duas etapas: a primeira é a etapa de
murmúrio, na qual o participante deve imitar/murmurar a sequência que
ouvir; após 30 imitações, a segunda etapa é a fase de nomeação, na qual o
paciente deve nomear a sequência (Auditec, 1997).
- Teste de detecção de intervalos - Random Gap Detection Test (RGDT):
consiste em nove pares de tons puros nas frequências de 500Hz, 1.000Hz,
2.000Hz e 4.000 Hz, com intervalos entre dois tons que variam de 2 a 40
ms em ordem aleatória, e um estímulo sem intervalo. O indivíduo será
instruído a responder gestualmente se ouve um ou dois tons, na condição
binaural. Será verificado o menor intervalo a partir do qual o indivíduo
passou a identificar sempre dois tons. A análise se dará por meio da média
das quatro frequências do teste (Keith, 2000).
- Bateria Montreal de Avaliação para Amusia - versão reduzida e adaptada
para o Brasil (Montreal Battery of Evaluation of Amusia – MBEA): essa
avaliação consiste em seis subtestes: três de organização melódica (para avaliar
escala, contorno e intervalos), dois de organização temporal (para avaliar
ritmo e métrica) e um de memória melódica (memória musical). Cada teste
possui uma folha-resposta para assinalar a resposta correta. Durante o teste de
organização melódica é requerido ao paciente que julgue se a melodia alvo e
a melodia de comparação são iguais ou diferentes. Durante o teste de
Anais

organização temporal, que consiste em duas etapas: na escuta da modificação


rítmica é requerido ao paciente que julgue se a melodia alvo e a melodia de
comparação são iguais ou diferentes; no teste métrico, pede-se ao paciente 215
que julgue se a melodia é marcha ou valsa. No teste de memória melódica, o
participante deve responder “sim” se reconhece a melodia apresentada ante-
riormente, ou “não”, se a melodia apresentada for nova (Peretz, Champod, &
Hyde, 2003; Nunes-Silva et al., 2010; Nunes-Silva & Haase, 2012; Ferreira
& Ikuta, 2015).
- Fluência Verbal: esse teste consiste em solicitar que o participante fale
o maior número de palavras relacionadas com o assunto proposto. Esse
teste é feito em três partes (Fluência Verbal Livre - FVL, Fluência Verbal
Fonêmica – FVF e Fluência Verbal Semântica – FVS). Na primeira parte,
solicita-se que o participante fale o maior número de palavras que puder,
dentro de dois minutos e trinta segundos. Na segunda parte, solicita-se
que o participante diga o maior número de palavras iniciadas com a letra
P, dentro de dois minutos. E a terceira parte, solicita-se que o participante
diga o maior número de palavras, em dois minutos, relacionadas a cate-
goria de “roupas e vestimentas”. Essas tarefas irão avaliar tanto as funções
linguísticas como funções executivas e memória (através da memória
semântica), fundamentados em Zimmermann & Fonseca, 2017.
- Geração Aleatória de Números: essa tarefa consiste em solicitar ao
participante que evoque números de 1 a 10 de forma aleatória (ou seja,
sem realizar sequências diretas entre eles), cada vez que ouvir um sinal
sonoro. A testagem é dividida em duas partes. Na primeira, o participante
deve realizar a tarefa ouvindo os sinais sonoros com dois segundos de
intervalo entre eles. Nesse caso, a pessoa terá dois segundos entre as evo-
cações numéricas. A segunda parte será realizada de forma idêntica a
primeira no que diz respeito à execução da tarefa, no entanto, o partici-
pante ouvirá os sinais sonoros com um segundo de intervalo entre eles. A
testagem através da Geração Aleatória de Números (GAN) avaliará o
processamento mental aritmético, a memória de trabalho e as funções
executivas (Fonseca & Zimmermann, 2017).
- G36 - Teste não verbal de inteligência: essa tarefa consiste em solicitar ao
participante que analise com cuidado 36 problemas de raciocínio matricial
que estão dispostos em um caderno, sendo uma página para cada problema.
Em cada página, há um quadro com uma sequência de figuras no qual o
participante deve procurar compreender a lógica utilizada na sequência e
escolher a última figura que irá completar o quadro. A resposta é feita através
de múltipla escolha de seis alternativas, onde uma figura/resposta está
correta. Esse teste avaliará as capacidades intelectuais do participantes através
da: compreensão de relação de identidade simples e de relação de identidade
mais raciocínio por analogia; raciocínio por analogia envolvendo mudança
de posição; raciocínio por analogia de tipo numérico, adição e/ou subtração;
raciocínio por analogia de tipo numérico envolvendo mudança de posição,
adição e subtração; e raciocínio por analogia de tipo espacial (Boccalandro,
2003).
No contexto referido, o somatório de testes mostrou-se, embora
enriquecedores de dados a serem coletados, inviável no que diz respeito à
logística e fatores como tempo, recursos materiais e humanos. Assim, após
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

aprofundados estudos e debates entre a equipe, foram reduzidas as baterias


almejadas, tendo otimizado ao máximo a natureza dos dados a serem
216 coletados e visando aperfeiçoar o diálogo entre a pesquisa experimental
quantitativa e a natureza qualitativa dos dados. A partir dessa perspectiva,
foram então selecionados: Fluência Verbal, Geração Aleatória de Números,
G36 e a MBEA, pois seriam ainda somados a outros tipos de coletas, como
os referidos formulários de preenchimento pelos participantes, além de
avaliações realizadas ao longo da intervenção.
A diferença entre os testes estudados no planejamento daqueles selecio-
nados denota a necessária flexibilidade adaptativa ligada ao contexto da coleta
de dados. A complementaridade possibilitada pela reunião das modalidades
qualitativa e quantitativa gera um terceiro caminho, chamado método quali-
quantitativa ou misto (mixed method em inglês). Como explicam Creswell e
Clark (2011), este modelo integrador de ambas as modalidades origina-se das
ciências sociais e vem constantemente sendo aperfeiçoado a fim de contem-
plar especificidades deste delineamento metodológico.
Wisdom e Creswell (2013) refletem sobre as vantagens da pesquisa quali-
quanti, como a possibilidade de comparar dados de distintas categorias,
elucidando elementos contraditórios de resultados de coletas de dados mistos,
além de refletir o posicionamento dos participantes de uma maneira mais
ampla e contextualizada (Winsdom & Creswell, 2013). Esse ponto de vista
defende a necessária condição de flexibilidade metodológica e a capacidade
de adaptação para diferentes desenhos de pesquisa, suscitando um conjunto
de dados qualificado e abrangente. Os autores alertam, no entanto, para as
limitações deste tipo de pesquisa, pois ele aumenta a complexidade das
avaliações e pode, com isso, criar alguns obstáculos e divergências entre o
planejamento e à condução efetiva.
Day et al. (2008) defendem que a pesquisa quali-quantitativa possui
como principal benefício a possibilidade de abrir a uma “terceira via”,
abordando de uma forma a contemplar a complexidade dos fenômenos
estudados. Para eles, o método misto possibilita hipóteses e conceituações
novas, gerando argumentação inédita acerca de um tema ou mesmo a
descoberta de novos conceitos sobre assuntos já estudados.
Cabe dizer ainda que a intervenção prevê filmagem constante das
atividades realizadas, registros em diários de campo pela equipe, além de
avaliações individualizadas que são direcionadas a aspectos da cognição
musical de cada participante.

CONCLUSÃO
O presente trabalho, um recorte de um projeto de pesquisa interdis-
ciplinar com previsão de ocorrência de 2015 a 2021, foca e problematiza o
planejamento e a efetivação de procedimentos metodológicos referentes à
etapa pré-intervenção. Discute os necessários ajustes que devem ser realizados
à luz dos estudos teóricos, visto a adaptação e viabilização que deve ser
priorizada diante do contexto real de uma pesquisa de natureza interdis-
ciplinar.
A grande quantidade de dados e a complexidade de sua natureza foram
consideradas como um elemento tão enriquecedor quanto desafiador na
referida etapa. Também se faz necessário não somente o aperfeiçoamento
Anais

dos procedimentos de coleta, como também de sua análise, considerando


a totalidade dos dados, sem desprezar suas especificidades. Para isso, é
fundamental o trabalho articulado de uma equipe multidisciplinar e o 217
rigor científico que, embora não seja infalível e não esteja em busca de
verdades absolutas, estrutura o trabalho proposto.

Agradecimentos
Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio
Grande do Sul (FAPERGS), a qual, através da premiação à tese de
doutorado de Luciane Cuervo, financiou a aquisição de recursos materiais
para esta pesquisa. Agradecemos às Pró-Reitoria de Extensão e de
Pesquisa da UFRGS e à Secretaria de Educação à Distância (SEAD/
UFRGS).

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data collection and analysis while studying patient-centered medical home models.
Rockville, MD: Agency for Healthcare Research and Quality.
Anais

MAIO 30 | May 30
SESSÃO L7
Comunicações Orais | Oral Presentations
219

SALA 3, 14h
Coordenadora da sessão | Session Chair: Regina Antunes T. dos Santos

14:00
Leitura musical e sua relação com pensamento simbólico e
metacognição
Deyse Dayane Schultz, Guilherme Ballande Romanelli

14:30
A iniciação musical da criança pelo ensino coletivo de piano:
considerações psicopedagógicas
Ana Lucia Iara Gaborim-Moreira, Vanessa Araújo da Silva, Luciana
Cavalcanti Borges Mendes, Patrícia Kettenhuber de Lima

15:00
Ensino coletivo de flauta doce:
Registros de uma experiência no Projeto Muca
Amarandes Rodrigues Junior
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Leitura musical e sua relação com pensamento


220 simbólico e metacognição
Deyse Dayane Schultz,1 Guilherme Gabriel Ballande Romanelli 2
1
Universidade Federal do Paraná (UFPR), Brasil
2
Departamento de Teoria e Prática de ensino, UFPR, Brasil
1
deyseschultz@ufpr.br, 2guilhermeromanelli@ufpr.br

Resumo
O objetivo deste artigo é lançar novas perspectivas para a área da educação musical ao investigar
a relação entre leitura musical, pensamento simbólico e metacognição. A notação musical é
compreendida neste estudo como um sistema de símbolos que sub-rogam objetos e ideias sonoras,
e a leitura musical, portanto, é o procedimento que decodifica em um nível cognitivo essas
relações simbólicas. Contudo, a experiência da leitura não se limita a eventos cognitivos, mas
engloba processos metacognitivos como planejamento, monitoramento e avaliação. Por meio de
revisão de literatura espera-se com esta pesquisa que reflexões sejam estimuladas ampliando o
repertório de práticas pedagógicas efetivas no campo da leitura musical. Apresentam-se duas
tabelas desenvolvidas por Schraw (1998), denominadas de Matriz de Avaliação Estratégica e
Checklist Regulatório, com adaptações para a área musical, pois, apesar da leitura ser um tema de
ordem primária em música e tendo em vista sua presença abundante em termos de prática no meio
musical, no que tange às pesquisas que a envolvem, ela passa para uma dimensão de quase
invisibilidade. Portanto, a proposta deste estudo implica em um novo olhar para com o ensino da
leitura musical uma vez que ela é compreendida como uma forma emancipatória de se relacionar
com a música.
Palavras-chave: leitura musical, pensamento simbólico, metacognição, práticas pedagógicas.

Abstract
The purpose of this article is to launch new perspectives for the area of music education by
investigating the relationship between musical reading, symbolic thinking and metacognition.
Musical notation is a system of symbols that replace objects and sound ideas for signs, thus, the
musical reading decodes on a cognitive level such symbolic relationships. However, the reading
experience is not limited to cognitive processes but encompass tasks such as planning, monitoring
and evaluation, assuming, therefore, a metacognitive character. Through a literature review, it is
possible that the reflexes are amplified as possibilities of effective pedagogical practices in the field
of musical reading. Although it is a theme of primary order in music is still underestimated in
relation to the researches that involve the theme. Perhaps by its abundant presence in terms of
practice in the musical environment, the didatic issues that involve your teaching pass into a
dimension of invisibility. Thus, the present study presents two tables developed by Schraw with
suggestions for applying to musical educational practices: strategy evaluation matrix and
regulatory check-list, these proposals imply a new way of looking at the teaching of musical
reading, since reading is understood as an emancipatory way of relating to music.
Keywords: musical reading, symbolic thinking, metacognition, educational practices.

INTRODUÇÃO
A música habita uma área que permite conexões com diversos campos do
conhecimento possibilitando relacionar, como nesta pesquisa, leitura
musical à ideia de pensamento simbólico e metacognição. A priori, faz-se
necessário pensar sobre a notação musical e como ela aparece na história da
música como uma ferramenta indispensável de auxílio à cognição, tendo em
vista o caráter limitado do aparato cognitivo humano, isso significa que sem
ela algumas tarefas musicais como a composição de obras complexas, seriam
hercúleas ou sobre-humanas. A notação viabilizou a materialização de algo
muito efêmero e abstrato que são os objetos musicais, escrever os sons
permitiu que a música de muitos séculos não se perdesse e graças a ela
atualmente tem-se registros de notação de cerca de 500 a. C. Refletir sobre
Anais

a história da grafia musical ocidental mostra como a notação assumiu um


status de relevância dentro do cenário musical, outorgando àqueles que
possuíam a habilidade de ler e transcrever sons para o papel uma notoriedade 221
que até os dias atuais é valorizada, mas muito mais do que status ou o
sentimento de pertencimento à classe de músicos, a leitura musical permitiu
uma relação autônoma do indivíduo com a música.
Este estudo irá tratar da notação musical segundo o sistema leibniziano de
pensamento simbólico compreendendo a função dos signos e suas relações,
para em seguida investigar, por meio dos estudos em metacognição, as
funções metacognitivas envolvidas na leitura musical. Por fim, apresentam-
se, baseados em Schraw (1998) meios de se desenvolver a metacognição e
como esses e como eles podem auxiliar no desenvolvimento da leitura
musical.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE LEITURA MUSICAL


Do século IX ao século XII os músicos utilizavam-se de um sistema de
escrita denominado neumático onde símbolos colocados sobre um texto
do canto gregoriano, surgiu como um bálsamo para a memória dos
jovens que levavam anos para aprender e memorizar os cantos de forma
oral. Foi somente no século XI que o monge Guido D’arezzo consolidou
o sistema de quatro linhas que no século seguinte teria substituído quase
toda a notação neumática (Viret, 2015). Guido também foi o responsável
pelo sistema de solmização que serviu de base para os modelos de dó fixo
e dó móvel que ainda estão em vigor. Goldemberg (2000) afirma que
muitos métodos surgiram como sucessores, dentre eles o método sol-fá de
Curwen (1847-1916) em meados do século XIX, e desse descendeu o
método de Zoltan Kodály (1882-1967) um dos mais reconhecidos do
mundo.
No século XX uma nova onde de compositores como Stravinsky (1882-
1971), Debussy (1862-1918), Satie (1866-1925) que compunham música
nova, mas se utilizando de notação tradicional; mais tarde Schoenberg
(1874-1951) com o dodecafonismo e mais além John Cage, trouxeram ao
mundo uma nova forma de compor mesclando microtonalismo, modalismo,
modificação de instrumentação e orquestração com a implantação de
instrumentos atípicos, ruídos e sons ambiente às composições. Desta forma,
o uso de grafismos com linhas, figuras, borrões, desenhos e até notação
tradicional se tornaram uma forma comum, e talvez a única forma, de grafar
a música existente (Ciszevski, 2010).
Novas partituras implicam novas formas de ler. A leitura musical se divide,
grosso modo, em leitura de alturas e de ritmos. As informações referentes a
cada um desses parâmetros são processadas em regiões cerebrais distintas.
Sendo assim, a qualidade da leitura depende da velocidade psicomotora, da
velocidade do processamento da informação, da idade e experiências de cada
indivíduo, dentre outros fatores. O ensino da leitura utiliza distintas aborda-
gens de acordo com cada sujeito envolvido no processo. Atividades que
envolvam batidas de pés ou palmas, por exemplo, são mais efetivas para
crianças mais velhas, enquanto crianças menores são mais assertivas quando
os padrões rítmicos são reproduzidos pela fala, por meio de sílabas, palavras
ou frases que representem células ou claves. Crianças tendem a se concentrar
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

mais no fator altura do que ritmo quando as atividades envolvem a leitura


real, sendo assim, elas apresentam dificuldades quando os dois componentes
222 são processados simultaneamente, o que ocorre de maneira natural para um
adulto instrumentista. Por ser uma habilidade altamente complexa, a dificuldade
em atingir um nível satisfatório em leitura pode ser um fator de evasão dos
cursos de instrumento, ou dos estudos de música em geral (Gudmundsdottir,
2010).
Estudos demonstram que os indivíduos mais hábeis em leitura traduzem
mais rapidamente para o sistema motor as informações recebidas pelos
olhos, e leem padrões, pois esta é uma prática mais eficiente do que a leitura
de notas isoladas, esses leitores costumam olhar a música em “porções”
maiores, olhando literalmente à frente dos menos aptos, pois estes costumam
ler nota por nota. Os pedaços ou estruturas de informação podem ser frases,
acordes ou padrões melódicos, logo, é muito importante adicionar ao
modo de instrução da leitura musical a consciência sobre estruturas
(Gudmundsdottir, 2010). Isso se aplica não somente às questões de altura,
mas também em relação à percepção de estruturas rítmicas, analogamente
à máxima química em que toda reação química ocorre em meio aquoso,
pode-se dizer que toda ação musical ocorre em meio compassado/ritmado,
sendo assim, a leitura rítmica depende também de uma representação
mental dos padrões rítmicos.
Sloboda (2008) também expõe que a leitura musical depende da
percepção de padrões, mas que isso envolve diretamente o movimento
dos olhos e como ele capta tais padrões. Os olhos captam pequenas
porções de material (cerca de 1 polegada de diâmetro) a cada fixação,
quando o olho se movimenta de uma fixação à outra, chama-se isso de
movimento sacádico. As fixações ocorrem aos moldes da leitura natural
ocidental, isso que dizer, da esquerda para a direita na horizontal, apesar
disso, por se tratar a música de um sistema no geral bidimensional (como
é o caso de partituras para piano), os olhos costumam se movimentar
dando saltos tanto horizontais quanto verticais, identificando unidades
estruturais importantes como acordes em música homofônica e
fragmentos em música contrapontística.

PENSAMENTO SIMBÓLICO E MÚSICA


Para compreender a ideia de pensamento simbólico defendida por Leibniz¹,
Fortes (2009) menciona a existência de duas formas de pensamento, o
intuitivo e o simbólico. O primeiro é aquele em que rapidamente, em um
nível de pensamento, recorre-se ao objeto ou conceito designado, o segundo
também pode ser chamado de pensamento cego pelo fato de não recorrer ao
objeto durante o raciocínio operando em um nível unicamente simbólico,
isso porque ele permite pensar através dos signos. De acordo com a noção
leibniziana, os signos desenvolvem três funções: sub-rogação, cálculo e
ectética (Fortes, 2009).
Segundo o paradigma da sub-rogação o pensamento simbólico é
sucedâneo do pensamento intuitivo, isso significa que todas as operações que
podem ser realizadas de forma intuitiva também podem ser realizadas com o
uso dos símbolos que garantem o alcance das metas cognitivas com menor
esforço e maior agilidade. Como a utilização de símbolos está associada
Anais

diretamente à manipulação dos objetos, em música para cada objeto sonoro


há um signo correspondente. Nesta perspectiva a escrita musical nada mais é
do que um código secundário de registro. 223
Nem todos os signos utilizados em notação são representativos de
objetos reais, muitas vezes eles são criados para representar conceitos ou
relações simbólicas. Na função de cálculo, o pensamento simbólico se torna
uma extensão do pensamento intuitivo. Neste caso, há submissão dos signos
a certas regras de operação que acarretam na criação de novos signos, que
por sua vez geram algumas vantagens cognitivas (fator psicotécnico),
dentre elas, a otimização do pensamento e a liberação de sobrecarga de
memória. Na concepção de cálculo, entende-se que alguns símbolos estão
por objetos enquanto outros, a exemplo da pausa, não estão. Nesta função,
a resolução de problemas através de cálculos (usando a combinatória) pode
ser aplicada à noção de combinação de timbres, no âmbito de harmonia,
formação de acordes, e assim por diante.
Por fim, a função estética está associada à ideia de representação, isso
significa que se pode ver o designado através dos signos seja de maneira
direta, aos moldes do que ocorre ao visualizar uma fotografia ou pintura, ou
por analogias como em diagramas a mapas. Fortes (2009) propõe a
distinção entre representações gráficas e linguísticas. As representações
gráficas podem ser divididas em pictóricas e diagramáticas, as primeiras
operam sob a semelhança material com o objeto, enquanto as diagramáticas
não possuem essa correspondência, mas uma similar, a semelhança formal
que está relacionada a aspectos estruturais e não físicos do objeto.As
representações linguísticas por sua vez podem ser categorizadas em naturais
ou artificiais, nas linguagens naturais os signos são as palavras que
representam objetos, é no geral unidimensional, remetem a uma informação
vaga, sem clareza e se referem à linguagem do cotidiano. Nas linguagens
artificiais, os signos são as fórmulas que exibem de alguma forma os objetos,
é unidimensional (notações algébricas, por exemplo) ou bidimensional
(diagramas), esta é a linguagem dos matemáticos e lógicos.

Figura 1. Pensamento simbólico, diagrama de nossa autoria.


XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

A notação musical é melhor compreendida na perspectiva da função


ectética, porque visualmente demonstra os objetos musicais e suas relações
224 estruturais através dos signos. Para ilustrar, existem muitas convenções
sobre o uso de palavras ou signos em notação musical, como por exemplo,
as palavras utilizadas para determinar o andamento (andante, allegro,
moderato etc), que naturalmente não apresentam nenhuma relação direta
com o designado, o mesmo acontece com o sinal de crescendo, por exem-
plo, que não possuiu nenhuma correspondência visual com o aumento da
intensidade, mas para os conhecedores do código musical é possível
visualizar o movimento sonoro ou essas convenções através da partitura.

METACOGNIÇÃO
A metacognição pode ser compreendida como a consciência acerca dos
próprios pensamentos e cognições, a competência em saber como e quando
utilizar estratégias durante a resolução de um problema, além de ser o
sistema responsável por planejar e monitorar processos cognitivos. O termo
cunhado por John Flavell surgiu na área da psicologia por volta da década de
1970 e dada a complexidade do termo inexiste um conceito unívoco entre os
pesquisadores da área até hoje. Atualmente os estudos em metacognição
centram-se em sua relação com motivação, resolução de problemas, teoria da
mente, tomada de decisões, leitura, memória, e em como ela atua em
processos de aprendizagem (Jou e Sperb, 2006; Ribeiro, 2003; Lai, 2011).
Distinguir o que é cognitivo daquilo que é metacognitivo é necessário a fim
de compreender como se dá o relacionamento entre os dois sistemas que na
prática estão intrinsecamente interligados. Grosso modo, pode-se imaginar
que o ator de ler é um processo cognitivo que envolve memória e atenção,
dentre outras habilidades cognitivas, e que o monitoramento e a reflexão sobre
o que se aprendeu da leitura é um processo metacognitivo. Schraw (2016)
explica que a maior parte dos estudiosos da área diferem metacognição da
cognição no sentido de que “habilidades cognitivas são necessárias para
executar uma tarefa, enquanto metacognição é necessária para compreender
como a tarefa foi executada” (2016, p. 113, tradução nossa²).
Muitos autores elaboraram modelos metacognitivos, dentre eles Flavell
(1979) que buscou explicar os componentes do sistema. Para esse autor a
metacognição é uma habilidade de alta complexidade e, portanto, crianças
são pouco versadas no que diz respeito a tarefas metacognitivas. Por se
desenvolver de forma lenta, as primeiras experiências regulatórias das
crianças são introjetadas pelo meio social e por fatores externos de controle
oriundos do convívio familiar e escolar. Bem como, muitas habilidades
metacognitivas dependem do desenvolvimento e amadurecimento de
regiões cerebrais como aquelas relacionadas às funções executivas e
linguagem (Lai, 2011; Ribeiro, 2003).
Flavell (1979) criou um modelo de monitoramente metacognitivo que
trata da relação entre quatro fenômenos: conhecimento metacognitivo,
experiências metacognitivas, objetivos (tarefas) e ações (estratégias).
Anais

225

Figura 2. Modelo de monitoramento metacognitivo de Flavell, diagrama de nossa autoria.

Os objetos são, como o nome indica, as metas de uma jornada cognitiva


e as ações são todas as atividades cognitivas empregadas para alcançá-la. O
conhecimento metacognitivo diz respeito às crenças que o indivíduo possui
sobre a cognição, dentro da categoria pessoa refere-se às crenças sobre si
mesmos e sobre os outros enquanto processadores cognitivos, a variável
pessoa ainda é subcategorizada em três níveis: intrapessoal: refere-se à
natureza da própria cognição, interesses, atitudes, pontos fortes e fracos, esse
conhecimento capacita o indivíduo a saber se aprende melhor construindo
tabelas, tomando notas ou simplesmente ouvindo; o conhecimento inter-
pessoal tem o foco voltado para o outro enquanto ser cognitivo e qualifica
o sujeito observador a compreender as habilidades do outro, esse tipo de
conhecimento é extremamente comum à educadores. Por fim o conheci-
mento dentro da variável universal refere-se às crenças gerais sobre processos
e desenvolvimento cognitivo que de certa forma habitam o inconsciente
coletivo.
O conhecimento metacognitivo alocado na categoria tarefa diz
respeito ao entendimento da quantidade e qualidade da informação
disponível ao indivíduo processador cognitivo, em outras palavras, per-
mite compreender o caráter da informação, se ela é familiar ou não,
escassa ou abundante, bem o mal organizada, fácil ou difícil etc. Dentro
da categoria estratégia o conhecimento tem a ver com a maneira ou
maneiras pelas quais as estratégias serão empregadas para se chegar ao
objetivo da jornada cognitiva, é uma espécie de avaliação diagnóstica da
tarefa com o intuito de organizar-se em relação às estratégias a serem
utilizadas, tarefas novas demandam mais esforço do que tarefas familiares,
por exemplo.
No que se refere ao fenômeno experiências cognitivas Flavell (1979) o
compreende como sensações ou a consciência que acompanham jornadas
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

cognitivas que podem ocorrer em qualquer momento da tarefa e também


podem ter característica distintas em relação à natureza e conteúdo. Lai
226 (2001) explica que as experiências metacognitivas “são insights ou per-
cepções que se experimentam durante a cognição, tais como: ‘eu não
estou entendendo isso’. Flavell observa que essas experiências servem
como verificações de ‘controle de qualidade’ que ajudam os alunos a
revisar suas metas” (2011, p.9, tradução nossa). Para ilustrar, pode ser
tomado como exemplo de experiência metacognitiva um aluno que
estuda uma partitura para piano a fim de apresentar a respectiva obra no
recital da escola; em determinado momento, o sujeito percebe que os
baixos estão sendo tocados uma oitava acima do que indica a partitura e
prontamente corrige o erro, esse monitoramento trata-se de uma expe-
riência metacognitiva.
Outro autor que discorre sobre metacognição é Schraw (1998) ele
defende três aspectos que englobam sua concepção sobre metacognição,
trata-se de um fenômeno de cunho multidimensional; tem como natureza
ser de domínio geral; e é ensinável. Ele defende a distinção entre dois
componentes da metacognição: conhecimento e regulação da cognição.
Em suma tem pouca diferença em relação aos fenômenos defendidos por
Flavell. Para Schraw (1998) o conhecimento da cognição é dividido em
três partes ou consciências metacognitivas: conhecimentos declarativo,
processual e condicional. Por conhecimento declarativo, entende-se as
crenças pessoais em relação à própria cognição, ou seja, é quando o
indivíduo se coloca na condição de aprendiz. O conhecimento processual
é o conhecimento de como fazer determinada tarefa e isso depende do
repertório de estratégias do sujeito. O conhecimento condicional tem
como premissa utilizar bem os conhecimentos anteriores, por que e
quando utilizar suas estratégias e recursos (Schraw, 1998).
O segundo componente da metacognição é a regulação da cognição,
isto é, aquilo que o aprendiz desenvolve para controlar seus processos de
aprendizagem. Três habilidades são importantes e recorrentes na literatura
ao se tratar de regulação metacognitiva: planejamento, monitoramento e
avaliação. O planejamento envolve direcionamento da atenção e previsão
do uso de estratégias e/ou sequências de estratégias para a realização da
tarefa. O monitoramento por sua vez envolve a consciência atenta ao
momento presente, é uma habilidade com alto grau de maturação levando
tempo para se desenvolver. A avaliação, por fim, tem como função avaliar
os resultados e a eficiência de uma jornada cognitiva (Schraw, 1998).
Schraw (1998) defende que a metacognição é um fenômeno de domínio
geral, domínio se refere a uma área específica como música ou matemática,
por exemplo. O desenvolvimento de habilidades metacognitivas acarreta
em melhorias cognitivas de modo geral. Entretanto quanto maior a relação
do indivíduo com o domínio específico, maior será sua capacidade meta-
cognitiva neste domínio, ou seja, a capacidade metacognitiva em música
será correspondente ao tempo e qualidade da exposição e experiência do
aprendiz neste domínio. A metacognição permite também que o aprendiz
utilize as mesmas estratégias para resolução de um problema, porém em um
novo contexto.
Anais

MEIOS PARA DESENVOLVER A METACOGNIÇÃO

Schraw (1998) sugere quatro meios para aumentar a metacognição: 227


promoção da conscientização geral sobre a importância da cognição,
desenvolvimento do conhecimento da cognição, melhora da regulação da
cognição e criação de ambientes que promovam a consciência meta-
cognitiva. No fator “promovendo a consciência geral, Schraw (1998) afirma
que o professor possui um papel muito importante no processo de
aprendizagem, no que diz respeito à sua capacidade de modelar habilidades
cognitivas e metacognitivas em seus alunos. Isso demanda esforço em
desenvolver a própria metacognição para se tornar um modelo melhor,
ensinando não somente o modo de realizar uma determinada tarefa, mas
também quais foram seus pensamentos e estratégias sobre ela. Da mesma
forma, outros estudantes da sala de aula assumem o papel de modelo.
No meio “melhorando o conhecimento da cognição” Schraw (1998)
desenvolveu um esquema didático denominado SEM, do inglês strategy
evaluation matrix (matriz de avaliação estratégica), trata-se de uma tabela
organizada em linhas e colunas, essas correspondem às estratégias e estas
a um conhecimento metacognitivo. O autor sugere o uso da SEM como
um pequeno portfólio, em que o aluno irá preencher as linhas de acordo
com as estratégias utilizadas no decorrer do ano letivo, o professor e os
alunos se proporiam estudar uma estratégia por mês, discutindo em
pequenos grupos, com alunos mais velhos, refletindo sozinho, fazendo
anotações etc. A SEM ajudaria a aprimorar as habilidades cognitivas de
uso de estratégias, sabendo quando e como utilizá-las.

Figura 3. SEM (Schraw, 1998, p. 120)

A proposta deste estudo é a utilização deste mesmo modelo para sua


aplicação na educação musical, mais especificamente em tarefas de leitura.
Segue a SEM traduzida e adaptada para o auxílio no desenvolvimento da
leitura musical.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Tabela 1. SEM traduzida com sugestões para o uso em tarefas de leitura musical

228

No terceiro tópico denominado “melhorando a regulação da cognição”


Schraw (1998) explica que o uso das SEMs é bastante eficaz no que diz
respeito ao aprimoramento do conhecimento da cognição, contudo o
mesmo não se aplica à regulação, deste modo, o autor desenvolveu um
regulatory check-list (RC) que possui as três categorias inseridas dentro da
regulação: planejamento, monitoramento e avaliação. O autor justifica a
escolha dessa abordagem didática, pois “instruções explícitas na forma de
listas de verificação ajudam os alunos a serem mais estratégicos e siste-
máticos ao resolver problemas” (Schraw, 1998, p.121, tradução nossa³).

Figura 4. Regulatory Check-list (Schraw, 1998, p.121)

No que se refere ao item “promovendo ambientes favoráveis”, alunos


bem-sucedidos no geral são perseverantes frente à desafios e possuem
crenças de autoeficácia elevadas, indivíduos bem orientados pelo professor
são mais bem sucedidos na realização de uma tarefa. De acordo com o autor,
muitos estudantes falham em tarefas por falta de persistência e consciência
da importância do seu esforço para solucionar tarefas desafiadoras.
Finalmente, para Schraw (1998) os fatores mais importantes para a
aquisição da consciência metacognitiva são: tornar-se consciente de si mesmo
como aprendiz, saber discernir metacognição de cognição; compreender
Anais

quando e como utilizar as estratégias durante uma jornada cognitiva e


finalmente, autorregular-se. As práticas instrucionais são várias, desde
momentos de reflexão isolada ou em grupo, estratégias guiadas e instrução ou 229
aprendizagem através de um modelo. Todas estas questões podem ser
facilmente aplicadas a processos de ensino e aprendizagem da leitura musical,
ampliando o repertório de estratégias de professores e alunos.

Notas
1 considerado um dos últimos eruditos da história, Leibniz(1646-1716) foi filósofo, matemático,
teólogo e advogado.
2 cognitive skills are necessary to perform a task, while metacognition is necessary to understand
how the task was performed
3 Explicit prompts in the form of checklists help students to be more strategic and systematic
when solving problems (texto original em inglês).

Referências
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expressão musical na educação infantil. Música na educação básica, 2, 22-33.
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XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

A iniciação musical da criança pelo ensino


230 coletivo de piano: considerações psicopedagógicas
Ana Lúcia Iara Gaborim-Moreira1, Luciana Cavalcanti Borges Mendes2,
,
Patrícia Kettenhuber de Lima3, Vanessa Araújo da Silva4
1,2,3,4
Faculdade de Artes, Letras e Comunicação, UFMS, Brasil
1
anaemarcelo440@gmail.com, 2lubmend@yahoo.com.br,
3
patricia.kettenhuber@hotmail.com, 4vanessaeducadoramusical@gmail.com

Resumo
Neste artigo, trazemos uma experiência de iniciação musical ao piano para crianças por meio de aulas
coletivas, realizadas no programa de extensão “Escola de Música da UFMS” entre julho e dezembro
de 2018. Ao mesmo tempo em que ministramos as aulas, também analisamos sua estrutura, dinâmica
e resultados, constituindo assim uma pesquisa-ação direcionada pelo Grupo de Pesquisa em
Educação e Prática Musical (GPEP) da UFMS. Apresentamos a metodologia proposta com base nos
fundamentos pedagógicos de Maria de Lourdes Junqueira Gonçalves (1986), uma das pioneiras do
ensino de piano em grupo no Brasil. No que concerne à compreensão dos processos de
aprendizagem e desenvolvimento da criança (para uma atuação mais consciente do professor de
piano), buscamos suporte teórico na área de Psicologia, e assim trouxemos para este artigo
importantes conceitos da obra de Lev Vygotsky (1896-1934) que se relacionam ao nosso objeto de
pesquisa. Tendo obtido resultados positivos a partir das aulas coletivas de piano, buscamos contribuir
para a difusão dessa modalidade de ensino – que ainda é pouco praticada no Brasil - visando a uma
ação psicopedagógica mais eficaz do professor de piano e consequentemente, um aprendizado mais
significativo e motivador para os alunos.
Palavras-chave: ensino coletivo de piano, psicopedagogia pianística, iniciação musical da criança

Abstract
In this article, we bring an experience of musical initiation to the piano for children through
group classes, performed in the extension program “UFMS School of Music” between July and
December 2018. At the same time we teach, we also analyze the classes structure, dynamics and
results, thus constituting an action research directed by the Research Group on Musical Education
and Practice (GPEP) of UFMS. We present the proposed methodology based on the pedagogical
foundations of Maria de Lourdes Junqueira Gonçalves (1986), one of the pioneers of group piano
teaching in Brazil. Regarding the understanding of the child's learning and development
processes (for a more conscious performance of the piano teacher), we sought theoretical support
in the area of Psychology, and thus brought to this article important concepts from Lev
Vygotsky's work (1896-1934) that relate to our research object. Having obtained positive results
from the collective piano lessons, we seek to contribute to the diffusion of this modality of
teaching - which is still little practiced in Brazil - aiming at a more effective psychopedagogical
action of the piano teacher and, consequently, a more meaningful and motivating learning for the
students.
Keywords: collective piano teaching, pianistic psychopedagogy, musical initiation of the child

INTRODUÇÃO
O ensino de piano no Brasil atualmente tem sido um campo de
ressigni-ficações, reencaminhamentos e inovações. Pesquisas acadêmicas
têm sido desenvolvidas nessa área nas últimas décadas (a exemplo de
Moreira, 2005, e Almeida, 2014), buscando estratégias que atendam aos
anseios das crianças cada vez mais curiosas, questionadoras, desafiadoras,
enérgicas e super estimuladas por sons e imagens. E dentro dos desafios
que envolvem as aulas de piano, percebemos que é cada vez mais difícil
manter as crianças motivadas nos estudos e incentivá-las a dedicar parte do
seu tempo à prática constante, com a devida atenção e concentração.
Anais

Contudo, as aulas coletivas de piano têm trazido novas perspectivas de


aprendizagem musical, pois estimulam o compartilhamento dos saberes
em um contexto cooperativo e interativo. Segundo a professora e pianista 231
Maria de Lourdes Junqueira Gonçalves (1924-2015), “o aprendizado em
grupo torna-se importante na medida em que é dinâmico, motivador,
econômico, atraente e divertido” (Gonçalves, 1986, p.1). Torres e Araújo
também defendem o aspecto motivador do ensino coletivo de piano:
“aprender música em grupo não é somente um processo de execução
musical coletiva, mas é também um ato de trocas de experiências no
âmbito do contexto social (...) Desta forma a motivação na prática em
grupo é fortemente indicada no sentido da observação e da vivência de
experiências” (2014, pp.23–24).
Neste artigo, relatamos a experiência realizada no programa de extensão
“Escola de Música da UFMS”, onde as aulas coletivas de piano foram
aplicadas como forma de iniciação musical e posteriormente analisadas, à
luz de referenciais teóricos das áreas de Pedagogia Pianística e Psicologia.
A proposta deste artigo, portanto, visa contribuir “para o despertar da nossa
consciência quanto à posição e ao valor que o ensino coletivo de
instrumentos musicais, especialmente de Piano em Grupo, ocupa na
sociedade brasileira, contemporaneamente” (Machado, 2018, p.153).

FUNDAMENTAÇÃO EM PSICOLOGIA – LEV VYGOTSKY


Para analisar o ensino coletivo de piano sob a perspectiva da Psicologia,
compreendendo os processos de aprendizagem e desenvolvimento da criança
— sujeito de nossas investigações — nos embasamos nos estudos de Lev
Vygotsky (1896-1934). Em sua compreensão dialética do desenvolvimento
do homem — envolvendo os aspectos biológicos, sociais, culturais e
históricos — Vygotsky desenvolve sua Teoria Histórico-cultural, segundo a
qual, é na interação com o meio social e cultural que o indivíduo vai se
desenvolvendo e aprendendo. Rego (2012, p.61) nos explica que
para Vygotsky, o desenvolvimento do sujeito humano se dá a
partir das constantes interações com o meio social em que vive,
já que as formas psicológicas mais sofisticadas emergem da vida
social. Assim, o desenvolvimento do psiquismo humano é
sempre mediado pelo outro (outras pessoas do grupo cultural),
que indica, delimita e atribui significados à realidade. Por inter-
médio dessas mediações, os membros imaturos da espécie huma-
na vão pouco a pouco se apropriando dos modos de funcio-
namento psicológico, do comportamento e da cultura, enfim, do
patrimônio da história da humanidade e de seu grupo cultural.
Quando internalizados, estes processos começam a correr sem
intermediação de outras pessoas. (Rego, 2014, p. 61).

Nesta perspectiva, revela-se um importante aspecto do ensino coletivo


de piano, que é a interação entre os alunos com a mediação do professor.
Vygotsky (2007, p.95) pondera que “o aprendizado deve ser combinado de
alguma maneira com o nível de desenvolvimento da criança”, portanto, o
professor de piano precisa estabelecer critérios para a formação do grupo e
para a seleção de métodos e conteúdos que estejam apropriados para o
aprendizado desse grupo, isto é, ter ciência do que as crianças já conhecem
e sabem realizar, bem como do que elas podem vir a desenvolver. Em
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

termos práticos, podemos afirmar que ensinar notas musicais para uma
criança que já possui esse conhecimento, ou que já sabe onde elas se
232 localizam na pauta musical e nas teclas do piano, não possibilitará uma
transformação em seu processo psicológico. Da mesma forma, tentar
ensinar para essa mesma criança conceitos musicais complexos ou
habilidades práticas que vão muito além de sua capacidade de aprender
naquele momento, será algo demasiado ineficaz.
Vygotsky denomina nível de desenvolvimento real como as “conquistas
que já estão consolidadas na criança, aquelas funções ou capacidades que ela
já aprendeu e domina, pois já consegue utilizar sozinha (...), os processos
mentais da criança que já se estabeleceram, ciclos de desenvolvimento que
já se completaram.” (Rego, 2014, p.72). Por outro lado, o nível de desen-
volvimento potencial, segundo Zanella (1994, p.98), é o “conjunto de
atividades que a criança não consegue realizar sozinha, mas que, com a
ajuda de alguém que lhe dê algumas orientações adequadas (um adulto ou
outra criança mais experiente), ela consegue resolver”.
Já a zona de desenvolvimento proximal (ZDP) vai representar a distância
entre o nível real e potencial, definindo aquelas funções mentais que ainda
não amadureceram, mas que estão em processo de maturação — o que
precisa ser compreendido pelo professor. Assim, a ZDP “é definida como
a diferença (expressa em unidades de tempo) entre os desempenhos da
criança por si própria e os desempenhos da mesma criança trabalhando
em colaboração e com a assistência de um adulto” (Ivic, 2010, p. 32). Nas
palavras de Vygotsky, a ZDP
é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se
costuma determinar através da solução independente de proble-
mas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado
através da solução de problemas sob a orientação de um adulto
ou em colaboração com companheiros mais capazes. (Vygotsky,
2007, p. 97).

Consideremos então, que por meio do ensino coletivo de piano a


criança aprende habilidades musicais, na interação com as colegas e com
a mediação do professor. Essas habilidades são postas em prática quando a
criança estuda em casa, individualmente, reforçando o conteúdo da aula
— algo que já pode realizar sozinha — e isso permite que ela se desenvolva
ainda mais no aprendizado do piano, transcendendo o conteúdo
aprendido nas aulas — buscando, até mesmo, outros repertórios ou outras
formas de executar músicas ao piano que vão além da partitura. Desta
maneira, a criança tende a evoluir mais rapidamente e permanece moti-
vada para aprender — até mesmo porque no grupo, todas se esforçam para
estar no mesmo nível de desenvolvimento. De certa forma, temos um
ambiente saudavelmente competitivo, em que ninguém perde ou ganha,
porém, nenhuma criança quer ficar “para trás” em relação às suas colegas
de grupo.
Consideremos ainda, que a criança não apenas aprende conteúdos e
habilidades musicais nas aulas de piano coletivo, mas que se desenvolve
integralmente: aprende regras de convivência no meio social (coletivo),
pondera suas atitudes, controla sua ansiedade, procura se mostrar autônoma
e independente, faz novas amizades, demonstra o domínio da coordenação
motora e atenção necessária para executar a lição, constrói sua própria
Anais

performance ao piano em exercícios de auto avaliação constantes e tem como


mediadores o seu professor e as próprias colegas. Então a criança é constante-
mente estimulada em outras áreas (cognitiva, socioafetiva, motora), à medida 233
em que vai internalizando o conhecimento musical e consequentemente,
formando suas funções psíquicas. Em outras palavras, ao ponderarmos que o
processo de desenvolvimento psicológico necessita de mediadores que
possibilitem a sua consolidação, estaremos trabalhando de forma a potencia-
lizar esse processo com as aulas coletivas de piano. Segundo Rego (2014,
p.107), “Vygotsky afirma que o bom ensino é aquele que se adianta ao
desenvolvimento, ou seja, que se dirige às funções psicológicas que estão em
vias de se completarem”.

FUNDAMENTAÇÃO EM PEDAGOGIA PIANÍSTICA –


MARIA DE LOURDES JUNQUEIRA GONÇALVES
A pianista brasileira Maria de Lourdes Junqueira Gonçalves foi uma das
pioneiras na implementação do ensino coletivo de piano no Brasil e criou
seu próprio método, com a colaboração da compositora Cacilda Borges
Barbosa, denominado “Educação Musical através do Teclado” (publicado
na década de 1980). Gonçalves dividiu a obra em etapas (musicalização,
leitura nas teclas brancas, leitura nas teclas brancas e pretas, habilidades
funcionais), sendo que para cada parte há um manual do professor, que
traz orientações precisas para a atuação pedagógica, e um livro do aluno
— onde os conhecimentos e habilidades são apresentados de forma gradual,
com temas do universo infantil e notação musical simplificada.
Gonçalves valorizava a educação musical como meio de formação da
pessoa humana, e o ensino de piano em grupo como um estímulo ao
aprendizado, por meio da ludicidade. Segundo a pianista,
a educação musical deve ser dada a todos, sem objetivos precon-
cebidos de orientação para a profissão ou para o lazer e sim por
seu valor no enriquecimento da vida das pessoas e da sociedade;
o teclado não encontra paralelo como meio capaz de oferecer
tantas oportunidades de experimentar, perceber, compreender a
expres-sividade da música, através dos elementos dela – melodia,
ritmo e harmonia. (Gonçalves, 1986. p. v).

Gonçalves fez críticas aos métodos tradicionais de iniciação musical,


que valorizavam a memorização das notas através da leitura de claves
separadas e soletração de notas, em uma abordagem mecânica e muitas
vezes, sem sentido musical. Gonçalves então procurou explorar a leitura
musical partindo do teclado para a partitura, utilizando o retrato de cluster,
executando as teclas brancas e pretas desde o início, estimulando a percep-
ção visual de direções e distâncias por intervalos, trabalhando o ritmo a
partir da variação de sons curtos e longos. Dessa forma, o processo de
desenvolvimento das habilidades musicais/pianísticas independe e vai
além do aprendizado da leitura — que muitas vezes atrasa ou engessa esse
processo. Portanto, Gonçalves concebia a integração entre a linguagem
musical e execução instrumental em um processo de aprendizagem
simultânea de conceitos e de habilidades funcionais.
Com relação à metodologia de ensino, Gonçalves ressalta a importância
do planejamento do professor, contribuindo para uma boa organização e
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

consequentemente, para o sucesso das aulas. Segundo a pianista, o


planejamento deve pontuar o grau de musicalização dos participantes, a
234 faixa etária, o limite de vagas, a duração e frequência das aulas. Para a
autora, esses passos citados devem ser observados na composição de um
grupo, uma vez que a busca pela homogeneidade pode tornar o ensino
mais satisfatório. A autora ainda frisa que é responsabilidade do professor
realizar seu plano de aula de forma criativa, responsável e flexível; o
professor deve ministrar aulas alegres, dinâmicas, estabelecendo uma
relação de respeito e consideração uns com os outros. Há o envolvimento
de todos no processo, com a valorização da participação ativa do aluno,
estimulando sempre a criatividade, a verbalização, as discussões, o treino
auditivo e a audição crítica.

ENSINO COLETIVO DE PIANO NO PROGRAMA “ESCOLA


DE MÚSICA DA UFMS”
Tendo em vista todas as possibilidades de aprendizagem musical e de
desenvolvimento infantil que poderiam ser oferecidos por meio do ensino
coletivo de piano, foi proposto um projeto junto ao curso de Licenciatura
em Música da UFMS, via Pró-reitoria de Extensão, Cultura e Esporte
(PROECE). Iniciaram-se então, em julho de 2018, as inscrições para as
aulas coletivas de piano no programa de extensão “Escola de Música da
UFMS”. Houve grande procura, principalmente pelo baixo custo da taxa
de matrícula (não são cobradas mensalidades). Dessa forma, foi possível
formar 4 turmas de 2 ou 3 alunos cada, no período da manhã, agrupando
as crianças por faixa etária aproximada e gênero (masculino/feminino).
No semestre seguinte, foram formadas outras 4 turmas, no período da
tarde. Como pré-requisito para a matrícula, os alunos precisariam ter em
casa um piano ou teclado de boa qualidade.
Dentro da proposta do Programa, os acadêmicos do curso de Licenciatura
em Música da UFMS têm a oportunidade de ministrar as aulas de
instrumento e teoria musical para os alunos da Escola, com a supervisão de
um professor do curso. Sendo assim, temos duas professoras de piano
(acadêmicas) para cada turma, o que permite que enquanto uma atua lecio-
nando, a outra possa registrar as aulas. As acadêmicas recebem uma ajuda de
custo em forma de bolsa de extensão, que vigora durante o período letivo.
Também há a possibilidade de receber estagiários do curso nas aulas de
piano, participando ativamente. Com isso, os acadêmicos têm a oportu-
nidade de passar pela experiência de lecionar antes mesmo de concluir o
curso, de forma que se tornam mais capacitados para atuar nessa área.
A aprendizagem inicial de piano coletivo (nível 1) tem como objetivo
despertar o gosto pela música explorando o instrumento, estimulando a
habilidade de tocar em duplas ou trios (simultaneamente), incentivando a
leitura, a transposição e a improvisação. Nas primeiras aulas, o piano é aberto
para que os alunos possam compreender o seu mecanismo, manipular suas
peças e assim, entenderem como é possível obter sons suaves ou fortes,
longos ou curtos. Os pedais também são apresentados, atendendo à curio-
sidade dos alunos quanto às possibilidades de execução. Todo o teclado é
explorado: as crianças tocam da tecla branca mais grave, até a branca mais
aguda em movimento ascendente (“subindo”) e descendente (“descendo”),
Anais

depois repetem os movimentos com as teclas pretas. Identificam a topografia


do teclado e encontram a nota “Dó”, a partir da posição das teclas pretas.
Geralmente, as crianças já vêm para a primeira aula de piano com o 235
conhecimento da ordem das notas na escala ascendente, portanto, já
conseguem localizar todas as notas vizinhas (graus conjuntos) a partir da
nota “Dó”.
Após essa introdução com exploração do instrumento, é apresentado o
método de leitura (livro didático impresso). Embora nossa metodologia de
trabalho siga muito dos princípios estabelecidos por Gonçalves para o
ensino coletivo de piano, não utilizamos os livros que a própria autora
publicou, pois concluímos que seu aspecto visual não é atrativo para as
crianças de hoje. Optamos pela utilização de métodos americanos, que
trazem imagens coloridas e visual mais atrativo (inclusive com personagens
fictícios) e que podem ser adquiridos pela Internet, inclusive em formato
e-book. Para as crianças menores (6-7 anos), adotamos The Music Tree
(Clark, Goss e Holland, 2000), cujos conteúdos são mais repetitivos; para
as crianças a partir de 8 anos, utilizamos Piano Lessons, da coleção Hal
Leonard (Kreader, Kern, Keveren e Rejino, 2000), que avançam os
conteúdos de maneira mais progressiva. Cabe dizer que o método The
Music Tree apresenta muitas semelhanças com o método de Gonçalves, e
isso provavelmente se justifica pelo contato direto de Gonçalves com
Clark, nos Estados Unidos, na década de 1970.
Os livros didáticos de piano adotados no projeto apresentam estilos
variados de ritmos, melodias e propostas de criação e improvisação.
Segundo os autores do método The Music Tree (Clark, Goss e Grove, 1973,
p.15), “todas as crianças são criativas. Os alunos de piano demonstram
entusiasmo e orgulho, produzindo ideias originais e criativas ao instru-
mento, se forem encorajadas desde o início”. Assim, os alunos partem
daquilo que já aprenderam para criar peças muito simples, isto é, utili-
zando poucos elementos musicais e sem exigir grandes habilidades técni-
cas. Porém, à medida que o conhecimento vai se expandindo, as criações
vão envolvendo um maior número de elementos musicais e aumentando
sua complexidade.
Algumas lições apresentam um acompanhamento a ser executado pelo
professor; para isso, é preciso estimular o aluno a se empenhar para tocar
com segurança. Esta também é uma forma de fixar o conteúdo da lição e
buscar uma execução precisa, livre de erros ou atrasos. Outra estratégia
utilizada nas aulas é a gravação (em vídeo) da música aprendida na aula,
para enviar aos pais: as crianças tocam repetidas vezes, sem se chatearem,
até que se sintam satisfeitas com sua própria performance e assim,
demonstrem o que aprenderam.
Os livros são em língua inglesa e esse é outro fator bastante estimulante
para os alunos, ampliando seus conhecimentos em outra área. Os alunos
criam textos em português para serem cantados juntamente com as lições,
ou traduzem os títulos apresentados. Geralmente, a temática das lições faz
parte do universo infantil. São também utilizados materiais complementares,
como Poco Piano (Alfred’s), alguns métodos brasileiros de iniciação ao piano
e Europäische Klavierschule (método alemão), que traz ilustrações ricamente
coloridas e peças para serem tocadas por imitação.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

As crianças se sentam ao piano em um dos seus três registros: grave,


médio ou agudo. A aula é bem dinâmica, e durante a aula os alunos trocam
236 de posição, alternando os registros. A aula dura 45 minutos — o tempo que
consideramos ser suficiente para que elas não se cansem e voltem motivadas
na semana seguinte. Inicialmente, a notação musical das lições não traz
pautas ou claves, de modo que podem ser tocadas em qualquer região do
piano. Apresenta-se apenas a posição das mãos no teclado (atentando para
uma postura adequada das mãos e do corpo ao instrumento), determinando
as notas a serem tocadas. A professora estimula a curiosidade dos alunos na
nova lição, perguntando quais são os elementos novos e os já conhecidos,
ao que as crianças respondem instantaneamente. Em seguida, são lidos
pequenos trechos individualmente (tocando) e depois, em duplas ou trios
(simultaneamente), juntando os trechos até que se complete a lição. Isso
exige maior atenção e concentração dos alunos e os ensina como devem
estudar em casa: sempre por trechos pequenos e de forma cumulativa, con-
centrando-se nos detalhes (como dedilhado e indicações de dinâmica e
articulação, por exemplo) e procurando manter o andamento da capo al fine.
O que pudemos perceber nesse período de realização das aulas de piano
coletivo é que as crianças interagem positivamente, buscando ajudarem-se
umas às outras. É bastante perceptível o nível de facilidade ou de dificuldade
de cada criança frente às habilidades pianísticas, e naturalmente, as crianças
demonstram uma atitude cooperativa: as que têm mais facilidade auxiliam
as que têm mais dificuldade de aprendizado, criando estratégias ou explicando
a lição em sua linguagem, própria da idade. Além disso, o ambiente coope-
rativo inibe a preguiça ou o desânimo (muito comuns em aulas individuais)
e permite que a aula se torne leve e divertida.

RESULTADOS OBTIDOS
Não houve desistências das aulas de piano por desmotivação ou
desinteresse. As poucas crianças que pararam de frequentar as aulas,
involuntariamente, tiveram problemas pessoais. Alunos e seus pais
preocupam-se em acompanhar os estudos e raramente faltam nas aulas,
pois sabem que isso prejudica o andamento do grupo como um todo. Um
fato interessante e inesperado é que as crianças buscaram, por conta
própria, recursos midiáticos e novas tecnologias (canais como o Piano X,
no site Youtube, e aplicativos para tablets e celulares) para expandir o
conteúdo apreendido nas aulas. Esses recursos foram compartilhados
entre as crianças e vieram a complementar o repertório desenvolvido,
contemplando músicas mais atuais e ouvidas nas mídias.
As crianças fizeram novas amizades nas aulas e sem dúvida, e o encontro
com novos amigos nas aulas já é um elemento motivador no processo de
aprendizagem do piano. Propusemos um recital para ser apresentado aos
pais ao final do primeiro semestre de aulas e, embora tímidas, todas as
crianças se apresentaram com êxito. Assim, consideramos que atingimos
nosso objetivo de proporcionar um aprendizado pianístico prazeroso e
significativo para as crianças.
Consideremos que, ao agrupar crianças com diferentes experiências e
advindas de distintos contextos culturais, proporcionamos uma troca de
conhecimentos gerais e estabelecemos um ambiente favorável, tanto ao
Anais

desenvolvimento global das crianças, quanto ao aprendizado de algo novo


— no caso, tocar piano. Encontra-se aí, a motivação para o estudo
individual, para a participação nas aulas, e, porque não, motivação para o 237
professor preparar com mais entusiasmo e afinco suas aulas coletivas.

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Mestrado). Universidade de São Paulo, São Paulo.
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conceito em algumas situações variadas. Temas em Psicologia, vol.2 no.2 (pp.97-
110). Ribeirão Preto: Sociedade Brasileira de Psicologia.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Ensino coletivo de flauta doce:


238 registros de uma experiência no Projeto Muca
Amarandes Rodrigues Oliveira Júnior
amarandesjunior@hotmail.com

Resumo
A presente investigação tem por objetivo apresentar o trabalho desenvolvido no Projeto MUCA
(Música para Crianças e Adolescentes), e os resultados obtidos durante o processo de musicalização
nesse mesmo Projeto, de como contextualizar, de forma sucinta, a literatura sobre a história da flauta
doce. Este projeto teve sua primeira edição entre junho e dezembro de 2017, que por vez esteve
presente e vinculado em algumas congregações da ADM (Assembléia de Deus Missões) em Campo
Grande/MS. Será abordado aqui principalmente as aulas ministradas no setor vinte e um, setor no qual
estive ministrando as aulas de flauta doce como professor. A metodologia utilizada é a pesquisa
bibliográfica onde encontra-se autores que abordam o ensino coletivo de flauta doce como Paoliello
(2007), Silva (2011), Blazina (2013), e Cruvinel (2003) pesquisadora do ensino coletivo de instrumentos
musicais entre outros autores. Os resultados obtidos garantem uma aprendizagem musical significativa
no contexto religioso, perfazendo assim, um ambiente propício em apreciar, refletir e produzir
musicalmente mediante as diversas manifestações contidas no campo contemplativo. Assim, conclui-se
observando a importância da igreja no educar musical, bem como os interesses de seus agentes que
variam entre louvar mediante suas crenças, fazer parte de grupos musicais existentes nesse meio e etc.,
facilitando assim o acesso a música enquanto um campo informal de ensino.
Palavras-chave: Muca, Ensino coletivo de Flauta doce, Relato de experiência, Assembleia de
Deus Missões.

Abstract
The current investigation has the purpose of presenting the work developed in MUCA Project
(Music for children and teenagers), and the results obtained during the process of musicalization in
the same project, of how to contextualize, in a succinct manner, the literature about the history of
sweet flute. This project had its first edition between June and December 2017, which was associated
with some congregations of ADM (Assembleia de Deus Missões) in Campo Grande/MS. It will be
addressed here mainly the classes taught in sector twenty one, in which I have taught sweet flute
lessons. The methodology used is bibliographic research where we find authors addressing the
collective teaching of sweet flute, like Paoliello (2007), Silva (2011), Blazina (2013), and Cruvinel
(2003) researcher of collective teaching of musical instruments among other authors. The results
obtained guarantee a significant musical learning in the religious context, making an environment
conducive to appreciate, reflect and musically produce through the many manifestations in the
contemplative field. As it is, we conclude by observing the importance of the church in musical
education, as the interests of its agents that vary between praising by their beliefs, making part of
existing musical groups in this field, etc., making it easier to have access to music as an informal field
of teaching.
Key-words: Muca, Collective teaching of sweet flute, Experience report, Assembleia de Deus
Missões

INTRODUÇÃO
Relato neste artigo o trabalho de musicalização desenvolvido no Projeto
MUCA (Música para Crianças e Adolescentes) entre os meses de Junho a
dezembro de 2017, projeto criado como uma forma de evangelização de
crianças e adolescentes das periferias de Campo Grande/MS, tendo como
um de seus idealizadores um vereador da referida cidade. O projeto atende
o público juvenil ao redor de cada congregação, bem como os membros de
cada igreja selecionada para o curso de flauta doce, tendo como exigência
a idade de 8 anos a 15 anos, não ultrapassando o número de quinze alunos
por setor, pois cada setor possuía uma quantidade exata de material.
Nesta primeira edição, o projeto teve como foco trabalhar a musicalização
infantil através da flauta doce, onde para isto, os coordenadores do mesmo
em parceria com a Escola de Música MUSISONS (escola situada na ADM
Anais

sede, que desenvolve um trabalho de musicalização semelhante), desenvol-


veram um método de iniciação musical para flauta doce, com as noções
básicas de digitação, respiração, articulação, postura e teoria musical para se 239
tocar o instrumento.
Desta forma, o projeto se dividiu em 6 (seis) pontos da cidade, localizadas
nos setores 03, 05, 09, 15 (sub sede), setor 21 e setor 23. Cada setor possui um
professor responsável por ministrar as aulas de flauta doce e teoria musical.
Com isso, os dias e horários das aulas ficavam a critério e disponibilidade
principalmente dos professores. Contudo, normalmente as aulas ocorriam
nos sábados principalmente no vespertino (o horário varia de congregação
para congregação, pois são realizadas em igrejas e o horário deve ser comu-
nicado para o pastor da mesma, antes de qualquer alteração), com duração de
uma hora aula semanal.
Pensado a médio prazo, o projeto procurou musicalizar através da flauta
doce e futuramente desenvolver, com os alunos aprovados nesta primeira
edição, uma espécie de banda ou orquestra reduzida, como se fosse uma
formação continuada (ou um certo módulo de ensino) dos alunos, onde
eles estariam aptos a escolherem algum instrumento existente numa
orquestra. Para isso, os alunos deveriam cumprir com as rotinas de estudos
e atividades propostas pelos seus respectivos professores.
A metodologia utilizada neste trabalho é a pesquisa bibliográfica ou de
referências onde segundo Gonçalves (2017):
A pesquisa bibliográfica é fundamental e preliminar a qualquer
tipo de pesquisa, sobretudo, porque garante e atribui com
segurança o aspecto conceitual, teórico e formativo da visão
sobre o que se busca ou se pretende buscar pela pesquisa (p. 27
– 28).

Segundo a citação acima, o trabalho científico precisa de uma base teórica


para o seu desenvolvimento. Para isto faz-se necessário a sistematização
através de artigos, monografias, teses etc. para o transcorrer da pesquisa.
A seguir, apresenta-se sucintamente o trajeto da flauta doce para uma
melhor contextualização do leitor.

RELEASE SOBRE A FLAUTA DOCE


A flauta doce é um instrumento muito utilizado na musicalização
infantil, seja em escolas regulares, igrejas e instituições especializadas ou
não no ensino de música. Com isso, na família da flauta doce encontra-se
principalmente a flauta soprano, a contralto, a tenor e a baixo, podendo
perceber a diferença entre as mesmas principalmente pelo seu tamanho,
além de seu timbre. Segundo Silva (2011):
A flauta doce pode ser definida como um instrumento de
bisel, com o 4º grau dedilhado em forquilha, e possui sete
furos. É diferente dos galoubets (são instrumentos de três
furos na frente e um atrás, é tocada com uma única mão), dos
pennywhistles e flageolets. Encontram-se registros desde a
pré-história de instrumentos com semelhança a flauta doce,
nos quais variam da flauta atual pela quantidade numérica de
orifícios. (p. 24).
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Sua forma é bem característica e seu timbre muitas vezes se assemelha


às diversas flautas de sua família, como flautim, e regiões agudas da flauta
240 transversal.
Silva (2011, p. 25) comenta que “destacam-se como compositores para
flauta doce no final do século XVI Thomas Morley (1557-1602), John
Wilbye (1574-1638) e Thomas Weelks (1575-1623) além de diversos
compositores da Inglaterra”.
Assim, Silva (2011, p. 24) comenta que “a flauta doce começa a marcar
seu espaço no Renascimento, nas cortes europeias na qual surgiu um estilo
musical puramente instrumental, diferente da música dos trovadores e da
Igreja”. Aqui já havia um grande interesse em escrever música instrumental,
porém, não se compararia ao que viria em tempos posteriores.
Segundo Bennett (1988):
Até o começo do século XVI, os instrumentos eram
considerados muito menos importantes do que as vozes,
usavam-nos apenas em peças de danças e naturalmente
também como acompanhamento para canto, mas nessa
função nada faziam senão duplicar a voz [...] Contudo durante
o século XVI, os compositores passaram a ter cada vez mais
interesse em escrever músicas para instrumentos – não apenas
danças, mas peças destinadas a serem simplesmente tocadas e
ouvidas. (p. 29).

Percebe-se a importância dos instrumentos musicais de modo geral


nesta época, e as futuras mudanças que principalmente os instrumentos de
sopro receberam. Nesta perspectiva Silva (2011) descreve que:
A flauta doce sobreviveu como um instrumento profissional no
século XVIII e como um instrumento amador no século XIX,
até ser trocada pela flauta transversal temporariamente. O
declínio da flauta doce se deu por inúmeros motivos, entre esses
se destaca a mudança dos espaços utilizados para concertos, a
reconstrução na fabricação de alguns instrumentos, os quais
ficaram mais potentes sonoramente, a ampliação do tamanho
das orquestras, entre outros. (p. 26).

Antes do Romantismo (1810 – 1910) os instrumentos eram de certa forma


mais “rústicos”. Sua afinação poderiam variar dependendo do instrumento e
os próprios recursos eram escassos neste período. Então, a partir do
Romantismo os instrumentos de sopros ganham mais agilidade com os
sistemas de chaves e válvulas, bem como um melhor desenvolvimento do
material, melhorando questões de técnica do executante e afinação, dando
suporte para o intérprete com esses novos recursos (Bennett, 1988, p. 58).
No Brasil Colônia, a flauta e outros instrumentos foram utilizados
principalmente com funções artísticas e de musicalização. Bagagem
advinda da Europa, onde com a chegada de imigrantes começaram a
formar um movimento de música antiga no Brasil, de forma amadora,
porém ganhando adeptos durante o tempo. Segundo Paoliello (2007):
[...] a flauta doce se estabelece no Brasil como instrumento
artístico, através dos grupos de música antiga e, simulta-
neamente, como instrumento de iniciação musical, através
do trabalho pioneiro de Helle Tirler (p. 34).
Anais

Hoje em dia, a flauta doce ou a família das flautas estão nos mais
diversos espaços musicais sejam eles especializados no ensino de música
ou não, facilitando assim o acesso dos mais variados públicos a esse tipo 241
de instrumento.

DESENVOLVIMENTO DAS AULAS


As aulas ministradas pelo autor desta pesquisa foram realizadas no setor 21
(uma das periferias de Campo Grande/MS), onde verificou-se o ambiente e
recursos disponíveis para a prática de tais atividades. Percebeu-se então, que
a sala disponível para aula possuía recursos como ar-condicionado, aparelho
de som e um espaço físico razoavelmente compatível com a quantidade de
alunos no início. A falta de uma lousa em primeiro momento dificultou as
primeiras aulas, sendo resolvido esta questão, três semanas depois.
Com isso, o pastor responsável pela igreja já tinha sido informado pelos
organizadores do projeto e já tinha feito um cadastro dos alunos que
gostariam de fazer aulas de música. Tudo com a autorização dos
responsáveis por cada educando.
Blazina (2013) comenta que:
O ensino da música na igreja, faz com que os alunos tenham
um maior envolvimento com sua congregação. Por vezes
cantando em corais ou grupos de louvor, por outra, tocando
nos cultos e na orquestra, este grande envolvimento faz com
que o aprendizado musical tenham um objetivo inicial comum
para todos os alunos. [...] o principal objetivo de participar
das aulas de música é poder tocar nos cultos e na orquestra da
igreja. (p. 32).

Percebe-se a importância da musicalização dentro da igreja, pois


segundo a citação acima, faz com que os participantes sintam vontade de
louvar/adorar nos cultos através dos conhecimentos que estão adquirindo
nas aulas, fazendo com que, em geral, torne-se algo prazeroso para esses
alunos.
Assim, na primeira aula os alunos foram alertados quanto às obrigações com
o projeto, seus deveres enquanto estudantes de música, e foram distribuídos os
materiais (flauta e apostila) que ficaram, a partir daí, sob a responsabilidade dos
mesmos, bem como de seus responsáveis. Com isso, algumas perguntas foram
realizadas pelo professor, buscando compreender a vivência musical de cada
um. Tais como: “Você já estudou música antes?” Se já, “qual foi o instru-
mento?” “Possui alguém na família que toca algum instrumento musical?”
“Você sabe ler partitura?” “Sabe tocar flauta?” “Quais são os seus objetivos com
a música?”. Estas entre outras perguntas fizeram parte do nosso primeiro
contato, e assim consegui obter uma prévia noção de qual experiência e/ou
bagagem musical cada um.
Nas primeiras aulas busquei não utilizar a partitura para não desmotivar
os alunos com aulas teóricas logo no começo. Entretanto, as aulas eram
estruturadas sendo seus primeiros 30 min teoria musical (normalmente
com leituras não convencionais), e os últimos 30 min, a prática na flauta.
Utilizando a metodologia proposta no método, iniciou-se a digitação
dos alunos a partir da nota Si, visto que a mesma encontra-se em uma
região confortável do instrumento. Em seguida apresentou-se as notas La,
Sol, Fa, Mi etc. até o Do, fazendo um caminho descendente das notas
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

musicais. Desta forma, os alunos obtiveram uma noção básica das notas da
flauta doce. E assim, aula após aula, estas posições foram retomadas em
242 grupo. Apenas em alguns casos raros, tive de dispensar ou iniciar a aula
mais cedo para atender as dificuldades de alguns alunos, sendo estas
dificuldades principalmente na prática musical.

Figura 1. Turma de flauta doce do setor 21. Fonte: acervo pessoal.

Quanto ao ensino coletivo de flauta doce como de outros instrumentos


musicais, Oliveira (2002) em Cruvinel (2003) diz que:
O aprendizado musical em grupo é agradável pelas seguintes
razões: o aluno percebe que suas dificuldades são compartilhadas
pelos colegas, evitando desestímulos; o aluno se sente, logo no
início dos estudos, em uma orquestra ou num coral e ao
conseguir executar uma peça a sua motivação aumenta; o aspecto
lúdico do ensino coletivo (sendo bem direcionado pelo professor)
se torna uma poderosa força, auxiliando um aprendizado seguro
e estimulante; e por fim, a qualidade musical no estudo em grupo
é muitas vezes superior se comparado ao individual, contribuindo
para que o processo de aprendizagem seja acelerado. (Oliveira,
2002 em Cruvinel, 2003, p. 51).

Ou seja, o ensino coletivo promove a democratização, socialização, faz


com que seus agentes trabalhem mutuamente, onde trabalhado de
maneira reflexiva tende a ser um modelo de ensino transformador segun-
do Cruvinel (2003).
Em perspectiva similar Paoliello (2007) discute que:
A utilização da flauta doce nas aulas de iniciação musical pode
ser muito eficiente quando bem orientada, por proporcionar
uma experiência com um instrumento melódico, contato com
a leitura musical, estimular a criatividade – com atividades de
criação – além de auxiliar o desenvolvimento psicomotor das
crianças e trabalhar a lateralidade (com o uso da mão esquerda
e da mão direita). Possibilita ainda a criação de conjuntos,
ajudando a despertar e desenvolver a musicalidade infantil e o
gosto pela música, melhorando a capacidade de memorização
e atenção e exercitando o físico, o racional e o emocional das
crianças. (p. 32).

Na citação acima, apresenta-se a importância da flauta doce como


instrumento de iniciação musical. Pode ser desenvolvido no contexto
escolar como em ambientes formais e informais ao ensino de música,
Anais

visando desenvolver as questões apresentadas acima principalmente pelo


fato de que a flauta doce é um instrumento mais acessível, tendo em vista
o baixo custo, se comparado a outros instrumentos musicais. 243
No decorrer das aulas, consegui colocar os alunos num mesmo nível
técnico. Desta forma, em determinado momento foram avisados que ao tér-
mino do curso teriam ao menos um recital (fora da igreja) para realizarem.
O mesmo foi colocado para todas as outras Congregações, onde haveria um
ensaio geral antes do referido recital. Então, músicas como Firme nas
Promessas, Meu Redentor e Um Pendão Real de cunho evangélico fizeram
parte dos ensaios semanais para o recital de fim de curso.
A partir deste momento, os alunos tinham cada vez mais obrigações e
tarefas a serem cumpridas, e para isso, exercícios de leitura rítmica,
melódica, provas teóricas e práticas foram desenvolvidas procurando esti-
mular a prática musical entre os educandos.
Depois de apresentar as figuras musicais (até a colcheia), suas respectivas
pausas, e como funcionam distribuídas no pentagrama, dificuldades em
relação a leitura melódica foram os principais problemas. Então, durante
grande parte deste processo optei por escrever o nome das notas em cima
de cada figura musical. Isso de certa forma ajudou os mesmos na
execução.

Figura 2. Música Firme nas Promessas. Fonte: acervo pessoal.

Com o caminhar das aulas alguns alunos começaram a ter excesso de


faltas. Isso foi verificado juntamente com a coordenação do projeto, visando
diminuir índice de evasão no projeto. Os pais foram comunicados, buscan-
do verificar o motivo da ausência dos alunos e se continuariam nas aulas.
Em geral, percebi que a falta de estímulo, interesse e compreensão por parte
dos pais foi um dos pontos que contribuíram para que os alunos desistissem
do projeto. Mesmo assim, com mais da metade dos alunos os ensaios gerais
e recital foram tidos como pontos importantes pelos que continuavam,
fazendo dos ensaios um ambiente prazeroso e propício ao diálogo musical.
No ensaio geral todos os alunos com seus respectivos professores se
reuniram na igreja ADM sede central, lugar onde ocorreu o ensaio final
das três peças, pré-estabelecidas pelos professores em comum acordo.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

244

Figura 3. Ensaio geral dos alunos de flauta doce. Fonte: acervo pessoal.

Nesse encontro, foram trabalhadas questões de andamento, de como se


portar ao estar prestes a se apresentar, questões de leitura musical como as
fermatas (a importância de quando chegar nelas prestar atenção total ao
professor/regente), afinação etc. Foi primordial para que os alunos e pro-
fessores pudessem tirar as dúvidas existentes antes do recital.
Assim, o recital foi apresentado de forma esperada agradando os pais dos
alunos e os próprios alunos, onde era de notória percepção a alegria dos
educandos por terem concluído o curso de flauta doce. Algo importante
neste dia, foi que aulas antes do recital os alunos tinham sido avisados que
nesta data deveriam fazer a devolução da flauta e apostila, e após a apre-
sentação notou-se uma dificuldade dos alunos em aceitarem o fim do
projeto naquele momento. Logo, nós professores, deixamos claro aos
mesmos que este não seria uma despedida do projeto, e sim que estavam
aptos a prosseguirem em um outro módulo ou instrumento.

CONCLUSÃO
Assim, diante da literatura encontrada percebe-se a importância e o papel
da música na igreja, onde é vista como uma ferramenta para adoração
durante todo o processo do culto, e como uma forma de evangelização
fazendo com que crianças, jovens e adultos busquem muitas vezes dentro
da igreja meios que atendam suas expectativas musicais diante do louvor.
O método disponibilizado pelo projeto supriu em partes às necessidades
dos educando do setor 21 (vinte um). Visto que, diante das observações
realizados pelo autor desta pesquisa, durante o processo de ensino
aprendizagem, as aulas foram adaptadas seguindo as prioridades e a
realidade dos alunos.
O aproveitamento dos alunos do setor 21 (vinte e um) foi de grande valia,
pois mesmo com um número considerável de jovens que se evadiram das
aulas, o curso chegou em seu resultado final com qualidade na apresentação
realizada pelo setor 21 (vinte e um), bem como nos setores três, cinco, nove,
quinze e vinte e três, podendo afirmar que o curso procurou agir de forma
transformadora segundo Cruvinel (2003) para com os alunos.
Anais

Foi concluir com satisfação o trabalho desenvolvido no segundo


semestre de 2017, ficando como ponto de discussão e reflexão as
melhorias que devem ser abordadas e realizadas no Projeto Muca para sua 245
segunda edição.

Figura 4. Momento e pós recital. Fonte: acervo pessoal.

Em uma rápida reflexão vivenciada através de algumas entrevistas


realizadas Bellochio e Souza (2015), uma das professoras entrevistadas
destacam:
Que a gente não consegue viver a arte sem se entregar. A
relação que isso tem conosco. A gente não pode fazer isso sem
ser de verdade. Então, quando eu penso em flauta doce e em
seu ensino, eu vejo que isso não é dissociado do resto da
minha vida. Não tem. Senão seria mentira. (EN II) (Bellochio
& Souza, 2015, p. 09).

A citação acima relata a questão emocional principalmente do professor,


isso quer dizer que antes de diversas questões sejam elas sociais, econômicas,
políticas etc., o estar bem consigo mesmo(a) transfere para o ambiente bem
como para os alunos uma sensação de gozo (bem estar). É uma questão de
preparação, que em sua maioria nasce influenciada pelo meio que está
inserido. Isto sem dúvidas é transmitido para os alunos, uma boa preparação
do educador faz com que seus alunos sejam estimulados, havendo assim
cooperação, dinamismo e uma motivação nos educandos para com a aula e
conteúdo.

Referências
Bellochio, C. R., & Souza, Z. A. (2017). A flauta doce na vida de professores de música:
pensamento e trajetórias narradas/ouvidas. 37ª Reunião Nacional da ANPED – 04 a
08 de outubro de 2015, UFSC, Florianópolis/SC. Recuperado de:
http://www.anped.org.br/sites/default/files/trabalho-gt24-4284.pdf
Bennett, R. (1988). Uma breve história da música. Trad. Maria Teresa Resende Costa.
Rio De Janeiro: Zahar.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Blazina, F. M. R. (2013). O ensino e a aprendizagem musical na Igreja Evangélica


Assembleia de Deus em Portal Alegre. Monografia em Especialização em Pedagogia
246 da Arte. Porto Alegre. Recuperado de:
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/71649/000879474.pdf?sequen
ce=1
Cruvinel, F. M. (2003) Efeitos do ensino coletivo na iniciação instrumental de cordas: a
educação musical como meio de transformação social. Dissertação em Música na
Contemporaneidade, Goiânia.
Golçalves, W. J. (2017). Fundamentos do tcc: Teoria e prática. Academia de Letras
Jurídicas do Estado de Mato Grosso do Sul. Campo Grande/MS.
Paoliello, N. O. (2007). A flauta doce e sua dupla função como instrumento artístico e de
iniciação musical. Monografia (Licenciatura Plena em Educação Artística –
Habilitação em Música) – Instituto Villa-Lobos, Centro de Letras e Artes,
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Recuperado de:
https://docplayer.com.br/90917-A-flauta-doce-e-sua-dupla-funcao-como-
instrumento-artistico-e-de-iniciacao-musical.html
Silva, A. R. (2011). A flauta doce como recurso de musicalização e inclusão social na banda
de Cruzeta. Monografia - Universidade Federal do Rio Grande do Norte Escola
de Música Curso de Licenciatura em Música. Natal/RN. Recuperado de:
https://docero.com.br/doc/e01e8x
Anais

MAIO 30 | May 30
SESSÃO L8
Comunicações Orais | Oral Presentations
247

SALA 4, 14h
Coordenadora da sessão | Session Chair: Rosane Cardoso de Araujo

14:00
O papel de cantar na vida quotidiana dos adolescentes
Graça Boal-Palheiros, Ana Bertão

14:30
Estudio exploratório Brasil-Colombia. Auto-percepciones de
eficacia en pruebas orales de lectura musical: material estudiado vs.
primera vista
Pedro Omar Baracaldo

15:00
Coro infanto juvenil: contribuições para o desenvolvimento
cognitivo e psicossocial
Ana Lucia Iara Gaborim-Moreira, Keyla Lima Brito e Silva, Vanessa
Araújo da Silva
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

O papel de cantar na vida quotidiana dos adolescentes


248 (Resumo)
Graça Boal-Palheiros (gbpalheiros@ese.ipp.pt)
Ana Bertão (anabertao@ese.ipp.pt)
Escola Superior de Educação, Politécnico do Porto (Portugal)
Problema/questão
Os contributos da música para o desenvolvimento identitário e emocional dos adolescentes têm sido
realçados em diversos estudos que enfatizam a importância da prática musical (ouvir, cantar, tocar) nas
relações interpessoais e na gestão dos estados emocionais (Hargreaves & North, 1999) durante a
adolescência, facilitando a comunicação intra e interpessoal (Welch, 2011). Embora possa ser vivenciada
como uma experiência negativa em contextos muito competitivos (Mito & Boal-Palheiros, 2013, 2017),
a atividade de cantar, geralmente, traduz-se numa vivência catártica, com impactos positivos para os
adolescentes. A adolescência é um período marcado por grandes transformações (físicas, emocionais,
cognitivas e sociais) que se expressam no modo como os adolescentes se sentem, se relacionam, vivem e
olham o mundo. O grupo de amigos qualifica-se como um espaço real privilegiado de identificação,
enquanto a família é questionada na luta contra a dependência infantil (Blos, 1985; Fleming, 2005; Matos,
2002). Neste período, a música ganha novos significados como elo de ligação interna e externa, como
meio de acesso aos outros e a si próprio, como possibilidade de identificação aos modelos idealizados. A
música e, especificamente, a letra e a melodia de uma canção, no ato de cantar, parecem poder constituir-
se como uma bússola para os adolescentes.
Objetivos
Este estudo sobre o papel de cantar na vida dos adolescentes investigou as percepções dos adolescentes
sobre a prática de cantar na vida quotidiana e o papel do canto na construção da identidade.
Método
Participaram vinte adolescentes de 13 e 14 anos de idade, de ambos os sexos, a frequentarem escolas
públicas. A metodologia utilizada foi a entrevista semi-estruturada, com perguntas abertas sobre as
razões e o significado de cantar, e as experiências de canto. As entrevistas foram gravadas e transcritas
na íntegra. O tratamento dos dados foi feito através da análise de conteúdo (Bardin, 2011). A definição
das categorias e subcategorias foi, primeiro, realizada por cada investigadora separadamente, e a grelha
final foi construída pelas categorias comuns às duas investigadoras, mantendo-se um espaço em aberto,
para permitir o registo de observações entendidas como pertinentes para o estudo.
Resultados
Os resultados revelam que a maioria dos adolescentes desfrutam do prazer de cantar, sozinhos ou
com amigos, tendo começado a cantar ainda em crianças, junto das suas famílias. Mesmo que
alguns revelem uma perceção negativa das suas capacidades vocais, para a maioria deles cantar é
muito importante porque, entre outras razões: proporciona companhia, prazer e felicidade;
permite aprender as letras de canções estrangeiras (inglesas) e a respetiva língua; e mantém a
tradição, reforça a identidade coletiva, e o sentimento de pertença a um país.
Conclusões
Em suma, os adolescentes reconhecem os benefícios de cantar para lidar com estados emocionais,
na comunicação intrapessoal e nas relações interpessoais, e como experiência de aprendizagem.
Palavras-chave
Adolescentes, cantar, identidade, vida quotidiana.
Referências
Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70.
Blos, P. (1985). Adolescência. Uma interpretação psicanalítica. Rio de Janeiro: Martins Fontes.
Fleming, M. (2005). Adolescent autonomy: Desire, achievement and disobeying parents
between early and late adolescence. Australian Journal of Education and Developmental
Psychology, 5, 1-16.
Hargreaves, D.J. & North, A. (1999). The functions of music in everyday life: redefining the
social in music psychology. Psychology of Music, 27, 71-83.
Matos, A C. (2002). A adolescência: o triunfo do pensamento e a descoberta do amor. Lisboa:
Climepsi.
Mito, H., & Boal-Palheiros, G. (2013). Why do young people sing differently in everyday life
scenarios and at school?. The Phenomenon of Singing, 9, 172-178.
Mito, H., & Boal-Palheiros, G. (2017). Factors affecting the formation of adolescents’ singing
style: A study on Japanese and Portuguese adolescents. International Journal of Creativity in
Music Education, 5, 114-144.
Welch, G.F. (2011). The benefits of singing for adolescents. Sing Up The Secondary Singing
Handbook: The benefits of singing. London: Sing Up.
Anais

Estudio exploratorio Brasil-Colombia -


Auto-percepciones de eficacia en pruebas orales de 249
lectura musical: material estudiado vs. primera vista
Pedro Omar Baracaldo1
1
Departamento de Música, Universidad de los Andes, Colombia
1
pbaracal@uniandes.edu.co

Resumen
Los estudiantes de primer año a nivel superior necesitan el desarrollo de herramientas de aprendizaje
eficientes ante los nuevos retos de formación. La auto-percepción de la eficacia resulta de particular
importancia en estos procesos de enseñanza-aprendizaje donde es importante que el estudiante esté
en condiciones de generar estas herramientas (Sáiz y Alonso, 2008; Pérez et. al., 2010). Uno de los
objetivos en los cursos de entrenamiento auditivo es el desarrollo de la lectura musical a primera
vista. Aquí se les propone alcanzar unas metas que requieren la construcción de sistemas de estudio
eficientes para monitorear el estado de este aprendizaje. Sin embargo, muchos encuentran
obstáculos en estos procesos, sobretodo si traen escasa formación teórica (Sobreira, 2013), lo cual les
dificulta establecer relaciones directas entre lo auditivo, su voz (como instrumento musical
mediador), lo teórico y el uso adecuado del sistema de notación. Es aquí donde deben comenzar a
construir, en forma eficiente, herramientas que les permitan establecer dichas relaciones. Se propone
usar sus auto-percepciones para evaluar y comprender mejor el estado de este aprendizaje.
Palavras-chave: Auto-percepciones de eficacia, aprendizaje musical, primera vista.

Abstract
Students in first year of superior education level need to develope eficcient learning tools to face the
new education goals. The self-perceptions of efficacy are of special value in this learning trek,
because in the process of building these new tools, they need to monitor the success and utility of
this work (Sáiz y Alonso, 2008; Pérez et. al., 2010). The development of sight-singing is one of the
principal targets in musical training courses. However, some students find difficulties, especially if
they have a scarce theoretic formation (Sobreira, 2013). This issue hinders the process of
establishing relations between hearing, voice, theory and the notation system. From this point the
students have to build efficient learning tools that allow them the aforesaid relations. This work
proposes to use student self-perceptions of efficacy in order to better assess and understand his or
her learning state.
Keywords: Self-perceptions of efficacy, musical learning, sight-singing.

INTRODUCCIÓN
En primera medida debo agradecer a Dios, nuestro creador, por la gran
oportunidad que me fue dada para trabajar con el maestro Francisco
Gonçalves de la UFPR quien abrió las puertas de sus cursos de entrenamiento
auditivo para que pudiese realizar este proyecto. También debo agradecer a
la profesora Rosane Cardoso quien fue mi anfitriona durante el período de
intercambio con el grupo de investigación PROFCEM de la UFPR, del cual
fui beneficiario durante la primera parte del año 2017. Fue en este período de
intercambio donde se cristalizó la idea que presentaré a continuación.
Este es un trabajo que surgió dentro del aula y se espera que los
principales beneficiarios sean los mismos estudiantes de estos cursos. Nace
de observar las pruebas orales de lectura musical de los estudiantes de los
cursos de entrenamiento auditivo. En estas pruebas se dan dos condiciones
principalmente: una parte de la prueba evalúa materiales estudiados previa-
mente, es decir, revisa el estado de preparación de ejercicios de solfeo en
términos de interpretación del ritmo, de las alturas y de los aspectos básicos
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

que influyen para hacer una lectura comprensible de un texto musical. Por
otro lado, observa la aplicación de esas habilidades demostradas en la primera
250 parte, en ejercicios no estudiados previamente y de nivel similar.
Es necesario resaltar que los estudiantes utilizan su voz para demostrar
estas habilidades de lectura y en la mayoría de los casos, la voz no es su
instrumento principal lo cual limita, en una amplia gama, la demostración
de sus habilidades y la calidad de su ejecución musical.
Los profesores de estos cursos esperamos que haya un efecto positivo
entre los ejercicios estudiados previamente y los materiales a primera
vista. Pero esto también depende de las decisiones que los estudiantes
tomen al respecto, es decir, de la calidad de las prácticas que realicen para
resolver estos trabajos. También esperamos que las orientaciones sobre
estas experiencias los habiliten para desarrollar una metodología de trabajo
que les permita obtener unas experiencias exitosas al leer a primera vista,
esperamos que puedan construir herramientas de aprendizaje eficientes.
Hay similitudes en las condiciones de los estudiantes que ingresan al primer
curso de entrenamiento auditivo tanto en la UFPR como en Uniandes. En
ambas instituciones se reciben estudiantes sin formación teórica musical
anterior y con poca o ninguna experiencia en la lectura musical con partitura.
Vale la pena subrayar que esta es una tendencia que se viene dando en
muchas instituciones aún en países del primer mundo, donde los estudiantes,
cada vez en mayor número, llegan con una menor preparación teórica para
iniciar estudios a nivel superior (Moreno y Brauer, 2007). Esta condición
permitió hacer la misma observación en las dos instituciones. Esta condición
también supone que en este primer curso los estudiantes deben construir las
herramientas de aprendizaje necesarias para integrar, por primera vez, los
conocimientos teóricos y las prácticas de lectura necesarias para habilitar y
desarrollar su lectura a primera vista.
En consecuencia, el objetivo definido para este proyecto es el uso de
auto-percepciones de eficacia para una valoración y mejor comprensión
del estado de preparación del estudiante en la presentación de pruebas
orales de lectura musical con materiales conocidos y materiales nuevos
(primera vista), en estudiantes de primer año de un programa de música
a nivel superior.

