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O R G ANIZAD O R
ESTÉTICAS
E EXPERIÊNCIAS
SONORAS
ANA I S DO S EF I M , P O RTO A L E G R E, V. 5 , N. 8 , 2 0 2 3
Estéticas
e Experiências
Sonoras
Raimundo Rajobac
Organizador
Porto Alegre - RS
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
CDU 78 : 061.3
Bibliotecária: Mara R. B. Machado – CRB-10/1885
IV SIMPÓSIO INTERNACIONAL
DE ESTÉTICA E FILOSOFIA DA MÚSICA
“Estéticas e Experiências Sonoras”
Vice-Reitora
Patricia Pranke
Pró-Reitor de Pesquisa
José Antonio Poli de Figueiredo
Pró-Reitora de Extensão
Adelina Mezzari
Convidados
Alan Alves Brito (UFRGS) – A música no contexto do Universo
Ana Fridman (USP) – Corpos poético-musicais: experiências interativas sobre o tempo,
espaço e memória
Bernardo Oliveira (UFRJ) – O Som do Samba
Débora Pazzeto (UDESC) – A pureza é um mito: uma proposta simpoiética para a autoria
nas artes
Dirk Stederoth (UNIKASSEL) – Geräusch – Ton – Sound. Zur Dialektik des musikalischen Klangs
Francisco Marshall (UFRGS) – Estéticas da transdução – em perspectiva transdisciplinar
Frederic Mathevet (Sorbonne I) – Extended partitions and plastic modalities of writing of
sound and music
Gerson Trombetta (UPF) – Nas trilhas do ouvir: música, emoções e compreensão
Herom Vargas (UMESP) – Música e imagens nas capas de disco de Rock brasileiro
Isabel Nogueira (UFRGS) – Sônicas e eletrônicas: mulheres e sonoridades sintéticas
Lia Tomás (UNESP) – O ouvir e o logos
Lukas Kühne (UDELAR) – Representación de una audición extendida en el contexto de la
convivencia: “El conocimiento habla, pero la sabiduría escucha” – Jimi Hendrix
Mário Videira (USP) – A experiência estética da música: o que Hanslick pode nos ensinar hoje?
Marion Velasco (Hemispheric Encounters) – Banda de Artista performando o sônico em
Artes Visuais
Martín Liut (UNQ) – Tener como norte el sur. Reflexiones sobre territorios e identidades de
la milonga en Brasil, Uruguay y Argentina
Nadja Hermann (UFRGS) – Experiência estética, corporeidade e ética
Raquel Stolf (UDESC) – Situações de escuta e experiências de infraintrainterespécies de silêncios
Local do Evento
Evento virtual.
Sumário
Apresentação13
Autor
Música para e com as crianças: confluência das artes e Educação Infantil 155
Fabrício Malaquias-Alves
O processo de musicalização na Educação Básica à luz da Psicologia
Histórico-Cultural e da Pedagogia Histórico-Crítica 157
Ana Beatriz Buoso Marcelino
Apresentação
Este número dos Anais do SEFIM apresenta os resumos submetidos à quarta edição do
evento com realização prevista para agosto de 2022, porém adiado para maio de 2023.
Em formato virtual o evento realizou-se durante todo o mês de maio com atividades
nas terças, quartas e quintas feiras, incluindo conferências principais e apresentação
de trabalhos. Em sua segunda edição internacional, o IV Simpósio Internacional de
Estética e Filosofia da Música ampliou suas discussões às fronteiras das experiencias
sonoras assumindo a temática estéticas e experiências sonoras. O evento reúne pes-
quisadores, profissionais, professores e estudantes da Graduação e Pós-Graduação do
Brasil e outros países, os quais, ao tomarem a experiência do sonoro como dimensão
norteadora, favorecem o debate interdisciplinar, pondo em foco perspectivas estéticas,
filosóficas, históricas, formativas e sonoras. Desde 2013 e edições posteriores, 2016 e
2019, os debates desvelados aprofundaram refletida e criticamente os mais diversos
problemas a serem enfrentados nas investigações entre estética, música, filosofia,
história e formação; de modo a nos conduzir de forma atualizada às exigências que
se apresentam a partir das estéticas e experiências sonoras que permeiam as diversas
tradições e a contemporaneidade. A expansão destas questões nos confronta com o
que nos interpela na diversidade e pluralidade de estéticas e sonoridades, bem como
o papel epistemológico que se aprende, principalmente quando o problema do sonoro
nos põe na fronteira desafiadora das linguagens das artes. Por fim, convidamos para a
leitura atenta dos temas que se seguem. O conjunto das questões aqui apresentadas
contribui de forma significativa para atentarmos aos sentidos possíveis a partir dos
quais se articulam estéticas e experiências sonoras.
Raimundo Rajobac
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estétic a
e filosofia
da músic a
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O presente trabalho tem por objetivo a análise do texto “A Visão Dionisíaca do Mundo”
do filósofo Friedrich Nietzsche, texto escrito em 1870, entendido como preparatória
para “O Nascimento da Tragédia” que data o ano de 1872. Nossa análise visa explicitar
os elementos artísticos, entendido como impulsos da natureza. Apolíneo, elementos
figurativos e dionisíaco, não-figurativos (música), que sempre emparelhado e em luta
constante possibilitam criações sempre novas. Assumem assim, na metafisica estética
nietzschiano o estado fisiológico de onde o fazer artista é retirado, entretanto, quando
unido dão origem ao que conhecemos trágico-cômico.
Desta forma, o impulso apolíneo pode ser entendido como estado fisiólogo, uma força
que leva ao sonho que é representado no deus Apolo como símbolo para tal estado.
É do sonho, entendido como jogo do homem individual faz com o real, onde o artista
apolíneo cria sua arte, pois é do mundo apolíneo de onde brota a totalidade da arte
plástica e de parte da poesia. O deus Apolo era cultuado como deus sol que dá forma
ao caos originário, medida e a aparência que ilumina todas as criaturas, sendo o res-
ponsável pelo principium individuationis. Já Dionísio o deus que rompe com o principium
individuationis, é simbolizado com deus despedaçado, que traz a unidade e a volta a
natureza originária através do estado extático causado pela chegada da primavera
ou em um estado análogo a embriaguez e posteriormente o desfalecimento de si; se
o artista apolíneo é o jogo do homem com o sonho de onde retira as imagens, o criar
do artista dionisíaco é o jogo do homem com a embriaguez.
Os cultos a Dionísio ao irromper as fronteiras da Grécia trazem consigo a desmedida
o excesso desenfreado da liberdade sexual, da bebedeira de vinho leva ao esqueci-
mento de si e o desfalecimento; após a passagem do efeito letárgico a retomada de
consciência, a volta a cotidianidade, não mais se podia deixar enganar pela aparência
luminosa que aí refletia dos deuses olímpicos, logo era percebido o horrível, absurdo
humano; este sentimento fora o limiar do perigo para a serenidade helênica.
Mas diferente dos povos bárbaros, os gregos contavam com Apolo, deus solar, que
durante longo período, enreda Dionísio em “sua teia” e o apaziguamento desse deus,
pelo bálsamo curativo apolíneo, age num movimento de reconciliação que só é possível
em um campo intermediário aonde o sublime como sujeição artística ao horrível e
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Referências
DIAS, R. Nietzsche e a música. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
MACHADO, R. (org.). Nietzsche e a polêmica sobre O Nascimento da Tragédia. Rio de Janeiro:
Zahar, 2005.
NIETZSCHE, F. A visão dionisíaca do mundo e outros textos de juventude. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.
NIETZSCHE, F. O Nascimento da tragédia. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
SILVA, M. As mutações de Dioniso em Nietzsche: da visão dionisíaca de mundo ao gênio do
coração. 2018. Tese (Doutorado em Filosofia) – Departamento de Filosofia, Puc-Rio, Rio de
Janeiro, 2018.
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Há algum tempo que os conceitos estéticos na arte dos sons vêm sofrendo uma relativa
expansão vernacular em sua tipologia tradicional. Desde os consagrados jargões em
uso por incontáveis gerações tais como: música de câmara, música sinfônica e música
clássica, já houve orquestras que em seus programas de concerto, acunharam uma
concisa expressão em torno da ideia de: “música brasileira de concerto”. Isto para alcan-
çar distinguindo os compositores eruditos brasileiros que são tocados na Europa, Ásia
e Estados Unidos como Lorenzo Fernandez, Villa-Lobos, Almeida Prado, Ernani Aguiar,
entre outros. É de se crer que esse alargamento conceitual não ocasione prejuízos de
nomenclatura. Ao contrário, quiçá até venha a beneficiar a pedagogia classificatória
de termos linguísticos no âmbito das bordas definidoras da estética da música como
fenômeno humano sonoro.
Ao lado dos grandes mestres como Telemann e Rameau que são tidos como expoen-
tes da música barroca, ou ilustres compositores como Mozart e Haydn que ajudaram
com seu estilo e obras a consolidar o uso de termos como a música do classicismo.
Ou ainda, notáveis autores como Schumann e Chopin que nos legaram a era dos
românticos — o marco histórico do tempo vivido nos apresenta essas oportunidades
de conhecer e compartilhar do consenso cultural acerca de terminologias favoráveis
ao entendimento conceitual rumo à educação musical da juventude.
Com efeito, a proposta expressão: “música fílmica de concerto” é uma noção estética na
qual se medita neste momento, procurando pontilhar suas possíveis raias paradigmáticas.
Para investigar acerca dessa cabível terminologia, pode-se buscar o desenvolvimento de
determinadas características que a materializem preliminarmente, desprendendo-a de
uma singela idealização. Quem sabe, possamos pensar sobre aquela trilha sonora de um
filme especial, que após ser assistido na grande tela do cinema. Resultou por despertar o
desejo dos incorrigíveis colecionistas cinéfilos, que optaram pela aquisição do DVD desse
filme — imaginem —, em plena desestimuladora era da TV on demand ou streaming.
Porém, pensemos para além do DVD desse filme tão interessante em sua música fílmica.
Que inclusive o mercado fonográfico mundial tenha-o lançado também na forma de
compact disc (os queridos CDs). Realmente, estamos por conhecer um melômano da
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música clássica que não tenha em sua discoteca particular, excepcionais álbuns contendo
trilhas cinematográficas históricas de filmes marcantes. Muitos, igualmente, relançados
em novas edições em long-play, o fidelíssimo LP e seu nostálgico retorno analógico.
O caro leitor, talvez já tenha em mente alguns exemplos de filmes que aguçaram
sua própria vida de amante da 7.ª Arte! Ou seja, longas-metragens que assinalaram
momentos, épocas, especialmente por suas respectivas trilhas musicais. No entanto,
avancemos na modelagem da noção estética sob argumentação, no sentido de que se
versa acerca de obras completas no formato de: suítes orquestrais, aberturas virtuo-
sísticas, breves peças avulsas de solo e poemas sinfônicos, compostos exclusivamente
para filmes que conquistaram públicos no século XX e seguiram rompendo a fronteira
do tempo arrebatando os musicófilos do século XXI.
Sim, constituem magnânimas criações sinfônicas que ganharam a audiência das melho-
res salas de concerto do mundo. Sendo com entusiasmo apresentadas por orquestras
impecáveis, à exemplo da Berliner Philharmoniker, a Deutche Radio Philharmonie ou a
Orquestra Sinfônica da Rádio de Viena e sua aclamada e multiforme performance sinfô-
nica denominada Hollywood in Viena (TOMEK, 2022). Onde grandes clássicos da música
do cinema como os compositores John Williams, Bernard Hermann (MARTINO, 2020,
p. 21), Nino Rota, Henry Mancini (MÁXIMO, 2003, p. 319), Miklos Rozsa (BERCHMANS,
2006, p. 114), Ennio Morricone (ALVARENGA, 2011, p. 204), Alfred Newman (etc), são
interpretados, rememorando filmes campeões de bilheteria.
Eis, previamente para o debate, a noção estética de “música fílmica de concerto”, aqui
compreendida como sendo trilhas sonoras que atingiram o ideal do belo, da sublime
qualidade do ponto de vista técnico-musical. Que se transformaram, ao longo de
várias décadas, em aclamadas orquestrações como obras sinfônicas para específicos
programas e ciclos temáticos fílmicos. Séries de apresentações inteiras executadas
com toda a disciplina interpretativa e ritualística de concertos, dignos de serem dedi-
cados à Bach, Beethoven, Brahms, Stravinsky, Ravel, Shostakovich, entre tantos outros
Mestres da Música!
Referências
ALVARENGA, Márcio. 25 anos do programa a música do cinema: as 101 melhores trilhas.
Uberlândia: Editora da Universidade Federal de Uberlândia, 2011.
BERCHMANS, Tony. A música do filme: tudo o que você gostaria de saber sobre a música do
cinema. São Paulo: Escrituras Editora, 2006.
MARTINO, Guilherme de. Trilhas sonoras: a música do cinema em 100 compositores. Joinville:
Clube de Autores, 2020.
MÁXIMO, João. A música do cinema: os 100 primeiros anos. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
TOMEK, Sandra. Film Music Gala Concert “Hollywood in Viena”. Vienna: Festival der Filmmusik,
2022. Disponível em: http://www.hollywoodinvienna.com/en/people/sandra-tomek. Acesso
em: 20 abr. 2022.
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Referências
ARISTÓTELES. De Anima – Livros I, II, III. Apresentação, tradução e notas de Maria Cecília
Gomes dos Reis. São Paulo: Editora 34, 2006.
ARISTÓTELES. Política. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1990.
PORTUGAL, T. P.; CORREA, A. F. O conceito de ethos na música da Antiguidade Clássica
grega. Orfeu, Florianópolis, v. 2, n. 1, p. 203-225, 2017.
ROCHA JÚNIOR, R. A. da. Música e Filosofia em Platão e Aristóteles. Discurso, [S. l.], n. 37, p. 29-54,
2007.
SILVA, José Eduardo Costa. Fundamentos filosóficos para a Doutrina do Ethos musical. Opus,
[S. l.], v. 25, n. 3, p. 110-132, set./dez. 2019.
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Thomaz Barreto
UNESP
O presente trabalho propõe uma leitura das considerações do filósofo alemão Theo-
dor W. Adorno sobre análise musical como uma proposta de crítica imanente da obra
musical, partindo do modelo exposto por G. W. F. Hegel na introdução da “Fenome-
nologia do Espírito”. Tal leitura se demonstra possível em virtude do cerne histórico
do conceito adorniano de material musical, que estaria apto a operar como a versão
musical do critério que, no caso da consciência em Hegel, fundamenta a ciência da
Fenomenologia do Espírito: (§84) “A consciência fornece, em si mesma, sua própria
medida; motivo pelo qual a investigação se torna uma comparação de si consigo
mesma” (HEGEL, 2014, p. 76).
Posto que, em Adorno, a análise musical se dá “em um processo composicional por
assim dizer inverso, desenvolvido a partir do resultado” (ADORNO, 2010, p. 96) e,
“enquanto destruição dessa aparência [de seu ser absolutamente configurado], a
análise é crítica” (ADORNO, 2010, p. 99), o seu critério é, pois, o próprio critério que
seu objeto lhe fornece, e que ao mesmo tempo lhe é próprio na medida em que ela
participa do mesmo como momento essencial. Sendo a apreensão do movimento
próprio da música, a análise pode ser entendida como suprassunção da contradição
entre aparência e essência na obra musical.
Esse movimento interno da obra, enquanto um equilíbrio em devir, se liga a uma con-
cepção sui generis em que, segundo Verlaine Freitas, “a historicidade da arte é tomada
como imanente a ela, como um caráter processual [Prozeßcharakter] constitutivo da
identidade da obra como arte” (FREITAS, 2013, p. 166) — e o nome desse substrato his-
tórico é material musical, enquanto cristalização da contradição entre a obra particular
e o todo da tradição. Ao mesmo tempo que ele só existe nas obras, não se resume a
elas. Contudo, também não é somente o não ser da obra, que no caso, seria a tradição
dada: é sua suprassunção, nem só a obra particular nem só o todo da tradição — a
reflexão de uma na outra vice versa, o ponto de inflexão entre as duas.
Na concepção adorniana, pois, o ponto não é apenas que a análise não deve se
remeter a critérios exteriores à materialidade da obra para sua compreensão, mas,
contraintuitivamente, que a análise deve compreender a obra de arte para além de
sua coisidade enquanto artefato. Para melhor entender tal imbricamento, há de se
considerar que, segundo Adorno, “A estética não tem de escamotear os conceitos.”
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(ADORNO, 2008, p. 274), mas justamente “Nela é preciso libertar estes da sua exte-
rioridade em relação a coisa e transpô-los para ela” (ADORNO, 2008, p. 274). Tal seria
o núcleo dialético da análise musical: não elevar a significação da obra musical a um
plano transcendental, tampouco perder a mesma tratando a obra como um mero jogo
de formas, esvaziado de espírito, mas sim encontrar ali na pura imanência da obra
como ela supera a si mesma.
É aqui que o papel da noção de material musical assume sua plena envergadura: na
medida em que os materiais não são neutros e cada formulação do material é por si
só histórica, não só positivamente ligada a um ponto da história, mas negativamente
articulada enquanto perguntas não resolvidas do ponto de vista técnico — cada
ponto do material é negação determinada do anterior — a maneira como cada obra
particular orbita, interage e simultaneamente reformula o material musical pode ser
entendido como o critério para sua análise. Ou, como coloca Jorge de Almeida, “ao se
subordinar ao conceito de ‘consistência’, o material fundamenta a determinação do
‘teor de verdade’ da obra singular” (ALMEIDA, 2007, p. 289).
Enquanto para os compositores a situação do seu material é algo que aparece como
dado, tal qual o em-si da consciência só aparece como objeto, para-nós ele aparece
como movimento. A tarefa da análise, enquanto crítica, se mostra aqui, pois, tanto
como a avaliação da consistência da obra em relação a seu material — a ser traçado
da matriz hegeliana da discussão sobre parte e todo — quanto em elevar o saber da
obra ao nível da consciência ou “para-nós”, ou seja, compreendê-la esteticamente.
Referências
ADORNO, Theodor W.. Teoria estética. Lisboa: Edições 70, 2008.
ADORNO, Theodor W.. Berg, o mestre da transição mínima. São Paulo: Editora UNESP, 2010.
ALMEIDA, Jorge de. Crítica dialética em Theodor Adorno: música e verdade nos anos vinte.
São Paulo: Ateliê Editorial, 2007
FREITAS, Verlaine. Arte moderna como historicamente sublime. Kriterion, Belo Hori-
zonte, v. 54, n. 127, p. 157-176, jun., 2013. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0100-
512X2013000100009. Acesso em: 15 abr. 2022.
HEGEL, Georg Wilhelm. Fenomenologia do espírito. Petrópolis: Vozes, 2014.
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Referências
MACHADO, Roberto. O nascimento do trágico: de Schiller a Nietzsche. 1. ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 2006.
NIETZSCHE, F. A visão dionisíaca do mundo, e outros textos de juventude. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2019.
NIETZSCHE, F. O nascimento da tragédia, ou, Os gregos e o pessimismo. 1. ed. São Paulo:
Companhia de bolso, 2020.
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação, III parte. In: SCHO-
PENHAUER, Arthur. Schopenhauer – Os pensadores. 3. ed. São Paulo: Nova cultura, 1988.
WAGNER, Richard. Beethoven. In: WAGNER, Richard. Uma visita a Beethoven e outros escritos.
São Paulo: Intermezo, Imaginario, 2015.
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Renato Cardoso
UFRGS
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Referências
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
CARDOSO, Renato. O conhecimento musical na perspectiva da complexidade: possibilidades
para a educação musical. 2020. Tese (Doutorado em Música) — Instituto de Artes, Univer-
sidade Estadual Paulista, p. 264. 2020.
HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.
VIEIRA, Jorge de Albuquerque. Teoria do Conhecimento e Arte – formas de conhecimento: arte
e ciência, uma visão a partir da complexidade. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2006.
VITA, Luís Washington. Introdução à filosofia. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1965.
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sua época. Mesmo herdando a teoria rítmica de Francisco de Salinas, Descartes propõe
as estruturas rítmicas na música são essenciais para que esta realiza sua finalidade,
ou seja, mover afetos nos ouvintes. Daí os efeitos da percussão sozinha, por exemplo.
Não obstante, Descartes vai além e usa o ritmo como meio de compreensão do tempo
musical. Para ele, a audição capta pequenas unidades sonoras que se desdobram no
tempo, contudo, a imaginação e a memória tornam estas pequenas unidades em um
fluxo de temporalidade, na qual percebemos uma obra musical enquanto uma unidade,
mas simultaneamente percebemos que tal unidade é composta por partes graças a
acentuação rítmica. Dessa forma, a temporalidade musical é construída pela imaginação
e a memória, uma ação da alma, portanto, ela existe internamente ao sujeito. Ao longo
de sua correspondência, vai expandir tal discussão, ao ponto de que as experiências
vividas por esse sujeito também interpenetram essa temporalidade na experiência com
a música, por isso a mesma dança leva alguns a se alegrarem e dançarem, e outros a
chorarem. Essa temporalidade é a base para Descartes discutir todos os demais elemen-
tos que compõe a música, como consonâncias, dissonâncias, graus, modos, regras de
contraponto, entre outros. A temporalidade musical torna-se a base para compreensão
da experiência e dos processos de composição musical.
