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R AIMUND O R AJO BAC

O R G ANIZAD O R

ESTÉTICAS
E EXPERIÊNCIAS
SONORAS

ANA I S DO S EF I M , P O RTO A L E G R E, V. 5 , N. 8 , 2 0 2 3
Estéticas
e Experiências
Sonoras
Raimundo Rajobac
Organizador

Porto Alegre - RS
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

S612m Simpósio Internacional de Estética e Filosofia da Música – SEFIM


(3. : 2019 : Porto Alegre, RS)

Música e Filosofia “Linguagens e Sensibilidades” / Raimundo Rajobac,


org. – Porto Alegre : UFRGS, 2019. 258 p.

Realizado de 23 a 25 de setembro de 2019


SEFIM - Simpósio de Estética e Filosofia da Música
ISBN 978-85-9489-191-4

1.Música. 2. Estética. 3. Filosofia. I. Rajobac, Raimundo, org. II. Título.

CDU 78 : 061.3
Bibliotecária: Mara R. B. Machado – CRB-10/1885
IV SIMPÓSIO INTERNACIONAL
DE ESTÉTICA E FILOSOFIA DA MÚSICA
“Estéticas e Experiências Sonoras”

Universidade Federal do Rio Grande do Sul


Maio de 2023
Porto Alegre - RS
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Reitor
Carlos André Bulhões Mendes

Vice-Reitora
Patricia Pranke

Pró-Reitor de Pesquisa
José Antonio Poli de Figueiredo

Vice Pró-Reitor de Pesquisa


Jefferson Cardia Simões

Pró-Reitora de Extensão
Adelina Mezzari

Vice Pró-Reitor de Extensão


Eduardo Cardoso

Diretor do Instituto de Artes


Raimundo Rajobac

Vice-Diretora do Instituto de Artes


Jéssica Araújo Becker

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação


em Artes Visuais – PPGAV/UFRGS
Teresinha Barachini

Coordenadora Substituta do Programa de Pós-Graduação


em Artes Visuais – PPGAV/UFRGS
Niura Aparecida Legramante Ribeiro

Coordenador da Comissão de Pesquisa do Instituto de Artes


João Carlos Machado

Coordenador da Comissão de Extensão do Instituto de Artes


Patrícia Leonardelli

Chefe do Departamento de Música


Camilo da Rosa Simões
Comissão Científica Editoração
Altair Alberto Fávero – UPF Raimundo Rajobac
Amarildo Luiz Trevisan – UFSM Tathiana Jaeger
Angelo Vitório Cenci – UPF Revisão técnica
Antonio Gómez Ramos – UC3M Raimundo Rajobac
Avelino da Rosa Oliveira – UFPel Tathiana Jaeger
Caroline Soares Abreu – UFRGS
Diagramação
Cláudio Almir Dalbosco – UPF
Gráfica da UFRGS
Eloi Fernando Fritsch – UFRGS
Eldon Henrique Mühl – UPF Identidade Visual
Fernando Lewis de Mattos – UFRGS Tamara Viegas

Gerson Luís Trombetta – UPF Site


Gustavo Frosi Benetti – UFRR Rafael Bueno
Hans-Georg Flickinger – UNIKASSEL Raimundo Rajobac
Jose Pedro Boufleuer – UNIJUÍ Tamara Viegas
Julio Herrlein – UFRGS
Núcleo de Comunicação-IA/UFRGS
Lia Vera Tomás – UNESP José Carlos de Azevedo – coordenador
Luiz Carlos Bombassaro – UFRGS
Manuela Toscano – UNL Realização/Apoio
Pró-Reitoria de Pesquisa – UFRGS
Marília Stein – UFRGS
Pró-Reitoria de Extensão – UFRGS
Mário Videira – USP
Instituto de Artes – UFRGS
Marion Velasco – Hemispheric Encounters
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais –
Nadja Mara Amilibia Hermann – PUCRS
PPGAV/UFRGS
Neiva Afonso Oliveira – UFPel Universidade Estadual Paulista – UNESP
Pedro Goergen – UNISO Universidade de Passo Fundo – UPF
Raimundo Rajobac – UFRGS Hemispheric Encounters
Rainer Câmara Patriota – UFOP Grupo de Pesquisa Racionalidade e Formação
Yara Borges Caznok – UNESP Departamento de Música – UFRGS
Comissão Organizadora do III SEFIM
Coordenação Geral
Raimundo Rajobac
Luiz Carlos Bombassaro
Lia Tomás
Gerson Luís Trombetta
Marion Velasco
Grupo de Pesquisa Racionalidade e Formação

Convidados
Alan Alves Brito (UFRGS) – A música no contexto do Universo
Ana Fridman (USP) – Corpos poético-musicais: experiências interativas sobre o tempo,
espaço e memória
Bernardo Oliveira (UFRJ) – O Som do Samba
Débora Pazzeto (UDESC) – A pureza é um mito: uma proposta simpoiética para a autoria
nas artes
Dirk Stederoth (UNIKASSEL) – Geräusch – Ton – Sound. Zur Dialektik des musikalischen Klangs
Francisco Marshall (UFRGS) – Estéticas da transdução – em perspectiva transdisciplinar
Frederic Mathevet (Sorbonne I) – Extended partitions and plastic modalities of writing of
sound and music
Gerson Trombetta (UPF) – Nas trilhas do ouvir: música, emoções e compreensão
Herom Vargas (UMESP) – Música e imagens nas capas de disco de Rock brasileiro
Isabel Nogueira (UFRGS) – Sônicas e eletrônicas: mulheres e sonoridades sintéticas
Lia Tomás (UNESP) – O ouvir e o logos
Lukas Kühne (UDELAR) – Representación de una audición extendida en el contexto de la
convivencia: “El conocimiento habla, pero la sabiduría escucha” – Jimi Hendrix
Mário Videira (USP) – A experiência estética da música: o que Hanslick pode nos ensinar hoje?
Marion Velasco (Hemispheric Encounters) – Banda de Artista performando o sônico em
Artes Visuais
Martín Liut (UNQ) – Tener como norte el sur. Reflexiones sobre territorios e identidades de
la milonga en Brasil, Uruguay y Argentina
Nadja Hermann (UFRGS) – Experiência estética, corporeidade e ética
Raquel Stolf (UDESC) – Situações de escuta e experiências de infraintrainterespécies de silêncios

Local do Evento
Evento virtual.
Sumário

Apresentação13
Autor

I - Estética e Filosofia da Música

A visão dionisíaca do mundo e a metafísica estética em Nietzsche 17


José Santos Gomes Aleff

A música fílmica de concerto: uma noção estética introdutória


do sublime da trilha cinematográfica mundial 19
Ney Alves de Arruda

O Ethos musical segundo Aristóteles: um estudo sobre a obra De Anima21


Gabriel Guerra de Azevedo

Análise musical como crítica imanente em Theodor W. Adorno 23


Thomaz Barreto

O conceito de Música Dionisíaca em Nietzsche 25


Stelio Machado Broseghini

A intuição como um tipo de conhecimento: uma trajetória filosófica


e sua pertinência musical 27
Renato Cardoso

Descartes e a temporalidade musical 29


Tiago de Lima Castro

Nzo Kyloatala Bantu: características, flexibilizações e sentido existencial


na musicalidade do candomblé kongo angola  31
Rafael Y Castro

Música, filosofia e neurociência: um estudo a partir de Nietzsche


e Oliver Sacks 33
Elias Jardim Cobra

Tópicos sobre a estética de Aristóteles 35


Marcelo da Silva Fabres, Sérgio Ricardo Strefling

Descartes e o Barroco: a ideia de movimento no Compendium Musicae 37


Fabrício Fortes

Poesia Concreta: da vanguarda poética à música popular 39


Guilherme de Azevedo Granato
Música contemporânea de concerto, fetichismo na música
e a indústria cultural: algumas aproximações possíveis 41
Eduardo Hiroshi Yamaguchi Kume

A contradição entre música ocidental de concerto e a música


da indústria cultural: progresso e regresso
da audição em Schoenberg e Adorno 43
Adriano Bueno Kurle 

Schopenhauer, Titãs e as Flores: alegria triste e tristeza feliz numa


música suicida 45
Wudson Marcos Sena de Lima

Os limites da composição nos escritos musicais de Theodor Adorno


sobre John Cage 47
Sofia Andrade Machado

Indicadores epistemológicos da música do Grupo Indígena As Karuana 49


Michel Albuquerque Maciel

O conteúdo da música na Estética de Hegel  51


Danielton Campos Melonio, Nertan Dias Silva Maia

Kant e a Fantasia livre 53


Danielton Campos Melonio, Nertan Dias Silva Maia

Breve introdução à Mímesis (L. Costa Lima) como conceito


fundacional de uma teoria geral da música 55
Ricardo Athaide Mitidieri

Música e subjetividade em Hegel e Adorno 57


Pablo de Morais

Máquinas abstratas, COVID-19 e forças não sonoras 59


Artur Miranda Azzi, João Pedro Morales

Da ideia do Coro Grego à Orquestra(ção) em Wagner 61


Marcus santos Mota

Ecomusicologia Prática: poéticas interespécies através


da Zoossemiótica e Zoomusicologia  62
Gustavo de Barcellos Müzell, Fernando Gualda

Epistemologia e autonomia musical: diferindo conceitos


e ideias musicias 65
Ricardo Nachmanowicz

O som e a música: questões sobre o material musical


em Theodor Adorno 67
Jorge Roberto Costa Passos
Claudia Colombati: Percorsi Storici-Estetici nella Musica
tra Ottocento e Novecento  69
Mayra Stela Dunin Pedrosa

Entre Nacionalismos: comparação dos ditames estéticos


no desenvolvimento do nacionalismo brasileiro e estadunidense 71
Eder Wilker Borges Pena

Crítica à estética adorniana em seus aspectos relacionáveis


à valoração da obra musical popular 73
Renato Barros Pinto

Physical properties of works of music in the composer’s brain 75


Erick Ramalho

A ideia do clássico-musical em Carl Dahlhaus 77


Reginaldo Rodrigues Raposo

Canção popular como agitação máxima de correntes dionisíacas


no jovem Nietzsche 79
André Pinheiro Dos Santos

Adorno em Darmstadt: organicidade, subjetividade frente


ao problema da forma no ensaio Forma na nova música 81
Lucas de Assis S. Santos, Demétrius Alexandre de Souza

O ethos e o aspecto dos objetos  83


José Eduardo Costa Silva

O canto musal: uma dialética do lógos 85


Samuel da Silva

A realização do som: recordação musical na estética hegeliana 87


Kaique Gonçalves Silva

O lugar da música na divisão kantiana das belas artes 89


Demétrius Alexandre da Silva Souza

A arte imitativa e a valorização da música na República de Platão 91


Sérgio Ricardo Strefling

A propósito da ideia de que a arte nos permite pensar para além


das palavras 93
Daniel Temp

Ritmo o principal auxiliar da arte poética na filosofia


de Arthur Schopenhauer 95
Caio Miguel Viante

A crítica de Roman Ingarden à abordagem psicologista de obra musical 97


Glaucio Adriano Zangheri
II - Atravessamentos: poéticas, criações, linguagens, ensaios, experimentações

Complexidade informativa e as funções de valorização pré-musical


das alturas de Henri Pousseur 101
Vinicius Siqueira Baldaia

As noções de autonomia da música e de hibridação no álbum


audiovisual Terra Fértil, do Rédea Solta 103
Arthur Zucchi Boscato

Filosofia em campo: sons negros na cidade branca 105


Natacha López Gallucci

Quarentena: eu habito uma sala. Ela me habita 107


Henrique Iwao Jardim da Silveira

A modulação em anel: tecnomorfismo e estetica 109


Yuri Behr Kimizuka

Ubimus doméstica, criatividade musical cotidiana algorítmica


e conflitos sociais na Amazônia urbana: O mergulhão e A caixa d’água 111
Marcello Messina, Luzilei Aliel, Damián Keller, Ivan Simurra

Povo Pequenino: e Fado Bicha no Festival da Canção 2022 113


Caio Felipe Gonçalves Mourão

Narrativa sonora em Cadão Volpato 115


Abraão Carvalho Nogueira

Durazano sangrando e um mandril pensando en Dios. Agência,


metafísica e animismo na obra poético-musical de Luis Alberto Spinetta  117
Alexandre Peres de Lima

Ópera na Escola – Visitação de Sansão e Dalila – O fortalecimento


de uma experiência educativa e cultural 119
António Júlio Rebelo

O Fusion em Mom’s Patience de Paulo Schroeber 121


Nathalia Lima Silva

Dança para Oyá: signos estéticos em processo de montagem e encenação 123


Maicom Souza e Silva, Doriedison Coutinho de Sant’Ana

A milonga como memória cultural do negro no Pampa 125


Jucelino Viçosa de Viçosa

Glossolalia em games: um estudo sobre a estética sonora de idiomas


fictícios em jogos digitais 127
Vinicius Yglesias, José Fornari
III - Experiências estéticas, artes, música, linguagens, educação

Educação Musical na FUNDARTE: Uma possibilidade epistemológica 131


Bruno Felix da Costa Almeida, Sandra Regina Simonis Richter

Temas candentes da pesquisa sobre formação de professores


de música nos últimos anos 133
Adilson de Souza Borges

A dimensão estética da formação de professores: experiências


que constituem o (ser) humano135
Tamara Insauriaga Bueno, Maiane Liana Hatschbach Ourique

Linguagem e investigação musical em Joaquin Turina (1882-1949) 137


Laira Campos

Cidade educadora e estética: um olhar para a ressignificação


de práticas pedagógico-musicais 139
Risaelma de Jesus Arcanjo Moura Cordeiro

Educação musical e estética: um despertar pedagógico  141


Jefferson Cordeiro

A linguagem do beat no bit: Elucubrações sobre a criação musical no


computador, pirataria, software livre e Hip Hop 143
Júlio César de Sousa, Flávio Luiz Schiavoni

Nova-mente: campo expandido, performance e autoria


em rede na obra de Koellreutter 145
Antonio Herci Ferreira Júnior, Edson Leite

Abraçando as incertezas: inventando marmotas na universidade 147


Rita Helena Sousa Ferreira Gomes, Érica Atem Gonçalves de Araújo Costa

Só enquanto eu respirar: expressões do amor e da morte nas canções


d’O Teatro Mágico 149
Jéssica Klimaczewsky

O ser e o ter: Amélia e Teresa revisitadas na canção popular brasileira 151


Estefânia Francis Lopes

Tempos de Escutar: Percussões e aprendizados musicais com base


na cultura moçambicana 153
Ronaldo Silva Lopes

Música para e com as crianças: confluência das artes e Educação Infantil 155
Fabrício Malaquias-Alves
O processo de musicalização na Educação Básica à luz da Psicologia
Histórico-Cultural e da Pedagogia Histórico-Crítica 157
Ana Beatriz Buoso Marcelino

Esquizofonia: um estado da arte 159


Marcelo Haack Marcos

Autobiographische Skizze - A formação estética do indivíduo Wagner


em relação à teoria vygotskyana no desenvolvimento humano 161
Lenara Abreu de Mattos

O corpo como valor para o ensino de canto 163


Rafael Prim Meurer, Sérgio Luiz Ferreira de Figueiredo

A construção dos efeitos de sentido em We are only in for the money


de Frank Zappa 165
Guilherme Pezzente Pinto

Clareza e expressão: investigando o papel da articulação nas práticas


interpretativas dos séculos XVIII e XIX 167
Laís Mendonça dos Reis, Eduardo Henrique Soares Monteiro

Trilhas Formativas em Artes Integradas: uma reflexão sobre


a Formação-Ação com Professores da Educação Básica 169
Bruno Felix da Costa Almeida, Sandra Mara Rhoden

Criação audiovisual coletiva: prática interdisciplinar de estratégias


pedagógicas para construção ativa do conhecimento  171
Luís Claudio Pires Seixas

Interpretação estética do/a professor/a sobre a obra musical


dos estudantes na escola básica: cinco pontos da estética
sistemática geral na perspectiva bakhtiniana 173
Liana Arrais Serodio, Guilherme do Val Toledo Prado

A flauta nos mitos, os mitos na flauta 175


Cleisson José Dias da Silva, Flávio Luiz Schiavoni

La experiencia estética en el arte contemporáneo: una aproximación


desde el pensamiento de Maurice Merleau-Ponty 177
Andrea Sophia Tellez Salazar

Willems e Wallon: a música e a integralidade do ser  179


Rejane do Nascimento Tofoli
Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Apresentação

Este número dos Anais do SEFIM apresenta os resumos submetidos à quarta edição do
evento com realização prevista para agosto de 2022, porém adiado para maio de 2023.
Em formato virtual o evento realizou-se durante todo o mês de maio com atividades
nas terças, quartas e quintas feiras, incluindo conferências principais e apresentação
de trabalhos. Em sua segunda edição internacional, o IV Simpósio Internacional de
Estética e Filosofia da Música ampliou suas discussões às fronteiras das experiencias
sonoras assumindo a temática estéticas e experiências sonoras. O evento reúne pes-
quisadores, profissionais, professores e estudantes da Graduação e Pós-Graduação do
Brasil e outros países, os quais, ao tomarem a experiência do sonoro como dimensão
norteadora, favorecem o debate interdisciplinar, pondo em foco perspectivas estéticas,
filosóficas, históricas, formativas e sonoras. Desde 2013 e edições posteriores, 2016 e
2019, os debates desvelados aprofundaram refletida e criticamente os mais diversos
problemas a serem enfrentados nas investigações entre estética, música, filosofia,
história e formação; de modo a nos conduzir de forma atualizada às exigências que
se apresentam a partir das estéticas e experiências sonoras que permeiam as diversas
tradições e a contemporaneidade. A expansão destas questões nos confronta com o
que nos interpela na diversidade e pluralidade de estéticas e sonoridades, bem como
o papel epistemológico que se aprende, principalmente quando o problema do sonoro
nos põe na fronteira desafiadora das linguagens das artes. Por fim, convidamos para a
leitura atenta dos temas que se seguem. O conjunto das questões aqui apresentadas
contribui de forma significativa para atentarmos aos sentidos possíveis a partir dos
quais se articulam estéticas e experiências sonoras.

Raimundo Rajobac

13
estétic a
e filosofia
da músic a
Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

A visão dionisíaca do mundo


e a metafísica estética em Nietzsche
The dionysian view of the world
and the aesthetic metaphysics in Nietzsche

Palavras-chave: Nietzsche; tragédia; estética; dionisíaco; apolíneo.


Keywords: Nietzsche; tragedy; aesthetics; dionysian; apollonian.

José Santos Gomes Aleff


UNICAP

O presente trabalho tem por objetivo a análise do texto “A Visão Dionisíaca do Mundo”
do filósofo Friedrich Nietzsche, texto escrito em 1870, entendido como preparatória
para “O Nascimento da Tragédia” que data o ano de 1872. Nossa análise visa explicitar
os elementos artísticos, entendido como impulsos da natureza. Apolíneo, elementos
figurativos e dionisíaco, não-figurativos (música), que sempre emparelhado e em luta
constante possibilitam criações sempre novas. Assumem assim, na metafisica estética
nietzschiano o estado fisiológico de onde o fazer artista é retirado, entretanto, quando
unido dão origem ao que conhecemos trágico-cômico.
Desta forma, o impulso apolíneo pode ser entendido como estado fisiólogo, uma força
que leva ao sonho que é representado no deus Apolo como símbolo para tal estado.
É do sonho, entendido como jogo do homem individual faz com o real, onde o artista
apolíneo cria sua arte, pois é do mundo apolíneo de onde brota a totalidade da arte
plástica e de parte da poesia. O deus Apolo era cultuado como deus sol que dá forma
ao caos originário, medida e a aparência que ilumina todas as criaturas, sendo o res-
ponsável pelo principium individuationis. Já Dionísio o deus que rompe com o principium
individuationis, é simbolizado com deus despedaçado, que traz a unidade e a volta a
natureza originária através do estado extático causado pela chegada da primavera
ou em um estado análogo a embriaguez e posteriormente o desfalecimento de si; se
o artista apolíneo é o jogo do homem com o sonho de onde retira as imagens, o criar
do artista dionisíaco é o jogo do homem com a embriaguez.
Os cultos a Dionísio ao irromper as fronteiras da Grécia trazem consigo a desmedida
o excesso desenfreado da liberdade sexual, da bebedeira de vinho leva ao esqueci-
mento de si e o desfalecimento; após a passagem do efeito letárgico a retomada de
consciência, a volta a cotidianidade, não mais se podia deixar enganar pela aparência
luminosa que aí refletia dos deuses olímpicos, logo era percebido o horrível, absurdo
humano; este sentimento fora o limiar do perigo para a serenidade helênica.
Mas diferente dos povos bárbaros, os gregos contavam com Apolo, deus solar, que
durante longo período, enreda Dionísio em “sua teia” e o apaziguamento desse deus,
pelo bálsamo curativo apolíneo, age num movimento de reconciliação que só é possível
em um campo intermediário aonde o sublime como sujeição artística ao horrível e

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

o ridículo como descarga artística da repugnância do absurdo. Destes dois conceitos


que são sentidos a contradição é desse mundo intermediário da beleza e verdade, a
verossimilhança, é possível a união entre Apolo e Dionísio que possibilita surgimento
da tragédia ática.
Desta forma o trabalho será dividido da seguinte maneira: trataremos do texto “A visão
dionisíaca de mundo” analisando o irromper dos cultos bárbaros dionisíacos na Grécia;
posteriormente, os perigos que fora representado a medida apolínia, a união desses
impulsos artísticos (sonho e embriaguez), e os elementos necessário para criação da
arte trágica, explicitando as características desses elementos como uma metafisica
estética nietzschiana.

Referências
DIAS, R. Nietzsche e a música. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
MACHADO, R. (org.). Nietzsche e a polêmica sobre O Nascimento da Tragédia. Rio de Janeiro:
Zahar, 2005.
NIETZSCHE, F. A visão dionisíaca do mundo e outros textos de juventude. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.
NIETZSCHE, F. O Nascimento da tragédia. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
SILVA, M. As mutações de Dioniso em Nietzsche: da visão dionisíaca de mundo ao gênio do
coração. 2018. Tese (Doutorado em Filosofia) – Departamento de Filosofia, Puc-Rio, Rio de
Janeiro, 2018.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

A música fílmica de concerto: uma noção estética


introdutória do sublime da trilha cinematográfica
mundial
The concert film music: an introductory aesthetic notion
of the sublime of the world cinematographic score

Palavras-Chave: conceito; estética; música; filme; concerto.


Keywords: concept; aesthetic; music; film; concert.

Ney Alves de Arruda


UFMT

Há algum tempo que os conceitos estéticos na arte dos sons vêm sofrendo uma relativa
expansão vernacular em sua tipologia tradicional. Desde os consagrados jargões em
uso por incontáveis gerações tais como: música de câmara, música sinfônica e música
clássica, já houve orquestras que em seus programas de concerto, acunharam uma
concisa expressão em torno da ideia de: “música brasileira de concerto”. Isto para alcan-
çar distinguindo os compositores eruditos brasileiros que são tocados na Europa, Ásia
e Estados Unidos como Lorenzo Fernandez, Villa-Lobos, Almeida Prado, Ernani Aguiar,
entre outros. É de se crer que esse alargamento conceitual não ocasione prejuízos de
nomenclatura. Ao contrário, quiçá até venha a beneficiar a pedagogia classificatória
de termos linguísticos no âmbito das bordas definidoras da estética da música como
fenômeno humano sonoro.
Ao lado dos grandes mestres como Telemann e Rameau que são tidos como expoen-
tes da música barroca, ou ilustres compositores como Mozart e Haydn que ajudaram
com seu estilo e obras a consolidar o uso de termos como a música do classicismo.
Ou ainda, notáveis autores como Schumann e Chopin que nos legaram a era dos
românticos — o marco histórico do tempo vivido nos apresenta essas oportunidades
de conhecer e compartilhar do consenso cultural acerca de terminologias favoráveis
ao entendimento conceitual rumo à educação musical da juventude.
Com efeito, a proposta expressão: “música fílmica de concerto” é uma noção estética na
qual se medita neste momento, procurando pontilhar suas possíveis raias paradigmáticas.
Para investigar acerca dessa cabível terminologia, pode-se buscar o desenvolvimento de
determinadas características que a materializem preliminarmente, desprendendo-a de
uma singela idealização. Quem sabe, possamos pensar sobre aquela trilha sonora de um
filme especial, que após ser assistido na grande tela do cinema. Resultou por despertar o
desejo dos incorrigíveis colecionistas cinéfilos, que optaram pela aquisição do DVD desse
filme — imaginem —, em plena desestimuladora era da TV on demand ou streaming.
Porém, pensemos para além do DVD desse filme tão interessante em sua música fílmica.
Que inclusive o mercado fonográfico mundial tenha-o lançado também na forma de
compact disc (os queridos CDs). Realmente, estamos por conhecer um melômano da

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

música clássica que não tenha em sua discoteca particular, excepcionais álbuns contendo
trilhas cinematográficas históricas de filmes marcantes. Muitos, igualmente, relançados
em novas edições em long-play, o fidelíssimo LP e seu nostálgico retorno analógico.
O caro leitor, talvez já tenha em mente alguns exemplos de filmes que aguçaram
sua própria vida de amante da 7.ª Arte! Ou seja, longas-metragens que assinalaram
momentos, épocas, especialmente por suas respectivas trilhas musicais. No entanto,
avancemos na modelagem da noção estética sob argumentação, no sentido de que se
versa acerca de obras completas no formato de: suítes orquestrais, aberturas virtuo-
sísticas, breves peças avulsas de solo e poemas sinfônicos, compostos exclusivamente
para filmes que conquistaram públicos no século XX e seguiram rompendo a fronteira
do tempo arrebatando os musicófilos do século XXI.
Sim, constituem magnânimas criações sinfônicas que ganharam a audiência das melho-
res salas de concerto do mundo. Sendo com entusiasmo apresentadas por orquestras
impecáveis, à exemplo da Berliner Philharmoniker, a Deutche Radio Philharmonie ou a
Orquestra Sinfônica da Rádio de Viena e sua aclamada e multiforme performance sinfô-
nica denominada Hollywood in Viena (TOMEK, 2022). Onde grandes clássicos da música
do cinema como os compositores John Williams, Bernard Hermann (MARTINO, 2020,
p. 21), Nino Rota, Henry Mancini (MÁXIMO, 2003, p. 319), Miklos Rozsa (BERCHMANS,
2006, p. 114), Ennio Morricone (ALVARENGA, 2011, p. 204), Alfred Newman (etc), são
interpretados, rememorando filmes campeões de bilheteria.
Eis, previamente para o debate, a noção estética de “música fílmica de concerto”, aqui
compreendida como sendo trilhas sonoras que atingiram o ideal do belo, da sublime
qualidade do ponto de vista técnico-musical. Que se transformaram, ao longo de
várias décadas, em aclamadas orquestrações como obras sinfônicas para específicos
programas e ciclos temáticos fílmicos. Séries de apresentações inteiras executadas
com toda a disciplina interpretativa e ritualística de concertos, dignos de serem dedi-
cados à Bach, Beethoven, Brahms, Stravinsky, Ravel, Shostakovich, entre tantos outros
Mestres da Música!

Referências
ALVARENGA, Márcio. 25 anos do programa a música do cinema: as 101 melhores trilhas.
Uberlândia: Editora da Universidade Federal de Uberlândia, 2011.
BERCHMANS, Tony. A música do filme: tudo o que você gostaria de saber sobre a música do
cinema. São Paulo: Escrituras Editora, 2006.
MARTINO, Guilherme de. Trilhas sonoras: a música do cinema em 100 compositores. Joinville:
Clube de Autores, 2020.
MÁXIMO, João. A música do cinema: os 100 primeiros anos. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
TOMEK, Sandra. Film Music Gala Concert “Hollywood in Viena”. Vienna: Festival der Filmmusik,
2022. Disponível em: http://www.hollywoodinvienna.com/en/people/sandra-tomek. Acesso
em: 20 abr. 2022.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

O Ethos musical segundo Aristóteles:


um estudo sobre a obra De Anima
The musical Ethos according to Aristotle:
a study on the work The Anima

Palavras-chave: Ethos musical; alma; Aristóteles; filosofia da música.


Keywords: musical Ethos; soul; Aristotle; musical phylosophy.

Gabriel Guerra de Azevedo


UFES

Originalmente contemplado por filósofos da antiguidade clássica como Platão e Aris-


tóteles, o conceito de um Ethos musical ainda tem sido abordado por diversos autores
na contemporaneidade em função de sua relevância para descrever elementos que
permeiam o fazer musical. A partir desta concepção, tais filósofos gregos entendiam
que a música assumiria, para além do lugar do mero entretenimento, uma série de
implicações sobre os sujeitos que compreenderiam desde o desenvolvimento saudável
da alma à formação de seu caráter individual dentro de uma dada sociedade.
Especificamente no que tange aos escritos de Aristóteles, cabe considerar que embora
tenha sido apenas introdutoriamente abordado na Ética a Nicômaco, na Retórica, e
no Livro VIII da Política, a ideia de um Ethos musical possui interlocução com diversas
outras temáticas dentro de sua filosofia. Neste ponto, destacam-se suas disposições
acerca do tema da alma que estão contempladas em sua obra De Anima, na qual o
autor discute questões que tratam de sua natureza e que parecem estar intimamente
relacionadas à sua discussão acerca do Ethos musical.
Deste modo, a proposta de trabalho que aqui se apresenta é parte integrante de
uma pesquisa de iniciação científica em andamento, pela qual se pretende investi-
gar a relação entre os constructos do Ethos musical e da alma a partir dos escritos
de Aristóteles, observando a maneira como a música e a alma se associam e/ou
influenciam, entendendo esta “alma” como uma espécie de princípio vital, conforme
sugerem os demais autores contemporâneos com quem aqui se pretende estabe-
lecer diálogo. Em outras palavras, caberia aqui a compreensão do entendimento de
Aristóteles sobre o modo como a música influi sobre a alma (e vice-versa) bem como
da maneira como estas se interrelacionam e se apresentam na vida e no fazer do
sujeito-músico. Adicionalmente, após o exame extensivo dos conceitos sob os quais
objetiva-se inquirir, pretende-se realizar uma discussão de tais elementos sobre
uma obra musical em específico — a bem dizer, Gaúcho Corta-jaca, da compositora
brasileira Chiquinha Gonzaga — a título de exemplificação.
A partir da leitura do De Anima e de textos de autores que se debruçam sobre estes
temas, evidenciou-se que dentro da filosofia aristotélica a música assume essencial-
mente três funções em relação à alma: a da pedagogia, a do entretenimento e a da

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catarse. Observando primeiramente à associação mais corrente do Ethos musical aos


chamados “modos eclesiásticos”, é possível verificar claramente a função pedagógica
da música. Sobre esta dimensão, constata-se um caráter prescricional da música
como fundamento da educação do Estado. Sob este viés, é evidente a compreensão
de Aristóteles — também compartilhada por Platão — de que os diferentes modos
evocariam por sua vez diferentes estados de espírito, e teriam, assim, efeitos constru-
tivos (ou destrutivos) sobre o caráter dos sujeitos. A partir disso derivaria a corrente
compreensão de que a música poderia contribuir não somente à educação, mas ao
fortalecimento da alma dos indivíduos como um todo. Tornando-se cada vez mais aptos
à vida pública pelo emprego adequado da música, de forma desejável, tais sujeitos
também desenvolveriam melhores compreensões acerca dos campos da política, da
ética e da estética. No que diz respeito à função recreativa da música, Aristóteles tam-
bém destaca sua importância, propondo que esta deveria ser, sobretudo, disposta aos
mais jovens nos períodos ociosos entre as atividades formativas, a fim de funcionar
como boa diversão e produzir o relaxamento demandado após a execução de um
árduo trabalho. Por último, considerando a função catártica nesta tripla configuração,
dispõe-se que, sob a perspectiva aristotélica, a música poderia agir sobre a alma de
forma a remediá-la, ou ainda, purificá-la.
Dessa forma, foi possível perceber que a conceituação de um Ethos musical estabelece
intersecção com as vicissitudes da alma descritas no De Anima. A compreensão destes
conceitos nos permite inferir que música possui uma importante zona de interinfluência
para com a alma — isto é, onde uma influi sobre a outra —, ambas atuando sobre o
sujeito em suas atividades musicais: desde a construção de seu caráter, à produção
dos efeitos pela música nos demais indivíduos ouvintes.

Referências
ARISTÓTELES. De Anima – Livros I, II, III. Apresentação, tradução e notas de Maria Cecília
Gomes dos Reis. São Paulo: Editora 34, 2006.
ARISTÓTELES. Política. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1990.
PORTUGAL, T. P.; CORREA, A. F. O conceito de ethos na música da Antiguidade Clássica
grega. Orfeu, Florianópolis, v. 2, n. 1, p. 203-225, 2017.
ROCHA JÚNIOR, R. A. da. Música e Filosofia em Platão e Aristóteles. Discurso, [S. l.], n. 37, p. 29-54,
2007.
SILVA, José Eduardo Costa. Fundamentos filosóficos para a Doutrina do Ethos musical. Opus,
[S. l.], v. 25, n. 3, p. 110-132, set./dez. 2019.

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Análise musical como crítica imanente


em Theodor W. Adorno
Musical analysis as immanent critique in Theodor W. Adorno

Palavras-chave: Adorno; estética; análise musical; crítica imanente.


Keywords: Adorno; aesthetic;, musical analysis; immanent critique.

Thomaz Barreto
UNESP

O presente trabalho propõe uma leitura das considerações do filósofo alemão Theo-
dor W. Adorno sobre análise musical como uma proposta de crítica imanente da obra
musical, partindo do modelo exposto por G. W. F. Hegel na introdução da “Fenome-
nologia do Espírito”. Tal leitura se demonstra possível em virtude do cerne histórico
do conceito adorniano de material musical, que estaria apto a operar como a versão
musical do critério que, no caso da consciência em Hegel, fundamenta a ciência da
Fenomenologia do Espírito: (§84) “A consciência fornece, em si mesma, sua própria
medida; motivo pelo qual a investigação se torna uma comparação de si consigo
mesma” (HEGEL, 2014, p. 76).
Posto que, em Adorno, a análise musical se dá “em um processo composicional por
assim dizer inverso, desenvolvido a partir do resultado” (ADORNO, 2010, p. 96) e,
“enquanto destruição dessa aparência [de seu ser absolutamente configurado], a
análise é crítica” (ADORNO, 2010, p. 99), o seu critério é, pois, o próprio critério que
seu objeto lhe fornece, e que ao mesmo tempo lhe é próprio na medida em que ela
participa do mesmo como momento essencial. Sendo a apreensão do movimento
próprio da música, a análise pode ser entendida como suprassunção da contradição
entre aparência e essência na obra musical.
Esse movimento interno da obra, enquanto um equilíbrio em devir, se liga a uma con-
cepção sui generis em que, segundo Verlaine Freitas, “a historicidade da arte é tomada
como imanente a ela, como um caráter processual [Prozeßcharakter] constitutivo da
identidade da obra como arte” (FREITAS, 2013, p. 166) — e o nome desse substrato his-
tórico é material musical, enquanto cristalização da contradição entre a obra particular
e o todo da tradição. Ao mesmo tempo que ele só existe nas obras, não se resume a
elas. Contudo, também não é somente o não ser da obra, que no caso, seria a tradição
dada: é sua suprassunção, nem só a obra particular nem só o todo da tradição — a
reflexão de uma na outra vice versa, o ponto de inflexão entre as duas.
Na concepção adorniana, pois, o ponto não é apenas que a análise não deve se
remeter a critérios exteriores à materialidade da obra para sua compreensão, mas,
contraintuitivamente, que a análise deve compreender a obra de arte para além de
sua coisidade enquanto artefato. Para melhor entender tal imbricamento, há de se
considerar que, segundo Adorno, “A estética não tem de escamotear os conceitos.”

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(ADORNO, 2008, p. 274), mas justamente “Nela é preciso libertar estes da sua exte-
rioridade em relação a coisa e transpô-los para ela” (ADORNO, 2008, p. 274). Tal seria
o núcleo dialético da análise musical: não elevar a significação da obra musical a um
plano transcendental, tampouco perder a mesma tratando a obra como um mero jogo
de formas, esvaziado de espírito, mas sim encontrar ali na pura imanência da obra
como ela supera a si mesma.
É aqui que o papel da noção de material musical assume sua plena envergadura: na
medida em que os materiais não são neutros e cada formulação do material é por si
só histórica, não só positivamente ligada a um ponto da história, mas negativamente
articulada enquanto perguntas não resolvidas do ponto de vista técnico — cada
ponto do material é negação determinada do anterior — a maneira como cada obra
particular orbita, interage e simultaneamente reformula o material musical pode ser
entendido como o critério para sua análise. Ou, como coloca Jorge de Almeida, “ao se
subordinar ao conceito de ‘consistência’, o material fundamenta a determinação do
‘teor de verdade’ da obra singular” (ALMEIDA, 2007, p. 289).
Enquanto para os compositores a situação do seu material é algo que aparece como
dado, tal qual o em-si da consciência só aparece como objeto, para-nós ele aparece
como movimento. A tarefa da análise, enquanto crítica, se mostra aqui, pois, tanto
como a avaliação da consistência da obra em relação a seu material — a ser traçado
da matriz hegeliana da discussão sobre parte e todo — quanto em elevar o saber da
obra ao nível da consciência ou “para-nós”, ou seja, compreendê-la esteticamente.

Referências
ADORNO, Theodor W.. Teoria estética. Lisboa: Edições 70, 2008.
ADORNO, Theodor W.. Berg, o mestre da transição mínima. São Paulo: Editora UNESP, 2010.
ALMEIDA, Jorge de. Crítica dialética em Theodor Adorno: música e verdade nos anos vinte.
São Paulo: Ateliê Editorial, 2007
FREITAS, Verlaine. Arte moderna como historicamente sublime. Kriterion, Belo Hori-
zonte, v. 54, n. 127, p. 157-176, jun., 2013. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0100-
512X2013000100009. Acesso em: 15 abr. 2022. 
HEGEL, Georg Wilhelm. Fenomenologia do espírito. Petrópolis: Vozes, 2014.

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O conceito de Música Dionisíaca em Nietzsche


Nietzsche’s Concept of Dyonisian Music

Palavras-chave: Nietzsche; Música Dionisíaca; apolíneo; dionisíaco.


Keywords: Nietzsche; Dyonisian Music; apollonian; dyonisian.

Stelio Machado Broseghini


UFES

A arte na obra de Nietzsche e, particularmente a música, é um tema que interessa


tanto estudantes de filosofia quanto os músicos propriamente ditos. De tal modo,
entender a importância dada à música nos escritos desse filósofo parte da tentativa
de compreensão do que seja a própria música para Nietzsche, tarefa que se inicia nos
estudos de seus primeiros textos sobre a Tragédia e as artes na Grécia antiga.
O estudo proposto, faz parte de uma pesquisa de iniciação cientifica em processo de
andamento na graduação e da articulação de uma futura pesquisa na pós-graduação,
tendo como objetivo investigar o conceito de Música Dionisíaca no pensamento de
Friedrich Nietzsche. Através do estudo de como este filósofo concebe a arte, e em
especial a música, busca-se identificar e problematizar os elementos constituintes desse
conceito. Por meio dos seus fundamentos filosóficos e das referências que Nietzsche
faz sobre a música prática, procura-se referenciar e contextualizar o conceito de Música
Dionisíaca, através de uma espécie de genealogia do mesmo.
No início de sua produção intelectual, Nietzsche pensa a arte através de dois
princípios, o apolíneo e o dionisíaco, que estariam presentes na natureza. A forma
como o filósofo idealiza os gregos antigos e interpreta a Tragédia se dá através da
dualidade entre estes dois princípios, que representam uma oposição de estilos. O
Apolíneo é ligado às artes plásticas e da criação de imagens, enquanto o Dionisíaco
à Música; da mesma forma esses dois princípios também são representados pelos
estados de sonho e embriaguez.
O Princípio Apolíneo é pensado com base no Princípio de individuação schopenhaue-
riano, e para Nietzsche, é através deste que o grego cria sua noção de individualidade
e também uma justificação para a vida. A arte Apolínea torna suportável o sofrimento
e o pessimismo do mundo através de uma ilusão, que é o Princípio de Individuação,
funcionando como um véu protetor. Já o Dionisíaco, ligado à totalidade e ao universal,
provoca a aniquilação do princípio de individuação, pois é um saber que aniquila a
vida e aceita o lado sombrio da existência. Enquanto o Apolíneo está ligado com a
aparência, a medida e a subjetividade, o estado de embriaguez causado pelo Dioni-
síaco é provedor de um esquecimento de si mesmo, e de uma união com a natureza.
Contudo, é possível se passar de um conceito de Princípio Dionisíaco para o de Música
Dionisíaca? E, como se deve caracterizá-la? Em seus primeiros escritos sobre o assunto,
Nietzsche faz menção a uma música de caráter apolíneo, ligada ao ritmo e que seria

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como “arquitetura de sons”, enquanto a Música Dionisíaca relaciona-se à Harmonia e


Melodia. Schopenhauer (1988), além de considerar a música como objetivação imediata
da Vontade, caracteriza o ritmo como um elemento musical ligado ao mundo fenomê-
nico, enquanto a melodia e harmonia, seriam expressões da objetivação da Vontade.
Wagner (2015), por sua vez, sob a influência da filosofia schopenhaueriana, levanta a
necessidade de se avaliar a música de forma diferente das outras artes, devido à sua
capacidade em expressar a Vontade Universal, em detrimento da Vontade Individual
como nas artes plásticas.
É sabido que além dos filósofos pré-socráticos, Wagner (2015) e Schopenhauer (1988)
também exerceram influência sobre o pensamento do jovem Nietzsche, e pode-se
inferir que o seu entendimento sobre a música parte também desses dois autores.
Ao interpretar a arte a partir do Apolíneo e Dionisíaco Nietzsche a princípio apresenta
uma distinção entre uma música apolínea, que reproduz o fenômeno, e outra dioni-
síaca que reproduz a Vontade. Porém, ao dizer que a música seria cópia imediata da
vontade mesma, e não do fenômeno, parece haver alguma incerteza e contradição
na própria ideia do jovem Nietzsche sobre a música. Através de questionamentos
guiados metodologicamente pelas Obras de Nietzsche e de seus comentadores, essa
pesquisa busca também entender essa questão, e analisar se há uma mudança no
entendimento posterior de Nietzsche sobre a Música Dionisíaca.

Referências
MACHADO, Roberto. O nascimento do trágico: de Schiller a Nietzsche. 1. ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 2006.
NIETZSCHE, F. A visão dionisíaca do mundo, e outros textos de juventude. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2019.
NIETZSCHE, F. O nascimento da tragédia, ou, Os gregos e o pessimismo. 1. ed. São Paulo:
Companhia de bolso, 2020.
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e representação, III parte. In: SCHO-
PENHAUER, Arthur. Schopenhauer – Os pensadores. 3. ed. São Paulo: Nova cultura, 1988.
WAGNER, Richard. Beethoven. In: WAGNER, Richard. Uma visita a Beethoven e outros escritos.
São Paulo: Intermezo, Imaginario, 2015.

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A intuição como um tipo de conhecimento:


uma trajetória filosófica e sua pertinência musical
Intuition as a type of knowledge:
a philosophical trajectory and its relevance to music

Palavras-chave: conhecimento intuitivo; tipos de conhecimento musical; teoria do conhecimento; epistemo-


logia.
Keywords: intuitive knowledge; types of musical knowledge; theory of knowledge; epistemology.

Renato Cardoso
UFRGS

As questões filosóficas acerca do que é o conhecimento musical costumam se tensionar


entre o estudo de uma tradição filosófica ocidental já estabelecida e um diálogo com o
modo próprio com que os músicos entendem sua prática. Sendo assim, a ideia de que
ao lado de um conhecimento proposicional há também um conhecimento intuitivo pode
ser discutida no âmbito da filosofia musical, a partir da reverberação de determinadas
produções. Em Teoria do conhecimento (2012), Johannes Hessen coloca a intuição den-
tro do problema filosófico dos tipos de conhecimento. Tal discussão é retomada em
Introdução à filosofia (1965) de Luís Washington Vita e recolocada no âmbito artístico
por Jorge Vieira em Teoria do Conhecimento e Arte (2006). Em minha tese de doutorado,
intitulada O conhecimento musical na perspectiva da complexidade: possibilidades para
a educação musical (2020), tratei do problema dos tipos de conhecimentos musicais,
considerando a intuição como um tipo específico. De modo distinto do conhecimento
proposicional, a intuição trata de uma apreensão imediata do objeto. Dessa maneira,
ela pode ser associada a um ato de visão, como um insight. Daí decorre uma sensação
para o sujeito de “não dependência temporal”, em que “a construção mental ou insight
emergem de súbito para o sujeito, como se nenhum lapso de tempo fosse exigido para
tal” (VIEIRA, 2006, p. 50). Diferentemente do discurso, em que temos acesso às partes
que vão se constituindo em proposição, de forma mediata, na intuição nos deparamos
com a emergência do todo de modo já completo. Ocorre assim a “presença efetiva do
objeto”, semelhante a um ato de percepção (ABBAGNANO, 2007, p. 671). O aspecto
imediato da intuição pede uma investigação em relação à temporalidade do fenômeno
musical, pois como é possível um conhecimento imediato em relação a algo que se
estende no tempo? É possível ter intuição sobre um trecho musical? Nesse caso, a
intuição não abarcaria algo de temporal, portanto não imediato? Outro aspecto é a
análise dos diferentes tipos de intuição, uma racional, uma emocional e uma volitiva
(HESSEN, 2012). Essa classificação influenciou o pensar sobre a intuição também em
Vieira (2006), estabelecendo diálogos filosóficos entre arte e ciência, seus objetos de
estudo. Para discorrer sobre essas questões, utilizei-me da elaboração de exemplos
musicais como forma de argumentação. São apresentados exemplos concernentes
à temporalidade musical e intuição, considerando a ocorrência da intuição durante o

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fazer-perceber musical. Exemplos também são utilizados para descrever as intuições


de caráter racional, emocional e intuitiva. Adicionalmente, parti da ideia de que o
conhecimento intuitivo está em constante interação com conhecimentos tipificados
como proposicional, procedimental e tácito, buscando com isso quebrar uma noção
hierarquizada sobre o conhecimento em que predomina o domínio do conhecimento
proposicional. O tratamento da problemática levantada aponta para um entendimento
ampliado sobre a intuição e seu papel no fazer, perceber e conhecer música. Adicio-
nalmente, lança luz às características típicas dos demais tipos de conhecimento. Tal
empreendimento pode dar suporte a posteriores considerações sobre o conhecimento
musical, bem como elucidar questões referentes ao desenvolvimento musical na área
de educação musical.

Referências
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
CARDOSO, Renato. O conhecimento musical na perspectiva da complexidade: possibilidades
para a educação musical. 2020. Tese (Doutorado em Música) — Instituto de Artes, Univer-
sidade Estadual Paulista, p. 264. 2020.
HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.
VIEIRA, Jorge de Albuquerque. Teoria do Conhecimento e Arte – formas de conhecimento: arte
e ciência, uma visão a partir da complexidade. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2006.
VITA, Luís Washington. Introdução à filosofia. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1965.

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Descartes e a temporalidade musical


Descartes and musical temporality

Palavras-chave: Descartes; tempo; música; ritmo; estética; subjetividade; século XVII.


Keywords: Descartes; time; music; rhythm; aesthetic; subjectivity; XVII century.

Tiago de Lima Castro


UNESP

René Descartes escreveu a obra Compendium musicæ em 1618, um pequeno com-


pêndio de música escrito na juventude. Neste texto, ele ensaia algumas ideias que
são desenvolvidas em sua fase madura, tanto em sua estrutura metodológica, como
insinua a distinção entre o corpo e a alma, além de já colocar apresentar o tema das
paixões, as quais dedicará sua última obra As paixões da Alma. A obra toma o som
como objeto da música som e que sua finalidade é deleitar ou agradar ao ouvinte,
como mover suas paixões, ou afetos. O deleitar ou agradar são duas formas de traduzir
o termo latino delectatio, o qual não é o deleite romântico. O delectatio é uma expe-
riência sensorial mediada pela alma. Dessa forma, o prazer musical advém dos sons
captados pelo ouvido, mas também mediado pela alma, no vocabulário cartesiano.
Existem outros termos para falar do prazer sensorial no latim, que não sinônimos,
mas formas de prazer sensorial que não necessariamente tem mediação da alma. A
escolhe de Descartes por este termo latino, implica em uma escolha que insinua uma
diferença de funções entre a audição e a alma na apreensão musical, contudo, com
uma complementaridade necessária entre ambos.
Esse elemento não ocorre somente nessa definição inicial, mas percorre toda a estrutura
metodológica da obra. A seção seguinte do texto, contém oito proposições das quais
todas as seções do texto são deduzidas conjuntamente com a definição. Tal estrutura
é inspirada na geometria euclidiana, como é uma experimentação para o método
que tem sua primeira materialidade nas Regras para direção do espírito. Resumida-
mente, as proposições partem da ideia clara, distinta e intuitiva de que os sentidos
possibilitam prazer, desde que exista uma proporção entre o objeto apreendido e os
sentidos, sendo que tal proporção necessita ser aritmética, pois quanto mais simples
e proporcional, mais prazeroso é. Contudo, a alma pode perder atenção do objeto
apreendido, se continuamente for aprazida, e por isso há necessidade de variedade
para manter a atenção da alma.
Sem minuciar o seu conteúdo, estas proposições permitem uma certa síntese entre a
tradição matemática dos pitagóricos, principalmente Giosefo Zarlino, como tendo os
sentidos enquanto ponto de partida, na tradição de Aristóxeno, com Vicenzo Galilei
enquanto representante. Dessa forma, Descartes sintetiza posições teóricas de sua
época, contudo, isso não implica que não surjam algumas inovações.
Após estas seções, começa a discutir o ritmo, o que já é uma certa ruptura com sua pró-
pria época, pois discutir ritmo antes de aspectos melódico-harmônicos não é comum em

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sua época. Mesmo herdando a teoria rítmica de Francisco de Salinas, Descartes propõe
as estruturas rítmicas na música são essenciais para que esta realiza sua finalidade,
ou seja, mover afetos nos ouvintes. Daí os efeitos da percussão sozinha, por exemplo.
Não obstante, Descartes vai além e usa o ritmo como meio de compreensão do tempo
musical. Para ele, a audição capta pequenas unidades sonoras que se desdobram no
tempo, contudo, a imaginação e a memória tornam estas pequenas unidades em um
fluxo de temporalidade, na qual percebemos uma obra musical enquanto uma unidade,
mas simultaneamente percebemos que tal unidade é composta por partes graças a
acentuação rítmica. Dessa forma, a temporalidade musical é construída pela imaginação
e a memória, uma ação da alma, portanto, ela existe internamente ao sujeito. Ao longo
de sua correspondência, vai expandir tal discussão, ao ponto de que as experiências
vividas por esse sujeito também interpenetram essa temporalidade na experiência com
a música, por isso a mesma dança leva alguns a se alegrarem e dançarem, e outros a
chorarem. Essa temporalidade é a base para Descartes discutir todos os demais elemen-
tos que compõe a música, como consonâncias, dissonâncias, graus, modos, regras de
contraponto, entre outros. A temporalidade musical torna-se a base para compreensão
da experiência e dos processos de composição musical.
Desde Agostinho de Hipona, pelo menos, a música é uma experiência do tempo,
mas enquanto no primeiro esta é um possível acesso a eternidade, ao tempo em si
mesmo que está além do sujeito, para Descartes, o tempo musical é uma experiência
da subjetividade, da ação da imaginação com a memória mediando o que é captado
pela audição. Temporalidade musical para o filósofo do cogito é uma experiência com
a subjetividade.