FUNDAMENTACIÓN TEÓRICA
Los estudiantes que ingresan a la universidad se enfrentan a nuevos retos
de aprendizaje, deben ajustar o modificar sus estrategias para resolver los
nuevos problemas en los nuevos contextos que se les presentan. De acuerdo
con Bolívar y Rojas (2014) ahora es diferente la forma en que adquieren sus
conocimientos debido a que las exigencias son mayores, asimismo la forma
como ellos se perciben influye en su rendimiento académico. En particular,
los contenidos para el desarrollo de la lectura musical a primera vista les
presentan, a estos nuevos estudiantes, unos retos que para la mayoría son
nuevos. Para muchos es la primera vez que tienen que resolver unos
materiales con un instrumento (su propia voz) que no es su instrumento
principal o por lo menos no es el instrumento en el que se siente más
cómodo, muchas veces es un instrumento difícil de controlar y que no le
suena muy musical. Se suma a esta inexperiencia la poca o nula formación
Anais

teórica lo que lo hace más difícil de abordar, ya que la integración de los


conceptos con la práctica musical presenta dificultades a muchos de ellos
(Sobreira, 2013). Parece que no hay una fórmula 100% segura para lograr 251
esta integración.
En este trabajo se usa la definición de autopercepción presentada por
Bolívar y Rojas (2010). Es la percepción que tienen las personas de sí
mismas en un momento determinado. Hace referencia a un conjunto de
creencias sobre el yo e implica una autoevaluación. Aparece a partir de
experiencias vividas en diferentes contextos. Contribuye en gran medida
con la formación de la personalidad (Peralta y Sánchez, 2003).
En la literatura se encuentra el término autoconcepto como sinónimo
de autopercepción.
En su investigación, Bolívar y Rojas (2010) hacen una investigación de
cómo se autoperciben estudiantes que inician estudios a nivel superior.
Reportan que hay una relación importante entre el autoconcepto positivo
y la forma de aprender.
García y Salvador (2006) en su artículo hacen una revisión bibliográfica
amplia sobre la autopercepción de la eficacia en la escritura. Señalan que la
autopercepción de la eficacia es un concepto que se debe a Bandura (1977):
“es un componente esencial de la teoría social cognitiva y un importante
predictor del éxito académico de los estudiantes”.
Realmente la traducción más aceptada por algunos autores en español
y en portugués es ‘creencias de autoeficacia’. Bandura afirma que, entre
los mecanismos de la voluntad de una persona, ninguno es más central o
penetrante que las creencias de las personas en sus propias capacidades
para ejercer control sobre sus niveles de funcionamiento y las demandas
del ambiente (Bandura et al., 1996).
Y son estas creencias las que influyen en todos los aspectos de una
persona, incluyendo su desempeño académico.
Algunos autores han establecido relaciones estrechas entre las auto-
percepciones y otras corrientes de la investigación en el campo de la
cognición y el aprendizaje. Asi, por ejemplo, en los procesos meta-cogni-
tivos se pueden distinguir al menos dos aspectos que los caracterizan y que
se relacionan con las autopercepciones: primero el conocimiento o la
conciencia de los procesos cognitivos y segundo el control o la regulación
de dichos procesos para el aprendizaje (Flavell, 1979);
Nelson y Narens (1990) en el marco de sus investigaciones en meta-
memoria desarrollaron tres principios abstractos que explican los procesos
metacognitivos. El primer principio menciona que los procesos cognitivos
pueden separarse en dos o más niveles que se interrelacionan y los deno-
minaron meta-nivel y nivel-objeto. El segundo principio declara que el
meta-nivel contiene un modelo dinámico (una representación mental) del
nivel-objeto. Como lo demostraron Conan y Ashby (1970), este concepto
de meta-nivel tiene sentido en un sistema dinámico que cambia de estados
hasta alcanzar un estado deseado o un estado-meta.
El tercer principio establece que hay dos relaciones dominantes
llamadas ‘control’ y ‘monitoreo’, que dependen de la dirección del flujo
de la información.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Zimmerman (1990) señala que es ampliamente reconocida la impor-


tancia del papel que juegan las iniciativas personales en el aprendizaje. Desde
252 el marco de la autorregulación del aprendizaje destaca la importancia de
promover procesos autorregulatorios en todos los estudiantes para obtener
un mejor desempeño académico. Encontró, observando estudiantes con
altos niveles de rendimiento académico, que ellos ven la adquisición del
conocimiento como procesos sistemáticos y controlables, que aceptan su
responsabilidad como gestores de su propio aprendizaje. En un sentido
afirma que es necesario promover, afirmar o desarrollar, en el estudiante, una
conciencia sobre los procesos cognitivos que habilitarán y potenciarán su
rendimiento académico. Por tanto, en su modelo teórico considera ciclos de
procesos metacognitivos, de control y monitoreo internos.
Las autopercepciones han sido usadas para investigar la construcción
de conocimiento y el logro de metas académicas (Garelo, 2008) “Las
autopercepciones parecen que toman forma en dominios o áreas de
conocimiento específicas, sensibles a los contextos académicos.”
También han sido utilizadas para estudiar competencias tanto en
estudiantes (Escamilla-Cruz, et.al., 2012) como en docentes (Mas-Torelló
y Olmos-Rueda, 2016).
El uso de autopercepciones como instrumento de investigación permite
poner de manifiesto dificultades de aprendizaje y puede ser una herramienta
complementaria a la evaluación del estudiante (Rodrigo-Alsina y Almiron,
2013).

METODOLOGÍA
En este estudio participaron 65 estudiantes de cursos entrenamiento
auditivo de primer año de estudios a nivel superior, de dos instituciones
diferentes, distribuídos de la siguiente forma: 41 estudiantes de un primer
curso de entrenamiento auditivo de la Universidad Federal de Paraná,
UFPR, en Curitiba, Brasil. 24 estudiantes de un primer curso de entrena-
miento auditivo de la universidad de los Andes, UNIANDES, en Bogotá,
Colombia. Antes de que estos estudiantes entraran a presentar una prueba
oral de lectura musical, se les aplicó una encuesta de 15 items con una escala
Likert de 5 niveles. La prueba consistió en la evaluación de ejercicios de
lectura musical preparados en casa y en ejercicios de lectura a primera vista,
es decir, no estudiados con anterioridad.
Se diseñó un cuestionario con quince afirmaciones, distribuídas en tres
secciones, así:
- Afirmaciones generales sobre su estado de preparación para la prueba.
- Afirmaciones sobre su estado para la presentación de los materiales
estudiados.
- Afirmaciones sobre su estado para la presentación de ejercicios a
primera vista.
Cada item o afirmación se califica con una escala Likert de 5 niveles.
El cuestionario fue diseñado originalmente en español y se tradujo al
portugués con la ayuda del maestro Francisco Gonçalves de la UFPR.
Se aplicó el coeficiente de Crombach (Wessa, 2017) para medir la
confiabilidad del cuestionario y se obtuvo el siguiente resultado:
Estudiantes UFPR 0.94
Anais

Estudiantes UNIANDES 0.87


El Alpha de Crombach también prueba el efecto de cada pregunta
sobre el resultado de todas en conjunto y para las escalas diseñadas tanto 253
en portugués como en español este análisis dió como resultado que todas
las preguntas se encuentran balanceadas y ninguna ejerce un efecto
negativo sobre el conjunto total.
Se utilizaron las calificaciones obtenidas por los estudiantes durante la
prueba, las cuales fue necesario homologar debido a que la escala Likert
comienza en 1 como el valor mínimo, las notas del profesor en la UFPR
son sobre 100 puntos y en UNIANDES sobre 5, lo que hizo necesaria una
homologación de los datos para permitir un análisis de los promedios
entre las autopercepciones y las calificaciones obtenidas en la prueba.

RESULTADOS
Es el primer estudio que utiliza las autopercepciones como complemento
de la evaluación tradicional de pruebas orales de lectura musical.
Se diseñaron dos cuestionarios, uno en español y otro en português que
sirvieron para levantar los datos principales de este estúdio.
El Alpha de Crombach respalda el diseño y la eficiencia del instrumento
para evaluar autopercepciones de estudiantes (Miranda y Santos, 2017) de un
primer curso de entrenamiento auditivo sobre su estado de preparación

Figura 1. Gráfica de auto-percepciones (barras azules y grises) vs


notas del profesor (barras naranjas).
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

tanto para presentar ejercicios estudiados como a primera vista. Los datos
obtenidos permiten afirmar que los estudiantes en este momento ya han
254 construído unas buenas autopercepciones de lo que los maestros esperan
como resultado, ya que los valores de los datos, en general, no se encuentran
dispersos.
En la figura 1 se observan valores inferiores de las auto-percepciones
(barras azules) en relación con la nota del professor (barras naranjas). Los
valores de los grupos de la UFPR son mas dispersos y mas homogéneos en
UNIANDES, posiblemente por la ausencia de una prueba musical de ingreso
para algunos estudiantes en la UFPR. También se observa que los valores son
mas bajos en primera vista que en el material estudiado. Un posible reto es
encontrar formas de acortar esta diferencia de desempeño.

CONCLUSIONES
El cuestionario da cuenta del objetivo del estúdio, es decir, hace evidente
el estado de preparación de los aspectos consultados, desde el punto de
vista del estudiante.
Las autopercepciones permiten hacer un seguimento individual y
pueden ser especialmente útiles en aquellos casos donde son mucho mas
altas que la valoración dada por el maestro y cuando corresponden a
desempeños por debajo del mínimo esperado.
Solo se realizó solo una medición y algunos autores sugieren hacer varias
con el propósito de establecer cambios positivos o negativos en las auto-
percepciones y poder analizar como se correlacionan con el aprendizaje. No
se sabe como se comporta esta herramienta en estudiantes de otros niveles del
mismo curso donde ya tienen mas definidas sus estrategias de aprendizaje.

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XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Coro infantojuvenil: contribuições para o


256 desenvolvimento cognitivo e psicossocial
Ana Lúcia Iara Gaborim-Moreira1, Keyla Lima Brito e Silva2 e
Vanessa Araújo da Silva3
1,3
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
2
Serviço Social do Comércio, Brasil
1
anaemarcelo440@gmail.com, 2keylalb20@gmail.com,
3
vanessaeducadoramusical@gmail.com

Resumo
Neste artigo, discutimos sobre benefícios do canto coral para crianças e adolescentes, partindo da
observação contínua das regentes do PCIU! (Projeto Coral Infantojuvenil da UFMS - Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul) e do Coral infantojuvenil do SESC (Serviço Social do Comércio) —
unidade Lageado/MS. Procedemos a uma pesquisa sobre os impactos da atividade coral no
desenvolvimento global dos coralistas, considerando a autopercepção das crianças e adolescentes e os
relatos e depoimentos informais dos pais, ressaltando como a vivência no coro — enquanto propiciador
de conhecimento e de práticas artístico-culturais — pôde causar mudanças e influenciar positivamente
seus filhos. Elaboramos, então, dois questionários estruturados, que foram respondidos voluntariamente
pelos pais e coralistas (de seis a dezesseis anos) que participaram dos dois projetos corais em 2018.
Analisamos as respostas obtidas, identificando e relacionando fatores de crescimento com ênfase nas
áreas cognitiva e psicossocial — como o estabelecimento das relações interpessoais, o favorecimento da
expressão e da comunicação, o fortalecimento da autoestima, a aquisição de conhecimentos e
habilidades, entre outros aspectos que influenciaram no aprimoramento de seu fazer musical. A pesquisa
tem, como principais referenciais teóricos, o estudo de pesquisadores da área coral, que defendem que
“cantar em grupo é uma atividade alegre que promove o bem-estar e melhora a vida dos envolvidos”
(Judd; Pooley, 2014, p.269). Baseamo-nos, também, na teoria psicogenética de Wallon e de seus
estudiosos, considerando que o ser humano é simultaneamente biológico e social, isto é, “sua estrutura
orgânica supõe a intervenção da cultura para se atualizar” (Dantas, 1992, p.36).
Palavras-chave: coro infantojuvenil, aprendizagem musical, desenvolvimento cognitivo,
desenvolvimento psicossocial

Abstract
In this article, we discuss the benefits of choral singing for children and adolescents, based on
continuous observation of the PCIU conductors! (UFMS Children's and Youth Choir Project -
Federal University of Mato Grosso do Sul) and SESC's (Children's Social Service for Trade)
Children's Choir — Lageado / MS unit. We proceeded to a research about the impacts of the choral
activity in the global development of the choralists, considering the self-perception of the children
and adolescents and the informal reports and testimonies of the parents, emphasizing how the
experience in the choir - as propitiator of knowledge and artistic-cultural practices — could bring
about change and positively influence your children. We then elaborated two structured
questionnaires, which were voluntarily answered by parents and choralists (aged six to sixteen) who
participated in the two choral projects in 2018. We analyzed the responses obtained, identifying and
relating growth factors with emphasis on cognitive areas. and psychosocial — such as the
establishment of interpersonal relationships, the favoring of expression and communication, the
strengthening of self-esteem, the acquisition of knowledge and skills, among other aspects that
influenced the improvement of their musical performance. The research has, as its main theoretical
references, the study of researchers from the choir area, who argue that “singing in a group is a joyful
activity that promotes well-being and improves the lives of those involved” (Judd; Pooley, 2014, p.
269). We are also based on the psychogenetic theory of Henry Wallon and his scholars, considering
that the human being is simultaneously biological and social, that is, “his organic structure supposes
the intervention of culture to update itself” (Dantas, 1992, p. .36).
Keywords: children and youth choir, music learning, cognitive development, psychosocial
development

INTRODUÇÃO
Participar de um coro durante o período da infância e/ou adolescência
pode ser, em potencial, um meio de se desenvolver habilidades e compe-
Anais

tências humanas, além de ser uma forma eficaz de aprendizagem musical.


Isso se verifica principalmente de forma empírica e subjetiva, sob a ótica
de regentes que acompanham as crianças e adolescentes na rotina de seus 257
coros.
Neste artigo, enfatizamos os aspectos de desenvolvimento cognitivo e
psicossocial de coralistas, bem como os aspectos do desenvolvimento musical
e artístico, que já se encontram implícitos na prática coral. Quando nos
referimos aos aspectos cognitivos do desenvolvimento, contemplamos os
seguintes fatores:
observação do processo de construção e aquisição de conhe-
cimento, levando em consideração os conhecimentos prévios do
educando; observação dos componentes do ato mental no seu
todo, isto é, funções de atenção e captação; integração e
elaboração; planificação e expressão de informações (Fonseca,
2007, p.10-11).

Com relação aos aspectos psicossociais do desenvolvimento, concebemos


os seguintes elementos:
observação dos relacionamentos sociais e sua influência
no desenvolvimento humano: o entendimento das
emoções, o senso de identidade, a relação da criança na
família, na escola, nos grupos sociais (Mota, 2008, p.15)

Para discorrer sobre estes aspectos, neste artigo, trazemos resultados


iniciais de uma pesquisa em andamento, tendo como objeto de estudo dois
coros infantojuvenis: o Coral do SESC Lageado e o PCIU. As regentes dos
dois coros integram o GPEP — Grupo de Pesquisa em Educação e Prática
Musical — e têm realizado investigações conjuntas na área de Regência
Coral Infantojuvenil.
Como metodologia para coleta de dados, foram aplicados questionários
estruturados, denominados “entrevista”, para os coralistas de seis a dezesseis
anos, que participaram voluntariamente. Cada questão foi elaborada em
uma linguagem de fácil entendimento e devidamente explicada pelas
regentes, levando as crianças a uma reflexão sobre sua participação no coro.
Daí surgiram respostas dissertativas e espontâneas.
Elaboramos um outro questionário, disponível online para os pais das
crianças coralistas dos dois projetos (SESC e PCIU). Desta forma, busca-
mos investigar como os pais percebem os benefícios cognitivos e psicos-
sociais a partir da participação das crianças e adolescentes nos coros. Essa
observação dos pais é bastante significativa, pois os mesmos podem avaliar
de forma mais intensa e progressiva as mudanças dos coralistas, no dia-a-
dia de seus filhos. As respostas dos pais ao questionário também se deu de
forma espontânea, sendo que junto aos pais do SESC obtivemos 13
respostas e junto ao PCIU, obtivemos 39 respostas.

Contextos
Desde 2015, na unidade Sesc Lageado na cidade de Campo Grande-
MS, funciona um Centro de Iniciação Cultural que atende cerca de 350
alunos, oferecendo cursos de ballet e música, destinados à crianças e
adolescentes com faixa etária entre 04 e 16 anos de idade. Nos cursos de
música, as crianças recebem semanalmente uma aula de teoria musical,
uma aula de prática em conjunto e também uma aula em seu instrumento
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

específico. Já na fase intermediária, os alunos podem ingressar nos grupos


de apresentação: Orquestra de violões, Grupo de Percussão, Camerata e
258 Coral Infantojuvenil. O coral tem um caráter cênico, por isso além das
aulas de técnica vocal, solfejo e ensaios, as crianças também desenvolvem
expressão corporal.
A maioria das 50 crianças participantes do Coral do SESC Lageado têm
entre 08 e 13 anos. Isso se dá em função da condição social das famílias
dos participantes, pois a unidade do Sesc Lageado está situada em uma
região periférica de Campo Grande e recebe alunos advindos de famílias
com renda de até 03 salários mínimos. É muito comum a evasão desses
alunos quando completam 14 ou 15 anos, em função de ingressarem em
programas e cursos preparatórios para o mercado de trabalho como
menores aprendizes.
Já o PCIU - Projeto Coral Infantojuvenil da UFMS foi criado em 2013,
a partir da pesquisa de doutorado da regente. Atualmente, o projeto atende
a cerca de 120 crianças, que se dividem em 4 grupos: PCIU Alfa (veteranos
– 07 a 16 anos); PCIU New (06-10 anos), PCIU Mais (11-13 anos) e
PCIUzinho (5 e 6 anos). Os pais das crianças também têm a oportunidade
de participar do projeto cantando, em um grupo criado especificamente
para eles (PCIU Master – regido por uma acadêmica do curso de Música).
No projeto, há o envolvimento dos alunos do curso de Licenciatura em
Música, que participam ativamente como bolsistas e estagiários, nas funções
de monitores, regentes assistentes e instrumentistas.
Ambos os coros têm ensaios semanais e uma rotina intensa de apre-
sentações públicas, em eventos de suas instituições, espaços culturais, enti-
dades ou empresas (públicas e privadas) na cidade de Campo Grande e
entorno. Os dois coros tiveram algumas oportunidades de cantarem
juntos, como nos Encontros de Coros Infantojuvenis realizados em
parceria entre a UFMS e a SEMED (Secretaria Municipal de Educação).

Referenciais teóricos
Para uma melhor compreensão dos aspectos cognitivos e psicossociais do
desenvolvimento infantojuvenil, nos baseamos nos escritos do médico,
filósofo e psicólogo francês Henri Wallon (1879-1962) e nos estudos de
pesquisadores de sua teoria. De acordo com a concepção walloniana, a
motricidade, a inteligência e a afetividade se constroem mutuamente, como
um todo complexo, e permeiam as interações sociais – que funcionam
“como forma de expressão das mudanças evolutivas da criança” (Carmo;
Gualberto, 2017, p.107).
Wallon destaca a importância da participação da criança em um grupo
não somente para a aprendizagem social, mas para o desenvolvimento de
sua personalidade. “é indispensável à criança, não somente para a aquisição
de certas normas, mas também para tomar consciência de suas próprias
capacidades e de seus próprios sentimentos” (Wallon, 1954, p.176).
Assim, nas diversas atividades que fazem parte da rotina de um ensaio
coral infantojuvenil, procuramos explorar o movimento de variadas
maneiras: em brincadeiras que envolvem pulsação, precisão rítmica e
andamento (andando lentamente ou rapidamente na ponta dos pés,
saltitando, abaixando, levantando, deslizando); enfatizando o som e o
Anais

silêncio, onde trabalhamos a atenção e a concentração; utilizando dinâmicas de


socialização, onde os coralistas se apresentam diante dos outros coralistas, em
jogos com seu próprio nome e com o nome de seus colegas, aliados à expressão 259
oral e corporal; em jogos que estimulam a lateralidade, a coordenação motora
e a memória (utilizando percussão corporal, por exemplo); em atividades
musicais de criação e improvisação de motivos rítmicos e melódicos, onde as
crianças são estimuladas a pensar e agir rapidamente dentro de estruturas
espaço-temporais (desenvolvendo o raciocínio e a criatividade). Ressaltamos
ainda, nessas atividades, a importância do trabalho em equipe, a responsa-
bilidade de cada um no grupo, o respeito aos colegas e à equipe de trabalho, e
com isso, desenvolvemos um olhar para as questões humanas e sociais – onde
a afetividade está envolvida.
Já nas apresentações públicas, as crianças são reconhecidas como artistas
— e por isso têm sua autoestima e autoconfiança elevadas. O fato de
apresentar-se em público na companhia de outros colegas deixa o coralista
menos exposto e mais confiante. A atitude do regente é muito importante
nesse processo: deve transmitir segurança e tranquilidade, para que os
coralistas possam enfrentar naturalmente essa situação e aprender a lidar
com suas emoções — principalmente a ansiedade e a expectativa. Cada
experiência de apresentação, portanto, é uma oportunidade única de
aprendizado, pois há uma série de fatores envolvidos que divergem de
uma apresentação para outra. Chevitarese, nesse sentido, ressalta que o
momento de uma apresentação
parece ser particularmente interessante no que diz respeito à
auto-estima. A ansiedade da apresentação em público somada
à excitação de estar conhecendo um novo lugar, é coroada
pela emoção do público, que ao vê-los cantar com qualidade
e a se comportar dentro dos padrões sociais vigentes, reage
com efusivos aplausos, chegando muitas vezes às lágrimas e
fazendo comentários elogiosos ao grupo. Isto faz com que os
cantores se sintam valorizados, aceitos, mais confiantes,
orgulhosos do seu fazer e com sua auto-estima fortalecida
(Chevitarese, 2007, p.154).

Em termos de desenvolvimento musical, o principal referencial de


avaliação das regentes é a performance do repertório, que leva em conta o
desenvolvimento da técnica vocal e a qualidade de interpretação da obra.
Nestes termos, torna-se crucial a atuação das regentes enquanto educadoras,
e consequentemente, facilitadoras do desenvolvimento intelectual, fisioló-
gico e comportamental em relação ao fazer musical. Goetze, Broeker e
Boshkoff (2011, p.65) enfatizam que “um componente essencial de qualquer
proposta coral é o ensino vocal. Como muito poucos jovens coralistas têm
contato com aulas de Canto, o desenvolvimento vocal de cada cantor é
atribuído ao regente-educador — uma incrível responsabilidade, de fato”.
Com relação à interpretação da obra, é importante frisar que acreditamos no
potencial criador e artístico-musical do coro infantojuvenil, dentro de seus
limites e capacidades — embora, nem sempre, isso seja reconhecido no meio
profissional musical. Wis (2007) atribui ao regente-educador a responsa-
bilidade de prover ferramentas e oportunidades para que as crianças se
desenvolvam musicalmente: “confie nas suas crianças. Eles podem fazer
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

aquilo que você ensinar bem. Confie em si mesmo — você encontrará meios
efetivos e criativos para desenvolver esses jovens artistas” (Wis, 2007, p.68).
260
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E PSICOSSOCIAL, NA
PERCEPÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Encontramos respostas muito interessantes — e até mesmo emocionantes
— às entrevistas realizadas com as crianças. Infelizmente, no âmbito deste
artigo, não nos será possível apresentar, na íntegra, a análise dessas respostas.
Sendo assim, dentro de um levantamento parcial de dados, demos ênfase à
questão 7: “Você acha importante cantar neste coral? Por quê?”. Todas as
crianças responderam positivamente, tentando justificar sua resposta.
Agrupamos essas respostas por similaridade em cada coro, chegando aos
resultados apresentados nos gráficos.
Gráfico 1. Respostas dos coralistas do SESC Lageado.

As respostas obtidas são bastante relevantes, porque trazem aspectos


técnicos do desenvolvimento cognitivo, psicossocial e musical dentro da
percepção de alunos tão jovens, que citaram fatores como afinação,
conhecimento musical e desinibição como resposta à sua decisão de
cantar no coral. Pode-se observar que o grupo percebe a importância de
sua participação no coro e tem o sonho de aprender a cantar melhor. Os
integrantes do coro e/ou seus pais ainda afirmaram que percebem, dentro
da rotina de atividades do coral, mudanças psíquicas e cognitivas nos
participantes, expressando-se pelas seguintes palavras: desenvolvimento
da memória, fala, atenção, fruição, percepção auditiva, linguagem, noções
espaciais, diminuição da timidez e do medo da exposição, dentre outras,
confirmando que acreditam na prática coral como uma ferramenta do
desenvolvimento humano.
Algumas crianças mais novas do PCIU não souberam expressar o
porquê, mas acham importante participar do coro, respondendo “porque
sim”. As respostas refletem o nível de maturidade das crianças, mas é
importante destacar que a grande maioria dos coralistas compreendem bem
que um dos objetivos do projeto é ensiná-las a cantar. Nos surpreenderam
as respostas de três crianças, que acham que é importante cantar no coro
para ter algo com o que se comprometer e a isso “dar o seu melhor”. Outras
Anais

interessantes respostas foram: "quero ser cantor(a)"; “aprender música”, “o


coro me deixa feliz”, “melhora a atenção”, “o coro é ótimo”, “aprender coisas
novas”, “aprender músicas novas”, “fazer amigos”, “é divertido”, "cantar é 261
importante”. Uma resposta, em especial, chamou nossa atenção: [o coro] “me
incentiva a nunca desistir". Dessa maneira, podemos classificamos como
satisfatório o trabalho realizado no PCIU, no sentido de manter as crianças
sempre motivadas a aprender e a fazer música.

Gráfico 2. Respostas dos coralistas do PCIU.

DESENVOLVIMENTO MUSICAL, COGNITIVO E


PSICOSSOCIAL, PELA OBSERVAÇÃO DOS PAIS
Através de questionário online, buscamos investigar como os pais das
crianças coralistas dos dois projetos (SESC e PCIU) percebem os benefícios
cognitivos e psicossociais a partir da participação das crianças e adolescentes
nos coros. As respostas se deram de forma espontânea, sendo que junto aos
pais do SESC obtivemos 18 respostas e junto ao PCIU, obtivemos 38
respostas.
Na primeira questão, perguntamos aos pais se as crianças participam dos
coros voluntariamente, e em ambos os coros houve 100% de respostas
positivas - o que já constitui um fator de motivação para o aprendizado.
Analisando as respostas dadas às questões seguintes, concluímos que a
segunda questão era a que mais nos trazia informações relativas ao desen-
volvimento musical, cognitivo e psicossocial. Foi perguntado aos pais: “por
que acham importante que seu filho participe do coro infantojuvenil?”;
nenhuma resposta denotou caráter negativo ou insatisfação dos pais. Ana-
lisamos cada resposta dissertativa, agrupando sinônimos ou palavras que
expressavam ideias ou opiniões semelhantes, e destacamos algumas que nos
pareceram mais interessantes, por sua originalidade. Classificamos as respos-
tas em dois grupos: aspectos do desenvolvimento musical e artístico, e os
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

aspectos do desenvolvimento cognitivo e psicossocial, conforme Tabela 1 (o


número entre parênteses representa quantidade de respostas repetidas).
262
Tabela 1. Respostas dos pais do PCIU e do SESC Lageado

Dois pais expressaram que o coro veio atender às suas necessidades


pessoais: “é a única oportunidade que ela tem de aprendizado, não posso
pagar”; “ela precisa de atividades além da escola”. Outro pai expressou a
confiança e satisfação no projeto: “é um curso coordenado por uma equipe
responsável e um trabalho maravilhoso”. Nestas respostas não houve menção
a aspectos do desenvolvimento infantil, mas destaca-se aqui, mais uma
vez, o caráter social do coro.

Gráfico 3. Avaliação dos pais.


Anais

Ao perguntarmos “como você avalia o aprendizado MUSICAL de seu filho


no coro?”, imaginávamos que os pais responderiam à questão indicando algum
conteúdo musical ou elementos que indicassem aprendizagem musical. 263
Contudo, quase todos os pais interpretaram que deveriam avaliar a qualidade da
aprendizagem. Outra hipótese é que a maioria dos pais nunca estudou música,
portanto, não se sentiu em condições de opinar sobre elementos musicais. Um
dos pais destacou “mudanças nos hábitos musicais e olhares/percepção da
música de outra maneira”, desde que seu filho ingressou no coro. Assim, em
ambos os coros, os pais avaliaram trabalho musical realizado atribuindo notas
ou conceitos (Gráfico 3).
Na perspectiva das regentes, o desenvolvimento musical é bastante percep-
tível, sobretudo no seguintes aspectos: as mudanças no gosto musical (amplia-
ção do repertório conhecido), a identificação de elementos da linguagem
musical (solfejo), melhora na afinação vocal, o aperfeiçoamento da interpre-
tação musical (acrescentando elementos como fraseado, dinâmica e agógica),
interesse pelo aprendizado de um instrumento musical e o refinamento da
percepção musical dos participantes. Em termos de desenvolvimento cognitivo
e psicossocial, constatamos que a possibilidade de participação no coro contri-
buiu para o estabelecimento de novas amizades, desinibição em apresentações
públicas, melhora da postura corporal, conscientização do processo respiratório
para a voz, favorecimento da comunicação (em termos de expressão de ideias,
dicção e linguagem), estímulo à criatividade, convívio saudável em um
contexto de respeito às diferenças pessoais, e até mesmo interferiu positiva-
mente no desempenho escolar, segundo o relato de alguns pais.
Diante das colocações dos pais e das crianças, podemos então concluir
que os coros têm realmente contribuído no desenvolvimento das crianças
e adolescentes, e que há um misto de satisfação, entusiasmo e orgulho nessa
participação. As crianças e adolescentes têm participado com entusiasmo
dos ensaios, têm seu esforço reconhecido e reconhecem o valor e a
importância de aprender a cantar. Nas palavras de Welch,
cantar é uma das formas mais positivas de atividade humana,
dando apoiando a saúde física, mental, emocional e social, bem
como o desenvolvimento individual nas mesmas áreas. O canto
bem-sucedido é importante porque constrói autoconfiança,
promove a auto-estima, sempre envolve as emoções, promove
a inclusão social, apoia o desenvolvimento de habilidades sociais
e permite que jovens de diferentes idades e habilidades se
reúnam com sucesso para criar algo especial nas artes (Welch,
2019)

CONCLUSÃO
Os resultados parciais de pesquisa aqui apresentados revelaram a
autopercepção das crianças e a observação atenta de seus pais, compro-
vando o que as regentes têm percebido na rotina do trabalho coral. As
respostas até superaram as expectativas das regentes, no que diz respeito
ao grau de satisfação dos pais e crianças/adolescentes com relação ao
coro. Isso é importante para a autoavaliação das práticas pedagógicas e
artísticas das regentes, e para que se possa sentir a confiança de seguir
com o trabalho na direção que tem sido tomada.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Sendo assim, podemos afirmar que cantar em um coro é um meio de


aprendizado musical que certamente contribui para o desenvolvimento
264 musical, cognitivo e psicossocial infantojuvenil. Obviamente, o sucesso da
atividade coral depende de uma série de fatores, que não estão ligados só à
capacitação e ao empenho/dedicação do regente, mas também englobam
o comprometimento dos pais dos coralistas, a motivação das crianças e
adolescentes, o envolvimento da comunidade e o apoio institucional.
Podemos dizer que há muito investimento em um coro — de tempo, de
energia, de recursos humanos — mas o mais interessante é que os investi-
mentos financeiros são poucos, em vista da riqueza de benefícios humanos
e dos resultados musicais, artísticos e culturais.

Referências
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introdução. São Carlos (SP): EdUFSCar.
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podium. Chicago (USA): Gia Publications.
Anais

MAIO 30 | May 30
SESSÃO C2
Comunicações Orais | Oral Presentations
265

SALA 5, 14h
Coordenador da sessão | Session Chair:: Gustavo Rodrigues Penha

14:00
Uma música imersa no instante: as contingências na criação
improvisada segundo percepções e concepções de tempo
Manuel Falleiros

14:10
Metáforas do entendimento de harmonia
Mauro Orsini Windholz

14:20
Musicografia Braille: um recurso para compreensão musical da
pessoa cega
Vinicius Alves Maciel

14:30
A prática mental como estratégia de estudos para a construção da
performance musical
Sthevan dos Santos Nunes, Luciane da Costa Cuervo

14:40
Perspectivas de deliberação na prática de um pianista expert
Michele Rosita Mantovani, André da Silveira Loss, Regina Antunes Teixeira
dos Santos

14:50
Possibilidades de categorização para o real e o imaginário na
prática pianística
Renan Moreira Madeira, Regina Antunes Teixeira dos Santos

15:00
Percepção de cadências por graduandos e extensionistas de curso
de Música à luz da teoria ITPRA
Marcelo Ratzkowski, Rafael Puchalski, Regina Antunes Teixeira dos Santos

15:10
A manipulação do andamento na comunicação de emoção no
Ponteio nº 6 de Camargo Guarnieri
Andrei Liquer de Abreu, Regina Antunes Teixeira dos Santos
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Uma música imersa no instante:


266 as contingências na criação improvisada
segundo percepções e concepções de tempo
Manuel Falleiros1
1
Ciddic, Unicamp, Brasil
1
mfall@unicamp.br

Resumo
No geral, improvisação musical tende a ser entendida como sinônimo imediato de “composição
instantânea” ou “música espontânea” (Lathan, 2008; Nettl, 1974). Esta noção tem sido comumente
como chave de compreensão tanto para uma prática quanto para a pesquisa sobre ela. Assim, o tempo
é comumente enunciado pelo ritmo (Tan, Pfordresher, & Harré, 2010) e suas adjacências imediatas,
que inclinam a observação para a identificação dos gêneros musicais. Pretendo fomentar uma noção
do instante e observar como as concepções envolvidas estão mais de acordo com práticas criativas
contemporâneas em improvisação (Canonne, 2016). Para o improvisador é criativamente
determinante o embate que o instante proporciona entre o tempo de khrónos: inexorável, impassível,
devorador da existência; e o tempo de kairós: ação, decisão e ímpeto (Puentes, 2012). Entendendo o
instante a partir dos estudos sobre a consciência de tempo (Specious Present), é possível circunscrever
com maior rigor a área de atuação criativa do improvisador, que reside em suas micro-decisões
(momento-a-momento) (Iyer, 2014). Para Varela (1999), a partir da concepção fenomenológica de
Husserl, vem esclarecer sobre as bases biológicas da retenção, identificação e articulação entre os
momentos que o experienciamos um fenômeno considerado baseado no instante.
Palavras-chave: Improvisação, Temporalismo, Processo Criativo, Percepção, Fenomenologia.

Abstract
In general, musical improvisation tends to be understood as an immediate synonym for "instant
compo-sition" or "spontaneous music" (Lathan, 2008; Nettl, 1974). This notion has commonly been
the key to understanding both practice and research on it. Thus, time is commonly enunciated by
rhythm (Tan, Pfordresher, & Harré, 2010) and its immediate adjacencies, which incline observation
to identify musical genres. I want to foster a sense of the moment and observe how the conceptions
involved are more in line with contemporary creative practices in improvisation (Canonne, 2016). For
the improviser is creatively determinant the clash that the moment provides between the time of
khrónos — inexorable, impassive, devourer of existence — and the time of kairos — action, decision,
and momentum (Puentes, 2012). Understanding the moment from the studies on time-consciousness
(Specious Present), it is possible to circumscribe more accurately the improviser's creative action area,
which resides in his micro-decisions (moment-by-moment) (Iyer, 2014). For Varela (1999), from
Husserl's phenomenological conception, it sheds light on the biological basis of retention,
identification, and articulation between the moments that we experience a phenomenon considered
based on the instant.
Keywords: Improvisation, Temporalism, Creative Process, Perception, Phenomenology.

IMPROVISAÇÃO LIVRE E CONTEXTO


As descrições sobre a improvisação musical comumente se circunscrevem
à um vocabulário que aponta para a ideia de instante como adjetivo que tenta
descrever a qualidade desta música. Improvisação musical como sinônimo de
composição instantânea ou música espontânea (Lathan, 2008; Nettl, 1974) é
comumente aceita na comunidade musical e mais amplamente divulgada
como uma chave de compreensão para o que em sua prática é uma miríade
de processos complexos e interdependentes das múltiplas habilidades envolvidas
e intenções do improvisador, mas que muitas vezes estes estão obliterados
pelo sentido abreviado de “coisa passageira” que tangencia os termos defini-
dores. A improvisação musical, e mais radicalmente a Improvisação Livre,
dependem, conjuntamente a uma multiplicidade de fatores, da percepção e
concepção do performer sobre o momento presente, ou como denomina-
Anais

remos, o instante. Está claro que a criação musical no momento presente é


justamente a condição determinante e qualidade distintiva da improvisação,
contudo as concepções e contingências do instante são pouco consideradas 267
uma vez que os estudo sobre improvisação optam por uma metodologia que
pretende uma modelagem sistêmica. Nesta, muitas vezes a percepção do
tempo e sua relação com a criação musical é representada comumente pela
percepção do ritmo (Tan, et al., 2010) e suas adjacências mais imediatas,
como gêneros musicais que consequentemente inclinam a observação para
as práticas estilísticas.
Nossa referência primeira estará calcada na prática da Improvisação
Livre, uma modalidade de improvisação radical, que pelo seu extremismo
tanto possibilita que o pesquisador se aproxime das fronteiras de uma classe
de fazer musical, quanto expõe suas limitações e, portanto, possibilidades; e
ainda, é um tipo de música que pretende concentrar-se nas relações e
interações criativas fazendo uso de restrições e contingências amplas e
múltiplas.
A improvisação chamada “livre” surge a partir da confluência de dois estilos
que no final dos anos de 1960 não tinham um diálogo comum até então
(Canonne, 2016). Por um lado, a emergência do Free Jazz, expressava no campo
musical um abandono à hegemonia da progressão harmônica: “Para os músicos,
críticos e audiência simpatizantes, a ‘liberdade’ implicada por essas novas abor-
dagens musicais permitia a criatividade livre das constrições harmônicas, formas
e métricas rígidas de estilos de bebop e swing” (Borgo, 2002). Por outro lado,
compositores mais ligados à música acadêmica, inauguram o que poderia ser
descrito como estética da indeterminação, que floresceu através de obras abertas,
partituras gráficas e textuais, entre outras propostas (Canonne, 2016). Além
disso, Costa (2015) nos alerta de que a Improvisação Livre não possui um
discurso centralizador, mas que articula com as práticas contemporâneas a favor
de sua qualidade referencial: a diversidade. “Trata-se de uma prática musical
experimental, empı́rica e coletiva que não se submete diretamente a nenhuma
tendência estética especı́fica, mas que dialoga com várias das práticas musicais
contemporâneas” (Costa, 2015, p.119).
Segundo Canonne (2016), uma das características que envolve a prática da
Improvisação Livre é o fato de os improvisadores tenderem comumente a
aplicar constritores próprios das ações improvisadas, aquelas ações decorrentes
de imprevistos. Com isso o autor quer dizer que na ocorrência de algum
imprevisto próprio das contingências da vida, como por exemplo, alguma
calamidade pública em uma cidade, decorre a mobilização de diversos setores
que normalmente não trabalhariam juntos, um sentido geral de urgência, a
falta de um plano estruturante de ação à longo prazo, a emergência de ações
imediatas de reflexo, a suspensão ou flexibilização momentânea das hierarquias,
uso adaptado de recursos. Musicalmente são diversas formas que os improvisa-
dores empregam para se aproximar suas ações, e algumas vezes o resultado
sonoro como representação, destas qualidades de um conjunto de ações pró-
prias de um momento de imprevisto e situação crítica. Como exemplo de uma
manifestação mais ligada à morfologia sonora típica do Free Jazz é muito
comum observar como a seção rítmico-harmônica e muitas vezes os solistas,
imprimem uma ideia de pulsação frenética, como representante da qualidade
de urgência, e, por parte dos solistas no geral, igualmente se nota a presença de
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

um gesto grave, além da performance e manipulação dos instrumentos que se


estende ao limite técnico, causando comumente descontrole — o que por sua
268 vez se conecta com a ideia de uso alternativo de recursos provocados pela
imediatez que a situação exige — o que por sua vez costuma resultar em uma
sonoridade distante daquela própria que se espera da técnica canonizada. Na
Improvisação Livre estes aspectos são ainda mais radicalizados, como atesta, por
exemplo, a prática comum de um improvisador utilizar instrumentos musicais
que não domina plenamente ou instrumentos por ele mesmo criados a fim de
propositalmente não poder contar com a história de desenvolvimento sobre a
técnica de execução de um instrumento. Apenas neste exemplo anterior, dentre
muitos outros, podemos encontrar a relação dos valores da improvisação se
cruzando com as características das ações improvisadas decorrentes do
imprevisto.
Os exemplos acima poderiam ser reunidos a partir de uma causa comum
para além de compartilharem sua proximidade às qualidades que circuns-
crevem as ações improvisadas. Esta relação — ação improvisada e improvisa-
ção musical‚ — está garantida enquanto estiver sob a ação de três aspectos
confluentes: uma janela temporal reduzida, a urgência da ação decisória e; a
operação de uma quantidade transbordante de elementos díspares para
articulação e interação não determinadas previamente, nem por normalização
nem por experiência. Os dois últimos operariam de maneira completamente
diferente se não estivessem subjugados ao tempo ínfimo de atuação, quer
dizer, se esta janela temporal não fosse reduzida, mas antes alongada, a urgência
se resolveria em ações sequenciais e o volume de elementos díspares atuantes
poderia ser agrupado e organizado em categorias, direcionando e circunscre-
vendo campos, modos e momentos de atuação. Dessa forma, o tamanho da
janela condiciona a qualidade das operações e por isso é que relego importância
para a influência do instante no processo criativo.
Após a segunda metade do século XX, a relação com o tempo se torna
estruturante e prioritária para muitos criadores musicais. Talvez a primeira
mudança significativa tenha sido o advento do rádio que impõe uma ideia
de tempo presente (“ao vivo”) que se dá apenas pelo contraste temporal-
geográfico, dificilmente experimentada anteriormente pela humanidade e
que se expressa pela transmissão sincrônica da informação. Estes limites têm
se tornado cada vez mais presentes e também banais com a popularização de
diversas tecnologias de comunicação. A condição sócio-tecnológica, se-
gundo argumenta Paddison (2010), daria condições para sobrevivência na
época pós-moderna dos elementos das artes vanguardistas dos anos de 1950
e 1960. Segundo Ferraz e Teixeira (2019), a música composta do século XX
busca uma relação com o tempo a partir de concepções conceituais, dentre
elas, a título de exemplo dispomos as concepções de tempo real e diferido,
liso e estriado (a partir de Pierre Boulez); esqueleto, pele e carne do tempo
(a partir de Gerard Grisey), fora-do-tempo, no-tempo e temporal (a partir
de Iannis Xenakis), entre outras. Para além da dimensão da composição, o
tempo da performance musical (dimensão que nos interessa pela sua
qualidade generativa na improvisação), pode ser considerado mais uma
camada de tempo que não necessariamente estaria conectada com o tempo
imaginado pelo composição, uma vez que os movimentos dos dedos, do
arco ou da respiração imprimem uma espécie de “rítmica” própria da
Anais

performance, o tempo da atenção dispensada para a relação de escuta do


imediatamente tocado e a antecipação dos movimentos dilata ou comprimi a
janela temporal, imprimindo desta forma na performance uma outra 269
dimensão temporal que não estará contemplada na realização sonora do
projeto composicional (Ferraz & Teixeira, 2019). Contudo na improvisação,
se observa que estas duas dimensões de tempo — a da performance (na
improvisação) e a do planejamento (na composição) — se cruzam em diversas
instâncias: na relação física do instrumentista com seu instrumento, nos
diversos modos de memória dados pelos anos de práticas, na relação com
outros improvisadores (quando existem), etc.
A importância do tempo presente para uma estética pós-moderna reside
no fato de que sua temporalidade é a do presentismo. Para Paddison (2010)
enquanto o modernismo se caracteriza por um tempo multifacetado e
polifônico ainda assim teleológico, o pós-modernismo por sua vez, a-
teleológico, apresenta sua desfragmentação do tempo a partir de uma série
de presentes perpétuos e continuamente transformados. Assim, ainda se-
gundo este autor, isto se dá através de combinações indiscriminadas de um
passado recente com qualquer tradição – inclusive um desmanche das
fronteiras entre alta cultura e cultura de massa – em um jogo de negação
da história.
Soma-se a este conjunto de noções que discorrem também poeticamente
no provir do processo criativo musical, o fato de que o improvisador lida com
restrições específicas, entre elas, pelo menos uma compartilhada com o
músico intérprete: a experiência do instante em sua qualidade de irreversibi-
lidade, ou seja, a condição de enfrentar o tempo que decorre da performance.
No entanto, este termo marcado e usado como chave para diferenciar os
processos criativos entre composição e improvisação, dispersa sua força
definidora uma vez que o improvisador está imerso em um tempo também
alongado, no qual experimentação, improvisação (ação) e avaliação reguladas
pelo risco, são partes inerentes e constitutivas de um único processo criativo
(Falleiros, 2018) que abarca memórias e reflexões, experimentos e aplicações
práticas, de maneira que tal circularidade de eventos, e portanto sua repeti-
tividade, alonga o tempo de forma a relativizar as questões sobre a criação
como estritamente irrepetível.

OUTRAS QUALIDADES DO TEMPO


Hatten (2006) aponta para uma importante diferença entre tempo e
temporalidade na música, enquanto o primeiro termo relacionado à métrica,
ritmo, andamento, agógica, etc., elementos de importância estrutural e
expressiva na música; e o segundo termo se relaciona a forma de se
caracterizar a experiência temporal em música. Monelle (2000) reforça esta
posição afirmando que métrica e rítmica podem expressar a temporalidade,
mas pouco tem a ver com ela. Para os autores, a temporalidade é uma quali-
dade envolvida com uma cultura. Pensamos o tempo como uma sucessão
linear e sequencial de eventos, como uma partitura que indica para o
intérprete a coreografia sistematizada que seus dedos devem seguir em
combinação com sua experiência para gerar som significante; contudo
dificilmente vivenciamos a experiência musical dessa forma — em ações
pontuais, distintas entre si e sequenciais — somo tomados por uma temporalidade
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

que evoca o passado qualitativo embrenhado em nossas experiências e


prospecta o futuro imaginativo e especulativo, em uma sucessão de “presentes”
270 incessantes, como unidade. Como brevemente discutido anteriormente,
apesar do tempo ser importante em uma dimensão expressiva, a temporalidade
envolve concepções que moldam o processo criativo, que para a improvisação
é um aspecto fundamental visto que a condição imagética é fundamental para
o estabelecimento de uma rede semântica que condiciona o processo de
escolhas do improvisador (Falleiros, 2015). O tempo, portanto, atua na
dimensão da planificação na tentativa de sistematizar a temporalidade como
experiência.
“[...] Os gregos arcaicos pareciam acreditar que as diversas ‘partes’ do tempo
— dias e horas — possuíam diferentes atributos, que elas trouxessem alguma
modificação qualitativa ou que favorecessem particularmente alguma atividade
dos homens.” (Puentes, 2012, p. 25). Sob esta mesma perspectiva, creio que
o entendimento sobre as qualidades do tempo alteram a imagética criativa
(Falleiros, 2015) do improvisador, sendo assim, dentre outras qualidades do
tempo, sustento primordialmente estas concepções a partir do pensamento
da Filosofia antiga que ao longo da história delineou sentidos próprios para
os termos capitulares khrónos e kairós¹ (Puente, 2012). O primeiro, que se
afirma como destino que recai sobre a existência, foi paulatinamente se
aproximando do sentido de “tempo que passa”, ou seja, do tempo como a
observação da sequência de eventos, que nos leva ao sentido mais atual de
cronologia: tempo medido das durações. Na improvisação, a ideia de fluxo
temporal é fundamentalmente importante mesmo quando simplesmente
expressa na emergência dos ritmos empáticos. Já a dimensão qualitativa de
kairós é por sua vez, descrita comumente como o tempo favorável, opor-
tuno, crítico, o momento correto e adequado da ação, espontaneidade,
apropriado, resposta ao imprevisto, medida ou proporção exata e também a
sábia moderação; o termo oportunidade muitas vezes o traduz (Sipiora &
Baulin, 2002). É neste tempo que o improvisador age: observando a
conjuntura, e decidindo o momento em que sua ações-sonoras irão impactar
definitivamente o fluxo musical. Muitos improvisadores que vem de uma
cultura dominada pelo império pedagógico do jazz e, portanto, instruídos sob
um valor de khrónos em sua prática (a perseguição pela representação inces-
sante ao modelo abstrato do chorus e da rítmica empática), se defrontam a
partir de um contanto posterior com a Improvisação Livre, com um tempo
não sequencial, não cronológico, um tempo não segmentado por o “antes-
depois” (causa-consequência), responsivo ou de reflexos reativos; mas antes,
um tempo káiros: “suspenso”, espacializado e panóptico, que exige decisões,
demanda interferência, direção de curso, mudando de forma radical a
temporalidade de sua improvisação.

A EXPERIÊNCIA DO INSTANTE
Para o improvisador é central o embate entre o tempo inexorável
(khrónos), impassível, devorador da existência, e a ação no tempo adequado
(káiros). Uma vez que este embate está localizado no momento presente,
entendendo o instante por via das observações propostas a partir dos estudo
sobre a consciência de tempo (Specious Present²), é possível circunscrever com
maior rigor a área de atuação do improvisador quando estamos decididos à
Anais

compreender o cerne do processo criativo improvisatório que reside nas


micro-decisões, ou as decisões momento-à-momento necessárias para o contí-
nuo fluir criativo (Iyer, 2014). Varela (1999), a partir da concepção feno- 271
menológica de Husserl, vem esclarecer sobre as bases biológicas da retenção,
identificação e articulação entre os momentos que o experienciamos um
fenômeno considerado baseado no instante.
Podemos considerar o presente como um ponto específico que segmenta
o passado e o futuro e se atualiza constantemente sob a linha temporal,
sendo assim esta marca não possui uma duração, mas apenas deslocamento
(Roeckelein, 2000). Varela (1999) nos alerta que o tempo experimentado é
muito diferente do tempo medido pelo relógio, ou seja, o tempo da
experiência não é linear e forma uma textura complexa que é formada por
um centro e bordas, sendo o centro o momento que entendemos como
presente e as bordas formadas pelo passado imediato e pelo futuro suposto,
sendo este centro móvel, em outras palavras, o “agora” consome o futuro e
“escorrega” para o passado. O termo Specious Present se relaciona com
representação de nossa imediata percepção do momento presente e,
portanto, podemos atribuir a isto uma duração. A percepção do movimento
é geralmente utilizada para sustentar a ideia do Specious Present, uma vez que
não percebemos posições estáticas sucessivas, (como os quadros de um
vídeo), mas temos uma noção de movimento que se dá por englobarmos
perceptualmente um momento em outro, ou seja, uma ideia de “todo”.
Porém tanto um movimento muito rápido pode não ser percebido (como
fazem os prestidigitadores), e da mesma forma um movimento muito lento
deve ser concebido imaginariamente (como o movimento dos ponteiros de
um relógio). Dessa forma, a percepção de um momento presente está ligada
a forma como recebemos os estímulos que indicam tal presente e como os
representamos imageticamente, e por isso o presente é enganoso uma vez
que dentro de um mesmo período os eventos podem ser percebidos e
interpretados de distintas maneira de forma que o presente se alongue ou se
retraia nas bordas de sua textura.
Le Poidevin (2019), argumenta que apenas percebemos o presente pois
o futuro é causal e afirma que os eventos episódicos do passado mais
distante devem vir com uma “etiqueta” geralmente emotiva que indique
sua localização temporal, já que, uma vez rememorados irão participar da
textura de percepção do presente. (Le Poidevin, 2019). A condição de
percepção do presente pode estar relacionada ao espaço em que somos
aptos a agir. Nesta ação, quanto mais se está atento ao momento presente
maior a sensação de desaceleração da passagem do tempo³, e em casos
extremos, sua supressão. Estes estados de atenção ocorrem em momentos
de grande risco, de forma que, nos parece que a busca pelos estados de
risco na improvisação possa ser uma forma de ativar este constritor
criativo a favor da novidade e das ligações inusitadas que proporcionam
as formas criativas (Falleiros, 2018).
Como nos lembra Iyer (2014) os processos no-tempo, como a improvisação,
ocorrem e operam justamente no decorrer do tempo, fato que condiciona sua
estrutura justamente às contingências do tempo presente, ou seja, um
improvisador estrutura a sua ação musical ao mesmo tempo em que a realiza
sonoramente, circunscrevendo uma textura complexa de percepção e ação no
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

tempo e suas bordas, como explanei anteriormente; contudo em processos ao-


longo-do-tempo, como a composição de um sinfonia por exemplo, o tempo
272 que decorre do processo é irrelevante para o produto resultante. Outra
consideração é que na improvisação, como na performance, existe uma
qualidade de tempo compartilhada entre os intérpretes e o público (se este
último existir); esta temporalidade compartilhada do momento presente pode
ter durações diferentes para cada indivíduo, mas todos estariam idealmente
em conjunto em um estado de “escorregar” o presente criativo para o passado
perceptivo; diferentemente do momento de composição que só participa do
presente em memória. Considerando a improvisação como uma modalidade
de processo criativo musical⁴, podemos delinear suas qualidades através de
seus elementos constritores mais significativos, neste caso, como vimos ante-
riormente, a lida do improvisador com o tempo presente, ou o instante, pode ser
considerado como significativa contingência criativa.

DISCUSSÃO
Levo em consideração que o ato criativo para a improvisação é um processo
específico, que conforme discutido em trabalho posterior (Falleiros, 2018)
depende de contingências próprias da matéria. Ou seja, a capacidade do artista
em intervir na matéria a favor da realização física de seu projeto imaginário é
o que define o grau de sua criatividade. A matéria última das improvisações
mais radicais é o instante, ou seja, o tempo experimentado em sua qualidade de
imersão no presente. De modo a intensificar este instante a ponto de alterar a
percepção da passagem do tempo para uma experiência de lentidão e até
supressão — que atesta a imersão — a improvisação propõe contingências
criativas que levam o improvisador à um estado de risco. A título de exemplo:
para o Jazz, no final da era do bebop, as contingências se deram pela
complexidade das progressões harmônicas juntamente com a velocidade de
pulsação empregada. O jazz modal assim como o Free Jazz posterior, vai
abolir as progressões tonais, (contudo mantendo ainda elemento rítmicos
característico) de forma a desorientar todo o exaustivo treinamento e conse-
quente condicionamento sobre as harmonias. A Improvisação Livre deixa o
músico ainda mais “desnudado” de suas referências e condicionamentos, com a
negação de sua própria história. Uma improvisação mais contemporânea,
conforme chamo de hiperimprovisação (Falleiros, 2018) ou, mais alinhada com
os valores da pós-modernidade, tem o desafio de conjuminar a multiplicidade
de modos de passado em um presente especulativo. Ainda se somam aos
exemplos anteriores, a diversidade de soluções individuais e coletivas de
diversos improvisadores ao longo da história. É, portanto, notável que a
improvisação esteve continuamente lidando com esta temporalidade criativa
e buscando soluções para que o risco estivesse continuamente renovado e
atuando como um contingente temporal, no sentido de minguar os
planejamentos.
O improvisador, em especial quando lida com a Improvisação Livre irá
realizar um processo generativo, ou seja a partir de um instante inicial em que
um primeiro som é formulado, deve lançar de suas ferramentas criativas e
experiência para elaborar algo musical com base no que foi imediatamente
tocado, e assim sucessivamente. Deste primeiro instante descrito já propusemos
duas relações qualitativas com o instante: a primeira se refere à uma elaboração
Anais

inicial que conta com a suspensão do tempo anterior ao primeiro som lançado,
nela janela temporal, o improvisador estará em um momento de mudança
de escuta e atenção e de interiorização reflexiva, um tempo tomado pela 273
qualidade de káiros. Já o segundo instante se refere ao imediato início do
fluxo sonoro dado pelo início da improvisação: nele o planejamento já está
sendo consumido pelo tempo de khrónos e o que se espera do improvisador
é uma ação na qualidade de tempo káiros, ou seja, que suas micro-decisões
refreiem a inexorabilidade do tempo cronológico, enquanto imerso no
instante.

Notas
1 Retomando a mitologia, Cronos (khrónos) personificado é caracterizado como um titã tomado
pelo pânico dada a profecia que diz que ele será destronado por um filho seu, o que o leva a devorar
todos seus filhos, menos um, Zeus, que por sua vez é pai de Kairós (Morford & Lenardon, 2013).
2 Specious Presente (Tempo Especioso, ou Enganoso): termo inaugurado pelo psicologista E. Robert
Kelly (assinava sob o pseudônimo de E.R. Clay) e retomado e desenvolvido posteriormente pelo
filósofo William James em seu livro Principles of Psychology de 1890.
3 Aqui quero me referir à experiência do efeito de “câmera lenta” que graus extremos de atenção
costumam proporcionar à nossa percepção de tempo, dessa forma, quando nos encontramos em
uma situação de alto risco, a percepção adquire uma outra qualidade e existe uma imersão profunda
no tempo da ação, como muitos músicos e esportistas de elite comumente relatam.
4 Aqui evitaremos incluir a improvisação como uma modalidade de composição musical, justamente
por este segundo termo suscitar comumente seu viés mais restrito e historicamente sedimentado, mas
que, no entanto, caberia adequadamente se tomado em uma acepção mais ampla e contemporânea.

Referências
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Anais

Metáforas do entendimento de harmonia


(Resumo)
275
Mauro Orsini Windholz (maurowindholz@gmail.com)
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Problema/questão
Uma das principais abordagens dos estudos recentes da expressão/evocação de afeto/sentido em
música, no campo da cognição musical, considera a investigação de expectativa e tensão musicais. A
ideia de que “o aumentar e decair de tensão é fundamental para a experiência da música e pode
contribuir para a resposta emocional”— the rising and falling of tension is fundamental to the experience of
music and may contribute to the emotional response (Krumhansl & Cuddy, 2012, p. 76)— é muito comum
em pesquisas da área e motivou diversas investigações sobre como materiais musicais, especificamente
materiais harmônicos, provocam tensão (tais como Bigand, Parncutt & Lerdahl, 1996 e Farbood,
2016, entre outros). Entretanto, apesar de suas contribuições significativas, não está inteiramente claro,
a partir desta literatura, como expectativas e tensões contribuem exatamente para o que podem ser
chamados de “sentidos expressivos”— expressive meanings (Larson, 2012)— dos objetos musicais.
Objetivos
Neste trabalho pretendo apontar algumas limitações desta explicação tradicional dos sentidos
expressivos dos recursos harmônicos (tais como acordes, progressões de acordes, tonalidades, etc.), e
sugerir outras abordagens para investigações futuras. Tomando por base conceitos derivados das
ciências cognitivas incorporadas, destaco que a abordagem tradicional se baseia na metáfora
conceitual HARMONIA É TENSÃO E RELAXAMENTO. Procuro mostrar que esta metáfora se presta
principalmente à estruturação dos aspectos mais sintáticos da experiência harmônica, em detrimento
de outros aspectos mais semânticos. Sugiro então outras metáforas para o entendimento da harmonia
(a saber: harmonia como cores, forças e gestos) que podem ser úteis para esclarecer outros aspectos da
experiência harmônica. Ilustro sua operação no entendimento da harmonia de uma pequena peça
coral de minha autoria. Dessa forma, pretendo sugerir vias de investigação promissoras para pesquisas
futuras a respeito da expressividade de materiais harmônico-musicais.
Implicações
Esta sugestão implica em uma mudança de foco da pesquisa do fenômeno harmônico sob a ótica
da cognição musical, a partir de outras metáforas que permitam uma maior compreensão do
processo pelo qual materiais harmônicos são associados a sentidos e afetos.
Palavras-chave
Metáfora conceitual, harmonia, sentido musical, afeto.
Referências
Bigand, E., Parncutt, R., Lerdahl, F. (1996). Perception of musical tension in short chord
sequences: The influence of harmonic function, sensory dissonance, horizontal motion,
and musical training. Perception & Psychophysics, 58 (1), 125-141.
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Interdisciplinary Journal, 34 (5), 71-93.
Krumhansl, C. L., Cuddy, L. L. (2010). A Theory of Tonal Hierarchies in Music. In M. R.
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XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Musicografia Braille: um recurso


276 para compreensão musical da pessoa cega
(Resumo)
Vinicius Alves Maciel (pequenomusico1331@gmail.com)
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

Problema/questão
A figura do “músico cego” faz parte do imaginário social desde a Antiguidade, atravessando tempos
e espaços. Segundo Oliveira e Reily (2014), no seu estudo de representações de cegueira na história
da arte, o argumento que sustenta o mito da habilidade musical do cego é o de que a ausência do
sentido da visão incrementaria a sensibilidade auditiva, facilitando assim a aprendizagem da música
para a pessoa cega. No entanto, tal afirmativa, para ser considerada assertiva, precisa de
embasamento cognitivo. Não há muitas publicações no sobre o ensino musical para alunos cegos e
a respeito da representação mental para a compreensão musical. Contudo começam a surgir
literatura e dissertações e teses sobre educação musical no contexto da educação inclusiva,
contemplando alunos com deficiência fı́sica (Louro, 2003), surdez (Finck, 2009), deficiência visual
(Melo, 2011), entre outros. Bonilha (2010), discute em sua tese o ensino da musicografia braile para
alunos cegos, discutindo o aprendizado da notação musical e avaliando ferramentas que auxiliam no
ensino da música.
Objetivos
Desta forma, a pesquisa em andamento tem por objetivo investigar a respeito da aprendizagem
musical através da musicografia Braille e suas correlações com a noção de significação musical e
das questões relacionadas à representação mental musical.
Principais contribuições
O trabalho pretende oferecer uma revisão bibliográfica da literatura existente, de forma a
possibilitar a construção de uma base sólida para futuras investigações.
Implicações
A pesquisa em tela tem implicações na área de cognição musical, ao tratar das questões sobre
significação musical e sobre representações mentais que se supõem necessárias nos processos de
escuta e de performance musicais. Ainda, a área da educação musical e da educação especial
encontram-se igualmente implicadas pois tal investigação fornece bases teóricas e empı́ricas para
o desenvolvimento e avaliação de métodos de ensino e de práticas educacionais para músicos
cegos.
Palavras-chave
Cognição musical, musicografia Braille, representação mental, significação musical
Referências
Bonilha, F. G. (2010). Do toque ao som: O ensino da musicografia Braille como um caminho para a
educação musical inclusiva. 2010. 280f. (Tese de Doutorado em Música). Instituto de Artes,
Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.
Finck, R. (2010). Ensinando a música ao aluno surdo: perspectivas para a ação pedagógica inclusiva.
2009. (Tese Doutorado em Educação, p.234). Faculdade de Educação, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
Louro, V. S. (2003). As adaptações a favor da inclusão do portador de deficiência física na educação
musical: um estudo de caso. 2003. (Dissertação Mestrado em Música, p. 208). Instituto de
Artes, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, São Paulo.
Melo, I.SC. (2011). Um estudante cego no curso de licenciatura em música da UFRN: questões de
acessibilidade curricular e física. 2011. (Dissertação Mestrado em Educação, p. 127).
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.
Oliveira, L.A.C., & Reily, L.H. (2014). Relatos de Músicos Cegos: Subsı́dio para o Ensino de
Música para Alunos com Deficiência Visual. Revista Brasileira de Educação Especial. Ed. Esp.,
Marilia, v.20, n. 3, p.405 – 420, Jul. – Set.
Anais

A prática mental como estratégia de estudos para


a construção da performance musical 277
(Resumo)

Sthevan dos Santos Nunes (sthevank@outlook.com)


Luciane Cuervo (luciane.cuervo@gmail.com)
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Problema
A prática mental constitui-se de uma série de estratégias que podem ser utilizadas na aquisição de
habilidades necessárias à performance, as quais envolvem o uso da imaginação deliberada em
oposição à ação motora presente na prática física. O presente trabalho se expressa como um
subprojeto, vinculado ao projeto de pesquisa “Estudos Interdisciplinares sobre a Mente Musical” e
se propõe a investigar de que forma essa prática pode ser útil na construção da performance musical.
Aplicada sobre o repertório orquestral da flauta transversal (instrumento do autor/performer) a
investigação consiste em revisão bibliográfica sobre o tema e em avaliação qualitativa sobre a
experimentação pessoal, apoiando-se na autoetnografia como metodologia de registro e análise.
Inicialmente o documento discorre sobre os paradigmas que envolvem a prática musical e de que
forma esta se relaciona com a cognição e a aprendizagem, recorrendo frequentemente a pesquisas
interdisciplinares nas áreas da neurociência, psicologia e performance musical. Fundamentado pela
revisão bibliográfica, o trabalho se propõe a descrever o percurso construído na prática mental como
procedimento primário de estudo em oposição à prática física, abordando as estratégias e desafios
envolvidos neste processo.
Objetivos
(i) investigar como a prática mental pode contribuir para a construção da performance musical; (ii)
elencar procedimentos práticos que possibilitem sua implementação; (iii) mensurar a
potencialidade da autoetnografia como método de investigação artística associada à performance
musical.
Método
(i) revisão bibliográfica sobre o tema; (ii) introdução e aplicação da autoetnografia na prática e na
performance; (iii) planejamento das habilidades e do repertório trabalhados; (iv) análise e avaliação
qualitativa dos registros video-fonográficos coletados.
Resultados
A pesquisa ainda se encontra em desenvolvimento, mas já expõe achados significantes na literatura
científica do tema. Uma revisão inicial e multidisciplinar atesta os benefícios da prática mental
(Mielke, 2017) e sugere que músicos sejam os modelos ideais para estudar seus efeitos, dada a
complexidade de elementos cognitivos envolvidos na prática musical (Altenmüller, 2009, p. 333).
Tanto a performance quanto a prática mental (sem o instrumento) estão sendo registradas,
possibilitando analisar as habilidades enfatizadas e modelar as estratégias de cada sessão.
Conclusões
A revisão inicial revela carência de informações acerca dos procedimentos e das possibilidades para
implementação da prática mental no planejamento de estudos, assim como uma lacuna de
produção científica em língua portuguesa, específica sobre o tema na área da música. Os estudos
sobre prática mental atrelada à performance musical ainda podem ser enriquecidos com aplicações
práticas que evidenciem seus benefícios, oportunizando ampliar a compreensão e o papel
desempenhado por cada modalidade sensorial na prática musical.
Palavras-chave
Prática mental. Performance musical. Cognição musical
Referências
Altenmüller, E., Schneider, S. (2009). Planning and performance. In Hallam, S. Cross, I. Thaut,
M. (Eds.). The Oxford handbook of Music Psychology (p. 332-343). New York: Oxford
University Press
Mielke, S; Comeau, G. (2017). Developing a literature-based glossary and taxonomy for the
study of mental practice in music performance. Musicae Scientiae 1-16.
doi:doi.org/10.1177/1029864917715062
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Perspectivas de deliberação
278 na prática de um pianista expert
Michele Rosita Mantovani1, André da Silveira Loss2 e
Regina Antunes Teixeira dos Santos3
1,3
Instituto de Artes- PPGMUS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
2
Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
1
mantovani.michele@gmail.com, 2andreloss.ufrgs@gmail.com,
3
regina.teixeira@ufrgs.br

Resumo
Na literatura, a prática do músico expert é tida como deliberada, isso é, uma atividade altamente
estruturada, com metas, resolução de erros, energia/concentração e tarefas para superar limites e melhorar
o desempenho. Contudo, discussões sobre perspectivas de deliberação têm se limitado às descrições
generalizadas que negligenciam a natureza dos procedimentos e limites da atenção. A presente
comunicação tem por objetivo investigar perspectivas de deliberação na prática de um pianista expert.
Trata-se de um recorte de tese de doutorado, cuja metodologia abrangeu gravações (áudio-vídeo) da
prática de duas obras do repertório de quatro casos em níveis distintos de expertise (iniciante avançado,
competente, proficiente e expert). Os dados analisados qualitativamente (perspectiva fenomenológica) e
quantitativamente (estatística inferencial-descritiva) resultaram em nove Categorias Psicossensoriais que
englobaram aspectos de natureza psicológica e sensorial da prática, a saber: testar, repetir, isolar, alternar,
explorar, ajustar, parar, dispersão e lapso. Os resultados aqui discutidos correspondem à prática do
profissional (P17) e esses apontaram que deliberação é uma perspectiva dinâmica que ocorre a cada
unidade de prática por procedimentos estruturados e interveniência das variações da atenção.
Palavras-chave: prática pianística, deliberação, expert, procedimentos, atenção

Abstract
In the literature, the expert musician’s practice is considered deliberate, that is, a highly structured
activity with goals, error resolution, energy/concentration and tasks developed to overcome limits
and improve performance. However, discussions about deliberation perspectives have been
limited to generalized descriptions that neglect the nature of procedures and limits of attention.
This paper aims at investigating perspectives of deliberation in the practice of an expert pianist. It
presents partial results from a doctoral dissertation, whose methodology embraced recordings
(audio-video) of the practice of two musical works from the repertoire of four cases at different
levels of expertise (advanced beginner, competent, proficient and expert). The data analyzed
qualitatively (phenomenological perspective) and quantitatively (inferential-descriptive statistics)
resulted in nine Psychosensorial Categories that encompassed aspects of psychological and sensory
nature of practice, namely: testing, repeating, isolating, alternating, exploring, adjusting, pausing,
straggling and slipping. The results here discussed concern to the professional pianist’s practice
(P17), which have shown that deliberation is a dynamic perspective that occurs at each unit of
practice by structured procedures and intervention of the variation of attention.
Keyword: piano practice, deliberation, expert, procedures, attention

INTRODUÇÃO
A literatura descreve a prática instrumental como uma série de
comporta-mentos multifacetados em forma de ensaio ou treino sistemático
para aprender e/ou adquirir proficiência no instrumento e/ou obter
quaisquer outras habilidades e competências em longo prazo que possibili-
tam o desenvolvimento da expertise (Barry & Hallam, 2002, pp. 151-152;
Lehmann, Sloboda, & Woody, 2007, p. 61). Expertise, por sua vez,
corresponde ao nível de especialização atingido em termos de conheci-
mentos e habilidades consolidados de maneira a contemplar níveis excep-
cionais de performance (Bourne Jr, Kole, & Healy, 2014, p. 1; Gobet, 2016,
pp. 2-6). Na literatura que relaciona prática instrumental e expertise, nota-se
contínuos esforços em explicar o expert (aquele que dispõe de habilidades
excepcionais e originalidade artística em sua performance), apontando-o
Anais

como referência máxima a ser seguida, bem como constantes comparações


deste nível de expertise para com os mais elementares. Ericsson, Krampe e
Tesch-Romer (1993) propuseram que é necessário acumular cerca de 279
10000 horas de prática deliberada ao longo da vida para ser um expert, isso
é, uma prática que envolva atividades altamente estruturadas, com metas,
resolução de erros, energia/concentração, períodos de descanso e tarefas
para superar limites e melhorar o desempenho. Para Gembris e Davidson
(2002), além da prática existe a contribuição de fatores contextuais influ-
entes, como o apoio familiar, altos níveis de motivação e a orientação de
bons professores, bem como mínimas contribuições dos fatores genéticos
e evidências biológicas capazes de influir na maturidade, capacidade física
e mental para lidar com a prática. Já Ullén, Hambrick e Mosing (2015), no
Modelo Multifatorial de Interação Genético-Ambiental (MGIM, do inglês
Multifactorial Gene-Environment Iinteraction Model), somaram outras variá-
veis à complexidade da expertise, como os fatores genéticos e hereditários
(propriedades físicas de um indivíduo), habilidades cognitivas (atenção,
metacognição, processamento de uma nova informação, automatização, e
interação entre memórias de trabalho e de longo prazo) e personalidade
(inclinações vocacionais do indivíduo na escolha da área de especialização).
Hallam (1997, 2006) constatou que os experts adquirem uma compreen-
são global da obra, praticam as partes conforme as delimitações estruturais,
desenvolvem planos de performance (balizado por considerações musicais e
técnicas) e utilizam-se de estratégias de análise cognitiva, variações e
repetição, ao passo que, músicos novatos visam tocar notas corretamente
sem atender aspectos expressivos, com comportamentos recorrentes de
repetições da música na íntegra e desatenção aos erros. Essa visão holística
do expert, bem como sua capacidade em atender questões técnicas-
interpretativas durante a prática versus a atenção ao detalhe local (micro)
com vistas a acertar notas sem abarcar aspectos expressivos foram discutidas
também no trabalho de Oller et al. (2009) e Hastings (2011).
A presente comunicação apresenta um recorte de tese de doutorado cujo
objetivo foi investigar tais perspectivas na prática pianística em quatro
níveis distintos de expertise (iniciante avançado, competente, proficiente e
expert); o recorte aqui apresentado tem por objetivo elucidar as perspectivas
de deliberação em termos de procedimentos empregados e limites da
atenção observados na prática de um pianista prossificional que, de acordo
com a literatura (Dreyfus & Dreyfus, 1981; Elliott, 1995; Lester, 2005)
apresentou características de um expert, a saber: tem compreensão holística
de situações complexas e lida facilmente com essas de forma intuitiva e
analítica; vê a ideia geral de um contexto, tem visão das possibilidades e
abordagens alternativas. A perspectiva de elucidar as perspectivas de
deliberação em termos de procedimentos empregados e limites da atenção
no pianista prossificional investigado proporciona possibilidade reflexão
sobre ações procedimentais ainda não reveladas pela literatura.

METODOLOGIA
Com vistas a investigar a prática tal como esta ocorre, isto é, sem impor
aos participantes o estudo de uma nova obra e/ou repertório e sem exigir-
lhes que abordassem a prática de forma divergente de suas práticas habituais,
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

tomou-se por base os princípios fenomenológicos para a construção do


delineamento metodológico. A Fenomenologia caracteriza-se como um
280 método de investigação não intervencionista que permite observar e
descrever o fenômeno tal como ele se manifesta, analisando-o a partir da
experiência resultante na interação sujeito-objeto dentro do contexto em
que este se manifesta, e neutralizando qualquer valor apriorístico conferido
ao mesmo (Depraz, 2007, pp. 38-39; Giorgi & Giorgi, 2008, p. 32) a fim de
extrair as essências que distinguem diferentes fenômenos entre si e abstrair
a objetividade das experiências subjetivas (Clifton, 1983, pp. 9-10).
Quatro casos em níveis distintos de expertise (iniciante avançado,
competente, proficiente e expert) gravaram a prática de duas obras de seus
repertórios em etapa inicial de aprendizagem, bem como participaram e uma
entrevista semiestruturada com questões acerca de suas práticas. Uma câmera
filmadora digital Sony® modelo HDR-CX560 foi disponibilizada para que
os participantes se gravassem, bem como tivesse a flexibilidade de selecionar
e/ou descartar as gravações que desejassem e evitar a inibição perante um
observador externo. Os participantes foram orientados a sentir-se o mais à
vontade possível durante as filmagens e a manter seus procedimentos
habituais de prática. Essa comunicação apresenta a análise dos dados de um
dos participantes, o pianista profissional/docente (P17). A Tabela 1 detalha o
perfil do participante, as peças selecionadas e o tempo da sessão de prática
gravada durante a coleta. Os dados foram analisados por procedimentos
qualitativos (perspectiva fenomenológica) e quantitativos (estatística descritiva
e inferencial). Assim, tomaram-se por base os critérios de análise de
abordagem fenomenológica propostos por Giorgi e Giorgi (2008, pp. 34-
46), em quatro etapas: (1) Descrição dos dados na íntegra — transcrição das
sessões de prática acerca dos eventos ocorridos; (2) Constituição de unidades
de significado — considerando o foco de atenção demonstrado pelo partici-
pante na interação com a(s) obra(s) estudada(s) e as ações empreendidas na
prática, bem como a organização da mesma em termos de delimitação dos
trechos estudados, tempo investido, estratégias adotadas e comportamentos/
ações recorrentes;
Tabela 1. Perfil do participante e detalhamento das obras gravadas.

(3) Conexão das unidades de significado, na qual a objetividade do


fenômeno (suas essências) foi constatada na categorização e síntese dos
aspectos recorrentes em ambas as sessões de prática do(s) participante(s).
Anais

Ainda nessa etapa, a análise dos dados foi aprofundada com base em
métodos mistos de Gerling e Santos (2010, pp. 96-138): para as autoras, os
métodos mistos na pesquisa em práticas interpretativas consideram a 281
interpretação construtivista dos processos e suas relações de sentidos e
significados, demonstrando tensões, contradições e complementariedade
em torno da investigação, bem como os desvios diferenciados e idiossin-
cráticos do desempenho do participante. Assim, nove categorias foram
estabelecidas, cujas incidências foram contabilizadas e tratadas em termos
de estatística descritiva e inferencial com o auxílio do software OriginLab®
8.5, resultando nos gráficos apresentados na discussão dos resultados; (4)
Descrição do fenômeno e suas essências, materializada na discussão dos
resultados dessa pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
As essências do fenômeno da prática pianística aqui constatadas apresen-
taram-se em forma de nove Categorias Psicossensoriais, assim chamadas
por englobarem aspectos de natureza psicológica e sensorial. Considerando
que as mentes e disposições musicais de cada instrumentista podem restringir
e/ou potencializar ações e procedimentos em função de conhecimentos,
habilidades sustentadas por representações aurais, visuais e motoras assimi-
ladas e construídas ao longo de suas práticas (Proverbio & Bellini, 2018, pp.
15-25), tais categorias caracterizaram-se como comportamentos, ações e
desvios constatados nas sessões de práticas observadas, independentemente da
obra estudada, do nível de expertise dos participantes, ou do tempo de prática
despendido previamente ou durante a coleta de dados, a saber: (1)Testar:
simulação da performance (trecho ou peça na íntegra); (2)Repetir: repetição
literal ou diversificada de um fragmento (micro ou macro); (3)Isolar: subtrair
qualquer elemento musical para focar a atenção em aspectos isolados (ex.
estudar de mãos separadas); (4)Alternar: variação deliberada de qualquer
elemento musical (ex. variação rítmica e de articulação); (5)Explorar: aborda-
gem criativa de um aspecto para refinar a sonoridade (ex. experimentar um
movimento gestual diferenciado para sanar uma dificuldade técnica-interpre-
tativa); (6)Ajustar: modificação/correção percebida no produto sonoro (ex.
correção de notas, delinear dinâmicas); (7)Parar: pausa para fazer qualquer coisa
relacionada ou não à prática; (8)Dispersão: distração com fatores externos ou
perda de atenção que afeta do resultado sonoro (ex. mexer no celular, tocar
elementos desconexos da música estudada); (9)Lapso: falta de atenção durante
a prática que permite o retorno à ação consciente (ex. erro de notas). A Figura
1 apresenta as incidências dessas categorias na prática de P17.
Uma das perspectivas de deliberação corresponde aos procedimentos
empregados por P17. De acordo com Santos e Hentschke (2009, pp. 72-73),
procedimentos na prática instrumental podem ser definidos como maneiras
aprendidas de “proceder e agir balizados por normas e convenções, funda-
mentadas por uma determinada tradição cultural como aquela da denomi-
nada música clássica ocidental”, que dizem respeito aos modos de realização
da prática em prol da meta estabelecida, ao modo como se pratica, aqui
vislumbrados nas categorias repetir, isolar, alternar e explorar. Nesse âmbito,
cada categoria corresponde a uma forma procedimental aprendida e assimi-
lada através da prática instrumental, de maneira que tal procedimento pode
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

apresentar-se como uma categoria singular, assim como um conjunto de


categorias organizadas numa relação de intensidade, distribuição e frequência
282 com que essas se apresentam. A eficácia dos procedimentos é balizada na
relação entre ajustes e lapsos observados, o que, grosso modo, pode ser
entendido como a relação do quanto se erra (lapso) e do quanto se corrige/
modifica (ajuste) o produto sonoro.

Figura 1. Incidências das categorias psicossensoriais: Peça 1-Prelúdio


op.23 n.9 (S. Rachmaninoff), Peça 2-Trecho da Sonata S.178 (F. Liszt).

De acordo com a Figura 1, na prática de P17 notam-se dois procedi-


mentos distintos para a Peça 1 nos quais repetir, isolar, alternar e explorar estão
agrupadas e distribuídas com certa regularidade formando os seguintes
padrões: repetir (mais) + isolar (menos) + alternar (ainda menos) + explorar
(menos e próximo ao alternar) nas unidades A e D; isolar (mais) + repetir
(menos) + alternar (ainda menos) + explorar (bem menos que alternar), nas
unidades B e C. É curioso observar que ambos os procedimentos coincidem,
de certa maneira, com o tempo de prática despendido a cada unidade, visto
que, em A e D, unidades nas quais pratica por menos tempo (2’10’’e 4’09’’,
respectivamente), P17 se utiliza de um mesmo procedimento, enquanto que
em B e C, nas quais pratica por mais tempo (13’08” e 13’12’’, respectiva-
mente), P17 se utiliza de um outro procedimento para ambas. Na Peça 2
Anais

(Figura 1), que apresenta apenas uma unidade (A), algo semelhante também
ocorre: P17 despende 18’01’’ de prática e utiliza-se do procedimento isolar
(mais) + repetir (menos) + alternar (ainda menos) + explorar (bem menos que 283
alternar), similar àquele constatado em B e C da Peça 1 nas quais o participante
investe maior tempo de prática. Isso sugere deliberação não apenas na
combinação e distribuição dessas quatro categorias, como também na escolha
de quais procedimentos empregar em função dos esforços/tempo de prática
que se pretende investir num dado trecho. Coincidência ou não, essa
constatação ainda dá indícios de que P17 está num nível distinto de expertise,
visto que tal evento se identificou apenas em sua prática.
Outro fator diz respeito à variedade de exemplos que essas quatro
categorias apresentaram na prática de P17 (Figura 1); repetir e isolar apre-
sentaram as mesmas finalidades constatadas nos demais casos investigados:
repetir pequenos fragmentos motívicos, trechos curtos e longos que atende-
ram às delimitações estruturais das obras e abrangeram vários aspectos
trabalhados concomitantemente, repetir com a intenção de fixar e/ou auto-
matizar um dado ajuste, ou para evidenciar fluência num dado aspecto; isolar
ocorreu no estudo de mãos e vozes separadas, e/ou sem pedal. Já a variedade
de exemplos de alternar e explorar, sendo alguns deles constatados apenas na
prática de P17, sugere que tais categorias se expandem com o aumento da
expertise: P17 alternou o andamento (devagar/rápido/ apressando), o ritmo
(fazendo cinco de variações rítmica distintas para cada peça), a articulação
entre as vozes ou nos fins de cada compasso e/ou desenhos rítmicos (tal como
respirações/cortes entre os grupos de 6, 8, e 10 semicolcheias dos c.19-21, em
B da Peça 1), e a dinâmica; explorar consistiu em frequentes experimentações
de movimentos/gestos físicos necessários para realizar suas intenções e/ou
evitar/aliviar tensões físicas em ambas as peças, tais como: rotação e rotação
combinada com apoio de braço (acentuando cada nota), movimentos amplos
de braço, punho, polegares e cotovelos deixando-os mais flexíveis, exagerar a
articulação dos dedos e movimentá-los tipo “garras” raspando a tecla, tocar
com o punho mais alto, estudar o reflexo da mão esquerda para saltos nessa
mão, movimentos como se “empurasse” os intervalos de oitavas, movimento
de impulso agrupando oito notas num mesmo gesto físico. Tais exemplos de
explorar também sugerem que a atenção e/ou consciência cinestésica do
pianista é um aspecto que passa a acontecer com certa frequência (e/ou passa
a ser visado) na prática pianística de forma tardia e/ou que se desenvolve com
o aumento da expertise, conforme aqui observado. Numa outra perspectiva,
pode-se ainda compreender o explorar como a elaboração de meios criativos
de vencer desafios e alcançar os objetivos propostos, o que dialoga tanto com
as proposições de Santos (2007, pp. 261-272) sobre a prática instrumental
constituir ações aprendidas e atividades criativas que gerenciam a mobilização
de conhecimentos (em termos de autorregulação e investigação nas situações
de prática), como com as proposições de Ericsson, Krampe e Tesch-Römer
(1993, pp. 363-406) acerca da Prática Deliberada, na qual explorar se
enquadraria no “desenvolvimento de tarefas específicas para superar os limites
atingidos”.
Acerca da eficácia dos procedimentos empregados por P17 (Figura 1), a
relação ajustes x lapsos pode sugerir que esses não são de todos eficientes: os
ajustes foram mais incidentes e que os lapsos apenas na metade das unidades
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

da Peça 1 (A, B) e o contrário ocorre na outra metade (C, D) e de forma


ainda mais significativa em todo o estudo da Peça 2 (A), sugerindo que P17
284 não alcançou total sucesso na identificação e resolução de erros, bem como
apresentando resultados distintos daqueles constatados por Gruson (1998,
pp. 91-112) sobre a diminuição de erros na prática de níveis mais elevados
de expertise. Ademais, tais informações também dão indícios de que a
prática de um expert não necessariamente é deliberada a todo tempo, tal
como sustenta a literatura (Ericsson, Krampe, & Tesch-Römer, 1993, pp.
363-406; Lehmann, Sloboda, & Woody, 2007, pp. 61-81). Por outro lado
(Figura 1), P17 alcançou maior pico de incidências de ajustes na Peça 1
(B=70) e Peça 2 (A=54), uma quantidade significativamente superior à dos
demais participantes para essa categoria, o que sugere alguma eficácia dos
procedimentos empregados, se não plenamente, ao menos no que tange à
máxima de ajustes obtidos nessa peça. Outros indícios de deliberação em
relação aos aspectos da prática deliberada de Ericsson, Krampe e Tesch-
Römer (1993, pp. 363-406) foram vistos na Peça 2, como o estabeleci-
mento de meta (ao perseguir clareza e fluência na execução do trecho
c.221-256 em toda a sessão de prática) e no desenvolvimento de tarefas para
superar os limites atingidos (quando P17 acelerou o andamento ao máximo
durante a execução do trecho, o que talvez justifique a alta incidência de
lapsos em função da alta velocidade na execução dos eventos musicais);
contudo, o fato que essa sessão de prática contém apenas uma unidade
estabelecida conforme a meta do participante impede a constatação e
comparação de mesmos/outros procedimentos, o que dificulta, ainda,
assegurar completamente a constatação de ausência parcial de deliberação.
Ademais, notas, dinâmicas, articulação, fluência, tempo, agógica/timing,
fraseado, planos sonoros/voicing acentos e caráter foram exemplos de
ajustes constatados na prática de P17, enquanto que os lapsos se apresenta-
ram como erros/esbarros ou falhas de notas e como “gagueira” na execução
(acertando ou errando notas).
Ainda acerca dos procedimentos constatados na prática de P17 (Figura
1), a simulação da performance é aqui discutida e vislumbrada na
categoria testar, a qual corresponde a execução parcial ou integral da obra
por uma única vez. Nesse sentido, podemos entender testar como um
procedimento da prática, pois condiz a uma ação relacionada ao “como”
estudar, nesse caso, ao como estudar a execução ininterrupta, tal como
esperado numa performance; no entanto, seu cunho performático parece
dissociá-la dos procedimentos habituais resultantes da interação entre
repetir, isolar, alternar, e explorar, visto que a relação de testar com essas
categorias parece não integrar a formação de padrões congruentes em
termos de proporção/equilíbrio e/ou proximidade/distanciamento; por
essa razão, essa categoria é discutida em separado. Para P17 (Figura 1),
testar ocorreu em todas as unidades de ambas as peças, porém minima-
mente, visto que as incidências por unidades não ultrapassaram o total de
2 (Peça 1, A, B) e sugerindo que essa categoria não se adensa em função
da expertise; ademais, as finalidades das simulações da performance foram
as mesmas identificadas nos demais casos (execução completa do trecho
para selecionar quais aspectos estudar e/ou para reintegrar aspectos
estudados separadamente), distinguindo-se apenas ao tocar os c.232-256
Anais

da Peça 2 (A, A2) num andamento bastante rápido para reintegrar/avaliar


esses aspectos e/ou experimentar os limites da velocidade de execução dos
eventos musicais. Em linhas gerais, testar pareceu funcionar como uma 285
espécie de supervisão da prática para balizar o que já foi estudado e/ou o
que se pretendia estudar; ademais, a baixa incidência dessa categoria
sugeriu que a simulação da performance é uma ação pouco realizada na
prática pianística, mesmo para níveis mais elevados de expertise.
Outra perspectiva de deliberação diz respeito aos limites da atenção
observados. Para Sternberg (2010), atenção é o meio pelo qual se processa
ativamente uma quantidade limitada de informações a partir da enorme
quantidade de informações disponíveis por meio dos sentidos, da memória
e de outros processos cognitivos, uma tomada de posse pela mente que
implica se afastar de algumas coisas para lidar efetivamente com outras.
Nessa pesquisa, as informações processadas pelo participante dizem respeito
às obras praticadas e à execução das mesmas; entretanto, alguns eventos
pareceram desviar e/ou redirecionar a atenção do participante para outras
informações que não essas, os quais são contemplados nas categorias parar
e dispersar (eventualmente lapsos¹). De acordo com a Figura 1, parar é
frequente em toda (Peça 2) ou quase toda (Peça 1) a sessão de prática de P17
para realizar ações relacionadas ao estudo (balançar as mãos/braços no ar ou
fazer movimentos tipo “garras” com os dedos para aliviar e/ou evitar
tensão, descansar ao sair do piano por aproximadamente 15 segundos,
organizar partituras) e dispersar ao mexer no celular, enquanto outras
dispersões ocorreram durante a execução (tocar notas a mais, ignorar pausas
e dinâmicas, mudar a intenção inicial de um trecho sem perceber tê-lo
feito). Na Peça 1 (Figura 1), nota-se a relação de maior instabilidade da
atenção (MIA) com o tempo de prática despendido numa unidade e/ou à
medida que se aproxima do final da sessão, tal como em C, unidade na qual
P17 estuda por 13’12” minutos e que apresenta dispersões e maior incidência
de lapsos sobre os ajustes; já na Peça 2, essas categorias estão presentes desde
o início do estudo (também lapsos são maiores que ajustes), sugerindo que
a atenção de P17 é mais instável para essa última peça; ademais, essas
informações reforçam a afirmação de que tais variações da atenção são
imprevisíveis e que podem estar sujeitas à situação de uma dada prática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O profissional aqui investigado demostrou meta implícita muito
clara, além de testar seus próprios limites para resolver problemas pontuais
e lidar com ações imaginativas/criativas (explorar) constantemente. Nas
unidades de prática detectadas houve grupos de categorias recorrentes
(repetir, isolar, alternar e explorar) com padrões altamente estruturados que
pareceram surgir em função do tempo de prática estipulado. Para todos os
casos, nem sempre essa estruturação em termos procedimentais assegurou
sucesso na relação ajustar x lapsos, a atenção mostrou-se distinta entre os
participantes (mais ou menos instável a cada sessão praticada, podendo
resultar em uma maior instabilidade de atenção (MIA), assim como a
simulação da performance pouco ocorreu.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Agradecimentos
M. R. Mantovani agradece à CAPES pela bolsa concedida (PNPD/Processo
286 n.º 88882.316268/2019-01). R.A.T.S. agradece ao CNPq (Projeto Universal
409012/2016-5).