Desde Agostinho de Hipona, pelo menos, a música é uma experiência do tempo,
mas enquanto no primeiro esta é um possível acesso a eternidade, ao tempo em si
mesmo que está além do sujeito, para Descartes, o tempo musical é uma experiência
da subjetividade, da ação da imaginação com a memória mediando o que é captado
pela audição. Temporalidade musical para o filósofo do cogito é uma experiência com
a subjetividade.
Referências
ADAM, Charles; TANNERY, Paul. (org.). Œuvres de Descartes. Paris: Vrin/CNRS, 1996. v. 11.
DESCARTES, René. Abrégé de musique: Compendium Musicæ. Tradução: Frédéric de Buzon.
Paris: Presses Universitaires de France, 1987.
SEIDEL, Wilhelm. Descartes‘ Bemerkungen zur musikalischen Zeit. Archiv für Musikwissenschaft,
Stuttgart, v. 27, n. 4, p. 287-303, 1970.
VENDRIX, Phillippe. L’augustinisme musical en France au XVIIe siècle. Revue de Musicologie,
Paris, v. 78, n. 2, p. 237-255, 1992.
WYMEERSCH, Brigitte van. Descartes et ĺ évolution de l’esthétique musicale. Bélgica: Mardaga, 1999.
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Palavras-chave: Candomblé Kongo Angola; Kyloatala Bantu; performance; filosofia da música; estética musical.
Keywords: Candomblé Kongo Angola; Kyloatala Bantu; performance; philosophy of music; musical aesthetics.
Rafael Y Castro
UNESP
1 Tata Kambondo, – na nação Angola, e Ogã, – na nação Ketu, são as denominações para o percussio-
nista do candomblé, responsável por diversas funções musicais e nas atividades do cotidiano e rituais
diversos em um terreiro de Candomblé, representando um sentido existencial amplo na hierarquia e
ancestralidade. No Candomblé, a função musical é pareada com outras necessidades que são consideradas
parte da formação dos indivíduos e na somatória do sentido coletivo nas comunidades afro brasileiras,
oriundas da diáspora africana e ressignificância africana no Brasil.
2 Terminologia bantu que significa terreiro ou Casa de Candomblé Angola. No candomblé Ketu, utiliza-se Ilê.
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Referências
GRAEFF, Nina. Os ritmos da roda. Tradição e transformação no samba de roda. Salvador:
EDUFBA, 2015.
PINTO, Tiago de Oliveira. A estética transcultural na Universidade Latino Americana. Novas
práticas contemporâneas. Niterói: EAU - PPGAUUFF, 2015.
3 Rodante é o termo utilizado para as pessoas que possuem mediunidade desenvolvida para a incorpo-
ração. Quando há esse fenômeno, ocorre a necessidade de produção de uma sonoridade específica para
que o orixá, caboclo e outras divindades interajam com a dança, o toque e as cantigas do Candomblé.
4 Tata Nkisi é o sacerdote supremo em uma Casa de Candomblé. Popularmente chamado de Pai de
Santo ou Zelador. No Candomblé Angola, também pode ser chamado de Tateto quando for homem e
Mameto quando for mulher. No Candomblé Ketu é Babalorixá (homem) ou Yalorixá (mulher).
5 Pontos fixos estruturais identitários, representam a identificação de determinados toques como estru-
tura para a composição da grade rítmica, produzida por todos os instrumentos do conjunto percussivo.
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Entre os estudos de Nietzsche sobre religião, artes, ciências e moral destaca-se seu
interesse pelo tema da música, que o levou a elaborar um pensamento original e afas-
tar-se de Schopenhauer e Wagner. Ele desenvolveu a tese de que a estética é fisiologia
aplicada, ou seja, ele pensa a arte e, mais especificamente a música, a partir do corpo.
Isso significa compor uma fisiologia da arte em contraposição à metafísica da arte. Cor-
robora com a asserção do filósofo em questão, a neurociência, que investiga os efeitos
da música no cérebro. A noção nietzschiana de fisiologia está associada aos processos
orgânicos do corpo humano em suas diversas modalidades de expressão, que inclui
tanto o nível físico quanto o psíquico. Nietzsche coloca como precondição fisiológica
para a criação artística a embriaguez, assim fica claro a relação entre o impulso criativo
e as atividades orgânicas, inclusive a excitação sexual. Na obra O nascimento da tragédia
ele afirma que o desenvolvimento da arte está ligado à dois impulsos fisiológicos da
natureza o apolíneo e o dionisíaco. Trata-se de um recurso metafísico para representar
dois mundos artísticos antagônicos, figurado por dois deuses, Apolo e Dionísio. Apolo é
o deus da individuação, ligado à arte plástica e ao sonho, já Dionísio é ligado à arte não
figurada, à música, e à embriaguez. É evidente que este filósofo valoriza mais o lado
dionisíaco, mas sua palavra final é a união dos dois impulsos artísticos. Nietzsche afirma
que Wagner e Schopenhauer são seus antípodas, representam o enfraquecimento da
vitalidade e a decadência fisiológica, visto que pregam a redenção da existência atra-
vés da negação dos instintos corporais e disseminam o pessimismo, além de valores
cristãos, principalmente o ascetismo. Para enriquecer a discussão sobre os impactos
fisiológicos da música faz-se necessário analisar os efeitos da música no cérebro, a
partir da visão da neurociência, mais especificamente, a pesquisa de Oliver Sacks. Em
sua obra Alucinações musicais: relatos sobre a música e o cérebro, o autor descreve vários
fenômenos curiosos como a musicofilia, musicofobia, amusia, alucinações musicais,
“brainworms”, além dos benefícios da musicoterapia no tratamento da síndrome de
Tourette, Parkinsonismo, autismo, entre outros distúrbios neurológicos. A relação entre
a música e o cérebro pode ser verificada na capacidade desta de resistir a doenças
graves fazendo o paciente transcender seu problema. Ela pode tanto causar surtos
(epilepsia musicogênica) como amenizar distúrbios, seu poder de penetrar nos estados
mais letárgicos revela a incrível sensibilidade do cérebro a essa arte. Ouvir música é
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a ação que mais utiliza campos neurais, ela movimenta uma intricada rede neural, o
processo inicia na captura dos sons e passa por algumas transformações até chegar no
sistema nervoso onde acontece a identificação, o processamento, o armazenamento
e a transferência para outras partes do cérebro, os lóbulos, de onde as alucinações
musicais podem surgir. Vale ressaltar que todas as partes do cérebro ativadas na
percepção musical real, são ativadas também pelas alucinações. Segundo o filósofo
prussiano, a arte amplifica os processos vitais através do transbordamento criativo das
forças instintivas. Percebe-se a valorização do lado impulsivo e instintivo da criação
artística, pois a arte não se resume à técnica, nem é completamente racional, depende
de aspectos fisiológicos e psíquicos e sua recepção também vai ser influenciada por
esses elementos. Ao fazer a distinção entre o apolíneo e o dionisíaco e depois promo-
ver sua união na tragédia, Nietzsche busca reatar a relação entre o poeta e o filósofo,
entre Eros e Logos, que foi rompida pelo socratismo. Vale lembrar que a preocupação
de Nietzsche é situar a arte no contexto das ações humanas no mundo, pois defende
que o fazer artístico não pressupõe nenhum fator extranatural. Os estudos de Oliver
Sacks mostram que a música pode ser um importante instrumento terapêutico, pois
atua em diversas partes do cérebro e permite a realização de funções inibidas por
doenças. Todos esses fenômenos evidenciam a estreita relação entre a estética e a
fisiologia, entre a música e o corpo. Seus efeitos na alma e no corpo são profundos
e podem contribuir para a superabundância da vida ou para o empobrecimento da
vida, como aventou Nietzsche.
Referências
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O caso Wagner: um problema para músicos; Nietzsche contra
Wagner: dossiê de um psicólogo. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia
de Bolso, 2016.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. Tradução
de J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
SACKS, Oliver. Alucinações musicais: relatos sobre a música e o cérebro. Tradução de Laura
Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
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A exposição sobre a estética foi feita por Aristóteles em grandes obras: a Rhetorica e
a Poetica. Temos nestas uma análise sistemática da atividade estética, momento em
que, o filósofo define à natureza e a divisão da arte. O Estagirita nos explica que a arte
não se ocupa nem da natureza, nem da história, mas do que é belo, sendo, portanto,
seu ofício um tipo ideal de realidade que na natureza é sempre imperfeito. O filósofo
propõe uma definição do belo como um bem que agrada, que se distingue tanto da
bondade quanto do prazer, estes pertencendo à esfera das faculdades afetivas, a
beleza pertence à esfera das faculdades cognitivas. As espécies fundamentais do belo
são: a ordem, a simetria e a determinação.
Para o nosso autor há dois tipos de téchne (arte), são elas, artes mecânicas — ocupam-se
da produção dos instrumentos de trabalho — e artes imitativas da natureza. Salienta-
mos que a imitação não possui o sentido pejorativo como pretende Platão, não sendo
por Aristóteles compreendida como uma mera reprodução, mas como emulação da
natureza que é entendida como uma mestra, sendo, portanto, as belas artes imitativas.
A arte tem função dupla, a pedagógica e a catártica. Cabe lembrar, que Platão conde-
nara a tragédia e a comédia porque ensinam o mal em vez de curá-lo, mas seu discí-
pulo Aristóteles tende a aprovar tais obras pela sua função catártica, pois, purifica o
homem. É possível viver a paixão proibida na ficção, sem incorrer em erro na realidade,
proporcionando uma descarga emocional passional que fica acumulada no cotidiano
do indivíduo. O sofrimento, na ficção artística, liberta do sofrimento real, a paixão
desabafa, embora, sendo interpretado pelo artista é a alma do ouvinte que encontra
a serenidade novamente.
Neste estudo destacaremos alguns tópicos que caracterizam a retórica e a poética
conforme são tratadas nas obras que tem os respectivos nomes. O Corpus Aristotelicum
se encerra com duas obras: Rhetorica e Poetica. Elas têm como objeto duas artes (thec-
nai), a arte de fazer discursos persuasivos e a arte de fazer poesia, não no sentido de
serem manuais para as praticar, mas no de serem uma reflexão científica sobre elas.
A obra Rhetorica é composta por três livros. No primeiro livro, Aristóteles define a
retórica como a arte de encontrar argumentos capazes de persuadir um auditório em
silêncio e, mesmo assim, capaz de julgar. Os meios de persuasão podem não ter nada
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Referências
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DONINI, P. La tragédia e la vita. Saggi sulla Poetica di Aristotele. Alessandria: Dell’Orso, 2003.
ROSS, W.D. Aristotele. Milano: Feltrinelli, 1971.
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Descartes e o Barroco:
a ideia de movimento no Compendium Musicae
Descartes and the Baroque:
the idea of motion in Compendium Musicae
Fabrício Fortes
UNICAMP
O Compendium Musicae (1619) de Descartes é muitas vezes tratado como uma repeti-
ção resumida de tratados musicais renascentistas. Com efeito, se levamos em conta
aspectos estruturais da obra, bem como o conteúdo de passagens como seu estudo
dos modos e suas regras de composição, é possível identificar elementos já estabele-
cidos em Le Istitutioni Harmoniche (1558), de Zarlino. Contudo, uma observação mais
detida, levando em conta não somente o aspecto teórico-musical, mas também seu
fundo filosófico, científico e cultural, revela elementos que permitem caracterizar o
jovem Descartes como um precursor de ideias características do Barroco. Entre esses
elementos, o presente trabalho toma como foco de investigação o papel da noção de
movimento na argumentação do autor.
Como aponta Fleming (1946), tanto na música quanto na arte barroca em geral, a
ideia de movimento teve um papel central. Com a proliferação dos autômatos desde o
século XVI e a popularização de instrumentos como o relógio mecânico, o termômetro
e o barômetro, que permitiam a medição dos fenômenos por movimentos espaciais,
uma nova visão de mundo começava a ser moldada na cultura europeia do século XVII.
Assim, os ideais clássicos de eternidade, repouso, e progressão linear foram substi-
tuídos gradativamente no senso comum pelas noções de transitoriedade, velocidade
e contraste. Isso se refletiu, por exemplo, na pintura, pelos efeitos de movimento,
dramaticidade de conteúdo e jogos de luz e sombra de obras como as de Rubens
(1577-1640) e Murillo (1617-1682). Na música, essas ideias se refletiram na introdução
de elementos como a alternância de andamentos lentos e rápidos, os contrastes entre
notas com grandes diferenças de altura ou de intensidade e o uso de números cada
vez maiores de timbres.
Da mesma forma, no Compendium, a noção de movimento cumpre um papel central em
diferentes momentos. Primeiramente, nas observações sobre o tempo musical (AT-X,
p. 92-96), o autor estabelece uma relação quantitativa entre a velocidade dos anda-
mentos e as paixões despertadas por eles na alma. Por exemplo, andamentos lentos
despertariam “paixões lentas”, como o langor e a tristeza, e os andamentos rápidos
despertariam “paixões rápidas”, como a alegria. Essa tese expressa um rompimento
com a tradição renascentista e, ao mesmo tempo, uma guinada em direção ao espírito
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Referências
AUGST, B. Descartes’s Compendium on Music. Journal of the History of Ideas, Philadelphia,
v. 26, n. 1, p. 119-132, 1965.
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v. 10. Paris: Léopold Cerf, p. 89-150, 1908. (Abreviado por AT-X.)
FLEMING, W. The Element of Motion in Baroque Art and Music. The Journal of Aesthetics &
Art Criticism, Philadelphia, v. 5, n. 2, p. 121-128, 1946.
JORGENSEN, L. M. Descartes on Music: between the ancients and the aestheticians. British
Journal of Aesthetics, Oxford, v. 52 , n. 4, p. 407–424, 2012.
PIRRO, A. Descartes et la Musique. Paris: Gallimard, 1907.
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O senso de culminância dentro de uma série histórica, associado a uma exploração radical
dos limites da forma, sugere uma aproximação com as tendências do modernismo do
pós-guerra. Baseado numa rigorosa separação entre alta e baixa cultura e na defesa da
inovação artística, não como ruptura, mas como manutenção de valores estéticos supe-
riores, o chamado “alto modernismo” tem seus valores delineados de forma exemplar no
pensamento de críticos como Clement Greenberg e Theodor Adorno.
No entanto, se estes associavam a cultura de massa à decadência da arte, o programa
concreto apostava na aproximação da poesia com a lógica comunicacional dos outdoors,
do rádio e da televisão. Para os concretos, a disposição de experimentação formal
herdada da paideuma moderna encontrava nos meios de massa não um cerceamento,
mas um trampolim para novas formulações, no contexto do que definiu Haroldo de
Campos como uma “metamorfose vetoriana de transformação qualitativa” (CAMPOS,
1965, p. 52) Pode-se deduzir daí a abertura dos concretistas para a música popular da
década de sessenta, reconhecendo ali uma nova forma de fazer poético.
Já no contexto do debate brasileiro em torno da música popular, a abertura dos concretos
à nova realidade comunicacional orientou a apreciação da música popular numa direção
oposta àquela herdada do pensamento de Mário de Andrade. Ou seja, menos român-
tica, essencialista e preocupada com noções de identidade e origem. Assim, os paulistas
souberam pensar a música popular não como um material necessariamente à margem
da evolução crítica das formas, mas em processo de transformação concomitante com
os meios aos quais esta estava vinculada e à sociedade como um todo.
Referências
ADORNO, Theodor W. O fetichismo na música e a regressão da audição. Tradução de José
Lino Grunnewald. In: MERLEAU-PONTY, Maurice. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural,
1980, p. 165-192.
CAMPOS, Augusto; CAMPOS, Haroldo de; PIGNATARI, Décio. Teoria da Poesia Concreta: textos
críticos e manifestos 1950-1960. São Paulo: Edições Invenção, 1965.
CAMPOS, Augusto de. Balanço da bossa e outras bossas. São Paulo: Perspectiva, 1969.
GREENBERG, Clement. Vanguarda e Kitsch. In: GREENBERG, Clement. Arte e Cultura. Tra-
dução de Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
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Referências
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ADORNO, Theodor W.; HORKEIMER, Max. A dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, p. 57-79, 1995.
ADORNO, Theodor W, O Fetichismo na Música e a Regressão da Audição. In: ADORNO, Theodor
W. Os Pensadores – Theodor W. Adorno. Textos Escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
COSTA, José Henrique. A atualidade da discussão sobre a indústria cultural em Theodor
W. Adorno. Trans/form/ação: revista de filosofia, São Paulo, v. 36, n. 2, 2013. Disponível em:
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-31732013000200009&script=sci_abstract &tln-
g=pt. Acesso em: 07 maio 2021.
SAFATLE, Vladimir. Fetichismo e mimesis na filosofia da música adorniana. Discurso, [S. l.],
n. 37, p. 365-406, 2007. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/discurso/article/
view/62950. Acesso em: 09 maio 2021.
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a natureza da composição do som, que é infinita) para daí deduzir uma finalidade
histórica para o processo musical: o progresso da audição. A música dodecafônica
passa a ser justificada como uma necessidade histórica do processo de formação da
consciência de superação da distinção entre consonância e dissonância (a “emanci-
pação da dissonância”).
Adorno aprofunda criticamente tanto as noções hegelianas e marxistas do processo
histórico de produção cultural quanto a noção schoenbergiana de progresso da audição.
De Adorno, apresento três elementos de análise, que entendo como relevantes para
a compreensão da formação musical do século XX: a noção de progresso histórico da
música, representado pelo dodecafonismo de Schoenberg em Filosofia da Nova Música;
a noção de Indústria Cultural, como elemento reificante da cultura musical e do ouvinte,
desenvolvida primeiramente na obra Dialética do Esclarecimento (co-autorada com Hor-
kheimer); e finalmente, a aplicação da noção marxista de fetiche à música, por meio da
qual Adorno apresenta a antítese da noção de progresso da escuta, a saber, a regressão
da escuta, em Sobre o caráter fetichista na música e a regressão da audição. Defendo
a hipótese de que a antítese do progresso da audição não é propriamente a atitude
supostamente reacionária do neoclassicismo, mas o processo reificador da música pop
comercial. Concluo com uma breve reflexão de como poderíamos compreender a relação
entre música de concerto e música comercial diante das transformações musicais que
nos conduzem ao século XXI, como o desenvolvimento de estilos musicais como o jazz
moderno, o rock progressivo e o fusion, além da possível transformação da lógica comercial
com a internet (o que afetaria o processo de produção musical e, assim, também seu
produto final e a formação do ouvinte).
Referências
ADORNO, T. W. ; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor,1985.
ADORNO, T. W. Philosophie der neuen Musik. Gesammelte Schriften, v. 12. Frankfurt am
Main: Suhrkamp, 1975.
ADORNO, T. W. Über den Fetischcharakter in der Musik und die Regression des Hörens. In:
HELLER, Hermann Gesammelte Schriften, v. 14. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1973, p. 14-50.
HEGEL, G. W. F. Werke 14: Vorlesung über die Ästhetik II. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1990.
SCHOENBERG, A. Harmonielehre. 3. ed. Wien: Universal-Edition, 1922.
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mental como base para lindos versos sobre como um coração triste pode encher-se
de esperança ao inspirar o perfume que emana da natureza. Mas a letra da canção
trata de um tema mórbido — suicídio.
Do fato de Schopenhauer não exaltar tanto as letras de canções não se deduz necessa-
riamente que ele não gostaria de Flores. É possível fazer duas considerações: A primeira
é a de que a música fala de alguém que não quer mais viver e isso é bastante familiar
para a filosofia schopenhauriana. A segunda é considerar as afirmações do filósofo
quando ele exalta as construções rítmicas dos poemas, dizendo que tais criações,
sobretudo pelas rimas, cativam de uma forma inexplicável. Os autores construíram
muito bem os versos da canção, com uma bela combinação de rimas junto à melodia,
de maneira que as palavras pronunciadas trouxessem a sensação não apenas da mera
reprodução de códigos silábicos, mas de harmoniosos encontros entre palavras que
aparentemente nasceram exclusivamente para aquela execução musical.
A polifonia de Flores, se focarmos em duas características principais, pode ser consi-
derada como uma canção alegre e triste ao mesmo tempo. Alegre porque a melodia
é alegre. Triste porque fala sobre alguém em crise, que cortou os pulsos e agora está
rodeado por flores sepulcrais. Alegre porque, talvez, a morte possa ser considerada
o momento de maior alegria para quem sentia que não deveria existir. Triste porque
a letra da canção não deixa claro se, ao dizer As flores de plástico não morrem, está se
referindo à pessoa que não conseguiu se matar e se sente um mero objeto inútil ou
se está falando sobre as flores de seu caixão representarem a desejada ausência de
todo envelhecimento, desgaste e despedaçar da vida. As notas contentes da parte
final, tocadas no saxofone, podem então ser a celebração da vida, a celebração da
morte, alguém caçoando do suicida frustrado ou o soar de uma canção para ajudar a
lidar com a sensação mortífera de permanecer vivo.
Referências
SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo Como Vontade e Representação; Parerga e Paralipomena.
In: STRAUSS, Claude Lévi. Os Pensadores. 1. ed. Tradução: Abril S.A. Cultural e Industrial. São
Paulo: Abril Cultural,1974.
TITÃS. Flores. In: Õ Blésq Blom. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil 1989. 1CD. Faixa 08.