Referências
ADAM, Charles; TANNERY, Paul. (org.). Œuvres de Descartes. Paris: Vrin/CNRS, 1996. v. 11.
DESCARTES, René. Abrégé de musique: Compendium Musicæ. Tradução: Frédéric de Buzon.
Paris: Presses Universitaires de France, 1987.
SEIDEL, Wilhelm. Descartes‘ Bemerkungen zur musikalischen Zeit. Archiv für Musikwissenschaft,
Stuttgart, v. 27, n. 4, p. 287-303, 1970.
VENDRIX, Phillippe. L’augustinisme musical en France au XVIIe siècle. Revue de Musicologie,
Paris, v. 78, n. 2, p. 237-255, 1992.
WYMEERSCH, Brigitte van. Descartes et ĺ évolution de l’esthétique musicale. Bélgica: Mardaga, 1999.

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Nzo Kyloatala Bantu: características, flexibilizações


e sentido existencial na musicalidade
do candomblé kongo angola
Nzo Kyloatala Bantu: characteristics, flexibility and existential meaning
in the musicality of Candomblé Kongo Angola

Palavras-chave: Candomblé Kongo Angola; Kyloatala Bantu; performance; filosofia da música; estética musical.
Keywords: Candomblé Kongo Angola; Kyloatala Bantu; performance; philosophy of music; musical aesthetics.

Rafael Y Castro
UNESP

O texto a seguir apresenta a investigação participativa como Tata Kambondo1 (Ogã),


sobre a flexibilidade na performance dos ogãs da Casa de Candomblé Angola Kyloa-
tala, a partir da compreensão da percussão como uma linguagem comunicacional
ancestral afro diaspórica. Tais flexibilizações, proporcionam uma relação com o
território e a força política cultural oriunda da prática musical no candomblé, permi-
tindo a liberdade encontrada na mudança, reinventando novos caminhos e diferentes
possibilidades existenciais. Nossas análises basearam-se na vivência como membro
do Nzo2 Kyloatala Bantu, nos anos de 2019 a 2022. Foram encontradas variações
e flexibilizações na performance musical em determinados aspectos. Todos estes
elementos, apresentam-se de maneira peculiar e compõem as características destas
musicalidades oriundas da diáspora africana. Concluímos que a possibilidade variável
do conjunto musical percussivo do Candomblé (atabaques rum, rumpi, lé e gã), se dá
exatamente dentro destas transformações.
Durante a prática ritual, em diversos eventos internos e externos, percebi como a per-
formance musical, está conectada com os amplos sentidos existenciais comunitários
para os indivíduos no Candomblé. Compreender esta prática musical, dentro de suas
variáveis e em uma lógica própria, se faz necessário para perceber outras formas de
viver e produzir sonoridades significativas, características da concepção da percussão
como linguagem comunicacional identitária.
Observamos: a) mudanças de andamento, b) variações de intensidade, c) criações
espontâneas ou programadas sobre o repertório d) vocabulário dialógico entre os

1 Tata Kambondo, – na nação Angola, e Ogã, – na nação Ketu, são as denominações para o percussio-
nista do candomblé, responsável por diversas funções musicais e nas atividades do cotidiano e rituais
diversos em um terreiro de Candomblé, representando um sentido existencial amplo na hierarquia e
ancestralidade. No Candomblé, a função musical é pareada com outras necessidades que são consideradas
parte da formação dos indivíduos e na somatória do sentido coletivo nas comunidades afro brasileiras,
oriundas da diáspora africana e ressignificância africana no Brasil.
2 Terminologia bantu que significa terreiro ou Casa de Candomblé Angola. No candomblé Ketu, utiliza-se Ilê.

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atabaques, o gã e os rodantes3. Nesse sentido, há a necessidade da mudança de


estratégia, de acordo com a situação do próprio roteiro apresentado e modificado
durante a performance. Somente fará sentido para o ogã e para toda a comunidade
do Candomblé, se o indivíduo estiver conectado e aberto para uma compreensão
musical ampla e flexível. A necessidade de interrupção de uma performance, caso o
Tata Nkisi4 solicite, ocorre devido ao acontecimento de cada momento. Como o ensaio
já é a apresentação, a performance ocorre de maneira que dê conta de atender as
necessidades espirituais, estas, como já dissemos, no caso da incorporação, não apre-
sentam a mesma maneira e nem é sabido o momento que irá acontecer.
Outra variável é o que chamamos de flexibilidade da matriz temporal. Como os timelines5
dos toques são cíclicos, eles podem ser alterados de acordo com a divisão rítmica das
melodias das cantigas. “A suposta isocronia não se refere a uma exatidão temporal,
mas sim a uma “rede flexível” ou à flexibilidade da matriz temporal” (PINTO, 2001a, p.
103 apud GRAEFF, 2015, p. 7).
Além de ser um processo natural nas musicalidades africanas, também é uma neces-
sidade para o ritual, este que apresenta-se flexível na performance: “Tal não-isocronia
costuma ser entendida pelas pesquisas microrrítmicas como “discrepâncias partici-
patórias” No entanto, ela é um fenômeno natural do ser humano, sendo inerente
à prática musical, e não uma discrepância, um desvio da norma” (KEIL, 1987 apud
GRAEFF, 2015, p. 7). Percebemos a importância de perceber o Candomblé como algo
único, apresentando características identitárias significativas para a existência de suas
comunidades, a partir da flexibilidade na performance.

Referências
GRAEFF, Nina. Os ritmos da roda. Tradição e transformação no samba de roda. Salvador:
EDUFBA, 2015.
PINTO, Tiago de Oliveira. A estética transcultural na Universidade Latino Americana. Novas
práticas contemporâneas. Niterói: EAU - PPGAUUFF, 2015.

3 Rodante é o termo utilizado para as pessoas que possuem mediunidade desenvolvida para a incorpo-
ração. Quando há esse fenômeno, ocorre a necessidade de produção de uma sonoridade específica para
que o orixá, caboclo e outras divindades interajam com a dança, o toque e as cantigas do Candomblé.
4 Tata Nkisi é o sacerdote supremo em uma Casa de Candomblé. Popularmente chamado de Pai de
Santo ou Zelador. No Candomblé Angola, também pode ser chamado de Tateto quando for homem e
Mameto quando for mulher. No Candomblé Ketu é Babalorixá (homem) ou Yalorixá (mulher).
5 Pontos fixos estruturais identitários, representam a identificação de determinados toques como estru-
tura para a composição da grade rítmica, produzida por todos os instrumentos do conjunto percussivo.

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Música, filosofia e neurociência: um estudo


a partir de Nietzsche e Oliver Sacks
Music, philosophy and neuroscience: a study based
on Nietzsche and Oliver Sacks

Palavras-chave: música; filosofia; neurociência; estética; Nietzsche.


Keywords: music; philosophy; neuroscience; aesthetics; Nietzsche.

Elias Jardim Cobra


UNISAL

Entre os estudos de Nietzsche sobre religião, artes, ciências e moral destaca-se seu
interesse pelo tema da música, que o levou a elaborar um pensamento original e afas-
tar-se de Schopenhauer e Wagner. Ele desenvolveu a tese de que a estética é fisiologia
aplicada, ou seja, ele pensa a arte e, mais especificamente a música, a partir do corpo.
Isso significa compor uma fisiologia da arte em contraposição à metafísica da arte. Cor-
robora com a asserção do filósofo em questão, a neurociência, que investiga os efeitos
da música no cérebro. A noção nietzschiana de fisiologia está associada aos processos
orgânicos do corpo humano em suas diversas modalidades de expressão, que inclui
tanto o nível físico quanto o psíquico. Nietzsche coloca como precondição fisiológica
para a criação artística a embriaguez, assim fica claro a relação entre o impulso criativo
e as atividades orgânicas, inclusive a excitação sexual. Na obra O nascimento da tragédia
ele afirma que o desenvolvimento da arte está ligado à dois impulsos fisiológicos da
natureza o apolíneo e o dionisíaco. Trata-se de um recurso metafísico para representar
dois mundos artísticos antagônicos, figurado por dois deuses, Apolo e Dionísio. Apolo é
o deus da individuação, ligado à arte plástica e ao sonho, já Dionísio é ligado à arte não
figurada, à música, e à embriaguez. É evidente que este filósofo valoriza mais o lado
dionisíaco, mas sua palavra final é a união dos dois impulsos artísticos. Nietzsche afirma
que Wagner e Schopenhauer são seus antípodas, representam o enfraquecimento da
vitalidade e a decadência fisiológica, visto que pregam a redenção da existência atra-
vés da negação dos instintos corporais e disseminam o pessimismo, além de valores
cristãos, principalmente o ascetismo. Para enriquecer a discussão sobre os impactos
fisiológicos da música faz-se necessário analisar os efeitos da música no cérebro, a
partir da visão da neurociência, mais especificamente, a pesquisa de Oliver Sacks. Em
sua obra Alucinações musicais: relatos sobre a música e o cérebro, o autor descreve vários
fenômenos curiosos como a musicofilia, musicofobia, amusia, alucinações musicais,
“brainworms”, além dos benefícios da musicoterapia no tratamento da síndrome de
Tourette, Parkinsonismo, autismo, entre outros distúrbios neurológicos. A relação entre
a música e o cérebro pode ser verificada na capacidade desta de resistir a doenças
graves fazendo o paciente transcender seu problema. Ela pode tanto causar surtos
(epilepsia musicogênica) como amenizar distúrbios, seu poder de penetrar nos estados
mais letárgicos revela a incrível sensibilidade do cérebro a essa arte. Ouvir música é

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

a ação que mais utiliza campos neurais, ela movimenta uma intricada rede neural, o
processo inicia na captura dos sons e passa por algumas transformações até chegar no
sistema nervoso onde acontece a identificação, o processamento, o armazenamento
e a transferência para outras partes do cérebro, os lóbulos, de onde as alucinações
musicais podem surgir. Vale ressaltar que todas as partes do cérebro ativadas na
percepção musical real, são ativadas também pelas alucinações. Segundo o filósofo
prussiano, a arte amplifica os processos vitais através do transbordamento criativo das
forças instintivas. Percebe-se a valorização do lado impulsivo e instintivo da criação
artística, pois a arte não se resume à técnica, nem é completamente racional, depende
de aspectos fisiológicos e psíquicos e sua recepção também vai ser influenciada por
esses elementos. Ao fazer a distinção entre o apolíneo e o dionisíaco e depois promo-
ver sua união na tragédia, Nietzsche busca reatar a relação entre o poeta e o filósofo,
entre Eros e Logos, que foi rompida pelo socratismo. Vale lembrar que a preocupação
de Nietzsche é situar a arte no contexto das ações humanas no mundo, pois defende
que o fazer artístico não pressupõe nenhum fator extranatural. Os estudos de Oliver
Sacks mostram que a música pode ser um importante instrumento terapêutico, pois
atua em diversas partes do cérebro e permite a realização de funções inibidas por
doenças. Todos esses fenômenos evidenciam a estreita relação entre a estética e a
fisiologia, entre a música e o corpo. Seus efeitos na alma e no corpo são profundos
e podem contribuir para a superabundância da vida ou para o empobrecimento da
vida, como aventou Nietzsche.

Referências
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O caso Wagner: um problema para músicos; Nietzsche contra
Wagner: dossiê de um psicólogo. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia
de Bolso, 2016.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. Tradução
de J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
SACKS, Oliver. Alucinações musicais: relatos sobre a música e o cérebro. Tradução de Laura
Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

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Tópicos sobre a estética de Aristóteles


Topics on Aristotle’s Aesthetics

Palavras-chave: Aristóteles; estética; arte; retórica; poesia.


Keywords: Aristotle; aesthetics; art; rhetoric; poetry.

Marcelo da Silva Fabres


UFPEL
Sérgio Ricardo Strefling
UFPEL

A exposição sobre a estética foi feita por Aristóteles em grandes obras: a Rhetorica e
a Poetica. Temos nestas uma análise sistemática da atividade estética, momento em
que, o filósofo define à natureza e a divisão da arte. O Estagirita nos explica que a arte
não se ocupa nem da natureza, nem da história, mas do que é belo, sendo, portanto,
seu ofício um tipo ideal de realidade que na natureza é sempre imperfeito. O filósofo
propõe uma definição do belo como um bem que agrada, que se distingue tanto da
bondade quanto do prazer, estes pertencendo à esfera das faculdades afetivas, a
beleza pertence à esfera das faculdades cognitivas. As espécies fundamentais do belo
são: a ordem, a simetria e a determinação.
Para o nosso autor há dois tipos de téchne (arte), são elas, artes mecânicas — ocupam-se
da produção dos instrumentos de trabalho — e artes imitativas da natureza. Salienta-
mos que a imitação não possui o sentido pejorativo como pretende Platão, não sendo
por Aristóteles compreendida como uma mera reprodução, mas como emulação da
natureza que é entendida como uma mestra, sendo, portanto, as belas artes imitativas.
A arte tem função dupla, a pedagógica e a catártica. Cabe lembrar, que Platão conde-
nara a tragédia e a comédia porque ensinam o mal em vez de curá-lo, mas seu discí-
pulo Aristóteles tende a aprovar tais obras pela sua função catártica, pois, purifica o
homem. É possível viver a paixão proibida na ficção, sem incorrer em erro na realidade,
proporcionando uma descarga emocional passional que fica acumulada no cotidiano
do indivíduo. O sofrimento, na ficção artística, liberta do sofrimento real, a paixão
desabafa, embora, sendo interpretado pelo artista é a alma do ouvinte que encontra
a serenidade novamente.
Neste estudo destacaremos alguns tópicos que caracterizam a retórica e a poética
conforme são tratadas nas obras que tem os respectivos nomes. O Corpus Aristotelicum
se encerra com duas obras: Rhetorica e Poetica. Elas têm como objeto duas artes (thec-
nai), a arte de fazer discursos persuasivos e a arte de fazer poesia, não no sentido de
serem manuais para as praticar, mas no de serem uma reflexão científica sobre elas.
A obra Rhetorica é composta por três livros. No primeiro livro, Aristóteles define a
retórica como a arte de encontrar argumentos capazes de persuadir um auditório em
silêncio e, mesmo assim, capaz de julgar. Os meios de persuasão podem não ter nada

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a ver com a retórica, como os testemunhos, as confissões, os documentos, ou podem


ser incluídos na arte retórica, isto é, visam persuadir por meio do discurso. São eles de
três tipos: 1) aqueles que dependem do caráter (ethos) do orador, e este deve ser digno
de fé; 2) aqueles que dependem das disposições dos ouvintes, dos sentimentos ou
das paixões (pathos) destes; e, enfim, 3) aqueles que persuadem por meio do próprio
discurso (logos). Na Retórica, Aristóteles afirma que as coisas não parecem as mesmas
a quem ama e a quem odeia, daí o julgamento ser diverso.
A Poética, obra que ocupa um livro só, tem como objeto a arte de fazer poesia, que
tenta compreender como ela pode ser bem produzida. Todas as formas de poesia,
quer a forma teatral, que a forma épica ou lírica, segundo Aristóteles são imitações
(mimêsis) da realidade, não no sentido de mera cópia, mas no sentido de representa-
ção, dramatização, encenação. O elemento mais interessante da definição aristotélica
foi sempre considerado a alusão feita à purificação (catarse), a propósito da função
purificadora da música. Aristóteles afirma que os homens ao assistirem as tragédias
tornam-se mais experientes e mais sábios. No final da Poetica, o autor destaca que o
dever do poeta não é dizer as coisas que aconteceram, mas as coisas como deveriam
ter acontecido. Entende, por isso, que a poesia é coisa mais filosófica e tem maior valor
do que a história, pois a poesia diz principalmente dos universais, enquanto a história
trata das particularidades.

Referências
ARISTÓTELES. Poética. Tradução do grego por Francisco Samaranch. Madrid: Aguilar, 1967.
ARISTÓTELES . Retorica. Tradução do grego por Francisco Saramanch. Madrid: Aguilar, 1967.
BERTI, E. Aristóteles. São Paulo: Ideias & Letras, 2015.
DONINI, P. La tragédia e la vita. Saggi sulla Poetica di Aristotele. Alessandria: Dell’Orso, 2003.
ROSS, W.D. Aristotele. Milano: Feltrinelli, 1971.

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Descartes e o Barroco:
a ideia de movimento no Compendium Musicae
Descartes and the Baroque:
the idea of motion in Compendium Musicae

Palavras-Chave: Descartes; movimento; música; Barroco.


Keywords: Descartes; motion; music; Baroque.

Fabrício Fortes
UNICAMP

O Compendium Musicae (1619) de Descartes é muitas vezes tratado como uma repeti-
ção resumida de tratados musicais renascentistas. Com efeito, se levamos em conta
aspectos estruturais da obra, bem como o conteúdo de passagens como seu estudo
dos modos e suas regras de composição, é possível identificar elementos já estabele-
cidos em Le Istitutioni Harmoniche (1558), de Zarlino. Contudo, uma observação mais
detida, levando em conta não somente o aspecto teórico-musical, mas também seu
fundo filosófico, científico e cultural, revela elementos que permitem caracterizar o
jovem Descartes como um precursor de ideias características do Barroco. Entre esses
elementos, o presente trabalho toma como foco de investigação o papel da noção de
movimento na argumentação do autor.
Como aponta Fleming (1946), tanto na música quanto na arte barroca em geral, a
ideia de movimento teve um papel central. Com a proliferação dos autômatos desde o
século XVI e a popularização de instrumentos como o relógio mecânico, o termômetro
e o barômetro, que permitiam a medição dos fenômenos por movimentos espaciais,
uma nova visão de mundo começava a ser moldada na cultura europeia do século XVII.
Assim, os ideais clássicos de eternidade, repouso, e progressão linear foram substi-
tuídos gradativamente no senso comum pelas noções de transitoriedade, velocidade
e contraste. Isso se refletiu, por exemplo, na pintura, pelos efeitos de movimento,
dramaticidade de conteúdo e jogos de luz e sombra de obras como as de Rubens
(1577-1640) e Murillo (1617-1682). Na música, essas ideias se refletiram na introdução
de elementos como a alternância de andamentos lentos e rápidos, os contrastes entre
notas com grandes diferenças de altura ou de intensidade e o uso de números cada
vez maiores de timbres.
Da mesma forma, no Compendium, a noção de movimento cumpre um papel central em
diferentes momentos. Primeiramente, nas observações sobre o tempo musical (AT-X,
p. 92-96), o autor estabelece uma relação quantitativa entre a velocidade dos anda-
mentos e as paixões despertadas por eles na alma. Por exemplo, andamentos lentos
despertariam “paixões lentas”, como o langor e a tristeza, e os andamentos rápidos
despertariam “paixões rápidas”, como a alegria. Essa tese expressa um rompimento
com a tradição renascentista e, ao mesmo tempo, uma guinada em direção ao espírito

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

da música barroca. Ao tratar a relação entre a música e as paixões quantitativamente,


Descartes se afasta dos ideais humanistas da Renascença, que enfatizavam a vinculação
das paixões com as virtudes e a conexão com o cosmos pela correspondência entre
a harmonia musical, a harmonia entre corpo e alma e a harmonia celeste (Cf. AUGST,
1965). Por outro lado, ao tratar o tempo como o elemento fundamental da música, e
ao explorar os contrastes entre diferentes ritmos e andamentos, o autor aponta para
um modelo de composição com traços característicos do Barroco.
Outro aspecto que mostra essa centralidade da noção de movimento no Compendium
é a descrição do fenômeno sonoro em termos de matéria em movimento. Segundo
essa descrição, o som consiste em choques que atingem o ouvido, e quanto maior é a
frequência desses choques, mais agudo é o som (Cf. AT-X, p. 110). Desse modo, ainda
que, como mostra Pirro (1907, p. 3-10), Descartes demonstrasse desconhecer aspectos
importantes da acústica, algumas de suas afirmações testemunhavam um conhecimento
acerca da tese fundamental dessa ciência. Nesses termos, até mesmo o fenômeno da
dança, segundo Descartes, poderia ser explicado em termos causais: o que nos estimula
a dançar seria o mesmo que faz com que as cordas mais agudas de um alaúde trepidem
quando outra mais grave é percutida no mesmo instrumento, e que faz com que os sinos
maiores façam soar também os menores à sua volta (Cf. AT-X, p. 95).
A partir desses aspectos, o presente trabalho busca apresentar uma leitura das ideias
de Descartes em seu Compendium que permite caracterizá-lo não como um herdeiro
do Renascimento em plena revolução científica, mas como o proponente de ideias que
influenciaram o Barroco em um período em que o pensamento renascentista ainda
gozava de significativa influência.

Referências
AUGST, B. Descartes’s Compendium on Music. Journal of the History of Ideas, Philadelphia,
v. 26, n. 1, p. 119-132, 1965.
DESCARTES, R. Compendium Musicae. In: ADAM, Ch.; TANNERY, P (ed.) Oeuvres de Descartes,
v. 10. Paris: Léopold Cerf, p. 89-150, 1908. (Abreviado por AT-X.)
FLEMING, W. The Element of Motion in Baroque Art and Music. The Journal of Aesthetics &
Art Criticism, Philadelphia, v. 5, n. 2, p. 121-128, 1946.
JORGENSEN, L. M. Descartes on Music: between the ancients and the aestheticians. British
Journal of Aesthetics, Oxford, v. 52 , n. 4, p. 407–424, 2012.
PIRRO, A. Descartes et la Musique. Paris: Gallimard, 1907.

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Poesia Concreta: da vanguarda poética à música popular


Concret Poetry: from vanguard poetry to popular music

Palavras-chave: Poesia Concreta; música popular; modernidade artística; cultura de massa.


Keywords: Concret Poetry; popular music; artistic modernity; mass culture.

Guilherme de Azevedo Granato


NOVA

Esta comunicação presta-se a destrinchar alguns pontos relativos à aproximação entre


os poetas idealizadores da Poesia Concreta e o universo da música popular. A análise
busca trazer à tona aspectos do arcabouço teórico concretista que singularizam a sua
posição no debate sobre os rumos da arte na segunda metade do século XX e, em
certa medida, explicam o interesse peculiar do grupo por um universo aparentemente
distante, como o da música popular. Buscarei mostrar a posição assumida pelos poetas
concretistas em relação a dois temas principais: (1) a contraposição entre arte e cul-
tura de massa, tendo como referência o pensamento de Clement Greenberg (2013) e
Theodor Adorno (1980); (2) a querela em torno dos rumos da música popular brasileira
no contexto político e estético da segunda metade dos anos 1960.
De grande representatividade nos rumos da crítica sobre música popular no Brasil,
Balanço da Bossa foi um livro lançado no ano de 1968 e organizado pelo poeta con-
cretista Augusto de Campos. Além de realizar um balanço crítico da música popular
a partir da Bossa Nova, demarcava uma tomada de posição dentro do efervescente
debate sobre os rumos da Música Popular. Sua assumida parcialidade parte do interesse
comum dos autores em uma visão evolutiva da música popular, baseada em alguns
postulados, como o elogio à inovação estética, a oposição ao nacionalismo esquemático
e o entusiasmo pelas possibilidades abertas pelos meios de comunicação de massa.
O livro marcou o início de uma colaboração entre os poetas concretos e uma nova
geração de músicos populares, assim como a participação ativa daqueles no debate
crítico sobre a música popular. Apesar de já haver àquela altura um histórico de colabo-
rações entre artistas “eruditos” e “populares” no Brasil, é legítimo questionar as razões
que levaram poetas vanguardistas a se interessarem pelo universo da música popular.
A primeira questão que me parece digna de nota diz respeito à posição da Poesia
Concreta em torno da relação entre arte e cultura de massa. Quando se tem em mente
a produção dos poetas paulistas pensa-se antes de tudo em seu compromisso inego-
ciável com a inovação. Acoplada ao imperativo “Make it new”, absorvido via Pound, os
paulistas também cultivavam uma fervorosa verve crítica. No vasto material teórico
produzido pelos poetas é perceptível um esforço de autodefinição que elegia de
forma cirúrgica seus materiais, origens, meios e fins. A chamada paideuma concretista
tratava de equacionar o impulso crítico-dialético do grupo entre tradição e inovação,
selecionando um cânone de artistas/procedimentos que servia como referência para
o projeto poético renovador dos paulistas.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

O senso de culminância dentro de uma série histórica, associado a uma exploração radical
dos limites da forma, sugere uma aproximação com as tendências do modernismo do
pós-guerra. Baseado numa rigorosa separação entre alta e baixa cultura e na defesa da
inovação artística, não como ruptura, mas como manutenção de valores estéticos supe-
riores, o chamado “alto modernismo” tem seus valores delineados de forma exemplar no
pensamento de críticos como Clement Greenberg e Theodor Adorno. 
No entanto, se estes associavam a cultura de massa à decadência da arte, o programa
concreto apostava na aproximação da poesia com a lógica comunicacional dos outdoors,
do rádio e da televisão. Para os concretos, a disposição de experimentação formal
herdada da paideuma moderna encontrava nos meios de massa não um cerceamento,
mas um trampolim para novas formulações, no contexto do que definiu Haroldo de
Campos como uma “metamorfose vetoriana de transformação qualitativa” (CAMPOS,
1965, p. 52) Pode-se deduzir daí a abertura dos concretistas para a música popular da
década de sessenta, reconhecendo ali uma nova forma de fazer poético. 
Já no contexto do debate brasileiro em torno da música popular, a abertura dos concretos
à nova realidade comunicacional orientou a apreciação da música popular numa direção
oposta àquela herdada do pensamento de Mário de Andrade. Ou seja, menos român-
tica, essencialista e preocupada com noções de identidade e origem. Assim, os paulistas
souberam pensar a música popular não como um material necessariamente à margem
da evolução crítica das formas, mas em processo de transformação concomitante com
os meios aos quais esta estava vinculada e à sociedade como um todo. 

Referências
ADORNO, Theodor W. O fetichismo na música e a regressão da audição. Tradução de José
Lino Grunnewald. In: MERLEAU-PONTY, Maurice. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural,
1980, p. 165-192.
CAMPOS, Augusto; CAMPOS, Haroldo de; PIGNATARI, Décio. Teoria da Poesia Concreta: textos
críticos e manifestos 1950-1960. São Paulo: Edições Invenção, 1965.
CAMPOS, Augusto de. Balanço da bossa e outras bossas. São Paulo: Perspectiva, 1969.
GREENBERG, Clement. Vanguarda e Kitsch. In: GREENBERG, Clement. Arte e Cultura. Tra-
dução de Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Música contemporânea de concerto, fetichismo na música


e a indústria cultural: algumas aproximações possíveis
Contemporary classical music, fetish-character in music
and culture industry: some possible approaches

Palavras-chave: filosofia da música; música contemporânea de concerto;


indústria cultural; fetichismo na música; Theodor Adorno.
Keywords: philosophy of music; contemporary classical music; culture industry;
fetish-character in music; Theodor Adorno.

Eduardo Hiroshi Yamaguchi Kume


UFABC

A presente comunicação buscará apresentar possíveis relações entre os dois eixos do


estudo, a saber, a música contemporânea de concerto (MCC) e os conceitos adornianos
de indústria cultural e fetichismo, através dos aportes teóricos acerca destes e, espe-
cialmente, em sua interface fetichizada nos indivíduos, obras e nas relações entre estes,
no presente. Conceitos estes que se encontram fortalecidos e mais contemporâneos
do que nunca (ainda que reconfigurados a novas interfaces), consolidam a crítica da
cultura enquanto um produto como qualquer outro sob grande influência, inclusive,
das novas mídias e redes sociais virtuais, bem como dos agentes econômicos aos quais
se concentram o capital no campo cultural e onde são tomadas as decisões de seleção
de quais obras devem ou não ser evidenciadas.
O estudo parte de um breve resgate histórico das principais correntes da música de
concerto ao longo do século XX até os movimentos pós-década de 1950, que lançará as
bases para a constituição do primeiro eixo principal do estudo: a MCC. Esta é definida
enquanto uma grande vertente da música de concerto, que amalgama uma série de
estéticas, manifestações, formas de arqueamento estrutural do material, assim como
pensamentos composicionais e artísticos distintos.
Posteriormente são definidos os conceitos que compõem o segundo eixo principal
do estudo, a saber, o conceito de Theodor Adorno e Max Horkheimer de indústria
cultural — cunhado em parceria, na obra “dialética do esclarecimento” — e o conceito
adorniano de fetichismo na música.
O conceito indústria cultural (I.C.) se constitui como um mecanismo associado a
processos de coerção e dominação dentro do âmbito cultural e nos indivíduos — tra-
tados agora como consumidores. Possuindo raízes no declínio do poder da religião
no mundo ocidental e no fortalecimento dos processos de racionalização, é através
do desenvolvimento técnico e da reificação de todas as relações da sociedade que a
I.C. marca profunda influência na desintegração subjetiva do indivíduo que, imerso
neste sistema, já não possui poder real de escolha. O modus operandi da I.C. está na
gradativa disseminação e padronização dos produtos culturais (dentre eles a música)

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através do consumo e da internalização dos abusos e violências objetivas e subjeti-


vas que os indivíduos sofrem inseridos neste sistema econômico. Produzindo estes
bens de consumo culturais de forma controlada, planejada e em função de seu valor
de troca (suplantando seu valor de uso) — este poder se desdobra na capacidade
da I.C. em suscitar necessidades e administrar — via métodos e análises estatísticas
de demanda — quais destes “bens” devem ou não ser reiteradamente financiados e
“ministrados” aos consumidores.
O conceito adorniano de fetichismo encontra-se definido em seu ensaio “O fetichismo na
música e a regressão da audição”, de 1956, imprimindo à música produzida no contexto
industrial, de forma latente, uma cada vez maior orientação à parâmetros externos a
ela, ou seja, de mercado, publicidade e de reconhecimento. Destacando também os
impactos nas estruturas perceptivas dos indivíduos/consumidores, o fetichismo ocor-
reria quando a relação produto-consumidor se consolida enquanto uma experiência
fabricada sob medida, administrada, incorporando dentro dos produtos culturais os
valores estranhados dos trabalhadores, agora transmutados em dinheiro pago por tais
produtos. Os indivíduos, atordoados, imaginam estar desfrutando de uma experiência
autônoma quando, na realidade, estariam apenas assimilando a transubstanciação do
seu valor-de-uso em seu valor de troca no consumo destes produtos, ao qual o prazer
estaria vinculado ao valor monetário ali despendido.
Assim, avançando, o estudo pretende refletir sobre o papel da MCC situada no contexto
atual, no qual o exercício de escolha e de autonomia — assim como de uma possível
“experiência estética” — se tornam ainda mais inviáveis aos indivíduos “leigos”, tornando
a relação com a música, via de regra, reduzida a seu cunho estritamente comercial,
naturalizando-se através de formas constantemente renovadas de fetichização, reifica-
ção, reprodução e de consumo de obras e indivíduos, mediadas na contemporaneidade
especialmente pelas redes e algoritmos digitais.

Referências
ADORNO, Theodor W; HORKHEIMER, Max. Indústria cultural e a mistificação das massas. In:
ADORNO, Theodor W.; HORKEIMER, Max. A dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, p. 57-79, 1995.
ADORNO, Theodor W, O Fetichismo na Música e a Regressão da Audição. In: ADORNO, Theodor
W. Os Pensadores – Theodor W. Adorno. Textos Escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
COSTA, José Henrique. A atualidade da discussão sobre a indústria cultural em Theodor
W. Adorno. Trans/form/ação: revista de filosofia, São Paulo, v. 36, n. 2, 2013. Disponível em:
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-31732013000200009&script=sci_abstract &tln-
g=pt. Acesso em: 07 maio 2021.
SAFATLE, Vladimir. Fetichismo e mimesis na filosofia da música adorniana. Discurso, [S. l.],
n. 37, p. 365-406, 2007. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/discurso/article/
view/62950. Acesso em: 09 maio 2021.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

A contradição entre música ocidental de concerto


e a música da indústria cultural: progresso e regresso
da audição em Schoenberg e Adorno
The contradiction between Western concert music
and cultural industry’s music: progress and regress
of audition in Schoenberg and Adorno

Palavras-chave: progresso da audição; indústria cultural; dialética; história da música; fetichismo.


Keywords: progress of audition; cultural industry; dalectics; history of music; fetishism.

Adriano Bueno Kurle 


UFMT/FUBerlin

Nesta fala, apresento a ideia de construtivismo historicista musical, baseado em ele-


mentos do historicismo dialético presentes em Hegel, Schoenberg e Adorno. Diferente
de perspectivas cosmológicas ou transcendentais, que reificam o processo histórico
da formação da cultural e dos sujeitos musicais, universalizando um momento de sua
configuração e ocultando seu processo de formação, o historicismo dialético reconhece
que as formações culturais implicam seu processo de produção histórico. Temos como
exemplo de aplicação do historicismo dialético os processos de formação da eticidade
e da cultura em Hegel (como aparecem nos Cursos de Filosofia da Arte ou na Fenomeno-
logia do Espírito, entre outras obras) e o modo como a dialética marxista compreende
o processo de produção da mercadoria a partir da estrutura básica da sociedade.
Tanto Schoenberg quanto Adorno desenvolvem a noção de progresso da escuta musi-
cal relacionados à história da música e à composição, de maneira que a própria obra
musical adquire pertinência e sentido de acordo com a sua posição diante do presente
histórico, de modo que cumpre ao compositor e ao público compreender e executar
a tarefa necessária para a realização da próxima etapa do desenvolvimento musical.
Desta maneira, a composição musical guardaria sob si tanto a relação com as outras
obras musicais de sua cultura quanto todo o processo histórico de sua produção —
assim como a mercadoria, em Marx, contém em si todo o trabalho envolvido e seu
processo de produção. Desta forma, a consciência musical do século XX envolveria a
consciência de como este processo histórico se desenrola, assim como a identificação
do anacronismo musical com o reacionarismo histórico.
Schoenberg entende o processo musical como explicitação da configuração natural do
som, de maneira que o progresso da escuta inclui compreender de maneira cada vez
mais ampla o som por meio da inclusão dos seus componentes (isto é, os harmônicos)
na estrutura da harmonia musical. Com isso, intervalos considerados dissonantes pas-
sam a ser progressivamente integrados e naturalizados, o que implicaria, portanto,
em maior grau de consciência da natureza sonora, expresso por meio da música.
Com isto, podemos entender que Schoenberg parte de um princípio realista (a saber,

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a natureza da composição do som, que é infinita) para daí deduzir uma finalidade
histórica para o processo musical: o progresso da audição. A música dodecafônica
passa a ser justificada como uma necessidade histórica do processo de formação da
consciência de superação da distinção entre consonância e dissonância (a “emanci-
pação da dissonância”).
Adorno aprofunda criticamente tanto as noções hegelianas e marxistas do processo
histórico de produção cultural quanto a noção schoenbergiana de progresso da audição.
De Adorno, apresento três elementos de análise, que entendo como relevantes para
a compreensão da formação musical do século XX: a noção de progresso histórico da
música, representado pelo dodecafonismo de Schoenberg em Filosofia da Nova Música;
a noção de Indústria Cultural, como elemento reificante da cultura musical e do ouvinte,
desenvolvida primeiramente na obra Dialética do Esclarecimento (co-autorada com Hor-
kheimer); e finalmente, a aplicação da noção marxista de fetiche à música, por meio da
qual Adorno apresenta a antítese da noção de progresso da escuta, a saber, a regressão
da escuta, em Sobre o caráter fetichista na música e a regressão da audição. Defendo
a hipótese de que a antítese do progresso da audição não é propriamente a atitude
supostamente reacionária do neoclassicismo, mas o processo reificador da música pop
comercial. Concluo com uma breve reflexão de como poderíamos compreender a relação
entre música de concerto e música comercial diante das transformações musicais que
nos conduzem ao século XXI, como o desenvolvimento de estilos musicais como o jazz
moderno, o rock progressivo e o fusion, além da possível transformação da lógica comercial
com a internet (o que afetaria o processo de produção musical e, assim, também seu
produto final e a formação do ouvinte).

Referências
ADORNO, T. W. ; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor,1985.
ADORNO, T. W. Philosophie der neuen Musik. Gesammelte Schriften, v. 12. Frankfurt am
Main: Suhrkamp, 1975.
ADORNO, T. W. Über den Fetischcharakter in der Musik und die Regression des Hörens. In:
HELLER, Hermann Gesammelte Schriften, v. 14. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1973, p. 14-50.
HEGEL, G. W. F. Werke 14: Vorlesung über die Ästhetik II. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1990.
SCHOENBERG, A. Harmonielehre. 3. ed. Wien: Universal-Edition, 1922.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Schopenhauer, Titãs e as Flores: alegria triste


e tristeza feliz numa música suicida
Schopenhauer, Titãs and Flowers: sad joy
and happy sadness in a suicidal song

Palavras-chave: Schopenhauer; Titãs; Flores; música suicida.


Keywords: Schopenhauer; Titãs; Flowers; suicidal song.

Wudson Marcos Sena de Lima


UFSC

O filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) afirma, em grande parte de sua


obra, que o mundo e, portanto, a humanidade, é algo que jamais deveria ter existido.
Com certa influência do Budismo e principalmente do Hinduísmo, o autor reconhece
que os vivos são, na verdade, companheiros de infortúnio. Diante disso, ao contrário
de ir atrás de uma vida eterna onde se caminha sobre ruas de ouro e ao som de corais
angelicais, o melhor é tentar esvaziar-se de todo o querer, até finalmente alcançar a
ausência de desejos, uma não existência, o que significa a salvação.
A vida é como um pêndulo entre o tédio e a necessidade, cujo percurso repetitivo
entre um polo e outro consiste em um palco de intensa corrosão interna. No entanto,
mesmo sendo como carneiros brincando enquanto o açougueiro escolhe o próximo
a ser degolado, é possível encontrar alívio nas experiências estéticas, por meio das
artes. E, para Schopenhauer, a música é a arte superior.
Ao descrever os círculos viciosos das vivências humanas e os remédios que podem
ser ingeridos enquanto se está nessa rotação nauseante, o filósofo apresenta tanto
a tristeza, que constituí o âmago da vida, quanto possibilidades de felicidade. Pode-
ríamos dizer que as felicidades, consistiriam nas experiências estéticas diante das
obras de arte. Em relação à música, exalta, em primeiro lugar, a melodia das canções,
colocando as letras como secundárias, já que a essência mostrada pela arte musical
está no caráter mais do que intuitivo do conjunto sonoro instrumental. As palavras,
então, poderiam sim ser belas, mas não constituiriam a expressão mais profunda da
experiência estética em questão. Mas a mais feliz de todas as experiências, mais do
que qualquer acontecimento artístico, é não mais viver. Chega-se facilmente a essa
conclusão depois de ler tantas afirmações do filósofo sobre a necessidade de supressão
de toda a vontade ou, por exemplo, quando ele mostra a existência como sendo algo
que nos ensina principalmente a não mais querer existir.
Em 1989 a banda Titãs, em seu disco Õ Blésq Blom, lançava a música Flores. A melo-
dia é a de uma canção alegre, viva e dançante. Duas guitarras, um contrabaixo, uma
bateria, um teclado e um saxofone capazes de nos fazer pensar em diversas flores
coloridas enfeitando um ambiente feliz. Bem que Schopenhauer escreveu que uma
melodia pode servir para inúmeras letras. Poderiam ter utilizado toda a parte instru-

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

mental como base para lindos versos sobre como um coração triste pode encher-se
de esperança ao inspirar o perfume que emana da natureza. Mas a letra da canção
trata de um tema mórbido — suicídio.
Do fato de Schopenhauer não exaltar tanto as letras de canções não se deduz necessa-
riamente que ele não gostaria de Flores. É possível fazer duas considerações: A primeira
é a de que a música fala de alguém que não quer mais viver e isso é bastante familiar
para a filosofia schopenhauriana. A segunda é considerar as afirmações do filósofo
quando ele exalta as construções rítmicas dos poemas, dizendo que tais criações,
sobretudo pelas rimas, cativam de uma forma inexplicável. Os autores construíram
muito bem os versos da canção, com uma bela combinação de rimas junto à melodia,
de maneira que as palavras pronunciadas trouxessem a sensação não apenas da mera
reprodução de códigos silábicos, mas de harmoniosos encontros entre palavras que
aparentemente nasceram exclusivamente para aquela execução musical.
A polifonia de Flores, se focarmos em duas características principais, pode ser consi-
derada como uma canção alegre e triste ao mesmo tempo. Alegre porque a melodia
é alegre. Triste porque fala sobre alguém em crise, que cortou os pulsos e agora está
rodeado por flores sepulcrais. Alegre porque, talvez, a morte possa ser considerada
o momento de maior alegria para quem sentia que não deveria existir. Triste porque
a letra da canção não deixa claro se, ao dizer As flores de plástico não morrem, está se
referindo à pessoa que não conseguiu se matar e se sente um mero objeto inútil ou
se está falando sobre as flores de seu caixão representarem a desejada ausência de
todo envelhecimento, desgaste e despedaçar da vida. As notas contentes da parte
final, tocadas no saxofone, podem então ser a celebração da vida, a celebração da
morte, alguém caçoando do suicida frustrado ou o soar de uma canção para ajudar a
lidar com a sensação mortífera de permanecer vivo.

Referências
SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo Como Vontade e Representação; Parerga e Paralipomena.
In: STRAUSS, Claude Lévi. Os Pensadores. 1. ed. Tradução: Abril S.A. Cultural e Industrial. São
Paulo: Abril Cultural,1974.
TITÃS. Flores. In: Õ Blésq Blom. Rio de Janeiro: Warner Music Brasil 1989. 1CD. Faixa 08.

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Os limites da composição nos escritos musicais


de Theodor Adorno sobre John Cage
The limits of composition in Theodor Adorno’s
musical writings about John Cage

Palavras-chave: Theodor Adorno; John Cage; filosofia da música; estética.


Keywords: Theodor Adorno; John Cage; music philosophy; aesthetics.

Sofia Andrade Machado


UFOP

Os apontamentos de Theodor Adorno (1903-1969) sobre John Cage (1912-1992) estão


dispersos em algumas de suas principais obras sobre estética, como a Teoria estética
(1970), o livro Estética 1958/1959, a Introdução à sociologia da música (1967), A arte e as
artes (1967) e os ensaios Vers une musique informelle (1961) e Dificuldades (1964-1966),
publicados nos Escritos musicais.
Na década de cinquenta, no ensaio sobre O envelhecimento da nova música (1954),
Adorno expressa suas preocupações a respeito da perda de tensão nas composições
integrais. Adorno alerta para o perigo de a composição tornar-se “carente de perigo”,
uma vez que um sistema rígido de regras fora novamente estabelecido: “Mas a música
radical tampouco foi substituída por algo menos em perigo [...], pois regressou desa-
fortunadamente à tradição desmantelada pela revolta atonal” (ADORNO, 2009, p. 145).
Adorno critica a tendência radicalmente construtiva do serialismo integral e de obras
de arte que tentam levar o princípio da construção às últimas consequências: “[...] no
momento em que na arte o princípio construtivo realmente se pensa até o final, se
descobre, através deste consequencialismo estético, algo assim como se uma obra de
arte fosse, finalmente, uma tarefa matemática” (ADORNO, 2013, p. 240).
O temor da expressão, levado ao extremo, promove um fetichismo dos procedimentos
composicionais. A construção de todos os momentos busca eliminar qualquer tipo de
subjetividade da composição. Mas, uma vez que é o próprio compositor quem esta-
belece os parâmetros a partir dos quais a composição se desenvolve, a desaparição
do sujeito se torna uma aporia.
Adorno ressalta o fato de que a construção estética sempre traz em si um momento
de acaso, de arbitrariedade, uma vez que, diferente das construções literais, a compo-
sição musical não tem nenhuma finalidade determinada de forma exterior a ela: “E se
seriamente deveria representar a construção a prova de verdade (de que realmente o
critério só poderia ser assim e não de outro modo), se mostraria sempre no princípio
construtivo um momento do contingente [...]” (ADORNO, 2013, p. 243).
O aleatorismo, ao aceitar o limite da possibilidade de controle do sujeito sobre o mate-
rial (uma vez que este traz uma carga e uma concretude históricas que estão além do
sujeito), representa uma possibilidade de reconhecimento daquilo que é posto como

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limite da construção, e a incorporação deste limite na própria forma. Toda estruturação


da linguagem artística, por não ser constituída por uma finalidade objetiva na realidade
empírica, traz em si um momento de arbitrariedade. Adorno considera que o aleato-
rismo seria, neste sentido, uma “[...] espécie de autoconsciência deste estado na arte
que converte em acaso, precisamente, a legalidade levada ao absoluto [...]” (ADORNO,
2013, p. 243). Seus apontamentos sobre a obra de Cage caminham nesta direção.
Levados ao extremo, os princípios da organização total e do acaso coincidem, anulando
a dialética entre universal e particular e fixando novamente uma universalidade. Cage,
segundo Adorno, parece ter descoberto um ponto de equilíbrio, no qual a construção
se liberta do domínio da natureza a ela imposto pela universalidade: “[...] O mérito
inestimável de Cage é o de haver desorientado sobre uma lógica musical posta de
pernas para o ar, sobre o cego ideal da perfeita dominação da natureza na música
[...]” (ADORNO, 2008, p. 290).

Referências
ADORNO, Theodor W. O envelhecimento da nova música. In: ADORNO, Theodor W. Disso-
nancias. La musica em el mundo administrado. Obra Completa, 14. Tradução de Gabriel
Menéndes Torrellas. Madrid: Akal, 2009, p. 143-166.
ADORNO, Theodor W. Dificultades. In: ADORNO, Theodor W. Impromptus. Escritos Musicales
IV. Obra Completa, 17. Tradução de Antonio Gómes Schneekloth e Alfredo Brotons Muñoz.
Madrid: Akal, 2008, p. 273-311.
ADORNO, Theodor W. Vers une musique informelle. In: ADORNO, Theodor W. Quasi una
fantasia. Escritos musicais II. Tradução de Eduardo Socha. São Paulo: Editora UNESP, 2018a,
p. 375-442.
ADORNO, Theodor W. Teoria Estética. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 2011.
ADORNO, Theodor W. Estética 1958-1959. Edição de Eberhard Ortland. Tradução e prólogo:
Silvia Schwarzböck. Buenos Aires: Las Cuarenta, 2013.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Indicadores epistemológicos da música


do Grupo Indígena As Karuana
Epistemological indicators of the music
of the Indigenous Group As Karuana

Palavras-chave: música; filosofia; epistemologia; povos indígenas.


Keywords: music; philosophy; epistemology; indigenous people.

Michel Albuquerque Maciel


UEA

A história da música é permeada por variâncias em suas abordagens enquanto Ciência.


Com o passar do tempo, acabou se tornando um objeto de reflexão estrutural, per-
meada de análises limitantes, passando a ser um campo de conhecimento acessório
de outras áreas científicas, cindida de sua capacidade científica, e vista apenas com
seu caráter artístico. Autores contemporâneos discutem que deve ser realizada uma
retomada da compreensão do fenômeno musical não estritamente como manifestação
ou produto cultural, mas como área que produz suas próprias discussões, e que não
está subordinada às demais. Este entendimento parte do princípio de que a música
está fortemente vinculada às culturas enquanto fator social, portanto, dispensam
generalizações. Cultura e Música possuem suas respectivas formas de compreensão e
produção de conhecimento, onde a última se constitui em um indicador epistemológico
do contexto em que é produzida. Olhar para culturas específicas, compreendendo
sua conjuntura social, filosófica e simbólica, permitem entender a música como um
processo maior, que abrange desde a coletividade até à subjetividade dos sujeitos,
tanto daqueles que “produzem”, quanto daqueles que “consomem”.
O Baixo Tapajós é composto por treze etnias que relativamente recente, passaram
por um grande processo de afirmação étnica. A despeito de sua condição subalterna
desde a invasão europeia, a afirmação coletiva lhes imprimiu grande autonomia e
condições de lutar por seus direitos, através de organizações coletivas. Para essas
lutas, uma série de símbolos foram sendo ressignificados, servindo também como
instrumentos de definição identitária, e portanto, como instrumentos políticos. A um
primeiro momento, poderíamos compreender a música como um destes símbolos,
porém, percebemos que esta está para além de uma vertente estritamente política ou
simbólica ou “estética”, sendo na verdade, multifacetada e interligada.
O grupo estudado em nosso projeto de pesquisa para Dissertação de Mestrado cha-
ma-se “As Karuana” (Mulheres Indígenas e da Floresta). Formadas por indígenas de
quatro etnias, surgiram em 2019, e atuam em diversas áreas. Enquanto grupo artístico,
realizam apresentações em festivais e outros espaços em que são requeridas, tendo
também lançado músicas e clipes em plataformas on-line. Suas canções e performances
evocam diversos elementos inerentes à sua cosmovisão, enfatizando especialmente a

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dimensão da relação para com a natureza e o território. A música das Karuana é um


saber adquirido e recriado dentro de uma perspectiva de subalternidades históricas,
considerando que são mulheres e indígenas, em um espaço esquecido pelos centros
de decisão, e que tocam Carimbó, que também possui um histórico de invisibilização,
dadas suas origens afroameríndias, sendo valorizado enquanto patrimônio apenas
recentemente. Assim, os saberes musicais se constituem em formas de conhecimento
não-hegemônicas, que fazem frente às estruturas colonizadoras. Percebemos o poder
da oralidade em sua forma musical enquanto elemento de aprendizado e difusão de
saberes, que produzem significâncias naqueles envolvidos nas performances. Esses
saberes se articulam na dinâmica dos tempos (passado memorial, presente engajado
e preocupação com o futuro) e espaços (espaços físicos, metafísicos e virtuais). O pre-
sente, em especial, valoriza e ressignifica as realidades do passado, em torno de lutas
contemporâneas, com discussões há muito pouco consideradas, como a importância da
música analisada sob o ponto de vista do gênero, a revitalização da língua indígena, e a
valorização de produções oriundas de espaços e grupos subalternizados pela história.
Em relação àquelas que produzem a música, percebemos uma grande sensibilidade no
ato de compor, executar e falar de si e do seu povo nos espaços em que estão. Nestas
práticas, percebemos a existência constante de elementos de transformação, presentes
em outras de suas frentes artísticas. Essas transformações estão no ínterim de algo imu-
tável: sua identidade. A partir dela, é possível o autoconhecimento e o conhecimento das
demais, que se concretizam em produções carregadas de saberes oriundos da existência
concreta e afetiva, em âmbito pessoal e coletivo.
Analisamos a produção e difusão de conhecimentos que não se isolam no passado em
suas concepções e significâncias. Eles acompanham os tempos históricos, as transforma-
ções sociais, e as próprias existências das mulheres. Os saberes são fontes e produtores
de outros saberes, que dentro da perspectiva regional e identitária, ainda carregada de
instâncias exclusoras, são fundamentais para se resistir a elas através das gerações.

Referências
BALBONI, André. O sopro das musas. São Paulo: Odysseus, 2018.
NOLETO, Rafael da Silva. Música como ciência, ciência como música: provocações episte-
mológicas. Opus [online], v. 26, n. 3, p. 1-22, set./dez. 2020. Disponível em: http://dx.doi.
org/10.20504/opus2020c2619. Acesso em: 15 abr. 2022.
TOMÁS, Lia. Música e estética musical. São Paulo: Irmãos Vitale, 2005.
VAZ FILHO, Florêncio Almeida. A Emergência étnica dos povos indígenas do Baixo Rio Tapajós,
Amazônia. 2010. Tese (Doutorado em antropologia social) — Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal
da Bahia, Bahia, 2010.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

O conteúdo da música na Estética de Hegel


The Content of Music in Hegel’s Aesthetics

Palavras-chave: Hegel; estética; música; conteúdo.