Nota
1 O lapso não se caracteriza especificamente como um desvio da atenção, pois quando
este ocorre não há uma mudança de foco, mas sim uma ruptura do mesmo que é
imediatamente reestabelecida (ou tenta-se imediatamente restabelecer). No entanto,
uma alta incidência de lapsos acompanhada de desvios (parar e/ou dispersar) pode sugerir
que a atenção encontra-se fragilizada; por essa razão, lapsos complementarão a discussão
dos resultados acerca dos desvios e limites da atenção.

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Possibilidades de categorização para o real e o


288 imaginário na prática pianística
Renan Moreira Madeira,1 Regina Antunes Teixeira dos Santos2
1,2
Instituto de Artes- PPGMUS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
1
renan.moreira@ufrgs.br, 2regina.teixeira@ufrgs.br

Resumo
A presente comunicação discute possibilidades de categorização da prática pianística, em dimensões
reais e imaginárias, tomando como base as categorias psicossensoriais propostas por Mantovani (2018).
As categoriais psicossensoriais foram confrontadas com uma proposta de categorização de prática
pianística em situações de privação sensorial, construídas no âmbito de uma Tese de Doutorado em
andamento, que forçaram os estudantes a imaginar resultados de ações de prática que se encontravam,
em sua maioria, no nível da simulação. Como resultados aponta-se a impossibilidade de se transplantar
integralmente as categoriais psicossensoriais quando da avaliação de ações da prática com privações
sensoriais, bem como a constatação de que duas categoriais - Preparação e Decodificação - poderiam
se integrar ao escopo das categoriais psicossensoriais. Constata-se também a propriedade de as categorias
da Tese em andamento de apontar para a riqueza dos processos intelectuais dos participantes, já que
indicam a complexidade dos processos que estes podem atingir com a manipulação das representações
mentais dos materiais musicais trabalhados.
Palavras-chave: prática pianística; categorias psicossensoriais, privações sensoriais

Abstract: The present paper discusses the categorization of piano practice, in its real and imaginary
dimensions, taking Mantovani’s Psychosensorial Categories (2018) as a starting point. The Psycho-
sensorial Categories were confronted with a proposal for the categorization of piano practice in
situations of sensory feedback deprivation, built in the scope of a Doctorate Thesis in progress.
These situations forced the students to imagine the results of their actions, which happened mainly
in the domain of the simulation. As results we point out the impossibility of transplanting, in their
integrality, the Psychosensorial Categories to the evaluation of the practice with feedback
deprivations. Two of the categories of the Thesis – Preparation and Decoding – could also
integrate the scope of the Psychosensorial Categories, in a suggestion for future research.
Keywords: piano practice; Psychosensorial Categories; sensory deprivations

INTRODUÇÃO
O presente manuscrito visa estabelecer um diálogo entre uma pesquisa de
Doutorado em andamento e o trabalho de Mantovani (2018). Mantovani,
ao observar a prática de quatro pianistas em diferentes níveis de expertise,
que praticaram obras integrantes de seus repertórios (à época da coleta dos
dados) em condições de estudo habituais, propõe, partindo dos princípios
fenomenológicos de E. Husserl (1900-1970), a sistematização da prática
pianística em nove categorias as quais recebem o nome de categorias
psicossensoriais. Essas categorias, que se constituem como essências do fenô-
meno da prática pianística já que se caracterizam como “unidades portadoras
dos significados essenciais e dos traços universais que constituem a objeti-
vidade do fenômeno, permitindo sua compreensão nas suas mais diversas
manifestações independentemente da subjetividade dos sujeitos que
experienciam o objeto” (Mantovani, 2018, p.199), recebem nove dife-
rentes denominações, a saber: testar, repetir, isolar, ajustar, alternar, parar,
explorar, dispersão e lapso; denominações que são dadas que acordo com
comportamentos observados na prática dos participantes, seus focos de
atenção, seus objetivos para com a prática das obras estudadas, bem como
potenciais refinamentos ou desvios na execução das peças, no transcurso da
sessão de prática. O interesse em estabelecer uma relação dialógica entre a
Anais

presente Tese de Doutorado em construção e a pesquisa de Mantovani


(2018) se dá pelo fato de ambos os trabalhos, mesmo que com diferenças
substanciais quanto aos procedimentos e pressupostos teórico-analíticos, 289
apresentarem semelhanças quanto ao objeto de estudo: a prática pianística.
A prática musical tem sido definida pela literatura como um estudo
individual direcionado à obtenção de proficiência musical em um
instrumento ou na voz, a qual possibilita a aquisição de habilidades e
competências a longo prazo (Miksza, 2011; Barry & Hallam, 2002).
Esse processo de autoaprendizagem consiste na atribuição de tarefas
concretas e supervisão do próprio trabalho, por parte do músico, de
modo a resolver problemas cognitivos e o sucesso desta prática esta
vinculado ao conhecimento e emprego de estratégias, definidas como
pensamentos e comportamentos empreendidos na prática e a forma
como o músico seleciona, organiza, integra e lida com conhecimentos
ou habilidades (Jorgensen, 2005).
Pesquisas recentes em prática instrumental têm abordado este fenômeno
de diferentes maneiras. Trabalhos que abordam a prática pela perspectiva
da autorregulação incluem os de Santos (2018), Miskza, Blackwell e Roseth
(2018) e McPherson e colegas (2019), que tratam das maneiras como
estudantes abordam seus repertórios e a maneira como estes empregam
estratégias de prática durante suas sessões de estudo. Lisboa et al (2018)
investigaram como o uso de Guias de Execução (Chaffin et al., 2002)
colaboraram para a construção de sua performance, auxiliando na memo-
rização e influenciando o timing expressivo da performance um prelúdio de
Bach para violoncelo solo. Simmons e colegas (2019) investigaram a
organização temporal da prática, avaliando os efeitos da interposição de
intervalos durante as sessões de estudo, constatando o efeito benéfico da
realização de pausas durante a prática, especialmente no início das sessões.
Stachó (2018), por sua vez, propõe um novo conceito teórico de virtuo-
sidade, associando-a à “destreza mental” – a habilidade de realizar rápidas
mudanças no foco de atenção, assim como rapidamente modular a profun-
didade de atenção. Já o presente trabalho visa uma reflexão que abarque
prática instrumental (Mantovani, 2018) e modalidades sensoriais – temá-
tica também discutida na literatura recente de práticas interpretativas
(Moreira, 2018; Mantovani, 2014).
No recorte de pesquisa de doutorado em andamento, quatro partici-
pantes, estudantes de piano em curso de Pós-Graduação, praticaram peças
para piano em diferentes condições de privações sensoriais, que os forçaram
a imaginar certos aspectos da execução musical, como o resultado sonoro de
seus movimentos sobre o teclado, os próprios movimentos fora do teclado
do piano ou o conteúdo da notação musical de peças que aprenderam
apenas por via auditiva. No escopo da Tese em andamento, análises
preliminares dos registros de prática desses participantes, gravados em áudio
e vídeo, propiciaram uma categorização dos comportamentos de prática
observados em dez categorias: preparação, decodificação, insistência, planeja-
mento expressivo, variação, subtração, repouso, dispersão, manutenção e ensaio
final. Essas categorias foram propostas partindo da observação e inferência
dos focos de atenção dos participantes, mas principalmente da intencio-
nalidade das ações desses sujeitos ao agirem sobre os materiais – o que
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

buscavam reter, modificar ou experimentar durante a prática das peças.


Constadas as afinidades entre a Tese de Mantovani (2018) e a presente Tese
290 em andamento – ambas investigando a prática por meio de registros em
vídeo e empreendendo esforços para sistematizá-la em termos de categorias
– a presente comunicação objetiva investigar possibilidades de categorização
do real e do imaginário na prática de piano em situação de privação sensorial
a partir das categorias psicossensoriais propostas por Mantovani (2018).

MÉTODO
Buscou-se empreender uma comparação bibliográfica entre as categorias
psicossensoriais, já consolidadas (Mantovani, 2018) e as categorias de análise
para a prática com privações sensoriais, ainda em construção. Foram
avaliadas não apenas as denominações – os títulos – das categorias, mas
também as proposições acerca de seus conteúdos, de modo a investigar as
possibilidades de adequação das categorias psicossensoriais à prática com
privações sensoriais.

DISCUSSÃO
Mantovani (2018) caracteriza as categorias psicossensoriais como “compor-
tamentos, ações e desvios constatados nas sessões de prática observadas,
independentemente do nível de expertise dos participantes, da obra estudada
ou do tempo de prática despendido” (p. 197). Já na tese em construção
objetivou-se a delimitação de categorias de análise que pudessem permitir
uma sistematização objetiva de sessões de práticas de peças que não eram do
prévio conhecimento dos participantes, ainda com a especificidade de serem
praticadas em situação de privação sensorial. Essas situações de privação (ver
Moreira, 2017) forçavam os participantes a imaginar elementos das obras
praticadas como alturas, ritmos, movimentos e gestuais físicos de modo a
possibilitar o aprendizado das peças. Os estudantes mobilizaram seus conhe-
cimentos declarativo e procedimental de modo a, mesmo sendo privados,
por exemplo, da resposta sonora do piano, da partitura, ou do próprio
instrumento, serem capazes de construir algum produto de performance
durante as sessões de prática da pesquisa.
Em um primeiro momento objetivou-se identificar paralelismos entre as
categoriais psicossensoriais e as categorias em construção, comparando a
descrição das categorias presente no texto de Mantovani (2018, pp. 197-199),
bem como suas aplicações em seu trabalho, com a formulação das categorias
propostas para a Tese em construção. Observaram-se paralelismos entre os
seguintes pares de categorias (categorias psicossensoriais-tese em construção):
Testar-Ensaio final; Repetir-Insistência; Isolar-Subtração; Alternar-Variação;
Parar-Repouso e Explorar-Planejamento expressivo. Dispersão aparece como
título de categoria em ambas as propostas. Já as categorias Preparação,
Decodificação e Manutenção, pertencentes à proposta da Tese em andamento
não apresentam paralelismo com as categorias de Mantovani (2018). As
categorias psicossensoriais Ajustar e Lapso foram, por sua vez, consideradas
inadequadas à proposta de categorização da presente Tese.
Anais

As dez categorias da Tese em construção são assim definidas:


1) Preparação: atividades que precedem a simulação cinestésica da peça.
Corresponderiam, em situação de prática habitual, à preparação da 291
leitura da peça, antes mesmo de esta ser executada ao instrumento, ou a
momentos em que se precisa parar de praticar a peça ao instrumento
para que se reflita sobre aspectos contidos no texto musical e suas
implicações na execução da peça em questão.
2) Decodificação: Abordagem inicial da partitura da peça, similar à
primeira leitura de uma peça ao instrumento, como uma “primeira tenta-
tiva” ou “primeiras tentativas” (desconsiderando o período de preparação
para a leitura, que pode ser feito antes de se levar a peça ao instrumento).
3) Insistência: Simulações da peça, que visam o seu aprimoramento. O
participante, ao realizar o ajuste, busca melhorar as simulações da peça,
fortalecendo a imagem mental desta em sua memória de trabalho.
4) Planejamento expressivo: tudo o que extrapole, nas simulações dos
participantes, a decodificação de notas ou de ritmo. Incluem-se, então,
nesta categoria, a decodificação e a consequente simulação de sinais de
articulação, dinâmicas e ligaduras de expressão contidos na partitura.
5) Variação: Manipulação ou alteração de parâmetros da peça, da
maneira como aparecem notados no texto musical.
6) Subtração: Consiste da eliminação de elementos do texto musical –
como executar apenas uma das mãos; eliminação de acordes; execução
apenas a linha do baixo.
7) Dispersão: Simulações sem foco dos materiais trabalhados.
8) Repouso: Pausa nas simulações que pode surgir pela sobrecarga de
informações na memória de trabalho dos participantes ou frente à
percepção de dificuldade excessiva, por parte do participante, frente à
realização da tarefa proposta.
9) Manutenção: Repetições das simulações da peça, similares entre si,
ou seja, sem que se observem mudanças substanciais entre a forma
como essas simulações são feitas, após o participante ter atingido um
estágio no qual demonstra estar confortável com a tarefa da simulação
da peça.
10) Ensaio final: Última ou últimas simulações da peça, na(s) qual(is) o
participante, ao já sentir ter domínio da mesma, simula a peça de modo
a se certificar de sentir seguro e suficiente capaz para uma execução da
peça ao piano. Logo após este ensaio final o participante interrompe a
prática, finalizando-a.
A Tabela 1 sintetiza a comparação entre as duas propostas de catego-
rização. Permite comparar com mais profundidade as duas propostas de
categorização. Começando pelas categorias Preparação e Decodificação, que
não encontram paridade com nenhuma das categorias psicossensoriais, mas
poderiam ser integradas ao escopo destas em trabalhos futuros. Mantovani
(2018) observa a prática de participantes que já haviam realizado a leitura das
peças praticadas em seu estudo. Se fossem, possivelmente, avaliadas sessões de
prática nas quais os estudantes abordassem a obra praticada desde seu primeiro
contato, seria cabível a inclusão das categorias preparação e decodificação,
pois abarcariam os primeiros contatos com as peças estudadas, precedendo
ações como Repetir e Isolar. Já as categorias Ajustar e Lapso, das categorias
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

psicossensoriais, apresentam-se inadequadas à investigação da Tese em


andamento, já que não apenas se investiga o primeiro contato com a peça,
292 como as condições de privação apresentam uma dificuldade a mais a ser
vencida pelos participantes, de modo que a avaliação da implementação de
melhoras nas simulações ou do aumento de erros poderia apresentar avaliações
das sessões de prática que mascarassem o foco na maneira como os estudantes
mobilizavam seus conhecimentos para praticar as peças, desviando a atenção
para uma mera quantificação de “erros” ou “acertos”. Por isso optou-se, na
Tese em andamento, por trabalhar-se com uma categoria Insistência, que
avaliasse o esforço dos estudantes em implementar melhoras em suas simula-
ções das peças, independentemente da observação efetiva da melhora dessas
simulações.
Tabela 1. Comparação de ambas as propostas de categorização da prática. Categorias que
apresentam paralelismos encontram-se dispostas lado a lado. Categorias cuja célula adjacente da
Tabela 1 encontra-se vazia carregam especificidades concernentes a cada um dos modelos de
categorização, não apresentando equivalências com categorias do outro modelo.

As categorias Isolar e Subtração, mesmo que colocadas como paralelas na


Tabela 1, justificam as diferenças quanto à nomenclatura dadas as diferenças
em seus conteúdos: Isolar abarca a ideia de uma eliminação, independente
de o quão deliberada, de elementos do texto musical visando à melhora
e/ou aperfeiçoamento de outros, ao passo que Subtração busca abarcar
também a ideia de uma necessidade dos estudantes em subtrair elementos
do texto musical para serem capazes de lidar com a tarefa de aprender as
peças em situação de privação, como se, por sobrecarga de informações,
algumas informações precisassem ser temporariamente eliminadas para que
outras pudessem ser aprendidas. A mesma justificativa quanto à diferença
de título se aplica às categorias Explorar e Planejamento expressivo:
enquanto aquela se aplica à exploração de recursos expressivos ou gestuais
em peças já conhecidas, esta se relaciona com a busca de elementos expres-
sivos imaginados em peças com as quais se está tendo o primeiro contato
em uma situação de prática diferente da habitual.
Alternar e Variação carregam ambas a mesma ideia de execução dos
elementos da partitura de uma maneira diferente da qual estes encontram-
se notados – tocar staccato quando está escrito legato, por exemplo. Optou-
se, contudo, pelo termo Variação por ser este considerado mais adequado
ao real conteúdo da categoria.
Anais

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente comunicação objetivou apresentar possibilidades de categori-
293
zação da prática pianística em dimensões reais e imaginárias a partir de duas
propostas distintas de categorização. A comparação apresentada aponta para
uma impossibilidade de se empregarem, na prática com privações sensoriais,
as categorias psicossensoriais na integridade de seu conjunto. Os paralelismos
apontados indicam categorias de conteúdo similar e categorias que não
encontram correspondência com categorias do outro modelo. As especifi-
cidades das diferentes modalidades de prática que se busca categorizar –
prática habitual e prática com privações sensoriais – justificam as diferentes
nuanças de conteúdo carregadas pelas categorias das duas propostas. A Tese
em construção apresentou situações de prática nas quais os estudantes se
encontram deslocados das condições nas quais normalmente praticam, os
forçando a trabalhar as peças nas formas de suas representações mentais, e a
proposta de categorização desta Tese em andamento busca destacar as próprias
transformações e ajustes às quais essas representações podem ser submetidas,
apontando para a riqueza e complexidade dos processos intelectuais dos
participantes quando praticando os materiais propostos.

Agradecimentos. R.M.M. agradece à CAPES a bolsa concedida. R.A.T.S.


agradece ao CNPq (Projeto Universal 409012/2016-5).

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Anais

Percepção de cadências por graduandos e


extensionistas de curso de Música à luz da teoria 295
ITPRA
Marcelo Ratzkowski,1 Rafael Pulchaski e
Regina Antunes Teixeira dos Santos
1,2, 3
Instituto de Artes, UFRGS, Brasil
1
marcelo.ratzkowski@gmail.com, 2puchalskirafa@gmail.com,
3
regina.teixeira@ufrgs.br

Resumo
Estudos prévios demonstraram que a percepção de cadências foi distinta para ouvintes músicos e não
músicos. Tendo em vista esses resultados, usou-se a teoria ITPRA – Imaginação, Tensão, Previsão,
Reação e Avaliação - de Huron (2006) como ferramenta de análise e discussão da metodologia e dos
resultados. A teoria ITPRA fornece fundamentação para se analisar estruturalmente os estímulos e
correlacioná-los com os resultados empíricos. Estudantes de graduação (N = 38) e de extensão
universitária (N = 40) foram submetidos a estímulos (10) de cadência perfeita, plagal, à dominante e
deceptiva, respondendo um questionário no qual atribuíam o grau de conclusão ou de suspensão (escala
de Lickert) para cada estímulo. Enquanto estudantes de graduação tiveram respostas que vão de acordo
com a teoria de aprendizado estatístico moldando hierarquias tonais, existiram desvios nas respostas dos
estudantes de extensão. Efetuou-se uma análise dos estímulos para procurar possíveis fatores de distração,
e, entre os possíveis fatores, encontram-se expectativas sobre melodia, duração dos estímulos, forma e
ritmo harmônico. Essas implicações rítmico-melódicas parecem estar afetando a percepção da amostra
frente à sensação das implicações puramente harmônicas.
Palavras-chave: Percepção de cadências, Psicologia Cognitiva, ITPRA.

Abstract
Previous studies have shown that the perception of cadences was different for musician and non-
musician listeners. In view of these results, we used Huron's (2006) ITPRA - Imagination, Tension,
Prediction, Reaction and Evaluation theory as a tool for analysis and discussion of methodology and
results. The ITPRA theory provides the rationale for structurally analyzing stimuli and correlating
them with empirical results. The ITPRA theory laid the foundations for structurally analyzing stimuli
and correlating them with empirical results. Undergraduate (N = 38) and university extension (N =
40) students underwent perfect, plagal, half and deceptive cadence stimuli (10) by answering an
unqualified questionnaire or assigned to a degree of completion or suspesin (Lickert scale) for each
stimulus. While undergraduate students receive answers that come to terms with a statistical learning
theory that shapes tonal hierarchies, there are biases in extension student responses. Perform stimulus
analysis to look for possible distracting factors and possible factors, considering melody expectations,
stimulus duration, shape, and harmonic rhythm. These rhythmic-melodic implications seem to be
affecting the perception of the sample in the face of purely harmful implications.
Keywords: Cadence perception, Cognitive Psychology, ITPRA

INTRODUÇÃO
A percepção é uma das atividades investigadas pelas ciências cognitivas.
A capacidade de percepção implica outros processos mentais prévios de
aquisição, representação, armazenamento e utilização dos conhecimentos
(Castañon, 2018). De fato, a percepção musical varia entre populações com
diferentes contextos de aprendizado. Todavia, no processo de percepção
de distintos níveis de fechamento em cadências musicais, não existe, por
absoluto, consenso sobre a influência do treinamento musical formal (Sears
et al., 2014)
Em estudos previamente realizados, procurou-se avaliar a influência do
aprendizado musical formal na percepção de fechamento — sensação de
finalização — em terminações de frase (Pulchaski & Santos, 2015, 2016).
Com estímulos de melodia acompanhada, classificados pelos conteúdos
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

harmônicos dos acompanhamentos, buscou-se associar os processos de


percepção melódica e harmônica para tornar a percepção mais natural e
296 intuitiva. Os resultados, porém, geraram confusão, e a conclusão apontada
foi de que participantes não músicos não puderam perceber coerentemente
os direcionamentos musicais entendidos como de maior ou menor
fechamento.
A Teoria de Expectativas em Música proposta por David Huron (2006)
– Imaginação, Tensão, Previsão, Reação e Avaliação (ITPRA) - é uma
ferramenta potencial na análise e discussão desses resultados por explicar a
percepção musical como processo multifacetado, dependente de diversos
fatores, dentre esses o estímulo, o contexto, e o ouvinte. Na teoria ITPRA,
a percepção musical — ou qualquer outra interação com a música — é tida
como processo cognitivo complexo, moldado por cinco etapas de criação
de expectativa sobre o estímulo. De acordo com a teoria, a partir da
satisfação ou não dessas expectativas criadas, distintas reações emocionais à
música surgem como resposta. Dessa maneira, estruturas musicais — como
progressões harmônicas, ritmo, tonalidade, estrutura melódica — existem
carregando em si funções específicas de despertar determinadas sensações.
Na teoria de Huron (2006), o Efeito de Previsão é a atribuição de
emoções de valência positiva para acontecimentos previstos — uma
ferramenta adaptativa que nos motiva a antecipar os acontecimentos futuros
em busca de reações emocionais mais satisfatórias. Ou seja, se costuma dar
preferência para estímulos que sejam familiares, tanto aos quais já se havia
sido exposto previamente como àqueles que pertencem a um determinado
estilo ou vocabulário que é mais conhecido. As sensações distintas desper-
tadas pela satisfação ou não das expectativas são chamadas por Huron de
qualias. Assim, os qualias positivos – como sensação de estabilidade, fecha-
mento, repouso — são respostas inatas a experiências previstas, enquanto
qualias antagônicos — como sensação de instabilidade, aberto, tensão —
são respostas à não satisfação das expectativas sobre o estímulo.
Usando os fundamentos da teoria ITPRA de criação de expectativas,
na presente comunicação, discutimos como os estímulos empregados nos
estudos previamente realizados (PULCHASKI, SANTOS, 2015, 2016)
continham em si implicações não puramente harmônicas que serviram de
distração.

MÉTODO
Os dados analisados foram coletados através de um delineamento
semiexperimental, com uma amostra de conveniência (população de
voluntários das Oficinas de Teoria e Percepção musical da UFRGS e
alunos de graduação dessa mesma universidade). Cinco estímulos reais
adaptados através da compilação de frases musicais (4 a 8 compassos,
extraídas de composições para violão e de arranjos de canções populares
para violão-solo: Estudo nº 17 Op. 35 - F. Sor; Azul da Cor do Mar - Tim
Maia; Atirei o Pau no Gato — canção de roda; Autumm Leaves — Joseph
Kosma. Esses fragmentos, originalmente finalizados em uma cadência
autêntica foram arranjados de forma a contemplar finalizações distintas,
reunindo estímulos referentes a quatro tipos de cadências (autêntica,
plagal, à dominante e deceptiva).
Anais

Procedimento de Análise dos estímulos


Em primeira instância, as tríades contidas nas finalizações dos estímulos 297
foram analisadas sob o viés da teoria de hierarquias tonais e sua origem na
ordem estatística dos acontecimentos em música, de acordo com a teoria de
aprendizado estatístico de Huron (2006). Depois, buscou-se compreender
desvios nas respostas a determinados estímulos na população dos exten-
sionistas — que apresentaram menor sensibilidade à hierarquia tonal - por
meio de análises de expectativa melódica e rítmica.
Compararam-se as melodias dos estímulos de cadência à dominante,
tendo como parâmetro o princípio de Step Inertia (um dos fatores percep-
tíveis de boa construção melódica que advém da teoria de expectativas
melódicas Implicação e Realização (I-R) de Narmour (Huron, 2006, p.77;
Von Hippel, 2002). Foram analisados, também, fatores rítmicos dos
estímulos que podem tido peso sobre os resultados: (i) o ritmo harmônico
como foi empregado nas cadências plagais; (ii) a manipulação da forma em
um dos estímulos de cadência à dominante; (iii) a duração da harmonia final
relativa entre os estímulos, em consequência, principalmente, do andamento.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
Nos estímulos empregados, a tonalidade foi o elemento do vocabulário
musical sobre o qual ouvintes criaram determinadas expectativas. A teoria
de expectativas em música prevê que acontecimentos tonais previsíveis
despertem reações de satisfação. Aarden (2003) mostra que existe relação
entre a hierarquia de estabilidade tonal tal qual aquela medida empiri-
camente por Krumhansl e Kessler (1982) e a probabilidade de ocorrência de
graus da escala em finalizações musicais. As evidências estatísticas trazidas
por Aarden (2003) a partir dos dados empíricos de Krumhansl e Kessler
(1982) apontam para uma hierarquia tonal em que finalizações de frase nos
graus) 2, 4, 6 e 7 são estatisticamente menos prováveis que finalizações com
^ ^ ^ ^

1, 3 e 5, por outro lado, também são percebidas como menos estáveis. Ou


^ ^ ^

seja, os acontecimentos estatisticamente mais prováveis recebem notas


maiores de estabilidade, e vice-versa.
Das possíveis tríades finais os graus de escala que as compõe são: (i) 1, 3,
^ ^

5; (ii) 5, 7, 2; (iii) 6, 1, 3 (terça e sexta maior ou menor), correspondendo,


^ ^ ^ ^ ^ ^ ^

respectivamente, aos seguintes graus e funções tonais: I (tônica), V (domi-


nante) e Vi (tônica relativa). Os estímulos de cadência autêntica e plagal
dispõem de movimentos de resolução tonal em direção à tríade de tônica. Os
estímulos de cadência deceptiva e à dominante são finalizados com tríades
distintas da tônica, embora a tríade de dominante seja significativa-mente
menos fechada por terminar com os graus 2 e 7, enquanto a tríade de tônica
^ ^

relativa divide os graus1 e 3 com a tríade de tônica.


^ ^

Estudantes de Graduação perceberam as sensações de movimentos


cadenciais harmônicos de acordo com os pressupostos funcionais advindos
das qualias como reações à hierarquia tonal que compõe a música tonal
ocidental. As cadências à dominante (terminação no grau V) receberam
menores notas de fechamento, enquanto as autênticas e plagais (terminação
no grau I) receberam maiores notas de fechamento. As cadências deceptivas
(grau VI ou vi) receberam notas intermediárias (Figura 1b). A sensibilidade
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

dessa população a uma hierarquia tonal pode ser atribuída ao aprendizado


estatístico acerca dos padrões de probabilidade de sucessões no estímulo
298 (Huron, 2006; Krumhansl, 2010).

Figura 1. Respostas ao experimento nas populações: Estudantes de extensão universitária (N =


40); (b) Estudantes de graduação (N = 38).

Com relação aos estudantes de Extensão (Figura 1a), os desvios nas


respostas em comparação à graduação foram presentes nas cadências plagais,
deceptivas e à dominante. As respostas dessa população não condizem com
a hierarquia tonal esperada. Por exemplo, as cadências plagais, que terminam
na tríade de tônica, foram percebidas como menos conclusivas que as
terminações na tríade de dominante. Mesmo a percepção de melodias
Anais

familiares não foi precisa. Efetuou-se, então, uma análise mais aprofundada dos
estímulos para procurar possíveis fatores de distração.
299
Cadências ao quinto grau, expectativas de continuação melódica
As mudanças melódicas para adequar melodias à cadência à dominante
foram imprecisas entre si. Possivelmente, movimentos melódicos mais bruscos
tiveram influência na percepção por ferirem mais fortemente a expectativa
melódica de Step Inertia (Huron, 2002, p.77).
Von Hippel (2002), usando conceitos da teoria de organização melódica (I-R)
de Narmour, sugere que expectativas melódicas são diferentes em músicos e não
músicos, e são pensamentos heurísticos, ou seja, simplificações inconscientes
sobre determinados padrões de funcionamento da música que guiam a percep-
ção, mas, por serem simplificações, preveem os acontecimentos de maneira que
não reflete perfeitamente a realidade das probabilidades estatísticas. No caso de
Step Inertia – também referida como Step Momentum, Process e Good Continuation
- Von Hippel mostra que a expectativa de que sucessões intervalares pequenas em
uma determinada direção sejam seguidas por mais sucessões pequenas e na
mesma direção (denominada de Step Inertia) é presente em músicos em melodias
ascendentes e descendentes, embora só seja estatisticamente previsível em
melodias descendentes. Ainda, Aarden (2003) aponta que tempos de reações de
músicos são mais curtos em respostas sobre o estímulo quando a expectativa de
Step Inertia é satisfeita.
Entre as cadências à dominante, o estímulo que mais fere o princípio de
expectativa melódica por Step Inertia é aquele que foi mais fortemente percebido
como não finalizado pela população de extensionistas — Estímulo 2. Esse estímulo
termina com uma escala descendente, que é então interrompida em favor de um
salto de quarta em sentido oposto. É um movimento melódico muito mais abrupto
do que, por exemplo, o estímulo 3, que termina com troca de direcionamento
melódico, porém por grau conjunto. O estimulo 2 foi suficientemente percebido
como incompleto por ambas as populações, possivel-mente por causa dessa
violação das expectativas de continuação melódica (Figura 1 – Dom2).

Figura 2. Simplificações melódicas dos três estímulos empregados de cadência ao quinto grau.

Forma como influência na percepção de fechamento


Dos estímulos de cadência à dominante, dois foram modificados para que a
melodia encaixasse na harmonia de Vº grau. O outro estímulo foi extraído de
um período binário em música, de maneira em que, no experimento, a frase
antecedente se repetiu duas vezes, formando uma sucessão de duas cadências
ao quinto grau.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

300

Figura 3 Estímulo Dominante 1, que teve respostas mistas na população de extensionistas

Na teoria de Huron (2006) do efeito de previsão explica o funciona-


mento do efeito à mera exposição. Esse é o fenômeno observável em que se
tende a mostrar preferência para estímulos familiares (aos quais já se foi
exposto anteriormente). Quanto mais se é exposto a um estímulo, mais
familiar e previsível esse se torna. Dessa maneira, a partir da influência da
frase repetida na percepção de familiaridade, supõe-se que se o mesmo
estímulo de cadência ao quinto grau fosse executado sem repetição, sua
avaliação de completude diminuiria, enquanto, na prática, a população de
extencionistas julgou esse estímulo como completo, indo contra os
pressupostos da teoria de hierarquias tonais (Figura 1a – Dom1).

Duração do acorde final


Os estímulos variaram consideravelmente em duração e em andamento
(Figura 4). Embora a diferença de duração total não pareça ser significativa
entre os estímulos empregados, nota-se que a junção do andamento lento
com o uso de arpejo na harmonia final resultou em um estímulo com
muito mais tempo em que o acorde final soa. No contexto tonal da frase
toda, essa harmonia tinha função deceptiva, mas por ser carregada por mais
tempo devido ao andamento lento e reforçada com arpejo, supõe-se que,
para a maior parte dos ouvintes extensionistas, foram perdidas as sensações
de implicações referentes à frase que ocorreu antes da finalização — como
a expectativa pela continuação do movimento de fundamentais pelo ciclo
de quintas presente na obra – Autumn Leaves — e simplesmente se aceitou
a nota longa e ressoante como novo centro tonal. O estímulo em questão
foi o que recebeu, no grupo de extensionistas, a maior nota de finalização,
embora seja uma cadência V-VI (Figura 1a – Dec2).

Figura 4. Comparação entre a duração do acorde final de três cadências. O áudio de cima é um
estímulo empregado de cadência deceptiva, estímulo que teve a maior nota geral de fechamento
pelos ouvintes extensionistas. Os dois áudios de baixo são os estímulos usados de cadência
autêntica.
Anais

Ritmo harmônico nas cadências plagais


A Teoria da Atenção Rítmica (LARGE; JONES, 1999), prevê que a
301
atenção de ouvintes se volta mais fortemente para determinados pontos de
foco, influenciados pela estrutura rítmica da música. Todos os estímulos
de cadência plagal — que receberam, no geral, as menores notas de
fechamento na população de extensionistas — obedeceram a um padrão
específico de ritmo harmônico. A estruturação das cadências sempre
colocou, com movimento harmônico V-IV-I, a nota final da melodia de
encontro com a harmonia de quarto grau, em tempo metricamente forte,
seguido pela resolução à tríade de tônica. O tempo metricamente forte em
situação cadencial é aquele sobre o qual se tem expectativas mais
fortemente formadas (HURON, 2006, pag. 154). Dessa forma, a sensação
de decepção causada pelo quarto grau pode ter interferido com as
respostas, porque no momento mais prevalente da terminação de frase, a
harmonia não era satisfatória. Isso explicaria a baixíssima sensação de
fechamento relatada pela população de diletantes frente às cadências
plagais (Figura 1a), e mostraria que essa população apresenta, sim,
sensibilidade à hierarquia tonal.

Figura 5. Estímulo “Atirei o pau no gato” como cadência plagal, em comparação com o
estímulo de cadência autêntica. No momento metricamente forte, de resolução melódica na
tônica, o estímulo de cadência plagal usou a harmonia IV.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados diferiram bastante entre as duas populações investigadas.
Ainda assim, entende-se que mesmo as respostas dos estudantes de
extensão nas quais houve confusão foram motivadas por pensamento
estrutural tonal, e, por isso, foram relativamente coincidentes entre os
ouvintes dessa população, cuja experiência formal de música é ainda de
iniciantes em termos da sistematização e aprendizado dos preceitos
cadências da música tonal. Apesar disso, não é possível, no momento,
definir concretamente quais foram às implicações não harmônicas que
resultaram em desvios nas respostas, mas apenas sugerir quais podem ter
sido. Mantem-se, então, a ideia de que uma mudança na metodologia
seria capaz de expressar com mais acurácia os pensamentos musicais de
ouvintes iniciantes no processo de aprendizado da teoria musical, mais
especificamente relativo ao processo de percepção de segmentação de
frases musicais. Em estudo subsequente se buscará entender meios de
estabelecer elos entre estruturas musicais e suas potenciais funções.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Agradecimentos
302
M. R. agradece ao CNPQ pela bolsa de iniciação científica concedida
(PIBIC-UFRGS). R.A.T.S. agradece ao CNPq (Projeto Universal
409012/2016-5).

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Anais

A manipulação do andamento na comunicação de


emoção no Ponteio nº 6 de Camargo Guarnieri 303
(Resumo)
Andrei Liquer de Abreu (andrei.liquer@hotmail.com)
Regina Antunes Teixeira dos Santos (regina.teixeira@ufrgs.br)
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Problema/questão
A comunicação da emoção por intérpretes é objeto de investigação na literatura. Dentro do universo
de emoções, pesquisas envolvendo emoções denominadas básicas são descritas na literatura. Camargo
Guarnieri (1907-1993) em seus Ponteios explicita a indicação de expressão (caráter) na partitura. A
comunicação de emoção de seus Ponteios vem sendo estudada na literatura brasileira. Em
continuidade a estudos anteriores, no presente manuscrito descrevemos o efeito da manipulação do
andamento na percepção de uma plateia de ouvintes músicos e diletantes.
Objetivos
Investigar o grau de comunicabilidade emocional no Ponteio nº 6 de Guarnieri a partir dos da
comparação de duas versões de uma mesma interpretação, com manipulação do andamento.
Método
O delineamento envolveu questionário de escolha-forçada, e cada participante [N=100, Músicos (M) e
Dilentantes (D)] escolheu dois entre nove termos emocionais expostos, a partir da escuta dos estímulos.
Esses termos contemplaram, dentre outros, a indicação expressiva indicada por Guarnieri e o termo
escolhido pelo intérprete a partir da tipologia das emoções básicas proposta pela Teoria dos Protótipos
de Shaver e colaboradores (1987). As estratégias metodológicas envolveram a apresentação de duas
versões em áudio de uma mesma performance, sendo a primeira denominada versão genuína, e a
segunda manipulada, onde o intérprete manipulou o parâmetro andamento da obra, ainda que visando
não fugir demasiadamente do texto musical. A hipótese levantada foi que a disponibilização de duas
versões aos ouvintes serviria como opções a serem comparadas e escolhidas, possibilitando assim maior
possibilidade de apresentar uma melhor comunicabilidade da(s) emoção(ões) previamente pretendidas
a serem comunicadas. Para esta comunicação, serão apresentados os resultados obtidos sobre o Ponteio
n° 6. O caráter descrito pelo compositor neste ponteio indicava o termo apaixonado; o intérprete, por
sua vez, entendia e pretendia comunicar a emoção desesperado, além de apaixonado.
Resultados
Os resultados indicaram que houve comunicação dos termos pretendidos, para os participantes
músicos (M = 50), uma vez que escolheram as emoções apaixonado (48%) e desesperado (32%);
Diletantes (D; N= 50) perceberam 38% e 30% dessas indicações respectivamente. No que se refere
à preferência pelas versões, para o grupo M, 54% dos ouvintes indicou a versão genuína para a
emoção apaixonado e 75% para desesperado. Já para o grupo D, 64% dos ouvintes indicou a versão
manipulada para a emoção desesperado, enquanto apaixonado apresentou o mesmo número de
incidências (50% dos ouvintes para ambas as versões).
Conclusões
A partir dos resultados, pode-se observar que houve comunicação de emoção por parte dos ouvintes
participantes desta pesquisa sobre a interpretação do autor do Ponteio nº 6 de Guarnieri. No que se
refere à comparação das versões genuína e manipulada, os dois grupos de ouvintes apresentaram-se
diferenças de percentual na escolha de desesperado, mas semelhantes quanto à emoção apaixonado. O
fato de ter atribuído dois termos expressivos para a comunicação de emoção de um dado Ponteio,
acabou sugerindo que a escolha do termo pelo interprete acabou sendo melhor comunicada que
aquela indicada pelo compositor. Esse resultado aponta que indícios de que o interprete tende a fazer
escolhas mais direcionadas quando concebe sua própria indicação expressiva a ser comunicada.
Palavras-chave:
Comunicação de emoção, percepção, performance, amor, Guarnieri
Referências
De Abreu, A. L. S. (2017). Perspectivas do amor em três Ponteios de Camargo Guarnieri: um estudo
sobre comunicação de emoção. Dissertação (Mestrado em Música). Universidade Federal do
Rio Grande do Sul.
Shaver, P. R., Schwartz, J., Kirson, D., & O'Connor, C. (1987). Emotional Knowledge: Further
Exploration of a Prototype Approach. In G. Parrott (Eds.) Emotions in Social Psychology:
Essential Readings (pp. 26–56). Psychology Press: Philadelphia.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

MAIO 30 | May 30
304
MESA REDONDA 3
SALA MULTIUSO, 16h

Cognição musical e análise


Mediador:
Gustavo Rodrigues Penha
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
Debatedores:
Tatiana Catanzaro
Universidade de Brasília (UnB)
Marcos Mesquita
Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Rael Toffolo
Universidade Estadual de Maringá (UEM)

Paradigmas tecnológicos musicais face às diferentes eras


da racionalidade humana
Tatiana Catanzaro
A partir da constatação de que a racionalidade musical em particular e a humana em geral é
condicionada, ao mesmo tempo que a influencia de forma dialética, pela evolução tecnológica de
cada período histórico, confrontamos duas diferentes classificações concernindo racionalidade e
tecnologia propostas pelo musicólogo francês François Delalande e pelo filósofo francês Pierre
Lévy. Tecemos considerações sobre as razões que levam ambos os pesquisadores a chegar a
diferentes conclusões concernindo as mudanças paradigmáticas da tecnologia no século XX,
analisando o desenvolvimento histórico da música nos períodos moderno e contemporâneo. Essa
metodologia nos permite, por conseguinte, erigir os pilares que permitiram a instauração da
“música baseada no som” e de definir as particularidades dessa nova gramatologia extraída do
cerne da própria matéria sonora.

Reflexões sobre parâmetros e temporalidades musicais


Marcos Mesquita
O termo parâmetro, ao qual o título faz menção, não se refere àqueles que são ensinados
tradicionalmente pela acústica – duração, altura, timbre e intensidade (Gunther, 2012) –, mas
sim a algo mais abrangente, mais genérico: “elemento variável (característica ou dado) que
entra na elaboração de um conjunto, o qual constitui um todo” (Houaiss, 2001).
O conceito de parâmetro discutido aqui está próximo do conceito de atributo. Para compreendê-lo,
devemos passar pelo conceito de categorização que Lawrence Zbikowski (2002) adaptou para a
música a partir especialmente dos escritos dos psicólogos Eleanor Rosch e Lawrence Barsalou. Para
Zbikowski, estes dois psicólogos, entre outros autores, desenvolveram uma nova visão sobre
categorização focada em dois tópicos: “O primeiro diz respeito à relação entre o processo de
categorização e as estruturas taxonômicas, as quais ele origina. O segundo diz respeito à estrutura
interna das categorias – isto é, como os membros de uma categoria se relacionam entre si”
(Zbikowski, 2002, p. 30-31). Categorização e mapeamento entre domínios (cross-domain mapping)
– que seria uma estruturação de nossa compreensão de um domínio pouco familiar ou abstrato a
partir de termos de outro domínio mais familiar ou concreto “fornecem a base para asserções
ontológicas sobre materiais musicais” e, em uma etapa posterior, estabelecem modelos conceituais
Anais

“que agem como guias para o raciocínio e inferência. Em sua forma mais simples, modelos
conceituais consistem de conceitos em relações específicas que pertencem a um domínio específico
do conhecimento” (Zbikowski, 2002, p. 14-15).
305
O conceito de atributo é útil, sem dúvida, para se estabelecer uma categoria concreta ou abstrata
para se chegar àquilo que Zbikowski chama de “modelo conceitual”. Mas o termo atributo está
muito mais próximo de característica ou qualidade e, em princípio, não se presta ao
estabelecimento de uma escala de classificação com diferentes variáveis. O conceito de parâmetro,
entretanto, definido como “elemento variável” constitutivo de um conjunto, pode estabelecer
coerentemente uma escala de variabilidade aplicável, de maneira efetiva, à análise de obras
musicais de vários séculos, se levarmos em consideração o que definiremos como variabilidade
dentro de cada estilo ou de cada tendência criativa individual. Se o termo atributo tem um quê de
estático, o termo parâmetro, por designar algo variável, estabelece uma escala de possibilidades
que, quando devidamente identificada pela análise musical, pode estabelecer relações entre
eventos sonoros que se encontram dentro de uma faixa de variabilidade perceptivamente coerente.
Em textos anteriores (Mesquita, 2010 e 2017), eu enfatizei o fato de a música ser uma arte
multiparamétrica e é inserido nesse contexto que o termo parâmetro deve ser compreendido aqui.
Neste contexto, relembro o que Arnold Schoenberg disse sobre variação: “Eu defino variação como
alterar um número de características de uma unidade, enquanto que preservando outras”
(Schoenberg, 1948/1975, p. 287). Em minha opinião o conceito multiparamétrico está implícito
nesta definição: dizer que a “unidade” musical é constituída por diferentes “características” é uma
nuance linguística de dizer que a unidade musical é constituída por diferentes parâmetros e que
alguns podem ser transformados, enquanto outros permanecem idênticos ou estáveis.
Tais ideias são discutidas à luz de dois exemplos musicais:
1) O trecho inicial (c. 1-12) do 1º movimento, Allegro di molto, do Quarteto de Cordas op. 20,
nº 4, de Joseph Haydn;
2) O trecho um trecho entre os compassos 180 e 184 do 2º movimento do Trio de cordas op. 20
de Anton Webern.
A temporalidade musical é discutida a partir de dois conceitos. Um que estabelece que “o tempo do
som não se manifesta no tempo (como se o tempo já existisse antes e independente do som), mas sim
como tempo (quando o som em si o instaura). O som não precisa do, ou requer, tempo, como se
necessitasse ou preenchesse este como algo dado de antemão, mas sim institui tempo, quando ele é
tempo em si como ressoar” (Eggebrecht, 2001, p. 21, itálicos no texto original). E outro que institui
uma perspectiva psicológica para o tempo musical: “Enquanto a música é estruturada no tempo,
temporalidade também é o tempo que a música significa” (Monelle, 2000, p. 84). Porque o contexto
da reflexão de Monelle é semiótico-social, uma paráfrase da frase deste autor é proposta. Tal
paráfrase se situa mais em um contexto cognitivo-musical, mas que não exclui o complexo processo
de enculturação: enquanto a música estrutura o seu tempo, a temporalidade é o significado do tempo
que a música instaurou para o ouvinte atento. Ou seja, ela leva em consideração que o som “institui
tempo”, que é o som que molda durações de inumeráveis maneiras (Mesquita, 2013). E, além disto,
ela considera a temporalidade como um aspecto da vivência, por parte de uma consciência, dos
eventos sonoros que instituíram um tempo musical. Como existem inúmeras consciências, com suas
respectivas histórias culturais, psicológicas, familiares etc., existem tantas temporalidades quanto
consciências – obviamente, existem interseções conceituais mais ou menos amplas, conforme o grau
de compartilhamento cultural entre consciências.
Após as discussões conceituais em torno dos termos parâmetro e temporalidade musicais, chega-
se à discussão sobre a validade cognitiva dos conceitos apresentados e aplicados aos trechos
musicais mencionados acima. Os focos da discussão agora são dois aspectos da memória:
1) A memória auditivo-sensorial que “desempenha ambas as importantes funções de integrar
temporalmente informação acústica que chega e mantê-la disponível por alguns segundos. [...]
a integração temporal é necessária, para se reconhecer elementos relacionados na informação
contínua do fluxo acústico” (Koelsch; Schröger, 2008, p. 395);
2) A memória de longo prazo cuja bipartição estabelece “uma distinção entre memórias de
situações e eventos específicos (memória episódica ou autobiográfica), e conhecimento geral
conceitual (memória semântica), sendo a última mais abstrata e se desenvolvendo frequen-
temente por episódios similares repetidos [...]” (Snyder, 2016, p. 169).
Os estudos interdisciplinares entre cognição e análise musical apresentam claramente uma herança
dos estudos de teorias musicais praticados desde pelo menos o início do século XIX. Ainda ocorre,
hoje em dia, uma reavaliação desta herança com o auxílio dos testes disponíveis, especialmente
aqueles que se valem de psicometria ou do assim chamado imageamento cerebral.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

O conceito de parâmetro aplicado à análise musical pode ser uma ferramenta útil para um claro
delineamento dos elementos constitutivos de um evento sonoro, seja de características temáticas,
como na música tonal de tradição europeia, seja de características tímbricas ou texturais, como
306 em diversas correntes das músicas dos séculos XX e XXI. Além disto, a constatação do aspecto
multiparamétrico do evento sonoro revela diferentes perspectivas analíticas aplicáveis a este
último e auxilia na compreensão da vivência temporal por parte do ouvinte – que foi designado
aqui como temporalidade.

Os desafios da análise musical no contexto da naturalização da


estética
Rael Toffolo
No contexto da ciência cognitiva dinâmica e seus desdobramentos para o campo da arte temos
passado por um processo de investigação que pressupõe a naturalização da estética e por
consequência da naturalização da estética musical (cf. Couchot, 2012, Michaud, 2004). Tal
processo de naturalização é recente e ainda permeado de dúvidas e repleto de lacunas a serem
preenchidas pelos pesquisadores da Cognição e de todas as suas áreas inter-relacionadas. No
Contexto da Cognição Musical, a Análise Musical, como era de se esperar, tem se dedicado à
construção de um corpus de informações que visam a elaboração de seus modelos explicativos.
Inúmeros são os desdobramentos da Análise Musical que superam os estudos de relação entre
forma e conteúdo musical como: a análise de dados a cerca do comportamento motor dos
instrumentistas, análise de dados estatísticos relacionados à fruição da música por públicos
diferenciados, entre tantos outros (cf. Anais do SIMCAM). Nesse contexto é necessário estarmos
atentos para alguns questionamentos que podem contribuir para a compreensão de qual papel a
Análise Musical pode desempenhar no contexto da Cognição Musical no âmbito de uma
Estética Naturalizada e que são as propostas a serem discutidas nesta mesa: o que já sabemos para
podermos propor uma naturalização da estética musical? Quais as lacunas que podem ser
preenchidas e que invariavelmente podem ser preenchidas pela análise musical? Quais são os
problemas que devemos enfrentar quando apontamos para uma naturalização da estética
musical? e por fim, o que podemos fazer para fortalecer essa agenda de pesquisa?
Anais

MAIO 30 | May 30
CONFERÊNCIA
LECTURE 3
3 307

SALA MULTIUSO, 19h

Coordenador da sessão | Session Chair: Gustavo Rodrigues Penha (UFMS)

La construcción de un sentido en la escucha musical


François Delalande
La escucha musical es una conducta que responde a una expectativa, lo que determina una
estrategia mediante la cual, sin su conocimiento, el auditor selecciona rasgos y «construye» el
objeto percibido. El sentido que el oyente atribuye a la música escuchada o las sensaciones que
provoca en él dependen de la conducta que adopte. Se mostrará sobre la base de un análisis de
la recepción de un preludio de Debussy, La terrasse des Audiences du clair de lune.
La escucha actual de dicho oyente, ese día, en tales circunstancias es muy variable, pero puede
analizarse como una combinación de orientaciones recurrentes. Bajo ciertas condiciones,
estos tipos de escucha son lo suficientemente estables como para poder cruzar los testimonios
recogidos después de escuchar y obtener constantes. En cuanto a las respuestas emocionales,
aparecen como eventos en el curso de la escucha actual.

La construction d’un sens dans l’écoute musicale


L’écoute musicale est une conduite qui répond à une attente, ce qui détermine une stratégie par
laquelle, à son insu, l’auditeur sélectionne des traits et «construit» l’objet perçu. Le sens que
l’auditeur attribue à la musique écoutée ou les sensations qu’elle provoque en lui sont fonction
de la conduite qu’il adopte. On le montrera en nous appuyant sur une analyse de la réception
d’un prélude de Debussy, La terrasse des Audiences du clair de lune.
L’écoute actuelle de tel auditeur, tel jour, dans telles circonstances est très variable mais peut
s’analyser comme une combinaison d’orientations récurrentes. Dans certaines conditions, ces
écoutes types sont suffisamment stables pour qu’on puisse croiser des témoignages recueillis
après écoute et dégager des constantes. Quant aux réponses émotionnelles, elles apparaissent
comme des événements dans le cours de l’écoute actuelle.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

310
Anais

MAIO 31 | May 31
SESSÃO L9
Comunicações Orais | Oral Presentations
311

SALA 1, 10h
Coordenador da sessão | Session Chair: Marcos Mesquita

10:00
Treinamento auditivo: relações entre métodos de rítmica e
processos cognitivos da percepção musical
Leticia Dias de Lima

10:30
Las habilidades auditivas musicales: prácticas, concepciones y
valoraciones en estudiantes de interpretación instrumental
Genoveva Salazar Hakim

11:00
O conceito de estrutura fundamental na análise schenkeriana e
suas bases cognitivas
Luis Felipe Oliveira
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Treinamento auditivo:
312 relações entre métodos de rítmica e processos
cognitivos da percepção musical
Letícia Dias de Lima
Instituto de Artes, Unesp, Brasil
leticiadiaspiano@gmail.com

Resumo
A principal questão discutida neste trabalho é: como as pesquisas em cognição musical sobre a
percepção rítmica se relacionam com os métodos utilizados no treinamento auditivo? Investigamos
relações entre a percepção do ritmo musical e alguns dos métodos de treinamento auditivo utilizados
na graduação em música das universidades estaduais de São Paulo, sendo eles: Starer (1969),
Hindemith (1988), Hall (2005) e Gramani (2013). À luz de teorias e experimentos na área da
cognição musical, avaliamos de que forma os autores dos métodos trabalham elementos musicais –
como pulsação, acento, metro, e o agrupamento de padrões rítmicos – e discutimos tais abordagens
dentro do contexto da disciplina de Percepção Musical. As avaliações realizadas demonstram que os
métodos selecionados não trabalham a percepção rítmica diretamente, pois não levam o aluno a
desenvolver os processos perceptivos da forma como eles ocorrem na escuta e prática interpretativa
real da música. Em seu dia-a-dia, o músico tem sua percepção desafiada no âmbito de questões
teóricas, conceituais, expressivas, estilísticas e também organológicas. Questões, estas, virtualmente
ignoradas pelos métodos. Estes se encaixam em um modelo mecanicista de ensino, em que o
aprendizado consiste em treino e prática repetida de exercícios. Sua função é fornecer materiais para
um treinamento auditivo, baseado especialmente no solfejo de padrões rítmicos.
Palavras-chave: Percepção musical, cognição, ritmo, treinamento auditivo.

Abstract
The main issue discussed in this paper is: How do music cognition research on rhythmic
perception relate to the methods used in ear training? We look for relationships between the
perception of musical rhythm and some of the ear training methods used at the state universities
of São Paulo: Starer (1969), Hindemith (1988), Hall (2005) and Gramani (2013). In the light of
theories and tests in the field of music cognition, we evaluate how the authors of the methods deal
with musical elements – such as beat, accent, meter, and grouping – and then we discuss these
approaches within the context of Ear Training (subject). The evaluations show that the selected
methods do not deal with rhythm perception directly, because they do not lead the student to
develop the perceptive processes as they occur in listening and real performance of music. In their
daily life, musicians have their perception challenged in the context of theoretical, conceptual,
expressive, stylistic and also organological issues. These issues are virtually ignored by the
methods. These fit into a mechanistic teaching model, where learning consists of training and
repeated practice of exercises. Its function is to provide vocabulary for ear training, especially
based on rhythmic patterns.
Keywords: Music perception, cognition, rhythm, ear training.

INTRODUÇÃO
Neste trabalho, sintetizamos as relações entre 1) teorias e experimentos na
área da cognição musical e 2) as abordagens de métodos utilizados na
graduação em música das universidades estaduais de São Paulo. No primeiro
momento da análise, utilizamos as formulações de cada autor – realizadas no
prefácio, em enunciados ou outras observações no corpo do método – para
investigar suas convicções a respeito do desenvolvimento de habilidades e da
utilidade dos exercícios para a prática musical; ou seja, buscamos as concepções
que fundamentam suas propostas. A organização e estruturação dos métodos,
bem como o conteúdo dos exercícios, também foram detalhados¹, demons-
trando de que forma os métodos trabalham elementos musicais como pulsa-
ção, acento, metro, e o agrupamento de padrões rítmicos.
Anais

Os métodos foram selecionados a partir da bibliografia contida nos


programas² das disciplinas. A partir destas bibliografias, selecionamos quatro
métodos em comum (quadro 1), focados em ritmo³. 313
Quadro 1. Métodos selecionados a partir das bibliografias das disciplinas.

CONCEPÇÕES DOS AUTORES


O principal ponto em comum nas concepções de Starer, Hindemith, Hall
e Gramani é a visão de que o desenvolvimento pleno das habilidades musicais
do aluno se dá por meio de exercícios práticos, pois estes complementam a
compreensão de conceitos. Starer afirma que a transformação de símbolos
visuais de notação rítmica em sons é uma capacidade que envolve não só
questões musicais, mas também fatores físicos e psicológicos; e que, por isso,
o desenvolvimento desta habilidade não se limita à compreensão dos
símbolos musicais (Starer, 1969). Hindemith argumenta que a teoria "não
pode ser aprendida simplesmente por informação superficial [...] ou sem o
exercício contínuo das faculdades intelectuais do aluno" (Hindemith, 1988,
p. X).
Para Hall, uma boa performance musical não é possível sem a compre-
ensão dos processos básicos do ritmo: "A familiaridade com padrões rítmicos,
juntamente com o hábito de compreender o ritmo em estruturas fraseológicas,
deve facilitar a performance musical real, em que devemos nos preocupar com
todos os parâmetros da música" (Hall, 2005, p. 1). Gramani afirma ainda que é
muito difícil alcançar a musicalidade levando em conta apenas o raciocínio
aritmético, e que os exercícios servem como veículos para que o aluno possa
"trazer o ritmo musical mais próximo de sua realização total" (Gramani, 2013,
p. 11), vencendo "'desafios aritméticos' através da sensibilidade musical"
(Gramani, 2013, p. 12).

AVALIAÇÕES DOS MÉTODOS


Encontramos nas afirmações acima o cerne da concepção de cada autor.
Quanto ao conteúdo, os métodos consistem, basicamente, de exercícios de
leitura de padrões rítmicos. O objetivo das leituras é desenvolver a habilidade
de executar tais padrões com precisão – por vezes, simultaneamente à
regência. Eventualmente, outros elementos musicais são apresentados, como
dinâmica, fraseado e variações de andamento. Apesar das frequentes obser-
vações sobre a necessidade de manter uma pulsação estável, o conceito de
pulsação é pouquíssimo abordado, e sua percepção e execução não são
trabalhadas separadamente⁵. É possível que os autores entendam a percepção
da regularidade como uma habilidade "natural"; ou então, uma vez que os
alunos já possuem certa vivência musical, não parece haver necessidade de
uma prática mais aprofundada desta habilidade tão "básica".
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

De fato, muitos autores reforçam esta ideia. Para Karpinski, "de todas
as habilidades envolvidas em aspectos temporais da escuta musical, a
314 percepção do pulso é talvez a mais fundamental" (Karpinski, 2000, p. 20).
Nossa resposta motora à percepção de pulsações é uma evidência da
"sensibilidade do ouvinte a regularidades do tempo musical" (Jones, 2009,
p. 81) e pode ser avaliada – tanto em laboratório quanto em uma aula de
música – através de ações simples, como bater o dedo ou a mão em uma
superfície, bater palmas ou os pés e até mesmo dançar (Eck, 2001; Jones,
2009; Karpinski, 2000; Noorden & Moelants, 1999; Nozaradan et al.,
2011; Patel & Iversen, 2014). Pesquisas recentes mostram que o cérebro
sincroniza com os ritmos do ambiente, respondendo a padrões de
regularidade (Tan, Pfordresher, & Harré, 2010).
Mas é preciso considerar que a performance musical – ainda que seja
apenas a execução de um exercício – não se limita à sincronização de
nossos movimentos com estímulos regulares. Devemos manter a pulsação
estável enquanto executamos padrões rítmicos. Basicamente, os autores
orientam o aluno a produzir pulsações com regularidade, mas não se
aprofundam em como isso pode ser feito ou melhorado, especialmente ao
executar padrões rítmicos simultaneamente. Não é raro que o aluno seja
capaz de produzir pulsações relativamente regulares até o surgimento de
um padrão rítmico complexo, irregular ou mesmo inesperado, quando
sua execução como um todo é desestabilizada.
Em relação ao acento, Starer faz apenas comentários superficiais sobre
acentos métricos, recomendando que o aluno sempre diferencie as pulsações,
da forma como estão notadas nos exercícios⁶. É importante lembrar que
inferimos os acentos métricos com base nos padrões de acentuação da música,
levando em conta todos os seus parâmetros. Os eventos musicais nos dão
informações sobre quais pontos temporais são significativos (acentuados);
portanto, não ouvimos – literalmente – o grau de acentuação métrica destes
pontos, mas o inferimos: "a própria música determina o padrão de acentos
que nós interpretamos como metro. [...] A música não apenas estabelece, mas
também reforça e às vezes redefine o metro" (Kramer, 1988, p. 82). O que
ouvimos, literalmente, são os acentos da superfície musical⁷, que exigem um
evento particular para criá-los, como alterações de duração, dinâmica,
articulação, textura, timbre etc.
A leitura de padrões exclusivamente rítmicos impõe uma certa tendência
de acentuar os tempos fortes indiscriminadamente, já que a própria "música"
ali presente carece de elementos sonoros que possam sugerir uma estrutura
métrica de forma mais evidente. Nos exercícios dos métodos, esta estrutura
é pré-determinada pela notação musical, através das fórmulas de compasso.
Uma vez que os autores não sugerem uma contextualização auditiva, seria
interessante que o professor assumisse esta função, promovendo uma escuta
real do repertório, e também incluindo mais parâmetros aos exercícios
propostos (diferentes melodias e suas harmonias subjacentes, articulações e
dinâmicas, por exemplo). Assim, os alunos teriam a oportunidade de, em
primeiro lugar, compreender a hierarquia métrica auditivamente – isso
poderia tornar a acentuação métrica um procedimento menos artificial.
Este problema é apontado por Hall, que alerta para que os acentos
dinâmicos sejam inseridos com cautela, evitando a tendência de acrescentá-
Anais

los a acentos métricos sistematicamente. Segundo a autora, para determinar


o quanto de acento dinâmico deve ser acrescentado ao acento métrico, o
intérprete deve considerar o contexto musical. Assim, evita-se que notas 315
longas, por exemplo, sejam evidenciadas demais, "quebrando" a frase
musical em pedaços.
Gramani alerta para que a acentuação natural de cada célula rítmica seja
respeitada, ou seja, os apoios deverão recair sempre sobre as longas. Podemos
relacionar a "naturalidade" que Gramani atribui às notas longas com a noção
de acentos duracionais. Em uma sequência rítmica – sendo iguais os elementos
de outras dimensões, como altura, intensidade e articulação – o agrupamento
é determinado pelo intervalo entre seus eventos; portanto, ele ocorre sob
influência da proximidade temporal (Todd, 1994). Povel e Okkerman (1981)
realizaram experimentos para avaliar o processo perceptivo de acentuações em
sequências equitonais⁸, e observaram que os ouvintes, de fato, atribuíram
acentuações subjetivas a certos estímulos com base nos intervalos de tempo
entre eles.
A regência, que "combina a percepção do pulso com a organização
hierárquica de pulsos dentro do metro" (Karpinski, 2000, p. 20), é
valorizada pelos quatro autores. Considerando a ideia de que não ouvimos
pulsações literalmente na música, mas as inferimos, o gesto da regência é
bastante apropriado, pois traz a possibilidade de sentirmos as pulsações dos
exercícios sem precisarmos ouvi-las; é, portanto, "um meio prático e musical de
responder ao metro e representá-lo" (Karpinski, 2000, p. 22). Hall observa que
a regência é um recurso muito importante para a interpretação, porque "nos
ajuda a sentir a pulsação e o movimento contínuo de uma pulsação à outra
fisicamente" (Hall, 2005, p. 4). Ainda assim, a forma de execução das pulsações
é um tópico relativamente arbitrário no decorrer dos métodos, variando
constantemente entre bater com as mãos, com os pés e reger.
Starer, Hall e Hindemith apresentam seus exercícios sempre subordinados
a uma fórmula de compasso. O próprio conceito de metro e sua estrutura
hierárquica não são exatamente apresentados⁹. Subentende-se que o aluno já
tem este conhecimento (e esta percepção), e há apenas uma introdução às
fórmulas de compasso, em termos de notação musical. O único autor que faz
comentários sobre aspectos métricos é Gramani. A visão eurocêntrica do
ensino do ritmo, baseado na leitura de padrões rítmicos subordinados a
divisões métricas, é considerada restritiva pelo autor, por não permitir uma
prática empírica e criativa. Na introdução do método, ele esclarece que sua
proposta se relaciona "muito mais com Contraponto do que com Harmonia"
(Gramani, 2013, p. 11). Ele não nega a existência da relação vertical que
permite "uma perfeita medição das durações" (Gramani, 2013, p. 11); no
entanto, pondera que "a frase rítmica não se subordina ao tempo; ela acontece
sobre ele, horizontalmente, conservando assim suas características básicas"
(Gramani, 2013, p. 11).
Seus exercícios foram construídos "explorando a contraposição de
elementos rítmicos irregulares a sequências rítmicas regulares" (Gramani,
2013, p. 12), gerando padrões polirrítmicos e polimétricos. De forma
geral, a medida do tempo é baseada nos agrupamentos das figuras e em
suas acentuações. A noção de frases que não se subordinam ao tempo é
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

simbolizada pelo uso de unidades de pulsações – como é o caso das Séries


– no lugar de padrões rítmicos subordinados a uma fórmula de compasso.
316 Em relação aos demais métodos, avaliamos o que os autores consideram
como "fácil" ou "difícil" em termos de metro – visto que eles declaram
estruturar os exercícios em ordem crescente de dificuldade. Os compassos
simples são mais recorrentes (86,6%) nas obras musicais da tradição clássica
ocidental (Huron, 2006). Portanto, as estruturas destes compassos devem
ser facilmente compreensíveis para ouvintes enculturados¹⁰ neste repertório.
E, de fato, os métodos iniciam os exercícios com compassos simples com a
semínima como unidade de tempo. Os compassos compostos só são
introduzidos depois.
Apesar de o conteúdo ser semelhante, observamos uma relativa incon-
sistência quanto ao que os autores consideram a ordem crescente de
dificuldade ideal. Algumas diferenças se destacam, como a introdução de
compassos irregulares e padrões polirrítmicos, especialmente entre Starer e
Hall. Um importante argumento apresentado no prefácio de Starer é o de
que a "falta de familiaridade com 5 e 7 pulsações por compasso e compassos
alternados, particularmente nos estágios iniciais de treinamento musical,
tem contribuído muito para os medos injustificados de se interpretar a
música do século XX" (Starer, 1969, n.p).
Huron (2006) afirma que o metro é um esquema preditivo para eventos
temporais constituído por pulsações – idealizações – e não notas (tones); ou
seja, processos cognitivos em vez de elementos puramente musicais. Lester
corrobora este entendimento ao afirmar que "a regularidade da acentuação
na hierarquia métrica [...] cria expectativas de acordo com as quais
esperamos que certos pontos no tempo sejam acentuados" (Lester, 1986, p.
42). Lerdahl e Jackendoff (1983) estabelecem que a estrutura métrica tem
a função de marcar o fluxo musical, na medida do possível, em pulsações
igualmente espaçadas. Desta forma, o metro, que "pode ser entendido [...]
como fundamentalmente regular" (Kramer, 1988, p. 102), permite ao
ouvinte criar expectativas; estas, por sua vez, "guiam pulsos antecipatórios
de atenção que facilitam a percepção de eventos" subsequentes (Large &
Kolen, 1994, p. 183). Vale destacar a noção trazida por Huron de que a
periodicidade é "apenas um caso especial de um fenômeno mais geral – a
previsibilidade" (Huron, 2006, p. 201), que é a base temporal da nossa
percepção. Desta forma, a função do metro está ligada à organização
perceptiva da música.
Uma vez que tendemos a criar expectativas a partir de uma percepção
métrica inicialmente estabelecida, qualquer alteração que quebre esta
expectativa se torna um desafio, do ponto de vista cognitivo. Este é o
ponto mais consistente da sequência de introdução de conteúdos nos
métodos: Starer, Hindemith e Hall consideram os compassos alternados,
especialmente com alteração na proporção de pulsações, mais difíceis de
executar.
Padrões rítmicos agrupados compõem o conteúdo mais e melhor
trabalhado nos métodos; especialmente em Starer, Hall e Gramani, em que
o objetivo principal é a busca de uma execução precisa e musical dos
exercícios – desenvolvimento essencial para o músico em seu papel de
intérprete. Entendemos que a proposta dos autores é apresentar ao aluno os
Anais

diferentes agrupamentos de figuras e subdivisões que fazem parte do


repertório, ou seja, fornecer um vocabulário de padrões rítmicos. O estudo
isolado do solfejo rítmico seria apenas uma etapa no desenvolvimento da 317
performance, para que o aluno esteja com "o ritmo bem resolvido" quando
tiver que lidar com vários parâmetros musicais ao mesmo tempo.
Hall é a única autora que valoriza claramente a noção de frases para a
execução dos exercícios. "[...] o objetivo deve ser sempre compreender o
ritmo da frase como um todo. [...] Quebrar uma frase, hesitando ou
repetindo um fragmento, é destruí-la" (Hall, 2005, p. 2). Segundo
Temperley (2001), frases geralmente se referem a grupos básicos de notas
contidas em alguns compassos. Rothstein expõe um conceito mais amplo,
que implica em direção: "[...] uma frase deve ser entendida como, entre
outras coisas, um movimento direcionado no tempo de uma entidade
tonal para outra; [...] Se não há movimento tonal, não há frase" (Rothstein,
1989, p. 5, grifo do autor).
Do ponto de vista cognitivo, podemos entender uma frase como o
agrupamento de notas mais básico da estrutura musical: "[...] na música,
uma unidade categórica de nível básico seria uma frase, em vez de uma
nota ou uma seção" (Zbikowski, 1991, p. 88 como citado em Snyder,
2000, p. 85, grifos do autor). Tendemos a ouvir as notas agrupadas – e não
isoladas – porque, entre uma unidade e outra, percebemos uma divisão.
Agrupamento se refere à percepção dessas divisões (Patel, 2008) ou, em
outras palavras, "à maneira como uma série de notas é agrupada pela
percepção" (McAuley, 2010, p. 166). É um processo perceptivo que tem
a função cognitiva de contenção. Ele reduz a quantidade de informações
que devem ser reconhecidas, armazenadas e recuperadas pela memória
(Temperley, 2001).
Hall estimula este processo ao apresentar um estudo motívico antes de
cada exercício, que resume os padrões de agrupamento presentes no
capítulo. Acrescenta que a repetição é uma prática necessária para garantir
a compreensão completa do padrão rítmico: "[...] a menos que possamos
realizar um padrão três ou quatro vezes consecutivas, não o dominamos"
(Hall, 2005, p. 1). Em Gramani, a memorização de agrupamentos é
valorizada ao ponto de o autor recomendar que o aluno tenha em mente
a construção do exercício e, assim, deixe de ler.
Neste ponto, Starer se distancia dos demais autores. No prefácio, ele
esclarece que "nenhuma tentativa foi feita para moldar esses exercícios em
frases musicais, ou dar-lhes forma por meio de repetição e desenvolvimento
de motivos rítmicos" (Starer, 1969, n.p), e justifica sua escolha reconhecendo
que este procedimento tornaria os exercícios facilmente memorizáveis
através da prática repetida. De fato, muitos autores reconhecem a repetição
como um dos procedimentos mais importantes para a memória.
[...] temos uma memória consciente, que é a capacidade de
tornar acessível a informação e habilidades armazenadas, e
uma memória subconsciente ou automática [...], demonstrada
nos vários tipos de habilidades musicais na performance
(Seashore, 1938, p. 149).

Podemos relacionar os tipos de memória a que Seashore (1938) se refere


com o que hoje se entende por memória explícita ("consciente") e memória
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

implícita ("subconsciente ou automática"). Ambas são classificações de


memórias de longo prazo (long-term memory – LTM), "um sistema que
318 sustenta a capacidade de armazenar informações por longos períodos de
tempo" (Baddeley, Eysenck, & Anderson, 2009, p. 10). Os processos de
aprendizagem em música estão intimamente ligados à LTM e à memória
"automática", que é formada por alterações anatômicas ou químicas
permanentes na intensidade das conexões entre os neurônios (sinapses).
Acredita-se que tais alterações sejam formadas por meio da repetição de
estímulos.
[...] qualquer repetição de elementos em um padrão [...]
constitui um tipo de ensaio, reduz a carga de memória e nos
ajuda a manter uma imagem do passado imediato. A razão
pela qual podemos processar padrões relativamente complexos
de informação, como música e linguagem, é que geralmente
há muitos níveis de repetição em seus padrões. É por isso que
a repetição é essencial na construção de padrões memoráveis
(Snyder, 2000, p. 53, grifo do autor).

CONCLUSÕES
A disciplina de Percepção Musical, no ensino superior, costuma seguir a
chamada "abordagem tradicional", que enfatiza o uso de repertório tonal
ocidental, o ensino fragmentado da música, ditado e solfejo como
ferramentas principais, avaliação por gabarito e o treinamento como suporte
do ensino (Otutumi, 2013). O treinamento está mais ligado "à atividade
repetida de exercícios que, na maioria das vezes, requer do estudante alto
domínio da escrita e da audição discriminada [...]" (Otutumi, 2008: 19). É
dentro deste contexto que os métodos aqui avaliados se encaixam.
Segundo Covington e Lord (1994), esta abordagem acarreta em
algumas frustrações. Do ponto de vista do aluno: a) o treino parece não
corresponder ao dia-a-dia profissional (ênfase em elementos isolados de
seus contextos naturais; respostas em notação musical); b) é dada mais
importância a aspectos de altura e ritmo, sendo pouco considerados outros
fatores, como dinâmica, articulação, timbre e textura; c) é difícil transferir
os conhecimentos da disciplina para outros contextos do curso – e da vida
profissional – como performance solo e em grupo.
Não encontramos, nos métodos, aprofundamentos teóricos, discussão de
conceitos ou de questões expressivas, estilísticas e organológicas; tampouco
contextualização musical com qualquer consistência. Os métodos sinte-
tizam materiais para o solfejo e, eventualmente, para o ditado. Sendo esta sua
verdadeira função, eles cumprem o objetivo a que se propõem. No entanto,
podemos concluir que os métodos avaliados não trabalham a percepção
rítmica diretamente, pois não levam o aluno a desenvolver os processos
perceptivos da forma como eles ocorrem na escuta e prática interpretativa
real da música. Entendemos que um desenvolvimento mais amplo da
percepção musical fica limitado se estiver restrito à execução dos exercícios
da forma como estes são apresentados.
Anais

Notas
1 Neste artigo, não apresentamos a descrição detalhada dos exercícios de cada método e não nos
aprofundamos nas formulações dos autores. Estes conteúdos podem ser consultados em Lima 319
(2018).
2 As informações sobre as disciplinas foram acessadas pela Internet nos seguintes endereços
eletrônicos: http://www3.eca.usp.br/cmu/disciplinas (todas as disciplinas – USP),
http://www.ia.unesp.br/ Home/Graduacao/percepcao-e-ritmica-i.pdf (Percepção e Rítmica I –
Unesp), http://www.ia.unesp.br/Home/Graduacao/percepcao-e-ritmica-ii.pdf (Percepção e
Rítmica II – Unesp). Os programas da Unicamp não estavam disponíveis na Internet; foram
obtidos através de comunicação pessoal direta (e-mail) com a coordenadoria de graduação do
Instituto de Artes da Unicamp.
3 Apesar de não tratar exclusivamente de ritmo, Hindemith (1988) determina uma seção exclusiva
para este parâmetro.
4 Título original: Elementary Training for Musicians.
5 Com exceção dos breves exercícios preliminares de Starer e das sugestões de Hall para que a
regência seja praticada separadamente, caso o aluno sinta dificuldades em realizá-la simultaneamente
aos exercícios.
6 A partir do capítulo I, todos os exercícios possuem fórmula de compasso, e a notação da linha
inferior faz uma distinção entre as pulsações a partir de suas localizações no pentagrama. A forma
como o aluno deve diferenciá-las não é clara, uma vez que o autor determina que a linha inferior
pode ser batida com as mãos ou pés, ou pode ser regida.
7 Acentos fenomenais, para Lerdahl e Jackendoff (1983), ou acentos enfáticos, para Kramer (1988).
8 Neste tipo de sequência, o único parâmetro que varia é o intervalo de tempo entre os sons (Povel
& Okkerman, 1981).
9 Observamos apenas uma certa preocupação com a concepção e execução de acentos métricos.
10 Enculturação é uma forma de absorção de informações encontradas no ambiente (em oposição
a predisposições inatas). Caracteriza-se pela ausência de esforço autoconsciente e de instruções
explícitas (Sloboda, 2008). Hannon e Trehub (2005) afirmam, a partir de seus experimentos, que
anos de exposição às categorias métricas que dominam em uma cultura musical específica devem
provocar reorganizações perceptivas e o estreitamento de estruturas métricas que podem ser
manipuladas com facilidade. Essas descobertas refletem a influência de processos de enculturação
sobre as preferências métricas de ouvintes adultos. Huron corrobora esta ideia: "a percepção e a
reprodução de figuras rítmicas por ouvintes ocidentais enculturados combinam muito bem com a
distribuição real de ritmos na música ocidental" (Huron, 2006, p. 201).

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Anais

Las habilidades auditivas musicales: prácticas,


concepciones y valoraciones en estudiantes de 321
interpretación instrumental
Genoveva Salazar Hakim
Proyecto Curricular de Artes Musicales,
Universidad Distrital Francisco José de Caldas, Colombia
gsalazarh@udistrital.edu.co

Resumo
La audición musical, como modo de aprendizaje perceptual y de conocimiento, se va afinando en
prácticas de aprendizaje musical informales y formales. Además del recorrido en asignaturas que
propenden por el desarrollo de la audición estructural en la carrera de música, es de suponer que los
estudiantes desarrollan habilidades auditivas relacionadas con las prácticas musicales en las que
participan previa y simultáneamente a la carrera. Este estudio indaga sobre prácticas, concepciones
y valoraciones de desarrollo auditivo musical de estudiantes de Interpretación Instrumental, en
aprendizajes previos a la carrera y durante esta. Se realiza un estudio exploratorio, con metodología
cualitativa, mediante entrevistas semiestructuradas. Previo a la carrera, el aprendizaje instrumental se
focaliza por un tiempo extendido en el montaje de repertorios, en solitario y en agrupaciones, con o
sin la orientación de un profesor. La audición estructural es sinónimo de desarrollo auditivo, en
aprendizajes previos a la carrera y en esta. Su aprendizaje se apoya, en varios casos, en la imaginación
sonora vinculada a la mímica de la ejecución instrumental, facilitándose la identificación de
estructuraciones en correspondencia con los instrumentos que tocan. Las prácticas instrumentales de
los estudiantes aportan significados relevantes en el desarrollo de la audición de aspectos
estructurales, expresivos y estilísticos musicales. Los conocimientos no proposicionales que se gestan
durante la práctica instrumental sirven de base a los proposicionales contemplados en la audición
estructural, incluyendo las imitaciones inter y transmodales, manifiestas con gestos, que contribuyen
a la comprensión de eventos sonoros en téminos estructurales.
Palavras-chave: habilidades auditivas, percepción auditiva, significado musical.

Abstract
Music listening, as a way of perceptual learning and knowledge, is further refined through informal and
formal musical learning practices. In addition to taking part in subjets that work for the development of
structural listening, it is expected that the students develop listening skills related to the musical practices
in which they participate prior to, and simultaneously to their careers. This study researches on practices,
conceptions, and evaluations of development music listening in students of instrumental performance,
in learnings that take place prior to their professional studies and during them. We performed an
exploratory study, with qualitative methodology, using semi-structured interviews. Prior to the career,
the instrumental learning is focused, for an extended period of time, on the assembly of repertoires, solo
and in groups, with or without the guidance of a teacher. Structural listening is a synonym of music
listening development, in learnings that take place prior to and in their professional studies. Its learning
is supported, in several cases, in the sonic imagination linked to the gesture of the instrumental
performances, by facilitating the identification of structures in correspondence with the instruments they
play. The instrumental practices of students bring relevant meanings for the development of structural,
expressive and stylistic musical aspects. Non propositional knowledges, which are formed during
instrumental practice, are based on propositional ones, referred to tasks during structural listening,
including intermodal and intra modal imitations, manifested in gestures, which contribute to the
understanding of events sound in terms of structure.
Keywords: Listening skills, listening perception, musical meaning.

INTRODUCCIÓN
Asignaturas como Formación Auditiva, Solfeo, Entrenamiento Audi-
tivo, Gramática Musical, entre otras, propenden por el desarrollo de
destrezas auditivas, asociadas al dominio de la lectoescritura musical y de
conceptos teóricos musicales. Desde la experiencia de enseñar en Forma-
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

ción Auditiva, han surgido preguntas relacionadas con el por qué de tal
denominación, dado que es de esperarse que diversas asignaturas de música
322 en el currículo contribuyan al desarrollo de la audición musical, al igual
que las prácticas musicales en las que han participado los estudiantes antes
de la carrera.
No obstante, las denominaciones de estas asignaturas y sus prácticas
pedagógicas han contribuido a creer que tener buen oído, es sinónimo de
ser competente en tareas, especialmente, de audición estructural. De allí
que haya surgido el interés de adelantar estudios que indagan por las
concepciones propuestas y prácticas de desarrollo auditivo en diferentes
espacios de formación del Proyecto Curricular de Artes Musicales,
empezando por observar la propuesta institucional (Salazar, Castillo,
Agudelo & Bernal, 2015; Salazar et al, 2015a).
Posteriormente se adelantó un estudio con cuatro casos de estudiantes
del Énfasis de Composición y Arreglos (Salazar, 2017), teniendo en
mente las siguientes preguntas: ¿Qué tipo de prácticas de aprendizaje
musical han tenido los estudiantes antes a la carrera, en las que consideran
que han desarrollado habilidades auditivas? y ¿de qué tipo son dichas
habilidades? ¿Cómo valoran los estudiantes sus desarrollos auditivos y
cómo observan la articulación de sus habilidades auditivas entre los
diferentes escenarios de aprendizaje y práctica previos a la carrera y
dentro de ésta?
Tales preguntas se retoman en el presente estudio con cuatro casos de
estudiantes de Interpretación Instrumental. Con sus respuestas se busca
ampliar nuestra comprensión de la audición musical como modo de
conocimiento y los supuestos que hay frente a esta habilidad, en el contexto
de diversas prácticas de aprendizaje. De igual forma, se busca aproximarse a
aspectos que facilitan y dificultan la transferencia de conocimientos entre
los diferentes escenarios de aprendizaje y práctica musical, y con esto tener
insumos que permitan llevar a cabo acciones pedagógicas favorables para
los estudiantes.
En este propósito se han tenido en cuenta categorías relacionadas con la
cognición que contribuyen a caracterizar, en relación con prácticas
musicales y pedagógicas, qué es lo que se conoce, cómo se conoce, qué
acciones aportan afinar la percepción auditiva, qué fuentes participan en la
creación de significados y de qué manera se interrelacionan las habilidades
auditivas a través de diversas prácticas musicales.

Fundamentación
La audición es una modalidad perceptual básica en aprendizajes musicales
diversos y constituye un modo de conocimiento musical que involucra
conocimientos de tipo proposicional y no proposicional (Johnson, 1987;
Stubley, 1992; Cox, 2011). La experiencia auditiva y los significados que
surgen en esta son de naturaleza transmodal (sincronía entre modalidades
perceptuales) y transdominio (confluencia de dominios de la experiencia)
(Johnson, 1987; Martínez, 2009; Shifres, 2006, 2012). De acuerdo con Cox
(2011), la comprensión musical que involucra la audición se basa en mímesis
motoras y en la imaginación, bien sea de naturaleza intramodal, intermodal
Anais

o amodal, en lo que respecta a modalidades perceptuales y dominios de la


experiencia participes en la construcción de significados y en el aprendizaje.
Clarke (2005) expresa que son diversas las fuentes que pueden ser 323
relacionadas a los sonidos que se escuchan. En este sentido, la imaginación
motora de la ejecución de un instrumento, que surge al momento de
escuchar algo y que posibilita reconocer qué es, y el rótulo teórico musical
que se asigna a lo escuchado pueden ser considerados fuentes que aportan
al significado, como también nuestras experiencias emocionales, entre
otras. Desde la perspectiva ecológica de la audición, Clarke (2005) plantea
que el sistema perceptual auditivo se va cualificando, afinando y adaptando
a través de las diversas interacciones con las prácticas musicales que ofrece
el entorno, a fin de captar las propiedades estructurales de los objetos del
ambiente, entre estos, todos aquellos que consideremos musicales
Los escenarios y prácticas en los cuales nos involucramos musicalmente
ofrecen oportunidades de aprendizaje y refinamiento de nuestras de habi-
lidades auditivas musicales. Las prácticas de aprendizaje pueden ser de
naturaleza informal o formal (Green, 2002, 2008). En la práctica académica
algunos espacios se orientan de manera explícita al desarrollo de la audición,
especialmente a un modo de escucha como audición estructural (Formación
Auditiva, Entrenamiento Auditivo). De acuerdo con Shifres (2009), en este
modo de escucha se privilegia la imaginación, el pensamiento y la
descripción de enunciados musicales, en términos de categorías y sistemas
de notación de la teoría musical de Occidente. Podría decirse entonces que
una fuente importante que contribuye a asignar significado a determinados
tipos de relaciones sonoras lo constituye el conocimiento teórico musical.
El desarrollo auditivo musical implica poder participar de manera
competente en prácticas sociales y culturales que involucran la música. Para
Wenger y Lave (1991), el aprendizaje es una dimensión integral e insepa-
rable de la práctica social. El aprendizaje de un individuo se concibe como
participación en el mundo social. “En cuanto a aspecto de la práctica social,
el aprendizaje involucra a la persona toda; implica no solamente una
relación con actividades específicas sino una relación con comunidades
sociales- implica volverse participante pleno, miembro, clase de persona”
(p.53). En este sentido, las prácticas instrumentales que tienen los estudian-
tes previo y paralelo a la carrera en agrupaciones – observando e inter-
pretando – constituyen verdaderos escenarios de aprendizaje auditivo e
instrumental de músicas, estilos, modos de relacionarse intersubjetivamente
en el hacer musical y de participar además como miembros competentes
dentro de comunidades de práctica (agrupaciones, conciertos, afiliaciones a
músicas, identidades).

Objetivo
Este estudio se propone indagar por las prácticas, concepciones y
valoraciones de desarrollo auditivo en estudiantes del énfasis de Interpre-
tación Instrumental del Proyecto Curricular de Artes Musicales (PCAM)
en aprendizajes previos a la carrera y durante esta, a partir de sus
testimonios.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

MÉTODO

324 Participantes
Se presentan avances en relación con cuatro casos de estudiantes del
Énfasis de Interpretación Instrumental, quienes cursaban los últimos
semestres de carrera en el 2013. Todos eran hombres y su rango de edad
era de 23 a 26 años. Para referirse a cada uno de ellos se usan seudónimos.
Abel estudiaba el tiple, un instrumento de cuerdas tradicional de
Colombia; Blas, la batería; Carlos, la flauta traversa y Daniel, la guitarra
eléctrica.
La metodología comprendió: (1) la realización de entrevistas semi-
estructuradas realizadas por pares bajo la orientación de la investigadora; (2)
el análisis y la sistematización de las entrevistas, y (3) la interpretación de
datos para lo cual se consideró: (a) las descripciones puntuales de los
estudiantes sobre sus propias habilidades auditivas y (b) la inferencia de
desarrollos auditivos que hizo la investigadora a partir de los testimonios
sobre prácticas de aprendizaje musical relatadas por los estudiantes. Se
tuvieron en cuenta categorías como: procesos transmodales y transdominio,
modos de conocimiento proposicionales y no proposicionales, prácticas de
aprendizaje (informales, formales) y audición estructural.