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Referências
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Menéndes Torrellas. Madrid: Akal, 2009, p. 143-166.
ADORNO, Theodor W. Dificultades. In: ADORNO, Theodor W. Impromptus. Escritos Musicales
IV. Obra Completa, 17. Tradução de Antonio Gómes Schneekloth e Alfredo Brotons Muñoz.
Madrid: Akal, 2008, p. 273-311.
ADORNO, Theodor W. Vers une musique informelle. In: ADORNO, Theodor W. Quasi una
fantasia. Escritos musicais II. Tradução de Eduardo Socha. São Paulo: Editora UNESP, 2018a,
p. 375-442.
ADORNO, Theodor W. Teoria Estética. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 2011.
ADORNO, Theodor W. Estética 1958-1959. Edição de Eberhard Ortland. Tradução e prólogo:
Silvia Schwarzböck. Buenos Aires: Las Cuarenta, 2013.
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Referências
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NOLETO, Rafael da Silva. Música como ciência, ciência como música: provocações episte-
mológicas. Opus [online], v. 26, n. 3, p. 1-22, set./dez. 2020. Disponível em: http://dx.doi.
org/10.20504/opus2020c2619. Acesso em: 15 abr. 2022.
TOMÁS, Lia. Música e estética musical. São Paulo: Irmãos Vitale, 2005.
VAZ FILHO, Florêncio Almeida. A Emergência étnica dos povos indígenas do Baixo Rio Tapajós,
Amazônia. 2010. Tese (Doutorado em antropologia social) — Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal
da Bahia, Bahia, 2010.
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Na estética hegeliana, tanto o som musical como o som poético podem trazer conteúdo
ao humor dos indivíduos, suscitar sentimentos variados e estimular representações
e intuições no espírito através das nuances do fenômeno sonoro. Este fenômeno
permite à música preparar artisticamente o som com mais precisão do que a própria
poesia, adaptando-se ao belo a partir da totalidade, cuja síntese produz uma unidade
formada por diferentes tensões e ajustamentos sonoros capazes de intuir no humor
o verdadeiro Espírito da beleza artística. Em Hegel, a música possui uma relação inte-
lectual de quantidade com sua própria matéria sensível, pois se funda em leis naturais
específicas que regulam as combinações sonoras nas escalas musicais. Entretanto,
segundo Hegel, a música se diferencia das demais artes particulares, principalmente
com relação a seu conteúdo, o qual não pode ser representado de forma objetiva e
figurativa como ocorre com a arquitetura, a escultura e a pintura. O conteúdo da música,
para Hegel, carece em sua interioridade de objetividade, uma vez que se particulariza
na representação dos sentimentos, que, por seu turno, são reflexos da própria inte-
rioridade. Enquanto nas demais artes a concretude do conteúdo contribui para dar
mais coesão e unidade às suas formas, na música, que tem no som sua matéria-prima
fundamental, há ausência de formas externas na concepção de seu conteúdo, cujo
elemento sensível não se apresenta como forma espacial; sua matéria, destituída de
consistência, caracteriza-se pela efemeridade, já que desaparece de modo imediato
no decorrer de seu próprio surgimento, causando, consequentemente, a eliminação
não apenas da dimensão espacial, mas também da própria espacialidade de sua
totalidade, assim como o retraimento da subjetividade. A música, portanto, retém o
subjetivo tanto como Forma quanto como conteúdo manifestando seu interior em si
mesma, de modo que a objetividade espacial se apresenta suprimida em sua própria
subjetividade. Esta supressão, na verdade, é uma negação da materialidade sensível
executada integralmente pela propriedade material do som, que se manifesta por
meio do ressoar no espaço-tempo, destituído da exterioridade visível. Para que seja
possível a captação do fenômeno sonoro como produto musical é preciso que haja
a interação do som com o ouvido, enquanto sentido teórico. O ato de ouvir o som
musical provoca o distanciamento dos dados objetivos, na medida em que o ouvido
passa a negar o estado espacial para adentrar no material vibrante, proporcionando,
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assim, uma segunda negação provocada pela reação do próprio corpo físico diante dos
efeitos do som na subjetividade. Essa dupla negação constitui uma forma de exterio-
rização ideal ao interior, pois abandona sua própria existência enquanto matéria da
subjetividade, uma vez que o ressoar é em si e para si mesmo mais ideal em relação à
corporeidade objetiva. Diante de tal fenômeno, o som por si mesmo, compreendido
como objetividade real, é completamente abstrato em relação ao material visual das
artes particulares que precedem a música, principalmente das artes plásticas, que se
fundam na espacialidade sensível captada pelo sentido teórico da vista. Tal sentido, ao
contrário do ouvido, contempla a obra de arte passivamente deixando que os objetos
subsistam por si mesmos na forma material sem destruí-los, apreendendo não o que
está colocado de forma ideal, mas o que está posto em forma de existência sensível.
De modo inverso ao que ocorre com a pintura, a expressão musical e seu conteúdo
subjetivo abstrato requerem o interior inteiramente sem objeto em si mesmo, de tal
forma que a principal tarefa da música consiste em deixar ressoar não a objetividade,
mas o modo no qual o si-mesmo mais íntimo é movido conforme sua subjetividade
ideal. Com relação ao conteúdo e à expressão musicais, o aspecto formal da música
constitui-se de uma “interioridade destituída de objeto”; e seu conteúdo, diferentemente
do conteúdo das artes plásticas, carece exatamente de configurar-se a si mesmo de
forma objetiva, tanto no que se refere às Formas dos fenômenos exteriores efetivos,
quanto à objetividade de intuições e representações espirituais. Este trabalho aborda o
conteúdo da música na estética de Hegel, apresentando suas principais especificidades,
tanto em relação à sua matéria prima quanto à sua Forma, indicando como a música
expressa seu conteúdo perante as outras Formas de artes particulares.
Referências
ESPIÑA, Y. La razón musical en Hegel. Pamplona: Universidad de Navarra, 1996.
HEGEL, G.W.F. Cursos de Estética. Vol. I. Tradução de Marco Aurélio Werle. Revisão técnica
de Victor Knoll e Oliver Tolle. 2. ed. rev. São Paulo: EDUSP, 2002. (Coleção Clássicos, n. 14).
HEGEL, G.W.F. Cursos de Estética. Vol. III. Tradução de Marco Aurélio Werle e Oliver Tolle.
Consultoria de Victor Knoll. São Paulo: EDUSP, 2001. (Coleção Clássicos, n. 24).
HEGEL, G.W.F. Princípios da filosofia do direito. Tradução de Orlando Vitorino. São Paulo:
Martins Fontes, 1997. (Coleção Clássicos).
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A produção filosófica de Immanuel Kant é marcada por suas obras críticas. Apesar de
ter publicado diversos textos discorrendo sobre temas variados, ele é mais reconhecido
por seus escritos orientados pela filosofia transcendental. Apesar dessa orientação
metodológica, que busca se afastar dos elementos empíricos com a finalidade de fazer
revelar os princípios a priori que permitam fundar as bases universais e necessárias
para a produção de juízos teóricos, estéticos e práticos, por vezes Kant se debruçou
sobre assuntos que se relacionavam com a realidade contextual de seu tempo. Nesse
sentido, o filósofo abordou também o tema das belas artes a partir das características
que as mesmas possuíam em sua época. Em 1790 Kant publicou a Crítica da faculdade
de julgar, discutindo, dentro outros temas, o conceito das belas artes, sua classificação
e hierarquização. Ao discorrer de modo mais detido sobre esse assunto nos §§ 43-53
da terceira Crítica, Kant menciona também, ainda que raramente, a bela arte da música.
Mesmo que com a publicação desta última obra Kant não tenha tido a intenção de
apresentar um tratado estético mais explícito, ele se refere brevemente à música nos
§16, §22, §44, §48, §51, §52, §53 e § 54. No §16 Kant discorre sobre as diferenças entre
a beleza livre e a beleza aderente, citando dois exemplos que se aplicam à música, isto
é, a expressão musical sem tema e a música sem texto, ou seja, a música improvisada
e a música instrumental, respectivamente. Além disso, Kant divide as belas artes em
três tipos: a arte discursiva, a arte figurativa e arte do jogo das sensações, incluindo a
música neste último grupo. Kant faz menção à música igualmente no §53, posicionando
a música, a depender do critério utilizado, ora em segundo lugar, ora em último, nessa
ordem hierárquica, ressaltando que a música pode ser classificada tanto como arte
bela ou mesmo como arte agradável. Então, na medida em que a música se expressa
comunicando uma linguagem universal das sensações que pode ser compreendida
por todo ser humano, ela se aproxima da poesia e se coloca em segundo lugar na
classificação das belas artes. Mas, contrariamente, quando a música se manifesta
apenas em seu caráter empírico e sensorial, Kant classifica-a, por este critério, como
a mais baixa das belas artes. Ainda que Kant tenha discorrido sobre a música ao longo
da primeira parte da terceira Crítica, ele não se aprofunda neste tema, abordando-o
de forma transversal no decorrer do texto. Todavia, o tema da música aparece nas
lições de antropologia que Kant proferiu durante sua carreira docente, que depois
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Referências
KANT, Immanuel. Antropologia de um ponto de vista pragmático. Tradução de Clélia Aparecida
Martins. São Paulo: Iluminuras, 2006.
KANT, Immanuel. Crítica da faculdade de julgar. Tradução de Fernando Costa Mattos. Petró-
polis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2019.
KNELLER, J. Kant and the Power of Imagination. Cambridge, New York, Melbourne, Madrid,
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MARQUES, U. R. A (org.). Kant e a música. São Paulo: Editora Barcarolla, 2010.
POWERS, D. B.C.P.E. Bach: A Guide to Research. Londres: Routledge, 2016.
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Um conceito renovado de mímesis foi desenvolvido por Luiz Costa Lima em várias de
suas obras (COSTA LIMA, 2000, 2003), tendo o autor iniciado essa investigação com
Mímesis e Modernidade de 1980 (COSTA LIMA, 2003). Entre as várias elaborações do
tema feitas por Costa Lima, destacam-se duas para essa introdução: primeiro, a cor-
reção da indevida redução do conceito de mímesis à mera imitatio (imitação), redução
feita no Renascimento quando da retomada do conceito de Platão e Aristóteles, e que
permanece em vigência até hoje no senso comum e mesmo em textos filosóficos;
em segundo lugar, há a proposição do par “mímesis de representação”, baseada na
semelhança, e “mímesis da produção”, baseada na diferença. Pensado por Costa Lima
no campo da teoria literária, o conceito de mímesis foi percebido pelo autor como um
meio de superar a disputa entre abordagens “imanentistas” e abordagens baseadas
na “teoria do reflexo”, ou, de outro modo, entre formalismo e “sociologismo” da arte.
Essa Introdução quer projetar o conceito de mímesis no campo musicológico, visando
uma teoria geral da música que parta da dimensão estética como um fundamento
não suprimível, ainda que sem se restringir a essa dimensão estética. Mímesis é um
conceito que tem sua origem na teoria da arte, e pode ser sintetizado basicamente
como a vinculação de arte e realidade, sendo que “O que a arte expõe não é o mundo
atual ou real, mas um mundo transformado.” (PUNTEL, 2008, p. 422), consistindo em
uma exposição “estética [isto é, nem teórica, nem prática] de um determinado aspecto ou
‘segmento’ de mundo transformado.” (PUNTEL, 2008, p. 422). No binômio arte/realidade,
realidade é entendida não apenas como o real sócio empírico, mas também de uma
maneira que inclua ideias e valores como entes dessa realidade. Com a abertura de
todos esses vínculos possíveis delineados pela mímesis, fica evidente a produtividade
desse conceito em articular o todo do fato musical, relacionando forma, ideias, valores
e sociedade, que, de outra maneira, prosseguiriam sendo abordados apenas de modos
especializados. Além disso, essa abordagem caracteriza-se por sua universalidade,
podendo ser associada a músicas de contextos os mais diversos, dando base para
comparações, sem deixar de considerar a dimensão estética de qualquer música. Nesse
ponto, convém lembrar que dimensão estética da conta de algo anterior e muito mais
amplo que a autonomia da música. A hipótese teórica inicial a ser desenvolvida é que a
mímesis da produção se aplica de modo especialmente pertinente à música, como, aliás,
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Referências
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Pablo de Morais
USP
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no âmbito da “música nova”, o que por sua vez leva à questão referente às limitações
apresentadas pela forma, enquanto limitações do sensível.
Há, dessa forma, uma inversão completa da relação entre forma e conteúdo na
música conforme esta foi inicialmente observada por Hegel: em Hegel temos a música
tonal — como manifestação do espírito no interior do desenvolvimento conceitual do
sistema das artes — vinculada ao âmbito do espírito subjetivo principalmente pela
relação entre sentimento e conteúdo, sendo o sentimento o campo onde a música,
sem abandonar a atividade do entendimento referente ao âmbito de sua estruturação
formal, opera manifestando o espírito como vivificação do “Conteúdo espiritual” na
interioridade subjetiva. E em Adorno (2011), por outro lado, temos o esfacelamento
da subjetividade e, por conseguinte, uma relação em que o objeto musical atonal se
impõe em sua necessidade de conformação segundo a regra da organização estrita
pautada no critério da igualdade, consolidada pela técnica dodecafônica. Assim, se
em Hegel temos o conteúdo enquanto espírito no âmbito do absoluto, isto é, do
divino, temos em Adorno (2011) a experiência da contradição histórica como nega-
ção da civilização ocidental, de modo que a reflexão filosófica não mais se refere ao
divino, mas ao subjetivo.
Assim, no contexto das discussões hegelianas e adornianas acerca do significado
da música em sua relação à subjetividade, apresenta-se a necessidade de investigar
em pormenores a questão da inadequação entre forma e conteúdo na música e da
autonomia da obra musical.
Referências
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Paulo, 2018.
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A filosofia de Deleuze e Guattari sugere que a música “deve tornar sonoras as forças não
sonoras” (DELEUZE, 2002, p. 57, tradução nossa). Embora sejam raros os momentos voltados
a questões ligadas ao universo musical, os conceitos formulados por ambos podem ser vistos
como ferramentas que auxiliam a criação artística. É nesse sentido que propomos aqui uma
discussão a respeito da peça 28 de outubro de 2018 – Um Retrato Necropolítico1, composta por
Artur Miranda Azzi, que reflete a situação catastrófica da crise política e sanitária no Brasil.
Partimos da ideia deleuze-guattariana de máquinas abstratas, que se articulam em uma
zona de elementos heterogêneos e de multiplicidades. Como este conceito se conecta com
uma rede de outras definições, torna-se necessário compreender também outros termos,
como território, agenciamento, e par virtual-atual.
Comecemos por este último. Todo o real, para Deleuze e Guattari, apresenta duas
dimensões: uma virtual, referente aos fluxos de energia, onde estão os componentes
abstratos ainda não semiotizados; e outra atual, na qual os objetos passam a ser
diferenciados por suas formas e funções, vinculados a um plano de representação e
a uma linguagem que nomeia as coisas, define espécies, gêneros. As máquinas abstra-
tas operam no virtual, elas “ignoram as formas e substâncias” (DELEUZE e GUATTARI,
1997, p. 199). Tais máquinas surgem com base em agenciamentos, entendidos como
um “acoplamento de um conjunto de relações materiais e de um regime de signos
correspondente” (ZOURABICHVILI, 2004, p. 7). Se por um lado os agenciamentos criam
territórios — pensemos no território de modo amplo: “[...] pode ser relativo tanto a um
espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio da qual um sujeito se sente ‘em
casa” (GUATTARI e ROLNIK, 1996, p. 323) — não há, entretanto, território sem linhas
de desterritorialização, que fazem fugir a territorialidade. É nessa margem de desco-
dificação que essas linhas “abrem esses agenciamentos para máquinas abstratas e
cósmicas [...]” (DELEUZE e GUATTARI, 1997, p. 194).
Há mais de dois anos estamos sendo diariamente atualizados com os números de
mortos pela COVID-19 no Brasil. Quadro esse sinistramente impulsionado por uma
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Referências
DELEUZE, Gilles. Francis Bacon, Logique de la sensation. Paris: Éditions du Seuil, 2002.
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Ricardo Nachmanowicz
UFOP
O presente trabalho defende que o tema da autonomia da arte musical, no modo como
foi suscitado pela filosofia, adicionou ao debate filosófico musical uma nova dimen-
são de pesquisa, eminentemente epistemológica. Para sustentar esse ponto de vista,
abordamos as filosofias de E. Hanslick e Immanuel Kant, no intuito de (1) demarcar
os marcos históricos tanto da autonomia da arte musical quanto o da ascensão do
debate epistemológico na filosofia da música, e de (2) colocar em disputa duas visões
antagônicas acerca da conformação epistemológica da percepção musical enquanto
fenômeno belo; uma de tipo estética (juízo de gosto), como definido por Kant, e outra
de tipo lógica, como definido por Hanslick.
Feita essa contextualização, é reconhecido que Hanslick, embora delineie o projeto e
assuma uma perspectiva epistemológica, não finaliza esse projeto nem o vincula a uma
epistemologia pré-existente. Esse fato dificulta sabermos qual o caráter exato de sua
epistemologia, se a priori, idealista ou empírica — havendo razões para considerarmos
as três hipóteses consecutivamente (WILFING, 2018).
Contudo, é possível deixar em segundo plano a consideração da miríade de influências,
mais ou menos explícitas na filosofia de Hanslick, e tomarmos o filósofo como um
proponente original (também aventado por WILFING 2018), ocupado especificamente
com um tipo de escuta musical cuja explicação última encontraríamos em estruturas
lógicas pertencentes à faculdade do entendimento, quando não, no próprio estofo
de um pensamento atuante. A fim de medir o alcance epistemológico máximo de
sua teoria, analisamos, nela, o papel que as ideias musicais desempenham na escuta
musical. Minha contribuição será a de qualificar o papel das ideias musicais no interior
da epistemologia esboçada na obra Do belo musical, e indicar que ela é ainda depen-
dente de uma função epistêmica não discutida por Hanslick, mas que encontramos
postulado na filosofia de Kant, sob o nome de conceito.
Referências
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reflexão sobre as profundas correntes que atravessaram a Europa entre os séculos XIX e
XX, nos capítulos 2 e 3, se consideram tanto a aplicação programática destas correntes à
música instrumental como a ideia fundamental de uma permanência de modos e estilos,
através das próprias mudanças conceituais da arte e da existência.
No quarto capítulo Del “programma” nella Musica da Camera: após um preâmbulo
acerca da história e função da música da câmera, Colombati explica que a música de
câmara finalmente emergiu durante o século XIX e, em particular no que se refere às
ideias programáticas, como ponto de encontro para a permanência de um estilo e de
uma profunda vontade inovadora.
Se a música de câmara, por sua própria natureza e essência clássico-romântica, con-
tinha o segredo da atemporalidade, na passagem entre os séculos XIX e XX passou a
expressar, com o esmaecimento e depois o desaparecimento da Hausmusik, uma clara
cesura entre a sensibilidade romântica, o tardo romantismo e a música nova (COLOM-
BATI, 2012, p. 185-186). “A mágica intimidade da música de câmara havia recebido seu
caminho a partir da espiritualidade vivida por seus criadores e os ideais de uma época”.
Entre as profundas mudanças ocorridas entre os séculos XVIII e XIX, aquela da cons-
cientização da expressão subjetiva e, portanto, com o ‘advento da estética do gênio’ a
de colocar a música como metáfora da estrutura do universo, foram decisivas: agora
a obra de arte individual passará a ser uma “metáfora do mundo” (DALHAUS apud
COLOMBATI, 2012, p. 167).
No quinto capítulo Il vecchio nel nuovo come eterno ritorno: riflessioni sul pensiero di Fer-
ruccio Busoni. Ferruccio, no seu pensamento estético-musical, fruto de uma profunda
reflexão, percorre a história da música através de uma grande síntese, afirmando que,
como no próprio conceito de criar, o novo está contido - enquanto continua a existir o
antigo e muitas vezes o sobrepõe. Se liga a esta temática uma complexa questão que
compreende os métodos composicionais, as diferentes visões histórico-culturais, as
ideologias nos períodos mais favoráveis ou mais críticos da história; questões que se
tornam particularmente acentuadas diante do surgimento de novos mundos e civili-
zações com o advento do século XX. Os conceitos de velho-novo são constantemente
remetidos ao mistério da arte e aos seus motivos inspiradores.
Referências
COLOMBATI, Claudia. Percorsi Storici-Estetici nella Musica tra Ottocento e Novecento. Roma:
Aracne Editrice, 2012.
FUBINI, Enrico. Estetica della Musica. Bologna: II Mulino, 2018.
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PENA, Eder W. B. Henry Cowell: o catalisador experimental. 529 f. 2022. Tese (Doutorado em
Música) — Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), São Paulo, 2022.
