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SIMPEMUS 5

simpósio
depesquisa
emmúsica2008
anais
SIMPEMUS 5
simpósio
depesquisa
emmúsica2008
anais
Universidade Federal do Paraná

Reitora pro tempore


Márcia Helena Mendonça
Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação
Maria Consuelo Andrade Marques
Diretora do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes
Maria Tarcisa da Silva Bega

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação


Rosane Cardoso de Araúj o

Editora do DeArtes

Diretor
Nort on Dudeque

Conselho Editorial
Álvaro Carlini
Paulo Reis
Rogério Budasz
Walt er Lima Torres Net o
anais do
simpósiodepesquisaemmúsica2008

SIMPEMUS 5

nort on dudeque
(organizador)

deart es | uf pr
curit iba | 2008
anais do
simpósiodepesquisaemmúsica2008
SIMPEMUS 5

Realização

Programa de Pós-Graduação em Música da UFPR

Depart ament o de Art es da UFPR

Apoio

Fundação Araucária

UFPR

© 2008 os aut ores l ist ados no sumário

Anais do Simpósio de Pesquisa em Música: SIMPEMUS5 (5. : 2008: Curit iba)


Simpósio de Pesquisa em Música: Anais / Or ganização Nort on Dudeque – Curit iba: DeArt es-
UFPR, 2008.
306p. : il . , 29cm. x 21 cm.
ISBN 978-85-98826-18-9

1. Musicol ogia-Congresso-Brasil . 2. Música-Pesquisa. 3. Música-Popul ar Brasil eira 4. Música-


Composição. 5. Música-Anál ise.
1. Dudeque, Nort on. II. Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do
Paraná. II. Tít ul o

CDD – 780. 01

DeArtes UFPR
Editora do Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná
Rua Coronel Dul cídio, 638
80420-170 Curit iba PR
(41) 3222-6568
www. art es. uf pr. br

impresso no Brasil
2008
simpósiodepesquisaemmúsica2008
SIMPEMUS 5

comit ê organizador
| Nort on Dudeque | Rosane Cardoso de Araúj o | Zélia Chueke |

comit ê de seleção de t rabalhos


| Beat riz Ilari | Daniel Quarant a| Rosane Cardoso de Araúj o | Isaac Chueke |
| Zélia Chueke | Nort on Dudeque | Roseane Yampolschi |

moderadores
| Álvaro Carlini | Anselmo Guerra | Beat riz Ilari | Bernardo Grassi |
| Fernando Menon | Isaac Chueke | Lara Janek Babbar | Mauricio Dot t ori |
| Nort on Dudeque | Rosane Cardoso de Araúj o | Zélia Chueke |

monit ores
| Alan Medeiros | Alessandro Ferreira | Anahí Ravagnani | Auro Sansom |
| Cleise Mont eiro | Edson Figueiredo | Fernanda Souza | Melissa Anze |
| Sabrina Schult z | Sólon Mendes | Taianara Goedert |

apoio

realização
DeArt es
PPGMÚSICA
| sumário |

xi | apresent ação |

| comunicações |

| sessão 1A |
1 RADAMÉS GNATTALI E PIXINGUINHA: CARINHOSO NO CHORO DA SUÍTE RETRATOS

Luciano Chagas Lima

6 A HARPA NA SOCIEDADE CARIOCA  SÉCULO XIX (1817/ 1890)

Vanj a Ferreira

10 DA COMPOSIÇÃO AO ARRANJO VOCAL: O PAPEL DO ARRANJADOR NA MÚSICA POPULAR


BRASILEIRA
Rogério Carval ho (UFRJ)

14 REFLEXÕES SOBRE MÚSICA POPULAR E ERUDITA PARA O ESTUDO DA FRONTEIRA.


Marcel a Perrone (UNIRIO-CAPES)

| sessão 1B |
19 ANÁLISE DE LONTANO E CONTINUUM DE GYORGY LIGETI APLICADA À COMPOSIÇÃO MUSICAL

Sól on de Al buquerque Mendes (UFPR-CAPES)

27 MÚSICA ADAPTATIVA E ARTICULAÇÃO NARRATIVA EM JOGOS ELETRÔNICOS

Fel ipe Hickmann (UFPR)

31 TÉCNICAS EXPANDIDAS NA OBRA PARA PIANO DE HENRY COWELL

Vânia Eger Pont es (UDESC) Maria Bernadet e Cast el an Povoas (UDESC)

| sessão 1C |
37 A SOCIEDADE DE CULTURA ARTÍSTICA BRASÍLIO ITIBERÊ ( SCABI ) E A PROMOÇÃO DE CONCERTOS
MUSICAIS: APRESENTAÇÕES COM INTÉRPRETES DE ORIGEM GERMÂNICA E DO LESTE EUROPEU EM
CURITIBA, PARANÁ, ENTRE 1945-1954.

Al an Raf ael de Medeiros (UFPR) Ál varo Carl ini (UFPR)

45 SONATA N. 2 PARA PIANO DE JOSÉ PENALVA: ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO

Al exandre Gonçal ves (UDESC) Guil herme Sauerbroon de Barros (UDESC)

59 SUGESTÃO, REPRESENTAÇÃO E INTERPRETAÇÃO MUSICAL


Renat a Soares Cáceres (UFPR)

66 “ EM MEMÓRIA DE UM AMIGO” : CONSIDERAÇÕES SOBRE CAMARGO GUARNIERI PÓS-TONAL


Acácio Tadeu de Camargo Piedade (UDESC) Al l an Medeiros Fal queiro (UDESC)

| sessão 2A |
74 POEMA SONORO/ MÚSICA POÉTICA: UMA ARTE DE FRONTEIRA

Daniel Quarant a (UFPR)

80 ACASO E INDETERMINAÇÃO COMO FERRAMENTAS COMPOSICIONAIS EM CAGE

Val ério Fiel da Cost a (UNICAMP)

84 PONTOS DE CONTATO ENTRE A SONATA PARA PIANO, OP. 1, DE ALBAN BERG E A PRIMEIRA
SINFONIA DE CÂMARA , OP. 9, DE ARNOLD SCHOENBERG
Carl os de Lemos Al mada (UNIRIO)

| se ssão 2 B |

92 PROGRAMAÇÃO MUSICAL NO TEATRO SANTA ISABEL EM DESTERRO

Marcos Tadeu Hol l er (UDESC) Gust avo Weiss Freccia (UDESC)

97 OS ESTATUTOS DAS SOCIEDADES DE CANTO DOS IMIGRANTES ALEMÃES EM BLUMENAU (SC)

Robert o Fabiano Rossbach (UDESC)

102 ATUAÇÃO DAS SOCIEDADES MUSICAIS E BANDAS CIVIS EM DESTERRO DURANTE O IMPÉRIO

Marcos Tadeu Hol l er (UDESC) Débora Cost a Pires (UDESC)

107 SAMBA DE RODA EM CURITIBA DESDE A DÉCADA DE 1960

Fl ávia Cachineski Diniz (FAP)

| se ssão 2 C |

115 CANJA DE VIOLA: UMA COMUNIDADE DE PRÁTICA MUSICAL EM CURITIBA

Grace Fil ipak Torres (UFPR)

120 ATOS COMPOSITIVOS: ATIVIDADES MUSICAIS ATRAVÉS DE ESQUEMAS BRINCACIONAIS


COMBINATÓRIOS DAS POTENCIALIDADES EXPRESSIVO-VOCAIS: INVESTIGAÇÃO COGNITIVO-
MUSICAL

Dal ner Barbi

128 O PRINCÍPIO DA TOTALIDADE E A APRENDIZAGEM MUSICAL CONFORME A PROPOSTA DO SISTEMA


ORFF/ WUYTACK.

Luís Bourscheidt (UFPR)

133 A TEORIA DA AUTODETERMINAÇÃO E A MOTIVAÇÃO EM MÚSICA

Edson Figueiredo (UFPR)

| se ssão 3 A |

138 MOTIVAÇÃO E PRÁTICA MUSICAL: UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE O ESTUDO COTIDIANO DO PIANO
POR CRIANÇAS

Agnes El iane Leimann Il l escas (EMBAP)

144 APRECIAÇÃO, FAMILIARIDADE E GOSTO: INCLUSÃO DA MÚSICA CONTEMPORÂNEA NO ENSINO DE


FLAUTA TRANSVERSAL PARA CRIANÇAS INICIANTES — RESULTADOS PARCIAIS DE PESQUISA

Val ent ina Dal degan (UFPR)

150 VOZ. . . UMA CONCEPÇÃO FENOMENOLÓGICA.

Daniel e de Luca Rosa Franco (UFPR)

| se ssão 3 B |

157 O TIMBRE DA FLAUTA TRANSVERSAL: ASPECTOS EXPERIMENTAIS

Fabiana Moura Coel ho (UFMG)

165 REFLEXÕES SOBRE SISTEMAS SONOROS E AUTO-ORGANIZAÇÃO

Cesar Adriano Tral di (UNICAMP/ UFU) Jônat as Manzol l i (UNICAMP)

169 A COMPOSIÇÃO POR SEGMENTAÇÃO EM MORTON FELDMAN: ANÁLISE DE CRIPPLED SMMETRY

Dant as Neves Rampin (UNICAMP)

178 A TRANSFORMAÇÃO FÍSICA DO PRÉDIO E A BUSCA DE ESTABILIDADE NA INCORPORAÇÃO PELA


UNIVERSIDADE

Leonardo L. Wint er (UFRGS) Luiz Fernando Barbosa Junior (UFRGS)


| se ssão 4 A |

184 CORRESPONDÊNCIAS MUSICAIS E VISUAIS EM PROMETEU DE SCRIABIN: ABERTURA,


TEMPORALIDADE E TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Al exandre Freit as (USP-FAPESP)

190 JUSTAPOSIÇÃO E ESTRATIFICAÇÃO

Ant enor Ferreira Corrêa (ECA-USP)

199 MEDIÇÃO ACÚSTICA E METODOLOGIA DE PREVENÇÃO DE PERDAS AUDITIVAS EM AMBIENTE


ESCOLAR

Ansel mo Guerra (UFG)

204 MÚSICA ESPECTRAL: O SOM COMO REFERÊNCIA COMPOSICIONAL

Guil herme de Cesaro Copini (UNICAMP) Sil vio Ferraz (UNICAMP)

210 CRÍTICA GENÉTICA E COMPOSIÇÃO MUSICAL: O “ TRIO 1953” DE ARMANDO ALBUQUERQUE

Cel so Gianet t i Loureiro Chaves (UFRGS)

| se ssão 4 B |

214 AS CONTRIBUIÇÕES DOS FESTIVAIS DE MÚSICA DE CURITIBA E DOS CURSOS INTERNACIONAIS DE


MÚSICA DO PARANÁ NO DESENVOLVIMENTO ARTÍSTICO-MUSICAL DO ESTADO NO PERÍODO DE
1965 A 1977
Taianara Goedert (UFPR) Ál varo Carl ini (UFPR)

218 A PRESENÇA DO DIAK UCRANIANO NO PARANÁ


Lara Janek Babbar (UFPR)

226 PRÁTICA DE MÚSICA JAPONESA EM VITÓRIA (ES)


Marcel o Donat il io Prat t i (UFES)

231 A INFLUÊNCIA DO ENSAIO SOBRE A MÚSICA BRASILEIRA DE MÁRIO DE ANDRADE NA OBRA DA


COMPOSITORA EUNICE KATUNDA: A CANÇÃO MODA DA SOLIDÃO-SOLITUDE
Mel ina de Lima Peixot o (UFMG)

239 ANTÔNIO CARLOS GOMES E THEODORE THOMAS

Marcos da Cunha Lopes Virmond (Universidade do Sagrado Coração-Bauru-SP) Lenit a Wal dige
Mendes Nogueira (UNICAMP)

| se ssão 5 A |

244 TECNOLOGIA E SINTAXE AS IMPLICAÇÕES NA CONCEPÇÃO DE MÚSICA E REFLEXOS NA EDUCAÇÃO


MUSICAL
José Est evão Moreira (USP)

249 PREDIÇÃO DE ASPECTOS DA EMOÇÃO CONSTATADA EM MÚSICA POR DESCRITORES COGNITIVOS


MUSICAIS

José Fornari (Núcl eo Int erdiscipl inar de Comunicação Sonora – NICS-UNICAMP)

256 MÚSICA E MUSICOTERAPIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A CONTEXTURA DE SENTIDOS E ESPAÇOS DE


ESCUTA
Pat rícia Wazl awick (UFSC) Kát ia Maheirie (UFSC)

261 DA LEITURA DE PARTITURAS MUSICAIS À TRANSCRIÇÃO/ ARRANJO PARA CONJUNTOS DE CÂMARA


Denise Sil via Borusch - (EMBAP)

| se ssão 5 B |

270 “ MÚSICA É UMA CAÇADA AO TESOURO” : WORLD MUSIC E BUENA VISTA SOCIAL CLUB

Andrey Garcia Bat ist a (UDESC)


275 OS INSTRUMENTOS DA DANÇA: UM ENFOQUE ORGANOLÓGICO SOBRE O TRATADO
ORCHÉSOGRAPHIE (1589) DE THOINOT ARBEAU

Camil o Hernandez Di Giorgi (UNICAMP)

281 UMA QUESTÃO DE GOSTO CONSIDERAÇÕES SOBRE ORNAMENTAÇÃO E ARTICULAÇÃO NA OBRA DE


FRANCESCO GEMINIANI
Teresa Crist ina Rodrigues Sil va (UNICAMP

288 MÚSICA NA UMBANDA


Renat a Schmidt de Arruda Gomes

| conferência |
293 ANÁLISE MUSICAL E O PENSAMENTO DA DIFERENÇA

Carol e Gubernikof f (UNIRIO)

| sessão de pôsteres |
298 FATORES SIGNIFICATIVOS PARA A REALIZAÇÃO DA LEITURA À PRIMEIRA VISTA POR PIANISTAS
Ail l yn Ungl aub Schmit z, Dr. Guil herme S. de Barros (UDESC)

IDENTIDADE ECOLÓGICA DA ESCOLA DE BELAS ARTES: MARCAS DA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL DE


UMA PROFESSORA DE MÚSICA
Débora de Fát ima Einhardt Jará, Cl euza Maria Sobral Dias

299 ORQUESTRA SINFÔNICA DA SOCIEDADE DE CULTURA ARTÍSTICA BRASÍLIO ITIBERÊ (SCABI): A


DIVULGAÇÃO DA MÚSICA ORQUESTRAL EM CURITIBA, ENTRE 1946-1950
Al an Raf ael de Medeiros, Ál varo Carl ini (Universidade Federal do Paraná)

300 UNIVERSIDADE SEM FRONTEIRAS PROJETO CORAL DAS CONCHAS: UMA PROPOSTA DE
MUSICALIZAÇÃO INFANTO-JUVENIL NO LITORAL PARANAENSE
Beat riz Hel ena Furl anet t o (EMBAP), Joel ma Zambão Est evam (UFPR)

301 O PROCESSO DE EDIÇÃO DO SOM EM FILMES: DO RETRATO À CONCEPÇÃO SONORA

Débora Regina Opol ski (UFPR)

302 ABORDAGEM FENOMENOLÓGICA EM EDUCAÇÃO MUSICAL

Pat rícia Mert zig (PPE/ UEM)

303 CONTRA-INDÚSTRIA
Est rel a Leminski, Téo Ruiz (FAP)

UMA ANÁLISE TEMÁTICA DOS PRELÚDIOS PARA VIOLÃO DE VILLA-LOBOS

Jyl son J. Mart ins Jr. , Acácio Tadeu de Camargo Piedade (UDESC)
| apresentação |

É com sat isf ação que apresent amos os Anais do SIMPEMUS5, Simpósio de Pesquisa em Música 2008. O
event o f oi real izado nos dias 8 e 9 de novembro de 2008 no Depart ament o de Art es da Universidade
Federal do Paraná, at ravés do seu Programa de Pós-Graduação em Música.
As edições ant eriores dest e event o cient íf ico nacional cont aram com a part icipação de pesquisadores de
várias universidades brasil eiras, assim como com pal est rant es de renome nacional . Os Anai s dos event os
passados f oram publ icados pel a edit ora do Depart ament o de Art es da UFPR e dist ribuídos a
pesquisadores e inst it uições cient íf icas de t odo o País.
O SIMPEMUS5 permanece f iel às diret rizes que nort earam as versões ant eriores, const it uindo-se em um
f órum cient íf ico dedicado à discussão e ref l exão de quest ões rel evant es às áreas da musicol ogia, t eoria,
anál ise, int erpret ação, t ecnol ogia musical , e est e ano com a incl usão da área de cognição musical .
Para est a edição f oram sel ecionados t rabal hos de pesquisadores oriundos de diversas inst it uições do
Brasil (FAP-PR, EMBAP, UDESC, UNESP, UNICAMP, USP, UNIRIO, UFRGS, UFSC, UFES, UFMG, UFG, UFRJ,
UFPR, ent re out ras). Ademais, real izamos o simpósio de al unos de graduação e de iniciação cient íf ica,
al ém da sessão de pôst eres.
Est e ano t ivemos a honra da presença da prof a. Dra. Carol e Gubernikof f que apresent ou o t rabal ho
“ anál i se musi cal e o pensament o da di f er ença” .
Em nome da comissão organizadora do SIMPEMUS5, agradeço a t odos os parecerist as, mediadores de
sessões e monit ores, f uncionários do DeArt es, e t ambém à Fundação Araucária, à Pro-Reit oria de
Pesquisa e Pós-Graduação, à Coordenação do PPG-Música e ao Depart ament o de Art es da UFPR. Sem o
apoio de t odos, a real ização do event o não seria possível .

Nort on Dudeque
Coordenador do SIMPEMUS5
Curit iba, novembro de 2008

xi
RADAMÉS GNATTALI E PIXINGUINHA: CARINHOSO NO CHORO DA SUÍTE RETRATOS

Luci ano Chagas Li ma

RESUMO: O que dá f orma e sust ent a a narrat iva da “ Suít e” é a idéia de que cada moviment o const it ui o
ret rat o musical de um det erminado composit or. Est e est udo t em como f oco o primeiro moviment o da
“ Suít e Ret rat os” , o “ Choro” , observando como est á rel acionado ao seu respect ivo model o, “ Carinhoso” .
Para il ust rar o paral el o será apresent ada uma anál ise mais comparat iva do que f ormal , procurando
aprimorar a visão do cont ext o hist órico com evidências musicais, concent rando-se principal ment e nos
el ement os comuns a ambas as peças.
PALAVRAS-CHAVE: Gnat t al i, Pixinguinha, Ret rat os, Choro, Carinhoso.
ABSTRACT: What shapes and support s t he Suít e’ s narrat ive is t he idea t hat each movement represent s
t he musical port rait of a given composer. The f ocus of t his st udy is Ret r at os’ s f irst movement , Chor o,
observing how it is relat ed t o it s respect ive model, Car i nhoso. In order t o illust rat e t his parallel, a more
comparat ive t han f ormal anal ysis wil l be provided, in an ef f ort t o expand t he view f rom t he hist orical
cont ext t o musical f act s, drawing special at t ent ion t o all cross-ref erences present in t he work.
KEYWORDS: Gnat t al i, Pixinguinha, Ret rat os, Choro, Carinhoso.

A “ Suít e Ret rat os” , uma das obras mais cél ebres de Radamés Gnat t al i, conquist ou ao l ongo dos anos um
l ugar cat ivo t ant o no cenário da música de concert o quant o no ambient e do choro. Compost a em 1956
para bandol im sol ist a, conj unt o de choro e orquest ra de cordas, “ Ret rat os” f oi dedicada a Jacob
Bit t encourt (mais conhecido como Jacob do Bandol im) e por el e est reada em 1964. Desde ent ão el a
recebeu uma variedade de roupagens, sendo arranj ada pel o próprio composit or para a Camerat a
Carioca; piano e orquest ra; orquest ra sem solist a; t rês violões; para o seu quint et o (dois pianos, baixo,
guit arra e bat eria); al ém de inúmeros arranj os el aborados por out ros músicos. Mas, f oi a versão
apresent ada pel a Camerat a Carioca que inspirou os irmãos Sérgio e Odair Assad a solicit arem ao
composit or um arranj o para dois viol ões. Em 1981 o pedido f oi f inal ment e at endido e publ icado pel as
edições Henry Lemoine (Paris) seis anos mais t arde, t ornando-se t al vez a versão mais execut ada desde
ent ão [ 1] .
Em “ Ret rat os” , Gnat t al i prest a homenagem a al gumas das mais expressivas personalidades do cenário
da música popul ar brasil eira. A “ Suít e” reúne quat ro moviment os e, conf orme sugere o t ít ul o, cada
moviment o const it ui o ret rat o musical de um composit or cuj a obra Gnat t al i considerava paradigmát ica
de um det erminado est il o. Al iada a ist o, a escol ha dos homenageados t ambém est á de acordo com o
f ormat o de uma suít e, combinando compl exidade, dif erent es t ext uras e andament os em uma col eção de
padrões rít micos cont rast ant es, evocando de al guma f orma o el ement o de dança present e em uma suít e
barroca. Ao mesmo t empo, dada a f igura do sol ist a, “ Ret rat os” não deixa de f azer al usão t ambém ao
f ormat o de um concert o.
Est rut ural ment e, cada moviment o é const ruído a part ir de um model o, ou sej a, de cada composit or f oi
escol hida uma peça que serviria de rot eiro para o processo criat ivo dos ret rat os. Assim, o primeiro
moviment o f oi baseado no choro “ Carinhoso” , de Pixinguinha; o segundo el aborado sobre a val sa
“ Expansiva” , de Ernest o Nazaret h; o t erceiro sobre o schot t isch “ Três Est rel inhas” , de Anacl et o de
Medeiros; e o moviment o f inal sobre o maxixe “ Gaúcho” , t ambém chamado de “ Cort a-Jaca” , de
Chiquinha Gonzaga. É import ant e ressal t ar que a suít e não f oi merament e “ inspirada” nest as peças;
Gnat t al i real ment e expl ora os model os à risca, aproveit ando o mat erial disponível de uma f orma
perspicaz e original. Assim, “ Ret rat os” se sust ent a como obra art íst ica, não sendo em absol ut o um
arranj o ou mesmo pl ágio dos model os est abel ecidos. Apesar da dinâmica at ribuída pel a ordem dos
moviment os, a “ Suít e” não possui um carát er cícl ico; cada ret rat o t em uma ident idade própria e pode
ser encarado como uma peça independent e.

Choro
Desde sua origem nas úl t imas décadas do sécul o XIX, o choro t ransf ormou-se, desenvol veu um
vocabul ário próprio e consagrou-se não só como um gênero, mas t ambém como uma maneira de t ocar.
Obviament e há uma inf inidade de exempl os no repert ório que dif ere do padrão convencional , mas é
import ant e aqui ident if icar al guns dos cl ichês que dão cont orno à sua l inguagem. Tradicional ment e, um
choro é compost o de t rês part es organizadas em f orma rondó onde cada part e é repet ida: AA BB A CC A.
As f rases são const ruídas dent ro de um arco f ormal bast ant e cl ássico, obedecendo à disposição simét rica
de 8 + 8 compassos em cada part e. Há t ambém um cont ext o harmônico l igando t odas as t rês part es. Em
um choro em modo maior, o padrão é comument e organizado da seguint e f orma: A (I) – B (vi) – C (IV).
2 SIMPEMUS 5
No ent ant o, em um choro em modo menor, o plano harmônico convencional seria: A (i) – B (III) – C (I em
modo maior). Um f at o curioso é que, “ Carinhoso” , um dos choros mais conhecidos e def init ivament e um
dos pilares do gênero, vem a ser uma exceção f lagrant e às convenções da época. Primeirament e, est e
choro de Pixinguinha é compost o de duas part es; com relação à quadrat ura, a segunda part e agrega 8 +
8 + 8 compassos, f ormando um grupo de t rês f rases em cont rast e à esperada simet ria de 8 + 8 present e
na primeira part e; e, por f im, o esquema harmônico da segunda part e dif ere do padrão descrit o acima.

Elementos comuns
O primeiro element o em comum surge logo no início da suít e. Tant o “ Carinhoso” quant o “ Ret rat os”
compart ilham a mesma célula rít mica da anacruse do t ema principal.

Ex. 1: Ex. 2:

Ret rat os (compassos 11 e 12) Carinhoso (compassos 5 e 6)


Apesar de apresent arem t onalidades dif erent es, sendo o “ Choro” de “ Ret rat os” em Dó maior e
“ Carinhoso” geralment e t ocado na t onalidade original em Fá maior, ambos os gest os iniciais começam
com a mesma not a (sext o grau em Dó maior e t erceiro em Fá maior). Porém, o cont orno melódico
descendent e de Carinhoso é visivelment e dif erent e do de “ Ret rat os” . Mas out ro det alhe unif ica est a
dif erença uma vez que “ Ret rat os” começa exat ament e como o f im da primeira part e de “ Carinhoso”
( f oges de mi m ).
Ex. 3:

Carinhoso (compassos 19 e 20)


Est e é um dos principais mot ivos aproveit ados ao longo do moviment o, conf erindo unidade e equilíbrio
ao plano f ormal. Inclusive na int rodução pode-se observar uma t ransf ormação dest e mot ivo, onde a
linha melódica e a inf lexão rít mica originais est ão mascaradas por uma art iculação mais rígida em
colcheias.

Ex. 4:

Ret rat os (compassos 1 e 2)

O deslocament o acaba por dif icult ar uma associação imediat a, mas é possível ident if icar o modelo
desconst ruindo o element o melódico do exemplo ant erior.
Ex. 5:

Talvez a caract eríst ica mais marcant e de “ Carinhoso” sej a a seqüência de quint a, quint a aument ada e
sext a, empregada na harmonia da primeira part e (compassos 1 ao 12). Em “ Ret rat os” , est a seqüência é
cit ada t ext ualment e nos compassos 14 e 15, à exceção do f inal que segue em direção à sét ima menor.
simpósio de pesquisa em música 2008 3

Ex. 6:

Ret rat os (compassos 14 e 15)

Em seguida inicia-se uma curiosa correspondência ent re as t onalidades de Dó e Fá. Embora apresent em
um cont ext o harmônico dif erent e, ent re os compassos 16 e 18 em “ Ret rat os” , a melodia at inge as
mesmas not as (Dó e Mi) da seção equivalent e em “ Carinhoso” ( bat e f el iz, quando t e vê... ).

Ex. 7:

Ret rat os (compassos 16 a 18) – Carinhoso (compassos 9 a 12)

O cont eúdo ent re compassos 19 e 22 marca ainda out ra ref erência à t onalidade do modelo original,
sendo o círculo de quint as rigorosament e o mesmo que ocorre em “ Carinhoso” e inserido no mesmo
pont o est rut ural. É int eressant e not ar que o cont orno melódico de ambas as peças t ambém compart ilha
a mesma quart a suspensa resolvendo na t erça do acorde de Ré menor (segundo compasso abaixo).

Ex. 8:

Ret rat os (compassos 19 a 22) – Carinhoso (compassos 13 a 16)

Uma dif erença signif icat iva em “ Ret rat os” é que a seção B não obedece exat ament e à est rut ura
idealizada em “ Carinhoso” . Nest e choro, Pixinguinha começa a segunda part e em Lá menor (t erceiro
grau de Fá maior) e a organiza em t rês grupos de oit o compassos: f rase 1 em Lá menor – f rase 2 em Fá
maior – f rase 3 em Ré menor / Fá maior. “ Ret rat os” apresent a um esquema relat ivament e dif erent e,
mas ainda mant endo f ort es laços com o modelo. Curiosament e Gnat t ali rarament e t oniciza um event o
em modo menor no “ Choro” de “ Ret rat os” , const ruindo o B a part ir da f rase 2 da segunda part e de
“ Carinhoso” ( vem sent ir o cal or dos l ábios meus... ), ou sej a, em modo maior. Em “ Carinhoso” est a f rase
ret orna à t onalidade principal ao passo que em “ Ret rat os” Gnat t ali modula para Ré maior. Mas o f at or
harmônico não é o único element o em comum. Considerando os compassos iniciais do B de “ Ret rat os” ,
pode-se isolar o cont eúdo melódico essencial do acompanhament o.
4 SIMPEMUS 5
Ex. 9:

Ret rat os (compassos 60 a 62)

Com base no expost o, é possível reconhecer uma t ransf ormação do mot ivo melódico da f rase 2 do B de
“ Carinhoso” .

Ex. 10:

Carinhoso (compassos 32 a 34)

Se descart armos a primeira not a do exemplo ant erior (Mi) e criarmos uma nova melodia com o mat erial
rest ant e agrupando as not as em um cont orno rít mico dif erent e, o result ado poderia ser algo assim:

Ex. 11:

Mas os element os da f rase 1 em Lá menor não f oram t ot alment e excluídos. Um det alhe bast ant e
int eressant e é a f orma como Gnat t ali incorpora alguns t raços dest a f rase em uma espécie de pont e
preparando a chegada do B. Analisando os quat ro compassos ant eriores à segunda part e do “ Choro” de
“ Ret rat os” , pode-se considerar o mat erial ut ilizado como uma versão expandida dos dois compassos
f inais da f rase 1 do B de “ Carinhoso” ( vem, vem, vem. . . ). Em t empo, aqui se observa t ambém como o
uso do mot ivo inicial (Ex. 1) dá unidade à malha melódica dest e t recho.

Ex. 12:

Ret rat os (compassos 56 a 59)

Ex. 13:

Carinhoso (compassos 29 e 30)

Igualment e, o arpej o ornament ado em Ré maior do segundo violão poderia ser encarado como uma
alusão ao início do B de “ Carinhoso” ( Ah! Se t u soubesses como sou t ão car i nhoso. . . ).
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 5
Ex. 14:

Ret rat os (compasso 60)

Ex. 15:

Carinhoso (compassos 22 e 23)

Com relação à est rut ura, o f at o de Gnat t ali “ pular” a f rase 1 de uma cert a f orma “ corrige” o
agrupament o at ípico encont rado no B de “ Carinhoso” , f azendo com que a segunda part e de “ Ret rat os”
t enha uma disposição mais simét rica (do pont o de vist a t radicional) de 8 + 8 compassos. Em linhas gerais
o “ Choro” de “ Ret rat os” obedece à f orma rondó, incorporando as repet ições conf orme as convenções,
mas ao mesmo t empo lançando mão de uma est rut ura mais elaborada: repet ições variadas e parciais
(como no caso do segundo A); uma seção de desenvolviment o; t ransições; et c.
A “ Suít e Ret rat os” t em sua origem no choro: cada moviment o represent a um composit or que f az part e
do pant eão do choro; a “ Suít e” f oi dedicada a um dos ícones do gênero, Jacob do Bandolim; a versão da
Camerat a Carioca surgiu à part ir da sugest ão de out ro “ chorão” , o bandolinist a Joel do Nasciment o; e
mesmo os irmãos Assad vêm de uma t radição musical com raízes no choro. Uma das principais
dif iculdades em int erpret ar a música de Radamés Gnat t ali é j ust ament e encont rar um equilíbrio ent re
os element os das esf eras popular e de concert o. Assim, como no caso de qualquer out ra obra, uma
compreensão mais det alhada do mat erial ut ilizado e um maior envolviment o com a linguagem em

Notas

[ 1] Est a é edição ut ilizada como ref erência nest e est udo. GNATTALI, Radamés. Suít e Ret r at os, ed.
Sérgio and Odair Assad. Paris: Henry Lemoine, 1987.

Referências bibliográficas
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A HARPA NA SOCIEDADE CARIOCA  SÉCULO XIX (1 8 1 7 / 1 8 9 0 )

Vanj a Ferreira

RESUMO: A invenção da “ harpa moderna” , por Sébast ien Erard, em 1810 e sua presença na capit al do
Império do Brasil j á em 1817. Os primeiros harpist as europeus de comprovada at uação na cidade.
Ident if icação de seus nomes e import ância de suas part icipações nas at ividades cul t urais e art íst icas do
período compreendido ent re 1817 e 1890, ano em que of icial ment e inicia-se o curso de harpa no Inst it uo
Nacional de Música.
PALAVRAS-CHAVE: Harpa – Harpist as – Música – Hist ória – Brasil
ABSTRACT: The invent ion of t he “ Modern harp” by Sébast ien Erard in 1810 and his presence in t he
capit al of t he brazil ian empire al l ready in 1817. The f irst European harpist s t hat was proved had
act uat ed in t he cit y. Ident if icat ion of t heir names and t he import ance of t heir part icipat ion in t he
cul t ural and art ist ic act ivit y bet ween 1817 and 1890, year when t he of f icial harp course in t he Nat ional
inst it ut e of music has st art ed.
KEYWORDS: Harp – Harpist s – Music – Hist ory – Brazil

A harpa, esse inst rument o musical que vem sendo ut il izado pel o homem desde a mais remot a
Ant igüidade, evoca no imaginário social humano imagens e sent iment os que se encont ram associados ao
mundo encant ado, mít ico, ancest ral e sobrenat ural 1.
Na t raj et ória hist órica da harpa verif icamos sua presença desde os povos ant igos2, com dif erent es
t amanhos e número de cordas. Sua sonoridade serviu para acompanhar moment os expressivos do dia-a-
dia de nobres3, poet as4 e guerreiros. 5 El a f oi muit o import ant e durant e a Idade Média6 e parece t er
ocupado l ugar de bast ant e dest aque t ant o nos ricos sal ões quant o no meio do povo. No cont inent e
europeu, f oi um dos inst rument os usados pel os músicos it inerant es, os divul gadores das not ícias e
mant enedores das t radições orais de cul t ura e cost umes7. El a marcou f ort e presença nas cort es
européias at é f ins do sécul o XV, quando ent ão a música de conj unt o da Renascença começou a exigir
maiores recursos sonoros dos inst rument os, para at ender a uma nova ordem art íst ica e f il osóf ica.
Desde sua origem, a música acompanha o desenvol viment o das sociedades humanas e para acompanhar
sua evol ução hist órica, enquant o art e, houve a necessidade de adapt ação dos inst rument os musicais,
dot ando-os de novas possibil idades t écnicas e est ét icas. A revol ução indust rial t rouxe a possibil idade de
mel horament os sof ist icados na mecânica de diversos inst rument os, e com o conheciment o de novas

1
Na origem da hist ória da harpa encont ram-se algumas lendas. Uma delas cont a que Apolo, ouvindo Diana exercit ar-
se com seu arco e f lecha para a caça, prest ou at enção ao som que se desprendia da corda, e mandou ent ão f azer um
arco de met al j unt ando-lhe out ras cordas para present ear a Deusa. No mundo encant ado, encont ra-se na lit erat ura
inf ant il a est ória de João e o pé de f eij ão, em que há no cast elo do gigant e uma harpa encant ada.
2
Tournier, Marcel. The Harp. Paris. Henry Lemoine & Cie. 1959. p. 13-22.
3
Rensch, Roslyn. Harps and Harpist s. Revised Edit ion. Bloomingt on. Indiana Universit y Press. 2007. p. 8.
4
“ . . . Foram, sem dúvida, os hebreus, os primeiros a usarem o poét ico inst rument o. [ . . . ] Na Grécia, os poet as e
oradores usavam, quando f alavam em público, da harpa, para sust ent ar o t om de voz” . Est eves, Alvayr Braga. A
Harpa. Tese apresent ada ao Concurso de Livre Docência da Cadeira de Harpa na Escola Nacional de Música da
Universidade do Brasil. Rio de Janeiro. 1952. p. 7-9.
5
“ El bardo y druidas emplean el arpa para sus cant os y ceremonias, y ant es del apogeo de Roma, como
ant eriorment e señalamos, ya los celt as usaban est e inst rument o. El reino de Tara, al nort e de Irlanda, en el valle del
mismo nombre y que t uvo su mayor esplendor ant es de nuest r a era, amenizaba las sesiones de su Parlament o con el
arpa. Era un pueblo eminent ement e guerrero que t enía por símbolos la espada y el arpa. ” Calvo-Manzano, María
Rosa. Reseña hist órica del arpa (ext raída do livro ” Trat ado Analít ico de la Técnica y Est ét ica del Arpa” ). Apresent ada
na I Jornada Nacionales de Arpa. Madrid. 1990. p. 6.
6
A harpa é “ o mais ant igo inst rument o caract erist icament e medieval” . Grout & Palisca. Hist ória da Música
Ocident al. Lisboa. Gradiva. 1994. p. 91.
7
“ Los j uglares y cant ores bret ones conocían y t ocaban el arpa, así como t odos los t rovadores de la Europa
cont inent al. El Roman de Brut y el Roman de Trist án de Leonois de siglo XII hablan del arpa y de las “ Leyes del
Arpa” , y las ant iguas leyes de Gales “ Leges wallicae” (Laws of wales), dedican un capít ulo al arpa, en el que se dice
que para ser un hombre f eliz son imprescindibles cuat ro cosas: un hogar acogedor, un almohadón cómodo para
reclinarse sobre una silla, una muj er virt uosa y un arpa bien t emplada. [ . . . ] En 1413, el rey de Francia Carlos VI
compró por cinco libras porneras “ una bella arpa, muy bien labrada, com su escudo” . Los reyes, príncipes y grandes
personaj es t enían uno o varios arpist as a su servicio. La reina Isabel de Baviera era ella misma una consumada
arpist a. . . ” . Calvo-Manzano, María Rosa. Ob. Cit . p. 7
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 7
t ecnol ogias, na úl t ima década do sécul o XVIII o f rancês Sébastien Erard, “ um gênio da mecânica” 8,
conseguiu diversas pat ent es ingl esas para mel horament os da harpa e do piano, concl uindo e
pat ent eando, em 1810, a sua maior invenção: a “ harpa a pedais de dupl a ação” . Est a nova harpa 
conhecida, t ambém, como har pa moder na, har pa de concer t o, har pa cl ássi ca, har pa r omânt i ca, har pa
de or quest r a ou ainda, har pa si nf ôni ca  represent ou um marco na hist ória da música inst rument al ,
pois, durant e mil ênios el a f ora um inst rument o pequeno e rúst ico 9.
Coincident ement e, na época em que a harpa moderna f oi invent ada, na Ingl at erra, ocorreu a inst al ação
da Famíl ia Real Port uguesa e sua Cort e, no Rio de Janeiro. Nest e t empo, essa nova harpa começava a
ser aceit a, est udada e prat icada em t oda a Europa, merecendo at enção especial dos f ranceses, que
est abel eceram uma import ant e ‘ escol a’ de t écnica e execução. Os composit ores precisavam se
f amil iarizar com o inst rument o cuj a sonoridade parecia t er uma incl inação nat a para a música
românt ica. Sua presença passou a ser import ant e na música de câmara e na música de sal ão. A
orquest ra sinf ônica não poderia mais cont inuar sem sua part icipação e a ópera l he reservaria espaços
muit o especiais.
Com a vinda do Príncipe D. João para o Brasil , a vida cul t ural na Col ônia é enf at izada. Havia uma
part icul ar at enção em se reproduzir na Cort e at ividades rel at ivas à vida cul t ural européia. A
inauguração do Real Teat ro de São João, em 1813, é uma das providências t omadas pel o Príncipe para
proporcionar, aos seus súdit os, espet ácul os dignos da Cort e Européia. O model o era europeu para t odos
os segment os da sociedade e muit os músicos do vel ho cont inent e chegaram à cidade a part ir de 1808,
aport ando novidades, t omando part e nas at ividades art íst icas e of erecendo-se como prof essores. Apenas
7 anos após a “ harpa moderna” t er sido invent ada el a j á est ava present e no Rio de Janeiro10 e sendo
of erecida por Madame Cl ement i ny , que dava “ . . . l i ções de músi ca vocal , harpa , pi ano e l íngua f r ancesa
na Rua São José, nº 19” . 11
Em seu t rabal ho “ O Ensino de Música no Brasil Oit ocent ist a” 12, Vanda Bel l ard Freire aborda o ensino de
música por duas vert ent es principais: o ensino f ormal e o ensino inf ormal , est e úl t imo caract erizado
pel o exercício de ensino f ora do cont ext o escol ar. Observa-se que o ensino de harpa no Rio de Janeiro
durant e o sécul o XIX, deu-se principal ment e de maneira “ inf ormal ” . Al ém de Madame Cl ement iny, que
se anunciava como prof essora de harpa no ano de 1817, t emos conheciment o da Sr a. Jol l y , prof essora
de harpa, que convocou o públ ico carioca para seu benef ício em 21 de f evereiro de 1821. 13
Em 1815, regist ra-se a exist ência da Assembl éi a Por t uguesa, agremiação recreat iva que real izava
concert os para seus sócios, mas será soment e a part ir de 1830, com o apareciment o dos primeiros
núcl eos associat ivos dest inados a t al f inal idade, que os concert os se t ornarão ef et ivos na vida cul t ural
da cidade. Segundo Ayres de Andrade, nest e período, soment e harpist as est rangeiros est avam present es
na vida musical da cidade. 14
Regist ra-se ao l ongo dest e sécul o XIX a presença de vários dest es harpist as europeus. Al ém das duas
f rancesas j á cit adas, em 1840 a cidade recebe Madame St or r , considerada dist int a prof essora e harpist a
habilidosa. 15 Muit o provavel ment e t erá sido a execut ant e de harpa no concert o promovido pel a
Sociedade Fil armônica, em 2 de j ul ho dest e ano de 1840, no Teat ro São Pedro. O crít ico do “ Correio das
Modas” , em 23 de j ul ho, coment a que naquel a noit e o que arrebat ou a“ . . . Assembl éi a escol hi da de
di l et t ant i s f oi o gemi do da Har pa, dessa r ai nha dos i nst r ument os musi cai s. . . ” 16. Porém, segundo
Cernicchiaro, a primeira apresent ação de Madame St orr acont eceu apenas em 24 de agost o. 17

8
Emmanuel, André. La Har pe – son évol ut i on, sés f act eur s. Édit é sous le pat ronage de la Sociét é d’ Encouragement
aux Mét iers d’ Art . Paris. Dessain et Tolra. 1980. p. 77.
9
A harpa primit iva era diat ônica, ou sej a, t ocava uma escala de sons nat urais, sem alt erações. A evolução da música
proporcionou o advent o do cromat ismo, mudança ou alt eração do som nat ural da escala musical. Para f azer a harpa
t ocar est as alt erações, f oram necessários cerca de 150 anos de pesquisa. Sébast ien Erard, na primeira década do
século XIX, aperf eiçoou o sist ema de discos desenvolvidos ant eriorment e por out ros pesquisadores. Est es discos, que
são acionados pela ação de um pedal, est ão encarregados de realizar as alt erações previst as na música. Erard chegou
ao número f inal de set e pedais, cada um correspondendo a uma not a da escala musical e cada um se encaixando
sucessivament e em dois ressalt os abaixo da posição de repouso, ligados aos discos at ravés de cabos de aço que
at ravessam o inst rument o por dent ro da coluna de sust ent ação e alt erando a not a em um semit om ascendent e a cada
moviment o. A harpa, assim, é capaz de modular para qualquer t om e possui 21 sons por oit ava.
10
Segundo Ayres de Andrade: “ As novidades que surgiam na Europa, relacionadas com inst rument os de música, eram
logo import adas. ” . Andrade, Ayres de. Francisco Manuel da Silva e seu t empo. Rio de Janeiro. Coleção Sala Cecília
Meireles. 1967. p. 134.
11
Gazet a do Rio de Janeiro, 6 de agost o de 1817.
12
Comunicação apresent ada no Encont ro Anual da ABEM. Londrina. 1996.
13
Andrade, Ayres de. Ob. Ci t . p. 132.
14
Andrade, Ayres de. Ob. Ci t . p. 236.
15
Cernicchiaro, Vicenzo. St or i a Del l a Musi ca Nel Br asi l e. Milano. Edit . Frat elli Riccioni. 1926. p. 526.
16
Giron, Luiz Ant ônio. Mi nor i dade Cr ít i ca – A Óper a e o Teat r o nos Fol het i ns da Cor t e-1826/ 1861. São Paulo. Edit ora
da Universidade de São Paulo e Ediouro Publicações. 2004. p. 117.
17
Cernicchiaro, Vicenzo. Ob. Ci t . p . 526.
8 SIMPEMUS 5
No Al manak Laemmer t , publ icação anual do Rio de Janeiro de cunho comercial , encont ra-se, em 1847 o
anúncio de Mar i anno Br uni , prof essor de harpa e viol ão. Ent ret ant o, no ano seguint e, o nome regist rado
em anúncio de prof essor de harpa e viol ão é Mar cano Br uni . Pode-se at ribuir, ou não, um erro de
impressão na gravação dos nomes dest es harpist as, pois nos anúncios de 1849 a 1851, o nome que
aparece regist rado no al manaque é Mar zi ano Br uni , e est e anuncia aul as de cant o e piano, al ém das
aul as de harpa e viol ão. Ainda no al manaque, encont ra-se, em 1855, o anúncio do prof essor Car l os
Loehr , of erecendo aul as de piano, órgão, harpa, guit arra, f l aut a e rabecca. Int eressant e not ar que
nest e mesmo ano chega à cidade a f rancesa Madame Bel l oc. Prof essora de harpa, pret endia f ixar-se no
Rio de Janeiro e dar “ l ições de harpa” . Apresent ou-se com sucesso no Teat ro Lírico Fl uminense em
out ubro dest e ano, merecendo a at enção e presença do Imperador D. Pedro II, mas seu sonho de
residência não l ogrou êxit o e no ano seguint e ret ornou à França 18.
É possível que Madame Bel l oc não t enha encont rado espaço para f ixar-se na cidade pois, desde 1852 j á
residia na capit al do Império o f amoso harpist a it al iano, Gi ovanni Tr onconi 19. Seu primeiro concert o
deu-se em 26 de novembro daquel e ano. Apresent ou-se t ambém em duo com os f l aut ist as Aquil es
Mal avisi e Scaramel l a, al ém de int egrar a companhia lírica it aliana. Tronconi f oi um harpist a muit o
import ant e no Rio de Janeiro, cit ado por cronist as est abel eceu-se e residiu por mais de 30 anos na
cidade. Em 1882 excursionou pel o Sul do Brasil , sendo muit o apreciado e apl audido20. Anunciou aul as de
harpa no al manaque durant e os anos de 1860 a 1862. Nest e mesmo período, John Cheshi r e t ambém se
anunciava no al manaque, sendo que seu nome aparece com erro de impressão nos dois anos em que se
anunciou (1860-61). Harpist a ingl ês, const a que t enha chegado ao Rio de Janeiro em 1859 para ocupar o
cargo de primeiro harpist a na Ópera Lírica It al iana, do t eat ro Provisório 21. No ent ant o, Rosl yn Rensch
em seu l ivro Har ps and Har pi st s, apont a que Cheshire f oi harpist a no “ London’ s Royal It al ian Opera” , o
Teat ro de Sua Maj est ade, de 1855 a 186522. A aut ora t ambém coment a sobre t ournée de Cheshire pel a
Europa e América do Sul , mas não precisa as dat as dest as viagens. Post eriorment e, inst al ou-se nos
Est ados Unidos da América como principal harpist a do “ Nat ional Opera Theat re” e l á est abel eceu-se
como prof essor.
No ano de 1878 encont ra-se o nome de G. Massi ni , no al manaque, anunciando-se como prof essor de
harpa e soment e no anuário publ icado em 1884 not a-se o anúncio de um ‘ especial ist a em consert o de
harpas’ , na seção de inst rument os musicais.
Em 1880, chega à cidade a harpist a espanhol a Esmer al da Cer vant es, que muit o provavel ment e f oi a
primeira a apresent ar um recit al no Conservat ório Imperial de Música. Nest a primeira apresent ação el a
comprovou seu t al ent o e f oi cal orosament e apl audida23. Transf eriu-se pouco t empo depois para o
nordest e do Brasil . No ano de 1887, chega ao Rio de Janeiro o it al iano Fel i ce Lebano, harpist a virt uoso,
que suscit ou prof unda impressão e admiração no públ ico ao apresent ar-se em concert o no Cl ub
Beet hoven. Nest e mesmo ano el e segue para Buenos Aires, onde est abel eceu-se e aí permanecendo at é
sua mort e, em 191824. Também sobre Lebano, Rosl yn Rensch assinal a que, em 1880 el e era prof essor de
harpa no Conservat ório de Nápol es, deixando o cargo em 1886 para t ournée pel a Europa e América do
Sul 25.
Enf im, no ano de 1888, chega ao Rio de Janeiro a harpist a it al iana Lui gi a Gui do, que apresent ou-se no
Cl ub Beet hoven merecendo muit os apl ausos. Luigia Guido dedicou-se int eirament e ao ensino da harpa,
t endo sido cont rat ada como prof essora dest e inst rument o no Inst it ut o Nacional de Música 26, em 1890, e
naquel a Inst it uição permaneceu at é 1920, ano de sua mort e. Luigia Guido f oi a primeira prof essora
of icial de harpa no Rio de Janeiro. No Rel at ório do Diret or do Inst it ut o Nacional de Música, Sr. Leopol do
Miguez, apresent ado em maio de 1891, ao Dr. João Barbal ho Uchôa Caval cant i, Minist ro da Inst rução
Públ ica, Correios e Tel égraphos, prest ando cont as das at ividades real izadas no Inst it ut o durant e o ano
escol ar de 1890, const a que naquel e ano houve seis al unos inscrit os na classe da ref erida prof essora.
No sécul o XIX, “ do Romant ismo” , a sonoridade da harpa emprest ou um col orido especial à orquest ra e
as novas possibil idades da harpa moderna27 evidenciaram o carát er poét ico e míst ico que nel a eram

18
Cernicchiaro, Vicenzo. Ob. Ci t . p . 527.
19
Cernicchiaro, Vicenzo. Ob. Ci t . p . 526.
20
Cernicchiaro, Vicenzo. Ob. Ci t . p . 527.
21
Cernicchiaro, Vicenzo. Ob. Ci t . p . 527.
22
Rensch, Roslyn. Ob. Ci t . p. 172.
23
Cernicchiaro, Vicenzo. Ob. Ci t . p . 527.
24
Cernicchiaro, Vicenzo. Ob. Ci t . p . 528.
25
Rensch, Roslyn. Ob. Ci t . p. 165.
26
O Inst it ut o Nacional de Música f oi criado por Francisco Manuel da Silva em 1848 como Conservat ório Imperial de
Música. Com a chegada da República est e passa a chamar-se Inst it ut o Nacional de Música, passando a denominar-se
Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil , na década de 1930 e, f inalment e, Escola de Música da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1965, como é conhecida at ualment e.
27
Est a harpa moderna, além de dot ada da capacidade de execut ar t odas as t onalidades musicais, apresent a a
possibilidade de produzir glissandos enarmônicos (ef eit o realizado ao se escorregar o dedo por t odas as cordas de
simpósio de pesquisa em música 2008 9
impressos desde a Ant igüidade. Hect or Berl ioz, em seu Trat ado de Inst rument ação e Orquest ração
(1844), ressal t ou est as qual idades:
” As not as, os acordes, os arpej os, que as harpas l ançam at ravés da orquest ra e do coro são de
um esplendor ext remo. [ . . . ] as cordas de últ ima oit ava superior t em um som delicado,
crist alino, de uma f rescura volupt uosa que é muit o apropriado à expressão de idéias
graciosas, f eéricas, e para murmurar os mais doces segredos das risonhas melodias [ . . . ] . Os
sons harmônicos da harpa e, sobret udo de diversas harpas em uníssono, cont ém ainda mais
28
magia [ . . . ] ” .

E a música sinf ônica e de câmara do sécul o XIX requisit ou a harpa para cumprir pl enament e sua f unção.
Assim seria t ambém no Brasil . As t radições cul t urais e art íst icas que est avam em voga no Vel ho Mundo
f oram aport adas para o Novo Mundo e com el as t odos os bens int el ect uais. Dest a maneira, à medida que
a presença de harpist as, na cidade, f oi const at ada, a invest igação sobre as at ividades dest es
personagens t ornou-se rel evant e.
Desde 1817, com o anúncio das aul as de Madame Cl ement iny at é a cont rat ação da primeira prof essora
de harpa do Inst it ut o Nacional de Música, em 1890, mais de set ent a anos se passaram e durant e el es, ao
menos dez harpist as t iveram seus nomes mencionados dent re os muit os músicos que t omavam part e nas
represent ações de ópera, nos concert os das orquest ras, nos recit ais e saraus promovidos pel as
Sociedades Musicais no Rio de Janeiro. Est ando a harpa present e na sociedade humana desde a
Ant igüidade e t endo ocupado sempre l ugar de al t a rel evância na hist ória, cabe averiguar que papel el a
desempenhou nos primórdios da cul t ura musical brasil eira.