Resultados
Escenarios y prácticas de aprendizaje musical previas a la carrera, desarrollos
auditivos, articulaciones y valoraciones. Entre los escenarios a los cuales los
estudiantes han dado importancia para su aprendizaje musical previo a la
carrera, se encuentran: el entorno familiar, la práctica “en solitario”, las
agrupaciones musicales, las escuelas de música, el colegio, la iglesia, las
clases particulares de instrumento y el Ciclo Preparatorio de Artes
Musicales, el cual es un programa de extensión que ofrece la Universidad
Distrital Francisco José de Caldas.
Las prácticas musicales que surgieron en familia posibilitaron aprendizajes
informales en relación con repertorios, géneros, formatos instrumentales y
participación musical en agrupación. Desde muy temprana edad, Abel
escuchó en casa músicas de la región andina colombiana que ponían sus
padres. Los géneros de estas músicas los practicó instrumentalmente en
agrupaciones durante la etapa escolar y la universitaria, con instrumentos
afines a los formatos tradicionales de estas músicas (guitarra y tiple).
Blas presenció desde temprana edad en su casa las sesiones de estudio y
ensayo de la agrupación musical a la cual pertenecía su padre, y también
asistió a sus presentaciones en público. La agrupación sirvió ocasionalmente
de escenario para su práctica con instrumentos de percusión a temprana
edad, a cuyo aprendizaje contribuyó un miembro de la orquesta de su padre.
Esta experiencia lo inició en modos de hacer musical en grupo, práctica que
luego ejercería plenamente a partir de sus 15 años tocando el bajo y la
batería. En este entorno, y durante los cuatro meses que estudió batería,
tuvo una aproximación a la lectura musical cuyo contenido eran los
patrones rítmicos que estudiaba en este instrumento. De su participación
musical en el entorno familiar valora su agilidad para imitar aspectos
musicales; y a su práctica inicial en la lectura, relaciona su habilidad para
imaginar en notación la música. (Tabla 1, relato 1)
Anais

Daniel inició el aprendizaje instrumental ‘en solitario’ a los 13 años,


dándose a la tarea de tocar partes de piezas de Metallica, agrupación que le
gustaba mucho. Aprendió en una guitarra acústica el acompañamiento 325
rítmico-acórdico de algunas piezas, y en menor medida partes melódicas
ayudándose con la audición de grabaciones en casetes y con la tablatura. De
este aprendizaje destaca su habilidad para imitar y retener en la memoria
riffs de las piezas que escuchaba, algo que era indispensable para poder tocar
el acompañamiento que procuraba aprender (Tabla 1, relato 2). Además,
señala haber logrado la habilidad auditiva de aproximar la afinación de la
guitarra a la de las piezas grabadas, que frecuentemente estaban en otra
afinación. Esto le permitió sacarlas en su instrumento, aprenderlas y cumplir
con la meta de tocarlas al tiempo con la grabación, y ser parte de la
agrupación a distancia. De esta etapa valoró haber podido acercarse a la
sonoridad de las piezas grabadas a partir de sus exploraciones, aun cuando la
complejidad de la música, y su habilidad instrumental, no le permitían
hacerlo con más precisión.
Esta fue una estrategia que Daniel continuó usando para montar reper-
torio y a partir de los 15 años lo haría con la guitarra eléctrica; adicional-
mente sacaba de oído las partes del bajo que tocaba en agrupaciones. Por esa
época empezó a tocar rock y jazz-rock en agrupaciones del colegio. De sus
exploraciones en la guitarra eléctrica aprendió particularidades de los recursos
eléctricos como manejar el pick, y los efectos sonoros de distorsión y otros a
través del pedal, apoyándose también en manuales y en las pautas que le daba
su profesor en el colegio, quién también le proporcionó herramientas básicas
de improvisación –escalas, mapas en la guitarra eléctrica.
Participación en agrupaciones. Los cuatro estudiantes entrevistados tienen en
común que previo a la carrera tuvieron una práctica intensa en agrupaciones
musicales, dentro y fuera de contextos académicos, con músicas, instrumentos
y formatos en los que posteriormente profundizarían en la universidad. De
esta etapa previa, relatan aprendizajes relacionados con repertorios, su
montaje, la ejecución instrumental y sus roles, los géneros musicales, la
interpretación y comunicación grupal en ensayos y conciertos y, en algunos
casos, la grabación musical y la gestión comercial del grupo.
Algunas de las agrupaciones hacían parte de las prácticas de aprendizaje
en instituciones de educación musical. Abel tocó y grabó con agrupaciones
de su escuela de música en donde estuvo desde los 4 a los 16 años; allí
aprendió a cantar y a tocar guitarra, tiple y percusiones, instrumentos que
interpretó grupalmente con músicas regionales de Colombia. En su colegio
además tuvo una práctica similar a la que realizaba en la escuela, con
músicas regionales colombianas y latinoamericanas. Carlos ingresó a los 11
años a un bachillerato musical donde aprendió y tocó la flauta traversa en la
banda y en grupos de cámara del colegio, además de cantar en el coro;
adicionalmente, en ocasiones colaboraba en otras agrupaciones de institu-
ciones en su región. Blas tocó bajo eléctrico y batería en la agrupación de
su iglesia, iniciando esta actividad aproximadamente a los 12 años, la cual
con el tiempo llegó a dirigir. Daniel tocó rock y jazz-rock en bajo y
guitarra eléctrica en agrupaciones del colegio, desde los 15 años hasta que
salió de este; posteriormente estudió y tocó guitarra acústica durante año y
medio en agrupaciones de una escuela de música orientada al estudio de
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Tabla 1. Extracción de relatos de entrevistas a estudiantes de Interpretación Instrumental

326 Relatos

1 Blas: [Sobre sus habilidades auditivas] Una de ellas es la capacidad para reconocer auditivamente o
para imitar algo que uno escucha. (...) yo le agradezco mucho al proceso que tuve de haber podido
ver a mi papá en la música, de ver la orquesta ensayando en la casa, que genera esa habilidad o esa
aptitud (...) Las personas se desarrollan diferente. En mi caso, haber tenido ese proceso y ser hijo de
músico me ayudó mucho a tener esa habilidad y esa retroalimentación musical.

2 Daniel: Yo simplemente escuchaba. Si el riff era, digamos, tan ta tan ta ta ta tan tan tan, no era que
yo lo interpretara nota por nota, figura musical por figura musical, sino que para mí ya representaba
un grupo, una idea estructurada. El fragmento se me quedaba y después la tablatura me daba unas
coordenadas, unas notas, unos números, (…) y uno complementaba entre ese fragmento rítmico
(…) más las notas que daba la tablatura y lograba tener un resultado que me guiara.

3 Blas: [habilidades auditivas que requería para su práctica] Por un lado, una habilidad muy buena para
memorizar las canciones, a lo que hoy llamamos forma: cuántas veces se repetía un verso, cuántos
coros había, cuáles iban después del primer verso, del primer coro, todas esas cosas. Entonces, era una
habilidad para recordar muy bien y hacer una imagen mental de las canciones. También, la habilidad
para escuchar, en muy poco tiempo, y repetir y montar eso en dos o tres horas.

4 Daniel: Me acuerdo que yo lo podía escuchar [un fragmento] y ya estaba imaginando cómo sería el
movimiento en la mano izquierda de la guitarra y efectivamente era. Me dio la capacidad de retener
pequeños fragmentos e interpretarlos de una y ya después armar todo el bloque de una canción (…)
poder tener esa retentiva para captar una melodía y pasarla al instrumento, o a veces viéndola, la guía
visual es una buena compañera, me acuerdo que me ayudaba mucho. Creo que el estar tocando todo
el tiempo en los grupos y el responder rápidamente a una situación me daba herramientas. En eso yo
sobresalía. [En la escuela de música] había compañeros que se les dificultaba más entender frases o
poder desarrollar una segunda voz en la melodía y eso a mí me fluía mucho más.

5 Carlos: (…) hay que mencionar que nosotros también teníamos que ver música de cámara,
entonces eso era algo que contribuía mucho con el poder escuchar a los demás. No solamente tocar
lo que estaba escrito para lo que uno interpretaba, sino también conocer lo que los demás hacían.
(…) [en esta práctica] uno aprendió a darle importancia a escuchar a los demás y a escuchar lo que
uno hacía, para ya pensar a un nivel macro y no solamente individual.

6 E: Me imagino que a usted desde el principio le enseñaron los intervalos ¿verdad? /Daniel: Sí/ E:
Cuando le hacían dictados melódicos ¿usted pensaba los intervalos y así sacaba toda la melodía? ¿O lo
pensaba como si lo estuviera tocando en el piano o en la guitarra? /Daniel: Claro, en la guitarra. Yo
creo que todo el mundo tiene referencias ¿no? ¿Usted no tiene referencias de su instrumento? /E:
Claro./Daniel: Exacto, ya uno sabe cómo mueve sus dedos. Yo creo que hay una relación del cerebro
y los dedos para saber cómo es que va a sonar la cosa. Yo siempre me remito a la guitarra, siempre
que escucho algo, me lo imagino tocado en la guitarra. Al teclado muy poco. Raro ¿no? (…) la
guitarra siempre ha sido guía de imaginación de melodías. También de secuencias armónicas.

7 Daniel: Había enlaces armónicos que me costaban, se me hacía más sencillo la parte melódica. Me
acuerdo que yo los reconocía y los entendía en [la asignatura] Auditiva , pero al momento de
empezar a aplicarlos, a entenderlos bien, a desarrollarlos en mi diario vivir, fue al estar tocando. (…)
Al pasar por ese proceso de aprendizaje en la cabeza, con entrenamiento auditivo y armonía, los
acordes disminuidos que son puentes entre acordes me costaba trabajo entenderlos, pero después
empecé a practicarlos y ya fluían.

8 E: ¿Y en la parte de auditiva? /Abel: Me gustaría que fuera mucho más práctica. En algún
momento pensé que sería muy bueno dividir los grupos por instrumentos y que las clases [de
Formación Auditiva] no solamente fueran desde el teclado sino de muchos instrumentos, trabajar
lo que llamamos la guataca sobre acompañar un pasillo, un bambuco etc. /E: ¿A qué llamas guataca?
/Abel: A acompañar enseguida una melodía que no sabes o que la has escuchado pero nunca la has
acompañado, no tienes un referente físico como la partitura sino que es por grados y demás, y la
tienes que acompañar a oído.

9 E: ¿Recuerda si las clases de Auditiva o Armonía lo estaban enfrentando a algo diferente, en


términos de audición? /Blas: Sí, era diferente. El hecho de no poder comprobar los acordes que
escuchaba inmediatamente, tener que hacer las cuentas matemáticas, me generaba un mayor
esfuerzo. Si yo sacaba una canción en mi casa en mi guitarra, tenía la posibilidad de comprobar si
era el acorde o no. Pero tener diez acordes en un dictado de progresión armónica sin poder
comprobar ninguno hasta el final me llevó a memorizar y a hacer un trabajo más exhaustivo para
poder tener como resultado un buen dictado armónico. El dictado retroalimentó lo de sacar
canciones. La primera canción me tomó como seis horas, toda una tarde; ahora la saco en cinco,
diez, quince, veinte minutos: escucharla dos veces y ya.
Anais

músicas regionales de Colombia, en donde también cantó en un coro;


paralelamente montó una agrupación de rock progresivo experimental con
un grupo de amigos en la cual tocaba la guitarra eléctrica. 327
Las interacciones y mediaciones en el aprendizaje y el montaje de
repertorios en las agrupaciones diferían entre ellos, según los escenarios
de participación. En las escuelas de música y en algunos colegios más que
en otros, la presencia del profesor fue importante en su rol de director
(Abel, Carlos y Daniel), mientras que en las agrupaciones formadas entre
amigos y con miembros de la iglesia el proceso de montaje se hacía
considerando las propuestas de los integrantes y apoyándose en los saberes
que los unos podían aportar a los otros (Blas, Daniel), generando esto a su
vez que con el tiempo alguno asumiera el rol de director (Blas).
De la experiencia en estas prácticas, los estudiantes dicen haber adquirido
destrezas auditivas que se relacionan directamente con competencias en la
interpretación instrumental en grupo. En el caso de prácticas de montaje no
mediadas por la partitura se resalta la agilidad en aspectos como: retener
rasgos estructurales del repertorio (el orden y función de las secciones),
imitar en el instrumento música grabada y sacarla de oído, montar
repertorio en poco tiempo, responder en tiempo real a los requerimientos
musicales del montaje y las presentaciones. De igual forma se considera que
la escucha atenta del repertorio a montar, posibilitó aprender auditivamente
aquello que hacía cada instrumento de la agrupación, lo cual contribuyó a
desarrollar criterios para saber si lo que tocaban coincidía o no con un
modelo adquirido. Lo anterior alude a las habilidades que le permitieron a
Blas ser el director de la banda (Tabla 1, relato 3). La habilidad para imitar,
lograda por una extensa práctica instrumental en las agrupaciones, la
relaciona Daniel con la facilidad para imaginar tocando en el instrumento,
fragmentos escuchados. (Tabla 1, relato 4)
Por su parte, Abel, si bien menciona que su práctica en agrupaciones
de la escuela de música le permitió aprender repertorios diversos sobre
géneros de música colombiana, más desde las orientaciones dadas con sus
profesores imitando y siguiendo sus indicaciones, relata que le hizo falta
haber sacado música de oído y tener práctica tocando de guataca, tanto en
esa etapa de su vida como en la universidad (Tabla 1, relato 8). De su paso
por la carrera, Abel agradece el haber podido profundizar en las músicas,
formatos y géneros de las músicas colombianas que había trabajado en
agrupaciones previo a la carrera y además haber podido conocer géneros
y estilos de músicas académicas de tradición occidental, según períodos
históricos, algo a lo cual no estaba habituado. Hace referencia que en la
carrera le costó trabajo identificar estilos en estas músicas, a diferencia de
sus compañeros tenían más familiaridad con este tipo de repertorios, por
los instrumentos y en ensambles en los que tocaban. Para esto debió tener
una práctica adicional de análisis auditivo ‘en solitario’ ya que las clases de
historia de la música en la universidad no ahondaban en ello.
En el caso de Carlos, la practica en agrupaciones se llevó a cabo en la
banda sinfónica, el coro y en agrupaciones de música de cámara en su
colegio, durante el bachillerato musical. Al igual que Abel, su práctica
estuvo orientada por profesores, pero en este caso mediada por la lectura
de la partitura, la cual empezó a aprender en clases de Gramática al
ingresar al bachillerato. De su experiencia relata que las agrupaciones de
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

música de cámara fueron un escenario propicio para desarrollar una


escucha hacia lo que él y los demás interpretaban, es decir, poder escuchar
328 el conjunto (Tabla 1, relato 5) En su carrera lamentó no haber podido tener
una práctica más intensa en agrupaciones de manera más permanente al
considerar que estos son espacios fundamentales para lograr una muy
buena comunicación musical con sus compañeros y la audición está en
función de esto. Adicionalmente, señala que en las músicas de cámara logró
relacionar en la partitura aspectos teóricos musicales que durante la carrera
veía en clases de Formación Auditiva.
En los relatos sobre las prácticas previas a la carrera se evidencia una gran
motivación por hacer música, más que por lograr una excelencia interpretativa
en los instrumentos. Al menos en Abel, Blas y Daniel, la preocupación por la
formación técnica en el instrumento, desde una perspectiva académica, se
inició poco antes del ingreso a la carrera, con la conciencia de que este era
un requisito para poder pasar a la Universidad, al igual que lo era el
desarrollar otro tipo de habilidades relacionadas con la audición estructural.
De allí que se inscribieran a cursos preparatorios y a clases particulares de
instrumento. Más adelante, en la carrera, se resaltará el hecho de haber
desarrollado la audición hacia aspectos tímbricos, expresivos, estilísticos,
idiomáticos y de roles de los instrumentos que tocaban, tanto desde la clase
de instrumento como de los ensambles en los que participaron.
El desarrollo de la audición estructural como requisito para entrar a la carrera
y durante esta. Pese a la amplia experiencia tenida en agrupaciones y a las
habilidades auditivas que se asocian con dicha práctica, los estudiantes
habitualmente relacionaban más sus desarrollos auditivos a la habilidad para
nombrar con términos teóricos musicales estructuraciones sonoras meló-
dicas, armónicas y rítmicas, y para transcribirlas y copiarlas en dictado con
sistemas de notación en partitura y cifrados, sin el apoyo sonoro de
instrumentos. Esta tendencia obedeció, por una parte, a las preguntas de los
pares entrevistadores (E), que en algunos casos insistían en asociar el desarrollo
auditivo a los logros a los cuales se orientan asignaturas como Gramática
Musical (Ciclo Preparatorio) y Formación Auditiva (carrera profesional), y,
por otra, a las propias concepciones de los entrevistados.
En algunos casos, el no haber desarrollado habilidades lectoras generó
dificultad al momento de pensar las relaciones sonoras en términos teóricos
musicales y de representarlas gráficamente. Esto también se dio incluso en
quienes sabiendo leer en partitura con el instrumento y entonando no
habían tenido rutinas de entrenamiento auditivo llevado a la escritura,
como el dictado. A esta dificultad se agregaba el hecho de no disponer de
sus instrumentos en clase que les permitieran buscar y comparar en estos
aquello que se pedía identificar, reconocer, nombrar y escribir (Tabla 1,
relato 9). En otras palabras, no contaban con su fuente más familiar para la
asignación de significados.
No obstante, ante la falta del instrumento físico, el aprendizaje musical
vinculado a la ejecución posibilitó realizar la búsqueda y el análisis de
relaciones sonoras “tocando” sobre el instrumento imaginado. De esta mane-
ra, adjudicaban su mayor facilidad para copiar dictados a la posibilidad de
correlacionar lo escuchado con su instrumento imaginario según los roles
desempeñados en estos (melódico, armónico, rítmico). En este proceso de
Anais

colaboración con el instrumento imaginado, tal correlación implicaba hacer


imitaciones intermodales dado que los ejemplos habitualmente los tocaba el
profesor en el piano (Tabla 1, relatos 6 y 8). 329
Al recorrido por la asignatura Formación Auditiva, se asocia el desarrollo
de un modo de escucha que permite entender y analizar la música, para saber
qué está pasando e identificar elementos musicales en términos estructurales,
algo que está más allá del goce estético. Abel relata que su proceso en este
espacio se le facilitó la identificación de progresiones armónicas y melodías y
su escritura a través del dictado, lo cual relaciona con su práctica instrumental
previa. No obstante, hace dos observaciones que se relacionan también con
su práctica instrumental y el desarrollo auditivo en esta asignatura: la falta de
práctica en clase con los instrumentos de los estudiantes, tocar de oído y
trabajar con músicas reales (Tabla 1, relato 8). Señala además que en sus inicios
de la lectura y el dictado, cuando estaba en la escuela de música, trabajaban
sobre estructuraciones que ya habían tocado durante algún tiempo, se leía
tocando pequeños montajes y se escribían ejemplos dictados a partir de instru-
mentos que conocían, lo cual le facilitaba la tarea.
Para algunos, el no hallar relación ni aplicación entre los contenidos
vistos en la asignatura en la práctica real con sus instrumentos, dificultó el
aprendizaje y también contribuyó a su olvido. Mientras que cuando se
tuvo la oportunidad de aplicar los conceptos aprendidos en Formación
Auditiva y Armonía en su práctica instrumental, mejoró su entendimiento
(Tabla 1, relato 5).

CONCLUSIÓN
Las prácticas de aprendizaje musical instrumental, en actividades
individuales y en agrupaciones previo al ingreso a la carrera y durante esta,
aportaron significados relevantes para desarrollo de la audición estructural,
el conocimiento de aspectos expresivos, y estilísticos de las músicas y el
desarrollo de competencias comunicativas en la interpretación musical.
Los repertorios, escuchados en grabaciones, propuestos por agrupaciones
entre pares o enseñados en las escuelas, constituyeron oportunidades propicias
para el aprendizaje musical y la afinación de la percepción auditiva en
entornos familiares, académicos y entre pares. La posibilidad de participación
periférica en comunidades de práctica musical -observando, escuchando y
procurando aprender modelos sonoros de agrupaciones e intérpretes, sirvie-
ron de escenario a la afinación auditiva, a su vez vinculada al aprendizaje de
roles de ejecución instrumental. De igual forma lo fue el hecho de una pronta
inmersión en los retos de hacer música como miembros activos en agrupa-
ciones y de presentarse en público.
Los conocimientos no proposicionales (Johnson 1987) gestados durante la
práctica de aprendizaje instrumental — imitar una fuente sonora, sacar música
de oído en el instrumento, tocar de manera sincrónica con una grabación y
con agrupaciones en vivo, entre otros — sirvieron de base a conocimientos
proposicionales contemplados en la audición estructural. Las imitaciones inter
y transmodales (Cox, 2011), manifiestas con gestos, cuyas fuentes proceden de
la imaginación sonora y motriz vinculada a la ejecución instrumental, contri-
buyeron a sacar música de ‘oído’, al aprendizaje de instrumentos, y a asignar
significados a eventos sonoros en prácticas de audición estructural.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

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Anais

O conceito de estrutura fundamental na análise


schenkeriana e suas bases cognitivas 331
Luis Felipe Oliveira
Curso de Música, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
luis.felipe@ufms.br

Resumo
O que se entende por análise schenkeriana é um método analítico desenvolvido por Heinrich
Schenker em diversos textos, sintetizado na obra Der freie Satz, publicada postumamente em 1935
(em inglês foi publicada em 1979 com tradução de Ernest Oster). Essa metodologia, bastante
difundida desde então, apoia-se sobre a compreensão de Schenker sobre a estrutura tonal e as suas
formas de organização em múltiplos níveis, dentro de uma teoria que procura estabelecer os
princípios da coerência tonal. É importante ressaltar que apesar de muitos conceitos schenkerianos
se correlacionarem a aspectos psicológicos e filosóficos da música, o próprio autor não fez grandes
incursões a esses domínios. Entretanto, teorias surgidas posteriormente dentro do domínio da
cognição musical parecem oferecer justificativas interessantes para diversos conceitos analíticos
schenkerianos que são relacionados a processos de escuta estrutural. Destacamos o trabalho de
Leonard Meyer e, posteriormente, de David Huron, que investigam ambos a noção de expectativa
musical. Neste artigo, verificamos se existe confluência entre as formulações lacônicas de Schenker
e as teorias psicológicas de Meyer e Huron, especialmente com relação ao conceito schenkeriano
de estrutura fundamental (Ursatz).
Palavras-chave: análise schenkeriana, cognição musical, expectativa musical, significação musical

Abstract
What one understands by the term Schenkerian analysis is an analytical method developed by
Heinrich Schenker in several texts, synthetized in the work Der freie Satz, posthumously published
in 1935 (in English it was published in 1979 in a translation by Ernest Oster). This methodology,
very well know thus far, bears over Schenker’s comprehension on tonal structure and its forms of
organization in several levels, within a theory that seek to stablish the principles of tonal coherence.
It is of importance to stress that although several Schenkerian concepts correlate to psychological
and philosophical aspects of music, he himself did not make any incursion into these domains.
However, theories which have posteriorly arisen within the domain of music cognition seems to
furnish interesting justifications to several Schenkerian analytical concepts which are related to
processes of structural hearing. We emphasize the work of Leonard Meyer and, after, of David
Huron, that investigate both the notion of musical expectation. In this paper we verify whether
there is confluence between the laconic formulations of Schenker and the psychological theories of
Meyer and Huron or not, especially with relation to the Schenkerian concept of fundamental
structure (Ursatz).
Keywords: Schenkerian analysis, music cognition, musical expectation, musical meaning

INTRODUÇÃO
O que se entende por análise schenkeriana é um método analítico
desenvolvido por Heinrich Schenker em diversos textos, sintetizado na
obra Der freie Satz, publicada postumamente em 1935, meses após a morte
do autor (em inglês foi publicada em 1979 com tradução de Ernest Oster).
Essa publicação pode ser considerada a síntese do pensamento musical
desenvolvido pelo musicólogo ao longo de seus escritos, que de maneira
sucinta pode ser entendido como a busca por uma lógica gerativa do
sistema tonal. A maneira gráfica que Schenker encontra em Fünf Urlinie-
Tafeln (publicado originalmente em edição bilíngue em 1932) e em Der
Freie Satz¹ para representar as relações estruturais existentes em uma obra
musical tonal é, acreditamos, o que tornou seu nome tão difundido na área
da análise e da teoria musical, especialmente na musicologia em língua
inglesa. A síntese final da teoria schenkeriana da coerência tonal decorre
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

de suas publicações anteriores, quais sejam, um tratado de harmonia


(Harmonielehre) publicado em 1906 e dois volumes de um tratado de
332 contraponto (Kontrapunkt) publicados em 1910 e 1922, que em conjunto
com Der freie Satz formavam um grande compêndio denominado Neue
Musikalische Theorien und Phantaisen².
Essa metodologia gráfica de representar a estrutura musical apoia-se
sobre o entendimento de Schenker que a estrutura tonal e suas formas de
organização são multidimensionais. Assim, para compreender-se estrutural
e organizacionalmente uma obra tonal, é preciso enxergá-la como um
fenômeno que não é linear e nem é unidimensional. Trataremos das
questões da multidimensionalidade da estrutura e da organização musical
na próxima seção, mas antes é importante ressaltar que apesar de muitos
conceitos schenkerianos se correlacionarem a aspectos psicológicos e
filosóficos da música, o próprio autor não fez grandes incursões a esses
domínios – especialmente em Der freie Satz, o texto é construído de
maneira quase aforística. Entretanto, teorias surgidas posteriormente den-
tro do domínio da cognição musical parecem oferecer justificativas
interessantes para diversos conceitos analíticos schenkerianos em suas
correlações com processos de escuta estrutural e de significação musical
(Oliveira et al., 2010).

NÍVEIS ESTRUTURAIS E ESTRUTURA FUNDAMENTAL


Uma das noções mais importantes desenvolvidas por Heinrich Schenker
foi o de Ursatz, ou estrutura fundamental. A concepção schenkeriana é que
uma obra musical constitui-se em diversos níveis estruturais simultâneos,
desde aqueles mais abstratos – o nível profundo ou estrutura fundamental –
até os mais concretos, i.e., próximos à própria constituição da obra musical
como tal – o nível superficial –, podendo ainda existir um ou mais níveis
intermediários que variam em função da extensão e da complexidade da
obra. O que garantiria a coerência (tonal) da obra seria justamente a
manifestação da estrutura profunda (Ursatz), praticamente invariável no
corpus repertorial da pratica comum, nas estruturas superficial e interme-
diárias.

Figura 1. Três modelos de estrutura fundamental postulados por Schenker (In: Forte & Gilbert,
1982, p. 133).

A Figura 1 apresenta os três modelos possíveis de estrutura fundamental


segundo a teoria schenkeriana. Como pode ser observado, os três modelos
são correlacionados, constituídos a partir de um movimento melódico
descendente iniciado sobre a terça (a), a quinta (b) ou a oitava da tônica (c),
sobre um baixo que se apoia sobre as fundamentais dos acordes de tônica e
de dominante. O modelo de estrutura fundamental apresentado por Schenker
é essencialmente uma estrutura harmônico-contrapontística derivada da
cadência perfeita, no entanto sua configuração é muito mais restritiva e
Anais

rigorosa do que uma cadência comum deve ser, com relação à condução de
voz. Destarte, toda a coerência tonal, do nível da frase ao nível da forma
musical como um todo, decorre da estrutura cadencial em sua forma mais 333
restrita, a estrutura mais básica e primordial na música tonal. A união da
linha fundamental sobre um baixo arpejado (sobre as fundamentais) é a
unidade indissociável (Schenker, 1979, p. 11) que confere coerência às obras
musicais. Nas palavras de Schenker (1979, p. 6, grifos do autor): “Coerência
musical pode ser alcançada apenas através da estrutura fundamental no nível
profundo e suas transformações nos níveis intermediário e superficial.”³
Semper idem sed non eodem modo⁴ (1979, p. 6) é a máxima que Schenker
emprega para elucidar que a generalidade do modelo de estrutura funda-
mental é a forma mais abstrata e imutável, portanto perene nas mais variadas
obras que formam o repertório tonal, assumindo um papel gerativo na
descrição schenkeriana da forma musical.
A estrutura fundamental está sempre criando, sempre presente
e ativa; este “presente contínuo” na visão do compositor
certamente não é mais admirável do que aquele que emana da
verdadeira experiência de um momento no tempo: nesse
espaço muito diminuto sentimos algo muito parecido com a
percepção do compositor, isto é, o encontro do passado, do
presente e do futuro. (Schenker, 1979, p. 18, aspas do autor)⁵

Isso que é sempre igual, que está sempre presente, que é a origem de todo
e qualquer desdobramento contrapontístico individual sintetiza, para o
autor, o fluxo temporal entre o passado, o presente e o futuro na escuta, algo
que o compositor vivencia no processo criativo. Se há algo permanente em
todas as obras, há individualidades que as diferenciam. Os três níveis de
descrição propostos pelo musicólogo – profundo, intermediário e superficial
– possibilitam se compreender e visualizar graficamente suas inter-relações.
A Figura 2 apresenta a análise do coral Ich bin’s, ich sollte büssen de J.B. Bach
publicada por Schenker (Schenker & Salzer, 1969, pp. 32-33). Nesta análise
podemos perceber que o autor descreve a peça musical em cinco níveis: o
nível profundo (Ursatz, acima no gráfico); três níveis intermediários (Schicht 1,
2 e 3); e o nível superficial (abaixo). Estruturalmente, a obra configura-se como
a variável mais simples do modelo de estrutura fundamental: 3–2–1, respec-
^ ^ ^

tivamente do – si♭– lá♭ na tonalidade de Lá♭Maior. Quando Schenker diz que


“sentimos algo como a percepção do compositor” entendemos o sentido
gerativo que ele dá à estrutura fundamental, ao sugerir que o compositor, ao
compor com as notas que escolhe, as direciona tendo em mente o caminho
estrutural que devem seguir. A genialidade da composição encontra-se justa-
mente na maneira de conduzir o caminho melódico e harmônico de modo
logicamente coerente sobre uma mesma e imutável estrutura primordial.
Há, portanto, relações de dependência entre notas que desempenham uma
função estrutural e notas que servem a artifícios ornamentais. (O alinhamento
vertical entre os diversos níveis no gráfico da Figura 2 possibilita se verificar
rapidamente quais são as notas da estrutura fundamental na superfície
musical.⁶) O que cada um dos níveis analíticos faz é reduzir gradualmente as
configurações musicais às suas estruturas fundamentais. Ao formular sua
teoria da música tonal, da coerência tonal, Schenker entende que o processo
gerativo (composicional) e perceptivo (analítico) operam pelos mesmos
princípios. Disso deduzimos que ele confere à obra musical uma realidade
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

multidimensional, já que as relações entre estrutura e ornamento se


configuram a um só tempo em diferentes níveis de abstração. Em outra
334 passagem de Free Composition, Schenker afirma “cada progressão linear é
comparável a apontar-se o dedo – sua direção e objetivo estão claramente
indicados ao ouvido” (Schenker, 1979, p. 5)⁷. Ou seja, no processo de escuta,
sabemos de onde e para onde cada movimento melódico e harmônico se
origina e se dirige, pois todas as figuras ornamentais se originam da diatonia
tonal do nível estrutural, e, ao fim e ao cabo, “a escassez tonal da diatonia no
nível estrutural e a completude da tonalidade no nível superficial são uma e
a mesma coisa” (p. 11)⁸.

Figura 2. Análise gráfica do coral Ich bin's, ich sollte büssen de J.S. Bach publicada em Schenker &
Salzer (1969, pp. 32-33, reproduzida aqui a partir de Dunsby & Whittall, 2011, pp. 38-39)

Para compreender o processo de escuta tonal como um apontar de dedo,


dentro dessa perspectiva multidimensional, é importante considerar a noção
de prolongamento, característica dos níveis intermediários. Usando o
exemplo apresentado na Figura 2, pode-se perceber que no nível estrutural
profundo, melodicamente, na primeira parte da música, o movimento
^ ^
essencial é 3–2, que se apoia sobre uma harmonia que parte do I e direciona-se
ao V. Porém, a melodia não se inicia diretamente sobre o 3 e nem progride ^

diretamente ao 2, mas, contrariamente, estabelece ao início um movimento


^

ascendente à primeira nota estrutural, que é seu prolonga-mento, movimento


este que lhe é peculiar, e procede desta por um caminho melódico próprio até
o sexto compasso, outro prolongamento, quando repousa sobre a segunda
nota estrutural na harmonia de dominante. O exercício da escuta, nessa
perspectiva, então, é um processo que não é simplesmente ouvir nota após
nota, mas uma ação guiada,⁹ que além de proceder nota a nota, aponta e
correlaciona estruturas passadas e aquelas futuras. Se a analogia matemática for
Anais

válida, seria o mesmo que dizer que a escuta não é vetorial, mas matricial.
Schenker chega a falar em escuta de curto-alcance e de longo-alcance, sendo
a última aquela que confere coerência ao que ouvimos através da apreensão dos 335
prolongamentos de nível intermediário. Se a capacidade cognitiva se limitasse
meramente a um processo de curto alcance a escuta do que chamamos de
superfície musical “degenerar-se-ia ao caos” (1979, p. 18).

CONSIDERAÇÕES DE MEYER E HURON SOBRE


ESTRUTURA FUNDAMENTAL
Apesar de Schenker desenvolver sua teoria da coerência tonal, ele não
faz incursões aprofundadas à aspectos filosóficos ou psicológicos da escuta
e da significação musicais. Sua escrita aforística em Der freie Satz postula
ideias que podem ser confrontadas a teorias e modelos encontrados na área
da cognição musical. Neste presente texto apenas esboçamos de maneira
muito sucinta uma correspondência entre a ideia de uma teleologia da
escuta¹⁰ propiciada pela estrutura profunda da organização tonal com a
noção de expectativa musical, conforme desenvolvida por Meyer (1956) e
Huron (2006), e descrita em termos lógico-semióticos em trabalhos que
publicamos anteriormente (Oliveira, 2010; Oliveira et al., 2010).
Hanslick (1994, pp. 87-88) talvez tenha sido o primeiro a sugerir
explicitamente que a base da compreensão musical é o seguir-se às intenções
do compositor, que ora corroboram a direção sugerida ao ouvido e ora a
contradizem. Mas como Meyer aponta (1956, p. 4), Hanslick não consegue
explicar “de que maneira uma sucessão abstrata, não referencial de sons se
torna significativa”¹¹ – Schenker tampouco consegue, ainda que sua hipótese
seja mais convincente. Meyer, por sua vez, buscou o aporte teórico da
psicologia da Gestalt – com uma implícita base semiótica, diga-se – para
oferecer uma explicação de como a percepção gera expectativas no processo
de escuta. O argumento proposto é o de que a mente busca, sempre, pelos
padrões mais simples e estáveis, de forma que as expectativas geradas na escuta
musical seguem aos princípios gerais que guiam os processos perceptivos
(e.g., boa continuidade, fechamento, similaridade, simetria, proximidade,
relação figura-fundo etc). Em um certo sentido, poder-se-ia explicar por que
um padrão estrutural 5–4–3–2 tem como consequência derradeira o 1 e não
^ ^ ^ ^ ^

qualquer outro grau da escala; os princípios de fechamento, completude e boa


continuidade justificam o 1 como conclusão natural do padrão estabelecido.
^

Huron (2006), 50 anos depois, foi além de postular que a percepção


musical é guiada por princípios gerais, buscando estabelecer bases empíricas
que suportassem a ideia de que a direcionalidade da escuta não é um
processo natural – baseado na série harmônica como queria Schenker, ou
baseado nos princípios da Gestalt como queria Meyer – mas é fruto de
aprendizagem. Ele chama de aprendizagem heurística o modo pelo qual
aprendemos pela exposição a padrões recorrentes. Tomemos um exemplo
específico: por que os modelos de Ursatz de Schenker são todos descen-
dentes? Schenker argumenta que apesar de as cadências poderem variar
suas direções melódicas na condução das vozes, “isso contrasta muito
significativamente com a estrutura fundamental, cuja voz superior, a linha
fundamental, conhece apenas a direção descendente” (1979, p. 17). Ou
seja, não há explicação de por que assim o é. Meyer, por sua vez, vai um
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

passo adiante e consegue estabelecer que pelos princípios da Gestalt,


estabelecidos certos padrões, eles tendem a continuar; desse fato podemos
336 deduzir que uma vez estabelecido o padrão descendente, ele tende a
permanecer, não havendo, portanto, modelos de Ursatz melodicamente
bidirecionais. Podemos ainda entender que pelos princípios de completude e
fechamento o caminho da linha fundamental em direção ao encontra seu
repouso. Meyer já sugere que a escuta é baseada em fatores proba-bilísticos,
que resultam em hábitos e crenças indispensáveis à apreciação estética (1956,
p. 73 et seq.). Podemos verificar, nesse sentido, que a escuta teleológica, guiada
por formulações mais abstratas derivadas de uma estrutura fundamental tal
qual um dos três modelos de Ursatz schen-kerianos, decorre do aprendizado
perceptivo pela recorrência de determi-nados padrões no repertório
ocidental.¹²
A teoria da expectativa musical formulada por Huron (2006) é, em
grande sentido, uma atualização empírica (e biológica em termos neuro-
científicos e evolutivos) das formulações mais especulativas de Meyer,
entendendo que a escuta é significativa e afetiva devido a formulação de
expectativas apoiadas sobre a aprendizagem heurística, isto é, que decorrem
da detecção de padrões recorrentes. Dentre a enormidade de dados
empíricos levantados por esse autor, ele apresenta algumas características
estatísticas extraídas de um conjunto de mais de 6.000 canções folclóricas.
Segundo Huron (2006, pp. 85-88), do total de contornos melódicos
possíveis, cerca de 40% das frases nesse corpus possuem forma de arco, ou
perfis convexos, isto é, inicio ascendente e final descendente; um resultado
quatro vezes maior que frases de perfil côncavo, ou de arco invertido. Um
pouco menos frequentes, os perfis ascendentes ou descendentes também
foram tipos bastante comuns e, curiosamente, frases ascendentes tendem a
ser seguidas por frases descendentes, formando assim um perfil em arco
composto (o contrário não é verificável; frases descendentes seguidas por
frases ascendentes não têm valoração expressiva). Outra característica esta-
tisticamente relevante é que saltos ascendentes são muito mais comuns do
que saltos descendentes, da mesma forma que graus conjuntos descen-
dentes são mais frequentes que ascendentes. Essas recorrências estatísticas
levam a formulação de expectativas musicais que seguem tendências bem
precisas (2006, p. 94): melodias com alturas próximas; inversão de direção
após saltos (lembrando que saltos ascendentes são mais comuns); continui-
dade de movimentos por grau conjunto (lembrando que graus conjuntos
descendentes são mais comuns); e final de frase descendente (lembrando
que os perfis melódicos mais comuns são em forma de arco, simples ou
composto). Huron comenta sua interpretação da possível relação entre as
configurações da Urlinie das estruturas fundamentais e os achados probabi-
lísticos encontrados. Ele chega a sugerir que Schenker pode ter “entendido
que existe uma tendência objetiva de decaimento das alturas, especialmente
em finais de frase”, ou que ele identificou “a tendência psicológica de se
esperar decaimentos em finais de frases”, ou mesmo que o conceito de
“Urlinie é uma aproximação do fenômeno mais fundamental do decai-
mento em finais de frase” (2006, pp. 97-98).
Nossa leitura do texto de Schenker (1979) condiz com as três hipóteses,
especialmente as duas primeiras. A escrita enigmática do musicólogo
Anais

deixa pistas que nos induzem a considerar que tanto aspectos objetivos do
repertório que lhe interessava quanto subjetivos da experiência musical
dialogam com a sua concepção um tanto mística da natureza do fenômeno 337
musical. Ele nos diz que a estrutura fundamental é um fenômeno de
contraponto derivado da própria constituição da série harmônica, que é
vertical em sua constituição, mas horizontalizada em nossa elaboração
artística da natureza (1979, pp. 10-11). Como Schenker cria que a estrutura
fundamental fosse a unidade gerativa da música, apreendê-la é fundamental
para a composição, para o ensino e para a performance da música. A história
do desenvolvimento da polifonia é, para ele, a história da gradual capacidade
de ouvir a estrutura fundamental por aqueles capazes de fazê-lo. Ao longo
dessa história, se temos a capacidade de ouvir cada obra como uma sequência
que segue seu próprio destino¹³ – ou uma escuta teleológica nos termos de
Meyer – é porque a força atuante do Ursatz se manifesta em nosso domínio
psicológico. Percebe-se na concepção schenkeriana de unidade (ou indiví-
duo) musical que música é essencialmente ideia, e como tal possui ao
mesmo tempo poder gerativo e descritivo – análise e composição são duas
maneiras (complementares) de se relacionar à ideia musical.¹⁴
Outro ponto que nos parece digno de nota é a crítica de Meyer (1956,
p. 52) com relação à concepção schenkeriana de Ursatz, que se estabelece
em dois sentidos: (i) a consideração da estrutura fundamental como uma
estrutura estática; e (ii) sobre o apego ao passado na visão schenkeriana de
estrutura fundamental. Com relação ao primeiro sentido de sua crítica,
Meyer afirma:
A discussão precedente aponta os perigos de concentrar-se muita
atenção sobre a estrutura da obra musical como um único termo
sonoro interpretado como um todo estático. Os discípulos de
Schenker também não se atentaram suficientemente deste perigo.
Muita ênfase sobre o nível arquitetônico mais alto não apenas
tende a minimizar a importância de significados conforme surjam
em outros níveis estruturais como também levam a uma
interpretação estática do processo musical.¹⁵ (1956, p. 52)

Nesta questão especificamente discordamos do musicólogo estadunidense.


Em primeiro lugar Meyer não referencia o texto derradeiro de Schenker, nem
a primeira publicação em alemão de 1935 nem a segunda edição, revisada, de
1955; a edição em língua inglesa foi publicada em 1979, portanto posterior-
mente ao texto de Meyer. Em segundo lugar, mesmo que Meyer tivesse
contato com a publicação em alemão, a escrita aforística do alemão deixa muitas
colocações subentendidas, de forma que o exercício hermenêutico necessário à
leitura é considerável. Logo ao começo de seu texto Schenker define que o todo
não se constitui pela estrutura fundamental, mas pela consideração de todos os
níveis estruturais (ou arquitetônicos) como um indivíduo (cf. notas 12 e 13),
lembrando que é justamente no nível superficial, e não em sua estrutura
profunda, que a obra se manifesta como única, pela maneira como este nível se
conecta à estrutura fundamental através dos níveis intermediários.
Com relação à segunda consideração, Meyer postula:
A própria concepção de “prolongamento de acorde,” tão impor-
tante para suas visões [dos discípulos de Schenker] do cresci-
mento musical, é uma confissão semântica de que o processo
musical é, apesar de suas explicitas afirmações contrárias,
basicamente visto como estático. Se o que ocorre após uma dada
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

estrutura harmônica a “prolonga,” a implicação é que a música é


ouvida mais com relação ao passado do que com relação ao que
ainda está por vir. (1956, p. 52-53, aspas do autor)¹⁶
338
De fato, Schenker explicitamente afirma que o Ursatz é o passado, o nível
intermediário o desenvolvimento, e o nível superficial o presente (cf. nota
12). Porém, como já observamos neste trabalho, ele também sugere que a
estrutura fundamental é como o apontar o dedo, no sentido de conferir uma
direção à escuta da superfície musical (cf. nota 7). Essa analogia nos parece
sugerir que já se entendia que a escuta significativa se manifesta através da
formulação de hipóteses, de se ter uma previsão dos objetivos melódicos e
harmônicos conforme a obra se desenrola em nossa experiência. A própria
noção de expectativa musical só pode ser descrita com o apelo ao passado:
“enquanto o passado de qualquer termo sonoro é de grande importância, sua
importância se deve principalmente porque nossas expectativas sobre os
eventos vindouros são baseadas sobre nossa experiência e lembrança do
passado” (1979, p. 53).¹⁷ Este ponto é deveras importante na descrição do
processo de escuta, em termos significativos e afetivos. Schenker, Meyer e
Huron parecem ter mais pontos em comum do que divergentes; ou, dito de
outra forma, aqueles onde há divergências são secundários com relação aos
confluentes. O que confere sentido à escuta, em termos estruturais,¹⁸ é a
capacidade de formular hipóteses, ou seja, estabelecer um vínculo entre
passado, presente e futuro. Afinal, como já dito ad infinitum, música é uma
experiência inegavelmente ligada ao tempo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho, considerando seus limites editoriais, certamente não esgota
o assunto, mas acreditamos que estabelece uma correlação entre a teoria
schenkeriana da coerência tonal com as formulações psico e musicológicas
de Leonard Meyer sobre as bases dos processos de significação e emoção
musicais: a noção de expectativa musical. David Huron, por sua vez, mais
recentemente, conseguiu descrever algumas regularidades estatísticas que
corroboram os modelos schenkerianos de estrutura fundamental, assim
como a noção de expectativa musical, inclusive oferendo bases neurológicas
a esta noção.¹⁹
A título de fechamento gostaríamos apenas de retomar a sugestão de
Schenker de que a natureza individual de uma obra é uma ideia, cujo todo é
irredutível a um ou outro nível estrutural de maneira isolada (1979, p. 3; cf.
nota 12). Em outros termos, pode-se dizer que a obra musical é um signo. De
forma que o estudo geral dos signos, isto é, a semiótica, pode oferecer grande
auxílio tanto à teoria schenkeriana da coerência tonal quanto aos modelos de
significação baseados na noção de expectativa musical. Inclusive, reforçamos,
o próprio entendimento dos processos inferenciais, com especial destaque
dado à inferência abdutiva, certamente colabora na descrição das relações
entre passado, presente e futuro na experiência musical significativa e afetiva.
Contudo, trazer as contribuições de C.S. Peirce a essa atualização cognitiva
da teoria schenkeriana será objeto de futuros trabalhos, decorrentes dos
desenvolvi-mentos do projeto de pesquisa em andamento.
Anais

Notas
1 Empregaremos como fonte bibliográfica as edições em língua inglesa. Com relação a essas
obras em particular, Five Graphic Music Analysis (SCHENKER & SALZER, 1969) e Free 339
Composition (SCHENKER, 1979).
2 Harmonielehre e Kontrapunkt também foram traduzidas para o inglês (SCHENKER, 1954;
SCHENKER, 1987).
3 Lê-se no original: “Musical coherence can be achieved only through the fundamental structure in the
background and its transformations in the middleground and foreground.” Todas as traduções são nossas.
4 Traduz-se do latim como: Sempre o mesmo, mas não do mesmo modo.
5 No original lê-se: “The fundamental structure is always creating, always present and active; this
“continual present” in the vision of the composer is certainly not a great wonder than that which issues
from the true experiencing of a moment of time: in this most brief space we feel something very like the
composer’s perception, that is, the meeting of past, present and future.”
6 A análise schenkeriana utiliza-se de uma simbologia que confere aos caracteres musicas significados
próprios, porém explicar tal simbologia está além dos alcances deste trabalho. Não obstante,
compreendê-la não é imprescindível para acompanhar o argumento que apresentamos aqui.
7 No original consta: “every linear progression is comparable to a point of the finger – it’s direction and
goal are clearly indicated to the ear.”
8 No original lê-se: “the sparseness of diatony in the background and the fullness of tonality in the
foreground are the one and the same.”
9 É interessante pensar-se na correlação não somente da escuta, mas também do solfejo através
de um entendimento analítico de uma obra, especificamente com relação a direções do
movimento melódico (cf. nesse sentido Bortz, 2013).
10 O termo teleológico, aplicado no sentido de uma escuta dirigida, é empregado por Meyer
(1967, p. 82 et seq.).
11 Lê-se no original: “the manner in which an abstract, non-referential succession of tones becomes
meaningful.”
12 Meyer (1956, p. 52) critica a concepção schenkeriana de estrutura fundamental por
considerá-la estática, em primeiro lugar, e por ser uma escuta que se apoia sobre o passado, em
segundo lugar. Consideraremos estas questões mais a frente.
13 Schenker (Cf. op. cit., p. 3) assume a visão hegeliana de que a origem carrega em si o destino
de cada indivíduo, o que se aplica ao domínio do social, do indivíduo ou das ideias. Para ele o
indivíduo musical se constitui pela união dos níveis estrutural, intermediário(s), superficial, que
correspondem à origem, ao desenvolvimento e ao presente.
14 Portanto, o objetivo da análise schenkeriana não é – e nunca foi – chegar-se à estrutura
fundamental de uma obra, mas compreender como a ideia musical se configura naquela obra,
como um todo, como um indivíduo (algo por um lado indivisível, por outro único, que
estabelece distinção perante os outros).
15 No original consta: “The preceding discussion points up the dangers of concentrating too much
attention upon the structure of the musical work as a single sound term interpreted as a stable whole. The
disciples of Schenker have not been sufficiently aware of this danger. Too much emphasis upon the highest
architectonic level not only tends to minimize the importance of meanings as they arise and evolve on other
architectonic levels but it also leads to a static interpretation of the musical process.”
16 No original lê-se: “The very conception of “chord prolongation,” so important to their view of musical
growth, is a semantic confession that the musical process is, in spite of their explicit statements to the contrary,
basically seen as static. If what occurs after a given structural harmony “prolongs” it, the implication is that
the music is heard more in relation to the past than in relation to what is still to come.
17 No original: “while the past of any sound term is of great importance, it is of importance mainly because
our expectations as to impeding events are based upon our experience and remembrance of the past.”
18 Não estamos afirmando que processos de significação ou emoção musicais sejam exclusiva e
unicamente ligados à escuta estrutural, mas sem dúvida consideramos que esse tipo de escuta é
importante em tais processos.
19 Cf. Oliveira et a. (2010) e Oliveira (2010) para uma breve descrição das bases neurológicas
dos processos de antecipação.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Referências
Bortz, G. (2013). Direção e movimento em solfejos tonais. Percepta, 1(1), 111–123.
340 Dunsby, J., & Whittall, A. (2011). Análise musical na teoria e na prática. Curitiba:
Editora UFPR.
Forte, A., & Gilbert, S. (1982). Introduction to Schenkerian analysis. Nova Iorque: W.W.
Norton & Company.
Hanslick, E. (1994). Do belo musical: um contributo para a revisão da estética da arte dos
sons. Convite à Música. Lisboa: Edições 70.
Huron, D. (2006). Sweet anticipation: music and the psychology of expectation.
Cambridge, MA: The MIT Press.
Meyer, L. B. (1967). Music, the arts, and ideas: patterns and predictions in twentieth-century
culture. Chicago: Chicago University Press.
Meyer, L. B. (1956). Emotion and Meaning in Music. Chicago: Chicago University
Press.
Oliveira, L. F. (2010). A emergência do significado em música. (Doutorado, Programa de
Pós-graduação em Música – área de concentração em Fundamentos Teóricos,
Instituto de Artes). Campinas: Universidade Estadual de Campinas.
Oliveira, L. F., Haselager, W. F. G., Gonzalez, M. E. Q., & Manzolli, J. (2010). Musical
listening and abductive reasoning: contributions of C.S. Peirce’s philosophy to the
understanding of musical meaning. Journal of Interdisciplinary Music Studies, 4, 45–70.
Schenker, H. (1987). Counterpoint. Schirmer Books: Nova Iorque: Schirmer Books.
Schenker, H. (1979). Free Composition. Nova Iorque: Longman.
Schenker, H., & Salzer, F. (1969). Five graphic music analyses. Nova Iorque: Dover
Publications.
Schenker, H. (1954). Harmony. Chicago e Londres: The University of Chicago Press.
Anais

MAIO 31 | May 31
SESSÃO L10
Comunicações Orais | Oral Presentations
341

SALA 2, 10h
Coordenadora da sessão | Session Chair: Claudia Zanini

10:00
Tomada de consciência e conhecimento social:
noções de compositor, intérprete e professor de música
Leandro Augusto dos Reis, Francismara Neves de Oliveira

10:30
A manifestação artística dos Slams de poesia: impactos na
constituição da identidade
Camila de Oliveira Pinto

11:00
Musicoterapia e inteligências múltiplas:
um olhar para o desenvolvimento da criança com
Síndrome de Down participante do Coro Terapêutico
Tonia Gonzaga Belotti, Claudia Zanini
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Tomada de consciência e conhecimento social:


342 noções de compositor, intérprete e
professor de música
(Resumo)
Leandro Augusto dos Reis (ars_leandro@uel.br)
Francismara Neves de Oliveira (francis.uel@gmail.com)
Universidade Estadual de Londrina (UEL)

Problema/questão
O momento atual na educação brasileira, somado aos estudos sobre desenvolvimento e cognição
musical, sugerem, dentre outras, a discussão acerca dos processos de conhecimento social e da tomada
de consciência revelados no fazer e compreender música. Uma vez que estas condutas, sejam no
contexto pedagógico ou artístico, não estão relacionadas apenas com a música e seus conteúdos, mas,
também, com os processos e mecanismos cognitivos dos sujeitos nela envolvidos e com suas
compreensões do mundo social de forma mais ampla. Assim, problematizamos neste estudo as
seguintes questões: 1) como os licenciandos de Música significam os papéis de compositor, intéprete
e professor?; 2) quais os mecanismos cognitivos envolvidos nos processos de construção dessas noções
sociais?; 3) como se relacionam nas produções musicais o fazer e o compreender? Participam da
pesquisa 4 licenciandos em Música de uma universidade pública do estado do Paraná. Pautamos
nosso estudo na perspectiva piagetiana como suporte à compreensão da construção do conhecimento
social em seus diferentes níveis de desenvolvimento (Delval, 1989) e do processo da Tomada de
Consciência (Piaget, 1977).
Objetivos
Investigar os processos da construção do conhecimento social em licenciandos de Música, no que
concerne às noções de compositor, intérprete e professor, visando estabelecer relações entre o
processo de tomada de consciência e os níveis de explicação das noções sociais.
Método
De abordagem qualitativa, embasa-se no método clínico-crítico piagetiano (Delval, 2002). As
intervenções ocorrerão por meio de um protocolo procedimental que criamos com intuito de
provocar elementos desencadeadores de conflitos cognitivos no contexto das intervenções: prova
operatória, produções musicais e significações das noções sociais.
Resultados
Esta pesquisa encontra-se na fase de coleta de dados e esperamos que seus resultados apontem para
a importância da compreensão dos mecanismos cognitivos da tomada de consciência e do
conhecimento social em música, para dela declinarmos reflexões acerca do papel e formação do
professor de música.
Conclusões
Ampliar a compreensão e tomar consciência do mundo social exige, por parte dos sujeitos,
inúmeros questionamentos que o capacitam a passar de um nível de conhecimento elementar para
um patamar mais elaborado de compreensão. Sendo a universidade um espaço privilegiado para a
criação e a difusão do saber, a mesma exerce um papel fundamental na formação sociopolítica dos
sujeitos. O que exige, em contrapartida, dos músicos e professores de música em formação,
constante autocrítica e honesta reflexão, não somente para uma melhor compreensão da música e
suas pedagogias, mas para formar cidadãos conscientes e críticos, capazes de interagirem em um
mundo cada dia mais complexo.
Palavras-chave
Conhecimento social, tomada de consciência, epistemologia genética, ensino superior
Referências
Delval, J. (2002). Introdução à prática do método clínico: descobrindo o pensamento das crianças. Porto
Alegre: Artmed.
Delval, J. (1989). La representación infantil del mundo social. In: Turiel, E. & Enesco, I. &
Linaza, J. El mundo social em la mente del niño. Madrid: Alianza, p. 245-328.
Piaget, J. (1977). A tomada de consciência. Trad. Edson Braga de Souza. São Paulo:
Melhoramentos.
Anais

A manifestação artística dos Slams de poesia:


Impactos na constituição da identidade 343
Camila de Oliveira Pinto 1

Programa de Pós-Graduação em Psicologia,


1

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil


1
camilaolip@gmail.com

Resumo

O presente trabalho se constitui como uma pesquisa bibliográfica que embasa a pesquisa empírica
em andamento no Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia. A referida
pesquisa tem como tema os slams poéticos e a sua hipótese é a possibilidade de estes terem funções
sociais e psíquicas que promovam o desenvolvimento das consciências dos seus participantes. Seu
fundamento teórico é a teoria psicológica Sócio Histórica, que nos oferece suporte para o estudo da
psicologia da arte. Publicações científicas sobre o tema apresentaram discussões quanto aos efeitos
psicossociais relativos à identidade e autorepresentação possibilitadas poesia falada. Pretende-se neste
trabalho discutir os processos identitários nas manifestações artísticas dos slams poéticos e possibilitar
contrapontos entre as abordagens cognitiva e sócio-histórica no que se refere aos impactos da arte
musical na constituição da identidade. Os procedimentos metodológicos utilizados baseiam-se na
revisão bibliográfica crítica. Os estudos localizados resultaram na discussão quanto às práticas sociais
que embasam a construção do conhecimento nos campos de estudo indicados, que em uma das
abordagens privilegia o “estudo da mente” para explicações quanto aos efeitos estéticos e sua relação
com a produção da identidade. E na outra abordagem propõe a constituição dos processos
identitários a partir da relação do sujeito com a cultura, por meio das mediações que se apresentam
no contexto social e histórico e possibilitam a interiorização das relações sociais para constituição da
consciência e subjetividade.
Palavras-chave: slam poético, identidade, teoria psicológica sócio-histórica, arte musical.

Abstract
This work is constituted as bibliographical research that underlies the empirical research in progress
in the Master Course of the Graduate Program in Psychology. This research has as its subject poetic
slams and its hypothesis is the possibility that they have social and psychic functions that promote the
development of the consciences of their participants. Its theoretical foundation is the socio-historical
psychological theory, which supports us for the study of the psychology of art. Scientific publications
on the subject have discussed the psychosocial effects related to identity and self-representation made
possible by spoken poetry. This paper aims to discuss the identity processes in the artistic
manifestations of poetic slams and to provide counterpoints between cognitive and socio-historical
approaches regarding the impacts of musical art on the constitution of identity. The methodological
procedures used are based on the critical bibliographic review. Localized studies resulted in a
discussion about the social practices that underlie the construction of knowledge in the indicated
fields of study, whose approach favors the "study of the mind" for explanations as to the aesthetic
effects and their relation to the production of identity. In the other approach, it proposes the
constitution of identity processes based on the subject's relationship with culture, through the
mediations that are presented in the social and historical context and enable the internalization of social
relations to constitute consciousness and subjectivity.
Keywords: poetic slam, identity, sociohistorical psychological theory, musical art.

INTRODUÇÃO
O movimento slam poetry surge na década de 80 por meio de um
poeta e trabalhador da construção civil, Marc Kelly Smith, e um grupo de
amigos, que realizavam eventos de leitura de poesia em um clube de jazz
situado nas adjacências de um bairro operário da cidade de Chicago,
Estados Unidos (Somers-Willett, 2009).
Smith, em colaboração com outros artistas, organizava noites
de performances poéticas, numa tentativa de popularização
da poesia falada em contraponto aos fechados e assépticos
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

círculos acadêmicos. Foi nesse ambiente que o termo poetry


slam foi cunhado, emprestando a terminologia “slam” dos
344 torneios de beisebol e bridge, primeiramente para denominar
as performances poéticas, e mais tarde as competições de
poesia. Assim, em um fim de noite, de forma orgânica, e a
partir de um jogo improvisado, o poetry slam nasceu. (D’alva,
2011, p. 119)

A modalidade se constitui em uma competição que envolve os poetas


que irão apresentar suas obras, o júri – pessoas escolhidas aleatoriamente
entre a plateia que avaliam as performances, e um mestre de cerimônia
que conduz as rodadas em um evento dinâmico, delimitado no tempo e
que possui algumas regras.
As principais delas propõe que as obras poéticas devem ser originais, ou
seja, produzidas pelo próprio artista que se apresenta; a performance deve
ter tempo de duração de no máximo três minutos e não são permitidos
acompanhamentos musicais, figurinos ou adereço. Os artistas recebem
notas que variam de 0,0 a 10,0, é feita uma média e o slammer com maior
pontuação nas rodadas vence a competição. (D’alva, 2011)
A poesia slam remonta às contribuições de movimentos artísticos norte
americanos como o spoken word, que se relaciona com o universo da
poesia beatnik e os discursos políticos no movimento negro americano.
No Brasil, o movimento Slam teve início em São Paulo, introduzido em
meados de 2008 por Roberta Estrela D’Alva, atriz-MC, diretora musical,
pesquisadora e poetisa brasileira. (Brito Neves, 2017)
Pode-se considerar que o movimento de slams de poesia brasileiro se
insere no cenário da literatura produzida a partir da década de 1980 em
comunidades das periferias urbanas, fomentadas pela realização de saraus
literários organizados pelas próprias comunidades. (Stella, 2015) A expressão
artística da poesia slam possibilita ao artista versar sobre a realidade em que
vive, expressar visões de mundo, pontos de vista, concepções ideológicas e
materializar as correlações de força presentes na sociedade por meio da
performance poética.
As produções científicas referentes ao tema apresentam resultados
quanto aos efeitos psicossociais relativos à identidade possibilitadas pela
performance nos slams poéticos. Se apresentam como temas recorrentes a
desigualdade social, exclusão, machismo, racismo, homofobia, feminismo
negro, traduzidos em versos permeados pela crítica social. D’alva (2011)
caracteriza a poesia slam em narrativas em primeira pessoa que tematizam
as experiências de vida dos artistas, constituindo uma autorepresentação.
Susan Somers-Willett considera que os slams poéticos “provam ser locais
de negociação entre poeta e público onde o desempenho da identidade é
julgado pelo seu sucesso ou fracasso (sua autenticidade ou inautenticidade)
no mundo”. (Somers-Willett, 2009, p. 76)
Alguns estudos apontam para a relação entre a poesia slam e a música.
Souza (2011) investiga a performance na cantoria nordestina brasileira e
no slam, discutindo características das formas da literatura oral popular do
Nordeste brasileiro muito próximas àquelas do slam, como a importância
do corpo e de sua emanação, a voz, como determinante para a atração e
fidelização dos espectadores, o jogo interativo com o público, as formas
Anais

do texto, a métrica dos versos, as rimas e o ritmo e o teor ritualístico destas


expressões poéticas.
Freitas (2018) em sua tese “Ensaios sobre o rap e o slam na São Paulo 345
contemporânea” discute o conceito de “palavra cantada” conforme proposto
por Claudia Neiva de Matos, Elizabeth Travassos e Fernanda Teixeira de
Medeiros, para quem:
O universo de repertórios concernidos pela palavra cantada
compreende um amplo espectro de modalidades de vocalização
musical do discurso poético. Engloba grande parte das literaturas
orais ou vocais, a canção primitiva, folclórica e mediatizada, o
canto erudito e o teatro musical, podendo comportar ainda outros
tipos de vocalização expressiva (palavras declamadas, entoadas,
gritadas...). (Matos et al. como citado em Freitas, 2018, p. 16)

Tal discussão dimensiona a “palavra cantada” como categoria que


aproxima a poesia, a literatura e a música, indicando que a manifestação
artística dos slams de poesia se relaciona com um dos elementos da cultura
hip-hop, o conhecimento, e seus ideais de construção de comunidade e
cidadania (Freitas, 2018).
Para Spina (2003, p. 15) as formas poéticas possuem em sua gênese a
poesia primitiva subordinada à música, na qual “a função ancilar da poesia
está representada pela associação em que viveu com a música, de certo
modo com a dança, antes que surgisse a pessoa do poeta, a poesia
individual”.
No processo de desenvolvimento histórico os estilos poéticos apresen-
tam como gênero discursivo o poema, que se constitui na representação
da poesia em sua forma textual, composto por versos e estrofes que se
organizam em ritmos dados pelos recursos da língua — como rimas,
aliterações, assonâncias — e imagens, dadas pelas figuras de linguagem
como as metáforas, antíteses, entre outras.(Queiroz, 2017).
Composto por muitas faces, um poema pode se apresentar em
quadras, sonetos, versos livres, hai-cais, poemas visuais, vídeo-
poemas, poema-minuto, letras de música, RAP, entre outros,
mas, será sempre regido por dois elementos fundamentais: ritmo
e imagem. O ritmo, como já posto anteriormente, cadenciado
pelas figuras sonoras que geram a rede acústica do poema –
como as rimas, aliterações e assonâncias – e as imagens – estas
evocadas pelas metáforas, comparações, analogias, antíteses –,
fundidos em forma e conteúdo, compõe a tessitura poética.
(Queiroz, 2017, pp. 63-64)

A cadência entre os efeitos sonoros, imagéticos e gráficos tornam o


poema um texto onde se apresentam diferentes variantes de significados,
suscetível a diferentes apropriações em diversos tempos e espaços.
Configura-se como gênero que transcende a linguagem instrumental
cotidiana e possibilita uma apreensão estética da linguagem.
A partir das produções científicas localizadas, pretende-se discutir os
processos identitários possibilitados pela poesia slam, considerando-os
efeitos advindos desta manifestação artística, traçando um contraponto
entre as explicações teóricas da cognição musical quanto aos impactos da
criação e performance nos processos identitários e a concepção da
construção da identidade a partir da teoria psicológica sócio-histórica.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

MÉTODO
A pesquisa se constitui a partir de metodologia qualitativa, utilizando-
346
se de revisão bibliográfica crítica para discussão dos dados coletados.
A pesquisa bibliográfica se deu entre os meses de setembro e outubro do
ano de dois mil e dezoito e não se utilizou marco temporal para delimitação.
Foram localizados trabalhos produzidos entre 1994 e 2017, utilizando como
indexadores os termos catarse, psicologia, psicologia da arte, arte, slam
poetry, slam e poesia, realizando-se cruzamento dos descritores para buscas
nas seguintes bases de dados: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações – BDTD; Periódicos CAPES; Index Psi Periódicos; Pepsic
Periódicos Eletrônicos em Psicologia e Scielo.

RESULTADOS
No processo de pesquisa constatou-se irrisória produção científica
atinentes à ciência psicológica no que diz respeito à manifestação artística
dos slams de poesia, constatando-se maior expressão de trabalhos que
abordam a relação entre arte e psicologia voltadas ao teatro, música, dança,
cultura hip-hop, literatura e cinema. Conforme os indexadores apontados,
foi possível a localização de trinta e nove trabalhos relacionados à arte e seus
impactos na constituição da subjetividade por meio de distintas abordagens
teórico-metodológicas.
Diante das produções analisadas, duas apresentaram resultados de
pesquisas quanto a processos de produção de subjetividade e constituição da
identidade possibilitados pela expressão poética, por meio das explicações
teóricas da psicologia cognitiva e da teoria psicológica sócio-histórica.
Kastrup (2005) discute o conceito de devir-consciente, proposto por
Depraz, Varela & Vermersch (2003), por meio de uma experiência de rodas
de poesia no contexto de um trabalho comunitário com mulheres. Para os
autores o devir-consciente é um movimento que transforma uma experiência
pré-subjetiva, opaca e irrefletida numa experiência clara e intuitiva, portanto
mais definida, evidenciando certa dinâmica da consciência, diante das
variações de experiência do indivíduo, produzindo clareza e distinção de fatos
anteriormente não conscientes. (Depraz et al., 2003).
Os pressupostos teóricos se dão a partir das contribuições de Maturana &
Varela (1995), que propõe estudar a consciência rompendo com o modelo
da representação, buscando as explicações de sua constituição a partir do
estudo da dinâmica da atividade cerebral sob determinadas vivências.
Na experiência em tela a autora propõe que a roda de poesia revela
uma dimensão coletiva da cognição, por meio do acesso ao plano pré-
subjetivo da cognição, potencializando a situação grupal através de uma
dinâmica de ressonâncias, na qual as subjetividades que vibram num
mesmo tom entram em sintonia e o grupo exerce função de “segunda
pessoa” no discurso. O alcance do estado de devir-consciente por meio
das rodas de poesia é tratado como uma prática de si, uma prática de
transformação de si e de produção de subjetividade. (Kastrup, 2005)
Observa-se na pesquisa a perspectiva cognitivista na compreensão de
produção de subjetividade a partir da investigação das formas de proces-
samento cerebral e manifestações do aparato biológico na execução de
Anais

determinada atividade artística. Tal caminho epistemológico propõe uma


implicação cognitiva do indivíduo na relação com a arte, de forma a localizar
no organismo explicações quanto aos efeitos estéticos da práxis artística e suas 347
implicações para o psiquismo.
Gunutzmann (2017), em sua tese de doutorado buscou investigar as
metamorfoses identitárias e seus sentidos a partir das narrativas de história
de vida de poetas participantes do “Sarau do Binho”, evento semanal que
reúne apresentações de poesia, música e artes plásticas na região do
Campo Limpo, zona sul de São Paulo. Por meio da análise das histórias de
vida de artistas que se expressam por meio da performance poética, a
autora propõe que a arte possibilita metamorfoses e novas personagens
(individuais e coletivas) que passam a integrar novas identidades para estes
sujeitos. A pesquisa tem como categoria central a identidade, vista a partir
do sintagma identidade-metamorfose-emancipação, categoria desvelada
por Ciampa (2009) sob o referencial da teoria psicológica sócio-histórica.
Ciampa (2009) compreende o ser em contínuo processo de constituição,
de tal forma que a produção da identidade se dá pela atividade do sujeito em
diferentes contextos sociais e históricos, por meio de relações dialéticas.
Estas operam pelas contradições presentes no âmbito biológico, psíquico e
social, possibilitando a produção de sentidos atribuídos ao próprio projeto
de vida que tornam o indivíduo autor e personagem em sua atividade
social. Deste modo, os processos de produção da identidade são constitu-
tivamente sociais, definidos pela relação do indivíduo com a sociedade e em
suas ações em diferentes contextos da vida.
O registro e análises das narrativas possibilitaram a compreensão dos
processos de metamorfose nas trajetórias de vida dos sujeitos pesquisados,
bem como a produção de novos significados atribuídos a determinadas
vivências destes, as transformações no modo de se perceberem enquanto
sujeitos e como são vistos pelos membros dos grupos que frequentam nas
esferas familiar, social e profissional. A autora conclui que os saraus realizados
em regiões das periferias urbanas possibilitam novos modos de existência e
fragmentos de emancipação dos sujeitos que neles se expressam artistica-
mente, traçando análises que apontam para a construção de políticas de
identidade, identidades políticas e a construção e valorização de persona-gens
coletivas por meio da manifestação artística poética. (Gunutzmann, 2017)
A perspectiva teórica utilizada pela autora propõe que as contribuições
da poesia na construção da identidade se dão como produto da relação
dialética entre indivíduo e sociedade, que se desenvolve de forma dinâmica
em processo contínuo de transformação. No processo de constituição da
identidade os aspectos sociais e históricos se encontram eminentemente
imbricados na constituição do psiquismo, determinando as possibilidades
ou impossibilidades de realização da autonomia e emancipação do sujeito
por meio da arte.
A partir das pesquisas mencionadas, faz — se necessário o aprofundamento
teórico diante das bases epistemológicas apresentadas, quais sejam, as
concepções da produção da identidade no que concerne às perspectivas
cognitivistas no campo da arte bem como a constituição da identidade em
conformidade aos pressupostos teórico-metodológicos da teoria psicológica
sócio-histórica.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

348 DISCUSSÃO
Sob a compreensão de que o campo de estudos da cognição musical
contempla análises quanto à percepção e produção do ritmo e do metro
musical, bem como os elementos psíquicos atinetes à criação e recepção
musical, propõe-se uma aproximação entre os elementos estéticos presentes
na performance poética e na música para que se possa articular as proposições
da cognição musical e as implicações desta para a construção da identidade.
Na obra “Musical Identities” os autores Hargreaves, Miell & Macdonald
(2002) concebem que “a música tem sido usada como um meio pelo qual nós
formulamos e expressamos nossas identidades individuais.” (Hargreaves et al.,
2002, p. 01)
Partindo de estudos sobre aprendizagem musical na infância apresentam
perspectivas teóricas dos estudos em sociologia de Mead (1934) e da
psicologia social norte-americana em Bruner (1990) e Gergen’s (1994) para
a constatação de que o desenvolvimento da identidade e a elaboração de
auto-conceitos nas crianças se dão na passagem da idade infantil para a
adolescência a partir da comparação entre si próprio e o outro, comporta-
mento que permanece no desenvolvimento da identidade durante a vida
adulta. (Hargreaves et al., 2002)
Discorrem sobre o conceito de “música na identidade”, que está rela-
cionado aos processos com que a música é utilizada como meio ou recurso
para desenvolvimento da identidade pessoal, considerando que a música
preenche funções cognitivas, emocionais e sociais ao influenciar compor-
tamentos. (Hargreaves et al., 2002)
A música pode servir como referencial para o indivíduo
posicionar-se dentro da cultura tornando explícita sua origem
étnica, o seu gênero sexual e a sua classe. É utilizada para regular
humores e comportamentos cotidianos e para se apresentar às
pessoas da maneira como preferida (Hargreaves et al., 2002, p.1)

A obra anuncia os processos identitários decorrentes da criação, recepção


e aprendizagem musical, concentrando a discussão quanto à “identidade
musical”, ou seja, os papéis desempenhados pelo músico profissional, o
educador, o aluno e a identidade musical advinda destas práticas.
A partir da realização de uma pesquisa empírica, Ruud (1998) desen-
volveu uma teoria de identidade musical, segundo a qual a formação da
identidade resulta na maneira como os indivíduos narram suas histórias de
vida. A produção da identidade se daria por meio do discurso individual,
processo no qual a consciência monitora memórias, atividades e fantasias.
Para Ruud as experiências musicais produzem qualidade emocional a
partir de vivências pessoais, possibilitando ao indivíduo o planejamento
de enredos que organizam os eventos da vida por meio de narrativas
pessoais. Segundo tal conceituação a identidade pode ser definida como a
consciência da posição do sujeito no mundo a partir de sua subjetividade
(Ruud, 1998).
No campo da teoria psicológica sócio-histórica, Lane (2006) propõe a
constitutição da identidade partindo dos pressupostos do materialismo
Anais

histórico-dialético. Afirma a identidade como categoria da psicologia


social baseada em uma dimensão histórico-social, ou seja, por meio de
pressupostos teóricos que concebem o sujeito constituído a partir de suas 349
relações sociais e do desenvolvimento histórico da cultura, da qual se
apropria por meio de sua atividade.
A partir desta perspectiva teórica Antonio da Costa Ciampa realiza um
estudo que demonstra que a identidade deve ser compreendida enquanto
metamorfose, e tais transformações se darão a depender das condições
sociais e históricas determinantes ao sujeito, nas quais a singularidade do
indivíduo é construída por meio das internalizações que acontecem no
decorrer das vivências pessoais. (Ciampa, 2009)
Neste processo o sujeito representa papéis assumidos enquanto códigos
de conduta atribuídos socialmente. (Carone, s/d) No desempenho destes
papéis o sujeito exprime, por meio de vários personagens, significados e
movimentos próprios que dão existência a vida e projetos de cada um.
(Ciampa, 2009)
As contribuições desta perspectiva teórica para a constitutição da identidade
por meio da arte, apontam para concepções ideológicas presentes nas múltiplas
manifestações artísticas contemporâneas que implicam em determinadas
apropriações para a produção da subjetividade. Se esta é possibilitada pelos
diferentes papéis e personagens vividos pelo sujeito em seu caráter de “vir-a-
ser”, as práxis artística ou a fruição de determinadas expressões determinam a
construção da identidade a tais aspectos, referendados pela atividade do sujeito
nestas apropriações.

CONCLUSÃO
No campo de estudos da psicologia cognitiva constatam-se pesquisas
que têm como problema de investigação as formas de operação executadas
pelo cérebro durante a criação, performance ou apreciação musical,
localizando no “estudo da mente” as explicações dos efeitos estéticos na
relação com a produção de subjetividade. Tais estudos potencializam as
determinações biológicas em detrimento das mediações propiciadas pela
cultura no processo de constituição da identidade.
Os referenciais da teoria psicológica Sócio-Histórica propõe a consti-
tuição dos processos identitários a partir da relação do sujeito com a cultura,
a partir das mediações que se apresentam no contexto social e histórico e
possibilitam a interiorização das relações sociais para constituição da cons-
ciência e subjetividade. Neste processo, a práxis artística também se encontra
mediada por determinados contextos. Para Vigotski a arte é mediada pela
realidade histórica e social circundante, exprime a sociedade que lhe dá
origem e se coloca como mediadora entre indivíduo e gênero humano.
(Vigotski, 1999)
Isto significa dizer que, por meio da arte o sujeito vivencia experiências
alheias, que não seriam possíveis em sua vida particular e se apropria de
elementos culturais para além de sua própria experiência. Tais apropriações
por meio da arte são possíveis pela vivência de emoções antagônicas que
culminam na catarse. Neste processo as emoções são transformadas em
sentimento e reorganizadas, tornando-se socialmente úteis, externalizadas
pelo sujeito como avaliações morais ou afetivas. A transformação do
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

sentimento individual por meio da catarse é capaz de implicar uma


generalização dos sentimentos, torna-los sociais e impulsionar o sujeito a
350 ações posteriores.
Tais discussões não pretendem esgotar a temática da constituição da
identidade por meio da arte, mas sim, pensar as possibilidades da produção
de subjetividade por meio de manifestações artísticas contemporâneas a
partir das práticas sociais que embasam a construção do conhecimento nos
campos de estudo indicados. Pensar a arte enquanto elemento mediador
entre o indivíduo e a sociedade pressupõe a produção de conhecimentos
que explicitem os processos psíquicos que norteiam tais relações, a fim de
desvelar as funções sociais e políticas da arte e seus impactos na
coletividade.

Referências
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contemporâneo. Linha D'Água (Online), 30, 92-112, Recuperado de
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Vigotski, L. S. (1999) Psicologia da Arte. São Paulo: Martins Fontes.
Anais

Musicoterapia e Inteligências Múltiplas:


um olhar para o desenvolvimento da criança com 351
Síndrome de Down participante do Coro Terapêutico
(Resumo)
Tonia Gonzaga Belotti (tgonzaga_@hotmail.com)
Claudia Regina de Oliveira Zanini (mtclaudiazanini@gmail.com)
Universidade Federal de Goiás (UFG)

Problema
A Sı́ndrome de Down é uma anomalia genética que incide em uma parcela significativa da
população. A criança com Sı́ndrome de Down (CSD) apresenta várias limitações e dificuldades,
sendo que estas se manifestam no desenvolvimento motor, no cognitivo e na comunicação, em
diferentes nı́veis, principalmente no tocante à fala. Ajudar a CSD a conquistar o seu espaço na
sociedade, pode estimulá-la na satisfação de, por alguma forma, estar sendo útil, ampliando ainda
mais a sua coexistência. As crianças com essa sı́ndrome podem apresentar melhor desempenho
quando aqueles que as cercam reconhecem que elas têm as suas limitações, mas também seus
potenciais e habilidades. O musicoterapeuta, utilizando a música de diversas formas, pode
estimular as funções cognitivas do ser humano, observando suas caracterı́sticas, necessidades e
potencialidades. A partir desse contexto, foram feitos os seguintes questionamentos: o Coro
Terapêutico, conduzido por um musicoterapeuta, poderia auxiliar no desenvolvimento das
inteligências múltiplas? Quais seriam as inteligências mais trabalhadas no decorrer de um processo
musicoterapêutico?
Objetivos
Compreender se a Musicoterapia, por meio do Coro Terapêutico (Zanini, 2002), poderia
contribuir para o desenvolvimento de crianças com Sı́ndrome de Down, ao valorizar toda e
qualquer habilidade apresentada por cada criança e ao tomar como direcionamento a Teoria das
Inteligências Múltiplas de Gardner (2001).
Método
A pesquisa, realizada em um Programa de Pós-Graduação em Música (Mestrado), teve caráter
qualitativo e a atuação da pesquisadora musicoterapeuta foi pautada na Fenomenologia
Existencial. A coleta de dados foi realizada através da atuação da pesquisadora principal na
instituição designada como Associação Down de Goiás (ASDOWN), sendo que os atendimentos
foram realizados, inicialmente, com um grupo de seis participantes, finalizando com quatro
crianças, em um perı́odo de quatro meses, com frequência semanal e duração de cinquenta
minutos. Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados: fichas musicoterapêuticas,
gravações audiovisuais dos atendimentos, relatórios descritivos, observações sobre
comportamentos dos participantes, entrevista com os responsáveis pelas CSD e com profissionais
que trabalhavam diretamente com algumas crianças, seja no meio terapêutico ou no educacional.
As análises de todos os dados qualitativos foram realizadas com o respaldo da revisão teórica, que
englobou a Musicoterapia, o Coro Terapêutico e as Inteligências Múltiplas.
Resultados
Constatou-se que, ao final do processo musicoterapêutico, houve a ampliação das habilidades
especı́ficas inseridas nas Inteligências Múltiplas, principalmente nas seguintes inteligências:
cinestésico-corporal, linguı́stica, musical, inter e intrapessoal.
Conclusões
O Coro Terapêutico, por meio das experiências re-criativas, das experiências receptivas e de
atividades complementares, pode estimular o desenvolvimento da Criança com Sı́ndrome de
Down, proporcionando evoluções no processo de aquisições cognitivas.
Palavras-chave
Musicoterapia, Coro Terapêutico, Sı́ndrome de Down, Inteligências Múltiplas.
Referências
Gardner, H. Inteligência: um conceito reformulado. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001.
Zanini, C.R.O. Coro Terapêutico: um olhar do musicoterapeuta para o idoso no novo milênio.
(Dissertação de Mestrado em Música). Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2002.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

MAIO 31 | May 31
352
SESSÃO L11
Comunicações Orais | Oral Presentations
SALA 3, 10h
Coordenadora da sessão | Session Chair: William Teixeira

10:00
A música e a consciência na perspectiva da neurociência
cognitiva
Rejane Pacheco Carvalho

10:30
Avaliação em diferentes contextos da performance musical
Sonia Ray

11:00
Preparação para a performance do cantor: movimento e
gestualidade
Daniele Briguente, Sonia Ray
Anais

A música e a consciência na perspectiva


da neurociência cognitiva 353
Rejane Pacheco de Carvalho
Departamento de Música, Universidade de Brasília, Brasil
rejane@reciclandosons.org.br

Resumo
A tomada da consciência em situações de vivências musicais envolve o mecanismo de plasticidade
cerebral a partir das reações neurais produzidas pela música. A música é derivada de sinais emocionais
e nesse contexto, a emoção atua como um grande indutor dos processamentos de discriminação
inconscientes dos estados afetivos utilizando imagens cerebrais mentais dos selfs que contribuem
subjetivamente para a formação de uma consciência social e individual. A formação da consciência por
sua vez, otimiza as respostas às condições do ambiente e aos tipos de processamento neurais dos selfs de
imagens cognitivas que induzem o raciocínio em nível não-consciente e são representadas no cérebro
em forma de mapas e de estruturas mapeadoras neurais. Nessa perspectiva, são apresentados os pontos
de vista de diferentes autores sobre o impacto da música na cognição humana e, em particular, na
formação da consciência em situações de vivências musicais que envolvem o mecanismo de
plasticidade cerebral a partir dos fatores de reação neurais à música. De caráter bibliográfico, a revisão
apresenta contribuições publicadas em artigos de periódicos e livros. Essas contribuições científicas
demonstraram que a música está intimamente interligada aos aspectos que transmitem informações
emocionais, contribuem para a modificação estrutural e relacional das cognições neurais e amplificam
um incosciente/consciente global e subjetivo. Após a análise dos autores, pode-se observar que a
emoção na música apresenta características que são comuns na cognição humana, sendo um traço
universal que desempenha papel crucial no desenvolvimento ontogenético humano, tanto na vida
cotidiana como em diferentes fases da vida da pessoa.
Palavras-chave: Neurociência cognitiva, consciência, processamento do self, subjetividade,
música.

Abstract
The taking of consciousness in situations of musical experiences involves the mechanism of cerebral
plasticity from the neural reactions produced by music. Music is derived from emotional signals and
in this context, emotion acts as a great inducer of the unconscious discrimination processes of
affective states using mental brain images of the selfs that contribute subjectively to the formation of
a social and individual consciousness. The formation of consciousness in turn optimizes the
responses to the conditions of the environment and the types of neural processing of the selfs of
cognitive images that induce reasoning at the nonconscious level and are represented in the brain in
the form of maps and neural mapping structures. In this perspective, the views of different authors
are presented on the impact of music on human cognition and, in particular, on the formation of
consciousness in situations of musical experiences that involve the mechanism of brain plasticity
from the neural reaction factors to music. Of bibliographical character, the review presents
contributions published in articles of periodicals and books. These scientific contributions have
demonstrated that music is closely intertwined with aspects that convey emotional information,
contribute to the structural and relational modification of neural cognitions, and amplify an
inconscious / global and subjective awareness. After the analysis of the authors, it can be observed
that the emotion in music presents characteristics that are common in human cognition, being a
universal trait that plays a crucial role in the human ontogenetic development, both in daily life and
in different phases of a person's life.
Keywords: Cognitive neuroscience, consciousness; self processing, subjectivity, music.

INTRODUÇÃO
O presente trabalho é fruto do levantamento bibliográfico realizado no
grupo de estudo em neurociência da música, chamado Acorde Ciência para
Música, da Universidade de Brasília “UnB”. O trabalho aqui apresentado é de
caráter bibliográfico e realizou uma apresentação crítica das produções
científicas sobre os tipos de processamento neural de imagens cognitivas do
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

self, processamento esse que induzem o raciocínio em nível não-consciente e


é representado no cérebro em forma de mapas e estruturas neurais. Nessa
354 perspectiva, são apresentados os pontos de vista de diferentes autores sobre o
impacto da música na cognição humana e na formação da consciência em
particular.
Outros aspectos também considerados foram: a emoção como grande
indutor dos processamentos de discriminação inconscientes dos estados
afetivos, os quais utilizam imagens cerebrais mentais e contribuem subjetiva-
mente para a formação de uma consciência social e individual; a música como
caráter autorregulatório de ações; e, por último, a construção da subjetividade
que, no caso da experiência musical, é uma atividade multimodal.
A pesquisa foi realizada a partir de treze trabalhos publicados em oito livros
e cinco artigos de periódicos. Os descritores utilizados foram: “neurociência
na música”; “consciência e música”; “subjetividade e consciência”; “Self”;
“música e emoção”. O objetivo foi realizar uma reflexão crítica, segundo a
visão de diferentes autores sobre o impacto da música na cognição humana
para a formação da consciência.
Nos estudos selecionados, a música é apontada como uma característica
humana fundamental dados os seus papéis na evolução e no desenvolvimento
humanos (Pearce & Rohrmeier, 2012); sendo que a música desencadeia o
envolvimento em funções sociais e está diretamente relacionada ao cumpri-
mento de necessidades humanas básicas como contato e comunicação com
outros seres humanos, cooperação, coesão social e apego social (Koelsch, 2014).
Também se pode considerar que a música é influenciada pelo inconsciente
genético assim como ocorre com outras artes (e.g. pintura, poesia) na medida em
que influenciou a estruturação inicial do espaço social, incluindo as convenções
e regras sociais (Damasio, 2011). A música é responsável por promover o uso
mais eficiente dos neurônios, (o que ocorre sempre que nos tornamos
proficientes em uma habilidade como o treino musical) (Doidge, 2012) e maior
conectividade entre redes neurais “REF”, além de ativar inconscientemente a
discriminação de estados afetivos por meio de representações mentais ou
imagens cerebrais. Observa-se que a música exerce impacto emocional por
meio do mecanismo de arrastamento rítmico em que uma emoção é evocada
por uma música porque um poderoso ritmo externo na música influencia algum
ritmo corporal interno do ouvinte (Juslin et al, 2008).
As implicações das pesquisas selecionadas demonstram que o proces-
samento neural da música está intimamente interligado ao vínculo de
informações emocionais e a relação entre música e emoção contribui para
modificações estruturais e relacionais da cognição e da ampliação um incons-
ciente/consciente global e subjetivo.

A música no processamento da consciência humana


A consciência é feita de imagens mentais, quando essas imagens ficam
nítidas no plano consciente, induzem um processo de raciocínio em nível
não consciente, esse raciocínio produz um tipo de conhecimento em
camadas intermediárias equivalentes ao que nominamos de intuição ou o
"estalo", que rapidamente nos ajuda encontrar uma solução para um dado
problema. Damasio (2011), descreve que o inconsciente genético, ou seja,
o “estalo” influenciou a configuração inicial das artes como, a música, a
Anais

pintura, a poesia e a estruturação inicial do espaço social, incluindo as


convenções e regras.
As artes foram uma compensação imperfeita para o sofrimento 355
humano, para a felicidade não alcançada, para a inocência
perdida, mas ainda assim alguma compensação elas trouxeram
e ainda trazem, como um consolo diante das calamidades
provocadas pela natureza e do mal causado pelos homens. Elas
são uma das maravilhosas dádivas da consciência ao ser
humano. (Damasio, 2011, p. 242).

Os processos das práticas profissionais dos músicos exigem contínuo e


incessante treinamento para alcançar o virtuosismo que envolvem
mecanismos de plasticidade cerebral. Nesse sentido, segundo Doidge (2012),
há uma interminável guerra de células acontecendo dentro do cérebro de
cada um, onde os neurônios que disparam conjuntamente se ligam, ou se
sincronizam e se conectam. Por esse ângulo, Damasio (2011), relata que a
consciência é uma organização de conteúdos mentais, centrada no orga-
nismo que produz e motiva esses conteúdos. Ela é capaz de criar padrões
neurais que mapeiam em forma de imagens aquilo que vivenciamos, no qual
a propriedade é a mente e o proprietário é o eu.
Sendo assim, até que ponto podem existir semelhanças entre as pessoas
e culturas nas formas em que a música aciona imagens mentais e cria uma
consciência individual e coletiva. Merriam (1964), sugere que a música
pode ser melhor explorada em um modelo tripartite que abrange música
como som, comportamento e conceito. Blacking (1995), declara que a
música é um sistema modelado primário do pensamento humano e uma
parte de sua da infraestrutura. Cross (2012), afirma que a música pode
permitir que os participantes ajam simultaneamente, em vez de assincro-
namente, como na linguagem.