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Adorno, na obra Teoria Estética, sustenta que a arte teria surgido imbuída de função
mágica, caracterizada por uma compreensão do mundo incapaz de distinguir plena-
mente sujeito e objeto, evoluindo em seguida para formas cultuais, no seio das quais
ressaltaria seu poder de evocação simbólica do absoluto. Com o advento paulatino
da subjetividade e o consequente desenvolvimento da razão, os seres humanos iriam
desfazendo os liames que os mantinham na esfera de ação do mito, o que impactaria
a prática artística, ao menos em suas expressões mais consequentes, levando, já
no período da arte burguesa, a um afastamento crescente das formas herdadas da
tradição. Se tais formas cumpriam algum papel estruturador, seriam por outro lado
permanências do irrefletido, intervenções autoritárias de dimensões externas à dinâ-
mica das obras, signos de dominação, portanto. Seria assim necessário superá-las, o
que só poderia se dar por meio do desenvolvimento de princípios construtivos, capa-
zes de contemplar as potencialidades inerentes ao material através de processos de
elaboração que convergissem com maior ou menor tensão para a unidade, conferindo
assim uma logicidade à obra que a destacasse do arbitrário, do contingente e da mera
reprodução do elemento empírico.
Adorno estabelece, assim, a homologia entre a evolução do conhecimento e o pro-
gresso artístico. Mas a equivalência apontada é imprecisa: antes do mais porque
a arte, embora possa ser conhecimento, está longe de reduzir-se a tal momento,
conforme Adorno mesmo indica: “se a arte é em si e no mais íntimo de si mesma
um comportamento, não deve isolar-se da expressão e esta não existe sem sujeito”
(ADORNO, 2008, p. 71). Estabelecendo que a arte não se reduza a um processo de
conhecimento, é mais que plausível considerar a elaboração artística da oralidade
como necessidade expressiva legítima.
Outro aspecto a ser relativizado é o da logicidade como critério da obra de arte con-
sequente, logicidade esta cujos limites o próprio Adorno claramente aponta: “a lógica
das obras revela-se imprópria ao conferir a todos os acontecimentos particulares e às
soluções uma margem de variação muito maior do que acontece na lógica formal; não
deve excluir-se a evocação inoportuna da lógica onírica” (ADORNO, 2008, p. 210). Não
bastasse esse reconhecimento, o autor ainda assinala que, “mesmo na arte mais afastada
do conceito está em ação um momento não sensível” (ADORNO, 2008, p. 117), o que
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Erick Ramalho
UFRJ
This paper sets forth a physicalist account of musical properties of tunes that instan-
tiate in the composer’s brain. My account aims to be both intuitive to musicians and
metaphysically sound. Musicians may intuitively find it trivial that actual tunes 1) exist
in the composer’s head as sequences of organised musical sounds and materials
(pitches, intervals, timbres, and the like) which 2) need not yield any performances or
scores for 3) being able to be verbally or musically referred to as a tangible musical
object, whether in the composer’s head or in relation to it.
Philosophers of music in the analytic tradition have variously responded to the thorny
metaphysical issues underlying those practical insights. Nominalists and platonists, either
by means of a forthright dismissal of them as being of no philosophical bearing, or by
explaining them away. Both nominalists and platonists indeed assume that performan-
ces of musical works are mind-independent concreta in the non-trivial sense that they
are independent from the mind once they materialise as an external musical object.
In rejecting abstracta, nominalists have defined musical works as the set of concrete
particulars which performances and scores of a tune make up (GOODMAN, 1968).
Whilst concrete particulars in nominalism may include musical recordings and playings
thereof as well as musical mental events (see TILLMAN, 2011), no adequate definition
of the latter’s nature has hitherto been given. Platonists claim that the abstracta which
nominalism rejects do exist as types of musical works in the realm of platonic forms;
and that composers ‘discover’ tunes, performances of which betoken their originating,
non-physical type. Julian Dodd (2007, p. 28–30) even argues in defending platonism that
tunes in the composer’s head have no meaningful ontological status, for they lack the
property of being ‘heard’, a defining property for musical tokens. No further platonist
effort has been made to explain the nature and properties of a tune in the composer’s
brain other than as the organic medium through which external tokens instantiate a
type. Nor has anti-realism about music brought out any account of the properties of
a tune in the brain, even though it acknowledges mental instances of tunes as entities
(see PEARCE, 1988). On the whole, idealism proves no feasible alternative to the above
theories, given its vague account of tunes as ideas that are imagined in the composer’s
head and, hence, lack key shareable, concrete traits.
In this paper I show contrastingly that at least some of the material features of the
musicians’ intuitive insights from (1) to (3) above are borne out by a bulk of scientific
evidence. I do so by bringing empirical findings on brain areas and neural activity
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relevant to the workings of pitch, rhythm and further musical materials to bear on a
metaphysical account of the constitutive properties of musical works.
The paper’s aim is to explain and defend my physicalist account of musical properties
as properties which, 4) having been previously experienced by the composer, are bio-
physicochemical properties in the brain featuring themselves musical properties; 5) a
mental rejig of which properties into a new tune constitutes the latter as a spatiotemporal
structure that is itself material to the brain 6) as a set of patterns of systematic neuron
activity featuring organised sequences of intentionally arranged musical materials whe-
reby 7) the tune can exist even without mind-independent tokens.
The paper’s section I sets forth an outline of the ways musical properties are material
to the composer’s brain, even though they cannot be pinpointed in it. In section II, I
consider David Pearce’s (1988) anti-materialist account of a tune as 8) a conceptualist
‘mental construction’ 9) further instantiating as mind-independent musical objects (per-
formances) which are 10) external, material instantiations about which realism about
music is mostly correct. Whilst accepting and furthering the argument for (10), I reject
(9) in part and (8) fully. I suggest that my physicalist account of musical properties in the
brain, as carried out from (4) to (7) above, might offer a better explanation for insights
from (1) to (3). The paper’s conclusion is that material properties that constitute a piece
of music in the brain are biophysicochemical properties with musical qualities matching
the corresponding musical properties of performances of that same piece of music.
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Palavras-chave: Carl Dahlhaus; estética musical clássica e romântica; Carl Philipp Emanuel Bach;
Ludwig Tieck; classicismo alemão.
Keywords: Carl Dahlhaus; classical and romantic musical aesthetics; Carl Philipp Emanuel Bach;
Ludwig Tieck.
1 DAHLHAUS, C. Klassische und romantische Musikästhetik. In: Gesammelte Schriften. Laaber: Laaber-
-Verlag, 2003. v. 5, p. 393.
2 Ibid., p. 394.
3 Cf.: ibid., p. 403.
4 Cf.: ibid., p. 401.
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5 MICHAELIS, Ch. F. “Über das Idealische der Tonkunst”. Allgemeine Musikalische Zeitung 10 (1807/08);
HOFFMANN, E. T. A. “Rezension der 5. Symphonie von Ludwig van Beethoven”. Schriften zur Musik. Dar-
mstadt: wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1971, p. 34-35.
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Referências
NIETSZCHE, F. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimísmo. São Paulo: Companhia
das letras, 1992.
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O ensaio Form in der neuen Musik (doravante livremente traduzido como Forma na
Nova Música) integra o conjunto de textos escritos por Theodor W. Adorno a respeito
da chamada vanguarda do pós-guerra. Ele resulta de uma conferência realizada em
uma das nove das ocasiões em que o filósofo crítico esteve no festival de Darmstadt,
encontro de compositores, professores, críticos e estetas musicais que, desde 1946,
congrega as tendências mais radicais da música de concerto ocidental. Forma na Nova
música foi publicado originalmente em 1966 num volume da Darmstädter Beiträge zur
Neuen Musik [Contribuições de Darmstandt sobre a nova música] e apresenta, con-
forme aponta Williams (2008), um duplo movimento: Adorno procura, por um lado,
ao mobilizar justificações filosóficas para um certo programa estético, influenciar as
correntes musicais contemporâneas (o texto é dedicado a Pierre Boulez) e, ao mesmo
tempo, refletir e reconsiderar alguns de seus posicionamentos teóricos à luz das ino-
vações que os expoentes da vanguarda musical daquele período expunham naquele
festival. Propomo-nos com esta comunicação, a partir de uma leitura dessa obra e de
seu cotejo com bibliografia secundária, a compreender o teor histórico e filosófico da
proposição feita pelo filósofo de que a recuperação de um senso de forma [Formgefühl
] é necessária a fim de que o chamado ‘problema da forma musical’ seja ultrapassado,
permitindo a composição de música realmente emancipada, livre, ao mesmo tempo,
da obediência a padrões formais esquemáticos herdados da tradição e da coerção
imposta por procedimentos técnicos exacerbadamente objetificantes. Para tanto será
necessário, seguindo o movimento do pensamento adorniano, reconstituir o problema
da forma e explicitar como, segundo a perspectiva do autor, a dissolução progressiva,
ao longo da história da música, de um frágil equilíbrio entre forma e conteúdo ou, dito
de outro modo, de uma dialética entre o universal e o particular no interior da obra
musical estanca seu devir temporal configurando-a como um todo fechado, impene-
trável historicamente e do qual a subjetividade está alienada. Em termos que lembram
bastante A Filosofia da Nova música temos que o impasse da obra musical autêntica é
que, com o progresso da técnica e dos materiais musicais, ela não pode evadir de seu
momento histórico reportando-se a esquemas estabelecidos pela tradição e tampouco
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Referências
ADORNO, Theodor W. Filosofia da Nova Música. Tradução: Magda França. Ed. Perspectiva:
São Paulo, 2011.
ADORNO, Theodor W. Form in the New Music. Tradução: Rodney Livingstone. Music Analysis,
Malden, n. 27/ii-iii, p. 201-216, 2008.
NACHMANOWICZ, Ricardo. A tensão entre fenomenologia e teoria nos comentários de Kant
sobre a música. Cadernos de Filosofia Alemã, São Paulo, v. 20, n.1, p. 143-166, 2015.
SOCHA, E. tempo musical Theodor W. Adorno. 2015. Tese (Doutorado) — Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
WILLIAMS, Alastair. New music, Late style: Adorno’s Form in the new music. Music Analysis,
[S. I.], v. 27, n. 2/3, p. 193-199, July./Oct. 2008.
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Em que medida um objeto qualquer, como, por exemplo, uma canção, pode expressar
um ethos? Ou em outro modo, como o ethos de um indivíduo ou de um grupo pode
se pronunciar em algum objeto, podendo até mesmo ser reconhecido como lingua-
gem? Tais questões são latentes na Metafísica de Aristóteles assim como em nosso
falar cotidiano; afinal, quantas vezes atribuímos inadvertidamente qualificações de
caráter às coisas? É comum, por exemplo, dizer “esta música é negra”, sem ao menos
atentarmo-nos para a complexidade de um tal postulado.
Evidentemente, não alimento a esperança de responder tais questões, mas quero
apenas manter-me nas sendas de pensamento que elas abrem. Nos limites do pre-
sente texto, exponho superficialmente a determinação aristotélica do ethos como
caráter, procurando demonstrar que esta determinação está articulada ao pensamento
sistêmico de Aristóteles, particularmente, à sua difundida Teoria das Quatro Causas.
É justamente desta articulação que recolho elementos para aventar que o ethos, na
condição de expressar o ser das coisas em geral, é reconhecido no aspecto dos entes
vivos e também dos inanimados.
Nos textos aristotélicos, o conceito de ethos existe associado a outros conceitos.
Assim, menciono o entendimento corrente de que ethos, logos e pathos são partes
necessariamente complementares em uma explicação sobre o uso persuasivo da
linguagem, que, a propósito, constitui em si o corpo argumentativo da Retórica. Posto
que ao ethos, desde os pensadores pré-aristotélicos e os sofistas, é reservada uma
dimensão racional e demonstrativa que se expressa na phrónesis (prudência). Este
atributo, que, segundo Aristóteles, o orador deve tê-lo pelo menos em aparência, é
também da ordem do logos, é a parte intelectiva que junto à aretē ́ (virtude) e à eúnoia
(benevolência) compõem o caráter do bom orador (ARISTÓTELES, 2005: 1378a, p. 160).
Na relação entre logos, ethos e pathos as partes afirmam os seus sentidos. Cabe desta-
car o sentido atribuído à palavra ethos em difundido excerto da Retórica: “Persuade-se
pelo caráter quando o discurso é proferido de tal maneira que deixa a impressão do
orador ser digno de fé. Pois acreditamos bem mais e depressa em pessoas honestas,
em todas as coisas em geral, mas, sobretudo nas que não há conhecimento exato e
que deixam margem para dúvida.” (ARISTÓTELES, 2005: 1356a, p. 158).
O ethos (caráter), está dito no excerto, se constitui na medida em que torna o seu por-
tador digno de fé, quer dizer, de credibilidade, justamente, para que a finalidade de
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persuasão pelo exercício da retórica seja alcançada. Desse modo, o sentido atribuído
ao ethos está em conformidade com a determinação mais ampla do ser, expressa
na comumente denominada Teoria das Quatro Causas, que Aristóteles desenvolve,
sobretudo, nos textos que compõem sua Metafísica. Em resumo, a substância (physis)
é concebida como um composto em que a matéria assume uma forma, para o cum-
primento de uma finalidade que existe constitutivamente nas causas intrínsecas e
extrínsecas ao próprio ser, quais sejam, as causas material, formal, eficiente (enérgeia)
e final (dynamis) (ARISTÓTELES, 2016: 1044b1-1044b10, p. 223-224).
No sentido ora atribuído ao ethos, sobressai a ideia de que ele é a expressão genuína
daquilo que tem a finalidade no próprio ser, sendo, por isso, entendido como algo
natural, como um costume, como “um modo de ser dado sem esforço” (SPINELLI,
2009, p. 10-44). Entretanto, esse “modo de ser” não é entendido como fatalidade, mas,
como potência. Não por acaso, esta acepção do conceito está em concordância com
a mencionada Teoria das Quatro Causas. Em uma palavra, algo que é em potência se
atualizará em uma forma significativa, trazendo, por conseguinte, em seu aspecto, a
natural adequação entre a matéria e seu campo de possibilidades ontológicas, reme-
tendo-nos, pois, à tese: o ser se diz de muitas maneiras. Porquanto seja, na Filosofia
de Aristóteles, a mecânica que é constitutiva do ser é a mesma que está implícita na
natureza (physis) e que, decorrentemente, se expressa no aparente como ethos (ARIS-
TÓTELES, 2016: 1032b1-14, p. 191).
Contudo, o elemento decisivo para a determinação do ethos como caráter é o fato
de o considerarmos em sua relação com a verdade (alétheia), relação que fora expli-
citada por Parmênides: é o éthos polypeiron que dá crédito ao aparecer fenomênico;
dá crédito porque ele está revestido pela verdade (alétheia), não em seu nível forte,
como verdade noética (episteme), observa Spinelli, mas em seu nível fraco, como dóxa
(SPINELLI, 2009, p. 13-15). Todavia, nesse nível, a verdade é incompleta, fazendo com
que o ethos seja reconhecido como algo concernente ao ser, porém, não de todo; há
algo por dizer em sua expressão, que nos solicita a benevolência da crença ou talvez
a confiança contida na intuição. Esta incompletude da aparência do ethos é condicio-
nada pelo fato de que ele, como a totalidade do ente, está em devir, o que, em certo
sentido, afasta a ideia de que o ethos seja marcado em sua composição por um viés
determinista, tal como Aristóteles sugere na Física, ao referir-se à composição das
disposições humanas (ARISTÓTELES, 1984: 1103a19, p. 65).
Referências
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Princepton: J. Barnes, 1984.
ARISTÓTELES. Física. Paris: Les Belles Lettres, 1952.
ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Edipro, 2016.
ARISTÓTELES. Retórica. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2005.
SPINELLI, Miguel. Sobre as diferenças entre éthos com epsílon e êthos com eta. USP - Trans/
Form/Ação, v. 2, n. 32, p. 9-44, São Paulo, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
trans/a/zb5xgWZn3YkmhFjSxkZ7fyc/?lang=pt. Acesso em: 18 mar. 2022.
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Samuel da Silva
UFRJ
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Referências
LEÃO, Emmanuel Carneiro. Filosofia grega: uma introdução. Terezópolis: Daimom, 2010.
HAVELOCK, Eric A. Prefácio a Plantão. Tradução de Enid Abreu Dobránzsky. Campinas:
Papirus, 1996.
HEIDEGGER, Martin. Heráclito: a origem do pensamento ocidental. Lógica: a doutrina heraclítica
do lógos. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998.
HERÁCLITO. Fragmentos: origem do pensamento. Tradução, introdução e notas de Emmanuel
Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1980.
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A realização do som:
recordação musical na estética hegeliana
The realization of sound: musical remembrance in Hegel’s Aesthetics
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Referências
FUBINI, E. Estética da Música. Tradução de Sandra Escobar. Lisboa: Edições 70, 2003.
HEGEL, G.W.F. Cursos de Estética. Volume I. Tradução de Marcos Aurélio Werle. Revisão de
Márcio Seligmann Silva. Consultoria Victor Knoll e Olivier Toller. 2.ed.rev. 1 reimpr. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2015. (Coleção Clássicos; 14).
HEGEL, G.W.F. Cursos de Estética. Volume II. Tradução de Marcos Aurélio Werle. Revisão de
Márcio Seligmann Silva. Consultoria Victor Knoll e Olivier Toller. São Paulo: Editora da Uni-
versidade de São Paulo, 2000. (Coleção Clássicos; 18).
HEGEL, G.W.F. Cursos de Estética. Volume III. Tradução de Marcos Aurélio Werle. Revisão de
Márcio Seligmann Silva. Consultoria Victor Knoll e Olivier Toller. 2.ed.rev. 1 reimpr. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2014. (Coleção Clássicos; 24).
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é, conjuga atributos das belas artes e das artes agradáveis, com o adendo de que, ao
nosso ver, ela é predominantemente agradável, e também de que, nesse sentido, é
possível ainda assim observar, a despeito do estatuto axiológico inferior do segundo
grupo em relação ao primeiro, uma avaliação positiva da arte sonora. Essa possibilidade
é sugerida, entre outros, por Pinilla (2013) o qual reconhece que o fortalecimento do
sentimento de vida, atribuído por Kant à música do ponto de vista da fisiologia, pode
ser interpretado como um interessante elogio a esta arte que, do ponto de vista da
reflexão, recebera de Kant tão reverberadas reprimendas.
Referências
ALLISON, Henry E. Kant’s theory of taste: a reading of the critique of aesthetic judgement. Ed:
Cambrigde University Press: NY, 2001
KANT, Immanuel. Crítica da faculdade de julgar. Tradução: Fernando Costa Mattos Ed. Vozes:
Petrópolis, 2016
NACHMANOWICZ, Ricardo. A tensão entre fenomenologia e teoria nos comentários de Kant
sobre a música. Cadernos de Filosofia Alemã, São Paulo, v. 20, n. 1, p. 143-166, 2015
PINILLA, Ricardo. Kant contra Kant: la cuestión de la música en la Crítica del Juicio. Azafea:
Revista de Filosofia, Salamanca, v. 15, p. 83-101, 2013.
VIEIRA, Vladimir. Arte bela ou arte mista? Kant sobre a música. Studia Kantiana, Paraná,
v. 17, n. 2, p. 29-42, ago. 2019.
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Platão foi o primeiro a tratar com rigor filosófico os problemas da natureza e do fim da obra
de arte e relacioná-los com a ética e a metafísica. Para Platão a arte não é autônoma, mas
estreitamente ligada à metafísica e à moral. De fato, ao determinar a essência, a função e
o valor da arte, preocupa-se somente com estabelecer seu valor de verdade, isto é, se ela
aproxima o homem da verdade, se o torna melhor, se socialmente tem valor pedagógico e
formativo ou não. Segundo Platão a arte não revela, mas esconde a verdade; não melhora
o homem, mas o corrompe, porque é mentirosa; não educa, mas deseduca.
Na República a arte não é considerada como eros, mas como imitação (mimesis) e não
é estudada por si mesma, mas por causa de suas relações com a moral. Neste sentido,
só deve ser valorizada a arte que é útil à educação. A arte que favorece a corrupção
deve ser condenada e excluída. Platão acredita que a tragédia e a comédia servem
mais para corromper do que para educar, pois afastam da verdade. Na República
ele condena a arte imitativa em geral, uma vez que esta não se funda na razão, mas
no sentimento e na fantasia; e, em vez de ser auxílio para a razão, agita as paixões,
provocando o prazer e a dor.
O filósofo grego, todavia, vai destacar a música como a arte que merece ser cultivada,
pois ela educa para o belo e forma a alma para a harmonia interior. Na República afirma
que a educação para as crianças deve iniciar pela música, antes mesmo da ginástica.
A música está incluída na literatura, mas há que distinguir duas espécies de literatura,
uma verdadeira e outra falsa. A educação pela música é capital, porque o ritmo e a
harmonia penetram mais fundo na alma e tornam o homem mais perfeito, ou seja,
belo e bom (kalós te agatós).
Devemos entender a dignidade da música, segundo Platão, a partir da compreensão
hierárquica que ele tem do saber. Na alegoria da linha dividida e na alegoria da caverna
ele explica os graus de conhecimento, conforme sua teoria sobre o mundo sensível e o
mundo inteligível. Na República, ele apresenta um plano de educação onde não menciona
as ciências físicas, porque não as considera como ciências. No lugar destas coloca as artes
manuais (agricultura, carpintaria, construção, navegação) que Platão não prescreve para
os guerreiros e para os filósofos. O ciclo elementar para todos os destinados às funções
das classes superiores se reduz a ginástica para o corpo e a música para a alma. A música,
mais entendida como ciência no sentido superior, é a arte própria dos filósofos.
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Referências
ADAM, J. (ed). The republic of Plato. Cambridge: Cambridge University Press, 1902.
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre JOU, 1962.
COPLESTON, F. História de la Filosofía. De la Grecia Antiga al Mundo Cristiano. Barcelona:
Planeta, 2004.