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TOURNIER, Marcel. The Harp. Paris. Henry Lemoine & Cie. 1959.

uma só vez, com os pedais preparados de maneira a col ocar t oda a harpa com not as sinônimas. Ex. dó bemol = si
bequadro; mi bemol = ré sust enido e et c).
28
Marins, Elza. A t raj et ória da harpa na orquest ra. Dissert ação de Mest rado apresent ada à Universidade Federal do
Rio de Janeiro/ Escola de Música. Rio de Janeiro. 1998. p. 74.
DA COMPOSIÇÃO AO ARRANJO VOCAL: O PAPEL DO ARRANJADOR NA MÚSICA POPULAR

BRASILEIRA

Rogér i o Car val ho (UFRJ)

RESUMO: Est e art igo anal isa a quest ão do arranj o na música popul ar brasil eira. Invest iga como se
rel acionam os processos de composição, arranj o e int erpret ação nest e gênero. Para isso, ut il iza sist emas
f ornecidos por aut ores como Del al ande (1991), Andrade (1995) e Teixeira (2007). O principal f oco da
discussão é o papel do arranj ador e do arranj ador vocal na l inha de produção da música popul ar
brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: arranj o, arranj ador, arranj ador vocal , música popul ar brasil eira
ABSTRACT: This art icl e examines t he quest ion of arrangement in brazil ian popul ar music. Invest igat e
how t hey rel at e t he process of composit ion, arrangement and int erpret at ion in t his genre. For t his, use
syst ems provided by aut hors such as Del al ande (1991), Andrade (1995) and Teixeira (2007). The main
f ocus of discussion is t he rol e of t he arranger and t he vocal arranger on t he product ion l ine of Brazil ian
popul ar music.
KEYWORDS: arrangement , arranger, vocal arranger, Brazil ian popul ar music

Ao inciarmos uma discussão sobre a f unção do arranj o na música popul ar brasil eira, al gumas quest ões
surgem sobre a rel ação exist ent e ent re composição e arranj o, como por exempl o: Qual é o l imit e ent re
uma composição “ original ” e a nova obra derivada com int ervenção de um arranj ador? Segundo a Lei
dos Direit os Aut orais: “ São obras int el ect uais as adapt ações, t raduções e out ras t ransf ormações de obras
originárias, desde que, previament e aut orizadas e não l hes causando dano, se apresent arem como
criação int el ect ual nova” (LDA, art igo sext o). O art igo oit avo dest a mesma l ei ressal va: “ É t it ul ar de
direit os de aut or quem adapt a, t raduz, arranj a ou or quest ra obra caída no domínio públ ico; t odavia não
pode, quem assim age, opor-se a out ra adapt ação, arranj o, orquest ração ou t radução, sal vo se f or cópia
da sua” (LDA, art igo oit avo).
Mário de Andrade no seu l ivro Int r odução à Est ét i ca Musi cal (1995) ent ende a música como o
encadeament o de quat ro inst âncias. Segundo o aut or seriam el as: (1) criador, (2) obra de art e, (3)
int érpret e, (4) ouvint e. Observemos a t abel a abaixo:

Inst âncias

Primeira Segunda Terceira Quart a

Criador Obra de Art e (part it ura) Int érpret e Ouvint e

Fig. 1 – Propost a de Mário de Andrade


Devemos ressal var que Andrade est á se ref erindo a real idade musical erudit a, ambient e no qual f oi
desenvol vido o t rabal ho do aut or. Todavia, na música popul ar est a rel ação se dá de f orma dif erent e.
Segundo Neil Teixeira na sua dissert ação de mest rado int it ul ada Os Car i ocas - r eper t ór i o do per íodo
ent r e 1946 e 1956: “ Enquant o, em geral , no meio erudit o a obra de art e j á sai pront a para o int érpret e,
no meio popul ar a presença de uma quint a inst ância é necessária para al gumas obras, a do arranj ador”
(TEIXEIRA, 2007, p. 139). É inegável que uma obra como o Pr él ude à l 'apr ès-mi di d'un Faune de Debussy,
se int erpret ada por orquest ras dist int as, ou mesmo se execut ada pel o mesmo grupo conduzido por
regent es dif erent es, apresent ará resul t ados ímpares. Podemos cit ar como exempl o a int erpret ação da
Sagr ação da Pr i maver a de St ravinsky pel a Fil armônica de Berl im, sob a direção do maest ro Herbert Von
Karaj an. Not a-se em al guns t rechos da obra a presença de uma pul sação rápida, int ensa e enérgica,
como no moviment o prest o Jeu du r apt . Ao compararmos com a execução de Pierre Boul ez á f rent e da
Orquest ra da Rádio Nacional Francesa, é not ável a dif erença de andament o e carát er, pois o mesmo
t recho aparece aqui mais l ent o e menos enérgico. De qual quer f orma, nenhuma das duas int erpret ações
compromet e o reconheciment o da obra em quest ão pel o ouvint e, t endo em vist a que t odas as not as
escrit as na part it ura são execut adas. Fl ávio Barbeit as, em um art igo escrit o para o periódico Per musi ,
int it ul ado Ref l exões sobr e a t r anscr i ção musi cal : as suas r el ações com a i nt er pr et ação na músi ca e na
poesi a, def ine a rel ação ent re obra e aut or na música popul ar da seguint e f orma: “ A cont ribuição do
aut or cessa com o nasciment o da obra. Permanecem, porém, a f l exibil idade e a mul t ipl icidade dest a,
simpósio de pesquisa em música 2008 11
em razão da inf inidade das l eit uras e int erpret ações que será sempre capaz de despert ar” (BARBEITAS,
2000, p. 93).
Segundo nos rel at a Teixeira (2007), quando a dupl a de composit ores Harol do Barbosa e Geral do Jacques
criaram a música Tim t im por t im t im, sucesso na int erpret ação de Os Cariocas, o f izeram de f orma
sucint a, pensando da seguint e maneira: “ a música começa aqui, t ermina al i, os acordes são esses, a
l et ra é assim, e é em rit mo de samba” . Geral ment e é assim que acont ece na música popul ar, o aut or
escreve a l et ra, cria a mel odia, escol he um gênero e, ás vezes, organiza a harmonia do
acompanhament o. Est a é, em essência, a sua obra de art e, e será sua independent ement e de
adapt ações que sej am f eit as post eriorment e.
Ao ouvirmos o arranj o vocal que Ismael Net t o produziu do samba Tim t im por t im t im para Os Cariocas,
percebemos a presença de uma int rodução, segundo Teixeira, obviament e ant erior à primeira not a dada
pel a dupl a de aut ores: “ É um cort e prof undo na obra. O início f oi modif icado” (TEIXEIRA, 2007, p. 140).
Quando ouvimos uma int erpret ação qual quer do moviment o int it ul ado Vênus da suít e orquest ral Os
Pl anet as de Gust av Hol st , independent ement e da orquest ra que est ej a execut ando a obra, vamos ouvir
a ent rada em piano do naipe de t rompas, para em seguida ouvir o cont rapont o que se est abel ece ent re
est e naipe e as f l aut as. No ent ant o, ao ouvirmos de Barbosa e Jacques a canção Adeus América na
int erpret ação da cant ora Leny Andrade, ouviremos a int rodução compost a pel o seu t rio, o B3, e não a
int rodução present e no arranj o criado por Ismael Net t o para Os Cariocas. Isso vem demost rar que na
música popul ar brasil eira, dif erent es int erpret ações da mesma canção geram dif erent es arranj os.
Ao ouvirmos uma nova int erpret ação de uma obra erudit a j á conhecida, não t eremos grandes surpresas
com rel ação a aspect os como, t ext ura, harmonia e f orma. As surpresas serão de out ra espécie, como
int erpret ação, sol ist as, et c. Já na música popul ar a expect at iva que se nut re é prat icament e inversa.
Aspira-se, a cada int erpret ação, uma rel eit ura, uma versão nova, ou sej a, um novo arranj o. Se
anal isarmos a sugest ão propost a ant eriorment e por Mário de Andrade, buscando adapt á-l a à real idade
da música popul ar brasil eira, t eríamos que acrescent ar, de acordo com Teixeira (2007), mais uma
inst ância, a do arranj ador. Cont udo, nesse moment o surgem out ras quest ões, dent re as quais
dest acamos a seguint e: Em que moment o da cadeia de produção seria inserido o arranj ador?
Excet uando-se os casos onde o próprio composit or sej a o responsável pel o arranj o, e o t enha criado
concomit ant ement e a obra (aproximando-se assim, da prát ica erudit a), a posição mais pl ausível para a
inserção do arranj ador dent ro da propost a andradiana seria ent re a obra e o int érpret e, f icando as
inst âncias dispost as da seguint e maneira:

Inst âncias

Primeira Segunda Terceira Quart a Quint a

Criador Obra de Art e Arranj ador Int érpret e Ouvint e

Fig. 2 – Propost a de Andrade adapt ada à música popul ar


Dessa f orma, percebemos que o papel do arranj ador na música popul ar est á bast ant e vol t ado para a
perf ormance. Est e músico é, j unt o aos int érpret es, co-responsável pel a criação de uma nova ident idade
para a obra. Como vimos, o arranj o é essencial para a vincul ação das canções popul ares no mercado
f onográf ico.
Vej amos agora como f icaria est a “ l inha de produção” com a ent rada do arranj ador vocal , aquel e que
escreve arranj os de música popul ar brasil eira para coros ou grupos vocais. Para def inir o papel dest e
músico, vamos recorrer inicial ment e a um esquema propost o por François Del al ande (1991), o qual
considera na prát ica musical a exist ência de cinco inst âncias, divididas em t rês suj eit os e dois obj et os. A
t abel a abaixo il ust rará a propost a do aut or:

Inst âncias

Primeiro Suj eit o Primeiro Obj et o Segundo Suj eit o Segundo Obj et o Terceiro Suj eit o

Composit or Part it ura Int érpret e Obj et o Sonoro Ouvint e

Fig. 3 – Propost a de Del al ande


Como podemos observar, o esquema propost o por Del al ande se assemel ha muit o ao de Andrade, e é
perf eit ament e apl icável ao meio de produção da música erudit a. Se adapt armos est e esquema ao
processo de produção da música popul ar brasil eira, como f izemos em Andrade, devemos lembrar que,
no caso da música popul ar, normal ment e não exist e a part it ura criada pel o composit or, mais sim, um
obj et o sonoro em seu l ugar. Est e pode ser uma gravação caseira ou uma t ransmissão oral . É por sobre
est e primeiro obj et o sonoro que o arranj ador irá t rabal har, ao compor o arranj o. O processo se
12 SIMPEMUS 5
complet a com o int érpret e gravando o arranj o, com o qual a obra se t ornará pública para o ouvint e. A
est e regist ro chamaremos de segundo obj et o sonoro. Vej amos agora a t abela:

Inst âncias

Composit or Primeiro Obj et o Arranj ador Int érpret e Segundo Obj et o Ouvint e
Sonoro
(part it ura opcional) Sonoro (gravação)

Fig. 4 – Propost a de Delalande adapt ada à música popular


Na música coral, o arranj o é f undament al para a execução das canções populares pelos coros ou grupos
vocais. Ricardo Szpilman chama a at enção, em sua dissert ação de mest rado int it ulada Reper t ór i o par a
Cor ai s Ini ci ant es (2005), para a dist inção ent re dois t ipos de arranj os vocais baseados em canções
populares brasileiras. O primeiro, segundo ele, apresent a aspect os muit o próximos a um “ mat erial
original” , que na maioria das vezes é uma gravação que se t ornou f amosa. É o caso por exemplo, do
arranj o vocal de Marcos Leit e para o samba Lat a D’ água. Leit e escreveu est e arranj o inspirado em uma
gravação f eit a pela cant ora Marlene em 1951 (CARVALHO, 2007). O segundo t ipo busca f ugir do modelo
original, apenas respeit ando, o máximo possível, a melodia principal, muit o embora possa at é vir a
modif icá-la em alguns aspect os. Um bom exemplo desse t ipo de arranj o vocal é o de Al guém Cant ando,
arranj ada t ambém por Marcos Leit e. Nest e arranj o, Leit e t ransf orma a canção “ int imist a” de Caet ano
Veloso em um quase madrigal renascent ist a ingl ês, com o uso int enso do cont rapont o. Segundo
Szpilman, os arranj os vocais de música popular brasileira t endem à descaract erização, quando f ogem
demais da propost a original da canção concebida pelo composit or. O próprio Marcos Leit e reconheceu
isso, ao abandonar essa est ét ica ut ilizada em Al guém Cant ando em seus arranj os post eriores
(CARVALHO, 2007).
Ao inserir o arranj ador vocal na linha de produção da música popular brasileira, vamos considerar o
primeiro t ipo de arranj o cit ado por Szpilman (2005). De acordo com o que nos relat a André Pereira na
sua dissert ação de mest rado int it ulada Ar r anj o vocal de músi ca popul ar br asi l ei r a par a cor o a capel l a
(2006):
(. . . ) o I e II Curso de Grupos Vocais promovido pelo Ri o a Cappel l a (Janeiro de 2002 e j unho
de 2004) reuniu 6 arranj adores que produziram para o event o doze arranj os vocais inédit os
(dois para cada arranj ador). Tive (Pereira) a honra de ser um dos arranj adores convidados
ent re out ros t alent osos colegas: Maurício Maest ro, Zeca Rodrigues, Fernando Ariani, Eduardo
Lakschevit z e Deco Fiori. Além da preparação e execução pública dest e arranj os, o curso
cont ava com palest ras dos arranj adores int it uladas: o ar r anj ador e sua obr a. Foi int eressant e
not ar que t odos os arranj adores cit avam na palest ra ou no ensaios, uma gravação de
ref erência. (PEREIRA, 2006, p. 38)

O arranj o original, present e na gravação de ref erência, muit as vezes est á marcado por idéias musicais
relevant es, que podem inf luenciar de f orma signif icat iva o processo de recriação da obra pelo
arranj ador vocal. Seguindo a cadeia, o coro ou grupo vocal int erpret a a part it ura vocal, result ando ou
não em uma gravação dest e arranj o. Independent ement e do meio, sej a ele gravação ou perf ormance ao
vivo, chamaremos est a inst ância de t erceiro obj et o sonoro, e é na recepção dest e que o ouvint e f echa o
ciclo. Ficam dispost as as inst âncias da seguint e maneira:

Inst âncias

Aut or Primei- Arranj a- Part it ura Int érpret e Segundo Arranj a- Part it u- Coro ou Tercei- Ouvint e
ro dor Obj et o dor Vocal ra do Grupo ro
Obj et o (opcional) Sonoro Arranj o vocal Obj et o
Sonoro vocal Sonoro
(grava-
ção)

Fig. 5 – Esquema propost o com a inserção do arranj ador vocal


Gost aríamos de enf at izar que est a é uma das possibilidades que se apresent am. Opt amos por est e
esquema por considerarmos que represent a uma prát ica bast ant e recorrent e ent re os arranj adores
vocais da at ualidade. As int erpolações ent re as inst âncias podem acont ecer de diversas f ormas, e out ros
esquemas podem ser pensados. Na música popular brasileira podemos encont rar sit uações em que o
composit or acumula mais de uma f unção, como era o caso de Dorival Caymmi, que era composit or e
int érpret e de sua própria obra. Ou de Tom Jobim, que muit as vezes acumulava as f unções de
composit or, arranj ador e int érpret e de suas canções. Nest es casos, os esquemas podem mudar
sensivelment e, pois concent ram mais de uma inst ância em um único suj eit o. Tomemos como exemplo o
CD Ser enade do músico mineiro Toninho Hort a. Nest e regist ro gravado ao vivo na Coréia, Toninho cant a
suas canções acompanhado apenas por seu violão. Aqui, o músico é composit or, arranj ador e int érpret e,
ao mesmo t empo. Mant endo coerência com o que f oi apresent ado ant es, consideramos o result ado dest a
int erpret ação do violonist a como Segundo Obj et o Sonoro, t endo em vist a que as músicas j á haviam sido
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 13
gravadas ant eriorment e pel o próprio Toninho Hort a em out ros discos, e que est as versões “ acúst icas” se
est abel ecem como arranj os das gravações ant eriores. Vej amos abaixo como se organiza est e esquema
com a ent rada do arranj ador vocal :

Inst âncias

Composit or, Segundo Obj et o Arranj ador Vocal Part it ura do Coro ou Terceiro Ouvint e
Arranj ador e Sonoro Arranj o Vocal Grupo Obj et o
Int érpret e Vocal Sonoro

Fig. 6 – Out ro esquema possível


Marcos Leit e cit a t ambém a possibil idade do arranj ador vocal aproveit ar idéias provindas de gravações
dif erent es da mesma música (LEITE apud CARVALHO, 2007). Zeca Rodrigues (2008) concorda com Leit e,
e coment a que ouvir várias versões (gravações) da mesma música ant es de f azer o arranj o é um hábit o.
Pereira (2006) part il ha da opinião de Leit e e Rodrigues, e cit a como exempl o o arranj o coral de Damiano
Cozzel l a para a Suít e dos Pescador es de Dorival Caymmi . Segundo o aut or, na época em que Cozzel l a
escreveu est e arranj o exist iam t rês gravações da obra. Pereira af irma t er encont rado idéias musicais
provindas dest as gravações, durant e a anál ise da part it ura coral de Cozzel l a.
Podemos concl uir, com base no que f oi apresent ado, que o papel do arranj ador na música popul ar
brasil eira é de suma import ância, considerando que esse músico é o responsável pel a criação da “ versão
f inal ” , ou sej a, do arranj o com o qual a canção se t ornará públ ica at ravés do mercado f onográf ico. É
por sobre esse arranj o que o arranj ador vocal irá ret rabal har a canção, ao compor um novo arranj o
derivado do primeiro, porém, inserido em um novo meio.

Referências Bibliográficas
ANDRADE, Mário de. Int r odução à Est ét i ca Musi cal . São Paulo: Edit ora Hucit ec, 1995.

BARBEITAS, Flávio. Ref l exões sobr e a t r anscr i ção musi cal : as suas r el ações com a i nt er pr et ação na músi ca e na
poesi a. Belo Horizont e: Permusi - revist a de perf ormance musical, 2000.

CARVALHO, Rogério. Mar cos Lei t e e seu ar r anj o vocal par a o samba Lat a D'água: um est udo anal ít i co dos
pr ocedi ment os composi ci onai s. São Paulo: ANPPOM, 2007.

__________. Vi l l a-Lobos e o sur gi ment o de uma nova est ét i ca no ar r anj o cor al br asi l ei r o. Salvador: ANPPOM, 2008.

DELALANDE, Francois. Faut -i l t r anscr i r e l a musi que écr i t e? Paris: S/ E, 1991.

LEITE, Marcos. Ar r anj o vocal de MPB. Curit iba: Conservat ório de Música Popular de Curit iba, 1995.

LEME, Beat riz. Guer r a-Pei xe e as 14 canções do Gui a Pr át i co de Vi l l a-Lobos – Ref l exões acer ca da pr át i ca da
t r anscr i ção. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2000.

PEREIRA, André. Ar r anj o vocal de músi ca popul ar br asi l ei r a par a cor o a capel l a. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2006.

RODRIGUES, Zeca. Cur so de ar r anj o vocal . Rio de Janeiro: Seminários de música Pró-Art e, 2008.

SZPILMAN, Ricardo. Reper t ór i o par a cor ai s i ni ci ant es. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2005.

TEIXEIRA, Neil (2007). Os Car i ocas. Reper t ór i o do per íodo ent r e 1946 e 1956: pr odução de par t i t ur as, consi der ações
sobr e est i l o, i nf l uênci as e cont r i bui ções do gr upo par a o i di omat i smo dos gr upos vocai s br asi l ei r os. Rio de
Janeiro: UNIRIO, 2007.
REFLEXÕES SOBRE MÚSICA POPULAR E ERUDITA PARA O ESTUDO DA FRONTEIRA.

Mar cel a Per r one (UNIRIO-CAPES)

RESUMO: Uma revisão dos conceit os de música erudit a e música popular precede a caract erização de
uma f ront eira ent re elas. A ident if icação de dois modos de f azer na f ront eira se relaciona com as
análises musicais de casos paradigmát icos na produção art íst ica brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: música popular; música erudit a; f ront eira.
ABSTRACT: A revision of t he concept s of art music and popular music precede t he charact erizat ion of a
border bet ween t hem. The ident if icat ion of t wo manners of doing on t he border has relat ion wit h
musical analysis of paradigmat ic cases of Brazilian art ist ic product ion.
KEYWORDS: popular music; art music; border.

As def inições dos campos popular e erudit o apresent am-se geralment e como polêmicas, principalment e
pela ambigüidade dos t ermos derivada de seu uso coloquial. Por causa disso decidi f azer uma revisão
das considerações present es na bibliograf ia sobre o assunt o e chegar aos conceit os que servirão para
aprof undar no meu est udo sobre a f ront eira ent re ambos os campos.

Cult ura e sociedade


Começarei com um art igo de Carlos Vega que descreve a música erudit a ou cult a,
"(…) a que alude às grandes f ormas e evoca por associação as alt as classes sociais. A
expressão ‘ música cult a’ relaciona-se com o esf orço dos est udos e indica t ambém uma
hierarquia elevada com ênf ase na t écnica. Comument e a música cult a generalizada é
chamada de ‘ música clássica’ , em um sent ido geral que inclui um nexo com a idéia de
‘ modelo perdurável’ , digno da hist oria".
"(…) Resumindo, as idéias ‘ superior-cult a-clássica-moderna-at ual-nova’ concernem
diret ament e à musica conceit ual e t ecnicament e mais avançada e aludem ao grupo de
realizadores e af icionados de elit e e ao grupo social de dinheiro (que ent ende ou não) que
apóia e cust eia os últ imos moviment os superiores e out ros moviment os culminant es da
hist ória. Em t odo caso, al t o nível ". [ sublinhado no manuscrit o original e em it álica na Revist a]
(Vega, 1997).

Essa últ ima caract erização do Carlos Vega est aria relacionada com a dist inção ent re classes sociais. E
assim, descreve as dif erent es acepções do t ermo popular por oposição:
“ A voz ‘ popular’ é múlt iple, mas em quase t odas as acepções relaciona-se com as classes
sociais médias e inf eriores e at é com os grupos rurais ou f olclóricos. Desde que se cont rapõe
às classes cult as, se ref ere a grupos semi let rados e ilet rados comuns, simples, não
cult ivados” .
"(…) ‘ Música popular’ , em cast elhano (não em Francês) signif ica t ambém ‘ música dif undida’ ,
e é nest e caso onde int ervém aquela desusada acepção do povo que inclui a t odos os
habit ant es duma região ou país (…)".
"A expressão ‘ música popular’ , no sent ido de ‘ música dif undida’ , não det ermina hierarquias.
Cert a ‘ música clássica’ pode ser ‘ popular’ , ou sej a, ‘ dif undida’ : La donna è Mobi l e é clássica
e é popular, mas não é mais mesomúsica; nem é mesomúsica a música f olclórica, porém
quando comument e chama-se ‘ música popular’ , música do povo. Repet imos que a palavra
‘ popular’ carece de nit idez para os est udos musicológicos" (Vega, 1997).

Por isso ele pref ere a denominação de mesomúsica, que mais t arde seria de import ância dent ro do
marco t eórico-conceit ual nas pesquisas dedicadas ao est udo da música popular.
“ A mesomúsica é o conj unt o de criações f uncionalment e consagradas ao ent ret eniment o
(melodias com ou sem t ext o), à dança de salão, aos espet áculos, às cerimônias, at os, aulas,
j ogos, et cét era, adot adas ou aceit as pelos ouvint es das nações cult uralment e modernas.
Durant e os últ imos séculos o melhorament o das comunicações t em f avorecido a dispersão da
mesomúsica em t ão grande proporção, que hoj e só excet uam-se de sua inf luencia os
aborígenes mais ou menos primit ivos e os grupos nacionalizados que ainda não complet aram
seu ingresso nas comunidades modernizadas. Mas como a mesomúsica não é uma música
def init ivament e ocident al se não uma ‘ música comum’ , podem exist ir f ocos excênt ricos com
dispersão por ext ensas áreas".
"A mesomúsica, ent ão, convive nos espírit os dos grupos urbanos ao lado da ‘ música erudit a’ e
part icipa na vida dos grupos rurais ao lado da musica f olclórica" (Vega, 1997).
simpósio de pesquisa em música 2008 15

Para Vega, aquela música est aria num est rat o médio. Mas aqueles est rat os não se apresent am puros na
dinâmica da cult ura e as relações sociais:
"O signif icat ivo da mesomúsica, o que det ermina sua posição e sua at ividade, não é um grau
hierárquico, não que f orçosament e deva t er um; est a música de est rat o meio não f igura numa
escada de valores est ét icos puros, baixo a música superior e sobre out ras mais primit ivas. As
composições mesomusicais para a dança convivem e alt ernam com as superiores dos planos
sensoriais mais elevados sem que se conf undam seus níveis (…). As canções mesomusicais
convivem t ambém com as criações erudit as, t oleradas ou admit idas, j á em f unções
complement arias diversas, j á para a sat isf ação específ ica duma necessidade de goze menor
que exclui a alt a concent ração sensorial e int elect ual".

Logo Vega deixa claro que uma das caract eríst icas dist int ivas da mesomúsica é a passagem para um
segundo plano do valor est ét ico em si mesmo para out orgar valor à f uncionalidade.
"A mesomúsica caract eriza-se nesse sent ido especial porque, deslocada para o segundo plano
sua condição de obra art íst ica, podemos considerá-la principalment e como ent idade f uncional
em harmonia com exigências de ent ret eniment o, evasão, sociabilidade em geral,
aproximação dos sexos, et cét era, com as indúst rias que elaboram as idéias primas, com o
comercio que at ende o consumo e com os grupos que acolhem a produção. Há nest a
valoração um acent o duplo no sociológico e econômico, e assim compreende-se melhor como
a mesomúsica é o inst rument o de t odos os grupos do mundo que absorvem a irrigação cult ural
de Ocident e ou t êm necessidades semelhant es e apet ência análoga por est e t ipo de giros e
est rut uras. E porque sat isf az necessidades permanent es, subsist e conservando, renovando ou
adequando os muit os est ilos hist óricos e at uais que em medida variável int egram seus
repert órios" (Vega, 1997).

Sint et izando, para Vega os conceit os chave no campo erudit o seriam: Est udo, j á sej a do lado do
composit or para desenvolver seu of ício, que ele chama de ênf ase na t écnica, mas t ambém um grau de
conheciment o, Cul t ura, por part e do público, para poder ent ender e desf rut ar as Obras de Art e. Esse
público alvo seria uma el it e, ent endida desde o econômico e/ ou int elect ual.
A música popular, t ermo ut ilizado para denominar o que ele chamou de mesomúsica, ele diz que é a
mais import ant e, a mais ouvida, sej a por dif usão at ravés da mídia ou execut ada em shows. Ela aliment a
uma rede de produção de bens e serviços f undament ais para o mundo moderno (Vega, 1997) at endendo
necessidades, o que apont a a sua f uncionalidade.
Ent re as crít icas f eit as aos conceit os de Vega encont ramos a de Coriún Aharonián :
"O f at o de o t ermo ‘ mesomúsica’ ser relat ivament e inadequado é porque, apesar da boa
vont ade de Vega, ele implica em ‘ acima’ e ‘ abaixo’ , ‘ alt o’ e ‘ baixo’ , conceit os que não são
menos cont roversos por serem f reqüent ados por alguns sociólogos. Mesmo que Vega pareça
evit ar a possibilidade dum uso pej orat ivo, a própria idéia de ‘ meio’ ligada com as
considerações acerca do ‘ descenso’ ou ‘ ascenso’ cria um permanent e perigo de preconceit os
piramidais ou pelo menos de j uízos aprioríst icos derivados inevit avelment e do ‘ acima’ e
‘ embaixo’ ".
"(. . . ) Em t odo caso, não exist e at é agora um t ermo mais adequado, com exceção t alvez o
de ‘ música popular’ ” (Aharonián, 1997).

Os perigos de maus ent endidos est ão sempre present es, e provavelment e as suspeit as respeit o ao uso
pej orat ivo t enham algum t ipo de f undament o. Ao ref erir-se á caract erização em est rat os ut ilizada por
Vega e Lauro Ayest arán, Aharonián escreveu
Est es est rat os pert encem evident ement e a nossa chamada cult ura ocident al. Nem Vega nem
Ayest arán t ent am usar esse pont o de vist a com cult uras não européias, ainda que se
encont rem, ao f inal de suas vidas (1966), numa post ura ent re pej orat iva e pat ernalist a f rent e
às músicas ‘ primit ivas’ , como era cost ume na musicologia ocident al "(Aharonián, 1997) .

Sit uar aquele enf oque dent ro do cont ext o aj uda a ent ender suas limit ações. Mesmo assim, as def inições
de MP cont inuam parciais e incomplet as, f reqüent ement e part em duma lógica dialét ica: dif erenciar-se
de out ras músicas, para const ruir uma ident idade.

Ser ou não ser


Philip Tagg responde numa ent revist a que ele mesmo não t em uma def inição posit iva de música
popular, sem def ini-la como a música que não é erudit a ou f olclórica. Assim,
"A única razão porque a expressão ‘ música popular’ exist e é porque há muit as prát icas musicais
excluídas das inst it uições de educação musical. Há que chamá-la de algum modo" (Tagg, 2004).
Foi assim uma cat egoria adot ada e ut ilizada ref erindo-se a coisas dif erent es, o que f reqüent ement e leva
a conf usões. Não exist e, segundo Tagg, um denominador comum para se ref erir a t odo o que pode ser
compreendido dent ro do t ermo MP,
16 SIMPEMUS 5
"O único denominador comum é que há at é pouco t empo est ava excluída. Mas há algumas
caract eríst icas, como por exemplo o f at o de que em comparação com a t radição de música
erudit a européia não cost uma se escrever em not ação musical. Mas há algumas f ormas que se
escrevem. . . (…). Out ro conj unt o possível de caract eríst icas é que se t rat a de músicas
dist ribuídas at ravés de gravações em sua maioria ou por meios massivos, ant es que at ravés de
part it uras ou em concert os. Mas de novo há exceções: onde há pessoas cant ando num j ogo de
f ut ebol ou cant ando ‘ Parabéns para você’ , não há gravações, mas mesmo assim é música
popular e não se est uda no conservat ório. Ou sej a, est a caract eríst ica part icular não f unciona
cem por cent o" (Tagg, 2004).

Que at ribut os poderiam relacionar-se com a MP e sua prát ica? O cost ume de não ut ilizar a escrit ura
musical t radicional como meio de dist ribuição não é uma caract eríst ica exclusiva da MP,
evident ement e. A música elet roacúst ica t ambém não a ut iliza. A t ransmissão oral, out ro canal de
t ransmissão de MP, t ambém é um meio muit o ut ilizado pela música f olclórica. A presença da MP nos
meios de comunicação em geral leva a associá-la com a música de massas, ligada à indúst ria do lazer e
consumo, e poderia se disser que f oram processos originados numa mesma época e int erdependent es.
Parece dif ícil chegar a uma def inição única e f echada. Uma análise das vert iginosas mudanças
t ecnológicas, econômicas, sociais e cult urais do século XX pareceria indicar que, como disse Marshall
Berman, t odo o sólido se desvanece no ar.

Uma questão de expectativas


José Jorge de Carvalho descreve as relações ent re o f olclore e a cult ura clássica, que deram origem a
t ant as obras românt icas. Quando ele se ref ere à MP ut iliza t ambém a caract erização dialét ica, agora
ent re t radição e inovação:
"A música popular, produt o t ípico do novo mundo urbano-indust rial surgido no século XX, é
um t ermômet ro sut il dos complexos processos de t ransf ormação e int errelação ent re
signif icados t radicionais e modernos, ref let indo as experiências sempre cambiant es das várias
camadas sociais que conf ormam nosso mundo. Não é possível compreender a t radição sem
compreender a inovação, sendo que a t ensão ent re essas duas corrent es de criat ividade se
manif est a especialment e no caso da música (Carvalho, 1991).

Assim, sinalando a crise dos conceit os de aut ent icidade e pureza no âmbit o erudit o e f olclórico,
descreve o surgiment o da cult ura popular. Ela é f reqüent ement e analisada como expressão simbólica da
nova realidade urbano-indust rial do Ocident e moderno. Desde sua aparição f oi obj et o de duras crít icas
por part e de Goet he e Schiller, j ust ament e por f oment ar "(. . . ) uma at it ude passiva e conf ormist a por
part e do público e crit icavam o valor exagerado que j á começava a ser at ribuído à novidade "(Carvalho,
1991).
A propost a est ét ica de t er em cont a as expect at ivas do público para cumpri-las plenament e virou uma
est rat égia de mercado para colocar o produt o art íst ico, f oment ar seu consumo e subst it uição imediat a.
E o aut or cont inua
"Peças de t eat ro, por exemplo, cuj o nível de expressão era apenas equivalent e às
expect at ivas do público, j á represent avam para Schiller um sinal de decadência. Do pont o de
vist a de seu humanismo est ét ico, o art ist a nunca poderia nivelar-se apenas pelo apelo
sensorial do público, mas deveria procurar conduzi-lo para além dessa sat isf ação, em direção
a um plano ideal de experiência est ét ica. Em out ras palavras, na alt a cult ura o público nunca
deve receber exat ament e o que desej a, ou o que crê que necessit a" (Carvalho, 1991).

Podemos deduzir, ent ão, que o desvio de expect at ivas e a surpresa f ormam part e do j ogo da art e
erudit a, o pelo menos dos "grandes" composit ores reconhecidos e que "sobreviveram": por prat icar esse
principio, permanecem at é hoj e at rat ivos e vigent es. O desvio das expect at ivas exigiria ao público a
capacidade de adapt ar as dif erent es soluções e relacionar as novas propost as com as experiências
previas. Assim Carvalho o expressava:
"A cult ura popular é t ambém capaz de f azer uma aliança com uma parcela do público (aquela
que se dispõe a ir além da mera grat if icação passageira) e com ela reproduzir a mesma
relação ent re produt or e consumidor que caract erizava o modelo da cult ura clássica"
(Carvalho, 1991.

Podemos ident if icar essa vont ade em alguns art ist as populares, que admit indo a sit uação de que o
art ist a, como qualquer out ro t rabalhador, vende seus produt os ou serviços no mercado, não renunciam
às cert as decisões ét ico-est ét icas. E não só que aceit am a inf luencia de art ist as de vanguarda, se não
que buscam deliberadament e experiment ar com algumas das t écnicas por eles empregadas. Aí aparece
o campo que alguns chamaram de invenção (Pound, 1970; Campos, 1968; Taborda, 1988) e que poderia
encont rar-se na f ront eira dos t errit órios erudit o e popular.
simpósio de pesquisa em música 2008 17
Caracterização da Fronteira
At ravés da revisão bibliográf ica e a analise da produção const at amos a presencia de caract eríst icas
signif icat ivas:
• Advert imos um grau de especulação com a linguagem, ent endida em t ermos de increment o de
novidade, o que result a em um j ogo com a expect at iva de quem ouve. Trat a-se de produções que não
buscam ser t ot alment e complacent es com o ouvint e.
• Exist e geralment e uma ref l exão t eórica sobre esses processos, o que implicaria um grau de
consciência dos modos de f azer, porém não sempre acessíveis em f orma de art igo ou ensaio. Mas, às
vezes podemos const at á-las nas report agens e depoiment os.
• A int er-rel ação dos papeis. Volt ando aos conceit os do art igo Música de Front eiras (Perrone, 2008),
em quant o os papéis aparecem bem dif erenciados na música erudit a ocident al, f reqüent ement e est ão
mist urados na MP: composit or de música e let ra, arranj ador e int érpret e, composit or e int érpret e, et c.
f unções que são inseparáveis dent ro de cult uras musicais não ocident ais.
• A ausência dum est il o def inido em alguns dest es art ist as est aria ligada à não repet ição de f ormul as
exit osas e a adesão a uma est ét ica não f echada. Não t oda a produção dum art ist a pode apresent ar est as
caract eríst icas da Front eira; pode t rat ar -se duma obra, um disco, uma et apa.
• A recuperação do val or est ét ico da música, a perda parcial da f uncional idade.

A f uncionalidade ligada à diversão e lazer e deixada parcial ou t ot alment e de lado.

Dois modos de faze


Tal como escrevi em “ Música de Front eiras” , const at ei a presença de dois modos de f azer nesse campo:
“ 1) O t rabalho lúdico com os obj et os sonoros, experiment al e sem preconceit os quant o às origens dos
mat eriais, f reqüent ement e encarado de f orma grupal. Habit ualment e envolve a ut ilização não
convencional de inst rument os t radicionais, out ros não t ão t radicionais e a ut ilização de obj et os do
cot idiano para int eragir com eles, num diálogo descont raído, que rarament e se da no âmbit o
acadêmico.
2) A presença da f igura do composit or, cant or-inst rument ist a, que põe sua voz e inst rument o a serviço
de um alt o grau de exposição e compromisso. Um t rovador experiment ador/ moderno/ que pode est ar
acompanhado por out ros inst rument ist as ou não e servir-se de sons pré-gravados, ef eit os e out ros
mat eriais elet roacúst icos” (PERRONE, 2008).
Um exempl o desse f enômeno é expl icado por Damián Rodríguez Kees (2002), que realizou uma análise
da canção Épico de Caet ano Veloso. Ele começa com a advert ência de que não é possível det erminar o
grau de co-aut oria at ingido por Rogério Duprat em sua condição de arranj ador. Aquela produção inclui
uma melodia cant ada (de rasgos nordest inos), breves e suaves giros melódicos da f laut a (uma ref erencia
à canção Desaf inado) cont rapost a à seção dos met ais e o t imbal (ligadas ao carát er épico e as t rilhas
sonoras orquest rais dos f ilmes de ação dos anos 60) e sons concret os (maiorment e sons do t rânsit o da
cidade de São Paulo). A análise da let ra em relação aos procediment os composit ivos ut ilizados revela o
grau de elaboração e prof undidade alcançado por Veloso.
Um exemplo do out ro f enômeno é invest igado por Luiz Cost a-Lima Net o (2008), quem descreveu o
processo de criação, ensaio e arranj o do Hermet o Pascoal e Grupo ent re 1981-1993. Analisou gravações
das composições da época e relacionou à personalidade e o sist ema musical experiment al de Hermet o, a
ut ilização de t odo t ipo de inst rument os, obj et os e sons de animais, sem se encaixar dent ro duma
corrent e. Os element os f olclóricos nordest inos convivem com o samba, choro, j azz e a música erudit a
de vanguarda. Finaliza com uma sínt ese que chamou A arquit et ura simbólica na casa da f amíl ia Hermet o
Pascoal.

Considerações finais
A ident if icação de um t errit ório f ront eiriço ent re o popular e erudit o relaciona-se com a verif icação de
gest os e modos de f azer pert encent es a ambos os campos.

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18 SIMPEMUS 5
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ANÁLISE DE LONT ANO E CONT INUUM DE GYORGY LIGETI APLICADA À COMPOSIÇÃO MUSICAL

Sól on de Al buquer que Mendes (UFPR-CAPES)

RESUMO: O obj et ivo dest e t rabal ho é dest acar al guns aspect os das est rat égias composicionais ut il izadas
pel o composit or húngaro Gyorgy Liget i em suas obras Lont ano e Cont inuum, e sua apl icação na prát ica
composicional .
PALAVRAS-CHAVE: anál ise musical ; composição; música do séc. XX.
ABSTRACT: The obj ect ive of t his work is t o discuss some aspect s of composit ional st rat egies used by t he
Hungarian composer Gyorgy Liget i in his works Lont ano and Cont inuum, and t heir appl icat ion in t he
composit ional prat ice.
KEYWORDS: musical anal ysis; composit ion; 20t h cent ury music.

Int rodução
É import ant e f risar que a obra do composit or húngaro Gyorgy Liget i (1926 – 2006) é bast ant e variada e
ext ensa, podendo-se dizer que abrange várias est ét icas, com caract eríst icas bem dist int as ent re si.
Est udou com renomados composit ores húngaros, como Zol t án Kodál y, e em 1956, aos 33 anos de idade
muda-se para Viena e t orna-se cidadão aust ríaco. Lá el e conheceu a vanguarda musical que não era
conhecida na isol ada Hungria de seu t empo. Ent re 1957 e 1958 t rabal hou no est údio de Col ônia, com
St ockhausen, e nesse período compõe 2 músicas el et rônicas, Gl i ssandi (1957) e Ar t i kul at i on (1958), e
em 1961 concl ui At mosphèr es, obra que t em sonoridade semel hant e a cert as músicas el et rônicas, só
que com inst rument os acúst icos orquest rais. Em al gumas obras suas, Liget i ut il iza procediment os
cont rapont íst icos “ t radicionais” , como imit ações e cânones, mas se comparado com o repert ório
pol if ônico dos séc. XVI e XVII, possui grandes dif er enças nas rel ações int erval ares ent re as part es
(vozes), assim como dif erenças nas caract eríst icas mel ódicas e de expressividade.
Transcorridos quase 47 anos da est réia de At mosphèr es, muit os pesquisadores se aprof undaram em
anál ises de obras dest e composit or, port ant o não nos int eressa uma anál ise aprof undada dest as obras, e
sim chamar a at enção para al guns aspect os composicionais que podem ser aproveit ados para compor
obras at uais, sem que sej a mera prát ica est il íst ica ou pl ágio.
Em peças como Lont ano e Lux Aet er na do composit or Gyorgy Liget i, a not a musical em si perde a sua
individual idade, e acaba por f azer part e de uma massa sonora. A not a musical f az part e de al go maior,
de uma est rut ura compl et a. E a soma dest as várias part es t em como resul t ado uma t ext ura rica e densa,
que nos dá a impressão de mover-se int ernament e, numa t ransf ormação const ant e: “ . . . e são
t ransf ormações graduais e const ant es. . . ” (ROIG-FRANCOLI, 1995, p. 243).
Liget i denominou a t écnica composicional de peças dest e período como “ micropol if onia” , e assim a
def iniu: "a compl exa pol if onia das part es individuais est á f undida num f l uxo harmônico-musical , no qual
as harmonias não mudam subit ament e; em vez disso, mescl am-se umas com as out ras” (ROIG-FRANCOLI,
1995, p. 240). Val e l embrar que est a peça f oi escr it a para um ef et ivo orquest ral imenso, com a
part it ura chegando a t er 59 paut as ent re as cordas e os sopros. Com ist o o composit or t em a
possibil idade de criar uma t ext ura muit o rica e compl exa, e expl orar muit o bem est e t ipo de
sonoridade. Est as peças ut il izam procediment os cont rapont íst icos.

Lont ano
O início de Lont ano, por exempl o, começa com ent radas sucessivas, t ípico de obras imit at ivas
renascent ist as a várias vozes, mas nest e caso, as várias ent radas em uníssono e as vozes se movendo por
2ªs menores causam um ef eit o muit o dif erent e. O mot ivo a ser imit ado começa na f l aut a 1, e vai ser
imit ado pel as f l aut as 2, 3 e 4, al ém do oboé 1, cl arinet es 1 à 4, f agot es 1 à 3, t rompas 1 à 3 e t rombone
1. A Fig. 1 il ust ra a ent rada da f l aut a 1:

Fig. 1 – Fl aut a 1, cc. 1-7


20 SIMPEMUS 5
Ut ilizaremos a nomenclat ura criada por Allen Fort e em sua “ Teoria dos Conj unt os” , em que as not as
recebem uma numeração f ixa, denominada classe de alt uras, em que a not a Dó é represent ada pelo
número 0, o Dó# pelo número 1, e assim sucessivament e. Nos cc. 1-6. 3, a not a execut ada pelos
inst rument os é (8), um grande uníssono orquest ral em que as vozes vão ent rando de maneira imit at iva.
Nos cc. 6. 4. 4-11. 3, o conj unt o agrega mais t rês not as, uma seqüência de 2ªs menores: (7, 8, 9, 10). Est e
conj unt o sobrepost o gera um pequeno clust er de quat ro semit ons. A melodia move-se por graus
conj unt os, e por serem as ent radas imit at ivas em uníssono, os aglomerados sonoros ent re os sopros são
caract eríst icas dest es compassos iniciais.
Logo após est a ent rada, em que os naipes ent ram em uníssono ent re si, as vozes seguem mudando de
not a por grau conj unt o, de pref erência por 2ªs menores. Nos cc. 11. 4-12, o conj unt o acrescent a duas
not as (Fá# e Si), e exclui 1 (Sol), criando uma espécie de “ expansão” int ervalar. O conj unt o dest es
compassos é (6, 8, 9, 10, 11).
A part ir do c. 13, iniciam-se uma série de imit ações ent re os naipes, dest a vez com presença abundant e
das cordas, com oit o paut as para 1ºs violinos, seis para 2ºs violinos, seis violas, seis violoncelos, além
dos j á cit ados quat ro cont rabaixos, t ot alizando 30 paut as só para as cordas. Nos cc. 13-14, duas not as
são acrescent adas (Ré# e Mi), e o conj unt o nest es compassos é (3, 4, 6, 8, 9, 10, 11). Novament e o
conj unt o se expande.
Na seqüência as f laut as ent ram com um cânone em uníssono, cuj a melodia progride por 2ªs maiores,
conf orme ilust ra a Fig. 2:

Fig. 2 –Flaut as 1 a 4, cc. 14-15, micro-cânones de melodias que se movem por 2ªs geram clust er
orquest ral
Nos cc. 15-19. 4, o conj unt o perde uma not a e acrescent a duas not as. Ocorre novament e uma expansão
int ervalar, e o conj unt o dest es compassos é (0, 1, 3, 4, 6, 8, 9, 10). At ravés da análise e comparação
dos cinco conj unt os que aparecem nos cc. 1-19. 4, podemos observar as relações ent re os conj unt os, e
como acont ece a expansão int ervalar. A Fig. 3 demonst ra a relação ent re os conj unt os dos cc. 1-19:

Fig. 3 – Relações ent re os cinco conj unt os dos cc. 1-19


simpósio de pesquisa em música 2008 21

Ent re o 1º e o 2º conj unt o, ocorre um acréscimo de t rês not as com relações int ervalares de 2ªs menores,
port ant o o 2º conj unt o possui como caract eríst ica o t ot al cromát ico dent ro de sua ext ensão (Sol – Sib).
Ent re o conj unt o 2 (cc. 6. 4. 4-11. 3) e o conj unt o 3 (cc. 11. 4-12), ocorre uma expansão, pois a sua
ext ensão aument ou para Fá# - Si, mas pelo f at o de t er perdido a not a Sol, não é um clust er cromát ico
complet o. Temos, dent ro do âmbit o de uma 4ª j ust a, 1 t om e 3 semit ons, como demonst ra a Fig. 4:

Fig. 4 – Relações int ervalares do 3º conj unt o


No 4º conj unt o (cc. 13-14) ocorre um acréscimo de duas not as, e novament e uma expansão int ervalar,
conf orme demonst ra a Fig. 5:

Fig. 5 – Relações int ervalares do 4º conj unt o


No 5º conj unt o, duas not as são acrescent adas (Dó e Dó#) e uma not a é excluída (Si). Est e conj unt o
apresent a um carát er de clust er diat ônico, devido a grande incidência de 2ºs maiores. Do conj unt o 2
para o conj unt o 5 houve uma expansão int ervalar signif icat iva, e o clust er cromát ico se t ransf orma num
clust er diat ônico. A Fig. 6 demonst ra as relações int ervalares do 5º conj unt o.

Fig. 6 - Relações int ervalares do 5º conj unt o


Vale a pena dest acar que Liget i, nest e período, ut iliza moviment os cromát icos de maneira muit o
abundant e (nas vozes individuais), chegando a ser exagerado o uso cromát ico. Mas como o import ant e
são os “ sons result ant es” , e não cada not a musical isolada nem as vozes individualment e, não
percebemos como exagero nem como pobreza de idéias. At é porque não ouvimos melodias, mas uma
t ext ura com uma sonoridade dif erent e.

Continuum
A maioria das obras dest e período são para muit os inst rument ist as, e são ext remament e dif íceis de
serem execut adas, apesar de exist irem algumas obras para inst rument o solo dent ro dest e período, que
são Vol umina para órgão (1961-1962), e Cont inuum para cravo (1968). Na verdade, em Cont inuum, o
composit or ut iliza uma t écnica muit o present e em suas obras, que é o “ padrão-mecanico” ( pat t ern-
meccanico), que não é uma t écnica baseada no cont rapont o, mas em ost inat os que se modif icam
gradat ivament e. Mas nest e caso, o result ado sonoro é uma grande t ext ura. A Fig. 7 ilust ra os compassos
iniciais de obra cont inuum.

Fig. 7 – Compassos iniciais de Cont inuum, para cravo.


22 SIMPEMUS 5

Apesar de não t er f órmula de compasso, o composit or ut iliza uma barra de compasso pont ilhada a cada
16 colcheias, sugerindo, pela regularidade dest as linhas pont ilhadas, a f órmula de compasso 8/ 4, mas
não ouvimos acent os mét ricos. Na verdade est as barras de compasso servem muit o mais para o
int érpret e se sit uar. E at é o f inal dest e sist ema o padrão não muda, f icando com as not as Sol 4 e Sib 4
alt ernando ent re as mãos, gerando muit os cruzament os ent re as vozes. Est e é um pont o em comum nas
obras At mosphèr es e Cont i nuum , muit o import ant e para a geração de t ext ura sonora t ípico dest as
obras, o excessivo cruzament o ent re as vozes.
De f at o, o uso excessivo de cruzament o ent re as vozes é uma caract eríst ica em comum nas obras dos
t rês composit ores pesquisados nest e t rabalho, que são St eve Reich ( El ect r i c Count er poi nt ), Conlon
Nancarrow (Est udo para Pianola nº 37) e Gyorgy Liget i ( Lont ano, Lux Aet er na e Cont i nuum ). 1

Fig. 8 – Terceiro sist ema da peça Cont inuum (compassos 9 - 12)

Apenas no segundo compasso do t erceiro sist ema (c. 10) , que o pent agrama superior acrescent a uma
not a ao padrão (Fá 4), que ant es era de duas not as, conf orme demonst ra a Fig. 8. E o pent agrama
inf erior cont inua no mesmo padrão. Uma caract eríst ica muit o import ant e nest as obras é que os
acont eciment os se sucedem com cert o espaço de t empo, e de maneira gradual, as modif icações são
mínimas e const ant es.

Fig. 9 – Quart o sist ema da peça cont inuum (compassos 13 a 16)


No 4º sist ema, enquant o o pent agrama superior mant ém o novo padrão, o pent agrama inf erior
acrescent a uma not a (Láb 4) ao padrão inicial, no t erceiro compasso dest e sist ema (c. 15), ilust rado
pela Fig. 9. Em obras polif ônicas de Liget i, como Lont ano e Lux Aet er na acont ece algo parecido, as
melodias geralment e t em poucas not as, e aos poucos vai acrescent ando umas not as, excluindo out ras, e
geralment e por cromat ismo, ou grau conj unt o, f ormando clust ers orquest rais.

Considerações gerais
Gyorgy Liget i ut ilizava recursos imit at ivos para imenso ef et ivo orquest ral, gerando sonoridade t ext ural.
Ut ilizava cruzament os ent re as vozes com f reqüência, e f ormava clust er ent re os inst rument os da
orquest ra. Nas duas obras analisadas ( Lont ano e Cont i nuum ), Liget i ut iliza o recurso de expansão
int ervalar, em que f orma pequenos blocos cromát icos de not as, e est es vão se expandindo at ravés de
int ervalos de 2ªs, sendo est e procediment o part e do desenvolviment o das idéias musicais. Também f oi
observado o uso de padrões mecânicos (ost inat os), que se t ransf ormam aos poucos.

Apicação composicional
A inst rument ação da aplicação composicional é um quint et o, com 2 pianos, f laut a, sax soprano e
violino. Para a elaboração dest a pequena peça, a caract eríst ica sonora dest es inst rument os det erminou
divisões est rut urais na obra, que serão descrit as adiant e. São inst rument os que t em a possibilidade de
produzirem sons cont ínuos e longos (violino, f laut a e sax soprano) e inst rument os com f ort e at aque e
decaiment o imediat o (pianos). A obra f oi divida em 2 grupos, os 2 pianos num pat amar e os 3 de som
cont ínuo (violino, f laut a e sax t enor) em out ro.

Cânon
Os pianos ut ilizam à t écnica de “ padrões mecânicos” ( pat t er n-meccani co), com semicolcheias em
ost inat o, enquant o os inst rument os de sons cont ínuos ut ilizam a t écnica cont rapont íst ica de imit ação
canônica. Os pianos t ocam em andament os dif erent es escrit os em compasso equivalent e, uma
sobreposição t emporal bast ant e simples, a relação de 4 not as cont ra 5 not as. O piano 1 t oca um padrão

1
- As obras ent re parênt eses são as obras que f oram “ descrit as” (analisadas)
simpósio de pesquisa em música 2008 23
inicial de 6 not as, com andament o de semínima igual a 88, agrupadas em quiált eras de 5 semicolcheias
(vide Fig. 10). O piano 2 t oca, inicialment e, um padrão de 3 not as, com semínima igual a 88, agrupada
em semicolcheias. O piano 1 t oca em quiált eras de 5 semicolcheias para que a relação de semicolcheias
ent re os pianos t enha andament os dif erent es, sendo que cada semicolcheia do piano 1 é mais rápida
que cada semicolcheia do piano 2. A relação de andament os ent re os pianos 1 e 2 é de 4/ 52, ou sej a,
para cada 4 semicolcheias do piano 2, t eremos 5 semicolcheias do piano 1.

A
Fig. 10 – 1º compasso da part it ura – padrão de 6 not as do piano 1. A – padrão de 6 not as do piano 1; B –
início do padrão com deslocament o t emporal
O conj unt o de not as dest e padrão é (0, 5, 11), sendo que dent ro do padrão cíclico de 6 not as, cada not a
do conj unt o repet e 2 vezes .
Para obt er o mesmo ef eit o da sobreposição ent re as quiált eras de 5 semicolcheias (piano 1) e as f iguras
de 4 semicolcheias (piano 2) sem ut ilizar quiált eras, poderíamos mant er o piano 2 com andament o de
semínima igual a 88, e o piano 1 t eria andament o de semínima igual a 110, e em vez de quiált eras de 5
semicolcheias, o piano 1 t eria grupos normais de 4 semicolcheias por unidade de t empo, conf orme Fig.
11:

Fig. 11 – Demonst ração da t ranscrição do piano 1 para andament o equivalent e aos out ros inst rument os
da peça
O padrão do piano 1 f orma um ciclo repet it ivo de 3 compassos, repet indo um t ot al de 10 vezes. No c. 4,
port ant o, o piano 1 recomeça seu ciclo na cabeça do 1º t empo. No c. 5, ao invés de seguir repet indo seu
ciclo, o piano 1 começa a f ragment ar o padrão, inserindo pausas e not as de maior valor. A seqüência de
not as do padrão (Si – Dó – Si – Fá – Dó – Fá) não é mant ida como nos cc. 1-4. Algumas not as do padrão
são event ualment e omit idas, assim como cert os grupos de not as são repet idos, mas mant ém o mesmo
conj unt o de not as que iniciou (0. 5, 11), sem excluir nem acrescent ar not as, conf orme demonst ra a Fig.
12:

Fig. 12 – Piano 1, cc. 5-7


Segue dest a maneira at é o f im do c. 10, quando para de t ocar f ragment os do padrão, começando a
t rabalhar com acordes na região média do piano, conf orme Fig. 13:

2
Julie Scrivener em seu art igo “ The Use of Rat ios in t he Player Piano of Conlon Nancarrow” ( Mat hemat ical
Connect ions in Art , Music and Science, pp. 70-78, 2000), cria uma t abela com relações ent re andament os dif erent es,
para poder escrever part es com andament os dif erent es num andament o equivalent e
24 SIMPEMUS 5

Fig. 13 – Piano 1, cc. 10-11


Ent re os pianos 1e 2 ocorrem diversos cruzament os ent re as vozes, e ist o caract eriza a sonoridade
dest as duas part es somadas, excet o nos cc. 11-21, quando ocorre a seção onde os pianos 1 e 2 t ocam
acordes em regiões dif erent es do piano.
O piano 2 t oca um padrão inicial de 3 not as, com est e conj unt o: (0, 10, 11), e segue repet indo est e
padrão de maneira cíclica com f iguras de semicolcheias. Est e padrão est á sobrepost o ao padrão do piano
1, que cont ém f iguras de quiált eras de 5 semicolcheias.

Fig. 14 – Padrão de 3 not as do piano 2, c. 1


A Fig. 14 ilust ra a part e do piano 2, compost o baseado na t écnica de “ padrões mecânicos” ( pat t er n-
meccani co). Os dois pianos t ocam nest e início da música com apenas um pent agrama, podendo dizer
que as caract eríst icas idiomát icas dos pianos não são levadas em cont a, pelo menos nest e início. Ambos
t rabalham na mesma região, e possuem, inicialment e, 2 not as em comum, o Dó 3 e o Si 2. Est as not as
event ualment e irão ser t ocadas ao mesmo t empo, por est e mot ivo a necessidade de 2 pianos, e não
apenas 1 piano.
Logo adiant e, no compasso 4 (vide Fig. 15), o piano 2 acrescent a uma not a ao seu padrão, o Mi 2,
gerando uma 2ª versão de seu padrão. Nest e mesmo compasso, o piano 1 se mant ém inalt erado com o
seu padrão (apenas uma mudança de 8ª da not a Fá 3 para Fá 2 ocorreu no c. 3).

Fig. 15 – Piano 2, c. 4
No c. 5. 4, o piano 2 muda novament e seu padrão (vide Fig. 16), omit indo a not a Dó 3, e t rocando a not a
Mi 2 pela not a Lá 2. Est a é a 3ª versão do padrão, que volt a, port ant o, a t er 3 not as, Si 2 – Sib 2 – Lá 2,
f icando 1 semit om abaixo do padrão inicial (Dó 3 – Si 2 – Sib2).
B

Fig. 16 – Piano 2, cc. 5-6. A – padrões de 4 e 3 not as; B – as not as circuladas são aquelas que não
pert encem aos 2 padrões
simpósio de pesquisa em música 2008 25
No c. 7 (vide Fig. 17) o padrão muda novament e, dest a vez acrescent a 2 not as, Dó 3 e Mi 2, exat ament e
as 2 not as que haviam sido excluídas a part ir do c. 5. 4. Nest a 4ª versão do padrão, o conj unt o de not as é
(0, 4, 9, 10, 11), uma soma dos conj unt os da 2ª e da 3ª versão do padrão. O conj unt o de not as da 2ª
versão do padrão é (0, 4, 10, 11), e o conj unt o da 3ª versão é (9, 10, 11). A 4ª versão do padrão dura os
cc. 7-8, e repet e 6 vezes:

A
Fig. 17 – Piano 2, c. 7. Padrão de 5 not as. A – as not as circuladas f oram acrescent adas ao padrão
No c. 9, o piano 2 começa a f ragment ar seu padrão, inserindo not as longas e pausas, e segue nest e
processo at é o f im do c. 11, quando o piano 1 (vide Fig. 18), começa a t ocar um t recho de carát er
cordal. O piano 2 vai ent rar no c. 12. 3 imit ando o piano 1, mas os acordes são t ocados em out ras regiões
e invert idos na mão esquerda. Est a seção cordal vai at é o c. 21.

Fig. 18 – Pianos 1 e 2, cc. 11-13


Nos cc. 22-32, os pianos 1 e 2 f azem uma ret rogradação de suas respect ivas part es. O piano 1 f az uma
ret rogradação dos cc. 1-11, enquant o o piano 1 dos cc. 1-10.
A f laut a, o saxof one soprano em Sib e o violino f azem, ent re si, um cânone em uníssono. A ent rada se
dá na seguint e ordem: violino c. 1, f laut a c. 1. 4, sax c. 2. 4. 2, conf orme ilust ra a Fig. 19:

Fig. 19 – cc. 1-3, ent rada imit at iva dos inst rument os
O conj unt o de not as dest es 3 inst rument os é (8, 9, 10), e seu mot ivo consist e em t rabalhar com est as 3
not as, e ir acelerando rit micament e, at é chegar em seu pont o culminant e, nos cc. 13-16 (vide Fig. 20),
quando os inst rument os execut am quiált eras de semicolcheias e t rinados, encerrando a sua part icipação
nest a 1ª seção.
26 SIMPEMUS 5

Fig. 20 – cc. 13-16, f l aut a, sax Sib e viol ino


Est es 3 inst rument os se mant êm com o mesmo conj unt o de not as nos cc. 1-16, onde ocorrem
cruzament os ent re est as vozes, al ém de muit os int erval os de 2ªs menores e pequenos cl ust ers de 3
semit ons que resul t am numa sonoridade t ext ural caract eríst ica. No c. 12 ocorre (vide Fig. 21), al ém do
cruzament o ent re as vozes, uma sobreposição de grupos de 4 semicol cheias (sax), quiál t era de 5
semicol cheias (f l aut a), e quiál t era de 6 semicol cheias (viol ino):

Fig. 21 – c. 12, f l aut a, sax Sib e viol ino


No c. 21, est es 3 inst rument os começam a t ocar o ret r ógrado de suas respect ivas part es, dos cc. 1-12, e
seguem assim at é o f im da peça (c. 32). Na 1ª seção (cc. 1-16), os dois pianos começam com not as
curt as, e vão ral ent ando rit micament e, f icando com not as l ongas. O cont rário ocorre com a f l aut a, o sax
Sib e o viol ino, que iniciam com not as l ongas, e vão gradat ivament e acel erando, at é f icarem t odos o
t rês inst rument os com agrupament os de not as rápidas. Dos compassos 11-21 (ocorre ent re os cc, 11-16
uma el isão ent re os el ement os das seções 1 e 2), ocorre a seção 2, onde os 2 pianos t rabal ham com
acordes de maneira imit at iva, f uncionando como uma pequena seção de t ransição. Dos cc. 21-32, t emos
a seção 3, onde ocorre uma ret rogradação das respect ivas part es.

Considerações Finais
At ravés dest e est udo composicional , podemos por em prát ica al guns aspect os observados nas obras
Lont ano e Cont i nuum de Gyorgy Liget i. Aspect os rel at ivos a t écnica imit at iva, como por exempl o os
cânones em uníssono das obras de Liget i, e que possuem cruzament os ent re as vozes. A quest ão da
expansão int erval ar das mel odias t ambém f oi expl orada nest e est udo, os pianos t rabal ham com a
t écnica de padrões mecânicos, e o resul t ado sonoro é uma massa t ext ural .

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SCHOENBERG, Arnold. Fundament os da Composi ção Musi cal . São Paulo: EDUSP, 1991.
MÚSICA ADAPTATIVA E ARTICULAÇÃO NARRATIVA EM JOGOS ELETRÔNICOS

Fel i pe Hi ckmann (UFPR)

RESUMO: Esse art igo procura descrever alguns dos procediment os adot ados na criação e implement ação
de música para j ogos elet rônicos, visando lidar com a imprevisibilidade de seu cont eúdo diegét ico. Para
isso, revisa-se o conceit o de “ música adapt at iva” , que obj et iva prover soluções para as mudanças no
curso da narrat iva que ocorrem por int ervenção diret a do j ogador, e precisam ser ref let idas na t rilha
musical de maneira ágil e coerent e.
PALAVRAS-CHAVE: t rilha musical, j ogo el et rônico, narrat iva, música adapt at iva.
ABSTRACT: This paper int ends t o describe some procedures adopt ed on creat ing and implement ing
music f or comput er games, aiming t o deal wit h t he unpredict abilit y of it s dieget ic cont ent . For t his, t he
concept of “ adapt ive music” is reviewed. Adapt ive music int ends t o provide solut ions f or t he changes in
narrat ive process which occur by direct int ervent ion of t he player, and need t o be ref lect ed in t he
musical soundt rack in an agile and consist ent way.
KEYWORDS: musical soundt rack, comput er game, narrat ive, adapt ive music.