O processamento neural de imagens cognitivas do self


Damasio (2011), propõem que o corpo é o alicerce da mente consciente
e que os aspectos mais estáveis do funcionamento do corpo são represen-
tados no cérebro em forma de mapas, contribuindo assim com imagens
para a mente. Essas estruturas cerebrais mapeadoras do corpo constituem o
protosself, que prenunciam o self e estão localizadas abaixo do nível do
córtex cerebral, em uma região conhecida como tronco cerebral superior.
Já o processamento do self pode ser visto por duas perspectivas: a do
objeto dinâmico e a do conhecedor que dá um foco reflexivo sobre suas
vivências. Damasio (2011), descreve que o self-conhecedor se originou do
self-objeto. Na vida cotidiana, cada noção corresponde a um nível de
funcionamento da mente consciente, onde o self-objeto tem um escopo
mais simples do que o self-conhecedor.
Segundo Damasio (2011), o self é construído em estágios que trabalham
de forma separada, mas coordenada: O Primeiro estágio é o Protosself -
estágio mais simples, segundo a reunião de imagens relativamente estáveis
que geram sentimentos orgânicos espontâneos. O segundo estágio é o self
central- resulta da relação entre o organismo (protosself) e qualquer parte do
cérebro que represente um objeto a ser conhecido. O terceiro estágio é o
self central que permite que múltiplos objetos, previamente registrados
como experiência vivida ou futuro antevisto, interajam com o protosself,
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

sendo que o resultado é o self autobiográfico. Abaixo é apresentado o mapa


conceitual de Damasio (2011), como os estágios de processamento do self,
356

Figura 1. Mapa conceitual de Damasio (2011)

Nesse processamento os sentimentos funcionam como marcadores


somáticos que se junta ao fluxo mental como uma imagem que o desenca-
deou, no qual uma mente consciente depende, em vários estágios, da geração
desses sentimentos. Damasio (2011) faz uma metáfora em relação a construção
do self na mente: o maestro passa então a reger a orquestra, ainda que a
execução tenha criado o maestro “o self” e não o contrário. O maestro é
gerado pela junção de sentimentos a um mecanismo de narrativa cerebral,
embora nem por isso o maestro seja menos real. O maestro inegavelmente
existe em nossa mente e nada ganharíamos se o descartássemos como uma
ilusão.
A construção de uma mente capaz de abranger o passado que já
vivemos e o futuro que antevemos, com a vida de outros
indivíduos adicionada a essa urdidura e, ainda por cima, dotada
de capacidade de reflexão, é algo que lembra a execução de uma
sinfonia de proporções mahlerianas. Mas a maravilha, a que
aludi há pouco, é que a partitura e o maestro só se tornam
realidade à medida que a vida acontece. Os coordenadores não
são míticos homúnculos sapientes encarregados de interpretar
qualquer coisa. E, no entanto, os coordenadores realmente
ajudam na montagem de um extraordinário universo midiático
e na colocação de um protagonista em tudo isso. A grandiosa
obra sinfônica que é a consciência engloba as contribuições
Anais

fundamentais do tronco cerebral, eternamente ligado ao corpo, e


do vastíssimo conjunto de imagens criado graças à cooperação
entre o córtex cerebral e estruturas subcorticais, tudo harmonio-
samente unido, em um incessante movimento só interrompido 357
pelo sono, por anestesia, por disfunção cerebral ou pela morte.
Nenhum mecanismo isolado explica a consciência no cérebro,
nenhum dispositivo, nenhuma região, característica ou truque
pode produzi-la sem ajuda, do mesmo modo que uma sinfonia
não pode ser tocada por um só músico, e nem mesmo por alguns
poucos. Muitos são necessários. A contribuição de cada um é
importante. Mas só o conjunto produz o resultado que procura-
mos explicar. (Damasio, 2011, p.28).

Damasio (2011) pondera: a mente consciente emerge na história da


regulação da vida, um processo dinâmico conhecido como homeostase. A
mente consciente engendra os instrumentos da cultura e abre caminho
para novos modos de homeostase nas esferas da sociedade e da cultura.

A música e as emoções, uma atividade multimodal

Para Damasio (2011), uma trajetória de vida não se constrói sem


emoções e as emoções são a energia que motiva o ser dentro do existir.
Nessa existência há um caminhar para dentro de si, “o self dentro de uma
história de vida”, e nessa ação há o falar de si mesmo cheio de significados.
Já McAdams e Bowman (2001), relata que a emoção empresta
coerência à memória autobiográfica, ajudando a organizar eventos como
histórias baseadas em objetivos. De acordo com Pearce e Rohrmeier
(2012): a música serve às funções emocionais como autorregulação,
interação social, cura, bem como experiência estética. Essa influência
pode induzir e alterar estados psicológicos; excitar emoções fortes e
regular atenção, emoção e humor; trazer melhora cognitiva e no influir
do desempenho físico, gerando assim bem-estar.
Para Juslin e colegas (2008), os eventos musicais envolvem processos
subconscientes, não intencionais que refletem uma interação complexa
entre o ouvinte, a música e a situação. O reflexo do tronco encefálico é
um dos processos pelo quais uma emoção é evocada no ouvinte onde o
sistema auditivo foi projetado para alertar rapidamente o cérebro a um
evento potencialmente importante.
A análise dos fatores de reação emocional à música, de forma mais
eficaz, parte de uma espécie de “triangulação de método”. Tal método
pode envolver, por exemplo, uma combinação de felicidade autorreferida
com aumento na atividade muscular zigomática (sorriso/valência positiva)
e aumento da condutância da pele (alta excitabilidade), sendo que uma
série de estudos apresentou evidências de “sincronização” de reações
emocionais. Rizzolatti e Craighero (2004), esclarecem que a emoção que
é induzida por uma peça musical advém de um tipo de modelagem
cerebral independente que responde a certas características de estímulo
que levam o ouvinte a imitar internamente a expressão que o comove e
esse processo é implementado por meio de um “sistema de neurônios-
espelho”
Outro aspecto de impacto emocional da música na fisiologia humana é
o arrastamento rítmico (Rhythmic entrainment). De acordo com Juslin et
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

al. (2008), esse refere-se a um processo pelo qual uma emoção é evocada por
uma música porque um poderoso ritmo externo na música influencia algum
358 ritmo corporal interno do ouvinte. A exemplo da frequência cardíaca na qual
observaram que o reforço do pulso marcado gerava nos ouvintes uma
sincronia da sua frequência cardíaca ou da sua respiração. Outro exemplo de
acordo com Levitin (2010), é a música de marcha e certos tipos de música de
filmes que podem aumentar a excitação, evocar sentimentos e criar uma
sensação de “ligação social”.
Além dos aspectos emocionais induzidos ou modificados pela música, outra
característica importante é a subjetividade. Gonzalez Rey (2014), constata que
a subjetividade é uma característica específica do ser humano dentro de
instâncias individuais e sociais para a percepção da realidade. Na música a
subjetividade é multimodal e desperta no ser humano a consciência de capaci-
dades antes inimagináveis. No lugar em que a música atua de forma a comple-
mentar à linguagem como uma expressão semântica, essa torna-se uma
expressão comunicativa profusa que pode precipitar conflitos em atitudes ou
ações, abranger a intenção (propósitos pessoais) e a interação (propósitos
coletivos) e contribuir assim para maior eficácia na construção de uma cons-
ciência social. Por isso, não pode ser reduzida à discursos e à linguagem, visto
que envolve amplamente uma série de conexões neurais.
A música colabora com a introspecção humana como acelerador de
memórias num caminho que nos dá visão direta daquilo que desejamos
explicar e que vem a ser uma tradução na mente de um processo que os
cérebros complexos vêm praticando há muito tempo na evolução, tal como
o ouvir internamente ou cantar uma música aleatoriamente, assim como o
falar consigo mesmo é também, uma linguagem na atividade neural.

CONCLUSÃO
Esse trabalho apresentou uma revisão bibliográfica crítica sobre os processos
de tomada de consciência em situações de vivências musicais. Nessa perspectiva,
foram apresentadas a perspectiva de diferentes autores sobre o impacto da
música na cognição humana e, em particular, na formação da consciência. A
abordagem de modelamento computacional de Pearce e Rohrmeier (2012),
sugeriu que a música é uma característica humana fundamental, dado os seus
papéis na evolução e no desenvolvimento humanos. Damasio (2011), propôs
que a música, assim como outras artes (e.g. pintura, poesia), é influenciada pelo
inconsciente genético que também influenciou a estruturação inicial do espaço
social, incluindo as convenções e regras sociais. Doidge (2012), indicou que
música possibilita o uso mais eficiente dos neurônios, o que ocorre sempre que
nos tornamos proficientes em uma habilidade decorrente do treino musical.
Snowdon e colegas (2015), compreendeu que a música ativa a discriminação
inconsciente do estado afetivo usando imagens cerebrais. Damasio (2011), que
esse processamento está intimamente interligado aos aspectos em que a música
transmite informações emocionais, contribuem para a modificação estrutural e
relacional das cognições neurais e amplificam um inconsciente/consciente
global e subjetivo.
As contribuições dos autores demonstraram que a música está intimamente
interligada aos aspectos que transmitem informações emocionais, contribuem
para a modificação estrutural e relacional das cognições neurais e amplificam
Anais

um inconsciente/consciente global e subjetivo. Após a leitura dos autores


apresentados pode-se observar que a emoção na música apresenta
características que são fundamentais na cognição humana, sendo um traço 359
universal, que desempenha papel crucial no desenvolvimento ontogenético
da pessoa humana.

Referências
Blacking, J. (1995b). Music, Culture, and Experience. In Music, Culture, and Experience:
Selected Papers of John Blacking (pp. 223-42). Chicago/Londres: The University of
Chicago Press.
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Damásio, A. R. (2011). E o cérebro criou o Homem. (Trad. Laura Teixeira Motta). São
Paulo: Companhia das Letras.
Doidge, N. (2016). O cérebro que se transforma (Trad. Ryta Vinagre). Rio de Janeiro:
Record.
Gardner, H. (1994). Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre:
Artes Médicas.
Gonzalez Rey, F. (2014). Subjectivity and discourse: Complementary topics for a
critical psychology, University Center of Brasília/University of Brasília, Brazil.
Juslin, P. N., Liljeström, S., Västfjäll, D., Barradas, G. & Silva, A. (2008). An experience
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Janeiro: Civilização Brasileira.
Lundin, R.W. (1947). Toward a cultural theory of consonance. Journal of Psychology,
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MacDougall, H. G., & Moore, S. T. (2005). Marching to the beat of the same
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Pearce. M., & Rohrmeier, M. (2012). Music Cognition and Cognitive Science. Topics
in Cognitive Science 4, 468–484
Rizzolatti, G., & Craighero, l. (2004). The mirror neuron system. Annual Review of
Neuroscience, 27, 169–192.
Snowdon, C., Zimmermann, E., & Eckart Altenmüller (2015). Music evolution and
neuroscience. In E. Altenmüller, S. Finger, & F. Boller (Eds.), Progress in Brain
Research. Elsevier, Volume 217.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Avaliação em diferentes contextos da


360 performance musical
(Resumo)
Sonia Ray (soniaraybrasil@gmail.com)
Universidade Federal de Goiás (UFG)
PPG Música UNESP e UnB
Problema/questão
O presente texto trata de aspectos da percepção na avaliação da performance musical (Ray, 2005,
2015). A avaliação é um dos aspectos mais controversos e complexos da prática profissional PM. As
controvérsias ficam por conta das múltiplas percepções que os profissionais da área têm de como o
processo deve ocorrer e a complexidade concentra-se na amplitude de conceitos que este processo
envolve. A percepção aqui tem duas abordagens centrais que se influenciam mutuamente: o aspecto
cultural e o contexto no qual se dá a audição. Os conceitos estão diretamente relacionados aos métodos
de avaliação e sua falta de padronização mı́nima na prática avaliativa no Brasil. Visões de dois
pesquisadores brasileiros servem de base para a o inı́cio da discussão: “Música é uma construção mental
e a mente é inerentemente incorporada. O entendimento é algo composto pelas estruturas imaginárias
que surgem da nossa experiência perceptiva e que a estruturam” (Nogueira, 2009); O conhecimento
supervisor proposto por Elliot (1995), está relacionado a capacidade de monitorar, administrar, ajustar
e regular pensamentos próprios... Combina julgamentos musicais pessoais, compreensão das
obrigações ou mesmo éticas musicais de uma dada prática... (Santos & Gerling, 2013). Assim,
somando-se à essas visões aspectos do funcionamento da „recepção‟ e „julgamento‟ do som pelo
cérebro (Elliot, 1995, como citado em Santos & Gerling, 2015) o critério de avaliação da performance
musical é questionado ao longo da discussão.
Objetivos
O principal objetivo da discussão apresentada é propor uma reflexão sobre possı́veis caminhos para
ampliar a compreensão do papel do avaliador na prática de atividades de bancas, concursos e
provas de performance musical.
Principais contribuições
A abordagem proposta é conceitual e sedimentada na literatura da psicologia da performance
musical, sobretudo nos aspectos tocantes a preparação para a performance. Apresenta-se também
um estudo de caso através do qual pretende-se exemplificar a questão complexa da avaliação da
performance musical e assim contribuir para melhor compreensão desta atividade indispensável na
vida profissional do performer.
Implicações
A principal conclusão é que, ainda que se padronize os critérios de avaliação da performance
musical, inconsistências continuarão a existir, pois o principal problema está na crença que o
avaliador parece ter de que seus critérios subjetivos são mais eficientes que o critério definido por
seus pares.
Palavras-chave
Avaliação na performance musical, psicologia da performance musical, pedagogia da performance
musical
Referências
Nogueira, M. (2009). O mapeamento da metáfora conceitual e o esquematismo. In: Anais do V
Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais. Goiânia: UFG.
Santos, R. A., Gerling, C. C., (2013). Cultura e memória: considerações sobre a recepção
musical. In: Anais do IX Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais. Belém:
UFPA.
Ray, S. (2015). Pedagogia da Performance Musical. (Tese de Pós-doutoramento). Goiânia: UFG.
Ray, S. (2005). Os conceitos de EPM, potencial e interferência inseridos numa proposta de
mapeamento de estudos sobre performance musical. In: S. Ray (Org.), Performance musical e
suas interfaces. Goiânia: Vieira/Irokun.
Santiago, D. (2015). Vestı́gios da música no tempo: pesquisas em memória e performance
musical. In: Anais do XI Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais. Pirenópolis:
UFG.
Anais

Preparação para a performance do cantor:


movimento e gestualidade 361
Daniele Briguente e Sonia Ray
1 2

1,2
Instituto de Artes, UNESP, Brasil
2
Escola de Música e Artes Cênicas, UFG, Brasil
1
cantando.voz@gmail.com, 2soniaraybrasil@gmail.com

Resumo
Este trabalho traça uma reflexão sobre o processo de preparação da performance do cantor lírico,
particularmente no que se refere as escolhas sobre gestualidade e movimentos executados na
performance. Partimos da premissa de que os elementos que compõem a expressão corporal devem ser
resultado de escolhas conscientes durante a preparação da performance, muitas vezes mediado pelo
professor de canto. O objetivo é defender a importância do corpo do cantor como potencial expressivo a
ser explorado no processo de preparação para a performance. A metodologia foi constituída em revisão
bibliográfica na qual foram discutidos trabalhos que destacam o potencial expressivo do corpo do cantor,
como Ostwald (2005) e Zeller (2013), bem como ideias presentes no escrito sobre psicologia da
performance de Clarke (2002). Para fundamentar a discussão foram considerados estudos de Davidson
(1999 e 2002) que trazem evidências advindas de estudos empíricos, destacando a contribuição da
expressão corporal na comunicação da mensagem musical, durante a performance. O artigo discute,
inicialmente o corpo e a movimentação do intérprete, destacando as habilidades cognitivas envolvidas na
preparação e no momento da performance musical. Em seguida, concentra-se na performance do cantor,
particularmente no corpo como fonte de recursos expressivos. Como conclusão temos que a escolha
consciente dos gestos e a movimentação utilizada pelo cantor, melhora a comunicação da mensagem
contida nas estruturas musical e verbal das obras apresentadas. Além disso, oferece fundamentação teórica
para o ensino do canto.
Palavras-chave: psicologia da performance musical, preparação para performance musical,
performance vocal, expressão corporal

Abstract
This study reflects on classical singer performance elaboration, particularly about the choices related
to gesture and movements executed during the performance. We have a premise that elements of
the bodily expression should result from aware choices during performance elaboration; this process
is frequently led by a singing teacher. The objective is to defend the importance of the singer body
as expressive potential to be explored in the performance elaboration process. The methodology was
established by literature search related to works that emphasize the expressive potential of the singer
body, such as Ostwald (2005) e Zeller (2013), as well as ideas from study about performance
psychology (Clarke, 2002). For base the discussion were taken studies of Davidson (1999 e 2002)
that bring evidences from empirical researches, emphasizing the contribution by bodily expression
to musical message communication, during the performance. The article discusses firstly the
interpreter body and movement, emphasizing the cognitive skills presents in the elaboration and
during the musical performance. Subsequently focus on the singer performance, particularly on the
body as expressiveness source. We concluded that a aware choice of singer gesture and movement
improve the communication of the musical and verbal message from performed pieces. Additionally,
this approach gives theoretical basis for the singing classes.
Keywords: musical performance psychology, musical performance elaboration, vocal
performance, bodily expression.

INTRODUÇÃO
Os movimentos executados durante a performance musical, têm sido
objeto de estudo nos últimos anos. Sabe-se que a realização da performance
integra diferentes habilidades geradas por complexos processos cognitivos.
Na primeira parte deste escrito, apresentamos uma breve discussão que
envolve temas como: movimentação na performance musical, cognição
musical, expressividade, intenções interpretativas e preparação para a
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performance, destacando a relação entre eles. Para essa finalidade, baseamos


as reflexões em estudos de Clarke (2002) e Davidson (1999, 2002).
362 Na segunda parte, tratamos do objeto central deste trabalho que é a
preparação da gestualidade do cantor lírico. Com base em estudos de Zeller
(2013) e Ostwald (2005), apresentamos possíveis caminhos para a elabora-
ção consciente e detalhada da gestualidade do cantor lírico, inclusive no
repertório de câmara. Esses autores, baseados em conhecimentos advindos
da cognição musical, propõem técnicas que se utilizam de mímica, intuição
e imaginação para que o cantor construa a sua gestualidade integrada ao
canto.
A discussão ora proposta, considera ainda, as alterações mentais e físicas
enfrentadas por músicos no momento da performance, bem como seus
possíveis prejuízos para o resultado interpretativo. Os encaminhamentos
sugeridos têm como uma das finalidades, atenuar esses efeitos, fornecendo
recursos que serão elaborados na preparação e reproduzidos no momento
da performance.

Movimento e cognição na performance musical


Todo som musical, seja ele vocal ou instrumental é antecedido por um
conjunto de movimentos corporais que são realizados a fim de produzi-lo.
Da mesma forma, pensamentos e intenções antecedem os movimentos
realizados nas performances musicais. Assim sendo, essa atividade demanda
“uma extraordinária combinação de habilidades físicas e mentais” (Clarke,
2002. p. 59, tradução nossa). O requisito básico para todo músico é que este
seja capaz de produzir os elementos da ideia registrada na notação musical
ou criada em um momento de livre improvisação. No entanto, espera-se
que performers sejam expressivos, indo além da notação musical (Clarke,
2002 p. 59).
Ao tratar de expressividade, consideramos neste escrito, a relação entre a
estrutura musical e o conjunto de movimentos e gestos corporais utilizados
pelo intérprete no momento da performance. Esses elementos aurais e visuais
comunicam as intenções do intérprete aos ouvintes. Davidson (2002) explica
que, de modo mais amplo, considerar o “corpo como recurso de expressão
musical implica que a expressão musical é um meio de comunicar qualidades
básicas da natureza humana a outro humano, qualidades que emergem do
movimento e que são traduzidos e abstraídos em forma musical” (Davidson,
2002. p. 145). Assim sendo, parte dos movimentos de uma performance são
realizados com finalidade expressiva, não apresentando relação direta com a
técnica de produção do som.
Um estudo feito a partir de diferentes interpretações da ária “A Rainha
da Noite” da ópera “A Flauta Mágica” de Mozart, ilustra a relação entre o
empenho físico do intérprete e a percepção da plateia. Na ocasião,
solicitou-se que ouvintes indicassem sua interpretação preferida da refe-
rida ária, sendo que uma delas foi perfeitamente executada por um
sintetizador. Esta versão não foi escolhida por nenhum dos participantes
que disseram não sentir esforço físico na interpretação, considerando-a
“desumanizada” e consequentemente, “desinteressante” (Davidson, 1999.
p. 81). Na performance ao vivo ou em registro de vídeo, a gestualidade
do intérprete é ainda mais decisiva na transmissão de suas intenções e da
Anais

mensagem da obra musical. De modos que “a compreensão de uma


interpretação musical é substancialmente melhorada pela visualização dos
intérpretes” (Davidson, 1999. p. 87). 363
Na performance solo do repertório erudito, a prática sistemática tem o
objetivo de tornar, as ações envolvidas, automáticas e fluentes. Para isso, um
alto nível de habilidades físicas e mentais estão envolvidas e associadas, tais
como: informações armazenadas na memória, planos e esquemas mentais
que as organizam, pensamentos associados e ações físicas (Davidson, 2002,
p. 144).
A presença do público também é um fator de influência no resultado
da performance, muitas vezes, determinando o estado mental e emocional
do intérprete. Alterações biológicas e físicas como o aumento no nível de
adrenalina e frequência cardíaca podem lavar a tremores que prejudicam
o desempenho técnico de instrumentistas e cantores. No caso específico
dos cantores, pode haver sério comprometimento do mecanismo de
respiração, gerando prejuízos na afinação, projeção da voz ou mesmo na
dicção das palavras.
Esses fatores devem ser considerados durante o processo de preparação
para a performance. Davidson (2002) sugere como meio para atenuar esses
efeitos, “ensaiar em frente a outros esforçando-se para familiarizar-se com
os efeitos da excitação [perante o público] e tentar mecanismos conscientes
para manter-se focado na tarefa, mais do que ser distraído pela plateia”
(p.145). Além de meios eficazes ao desenvolvimento da capacidade de
gerenciamento mental e emocional pelo intérprete, também se pode consi-
derar o planejamento dos gestos e movimentos expressivos que serão
incluídos na performance. De modo que “nem todos os movimentos
realizados pelos músicos são realizados de maneira inconsciente, o que
torna fundamental o preparo não apenas técnico para uma performance
musical, mas também o preparo dos gestos corporais” (Mello & Ray, 2014).
Assim como a produção musical é resultado de um processo de preparação
técnica, a gestualidade empregada por instrumentistas, cantores e regentes na
performance, também pode ser preparada por meio de escolhas conscientes,
otimizando os resultados musicais e expressivos por meio de um melhor
gerenciamento dos recursos físicos e mentais. Um estudo, apresentou a algu-
mas pessoas o registro em vídeo da performance de um pianista. Em seguida
solicitou-se que os participantes destacassem os momentos de maior
expressividade da performance. Com base nos resultados dessa pesquisa,
Davidson (1999), é categórica ao afirmar que
para os não músicos a informação visual fornece grande parte dos
dados que permitem avaliar as intenções expressivas do(s)
músico(s). Tal sugere então que, para o público, a compreensão
de uma interpretação musical é substancialmente melhorada pela
visualização do(s) intérprete(s) quer ao vivo quer em registro
vídeo. Por outro lado, numa apreciação apenas auditiva, a não ser
que o ouvinte seja altamente competente, parte da informação
perde-se (Davidson, 1999. p. 87).

A autora deixa clara a relevância do gestual no resultado expressivo da


performance musical, destacando sua colaboração na percepção por parte
do público. Na sequência deste escrito, discutiremos a preparação da
performance do cantor lírico com foco nos recursos corporais expressivos.
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Preparando a gestualidade do cantor lírico


A performance dos cantores apresenta a estrutura verbal em inter-
364
relação com a estrutura musical. Esse elemento os diferencia dos instru-
mentistas e regentes, gerando implicações para a performance e sua
preparação. Zeller (2013, pp. 189-90) explica que o público vê o cantor
como uma espécie da artista híbrido entre as artes dramáticas e a música.
O autor acrescenta que, por esse motivo, cantores possuem uma “caixa de
ferramentas” cheia de variedades e devem atender também às exigências
das artes verbais.
De acordo com Ostwald (2005), o cantor é convincente perante a plateia
quando “parece estar inventando as músicas e as palavras como respostas
espontâneas ao que a personagem está vivenciando” (p.11). O autor defende
a integração entre atuação crível e canto expressivo, afirmando que “plateias
não leem mentes, eles leem as pistas físicas que você dá – ações visíveis e
audíveis” (p.11). Assim, todo o processo de preparação da performance deve
promover liberdade de movimento para que o cantor expresse os significados
musicais e verbais da obra, integrando o canto à gestualidade. O “repertório
de movimento gestual” (Davidson, 2002. p.149) utilizado no momento da
performance pode ser construído previamente e de modo consciente.
Os Braços e as mãos constituem grande recurso de expressividade
porque permitem ao performer estender-se e ocupar mais espaço no
palco. Eles são capazes de expressar uma enorme variedade de sentimentos
e significados e, devido a sua independência dos movimentos do canto,
não causam nenhum efeito negativo à produção vocal. As Pernas movem
o corpo no espaço e, além disso, têm papel expressivo. Seus músculos
devem estar livres de tensões para que o cantor execute os movimentos
desejados prontamente. Para isso, a articulação dos joelhos não pode estar
dobrada ou travada, mas deve estar equilibrada para evitar sobrecarga aos
músculos das pernas. Essa condição ajuda cantores de todos os gêneros a
caminhar, correr ou dançar pelo espaço (Zeller, 2013, pp. 196, 208).
Os músculos da face, por sua vez, demonstram emoções e atitudes
mesmo em grandes salas de espetáculos. No entanto, poucos deles têm
participação na produção do som vocal, devendo estar livres de atividades
supérfluas durante o canto, para que possam reagir aos pensamentos do
cantor, expressando emoções como na vida real (Zeller, 2013. p. 210).
Para o autor, a visão e seu foco tem especial importância porque permite
que o cantor comunique-se profundamente com o público; ele explica
que
... movimentos surgem no cérebro. O olhar se move e muda
o foco em resposta ao pensamento. Se você quer que a sua
plateia vivencie seu personagem como uma pessoa real você
deve permitir que seu foco visual mude, como ele faz na vida
real, com os pensamentos do que você está cantando. Essas
mudanças e movimentos são pequenas e sutis, mas um olhar
completamente fixado (...) é um hábito tão incomum para
humanos que a plateia irá imediatamente começar a tentar
imaginar que circunstância excepcional está motivando isso
(Zeller, 2013, p.212, tradução nossa).

Desse modo, entende-se que o corpo do cantor deve movimentar-se


de forma orgânica. Suas partes, articulações e musculatura devem estar
Anais

livres de tensões e disponíveis para responder às intenções expressivas do


cantor durante a performance. Deve haver conexão entre pensamentos,
sentimentos, respiração e corpo, como na vida real (Ostwald, 2005. p. 11). 365
O conhecimento e uso das ferramentas corporais expressivas devem ser
conjugados com o uso da intuição, assim “você pode deixar seus movimentos
corporais internos brotarem dos seus próprios sentimentos e impulsos
internos. Trabalhando dessa forma, você escolherá ações críveis e evocativas
inconscientemente” (Ostwald, 2005. p. 12). As estruturas musicais e verbais
evocam memórias de experiências vividas pelo próprio intérprete, gerando
um vasto registro de informações que podem ser despertadas pela intuição
durante a preparação ou mesmo no momento da performance. Por esse
motivo, é importante que o cantor saiba o significado de todas as palavras da
obra, ainda que não seja em seu idioma nativo.
Estudos têm indicado que a música provoca emoções e que estas,
desencadeiam reações físicas. Esse fenômeno ocorre desde a infância e
comprova que reagimos fisicamente aos estímulos musicais. Também é
sabido que, quando ouvimos música, as experiências vividas embasam
nossa apreciação. Dados comprovam que músicas com andamento rápido
podem acelerar a pulsação cardíaca e por outro lado, andamentos lentos
levam ao relaxamento e mesmo ao sono. Não somente o andamento, mas
as demais propriedades do som podem relacionar-se com reações físicas.
Sons agudos de instrumentos de cordas, por exemplo, remetem, frequen-
temente, à tensão física (Davidson, 1999, pp. 79-81).
De acordo com as evidências apresentadas, afirmamos que as experiên-
cias vividas influenciam as escolhas interpretativas e expressivas do cantor,
bem como a percepção da plateia, que reage e atribui significados à
performance com base em experiências (inclusive musicais) anteriores.
“Quando você apresenta-se [em performance], idealmente você rompe
com sua armadura protetora e reconecta-se com sua expressividade natural”
(Ostwald, 2005. p. 12).
Este autor propõe dois diferentes approaches para a elaboração da
gestualidade no canto: a atuação intuitiva e a técnica. Ambas têm o propósito
de definir ações físicas para pensamentos e sentimentos da personagem,
inclusive nas canções de câmara. Na primeira abordagem, imaginação e
empatia são os meios utilizados para que o cantor ingresse no contexto da
personagem, permitindo reações físicas intuitivas. O desafio, nesse caso, é
elaborar detalhadamente o contexto e entrar nele. A abordagem técnica, por
outro lado, requer que o cantor estabeleça que tipo de ações uma pessoa,
com determinado perfil psicológico, realiza em situações análogas na vida
real. Após isso, deve recriar essas ações sem conexão com sentimentos. Para
isso, é necessário ter excelente controle dos movimentos do corpo e rosto,
além de muita concentração. O risco da abordagem técnica é utilizar apenas
estereótipos. No entanto, isso pode ser evitado por meio de observações
constantes a pessoas reais para se obter subsídios à construção de cada
personagem (Ostwald, 2005. pp. 13-14 ).
Para que o cantor tenha satisfatório desempenho vocal e gestualidade
integrados em toda a obra, inclusive nos momentos de maior dificuldade
técnica, Ostwald (2005) sugere os gestos mimetizados como recurso,
afirmando que “mímica é extremamente útil para aqueles momentos
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

quando você tem absolutamente que focar na sua técnica de canto. Com
prática você pode preparar hábitos mimetizados para tais passagens”
366 (p.14). O autor também considera que as abordagens técnica e intuitiva
apresentadas, podem ser mescladas. De modo que o cantor pode penetrar
no contexto da personagem e ao mesmo tempo, fazer uso de gestos
miméticos de modo técnico (Ostwald, 2005. p.14).
Existe um processo mental que ocorre quando nos movimentamos na
vida real. As ações que ocorrem a nossa volta, são percebidas por nossos
sentidos e essa informação é transmitida ao cérebro que responde pelo
sistema nervoso; isso nos leva a ações físicas voluntárias. Para convencer a
plateia, esse processo deve ser reproduzido durante a performance e
antecipado no processo de sua preparação (Ostwald, 2005. p.15). Nos
ensaios, são elaborados planos físicos e mentais que orientam a peça a ser
apresentada. No entanto, esse plano deve ter alguma flexibilidade, uma
vez que novas decisões podem ocorrer durante a performance (Davidson,
2001, p. 236).
Apresentamos neste tópico, alguns recursos para a preparação da
performance do cantor, considerando como uma de suas características, a
inter-relação das estruturas musical e verbal. Cada uma dessas estruturas
geram demandas físicas e mentais à realização da performance e devem
estar integradas para que as ideias registradas na partitura, forneçam ao
público, elementos visíveis e audíveis, capazes de transmitir a mensagem
da obra.

CONCLUSÃO
Pela discussão apresentada no primeiro tópico deste artigo, ficaram
evidentes os processos cognitivos complexos que devem ocorrem para que
a performance musical se realize. Os pensamentos e intenções que antece-
dem os movimentos, devem ser antecipados no processo de preparação para
a performance. Com base nos autores apresentados, vimos que o momento
da performance apresenta uma dose de imprevisibilidade devido à presença
da plateia e demais variáveis existentes, fator que exige do intérprete a
tomada decisões também durante a performance musical.
Concluímos que a performance do cantor pode ser elaborada por meio
de recursos cognitivos e físicos de modo consciente, durante sua prepa-
0ração. Tal abordagem pode ser aliada à imaginação e intuição para se
alcançar uma performance convincente na qual canto e atuação estão
integrados.
As referências aqui apresentadas, oferecem approach para o processo de
formação do cantor, conduzido pelo professor de canto. Assim, tais
subsídios podem ser utilizados como estratégias pedagógicas para obter
resultados satisfatórios com cantores em formação, inclusive iniciantes.
Por fim, ficou evidente que o trabalho desenvolvido por cantores e
professores de canto deve objetivar a percepção do público, uma vez que este
atribuirá sentido e significado aos elementos aurais e visuais apresentados
durante a performance do cantor lírico.
Anais

Referências 367
Clarke, E. (2002). Understanding the psychology of performance. In J. Rink (Ed.),
Musical performance: a guide to understanding (pp. 59-72). New York, Cambridge
University Press.
Davidson, J. (2002). Communicating with the body in performance. In J. Rink (Ed.),
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Psicologia da Música e Educação Musical, 1, 79-89. Retrieved from
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Ostwald, D. F. (2005). Acting for singers: creating believable singing characters. New York:
Oxford University Press.
Zeller, K. A. (2013). What every singer needs to know about the body. In M. P.
Malde, K. A. Zeller, & M. J. Allen (Eds.), Physical expression for singers (pp. 189-
226). San Diego, CA: Plural Publishing.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

MAIO 31 | May 31
368
SESSÃO C3
Comunicações Orais | Oral Presentations
SALA 5, 10h
Coordenador da sessão | Session Chair: Rael Toffolo

10:00
Estudo da literatura metacognitiva musical na demência
semântica
Cybelle Veiga Loureiro

10:10
Tecnologias digitais e suas conexões com o aprendizado e a
cognição musical de adultos no canto coral
Sandra Regina Cielavin, Adriana do Nascimento Araújo Mendes

10:20
Educação musical inclusiva: relato de experiência em uma turma
de ensino coletivo de violino em Belém-Pará
Aline da Silva Pedrosa, Jessica Caroline Pantoja Peniche, Dione Colares de
Souza

10:30
Categorização e esquemas de imagem em música:
críticas às formas de se realizar a pesquisa experimental
Nilo Rafael Baptista de Mello

10:40
Musicoterapia no tratamento de bebês prematuros:
revisão bibliográfica
Rhainara Lima Celestino Ferreira

10:50
Tecnologias na educação musical: aplicativos e softwares como
ferramenta de auxílio na aprendizagem musical
Leonardo Gomes Martins

11:00
Tecnologia musical e Transtorno do Espectro Autista:
possibilidades e potencialidades na aula de música
Camila Fernandes Figueiredo, Valéria Lüders, Marlon Vidal da Silva

11:10
Desenvolvimento da criatividade musical: propostas didáticas e
concepções de alunos de licenciatura em música
Aline Paula dos Santos, Rosane Cardoso de Araújo
Anais

Estudo da Literatura Metacognitiva


Musical na Demência Semântica 369
Cybelle M. V. Loureiro
Departamento de Instrumentos de Canto, Escola de Música-UFMG,
Brasil
cybelle@musica.ufmg.br

Resumo
Estudos na demência semântica (DS) tem demostrando diferentes aspectos dos processos que
refletem os déficits e também as habilidades cognitivas dessa população. Pesquisas nessa área tem nos
motivado a buscar por um aprofundamento no estudo da literatura e investigar também os vários
aspectos cognitivos musicais preservados em pessoas com DS (Loureiro, 2018). O conceito de
metacognição compreende uma diversidade de processos envolvendo autoconhecimento,
automonitoramento e autorregulação que contribuem para o nosso comportamento adaptativo em
ambientes complexos e mutáveis (Eslinger, Dennis, Moore, Antani, Hauck, & Grossman, 2005).
Esses processos são armazenados na memória de longo prazo e podem ser recuperados quando
alguém executa uma tarefa (Flavell, 1976; Lai, 2011). A DS é uma doença neurodegenerativa,
caracterizada por perda progressiva de memória semântica, tanto nos aspectos verbais como nos não
verbais prejudicando vários aspectos de seu julgamento interior da realidade. Objetivamos realizar
uma revisão narrativa buscando identificar nos principais portais eletrônicos o "estado da arte" da
literatura em metacognição musical e metagognição na demência semântica e buscar por pesquisas
especificas em metacognição musical na demência semântica. Acessamos as principais bases de
dados eletrônicas Medline, Cochrane, Lilacs, SciElo e Google Acadêmico) e identificamos um
numero escasso de estudos em metacognição na DS e metacognição musical. Nenhum estudo em
metacognição musical na DS foi identificado.
Palavras-chave: metacognição, demência semântica, semântica musical

Abstract
Studies on semantic dementia (DS) have demonstrated different aspects of the processes that
reflect the deficits and also the cognitive abilities of this population. Research in this area has
motivated us to seek a more in-depth study of the literature and also to investigate the various
musical cognitive aspects preserved in people with DS (Loureiro, 2018). The concept of
metacognition comprises a variety of processes involving self-awareness, self-monitoring, and
self-regulation that contribute to our adaptive behavior in complex and changing environments
(Eslinger, Dennis, Moore, Antani, Hauck, & Grossman, 2005). These processes are stored in long-
term memory and can be retrieved when someone performs a task (Flavell, 1976; Lai, 2011). DS
is a neurodegenerative disease characterized by progressive loss of semantic memory, both in
verbal and nonverbal aspects, impairing various aspects of sick’s inner judgment of reality. We
aim to perform a narrative review seeking to identify in the main electronic portals the "state of
the art" of the literature on musical metacognition and metacognition in semantic dementia and
to search for specific research on musical metacognition in semantic dementia. We accessed the
primary electronic databases Medline, Cochrane, Lilacs, SciElo, and Google Scholar) and
identified a limited number of studies on DS metacognition and musical metacognition. No
studies on musical metacognition in DS have been identified.
Keywords: metacognition, semantic dementia, musical semantics

INTRODUÇÃO
Conceitos
O termo demência semântica (DS) foi empregado pela primeira vez, em 1989,
por Snowden e colegas no estudo Semantic dementia: A form of circumscribed
cerebral atrophy. Categorizaram a DS como atrofia cerebral primária, onde há
quebra progressiva da linguagem e da perceção visual, atribuída à perda de
informação semântica. A DS é uma das três síndromes clínicas dentro do
espectro das degenerações lobares frontotemporais e representa a terceira
causa mais comum de demência cortical (Caixeta & Mansur, 2005). Na DS
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

há uma perda progressiva de memória semântica indicador de uma atrofia dos


lobos temporais, incluindo o polo temporal e giro temporal inferior e médio
370 e a amígdala (Johnson et al., 2011como citado em Loureiro, 2018).
Memória semântica é categorizada como memória de significado, compre-
ensão, conhecimento geral sobre o mundo, sobre o outro e conhe-cimento
baseado em conceito que não esteja relacionado a experiências específicas
(Patel, 2014).
Groussard e colegas (2010) em seu estudo, Neural Correlates Underlying
Musical Semantic Memory definem memoria semântica musical como, corres-
pondendo a melodias “conhecidas” sem recuperar as circunstâncias espaciais
ou temporais da aprendizagem. Revelam que de acordo com observações
clínicas e dados de neuroimagem, o léxico musical e a memória semântica
mais amplamente musical, parecem serem sustentados por uma rede
cerebral temporo-pré-frontal envolvendo as regiões cerebrais direita e
esquerda.
Metacognição é definida como a capacidade do ser humano de monitorar
e auto-regular os processos cognitivos (Flavel, 1987). Flavell e Wellman
(1977) e Lai (2011) foram os primeiros autores a considerar a metacognição
como uma área específica de pesquisa.

OBJETIVOS
Objetivamos realizar uma revisão narrativa buscando identificar nos
principais portais eletrônicos o "estado da arte" da literatura em meta-
cognição musical e metagognição na demência semântica.
Buscar por pesquisas especificas em metacognição musical na demên-
cia semântica.

METODOLOGIA
Através do uso das principais bases de dados eletrônicas (Medline,
Cochrane, Lilacs, SciElo e Google Acadêmico) identificamos estudos especí-
ficos relacionados com modelos metacognitivos e demências semântica,
estudos em metacognição musical e estudos específicos em metacogniçao
musical na demência semântica.

METACOGNIÇÃO NA DEMÊNCIA SEMÂNTICA


A revisão bibliográfica sistematizada realizada por DeLozier e Davalos
(2017), A Systematic Review of Metacognitive Differences Between Alzheimer’s
Disease and Frontotemporal Dementia, reuniu estudos comparativos entre
diferenças metacognitivas na DA e nas demais demências frontotemporais.
Foram identificados nesse estudo 8 artigos, após seleção mediante critérios
adotados, o que nos possibilitou obter uma estimativa do numero de pesqui-
sas realizadas nessa área ate então.
O estudo de Jeremy, A, e colegas.(2012) Neural correlates of metacognitive
monitoring during episodic and semantic retrieval , usaram frases com espaços
abertos e avaliaram o grau de atividade no córtex parietal posterior respon-
sável por mediar julgamentos metacognitivos avaliando o sentimento de
conhecimento (feeling of knowing) para fatos recentemente aprendidos (episó-
dicos) e anteriormente bem-aprendidos (semânticos). Trata-se de um estudo
Anais

o mais recente identificado com essa especificidade. Belíssimo nas suas


imagens de ressonância magnética funcional (fMRI) que coletam sinais de
atividades mais ou menos intensas nessas duas funções. 371
Talvez uma das pesquisas identificadas mais direcionados para o nosso
estudo foi a de Eslinger e colegas (2005), Metacognitive deficits in fronto-
temporal dementia, que conceituam metacognição, como uma diversidade de
processos envolvendo autoconhecimento, automonitoramento e autor-
regulação que contribuem para o nosso comportamento adaptativo em
ambientes complexos e mutáveis. Para eles metacognição é considerada uma
das principais etapas do processamento da informação, que compreende a
consciência, conhecimento pessoal e estratégias adaptativas. Esses processos
podem ser operacionalizados como medidas experimentais em determinadas
tarefas. Sugerem uma tarefa experimental onde o indivíduo pode prever
como será seu desempenho em uma atividade específica de memorizar
palavras. Esse tipo de desempenho é definido pelos autores como auto -
predição (self-prediction). A meta-cognição nesse caso só pode ser compro-
vada quando garantido que o indivíduo realmente se julga realizado após a
conclusão da tarefa. A essa etapa da tarefa é dado o nome de automonito-
ramento (self-monitoring) o que permite fazer comparações do desempenho
percebido pelo indivíduo versus o real. Auto predição e auto monitoramento
podem ser avaliados também para guiar a consciência e o comportamento do
indivíduo em contextos sociais e não sociais. J Eslinger cita o artigo de
Fernandez-Duque e colegas (2000), Executive attention and metacognitive
regulation, que indica Escalas Comportamentais padronizadas que fornecem as
abordagens mais comuns para o levantamento de funções sociais em
contextos do mundo real com base em atividade diárias.
Estudos metacognitivos em aspectos neurocomportamentais abrangem
alem dos aspectos sociais e de automonitoramento, aspectos de ausência de
consciência da própria doença, da negligência ambiental, déficits perceptuais
sensório-motores e também severos acometimentos da capacidade de tomada
de decisão e de autorregulação ou capacidade de autocontrole.
Dennis M, e colegas (1996) esclarecem que esses aspectos são frequen-
temente descritos como formas de anosognosia que ocorrem nos contextos de
resolução de problemas e comportamentos sócio-emocionais, embora as
habilidades cognitivas gerais possam permanecer intactas. Tais achados
sugerem que desordens clínicas de autoconsciência e metacognição podem
ser associadas à fisiopatologia pré-frontal e levar a déficits adaptativos no
funcionamento diário. Algumas linhas de pesquisa têm sido vinculadas aos
déficits metacognitivos a funções executivas prejudicadas, mediadas princi-
palmente à sistemas pré- frontais e corticais, apoiando uma inter-relação
entre a metacognição e as funções executivas.
O estudo de Eslinger e colegas (2005) compara os desempenhos de auto
predição e auto monitoramento entre controles saudáveis com pacientes com
Doença Alzheimer (DA) e paciente portadores de demências fronto-
temporais (DFT) entre elas a demência semântica (DS), também classificada
como afasia progressiva não-fluente (APNF). Concluíram que pacientes com
DFT mostraram déficits significativos de autoconsciência e autoconheci-
mento em uma variedade de domínios comportamentais em comparação com
pacientes com DA e controles saudáveis.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

METACOGNIÇÃO MUSICAL
372
Estudos específicos em metacognição musical estão dirigidos para a
performance e para tarefas educacionais no ensino musical.
Colombo e Antonietti (2017) no estudo The Role of Metacognitive
Strategies in Learning Music: A Multiple Case Study especifica que o papel
positivo da metacognição na aprendizagem e na prática musical vem sendo
bem estudada e avaliada, mas o papel das “habilidades metacognitivas dos
músicos em tal contexto ainda não está claro”.
O livro de Benton (2014) Thinking about Thinking -Metacognition for Music
Learning é um livro relativamente novo na sua perpectiva de ensino voltado
para professores de música. O livro estabelece tambem diretrizes para promo-
ver o uso de habilidades metacognitivas entre estudantes de música. Além
disso apresenta uma visão abrangente da pesquisa sobre o tema.
A pesquisa de Bathgate e colegas (2012), Thoughts on Thinking: Engaging
Novice Music Students in Metacognition, focaliza aspectos relevantes sobre a
capacidade de armazenamento de conhecimento na execução em uma única
peça musical por um musico instrumentista. Enfatiza a quantidade de
complexas habilidades que surpreendem não somente à ouvintes mas também
aos cientistas quando se deparam com um musico expertise tocando. Especi-
ficam que na música, a “natureza reflexiva da prática metacognitiva permite
que cada intérprete compreenda explicitamente as demandas de tarefa de uma
peça musical, identifique passagens potencialmente difíceis, selecione estraté-
gias cognitivas e físicas apropriadas que funcionem melhor para elas e decida
como estruturar efetivamente seu tempo de prática em relação a esses fatores”.
Porem sinalizam que esse grau de reflexão em um músico iniciante é inexistente
na prática e realizaram um estudo randomizado com trinta e cinco adoles-
centes estudantes e seis professores foram aleatoriamente designados para
roferecerem um enfoque metacognitivo nas condições existentes de ensino
prático. Os alunos que receberam ensino metacognitivo alcançaram classifi-
cações de desempenho mais altas quando comparados com os alunos que
receberam instrução de controle. Embora o tempo de prática não variasse
entre os grupos os resultados sugerem que ter os alunos “explicitamente verba-
lizando e refletindo sobre seu processo de aprendizagem produziu uma prática
mais eficiente e maior desempenho final”.
O estudo de Halan (2001) The Development of Metacognition in Musicians:
Implication for Education, é um dos primeiros estudos de revisão da literatura
direcionado para à prática necessária para uma boa performance instrumental
ou vocal. Especifica que desde o início da introdução de novos modelos de
ensino metacognitivos voltados para o aprender como aprender (learn to learn) a
metodologia da maneira como o indivíduo estuda e também ensina o aluno
como estudar mudou completamente. Seu estudo de inclui diversos outros
voltados para aspectos da aprendizagem musical no auto conhecimento, dire-
cionado para “o que se sabe do que se sabe” (metacognitive knowledge and
experience) e ainda vários outros autores que sugerem que utilizando-se desse
modelo de ensino, vários outros aspectos podem ser melhorados como
habilidades de memória de curto e longo prazo e habilidades de auto-
monitoramento.
Anais

CONSIDERAÇÕES FINAIS
373
Foram identificados um numero escasso de estudos em metacognição
na DS e metacognição musical, mas se observamos que se trata de uma
área de estudo em grande desenvolvimento e especificidade esses traba-
lhos são os pioneiros de muitos.
Nenhum estudo específico correlacionando metacognição musical à
DS foi identificado, porém pesquisas em DS e música vem sendo
realizadas desde 2011 (Weinstein, 2011). Weinstein evidencia aparente
preservação do conhecimento musical na DS em músicos, apesar de uma
pane modal (panmodal) e desagregação do conhecimento sensorial e con-
ceitual. Afirma que é provável que através da música possamos ter pistas
sobre a natureza dos déficits que acompanham a DS.
Grossman e colegas (2011), relatam a existência de um único estudo de
caso de DS demonstrando habilidade musical preservada em um indivíduo
musicalmente sem treinamento musical. Para esses estudiosos a música
ajuda a reconhecer a distribuição neuroanatomica da doença. Para Gross-
man, no domínio da música, além da memória musical preservada, há um
debate sobre a essência do significado musical que derivam de informações
baseadas no mundo da pessoa com DS.
É constatável através desses pesquisas a possibilidades de se estabelecer
estudos futuros correlacionado metacognição, música e demência
semântica, uma vez que é sabido que habilidades musicais são preservadas
na DS (Loureiro, 2018).

Referências
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Novice Music Students in Metacognition. Applied Cognitive Psychology, Appl.
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(2011). Preserved Musical Semantic Memory in Semantic Murray. Arch Neurol, 68(2),
248-250.
Anais

Tecnologias digitais e suas conexões com o


aprendizado e a cognição musical 375
de adultos no canto coral
Sandra Regina Cielavin,1 Adriana N. A. Mendes2
1,2
Departamento de Música, Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, Brasil
1
cielavsandra@gmail.com, 2aamend65@gmail.com

Resumo
Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa concluída que teve por objetivo investigar
tecnologias digitais aplicadas à prática coral de adultos. Na sociedade atual emerge o conceito de
hipertexto, que é um conjunto de informações apresentadas em forma de textos, sons e imagens.
Pessoas nascidas na era digital tendem a desenvolver mentes hipertexto, onde as estruturas cognitivas
são paralelas, e não sequenciais (Prensky, 2001). Por outro lado, o fenômeno da neuroplasticidade é a
reorganização e a adaptação do cérebro e pode ocorrer em crianças e adultos. Na realidade brasileira
existe uma lacuna de trabalhos que discutam o tema tecnologias digitais relacionando-as à prática coral.
A metodologia consistiu em revisão de literatura, descrição de atividades e de um estudo qualitativo,
que também utilizou dados quantitativos através de uma pesquisa-ação com a duração de 3 meses que
foi desenvolvida com 18 indivíduos de um coro adulto. Os resultados apontaram que após o uso das
tecnologias digitas, os integrantes ampliaram a compreensão de que o coral, além de ser um ambiente
de interação, pode ser um espaço de aprendizagem musical. Concluiu-se que o uso de softwares
musicais pode melhorar a percepção musical, facilitar a aprendizagem de novas canções, bem como
promover a reflexão dos integrantes na prática coral. No processo de aprendizagem musical do canto
coral, jovens com mente hipertexto podem contribuir com participantes adultos mais velhos que não
possuam familiaridade com tecnologias digitais. Por outro lado, a cognição musical em adultos pode
ser estimulada e desenvolvida devido ao fenômeno da neuroplasticidade.
Palavras-chave: cognição musical, canto coral, tecnologia da informação e comunicação,
conhecimento e aprendizagem

Abstract
This paper presents the results of a completed research that aimed to investigate digital
technologies applied to adult choir practice. In today's society emerges the concept of hypertext,
which is a set of information presented in the form of texts, sounds and images. People born in
the digital age tend to develop hypertext minds, where cognitive structures are parallel rather than
sequential (Prensky, 2001). On the other hand, the phenomenon of neuroplasticity is brain
reorganization and adaptation and can occur in children and adults. In the Brazilian reality there
is a gap of works that discuss the theme digital technologies relating them to the choral practice.
The methodology consisted of literature review, description of activities and a qualitative study,
which also used quantitative data through a 3-month action research that was developed with 18
individuals from an adult choir. The results showed that after the use of digital technologies, the
members broadened the understanding that the choir, besides being an interaction environment,
can be a space for musical learning. It was concluded that the use of music software can improve
the musical perception, facilitate the learning of new songs, as well as promote the reflection of
the members in the choir practice. In the learning process of choral singing, young people with
hypertext minds can contribute to older adult participants who are unfamiliar with digital
technologies. On the other hand, musical cognition in adults can be stimulated and developed due
to the phenomenon of neuroplasticity.
Keywords: musical cognition, choral singing, information and communication technology,
knowledge and learning

INTRODUÇÃO
A prática coral permite a aprendizagem de diferentes conceitos musicais.
No entanto, indivíduos adultos sem vivências musicais prévias podem
apresentar diferentes dificuldades que abrangem desde os aspectos rítmicos
até a habilidade de manutenção de sua linha vocal. Os tipos de problemas
trazidos pelos participantes são variáveis, no entanto, as dificuldades são
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

sempre recorrentes. A pesquisa tem por objetivo investigar tecnologias


digitais que sirvam de suporte ao regente, que contribuam com a sua
376 formação e com o desenvolvimento da prática coral de adultos na pers-
pectiva da educação musical. Foi realizado um levantamento de diferentes
tecnologias digitais que abrangem softwares musicais, tais como editor de
áudio e programa de notação musical, vídeo, áudio, serviços da Internet,
entre outros. A pesquisa-ação foi desenvolvida no período de 3 meses com
18 indivíduos de um coro adulto amador. Na realidade brasileira existe uma
lacuna de trabalhos que discutam o tema tecnologias digitais relacionando-
as à prática coral (Clemente & Figueiredo, 2014) e (Mateiro, Vechi, & De
Souza, 2014).

COGNIÇÃO MUSICAL E APRENDIZAGEM


O indivíduo adulto carrega uma multiplicidade de experiências
acumuladas no decorrer de sua existência que envolvem fatores mentais,
sensório-motores, sociais e emocionais. De acordo com Swanwick (2014)
o desenvolvimento humano na fase da adolescência e idade adulta tem sido
pouco examinado pelos autores devido à complexidade dos elementos
envolvidos, mas segundo o autor, este é um período de grande potencial
de desenvolvimento.
A aprendizagem musical é um processo que abrange diversas variáveis.
Os indivíduos em geral, possuem um canal de comunicação preferencial
que pode ser auditivo, visual ou cinestésico. Dependendo da afinidade
com o tema a ser aprendido, do nível de dificuldade, dos conhecimentos
prévios trazidos pelo indivíduo, da ativação de seus canais de recepção e
da interação com os seus pares, poderá haver a compreensão de conceitos
teóricos ou práticos em maior ou em menor grau. Outro aspecto a ser
considerado é a motivação do indivíduo. Segundo Araújo (2015, p.45) “a
motivação é um elemento psicológico fundamental para quem vivencia a
experiência musical e, sem dúvida, o elemento que garante a qualidade do
envolvimento do indivíduo nesse processo”.
Além disso, a assimilação de um determinado assunto pode estar ligada à
significação atribuída pelo indivíduo. Segundo Sloboda (2008, p.3) indiví-
duos participam de atividades musicais porque a música desperta “emoções
profundas e significativas”. Segundo Leman (2008, p.18) um indivíduo pode
envolver-se com atividades de escuta musical para relaxar-se após um dia
estressante ou ainda para distrair-se de atividades de trabalho repetitivas.
Durante essas atividades, as pessoas tendem a envolver-se com a música de
forma mais corporal do que cerebral. Quando a aprendizagem musical é
carregada de significado, o indivíduo poderá atribuir importância ao conhe-
cimento ou experiência vivenciada, o que possivelmente poderá influenciar a
forma com a qual o indivíduo se relacionará com a música.
Na sociedade atual emerge o conceito de hipertexto, que é um conjunto
de informações apresentadas em forma de textos, sons e imagens. Pessoas
nascidas na era digital tendem a desenvolver mentes hipertexto, onde as
estruturas cognitivas são paralelas, e não sequenciais (Prensky, 2001). As
pessoas mais jovens em geral, tendem a estar mais familiarizadas com
tecnologias digitais que envolvem os dispositivos eletrônicos, a Internet e os
programas computacionais. Tapscott (2009, p. 2) indica que “as crianças de
Anais

hoje estão tão imersas em bits, que acham que tudo isso faz parte de um
cenário natural”. Por outro lado, os adultos mais velhos podem apresentar um
pouco mais de dificuldade para adaptarem-se ao uso de novas tecnologias. No 377
entanto, indivíduos adultos podem ser estimulados a construírem novos
conhecimentos musicais a partir da utilização de tecnologias digitais.
Segundo Prensky (2012, p. 67) “o cérebro está em constante reorganização
durante toda a nossa vida, da infância a idade adulta, um fenômeno tecni-
camente conhecido como neuroplasticidade”.
Outro ponto a ser considerado em relação ao ensino aprendizagem é
o fato de que os estudantes se tornaram mais participativos e não apenas
receptores de informações no processo de aprendizagem (Keri & Selwyn,
2010). Para Abreu e colegas (2011, p. 1248) a “aprendizagem colaborativa
destaca-se pela participação ativa e a interação dos membros, tanto alunos
como professores”. O coro tem o potencial de ser uma rede colaborativa
e de compartilhamento de conhecimentos que poderia ser ampliada pelo
uso das tecnologias digitais.

TECNOLOGIAS DIGITAIS E COGNIÇÃO MUSICAL


As tecnologias digitais podem ser empregadas de diferentes formas no
ensino musical de crianças, jovens e adultos. Segundo Bauer e Mito (2017, p.
95) “a tecnologia aumentou a oportunidade de todas as pessoas se envolverem
ativamente com a música, desde a infância até a idade adulta mais avançada”.
Este fato pode ser percebido pelo crescimento de aplicativos, vídeos e tutoriais
na Internet relacionados à aprendizagem musical.
O referencial teórico de utilização das tecnologias digitais empregado
nesta pesquisa foi o modelo Technological Pedagogical Content Knowledge
(TPACK) proposto por Mishra e Koehler (2006) que integra o Conteúdo,
a Pedagogia e a Tecnologia. Segundo Koehler e Mishra (2009) entende-
se que o Conhecimento do Conteúdo é a compreensão do professor sobre
teorias, conceitos e práticas relacionadas a um determinado objeto de
estudo. O Conhecimento Pedagógico abrange os processos e práticas de
ensino e aprendizagem e o Conhecimento Tecnológico está relacionado
ao entendimento do professor sobre tecnologia da informação para que
possa aplicá-la de forma eficiente em sua vida cotidiana e em seu trabalho
de ensino.
O modelo TPACK tem sido aplicado em diversas áreas do conhe-
cimento, tais como Matemática, Ciências e História, notadamente nos
aspectos de ensino aprendizagem. Do ponto de vista do ensino musical e
da aplicação do TPACK, Bauer (2014) aponta:
É claro que uma das melhores maneiras de desenvolver o
TPACK é utilizá-lo ativamente. Use ferramentas tecnoló-
gicas para tarefas pessoais e profissionais diariamente. Procure
conscientemente maneiras em que a tecnologia possa ser usada
para melhorar a aprendizagem significativa dos alunos na
música, considerando os objetivos curriculares e as possibili-
dades oferecidas pela tecnologia para facilitar a criação, a
performance e a resposta do aluno à música (Bauer, 2014, p.
185).
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

MÉTODOS

378 Aplicação de tecnologias digitais no canto coral de adultos


O estudo de métodos mistos através de uma pesquisa-ação foi realizado
com 18 indivíduos de um coro adulto no período de 3 meses. O local
escolhido possui laboratório de informática, acesso à Internet, projetor
multimídia e caixa de som. No desenvolvimento do estudo foi realizada a
instalação de softwares no laboratório de informática e a aplicação de
atividades com tecnologias digitais nos ensaios presenciais e no ambiente
virtual. A coleta de dados foi registrada por meio de um diário de campo, dos
comentários e das atividades desenvolvidas no ambiente virtual pelos coristas,
de gravações dos ensaios e de um questionário que foi respondido pelos
participantes no início e no final da aplicação prática. O projeto foi aprovado
pelo comitê de ética e contou com o consentimento dos integrantes. Dos 18
indivíduos que participaram da coleta de dados, 6 são jovens entre 21 e 29
anos, 9 são adultos entre 30 e 59 anos e 3 estão acima de 60 anos. Quatro
integrantes são do sexo masculino, e 14 do sexo feminino.
O treinamento dos coristas para uso dos programas e dos serviços da
Internet foi ministrado no laboratório de informática. As atividades foram
aplicadas nos ensaios presenciais que ocorreram em dois dias da semana.
Ao fim de cada semana de estudo, a regente postava no ambiente virtual,
tarefas relacionadas às atividades que foram desenvolvidas e aplicadas de
forma gradual nos ensaios presenciais com o intuito de ampliar o universo
musical e cultural do coro, bem como de aprimorar a percepção musical
dos integrantes. No ambiente virtual, as atividades foram organizadas nos
tópicos Percepção musical, Organização de eventos, Viagem, Musical,
Estilos Musicais e Canções tradicionais de diferentes culturas do mundo.
O Google Classroom, foi a tecnologia utilizada para integrar as atividades
virtuais. Os programas Musescore, Audacity, GNU Solfege, Windows
Media Player e os serviços de Internet YouTube, websites e WhatsApp
foram utilizados de forma presencial e virtual.
No estudo das tecnologias digitais aplicadas ao coro optou-se por
selecionar programas de uso livre e gratuito e que, portanto, poderiam ser
instalados sem custo para os coristas. A finalidade de aplicação do programa
Musescore foi que os integrantes pudessem conhecer as figuras musicais,
explorar a notação musical, criar melodias curtas e estudar as canções que
foram propostas nos ensaios presenciais. O editor de áudio Audacity foi
utilizado para gravações nos ensaios presenciais e nas tarefas virtuais, bem
como para o estudo de um arranjo para 4 vozes. O GNU Solfege, programa
de treinamento auditivo, foi explorado em atividades nos ensaios presenciais
no formato de jogo musical no qual os integrantes foram divididos em dois
grupos que respondiam alternadamente aos desafios propostos. O Windows
Media Player foi empregado na reprodução de áudios e vídeos. O YouTube
foi usado como ferramenta de escuta da música coral de diferentes períodos
e estilos de forma presencial e virtual. Os websites temáticos foram utilizados
pelos coristas em pesquisas relativas às tarefas propostas e o grupo de
WhatsApp foi utilizado como um apoio na resolução de dúvidas e no
Anais

incentivo à realização das tarefas estruturadas no ambiente virtual Google


Classroom (Cielavin, 2018).
379
RESULTADOS
A análise e discussão dos dados considerou as respostas do questionário
que foram coletadas no início e no término do estudo, as atividades
realizadas pelos integrantes nos ensaios presenciais e no ambiente virtual,
as gravações dos ensaios e a captura de conversas do grupo de WhatsApp
do coro. As perguntas do questionário abarcaram questões relacionadas à
aprendizagem musical através das tecnologias digitais.
As respostas à questão aberta sobre os motivos pelos quais o integrante
participava do coral indicaram que os elementos afetividade, música e
interação apareceram nos primeiros lugares, respectivamente. Em quarto
lugar surgiu o item aprendizagem, que nas respostas iniciais foi de 27,78%
e passou para 44,44% nas respostas finais. Possivelmente, o número de
resposta finais aumentou devido à aplicação das tecnologias digitais nos
ensaios presenciais e nas tarefas virtuais.
Sobre a questão de avaliação da experiência do uso de tecnologias digitais
aplicadas à prática coral, a integrante denominada como C1 respondeu:
“positivamente, os recursos utilizados ajudam muito na aprendizagem e
desenvolvimento do coral”. A integrante C3 comentou: “com certeza, trouxe
facilidade, inovação, interação, desenvolveu outras áreas e proporcionou
formas diferentes de aprendizado”. Verificamos que após o uso das tecnologias
digitais, os integrantes ampliaram a compreensão de que o coral, além de ser
um ambiente que proporciona uma atividade prazerosa e de interação, pode
ser um espaço de aprendizagem musical e de desenvolvimento pessoal.
Os integrantes de um coro amador podem apresentar dificuldades
rítmicas, de afinação, de manutenção de sua linha vocal, entre outras. A
percepção musical é um elemento muito importante para que o corista se
situe em relação ao som que está sendo produzido por ele e pelos outros
integrantes. O feedback ligado à percepção musical apareceu nas respostas
da questão aberta que avaliou o que o corista achava essencial para o
desenvolvimento do coral. Nos dois primeiros lugares surgiram os itens
dedicação, comprometimento e treinamento vocal. O item percepção
musical obteve 5,56% das respostas iniciais e saltou para 38,89% nas
respostas finais do questionário.
Na questão fechada “como cantor do Coral em qual(is) iten(s) você
percebe que tem mais dificuldade” a opção Percepção auditiva foi
assinalada por 38,89% nas respostas iniciais e por 72,22% nas respostas
finais, o que pode indicar que no decorrer da aplicação das atividades, os
cantores se conscientizaram da importância do desenvolvimento de sua
percepção musical no coro. Na questão que avaliou a experiência do uso
de tecnologias digitais aplicadas à prática coral, a integrante C12, adulta,
respondeu: “é algo novo, mas muito interessante pois, apesar do pouco
tempo utilizando essas tecnologias já melhorei minha audição, acredito”.
A integrante C6, adulta, afirmou: “para mim, com a tecnologia ficou mais
fácil de aprender e ágil, pois podemos estudar em casa e não só nos dias de
ensaio. Minha percepção melhorou”.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

No aspecto de cooperação entre os integrantes, a questão fechada em


que o participante deveria escolher se considerava as interações e o espírito
380 colaborativo do grupo importante ou não, teve a opção muito importante
assinalada por 16 participantes e a opção importante marcada por 2
participantes.
Nas atividades preparatórias das apresentações que demandavam a ação do
grupo, os participantes se envolveram e se organizaram de forma integrada.
As integrantes jovens, denominadas por C1, C2 e C3 contribuíram muito
com os participantes mais velhos que tiveram algumas dificuldades na
instalação de programas e na execução de tarefas no ambiente virtual. Após a
aplicação das tecnologias digitais às atividades do coro, os integrantes notaram
que a colaboração é essencial para o crescimento do grupo.

CONCLUSÕES
Concluímos que o uso de softwares musicais pode melhorar a percepção
musical, facilitar a aprendizagem de novas canções e promover a reflexão dos
integrantes na prática coral. Quanto à utilização do modelo TPACK com
indicam Mishra et al. (2011) foi possível fazer o uso de tecnologias musicais,
que embora não tenham sido projetadas para fins pedagógicos, puderam ser
reaproveitadas com esta finalidade. Do ponto de vista da regente, todo o
material disponibilizado no ambiente virtual contribuiu muito com a
organização de eventos, administração dos dados dos integrantes, estudo do
repertório, agilidade na comunicação, entre outros. As tecnologias digitais
contribuíram com o trabalho da regente melhorando a percepção musical dos
integrantes, facilitando a aprendizagem de novas canções, ampliando o
universo musical e cultural do coro e promovendo a reflexão dos integrantes
na prática coral.
Em relação à aprendizagem na fase adulta, percebemos que o uso das
tecnologias digitais aplicadas à prática coral contribuiu para estimular os canais
de comunicação auditivos, visuais e cinestésicos dos participantes, bem como
funcionou como um agente facilitador das atividades que envolveram a
interação com o grupo. Entendemos que as tecnologias digitais podem ser
melhor aproveitadas se o conteúdo musical a ser aprendido for imbuído de
significado e se, a partir da construção do significado, houver a apropriação do
conhecimento. No processo de aprendizagem de coros adultos com dife-
rentes faixas etárias, os jovens com mente hipertexto podem contribuir com
participantes adultos mais velhos que não possuam familiaridade com tecno-
logias digitais. Por outro lado, os adultos têm a seu favor o fenômeno da
neuroplasticidade que possibilita a reorganização do cérebro no sentido de
assimilar novos conceitos musicais e tecnológicos.
Anais

Referências
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colaboração e comunicação: estudo de caso utilizando a Rede Social Educativa 381
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Cielavin, S. R. (2018). Um estudo sobre Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC) aplicadas à prática coral de adultos no contexto da Educação Musical
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Campinas, SP, Brasil. Disponível: http://repositorio.unicamp.br/handle/
REPOSIP/333061.
Clemente, L., & Figueiredo, S. L. F. (2014). O estado da arte da pesquisa sobre canto
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Keri, F., & Selwyin, N. (2010). Social Networking. Key messages from the research. In
R. Sharpe, H. Beetham, & S. Freitas (Eds.), Rethinking learning for a digital age: how
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Koehler, M., & Mishra, P. (2009). What is technological pedagogical content
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Mateiro, T., Vechi, H., & De Souza, M, E. (2014). A prática do canto na escola básica:
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mind: Extending the TPACK framework towards 21st century learning.
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Prensky, M. (2001). Digital Natives, Digital Immigrants, Part II: Do They Really
Think Differently? On the Horizon – NCB University Press, 9(6).
Prensky, M. (2012). Aprendizagem baseada em jogos digitais. São Paulo: Editora Senac.
Sloboda, J.A. (2008). A mente musical: psicologia cognitiva da música. (B. Ilari & R. Ilari,
Trad.) Londrina: EDUEL.
Swanwick, K. (2014). Música, mente e educação. (M. S. Steuernagel Trad.) Belo
Horizonte: Autêntica Editora.
Tapscott, D. (2009). Growing up digital: How the Net Generation is Changing Your World.
San Francisco: McGraw-Hill Companies.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Educação musical inclusiva:


relato de experiência em uma turma de
382 ensino coletivo de violino em Belém-Pará
(Resumo)
Aline da Silva Pedrosa (alinespedrosa@gmail.com)
Jessica Caroline Pantoja Peniche (jessicacarolinepp@gmail.com)
Dione Colares de Souza (dione_colares@hotmail.com)
Universidade do Estado do Pará (UEPA)

Problema/questão
Este resumo relata a vivência em um projeto de extensão de uma escola pública de ensino
especializado em música na cidade de Belém/Pará, durante o período de Estágio Curricular. A turma
escolhida para esta comunicação possui dez alunos, sendo uma aluna com deficiência visual.
Constatou-se que a referida aluna, por se tratar de pessoa que adquiriu a cegueira ao longo da vida
e ainda se encontra em processo de alfabetização no código Braile, não pôde ser introduzida na
musicografia Braile durante o período observado. A linguagem musical aplicada ao processo de
ensino-aprendizagem do violino, pautou-se nos sentidos da audição e do tato, bem como na
movimentação corporal elaborada a partir da apreciação sonora. “A paisagem sonora é uma composição
indeterminada, sobre a qual não temos controle, ou seremos nós, os seu compositores e executantes
encarregados de dar-lhe forma e beleza?” (Schafer, 2001, p.18).
Objetivos
Investigou-se o processo de ensino musical inclusivo e os métodos utilizados para o
desenvolvimento do aprendizado de uma aluna com deficiência visual, integrada a uma classe de
alunos sem deficiência, destacando as dificuldades enfrentadas neste processo e o desenvolvimento
da aluna no instrumento.
Método
O presente relato baseou-se na coleta de dados em diário de bordo e elaboração de relatórios
contendo anotações descritivas do processo ativo de ensino-aprendizagem do violino durante o
período observado em estágio.
Resultados
Nas atividades desenvolvidas em classe, de ensino coletivo do violino, observaram-se
possibilidades de desenvolver repertórios relacionados à motivação dos alunos para tornar
dinâmico o processo educacional. Destarte, as ações de ensino-aprendizagem pautaram-se na
ludicidade, com ênfase também nos estímulos sensoriais da audição e do tato, o que permitiu a
integração e a aprendizagem de todos em sala.
Conclusões
Pôde-se intuir que o processo criativo é fundamental no processo de inclusão, com adaptações
pedagógicas voltadas ao ensino que envolve pessoas com deficiência visual, além de uma
disponibilidade de romper fronteiras em sala de aula (Tudissaki, 2015, p. 59). A partir deste relato
percebeu-se que existem construções e reconstruções de um mesmo ambiente sonoro, a partir da
dinâmica e do olhar do educador frente às experiências com alunos que possuem ou não algum
tipo de deficiência.
Palavras-chave
Educação Musical; Inclusão; Deficiência Visual; Violino.
Referências
Fonterrada, M. (2008). De tramas e fios – Um ensaio sobre a música e educação. 2 ed. São Paulo:
Editora Unesp.
Louro, V S. (2018). Educação musical e deficiência: quebrando os preconceitos. Recuperado em 18 de
dezembro, 2018 de https://musicaeinclusao.files.wordpress.com/2016/06/louro-viviane-
mc3basica-e-inclusc3a3o_uma-breve-reflexc3a3o-sobre-processo-pedagc3b3gico-musical-
e-a-pessoa-com-deficic3aancia.pdf
Louro, V S. (2012). Fundamentos da aprendizagem musical da pessoa com deficiência. 1ª edição. São
Paulo: Editora Som.
Schafer, M. (2001). A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado
do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. São Paulo: Editora Unesp.
Suzuki, S. (2008). Educação é amor: método clássico de educação do talento. Santa Maria: Palloti.
Tudissaki, S. (2015). Ensino de música para pessoas com deficiência visual. São Paulo: Editora
Cultura Acadêmica.
Anais

Categorização e esquemas de imagem em música:


Críticas às formas de se realizar a pesquisa 383
experimental
Nilo Rafael Baptista de Mello1
1
Escola de Música, UFRJ, Brasil
1
nilomell@gmail.com

Resumo
O caráter abstrato da música enseja questionamentos acerca do modo de apreensão do fluxo musical
pelos ouvintes, por meio da utilização de sentidos desenvolvidos pelos seres humanos através da atuação
corporal reiterada destes na percepção e entendimento de mundo. Não é senão através da pesquisa que
busca entender os mecanismos e ferramentas utilizados pela mente, para apreender o fluxo musical,
conferindo-lhe sentido, que se pode compreender com maior exatidão a forma por meio da qual
entendemos música. O presente artigo visa discutir a forma de aplicação do protocolo de experimento
que objetivou investigar os modos de entendimento do fluxo musical, tendo por base a produção de
músicas inéditas, com sua audição e análise por ouvintes. Partindo-se da ideia de que na base de toda
categorização encontram-se os esquemas de imagem, entendidos como arquétipos do entendimento
humano que congregam sensações reiteradamente experimentadas pelo indivíduo, o protocolo de
pesquisa buscou acessar o entendimento imediato dos ouvintes acerca das músicas ouvidas, tentando,
tanto quanto possível, atingir seu entendimento inconsciente. Nesse sentido, as descrições dos
participantes acerca do fluxo musical escutado determinava a aproximação ou afastamento dos
esquemas de imagem mais comumente utilizados na construção de entendimento do fluxo musical.
Analisados os dados obtidos, surgiram questões acerca do modus operandi do experimento, como: a)
até que ponto o conhecimento prévio das perguntas do questionário pode influir a resposta?; b) em que
medida a ordem de apresentação das músicas pode determinar maior ou menor predisposição do
ouvinte a realizar o experimento.
Palavras-chave: cognição musical incorporada, pesquisa experimental, esquema de imagem,
enacionismo.

Abstract
The abstract character of music gives rise to questions about the way the listeners perceive the musical
flow through the use of senses developed by human beings through their repeated body performance
in the perception and understanding of the world. It is only through research that seeks to understand
the mechanisms and tools used by the mind to grasp the musical flow, giving it meaning, that one
can more accurately understand how we understand music. This paper aims to discuss the application
of the experiment protocol that aimed to investigate the ways of understanding the musical flow,
based on the production of unpublished songs, with their hearing and analysis by listeners. Starting
from the idea that at the base of all categorization are the image schemes, understood as archetypes of
human understanding that bring together feelings repeatedly experienced by the individual, the
research protocol sought to access the immediate understanding of listeners about the songs heard,
trying as much as possible to reach their unconscious understanding. In this sense, the participants'
descriptions of the listened musical flow determined the approach or departure of the image schemes
most commonly used in the construction of understanding of the musical flow. Questions arose
about the modus operandi of the experiment, such as a) to what extent can previous knowledge of
the questionnaire questions influence the answer ?; b) the extent to which the order of presentation
of the songs may determine greater or less predisposition of the listener to experiment.
Keywords: music embodied cognition; experimental research; image scheme, enactivism.

INTRODUÇÃO
Pesquisar o sentido da música pode parecer, em um primeiro momento
menos pensado, tarefa trivial. Afinal, o sentido da música está inexoravelmente,
ao que parece, atrelado a sentimentos que experienciamos quando somos
expostos a determinado fluxo musical. Assim sendo, a pesquisa sobre o
entendimento de música perpassaria tão simplesmente uma análise daquilo
que está sendo sentido, ou percebido, por quem está exposto a esse fluxo.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

A questão, entretanto, se complica, quando passamos a realizar questio-


namentos, talvez mais filosóficos, dentro dessa temática. Em primeiro lugar,
384 cumpre discutir se efetivamente a música está ligada de forma inelutável a
experiências sentimentais e, em segundo, e talvez, mais importantemente, a
que nos referimos por “sentimentos”, quando se discute sentido musical.
Inicialmente, antes mesmo de dizer o que são os sentimentos referen-
ciados quando se discute sentido da música, é preciso dizer o que eles não
são. E, nesse sentido, sentimento não é um mero sentido, ou qualquer
sensação abstrata que se possa perceber. É imprescindível que se destaque
que, na maior parte dos casos ao se discutir sentido musical, referem-se
por sentimentos nossas experiências emocionais, que vêm à tona quando
desencadeadas por determinado estímulo, sendo o musical apenas um
desses estímulos, capazes de deixar transparecer tais emoções.
Para realizar uma distinção didática, que servirá ao propósito do que vai
ser discutido neste artigo, proponho que as referidas experiências emocionais
(sentimentos) sejam diferenciadas do termo “sentido”. É dizer que, portanto,
há dois termos distintos sobre os quais se debruça: “sentimentos”, sendo estes
categorias de percepções e sentidos complexos, arranjados em determinada
forma em torno da qual já há certo consenso linguístico (como agitação, ódio,
tristeza, em suma, emoções), sendo, assim, emoções, como entendidos por
Meyer (1961); e “sentidos”, entendidos como sensações únicas ou, ainda,
complexas, mas em torno das quais não se possa dizer que haja um consenso
linguístico. Dito de outra forma, o que se propõe é que sentimentos são
emoções, mais claramente identificáveis e enunciáveis, enquanto sentidos são
sensações abstratas, muitas vezes tão somente traduzidas por meio de recursos
metafóricos que referem campos de conhecimento diversos.
Definidos os termos da discussão, passemos a ela. A natureza do sentido
da música, bem como sua construção, é questão delicada que sempre preo-
cupou os estudiosos do assunto. Com efeito, estudar a construção de sentido
em música desafia a pesquisa nesse sentido, em primeiro lugar, dada a
natureza abstrata do fluxo musical, e, em segundo, porque essencialmente a
construção de sentido desse fluxo se realiza na experiência de cada ouvinte,
sendo certo que, para que haja uma análise competente dessa construção, há
que se perscrutar exatamente os métodos interiores dos ouvintes, ao realiza-
rem essa construção.
Ao ser exposto a determinada interação com o exterior, o indivíduo
passa, imediatamente, a realizar uma análise inconsciente do que se deriva
dessa interação, recolhendo o percebido e provocado em si, ao mesmo
tempo em que tenta categorizar estas sensações, construindo sentido. Ao
realizar a correspondência entre o percebido e o sentido previamente
experimentado, produzindo-se um novo sentido ao que se apresenta, na
terminologia das ciências cognitivas contemporâneas, realiza-se catego-
rização. A justa adequação entre objeto mental e material percebido é parte
essencial desse processo de categorização (Rosch, 1977; Rosch & Lloyd,
1978). Categoriza-se ao se atribuir significado a determinados impulsos
sensoriais de entrada (sentidos) que chegam à mente por meio dos canais
sensoriais disponíveis no indivíduo — essencialmente, todos aqueles que o
corpo disponibiliza, por meio da relação de interação. Zbikowski (2002)
disserta sobre categorização, da seguinte forma:
Anais

O reconhecimento dessas coisas reflete as categorias através das quais


estruturamos o pensamento: reconhecer um livro é identificá-lo
como membro da categoria livro; reconhecer uma árvore é iden-
tificá-la como pertencente à categoria árvore. A categorização ocorre em 385
todas as modalidades sensoriais e em toda a gama de atividades mentais:
categorizamos cheiros e sons, pensamentos e emoções, sensações da
pele e movimentos físicos.¹ (Zbikowski, 2002, p. 12)

Ao se categorizar o produzido na interação, constrói-se sentido. Reco-


nhecer que algo foi “entendido”, seja este algo um objeto concreto, seja
um sentimento abstrato como angústia, significa dizer que se entende, ou
se construiu significado para aquele sentido. Assim, é importante que se
ressalte, para se discutir a construção de sentido em música, a diferença
entre categorizar o fluxo musical e enunciá-lo. Evidentemente, ao se falar do
fluxo musical, ou seja, ao se tentar comunicar o que foi escutado pressupõe
um prévio entendimento, ou, no mínimo, uma prévia categorização. Só se
comunica, ou se tentar comunicar o que foi entendido, ou que possui certo
significado, dado por uma categorização anterior.
O fluxo musical, como qualquer outro objeto sobre o qual se depara
o ser humano, precisa ser inicialmente percebido através do mesmo
aparato cognitivo utilizado para apreender o sentido de qualquer outra
coisa. Não à toa que Zbikowski (2002) menciona expressamente ser tal
construção orientada pelo mesmo iter procedimental utilizado para
construir entendimento acerca das diversas outras interações do ser com
mundo. Nesse sentido, deparado com o fluxo musical, a mente humana
passa, da exata mesma maneira, a tentar realizar a categorização do mate-
rial contido no fluxo sonoro, resultando daí a construção de sentido.

O PROBLEMA DA INVESTIGAÇÃO
Investigar esse procedimento, no entanto, é tarefa árdua. Seja por
conta do alto grau de abstração do material em análise, ou seja, do fluxo
musical, seja por conta de que todo esse procedimental acontece de forma
inconsciente na mente do ouvinte. Nesse sentido, realizar pesquisa cogni-
tiva sobre construção de entendimento musical é, em essência, buscar
entender o inconsciente do ouvinte.
Em primeiro lugar, isso implica em um problema inicial que decorre do
fato de que a categorização do fluxo musical diferencia-se de sua enun-
ciação. Ao categorizar o fluxo de música, o ouvinte realiza a adequação do
escutado aos esquema de imagem, previamente configurados por meio de
suas experiências corporais reiteradas, conferindo sentido a este fluxo. A
enunciação do que foi previamente entendido, no entanto, representa um
problema adicional, uma vez que, ainda que a construção do sentido do
fluxo musical se configure com a categorização, a enunciação do entendido
modifica o entendimento inicial, que pode ser considerado imediato.
A discussão do entendimento experienciado pelo ouvinte implica na
retomada mental do que foi ouvido e entendido e num esforço por parte
deste ouvinte de tradução metafórica daquele entendimento. As sensações,
ainda que categorizadas em estados mentais, em geral, não possuem
contrapartida linguística precisa, necessitando do recurso a metáforas que
se utilizam de conceitos alheios e externos ao campo da música. O grande
problema, para a pesquisa em música, no entanto, é que, para acessar a
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

mente do ouvinte, perguntar-lhe diretamente o que entendeu do fluxo


pode comprometer o próprio resultado, uma vez que o que se busca, em
386 essência, é o método de categorização imediato e inconsciente: a primeira
coisa que vem à cabeça, e uma análise a posteriori do que foi escutado,
repensando-se a própria categorização contamina sobremaneira o trabalho.
Em segundo lugar, e decorrente disso, não há um método para se realizar
essa análise com o mínimo de contaminação possível já pronto. É dizer que,
na pesquisa para entender o procedimento de construção de entendimento do
fluxo musical, é preciso também que se desenvolvam as ferramentas para
realizar uma tal investigação, buscando desviar o mínimo possível o enun-
ciado pelo ouvinte da impressão inconsciente e consequente primeira
categorização do material.

O PROTOCOLO DE PESQUISA
O primeiro problema a ser atacado no protocolo tratava de como conse-
guir obter a informação primeira, imediata, que passa no inconsciente do
ouvinte no momento exato em que este se depara com um fluxo musical
novo. Inicialmente, parecia claro que as músicas tinham de ser compostas para
o experimento, uma vez que somente através do ineditismo destas poder-se-ia
ter certeza sobre a novidade daquele fluxo musical para os ouvintes.
Dentro desse mesmo problema, era preciso também assegurar que se
conseguisse recolher a primeira impressão, mais imediata, do ouvinte. E aqui
estabeleceu-se um segundo questionamento que consistia na decisão sobre
o questionário: deveria o ouvinte caracterizar o fluxo como bem entendesse,
por meio de perguntas discurssivas, ou deveria haver questões objetivas, com
as características antecipadamente estudadas dos esquema apresentadas?
Optou-se pelo último procedimento, por algumas razões, que enumero:
1) o estudo prévio dos esquemas de imagem, com a determinação de certos
atributos destes e consequente construção das peças sobre esses adjetivos, já
havia, em alguma medida, determinado o que se reputava importante como
indício de seleção dos esquemas de imagem pelos ouvintes. Dito de outra
forma, tendo em vista que os referidos esquemas podem ser identificados por
meio dos adjetivos escolhidos, não se justificava uma ampliação dos descri-
tores com perguntas discurssivas; 2) a coleta de informações de respostas
discurssivas mais abertas seria significativamente mais demorada. Com
efeito, o tratamento desses dados iria requerer uma análise discurssiva muito
mais pormenorizada, uma vez que seria necessário que se entendesse o que
exatamente o ouvinte iria querer dizer com sua descrição. Haveria, portanto,
diversos descritores ou adjetivos que pudessem ser atribuídos a uma mesma
passagem, talvez indicando um mesmo esquema predominante, mas que
seria descritos de formas diferentes, e isso demandaria um tempo de estudo
muito maior do que o disponível para a realização da pesquisa;
O questionário aplicado, portanto, iniciava-se com o pedido para que os
participantes, após escutarem a música, marcassem as qualidades ou adjetivos
que melhor descrevessem o fluxo musical escutado. Importante observar que,
antes de iniciado o experimento, houve orientação aos participantes no sentido
de que marcassem a primeira característica que lhes viessem à cabeça, sem se
Anais

demorar muito sobre os motivos e o significado por detrás das qualidades. E


isso porque, em essência, visava-se obter o dado mais imediato possível.
Em seguida, pedia-se que o participante descrevesse com uma pequena 387
frase, utilizando-se dos adjetivos marcados, o trecho escutado. A questão
visava dar certa discricionariedade ao participante para expressar seu enten-
dimento, sem que houvesse o problema relatado de deixá-lo livre demais,
comprometendo a análise de dados, que invariavelmente seriam muito dis-
crepantes.
Como terceira questão, requereu-se que o participante marcasse a
duração aproximada do trecho ouvido, oferecendo 5 opções de duração
possível.
Em uma segunda etapa do experimento, questionou-se os ouvintes sobre
a duração comparada das músicas ouvidas. Aqui, os ouvintes realizaram uma
segunda audição das músicas, em sequência, requerendo-se, em seguida,
que indicassem qual delas parecia durar mais ou menos e o motivo disso.
Trata-se de pergunta que tinha por objetivo aferir se, quando da reaudição
da peça, a impressão e seleção inicial do esquema de imagem se manteria. A
partir do dado de percepção duracional do trecho, poder-se-ia dizer em
alguma medida se o esquema havia mudado, ou se o fluxo passaria a ser
categorizado de forma completamente distinta.

OS RESULTADOS E A ANÁLISE CRÍTICA DO EXPERIMENTO


Os resultados podem ser classificados como bastante significativos, ainda
que tenham se afastado, em alguns casos, de forma contundente do que
era esperado. Iniciando-se pelo objetivo secundário de adequação das
técnicas composicionais à expectativa de comunicação dos adjetivos aos
ouvintes, o resultado indica a quase que completa impossibilidade disso.
Observam-se, nesse sentido, gráficos montados a partir das respostas
dadas pelos participantes, dispostos no aplicativo de análise de dados
chamado Wordle, que distribui as palavras mais registradas em tamanho
da fonte. Assim, sendo, observam-se os resultados nas figuras 1, 2 e 3.

Figura 1. “Contenção”
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

388

Figura 2. “Equilíbrio”

Figura 3. “Caminho”

O que se observou foi que as qualidades marcadas apontaram para a


predominância do esquema em que se baseou a composição somente para a
música 3, “Caminho”. Aqui, observa-se que as palavras que mais apareceram
no experimento foram efetivamente constante, perseverante, melodia e nota.
Ou seja, tanto palavras resultantes da análise do esquema, como outras que
poderiam ser atribuídas ao esquema de caminho, que pressupõe uma origem,
um destino e uma trajetória, foram observadas, restando de certa forma claro
que este foi o esquema predominante naquela audição (figura 4).

Figura 4. “Esquemas predominantes em “Caminho”


Anais

Com relação às outras duas músicas, não houve como se perceber um


esquema predominante. No que concerne à música 2, “Equilíbrio”, observa-
se que atributos de dois esquemas predominaram, sendo estes os esquemas de 389
“Caminho” e “Equilíbrio” (figura 5).

Figura 5. “Esquemas predominantes em “Equilíbrio”

Nesse sentido, há que se observar que a peça composta sob os auspícios dos
atributos de “equilíbrio” também apresentava características de “caminho”.
Em verdade, os esquemas influenciam-se uns aos outros, sendo certo que
dificilmente pode-se falar na existência de um único esquema, mas talvez na
predominância de um deles, como quer Johnson (1987). Os resultados do
experimento apontam justamente para corroborar tal teoria, uma vez que os
trechos, ainda que descritos sob influência de um esquema de forma majo-
ritária, apresentaram, sempre, concomitância de esquemas.
Para a última música, os resultados foram interessantes, no sentido de
que quase não há como se dizer que predomina um ou outro esquema de
imagem (figura 6).

Figura 6. “Esquemas predominantes em “Contenção”

A presença de marcações para os três esquemas é significativa, sobretudo


ao se levar em conta que a peça “contenção” era a mais abstrata delas, com
menor funcionalidade harmônica e uma melodia contida em um registro
em que se confundia com a textura do acompanhamento.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

No que concerne à percepção duracional das músicas, embora as três


possuíssem exatamente 1 minuto, cada, as marcações foram significativa-
390 mente diferentes, conforme demonstrado pelas figuras 7, 8 e 9.