PLATÃO. A República. Tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira. 8. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1972.
REALE, G. História da Filosofia Antiga. Platão. V. II. São Paulo: Loyola, 1994.
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Daniel Temp
UFSM
Para Johann Gottfried von Herder (1744–1803) “a alma humana pensa com palavras” (HER-
DER, 1877) — quer dizer, para ele, “[a alma] não apenas exterioriza, mas também distingue
a si mesma e ordena seus pensamentos mediante a linguagem” (METAKRITIK, p. 19). Tal
ideia é formulada contra a posição largamente difundida no século XVIII de que ideias e
significados correspondem a entidades pré-linguísticas que existem de forma autônoma,
independentemente do meio que as exprime. De acordo com essa que foi (e ainda hoje
continua a ser) uma concepção muito influente entre filósofos preocupados com a inves-
tigação do conhecimento, a linguagem se presta sobretudo à descrição de coisas — seja
qual for a sua natureza — segundo o esquema palavra-objeto. Isto é, supõe-se 1. que coisas
ou objetos são responsáveis pelo significado das palavras, e 2. que tais coisas ou objetos
são entidades pré-linguísticas (entes materiais ou ideias) que existem de forma autônoma,
isto é, independentemente do meio ou da linguagem que as exprime. É justamente contra
uma semelhante concepção que Herder formula a tese de que o pensamento não só está
estreitamente ligado, como ainda é delimitado pela linguagem.
Para justificar sua tese, Herder invoca o aspecto pragmático e constitutivo da lingua-
gem. Por exemplo: existe uma variedade de coisas cuja existência, ao contrário do que
acontece com objetos materiais, só vem a lume depois que se aprende uma linguagem
— é o caso dos números, das ideias abstratas e de boa parte dos predicados psíquicos,
que não são outra coisa senão palavras cujo significado se constitui pragmaticamente
através do exercício/uso da linguagem (e não por referência a qualquer entidade
extralinguística oculta na mente ou no cérebro). De um ponto de vista mais sistemá-
tico, portanto, o argumento por trás da ideia de que pensamento está imbricado na
linguagem nitidamente pressupõe uma concepção pragmática de significado linguístico
como uso. Bastante por alto, pode-se reconstruir o argumento de Herder mais ou
menos assim: um pensamento ininteligível não é propriamente um pensamento (ou:
não faz sentido conceber um pensamento de todo incapaz de portar significado); ora,
o significado se define precisamente através uso das palavras; logo, o pensamento
depende e é delimitado pela competência linguística no uso das palavras — ou seja,
pensamento depende e é delimitado pela linguagem (FORSTER, 2010).
A versão herderiana da tese de que o pensamento depende e em parte até se constitui
por meio da linguagem ficou conhecida pelo nome de expressivismo (TAYLOR, 1996).
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A grande questão é até que ponto uma concepção expressivista da relação entre
pensamento e linguagem é capaz de explicar aspectos da experiência que, embora
claramente portadores de significado, nem por isso são imediatamente exprimíveis
através de palavras. As artes não-linguísticas em geral, e a música instrumental em
particular, são, nesse caso, exemplos emblemáticos: interpretada ao pé da letra, a
concepção expressivista visivelmente contraria a impressão corrente de que meios
não-linguísticos de expressão, como justamente é o caso da música instrumental, são
perfeitamente capazes de comunicar/expressar ideias ou pensamentos. A pergunta que
se impõe é, pois, a seguinte: na concepção de Herder, o expressivismo assevera que o
pensamento depende rigorosamente da expressão em símbolos linguísticos, tais como
palavras, ou o expressivismo apenas assevera, de forma bem menos restrita, que o
pensamento depende da expressão em meios simbólicos em geral, de modo a incluir
aí atividades que dispensam a expressão em palavras, como a escultura, a pintura e
a música instrumental? Existe uma grande diferença entre as duas formulações: no
primeiro caso, a música instrumental e outras artes, por não empregarem palavras ou
outro meio de representação, são consideradas capazes de expressar emoções, porém
não pensamentos; no segundo caso, ao contrário, a música instrumental e as outras
artes são consideradas, elas próprias, linguagens capazes de exprimir pensamentos.
Deste modo, na primeira formulação o pensamento permanece estreitamente vin-
culado à expressão linguística em palavras, ao passo que, de acordo com a segunda
formulação, é perfeitamente possível pensar para além das palavras. Nesse contexto, o
presente trabalho pretende revisitar as ideias de Herder sobre a linguagem no intuito
de avaliar a real pertinência da influente interpretação de Forster (2010), para quem
o expressivismo de Herder, apesar de admitir que a música pode expressar certas
ideias, ainda assim estaria mais alinhado à primeira formulação.
Referências
FORSTER, M. After Herder: Philosophy of Language in the German Tradition. Oxford: Oxford
University Press, 2010.
HERDER, J. G. Metakritik zur Kritik der reinen Vernunft. In: Johann Gottfried Herder Sämtliche
Werke. B. Suphan et al. (org.). Berlin: Weidmann, 1877.
TAYLOR, C. Language and Human Nature. Human Agency and Language: Philosophical Papers
I. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.
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repetição constante de tempos fortes e fracos. Ele proporciona a cadência dos ver-
sos, visto que harmoniza e arranja as palavras. Assim, podemos dizer que o ritmo
é um recurso do poeta que, a saber, ornamenta a poesia deixando-a mais bela. As
poesias com ritmo têm sua essência no tempo, pois o ritmo fornece a temporali-
dade, a intuição do ouvinte. Nas poesias que faltam o ritmo, o efeito da ideia é mais
pobre. Exemplo disso é a poesia francesa que, sem ritmo, encontra-se “limitada só
a rima e é ainda mais empobrecida porque, em vista de encobrir a sua carência de
meios, dificulta suas rimas através de uma multidão de princípios pedantes” (SCHO-
PENHAUER, 2015, p. 513).
O trabalho aqui proposto para apresentação é parte integrante da pesquisa de
mestrado em filosofia que tem por objeto de estudo a função da palavra na filosofia
de Arthur Schopenhauer: razão e poesia. Destacar o ritmo como principal auxiliar
da poesia ajuda a compreender por que o poeta comunica ideias e não conceitos,
assim como aproxima a arte da poesia da música, a mais elevada arte na filosofia
de Schopenhauer. Para uma compreensão do ritmo como principal auxiliar dessa
arte, utilizaremos, sobretudo, os tomos I e II de O Mundo como Vontade e como Repre-
sentação (1818-1819 e 1844, respectivamente). Além dessas duas obras de grande
relevância do autor, buscamos examinar as preleções da Metafisica do Belo (1820)
que também são importantes, já que nesses textos o filósofo procura explicitar os
principais temas abordados no Livro III de o Mundo. Partindo do estudo dessas obras,
tentamos explicitar os conceitos que tratam do ritmo como principal auxiliar da arte
poética na filosofia de Arthur Schopenhauer.
Referências
SCHOPENHAUER, A. O Mundo como Vontade e como Representação. Tomo I. Tradução, apre-
sentação, notas e índices de Jair Barboza. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
SCHOPENHAUER, A. O Mundo como Vontade e como Representação. Tomo II. Tradução, apre-
sentação, notas e índices de Jair Barboza. São Paulo: Editora UNESP, 2015.
SCHOPENHAUER, A. Metafísica do Belo. Tradução, apresentação e notas de Jair Barboza. São
Paulo: Ed. UNESP, 2003.
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A partir da recusa de que a obra musical seja algo psíquico, o presente artigo expõe
a crítica que Ingarden faz à abordagem psicologista de obra musical a fim de reforçar
a concepção ontológica de que uma peça musical é um objeto puramente intencional.
O que se entende aqui por “psicologismo” são certas tendências situadas no início do
século XX que abordavam os fundamentos epistemológicos e lógicos a partir da psico-
logia (ZAHAVI, 2015, p. 14). Ingarden localiza tais tendências numa série de afirmações
acerca da natureza da obra musical que, embora buscassem contornar pressupostos
metafísicos, acabavam por confundir inadvertidamente a obra com as experiências
de consciência que temos dessa mesma obra. Para resolver esse problema, o filósofo
polonês expõe as ambiguidades do termo “psíquico” [psychisch] e esclarece em que
sentido um objeto musical se relaciona com os atos de consciência. Por um lado, a
obra musical será compreendida como um objeto intencional pelo simples fato de
que ela é um objeto para o qual uma consciência se refere, mas por outro, adquirirá
também o status ontológico de objeto puramente intencional na medida em que ela só
tem sentido e só pode existir enquanto objeto dependente dos atos de uma consciência
que a constitui. Isso, no entanto, não nos autoriza a afirmar que ela seja alguma parte
ou algum “conteúdo” real da consciência e das vivências dela — quer dizer, embora ela
seja dependente dos atos de consciência ela não se confunde com esses atos. E isso
se dá porque enquanto os atos de consciência podem ser situados num aqui e num
agora (eles são acontecimentos reais) o mesmo não ocorre com a obra musical. Por
outro lado, Ingarden também recusa a alternativa de que a obra seja um objeto ideal
— uma vez que ela não é “descoberta” e nem deduzida a partir de operações lógicas.
A obra musical, tal como as outras formas de arte, mostra-se, portanto, como sendo
distinta dos seres reais e ideais, o que leva o autor a incluí-la numa terceira modalidade,
a saber, a dos seres puramente intencionais.
A exposição do presente trabalho está dividida em quatro partes: na primeira, apre-
sentamos a descrição que Ingarden faz da concepção psicologista de obra musical; na
segunda, expomos os argumentos que o autor polonês apresenta para demonstrar
de que maneira as imprecisões do termo “psíquico” ou “mental” acabam por gerar
mal-entendidos nos quais se confundem os atos de consciência com os objetos para
os quais tais atos de consciência se dirigem; na terceira, mostramos em que sentido
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Ingarden nos autoriza a falar de ”conteúdo’ de nossas experiências com obras musicais;
finalmente, na quarta e última parte, discutimos de que forma a crítica à concepção
psicologista de obra musical se relaciona com as formulações ontológicas defendi-
das por Ingarden. Como resultado, teremos uma concepção de obra musical que,
enquanto objeto puramente intencional, se mostrará distinta tanto dos objetos reais
quanto dos objetos ideais. Por fim, a nossa conclusão faz um breve balanço de como
a crítica à abordagem psicologista de obra musical se insere como num argumento
mais amplo que busca demonstrar de que forma, e por quê, as obras de arte devem
ser distinguidas de seres reais e ideais.
Referências
INGARDEN, Roman. A obra de arte literária. Tradução: Albin E. Beau, Maria da Conceição
Puga e João F. Barreto. Prefácio de Maria Manuela Saraiva. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1973.
INGARDEN, Roman. Ontology of the work of art: The musical work. The Picture. The architec-
tural work. The film. Tradução: Raymond Meyer e John T. Goldthwait. Ohio: Ohio University
Press, 1989.
INGARDEN, Roman. Untersuchungen zur Ontologie der Kunst: Musikwerk – Bild – Architektur
– Film. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1962.
MOURA, C. Alberto Ribeiro de. Racionalidade e Crise: Estudos de História da Filosofia Moderna
e Contemporânea. São Paulo: Discurso Editorial e Editora da UFPR, 2001.
ZAHAVI, D. A fenomenologia de Husserl. Tradução: Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro:
Via Verita, 2015.
98
a travessa ment o s :
poética s, c riações,
linguagens, ensaios,
experimentações
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A partir de dados experimentais, Elwyn Edwards postula que, quanto maior a quan-
tidade de informação de uma mensagem, maior o tempo de exposição a ela será
necessário ao indivíduo humano para a sua assimilação (EDWARDS, 1964, p. 78). A
discussão em que se insere a asserção acima trata de fundamentos da Teoria da
Informação, à qual a “complexidade” da mensagem, isto é, a redução de incerteza que
encerra, é diretamente proporcional à “quantidade de informação” transmitida (EPS-
TEIN, 1986, p. 38-39; EDWARDS, 1964, p. 44-50). Ao ponderar sobre a relação entre a
técnica composicional e a “complexidade” efetivamente perceptível do objeto estético,
Jacopo Schilingi chega ao entendimento de que tal “complexidade” é engendrada pela
multiplicidade de interpretações que uma obra proporciona ao ouvinte1. Para o autor,
essas interpretações seriam mediadas por um processo cognitivo de comparação e
hierarquização dos fenômenos percebidos (SCHILINGI, 2007, p. 56-61). Como lembrara
Epstein, a eficácia da comunicação (isto é, da interpretação cognitiva da entrada senso-
rial) depende da atribuição de redundância ao código, condição de sua inteligibilidade
(EPSTEIN, 1986, p. 20), uma vez que o indivíduo precisa de tempo para depreender
da grande complexidade informativa os padrões (redundância) apreensíveis para
assimilação da mensagem (ROEDERER, 2002, p. 220)2. E, como vimos com Edwards,
o tempo necessário a tal aumenta à medida que aumenta a complexidade do sinal
recebido. A partir da percepção e comparação dos sinais recebidos, o indivíduo pode
então “agrupar” elementos da mensagem que compartilhem características comuns
– ao memorizar grupos de estímulos em vez de cada estímulo discreto, é capaz de
poupar energia e atenção3.
Henri Pousseur lista o que define como quatro principais “níveis de valorização pré-
-musical das frequências” (POUSSEUR, 2008, p. 173-174). Tais “níveis” consistiriam em
abordagens de apreciação das alturas realizadas quando da escuta de uma obra (possi-
1 Comparar com o conceito de “abertura” de uma obra de Umberto Eco (ECO, Umberto. Obra Aberta.
São Paulo: Editora Perspectiva, 1968, p. 40).
2 Ver também: MOLES, Abraham. Teoria da Informação e Percepção Estética. Brasília: Editora Universidade
de Brasília, 1978, p. 71-84.
3 TEMPERLEY, David. The Cognition of Basic Musical Structures. Cambridge: MIT Press, 2001, p. 56-57, 103.
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SCHILINGI, Jacopo Baboni. La musique hyper-systémique. Paris: Éditions MIX, 2007.
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O projeto Rédea Solta nasce em 2013 a partir da união de três compositores, instrumentistas
e cantores do interior de Santa Catarina interessados em desenvolver um trabalho de
música regional sul-brasileira cuja cor se dá através da mistura do marrom amadeirado
dos violões e do vermelho vivo das gargantas com a profusão de matizes da natureza,
cuja paisagem é também composta de um sem-fim de sons, uma gigantesca sinfonia
de pequenos pontos, cada um deles único em sua irreprodutibilidade.
O Rédea Solta alcança 2022 interessado em discutir dois grandes processos de alienação:
o primeiro, o do ser urbano em relação às vivências e processos ligados ao campo, ao
ambiente rural, ao trato com a terra e com os animais. Este distanciamento, para além
de gerar uma visão romântica e distorcida da realidade, gera paradoxalmente outra
percepção, diametralmente oposta, de que o(a) interiorano(a) é o(a) selvagem sob o
olhar do(a) civilizado(a) citadino(a). O segundo processo, o que levou o(a) fazedor(a) de
música, seja ele(a) intérprete ou compositor(a), a ignorar a multiplicidade de camadas
que compõe a experiência musical, sobretudo a visual.
Levando em conta o momento de desgaste da escuta acusmática; da escuta estrutu-
ral modernista calcada na ideia de autonomia da obra musical; de seu “equivalente
eletroacústico” (NASCIMENTO, 2011, p. 139), a escuta reduzida schaefferiana, que se
revelou uma impossibilidade, já que inevitavelmente estaremos sujeitos(as) às ima-
gens mentais que surgem a partir de um estímulo sonoro; de declínio das vanguardas,
cuja proposta de abstração gerou um afastamento entre o(a) criador(a) e o público
(NASCIMENTO, 2011); de retomada da intenção comunicativa, representada pela
inclusão no discurso musical das “múltiplas referencialidades de um som” (FERREIRA,
2007 apud NASCIMENTO, 2011, p. 138) operada pela música acusmática; e de inclusão
da imagem na experiência musical, tanto do ponto de vista de quem produz quanto
de quem consome; o Rédea Solta passa de um grupo de músicos para um coletivo de
artistas intermídia, e inicia o processo de produção do álbum audiovisual Terra Fértil,
um curta-metragem que dialoga com as vanguardas do cinema da primeira metade
do século XX, sobretudo com os chamados filmes-sinfonia, e com filmes poéticos que
partem desta referência: obras cuja construção discursiva é baseada simplesmente
na interação entre imagens em sequência e música.
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Referências
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NASCIMENTO, João Paulo Costa do. Abordagens do pós-moderno em música: a incredulidade
nas metanarrativas e o saber musical contemporâneo. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011.
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Nas últimas décadas do século XX, na América Latina, e decorrente do giro decolonial
aportado pelos Estudos Culturais e Afro-latino-Americanos, consolidam-se espaços de
investigação sobre e desde os gêneros performáticos populares descortinando matrizes
criativas rítmico-corpóreo-vocais pouco pesquisadas. Como o expressa Gérard Behague,
a cultura popular, pensada como uma “unidade”, expressou uma ideologia recorrente
nas histórias nacionais do nosso subcontinente; na perspectiva de legitimar ou natu-
ralizar a discriminação e o racismo estrutural, a necessidade de aliança entre estado
e os símbolos culturais, privilegiou linguagens artísticas branco europeias e deixou à
margem da história oficial manifestações regionais, locais e grupos que desenvolveram
produções artísticas afro-ameríndias que não respondiam aos formatos e discursos
hegemônicos (BEHAGUE, 1991).
Como o mostram a filosofia e a antropologia contemporâneas, os gêneros performá-
ticos afrolatinoamericanos1, enquanto culturas populares plurais, são produtos de
demandas sociais, étnico-raciais, de lutas pelos territórios assim como pelo resgate
das ancestralidades, e mantêm vasos comunicantes que emergem quando investiga-
dos sob uma perspectiva transnacional. O desenvolvimento de novas metodologias
de pesquisa em artes como os estudos audiovisuais, a etnocenologia e os estudos da
performance, são legados das técnicas reflexivas e críticas da antropologia, da linguística
e da etnomusicologia, incorporando o corpo e suas produções sonoras e gestuais como
recursos epistemológicos de saberes situados. Nesse sentido, nas pesquisas realiza-
das de maneira transnacional, principalmente em Brasil e na Argentina, estudamos
características dos géneros performáticos afroameríndios observando o forte apelo a
técnicas de improviso e a coligação comunitária entre toques, cantos e danças-lutas.
Compartilhamos nesta comunicação algumas reflexões filosóficas sobre a memória
sonora, a partir da emergência de narrativas subjetivas afrodescendentes na Argen-
tina; o recorte aqui apresentado, circunscreve-se à prática do candombe desenvolvido
no tradicional bairro operário da Refineria, na cidade de Rosario (SF), Argentina. A
pesquisa-ação audiovisual, contemplada no projeto xxx (PNPD Capes) foi conduzida
1 A grafia remete a uma posição ética, estética e filosófica no programa de consolidação dos
estudos afrolatinoamericanos.
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Referências
BEHAGUE, Gerard H. “Reflections on the Ideological History of Latin American Ethnomusi-
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A modulação em anel foi inventada em 1934 por Frank Cowan como uma técnica para
solucionar um problema de telecomunicação, e na década de 1960 passou a ser uti-
lizada como síntese sonora na música eletrônica. Adiante, através dos compositores
da chamada Escola Espectralista, nos anos de 1970, tornou-se um modelo capaz de
gerar materiais composicionais voltados também para a escrita instrumental. Dentro
desse contexto, este procedimento resulta em estruturas sonoras formadas por quatro
diferentes alturas à maneira de “acordes timbres”. A lógica deste procedimento consiste
em tomar duas alturas e realizar uma operação de soma e outra de subtração, de modo
a resultar em quatro alturas: as duas originais e o resultado das operações. Trata-se
de um modelo simples, mas muito rico em possibilidades. Porém, como as alturas
musicais são calculadas através de sua frequência correspondente em Herz é de se
esperar que o resultado abarque também intervalos microtonais, que são, ademais,
característicos da música espectral. Isso significa que estes intervalos se encontram
fora do sistema temperado, o que não impede o seu uso concomitante, mas no caso
de instrumentos como o piano, por exemplo, necessita de uma adaptação em sua
afinação. Para solucionar este problema é possível aproximar o resultado de modo a
“encaixar” todas as frequências dentro do sistema temperado.
Se, inicialmente, o uso da modulação em anel na composição musical esteve dependente
do raciocínio tecnomórfico, como uma espécie de individuação técnica, num segundo
momento passou a ser aplicado de maneira mais ampla. Segundo Holmes (2014, p.
3) a palavra tecnomorfismo é derivada de mecanomorfismo. Porém deve-se destacar
que no fundo se trata de uma alusão ao antropomorfismo, este, “inicialmente estaria
associado às formas humanas atribuídas a entidades não-humanas” (idem). Ainda
segundo Holmes (2014), o primeiro a empregar tecnomorfismo no contexto musical
no Brasil foi o compositor e pesquisador Silvio Ferraz no ano de 1999. Desde então
esta palavra tem sido utilizada para designar a capacidade de se apropriar modelos
técnicos em obras para instrumentos acústicos, como é o caso da modulação em
anel, que tecnoforficamente gera um modelo de produção de classes de alturas. Um
exemplo clássico é a peça Treize Couleurs du Soleil Couchent (1978), de Tristan Murail.