Keywords: Hegel; aesthetics; music; content.

Danielton Campos Melonio


UFMA
Nertan Dias Silva Maia
UFMA

Na estética hegeliana, tanto o som musical como o som poético podem trazer conteúdo
ao humor dos indivíduos, suscitar sentimentos variados e estimular representações
e intuições no espírito através das nuances do fenômeno sonoro. Este fenômeno
permite à música preparar artisticamente o som com mais precisão do que a própria
poesia, adaptando-se ao belo a partir da totalidade, cuja síntese produz uma unidade
formada por diferentes tensões e ajustamentos sonoros capazes de intuir no humor
o verdadeiro Espírito da beleza artística. Em Hegel, a música possui uma relação inte-
lectual de quantidade com sua própria matéria sensível, pois se funda em leis naturais
específicas que regulam as combinações sonoras nas escalas musicais. Entretanto,
segundo Hegel, a música se diferencia das demais artes particulares, principalmente
com relação a seu conteúdo, o qual não pode ser representado de forma objetiva e
figurativa como ocorre com a arquitetura, a escultura e a pintura. O conteúdo da música,
para Hegel, carece em sua interioridade de objetividade, uma vez que se particulariza
na representação dos sentimentos, que, por seu turno, são reflexos da própria inte-
rioridade. Enquanto nas demais artes a concretude do conteúdo contribui para dar
mais coesão e unidade às suas formas, na música, que tem no som sua matéria-prima
fundamental, há ausência de formas externas na concepção de seu conteúdo, cujo
elemento sensível não se apresenta como forma espacial; sua matéria, destituída de
consistência, caracteriza-se pela efemeridade, já que desaparece de modo imediato
no decorrer de seu próprio surgimento, causando, consequentemente, a eliminação
não apenas da dimensão espacial, mas também da própria espacialidade de sua
totalidade, assim como o retraimento da subjetividade. A música, portanto, retém o
subjetivo tanto como Forma quanto como conteúdo manifestando seu interior em si
mesma, de modo que a objetividade espacial se apresenta suprimida em sua própria
subjetividade. Esta supressão, na verdade, é uma negação da materialidade sensível
executada integralmente pela propriedade material do som, que se manifesta por
meio do ressoar no espaço-tempo, destituído da exterioridade visível. Para que seja
possível a captação do fenômeno sonoro como produto musical é preciso que haja
a interação do som com o ouvido, enquanto sentido teórico. O ato de ouvir o som
musical provoca o distanciamento dos dados objetivos, na medida em que o ouvido
passa a negar o estado espacial para adentrar no material vibrante, proporcionando,

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

assim, uma segunda negação provocada pela reação do próprio corpo físico diante dos
efeitos do som na subjetividade. Essa dupla negação constitui uma forma de exterio-
rização ideal ao interior, pois abandona sua própria existência enquanto matéria da
subjetividade, uma vez que o ressoar é em si e para si mesmo mais ideal em relação à
corporeidade objetiva. Diante de tal fenômeno, o som por si mesmo, compreendido
como objetividade real, é completamente abstrato em relação ao material visual das
artes particulares que precedem a música, principalmente das artes plásticas, que se
fundam na espacialidade sensível captada pelo sentido teórico da vista. Tal sentido, ao
contrário do ouvido, contempla a obra de arte passivamente deixando que os objetos
subsistam por si mesmos na forma material sem destruí-los, apreendendo não o que
está colocado de forma ideal, mas o que está posto em forma de existência sensível.
De modo inverso ao que ocorre com a pintura, a expressão musical e seu conteúdo
subjetivo abstrato requerem o interior inteiramente sem objeto em si mesmo, de tal
forma que a principal tarefa da música consiste em deixar ressoar não a objetividade,
mas o modo no qual o si-mesmo mais íntimo é movido conforme sua subjetividade
ideal. Com relação ao conteúdo e à expressão musicais, o aspecto formal da música
constitui-se de uma “interioridade destituída de objeto”; e seu conteúdo, diferentemente
do conteúdo das artes plásticas, carece exatamente de configurar-se a si mesmo de
forma objetiva, tanto no que se refere às Formas dos fenômenos exteriores efetivos,
quanto à objetividade de intuições e representações espirituais. Este trabalho aborda o
conteúdo da música na estética de Hegel, apresentando suas principais especificidades,
tanto em relação à sua matéria prima quanto à sua Forma, indicando como a música
expressa seu conteúdo perante as outras Formas de artes particulares.

Referências
ESPIÑA, Y. La razón musical en Hegel. Pamplona: Universidad de Navarra, 1996.
HEGEL, G.W.F. Cursos de Estética. Vol. I. Tradução de Marco Aurélio Werle. Revisão técnica
de Victor Knoll e Oliver Tolle. 2. ed. rev. São Paulo: EDUSP, 2002. (Coleção Clássicos, n. 14).
HEGEL, G.W.F. Cursos de Estética. Vol. III. Tradução de Marco Aurélio Werle e Oliver Tolle.
Consultoria de Victor Knoll. São Paulo: EDUSP, 2001. (Coleção Clássicos, n. 24).
HEGEL, G.W.F. Princípios da filosofia do direito. Tradução de Orlando Vitorino. São Paulo:
Martins Fontes, 1997. (Coleção Clássicos).

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Kant e a Fantasia livre


Kant and Free Fantasy

Palavras-chave: belas artes; música; Fantasia livre; Kant.


Keywords: fine arts; music; free Fantasy; Kant.

Danielton Campos Melonio


UFMA
Nertan Dias Silva Maia
UFMA

A produção filosófica de Immanuel Kant é marcada por suas obras críticas. Apesar de
ter publicado diversos textos discorrendo sobre temas variados, ele é mais reconhecido
por seus escritos orientados pela filosofia transcendental. Apesar dessa orientação
metodológica, que busca se afastar dos elementos empíricos com a finalidade de fazer
revelar os princípios a priori que permitam fundar as bases universais e necessárias
para a produção de juízos teóricos, estéticos e práticos, por vezes Kant se debruçou
sobre assuntos que se relacionavam com a realidade contextual de seu tempo. Nesse
sentido, o filósofo abordou também o tema das belas artes a partir das características
que as mesmas possuíam em sua época. Em 1790 Kant publicou a Crítica da faculdade
de julgar, discutindo, dentro outros temas, o conceito das belas artes, sua classificação
e hierarquização. Ao discorrer de modo mais detido sobre esse assunto nos §§ 43-53
da terceira Crítica, Kant menciona também, ainda que raramente, a bela arte da música.
Mesmo que com a publicação desta última obra Kant não tenha tido a intenção de
apresentar um tratado estético mais explícito, ele se refere brevemente à música nos
§16, §22, §44, §48, §51, §52, §53 e § 54. No §16 Kant discorre sobre as diferenças entre
a beleza livre e a beleza aderente, citando dois exemplos que se aplicam à música, isto
é, a expressão musical sem tema e a música sem texto, ou seja, a música improvisada
e a música instrumental, respectivamente. Além disso, Kant divide as belas artes em
três tipos: a arte discursiva, a arte figurativa e arte do jogo das sensações, incluindo a
música neste último grupo. Kant faz menção à música igualmente no §53, posicionando
a música, a depender do critério utilizado, ora em segundo lugar, ora em último, nessa
ordem hierárquica, ressaltando que a música pode ser classificada tanto como arte
bela ou mesmo como arte agradável. Então, na medida em que a música se expressa
comunicando uma linguagem universal das sensações que pode ser compreendida
por todo ser humano, ela se aproxima da poesia e se coloca em segundo lugar na
classificação das belas artes. Mas, contrariamente, quando a música se manifesta
apenas em seu caráter empírico e sensorial, Kant classifica-a, por este critério, como
a mais baixa das belas artes. Ainda que Kant tenha discorrido sobre a música ao longo
da primeira parte da terceira Crítica, ele não se aprofunda neste tema, abordando-o
de forma transversal no decorrer do texto. Todavia, o tema da música aparece nas
lições de antropologia que Kant proferiu durante sua carreira docente, que depois

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

foram publicadas em 1798 sob o título de Antropologia de um ponto de vista pragmático.


Nesta obra Kant aborda, também, a questão da música a partir de observações antro-
pológicas, contextuais e concretas. Ele menciona a música e suas implicações sociais
nos §18, §30, §70, §71, §76 e §88. Aqui Kant expõe uma apresentação mais empírica e
contextualizada da música e de suas formas de expressão, fornecendo ao esteta tanto
de seu tempo, como da atualidade, elementos para a compreensão da música como
expressão humana. Porém, é no §5 da Antropologia que Kant apresenta, ao expor as
diferenças entre as representações claras e as representações obscuras, um exemplo
musical que o permite ilustrar como as representações obscuras surgem na mente
dos sujeitos, a saber, a fantasia livre. Neste brevíssimo momento ele discorre sobre um
músico organista que improvisa livremente uma performance musical, se libertando
das regras e formas expressivas comuns aos músicos de sua época. Este exemplo
citado por Kant sugere que a improvisação musical só é possível na medida em que
os músicos possuem condições subjetivas próprias que os permitem se expressar
desse modo livre. Apesar de citar este exemplo, Kant não aprofunda a conceituação
e caracterização musical da fantasia livre na Antropologia, deixando em aberto essa
questão. Assim, objetiva-se neste trabalho propor uma caracterização mais ampliada
do estilo musical fantasia livre, identificando alguns compositores que se expressam
por meio desse estilo, certas obras que foram compostas orientadas por esse gênero,
bem como sugerindo uma leitura que permita compreender os elementos fundamentais
desse tipo de expressão musical, a partir de uma abordagem filosófica.

Referências
KANT, Immanuel. Antropologia de um ponto de vista pragmático. Tradução de Clélia Aparecida
Martins. São Paulo: Iluminuras, 2006.
KANT, Immanuel. Crítica da faculdade de julgar. Tradução de Fernando Costa Mattos. Petró-
polis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2019.
KNELLER, J. Kant and the Power of Imagination. Cambridge, New York, Melbourne, Madrid,
Cape Town, Singapore. São Paulo: Cambridge University Press, 2007.
MARQUES, U. R. A (org.). Kant e a música. São Paulo: Editora Barcarolla, 2010.
POWERS, D. B.C.P.E. Bach: A Guide to Research. Londres: Routledge, 2016.

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Breve introdução à Mímesis (L. Costa Lima)


como conceito fundacional de uma teoria geral da música
A brief introduction to Mimesis (L. Costa Lima)
as a foundational concept of a general theory of music

Palavras-chave: Mímesis; controle do imaginário; L. Costa Lima; teoria geral da música.


Keywords: Mimesis; control of imaginary; L. Costa Lima; general theory of music.

Ricardo Athaide Mitidieri


IFRS/UNESP

Um conceito renovado de mímesis foi desenvolvido por Luiz Costa Lima em várias de
suas obras (COSTA LIMA, 2000, 2003), tendo o autor iniciado essa investigação com
Mímesis e Modernidade de 1980 (COSTA LIMA, 2003). Entre as várias elaborações do
tema feitas por Costa Lima, destacam-se duas para essa introdução: primeiro, a cor-
reção da indevida redução do conceito de mímesis à mera imitatio (imitação), redução
feita no Renascimento quando da retomada do conceito de Platão e Aristóteles, e que
permanece em vigência até hoje no senso comum e mesmo em textos filosóficos;
em segundo lugar, há a proposição do par “mímesis de representação”, baseada na
semelhança, e “mímesis da produção”, baseada na diferença. Pensado por Costa Lima
no campo da teoria literária, o conceito de mímesis foi percebido pelo autor como um
meio de superar a disputa entre abordagens “imanentistas” e abordagens baseadas
na “teoria do reflexo”, ou, de outro modo, entre formalismo e “sociologismo” da arte.
Essa Introdução quer projetar o conceito de mímesis no campo musicológico, visando
uma teoria geral da música que parta da dimensão estética como um fundamento
não suprimível, ainda que sem se restringir a essa dimensão estética. Mímesis é um
conceito que tem sua origem na teoria da arte, e pode ser sintetizado basicamente
como a vinculação de arte e realidade, sendo que “O que a arte expõe não é o mundo
atual ou real, mas um mundo transformado.” (PUNTEL, 2008, p. 422), consistindo em
uma exposição “estética [isto é, nem teórica, nem prática] de um determinado aspecto ou
‘segmento’ de mundo transformado.” (PUNTEL, 2008, p. 422). No binômio arte/realidade,
realidade é entendida não apenas como o real sócio empírico, mas também de uma
maneira que inclua ideias e valores como entes dessa realidade. Com a abertura de
todos esses vínculos possíveis delineados pela mímesis, fica evidente a produtividade
desse conceito em articular o todo do fato musical, relacionando forma, ideias, valores
e sociedade, que, de outra maneira, prosseguiriam sendo abordados apenas de modos
especializados. Além disso, essa abordagem caracteriza-se por sua universalidade,
podendo ser associada a músicas de contextos os mais diversos, dando base para
comparações, sem deixar de considerar a dimensão estética de qualquer música. Nesse
ponto, convém lembrar que dimensão estética da conta de algo anterior e muito mais
amplo que a autonomia da música. A hipótese teórica inicial a ser desenvolvida é que a
mímesis da produção se aplica de modo especialmente pertinente à música, como, aliás,

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é sugerido de passagem em “O não figurativo (um fragmento)” (COSTA LIMA, 2006, p.


57-58), texto do autor sobre a pintura abstrata. Na criação do “mimema”, que em nosso
foco é a obra de arte, sempre haverá a composição de uma forma. Essa forma, mesmo
na mímesis de representação, não é redutível à mera imitação que mesmo fundada
em semelhança não deixará de se diferenciar do representado. Isso, aliás, já é assim
descrito na origem clássica do conceito em Aristóteles (TATARKIEWICZ, 1992, p. 303).
A imaginação criadora está sempre em atividade de composição formal, desde o caso
de mímesis de representação até à mímesis de produção. Em uma definição bastante
geral e abstrata, Costa Lima chama de mímesis da produção a “mímesis que evacua
a ideia de Ser como pré-constituído, para afirmá-lo como constituinte...” (COSTA LIMA,
2003, p. 231). A mímesis de produção é de especial interesse para a abordagem de
tendências artísticas modernistas e contemporâneas como a “poesia pós-mallarmeana
e a pintura não-figurativa (se não acrescentamos a música experimental é porque dela
nada entendemos).” (COSTA LIMA, 2000, p. 21). Concluímos que, ao partir do conceito
expandido de mímesis e ao manter em seu núcleo a dimensão estética da música, uma
teoria geral da música poderá servir à integração das diversas e especializadas abor-
dagens da música. Dimensão estética que certamente está na origem da aproximação
pessoal com a música de qualquer musicólogo ou pesquisador no campo da música,
mas que tantas vezes parece esquecida e substituída por diversos outros interesses
na consideração da história ou da educação musical.

Referências
COSTA LIMA, Luiz. Mímesis: desafio ao pensamento. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2000.
COSTA LIMA, Luiz. Mímesis e modernidade. Formas das sombras. São Paulo: Paz e terra, 2003.
COSTA LIMA, Luiz. O não-figurativo (um fragmento). Floema, Bahia, ano II, n. 2A, p. 53-70,
out. 2006.
PUNTEL, Lorenz B. Estrutura e ser. Um quadro referencial teórico para uma filosofia sistemática.
São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2008.
TATARKIEWICZ, Wladyslaw. Historia de seis ideas. Arte, belleza, forma, creatividad, mimesis,
experiencia estética. Madrid: Ed. Tecnos, 1992.

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Música e subjetividade em Hegel e Adorno


Music and subjectivity in Hegel and Adorno

Palavras-chave: forma e conteúdo; subjetividade; autonomia da obra musical.


Keywords: form and content; subjectivity; autonomy of the musical work.

Pablo de Morais
USP

O objetivo é propor — a partir da leitura do Filosofia da Nova Música, de Adorno (2011), e


dos capítulos escritos por Hegel referentes à música e à filosofia do espírito subjetivo —
uma compreensão acerca do significado da música em Hegel e Adorno tendo em vista
o sentido da noção de subjetividade enquanto referência ao âmbito geral da atividade
da interioridade humana, conforme esta é apreendida por cada autor.
De um ponto de vista geral, nota-se uma mudança na definição da subjetividade na
passagem de um autor ao outro, ainda que tal mudança possa ser entendida como
estando inserida no âmbito do desenvolvimento e recepção de discussões inicialmente
elaboradas por Hegel: Adorno (2011) entende que a subjetividade da época da “música
nova” deixa de ser capaz de apreender unidades históricas, portanto, muda sua relação
com o tempo, passando de uma relação de apreensão do desenvolvimento de unidades
à estaticidade. Adorno (2011) também associa a esse processo a preponderância da
esfera do social em relação à subjetividade particular. Um importante aspecto a marcar
e definir essa transformação da noção de subjetividade na transição de Hegel a Adorno
(2011), no que se refere ao modo especial como a música expõe tal transformação,
é o significado da noção de conteúdo na música, que deixa de ser “manifestação do
espírito” e passa a estar vinculada à noção de desvelamento da verdade social asso-
ciada à experiência traumática das tensões sociais e à inércia da estratificação social
organizada segundo o modelo da “técnica capitalista”. Esse desvelar da verdade tem,
dessa forma, a conotação de crítica ao tabu burguês referente às pulsões e ao mal-
-estar civilizacional, presente no âmbito musical enquanto reificação das convenções
tonais. Para Adorno (2011), o tonalismo é um aspecto cultural do homem burguês,
mas Adorno (2011) enfatiza a autonomia da música dodecafônica a despeito desse
interesse burguês. A percepção de Adorno (2011) acerca das transformações históricas
da noção de subjetividade e, por conseguinte, da sociedade, em sua relação com a
noção de conteúdo na música, justifica sua ênfase sobre o objeto musical como cen-
tro da reflexão filosófica, inserindo-se, com isso, na esteira da percepção hegeliana
acerca da perda da autonomia da obra musical na medida em que esta se aproxima
da filosofia. Tal aproximação, entretanto, também revela um sentido de autonomiza-
ção do objeto musical na medida em que este submete o compositor à necessidade
de levar as possibilidades formais ao limite, conforme expõe Adorno (2011) em sua
análise acerca das vicissitudes e contradições presentes no desenvolvimento histó-
rico do material musical, até chegar na própria “negação do tempo e da aparência”

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no âmbito da “música nova”, o que por sua vez leva à questão referente às limitações
apresentadas pela forma, enquanto limitações do sensível.
Há, dessa forma, uma inversão completa da relação entre forma e conteúdo na
música conforme esta foi inicialmente observada por Hegel: em Hegel temos a música
tonal — como manifestação do espírito no interior do desenvolvimento conceitual do
sistema das artes — vinculada ao âmbito do espírito subjetivo principalmente pela
relação entre sentimento e conteúdo, sendo o sentimento o campo onde a música,
sem abandonar a atividade do entendimento referente ao âmbito de sua estruturação
formal, opera manifestando o espírito como vivificação do “Conteúdo espiritual” na
interioridade subjetiva. E em Adorno (2011), por outro lado, temos o esfacelamento
da subjetividade e, por conseguinte, uma relação em que o objeto musical atonal se
impõe em sua necessidade de conformação segundo a regra da organização estrita
pautada no critério da igualdade, consolidada pela técnica dodecafônica. Assim, se
em Hegel temos o conteúdo enquanto espírito no âmbito do absoluto, isto é, do
divino, temos em Adorno (2011) a experiência da contradição histórica como nega-
ção da civilização ocidental, de modo que a reflexão filosófica não mais se refere ao
divino, mas ao subjetivo.
Assim, no contexto das discussões hegelianas e adornianas acerca do significado
da música em sua relação à subjetividade, apresenta-se a necessidade de investigar
em pormenores a questão da inadequação entre forma e conteúdo na música e da
autonomia da obra musical.

Referências
ADORNO, T. W. Filosofia da Nova Música. Tradução: Magda França. São Paulo: Perspectiva, 2011.
HEGEL, G. W. F. Cursos de Estética. Tradução: Marco Aurélio Werle e Oliver Tolle. São Paulo:
Edusp, volume I: 1999.
HEGEL, G. W. F. Curso de Estética. Tradução: Marco Aurélio Werle e Oliver Tolle. São Paulo:
Edusp, volume II: 2014.
HEGEL, G. W. F. Curso de Estética. Tradução: Marco Aurélio Werle e Oliver Tolle. São Paulo:
Edusp, volume III: 2002.
HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas. Tradução: Paulo Meneses e Pe. José
Machado. São Paulo: Edições Loyola, volume I: A Ciência da Lógica, 2012.
HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas. Tradução: Paulo Meneses e Pe. José
Machado. São Paulo: Edições Loyola, volume II: A Filosofia da Natureza, 1997.
HEGEL, G. W. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas. Tradução: Paulo Meneses e Pe. José
Machado. São Paulo: Edições Loyola, volume III: A Filosofia do Espírito, 1995.
MORAIS, P. A música em Hegel e Hanslick: transição de uma estética musical do conteúdo para
uma estética musical da forma. 2018. Dissertação (Mestrado) — Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2018.

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Máquinas abstratas, COVID-19 e forças não sonoras


Abstract machines, COVID-19 and non-sound forces

Palavras-chave: máquinas abstratas; Deleuze e Guattari; pós-estruturalismo; COVID-19.


Keywords: abstract machines; Deleuze and Guattari; post-structuralism; COVID-19.

Artur Miranda Azzi


WWU
João Pedro Morales
UFMG

A filosofia de Deleuze e Guattari sugere que a música “deve tornar sonoras as forças não
sonoras” (DELEUZE, 2002, p. 57, tradução nossa). Embora sejam raros os momentos voltados
a questões ligadas ao universo musical, os conceitos formulados por ambos podem ser vistos
como ferramentas que auxiliam a criação artística. É nesse sentido que propomos aqui uma
discussão a respeito da peça 28 de outubro de 2018 – Um Retrato Necropolítico1, composta por
Artur Miranda Azzi, que reflete a situação catastrófica da crise política e sanitária no Brasil.
Partimos da ideia deleuze-guattariana de máquinas abstratas, que se articulam em uma
zona de elementos heterogêneos e de multiplicidades. Como este conceito se conecta com
uma rede de outras definições, torna-se necessário compreender também outros termos,
como território, agenciamento, e par virtual-atual.
Comecemos por este último. Todo o real, para Deleuze e Guattari, apresenta duas
dimensões: uma virtual, referente aos fluxos de energia, onde estão os componentes
abstratos ainda não semiotizados; e outra atual, na qual os objetos passam a ser
diferenciados por suas formas e funções, vinculados a um plano de representação e
a uma linguagem que nomeia as coisas, define espécies, gêneros. As máquinas abstra-
tas operam no virtual, elas “ignoram as formas e substâncias” (DELEUZE e GUATTARI,
1997, p. 199). Tais máquinas surgem com base em agenciamentos, entendidos como
um “acoplamento de um conjunto de relações materiais e de um regime de signos
correspondente” (ZOURABICHVILI, 2004, p. 7). Se por um lado os agenciamentos criam
territórios — pensemos no território de modo amplo: “[...] pode ser relativo tanto a um
espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio da qual um sujeito se sente ‘em
casa” (GUATTARI e ROLNIK, 1996, p. 323) — não há, entretanto, território sem linhas
de desterritorialização, que fazem fugir a territorialidade. É nessa margem de desco-
dificação que essas linhas “abrem esses agenciamentos para máquinas abstratas e
cósmicas [...]” (DELEUZE e GUATTARI, 1997, p. 194).
Há mais de dois anos estamos sendo diariamente atualizados com os números de
mortos pela COVID-19 no Brasil. Quadro esse sinistramente impulsionado por uma

1 Disponível em: https://1000scores.com/portfolio-items/artur-miranda-azzioctober-28-2018-a-necro-


political-portrait/. Acesso em: 30 mar. 2022.

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política governamental nefasta que condena nossos corpos em torno de enunciados


negacionistas. Trata-se de um tipo de agenciamento que transforma as linhas de fuga
em linhas de morte e destruição (DELEUZE e GUATTARI, 1997, p. 202). 28 de Outubro
de 2018 – Um Retrato Necropolítico foi composta nesse contexto. A peça denuncia a
responsabilidade do governo brasileiro no agravamento da crise sanitária que o país
enfrenta durante a pandemia.
A partitura consiste de indicações em formato de texto com a imagem do gráfico que
representa os mortos pelo coronavírus no Brasil. O performer é convidado a selecionar
fragmentos de certos capítulos do texto A Personalidade Autoritária, escrito por Theodor
Adorno e outros autores, e a recitá-los em voz alta. O eixo vertical do gráfico influencia
a velocidade do texto recitado, ou seja, quanto mais alta a linha do gráfico, mais rápida
a sucessão das palavras. A zero, o texto deve ser recitado extremamente devagar. As
formas de enunciar a fala são livres (exceto pela velocidade da recitação), mas a clareza
semântica do texto deve ser buscada. O gráfico pode e deve preferencialmente ser
atualizado para cada performance. Logo, a identidade da obra dependerá do curso
da situação política e pandêmica do país.
Face às características estéticas da obra, consideramos que há uma aproximação dos
conceitos de Deleuze e Guattari aqui explorados e da lógica operacional da peça, além
do uso destes primeiros enquanto impulsos criativos e agenciadores dos materiais
composicionais. As componentes territoriais de um país em uma crise pandêmica
assolado por uma necropolítica produzem linhas de desterritorialização, e provo-
cam uma saída para o caos operada por pontas de desterritorialização que efetuam
máquinas abstratas. A máquina abstrata, real, mas não materializada, realiza cortes
no virtual e produz uma virtualidade singular relativa a determinados encontros que
é atualizada em novos agenciamentos concretos. É desta forma que uma virtualidade
singular provocada pelo encontro dos vírus e seus hospedeiros, projeta um campo de
diferençação que é constantemente atualizado. 
Assim, entendemos que tal obra tem sua identidade efetuada nos movimentos de
atualização de uma virtualidade singular, corte da máquina abstrata. A peça não repre-
senta o atual, pois tal função é atribuída ao gráfico, mas opera em um outro sentido,
tornando sonora forças que não são sonoras.

Referências
DELEUZE, Gilles. Francis Bacon, Logique de la sensation. Paris: Éditions du Seuil, 2002.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs – capitalismo e esquizofrenia, vol. 5. São Paulo:
Editora 34, 1997.
GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: Cartografias do Desejo. 4. ed. Petrópolis:
Vozes, 1996.
ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Tradução: André Telles. Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 2004.

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Da ideia do Coro Grego à Orquestra(ção) em Wagner


X From Greek Chorus to Orchestration: Wagner’s Ideas.xx

Palavras-Chave: Richard Wagner; dramaturgia musical; Coro Grego; Orquestração.


Keywords: Richard Wagner; musical dramaturgy; Greek Chorus; Orchestration.

Marcus santos Mota


UNB

Neste trabalho apresento a apropriação/transformação da ideia de coro a partir da


dramaturgia ateniense antiga em diversos momentos dos escritos não literários de
Richard Wagner. Mais que sua determinação filológico-histórica, o “coro grego” com-
parece como um dispositivo performativo que possibilita experiências multissensoriais
e suas correlações estéticas, identitárias, sociais. Assim, pensar o coro é pensar a
própria dramaturgia musical em suas opções e modelos. E, disto, viabilizar uma série
de procedimentos efetivos na composição, musificação (orquestração) e encenação
de novas dramaturgias. O tópico deste trabalho detalha aspectos iniciais da pesquisa
“Wagnerianas: Metodologia integrada de Dramaturgia, Orquestração e Mediação Tec-
nológica a partir das propostas de Richard Wagner e sua recepção da ideia de Coro do
Teatro Grego Antigo”, financiada pelo CNPq (Universal, 2021).

Referências
DAHLHAUS, Carl. Richard Wagner’s Music Dramas. Cambridge: Cambridge University Press, 1992
EWANS, Michael. Wagner and Aeschylus: The Ring and the Oresteia. New York: Cambridge
University Press, 1983.
FOSTER, Daniel. Wagner’s Ring Cycle and the Greeks. Cambridge: Cambridge University Press,
2010.
JANZ, Tobias. Klangdramaturgie: Studien zur theatralen Orchesterkomposition in Wagners
“Ring des Nibelungen”. Würzburg: Königshausen & Neumann, 2006.
KNUST, Martin. Sprachvertonung und Gestik in den Werken Richard Wagners: Einflüsse zeit-
genössischer Deklamations- und Rezitationspraxis. Berlin: Frank &Timme,2018.
MOTA, Marcus. Estudos de Orquestração: Um novo campo de investigações? Reflexões a
partir do Projeto Actor. ICTUS Music Journal, Bahia, v. 15, n. 2, p. 21-34, 2021.
WAGNER, Richard. Dichtungen und Schriften. 10 vols. Edição: Dieter Borchmeyer. Frankfurt:
Insel Verlag, 1983.

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Ecomusicologia Prática: poéticas interespécies


através da Zoossemiótica e Zoomusicologia
Practical Ecomusicology: interspecies poetics
through Zoosemiotics and Zoomusicology

Palavras-chave: Ecomusicologia; Zoossemiótica; Zoomusicologia; paisagem sonora; práticas interpretativas


Keywords: Ecomusicolgy; Zoosemiotics; Zoomusicology; soundscape; performance practice.

Gustavo de Barcellos Müzell


UFRGS
Fernando Gualda
UFRGS

Ecomusicologia, a partir do contexto do estudo dos sons (sonologia), é um movi-


mento que inclui a música eletroacústica e soundscape design, e que busca sin-
tetizar musicologia com ecologia, em especial o ecocriticismo. Em um contexto
mais amplo, a ecologia acústica estuda o som como meio de comunicação entre
os seres humanos e os ambientes naturais (WRIGHTSON, 2000). Zoomusicologia e
Zoossemiótica são, respectivamente, o estudo dos sons produzidos e percebidos
por animais, e o estudo como esses sons são reconhecidos e promovem comu-
nicação entre animais. Inicialmente concebida por Sebeok, na década de 1960,
como o estudo da comunicação entre animais que pertenceriam a uma mesma
espécie, a Zoossemiótica ampliou-se para incluir comunicação entre animais de
espécies diferentes, incluindo os seres humanos. A Zoossemiótica segue ao menos
três princípios da semiótica: significação, que ocorre quando o receptor é o único
sujeito que participa da semiose (falta um emissor), ou seja, como os animais dão
sentido uns aos outros, ou ao ambiente; representação, que ocorre quando o
emissor é o único sujeito semiótico, ou seja o modo como os animais constroem o
sentido; comunicação, que ocorre quando ambos o emissor e o receptor participam
do processo semiótico, ou seja, o sentido é trocado entre os seres, podendo ser
compreendido ou mesmo mal-compreendido (MARTINELLI, 2010, p. 7-8).
Este trabalho propõe uma divisão em cinco níveis na representação musical que
relaciona humanos e animais. No primeiro nível, o som musical seria um ícone,
metáfora ou mesmo um Leitmotif, que representa o animal. Uirapuru (1917), de
Villa-Lobos, e Pedro e o Lobo (1936) de Sergei Prokofiev seria um excelente exemplo,
no qual não apenas os incisos, mas os próprios timbres dos instrumentos remetem
à representação de animais-personagens do discurso musical. O ouvinte humano é
um receptor. No segundo nível, há uma suposta emissão, por parte do intérprete,
com o intuito de comunicar algo aos animais. Prelúdios Flácidos (para um cão) e
Verdadeiros Prelúdios Flácidos (para um Cão), ambas compostas em 1912, por Erik
Satie, seriam excelentes exemplos. O terceiro nível seria a música que utiliza sons

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de animais em contexto musical Cantus Arcticus de Einojuhani Rautavaara, Os Pás-


saros de Ottorino Respighi, e Nightjar de Cosmo Sheldrake. Nesse nível, gravações
sonoras de animais tornam-se parte da composição, estimulando o sistema cognitivo
humano, biologicamente distinto do animal que produziu originalmente o som. No
quarto nível, pode-se citar o LP Sgt Peppers da banda The Beatles, no qual a versão
analógica produz ondas sonoras superiores a 20 KHz, portanto inaudíveis aos huma-
nos, mas perfeitamente perceptíveis pelos cães e outros animais. Relatos apontam
para cães uivando ao fim da música. Gravações em CD, no entanto, não causariam
o mesmo efeito dada a limitação da banda de frequência. Nesse nível, há o objetivo
de adaptar o som para a percepção específica do animal. No quinto e último nível,
a música ou a paisagem sonora (soundscape) seria destinada a significar algo ao
animal, de modo a estabelecer alguma forma de comunicação. É fato notório que
muitos animais domésticos reconhecem as vozes de seus donos. Assim como outros
animais reconhecem e reagem a diversos sons além daqueles produzidos pelos de
sua própria espécie. Nesse nível são considerados todos os aspectos biológicos,
perceptivos e cognitivos dos animais com os quais se deseja criar a comunicação.
Como exemplo, oferecemos a palestra do biólogo Carl Safina, que estuda essa forma
de comunicação. Por fim, o trabalho oferece uma discussão sobre auto-domestica-
ção humana (THEOFANOPOULOU et al, 2013) e a perspectiva da domesticação dos
humanos pelos animais domésticos segundo Gray (2013), que sugere uma nova
perspectiva a partir da qual a comunicação pode partir do animal.

Referências
ADAMS, Tim. John Gray: ‘What can we learn from cats? Don’t live in an imagined future’. The Guar-
dian. 25 de outubro de 2020. Disponível em: https://www.theguardian.com/books/2020/oct/25/
john-gray-what-can-we-learn-from-cats-dont-live-in-an-imagined-future. Acesso em: 10 maio 2022.
BRUMM, Henrik; DOOLITTLE, Emily. O canto do Uirapuru: Consonant intervals and patterns
in the song of the musician wren. Journal of interdisciplinary music studies, Austria, v. 6,
n. 12060103, p. 55-85, 2012.
GRAY, John. Feline Philosophy: Cats and the Meaning of Life. 1. Edição. Editora Farrar, Straus
and Giroux. 2020.
MANGANO, Dario; MANGANO, Gianfranco. Semiotics of Animals in Culture: Zoosemiotics 2.0.
Biosemiotics Book 17 English Edition. 1. Edição. Berlim: Editora Springer Dordrecht, 2018.
MARAN, Timo; MARTINELLI, Dario; TUROVSKI, Aleksei. Readings in Zoosemiotics: Semiotics,
Communication and Cognition. Book 8 English Edition. 1. Edição. Alemanha: Editora De
Gruyter Mouton, 2011.
MARTINELLI, Dario. A Critical Companion to Zoosemiotics: People, Paths, Ideas. Biosemiotics
Book 5 English Edition. 1. Edição. Berlim: Editora Springer Dordrecht, 2012.
MARTINELLI, Dario. Of Birds, Whales and Other Musicians – Introduction to Zoomusicology.
Scranton and London: University of Scranton Press. 2009. 243 p.
ROTHENBERG, David, et al., Investigation of musicality in birdsong. Hearing Research, [S. I.],
v. 308, p. 71-83, 2013. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.heares.2013.08.016. Acesso
em: 10 maio 2022.
SAFINA, Carl. What are animals thinking and feeling? TED, 2015. Disponível em: https://www.
ted.com/talks/carl_safina_what_are_animals_thinking_and_feeling. Acesso em: 10 maio 2022.

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THEOFANOPOULOU, Constantina; et al. Self-domestication in Homo sapiens: Insights from


comparative genomics. Plos One, [S. I.], v. 12, n. 10, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1371/
journal.pone.0196700. Acesso em: 10 maio 2022.
WRIGHTSON, Kendell. An Introduction to Acoustic Ecology. Soundscape: The Journal of Acoustic
Ecology, Burnaby: Simon Fraser University, v. 1, n. 1, p. 10-13, primavera 2000. Anual. Dispo-
nível em: https://www.wfae.net/journal.html. Acesso em: 10 maio 2022.

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Epistemologia e autonomia musical:


diferindo conceitos e ideias musicias
Epistemology and musical autonomy:
differing concepts and musical ideas

Palavras-Chave: autonomia musical; epistemologia; ideias musicais; E. Hanslick; Kant.


Keywords: musical autonomy; epistemology; musical ideas; E. Hanslick; Kant.

Ricardo Nachmanowicz
UFOP

O presente trabalho defende que o tema da autonomia da arte musical, no modo como
foi suscitado pela filosofia, adicionou ao debate filosófico musical uma nova dimen-
são de pesquisa, eminentemente epistemológica. Para sustentar esse ponto de vista,
abordamos as filosofias de E. Hanslick e Immanuel Kant, no intuito de (1) demarcar
os marcos históricos tanto da autonomia da arte musical quanto o da ascensão do
debate epistemológico na filosofia da música, e de (2) colocar em disputa duas visões
antagônicas acerca da conformação epistemológica da percepção musical enquanto
fenômeno belo; uma de tipo estética (juízo de gosto), como definido por Kant, e outra
de tipo lógica, como definido por Hanslick.
Feita essa contextualização, é reconhecido que Hanslick, embora delineie o projeto e
assuma uma perspectiva epistemológica, não finaliza esse projeto nem o vincula a uma
epistemologia pré-existente. Esse fato dificulta sabermos qual o caráter exato de sua
epistemologia, se a priori, idealista ou empírica — havendo razões para considerarmos
as três hipóteses consecutivamente (WILFING, 2018).
Contudo, é possível deixar em segundo plano a consideração da miríade de influências,
mais ou menos explícitas na filosofia de Hanslick, e tomarmos o filósofo como um
proponente original (também aventado por WILFING 2018), ocupado especificamente
com um tipo de escuta musical cuja explicação última encontraríamos em estruturas
lógicas pertencentes à faculdade do entendimento, quando não, no próprio estofo
de um pensamento atuante. A fim de medir o alcance epistemológico máximo de
sua teoria, analisamos, nela, o papel que as ideias musicais desempenham na escuta
musical. Minha contribuição será a de qualificar o papel das ideias musicais no interior
da epistemologia esboçada na obra Do belo musical, e indicar que ela é ainda depen-
dente de uma função epistêmica não discutida por Hanslick, mas que encontramos
postulado na filosofia de Kant, sob o nome de conceito.

Referências
GIANI, Maurizio. A dupla verdade na estética de Hanslick. Tradução: Rafael Alexandre da
Silva. Revista Tulha, Ribeirão Preto, v. 3, n. 1, p. 219-248, jan./jun. 2017.
HANSLICK, Eduard. Do belo musical. Lisboa: Edições 70, 2002.

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HARTMANN, Eduard von. Die deutsche Aesthetik seit Kant. Leipzig: Verlag von Wilhelm Frie-
drich, 1886.
KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. São Paulo: Martins fontes, 2005.
SCHAPER, Eva. The Aesthetics of Hartmann and Bens. The Review of Metaphysics, [S. I.] v. 10,
n. 2, p. 289-307, dec., 1956.
SEEL, Martin. The Career of Aesthetics in German Thinking. In: O‘HEAR, Anthony. German
Philosophy Since Kant. Cambridge: Cambridge University Press, 2007 [1999].
WILFING, Alexander. Hanslick, Kant, and the Origins of Vom Musikalisch-Schönen. Musico-
logica Austriaca: Journal for Austrian Music Studies, June 18, 2018.
WILFING, A.; LANDERER, C.; WILFING-ALBRECHT; M. Hanslick in Context. Wien: Hollitzer
Verlag, 2020.

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O som e a música: questões sobre o material


musical em Theodor Adorno
Sound and music: questions about musical
material in Theodor Adorno

Palavras-chave: música; som; material; mediação.


Keywords: music; sound; material; mediation.

Jorge Roberto Costa Passos


UERJ

O som comporta compreensão complexa se considerarmos sua materialidade nos


modos de compor música. Ele está para além da sua mera definição. Desse modo,
partimos da afirmação adorniana de que “a música não é um aglomerado de notas”
ou, dito de outro modo, não é o tom que faz a música1. Definir a música como arte
dos sons encobre a mediação em que se realiza o material sonoro na obra. Qualquer
definição de música envolve situar historicamente o som e sua arte. A nota é um
constructo cultural que depende de sentido.
Em princípio, nasce uma questão musicalmente consolidada: a autonomia do som
(nota) como unidade musical suficiente que pode ser expressa do seguinte modo:
o som poderia fornecer seu próprio sentido, mesmo desprovido de sentido?2 Nosso
intento consiste em explorar o recorte que aqui escolhemos no texto Vers une musi-
que informelle (1961), a partir da questão da mediação dos sons no material musical.
Adorno expõe o problema como crítica à ideia de que “dados originários de um som
individual poderiam determinar a totalidade de uma obra musical” ignorando, com
isso, o conceito de relação [Relationsbegriff]. Parafraseando Adorno, para que o som
se converta em música, ele comporta configurações que não produz por si. Uma nota
soada isoladamente depende de conjunturas musicais de dependências condicionadas
entre som e música: um não existe sem o outro, afirmou Theodor Adorno.3
Entre ser som e ser arte, a música lida com a relação dinâmica entre os sons, seja nas
suas dimensões de intervalos sonoros, da harmonia e do ritmo, seja nas relações que
estes impõem no constructo musical. A relação dinâmica também afeta ainda o tempo,
o espaço e a causalidade.4 Nesse sentido, estabelecer o critério formal da música ou
desconstruí-lo sob a égide da informalidade coloca o problema numa dialética necessária
em cuja mediação o material musical nega o formalismo para, então, realizá-lo como
forma. Adorno parte da constatação hegeliana, segundo a qual “toda imediatidade seria

1 Adorno, Quasi una fantasia, p. 413.


2 Idem, p. 412.
3 Idem, p. 413.
4 Adorno, Teoria Estética, p. 211.

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mediada e dependente do seu oposto”5. Compreendemos os sons como originários


somente no campo da acústica, mesmo assim com certa relatividade. No fenômeno
musical, entretanto, permanecem abstratos. O som como elemento físico isolado (ex.:
nota) é em si mesmo mediado. Se considerarmos a definição de som mensurado desde
a escala pitagórica, permearemos toda a história como uma geografia da mediação
musical, uma vez que a relação que este tem com o padrão que lhe define como tal
está mediada explicitamente pelas configurações do tempo, do lugar, da cultura... De
modo análogo, pensar a nota isoladamente, seja na tonalidade, na atonalidade, no
serialismo e na música informal, significa admitir tal mediação pelo próprio conteúdo
da objetividade sonora.
Não há que se falar, portanto de som individual sem a complexidade que o envolve
como relação. A única possibilidade de imediatidade e de invidualidade da nota consiste
no ato composicional. A disposição sobre o material (relação sujeito-objeto) consiste
na “força propulsora para o desenvolvimento da autonomia da arte [...], uma espécie
de dívida que obriga de algum modo a arte para com o mundo diante do qual ela é
absolutamente crítica”.6 Eis o panorama deste trabalho.

Referências
ADORNO, Theodor W. Teoria estética. Tradução: Artur Morão, Lisboa: Ed. 70, 1988. 400 p.
ADORNO, Theodor W. Filosofia da Nova Música. Tradução: Magda França. São Paulo: Pers-
pectiva, 1989. 165 p.
DUARTE, Rodrigues. Mímesis e racionalidade: a concepção de domínio da natureza em
Theodor W. Adorno. São Paulo: Loyola, 1993.
ADORNO, Theodor W. Quasi una fantasia. Tradução: Eduardo Socha. São Paulo: UNESP, 2018. 449 p.

5 Adorno, Quasi una fantasia, p. 413.


6 DUARTE, Rodrigo, Mímesis e Racionalidade, p. 134.

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Claudia Colombati: Percorsi Storici-Estetici


nella Musica tra Ottocento e Novecento
Claudia Colombati: Historical-Aesthetic Paths
in Music between the 19th and 20th centuries

Palavras-chaves: Colombati; história; estética; música.


Keywords: Colombati; history; aesthetics; music.

Mayra Stela Dunin Pedrosa


UFPR

A compreensão musical quando engloba diversas abordagens, traz à performance uma


interpretação bem informada e coerente com as práticas utilizadas dentro do estilo
proposto. Tanto o estudo da história como o da estética, são ferramentas importantes
para auxiliar no correto entendimento de processos tanto musicais como extramusicais
que influenciam na execução frente à partitura. Enrico Fubini (2018, p. 26) esclarece
que a estética musical, não é uma disciplina que se possa ser definida em termos
estanques: trata-se de um entrelaçamento de reflexões interdisciplinares onde o
aspecto filosófico representa apenas um dos componentes. Portanto, apresenta traços
históricos que incitam a reflexão. Se a música se parece um pouco com um prisma
multifacetado, a identificação do aspecto privilegiado de tempos em tempos já é em
si um traço histórico de importância primordial para reconstruir o pensamento e a
reflexão sobre a música ao longo dos séculos.
Nesta mesma perspectiva, Claudia Colombati trata o estudo da música como um
poliedro, multifacetada, na qual diversos elementos contribuem para uma análise
completa de determinados aspectos de execução, portanto não conta somente o
material musical em si, mas este também vem influenciado por um estudo histórico,
filosófico, estético e sociológico no qual está inserido.
Em sua obra Percorsi Storici-Estetici nella Musica tra Ottocento e Novecento Colombati
(2012) desenvolve uma reflexão sobre as correntes que atravessam a Europa nos
séculos XIX e XX além de também considerar a aplicação programática dessas cor-
rentes profundas na música instrumental e na mudança das próprias concepções da
arte e da existência baseadas na ideia fundamental do estilo e modos que perduram
através dessas mudanças. Baseado numa visão histórica pode-se analisar o objeto
de estudo numa perspectiva estética, é possível verificar um encontro de tendências,
tradições e inovações que assumem um relevo particular dependendo do ângulo que
seja abordado, desta forma tem-se um fio condutor que unem compositores, filósofos
e poetas no contexto específico da música.
O livro é divido em 5 capítulos, os três primeiros: L’idea di nazionalismo e la musica
nel XIX secolo; La coralità risorgimentale nel pensiero poetico musicale: Giuseppe Verdi;
e La concezione romantica della musica e i testi sacri, se desenvolvem através de uma

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

reflexão sobre as profundas correntes que atravessaram a Europa entre os séculos XIX e
XX, nos capítulos 2 e 3, se consideram tanto a aplicação programática destas correntes à
música instrumental como a ideia fundamental de uma permanência de modos e estilos,
através das próprias mudanças conceituais da arte e da existência.
No quarto capítulo Del “programma” nella Musica da Camera: após um preâmbulo
acerca da história e função da música da câmera, Colombati explica que a música de
câmara finalmente emergiu durante o século XIX e, em particular no que se refere às
ideias programáticas, como ponto de encontro para a permanência de um estilo e de
uma profunda vontade inovadora.
Se a música de câmara, por sua própria natureza e essência clássico-romântica, con-
tinha o segredo da atemporalidade, na passagem entre os séculos XIX e XX passou a
expressar, com o esmaecimento e depois o desaparecimento da Hausmusik, uma clara
cesura entre a sensibilidade romântica, o tardo romantismo e a música nova (COLOM-
BATI, 2012, p. 185-186). “A mágica intimidade da música de câmara havia recebido seu
caminho a partir da espiritualidade vivida por seus criadores e os ideais de uma época”.
Entre as profundas mudanças ocorridas entre os séculos XVIII e XIX, aquela da cons-
cientização da expressão subjetiva e, portanto, com o ‘advento da estética do gênio’ a
de colocar a música como metáfora da estrutura do universo, foram decisivas: agora
a obra de arte individual passará a ser uma “metáfora do mundo” (DALHAUS apud
COLOMBATI, 2012, p. 167).
No quinto capítulo Il vecchio nel nuovo come eterno ritorno: riflessioni sul pensiero di Fer-
ruccio Busoni. Ferruccio, no seu pensamento estético-musical, fruto de uma profunda
reflexão, percorre a história da música através de uma grande síntese, afirmando que,
como no próprio conceito de criar, o novo está contido - enquanto continua a existir o
antigo e muitas vezes o sobrepõe. Se liga a esta temática uma complexa questão que
compreende os métodos composicionais, as diferentes visões histórico-culturais, as
ideologias nos períodos mais favoráveis ​​ou mais críticos da história; questões que se
tornam particularmente acentuadas diante do surgimento de novos mundos e civili-
zações com o advento do século XX. Os conceitos de velho-novo são constantemente
remetidos ao mistério da arte e aos seus motivos inspiradores.

Referências
COLOMBATI, Claudia. Percorsi Storici-Estetici nella Musica tra Ottocento e Novecento. Roma:
Aracne Editrice, 2012.
FUBINI, Enrico. Estetica della Musica. Bologna: II Mulino, 2018.

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Entre Nacionalismos: comparação dos ditames estéticos


no desenvolvimento do nacionalismo
brasileiro e estadunidense
Between nationalisms: a comparison of the imperatives
in the development of the Brazilian and American nationalisms

Palavras-chave: nacionalismo; Mário de Andrade; Henry Cowell.


Keywords: nationalism; Mário de Andrade; Henry Cowell.

Eder Wilker Borges Pena


UNESP

Nos Estados Unidos, durante a formação do nacionalismo, o compositor Henry


Cowell assumiu a postura de criação dos ditames que determinavam aquilo que
poderia ser julgado como americano genuíno na prática musical. Cowell buscou na
associação a um nacionalismo radical a possibilidade de uma arte independente e
opositiva aos mecanismos de progresso da tradição europeia, a vanguarda, através
do rechaço completo a toda forma de imitação e a qualquer técnica, forma, formação
e esgares pertencentes a um estilo europeu, fortalecendo a arte experimental como
um desejo nacional, mais facilmente aceito do que um processo de ruptura a tudo
que fora tido como sagrado na história da música de concerto, de forma a colocar
compositores de uma região secundária em uma posição de igualdade frente ao
edifício intransponível pela América. Pela busca de parâmetros de construção musical
através do estudo da música de culturas extra europeias, Cowell associou o ideal de
multiculturalidade de uma nação de origem imigratória à noção de que todo o mundo
da música poderia lhes pertencer, gerando não apenas interesse, mas apontando o
caminho para que novas formas de pensar a música pudessem ser alcançadas sem
se render ao refúgio dos desenvolvimentos europeus. Por fim, Cowell sistematizou,
teorizou e propagou meios técnicos que seriam desenvolvidos durante o experimen-
talismo pleno que questionavam as falhas dos métodos europeus, sua afirmação de
natureza e superioridade evolutiva e sua falta de atenção aos parâmetros exteriores
à altura, dando um aparato referencial ao que possibilitaria um experimentalismo
forte e autossuficiente em música (PENA, 2022).
No Brasil, o papel desta formação foi assumido pelo escritor Mário de Andrade, defen-
dendo um nacionalismo mais brando. Seguindo o modelo europeu do século XIX, em
relação às influências europeias, Andrade advogou contra o exotismo, a utilização
caricata dos elementos nacionais, o individualismo, a arrepsia do compositor em
abraçar uma música nacional, a unilateralidade, uma vez que a música brasileira não
era música ameríndia, portuguesa, africana ou europeia, e localizou a fonte do nacio-
nalismo na música popular. Andrade localizou os elementos da música brasileira em
sistematizações simples como a presença da síncopa ou ritmo livre, a qual, entretanto,

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

como aponta Baía, é um “conceito surgido na música ocidental dentro da lógica de


sua estruturação rítmica que, assim como o sistema tonal, são eventos recentes na
história da humanidade [...] A ideia de síncope é indissociável da ideia de compasso
como organização de pulsações com acentuações recorrentes” (BAÍA, 2015, p. 85). A
melodia foi definida com uma tendência a saltos, evitação das sensíveis, linhas meló-
dicas descendentes e finalizações de mediante. A polifonia tradicional é rechaçada
como produto característico europeu que descaracteriza o nacional, com a exceção
de utilizações específicas, como a baixaria do violão. Ao invés de rejeitar a tonalidade
europeia, já datada em 1928, Andrade faz exceção, justificando que a música popular,
por sua pobreza harmônica, deveria seguir o desenvolvimento erudito, o qual coin-
cidia com a harmonia europeia, sob a justificativa de que ela seria “desraçada”. Ele
defende o uso de instrumentos populares e a característica timbrística anasalada do
canto folclórico brasileiro. Mas, em relação à forma, novamente, ele abre exceções às
influências europeias, não vendo prejuízo, mas não recomendando, ainda que sugira a
ampla utilização dos corais, orfeão, pelo valor social, e sistematize uma suíte brasileira.
A defesa de Andrade vai contra o regionalismo, em defesa de uma unidade nacional,
o que entretanto acaba por funcionar como uma espécie de autoritarismo cultural,
como demonstra Contier: “O projeto nacionalista no campo musical, em sua essência,
objetiva homogeneizar o social, o cultural, como exercício de poder de um grupo que se
julgava o único agente capaz de interpretar a História da Cultura no Brasil” (CONTIER,
1988, p. 201). Andrade finaliza defendendo uma crença na esplêndida musicalidade
do povo brasileiro, argumento que ecoa até os tempos hodiernos (ANDRADE, 1972).
Cabe à nossa proposta, realizar um comparativo entre esses dois sistemas de cons-
trução de identidade nacional musical a fim de compreender quais são os impasses
e diferenças de prerrogativas que podem ter justificado o sucesso do nacionalismo
estadunidense, sob a figura do experimentalismo do pós-guerra, e relegado o nacio-
nalismo brasileiro a uma posição datada e insuficiente como produto artístico frente
aos desenvolvimentos estético-musicais do ocidente.