1. int rodução
Ant es de se invest igar quaisquer modos de relação da música com a narrat iva em j ogos elet rônicos, há
necessidade de se verif icar, ainda que de maneira incipient e, com que ext ensão o próprio conceit o de
narrat iva é aplicável a essa mídia. A esse respeit o, Marie-Laure Ryan (2001) observa que a conf iguração
de uma narrat iva é um recurso acessível ao j ogo elet rônico, ainda que não f undament al a sua
const it uição. Ryan ident if ica dif erent es níveis de narrat ividade possíveis nesse cont ext o. Um j ogo como
Tet r i s, por exemplo, se sit uaria em um ext remo de narrat ividade mínima, j á que seus obj et ivos e
procediment os não exigem, e t ampouco induzem uma int erpret ação dessa nat ureza. Por out ro lado,
j ogos com cont ext ualização mais sof ist icada, como personagens, enredos, cenários e obj et ivos
concret os, implicam um t ipo específ ico de processo narrat ivo, que não se circunscreve com perf eição a
nenhum modo narrat ivo t radicional. Sua part icularidade diz respeit o ao st at us do j ogador – que é a um
só t empo espect ador e personagem da t rama. A int enção do j ogador, no ent ant o, não é promover um
discurso, e t ampouco assist i-lo; mesmo assim, uma hist ória será necessariament e derivada de suas
ações. Em out ras palavras, a experiência est ét ica da narrat iva não é priorit ária - ao invés disso, a
narrat iva const it ui um argument o para t ornar mais ef et iva a imersão do j ogador no universo de j ogo.
Zach Whalen (2004) observa duas f unções básicas às quais a música se aplica em um j ogo elet rônico:
expandir seu universo f iccional, e impelir o j ogador a evoluir dent ro desse universo. Em out ras palavras,
a música se alinha aos element os narrat ivos no sent ido de const it uir uma experiência de j ogo mais
densa e signif icat iva. A dif iculdade em aplicá-la coincide j ust ament e com a principal part icularidade do
j ogo elet rônico: a narrat iva, se exist e, é const ruída em t empo real. O j ogador não é um espect ador, na
mesma medida em que o j ogo não é um f il me. Com st at us de personagem e aut onomia de ação, o
j ogador assume um domínio amplo, ainda que circunscrit o às regras do j ogo, sobre a seqüência, duração
e nat ureza dos event os nos quais t oma part e. A música, para aderir com coerência a essa f orma volúvel
de narrat iva, precisa se adapt ar a uma margem variável de imprevisibilidade. Daí surge o conceit o de
música adapt at i va.
O t ermo “ música adapt at iva” surgiu em subst it uição a “ música int erat iva” , que f oi a escolha nat ural em
uma primeira f ase de est udos sobre o t ema, ainda na década de 90. Andrew Clark (2007, p. 1) explica
que “ música int erat iva” “ implica f alsament e uma int eração diret a do usuário com a música” 1, quando
na verdade o que se verif ica em j ogos elet rônicos é um “ sist ema musical que dá suport e à ação
dramát ica ao adapt ar -se discret a e int uit ivament e, de maneira a permanecer cont ext ualment e
apropriado. ” 2 (id. ) A int eração do usuário, port ant o, não é com a música, mas com o j ogo - a cuj as
t ransf ormações a música se adapt a. A música adapt at iva surge para suprir a inef iciência dos
procediment os lineares de composição (viáveis, por exempl o, em cinema) em lidar com uma f orma de
discurso essencialment e não-linear. O f undament o de sua aplicação é comum à t radição dos f ilmes de
animação – t rat a-se do “ modo de redundância” , em que a música busca reaf irmar a ação represent ada

1
“ (. . . ) f alsely implies direct user int eract ion wit h t he musi c. ”
2
“ The music syst em is support ing t he dramat ic act ion by adapt i ng int uit ively and discret ely in order t o remain
cont ext ually appropriat e. ”
28 SIMPEMUS 5
pela imagem, pot encializando seu impact o (Whalen, 2007, p. 4). De acordo com Paul Ward (cit ado em
Whalen, 2004), t ant o j ogos elet rônicos quant o f ilmes de animação se baseiam em uma f orma de
represent ação que poderia ser chamada mais corret ament e de “ emulação” do que de “ simulação” , j á
que procura descrever universos que só são verossímeis se não f orem realist as. A t écnica mais comum
de aplicação dessa perspect iva, nos f ilmes de animação, é o chamado “ mi ckeymousi ng” , em que gest os
musicais “ imit am” a ação represent ada na imagem. Com a t endência ao realismo ext remo que orient a
grande part e da produção at ual de j ogos elet rônicos, a aplicação do mi ckeymousi ng se t orna menos
est rit a, mas ainda baseada nos mesmos f undament os. Na lógica da música adapt at iva, as t ransições
podem ser ext remament e sut is, permanecendo em um segundo plano de percepção do j ogador. Há
t ambém uma dif erença quant it at iva em relação ao procediment o clássico do mi ckeymousi ng: na maior
part e dos j ogos em que há predominância de música adapt at iva (como nos gêneros “ sur vi val hor r or ” 3 e
em muit os MMOG’ s) 4, não é qualquer gest o do j ogador que recebe uma cont rapart ida musical, mas
apenas mudanças mais signif icat ivas no cont ext o de j ogo.
Diversos engi nes (padrões de programação) dedicados a permit ir que a música sof ra t ransf ormações em
t empo real, em respost a a event os do j ogo, vêm sendo desenvolvidos ao longo dos anos, em
correspondência à capacidade de processament o crescent e das plat af ormas. A criação de música para
esses sist emas passa necessariament e por um t rabalho conj unt o de um núcleo de criação com um núcleo
de programação de áudio – que é responsável por reproduzir em linguagem de programação o conj unt o
de regras que def ine o comport ament o da música, pré-compost a e gravada, dent ro do j ogo. A grande
dif iculdade dessa abordagem, do pont o de vist a da composição, é que se t orna virt ualment e impossível
def inir quando se dará o event o, ou combinação de event os, que mot iva cert a t ransf ormação da t rilha
musical. Assim, o desaf io de se compor música adapt at iva é engendrar mecanismos musicais f lexíveis, a
t al pont o que permit am mudanças inst ant âneas de orient ação est ét ica do discurso sonoro, sem prej uízo
de sua coerência e cont inuidade. Na t ent at iva de def inir e sit uar esse problema, pode-se dizer que ele
se localiza no moment o f undament al à ar t iculação da narrat iva: o inst ant e da t r ansi ção.

2. o problema da transição
Nas primeiras gerações de videogames, essa art iculação não conf igurava necessariament e um problema,
j á que a int errupção ent re os diversos cont ext os (ou “ f ases” ) de j ogo era evident e e esperada.
Modif icações graduais de cont ext o eram prat icament e inviáveis com os recursos de desenvolviment o
disponíveis à época, e a t roca de f ases, como o f echament o das cort inas ent re os at os de uma obra
cênica, era a grande oport unidade para que t odo o cont eúdo audiovisual f osse subst it uído. Mesmo
assim, ainda nessa época provou-se viável promover t ransf ormações relat ivament e ágeis na t rilha
musical sem necessidade de int erromper a experiência de j ogo. É o caso, por exemplo, de muit os j ogos
“ si de-scr ol l i ng” 5, em que, após t er percorrido t oda a ext ensão de uma f ase, o personagem cont rolado
pelo j ogador se def ront a com o “ chef e” ( boss). Nesse moment o, sem que haj a necessariament e uma
mudança de cenário, a música corrent e é int errompida e subst it uída por out ra, mais t ensa, ref let indo a
mudança no cont ext o de j ogo6. O j ogo Super Mar i o Br os (Nint endo, 1985) represent a um exemplo
excepcional para esse período, j á que seus desenvolvedores conseguiram aplicar com sucesso uma idéia
simples, mas suf icient e para relacionar a música diret ament e à t ransf ormação do ambient e de j ogo: à
medida que o f inal do cenário se aproxima, o andament o da t rilha musical aument a, impelindo o
j ogador a progredir mais rapidament e (Whalen, 2004).
Clark (2007) apont a que pouco depois, j á no início da década de 90, começavam a ser lançados os
primeiros j ogos a assumir abordagens propriament e adapt at ivas da t rilha musical, como é o caso da
série X-Wi ng, da desenvolvedora LucasAr t s, lançado em 1993. Desde ent ão, muit os composit ores e
programadores conf ront aram o desaf io de criar est rut uras musicais capazes de se art icular j unt o a
mudanças de cont eúdo diegét ico que podem ocorrer, virt ualment e, a qualquer moment o. Para ilust rar
esse problema, Clark (2001) const rói uma analogia com est rut uras da lingüíst ica, at ravés da qual
exemplif ica algumas possíveis alt ernat ivas t écnicas de art iculação musical ent re cont ext os quando o
7
t r i gger se encont ra em posição indet erminada. Para t ant o, ut iliza-se da idéia de “ poema adapt at ivo” ,
ou sej a: um poema escrit o de f orma que possa t er sua t emát ica ou carát er t ot alment e modif icados em


3
“ Survival horror é um gênero de j ogo elet rônico inspirado em f ilmes de t error, no qual o principal obj et ivo do
j ogador é sobreviver e/ ou escapar de uma ameaça t ípica do t error f iccional, como monst ros ou seres sobrenat urais
de qualquer nat ureza. ” (Wikipedia, 2008a).
4
“ Um j ogo online massivamente multiplayer (t ambém chamado MMOG ou simplesment e MMO) é um j ogo de
comput ador capaz de agregar cent enas ou milhares de j ogadores simult aneament e. ” (Wikipedia, 2008b).
5
“ Side-scrolling game é um gênero de j ogo elet rônico no qual a ação é vist a de um ângulo de câmera lat eral, e os
personagens normalment e se movem da esquerda para a direit a da t ela, procurando at ingir seus obj et ivos. ”
(Wikipedia 2008c).
6
Exemplos dessa abordagem são “ Soni c, t he Hedgehog” (Sega, 1991) e “ St r eet s of Rage” (Sega, 1991).
7
“ Tr i gger ” é o “ disparador” , ou sej a, o event o ou combinação de event os dent ro do j ogo que ocasiona a modif icação
de cont ext o.
simpósio de pesquisa em música 2008 29
meio a qualquer um dos versos, e ainda assim encont re uma solução que permit a a cont inuidade
imediat a, preservando seus at ribut os de mét rica e rima. O problema que o “ poema adapt at ivo” procura
solucionar é o mesmo que se apresent a à música no inst ant e da t ransição: assim como o poema não
pode esperar o f im do verso para t rocar de t emát ica, t ambém não é possível esperar que a est rut ura
musical corrent e sej a concluída. Nesse caso haveria uma def asagem ent re as art iculações visual e
musical, prej udicial à imersão do j ogador. Clark (2001) sugere que as est rut uras mínimas do poema (ou
sej a, aquelas indivisíveis, cuj o f inal precisará necessariament e ser aguardado para que acont eça a t roca
de cont ext o) podem ser desde simples let ras at é versos int eiros, e por f im propõe sit uações em que
várias dessas possibilidades int eragem conf orme a necessidade t razida pelo j ogo. Transpondo o
raciocínio à sint axe musical, podem-se assumir como est rut uras mínimas desde not as isoladas at é
mot ivos, f rases, períodos ou qualquer out ro element o f ormal, cada alt ernat iva apresent ando seu próprio
espect ro de vant agens e desvant agens. De uma maneira geral, quant o menores f orem as est rut uras
mínimas (not as ou mot ivos, por exemplo), com maior agilidade a música poderá se adapt ar a mudanças
de cont ext o; no ent ant o, mais dif ícil se t ornará sua criação e implement ação. Est rut uras maiores
exigem menor esf orço de implement ação, mas t ambém permit em menor agilidade de manipulação nas
t ransições, j á que é mais provável que a mudança de cont ext o acont eça em meio à execução da
amost ra sonora correspondent e. Nesse caso, rest am à programação do j ogo duas alt ernat ivas pouco
ef icient es: ou espera-se o f inal da amost ra para subst it uí-la (período em que a diegese j á é out ra, mas a
música ainda não), ou assume-se sua int errupção em um pont o aleat ório.
Whalen (2004), discut indo um dos processos adot ados em Sil ent Hil l (Konami, 1999), levant a a
possibilidade de sobrepor planos sonoros, com sincronia pré-aj ust ada, conf orme o personagem
cont rolado pelo j ogador se aproxima de det erminados element os no j ogo. A ut ilização de planos sonoros
sincronizados e sobrepost os of erece à t rilha sonora f lexibilidade suf icient e para se t ransf ormar de
maneira dinâmica e gradual. O “ modo de redundância” em t rilhas adapt at ivas deixa de f uncionar de
f orma obrigat oriament e pont ual: a música pode se t ransf ormar acumulando ou subst it uindo planos
gradualment e, conf orme a ação e a narrat iva se dirigem a um ou out ro pont o det erminado.
Essa f lexibilidade é especialment e necessária em j ogos nos quais a experiência do j ogador pode se
est ender por um período indet erminado, como nos MMOG's. Um dos criadores da t rilha sonora de
Anarchy Onl ine (Funcom, 1999), Bj orn Arve Lagim (2002) menciona que o procediment o mais usual, em
que um mesmo t recho musical é repet ido indef inidament e at é que alguma ação mot ive uma mudança
de cont ext o, seria inef icaz nesse t ipo de j ogo, j á que “ mesmo que a música não chame at enção para si
mesma, a repet ição o f ará” 8 (id, p. 2). Vale lembrar que, na concepção mais comum de MMOG's, a
narrat iva não se apóia sobre uma linearidade clara: muit o embora o j ogo possa of erecer um argument o
det alhado e at é mesmo um arco geral de evolução do j ogador dent ro do universo, o j ogador t em uma
enorme liberdade de ação. E, diant e de t odas as possibilidades que lhe são of erecidas, música linear –
ou sej a, sem f lexibilidade para ser “ mont ada” conf orme a ação acont ece – não seria ef icaz em sublinhar
sua experiência.

3. conclusão
É import ant e observar que essas alt ernat ivas, embora possam solucionar o problema da t ransição de
f orma ef icient e, não são um padrão da indúst ria. De f at o, conf erir à t rilha musical esse nível de
f lexibilidade de adapt ação possui um cust o alt o em t ermos de t empo e cust o de desenvolviment o. A
implement ação precisa ser f eit a e t est ada em paralelo à criação da música, e alguns desenvolvedores
podem def ender que o ganho na experiência do usuário não corresponde aos cust os. Por cont a disso são
comuns soluções mais simplist as, como promover crossf ades ent re as músicas dos dif erent es cont ext os
por ocasião das t ransições, ou mesmo ignorar a possibilidade de uma t rilha sonora adapt at iva. Muit as
vezes o próprio t amanho da plat af orma é impedit ivo para o desenvolviment o de soluções mais
sof ist icadas – como no caso de j ogos para t elef one celular e webgames. Por cont a disso, os
procediment os descrit os aqui correspondem a apenas uma parcela da realidade da indúst ria de j ogos.

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30 SIMPEMUS 5
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TÉCNICAS EXPANDIDAS NA OBRA PARA PIANO DE HENRY COWELL

Vâni a Eger Pont es (UDESC) Mar i a Ber nadet e Cast el an Povoas (UDESC)

RESUMO: Nest e art igo são most radas pecul iaridades da carreira musical do composit or Henry Dixon
Cowel l (1897-1965), suas inf l uências e f ases est il íst icas com o obj et ivo de ident if icar e discut ir al gumas
das suas cont ribuições no âmbit o da l it erat ura pianíst ica, na escrit a e na t écnica de execução. Para a
obt enção de um panorama biográf ico e t raj et ória musical do composit or f oi real izada pesquisa
bibl iográf ica, dent re a l it erat ura, part it uras e gr avações. O est udo f oi real izado a part ir de um
l evant ament o sobre seu repert ório para piano expandido. A part e f inal é dedicada à obra para piano
expandido de Cowel l , com f oco nos recursos composicionais cl ust er e st r i ng pi ano, acompanhada de
coment ários sobre al gumas obras e exempl os da ut il ização dos cit ados recursos em t rechos sel ecionados
do repert ório para piano. Est a pesquisa poderá est imul ar a divul gação de repert ório para piano do
Sécul o XX, a execução da música de Henry Cowel l e a real ização de out ros t rabal hos.
PALAVRAS-CHAVE: Henry Cowel l ; Piano; Técnicas expandidas.
ABSTRACT: In t his work, pecul iarit ies are shown about t he musical career of composer Henry Dixon
Cowel l (1897-1965), his inf l uences and st yl e of dif f erent phases, wit h t he obj ect ive of ident if y and t o
argue about some of his cont ribut ions in t he scope of t he pianist ic l it erat ure, writ ings and t echnical
execut ion. For a biographical and musical t raj ect ory panorama of t he composer, bibl iographical
research was made amongst t he l it erat ure, scores and records. The st udy was made wit h base in a
survey of his ext ended piano repert oire. The f inal part is dedicat ed t o t he ext ended piano repert oire of
Cowel l , wit h f ocus in t he composit ional resources cl ust er and st r i ng pi ano, making comment aries about
some works and exampl es of t he use of t he cit ed resources in sel ect ed part s of t he piano repert oire.
This research wil l be abl e t o st imul at e t he spreading of t he Twent iet h Cent ury repert oire, t he execut ion
of t he music of Henry Cowel l and t he accompl ishment of ot her works.
KEYWORDS: Henry Cowel l , Piano; Ext ended Techniques.

Int rodução
Henry Cowel l deixou uma ext ensa obra de mais de novecent as (900) composições das quais pert o de
cem (100) são f ragment os incompl et os (Hinson, 2000). Para piano são cerca de duzent as (200) obras,
sendo que quinze (15) apresent am t écnicas expandidas e al gumas são col et âneas com várias peças (Ishii
2005, p. 103). Cowel l manif est ou sua t endência ao uso de t écnicas experiment ais em sua música
primeirament e nas composições para piano, ut il izando procediment os para modif icar o t imbre at ravés
da inserção de obj et os ent re as cordas, dent re eles: borracha, moedas e l âminas de met al (Kirby, 1995).
Embora t enha real izado t al processo, não se t em not ícias de que Cowel l t enha compost o al guma obra
para piano preparado, mas suas pesquisas inf l uenciaram seus al unos, a exempl o de John Cage (1912-
1992), que é considerado o int rodut or da t écnica do piano preparado (Grif f it hs, 1998).
De acordo com Cast ro (2007), a expressão “ t écnicas expandidas” passou a ser ut il izada a part ir do
sécul o XX para caract erizar o uso de meios e t écnicas não convencionais na ut il ização e expl oração
t imbríst ica de inst rument os t radicionais. Em suas pesquisas, Cost a (2004), Cast ro (2007) e Ishii (2005)
expõem dez cat egorias onde são enquadradas as diversas t écnicas de expansão do piano:
1) ef eit os especiais produzidos no t eclado, como cl ust er s e not as pressionadas
silenciosament e; 2) perf ormance dent ro do piano, manipulando as cordas com as mãos ou
out ros obj et os; 3) perf ormance com uma mão dent ro do piano e com a out ra no t eclado,
realizando hamônicos e abaf ament os nas cordas; 4) adição de mat eriais e obj et os sobre ou
ent re as cordas – o piano preparado; 5) ut ilização de sons produzidos no corpo do
inst rument o; 6) microt ons; 7) amplif icação; 8) processament o em t empo real; 9) uso de
element os ext ramusicais como a adição de voz humana (cant ando, f alando, assobiando, et c)
ao t ocar o inst rument o; 10) novos ef eit os de pedal. (CASTRO, 2007, p. 7).

As obras para piano expandido de Henry Cowel l abordadas nest a pesquisa enquadram-se nas cat egorias
1, 2 e 3 e, dent re os procediment os por el e mais usados, est ão o cl ust er e o st r i ng pi ano. De acordo com
Ishii (2005), Cowel l f oi o primeiro composit or que expl orou sist emat icament e novos sons e recursos não
convencionais ao piano.
32 SIMPEMUS 5
Henry Cowell – panorama biográfico.
Henry Cowel l nasceu no dia 11 de Março de 1897, em uma área rural do sudest e de San Francisco,
Calif órnia. Incessant e composit or, educador, escrit or, pesquisador musical e invent or, Henry Cowell é
t ido como um dos pioneiros da música de vanguarda e def ensor da música americana do Sécul o XX.
(Hinson, 2000; St allings, 2005). Filho de pai imigrant e irlandês e mãe nort e-americana, Cowel l iniciou
seus est udos de violino aos cinco anos de idade, sendo considerado um garot o prodígio. Embora
veement ement e incent ivado por seus pais a dar cont inuidade em seus est udos, sua dedicação e
excessivo esf orço acabaram por prej udicar sua saúde e, por vol t a dos oit o anos de idade t eve que
int erromper a prát ica violiníst ica. Desde ent ão, Cowell passou a desenvolver um maior int eresse por
t ornar-se composit or. Sua primeira composição, Gol den Legend , é de 1908 e f icou inacabada. (Saylor,
1980).
Em 1912 comprou um piano e não se obt eve inf ormações a respeit o de seu desenvol viment o nest e
inst rument o embora el e t enha se t ornado um dos int érpret es de suas próprias composições para piano.
Em 1914, com 17 anos, comemorou sua cent ésima composição. Est udou com Charl es Seeger na
Berkel ey, Universidade da Cal if órnia de 1914 at é 1916. Nesse úl t imo ano f oi est udar em Nova York no
Inst it ut o de Art es Musicais e, insat isf eit o, ret ornou à Calif órnia poucos meses depois. Já havia iniciado
suas pesquisas experiment ais quando excursionou pel a Europa e Est ados Unidos ent re 1923 e 1933,
t ocando várias de suas composições. Cowell f ez cinco t urnês na Europa, oport unidades em que conheceu
Bart ók, Berg, Schnabel e est udou em Berlim com Schoenberg (Grif f it hs, 1995; Kennedy, 1994).
Dent re suas at ividades relacionadas ao ensino, f oi prof essor e diret or musical do New School f or Social
Research (1928 a 1963), prof essor na Universidade de Columbia de 1949 a 1965 (Kennedy, 1994) e
ensinou t ambém no conservat ório Peabody de 1951 a 1956 (Grove & Sadie, 1994). Nest a mesma época j á
havia publicado seu livro New Musi cal Resouces (1930), escrit o ent re 1916 e 1919, onde descreve,
sist emat iza e sugere novos t ipos de not ação musical, dent re out ras abordagens. (Saylor, 1980).
Henry Cowel l , al ém de t er t ido grande número de seus art igos publicados, t ambém ganhou vários
prêmios e t ít ulos. Segundo St al lings (2005), f oram duzent os os art igos por el e publ icados e soment e,
mais recent ement e, os acadêmicos volt aram sua at enção para seus escrit os e suas composições.
Em 1951 f oi nomeado pel o Inst it ut o Nacional de Let ras e Art es; dest e ano at é 1955 f oi president e
Aliança de Composit ores Americanos. Oit o anos mais t arde, embora com a saúde bast ant e debil it ada,
cont inuou compondo e, em 1965, veio a f al ecer. Conf orme St allings (2005), at é 2005, havia apenas uma
biograf ia sobre o aut or.

Características estilísticas
Segundo Kennedy (1994, p. 181) “ Cowel l f oi [ . . . ] um dos primeiros composit ores – nos anos 30 - a
int egrar em obras o element o da indet erminação, sugerindo que part es del as podiam ser organizadas em
qual quer ordem pel o int érpret e [ . . . ] com improvisação em al guns compassos” . Sayl or (1980) coment a
que Cowell t ambém t inha especial int eresse por inst rument os exót icos e percussão, assim como Cage,
seu al uno. Out ros import ant es composit ores como George Gershwin, Lou Harrison, Burt Bacharach e
Alan Hovhaness t ambém f oram al unos de Cowell . (Cast ro, 2007).
Além de invent or no sent ido de int roduzir novas t écnicas composicionais e novos t ipos de not ação
musical, Cowell t ambém f oi co-invent or do Rhyt hmi con, criado em parceria com Léon Theremin em
1931, e que consist e de um aparel ho com t ecl ado, capaz de reproduzir f iel ment e compl exas
combinações rít micas. (Kennedy, 1994),
Apesar de Henry Cowell t er t razido muit as inovações que cont ribuíram para o repert ório musical de um
modo geral, ele f oi alvo de duras crít icas. Segundo Sayl or (1980), ist o acont eceu porque suas
composições f oram f rut o de experiências musicais pelas quais ele passou e não do resul t ado de um l ongo
período, o que para muit os, parecia ser inconsist ent e para uma l inha de desenvol viment o. As
composições de Cowel l geral ment e t endiam a romper com est ét icas e modismos pré-est abel ecidos. O
composit or seguia seu próprio modo de composição e manif est ava f reqüent ement e uma reação.
Seu mul t icul t urismo chamou a at enção devido à t amanha variedade de el ement os em sua música
(Hinson, 2000). Pelos vários mot ivos, polêmicos ou louváveis, segundo Grif f it hs (1998, p. 105), “ Cowell
f oi uma f igura cent ral do que se t ornou conhecido, em sinal de aprovação ou censura, como música
‘ moderna’ ou at é ‘ ul t ramoderna’ . ” De acordo com Sayl or (1980), est a denominação f oi dada à Cowel l
devido a seus esf orços em sint et izar a música de várias part es do mundo. Dent re as cult uras est udadas
pelo composit or, t em-se a indiana, a persa e a j aponesa (Kennedy, 1994). Al guns sons f oram
inf luenciadores na f ormação das idéias musicais de Cowell, os sons da nat ureza, os sons produzidos pelo
homem e as mel odias f ol cl óricas nort e cent rais dos Est ados Unidos, a cult ura musical orient al da área da
baía de San Francisco, dent re out ros. O composit or t ambém se int eressou por danças e canções
irlandesas, inf luência não derivada seu pai, que era irlandês, e sim de parent es irl andeses e do poet a
simpósio de pesquisa em música 2008 33
John Varian que Cowell considerava como um pai. Segundo Hinson (2000), a maior part e da música para
piano de Cowell f oi baseada t ant o em mat erial f olclórico Americano quant o celt a.
Com base em Saylor (1980), expõe-se t rês períodos da vida prof issional de Cowel, ent re os quais as
dif erenças não são radicais, apenas dif erem em algumas direções est ilíst icas para onde o composit or
volt ou o f oco de sua at enção. O primeiro, de 1911 a 1936 apont a, em sua maior part e, para o
experiment alismo e inovações. O segundo, de 1936 a 1950, caract eriza-se por vários t ipos de modelos
f olclóricos. Grove & Sadie (1994) dizem ainda que nest a f ase o composit or adot ou est ilos mais regulares
e t onais. No t erceiro e últ imo período, de 1950 a 1965, há o int ent o de sint et izar os períodos ant eriores
mesclando, principalment e, cl ust er s e element os ét nicos derivados de suas viagens (Saylor, 1980).

Obra para piano expandido: clust er e st ring piano


Cowell começou a compor peças com cl ust er e out ros novos ef eit os ant es mesmo de t er t ido qualquer
orient ação sobre composição (Grove & Sadie, 1994) e, de acordo com Saylor (1980), muit as dest as
inovações derivaram das próprias possibilidades que o inst rument o piano of erece. Trat a-se de ef eit os
sonoros que acarret aram em inovações no campo da t écnica pianíst ica. Foi por volt a da década de 1920
que Cowell começou a inovar quant o aos recursos composicionais e t écnicas aplicadas à sua criação para
piano, at ravés de cl ust er s realizados no t eclado e de várias maneiras de ext ração de som dent ro do
piano diret o nas cordas, t ais como o pinçament o, gl issando e abaf ament o, dent re out ros (Saylor, 1980).
Dent re as obras compost as por Cowell há peças em est ilo t radicional com not ação convencional e
t ambém out ras com t ext uras e not ações consideradas inovadoras para a época. Nest e t rabalho são
most radas as principais caract eríst icas de algumas das obras com aspect os que lhe renderam adj et ivos
como: inovador e invent or, f alando-se mais especif icament e sobre o cl ust er e o st r i ng pi ano.
Cowell f oi pioneiro no campo das t écnicas expandidas no Século XX. Muit o embora Charles Ives t enha
ut ilizado cl ust er s em sua segunda sonat a para piano ant es mesmo de Cowell, est e últ imo é t ido como o
invent or do cl ust er (Kennedy, 1994; Saylor, 1980). O cl ust er pode ser def inido como: “ várias not as
adj acent es t ocadas simult aneament e [ . . . ] . [ São sons que podem] ser t ocados com f acilidade no piano
pressionando-se t odas as t eclas de uma só vez com a mão, ou o ant ebraço, ou out ra part e do corpo,
escolhendo-se not as brancas, pret as ou ambas” (Grif f it hs, 1995, p. 45). De acordo com St allings (2005),
Cowell empregou os cl ust er s de duas f ormas: para caract erizar element os programát icos, como em The
Ti des of Manaunaun (?1912), e para represent ar moviment o, como em Dynami c Mot i on (1914), peça est a
considerada f ut urist a.
Cowell considerava est es aglomerados sonoros como acordes (Saylor, 1980) e os int roduziu em várias
composições, dent re elas, The Tr umpet of Agnus Og (1924); Ir i sh Legends: The Ti des of Manaunaun
(?1912), The Her o Sun(1922) e The Voi ce of Li r (1919); Ant i mony (1914); Ti me Tabl e (1917); Pi ano
Concer t o (1928); Ti ger (?1928); Adver t i sement e The Har p of l i f e (1924). Em Thr ee Ir i sh Legends usa
cl ust er s de duas oit avas, com grupos de not as brancas, grupos de not as pret as e com a combinação dos
dois t ipos (Gillespie, 1965). Em The Ti des of Manaunaun1 (?1912), – a qual Cowell execut ou, como
pianist a e composit or, em sua est réia em San Francisco (Grif f it hs, 1995) – int roduz um novo t ipo de
not ação para o cl ust er . Nest a composição os cl ust er s são usados no regist ro grave do piano, conf erindo
à peça uma sonoridade de carát er maj est oso e, no regist ro agudo o composit or escreveu uma melodia
com caract eríst ica modal. Tais procediment os podem ser observados na Figura 1 que most ra t recho
correspondent e aos compassos [ 22] e [ 23] de The Ti des of Manaunaun .

Figura 1: Exemplo da not ação de cl ust er s ut ilizado em The Tides of Manaunaun. FONTE: COWELL, 1959,
p. 44

1
Manaunaun é o deus do moviment o e das ondas do mar. A peça The Ti des of Manaunaun f oi escrit a como um
prelúdio para uma ópera baseada em mit ologia Irlandesa.
34 SIMPEMUS 5
No pent agrama superior, a armadura é compost a de cinco bemóis e a not ação é t radicional; no
pent agrama inf erior, Cowell indicou apenas um bemol e há predominância de cl ust er s. Quant o a sua
execução, no cl ust er inicial dest e t recho musical (dent ro do primeiro ret ângulo), na clave de f á,
visualizam-se duas mínimas em posição vert ical, uma part indo do si bemol no regist ro grave at é o out ro
si bemol duas oit avas acima. O sinal bemol graf ado acima do aglomerado sonoro indica que o mesmo
abrangerá apenas t eclas pret as. Devido à ext ensão dest es cl ust er s, duas oit avas, para execut á-lo e
abranger t odas as not as, o pianist a necessit a pressionar as t eclas usando o ant ebraço. No segundo
cl ust er (segundo ret ângulo), o sinal bequadro indicado acima da f iguração represent a um cl ust er nas
t eclas brancas e se ext enderá t ambém por duas oit avas. A maneira de execut ar o t erceiro cl ust er
(dent ro do t erceiro ret ângulo) é equivalent e àquela ut ilizada para a realização do primeiro, a única
dif erença é de graf ia na hast e que liga a not a grave à aguda. Est a f oi uma maneira que Cowell
encont rou para dif erenciar a f iguração rít mica, que no primeiro cl ust er é de uma mínima e no segundo e
t erceiro cl ust er s, quiált eras de semínima.
Na peça Dynami c Mot i on, Cowell escreveu cl ust er s simult âneos, realizados com os dois ant ebraços,
observe-se na Figura 2, mais especif icament e, na f iguração de t ercinas em semicolcheias. A f órmula de
compasso da peça é 4/ 4. A f orma de execução dos cl ust er s é igual à descrit a para o exemplo ant erior.

Figura 2: Dynamic Mot ion - compasso [ 40] . FONTE: COWELL, 1959, p. 3.


De acordo com St allings (2005), est a peça t ransmit e moviment o devido ao f at o de os clust ers
t ransit arem por grande ext ensão do piano. Cit a ainda out ras obras como Tiger, Ant imony e
Advert isement com as mesmas caract eríst icas. A execução da peça Dynamic Mot ion exige const ant es
mudanças de direção das alavancas corporais envolvidas no moviment o e mudanças quase que súbit as de
dinâmica.
Os clust ers passaram a ser explorados por muit os out ros composit ores, dent re eles, György Liget i, Aaron
Coplan, Lou Harrison, John Cage, Olivier Messiaen, Karlheinz St ockhasen, Gerog Crumb e Béla Bart ók
que chegou a escrever uma cart a para Cowell pedindo permissão para ut ilizar-se de sua invenção.
(Saylor, 1980).
Quant o ao recurso St ring Piano2, Grif f it hs (1995, p. 220) explica que é um “ t ermo int roduzido por Cowell
para um piano no qual o músico opera diret ament e nas cordas, t angendo ou mart elando” . Foram
diversas as abordagem f eit as por Cowell ao manipular as cordas diret ament e dent ro do piano. Segundo
Ishii (2005), Cowell descobriu 165 dif erent es qualidades sonoras com o recurso do st ring piano.
Aeolian Harp (1924) f oi a primeira composição em que Cowell f az uso do recurso st ring piano. Nest a, as
not as dos acordes devem permanecer abaixadas, sem que haj a ação dos mart elos sobre as cordas.
Dent ro do piano, as cordas são pinçadas com os dedos e t ambém são f eit os glissandos. As indicações da
part it ura para a realização da peça são:
- Inside signif ica que se deve t ocar a corda mais ou menos no cent ro, dent ro da área abrangida pela
barra de f erro que cruza as cordas, paralela ao t eclado, conf orme pode ser observado na Figura 3,
compasso [ 1] .
- Out side: deve-se t ocar em local af ast ado da barra de met al, onde as cordas são unidas (mesma Figura
3, compasso [ 6] ).

2
Para a realização das obras com est e t ipo de t écnica são ut ilizados pianos de cauda.
simpósio de pesquisa em música 2008 35
SW - para est e recurso deve-se realizar um glissando diret ament e nas cordas, se a f lecha apont ar para
cima o glissando deve ser iniciado da not a mais grave para mais aguda e, se apont ar bara baixo, deve
ser iniciado da not a mais aguda, como por exemplo, no compasso [ 1] .
Pizz - quando há indicação de pizz, como no compasso [ 6] , por exemplo, a not a deve ser pinçada, ou
puxada com o dedo, mais precisament e com a part e carnuda, a não ser que haj a indicações ext ras
indicando out ra maneira de execução.
Quant o ao pedal de sust ent ação, ele nunca deve ser abaixado durant e a realização dos glissandos,
e sim logo após, com f unção de sust ent ação, porém deve ser ret irado para a realização do glissando
subseqüent e.

Figura 3: Aeol ian Harp, compassos [ 1] a[ 8] . FONTE: COWELL, 1959, p. 10.


A sonoridade gerada pelos glissandos é semelhant e à de uma harpa e, na part e t ocada com os dedos nas
cordas o som result ant e lembra o t imbre de um inst rument o orient al, como o Kot o, por exemplo, que é
um inst rument o de cordas sust ent adas por uma caixa de ressonância de madeira.
Out ra peça em que o composit or ut iliza-se do recurso st ring piano é The Banshee3. Foi compost a em
1925 onde, por indicação do aut or, as not as devem soar uma oit ava abaixo da not ação graf ada na
part it ura e nenhuma delas deve soar at ravés da ação dos mart elos. Sua realização depende de dois
pianist as, um dos quais deve sent ar-se em f rent e ao t eclado com a f unção de mant er o pedal de
sust ent ação abaixado por t oda a peça enquant o out ra pessoa sit ua-se na part e curvada do piano, de
maneira a alcançar as cordas, porém, Cast ro (2007) cit a que um obj et o pesado pode ser ut ilizado para
mant er o pedal abaixado, necessit ando-se assim de apenas um pianist a. A peça vem acompanhada de
uma bula onde são f eit as indicações para sua realização, nest a part it ura doze (12), algumas delas aqui
descrit as e coment adas. Sobre a escrit a musical exist em let ras circuladas que indicam os procediment os
a serem realizados para a obt enção de det erminadas sonoridades. Por exemplo, a let ra “ A” que indica
que deve ser realizado um glissando com a part e carnuda do dedo, part indo-se da corda mais grave para
a not a dada. Na realização da not ação com a let ra “ B” , deve-se realizar um glissando com a part e
carnuda do dedo at ravés de t odo o compriment o da corda, conf orme most rado na f igura seguint e.

Figura 4: The Banshee, compassos [ 1] a [ 5] . FONTE: COWELL, 1959, p. 09.


Além da escrit a do t recho musical most rado na Figura 4, em out ras part es da peça são t ambém escrit as
not as duplas e acordes para serem pinçados ent re out ros ef eit os sonoros. Na Figura 5, A let ra “ D” indica
que a not a deve ser pinçada com a part e carnuda do dedo e deve ser t ocada na oit ava dada, e não uma
oit ava abaixo como indicado pelo composit or nas inst ruções.

3
Cowell associou os sons f ant asmagóricos dest a peça à Banshee, uma f igura f eminina do f olklore irlandês. É Uma
ancest ral do reino da mort e cuj os agudos grit os em volt a de uma casa anunciam à f amilia que uma mort e se
aproxima. (Burkhart , 1979; Simms, 1986).
36 SIMPEMUS 5

Figura 5: Trecho de The Banshee correspondent e ao compasso [ 20] . FONTE: COWELL, 1959, p. 09.
Ainda na mesma f igura t em-se a l et ra “ H” , que indi ca a real ização de um gl issando, indo e vol t ando
nas duas direções da corda, semel hant e a indicação de “ C” , porém devem ser iniciados ao mesmo
t empo acima e abaixo, acont ecendo um cruzament o. Simms (1986) rel aciona a sonoridade dest a peça
com sons que t ransmit em l ament o e af l ição, rel at a ainda que, assim como em The Ti des of Manaunaun
(?1912), em The Banshee o composit or procurou t ransmit ir uma imagem sugerida pel o t ít ul o.

Conclusões
As t écnicas int roduzidas por Henry Cowel l t rouxeram novas f ormas de int eração do pianist a com o
inst rument o. A part ir de muit as de suas obras, passou-se a t er que t ocar em pé para real izar
det erminados passagens em que se deve t ocar nas t ecl as e dent ro do piano ao mesmo t empo. Há peças
em que são necessários dois ou at é mais pianist as para sua execução. Dent re out ras obras de Cowel l,
al ém das cit adas ant eriorment e com ut il ização de t écnicas expandidos, dest aca-se Si ni st er r esonance,
na qual as cordas são abaf adas com a mão para produzir harmônicos.
Houve um grande esf orço por part e de Cowel l em promover a música moderna. Com o surgiment o dest e
t ipo de t écnica as possibil idades e campos de est udo ampl iaram-se na área pianíst ica. Henry Cowel l
publ icou por vol t a de duzent os art igos e, mais recent ement e, seus escrit os t êm despert ado um maior
int eresse ent re pesquisadores. Al ém de seu l ivro New Musi cal Resouces (1930), em seus art igos, o
composit or t ambém t rat a de música, escreve crít icas e f az abordagens de sua obra em geral .
A part ir das inf ormações aqui l evant adas, const at ou-se que há muit o a ser discut ido e anal isado sobre a
obra pianíst ica de Cowel l , a qual possibil it a a real ização de pesquisas não soment e com enf oque
pianíst ico-int erpret at ivo, como t ambém de cunho composicional , experiment al e musicol ógico. Est a
pesquisa poderá servir para est imul ar a execução de composições para piano de Henry Dixon Cowel l e
f ut uros t rabal hos sobre sua obra.

Bibliografia
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A SOCIEDADE DE CULTURA ARTÍSTICA BRASÍLIO ITIBERÊ ( SCABI ) E A PROMOÇÃO DE CONCERTOS

MUSICAIS: APRESENTAÇÕES COM INTÉRPRETES DE ORIGEM GERMÂNICA E DO LESTE EUROPEU

EM CURITIBA, PARANÁ, ENTRE 1945-1954.

Al an Raf ael de Medei r os (UFPR) Ál var o Car l i ni (UFPR)

RESUMO: Anal isa-se nest e art igo a at uação da Soci edade de Cul t ur a Ar t íst i ca Br asíl i o It i ber ê ( SCABI) no
desenvol viment o da cul t ura musical na cidade de Curit iba, Paraná, durant e os dez primeiros anos de
exist ência dest a ent idade, ent re 1945-1954. Tal est udo visa a um l evant ament o quant it at ivo e
qual it at ivo da at uação da SCABI, privilegiando-se a apresent ação de músicos de origem germânica e do
l est e europeu na capit al paranaense no período supracit ado, com dest aque para as at uações de
Al exander Uninsky, Joseph Schust er, Henry Jol l es e Wil hel m Backaus.
PALAVRAS-CHAVE: Sociedade de Cult ura Art íst ica Brasílio It iberê ( SCABI); Hist ória social; Músicos
germânicos e do l est e europeu no Brasil ; Ent idades civis vincul adas à Música no Est ado do Paraná, sécul o
XX.
ABSTRACT: The present paper anal yses t he act ing of t he Soci edade de Cul t ur a Ar t íst i ca Br asíl i o It i ber ê -
SCABI ( Soci et y of Ar t i st i c Cul t ur e Br asíl i o It i ber ê) in t he devel opment of musical cul t ure in t he cit y of
Curit iba, st at e of Paraná (Brazil), during t his inst it ut ion’ s t en f irst years of exist ence, bet ween 1945 and
1954. This st udy aims at quant it at ive and qual it at ive f indings about SCABI’ s act ing, f avoring t he
present at ion of German and East ern European musicians in Curit iba during t he period above ment ioned,
highlight ing t he act ing of Alexander Uninsky, Joseph Schust er, Henry Jol l es and Wil hel m Backaus.
KEYWORDS: Sociedade de Cult ura Art íst ica Brasílio It iberê - SCABI ( Soci et y of Ar t i st i c Cul t ur e Br asíl i o
It i ber ê); Social hist ory; German and East ern European musicians in Brazil; Civil ent it ies linked wit h t he
Music in t he st at e of Paraná; 20t h Cent ury.

Int rodução
A Sociedade de Cult ura Art íst ica Brasílio It iberê ( SCABI) f oi uma ent idade sem f ins l ucrat ivos que
incent ivou a moviment ação cul t ural de Curit iba, e post eriorment e em Pont a Grossa, ambas no Est ado do
Paraná, especial ment e no campo da Música. O f oco dest e art igo circunscreve-se à análise das at ividades
desenvolvidas por est a inst it uição na capit al do Est ado do Paraná; não se aboradará no present e art igo,
as at ividades da SCABI de Pont a Grossa, rest ringindo-se à análise dos recit ais e concert os realizados com
músicos est rangeiros em Curit iba, ent re 1945 a 1954. 1
At uant e ent re 1945-1976, a SCABI promoveu inúmeros concert os e recit ais, palest ras e cursos ligados ao
desenvol viment o da cul t ura em Curit iba, sendo t ambém responsável pel a criação de uma orquest ra que
at endesse à demanda da cidade. A SCABI pat rocinou, ao l ongo dos 31 anos, a apresent ação na capit al
paranaense de músicos de prest ígio e de renome nacionais e int ernacionais.
A f ont e primária para a el aboração dest a pesquisa const a dos programas de concert os promovidos pel a
ent idade 1945-1954. Est e mat erial est á l ocal izado e preservado no Cent r o de Document ação e Pesqui sa
da Casa da Memór i a, Fundação Cul t ur al de Cur i t i ba. Out ras f ont es document ais (periódicos de j ornais,
convit es de recit ais, est at ut o, livros de moviment ação f inanceira) vêm somar na compreensão da
at uação da SCABI. A pesquisa bibl iográf ica t em como base de consul t a art igos acadêmicos rel acionados
ao t ema em quest ão.
O t rabal ho de invest igação aborda, em um primeiro moment o, o cont ext o da cidade de Curit iba no
período da f undação da SCABI, bem como o papel da int el ect ual idade l ocal no desenvol viment o da
promoção cul t ural na capit al paranaense. Em um segundo pl ano, será f eit a a anál ise da t raj et ória da
SCABI em seus 31 anos de at ividades, ent re 1945-1976. Após est a apresent ação, f oi f eit a uma
abordagem de músicos int érpret es import ant es oriundos da Al emanha e de países int egrant es do l est e
europeu em suas apresent ações em Curit iba, rel acionados ao recort e da pesquisa em quest ão. A
cat al ogação prel iminar dos programas de concert os ut il izados na el aboração do art igo será apresent ada
no f inal do present e t rabalho.

1
O levant ament o apresent ado nest e art igo est á relacionado ao t rabalho do Grupo de Pesquisa do CNPq denominado
Músi ca Br asi l ei r a: est r ut ur a e est i l o, cul t ur a e soci edade, liderado pelo prof essor Dr. Álvaro Carlini, na linha de
pesquisa int it ulada Musi col ogi a Hi st ór i ca: ent i dades ci vi s vi ncul adas à Músi ca no Est ado no Par aná no sécul o XX.
38 SIMPEMUS 5
O contexto histórico de Curitiba e os intelectuais na década de 1940.
Trazendo ao f oco dest a pesquisa o cont ext o hist órico vivenciado na cidade de Curit iba na década de
1940 como el ement o propul sor da criação de ent idades promot oras e incent ivadoras da cult ura na
capit al paranaense, pode-se cit ar dois f at ores hist órico-polít icos que inf luenciaram o f loresciment o de
moviment os l igados à art e: o f im do Est ado Novo no Brasil (1937-1945) e o t érmino da Segunda Guerra
Mundial (1939-1945). Ao relat ar sobre o período dos combat es armados e sua inf luência na cidade de
Curit iba, a pesquisadora Elisabet h Prosser af irmou que “ [ . . . ] apesar de haver inúmeros event os ligados à
art e, not a-se, em alguns depoiment os pont uais na imprensa, uma insat isf ação com uma relat iva
diminuição dessas at ividades, nat ural de um período de guerra” (PROSSER, 2001, p. 184). Est a
const at ação se f az present e no discurso de Caval heiro (2008), ao abordar o processo de assimilação
cult ural da art e brasileira no período de Guerras, af irmando que est a seria “ (. . . ) o result ado de uma
f ervura abrandada que assimila, digere e produz algo aut ênt ico a que chamamos cult ura. (. . . ) Passada a
Segunda Grande Guerra, o Brasil veria nascer em 1947 o Museu de Art e de São Paul o; em 1948 os Museus
de Art e Moderna do Rio de Janeiro e de São Paul o” . 2 Dessa maneira, é possível const at ar que a
moviment ação cul t ural em um det erminado cent ro é f rut o, dent re out ros element os, de f at ores
hist óricos, sociais e polít icos, que f avoreçam o seu desenvolviment o. Assim, ao f inal dos conf lit os
armados é possível const at ar um ref loresciment o gradat ivo das at ividades cult urais em Curit iba em
meados da década de 1940:
Fim de guerra. Novas opções art íst icas, nascidas com o crescent e despont ar da crít ica [ . . . ] .
Predisposição f avorável ao surgiment o de nat urais e art if iciais moviment os, debat idos com
euf oria por número cada vez maior de art ist as. Não apenas nas met rópoles. Das pequenas
cidades regorgit am t alent os, mendigando uns, exigindo com vozes aut orizadas out ros, a
oport unidade de evidenciarem sua cont ribuição.

Nesse vôo desordenado de 1945, descobrimos essa not a, convenient e para ref lexões: - Há
uma grande inquiet ação art íst ica na obscura província de Curit iba, sej a em lit erat ura, música
ou pint ura. Inquiet ação que, mesmo a um observador superf icial, é f ácil de not ar pelas suas
revist as, concert os, exposições e conf erências. (SOUZA apud PROSSER, 2001, p. 185)

Com ambient e propício e crescent e reivindicação da sociedade l ocal em f avor de uma maior
moviment ação cult ural de Curit iba, coube à int elect ualidade do período a liderança de t al
desenvolviment o, result ando na criação de ent idades que privil egiaram as art es, bem com a ciência e as
let ras. de acordo com Prosser, o espírit o de colaboração e de cooperação t ornaram-se f at ores
imprescindíveis na conquist a de espaços cult urais na cidade:
[ . . . ] o espírit o de colaboração e cooperação reinant e ent re eles [ int elect uais] , a unidade de
propósit os e de esf orços em t orno do obj et ivo maior que era o de dot ar Curit iba dest as
inst it uições de “ cult ura superior” , como as que exist iam nos países e nas cidades civilizadas e
cult as. (PROSSER, 2001, p. 189)

Nesse cont ext o, ent idades f oram criadas na capit al paranaense ao longo da década de 1940: o Gr upo
Edi t or Renasci ment o do Par aná ( GERPA) 3, o Salão de Belas Art es4 e a SCABI, que, post eriorment e, f oi a
principal responsável pela f undação da Escola de Música e Belas Art es do Paraná (EMBAP), em 1948.
Out ro f at or det erminant e para a criação da SCABI f oi a demol ição, em 1935, daquel e que é at ual ment e
o principal t eat ro da capit al, o Teat r o Guaír a, desart iculado, ao que t udo indica, pela ent ão f alt a de
capacidade est rut ural e f uncional da cidade de Curit iba. Em art igo de Roderj an (2004) comparou-se o
novo Teat ro com aquel e que havia sido demol ido;
Quando nosso novo t eat ro f or t erminado [ . . . ] t alvez nos lembremos com saudades dos
concert os realizados no seu esquelet o [ . . . ] onde ent ão nos decepcionou a const at ação que
desde ent ão sua capacidade j á era pequena para o público [ . . . ] . O Programa de Cult ura
Popular f ez-nos lembrar as Horas de Art e, levadas em 1915 no Velho Teat ro Guaíra.
(RODERJAN, 2004, p. 96)

É cert o que a sociedade l ocal , mesmo ant es do f inal da década de 1940, j á reivindicava ao poder
público um novo t eat ro, conf orme a not ícia int it ulada “ Curit iba exige um Teat ro Municipal” 5 escrit a 11
anos após a desart iculação do ant igo Guairá .
[ . . . ] A SCABI f oi uma reação nat ural e at é mesmo não programada, pelo f at o de t er sido
dest ruído o Teat ro Guaíra pela imprevidência e f alt a de int eresse dos que dirigiam na época a
coisa pública. Um mundo art íst ico ent ão exist ent e deixou de t er o aliment o que necessit ava –

2
Disponível em: <ht t p: / / www. saopaulo. sp. gov. br/ pat rimonioart ist ico/ sis/ leperiodo> Acesso em: 15. 09. 2008
3
Ent idade que edit ava livros de personalidades reconhecidas da sociedade. "(. . . ) edit ou mais de dez livros cuj os dois
primeiros f oram Obras de Nest or de Cast ro e Emiliano Pernet a [ 1866-1921] e de Erasmo Pilot t o” . (GOMES apud
PROSSER, 2001, p. 194).
4
Salão criado para realização de exposições de art es plást icas, dent re as quais aquelas produzidas pelos art ist as
paranaenses. Fundado em 1944, por iniciat iva de Raul Rodrigues Gomes, “ (. . . ) Erasmo Pilot t o, João Turin [ 1878-
1949] , Theodoro de Bona [ 1904-1990] (. . . )” (GOMES apud PROSSER, 2001, p. 194).
5
Jornal O Dia, Cur i t i ba exi ge um Teat r o Muni ci pal , 06 de agost o de 1946.
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 39
circunst ância que era agravada pela f alt a de locais adequados. Como nas cidades do int erior,
ao invés de quaisquer realizações cult urais serem f eit as em audit órios ou em salas de t eat ro
com o mínimo de conf ort o para o art ist a e para o público, aqueles passaram a se ut ilizar de
clubes recreat ivos, ou ent ão, quando a programação permit isse, nos chamados 'cine-t eat ro',
como o Palácio, o Avenida e o Marabá daquela época. O Est ado simplesment e não se int eressa
pelo problema, salvo quando mais t arde um deput ado de ent ão, Alf redo Pinheiro Júnior,
lembrou-se de incluir na Const it uição de [ 19] 47 uma ordem ao Governo, qual sej a a de
reconst ruir o Teat ro Guaíra. [ . . . ] Diant e do vácuo cult ural exist ent e e da carência de
iniciat ivas, esse grupo de músicos e int elect uais t eve a f eliz idéia de criar a SCABI. Mas, além
de criá-la, t odas as iniciat ivas pert enciam a eles. Escolhiam os art ist as, t rat avam do preço,
marcavam a dat a, iam buscá-los no Aeroport o ou na Rodoviária, conseguiam aloj ament o em
casa de amigos ou em hot éis, levavam-nos para comer, davam recepção após o concert o
(cost ume quase geral dos art ist as em t oda a part e do mundo, onde eles f azem o seu 'relax',
bat em papo e algumas vezes volt am a t ocar por períodos superiores ao do próprio concert o,
f azendo blagues e combinações musicais as mais esquisit as, como est á exuberant ement e
cont ado no magníf ico livro de Art hur Rubinst ein, My young year s. (VIRMOND apud CARLINI,
2004, p. 299-300)

Pode-se concluir que a criação de ent idades cult urais em Curit iba ao longo da década de 1940, dent re as
quais a SCABI, deu-se, out ros mot ivos, por razões de ordem hist órico-sociais, que f avoreceram ao
surgiment o de corrent es art íst icas que reivindicaram espaços maiores dest inados à Art e, pelo
ent rosament o dos int elect uais at ivos em Curit iba, ent re os quais, dest aca-se a at uação do carioca
Fernando Corrêa de Azevedo, art iculando moviment os em prol do desenvol viment o cult ural na cidade, e
f at ores de ordem administ rat iva das polít icas públicas. A SCABI pode ser ent endida como inst it uição que
colaborou consist ent ement e para o desenvolviment o cult ural, art íst ico e social na capit al do Paraná.

Sociedade de Cult ura Art íst ica Brasílio It iberê ( SCABI )


A SCABI f oi uma ent idade sem f ins lucrat ivos que t eve como principal obj et ivo a disseminação cult ural
na sociedade curit ibana, relacionada principalment e à Música. Sua criação veio responder a um período
f ecundo no campo das art es em Curit iba. Est udos f oram realizados, por iniciat iva de um grupo de
int elect uais locais, visando à criação de uma Sociedade de Cult ura Art íst ica.
A reunião inaugural da ent idade f oi realizada em 05 de out ubro de 1944, nos salões da Sociedade Thalia,
conf orme anunciou o Jor nal da Soci edade de 30 de out ubro de 1959 e o Jornal O Di a, de 1 de novembro
de 1959 t em-se que
At endendo a um convit e dos prof essores Raul Gomes [ 1889-1975] , Erasmo Pilot t o [ 1910-1990]
e Adriano Robine [ ?] , reuniu-se na Sociedade Thalia, em 5 de out ubro de 1944 um grupo de
art ist as e amant es da art e para est udar as possibilidades da f undação de uma Sociedade de
Cult ura Art íst ica. Disse o prof essor Raul Gomes da necessidade da criação de uma sociedade
com t ais caract eríst icas, t endo em vist a, ent ão, a complet a est agnação art íst ica que se
est ava verif icando em Curit iba. E propôs que à nova inst it uição art íst ica f osse dado o nome
de Sociedade de Cult ura Art íst ica Brasílio It iberê [ . . . ] f oi, ent ão, inst it uída uma comissão para
providenciar a elaboração dos est at ut os respect ivos. Est a comissão f icou const it uída dos Srs.
Oscar Mart ins Gomes [ 1893-1975] , Hugo de Barros [ ?] , Adriano Rubine, Erasmo Pilot t o [ 1910-
1990] , José Guimarães [ ?] e Fernando Corrêa de Azevedo [ 1913-1975] . Falou ainda, na
ocasião, em nome da f amília It iberê, o Sr. Rui It iberê da Cunha, agradecendo a homenagem a
seu t io, Brasílio It iberê.

Na sede da Academia Paranaense de Let ras, ent ão à Rua Monsenhor Celso, t eve lugar, a 30 de
out ubro do mesmo ano, a sessão de inauguração da SCABI. Foram aprovados os est at ut os e
f eit as as eleições para a primeira Diret oria e Conselho Fiscal. Ficou a primeira Diret oria assim
const it uída:

President e: Fernando Corrêa de Azevedo;

Vice-President e: Rui It iberê da Cunha;

Secret ário Geral: Eloi da Cunha Cost a;

Secret ário: Izidio Pet rarca Bocchino;

Tesoureiro: Osvaldo Pilot t o;

Bibliot ecária: Nat ália Lisboa;

Diret or da Discot eca: Adriano Rubine;

Foi est a Diret oria empossada em 4 de novembro, no mesmo local, em sessão presidida por
Oscar Mart ins Gomes. O president e eleit o, Prof . Fernando Corrêa de Azevedo, pronunciou um
discurso programa, em que est abeleceu as linhas gerais da ação que pret endia desenvolver à
f rent e da SCABI. ( apud PROSSER, 2004, p. 123-124).

O recém - empossado president e da SCABI, Fernando Corrêa de Azevedo (1913-1975), em seu primeiro
discurso prof erido alegou que o nasciment o da SCABI “ (. . ) est á encadeado num grupo de organizações
40 SIMPEMUS 5
congêneres, que t omou a si a t aref a de f azer de [ 19] 45 um ano de renasciment o art íst ico e lit erário do
Paraná” (PILOTTO apud PROSSER, 2001, p. 197), af irmando, assim, que a associação em ent idades dos
int elect uais na capit al f oi um f at or imprescindível para o desenvolviment o das at ividades art íst icas no
Est ado.
Conf orme os primeiros est at ut os da SCABI, a ent idade t inha como obj et ivo principal o incent ivo da vida
cult ural na cidade, at uando principalment e no campo da Música, at ravés da promoção de recit ais e
concert os, de palest ras e cursos que f oram minist rados por composit ores e int érpret es dest acados da
área musical. Teve ainda como obj et ivo a criação de orquest ra própria e de escola de ensino superior
volt ada às Art es.
Ao longo de suas 31 t emporadas de at ividades art íst icas, a SCABI realizou um t ot al de 487 concert os e
recit ais, result ando em uma média de dez a 12 concert os anuais. A ent idade organizou com seus
esf orços sua orquest ra Sinf ônica, f undada ao f inal do ano de 1946. O sist ema de arrecadação de f undos
f inanceiros da SCABI baseava-se no pagament o de mensalidade por seus sócios, que dent re out ras
vant agens, t inham o direit o de assist ir a alguns recit ais e concert os com exclusividade. Nesse sist ema a
Sociedade de Cult ura Art íst ica Brasílio It iberê não t eve condições de mant er as despesas de seu
conj unt o orquest ral, result ando no encerrament o das at ividades dest a em 1950.
A orquest ra at uou sem subvenção f inanceira do Est ado e, devido aos alt os cust os que
implicava, int errompeu suas at ividades em 1950. Nesse período, at uaram como maest ros
regulares da orquest ra sinf ônica da ent idade Jorge João Franck, Bent o Mossurunga, Ludovico
Seyer e Jorge Kaszas (f alecido em 2002), e como maest ros convidados Ernest o Mehlich, Henry
Jolles, Richard Schumacher, Vladimir Javornik, Vladimir Piat kowski, Dinorá de Carvalho
(1905-1980), Joanídia Sodré (1903-1975), Romeu Fossat t i e Walt er Schult z Port oalegre (1907-
1957). (CARLINI, 2004, p. 302)

A SCABI dest acou-se por sua invest ida no desenvolviment o cult ural art íst ico-musical, t razendo com
f reqüência, personalidades signif icat ivas no cenário musical brasileiro para minist rarem palest ras.
Cit am-se as palest ras de Hans J. Koellreut t er (1915-2005) – palest ra minist rada em 30 de maio de 1950,
Oscar Lorenzo Fernandez (1897-1948) – palest ra minist rada em 27 de março de 1947, Camargo Guarnieri
(1907-1993) – palest ra minist rada em 30 de set embro de 1949, Luiz Heit or Corrêa de Azevedo (1905-
1992) – palest ra minist rada em 09 de set embro de 1950 e Dinorá de Carvalho (1905-1980) – palest ra
minist rada em 28 de março de 1950. Os int elect uais paranaenses est avam present es e f reqüent ement e
prof eriam palest ras, como o próprio Fernando Corrêa de Azevedo – palest ra realizada em 06 de j unho de
1950, Oscar Mart ins Gomes (1893-1977) – palest ra minist rada em 13 de novembro de 1947, dent re
out ros. At ravés de realizações como est a, é not ória a preocupação da SCABI para com o
desenvolviment o musical na cidade de Curit iba, assim como sua inf luência na organização de event os
que proporcionaram a vinda de f iguras de dest aque na música brasileira.
A SCABI promoveu ao longo de suas 31 t emporadas art íst icas um conj unt o de concert os e recit ais
volt ados para f inalidades específ icas, ora almej ando envolver um cont ingent e maior na part icipação da
população curit ibana, at ravés da série de Concert os Populares, com ingressos vendidos a preços
mínimos, ora com a preocupação de divulgar novos t alent os musicais locais, at ravés da Série Valores
Novos, t razendo ao conheciment o do público local (e brasil eiro) j ovens músicos, dos quais pode-se cit ar
Henrique Morozowicz (1934-2008), o Henrique de Curit iba (4° Concert o da Série Val or es Novos, 12 de
março de 1949). 6
Os esf orços da SCABI em suas invest idas visando ao desenvolviment o das at ividades musicais na cidade
de Curit iba, at ravés da realização de concert os educat ivos, palest ras e f est ivais, vieram de encont ro a
um período de lacunas exist ent es na educação musical no Paraná. A inst it uição f oi uma das principais
incent ivadoras na criação de uma escola of icial de art es em Curit iba. “ Com est e obj et ivo a SCABI iniciou
um moviment o, at ravés da convocação de out ras ent idades cult urais, para que o assunt o f osse
est udado” (SAMPAIO apud PROSSER, 2001, p. 210). Em 1948, era f undada a EMBAP (Escola de Música e
Belas Art es do Paraná) t endo como liderança principal Fernando Corrêa de Azevedo, ent ão president e
da SCABI.
Torna-se evident e a import ância da Sociedade de Cult ura Art íst ica Brasílio It iberê no desenvolviment o
das at ividades cult urais na cidade de Curit iba, durant e as décadas de 1940 at é meados de 1970. Seus
esf orços sist emat izaram a expansão das art es no est ado, e suas invest idas elevaram a at ividade musical
a um novo pat amar no Paraná. A herança deixada pela inst it uição, quando do encerrament o de suas
at ividades em 1976 se f az not ar, pelo riquíssimo acervo exist ent e na Fundação Cult ural de Curit iba, pela
sala de concert os SCABI no Cent ro Cult ural Solar do Barão, que recebeu o nome em homenagem à
ent idade, e pela Rua Brasílio It iberê, result ant e dos esf orços da SCABI em 1948 j unt o ao governo local,
homenageando o cent enário do nasciment o do composit or Brasílio It iberê (1848-1913).