Figura 7. Duração estimada para “Contenção”

Figura 8. Duração estimada para “Equilíbrio”

Figura 9. Duração estimada para “Caminho”

Fica bastante claro que a música número 3, “Caminho”, cuja homo-


geneidade de percepção do esquema foi compartilhada pelos ouvintes, foi
claramente estimada como tendo a menor duração, com diversas marcações
para 30 segundos, o que representa contraste significativo com a primeira
música, com muito mais marcações para durações de um minuto e acima.
Anais

CONCLUSÕES, CRÍTICAS E PROSSEGUIMENTO DA PESQUISA


Evidentemente, pode ser observada uma relação direta entre a estimativa
391
duracional da música escutada e a homogeneidade de identificação dos
esquemas predominantes, e tal fato, acredito se dê por alguns motivos que
passo a expor nos parágrafos seguintes.
Em primeiro lugar, a diferença significativa estilística das músicas pode
ter afetado a percepção dos participantes. Em verdade, a música “contenção”
apresentava textura densa, com movimentações rápidas superpostas por uma
melodia lenta no mesmo registro de altura, não se prestando a obedecer
funcionalidades da harmonia. Nesse sentido, há questionamentos que se dão
acerca de até que ponto o estilo da primeira peça se afasta da prática da maior
parte dos estudantes de graduação. Em efetivamente se comprovando um tal
afastamento, acredito que a heterogeneidade de percepção de esquemas na
primeira música possa ser creditada a uma maior dificuldade que os parti-
cipantes tiveram de categorizar esse primeiro fluxo.
Ao serem expostos ao fluxo musical pouco usual em suas experiências
quotidianas reiteradas, os participantes passam, inconscientemente e de
imediato, a realizar a categorização mental do material escutado, tentando
enquadrá-lo em um ou outro esquema disponível. Acontece que, por
terem poucas experiências reiteradas com o esquema a que seria atribuída
maior predominância, os participantes não apresentam arquétipos bem
definidos para categorizar aquele fluxo, e realizam tentativas de enquadrá-
los em outros esquemas. A variedade de descrições aponta para o fato de
que os participantes, como grupo, não concordam com a classificação dada
entre estes: enquanto vários percebem como predominante o esquema
contenção, outros apontam para equilíbrio ou caminho, em praticamente
igual quantidade.
Uma segunda possibilidade para tal discrepância pode derivar do
procedimento adotado pelo protocolo, uma vez que a música contenção
foi a primeira a ser escutada, logo após pequena e rápida explanação sobre
o questionário. Nesse sentido, os participantes ainda não tinham uma
noção mais exata do que exatamente estaria sendo pedido ou de que como
executar a tarefa, sendo tudo absolutamente novo. Ao procederem à
análise da segunda e terceira músicas, no entanto, já havia sido consolidada
a noção do que era esperado deles, sendo, assim, mais fácil caminhar pelo
mesmo item procedimental de análise e requisição de dados do programa.
Ainda, em uma terceira situação, a variação pode ser creditada a alguma
dificuldade dos participantes com termos do questionário. Nesse sentido,
observo ser fundamental uma explanação inicial sobre as qualidades e
termos ali descritos, para que não haja, em hipótese alguma, marcação
crediata a dúvida do ouvinte.
Em se tratando de experimento que acompanha pesquisa em composição
musical, é preciso tecer considerações acerca do conceito dessa pesquisa. O
conceito de pesquisa artística perpassa a produção de arte, no sentido de que
o pesquisador que estuda arte, para fazer pesquisa artística, tem de produzir
arte, sob pena de estar fazendo pesquisa sobre arte (Borgdorff, 2012). É
preciso imbricar o conhecimento profissional com o acadêmico. Por outro
lado, não há como se negar o caráter científico da pesquisa, que deve
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

obedecer a um método minimamente coerente e replicável, para ser


academicamente válido, no sentido estreito da palavra.
392 A presente pesquisa, realizada em sede de curso de mestrado em compo-
sição, pode ser efetivamente entendida como pesquisa em arte, uma vez que
decorreu desta a criação de ferramenta de experimentação, consistente no
protocolo de experimento, para aferir a hipótese levantada. Ao mesmo tempo,
há que serem feitas considerações científicas acerca do método utilizado,
sobretudo criticamente, no sentido de como se pode melhorar a realização do
experimento.
É exatamente nesse sentido que se tecem comentários acerca da abran-
gência do grupo de participantes testados, assim como de incongruências do
próprio protocolo, sobretudo e especificamente, que dizem respeito à ordem
de escuta das músicas, a prévia realização de experimento teste, à explanação
mais pormenorizada dos termos e comandos do questionário, bem como à
própria produção de peças a serem escutadas.
A continuidade da pesquisa, agora em âmbito de doutorado, possibilita
testar todas essas hipóteses levantadas acerca do procedimento experimental,
conferindo maior tempo de trabalho, bem como mais recursos técnicos ao
aperfeiçoamento da pesquisa em arte, sem deixar de lado a cientificidade
acadêmica imprescindível.

Nota
1 Tradução livre para: Your recognition of these things reflects the categories through which we
structure our thought: to recognize a book is to identify it as a member of the category book; to
recognize a tree is to identify it as a member of the category tree. Categorization occurs in all
sensory modalities and throughout the range of mental activities: we categorize smells and sounds,
thoughts and emotions, skin sensations and physical movement.

Referências
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academia. Leiden University Press: Amsterdam.
Brower, C. (2000). A cognitive theory of musical meaning. Journal of Music Theory, Vol.
44, No. 2, 323-379. Duke University Press, Yale University Department of
Music.
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and Reason. Chicago, IL: The University of Chicago Press.
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Nogueira, M. (2009). A semântica do entendimento musical. In B. Ilari & R. C. Araújo
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human experience. Cambridge, MA: MIT Press.
Zbikowski, L. M. (2002). Conceptualizing music: cognitive structure, theory, and analysis.
Oxford, NY: The Oxford University Press.
Anais

Musicoterapia no tratamento de bebês


prematuros: Revisão Bibliográfica 393
Rhainara Lima C. Ferreira, Cybelle Maria Veiga Loureiro
1 2

Programa de pós-graduação em Música, UFMG, Brasil


1

2
Departamento de pós-graduação em Música, UFMG, Brasil
1
mt.rhainara@gmail.com, 2cybelleveigaloureiro@gmail.com

Resumo
O presente trabalho pretende apresentar uma revisão bibliográfica relacionando a utilização da
Musicoterapia no tratamento e desenvolvimento de bebês nascidos antes do tempo. Esta revisão foi
realizada a fim de embasar uma pesquisa de mestrado em andamento na Universidade Federal de
Minas Gerais que, pretende validar um protocolo de avaliação de bebês prematuros frente a estímulos
sonoros. Os artigos foram rastreados em portais de busca e em uma revista específica de Musicoterapia.
Foram elegidos 20 artigos que se enquadram nos critérios de inclusão estabelecidos para a busca. Estes
artigos apresentam como resultados do uso da Musicoterapia a diminuição do tempo de internação,
melhora da sucção, diminuição do estresse, da ansiedade e melhorias em aspectos atencionais. Além
disso, os estudos apontam que a Musicoterapia pode estimular o desenvolvimento da atenção, do
aprendizado da linguagem, das funções executivas e influenciar estados fisiológicos como o sono-
vigília.
Palavras-chave: Musicoterapia, bebês prematuros, revisão bibliográfica

Abstract
The present paper intends to present a bibliographic review relating the use of Music Therapy in
the treatment and development of premature babies. This review was conducted to support an
ongoing master's research at the Federal University of Minas Gerais that aims to validate a protocol
for the evaluation of premature babies against sound stimuli. The articles were tracked in search
portals and specific Music Therapy journals. Twenty articles were selected that fit the inclusion
criteria established for the search. These articles present, as a result of the use of music therapy,
reduced length of clinical admission, improved suction, decreased stress, anxiety, and improvements
in attentional aspects. Moreover, studies indicate that music therapy can stimulate the development
of attention, language learning, executive functions, and influence physiological states such as sleep-
watch.
Keywords: Music therapy, premature babies, literature review

INTRODUÇÃO
Em todo o mundo, segundo a ONU (2018), 30 milhões de bebês
nascem prematuramente ou com baixo peso ou adoecem nos primeiros dias
de vida. Os dados também mostram que em 2017, dos 2,5 milhões de bebês
que morreram nos primeiros vinte e oito dias de vida, 65% nasceram antes
do tempo. Estes dados demonstram que a prematuridade afeta diretamente
no desenvolvimento sadio do ser humano.
É considerado um nascimento prematuro aquele que antecede o nasci-
mento normal que é da 37ª a 42ª semana de gestação (Gibson, 2015). Durante
o último trimestre de gestação, o processo de maturação interna necessário para
conseguir sobreviver ao novo ambiente está quase completo (Governo
Brasileiro, 2011; Manual MSD). Quando uma criança nasce antes do tempo,
algumas funções podem não estar completamente maduras apresentando
assim, maior vulnerabilidade para infecções, problemas respiratórios, déficits
cognitivos, atrasos na fala/linguagem e atrasos do sistema sensório-motor
(McCormick, 2017).
Depois de nascido, o neonato pré-termo ainda tem o desafio de se
adaptar ao novo ambiente que o cerca e todos os estímulos em alta intensi-
dade que UTI neonatal proporciona (Cardoso, Kozlowski, Lacerda, Mar-
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

ques, & Ribas, 2015; Marcuatú & Malveira, 2017; Rodart, 2007). Além
disso, a internação desencadeia uma quebra no contato direto da mãe com
394 o bebê, o que pode prejudicar seu desenvolvimento saudável (Saigal, 2006).
Dentre as diferentes maneiras de se intervir e amenizar o impacto da
internação e do nascimento precoce, há a Musicoterapia. Esta intervenção
une música e saúde com o objetivo de reabilitar, desenvolver e manter diver-
sos potenciais do ser humano de acordo com suas necessidades (UBAM,
2018). Dentro deste campo, pesquisas longitudinais têm sido realizadas no
Brasil para estudo dos efeitos da Musicoterapia nesta população (Loureiro &
Freitas, 2018; Pereira, Silveira, Cerqueira, & Loureiro, 2014).
O presente trabalho é parte de uma pesquisa de mestrado em andamento
na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que pretende validar um
Protocolo de Avaliação Comportamental de Bebês Prematuros Frente a
Estímulos Sonoros desenvolvido por integrantes do curso de Musicoterapia
da UFMG. O protocolo utiliza estímulos sonoros associados a estímulos
multimodais (Pereira et al., 2014). Tem-se como objetivo neste trabalho
rastrear na literatura e nos portais de busca artigos que contemplem a
utilização da Musicoterapia na neonatologia, com bebês nascidos antes da 37ª
semana de gestação. Esta revisão será parte do embasamento teórico da
pesquisa que está sendo realizada.

MÉTODO
Para levantamento de artigos que contemplassem o tema proposto,
foram utilizados como critérios de inclusão: artigos escritos em português,
inglês e/ou espanhol; que relacionassem especificamente o uso da Musico-
terapia com bebês nascidos antes da 37ª semana de gestação. Foram
excluídos estudos que: não tivessem como participantes bebês prematuros;
não apresentassem resultados; que no texto não houvesse indícios da
aplicação da Musicoterapia não ter sido feita por meio de musicoterapeuta
qualificado(a).
Para a busca dos artigos foram utilizados os portais: Portal CAPES;
MEDLINE; Scopus; SciELO; PubMed e Cochrane e Revista Brasileira de
Musicoterapia. Os descritores utilizados foram: “Musicoterapia”; “bebê
prematuro”; “music therapy”; “preterm baby”; “premature baby”.
Os estudos foram selecionados primeiramente por leitura de título,
resumo e palavras-chave. Posteriormente foi realizada leitura completa de
todos os estudos filtrados e selecionados os que realmente comtemplavam
todos os pré-requisitos estabelecidos para a revisão.
Considerou-se para esta revisão incluir artigos e reportagens em
jornais sobre o uso da Musicoterapia com bebês prematuros em unidades
neo-natais uma vez que contribuem para a base teórica desta pesquisa.
Eles estão relacionados com o uso da Musicoterapia no cuidado intensivo
de neonatos prematuros internados.

RESULTADOS
Foram identificados 560 artigos, sendo 52 selecionados de acordo com
critérios de inclusão e exclusão estabelecidos previamente. 14 artigos
duplicados foram eliminados e 19 excluídos por não se encaixarem no
Anais

contexto específico da pesquisa. Sendo assim, 20 artigos foram consi-


derados pertinentes para esta revisão, conforme mostra a tabela 1 e 2.
Mesmo sem estabelecer critérios quanto o período temporal de publi- 395
cação, todos os artigos encontrados foram publicados a partir do ano
2000. A maior incidência de publicação foi de 2010 a 2018 como exposto
na figura 1. Os artigos em língua inglesa foram predominantes (N= 19),
tendo apenas um escrito e publicado no Brasil (Brandalise, 2016). Dentre
todos os artigos, não foi encontrado nenhum relato sobre protocolos
musicoterapêuticos utilizados nesta população.

Figura 1. Incidência por ano de publicações dos artigos incluídos na revisão

Diferentes maneiras do uso da Musicoterapia foram encontradas. O uso da


Musicoterapia improvisacional/criativa, baseada na abordagem Nordoff
Robbins é citado pelo artigo de Halsbeck e Bassler (2018). O uso de um
instrumento específico, no caso a harpa, foi reportado por Schlez, Litmanovitz,
Bauer, Dolfin, Regev e Arnon (2011) que usaram a Musicoterapia aliado ao
método canguru. A combinação realizada pelo o estudo anterior também foi
empregada no estudo de Áden (2014) que utilizou o uso da voz da mãe em
canções de ninar enquanto segurava o bebê nos braços conforme propõe o
método canguru.
O uso da voz parental, seja do pai ou da mãe, foi muito observado
(Adén, 2014; Chorna, Slaughter, Wang, Stark, & Maitre, 2014; Loewy,
2015). Há uma concordância com a participação ativa dos pais na sessão
(Bieleninik, Ghetti, & Gold, 2016; Brandalise, 2016; Halsbeck & Bassler
2018; Shoemark, Hanson-Abromeit, & Stewart, 2015; Standley, 2001;)
indicando que a Musicoterapia pode ser importante no fortalecimento do
vínculo afetivo e sendo observado maior aceitação do bebê às canções
cantadas pelos pais.
Apesar de os pais não serem o público alvo do processo musicotera-
pêutico, eles foram também beneficiados segundo os autores dos artigos
(Áden, 2014; Bieleninik et al, 2016; Brandalise, 2016; Halsbeck & Bassler,
2018; Schlez et al, 2011; Shoemark et al 2015; Standley, 2001; The
Columbiam, 2016). O principal fator observado e comentado pelos os pais
foi a diminuição do estresse e da ansiedade, o que também contribuiu para
a relação parental com seus bebês.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

396
Anais

397
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Diferentes estudos (Chorna et al 2014; Standley, 2012; Standley, 2000)


trabalharam a melhora da sucção nutritiva como objetivo principal através
398 da combinação de música e chupeta Pacifier Activaded Music player
(PAM). Ambos estudos concordam que a Musicoterapia pode atuar como
reforçador da sucção não nutritiva, atuando indiretamente na nutrição so
bebê. Além destes, a revisão bibliográfica de O’Toole, Francis e Pugsley
(2017) e boa parte dos estudos ressalta o benefício da Musicoterapia na
sucção e no ganho de peso do bebê.
A mudança dos aspectos fisiológicos, como frequência cardíaca e
respiratória, estados de alerta e aspectos neurológicos é retratada por diversos
autores (Bieleninik et al, 2016; Belluck, 2013; Brandalise, 2016; Clinical
Trials Week, 2014; Loewy, 2015; Ostrowski, 2014; O’Toole et al, 2017; The
Columbiam, 2016). Apesar de muitos deles observarem a mudança da
frequência cardíaca durante as sessões de Musicoterapia, a meta-análise de
Bieleninik e colegas (2016) não conseguiu chegar a dados estatisticamente
significativos que atestem este benefício de fato. Para os autores, isto ocorreu
pela heterogeneidade dos dados fornecidos pelos artigos escolhidos para a
meta-análise, o que complicou a análise estatística conjunta.
A diminuição do tempo de internação foi analisada nos estudos de
Walworth, Standley, Robertson, Smith, Swedberg e Peyton (2012) e de
Standley e Swedberg (2010). O primeiro estudo foi realizado através de ensaio
clínico randomizado e comparou os efeitos do uso da Musicoterapia associado
a estímulo multimodal com o uso do estímulo multimodal sem música. O
segundo se trata de uma análise demográfica de pacientes prematuros neonatais
através de leitura dos prontuários, onde alguns receberam Musicoterapia e
outros não. As duas pesquisas apresentaram resultados semelhantes sobre o
tempo de internação menor em bebês que receberam Musicoterapia. Além
disso, igualmente apontaram a diferença de responsividade entre gêneros.

CONCLUSÃO
Através desta revisão pode-se perceber a notória contribuição que a
Musicoterapia pode oferecer no processo de desenvolvimento do neonato
prematuro hospitalizado. Segundo os artigos avaliados, a Musicoterapia
apresenta efeitos positivos tanto em aspectos fisiológicos, emocionais,
cognitivos e neurológicos. Além disso, os estudos ressaltam a importância da
Musicoterapia para diminuição do estresse e da ansiedade dos pais e/ou
responsáveis, fortalecendo também o vínculo parental e desenvolvendo
ambiente facilitador para bom desenvolvimento do bebê dentro do hospital.
Pode-se também observar que o número de pesquisas que relacionam a
Musicoterapia com os cuidados na unidade neonatal vem aumentando
gradativamente principalmente entre 2014-2018. Este fato demonstra que
nos últimos anos a Musicoterapia vem construindo forte embasamento
científico para propagação da prática musicoterapêutica em ambientes
hospitalares.
Apesar do número de pesquisas ter crescido nos últimos anos, o número de
estudos brasileiros encontrados é muito pequeno quando comparado aos
trabalhos com a população referida divulgados entre a classe musicotera-
pêutica. Este dado indica a necessidade de mais publicação e divulgação de
Anais

pesquisas nacionais de Musicoterapia nas unidades neonatais, fortalecendo a


classe profissional a nível nacional e internacional.
Por fim, esta revisão indica a eficácia da Musicoterapia no tratamento de 399
bebês prematuros e a influência indireta que esta pode exercer no estado
emocional de seus cuidadores. O fato de não haver estudos com propostas
de protocolos de avaliação e poucos estudos brasileiros, indica o longo
caminho que a Musicoterapia ainda terá de percorrer em pesquisas e artigos
para real expansão do uso desta prática de intervenção nas maternidades de
todo o mundo.

Agradecimento à coordenação do SIMCAM XIV pelo empenho e disponibili-


dade para auxiliar em todas as questões do evento e da publicação deste artigo.
Gratidão também aos pareceristas que dispuseram parte do tempo para ler e analisar
tantos artigos submetidos para publicação dos anais deste evento.

Referências
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both mother and baby. Acta Paediatrica, 103, 995–996.
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Anais

Tecnologias na educação musical: aplicativos e


softwares como ferramenta de auxílio na 401
aprendizagem musical
(Resumo)
Leonardo Gomes Martins (leonardo.professor.musica@gmail.com)
Universidade de Brasília (UnB)
Questão
Esta pesquisa é fruto dos primeiros diálogos com a literatura relacionada às tecnologias musicais,
dispositivos móveis, softwares, aplicativos musicais e sua utilização na educação musical. A temática
emergiu nas reflexões e provocações durante as aulas do mestrado acadêmico em andamento na
Universidade de Brasília.
Objetivos
Este estudo tem a finalidade de: I) Apresentar a listagem de publicações produzidas na literatura
brasileira com a temática proposta. II) Analisar as produções revelando objetos e enfoques do
material inventariado.
Método
A metodologia utilizada foi a pesquisa catalográfica com enfoque qualitativo, sendo realizada
buscas em bancos de dados da CAPES, BDBTD e ABEM, com recorte temporal entre 2007 e
2018. A questão que norteou essa busca foi: “O que foi estudado no campo acerca do uso de
softwares e aplicativos na educação musical?” Os descritores utilizados foram:
-“Aplicativos musicais”.
-“Softwares na educação musical”.
-“Dispositivos móveis” AND “educação musical”.
-“Tecnologias musicais”.
Principais contribuições
No Banco de teses e dissertações da CAPES e BDTD, foram encontrados oito trabalhos. Dentre
estes é importante destacar alguns dados:
1.Um trabalho trata do uso das tecnologias na educação a distância, tais como planejamento e
implementação de ambiente virtual de aprendizagem (SOUZA, 2017).
2.Dois trabalhos abordam a questão da aprendizagem da linguagem musical utilizando softwares
(ARAÚJO, 2009; SALVADORI, 2016) e um trabalho aborda a melhora da performance
utilizando aplicativos (COTA ,2016).
3.Quatro trabalhos tratam da tecnologia como ferramenta da atuação docente e discente. Rosas (2013)
elenca ferramentas digitais gratuitas que o docente pode utilizar para as suas aulas. Domenciano (2015)
aborda experiências na UFSCAR, que mostram que os alunos e docentes têm utilizado as tecnologias
móveis de forma adaptada, não explorando o seu potencial e por último, Santos Júnior (2017) buscou
investigar como é a utilização das TICs no planejamento da aula de Música.
Implicações
A pesquisa mostra que o campo é promissor aos pesquisadores na área de tecnologia aplicada à
educação musical.
Existe uma escassez de material na literatura relacionada aos dispositivos móveis, provavelmente,
isso se dá pelo fato desses dispositivos serem “novos” aos pesquisadores. Importante destacar que a
pesquisa foi realizada apenas em banco de dados em língua portuguesa.
Palavras-chave
Tecnologia musical; Softwares musicais; Aplicativos musicais.
Referências
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curso de licenciatura em Música a distância da UnB. Universidade de Brasília.
Souza, T. T. (2017). Laboratório Online de Música e Tecnologia: Planejando e Implementando um
MOOC para o Ensino de Música Online. Universidade de Brasília.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Tecnologia musical e transtorno do espectro


402 autista: possibilidades e potencialidades
na aula de música
Camila Fernandes Figueiredo,1 Valéria Lüders2 e Marlon Vidal da Silva3
1,3
Departamento de Artes, Universidade Federal do Paraná, Brasil
2
Departamento de Artes, Universidade Federal do Paraná, Brasil
1
camilapiano@gmail.com, 2valerialuders@gmail.com, 3marlon.vidal@hotmail.com.br

Resumo
A literatura aponta que os computadores podem auxiliar a pessoa com transtorno do espectro autista
(TEA) em suas dificuldades de interação social, habilitando novas formas de comunicação e
aprendizagem. Este estudo em andamento, tem como fundamentação de sua prática a teoria histórico-
cultural de Vigotski e a pedagogia da interação reflexiva de Addessi (2015). O objetivo do presente artigo
é compreender de que forma a tecnologia musical, neste caso a plataforma miror-impro, pode auxiliar o
estudante com TEA na aula de música na perspectiva de Vigotski e Addessi. Optou-se pela metodologia
qualitativa, com abordagem em estudo de caso, que segundo Creswel (2014) é uma abordagem na qual
o investigador explora um caso ou múltiplos casos ao longo do tempo, por meio da coleta de dados
detalhada em profundidade, envolvendo múltiplas fontes de informação e relata uma descrição do caso e
temas do caso. Considerando a perspectiva pedagógica, espera-se que este artigo possa auxiliar os
professores de música que atuam na área da inclusão.
Palavras-chave: tecnologia musical, autismo, aula de música

Abstract
The literature points out that computers can help people with autism spectrum disorder (ASD) in their
difficulties in social interaction, enabling new forms of communication and learning. This ongoing
study is based on Vigotski's historical-cultural theory and Addessi's pedagogy of reflexive interaction
(2015). The aim of this paper is to understand how musical technology, in this case the miror-impro
plataform, can assist the student with ASD in music class from the perspective of Vigostki and Addessi.
A qualitative methodology and a case study approach was chosen, which according to Creswel (2014),
in this approach the investigator explores one case or multiple cases over time, through detailed in-
depth data collection involving multiple sources of information and report a description of the case and
themes of the case. Considering the pedagogical perspective, it is hoped that this article can help music
teachers who work in the area of inclusion.
Keywords: musical technology, autism, music class

INTRODUÇÃO
Segundo Schwartzman (2011), o autismo é considerado um “transtorno
do desenvolvimento de causas neurobiológicas definido de acordo com
critérios eminentemente clínicos” (p. 37). São três as principais áreas compro-
metidas, formando a tríade autística: prejuízo na interação social, prejuízo na
comunicação verbal e não–verbal e a presença de padrões de comportamento,
interesses ou atividades restritas, repetitivos e estereotipados. De acordo com
Araújo (2011), “indivíduos com TEA seguem trajetos de desenvolvimento
com aspectos comuns em sua atipia, mas também com aspectos bastante
singulares, próprios de cada experiência de vida (p.173)”. Portanto, é possível
traçar alguns aspectos gerais de como podem se comportar estes alunos dentro
da sala de aula, embora deva-se ter a clareza de que cada aluno terá as suas
especificidades, próprias de cada experiência de vida. Neste sentido, o
professor mediador, deve estar atento a cada singularidade de cada aluno, mas
ao mesmo tempo, preparar sua aula para o coletivo, ou seja, promover a
inclusão.
Anais

Na aula de música, o professor mediador deve estar atento as carac-


terísticas que podem ou não estar presentes nos alunos com TEA, que são:
a) disfunção na comunicação social (contato visual ausente ou diferenciado, 403
prejuízo na atenção compartilhada e reciprocidade social), b) disfunção na
linguagem (pode variar da ausência total da fala e atrasos de linguagem,
comunicação não verbal pode estar comprometida, ecolalia) e c) disfunção
na interação social (falta de regulação comportamental, estereotipias e
interação social prejudicada). As características acima podem estar presentes
em vários graus nos alunos com TEA.
A tecnologia está presente em quase tudo no cotidiano do homem
moderno. Celulares, tablets, internet e computadores revolucionaram as
formas com que o indivíduo se relaciona com o outro, como ele se entre-
tém, como aprende e como ensina. Os avanços na tecnologia também estão
relacionados ao aperfeiçoamento do diagnóstico e das intervenções com
indivíduos com TEA.
De acordo com Solomon (2011) existem dois domínios da tecnologia e
inovação direcionados as necessidades das famílias e dos indivíduos com
TEA. O primeiro domínio está relacionado ao uso da tecnologia para facilitar
a avaliação e o diagnóstico no indivíduo com TEA. O segundo domínio, o
qual tem se mostrado promissor é como apoio da comunicação, participação
e aprendizagem de crianças com TEA. Para Solomon (2011), o encontro da
tecnologia, infância e autismo apresentam desafios e oportunidades. Segundo
a autora, o desafio encontra-se em romantizar a tecnologia como uma
mágica que vai aliviar e curar o autismo, consequentemente, transformará a
vida destas crianças e suas respectivas famílias. Do outro lado, o perigo está
em não utilizar esta ferramenta poderosa e transformativa, especialmente na
sociedade atual onde a tecnologia permeia nossos cotidianos (p.10). A
solução, segundo Solomon, é prestar atenção em como a tecnologia, infância
e autismo se relacionam. Neste sentido, "a tecnologia ajuda a realizar as
potencialidades da criança com TEA como seres humanos com ricas subje-
tividades, intenções comunicativas e habilidades e seus mundos internos:
literalmente ajuda a construir um mundo diferente daquele que a crianças
estava habituada até a tecnologia ser introduzida em sua vida (Solomon,
2011, p. 13).
Em sua tese de doutorado, Passerino (2005) concluiu que o uso de
ambientes digitais de aprendizagem (ADA) como instrumentos de mediação
mostrou-se importante e indispensável para o desenvolvimento cognitivo e
social de pessoas com autismo. Segundo a autora, a interação homem-
máquina permite que o indivíduo controle o nível de complexidade de forma
que a mediadora possa ajustar o uso desse ambiente à Zona de Desenvol-
vimento Proximal de cada sujeito. Portanto, "o uso do computador e em
especial de ambientes digitais de aprendizagem acompanhado de estratégias
de mediação adequadas e adaptadas aos sujeitos mostraram-se relevantes e
importantes no desenvolvimento e na promoção da interação social de
sujeito com autismo levando em consideração o grau de autismo e as próprias
características pessoais dos sujeitos.” (Passerino, 2005, p.303). O computador
pode ser o primeiro passo no desenvolvimento de modelos mentais mais
complexos em indivíduos com autismo tornando-se signo de mediação na
aprendizagem destes modelos.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Segundo Wainer e Ingersoll (2011), o uso da tecnologia contribui com


o desenvolvimento de habilidades em um ambiente previsível, controlado
404 e também permite que o indivíduo seja ativo no processo e trabalhe no
seu tempo. A música associada à tecnologia pode auxiliar o estudante com
TEA em seu desenvolvimento.

Tecnologia musical: a plataforma miror-impro


A plataforma Miror-Impro é um Sistema Musical Interativo Reflexivo
(SMIR). O primeiro SMIR, chamado Continuator, foi desenvolvido por
François Pachet (2003) no Laboratório Sony de Paris- Computer Science.
O Continuator é um sistema interativo que o usuário pode interagir com
uma cópia virtual se si próprio, o sistema produz uma resposta no mesmo
estilo que o usuário tocou anteriormente (Pachet, 2003).
A plataforma Miror- Impro é um dispositivo tecnológico desenvolvido
para a promoção da criatividade musical e motora em crianças. Foi criado
no âmbito do projeto europeu MIROR- Musical Interaction Relying on
Reflexion. O objetivo deste projeto foi criar e desenvolver uma plataforma
para a aprendizagem e ensino musical e motor de crianças, baseado no
paradigma da interação reflexiva (Addessi, 2015). Ao fim do projeto
MIROR foram desenvolvidas três aplicações: Miror-Impro, dedicado à
improvisação, Miror-Compo, dedicado à composição e Miror-Body
Gesture, dedicado à criatividade motora e musical.
A plataforma Miror-Impro funciona da seguinte forma: um computador é
ligado a um teclado MIDI (ver figura 1), e quando o usuário toca algo no
teclado, o software cria e toca logo em seguida como uma resposta
"reflexiva" baseada naquilo que foi tocado pelo usuário (Addessi, 2015). O
teclado produzirá um "espelho sonoro" do estilo musical de quem está
tocando. De acordo com Addessi (2015) a característica principal da inte-
ração reflexiva é o mecanismo de repetição e variação, centrado no sujeito,
desenvolvendo autonomia, motivação intrínseca, tempos prolongados de
atenção, jogo colaborativo e modelos particulares de aprendizagem como
autoaprendizagem auto regulação e auto iniciativa (Addessi, 2015, p. 48).

Figura 1. Sala de aula organizada a fim de utilizar a plataforma miror-impro. Fonte: dados da
pesquisadora (2019)
Anais

A figura 2 apresenta o layout de uma sessão na plataforma. O input do


usuário, isto é, aquilo que ele tocou encontra-se na parte inferior à
esquerda. O output do sistema, mais especificamente a resposta do sistema, 405
está representado na parte inferior à direita.

Figura 2. Layout de uma sessão na plataforma miror-impro. Fonte: dados da pesquisadora


(2018)

Alguns estudos já foram realizados sobre a utilização da Plataforma


Miror-Impro em diversas perspectivas. Na área da improvisação musical,
os resultados demonstraram que a relação criança-máquina é efetiva em
desenvolver habilidades criativas e improvisacionais (Addessi, Anelli,
Benghi, & Friberg, 2017). Foi possível observar que a interação reflexiva
com estes sistemas estimula nas crianças profundas experiências de
diálogo e de comunicação que são a base das suas experiências criativas e
expressivas. Ferrari e Addessi (2014) descreveram experiências utilizando
o Continuator (SMIR) com crianças de 3-5 anos. Os resultados mostraram
interessantes interações entre as crianças e o sistema, assim como a
promoção de bem estar no grupo. Araújo (2015) descreveu atividades
com a plataforma para o desenvolvimento do comportamento criativo em
crianças entre 6-10 anos.

Teoria Histórico-Cultural e Pedagogia da Interação Reflexiva


Vigotski escreveu os primeiros esboços da teoria histórico-cultural no
ano de 1928. Nesta perspectiva a aprendizagem é um processo ativo, em
que professor e aluno se transformam, é mediada pelo outro em um
processo de interação social. O estudante deverá atribuir sentido e construir
significados ao novo conteúdo. Não trata-se de uma cópia, mas uma
reconstrução interna de uma operação externa, denominada por Vigotski,
internalização (2009). Aprender significa mudança, isto é, modificar esque-
mas anteriores e transformá-los em novos esquemas.
Outro fator importante nesta teoria é o conceito de mediação. A relação
do homem com o mundo é mediada por instrumentos físicos (caneta,
papel, computador) e instrumentos psicológicos (linguagem como sistema
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

de signos), desenvolvidos ao longo da humanidade. Para Vigotski, a fala é o


sistema de mediação mais frequente do homem com o mundo. É por meio
406 da mediação que a criança construirá seu repertório de significados e
sentidos. A mediação também é realizada pelos professores e colegas de
classe mais experientes. Assim sendo, o desenvolvimento cognitivo da
criança é sempre mediado pelo outro que dá significado à realidade.
Nesta perspectiva, o desenvolvimento e aprendizagem da criança são
processos altamente complexos. Foi com este olhar que Vigotski desenvolveu
o conceito de zona de desenvolvimento proximal, conceito relevante para a
área da educação especial. A zona de desenvolvimento proximal é a diferença
entre a zona de desenvolvimento atual (o que a criança já sabe, refere-se ao
tempo presente) da zona de desenvolvimento potencial (o que a criança sabe
com a ajuda de alguém mais experiente, refere-se ao tempo futuro). A criança
não deve ser avaliada por somente aquilo que ela já sabe, mas também por
aquilo que ela pode vir-a-saber.
A elaboração do paradigma da interação reflexiva teve seu início nas
observações de crianças e adultos interagindo com os SMIRs (Addessi, 2014).
Addessi emprega uma perspectiva sistemático-musicológico para construir o
paradigma. Nesta perspectiva, a autora inicia sua fundamentação afirmando
que conceitos de "espelho" e "espelho sonoro" caracterizam a cultura oci-
dental há muito tempo (Addessi, 2014, Addessi & Bonfiglioli, 2017). A
principal característica da interação reflexiva é o mecanismo de repetição e
variação, presentes na musicalidade humana e importantes para o desenvol-
vimento da musicalidade infantil. A autora também relaciona este mecanismo
com a teoria dos neurônios espelho, a qual afirma que particulares tipos de
neurônios são ativados durante a execução ou observação das ações. A
cognição musical incorporada fundamenta também a relação entre interação
reflexiva e a percepção do corpo (Addessi, 2014). Nesta perspectiva os neurô-
nios seriam amodais, o que explicaria a interação da criança com a plataforma
miror-impro que, inicialmente, acontece através do canal auditivo, mas
estimula um mecanismo de ressonância em áreas motoras (Addessi &
Bonfiglioli, 2017).
De acordo com Addessi (2015), os elementos fundamentais da
interação reflexiva são: a interação baseada nas alternâncias de turnos, a
resposta do sistema dura o mesmo da última frase tocada pela criança, a
atenção da criança aumenta quando percebe que o sistema imitou sua
frase, o diálogo é coconstruído da criança junto com o sistema, a coregu-
lação é baseada na repetição e variação, criança e maquina podem imitar
um ao outro e a criança reconhece de ser imitada (p.45).
A repetição na interação reflexiva é gerada respeitando o estilo do
outro produzindo diálogos musicais interessantes em tempo real (Addessi,
2014). A autora destaca que a interação na plataforma miror-impro é
caracterizada pela interação criança- máquina, tópico já examinado por
outras áreas, mas ainda faltam estudos sobre o paradigma da interação
reflexiva neste tipo de interação. Segundo Addessi (2014) a criação de um
diálogo "natural" com a criança é o ponto mais interessante desta inte-
ração, o qual é propiciado pelo mecanismo da variação que atrai a criança
e estimula a sua continuação.
Anais

As experiências nas quais as crianças interajam com os SMIRs estão


fundamentadas também em estudos da área da imitação e musicalidade
infantil: "os processos de imitação, reconhecimento da imitação, autoimi- 407
tação, repetição e variação, de fato, são desenvolvidos nos primeiros meses
de vida e estruturam o Eu da criança e sua interação com o ambiente
circundante" (Addessi & Bonfiglioli, 2017, p. 181).

Possibilidades e potencialidades na aula de música: considerações


finais
Cada vez mais cedo as crianças começam a interagir com a tecnologia
por meio de celulares, tablets, formando seu cotidiano musical. Conse-
quentemente, estão cada vez mais sendo incluídos na sala de aula. Os
estudantes já possuem um conhecimento espontâneo do seu uso facilitando
a inclusão nas aulas.
Ferrari e Addessi (2016) elencam as potencialidades inclusivas dos
sistemas interativos reflexivos: prioridade dada à criança, prioridade dada
ao estilo da criança, paradigma da interação reflexiva como formação do
eu, interação e feedback sonoro, interação entre gesto e som e tocar junto,
aprendizagem colaborativa e auto-organização de grupo.
A utilização da plataforma miror-impro nas aulas de música com
estudantes com TEA poderá favorecer uma participação ativa, além de
uma aprendizagem autônoma por parte do aluno. A plataforma pode ser
utilizada de forma individual, em duplas ou em grupos (figura 3).
Podem ser realizadas atividades livres como a improvisação ou atividades
guiadas. Nijs e Leman (2015, p.122) afirmam que a intervenção de um
professor em uma abordagem de atividades guiadas proporciona um melho-
ramento nos processos de aprendizagem em crianças e aumento a motivação
intrínseca e a capacidade de atenção. Nesta perspectiva o professor mediador
deve planejar atividades adequadas que propiciem o desenvolvimento de
habilidades musicais, mas também nos domínios sociais e afetivo.
A vivência tecnológica dos estudantes poderá contribuir com um
resultado satisfatório, já que a maior parte dos estudantes utilizam o compu-
tador e o celular em seu cotidiano. Considerando a perspectiva pedagógica,
espera-se que este resultado possa auxiliar os professores de música que
atuam na área da inclusão. Com uma melhor compreensão da tecnologia
musical e do autismo, o professor poderá fornecer condições favoráveis a
aprendizagem musical, respeitando cada indivíduo em suas características,
seu tempo de aprendizado, seu gosto musical, seu potencial musical, seu
contexto cultural, ressaltando assim a contribuição da Educação Musical
para o desenvolvimento integral do ser humano, no que se refere à sensi-
bilização para a formação musical.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

408

Figura 3. Plataforma miror-impro versão individual e em duplas. Fonte: dados da


pesquisadora (2018)

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Desenvolvimento da criatividade musical:


410 propostas didáticas e concepções de alunos de
licenciatura em música
Aline Paula dos Santos1 e Rosane Cardoso de Araújo2
1,2
Departamento de Artes, Universidade Federal do Paraná, Brasil
1
alipaula.st@gmail.com, 2rosane_caraujo@yahoo.com.br

Resumo
Nesta pesquisa foi abordado o desenvolvimento da criatividade musical, considerando, conforme aponta
Barret (2000), que a criatividade musical não é território apenas dos prodigiosamente dotados e não é
evidenciada unicamente nos processos generativos de composição e improvisação, mas sim numa
variedade de processos musicais. O objetivo deste estudo foi investigar as possibilidades de desenvol-
vimento da criatividade musical, sob a perspectiva dos licenciandos em música. Para a realização desta
pesquisa foi utilizado como método o estudo de levantamento (ou survey). O instrumento de coleta de
dados foi um questionário com questões fechadas, de múltipla escolha, dependentes e abertas, aplicado
para 20 alunos de licenciatura em música que frequentavam diferentes períodos. Os resultados indicaram
que 95% dos estudantes acreditavam ser possível desenvolver a criatividade do aluno de música; no geral,
a improvisação e a composição foram bastante citadas, no entanto, muitas das respostas partiram de uma
perspectiva mais ampla, explorando questões sobre o uso da criatividade como forma de proporcionar
maior envolvimento do aluno com a música, gerando emoção e motivação. Ao serem questionados
sobre atividades que poderiam desenvolver a criatividade os participantes trouxeram atividades rítmicas,
desenhos melódicos, jogos da memória, mapas sonoros, entre outros. Pôde-se observar, dos partici-
pantes, uma concepção clara à respeito da criatividade musical, indo ao encontro de outros estudos de
diversos estudiosos como Sternberg (2008), Barret (2000), Burnard (2013), entre outros. Os licenciandos
se mostraram atentos ao uso da criatividade nas aulas de música e ao potencial do professor para motivar
e propiciar atividades criativas.
Palavras-chave: Criatividade, Criatividade Musical, Educação Musical.
Abstract
This research addressed the development of musical creativity, considering, as Barret (2000) points out,
that musical creativity is not only a territory of prodigiously gifted people and is not only evidenced in
the generative processes of composition and improvisation but a variety of musical processes. This study
aimed to investigate the possibilities of developing musical creativity from the perspective of
undergraduates in music, for this research was used as a method the survey study. The data collection
instrument was a questionnaire with closed, multiple-choice, dependent, and open questions, applied to
20 undergraduate music students who attended different periods. The results indicated that 95% of the
students believed it was possible to develop the student creativity of music. In general, improvisation and
composition were widely cited, however, many of the responses came from a broader perspective,
exploring questions about the use of creativity as a way of providing greater student engagement with
music, generating emotion and motivation. When asked about activities that could develop creativity,
participants brought rhythmic activities, melodic drawings, memory games, sound maps, among
others. The participants could observe a clear conception of musical creativity, meeting other studies by
various scholars such as Sternberg (2008), Barret (2000), Burnard (2013), among others. Graduates were
attentive to the use of creativity in music lessons and the teacher's potential to motivate and provide
creative activities.
Keywords: Creativity, Musical Creativity, Music Education.

INTRODUÇÃO
Na literatura há inúmeras definições para a criatividade, mas, segundo
Sternberg (2008) muitos investigadores a definem como o processo de
produzir algo original e de valor. Há muitos investigadores que consideram
os diversos níveis da criatividade como, por exemplo, Gardner (apud
Barrett, 2000) que define a Criatividade (com ‘C’ maiúsculo) e a criati-
vidade (com ‘c’ minúsculo), a primeira caracterizada nos trabalhos dos
grandes nomes da história e a segunda que pode ser evidenciada na forma
inovadora que o indivíduo trata a atividade do dia a dia. A partir desta
perspectiva, Barret (2000) afirma que a criatividade musical não é território
Anais

apenas dos prodigiosamente dotados e não é evidenciada unicamente nos


processos generativos de composição e improvisação, mas sim numa
variedade de processos musicais. 411
Portanto, muito se fala em criatividade, seus processos, suas características e
sua importância, mas como desenvolvê-la no contexto da educação musical?
Segundo Gardner (apud Barrett, 2000) há algumas maneiras para promover a
criatividade: Trabalhar firmemente para se melhorar as competências no
domínio; A presença de modelos; Lidar de forma produtiva com o insucesso
e a desilusão; conhecer outros com talentos e interesses similares (travar
conhecimento com o domínio e o campo). Neste sentido o foco deste estudo
foi centrado nas perspectivas de licenciandos em música sobre as possibilidades
do desenvolvimento da criatividade musical. O objetivo geral foi investigar as
possibilidades de desenvolvimento da criatividade musical, sob a perspectiva
dos licenciandos em música.

CRIATIVIDADE E MÚSICA
Segundo Barret (2000) os escritores não entraram em um consenso
quanto à definição da criatividade, pois tudo depende da perspectiva do
investigador que pode abordar o tema com um enfoque Psicométrico,
Cognitivo, de Personalidade e Motivação, Histórico/Social, entre outros
(Sternberg, 2008). Em contrapartida, segundo Feist (apud Sternberg, 2008),
há características recorrentes entre indivíduos considerados criativos, por
exemplo, eles tendem a ser mais abertos à novas experiências, são auto-
confiantes, impulsivos, ambiciosos, motivados, dominantes, menos conven-
cionais, entre outros. De acordo com Weisberg (apud Sternberg, 2008) o que
torna a pessoa criativa é sua especialização e seu compromisso com o
empreendimento criativo, desta forma, a partir de sua especialização o
indivíduo criativo explora e cria abordagens e produtos inovadores. Segundo
esta visão, a criatividade em si não é especial pois os processos da mesma são
usados por todas as pessoas, todos os dias, na resolução de problemas, o que
difere é o conteúdo excepcional em que os processos operam. Este conteúdo
excepcional é de grande importância para a sociedade como um todo, pois,
de acordo com Bahia e Nogueira (2005), a produção de novas ideias é de
suma importância para que ocorra o desenvolvimento da sociedade, pois
restringir-se apenas à reprodução do que já foi criado resultaria em inércia,
“novas soluções para grandes problemas como a pobreza ou o aumento
demográfico não aparecem por magia” (Bahia & Nogueira, 2005, p. 334).
Neste sentido, a criatividade é indissociável do contexto onde surge. Assim,
Csikszentmihalyi (1996), desenvolveu a teoria do fluxo da criatividade, na
qual o autor chegou à conclusão de que as pessoas mais criativas sentem prazer
ao enfrentar certas dificuldades na atividade, o que as motiva e conduz à novas
ideias. Para o autor, a procura da novidade e do desafio é fundamental para a
evolução e progresso da cultura. Nesta teoria, Csikszentmihalyi (1996)
determina os vários passos do fluxo da criatividade, os quais incluem o sentido
distorcido do tempo (perda da noção do tempo) e a realização da atividade em
algo prazeroso em si mesmo, com um fim em si mesmo e não por alguma
recompensa, ou obrigação.
Já na área da música a criatividade geralmente é associada à composição e
à improvisação, no entanto, segundo Barret (2000) há muitas outras
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

atividades que igualmente desenvolvem a criatividade. Numa perspectiva


não sistemática da criatividade, considera-se os diversos níveis da mesma, pois
412 de acordo com autores como Gardner e Boden (apud Barrett, 2000) há a
criatividade na qual ocorre uma revolução em algum domínio, que quebra
com os padrões e promove o avanço na área, e nesta se destacam grandes
nomes como Mozart, Beethoven ou Albert Einstein, no entanto, há também
a criatividade em que não há revolução para um domínio, mas para a mente
do indivíduo, para as capacidades do indivíduo aquela ação foi inovadora,
original e extremamente importante para a aprendizagem. Nesta segunda
visão da criatividade se desdobram muitos outros níveis que variam conforme
a atividade a ser executada, e na música, o leque de atividades é imenso:
execução de um instrumento; construção de um repertório; direção musical;
realização de arranjos entre outros.
No entanto, segundo Bahia e Nogueira (2005), estudar e entender o
conceito e o processo só faz sentido se auxiliar na intervenção, neste caso,
na intervenção educativa, ou seja, como utilizar toda a informação que se
tem para desenvolver a criatividade dos alunos em uma sala de aula? De
acordo com as autoras, a “valorização da autonomia, do pensamento e do
julgamento independente” deve ser a proposta educativa que permite o
desenvolvimento da criatividade (Bahia & Nogueira, 2005, p. 359).
É importante ressaltar que o professor deve ser igualmente criativo para
montar suas aulas, de modo que consiga encontrar o equilíbrio entre a
mudança e tradição, entre a liberdade e a disciplina, entre a capacidade de
aquisição e liberdade de imaginação; que consiga encontrar um ambiente
em que o fator tempo tenha pouca importância, onde não exista o medo
de falhar, ou seja, que o erro seja muito bem vindo, e assim construir um
contexto propício ao desenvolvimento da criatividade (Barrett, 2000). De
acordo com Gardner (apud Barrett, 2000) algumas outras condutas podem
ser cruciais neste processo, como trabalhar para melhorar as capacidades
dentro do domínio e apresentar modelos, outras pessoas com capacidades
e interesses similares. Desta forma, a criatividade deve ser avaliada dentro
do contexto em que se encontra e por especialistas na área, neste caso, na
Educação Musical e pelos professores, que são os especialistas da vez.

MÉTODO E RESULTADOS
Para a realização desta pesquisa foi utilizado como método o estudo de
levantamento (ou survey). Foi elaborado um questionário com questões
fechadas, de múltipla escolha, dependentes e abertas. O questionário foi
testado em um estudo piloto para análise da confiabilidade e coerência
interna das questões. Após o estudo piloto o questionário foi aplicado para
os alunos de licenciatura em música que frequentam diferentes períodos.
Por fim, os dados foram quantificados por meio do programa Excel e
também por meio de uma análise léxica para organização de categorias de
respostas sobre criatividade musical.
Participaram deste estudo 20 estudantes com faixa etária entre 18 e 25
anos de idade, que cursavam diferentes períodos do curso de Música
(licenciatura). Apenas 15% dos participantes não tinham experiência com
docência, já os outros 85% já tinham trabalhado nas diversas modalidades
de ensino: 9 deles responderam ter atuado no ensino de música na rede
Anais

básica (escola regular), 8 já trabalharam com musicalização infantil, 4 já


atuaram na musicalização de jovens e adultos, 13 no ensino individual de
instrumento/canto, 7 no ensino coletivo de instrumento/canto, 6 no 413
ensino de disciplinas teóricas de música e 8 deles já trabalharam com
direção musical (ver gráfico 1).

Gráfico 1. Modalidades de ensino

Desta forma, a maioria dos participantes possuíam experiência com


algum tipo de trabalho pedagógico musical, o que serviu de base para
responder o questionário. Na primeira questão acerca a criatividade “Você
acha possível desenvolver a criatividade do aluno de música?”, o resultado
foi quase unânime, apenas 1 pessoa respondeu “não sei”, portanto 95% dos
participantes acreditavam que sim, é possível desenvolver a criatividade do
aluno de música, indo ao encontro do que foi apontado por Barret (2000),
que aponta várias instruções para que professores de música estimulem a
criatividade de seus alunos.
A segunda questão “Qual a importância do desenvolvimento da
criatividade para a aprendizagem musical?” trouxe resultados diversificados.
Os termos “improvisação” e “composição” apareceram em 25% das respostas.
A associação entre a criatividade na música e os processos de composição e
improvisação é bastante comum, contudo, de acordo com a autora Barrett
(2000), a criatividade na música não se limita a apenas estes processos. Já nesta
visão mais ampla do tema, muitas respostas exploraram outras questões (Ver
Tabela 1. ‘Importância na aprendizagem’).
Observa-se a relação destas respostas com a teoria do fluxo de
Csikszentmihalyi (1996), pois o indivíduo criativo sente prazer ao enfrentar
desafios em determinada área, isto gera a motivação intrínseca e conse-
quentemente a atividade torna-se autotélica, ou seja, ela tem um fim em si
mesma.
Algumas respostas destacaram a importância da criatividade para a
independência do aluno na aprendizagem e para a criação de uma iden-
tidade musical própria. De acordo com Bahia e Nogueira (2005) este é
justamente um provável caminho para o desenvolvimento da criatividade, o
incentivo à autonomia e à independência, não necessariamente relacionada
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Tabela 1. Importância na aprendizagem

414 “Quando o indivíduo tem a oportunidade de criar, à partir de suas próprias


capacidades e competências, está desempenhando um papel fundamental no
apren-dizado musical, ao participar ativamente do processo em questão. A música,
enquanto arte, trata de processos criativos. No momento em que o aluno está
pondo em prática os conhecimentos que obteve, cria uma forte relação com o
conteúdo, pois apropria-se do mesmo.”

“Na minha concepção música é, essencialmente, criar. Logo, a criatividade é


fundamental. Além disso, quando algo é feito de forma criativa o envolvimento
com este algo é muito maior. Cria-se um laço e um significado muito forte com a
atividade em questão. Consequentemente resulta em envolvimento e dedicação
mais acentuados, potencializando a aprendizagem.”

“O aluno se sente mais próximo à música aplicando na prática tudo que


aprendeu até então. Nota-se um avanço singular deste aluno na compreensão dos
métodos e no aprendizado de seu instrumento devido, sobretudo, à motivação
que o desenvol-vimento da criatividade lhe proporciona.”

com a criação de novos métodos de aprendizagem, mas a independência de


pensamento e julgamento, assim o aluno torna-se capaz de pensar por si
mesmo, de criar argumentos que corroborem suas ideias, e de até mesmo
criar estratégias mentais que facilitem a assimilação do conteúdo, além de
inovar, criar novas associações e interpretações entre os conhecimentos.
Outros estudiosos como Amabile, Guilford, Kemp e Feist (apud Barret,
2000) também destacam a independência, a autonomia, o pensamento
divergente como traços comuns entre pessoas consideradas criativas.
Outras respostas ainda enfatizaram sua importância na expressão musical
e na inovação artística Segundo Bahia e Nogueira (2005) se houver apenas
a reprodução do que já foi criado, não se tem avanço, além de que uma das
definições do processo criativo, de acordo com Ghiselin (apud, Barret,
2000), é um processo no qual há desenvolvimento e evolução. Afirma-se
assim a importância do desenvolvimento da criatividade, pois é o que move
qualquer domínio.

Atividades para o desenvolvimento da criatividade.


Partindo para o desenvolvimento da criatividade na prática, foram
realizadas duas questões: A primeira questão foi “Você já aplicou alguma
atividade que percebeu ter estimulado a criatividade de seu aluno? Se sim,
especifique como foi a atividade.” Apenas 5 dos participantes não tinham
esta experiência, os outros 15 responderam que sim e especificaram diversas
atividades, destacando: o trabalho com a expressão musical, a construção de
instrumentos musicais, a composição, a improvisação, a criação de letra
para uma música, o trabalho com o ritmo das palavras, e até mesmo a
criação de trilha sonora de cenas selecionadas. A criatividade, possivelmente
desenvolvida a partir destas atividades propostas, pode não ter resultado em
uma ‘revolução no domínio’, no entanto, certamente gerou ideias criativas,
que são inovadoras para a mente do indivíduo, pois autores como Gardner
e Boden (apud Barret, 2000) admitem diversos níveis da criatividade.
Anais

A última questão do questionário foi “CRIE um exemplo de atividade


que você acredita que poderia instigar a criatividade musical do(s)
aluno(s) e especifique para quem e para qual idade poderia ser aplicada:”. 415
As atividades propostas foram de grande variedade, sempre estimulando a
criação de alguma forma, seguindo o que prevê Barret (2000), ao indicar
que a criatividade pode estar presente nas mais diversas atividade musicais.
Assim, algumas atividades partiram de um repertório já estudado pelos
alunos, explorando diferentes aspectos das peças em questão; outras
atividades exploraram grafias alternativas de música, a relação entre
música e movimento, criação de jingles, de músicas para estórias, de
letras; Ainda houveram atividades com ritmo, jogo da memória,
composição e improvisação. As especificações de idades para as quais estas
atividades seriam indicadas foram igualmente variadas, desde crianças até
adultos, abrangendo desde aulas individuais de instrumento, até aulas de
musicalização.

CONCLUSÃO
A partir dos dados analisados foi possível observar que 95% dos estudantes
acreditavam ser possível desenvolver a criatividade do aluno de música,
seguindo em direção às indicações de Barret (2000) e Bahia e Nogueira
(2005). No geral, a improvisação e a composição foram bastante citadas,
como forma de desenvolver a criatividade, no entanto, muitas das respostas
partiram de uma perspectiva mais ampla, explorando questões sobre o uso da
criatividade como forma de proporcionar maior envolvimento do aluno
com a música, gerando emoção e motivação. Ao serem questionados sobre
atividades que poderiam desenvolver a criatividade os participantes relataram
inúmeras atividades aplicadas por eles que possivelmente desenvolveu a
criatividade de seus alunos e ainda mostraram interesse e capacidade em criar
atividades com foco no processo criativo, para diferentes idades e contextos.
Isso demonstra que estão atentos ao processo criativo das crianças e às suas
responsabilidades enquanto docentes, acerca do desenvolvimento do processo
criativo em aulas de música.

Referências
Bahia, S. & Nogueira, S. I. (2005). Entre a teoria e a prática da criatividade. In G.
Miranda & S. Bahia (Eds.), Psicologia da Educação: Temas de Desenvolvimento,
Aprendizagem e Ensino. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 333-362.
Barrett, M. (2000). O Conto de um Elefante: Explorando o Quê, o Quando, o Onde, o
Como, e o Porquê da criatividade. Música, psicologia e educação, N°2, 31-46. Porto:
CIPEM.
Csikszentmihalyi, M. (1996). Creativity: Flow and the Psychology of Discovery and
Invention. New York: Harper Collins.
Sternberg, R. (2008). Psicologia Cognitiva (4a ed.). Porto Alegre: Artmed.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

MAIO 31 | May 31
416
SESSÃO L12
Comunicações Orais | Oral Presentations
SALA 1, 14h
Coordenador da sessão | Session Chair: Marcos Nogueira

14:00
O ensino instrumental e a performance:
aspectos para a aquisição de habilidades musicais
Maria Isabel Veiga

14:30
Indeterminação musical e gesto:
Processos criativos na construção da performance
Tatiana Dumas Macedo

15:00
Estudo n. 1 para violão de Camargo Guarnieri: soluções de um
compositor não violonista para os limites polifônicos impostos
pelo instrumento
Marcelo Fernandes Pereira
Anais

O ensino instrumental e a performance:


aspectos para a aquisição de habilidades musicais 417
(Resumo)
Maria Isabel Veiga (mariaisabel_veiga2006@hotmail.com)
Universidade Federal do Pará (UFPA)

Problema/questão
A pesquisa tem como base as etapas de performance de acordo com os Elementos da Performance
Musical – EPM apresentados por Sonia Ray (2005), onde divide o estudo da performance em seis
etapas: 1) Conhecimento do conteúdo; 2) Aspectos técnicos; 3) Aspectos Anato-Fisiológicos; 4)
Aspectos Psicológicos; 5) Aspectos Neurológicos; 6) Musicalidade e Expressividade.
A pesquisa é norteada pela seguinte pergunta: De que forma podemos preparar o estudante de
música para uma boa performance no palco?
Objetivos
Este trabalho propõe como objetivo geral investigar, segundo Swanwick (2014), Sloboda (2008)
e Sonia Ray (2005), como os estudantes de instrumento podem ser preparados para alcançarem um
nı́vel satisfatório na performance.
A partir deste objetivo geral, pretende-se descrever, baseados em registros bibliográficos, o
trabalho realizado para o desenvolvimento de um instrumentista para a performance e identificar
meios que adotem habilidades que trabalhem o controle corpo e mente.
Método
Foi utilizada a técnica de levantamento de dados aplicados em questionários com estudantes e
professores do Conservatório Carlos Gomes em Belém do Pará nos cursos técnico/bacharelado.
Nos dados dos alunos 16 responderam o questionário com 16 perguntas, sendo 9 com
justificativas. Nos dados dos professores, 14 responderam o questionário com 9 perguntas sendo 7
perguntas justificadas.
Resultados
A pesquisa pôde contemplar os objetivos propostos e se estendeu com outras considerações, como
instigar a reflexão da importância do planejamento no estudo como o auto ensino e de forma
consciente. Em relação aos alunos, foi possı́vel observar dois momentos importantes, antes e depois
da aplicação. Refletindo em mudanças de qualidade de estudo, é possı́vel observar na oitava
questão sobre as formas de preparação antes da apresentação 22% responderam que importa o
estudo, a concentração e o relaxamento dialogando com os aspectos neurológicos de Ray trazendo
o equilı́brio emocional para a construção. Com os professores pôde constatar o uso da metodologia
tradicional a técnicas avançadas, conscientes ou não, que objetivam a qualidade de estudo e
controle emocional no palco. Na sexta questão, perguntados se faziam algum exercı́cio especı́fico
para a pré-apresentação 43% acreditam que o ensaio é o recurso mais utilizado, porém há uma
crescente com 29% dando prioridade nos exercı́cios de alongamento e respiração, elementos dos
aspectos músculos-esqueléticos.
Conclusões
A pesquisa trouxe a reflexão das práticas instrumentais visando o fazer artı́stico e o bem estar.
Permitiu refletir sobre a formação do professor, influência e transmissão e a qualidade de estudo
consciente dos alunos visando a performance.
Palavras-chave
Performance, Habilidades musicais, Ensino Instrumental
Referências
Ray, S. (2005). Os conceitos de EPM, potencial e interferência inseridos numa proposta de
mapeamento de estudos sobre performance musical. In: Ray (org.). Performance musical e
suas interfaces. Goiânia: Editora Vieira, p.39-64.
Sloboda, John. (2008). A mente musical: a psicologia cognitiva da música. (Tradução Beatriz Ilari e
Rodolfo Ilari). Londrina: EDUEL.
Swanwick, Keith. (2014). Música, mente e educação. (Tradução Marcell Silva Steuernagel). 1a
edição. Belo Horizonte. Autentica Editora.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Indeterminação musical e gesto: processos


418 criativos na construção da performance
Tatiana Dumas Macedo
PPGM, Escola de Música - UFRJ, Brasil
tatianadumas@gmail.com

Resumo
A maneira como o intérprete estrutura sua performance e as estratégias para a realização sonora de
seus projetos refletem o modo como escuta a música e determina sua performance. A questão de
fundo da interpretação do performer de música está, pois, na constituição das imagens sonoras que
produz, no reconhecimento de um ‘gesto’ metafórico com o qual idealiza a música e na
determinação do gesto musical com o qual a tornará perceptível ao público, dentro de uma rede
de interações que conferem algum tipo de estrutura à correlação desses gestos. A tensão entre essas
duas dimensões gestuais é exacerbada em obras musicais de caráter ‘aberto’, pois, em obras com
elevado índice de ‘indeterminação’, não há uma relação direta entre notação e realização sonora.
Esta situação suscita uma atuação mais ‘livre’ do intérprete, dada sua interação com os objetos
indeterminados e com o acaso. Este quadro enfatiza a relevância do intérprete contemporâneo na
elaboração de performances comprometidas com um resultado sonoro condizente com as
representações de eventos musicais e com as instruções do compositor. Este artigo tem como
objetivo pontuar situações contemporâneas de performance que ainda vêm desafiando a pesquisa
acadêmica em performance musical, sobretudo relacionadas aos processos cognitivos e às
condições gestuais que determinam a realização do repertório acadêmico contemporâneo para
piano.
Palavras-chave: música contemporânea brasileira, interpretação musical, construção
interpretativa, indeterminação musical, gesto

Abstract
The way the performer structures his performance and the strategies for the sound realization of
his projects reflect the way he listens to music and determines his performance. The fundamental
question of the performer's interpretation of music is therefore the constitution of the sound
images he produces, the recognition of a metaphorical 'gesture' with which he idealizes music and
the determination of the musical gesture which he will make it perceptible to the public, within
a network of interactions that give some structure to the correlation of these gestures. The tension
between these two gestural dimensions is exacerbated in open-ended musical pieces, because in
works with a high index of indetermination, there is no direct relationship between notation and
sound achievement. This situation gives rise to a freer performance of the performer, given his
interaction with indeterminate objects and by chance. This condition emphasizes the relevance of
the contemporary performer in the elaboration of performances committed to a sound result
consistent with the representations of musical events and the composer's instructions. This article
aims to point out contemporary performance situations that are still challenging academic
research on musical performance, especially related to the cognitive processes and gestural
conditions that determine the realization of the contemporary academic repertoire for piano.
Keywords: brazilian contemporary music, musical interpretation, interpretative construction,
musical indeterminacy, gesture

INTRODUÇÃO
Interpretar é entendido, de maneira geral, como o modo de exprimir
uma visão particular a respeito de algum ‘texto’, alguma alocução ou
situação. O conceito de ‘texto’ é polissêmico e varia de acordo com o autor
e/ou a orientação teórica adotados. Conforme José Luiz Fiorin (1995), o
termo ‘texto’ deriva etimologicamente do latim – texo, is, textui, textum,
texere – e significa tecer, tecido ou algo entremeado. O mesmo autor
ressalta que assim como um tecido não é um aglomerado de fios, um texto
também não constitui um amontoado de frases, pois possui uma estrutura
Anais

que permite a compreensão do sentido do todo. Nas últimas décadas do


século XX, o conceito de texto foi ampliado para abarcar todas as
expressões humanas que visem à comunicação, podendo assim ser expresso 419
de forma oral ou escrita (em se tratando de textos verbais) ou não verbal
(considerando-se tanto expressões em suporte físico e tecnológico quanto
expressões sônicas). Eni Puccinelli Orlandi (1995) esclarece que não se trata
apenas de um conjunto de enunciados que detém significados e sim de “um
processo que se desenvolve de múltiplas formas, em determinadas situações
sociais” (Orlandi, 1995, p. 112). Ingedore Grunfeld Villaça Koch (1995)
corrobora essa concepção e acrescenta que o texto é considerado, pelas
vertentes cognitivas, como o resultado de processos mentais, não podendo
ser entendido como uma estrutura acabada, e, sim, “como resultado parcial
de nossa atividade comunicativa, a qual compreende processos, operações
e estratégias que têm lugar na mente humana, e que são postos em ação em
situações concretas de interação social” (Koch, 1995, p. 22).
Em música, interpretar, em sentido convencional, é realizar as instruções
fornecidas pelo compositor, por meio de um ‘texto escrito’ da música. Ao
deparar com este texto escrito – seja uma partitura prescritiva (simbólica) ou
descritiva, esta baseada em representações gráficas dos efeitos sonoros da obra
musical a ser realizada – o intérprete está diante de um texto de representação
de ações, movimentos e gestos que deverá realizar, a fim de tornar sonora-
mente aparente uma obra musical. O performer deve então idealizar os gestos
musicais que originarão os efeitos sonoros demandados pelo compositor do
texto musical e, por conseguinte, gerar o texto sonoro da obra musical.
Entretanto, o entendimento de como deve se constituir a interpretação de uma
obra musical e, consequentemente, a atuação do músico‑intérprete vem
sofrendo modificações significativas devido às atualizações conceituais e
teóricas da expressão musical na contemporaneidade. Esta mudança de para-
digma interpretativo vem provocando uma inédita diversificação da prática
interpretativa.
Consoante o conceito amplo de ‘gesto’, conforme autores como Marc
Leman e Rolf Godøy (2010) e José Mannis (2012), ele consiste no
movimento do corpo, ou seja, em atos organizados com a finalidade de
expressar intenções, sentimentos, ideias. O indivíduo incorpora, pois, os
movimentos em função de sua interação com o meio ambiente. O gesto
musical, conforme explicita Robert Hatten (2004), tanto a partir da escrita
quanto a partir da performance instrumental, trata-se de uma forma de
manipulação de múltiplos parâmetros sonoros e inscreve-se na matéria
sonora de maneiras dúbias na partitura, evadindo a notação musical. Deste
modo, o mesmo gesto musical pode ser realizado por diversos movimentos
corporais, derivando em diferentes resultados sonoros. Reconhecer um
gesto é, portanto, reconhecer a configuração desta rede, ou seja, desta
manipulação de múltiplos parâmetros sonoros. Tal busca por relações
confere estrutura ao gesto musical, fazendo parte do próprio processo
cognitivo que procura compreender a composição musical (Hatten, 2004).

Ponderações sobre interpretação cognitivamente informada e gesto


Ingedore Koch e Luiz Carlos Travaglia (2001) enfatizam que nosso
conhecimento do mundo desempenha um papel decisivo no estabeleci-
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

mento da coerência. Estes autores explanam que, se um texto contar apenas


com eventos desconhecidos, não será possível estabelecer um sentido e,
420 consequentemente, ele parecerá destituído de coerência.
Adquirimos esse conhecimento à medida que vivemos, tomando
contato com o mundo que nos cerca e experienciando uma série
de fatos. Mas ele não é arquivado na memória de maneira caótica:
vamos armazenando os conhecimentos em blocos, que se deno-
minam modelos cognitivos. (Koch e Travaglia, 2001, p. 60)

Ou seja, sem os ‘modelos cognitivos’, não há embasamento para o proces-


samento cognitivo.
“Interpretar não é uma das atividades humanas em meio a outras. O
indivíduo é essencialmente ‘interpretação’ em todas as referências que
estabelece com as coisas e consigo mesmo. A todo instante, acordado ou
sonhando, o homem interpreta” (Ferraz, 2013, p. 37). No entendimento
de Antonio Ferraz (2013), interpretar é um ato ininterrupto entre diálogo
e experiência. Ao estabelecer esse ‘diálogo’, o indivíduo converte-se em
‘sujeito’ e transforma o evento a ser interpretado em ‘objeto’. Entretanto,
como se pretende entender na presente pesquisa, sujeito e objeto, ambos
já interpretações de indivíduo e evento, podem ser reinterpretados ao
longo do tempo, sendo concebidos, então, como uma construção, assim
como o ato de interpretação, pois não se trata de reiterar a relação entre
um sujeito que interpreta o objeto, mas de um sujeito que determina o
objeto e é por ele determinado circunstancial e culturalmente.
Umberto Eco (1962/2012) corrobora essa ideia ao assinalar que o modo
de resolver e, principalmente, de colocar os problemas artísticos engloba um
conjunto de relações determinado pela visão de mundo e, de certa maneira,
de ser (Eco, 1962/2012). As construções das interpretações são, portanto,
emergentes na interação e não predeterminadas estruturalmente. Diante
disso, o intérprete procederá à identificação dos elementos musicais que
serão percebidos durante a leitura e, para sua realização sonora, se utilizará
de um repertório de gestos previamente estudados, assimilados e executados
como ato reflexo. Mannis (2012) esclarece que o modo como o intérprete
estrutura sua performance – determinando os elementos percebidos e que
pretende salientar; a estratégia utilizada para a realização sonora disto; os
critérios; a fundamentação que embasará suas escolhas – repercute na
maneira como ouve a música e baliza sua concepção da obra musical.
Marcos Nogueira (1999) observa que
o executante-instrumentista, por exemplo, que lê e executa a
peça musical, exercendo sua expressão, traduz o texto e o faz
viver na sua plena realidade sônica e visiva, sua realidade
sensível. A tarefa deste leitor, nesse caso, não se restringe à
decifração da escrita na qual o texto foi “materializado”, regis-
trado, nem tampouco está restrita ao compromisso de orientar
o seu público quanto às possibilidades de vias de acesso ao
texto: seu trabalho consiste, sobretudo, em produzir, a partir do
conjunto de sons reais, de gestos e movimentos resultantes de
sua execução, a própria obra, na plenitude de sua realidade
sensível. (Nogueira, 1999, p. 59)

O compositor John Cage, conforme Frank Kuehn (2012), acreditava que


o ciclo da criação de uma obra encerra-se com a performance. Para a
execução da obra, o intérprete, dependendo do grau de aprofundamento de
Anais

seu entendimento, de sua leitura, escolhe, dentre infinitas possibilidades


interpretativas, uma interpretação e a executa. Este ciclo considerado fechado,
após a performance, reabre-se a cada releitura, evidenciando outros aspectos 421
e gerando novas interpretações e, consequentemente, novas performances,
em um processo contínuo e permanente (Nogueira, 1999; Santos, 2015). O
grau de entendimento musical do performer e, consequentemente, a qualidade
da execução dependerão, pois, da vivência, da intimidade, do conhecimento
adquirido pelo músico sobre as intenções expressivas e as tendências estilísticas
da obra (Meyer, 1989; Silverman, 2008).
Anne Roubet (2011) corrobora essa concepção e explana que a realização
completa da obra musical compreende duas formas – hermenêutica e física.
Nesta última, a interpretação concretiza-se em uma realidade física, corporal
e sonora. Ou seja, ocorre a passagem de um plano abstrato de linguagem a
um plano físico de tempo, espaço, corpo e som. Segundo Roubet (2011), a
realização sonora conferiria à obra musical uma existência no tempo e no
espaço. Assim, toda performance consistiria em um evento único, com
duração limitada, temporalidade própria, produzido sob circunstâncias parti-
culares e singulares. O intérprete seria, então, inevitavelmente, afetado por
um conjunto de circunstâncias exteriores e interiores ligado ao lugar e ao
momento. A singularidade de sua interpretação se constituiria pelo modo
como seu corpo encarna a concepção da obra e por seu estado emocional.
Eco (1994) observa, no entanto, que os textos são formatos administráveis
em que, de certo modo, o homem pode reduzir o mundo. Assim há “uma
dialética entre abertura e forma”, ou seja, entre “iniciativa por parte do intér-
prete e pressão contextual” (Eco, 1994, p. 21). Ressalta-se, por conseguinte,
que o texto é polissêmico, mas sua polissemia deve estar ancorada em seu
contexto. Em consequência, a abertura interpretativa está aberta apenas às
interpretações contextualizadas, ou seja, permitidas pelo contexto (Eco, 1994).
Com base na contextualização e com amparo na coerência interna do texto,
que ajuda a direcionar a interpretação, pode-se decidir qual interpretação é
devida. Assim, o intérprete deve fazer um reconhecimento sobre o autor e o
período histórico em que o texto foi produzido, para, a partir daí, poder fazer
especulações sobre as intenções do texto e/ou as estratégias textuais utilizadas
(Eco, 2005). “Concluir como o texto funciona é concluir qual de seus vários
aspectos é ou pode ser relevante ou pertinente para uma interpretação coe-
rente, e quais continuam marginais e incapazes de sustentar uma leitura
coerente" (Eco, 2005, p. 171). O mesmo autor, corroborando o anteriormente
exposto por Meyer (1989), ressalta que o intérprete realizará essas hipóteses
conforme sua prática, sua vivência, sua experiência (Eco, 1994).
Por isso, é impossível realizar uma interpretação de outros períodos
esterilizada da época atual, ou seja, com total neutralidade e imparcialidade,
a fim de que não haja interferência da formação cultural do intérprete em
sua interpretação. A ideia da cognição incorporada e, consequentemente, da
interpretação cognitivamente informada indica que a cognição humana
está fundamentada na experiência atual e corporal. Este novo paradigma da
teoria do conhecimento, surgido nas últimas duas décadas do século XX,
desenvolve-se como reação às concepções anteriores que “abstraíam as
operações mentais do corpo” (Cook, 2018, p. 21). A partir do momento em
que são realizadas as interpretações, há sempre uma construção, as experiên-
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

cias sensório-motoras provocam a construção de sentidos que gerarão


outros sentidos de ordem sensório-motora e assim servirão de referência
422 para as próximas interpretações (Eco, 2005, p. 175). Salienta-se que, de
acordo com Eshaa M. Alkhalifa (2006), há indícios de que os processos de
pensamento e os estilos cognitivos podem ser diferentes entre os indivíduos
e que o pensamento humano é afetado também por interações sociais.
Portanto, a criatividade incorporada e projetada por meio da performance
variará de acordo com os contextos, as expressões idiomáticas e as possibi-
lidades de desempenho (Cook, 2018).
Alkhalifa (2006) esclarece que a perspectiva de um ‘sistema cogniti-
vamente informado’ aborda questões sobre mecanismos implicados em
eventos de natureza psicológica, ou seja, raciocínio, planejamento, reconhe-
cimento de objetos, e procura entender como o sistema perceptivo dos
indivíduos é afetado pela exposição a um estímulo, que será submetido a um
conjunto de hipóteses ou pós-processamentos. Um texto musical, por
exemplo, seria visto como um todo, um objeto complexo composto de
partes, e, então, comparado a vários modelos existentes na memória para
fazer o reconhecimento do que foi visto, a fim de
formular planos; avaliar ações alternativas; determinar as conse-
quências de suposições e hipóteses; interpretar e formular instru-
ções, regras e princípios gerais; para prosseguir argumentos e
negociações; pesar evidências e avaliar dados; decidir entre teorias
concorrentes e resolver problemas. (Johnson-Laird e Byrne, 1993
apud Alkhalifa, 2006, p.10)

Nesta pesquisa, o conceito de interpretação está intimamente compro-


metido com a reflexão analítica acerca de como as obras podem fazer sentido
e de como as ‘estruturas’ das obras que estão sendo interpretadas são meras
criações de seus intérpretes, o que envolve conhecimento tanto teórico-
estilístico do texto da obra como empírico, fundamentado na vivência, na
experiência de performance, gerando diferentes abordagens e concepções
interpretativas. No contexto da performance musical, a interpretação englo-
bará o entendimento que funda a interpretação como produção intelectual
cognitivamente informada, fundada na experiência corporal, na realização de
alguma coisa – a performance –, implicando ação e comportamento. Uma
produção deliberada com determinado fim: tornar atual a expressão.

Considerações sobre a indeterminação na música


A ‘indeterminação’ envolve o desconhecimento sobre o resultado de
uma ação com respeito à composição, à performance ou a ambos (Cope,
1984). De acordo com David Cope (1984), este termo foi utilizado,
inicialmente, pelo compositor John Cage, nos anos 1950. Embora a
indeterminação não seja um fato novo, as técnicas de indeterminação
empregadas a partir da segunda metade do século XX têm implicações
filosóficas.
Não a obra-definição, mas, o mundo de relações de que esta
se origina. Não a obra-resultado, mas, o processo que preside
sua formação. Não a obra-evento, mas as características do
campo de probabilidades que a compreende. Esse é um dos dis-
cursos fundamentais do discurso aberto, que é típico da arte
e da arte de vanguarda em particular. (Eco, 2012, p. 10)
Anais

Eco (1962/2012) esclarece que a abertura está na base do ato perceptivo,


caracterizando cada momento da experiência cognoscitiva. Em conse- 423
quência, o modelo de uma ‘obra aberta’ não representaria uma estrutura
presumida das obras e sim uma estrutura de relação fruitiva. Valério Fiel da
Costa (2016) acrescenta que o termo ‘indeterminação’ foi empregado “para
descrever e compreender a poética de alguns compositores vinculados à
chamada Escola de Nova York”, que surge como um movimento artístico
norte-americano de obras abstratas não figurativas (Costa, 2016, p. 43). Na
área da música, destacam-se a atuação dos compositores Morton Feldman,
Christian G. Wolff, Earle Brown, David Tudor e John Cage e a imple-
mentação do “grafismo como estratégia notacional, do acaso como estratégia
de estruturação, da indeterminação como modo de relacionamento entre
compositor e intérprete” (Costa, 2016, p. 43).
Na indeterminação, o compositor atua mais como um instigador do que
como um restringidor. Propõe situações musicais, mesmo que vagas, baseado
em critérios predeterminados, procurando que os desdobramentos dos
resultados sonoros atinjam certa convergência para suas intenções estéticas.
Suas indicações são, por vezes, esboços que definem textura, registro, dinâ-
mica, instrumentação, mais que altura ou precisão rítmica (Cope, 1984).
Ainda que o compositor apresente delimitações e estratégias de resultados
sonoros, há casos em que é solicitado ao intérprete que atue veementemente
na obra, realizando múltiplas intervenções pessoais, interferindo e determi-
nando o contorno final do projeto composicional. Ressalta-se, entretanto, que
abertura não significa absoluta indefinição ou intervenção indiscriminada por
parte do intérprete. Embora haja amplo âmbito de imprevisibilidade, há certa
delimitação – imposta pelo compositor ou pela própria obra (em termos de
busca de coerência) – do campo de possibilidades, caracterizada pela inter-
venção orientada, “cujos pressupostos estavam nos dados originais fornecidos
pelo artista” (Eco, 2012, p. 62), ainda que o compositor amplie sobremaneira
a intervenção do intérprete na obra, sobre-pondo o resultado sonoro do
intérprete-coautor ao projeto composicional inicial que elaborou.
O autor oferece, em suma, ao fruidor uma obra a acabar: não
sabe exatamente de que maneira a obra poderá ser levada a
termo, mas, sabe que a obra levada a termo será, sempre e ape-
sar de tudo, a sua obra, não outra, e que ao terminar o diálogo
interpretativo ter-se-á concretizado uma forma que é a sua
forma, ainda que organizada por outra de um modo que não
podia prever completamente: pois ele, substancialmente, havia
proposto algumas possibilidades já racionalmente organizadas,
orientadas e dotadas de exigências orgânicas de desenvolvi-
mento (Eco, 2012, p. 62)

Em qualquer obra musical, de qualquer período histórico, há ambi-


guidade interpretativa, uma abertura que possibilita execuções diversas, visto
que cada performance será realizada sob uma perspectiva original, sem que
isso ocasione alteração das propriedades estruturais que definem a obra
musical (Eco, [1962]2012). A diferença reside no fato de a partitura tradi-
cional apresentar um grau relativamente elevado de determinação, de
invariância, que contempla o hábito – os costumes de determinada tradição
interpretativa – e de a música indeterminada apresentar-se como processo
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

com baixos índices de estratégias de invariância. Os resultados desejados


deste processo são inesperados, advindos de interpretações múltiplas, de uma
424 germinação contínua de relações internas em níveis diversos de intensidade,
de acordo com a perspectiva, a preferência e as possibilidades técnico-inter-
pretativas do executante (Eco, [1962]2012; Costa, 2016).
Na música contemporânea e, particularmente, na música contemporânea
com elevados índices de indeterminação, o compositor aborda ideais
sonoros não usuais no repertório tradicional, cujas características são, muitas
vezes, gestuais e/ou visam a efeitos sonoros particulares. O compositor,
então, necessita criar estratégias notacionais específicas, a fim de explicitar
seu ideário sonoro não abarcado pela notação tradicional. Não se deve,
contudo, entender qualquer estratégia de notação não convencional como
uma característica de abertura, de indeterminação, pois essa nova proposta
notacional não necessariamente permite que o intérprete atue no processo
de definição dos objetos musicais, na maneira como se relacionam ou se
transformam no decorrer da composição, no resultado sonoro. A partitura
gráfica é, portanto, mais do que uma ruptura com os símbolos tradicionais,
é um meio pelo qual alguns compositores expressam intenções sonoras.
Observa-se que, de fato, ao empregar variedade de notações gráficas, o
compositor contribui sobremaneira com a composição–performance inde-
terminada (Cope, 1984; Costa, 2016). A prática notacional, então, é reno-
vada, a fim de ser capaz de transmitir um novo conceito de música que não
é mais o da música previamente determinada formalmente, ou seja, com
uma forma plenamente elaborada e representada notacionalmente, porque,
na ideia musical, está incluída a ideia de indeterminação.
Salienta-se ainda que há tendência em confundir indeterminação e
improvisação. As duas são processos composicionais e, em ambas, o
resultado final parece estar em aberto. Contudo, a maneira como são pro-
postas e a forma de realização demarcam a diferença. Na improvisação, o
improvisador é responsável pela elaboração composicional durante o ato da
performance, caracterizando uma criação em ‘tempo real’, porém a
realização da indeterminação ocorre previamente ao ato de tocar o instru-
mento em situação de recital (Ruviaro e Aldrovandi, 2001; Costa, 2016).
(...) há elementos composicionais nas improvisações e há ele-
mentos improvisatórios nas composições. Mas em termos de
processo, a diferença é categórica: se você improvisa off-line
então, trata-se de composição; se você compõe on-line, en-
tão, é uma improvisação. (Cook, 2007, p. 16)

A improvisação não é um procedimento novo, tendo ocupado posição


relevante na música europeia anterior ao século XVIII, a qual se carac-
terizava por certa autonomia interpretativa. Os intérpretes possuíam uma
formação diferente da atual e tinham o texto musical como um elemento a
ser adornado com ornamentos, variações, improvisos. Prática incentivada e
esperada pelos próprios compositores, que, às vezes, deixavam movimentos
inteiros a serem elaborados pelos intérpretes no momento da performance
(Dart, 2000; Costa, 2016). Ressalta-se, entretanto, que, por não se tratar de
um ato aleatório, as improvisações obedeciam a bases morfo-lógicas,
sintáticas e formais, ou seja, às normas estilísticas vigentes (Costa, 2016). No
século XX, surgiram gêneros musicais experimentais que propuseram
Anais

novos questionamentos, entendimentos, modos de interação e atuação de


propostas musicais e interpretativas. Estas novas abordagens modificaram as
formas de colaboração entre compositor e intérprete, retornando a prática 425
improvisatória ao cenário musical. Isto veio a requerer dos performers uma
proficiência que não estava mais contemplada na pedagogia musical,
particularmente no ensino sistemático do pianista.
A obra musical existe enquanto está sendo executada, e, no ato da
performance, as escolhas do intérprete são responsáveis pela atualização desta
obra. O intérprete, frente a uma obra com elevado índice de indeter-
minação, sente, muitas vezes, necessidade de buscar mais informações que
possam conduzi-lo a escolhas interpretativas que estejam de acordo com as
expectativas do compositor. Por isso, quando possível, recorre diretamente
ao compositor, a fim de angariar diretrizes que o auxiliem na elaboração da
execução da obra.
Quando o compositor participa da execução de sua obra, não há tanta
necessidade de colocar, na partitura, todas as propostas para a execução, ou
seja, não há necessidade de maior rigor na notação musical – como ocorria
no passado. Isto também pode ser observado quando o compositor possui
proximidade com os executantes e pode discutir suas propostas com eles
e/ou dirigir os ensaios (Nogueira, 1999; Costa, 2016). Como, no entanto,
serão expostas e se farão entender as interferências propostas aos intérpretes,
que, via de regra, não estão acostumados a esse repertório? Como será feita
a condução destas propostas diante de um texto indeterminado?
O intérprete, face a uma obra musical, a aborda de acordo com um
repertório de procedimentos, de gestos previamente aprendidos, apre-
endidos e automatizados ao longo de sua vivência musical. Entretanto, em
peças de caráter indeterminado, por mais que o resultado sonoro deva
surpreender até mesmo o próprio compositor, podem ocorrer mal-enten-
didos por parte do intérprete e este vir a escolher soluções sonoro-gestuais
que não correspondam ao ideário sonoro do compositor – seja por falta de
intimidade com demandas desse tipo, seja por ter optado por ‘clichês’, seja
por não ter experiência com o acaso e, simplesmente, executar sons a esmo
(Costa, 2016).

CONCLUSÃO
O repertório acadêmico contemporâneo compreende vasta e diver-
sificada produção musical elaborada a partir do século XX, visando, em boa
parcela de suas tendências estilísticas, à obtenção de sonoridades, de timbres,
de efeitos e de relações sonoras não contempladas em períodos anteriores.
Com esta intenção, adveio o emprego de técnicas composicionais não usuais
até então, assim como a utilização não convencional de instrumentos
musicais, sua modificação física e/ou seu aproveitamento não ortodoxo.
Embora os compositores contemporâneos sejam atuantes no cenário
musical e o repertório cresça cada vez mais, hodiernamente, poucas são as
pesquisas que se dedicam a essa prática interpretativa. Em consequência,
no momento presente, ainda há muitos equívocos, restrições e mal-
entendidos com relação à sua conceituação e interpretação.
A música indeterminada não apresenta relação direta entre notação e
realização sonora, oferecendo como proposta uma atuação mais ‘livre’ do
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

intérprete com relação à interação com a indeterminação, o acaso e as


escolhas das estratégias sonoras. Apesar disso, existem limites estipulados
426 pelo projeto da obra que, ao serem transgredidos, são considerados inade-
quados e comprometem sua realização por corromper sua morfologia
essencial. As instruções que orientam as interpretações, fornecidas da forma
mais clara e eficaz possível, ainda que indiquem elevado grau de indeter-
minação, visam à busca por resultados musicais compatíveis com o ideário
sonoro do compositor, a fim de atenuar resultados indesejáveis. Intérpretes
envolvidos com as propostas das obras podem realizar suas escolhas e
estratégias, atuando, de forma criativa, dentro do âmbito de diretrizes
estéticas dos compositores.
Ao adquirir uma habilidade, o intérprete tende a recordar as instruções e
executá-las para recuperar as informações fornecidas, realizando conexões
entre sentidos experimentados em domínios diversos. O desafio, diante de
um repertório contemporâneo que não se insere na perspectiva de uma
tradição interpretativa, é desvelar os procedimentos que resultarão na
obtenção de instruções e intenções ocultas na partitura, de modo que o
intérprete possa adquirir a capacidade de reconhecê-las e de aplicá-las à
construção de sua interpretação. Os desafios postos pelo repertório contem-
porâneo, que avivam o processo de aquisição das competências interpre-
tativas, enfatizados neste artigo, contribuem sobremaneira para a discussão
da pedagogia da performance musical. Isto implica novos aportes teóricos
e metodológicos para o reconhecimento dos papéis do gesto musical e da
competência interpretativa do performer contemporâneo diante do indeter-
minado, diferentes daqueles para os quais a formação tradicional o preparou.