Referências
ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. 3. ed. Brasília, DF: INL, 1972.
BAÍA, Silvano. A Historiografia da Música Popular no Brasil. Uberlândia: Edufu, 2015.
CONTIER, Arnaldo. Brasil Novo: música, nação e modernidade. Os anos 20 e 30. 1988. Tese
(Livre Docência) — Universidade de São Paulo, São Paulo, 1988.
PENA, Eder W. B. Henry Cowell: o catalisador experimental. 529 f. 2022. Tese (Doutorado em
Música) — Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), São Paulo, 2022.

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Crítica à estética adorniana em seus aspectos


relacionáveis à valoração da obra musical popular
Criticism of the Adornian aesthetic in its aspects related the valuation
of popular music

Palavras-chave: estética musical; Adorno; música popular.


Keywords: musical aesthetics; Adorno; popular music.

Renato Barros Pinto

Adorno, na obra Teoria Estética, sustenta que a arte teria surgido imbuída de função
mágica, caracterizada por uma compreensão do mundo incapaz de distinguir plena-
mente sujeito e objeto, evoluindo em seguida para formas cultuais, no seio das quais
ressaltaria seu poder de evocação simbólica do absoluto. Com o advento paulatino
da subjetividade e o consequente desenvolvimento da razão, os seres humanos iriam
desfazendo os liames que os mantinham na esfera de ação do mito, o que impactaria
a prática artística, ao menos em suas expressões mais consequentes, levando, já
no período da arte burguesa, a um afastamento crescente das formas herdadas da
tradição. Se tais formas cumpriam algum papel estruturador, seriam por outro lado
permanências do irrefletido, intervenções autoritárias de dimensões externas à dinâ-
mica das obras, signos de dominação, portanto. Seria assim necessário superá-las, o
que só poderia se dar por meio do desenvolvimento de princípios construtivos, capa-
zes de contemplar as potencialidades inerentes ao material através de processos de
elaboração que convergissem com maior ou menor tensão para a unidade, conferindo
assim uma logicidade à obra que a destacasse do arbitrário, do contingente e da mera
reprodução do elemento empírico.
Adorno estabelece, assim, a homologia entre a evolução do conhecimento e o pro-
gresso artístico. Mas a equivalência apontada é imprecisa: antes do mais porque
a arte, embora possa ser conhecimento, está longe de reduzir-se a tal momento,
conforme Adorno mesmo indica: “se a arte é em si e no mais íntimo de si mesma
um comportamento, não deve isolar-se da expressão e esta não existe sem sujeito”
(ADORNO, 2008, p. 71). Estabelecendo que a arte não se reduza a um processo de
conhecimento, é mais que plausível considerar a elaboração artística da oralidade
como necessidade expressiva legítima.
Outro aspecto a ser relativizado é o da logicidade como critério da obra de arte con-
sequente, logicidade esta cujos limites o próprio Adorno claramente aponta: “a lógica
das obras revela-se imprópria ao conferir a todos os acontecimentos particulares e às
soluções uma margem de variação muito maior do que acontece na lógica formal; não
deve excluir-se a evocação inoportuna da lógica onírica” (ADORNO, 2008, p. 210). Não
bastasse esse reconhecimento, o autor ainda assinala que, “mesmo na arte mais afastada
do conceito está em ação um momento não sensível” (ADORNO, 2008, p. 117), o que

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equivale à admissão de uma logicidade extensível à produção popular, provavelmente


não muito diversa da “logicidade onírica” que Adorno atribui à arte erudita.
Destaco que os princípios construtivos, em si, por mais minuciosa que seja sua con-
secução, nada significam artisticamente se não propiciam a manifestação da mime-
sis, bem como sua máxima expressão. Isso não passa inteiramente despercebido a
Adorno, que assinala que “a obra estritamente técnica fracassou”, (ADORNO, 2008, p.
245). Com isso não sustento que a elaboração seja um componente desimportante
da obra, mas me contraponho à sua superestimação em detrimento do momento
não-racional que, na arte, é decisivo.
Ainda com relação aos vínculos entre a arte e o conhecimento, temos a questão da
técnica, que representaria, na esfera artística, “o estado social das forças produtivas
consoantes a uma dada época” (ADORNO, 2011, p. 394).
A atualização da técnica passaria assim a ser critério de verdade da obra, devendo
opor-se à “consciência socialmente falsa” resultante da acomodação coletiva, que
se traduziria no uso de procedimentos gastos e ultrapassados. Entretanto, assim
como ocorre com a logicidade, a técnica, no campo da arte, nem serve a fins obje-
tivos nem se constitui num fim em si mesma, exceto se, simultaneamente, servir à
manifestação da mimesis.
Uma vez que deixemos de considerar o progresso tecnológico como um valor absoluto
não há porque desconsiderar (sem maior exame) as técnicas artísticas adaptadas ao
universo da oralidade. Se, como entende Adorno, a música popular foi recebida no
seio da prática erudita como “gesto solidário aos excluídos da sociedade”, podemos
compreender a presença do elemento erudito no seio da criação popular como uma
correção da técnica tomada como fetiche, da hipertecnicização, do aspecto da tecno-
logia que, ao invés de servir, passa a servir-se do ser humano.
Em razão do breve exame aqui empreendido de alguns dos conceitos adornianos,
entendo que as esferas popular e erudita podem ser mais bem compreendidas não
como movimentos aprioristicamente regressivos ou progressivos, mas como dois
corpos distintos de procedimentos e estratégias adequados a seus respectivos meios,
tendo em vista a mobilização do momento mimético.

Referências
ADORNO, Theodor W. Introdução à Sociologia da Música. São Paulo: Ed. UNESP, 2011.
ADORNO, Theodor W . Teoria Estética. Lisboa: Edições 70, 2008.
ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar,
1985.

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Physical properties of works of music in the composer’s brain


Propriedades físicas de obras de música no cérebro do compositor

Key-words: philosophy of music; metaphysics; physicalism.


Palavras-chave: filosofia da música; metafísica; fisicismo.

Erick Ramalho
UFRJ

This paper sets forth a physicalist account of musical properties of tunes that instan-
tiate in the composer’s brain. My account aims to be both intuitive to musicians and
metaphysically sound. Musicians may intuitively find it trivial that actual tunes 1) exist
in the composer’s head as sequences of organised musical sounds and materials
(pitches, intervals, timbres, and the like) which 2) need not yield any performances or
scores for 3) being able to be verbally or musically referred to as a tangible musical
object, whether in the composer’s head or in relation to it.
Philosophers of music in the analytic tradition have variously responded to the thorny
metaphysical issues underlying those practical insights. Nominalists and platonists, either
by means of a forthright dismissal of them as being of no philosophical bearing, or by
explaining them away. Both nominalists and platonists indeed assume that performan-
ces of musical works are mind-independent concreta in the non-trivial sense that they
are independent from the mind once they materialise as an external musical object.
In rejecting abstracta, nominalists have defined musical works as the set of concrete
particulars which performances and scores of a tune make up (GOODMAN, 1968).
Whilst concrete particulars in nominalism may include musical recordings and playings
thereof as well as musical mental events (see TILLMAN, 2011), no adequate definition
of the latter’s nature has hitherto been given. Platonists claim that the abstracta which
nominalism rejects do exist as types of musical works in the realm of platonic forms;
and that composers ‘discover’ tunes, performances of which betoken their originating,
non-physical type. Julian Dodd (2007, p. 28–30) even argues in defending platonism that
tunes in the composer’s head have no meaningful ontological status, for they lack the
property of being ‘heard’, a defining property for musical tokens. No further platonist
effort has been made to explain the nature and properties of a tune in the composer’s
brain other than as the organic medium through which external tokens instantiate a
type. Nor has anti-realism about music brought out any account of the properties of
a tune in the brain, even though it acknowledges mental instances of tunes as entities
(see PEARCE, 1988). On the whole, idealism proves no feasible alternative to the above
theories, given its vague account of tunes as ideas that are imagined in the composer’s
head and, hence, lack key shareable, concrete traits.
In this paper I show contrastingly that at least some of the material features of the
musicians’ intuitive insights from (1) to (3) above are borne out by a bulk of scientific
evidence. I do so by bringing empirical findings on brain areas and neural activity

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

relevant to the workings of pitch, rhythm and further musical materials to bear on a
metaphysical account of the constitutive properties of musical works.
The paper’s aim is to explain and defend my physicalist account of musical properties
as properties which, 4) having been previously experienced by the composer, are bio-
physicochemical properties in the brain featuring themselves musical properties; 5) a
mental rejig of which properties into a new tune constitutes the latter as a spatiotemporal
structure that is itself material to the brain 6) as a set of patterns of systematic neuron
activity featuring organised sequences of intentionally arranged musical materials whe-
reby 7) the tune can exist even without mind-independent tokens.
The paper’s section I sets forth an outline of the ways musical properties are material
to the composer’s brain, even though they cannot be pinpointed in it. In section II, I
consider David Pearce’s (1988) anti-materialist account of a tune as 8) a conceptualist
‘mental construction’ 9) further instantiating as mind-independent musical objects (per-
formances) which are 10) external, material instantiations about which realism about
music is mostly correct. Whilst accepting and furthering the argument for (10), I reject
(9) in part and (8) fully. I suggest that my physicalist account of musical properties in the
brain, as carried out from (4) to (7) above, might offer a better explanation for insights
from (1) to (3). The paper’s conclusion is that material properties that constitute a piece
of music in the brain are biophysicochemical properties with musical qualities matching
the corresponding musical properties of performances of that same piece of music.

Bibliography
DODD, Julian. Works of music: an essay in ontology. Oxford: Oxford University Press, 2007.
GOODMAN, Nelson. Languages of art. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1968.
PEARCE, David. Intensionality and the nature of a musical work. The British journal of aes-
thetics, Oxford, v. 28, n. 2, p. 105-118, 1988.
TILLMAN, Chris. Musical materialism. The British journal of aesthetics, Oxford, v. 51, n. 1,
p. 13-29, 2011.

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A ideia do clássico-musical em Carl Dahlhaus


The ideia of classical-musical in Carl Dahlhaus

Palavras-chave: Carl Dahlhaus; estética musical clássica e romântica; Carl Philipp Emanuel Bach;
Ludwig Tieck; classicismo alemão.
Keywords: Carl Dahlhaus; classical and romantic musical aesthetics; Carl Philipp Emanuel Bach;
Ludwig Tieck.

Reginaldo Rodrigues Raposo


USP

Logo no início da introdução de sua última grande publicação intitulada A estética


musical clássica e romântica (1988), o musicólogo alemão Carl Dahlhaus observa que,
embora o título pareça expressar uma espécie de contradição entre o elemento
clássico e o romântico, “as concordâncias que existem entre Karl Philipp Moritz e
Friedrich von Schiller de um lado, E. T. A. Hoffmann e Arthur Schopenhauer de outro,
são fundamentais; as diferenças, porém, quando não são insignificantes, são com
efeito secundárias”.1 Essa tese fundamental predominante na primeira parte do livro,
longe de ser algo banal do ponto de vista filosófico, não implica em uma identificação
radical entre a música e o pensamento sobre a música da época do Esclarecimento e
os da primeira metade do século XIX, mas antes na identificação de uma só tradição
que se desenvolve histórico-conceitualmente “menos como um sistema, que se deixa
desenvolver desde um pensamento fundamental, do que um complexo formado por
partes de origens divergentes e de diferentes épocas”,2 não deixando de lado, portanto,
as várias oposições que dela emana, inclusive como “dilemas fundamentais”3 a partir
dos quais reflexões estéticas se inflamam. Pretendo, assim, a partir de Dahlhaus,
discutir sobretudo o modo como três desses grandes dilemas da história da estética
musical participam da “ideia do clássico” em particular (na primeira parte do livro), a
saber, a “estética dos sentimentos”, cuja origem envolve substancialmente a relação
entre música e retórica clássica e o antigo conceito de imitação, a “estética do belo e
do sublime”, complementares à anterior e entre si, mas opostas ao mesmo tempo sob
a pena de Wackenroder e Tieck, e a “estética da autonomia”, decorrente da anterior
(sob as mesmas penas), mas que ganha terreno no romantismo musical. Como conse-
quência, pretendo também rapidamente identificar como, das mesmas premissas, mas
assumindo pressupostos diversos (na preeminência da música instrumental), surge a
estética musical romântica, notadamente em dois de seus “certificados de origem”,4

1 DAHLHAUS, C. Klassische und romantische Musikästhetik. In: Gesammelte Schriften. Laaber: Laaber-
-Verlag, 2003. v. 5, p. 393.
2 Ibid., p. 394.
3 Cf.: ibid., p. 403.
4 Cf.: ibid., p. 401.

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sob as penas de Michaelis e de E. T. A. Hoffmann.5 Pretendo, por fim, concluir tecendo


algumas considerações sobre a oposição, no âmbito das artes em geral, à estética clas-
sicista por parte da escola romântica, que apelaria para a autonomia de maneira mais
radical, embora bastante dispersa, fragmentada e indiscriminada entre seus debate-
dores, e sobre como isso no debate musical redundaria, como principal característica
histórico-documental, justamente na oposição a concepções que têm sua origem e
principais desdobramentos nos mesmos dilemas, em especial, uma oposição à estética
dos sentimentos segundo uma releitura, no século XIX, à luz da ideia de “expressão”.

Referências
BACH, C. P. E. Ensaio sobre a maneira correta de se tocar teclado. Tradução de Fernando
Cazarini. Campinas: Editora Unicamp, 2009.
DAHLHAUS, C. Gesammelte Schriften in 10 Bänden. Laaber: Laaber-Verlag, 2000.
HOFFMANN, E. T. A. Schriften zur Musik. Darmstadt: wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1971.
SCHMALFELDT, J. The process of becoming: perspectives on form in early nineteenth-century
music. Nova York: Oxford University Press, 2011.
WACKENRODER, W. H. Sämtliche Werke und Briefe. Historisch-kritische Ausgabe in 2 Bänden.
Heidelberg: Winter Verlag, 1991.

5 MICHAELIS, Ch. F. “Über das Idealische der Tonkunst”. Allgemeine Musikalische Zeitung 10 (1807/08);
HOFFMANN, E. T. A. “Rezension der 5. Symphonie von Ludwig van Beethoven”. Schriften zur Musik. Dar-
mstadt: wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1971, p. 34-35.

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Canção popular como agitação máxima


de correntes dionisíacas no jovem Nietzsche
Popular songs as maxim agitation
from Dionysiacs currents from Young Nietzsche

Palavras-chaves: canção popular; Nietszchê; estética; filosofia da música.


Keywords: popular song; Nietszchê; aesthetics; music philosophy.

André Pinheiro Dos Santos


UFRGS

Ao apresentar-se como espelho do mundo, como melodia primigênia, a canção popular


busca agora uma aparência onírica paralela que se exprime na poesia. Sendo a melodia
o que há de primeiro e mais universal, suportando as mais variadas objetivações e,
em múltiplos textos, ela também se encontra como “[...] o que há de mais importante
e necessário na apreciação ingênua do povo [...]” (NIETZSCHE, 1992, p. 48). A forma
estrófica da canção popular é o que faz com que a própria melodia dê vida à poesia e
voltando a fazê-lo sempre. Nietzsche comenta que sempre a considerou com assom-
bro, até analisar a coletânea de canções populares Des Knaben Wunderhorn, onde
observa-se, por exemplo, que a melodia incessantemente geradora lança em sua
volta partículas imagéticas que por sua amplitude de cores, suas mudanças abruptas
e suas agitadas precipitações, revelam uma selvagem estranheza nos padrões épicos
de tranquilo fluir. Segundo o filósofo, por suas características, de certo, os rapsodos
épicos, ao tempo de Terpandro, a baniram de suas festas apolíneas. Arquíloco então
inicia um novo universo da poesia ao se empenhar a fazer com que a linguagem imite a
música, contradizendo Homero em sua raiz. Com isso fazendo a única relação possível
da música com a poesia, do som com a palavra: o conceito buscar significado análogo
a música e com isso sofrer em si a força da mesma. Assim podemos distinguir as duas
correntes principais na história linguística da Grécia: a linguagem textual que imita o
mundo da aparência e da imagem e a que imita o mundo da música.
Ao refletir sobre a diferença na linguística da cor, da construção sintática e do material
verbal entre Homero e Píndaro é possível verificar a importância desse contraste que
se demonstra com clareza, e que entre eles soavam as Orgiásticas Flauteias do Olimpo
que mesmo à época de Aristóteles, ao qual a música já havia se desenvolvido muito,
arrastava um entusiasmo embriagado que em seu efeito primordial incitava à imitação
de todos os meios expressivos dos contemporâneos.
A fim de chegar a uma ideia de como se originou a canção estrófica popular, esse
tesouro verbal, é necessário conduzir essa “catarse” da música em imagem para uma
massa jovem linguisticamente criativa excitada pelo novo princípio de imitação da
música. Portanto, considerando a poesia lírica como a fagulha imitadora da música
em imagens e conceitos, a pergunta que surge é: como aparece a música no espelho

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

da imagística e do conceito? Ela aparece através do sentido Schopenhaueriano de


vontade, como contraposição ao estado de ânimo estético, puramente contemplativo,
destituído de vontade. Aqui se distingue o conceito da essência da aparência, pois é
impossível que a música, segundo a sua essência, seja vontade, dado que como vontade
ela deveria ser banida do domínio da arte, visto que a vontade é em si o inestésico;
porém, aparece como vontade.
O poeta lírico a fim de expressar sua aparência em imagens se vê necessitado de utilizar
os caminhos da paixão, das figuras de linguagem, da dramaticidade, da poesia; sob
esse impulso ele passa a compreender a natureza toda e a si mesmo como um eterno
querente, mas na medida que interpreta a música em imagens ele já se encontra na
contemplação calma do apolíneo mesmo que tudo que contemple a sua volta pelo meio
da música esteja em impetuoso movimento. Enquanto ele se vê dividido pelos caminhos
entre a imagem, o texto e o som ele se vê insatisfeito pois a interpretação da música se
dá apenas pela imitação do conceito criado pela imagem. ”Tal é o fenômeno do lírico:
como gênio apolíneo interpreta a música através da imagem do querer enquanto ele
próprio, o lírico, livre da voracidade da vontade é puro e imaculado olho solar, ser
ardente e impetuoso, selvagem como forma.” (NIETZSCHE, 1992, p. 51). E justamente
por isso que a linguagem verbal, nunca alcançará o simbolismo universal da música
pois ela exprime “[...] à contradição e à dor primordiais no coração do uno-primigênio
[…]” (NIETZSCHE, 1992, p. 51). Um simbolismo, que segundo o autor, encontra-se em
outras esferas, que não da aparência.
A linguagem, sendo estruturada pelas símbolos e pelas aparências, nunca conseguirá
atingir o significado primordial da música, mas se perpetuar imitando-a e apenas
de maneira superficial assim como o sentido e significado da música, mesmo com
domínio da lírica, permanece distante de nós. A lírica, então, depende tanto do
espírito da música quanto a música não depende da imagem e do conceito, mas
apenas as tolera junto a si.

Referências
NIETSZCHE, F. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimísmo. São Paulo: Companhia
das letras, 1992.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Adorno em Darmstadt: organicidade, subjetividade


frente ao problema da forma no ensaio Forma na nova música
Adorno in Darmstadt: organicity, subjectivity
and the problem of form in the essay Form in the new music

Palavras-chave: Adorno; filosofia da música; organicismo; música de vanguarda do pós-guerra.


Keywords: Adorno; philosophy of music; organicism; contemporary music.

Lucas de Assis S. Santos


UFOP
Demétrius Alexandre de Souza
UFRJ

O ensaio Form in der neuen Musik (doravante livremente traduzido como Forma na
Nova Música) integra o conjunto de textos escritos por Theodor W. Adorno a respeito
da chamada vanguarda do pós-guerra. Ele resulta de uma conferência realizada em
uma das nove das ocasiões em que o filósofo crítico esteve no festival de Darmstadt,
encontro de compositores, professores, críticos e estetas musicais que, desde 1946,
congrega as tendências mais radicais da música de concerto ocidental. Forma na Nova
música foi publicado originalmente em 1966 num volume da Darmstädter Beiträge zur
Neuen Musik [Contribuições de Darmstandt sobre a nova música] e apresenta, con-
forme aponta Williams (2008), um duplo movimento: Adorno procura, por um lado,
ao mobilizar justificações filosóficas para um certo programa estético, influenciar as
correntes musicais contemporâneas (o texto é dedicado a Pierre Boulez) e, ao mesmo
tempo, refletir e reconsiderar alguns de seus posicionamentos teóricos à luz das ino-
vações que os expoentes da vanguarda musical daquele período expunham naquele
festival. Propomo-nos com esta comunicação, a partir de uma leitura dessa obra e de
seu cotejo com bibliografia secundária, a compreender o teor histórico e filosófico da
proposição feita pelo filósofo de que a recuperação de um senso de forma [Formgefühl
] é necessária a fim de que o chamado ‘problema da forma musical’ seja ultrapassado,
permitindo a composição de música realmente emancipada, livre, ao mesmo tempo,
da obediência a padrões formais esquemáticos herdados da tradição e da coerção
imposta por procedimentos técnicos exacerbadamente objetificantes. Para tanto será
necessário, seguindo o movimento do pensamento adorniano, reconstituir o problema
da forma e explicitar como, segundo a perspectiva do autor, a dissolução progressiva,
ao longo da história da música, de um frágil equilíbrio entre forma e conteúdo ou, dito
de outro modo, de uma dialética entre o universal e o particular no interior da obra
musical estanca seu devir temporal configurando-a como um todo fechado, impene-
trável historicamente e do qual a subjetividade está alienada. Em termos que lembram
bastante A Filosofia da Nova música temos que o impasse da obra musical autêntica é
que, com o progresso da técnica e dos materiais musicais, ela não pode evadir de seu
momento histórico reportando-se a esquemas estabelecidos pela tradição e tampouco

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

reduzir-se a mais uma expressão de mutilação do sujeito, que, condicionado pelos


ditames da indústria cultural, acaba dando origem a uma obra refém totalmente de
elementos e critérios extramusicais. É neste viés que Adorno anuncia, com emprés-
timo de conceitos bergsonianos, em razão da própria organização contemporânea da
sociedade, que se perde na música a sensibilidade própria do temps duréé em favor da
mecanicidade do temps espace. Assim, destacaremos a reivindicação do autor segundo
qual a forma musical deve emergir do conteúdo específico de cada obra, estabelecendo
com ele uma unidade orgânica na qual o fluxo temporal não se vê constrito. É nesse
sentido que procuraremos destacar que a solução vislumbrada por Adorno remete a
uma concepção organicista de forma musical que se insere, portanto, numa tradição
que remete em última instância à Goethe. Como exemplo, temos a escolha do nó [knot]
como categoria formal articuladora por excelência, tal e qual pudemos constatar feito
uma leitura d’A metamorfose das plantas escrita pelo poeta do classicismo de Weimer.
A realização desse itinerário evidencia como categorias estético-filosóficas como a
subjetividade e a organicidade nos permitem pensar com maior profundidade a con-
tinuidade histórica de fenômenos artísticos como o classicismo musical, a segunda
escola de Viena e as vanguardas do pós-guerra.

Referências
ADORNO, Theodor W. Filosofia da Nova Música. Tradução: Magda França. Ed. Perspectiva:
São Paulo, 2011.
ADORNO, Theodor W. Form in the New Music. Tradução: Rodney Livingstone. Music Analysis,
Malden, n. 27/ii-iii, p. 201-216, 2008.
NACHMANOWICZ, Ricardo. A tensão entre fenomenologia e teoria nos comentários de Kant
sobre a música. Cadernos de Filosofia Alemã, São Paulo, v. 20, n.1, p. 143-166, 2015.
SOCHA, E. tempo musical Theodor W. Adorno. 2015. Tese (Doutorado) — Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
WILLIAMS, Alastair. New music, Late style: Adorno’s Form in the new music. Music Analysis,
[S. I.], v. 27, n. 2/3, p. 193-199, July./Oct. 2008.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

O ethos e o aspecto dos objetos


The ethos and the aspect of objects

Palavras-Chave: Ethos; Aristóteles; Retórica; Teoria das Causas.


Key words: Ethos; Aristotle; Rhetoric; Theory of Causes.

José Eduardo Costa Silva


UFES

Em que medida um objeto qualquer, como, por exemplo, uma canção, pode expressar
um ethos? Ou em outro modo, como o ethos de um indivíduo ou de um grupo pode
se pronunciar em algum objeto, podendo até mesmo ser reconhecido como lingua-
gem? Tais questões são latentes na Metafísica de Aristóteles assim como em nosso
falar cotidiano; afinal, quantas vezes atribuímos inadvertidamente qualificações de
caráter às coisas? É comum, por exemplo, dizer “esta música é negra”, sem ao menos
atentarmo-nos para a complexidade de um tal postulado.
Evidentemente, não alimento a esperança de responder tais questões, mas quero
apenas manter-me nas sendas de pensamento que elas abrem. Nos limites do pre-
sente texto, exponho superficialmente a determinação aristotélica do ethos como
caráter, procurando demonstrar que esta determinação está articulada ao pensamento
sistêmico de Aristóteles, particularmente, à sua difundida Teoria das Quatro Causas.
É justamente desta articulação que recolho elementos para aventar que o ethos, na
condição de expressar o ser das coisas em geral, é reconhecido no aspecto dos entes
vivos e também dos inanimados.
Nos textos aristotélicos, o conceito de ethos existe associado a outros conceitos.
Assim, menciono o entendimento corrente de que ethos, logos e pathos são partes
necessariamente complementares em uma explicação sobre o uso persuasivo da
linguagem, que, a propósito, constitui em si o corpo argumentativo da Retórica. Posto
que ao ethos, desde os pensadores pré-aristotélicos e os sofistas, é reservada uma
dimensão racional e demonstrativa que se expressa na phrónesis (prudência). Este
atributo, que, segundo Aristóteles, o orador deve tê-lo pelo menos em aparência, é
também da ordem do logos, é a parte intelectiva que junto à aretē ́ (virtude) e à eúnoia
(benevolência) compõem o caráter do bom orador (ARISTÓTELES, 2005: 1378a, p. 160).
Na relação entre logos, ethos e pathos as partes afirmam os seus sentidos. Cabe desta-
car o sentido atribuído à palavra ethos em difundido excerto da Retórica: “Persuade-se
pelo caráter quando o discurso é proferido de tal maneira que deixa a impressão do
orador ser digno de fé. Pois acreditamos bem mais e depressa em pessoas honestas,
em todas as coisas em geral, mas, sobretudo nas que não há conhecimento exato e
que deixam margem para dúvida.” (ARISTÓTELES, 2005: 1356a, p. 158).
O ethos (caráter), está dito no excerto, se constitui na medida em que torna o seu por-
tador digno de fé, quer dizer, de credibilidade, justamente, para que a finalidade de

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

persuasão pelo exercício da retórica seja alcançada. Desse modo, o sentido atribuído
ao ethos está em conformidade com a determinação mais ampla do ser, expressa
na comumente denominada Teoria das Quatro Causas, que Aristóteles desenvolve,
sobretudo, nos textos que compõem sua Metafísica. Em resumo, a substância (physis)
é concebida como um composto em que a matéria assume uma forma, para o cum-
primento de uma finalidade que existe constitutivamente nas causas intrínsecas e
extrínsecas ao próprio ser, quais sejam, as causas material, formal, eficiente (enérgeia)
e final (dynamis) (ARISTÓTELES, 2016: 1044b1-1044b10, p. 223-224).
No sentido ora atribuído ao ethos, sobressai a ideia de que ele é a expressão genuína
daquilo que tem a finalidade no próprio ser, sendo, por isso, entendido como algo
natural, como um costume, como “um modo de ser dado sem esforço” (SPINELLI,
2009, p. 10-44). Entretanto, esse “modo de ser” não é entendido como fatalidade, mas,
como potência. Não por acaso, esta acepção do conceito está em concordância com
a mencionada Teoria das Quatro Causas. Em uma palavra, algo que é em potência se
atualizará em uma forma significativa, trazendo, por conseguinte, em seu aspecto, a
natural adequação entre a matéria e seu campo de possibilidades ontológicas, reme-
tendo-nos, pois, à tese: o ser se diz de muitas maneiras. Porquanto seja, na Filosofia
de Aristóteles, a mecânica que é constitutiva do ser é a mesma que está implícita na
natureza (physis) e que, decorrentemente, se expressa no aparente como ethos (ARIS-
TÓTELES, 2016: 1032b1-14, p. 191).
Contudo, o elemento decisivo para a determinação do ethos como caráter é o fato
de o considerarmos em sua relação com a verdade (alétheia), relação que fora expli-
citada por Parmênides: é o éthos polypeiron que dá crédito ao aparecer fenomênico;
dá crédito porque ele está revestido pela verdade (alétheia), não em seu nível forte,
como verdade noética (episteme), observa Spinelli, mas em seu nível fraco, como dóxa
(SPINELLI, 2009, p. 13-15). Todavia, nesse nível, a verdade é incompleta, fazendo com
que o ethos seja reconhecido como algo concernente ao ser, porém, não de todo; há
algo por dizer em sua expressão, que nos solicita a benevolência da crença ou talvez
a confiança contida na intuição. Esta incompletude da aparência do ethos é condicio-
nada pelo fato de que ele, como a totalidade do ente, está em devir, o que, em certo
sentido, afasta a ideia de que o ethos seja marcado em sua composição por um viés
determinista, tal como Aristóteles sugere na Física, ao referir-se à composição das
disposições humanas (ARISTÓTELES, 1984: 1103a19, p. 65).

Referências
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Princepton: J. Barnes, 1984.
ARISTÓTELES. Física. Paris: Les Belles Lettres, 1952.
ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Edipro, 2016.
ARISTÓTELES. Retórica. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2005.
SPINELLI, Miguel. Sobre as diferenças entre éthos com epsílon e êthos com eta. USP - Trans/
Form/Ação, v. 2, n. 32, p. 9-44, São Paulo, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
trans/a/zb5xgWZn3YkmhFjSxkZ7fyc/?lang=pt. Acesso em: 18 mar. 2022.

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O canto musal: uma dialética do lógos


Musal singing: a dialectic of logos

Palavras-chave: Mousiké; lógos; aedo; mito-poética; memória oral.


Keywords: Mousike; logos; aedo; myth-poetics; oral memory.

Samuel da Silva
UFRJ

O fenômeno mito-poético consubstanciava o pensamento de vigência primordial na


sociedade grega arcaica que tinha na tradição do canto do aedo a sua máxima expres-
são. O ato de cantar não era apenas uma arte inspirada pelas musas do Olimpo. Estas
divindades constituíam a condição de possibilidade, bem como a própria manifestação
daquele canto. Como experiência poética, esta dinâmica tipifica uma dialética própria
do lógos. Todavia, este contexto caracteriza uma noção originária do entendimento
de lógos que teve sua força atrofiada na tradição filosófica ocidental. A interpretação
da famosa frase aristotélica que diz: “o homem é um animal racional (Zôon lógon
echon)” (LEÃO, 2010, p. 57), remete-nos para este transcurso. Apesar da complexidade
semântica que o termo carrega, as traduções por lógica/razão ou linguagem são as
duas vias mais abundantes.
Considerando o entendimento por lógica, temos uma vertente que privilegiou as
matrizes de um pensamento calculador. No que tange esta questão, Heidegger (1998,
p. 199) firma que, desde há muito tempo, a lógica é compreendida como a doutrina do
pensar corretamente que visa à instrução sobre a construção, as formas e as regras
do pensamento que apoderamos para delas fazermos uso. Deste modo, inaugura-se
uma perspectiva do conhecimento racional sobre o real. Já o entendimento oriundo da
via linguística marcou uma tradução pretensamente literal da sentença de Aristóteles:
“ser vivo que tem língua e discurso, o homem é um ser que fala” (LEÃO, 2010, p. 57).
Entretanto, este referido ato de falar já aponta para o próprio homem e não mais ao
dizer do canto musal no qual se fazia presente o extraordinário dos deuses.
Durante séculos, a poesia épica cantada constituía-se em uma prática de grande
prestígio em várias sociedades arcaicas, uma vez que estava ligada à instauração das
possibilidades de memória. Toda bagagem cultural helênica se mantinha conservada
na forma de discurso poetizado. A memória oral e divinizada, tipificada pelo canto do
aedo, perdeu seu status central na formação da identidade daquele povo. Isto se deve,
como apontou Havelock (1996), ao uso e consolidação do registro escrito como uma
possibilidade tecnicamente mais eficiente de armazenar o discurso. Em consonância
com esta vigência da mousiké, o estilo aforístico dos pensadores denominados “pré-so-
cráticos” trazia consigo uma verve de poeticidade que não era regida pelos parâmetros
da lógica compreendida como razão. A este respeito, Heidegger, assinala a condição
que fez com que o pensador Heráclito de Éfeso fosse denominado com a alcunha
de “o obscuro”. As palavras deste sábio grego não são medidas pelos parâmetros

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

de “clareza”, objetividade, e linearidade tão caros à lógica platônico-aristotélica, pelo


contrário, convidam o ouvinte (ou leitor) a adentrarem no perímetro do encobrimento,
do mistério e da tensão dialética que conjuga os contrários (HEIDEGGER, 1998. p. 47).
As noções de lógica que a tradição filosófica se apoderou são sujeitas a mecanismos
de compreensão que não dão conta das errâncias e ambiguidades que nutrem o
pensar poético, pelo contrário, regularmente constituem um impedimento a este
desdobramento essencial. Por outro lado, o lógos do qual Heráclito nos convida a ouvir
(fragmento 50) regozija-se na ambiguidade da tensão dos contrários (fragmento 53).
Com objetivo de aproximar da essência do vocábulo grego, Leão (2010, p. 33) destaca
que a origem de lógos advém do radical indo-europeu Leg-o que confere toda uma
força de criação poética ao sentido desta palavra. Esta experiência originária que o
termo evoca pode desdobrar-se em três grupos de múltiplos derivados, porém todos
articulados pela dinâmica poética do movimento de pôr, depor e propor: a) reunir,
colher, concentrar; b) pousar, assentar e repousar; c) relacionar, narrar e listar. É neste
horizonte que podemos ver a estreita ligação com o mundo grego regido em função
das musas. Nesta dimensão, o lógos ainda não havia se reduzido à razão e tampouco ao
ato da fala, mas, em sua vigência originária, encontrava eco no bailar e en-canto musal.

Referências
LEÃO, Emmanuel Carneiro. Filosofia grega: uma introdução. Terezópolis: Daimom, 2010.
HAVELOCK, Eric A. Prefácio a Plantão. Tradução de Enid Abreu Dobránzsky. Campinas:
Papirus, 1996. 
HEIDEGGER, Martin. Heráclito: a origem do pensamento ocidental. Lógica: a doutrina heraclítica
do lógos. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998.
HERÁCLITO. Fragmentos: origem do pensamento. Tradução, introdução e notas de Emmanuel
Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1980.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

A realização do som:
recordação musical na estética hegeliana
The realization of sound: musical remembrance in Hegel’s Aesthetics

Palavras-chaves: estética; recordação musical; som.


Keywords: aesthetics; musical remembrance; sound.

Kaique Gonçalves Silva


UFU

Nos Cursos de Estética de Hegel, o som é considerado “uma exterioridade que,


em seu surgimento, se aniquila novamente por meio de sua existência mesma e
desaparece em si mesma” (HEGEL, 2015, p. 279). Esta aniquilação é o momento
exato em que a música ganha vida. Em termos abstratos, o som é algo imaterial,
sem cor ou corpo, mas pode ser captado pelo sentido. Para tanto, o som que se
encontra com o sentido, no caso a audição, poderia ser associado a uma possível
recordação contida tanto em músicas orquestradas (instrumentais), quanto em
músicas cantadas. Pensando o som em si mesmo, temos nele a passagem exata
da realidade física (sentidos, razão) para a realidade imaterial da razão absoluta
contida num espírito universal. O objetivo deste trabalho é expor nossa primeira
hipótese acerca do conteúdo musical contido no som: seria possível gerar novas
formas de emoções/afetos por meio de uma recordação — Erinnerung — reproduzida
no interior do espírito subjetivo, que assimila em si e para si o som recebido? Se é
possível, como essa nova percepção do ser com sua realidade aparente é percebida
ou é recordada por intermédio de um conteúdo musical? A justificativa para esta
proposta se encontra sob o tema desta pesquisa, que é empreender uma análise
contemporânea indutiva do segundo capítulo dos Cadernos de Estética, volume III:
A música. É sabido que as reflexões sobre a Estética hegeliana não contemplam
possíveis interpretações que desenvolvam um conteúdo específico, mas contem-
plam tanto a música quanto a Filosofia. Por isso, cogitamos que o conteúdo musical
poderia ser um conteúdo espiritual. É nesse sentido que nos distanciamos de Hegel
quando ele afirma: “a música permanece vazia e sem significado e, já que lhe falta
o lada principal de toda a arte, o conteúdo e a expressão espiritual” (HEGEL, 2015,
p. 289). Este conteúdo musical não é só uma representação vazia e sem significado,
ele é algo em si formal e preenchido de um conteúdo. Acerca deste problema,
partilhamos do pensamento de Enrico Fubini sobre o poder que a música tem de
se comunicar e de se expandir passando de “geração em geração, transmitindo-se
de um povo para outro, transpondo muitas vezes barreiras, fronteiras políticas,
geográficas e linguísticas com uma agilidade e dinamismo ignorados pelas outras
artes” (FUBINI, 2003, p. 44). A música seria em si a grande superação e a grande
realização do ideal estético, pois supera a sua própria negação com um conteúdo
sensível, dialético e universal.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Referências
FUBINI, E. Estética da Música. Tradução de Sandra Escobar. Lisboa: Edições 70, 2003.
HEGEL, G.W.F. Cursos de Estética. Volume I. Tradução de Marcos Aurélio Werle. Revisão de
Márcio Seligmann Silva. Consultoria Victor Knoll e Olivier Toller. 2.ed.rev. 1 reimpr. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2015. (Coleção Clássicos; 14).
HEGEL, G.W.F. Cursos de Estética. Volume II. Tradução de Marcos Aurélio Werle. Revisão de
Márcio Seligmann Silva. Consultoria Victor Knoll e Olivier Toller. São Paulo: Editora da Uni-
versidade de São Paulo, 2000. (Coleção Clássicos; 18).
HEGEL, G.W.F. Cursos de Estética. Volume III. Tradução de Marcos Aurélio Werle. Revisão de
Márcio Seligmann Silva. Consultoria Victor Knoll e Olivier Toller. 2.ed.rev. 1 reimpr. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2014. (Coleção Clássicos; 24).

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

O lugar da música na divisão kantiana das belas artes


The place of music in the Kantian division of fine arts

Palavras-chave: Kant; filosofia da música; formalismo; estética alemã do séc. XVIII.


Keywords: Kant; philosophy of music; formalism; 18th-century German aesthetics.

Demétrius Alexandre da Silva Souza


UFOP

A Crítica da Faculdade de Julgar (1790) de Immanuel Kant (1724-1804) é um empreen-


dimento teórico ambicioso no qual o filósofo alemão procurou conferir unidade a
seu projeto crítico. Trata-se, portanto, de uma obra em que o chamado “princípio da
finalidade” é estudado nas suas duas formas de manifestação: enquanto juízo estético
e enquanto juízo teleológico. Houve, contudo, abertura para que esse pensador discu-
tisse questões relacionadas ao que ele chama de “formação e cultivo do gosto”, uma
discussão filosófica sobre arte na qual o estatuto particular de cada linguagem artística
é analisado, no contexto de uma divisão hierárquica que se articula com conceitos e
valores oriundos da estética contida nessa obra. Assim, as artes discursivas (a poesia e
a retórica), as artes figurativas (pintura, escultura e arquitetura) e as artes do belo jogo
das sensações, no interior das quais se encontra a música, serão confrontadas entre si
no sentido de averiguar a medida em que cada uma delas corresponde aos critérios
da “bela arte”, ou seja, a medida em que cada uma delas desperta um prazer desin-
teressado e expressa ideias estéticas. É nesse contexto que o filósofo desenvolverá a
parte mais significativa de sua estética musical. Interessa notar que, diferentemente do
que ocorre com as outras artes, Kant analisa a possibilidade de pensar a música como
bela arte a partir de dois critérios diferentes: a ampliação das faculdades (reflexão) e a
movimentação da mente. E, paralelamente, concede à música uma análise de cunho
fisiológico, na qual, a arte dos sons é analisada segundo os efeitos corporais que ela
propicia e é equiparada ao riso e aos jogos de azar. Podemos dizer que o lugar da música
na divisão das belas artes kantiana é controverso: avaliada segundo a reflexão, ela é a
arte mais baixa, segundo a movimentação da mente ela ocupa o segundo lugar, logo
abaixo da poesia, e, finalmente, a partir da perspectiva fisiológica, ela se enquadra mais
na categoria da arte agradável do que como bela arte. Essa oscilação de parâmetros
avaliativos concernentes ao lugar ocupado pela música na hierarquia das artes desse
filósofo, torna a interpretação dos poucos parágrafos que lhe são dedicados uma tarefa
complexa. Sem qualquer pretensão de dar por encerrada a questão, nos propomos a
discutir, junto ao comentário recente a respeito desse assunto, o lugar ocupado pela
música na divisão das belas artes esboçada por Kant na sua Crítica da Faculdade de
Julgar. Essa discussão oferecerá ocasião para que problemas filosóficos tais como a
relação da escuta com a percepção da forma musical, o estatuto da temporalidade na
música e a relação entre fisiologia e cognição musical sejam abordados. Nossa leitura
converge com a de Vieira (2019) para o qual a música em Kant é uma arte mista, isto

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é, conjuga atributos das belas artes e das artes agradáveis, com o adendo de que, ao
nosso ver, ela é predominantemente agradável, e também de que, nesse sentido, é
possível ainda assim observar, a despeito do estatuto axiológico inferior do segundo
grupo em relação ao primeiro, uma avaliação positiva da arte sonora. Essa possibilidade
é sugerida, entre outros, por Pinilla (2013) o qual reconhece que o fortalecimento do
sentimento de vida, atribuído por Kant à música do ponto de vista da fisiologia, pode
ser interpretado como um interessante elogio a esta arte que, do ponto de vista da
reflexão, recebera de Kant tão reverberadas reprimendas.

Referências
ALLISON, Henry E. Kant’s theory of taste: a reading of the critique of aesthetic judgement. Ed:
Cambrigde University Press: NY, 2001
KANT, Immanuel. Crítica da faculdade de julgar. Tradução: Fernando Costa Mattos Ed. Vozes:
Petrópolis, 2016
NACHMANOWICZ, Ricardo. A tensão entre fenomenologia e teoria nos comentários de Kant
sobre a música. Cadernos de Filosofia Alemã, São Paulo, v. 20, n. 1, p. 143-166, 2015
PINILLA, Ricardo. Kant contra Kant: la cuestión de la música en la Crítica del Juicio. Azafea:
Revista de Filosofia, Salamanca, v. 15, p. 83-101, 2013.
VIEIRA, Vladimir. Arte bela ou arte mista? Kant sobre a música. Studia Kantiana, Paraná,
v. 17, n. 2, p. 29-42, ago. 2019.

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A arte imitativa e a valorização da música


na República de Platão
The imitative art and appreciation of music in Plato’s Republic

Palavras-chave: Platão; República; arte; imitação; música.


Keywords: Plato; Republic; art; imitation; music.

Sérgio Ricardo Strefling


UFPEL

Platão foi o primeiro a tratar com rigor filosófico os problemas da natureza e do fim da obra
de arte e relacioná-los com a ética e a metafísica. Para Platão a arte não é autônoma, mas
estreitamente ligada à metafísica e à moral. De fato, ao determinar a essência, a função e
o valor da arte, preocupa-se somente com estabelecer seu valor de verdade, isto é, se ela
aproxima o homem da verdade, se o torna melhor, se socialmente tem valor pedagógico e
formativo ou não. Segundo Platão a arte não revela, mas esconde a verdade; não melhora
o homem, mas o corrompe, porque é mentirosa; não educa, mas deseduca.
Na República a arte não é considerada como eros, mas como imitação (mimesis) e não
é estudada por si mesma, mas por causa de suas relações com a moral. Neste sentido,
só deve ser valorizada a arte que é útil à educação. A arte que favorece a corrupção
deve ser condenada e excluída. Platão acredita que a tragédia e a comédia servem
mais para corromper do que para educar, pois afastam da verdade. Na República
ele condena a arte imitativa em geral, uma vez que esta não se funda na razão, mas
no sentimento e na fantasia; e, em vez de ser auxílio para a razão, agita as paixões,
provocando o prazer e a dor.
O filósofo grego, todavia, vai destacar a música como a arte que merece ser cultivada,
pois ela educa para o belo e forma a alma para a harmonia interior. Na República afirma
que a educação para as crianças deve iniciar pela música, antes mesmo da ginástica.
A música está incluída na literatura, mas há que distinguir duas espécies de literatura,
uma verdadeira e outra falsa. A educação pela música é capital, porque o ritmo e a
harmonia penetram mais fundo na alma e tornam o homem mais perfeito, ou seja,
belo e bom (kalós te agatós).
Devemos entender a dignidade da música, segundo Platão, a partir da compreensão
hierárquica que ele tem do saber. Na alegoria da linha dividida e na alegoria da caverna
ele explica os graus de conhecimento, conforme sua teoria sobre o mundo sensível e o
mundo inteligível. Na República, ele apresenta um plano de educação onde não menciona
as ciências físicas, porque não as considera como ciências. No lugar destas coloca as artes
manuais (agricultura, carpintaria, construção, navegação) que Platão não prescreve para
os guerreiros e para os filósofos. O ciclo elementar para todos os destinados às funções
das classes superiores se reduz a ginástica para o corpo e a música para a alma. A música,
mais entendida como ciência no sentido superior, é a arte própria dos filósofos.

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Referências
ADAM, J. (ed). The republic of Plato. Cambridge: Cambridge University Press, 1902.
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre JOU, 1962.
COPLESTON, F. História de la Filosofía. De la Grecia Antiga al Mundo Cristiano. Barcelona:
Planeta, 2004.
PLATÃO. A República. Tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira. 8. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1972.
REALE, G. História da Filosofia Antiga. Platão. V. II. São Paulo: Loyola, 1994.

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A propósito da ideia de que a arte nos permite pensar


para além das palavras
On the idea that art allow us to think beyond words

Palavras-chave: J.G. Herder; música; expressivismo; linguagem.


Keywords: J.G. Herder; music; expressivism; language.

Daniel Temp
UFSM

Para Johann Gottfried von Herder (1744–1803) “a alma humana pensa com palavras” (HER-
DER, 1877) — quer dizer, para ele, “[a alma] não apenas exterioriza, mas também distingue
a si mesma e ordena seus pensamentos mediante a linguagem” (METAKRITIK, p. 19). Tal
ideia é formulada contra a posição largamente difundida no século XVIII de que ideias e
significados correspondem a entidades pré-linguísticas que existem de forma autônoma,
independentemente do meio que as exprime. De acordo com essa que foi (e ainda hoje
continua a ser) uma concepção muito influente entre filósofos preocupados com a inves-
tigação do conhecimento, a linguagem se presta sobretudo à descrição de coisas — seja
qual for a sua natureza — segundo o esquema palavra-objeto. Isto é, supõe-se 1. que coisas
ou objetos são responsáveis pelo significado das palavras, e 2. que tais coisas ou objetos
são entidades pré-linguísticas (entes materiais ou ideias) que existem de forma autônoma,
isto é, independentemente do meio ou da linguagem que as exprime. É justamente contra
uma semelhante concepção que Herder formula a tese de que o pensamento não só está
estreitamente ligado, como ainda é delimitado pela linguagem.
Para justificar sua tese, Herder invoca o aspecto pragmático e constitutivo da lingua-
gem. Por exemplo: existe uma variedade de coisas cuja existência, ao contrário do que
acontece com objetos materiais, só vem a lume depois que se aprende uma linguagem
— é o caso dos números, das ideias abstratas e de boa parte dos predicados psíquicos,
que não são outra coisa senão palavras cujo significado se constitui pragmaticamente
através do exercício/uso da linguagem (e não por referência a qualquer entidade
extralinguística oculta na mente ou no cérebro). De um ponto de vista mais sistemá-
tico, portanto, o argumento por trás da ideia de que pensamento está imbricado na
linguagem nitidamente pressupõe uma concepção pragmática de significado linguístico
como uso. Bastante por alto, pode-se reconstruir o argumento de Herder mais ou
menos assim: um pensamento ininteligível não é propriamente um pensamento (ou:
não faz sentido conceber um pensamento de todo incapaz de portar significado); ora,
o significado se define precisamente através uso das palavras; logo, o pensamento
depende e é delimitado pela competência linguística no uso das palavras — ou seja,
pensamento depende e é delimitado pela linguagem (FORSTER, 2010).
A versão herderiana da tese de que o pensamento depende e em parte até se constitui
por meio da linguagem ficou conhecida pelo nome de expressivismo (TAYLOR, 1996).