6
4° Concer t o da Série “ Valores Novos” . 1945 FOLH, 1949, Curit iba. SCABI. [ sn] , 12. 03. 1949,
simpósio de pesquisa em música 2008 41
A presença de músicos intérpretes estrangeiros sob o patrocínio da SCABI
A Sociedade de Cul t ura Art íst ica Brasíl io It iberê desempenhou import ant e papel na real ização de
concert os e recit ais no Paraná. A capit al Curit iba em pl ena segunda met ade do sécul o XX, ainda passava
por seu período de expansão, e cost umava não receber o mesmo prest ígio que recebiam as capit ais Rio
de Janeiro e São Paul o, no que diz respeit o à apresent ação de músicos de prest ígio. Após a f undação da
SCABI em 1944, a vinda de músicos int érpret es de renome int ernacional à capit al do est ado do Paraná
t ornou-se const ant e, o que permit e concl uir a inf l uência da ent idade na vinda de músicos est rangeiros
de prest ígio. “ A promoção de concert os com int érpret es int ernacionais f oi uma das at ividades em que a
SCABI mais se envol veu, o que f ez com que Curit iba f osse incl uída no rot eiro da música erudit a
int ernacional ” (CARLINI, 2004, p. 300) e compl ement ando est e pensament o, t em-se que
[ . . . ] Não há dúvida que os melhores int érpret es e execut ant es que vinham à América do Sul
passavam, graças à SCABI, por Curit iba. Ao acaso cit aremos alguns nomes: os de Tort ellier,
Janigro e Fournier, os maiores violoncelist as do mundo, Wilhem Backaus, Wilhem Kempf , Paul
Badura Skoda, Friedrich Gulda, o Quart et o Budapest , a Orquest ra de Câmara de St ut t gart ,
Virt uosi di Milano, o f ant ást ico conj unt o de dança hindu clássica de Mralini Sarabbai, t udo isso
cit ados vol d’ oisseau, a j ust if icar, cada um deles, a exist ência da SCABI. [ . . . ] (VIRMOND apud
CARLNI, 2004, p. 300).

At ravés da at uação da SCABI passaram por Curit iba, para cit ar apenas al guns exempl os, Nicanor
Zabal et a (1907-1993, harpist a, no 184º concert o, em 1952), Andrès Segovia (1893-1987, viol onist a, 207º
concert o, em 1953), Tit o Schipa (1888-1965, cant or, 222º concert o, em 1954), dent re out ros, most rando
assim a versat il idade da ent idade na negociação para ef et ivar a vinda dos músicos de renome
int ernacional .
A anál ise dos programas de concert o da Sociedade de Cul t ura Art íst ica Brasíl io It iberê, que vem sendo
desenvol vida pel a pesquisas rel acionadas à ent idade, t em possibil it ado a const at ação da const ant e
presença de músicos est rangeiros, especial ment e aquel es oriundos das regiões germânicas e dos países
do l est e europeu. Baseando-se nas inf ormações ret iradas dos programas de concert o, est á sendo
possível verif icar a f reqüência das apresent ações dest es músicos em Curit iba.
Abaixo, apresent am-se inf ormações ref erent es a al guns import ant es int érpret es est rangeiros de origem
germânica ou dos países do l est e europeu, ret iradas de al guns dos programas de concert o anal isados, e
que de al guma f orma apresent am rel evância acadêmica para a discussão.
Henry Jollles: Pianist a, composit or e maest ro al emão nat ural izado f rancês (1906-1965);
Lecionou no Conservat ório de Col ônia, f undou e dirigiu em 1935 a Sociedade Sonat e em Paris, e f oi um
dos grandes conhecedores da obra de F. Schubert (1797-1828), o que pode ser percebido do 115º ao 120º
recit ais real izados em 21, 23, 27, 29 e 30 de Abril de 1949, quando int erpret ou o cicl o compl et o da obra
pianíst ica de Schubert . Apresent ou-se diversas vezes sob o pat rocínio da SCABI, e f oi o primeiro pianist a
a t ocar of icial ment e no piano de concert o recém adquirido pel a ent idade, no Fest ival Bach-Mozart -
Pergol esi, real izado no 34º concert o em 17 de Junho de 1946.

Alexander Uninsky: Pianist a russo (1910-1972), que se apresent ou


no 85º Concert o da SCABI, em 05 de Junho de 1948; Nascido em
Kiev, est udou piano no conservat ório l ocal e em 1923 mudou-se para
Paris, dando cont inuidade aos est udos com Lazare Levy (1882-1964).
Const a no programa de concert o que durant e o período da 2º Grande
Guerra, o músico sof reu diversas dif icul dades na Europa, e veio
encont rar abrigo na América do Sul , l ocal no qual f oi acl amado
post eriorment e como pianist a.
42 SIMPEMUS 5
Wilhelm Backaus: Pianist a alemão (1884-1969), que se
apresent ou no 72° concert o da SCABI, em 06 de novembro de
1947;
Nascido em Leipzig, est udou no Conservat ório local at é os quinze
anos. Em 1901 realizou seu primeiro recit al, e em 1905 ganhou o
Gr ande Pr êmi o Rubi nst ei n que se realizava a cada cinco anos. Foi
o primeiro prof essor de piano do Real Manchest er Col l ege , em
Londres, e viaj ou por diversos países realizando recit ais. Tendo se
radicado na Suíça, int erpret ou em Zurich o ciclo complet o das
Sonat as de Beet hoven (1770-1827), “ assim como t odos os
concert os para piano e orquest ra de Beet hoven e J. Brahms
7
(1833-1897)” ;

Int eressant e ressalt ar que a esposa de Backaus era nat ural de


Curit iba, sendo um dos f at ores imprescindíveis para a vinda do
pianist a à cidade, conf orme a af irmação do programa de
concert o: “ [ . . . ] f oi, sobret udo explorando esse lado sent iment al
do grande art ist a que a SCABI conseguiu t razê-lo a Curit iba, para
8
uma apresent ação a seus associados [ . . . ] ” .

Joseph Schuster: Violoncelist a alemão (1903-1969), que se


apresent ou no 51º concert o da SCABI, em 24 de Abril de 1947;
O int érpret e est udou no Conservat ório São Pet ersburgo, e f oi
chamado por Wilhelm Fut wangler (1886-1954) para ser o solist a da
Orquest ra Filarmônica de Berlim. Cost umava ser escolhido com
f reqüência por Richard St rauss (1864-1949) para ser solist a em seu
Dom Qui xot e. Est e programa apresent a inf ormações preciosas que
conf irmam a inserção de Curit iba como int egrant e no circuit o de
pólos musicais brasileiros, como é possível perceber na cit ação
abaixo:
Sempre f oi nosso desej o [ SCABI] t razer a Curit iba os
grandes art ist as cont rat ados para a t emporada
of icial do Teat ro Municipal do Rio de Janeiro e de
São Paulo, elevando assim nossa capit al ao mesmo
nível das maiores cidades do país. Agora, pela
primeira vez é at ingido est e obj et ivo, com a
apresent ação da f igura ext raordinária de Joseph
Schust er, vindo dos Est ados Unidos especialment e
para a t emporada of icial dos nossos dois maiores
t eat ros e para o Cólon, de Buenos Aires. 9

Considerações Finais
Após a abordagem preliminar dos programas de concert os promovidos pela SCABI ent e 1945-1954, f az-se
alguns apont ament os que permearão as conclusões da pesquisa, no sent ido de verif icar as diversas
razões que t rouxeram os músicos int érpret es à capit al Curit iba, para a realização de seus recit ais. Eis
algumas considerações:
O período que o present e art igo aborda, compreendido ent re os anos de 1945 e 1954 f az ref erência a
um moment o peculiar na Hist ória moderna: o f im da Segunda Guerra Mundial t rouxe uma série de
complicações f inanceiras aos países que se envol veram no conf lit o, e t al sit uação f avoreceu a SCABI,
como é possível perceber na cit ação abaixo: “ Havia, naquele moment o, grande f acilidade em cont rat ar
art ist as europeus, devido à sit uação de crise em que se encont ravam os países que se envolveram na II
Guerra Mundial” (GOMES apud PROSSER, 2001, p. 199). Ou sej a, a inst it uição aproveit ou o moment o de
f ragilidade f inanceira vivenciado pelos países abalados pelo combat e armado, e conseguiu com maior
f acilidade pat rocinar a vinda de diversos int érpret es int ernacionais de renome para a capit al.
A relação de Curit iba f ora do eixo Rio de Janeiro - São Paulo - Port o Alegre - Mont evidéu - Buenos Aires,
e ainda nest as condições a f reqüent e apresent ação de músicos est rangeiros na capit al. É possível

7
WILHELM BACKHAUS, Pianist a alemão. 1973 FOLH, 1947 , Curit iba. SCABI. [ sn] , 06. 11. 1947
8
WILHELM BACKHAUS, Pianist a alemão. 1973 FOLH, 1947 , Curit iba. SCABI. [ sn] , 06. 11. 1947
9
JOSEPH SCHUSTER, Violoncelist a alemão. 1969 FOLH, 1947 , Curit iba. SCABI. [ sn] , 24. 04. 1947
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 43
perceber que os int érpret es em suas t emporadas art íst icas f azem de Curit iba um pont o a mais na escal a
acima apresent ada. Dest a af irmação sugerem-se al guns f at ores que inf l uenciaram est a incl usão de
Curit iba no cenário musical brasil eiro, t ais como:
a) A inf l uência de Fernando Corrêa de Azevedo no cenário musical da cidade;

Fernando Corrêa de Azevedo, um carioca at uant e na capit al do Est ado do Paraná, enquant o president e
at ivo da SCABI, ut il izou sua inf l uência e dinamismo para incl uir Curit iba na rot a brasil eira de
apresent ações dos músicos int ernacionais, comprovando sua compet ência f rent e à ent idade.
b) A possível exist ência na capit al de f amil iar es dos composit ores e músicos int érpret es;

A const ant e imigração para a região sul do Brasil no início do sécul o XX, incl uindo as et nias que est ão
sendo anal isadas no present e t rabal ho, est á sendo considerada como um pont o posit ivo a ser
invest igado. A possibil idade de presença de f amil iares dos int érpret es est rangeiros na cidade de Curit iba
vem a ser um el ement o preponderant e na vinda dest es músicos à capit al , com o int uit o principal de
uma visit a f amil iar, e como conseqüência dest a visit a ocorreriam possíveis recit ais na cidade.
c) A possível adoção do Brasil como nova pát ria aos f ugit ivos das duas Grandes Guerras e do período
ent re Guerras (1° Met ade do Sécul o XX);
Pode-se perceber com base nos programas de concert o, um grande número de inst rument ist as
int ernacionais que t iveram probl emas rel acionados ao período de guerras, e est a af irmat iva pode ser
verif icada pel a considerável quant idade de músicos que mudaram suas nacional idades, e ainda out ros
que adot aram o Brasil como sua nova pát ria. Nest e caso, o t rânsit o de t ais int érpret es se t ornaria muit o
mais f reqüent e, t ransf ormando a cidade de Curit iba em um pól o at ivo para a apresent ação de t ais
músicos.
A pesquisa rel acionada à Sociedade de Cul t ura Art íst ica Brasíl io It iberê, no present e moment o em f ase
de desenvol viment o, espera rel acionar posit ivament e a vinda dos músicos int érpret es de origem
germânica e do l est e europeu, em sua real int eração com a capit al do est ado do Paraná, e at ravés dest e
l evant ament o, espera-se of erecer um mat erial consist ent e para o debat e acadêmico acerca da ent idade
como responsável pela moviment ação musical int ernacional na capit al , e conf irmar assim a cidade de
Curit iba como cenário de um pl ano ext ra-musical int ernacional , o que sem dúvida a privil egiou nesse
sent ido, e que ainda pode vir a ser usado em seu f avor.

Referências Bibliográficas
CARLINI, Álvaro. Hist órico das ent idades e part icularidades da pesquisa relacionada à Sociedade Bach de São Paulo
(1935-1977) e à Sociedade de Cult ura Art íst ica Brasílio It iberê (1944-1976) do Paraná. In: VI Encont ro de
Musicologia Hist órica, Juiz de Fora, 2004. Anais do VI Encontro de Musicologia Histórica: Juiz de Fora, 2004.
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VICENTE, Eduardo. A música popular sob o Estado Novo. I Congresso de Iniciação Cient íf ica da Unicamp, 1993,
Campinas. In: I Congresso de Iniciação Cient íf ica: Art es, Biológicas, Exat as e Humanas, 1993. p. 23-23.

Periódicos
Jornal O Dia, Curit iba exige um Teat ro Municipal, 06 de agost o de 1946. Hemerot eca, Cent ro de Document ação e
Pesquisa da Casa da Memória, Fundação Cult ural de Curit iba.

Jornal O Dia, Maior Comet iment o Art íst ico do Paraná, 09 de novembro de 1946. Hemerot eca, Cent ro de
Document ação e Pesquisa da Casa da Memória, Fundação Cult ural de Curit iba.

Programas de concert o (organizados cronologicament e)


FESTIVAL BACH-MOZART-PERGOLESI, com piano e orquest ra de cordas. 1986 FOLH, 1946 , Curit iba. SCABI. [ sn] ,
17. 06. 1946
44 SIMPEMUS 5
JOSEPH SCHUSTER, Viol oncel ist a al emão. 1969 FOLH, 1947 , Curit iba. SCABI. [ sn] , 24. 04. 1947

WILHELM BACKHAUS, Pianist a al emão. 1973 FOLH, 1947 , Curit iba. SCABI. [ sn] , 06. 11. 1947

ALEXANDER UNINSKY, Pianist a russo. 1943 FOLH, 1948 , Curit iba. SCABI. [ sn] , 05. 06. 1948

HENRIQUE MOROZOWICZ, Pianist a brasil eiro, 4° Concert o da Série “ Val ores Novos” . 1945 FOLH, 1949 , Curit iba.
SCABI. [ sn] , 12. 03. 1949

HENRY JOLLES, Cicl o Int egral da Obra pianíst ica de Schubert . 1937 FOLH, 1949 , Curit iba. SCABI. [ sn] , 21, 23, 27, 29
e 30. 04. 1949

ANDRÈS SEGOVIA, Viol onist a espanhol . 494 FOLR, 1953 , Curit iba. SCABI. [ sn] , 10. 06. 1953

TITO SHIPA, Cant or it al iano. 525 FOLR, 1954 , Curit iba. SCABI. [ sn] , 14. 04. 1954

Sít ios Int ernét icos


CAVALHEIRO, Pedro Jacynt ho. Pat rimônio Art íst ico – Governo do Est ado de São Paul o – Sécul o XX – 1º Met ade.
Disponível em: <ht t p: / / www. saopaul o. sp. gov. br/ pat rimonioart ist ico/ sis/ l eperiodo> Acesso em: 15. 09. 2008
SONATA N. 2 PARA PIANO DE JOSÉ PENALVA: ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO

Al exandr e Gonçal ves (UDESC) Gui l her me Sauer br oon de Bar r os (UDESC)

RESUMO: A part ir da execução da obra, e do est udo da biograf ia do composit or, procuramos invest igar,
at ravés da anál ise t emát ica e f ormal , as rel ações ent re as est rut uras mot ívicas ut il izadas na const rução
dest a Sonat a. A part ir desse est udo, buscamos const r uir uma concepção anal ít ico-int erpret at iva sobre a
el aboração t emát ica da obra, cont ribuindo para as discussões em t orno das obras para piano de José
Penal va. Para t al , ut il izamos como apoio os t rabal hos de Fregoneze (1992), e Prosser (2006).
PALAVRAS-CHAVE: Penal va. El aboração t emát ica; Anál ise e Int erpret ação.

ABSTRACT: By perf orming t he piece and st udying t he composer’ s biography, we invest igat ed, t hrough
t hemat ic and f ormal anal ysis, t he rel at ion bet ween t hemat ic st ruct ures used by t he composer in t his
Sonat a. From t his st udy, we sought t o buil d an anal yt ical , int erpret ive view of t he t hemat ic el aborat ion
in t his work, cont ribut ing t o t he discussions about José Penal va’ s piano works. For t hat purpose, we
used works f rom Fregoneze (1992), and Prosser (2006).

KEYWORDS: Penal va. Themat ic el abor at ion. Anal ysis and Perf ormance.

José Penal va (1924 – 2002) f oi um dos composit ores mais at uant es na vida musical Curit ibana. Al ém de
composit or, desenvol veu int ensa at ividade como sacerdot e, sua out ra paixão al ém da música. At uou
ainda como prof essor, musicól ogo, crít ico musical e regent e.

Compôs t rês Sonat as para piano, cada uma em l i nguagem musical dist int a. A Sonat a n. 2 f oi, na
verdade, a primeira a ser compost a. Escrit a em 1960, não f oi edit ada, pois o composit or a considerava
“ um exercício de composição” (FREGONEZE, 1992, p. ).

A Sonat a n. 2 est á envol t a em uma at mosf era que represent a as vivências composicionais de Penal va no
f inal da década de 1950. Após real izar cursos de Música da Renascença e Cant o Gregoriano (1956 a 1958)
em Roma, especial izou-se em Música Cont emporânea com o maest ro e composit or Damiano Cozzel l a,
em São Paul o, ent re os anos de 1959 a 1960. Vários el ement os musicais absorvidos durant e seus est udos
em Roma e São Paul o podem ser observados nest a Sonat a: de um l ado a sonoridade de sabor modal do
Cant o Gregoriano e da Renascença; de out ro, o uso do cromat ismo e de dissonâncias, caract eríst icas da
cont emporaneidade da Vanguarda1 prof essada por Cozzel l a.
É nesse ambient e onde se mescl am sonoridades renascent ist as e cont emporâneas que se insere a Sonat a
n. 2 para piano de Penal va.

Primeiro movimento – moderat o


Em f orma sonat a cl ássica, est e moviment o inicia com uma int rodução (cp. 1 a 4), onde o composit or
def ine o mat erial básico para a el aboração de t odo o primeiro moviment o2, at ravés de um t ema de
expressivo “ sabor” modal . Com carát er de abert ura bem evident e, sua t ext ura é densa, cont rapondo
uma mel odia em uníssono na região média, e acordes com mar cat os escrit os em t empos f racos ou
cont rat empos nas regiões ext remas do inst rument o. At ravés dessa escrit a, percebemos o t rat ament o
orquest ral conf erido ao t ema, que l embra a prot of onia da ópera Il Guar ani , de Carl os Gomes. Não é uma
impressão desproposit ada, uma vez que “ são da década de 60 as primeiras pesquisas musicol ógicas de
Penal va sobre Carl os Gomes” (PROSSER, 2006, p. 39). Esses compassos iniciais podem ser ent endidos
como uma mat riz que sint et iza prat icament e t odo o mat erial musical do qual o composit or se servirá
durant e o primeiro moviment o.
O cont eúdo int erval ar, escal ar e harmônico desse t recho apresent a vários el ement os que escapam a
uma sonoridade t onal , apesar da i nequívoca cent ral idade da not a Lá.
A mel odia (na região média) é acompanhada pel a seguint e progressão harmônica: Am, Dm6, Cm6, G e
Gm, est es dois úl t imos em 1ª inversão, criando uma l inha cromát ica descendent e, onde o Si bemol do
úl t imo acorde resol ve em Am. Se do pont o de vist a harmônico o t recho soa pouco convencional
(especial ment e o t erceiro compasso), do pont o de vist a cont rapont íst ico a l inha do baixo A-D-C-B-Bb-A
não deixa dúvidas sobre a orient ação cadencial do t ema.

1
Depoiment o de José Penal va à pesquisadora Elisabet h Prosser. (PROSSER, 2000, p. 17).
2
As imagens que serão apresent adas durant e a anál ise são digit al izações do manuscrit o do composit or.
46 SIMPEMUS 5

Figura 1: Int rodução com carát er de abert ura (cp. 1 a 4).


Com uma escrit a Bart okiana de 5as sobrepost as, inicia no cp. 4 um ost inat o harmônico f ormado pelas
not as do acorde de Am 6, que servirá de acompanhament o ao t ema A da seção de exposição. O t ema A se
subdivide em dois segment os. O primeiro (cp. 5 a 10) é const ruído a part ir de acordes com sét ima
arpej ados, cuj as not as superiores delineiam uma melodia diat ônica descendent e. A t ext ura e harmonia
dest e t recho parecem derivar dos acordes do t ema de abert ura, e seu f inal conclui com uma seqüência
melódica em 4as (inversão das 5as do acompanhament o) sobre o acorde de Eb 6, cadenciado para Am 6.
Essa resolução at ravés do ant ípoda (grau dist ant e uma 4ª aument ada do t om principal) subst it ui a
relação V-I do t onalismo convencional.

Figura 2: Primeiro segment o do t ema A - compassos 5 a 10.


O segundo segment o do t ema A, uma melodia em legat o com rit mo sincopado, est rut urada a part ir da
pent at ônica menor de Lá, procede do t ema em uníssono da abert ura. O acompanhament o em acordes
de sét ima e sext a desenha uma progressão predominant ement e cromát ica.

Figura 3: Segundo segment o do t ema A – compassos 10 a 17.


simpósio de pesquisa em música 2008 47
O t ema A f inaliza com uma f órmul a cadencial que est abelece a t ransição ent re os t emas A e B. Essa
f órmula, que apresent a novament e a resolução at ravés do ant ípoda de Lá (Eb), conf igura-se como um
element o essencial no discurso, uma vez que est abelece a separação de mot ivos ou seções no decorrer
da obra.

Figura 4: Fórmula cadencial – compassos 18 e 19.


Ent re os compassos 20 e 26 ocorre o t ema B, escrit o na região da dominant e (Em). Rit micament e, ele
apresent a uma nova variação do t ema de abert ura, onde a semínima pont uada e a colcheia da abert ura,
são alt eradas para duas semínimas.
Os t emas A e B cont rast am ent re si, principalment e pelo f at o da melodia t er passado para o pent agrama
inf erior em B. Com indicação de f para a melodia, os acordes que realizam o acompanhament o na mão
direit a est ão escrit os em p e pp durant e t odo o t ema. Embora o t ema B t enha apenas set e compassos,
sua dimensão é ampliada pela repet ição sinalizada pelos rit ornel l i .

Figura 5: Tema B da seção de exposição – compasso 20 a 26.


O últ imo compasso do t ema B é repet ido após o rit ornel l o, iniciando a seção de desenvolviment o. Essa
seção (cp. 28 a 45), divide-se em dois segment os, o primeiro ut ilizando element os t emát icos da part e
f inal de B, e o segundo com cit ações mot ívicas dos t emas A e B.
O primeiro segment o do desenvolviment o reproduz o início do mot ivo melódico de B, mant endo as
mesmas alt uras, porém ut ilizando o rit mo de f orma espelhada.

Figura 6: Comparação ent re início do t ema B e sua inversão rít mica no desenvolviment o.
48 SIMPEMUS 5
Quant o à dinâmica, t ambém ocorre um t ipo de inversão: em B havia a indicação de f para o pent agrama
inf erior, e p para o superior; no desenvolviment o, encont ramos ppp para o pent agrama inf erior, e f para
o superior.
O mot ivo que inicia o desenvolviment o é ut ilizado como ost inat o, assumindo a mesma f unção de
acompanhament o que as 5as int ercaladas na apresent ação do t ema A. O ost inat o desenvolve-se
basicament e sobre o acorde de Em, apresent ando, ao f inal do segment o, uma variação cadencial sobre
D, e C, ret ornando novament e para Em.
A melodia no pent agrama superior é ref orçada por acordes de 5ª e 8ª (cp. 29 a 36), e apresent a
f ragment os rit mico-melódicos do 2º segment o do t ema A.

Figura 7: Primeiro segment o do desenvolviment o – compasso 28 a 36.


No compasso 37 inicia o segundo segment o do desenvolviment o, que se est ende at é o compasso 45.
Nesse t recho é possível ident if icarmos várias cit ações dos t emas A e B da seção de exposição: acordes
com sét ima arpej ados, escalas, e o ost inat o de 5as int ercaladas como acompanhament o. Além disso,
surge como element o t emát ico uma variação da f órmula cadencial (cp. 42 e 43). O desenvolviment o
encerra com a reapresent ação do ost inat o que iniciou essa seção, alt erado cromat icament e para Ebm
(cps. 44-45), conduzindo à f órmula cadencial no compasso 46 at ravés do ant ípoda (Eb-A).

Figura 8: Segundo segment o do desenvolviment o e f órmula cadencial – cp. 37 a 46.


simpósio de pesquisa em música 2008 49
A re-exposição se est ende do compasso 47 ao 72, apresent ando o t ema B t ranspost o para a região da
t ônica (Am).
A coda, compreendendo os compassos 73 a 75, t em t ext ura polif ônica e vert icalizada, lembrando o
t rat ament o orquest ral da abert ura (cp. 1 a 4). A dinâmica em decrescendo conf ere a esse t recho uma
sonoridade et érea e perdendosi .

Figura 9: Coda – cp. 73 a 75.

Segundo movimento – andant e cant abile


Cont rast ando com a grandiloqüência do primeiro moviment o, est e moviment o possui carát er
cont emplat ivo e medit at ivo. Est á cent rado em Dm, e apresent a um ost inat o melódico como
acompanhament o, reminiscência dos ost inat os do primeiro moviment o.
Em f orma t ernária (A-B-A) e mét rica 7/ 8, t em a parte A subdividida em dois mot ivos: A1, const ruído
sobre as not as da t ríade de Dm, apresent ado ent re os compassos 3 e 6; e A2, f ormado por uma melodia
diat ônica de cont orno sinuoso, que est ende-se do compasso 7 ao 10.
Sob os dois mot ivos, o ost inat o que os acompanha delineia em suas not as mais graves uma melodia
cromát ica descendent e. Fregoneze (1992, p. 46) reconhece, ent re os compassos 6 e 9, a seguint e
art iculação rít mica no acompanhament o: 4+3, 2+3+2, e 3+4.

Figura 10: Int rodução, Part e A e seus dois mot ivos (A1 e A2) – cp 1 a 10.
Uma transição com mot ivos em semicolcheias e semínimas conduz à part e B. Os grupos rít micos,
que ant es f iguravam apenas no acompanhament o em ost inat o, art iculam-se agora ent re os dois
pent agramas, complement ando-se. Com ext ensão de cinco compassos, not a-se nessa t ransição o padrão
rít mico 3+4 e 4+3 (cp. 14 a 18). Os sinais de crescendo e accel erando impulsionam a melodia em direção
à seção seguint e.
50 SIMPEMUS 5

Figura 11: Transição para a part e B – cp. 14 a 18.


A sonoridade result ant e desse t recho pode ser ent endida como uma pert urbação do “ sossego”
est abelecido na part e A, devido ao uso de dissonâncias, de harmonias dist ant es da região de Dm, e pelo
adensament o t ext ural nos dois últ imos compassos dessa passagem.
Após a int errupção da t ransição pela indicação I t empo, a part e B inicia em mf , e seu acompanhament o
em p . Em mét rica t ernária (3/ 4), é mais ext ensa do que a part e A, e est á subdividida em t rês part es (a-
b-a’ ). Apresent a dois t emas rit micament e cont rast ant es, B1 e B2.
O t ema B1 (cp. 19 a 26), escrit o na região do V grau (Am) do modo principal (Dm), est á est rut urado a
part ir da pent at ônica menor de Lá. Nos compassos 21 e 25, acompanhament o e melodia são alt erados
cromat icament e, criando um ef eit o de deslocament o harmônico.
Inexist indo indicações de art iculação propost as pelo composit or nessa passagem, o int érpret e t em a
opção de aplicar recursos de pedal e art iculação para criar um ambient e sonoro “ impressionist a” 3. Como
o t ema e acompanhament o est ão escrit os prat icament e na mesma região do inst rument o, a
dif erenciação nas art iculações aj uda a ref orçar a dist inção ent re os planos sonoros, salient ando o t ema.

Figura 12: Primeiro grupo t emát ico da part e B – cp. 19 a 26.


O t ema B2, variação de B1 que inicia na anacruse do cp. 26, possui cont orno mais elaborado e desvios
harmônicos mais evident es, além de cont rast ar com o primeiro t ema pela dinâmica em f . Cont rast ando
com o l egat o implícit o na part e A, est ão as t erças em st accat o do acompanhament o. A f inalização de B2
ocorre de f orma brusca, com a suspensão do discurso at ravés da f ermat a sobre a barra do compasso 34.

3
Ent ende-se “ impressionismo” como a possibilidade de criar, at ravés de recursos de pedal e art iculação, sonoridades
capazes de est imular o ouvint e a visualizar ment alment e imagens, f iguras ou sit uações.
simpósio de pesquisa em música 2008 51

Figura 13: Segundo grupo t emát ico da part e B – cp. 26 a 33.


Após a f ermat a, B1 é reapresent ado a part ir do compasso 34, at é ser int errompida no compasso 41, por
uma nova t ransição, escrit a em f . Essa passagem est á est rut urada sobre int ervalos de 4ª (aument ada e
j ust a) no pent agrama inf erior, e harmonias quart ais (acordes de 4ª e 7ª e de 4ª e 8ª) no pent agrama
superior. Os int ervalos de 4ª do pent agrama inf erior cedem lugar para uma seqüência ascendent e de
arpej os em semicolcheias, f ormados pelos acordes de F7M e F#7M, em 2ª inversão, que se int ercalam a
cada pulso.
Os arpej os cont inuam nos compassos 44 e 45, mas agora agrupados de cinco em cinco semicolcheias,
provocando um deslocament o rít mico em relação à mét rica do compasso (3/ 4). Nest e moment o, as 4as
do acompanhament o (início da t ransição) t ransf erem-se para a voz superior.
Na anacruse para o compasso 46, t em início uma espécie de t rinado, ent re o acorde de Eb 7M, em 2ª
inversão (pent agrama inf erior), e int ervalos de 4ª j ust a f ormados pelas not as Fá# e Si (pent agrama
superior). As indicações de crescendo e accel erando nos compassos 46 e 47 ref orçam a idéia do t rinado,
criando uma massa sonora que conduz à reapresent ação da part e A.

Figura 14: Transição para re-exposição da part e A – cp. 41 a 48.


Após a reapresent ação da part e A, o moviment o encerra def init ivament e com uma pequena coda nos
compassos 11 a 13.
52 SIMPEMUS 5

Figura 15: Coda do segundo moviment o – cp. 11 a 13.

Terceiro movimento – rondó-allegro


Conf ormado ao rondó clássico, esse moviment o cont ém element os mais cont emporâneos, como
bit onalidade e seções com int errupções bruscas de agregados em clust ers. Ocorrem ainda amplos
cont rast es de dinâmica, cit ações de melodias populares e acordes de 4ª sobrepost as4. Tem carát er de
sínt ese ou recapit ulação da obra, embora não haj a cit ações diret as de t emas dos out ros moviment os,
mas de mat eriais t emát icos e recursos composicionais desenvolvidos ant eriorment e.
A parte A t em, novament e, a not a Lá como cent ro harmônico e est á subdividida em dois segment os. O
primeiro é um mot ivo em uníssono, sob a indicação irrit ado e mf , assemelhando-se ao t ema de abert ura
do primeiro moviment o. O segundo mot ivo, f ormado por acordes em ambos os pent agramas, t em
cont orno melódico ascendent e no pent agrama superior e descendent e no inf erior. Sobre as t erças, em
st accat o, há as indicações de p e pp, e sobre as t ríades, um crescendo que culmina em f f .

Figura 16: Mot ivo 1 e 2 da part e A – cp. 1 a 9.


A parte B est ende-se do compasso 10 ao compasso 21 e t ambém se subdivide em dois t emas
anacrúst icos, B1 e B2.
O t ema B1, lembra o segundo segment o do t ema A do primeiro moviment o, t ant o do pont o de vist a
rít mico como melódico. Com harmonia quart al e t ext ura coral, compreende os compassos 10 a 14,
repet indo-se ent re os compassos 15 e 18. Possui int ensidade f , e a part e f inal de sua repet ição recebe
um sinal de crescendo, que conduz a melodia a um mot ivo em f f , que est abelece a pont e para o t ema
B2.

4
Acordes de quart as sobrepost as: acordes const ruídos por quart as independent es e sem relação ent re si, colocadas
uma sobre as out ras, de bi- ou polit onalidade, ou de cl ust er . (PENALVA, J. Hi st ór i a da Músi ca. Curit iba: Associação
Cult ural Avelino Vieira, 1991, p. 51)
simpósio de pesquisa em música 2008 53

Figura 17: Tema B1 e sua repet ição – cp. 10 a 18.


Essa pont e (cp. 19 a 21), de t ext ura cordal e sincopada, é derivada de uma t ransposição não lit eral de
B1, elevado 5a j ust a acima. Tem desenho melódico descendent e e f inaliza a exposição desse t ema em
decrescendo.

Figura 18: Passagem de B1 para B2 – cp. 19 a 21.


O t ema B2 consist e em um mot ivo melódico elaborado sobre as not as da escala pent at ônica menor de Si
bemol. Tem carát er de melodia acompanhada, onde o acompanhament o é um ost inat o sobre um acorde
de 4as sobrepost as, t endo como baixo a not a Lá.
A melodia inicia em anacruse no compasso 22 com apenas uma not a (Si bemol) em p, est endendo-se at é
o compasso 25. No compasso 23 t em início o acompanhament o em ost inat o, que prepara o t ema B2,
escrit o com semínimas em st accat o e em anacruse para o compasso 26. Essa melodia é at rasada em
meio t empo a part ir do compasso 29, ret omando sua posição mét rica normal na anacruse do compasso
32. Torna-se sincopada nos compassos 34 e 35.

Figura 19: Tema B2 sobre a pent at ônica menor de Si bemol – cp. 22 a 35.
O mot ivo sincopado prepara o t recho para a ret omada de B1’ , que acont ece no compasso 36. Sua re-
apresent ação é enf at izada pela dinâmica f f e pelo ref orço harmônico em 8as do cont racant o no
pent agrama inf erior, e dos acordes quart ais sob cada not a da melodia.
Denominamos est e t recho de B1’ porque, em lugar da repet ição, como acont ece em B1, ocorre um
mot ivo, inicialment e com colcheias em st accat o, e depois com colcheias apoiadas rit micament e em
54 SIMPEMUS 5
grupos do t ipo 3+3+2. De dois em dois compassos esse padrão rít mico se repet e e o mot ivo é t ranspost o
uma 4ª j ust a acima. A dinâmica aument a em um crescendo, de mf a f f , at é que o mot ivo é int errompido
bruscament e no compasso 47.

Figura 20: B1’ ref orçado por not as adicionais e pela dinâmica em f f – cp. 36 a 47.
Após uma breve passagem em colcheias com apoios mét ricos em 3+3+2, a part e A é reapresent ada de
f orma lit eral (cp. 48 a 57).
A part ir do cp. 58 t em início a parte C. Est a seção apresent a f ort es cont rast es de dinâmica e a
exploração das regiões ext remas do inst rument o. As pausas ut ilizadas na composição dos mot ivos criam
a sensação de t rat ar-se de f ragment os t emát icos, mas podem ser ent endidos como alusões à prát ica
composicional weberniana. A melodia consist e em acordes quart ais arpej ados, descendent es e
ascendent es, no pent agrama superior. Os clust ers em agregados de t rês not as aparecem sempre no
pent agrama inf erior, em rit mo sincopado e acéf alo. Se observados conj unt ament e, os clust ers escrit os
ent re o compasso 58 e 63 f ormam a escala de t ons int eiros, part indo-se de Sol bemol.

Figura 21: Início da part e C – cp. 58 a 63


O ambient e weberniano apresent ado ant eriorment e sof re a int erj eição de um mot ivo t ambém em
colcheias (cp. 64 a 67), est rut urada em dois acordes, F7M e Db 6. Ambos est ão em posição abert a,
divididos em duas 5as j ust as.
simpósio de pesquisa em música 2008 55

Figura 22: Int erj eição ent re mot ivos da part e C – cp. 64 a 67.
A sonoridade dessa int erj eição est abiliza o t recho, após a ocorrência dos “ f ragment os” que pont uaram o
início da part e C. O mot ivo weberniano é ret omado em f f nas regiões ext remas do piano. Uma est rut ura
simét rica é revelada quando os acordes quart ais que ocorrem a part ir do compasso 69 são apresent ados
em ordem inversa ao início de C, e ant ecipados em meio t empo.
A f igura a seguir compara a inversão na ordem de apresent ação dos acordes quart ais.

Figura 23: Inversão na ordem dos acordes quart ais – cp. 60 a 63; 69 a72.
Após o t recho em inversão, ocorre em mf uma passagem soment e com arpej os quart ais, em ambos os
pent agramas (cp. 73 a 78), condensando o mat erial t emát ico da part e C. Há as indicações de crescendo
e accelerando, at é sof rer novament e, a int erj eição em p súbit o dos acordes de F7M e Db 6.

Figura 24: Acordes quart ais – cp. 73 a 78.


No compasso 79 o discurso sof re nova int erj eição dos acordes F7M e Db 6. Sob as indicações de I t empo e
p súbit o (cp. 79), o mot ivo de int erj eição é t ranspost o uma 8ª acima nos compassos 81 e 82. O acorde
de F7M é t ranspost o mais uma 8ª acima, e sua repet ição se est ende do compasso 83 ao 86, f inalizando o
t recho em um crescendo e accelerando.

Figura 25: Acordes de F7M e Bbm7 – cp. 79 a 86.


A parte D inicia após a reapresent ação da part e A, e t raz a indicação melodioso e sonoro. São
apresent ados dois t emas cont rast ant es: D1 , com melodia diat ônica e t ext ura coral (cp. 97 a 104); e D2,
um t ema de int erj eição em semicolcheias, baseado no t ricorde (Dó - Si - Lá) do início do t ema D1,
t ranspost o, invert ido e acelerado (cp. 105 a 107).
O t ema D1 t em seu início em f sem o acompanhament o, que inicia apenas no segundo t empo do
compasso 98. Os mot ivos est ão dispost os de t al maneira, que não se not am int errupções no discurso por
56 SIMPEMUS 5
pausas ou suspensões. No compasso 101 ocorre a f inalização da primeira part e de D1 e início de sua
segunda part e, criando uma elisão ent re os t emas.

Figura 26: Tema D1 e delimit ação de suas part es.


Not ável é a semelhança ent re o início de D1 e as al t uras do verso “ Tinha um coqueiro ao lado. . . ” , da
canção f olclórica Casinha Pequenina. Coincidência ou não, na mesma época de composição dessa
sonat a, Penalva arranj ou essa canção para coro a cappella. De qualquer f orma, a imagem serest eira e
melancólica de Casinha Pequenina pode ser perf eit ament e aplicada a esse t recho, auxiliando o
int érpret e na elaboração de uma sonoridade mais doce e de carát er saudosist a.
Cont rast ando com esse primeiro mot ivo, D2 inicia no compasso 105, em p e crescendo. Trat a-se de uma
passagem rít mica, bit onal, que se cont rapõe ao legat o expressivo de D1, e relembra o carát er
weberniano que f igurou durant e a part e C.

Figura 27: Part es do mot ivo D2 – cp. 105 a 107.


O crescendo dessa passagem conduz à not a Dó do início do t ema D1. Após a reapresent ação de D1 e D2,
uma t ransição conduz à últ ima apresent ação a part e A. Essa t ransição est á est rut urada sobre um
ost inat o melódico em colcheias f ormado com as not as Si bemol, Lá e Sol, criando uma sonoridade cíclica
e hipnót ica, derivada do mesmo mot ivo descendent e de t rês not as que predomina nest a seção. O
ost inat o inicia em pp súbit o, mas as indicações de crescendo e accelerando, conduzem o t recho at é a
ent rada de um mot ivo em 4as j ust as (cp. 122). Um decrescendo a part ir do compasso 124 conduz o
t recho a um pp onde ocorre o mot ivo de 4as j ust as, mas agora com t rês sons. Essa passagem f inaliza no
compasso 130, j unt ament e com a dissolução rít mica do ost inat o.
simpósio de pesquisa em música 2008 57

Figura 28: Re-apresent ação de D2 e sua int errupção pela seção de t ransição – cp. 116 a 130.
Ocorre a últ ima exposição da part e A (cp. 131), acrescida de dois compassos com f unção est rut ural de
coda. At ravés de um crescendo a part ir do compasso 137, a coda encerra a idéia musical dessa part e,
concluindo def init ivament e o moviment o sobre a not a Lá, em uníssono, nas regiões ext remas do
inst rument o.

Figura 29: Últ ima apresent ação da part e A e Coda – cp. 131 a 142.

Considerações finais
É possível not armos nessa sonat a grande liberdade na disposição e cont raposição de t emas e mot ivos nos
t rês moviment os. Embora ela se assemelhe às sonat as clássicas quant o às relações harmônicas de suas
seções, é not ável a t ent at iva do composit or em abst rair da t radição t onal, em busca de um idioma
próprio. Exemplo disso é o uso do ant ípoda, subst it uindo a cadência V-I, caract erist icament e t onal.
Por out ro lado, na mesma época da composição dest a sonat a, Penalva experiment ava novas
sonoridades, o que o levaria, ainda na década de 60 a ut ilizar o dodecaf onismo em algumas de suas
composições. De cert a f orma, as passagens “ est ranhas” encont radas nessa sonat a j á ref let em a abert ura
idiomát ica que o composit or buscava. Além disso, é possível af irmar, se observadas as t rês sonat as
conj unt ament e, que a Sonat a n. 2 ant ecipa muit o da liberdade composicional amadurecida na Sonat a
n. 3. Lembrando que a Sonat a n. 2 (1960) f oi a primeira a ser compost a, a obra que leva o nome Sonat a
n. 1 (1972) serve como pont e est ilíst ica ent re as Sonat as n. 2 e 3. Já que f alamos de um padre-
composit or, vale a met áf ora: Sonat a n. 2 (inf erno) – Sonat a n. 1 (purgat ório) – Sonat a n. 3 (paraíso).
58 SIMPEMUS 5
Referências Bibliográficas
FREGONEZE, Carmem Cél ia. A obr a pi aníst i ca do Padr e José de Al mei da Penal va. Port o Al egre: Universidade f ederal
do Rio Grande do Sul . Dissert ação de Mest rado, 1992.

_________________________. “ A obra pianíst ica do Padre José de Al meida Penal va” . Revi st a El et r ôni ca de
Musi col ogi a, vol . 1, n. 2, 1996. Disponível em: <ht t p: / / www. cce. uf pr. br/ ~of raga/ revist a. ht ml >.

PENALVA, José de Al meida. Hi st ór i a da Músi ca. Curit iba: Associação Cul t ural Avel ino Vieira, 1991.

PROSSER, El isabet h Seraphim. José Penal va: Uma vi da com a bat i na e a bat ut a. Curit iba: Art es Gráf icas e Edit ora
Unif icado, 2006.

PROSSER, El isabet h Seraphim. Um ol har sobr e a músi ca de José Penal va: cat ál ogo coment ado. Curit iba: Champagnat ,
2000.
SUGESTÃO, REPRESENTAÇÃO E INTERPRETAÇÃO MUSICAL

Renat a Soar es Cácer es (UFPR)

RESUMO: At ravés da análise musical do poema sinf ônico "Vl t ava" de Bed ich Smet ana (1824 - 1884), o
present e art igo explora as possibilidades de represent ação musical a f im de sugerir mais uma opção de
escut a da peça em quest ão, e, ainda, serve como exemplo da int erpret ação musical que pode ser f eit a
por meio da leit ura da part it ura de uma peça programát ica.
PALAVRAS-CHAVE: análise musical, música programát ica e represent ação musical.
ABSTRACT: Through t he musical anal ysis of t he symphonic poem "Vl t ava" f rom Bed ich Smet ana (1824 -
1884), t his art icle explores t he possibilit ies of musical represent at ion and int ent t o suggest one more
opt ion of list ening t o t his piece, and, st ill, serves as an example of t he musical int erpret at ion t hat can
be done t hrough t he reading of t he music score of a program music.
KEYWORDS: musical analysis, program music and musical represent at ion.

Int rodução
A af inidade ent re música e lit erat ura t em t razido diversas opções de abordagem composicional da
música inst rument al . Com o desenvol viment o da música programát ica no séc. XIX, originou-se novos
conceit os de est ét ica e, inclusive, acirradas discussões acerca da capacidade da música de represent ar
ou expressar mat erial ext ra-musical.
Dif erent e da música absolut a1, a música programát ica se ut iliza de um programa escrit o para sugerir as
idéias que o composit or desej a expressar. "O programa", diz Calvin Brown ([ sd] , pp. 258), "dá o curso
das ações que a música deve represent ar, e a música é dividida em que o podemos considerar
"parágraf os - ou sej a, em seções que são det erminadas não por considerações musicais, mas por
episódios da t rama". 2 O curso da ação pode const it uir-se de diversos recursos ext ra-musicais, como um
t ít ulo e programa, ou, ainda, de alusões musicais a sonoridades e est ilos. Incent ivado por essas
sugest ões, o ouvint e é convidado a encont rar relações ent re os det alhes, t ext uras ou processos
composicionais da música e o obj et o represent ado.
Na abordagem da música absol ut a, el ement os como dissonâncias, mudanças de dinâmica e acent uações,
a princípio, não possuem out ro signif icado além do musical. Por out ro lado, na música programát ica, em
razão do uso de programas e t ít ulos, a análise das relações ent re est es e os element os musicais é
sugerida pelo próprio composit or e possibilit a que aproximamos da corrent e de pensament o que deu
origem à obra.
Roger Scrut on (1997, pp. 82-83) diz que o sucesso da linguagem f igurat iva consist e em combinar coisas
dif erent es, criando uma relação onde ant es não exist ia. 3 No caso da música, a linguagem f igurat iva
consist e em criar uma relação ent re est a e uma imagem não sonora, f azendo com que a música
r epr esent e met af oricament e algo ext erior a ela.
Met áf oras são f iguras de expressão e consist em na t ransf erência de um t ermo para o âmbit o de
signif icação que normal ment e não é seu por meio de um processo impl ícit o de comparação ent re dois
obj et os. O valor de uma met áf ora represent acional encont ra-se na habilidade e capacidade dest a de
possibilit ar int erpret ação.
Segundo Scrut on, na música a met áf ora não pode ser eliminada de sua descrição porque def ine o obj et o
int encional da experiência musical 4. Ist o é, ao descrever a música usamos t ermos que se ref erem a sons

1
A música absolut a não possui nenhuma ref erência a element os ext ra-musicais. Part e do princípio da t eoria da "art e
pela art e" que post ula que uma obra de art e t em como único obj et ivo proporcionar prazer est ét ico, sendo alheia a
quaisquer out ros f ins ou valores. E-Dicionário de Termos Lit erários, link: <ht t p: / / www2. f csh. unl. pt /
edt l/ verbet es/ A/ art e_pela_art e. ht m>
2
Calvin Brown: "The verbal program gives t he main course of t he act ion wit ch t he music is t o represent , and t he
music it self is divided int o what may properly be called paragraphs - i. e. , int o sect ions which are det ermined, not by
musical considerat ions, but by t he episodes of t he plot . ", p. 285
3
Roger Scrut on, pp. 83-85.
4
Scrut on, p. 92.
60 SIMPEMUS 5
mat eriais, criando signif icações que est es sozinhos não possuem, mas que f açam part e da f orma como
nós os ouvimos quando ouvimos como música. 5
Lawrence Kramer def ende que a represent ação musical
"t em signif icância, concret ude, e é int erpret at ivament e rica t ant o como processo musical
quant o cult ural. (. . . ) é uma das t écnicas pela qual a cult ura ent ra na música e a música ent ra
6
na cult ura, como signif icado, discurso e at é ação". (1992, pp. 140)

Kramer diz que para que uma represent ação sej a possível é necessário o uso de recursos que ele chama
de desi gnador es. Um desi gnador seria uma sugest ão, implícit a ou explícit a, que indique o que est á
sendo represent ado e sua f unção é limit ar os crit érios para a const it uição da represent ação. Kramer
af irma que qualquer coisa pode at uar como um desi gnador , desde um t ít ulo diret o a um det alhe quase
subliminar, e qualquer f orma que assuma, nunca será alheio a represent ação. Para ilust rar seu pont o de
vist a, Kramer cit a como exemplo o quadro "O Gr i t o" de Edward Munch. Segundo ele, se est e f osse
int it ulado 'A Dor de Dent e' seria uma obra um t ant o quant o dif erent e. 7
Se a análise musical baseia-se na f orma como escut amos a música, no moment o em que o composit or
sugere uma f ont e de inspiração at ravés de um t ít ulo, por exemplo, cabe ao analist a est abelecer ou
descobrir a ligação ent re est a f ont e e os element os musicais que a represent am. Nesse campo de
invest igação, muit os aut ores sugerem a hermenêut ica8 como f orma de int erpret ação musical, pois est a
não se limit a só à compreensão do obj et o invest igado – no caso, aqui, o mat erial musical por si próprio.
Visando à perf ormance, Albano (2005, pp. 97) sugere que at ravés da hermenêut ica o int érpret e pode
explorar o obj et o além do seu cont ext o próprio, visit ando out ros pont os de ref erência. 9
Cit ando o art igo de Sérgio Magnani int it ulado "Expr essão e Comuni cação da Li nguagem da Músi ca",
Albano af irma que a t radução musical pressupõe dois moment os int egrados e complement ares: a
t radução inicial dos símbolos musicais t ranscrit os na part it ura e a t radução de uma simbologia af et iva
expressada na idéia sonora, não t ranscrit a na part it ura. 10
De acordo com Kramer (1992, pp. 141), at ravés dest e t ipo de abordagem, o int érpret e, t eria a
oport unidade de invest igar o campo discursivo no qual a met áf ora sugerida est á sit uada, e t ent ar
correlacioná-lo com o mat erial musical. 11 Kramer diz que essa correlação "'condensa' o campo discursivo
dent ro da música e ao mesmo t empo reint erpret a o discurso por meio dest a. A música e o discurso não
ent ram em uma relação "t ext o-cont ext o", mas sim em uma relação de t roca". 12

A imagem musical do percurso de um rio


Para ilust rar esses apont ament os, vej amos no poema sinf ônico "Vl t ava" de Bed ich Smet ana (1824 -
1884) alguns exemplos da maneira como o composit or se ut iliza de element os musicais para represent ar
seu obj et o de inspiração. Peça int egrant e do ciclo de composições "Mà Vl ast " (Minha Pát ria) - compost o
de seis poemas sinf ônicos nos quais Smet ana procurou ret rat ar aspect os cult urais e locais da região da
Boêmia e da República Tcheca, sua t erra nat al -, "Vl t ava", descreve por meio da música o percurso de
um rio de mesmo nome, em port uguês chamado Moldava, que nasce nas mont anhas do Sumava, ao nort e
da Boêmia, cort a a cidade de Praga e desaparece dent ro de out ro rio maior, o Elba.
Nas palavras do composit or:
“ A composição descreve o Vlt ava: O nasciment o de dois pequenos mananciais – o f rio e o
quent e; sua união; sua passagem pelos bosques e past os; sua passagem por paisagens onde se
celebra um casament o campesino; a dança das ninf as a luz da lua; Nas cercanias do rio
erguem-se cast elos, palácios e ruínas – O Vlt ava se precipit a nas corredeiras de St . John e,

5
Scrut on.
6
Kramer: "My claim is t hat musical represent at ion has signif icant , def init e, int erpret ively rich t ies bot h t o musical
processes and t o cult ural processes. Far f rom being a slight ly embarrassing ext ra, musical represent at ion is one of
t he basic t echniques by which cult ure ent ers music, and music ent ers cult ure, as meaning, discourse, and even
act ion", pp. 140.
7
Kramer.
8
Josef Bleicher, "Hermenêut ica Cont emporânea", diz que a hermenêut ica pode ser def inida, em t ermos genéricos,
como a t eoria ou f ilosof ia da int erpret ação dos sent idos. "A t eoria hermenêut ica analisa a maneira como somos
capazes de t ranspor para a f orma como nos compreendemos a nós próprios e ao nosso mundo um conj unt o de
signif icados criado por out rem", pp. 13.
9
Sônia Albano de Lima, pp. 97
10
Albano.
11
Kramer.
12
Kramer: "It "condenses" t he discursive Field int o t he music, and at t he same t ime reint erpret s t he discourse by
means of t he music. The music and t he discourse do not ent er int o a t ext -cont ext relat ionship, but rat her int o a
relat ionship of dialogical exchange", pp. 141.
simpósio de pesquisa em música 2008 61
depois, se alarga novament e e f lui calmament e at é Praga; passa em f rent e ao Cast elo
13
Vysehrad e se desvanece a dist ância, desembocando no Rio Elba. ”

Smet ana subdividiu a part it ura14 para orquest ra de "Vl t ava" em 8 part es. Cada uma dessas part es possui
um t ít ulo que sugere ao int érpret e o pont o do percurso ou o cenário pelo qual o rio est á passando no
t recho da peça em quest ão. Segundo o pont o de vist a de Lawrence Kramer, esses seriam os
designador es escolhidos por Smet ana para criar a relação ent re o mat erial sonoro e sua f ont e de
inspiração. Pode-se relacionar a cit ação acima com a divisão da part it ura da seguint e f orma:
1º "The Source of t he Vlt ava" - A nascent e do Moldava: O nasciment o e a união dos mananciais que dão
origem ao rio;
2º "Hunt in The Woods" - Caça no Bosque: A passagem do rio pela Florest a da Boêmia;
3º "Count ry Wedding" - Casament o camponês: A passagem do rio por um cenário onde se celebra um
casament o camponês;
4º "Moonlight . . . Dance of t he Nymphs" - Luar – Dança das Ninf as: Danças das ninf as a luz da lua;
5º "Tempo I": O Rio, o t ema Vlt ava;
6º "St . John's Rapids" - As Corredeiras de Saint John: A passagem do rio pelas corredeiras de St . John, o
pont o mais selvagem de seu percurso;
7º "The Broad Flow of t he Vlt ava" - O Largo Fluxo do Rio: Descreve o alargament o do corpo do rio;
8º "Mot ive of t he Vysehrad" - O Mot ivo Vysehrad: A passagem do rio em f rent e ao cast elo Vysehrad e seu
desapareciment o no rio Elba;
Como dit o acima, a primeira part e vem acompanhada do t ít ulo "The Source of t he Vlt ava" (A Nascent e
do Vlt ava) e caract eriza-se pela represent ação do nasciment o de dois pequenos mananciais que, após se
unirem, dão origem ao Rio Moldava 15.
A peça inicia-se com uma f laut a solo, em piano l usingando, acompanhada por int ervenções da harpa e
dos violinos, represent ando o nasciment o do primeiro pequeno manancial - vide exemplo musical nº 1.
No t erceiro compasso, a ent rada da segunda f laut a dá início a um dos principais mot ivos ut ilizados por
Smet ana para caract erizar a moviment ação das águas do rio ao longo de quase t oda a peça: o discurso
cont ínuo que f lui ent re dois inst rument os - vide exemplo nº 2.

Exemplo nº. 1: o nasciment o do primeiro manancial.

Exemplo nº. 2: moviment o cont ínuo, represent a a moviment ação e a vida do primeiro manancial.

13
Musica Bohemica - Link: <ht t p: / / pagesperso-orange. f r/ alain. cf / j eusmeint ro. ht m>, cont ém uma t radução em
f rancês do manuscrit o de Smet ana (t ambém do mesmo sit io: <ht t p: / / pagesperso-orange. f r/ alain. cf / images
/ mavlast 1. j pg>)
14
Edição de Boosey Hawkes LTD, Hawkes Pocket Scores. Inlgat erra, sem dat a de impressão.
15
Nome em port uguês do Rio Vlt ava, será empregado quando f izer ref erência. .
62 SIMPEMUS 5
Not a-se, nos exemplos acima, as int ervenções da harpa e dos violinos. Essas int ervenções represent am
possivelment e desníveis e oscilações do percurso, sugerindo, assim, os primeiros moviment os dessa
pequena nascent e.
No compasso de nº. 16, a ent rada dos clarinet es em moviment o melódico cont rário ao das f laut as
represent a o encont ro do primeiro com o segundo manancial - "o f rio e o quent e". As f laut as t rabalham
num regist ro mais alt o, subindo, e os clarinet es nos regist ros médios, descendo, caract erizando o
"corpo" de água do rio.

Exemplo nº. 3: Encont ro dos mananciais


No compasso 28, a viola com um mot ivo de semicolcheias compost o por um int ervalo de 2º menor,
anuncia o pont o de f usão ent re os mananciais, que a part ir do compasso 30 f luem j unt os - vide f laut as e
clarinet es no exemplo abaixo -, movendo-se paralelament e de f orma ondulant e e cont ínua. Ainda no
compasso 28, not a-se que as f laut as represent am o manancial de maior import ância, t amanho e f orça,
f azendo com que os clarinet es - ou sej a, o segundo manancial - lhe sigam a part ir do compasso 30.

Exemplo nº. 4: Compassos 28 ao 30, represent am o encont ro dos mananciais


Do compasso 36 ao 39 os sopros cessam seus moviment os e as cordas, t ambém em pi ano l usi ngando,
"encorpam" o cont ext o musical como se as águas do rio se t ornassem mais espessas. At ravés de um
moviment o paralelo de semicolcheias ascendent es e descendent es, sugerem a f orça do rio que se f orma
com a j unção dos dois mananciais, preparando, assim, a ent rada do t ema principal - vide exemplo
musical nº 5. No compasso 39, anacruse para o 40, inicia-se o que pode ser chamado de Lei t mot i v do
Vl t ava, em out ras palavras, surge o t ema principal da peça que represent a o Rio e dá início a descrição
de sua t raj et ória - exemplo nº 6.

Exemplo nº. 5: Compassos 36 e 37 (repet e-se no 38 ao 39) - Anúncio do Vlt ava


simpósio de pesquisa em música 2008 63

Exemplo nº. 6: Leit mot iv do Vlt ava


Enquant o part e das madeiras e os primeiros violinos execut am o t ema, o rest ant e das cordas f ica
responsável por mant er o f luxo cont ínuo das águas do rio. Smet ana f az essa represent ação por meio do
uso de semicolcheias em moviment os cont ínuos ascendent es e descendent es, com arcos de art iculação e
marcações de dinâmica, acompanhados da expressão sempre ondeggiant e16, indicando clarament e a
f unção caract eríst ica desses inst rument os para esse t recho da peça.