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XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Estudo n. 1 para violão de Camargo Guarnieri:


428 soluções de um compositor não violonista para os
limites polifônicos impostos pelo instrumento
(Resumo)
Marcelo Fernandes Pereira (marcelo.proece@gmail.com)
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
Problema
O violão é um meio de expressão para acompanhamento rı́tmico-harmônico e para obras
polifônicas, contudo, suas possibilidades polifônicas são consideravelmente mais restritas do que as
dos instrumentos de teclas ou harpa. Sendo pianista e um exı́mio contrapontista, o compositor
Camargo Guarnieri (1907 – 1993), ao escrever seu primeiro estudo para violão, buscou solucionar
esse problema, diluindo sua polifonia em uma escrita linear com diversos planos - uma melodia
composta, em termos schenkerianos (Forte; Gilbert, 1982). Esse tipo de escrita exige considerável
esforço ou treinamento, da parte do ouvinte e do intérprete, para que a obra seja entendida. Esse
esforço é intensificado na obra, pela irregularidade da sucessão dos planos polifônicos e por uma
escrita pretensamente tonal que se expande até os limites do sistema.
Objetivos
Este trabalho pretende mostrar as soluções idiomático-instrumentais de Guarnieri em termos de
melodia composta e harmonia tonal expandida e indicar possibilidades de abordagem interpretativa
dessa escrita. Para tanto, consideraremos também o aspecto perceptivo. Para compreendermos a
escrita de Guarnieri utilizaremos a teoria schenkeriana (Forte;Gilbert, 1982) e para tratarmos da
percepção dessa escrita, teremos o aporte de Meyer (1956/1961) e Sloboda (2008).
Principais contribuições
Este trabalho pode servir como arquétipo para a compreensão de outras obras do repertório
nacionalista brasileiro, considerando que esse tipo de escrita foi utilizado por muitos compositores
dessa escola, especialmente os compositores ligados a Guarnieri, como Oswaldo Lacerda e Lina
Pires de Campos.
Conclusões /Implicações
Esse tipo de escrita constitui uma opção prática e eficaz para compositores não violonistas produzirem
obras polifônicas para o instrumento, mesmo sem terem consciência plena dos movimentos que estão
requerendo dos intérpretes. Contudo, as indicações de dinâmica do autor – com impossı́veis três “F”s
- e a dificuldade técnica imposta ao intérprete – com aberturas e saltos extremos para a mão esquerda
- demonstram os limites desse tipo de solução. Essas impossibilidades/dificuldades na execução do
discurso musical impactam negativamente a performance, demandando do ouvinte, maior atenção e
certa proficiência na escuta polifônica ao violão. Mesmo assim, trata-se de uma obra incomum no
repertório violonı́stico, pela complexidade intrı́nseca, que merece ter seu conteúdo esmiuçado, afim
de termos uma performance consciente e academicamente embasada.
Palavras-chave
Melodia Composta, Escrita Contrapontı́stica para Violão, Idiomatismo Instrumental
Referências
Forte, A.; Gilbert, S. (1982). Introduction to Schenkerian Analysis. New York: Norton. MEYER,
L.B. (1956/1961). Emotion and meaning in music. Chicago: Chicago University press.
Pereira, M.F. (2011). A contribuição de Camargo Guarnieri para o repertório violonístico brasileiro.
Dissertação. (Doutorado) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo,
São Paulo.
Sloboda, J. A. (2008). A mente musical: psicologia cognitiva da música; tradução de Beatriz Ilari e
Rodolfo Ilari. Londrina: Eduel.
Anais

MAIO 31 | May 31
SESSÃO L13
Comunicações Orais | Oral Presentations
429

SALA 2, 14h
Coordenador da sessão | Session Chair: Rael Toffolo

14:00
Expectativas musicais relacionadas à harmonia como gatilho para
emoções
José Eugênio Matos, Eunice Dias da Rocha Rodrigues, Maria Clotilde
Henriques Tavares

14:30
Cognição musical infantil: uma revisão bibliográfica
José Benedito Pimenta, William Teixeira

15:00
Um estudo exploratório sobre a psicologia da música
Marçal Pereira Machado
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Expectativas musicais relacionadas à harmonia


430 como gatilho para emoções
José Eugênio de Matos Feitosa1, Eunice Dias da Rocha Rodrigues2 e
Maria Clotilde Henriques Tavares3
CEP-Escola de Música de Brasília, Brasil
1

2,3
Departamento de Ciências Fisiológicas, Universidade de Brasília, Brasil
1
ematos33@gmail.com, 2eunicerr70@gmail.com, 3mchtavares@gmail.com

Resumo
Várias pesquisas têm sido realizadas para investigar os mecanismos que dão origem às respostas
emocionais em humanos. No âmbito da música, em seu aspecto harmônico, boa parte de tais
estudos leva em consideração a teoria das expectativas musicais. Ela propõe um entendimento
sobre a ocorrência de emoções após a audição musical com base nos mecanismos neurais
relacionados à expectativa. Motivados por esta concepção teórica, diversos pesquisadores
desenvolveram estudos empíricos para melhor investigar os mecanismos da expectativa musical.
Por outro lado, pesquisas posteriores sugerem que a harmonia, em seu aspecto vertical isolado
também é capaz de provocar emoções positivas ou negativas, dependendo da relação entre as notas
presentes dos acordes. Mais recentemente, outros trabalhos vêm buscando preencher lacunas ainda
existentes nesse campo de estudo, sugerindo abordagens que contemplam variados aspectos da
escuta musical, tanto ambientais quanto a nível de indivíduo. Entre estes, a estrutura BRECVEMA
– que desponta como ambiciosa proposta de reunir oito mecanismos de respostas emocionais
relativos à audição de música – e a estrutura ITPRA – que propõe uma visão inovadora do
fenômeno emocional, entre outros. Nesta revisão bibliográfica, abordamos as respostas emocionais
relacionadas à dimensão harmônica da música, tendo como ponto de partida a teoria das
expectativas musicais, passando pelos níveis de consonância e dissonância de acordes isolados e
novas linhas de pesquisa prováveis.
Palavras-chave: emoção, harmonia, expectativa musical, neurociência

Abstract
Several studies have been conducted to investigate the mechanisms that give rise to emotional
responses in humans. In the context of music, in its harmonic dimension, much of such studies
takes into account the theory of musical expectations. It proposes an understanding of the
occurrence of emotions after musical hearing based on neural mechanisms related to expectation.
Motivated by this theoretical vision, several researchers have developed empirical studies to better
investigate the mechanisms of musical expectation. On the other hand, further research suggests
that harmony, in its isolated vertical aspect, is also capable of provoking positive or negative
emotions, depending on the relationship between the present notes of the chords. More recently,
other studies have sought to fill gaps still existing in this field of research, suggesting approaches
that contemplate various aspects of musical listening, both environmental and at individual level.
Among them, the BRECVEMA framework - which emerges as an ambitious proposal to bring
together eight mechanisms of emotional responses related to music listening - and the ITPRA
framework - which proposes an innovative vision of the emotional phenomenon, among others.
This work of bibliographic review will addresses the emotional responses related to the harmonic
dimension of music, from the theory of musical expectations, passing through the levels of
consonance and dissonance of isolated chords and likely new lines of investigation.
Keywords: emotion, harmony, musical expectation, neuroscience

INTRODUÇÃO
Para melhor compreender a relação entre música – e mais especifica-
mente, entre a harmonia – e as emoções, é preciso entender, ainda que de
forma abrangente, o que vem a ser emoção, termo para o qual existem
várias definições. Entre estas, Juslin (2016) define emoções como reações
breves, porém intensas, a eventos potencialmente importantes no ambiente
interno e externo. Este autor classifica as emoções em três grupos
principais: simples (como excitação, calafrios, sentimentos de felicidade ou
Anais

tristeza), complexas (como orgulho e nostalgia) e mistas ou estéticas (como


espanto e admiração). Já Damásio (2000), por sua vez, define emoções
como experiências subjetivas acompanhadas de manifestações orgânicas e 431
comportamentais, reconhecíveis e estereotipadas, enquanto Dolan (2002)
define-as como estados psicofisiológicos complexos que atribuem valor a
determinados episódios, eventos e estímulos. De acordo com Gazzaniga,
Ivry e Mangun (2013), a maior parte dos psicólogos acredita que a emoções
abrangem três componentes: 1) uma reação fisiológica a um estímulo ou
evento, 2) uma resposta comportamental e 3) um sentimento.
A relação das emoções com a dimensão harmônica da música pode ocorrer
de duas maneiras, o que sugere, para efeito de maior clareza, a adoção de duas
abordagens distintas. Ambas observam o grau de consonância ou dissonância
das notas formadoras de cada acorde, porém em perspectivas diversas.

Abordagens horizontais
Neste caso leva-se em consideração o caráter temporal da arte musical, isto
é, sua existência requer o encadeamento de estruturas musicais – divisões
rítmicas, sequências melódicas e harmônicas. Especificamente na harmonia,
diferentes acordes, dispostos em sucessão, podem dar origem a incontáveis
encadeamentos, estabelecendo “paisagens harmônicas” que estão sujeitas a
transformações em variadas dimensões (distribuição das notas em cada acorde,
incluindo a sua oitava, intensidade e timbre de cada nota componente do
acorde, duração relativa do acorde no contexto do trecho, etc.) de forma
cumulativa ou não (fig.1). A musicologia oferece vasta literatura que se ocupa
apenas da construção harmônica na música (Med, 1996; Almada, 2012;
Schöenberg, 2012). De maneira sucinta, a harmonia enseja um tratamento da
experiência musical como um ordenamento de antecedentes e consequentes,
o que está na base da teoria das expectativas musicais apresentada por Meyer
(1956), que inspirou inúmeras pesquisas sobre emoções derivadas da expe-
riência musical.

Figura 1. Abordagem horizontal – sequência com alternância de funções harmônicas.

Abordagens verticais
Aqui a textura harmônica é segmentada em acordes isolados, ou seja,
entidades independentes de um contexto temporal, portanto sem ante-
cedentes ou consequentes. Soando isoladamente, os acordes possuem diferen-
tes caracteres de consonância e dissonância, em virtude das relações particu-
lares que guardam entre si as notas presentes em cada caso (fig.2). Embora a
experiência musical se dê, necessariamente, na dimensão temporal – e, na
música ocidental, mediante a alternância entre acordes de naturezas distintas,
do ponto de vista da tonalidade – efeitos psicoacústicos relativos ao caráter de
consonância ou dissonância entre tons musicais – presentes em acordes isolados
– têm sido tema de investigação em alguns estudos, conforme veremos neste
trabalho.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

432
Figura 2. Abordagem vertical. Neste exemplo, há seis relações intervalares,
cada uma com um índice de consonância ou dissonância particular:
dó-sol, dó-si bemol, dó-mi bemol, sol-si bemol, sol-mi bemol e si bemol-mi bemol.

PANORAMA HISTÓRICO
A teoria das expectativas musicais de Meyer (1956) constitui uma base de
investigação sobre a estrutura musical como gatilho de respostas emocionais
em seres humanos. Sua importância se deve ao fato de ser a primeira teoria
a apresentar, de forma abrangente, de uma perspectiva psicológica, a relação
entre estrutura musical e respostas emocionais.
Na música tonal ocidental, as expectativas estão relacionadas, entre outros
fatores, às estruturas rítmicas ou métricas, tonais e harmônicas (Stevens &
Byron, 2016). Assim, afetos ou emoções são despertados quando uma
expectativa, entendida como tendência de resposta, que é ativada pelo estímulo
musical, é atendida ou violada. Estudos apontam que nossas expectativas são
baseadas nas regras da teoria musical independentemente da consciência
explícita dessas regras, que ocorre, por exemplo, devido ao treinamento musical
formal (Tillmann & Lebrun-Guillaud, 2006). Assim, a expectativa é uma
habilidade que evoca estados emocionais, propicia a antecipação de eventos
futuros e representa vantagem evolutiva óbvia, uma vez que pode significar a
diferença entre vida e morte (Huron, 2006). Do ponto de vista biológico,
respostas fisiológicas à avaliação de eventos musicais e à formação de expec-
tativas no córtex auditivo e em regiões sub-corticais fornecem um ponto de
partida para a compreensão da base neurológica das expectativas e previsão no
processamento musical (Trainor & Zatorre, 2016).
Influenciado pela Gestalt, o trabalho de Meyer motivou diversas
pesquisas nas décadas seguintes, as quais buscaram avaliar as respostas
emocionais provocadas pela audição de trechos musicais em diversos
formatos.
Sloboda (1991) investigou as respostas emocionais em músicos e não-
músicos, a partir de dez modalidades de estruturas musicais – extraídas de
exemplos de compositores dos períodos Barroco, Clássico e Romântico –, das
quais cinco têm relação com harmonia. Em seu trabalho, Sloboda observou a
prevalência de quatro respostas emocionais robustas relacionadas à audição de
música: arrepios na espinha dorsal, riso, nó na garganta e lágrimas. Entre as
causas detectadas para tais respostas, a pesquisa identificou a ocorrência de
novas e inesperadas harmonias e appoggiaturas (atraso no surgimento de notas
esperadas). A pesquisa, nas palavras de Sloboda, “provê confirmação parcial
para as conclusões analíticas de Meyer” (Sloboda, 1991, p.120).
Buscando expandir a abordagem de Meyer com o suporte das ciências
psicológicas, Huron (2006) propõe um conjunto de cinco sistemas de resposta
emocional evocados pela expectativa: imaginação, tensão, previsão, reação e
avaliação (imagination, tension, prediction, reaction, appraisal). Essa estrutura,
conhecida como ITPRA, coloca a emoção evocada pela expectativa como
um processo que envolve cinco etapas dispostas sequencialmente no tempo,
cada uma correspondendo a uma função biológica diferente (Fig.3):
Anais

Imaginação – a etapa inicial envolve contemplar possibilidades futuras e agir


de uma forma que torne tais possibilidades mais prováveis se forem positivas,
e menos prováveis se forem negativas; Tensão – é uma preparação fisiológica 433
mais imediata para um evento iminente e envolve mudanças na excitação de
acordo com o grau de incerteza com relação a esse evento; Previsão – respostas
de previsão são estados transitórios de recompensa ou punição que surgem em
resposta à precisão da expectativa (expectativas confirmadas são recompen-
sadas com emoções de valência positiva; se não confirmadas, são evitadas com
emoções de valência negativa); Reação – é um processo rápido que ocorre de
forma automática e inesperadamente, ativando ações corporais e/ou respostas
viscerais (reações nem sempre são instintivas mas podem também ser
aprendidas) e Avaliação - é a apreciação mais ponderada e consciente de um
resultado, e não precisa ser compatível com a resposta da reação. A figura 3
apresenta os cinco sistemas de resposta emocional propostos por Huron,
numa disposição temporal.

Figura 3. Esquema ITPRA - adaptado de Huron (2006).

No mesmo trabalho, Huron introduz o conceito de qualia emocional, um


valor afetivo atribuído a cada grau da escala de doze tons – a série de notas
que completa uma oitava na música ocidental (Schöenberg, 2012). Em seu
estudo, observando que existem associações recorrentes entre as várias
modalidades emocionais e os graus da escala cromática, Huron propõe uma
explicação: ocorre um aprendizado estatístico fundado nos números
relativos de ocorrência de cada um dos graus da escala cromática. Assim,
aquela associação seria devida, pelo menos em parte, à expectativa do ouvin-
te por uma nota específica, a partir de um determinado grau, e com base no
seu aprendizado estatístico com relação aos graus da escala cromática. Neste
ponto percebe-se, uma vez mais, a presença da teoria da expectativa musical
como fator influente na investigação.
As pesquisas e proposições até aqui descritas têm relação próxima com o
trabalho seminal de Meyer. Procurando ir além dos domínios da expectativa,
uma proposta inovadora, que contempla processos internos e externos à
experiência de audição musical, foi elaborada com base em estudos de
diferentes autores (Dowling & Harwood, 1986; Baumgartner, 1992; Juslin,
2000). O trabalho reuniu, inicialmente, seis mecanismos de indução de
emoções, aos quais, posteriormente, foram agregados três outros, totalizando
nove mecanismos, o que resultou na estrutura BRECVEMAC (Juslin, 2005,
2013; Juslin & Västfäll, 2008; Juslin, Barradas, Ovsiannikow, Limmo, &
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Thompson, 2016). Dos nove mecanismos abarcados, a expectativa musical é


apenas um (a letra M, em Musical expectancy). Os demais mecanismos são,
434 pela ordem: Brain stem reflex (Reflexo do tronco encefálico), Rhythmic
entrainment (Pareamento rítmico), Evaluative conditioning (Condicionamento
avaliativo), Emotional contagion (Contágio emocional), Visual imagery (Ima-
geamento visual), Episodic memory (Memória episódica), Aesthetic judgment
(Avaliação estética) e Cognitive appraisal (Avaliação cognitiva). Estes autores
atribuem um papel de importância a cada um destes mecanismos na geração
de respostas emocionais à audição de música e apontam que algumas
pesquisas possivelmente concederam demasiada relevância ao mecanismo
das expectativas musicais. A pesquisa, portanto, esboça, talvez, um primeiro
olhar cientificamente crítico sobre a teoria introduzida por Meyer (1956).
Uma vantagem dessa estrutura é que ela permite que diferentes abordagens
propostas anteriormente possam ser conciliadas, ao se observar que cada uma
focalizou, de fato, um mecanismo diferente. No âmbito da estrutura
BRECVEMAC, numa avaliação prévia, é possível ocorrer a participação da
harmonia em pelo menos seis mecanismos: reflexo do tronco encefálico,
condicionamento avaliativo, memória episódica, expectativa musical,
avaliação estética e avaliação cognitiva.
Mudando o foco para as abordagens verticais da harmonia, afastamo-nos,
ao menos temporariamente, dos pressupostos da teoria das expectativas
musicais. Neste ponto é necessário investigar o caráter individual dos
acordes – entendidos aqui como eventos sonoros compostos de três ou mais
notas musicais simultâneas. Este caráter é determinado pelas relações entre
as frequências das notas que formam cada acorde. Assim, quanto à sua
natureza consonante ou dissonante, Foo e colegas (2016) definem que
consonância é um efeito psicoacústico de intervalo de tons com uma relação
simples de frequência como a oitava (2:1) ou a quinta justa (3:2). Já nas
dissonâncias a relação entre as frequências é mais complexa, como na
segunda menor (256:243). Trazendo para o debate a sensação causada no ser
humano por tais efeitos, as pesquisas mostram que sons consonantes são
comumente descritos como belos, agradáveis, harmoniosos e serenos. Já os
sons dissonantes são excitantes, possuem uma qualidade áspera e soam
desagradáveis e desarmônicos (Parncutt & Hair, 2011; Tenney, 1988).
Assim, mesmo entidades harmônicas isoladas possuem a capacidade de
desencadear uma diversidade de emoções nos ouvintes (Juslin, 2016). Na
música ocidental, por exemplo, a alternância de estímulos harmônicos –
com suas respectivas cargas emocionais – permite a criação musical. A partir
da percepção desse jogo de emoções produto de diferentes acordes,
compositores são capazes de construir estruturas temporais que alternam
tensão e relaxamento e impulsionam a música no tempo.
Voltando à perspectiva vertical da harmonia, um estudo relevante
empregou, de maneira isolada, quatorze diferentes tipos de acordes
(Lahdelma & Eerola, 2014). Nesse experimento, os participantes (músicos e
não-músicos) atribuíram valores para acordes isolados, dentro de um
conjunto de nove modalidades de emoção ou interesse: valência, tensão,
energia, nostalgia/saudade, melancolia/tristeza, interesse/expectativa, felicidade/
alegria, ternura e agrado/desagrado. Na pesquisa, os autores verificaram que
acordes isolados de fato transmitem qualidades emocionais tanto em músicos
Anais

quanto em não-músicos. A figura 4 apresenta os quatorze tipos de acordes


empregados no experimento de Lahdelma e Eerola.
435

Figura 4. Tríades e tétrades em estado fundamental e inversões,


empregados no estudo de Lahdelma e Eerola (2014).

Em um trabalho longitudinal com duração de quinze anos e que


envolveu cerca de 2.100 participantes, Willimek e Willimek (2017) exami-
naram a relação entre diversos tipos de acorde e emoções humanas comuns.
Em seu experimento, os autores vão além, abordando os acordes em duas
perspectivas: como entidades autônomas (isoladas) e exercendo funções
harmônicas. Com esse enfoque a pesquisa introduz, possivelmente, um
aspecto inovador ao avaliar cada acorde com relação a um centro tonal, uma
vez que empregou conceitos com base na teoria da harmonia funcional
(Almada, 2012). Por outro lado, o estudo do casal Willimek contempla
igualmente as dimensões vertical e horizontal da harmonia. O resultado do
estudo revela interessantes conexões, entre tipos de acordes/funções harmô-
nicas e sentimentos:
- Acorde aumentado (D#5) - espanto
- Acorde dominante (D7) - sentimento de movimento adiante
- Acorde tétrade Diminuta (C#o) - medo, pânico
- Acorde subdominante com 6a (G6) - aconchego, consolo
- Acorde subdominante com 7M (G7M) - despedida saudosa
- Acorde subdominante menor com 6a (Gm6) _ solidão

PERSPECTIVAS
A extraordinária complexidade que envolve as pesquisas contemplando
harmonia musical e emoções se deve, em parte, ao grande número de
fatores que intervêm, de forma simultânea, nesse ambiente de estudo,
tornando-se muito difícil controlar todas as variáveis. Por um lado, há a
realidade da física acústica, onde o fenômeno sonoro musical, em sua
dimensão harmônica, pode assumir uma infinidade de configurações, cada
qual com sua respectiva provocação afetiva. Nesse âmbito, os acordes são
estruturas individuais, manifestando seus caracteres implícitos de maior ou
menor consonância e suas respectivas forças (mais ou menos excitatórias).
Já na dimensão temporal, que envolve encadeamentos de acordes, as
possibilidades são muito mais numerosas e, em boa parte, intermediadas
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

por influências de ordem cultural, que agem por meio de expectativas as


quais, por sua vez, estão na base de muitas teorias inspiradas no trabalho de
436 Meyer (1956). Entre estas teorias, destacam-se os trabalhos de Dowling e
Harwood (1986), sobre respostas condicionadas, de Sloboda (1991), sobre
as respostas a estruturas musicais específicas e de Baumgartner (1992),
sobre memória episódica. Huron (2006) propõe um interessante conjunto
de cinco sistemas de resposta emocional vinculados à audição de música, o
ITPRA. Mais recentemente, uma abordagem ainda mais ampla relaciona
oito mecanismos disparadores de emoções no ser humano durante a
experiência musical: a estrutura BRECVEMAC.
Não obstante o inegável avanço alcançado até o presente, permanecem
ainda lacunas no panorama das investigações sobre harmonia musical e
emoções. Considerando-se o esforço pioneiro de Meyer (1956) e também
as pesquisas desenvolvidas nas décadas seguintes, nota-se, por exemplo, a
inexistência de uma descrição acurada e amplamente aceita da experiência
de tensão como resposta à audição musical (Windholz, 2017). Com vistas a
superar esta e outras barreiras, Huron (2006) argumenta em favor de se
expandir a teoria das expectativas musicais à luz de novas evidências e
abordagens com base nas ciências psicológicas. Também Juslin (2016)
defende que há urgência em se realizar estudos cross-culturais, que envolvam
a perspectiva psicológica. Em direção semelhante, uma abordagem que se
mostra promissora é baseada nas ciências cognitivas incorporadas. De forma
resumida, esta perspectiva de investigação busca esclarecer como os meca-
nismos da nossa vivência corporal e interação com o ambiente podem influir
nas impressões resultantes de estı́mulos sonoros, de maneira a criar sentido e
entendimento durante a experiência musical (Windholz, 2018).
Diante da multiplicidade de fatores simultâneos envolvidos nos processos
aqui tratados, espera-se que novas linhas de pesquisa venham a surgir em
futuro próximo. Entre os fascinantes desafios no horizonte da neurociência,
pode-se incluir investigações minuciosas acerca dos mecanismos subjacentes
aos processos psicológicos suscitados pela experiência auditiva de conso-
nâncias e dissonâncias, tanto no contexto de encadeamentos harmônicos –
como se dá corriqueiramente na vida – quanto no recorte vertical, onde
fatores culturais seriam, supostamente, minimizados. Outra dificuldade ainda
a ser superada consiste na verificação dos pesos de fatores individuais na
resposta emocional disparada pela audição musical. Por exemplo, nos estudos
de Willimek (2017), como discernir o que é resultado de processos pura-
mente psicoacústicos de associações com base em cultura e tradição?
No aspecto particular da harmonia, ao que parece, esforços em
diferentes vertentes das ciências biológicas, psicológicas e sociais deverão
convergir para que se possa alcançar uma compreensão mais clara da
relação entre harmonia musical e emoções.

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XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Cognição musical infantil:


438 uma revisão bibliográfica
(Resumo)
José Benedito Pimenta (jbpimenta@hotmail.com)
William Teixeira (teixeiradasilva.william@gmail.com)
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

Problema/questão
Este trabalho consiste em uma revisão bibliográfica de cunho teórico que faz uma análise sobre a
cognição musical infantil com ênfase no aprendizado nos primeiros anos de vida. Em um
primeiro momento, faz-se uma exposição linear das abordagens desses estudos, enfatizando os
aspectos mais importantes concernentes ao tema aqui escolhido. A seguir, ao confrontar essas
pesquisas, expõe-se considerações de pontos comuns e distintos entre elas, propondo uma reflexão
sobre os rumos das atuais posições da pesquisa na área de cognição musical infantil. Este trabalho,
portanto, procura oferecer uma visão de síntese sobre o pensamento de cada autor acerca do
processo cognitivo da música. Desse modo, empreende um esforço para responder a pergunta: o
que diferencia uma abordagem cognitiva da infância daquela conduzida com sujeitos adultos? Por
meio desta revisão, portanto, se pretende propor uma sistematização de discussões atuais a partir
dos seguintes tópicos: percepção da melodia, percepção da harmonia, percepção rítmica,
percepção do timbre, percepção das estruturas formais, concluindo com uma exposição das
habilidades musicais infantis. O trabalho também elege enquanto referencial dois eixos principais;
um primeiro baseado nos resultados compilados no Oxford Handbook of Music Psychology (OUP,
2016) e um segundo a partir dos postulados de François Delalande em Las conductas musicales
(2013).
Objetivo
Sistematizar criticamente as pesquisas mais atuais em cognição musical com foco na infância.
Principais contribuições
-Levantamento bibliográfico da literatura atual em cognição musical infantil
-Revisão crítica com análise comparada entre os trabalhos estudados
-Aprofundamento a partir da consulta às fontes empíricas
Implicações
Além da própria revisão sistemática, fértil em sua possibilidade de prover subsídios teóricos para
pesquisas de outrem, este trabalho oferece referencial adequado para pesquisas que empreendem a
busca por possibilidades pedagógicas de se aplicar os conceitos em contextos educacionais.
Palavras-chave
Cognição musical; Infância; Primeira infância; Revisão bibliográfica
Referências
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Handbook of Music Psychology (pp. 325-431). Oxford, UK: Oxford University Press.
Delalande, François. (2013). Las conductas musicales. Santander: Editorial de la Universidad de
Cantabria.
Juslin, Patrik N. (2016). Emotional Reactions to Music In: Hallam, S. et al (ed.), Oxford
Handbook of Music Psychology (pp. 197-214). Oxford, UK: Oxford University Press.
Lamont, Alexandra. (2016). Musical development from the early years onwards In: Hallam, S. et
al (ed.), Oxford Handbook of Music Psychology (pp. 399-414). Oxford, UK: Oxford
University Press.
Schmuckler, Mark A. (2016). Tonality and Contour in Melodic Processing In: Hallam, S. et al
(ed.), Oxford Handbook of Music Psychology (pp. 143-166). Oxford, UK: Oxford University
Press.
Anais

Um estudo exploratório sobre a


psicologia da música 439
(Resumo)
Marçal Pereira Machado (marcalpm85@hotmail.com)
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

Problema/questão
Esta Comunicação Oral visa apresentar os resultados parciais da minha pesquisa bibliográfica de
dissertação de mestrado em andamento para o Programa de Mestrado em Psicologia da UFMS.
Nosso objetivo é discutirmos com a concepção epistemológica de ser humano e de música que
embasam as pesquisas em Psicologia da Música e as implicações destas na análise das consequências
psicológicas da reação estética suscitada pela música. Isto porque tais interpretações teóricas podem
ter resultados completamente distintos e opostos, a depender da base epistemológica das teorias que
são utilizadas. Ou seja, buscamos através dessa pesquisa, discutir sobre o papel social da música,
investigando não apenas as diferenças teóricas dadas por diferentes perspectivas epistemológicas, mas
além disso, buscar compreender um pouco mais a importância dessa atividade para humanidade e sua
relação especial com o psiquismo, ou seja, sua capacidade de elaborar as emoções e ampliar a
consciência dos indivíduos, possibilitando assim formas criativas e transformadoras de modificarmos
nossa realidade social e histórica. Dentre os vários materiais encontrados, encontramos como uma
importante referência para a Psicologia da Música a Teoria Gerativa da Música Tonal de Lerdahl e
Jackendoff (1983), na qual a música é tratada como uma forma específica de linguagem inata e
universal, de acordo com a Teoria Gerativa de Noan Chomsky (2009). E, dentro de outra perspectiva
teórica-epistemológica, na Teoria Psicológica Sócio Histórica abordamos a teoria de Vigotski (2001)
e Luria (1987) sobre arte e linguagem como fundamento para nossa análise crítica. Constatamos,
então, que no Cognitivismo os Processos Psicológicos Superiores, que nos caracterizam
propriamente como seres humanos, são essencialmente concebidos como naturais, inatos e
universais. No entanto, consideramos a música como um conteúdo cultural inserido em um
contexto social, histórico, econômico e político, capaz de suscitar emoções que, por sua vez, são
mediadoras de outros Processos Psicológicos Superiores.
Objetivos
A partir desta pesquisa, temos o objetivo de apresentar diversas pesquisas em Psicologia da Música
e analisar os fundamentos teóricos-epistemológicos que as embasam, em especial as concepções de
ser humano e de música, e quais as implicações destas para o estudo da Psicologia da Música.
Principais contribuições
Analisar criticamente as teorias psicológicas do campo de pesquisa da Psicologia da Música.
Implicações
Discutir criticamente os Processos Psicológicos Superiores que estão implicados na experiência
estética suscitada pela música – seja na composição, na execução ou na escuta – a partir do estudo
da linguagem musical, considerando a música como um conteúdo cultural inserido em um
contexto social, histórico, econômico e político, capaz de suscitar emoções que, por sua vez, são
mediadoras de outros Processos Psicológicos Superiores.
Palavras-chave
Psicologia da Música, Linguagem Musical, Papel Social da Música
Referências
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XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

MAIO 31 | May 31
440
SESSÃO C4
Comunicações Orais | Oral Presentations
SALA 5, 14h
Coordenadora da sessão | Session Chair: Regina Antunes T. dos Santos

14:00
Autorregulação e aprendizagem musical:
uma revisão sistemática da produção do último triênio
Veridiana de Lima Gomes Kruger, Igor Mendes Kruger, Lourdes Maria
Bragagnolo Frison

14:10
Musical phrasing: shaping analysis by general timing of melodic
lines based on Meyer’s theory of syntax
Samuel Henrique Cianbroni, Gilles Comeau, Regina Antunes Teixeira dos Santos

14:20
Tradições de ensino pianístico: um estudo com professores
eminentes
Rebecca Silva Rodrigues, Regina Antunes Teixeira dos Santos

14:30
A criatividade e a imaginação na infância:
perspectiva vigotskiana e a educação musical
Teresa Cristina Trizzolini Piekarski, Valéria Lüders

14:40
A aprendizagem da gaita-ponto sob a ótica da teoria da
autodeterminação
Paulo Cardoso, Liane Hentschke, Regina Antunes Teixeira dos Santos

14:50
Tradução e validação das Escalas Nordoff Robbins:
“Relação criança terapeuta na experiência musical coativa” e
“Musicabilidade, formas de atividade, estágios e qualidades de
engajamento”
Aline Moreira Brandão André, Cristiano Mauro Assis Gomes, Cybelle
Maria Veiga Loureiro

15:00
A música instrumental brasileira no ensino básico a partir do
repertório do choro
Camile Tatiane de Oliveira Pinto, Ana Paula Peters
Anais

Autorregulação e aprendizagem musical: uma


revisão sistemática da produção do último triênio 441
Veridiana de Lima Gomes Krüger, Igor Mendes Krüger e
1 2

Lourdes Maria Bragagnolo Frison3


1,3
Faculdade de Educação, Universidade Federal de Pelotas, Brasil
2
Faculdade de Educação, Universidade Federal de Pelotas/
Universidade Federal do Pampa, Brasil
1
limaveridiana@yahoo.com.br, 2igorkruger@unipampa.edu.br,
3
frisonlourdes@gmail.com

Resumo
Dado o crescente número de investigações que se têm produzido no domínio musical sob a perspectiva
da autorregulação da aprendizagem, entendemos oportuno o mapeamento dos escritos mais recentes
ancorados na acepção do estudante enquanto agente de seu percurso formativo. Com isso, neste estudo,
apresentamos uma revisão dos trabalhos produzidos no espaço temporal do último triênio (2016-2018)
com o objetivo principal de identificar o foco investigativo empreendido em tais produções. Como
objetivo último, o presente trabalho destaca as implicações dos achados para o campo de estudos da
aprendizagem musical. A partir do cruzamento dos descritores music, musicians, musical, self-regulation,
self-regulatory, self-regulated, realizamos a busca por trabalhos em doze bases de dados – Scopus, Web of
Science, RILM, Wiley Online Library, PsycINFO, Academic Search Ultimate, ERIC, Emerald, ScienceDirect,
Taylor & Francis, SAGE, Scielo e Word Scientific. Emergiram, da análise das 38 produções selecionadas,
cinco eixos tipológicos como foco investigativo, cada qual com suas subcategorias, a saber: 1)
mensuração; 2) constituição da agência autorregulatória; 3) estratégias; 4) desdobramentos teóricos; 5)
implicações da autorregulação para a educação musical.
Palavras-chave: aprendizagem musical, autorregulação, revisão sistemática, último triênio.

Abstract
Given the increasing number of researches that have taken place in the musical domain from the perspective
of self-regulation of learning, we consider it opportune to map the most recent writings anchored in the
understanding about the student as an agent of his formative course. Thus, in this study, we present a review
of the works produced in the temporal space of the last triennium (2016-2018) with the main objective of
identifying the investigative focus undertaken in such productions. As a final objective, the present work
highlights the implications of the findings for the field of musical learning studies. From the intersection of
the descriptors music, musicians, musical, self-regulation, self-regulatory, self-regulated, we search for
works in twelve databases - Scopus, Web of Science, RILM, Wiley Online Library, PsycINFO, Academic
Search Ultimate, ERIC, Emerald, ScienceDirect, Taylor & Francis, SAGE, Scielo and Word Scientific.
From the analysis of the 38 selected productions, five typological axes emerged as an investigative focus,
each with its subcategories, namely: 1) measurement; 2) constitution of the self-regulatory agency; 3)
strategies; 4) theoretical developments; 5) implications of self-regulation for music education.
Keywords: musical learning, self-regulation, systematic review, last triennium.

INTRODUÇÃO
O campo da educação musical tem investido em discussões a respeito da
autorregulação da aprendizagem voltadas ao domínio musical. É crescente o
número de pesquisas que têm sido produzidas sob essa perspectiva. Tais
estudos, ancorados em autores como Zimmerman (2000; 2011), McPherson,
Renwick (2011), dentre outros, buscam ampliar os horizontes compreensivos
da aprendizagem musical tomando como referência a acepção do indivíduo
aprendente enquanto agente de seu percurso formativo.
Olhar o indivíduo aprendente pelas lentes da autorregulação da aprendi-
zagem é dizer que esse é um ser que mobiliza pensamentos, sentimentos e
ações voltados à construção de aprendizagens que estabeleceu para si. Ao
argumentar que o aprendiz autorregulado é metacognitivamente, motivacional-
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

mente e comportamentalmente proativo em seus processos de aprendi-


zagem, a autorregulação é apresentada enquanto possibilidade explicativa
442 às diferenças individuais de habilidades dos indivíduos (Zimmerman,
2002), suscitando o entendimento de que tais diferenças são originadas pela
“qualidade e quantidade dos processos autorregulatórios” (Zimmerman,
2000, p.15) mobilizados pelos estudantes.
Dada essa compreensão, vê-se a preocupação, por parte de pesqui-
sadores da área, com a elucidação dos processos autorregulatórios dos
indivíduos a fim de que sejam tomados como possibilidades de construção
de habilidades musicais. Por se tratar de um processo multi-dimensional,
muitos são os direcionamentos possíveis em meio investigativo. Em função
disso, acreditamos ser oportuno o mapeamento das produções mais recentes
que se ancoram nessa perspectiva. Assim, a partir de um mapeamento dos
escritos produzidos pelo campo musical, sob o arcabouço teórico da autor-
regulação da aprendizagem, no espaço temporal do último triênio (2016-
2018), este estudo teve por objetivo primeiro identificar o foco investigativo
empreendido em tais produções. Como objetivo último, o presente trabalho
destaca as implicações dos achados para o campo de estudos da aprendi-
zagem musical.

MÉTODO
A revisão aqui apresentada foi operacionalizada mediante a consulta de
produções disponíveis em doze bases de dados, quais sejam Scopus, Web of
Science, Répertoire International de Littérature Musicale, Wiley Online Library,
PsycINFO, Academic Search Ultimate, Educational Resources Information
Center, Emerald, ScienceDirect, Taylor & Francis, SAGE, Scielo e Word
Scientific, tendo como base para a busca o cruzamento dos descritores music,
musicians, musical, self-regulation, self-regulatory, self-regulated.
A amostra compreendeu produções do espaço temporal do último
triênio (2016-2018) e teve como critério de seleção o fato de serem
trabalhos que elucidassem aprendizagem e performance musical. Não fo-
ram estipulados critérios quanto ao idioma da publicação. Contudo, as
produções do período investigado encontram-se em inglês, espanhol e
português.

RESULTADOS
O corpus analisado é constituído por 38 escritos que discutem questões
relacionadas à aprendizagem e performance musical em formato de artigos,
dissertações, teses e capítulos de livros. Tendo em vista que a revisão, aqui
apresentada, foi norteada pela questão: Qual o foco investigativo empreen-
0dido nas produções do campo musical ancoradas no arcabouço teórico da
autorregulação da aprendizagem, emergiram, da análise, cinco eixos tipoló-
gicos, a saber – mensuração, constituição da agência autorregulatória, estratégias,
desdobramentos teóricos e implicações educacionais, cada qual com suas
subcategorias.
Cumpre notar que, por tratar-se de um fenômeno multidimensional e,
também, ao considerarmos os desdobramentos trazidos pelas produções
selecionadas, não raras vezes um mesmo estudo poderia ser analisado em
Anais

mais de um eixo/subcategoria. Assim, o objetivo geral do estudo foi


utilizado como norteador de escolha do eixo tipológico ao qual o trabalho
seria vinculado. A Tabela 1 traz o quantitativo de trabalhos em cada eixo 443
tipológico.
Tabela 1: Quantitativo de trabalhos por eixo tipológico.

Eixo 1: mensuração
Diz-se que as habilidades que compõem os processos autorregulatórios
incluem o estabelecimento de objetivos proximais; a utilização de varia-
dos tipos de estratégias autorregulatórias visando cumprir com o objetivo
estabelecido; o monitoramento do desempenho; a reestruturação do
contexto físico e social, adequando-os aos objetivos estipulados; o geren-
ciamento e o uso eficiente do tempo; a autoavaliação dos métodos
adotados para cumprir com os objetivos; a atribuição de causalidade aos
resultados obtidos e a adaptação do planejamento estratégico a fim de ser
retomado um novo ciclo autorregulatório (Zimmerman, 2009). Em fun-
ção disso, elencaremos, neste eixo, os trabalhos comprometidos com a
aferição de tais componentes dos processos autorregulatórios.
Desde esse eixo, encontramos estudos que se dedicam à identificação de
comportamentos autorregulados, como os trabalhos de Montgomery, Mousavi,
Carbonaro, Hayward, Dunn (2017); Pike (2016); Pike (2017b); Veloso,
Araújo (2017); estudos dedicados à identificação de estratégias de ensino,
como em Gracia (2018) e, também, investigações que oferecem subsídios
metodológicos para a aferição de estratégias e a incidência de comporta-
mentos autorregulatórios. Temos em Miksza, Blackwell, Roseth (2018);
Mornell, Osborne, McPherson (2018) um corpo de estudos comprometidos
com a produção de instrumentos para a identificação de processos autorregu-
latórios, com destaque a McPherson, Osborne, Evans, Miksza (2017), que
apresentam a técnica de microanálise enquanto recurso sensível para
capturar processos autorregulatórios que comportam ações, pensamentos e
sentimentos e, também, informar práticas educativas. Já em Madeira, Araújo,
Hein, Marinho (2018), vê-se a preocupação com a tradução e validação de
instrumentos para aferir comportamentos autorregulados, nesse caso, o Self-
Regulated Practice Behaviour Scale (SRPB), desenvolvido por Miksza (2012),
e traduzido para a língua portuguesa.

Eixo 2: constituição da agência autorregulatória


As intenções empreendidas pelos estudos do eixo dois voltam-se à
constituição do self agêntico. Desses emergem contribuições para pensarmos
os modos pelos quais os indivíduos constroem as habilidades necessárias ao
controle da aprendizagem e da prática musical, tanto em âmbito individual,
caracterizando a autorregulação de processos de aprendizagem, a exemplo
de Santos (2018) e Hurme, Puutinen, Gruber (2018), quanto em âmbito
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

coletivo, como visto em Bruin (2017a; 2017b), implicando em uma abertura


do campo teórico à compreensão da regulação socialmente compartilhada,
444 como postulada por Hadwin, Järvelä e Miller (2011).
Ainda, no eixo dois, vê-se a preocupação dos autores com práticas
educativas que fomentem a construção de uma atuação autorregulatória.
Desde a perspectiva teórica da autorregulação da aprendizagem, entende-
se que é possível tornar-se autorregulado mediante a instrução. Em função
disso, tem crescido o número de investigações de caráter interventivo
comprometidas em fomentar tais habilidades. Dos 38 trabalhos analisados,
14 são de caráter instrucional, subdivididos em 3 subcategorias. Estudos
dedicados a fomentar a autorregulação por meio de estratégias autorregulatórias¸
como em Biasutti (2017); Mieder (2018); Platt (2016) e Mieder, Bugos
(2017); projetos desenhados com o objetivo de promover a autorregulação por
meio de recursos tecnológicos, como em Guillot, Kumar, Kinshuk (2016) e, na
subcategoria com maior quantitativo, programas de intervenções para fomentar a
autorregulação temos 9 trabalhos – Campayo-Muñoz; Cabedo-Mas (2018);
Hatfield (2016); Hatfield, Halvari, Lemyre (2016); Miksza, McPherson,
Herceg, Mieder (2018a); Otutumi (2017); Pike (2017); Ritchie, Kearney
(2018); Hatfield, Lemyre (2017) ; Power, Powell (2018) – dedicados à
elucidação de práticas promotoras de autorregulação. Desde essa subcategoria,
destacamos o trabalho de Miksza, McPherson, Herceg, Mieder (2018a) que
descrevem dois modelos de lições direcionadas à prática de sala de aula que, na
visão dos autores, incentivam os estudantes a se desenvolverem aprendizes
autorregulados.
Por fim, encontra-se, também, um trabalho – Upitis, Abrami, Varela,
King, Brook (2016) – que se ocupa em investigar uma das dimensões da
autorregulação da aprendizagem. Nesse estudo, os autores discutem as
implicações da motivação para a autorregulação, destacando a motivação
intrínseca enquanto preditora do engajamento dos estudantes.

Eixo 3: estratégias
As estratégias autorregulatórias figuram dentre os elementos de maior
destaque quando se fala em aprendizagem autorregulada. Definidas por
Zimmerman (2000, p.17) como “processos pessoais intencionais e ações dire-
cionadas à aquisição ou exibição de habilidades”, as estratégias são classificadas de
acordo com a dimensão – cognitiva/metacognitiva, comporta-mental, contex-
tual e motivacional – que se pretende controlar. A ênfase dada às estratégias
relaciona-se ao entendimento de que “estratégias apropriadamente selecio-
nadas melhoram o desempenho, auxiliando na cognição, controlando o afeto e
direcionando a execução”. Com isso, temos, desde o eixo 3, trabalhos que se
ocupam do mapeamento de estratégias (Fournier, Sala, Dué, O'Neill ; 2017) e
estudos que investigam as implicações das estratégias para a autorregulação, como
em Feely (2017); Volioti, Williamon (2016); Zachariou, Whitebread (2017);
Casas-Mas; López-Íñignez; Pozo (2018) e Gracia (2018a). Dessa última
subcategoria, destacamos o estudo de Gracia (2018a), que nos apresenta uma
revisão teórica a respeito de quatro estratégias de autoavaliação, propondo a
utilização do portfólio eletrônico como meio de monitorização e avaliação da
aprendizagem por parte do estudante e, também, enquanto instrumento de
auxílio ao docente para o acompanhamento do desempenho do estudante.
Anais

Eixo 4: desdobramentos Teóricos


Aqui encontramos, em Araújo e Hein (2016), a articulação de dois 445
campos teóricos que têm sido difundidos pelas investigações do campo
musical por tratarem de elementos importantes para/na aprendizagem e
performance. Nesse, os autores apresentam correlações entre autorregulação
e fluxo e, embora salientem que os achados não podem ser considerados
causais, apresentam-nos indícios empíricos de que a autorregulação possa
ser um preditor relevante de disposição para experiências de fluxo. Com
isso, os autores sugerem que “pesquisas experimentais poderiam ser
conduzidas para testar o efeito de uma intervenção de estratégias autor-
reguladas na experiência de fluxo dos estudantes” (Araújo, Hein, 2016,
p.33-34).

Eixo 5: implicações da autorregulação para a aprendizagem musical


Por fim, o eixo cinco, que abrange escritos de natureza teórica, apresenta-
nos revisões de estudos vinculados ao campo investigativo da autorregulação
da aprendizagem com destaque aos que vislumbraram a elucidação da
aquisição de habilidades musicais. Em Marijan (2017); Mieder (2017);
McPherson, Miksza, Evans (2018), o leitor encontra, desde apontamentos
teóricos acerca dos processos e dimensões que compõem a autorregulação
aplicados ao domínio musical, até reflexões em torno das limitações de tais
produções. Há, nesse conjunto de escritos, um elemento de destaque: ambos
argumentam em favor do potencial que a autorregulação da aprendizagem
abrange para construção de habilidades musicais e, em função disso,
ressaltam a importância de se adotar propostas pedagógicas centradas no
estudante com a finalidade de fomentar o desenvolvimento de habilidades
autorregulatórias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Debruçamo-nos nos estudos do campo musical que assumem a
agentividade enquanto gênese da construção formativo/musical com
o intuito de fazer emergir o foco investigativo empreendido em tais
investigações. Como apontamentos finais deste trabalho, destacamos
os diferentes escopos que têm pautado as pesquisas vinculadas a esse
arcabouço teórico. Entendemos mensuração, constituição da agência
autorregulatória, estratégias, desdobramentos teóricos e implicações educa-
cionais enquanto eixos complementares a uma melhor compreensão
dos elementos que compõem a autorregulação da aprendizagem quando
pensada em âmbito musical.
Entendemos que a autorregulação da aprendizagem tem se mostrado
profícua para pensarmos a construção de habilidades musicais e que o
mapeamento das produções, aqui apresentado, oferece-nos diferentes
contribuições para pensarmos a aprendizagem, a performance musical e o
agir pedagógico em diferentes contextos educativos.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

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Anais

Musical Phrasing: Shaping analysis by


general timing of melodic lines based on Meyer’s 449
theory of syntax
Samuel Henrique da Silva Cianbroni,1 Gilles Comeau2 e
Regina Antunes Teixeira dos Santos3
1, 3
PPGMUS, Federal University of Rio Grande do Sul, Brazil
2
School of Music (Piano Lab), University of Ottawa, Canada
1
samcianbroni@hotmail.com, 2 gcomeau@uottawa.ca, 3 regina.teixeira@ufrgs.br

Abstract
The present study reports ways for phrasing the melodic line of pieces from different periods and styles,
performed by graduate students in a preliminary reading. The study is grounded on Meyer`s Theory
(1989) who considers music as language that has syntactic structures for conveying meaning. In a quasi-
experimental approach, three advanced students separately learned three different pieces (dances) by three
distinct composers (Haydn, Chopin, and Bartók) over the course of two practice sessions. In the first
session, the students practiced each piece for thirty minutes using the score and then recorded one
performance. In the second session the procedure was the same, except that some commercial recordings
were made available for consultation by the students. This study showed that phrase shaping is
manipulated through the timing, and direction of the melodic line, and both are based on stylistic features
known by participants. In addition, recordings seem to have an important role in a preliminary reading
and may influence interpretive choices.
Keywords: musical phrasing; performance traditions; musical knowledge; musical styles.

Resumo
O presente estudo relata formas de frasear a linha melódica de peças de diferentes períodos e estilos,
tocadas por estudantes de pós-graduação em uma leitura preliminar. O estudo está fundamentado na
teoria de Meyer (1989) que considera música como linguagem a qual tem estruturas sintáticas para
transmitir significado. Em uma abordagem quase-experimental, três estudantes avançados aprenderam
separadamente três diferentes peças (danças) de três compositores diferentes (Haydn, Chopin e Bartók)
ao longo de duas sessões de estudo. Na primeira sessão, os estudantes praticaram cada peça por trinta
minutos usando a partitura, e então gravaram uma performance. Na segunda sessão o procedimento foi
o mesmo, exceto que algumas gravações comerciais estavam disponíveis para a consulta dos estudantes.
Este estudo mostrou que a forma de frasear é manipulada através do tempo e direção da linha melódica,
que ambos estão baseados nas características estilísticas conhecidas dos participantes. Além de que as
gravações parecem ter um papel importante numa leitura preliminar e podem influenciar escolhas
interpretativas.
Palavras-chave: fraseado musical; tradições de performance; conhecimento musical, estilos musicais.

INTRODUCTION
Musical phrasing can be performed in several ways depending on the
musician’s knowledge of composers, styles, and performance traditions. Meyer
(1989, p. 3) defines style as “a replication of patterning, whether in human
behavior or in the artifacts produced by human behavior that results from a
series of choices made within some set of constraints”. These constraints may
pertain to conventions found in compositions of certain time period. In the
case of performance, this definition of style can be related to the customs of
playing compositions from different periods and different composers.
In his theory of style, Meyer (1989) understands music as language that has
syntactic structures for conveying meaning. This means that groups of musical
elements, like melodic cells or cadences for instance, are used for communi-
cating some “message”. This message is understandable because it is context-
ually relevant to the composer of the piece, and the time period in which it was
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

written. Following this idea, Agawu (2009) says that like in a verbal
composition, music organizes itself in phrases and segments.
450 From Hewitt’s perspective (2009), styles are related to musical and extra
musical influences according to practice communities. This argument infers
that different ways of playing are based not only on creativity, but also on rules
and conventions. Clarke (2006) considers that the creativity can be questioned,
because some interpretative conceptions are expected by the public.
Furthermore, one could consider that these conceptions may also result from
several sources of knowledge, among them, commercial recordings (Fabian,
2017).
Taking into account performance traditions, the patterns within a
composition may be played in different ways while still observing the
conventions (constraints) dictated by the style. In this sense, ways of
phrasing a melodic line may be influenced by performance traditions
(nowadays registered through recordings), but, it involves also knowledge
and creativity of the performer. The present study reports ways of phrasing
the melodic line in pieces from different periods and styles, performed by
graduate students in a preliminary reading.

METHODOLOGY
This study used a quasi-experimental approach: three advanced students
separately learned three different pieces (dances) by three distinct composers
(Haydn, Chopin and Bartók) over the course of three practice sessions, each
one divided into two parts. In the first part, they practiced each piece for thirty
minutes using just the score and then recorded one performance. In the
second part the procedure was the same, except that some commercial
recordings were made available for consultation by the students. Data were
analyzed based on Meyer’s style theory, conceptualizing the manipulation of
timing to shape a phrase as a language (syntax of music). This phrase
language was based on the students’ artistic choices, and shows to what extent
they situate their performance within stylistic performance traditions.
Semi phrases structures were considered for analyses. The following pieces
were employed as stimuli: (i) Haydn’s minuet and trio (2nd movement) of
Sonata in C major Hob XVI n. 10; (ii) Chopin´s Mazurka Op. 33 n. 3; and
(iii) Bartók´s Old Dance Tunes from Fifteen Peasant Songs. For the analysis,
only the melodic line was considered, and the duration of melody was
counted according to the onset of the first note from the melody. Haydn’s piece
was divided into twenty six semi phrases (four and six bar segments,
approximately), with repetitions) in this way: 4 + 4 :|: 4 + 4 + 4 + 6 :| 4 + 4 :|:
4 + 6 :|| (menuet da capo). Chopin´s Mazurka was divided into twelve semi
phrases of four bars approximately (no repetitions), while Bartók´s piece was
divided into seventeen semi phrases of three bars. All performances played by
participants were recorded in MIDI format.
The commercial recordings provided to the participants were by the
following pianists: Andrew Remilliard, Arthur Bsalm and Gabriel Romero for
Haydn. Arthur Rubinstein, Guiomar Novaes and Seong Jin Cho for Chopin.
Finally, Annie Fischer, Sviatoslav Richter and Zontán Fejévári for Bartok. All
of these recordings were available on the website youtube.com and downloads
were made in wave format.
Anais

For counting purpose, the time of the ensuing segment (starting on the
second segment) was subtracted from the previous one, and so on. For the last
segment, in MIDI file, the last note of melody plus its duration was used, and 451
in wave files, the onset of the last note was used.
Each participant was given a pseudonym (Abigail, Iara and Jerônimo) in
order to maintain anonymity.

RESULTS AND DISCUSSIONS


Figure 1 shows the phrasing of Haydn’s piece as played by each participant
in session 1 (a) and session 2 (b). For comparative reasons, the phrasing
extracted from the commercial recordings available for consultation are also
included (c). Each point represents a semi-phrase (four and six bar segments
approximately).

Figure 1: General phrasing of Haydn’s minuet and trio: (a) Practice session 1; (b) Practice session 2
compared among participants (blue – Abigail; red – Iara; yellow – Jerônimo).; (c) Phrasing from commercial
recordings (orange – Remilliard; dark blue – Balsam; purple – Romero) X axis: number of semi phrases.¹ Y
axis: time duration (ms). Note: There is a lack in the continuity of Abigail’s line in a,
is because she forgot the repetitionn her first performance.

As shown in Figure 1, in the case of Haydn’s Minuet and Trio, one can denote
a phrasing performance pattern. The phrase shaping is very similar among the
participants and professional recordings. The Figure 1 shows a pattern of
accelerating (down) and de-accelerating (up), suggesting a compensating
balance in the organization of phrasing. As shown in the last four points (points
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

22-25, Figure 1), the Menuet da Capo interpretation displays a reverse profile,
i.e.: de-accelerating (points 22-23), followed by accelerating (24-25). A de-
452 accelerating is observed in points 5-8, while in points 9-12 (repetition), the
tempo is compensated (accelerating). In the Trio section (points 13-16),
regularity is provided by eighth note motive which changes the musical
character of the piece. Until this point, the Minuet was marked by a figuration
which demanded a broader gestuality. This aspect is an implicit component of
the procedural knowledge within stylistic conventions in eighteenth-century
rhythmic language, that takes into account hierarchical organization of
rhythmic classes in terms of syntactic categories (Yust, 2018; Mirka, 2009).
The participants played faster in the second practice session (Figure 1b),
but the line shaping remains almost the same, except for the general tempo
(slightly faster).

Chopin
Figure 2 shows the phrasing of Chopin´s mazurka as played by each
participant in session (a) session 1 and (b) session 2. For comparative
reasons, the phrasing extracted from the commercial recording available
for consultation are also included (c). Each point represents a structural

Figure 2: General phrasing of Chopin’s mazurka.: (a) Practice session 1; (b) Practice session 2
(participants: blue – Abigail; red – Iara; yellow – Jerônimo). (c) Phrasing from commercial recordings
(orange – Guiomar; dark blue – Rubinstein; purple – Seong Jin Cho); X axis:
number of semi phrases.² Y axis: time duration (ms).
Anais

The interpretative choices made by the professional pianists (commercial


recordings) of Chopin´s mazurka op. 33 n.3, seems to have been indicated by
the structural organization based on periodicity of antecedent and consequent. 453
It is worth noting that this logic implies inflections of accelerating and de-
accelerating or vice-versa. Another approach would be the one described by
Yust (2018, p. 36, 37), based on Schenker approach. According to Yust (2018),
there is no affirmation of tonic (C major) chord on the theme of the Chopin’s
mazurka op. 33 n.3, which creates instability on the dominant chord. There-
fore, the E major chord that starts the consequent affords potential stressing
point through its prolonged duration, according to the agogic accent.
In the performances of the professional pianists, such behavior can be
identified in the first four points in Figure 2c, which will be reprised in points
8-12, which in turn is reversed in the first four points, probably for principles
of variation in interpretative choices. Between points 5-8, one can denote a
similar pattern among the pianists: 5-7 (accelerating) and 7-8 (de-accelerating).
Such choices may result from the fact that this section (B) consist of a phrase (8
measures), which is repeated. The repetition (which is fully written and not
signaled with a repetition sign in the edition that we used) is more dense
(melody expressed with sixths and thirds) which in turn may demand a de-
accelerating movement. The peak achieved in point 8 corresponds to the
return to section A which is reached through a four-note arpeggio which
seems to function as taking a breath to further attack in piano and dolce (m. 33).
Regarding the participants in the first practice session (Figure 2a), Abigail
interpretation’s profile was similar to that of Rubinstein, although in slower
tempo. It is worth recalling that in this first session, the participants have not
listened to the commercial recordings. Iara played practically without tempo
inflections (up to point 6), and Jerônimo opted for a phrasing which does
not mark the antecedent-consequent logic: he accelerates in the first eight
measures, and then de-accelerates in the repetition. It is worth noting that
the peak at 8 is also observed in the case of the participants’ performance.
In the second collecting section (Figure 2b), one can observe an
increasing in general tempo and changing of phrasing mainly in the case of
Abigail. Iara played without timing variation and Jerônimo’s interpretation
seemed very similar if compared with that of his first session except for the
general tempo and the opposite movement in the first semi phrase. In
Jerônimo´s case, there is much similarity with the performances of Guiomar
and Rubinstein recordings, which suggests that these recordings may have
influenced Jerônimo’s interpretative choices.
Comparing to the performances between Chopin´s Marzuka and
Haydn´s Minueto and Trio, one can infer that in the latter, the participants
disposed of a set of similar interpretative choices, being in agreement with the
homogeneity observed among the three chosen commercial recordings. On
the other hand, in the case of Chopin´s Mazurka interpretation, the syntax
seems not to be consolidated, in spite of the proximity between Abigail’s
(neglecting the differences in tempo) and Rubinstein interpretations.

Bartók
Figure 3 shows the phrasing of the Bartok’s piece as played by each
participant in (a) session 1 and (b) session 2. For comparative reasons, the
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

phrasing extracted from the commercial recording available for consultation


are also included (c). Each point represents a structural segmentation of the
454 phrase. One can note that there are considerable differences among the
profiles. In spite of this, a small pattern can be extracted. Particularly in the case
of the commercial recordings, one can denote structural cues. For the sake of
clarity, some structural analysis of the work is necessary. This dance is
thoroughly built on a sole melody (Dorian), which is repeated four times, in
three distinct textures, namely: Unison (12 bars), melody and counter-melody
(12) and homophony (accompanied melody – 12 + 12). In the latter, the two
occasions where the melody is presented, there are dynamic differences (forte
and fortissimo). In the last presentation (fortissimo), the structure of the
accompaniment stress a harmonic modification that conducts, in the last part
of this melody, to a tonal ending with a surprise effect.
According to Figure 3c, Fischer and Richter make the same pattern in the
first four points, which corresponds to first presentation of the melody,
which presents a general descending contour (m. 1-6), followed by a
sequence-based contour 3 + 3. In terms of the melodic line, these pianists
value the movement towards the conclusion of the sentence by decreasing
tempo as shown by the increasing line (points 3 and 4). Jerônimo was
slightly concerned with this procedure in the first practice section (Figure
3a). In the second one, he and Yara approach the same interpretative choices
as the professional pianists (Figure 3b).
It is worth indicating that for points 9-10 (Figure 3b), it seems that Abigail
and Yara, in the second practice session, have been inspired by Féjervári.
Thus, in the case of commercial recordings (Figure 3c), in their last points
(14-16), there are differences in the interpretative choices, seeming to value
the harmonic modifications occurring in last presentation of the melody (m.
39-49). Conversely, analyzing the interpretation of the participants, it seems
that this harmonic value has not been expressed, considering the straight line
observed in the first practice session (Figure 3a). In the second practice session,
it seems that they are slightly sensitive to these modifications, probably after
listening to the recordings. For instance, it seems that in points 14-16 (Figure
3b), the participants have been influenced by the performances of Richter,
specially Abigail and Jerônimo (Figure 3c).
Another interesting point is that in the first practice session (Figure 3a),
the participants are really far from the recordings performances in terms
of the general tempo (Figure 3c). In the second practice session (Figure 3b)
one can see a big increase in the general tempo.
In Bartók´s performances the regularity seems to be more accurate
(except on the peaks). Here, there seems to be no pattern in the way of
phrasing, different from Haydn and Chopin. It is worth noting that
Jerônimo and Abigail had never played Bartók until this study, which
shows us that each participant played the melodic line based on their own
thoughts about the style.
On cannot neglect that the 20th century period is marked with different
compositional principles (dodecaphonic, neoclassic, impressionism, serial
music, electro acoustic and so on), and the participants might have less
familiarity with works written in this compositional period. Perhaps,
specifically the lack of references for Bartók’s works by the participants may
Anais

have influenced their performance intentions. Performative differences here


detect in terms of general phrasing will be furthered studied.
455

Figure 3: General phrasing of Bartók’s dance. (a) Practice session 1 (b) Practice session 2 compared
among participants (blue – Abigail; red – Iara; yellow – Jerônimo). (c) Phrasing from commercial
recordings (orange – Fischer; dark blue – Richter; purple – Féjervári) X axis:
number of semi phrases.³ Y axis: Time duration (ms).

CONCLUSION
This study shows that some set of constraints seems to be more rigorous
in Haydn’s performances, relatively flexible in Chopin’s, and quite flex-
ible in Bartók’s.
The results also demonstrated a considerable increase in the general tempo
of the performances in the second practice sessions, with more fluency in the
melodic line. Somehow, it was expected because in this session the participants
were more familiar with the pieces. These performances also seemed to show
an imitation of the phrasing in the commercial recordings mainly for Chopin
and Bartók’s performances, reflecting some influence beyond the students’
creativity.
From the perspective of Meyer’s style theory, the results show how
different ways of phrasing a melodic line seem related to the composer’s
language, and the performers’ understanding of the composers’ styles and
performance traditions. Results also suggest that the participants had a
tendency to maintain familiar performance traditions, primarily in relation
to composers with whom they had prior knowledge.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Aknowledgments: To the Piano Pedagogy Research Laboratory team from


University of Ottawa where part of the analysis was made. S.H.S.C thanks Capes
456 for the grant. R.A.T.S. thanks CNPq (Projeto Universal 409012/2016-5).
Notas
1 There are different amounts of beats in each segment (S): S1= 13.5 beats; S2 = 10.5; S3 = 13.5;
S4 = 10.5; S5 = 13,5; S6 = 10,5; S7 = 13,5; S8 = 16,5; S9= 13,5; S10 = 10,5; 1S1 = 13,5; S12 = 17;
S13 = 12; S14 = 12; S15 = 12; S16 = 12; S17 = 12; S18 = 18; S19 = 12; S20 = 17,5; S21 = 13,5; S22
= 10,5; S23 = 13,5; S24 = 10,5; S25 = 13,5 and S26 = 16;5.
2 There are different amounts of beats in each segment (S): S1= 13 beats; S2 = 12; S3 = 12; 4 = 11; S5
= 13,5; S6 = 11,5; S7 = 12; S8 = 12; S9= 12; S10 = 12; S11 = 12 and S12 = 11. Totaling 144 beats.
3 There are no different amounts of beats in each segment. Each one has 3 beats.

References
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University Press.
Bartók, B. (1920). Fifteen Hungarian Peasant Songs: Old Dance Tunes n. 7. Vienna:
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Bartók, B. (2016). Fifteen Hungarian Peasant Songs. Interpretation of Zoltán Féjevári. Live
performance in Béla Bartók Concert Hall, Budapest/Hungary. Retrieved from
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Chopin, F. (s/d). Mazurca op. 33 n. 3. Interpretation of Seong-Jin Cho. Live recording in
Chopin Varsaw International Competition, 2015. Retrieved from
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Clarke, E. F. (2006). Making and hearing meaning in performance (p.24). Nordisk
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Haydn, J. (s/d). Sonate in C major, Hob XVI n. 10. Interpretation of Andrew Remillard.
Retrieved from https://www.youtube.com/watch?v=d8pOJWi3lvE.
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Hernandez Romero. Retrieved from
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teaching and assessment of music in higher education. Arts and Humanities in
Higher Education, 8 (3), 329-337. University of Strathclyde: Glasgow (UK).
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University of Chicago Press.
Mirka, D. (2009). Metric Manipulations in Haydn and Mozart. Chamber Music for Strings
1787 – 1791. Oxford University Press.
Yust, J. (2018). Organized time. Rhythm, Tonality and Form. Oxford University Press.
Anais

Tradições de ensino e aprendizagem pianística


com professores e alunos brasileiros 457
Rebecca Silva Rodrigues , Regina Antunes Teixeira dos Santos
1 2

1,2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
1
rebes_rodrigues@yahoo.com.br, 2regina.teixeira@ufrgs.br

Resumo
O intuito deste artigo é apresentar os dados preliminares de uma pesquisa de doutorado em andamento.
O objetivo é investigar, através da observação, análise de vídeos e entrevistas, as diferentes maneiras e
abordagens de ensino usadas por professores de piano cujo ensino tem se destacado no cenário nacional
e acadêmico e onde os mesmos estariam conduzindo seus alunos a construir e a aperfeiçoar a
performance de uma dada obra. Na presente comunicação apresenta-se dados preliminares de 6 profes-
sores e 10 alunos de piano. No decorrer da análise de dados surgiram potenciais conceitos de ações
realizadas por professores durante as aulas de piano e como essas ações evidenciaram a complexidade do
ensino durante uma aula individual de piano.
Palavras-chave: Aula de piano, ensino e aprendizagem, ensino instrumental individual, professor
de piano

Abstract
The purpose of this paper is to present preliminary data from ongoing doctoral research. The goal
is to investigate, through observation, video analysis, and interviews, different ways and approaches
of teaching used by piano teachers whose teaching has excelled in the national and academic context
and where they would be leading their students to build and perfect. This paper presents preliminary
data from six teachers and ten piano students. During the data analysis, potential concepts of actions
taken by teachers during piano lessons emerged and how these actions highlighted the complexity
of teaching during an individual piano lesson.
Keywords: Piano class, teaching and learning, individual instrumental teaching, piano teacher

INTRODUÇÃO
A relação de ensino e aprendizado instrumental individual da música
de concerto ocidental tem sido discutida e apresentada na literatura
internacional como ensino um para um¹ (Nerland 2007; Carey & Grant,
2014; Gaunt, 2017) ou aula/ensino em estúdio² (Kennell 2002; Burwell,
2012). As aulas no modelo um para um são consideradas como uma parte
indispensável da aprendizagem instrumental (Gaunt, 2007; 2017; Carey
et tal., 2013). Em vista disso, grande parte da literatura transmite uma
sensação de que o ensino individual desempenha um papel valioso na
formação de músicos profissionais. Em sua maioria, a performance de um
músico no contexto da música de concerto, é o resultado de eventos que
acontecem entre aluno e professor na privacidade da aula de estúdio,
sendo os professores agentes musicais, os modelos e as forças motivadoras
para os seus alunos (Campbell, 1991).
Por se tratar de um contexto em que é característico por seu isolamento
(Young, Burwell & Pickup 2003; Gaunt, 2007; Mcphail, 2010) muitas possibi-
lidades de pesquisas e investigações podem ser oferecidas (Triantafyllaki, 2005).
A variedade entre as abordagens dos professores às aulas instrumentais parece
ser vasta, dependendo não apenas das diferenças entre os participantes
individuais, mas também das tradições históricas e práticas associadas aos seus
instrumentos especializados. Entretanto, embora muitos dos estudos que
enfoquem o ensino e a aprendizagem instrumental busquem as visões dos
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

professores sobre o que acontece nas aulas individuais, é relativamente raro


que as origens de tais concepções serem investigadas (Burdwell, 2012).
458 O escopo da investigação centrou-se no âmbito da tradição de ensino e
aprendizagem instrumental da música de concerto ocidental, focando-se
nas aulas de eminentes professores de piano atuantes no contexto brasileiro.
Tal tradição é compartilhada pela comunidade de prática pianística que
estuda, mantém e sustenta a produção de um vasto repertório musical
(mesmo que sempre em constante desenvolvimento) e que consta, até
agora, cerca de mais de mais de trezentos anos de abrangência (Chiantore,
2001). Esta comunicação é um recorte de uma tese de doutorado em
andamento cujo objetivo é investigar as diferentes tradições de ensino
usadas pelos professores de piano cujo ensino tem se destacado no cenário
nacional e acadêmico.

METODOLOGIA
Um estudo de levantamento foi realizado com dezesseis participantes,
dos quais seis são professores de piano (P1, P2, P3, P4, P5 e P6) cujo
ensino tem se destacado no cenário brasileiro, que atuam ou já atuaram
em universidades brasileiras, e também possuem carreira artística ativa.
Foi pedido aos professores que indicassem alguns de seus alunos para
participarem, voluntariamente, da pesquisa. Dez alunos (A1 a A10)
aceitaram o convite para participar da investigação, sendo eles, oito
estudantes de graduação e dois de pós-graduação. As técnicas de pesquisa
utilizadas foram a de observação de vídeo e entrevista semiestruturada.
A coleta de dados foi dividida em duas partes: i) gravação da aula e
entrevista com os alunos, ii) entrevista com o professor sobre suas concepções
de ensino que será realizada após análise final dos casos. A primeira parte da
coleta compreendeu a gravação durante as aulas de piano dos professores e
seus respectivos alunos com o objetivo de registrar as orientações passadas
aos estudantes, isto é, meios consistentes de elencar o foco do professor
durante as situações da construção da performance de peças do repertório.
Com o intuito de acompanhar a construção de uma dada obra, as gravações
das aulas ocorreram, em sua maioria, em duas a três etapas: i) primeira ou
segunda aula da peça³; ii) aula próxima a uma performance pública. A
intenção de acompanhar as aulas em momentos distantes foi de perceber as
diferenças das aulas durante o trabalho inicial da obra e em estágio avançado.
As aulas foram gravadas em áudio e vídeo. A seleção das obras foi definida
em função do repertório dos participantes, sendo escolhida aquela/s que,
se possível, o professor ainda não havia escutado/trabalhado em aula, ou
aquela/s em que o professor teria escutado/trabalhado apenas uma vez.
Assim, o acompanhamento do tralhado do professor com o aluno pudesse
ser investigado. Para a presente comunicação serão apresentados dados
sobre o levantamento com total de dezesseis participantes coletados.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
Aos alunos foi perguntado sobre seus principais objetivos e aspectos mais
estudados na obra, antes da primeira aula. De maneira geral para os alunos
investigados (N=10), a preocupação mais premente frente à primeira aula
Anais

era de trazer a peça com segurança e de maneira mais fluente possível, ou


ainda, quase de memória, como relatou o aluno A3:
(...) Eu tento geralmente já decorar, até porque eu não tenho 459
uma leitura muito boa, (...) então, eu tento deixar ela (a peça)
bem segura pra vir pra aula. (Aluno A3 em entrevista após a
primeira aula para o professor P2).

Nove dos dez alunos investigados comentaram ser essa sua preocupação
para a primeira aula de piano. Essas preocupações iniciais demonstradas pelos
alunos frente às aulas de piano que iriam participar podem ser muito
semelhantes àquelas de muitos alunos de piano (e instrumento) nesta tradição
de concerto ocidental, pois se percebe a intencionalidade de se deixar a obra
lida de uma maneira apresentável para uma primeira performance em aula,
conforme já abordado por Hyry-Beihammer (2010, 2011).
Quanto aos aspectos mais trabalhados pelos alunos, estes variaram em
função das especificidades da obra estudada assim como do nível de
familiaridade com a peça estudada. Como ilustração podemos trazer o exem-
plo do aluno A1 que, para o estudo do 3º movimento da Sonata Op. 31 nº 3
de Beethoven, afirmou ter se voltado para as harmonias a fim de ajudar na
memorização pelo fato de se guiar “muito pela harmonia na hora de
memorizar”. O aluno A1 também declarou ter trabalhado aspectos como
articulação, fraseado e também a polifonia. Outro participante (A9), declarou
que para primeira aula se concentrou em realizar “uma boa leitura” e
também “resolver a maioria dos problemas técnicos e musicais que eu
conseguia”. Já A2 mencionou ter seu foco na resolução de dedilhados com o
objetivo de “pegar mais velocidade para entrar no andamento” pretendido.
Na literatura, ao investigar aulas do pianista e professor Matti Raekallio
na Finlândia, Hyry-Beihammer (2010, 2011) observou que as aulas
começavam tipicamente com o aluno tocando a peça inteira, em prefe-
rência, de memória. Este tipo de comportamento foi uma recorrência
intencional em todas as 10 aulas observadas nesta pesquisa, e fez surgir um
primeiro conceito característico da aula de instrumento na tradição de
concerto ocidental, aqui denominada de simulação de performance. Entende-
se por simulação de performance a (primeira) realização instrumental da peça
em estudo que é trazida para ser trabalhada na situação de aula de piano.
Outro aspecto apontado por Hyry-Beihammer (2011) foi que a aula de
piano no modelo do estúdio parece consistir em um número de seqüências
que inclui a execução do aluno, feedback do professor, seguido por uma
nova tarefa para o aluno e, finalmente, pela reação do aluno como base para
o próximo ciclo. Todas as aulas aqui coletadas contiveram esse modelo,
embora possa ser possivel perceber especifidades de professor a professor em
termos dos processos de instrução, a seguir detalhados.
Na presente pesquisa, na primeira vez que o aluno A1 tocou em aula o
3º movimento da Sonata Op. 31 nº 3 de Beethoven o principal foco de P1
foi incentivar a compreensão e reflexão do caráter indicado na partitura
como um guia nas escolhas interpretativas. Algumas das falas do professor
P1 que ilustraram esse aspecto foram: “Agora para mim o minueto sempre
vai jogar com esse elemento de graciosidade e de movimento que tem a
ver com a articulação” ou ainda, “não pense em moderato como uma coisa
lenta, mas como algo não lento e nem rápido... Mas, fluido, gracioso... o
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

gracioso é porque existem essas articulações que ele (Beethoven) especifica


nas suas ligaduras, pontos...”. A construção da obra ocorreu através e com
460 base na indicação deixada por Beethoven na obra: moderato e grazioso.
Entre seus modos de instruir o aluno, P1 apresentou alguns tipos de
feedbacks sobre a execução do aluno, demonstrações tocadas e cantadas,
sugestões acompanhadas de justificativas e/ou explicações. Um aspecto
diferencial da aula de P1 foram suas sugestões argumentativas. Essas sugestões
eram constituídas de argumentos fundamentados, e pelo fato de não
possuírem um caráter prescritivo: cabia ao próprio aluno pensar e escolher
o que fazer com a sugestão dada.
No caso de P4, diversos aspectos musicais distintos foram abordados
conforme o momento da aula. Em uma primeira observação, poder-se-ia
cogitar falta de elo, ou estruturação por parte do professor ao longo de suas
ações durante a aula observada. Entretanto, com as revisões da descrição da
aula e, fundamentando-se nos depoimentos do estudante, pode-se perceber
que esta maneira de trabalhar os conteúdos acabava tendo uma funciona-
lidade em termos de abordagem de ensino. Dessa forma a finalidade de P4
parecia ser desconstruir conceitos pré-formatados e em auxiliar A7 a dar
significado e redirecionamento aos elementos musicais (fraseado, dinâmica,
articulação), sempre fundamentados na análise das funções harmônicas. Por
exemplo: “você precisa olhar para a dinâmica, pra essas regiões diferentes da
tonalidade” ou “você não está sabendo pra onde... pra que águas você está
navegando ai?” e também “o que está acontecendo? Pra onde que a gente
foi?”. Para isso, entre seus principais modos de instrução estavam: explicação,
análise, instrução guiada do que e como realizar e escutar, correções e também
demonstrações que complementavam suas explicações. Entende-se aqui por
instrução guiada, a ação de ensinar trazendo uma solução instrumental e/ou
musical para o estudante de maneira mais objetiva possível. Em alguns
momentos, essas situações podem parecer serem prescritivas, mas nos dados
aqui observados e descritos surgiram como indicações seguras daquilo que o
aluno precisava fazer e como este deveria proceder. Outro ponto caracterís-
tico da aula de P4 foi a preocupação demonstrada em escutar atentamente as
dúvidas e ideias trazidas por A7. Além disso, pode-se observar um bom
entrosamento entre aluno e professor, bem como um diálogo aberto também
foram observados.
Assim como P4, P5 também abordou diversos aspectos durante a aula
como um todo, tais como técnica, dedilhado, dinâmica, modulação
harmônica, fraseado/contorno musical e articulação. Porém, apesar desses
vários aspectos terem sido abordados, seu foco principal (plano de fundo)
parecia ser fornecer bases (técnico-musicais) para que o aluno tivesse uma
maior conscientização do que estava executando, viabilizando assim um
significado potencial ao conteúdo musical expresso na partitura. Entre suas
ações mais observadas estavam o seu próprio processo de deliberação em que,
antes de sugerir algo ao aluno, o próprio P5 buscava (dedilhando ao piano
e através de reflexão) a melhor alternativa ou a melhor resolução/opção a
ser definida e executada. Dessa forma, o conceito de processo de deliberação
é aqui definido como a simulação performática do próprio professor, que
testa intencionalmente um dado trecho para poder imbuir de decisões e
escolhas (tácitas) que ajudarão a orientar o aluno em suas tomadas de
Anais

decisões. P5 realizou este tipo de ação em todos os problemas apontados ao


aluno e na maioria das suas correções e sugestões. Além de correções e
sugestões serem alguns de seus modos de instruir, houve também a instrução 461
guiada sobre as maneiras do quê e como o aluno deveria realizar/executar. As
instruções guiadas de P5, em sua maioria, foram reforçadas por tipos de
demonstrações. A demonstração por si, no contexto da investigação, é
caracterizada por possuir um modelo/molde definido e resolvido na mente
e na execução do professor, porém, sua finalidade variou conforme intenção
didática de cada professor. A literatura denomina esse conceito como
modelagem (Tait, 1992; Burwell, 2012; Carey & Grant, 2014; Gaunt, 2017,
por exemplo). Tait (1992) descreveu três tipos de modelagem, a saber: (i)
modelagem musical (o professor apresenta um modelo daquilo que deseja
transmitir vocal ou instrumentalmente), (ii) modelagem aural (o professor
fornece um modelo fonético incluindo o cantarolar ou entoar para
transmitir uma determinada ideia musical ou enfatizar algo) e (iii) mode-
lagem física (expressões faciais, gestos físicos, ou movimentos de regência).
Nas observações aqui realizadas, algumas das demonstrações observadas no
caso de P5, ocorreram como: (i) Demonstração molde ou modelagem musical
(Tait, 1992): situações que P5 exemplificava performaticamente como gos-
taria que o aluno fizesse; (ii) Demonstração espelho: situações que P5 imitava
a execução do aluno (A8), fazendo o aluno perceber/reconhecer sua própria
execução; e (iii) Demonstração oposta: situações que P5 executava um modelo
considerado não ideal/errado para o professor.
Na primeira aula de A10, P6 abordou diferentes elementos musicais no
decorrer da aula, tais como: direcionamento e contorno de frases, pedal,
gesto, técnica, clareza do conteúdo musical e projeção melódica. Porém,
como plano de fundo dos aspectos musicais abordados, estava o foco de
P6 em dar orientações e suportes sobre como o aluno deveria estudar e
construir a obra preparando para uma performance pública. Durante a
aula, muitas estratégias de estudo foram empregadas por P6, algumas delas
foram pedir que A10 estudasse elementos separados ou realizasse agrupa-
mentos, como se a aula fosse um estudo privado assistido e monitorado pelo
professor. Entende-se por monitoramento cíclico um processo de inspeção
reflexiva da parte do professor daquilo que está sendo executado e compre-
endido pelo aluno durante sua prática. Dentro deste processo, algumas ações
foram observadas, entre elas: a instrução guiada (descrição do quê e como o
aluno deveria executar ou estudar), correções e demonstração. As ações dos
professores nas situações de aula de instrumento são descritos na literatura, em
sua maioria, na forma de comportamentos segmentados. Burwell (2012), por
exemplo, apontou comportamentos verbais do professor de instrumento, a
saber: (i) informativos (informações do instrumento, performance, princípios
musicais ou assuntos extra aula), (ii) elicitativos (quando o professor suscita
uma resposta do aluno podendo ser tocada ou falada), (iii) coaching (ações de
aconselhamento, apoio, orientação e encorajamento) e (iii) feedback (observa-
ções, análises da performance). Entretanto, entendemos que o professor de
instrumento, tal qual o professor P6 aqui investigado, realiza uma dinâmica
cíclica de ações em um processo contínuo de monitoramento cíclico, que
compreende um ciclo de ações de instrução, supervisão e ajustes coorde-
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

nados visando uma dada meta a ser atingida, conforme já havia apontado
por Hyry-Beihammer (2010, 2011), porém, não conceituado.
462 P2 concentrou-se em resolver alguns problemas de execução tais como
técnica, gesto e dinâmica implícitos na partitura. Porém, sua maior preocupação
durante a aula estava em auxiliar A3 na realização do primeiro movimento da
Sonata Op. 90 de Beethoven em termos de contorno fraseológico através do
gesto (o procedimento de técnica que o professor fundamenta-se tem maneiras
de como realizar os movimentos, que vão ao encontro com aspectos da técnica
Taubman). Seus modos de instrução consistiram, de forma geral, em instrução
guiada, correções, feedback, demonstração e monitoramento cíclico da prática de
A3. Porém, a construção do pensamento musical embasado na escolha/
intencionalidade da gestualidade nem sempre foi totalmente compreendido
por A3. No fim da aula, A3 confessou ao professor estar confuso na compre-
ensão da realização dos gestos. Mesmo com a contínua insistência da parte do
professor em fazer o aluno compreender as ideias sugeridas por ele as
informações só foram retidas e compreendidas por A3 aos poucos. Nerland
e Hanken (2002) argumentam que o aprendizado em estúdio, como no caso
apresentado, envolve processos de desenvolvimento de longo prazo que
podem não ser facilmente compreendidos pelo aluno, e ao professor
frequentemente é confiada a tarefa de fornecer uma orientação apropriada,
independente (se) sua orientação é entendida no momento ou não.

CONCLUSÃO
É importante ressaltar o caráter preliminar dos resultados deste trabalho. As
análises preliminares apresentadas ilustram contextos de aulas individuais de
piano, bem como apontam as peculiaridades e semelhanças nas abordagens aí
empregadas. Além disso, a pesquisa em andamento oferece contribuições
potenciais em um campo de pesquisa sobre o ensino instrumental individual.

Agradecimentos. R.S.R agradece a CAPES pela bolsa concedida. R.A.T.S.


agradece ao CNPq (Projeto Universal 409012/2016-5).

Notas
1 O termo original: one-to-one
2 Studio
3 Para a presente pesquisa, a intenção em registrar as primeiras aulas de uma dada obra foi observar
e acompanhar as diferenças ou semelhanças no ensino do professor diante bem como a atuação do
aluno em diferentes momentos na construção da obra a ser trabalhada.
Anais

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XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

A criatividade e a imaginação na infância:


464 perspectiva vigotskiana e a educação musical
Teresa Cristina Trizzolini Piekarski,1 Valéria Lüders2
1,2
Departamento de Artes, Universidade Federal do Paraná, Brasil
1
teresapiekarski@yahoo.com.br, 2valerialuders@gmail.com

Resumo
O problema proposto para esta pesquisa refere-se à abordagem da criatividade e imaginação na proposta
da psicologia histórico-cultural de Lev S. Vigotski, estabelecendo relações com criação musical no
contexto escolar. Vigotski (1899-1934) se refere a atividade criativa como própria do ser humano, que
pode ser a representação de um objeto do mundo exterior (Vigotski, 2014). As ações reprodutiva e
combinatória, que são criadas, estão presentes no comportamento humano. Nesse sentido, o professor
de música pode oportunizar vivências em que a criança combine elementos da música, estimulando
comportamento reprodutivo, considerando as variações possíveis, e também incentivando a atividade
combinatória desses elementos, por meio de atividades que envolvam imaginação e ludicidade. O
mecanismo psicológico da imaginação e da sua relação com a atividade criativa deve ser compreendido
considerando a clareza da conexão entre a fantasia e a realidade, presentes no comportamento humano.
Elementos elaborados e modificados da realidade, acrescidos de experiências acumuladas resultam em
formas mais complexas da imaginação. Vigotski (2014) afirma que a criatividade é característica de todo
ser humano, presente em diferentes intensidades nas diferentes pessoas, “[...] e que ela é companheira
habitual e permanente do desenvolvimento infantil” (Vigotski, 2014, p .43). Ele refuta a ideia de que a
criatividade seja um atributo de poucas pessoas, devendo, portanto, ser incentivada e desenvolvida na
educação musical infantil.
Palavras-chave: Educação musical, imaginação, criatividade, psicologia histórico-cultural, Vigotski

Abstract
The problem proposed for this research refers to the approach of creativity and imagination in Lev S.
Vigotski's proposal of historical-cultural psychology, establishing relationships with musical creation in
the school context. Vigotski (1899-1934) refers to the creative activity as proper to the human being,
which may be the representation of an object from the outside world (Vigotski, 2014). The reproductive
and combinatorial actions that are created are present in human behavior. In this sense, the music teacher
can provide opportunities for the child to combine elements of music, stimulating reproductive
behavior, considering possible variations, and also encouraging the combinatorial activity of these
elements through activities involving imagination and playfulness. The psychological mechanism of
imagination and its relation to creative activity must be understood, considering the clarity of the
connection between fantasy and reality, present in human behavior. Elaborated and modified elements
of reality, plus accumulated experiences, result in more complex forms of imagination. Vigotski (2014)
states that creativity is characteristic of every human being, present in different intensities in different
people, "[...] and that she is the habitual and permanent companion of child development" (Vigotski,
2014, p .43). He refutes the idea that creativity is an attribute of a few people and should, therefore, be
encouraged and developed in early childhood music education.
Keywords: Music education, imagination, creativity, historical-cultural psychology, Vigotski

INTRODUÇÃO
O problema proposto para este artigo é parte integrante de doutorado
em andamento. Refere-se à abordagem da criatividade e imaginação na
proposta da psicologia histórico-cultural de Lev S. Vigotski, estabelecendo
relações com criação musical no contexto escolar. Vigotski (1899-1934)
não estudou especificamente a criação musical, porém interessou-se pela
psicologia da arte e pela educação estética, que são relevantes para este
estudo.
Piekarski e Lüders (2013) citam alguns estudos sobre educação musical
ligados à teoria histórico-cultural, que são expostos na sequência desta
introdução. Hargreaves, Marshall, e North (2003) expuseram a relevância
da perspectiva sociocultural e que o desenvolvimento da criança depende
Anais

dos eventos culturais específicos, situações e grupos que vivenciam para a


aprendizagem musical. Já Benedetti & Kerr (2008) empregam o conceito de
socialização primária de Berger e Luckmann à concepção de apropriação de 465
Vigotski e de Leontiev para abordar o aprendizado informal da música,
relacionado à identidade musical e cultural de crianças e jovens. Tem-se
também Burton (2010), que desenvolveu um estudo que abordou a
aquisição de linguagem e o desenvolvimento musical, tendo como base a
teoria vigotskiana no que se refere ao professor facilitador e guia da aprendi-
zagem. Além desses, Ricardo Dourado Freire (2012) por meio do conceito
de mediação de Vigotski abordou a importância do contexto na aprendiza-
gem musical de crianças.
Nesse sentido, este artigo vem contribuir com o entendimento das
relações entre a criação musical infantil, seu desenvolvimento no contexto
escolar e a abordagem da criatividade e imaginação na proposta da psicolo-
gia histórico-cultural Lev S. Vigotski, ampliando as possibilidades de
reflexão à respeito dessa relevante proposta e a educação musical infantil.