A reflexão sobre a estética deste recurso composicional — modulação em anel começa
por considerar aquilo que o filósofo francês Gilbert Simondon (1924-1989) denomina
por Objeto Técnico. Para Simondon a técnica assim como a ciência e a estética, fazem
parte da cultura em que ele vislumbra um ponto de confluência entre as máquinas
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Referências
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em Música) — Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
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SIMONDON, G. A individuação à luz das noções de forma e de informação. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2009.
SIMONDON, G. Do modo de existência dos objetos técnicos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020.
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Marcello Messina
SFEDU
Luzilei Aliel
USP
Damián Keller
UFAC
Ivan Simurra
UFAC
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peça O mergulhão foi apresentada no dia 2 de maio de 2017, enquanto A caixa d’água,
composta posteriormente, foi apresentada só um ano depois, no dia 25 de abril de
2018. Outrossim, enquanto O mergulhão incorpora procedimentos algorítmicos e
material pré-gravado, A caixa d’água utiliza apenas sons gerados através de síntese
sonora. A natura simples e intuitiva dos sons gerados e gravados é entre os elementos
que nos permitem de enquadrar o díptico como little-c music algorítmica. Escolhemos
como material para a implementação de metáforas de ação criativa, objetos comuns
conectados à microeconomia política do abastecimento de água. Refletimos sobre o
tecido de relatos e narrativas que associam e confinam a Amazônia ao estereótipo
de atraso, focando nos conflitos sociais e na fabricação de escassez (discursiva e
material) (MESSINA, 2017). Enquanto exemplos de little-c music algorítmica, as duas
peças do díptico nascem a partir de metáforas cotidianas, empregadas no ensino e na
aprendizagem de objetos computacionais. Desde uma perspectiva cognitivo-ecológica
(KELLER; LAZZARINI, 2017), apresentam-se como resultados de novas estratégias de
apoio à criatividade cotidiana. Como contribuição específica deste trabalho, destaca-
mos a aplicação do pensamento computacional no contexto de utilização dos recursos
cotidianos. Nessa esteira, mostramos a convergência de estratégias criativas diversas
que impulsionam os avanços recentes no âmbito da música ubíqua doméstica e con-
sideramos as implicações filosóficas desta práxis.
Referências
KELLER, Damián; COSTALONGA, Leandro; MESSINA, Marcello. Ubiquitous music making in
COVID-19 times. In: STOLFI, A.; COSTALONGA, L.; MESSINA, M.; KELLER, D.; ALIEL, L. Procee-
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KELLER, Damián; LAZZARINI, Victor. Ecologically grounded creative practices in ubiquitous
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KELLER, Damián; SIMURRA, Ivan; MESSINA, Marcello; NEIVA, Tânia; TEDESCO, Sebastian;
MESZ, Bruno. Domestic ubimus. EAI Endorsed Transactions on Creative Technologies, [S. l.],
v. 9, n. 3, 2022.
MESSINA, Marcello. O que queremos dizer quando falamos de tecnologia musical na Ama-
zônia. In: Simpósio Internacional de Música na Amazônia, 6., 2017, Boa Vista. Anais […]. Boa
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PUCKETTE, Miller. Who owns our software? A Firstperson Case Study. Proceedings of the
International Symposium on Electronic Art., [S. l.], 2004. p. 200-202.
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Dessa vez deu certo: depois de ter sido desclassificade no ano passado, e Fado Bicha
(FB) conseguiu entrar no Festival da Canção de 2022 (provavelmente a maior competição
da música popular em Portugal) com a mesma música do ano anterior, Povo Pequenino
(FADO BICHA, 2022). Sua letra fala de pessoas humildes, pobres, famintas, iletradas,
acostumadas ao duro trabalho no campo. Fala também de escravos ao mar, de cravos.
Apesar da sua eliminação ainda na fase semifinal, a simples aparição dessa canção no
programa já foi suficiente para causar burburinho e desconforto, funcionando como
um instrumento de protesto e subversão. Em uma entrevista para um site direcionado
ao público LGBTQIA+ (FESTIVAL DA CANÇÃO, 2022), a dupla FB é perguntade se acha
que a sociedade portuguesa iria se identificar com a letra da canção. Eles respondem
que, do ponto de vista musical, para a construção do arranjo, basearam-se na alegria
do Vira, gênero musical característico da região do Minho. Fizeram isso com a intenção
de passar uma ideia de “folclore”, de “nação” portuguesa. Acrescentam que, apesar da
poesia abordar temas pertinentes à família deles em particular, uma amiga lembrou de
uma história que sua mãe a contava, depois de ouvir o trecho “Era o povo pequenino,
pés descalços na geada” (FADO BICHA, 2022). Essa “ruralização” e “empobrecimento”
do povo e da família foi um projeto do Estado Novo (1933-74), na tentativa de “regene-
rar” e “proteger” os portugueses das “perniciosas” influências externas. Essa era uma
característica comum aos governos de extrema direita da época (NERY, 2012, p. 251).
Perguntades agora sobre como Povo Pequenino poderia ser relevante às pessoas
LGBTQIA+, a dupla responde que, apesar da canção não ser diretamente relacionada
a elas, acharam por bem abordar um assunto que diz respeito a toda a sociedade
portuguesa, especialmente por se tratar de dois artistes “bichas” a performarem-na,
o que por si só já é subversivo (a homossexualidade era crime em Portugal até 1982).
Um outro motivo é a presença nas próximas eleições presidenciais de um partido
abertamente fascista (referência ao partido português Chega). Eles acrescentam
que o tema da canção também é queer por criticar o passado colonial português, o
que pode ser percebido no trecho “No mar, a boiar, são cravos/No fundo, há feitos
escravos” (FADO BICHA, 2022). Isso é explicitamente confirmado por eles na seguinte
declaração: “Os cravos são o símbolo da revolução do 25 de abril de 1974, um golpe
militar que acabou com o regime fascista de quatro décadas em Portugal”. Quanto
às pessoas escravas no fundo do mar, estas seriam “vítimas africanas incontáveis de
escravatura e tráfego pelo império português” (FESTIVAL DA CANÇÃO, 2022). Contudo,
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o que eles consideram mais interessante, mais rico, é a junção das suas estéticas com
as estéticas rurais portuguesas do poema, o que Lemos (2005, p. 1) define como “ciber-
-cultura-remix”, ou seja, a forma como as tecnologias digitais, através de apropriações
de conteúdos de terceiros por meio de cópias e colagens, altera a comunicação. Assim,
através da “mixagem” entre o tradicional e o contemporâneo; associada às vozes de
artistes “bichas”; por meio da transmissão em cadeia nacional de Povo Pequenino; e FB
protesta e subverte em favor das pessoas minorizadas socialmente.
Referências
FADO BICHA. Povo Pequenino. Lisboa: Fado Bicha: 2022. Duração: 2:44.
FESTIVAL DA CANÇÃO: O QUE NOS TÊM A DIZER OS FADO BICHA SOBRE O “POVO PEQUE-
NINO”? DEZANOVE, 2022. Disponível em: https://dezanove.pt/festival-da-cancao-o-que-nos-
-tem-a-1610876. Acessado em: 1 Maio 2022.
LEMOS, André L. “Ciber-Cultura-Remix”. UFBA, 2005. Disponível em https://www.facom.ufba.
br/ciberpesquisa/andrelemos/remix.pdf. Acessado em: 1 Maio 2022.
NERY, Rui V. Para uma história do fado. Coleção Biblioteca do fado. Rio de Janeiro: INCM, 2012.
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Palavras Chave: Luis Alberto Spinetta; agência; metafísica; animismo; rock argentino.
Keywords: Luis Alberto Spinetta; agency; metaphysics; animism; argentinian rock music.
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dos povos não ocidentais, e suas visões sobre o mundo e as coisas como carregadas
de potências e forças metafísicas, e com qualidades humanas e antropomórficas. Um
exemplo é a canção de 1976 “Durazno Sangrando”, onde Spinetta narra a historieta de
um pêssego que possui uma “alma caroço” que ao cantar no amanhecer, parte ao meio
o fruto e o faz sangrar a beira de um rio. Como explicar este animismo, uma tradição
das sociedades tradicionais não-europeias, por um artista branco de origem cultural
ocidental? Para poder realizar essa poética L. A. Spinetta opera uma aliança com as
formas do animismo, simultaneamente agenciando a si mesmo e sua intencionalidade
em direção a uma postura crítica e rebelde aos padrões comportamentais ditados
pelo “mainstream” do rock e às concepções do estrelato individual. O artista renega a
identidade do estrelato em favor de outro tipo de identificação com o público, através
da exploração das sensibilidades, e com a intenção de levar seus ouvintes para uma
experimentação de outros mundos possíveis, de viagens para além de si mesmo, em
uma espécie de transcendentalismo cósmico. É neste sentido que L. A. Spinetta afir-
mava se perceber no mundo, imaginando-se, como um “babuíno pensando em deus”.
A consequência da intenção deste agenciamento será construção de uma poética da
liberação, e um diálogo que proporciona outras formas e maneiras de dialogar com o
público, assim, gerando uma mito-poética musical singular, articulada entre a agência,
a mitologia e o animismo.
Referências
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O trabalho a apresentar está ancorado numa escola real e não imaginária. Nela,
professores e alunos, em conjunto, decidiram interagir com profissionais, no sentido
de defender uma conceção de escola, bem como de um certo modelo de formação
docente. Esse modo, ultrapassando a lógica estritamente escolarizada, aponta para
uma visão integrada e indagadora, assente no pressuposto de quanto maior for
envolvimento cultural, dentro e fora da escola, melhor habilitado está o professor
para o seu desempenho profissional.
Neste contexto intencional e institucional, a ESRSI (Escola Secundária Rainha Santa Isabel,
Estremoz, Portugal) tem desenvolvido uma ação educativa, igualmente como uma entidade
produtora de cultura, fomentando assim uma visão interativa, ao acolher e trabalhar
com profissionais, no caso em apreço, da área da música. A construção desta perspetiva
de “cultura de escola”, com recurso à música, teve o seu início em 2015, tendo, desde
essa altura, contribuído prioritariamente para combater o insucesso escolar. Para isso,
foi diligenciado um conjunto de aprendizagens não escolarizadas, pensadas de modo
interdisciplinar, despertando nos alunos experiências diretas, únicas e marcantes, sob
o ponto de vista humano e dos conhecimentos adquiridos.
Tratando-se do caso da ópera, a multiplicidade de manifestações artísticas nela inscritas
contribuiu para a ampliação de horizontes culturais dos alunos participantes, mas também
daqueles que planearam e assistiram na prática ao desenvolvimento do projeto. Para
isso, foi feito, em relação a esta opção musical particular, um trabalho prévio durante os
últimos anos letivos que antecederam a situação pandémica, divulgando e sensibilizando
junto de toda a escola o projeto para uma construção cooperada. A opção pela ópera
“O Barbeiro de Sevilha” de Rossini deveu-se, por um lado, à facilidade e envolvência da
música; por outro lado, à natureza ideológica implícita do libreto, já que este remete
para valores essenciais do Iluminismo, cada vez mais necessários numa dimensão de
educação para a cidadania. Como desfecho deste trabalho, no ano letivo 2018-2019,
concretizaram-se uma série de iniciativas na escola e fora dela.
Foi propósito do projeto, neste ano letivo 2021.2022 e após a interrupção imposta
pela situação pandémica, prosseguir o trabalho educativo já efetuado anteriormente,
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Paulo Francisco Schroeber foi um guitarrista e compositor gaúcho, conhecido por sua
virtuosidade e técnica no instrumento. Seus trabalhos artísticos eram direcionados
ao gênero Metal, que foi sua principal influência em seu fraseado e maneira de tocar.
Participou de diversas bandas como Astafix, Hammer 67 e Almah e além de seus tra-
balhos em conjunto, em 2011 lançou seu primeiro e único álbum instrumental solo
intitulado Freak Songs. De acordo com o próprio compositor em uma entrevista de 2014
concedida a Wagner Ribeiro, Schroeber comenta que as composições em seu disco solo
são uma mescla do Metal com diversas vertentes musicais como Jazz, “Fusion”, música
de concerto e ritmos brasileiros como o Baião (SCHROEBER, 2014). Para esta pesquisa
foi selecionada uma das faixas de Freak Songs denominada “Mom’s Patience”, com o
intuito de investigar quais elementos provenientes do Fusion se mostram presentes
na composição de um músico com origens no Metal.
Durante as décadas de 60 e 70, mesclas de Funk, Rock e Jazz tornaram-se Jazz-Fusion
e Jazz-Rock. Ambos os estilos são semelhantes e nestes foram incorporados também
instrumentos eletrônicos como teclados, guitarras, baixos, sintetizadores e outros efeitos
(DAVIS, 2012). Pode-se dizer em que ambos os estilos a parte rítmica e timbrística foi
proveniente do Funk e do Rock enquanto a parte harmônica, melódica e improvisativa
foi originada a partir do Jazz.
“Mom’s Patience” foi transcrita em forma de partitura, contendo em sua instrumenta-
ção três guitarras com sonoridade limpa. Cada uma das guitarras realiza uma função
diferente, sendo elas de acompanhamento, solo e “dobra” em alguns trechos (dupli-
cação de alguns trechos da guitarra solo com alterações nas alturas). A transcrição
foi estudada de acordo com o método da Apostila de Análise I do professor Fernando
Mattos (UFRGS). O método de análise utilizado pressupõe a observação em três
níveis: microanálise, análise intermediária e macroanálise. Foi decidido concentrar-se
em dois aspectos: “forma e ritmo” e “harmonia e melodia”. Com isso, foi realizado
um seccionamento da obra em partes e de forma geral pode-se dizer que a música
é praticamente toda em 4/4 com algumas irregularidades métricas e possui efeitos
polimétricos e polirrítmicos. No que se refere à parte harmônica, o compositor utiliza
em alguns momentos diferentes escalas modais dispostas sequencialmente que tran-
sicionam de uma para outra de forma suave. Existem também diferentes formações
de acordes dentro dos mesmos modos, construídos por sobreposições de terças (no
acompanhamento) e de quartas (no solo). Além disso, é possível constatar o uso da
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Referências
DAVIS, John S. Historical Dictionary of Jazz. Toronto: The Scarecrow Press Inc, 2012.
SCHROEBER, Paulo. Paulo Schroeber: entrevista [fev. 2014]. Entrevistador: Wagner Ribeiro.
Entrevista concedida para o Portal Guitar Shred. Disponível em: https://youtu.be/lbVv4HZ-
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TAYLOR, Bob. The Art of Improvisation: A visual and virtual approach to improvising Jazz —
Level 5 — Advanced. ver. 3. [S. l.]: Visual Jazz Publications, 2004.
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çar-batucar, para o autor, esta junção é responsável por provocar a nossa percepção
e afeto ao nos depararmos com uma arte negra. Assim, para nós, a partir desta tríade
pensamos que poderíamos também iniciar um discurso para dialogar e analisar uma
prática performativa afrodiaspórica e/ou iniciar um processo de montagem e encenação
em dança. Deste modo, temos aqui reunidos três profissionais, o coreógrafo (Maicom
Souza e Silva) , o músico (Dori Sant’Ana) e a bailarina (Julia Fachetti), a partir desses
artistas vamos registrar por meio partituras, fotografias, vídeos e mapas conceituais
os processos de tomada de decisão que culminam na coreografia Solo para Oyá. A
cena Solo para Oyá é marcada pela polifonia que acontece entre o corpo dançado
e a melodia cantada. O corpo da bailarina dança os ritmos, a força e a suavidade, a
rapidez e a lentidão, os altos e baixos, representações dos movimentos dos ventos e
das tempestades. As sequências de movimentos trazem, por meio da performance,
gestos que sustentam o mito e o ritual. O canto é de melodia suave apesar de ter na
sua linha os acentos que sugerem a força dos ventos e das ondas. O ritmo do corpo
dançado não acompanha a melodia e as suas nuances de intensidades e acentos e nem
é acompanhado pela melodia da música que, com autonomia, percorre o espaço por
meio da sequência de sons. O corpo dança e também se move com autonomia, ritmo,
peso, intensidade e presença, e percorre o espaço compondo sua própria “melodia”.
Assim, abrimos caminhos e criamos repertórios-outros para dialogarmos sobre a arte
da dança, pesquisas musicais e possíveis escolhas coreográficas que estejam com as
suas motrizes em diálogo com as metafísicas afrodiaspóricas.
Referências
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etnomusicologia) — Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal da
Bahia. Salvador: Fundação Gregório de Mattos: Edufba, 2006.
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2014. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2014.
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O presente artigo tem como tema a presença do negro na memória cultural do Pampa
e a milonga como marco representativo de miscigenação racial e estética cultural pam-
piana. Busca-se evidenciar, a partir de vestígios, a participação do negro na memória
cultural e na paisagem do Pampa, espaço de entrecruzamento de diferentes culturas,
bem como apresentar a milonga como representação estética pampiana.
Por intermédio da memória, oportuniza-se a reprodução de experiências vividas ali-
cerçadas em impressões pessoais, enquanto atividade criativa, em que se articulam
sensibilidade e representação de uma realidade, que pode ter sido vivida realmente
ou estar limitada ao campo da imaginação. A memória articula-se como mantenedora
de valores presentes num dado grupo social para se tornar um distinto mecanismo
de transformação de uma sociedade.
Os vestígios são vistos como signos duplos que têm a função de atrelarem a recor-
dação ao esquecimento, do mesmo modo que oportunizam um acesso ao passado
e incluem articulações não verbais em relação a alguma cultura passada (ASSMANN,
2011). Assim, permite estabelecer relações entre vivências presentes e as anteriores,
religando-as por meio de rastros, vestígios, pois conforme assegura Bernd (2013, p.
53): “Entre memória e esquecimento, o que sobram são os vestígios, os fragmentos do
vivido, o qual jamais pode ser recuperado na sua integralidade”, capazes de serem con-
siderados como elementos propícios para que se faça uma ressignificação do passado.
Constata-se a influência africana já no sentido vocabular do ritmo, pois o termo milonga
tem origem bundo-congolesa, e sinaliza o plural de mulonga (ou melunga), que signi-
fica palavra, algo próximo à conversação, palavreado (CASCUDO, 1972). Entende-se
a milonga como um efeito musical de propagação, isto é, um gênero capaz de abrir
espaço para outras formas de representação e de manifestações dos imaginários, por
exemplo, do negro na região pampiana.
Conforme Vicente Rossi (1958), a partir da presença de negros marinheiros cubanos nos
portos de Montevidéu; tem-se as denominações de “danza cubana”, depois “habanera”,
e, efetiva-se com o nome de milonga. O termo milonga ficou tão difundido e passou a
designar também uma reunião de pessoas, um evento de baile ou de canto, de modo
que se podem entender os gêneros poéticos musicais sul-americanos serem frutos
da mediação criativa dos africanos por meio da apropriação, da criação ou até mesmo
da efetiva participação no cenário cultural pampiano (OLIVEIRA, MELLO, 2020), cabendo à
milonga ser considerada como um traço significativo da diáspora africana.
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Referências
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Tradução: Paulo Sohete. Campinas: Editora da Unicamp, 2011.
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das Américas a partir dos rastros. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013.
CASCUDO, Luís Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 3. ed. Brasília, DF: Instituto Nacional
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OLIVEIRA, Suzan A de; MELLO, Carla Cristiane. De payadas e milongas: os saberes da voz. Outra-
travessia revista de literatura, Santa Catarina, n. 11, p. 71-86, jun., 2011. Disponível em: https://
periodicos.ufsc.br/index.php/Outra/article/view/2176-8552.2011n11p71. Acesso em: 12 out. 2020.
ROSSI, Vicente. Cosas de negros: las orígenes del tango y otros aportes al folklore rioplatense.
Buenos Aires: Libreria Hachette, 1958.
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Vinicius Yglesias
UNICAMP
José Fornari
UNICAMP
Conforme Murray Schafer (2011, p. 223), “palavras são invocações mágicas que
podem refletir encantamentos”. Mesmo não possuindo significado semântico, podem
comunicar expressivamente, conforme o autor exemplifica com o poema dadaísta
de Hugo Ball (SCHAFER, 2011, p. 224). Mas apesar dessa capacidade de comunicação
expressiva, fundamental para a intensificação da imersão em games, os timbres da
voz nem sempre recebem atenção em relação a sua riqueza sonológica. Portanto,
o objetivo deste trabalho é investigar a utilização da glossolalia nos games NieR
Replicant ver. 1.22474487139…1 e NieR:Automata, tomando como objeto de estudo as
sonoridades da voz nas trilhas dos games. A escolha de games como objeto de estudo
sonológico da glossolalia se deu por conta de ser uma mídia das grandes responsáveis
na expansão das estéticas da comunicação (SANTAELLA, 2019). Ambos os games se
passam em um futuro distópico, o primeiro em 2052 e o segundo 6 mil anos após o
primeiro. A escolha dos objetos de estudo se deu por conta do idioma utilizado na
construção da letra da maioria das músicas dos games, chamado de “Linguagem do
Caos”, ser um idioma fictício, criado apenas por meio da sonoridade expressiva dos
fonemas linguísticos. Esse idioma trata da mistura de elementos de diversos idiomas
estudados por Emi Evans, cantora e letrista das músicas do game. Essa metodolo-
gia de criação de um idioma fictício pode ser relacionada ao que Santaella (2019)
chama de modelização do acaso, evento em que o caos sonoro é organizado para
ser escutado de maneira específica. Este trabalho pretende, portanto, investigar as
possíveis motivações para a utilização da voz nesse contexto, visto que, de acordo
com Yoko Taro, diretor do game, a decisão pela criação de uma linguagem fictícia
aconteceu justamente para evitar que uma letra que pudesse ser entendida pelo
jogador, para servir de fato como música de fundo. Além disso, o diretor acredita
que dessa maneira a interpretação do significado pode ser mais aberta, sem se
1 O termo “ver. 1.22474487139…” faz parte da estética do título do game, não sendo representativo de
uma versão do jogo (1.0, 2.0 etc).