Exemplo nº. 6: represent ação do f luxo do rio


Not a-se, inclusive, no exemplo acima, que Smet ana reut iliza o mesmo mot ivo apresent ado pelas f laut as
no início da peça para caract erizar o moviment o do primeiro manancial - vide exemplo nº 1 e linhas do
violoncelo e da viola no exemplo 6 - e, ainda, que inclusive o visual da part it ura remet e a ondas.
A part ir do compasso 47, anacruse para o 48, o t ema repet e-se com variações de acent os e dinâmica,
sugerindo um segundo moment o no percurso do rio, t ornando-o mais "pomposo", dando a idéia de
amplidão.
Após a repet ição do t ema, t em início uma variação. Dividida em duas pequenas f rases, a variação é uma
ext ensão do t ema, e é execut ada pelos mesmos inst rument os somados às f laut as e clarinet es.
Caract eriza um moment o ainda mais pomposo do percurso do rio e sugere um alargament o, ou um f luxo
mais "livre" das águas, em razão de ser uma ext ensão da f rase do t ema e de vir acompanhada da harpa,
do t riângulo e das t rompas que encorpam o cont ext o musical.

Exemplo nº. 7: Variação do t ema - ext ensão


No exemplo abaixo, a harpa, as t rompas e a percussão que acompanham a variação do t ema
impulsionando o f luxo do rio:

Exemplo nº. 8: Acompanhament o da variação do t ema - impulsiona o f luxo do rio


Após a variação, na últ ima colcheia do compasso 63, anacruse para o 64, inicia o que pode ser chamado
de conclusão do t ema. Est a conclusão possui um carát er t ambém pomposo - pelas impulsões e
acent uações dos inst rument os - e condut or do f luxo cont ínuo do rio caract erizados pela levada que
acont ece ent re violinos e sopros.

16
Expressão it aliana derivada da palavra Ondeggiare que signif ica: ondear; agit ar-se.
64 SIMPEMUS 5

Exemplo nº. 8: Conclusão do t ema


Esse pequeno mot ivo se desenvolve at é o compasso 69, onde f inaliza o t ema. Ainda no compassa 64,
aparece pela primeira vez o principal mot ivo das t rompas e met ais ao longo da peça. Aqui não possuem
nenhuma f unção evident e, mas em part es post eriores t erão papéis de dest aque, como, por exemplo, o
de caract erização da f lorest a na segunda part e da peça. Acompanhando as madeiras, as t rompas em
cr esc. aument am gradat ivament e sua part icipação começando a anaunciar a passagem para a próxima
part e da peça.

Exemplo nº. 9: Um dos principais mot ivos dos met ais ao longo da peça, represent a um anúncio
No compasso 70, impulsionadas pela percussão, as cordas, que mant inham o f luxo do rio, iniciam um
moviment o descendent e que conduz à repet ição do t ema principal - como nos compassos 36 ao 39,
primeiro anúncio do t ema. Sendo execut ado dest a vez t ambém pelas f laut as, acompanhado pela harpa,
percussão e t rompas, o t ema reaparece aqui, no compasso 62, anacruse para o 63, muit o mais
encorpado em razão do acompanhament o e da inst rument ação, sugerindo que o rio se encont ra agora
num t recho mais veloz, preparando o clima da caça da segunda part e da peça.

Exemplo nº. 10: Condução para repet ição do t ema.


Após a repet ição do t ema, j á t endo apresent ado o Rio Moldava, Smet ana segue para a próxima part e da
peça.
Limit amos-nos, aqui, a analisar soment e a primeira das oit o part es de "Vlt ava" a f im de demonst rar
algumas das muit as f ormas de represent ação por meio da música. Tendo em vist a os diversos
argument os, muit os deles cont roversos, acerca da capacidade da música de comunicar algo mais além
do mat erial sonoro pura e simplesment e, o present e art igo sugere mais uma opção de escut a da peça
em quest ão, e serve como exemplo da int erpret ação musical que pode ser f eit a por meio da leit ura da
part it ura de uma peça programát ica.
Nesse cont ext o, at ravés da not ação musical, é possível imit ar-se os sons da nat ureza ou sugerir f at os e
sent iment os. Em se t rat ando de peça programát ica por excelência, mesmo que est a ainda possa ser
apreciada soment e como música absolut a, most ra-se especialment e relevant e acessar, por meio da
análise musical, a f ont e de inspiração do composit or para seu t ot al ent endiment o.
simpósio de pesquisa em música 2008 65
Referências
ALBANO, Sônia de Lima. Perf ormance: Invest igação Hermenêut ica nos Processos de Int erpret ação Musical. In: RAY,
Sonia. Perf ormance musical e suas int erf aces. Goiania: Edit ora Vieira, pp. 95-117, 2005.

BLEICHER, Josef . Hermenêut ica Cont emporânea. Rio de Janeiro: Edições 70, 1980. 383pp.

BROWN, Calvin S. Music And Lit erat ure - A Comparision of Art s. Est ados Unidos: The Universit y of Georgia Press, [ sd] .
287pp.

KRAMER, Lawrence. Music and Represent at ion: The Inst ance oh Haydn's 'Crat ion'. In: SCHER, St even Paul. Music and
Text : Crit ical Inquiries, . Cambridge: Cambridge Universit y Press, pp. 139-162, 1992.

SCRUTON, Roger. The Aest het ics of Music. New York: Oxf ord Universit y Press, 1999. 530pp.

Musica Bohemica - Link: <ht t p: / / pagesperso-orange. f r / alain. cf / j eusmeint ro. ht m> (20 de j unho de 2008).

E-Dicionário de Termos Lit erários, link: <ht t p: / / www2. f csh. unl. pt / edt l/ verbet es/ A/ art e_pela_art e. ht m> (15 de
set embro de 2008).
“ EM MEMÓRIA DE UM AMIGO” : CONSIDERAÇÕES SOBRE CAMARGO GUARNIERI PÓS-TONAL

Acáci o Tadeu de Camar go Pi edade (UDESC) Al l an Medei r os Fal quei r o (UDESC)

RESUMO: Camargo Guarnieri f oi composit or vincul ado ao moviment o nacional ist a, e suas obras são
geral ment e anal isadas e consideradas sob est e viés. Na pequena peça para piano “ Em memória de um
amigo” , compost a em 1972, parece não haver t raços de seu nacional ismo t ípico. O present e art igo
pret ende invest igar est a peça at ravés de uma anál ise de cl asses de al t ura e ref l et ir sobre a l inguagem
pós-t onal no repert ório do composit or.
PALAVRAS-CHAVE: Anál ise Musical ; Musicol ogia-Et nomusicol ogia; Teoria musical ; Música no cont ext o
sócio-cul t ural e hist órico.
ABSTRACT: Camargo Guarnieri was a composer t ied wit h t he nat ional ism movement , and his works are
usual l y considered and anal yzed by t his view. In his short piano peace “ Em memória de um amigo” ,
composed in 1972, seems t o don’ t have t races of his common nat ional ism. This art icl e pret ends t o
invest igat e t his work using a pit ch-cl ass set anal ysis and t o ref l ect about t he l anguage post -t onal in t he
composer repert ory.
KEYWORDS: Musical anal ysis; Musicol ogy-Et hnomusicol ogy; Musical Theory; Music in socio-cul t ural and
hist oric cont ext .

Int rodução
Est e art igo é f rut o de uma pesquisa com f oco na anál ise de músicas pós-t onais ut il izando o mét odo da
t eoria dos conj unt os de cl asses de al t ura1. Propomos aqui uma anál ise da peça Em Memór i a de um
Ami go, compost a para piano em 1972 por Camargo Guarnier i, ut il izando est a perspect iva. O obj et ivo é
buscar sua coerência int erna, ref l et ir sobre a l inguagem ut il izada e procurar t raços do nacional ismo
t ípico do composit or.
A t raj et ória de Camargo Guarnieri é bem conhecida (VERHAALEN, 2001; SILVA, 2001). Prof undament e
rel acionado e inf l uenciado pel as idéias do Mário de Andrade do Ensai o sobr e a Músi ca Br asi l ei r a (SILVA,
1999), procurou desde cedo desenvol ver uma l inguagem nacional . Mais do que ist o, envol veu-se com a
causa do nacional ismo, e escreveu a f amosa Car t a Aber t a aos Músi cos e Cr ít i cos do Br asi l , em dezembro
de 1950. Nessa al t ura, j á era um composit or reconhecido nacional e int ernacional ment e, considerado,
j unt ament e com Franscisco Mignone, a grande promessa para o desenvol viment o de uma música
nacional (AZEVEDO, 1956). A pol êmica sobre est a cart a j á est á bem descrit a na l it erat ura (EGG, 2006;
KATER, 2001), e o que gost aríamos de sal ient ar aqui é que, 22 anos após o manif est o, Guarnieri
escreveu est a pequena peça para piano compl et ament e at onal , isent a de t raços nacional ist as aparent es.
É verdade que um cert o at onal ismo f az part e da l inguagem t ardia do composit or, e est ava j á present e
em al guns dos Pont ei os. Porém, o f at o dist o ocorrer em uma única peça isol ada, aqui int eirament e
despoj ada de t raços t onais, uma obra pequena qual uma miniat ura de Webern, com um ét hos
mel ancól ico, est e f at o chama a at enção. Esse Camargo Guarnieri pós-t onal é que nos int eressa aqui, e
nos avent uramos em uma anál ise det al hada dos conj unt os de cl asses de al t uras em busca da coerência
int erna da peça.

Análise
A obra f ora encomendada ao composit or pel o pianist a Caio Pagano em memória de seu pai, e é “ é uma
evocação da t rist eza” (VERHAALEN, 2001, pg. 103). Se est a t rist eza é evident e ou não, coment aremos
mais adiant e nest e art igo, mas o que se pode dizer de ant emão é que bast a ouvi-l a ou t ocá-l a para se
const at ar cl arament e que el a f oge compl et ament e do t onal ismo. Como ident if icar Camargo Guarnieri
nest a peça? Um el ement o f amil iar é a sal iência da pol if onia, um t raço bem evident e do est il o de
Guarnieri, present e, por exempl o, nos Pont ei os (FIALKOW, 1995) . Na sua est rut ura f ormal , a obra
t ambém exibe a simpl icidade dos Pont ei os: possui f orma cl aríssima A-B-A, com cl ímax na part e B. Pode-
se dizer que a part e B, que t em o dobro de compassos da part e A, é um t ipo de desenvol viment o do

1
Mét odo analít ico desenvolvido por Allen Fort e (1973). Para conceit uações e ref ormulações da música dit a “ pós-
t onal” , ver SIMMS (1996) e MORGAN (1992). Nest e art igo, empregaremos o t ermo “ pós-t onal” no sent ido das
qualidades da música que surgiu do início do século XX, sucedendo hist oricament e aquela do período t onal, o da
“ prát ica-comum” .
simpósio de pesquisa em música 2008 67
mat erial apresent ado na part e A. De f at o, chamaremos as t rês part es de exposição, desenvolviment o e
re-exposição. A part e B é caract erizada por cont er 3 divisões int ernas de 6 compassos, separados pela
not a D no regist ro grave do piano. A part e A t em como caract eríst ica principal a polif onia a duas vozes,
uma delas chamaremos de “ voz principal” e out ra de “ segunda voz” . A voz principal é a melodia l egat o
na mão direit a, sendo acompanhada pela segunda voz na mão esquerda (que chamaremos de “ voz
secundária” ). Já no clímax da peça, o f inal da part e B, as duas mãos se unem para a execução de
acordes e melodias oit avadas com a presença da sét ima menor ent re as not as. A re-exposição de A é
quase uma repet ição, com import ant es element os incluídos, e uma pequena Coda em est ilo moriendo.
Esquema f ormal:
A c. 1-9 Exposição

B c. 10-27 Desenvolviment o Sub-divisões: B1(c. 10-15), B2(c. 16-21) , B3(c. 23-27)


A c. 28-39 Re-exposição Coda(c. 35-39)

Exposição
Durant e t oda a part e A da peça, a voz secundária, execut ada pela mão esquerda, permanece
apresent ando o mesmo mot ivo quart al e descendent e, gerando o conj unt o 3-9: [ 0, 2, 7] 2. Est es conj unt os
aparecem em duplas, separados por um grau de dif erença. Ent ret ant o, algumas vezes, uma das not as
dest e conj unt o é omit ida, rest ando apenas um dos dois salt os de quart a. É aceit ável argument ar que se
t rat a de omissão, j á que na re-exposição alguns dest es conj unt os que não possuíam uma das not as
reaparecem complet os. O exemplo abaixo most ra os conj unt os f ormados pela voz secundária na
exposição.

Ilust ração 1 - Conj unt os 3-9: [ 0, 2, 7] e [ 0, 5]


Já a voz principal, no decorrer de t oda a peça, pode ser dividida em vários conj unt os que sempre
acabam em uma not a com maior duração que as ant ecedent es. Est a part e A possui apenas t rês
conj unt os na voz principal, os quais coment aremos a seguir.
Not e-se que as not as de t érmino dest es t rês conj unt os t ambém f ormam o conj unt o 3-9, caract eríst ico
da voz secundária. St raus denomina est e recurso como “ elaboração em longa escala” 3 (STRAUS, 1990,
pg. 72).

2
Ut ilizaremos a list a de conj unt os propost a por Fort e (1973 – Appendix I).
3
No original, l arge-scal e composing-out .
68 SIMPEMUS 5

Ilust ração 2 - Conj unt o 3-9: [ 0, 2, 7] em larga escala


Est e primeiro conj unt o possui uma das caract eríst icas principais da peça: o cromat ismo, represent ado
pela coleção [ D#, E, F] , cuj a f orma prima é 3-1: [ 0, 1, 2] . Mas, cont ando com as duas primeiras not as do
conj unt o seguint e, o mesmo conj unt o pode ser expandido com a adição da not a F#, t ornando-se 4-
1: [ 0, 1, 2, 3] . A mesma not a F# t ambém pert ence à coleção [ Db, Eb, F#, G] , denominada 4-Z15: [ 0, 1, 4, 6] ,
seguido pela coleção [ B, C, Db, D] , t ambém da cat egoria 4-1. Dest a f orma, pode-se ver o conj unt o 4-Z15
como elo ent re os dois conj unt os 4-1, conf orme most ra o quadro abaixo.

Ilust ração 3 - conj unt os 4-1: [ 0, 1, 2, 3] ligados pelo 4-Z15: [ 0, 1, 4, 6]


O t erceiro conj unt o inicia-se com a coleção [ A, Db, Eb, F] , cuj a f orma prima é 4-Z29: [ 0, 1, 3, 7] , seguido
pelo conj unt o 4-1. Os conj unt os 4-Z29 e 4-Z15, al ém de exercer a mesma f unção de ligação ent re
conj unt os 4-1, t ambém são int er-relacionados pela Relação-Z, signif icando que os dois possuem o
mesmo cont eúdo de int ervalos mas não são nem t ransposição nem inversão um do out ro (ver STRAUS,
1990, pg. 67).

Ilust ração 4 - Conj unt os 4-Z15: [ 0, 1, 4, 6] e 4Z29: [ 0, 1, 3, 7] , seguidos pelos 4-1: [ 0, 1, 2, 3]


A part e A t ermina com a aparição de um mot ivo com um salt o de t erça maior - que post eriorment e
servirá para a conclusão da peça, que acaba com a coleção [ A, C, Db] , 3-4: [ 0, 1, 5] . A presença da not a D
no ext remo grave do piano ref orça o f im dest a primeira part e.

Ilust ração 5 - mot ivo e conj unt o 3-4: [ 0, 1, 5]

Desenvolvimento
Guarnieri inicia a part e B1 no compasso 10, onde a principal mudança no nível secundário é a quebra do
padrão 3-9 e os mot ivos quart ais, bem como a inserção do conj unt o 3-1, bast ant e cromát ico,
primeirament e em ornament os para a not a cent ral do conj unt o, mas t ambém em larga escala nas not as
mais agudas dos conj unt os.
simpósio de pesquisa em música 2008 69

Ilust ração 6 - Conj unt os 3-1: [ 0, 1, 2] em ornament os e em larga escala. conj unt o 3-9: [ 0, 2, 7]
Na voz principal, o quart o conj unt o de not as inicia-se com a coleção [ F#, G, C] , 3-5: [ 0, 1, 6] , e segue com
uma escala cromát ica descendent e com as 12 not as, mas com quebras de oit ava. Porém, o conj unt o
t ermina duas not as ant es do f im dest e grande cromat ismo.

Ilust ração 7 – Conj unt o 3-5: [ 0, 1, 6] seguido pelo cromat ismo de doze not as
Em seguida, encont ramos duas novas coleções [ G#, A, C] e [ D, F, F#] , ambos com a mesma f orma prima, 3-
3: [ 0, 1, 4] , com um conj unt o 3-9 ent re eles.

Ilust ração 8 - Conj unt o 3-9: [ 0, 2, 7] ent re dois conj unt os 3-3: [ 0, 1, 4]
Est a mesma coleção de not as t ambém t em como caract eríst ica a presença de quat ro conj unt os 3-4
int ernament e, caso ut ilize cada not a como iniciant e de um novo conj unt o.

Ilust ração 9 - Conj unt os 3-4: [ 0, 1, 5]


No c. 16 inicia-se a seção B2. Novament e, a not a D aparece no ext remo grave do acompanhament o, de
f orma a deixar claro uma nova subseção. A part ir dest e pont o, Guarnieri abandona de vez o conj unt o 3-
9 do acompanhament o, ut ilizando apenas salt os de nonas menores.
70 SIMPEMUS 5
O sext o conj unt o de not as pode ser dividido em duas coleções [ C, E, F#, G] e [ Db, D, Eb, Ab] , f ormando,
respect ivament e, os conj unt os 4-Z29: [ 0, 1, 3, 7] e 4-6: [ 0, 1, 2, 7] . O primeiro é o mesmo conj unt o do
t erceiro grupo de not as, j á o segundo, é um super-conj unt o do conj unt o 3-9, que virá a aparecer na voz
secundária, na re-exposição.

Ilust ração 10 - Conj unt os 4-Z29: [ 0, 1, 3, 7] e 4-6: [ 0, 1, 2, 7]


Vist o como um grande conj unt o, est a coleção se assemelha ao segundo conj unt o, ambos possuindo a
mesma f orma prima, 8-5: [ 0, 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8] .

Ilust ração 11 - Conj unt os 8-5: [ 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8]


A coleção seguint e é iniciada com o conj unt o [ G, B, C] , 3-4, e é seguido por um conj unt o cromát ico 6-
1: [ 0, 1, 2, 3, 4, 5] . O conj unt o que inicia a coleção H é o [ G#, C#, D] , 3-5: [ 0, 1, 6] , t ambém seguido por
conj unt o cromát ico 4-1: [ 0, 1, 2, 3] .

Ilust ração 12 - 3-4: [ 0, 1, 5] , 6-1: [ 0, 1, 2, 3, 4, 5] , 3-5: [ 0, 1, 6] , 4-1: [ 0, 1, 2, 3]


Ent ret ant o, ao se analisar as duas coleções como uma unidade, surgem t rês conj unt os 4-1, [ F, F#, G, Ab] ,
[ C#, D, Eb, E] e [ F, F#, G, Ab] novament e.

Ilust ração 13 - 3 conj unt os 4-1: [ 0, 1, 2, 3] seguidos.


Em seguida, Guarnieri ut iliza um recurso de composição muit o comum em peças de Bart ók, onde duas
not as simult âneas, a part ir de uma oit ava, seguem em moviment o cont rário, af unilando-se de encont ro
a uma not a cent ral (uníssono). A part ir dest e conj unt o, um cr escendo leva ao pont o culminant e da peça.
simpósio de pesquisa em música 2008 71

Ilust ração 14 – Conj unt o 3-1: [ 0, 1, 2] e não sei como nomear o grupo
Ainda aparece o conj unt o 4-6: [ 0, 1, 2, 7] na mão esquerda, que logo em seguida pára de execut ar
acompanhament o para se j unt ar à mão direit a em acordes, que f ormam os conj unt os 3-11: [ 0, 3, 7] , 3-
5: [ 0, 1, 6] e 3-9: [ 0, 2, 7] . Na mão direit a, o grupo de not as represent a o conj unt o [ Ab, B, C, C#, D] ,
denominado 5-4: [ 0, 1, 2, 3, 6] . Novament e o conj unt o 3-9: [ 0, 2, 7] na mão esquerda, com uma nova
aparição do D grave, marcando uma nova sessão da part e B.

Ilust ração 15 - 4-6: [ 0, 1, 2, 7] , acordes com 3-1, 3-5 e 3-9, melodia f ormando o conj unt o 5-4: [ 0, 1, 2, 3, 6] .
At ingimos a seção B3, o clímax da obra. O conj unt o 3-9 é usado como ornament o para uma not a aguda
est rident e, como é ref erido pelo composit or, seguido por um acorde pianíssimo na região grave do
piano, f ormando o conj unt o [ Db, Eb, E, Gb, Ab] , de f orma prima 5-23: [ 0, 2, 3, 5, 7] . Em seguida, as not as da
melodia f ormam o conj unt o [ B, D, Eb, E, F] , novament e o 5-4: [ 0, 1, 2, 3, 6] . Complement ado por um novo
acorde grave, f ormando o conj unt o [ Db, Eb, F, Gb, Ab] , t ambém 5-23.

Ilust ração 16 - 3-9: [ 0, 2, 7] como ornament o, 5-23: [ 0, 2, 3, 5, 7] nos acordes, 5-4: [ 0, 1, 2, 3, 6] na melodia.
O ornament o e o primeiro acorde grave são repet idos, mas cont inuados dif erent ement e, f ormando o
conj unt o 5-6: [ 0, 1, 2, 5, 6] na melodia e 5-11: [ 0, 2, 3, 4, 7] no acorde. Por f im, um cromat ismo descendent e
f az a pont e para a re-exposição, com o conj unt o 4-1: [ 0, 1, 2, 3] .

Ilust ração 17 - Repet ição lit eral dos primeiros t empos do compasso, mas com o conj unt o 5-6: [ 0, 1, 2, 5, 6]
na melodia seguido pelo 5: 11[ 0, 2, 3, 4, 7] . 4-1: [ 0, 1, 2, 3] como pont e.
72 SIMPEMUS 5
A reexposição cont a com os t rês grupos melódicos originais da part e A int act os, mas com signif icant es
variações na voz secundária. Ent re elas, a união dos conj unt os 3-1 e 3-9, j á coment ado na primeira
aparição dest e conj unt o na melodia, f ormando o conj unt o 4-6: [ 0, 1, 2, 7] . O conj unt o 3-5: [ 0, 1, 6] t ambém
passa a f azer part e da voz secundária.

Ilust ração 18 - Conj unt os 4-6: [ 0, 1, 2, 7] e 3-5: [ -, 1, 6] .


Como pode ser percebido na f igura acima, o D grave t ambém f oi ant ecipado para o f im do primeiro
grupo melódico.
A Coda possui clarament e o padrão de melodia e acompanhament o da part e A, mas com a
t ransf ormação do conj unt o 3-9 em 3-5 no acompanhament o e a exploração do mot ivo apresent ado no
f inal da part e A, com o salt o caract eríst ico de t erça maior, mas que se t ransf orma em sét ima maior em
sua últ ima aparição, concluindo a peça.

Ilust ração 19 - Conj unt os 3-9: [ 0, 2, 7] e 3-5: [ 0, 1, 6] no acompanhament o e a presença do mot ivo na
melodia.

Conclusão
A t ecnicidade da análise de classes de alt ura revela um lado import ant e da linguagem pós-t onal de
Camargo Guarnieri nest a peça: coerência organizacional. Seria import ant e desenvolver uma análise
mot ívico-t emát ica acurada para conf ront ar com os result ados da present e análise, o que cert ament e
necessit aria maior espaço do que o disponível para est e art igo. Mesmo assim, podemos dest acar, nas
seções A e B, o cont rapont o ent re o cant abi l e cromát ico e o pont eado quart al. É not ável t ambém, em B,
o element o t emát ico da colcheia st acat t o, isolada, com um ou duas not as ornament ais que, uma oit ava
abaixo, circundam cromat icament e a not a, est e element o mot ívico inf ilt rando-se no clímax e na re-
exposição. Enf im, não f alt am pont os int eressant es no nível mot ívico dest a peça. Com o mapeament o
dos conj unt os de classes de alt ura em mãos, um próximo passo poderá incorporar est a dimensão
analít ica e enriquecer o est udo dest a peça.
Guarnieri est ava em má sit uação f inanceira quando compôs est a peça. A encomenda de Caio Pagano
pedia apenas uma peça, sem nenhuma out ra recomendação, f osse est ilíst ica ou de out ra nat ureza. E
Camargo Guarnieri compôs est a miniat ura em memória de seu amigo, pai de Caio Pagano, est a pequena
elegia at onal, vint e e dois anos após a Car t a Aber t a (EGG, 2006). Do nacionalismo aqui rest a muit o
pouco. Dahlhaus diria que est a é uma peça de música absolut a, absolut ament e cosmopolit a (DAHLHAUS,
1989). De seu est ilo habit ual rest a aqui algum espírit o sert anej o ocult o, algo como um pont eado velado
t ant o no t rat ament o polif ônico quant o na f orma. Com est a análise, que pela nat ureza do mét odo
empregado é bast ant e desencarnada de qualquer sent iment alidade, podemos encont rar coerências
signif icat ivas no nível das classes de alt uras. Ist o evidencia, no mínimo, uma organização prévia da peça
que buscou unidade. Est amos longe de af irmar que Guarnieri pensou em classes de alt uras. Acredit amos
que Guarnieri ut iliza o at onalismo de f orma int uit iva, a part ir da escut a do próprio dodecaf onismo, t ão
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 73
prest igiado ent re seus pares na época. Um grande composit or que se dava ao l uxo de ent rar na onda
pós-t onal com t odo seu t al ent o e int uição, obt endo bons resul t ados em t ermos de coerência de
conj unt os.

Referências:
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POEMA SONORO/ MÚSICA POÉTICA: UMA ARTE DE FRONTEIRA

Dani el Quar ant a (UFPR)

RESUMO: O principal obj et ivo dest e t rabal ho é pensar a rel ação ent re duas f ormas art íst icas (a poesia
sonora e a música el et roacúst ica) e a suas f ormas de produção, dent ro de um cont ext o no qual o
cruzament o ent re dif erent es meios de expressão permit e est abel ecer uma pont e t eórica e est ét ica
ent re ambas. Est e t rabal ho é uma primeira aproximação anal ít ica no qual apresent aremos al gumas
concl usões parciais.
PALAVRA-CHAVE: Música El et roacúst ica; Poesia Sonora; Anál ise musical ; Mul t imeios.
ABSTRACT: The main obj ect ive of t his work is t o t hink t he rel at ion bet ween t wo art ist ic f orms (t he
sonorous poet ry and el ect roacúst ica music) and it s f orms of product ion, wit hin a cont ext in which t he
crossover bet ween dif f erent means f rom expression al l ows t o est abl ish a t heoret ical and aest het ic
bridge bet ween bot h. This work is one f irst anal yt ical approach in which we wil l present / displ ay some
part ial concl usions.
KEYWORDS: El ect roacoust ic music; Sound Poet ry; Musical Analysis; Mult imedia.

Art es de Front eira


Ao l ongo do sécul o XX podemos observar uma crescent e dissol ução dos l imit es ent re dif erent es meios de
expressão e t ambém do conceit o de art e em geral . É possível imaginar uma pint ura sem t el a, uma
música sem sons, um l ivro sem escrit ura, uma poesia sem pal avras ou uma peça t eat ral sem narrat iva.
Al gumas obras que demonst ram est as premissas são, por exempl o, “ 4´ 33´ ´ ” (1952) de John Cage; “ A
Canção Not urna do Peixe” (1924), de Christ ian Morguenst ern; “ O Poema Fônico Mudo” , de Man Ray; ou a
“ Ursonat e” (1932), de Kurt Schwit t ers, cuj as bul as para a int erpret ação sonora dos mesmos, l embram as
bul as das part it uras de música cont emporânea e at é a sua f orma, por exempl o, uma sonat a com seus
t emas A e B.
A paul at ina abert ura ent re os meios de expressão ao l ongo de t odo o sécul o XX permit iu uma
int erpenet ração dos campos criat ivos e int erpret at ivos, abrindo caminho para novas conf igurações de
obras carregadas de indet erminação e especif icidade discursiva. Umbert o Eco em A Obr a Aber t a
coment a: “ t oda f orma art íst ica é um compl ement o do conheciment o cient íf ico, é uma met áf ora
epist emol ógica do sist ema que o gera” (ECO. 1990. p, 198). Sendo assim, em cada moment o hist órico, a
art e ref l et e a maneira como a ciência e o uni verso cul t ural da época vêem esse mundo.
Pensando a poesia sonora, Wil l iam Burroughs observou que:
“ Com respeit o à poesia sonora, onde as palavras perdem o que cost uma ser denominado como
sent ido e novas palavras podem ser criadas arbit rariament e, surge a pergunt a sobre a
f ront eira que divide a música da poesia, em ref erência específ ica à música de composit ores
como John Cage, que const roem sinf onias a part ir de sons j ust apost os. A respost a é que t al
f ront eira não exist e. As f ront eiras que separam música e poesia, escrit ura e pint ura, são
t ot alment e arbit rárias, e a poesia sonora f oi concebida precisament e para romper est as
cat egorias e libert ar à poesia da página impressa, sem eliminar dogmat icament e sua
conveniência” ( BURROUGHS, 1979. p, 10) .

Est a t ransf iguração do gênero poét ico a que Burroughs se ref ere, poderia ser compl ement ada com o
conceit o de escrit ura “ em voz al t a” de Rol and Bart hes. Bart hes observa que “ a escrit ura em voz al t a
não é a f al a, mas uma mist ura erót ica do t imbre e da l inguagem (…. ), a mat éria de uma art e, a art e de
conduzir ao próprio corpo (. . . )” (BARTHES, 2004. p, 77)
A poesia sonora poderia ser def inida como aquela que evit a usar a palavra como mero veículo
de signif icados. A composição do poema ou t ext o f onét ico est á est rut urada com sons que
requerem uma realização acúst ica e uma perf ormance. Est a se dif erenciaria da poesia
declamada ou recit ada t radicionalment e pela int rodução de t écnicas f onét icas, ruídos e,
sobret udo, por seu carát er experiment al no uso da linguagem (ou por evit ar usar as palavras
como linguagem). Essa mist ura de t imbre e de linguagem t alvez sej a a chave para encont rar
uma pont e ent re uma música que poderíamos chamar poét ica e uma poesia f undada na
mat erialidade do som.
simpósio de pesquisa em música 2008 75
Ao l er as cit ações de Burroughs e Bart hes pensamos imediat ament e em como f oi o processo no qual a
poesia f oi ent rando no século XX, t ant o se expandindo na geograf ia espacial 1 do papel , como t endendo
para a exploração dos element os sonoros, ou sej a, enriquecendo-se com det erminados parâmet ros,
hist oricament e adj udicados à música. Recordamos, por exempl o, de John Cage “ perf ormando” poét ica e
musicalment e as leit uras de seus livros “ Si l ence” ou “ A Year Fr om Monday” . Também o t rat ament o da
voz em obras como “ Gesang der Jüngl i nge” de St ockhousen ou na “ Sequenza III” , para voz f eminina, de
Luciano Berio (1965).
Com est as primeiras premissas observamos que exist em expressões art íst icas que exploram os limit es de
suas t écnicas e cuj a ident idade nasce do uso de obj et os “ emprest ados” de out ras áreas. Ist o é o que
sucede no poema sonoro ou na pol ipoesia, j á que est as prát icas ext ravasam o campo f ormal e específ ico
da poesia, para propor uma int ervenção que ult rapassa o signo gráf ico, o signif icado da linguagem, o
espaço no papel , e t ende a um t ipo de perf ormance, que irrompe no domínio do som. Est a mudança de
f oco produz uma t ransf ormação na qual o som é o el ement o que ocupa o l ugar da pal avra,
t ransf ormando-se no grande prot agonist a. Ent ão, no limit e dest a f ront eira inespecíf ica, o que é música
e o que é poesia? Como poderíamos def inir o poema que vive no som, cuj a mat erialidade est á mais na
granulação da voz que no regist ro escrit o? O que acont ece com a pal avra, que j á não é soment e veícul o
de signif icados?
Observamos que na poesia sonora ut iliza-se o t ermo composi ção porque há uma grande proximidade
ent re o est e processo criat ivo de um discurso poét ico e a criação de uma obra musical , desenvol vendo
qualidades consideradas básicos da música: int ensidade, alt ura, rit mo, est rut ura t emporal, exploração
do t imbre, et c.
A poesia sonora, ou a “ música poét ica” , são expressões mult imediais, onde os element os acúst icos
at ravessam a f ront eira ent re as duas “ t echné” e det erminam um val or est ét ico que se redef ine a part ir
dessa f usão.
Est a ação de int erpenet ração ent re dif erent es meios de expressão adquere especial import ancia no
começo do século XX na produção art íst ica e int elect ual das vanguardas hist óricas e se proj et a at é as
recent es obras hiper-t ecnológicas mult imídia, passando por Ant onin Art aud, com sua propost a de
“ Teat ro da Cruel dade” 2, e post eriorment e com a perf ormance como gênero onde se desenvol vem
múlt iplas possibilidades expressivas de maneira simult aneas.
Cont ext ualizaremos est as premissas realizando um breve percurso hist órico.

Do Futurismo à Poesia Fonética


Ainda que um ampl o est udo da poesia f onét ica nos l eve a cult uras af ast adas da Europa, ant eriores ao
século XX f oi o f ut urismo it aliano e o f ut urismo russo que marcaram uma l inha de rupt ura,
especialment e na lit erat ura e na música3. O manif est o que Fel ippo Tommaso Marinet t i publ icou em
1916, “ A Decl amação Di nâmi ca e Si nópt i ca, Mani f est o Fut ur i st a” , est ava dirigido sobret udo a poet as, e
f oram est es os primeiros a aderir ao moviment o4. Os f ut urist as it alianos consideravam que era
indispensável a criação de uma nova l inguagem que expressasse a nova realidade. Propõe ent ão a
abolição do advérbio, a supressão da gramát ica e a sint axe, a ut ilização do verbo no inf init ivo, para
suprimir o “ EU” , a mudança dos signos de pont uação por signos mat emát icos e musicais, e a ut ilização,
como inst rument os musicais, de mart elos, buzinas, mot ores ou máquinas de escrever. Também propõe o
uso poét ico de onomat opéias e ruídos, a part ir do conceit o de ruidismo, propost o por Luigi Russolo no
manif est o de 1913 “ A Ar t e dos Ruídos” 5.
Para os f ut urist as, o poema não est ava dest inado à leit ura silenciosa, mas a uma propost a para sair da
página e ser encenado convidando a part icipação do público. Um recit al poét ico f ut urist a era, ant es de
t udo, um espet áculo visual e f onét ico. No Mani f est o de 1916, os Fut urist as Russos apresent am “ A
decl amação da pal avr a” 6 onde se af irmava que a l íngua comum escravizava e propunha-se uma nova
l íngua chamada zaum 7. Est a língua, mais conceit ual que real e vazia de um sent ido racional, most rava
as possibilidades de uma linguagem que seus f undadores chamaram de “ t ransment al ” . Assim,

1
Recordemos a obra inaugural da experiment ação espacial : “ Un coup de dés j amais n'abolira le hasard” de 1897
onde a espacialidade e a graf ia adquierem uma import ância subst ancial. Haroldo de Campos diz: “ Mallarme é o
invent or de um processo de organização poét ica que nos parece comparável, est et icament e, ao valor musical da
série, descobert a por Schoenberg e purif icada por Webern (…)” , in:
CAMPOS, H. , CAMPOS, A. , PIGNATARI, D, “ Mallarmé” . São Paulo, Perspect iva. 1974. p. 23.
2
ARTAUD, Ant onin. O Teat ro e seu Duplo. São Paulo. Mart ins Font es. 1999
3
Exist en muit os regist ros de poesía onomat opéica desde o século XVI e XVII como pode ser consult ado no art igo de
Dick Higgins: Los Orígenes de la Poesía Sonora: ht t p: / / www. alt amiracave. com/ dickh. ht m Acesso em 04-05-2007
4
Felippo Tommaso Marinet t i f oi poet a e um dos criadores do f ut urismo it aliano.
5
Luigi Russolo f oi músico e composit or e um dos criadores da art e do ruido, que é a base da música f ut urist a.
6
HIGGINS, Dick. Los Orígenes de la Poesía Sonora: ht t p: / / www. alt amiracave. com/ dickh. ht m Acesso em 04-05-2007.
7
in SIBILA, Revist a de Poesia e Cult ura. MINARELLI, Enzo. “ A Voz Inst rument o da Criação” , São Paulo. Ano 4. Número
4-5. At eliê Edit orial. 2005. Pág. 197.
76 SIMPEMUS 5
el aboraram t rês f ases da escrit ura: a verbocriação, a f onoescrit ura e o al f abet o ment al . Est as f ases
est avam baseadas na const rução de uma nova mat erial idade sonora, cont ribuindo a romper com o
regul ament o ret órico da poesia t radicional e a criar uma desaut omat ização da l inguagem e do sent ido
comum das palavras.
Com a propost a Dadaist a8 t ambém puseram-se em quest ão as unidades discursivas t radicionais. Em
1916, em Zurique, Hugo Bal l f undou o “ Cabaret Vol t ai re” (um cabaré com f ins art íst icos e pol ít icos).
Bal l criou o conceit o da ant i-poesia, de “ versos sem pal avras” e o “ poemas de sons” . Enquant o Bal l
ut il izava corrent es de neol ogismos, os poemas de Hausmann se baseavam diret a e excl usivament e em
combinações de l et ras. Para Hausmann o poema era um conj unt o de ações respirat órias e sonoras,
desenvol vidas no t empo. Os poemas de Bal l criavam neol ogismos e onomat opéias musical ment e
concebidas e os poemas f onét icos de Hausmann t inham sucessões de vogais e consoant es sem a int enção
de dar um sent ido semânt ico.
Nas primeiras t ent at ivas dadaíst as podemos observar poemas baseados em met áf oras musicais. Kurt s
Schwit t ers, Hugo Bal l , Hausmann e Hül senbeck decl aravam que f aziam "poemas de sons", “ poemas sem
adj et ivos” e "col agens acúst icas", at é “ ruidismo poét ico” . Trist án Tzara (out ro dos f undadores do
Dadaísmo) criou poemas baseado-se em "um sist ema pol if ônico de sons" (MARINELLI, Enzo. Opu ci t . Pág.
185).
Simul t aneament e ao desenvol viment o das vanguardas européias, na América Lat ina encont ramos out ras
manif est ações. Em 1920, surge no México um moviment o chamado Est r i dent i smo que t eve como
principais prot agonist as Mapl es Arce e Lizt Arzubide (Idem Ibidem. Pág 187). É import ant e mencionar
que nesse moviment o, assim como no f ut urismo e no dadaísmo, se usaram met áf oras musicais para
det erminar as diret rizes est ét icas e ideológicas da Poesia Est rident ist a. Al gumas del as eram as
seguint e: “ somos not as do pent agrama” e t ambém, “ queremos convert er a poesia numa música de
idéias” .
At é aqui observamos uma série de moviment os que ut il izam a poesia como uma f orma de expl orar ao
máximo os el ement os f onét icos usando met áf oras sonoras (e musicais) para inspirar a criação de novas
f ormas de renovação poét icas. A part ir da década de 1950, e com a chegada de det erminados avanços
t ecnol ógicos que permit iram regist rar o som em f it as magnet of ônicas, chegamos à expl oração do
f onét ico dent ro do cont ext o da gravação. Assim nasce a poesia sonora.

A Poesia Sonora
A part ir de 1950 surge em Paris, paral el ament e à música concret a9, a poesia sonora, que seria um
gênero poét ico que começa a val er-se de meios el et rônicos para o processament o do som (a voz).
Henri Chopin é um dos primeiros a ut il izar t écnicas de gravação da própria voz e apl icar t écnicas de
bricol agem, superposição ou ret rogradação de obj et os sonoros. No poema sonoro é part icul arment e
not ória a maneira como se mist uram os meios (poesia e música) e se “ com-f undem” os parâmet ros da
expressão. Quando escut amos poesia sonora percebemos que há um t errit ório inespecíf ico, uma
f ront eira “ expressivo-t errit orial” dif usa, e assim, o que era sól ido no papel se dil ui no ar, nas ondas
sonoras e no int angível da experiência da perf ormance, e o que é “ poema sonoro” pode t ransf ormar-se
f acil ment e em “ música poét ica” . Mas se t ivéssemos que def inir t udo ist o em t ermos de ações,
poderíamos dizer que no poema sonoro exist e uma mat erial idade comum a det erminadas músicas, que é
o som, a voz, a pal avra como mat éria prima sonora ou glossolálica (MARINELLI, Opu ci t . p. 189), na qual
o sent ido semânt ico f ica em segundo pl ano.
A poesia sonora se desenvol ve ao l ongo da segunda met ade do sécul o XX e podemos observar dif erent es
manif est ações. Uma del as é represent ada pel o moviment o Let rist a, prot agonizado por Isidore Isou. Est e
moviment o se dif erencia da propost a sonora de Henri Chopin, principal ment e, porque “ ao se
anal isarem os t rabal hos de Isou, sej am visuais, sej am sonoros, percebe-se imediat ament e que o
cont eúdo, o signif icado é zerado” (Idem Ibidem), o que não acont ece com os poemas de Chopin. De
qual quer maneira é int eressant e observar a obra para vídeo de 1945 na qual apresent a o manif est o
l et rist a onde o poema sonoro não poderia ser dif erenciado de uma obra el et roacúsit ica
(ht t p: / / www. ubu. com/ f il m/ isou. ht ml Acesso em 10/ 03/ 2007).
Na década de 1980 começa a surgir um moviment o chamado Pol i poesía, que se enquadra dent ro da
geneal ogia de experiment ação poét ica e perf ormát ica mencionada ant eriorment e. Em 1987, Enzo

8
Moviment o art íst ico surgido em Zurique, Suíça, ent re 1916 e 1922, com Trist an Tzara como seu f undador e cuj o
cent ro f oi o “ Cabaret Volt aire” . O poema dadaíst a cost uma ser uma sucessão de palavras e sons. Dist ingue-se pela
inclinação para uma busca de renovação da expressão a part ir do emprego de mat eriais inf reqüent es ou t rabalhando
a part ir de planos de pensament os aparent ement e absurdos. COHEN, Renat o. Perf ormance como Linguagem. São
Paulo. Ed. Perspect iva. 2002. Pág. 18
9
1948 Pierre Schaef f er cria o primeiro laborat ório de músi ca concret a na radiodif usión e t elevisión f rancês (ORTF)
simpósio de pesquisa em música 2008 77
Minarelli promove o manif est o de Valência, chamado Pol ipoesia como Prát ica da Poesia do 2000
( MARINELLI, Opus Cit . p. 195) .
Apresent aremos os seis pont os f undament ais dest a propost a poét ica (que do nosso pont o de vist a será
t ambém musical), a part ir dos quais t rabalhamos ao longo do desenvolviment o de nossa pesquisa,
principalment e porque neles encont ramos um campo vast o de conceit os, onde se f az mas evident e uma
possível f usão, t ant o analít ica como criat iva, ent re a mat erialidade poét icas e a musical.

O Manifesto da Polipoesia
1-Apenas o desenvolviment o das novas t ecnologias marcará o progresso da poesía sonora: as
mídias elet rônicas e o comput ador são e serão os verdadeiros prot agonist as.

2-O obj et o língua deve cada vez mais ser indagado em seus mínimos e máximos f ragment os:
a palavra , element o base da comunicação sonora, assume os t raços de mult ipalavra,
penet rada em seu int erior e recost urada no seu ext erior. A palavra deve poder libert ar suas
sonoridades polivalent es.

3-A elaboração do som não admit e limit es, deve ser empurrada para o umbral do ruidismo
puro, um ruidismo signif icant e: a ambigüidade sonora, sej a lingüíst ica como oral, adquire
sent ido se varler-se plenament e do aparat o inst rument al da boca.

4-A recuperação da sensibilidade do t empo (o minut o, o segundo) deve ir além dos cânones
da harmonia ou da desarmonia, porque só a mont agem é o parâmet ro j ust o da sínt ese e o
equilíbrio.

5-A língua é rit mo e os valores t onais são os verdadeiros vet ores do signif icado: primeiro o at o
racional e depois o emot ivo.

6-A polipoesia é concebida e realizada para o espet áculo ao vivo; t em como "prima donna" a
poesia sonora, que será o pont o de part ida int erelacionador ent re: a musicalidade
(acompanhament o ou linha rít mica), a mímica, o gest o, a dança (int erpret ação, ampliação,
int egração do poema sonoro), a imagem (t elevisiva ou por diaposit ivos, como associação,
explicação, redundância ou alt ernat iva), a luz, o espaço os cost umes, os obj et os (MARINELLI,
Opu cit . p. 189)

Paut ada na int ercalação ent re poesia sonora, música e t ecnologia, o obj et ivo dest e t rabalho é criar as
condições t eóricas e conceit uais para aproximar analít ica e art ist icament e duas linguagens da art e que
normalment e est ão separadas. A part ir das primeiras premissas apresent adas, onde apont amos a
t endência para a int erpenet ração ent re esses meios de expressão, nosso int eresse é pesquisar a relação
que se est abelece ent re duas f ormas de poiesis que def iniremos a priori com um j ogo de palavras:
música poét ica ou poesia musical. Para est e f im nos pergunt amos, por um lado, o que é a poesia sonora
e quais os seus meios de produção? Por out ro, qual é a relação que se est abelecem na j unção ent re
música elet roacúst ica e poesia sonora. A Análise comparat iva ent re det erminadas músicas que ut ilizam
a voz como inst rument o principal e a poesia sonora que ut iliza o som como inst rument o principal
permit e observar est as semelhanças. No repert ório de obras def inido podemos observar os t rabalhos de
composit ores como Luciano Berio, Pierre Schaef f er, Pierre Henri, John Cage, Karlheinz St ockhausen,
Trevor Wishart , Charles Dodge, Joan La Barbera, Cornelius Cadiew, Lauri Anderson, Barry Truax, Tony
Scot t , Robert Ashley ou Paul Lansky. Por out ro lado, t emos os t rabalhos de poesia sonora de Henri
Chopin (França), Enzo Minarelli (It ália), Juan José Dias Inf ant e (México), Fabio Doct orovich (Argent ina) e
Philadelpho Menezes (Brasil), ent re out ros.
Est e t rabalho serve como pont apé inicial de uma discussão t eórica que permit irá expandir o campo
imaginário t ant o da música quant o da poesia sonora, porque no que se ref ere à música elet roacúst ica, a
ref lexão est ét ica parece não acompanhar a const ant e evolução t ecnológica. Um dos problemas que est e
descompasso produz é a prolif eração de obras que são f rut o de aplicações t ecnológicas ext remament e
complexas, mas com result ados est ét icos padronizados. Consideramos que as avançadas aplicações
t ecnológicas com as que cont amos hoj e em dia são f errament as f undament ais para a criação e, por mais
complexas que sej am não podemos deixar de incent ivar uma ref lexão est ét ica paralela às j ust if icat ivas
t ecnológicas. Dest a maneira, em muit as análises de obras elet roacúst icas observamos uma inversão de
valores, onde as f errament as t ecnológicas se t ransf ormam em um f im. Por est a razão o nosso t rabalho
t em como obj et ivo f oment ar o cruzament o ent re dif erent es meios de expressão sem abolir a discussão
sobre as implicações est ét icas, conceit uais e poét icas que a análise de qualquer obra de art e deveria
cont er.
O pint or e t eórico Joseph Kosut h desenvolve a hipót ese de que o art ist a cont emporâneo carregaria uma
dupla preocupação: a possibilidade do desenvolviment o conceit ual da art e e a realização desse
cresciment o em proposições - obras - que sej am condizent es com essa ref lexão crít ica (KOSUTH, 1975,
p. 15). É nest e caminho conceit ual que guiamos a nossa pesquisa t eórica, porque consideramos que o
desenvolviment o de uma idéia est ét ica deve est ar apoiada sobre uma ref lexão crít ica, nut rida de
dif erent es olhares t eóricos. Nest e sent ido, a propost a crít ica que se inicia com est e t rabalho responde à
necessidade de mult iplicar os vínculos ent re a música e a poesia sonora e à recuperação vit al de um
78 SIMPEMUS 5
processo criat ivo e t eórico, reaval iando os l imit es impost os pel a t radição ent re as f ront eiras imaginadas
ent re os dif erent es meios de expressão. Por out ro l ado, est e t rabal ho serve de subsidio para el aborar
pl anos composicionais que incl uem universos poét icos que t eoricament e seriam al heios à musica, mas
que na prát ica apresent am caract eríst icas muit o próximas. Part indo dest a proximidade est ét ica e f ormal
podemos el aborar novas propost as anal ít icas que permit em criar os víncul os t eóricos necessários para
observar, com um ol har comum, ambos meios de expressão. Assim, f undamos as bases para a criação de
obras “ musicais-poét icas” , f rut o de uma ref l exão abrangent e.

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ACASO E INDETERMINAÇÃO COMO FERRAMENTAS COMPOSICIONAIS EM CAGE

Val ér i o Fi el da Cost a (UNICAMP)

RESUMO: As obras compost as por John Cage a part ir dos anos 50 t rouxeram para o cent ro das discussões
sobre música a quest ão do acaso como f errament a de composição e da indet erminação como propost a
poét ica. A idéia de uma propost a musical na qual o composit or aparent ement e se desobriga em relação
ao result ado sonoro f oi alvo de inúmeras crít icas. Ao vincular suas escolhas a ref erenciais t ais como
preceit os zen e o modelo de uma sociedade anárquica, Cage acabou sendo considerado menos como um
composit or f ormal do que como um f ilósof o amador. No present e t rabalho t ent amos discut ir a escolha
de Cage por t ais est rat égias de composição buscando relevar as necessidades t écnico-musicais que
est ariam por t rás de t ais escolhas e que poderiam servir para a re-inserção de sua obra dent ro dos
limit es de uma análise musical mais est rit a.
PALAVRAS-CHAVE: John Cage; Acaso; Indet erminação; Análise Musical; Ferrament as composicionais.
ABSTRACT: The John Cage pieces composed af t er 1950 bring t o t he cent er of t he musical discussions t he
subj ect chance as a composit ional t ool and indet erminacy as a poet ic proposal. The not ion of a musical
proposit ion where t he composer apparent ly exempt himself f rom t he sonorous result was a t arget f or
count less denunciat ions. On linking his choices in ref erences as zen principles and t he model of an
anarchic societ y, Cage was considered less as a f ormal composer t han an amat eur philosopher. In t his
art icle we will t ry t o discuss t he Cage choice f or t his st rat egies of composit ion t rying t o bring t o t he
surf ace t he t echnical-musical necessit ies behind t his choices and t hat can be usef ull in t he re-insert ion
of his oeuvre inside t he limit s of a st rict musical analysis.
Keywords: John Cage; Chance: Indet t erminacy; Musical Analysys; Composit ional Tools.

Ent re 1935-38 Cage mant eve cont at o com o célebre composit or aust ríaco, ref ugiado nos EUA, Arnold
Schoenberg (1874-1951) como aluno de t eoria e composição. Da relação ent re os dois surgiram alguns
debat es cuj os t emas, pensamos, nos aj udarão a ent ender melhor uma série de preceit os met odológicos
desenvolvidos por Cage e que moldaram sua música nos anos subsequent es à separação dos dois.
O próprio Cage relat a em diversas oport unidades hist órias de como se dava sua relação com o mest re
aust ríaco. Usaremos, porém, no present e t rabalho, com o int uit o de elaborar uma visão em perspect iva,
o t ext o do musicólogo David Bernst ein John Cage, Ar nol d Schoenber g, and The Musi cal Idea, publicado
em 2002, onde se est uda com ext rema compet ência a relação ent re os dois composit ores enf at izando a
at ração e a inf luência das idéias de Schoenberg na obra do composit or est adunidense.
Para David Bernst ein, haveria uma série de divergências import ant es ent re os dois composit ores, a
saber: 1) a pref erência cageana pela conectividade de mat erial sonoro ao invés da continuidade valorizada
por Schoenberg (Bernst ein: 2002, p. 35). O aspect o conectividade se expressava numa sit uação onde
element os sonoros simplesment e se sucederiam uns aos out ros sem preocupação com desenvolviment o
mot ívico. Est e aspect o est rut ural só veio a ser pl enament e desenvolvido por Cage muit o depois do f im
de seu cont at o com Schoenberg, pouco ant es de assumir o acaso como mét odo de disposição de mat erial
sonoro; 2) Enquant o Schoenberg crit icava a repetição literal como um procediment o est éril, incapaz de
gerar novas f ormas e pregava a variação como norma, Cage valorizava est a mesma repet ição
j ust if icando-se com uma imagem do próprio Schoenberg a respeit o da variação: de que est a seria nada
mais que uma “ repet ição não-lit eral” (Bernst ein: 2002, p. 29); 3) O int eresse de Cage por uma música
baseada não em mat erial escalar ou serial, mas no total sonoro. É a part ir dest a idéia que Cage passa a
elaborar suas primeiras propost as de organização musical t endo como parâmet ro primordial o ritmo,
t omado como único element o realment e indispensável para a concepção de qualquer música.
Schoenberg def endia em suas aulas que música t rat a, essencialment e, de r epet i ção. Sempre repet e-se
algo. Um mot ivo deve ser reaf irmado logo após expost o e não pode ser simplesment e descart ado no
decorrer da peça. A repet ição lit eral, porém, era considerada por ele monót ona e deveria ser evit ada.
Um mot ivo aparece cont inuament e no curso de uma obra: ele é repet ido. “ A pura repet ição, porém,
engendra monot onia, e est a só pode ser evit ada pela variação” (Schoenberg: 1993, p. 35). Assim, o
mot ivo re-apresent ado deve sof rer alguma mudança. Tal mudança deve levar em consideração que, a
menos que haj a um equilíbrio ent re element os cambiant es e element os est áveis, corremos o risco de
perder o f io da meada, o discurso. Não se pode repet ir lit eralment e nem f azer do cont rast e t ot al um
mot e sob o risco de t ornar a música incompreensível. Deve-se saber desenvolver coerent ement e aquilo
que se apresent a buscando mant er o int eresse e coesão a t odo moment o. Toda apresent ação de
mat erial t em consequências e o composit or deve est ar apt o a enf rent á-las:
simpósio de pesquisa em música 2008 81
Que o mot ivo sej a simples ou complexo, que sej a f ormado de poucos ou muit os element os, a
impressão f inal da peça não será det erminada por sua f orma básica: t udo dependerá de seu
t rat ament o e desenvolviment o (Schoenberg: 1993, p. 35).

O desenvolviment o do aspect o conect i vi dade em Cage est á ligado à opção do composit or pelo t ot al
sonor o como mat éria da composição e à criação de uma est rut uração baseada no parâmet ro duração.
Cage est ava int eressado na ut ilização do r uído em música, durant e os anos 30, e empenhou-se em
desenvolver uma est r ut ur ação r ít mi ca capaz de abrigar t al ent idade sonora. O si l ênci o, em um primeiro
moment o, ainda era considerado um it em ent re out ros na palet a que o composit or pret endia ut ilizar.
Rompendo com uma est rut uração baseada em al t uras, Cage podia conceber a música, ou or gani zação
sonor a nos seguint es t ermos: mat er ial sonoro dispost o, de acordo com um mét odo, dent ro de est r ut ur as
pré-concebidas, conf igurando-se com isso uma f or ma. Cage, durant e sua carreira, sempre se ref erirá a
est a est r ut ur ação r ít mi ca como chave para suas composições, mesmo quando est iver em quest ão a
rupt ura com algum dos conceit os1.
Os t ermos f or ma e est r ut ur a signif icam, para Cage, respect ivament e, cont eúdo e f or ma. For ma seria a
disposição no t empo de t udo aquilo que soa dent ro de uma peça e est r ut ur a, a divisão t emporal
def inida pelo composit or previament e, dent ro da qual a f or ma se desenrola.
Os anos 40 f oram caract erizados, nos t ermos da est r ut ur ação r ít mi ca cageana, por uma ênf ase muit o
grande nos parâmet ros mat er ial e est r ut ur a. Const am desse período seus t rabalhos envolvendo grupos
de percussão e piano preparado. A maioria dest as peças f oram compost as t endo como mot e o
acompanhament o de dança.
Desde f ins da década de 30, Cage colaborava com grupos de dança compondo e t ocando. O que t inha à
mão: uma palet a de ruídos (seu grupo de percussão ou preparações de piano) e um esquema rít mico,
elaborado muit as vezes pelos próprios dançarinos, para compor a part e musical. Esse modelo f oi
adot ado como base para sua est r ut ur ação r ít mi ca (Cage: 2000, p. 34). Em peças de concert o, sem dança,
Cage experiment ou criar relações mais abst rat as usando o chamado pr i ncípi o mi cr o-macr ocósmi co de
organização rít mica, onde as pequenas part es da peça possuíam ent re si as mesmas relações que as
grandes part es como em Fi r st Const r uct i on (i n met al ) (1939) (idem, p. 35).