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A grande questão é até que ponto uma concepção expressivista da relação entre
pensamento e linguagem é capaz de explicar aspectos da experiência que, embora
claramente portadores de significado, nem por isso são imediatamente exprimíveis
através de palavras. As artes não-linguísticas em geral, e a música instrumental em
particular, são, nesse caso, exemplos emblemáticos: interpretada ao pé da letra, a
concepção expressivista visivelmente contraria a impressão corrente de que meios
não-linguísticos de expressão, como justamente é o caso da música instrumental, são
perfeitamente capazes de comunicar/expressar ideias ou pensamentos. A pergunta que
se impõe é, pois, a seguinte: na concepção de Herder, o expressivismo assevera que o
pensamento depende rigorosamente da expressão em símbolos linguísticos, tais como
palavras, ou o expressivismo apenas assevera, de forma bem menos restrita, que o
pensamento depende da expressão em meios simbólicos em geral, de modo a incluir
aí atividades que dispensam a expressão em palavras, como a escultura, a pintura e
a música instrumental? Existe uma grande diferença entre as duas formulações: no
primeiro caso, a música instrumental e outras artes, por não empregarem palavras ou
outro meio de representação, são consideradas capazes de expressar emoções, porém
não pensamentos; no segundo caso, ao contrário, a música instrumental e as outras
artes são consideradas, elas próprias, linguagens capazes de exprimir pensamentos.
Deste modo, na primeira formulação o pensamento permanece estreitamente vin-
culado à expressão linguística em palavras, ao passo que, de acordo com a segunda
formulação, é perfeitamente possível pensar para além das palavras. Nesse contexto, o
presente trabalho pretende revisitar as ideias de Herder sobre a linguagem no intuito
de avaliar a real pertinência da influente interpretação de Forster (2010), para quem
o expressivismo de Herder, apesar de admitir que a música pode expressar certas
ideias, ainda assim estaria mais alinhado à primeira formulação.

Referências
FORSTER, M. After Herder: Philosophy of Language in the German Tradition. Oxford: Oxford
University Press, 2010.
HERDER, J. G. Metakritik zur Kritik der reinen Vernunft. In: Johann Gottfried Herder Sämtliche
Werke. B. Suphan et al. (org.). Berlin: Weidmann, 1877.
TAYLOR, C. Language and Human Nature. Human Agency and Language: Philosophical Papers
I. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.

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Ritmo o principal auxiliar da arte poética


na filosofia de Arthur Schopenhauer
Rhythm the main auxiliary of poetic art
in Arthur Schopenhauer’s philosophy

Palavras chave: poesia; palavra; ritmo; estética.


Keywords: poetry; word; rhythm; aesthetics.

Caio Miguel Viante


Unioeste

O presente resumo tem por objetivo explicitar a importância do ritmo na arte da


poesia na filosofia de Arthur Schopenhauer. Para isso, buscar-se-á compreender a
relevância da palavra na arte da poesia. Para posteriormente destacar o ritmo como
principal auxiliar dessa arte. O estatuto da palavra possui uma grande relevância na
filosofia de Schopenhauer, porque é objeto das ciências e da poesia. Trataremos aqui
da palavra em meio à arte poética, sabendo que ela se exprime de modo diferente
daquela exposta no saber científico. Por isso, trataremos da palavra tendo como pano
de fundo as considerações schopenhaurianas destinadas ao horizonte artístico, bus-
cando compreender a intenção e a técnica do poeta que, ao intuir a ideia, proporciona
através das palavras uma contemplação ideacional ao espectador. Dito isso, passemos
a compreensão do ritmo como principal auxiliar da arte da poesia. O ritmo produz
efeitos expressivos e intensos no ouvinte. Na poesia, o som das palavras adquire,
“através do ritmo e da rima, uma certa perfeição e um certo significado em si mesmo
ao converter-se por aí em uma espécie de música” (SCHOPENHAUER, 2015, p. 515). Ele
com auxílio da rima é capaz de envolver as palavras declamadas pelo poeta, e, com
isso, deleitar o ouvido do espectador. Introduze musicalidade nas palavras, pois as
envolve de maneira harmônica, sensibilizando o ouvinte, conduzindo-o de tal forma
que a ideia é apresentada de forma melódica ao espectador.
O ritmo é um recurso muito usado desde os antigos poetas e possui maior relevância
que a rima como ornamento. Exemplo disso são os poemas da Grécia antiga, nos quais
havia o uso do ritmo e do metro como auxiliares, sem o uso das rimas. Ocorre que,
na cultura da Grécia antiga, o metro é o principal auxiliar do ritmo. Através do metro
o poeta distribui as sílabas das palavras, anunciando-as de acordo com a extensão da
sílaba. Assim, a poesia da Grécia antiga era baseada na duração da sílaba, tendo nas
palavras uma distribuição silábica composta por sílabas longas e breves.
É por meio do ritmo que o poeta ordena as disposições das palavras no poema. Ele
promove a percepção da proporção sonora e a distribuição adequada das palavras.
Em outros termos, o ritmo estabelece a sucessão regular das frases. Por isso, o ritmo
ajuda muito o poeta a expor a ideia, proporcionando ao ouvinte um poderoso efeito.
O ritmo controla a distribuição das palavras e dos versos no poema, seguindo uma

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repetição constante de tempos fortes e fracos. Ele proporciona a cadência dos ver-
sos, visto que harmoniza e arranja as palavras. Assim, podemos dizer que o ritmo
é um recurso do poeta que, a saber, ornamenta a poesia deixando-a mais bela. As
poesias com ritmo têm sua essência no tempo, pois o ritmo fornece a temporali-
dade, a intuição do ouvinte. Nas poesias que faltam o ritmo, o efeito da ideia é mais
pobre. Exemplo disso é a poesia francesa que, sem ritmo, encontra-se “limitada só
a rima e é ainda mais empobrecida porque, em vista de encobrir a sua carência de
meios, dificulta suas rimas através de uma multidão de princípios pedantes” (SCHO-
PENHAUER, 2015, p. 513).
O trabalho aqui proposto para apresentação é parte integrante da pesquisa de
mestrado em filosofia que tem por objeto de estudo a função da palavra na filosofia
de Arthur Schopenhauer: razão e poesia. Destacar o ritmo como principal auxiliar
da poesia ajuda a compreender por que o poeta comunica ideias e não conceitos,
assim como aproxima a arte da poesia da música, a mais elevada arte na filosofia
de Schopenhauer. Para uma compreensão do ritmo como principal auxiliar dessa
arte, utilizaremos, sobretudo, os tomos I e II de O Mundo como Vontade e como Repre-
sentação (1818-1819 e 1844, respectivamente). Além dessas duas obras de grande
relevância do autor, buscamos examinar as preleções da Metafisica do Belo (1820)
que também são importantes, já que nesses textos o filósofo procura explicitar os
principais temas abordados no Livro III de o Mundo. Partindo do estudo dessas obras,
tentamos explicitar os conceitos que tratam do ritmo como principal auxiliar da arte
poética na filosofia de Arthur Schopenhauer.

Referências
SCHOPENHAUER, A. O Mundo como Vontade e como Representação. Tomo I. Tradução, apre-
sentação, notas e índices de Jair Barboza. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
SCHOPENHAUER, A. O Mundo como Vontade e como Representação. Tomo II. Tradução, apre-
sentação, notas e índices de Jair Barboza. São Paulo: Editora UNESP, 2015.
SCHOPENHAUER, A. Metafísica do Belo. Tradução, apresentação e notas de Jair Barboza. São
Paulo: Ed. UNESP, 2003.

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A crítica de Roman Ingarden


à abordagem psicologista de obra musical
Roman Ingarden’s criticism
on the psychologistic approach of musical work

Palavras-chave: Roman Ingarden (1893-1970); obra musical; psicologismo; ontologia.


Keywords: Roman Ingarden (1893-1970; musical work; psychologism; ontology.

Glaucio Adriano Zangheri


FAMOSP

A partir da recusa de que a obra musical seja algo psíquico, o presente artigo expõe
a crítica que Ingarden faz à abordagem psicologista de obra musical a fim de reforçar
a concepção ontológica de que uma peça musical é um objeto puramente intencional.
O que se entende aqui por “psicologismo” são certas tendências situadas no início do
século XX que abordavam os fundamentos epistemológicos e lógicos a partir da psico-
logia (ZAHAVI, 2015, p. 14). Ingarden localiza tais tendências numa série de afirmações
acerca da natureza da obra musical que, embora buscassem contornar pressupostos
metafísicos, acabavam por confundir inadvertidamente a obra com as experiências
de consciência que temos dessa mesma obra. Para resolver esse problema, o filósofo
polonês expõe as ambiguidades do termo “psíquico” [psychisch] e esclarece em que
sentido um objeto musical se relaciona com os atos de consciência. Por um lado, a
obra musical será compreendida como um objeto intencional pelo simples fato de
que ela é um objeto para o qual uma consciência se refere, mas por outro, adquirirá
também o status ontológico de objeto puramente intencional na medida em que ela só
tem sentido e só pode existir enquanto objeto dependente dos atos de uma consciência
que a constitui. Isso, no entanto, não nos autoriza a afirmar que ela seja alguma parte
ou algum “conteúdo” real da consciência e das vivências dela — quer dizer, embora ela
seja dependente dos atos de consciência ela não se confunde com esses atos. E isso
se dá porque enquanto os atos de consciência podem ser situados num aqui e num
agora (eles são acontecimentos reais) o mesmo não ocorre com a obra musical. Por
outro lado, Ingarden também recusa a alternativa de que a obra seja um objeto ideal
— uma vez que ela não é “descoberta” e nem deduzida a partir de operações lógicas.
A obra musical, tal como as outras formas de arte, mostra-se, portanto, como sendo
distinta dos seres reais e ideais, o que leva o autor a incluí-la numa terceira modalidade,
a saber, a dos seres puramente intencionais.
A exposição do presente trabalho está dividida em quatro partes: na primeira, apre-
sentamos a descrição que Ingarden faz da concepção psicologista de obra musical; na
segunda, expomos os argumentos que o autor polonês apresenta para demonstrar
de que maneira as imprecisões do termo “psíquico” ou “mental” acabam por gerar
mal-entendidos nos quais se confundem os atos de consciência com os objetos para
os quais tais atos de consciência se dirigem; na terceira, mostramos em que sentido

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Ingarden nos autoriza a falar de ”conteúdo’ de nossas experiências com obras musicais;
finalmente, na quarta e última parte, discutimos de que forma a crítica à concepção
psicologista de obra musical se relaciona com as formulações ontológicas defendi-
das por Ingarden. Como resultado, teremos uma concepção de obra musical que,
enquanto objeto puramente intencional, se mostrará distinta tanto dos objetos reais
quanto dos objetos ideais. Por fim, a nossa conclusão faz um breve balanço de como
a crítica à abordagem psicologista de obra musical se insere como num argumento
mais amplo que busca demonstrar de que forma, e por quê, as obras de arte devem
ser distinguidas de seres reais e ideais.

Referências
INGARDEN, Roman. A obra de arte literária. Tradução: Albin E. Beau, Maria da Conceição
Puga e João F. Barreto. Prefácio de Maria Manuela Saraiva. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1973.
INGARDEN, Roman. Ontology of the work of art: The musical work. The Picture. The architec-
tural work. The film. Tradução: Raymond Meyer e John T. Goldthwait. Ohio: Ohio University
Press, 1989.
INGARDEN, Roman. Untersuchungen zur Ontologie der Kunst: Musikwerk – Bild – Architektur
– Film. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 1962.
MOURA, C. Alberto Ribeiro de. Racionalidade e Crise: Estudos de História da Filosofia Moderna
e Contemporânea. São Paulo: Discurso Editorial e Editora da UFPR, 2001.
ZAHAVI, D. A fenomenologia de Husserl. Tradução: Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro:
Via Verita, 2015.

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a travessa ment o s :
poética s, c riações,
linguagens, ensaios,
experimentações
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Complexidade informativa e as funções de valorização


pré-musical das alturas de Henri Pousseur
Informational complexity and Henri Pousseur’s functions of pre-
musical pitch evaluation

Palavras-chave: Teoria da Informação; harmonia; Henri Pousseur.


Keywords: Information Theory; harmony; Henri Pousseur.

Vinicius Siqueira Baldaia


UNESP

A partir de dados experimentais, Elwyn Edwards postula que, quanto maior a quan-
tidade de informação de uma mensagem, maior o tempo de exposição a ela será
necessário ao indivíduo humano para a sua assimilação (EDWARDS, 1964, p. 78). A
discussão em que se insere a asserção acima trata de fundamentos da Teoria da
Informação, à qual a “complexidade” da mensagem, isto é, a redução de incerteza que
encerra, é diretamente proporcional à “quantidade de informação” transmitida (EPS-
TEIN, 1986, p. 38-39; EDWARDS, 1964, p. 44-50). Ao ponderar sobre a relação entre a
técnica composicional e a “complexidade” efetivamente perceptível do objeto estético,
Jacopo Schilingi chega ao entendimento de que tal “complexidade” é engendrada pela
multiplicidade de interpretações que uma obra proporciona ao ouvinte1. Para o autor,
essas interpretações seriam mediadas por um processo cognitivo de comparação e
hierarquização dos fenômenos percebidos (SCHILINGI, 2007, p. 56-61). Como lembrara
Epstein, a eficácia da comunicação (isto é, da interpretação cognitiva da entrada senso-
rial) depende da atribuição de redundância ao código, condição de sua inteligibilidade
(EPSTEIN, 1986, p. 20), uma vez que o indivíduo precisa de tempo para depreender
da grande complexidade informativa os padrões (redundância) apreensíveis para
assimilação da mensagem (ROEDERER, 2002, p. 220)2. E, como vimos com Edwards,
o tempo necessário a tal aumenta à medida que aumenta a complexidade do sinal
recebido. A partir da percepção e comparação dos sinais recebidos, o indivíduo pode
então “agrupar” elementos da mensagem que compartilhem características comuns
– ao memorizar grupos de estímulos em vez de cada estímulo discreto, é capaz de
poupar energia e atenção3.
Henri Pousseur lista o que define como quatro principais “níveis de valorização pré-
-musical das frequências” (POUSSEUR, 2008, p. 173-174). Tais “níveis” consistiriam em
abordagens de apreciação das alturas realizadas quando da escuta de uma obra (possi-

1 Comparar com o conceito de “abertura” de uma obra de Umberto Eco (ECO, Umberto. Obra Aberta.
São Paulo: Editora Perspectiva, 1968, p. 40).
2 Ver também: MOLES, Abraham. Teoria da Informação e Percepção Estética. Brasília: Editora Universidade
de Brasília, 1978, p. 71-84.
3 TEMPERLEY, David. The Cognition of Basic Musical Structures. Cambridge: MIT Press, 2001, p. 56-57, 103.

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velmente simultânea e não necessariamente conscientemente), em uma gradação que


vai da mais “concreta” à mais “abstrata”. A categoria “colorística” seria a mais concreta,
na qual o indivíduo se apercebe dos aspectos mais “imediatos” do som, a despeito de
seu contexto musical; à medida que avança às categorias “melódica”, “harmônica” e,
finalmente, “combinatória”, temos um aumento na importância dos aspectos relacionais,
contextuais e, portanto, abstratos entre sons (POUSSEUR, 2008, p. 174-190). Na última
categoria, os próprios sons são exauridos para a emergência de operações intelectuais
de comparação, hierarquização e valorização conceitual, baseado nas relações entre
os fenômenos, não mais nos fenômenos per se (POUSSEUR, 2008, p. 186-187).
Posta a relação entre o grau de “abstração” nas categorias de Pousseur e o número
de ponderações necessárias à interpretação do fenômeno (complexidade concei-
tual), este último cada vez menos observado como existência autônoma, mas como
correlacionado a seu contexto sonoro; e posta a correlação entre a complexidade da
mensagem e o tempo de exposição necessário à sua assimilação, este breve estudo
visa a realizar apontamentos à hipótese de que: as diferentes categorias de Pousseur
possuam diferentes “limiares temporais de diferenciação”, na articulação musical,
proporcionais a seu grau de “abstração”. Tal seria a base teórica pela qual, na prática
musical ocidental tonal, a extensão temporal de estruturas melódicas como as que
viriam a ser denominadas pela teoria musical “motivos” pôde ser mais breve do que
aquela das “funções harmônicas” ou mesmo “regiões tonais”, estas últimas sendo, pois,
dependentes de maior tempo de exposição para sua diferenciação e assimilação. Na
música dos sécs. XX e XXI, encontramos exemplos similares nas explorações timbrística
(“colorística”) e “combinatória”, como abordaremos teoricamente e buscaremos ilustrar
com breves amostras do repertório.

Referências
EDWARDS, Elwyn. Introdução à Teoria da Informação. São Paulo: Editora Cultrix, 1964.
EPSTEIN, Isaac. Teoria da Informação. São Paulo: Editora Ática, 1986.
POUSSEUR, Henri. Apoteose de Rameau e outros ensaios. São Paulo, Editora Unesp, 2008.
ROEDERER, Juan. Introdução à Física e Psicofísica da Música. São Paulo: EDUSP, 2002.
SCHILINGI, Jacopo Baboni. La musique hyper-systémique. Paris: Éditions MIX, 2007.

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As noções de autonomia da música e de hibridação


no álbum audiovisual Terra Fértil, do Rédea Solta
The notions of autonomy of music and hybridization
in the audiovisual album Terra Fértil, by Rédea Solta

Palavras-chave: Rédea Solta; composição; álbum audiovisual; autonomia da música; hibridação.


Keywords: Rédea Solta; composition; audiovisual album; autonomy of music; hibridization.

Arthur Zucchi Boscato


UDESC

O projeto Rédea Solta nasce em 2013 a partir da união de três compositores, instrumentistas
e cantores do interior de Santa Catarina interessados em desenvolver um trabalho de
música regional sul-brasileira cuja cor se dá através da mistura do marrom amadeirado
dos violões e do vermelho vivo das gargantas com a profusão de matizes da natureza,
cuja paisagem é também composta de um sem-fim de sons, uma gigantesca sinfonia
de pequenos pontos, cada um deles único em sua irreprodutibilidade.
O Rédea Solta alcança 2022 interessado em discutir dois grandes processos de alienação:
o primeiro, o do ser urbano em relação às vivências e processos ligados ao campo, ao
ambiente rural, ao trato com a terra e com os animais. Este distanciamento, para além
de gerar uma visão romântica e distorcida da realidade, gera paradoxalmente outra
percepção, diametralmente oposta, de que o(a) interiorano(a) é o(a) selvagem sob o
olhar do(a) civilizado(a) citadino(a). O segundo processo, o que levou o(a) fazedor(a) de
música, seja ele(a) intérprete ou compositor(a), a ignorar a multiplicidade de camadas
que compõe a experiência musical, sobretudo a visual.
Levando em conta o momento de desgaste da escuta acusmática; da escuta estrutu-
ral modernista calcada na ideia de autonomia da obra musical; de seu “equivalente
eletroacústico” (NASCIMENTO, 2011, p. 139), a escuta reduzida schaefferiana, que se
revelou uma impossibilidade, já que inevitavelmente estaremos sujeitos(as) às ima-
gens mentais que surgem a partir de um estímulo sonoro; de declínio das vanguardas,
cuja proposta de abstração gerou um afastamento entre o(a) criador(a) e o público
(NASCIMENTO, 2011); de retomada da intenção comunicativa, representada pela
inclusão no discurso musical das “múltiplas referencialidades de um som” (FERREIRA,
2007 apud NASCIMENTO, 2011, p. 138) operada pela música acusmática; e de inclusão
da imagem na experiência musical, tanto do ponto de vista de quem produz quanto
de quem consome; o Rédea Solta passa de um grupo de músicos para um coletivo de
artistas intermídia, e inicia o processo de produção do álbum audiovisual Terra Fértil,
um curta-metragem que dialoga com as vanguardas do cinema da primeira metade
do século XX, sobretudo com os chamados filmes-sinfonia, e com filmes poéticos que
partem desta referência: obras cuja construção discursiva é baseada simplesmente
na interação entre imagens em sequência e música.

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A mesma desconfiança externada por Hegel na capacidade da música vista apenas


como um emaranhado de relações internas de manifestar-se enquanto ação política
(para quem, assim como as ciências positivas dificilmente chegariam à verdade, a
dimensão do puramente musical poderia provar-se artisticamente pouco interessante,
isolando-a das demais artes e tornando-se objeto de fruição apenas de especialistas
(NASCIMENTO, 2011)) leva o Rédea Solta a esta incursão no universo do audiovisual,
como uma maneira de ampliar as camadas de discurso para discutir com mais ênfase
as políticas das imagens e dos corpos.
Pensando em produzir uma obra que unifique, tanto quanto possível — preferencial-
mente até o ponto em que eles sejam indecomponíveis em seus níveis individuais —,
os processos de composição sonora e visual, surge como horizonte metodológico a
noção de hibridação. Na obra Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da moder-
nidade (2019), o antropólogo argentino Néstor García Canclini desenvolve o conceito
afirmando que, no processo de globalização, são operadas constantes negociações
entre práticas e estruturas desagregadas que se fundem gerando novos objetos. Os
produtos destas combinações não podem ser separados em seus componentes indi-
viduais sem que sejam destruídos. Da mesma forma, obras artísticas híbridas existem
apenas enquanto seus entes constitutivos permanecem em interação. Se uma de suas
partes é retirada para que seja experienciada de maneira isolada, ela deixa de ser o
que é (LIMA, 2021). Contudo, se propõem e/ou comportam um “jogo criativo com o
som” (BRANDT; GEBRIAN; SLEVC, 2012 apud JACOBY, 2020, p. 187), defendo no presente
trabalho que elas contêm e/ou são (também) música.

Referências
GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade.
Tradução de Heloísa Pezza Cintrão e Ana Regina Lessa; tradução da introdução de Gênese
Andrade. 4. ed., 8ª reimpressão. São Paulo: Edusp, 2019.
JACOBY, Nori et al. Cross-cultural work in music cognition: Challenges, insights, and recom-
mendations. Music Perception, Oakland, v. 37, n. 3, p. 185-195, 2020.
LIMA, Marcelo Carneiro de. The concept of hybridization as a contribution to the analysis of
videomusic. In: III Congresso da Associação Brasileira de Teoria e Análise Musical (TeMA) & IV
Congresso Internacional de Música e Matemática, 2019, Rio de Janeiro. Série Congressos da
TeMA Vol. IV – Teoria Musical no Brasil: Diálogos Intercontinentais. Rio de Janeiro: UFRJ, 2021.
NASCIMENTO, João Paulo Costa do. Abordagens do pós-moderno em música: a incredulidade
nas metanarrativas e o saber musical contemporâneo. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011.

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Filosofia em campo: sons negros na cidade branca


Philosophy in the field: black sounds in the white city

Palavras-Chave: memória; filosofia-performance; candombe; bairro Refineria; estudos afrolatinoa-


mericanos.
Keywords: memory; performance-phylosophy; candombe; Refineria neighbourhood; Afro Latin American
Studies.

Natacha López Gallucci


Ufal

Nas últimas décadas do século XX, na América Latina, e decorrente do giro decolonial
aportado pelos Estudos Culturais e Afro-latino-Americanos, consolidam-se espaços de
investigação sobre e desde os gêneros performáticos populares descortinando matrizes
criativas rítmico-corpóreo-vocais pouco pesquisadas. Como o expressa Gérard Behague,
a cultura popular, pensada como uma “unidade”, expressou uma ideologia recorrente
nas histórias nacionais do nosso subcontinente; na perspectiva de legitimar ou natu-
ralizar a discriminação e o racismo estrutural, a necessidade de aliança entre estado
e os símbolos culturais, privilegiou linguagens artísticas branco europeias e deixou à
margem da história oficial manifestações regionais, locais e grupos que desenvolveram
produções artísticas afro-ameríndias que não respondiam aos formatos e discursos
hegemônicos (BEHAGUE, 1991).
Como o mostram a filosofia e a antropologia contemporâneas, os gêneros performá-
ticos afrolatinoamericanos1, enquanto culturas populares plurais, são produtos de
demandas sociais, étnico-raciais, de lutas pelos territórios assim como pelo resgate
das ancestralidades, e mantêm vasos comunicantes que emergem quando investiga-
dos sob uma perspectiva transnacional. O desenvolvimento de novas metodologias
de pesquisa em artes como os estudos audiovisuais, a etnocenologia e os estudos da
performance, são legados das técnicas reflexivas e críticas da antropologia, da linguística
e da etnomusicologia, incorporando o corpo e suas produções sonoras e gestuais como
recursos epistemológicos de saberes situados. Nesse sentido, nas pesquisas realiza-
das de maneira transnacional, principalmente em Brasil e na Argentina, estudamos
características dos géneros performáticos afroameríndios observando o forte apelo a
técnicas de improviso e a coligação comunitária entre toques, cantos e danças-lutas.
Compartilhamos nesta comunicação algumas reflexões filosóficas sobre a memória
sonora, a partir da emergência de narrativas subjetivas afrodescendentes na Argen-
tina; o recorte aqui apresentado, circunscreve-se à prática do candombe desenvolvido
no tradicional bairro operário da Refineria, na cidade de Rosario (SF), Argentina. A
pesquisa-ação audiovisual, contemplada no projeto xxx (PNPD Capes) foi conduzida

1 A grafia remete a uma posição ética, estética e filosófica no programa de consolidação dos
estudos afrolatinoamericanos.

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sob os lineamentos da estética relacional (BOURRIOUD, 2003), produzindo registros


diretos e montagens do desenho sonoro em um processo crítico sobre a realidade
da cultura negra nesse país.
Apresentamos aspectos da experimentação in loco (filosofia em campo) e dos registros
audiovisuais de candombe em rede (montagem audiovisual) realizados em colaboração
com o luthier e músico rosarino Tom Alancay, entre 2019 e 2021. Essa colaboração
consolidada através de entrevistas filmadas, seminários ministrados em parceria
e produção de música autoral em rede, já no período da pandemia, permitiu-nos
investigar a memória sonora, social e cultural ligada ao bairro da Refineria de Açúcar
em Rosario (alojando no porto dessa cidade, que foi o segundo polo agroexportador
depois de Buenos Aires); cuja história oficial se vincula à imigração branca e europeia
chegada ao país a partir de 1890, sob políticas de captação de imigração europeia.
Durante a pesquisa foram reativadas as narrativas familiares sobre a transmissão
oral das matrizes afro na familia de Tom Alancay e acessadas coleções de arquivos
sobre a vida cultural, musical e operaria do bairro que, curiosamente escondiam,
até poucos anos atrás, qualquer vestígio da população e das culturas afro-indígenas
nessa região da cidade.
A prática musical e dançada do candombe -afrouruguaia e afroargentina-, enquanto gênero
performático popular praticado na Argentina, é recriado na contemporaneidade urbana
rosarina, recorrente e reconhecido socialmente em sua dimensão material sonora, sua
gestualidade no toque e na dança, assim como na vocalidade da canção, imbricados na
produção de sentido dentro do drama social urbano (HOBSVAWN, 1999).

Referências
BEHAGUE, Gerard H. “Reflections on the Ideological History of Latin American Ethnomusi-
cology.” In: NETTL, B.; BOHLMAN, P. (org.) Comparative Musicology and Anthropology of Music
Chicago and London: The University of Chicago Press, 1991, p. 56-68.
BORUCKI, Alex. De tambos a candombes: asociaciones afro en el Río de la Plata desde la Colonia
a Rosas. Caba, Buenos Aires: Prometeo Libros, 2014.
BOURRIAUD, N. Estética relacional. São Paulo: Martins, 2003.
CULL, L.; LAGAAY, A. (org.) Performance Philosophy. UK: M acmillan, 2014.
HOBSBAWM, Eric. The invention of tradition. UK: Cambridge University Press, 1999, p.263-308.
NUDDS, M.; O´CALLAGHAN, C. (Ed.) Sounds and Perception: New Philosophical Essays. Oxford:
Anthony Gritten, 2012.

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Quarentena: eu habito uma sala. Ela me habita


Quarentine: I inhabit a room. It inhabits me

Palavras-chave: música experimental; Alvin Lucier; quarentena; habitar; inquietante.


Keywords: experimental music; Alvin Lucier; quarantine; to inhabit; uncanny.

Henrique Iwao Jardim da Silveira


UFMG

Durante a pandemia de COVID-19, muitos passaram mais tempo em casa, no que se


convencionou a chamar de quarentena. Isso se deu comigo e o acúmulo de horas
consecutivas habitando a sala tornou essa convivência solitária problemática, no sen-
tido de interessante, de algo que suscita tematização. Algo que deveria ser trabalhado
de modo a resultar uma obra de música experimental, de minha autoria, fruto de
um engajamento reflexivo a partir da condição de quarentena domiciliar. O excesso
dessa habitação estaria a fazer florescer algo de inquietante, unheimlich, para acenar
a Freud e ao estranho que surge do familiar, aproveitando assim sua etimologia ligada
ao doméstico (2010). O fantasioso que, circunstancialmente, ligava-se à minha sala,
poderia despertar então uma exploração do fantasmagórico ligado à perspectiva das
pessoas sob quarentena domiciliar voluntária. O tempo da observação continuada,
em sua renovação fenomênica constante, retirava o espaço da sala de seu mero uso
cotidiano, fornecendo-lhe um caráter secreto, de abertura ao inesperado. A ideia era
que a relação rotineira instrumental com a sala se diluiria dando espaço para possi-
bilidades diferentes de determinação sala-usuário.
Abriam-se assim duas vias de investigação. A primeira ligava-se ao monstruoso e ao
gênero do horror, onde uma situação inesperada (no caso, a pandemia) desencadearia
um evento - a transformação de elementos mundanos em extra-mundanos ou ao menos
híbridos. Essa determinação se daria no modo da perturbação e do confronto: como
em obras em que se instaura uma fobia (o piano torna-se amedrontador) ou efetiva-
mente o extraordinário (a casa torna-se mal-assombrada). A segunda via, entretanto,
era mais sutil e próxima à minha experiência pessoal de quarentena, bastante mais
melancólica do que dramática ou violenta. Envolvia a codeterminação do habitante
e do lugar habitado, nivelando a relação pela ideia de uma abertura de possibilidade
para a comunicação com o espaço, como se o espaço pudesse agora ser tratado como
uma entidade que, percebendo-me disponível, passaria a interagir comigo. Entidade
que realizaria um trabalho conjunto de enformação, de reunião integradora, a partir
de meu recolhimento e do nosso aprofundamento da convivência.
De fato, parecia-me que se eu observava a sala, ela também estaria a me observar.
Orientando-me artisticamente, já a tempos tinha a obra de Alvin Lucier, I am sitting
in a room, como referência. Em sua versão mais célebre, o autor lê um texto, comen-
tando sobre o próprio processo de realização da obra. A gravação de sua leitura é

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tocada na mesma sala e gravada novamente. Essa nova gravação é reproduzida na


mesma sala e gravada e assim por diante, de modo que gradativamente a voz falada
vá sendo filtrada pela acústica da sala, reforçando suas frequências estacionárias até a
sonoridade resultante guardar da leitura inicial quase que apenas o ritmo. Eu já havia
realizado performances dessa obra e o entendimento de como ela poderia dar origem
a outras versões, a partir da partitura de eventos do compositor, fascinava-me (LUCIER,
1980). Eu já havia formulado a ideia de que cada sala possuía uma sonoridade latente,
virtual, cuja atualização só precisaria do “processo Lucier”, e em 2016 inventara uma
maneira de retrogradar o processo, de modo a começar com a sonoridade da sala e
aos poucos transformá-la no som da voz de Lucier. Finalmente, então, a ocasião e a
pesquisa pareceram convergir para a tentativa de construção ao vivo, sem truques de
montagem, a partir dessa versão.
O trabalho pretende abordar as reflexões que permearam a criação da Obra, entre-
laçando fazer artístico musical e elaboração filosófica. Nesse processo, elabora sobre
(1) a percepção de um estado de coisas que deveria ser tratado como um tema; (2) a
possibilidade rejeitada de abordagem desse a partir das noções de evento e de horror
(CARROL, 1999); (3) a possibilidade perseguida da noção de habitar (HEIDEGGER, 2002),
a partir do recolhimento, mas provocando uma abertura para o desconhecido; (4)
a identificação desse desconhecido como mediação para a observação de si; (5) o
modelo tomado de I am sitting in a room, de Alvin Lucier, (6) retrabalhado a partir
de uma operação de dupla retrogradação; a unificação da obra resultante com as
reflexões realizadas.

Referências
CARROL, Nöel. Filosofia do horror ou paradoxos do coração. Tradução: Roberto Leal Ferreira.
Campinas: Papirus, 1999.

FREUD, Sigmund. O Inquietante. Em: Obras Completas volume 14. Tradução: Paulo César de
Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 328-376.
HEIDEGGER, Martin. Construir, Habitar, Pensar. Em: Ensaios e Conferências. 2. Ed.Tradução:
Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002.
LUCIER, Alvin; SIMON, Douglas. Chambers. Scores by Alvin Lucier. Interviews with the composer
by Douglas Simon. Middletown: Wesleyan University Press, 1980.

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A modulação em anel: tecnomorfismo e estética


Ring modulation: Technomorphism and aesthetic

Palavras-chave: modulação em anel; tecnomorfismo; espectralismo; Simondon.


Keywords: ring modulation; tecnomorfism; spectralism; Simondon.

Yuri Behr Kimizuka


USP

A modulação em anel foi inventada em 1934 por Frank Cowan como uma técnica para
solucionar um problema de telecomunicação, e na década de 1960 passou a ser uti-
lizada como síntese sonora na música eletrônica. Adiante, através dos compositores
da chamada Escola Espectralista, nos anos de 1970, tornou-se um modelo capaz de
gerar materiais composicionais voltados também para a escrita instrumental. Dentro
desse contexto, este procedimento resulta em estruturas sonoras formadas por quatro
diferentes alturas à maneira de “acordes timbres”. A lógica deste procedimento consiste
em tomar duas alturas e realizar uma operação de soma e outra de subtração, de modo
a resultar em quatro alturas: as duas originais e o resultado das operações. Trata-se
de um modelo simples, mas muito rico em possibilidades. Porém, como as alturas
musicais são calculadas através de sua frequência correspondente em Herz é de se
esperar que o resultado abarque também intervalos microtonais, que são, ademais,
característicos da música espectral. Isso significa que estes intervalos se encontram
fora do sistema temperado, o que não impede o seu uso concomitante, mas no caso
de instrumentos como o piano, por exemplo, necessita de uma adaptação em sua
afinação. Para solucionar este problema é possível aproximar o resultado de modo a
“encaixar” todas as frequências dentro do sistema temperado.
Se, inicialmente, o uso da modulação em anel na composição musical esteve dependente
do raciocínio tecnomórfico, como uma espécie de individuação técnica, num segundo
momento passou a ser aplicado de maneira mais ampla. Segundo Holmes (2014, p.
3) a palavra tecnomorfismo é derivada de mecanomorfismo. Porém deve-se destacar
que no fundo se trata de uma alusão ao antropomorfismo, este, “inicialmente estaria
associado às formas humanas atribuídas a entidades não-humanas” (idem). Ainda
segundo Holmes (2014), o primeiro a empregar tecnomorfismo no contexto musical
no Brasil foi o compositor e pesquisador Silvio Ferraz no ano de 1999. Desde então
esta palavra tem sido utilizada para designar a capacidade de se apropriar modelos
técnicos em obras para instrumentos acústicos, como é o caso da modulação em
anel, que tecnoforficamente gera um modelo de produção de classes de alturas. Um
exemplo clássico é a peça Treize Couleurs du Soleil Couchent (1978), de Tristan Murail.
A reflexão sobre a estética deste recurso composicional — modulação em anel começa
por considerar aquilo que o filósofo francês Gilbert Simondon (1924-1989) denomina
por Objeto Técnico. Para Simondon a técnica assim como a ciência e a estética, fazem
parte da cultura em que ele vislumbra um ponto de confluência entre as máquinas

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e os seres humanos, onde o tecnomorfismo opera, enquanto estética. Todavia, as


implicações estéticas desta técnica diferem à medida em que se afasta de um meio
de produção sonora para se tornar um modelo de geração de alturas.
Tristan Murail já havia passado pelo uso deste recurso técnico — modulação em anel
— no âmbito da síntese sonora, que a exemplo de muitos compositores da época levou
a uma “insatisfação com a síntese sonora que “deveu-se, principalmente, a dois pontos
distintos, o primeiro correspondendo à própria evolução do processo de síntese, e, o
segundo, ao descontentamento com a diversidade timbrística real obtida em estúdio”
(CATANZARO, 2003, p. 77). Isso chama atenção para o fato de que um resultado pouco
interessante como síntese, é paradoxalmente interessante como geração de material
composicional. A explicação para isso é a mudança de percepção no tempo, onde o
timbre “real”, aquele que ouvimos em nosso tempo e espaço, torna-se uma estrutura
num tempo extremamente lento no qual se pode “mergulhar” em suas parciais. Estas,
por sua vez, tornam-se classes de altura — notas — a serem escritas para instrumentos
acústicos. Assim, mesmo os modelos mais simples resultam em estruturas musicais
até então desconhecidas decorrentes do fato de que o processo de individuação é
modificado por “uma série transdutiva de operações de individuação, ou também como
um encadeamento de resoluções sucessivas, podendo ser retomada cada resolução
anterior e reincorporada nas resoluções posteriores” (SIMONDON, 2009, p. 318).
Portanto a estética implicada na modulação em anel que ocorre, em primeiro lugar,
dos aspectos tecnomórficos também se desdobra em novas operações de individua-
ção através do uso de acordes-timbre.

Referências
CATANZARO, T. Transformações na linguagem musical contemporânea instrumental e vocal sob
a influência da música eletroacústica entre as décadas de 1950-70. 2003. Dissertação (Mestrado
em Música) — Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
HOLMES, B. Tecnomorfismo em música: surgimento do conceito e revisão bibliográfica.
Anais: XXIV Congresso Nacional da Associação nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Música. São Paulo, 2014.
SIMONDON, G. A individuação à luz das noções de forma e de informação. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2009.
SIMONDON, G. Do modo de existência dos objetos técnicos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020.

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Ubimus doméstica, criatividade musical cotidiana


algorítmica e conflitos sociais na Amazônia urbana:
O mergulhão e A caixa d’água1
Domestic ubimus, algorithmic little-c music and social conflict
in urban Amazonia: O mergulhão and A caixa d’água

Palavras-chave: ubimus; criatividade musical cotidiana; composição algorítmica; conflito social;


Amazônia; política doméstica.
Keywords: ubimus; little-c music; algorithmic composition; social conflict; Amazonia; domestic politics.

Marcello Messina
SFEDU
Luzilei Aliel
USP
Damián Keller
UFAC
Ivan Simurra
UFAC

Esforços recentes da pesquisa em música ubíqua (ubimus) valorizam o espaço domés-


tico como locus de produção de dialéticas sociais e interpessoais. No contexto musical
pós-2020 desencadeado pela pandemia, o lar configura um espaço preferencial e por
momentos fornece um contexto único para o trabalho intelectual e a atividade cria-
tiva (KELLER et al., 2020; KELLER et al., 2022). Outrossim, o espaço doméstico, quando
readaptado como lugar de trabalho, torna-se cenário de micro-disputas territoriais
que, geralmente, resultam na frequente confusão entre os vários papéis do sujeito
(profissional, familiar, afetivo, conjugal, parental etc.). A compenetração entre espaços
domésticos e profissionais cria também novas temporalidades, transições abruptas
e fluidas entre momentos de lazer e horários de trabalho, tarefas fragmentadas, etc.
Tudo isso repercute nas atividades criativas também. Aplicamos o conceito de criati-
vidade musical cotidiana ou little-c music (criatividade musical cotidiana), abrangendo
composições algorítmicas geradas através de ambientes de programação visual (ou
patching) (PUCKETTE, 2004). Em particular, analisamos o díptico de peças O mergulhão e
A caixa d’água, desenvolvidas entre 2017 e 2018 na cidade de Rio Branco, Acre. Ambas
as peças foram apresentadas ao público na cidade escocesa de Glasgow ao interno
do bar The Old Hairdresser’s, como parte da resenha bimestral do evento comunitário
Lights Out Listening Group. De acordo com os paradigmas ubimus, essas “estreias”
aconteceram em um contexto social diferente da sala de concerto, e baseado em
atmosferas informais e relaxadas, longe de constrangimentos e rituais sociais fixos: a

1 Núcleo Amazônico de Pesquisa Musical (NAP).

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peça O mergulhão foi apresentada no dia 2 de maio de 2017, enquanto A caixa d’água,
composta posteriormente, foi apresentada só um ano depois, no dia 25 de abril de
2018. Outrossim, enquanto O mergulhão incorpora procedimentos algorítmicos e
material pré-gravado, A caixa d’água utiliza apenas sons gerados através de síntese
sonora. A natura simples e intuitiva dos sons gerados e gravados é entre os elementos
que nos permitem de enquadrar o díptico como little-c music algorítmica. Escolhemos
como material para a implementação de metáforas de ação criativa, objetos comuns
conectados à microeconomia política do abastecimento de água. Refletimos sobre o
tecido de relatos e narrativas que associam e confinam a Amazônia ao estereótipo
de atraso, focando nos conflitos sociais e na fabricação de escassez (discursiva e
material) (MESSINA, 2017). Enquanto exemplos de little-c music algorítmica, as duas
peças do díptico nascem a partir de metáforas cotidianas, empregadas no ensino e na
aprendizagem de objetos computacionais. Desde uma perspectiva cognitivo-ecológica
(KELLER; LAZZARINI, 2017), apresentam-se como resultados de novas estratégias de
apoio à criatividade cotidiana. Como contribuição específica deste trabalho, destaca-
mos a aplicação do pensamento computacional no contexto de utilização dos recursos
cotidianos. Nessa esteira, mostramos a convergência de estratégias criativas diversas
que impulsionam os avanços recentes no âmbito da música ubíqua doméstica e con-
sideramos as implicações filosóficas desta práxis.

Referências
KELLER, Damián; COSTALONGA, Leandro; MESSINA, Marcello. Ubiquitous music making in
COVID-19 times. In: STOLFI, A.; COSTALONGA, L.; MESSINA, M.; KELLER, D.; ALIEL, L. Procee-
dings of the 10th Workshop on Ubiquitous Music (UbiMus 2020), p. 3-16, 2020.
KELLER, Damián; LAZZARINI, Victor. Ecologically grounded creative practices in ubiquitous
music. Organised Sound, Cambridge, v. 22, n. 1, p. 61-72, 2017.
KELLER, Damián; SIMURRA, Ivan; MESSINA, Marcello; NEIVA, Tânia; TEDESCO, Sebastian;
MESZ, Bruno. Domestic ubimus. EAI Endorsed Transactions on Creative Technologies, [S. l.],
v. 9, n. 3, 2022.
MESSINA, Marcello. O que queremos dizer quando falamos de tecnologia musical na Ama-
zônia. In: Simpósio Internacional de Música na Amazônia, 6., 2017, Boa Vista. Anais […]. Boa
vista: UFRR, 2017.
PUCKETTE, Miller. Who owns our software? A Firstperson Case Study. Proceedings of the
International Symposium on Electronic Art., [S. l.], 2004. p. 200-202.

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Povo Pequenino: e Fado Bicha no Festival da Canção 2022


Povo Pequenino: the Fado Bicha at Festival da Canção 2022

Palavras-chave: Estado Novo; nação; LGBTQIA+.


Keywords: New State; nation; LGBTQIA+.

Caio Felipe Gonçalves Mourão


Inet-md FCSH-NOVA

Dessa vez deu certo: depois de ter sido desclassificade no ano passado, e Fado Bicha
(FB) conseguiu entrar no Festival da Canção de 2022 (provavelmente a maior competição
da música popular em Portugal) com a mesma música do ano anterior, Povo Pequenino
(FADO BICHA, 2022). Sua letra fala de pessoas humildes, pobres, famintas, iletradas,
acostumadas ao duro trabalho no campo. Fala também de escravos ao mar, de cravos.
Apesar da sua eliminação ainda na fase semifinal, a simples aparição dessa canção no
programa já foi suficiente para causar burburinho e desconforto, funcionando como
um instrumento de protesto e subversão. Em uma entrevista para um site direcionado
ao público LGBTQIA+ (FESTIVAL DA CANÇÃO, 2022), a dupla FB é perguntade se acha
que a sociedade portuguesa iria se identificar com a letra da canção. Eles respondem
que, do ponto de vista musical, para a construção do arranjo, basearam-se na alegria
do Vira, gênero musical característico da região do Minho. Fizeram isso com a intenção
de passar uma ideia de “folclore”, de “nação” portuguesa. Acrescentam que, apesar da
poesia abordar temas pertinentes à família deles em particular, uma amiga lembrou de
uma história que sua mãe a contava, depois de ouvir o trecho “Era o povo pequenino,
pés descalços na geada” (FADO BICHA, 2022). Essa “ruralização” e “empobrecimento”
do povo e da família foi um projeto do Estado Novo (1933-74), na tentativa de “regene-
rar” e “proteger” os portugueses das “perniciosas” influências externas. Essa era uma
característica comum aos governos de extrema direita da época (NERY, 2012, p. 251).
Perguntades agora sobre como Povo Pequenino poderia ser relevante às pessoas
LGBTQIA+, a dupla responde que, apesar da canção não ser diretamente relacionada
a elas, acharam por bem abordar um assunto que diz respeito a toda a sociedade
portuguesa, especialmente por se tratar de dois artistes “bichas” a performarem-na,
o que por si só já é subversivo (a homossexualidade era crime em Portugal até 1982).
Um outro motivo é a presença nas próximas eleições presidenciais de um partido
abertamente fascista (referência ao partido português Chega). Eles acrescentam
que o tema da canção também é queer por criticar o passado colonial português, o
que pode ser percebido no trecho “No mar, a boiar, são cravos/No fundo, há feitos
escravos” (FADO BICHA, 2022). Isso é explicitamente confirmado por eles na seguinte
declaração: “Os cravos são o símbolo da revolução do 25 de abril de 1974, um golpe
militar que acabou com o regime fascista de quatro décadas em Portugal”. Quanto
às pessoas escravas no fundo do mar, estas seriam “vítimas africanas incontáveis de
escravatura e tráfego pelo império português” (FESTIVAL DA CANÇÃO, 2022). Contudo,

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o que eles consideram mais interessante, mais rico, é a junção das suas estéticas com
as estéticas rurais portuguesas do poema, o que Lemos (2005, p. 1) define como “ciber-
-cultura-remix”, ou seja, a forma como as tecnologias digitais, através de apropriações
de conteúdos de terceiros por meio de cópias e colagens, altera a comunicação. Assim,
através da “mixagem” entre o tradicional e o contemporâneo; associada às vozes de
artistes “bichas”; por meio da transmissão em cadeia nacional de Povo Pequenino; e FB
protesta e subverte em favor das pessoas minorizadas socialmente.

Referências
FADO BICHA. Povo Pequenino. Lisboa: Fado Bicha: 2022. Duração: 2:44.
FESTIVAL DA CANÇÃO: O QUE NOS TÊM A DIZER OS FADO BICHA SOBRE O “POVO PEQUE-
NINO”? DEZANOVE, 2022. Disponível em: https://dezanove.pt/festival-da-cancao-o-que-nos-
-tem-a-1610876. Acessado em: 1 Maio 2022.
LEMOS, André L. “Ciber-Cultura-Remix”. UFBA, 2005. Disponível em https://www.facom.ufba.
br/ciberpesquisa/andrelemos/remix.pdf. Acessado em: 1 Maio 2022.
NERY, Rui V. Para uma história do fado. Coleção Biblioteca do fado. Rio de Janeiro: INCM, 2012.

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Narrativa sonora em Cadão Volpato


Sonore narrative in Cadão Volpato

Palavras-chave: Cadão Volpato; música; literatura; recriação.


Keywords: Cadão Volpato; music; literature; recreation.

Abraão Carvalho Nogueira


UFES

A tradução da percepção sonora em linguagem literária será a perspectiva norteadora


para interpretarmos a obra do escritor Cadão Volpato em seus processos criativos.
Com este propósito, através de uma obra literária em particular, pretendemos nos
inserir no debate a respeito da relação entre as linguagens artísticas distintas e suas
formas de interlocução. A convergência de linguagens artísticas em um mesmo objeto
estético nos possibilita uma abertura de aproximações mais estreitas entre os domínios
da escrita literária, da escuta e do fazer musical. Uma poética literária provocada pela
imersão na percepção sonora. Este é o universo da escrita de Cadão Volpato. Tornar
traduzível em linguagem literária percepções de ordem sonora e musical. Assim Volpato
nos apresenta sua obra Os discos do crepúsculo (2017).
Volpato atuou como letrista e vocalista na banda Fellini em São Paulo na década de
1980 e 1990, no grupo Funziona Senza Vapore, e um disco solo. Com aparições esporá-
dicas no cenário fonográfico nacional. Desde o seu primeiro registro O Adeus do Fellini
(BARATOS AFINS, 1985), até o último A melhor coisa que eu fiz (NADA NADA DISCOS,
2020), Cadão Volpato mantém sua trincheira na poética literária, seja na letra cantada
dos discos do Fellini, ou na escrita de seus livros, que vez ou outra resvalam no tema
da música. Sua incursão pela literatura já conta com diversas obras, que transitam
entre contos, literatura infanto juvenil e romance.
A constatação do primeiro disco de uma banda intitular-se O Adeus do Fellini indica-nos
o lugar de passagem que é a música para o escritor Cadão Volpato. Os integrantes do
Fellini não eram músicos profissionais e que seguiram carreira musical autossustentável
economicamente, nem se pretendiam a isto, todos tinham suas profissões e a música
era o lugar do embora extraordinário, mas transitório e efêmero, isto é, algo que possuía
seu movimento ascensorial e seu consequente declínio. Entre um Adeus do Fellini e outro,
Volpato exerceu funções de jornalista e ingressou no universo da escrita literária ao longo
dos anos, somando atualmente dez livros publicados. Dentre eles os últimos Pessoas que
passam pelos sonhos (2013), À sombra dos viadutos em flor (2018), livro que narra as memó-
rias do grupo Fellini e o mais recente Espíritos de carros quebrados (2020).
Desta forma, a obra Os discos do crepúsculo de Cadão Volpato pode ser lida como uma
narrativa sonora mediada pelo salto de uma memória auditiva que versa a respeito dos
próprios processos criativos musicais e nos oferece uma dinâmica da temporalidade
similar ao da própria natureza da música. Os signos estéticos manifestos na elaboração

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literária e poética, na perspectiva de Haroldo de Campos, são predominantemente


de natureza sonora e musical ao longo do livro do Volpato. E sobretudo quando apa-
recem possuem a mesma imaterialidade do acontecimento temporal que constitui
segundo Yara Caznok, enquanto essencial para se compreender a natureza mesma da
música, isto é, sua temporalidade efêmera, que se esvai, pois é a condição ontológica
da música, que por sua vez é resgatada de seu declínio na poética literária do escritor
contemporâneo brasileiro.

Referências
ATTALI, J. Bruits: essai sur l’economie politique de la musique. France: Fayard/ Puf, 2001.
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura.
Tradução: Sérgio Paulo Rouanet; prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. 8. Ed. São Paulo: Bra-
siliense, 2012. (Obras escolhidas, v. 1).
BENJAMIN, W. Escritos sobre mito e linguagem. São Paulo: Editora 34, 2011.
CAMPOS, H. Metalinguagem & outras metas: Ensaios de teoria e crítica literária. São Paulo:
Perspectiva, 2017.
CAZNOK, Y. Música: entre o audível e visível. São Paulo: Ed. Unesp, 2008.
DANTO, A. Após o fim da arte: A arte contemporânea e os limites da história. São Paulo: Edusp, 2006.
FELLINI. Discografia online via youtube music. 2021. Disponível em: encurtador.com.br/bIU15.
Acesso em: 18 set. 2021
FELLINI. Discografia via bandcamp. 2021. Disponível em: https://fellini.bandcamp.com/.
Acesso em: 18 set. 2021.
FELLINI. O último Adeus do Fellini. Prod. Zefel Coff. Brasília, DF, 1998. Disponível em: https://
youtu.be/SnCajMK8HuE. Acesso em: 18 set. 2021.
HESSE, H. O último verão de Klingsor. Rio de Jnaeiro: Editora Record, 1952.
O’BRIEN, J. E. Critique of Rationality: judgment and creativity from Benjamin to Merleau-Ponty.
Brill Academic, 2016.
VOLPATO, C. Os discos do crepúsculo. Rio de Janeiro: Numa 2017.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Durazano sangrando e um mandril pensando en Dios.