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Referências
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Montreal, v. 13, p. 17-26, 2002.
SANTAELLA, Lucia. Matrizes da linguagem e pensamento: sonora visual verbal: aplicações na
hipermídia. 3. ed. São Paulo: 5. Reimp., 2019, Iluminuras: FAPESP, 2005.
SANTAELLA, Lucia. Estética & Semiótica. Curitiba: InterSaberes, 2019. (Série Excelência em
jornalismo)
SCHAFER, R. Murray. O ouvido pensante. Tradução de Marisa Trench de O. Fonterrada, Magda
R. Gomes da Silva, Maria Lúcia Pascoal; revisão técnica de Aguinaldo José Gonçalves. 2. ed.
São Paulo: Ed. Unesp, 2011. 408 p.
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experiências
estéticas, artes,
música, linguagens,
educação
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Referências
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Música, Teatro – (2019-2022). Montenegro: Ed. da FUNDARTE, 2019.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 23. ed. Rio
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MORIN, Edgar. O método 3: o conhecimento do conhecimento. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2015.
MORIN, Edgar. Os setes saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo: Cortez;
Brasília, DF: UNESCO, 2011.
SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. São Paulo: Moderna, 2003.
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Palavras-chave: formação de professores de música; ensino de música; pesquisa sobre formação de professo-
res de música.
Keywords: music teacher training; music teaching; research on the formation of music teachers.
A pesquisa sobre Educação Musical no Brasil remonta a década de 80. Esse processo
propiciou as condições iniciais para a inclusão da música na pesquisa sobre formação
de professores, contudo “foi somente com início da criação da Associação Brasileira
de Educação Musical (Abem) em 1991 que esse espaço ganhou forças e foi ampliado”
(BORGES, 2021, p. 55).
Em 2008, o ensino de música na escola passou a ser considerado por Lei nº 11.769/2008
como conteúdo obrigatório da disciplina de Arte. A Lei, catalisou algumas ações no
contexto educacional, inclusive embasando temáticas de diversas pesquisas sobre
o ensino de música em ambiente escolar, formação de professores de música, etc.
Movido pela problemática: “Quais são os temas candentes da pesquisa sobre formação
de professores de música nos últimos anos?”, me propus a compreender os principais
temas debatidos desde a Lei nº 11.769 no contexto da formação de professores de
música da Educação Básica no Brasil. Desta forma, balizei as minhas discussões teóricas
sobre a formação de professores em Loureiro (2003) e Penna (2018), e as discussões
metodológicas em Zanten (2004), Bardin (1977), etc.
O material empírico foi constituído por meio de artigos constantes nos periódicos Scielo
(Biblioteca Eletrônica Científica Online) e Portal Capes (Coordenação de aperfeiçoa-
mento de Pessoal em Nível Superior), utilizando como descritores de busca “forma-
ção de professores” e “ensino de música”. A partir daí defini os seguintes critérios de
inclusão/exclusão: trabalhos que não eram da área da Educação, trabalhos que não
eram específicos da formação de professores de música, trabalhos da formação em
nível de bacharelado, trabalhos relacionados a formação para o exercício em outras
profissões, trabalhos que não tratavam da formação para o ensino de música na
escola e trabalhos sobre a formação e/ou ensino em outros países. Com isso definido,
selecionei um total de 12 artigos, sendo 8 da Capes e 4 da Scielo.
1 Este ensaio é um resumo de um artigo publicado na Revista Cadernos da Fucamp. O acesso ao artigo
original encontra-se em “Referências”.
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Após a constituição do material empírico e leitura com incidência sobre todo o texto dos
artigos emergiram da empiria dois recortes disciplinares que melhor representaram os
temas candentes, isto é: “Formação do professor de música” e “Educação Musical”.
Sobre a “Formação do professor de música”, a análise do conteúdo me permitiu
compreender que as pesquisas se dedicaram a discutir a formação de professores de
música críticos-reflexivos, a aprendizagem musical coletiva e o repertório para teclado
em grupo, o PIBID, os saberes docentes necessários ao ensino de música, as propostas
pedagógicas para o ensino de música, o ensino de música por meio da contação de
histórias, o piano na formação inicial de professores de música e a formação musical
de pessoas com cegueira.
Relativamente ao recorte disciplinar “Educação Musical”, minha análise identificou os
seguintes temas candentes: a percepção docente sobre Educação Musical a distância, a
inter-relação entre a comunicação e a Educação Musical, música na escola e Educação
Musical na perspectiva da Educação do Campo.
Verifiquei que no Brasil a pesquisa sobre a formação de professores de música
ainda se demonstra miúda, contudo os trabalhos são consistentes contribuindo de
forma significativa para o desenvolvimento da Educação Musical. Por outro lado,
devido ao ensino de música na escola estar sendo ratificado a cada nova, verifica-se
a abertura de novos cursos de música e demais atividades formativas, bem como a
iniciativa de novos projetos musicais em contexto escolar, contração de profissionais
e o desenvolvimento de novas pesquisas.
Enfim, este “estudo contribui para a construção do conhecimento científico sobre a
área da Educação Musical e o campo da formação de professores de música, podendo
servir de estímulo e base para novas investigações” (BORGES, 2021, p. 56).
Referências
BORGES, Adilson de Souza. Principais temáticas de pesquisa sobre a formação de profes-
sores de música desde a Lei 11.769/2008. Cadernos da Fucamp, Monte Carmelo, v. 20, n. 49,
p. 41-58, 2021. Disponível em: https://revistas.fucamp.edu.br/index.php/cadernos/article/
view/2654. Acesso em: 15 mar. 2022.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
LOUREIRO, Alícia Maria Almeida. O ensino de música na escola fundamental. Campinas: Papirus, 2003.
PENNA, Maura. Música (s) e seu ensino. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2018.
ZANTEN, Agnès Van. Pesquisa qualitativa em educação: pertinência, validez e generaliza-
ção. Perspectiva, Florianópolis, v. 22, n. 1, p. 25-45, jan. 2004.
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Referências
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Laira Campos
USP
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TRANCHEFORT, René. Guia de la música de piano y clavecin. Madri: ed. Taurus, 1990.
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Referências
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PERISSÉ, Gabriel. Estética e Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
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nível em: https://periodicos.ufms.br/index.php/intm/article/view/2358. Acesso em: 08 abr. 2022.
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Jefferson Cordeiro
A educação estética tem cuidado das formas de perceber a arte como um todo, seja
nas relações de interpretação do olhar sensível, seja inserida em um dado contexto
filosófico, social e antropológico, o certo é que tem contribuído sobremaneira para a
área da Educação Musical. Neste sentido, incita a compreensão da arte do som que se
manifesta como mecanismo educacional estético no despertar de quem aprecia o que
não é visível, mas audível. Num movimento da experiência estética, o objetivo deste
trabalho consiste em refletir sobre a possibilidade de aguçar o olhar para a experiência
estética como uma estratégia para estimular os alunos em aulas de música, de modo
que seus sentidos pudessem ser aflorados diante de determinados sons ao entorno
e cujas respostas lhes propiciariam diversas interpretações.
Para Kraemer (2000) a estética se ocupa das percepções e não do caráter abstrato,
mas de certos modos e formas de conhecimento utilizando-se dos efeitos e funções da
arte. O referido autor esclarece que a reflexão da percepção dos sentidos e o conheci-
mento estão à luz do objeto estético, buscando contribuir para o processo formativo
do educador musical. Nesta abordagem, correspondente às formas de apropriação e
transmissão musical na sociedade, o autor esclarece que a pedagogia da música trata
do estudo das relações das pessoas com a música, evidentemente. Por conseguinte,
ao compartilhar conjuntamente com outras áreas das ciências, conduz seus alunos a
reflexões aprofundadas e de análises por meio da estética.
Nessa perspectiva, a educação musical estética utiliza como auxílio conhecimentos em
musicologia, psicologia da música, sociologia da música, etnomusicologia, bem como
acústica e teoria da música. Na musicologia temos o estudo histórico que se ocupa em
analisar diversas formas de compreensão, surgimento e difusão das características
interpretativas oriundas de fontes históricas. Kraemer (2000) diz que tais expressões
musicais históricas necessitam de considerações estéticas. Já a psicologia da música
ocupa-se com a investigação do comportamento e da vivência musical. Por outro lado,
a sociologia musical tem como foco de estudo o contexto social, o efeito e os tipos de
gostos revelados por pessoas no próprio ambiente em que vivem e que trazem consigo
as suas preferências musicais. Quanto à etnomusicologia, esta tem se ocupado com a
cultura musical dos povos, principalmente, para além da cultura da música de tradição
ocidental. A acústica e a teoria da música têm como meta o estudo do ambiente sonoro
fundamentado na física e na explicação teórica como forma de entender a propagação
do som e os conceitos teóricos correlatos.
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Referências
KRAEMER, Rudolf-Dieter. Dimensões e funções do conhecimento pedagógico-musical. Em
Pauta, Porto Alegre, v. 11, n. 16/17, p. 51-73, abr. 2000.
PERISSÉ, Gabirel. Estética e Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo. São Paulo: UNESP, 2001.
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É olhando para este cenário de música independente que, neste trabalho, buscamos enten-
der como esta criação mediada pela tecnologia traz uma possibilidade criativa acessível,
uma linguagem musical clara para determinados estilos e uma corrente estética comum a
tantas periferias. No entanto, notamos que há uma limitação dada pela própria construção
destas ferramentas devido ao hermetismo das mesmas. Estas limitações e o lutar contra
as mesmas são importantes para entender os fatores estéticos que guiam esta música
periférica assim como a linguagem que está por trás destas composições. Esta tecnologia
é comum ao RAP, a pisadinha, ao Funk, ao Reggaeton, ao Kuduro e à Sungura. Além disso,
por se tratar de uma música periférica e produções com baixo orçamento, o acesso a esta
tecnologia também se dá de maneira não oficial, por meio de softwares piratas, distribuídos
em torrents e camelôs juntamente com as músicas criadas utilizando estas ferramentas.
Tal distribuição não oficial não parece atrapalhar os fabricantes destas ferramentas pois
isso ajudou as mesmas a se tornaram parte um padrão estético hegemônico devido a sua
difusão por meio da pirataria (JACKSON, 2015).
A continuidade desta pesquisa se desenvolve então nas opções que surgiram nas
comunidades de software livre para contornar tanto a hegemonia destas ferramentas
quanto a dependência da ilegalidade para a criação musical. Graças a estas iniciativas,
existem hoje opções FLOSS a estas ferramentas. No entanto, por falta de conhecimento,
adaptação ou material de estudo, tais ferramentas não são amplamente utilizadas
(EARL, 2012). Pretendemos, com isso, não apenas entender a diferença entre as fer-
ramentas pagas ou não, mas apontar uma nova perspectiva em relação à utilização
de ferramentas abertas para quebrar barreiras estabelecidas com a pirataria, sejam
estas barreiras estéticas, de usabilidade ou de linguagem. Será que tais ferramentas
conseguem trazer outras possibilidades de criação para além dos padrões já estabe-
lecidos? Será que a mudança de ferramentas traz mudanças no processo de criação
e, consequentemente, no resultado final das composições?
Referências
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apenas como constructos teóricos, mas como campos que, sendo invenções solidificadas,
eram passíveis de mudança. Tensionar, pois, não significou nessa disciplina, um embate
rude e avesso aos bons afetos. Ao contrário, a tensão mostrou que poderia se equilibrar
entre a incerteza e a leveza, atuando entre o medo e a força para criar devires até então
impensados (DELEUZE; PARNET, 1998). Sentimos o frio na barriga de dar passos inéditos
e nos descobrimos enquanto artistas que, diante do caos da existência, criam maneiras
de expressar pensamentos, sonhos e projetos. Ao longo desse trabalho, pretendemos
elaborar como a inserção da marmota como ferramenta impactou os processos que
atravessam a “sala de aula” e a “condução da disciplina”. Para tanto, são fundamentais
as percepções das docentes e discentes da turma de 2020.2 relatadas em uma reflexão
escrita individual partilhada no último encontro da disciplina. Enfim, mais do que um
relato de experiência, esse trabalho pretende complexificar uma questão que nos parece
essencial: “o que pode uma universidade?”
Referências
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O ABECEDÁRIO de Gilles Deleuze – Transcrição integral do vídeo para fins exclusivamente
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com/wp-content/uploads/2021/02/Gilles_Deleuze_Claire_Parnet_Abeced_rioz-lib.org_.pdf.
Acesso em: 13 mar. 2022
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Jéssica Klimaczewsky
UPF
O amor e a morte são temáticas discutidas desde o início dos tempos pelas diversas
sociedades. Hoje, falar sobre esses dois sentimentos faz revisitarmos o passado e
agregarmos conhecimento ao futuro, sem contar que, são temáticas que ainda estão
vivas no cotidiano das pessoas. Com base no referido assunto, a presente investigação
tem como propósito analisar as temáticas de amor e de morte presentes nas canções:
Ana e o mar (2003), Pratododia (2003) e O anjo mais velho (2003), do grupo musical O
Teatro Mágico. Esse estudo se dá por meio da interconexão entre as vertentes literária,
musical e dos sentimentos. Nele propomos que a letra musical possui aspectos poéti-
cos e literários capazes de aproximar as duas artes. Além disso, usamos das palavras
de Collingwood (2009, p. 52) quando o mesmo expressa que “quando alguém lê e
compreende um poema, não está apenas a compreender a expressão da emoção do
poeta; ele está a exprimir emoções que são suas nas palavras do poeta”, entendemos
aqui poema como a letra da canção e poeta como o compositor.
As diversas produções artísticas são capazes de conferir ao ser humano a construção
de sentimentos e sensações e as canções não fogem ao exposto, pois elas abarcam
uma grande carga emocional, tanto na construção como na execução. E por intermédio
da arte musical são aflorados os sentimentos de cada indivíduo que entra em contato
com os sentimentos de cada canção, tornando assim, a música um meio vivo de comu-
nicação entre o sujeito e as suas emoções. Nas construções musicais d’O Teatro Mágico,
o ideal alcança grandes níveis, onde a trupe trabalha com sentimentos de amor e de
morte manipulando som, letra escrita, dança e circo para sensorialmente sensibilizar o
público. Esse tipo de abordagem faz com que a música e a literatura invadam a vida das
pessoas e, nessa invasão, elas transbordam o indivíduo de sentimentos, de sensações
e de lembranças, então a música é um veículo artístico influente para a disseminação
de sentimentos como os de amor e de morte e nesse processo, as canções são moti-
vadoras como também acalentadoras, pois elas proporcionam as pessoas entrarem
em contato com seus próprios sentimentos de uma forma catártica, onde as emoções
são afloradas na alma e reverberadas pelo corpo por meio da dança. O som pode ser
evidenciado nos mais diversos ambientes, incluindo dentro de cada pessoa, já que o
bombear vital do coração pode ser metaforicamente representado como melodia, pois
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Referências
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Paulo: Martins Fontes, 2000.
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A canção “Ai que saudade da Amélia” (1942), de Mário Lago e Ataulfo Alves, completa 80
anos agora em 2022, com um refrão que permanece no imaginário brasileiro daquela
que por “não ter a menor vaidade” é que “era mulher de verdade”. “Teresa da Praia”
(1954), de Tom Jobim e Billy Blanco, composição do período pré-bossa nova, tem como
característica marcante o diálogo entre dois pretendentes “rivais” de Teresa.
Ao refletirmos sobre releituras críticas da canção popular brasileira, as consagradas
canções, referidas acima, foram revisitadas por cantoras e compositoras, em períodos
diferentes. Para o presente encontro, nos centraremos nas composições, realizadas
no século XXI, da cantora e compositora Bia Ferreira e da banda Filarmônica de Pasár-
gada, respectivamente. Nortearemos nossa análise para as letras das canções, quanto
ao “ser/tornar-se mulher”, questionado por Bia Ferreira, em “Não precisa ser Amélia”
(2019), e quanto ao “ter/possuir” Teresa, revisto pela Filarmônica de Pasárgada, na
composição de Marcelo Segreto, “Ela é dela” (2014).
Revisitar determinadas canções é disputar politicamente o imaginário e a linguagem
na busca pela construção de novos significados, narrativas e caminhos. Quando essas
canções mobilizam categorias de gênero, sexualidade, raça, classe e/ou outros marca-
dores sociais da diferença, que produzem sentido por meio de uma conexão íntima,
estamos diante de categorias que se entrecruzam e devem ser compreendidas como
construções locais, históricas e culturais. É preciso considerar a busca tática e tácita
deste eu-lírico narrativo por desafiar as “imagens controladoras” (COLLINS, 2019) em
que estereótipos abrangentes, como os de gênero (BUTLER, 2019), são utilizados para
justificar a opressão de grupos marginalizados.
Nesse viés, paralelo às questões quanto ao feminismo interseccional, surgem questões
quanto ao próprio fazer cancional (TATIT, 2012) desde a composição, passando pela
(re)interpretação e as performances (VALENTE, 2012), até os contextos sociais dos
períodos em que as músicas foram compostas. O samba de Mário Lago e Ataulfo Alves
reflete a sociedade brasileira da década de 1940? O diálogo de uma suposta rivalidade
entre os intérpretes Dick Farney e Lúcio Alves dá indícios sobre os hábitos de parte
dos cariocas do final dos anos 1950?
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Referências
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Palavras-chave: música e mobilizações sociais; oficina de percussão; Vila Pedreira; EMEB Trindade.
Keywords: musicalization and social mobilization; percussion and rhythm workshops; Vila Pedreira; EMEB
Trindade.
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Fabrício Malaquias-Alves
UFMG
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Pretendemos, neste trabalho, realizar uma análise de obras que tratam sobre o con-
ceito de esquizofonia1 de Schafer (2011). Para tanto, foram pesquisadas obras em
língua portuguesa dos seguintes bancos de dados: Scielo, Capes, Banco de Teses da
USP, Banco de Teses da UNESP e Banco de Teses da UFSCar. Encontramos trinta e
oito (38) textos nos quais apareciam um ou mais dos seguintes termos: esquizofonia,
esquizofonias e esquizonfônico(a). Quanto à data da publicação eles variam desde o
ano 2000 até 2019. As referidas teses, dissertações e artigos foram divididas em cinco
grupos de acordo com o tratamento que deram ao conceito, a saber: neutra, positiva,
negativa, dialética e distorcida. Consideramos neutra quando, no geral, o autor se
referia ao(s) termo(s) de forma predominantemente técnica, isto é, quando as origens e
consequências da esquizofonia eram tratadas como fatos não passíveis de uma análise
seja sociológica, pedagógica ou de qualquer outro tipo. Os textos classificados como
contendo uma abordagem positiva são aqueles que focam nas possibilidades advin-
das do fenômeno esquizofônico, sobretudo a democratização do acesso à diferentes
obras, as possibilidades composicionais e a utilização da gravação como recurso para
a análise musical. Consideramos como tendo uma abordagem negativa as obras que
sublinham os malefícios do fenômeno em questão, elencando os prejuízos tanto na
execução, quanto na apreciação, mas também na composição e no ensino musical.
Classificados como dialéticos são os textos que conceituam a esquizofonia como um
fenômeno decorrente da revolução industrial e elétrica, que apresenta muitos pontos
negativos, mas também alguns potenciais, sobretudo educacionais. Por fim, dois textos
foram classificados como distorcidos, pois trazem uma definição de esquizofonia com
claras falhas de conceituação. Focaremos, nesse recorte, sobre os do tipo distorcido e
do tipo positivo. Agrupamos esses dois tipos de abordagem por, em um universo de
trinta e oito textos, apenas dois corresponderem ao primeiro tipo e um ao segundo.
Consideramos como abordagem distorcidas aquelas que, pela sua descrição do conceito
de esquizofonia e pelos exemplos que trazem, não conseguem demonstrar uma com-
preensão minimamente adequada do conceito. Quanto a positiva, se enquadrou nesse
tipo de abordagem apenas um trabalho, por não fazer concessão às consequências
do fenômeno, considerando-o, de forma ingênua, uma evolução natural e benéfica no
1 Esquizofonia (do grego schizo = partido e phone = voz, som) refere-se à separação, espacial e temporal,
entre o som original e sua reprodução eletroacústica.
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Referências
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Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
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R. Gomes da Silva e Maria Lúcia Pascoal. 2 ed. São Paulo: Ed. Unesp, 2011.
SILVEIRA, Henrique Iwao Jardim da. Colagem musical na música eletrônica experimental. 2012.
Dissertação (Mestrado) — Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
2 O ambiente sonoro. Tecnicamente, qualquer porção do ambiente sonoro vista como um campo de estudos.
3 Forma específica de composição eletroacústica na qual os falantes são utilizados analogamente a
instrumentos musicais.