FIG 1 – est rut uração rít mica da peça Fisrt Const ruct ion (in met al) 2
Em art igo de 1944, chamado Gr ace and Cl ar i t y, Cage chama at enção para a relação ent re f orma e
est rut ura, af irmando que “ os músicos, dançarinos e audiência gost am de ouvir e ver as leis da est rut ura
rít mica hora obedecidas, hora ignoradas” (Cage: 1995, 92). De f at o, a música de Cage do f inal dos anos
30 caract erizava-se pela t ot al suj eição da f or ma à est r ut ur a. A sequência mét rica da coreograf ia ou do
esquema abst rat o de concert o regulava de f orma bast ant e marcant e o desenrolar dos event os sonoros
no t empo: para cada barra dupla na part it ura, havia uma mudança de t ext ura correspondent e. É a essa

1
O parâmet ro cageano est r ut ur a f oi quest ionado pelo composit or ainda nos anos 50, quando começou a escrever
obras onde t al ref erencial t orna-se prescindível ou mesmo inexist ent e. É o caso de obras como Wint er Music (1957)
para de 1 a 20 pianos e Concer t f or Piano and Or chest r a (1958), onde a t ot al aut onomia ent re as part es e a
possibilidade dest as serem t ocadas em qualquer quant idade dent ro dos limit es da part it ura f az com que não sej a
mais possível ident if icar suas bal izas t empor ais (N. P. ).
2
PRITCHETT, JAMES. The Music of John Cage. New York: Cambridge Universit y Press, 1995. p17.
82 SIMPEMUS 5
abordagem que se deve o aspect o de col cha de r et al hos de peças como Fi r st Const r uct i on (i n met al )
(1939), And t he Ear t h Shal l Bear Agai n (1942) e Daught er s of t he Lonesome Isl e (1945).
Os aspect os da f or ma e do mét odo (a sequência de event os sonoros da peça e a maneira como est es são
organizados) não adquiririam uma sist emat ização abst rat a i n l oco mant endo-se obj et o de escolhas
int uit ivas. Num primeiro moment o eram obj et os de improvisação; num segundo, f rut os de escolhas
realizadas dent ro de séries de obj et os ou quadros de mat erial sonoro e, f inalment e, t ornaram-se
produt o de operações de acaso.
Em obras como o String Quartet in Four Parts (1950), ao invés de preencher os espaços de t empo da peça
com mat erial improvisado, t écnica usada at é ent ão, Cage escolhe seqüências de f ragment os melódico-
harmônicos dent ro de uma série pré-concebida de obj et os mais ou menos complexos (not as, acordes,
f ragment os melódicos, vinculados ou não a modos de art iculação). Com t al t écnica o composit or
alcançava um ef eit o onde a noção de conect ividade se apresent ava de f orma clara, pois ao lidar com
obj et os previament e elaborados post os em sequência, a percepção de um discurso linear se perdia.
A idéia de repetição literal f oi amplament e explorada em suas obras para percussão a part ir de 1939 e
para piano preparado ent re 1940 e 1948, const it uindo-se numa marca do período imediat ament e
ant erior à produção das suas primeiras obras baseadas em séries de obj et os sonoros e quadros de
mat erial gest ual melódico-harmônico. Com o uso do acaso para det erminar a cont inuidade dos sons no
t empo, a part ir do últ imo moviment o do Concerto for Prepared Piano and Chamber Orchestra (1951),
porém, o aspect o da repet ição lit eral, bem como o cont role sobre a conect ividade dos sons, deixaram
de f igurar como cent rais na obra do composit or.
Cage sai em busca de uma nova f errament a de composição capaz de livrar a f or ma da inf luência da
est r ut ur a no f inal da década de 40. A desobrigação pura e simples da disposição dos sons dent ro da
est rut ura não podia ser levada à cabo sem um mecanismo de est rut uração que permit isse à f orma f ugir
de uma aut o-ref erencialidade, ou sej a, que ao ignorar a est rut ura enquant o ref erência rít mica, não se
recaísse numa solução improvisat ória que não t ivesse out ra saída que apelar para uma cert a
linearidade.
As músicas de Cage desse período (f ins da década de 40), quase podem ser classif icadas como grandes
improvisações escrit as ( Musi c f or Mar cel Duchamp – 1947, Sonat as & Int er l udes – 1946-48). A adoção de
uma est r ut ur a racional como ref erência t inha papel import ant e na const rução de uma música de carát er
não-linear pois a lógica por t rás do comport ament o e sequência de event os era um dado à part e da
f orma. Uma vez que a f orma ignora a est rut ura, a sequência de event os ouvida se t orna a única f orma
de apoio a part ir da qual vão sendo conect ados novos event os. É essa caract eríst ica que leva a música
de Cage de volt a a uma linearidade schoenberguiana 10 anos depois de romper com o mest re aust ríaco.
Quando a ref erência à est rut ura deixa de exist ir como conseqüência nat ural de uma busca de Cage por
uma maior f lexibilidade ent re f or ma e est r ut ur a, t orna-se necessário ut ilizar, ao invés do puro arbít rio
da improvisação, as séries e os quadros de mat erial gest ual para organização da f or ma. Para Cage havia
a necessidade de criar uma saída para o impasse l i ber dade versus l ei , expresso pela relação ent re f or ma
e est r ut ur a, sem com isso sacrif icar a noção de descont i nui dade na concepção da f or ma. As séries de
obj et os sonor os e os quadros de mat erial gest ual signif icaram um passo import ant e nest e sent ido, uma
vez que a escolha dos det alhes era realizada a pr i or i na elaboração dos quadros ou séries e o composit or
podia operar mais livrement e, na escolha seus blocos de const rução, correndo menos riscos de recair em
soluções lineares. Mas a f lexibilização t ot al só viria quando Cage resolveu usar o acaso como mét odo
para organizar a f or ma dent ro da est r ut ur a. O acaso surgiria nest e moment o como f orma prát ica de
resolver o problema do arbít rio e seus sot aques dent ro da composição devolvendo à obra de Cage um
import ant e aspect o de sua poét ica: a descont inuidade.
Em 1951, enquant o t rabalhava no Concer t o f or Pr epar ed Pi ano and Chamber Or chest r a, o composit or
Christ ian Wolf , o present eou com o I-Chi ng, ou Li vr o das Mut ações (Prit chet t : 1995, 70). O uso oracular
do I-Ching consist e no sort eio, usando varet as ou moedas, de t r i gr amas f ormados pela combinação de
linhas yi n – vazadas e yang – compact as. Tais t r i gr amas possuem ent re si uma relação dinâmica de
perpét ua t ransit oriedade ou mut ação e, combinados ent re si, compõem signos mais complexos
chamados de hexagr amas. Cage usou o I-Ching como mét odo para organizar a f or ma, em suas peças a
part ir desse período. Com isso conseguiu obt er t ant o um discurso musical baseado na descont i nui dade –
f rut o da não int erf erência do gost o est ét ico do composit or sobre o result ado – quant o uma relação plena
de desobst rução ent re est r ut ur a e f or ma, nest e moment o, def init ivament e desobr i gadas. A
caract eríst ica básica das peças desse período é a f i xação de element os, escolhidos via operações de
acaso, que deviam ser obedecidos à risca pelo int érpret e.
At é 1957, Cage t rabalhou quase exclusivament e com esse princípio e criou diversas obras onde o
int érpret e est eve sempre a serviço de escolhas f eit as at ravés de operações de acaso t ais como uso
oracular do I-Ching: Musi c of Changes para piano, Imagi nar y Landscape N° 4 para 12 rádios, Wi l l i am Mi x
para t ape, Two Past or al es para piano preparado, t odas produzidas em 1952; observação de imperf eições
gráf icas em f olhas de papel a part ir das quais not as eram def inidas: Musi c f or Car i l l on N° 2 (1954), Musi c
simpósio de pesquisa em música 2008 83
f or pi ano 1-84 (1952-56), ou ambas as t écnicas: 26’ 1. 1499” For a St r i ng Pl ayer (1955).
As obras envol vendo i ndet er mi nação, ou sej a, a part icipação ef et iva do int érpret e no seu f ormat o f inal ,
começam a surgir na segunda met ade dos anos 50 em obras como Wi nt er Musi c (1957), para de 1 a 20
pianos, onde o composit or usa part es aut ônomas e em número variável . Tal aut onomia ent re as part es
f az com que se perca def init ivament e a noção de est r ut ur a. No Concer t f or Pi ano and Or chest r a (1958),
há o mesmo princípio de aut onomia ent re as part es e, al ém disso, o sol ist a deve escol her, dent ro de um
l ivro com 84 t ipos dif erent es de not ações de carát er indet erminado, sua l inha de perf ormance.
Exist e nest a escol ha de Cage pel a cessão de l iberdades ao int érpret e uma vont ade de f azer com que as
f ront eiras ent re est e e o composit or sej am dil uídas. Cage, no t ext o Exper i ment al Musi c, de 1958, ao
ref erir-se à sua música de carát er indet erminado, expl ica: “ O que houve comigo é que me t ornei um
ouvint e e a música al go a ser ouvido” (Cage: 1995, p. 7). Tais l iberdades cedidas ao int érpret e
acabaram, porém, cobrando o seu preço. Cage l ogo percebeu que nem t odo int érpret e t inha condições
de real izar os obj et ivos daquel e t ipo de propost a, sej a por uma quest ão de despreparo t écnico, sej a por
uma quest ão de ignorância em rel ação ao procediment o, sej a por má-f é. Ao ref erir-se a isso em
ent revist a cedida a Hans G. Hel ms em 1972, desabaf a:
Dar liberdade ao int érpret e individual me int eressa cada vez mais. (est a liberdade) Dada a
indivíduos como David Tudor, claro, gera result ados que são ext raordinariament e belos.
Quando essa liberdade é dada a indivíduos sem disciplina e que não part em – como digo em
vários t ext os – do zer o (por zer o ent endo a abst enção em relação aos seus gost os e
desgost os), que não são, em out ras palavras, indivíduos mudados, mas que permanecem como
indivíduos com seus gost os e desgost os, daí, claro, dar liberdade não t em int eresse nenhum
(Cage: Ibid. Kost elanet z: 1991, 67) .

Consideramos que, por t rás de t ais crit icas do composit or ao modo equivocado de abordagem de suas
obras por part e de al guns int érpret es, est aria a mesma inquiet ação que o l evou a ut il izar pel a primeira
vez uma operação de acaso como f errament a composicional : garant ir um resul t ado sonoro descont ínuo,
l ivre de sol uções l ineares ou expl icit ament e discursivas (cl ichês evident es seriam um it em proibido
dent ro desse escopo) e em que a ref erência a uma est rut ura abst rat a sej a el iminada (ou pel o menos
desenf at izada ao máximo).
Para Cage a quest ão da indet erminação em música não era merament e t écnico-composicional e
envol veria uma discipl ina de busca em direção ao inaudit o. Quando Cage af irmou t er se t or nado um
ouvi nt e e a músi ca al go a ser ouvi do (Cage: 1995, p. 7), se ref eria, na real idade, a uma escol ha pessoal
por uma condut a discipl inada em rel ação ao f at o sonoro ref l et ida na maneira como busca apreendê-l o.
Cage buscava evit ar o ef eit o indesej ável da indiscipl ina criando sit uações onde o int érpret e não t inha
out ra saída a não ser af rouxar suas ref erências idiomát icas, sej a devido à inut il idade del as dent ro de um
cont ext o sonoro sat urado de inf ormação, sej a obedecendo regras de perf ormance que o l evassem a isso.
Sust ent amos que est ava em j ogo não apenas uma ref er ência à f orma corret a de comport ar-se diant e do
sonoro, mas uma cert a expect at i va quant o ao r esul t ado e que Cage opt ou por uma ret órica de
convenciment o baseada no zen budismo por razões ét icas. Apont ar um caminho que l evasse o int érpret e
a um resul t ado sat isf at ório sem ut il izar para isso meios coercit ivos t ais como f azê-l o seguir uma
part it ura est rit a ou dirigir sua perf ormance. Seria a t ent at iva de equil ibrar uma exigência est ét ica a
part ir de um discurso poét ico aparent ement e desobrigado com est a graças à evocação da ret órica zen.
Um est udo das obras de carát er indet erminado de John Cage que l eve em consideração t al perspect iva,
pode ser út il num processo de re-int rodução dest as peças no escopo da anál ise musical est rit a.

Bibliografia
BERNSTEIN, DAVID W. John Cage, Arnold Schoenberg, and The Musical Idea. In: PATTERSON, DAVID W. John Cage:
Music, Philosophy, and Int ent ion, 1933-1950. New York: Rout ledge Publishing, 2002. cap. 1, p. 15-45.

CAGE, JOHN. Silence - Lect ures and Writ ings. London: Boyars, 1995.

___. A Year From Monday: New Lect ures and Writ ings by John Cage. Midllet own: Wesleyan Universit y Press, 1967.

___. John Cage Writer: Selectec Texts. Editor: Richard Kostelanetz. New York: Cooper Square Press, 2000.
KOSTELANETZ, RICHARD. Conversing Wit h Cage. New York: Limelight , 1991.

PRITCHETT, JAMES. The Music of John Cage. New York: Cambridge Universit y Press, 1995.

SCHOENBERG, Arnold. Fundament os da Composição Musical. São Paulo: Edusp, 1993.


PONTOS DE CONTATO ENTRE A SONAT A PARA PIANO, OP. 1, DE ALBAN BERG E A PRIMEIRA

SINFONIA DE CÂMARA, OP. 9, DE ARNOLD SCHOENBERG

Car l os de Lemos Al mada (UNIRIO)

RESUMO: Est e art igo relat a uma análise comparat iva ent re a Sonat a par a Pi ano, op. 1 (concluída em
1908), de Alban Berg e a Pr i mei r a Si nf oni a de Câmar a, op. 9 (1906), de Arnold Schoenberg, ressalt ando
as not áveis semelhanças exist ent es ent re essas duas obras. O principal obj et ivo dest e est udo é
invest igar em que grau de prof undidade a Sonat a f oi inf luenciada pela Si nf oni a, considerando não só a
f ort e impressão que o surgiment o dest a últ ima causou sobre Berg, devido a suas caract eríst icas
inovadoras peculiares e sua própria import ância dent ro do cont ext o hist órico-musical, quant o as
relações gravit acionais exist ent es ent re mest re (Schoenberg) e discípulo (Berg).
PALAVRAS-CHAVE: Alban Berg; Sonat a par a Pi ano op. 1; Arnold Schoenberg; Pr i mei r a Si nf oni a de
Câmar a op. 9; inf luência; análise.
ABSTRACT: This art icle report s a comparat ive analysis of t he Pi ano Sonat a, op. 1, by Alban Berg
(composed in 1908) and t he Fi r st Chamber Symphony, op. 9, by Arnold Schoenberg (1906), st ressing t he
not able similarit ies t hat exist in t hese works. The principal aim of t he present st udy is t o invest igat e
how deepl y t he Sonat a was inf luenced by t he Symphony, concerning not only t he st rong impression
caused by t he lat t er over Berg, which was due t o it s peculiar innovat ive f eat ures and it s own
import ance wit hin t he hist orical-musical cont ext , but also t he gravit at ional relat ionship bet ween
t eacher (Schoenberg) and discipule (Berg).
KEYWORDS: Alban Berg; Pi ano Sonat a op. 1; Arnold Schoenberg; Fi r st Chamber Symphony op. 9;
inf luence; analysis.

Int rodução
Est e art igo se apresent a como et apa inicial de uma análise det alhada da Sonat a par a Pi ano op. 1, de
Alban Berg. A idéia de realizá-la surgiu a part ir de uma audição (com acompanhament o de part it ura) da
ref erida obra durant e a elaboração de minha dissert ação de mest rado, que enf oca a Pr i mei r a Si nf oni a
de Câmar a, op. 9, de Arnold Schoenberg. 1 Embora não f osse meu primeiro cont at o com a sonat a
berguiana, ouví-la naquele moment o específ ico, em razão de meu prof undo envol viment o com o proj et o
de mest rado, causou-me f ort e impressão, devido às not áveis semelhanças que pude ent ão perceber (ao
menos no nível da superf ície musical) ent re ambas as obras.
A decisão de iniciar o present e est udo veio imediat ament e, j unt o com o que considero sua principal
quest ão: as nít idas semelhanças que exist em ent re as duas obras seriam apenas superf iciais ou
result ariam de af inidades mais prof undas, oriundas de suas est rut uras?

Ant ecedent es da Sonat a op. 1


Al ban Berg nasceu em 1885, em Viena. Segundo Crawf ord (1993), dividia seus int eresses int elect uais na
j uvent ude quase igualment e ent re música e lit erat ura, f at o que inf luenciaria de f orma decisiva seu
est ilo maduro de composit or. Aos 19 anos, em 1904, começou a t er aul as com Schoenberg. Em um
int eressant e art igo sobre os est udos de Berg nessa época, Rosemary Hilmar (1984) coment a as diversas
mat érias abordadas (harmonia, cont rapont o, morf ologia, análise, orquest ração e, por f im, composição),
ilust radas com reproduções de alguns exercícios (replet os de “ impiedosas” correções do mest re),
f ornecendo não só um ret rat o da incrível evolução do al uno em t ão curt o espaço de t empo, 2 como um
valioso painel dos mét odos de ensino empregados por Schoenberg. 3
Ent ret ant o, são os coment ários de Hilmar a respeit o das várias t ent at ivas de Berg em escrever um
moviment o de uma sonat a para piano, inicialment e apenas como exercícios no manej o da f orma-sonat a,
que int eressam diret ament e aos obj et ivos dest e t rabal ho. Hilmar relaciona cinco dessas t ent at ivas, com
apenas a últ ima delas levada a cabo. Segundo a aut ora, a principal razão pela qual Berg descart ara as

1
ALMADA (2007).
2
Ist o é, ent re 1904 e 1906, ano em que inicia a composição de sua Sonat a, quando, sem dúvida alguma, Berg j á é um
composit or plenament e f ormado.
3
Ainda que essas primeiras aulas acont eçam cerca de set e anos ant es da publicação de seu t rat ado Har moni el ehr e
(SCHOENBERG, 2001, na versão em port uguês), é int eressant e const at ar que a ordem dos exercícios de Berg segue
rigorosament e a met odologia empregada nesse livro.
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 85
versões ant eriores t eria sido a “ dif icul dade em desenvol ver a idéia musical a part ir de sua cél ul a
mot ívica básica em l inhas mais ext ensas no curso de um moviment o [ rel at ivament e] l ongo” . 4 Hil mar
passa ent ão a descrever brevement e as quat ro f r agment árias sonat as-exercícios, coment ando a
preocupação de Berg em encont rar boas sol uções para os probl emas da t ransição e de um t ema
secundário suf icient ement e cont rast ant e em rel ação ao principal (um dos obst ácul os nessa t aref a
derivaria de um excessivo emprego de seqüências mel ódicas). 5 A quint a sonat a, a única compl et a, é,
segundo Hil mar, bem mais f l uent e nesses aspect os, embora ainda cont enha um grande número de
seqüências e seu est il o sej a “ muit o mais imat uro do que aquel e do op. 1, a despeit o do f at o de que Berg
t enha const ant ement e revisado est a úl t ima sonat a at é que el a al cançasse a versão que conhecemos
hoj e. ” 6 De acordo com Hil mar, nesse quint o exercício – um único moviment o em f orma-sonat a, como no
op. 1 – “ o conceit o de cont ínua variação em desenvol viment o é muit o bem exempl if icado. (. . . ) Frases
compl et as são rarament e repet idas por int eiro, são ant es modif icadas, sej a por t imbre, rit mo, harmonia
ou mel odia. ” 7 Al ém dessa import ant e semel hança const rut iva com o op. 1, Hil mar cit a out ras,
superf icialment e mais explícit as: o compart ilhament o de al guns mot ivos rít micos, o emprego de
reminiscências dos t emas principais no t recho concl usivo da seção de exposição, a escol ha de
f ragment os mel ódicos descendent ement e cromát icos na caract erização dos t emas secundários de ambas
as peças et c. 8 De t odas essas caract eríst icas present es no op. 1, t al vez a mais decisiva sej a a
import ância que Berg dá à variação cont ínua das idéias musicais associada a uma not ável economia de
meios. É um t raço de sua personal idade composicional que pode ser f acil ment e rast reado em seu
mest re, e que t em como um dos mais signif icat ivos exempl os de apl icação j ust ament e a Si nf oni a de
Câmar a. 9 Al ém disso, o grupo de semel hanças rel at adas por Hil mar ent re o quint o exercício de Berg e o
op. 1 poderia t ambém servir para apresent ar basicament e al guns dos pont os em comum ent re est a
úl t ima obra e o op. 9 schoenberguiano. São, cont udo, ainda f rágeis conexões. Para que sej a reconhecida
uma rel ação incont est ável de inf l uência ent re as obras é necessário apresent ar evidências mais sól idas,
como pret endo f azer no próximo t ópico.

A influência da Sinf onia de Câmara sobre Berg


Al ém da cost umeira rel ação gravit acional de inf l uência que quase sempre exist e ent re mest re e
discípul o, al guns f at ores adicionais col aboram para que se perceba um f ascínio acima do comum
exercido pel a Sinf onia de Câmara sobre Berg, f ascínio est e que não se l imit ou ao período em que f oram
compost as ambas as obras (t ant o o op. 9 schoenberguiano quant o o op. 1 de Berg), propagando-se pel as
décadas seguint es. Pode ser cit ado como exempl o disso a homenagem f eit a na ópera Wozzeck (de
1921), na qual , na t erceira cena do segundo at o, Berg ut il iza um ensembl e compost o por quinze sol ist as,
em idênt ica f ormação da Sinf onia, 10 no acompanhament o inst rument al de um dramát ico duet o ent re os
personagens Wozzeck e Marie. Al ém dest e, out ros t raços do op. 9, embora menos sal ient es, podem ser
rast reados na mesma ópera, principal ment e, no que se ref ere ao emprego dos el ement os não-diat ônicos
ou ext rat onais mais caract eríst icos da Sinf onia schoenberguiana – a escal a de t ons int eiros e os
int erval os de quart a j ust a. É especial ment e not ável o uso que Berg f az de acordes f ormados por quart as
que, em Wozzeck, uma obra at onal , servem para al udir um t onal ismo “ enviezado” , como se pode
perceber na canção de ninar que Marie ent oa para f azer adormecer seu pequeno f il ho (at o II/ primeira
cena). 11 Uma out ra evidência da import ância do op. 9 para Berg é a f amosa anál ise da Sinf onia, 12 por el e
real izada em 1918 para uma série de apresent ações na Verein f ür musikal ische Privat auf f ührungen
[ Sociedade para concert os privados] , criada por Schoenberg em Viena. Embora t enha sido ideal izado
com o modest o propósit o de se t ornar uma espécie de guia orquest ral para um mel hor ent endiment o da
est rut ura e do cont eúdo da obra pel o públ ico present e nos ensaios e nas récit as daquel a ocasião, o
t rabal ho anal ít ico de Berg possui t al grau de prof undidade e acurácia que se t ornou, mesmo na época
at ual , uma import ant e ref erência para est udos musicol ógicos daquel a import ant e obra
schoenberguiana. 13

4
HILMAR, op. cit . , p. 18.
5
Ibid. , p. 18-21.
6
Ibid. , p. 21.
7
Ibid. , p. 21.
8
Ibid. , p. 21-27.
9
O ext raordinário e múlt iplo processo de variação em desenvolviment o present e no op. 9 é analisado em det alhes no
capít ulo III de minha dissert ação de mest rado (ALMADA, 2007).
10
A inst rument ação em quest ão é a seguint e: f laut a (dobrando com f laut im), oboé, corne inglês, requint a, clarinet a,
clarone, f agot e, cont raf agot e, duas t rompas e quint et o de cordas.
11
O emprego das quart as e dos t ons int eiros por Berg não se limit a a Wozzeck, abrangendo, em maior ou em menor
medida, diversas de suas obras, t onais, at onais ou seriais. Na Sonat a op. 1 isso t ambém ocorre, com t ais element os
assumindo um papel de import ância est rut ural, como será ainda coment ado com mais det alhes.
12
BERG (1993).
13
Ver, por exemplo, FRISCH, Walt er. The ear l y wor ks of Ar nol d Schoenber g (1893-1908) . Los Angeles: Universit y of
Calif ornia Press 1993; MAHNKOPF, Claus-St ef f en Gest al t und St i l : Schönber gs er st e Kammer symphoni e und i hr
Umf el d. Kassel: Bärenreit er Verlag, 1994; DALE, Cat herine. Schoenber g’ s chamber symphoni es: t he cr yst al l iat ion and
r ediscover y of a st yl e. Aldershot : Aschgat e Publishing Limit ed, 2000; MOLINA, Sidney. Mahl er em Schoenber g:
angúst ia da inf l uência na Sinf onia de Câmar a nº 1. São Paulo: Rondó, 2003.
86 SIMPEMUS 5
A inf luência do op. 9 sobre a Sonat a t ambém é enf at izada por Theodor W. Adorno em diversos t rechos de
seu livro sobre Berg, 14 de quem durant e cert o t empo f oi aluno. O aut or chega a sugerir que “ o
desenvolviment o est ilíst ico de Berg brot ou de uma insist ent e preocupação com os problemas
composicionais da Sinf onia de Câmara (. . . ). ” 15 Menciona t ambém as diversas “ reminiscências t emát icas”
do op. 9 present es na peça de Berg, bem como as f ormações quart ais e em t ons int eiros, embora ressalt e
as peculiaridades de t rat ament o em ambas as obras como sua dif erença cent ral. 16 No ent ant o, t ais
coment ários parecem result ar de uma análise, ainda que corret a e precisa em seus t ermos,
consideravelment e superf icial e, port ant o, ainda insuf icient e para os propósit os dest e art igo. 17
Sej a como f or, parece ser plausível crer – como bem sugere Adorno, aliás – que o op. 1 seria f rut o de um
nat ural ent usiasmo de j ovem discípulo diant e de uma criação art íst ica t ão f ascinant e e de t ão f ort e
signif icado hist órico, como é o caso da Sinf onia, 18 o que não diminui, evident ement e, os inúmeros
mérit os da composição de Berg. A esse aspect o é import ant e acrescent ar que o próprio Schoenberg f oi
t omado por um enorme ent usiasmo ao f inalizar sua Sinf onia, que considerou a “ esperada consolidação
de um novo est ilo de compor” , 19 comemorando esse f at o com seus discípulos mais chegados. Um
t est emunho de out ro de seus alunos, Ant on von Webern, para quem o op. 9 schoenberguiano causou uma
“ impressão colossal” , é revelador: “ Sob a inf luência dessa obra, escrevi no dia seguint e um Moviment o
de Sonat a. Nesse moviment o at ingi as f ront eiras ext remas da t onalidade. ” 20 Post as est as palavras ao
lado das evidências ant eriorment e mencionadas sobre o f acínio de Berg pelo op. 9, t orna-se mais do que
plausível – quase inevit ável, eu diria – conj ect urar que est e t enha sof rido impact o semelhant e ao de seu
colega, que o levou igualment e a compor (no caso, a Sonat a) sob seu ef eit o.
A despeit o desse conj unt o de f at os, evidências, coment ários e depoiment os, a principal quest ão que
concerne o present e est udo se mant ém: as semelhanças ent re a Sinf onia de Schoenberg e a Sonat a de
Berg seriam merament e superf iciais ou est ariam ancoradas em níveis mais prof undos, revelando
indent idades est rut urais ent re ambas as obras? A busca por uma respost a mais precisa exige uma
invest igação t écnica suf icient ement e consist ent e, considerando as análises individuais de t rês dos
principais aspect os musicais envolvidos: est rut ura f ormal, cont eúdo mot ívico e harmonia.

Comparação ent re o op. 1 de Berg e o op. 9 de Schoenberg


Baseado em análises minuciosas por mim realizadas em ambas as obras, 21 a comparação ent re elas segue
uma est rut ura de t ópicos, de modo a apresent ar os result ados de uma maneira obj et iva e concisa,
privilegiando apenas os aspect os relevant es aos obj et ivos dest e art igo.

Est rut ura formal


Embora ambas as peças sej am escrit as em um único moviment o, est a é uma semelhança merament e
ilusória, t endo em vist a as dif erenças que surgem num exame est rut ural um pouco mais aprof undado. O
op. 1 parece ser o bem sucedido f rut o de uma t ent at iva de suprir uma def iciência composicional
específ ica – a elaboração de um consist ent e e f luent e moviment o em f orma-sonat a –, 22 est ando, por
assim dizer, precisament e sobre a linha f ront eiriça que separa o Berg aluno do Berg composit or
f ormado. Ou sej a, a despeit o das inúmeras e incont est áveis qualidades dessa obra, principalment e no
que se ref ere ao cont eúdo, a est rut ura da Sonat a é despret ensiosa e, em cert a medida, “ engessada” e
não-orgânica, como que ref let indo preocupações do composit or em dar cont a de t odas as “ exigências”
do f ormat o clássico. 23 Já o op. 9 possui uma est rut ura de enorme complexidade e det alhada
organicidade: t rat a-se de um único e longo moviment o que comport a inúmeras subdivisões revelando
uma rede int rincada de hierarquias arquit et ônicas. No nível est rut ural mais básico são reveladas cinco

14
ADORNO (1994).
15
ADORNO (op. cit . , p. 40).
16
Ibid. , p. 41.
17
A f avor de Adorno, é bom que se diga, seu t ext o não pret ende examinar a f undo as obras de Berg sob uma
perspect iva purament e t écnica (o aut or analisa no livro diversas das composições de seu mest re, dedicando poucas
páginas a cada uma delas, o que é evident ement e insuf icient e para uma análise aprof undada). Sua int enção nesses
escrit os parece ser a de f azer vir à t ona a alma criat iva berguiana, a part ir dos ref lexos da própria experiência do
aut or com o composit or e com o conj unt o de suas obras – segundo seus próprios crit érios – mais signif icat ivas.
18
No sent ido de sit uar-se na f ront eira ext rema dos recursos da t onalidade e de const it uir uma espécie de vit rine de
novos caminhos. Para uma discussão mais aprof undada, ver ALMADA (2007).
19
SCHOENBERG (1984, p. 49).
20
WEBERN (1984, p. 126).
21
Para a Sinf onia, lanço mão dos dados colet ados em minha dissert ação de mest rado (ALMADA, 2007). Já no caso da
Sonat a as inf ormações aqui ut ilizadas result am de um est udo analít ico sobre sua f orma (est rut ura e relações
mot ívico-t emát icas) e harmonia, ainda não publicado.
22
Segundo a opinião de Hilmar, j á apresent ada.
23
Talvez o exemplo mais emblemát ico disso sej a o rit ornel l o que separa as seções de exposição e de
desenvolviment o que, considerando o mat erial melódico-harmônico empregado por Berg nessa peça e,
principalment e, sua quase f ixação em evit ar repet ições lit erais das idéias musicais, soa quase como um inexplicável
anacronismo.
simpósio de pesquisa em música 2008 87
grandes part es que delineiam um esquema de moviment os convencionais, porém num agrupament o
inusit ado (sem f alar no f at o de est arem “ soldadas” uma às out ras): (I) exposição (de uma f orma-sonat a,
onde est á inserido o mat erial principal da obra); (II) scherzo; (III) desenvolviment o (do mat erial da part e
I); (IV) adágio e (V) f inale, com uma est rut ura mist a de reexposição e coda. Cada uma dessas part es
admit e, por sua vez, novas subdivisões, o que, por si só, nos f az perceber a enorme dif erença ent re as
est rut uras das duas obras aqui f ocalizadas. 24

Material motívico
Sem dúvida, é o aspect o mais evident e de ident idade ent re as duas peças, pois est á ligado ant es de t udo
à superf ície musical. A simples audição comparat iva das obras pode f ornecer imediat ament e vários
pont os de cont at o, a part ir da not ável semelhança rít mica de algumas idéias mot ívicas compart ilhadas.
É um f at o consensual que o rit mo é o parâmet ro mais decisivo na ident if icação de um mot ivo, 25 o que se
conf irma no present e est udo.
A seguir são apresent ados alguns t rechos de t emas import ant es da Sonat a (ver ex. 1), nos quais not a-se a
presença de element os mot ívicos nit idament e derivados da peça schoenberguiana. A enorme
diversidade mot ívico e t emát ica que ocorre nest a úl t ima obra (num grau de int ensidade muit o mais
elevado em relação ao que acont ece no op. 1) f az com que t ornem-se relevant es para a present e análise
comparat iva apenas os mot ivos de maior import ância est rut ural, 26 deixando de lado não só as inúmeras
variant es dest es como as demais idéi as, a eles subordinadas ou não.

Exemplo 1 – comparação ent re mot ivos do op. 1 (Berg) e do op. 9 (Schoenberg)


Como se observa no ex. 1, exist em basicament e t rês pont os-chave na comparação mot ívica, t odos eles
exercendo papéis de grande import ância nas est rut uras t emát icas de ambas as obras. Os dois primeiros
(1 e 2) se apresent am j á no início da Sonat a, na abert ura do t ema principal, correspondendo à quase
t ot alidade de seu enunciado primordial 27 (como se pode const at ar, o t erceiro compasso do enunciado
consist e numa variant e do primeiro, por aument ação rít mica). Tais mot ivos possuem uma relação de
evident e parent esco com element os decisivos de dois dos t emas da Sinf onia.

24
Para um est udo mais det alhado dos níveis est rut urais da Sinf onia de Câmara, ver ALMADA (2007).
25
Ver, por exemplo, SCHOENBERG (1990, p. 8).
26
Considerando que a import ância est rut ural de um mot ivo est á ligada, basicament e, à sua f reqüência de ocorrência
na obra, sua capacidade em gerar out ros mot ivos, at ravés dos processos de variação em desenvolviment o e sua
ut ilização na const rução t emát ica. Para a classif icação hierárquica dos mot ivos do op. 9 ver ALMADA (2007, p. 94-5).
27
Emprego aqui a t radução de Celso Moj ola para o t ermo schoenberguiano Grundgest al t (MOJOLA, 2003, p. 49).
Ref ere-se à idéia básica de uma det erminada peça, a part ir do qual são ext raídos, at ravés do processo de variação
em desenvolviment o [ devel oping variat ion] , os mais diversos element os mot ívicos e t emát icos. No caso do enunciado
primordial da Sonat a de Berg a economia no t rat ament o dos recursos melódicos é excepcional: de f at o, quase t odo o
mat erial essencial da obra t em origem – diret a ou indiret a, nos mais variados graus de parent esco – em seus dois
primeiros compassos.
88 SIMPEMUS 5
Considerando inicialment e apenas aos aspect os rít mico e de cont orno, o mot ivo 1 corresponde ao
desf echo do t ema de abert ura do op. 9 (part e I), após uma sucessão de cinco quart as j ust as ascendent es
e o mot ivo 2 ao enunciado do t ema secundário do Adágio (part e IV). Já o mot ivo 3, que se caract eriza
pelo cont orno arpej ado e pela f iguração quialt erada, surge no t ema da t ransição do op. 1, relacionando-
se gráf ica e audit ivament e à anacruse do t ema principal da Si nf oni a.
Ao examinarmos esses mot ivos sob a perspect iva de seus cont eúdos, surgem ainda novas ligações,
embora não t ão evident es quant o àquelas acima mencionadas. Nesse aspect o percebe-se que as duas
versões do mot ivo 2, t ant o no op. 1 quant o no op. 9, além de compart ilharem a mesma conf iguração
rít mica (incluindo o gest o caract eríst ico da repet ição de not as) arpej am a mesma t ríade aument ada a
part ir de sol, embora com sent idos melódicos opost os (ver ex. 2). Essa t ríade, por sua vez, é relacionada
como subconj unt o à escala de t ons int eiros, que exerce (não por acaso) um import ant e papel est rut ural
em ambas as obras. 28

Exemplo 2 – cont eúdos das duas versões do mot ivo 2


Porém, o caso mais impressionant e é a conexão at ravés dos cont eúdos de duas idéias aparent ement e
díspares: o mot ivo 1 do op. 1 e o mot ivo 3 do op. 9. Como most ra o ex. 3, ambos são const ruídos a part ir
do t ricorde (0, 1, 6), que t ambém pode ser designado pela f órmula [ 3-5] . 29

Exemplo 3 – cont eúdos do mot ivo 1 (op. 1) e do mot ivo 3 (op. 9)


Não devem t ambém passar despercebidas as implicações est rut urais dessa escolha por part e de
Schoenberg (e provavelment e t ransmit ido à Sonat a de Berg, pelas mesmas razões): os dois int ervalos
consecut ivos do conj unt o – quart a j ust a e quart a aument ada – parecem simbolizar, cada qual, um dos
element os ext rat onais mais solidament e present es na arquit et ura harmônica de ambas as obras, as
seqüências quart ais e a escala de t ons int eiros. É t ambém bast ant e signif icat ivo que Berg, plenament e
conscient e das possibilidades e da import ância do t ricorde, t enha-o empregado em dif erent es
conf igurações, prat icament e em quase t odos os moment os de import ância de seu op. 1, criando novos
mot ivos e associações, não a part ir do processo derivat ivo convencional (i. e. , t endo como base principal
a variação rít mica), mas de várias manipulações do cont eúdo int ervalar da coleção-chave. Em out ras
palavras, Berg, um pouco ant es do cruzament o def init ivo da f ront eira da t onalidade (a ser realizado por
Schoenberg, ent re 1908 e 1909), j á emprega com um dest aque inequívoco um procediment o da
composição at onal. O mesmo não ocorre em relação à at uação do mesmo mot ivo no op. 9. Ist o quer
dizer que nest a obra o t ricorde (0, 1, 6) é ut ilizado apenas na conf iguração original (ou sej a,
serializado), 30 em moldes convencionais da prát ica t onal no t rat ament o de mot ivos, com suas múlt iplas
f ormas de manipulação. 31

28
Corroborando essa af irmação, o cont eúdo do mot ivo 3 da Sonat a é t ambém oriundo da escala de t ons int eiros: mi,
dó sol# e ré (ver ex. 1).
29
Para a classif icação dos agrupament os de classes de alt uras segundo a Teoria dos Conj unt os [ Pi t ch-cl ass
Theor y] , criada por Milt on Babbit t , ver (FORTE, 1973).
30
Conf irmando est e f at o, a mesma seqüência de int erval os (porém t ranspost a para dó#-f á#-si#) est á t ambém
present e no op. 9 no enunciado do principal t ema do grupo secundário, na part e I (c. 84).
31
Subj acent ement e, é int eressant e const at ar a grande import ância que t em esse t ricorde para os part icipant es da
Segunda Escola de Viena. Ele é denominado “ célula germinal” por St uckenschmidt (1991, p. 437-47) no últ imo
capít ulo de sua biograf ia de Schoenberg. Segundo esse aut or, a seqüência quart a j ust a-quart a aument ada (port ant o,
serializada) é uma das principais “ idéias f ixas” schoenberguianas, t endo sido empregada com um cert o dest aque em
um número ext enso de obras, além da Si nf oni a, abrangendo t odas as f ases criat ivas do composit or: na canção
War nung op. 3/ 3, em Noi t e Tr ansf i gur ada op. 4, no Quar t et o de Cor das op. 7, nos Gur r el i eder , no Quar t et o de Cor das
op. 10, nas Canções op. 15, nas Peças Or quest r ai s op. 16, no Quar t et o de Cor das op. 30, na ópera Moi sés e Aar ão, nas
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 89

Exemplo 4 – versões do t ricorde [ 3-5] no op. 1


Como evidência de sua import ância na est rut ura harmônico-f ormal da Sonat a, o t ricorde [ 3-5] est á
present e virt ualment e em t odas as suas idéias t emát icas, como most ra o ex. 4: além dos dois t rechos
ant eriorment e mencionados – os enunciados do t ema principal (ou t ema A) e do t ema da t ransição –, na
cont inuação do t ema A (seção a do ex. 4) e em ambos os t emas const it uint es da seção secundária, B1
(seção b ) e B2 (seção c). Cont udo, o t ricorde não at ua apenas na const it uição dos t emas, mas enraiza-se
nas próprias t ext uras de acompanhament o, como se observa nas seções d e e do mesmo exemplo
(lembrando que esses const it uem apenas uma breve amost ra dos inúmeros casos onde at ua essa
coleção). Percebe-se t ambém que, em cert os t rechos, há superposições de t ransposições do t ricorde,
criando verdadeiras corrent es int eirament e nele baseadas.

Harmonia
A despeit o de compart ilhar com a Si nf oni a o mat erial ext rat onal que l he é mais caract eríst ico – as
quart as j ust as e a escala de t ons int eiros – a est rut ura harmônica do op. 1 dif erencia-se bast ant e
daquela. O op. 9 é uma obra essencialment e apoiada na t onalidade, apesar de bast ant e expandida, como
out ras composições do mesmo período schoenberguiano. O op. 1, embora “ of icialment e” t onal (possui
armadura de Si menor), def init ivament e não soa assi m. Excluindo-se alguns poucos t rechos em que é
possível encont rar um nexo t onal (breves seqüências de acordes t riádicos, que poderiam ser quase
consideradas “ casuais” ), há apenas dois moment os nos quais o I grau da região t ônica é f irmement e
enf at izado: o t recho inicial (c. 1-4), no qual se percebe uma clara cadência aut ênt ica e, j ust ament e, a
passagem que corresponde aos últ imos compassos da peça (c. 178-180), com o ressurgiment o da t ríade
t ônica, dest a vez, por “ gravidade” , sem um moviment o cadencial explícit o. Quase t odo o rest ant e da
Sonat a se desenrola num ambient e harmônico bast ant e inst ável, decorrent e de uma polif onia int ensa,
do cont ínuo processo derivat ivo das idéias e de uma organização f ort ement e apoiada nos element os
acima mencionados (quart as e t ons int eiros). No caso da obra schoenberguiana, t ais element os são
empregados essencialment e a serviço da t onalidade 32 que, por sua vez, é organizada em diversos níveis
hierárquicos, associados a níveis correspondent es da arquit et ura f ormal (o que não se percebe na
análise do op. 1). Há, além disso, inumeros pont os cadenciais na Si nf oni a que f uncionam como precisos
meios de art iculação ent re f orma e harmonia, out ra caract eríst ica prat icament e ausent e na Sonat a.

Var i ações sobr e um Reci t at i vo par a Ór gão op. 40, em O Sobr evi vent e de Var sóvi a op. 46 e at é na últ ima composição
concluída de Schoenberg, o Sal mo 130: De Pr of undi s, op. 50b. Já Flo Menezes classif ica o t ricorde ent re algumas das
coleções int ervalares pref erenciais compart ilhados pelos t rês composit ores (Schoenberg, Berg e Webern),
denominando-o especif icament e “ primeiro arquét ipo weberniano” (MENEZES, 1987, p. 74-80).
32
Embora em cert os (e, proporcionalment e, curt os) t rechos climát icos, com obj et ivos aparent ement e expressivos,
Schoenberg se aproveit e das propriedades inerent ement e simét ricas das seqüências de quart as e da escala em t ons
int eiros para criar verdadeiros “ t errit órios” desvinculados do poder gravit acional de um cent ro t onal. Para uma
discussão mais aprof undada, ver ALMADA (2007).
90 SIMPEMUS 5
O cromat ismo desempenha out ro papel import ant e na const rução de ambas as obras. Cont udo, há
al gumas dif erenças em seu t rat ament o que devem ser expl icit adas. No caso do op. 9, embora est ej a
present e na f eit ura dos t emas e das l inhas de acompanhament o, o cromat ismo é principal ment e
empregado com uma f inal idade harmônica, sej a como meio pref erencial no encadeament o de acordes
(especial ment e quando são envol vidos aquel es da cl asse dos errant es), 33 sej a ent ranhado na própria
est rut ura t onal da obra, o que é principal ment e simbol izado pel a grande import ância dada por
Schoenberg à rel ação napol it ana. 34 No op. 1 de Berg, o cromat ismo é at é mais sal ient e e epidérmico,
t ornando-se mesmo a caract eríst ica mais marcant e de cert os mot ivos e t emas. Cont udo, a prof usão dos
moviment os cromát icos nas variadas l inhas e a nat ureza essencial ment e pol if ônica da obra cont ribuem
para uma inf il t ração cromát ica na dimensão harmônica. 35

Considerações finais
É pl ausível considerar que o surgiment o da Si nf oni a de Câmar a t enha exercido um f ort e impact o sobre o
j ovem composit or Al ban Berg. Isso f oi devido, por cert o, não apenas ao poder inf l uenciador que emana
nat ural ment e de um mest re diant e de seu discípul o (o que é pot encial izado, se considerarmos, como é o
caso, a magnit ude da capacidade criat iva desse mest re), mas principal ment e às not áveis pecul iaridades
inovadoras dessa obra, bem como o cont ext o hist órico do moment o de sua composição (no l imiar do
rompiment o com a t onal idade, em meio a uma int ensa ef ervescência nas diversas áreas art íst icas,
cult urais, polít icas e sociais vienenses) e às próprias condições pessoais e prof issionais dos dois
personagens envol vidos: Schoenberg, consol idando “ um novo est il o de compor” (que iria ser quase que
imediat ament e abandonado em prol da composição at onal ), em pl eno equil íbrio ent re o novo e o
t radicional; Berg t est ando suas primeiras f orças como composit or int eirament e f ormado, mas ainda
dependent e de seu ment or.
A Sonat a par a Pi ano, op. 1 emerge nesse quadro não como um mero est ágio int ermediário ent re os
exercícios escolares e as peças mais maduras de Berg, mas como uma obra surpreendent ement e
inovadora (considerando a rel at ivament e breve experiência do composit or), 36 ainda que não se most re
imune às inf luências adquiridas do op. 9 schoenberguiano.
As semelhanças ent re as obras most ram-se evident es apenas num exame mais superf icial ,
principal ment e no que se ref ere à el aboração de cert os mot ivos e o aproveit ament o dos el ement os
harmônicos mais caract eríst icos do op. 9, a saber, as quart as j ust as e a escala de t ons int eiros. Como f oi
apont ado, t al aproveit ament o é ef et uado com propósit os e meios bast ant e diversos, considerando as
enormes dif erenças est rut urais exist ent es ent re ambas as composições.
O present e est udo consit it ui uma et apa inicial de um t rabal ho de maiores proporções, que visa anal isar
em prof undidade o op. 1 de Berg, considerando não só suas dimensões f ormal (subdividida em est rut ura
e const rução mot ívico-t emát ica) e harmônica, como t ambém aquel a que é uma das principais
caract eríst icas dessa obra, o t rat ament o dado ao desenrol ar das idéias, at ravés de um cont ínuo processo
de variação em desenvol viment o, que nel a est á present e em níveis de rara int ensidade e prof undidade.

Referências bibliográficas
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FORTE, Allen. The st r uct ur e of at onal musi c. New Haven: Yale Universit y Press, 1973.

33
Os acordes errant es possuem múlt iplo signif icado f uncional. São exemplo de errant es a t ríade aument ada, a
t ét rade diminut a, o acorde meio-diminut o e os acordes de sext a aument ada. Para uma def inição mais complet a ver
SCHOENBERG (2001, p. 286).
34
Ist o é, a relação ent re uma alt ura ref erencial e out ra dela dist anciada por segunda menor ascendent e. Tal relação
acont ece na Si nf oni a t ant o no nível das not as, quant o dos acordes e das regiões t onais.
35
Embora a análise harmônica da Sonat a t enha revelado t ambém o uso da relação napolit ana, ela acont ece de uma
maneira muit o mais raref eit a e t ímida do que na peça schoenberguiana. Além de ser limit ada a um único e breve
t recho (a coda, c. 170-176), envolve apenas o nível das not as e dos acordes (e não o das regiões), em oposição ao
que acont ece na Si nf oni a, na qual represent a um decisivo papel de sua est rut ura harmônica.
36
A esse respeit o, é part icularment e not ável, como f oi most rado na análise mot ívica, a presença de precoces
procediment os at onais na const rução t emát ica da Sonat a.
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 91
HILMAR, Rosemary. Alban Berg’ s st udies wit h Schoenberg. Jour nal of t he Ar nol d Schoenber g Inst it ut e, Los Angeles,
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WEBERN, Ant on. O Cami nho par a a Músi ca Nova. 1ª edição. (Carlos Kat er, t rad. ). São Paulo: Novas Met as, 1984.
PROGRAMAÇÃO MUSICAL NO TEATRO SANTA ISABEL EM DESTERRO

Mar cos Tadeu Hol l er (UDESC) Gust avo Wei ss Fr ecci a (UDESC)

RESUMO: O Teat ro Sant a Isabel f oi o principal t eat ro em Dest erro (at ual Fl orianópol is) no f inal do séc.
XIX. O obj et ivo dest e t rabal ho é um l evant ament o do repert ório apresent ado e dos art ist as envol vidos
na at ividade cul t ural da capit al da província no f inal do Império, o que pode real izado por meio dos
programas de suas apresent ações publ icados nos j ornais da época, como uma cont ribuição para a
hist oriograf ia da música no Est ado de Sant a Cat arina.
PALAVRAS-CHAVE: Hist ória da Música no Brasil ; Hist ória da Imprensa em Sant a Cat arina; Hist ória de
Sant a Cat arina; Música nos t eat ros;
ABSTRACT: The Teat ro Sant a Isabel was t he most import ant t heat er in Dest erro (Fl orianopól is) at t he
end of t he 19t h cent ury. The main purpose of t his paper is t o raise inf ormat ions about t he repert oire and
t he art ist s invol ved in t he cul t ural act ivit ies in Dest erro at t he end of t he imperial era - which can be
f ound in t he concert programs publ ished in newspapers - as a cont ribut ion t o t he hist ory of music in t he
St at e of Sant a Cat arina.
KEYWORDS: Hist ory of music in Brazil ; Hist ory of press in Sant a Cat arina; Hist ory of Sant a Cat arina;
Music in t he t heat er;

Em 1831 f oi publ icado O Cat ar i nense, o primeiro j ornal de Dest erro (at ual Florianópolis), por iniciat iva
de Jerônimo Coel ho, um mil it ar e l íder l iberal que chegou à Il ha de Sant a Cat arina com o int uit o de
“ semear novas idéias” (BOITEUX apud PEDRO, 1995, p. 16). Foi apenas na segunda met ade do séc. XIX,
ent ret ant o, que a imprensa t eve at ividade abundant e, t endo surgido diversos periódicos l igados à
oposição. Esses, especial ment e, reservavam al gumas de suas col unas ao j ornal ismo cul t ural e aos
anúncios de t eor art íst ico.
Por meio de um l evant ament o nos periódicos de Dest erro do período imperial , real izado no acervo da
Bibl iot eca Públ ica do Est ado de Sant a Cat arina como part e de um proj et o de mapeament o e
sist emat ização de f ont es sobre a hist ória da música em Sant a Cat arina, encont rou-se diversas
inf ormações sobre at ividades musicais no período. As inf ormações ref erent es a apresent ações musicais
t ornaram-se mais abundant es nas duas úl t imas décadas do Império, a part ir da inauguração do Teat ro
Sant a Isabel , maior t eat ro de Dest erro na época. Baseando-se no l evant ament o real izado nos j ornais, o
present e art igo enf oca a programação musical dos art i st as que passaram pel o Teat ro Sant a Isabel nesse
período.

Império e a at ividade t eat ral em Dest erro


A vinda da Famíl ia Real para o Brasil em 1808 e a conseqüent e independência do país, em 1822, l ogo
t eve suas inf l uências na el it e dest errense. As idéias de progresso da época eram evident es at é mesmo
na imprensa, surgida pouco ant es da met ade do sécul o XIX. O próprio desenvol viment o da imprensa em
Dest erro decorreu do cresciment o de at ividades l igadas ao comércio e ao t ransport e marít imo, t endo
sido expressão de uma esf era públ ica burguesa (PEDRO, 1995).
Not ícias sobre a Independência do Brasil chegaram em Dest erro com um mês de at raso, segundo inf orma
Wal t er Piazza (2003). Embora esse f at o f osse um bom pret ext o para a urbanização das províncias, em
Dest erro isso cust ou a ser not ável , apesar da l iberdade de os desenvol viment os art íst ico e cient íf ico
t erem sido apoiados com a presença da Cort e Port uguesa no Brasil .
Na capit al da Província de Sant a Cat arina, durant e a primeira met ade do séc. XIX, eram abundant es os
l ocais improvisados por iniciat iva privada para a real ização de espet ácul os art íst icos. Est e f oi o caso da
primeira ref erência à at ividade t eat ral em Dest erro. Chamada de Tr agédi a do Fayal , com aut oria de
Ovídio Saraiva de Carval ho e Sil va (o Juiz de Fora), essa peça f oi represent ada em sua residência no ano
de 1817, no int uit o de f est ej ar a coroação de D. João VI de Port ugal (CABRAL, 1972). Iniciat ivas
simil ares est iveram vincul adas às Sociedades Dramát icas Part icul ares (ou S. D. P. , abreviat ura que os
j ornais da época ut il izavam), que eram não só amadoras como f echadas e el it ist as (FABRIN, 2002), mas
que impul sionaram a vida cul t ural na cidade.
A mais import ant e casa de espet ácul os em Dest erro at é 1869 f oi o Teat ro São Pedro de Al cânt ara, que
chegou a ser visit ado pel o Casal Imperial (1845 e 1846). Ant es del e, t êm-se indicações esparsas de casas
por iniciat iva das S. D. P. e sobre el as t êm-se inf ormações l imit adas pel o f at o da imprensa em Dest erro
t er se sol idif icado apenas na segunda met ade do séc. XIX (CABRAL, 1972). Ent re a desat ivação desse
simpósio de pesquisa em música 2008 93
t eat ro (1869) at é o ano 1875, não houve t eat ro prof issional em Dest erro, o que incent ivou o surgiment o
de novos espaços para suprir a grande quant idade de S. D. P. que est avam sendo f ormadas, vist o que o
t eat ro era um dos poucos meios de diversão da popul ação no período imperial .

O Teatro Santa Isabel


Depois do Teat ro São Pedro de Al cânt ara, a próxima casa de espet ácul os seria inaugurada apenas no ano
de 1875, embora os pl anos para sua const rução t enham surgido em 1854, por iniciat iva da Sociedade
Empreendedora f ormada na época. Est a casa se chamaria Teat ro Sant a Isabel , nome dado em
homenagem à f il ha de D. Pedro II (SIMON, 1994). Apenas f ormada essa sociedade, as ações dos sócios
começaram a ser cobradas. Os sócios do Teat ro São Pedro de Al cânt ara aos poucos f oram deixando de
invest ir em sua ref orma para concent rar recursos na const rução do novo t eat ro (SCHMITZ, 1994).

A const rução do Teat ro Sant a Isabel t eve uma cont urbada t raj et ória de obras e paral isações durant e 18
anos, desde o l ançament o da pedra f undament al at é sua inauguração. Por al gum t empo a Sociedade
Empreendedora e seus acionist as est iveram parados, não dando crédit o para o pagament o das dívidas
adquiridas com o Governo, que col ocou o prédio a l eil ão. Segundo Cabral , “ f oi nessa ocasião que o
Governo t omou cont a do pat rimônio e da obra, pois a ninguém int eressou f icar com as ruínas nem com
as cont as” (1972, p. 149). Fabrin (2002) apont a o f at o como o primeiro est ímul o à const rução de um
t eat ro advindo de iniciat iva governament al em Dest erro.
A inauguração do Teat ro Sant a Isabel acont eceu no dia 7 de set embro de 1875 e, conf orme o j ornal O
Conser vador do dia 11 de set embro de 187, houve apresent ações da cant ora Hassini e das sociedades
musicais Fil armônica Comercial e Sant a Cecíl ia, t endo comparecido mais de mil pessoas nessa ocasião.

O Teat ro Sant a Isabel , o maior e mais ideal izado de Dest erro durant e o Império, t eve seu nome mudado
para Teat ro Ál varo de Carval ho em 2 de j ul ho de 1894, no mesmo ano que Dest erro passou a ser
chamada de Fl orianópol is. Esse nome é mant ido at é hoj e e, al ém do rompiment o com a monarquia
ext int a, represent ou uma homenagem ao primeiro dramat urgo cat arinense, mort o na Guerra do
Paraguai.

A programação musical no Teatro Santa Isabel


Dest erro, assim como o rest ant e do Brasil a part ir da vinda da Famíl ia Real , est ava expost a às
inf l uências advindas do Rio de Janeiro. Durant e o sécul o XIX, era comum que art ist as que viessem de l á
ou que para l á f ossem excursionassem t ambém pel o sul do Brasil . Essas not ícias t ornaram-se evident es
com a imprensa dest errense que est ava se desenvol vendo; quando se t rat ava da aparição de cél ebres
art ist as na capit al da província de Sant a Cat arina, el a não só os divul gava como muit as vezes t razia
coment ários sobre os espet ácul os real izados, às vezes at é mesmo na f orma poét ica, como é o caso de
al guns t r i ol et s1 de Cruz e Souza (sob o pseudônimo “ K-Bocl o” ) publ icados n’ O Mol eque. Esses
coment ários ainda revel avam a reação do públ ico ou l ament avam a f al t a del e.
A maioria dos concert os ocorridos em Dest erro no século XIX resumiu-se às duas úl t imas décadas do
Império, a part ir da inauguração do Teat ro Sant a Isabel . Isso não signif ica que a at ividade musical na
cidade era inexist ent e, vist o a diversidade de anúncios encont rados nos j ornais. Dent re os concert os, no
ent ant o, os exempl os mais not áveis encont rados envol viam art ist as sol o ou companhias l íricas que
of ereciam operet as ou zarzuel as compl et as e cenas ou at os int eiros de óperas consagradas em seus
programas, conf orme o gost o musical vigent e no Rio de Janeiro.

O primeiro concert o no Teat ro Sant a Isabel f oi real izado no dia 26 de set embro de 1875 pel as irmãs
Maria e Carl ot a Hassini, art ist as que haviam part icipado t ambém da inauguração do t eat ro, semanas
ant es. O j ornal O Conser vador de 22 de set embro 1875 divul gou o programa dest e concert o, com o qual
as art ist as se despediam de Dest erro. Dent re as peças apresent adas const aram uma “ gr and ouver t ur e” ,
a val sa Il Baci o de Ardit i, o romance Non Tor no de Mat t ei, o duo Le Roi Car ot t e de Of f enbach, uma cena
e ária da ópera Fr ei schüt z de Weber e a ária do t erceiro at o de La Favor i t a de Donizet t i, ent re out ras
cançonet as.

Os programas musicais dos inst rument ist as geral ment e apresent avam adapt ações sobre canções
conhecidas, especial ment e sobre mot ivos de óperas it al ianas. Est as adapt ações eram chamadas de
variações (ou f ant asias), e sobre seus sol ist as Cabral af irma o seguint e:
O que se not a nesses concert ist as [ . . . ] , não é a inclusão nos seus programas de números de
alt a música. Pref eriam os t rechos de óperas e canções populares para demonst rarem
habilidade e dest reza manual na execução dest as variações que const it uíam o f ort e dos
art ist as – e nist o, ao que parece, se resumia a classe dos execut ant es que nos visit aram, j á
que nenhum programa demonst ra preocupações na escol ha de t rechos e est udos cl ássicos,
capazes de revelar a t êmpera dos verdadeiros mest res. Também, seria exigir demais, não só

1
“ Triolé s. m. Pequeno poema de f orma f ixa, oriundo do medieval ismo f rancês. Const a de est rof es de oit o versos, em
duas rimas, com a seguint e disposição: abaaabab . O 1º, o 4º e o 7º versos são iguais” . (HOUAISS, 1979, p. 849).
94 SIMPEMUS 5
para a nossa plat éia do Dest erro, mas t ambém para out ras de meios maiores. Todas elas
apreciavam a f luidez dest as “ variações” , sobre mot ivos que conhecia ou descobria nelas, de
músicas f áceis ao ouvido, donde ganhavam o coração sent iment al dos espect adores. Est udos
clássicos, ouver t ur es, sinf onias, músicas descrit ivas nem sempre eram compreendidas e às
plat éias de ent ão, era mist er apresent ar programas mais modest os. (CABRAL, 1951, p. 24).