Agência, metafísica e animismo na obra poético-musical
de Luis Alberto Spinetta.
Durazano sangrando and a mandril pensando en Dios.
Agency, metaphysics and animism in Luis Alberto Spinetta poetic-
musical work.

Palavras Chave: Luis Alberto Spinetta; agência; metafísica; animismo; rock argentino.
Keywords: Luis Alberto Spinetta; agency; metaphysics; animism; argentinian rock music.

Alexandre Peres de Lima


UFRGS

Este trabalho são observações e aproximações conceituais antropológicas e filosóficas


dos conteúdos poéticos da obra do músico e compositor portenho do “rock nacional”
argentino Luis Alberto Spinetta. Nos termos gerais das formas poéticas do cancioneiro
popular latino-americano, os elementos empregados por L. A. Spinetta podem ser
considerados pouco frequentes tal como estão conceituados pelo artista-compositor:
estão empregadas constantes referências aos seres da natureza, animais, vegetais e
outros seres, inanimados e não-humanos. As letras das canções fazem temas sobre
seres com capacidade de agência, com conteúdo anímico (alma), e qualidades antro-
pomórficas. Para compreender estes conceitos é necessário considerar como L. A.
Spinetta constitui sua agência como artista, e a forma de relacionar a sua vida com a
sua arte e suas intenções em relação ao público com o qual interage e faz sua obra
conversar. A maneira como se posiciona diante do público, relevam um artista que
debate intensamente a subversão da ideia do “estrelato”. Em suas ideias sobre a arte
que exerce, demonstram o cultivo de uma forma de agência particular, elaborando
uma desconstrução da imagem do “rock-star” em favor de uma personalidade artística
insurgente em conexão direta aos conceitos internos da sua poética musical. Em sua
vasta obra discográfica, e em seus relatos pessoais através de entrevistas, é possível
encontrar um tema poético recorrente que é o da transcendência de sujeitos humanos
e não-humanos fragmentados em operações metafísicas constituintes de um cosmos
e uma mitologia. Neste sentido, comentadores e analistas acadêmicos da obra poé-
tico-musical de L. A. Spinetta, já realizam aproximações conceituais com as ideias de
“mitologia” (FAVORETTO, 2015) e “metáforas vegetais” (MEZA ALEGRÍA, 2016) como
elementos da obra do autor. Outros estudos, tem desenvolvido interpretações literá-
rias sobre a obra do compositor argentino através de conceitos como o surrealismo
(FRANCO ALBERCA, 2021), e o neo-romântico (MEZA ALEGRÍA, 2020). A contribuição deste
trabalho, é pensar que Spinetta faz de seres não-humanos, como uma forte inclinação
poética “animista” (DESCOLA, 2015). O animismo, na tradição ocidental desde o século
de XIX, através das ideias de Edward B. Tylor, é uma forma de identificar as tradições

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

dos povos não ocidentais, e suas visões sobre o mundo e as coisas como carregadas
de potências e forças metafísicas, e com qualidades humanas e antropomórficas. Um
exemplo é a canção de 1976 “Durazno Sangrando”, onde Spinetta narra a historieta de
um pêssego que possui uma “alma caroço” que ao cantar no amanhecer, parte ao meio
o fruto e o faz sangrar a beira de um rio. Como explicar este animismo, uma tradição
das sociedades tradicionais não-europeias, por um artista branco de origem cultural
ocidental? Para poder realizar essa poética L. A. Spinetta opera uma aliança com as
formas do animismo, simultaneamente agenciando a si mesmo e sua intencionalidade
em direção a uma postura crítica e rebelde aos padrões comportamentais ditados
pelo “mainstream” do rock e às concepções do estrelato individual. O artista renega a
identidade do estrelato em favor de outro tipo de identificação com o público, através
da exploração das sensibilidades, e com a intenção de levar seus ouvintes para uma
experimentação de outros mundos possíveis, de viagens para além de si mesmo, em
uma espécie de transcendentalismo cósmico. É neste sentido que L. A. Spinetta afir-
mava se perceber no mundo, imaginando-se, como um “babuíno pensando em deus”.
A consequência da intenção deste agenciamento será construção de uma poética da
liberação, e um diálogo que proporciona outras formas e maneiras de dialogar com o
público, assim, gerando uma mito-poética musical singular, articulada entre a agência,
a mitologia e o animismo.

Referências
DESCOLA, Philippe. Além de natureza e da cultura. Tessituras, Pelotas. v. 3, n. 1, p. 7-33,
jan./jun., 2015.
FAVORETTO, Mara. Luis Alberto Spinetta y su mitología: su antídoto contra todos los males
deste mundo. Questión – Revista Especializada en Periodismo y Comunicación, La Plata, v. 1, n. 45,
p. 97-114, 2015.
FRANCO ALBERCA, Jonathan F. La imagen surrealista en la obra Guitarra negra de Luis Alberto
Spinetta. 2021. Trabalho Conclusão de Curso (Ciencias de la Educación) — Facultad de Filoso-
fía, Letras y Ciencias de la Educación. Universidad Central del Ecuador, Ecuador, 2021, 84 p.
MEZA ALEGRÍA, Gabriel. Configuracíon de aspectos neorrománticos en la poesía y la letrística
de Luis Alberto Spinetta. Confluencia: Revista Hispánica de Cultura y Literatura, Colorado,
v. 36, n. 1, p. 80-92, 2020.
MEZA ALEGRÍA, Gabriel. Mario de Andrade, Julio Cortázar, Pedro Aznar y Luis Alberto Spinetta:
cuatro propuestas sobre relaciones y desplazamientos entre literatura y música en el
contexto de la postmodernidad. 2016. Tese (Doutorado em Literatura Latinoamericana) —
Literatura Latinoamericano, Dep. de Español, Facultad de Humanidades y Artes, Universidad
de Concepción, Chile, 2016, 241 p.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Ópera na Escola – Visitação de Sansão e Dalila –


O fortalecimento de uma experiência educativa e cultural
Opera at School – Visitation of Samson and Delilah – Strengthening an
educational and cultural experience

Palavras-chave: Camille Saint-Saëns; música; educação; formação de professores; filosofia cultural;


humanismo.
Keywords: Camille Saint-Saëns; music; education; teacher training; cultural philosophy; humanism.

António Júlio Rebelo


ESRSI

O trabalho a apresentar está ancorado numa escola real e não imaginária. Nela,
professores e alunos, em conjunto, decidiram interagir com profissionais, no sentido
de defender uma conceção de escola, bem como de um certo modelo de formação
docente. Esse modo, ultrapassando a lógica estritamente escolarizada, aponta para
uma visão integrada e indagadora, assente no pressuposto de quanto maior for
envolvimento cultural, dentro e fora da escola, melhor habilitado está o professor
para o seu desempenho profissional.
Neste contexto intencional e institucional, a ESRSI (Escola Secundária Rainha Santa Isabel,
Estremoz, Portugal) tem desenvolvido uma ação educativa, igualmente como uma entidade
produtora de cultura, fomentando assim uma visão interativa, ao acolher e trabalhar
com profissionais, no caso em apreço, da área da música. A construção desta perspetiva
de “cultura de escola”, com recurso à música, teve o seu início em 2015, tendo, desde
essa altura, contribuído prioritariamente para combater o insucesso escolar. Para isso,
foi diligenciado um conjunto de aprendizagens não escolarizadas, pensadas de modo
interdisciplinar, despertando nos alunos experiências diretas, únicas e marcantes, sob
o ponto de vista humano e dos conhecimentos adquiridos.
Tratando-se do caso da ópera, a multiplicidade de manifestações artísticas nela inscritas
contribuiu para a ampliação de horizontes culturais dos alunos participantes, mas também
daqueles que planearam e assistiram na prática ao desenvolvimento do projeto. Para
isso, foi feito, em relação a esta opção musical particular, um trabalho prévio durante os
últimos anos letivos que antecederam a situação pandémica, divulgando e sensibilizando
junto de toda a escola o projeto para uma construção cooperada. A opção pela ópera
“O Barbeiro de Sevilha” de Rossini deveu-se, por um lado, à facilidade e envolvência da
música; por outro lado, à natureza ideológica implícita do libreto, já que este remete
para valores essenciais do Iluminismo, cada vez mais necessários numa dimensão de
educação para a cidadania. Como desfecho deste trabalho, no ano letivo 2018-2019,
concretizaram-se uma série de iniciativas na escola e fora dela.
Foi propósito do projeto, neste ano letivo 2021.2022 e após a interrupção imposta
pela situação pandémica, prosseguir o trabalho educativo já efetuado anteriormente,

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

investindo na perspectiva de “cultura de escola”, reforçando-a tanto quanto possível


como meio de combate ao insucesso escolar. Face à experiência precedente, houve
a pretensão de reiterar a metodologia, adaptando-a aos condicionalismos existentes,
designadamente ao nível da articulação entre os diferentes atores na escola (profes-
sores e alunos) e os profissionais. Essas interações planeadas tiveram como objetivo,
uma vez mais, mostrar uma intervenção cultural na comunidade, a partir do que foi
concebido e feito na escola.
Por outro lado, reforçou-se um trabalho interdisciplinar, desde logo com atividades
formativas regulares entre os professores de diferentes áreas de conhecimento, da
responsabilidade dos próprios e em função de processos autoconstruídos, com vista
à materialização desse produto cultural. Deste modo, a gestão da formação coube aos
próprios que, sabendo aproveitar os recursos, viram no plano cultural um modo de
aquisição mais aprofundado de saberes.
Quanto à ópera escolhida, no presente ano letivo, ela foi Sansão e Dalila de Camille
Saint Saëns. Para além da qualidade cativante da música, os conteúdos a ver e a ouvir
denunciam lógicas de múltiplos poderes em disputa: conflitos e entendimentos,
sedução e traição, ocultamento e revelação, na base da questão da identidade de
género, questões que refletem as vivências do mundo atual. Nascem assim questões
de natureza ética e valorativa que não nos podem deixar indiferentes. Com o fecho
desta proposta para este ano letivo, pensamos que a experiência poderá continuar.
Haja condições para que num futuro se possa consolidar os ensinamentos que foram
semeados ao longo destes anos.
Por fim, importa referir que a ESRSI pertence à associação “Ópera na Academia e na
Cidade”, conjuntamente com estabelecimentos do ensino básico, secundário e superior,
além de outras entidades de diferentes setores da sociedade que partilham o mesmo
interesse e motivação cultural. É uma visão inclusiva, e múltipla, projetando a escola
para um contexto sociológico mais dinâmico.
Assim, esta comunicação pretende dar relevo a esta experiência pedagógica inova-
dora, já com história, enfatizando agora a importância de um modelo formativo livre
e cultural, superando teias administrativas e redutoras. Pretende-se que, nesse rasgar
de horizontes, estejam sempre os alunos, destinatários autênticos de um saber que
preserve, em qualquer circunstância, um humanismo histórico e cultural, face ao
domínio inevitavelmente tecnológico e efémero, que se assume hoje de forma cada
vez mais significativa.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

O Fusion em Mom’s Patience de Paulo Schroeber


Fusion in Mom’s Patience by Paulo Schroeber

Palavras-chave: Fusion; guitarra; música instrumental.


Keywords: Fusion; electric guitar; instrumental music.

Nathalia Lima Silva


UFPEL

Paulo Francisco Schroeber foi um guitarrista e compositor gaúcho, conhecido por sua
virtuosidade e técnica no instrumento. Seus trabalhos artísticos eram direcionados
ao gênero Metal, que foi sua principal influência em seu fraseado e maneira de tocar.
Participou de diversas bandas como Astafix, Hammer 67 e Almah e além de seus tra-
balhos em conjunto, em 2011 lançou seu primeiro e único álbum instrumental solo
intitulado Freak Songs. De acordo com o próprio compositor em uma entrevista de 2014
concedida a Wagner Ribeiro, Schroeber comenta que as composições em seu disco solo
são uma mescla do Metal com diversas vertentes musicais como Jazz, “Fusion”, música
de concerto e ritmos brasileiros como o Baião (SCHROEBER, 2014). Para esta pesquisa
foi selecionada uma das faixas de Freak Songs denominada “Mom’s Patience”, com o
intuito de investigar quais elementos provenientes do Fusion se mostram presentes
na composição de um músico com origens no Metal.
Durante as décadas de 60 e 70, mesclas de Funk, Rock e Jazz tornaram-se Jazz-Fusion
e Jazz-Rock. Ambos os estilos são semelhantes e nestes foram incorporados também
instrumentos eletrônicos como teclados, guitarras, baixos, sintetizadores e outros efeitos
(DAVIS, 2012). Pode-se dizer em que ambos os estilos a parte rítmica e timbrística foi
proveniente do Funk e do Rock enquanto a parte harmônica, melódica e improvisativa
foi originada a partir do Jazz.
“Mom’s Patience” foi transcrita em forma de partitura, contendo em sua instrumenta-
ção três guitarras com sonoridade limpa. Cada uma das guitarras realiza uma função
diferente, sendo elas de acompanhamento, solo e “dobra” em alguns trechos (dupli-
cação de alguns trechos da guitarra solo com alterações nas alturas). A transcrição
foi estudada de acordo com o método da Apostila de Análise I do professor Fernando
Mattos (UFRGS). O método de análise utilizado pressupõe a observação em três
níveis: microanálise, análise intermediária e macroanálise. Foi decidido concentrar-se
em dois aspectos: “forma e ritmo” e “harmonia e melodia”. Com isso, foi realizado
um seccionamento da obra em partes e de forma geral pode-se dizer que a música
é praticamente toda em 4/4 com algumas irregularidades métricas e possui efeitos
polimétricos e polirrítmicos. No que se refere à parte harmônica, o compositor utiliza
em alguns momentos diferentes escalas modais dispostas sequencialmente que tran-
sicionam de uma para outra de forma suave. Existem também diferentes formações
de acordes dentro dos mesmos modos, construídos por sobreposições de terças (no
acompanhamento) e de quartas (no solo). Além disso, é possível constatar o uso da

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

harmonia cromática, que na composição estudada possui um caráter vagante e com


constante movimento, podendo ser analisada como sucessões de breves modulações
que nunca afirmam uma tônica específica (sem tensão e repouso), fazendo com que
não existam funções harmônicas. Os acordes são transformados cromaticamente de
um para outro, envolvendo a manutenção de uma ou mais notas comuns para que
as mudanças ocorram de forma gradual.
No que se refere à melodia, as passagens em que predominam as semicolcheias apre-
sentam muitos recursos melódicos provenientes do Jazz, mesmo que ritmicamente
sem swing, como é típico no Fusion. A maioria desses recursos é feita pela guitarra
solo. Foram utilizadas linhas cromáticas ascendentes e descendentes, aproximações
simples e duplas (diatônicas ou cromáticas), funcionando como ornamentos; outside,
ou seja, tocar notas que soam fora do tom (TAYLOR, 2004). As dobras são geralmente
feitas em intervalos de terça, algo muito comum no Metal, mostrando mais um aspecto
desse estilo na música de Paulo. Porém, após a transcrição estar concluída, nem todos
esses intervalos eram de fato terças, ainda que fosse o intervalo predominante e que
as pequenas diferenças observadas não diminuam a sonoridade Metal nesses trechos.
Na ligação entre algumas seções percebe-se mudanças bruscas de velocidade ou de
estilo harmônico.
Os elementos rítmicos e harmônicos mais instáveis descritos somados ao uso de instru-
mentos amplificados estabelecem características do Fusion presentes na composição:
a ausência de um centro tonal associada a um ritmo irregular, o uso do outside e um
fraseado rápido associado a ornamentações jazzísticas e encadeamentos cromáticos
associados à polimetria.

Referências
DAVIS, John S. Historical Dictionary of Jazz. Toronto: The Scarecrow Press Inc, 2012.
SCHROEBER, Paulo. Paulo Schroeber: entrevista [fev. 2014]. Entrevistador: Wagner Ribeiro.
Entrevista concedida para o Portal Guitar Shred. Disponível em: https://youtu.be/lbVv4HZ-
Cwjk. Acesso em: 15 mar. 2022.
TAYLOR, Bob. The Art of Improvisation: A visual and virtual approach to improvising Jazz —
Level 5 — Advanced. ver. 3. [S. l.]: Visual Jazz Publications, 2004.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Dança para Oyá: signos estéticos


em processo de montagem e encenação
Dance for Oyá: aesthetic signs
in the process of assembly and staging

Palavra-chave: dança; metafísica; cantar-dançar-batucar.


Keyword: dance; metaphysics; sing-dance-drum.

Maicom Souza e Silva


UNB
Doriedison Coutinho de Sant’Ana
UNB

Neste texto, trazemos informações e dialogamos sobre os processos composicionais


em dança negro-brasileira cênica a partir de indicativos coreográficos e sonoros. Tra-
tamos da montagem do espetáculo de dança infantojuvenil O Mar que banha a ilha de
Goré. Trabalho capixaba organizado pelo Coletivo Emaranhado, da cidade de Vitória
(ES), no ano de 2021. O nosso propósito é compartilhar possíveis caminhos de como
estruturar uma dança negro-brasileira, para que assim possamos registrar, externalizar
e contribuir com epistemologias que versam sobre a arte negro-brasileira e processos
de montagem e encenação que não coloque a cultura afrodiaspórica em espaços de
fetichismo e exotismo. Esta montagem é um processo indutivo no qual assumimos
a responsabilidade pela elaboração da dramaturgia e a organização das decisões
coreográficas e sonoras. Propomos uma obra em dança, composta por seis cenas
(ancoragem; além-mar; chegada; acolhida; tambor e apito), que contam a história de
Kika, uma menina brasileira que realiza uma viagem para conhecer a Ilha de Goré em
Senegal, país localizado na África Ocidental. Com seis artistas em cena, o espetáculo
cria subjetividades e um ambiente lúdico em que crianças dialogam e apresentam
seus países (Brasil e Senegal). Nesta pesquisa, vamos tratar apenas da coreografia 12
que compõe a cena apito, última cena do espetáculo que tem prevista a coreografia
denominada Solo para Oyá. Deste modo, vamos dialogar sobre os elementos estéticos e
sonoros para o processo composicional desta coreografia. Para tanto, enquanto aporte
teórico apresentamos pensamentos sobre a dança contemporânea e estudos sobre
artes e práticas performativas, para assim, elaborar um mapa conceitual da coreografia
e a partir dele versarmos sobre os processos composicionais da dança, diálogo entre-
cruzado pelo método cartografia na encruzilhada do filósofo Luis Carlos Santos (2014),
nas concepções de artes performativas de Zeca Ligiério (2011) e Cesar Huapaya (2017),
além das contribuições de Inaicyra Falcão (2006) com as suas pesquisas em dança para
a cena. Ao escolhermos pensar as subjetividades das artes negro-brasileiras e suas
possíveis formas de enunciação e reflexão, Zeca Ligiéro (2011) sugere pensarmos as
manifestações artísticas a partir de uma tríade que se fortalece nas ações do cantar-dan-

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

çar-batucar, para o autor, esta junção é responsável por provocar a nossa percepção
e afeto ao nos depararmos com uma arte negra. Assim, para nós, a partir desta tríade
pensamos que poderíamos também iniciar um discurso para dialogar e analisar uma
prática performativa afrodiaspórica e/ou iniciar um processo de montagem e encenação
em dança. Deste modo, temos aqui reunidos três profissionais, o coreógrafo (Maicom
Souza e Silva) , o músico (Dori Sant’Ana) e a bailarina (Julia Fachetti), a partir desses
artistas vamos registrar por meio partituras, fotografias, vídeos e mapas conceituais
os processos de tomada de decisão que culminam na coreografia Solo para Oyá. A
cena Solo para Oyá é marcada pela polifonia que acontece entre o corpo dançado
e a melodia cantada. O corpo da bailarina dança os ritmos, a força e a suavidade, a
rapidez e a lentidão, os altos e baixos, representações dos movimentos dos ventos e
das tempestades. As sequências de movimentos trazem, por meio da performance,
gestos que sustentam o mito e o ritual. O canto é de melodia suave apesar de ter na
sua linha os acentos que sugerem a força dos ventos e das ondas. O ritmo do corpo
dançado não acompanha a melodia e as suas nuances de intensidades e acentos e nem
é acompanhado pela melodia da música que, com autonomia, percorre o espaço por
meio da sequência de sons. O corpo dança e também se move com autonomia, ritmo,
peso, intensidade e presença, e percorre o espaço compondo sua própria “melodia”.
Assim, abrimos caminhos e criamos repertórios-outros para dialogarmos sobre a arte
da dança, pesquisas musicais e possíveis escolhas coreográficas que estejam com as
suas motrizes em diálogo com as metafísicas afrodiaspóricas.

Referências
CHADA, Sonia. A Música dos caboclos nos candomblés baianos. 2006. Tese (Doutorado em
etnomusicologia) — Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal da
Bahia. Salvador: Fundação Gregório de Mattos: Edufba, 2006.
HUAPAYA, Cesar Augusto Amaro. Estética e performance: dispositivos das Artes e das práticas
performativas. 2. ed. Vitória: Editora Cousa, 2017.
LIGIÉRO, Zeca. Corpo a corpo: estudo das performances brasileiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2011.
SANTOS, Inaicyra Falcão dos. Corpo e ancestralidade: uma proposta pluricultural de dança-
-arte-educação. 2. ed. São Paulo: Terceira Margem, 2006.
SANTOS, Luis Carlos. Justiça como ancestralidade: em torno de uma filosofia da educação no Brasil.
2014. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2014.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

A milonga como memória cultural do negro no Pampa


The milonga as a cultural memory of black people in the Pampa

Palavras-chave: negro; milonga; vestígios; memória cultural; Pampa


Keywords: black; milonga; traces; cultural memory; Pampa

Jucelino Viçosa de Viçosa


UNILASALLE

O presente artigo tem como tema a presença do negro na memória cultural do Pampa
e a milonga como marco representativo de miscigenação racial e estética cultural pam-
piana. Busca-se evidenciar, a partir de vestígios, a participação do negro na memória
cultural e na paisagem do Pampa, espaço de entrecruzamento de diferentes culturas,
bem como apresentar a milonga como representação estética pampiana.
Por intermédio da memória, oportuniza-se a reprodução de experiências vividas ali-
cerçadas em impressões pessoais, enquanto atividade criativa, em que se articulam
sensibilidade e representação de uma realidade, que pode ter sido vivida realmente
ou estar limitada ao campo da imaginação. A memória articula-se como mantenedora
de valores presentes num dado grupo social para se tornar um distinto mecanismo
de transformação de uma sociedade.
Os vestígios são vistos como signos duplos que têm a função de atrelarem a recor-
dação ao esquecimento, do mesmo modo que oportunizam um acesso ao passado
e incluem articulações não verbais em relação a alguma cultura passada (ASSMANN,
2011). Assim, permite estabelecer relações entre vivências presentes e as anteriores,
religando-as por meio de rastros, vestígios, pois conforme assegura Bernd (2013, p.
53): “Entre memória e esquecimento, o que sobram são os vestígios, os fragmentos do
vivido, o qual jamais pode ser recuperado na sua integralidade”, capazes de serem con-
siderados como elementos propícios para que se faça uma ressignificação do passado.
Constata-se a influência africana já no sentido vocabular do ritmo, pois o termo milonga
tem origem bundo-congolesa, e sinaliza o plural de mulonga (ou melunga), que signi-
fica palavra, algo próximo à conversação, palavreado (CASCUDO, 1972). Entende-se
a milonga como um efeito musical de propagação, isto é, um gênero capaz de abrir
espaço para outras formas de representação e de manifestações dos imaginários, por
exemplo, do negro na região pampiana.
Conforme Vicente Rossi (1958), a partir da presença de negros marinheiros cubanos nos
portos de Montevidéu; tem-se as denominações de “danza cubana”, depois “habanera”,
e, efetiva-se com o nome de milonga. O termo milonga ficou tão difundido e passou a
designar também uma reunião de pessoas, um evento de baile ou de canto, de modo
que se podem entender os gêneros poéticos musicais sul-americanos serem frutos
da mediação criativa dos africanos por meio da apropriação, da criação ou até mesmo
da efetiva participação no cenário cultural pampiano (OLIVEIRA, MELLO, 2020), cabendo à
milonga ser considerada como um traço significativo da diáspora africana.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Desse modo, verificam-se vestígios relacionados à cultura africana, a partir da acepção


vocabular e da estrutura rítmica, além das adaptações observadas ao longo do tempo
por se tratar de um processo marcado pela hibridação presente na milonga como
símbolo de sonoridade pampiana.
Como gênero musical, a milonga superou fronteiras geográficas e culturais para se
desenvolver e se enraizar de tal modo que passou, por parte de alguns, a simbolizar
a identidade do pampiano e a habitar os imaginários do fronteiriço, além de ficar evi-
denciada como um gênero vinculado à paisagem do Pampa, com base na geografia, na
noção de fronteira e na diversidade étnica e cultural da população pampiana.
Há sinais da participação do negro na milonga: tais como nome, ritmo, técnica,
ritual e linguagem, e, dessa forma, caracteriza-se como evidência da atuação do
negro no Pampa e comprovação de sua memória cultural (ROSSI, 1958), gênero
que se consolida no espaço pampiano, sinalizador da participação do negro no
panorama cultural do Pampa.
A milonga representa o resultado de uma criação revestida de arte que oportuniza
uma verdadeira imersão no cotidiano do negro no Pampa em tempos de escravidão e,
com isso, tem-se a dimensão exata da realidade de um tempo passado reconstruído a
partir de vestígios memoriais, e que traz o negro como constituinte de uma paisagem
ressignificada e como um dos agentes da memória cultural pampiana.

Referências
ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural.
Tradução: Paulo Sohete. Campinas: Editora da Unicamp, 2011.
BERND, Zilá. Por uma estética dos vestígios memoriais: releitura da literatura contemporânea
das Américas a partir dos rastros. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013.
CASCUDO, Luís Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 3. ed. Brasília, DF: Instituto Nacional
do Livro, 1972.
OLIVEIRA, Suzan A de; MELLO, Carla Cristiane. De payadas e milongas: os saberes da voz. Outra-
travessia revista de literatura, Santa Catarina, n. 11, p. 71-86, jun., 2011. Disponível em: https://
periodicos.ufsc.br/index.php/Outra/article/view/2176-8552.2011n11p71. Acesso em: 12 out. 2020.
ROSSI, Vicente. Cosas de negros: las orígenes del tango y otros aportes al folklore rioplatense.
Buenos Aires: Libreria Hachette, 1958.

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Glossolalia em games: um estudo sobre a estética


sonora de idiomas fictícios em jogos digitais
Glossolalia in games: a study about the sound aesthetics
of fictional languages in digital games

Palavras-chave: atravessamentos; poéticas; criações; linguagens; ensaios; experimentações.


Keywords: crossing; poetics; creations; languages; essays; experimentations.

Vinicius Yglesias
UNICAMP 
José Fornari
UNICAMP

Conforme Murray Schafer (2011, p. 223), “palavras são invocações mágicas que
podem refletir encantamentos”. Mesmo não possuindo significado semântico, podem
comunicar expressivamente, conforme o autor exemplifica com o poema dadaísta
de Hugo Ball (SCHAFER, 2011, p. 224). Mas apesar dessa capacidade de comunicação
expressiva, fundamental para a intensificação da imersão em games, os timbres da
voz nem sempre recebem atenção em relação a sua riqueza sonológica. Portanto,
o objetivo deste trabalho é investigar a utilização da glossolalia nos games NieR
Replicant ver. 1.22474487139…1 e NieR:Automata, tomando como objeto de estudo as
sonoridades da voz nas trilhas dos games. A escolha de games como objeto de estudo
sonológico da glossolalia se deu por conta de ser uma mídia das grandes responsáveis
na expansão das estéticas da comunicação (SANTAELLA, 2019). Ambos os games se
passam em um futuro distópico, o primeiro em 2052 e o segundo 6 mil anos após o
primeiro. A escolha dos objetos de estudo se deu por conta do idioma utilizado na
construção da letra da maioria das músicas dos games, chamado de “Linguagem do
Caos”, ser um idioma fictício, criado apenas por meio da sonoridade expressiva dos
fonemas linguísticos. Esse idioma trata da mistura de elementos de diversos idiomas
estudados por Emi Evans, cantora e letrista das músicas do game. Essa metodolo-
gia de criação de um idioma fictício pode ser relacionada ao que Santaella (2019)
chama de modelização do acaso, evento em que o caos sonoro é organizado para
ser escutado de maneira específica. Este trabalho pretende, portanto, investigar as
possíveis motivações para a utilização da voz nesse contexto, visto que, de acordo
com Yoko Taro, diretor do game, a decisão pela criação de uma linguagem fictícia
aconteceu justamente para evitar que uma letra que pudesse ser entendida pelo
jogador, para servir de fato como música de fundo. Além disso, o diretor acredita
que dessa maneira a interpretação do significado pode ser mais aberta, sem se

1 O termo “ver. 1.22474487139…” faz parte da estética do título do game, não sendo representativo de
uma versão do jogo (1.0, 2.0 etc).

127
Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

limitar ao significado das palavras2. Assim, essas considerações levam ao questiona-


mento de que, se desde a concepção do projeto a intenção é que as melodias não
contenham significado semântico, apenas expressivo, quais fatores motivaram à
implementação de uma glossolalia ao invés da utilização de um instrumento musical
que talvez cumprisse o mesmo objetivo? Como se dá sonoramente essa construção
e quais critérios podem ser utilizados, conscientemente ou não, para a escolha e
organização dos fonemas da maneira que foram concebidos e implementados na
versão final dos games? Algumas hipóteses prévias podem ser aventadas. 1) Hipótese
sonológica. A voz é o instrumento que permite maior variabilidade sonora, desde
o golpe agressivo de um “B” ao aquoso som evocado por um “L” (SCHAFER, 2011).
Evidentemente todo instrumento, à sua maneira, possui recursos que os capacitam a
obter variações timbrísticas, porém, sendo a voz um instrumento que podemos tocar
sem o intermédio de gestos, essa familiaridade que qualquer indivíduo tem com as
sonoridades da voz pode também ter sido um fator decisivo na escolha de uma voz
humana para as melodias das trilhas do game, aumentar a recepção entre o público.
2) Hipótese cognitiva: No estudo intitulado “Human temporal-lobe response to vocal
sounds”3, Belin, Zatorre e Ahad (2001) mostram que quaisquer sons vocais provocam
respostas muito mais intensas no córtex auditivo humano do que sons naturais, de
animais ou artificiais. Ainda que seja difícil confirmar o conhecimento ou intenção dos
compositores dos games acerca desse aspecto, o fato dessa resposta ser mais intensa
no cérebro humano pode ser um dos responsáveis, para a preferência estética de
uma voz humana a um instrumento, proporcionando uma experiência musicalmente
mais intensa ao jogador. As hipóteses não são excludentes, podendo a confluência
de ambas trazer novos olhares para a construção estética das canções nos games.

Referências
BELIN, Pascal. Human temporal-lobe response to vocal sounds. Cognitive Brain Research,
Montreal, v. 13, p. 17-26, 2002.
SANTAELLA, Lucia. Matrizes da linguagem e pensamento: sonora visual verbal: aplicações na
hipermídia. 3. ed. São Paulo: 5. Reimp., 2019, Iluminuras: FAPESP, 2005.
SANTAELLA, Lucia. Estética & Semiótica. Curitiba: InterSaberes, 2019. (Série Excelência em
jornalismo)
SCHAFER, R. Murray. O ouvido pensante. Tradução de Marisa Trench de O. Fonterrada, Magda
R. Gomes da Silva, Maria Lúcia Pascoal; revisão técnica de Aguinaldo José Gonçalves. 2. ed.
São Paulo: Ed. Unesp, 2011. 408 p.

2 Disponível em: https://blog.playstation.com/2020/12/18/nier-replicant-singer-emi-evans-talks-musi-


c-chaos-language-and-more/. Acesso em: 15 mar. 2022.
3 Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0926641001000842?via%3Dihub.
Acesso em: 15 mar. 2022.

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experiências
estéticas, artes,
música, linguagens,
educação
Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Educação Musical na FUNDARTE:


Uma possibilidade epistemológica
Music Education at FUNDARTE:
An epistemological possibility

Palavras-chave: epistemologia da Educação Musical; complexidade; pensamento complexo.


Keywords: epistemology of Music Education; complexity; complex thinking.

Bruno Felix da Costa Almeida


UNISC
Sandra Regina Simonis Richter
UNISC

As possibilidades de transformar, transformar-se e desenvolver-se, junto e através de


conhecimentos em Educação e em Educação Musical constituem o eixo teórico-reflexivo
da proposta de Tese de Doutorado em Educação, em andamento, vinculada à Linha
de Pesquisa Aprendizagem, Tecnologias e Linguagem na Educação, e ao Grupo de
Pesquisa Estudos Poéticos: Educação e Linguagem, do Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade de Santa Cruz do Sul — UNISC.
O estudo é norteado pelo seguinte questionamento: Como a Epistemologia da Edu-
cação Musical, na Fundação Municipal de Artes de Montenegro — FUNDARTE, pode
ser proposta? Nesse sentido, o seu objetivo incide em propor uma Epistemologia da
Educação Musical ao contexto de (com)vivência da FUNDARTE.
Para tanto, considera-se os campos da Complexidade do Conhecimento (MORIN, 2015),
da Educação (MORIN, 2017; 2011) e da Educação Musical (SWANWICK, 2003) enquanto
balizadores à reflexão proposta.
O seu desenvolvimento se justifica diante das possibilidades de (retro)interações entre a
Educação e a Educação Musical, as quais podem corroborar à compreensão e o aprimo-
ramento do processo de ensino e de aprendizagem de instrumentos musicais, por parte
de todos os sujeitos-indivíduos imbricados ao Curso Básico de Música da FUNDARTE.
A acuidade em considerar a complexidade, na articulação dialética entre a contradição
e a transformação, entre compreender e (re)organizar; e a epistemologia, enquanto
parte desse desafio sobre o conhecimento do conhecimento, intensificam a importância
de que todo o conhecimento acolhe a necessidade de reflexão sobre ele mesmo, a fim
de problematiza-lo e situa-lo em diferentes tempos e espaços.
A investigação é proposta pelas vias da Complexidade (MORIN, 2015), tendo como subsídios
as ações teórico-reflexivas, o (com)viver ao contexto da fundação e os seus Programas
do Curso Básico: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro (HUMMES et al., 2019), bem como
documentos relacionados aos seus fatos histórico-institucionais, artigos científicos, textos
jornalísticos, fotografias, documentos guardados em repositórios digitais de jornais, revis-

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

tas, sites de entidades públicas, como o da Prefeitura Municipal e o da Biblioteca Pública


Municipal da cidade de Montenegro – Rio Grande do Sul.
Entende-se que no Campo da Complexidade, o método deriva de cada percurso
investigativo, o que, ao final, conduz à própria metodologia, enquanto um conjunto
dos procedimentos selecionados à constituição da pesquisa, obstante de sê-los
pré-definidos aprioristicamente.
Portanto, cada momento do estudo transforma reflexões em linguagem — em escritas, as
quais implicam em um modo de fazer — método — inerente ao pensamento complexo
desenvolvido, implícito ao ato de computação de informação e aos percursos trilhados.
A pesquisa é iniciada com Um Convite à Introdução, situando o Eu músico-docente-pes-
quisador que a escreve e a reflete e convida à leitura; e segue estruturada nos capítulos
Introdução, ao que se trata de circunscrever as relações de emergência da proposta
de estudo de doutoramento; A Ciência que me Interpela, contextualizando a trajetória
científica-complexa e às insurgências reflexivas que a perpassam; E&E: Caminhos para a
Complexidade, relacionando a integração de conhecimentos, com vistas à complexidade;
Conhecendo o Conhecimento do Conhecimento, que aproxima as múltiplas formas de
conhecer, a partir do que se conhece sobre o próprio conhecimento; Viver, Educar-se e
Educar, que perpassa a reflexão educacional; Conhecendo o Conhecimento da Educação
Musical, que se dedica à reflexão sobre a concepção do pensamento educativo-musical-
-complexo inerente; Conhecendo à FUNDARTE, que apresenta alguns fatos históricos que
à compõe, bem como quem as integra; por conseguinte, Percurso, Ideias e Possibilidades,
apresenta o que se coloca em devir à reflexão vislumbrada.
Por fim, entende-se que é a partir das conexões estabelecidas entre os sujeito-in-
divíduos, para além do contexto de (com)vivência na FUNDARTE e outros subsídios
relacionados, seja possível vislumbrar uma proposição músico-epistemológica a esse
tempo e espaço de existência da instituição.

Referências
HUMMES, Júlia Maria (org.). Programas do Curso Básico da Fundarte: Artes Visuais, Dança,
Música, Teatro – (2019-2022). Montenegro: Ed. da FUNDARTE, 2019.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 23. ed. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2017.
MORIN, Edgar. O método 3: o conhecimento do conhecimento. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2015.
MORIN, Edgar. Os setes saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo: Cortez;
Brasília, DF: UNESCO, 2011.
SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. São Paulo: Moderna, 2003.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Temas candentes da pesquisa sobre formação


de professores de música nos últimos anos1
Candent themes of research on training
music teachers in recent years

Palavras-chave: formação de professores de música; ensino de música; pesquisa sobre formação de professo-
res de música.
Keywords: music teacher training; music teaching; research on the formation of music teachers.

Adilson de Souza Borges


Unoesc

A pesquisa sobre Educação Musical no Brasil remonta a década de 80. Esse processo
propiciou as condições iniciais para a inclusão da música na pesquisa sobre formação
de professores, contudo “foi somente com início da criação da Associação Brasileira
de Educação Musical (Abem) em 1991 que esse espaço ganhou forças e foi ampliado”
(BORGES, 2021, p. 55).
Em 2008, o ensino de música na escola passou a ser considerado por Lei nº 11.769/2008
como conteúdo obrigatório da disciplina de Arte. A Lei, catalisou algumas ações no
contexto educacional, inclusive embasando temáticas de diversas pesquisas sobre
o ensino de música em ambiente escolar, formação de professores de música, etc.
Movido pela problemática: “Quais são os temas candentes da pesquisa sobre formação
de professores de música nos últimos anos?”, me propus a compreender os principais
temas debatidos desde a Lei nº 11.769 no contexto da formação de professores de
música da Educação Básica no Brasil. Desta forma, balizei as minhas discussões teóricas
sobre a formação de professores em Loureiro (2003) e Penna (2018), e as discussões
metodológicas em Zanten (2004), Bardin (1977), etc.
O material empírico foi constituído por meio de artigos constantes nos periódicos Scielo
(Biblioteca Eletrônica Científica Online) e Portal Capes (Coordenação de aperfeiçoa-
mento de Pessoal em Nível Superior), utilizando como descritores de busca “forma-
ção de professores” e “ensino de música”. A partir daí defini os seguintes critérios de
inclusão/exclusão: trabalhos que não eram da área da Educação, trabalhos que não
eram específicos da formação de professores de música, trabalhos da formação em
nível de bacharelado, trabalhos relacionados a formação para o exercício em outras
profissões, trabalhos que não tratavam da formação para o ensino de música na
escola e trabalhos sobre a formação e/ou ensino em outros países. Com isso definido,
selecionei um total de 12 artigos, sendo 8 da Capes e 4 da Scielo.

1 Este ensaio é um resumo de um artigo publicado na Revista Cadernos da Fucamp. O acesso ao artigo
original encontra-se em “Referências”.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Após a constituição do material empírico e leitura com incidência sobre todo o texto dos
artigos emergiram da empiria dois recortes disciplinares que melhor representaram os
temas candentes, isto é: “Formação do professor de música” e “Educação Musical”.
Sobre a “Formação do professor de música”, a análise do conteúdo me permitiu
compreender que as pesquisas se dedicaram a discutir a formação de professores de
música críticos-reflexivos, a aprendizagem musical coletiva e o repertório para teclado
em grupo, o PIBID, os saberes docentes necessários ao ensino de música, as propostas
pedagógicas para o ensino de música, o ensino de música por meio da contação de
histórias, o piano na formação inicial de professores de música e a formação musical
de pessoas com cegueira.
Relativamente ao recorte disciplinar “Educação Musical”, minha análise identificou os
seguintes temas candentes: a percepção docente sobre Educação Musical a distância, a
inter-relação entre a comunicação e a Educação Musical, música na escola e Educação
Musical na perspectiva da Educação do Campo.
Verifiquei que no Brasil a pesquisa sobre a formação de professores de música
ainda se demonstra miúda, contudo os trabalhos são consistentes contribuindo de
forma significativa para o desenvolvimento da Educação Musical. Por outro lado,
devido ao ensino de música na escola estar sendo ratificado a cada nova, verifica-se
a abertura de novos cursos de música e demais atividades formativas, bem como a
iniciativa de novos projetos musicais em contexto escolar, contração de profissionais
e o desenvolvimento de novas pesquisas.
Enfim, este “estudo contribui para a construção do conhecimento científico sobre a
área da Educação Musical e o campo da formação de professores de música, podendo
servir de estímulo e base para novas investigações” (BORGES, 2021, p. 56).

Referências
BORGES, Adilson de Souza. Principais temáticas de pesquisa sobre a formação de profes-
sores de música desde a Lei 11.769/2008. Cadernos da Fucamp, Monte Carmelo, v. 20, n. 49,
p. 41-58, 2021. Disponível em: https://revistas.fucamp.edu.br/index.php/cadernos/article/
view/2654. Acesso em: 15 mar. 2022.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. 
LOUREIRO, Alícia Maria Almeida. O ensino de música na escola fundamental. Campinas: Papirus, 2003. 
PENNA, Maura. Música (s) e seu ensino. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2018. 
ZANTEN, Agnès Van. Pesquisa qualitativa em educação: pertinência, validez e generaliza-
ção. Perspectiva, Florianópolis, v. 22, n. 1, p. 25-45, jan. 2004.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

A dimensão estética da formação de professores:


experiências que constituem o (ser) humano
The aesthetic dimension of teacher education:
experiences that constitute (being) human

Palavras-chave: estética; educação e formação de professores.


Keywords: aesthetics; education and teacher’s formation.

Tamara Insauriaga Bueno


UFPEL
Maiane Liana Hatschbach Ourique
UFPEL

Em 1990, o filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas publicou um trabalho intitu-


lado “A idéia de Universidade: processos de aprendizagem”, este, circunscreve parte
dos processos de ruptura entre as ciências da natureza e as ciências empíricas. Como
resultado dos processos sinalizados por Habermas (1990) em seu trabalho, atualmente
nos deparamos com o prevalecimento de determinadas formas de pensar dentro de
universidades e demais espaços formativos. Técnicas cujo foco são os resultados e/
ou o desenvolvimento e aperfeiçoamento de competências, condutas que visam a
uniformidade de todos as formas de “ser”, fórmulas prontas e uma educação comercial
sobressaem no atual cenário educacional. Neste contexto, através de uma pesquisa
bibliográfica, entendemos e temos como objetivo discutir sobre a potência da formação
estética de professores como uma forma de, simultaneamente, fortalecer a formação
inicial de professores, ir de encontro ao modelo educacional previamente mencionado
e assegurar, de forma sensível, espaços-tempos que sejam capazes de acolher os
diversos “ser” de alunos em processo de formação inicial, sejam elas “ser” enquanto
formas de existir ou de se colocar nos espaços e diálogos da formação.
Nadja Hermann (2005), no livro Ética e estética: a relação quase esquecida, nos convida
a pensar sobre a dimensão estética, sobre como esta dimensão é sempre associada
à retenção das particularidades. Trazendo essa discussão para um contexto de for-
mação, apresentamos a dimensão estética como uma forma de imunização às ideias
do pensamento dominante, pois fortalece a sensibilidade, considerando-a como um
caminho de reconhecimento intersubjetivo. Ademais, visto que esta dimensão é capaz
de abarcar parte daquilo que o pensamento racional operante desconsidera, entende
por diferente, ou que tenha outros meios de pensar que diferem do predominante,
reforçamos a necessidade de resguardar diariamente este espaço-tempo ao longo da
formação, como forma de abrir mão de uma metafísica racionalista, preservando o
acolhimento humano e as vivências culturais de cada docente.
Assim sendo, longe da utópica e contraditória missão de descrever suas características,
e já justificando os motivos que nos levaram a defender tais ideias, partilhamos partes

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da pesquisa bibliográfica desenvolvida com o intuito de estabelecer uma relação infran-


gível entre a dimensão estética e a formação de professores. Partimos da premissa de
que os pontos destacados a seguir são os responsáveis por sinalizar as fronteiras da
dimensão estética da formação de professores, bem como por constituírem a “medida
comum” sobre disposições, saberes e sensibilidades comprometidas com a inteireza
do ser (RANCIÈRE, 2012) destes espaços-tempos.
Reiteramos a necessidade de tal estudo e espaço na formação de professores, por
acreditarmos que, entre outras coisas, estes espaços-tempo são sustentados pelos
seguintes pontos: interrupções de um estado de ser mecânico, imposto pelas roti-
nas da universidade; acolhimento e o fomento de novas possibilidades de construir
pensamentos, uma vez que uma concepção racionalizada/instrumental não é sufi-
ciente para responder às inquietações que estes suscitam; espaços-tempos onde “o
estranho, a inovação e a pluralidade” (HERMANN, 2005, p. 23) se refugiam; olhares
que sejam capazes de ver o espontâneo, capazes de apreciar o improvisado e (dentro
do possível) olhares capazes de ver livre de maneirismos; espaços-tempos que nos
instigam ver e ouvir a beleza do gesto (GALARD, 2008); que nos convocam a ser com
toda nossa subjetividade.
À vista disso, apresentamos e defendemos a dimensão estética da formação de profes-
sores como uma formação do “ser” integralmente, como uma medida que, apesar de
preparar os professores para as diversas realidades que podem encontrar, é à parte de
exigências mercadológicas, seguindo um padrão de pensamento próprio, não regido
por um modelo dominante. Defendemos esta dimensão como forma de resguardar
aos docentes em formação inicial diferentes possibilidades de “ser” e, por fim, como
forma de preservar uma formação estética de/para professores.

Referências
GALARD, J. A beleza do gesto. Tradução: Mary Amazonas Leite de Barros. São Paulo: Edusp,
2008 [1984].
HABERMAS, J. A idéia de Universidade: processos de aprendizagem. Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos, Brasília: DF, v. 74, n. 176, p. 111-130, 1993.
HERMANN, N. Ética e estética: uma relação quase esquecida. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005.
RANCIÈRE, Jacques. O destino das imagens. Tradução: Mônica Costa Netto. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2012. Disponível em: https://bax-uva.github.io/fantasmas/arquivos/RANCIE-
RE-O-Destino-Das-Imagens.pdf. Acesso em: 15 mar. 2022.

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Linguagem e investigação musical em Joaquin Turina (1882-1949)


Musical language and research in Joaquin Turina (1882-1949)

Palavras-Chave: Joaquin Turina; linguagem musical; significação musical; hermenêutica.


Keywords: Joaquin Turina; musical language; musical meaning; hermeneutics.

Laira Campos
USP

Notável compositor espanhol natural de Sevilha, Joaquin Turina (1882-1949) compôs


para cordas, orquestra, grupos de câmara, canto, piano, teatro musicado etc. Escreveu
quarenta e nove séries de peças só para piano. Entre elas: danças, suítes, sonatas,
poemas, rapsódias, tema e variações, fantasias, ciclos, etc. Entre os violonistas é
reconhecido como destacado compositor por obras como Fandanguillo, Homenaje a
Tarrega e Sonata em re menor. Entre suas obras para piano de maior repercussão des-
tacam-se: Danzas Fantásticas (1920); Sonata Romântica (1909), Sevilha (1911), Tarjetas
Postales (1924), Siluetas (1932), Danzas Gitanas (1934) e Mujeres Espanholas op. 17
(1917) (TRANCHEFORT, 1990, p. 824). Joaquin Turina é filho de uma família de classe
média composta por Concepción Perez Vargas e Joaquin Turina Areal, um destacado
e premiado pintor da Escola Sevilhana. O início de seus estudos musicais ocorreu,
ocasionalmente, aos quatro anos, ao receber de presente um acordeom. Com quinze
anos já se destacava como notável pianista sevilhano, elogiado pela crítica local por
interpretações como KlavierStück e Rapsódia Húngara n°11. Aprofundou seus estudos
em Madri e depois em Paris, na Schola Cantorum, com Moritz Moskoswski (piano) e
Vincent d’ Indy (composição). Em sua larga estadia na França, no início do século XX,
teve contato com os impressionistas Debussy, Ravel e também com os espanhóis Isaac
Albeniz e Manuel de Falla, que influenciaram sua escrita musical. Sua composição se
caracterizou por: […] uma reunião perfeita entre firmeza e refinamento do aprendido,
emoção e colorido, oriundos de um músico minucioso, de técnica moderna e elegante,
enraizada ao canto popular espanhol (MORÁN, 1997). Em estudos sobre a escrita musi-
cal do mesmo constata-se uma fixação por certas figuras rítmicas: Ritmos ternários
oriundos de ambientações religiosas, recorrências de grupos de seis semicolcheias à
la guitarra flamenca, giros melismáticos de influência árabe e judia (BENAVENTE, 1983,
p. 29). A partir do propósito de uma interconexão entre conteúdo técnico-musical e
contexto histórico estilístico, aprofundamento dos aspectos artísticos e interpretati-
vos instrumentais e de uma imersão no universo cultural e ontológico do compositor
este trabalho propõe uma investigação da linguagem musical de Turina a partir de
uma análise de cunho hermenêutico em busca da significação musical. Kramer (1992)
considera o alcance das significações através de associações com o contexto histórico.
Assim, segundo ele: A Hermenêutica é a teoria dessa interpretação, a arte dessa com-
preensão, e o significado musical é o seu objeto (KRAMER, 1990, p. 11). Ao considerar
a representação musical repleta de processos musicais culturalmente significativos e

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interpretativamente ricos (KRAMER, 1992, p. 140) aponta elementos conectores nesta


relação de valores sociais e culturais à música, denominadas janelas hermenêuticas.
Do mesmo modo, para Lawrence Ferrara (1991), a música é provida de significados
referenciais e emotivos. Em significado referencial entende-se uma dimensão do con-
teúdo musical com explanações extramusicais como o mundo ontológico do compo-
sitor. Desdobra-se assim rico caminho para a compreensão da significação musical e
investigação sobre a linguagem deste compositor de reconhecimento internacional cuja
obra vasta e densa é contribuição direta para o enriquecimento da literatura musical.

Referências
BENAVENTE, José Maria. Aproximación al lenguaje musical de Joaquin Turina. Madri: Conser-
vatório Superior de Música de Sevilla, 1983.
FERRARA, Lawrence. Philosophy and the analysis of Music-Bridges to Musical Sound, Form and
Reference. New York: Greenwood Press, 1991.
KRAMER, Lawrence. Music and Representation: the instance of Haydn’s creation. In: SCHER.
Steven Paul (ed.) Music and Text: critical inquiries. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.
KRAMER, Lawrence.Music as Cultural Practice, 1800-1900. Los Angeles: California of University
Press, 1990.
MORÁN, Alfredo. Joaquin Turina através de sus escritos. Madri: Alianza Música, 1997.
TRANCHEFORT, René. Guia de la música de piano y clavecin. Madri: ed. Taurus, 1990.

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Cidade educadora e estética: um olhar para a ressignificação


de práticas pedagógico-musicais
Educational city and aesthetics: a look at the ressignification
of musical pedagogical practices

Palavras-chave: cidade educadora; estética; práticas pedagógico-musicais.