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WAGNER, Richard . Gesammelte Schriften und Dichtungen. (Band I). Verlag W. Frisssch. [S. l.]:
Elibron Classics series. Adamant Media Corporation, 2005.
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Neste resumo, apresentamos uma parte da discussão que temos realizado em uma
pesquisa de doutorado acerca dos valores do corpo no ensino de canto, tomando como
referência principal a filosofia de Friedrich Nietzsche. Consideramos aqui o ensino de
canto como a atividade de se ensinar alguém a cantar, que acontece de diferentes
formas, seja em aulas individuais ou em grupo, em práticas corais e em diferentes
tradições e contextos musicais. Uma concepção de corpo muito difundida no ensino
de canto é a que o considera um instrumento do cantor. Essa concepção se apresenta,
por um lado, atrelada a um cuidado sobre o corpo que se traduz em noções de higiene
vocal e saúde do corpo e, por outro, a ideia de que o corpo é um instrumento se mos-
tra útil para se pensar os diversos treinamentos que diferentes pedagogias do canto
propõem. Nestes termos, o corpo tem o seu valor na medida em que se adequa o
suficiente para ser útil na tarefa de se cantar bem, segundo os parâmetros estabeleci-
dos pela cultura. Destacamos que quando o valor do corpo está atrelado unicamente
à sua capacidade de produzir, como um instrumento, sons vocais-musicais validados
socialmente, o ensino de canto se aproxima da moral, estabelecendo um caminho
(e não outro) que é o correto e que visa chegar a fins estéticos que não são postos
em questão. Na interpretação que propomos aqui, essa ideia presente no ensino de
canto encontra um paralelo numa das concepções mais antigas acerca do corpo que
é a que o considera um instrumento da alma. Nietzsche propõe algumas perspectivas
acerca da relação corpo e alma que nos possibilitam pensar na relação corpo e cantor
e que problematizam essa concepção instrumental do corpo. Zaratustra propõe que a
“alma é apenas uma palavra para um algo do corpo” (NIETZSCHE, 2018: [1883/85], p.
33). Sendo a alma uma parte do corpo, assim como um braço ou uma perna, ela está
à serviço de um todo maior que é o corpo: “Instrumento de teu corpo é também tua
pequena razão que chamas ‘espírito’, meu irmão, um pequeno instrumento e brinquedo
de tua grande razão” (idem). Aqui Nietzsche/Zaratustra opera uma inversão: não é o
corpo que é um instrumento da alma, mas é a alma que é um instrumento do corpo.
De imediato, assumir esta inversão nietzscheana para se pensar o corpo no ensino
de canto possibilita alguns desdobramentos teóricos e práticos: que o cantor pode
ser considerado um instrumento do corpo; que o corpo não apenas executa um som
vocal comandado pelo cantor, como que fosse um aparelho feito para isso, mas que
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os comandos que envolvem o ato do canto também podem provir do corpo como um
todo; que, para além da sua utilidade como meio para se atingir finalidades estéticas
estabelecidas, o ensino de canto pode ter seu valor como formação humana mais
ampla, contemplando, por exemplo, a experiência de si. Cabe ainda ressaltar que, na
nossa proposta, inverter a hierarquia corpo-cantor não implica anular o conceito ins-
trumental do corpo, mas incluí-lo numa relação de conflito com o seu oposto, conflito
este que pode ser comparado àquele proposto por Nietzsche (2007 [1871]) a partir
dos conceitos de ‘apolíneo e dionisíaco’. Este paralelo com o conflito entre apolíneo e
dionisíaco também tem sido abordado na pesquisa que está sendo desenvolvida. A
inversão aqui apresentada (cantor como instrumento do corpo) não se propõe como
uma verdade, mas sim como uma ficção que tem utilidade pedagógica e artística frente
a formas niilistas de se conceber o corpo no ensino de canto. Conceber o corpo-can-
tor, não como um instrumento, mas como uma pluralidade de impulsos em conflito,
é pensar o canto como o resultado estético de uma tensão de forças. Na abordagem
teórico-pedagógica do canto aqui esboçada, pensamos que o corpo pode ser tomado
como parâmetro de avaliação das metodologias de ensino e suas finalidades: nesta
direção, os contornos musicais estabelecidos pela cultura podem ser postos à prova
frente às pluralidades dos corpos-cantores que desejam cantar. Deste modo, propomos
que ensinar a cantar implica tomar o niilismo e, portanto, a questão dos valores e dos
sentidos da vida humana, como aspectos importantes a serem enfrentados para se
pensar como parte de uma formação humana que aponta para um futuro além da
reprodução homogeneizada dos padrões e que contempla a pluralidade de impulsos
que configura cada corpo-cantor.
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Companhia de Bolso, 2018 [1883/85].
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Palavras-chave: composição musical; escola básica; estética da alteridade; estética sistemática geral.
Key-words: musical composition; elementary school; the asthetics of alterity; general systematic aesthetics.
Tentar enxergar os cinco pontos que a estética sistemática geral oferece para os
demais estudos estéticos (BAKHTIN, 2003, p. 57-84), pode contribuir também no
exercício ético-interpretativo dos textos musicais (BAKHTIN, 2016), como um modo
potente de estudar as obras musicais do cotidiano escolar em seus objetivos didá-
tico-pedagógicos, porém do ponto de vista artístico. “O conceito de estético não
pode ser extraído da obra de arte pela via intuitiva ou empírica: ele será ingênuo,
subjetivo e instável.” (BAKHTIN, 2014, p. 20). Ensinar artes nas escolas impõe a quem
ensina avaliar os trabalhos dos estudantes, pois o objetivo (função social) das escolas
é ensinar os estudantes a pensar de acordo com a herança cultural-simbólica da
humanidade e ao mesmo tempo esta avaliação/valoração ocorre fatalmente em mais
de um domínio. O conteúdo do ensino vai muito além dos objetos culturais: há os
valores a eles atribuídos e estes só podem ser aprendidos em e na relação, na vida.
O texto artístico em qualquer linguagem tem a vida como conteúdo, para seu autor.
Só que o material se impõe. Pensando na música “pura”, que não tem intervenção
de outras linguagens, seja verbal ou visual ou gestual, etc., todo valor é enformado
[sic] pelo som, o qual tem liberdade de determinar um conhecimento externo a ela.
Para Bakhtin (2010), o eu se constitui socialmente com o outro que o recebe na vida
e com ele forma sua cultura, nela formando-se. Portanto eu me formo no olhar — na
avaliação/valoração — do outro para mim durante minha formação e em sua escuta
responsiva a mim em todos os atos da vida. Assim, desde que as necessidades básicas
estejam garantidas, o que mais importa (ou seria bom que assim fosse) é compreen-
der as interações dos indivíduos, as relações nas quais a ciência, a arte, a filosofia
são produzidas como resposta de um indivíduo para e na vida social. Qualquer obra
centralizada nos valores do eu em detrimento do ponto de vista do outro pode não
ser esteticamente produtiva — pode não produzir no contemplador efeitos estéticos
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(BAKHTIN, 2003), pode soar auto-propaganda, por exemplo. Porém a música não lida
em seu conteúdo com “determinação objetal e diferenciação cognitiva” (BAKHTIN, 2014,
p. 20) devido ao seu material essencialmente sonoro: como avaliar a centralidade do
eu e do outro na obra? Como realizar a avaliação da obra quanto aos efeitos estéticos
pretendidos/alcançados? Qualquer estética — na arte ou não — que se baseie na
promoção dos próprios saberes pode se perder no virtuosismo e soar arrogante ou
artificial, maquínica, tanto quanto qualquer discurso que confesse os próprios atos
pode soar auto-exposição/lamentação. Em uma estética da não indiferença ou da
alteridade, fundamentada no ato responsável, Bakhtin (2014) faz uma interpretação
do herói lírico que tem o outro entre seus centros de valores, apresenta cinco pontos
com os quais a “estética sistemática geral” contribui para compreender a arte: (1)
fundamenta a forma artística; (2) estabelece diferenças e articulações dentro e fora da
obra, entre objeto estético e obra exterior; (3) diferencia composição e arquitetônica;
(4) explica a visão estética fora da arte; (5) fundamenta a história da arte (BAKHTIN,
2014, p. 17-27). Proponho finalmente tecer considerações em torno do ponto 3,
diferenciar composição e arquitetônica em um texto musical de um/a estudante. A
origem de qualquer texto é um encontro antecipado com o outro. Na escola este é
um dos papeis do/a professor/a de música: responder ao/a estudante como avalia/
valora sua música, em cuja composição arquiteta um conteúdo, algumas de suas
respostas — e perguntas — à vida.
Referências
BAKHTIN, M. M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN Mikhail. Estética
da Criação Verbal. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 03-192.
BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução: Valdemir Miotello e Carlos
Faracco. São Carlos: João & Pedro, 2010.
BAKHTIN, M. M. O problema do conteúdo, do material e da forma na atividade literária. In:
BAKHTIN, M. M. Tradução: Autora Fornoni et al. Questões de literatura e estética. A teoria do
romance. São Paulo: Huicitec, 2014. p. 211-349.
BAKHTIN, Mikhail. O texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In BAKHTIN,
M. Os gêneros do discurso. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016, p. 71-107.
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A flauta é talvez um dos instrumentos mais antigos da humanidade tendo sido encontrada
em diferentes culturas e continentes e tendo sido construída de diversos materiais como
ossos, metal ou madeira. No entanto, o modelo de chaves criado por Boehm no século
19 é considerado a evolução deste instrumento e, com esta evolução, a flauta se tornou
popular na música de concerto de tradição europeia ganhando um repertório amplo de
diversos compositores. Tal estilo musical é ensinado em conservatórios e possui técnicas
de ensino e aprendizagem que garantem sua existência e manutenção.
Nesta pesquisa de caráter experimental e intuitivo, abordamos a flauta transversal em
um contexto distante deste, onde é possível experimentar performances cênico-mu-
sicais que vão despertando, desenvolvendo, envolvendo um outro estado corpóreo,
perceptivo, sensorial — transformações do/no humano — que estão para além da
música clássica, das salas de concerto, dos conservatórios. Este não se difere apenas
por meio de um repertório improvisativo e inexistente e não se trata apenas de uma
questão de performance musical, mas sim de um contexto humano e cultural, essa
nossa cultura que não é aquela cultura. E este humano outro, denominado aqui de
“corpo ecológico”, vai fortalecendo essa outra performance e propondo outras possibi-
lidades de criação, relação, experimentação que excedem o artístico. Buscar, com isso,
um corpo ecológico, seja na prática artística ou não só é, em resumo, pensar corpos
menos silenciados, mais atentos a seu entorno diverso, menos alienados, mecanizados
e entregues ao capital, “conectando” assim as instâncias ambiental, social e subjetiva,
descritas por Guattari (1990), atentos da importância de uma revolução interna para
lutarmos contra a intensa crise ecológica nestes palcos da vida.
Neste lugar, da performance da vida ultrapassando a performance musical, o corpo
do ator intérprete é só um dos corpos possíveis na cena. A estes corpos há uma
voz mítica: este outro lugar que a voz — o som — chega e comunica (DE CASTRO
MALETTA, 2014). Encontrar termos e definições para estes lugares outros onde chega
a flauta, excedendo o lugar histórico e apolíneo dos palcos de concerto. A flauta,
neste contexto, perde parte de sua aura sacra e se torna objeto cênico, atriz, um
não instrumento musical, numa anti técnica, já que nos encontramos em processos
contínuos de libertação do convencional. A flauta é corpo, também possui história,
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Referências
DE CASTRO MALETTA, Ernani. A dimensão espacial e dionisíaca da voz com base nas propostas
de Francesca Della Monica: resgatando liberdade expressiva e identidade vocal. Urdimento,
Santa Catarina, v. 1, n. 22, p. 39-52, 2014.
FALKEMBACH, Maria F. Dramaturgia do corpo e reinvenção de linguagem: transcriação de
retratos literários de Gertrude Stein na composição do corpo cênico. 2005. 142 f. Dissertação
(Mestrado em Teatro) — Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.
GUATTARI, F. As três ecologias. Tradução: Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas: Papirus, 1990.
HELLER, A. A. Fenomenologia da expressão musical. São Paulo: Letras Contemporâneas, 2006.
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La hipótesis de trabajo es que a través del arte contemporáneo se puede dar cuenta
de la especificidad del cuerpo como medio de apertura al mundo de la percepción.
Se sostiene esto porque gracias a las obras se rompen esquemas dualistas y se abre
otro tipo de espacialidad y temporalidad, unas que cooncectan con el mundo desde
la experiencia originaria. Esto ocurre desde el ámbito de lo prediscursivo porque a
través del logos sensible entramos en contacto con ellas desde nuestra experiencia
propia. Así, a través de la experiencia estética que se da desde el cuerpo propio, con-
cepto central de la filosofía merleaupontiana, se accede al mundo desde la experiencia
directa, antes de cualquier conceptualización o intelectualización y más allá de cualquier
pensamiento de sobrevuelo.
Referencias
FERRER, M. (comp). Grupos, movimientos, tendencias del arte contemporáneo desde 1945.
Buenos Aires: La marca editora, 2010.
GARCÍA, E. Vie et œuvre. In: Merleau-Ponty, M. Maurice Merleau-Ponty. Œuvres. París: Gal-
limard, 2010.
LEFORT, C. Prefacio. In: Merleau-Ponty, M. El ojo y el espíritu. Madrid: Editorial Trotta, 2017.
RAMÍREZ, Mario. La filosofía del quiasmo. México: FCE, 2013.
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Edgar Willems (Bélgica, 1890-1978) e Henri Wallon (França, 1879-1962), foram dois expres-
sivos teóricos que além de terem sido contemporâneos, apresentaram em suas teorias
proposições muito similares. Willems projeta-se na área da educação musical. Wallon,
tem relevância principalmente no campo da psicologia e da educação. Ambos, com suas
pesquisas na área da psicologia e com forte impacto na educação, alinham-se quanto à
visão do desenvolvimento humano ao encarar o homem como um ser integral, onde a
razão, emoção, bem como o corpo, trabalham de forma integrada. Avaliam, portanto,
as dimensões afetiva, cognitiva e motora, estando imbricadas entre si, resultando em
uma ação integradora, afetando diretamente a própria pessoa. Em relação ao presente
trabalho, utilizando-se da pesquisa bibliográfica descritiva, os principais aspectos das
teorias mencionadas são pontuados, pois além de transformarem o pensamento dico-
tômico entre razão e emoção, apresentam a possibilidade de introduzir-se a música
como uma ferramenta eficaz no ensino e desenvolvimento humano. Vale mencionar
que, como resquício do Iluminismo (1620-1798), até meados do século passado, a razão
era fortemente valorizada em detrimento da emoção, sendo que as reflexões a respeito
dos sentimentos e emoções eram mais centradas em uma norma moral de seu controle,
sem a preocupação de entender suas influências na natureza humana. Iniciando-se
por Wallon, este apresenta como um de seus conceitos, a existência dos conjuntos ou
domínios funcionais. Os conjuntos funcionais seriam agrupamentos de funções divididas
de acordo com suas características predominantes que teriam o objetivo de auxiliar
a compreensão do funcionamento psíquico humano. Estariam divididos em quatro
áreas que embora sejam estudadas isoladamente, formam o todo inseparável que é
a pessoa. Primeiramente, encontra-se o conjunto do ato motor, estando relacionado
ao corpo e suas possibilidades de deslocamento no tempo e no espaço, bem como as
reações posturais e o apoio muscular e visceral para que as emoções e os sentimentos
possam ser expressos. O segundo domínio, trata-se do domínio afetivo. Este domínio
apresenta as funções relacionadas às emoções, aos sentimentos e às paixões. Já como
terceiro domínio, tem-se o conjunto cognitivo, onde se englobam inúmeras funções
relacionadas à aquisição e manutenção do conhecimento, seja por meio de imagens,
noções, ideias, ou mesmo por representações. Permite também registrar e reviver o
passado, fixar e analisar o presente e projetar futuros possíveis e imaginários. Como
quarto domínio, Wallon apresenta a pessoa, que expressa a integração em todas as
suas inúmeras possibilidades (ALMEIDA; MAHONEY, 2005). Ainda para Wallon, existe
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uma integração entre os domínios afetivo, cognitivo e motor, sendo o ser humano
integral e integrado em todas as suas dimensões (SUGAHARA, 2016). Ao lado de Wal-
lon, Willems tem como proposta apresentar alguns aspectos da vida que ele considera
idênticos para a música. Ao analisar o todo, Willems apresenta a existência de dois
polos opostos e complementares: o da matéria sonora e o do espírito artístico, onde
em ambos se encerra o desconhecido. Partindo-se do polo material para o polo espiri-
tual, encontram-se a vida física, afetiva e mental da vida humana. Em correspondência,
partindo-se do som, o polo material da música, encontram-se a vida rítmica, a vida
melódica e a vida harmônica, atingindo sua culminância no polo espiritual, que seria
o polo da Arte. Esclarecendo ainda as relações psicológicas estabelecidas por Willems,
pode-se enquadrá-las da seguinte forma: o ritmo, estaria relacionado com o domínio
da vida fisiológica, ou seja, com a ação. A melodia, se relacionaria com o domínio da
vida afetiva, presente no campo da sensibilidade e a harmonia, com a vida mental, no
campo do conhecimento. Rocha complementa que para Willems, existe uma ordenação
hierárquica, não só em relação aos elementos constitutivos da música, mas também
em relação ao cosmos e aos elementos da natureza humana, lembrando, porém,
que a vida é uma totalidade e os princípios da música estão dentro do ser humano.
Daí, conclui que enquanto o ser humano evoluir, a música também evoluirá com ele.
Pode-se concluir que as teorias de Wallon e Willems foram inovadoras e contribuíram
consideravelmente para uma nova visão do desenvolvimento humano, onde razão,
emoção e corpo constituem-se num todo. Pode-se também, ao considerar os conceitos
acima expostos, elevar a música a um patamar onde é possível encará-la como uma
poderosa ferramenta de ensino, pois contribui efetivamente para o desenvolvimento
do ser humano de forma integral.
Referências
MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. Afetividade e processo ensino-aprendizagem: contribuições
de Henri Wallon. Psicologia da Educação, São Paulo, n. 20, p. 11-30, jun., 2005.
ROCHA, C. M. M. Educação Musical - Método Willems. Salvador: Faculdade de Educação da
Bahia, 1990.
SUGAHARA, L. Contribuições da teoria do desenvolvimento de Henri Wallon para pensar a
Educação Musical. Revista Thesis, São Paulo, ano 12, n. 26, p. 24-42, 2016.
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PROGRAMAÇÃO – ESTÉTICAS E EXPERIÊNCIAS SONORAS - SEFIM 2023
Terça-feira - 02/05/23 Quarta-feira - 03/05/23 Quinta-feira - 04/05/23
14h Extended partitions and plastic modalities 19h 16h A pureza é um mito: uma proposta simpoiética
of writing of sound and music para a autoria nas artes
Frederic Mathevet - Sorbonne I - FRANÇA Comunicações de Débora Pazzeto - UDESC - BRASIL
19h Experiência estética, corporeidade e ética trabalhos 19h Estéticas da transdução - em perspectiva
Nadja Hermann – UFRGS - BRASIL transdisciplinar
Francisco Marshall – UFRGS - BRASIL
Terça-feira - 09/05/23 Quarta-feira - 10/05/23 Quinta-feira - 11/05/23
16h O ouvir e o logos 19h 16h O Som do Samba
Lia Tomás - UNESP Bernardo Oliveira - UFRJ
19h Música e imagens nas capas de disco de Comunicações de 19h Representación de una audición extendida en el
Rock brasileiro trabalhos contexto de la convivencia: “El conocimiento
Herom Vargas – UMESP - BRASIL habla, pero la sabiduría escucha” - Jimi Hendrix
Lukas Kühne – UDELAR - URUGUAI
Terça-feira - 16/05/23 Quarta-feira - 17/05/23 Quinta-feira - 18/05/23
14h Ruído - Tom - Sound. Para uma Dialética do 19h 16h Corpos poético-musicais: experiências
Som Musical interativas sobre o tempo, espaço e memória
Dirk Stederoth – UNIKASSEL - ALEMANHA Comunicações de Ana Fridman – USP - BRASIL
19h Situações de escuta e experiências de trabalhos 19h Tener como norte el sur. Reflexiones sobre
infraintrainterespécies de silêncios territorios e identidades de la milonga en Brasil,
Raquel Stolf – UDESC - BRASIL Uruguay y Argentina
Martin Liut – UNQ - ARGENTINA
Terça-feira - 23/05/23 Quarta-feira - 24/05/23 Quinta-feira - 25/05/23
16h A experiência estética da música: o que 19h 16h Banda de Artista_performando o sônico em Artes
Hanslick pode nos ensinar hoje? Visuais
Mário Videira - USP - BRASIL Comunicações de Marion Velasco - Hemispheric Encounters - BRASIL
19h Sônicas e eletrônicas: mulheres e trabalhos 19h A música no contexto do Universo
sonoridades sintéticas Alan Alves Brito - UFRGS - BRASIL
Isabel Nogueira – UFRGS - BRASIL
Terça-feira - 30/05/23
19h Nas trilhas do ouvir: música, emoções e
compreensão
Gerson Trombetta – UPF - BRASIL
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