A CRIATIVIDADE E A IMAGINAÇÃO NA INFÂNCIA NA


PERSPECTIVA DE VIGOTSKI E A EDUCAÇÃO MUSICAL
O teórico afirma que atividade criativa é própria do ser humano, que
produz algo, podendo ser “[...] uma representação de um objeto do mundo
exterior, seja uma construção da mente ou do sentimento característico do
ser humano” (Vigotski, 2014, p. 1). Dois tipos básicos de ação podem ser
constatados no comportamento humano e em toda atividade que
desenvolve: o reprodutivo ou reprodutor e a que combina e cria.
O comportamento reprodutivo ou reprodutor tem relação direta com a
memória, que possibilita ao homem reprisar regras comportamentais criadas
e elaboradas anteriormente, ou ainda rememorar ideias passadas. No que se
refere à educação musical infantil, diz respeito às lembranças diversas, as
vivências musicais pessoais, sejam elas individuais ou em grupo, como as
canções cantaroladas em família, na escola, as brincadeiras cantadas e jogos de
mão, entre outras, em que as crianças reproduzem diversas vezes e em dife-
rentes situações. Porém, nessas situações, a repetição do modelo aprendido
não é fidedigna, podendo-se dizer que a criança mesmo com o compor-
tamento reprodutor, produz algo novo. A importância do comportamento
reprodutivo ou reprodutor na educação musical está na manutenção da sua
experiência musical anterior, que cria e estimula situações que se repetem nas
mesmas circunstâncias.
O comportamento reprodutor tem sua importância na educação
musical também no que se refere à performance musical, principalmente
nos primeiros anos de desenvolvimento e aprendizagem, pois muitas
vezes a criança toca e canta, imitando os movimentos, a postura, da pessoa
com quem aprendeu (professores, familiares, diferentes mídias – televisão,
internet – YouTube, blogs, entre outros), até mesmo memorizando as
músicas, sem ter lido partituras.
A estrutura fisiológica da atividade reprodutora ou da formação da
memória é “[...] a plasticidade de nosso sistema nervoso, entendendo-se
por plasticidade a propriedade de adaptação e conservação dessa alteração
adquirida.” (Vigotski, 2014, p. 2). Isto significa que o cérebro e nervos
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

humanos modificam-se facilmente na sua estrutura em diversas situações,


mesmo que muito adversas, mantendo os sinais dessas alterações se forem
466 pressionadas fortemente, ou se reproduzirem em quantidade considerável,
o que significa, que são dotados de grande plasticidade. É dessa forma que
o cérebro humano garante as lembranças de experiências anteriores,
possibilitando sua repetição. A atividade cerebral também possibilita uma
resposta adaptativa a situações inesperadas, que não foram vivenciadas
anteriormente.
Vigotski aponta que, além da atividade reprodutora, o homem também
combina e cria (Vigotski, 2014). Pode-se imaginar situações futuras, ou
muito antigas, sem restringir a situações vivenciadas por nós, como por
exemplo, como seria um concerto de música eletroacústica em um espaço
inusitado em que nunca estivemos, ou como teria sido a música ritualística
para caça para os homens pré-históricos. Não estamos nos limitando às
nossas lembranças passadas, que causaram impressões em nosso cérebro,
porém pode-se construir a imagem.
Nesse sentido, quando a atividade humana cria novas imagens e ações,
se apresenta na sua segunda função que é criadora ou combinatória. O
cérebro humano é capaz de reelaborar e criar, com base nos elementos de
experiências anteriores, princípios e abordagens (Vigotski, 2014). A
criação musical no contexto escolar vai ao encontro do entendimento da
função criadora ou combinatória destacada por Vigotski, pois ela deve
acontecer após a vivência de uma diversidade de experiências estéticas
musicais, onde o estudante se utiliza das situações anteriores para modi-
ficar estruturas musicais já conhecidas e também para criar outras.
O teórico esclarece que imaginação ou fantasia para a psicologia é a
atividade criadora do cérebro, que se alicerça nas capacidades combinatórias,
conferindo-lhes um significado modificado. A imaginação como base de
toda a atividade criadora se revela nos diferentes aspectos da vida cultural,
propiciando a criação artística, científica e tecnológica (Vigotski, 2014).
Vigotski cita Ribot (2014) para afirmar que todas as descobertas realizadas
pelo homem, independente de sua importância, estiveram vincula-das à
imaginação antes de se concretizarem. Apresenta a ideia de que a criatividade
não é privilégio de poucos, considerados gênios, talentosos¹, grandes cientis-
tas e está presente na vida das pessoas comuns. Na vida cotidiana tem-se todos
os requisitos para criar, mesmo que com um fragmento muito pequeno
original, e isso se deve ao processo criativo humano.
É sob esse olhar da criatividade, que Vigotski (2014) aponta que os
processos criativos são percebidos em toda sua intensidade nas crianças
mesmo quando muito pequenas como nas brincadeiras de faz de conta.
Pode-se exemplificar com a criança que utiliza um cabo de vassoura como
microfone para cantar, ou ainda, simula os movimentos de tocar um
instrumento musical sem nada nas mãos, mas muito convincente em sua
movimentação.
Essas brincadeiras podem ser a reprodução de algo que a criança observou
em outras pessoas, todavia ela também pode refazer essas experiências de
maneira criativa, reorganizando-as de acordo com seus interesses, criando
novas situações. Nesse sentido, no que diz respeito ao professor de música,
que incentiva a fantasia de suas crianças nas atividades musicais, ele está
Anais

possibilitando a atividade imaginativa, como nas brincadeiras, que desenca-


deiam o processo criativo. Aqui pode-se acrescentar as relações dessas
situações com as reflexões sobre ensino para a criatividade de Craft e colegas 467
(2007) e Burnard (2012) que apontam que o professor deve propiciar situações
em que tanto ele, como as crianças sejam imaginativos e determinados e até
incentivá-las para desafios para resolução em situações musicais.
Também há de se considerar a atividade combinatória da imaginação,
pois segundo Vigotski (2014, p.7), “a capacidade de elaboração e constru-
ção a partir de elementos, de fazer novas combinações com elementos
conhecidos, constitui o fundamento do processo criativo”. Isso acontece
quando a criança cria uma situação por meio de elementos de diferentes
experiências anteriores, e produz uma nova situação, que não se trata da
imitação e sim de uma nova organização e estruturação desses elementos,
sendo a base do processo criativo.
Sob essa ótica, e ao que se refere a especificidade deste artigo, o professor
de música deve oportunizar vivências em que a criança combine os
elementos da música não só estimulando o comportamento reprodutivo,
considerando as variações possíveis, como também incentivar a atividade
combinatória desses elementos por meio de atividades que envolvam a
imaginação e a ludicidade.

Imaginação e realidade
Vigotski (2014) aponta que a atividade criativa combinatória surge pouco
a pouco, progride a partir de formas simples e rudimentares evoluindo para as
mais complexas, e com características próprias. Isso significa, que durante a
infância, há diversas formas de criatividade conforme a etapa do desenvol-
vimento que a criança se encontra. No que se refere a atividade criativa
combinatória na educação musical deve-se considerar a fase de desenvolvi-
mento em que se encontra o estudante para planejar gradualmente as ativi-
dades condutivas para o fazer musical criativo, respeitando suas capacidades
cognitivas relacionadas as funções psicológicas superiores², como também as
suas possibilidades motoras, vocais, enfim, o que envolve seu corpo no fazer
musical.
A primeira forma básica da ligação da fantasia com a realidade
fundamenta-se “[...] no fato de que qualquer ato imaginativo se compõe
sempre de elementos tomados da realidade e extraídos da experiência
humana pregressa” (Vigotski, 2014, p. 10). O estudioso aponta que é
impossível criar algo do nada, sem a base do conhecimento anterior, de
experiências anteriores. Ainda esclarece, que mesmo a análise científica de
situações fantásticas sem ligação com a realidade, como mitos, lendas,
sonhos, provam que até mesmo a imaginação mais elaborada é uma nova
combinação de elementos extraídos do real, que a nossa imaginação altera
ou refaz.
É com base nisso, que Vigotski (2014, p.12) aponta a lei mais significativa
a qual a atividade imaginativa está vinculada: “a atividade criadora da
imaginação está relacionada diretamente com a riqueza e a variedade da
experiência acumulada do homem, uma vez que essa experiência é a
matéria-prima a partir da qual se elaboram as construções da fantasia”.
Associado a esta ideia, Ribot, citado por Vigotski (2014), escreve que é
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

necessário um período para depurar, amadurecer para que a imaginação


produza uma nova ideia. Exemplifica com os grandes feitos científicos, que
468 levam longos períodos para produzirem resultados.
Em relação a criação musical na escola, é possível ressaltar, que é primor-
dial oportunizar uma diversidade de experiências musicais para a criança, se
o objetivo for subsidiá-la para a realização da atividade criativa. Quanto mais
a criança cantar, experimentar materiais com possibilidades sonoras, ouvir
música de diferentes estilos, gêneros, culturas, tocar, entre outros, enfim,
quanto maior o número de vivências musicais tiver, mais propícia e rica será
sua atividade imaginativa em situações similares.
A memória nesse caso, é o alicerce para a fantasia e disponibiliza dados
para novas combinações. Pode-se exemplificar com a situação em que se
propõe que a criança crie um arranjo instrumental para um jogo de mãos,
que brinca com os colegas. A criança já conhece o jogo, porém necessita
organizar a sonoridade dos instrumentos musicais disponíveis para que o
resultado musical seja satisfatório, ainda deverá fazer opções em que o som
produzido não descaracterize o jogo. O professor também pode ir além, se
a sua intenção for alterar a estrutura rítmica, disponibilizando instrumentos
musicais cuja produção sonora possibilite novas durações, incentivando o
estudante a utilizá-lo. É importante refletir, que quanto maior a experiência
anterior da criança de tocar esses instrumentos maior será possibilidade de
êxito da criança ao realizar a tarefa solicitada, com maior riqueza na textura
sonora. A memória dá suporte com a lembrança do jogo de mãos e com o
conhecimento que a criança possui do manuseio possível e possibilidades
sonoras dos instrumentos musicais para a fantasia infantil.
A segunda forma de ligação da fantasia com a realidade difere da anterior
na complexidade, pois se efetua entre o produto final da fantasia e certos
elementos complexos da realidade. (Vigotski, 2014). Pode-se exemplificar
essa forma, quando se escuta a obra A Paixão Segundo São Matheus de
Johann Sebastian Bach tocada no aparelho de som do carro, pode-se
imaginar, que se está em Berlim na sala de concerto onde Felix Mendelssohn
a regeu em 1829 no evento por ele organizado denominado Retorno a Bach.
O que se imagina nessa situação é fruto do que se sabe com base em estudos,
relatos de historiadores e musicólogos. Mesmo sem ter vivido naquela época,
a imagem que se tem é o resultado da atividade criativa de quem imaginou.
Fica evidente, que a atividade criativa se deu com base nas experiências
passadas, que foram socializadas. Não é possível ter uma imagem e a
sonoridade do momento da regência de Mendelssohn, mas se cria, partindo
dessas experiências novas combinações. Agora, se o ouvinte não teve acesso
às informações sobre Bach, Mendelssohn, não ouviu suas obras de maneira
significativa e muitas vezes mediada, não conhece os contextos histórico-
sociais da época desses músicos, a atividade criativa se dará de outra maneira.
Assim, os resultados dessa forma de imaginar, se produzem a partir dos
elementos elaborados e modificados da realidade, que sem a riqueza de
experiências acumuladas não poderia se criar a imagem obtida. O original
está presente nessas elaborações da fantasia, com o elo do produto final da
imaginação em acontecimentos reais (Vigotski, 2014). Esse elo é possível
por meio das experiências de outras pessoas, as quais foram socializadas.
Em situações como essa, a imaginação trabalha com o direcionamento da
Anais

experiência de outros, tendo-se o produto final no presente, coincidindo


com a realidade.
Nesses casos, ao pensarmos na educação musical, é possível concluir que a 469
imaginação possui grande influência no comportamento e desenvolvimento
musical, possibilitando vislumbrar a experiência que foi vivida por outras
pessoas. Quando o estudante imagina as possiblidades musicais que não viu,
ou ouviu, cria a representação de imagens e sonoridades sem se restringir a
sua própria vivência, podendo avançar, compreendendo com o suporte da
imaginação, as experiências histórico-sociais de outras pessoas.
Assim, pode-se identificar a dependência mútua entre a imaginação e
a experiência. Na primeira forma, a imaginação se vale da experiência, e
na segunda a própria experiência se apoia na imaginação.
Vigotski (2014) aponta que a terceira forma de ligação entre a imagi-
nação e a realidade é a conjunção emocional. Ele esclarece que,
[…] todo sentimento e emoção tendem a revelar-se
em determinadas imagens que lhes correspondem, como se a
emoção tivesse a capacidade de escolher impressões, os
pensamentos e as imagens que estão em consonância com
um determinado estado de humor e disposição que nos
domina nesse exato momento (Vigotski, 2014, p.15).

As impressões físicas dizem respeito às manifestações corporais ativadas


por certos sentimentos, como na alteração de batimentos cardíacos e do
ritmo respiratório, ruborecimento ou palidez da face, tremores, entre outras.
Mas, além dessas alterações, tem-se também, todas as imagens e pensamentos
que se passam na cabeça da pessoa e estão subordinadas ao sentimento que a
apodera. Isso significa, que as pessoas têm seus sentimentos expressos pelas
“[...] impressões exteriores os seus estados de espírito interiores, também as
imagens da fantasia servem de expressão interior dos nossos sentimentos”
(Vigotski, 2014, p.16).
Nesse sentido, considera-se a interferência dos nossos sentimentos na
percepção de acontecimentos exteriores. O que se imagina na fantasia
também faz uso da linguagem interior para as nossas emoções, buscando
certos elementos do mundo real e estabelecendo relações de maneira que
elas se equivalham ao mundo interior e não ao sentido exterior dessas
imagens. Os sentimentos devem ser considerados na formação das imagens
das situações exteriores. Vigotski (2014) exemplifica com as associações que
em algumas culturas, o homem faz com relação ao luto e o desgosto
relacionando-os a cor preta, ou a alegria ao branco.
Vigotski (2014) cita a denominação que os psicólogos dão para essa
interferência do fator emocional nos arranjos da fantasia, que é lei do sinal
emocional comum. “A essência dessa lei consiste em que as impressões e
imagens que causam efeito emocional comum tendam a agregar-se entre
si, apesar de não existir entre elas nenhuma semelhança interior ou
exterior” (Vigotski, 2014, p. 16).
O produto disso é uma associação de imagens que tem como base
sentimentos comuns ou um mesmo sinal emocional, que reúne elementos
variados que se conectam. Enquanto as associações por semelhança
compõem-se na recorrência da experiência e das relações estabelecidas no
sentido intelectual.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

No que diz respeito à educação musical, pode-se exemplificar essas


representações na situação em que a criança ouve a obra Rapsódia Húngara
470 de Frans Lizst em uma atividade baseada no sistema Orff/Wuytack³ envol-
vendo o movimento e pensar quais imagens e associações podem se
estabelecer decorrentes dessa vivência, as possibilidades são diversas. Em
outra situação, quando também ouve a mesma obra ao assistir o episódio do
desenho animado em que Jerry⁴ executa a mesma obra no piano, há outras
possibilidades na formação de imagens e associações próprias das crianças.
No ambiente escolar, onde a apreciação musical deve ser cuidadosa para
que possa atingir seus objetivos de fruição estética, do ensino dos conteúdos
de música e o fazer musical, as possibilidades imaginativas das crianças nas
situações citadas associadas a afetividade alavancam a aprendizagem musical
e subsidiam a criação musical.
Aqui é relevante considerar o uso de vídeos na escola. Gohn cita Finnäs
(2007) para salientar que eles mostram a performance de instrumentistas,
onde se pode perceber a
[...] relação entre os elementos acústicos e os movimentos e
posturas dos músicos, que podem ressaltar características da
música como o tempo e o ritmo. Expressões faciais e corporais
também contribuem para transpor ao vídeo uma ‘vivacidade’
que é típica das apresentações ao vivo, e assim ‘facilitam a
percepção cognitiva dos detalhes intramusicais e dos sentimen-
tos expressos pela música’ (p.6).

No entanto, sem a mediação do professor, a criança pode não perceber


os aspectos citados por Gohn. Sem o trabalho do professor, a criança pode
assistir horas de vídeo com “... pouca ou nenhuma concentração efetiva
no aspecto sonoro das obras” (Gohn, 2007, p. 6). Mas ao mesmo tempo,
deve-se lembrar, que a música desperta imagens, sensações e percepções
particulares em cada estudante.
Por fim, a quarta e última forma de ligação entre a fantasia e a realidade,
que embora esteja estreitamente relacionada a anterior, possui sua
peculiaridade. Isso porque neste formato, a fantasia gerada pode retratar
alguma coisa substancialmente nova, sem antecedentes na experiência
humana, nem similares a nenhum objeto real. Contudo, quando essa
imagem adquire uma nova configuração material, física e verdadeira, “[...]
essa forma ‘cristalizada’, convertida em objeto, começa a existir realmente
no mundo e a influenciar os outros objetos” (Vigotski, 2014, p.19).
Essas imagens passam a existir concretamente. Elas são o produto da
análise combinatória do homem, não se equivalem a nada presente na
natureza, e passam a efetivar sua influência no mundo real e Vigotski
exemplifica a concretização de imagens com os dispositivos técnicos, que
surgem na imaginação combinatória do homem, não existindo outro
modelo na natureza, mas devido a sua praticidade na realidade, que ao ser
concretizado, passa a interferir no mundo real.
Os elementos que deram origem a esses produtos da imaginação foram
tomados da realidade pelo homem, que foram reconstruídos e transformados
em produtos da imaginação. Retornam para a realidade e ao serem
materializados, são capazes de transformá-la, completando dessa forma o ciclo
da atividade criativa (Vigotski, 2014).
Anais

O teórico afirma que no ciclo completo delineado pela imaginação,


tanto o fator intelectual como o emocional tem peso relevante para o ato
criativo e impulsionam a criatividade humana. 471
É possível pensar nessa forma de ligação entre a fantasia e a realidade na
educação musical, evidentemente adequando a situações compatíveis com a
etapa de desenvolvimento e particularidades dos estudantes em questão. Ao
se propor uma oficina de construção de instrumentos musicais originais, as
crianças podem imaginar um instrumento com originalidade sonora, que
causem sensações, emoções diversas nas pessoas, como medo, raiva, amor
num contexto musical. Na busca das possibilidades sonoras nos materiais
disponíveis, como madeira, metal, plástico, recursos tecnológicos, como
softwares de manipulação sonora, dispositivos de gravação e armazenamento
de arquivos, a criança ativa o processo intelectivo por meio da atividade,
imagina o instrumento e o constrói, buscando a sonoridade desejada. É
natural da criança, que nesse processo imagine cenas com as possibilidades
de uso desse instrumento musical, inclusive com combinações de outras
sonoridades. A criança se apropria de elementos da realidade, os organiza
internamente numa lógica com relações estabelecidas entre seu mundo
interior e o exterior e com o envolvimento emocional. Ao tocar o
instrumento musical já construído, terá materializado não só o instrumento,
como também concretizado a sonoridade, além das sensações e emoções por
ela desencadeadas.

A imaginação criativa
Vigotski (2014) reafirma, que no início do processo criativo consta-
tam-se as percepções externas e internas com base nas experiências viven-
ciadas. De posse dessa bagagem, adiante irá edificar as suas fantasias. Na
próxima etapa “[...] segue-se um processo complexo de elaboração desses
materiais, cujas partes constituintes importantes são as dissociações e
associações das impressões adquiridas através da percepção. Cada impres-
são representa um todo complexo composto por um conjunto de
múltiplas partes independentes” (Vigotski, 2014, pp. 25-26).
Segundo o teórico referido acima, a dissociação acarreta o desmembra-
mento de todo o complexo em fragmentos singulares. A memória reserva
alguns desses fragmentos e outros são esquecidos. Dessa forma, a dissociação
é essencial para a atividade da fantasia.
Para que os diversos elementos se relacionem, o homem deve inicial-
mente desmembrar as suas associações naturais do jeito que foram perce-
bidos. Há um impacto marcante desse processo no desenvolvimento
mental humano, que alicerça o pensamento abstrato para a formação de
conceitos. E a competência de extrair certos elementos do conjunto de
um complexo é relevante para o trabalho criativo (Vigotski, 2014).
Nesse sentido, ao considerar essas afirmações de Vigotski na educação
musical, vamos exemplificar a atividade de apreciação musical com a melodia
de Frère Jacques⁵ (canção tradicional francesa), e a sua referência em modo
menor na Sinfonia N.º 1⁶ de Gustav Mahler, que segundo Almeida (2010),
ressoa melancolicamente. No contexto escolar abordado nesta pesquisa, o
trabalho pedagógico com a obra não será a análise⁷, mas reconhecer que o
compositor explorou uma melodia já existente, dando-lhe outro tratamento
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

musical por meio de novas associações. Certamente, a apreciação musical


desta obra permite diversos encaminhamentos conforme o objetivo que se
472 pretende atingir, mas no que se refere a criação musical, possibilita ao
professor apontar possibilidades, que estimulem a imaginação dos estudantes.
Vigotski (2014) diz que após ao processo de dissociação, se dá o processo
de alteração dos elementos. Esse processo sustenta-se “[...] na dinâmica das
nossas estimulações/excitações nervosas internas e das imagens que lhes
correspondem” (Vigotski, 2014, p. 26). Nosso cérebro não guarda fidedig-
namente os vestígios das impressões exteriores. Esses vestígios retratam o
modo que modificam, mobilizam, vivem e morrem. Dessa forma, que os
fatores internos interferem nas alterações. O estudioso exemplifica essas
alterações com o processo de subestimação e sobrestimação de elementos
isolados das impressões, de extremo valor na imaginação, principalmente
das crianças.
Modificações acontecem com as impressões colhidas da realidade,
inclusive com novos tamanhos em relação aos naturais, ou seja, de
maneira alterada. Tanto as crianças, quanto os adultos inclinam-se ao
exagero em razão de um motivo interno, que na maioria das vezes se deve
a interferências do que sentem no seu interior sobre as impressões do
exterior. Vigotski (2014) justifica que se deseja esse aumento para atender
às próprias necessidades, conforme as condições do espírito interior.
Groos citado por Vigotski (2014) esclarece, que o exagero tem como
causa o fascínio pelo que é excepcional e incomum, aliado a sensação de
ter algo imaginado e incomparável, como: acabei de ver um rato do
tamanho de um elefante! Ajuntei umas mil moedas no meu cofrinho! Já
Bühler, também citado por Vigotski (2014), esclarece que por meio do
processo de modificação, em especial com o exagero, a criança pratica
operações em amplitudes que não fazem parte da sua experiência.
Tanto a imaginação quanto o exagero, são motrizes para ciência e arte.
A astronomia que declara o infinito do tempo e do espaço, a geologia que
estuda como o planeta Terra se formou por meio de diferentes eventos
naturais e as possibilidades dos efeitos destrutivos do próprio homem sobre
ele são hipóteses aceitas, que não seriam possíveis sem as capacidades citadas.
Na arte contemporânea pode-se exemplificar, entre os muitos existentes,
com as esculturas de Gerardo Feldstein⁸, que se utiliza de diferentes materiais
para criar obras que destacam partes do corpo humano em tamanhos
desproporcionais, que podem causar espanto e certa comicidade. Na música
pode-se citar a grand ópera cujas tramas são repletas de emoções, o coro é
grandioso e a orquestração muito brilhante e expressiva como Euranthe⁹ de
Weber, que se baseia em um romance do século XIII, com muita emoção
expressa pelo amor e a culpa.
No que se refere à educação musical, pode-se mencionar a atividade
desenvolvida por um estudante, que se utilizou do Audacity¹⁰ para editar a
voz de uma cantora pop brasileira para obter a “voz” do Tiranossauro Rex.
O som produzido foi utilizado em uma paisagem sonora composta em
grupo. Ao analisar essa ação, a imaginação do estudante foi ativada possivel-
mente por histórias contadas sobre o Tiranossauro Rex e/ou leituras. O
estudante materializou sua ideia por meio da atividade com o software, e
ainda, o contextualizou em uma paisagem sonora.
Anais

Em síntese, a associação é o passo seguinte dos processos imaginativos, o


que significa que é o aglutinamento dos elementos dissociados e modifica-
dos. Isso pode acontecer em diferentes formatações e em diversas bases, que 473
variam da união de imagens próprias da pessoa até a união científica objetiva.
Finalmente, acontece a associação de imagens isoladas em um sistema, que se
encaixam em uma representação complexa. Além disso, Vigotski (2014)
afirma que a atividade imaginativa se completa, quando se transforma em
imagens exteriores, ou seja, são transpostas para a realidade.
Ainda no que se refere aos aspectos internos da imaginação, o teórico
aborda as principais influências psicológicas que interferem e são depen-
dentes de todos os processos isolados. Uma importante influência é o fato do
homem precisar se adaptar ao meio em que vive. Se não fosse pelos riscos
impostos que abalam a sobrevivência humana, e os comportamentos
naturais e herdados suficientes para enfrentá-los, não haveriam razões para a
manifestação criadora e o homem não necessitaria buscar nada de novo.
As carências e aspirações podem desencadear a criação, mas são insufi-
cientes. Para que a criação aconteça, é necessário o surgimento espontâneo
de imagens, que é o que acontece de súbito, sem motivos aparentes que os
incitem (Vigotski, 2014). Mas eles existem de maneira camuflada no
pensamento em conformidade com a condição emocional afetiva, com a
função inconsciente do cérebro.
Vigotski (2014) aponta que a atividade imaginativa depende de diversos
fatores como a experiência, as necessidades e interesses em que se embasa.
Por meio dessa atividade, a capacidade combinatória dá formato concreto
aos produtos da imaginação. A atividade imaginativa também depende dos
modelos de criação que intervêm no ser humano como os conhecimentos
técnicos acumulados historicamente e as tradições. O teórico também
destaca a importância de outro fator que é o meio ambiente que nos cerca.
Segundo Vigotski (2014), “[...] o anseio para criar é inversamente
proporcional à simplicidade do meio” (Vigotski, 2014, p. 32), explicando
assim, que qualquer pessoa por mais genial que seja, é produto da época e do
meio que vive. Vigotski (2014) esclarece que qualquer obra criativa parte do
ponto já atingido previamente e terá como base as possibilidades que se
encontram no seu entorno. Pode-se exemplificar com a música eletroacústica,
cujas obras são criadas com base em sons gravados e/ou sintetizados, que são
transformados no computador e estruturados musicalmente para criar uma
obra (Barreiro, 2012). Não seria possível compor uma obra eletroacústica no
século XIX, pois não existiram os recursos tecnológicos necessários.
Para Vigotski (2014), as criações de inventores e artistas, por mais geniais
que sejam, tem como ponto de partida os níveis já alcançados anteriormente,
e terão como suporte as possibilidades que estão no seu entorno.
Com base nas reflexões até aqui realizadas, e considerando que a
criatividade é própria do ser humano, é relevante que a educação musical no
contexto escolar oportunize a diversidade de experiências musicais, possibili-
tando o desenvolvimento de habilidades, o conhecimento e desenvolvimento
técnico, e a ampliação do repertório. Dessa forma, contribuirá para a
construção de alicerces para o fazer musical, seja tocando ou cantando e,
também, para a criação musical conforme as orientações curriculares do
contexto.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Notas
1 As pessoas consideradas gênios, talentosas são identificadas na atualidade como pessoas com altas
474 habilidades/superdotação, que possuem “[...] notável desempenho e elevada potencialidade em
qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual geral; aptidão
acadêmica especifica; pensamento criativo ou produtivo; capacidade de liderança; talento especial
para artes e capacidade psicomotora” (MEC, 2006).
2 Funções psicológicas superiores diz respeito as funções cognitivas específicas dos seres humanos,
que são as ações voluntárias (Piekarski, 2014).
3 O sistema considera as formas de expressão verbal, musical e corporal como princípio pedagógico da
totalidade, muito importante em educação musical, além da atividade, criatividade e a comunidade. A
vivência musical nessa perspectiva objetiva realização musical da melhor maneira possível e desenvolver
o sentido estético. O sistema destaca a importância de desenvolver os aspectos técnicos, o conhecimento
dos elementos da música e as emoções que a música proporciona. (Wuytack, 2007).
4 YouTube (2013, Janeiro, 13). Tom & Jerry - The Cat Concerto [Arquivo de vídeo].
Recuperado em 01 de maio de 2019 de https://www.youtube.com/watch?v=uKZgi06fVsk
5 Essa melodia é muito conhecida no ambiente escolar devido às paródias de Meu Lanchinho e Meus
Dedinhos, utilizadas como ferramentas de ensino nas escolas.
6 YouTube (2009, Junho, 22). Sinfonia Nº 1 em Ré Maior 3.º Movimento. Recuperado em 01 de
maio de 2019 de https://www.youtube.com/watch?v=kEPERXpOqiU
7 Análise é “parte do estudo da arte musical que tem como referência a própria música, e não os parâmetros
externos. Envolve em geral o desmembramento de uma estrutura musical em elementos constituintes
relativamente mais simples, além do papel desses elementos na estrutura” (Grove, 1994, p. 28).
8 Para conhecer a obra de Gerardo Feldstein sugere-se acessar https://www.ignant.com/2013/05/07/
gerardo-feldstein . Recuperado em 01 de maio de 2019.
9 Para conhecer essa obra acesse https://www.youtube.com/watch?v=5fms_rSB99c . Recuperado
em 01 de maio de 2019.
10 Audacity é um software livre, de fácil manuseio, que possibilita gravar os sons e editá-los, modificando
o andamento, os timbres, realizando recortes e enxertos de trechos, inserindo efeitos, entre outras
possibilidades.

Referências
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XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

A motivação dos alunos para estudar gaita-ponto


476 sob a perspectiva da autodeterminação
Paulo Jucirlei Cardoso da Silva1, Liane Hentschke2,
Regina A.Teixeira dos Santos3
1,2,3
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
1
paulinhocardoso@hotmail.com, 2 lianeh2013@gmail.com, 3regina.teixeira@ufrgs.br

Resumo
O presente trabalho é um relato da pesquisa que teve como objetivo abordar os elementos
motivacionais envolvidos no processo de aprendizagem dos alunos para estudar gaita-ponto no
contexto do projeto Fábrica de Gaiteiros. A fundamentação teórica baseia-se na Teoria da
Autodeterminação (Deci & Ryan, 1985) onde o referencial teórico é apresentado com base na
pesquisa desenvolvida em 2018 na cidade de Barra do Ribeiro. A teoria fornece suporte a
proposição de que as pessoas têm necessidades psicológicas básicas fundamentais e, necessitam
sentir-se autônomas ao determinar suas próprias ações, competentes ao interagir eficientemente
com o ambiente e relacionarem-se a um contexto social para se sentirem autodeterminadas.
Palavras-chave: Motivação; Teoria da Autodeterminação; Aprendizado de Instrumento Musical.

Abstract
This paper is a report of the research that aimed to address the motivational elements involved in
the learning process of students to study harmonica in the context of the project Pipers Factory.
The theoretical foundation is based on the Theory of Self-Determination (Deci & Ryan, 1985)
where the theoretical framework is presented based on research developed in 2018 in the city of
Barra do Ribeiro. The theory supports the proposition that people have fundamental basic
psychological needs and need to feel autonomous in determining their own actions, competent
in effectively interacting with the environment, and relating to a social context in order to feel
self-determined.
Keywords: Motivation; Self-Determination Theory; Musical Instrument Learning.

INTRODUÇÃO
A temática presente nessa investigação refere-se à motivação para a
aprender gaita-ponto, construída a partir da minha trajetória pessoal de
formação e de atuação como músico licenciado, tendo o acordeon como
opção de instrumento musical. O acordeon é um instrumento musical
que produz som através da vibração de palhetas impulsionadas por uma
coluna de ar movimentada através de um fole. O instrumento chegou ao
Brasil em meados do século XIX, trazido pelos europeus, sobretudo os
italianos e os alemães, tendo grande aceitação popular, impulsionando o
surgimento da indústria nacional de acordeons, principalmente na região
sul do país. No Brasil ele pode ser encontrado em quase todas as regiões,
porém no Sul, no Sudeste e no Nordeste é praticamente impossível
dissociá-lo da música e da cultura fomentada nessas localidades (Bangel,
1989).
No Rio Grande do Sul o acordeon é popularmente chamado de gaita
e a denominação gaita-ponto corresponde à característica de se ter na
mão direita botões ao invés de teclas, sendo também bitonal, em que a
mesma nota emite um som ao abrir o fole e outro som ao fechar (Peres,
2009).
Para os agentes envolvidos na formação da criança, dos educadores, da
família e dos amigos faz-se importante compreender os motivos que impul-
sionam a criança a começar a tocar um instrumento musical, sendo de
Anais

fundamental importância, principalmente no início do aprendizado formal,


entender o que os alunos esperam e valorizam na sua aprendizagem e que
aspectos da motivação influenciam no seu desenvolvimento musical 477
(McPherson; Davidson; Evans, 2016). As dificuldades impostas pelo instru-
mento no início do aprendizado são fatores que podem tanto fortalecer o
interesse quanto desestimular a criança. Também é importante lançar um
olhar para o aprendiz, como um ator proativo da sua aprendizagem, no
sentido de compreender as influências que exerce sobre si durante o processo
de aprendizagem musical. (Vieira Junior; Montandon; Marins, 2017).
Reeve (2006, 2009) considera a motivação um elemento funda-mental
para o desenvolvimento cognitivo, social e afetivo. Esse processo motiva-
cional ocorre através de propósitos provenientes de duas fontes, a saber: os
motivos e os eventos externos. Motivos são processos internos desenca-
deados por necessidades, cognições e emoções. Já os eventos externos são
ofertas sociais e culturais que podem atrair ou repelir o indivíduo a se
engajar, ou não, em um determinado curso de ação.
Alguns alunos despendem apenas o esforço necessário para realizarem as
tarefas escolares ou conseguirem boas notas, demonstrando uma frágil
motivação para aprender. Outros, são altamente motivados e desenvolvem
as atividades satisfatoriamente. No entanto, para avaliar o quão motivado
um aluno se sente para realizar determinada tarefa, requer-se, em princípio,
um entendimento dos processos motivacionais envolvidos. Nesse sentido,
compreender o que desencadeia esses processos motivacionais permitiria
direcionar ações para melhorar o desempenho, a atenção e o comprome-
timento dos discentes.
Em conformidade com Ryan e Deci (2000), a pesquisa sobre as condições
que promovem motivação versus as que comprometem os potenciais humanos
tem tanto significação teórica quanto prática, porque pode contribuir não só
para o conhecimento formal das causas do comportamento humano, mas
também para a concepção de ambientes sociais que otimizam o desenvolvi-
mento das pessoas, a realização e o bem-estar (Ryan & Deci, 2000b).
Evans (2015) argumenta que os estudos de motivação consistem em
um arcabouço para pesquisadores e profissionais da educação musical.
Para este autor, entender a motivação é vital para abordar questões sobre
como e por que as pessoas aprendem um instrumento musical, como eles
persistem através dos desafios de aprender e praticar e como tornam-se
bem-sucedidos, ou ainda por que essas pessoas desistem de aprendê-lo.
A Teoria da Autodeterminação Self-Determination Theory (TAD) foi
escolhida como referencial teórico para essa pesquisa por auxiliar na
compreensão das especificidades dos processos motivacionais que estão
envolvidos no aprendizado da gaita-ponto. Dessa forma, surgiram alguns
questionamentos: Que aspectos evidenciam o interesse dos alunos para
aprender gaita-ponto?; Esses interesses são de natureza intrínseca ou
extrínseca?; Os alunos sentem-se autônomos referente à condução do
próprio aprendizado?; Qual a percepção dos alunos em relação às suas
competências para tocar gaita-ponto?; O ambiente/contexto da Fábrica de
Gaiteiros teria relação com o fortalecimento do senso de relacionamento
dos alunos?
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Segundo os autores, a TAD fornece suporte à proposição de que os


seres humanos têm necessidades psicológicas básicas fundamentais para
478 serem competentes, autônomos e relacionados ao contexto em que
vivem. Os contextos sociais afetam os objetivos e as aspirações referentes
à vida das pessoas, dando suporte motivacional, tanto intrínseca quanto
extrinsecamente. Dessa forma, a TAD atribui a motivação de uma pessoa
ao seu comportamento, à sua relação com determinada situação e à
interação com o contexto social em que está inserida.
Para os proponentes da (TAD), as condições e os processos sociais
influenciam não apenas o que as pessoas fazem, mas também como se
sentem ao agir. A teoria tem como foco compreender como as pessoas
interagem com o ambiente e como elas evoluem em função dos ambientes.
Assim, sua arena é a compreensão das tendências de crescimento inerentes
às pessoas, das necessidades psicológicas inatas que são a base para sua
automotivação, personalidade e integração, bem como as condições que
fomentam esses processos (Deci & Ryan, 2008b; Ryan & Deci, 2000).

Motivação intrínseca e extrínseca


Ryan e Deci (2000) enfatizam que, embora a motivação intrínseca seja
claramente um tipo importante de motivação, grande parte das pessoas
não fazem atividades intrinsecamente motivadas. Especialmente depois da
primeira infância, motivar-se intrinsecamente torna-se cada vez mais
difícil para os indivíduos, seja por exigências sociais, seja por tarefas não
intrinsecamente interessantes. Nos contextos escolares, por exemplo,
parece que a motivação intrínseca fica mais debilitada com o passar dos
anos e a cada nível escolar superado (Ryan & Deci, 2000).
Segundo Ryan e Deci (2000), a motivação intrínseca se dá pela realiza-ção
de uma atividade por suas satisfações inerentes e não por uma consequência
externa. Quando uma pessoa está motivada intrinsecamente é levada a agir pela
diversão ou pelo desafio, e não por causa de estímulos, pressões ou recompensas
externas. Para Reeve (2006), a motivação intrínseca, especificamente, fornece à
pessoa a motivação inata para que, dessa maneira, ela busque seus próprios
interesses, no sentido de procurar os desafios necessários ao desenvolvimento de
suas próprias habilidades e capacidades.
As motivações intrínseca e extrínseca têm sido largamente abordadas na área
da educação em aspectos como definições clássicas e novas direções, ver por
exemplo meta-análise de (Deci, Koestner, & Ryan, 1999); estilo motivacional do
professor e a motivação intrínseca (Guimarães, 2004); propriedades psico-
métricas de uma medida de avaliação da motivação intrínseca e extrínseca (Gui-
marães & Bzuneck, 2002); teoria da autodeterminação e facilitação da motivação
intrínseca; e de desenvolvimento social e bem-estar (Ryan & Deci, 2000).
Deci e Ryan (1985) focaram nas metas que dão origem à ação e observaram
que a distinção mais básica nessas metas foi percebida entre a motivação
intrínseca, que é quando a pessoa realiza algo inerentemente interessante ou
agradável, e a extrínseca, que é quando o sujeito realiza algo a partir de um
estímulo externo. Após três décadas de pesquisa sobre motivação, os autores
concluíram que a qualidade de experiência e de performance podem ser muito
diferentes quando o sujeito se comporta por razões intrínsecas ou extrínsecas.
Para Reeve (2006), muitas vezes, eventos externos constituem os incentivos e
Anais

as consequências que podem gerar uma motivação extrínseca (Reeve, 2006).


Conforme o autor
[...] a motivação extrínseca surge de alguma consequência 479
distinta da atividade em si. Toda vez que agimos para obter
uma nota alta na escola, ganhar um troféu, fazer a parte que
nos coube, impressionar nossos colegas ou cumprir um prazo
estabelecido, nosso comportamento está sendo extrinseca-
mente motivado. [...] Dessa maneira, a motivação extrínseca é
um motivo criado pelo ambiente para fazer com que o
indivíduo inicie ou persista em uma dada ação (p. 85).

A motivação extrínseca é um construto em que a atividade é direcionada


para atingir a um resultado, sendo compreendida como um valor instru-
mental, ao passo que na motivação intrínseca a ação está diretamente ligada à
atividade em si. Quando uma ação é extrinsecamente motivada e produz uma
sensação de bem-estar, o valor atribuído a ela pode ser aprendido e percebido
como uma motivação intrínseca. Entender, portanto, os diferentes tipos de
motivação extrínseca tornam-se uma questão importante, pois nem sempre é
possível, em um contexto de aprendizagem, contar com alunos intrinseca-
mente motivados.

Motivação em contextos de aprendizagem


Pesquisas recentes sobre motivação em contextos de aprendizagem
(Boruchovitch & Bzuneck, 2004, 2010; Pizzato, 2009; Moreira, 2015) indicam
que os indivíduos podem ser altamente motivados, estimulados e influen-
ciados pelos contextos sociais em que vivem. Para Reeve (2006), não é
possível separar a motivação de um indivíduo do contexto social em que está
inserido, ou seja, assim como a motivação de uma criança é afetada por
contextos sociais determinados pelos pais, a motivação de um estudante é
influenciada pelo contexto social oferecido pela escola (Reeve, 2006).
De acordo com Ryan e Deci (2000b) “especificamente, os contextos
sociais catalisam – tanto dentro como entre pessoas – diferenças na motiva-
ção e no crescimento pessoal, resultando em pessoas que são mais automo-
tivadas, estimuladas e integradas em algumas situações, domínios e culturas
do que em outros”.

Motivação para aprender um instrumento


Nos séculos XX e XXI a fabricação de instrumentos, como teclados eletrô-
nicos, violão, guitarra e baixo, passaram a ser produzidos em larga escala, o que
facilitou a aquisição destes. Isso fez com que pessoas tivessem acesso fácil a isso
e pudessem adquirir um instrumento musical, o que, de certa forma, fomentou
e estimulou o envolvimento das famílias com a música. Nessa perspectiva,
pode-se pensar em um instrumento musical na perspectiva de que ele possa
iniciar, e desencadear, um processo de aprendizagem musical. A manipulação
de um instrumento musical, o contato e a descoberta das possibilidades sonoras
do instrumento atuariam como fonte de estímulo e posterior interesse.
Nessa perspectiva, a gaita-ponto pode significar o primeiro contato e
o elo entre o aluno e a música (Machado, 2013). Assim, aprender a tocar
a gaita-ponto é aqui percebido como uma forma de envolvimento e
aproximação musical que contribui com a apropriação e com o estímulo
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

ao desenvolvimento pessoal, à manipulação instrumental, à coordenação


e à integração de modos de compreensão musical.
480 Compreender, portanto, os motivos que impulsionam as crianças a
começar a tocar um instrumento musical é de fundamental importância,
principalmente no início do aprendizado, assim como entender o que as crian-
ças esperam e valorizam na sua aprendizagem e que aspectos da motivação
influenciam no seu desenvolvimento musical. Os motivos podem estar rela-
cionados tanto a fatores intrínsecos quanto a fatores extrínsecos, que
contribuem para que uma criança opte por um instrumento, uma vez que
alguns são atraídos intrinsecamente pelo som, pela aparência, pelas sensações
que causam ou por entenderem que seriam instrumentos fáceis de tocar, ou
ainda porque gostam do aspecto do instrumento e, até mesmo, porque seus
amigos também tocam o mesmo instrumento (Evans & McPherson, 2015).
Para os proponentes da TAD, as condições e os processos sociais influen-
ciam não apenas o que as pessoas fazem, mas também como se sentem ao agir.
A teoria tem como foco compreender como as pessoas interagem com o
ambiente e como elas evoluem em função dos ambientes. Assim, sua arena é a
compreensão das tendências de crescimento inerentes às pessoas, das neces-
sidades psicológicas inatas que são a base para sua automotivação, perso-
nalidade e integração, bem como as condições que fomentam esses processos
(Deci & Ryan, 2008b; Ryan & Deci, 2000). A Figura 2 apresenta um esquema
ilustrando a relação dialética entre Pessoa-Ambiente (Reeve, 2006).

Necessidades psicológicas básicas


Para os autores da TAD, as pessoas, para prosperarem, precisam satisfazer
três necessidades psicológicas básicas: autonomia, competência e relaciona-
mento. As necessidades psicológicas básicas são de natureza qualitativa em
que a energia gerada é proativa e causam uma disposição de exploração e de
envolvimento com o ambiente, que se espera ser capaz de satisfazer essas
necessidades. Por exemplo: um ambiente social que proporciona autonomia
e competência, mas falha em nutrir o relaciona-mento resulta em um
empobrecimento do bem-estar (Ryan & Deci, 2000).
Necessita-se de autonomia, já que o ser humano é, em essência, autônomo.
Portanto, as vontades guiam as decisões sobre participar ou não de uma
atividade em particular. Também se quer ser competente e empenham-se para
isso quando se tem a chance de aumentar as habilidades e os talentos. Sente-se
também a necessidade de pertencer a algo, estabelecer vínculos com outras
pessoas e permitir um relacionamento, sendo este um constructo motivacional
importante, porque quando as relações inter-pessoais apoiam os indivíduos
em suas necessidades eles têm um desem-penho melhor.

METODOLOGIA
A metodologia utilizada para o desenvolvimento desta pesquisa foi
elaborada a partir do objetivo proposto, que é investigar a motivação dos
alunos para aprender gaita-ponto no projeto Fábrica de Gaiteiros. Como
estratégia de pesquisa, utilizou-se o estudo de entrevista de natureza
qualitativa. Como técnica para a coleta de dados, utilizou-se a entrevista
semiestruturada.
Anais

Procedimentos de coleta de dados


Para a coleta de dados foi elaborado um roteiro de entrevistas em que
481
foram abordadas questões que permitissem caracterizar e descrever os
indivíduos participantes. Tais questões são referentes à relação que os
alunos constroem com a gaita-ponto durante a aprendizagem, os motivos
que os levaram a participar do projeto, as impressões sobre o local onde
aconteciam as aulas e o ambiente em que estavam inseridos, o senso de
autonomia dos aprendizes quanto à escolha do repertório estudado, as
percepções relativas às competências para aprender gaita-ponto, o que
sentiam ao participarem das apresentações do grupo, entre outros tópicos.
O roteiro da entrevista foi subdividido em quatro blocos de perguntas, em
que foram abordados os seguintes aspectos: impressões sobre a motivação
inicial; impressões sobre a Fábrica e as percepções sobre autonomia; impres-
sões sobre as apresentações em grupo e fora/shows e percepções sobre as
competências; e percepções sobre o contexto, as relações com os colegas e as
percepções sobre pertencimento.

Contexto
A pesquisa foi realizada no projeto Fábrica de Gaiteiros, vinculado ao
Instituto Renato Borghetti de Cultura e Música, na cidade de Barra do
Ribeiro/RS, distante 60 km de Porto Alegre/RS. Uma característica do
projeto é que os instrumentos utilizados nas aulas são fabricados no local,
onde todo o processo de desenvolvimento e fabricação é conduzido por
dois artesãos. É importante ressaltar que todo o processo de fabricação pode
ser observado e acompanhado pelos alunos. Os instrumentos fabricados são
disponibilizados aos alunos que não possuem instrumento através do que é
chamado no projeto de rodízio de gaitas.
As aulas são individuais e, na medida em que os alunos vão evoluindo no
repertório, são eles incorporados aos estudos e às práticas em grupo, que
acontece uma vez por semana. A prática em grupo, via de regra, é o
momento em que os alunos que já executam o repertório podem aproveitar
para praticar
Para esta pesquisa foram entrevistados os alunos com o mínimo de dois
anos de permanência no projeto. Essa delimitação dos participantes deu-se
por entender-se, dessa forma, ser possível uma melhor compreensão e uma
análise dos aspectos investigados na presente pesquisa, como autonomia,
competência e relacionamento, todos propostos pela TAD.
Dessa forma, de um total de 34 alunos, através dos critérios previamente
estabelecidos, resultaram 13. Dos 13 alunos foram selecionados oito, esco-
lhidos por meio de sorteio, dos quais resultaram seis meninos e duas
meninas, com idades entre 10 e 15 anos.

Procedimentos de organização e análise dos dados


Para a análise dos dados, buscou-se extrair o conteúdo abordado nas entre-
vistas as seguintes temáticas: i) impressões sobre motivação inicial e conti-
nuada, extraindo falas que apontavam seus respectivos motivos e emoções
frente às atividades na fábrica; ii) falas sobre senso de autonomia e sobre o
próprio aprendizado (ter liberdade para escolhas e decisões, aceitar sugestões e
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

autogerenciamento do aprendizado); iii) senso de competência para a


realização das músicas em aprendizagem, assim como para a interação com
482 o grupo musical (aprender as músicas, tocar com o grupo, noção de
identidade e necessidade de ter persistência pessoal para progredir, assim
como sentir-se capaz de ajudar e orientar outros colegas quando neces-
sário); e iV) senso de relacionamento com o grupo e contexto de aprendi-
zagem (sente-se parte do grupo, sente-se recompensado em participar do
grupo, demonstra vontade de permanecer no contexto do projeto e
valoriza e sustenta a manutenção de vínculo). Essa disposição foi elaborada
visando deixar mais claros o manuseio dos dados e a elaboração da
discussão destes.

Resultados e discussões
Os resultados da investigação serão apresentados e discutidos em termos
de cinco temáticas, a saber: i) descrição das características do contexto e da
população investigada, ii) impressões sobre a motivação inicial e continuada;
iii) percepções sobre autonomia; iv) apresentações em grupo e percepções
sobre as competências; e v) relações com os colegas e percepções sobre o
relacionamento com o contexto.

Impressões sobre a motivação inicial e continuada


Um aspecto que está intimamente relacionado com a questão da
motivação refere-se à possibilidade de o aluno interessar-se pela aprendi-
zagem no projeto, por ter a referência de alguém. Todos os 8 participantes
foram estimulados a estudar gaita-ponto por familiares e/ou amigos: 6 deles
por seus parentes próximos (pais, avós e tios) e 2 por amigos, conforme ilustra
o depoimento a seguir:
A gente estava na casa de um amigo do meu avô [...] aí eu vi
uma gaita de brinquedo na casa dele [...] comecei a mexer na
gaita dele e depois a gente foi embora para casa [...] em
seguida depois de uns dias a gente se mudou para cá. [...] o
meu avô viu que eu tinha interesse por música e perguntou
para o Renato se ele não podia me ensinar a tocar ou um
amigo poderia dar aula para mim[...]. Ele (Renato) disse que
estava formando o instituto que [...] eu poderia fazer aula e
era grátis [...] eu fiz a primeira aula e acabei gostando e
continuei fazendo até hoje (P1, p. 8).

As percepções sobre autonomia


Um aspecto relacionado com a autonomia dos alunos refere-se à liber-
dade para escolher uma peça de estudo que não está presente no repertório
do grupo. Todos os 8 participantes da pesquisa relataram ter liberdade para
sugerir peças que gostariam de tocar e o fazem por conta própria. Alguns
reconhecem que ainda não desenvolveram plenamente a capacidade de
tirar músicas de forma independente; no entanto, a maioria sente-se
autônoma para exercitar as peças em estudo. Isso pode ser observado na fala
de P1: “eu não tenho possibilidades ainda de tirar músicas de ouvido, mas
na internet eu já consegui tirar algumas” (p. 10).
Anais

Sobre as apresentações em grupo e as percepções sobre as


competências
483
Um aspecto a ser observado no senso de competência dos alunos está
relacionado às apresentações do grupo. Para fazer parte dessas apresentações 7
dos 8 participantes da amostra afirmaram ser necessário demonstrar empenho
e capacidade. Essas afirmações sugerem que os alunos se sentem competentes
para tocar o repertório proposto. É possível verificar essa sensação de compe-
tência na fala exemplificada a seguir, pois quando perguntado sobre o que é
necessário para participar do grupo nas apresentações P3 respondeu:
Tocar as músicas do repertório [...] e tocar bem, tocar elas
limpas [...] não chegar lá fazendo fiasco [...] também eu acho
que [...] conta [...]! É a participação e as nossas atitudes tanto
aqui dentro da aula como nos lugares que a gente vai tocar
[...] se faz alguma coisa de errado [...] no próximo show já
não vai. Mas isso é uma coisa que eu acho justo, né? (P3, p.
27).

Sobre o contexto, as relações com os colegas e as percepções sobre


relacionamento
A Fábrica de Gaiteiros é um lugar com metodologia diferenciada onde
alunos percebem o projeto como um espaço de oportunidade, aprendizado.
Um aspecto interessante a ser observado está ligado ao sentir-se valorizado e
reconhecido pela comunidade. O ambiente, ao promover a interação, reforça
e sustenta o vínculo, e isso acontece quando o grupo se apresenta para a comu-
nidade onde está situado o projeto ou em outros contextos. O fato de serem
aplaudidos ao final das apresentações provoca nos alunos sentimentos de bem-
estar e reconhecimento, o que pode ser percebido no comentário de P4:
Eu me sinto bem animado [...] por estar tocando e as pessoas
me vendo apresentar meu trabalho, meu interesse [...] eu me
sinto bonzão [...] me sinto bah! eu estou tocando e todo
mundo me aplaudindo [...] é uma sensação [...] muito boa
(P4, p. 32).

CONCLUSÃO
No que se refere à autonomia para administrar o tempo de estudo, os
participantes demonstraram conduzi-lo sem influência externa. Também
indicaram vontade e disposição pessoal para tirarem músicas, bem como
para a escolha de partituras mais adequadas às próprias habilidades. Esse
comportamento indica o fortalecimento da necessidade psicológica básica
de autonomia.
A partir dos relatos dos participantes foi possível evidenciar que, ao
pretenderem tocar uma música nova, deparam-se, muitas vezes, com
dificuldades que são inerentes à fase inicial do aprendizado; ter consciência
da complexidade da tarefa é uma demonstração de senso de competência e
algo importante na aprendizagem de um instrumento.
De acordo com os dados, os alunos investigados, em sua maioria,
apresentam um forte senso de pertencimento e de relacionamento acerca
do projeto. No contexto dessa pesquisa, a necessidade de relacionamento
mostrou-se fortalecida no que se refere ao envolvimento e ao suporte ao
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

aprendizado musical dos participantes, o que sugere um forte senso de


pertencimento e de relacionamento acerca do projeto.
484 Assim, conhecer os processos motivacionais envolvidos no aprendizado
desses alunos, e as narrativas por eles traçadas, pode lançar um olhar para o
ensino do instrumento (gaita-ponto) e sua potencialidade para os diversos
espaços de educação musical. Os resultados desse estudo podem contribuir
para futuras pesquisas voltadas à motivação acerca do aprendizado de um
instrumento e para a área da educação musical. Além disso, pode mostrar-
se útil para as ressignificações das questões pedagógicas que envolvem o
ensino do instrumento gaita-ponto e da possibilidade de profissionalização
do aprendiz como instrumentista ou como professor de gaita-ponto.
Ademais, políticas públicas direcionadas a estimular o desenvolvimento e a
promoção de ambientes e contextos de aprendizagem voltados ao fomento
de processos educacionais para a área da educação musical podem ser
fomentadas.
Não mais do que três níveis de títulos devem ser empregados. Às vezes
um único nível é suficiente. A maior parte dos autores usa dois níveis.
Acompanhamos o formato APA de estilização de títulos. Os títulos não
devem ser numerados.

Agradecimentos. P. J. C. S agradece à CAPES pela bolsa concedida. R. A.


T.S . agradece ao CNPq (Projeto Universal 409012/2016-5).

Referências
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Boruchovitch, E. (2004). Aprendizagem: processos psicológicos e o contexto social na escola.
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Anais

Guimarães, S., & Bzuneck, J. A. (2002). Propriedades psicométricas de uma medida de


avaliação da motivação intrínseca e extrínseca: um estudo exploratório. Psico-USF,
7(1), 01-08. 485
Junior, L. A. B. V., Montandon, M. I., & Marins, P. R. A. (2018). Estratégias de
autorregulação da aprendizagem musical: um estudo em uma banda de música
escolar. Revista da ABEM, 25(38).
Machado, M. (2013). O Piano complementar na formação acadêmica: concepções
pedagógicas e perspectivas de interdisciplinaridade. Per Musi, (27), 115-130.
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individual e em contexto de grupo. (Dissertação de Mestrado). Instituto Politécnico de
Castelo Branco.
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intrinsic motivation, social development, and well-being. American Psychologist,
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XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Tradução e validação das Escalas Nordoff Robbins:


486 “Relação criança terapeuta na experiência musical
coativa” e “Musicabilidade, formas de atividade,
estágios e qualidades de engajamento”
Aline Moreira Brandão André,1 Cristiano Mauro Assis Gomes e
Cybelle Maria Veiga Loureiro1
1,2,3
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
1
aline.musicasax@gmail.com , 2cristianomaurogomes@gmail.com
3
cybelleveigaloureiro@gmail.com

Resumo
As Escalas Nordoff Robbins de Relação Criança Terapeuta na Experiência Musical Coativa e de
Musicabilidade, Formas de Atividade, Estágios e Qualidades de Engajamentos são utilizadas como
meio de avaliação musicoterapêutico desde a década de 1960 nos EUA. Nesta pesquisa, pretende-se
verificar os indícios de validade dessas escalas no contexto brasileiro. A metodologia deste estudo
obedece ao Modelo Universalista de equivalência cultural, adaptação e validação de testes da área da
saúde desenvolvido por Herdman, Fox-Rushby e Badia (1998). Consiste em um estudo amostral, de
pessoas com Transtornos do Neurodesenvolvimento através de análise de vídeos de atendimentos
pré filmados de Musicoterapia.
Palavras-chave: Musicoterapia, Escalas Nordoff Robbins, Transtornos do Neurodesenvolvimento.

Abstract
The Nordoff Robbins Scales Child-Therapist Relationship in Coactive Musical Experience and
Musicing: Forms of Activity, Stages and Qualities of Engagement have been used as a means of music
therapy evaluation since the 1960s in the USA. In this research, we intend to verify the signs of validity
of these scales in the Brazilian context. The methodology of this study follows the Universalist Model
of cultural equivalence, adaptation and validation of health tests developed by Herdman, Fox-Rushby
and Badia (1998). It consists of a sample study of people with Neurodevelopmental Disorders through
video analysis of pre-filmed Music Therapy sessions.
Keywords: Music Therapy, Nordoff Robbins Scales, Neurodevelopmental Disorders.

INTRODUÇÃO
Durante anos, a Musicoterapia tem auxiliado na reabilitação e trata-
mento de diversas pessoas em variados contextos. Contudo, no Brasil,
ainda existem poucos instrumentos validados que possam auxiliar na
avaliação desses pacientes. Gattino (2012) relata que no Brasil, a maior
parte dos estudos publicados sobre Musicoterapia se refere a estudos de
caso e relatos de experiência e poucos em protocolos de avaliação.
Através de uma revisão realizada nos portais Periódicos da CAPES e
Google Acadêmico em busca de testes de Musicoterapia validados no
Brasil, foi possível encontrar apenas 6 estudos: Gattino (2012), Silva
(2012), Sampaio (2015), Rosário (2015), Gattino e colegas (2016) e André
(2017).
Gattino (2012) em sua pesquisa de doutorado intitulada “Musicoterapia
aplicada à avaliação da comunicação não verbal de crianças com Transtorno
do Espectro Autista: revisão sistemática e estudo de validação”, realizou
estudos para verificar indícios de validade da escala Category System for Music
Therapy - KAMUTHE para avaliação da comunicação de pessoas com
Transtorno do Espectro Autista (TEA) no contexto musicoterapêutico
brasileiro. Segundo o autor, a análise psicométrica da Escala KAMUTHE
Anais

para avaliação de crianças com TEA apresentou resultados satisfatórios nas


validades de conteúdo, discriminante, convergente e na concordância entre
avaliadores. 487
Silva (2012), em sua pesquisa de mestrado denominada “Tradução para o
português brasileiro e validação da escala Individualized Music Therapy
Assessment Profile – IMTAP para uso no brasil” realizou estudos para verifi-
car indícios de validade da Escala IMTAP na avaliação de 10 grupos de
comportamentos – musicalidade, comunicação expressiva, comunicação
receptiva/ percepção auditiva, interação social, motricidade ampla, motri-
cidade fina, motricidade oral, cognição, habilidade emocional e habilidade
sensorial - de crianças saudáveis com idade entre 7 e 11 anos. Segundo o
autor, foram encontrados resultados satisfatórios nas validades de conteúdo,
conver-gente e na concordância entre avaliadores.
Sampaio (2015) em sua pesquisa de doutorado “Avaliação da Sincronia
Rítmica em Crianças com Transtorno do Espectro do Autismo em Atendi-
mento Musicoterapêutico”, desenvolveu o Protocolo de Avaliação da
Sincronia Rítmica - PSinc. A análise psicométrica desse protocolo, desen-
volvido no contexto brasileiro, demonstrou que o mesmo apresenta indí-
cios satisfatórios de validade estrutural e boa confiabilidade interexa-
minadores.
Rosário (2015), em sua pesquisa de mestrado denominada “Desenvol-
vimento de um Instrumento de Avaliação da Capacidade Atencional em
Portadores de Esclerose Tuberosa Através de Princípios de Atenção
Conjunta e de Musicoterapia”, desenvolveu um Protocolo de Avaliação
da Capacidade Atencional em Musicoterapia - PACAMT com o objetivo
de mensurar a ocorrência de comportamentos atencionais observáveis em
um processo musicoterapêutico com um portador de Esclerose Tuberosa.
Através de análise psicométrica, observou-se que este protocolo apresenta
indícios de validade.
Gattino e colegas (2016) estão realizando estudos na tradução e vali-
dação da escala Improvisation Assessment Profiles (IAPs) para utilização no
Brasil. Os IAPs compreendem a avaliação de 6 perfis: Saliência, Tensão,
Autonomia, Variabilidade, Integração e Congruência. Segundo os autores,
resultados satisfatórios foram apresentados na tradução da Escala para o
português brasileiro. Mais resultados devem ser publicados no decorrer da
pesquisa.
André (2017), em sua pesquisa de mestrado denominada “Tradução e
Validação da Escala Nordoff Robbins de Comunicabilidade Musical”,
descreve o processo de validação desta Escala na avaliação da comunicação
musical através de verbalizações, manipulação de instrumentos musicais e
movimentos com o corpo em crianças com Transtornos do Neurodesen-
volvimento no contexto musicoterapêutico brasileiro.
Embora já existam seis estudos publicados, a necessidade de desen-
volvimento e validação de demais protocolos de avaliação musicotera-
pêuticos ainda é extremamente necessária. É interessante verificar que,
dentre esses poucos protocolos de avaliação musicoterapêuticos validados
no Brasil, 2 são relacionados á avaliação de pessoas com TEA (Gattino, 2012
E Sampaio, 2015), 1 está relacionado com avaliação de pessoas saudáveis
(Silva, 2012) ,1 com Esclerose Tuberosa (Rosário, 2015) e 1 com Transtor-
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

nos do Neurodesenvolvimento (André, 2017). Essas informações nos


mostram o quanto é necessário desenvolver mais meios de avaliação em
488 diferentes contextos.
Através de nosso estudo, pretendemos contribuir com meios de
avaliação para a Musicoterapia no contexto brasileiro realizando estudos
para verificar indícios de validade em duas escalas denominadas Escala de
Relação Criança Terapeuta na Experiência Musical Coativa e Escala de
Musicabilidade, Formas de Atividade, Estágios e Qualidades de Enga-
jamento para avaliação de pessoas com Transtornos do Neurodesen-
volvimento.
Segundo o contexto histórico, estas escalas foram desenvolvidas a
partir de pesquisas realizadas em 1964 na Universidade da Pensilvânia
com o objetivo de avaliar o relacionamento, a comunicabilidade musical
e as formas de engajamento do paciente no atendimento clínico em
Musicoterapia. Desde então, elas continuaram a ser utilizadas para avalia-
ção de pessoas com diversas condições médicas e para treinamento de
estudantes do Centro Nordoff Robbins de Musicoterapia localizado em
Nova Iorque (Nordoff, Robbins, & Marcus, 2007).
A primeira escala desenvolvida é denominada Escala de Relação
Criança Terapeuta na Experiência Musical Coativa (The child-therapist
relationship in coactive musical experience), a segunda escala, já validada para
o contexto brasileiro por André (2017) é denominada Escala de
Comunicabilidade Musical (Musical Communicativeness) e a terceira escala
é denominada Escala de Musicabilidade, Formas de Atividade, Estágios e
Qualidades de Engajamento (Musicing: forms of activity, stages and qualities
of engagement).
Através de uma revisão bibliográfica realizada por André, Gomes e
Loureiro (2016) pode ser observado que além das Escalas Nordoff Robbins
continuarem sendo utilizadas durante décadas em seu país de origem,
recentemente também vem sendo utilizadas no Brasil. Isto pode ser
demonstrado no estudo de Andre e colegas (2018) que realizaram confia-
bilidade interexaminadores da Escalas Nordoff Robbins de Relação Criança
Terapeuta na Experiência Musical Coativa e validade concorrente em
comparação com os testes Childhood Autism Rating Scale (CARS), Autism
Treatment Evaluation Checklist (ATEC) e Perfis de Avaliação Improvisacional
(IAPs). Ainda no contexto brasileiro, podemos observar o estudo de Freire
(2014) que utilizou essa escala para avaliação de crianças autistas em sessões
de Musicoterapia em conjunto com os testes CARS, ATEC, Inventário de
Comportamentos Autísticos (ICA), Aberrant Behavior Checklist (ABC),
Children Global Assessment Scale (CGAS) e Clinical Global Impression (CGI).
É possível visualizar também o estudo de Sampaio (2015), que utilizou a
Escala de Relação Criança Terapeuta na Experiência Musical Coativa em
conjunto com o Protocolo de Avaliação da Sincronia Rítmica em Musico-
terapia.
Acreditamos que a Escala de Relação Criança Terapeuta na Experiência
Musical Coativa e a Escala de Musicabilidade, Formas de Atividade,
Estágios e Qualidades de Engajamento poderão apresentar indícios de
validade para o contexto brasileiro, assim como foi observado na Escala
Nordoff Robbins de Comunicabilidade Musical (André, 2017).
Anais

JUSTIFICATIVA
Traduzir e validar as demais Escalas Nordoff Robbins para o Brasil
489
representa um ganho para a Musicoterapia e para futuros estudos relacio-
nados a comportamentos musicais, uma vez que esses comportamentos são
resultantes de fatores neurológicos, psicológicos e culturais. Além disso, as
Escalas Nordoff Robbins podem contribuir para uma avaliação musical
relacionada a como o indivíduo produz, percebe, analisa e reage à música ou
a qualquer expressão sonora em seus diversos aspectos.
Freire (2014) relata que a primeira versão dessas escalas foi publicada
em 1987 e apresentava pontuações que variavam de 01 a 10. Essas
pontuações representariam o nível de participação do paciente. Nordoff,
Robbins e Marcus (2007) publicaram, em 2007, uma versão atualizada das
mesmas com pontuações que variavam entre 01 e 07. Mahoney (2010)
realizou um estudo verificando a utilização destas no decorrer dos anos e
demonstrando sua eficácia.
A Escala de Relação Criança Terapeuta na Experiência Musical Coativa
avalia em 7 graus o quanto uma pessoa pode apresentar resistividade e o
quanto ela participa no contexto musical. A Escala de Musicabilidade,
Formas de Atividade, Estágios e Qualidades de Engajamento avalia o que
uma pessoa é capaz de expressar musicalmente e o quanto ela se engaja para
realizar cada atividade. Essa Escala leva em consideração a quantidade de
batidas que um indivíduo pode fazer em instrumento de percussão por
minuto e qual o ritmo e a expressividade em instrumentos musicais. Em
relação as formas melódicas, como por exemplo o canto, essa Escala leva em
consideração desde melodias simples e complexas até a tonalidade, os frase-
ados e a improvisação. Nesses construtos, são considerados aspectos impor-
tantes e representativos de comportamento musicais e não musicais, como
por exemplo a intensidade, o ritmo e diferentes planos de altura. Cada
aspecto pode representar algo que reflete a condição de saúde, bem como
possíveis características individuais como aspectos psicológicos, de persona-
lidade, cultural ou de interação social.
Segundo Nordoff, Robbins e Marcus (2007), as Escalas Nordoff
Robbins podem ser utilizadas para avaliação de pessoas com diversas
condições médicas. Em sua origem, elas foram utilizadas para avaliar
crianças com transtorno do espectro do autismo, esquizofrenia infantil,
transtorno emocional grave, lesão cerebral, deficiência visual, paralisia
cerebral, deficiência mental grave e deficiência de aprendizado com com-
plicações de afasia. Recentemente, estas escalas foram utilizadas para avaliar
diversas condições, dentre elas, pessoas com os vários tipos de transtornos
do neurodesenvolvimento, como demonstra Mahoney (2010).
Nesta pesquisa, pretende-se estudar a população com diagnóstico de
Transtornos do Neurodesenvolvimento, por ser uma condição que
abrange várias patologias. De acordo com American Psychiatric Association
(2014), na descrição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais - DSM 5, os Transtornos do Neurodesenvolvimento são definidos
como um grupo de condições com início no período do desenvolvimento.
Em geral, antes da criança ingressar na escola, sendo caracterizados por
déficits no desenvolvimento que acarretam prejuízos no funcionamento
pessoal, social, acadêmico ou profissional.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Loureiro (2006) afirma que “todo comportamento humano é mediado


pelo cérebro”. De acordo com a autora, neste contexto qualquer expressão
490 musical ou não musical está ligada à como o cérebro percebe, analisa e
responde aos estímulos. Pessoas que apresentam algum déficit cognitivo
ou patologia neurológica podem demonstrar comportamentos diferentes
de pessoas que não possuem essas patologias. Esses comportamentos
podem estar relacionados à comunicação, expressividade, movimentos,
entre outros.
Thaut (2005) afirma que a plasticidade cerebral pode ser estimulada pelo
ritmo, pela sequência de movimentos e pelas funções cerebrais ativadas pela
música. A música, e todos os seus elementos, pode facilitar e possibilitar a
comunicação, a expressividade, a mobilização e o desenvolvimento global
do indivíduo.

OBJETIVOS
Os objetivos dessa pesquisa consistem em traduzir e validar para o
português brasileiro as Escalas Nordoff Robbins de Relação Criança
Terapeuta na Experiência Musical Coativa e Escala de Musicabilidade,
Formas de Atividade, Estágios e Qualidades de Engajamento e utilizar
essas escalas, para analisar, através de videogravações, o comportamento
de pessoas com Transtornos do Neurodesenvolvimento.

Participantes
Profissionais serão convidados para analisar vídeos de atendimentos de
Musicoterapia. Os vídeos utilizados serão de instituições que aceitaram
colaborar com nossa pesquisa cedendo vídeos de banco de dados de
atendimentos musicoterapêuticos realizados a pessoas com Transtornos do
Neurodesenvolvimento. Os responsáveis pelos pacientes que foram filma-
dos já assinaram previamente Termo de Consentimento específicos que
permitiam a filmagem e o usos desse material para pesquisas acadêmicas. A
pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética e registrado sob o número
04167218.2.0000.5149.

Instrumentos
Serão utilizados vídeos de atendimentos de Musicoterapia realizados
no atendimento a pessoas com Transtornos do Neurodesenvolvimento e
também serão utilizadas as Escalas Nordoff Robbins de Relação Criança
Terapeuta na Experiência Musical Coativa e Escala de Musicabilidade,
Formas de Atividade, Estágios e Qualidades de Engajamento juntamente
com seus respectivos manuais explicativos disponíveis no livro Creative
Music Therapy: Guide to Fostering Clinical Musicianship escrito pelos
autores Nordoff, Robbins e Marcus (2007).

Critérios de inclusão e exclusão


Serão incluídos vídeos de atendimentos institucionais musicoterapêu-
ticos de pessoas com Transtornos do Neurodesenvolvimento e serão
excluídos vídeos de atendimentos musicoterapêuticos de pessoas que não
possuam o diagnóstico de Transtornos do Neurodesenvolvimento. Todas
Anais

as Instituições assinaram carta concedendo a permissão para análise dos


vídeos dos seus respectivos bancos de dados.
491
Descrição de métodos e procedimentos
Trata-se de um estudo amostral onde a avaliação ocorrerá através de
análise de vídeos pré filmados de atendimentos de Musicoterapia a partir das
Escalas Nordoff Robbins de Relação Criança Terapeuta na Experiência
Musical Coativa e Escala de Musicabilidade, Formas de Atividade, Estágios
e Qualidades de Engajamento. Não haverá intervenção clínica por parte
dos pesquisadores.
O método a ser utilizado para validar as Escalas Nordoff Robbins de
Relação Criança Terapeuta na Experiência Musical Coativa e Escala de
Musicabilidade, Formas de Atividade, Estágios e Qualidades de Engaja-
mento foi desenvolvido por Herdman, Fox-Rushby e Badia (1998) e
consiste em um modelo universalista composto de seis (6) equivalências
utilizadas para validação e adaptação cultural de testes na área da saúde. Este
método já foi utilizado no Brasil para validação e adaptação de uma bateria
de testes na área da música e apresentou resultado positivo, conforme
demonstram os estudos de Nunes e colegas (2010), Gattino (2012) e André
(2017).
As seis equivalências desse método consistem em:
Equivalência conceitual. Consiste na revisão bibliográfica da criação das
Escalas Nordoff Robbins e de como elas foram modificadas até a última
versão para entender os reais conceitos culturais de cada aspecto e para
verificar se os conceitos propostos são convergentes para a cultura ameri-
cana e brasileira. Nessa etapa, especialistas como linguistas, musicotera-
peutas ou músicos podem avaliar as diferenças conceituais para uma análise
mais precisa.
Equivalência de itens. Consiste na avaliação da pertinência de cada item
para avaliação, levando em consideração as diferenças culturais. A
maneira que será utilizada para verificar se os itens das Escalas Nordoff
Robbins de Relação Criança Terapeuta na Experiência Musical Coativa
e Escala de Musicabilidade, Formas de Atividade, Estágios e Qualidades
de Engajamento são relevantes para cultura brasileira consistirá em
analisar se os comportamentos apresentados nos itens são comuns em
nossa cultura. Para tal, um grupo de pessoas pode ser convidado a discutir
ou preencher um questionário de comportamentos comuns relacionados
a prática musical.
Equivalência semântica. Consiste na avaliação da linguagem utilizada no
teste levando em consideração as adaptações culturais. Nessa etapa, é
verificado se a palavra utilizada para tradução exprime o melhor significado
ou se deve ser substituída por outra palavra para maior interpretação das
escalas. Nesse momento, é levado em consideração a linguagem regional, o
nível de formalidade, a linguagem poética e a linguagem atual para escolha
da melhor palavra.
Equivalência operacional. Consiste em verificar o formato das escalas
para a aplicação. Nessa etapa, o formato das escalas pode ser mantido ou
modificado de forma que seja claro e de fácil aplicação.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

Equivalência de mensuração. Consiste na análise psicométrica de


adequação, confiabilidade, validade, consistência interna e outras análises
492 estatísticas que forem necessárias.
Equivalência funcional. Consiste em verificar todo o processo de adaptação
e apresentar as conclusões. Caso todos os resultados sejam positivos, as escalas
estarão prontas para validação.
Os dados coletados em cada uma das seis equivalências serão compu-
tados e analisados qualitativamente e quantitativamente utilizando-se
métodos estatísticos que serão definidos durante a pesquisa e após o Teste
estatístico de Normalidade.

RESULTADOS ESPERADOS
De acordo com os resultados apresentados por André (2017), André,
Gomes, e Loureiro (2017) e André, Gomes, e Loureiro (2018) é possível
observar que a Escala Nordoff Robbins de Comunicabilidade Musical
obedeceu aos critérios de validação para avaliação de pessoas com Transtornos
do Neurodesenvolvimento em atendimentos musicoterapêuticos no contexto
brasileiro com boa confiabilidade interexaminadores em todos os domínios da
escala (vocal ρ = 0.87, instrumental ρ = 0.79 e movimento corporal ρ = 0.73 )
com p<0,01 e equivalência comprovada em todos as etapas. Além disso,
podemos observar no estudo de André et al. (2018) que a Escala de Relação
Criança Terapeuta na Experiência Musical Coativa apresentou boa correlação
de Spearman na avaliação interexaminadores de atendimentos realizados a
crianças com TEA, com correlações fortes em ambos domínios: Níveis de
Participação (ρ=0,791) e Qualidade de Resistividade (ρ=0,756); e no total
(ρ=0,858) com p<0,01.
Acredita-se que as Escalas Nordoff Robbins de Relação Criança Tera-
peuta na Experiência Musical Coativa e de Musicabilidade, Formas de
Atividade, Estágios e Qualidades de Engajamento poderão contribuir para
a avaliação de comportamentos derivados de estímulos musicais de pessoas
com Transtornos do Neurodesenvolvimento no contexto brasileiro e pos-
sivelmente apresentarão resultados positivos, assim como a Escala de
Comunicabilidade Musical.

Referências
André, A. M. B. (2017). Tradução e validação da Escala Nordoff Robbins de
Comunicabilidade Musical. Universidade Federal de Minas Gerais.
Andre, A. M., Batista, D. O., Freire, M. H., Sampaio, R. T., & Kummer, A. M. e.
(2018). Análise psicométrica das Escalas Nordoff Robbins como instrumento de
avaliação no tratamento musicoterapêutico de crianças autistas em
acompanhamento no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas
Gerais (HC-UFMG). Revista Per Musi, 2018(2018), 1–12.
Anais

André, A. M., Gomes, C. M. A., & Loureiro, C. M. V. (2016). Escalas Nordoff Robbins:
uma revisão bibliográfica. Percepta- Revista de Cognição Musical, 3(2), 117–131.
André, A. M., Gomes, C. M. A., & Loureiro, C. M. V. (2017). Equivalência de itens, 493
semântica e operacional da versão brasileira da Escala Nordoff Robbins de
Comunicabilidade Musical. OPUS, 23(2), 197–215.
http://doi.org/10.20504/opus2017b2309.
André, A. M., Gomes, C. M. A., & Loureiro, C. M. V. (2018). Reliability Inter-Examiners
of The Nordoff Robbins Musical Communicativeness Scale Brazilian Version. In 11th
International Conference of Students of Systematic Musicology (pp. 101–105). Belo
Horizonte.
Freire, M. H. (2014). Efeitos da Musicoterapia Improvisacional no tratamento de crianças com
Transtorno do Espectro do Autismo. Universidade Federal de Minas Gerais.
Gattino, G. S. (2012). Comunicação não verbal de crianças com Transtornos Do Espectro Autista
: revisão sistemática e estudo de validação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Gattino, G. S., Ferrari, K. D., Azevedo, G., Souza, F. de, Pizzol, F. C. D., & Santana, D. da
C. (2016). Tradução, adaptação transcultural e evidências de validade da Escalas
Inprovisation Assessment Profiles (IAPs) para uso no Brasil: parte 1. Revista Brasileira
de Musicoterapia, 20(XVIII), 92–116.
Herdman, M., Fox-Rushby, J., & Badia, X. (1998). A model of equivalence in the cultural
adaptation of HRQoL instruments: the universalist approach. Quality of Life Research,
7(4), 323–335.
Nordoff, P., Robbins, C., & Marcus, D. (2007). Creative Music Therapy:Guide to Fostering
Clinical Musicianship (2nd ed.). New Hampshire: Barcelona Publishers.
Nunes, M., Loureiro, C. M. V., Loureiro, M. A., & Haase, V. G. (2010). Tradução e
validação de conteúdo de uma bateria de testes para avaliação de Amusia. Avaliação
Psicológica, 9(2), 211–232.
Rosário, V. M. (2015). Desenvolvimento de um instrumento de avaliação da capacidade
atencional em portadores de esclerose tuberosa através de princípios de atenção conjunta e de
musicoterapia. UFMG.
Sampaio, R. T. (2015). Avaliação da Sincronia Rítmica em Crianças com Transtorno do Espectro
do Autismo em Atendimento Musicoterapêutico. Universidade Federal de Minas Gerais.
Silva, A. M. da. (2012). Tradução para o português brasileiro e validação da escala Individualized
Music Therapy Assessment Profile (Imtap) para uso no Brasil. Universidade Federal do
Rio Grande do Sul.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

A música instrumental brasileira no ensino básico


494 a partir do repertório do choro
(Resumo)
Camile Tatiane de Oliveira Pinto (camiletatiane@gmail.com)
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Ana Paula Peters (anapaula.peters@gmail.com)
Universidade Estadual do Paraná (Unespar)

Problema/questão
Entre os desafios do ensino de música no contexto brasileiro está o de explorar o potencial da
música popular brasileira na educação básica. Assim, esta pesquisa de mestrado em andamento
analisa e propõe o repertório do choro como protagonista na construção do conhecimento musical
na educação básica. Entre os primeiros gêneros da música popular brasileira que apareceram no
final do século XIX, o choro surgiu a partir de influências da música europeia e africana na prática
dos instrumentistas que atuavam no espaço urbano daquela época. Nos dias atuais, o choro avança
por outros espaços além das ruas e ambientes acadêmicos. Entretanto, o choro carece de maior
oportunidade na sala de aula, e a falta de hábito de escuta da música instrumental torna-se uma
realidade para a maioria das crianças, que deixam de vivenciar este tipo de discurso sonoro
(Almeida; Levy, 2010, p. 26). Fucci-Amato (2012, p. 117) concorda que “A própria música
popular brasileira, em sentido amplo, ainda não é explorada em toda a sua potencialidade
pedagógica.”.
Objetivos
Deste modo, o objetivo desta pesquisa é promover o aprendizado musical a partir da apreciação
do repertório do choro, evidenciando as possibilidades pedagógico-musicais deste repertório.
Entendida como uma das principais atividades musicais, a apreciação musical (Silva e Cunha,
2003, p. 64) permite que todos os envolvidos participem ativamente desta “rede complexa de
pessoas, processos, produtos e contextos” que constitui o fazer musical (Elliot, 1995, p. 51).
Método
Para isso, será realizada uma pesquisa-ação durante um trimestre em uma escola da rede municipal
da cidade de Curitiba, Paraná, tendo o choro como o repertório principal das aulas, e a apreciação
como a modalidade central – mas não exclusiva – das aulas de música. Os dados serão coletados
por meio de entrevistas, instrumento de avaliação e gravações em vı́deo das aulas. O instrumento
de avaliação, fundamentado nas concepções de Swanwick, adaptado por Silva e Grossi (2001), será
composto pelas seguintes categorias de análise de apreciação: a) caráter expressivo, b) relações
estruturais e c) materiais do som.
Resultados
Entre os resultados esperados, estão a possibilidade da construção do conhecimento musical a
partir da aproximação do aluno com o repertório brasileiro e o desenvolvimento de um discurso
simbólico por meio do repertório do choro.
Conclusões
A música instrumental brasileira pode contribuir na experiência estética e no aprendizado musical
dos alunos do ensino básico, e a sua presença na sala de aula pode ser ampliada e explorada.
Palavras-chave
Choro, educação básica, apreciação musical, música instrumental brasileira
Referências
Almeida, B., & Levy, G. (2010). Livro de Brincadeiras Musicais da Palavra Cantada–Livro do
Professor. São Paulo: Editora Melhoramentos.
Elliot, D. J. (1995). Music matters: a new philosophy of music education. Oxford: University
Press. Fucci-Amato, R. (2016). Escola e educação musical: (des)caminhos históricos e
horizontes. Campinas: Papirus Editora.
Fucci-Amato, R. (2016). Escola e educação musical: (des)caminhos históricos e horizontes. Campinas:
Papirus Editora.
Grossi, C. D. S. (2001). Avaliação da percepção musical na perspectiva das dimensões da
experiência musical. Revista da ABEM, 6, 49-58.
Silva e Cunha, E. (2002). A avaliação da apreciação musical. In. L. Hentschke, & J. Souza
(Orgs.). Avaliação em música: reflexões e práticas. São Paulo, SP: Moderna.
Anais

MAIO 31 | May 31
CONFERÊNCIA
LECTURE 4
4 495

SALA MULTIUSO, 16h30

Coordenador da sessão | Session Chair: Josemar de Campos Maciel (UCDB)

Music, empathy and intersubjective consciousness


Eric Clarke
There is increasing interest in music and empathy, and with the ways in which music can
draw listeners and active participants into forms of engagement with one another. The idea
of empathy originally arose in the context of visual art, to account for the ways in which
observers can be drawn into the world of a work of art, but quickly developed into a powerful
and more general psychological concept. This paper explores the ways in which a broad
concept of empathy might provide a fruitful way to understand how listeners engage with
one another and with the ‘virtual worlds’ that music affords — and thus with the collective or
intersubjective quality of musical consciousness. Touching upon broader and narrower
conceptions of empathy, I consider the ways in which musical objects and processes, as well
as people, can afford empathic engagement. Referring to empirical evidence for musically
mediated empathy, I offer a more speculative attempt to understand people’s ‘strong
experiences with music’ in terms of empathic musical consciousness — with a particular focus
on the role of the human voice. Recordings of vocal performances by Janis Joplin and Chet
Baker illustrate what it is about their voices that may afford empathic engagement and a sense
of intersubjective musical consciousness. But empathy is not without its problems, and can
paradoxically be both divisive and coercive. I end my talk by considering this ‘dark side’ of
empathy in relation to its brighter and more emancipatory potential.

Música, empatia e consciência intersubjetiva


Há um interesse crescente em música e empatia, e com as maneiras pelas quais a música pode atrair
ouvintes e participantes ativos na forma de interação uns com os outros. A ideia de empatia surgiu
originalmente no contexto da arte visual, para explicar as maneiras pelas quais os observadores
podem ser atraídos para o mundo de uma obra de arte, mas rapidamente se transformou num
conceito psicológico poderoso e mais geral. Esta fala explora as maneiras pelas quais um amplo
conceito de empatia pode fornecer uma maneira proveitosa de entender como os ouvintes se
envolvem uns com os outros e com os "mundos virtuais" que a música oferece — e assim com a
qualidade coletiva ou intersubjetiva da consciência musical. Ao abordar concepções mais amplas
e mais estreitas de empatia, considero as maneiras pelas quais objetos e processos musicais, bem
como as pessoas, podem ter um engajamento empático. Referindo-se à evidência empírica de
empatia musicalmente mediada, ofereço uma tentativa mais especulativa de entender as "fortes
experiências com a música" em termos de consciência musical empática — com um foco
particular no papel da voz humana. Gravações de performances vocais de Janis Joplin e Chet
Baker ilustram o que, em relação às suas vozes, pode proporcionar engajamento empático e senso
de consciência musical intersubjetiva. Mas a empatia não é isenta de seus problemas e pode,
paradoxalmente, ser tanto divisiva quanto coercitiva. Termino minha fala considerando esse "lado
escuro" da empatia em relação ao seu potencial mais brilhante e emancipatório.
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

498
Anais

MAIO 29-31 | May 29-31


WORKSHOP 1 499

SALA 1, 8h30

Composição e o paradigma dinâmico da Cognição


Rael Toffolo (UEM)
1 – Definição do Paradigma dinâmico no contexto da Ciência Cognitiva
2 – A concepção do paradigma dinâmico na composição
2.1 A virada para a “pós-modernidade” ou o conceito de Arte após o fim da arte
2.2 A notação e a representação
3 – Procedimentos criativos no contexto do Paradigma Dinâmico da Cognição

MAIO 29-31 | May 29-31


WORKSHOP 2
SALA 2, 8h30

Neurociências e Performance Musical


Luciane Cuervo (UFRGS)
O objetivo deste GE consiste em fomentar a reflexão e o debate acerca das contribuições de
conhecimentos neurocientíficos relevantes na construção da performance musical. Busca-se
contemplar a complexidade da manifestação musical, articulando saberes e práticas
interdisciplinares intrínsecos ao desenvolvimento cognitivo e o contexto sociocultural.
As duas últimas décadas foram marcadas por avanços extraordinários no que concerne às
possibilidades investigativas do engajamento neural no comportamento musical. É possível
afirmar que o fazer musical, manifestado por meio da audição, percepção, visão (leitura),
gesto, memória, movimento, linguagem, criação, dentre outras ações, engloba diversas
regiões e funções cerebrais, dos dois hemisférios, de forma dinâmica e complexa. Apesar
disso, ainda são difundidos mitos acerca do cérebro, como a percentagem reduzida de
utilização da massa encefálica, a lateralidade e dominância cerebral, genialidade/dom na
expertise, entre outros.
Para Tokuhama-Espinosa (2012), o primeiro passo necessário para a difusão de conhecimentos
neurocientíficos é justamente a desconstrução de mitos sobre o cérebro. Suas investigações
apontam que há quatro principais categorias de saberes, sendo predominante a categoria
“Mitos” entre os sujeitos investigados:
XIV Simpósio Internacional de Cognição e Artes Musicais – 2019

1)Estabelecido – conhecimentos comprovados por pesquisas neurocientíficas. Ex.


Plasticidade neuronal.
2)Provável - tendem a ser comprovados pela neurociência. Ex. Etapas sensíveis.
500 3)Especulação inteligente – articulação de ideias que não foram desmentidas por campos
diversos da neurociência. Ex. Diferenças entre os gêneros.
4)Mitos – concepções do senso comum que não possuem comprovação científica. Ex.
Cérebro direito e esquerdo.
Conhecimentos neurocientíficos têm muito a enriquecer a pedagogia da Performance.
Expressar-se através da música inclui a capacidade de poder interpretar ou criar a sua versão
para uma obra, imprimindo um caráter pessoal e transmitindo algo de si mesmo ao ouvinte.
Da produção à recepção, existe um longo caminho, cujo objetivo principal, conscientemente
ou não, é a aquisição de técnica em busca da expressividade refletida no fenômeno
performático. É sabido que a prática deliberada é parte fundamental na concepção da
performance, porém, o que se defende, é que essa prática evite a repetição mecanicista e
inexpressiva, tão comuns no estudo do instrumento e da voz.
A plasticidade cerebral reage a estímulos de diversas naturezas, sejam eles motores, sejam
puramente mentais. Processos mentais de audição, de leitura à primeira vista, de leitura
silenciosa, de estudo técnico e expressivo, regulação das emoções, controle da ansiedade, entre
outros podem ser fortemente qualificados quando aliados a resultados de investigações das
Neurociências. Termos como consolidação do aprendizado, neuroplasticidade, sistema de
recompensa e o conhecimento de regiões específicas do cérebro envolvidas mais intensamente
no fazer musical vão ao encontro de uma tomada de consciência acerca de atitudes e
pensamentos que aperfeiçoam o processo de construção da performance.
O que se constata hoje é que a diversificação de estratégias metodológicas de estudo, o respeito
às condições de consolidação do aprendizado e a capacidade de adiamento de gratificação do
sistema de recompensa são elementos que exemplificam contribuições de conhecimentos
neurocientíficos ao processo de concepção da performance musical. Um dos principais tributos
que a música fornece ao cérebro é a regulação das emoções, uma das habilidades mais
importantes dentre as quais se fazem necessárias durante uma apresentação musical e toda a
trajetória prévia inerente a ela.

MAIO 29-31 | May 29-31


WORKSHOP 3
SALA 3, 8h30

Música, cognição, saúde e musicoterapia


Clara Piazzetta (Unespar) e Claudia Zanini (UFG)
Integrar conhecimentos sobre Música, Cognição, Saúde e Musicoterapia é o principal objetivo
desse workshop. As experiências musicais de audição, composição, recriação e improvisação
(Bruscia, 2000) serão utilizadas como estratégia para impulsionar discussões sobre conceitos
presentes na Musicoterapia, na Cognição Musical, na Neurociência da Música e na Educação
Especial. Considera-se o princípio de que cada uma dessas experiências envolve processos
cognitivos específicos, dependendo do contexto de sua aplicação, dentro da integração de
música, saúde, educação e inclusão. Espera-se ampliar diálogos e experiências colaborativas
entre os profissionais ligados às diferentes subáreas da música, em virtude da capacidade de
reconhecer processos e estudos envolvendo a cognição musical, considerando a importância
do convívio com a música, uma vez que esta é uma experiência multimodal, que faz parte de
todo o viver humano.
Anais

MAIO 29-30 | May 29-30


WORKSHOP 4 501

SALA 4, 8h30

Escuta musical ativa


Graça Boal Palheiros (Escola Superior de Educação do Porto - Portugal)
Esta atividade objetiva oferecer aos estudantes e profissionais das áreas de música e educação,
bem como demais interessados, um Workshop sobre "Escuta Musical Ativa". A profa. Graça
possui ampla experiência na área de Educação Musical, com foco nas temáticas "audição musical
e canto das crianças", "formação de professores de música" e "inclusão social". Possui 17 livros
publicados, dentre os quais estão cinco volumes do livro "Pedagogia Musical" e dois volumes
do livro "Escuta Musical Ativa", produzido em conjunto com Jos Wuytack. Tem vários artigos
publicados em revistas especializadas e em anais de Congresso. A professora orientou mais de
80 pesquisas acadêmicas ao longo de quase 30 anos de docência. O encontro terá duração de 3
horas, no qual serão expostos os fundamentos do seu trabalho e vivenciadas práticas vinculadas
à escuta musical ativa.

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