Embora Cabral af irme que os programas não escapavam ao repert ório de t rechos de óperas e canções,
f oram encont radas ref erências a um repert ório mais diversif icado. Foi o caso do pianist a alemão Albert o
Friedent hal, que t ocou Scarlat t i, Chopin, Schumann, Mendel ssohn, Liszt e Rubinst ein (A REGENERAÇÃO,
22/ 06/ 1888), e da pianist a brasileira Luiza Leonardo, discípula part icular de Ant on Rubinst ein e
primeiro prêmio no Conservat ório de Paris (A REGENERAÇÃO, 20/ 10/ 1888). Luiza Leonardo t ocou, no
piano cedido pel o Coronel Gama D’ Eça, peças de Chopin, Mendel ssohn, do americano Got t schal k e de
out ros composit ores em seu concert o no Teat ro Sant a Isabel.
Exemplos condizent es à t endência das adapt ações de t emas conhecidos f oram os programas do maest ro
e violinist a it aliano Vicenzo Cernicchiaro, comparado a Paganini e Sarasat e (A REGENERAÇÃO,
07/ 11/ 1883), vindo do Rio de Janeiro acompanhado por Mariet a Siebs, que acabara de cant ar na est réia
nacional da ópera La Gi oconda de Ponchielli. Alguns dias ant es, o j ornal O Desper t ador (03/ 11/ 1883)
anunciava a apresent ação do clarinet ist a port uguês Daniel August o Barret o, que t ocaria uma f ant asia
sobre mot ivos da ópera Ri gol et t o.
No ano seguint e, o j ornal O Desper t ador (21/ 06/ 1884) publicou o programa do clarinet ist a, violonist a e
barít ono cego Nicolas Campos, que seria acompanhado por uma orquest ra sob a direção do maest ro
Robert o Grant . Além de t er cant ado árias de Donizet t i e Verdi, o músico t ocou uma f ant asia com
variações para violão sobre mot ivos da ópera I Pur i t ani de Bellini e uma f ant asia concert ant e para
clarinet e sobre t emas de Cavallini.
Companhias líricas de diversos lugares ocasionalment e passavam pela capit al da Província e, ant es de
seguirem viagem, t ambém real izaram al guns concert os no Teat ro Sant a Isabel. Uma companhia lírica
f rancesa dirigida por Felix Verneuille, por exempl o, est reou com a represent ação da operet a Les
Cl oches de Cor nevi l l e de Pl anquet t e, em set embro de 1880. Coment ando esse concert o, o j ornal A
Regener ação (12/ 09/ 1880) queixou-se da f alt a de inst rument os para complet ar a orquest ra t al como a
peça exigia. Dent re as apresent ações, const aram diversas operet as e óperas de Of f enbach como La
Gr and Duchesse, Or phée aux Enf er s e La Vi e Par i si enne, ent re out ras, de out ros aut ores, como La Fi l l e
du Régi ment de Donizet t i e La Fi l l e de Mme. Ar got de Lecocq.
Out ro exempl o encont rado diz respeit o à companhia lírico-cômica it aliana de Faust o Scano, que
cont inha óperas, operet as e f arsas de composit ores como Lecocq, Planquet t e, Donizet t i, Of f enbach e
Suppé em seu repert ório. Essa companhia permaneceu em Dest erro por cerca de t rês meses e meio, no
f inal do ano de 1882. Meses depois, mais art ist as it alianos se apresent ariam no Teat ro Sant a Isabel,
dest a vez dirigidos pelo dest errense José Brasilício de Souza, e dent re o repert ório apresent ado
const aram excert os da ópera Il Guar any de Carl os Gomes, Il Tr ovat or e de G. Verdi (A REGENERAÇÃO,
25/ 02/ 1883), e at é mesmo t rechos da ópera O Er mi t ão de Muquem , do próprio José Brasilício,
coment adas no mesmo j ornal no dia 18 de março do mesmo ano.
De maio a j unho de 1884 est eve em Dest erro a companhia it aliana de ópera do diret or Alf redo Rot a.
Segundo o j ornal O Desper t ador de 7 de maio de 1884, a est réia da companhia f oi muit o aplaudida,
especialment e na habaner a cant ada pela Sra. Zaccon. Alguns números apresent ados pel a companhia
f oram a ópera em t rês at os Cr espi no e l a Comadr e de Ricci, a ária Una Voce Poco Fa da ópera Il
Bar bi er e di Si vi gl i a de Rossini, t rechos da operet a Les Cl oches de Cor nevi l l e e uma ária e um duet o da
ópera Don Pasqual e de Donizet t i.
A companhia l írica do Rio de Janeiro, dirigida por Braga Jr. , cont ava com 65 art ist as e est reou no Teat ro
Sant a Isabel no início do ano 1885 com a operet a O Si no do Er emi t ér i o, do maest ro port uguês Alvarenga.
Apresent aram ainda a operet a La Fi l l e de Mme. Ar got , D. Juani t a de Suppé, A bar onesa de Cai apó de
Of f enbach e Mandarim, t endo o j ornal A Regener ação publicado alguns coment ários.
A últ ima ref erência encont rada sobre a apresent ação de uma companhia lírica no Teat ro Sant a Isabel no
Império menciona uma companhia it aliana dirigida por Luiz Mil one, que se apresent ou em j unho de
1888. Ent re as publicações de programas e crônicas, percebeu-se maior presença do composit or
Giuseppe Verdi, com ref erências à ária de t enor Di quel l a pi r a da ópera Il Tr ovat or e e t rechos das
óperas La Tr avi at a e Un Bal l o i n Mascher a. Foram apresent ados, novament e, excert os da operet a Les
Cl oches de Cor nevi l l e e t rechos de Bocacci o de Suppé e da ópera Il Bar bi er e di Si vi gl i a.
Exemplos de apresent ações musicais realizadas apenas com art ist as locais não eram muit o f reqüent es.
Um dos mais int eressant es f oi a iniciat iva da S. D. P. Frat ernal Benef icent e que, dirigida por José
Brasilício de Souza, represent ou Ni ni che em j unho de 1880, reapresent ada no aniversário da
Independência naquele ano. Publicou-se que se t rat ava de uma “ engraçada composição dramát ica de
Al f redo Henrequim e Al bert o Mil l aut , post a em música pelo maest ro Mario Bollard, t raduzida para o
port uguês por Art hur Azevedo” (A REGENERAÇÃO, 20/ 05/ 1880, p. 1). O mesmo grupo apresent ou, no
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 95
mês seguint e, uma operet a do próprio maest ro Brasil ício chamada Os Namor ados de Mi nha Mul her ,
sobre a qual o j ornal A Regener ação t eceu elogios.
Al ém dos exempl os de art ist as sol o e companhias l íricas, out ros menos numerosos merecem ser cit ados,
como a paródia à La Tr avi at a chamada Cenas da vi da Fl umi nense, apresent ada em abril de 1888 pel a
companhia dramát ica do carioca Cardoso da Mot t a, onde os at ores cant aram t rechos originais de Verdi
(A REGENERAÇÃO, 1888).
Em out ras sit uações o Teat ro Sant a Isabel t ambém comport ou música, como f oi o caso de uma f est a de
caridade real izada em novembro de 1880, onde um amador t ocou variações para cl arinet e e f l aut a. Nos
f est ej os aos 61 anos do Padre Paiva, em j ul ho de 1882, real izou-se de um concert o onde compareceram,
ent re out ras personalidades, José Brasilício de Souza, Francisco Cost a e Adol f o Mel l o. Em uma soi r ée e
concert o real izado por prof essores e amadores dest errenses que al mej avam vert er f undos para o Liceu
de Art es e Of ícios, f oi apresent ada a ouver t ur e de Semi r ami s (provavel ment e Semi r ami de de Rossini),
t ranscrit a para piano a oit o mãos.

Considerações finais
Como se pôde perceber, a at ividade t eat ral em Dest erro demorou a se desenvol ver. Ant es, durant e e
mesmo depois da const rução do Teat ro Sant a Isabel , em 1875, eram abundant es os espaços adapt ados
para quaisquer f ins art íst icos na cidade, da mesma f orma que ocorria com os espet ácul os ant es da
exist ência das casas de ópera em out ros l ocais do Brasil no sécul o XVIII, como menciona Budasz (2006).
O aut or af irma que “ para uma sociedade l ut ando para mant er sua ident idade européia numa paisagem
t ropical e sel vagem, uma casa de ópera era evidência de sua condição civil izada e educada” (BUDASZ,
2006, p. 218) 2, preocupação social essa que permeou t ambém a const rução dos t eat ros cat arinenses no
período imperial , sendo compart il hada pel o j ornal O Ar gos do dia 8 de março de 1861 no que diz
respeit o à exist ência de t eat ros nas cidades para que f ossem avaliadas sua moral e civilização.
Nos programas do Teat ro Sant a Isabel encont rados nos j ornais percebe-se a presença f reqüent e da
música erudit a européia, com a predominância de operet as e t rechos de óperas, conf orme o gost o
vigent e no Rio de Janeiro, grande cent ro musical do país nessa época. As peças européias apresent adas
pel as companhias brasil eiras rarament e est avam t raduzidas para o port uguês, apesar da iniciat iva do
mil it ar espanhol José Amat , em meados do sécul o XIX, de dif undir a música l írica em vernácul o e criar
uma ópera nacional , como menciona Cast agna (2003).
Em menor proporção, encont raram-se programas de inst rument ist as que t inham em seu repert ório
variações e f ant asias sobre t emas daquel as óperas apresent adas pel as companhias. O Teat ro Sant a
Isabel ainda comport ou out ros moment os em que a música est eve envolvida, como comemorações
cívicas onde sociedades musicais t ocavam o Hino Nacional ou peças t eat rais “ ornadas de música” , onde
composit ores l ocais t inham a oport unidade de most rar seus t rabal hos.
Ainda exist e muit o a ser escrit o sobre a hist ória da música no Brasil , sobret udo nas regiões de baixa
visibil idade hist órico-document al , como é o caso do Est ado de Sant a Cat arina. Os resul t ados
apresent ados aqui ref erem-se a uma pesquisa ainda em andament o, e ao f inal do t rabal ho espera-se
obt er out ros dados e concl usões, que cont ribuirão não soment e para a compreensão da hist ória da
música em Sant a Cat arina, mas t ambém no Brasil .

Referências bibliográficas
BUDASZ, Rogério. Opera and musical t heat er in eight eent h-cent ury Brazil: a survey of early st udies and new
sources. Firenze: Accademia Nazionale di Sant a Cecilia, 2006.

CABRAL, Oswaldo Rodrigues. A música em St a. Cat arina no século XIX. Florianópolis: s. e. , 1951.

__________. Nossa Senhora do Dest erro: memória. Florianópolis: Imprensa da Universidade Federal de Sant a
Cat arina, 1972.

CASTAGNA, Paulo. A Imperial Academia de Música e Ópera Nacional e a ópera no Brasil no século XIX. São Paulo:
UNESP, Inst it ut o de Art es, 2003.

FABRIN, João Bapt ist a Giachini. Grandes casas, novidades e curiosidades. Florianópolis: UDESC, Cent ro de Ciências
Humanas e da Educação, 2002.

PEDRO, Maria Joana. Nas t ramas ent re o público e o privado. Florianópolis: Edit ora da UFSC, 1995.

PIAZZA, Walt er Fernando. Sant a Cat arina: hist ória da gent e. Florianópolis: Ed. Lunardelli, 6ª ed. , 2003.

HOUAISS, Ant ônio (coord). Pequeno Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse . Rio de Janeiro: ed. Larousse do
Brasil, 1979.

2
Tradução dos aut ores.
96 SIMPEMUS 5
SCHMITZ, Paul o Cl óvis. O Teat ro Ál varo de Carval ho. In: SCHMITZ, Paul o Cl óvis (org. ); et al . Pequena história do
Teatro Álvaro de Carvalho. Fl orianópol is: Paral el o 27: FCC, 1994.

SIMON, Líl ian Mendonça. Do ant igo Teat ro Sant a Isabel ao Teat ro Ál varo de Carval ho. In: SCHMITZ, Paul o Cl óvis
(org. ); et al . Pequena história do Teatro Álvaro de Carvalho. Fl orianópol is: Paral el o 27: FCC, 1994.

JORNAIS:

A Regeneração (1868 – 1889).

O Argos (1856 – 1862).

O Conservador (1871 – 1889).

O Despertador (1863 – 1885).

O Moleque (1884 – 1885).


OS ESTATUTOS DAS SOCIEDADES DE CANTO DOS IMIGRANTES ALEMÃES EM BLUMENAU (SC)

Rober t o Fabi ano Rossbach (UDESC)

RESUMO: Baseando-se nos est at ut os das sociedades de cant o f ormadas no início da col onização al emã da
região de Bl umenau (SC), busca-se nest e t rabal ho escl arecer o papel desses grupos na dif usão do
moviment o cul t ural l ocal e suas cont ribuições para a cont inuação dest a t radição que se mant ém viva
at é os dias de hoj e.
PALAVRAS-CHAVE: cant o coral – sociedades de cant o – imigração al emã.
ABSTRACT: Based on t he st at ut es of t he singing societ ies creat ed in t he beginning of t he german
col onizat ion in Bl umenau (SC), t he purpose of t his paper is t o cl arif y t he rol e of t hese groups in t he
dif f usion of t he l ocal cul t ural movement and it s cont ribut ions t o t he perpet uit y of t his t radit ion, which
st ill exist s t oday.
KEYWORDS: choral singing – singing societ ies – German immigrat ion.

Est e art igo é part e da pesquisa de mest rado em andament o sobre as sociedades de cant o que at uaram
na região do Val e do It aj aí (SC) desde os primeiros anos da f undação da Col ônia Bl umenau, na segunda
met ade do sécul o XIX, at é a int errupção das at ividades durant e a Campanha de Nacional ização no Brasil
a part ir de 1937, quando f oram proibidos o idioma al emão e as manif est ações cul t urais dos imigrant es.
Est a invest igação busca escl arecer as f inal idades das sociedades de cant o no âmbit o social dos primeiros
col onizadores al emães e suas cont ribuições para a cont inuação dest a t radição que se mant ém viva at é
os dias de hoj e.
As f ont es ut il izadas para est e t rabal ho f oram document os t ext uais manuscrit os e impressos de meados
do século XIX ao início do século XX, como est at ut os e j ornais da época, encont rados no Arquivo
Hist órico José Ferreira da Sil va de Bl umenau. Os document os manuscrit os em al emão gót ico cursivo
f oram t ranscrit os por Leonhard Creut zberg, past or aposent ado da Igrej a Evangél ica de Conf issão
Lut erana no Brasil (IECLB), resident e na cidade de Joinvil l e. Todas as t raduções do al emão para o
port uguês mencionadas nest e t rabal ho f oram real izadas pel o aut or.
Os est at ut os das sociedades de cant o descrevem as at ribuições da diret oria, os direit os e deveres dos
associados, a regul ament ação administ rat iva e f inanceira, bem como a f inal idade geral da associação.
Foram encont radas duas versões dos est at ut os manuscrit os de uma das sociedades de cant o pesquisadas,
sendo que a primeira é da época da f undação da sociedade, seguida de uma segunda com a revisão do
document o, cont endo al guns acréscimos. Est at ut os de t rês out ras sociedades de cant o ut il izados nest e
t rabal ho est ão impressos e publ icados em j ornais.
Jornais começaram a circul ar ainda no sécul o XIX como órgãos de divul gação dos event os sociais e
cul t urais da região de Bl umenau. Ref erências às sociedades de cant o f oram encont radas no Kolonie
Zeit ung – und Anzeiger f ür Dona Francisca und Blumenau1, que f oi o primeiro periódico da região, que
começou a circul ar a part ir de 1863. O Kolonie Zeit ung era um j ornal que at endia simul t aneament e as
col ônias Dona Francisca, at ual cidade de Joinvil l e, e Bl umenau e t ornou-se, segundo Herkenhof f (1998),
o principal órgão de divul gação dos event os cul t urais, sociais e art íst icos da região para onde o Past or
Rudol ph Oswal d Hesse, organizador da primeira sociedade de cant o de Bl umenau, enviava seus art igos
ref erent es à vida musical da cidade. Segundo Ferreira da Sil va, o Past or Hesse era um “ homem
int el igent e, de grande cul t ura e dot ado de um est il o corret o, sempre impregnado de humorismo” (1977,
p. 07).
Out ro j ornal que auxil iou nest e t rabal ho f oi Der Urwaldsbot e 2, que circul ou ent re 1893 e 1941. No
início o j ornal t eve orient ação rel igiosa, sendo o port a-voz das comunidades evangél icas e das escol as
que est as comunidades cont rol avam. Em 1898 Eugênio Fouquet assumiu a direção do j ornal , def endendo
suas idéias baseadas no bem-est ar moral e mat erial dos descendent es dos al emães, e que consist iam em
evit ar a adapt ação compl et a e absol ut a dos t eut o-brasil eiros aos cost umes brasil eiros (FERREIRA DA
SILVA, 1977).

1
Jornal da Colônia e Indicador da Colônia Dona Francisca e Blumenau.
2
O Mensageiro da Florest a.
98 SIMPEMUS 5
A imigração alemã e as sociedades de canto
No f inal do séc. XVIII f oi l ançado um pl ano de emigração de al emães para os Est ados Unidos, no
moment o em a Europa vivia uma série de conf l it os. Por vol t a de 1818 o Brasil ent rou na disput a por
emigrant es al emães, que chegaram mot ivados pel a possibil idade de mel hores condições de vida. Em
Sant a Cat arina, os primeiros imigrant es al emães chegaram ao f inal de 1829, est abel ecendo-se na
Col ônia São Pedro de Al cânt ara, at ual região da Grande Fl orianópol is. Ent ret ant o, o maior f l uxo de
imigrant es al emães para a região ocorreu por iniciat iva privada e por esf orços individuais e ideal ist as,
na f undação da Col ônia Bl umenau (1850) e da Col ônia Dona Francisca (1851) (FOUQUET, 1974;
SEYFERTH, 1974).
Em 1849 o f armacêut ico Hermann Bruno Ot t o Bl umenau, após visit ar as áreas de povoament o germânico
no Brasil , regressou à Al emanha l evando inf ormações col et adas no Brasil , diagnost icando quest ões
inerent es à col onização e descrevendo o pot encial da nat ureza e seus recursos. O f ut uro f undador da
Col ônia Bl umenau esf orçou-se em most rar que o Sul do Brasil of erecia condições vant aj osas aos al emães
emigrant es (FERRAZ, 1949).

Em agost o de 1850 chegaram à Vil a Nossa Senhora do Dest erro (at ual Fl orianópol is – SC), a bordo do
vel eiro Christ ian Mat hias Schroeder, os 17 imigrant es que f oram l evados em canoas Rio It aj aí-Açú acima.
O Dr. Bl umenau e os demais imigrant es chegaram à Foz do Ribeirão da Vel ha em 02 de set embro de
1850, iniciando of icial ment e a col onização do Val e do It aj aí, f undando a Col ônia Bl umenau (FERRAZ,
1949).
Com a imigração al emã, as manif est ações cul t urais ocorreram j unt ament e com os ideais col onizadores.
A vida em sociedade desenvol veu-se cedo nas comunidades de l íngua al emã com as at ividades sociais
das associações de t iro nos cl ubes e associações desport ivas e recreat ivas, que represent avam boas
ocasiões para apresent ações musicais (BISPO, 1998). Predini e Mart ins (2004) af irmam que “ a t endência
dos imigrant es europeus radicados no sul do Brasil era viver em comunidade e f ormar associações” (p.
95). As aut oras af irmam que as manif est ações cul t urais como os “ grupos de cant o, os t eat rais, e aquel es
que divul gam o l azer, a cul t ura, o ent ret eniment o ent re os imigrant es” t êm como principal obj et ivo
“ dif undir o cant o, as diversões t eat rais, musicais e promover bail es” (Ibid. , p. 95). Nas col ônias de
imigrant es al emães no Sul do Brasil , est e espírit o associat ivo mot ivou a criação de diversas sociedades
cul t urais. Segundo Fl ores (1983), est e espírit o associat ivo ocorreu não soment e pel o grande isol ament o
social do imigrant e no Brasil , mas porque j á havia a prát ica do associat ivismo cul t ural na pát ria de
origem.

Uma dest as manif est ações cul t urais eram as sociedades de cant o ( Gesangver ei ne), coros mascul inos
amadores que cant avam repert ório secul ar, f ormados por imigrant es al emães. Segundo Bispo (1998), a
música desempenhou um papel import ant e no cont ext o da col onização, especial ment e o cant o al emão,
criando uma imagem ideal izada do passado e um f ort al eciment o da imagem do f ut uro, com as t emát icas
de saudade da pát ria nos t ext os das canções. Assim, “ o cant o marcava t odas as f ases da vida do
imigrant e, do nasciment o at é a mort e” (Ibid. , 1998), sendo os cant os os principais t raços cul t urais que
sobreviveram ent re os descendent es dos imigrant es, observada especial ment e nas reuniões e f est as
f amil iares.

A fundação das sociedades de canto em Blumenau


A document ação anal isada conf irma a at uação de diversas sociedades de cant o em Bl umenau. Est e
t rabal ho baseia-se em duas sociedades f undadas no sécul o XIX e duas no sécul o XX: a Gesangver ei n
Ger mani a (Sociedade de Cant o Germania), a Gesangver ei n Fr eundschaf t s-Ver ei n (Sociedade de Cant o
Amizade), a Gesangver ei n Li eder kr anz (Sociedade de Cant o Guirl anda de Canções) e a Männer
Gesangver ei n Gar ci a (Sociedade Mascul ina de Cant o Garcia).
Em 03 de agost o de 1863 f oi f undada a Gesangver ei n Bl umenau (Sociedade de Cant o da Col ônia
Bl umenau), a primeira sociedade de cant o da Col ônia Bl umenau. Post eriorment e a Gesangver ei n
Bl umenau passou a chamar-se Gesangver ei n Ger mani a (Sociedade de Cant o Germania), sob direção
musical do Past or Rudol ph Oswal d Hesse e presidência do senhor Vict or Gärt ner (KORMANN, 1995). Na
edição de 03 de out ubro de 1863 do Kolonie Zeit ung, o Past or Hesse escreveu que “ a Col ônia Bl umenau
deu um passo na sua vida espirit ual e social : uma sociedade de cant o, um grupo de t eat ro amador e uma
j á import ant e sociedade de at iradores” (Kol oni e Zei t ung, 03. 10. 1863).
Em 02 de abril de 1864, o Past or Hesse not iciou no art igo do Kolonie Zeit ung que:
A vida em sociedade se f ort if ica progressivament e. Al ém da sociedade da região cent ral , uma
out ra sociedade de cant o f oi const it uída no al t o It aj aí que, como o nome j á diz – Sociedade
Al egria, possui t endências mais ampl as e, como se sabe, sob direção do Senhor
Scheidemant el , j á conseguiu bons resul t ados ( Kol oni e Zei t ung, 02. 04. 1864).

A Gesel l i ger Ver ei n (Sociedade Al egria) havia sido f undada no al t o It aj aí, l ocal idade onde, at ual ment e,
est á a região das It oupavas. Na document ação pesquisada não f oram encont radas out ras ref erências à
simpósio de pesquisa em música 2008 99
Gesel l i ger Ver ei n. Exist em ref erências a uma sociedade de cant o at uando em conj unt o com a
Gesangver ei n Ger mani a no mesmo local do alt o It aj aí e t ambém sob a regência do Senhor
Scheidemant el, denominada Gesangver ei n Fr eudschaf t s-Ver ei n. Pela coincidência, poder-se-ia presumir
que se t rat a provavelment e da mesma Gesel l i ger Ver ei n, com o nome modif icado.
No século XX, dest aca-se out ra sociedade de cant o com int ensa at uação na vida musical de Blumenau, a
Männer Gesangver ei n Li eder kr anz (f ig. 1), f undada em 26 de maio de 1909 e que anexou-se em 16 de
agost o de 1936 à Theat er und Musi kver ei ns Fr ohsi nn (Sociedade Teat ral e Musical Frohsinn, f undada em
15 de março de 1932) 3.

Figura 1 – Sociedade de Cant o Li eder kr anz Font e – Arquivo Hist órico José Ferreira da Silva – Sociedades
Cult urais – Diversas – Classif icação 8. 4. 1. 1a
No j ornal Der Urwaldsbot e, de 04 de agost o de 1939, verif ica-se a exist ência da Sociedade de Cant o
Garcia, f undada em 1º. de j unho de 1911, sob a denominação de Männer -Chor Gar ci a I ( Der
Ur wal dsbot e, 04. 08. 1939). Apesar de não haver prova document al, Kormann (1995) supõe que est e
grupo sej a a cont inuidade do Gesangver ei n Sänger bund Gar ci a, f undado em 10 de agost o de 1865, que
part icipou de diversos event os ainda no século XIX.

As finalidades das sociedades de canto de Blumenau


Pesquisas sobre as sociedades de cant o nos Est ados Unidos, a exemplo de Babow (1954) e Albrecht
(1975), orient am que o signif icado dest es conj unt os não pode ser generalizado e aplicado a t odas as
comunidades de imigrant es alemães ou dest as comunidades em relação aos países de língua alemã,
onde a at ividade ocupa uma posição cent ral. Conf orme os est at ut os analisados, a f inalidade principal
dest as associações era promover convívio, ent ret eniment o e enobreciment o na vida social da região de
Blumenau, colocando a prát ica musical coral de cert a f orma em segundo plano.
Em conf ormidade com a abordagem de Babow (1954) sobre sua pesquisa nos Est ados Unidos, as
sociedades de cant o de Blumenau t ambém sat isf aziam uma necessidade de pequenos grupos de pessoas,
dist ant es de suas origens, em preservar seus cost umes e sua língua mat erna, criando uma ident idade e
uma consciência nacional, mant endo uma ligação com a velha pát ria. Após a Segunda Guerra Mundial
observa-se em t oda a região uma necessidade em preservar os cost umes e as ant igas t radições dos
primeiros colonizadores, reconhecendo e t omando consciência do capit al cult ural acumulado ao longo
da hist ória.
As sociedades e associações em Blumenau na época da colonização cult ivavam o ideal comum da vida
social, cult ural e econômica da região. Tinham f ins út eis e necessários ou eram purament e recreat ivas,
sendo elas sociedades escolares, paroquiais e dos cemit érios, hospit alares, a sociedade de cult ura e
agrícola e a sociedade de leis e assist ência j udiciária. Surgiram t ambém as sociedades de cant o que
cult ivavam o cant o orf eônico e eram o real at rat ivo à vida social da Colônia, além dos grupos de t eat ro

3
A Sociedade Teat ral e Musical Fr ohsi nn, const it uída pela f usão da Sociedade Teat ral Fr ohsi nn, do Club Musical e da
Sociedade de Cant o Li eder kr anz é at ualment e a Sociedade Dramát ico-Musical Carlos Gomes, que adot a est e nome
desde a sua reest rut uração em 12 de f evereiro de 1939.
100 SIMPEMUS 5
amador e os cl ubes de bol ão ou de baral ho (FERRAZ, 1976; KILIAN, 1950). As diversas sociedades de
cant o regist ravam em est at ut os as f inal idades e obj et ivos da associação, as dif erent es cat egorias de
sócios, as at ribuições da diret oria e a organização administ rat iva da sociedade. Segundo Kil ian (1950),
as sociedades de cant o da região de Bl umenau t omavam part e dos moment os al egres e t rist es de seus
sócios, se f azendo present es em aniversários, casament os, f est as f amil iares ou moment os em que a
mort e t irava um dos membros do meio dos cant ores, prest ando-l he no t úmul o a úl t ima homenagem,
cant ando a canção de que mais gost ava.
Os est at ut os da Gesangver ei n Ger mani a não f oram encont rados at é o moment o, mas, conf orme o
Kolonie Zeit ung de 11 de novembro de 1873, no discurso do president e Vict or Gärt ner, real izado por
ocasião do aniversário de 10 anos da f undação da sociedade, est e enf at izou o sent ido do parágraf o
primeiro dos est at ut os: “ A Sociedade f oi f undada para, at ravés do cant o, int roduzir o divert iment o e
enobreciment o na vida social ” ( Kol oni e Zei t ung, 11. 10. 1873).
Nos est at ut os da Gesangver ei n Fr eudschaf t s-Ver ei n, el aborados em 01 de out ubro de 1863, t ambém
est á def inida a f inal idade dest a sociedade, conf orme o t ext o: “ na present e dat a, é criada uma
sociedade privada com a f inal idade de reunir seus membros regul arment e para ent ret eniment o social
associado à prát ica do cant o” (EST. FV, f . 1).
A Sociedade de Cant o Li eder kr anz est ava l igada à Sociedade Teat ral e Musical Fr ohsi nn, cuj a f inal idade
est á def inida em seus est at ut os: “ proporcionar aos seus associados convívio e divert iment o social por
meio da art e t eat ral, musical e do cant o” (EST. TVF).
A publ icação dos est at ut os da Sociedade de Cant o Garcia j á adapt ados às novas l eis de nacional ização
ocorreu no j ornal Der Urwaldsbot e de 04 de agost o de 1939. No art igo const a o seguint e: “ a sociedade
t em por f inal idade cul t ivar a art e do cant o ent re os seus associados e de promover bail es e out ros
divert iment os” ( Der Ur wal dsbot e, 04. 08. 1939).
Por meio dos est at ut os, percebe-se a preocupação em proporcionar aos associados divert iment o e
convívio social . Assim, o cant o t ornou-se um pret ext o para al cançar est e obj et ivo, que era o de reunir
grupos de imigrant es e desenvol ver uma t endência nat ural do imigrant e em conviver em sociedade.

Considerações finais
A vida social f l oresceu na Col ônia Bl umenau pel a necessidade que o imigrant e al emão t inha de conviver
em grupo. Na Al emanha a música sempre se f azia present e nest as ocasiões e conf orme o t ext o de Hesse
no Kolonie Zeit ung de 26 de set embro de 1863, a reat ivação de uma at ividade como a das sociedades
de cant o seria f undament al para impul sionar ainda mais a f ormação de uma sociedade homogênea, com
ident idade própria e que preservasse suas ant igas t radições ( Kol oni e Zei t ung, 26. 09. 1863).
A região de Bl umenau possui uma preocupação com a preservação das t radições de seus ant epassados
col onizadores. Dent re est as t radições são preservadas at é hoj e a l íngua al emã, o associat ivismo e as
manif est ações art íst icas, ref l et idas nos inúmeros event os l igados à cul t ura al emã promovidos na região.
O grande número de coros em at ividade l igados às comunidades rel igiosas e às sociedades cul t urais,
compost os hoj e em sua maioria por vozes mist as, ainda cul t ivam o cant o al emão e est ão f il iados à Liga
Recreat iva Cul t ural Val e do It aj aí, que promove anual ment e os encont ros e f est as de cant ores.
As sociedades de cant o de Bl umenau, que t iveram papel import ant e na manut enção e propagação da
cul t ura de origem dos imigrant es al emães, são ainda um t ema pouco abordado na l it erat ura. Os
document os à disposição, a exempl o dos est at ut os, most ram que a at uação dest as associações f oi
signif icat iva e possivel ment e mot ivaram a f ormação de out ros grupos após a Segunda Guerra Mundial ,
quando novament e o cul t ivo das t radições dos primeiros imigrant es vol t ou a ser permit ida. Com a
present e pesquisa ainda em andament o, a anál ise dos est at ut os das sociedades de cant o de Bl umenau
não esgot a o t ema, pois out ras f ont es de pesquisa encont ram-se à disposição e poderão ampl iar o
conheciment o sobre est es conj unt os.
Assim como os obj et ivos evidenciados nos est at ut os das sociedades de cant o no início da col onização
al emã, o moviment o coral de Bl umenau mant ém seu carát er amador, deixando a música como pret ext o
para o ent ret eniment o e convívio social ent re seus part icipant es, em sua maioria, descendent es de
al emães.
A região de Bl umenau ainda hoj e possui um moviment o de cant o coral f ort e, evidenciado pel os inúmeros
grupos em at ividade nas associações recreat ivas e cul t urais, nos cl ubes de caça e t iro e nas igrej as. O
conheciment o das at ividades das sociedades de cant o no início da col onização al emã cont ribui para a
hist ória da música da região. Al ém dos acervos ut il izados nest e t rabal ho, exist em out ros a serem
pesquisados e/ ou sist emat izados e que podem t razer mais inf ormações, auxil iando a pesquisa hist órico-
musicol ógica no Est ado de Sant a Cat arina.
simpósio de pesquisa em música 2008 101
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document o 9. 11. 1. 2. 1, cx. 01, doc. 02.

Jornais:

Der Urwaldsbot e, Blumenau, 1893-1941.


Kolonie Zeit ung, Joinville, 1863-1942.
ATUAÇÃO DAS SOCIEDADES MUSICAIS E BANDAS CIVIS EM DESTERRO DURANTE O IMPÉRIO

Mar cos Tadeu Hol l er (UDESC) Débor a Cost a Pi r es (UDESC)

RESUMO: Durant e o sécul o XIX, as bandas de música f oram uma das inst it uições musicais mais present es
e populares no Brasil, part icipando de event os sociais, sacros e prof anos, milit ares e civis. O present e
t rabal ho é o resul t ado parcial de um l evant ament o real izado em j ornais publ icados no século XIX em
Dest erro (at ual Florianópolis), buscando-se inf ormações sobre a at uação de bandas e sociedades
musicais civis no período, como uma cont ribuição para a hist oriograf ia da música em Sant a Cat arina.
PALAVRAS-CHAVE: Hist ória da imprensa; Hist ória da música em Sant a Cat arina; Bandas; Sociedades
Musicais.
ABSTRACT: During t he 19t h cent ury, bands were one of t he most present and popul ar musical
inst it ut ions in Brazil, and t hey t ook part in all kind of social event s, sacred or secular, milit ar or civilian.
This paper is a parcial result of a research in newspapers published in Dest erro (Florianópolis) in t he
19t h cent ury, t hrough which were raised inf ormat ions about bands and civilian musical societ ies, as a
cont ribut ion t o t he hist ory of music in Sant a Cat arina.
KEYWORDS: Hist ory of press; Hist ory of music in Sant a Cat arina; Bands; Musical societ ies.

Durant e o sécul o XIX, as bandas de música f oram uma das inst it uições musicais mais present es no Brasil,
e no século XX t ransf ormaram-se em uma das mais populares manif est ações da cult ura nacional. As
bandas est avam present es em prat icament e t odos os event os sociais, sacros e prof anos, milit ares e
civis; ainda hoj e são um cent ro gerador de um vast o repert ório de diversos gêneros, como chorinhos,
marchas e dobrados, e nel as f ormam-se músicos prof issionais e amadores .
A present e pesquisa t em por obj et ivo mapear as bandas e sociedades civis que exist iam em Dest erro
durant e o período do Império, ident if icando suas at uações e abrangência dent ro da sociedade. As
inf ormações f oram encont radas a part ir de um l evant ament o real izado em j ornais publ icados em
Dest erro1 (at ual Florianópolis), pert encent es ao acervo da Bibl iot eca Públ ica do Est ado de Sant a
Cat arina. Nest e art igo não serão cont empl adas as bandas mil it ares, j á que o assunt o se est enderia em
demasiado. Cabe observar que est a pesquisa ainda est á em andament o e est e art igo é a apresent ação
do result ado parcial apurado at é aqui, e os result ados f inais serão apresent ados post eriorment e em um
t rabalho de conclusão de curso.
A bibl iograf ia ut il izada como f undament o para est a pesquisa e que se ref ere aos acervos e à hist ória da
imprensa no Est ado f oi a obra Nas t r amas ent r e o públ i co e o pr i vado, de Joana Maria Pedro (1995), que
apresent a t abel as com as publ icações de j ornais a part ir de 1831 e inf ormações gerais sobre sua
localização nos acervos. Escrit a a part ir de pesquisa sobre j ornais publicados em Dest erro, most ra como
a imprensa da época, embora vincul ada a int eresses privados, at uava em rel ação ao poder públ ico,
buscando t irar proveit os. Foram ut il izadas al gumas obras sobre a hist ória do Est ado em geral, como o
Di cci onar i o hi st or i co e geogr aphi co de Est ado de Sant a Cat ar i na de José Art hur Boit eux (1940); sobre
hist ória da música em Sant a Cat arina f oram consul t adas as obras de Oswal do R. Cabral , A Músi ca em
St a. Cat ar i na no Sécul o XIX (1951), Hi st ór i a de Sant a Cat ar i na (1968) e Nossa Senhor a do Dest er r o:
memór i a (1972), obras não muit o recent es e que não são f undament ados na met odol ogia da musicol ogia
hist órica, mas que f oram um pont o de part ida para a pesquisa.

Bandas e sociedades de música em Dest erro no séc. xix


Nos j ornais são muit o f reqüent es as descrições da part icipação de bandas civis e sociedades musicais em
event os sociais prof anos e sacros, lit úrgicos e paralit úrgicos. Os t ext os são geralment e de aut oria
anônima, e uma dif icul dade na sua l eit ura f oi a diversidade na denominação que esses grupos recebiam
na época: “ f il armônica” , “ l ira” , “ sociedade musical ” , “ associação musical ” eram os mais comuns.
Freqüent ement e as bandas t ambém eram chamadas de “ orquest ra” , o que pode gerar al guma conf usão
na l eit ura de t ext os mais recent es, quando j á exist iam orquest ras com uma f ormação int rument al
dif erenciadas das bandas. Out ro t ermo t ambém associado a bandas e que gera al guma conf usão é
“ música” ; da mesma f orma que o t ermo se ref ere a uma banda, t ambém denominava uma peça musical
ou mesmo a uma apresent ação real izada por um grupo, e nem sempre a dif erenciação é cl ara. O t ermo

1
Fundada no f inal do séc. XVII, A Vila de Nsa. Sra. do Dest erro f oi elevada à cat egoria de cidade no início do séc. XIX
e em 1823 t ornou-se capit al da Província de Sant a Cat arina. Em 1894, ao f im da Revolução Federalist a, t eve o nome
alt erado para Florianópolis, como homenagem ao ent ão President e da República Floriano Peixot o (PAULI, 1987).
Nest e art igo será mant ido o nome Dest erro, devido ao f at o de o período abordado ser ant erior à alt eração do nome.
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 103
“ barbeiros” t ambém apareceu em alguns t ext os: em março de 1874 o j ornal A Regeneração denominou
a música f eit a pelos músicos das bandas da província de “ música de barbeiros” , of endendo alguns dos
art ist as e gerando crít icas no j ornal O Conservador. Nest e t ext o serão mant idos os t ermos “ banda” e
“ sociedade musical” .
Em art igo de 8 de novembro de 1874, o j ornal O Ti l cit a as sociedades de baile, sociedades dramát icas e
musicais exist ent es na província de Dest erro, sendo as sociedades de baile Quat r o de Mar ço, Doze de
Agost o, Uni ão Juveni l , Amor e Honr a; as sociedades dramát icas Recr ei o Cat ar i nense, Uni ão dos Ar t i st as,
Uni ão dos Est udant es e as sociedades musicais Fi l ar môni ca Mi l i t ar , Fi l ar môni ca Comer ci al , Eut er pe
Cat ar i nense. Em out ros j ornais, porém, f oi possível encont rar ref erências a out ras bandas e sociedades
musicais, além de mais inf ormações sobre as mesmas. A seguir são list adas as bandas e sociedades sobre
as quais se encont rou alguma ref erência nos j ornais; a ordem em que são apresent adas é a da dat a em
que as ref erências mais ant igas f oram encont radas, e não de sua f undação.
Phant eon Musi cal : a duas únicas ref erências são sobre a inauguração e primeiro concert o, no j ornal O
Desper t ador de 31 de Janeiro de 1868 e em O Const i t uci onal de 05 de Dezembro de 1868,
respect ivament e.
Cl ub Eut er pe Quat r o de Mar ço: t em sua primeira ref erência no dia 02 de Março de 1872, no j ornal O
Desper t ador , e a últ ima ref erência encont rada no mesmo j ornal, de 01 de Fevereiro de 1882, que
inf orma o desânimo pelo pequeno número de sócios e f alt a de dinheiro para pagar o aluguel da casa e
dos dois pianos.
Phi l ar moni ca Commer ci al : O Conser vador not iciou seu surgiment o no dia 14 de out ubro de 1874, e a
últ ima ref erência encont ra-se em A Regener ação de 12 de out ubro de 1884.
Sant a Cecíl i a: t em sua primeira ref erência no j ornal O Conser vador do dia 30 de j aneiro de 1875,
part icipando de um ent erro j unt o com as bandas Tr aj anos e Phi l ar moni ca Commer ci al . A últ ima
ref erência f oi encont rada em 16 de set embro de 1877 em A Regener ação.
Est el l i t a: exist em duas ref erências a est a banda, ambas no j ornal Conser vador . A primeira, no dia 24 de
j aneiro de 1875, relat a a part icipação da banda na f est a de São Sebast ião, e a segunda, no dia 10 de
março de 1875, descreve sua part icipação na inauguração de uma f ábrica de sabão.
Ar t i st as Cat har i nenses: a única ref erência aparece n’ O Conser vador de 6 de março de 1875.
Soci edade Musi cal Tr aj ano: a ref erência mais ant iga encont ra-se em O Conser vador de 23 de j aneiro de
1875 e a mais recent e no mesmo j ornal, de 29 de set embro de 1885.
Associ ação Musi cal Tymbi r as: t eve sua inauguração not iciada no dia 3 de abril e 1875, pel’ O
Conser vador . A últ ima ref erência aparece n’ O Desper t ador de 02 de out ubro de 1875.
Soci edade Musi cal Lyr a Ar t íst i ca Cat har i nense: f undada em 1o de agost o de 1875, segundo O
Desper t ador de 10 de agost o de 1875. A últ ima ref erência aparece no mesmo j ornal de 06 de Abril de
1881, que not icia a part icipação dest a sociedade na t ransladação da Imagem do Senhor Jesus dos
Passos.
Soci edade Guar any: surgiu de uma ref ormulação da Soci edade Musi cal Tr aj ano, segundo o Jor nal do
Comér ci o de 11 de agost o de 1880, e t eve a inauguração do seu edif ício na mesma dat a. A ref erência
mais recent e f oi encont rada na Mat r aca de 08 de agost o de 1885, realizando uma ret ret a durant e a
f est a de Bom Jesus.
Soci edade Musi cal Amor à Ar t e: a not ícia de sua inst alação encont ra-se em O Conser vador de 9 de
out ubro de 1875 e na Opi ni ão Cat ar i nense de 14 de out ubro de 1875. A últ ima ref erência encont rada
est á em O Conser vador de 14 de f evereiro de 1880, que relat a a part icipação da banda nos f est ej os
carnavalescos. É uma das poucas bandas que ainda se encont ravam at ivas no moment o da realização
dest e t rabalho.
Cl ub Har moni a Lyr i ca: a primeira ref erência aparece no dia 29 de j ulho de 1876 em uma not a de
f aleciment o de um dos sócios. Os est at ut os f oram publicados em O Conser vador de 07 de out ubro de
1876.
Soci edade Musi cal Uni ão Ar t íst i ca: a primeira ref erência surge n’ Oper ár i o de 13 de agost o de 1881, que
relat a a part icipação dest a sociedade nos f est ej os do Senhor Bom Jesus, t ocando em um coret o. A
últ ima ref erência aparece em 15 de maio de 1889 no j ornal O Desper t ador .
Companhi a Ni t her oyense: f oram encont radas apenas duas ref erências a est a companhia, ambas sobre
sua part icipação nos f est ej os em comemoração ao f im da escravidão no Brasil: nos j ornais O Mosqui t o
de 27 de maio de 1888 e O Cr epúscul o do dia 30 de maio do mesmo ano.
Cl ub Est r el l a d’ Al va: a primeira ref erência aparece em O Desper t ador de 23 de out ubro de 1886, que
not iciou a inauguração dest a sociedade no dia 31 do mesmo mês. A últ ima ref erência aparece no mesmo
j ornal, em 28 de novembro de 1886.
104 SIMPEMUS 5
Soci edade Igual dade e Fr at er ni dade: a única ref erência f oi encont rada em O Desper t ador de 16 de maio
de 1889.
Recr ei o Josephense: f oram encont radas apenas duas ref erências nos j ornais, as duas em abril de 1878,
nos j ornais O Conser vador e A Regener ação.

Informações encontradas nos jornais


Na Dest erro da segunda met ade do séc. XIX as bandas e sociedades musicais part icipavam at ivament e
dos mais diversos event os, e por meio das ref erências nos j ornais pode-se perceber a sua import ância no
cont ext o social da cidade. Não é por acaso que n’ O Desper t ador de 17 de j aneiro de 1879 há um pedido
à polícia para que t omasse alguma providência cont ra o barulho inf ernal dos ensaios das sociedades de
música, que ocorriam at é as 23 horas.
Nesse período as bandas proviam a música para prat icament e t odos os event os sociais da cidade. Os
bailes, of erecidos com f reqüência, eram animados por esses grupos. Por exemplo, segundo O
Const i t uci onal de 18 de set embro de 1867 o Sr. Dr. Af f onso de Mello recebeu o “ Illm. Sr. Dr. Fernando
Maranhense da Cunha (ex-j uiz de direit o da comarca de Viçosa) em sua casa, of erecendo um baile,
acompanhado por uma banda de música” . O Conser vador de 28 de abril de 1875 not icia sobre baile
of erecido ao ex-president e da província, João Thomé da Silva, abert o pela banda de música Tr aj ano. As
bandas t ambém part icipavam do carnaval, unindo-se às sociedades carnavalescas; a ref erência mais
ant iga a uma união como est a encont ra-se n’ O Cat ar i nense de 23 f evereiro de 1861. As ret ret as e
apresent ações t inham grande import ância dent ro da província, animando a vida social. O j ornal O
Conser vador de f evereiro de 1876 escreve sobre a cost umeira ret ret a da Soci edade Tr aj ano, durant e a
qual f oi execut ado O Cant o dos Avent ur ei r os, da ópera O Guar ani , de Carlos Gomes. Em out ubro de
1876, o j ornal O Conser vador escreveu que a banda da sociedade Tr aj ano percorreu em passeio as
principais ruas da cidade, execut ando marchas e dobrados. No mesmo ano, segundo O Desper t ador , a
sociedade Phi l ar moni ca Commer ci al f est ej ou nos salões do Cl ub Quat r o de Mar ço o seu segundo
aniversário e a banda marcial da sociedade t ocou uma ret ret a à noit e. Out ros event os sociais t ambém
cont avam com a part icipação das bandas, como por exemplo a inauguração de uma f ábrica de sabão
descrit a nos j ornais O Conser vador e O Desper t ador de março de 1875, com a presença das bandas de
música Tr aj ano e Est el l i t a.
Exist em t ambém relat os da part icipação das bandas e sociedades musicais em ent erros. N’ O
Conser vador de 30 de j aneiro de 1875 encont ra-se o agradeciment o de um f amiliar às pessoas que
acompanharam o ent erro de sua mãe, em especial às sociedades musicais Sant a Cecíl i a, Phi l ar moni ca
Comer ci al e Tr aj anos. Em maio de 1876, segundo O Conser vador , a banda de música Amor à Ar t e t eria
t ocado no f uneral de um dos int egrant es.
As bandas e sociedades musicais t ambém t inham ligação com o t eat ro em Dest erro, part icipando nas
represent ações ou nos int ervalos das peças t eat rais. Em set embro de 1875, o j ornal O Conser vador
not iciou que a sociedade dramát ica Recr ei o Cat har i nense organizou o espet áculo de sua inauguração, do
qual part iciparam as sociedades musicais Sant a Cecíl i a e Phi l ar moni ca Comer ci al . Em dezembro do
mesmo ano, um art igo n’ O Conser vador elogiou o espet áculo apresent ado no Teat ro Sant a Isabel por
ocasião do aniversário do Imperador, durant e o qual t eria t ocado a Soci edade Musi cal Sant a Cecíl i a. Em
set embro de 1877 o j ornal A Regener ação not iciou um grande e variado espet áculo de t rabalhos do
Orient e, depois do qual t eria sido execut ada uma sinf onia pela banda de música.
Também nas comemorações cívicas é possível observar a part icipação dos grupos musicais civis, t ocando
lado a lado com as bandas milit ares ou mesmo subst it uindo-as; percebe-se que os grupos civis ocupavam
um espaço que as bandas milit ares não podiam ou não desej avam ocupar. Em 25 j aneiro de 1871, o
j ornal A Pr ovínci a relat ou a posse do novo President e da Província, com a part icipação de uma banda
milit ar t ocando o Hino Nacional; depois disso a mesma banda f oi para a casa do president e do part ido
conservador onde se j unt ou a uma out ra banda de música part icular. Em seguida as duas bandas
dirigiram-se à residência de out ro polít ico e cont inuaram dando seu espet áculo. O mesmo j ornal, em
f evereiro de 1871, relat a que o president e do diret ório do grêmio do part ido conservador of ereceu, em
sua casa, um j ant ar para comemorar a eleição do novo diret ório, e uma banda de música t ocou durant e
t odo o event o. Em out ubro do mesmo ano acont eceram as eleições e exist em ref erências a uma “ música
part icular” que t eria t ocado durant e est as comemorações. Em março de 1886, como comemoração pela
vit ória do Part ido Conservador nas eleições, membros do Part ido percorreram as ruas da cidade
precedidos pela banda de música Uni ão dos Ar t i st as; no mesmo j ornal, em agost o de 1888, há o relat o
da part icipação da mesma banda de música na comemoração pela eleição de um deput ado republicano
em Minas Gerais.
As bandas civis t ambém part icipavam de event os sacros na cidade, t ant o lit úrgicos quant o
paralit úrgicos. Nas missas, sobret udo em ocasiões especiais, a presença das bandas era const ant e: O
Conser vador de 31 de março de 1875 relat a a part icipação das bandas de música Tr aj anos e Sant a
Cecíl i a nos at os da Semana Sant a, e no mesmo j ornal, em 17 de abril de 1875, est á not iciada a
part icipação volunt ária da Phi l ar moni ca Sant a Cecíl i a no acompanhament o das missas de domingo.
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 105
Segundo o j ornal, est e era um serviço que os j ovens f aziam por amor à religião. Em 21 de Junho de 1884
o j ornal O Desper t ador anunciou uma missa e Te Deum na capela de São Sebast ião, por causa da
epidemia na capit al, com a part icipação das sociedades de música Tr aj anos e Uni ão Ar t íst i ca.
Procissões eram geralment e acompanhadas por bandas: O Conser vador do dia 19 de abril de 1876
descreveu as procissões da Semana Sant a com a part icipação de bandas e sociedades musicais de
Dest erro. Em abril de 1878, os j ornais O Desper t ador , O Conser vador e A Regener ação not iciaram a
part icipação das bandas Recr ei o Josephense, Lyr a Ar t íst i ca Cat har i nense, Amor à Ar t e, Phi l ar moni ca
Commer ci al e Tr aj ano t ocando durant e o t raj et o da procissão do Senhor dos Passos. Em abril de 1881 a
procissão da Imagem do Senhor Jesus dos Passos não t eve guarda de honra por não haver t ropa
disponível, porém as sociedades Commer ci al , Guar any e Lyr a Ar t íst i ca compareceram na execução de
marchas.
Fest as de oragos eram ext remament e comuns em Dest erro no séc. XIX, t ambém cont ando com a
presença das bandas, às vezes de mais de uma ao mesmo t empo. No j ornal O Conser vador de 23 de
j aneiro de 1875, há o relat o sobre a part icipação de duas bandas, uma delas a Tr aj anos, na f est a de São
Sebast ião. Também se report ando à f est a de São Sebast ião, o j ornal O Ti l de 24 de j aneiro de 1875
apresent a um art igo cuj o aut or descreve o silêncio durant e o t raj et o da t ransladação, que t eria sido
int errompido pelos sons de t rês bandas de música. Ainda no j ornal O Conser vador , de 14 de agost o de
1875, há um anúncio da f est a em comemoração à padroeira da f reguesia do Ribeirão, sendo que a
Soci edade Musi cal Tr aj anos t eria f icado responsável por animar a f est a. O j ornal O Conser vador de 15
de set embro de 1875 descreveu a f est a do orago em Sant o Ant ônio: as bandas musicais Sant a Cecíl i a e
Tymbi r as t eriam t ocado grat uit ament e, na igrej a e pelas ruas da f reguesia, “ com gost o e prof iciência” .
No mesmo j ornal do dia 27 de out ubro de 1875, há o relat o da part icipação da Soci edade Musi cal Amor à
Ar t e na f est a de Nossa Senhora do Rosário, na f reguesia do Ribeirão. Em 08 de dezembro de 1875 há o
relat o sobre a missa de São Joaquim, onde t eria t ocado nos int ervalos a Soci edade Musi cal Tr aj anos. O
ano de 1880 iniciou-se com a f est a de Nossa Senhora das Dores com a part icipação da Soci edade Musi cal
Lyr a Ar t íst i ca, t ocando j unt o com uma banda milit ar.

Considerações finais
No Brasil do séc. XIX as bandas de música f aziam part e de um imaginário no qual t ais conj unt os eram
símbolos sonoros de poder e st at us. Est e imaginário dava sent ido à at uação das bandas, j ust if icando a
exist ência e criação dos conj unt os (BINDER, 2006, p. 126). O levant ament o realizado nos j ornais
permit iu a ident if icação das bandas e sociedades musicais que at uavam na segunda met ade do séc. XIX
em Dest erro, e por meio desse levant ament o pode-se t ambém perceber a import ância desses grupos no
cont ext o social da sociedade dest errense do período. Alguns desses grupos cont inuam at ivos ainda hoj e,
como no caso da Soci edade Musi cal Amor à Ar t e, que mant ém um arquivo com document os de sua
hist ória.
Os grupos civis de música at uavam no espaço que muit as vezes não podia ser ocupado pelas bandas
milit ares. Com isso, t ocavam nos mais diversos espaços e f est ividades, t ant o prof anos, lit úrgicos e at é
mesmo em conj unt o com as bandas milit ares, part icipando at ivament e da sociedade dest errense,
cont ribuindo em event os musicais e nas manif est ações art íst ico-musicais.
Os j ornais podem ser uma import ant e f ont e de pesquisa, cont ribuindo para o conheciment o da música e
sua inserção dent ro do cot idiano da sociedade. Com a present e pesquisa pret ende-se cont ribuir com a
inserção de Sant a Cat arina no panorama da pesquisa hist órico-musicológica no Brasil, vist o que no
Est ado ainda são escassos os t rabalhos na área de musicologia hist órica.
Est e art igo, como dit o ant eriorment e, provém de uma pesquisa em andament o e exist e ainda a
necessidade de novos est udos e ref lexões sobre o t ema, e algumas dessas quest ões serão aprof undadas
em um t rabalho de conclusão de curso.

Referências bibliográficas
BINDER, Fernando Pereira. Bandas Milit ares no Brasil : dif usão e organização ent re 1808-1889. Dissert ação de
Mest rado. Universidade Est adual Paulist a. 2006.

BOITEUX, Jose Art hur (org). Diccionario hist orico e geographico de Est ado de Sant a Cat arina. Florianópolis:
Imprensa Of icial do Est ado, 1940.

CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Hist ória de Sant a Cat arina. Florianópolis: Imprensa da Universidade Federal de Sant a
Cat arina, 1968.

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Cat arina, 1972.

__________. A Música em St a. Cat arina no Século XIX. Florianópolis: [ s. e. ] , 1951.

PAULI, Evaldo. A fundação de Florianópolis. 2. ed. Florianópolis: Lunardelli, 1987.


106 SIMPEMUS 5
PEDRO, Maria Joana. Nas tramas entre o público e o privado: a imprensa de Dest erro, 1831-1889. Fl orianópol is:
Edit ora da UFSC, 1995.

JORNAIS

A Estrella. Dest erro, 1861.

A Província. Dest erro, 1870 a 1872.

A Regeneração. Dest erro, 1868 a 1889.

Commercial . Dest erro, 1868.

Conservador . Dest erro, 1884 a 1889.

Jornal do Comércio. Dest erro, 1880 a 1894.

Matraca. Dest erro, 1881 a 1888.

O Caixeiro. Dest erro, 1881 a 1882.

O Catarinense . Dest erro, 1860 a 1861.

O Conciliador . Dest erro, 1872 a 1873.

O Conciliador Catarinense . Dest erro, 1849 a 1851.

O Conservador . Dest erro, 1852 a 1855.

O Conservador . Dest erro, 1871 a 1883.

O Constitucional . Dest erro, 1867 a 1868.

O Correio Oficial . Dest erro, 1860 a 1861.

O Crepúsculo. Dest erro, 1887 a 1889.

O Cruzeiro do Sul . Dest erro, 1858 a 1860.

O Despertador . Dest erro, 1863 a 1885.

O Mercantil . Dest erro, 1861 a 1869.

O Mosquito. Dest erro, 1888 a 1889.

O Operário. Dest erro, 1881.

Opinião Catarinense . Dest erro, 1874 a 1875.

O Santelmo. Dest erro, 1858.

O Til . Dest erro, 1874 a 1875.

Província. Dest erro, 1882.


SAMBA DE RODA EM CURITIBA DESDE A DÉCADA DE 1960

Fl ávi a Cachi neski Di ni z (FAP)

RESUMO: O samba de roda em Curit iba est á present e na capoeira e no candombl é. Descrições dos
aspect os musicais, coreográf icos e poét icos do Samba da Murixaba (do Egbé Axé Omô Opô Aganj u) e do
Grupo de Capoeira Farol da Bahia, assim como depoiment os de membros dest as comunidades, f oram
rel acionados, aqui, ao samba de cabocl o e ao samba de roda do Recôncavo Baiano com o int uit o de
regist rar e val orizar uma memória não of icial da cul t ura af ro-brasil eira na capit al do Paraná: a migração
da capoeira, candombl é e samba de roda para a “ cidade européia” , durant e as década de 1960 e 1970.

PALAVRAS-CHAVE: samba de roda; candombl é; capoeira; Curit iba.


ABSTRACT: Samba de roda in Curit iba is present at capoeira and candombl é. Descript ions of musical ,
choreographic and poet ic aspect s of Samba da Murixaba (f rom Egbé Axé Omô Opô Aganj u) and Grupo de
Capoeira Farol da Bahia, as wel l as int erviews wit h t hese communit y members, were rel at ed here t o t he
samba de cabocl o and samba de roda of Recôncavo Baiano, aiming t o regist er and recognize a not
of f icial memory of Af ro-Brazil ian cul t ure in t he capit al of Paraná: t he migrat ion of capoeira, candombl é
and samba de roda t o t he considered an “ european cit y” , during 1960 and 1970 decades.
KEYWORDS: samba de roda; candombl é; capoeira; Curit iba.

Int rodução
Em meados da década de 1960, a migração de pessoas do candombl é e da capoeira para cá t rouxe
consigo o samba de roda. Est a migração não é f at o isol ado e acont eceu t ambém em várias l ocal idades
do Sudest e e Sul (PRANDI, s/ d), acompanhada da conversão de pessoas da umbanda, j á muit o dif undida
pel o Brasil na época, ao t radicional candombl é de raízes baianas, como cont a Tat a Tinkisi Dona Cida de
Ogun, uma das primeiras a chegar por aqui: “ . . . com o t empo a gent e veio t razendo pro Paraná. Aqui no
Paraná não t inha candombl é, aqui em Curit iba, não t inha mesmo. ” (SILVA, 2007).
Na década de 1970, o samba de roda era mais present e em Curit iba, t ant o na casa do Babal orixá
Ant ônio de Oiá - considerada o mais ant igo candombl é daqui (BABALORIXÁ, 2008, p. 13) -, onde
acont ecia o “ samba de cozinha” após os candombl és (SOUZA, 2007), como na casa da Tat a Tinkisi Dona
Cida de Ogun, sua vizinha de muro durant e anos (SILVA, 2007), e no samba de cabocl o das umbandas. O
Templ o Nat ural Cabocl o Araúna, de João Carl os Caramês, ent ão bail arino do Teat ro Guaíra (CENTRO,
s/ d), f icou f amoso na época pel o maravil hoso samba de cabocl o (MACHADO, 2007).
Israel Machado e sua f amíl ia conviveram com o samba de cabocl o na casa de Caramês e na sua própria
casa - Templ o Nat ural Cabocl o Vent ania. Em 1984 e 1986, Israel e seu irmão Gil bert o Machado
iniciaram-se no candombl é com o Babal orixá Ant ônio de Oiá, seguidos de out ros membros da f amíl ia.
Quando deu obrigação em São Paul o, Israel conheceu t ambém o samba de roda e cabocl o da casa do
Babal orixá Kaobakesy, do Axé Oxumarê. No início da década de 1990, Israel t ornou-se Babal orixá e
decidiu não mais cul t uar cabocl os no Egbé Axé Omô Opô Aganj u, candombl é de nação Ket u, mas não
deixou de t ocar o samba de roda como diversão t radicional após os candombl és (MACHADO, 2007).
Na sua casa t eve origem o Samba da Murixaba, a part ir do encont ro com pessoas da capoeira dos grupos
Angol a Dobrada e Zimba, apoiado pel o sempre present e públ ico de art ist as, educadores e amant es da
cul t ura popul ar e af ro-brasil eira, que comparece aos event os desde sua primeira apresent ação públ ica,
em out ubro de 2006.
A capoeira cont emporânea est á represent ada aqui por Mest re Pit on, que veio para Curit iba no início da
década de 1970, quando a capoeira t ornou-se int eresse do públ ico curit ibano marcando presença em
t eat ros, shows, apresent ações f ol cl óricas, na rua, academias, cl ubes, escol as e at é na pol ícia (PITON,
2007). O samba de roda veio como val or agregado à divul gação e art icul ação da capoeira no mercado
cul t ural e das academias.