Keywords: educational city; aesthetics; musical pedagogical practices.

Risaelma de Jesus Arcanjo Moura Cordeiro


UFMA

A cidade percebida como lugar das convivências e aprendizagens, das descobertas e


aspirações, dos encontros e do trabalho, dos espaços onde se tecem relações, também
reúne os anseios e impressões próprias das pessoas que a constroem. Dela emana a
diversidade de manifestações artísticas, culturais, sociais, populares, históricas e musicais,
que se conformam e redesenham as paisagens locais. É desta relação entre o sujeito e a
cidade que Flickinger (2000, p. 50) reflete: “de fato é a cidade que lhe vem ao encontro, pro-
vocando-o a nela mergulhar, despertando-o para o seu mistério e, assim, desencadeando
as perguntas que os enlaçarão no seu espaço compreensivo.” Com base nessa concepção
que alicerçou a tese de doutorado da proponente deste trabalho, nosso objetivo consiste
em refletir sobre a necessidade de ressignificação de práticas pedagógico-musicais por
meio da exploração dos espaços educativos que a cidade dispõe.
Na dimensão estética, entendemos que a cidade educadora traz infinitos recursos que
podem corroborar a construção do conhecimento em música por meio de encontros
dos alunos com a música enquanto linguagem artística. Segundo Carbonell (2016, p. 20),
“na realidade, a exploração não organizada do ambiente é uma ferramenta crítica e uma
prática estética que permite descobrir zonas da cidade escondidas, vazias e esquecidas,
nomeá-las e ressignificá-las.” Deste modo, acreditamos que a ideia da prática estética
favorecida pelos encontros entre as pessoas e a diversidade musical dos espaços edu-
cativos da cidade abra caminho para repensar a educação musical escolar. Aliás, aguçar
o olhar para a compreensão do entorno requer “[...] adequada disposição interior para
apreciar e avaliar melhor, para interpretar melhor o que vemos/ouvimos. Essa disposição
se liga à educação estética.” (PERISSÉ, 2014, p. 27).
Por ora, cabe profunda mudança de concepção para endossar a proposição de que
a educação musical está para além dos limites escolares, uma vez que a prática
pedagógica não se restringe apenas ao fazer musical da execução técnico-instru-
mental ou vocal. Mas, se articulada à dimensão estética dos saberes proporciona-
dos pelas vivências musicais dos espaços educativos da cidade, os alunos terão
oportunas motivações para aprender música, ouvir, apreciar criar ou recriar; e os
professores aprenderem a lidar com distintas situações da profissão em sala de
aula. Nesse sentido, Carbonell (2016, p. 19) reforça a noção de que “a cidade é uma

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excelente oportunidade para romper a tradicional lógica disciplinar e experimentar


propostas interdisciplinares [...].”
É nesse pensamento que reside o apelo à ressignificação das práticas pedagógico-
-musicais, com vistas à incorporação de aspectos do conhecimento em música que
estão presentes em contextos e espaços não institucionalizados de aprendizagem.
De certa forma, estaríamos vislumbrando a construção de currículos mais integrados
ao cotidiano de vida e às realidades locais. Para Swanwick (2013, p. 27), “o futuro
da educação musical depende do reconhecimento desta diversidade musical e de
uma colaboração mais íntima entre as instituições formais e os mundos musicais
além dos portões da escola.”
Por fim, consideramos que a noção da cidade educadora propõe aos formadores trilhar
caminho inverso às práticas tradicionais de ensino, que insistem em manter o profes-
sor em estado aparentemente confortável com as condições existentes no interior da
sala de aula, reduzindo o ensino de música a técnicas que se repetem ao longo das
décadas e não respondem às demandas hodiernas da sociedade. Em contrapartida, o
pensamento da cidade educadora integra uma percepção educativa estética de profí-
cuas articulações entre currículos, práticas, estabelecimentos educacionais, espaços,
culturas e sujeitos que são os principais atores do processo formativo.

Referências
CARBONELL, Jaume. Pedagogias do século XXI: bases para a inovação educativa. 3. ed. Porto
Alegre: Penso Editora, 2016.
FLICKINGER, Hans-Georg. Da experiência da Arte à hermenêutica filosófica. In: ALMEIDA,
Custódio Luis Silva de; FLICKINGER, Hans-Georg; ROHDEN, Luiz. Hermenêutica filosófica: nas
trilhas de Hans-Georg Gadamer. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. p. 27-52.
PERISSÉ, Gabriel. Estética e Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
SWANWICK, Keith. A confusão criativa da educação musical. Intermeio: Revista do Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFMS, Campo Grande, v. 19, n. 37, p. 13-28, jan./jun. 2013. Dispo-
nível em: https://periodicos.ufms.br/index.php/intm/article/view/2358. Acesso em: 08 abr. 2022.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Educação musical e estética: um despertar pedagógico


Music education and aesthetics: a pedagogical awakening

Palavras-chave: estética; educação musical; experiência sonora.


Keywords: aesthetics; education music; sound experiences.

Jefferson Cordeiro

A educação estética tem cuidado das formas de perceber a arte como um todo, seja
nas relações de interpretação do olhar sensível, seja inserida em um dado contexto
filosófico, social e antropológico, o certo é que tem contribuído sobremaneira para a
área da Educação Musical. Neste sentido, incita a compreensão da arte do som que se
manifesta como mecanismo educacional estético no despertar de quem aprecia o que
não é visível, mas audível. Num movimento da experiência estética, o objetivo deste
trabalho consiste em refletir sobre a possibilidade de aguçar o olhar para a experiência
estética como uma estratégia para estimular os alunos em aulas de música, de modo
que seus sentidos pudessem ser aflorados diante de determinados sons ao entorno
e cujas respostas lhes propiciariam diversas interpretações.
Para Kraemer (2000) a estética se ocupa das percepções e não do caráter abstrato,
mas de certos modos e formas de conhecimento utilizando-se dos efeitos e funções da
arte. O referido autor esclarece que a reflexão da percepção dos sentidos e o conheci-
mento estão à luz do objeto estético, buscando contribuir para o processo formativo
do educador musical. Nesta abordagem, correspondente às formas de apropriação e
transmissão musical na sociedade, o autor esclarece que a pedagogia da música trata
do estudo das relações das pessoas com a música, evidentemente. Por conseguinte,
ao compartilhar conjuntamente com outras áreas das ciências, conduz seus alunos a
reflexões aprofundadas e de análises por meio da estética.
Nessa perspectiva, a educação musical estética utiliza como auxílio conhecimentos em
musicologia, psicologia da música, sociologia da música, etnomusicologia, bem como
acústica e teoria da música. Na musicologia temos o estudo histórico que se ocupa em
analisar diversas formas de compreensão, surgimento e difusão das características
interpretativas oriundas de fontes históricas. Kraemer (2000) diz que tais expressões
musicais históricas necessitam de considerações estéticas. Já a psicologia da música
ocupa-se com a investigação do comportamento e da vivência musical. Por outro lado,
a sociologia musical tem como foco de estudo o contexto social, o efeito e os tipos de
gostos revelados por pessoas no próprio ambiente em que vivem e que trazem consigo
as suas preferências musicais. Quanto à etnomusicologia, esta tem se ocupado com a
cultura musical dos povos, principalmente, para além da cultura da música de tradição
ocidental. A acústica e a teoria da música têm como meta o estudo do ambiente sonoro
fundamentado na física e na explicação teórica como forma de entender a propagação
do som e os conceitos teóricos correlatos.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

O conhecimento pedagógico-musical estabelece ambiente propício e positivo no que


diz respeito aos envolvidos com a prática musical, estimulando a percepção esté-
tica. Basta perceber, por exemplo, ao caminharmos em meio às ruas da cidade, ou
quando viajamos para diferentes regiões do país deparamo-nos com a diversidade
de músicas, ritmos, melodias e timbres. Manifestações culturais musicais presentes
em diferentes contextos nas quais sensações e sentimentos são manifestados e
confrontados para quem ouve pela primeira vez. Perceber de imediato o que se
ouve nesta atmosfera acústica, está para além da identificação da tonalidade da
música ou o período no qual o compositor compôs a obra. Mas, por meio da estética,
colocamo-nos em constante aprendizado para o despertar que impulsiona sempre
para uma nova experiência estético-musical diante da obra.
Em outra perspectiva de aprendizagem, Murray Schafer (2001) compositor e educador
musical canadense, apresenta-nos uma nova percepção para além dessa obra de arte
musical de concertos. Trabalhando no contexto educacional da música, o mesmo define
que a sonoridade está em toda parte em que vivemos e, de alguma forma, passamos
alheios a essa percepção sonora do meio ambiente.
Por fim, na experiência pedagógico-musical é proeminente, a necessidade do homem
expressar a beleza que está ligada à sua própria natureza e, no aspecto da per-
cepção estética, podemos afirmar que passamos por um processo educacional
que desperta um novo saber. Desta maneira, nossa vivência estética também está
associada às linguagens da arte como um todo. Deparamo-nos com esta experiência
estético-educacional porque a arte é o reflexo das distintas formas de manifestações
culturais em diferentes localidades e agrupamentos sociais. Nosso encontro estético
desperta-nos para aquilo que Perissé (2014) chama de “claridade da obra de arte”.
Ela nos traz sensações e sentimentos que nos fazem reagir de alguma forma. Assim,
a forma como enxergamos, ouvimos e interpretamos as obras de arte leva-nos a
perceber outras possibilidades para enxergar o próprio ser, desenvolvendo-se para
algo nunca antes despertado.

Referências
KRAEMER, Rudolf-Dieter. Dimensões e funções do conhecimento pedagógico-musical. Em
Pauta, Porto Alegre, v. 11, n. 16/17, p. 51-73, abr. 2000.
PERISSÉ, Gabirel. Estética e Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo. São Paulo: UNESP, 2001.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

A linguagem do beat no bit: Elucubrações sobre a


criação musical no computador, pirataria, software
livre e Hip Hop
The language of the beat in the bit: Elucubrations on computer music
creation, piracy, free software and Hip Hop

Palavras-chave: música autoral; underground; periferia; empoderamento; FLOSS.


Keywords: authoral music; underground; periphery; empowerment; FLOSS.

Júlio César de Sousa


UFSJ
Flávio Luiz Schiavoni
UFSJ

O fazer musical dependeu, por muito tempo, de educação musical, do conhecimento


teórico e da prática em instrumentos para a expressão musical e tal dependência
serviu de fator limitante para a popularização da música em espaços menos favore-
cidos economicamente. É possível que tal dependência do instrumento e da teoria
tenha impedido muitas pessoas de se expressarem musicalmente para além da voz
cantada ou de improvisos percussivos, formas de fazer musical que são mais livres e
por isso mais acessíveis a todas as pessoas. Inicialmente, o avanço da tecnologia não
modificou este cenário pois as primeiras ferramentas computacionais que permitiam
tocar copiavam o modelo tradicional e utilizavam uma espécie de partitura como
meio de representação da música. No entanto, com o passar dos anos, a evolução
na interface destes programas trouxe outras formas de representar a música, o que
permitiu que um grande número de pessoas pudesse criar músicas no computador
sem conhecimento musical (WALZER, 2017).
É por meio destas ferramentas que pessoas fazem hip hop sem saber nada de música,
simplesmente pelo fato de que tais ferramentas existem e permitem criar música por
trazerem outras formas de representar eventos musicais no tempo. Tais representações,
como o piano roll e os bloquinhos do FL Studio, trazem uma abstração musical que torna
a partitura desnecessária e até obsoleta como forma de compor e representar música.
Com estas ferramentas é possível criar música com uma qualidade que torna possível
lançar um hit gravado em casa. Este avanço das ferramentas de produção musical tornou
até o PC obsoleto para produzir música, já que é possível utilizar um dispositivo móvel
para isso. Tais abstrações permitem, por exemplo, criar uma bateria sem nunca ter tido
contato com este instrumento ou fazer uma nova versão de uma música existente sem
precisar saber como ela foi feita ou como ela é tocada. Com isso, percebemos que houve
uma crescente significante na criação musical por parte de artistas independentes, que
criam e distribuem suas músicas autorais com uma infraestrutura mínima — contando
apenas com um microfone, um computador e fones de ouvido (REUTER, 2022).

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

É olhando para este cenário de música independente que, neste trabalho, buscamos enten-
der como esta criação mediada pela tecnologia traz uma possibilidade criativa acessível,
uma linguagem musical clara para determinados estilos e uma corrente estética comum a
tantas periferias. No entanto, notamos que há uma limitação dada pela própria construção
destas ferramentas devido ao hermetismo das mesmas. Estas limitações e o lutar contra
as mesmas são importantes para entender os fatores estéticos que guiam esta música
periférica assim como a linguagem que está por trás destas composições. Esta tecnologia
é comum ao RAP, a pisadinha, ao Funk, ao Reggaeton, ao Kuduro e à Sungura. Além disso,
por se tratar de uma música periférica e produções com baixo orçamento, o acesso a esta
tecnologia também se dá de maneira não oficial, por meio de softwares piratas, distribuídos
em torrents e camelôs juntamente com as músicas criadas utilizando estas ferramentas.
Tal distribuição não oficial não parece atrapalhar os fabricantes destas ferramentas pois
isso ajudou as mesmas a se tornaram parte um padrão estético hegemônico devido a sua
difusão por meio da pirataria (JACKSON, 2015).
A continuidade desta pesquisa se desenvolve então nas opções que surgiram nas
comunidades de software livre para contornar tanto a hegemonia destas ferramentas
quanto a dependência da ilegalidade para a criação musical. Graças a estas iniciativas,
existem hoje opções FLOSS a estas ferramentas. No entanto, por falta de conhecimento,
adaptação ou material de estudo, tais ferramentas não são amplamente utilizadas
(EARL, 2012). Pretendemos, com isso, não apenas entender a diferença entre as fer-
ramentas pagas ou não, mas apontar uma nova perspectiva em relação à utilização
de ferramentas abertas para quebrar barreiras estabelecidas com a pirataria, sejam
estas barreiras estéticas, de usabilidade ou de linguagem. Será que tais ferramentas
conseguem trazer outras possibilidades de criação para além dos padrões já estabe-
lecidos? Será que a mudança de ferramentas traz mudanças no processo de criação
e, consequentemente, no resultado final das composições?

Referências
EARl, David. LMMS: A Complete Guide to Dance Music Production Beginner’s Guide. [S. l.]: Packt
Publishing Ltd, 2012.
JACKSON, Reed. The Story of FruityLoops: How a Belgian Porno Game Company Employee
Changed Modern Music. Vice, 2015. Dispnível em: https://www.vice.com/en/article/rnwkvz/
fruity-loops-fl-studio-program-used-to-create-trap-music-sound. Acesso em: 10 mar. 2022.
REUTER, Anders. Who let the DAWs Out? The Digital in a New Generation of the Digital Audio
Workstation. Popular Music and Society, [S. l.], v. 45, n. 2, p. 113-128, 2022.
WALZER, Daniel A. Independent music production: how individuality, technology and crea-
tive entrepreneurship influence contemporary music industry practices. Creative Industries
Journal, [S. l.], v. 10, n. 1, p. 21-39, 2017.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Nova-mente: campo expandido, performance


e autoria em rede na obra de Koellreutter
Nova-mente: expanded field, performance
and networked authorship in Koellreutter’s work

Palavras-chave: planimetria; ruído; vídeocriatura; autor; processo.


Keywords: planimetry; noise; videocreature; author; process.

Antonio Herci Ferreira Júnior


USP
Edson Leite
USP

A obra Nova-mente (KOELLREUTTER; DONASCI, 1981), dirigida e regida por H. J. Koell-


reutter (1915-2005), foi apresentada pela orquestra de bolsistas durante o Festival de
Inverno de Campos de Jordão de 1981, um trabalho coletivo da turma de Composição
Musical daquele ano. Koellreutter convidou Otávio Donasci (1952), um dos pioneiros
da vídeo-performance no Brasil, como aluno e coautor do espetáculo.
Donasci alegou ao mestre: “— Mas eu não sei tocar nada”.
Koellreutter respondeu a ele: “— Você vai tocar vídeo!”
A sincronia entre imagens e sons foi uma solução artesanal, complexa e delicada. A
reprodução do vídeo era analógica e cada um dos seis monitores, espalhados pelo
palco, teriam que ter o seu próprio videocassete e serem disparados manualmente.
A orquestra posicionava-se em volta de uma partitura circular e composta de desenhos,
gráficos e diagramas — planimetria —, explorando sons tradicionais dos instrumentos,
ruídos e formas inusitadas de tocar.
Pela primeira vez entraria em cena a vídeocriatura: um ser humano com cabeça de
televisão (ainda de tubo). Essa cabeça era projeção do próprio Donasci, em close,
parodiando o governador da época — que estava presente na plateia — e repetindo
incansavelmente a frase “— Eu prometo!”.
Em dado momento entravam cantores-performers dizendo, aos cochichos e no ouvido
das pessoas: “— É mentira, é mentira, é tudo mentira...”, referindo-se às promessas
que a vídeocriatura ia fazendo.
Koellreutter em determinado momento cola uma nota do sintetizador com uma fita
crepe e encolhe-se em meditação. O som fica soando por muito tempo, o auditório
retira-se, retorna, aplaude, vaia. A suspensão é quebrada muito tempo depois pela
entrada inesperada de um saxofonista que, diante da aceitação do regente, retoma o
improviso e a música caminha para seu final, em apoteose.
O sintetizador estreara recentemente como instrumento em concertos para Orques-
tra — por exemplo em Karlheinz Stockausen (MOMENTE, 1969) — e era uma grande

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

novidade. Aquela nota prolongada soava de um modo diferente de qualquer outro


instrumento convencional: não cessa com o tempo, enquanto houver energia elétrica.
Koellreutter dizia, sem dizer, que isso não seria possível a não ser a partir daquele
momento de invenção humana, que prescindia do corpo vibrante para produzir som
e vibrava energia pura para isso (KOELLREUTTER; KATER, 1997).
A introdução do ruído, ou do que atrapalha a comunicação, como elemento estético
e a utilização da redundância, como repetição do diferente na nota que ganha den-
sidade diante das reações do próprio público, emoldurada por acontecimentos que
a criam uma nova camada de significados decorrentes diretos da performatividade,
pareciam propor uma estética e uma semântica próprias à contemporaneidade: o
CAMPO EXPANDIDO (KRAUSS, 1984) e a PERFORMANCE como centro de uma trans-
linguagem (COHEN, 2002).
A introdução do vídeo torna-se um elemento disparador para novos horizontes criati-
vos e relacionais. O cochicho ao invés da voz impostada é um exemplo de reutilização
das linguagens.
A quebra da linearidade da obra e a abertura da percepção auditiva incidiriam sobre
uma rede de sentidos — uma forma de vida — e o campo de expansão da arte poderia
abrir um halo para além dele: um campo expandido.
Não se trata mais do halo da obra romântica, da qual Walter Benjamin (1980) já ousara
escrever a lápide, mas da performatividade como lastro e halo de humanidade.
O sujeito romântico, o senhor da obra, que chegara mesmo a ser sinônimo de decadên-
cia, reaparece em Koellreutter como o indutor de toda uma jovem geração a lançar-se
ao seu subjetivismo, construindo uma estética que desse respostas a problemas de
suas próprias contemporaneidades.
No entanto, o sujeito criador não é mais uma pessoa, mas um disseminado, formas
separadas numa forma só: uma REDE que permite conceber a criação da obra como
um processo.
O trabalho do artista e do grupo criador vai além da partitura, pois o processo de cria-
ção faz deles também responsáveis pela difusão e pela pedagogia e defesa dos seus
valores, a criação da obra é também sua constituição teórica e pedagógica.

Referências
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época da sua reprodutibilidade técnica. In: BENJAMIN,
Walter. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
COHEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo: Perspectiva, 2002.
KOELLREUTTER, Hans-Joachim; DONASCI, Otávio. Nova-mente. Campos de Jordão: Festival de
Inverno, 1981. 1 vídeo (19 min). Publicado pelo canal Antonie Herci. Disponível em: https://
youtu.be/oVHAooA3aWs. Acesso em: 10 maio 2022.
KOELLREUTTER, Hans-Joachim; KATER, Carlos. A música na era tecnológica. In: KATER, Carlos. (org.).
Cadernos de Estudo. Educação Musical. Belo Horizonte: Atravez/EM-UFMG/FEA, 1997. p. 90–97.
KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. Gávea, revista do Curso de Especialização
em História da Arte e Arquitetura no Brasil. Rio de Janeiro, v. I, p. 97–93, 1984.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Abraçando as incertezas: inventando marmotas


na universidade
Embracing uncertainties: inventing silliness at the universities

Palavras-chave: experiência; artes; universidade; ferramentas educacionais.


Keywords: experience; arts; university; educational tools.

Rita Helena Sousa Ferreira Gomes


UFC
Érica Atem Gonçalves de Araújo Costa
UFC

Interessa-nos inventar e repercutir espaços na universidade que rompam com engessa-


mentos tradicionais, acolhendo as memórias, as sensações, o saber de sabor (LARROSA,
2015), o aprender como magia. Importam-nos as questões que resistem às respostas
definitivas, que demandam mais do que conceitos ou compreensão, nos empurrando
para o campo incerto da arte. O trabalho que ora propomos é fruto do reconhecimento
desses desejos, que se concretizaram através do emaranhado de vozes, diálogos,
encontros, desencontros, experimentações e ousadias percorridos na disciplina “Arte e
Intervenção em educação e psicologia” ofertada de forma remota entre novembro de
2020 e abril de 2021, em meio à pandemia de COVID-19, para uma turma de mestran-
dos do Programa de Pós-Graduação Profissional em Psicologia e Políticas Públicas da
Universidade Federal do Ceará. Em especial, queremos enfatizar o uso das “marmotas”
como ferramenta de fomento à erupção de inusitados potentes na experiência educativa,
de auxílio no deslocamento das salas de aula como cenários com posições demarcadas
entre quem ensina e quem aprende, para aulas como música (CLÍNICA DA DIFERENÇA,
2020). Oficialmente pensada como uma forma de avaliação, a “marmota” emergiu como
um dispositivo criativo que materializou o cuidado em encarnar o desafio de um certo
modo de pensar, pesquisar, ensinar e aprender postos pelos temas, textos e autores/
as selecionados para disciplina. Na prática cotidiana das aulas, a “marmota” foi plano
comum (KASTRUP; PASSOS, 2016) que fomos sustentando na busca por experiências
descolonizadoras não assombradas pelo medo do erro, do arriscar-se em outras estéti-
cas, do falar de si. Assim, a marmota ganhou contornos de invencionice que se vincula
à transmutação, lançando o desafio de transmutar projetos de pesquisa ou produção
derivada deles em linguagem visual-imagética, bem como o de criar sonoridades que
expressassem conceitos presentes nas discussões referentes às aulas e bibliografias
de diálogo/criação (FREIRE & SHOR, 2008). As “marmotas” foram fundamentais para,
coletivamente, inventarmos que as telas de computadores e celulares podiam ser trans-
mutadas em lugares de acolhimento de nossas histórias, de nossas ousadias, de nossas
dúvidas, de nossas idealizações (mantidas ou destroçadas), de nossas imaginações, de
nossas artesanias. Nas 16 semanas de convivência que perfizeram a disciplina “Arte e
Intervenção”, tensionamos nossas percepções sobre arte, educação e intervenção não

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

apenas como constructos teóricos, mas como campos que, sendo invenções solidificadas,
eram passíveis de mudança. Tensionar, pois, não significou nessa disciplina, um embate
rude e avesso aos bons afetos. Ao contrário, a tensão mostrou que poderia se equilibrar
entre a incerteza e a leveza, atuando entre o medo e a força para criar devires até então
impensados (DELEUZE; PARNET, 1998). Sentimos o frio na barriga de dar passos inéditos
e nos descobrimos enquanto artistas que, diante do caos da existência, criam maneiras
de expressar pensamentos, sonhos e projetos. Ao longo desse trabalho, pretendemos
elaborar como a inserção da marmota como ferramenta impactou os processos que
atravessam a “sala de aula” e a “condução da disciplina”. Para tanto, são fundamentais
as percepções das docentes e discentes da turma de 2020.2 relatadas em uma reflexão
escrita individual partilhada no último encontro da disciplina. Enfim, mais do que um
relato de experiência, esse trabalho pretende complexificar uma questão que nos parece
essencial: “o que pode uma universidade?”

Referências
DELEUZE, Gilles, PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Editora escuta, 1998.
FREIRE, P. & SHOR, I. Medo e Ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
12. ed. 2008.
KASTRUP, Virginia; PASSOS, Eduardo. Cartografar é traçar um plano comum. In: PASSOS,
Eduardo; KARTRUP, Virginia e TEDESCO, Silvia (org.). Pistas do método da cartografia: a expe-
riência da pesquisa e o plano comum. Porto Alegre: Sulina, 2016. p. 15-42.
LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.
O ABECEDÁRIO de Gilles Deleuze – Transcrição integral do vídeo para fins exclusivamente
didáticos. (C. Parnet, entrevistadora). Clinicand, 17 jul. 2020. Disponível em: http://clinicand.
com/wp-content/uploads/2021/02/Gilles_Deleuze_Claire_Parnet_Abeced_rioz-lib.org_.pdf.
Acesso em: 13 mar. 2022

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Só enquanto eu respirar: expressões do amor


e da morte nas canções d’O Teatro Mágico
Only while I breathe: expressions of love
and death in the songs of the Teatro Mágico

Palavras-chave: O Teatro Mágico; música; literatura.


Keywords: The Magic Theater; music; literature.

Jéssica Klimaczewsky
UPF

O amor e a morte são temáticas discutidas desde o início dos tempos pelas diversas
sociedades. Hoje, falar sobre esses dois sentimentos faz revisitarmos o passado e
agregarmos conhecimento ao futuro, sem contar que, são temáticas que ainda estão
vivas no cotidiano das pessoas. Com base no referido assunto, a presente investigação
tem como propósito analisar as temáticas de amor e de morte presentes nas canções:
Ana e o mar (2003), Pratododia (2003) e O anjo mais velho (2003), do grupo musical O
Teatro Mágico. Esse estudo se dá por meio da interconexão entre as vertentes literária,
musical e dos sentimentos. Nele propomos que a letra musical possui aspectos poéti-
cos e literários capazes de aproximar as duas artes. Além disso, usamos das palavras
de Collingwood (2009, p. 52) quando o mesmo expressa que “quando alguém lê e
compreende um poema, não está apenas a compreender a expressão da emoção do
poeta; ele está a exprimir emoções que são suas nas palavras do poeta”, entendemos
aqui poema como a letra da canção e poeta como o compositor.
As diversas produções artísticas são capazes de conferir ao ser humano a construção
de sentimentos e sensações e as canções não fogem ao exposto, pois elas abarcam
uma grande carga emocional, tanto na construção como na execução. E por intermédio
da arte musical são aflorados os sentimentos de cada indivíduo que entra em contato
com os sentimentos de cada canção, tornando assim, a música um meio vivo de comu-
nicação entre o sujeito e as suas emoções. Nas construções musicais d’O Teatro Mágico,
o ideal alcança grandes níveis, onde a trupe trabalha com sentimentos de amor e de
morte manipulando som, letra escrita, dança e circo para sensorialmente sensibilizar o
público. Esse tipo de abordagem faz com que a música e a literatura invadam a vida das
pessoas e, nessa invasão, elas transbordam o indivíduo de sentimentos, de sensações
e de lembranças, então a música é um veículo artístico influente para a disseminação
de sentimentos como os de amor e de morte e nesse processo, as canções são moti-
vadoras como também acalentadoras, pois elas proporcionam as pessoas entrarem
em contato com seus próprios sentimentos de uma forma catártica, onde as emoções
são afloradas na alma e reverberadas pelo corpo por meio da dança. O som pode ser
evidenciado nos mais diversos ambientes, incluindo dentro de cada pessoa, já que o
bombear vital do coração pode ser metaforicamente representado como melodia, pois

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pulsa em determinado tempo com determinado ritmo. Em resumo, as sociedades,


por intermédio da literatura e da música, empenham-se em resoluções humanísticas
por meio de posições artísticas que englobam temáticas étnicas, políticas, religiosas e,
principalmente, emocionais, visto que os seres humanos são movidos pelos sentimen-
tos que retêm de suas experiências lidas, vistas, ouvidas e sentidas. O interesse que o
homem apresenta em musicar sentimentos é verdadeiramente algo que o acompanha
desde o início dos tempos. A literatura, sendo um processo artístico, relaciona-se direta
e indiretamente com a linguagem sonora, na qual artistas abusam da intertextualidade
literária para enriquecer suas composições musicais. Nesse contexto, Moraes (1983,
p. 32) afirma que “reunir música, texto poético e ação dramática em um único todo
orgânico” auxiliou na transformação de novas maneiras em relacionar a música com as
demais artes. As investigações feitas aqui, proporcionaram a percepção de que o amor
possui vertentes, sendo assim, nos deparamos com o amor romântico que é idealizado
pelas pessoas e o fraternal que não tem relação sexual, mas é de grande necessidade
ao sujeito social. Totalmente idêntico ao amor é a morte, pois ambos não têm rumos
preestabelecidos, eles simplesmente acontecem. E as canções mencionadas procuram
elucidar os sentimentos de amor e de morte possibilitando a interconexão entre o
campo literário e o musical que comprova a interdisciplinariedade presente nesses
campos. Consolidamos que as interconexões presentes em música e literatura fazem
grande diferença na vida sensorial do público que ouve, que lê e que admira o produto
artístico final. Por fim, conserva-se a concepção de que as artes, em especial a literatura
e a música, compõem a capacidade intelectual do ser humano em compreender-se.

Referências
COLLINGWOOD, R. G. A arte autêntica como expressão. In: MOURA, V. (cood.). Arte em teoria:
uma antologia de estética. Ribeirão: Edições Húmus, 2009. cap. 3. p. 49-57.
COLLINGWOOD, R. G. The principles of art. Oxford: Clarendon Press, 1938.
MORAES, J. J. de. O que é música. São Paulo: Editora brasiliense, 1983.
SCHOPENHAUER, A. Metafísica do amor, metafísica da morte. Tradução: Jair Barboza. São
Paulo: Martins Fontes, 2000.

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O ser e o ter: Amélia e Teresa revisitadas


na canção popular brasileira
The being and the having: Amélia and Teresa
revisited in Brazilian popular song

Palavras-chave: releituras críticas; canção; gênero; feminismo interseccional.


Keywords: critical rereadings; song; gender; intersectional feminism.

Estefânia Francis Lopes


USP

A canção “Ai que saudade da Amélia” (1942), de Mário Lago e Ataulfo Alves, completa 80
anos agora em 2022, com um refrão que permanece no imaginário brasileiro daquela
que por “não ter a menor vaidade” é que “era mulher de verdade”. “Teresa da Praia”
(1954), de Tom Jobim e Billy Blanco, composição do período pré-bossa nova, tem como
característica marcante o diálogo entre dois pretendentes “rivais” de Teresa.
Ao refletirmos sobre releituras críticas da canção popular brasileira, as consagradas
canções, referidas acima, foram revisitadas por cantoras e compositoras, em períodos
diferentes. Para o presente encontro, nos centraremos nas composições, realizadas
no século XXI, da cantora e compositora Bia Ferreira e da banda Filarmônica de Pasár-
gada, respectivamente. Nortearemos nossa análise para as letras das canções, quanto
ao “ser/tornar-se mulher”, questionado por Bia Ferreira, em “Não precisa ser Amélia”
(2019), e quanto ao “ter/possuir” Teresa, revisto pela Filarmônica de Pasárgada, na
composição de Marcelo Segreto, “Ela é dela” (2014).
Revisitar determinadas canções é disputar politicamente o imaginário e a linguagem
na busca pela construção de novos significados, narrativas e caminhos. Quando essas
canções mobilizam categorias de gênero, sexualidade, raça, classe e/ou outros marca-
dores sociais da diferença, que produzem sentido por meio de uma conexão íntima,
estamos diante de categorias que se entrecruzam e devem ser compreendidas como
construções locais, históricas e culturais. É preciso considerar a busca tática e tácita
deste eu-lírico narrativo por desafiar as “imagens controladoras” (COLLINS, 2019) em
que estereótipos abrangentes, como os de gênero (BUTLER, 2019), são utilizados para
justificar a opressão de grupos marginalizados.
Nesse viés, paralelo às questões quanto ao feminismo interseccional, surgem questões
quanto ao próprio fazer cancional (TATIT, 2012) desde a composição, passando pela
(re)interpretação e as performances (VALENTE, 2012), até os contextos sociais dos
períodos em que as músicas foram compostas. O samba de Mário Lago e Ataulfo Alves
reflete a sociedade brasileira da década de 1940? O diálogo de uma suposta rivalidade
entre os intérpretes Dick Farney e Lúcio Alves dá indícios sobre os hábitos de parte
dos cariocas do final dos anos 1950?

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Quanto às releituras, se Bia Ferreira dialoga com a filosofia de Simone de Beauvoir e


faz emergir as experiências vividas por mulheres negras por meio da palavra cantada,
a banda Filarmônica de Pasárgada traz em sua performance a ambiência das cantoras
de rádio na interpretação de Paula Mirhan, apresentando em comum, em ambas as
composições, uma crítica à objetificação da mulher.
Sendo assim, em nossa análise, procuramos destacar que, longe da intenção de calar
e/ou apagar as canções originais, as releituras de Bia Ferreira sobre a personagem
Amélia e da Filarmônica de Pasárgada sobre Teresa levantam questionamentos e
apresentam uma visão crítica sobre o papel da mulher na sociedade atual, em um
movimento de ampliação dos “modos de dizer” (TATIT, 2008) do cancioneiro brasileiro.

Referências
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2019.
COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política
do empoderamento. São Paulo: Boitempo, 2019.
TATIT, Luiz. O século da canção. 2. ed. Cotia: Ateliê Editorial, 2008.
TATIT, Luiz. O cancionista: composição de canções no Brasil. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2012.
VALENTE, Heloísa de A. Duarte. Os grãos quase graúdos da voz: Pontos e contracantos sobre
a performance do canto. In: VALENTE, Heloísa de A. Duarte; COLI, Juli (org.). Entre gritos e
sussurros: os sortilégios da voz cantada. São Paulo: Letra e Voz, 2012.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Tempos de Escutar: Percussões e aprendizados


musicais com base na cultura moçambicana
Times for listening: percussions and musical
learning based on the culture of Mozambique

Palavras-chave: música e mobilizações sociais; oficina de percussão; Vila Pedreira; EMEB Trindade.
Keywords: musicalization and social mobilization; percussion and rhythm workshops; Vila Pedreira; EMEB
Trindade.

Ronaldo Silva Lopes


Unilasalle

O primeiro instrumento é a voz, o melhor instrumento é o corpo. Percussão é ciclo de


vida, porque se não tiver percussão, coração batendo, não tem vida (VASCONCELOS,
2010). Este trabalho pretende discutir as contribuições de uma experiência com Musi-
calização Infantil em atividades desenvolvidas junto a Escola Municipal de Educação
Básica Trindade na Vila Pedreira, em Esteio-RS, durante o mestrado profissional em
Memória Social e Bens Culturais do Unilasalle. A partir da escrita alegórica e o realismo
fantástico de Mia Couto aliada a contação de histórias e as oficinas de percussão, os
alunos desenvolveram construções pessoais, tais como o uso de figuras de linguagem
e elementos de narrativa. Por sua vez, as contribuições da cultura moçambicana,
entrelaçada com a percussão e as mobilizações sociais, promoveram o diálogo entre a
referida escola e a comunidade em seu entorno. O estudo aborda especificamente as
experiências vividas durante a oficina de percussão realizada junto a alunos da EMEB
Trindade. Sua relação com a temática da questão: estéticas e experiências sonoras dá-se
pela experiência de seus autores como voluntários em projetos sociais e comunitários
que a Universidade La Salle realiza em Beira/Moçambique, na região metropolitana de
Porto Alegre e estudos da cultura afrobrasileira. A metodologia utilizada neste trabalho
é qualitativa, possuindo também um caráter extensionista, visando à transformação
social por meio de ações de uma pesquisa participante. Tal experiência se deu sobre
vários aspectos educacionais, dentre eles, destacamos a realização de oficinas com
crianças do Centro Assistencial La Salle em Beira/Moçambique. Conforme Pita, Himua
e Gomate (2004), Moçambique é um país muito rico no que diz respeito à tradição
popular. Essa riqueza se assemelha muito com o Brasil que tem origem nas várias
influências culturais de povos. Em Moçambique, desde os povos do litoral, cultura se
diferencia dos do interior, passando pelos pastores, os agricultores e os caçadores,
até os povos de além-mar, que por lá passaram e viveram durante vários séculos —
os Árabes e os Europeus — que, no seu convívio com os nativos, deixaram marcas
indeléveis nos instrumentos musicais. [...] no princípio, havia só o silêncio, porque não
havia movimento e, por consequência, nenhuma vibração podia mover o ar, que se
trata de um fenômeno físico importante na produção do som. O som dos elementos

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

naturais: chuva, relâmpagos e trovoadas. Portanto, podemos afirmar que a música


surgiu a partir do som, o qual pode ser produzido através do movimento/vibração: uma
corda de violão ou uma pele de tambor geram ondas sonoras (PITA, HIMUA e GOMATE,
2004). De acordo com Maurice Halbawachs: “Não existe somente a música dos músicos.
Desde cedo a criança é embalada por canções de ninar. Mais tarde ela repete os refrões
que os pais cantarolam a seu lado. Existem canções de brincadeira, existem canções
de trabalho. Nas ruas das grandes cidades as cantigas populares correm de boca em
boca [...].” (HALBAWCHS, 2006, p. 205). Por sua vez, Mia Couto nos diz que: “[...] Antes
da noção da Luz, nosso corpo aprende a ideia do Tempo. Com vinte e dois dias, apren-
demos que essa dança a que chamamos Vida se fará ao compasso de um tambor feito
da nossa própria carne.” (COUTO, 2005, p. 124). Estar na escola é mais que frequentar
aulas, é viver plenamente o oikos escolar, é dar ritmos às ideias e encantar-se com as
possibilidades de criação. Pela palavra; pelo som, pelo coração: ensinamos e aprendemos
em uma contínua busca de saber mais, e ser mais solidário. A percussão nos mostra os
sons harmoniosos de dentro para fora, bate-se com as mãos o que nos dita o coração,
isso é estar em comunhão, isso é exercitar e ser Ubuntu. O elo estabelecido entre o
diálogo do professor e do aluno tende a melhorar com a música, aproximando a escola
da comunidade onde está inserida. Todos crescem, todos convivem e sentem-se parti-
cipantes e integrados na sua comunidade escolar. A escola é o elo com a comunidade.
E a música pode ser um elo entre os sujeitos.

Referências
COUTO, Mia. Pensatempos: textos de opinião. Lisboa: Editorial Caminho, 2005.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.
PITA, José Manuel; HIMUA Duarte; GOMATE, Adérito. Viver a Música– 7.ª Classe – Livro do
Aluno. Porto: Porto Editora, 2004
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: A Pesquisa Qua-
litativa em Educação. São Paulo: Atlas, 1987.
VASCONCELOS, Naná. Naná Vasconcelos e a Batida da Vida. 2010. (3m09s). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=ezJJlekPdOo. Acesso em: 10 jan. 2021.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Música para e com as crianças:


confluência das artes e Educação Infantil
Music for and with Children:
Art Confluence and Early Childhood Education

Palavras-chave: educação musical; sociologia da infância; educação infantil; teatro de confluência.


Keywords: music education; sociology of childhood; early childhood education; theatre of confluence.

Fabrício Malaquias-Alves
UFMG

Este trabalho constitui parte de uma pesquisa de doutorado em andamento e busca


compreender quais escolhas pedagógicas e estéticas coexistem em atividades didá-
tico-musicais para crianças pequenas e bebês, em diálogo com as outras linguagens
artísticas, especialmente o teatro. É possível apontar alguns contornos próprios de
performance musical ou concerto em aulas de música na Educação Infantil, se consi-
derarmos que, nesse processo interativo, além da musicalidade, há uma teatralidade
que se mostra inerente ao modo como a criança se expressa grande parte do tempo. A
teatralidade, nessa ótica, pode ser entendida como certo “vigor e intensidade, tal como
propõem os performers de diversas linguagens artísticas” (MACHADO, 2010, p. 122),
mas também uma “espécie de percepção ecumênica de artifícios sensuais, gestos,
distâncias, substâncias, luzes, que submerge o texto” (PAVIS, 1999, p. 372), fenômeno
que dialoga com o ideal de “confluência das artes”, ou “teatro de confluência”, culti-
vado por Murray Schafer (2002). Nessa perspectiva, acredita-se que professor e aluno
podem vivenciar tal “percepção ecumênica” no decorrer de uma aula de música rica em
elementos que, por vezes, substituem ou dispensam a linguagem verbal, partindo da
musicalidade e da teatralidade que prescindem da palavra; da dimensão expressiva do
corpo, do gesto e do olhar. O professor não explica! Ele faz! Ele canta, narra estórias,
dramatiza e, assim, instiga a criança a experimentar e a expressar-se musicalmente
— o que nos faz refletir sobre a figura do professor-artista, ou de um professor que é
também performer. Os elementos teatrais e de outras linguagens artísticas marcam
as novas propostas de educação musical pela dimensão sinestésica da música, o que
é um convite para a associação com espetáculos e concertos voltados para crianças
pequenas e bebês, os quais configuram “um setting de observação natural capaz de
enriquecer nosso conhecimento científico relativo ao desenvolvimento musical na
infância, à emergência do sentido estético” (RODRIGUES, H.; ARRAIS; RODRIGUES, P.,
2013, p. 62), enfatizando afirmativamente a díade didática-estética no desenvolvimento
musical infantil. De modo a pensar uma Educação Musical coerente com o universo
infantil, o estudo se apoia na Sociologia da Infância, e busca, vislumbrar estratégias
pedagógico-musicais que dialoguem com os princípios de estruturação das culturas
da infância: interatividade; ludicidade, fantasia do real e reiteração (SARMENTO, 2002).
À luz desses estudos, propõe-se a análise de algumas atividades musicais autorais

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

realizada em interface com uma seleção de metodologias propostas por professores


de música da atualidade, difundidas nos meios digitais, nas quais seja possível reco-
nhecer abordagens que dialoguem com o objeto deste estudo. O reconhecimento e a
análise de concertos para crianças pequenas e bebês produzidos no Brasil e no exterior
acrescentam à pesquisa na medida em que configuram, em sua gênese, performan-
ces musicais no sentido estrito do termo; na ótica deste estudo, criações artísticas
enquanto intervenções educativas, que promovem a criação de hábitos voltados para
a apreciação, compreensão e expressão musical na infância. A fim de ampliar a coleta
de dados, serão realizadas entrevistas com docentes e pesquisadores que se dediquem
a criações artísticas e ensino de música na infância, e que atuam no cenário de edu-
cação musical brasileiro e no exterior. Nessa perspectiva, e, uma vez compreendidas
todas essas dimensões e seus desdobramentos na atividade artístico-pedagógica,
isso implica realizar um estudo comparativo dos elementos evidenciados nos espetá-
culos e nas atividades didáticas, bem como dos dados que se configurem enquanto
respostas possíveis às indagações contidas nos objetivos do projeto. Além disso, o
estudo se debruça sobre aspectos relacionados à formação específica dos professores
de música para a Educação Infantil — especialmente sua formação estética e criativa
—, buscando enfatizar modelos, diferenciais, e até mesmo lacunas presentes nessa
formação, tencionando encontrar alternativas que possam contribuir para a atuação
profissional. Espera-se, ainda, ao final da investigação, reconhecer metodologias de
ensino de música na infância bem como contribuir para propostas de educação musical
criativa na atualidade, percebendo caminhos e leituras possíveis, no caleidoscópio de
cores, sons e imagens que constitui a infância.

Referências
MACHADO, M. M. A criança é performer. Revista Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 35,
n. 2, p. 115-138. Maio/ago. 2010.
PAVIS, P. Dicionário de teatro. Tradução: J. Guinsburg e M. L. Pereira. São Paulo: Perspectiva, 1999.
RODRIGUES, H.; ARRAIS, N.; RODRIGUES, P. M. Variações sobre temas de desenvolvimento
musical e criação artística para a infância. In: ILARI, B.; BROOK, A. (org.). Música e educação
infantil. Campinas: Papirus, 2013. p. 37-68.
SARMENTO, M. J. As culturas da infância nas encruzilhadas da 2ª modernidade. CEDIC – Centro
de Documentação e Informações Sobra a Criança. Centro de Estudos da Criança, Universidade
do Minho, 2002. Disponível em: https://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/79714.
Acesso em: 15 mar. 2022.
SCHAFER, M. Patria: the complete cycle. Toronto: Coach House Books, 2002.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

O processo de musicalização na Educação Básica à luz


da Psicologia Histórico-Cultural e da Pedagogia Histórico-
Crítica
The process of musicalization in Basic Education in the light
of Historical-Cultural Psychology and Historical-Critical Pedagogy

Palavras-chaves: musicalização; Arte-Educação; Psicologia Histórico-Cultural; Pedagogia Histórico-


-Crítica.
Keywords: musicalization; Art Education; Historical-Cultural Psychology; Historical-Critical Pedagogy.

Ana Beatriz Buoso Marcelino


UNESP

O presente trabalho pauta-se no âmbito do Ensino de Música dentro da esfera da


Educação Básica a considerar a importância do processo de musicalização para o
desenvolvimento humano, às formas mais elaboradas do universo musical, incluídas
como parte de ações intencionais, planejadas e não isoladas. Assim, objetiva investigar
a complexidade de tais ações à luz da Perspectiva teórica da Psicologia Histórico-
-Cultural e da Pedagogia Histórico-Crítica, considerando-se que na Educação Básica,
desde a Educação Infantil, ao Ensino Fundamental e Médio a Música está contemplada
como linguagem integrante dos Currículos de Arte, bem como da BNCC e detentora
de conteúdos próprios, portanto, as ações pedagógicas envolvendo esta linguagem
artística necessitam de uma organização planejada e intencional por parte do docente
aos estudantes, de modo a garantir a ampliação de seu repertório, o acesso às suas
diferentes manifestações culturais, o reconhecimento de seus elementos ampliando
as possibilidades de apreciação, conhecimento e criação, por meio de ações que
privilegiem uma escuta mais ativa, sensível e crítica, como exercícios de apreciação
sonora, improvisação, composição, interpretação e registros diversos. O trabalho com
a Música possibilita o desenvolvimento do estudante em diferentes aspectos: sociais,
cognitivos, afetivos e estéticos, além de colocar em movimento o desenvolvimento da
percepção auditiva garantindo-lhe acesso e ampliação de seu repertório musical. No
que diz respeito ao acesso à música como sonoridade complexa contribui, ainda, para
a aprendizagem e aquisição da linguagem desde a Educação Infantil. Dessa forma, tor-
na-se pertinente apresentar aos mesmos diferentes obras musicais, desde as eruditas,
às populares e suas matrizes culturais. Esta aproximação favorece o desenvolvimento
de uma escuta mais atenta que nem sempre está presente na realidade objetiva viven-
ciada pelos estudantes. A história da música e seus compositores representam parte
do patrimônio histórico-cultural e tem importante papel na humanização das novas
gerações, bem como o desenvolvimento de capacidades respaldadas pelo saber histo-
ricamente acumulado pela humanidade. Na escola pode-se organizar momentos que
contemplam a exploração de objetos sonoros, instrumentos musicais convencionais e
não convencionais, confeccionados com diferentes materiais, bem como a exploração

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

de diversos objetos sonoros, possibilitando o desenvolvimento de uma percepção mais


ativa e sensível do entorno. Nestas situações, é possível explorar os elementos do som
como a identificação dos timbres dos instrumentos, o ritmo, a altura, a intensidade, a
duração, frequência, etc. Esses momentos, além de favorecerem o enriquecimento do
repertório, ainda contribuem para aproximar as demais atividades desenvolvidas no
ambiente escolar, nas diferentes áreas do conhecimento, como a matemática, a língua
portuguesa, ciências, história, geografia, educação física, dentre outras, por meio de
vivências que coloquem o estudante em contato com a diversidade de sons e músicas,
ampliando seu repertório, favorecendo práticas enriquecedoras e possibilitando o
reconhecimento de elementos como o ritmo, a melodia e a harmonia. A apresentação
e a exploração dos conteúdos musicais têm como propósito o desenvolvimento da
percepção auditiva e a possibilidade de oferecer ao estudante o acesso às criações
humanas em suas formas mais desenvolvidas, além do ouvir, conhecer e expressar.
Mesmo não dominando as formas convencionais da linguagem musical é possível pla-
nejar atividades que coloquem os sujeitos em situação de improvisação, interpretação
e registro. Este estudo trata, portanto, de reflexões e debates norteados pela revisão
bibliográfica sistematizada inerente ao tema e às teorias de aporte. Os resultados e
conclusões, contudo, voltam-se à importância de se investir em ações qualitativas em
educação musical, como já esboçadas, para o pleno desenvolvimento do sujeito, de
forma mais sensível e humanizada.

Referências
ALMEIDA, M. B. S. de. Encontros musicais: pensar e fazer música na sala de aula. São Paulo:
Melhoramentos, 2009.
LURIA, A. O desenvolvimento da escrita na criança. In: VIGOTSKII, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV,
A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2001.
SAVIANI, Dermeval. A educação musical no contexto da relação entre currículo e sociedade.
Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. 1, set., p. 1-5, 2000.
SCHAFER, R. M. O ouvido pensante. Tradução: Marisa T., Fonterrada, Magda R. Gomes da
Silva, Maria Lucia Pascoal. São Paulo: Unesp, 2011.
VIGOTSKI, L. S. Imaginação e criação na Infância. São Paulo: Ática, 2009.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Esquizofonia: um estado da arte


Schizophonia: a state of the art

Palavras-chave: esquizofonia; dialética; educação musical.


Keywords: schizophonia; dialethics; musical education.

Marcelo Haack Marcos


UNESP

Pretendemos, neste trabalho, realizar uma análise de obras que tratam sobre o con-
ceito de esquizofonia1 de Schafer (2011). Para tanto, foram pesquisadas obras em
língua portuguesa dos seguintes bancos de dados: Scielo, Capes, Banco de Teses da
USP, Banco de Teses da UNESP e Banco de Teses da UFSCar. Encontramos trinta e
oito (38) textos nos quais apareciam um ou mais dos seguintes termos: esquizofonia,
esquizofonias e esquizonfônico(a). Quanto à data da publicação eles variam desde o
ano 2000 até 2019. As referidas teses, dissertações e artigos foram divididas em cinco
grupos de acordo com o tratamento que deram ao conceito, a saber: neutra, positiva,
negativa, dialética e distorcida. Consideramos neutra quando, no geral, o autor se
referia ao(s) termo(s) de forma predominantemente técnica, isto é, quando as origens e
consequências da esquizofonia eram tratadas como fatos não passíveis de uma análise
seja sociológica, pedagógica ou de qualquer outro tipo. Os textos classificados como
contendo uma abordagem positiva são aqueles que focam nas possibilidades advin-
das do fenômeno esquizofônico, sobretudo a democratização do acesso à diferentes
obras, as possibilidades composicionais e a utilização da gravação como recurso para
a análise musical. Consideramos como tendo uma abordagem negativa as obras que
sublinham os malefícios do fenômeno em questão, elencando os prejuízos tanto na
execução, quanto na apreciação, mas também na composição e no ensino musical.
Classificados como dialéticos são os textos que conceituam a esquizofonia como um
fenômeno decorrente da revolução industrial e elétrica, que apresenta muitos pontos
negativos, mas também alguns potenciais, sobretudo educacionais. Por fim, dois textos
foram classificados como distorcidos, pois trazem uma definição de esquizofonia com
claras falhas de conceituação. Focaremos, nesse recorte, sobre os do tipo distorcido e
do tipo positivo. Agrupamos esses dois tipos de abordagem por, em um universo de
trinta e oito textos, apenas dois corresponderem ao primeiro tipo e um ao segundo.
Consideramos como abordagem distorcidas aquelas que, pela sua descrição do conceito
de esquizofonia e pelos exemplos que trazem, não conseguem demonstrar uma com-
preensão minimamente adequada do conceito. Quanto a positiva, se enquadrou nesse
tipo de abordagem apenas um trabalho, por não fazer concessão às consequências
do fenômeno, considerando-o, de forma ingênua, uma evolução natural e benéfica no

1 Esquizofonia (do grego schizo = partido e phone = voz, som) refere-se à separação, espacial e temporal,
entre o som original e sua reprodução eletroacústica.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

modelo de escuta. Debrucemo-nos, brevemente, sobre o texto (LIMA, 2012) de aborda-


gem positiva. A autora considera o “uso” da esquizofonia, na TV e no cinema, como o
fruto da imensa criatividade dos contrarregras, que por meio da sonoplastia, conseguem
criar uma paisagem sonora2 para as cenas. Ambos os termos, esquizofonia e paisagem
sonora, são utilizados apenas uma vez, o que classifica a abordagem do trabalho em
relação ao termo esquizofonia também como superficial. Não é possível enquadrá-la
como distorcida, pois a autora não debate suficientemente o conceito. Dentre as abor-
dagens que classificamos como dialéticas, neutras e distorcidas há aquelas que são,
parcialmente, positivas, mas nenhuma a faz da forma que a acima referenciada. Esse
dado é importante, pois revela uma parcimônia na reflexão de praticamente todos
os autores considerados, mesmo aqueles que não se encaixam exatamente em uma
forma dialética de raciocínio. Em outras palavras, a representatividade da abordagem
estritamente positiva não chega a 3% da amostragem. Quanto aos textos que trazem
uma abordagem distorcida, um deles (SILVEIRA, 2012) conceitua esquizofonia como
sinônimo de acusmática3 e traz como exemplo a reprodução de duas ou mais músicas
de forma concomitante, como se cada uma fosse um instrumento musical. Já o outro
(OLIVEIRA, 2015) utiliza a expressão “sensação de esquizofonia”. Consideramos que
a sensação de algo não é esse algo em si, isso classifica a abordagem desse autor
como distorcida. Além disso, como exemplo, ele considera a “esquizofonia” como um
recurso composicional inovador. Os autores não trazem o conceito de esquizofonia
centralizado e, portanto, a superficialidade é apenas relativa, sendo na maioria dos
textos um aprofundamento adequado à discussão que os autores se prestam a realizar.
Mas isso não relativiza as abordagens puramente positivas ou distorcidas, pois essas,
apesar de raras, não trazem o mínimo de tensionamento necessário a todo conceito
que sirva de base para uma discussão sociológica.

Referências
LIMA, Giuliana Souza de. Almirante, “A mais alta patente do rádio”, e a construção da história
da música popular brasileira (1938-1958). 2012. Dissertação (Mestrado) — Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2012.
OLIVEIRA, Rodrigo Batista de. Encenação de Leitmotiv: o procedimento dramático-musical
para constituição de uma cena teatral e não dramática. 2015. Dissertação (Mestrado) —
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
SCHAFER, R. Murray. O ouvido pensante. Tradução: Marisa Trench de O. Fonterrada, Magda
R. Gomes da Silva e Maria Lúcia Pascoal. 2 ed. São Paulo: Ed. Unesp, 2011.
SILVEIRA, Henrique Iwao Jardim da. Colagem musical na música eletrônica experimental. 2012.
Dissertação (Mestrado) — Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

2 O ambiente sonoro. Tecnicamente, qualquer porção do ambiente sonoro vista como um campo de estudos.
3 Forma específica de composição eletroacústica na qual os falantes são utilizados analogamente a
instrumentos musicais.

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Autobiographische Skizze - A formação estética


do indivíduo Wagner em relação à teoria vygotskyana
no desenvolvimento humano
Esboço autobiográfico - The aesthetic formation
of the Wagner individual in relation to the Vygotskyan theory
in human development

Palavras-chave: educação estética; formação do indivíduo; Wagner; Vygotsky.


Keywords: aesthetic education; formation of the individual; Wagner; Vygotsky.

Lenara Abreu de Mattos


UNESP

A comunicação em questão tem como objetivo apresentar a importância da formação


estética no desenvolvimento do indivíduo enquanto cidadão. Para tal discurso será
utilizado o esboço autobiográfico redigido pelo compositor alemão Richard Wagner até
o ano de 1842 e publicado no ano seguinte por seu amigo Laube, a saber, no Zeitung
für die elegante Welt: Mode, Unterhaltung, Kunst, Theater (Jornal para o mundo elegante:
moda, entretenimento, arte, teatro). No esboço escrito por Wagner, o compositor
manifesta sua formação estética desde os primeiros momentos em que a arte fez
parte de sua vida, ou seja, em que momento a música começou a reverberar em sua
curiosidade enquanto indivíduo. Tal esboço expõe quais foram as referências artísticas
e filosóficas que Wagner utilizou para fundamentar o sujeito crítico que viria a formar
o compositor e criador de gêneros musicais específicos, ou seja, os seus dramas musi-
cais. A filosofia presente em sua vida e a arte vigente em sua família desde cedo foram
meios que auxiliaram sua formação. Será este ponto específico do desenvolvimento
humano que, nesta comunicação, ocorrerá a analogia com a teoria do pensador Lev
Vygotsky. Mesmo separados por décadas, o pensamento vygotskyano sobre a teoria
sociocultural da aprendizagem inserida no desenvolvimento do indivíduo, sustenta
suas proposições a partir dos processos em que os fatores sociais, culturais e histó-
ricos moldam o sujeito durante seu percurso de aprendizagem. A interlocução entre
o pensamento wagneriano e a teoria de Vygotsky transcorre o mesmo objetivo final,
ou seja, o desenvolvimento humano e a construção do conhecimento do indivíduo.
Vygotsky foi um dos pioneiros no conceito de desenvolvimento intelectual, além de
considerar a arte como uma linguagem relacional para o entendimento das emoções,
da criatividade e da imaginação. Nesta esfera, a prática artística exige determinado
modo de funcionamento da psique e da humanização dos sentidos, sendo estes os
mesmos valores ponderados pelo compositor Wagner. Vygotsky compreendia a arte
como componente relacional permanente com a realidade circundante, uma vez que
a arte permite avistar a capacidade humana para construção de uma nova sociedade e
de um novo homem. Sob essa perspectiva a arte está inerente a vida, relações sociais

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

de diversas épocas e ao seu modo de entender a vida. Através do conhecimento


adquirido e construído, os estilos artísticos são apreendidos a partir da realidade e
trabalhados a partir desta mesma realidade vivenciada. Se, de acordo com Vygotsky
a história do meio cultural interfere no desenvolvimento cognitivo do sujeito, diante
de tais hipóteses, a arte, segundo Wagner e Vygotsky, é um meio a ser utilizado para
apresentar reflexões do natural e do expressar-se a partir de necessidades singulares
de cada sujeito. Logo, a arte possui o mesmo propósito tanto para o compositor alemão
Richard Wagner, algo que será evidenciado em seu esboço autobiográfico, quanto
para a teoria de Vygotsky, mesmo que o caminho proposto por ambos possam ter vias
divergentes em algum momento do desenvolvimento do sujeito estético.

Referências
MILLINGTON, Barry (org.). Wagner – Guia complete da música e da vida de Richard Wagner.
Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed., 1995.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos
superiores. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
VYGOTSKY, L. S. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
WAGNER, Richard. Autobiographische Skizze. Tradução: Sidnei de Oliveira e Lenara Abreu.
Revista Lumen, São Paulo, v. 5, n. 10, Jul./Dez., 2020.
WAGNER, Richard . Gesammelte Schriften und Dichtungen. (Band I). Verlag W. Frisssch. [S. l.]:
Elibron Classics series. Adamant Media Corporation, 2005.

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O corpo como valor para o ensino de canto


The body as a value for singing teaching

Palavras-chave: educação musical; ensino de canto; corpo; Nietzsche.


Keywords: music Education; singing teaching; body; Nietzsche.

Rafael Prim Meurer


UDESC
Sérgio Luiz Ferreira de Figueiredo
UDESC

Neste resumo, apresentamos uma parte da discussão que temos realizado em uma
pesquisa de doutorado acerca dos valores do corpo no ensino de canto, tomando como
referência principal a filosofia de Friedrich Nietzsche. Consideramos aqui o ensino de
canto como a atividade de se ensinar alguém a cantar, que acontece de diferentes
formas, seja em aulas individuais ou em grupo, em práticas corais e em diferentes
tradições e contextos musicais. Uma concepção de corpo muito difundida no ensino
de canto é a que o considera um instrumento do cantor. Essa concepção se apresenta,
por um lado, atrelada a um cuidado sobre o corpo que se traduz em noções de higiene
vocal e saúde do corpo e, por outro, a ideia de que o corpo é um instrumento se mos-
tra útil para se pensar os diversos treinamentos que diferentes pedagogias do canto
propõem. Nestes termos, o corpo tem o seu valor na medida em que se adequa o
suficiente para ser útil na tarefa de se cantar bem, segundo os parâmetros estabeleci-
dos pela cultura. Destacamos que quando o valor do corpo está atrelado unicamente
à sua capacidade de produzir, como um instrumento, sons vocais-musicais validados
socialmente, o ensino de canto se aproxima da moral, estabelecendo um caminho
(e não outro) que é o correto e que visa chegar a fins estéticos que não são postos
em questão. Na interpretação que propomos aqui, essa ideia presente no ensino de
canto encontra um paralelo numa das concepções mais antigas acerca do corpo que
é a que o considera um instrumento da alma. Nietzsche propõe algumas perspectivas
acerca da relação corpo e alma que nos possibilitam pensar na relação corpo e cantor
e que problematizam essa concepção instrumental do corpo. Zaratustra propõe que a
“alma é apenas uma palavra para um algo do corpo” (NIETZSCHE, 2018: [1883/85], p.
33). Sendo a alma uma parte do corpo, assim como um braço ou uma perna, ela está
à serviço de um todo maior que é o corpo: “Instrumento de teu corpo é também tua
pequena razão que chamas ‘espírito’, meu irmão, um pequeno instrumento e brinquedo
de tua grande razão” (idem). Aqui Nietzsche/Zaratustra opera uma inversão: não é o
corpo que é um instrumento da alma, mas é a alma que é um instrumento do corpo.
De imediato, assumir esta inversão nietzscheana para se pensar o corpo no ensino
de canto possibilita alguns desdobramentos teóricos e práticos: que o cantor pode
ser considerado um instrumento do corpo; que o corpo não apenas executa um som
vocal comandado pelo cantor, como que fosse um aparelho feito para isso, mas que

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

os comandos que envolvem o ato do canto também podem provir do corpo como um
todo; que, para além da sua utilidade como meio para se atingir finalidades estéticas
estabelecidas, o ensino de canto pode ter seu valor como formação humana mais
ampla, contemplando, por exemplo, a experiência de si. Cabe ainda ressaltar que, na
nossa proposta, inverter a hierarquia corpo-cantor não implica anular o conceito ins-
trumental do corpo, mas incluí-lo numa relação de conflito com o seu oposto, conflito
este que pode ser comparado àquele proposto por Nietzsche (2007 [1871]) a partir
dos conceitos de ‘apolíneo e dionisíaco’. Este paralelo com o conflito entre apolíneo e
dionisíaco também tem sido abordado na pesquisa que está sendo desenvolvida. A
inversão aqui apresentada (cantor como instrumento do corpo) não se propõe como
uma verdade, mas sim como uma ficção que tem utilidade pedagógica e artística frente
a formas niilistas de se conceber o corpo no ensino de canto. Conceber o corpo-can-
tor, não como um instrumento, mas como uma pluralidade de impulsos em conflito,
é pensar o canto como o resultado estético de uma tensão de forças. Na abordagem
teórico-pedagógica do canto aqui esboçada, pensamos que o corpo pode ser tomado
como parâmetro de avaliação das metodologias de ensino e suas finalidades: nesta
direção, os contornos musicais estabelecidos pela cultura podem ser postos à prova
frente às pluralidades dos corpos-cantores que desejam cantar. Deste modo, propomos
que ensinar a cantar implica tomar o niilismo e, portanto, a questão dos valores e dos
sentidos da vida humana, como aspectos importantes a serem enfrentados para se
pensar como parte de uma formação humana que aponta para um futuro além da
reprodução homogeneizada dos padrões e que contempla a pluralidade de impulsos
que configura cada corpo-cantor.

Referências
NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. Tradução: J.
Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 2007 [1871].
NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. Tradução: Paulo César de Souza. São Paulo:
Companhia de Bolso, 2018 [1883/85].

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A construção dos efeitos de sentido


em We are only in for the money de Frank Zappa
The construction of meaning’s effects
in Frank Zappa’s We are only in for the money

Palavras-chave: semiótica da canção; canção popular; canção experimental; Frank Zappa.


Keywords: song semiotics; folksong; experimental song; Frank Zappa.

Guilherme Pezzente Pinto


USP

A presente pesquisa investiga os efeitos de sentido e as estruturas de significação do


álbum We are only in for the money de Frank Zappa a partir de uma abordagem semió-
tica de base greimasiana, levando em consideração e tentando depurar os regimes
de canção propostos por Luiz Tatit, e o regime proposto por A. V. S. Pietroforte em
sua fala durante o XVIII miniENAPOL de Semiótica FFLCH-USP — 2019 que aconteceu
entre os dias 08-09-10 de outubro. Obras como a de Frank Zappa trazem interesse
especial no desenvolvimento dos modelos de análise e de discussões epistemológicas
por mexerem diretamente nas estruturas dos sistemas em que trabalham além de
subverterem as estruturas de significação. Tratando-se de uma obra conceitual, o
trabalho não poderia se deter apenas à música, de modo que fora analisado também,
a personagem que canta e a estrutura fundamental de significação da capa do álbum.
Ponto fundamental para compreender o sentido do texto contido na obra é a relação
entra a voz de quem canta e o texto cantado.
O discurso musical, na relação voz-texto, vai se dividir em quatro tipos, que se relacio-
nam segundo a função identidade x alteridade, sendo que a elaboração desses regimes
performáticos dará conta da construção de sentido em cada canção do álbum. Ao
levarmos a função identidade x alteridade ao quadrado semiótico, podemos identifi-
car os quatro regimes performáticos contidos no álbum: o “Sincero”; o “Hiperbólico”;
o “Caricato” e o “Irônico”. Entender as estruturas de significação para além do texto
cantado é imprescindível não só para uma análise estética, mas também para a com-
preensão da crítica política contida no álbum. Ou seja, não identificar uma performance
irônica, levaria a uma má compreensão daquilo que é cantado. Com isso, a construção
de sentido da obra não pode ser entendida sem que a performance, o texto, a música
e a imagem (capa) sejam estudadas.
Vinculando-se a um programa idealista e tendo como base epistemológica os traba-
lhos de Ernst Cassirer, essa pesquisa procura entender os limites da análise semiótica
da arte, ao conceber a arte como ente cultural autônomo não redutível à linguagem,
e servir a uma análise estética mais ampla. Deste modo, a análise que busca enten-
der as diferentes significações do álbum e sua narratividade, entende também que
esta análise toca apenas uma parte fundante da obra de arte, a linguagem. A partir

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

do conceito de Forma Simbólica, podemos entender como um fenômeno cultural


autônomo, nesse caso a arte, pode conter a linguagem sem que se reduza a ela,
pelo contrário, nesse caso, a linguagem funcionará segundo a função simbólica da
abertura de mundo da arte.

Referências
MOTHERS OF INVENTION. We‘re Only in It for the Money. Nova Iorque: Verve Records, 1968.
CAPLIN, W. E. Classical form: a theory of formal functions for the instrumental music of Hadyn,
Mozart and Beethoven. New York: Oxford University Press, Inc, 1998.
CASSIRER, E. Linguagem e Mito. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2017.
CASSIRER, E. A Filosofia Das Formas Simbólicas: A Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
ECO, U. Apocalípticos e Integrados. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2000.
GREIMAS, A. J. Semântica Estrutural: Pesquisa de Método. São Paulo: Editora Cultrix LTDA, 1976
HJELMSLEV, L. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1975.
SCHOENBERG, A. Harmonia. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
TATIT, L. O Cancionista: Composição de Canções no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo, 2002.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Clareza e expressão: investigando o papel da articulação


nas práticas interpretativas dos séculos XVIII e XIX
Clarity and expression: investigating the role of articulation
in performance practices of the 18th and 19th centuries

Palavras-chave: música; música instrumental; discurso musical; articulação.


Keywords: music; instrumental music; musical speech; articulation.

Laís Mendonça dos Reis


USP
Eduardo Henrique Soares Monteiro
USP

A música compreendida entre os séculos XVII e XVIII se relaciona intimamente com


a linguagem falada. Corroborando com este fato, importantes teóricos deste período
como Daniel Gottlob Türk, J. A. P. Schulz e Hermann Keller traçaram frequentes para-
lelos com a linguagem e a estruturação do discurso musical. Essa relação se expressa
claramente na compreensão da articulação, definida no livro de Nikolaus Harnoncourt
(1998) como “o ligar e destacar das notas, o legato e o staccato, bem como a sua mistura,
para qual muitos empregam abusivamente o termo fraseado”. Portanto, assim como
podemos observar na fala palavras de diferentes extensões silábicas, diferentes acentos
e frases com múltiplas possibilidades de pontuação, o mesmo valeria para a música.
A definição citada acima nos introduz às dificuldades encontradas na investigação do
papel da articulação: apesar de sua claramente conhecida relação com a linguagem, o
termo é empregado na literatura em diversos contextos, assumindo diferentes funções,
caso que é intensificado na medida em que adentramos o século XIX e a estética musical
assume novas feições, enquanto os símbolos que indicam a articulação permanecem
os mesmos. Assim, presumindo que o intérprete da atualidade disponha de edições
fiéis ao texto original, este encontrará em partituras clássicas e românticas símbolos
semelhantes, capazes de despertar dúvida acerca de sua correta execução.
A partir desta ambiguidade, estudiosos das práticas interpretativas defendem que
o que se entende atualmente por articulação comporta significados que devem ser
contextualizados e separados em dois espectros. Em suas abordagens, cada um irá
adotar uma nomenclatura própria, embora observemos que há concordância acerca
desta divisão. Eva e Paul Badura-Skoda (1962) estabelecem distinção entre os termos
articulação e fraseado, semelhante à escolha de Stephanie D. Vial (2008) por articu-
lação e pontuação. Já Clive Brown (1999) opta pela diferenciação entre articulação
em nível expressivo e nível estrutural. Os termos “articulação” ou “articulação em
nível expressivo” englobam os elementos que separam ou conectam notas indivi-
duais: os tipos de toque relacionados aos instrumentos de teclado, as arcadas dos

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

instrumentos de corda ou a articulação da língua para os instrumentos de sopro.


Estes indicam a expressão e como determinada passagem deve ser executada. Já
“pontuação”, “fraseado” e “articulação em nível estrutural” se referem à clareza das
ideias musicais em uma perspectiva mais ampla, ou seja, sua organização em frases.
Com base nestas classificações, percebe-se que o significado da ligadura pode causar
especial confusão, pois o mesmo símbolo — a ligadura — é utilizado para indicar
articulação e delimitação de frases. Os estudos citados concordam que a música do
século XVIII apresenta um uso mais uniforme da ligadura, sendo raramente empre-
gada como delineadora de frases. Já no século XIX, era majoritariamente utilizada
em nível estrutural, pontuando frases, embora este uso não seja consenso entre
compositores românticos.
O presente artigo é resultado parcial de pesquisa de mestrado em andamento. Com o
objetivo de compreender o papel da articulação nos séculos XVIII e XIX, este trabalho
visa aprofundar a compreensão dos diferentes empregos dos símbolos utilizados
para indicar a articulação e sua execução apropriada em concordância com a estética
musical em que está inserida. Suas conclusões iniciais evidenciam que a compreensão
da articulação ocupa espaço central para a interpretação do discurso e apontam para
a necessidade do intérprete investigar este aspecto à luz das significações de cada
época a fim de decodificar apropriadamente o texto musical.

Referências
BADURA-SKODA, E e P. Interpreting Mozart on the Keyboard. Nova Iorque: St. Martin Press, 1962.
BROWN, C. Classical and Romantic Performing Practice 1750-1900. Oxford: Oxford University
Press, 1999.
HARNONCOURT, N. O Discurso dos sons. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 1998.
VIAL, S. D. The Art of Musical Phrasing in the Eighteenth Century: Punctuating the Classical
Period. Rochester: University of Rochester Press, 2008.

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Trilhas Formativas em Artes Integradas: uma reflexão


sobre a Formação-Ação com Professores da Educação Básica
Training Paths in Integrated Arts: a reflection
on Training-Action with Basic Education Teachers

Palavras-chave: formação continuada em artes; educação básica; pesquisa-ação.


Keywords: continuing education in arts; basic education; action research.

Bruno Felix da Costa Almeida


UNISC
Sandra Mara Rhoden
UNISC

A formação do docente para a Educação Básica pode se constituir de múltiplas pos-


sibilidades, dentre elas, pode estar interligada ao fazer, ao pesquisar e ao filosofar
sobre as práticas pedagógico-profissionais de professores (MCKERNAN, 2009). Pode
se confundir com o viver, se considerarmos que o ensinar e o aprender são inerentes
a todos os momentos de nossas vidas (MORIN, 2015).
Nesse sentido, a formação continuada se torna salutar ao desenvolvimento profissional
do professor, considerando o diálogo, as dimensões de interação e de complexificação
das fontes formadoras inerentes ao próprio docente (ALCOFORADO, 2014).
Por outro lado, acontece a construção da formação do formador de professores,
quer seja para atuar junto aos cursos de graduação destinados à formação inicial
e/ou à formação continuada, sendo através desse processo formativo que esses
profissionais-formadores se capacitam para estarem aptos às transformações e
ressignificações das práticas pedagógicas.
É, portanto, sobre o processo destinado à formação de formadores de professores,
que esse estudo se aproxima, diante do desafio lançado aos acadêmicos da disciplina
“Pesquisa e Educação Básica”, do Programa de Pós-Graduação em Educação — Dou-
torado (PPGEdu), da Universidade de Santa Cruz do Sul — UNISC.
Atrelado aos objetivos da disciplina do PPGEdu, foi acolhido o convite realizado por
parte da equipe diretiva de uma das escolas Públicas Municipais, localizada na cidade
de Santa Cruz do Sul — RS, para propor e realizar uma formação continuada aos pro-
fessores da Educação Básica, atuantes nos anos escolares compreendidos da Educação
Infantil, Ensino Fundamental — I e II, ao Ensino de Jovens e Adultos (EJA).
Assim, emergiram alguns questionamentos em se tratando da aproximação dos
acadêmicos-doutorandos aos professores da Escola, quais sejam: Quem são esses
professores? Qual a sua formação? O que esperam de um curso de Formação Conti-
nuada? E, a partir disso, despontou um dos principais questionamentos norteadores
dessa proposição: Como propor uma Formação Continuada com professores da Edu-

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

cação Básica? O objetivo consistiu em implementar e refletir sobre uma proposta de


formação com professores.
Para tanto, a elaboração e a proposição da Formação Continuada foi conduzida a par-
tir dos pressupostos metodológicos da Pesquisa-ação (TRIP, 2005). Pois a viabilidade
de ressignificar experiências docentes em um contexto educacional de formação,
potencializa, em uma perspectiva crítico-colaborativa, o aprendizado do pesquisador
(acadêmico-doutorando) e do professor (a quem se destina o processo de Formação
Continuada), ao passo que ambos se inserem em um ciclo de compartilhamentos sobre
os processos de ensino e de aprendizagem desenvolvidos no contexto da Educação
Básica. A proposta de formação-ação resultou na realização de quinze Trilhas e três
Percursos Formativos, com um total de 30 horas de duração.
Por fim, destacamos a importância da aproximação dos acadêmicos aos professores da
Educação Básica, com vistas à elaboração de uma Formação Continuada pautada em
suas necessidades e em seu cotidiano docente, considerando que: aprende-se ao ensi-
nar e ensina-se ao aprender, ou seja, pudemos denotar a importância de um processo
de formação mútuo, com aprendizagens compartilhadas em Música e Artes Integradas.

Referências
ALCOFORADO, Luís. Desenvolvimento profissional, profissionalidade e formação continuada
de professores: possíveis contributos dos relatos autobiográficos profissionais. Educação,
Santa Maria, v. 39, n. 1, jan./abr., 2014.
MCKERNAN, James. Currículo e imaginação: teoria do processo, pedagogia e pesquisa-ação.
Porto Alegre: Artmed, 2009.
MORIN, Edgar. Ensinar a viver: manifesto para mudar a educação. Porto Alegre: Sulina, 2015.
SILVA, Jenekésia Lins da; RÊGO, Ana Paula Monteiro; MERCADO, Luís Paulo Leopoldo. A
pesquisa na formação do professor universitário: competências na produção e transmissão
do conhecimento. Educação, Santa Maria, v. 46, 2021.
TRIP, David. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa. São Paulo, v. 31,
n. 3, p. 443-466, set./dez., 2005.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Criação audiovisual coletiva: prática interdisciplinar de estratégias


pedagógicas para construção ativa do conhecimento
Collective audiovisual creation: interdisciplinary practice
of pedagogical strategies for active construction of knowledge

Palavras Chave: interdisciplinaridade; educação; criatividade; audiovisual.


Keywords: interdisciplinary; education; creativity; audiovisual.

Luís Claudio Pires Seixas


Secretaria Municipal da Educação de Salvador

Dirigido a docentes interessados em diálogos criativos interdisciplinares, o Projeto


Pedagógico Criação Audiovisual Coletiva propôs a vivência coletiva de processos
criativos a partir de estratégias pedagógicas e atividades didáticas úteis a construção
ativa do conhecimento. Essa vivência aconteceu como Projeto de Extensão online da
Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), reunindo docentes de vários estados
do Brasil, especializados em diversas áreas do conhecimento, fazendo-os convergir
em torno da criação de um produto audiovisual original. A Prática interdisciplinar
de estratégias pedagógicas, oferecida nessa oportunidade apenas a docentes, visou
uma posterior replicação de seus meios e abordagens em ambientes escolares com
infraestrutura, em muitos aspectos, deficiente e inadequada buscando, tanto quanto
possível, utilizar meios gratuitos e facilmente acessíveis. O envolvimento criativo com
a produção audiovisual normalmente desperta o interesse com facilidade, mas pode
parecer, num primeiro e irrefletido momento, caro e complicado demais. Contudo, com
o advento das novas tecnologias da informação e a crescente popularidade de seus
meios, qualquer computador pessoal ou aparelho de telefonia móvel pode facilmente
assumir ares de uma agência produtora de áudio e/ou de vídeo. Com o uso de alguns
aplicativos, facilmente acessíveis e gratuitos, essa atividade de extensão universitária
pretende, além da ação inclusiva em tecnologia digital que acontecerá colateralmente,
promover a vivência em processos coletivos de criação que, pela natureza interdisciplinar
própria do audiovisual, irá incluir aprendizados e experimentações em diferentes áreas
de atuação artística abordadas com ênfase nas suas possibilidades de ação integrada.
Com o objetivo geral de se criar coletivamente um filme de animação de curta duração
e sua respectiva trilha sonora, foram usados aplicativos gratuitos capazes de funcionar
tanto em computadores pessoais como em aparelhos telefônicos do tipo smartphone.
Numa experiência pedagógica de construção do conhecimento, um produto final com
pretensões artísticas, mesmo quando tomado como meta, jamais poderá ser mais
importante que o processo vivenciado e, por isso, avaliações periódicas da trajetória
coletiva são muito importantes e podem resultar em reposicionamentos na condução
dos trabalhos. Com vistas a realizar uma trajetória pedagogicamente relevante e cog-
nitivamente transformadora, já que envolve processos criativos foram proporcionados
momentos de apreciação estética, de construção de conhecimento técnico, de reflexão

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

e de exercícios criativos na solução de problemas estéticos e pedagógicos. Além das


capacidades cognitivas e estéticas, os participantes precisaram buscar estratégias de
trabalho em grupo visando a adoção de comportamentos e atitudes que maximizem os
resultados artísticos desejados, a partir de relações interpessoais baseadas no respeito
mútuo e na disciplina necessária ao comprometimento com o trabalho a ser desenvol-
vido. Essa atividade de extensão embora inclua conteúdos teóricos, tem um caráter
prático com foco no processo ativo de construção do conhecimento. Desse modo, o
docente responsável orienta a construção do conhecimento estimulando a pesquisa,
fazendo com que, nos encontros síncronos, as atenções se dirijam a esclarecimentos,
exposições de conteúdos, apreciações estéticas orientadas, além de discussões coletivas
sobre os assuntos abordados e a respeito do processo criativo em curso.

Referências
AUMONT, Jacques et al. A Estética do Filme. São Paulo: Papirus, 2008.
BRANIGAN, Edward. Narrative, Comprehension and Film. New York: Routledge, 1992.
EISENSTEIN, Sergei. A Forma do Filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. Petrópolis: Vozes. 2001.
VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio Sobre Análise Fílmica. Campinas: Papirus, 2009.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

Interpretação estética do/a professor/a sobre a obra musical


dos estudantes na escola básica: cinco pontos da estética
sistemática geral na perspectiva bakhtiniana
Teacher’s aesthetic interpretation by musical works
in elementary school: five points from the general
systematic aesthetics in Bakhtinian perspective

Palavras-chave: composição musical; escola básica; estética da alteridade; estética sistemática geral.
Key-words: musical composition; elementary school; the asthetics of alterity; general systematic aesthetics.

Liana Arrais Serodio


UNICAMP
Guilherme do Val Toledo Prado
UNICAMP

Tentar enxergar os cinco pontos que a estética sistemática geral oferece para os
demais estudos estéticos (BAKHTIN, 2003, p. 57-84), pode contribuir também no
exercício ético-interpretativo dos textos musicais (BAKHTIN, 2016), como um modo
potente de estudar as obras musicais do cotidiano escolar em seus objetivos didá-
tico-pedagógicos, porém do ponto de vista artístico. “O conceito de estético não
pode ser extraído da obra de arte pela via intuitiva ou empírica: ele será ingênuo,
subjetivo e instável.” (BAKHTIN, 2014, p. 20). Ensinar artes nas escolas impõe a quem
ensina avaliar os trabalhos dos estudantes, pois o objetivo (função social) das escolas
é ensinar os estudantes a pensar de acordo com a herança cultural-simbólica da
humanidade e ao mesmo tempo esta avaliação/valoração ocorre fatalmente em mais
de um domínio. O conteúdo do ensino vai muito além dos objetos culturais: há os
valores a eles atribuídos e estes só podem ser aprendidos em e na relação, na vida.
O texto artístico em qualquer linguagem tem a vida como conteúdo, para seu autor.
Só que o material se impõe. Pensando na música “pura”, que não tem intervenção
de outras linguagens, seja verbal ou visual ou gestual, etc., todo valor é enformado
[sic] pelo som, o qual tem liberdade de determinar um conhecimento externo a ela.
Para Bakhtin (2010), o eu se constitui socialmente com o outro que o recebe na vida
e com ele forma sua cultura, nela formando-se. Portanto eu me formo no olhar — na
avaliação/valoração — do outro para mim durante minha formação e em sua escuta
responsiva a mim em todos os atos da vida. Assim, desde que as necessidades básicas
estejam garantidas, o que mais importa (ou seria bom que assim fosse) é compreen-
der as interações dos indivíduos, as relações nas quais a ciência, a arte, a filosofia
são produzidas como resposta de um indivíduo para e na vida social. Qualquer obra
centralizada nos valores do eu em detrimento do ponto de vista do outro pode não
ser esteticamente produtiva — pode não produzir no contemplador efeitos estéticos

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

(BAKHTIN, 2003), pode soar auto-propaganda, por exemplo. Porém a música não lida
em seu conteúdo com “determinação objetal e diferenciação cognitiva” (BAKHTIN, 2014,
p. 20) devido ao seu material essencialmente sonoro: como avaliar a centralidade do
eu e do outro na obra? Como realizar a avaliação da obra quanto aos efeitos estéticos
pretendidos/alcançados? Qualquer estética — na arte ou não — que se baseie na
promoção dos próprios saberes pode se perder no virtuosismo e soar arrogante ou
artificial, maquínica, tanto quanto qualquer discurso que confesse os próprios atos
pode soar auto-exposição/lamentação. Em uma estética da não indiferença ou da
alteridade, fundamentada no ato responsável, Bakhtin (2014) faz uma interpretação
do herói lírico que tem o outro entre seus centros de valores, apresenta cinco pontos
com os quais a “estética sistemática geral” contribui para compreender a arte: (1)
fundamenta a forma artística; (2) estabelece diferenças e articulações dentro e fora da
obra, entre objeto estético e obra exterior; (3) diferencia composição e arquitetônica;
(4) explica a visão estética fora da arte; (5) fundamenta a história da arte (BAKHTIN,
2014, p. 17-27). Proponho finalmente tecer considerações em torno do ponto 3,
diferenciar composição e arquitetônica em um texto musical de um/a estudante. A
origem de qualquer texto é um encontro antecipado com o outro. Na escola este é
um dos papeis do/a professor/a de música: responder ao/a estudante como avalia/
valora sua música, em cuja composição arquiteta um conteúdo, algumas de suas
respostas — e perguntas — à vida.

Referências
BAKHTIN, M. M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN Mikhail. Estética
da Criação Verbal. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 03-192.
BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. Tradução: Valdemir Miotello e Carlos
Faracco. São Carlos: João & Pedro, 2010.
BAKHTIN, M. M. O problema do conteúdo, do material e da forma na atividade literária. In:
BAKHTIN, M. M. Tradução: Autora Fornoni et al. Questões de literatura e estética. A teoria do
romance. São Paulo: Huicitec, 2014. p. 211-349.
BAKHTIN, Mikhail. O texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In BAKHTIN,
M. Os gêneros do discurso. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016, p. 71-107.

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A flauta nos mitos, os mitos na flauta


The flute myths, the myths in the flute

Palavras-chave: flauta transversal; performance musical; comprovisação.


Key-words: transverse flute; musical performance; comprovisation.

Cleisson José Dias da Silva


UFSJ
Flávio Luiz Schiavoni
UFSJ

A flauta é talvez um dos instrumentos mais antigos da humanidade tendo sido encontrada
em diferentes culturas e continentes e tendo sido construída de diversos materiais como
ossos, metal ou madeira. No entanto, o modelo de chaves criado por Boehm no século
19 é considerado a evolução deste instrumento e, com esta evolução, a flauta se tornou
popular na música de concerto de tradição europeia ganhando um repertório amplo de
diversos compositores. Tal estilo musical é ensinado em conservatórios e possui técnicas
de ensino e aprendizagem que garantem sua existência e manutenção.
Nesta pesquisa de caráter experimental e intuitivo, abordamos a flauta transversal em
um contexto distante deste, onde é possível experimentar performances cênico-mu-
sicais que vão despertando, desenvolvendo, envolvendo um outro estado corpóreo,
perceptivo, sensorial — transformações do/no humano — que estão para além da
música clássica, das salas de concerto, dos conservatórios. Este não se difere apenas
por meio de um repertório improvisativo e inexistente e não se trata apenas de uma
questão de performance musical, mas sim de um contexto humano e cultural, essa
nossa cultura que não é aquela cultura. E este humano outro, denominado aqui de
“corpo ecológico”, vai fortalecendo essa outra performance e propondo outras possibi-
lidades de criação, relação, experimentação que excedem o artístico. Buscar, com isso,
um corpo ecológico, seja na prática artística ou não só é, em resumo, pensar corpos
menos silenciados, mais atentos a seu entorno diverso, menos alienados, mecanizados
e entregues ao capital, “conectando” assim as instâncias ambiental, social e subjetiva,
descritas por Guattari (1990), atentos da importância de uma revolução interna para
lutarmos contra a intensa crise ecológica nestes palcos da vida.
Neste lugar, da performance da vida ultrapassando a performance musical, o corpo
do ator intérprete é só um dos corpos possíveis na cena. A estes corpos há uma
voz mítica: este outro lugar que a voz — o som — chega e comunica (DE CASTRO
MALETTA, 2014). Encontrar termos e definições para estes lugares outros onde chega
a flauta, excedendo o lugar histórico e apolíneo dos palcos de concerto. A flauta,
neste contexto, perde parte de sua aura sacra e se torna objeto cênico, atriz, um
não instrumento musical, numa anti técnica, já que nos encontramos em processos
contínuos de libertação do convencional. A flauta é corpo, também possui história,

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, v. 5, n. 8, 2023

forma, limitações. Se em um momento ela é instrumento musical, em outro ela


pode ser cajado, lança, avião ou uma luneta cega que não permite enxergar. Dessa
forma, experimenta-se possibilidades de ser e estar tanto no corpo-humano-ator,
quanto no corpo-flauta, ambos ultrapassando lugares usuais. Trabalhamos com isso
a sensibilidade do corpo, que diante do capitalismo e massificação dos corpos em
seu colonialismo, se torna outro sistema, como formas de fuga ou de legitimação
e tentamos, com isso, soltar o jogo, soltar o corpo, sujar a performance musical e
acolher o que ela tem a seu redor: ruídos e interferências.
Temos então uma outra estética de uma outra performance musical, que reivindica
a musicalidade do corpo enquanto comunicação e que permite uma relação de
construção e adaptação de repertório de exercícios, alongamentos e propostas para
o corpo ecológico da performance em música, assim como para esta performance
outra que passa a ser experimentada e produzida como um texto do corpo, uma
dramaturgia corporal. Ao mesmo tempo, tal experiência encontra seu espaço na
discussão da didática do instrumento, pois permite criar intimidade com a flauta e
procurar locais possíveis para o “ser flauta”, para além do passarinho, da manhã, do
encantamento, da magia. Neste espaço, os papéis tradicionais da música de concerto
de tradição europeia (compositor, intérprete e público) se perdem em um único papel,
o de ser vivo, sem texto e sem público para aplaudir no final, pois o final, este ainda
não chegou. No fim, acabamos trazendo, meio que sem querer, o embate entre a
anti técnica e a técnica, da dicotomia da flauta em seu lugar mítico e lugar histórico
e na capacidade de liberdade expressiva que podemos alcançar ao abandonar tal
dicotomia e partir para uma apreciação do fazer artístico onde compositor, intérprete
e público se amalgamam em um outro ser.

Referências
DE CASTRO MALETTA, Ernani. A dimensão espacial e dionisíaca da voz com base nas propostas
de Francesca Della Monica: resgatando liberdade expressiva e identidade vocal. Urdimento,
Santa Catarina, v. 1, n. 22, p. 39-52, 2014.
FALKEMBACH, Maria F. Dramaturgia do corpo e reinvenção de linguagem: transcriação de
retratos literários de Gertrude Stein na composição do corpo cênico. 2005. 142 f. Dissertação
(Mestrado em Teatro) — Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2005.
GUATTARI, F. As três ecologias. Tradução: Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas: Papirus, 1990.
HELLER, A. A. Fenomenologia da expressão musical. São Paulo: Letras Contemporâneas, 2006.

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La experiencia estética en el arte contemporáneo:


una aproximación desde el pensamiento de Maurice
Merleau-Ponty
The aesthetic experience in contemporary art:
an approach from Maurice Merleau-Ponty

Palabras clave: Maurice Merleau-Ponty; arte contemporáneo; experiencia estética; cuerpo.


Keywords: Maurice Merleau-Ponty; contemporary art; aesthetic experience; body.

Andrea Sophia Tellez Salazar


UMSNH

El presente trabajo pretende hacer una reflexión en torno a la experiencia estética


que se da a partir de las obras de arte contemporáneo tomando como marco teórico
la filosofía de Maurice Merleau-Ponty.
“La filosofía de Merleau-Ponty es ante todo una filosofía del cuerpo, de la realidad cor-
poral de la subjetividad” (RAMÍREZ, 2013, p. 82). Desde sus tesis doctorales se puede
constatar esto. En La Structure du comportement (1942) introdujo la noción del cuerpo
vivo (GARCÍA, 2010, p. 47) y en La phénoménologie de la perception (1945) propuso que
el cuerpo es visible y vidente y que su estudio no puede reducirse al de una mera cosa
entre las cosas (GARCÍA, 2010, p. 50) Su interés por el cuerpo germina desde sus pri-
meras obras y permanece hasta El ojo y el espíritu, último texto que completó en vida
(LEFORT, 2017, p. 9). Después de siglos diversas tradiciones filosóficas que apuntaban
hacia la negación del cuerpo, el siglo XX es, finalmente, testigo de una filosofía que se
atreve a pensar desde el cuerpo.
Paralelo al surgimiento de una filosofía que revaloriza al cuerpo, en la segunda mitad
siglo XX surgen diversas manifestaciones artísticas que, de manera evidente, colocan
al cuerpo en el centro. Ejemplo de ello es el Body Art, que temporalmente se ubica
en 1964 y que es “una marcada tendencia de lo que se denominará genéricamente,
a partir del comienzo de los años ’70, la PERFORMANCE” (FERRER, 2010, p. 64) y que
se desarrolló a nivel mundial. Dentro del Body Art o arte corporal, está aquél que
confronta directamente al público, y aquél que no lo hace y su rasgo característico
que se prolongó en el performance, es que el cuerpo del artista es el “elemento fun-
damental del deseo creador” (FERRER, 2010, p. 65) Para 1970 aparece propiamente
lo que conocemos como performance, cuya “definición enciclopédica podría ser ésta:
realización pública como obra de arte, que no necesita ninguna habilidad particular,
sino otra función más que la de existir fugitivamente, multidisciplinaria o que tiende
al nivel cero de la expresión” (FERRER, 2010, p. 181)
Aunado a ello, en la segunda mitad del siglo XX aparecen manifestaciones artísti-
cas tales como el fluxus, el happening y las instalaciones, en las cuales también el
cuerpo toma un lugar central.

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La hipótesis de trabajo es que a través del arte contemporáneo se puede dar cuenta
de la especificidad del cuerpo como medio de apertura al mundo de la percepción.
Se sostiene esto porque gracias a las obras se rompen esquemas dualistas y se abre
otro tipo de espacialidad y temporalidad, unas que cooncectan con el mundo desde
la experiencia originaria. Esto ocurre desde el ámbito de lo prediscursivo porque a
través del logos sensible entramos en contacto con ellas desde nuestra experiencia
propia. Así, a través de la experiencia estética que se da desde el cuerpo propio, con-
cepto central de la filosofía merleaupontiana, se accede al mundo desde la experiencia
directa, antes de cualquier conceptualización o intelectualización y más allá de cualquier
pensamiento de sobrevuelo.

Referencias
FERRER, M. (comp). Grupos, movimientos, tendencias del arte contemporáneo desde 1945.
Buenos Aires: La marca editora, 2010.
GARCÍA, E. Vie et œuvre. In: Merleau-Ponty, M. Maurice Merleau-Ponty. Œuvres. París: Gal-
limard, 2010.
LEFORT, C. Prefacio. In: Merleau-Ponty, M. El ojo y el espíritu. Madrid: Editorial Trotta, 2017.
RAMÍREZ, Mario. La filosofía del quiasmo. México: FCE, 2013.

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Willems e Wallon: a música e a integralidade do ser


Willems and Wallon: the music and the integrality of being

Palavras-chave: Willems; Wallon; educação musical; educação integral; afetividade


Keywords: Willems; Wallon; music education; integral education; affectivity

Rejane do Nascimento Tofoli


UPM

Edgar Willems (Bélgica, 1890-1978) e Henri Wallon (França, 1879-1962), foram dois expres-
sivos teóricos que além de terem sido contemporâneos, apresentaram em suas teorias
proposições muito similares. Willems projeta-se na área da educação musical. Wallon,
tem relevância principalmente no campo da psicologia e da educação. Ambos, com suas
pesquisas na área da psicologia e com forte impacto na educação, alinham-se quanto à
visão do desenvolvimento humano ao encarar o homem como um ser integral, onde a
razão, emoção, bem como o corpo, trabalham de forma integrada. Avaliam, portanto,
as dimensões afetiva, cognitiva e motora, estando imbricadas entre si, resultando em
uma ação integradora, afetando diretamente a própria pessoa. Em relação ao presente
trabalho, utilizando-se da pesquisa bibliográfica descritiva, os principais aspectos das
teorias mencionadas são pontuados, pois além de transformarem o pensamento dico-
tômico entre razão e emoção, apresentam a possibilidade de introduzir-se a música
como uma ferramenta eficaz no ensino e desenvolvimento humano. Vale mencionar
que, como resquício do Iluminismo (1620-1798), até meados do século passado, a razão
era fortemente valorizada em detrimento da emoção, sendo que as reflexões a respeito
dos sentimentos e emoções eram mais centradas em uma norma moral de seu controle,
sem a preocupação de entender suas influências na natureza humana. Iniciando-se
por Wallon, este apresenta como um de seus conceitos, a existência dos conjuntos ou
domínios funcionais. Os conjuntos funcionais seriam agrupamentos de funções divididas
de acordo com suas características predominantes que teriam o objetivo de auxiliar
a compreensão do funcionamento psíquico humano. Estariam divididos em quatro
áreas que embora sejam estudadas isoladamente, formam o todo inseparável que é
a pessoa. Primeiramente, encontra-se o conjunto do ato motor, estando relacionado
ao corpo e suas possibilidades de deslocamento no tempo e no espaço, bem como as
reações posturais e o apoio muscular e visceral para que as emoções e os sentimentos
possam ser expressos. O segundo domínio, trata-se do domínio afetivo. Este domínio
apresenta as funções relacionadas às emoções, aos sentimentos e às paixões. Já como
terceiro domínio, tem-se o conjunto cognitivo, onde se englobam inúmeras funções
relacionadas à aquisição e manutenção do conhecimento, seja por meio de imagens,
noções, ideias, ou mesmo por representações. Permite também registrar e reviver o
passado, fixar e analisar o presente e projetar futuros possíveis e imaginários. Como
quarto domínio, Wallon apresenta a pessoa, que expressa a integração em todas as
suas inúmeras possibilidades (ALMEIDA; MAHONEY, 2005). Ainda para Wallon, existe

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uma integração entre os domínios afetivo, cognitivo e motor, sendo o ser humano
integral e integrado em todas as suas dimensões (SUGAHARA, 2016). Ao lado de Wal-
lon, Willems tem como proposta apresentar alguns aspectos da vida que ele considera
idênticos para a música. Ao analisar o todo, Willems apresenta a existência de dois
polos opostos e complementares: o da matéria sonora e o do espírito artístico, onde
em ambos se encerra o desconhecido. Partindo-se do polo material para o polo espiri-
tual, encontram-se a vida física, afetiva e mental da vida humana. Em correspondência,
partindo-se do som, o polo material da música, encontram-se a vida rítmica, a vida
melódica e a vida harmônica, atingindo sua culminância no polo espiritual, que seria
o polo da Arte. Esclarecendo ainda as relações psicológicas estabelecidas por Willems,
pode-se enquadrá-las da seguinte forma: o ritmo, estaria relacionado com o domínio
da vida fisiológica, ou seja, com a ação. A melodia, se relacionaria com o domínio da
vida afetiva, presente no campo da sensibilidade e a harmonia, com a vida mental, no
campo do conhecimento. Rocha complementa que para Willems, existe uma ordenação
hierárquica, não só em relação aos elementos constitutivos da música, mas também
em relação ao cosmos e aos elementos da natureza humana, lembrando, porém,
que a vida é uma totalidade e os princípios da música estão dentro do ser humano.
Daí, conclui que enquanto o ser humano evoluir, a música também evoluirá com ele.
Pode-se concluir que as teorias de Wallon e Willems foram inovadoras e contribuíram
consideravelmente para uma nova visão do desenvolvimento humano, onde razão,
emoção e corpo constituem-se num todo. Pode-se também, ao considerar os conceitos
acima expostos, elevar a música a um patamar onde é possível encará-la como uma
poderosa ferramenta de ensino, pois contribui efetivamente para o desenvolvimento
do ser humano de forma integral.

Referências
MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. Afetividade e processo ensino-aprendizagem: contribuições
de Henri Wallon. Psicologia da Educação, São Paulo, n. 20, p. 11-30, jun., 2005.
ROCHA, C. M. M. Educação Musical - Método Willems. Salvador: Faculdade de Educação da
Bahia, 1990.
SUGAHARA, L. Contribuições da teoria do desenvolvimento de Henri Wallon para pensar a
Educação Musical. Revista Thesis, São Paulo, ano 12, n. 26, p. 24-42, 2016.

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Anais do SEFiM, Porto Alegre, V. 05 - n. 8, 2023.



PROGRAMAÇÃO – ESTÉTICAS E EXPERIÊNCIAS SONORAS - SEFIM 2023
Terça-feira - 02/05/23 Quarta-feira - 03/05/23 Quinta-feira - 04/05/23
14h Extended partitions and plastic modalities 19h 16h A pureza é um mito: uma proposta simpoiética
of writing of sound and music para a autoria nas artes
Frederic Mathevet - Sorbonne I - FRANÇA Comunicações de Débora Pazzeto - UDESC - BRASIL
19h Experiência estética, corporeidade e ética trabalhos 19h Estéticas da transdução - em perspectiva
Nadja Hermann – UFRGS - BRASIL transdisciplinar
Francisco Marshall – UFRGS - BRASIL
Terça-feira - 09/05/23 Quarta-feira - 10/05/23 Quinta-feira - 11/05/23
16h O ouvir e o logos 19h 16h O Som do Samba
Lia Tomás - UNESP Bernardo Oliveira - UFRJ
19h Música e imagens nas capas de disco de Comunicações de 19h Representación de una audición extendida en el
Rock brasileiro trabalhos contexto de la convivencia: “El conocimiento
Herom Vargas – UMESP - BRASIL habla, pero la sabiduría escucha” - Jimi Hendrix
Lukas Kühne – UDELAR - URUGUAI
Terça-feira - 16/05/23 Quarta-feira - 17/05/23 Quinta-feira - 18/05/23
14h Ruído - Tom - Sound. Para uma Dialética do 19h 16h Corpos poético-musicais: experiências
Som Musical interativas sobre o tempo, espaço e memória
Dirk Stederoth – UNIKASSEL - ALEMANHA Comunicações de Ana Fridman – USP - BRASIL
19h Situações de escuta e experiências de trabalhos 19h Tener como norte el sur. Reflexiones sobre
infraintrainterespécies de silêncios territorios e identidades de la milonga en Brasil,
Raquel Stolf – UDESC - BRASIL Uruguay y Argentina
Martin Liut – UNQ - ARGENTINA
Terça-feira - 23/05/23 Quarta-feira - 24/05/23 Quinta-feira - 25/05/23
16h A experiência estética da música: o que 19h 16h Banda de Artista_performando o sônico em Artes
Hanslick pode nos ensinar hoje? Visuais
Mário Videira - USP - BRASIL Comunicações de Marion Velasco - Hemispheric Encounters - BRASIL
19h Sônicas e eletrônicas: mulheres e trabalhos 19h A música no contexto do Universo
sonoridades sintéticas Alan Alves Brito - UFRGS - BRASIL
Isabel Nogueira – UFRGS - BRASIL
Terça-feira - 30/05/23
19h Nas trilhas do ouvir: música, emoções e
compreensão
Gerson Trombetta – UPF - BRASIL


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