Est a pesquisa descort inou um processo de migração cul t ural at ravés da memória oral e sua narrat iva,
procurando col ocar em pé de igual dade as l inguagens escrit as, orais e corporais. Lembrar e narrar o
passado possibil it a a const rução da ident idade pessoal e dos grupos sociais, abrindo perspect ivas para o
f ut uro, pois “ . . . o campo compart il hado pel o narrador e seu ouvint e propicia um ingresso no campo
pol ít ico, uma abert ura ao engaj ament o do passado no present e” (FROCHTENGARTEN, 2005, s/ p).
108 SIMPEMUS 5
A part ir da convivência com o Babal orixá Israel Machado - que conheceu muit os dos personagens que
f aziam o samba de roda acont ecer aqui desde a década de 1970 - e com Gust avo Lait er - ogã da mesma
casa e prat icant e de capoeira desde o f inal da década de 80, com sua vivência na capoeiragem l igada a
Mest re Pit on - cheguei aos sexagenários Tat a Tinkisi Cida de Ogun, Mat ual ê, Seu Gent il e Mest re Pit on,
regist rando seus depoiment os em áudio-visual e t ranscrevendo-os. A disponibil idade em conceder
depoiment os e permit ir sua circul ação na comunidade do candombl é, na academia e no meio cul t ural
est á na consciência polít ica dos ent revist ados de que:
Nos dias de hoj e, nest e j ogo de af irmação, import ant íssimos são a mídia, os moviment os
art íst icos e cult urais e as inst it uições of iciais encarregadas de def inir, selecionar e preservar
aquilo que possa ser def inido como "t radição" para a sociedade brasileira, ou sej a, os órgãos
de t ombament o pat rimonial. Candomblé sempre f oi ident if icado com t radição, e como t al se
f orj ou como obj et o da ciência, desde Nina Rodrigues no f inal do século passado, o qual
est udava pref erencialment e o t erreiro do Gant ois. . . (PRANDI, s/ d, s/ p).

Quest ões de “ l inhagem e l egit imidade” (Ibid. , s/ d, s/ p) emergem nos depoiment os escl arecendo mais
que a si mesmas: descort inam t endências hist óricas, part indo da vivência pessoal , passando pel a do
colet ivo e auxiliando na reconst it uição dos processos vividos pel a nação e pel o mundo.
Tomando como ref erência o Dossiê do “ Samba de roda do Recôncavo Baiano” (SAMBA, 2006), descrições
dos aspect os musicais, coreográf icos e poét icos f oram inseridas no t ext o, a part ir de regist ros em vídeo
do grupo Farol da Bahia - Mest re Pit on - e do Samba da Murixaba – Babal orixá Israel -, em 2007,
demonst rando paral el os com as mat rizes cariocas e baianas.
Out ro aspect o abordado f oi a crença no f at o de que Curit iba é uma cidade européia, diminuindo a
visibilidade da cult ura af ro-brasileira e prej udicando a produção de regist ros sobre el a. Muit as
ref erências ut il izadas na pesquisa sobre cul t ura af ro-brasil eira não est avam nos cat ál ogos das
bibl iot ecas curit ibanas. Já publ icações t endenciosas do governo Raf ael Greca, como “ Col eção Farol do
Saber” e série “ Lições Curit ibanas” , f oram dist ribuídas ampl a e grat uit ament e pel a pref eit ura na década
de 1990 e const am no cat ál ogo de qual quer bibl iot eca da cidade, cont ribuindo para const ruir a
“ imagem” de “ Cidade Européia” (MORAES; SOUZA, 1999, p. 13). El as ref erem-se à escravidão no Paraná
de f orma dist anciada, val orizando a col aboração de diversas et nias, cit adas por ext enso, enquant o o
negro t alvez est ej a na expressão “ t ant as out ras” (Ibid. , 1999, p. 13).
Para serem desenvol vidas com consist ência, deixo quest ões como o t ipo de preconceit o sof rido pel as
pessoas envol vidas com a cul t ura af ro-brasil eira em Curit iba, onde a porcent agem que se assume negra
gira em t orno dos 20% e, de f at o, nem sempre represent a, nas suas at ividades cult urais, art íst icas e
rel igiosas, percent ual maior que a que se considera branca. Muit o do preconceit o é direcionado à
origem, à f orma e concepção de vida dest a cul t ura, mais que ao f at o de serem negros ou brancos que
as prat icam.
Est e t rabal ho procurou t raçar uma visão panorâmica da cul t ura af ro-brasil eira em Curit iba e no Paraná,
f ocando o samba de roda no candombl é e na capoeira e rel acionando-o a suas mat rizes, numa t ent at iva
de enriquecer os regist ros l ocais para f ut uros pesquisadores, t razendo a própria voz e o próprio corpo
dos agent es hist óricos e cult urais dest as manif est ações int erligadas.

Samba de roda e samba de caboclo


Em Curit iba, pessoas l igadas ao Babal orixá Ant ônio de Oiá l embram o samba de roda ou “ de cozinha” ,
que acont ecia em sua casa j á no início da década de 1970, agregando cant igas de cabocl o, sambas,
part idos e pagodes aut orais, j á consagrados ou de sucessos no moment o, e at é bol eros e serest as.
No Egbê Axé Omô Opô Aganj u, “ samba de roda” após o candombl é denomina um moment o de int eração
social , apresent ando t ambém rit mos e est il os musicais dif erent es do próprio rit mo do samba de roda, a
exempl o do “ samba de cozinha” do Babal orixá Ant ônio:
. . . t erminava os candomblés, ent ão t inha lá um at abaque, um coro especial lá, pra um samba.
Ent ão, isso não era soment e um samba. Era serest a, né? Seu Ant ônio era muit o serest eiro e
ainda é. E cant a muit o bem, cant ava e cant a muit o bem. Ent ão, f azia aquele sambinha e
cervej a, e samba e. . . ou uma serest a, e aí ia. . . (GENTIL, 2007).

Na casa de Ant ônio, a f ront eira ent re o samba de cabocl o, “ de cozinha” e pagode era t ênue, o f oco
est ava na produção do l azer pel a comunidade: “ É com o at abaque, ou se t iver o que t ivesse l á, um
surdinho dif erent e, sabe? Fazia! (. . . ) Mas pra mim o samba de roda, ainda no candombl é, seria um
samba de cozinha (. . . ) hoj e se t ransf orma num pagode. . . t udo não é um samba?” (SOUZA, 2007)
Na casa da Tat a Tinkisi Dona Cida de Ogum (SILVA, 2007) t ambém não havia rest rição a rit mos, passos e
cant igas - dif erent e do samba de roda no Recôncavo Baiano (SAMBA, 2006), onde duas modal idades
dist int as de samba f icam bem marcadas: chul a e corrido.
É o samba de cabocl o, onde a reinvenção é caract eríst ica principal, que muit o emprest a ao samba de
roda dent ro dos t erreiros de candombl é e umbanda (MACHADO, 2006):
simpósio de pesquisa em música 2008 109
As cant igas cuj a aut oria é at ribuída aos Caboclos, via pessoas em est ado de t ranse, não são
ent endidas pela comunidade à maneira que nós chamaríamos de “ composições” , ist o é, como
produt os int encionais de indivíduos e sim como cant igas que são t razidas de Aruanda por
essas ent idades. Do mesmo modo como não vêm os ogãs como músicos não exist e para o
grupo nest e cont ext o o conceit o de composit or, est ando essa at ividade sempre relacionada
com a f unção mágica e religiosa. O processo criat ivo é t ant o de melodias quant o de t ext os,
ou dos dois, sendo a elaboração de t ext os t ão import ant e quant o a das melodias. De um
pont o de vist a ét ico, part e do repert ório musical dos Caboclos é const it uído de variant es de
mat erial musical j á exist ent e que é combinado e recombinado de acordo com os moldes
t radicionais const it uindo-se em cant igas dif erent es. (GARCIA, p. 119, s/ d)

Tat a Tinkici Cida de Ogum e Seu Gent il, responderam assim a pergunt a sobre origem, criação e
t ransmissão das cant igas de caboclo:
Dona Cida: Isso cê não me pergunt a porque, quando eu cheguei lá no t erreiro os caboclos j á
t avam cant ando. . . como é que eu vou saber. Eu não sei, né, quem ensinou essas cant igas pra
eles. É a mãe Silvia, o seu Milt on, que era o f ilho deles, cant ava. . . eu não sei quem deu essas
cant igas pra eles.

Seu Gentil: A maioria dessas cant igas são os eguns. Tipo assim, pra você t er noção, o Zé
Pelint ra, qualquer egun nessa f aixa de. . . [ f az um sinal de nivelament o com as mãos na linha
abaixo dos olhos1 ] Eles são muit o poet as, eles f azem muit os versos. Ent ão, numa conversação
como a nossa eles cant am mil cant iguinhas, eles invent am, e assim f oram invent ando. E
out ros seres humanos aproveit aram as invenções deles e f izeram ref erência a caboclos,
caboclas, et c. , marinheiro e assim por diant e. . . assim f oi invent ado as cant igas.

Dona Cida: Pensando bem, quem ensinou os ogã cant ar f oi os caboclos. (SILVA; GENTIL,
2007).

A ut ilização, no samba de roda, dos at abaques consagrados aos orixás do candomblé e a incorporação
event ual de caboclos cont ribuem para o carát er duplament e sagrado e prof ano dest e event o:
. . . a cant iga do samba de roda, ela meio se conf unde dent ro do que é prof ano e do que é
sagrado, porque geralment e o samba de roda é f eit o na casa, na roça de candomblé, ou ele é
bat ido num f undo de balde, numa bacia de ágat a, num prat o, no agogô, no caxixi, na mesa.
Mas às vezes vai-se pros at abaques, quando se começa t ambém o samba de caboclo, que se
conf unde com o samba de roda, acaba se mist urando, né? (. . . ) esses espírit os vêm e acabam
criando sambas t ambém. (. . . ) o at abaque, por ser sagrado, o samba pode causar uma espécie
de t ranse, que na verdade seria o t ranse da sua f elicidade – um moment o f eliz, o cansaço da
semana t oda de ralação, de t rabalho pelo seu lado espirit ual. E você acaba cant ando o seu
cot idiano ali. Ent ão, é uma f orma de agradecer a Deus, pela semana que passou e você ainda
t er saúde, t er vida pra poder f est ej ar o seu cot idiano (MACHADO, 2007).

Israel Machado cont a que o rit mo do samba de roda vem do samba cabula da nação angola 2 (• x . x • x .
x) 3, o que j á f oi observado t ambém por Lody (1977, p. 15). Sobre a origem da palavra samba, Israel
explica:
. . . e t em muit o a palavra samba, deriva do bant o. Porque, pra vocês [ pesquisadores] , exist e. . .
o samba deriva do semba. E pra nós não, no bant o não. Semba é uma coisa e samba é out ra.
Muit as cant igas de candomblé, t êm nomes próprios dent ro do candomblé, pessoas que se
chamam samba. Eu mesmo t enho um f ilho que se chama Samba Narewá que quer dizer a
dança da beleza. Ent ão, na verdade, o samba j á veio como nome de dança, semba pra nós é o
at o de você encost ar um umbigo no out ro. Isso pra nós é semba. Umbigar é semba. Mas j á
vem do samba de umbigada, semba, essas coisas t odas, t a aí, né? Tudo uma coisa pert o da
out ra, mesmo. (. . . ) Oxum é comparada. . . t ambém é chamada de Samba. Ela é chamada de
Kisimbe, é chamada de Dandalunda e é chamada de Samba. (MACHADO, 2007).

Samba de roda e capoeira


No processo de reinvenção e adapt ação observa-se, além das relações ent re o sagrado e o prof ano,
t ambém um t rânsit o ent re cant igas de caboclos, samba de roda e capoeira. É import ant e lembrar que o
samba j á encobert ava a proibida capoeira no f im do século XIX e início do XX, no Rio de Janeiro: quando
a polícia chegava, baianas ent ravam na roda para most rar no pé a inocent e dança, escondendo nas
anáguas as navalhas dos companheiros. Era a “ bat ucada-braba” , o “ samba pesado (duro)” , ref erindo-se

1
Ent endi est e sinal como uma alusão à discussão muit o present e, que t enho observado no meio das religiões af ro-
brasileiras, sobre as dif erenças dos níveis de evolução espirit ual ent re divindades af ricanas - orixás, voduns, inquices
-, caboclos e encant ados e espírit os desencarnados como Zé Pelint ra e pomba gira, ent re out ros.
2
Candomblé onde predomina rit uais e língua bant o, e onde o samba de caboclo é muit o present e.
3
Not ação rít mica alt ernat iva às f iguras de duração ut ilizadas na escrit a musical ocident al, elaborada pela aut ora,
baseada em exemplos de et nomusicólogos cit ados no Dossiê do Samba de Roda do Recôncavo Baiano (2006) e em
aut ores como Döring (s/ d) e Sandroni (2001), onde cada caract ere equivale a uma semicolcheia. O (x) t em t imbre
agudo e seco e é execut ado com a mão espalmada no cent ro do couro do at abaque, o (• ), t imbre grave e execut ado
com os dedos na borda do couro e o (. ) marca apenas a pulsação das subdivisões em semicolcheias, podendo soar
com int ensidade bem f raca ou não soar.
110 SIMPEMUS 5
ao nascent e est ilo carioca de se j ogar capoeira ou de se sambar lut ando – a “ pernada carioca” (MUNIZ
JÚNIOR, 1976, p. 84).
Como show f olclórico é que o samba de roda ligado à capoeira cont emporânea4 chegou à Curit iba, na
década de 1970. O pioneiro Mest re Sergipe (2006, p. 119) procurava orient ar “ os alunos para
apresent ações em público. . . ” . Mest re Pit on, baiano do Recôncavo que em Curit iba t ornou-se discípulo
de Mest re Sergipe, compart ilha da mesma visão: “ . . . Capoeira, f olclore. . . Procuramos f azer esse t ipo de
t rabalho j unt o da capoeira. ” (PITON, 2007).
A capoeira regional f oi que int roduziu de f orma sist emát ica o samba de roda após as rodas e a
part icipação da mulher na capoeira (Ibid. , 2007) – at é ent ão isolada num personagem aqui, out ro acolá
(ABREU, 2005, p. 45 a 47). O coro mist o de homens e mulheres é regist rado em poucas academias na
primeira met ade do século XX, ent re elas a de Mest re Bimba, criador da capoeira regional (REGO, 1968.
p. 289). O samba de roda, nest a est reit a relação com a capoeira, pode t er sido uma das port as de
ent rada da mulher nest a prát ica, pois se a capoeira exist ia sem ela, o samba f icava, no mínimo,
desmot ivado.
O t rânsit o ent re samba de domínio público e aut oral t ambém se most ra aqui, o que acont ece desde as
casa das Tias Baianas no Rio de Janeiro, início do século XX, quando o samba de roda, o samba corrido e
suas variant es, como o part ido alt o, t razidos pelos baianos migrant es, conviviam com o candomblé e a
capoeira. “ Pelo Telef one” , gravado em 1916, saiu da casa da Tia Ciat a - provável result ado de
improvisos e criação colet iva na roda - como composição de Donga (SANDRONI, 2001, p. 100 e 101).

Modelos para descrições e transcrições musicais


A part ir da segunda met ade do século XIX é que se encont ram regist ros menos genéricos sobre o samba
de roda na Bahia (SAMBA, 2006). No decorrer do século XX a abordagem vai ganhando cores, culminando
no t ombament o do “ Samba de Roda do Recôncavo Baiano” como Pat rimônio Imat erial da Humanidade
pel a UNESCO, em 2005. A exempl o dest e document o f oram elaboradas descrições e t ranscrições do
samba de roda para est a pesquisa.
No Recôncavo, o samba é t ocado com pandeiro, t imbal es, t amborins, marcação, prat o-e-f aca, t riângulo,
chocalhos, reco-recos, t abuinhas, viola ou machet e, et c. , mas “ . . . é perf eit ament e possível f azer um
samba de roda sem inst rument os: cant ando, bat endo palmas e event ualment e bat endo rit mos nos
obj et os que est iverem à mão. ” (Ibid. , p. 42 a 45).
O Samba da Murixaba – que se apresent a em bares, f est as e event os variados - ut iliza apenas o rit mo do
samba de roda em dois ou t rês at abaques, em desenhos rít micos complement ares como (• x . x • . . • •
. . • • . . • ) e (• x . x • x x • • x . x • . . • ) 5, ent re out ras variações, e apenas cant igas de samba corrido
considerados “ de roda” por seus membros. Agogô, pandeiro e berimbau, acompanham os at abaques. A
bat eria da capoeira de Mest re Pit on é a mesma no samba, mas aí quem “ manda mesmo é o at abaque e o
pandeiro” (PITON, 2007).
A est rut ura rít mica do samba no Recôncavo persist e em Curit iba. Uma “ pul sação el ement ar ” em
semicolcheias recebe acent uações e deslocament os “ cont r amét r i cos” (SAMBA, 2006, p. 48-50):

Figura 16
Tambores de marcação t ocam as semínimas ou “ beat ” . O próprio passo do samba, execut ado pelas
sambadeiras no Recôncavo, o “ miudinho” , t em os apoios coincidindo com esses “ beat s” e subdivisões
t ernária ou binária (Ibid. , p. 49):

4
Muit os mest res denominam-se capoeira cont emporânea at ualment e, ref erindo-se a um est ilo que pret ende mist urar
a capoeira angola, considerada mais ant iga e t radicional, e a capoeira regional, est ilo criado na década de 1930 por
Mest re Bimba.
5
Ver not a de rodapé 3.
6
DINIZ, Flávia Cachineski. Samba de r oda em Cur i t i ba segundo pessoas do candombl é e da capoei r a. Anexo 1.
Trabalho de Conclusão de Curso da disciplina Proj et o Art íst ico do curso de Bacharelado em Música Popular da
Faculdade de Art es do Paraná. Prof essora Daniella Gramani. Est a e t odas as f iguras que se seguem, numeradas de 1 a
10, f oram elaboradas pela aut ora do TCC.
simpósio de pesquisa em música 2008 111

Figura 2 Figura 3

Figura 4
Na “ Linha-guia” (SAMBA, 2006, p. 49-50; SANDRONI, 2001, p. 25) aparecem dif erent es combinações,
f ormando padrões rít micos em ost inat o - variações da “ síncope caract eríst ica (3-3-2)” (SANDRONI, 2001,
p. 28-29), comum na música de origem popular no Brasil e América Lat ina. Est a célula rít mica pode ser
anot ada em 8 pulsos, numa f órmula de “ t imel ine” , dest acando os bat iment os: (x . . x . . x . ) (DÖRING,
s/ d, p. 81-82).
Com f órmulas de 8 pulsos combinados com f órmulas de 16 pulsos, no caso das palmas e do agogô (a), e
com os “ beat s” de marcação nos inst rument os mais graves como os at abaques (b), Döring (s/ d, p. 84)
t raz est es exemplo:

a)(16) (x . x x . x . x . x . x . x x . ) ou (16) (x x x . x x . x . x . x . x . . )
1 2 3 4 5 6 7 8 1 2 3 4 5 6 7 8
b)(16) x x . . x x . . x x . . x x . .
1 2 3 4 1 2 3 4
Se represent armos os exemplos rít micos ant eriores ut ilizando compassos, t eremos:

Figura 5

Figura 6

Figura 7
“ Cant os est róf icos e silábicos em língua port uguesa, de carát er responsorial e repet it ivo. ” (SAMBA,
2006, p. 23), execut am melodias “ of f -beat ” no samba de roda corrido, empregando escala diat ônica
maior, em uníssono, polif onia em t erças e/ ou oit avas paralelas. Quadras, um só verso ou um díst ico são
improvisados ou escolhidos de um repert ório j á consagrado (Ibid. , p. 41).

O improviso e a brincadeira
A t emát ica do samba de roda é variada e cant igas aut orais vêm int egrar-se ao repert ório de domínio
público (DÖRING, s/ d, p. 68). Da iniciat iva do cant or em improvisar, colar, parodiar e adapt ar depende
a riqueza melódica, rít mica e poét ica dos sambas de roda (SAMBA, 2006, p. 128 e 130; DÖRING, s/ d, p.
74). A capacidade de “ versar” , de improvisar no samba, é ent endida pelo Babalorixá Israel como algo
que emana do colet ivo:
E t ambém depende muit o da energia em que est á se rolando o samba, né? Uma pessoa com
muit o mau-humor est raga um samba t odo, ent ão. . . ela acaba passando aquela energia e você
112 SIMPEMUS 5
acaba não conseguindo versar nada, porque daí ela bloqueia t odo mundo ali dent ro.
(MACHADO, 2007).

O samba vinha da Bahia e era reinvent ado em Curit iba na casa de Pai Ant onio, not iciando o cot idiano e
usando a habilidade de rimar e de f azer “ t rocadilhos” at ravés do improviso que ent remeia, no samba de
roda, os ref rões ensinados por caboclos e irmãos de sant o cariocas e baianos, que dit avam a moda:
“ . . . t odos os sambas, que eram novidades no Gant ois, eles demoravam um ano pra chegar aqui
no Sul, e quando chegava j á virava modinha, que seria a moda de mais um ano pra cansar
daquele samba. . . ” (MACHADO, 2007).

O assunt o do improviso é a vida das pessoas que produzem a brincadeira. Dona Maria das Couves,
cant iga aprendida por Israel na casa de Ant ônio, era t ida como propícia para se “ versar” . A pergunt a “ O
que é que houve, o que é que há?” era a deixa pra que f ossem cont adas as últ imas f of ocas da
comunidade (Ibid. , 2007):

Figura 8
No samba corrido do Recôncavo - que se assemelha t ant o ao samba de roda na capoeira de Mest re Pit on,
quant o ao do Egbê Axé Omô Opô Aganj u e ao Samba da Murixaba - exist e uma variedade grande de
coreograf ias lúdicas, brincadeiras sugeridas pelo cant ador. No Samba da Murixaba o passo do samba é
execut ado de várias maneiras, assim como a f orma de ent rar na roda, que f ica por cont a da compra7, da
umbigada8 ou de obj et os que passam de mão em mão, como um chapéu ou lenço:

Figura 99

Figura 10
. . . o samba (. . . ) não exist e dent ro dele padrões, não exist e sist ema dent ro do samba de roda
porque escravo j á t ava muit o cheio de padrões, né?, ent ão eu acho que nós j á est amos muit o
cheios de coisas que são impost as a nós. Ent ão, no samba de roda, não import a a coreograf ia,
o moviment o que você f izer, mas você est á expressando aquilo que você est á sent indo. . .
(MACHADO, 2007)

A ludicidade é muit o present e e exerce f unção import ant íssima para envolver as pessoas no event o. Est a
ludicidade é que aj uda a prát ica t axada quase como “ subversiva” do samba de roda a mant er-se de
bom-humor em meio às imposições proibições.

7
At o de subst it uir alguém que est á no cent ro da roda sambando.
8
De import ância relevant e na coreograf ia do samba, “ . . . t raço cult ural de origem bant o, a umbigada é um sinal por
meio do qual a pessoa que est á sambando designa quem irá subst it uí-la na roda” (SAMBA, 2006, p. 24).
9
Segundo o Olorixá Israel, est a cant iga t raz part e de um t ext o sagrado de uma cant iga do candomblé. Sa ára eye
bóikumun deriva do ioruba e signif ica “ guardiã do corpo, pássaro que leva o ebó da mort e embora” e pronuncia-se
sarayeye bokomun. (MACHADO, 2006)
simpósio de pesquisa em música 2008 113
Preconceito social e proibição oficial
O preconceit o ao candombl é e ao samba de roda em Curit iba al cançou a virada para o sécul o XXI,
part indo de pessoas que acionam as aut oridades pol iciais por “ quest ões de horário” e out ras denúncias
(MACHADO, 2007). A resist ência dos mais ant igos às pr oibições of iciais f oi a negociação e a inf l uência
j unt o às aut oridades, à sort e pessoal : Dona Cida cont a que “ Não podia f azer despacho, não podia nada.
Precisava t er aut orização da pol ícia (. . . ) Dougl as Aquil es era um del egado (. . . ) passou a ser meu cl ient e
(. . . ) ent ão, pra mim f oi mais f ácil (SILVA, 2007).
Já a casa da f amíl ia do Babal orixá Israel sof reu muit o preconceit o dos vizinhos no bairro do Boqueirão,
at é o pont o de t erem que abrir mão da ant iga sede. O samba de roda f oi o bode expiat ório para
denúncias à pol ícia, que at é invadia a casa, e para a agressão dos vizinhos, que chegavam a t acar pedras
no t el hado (MACHADO, 2007). Leis que privil egiam cert o modo de vida em det riment o de cost umes
dif erent es - horário de sil êncio, burocrat ização para ut il ização de espaços públ icos, ent re out ras –
orient am para a desart icul ação de al gumas cul t uras:
O candomblé era at é às dez da noit e, mas das dez às onze t inha um samba de roda e o samba
de roda não era bem vist o. Porquê? Não era uma religião: Ah! Que religião é aquela? De
madrugada eu vi eles t omando cervej a! (. . . ) Mas o que import a é o ainda poder resist ir. . .
(MACHADO, 2007).

Hoj e o candombl é est á bast ant e dif undido em Curit iba, mas poucas casas t ocam de madrugada ou t êm
samba de roda ou qual quer out ro t ipo de event o que amanheça o dia, pois não possuem recursos para
evit ar a disseminação do som com isol ament o acúst ico ou t erreno suf icient ement e grande em t orno do
barracão. Poucas se l ocal izam nos bairros cent rais, onde a int ol erância dos vizinhos é ainda maior.
A l egisl ação sempre f oi dura no Paraná com a cul t ura do escravo e seus descendent es no que t ange a
punições e proibições às suas at ividades l údicas (MORAES; SOUZA, 1999, p. 11) - a Câmara Municipal de
Curit iba impediu o bat uque por l ei em 1860 (FREITAS, 2004, p. 44). Na t erra do “ bom gost o” europeu
(MORAES; SOUZA, 1999, p. 12), pouco se at ent ou para a cul t uras dos negros, nem durant e nem depois
da escravidão, vist o a baixa produção acadêmica e as poucas not ícias em j ornais, mesmo sobre ícones
nacionais como escol as de samba e carnaval , no decorrer do sécul o XX (FREITAS, 2004).
Est e quadro vem mudando gradat ivament e - pesquisas, proj et os e produções art íst icas desenvol vidas
em Curit iba e no Paraná, vêm cont ribuindo para dar visibil idade à cul t ura af ro-brasil eira: o l ivro (des)
Const rução da cul t ura paranaense (NETO, 2004), onde muit os art igos abordam o assunt o, a publ icação
Hist ória e cul t ura af ro-brasil eira e af ricana: educando para as rel ações ét nico-raciais (PARANÁ, 2006),
of erecida grat uit ament e pel o governo do Est ado a part ir da Lei 10. 639, de 200310, a at uação do IPAD11 e
dos grupos que pesquisam e represent am f ol guedos da cul t ura popul ar e af ro-brasil eira - que se
mul t ipl icam na cidade 12 ocupando as européias e comport adas ruas e praças curit ibanas -, ent re muit as
out ras iniciat ivas.

Considerações finais
O samba de roda abordado nest a pesquisa f az part e da t radição dos t erreiros baianos e do samba de
cabocl o l igado ao candombl é e à umbanda e, em Curit iba, acont ece segundo mol des t razidos pel as
rel igiões af ro-brasil eiras, dial ogando com os sambas do Recôncavo Baiano e da capoeira baiana e
carioca, desde meados da décadas de 1960.
No grupo de capoeira Farol da Bahia, de Mest re Pit on, o samba de roda dura poucos minut os – o que
acarret a menos espaço para improvisação - após as rodas de capoeira semanais, onde os part icipant es
são os próprios capoeirist as, e t em como principal f oco rel axar as t ensões da l ut a e agregar val or à
capoeira nas academias. No Samba da Murixaba o event o dura muit as horas e o improviso é o
component e de reinvenção, t ant o da t radição do samba de roda baiano quant o do samba de cabocl o.
Seus part icipant es são da comunidade do candombl é, parent es e amigos.
Quest ões sobre ident idade, memória e narrat iva emergem nos depoiment os: a desart icul ação dos grupos
f rent e a at ual orient ação individual ist a da sociedade choca-se com a necessidade de convivência
col et iva na cul t ura af ro-brasil eira. A compet it ividade do mercado de t rabal ho, no caso das academias
de capoeira, t ambém é impedit ivo para uma prát ica do samba de roda mais f reqüent e e diversif icada. A
cont inuidade dest e event o, em Curit iba, desde meados da década de 1960, f icou t ambém à mercê do
preconceit o social e repressão of icial , e da hegemonia das prát icas cul t urais mais veicul adas na mídia.
A rel evância da exist ência do samba de roda em Curit iba é a rel evância da exist ência de uma cul t ura
af ro-brasil eira em Curit iba. Seu regist ro é indispensável para t irá-l a da invisibil idade impost a pel a

10
Obrigat oriedade da t emát ica “ Hist ória e Cult ura Af ro-Brasileira” no currículo of icial da rede de ensino.
11
Inst it ut o de Pesquisa da Af rodescendência.
12
Mundaréu, Boizinho Faceiro, Maracaet é, ent re out ros.
114 SIMPEMUS 5
orient ação de hist oriadores, int el ect uais e governant es, do passado e do present e, ao const ruir a
imagem de uma cidade européia.

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CANJA DE VIOLA: UMA COMUNIDADE DE PRÁTICA MUSICAL EM CURITIBA

Gr ace Fi l i pak Tor r es (UFPR)

RESUMO: “ Canj a de Viol a” é o nome dado aos encont ros semanais de uma comunidade musical popular
em Curit iba (PR), que ocorrem desde 1986. O grupo de f reqüent adores é f ormado por pessoas que
aprenderam a t ocar ou cant ar de maneiras alt ernat ivas ao ensino f ormal de música e que persist em,
espont aneament e, na sua prát ica, acompanhados de um público de apreciadores. At ravés de duas
abordagens, a meu ver, compl ement ares, que envol vem alguns dos conceit os de Cult ura / Cult ura
Popular e o de Comunidades de Prát ica Musical, espera-se t raçar cont ornos que aj udem a olhar para
esse event o musical t ão signif icat ivo para quem o f reqüent a; que possibilit em a ref lexão sobre como
Comunidades de Prát ica Musical poderiam int egrar concret ament e processos de Educação Musical pelas
suas qualidades de signif icação para as pessoas. O t rabalho est á dividido em duas part es: a primeira
descreve o cont ext o da Canj a de Viola e a segunda busca na lit erat ura os conceit os propost os e
ut ilizados para analisar o event o.
PALAVRAS-CHAVE: comunidade de prát ica musical; ident idade musical; ident idade cult ural; cult ura na
educação musical.
ABSTRACT: “ Canj a de Viola” is t he name given t o t he weekly meet ings of a popular music communit y in
Curit iba, Brazil, which occurs since 1986. People who part icipat e of t hese meet ings learned t o play or t o
sing by alt ernat ive ways t o t he f ormal music t eaching. They persist , spont aneously, in t heir pract ice,
f ollowed by a regular audience. Throughout t wo approaches, as I t ake it , t hat could complet e each
ot her, involving some of t he concept s of Cult ure / Popular Cult ure and Communit ies of Pract ice, I hope
t o draw out lines t hat help t o look t o t his musical event so signif icant t o t hat ones who f requent it ; t hat
could allow t he ref lect ion about how Communit ies of Musical Pract ice could make part of t he processes
of Music Educat ion by t he signif icance t o people. This art icle is divided in t wo part s: at f irst , t he
descript ion of t he cont ext of Canj a de Viola and t hen some lit erat ure wit h t he suggest ed concept s t o
analyze t he event .
KEYWORDS: communit y of pract ice; musical ident it y; cult ural ident it y; cult ure in music educat ion.

1. a canj a de viola
A Canj a de Viola é um encont ro semanal de violeiros1 e apreciadores de música sert anej a que acont ece
em Curit iba desde 1986. Realizado no minúsculo TUC2 e com ent rada f ranca, reúne, além dos violeiros,
cant ores solist as ou duplas3, sanf oneiros e t rovadores4 nos domingos à t arde para t ocar e cant ar.
O event o é democrát ico, aceit ando de aprendizes a prof issionais da música em seu pequeno palco.
Quem quiser t ocar inscreve-se com o apresent ador que, a part ir do número de inscrit os, calcula quant as
músicas cada um poderá most rar at é o horário est ipulado para o f inal do encont ro.
Tudo isso começou com Paquit o Modest o5 que, a part ir de encont ros em um Cent ro Comunit ário, f undou
a Canj a de Viola com a int enção de dar espaço aos t rabalhadores que quisessem desenvolver uma

1
Violeiro é “ Figura t ípica do f olclore brasileiro, t ocador e cant ador de viola, muit as vezes t ambém composit or,
repent ist a, cordelist a, qualidades t ípicas do violeiro nordest ino, geralment e improvisador, que vai criando suas rimas
enquant o cant a e acompanha com a viola. ” (CASCUDO, 2002, p. 730-731).
2
O TUC – Teat ro Universit ário de Curit iba, equipament o urbano da administ ração municipal, t em menos de 100
lugares na plat éia e est á localizado no cent ro da cidade.
3
“ Dupla caipira” ou “ dupla sert anej a” , um par de cant ores que f azem duet o em vozes paralelas, em int ervalos de
t erças ou sext as, sendo que pelo menos um dos dois t oca um inst rument o (violão ou viola), base harmônica para o
cant o. As duplas mais f reqüent es são compost as por homens, havendo, t ambém duplas f emininas e as mist as, sendo
que est a f ormação é mais rara. Observa-se que desde a década de 30 muit a coisa mudou na f ormação inst rument al
sert anej a, at ualment e incluindo inst rument os elet rif icados e bat eria, como na música pop. Porém, a cent ralidade da
dupla em vozes paralelas permanece at é nos mais “ ousados” em inovações nesse est ilo (OLIVEIRA, 2005, p. 05)
4
Trovador é aquele que f az “ t rovas em f orma de desaf io” , que “ revelam o t alent o nat ural e a agilidade de
pensament o dos cant adores, não só em quadrinhas, mas t ambém nas sext ilhas e em out ras modalidades de versos”
(CÂMARA CASCUDO, 2002, p. 701).
5
Paquit o Modest o, f uncionário municipal de Curit iba, era port uguês radicado no Brasil. Fundou com sua esposa Vera
La Past ina o Cent ro Comunit ário São Braz, onde ocorreram os primeiros encont ros do que viria a ser a Canj a de Viola.
Paquit o f azia quest ão de realizar um show comemorat ivo sempre nos dias 1º de maio de cada ano, para deixar claro
que a Canj a de Viola era um espaço dos t rabalhadores. Esses shows de 1º de maio ocorrem at é hoj e, seguindo sua
t radição e homenageando Paquit o.
116 SIMPEMUS 5
prát ica musical amadora ligada ao universo sert anej o. Em 2004, Paquit o f aleceu 6, mas a Canj a de Viola
j á era pat rimônio cult ural das pessoas e se mant ém at é hoj e.
A part ir desses encont ros, diversos f reqüent adores da Canj a iniciaram-se na música e alguns at é
chegaram a se prof issionalizar. Segundo publicações da Secret aria de Comunicação Social da Pref eit ura
de Curit iba, “ cent enas de duplas e cant ores populares passaram pelo palco do TUC, muit os iniciando ali
uma carreira de sucesso 7” , o que sugere que a Canj a de Viola pode ser um espaço de aprendizado
musical, além de gerador de oport unidades.

Participantes
Quando se vai chegando à Canj a de Viola8, ouvem-se sons mist urados de acordes e vozes, ensaiando
para as apresent ações da t arde. A maioria dos que f icam ali f ora prat icando f reqüent am assiduament e a
Canj a. Alguns dos mot ivos dessa const ância são as amizades que t êm ali e a oport unidade de encont ro,
conversa, t roca de idéias musicais, parcerias e aprendizado com os mais experient es. Para alguns é a
sua maior diversão. Mais da met ade deles não é nat ural de Curit iba, vindos do int erior do Paraná e de
out ros est ados como Rio Grande do Sul, Sant a Cat arina, São Paulo, Goiás e Minas Gerais. Em Curit iba,
encont raram espaço na Canj a de Viola para sent irem-se “ mais pert o” da sua origem, t radições e de um
ambient e sert anej o.
Os j ovens present es são, na sua maioria, f amiliares dos t ocadores, com f aixa et ária média de cinqüent a
a set ent a e cinco anos.
A maioria deles chega ao event o via t ransport e colet ivo. Alguns, músicos prof issionais, f azem shows em
rest aurant es, bares e f est as e possuem condução própria. Muit os t êm ou t iveram prof issões como
aj udant e geral, met alúrgico, serviços de manut enção, vendedor ambulant e, serralheiro, cabeleireiro,
zelador, pedreiro, et c.
As vest iment as dos músicos e do público não seguem a moda e sugerem a simplicidade respeit osa t ípica
das zonas rurais e subúrbios das cidades pequenas. A maioria não gost a de chamar a at enção sobre si e o
comport ament o é recat ado e gent il. As coisas que mais prezam são as t radições, o respeit o aos pais e o
bom comport ament o em público. A quase t ot alidade deles é crist ão, com educação cat ólica, sendo que
alguns t ornaram-se evangélicos mais t arde.
O modo de f alar dessa população varia, j á que há pessoas que vieram de diversos est ados.
Generalizando, é um f alar simples, cordat o, sem gírias, com resquícios de expressões da roça em alguns
que viveram em f azendas.
O cavalheirismo e gent ileza com as mulheres é regra e há imenso respeit o pelos f reqüent adores mais
ant igos e idosos.

Performances e música produzida


As apresent ações musicais na Canj a de Viola variam em qualidade e recursos. Há gent e muit o
experient e assim como aprendizes e t ocadores de f im-de-semana, o que conf irma a democracia do
event o. A plat éia part icipa at ivament e das apresent ações cant ando em diversos moment os.
Alguns deles ut ilizam o recurso de pl ayback ou at é mesmo kar aokê para suprir uma f alt a moment ânea
de parceiro.
O animador da Canj a t ambém part icipa das per f or mances, ora cant ando para cobrir a f alt a de um
parceiro, ora improvisando t rovas em desaf io com out ro.
Out ro dado import ant e: muit os deles sonham em gravar um CD para t ocar no rádio, mídia com que t êm
uma int ensa relação cot idiana.

2. conceitos

Cultura & Cultura Popular em discussão


Os ant ropólogos Gilbert o Velho & Viveiros de Cast ro (1982), em art igo sobre o conceit o de cult ura nas
sociedades complexas, dizem que essa discussão é cent ral na ant ropologia, disciplina que se apropriou

6
Inf ormações colet adas com a f amília de Paquit o Modest o.
7
www. curit iba. pr. gov. br. A Fundação Cult ural de Curit iba (FCC), órgão da administ ração municipal é mant enedora
do event o at ravés da cessão do espaço e equipe de f uncionários: t écnico de som e aj udant e de palco. Merece regist ro
o equipament o de som (sist ema de P. A. , pedest ais e microf ones) de boa qualidade ut ilizado nos encont ros.
8
Colet a de dados realizada em 12 domingos ent re maio e dezembro de 2007.
simpósio de pesquisa em música 2008 117
do t ermo cul t ura como o símbol o que a dist ingue: “ Kroeber e Kl uckson 9, em 1952, t ranscreveram,
cl assif icaram e coment aram 164 def inições dif erent es de cul t ura: descrit ivas, normat ivas, psicológicas,
est rut urais, hist óricas, et c. ” (VELHO & CASTRO, 1982, p. 01).
Concordando com Edgar & Sedgwick (2002), o conceit o que mel hor orient a os est udos cul t urais vem da
ant ropol ogia cul t ural : ” El e incl ui o reconheciment o de que t odos os seres humanos vivem num mundo
criado por el es mesmos, onde encont ram signif icado” ( ibid. , p. 75). Est es aut ores dest acam os conf lit os
gerados pel as pessoas quando passam a viver em cidades, pois, nel as, muit os cost umes, crenças e
val ores dif erent es encont ram-se, harmoniosament e ou chocando-se, num impossível consenso do que é
cert o ou errado. Ist o é import ant e, pois os f reqüent adores da Canj a de Viol a t êm origens diversas:
al guns f oram criados em f azendas; out ros em cidades pequenas, out ros em subúrbios de cidades
grandes, et c.
Geert z (1978) ent ende a cul t ura como um document o de at uação públ ica, f eit o de t eias de signif icados
que se sobrepõem, amarram-se e ent recruzam-se sendo simul t aneament e “ est ranhas, irregul ares e
inexplícit as” ( ibid. , p. 20). Ent endemos que est e conceit o compl ement a o pensament o at é aqui
expl icit ado e é adequado para int erpret ar a Canj a de Viol a, event o públ ico pl eno de signif icações para
seus f reqüent adores.
Bem, se cul t ura é gerador de discussões prof undas, cul t ura popul ar t ambém herda da pal avra-mãe as
mesmas qual idades, l onge de consensos e variando em def inições conf orme as rel ações em j ogo, como,
por exempl o, com a “ cul t ura f ol cl órica, a cul t ura de massa ou a al t a cul t ura” (EDGAR & SEDGWICK,
2002, p. 77). É rel evant e acrescent ar ainda a visão, muit o mais do senso comum, que as cul t uras
t radicionais são “ a” cul t ura popul ar, em vez de f azerem part e del a.
“ . . . a cult ura popular pode ref erir-se t ant o a art ef at os individuais (muit as vezes t rat ados
como t ext os), como uma música popular ou um programa de t elevisão, quant o ao est ilo de
vida de um grupo (port ant o, aos padrões dos art ef at os, das prát icas e das compreensões que
servem para est abelecer a ident idade dist int iva do grupo)” (ibid. , p. 77).

No caso da música popul ar e de programas de rádio e t el evisão o f at or reprodut ibil idade est á present e.
Com isso, f acil ment e “ a cul t ura indust rial conf unde-se com a Cul t ura Popul ar aut odenominando-se de
pop. Todas as produções popul ares podem t ornar-se produt o indust rial izado” (COSTA FILHO, 2006, p.
04). Muit os dos f reqüent adores da Canj a de Viol a sonham em l ançar um disco que sej a o mais
reproduzido possível , como um sinal det erminant e da qual idade de seu t rabal ho.
Para Ant ônio Nóbrega10, nem deveria exist ir o t ermo cul t ura popul ar , pois ref orça o muro de separação
que j á exist e no imaginário social ent re o “ erudit o” e o “ popul ar” . El e diz que nas nações indígenas não
há essa divisão: a cul t ura é una.
DaMat t a (1986), ao def inir cul t ura, nem cogit a o t ermo cul t ura popul ar que, como veremos a seguir,
poderia não exist ir, como quer Nóbrega:
“ O conceit o de cult ura ou a cul t ura como conceit o, ent ão, permit e uma perspect iva mais
conscient e de nós mesmos. Precisament e porque diz que não há homens sem cult ura e
permit e comparar cult uras e conf igurações cult urais como ent idades iguais, deixando de
est abelecer hierarquias em que inevit avelment e exist iriam sociedades superiores e inf eriores.
(. . . ) a cult ura permit e t raduzir melhor a dif erença ent re nós e os out ros e, assim f azendo,
resgat ar nossa humanidade no out ro e a do out ro em nós mesmos. (. . . ) Porque j á não se t rat a
soment e de f abricar mais e mais aut omóveis, conf orme pensávamos em 1950, mas
desenvolver nossa capacidade de enxergar melhores caminhos para os pobres, os marginais e
os oprimidos. E isso só se f az com uma at it ude abert a para as f ormas e conf igurações sociais
que, como revela o conceit o de cult ura, est ão dent ro e f ora de nós” (p. 127)

Em um art igo que discut e diversas acepções do t ermo cul t ura popul ar na hist ória do pensament o, Mel o
(2006) expõe uma probl emát ica desse conceit o:
“ O problema desse raciocínio, na opinião do ant ropólogo Nest or Canclini, é que a abrangência
do conceit o proporciona dois inconvenient es: 1- apesar de t er produzido uma equivalência
ent re as cult uras, ela não conseguiu dar cont a das desigualdades ent re elas. (. . . ) 2- na
medida em que pensa t odos os f azeres humanos como cult ura, ela não dá cont a da
hierarquização desses f azeres e o peso dist int ivo que possuem dent ro de uma det erminada
f ormação social” (p. 60).

Apesar do ant agonismo acima expost o, podemos aproxi mar do universo da Canj a de Viol a essas ref l exões
e ent ender cl arament e que esse event o é, de f at o, uma manif est ação cul t ural dent ro de uma sociedade

9
A obra a que Velho & Cast ro se ref erem é: KROEBER, A. L. & KLUCKHON, C. Cult ure: A Crit ical Review of Concept s
and Def init ions. Vint age Books, New York, 1952. Como não t ive acesso à obra, mesmo assim j ulguei pert inent e a
ilust ração a respeit o da discussão que o t ermo cult ura suscit a.
10
Nat ural de Pernambuco, é at or, cant or, composit or, dançador, rabequeiro e brincant e. A af irmação f oi regist rada
em ent revist a cedida ao programa Roda Viva da TV Cult ura de São Paulo em 12/ 04/ 2004.
118 SIMPEMUS 5
complexa e híbrido, se pensarmos na presença dos cult ivadores das canções t radicionais ao lado
daquelas t ransf ormadas em produt o reproduzido pela apropriação da indúst ria.
A Canj a de Viola pode ser vist a ainda como um espaço de resist ência, pois os t ocadores e o público
buscam ali uma oport unidade única de vivenciar valores, comport ament os e cost umes quase “ perdidos”
na adapt ação da vida na met rópole.

Comunidade de Prática Musical


Para def inir Comunidade de Prát ica Musical, há element os que caract erizam as Comunidades de Prát ica,
a part ir de dois t rabalhos:
“ O conceit o de Comunidade de Prát ica (CoP) f oi “ cunhado” pelo t eórico organizacional
Et ienne Wenger como comunidades que reuniam pessoas unidas inf ormalment e – com
responsabilidades no processo – por int eresses comuns no aprendizado e principalment e na
aplicação prát ica do aprendido” (MENGALLI, 2005, p. 01)

Segundo Kimieck (2002), t odos pert encemos a alguns t ipos de comunidade de prát ica que se f ormam
espont aneament e em nosso dia-a-dia.
“ Também verif icamos que para que uma comunidade de prát ica se est abeleça não há
necessidade de proximidade geográf ica. ” (p. 25).

Comunidades de prát ica são grupos que aprendem e compart ilham repert órios. Transpor essas
caract eríst icas para o universo musical é nat ural:
“ (. . . ) a maioria das pessoas possui habilidades musicais que, com apoio social (est rut uras e
expect at ivas) e cult ural (crenças e valores) apropriados, podem cult ivá-las de alguma
maneira. Vej o as prát icas musicais dos f ij ianos como evidências de que a habilidade de cant ar
pode ser desenvolvida em um grau elevado (. . . ). A experiência em Fij i me ensinou muit o a
respeit o da import ância de pert encer a uma ‘ comunidade de prát ica musical’ ; um ambient e
de aprendizagem para crianças e adult os que aprendem j unt os. Em t al comunidade, o grupo
t em um repert ório comum de canções, e o cant o é uma prát ica alt ament e valorizada por
t odos, que se ligam at ravés de uma experiência musical” (RUSSEL, 2006, p. 14).

Em out ro art igo, Russel (2002), a part ir da t eoria de Wenger, descreve sua experiência f amiliar: a de
pert encer a uma comunidade de prát ica musical em casa, onde cant ava-se e compart ilhavam-se saberes
de f orma lúdica. Ela assimilou o sist ema t onal noções de harmonização a part ir de sua experiência
musical f amiliar.
Pensando no f azer musical que ocorre na Canj a de Viola, podemos dizer que se t rat a de uma
comunidade de prát ica musical em que ocorrem muit as dessas caract eríst icas.
Ainda segundo Kimieck (2002), há níveis de part icipação nas comunidades de prát ica. Na Canj a de Viola
podemos observar essas “ camadas” de part icipação.
“ Nós não só produzimos nossas ident idades pelas prát icas com que nos ocupamos, mas
t ambém nos def inimos por prát icas com que não nos ocupamos. ” (KIMIECK, 2002, p. 26)

Brevíssima Conclusão
“ Comunidades de Prát ica são ‘ locais’ de part icipação em que os membros compart ilham um
ent endiment o relat ivo ao que f azem ou conhecem, t razendo uma signif icação e/ ou re-
signif icação para as vidas part iculares e para out ras comunidades” (WENGER & LAVE apud
MENGALLI, 2005, p. 05).

Est a af irmação liga o conceit o de comunidades de prát ica ao de cult ura, pois se elas t razem signif icação
ou re-signif icação para as pessoas, chegamos à def inição de cult ura apresent ada: signif icados dados ao
mundo criado por nós mesmos.
A Canj a de Viola é signif icat iva para muit as pessoas, sendo espaço de expressão e de aprendizado
musical numa comunidade que se harmoniza em signif icações cult urais: o ambient e sert anej o, as
amizades, brincadeiras e sonoridades dessas t ardes de domingo.
Diant e dest e relat o da experiência de observação dessa comunidade, a nós pesquisadores e educadores
cabem ref lexões de como t ornar bast ant e signif icat ivas experiências vivenciadas nas aulas a pont o de
est imular, pelos signif icados, o surgiment o de comunidades de prát ica musical além-paredes de nossas
salas de educação musical.
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 119
Referências
CASCUDO, Luís da Câmara. Di ci onár i o do Fol cl or e Br asi l ei r o. São Paulo: Global, 2002.

COSTA FILHO, I. C. Et nocent r i smo, Comuni cação e Cul t ur a Popul ar . Revist a da FA7, v. 1, p. 12-26, 2006.

DAMATTA, Robert o. Expl or ações: Ensai os de Soci ol ogi a Int er pr et at i va. Rio de Janeiro, Rocco, 1986.

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GEERTZ, Clif f ord. A Int er pr et ação das Cul t ur as. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

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MELO, Ricardo Moreno de. Cul t ur a Popul ar : Pequeno It i ner ár i o Teór i co. Caderno Virt ual de Turismo (UFRJ), v. 6, p.
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OLIVEIRA, A. P. Se Toni co e Ti noco f ossem Bor or o: da nat ur eza da dupl a cai pi r a. Ant ropologia em Primeira Mão,
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RUSSEL, Joan. Sit es of Learning: Communit ies of Musical pract ice in t he Fij i islands. Focus Areas Report . Bergen:
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RUSSEL, Joan. Per spect i vas soci ocul t ur ai s na pesqui sa em educação musi cal : exper i ênci a, i nt er pr et ação e pr át i ca.
(t rad. Beat riz Ilari). Associação Brasileira de Educação Musical – Revist a ABEM – n. 14, p. 7-17, 2006.

VELHO, G. ; CASTRO E. B. V. O concei t o de cul t ur a e o est udo das soci edades compl exas. Cadernos Feema, Rio de
Janeiro, v. 1, 1982.
ATOS COMPOSITIVOS: ATIVIDADES MUSICAIS ATRAVÉS DE ESQUEMAS BRINCACIONAIS

COMBINATÓRIOS DAS POTENCIALIDADES EXPRESSIVO-VOCAIS: INVESTIGAÇÃO COGNITIVO-

MUSICAL

Dal ner Barbi

RESUMO: Est e t rabalho visa a apresent ação do eixo met odológico aplicado na of icina At os Composit ivos.
As at ividades const it uídas para as vivências remet em às relações possíveis das art iculações do t rat o
sonoro-audit ivo-vocal no desenvolviment o da expressividade musical. A est rut ura met odológica aplicada
na of icina f oi desenvolvida a part ir de sist emas f ísicos, lógicos e psicológicos j á int egrados ao
comport ament o humano durant e o seu desenvolviment o e que podem proporcionar ref lexões sobre
sist emas de aprendizagem musical.
PALAVRAS-CHAVE: educação musical, cognição musical, modelo de aprendizagem musical
ABSTRACT: This work seeks t he present at ion of t he applied met hodological axis in t he workshop At os
Composit ivos. The act ivit ies const it ut ed f or t he exist ences t hey send t o t he possible relat ionships of
t he art iculat ions of t he sound-audit ory-vocal t reat ment in t he explorat ion of t he part icipant s' vocal
expressiveness. The applied met hodological st ruct ure in t he workshop was developed st art ing f rom
syst ems physical, logical and psychological already int egrat ed int o t he human behavior during your
development and t hat can provide ref lect ions on syst ems of musical learning.
KEYWORDS: musical educat ion, musical cognit ion, model of musical learning

Desenvolviment o
A quest ão principal para a vivência das at ividades na execução da of icina é com o pensament o musical
que habit a-se quando se exist e em at o: at os do verbo habit ar . essa invest igação reúne element os e
relações que possam assumir um l ugar comum no cont ext o e f uncionament o de sist emas que
pret endemos e ou est amos det erminados a habit ar. Uma ação f undament al nas at ividades: habit ar 1.
Para habit ar nos imbuímos de alguns mecanismos. Habit amos, exercemos e realizamos nosso t errit ório
com o brincar. Com o j ogo encont ra-se a ação de brincar. E o que se conot a nas at ividades por brincar é
que est e se caract eriza como um comport ament o que possui um f im em si mesmo, que surge livre, sem
noção de obrigat oriedade e exercido pelo simples prazer que a criança encont ra ao colocá-lo em prát ica
(KISHIMOTO, 1998: 38).
Nas at ividades cont ent a-se a um f oco: pensament o musical , a part ir desse princípio sua cont inuidade
permit e avançar o moment o do at o musical, imbuído de um comport ament o sobre bases sonoras, e que
nesse moment o int erpret o sob os olhares da educação musical, o que diz PENNA quando af irma que “ o
processo de musicalização deve adot ar um conceit o de música abert o e abrangent e” no sent ido de
revelar as diversidades est ilíst icas e f ormais no campo da música e ” expressar-se criat ivament e at ravés
de el ement os sonoros” (PENNA, 1990: 35-36) grif o meu.
O que se busca por pensament o musical no cont ext o da of icina é o conj unt o das operações que ent ram
em j ogo na música, operações da ordem da invenção de proposições sist emát icas que se manif est am na
f orma de idéias musicais idiossincrát icas. Est a visão de pensament o musical é bast ant e comum na área
da composição musical. Como exemplo, pode-se cit ar a af irmação de St ravinsky de que a música é um
f enômeno especulat ivo, sendo que há, na base da idéia musical, “ uma espécie de sent iment o
preliminar, uma vont ade que inicialment e caminha no t erreno abst rat o com a int enção de dar f orma a
algo concret o” (STRAVINSKY, 1996: 34).
PENNA (1990: 35-37), ao dist inguir musicalização de educação musical, conclui em seu discurso que a
“ musicalização é um moment o de educação musical” , que t rabalha a “ concret icidade sonora” e que
educação musical é um processo mais amplo, abordando a not ação musical enquant o convenção de
graf ismos, por exemplo. Af irma, ainda, que concebe a
“ musicalização como um processo educacional orient ado que, visando promover uma
part icipação mais ampla na cult ura socialment e produzida, ef et ua o desenvolviment o dos
inst rument os de percepção, expressão e pensament o necessários à decodif icação da

1
Aqui o t ermo equivale a t errit orial izar , no sent ido de habit ar um t errit ório, ref erenciando-o ao plano sonoro-
audit ivo-vocal.
simpósio de pesquisa em música 2008 121
linguagem musical, de modo que o indivíduo se t orne capaz de apreender crit icament e as
várias manif est ações musicais disponíveis em seu ambient e – o que vale dizer: inserir-se em
seu meio sociocult ural de modo crít ico e part icipant e” (PENNA, 1990: 35-37).

Esse expr essar -se cr i at i vament e me conduziu a um pensament o: uma ambient ação para expressar uma
cont inuidade de at os de composição (do verbo compor) sonora. No j ogo 2 encont ram-se caract eríst icas
que delimit am comport ament o expressivo. Dessa f orma, Huizinga (1996), apud VOLPATO (2002: 19-20),
est ima que caract eríst icas lúdicas de or dem , t ensão, mudança, moviment o, sol eni dade e ent usi asmo,
acompanham os j ogos desde sua origem. Moviment am-se numa cont inuidade hist órica e de localizações:
essas caract eríst icas t ambém são encont radas em vários at os dist int os do cult o, sobret udo “ no sent ido
de t ransf erir os part icipant es, por um espaço de t empo, para um mundo dif erent e da vida cot idiana”
(VOLPATO, 2002: 20).
Nessa invest igação empreendida para a execução da of icina considera-se a hipót ese de que a busca de
relações ent re a disciplina da música e a ciência cognit iva permit a out ros olhares sobre o f azer musical,
o que pode proporcionar perspect ivas ainda não exploradas no que se ref ere aos procediment os da
aprendizagem musical.
Uma quest ão que pode proporcionar uma def inição da At os Composi t i vos, num esf orço de se buscar essa
cat egorização, é a proposição de sua denominação: At os Composi t i vos: ações que se compõem, per se
e pra si. Sua nat ureza int ent a aproximar-se da nat ureza do at o em si mesmo: acont eciment os.
Na obra de Deleuze — A Lógi ca do Sent i do, ext raio mat eriais cuj a t emát ica de análise são os
acont eciment os. Em sua segunda série de paradoxos, ao se ref erir ao pensament o dos est óicos, uma
af irmação sobre o at o: “ O único t empo dos corpos e dos est ados de coisas é o present e. Pois o present e
vivo é a ext ensão t emporal que acompanha o at o, que exprime e mede a ação do agent e (. . . )“
(DELEUZE, 2003: 5). Essa ext ensão t emporal que acompanha o at o, que denot a a expressividade de
ações de um agent e desse present e vivo, como def ine Deleuze, art icula a si ngul ar i dade:
“ O que é um acont eciment o ideal? É uma singularidade: [ . . . ] é um conj unt o de
singularidades, de pont os singulares que caract erizam uma curva mat emát ica [ . . . ] são pontos
sensíveis. [ . . . ] a singularidade é essencialment e pré-individual, não-pessoal, aconceit ual [ . . . ]
indef erent e ao individual e ao colet ivo, ao pessoal e ao impessoal, ao part icular e ao geral – e
às suas oposições. Ela é neut ra. ” (DELEUZE, 2003: 55), gr if o meu.

E do acont eciment o, quando se diz que algo cresce, diz-se que algo se t orna maior do que era, e ainda,
que algo não cresce sem f icar menor. Est e é o devir de Deleuze, f urt ar ao present e implica em não
suport ar as variações do ant es e do depoi s, acont ecer nos dois sent idos e simult aneament e. O sist ema
aplicado na of icina est á para o at o cuj a cont inuidade se compõem de moviment os em um t errit ório: dos
sent i dos par adoxai s. At os acont ecem, e dessa f orma assim que o são: composit ivos: se compõem em sua
cont inuidade de acont eciment os. Essa é uma relação ut ilizada no Model o aplicado nas at ividades.
Para aplicação dessa relação, inicialment e, as at ividades se apóiam numa composição de component es
singulares, divididos em módulos, cuj a est rut ura de alt o nível est á dest acada no esquema a seguir e
most ra suas relações mais gerais — Esquema 01.

2
At ividade ou operação que se exerce ou se execut a em vist a de si mesma soment e e não pela f inalidade à qual
t ende ou pelo result ado que produz” , conf orme ABBAGNANO (1970: 559-561).
122 SIMPEMUS 5

Esquema 01 — Component es e Int er-relações

Módulos
Nos módulos apresent ados a seguir são levant adas algumas ref erências que de alguma f orma me
inst igaram a moviment os sobre o t errit ório da cognição musical. Busquei paralelos que possibilit aram a
criação de at ividades que evidenciassem as pot encialidades de mudança da condição percept iva com o
sent ido nort eador de gerar um pot encial no aprendizado musical.
Módulo I – Simulação Interna: desl ocament os dest er r i t or i al i zant es.
Na neurobiologia do desenvolviment o humano est udada por Ant ônio Damásio, o ent endiment o do
f uncionament o neurobiológico do corpo evidenciou sist emas que moviment am: emoções e pensament os
é um deles; uma Par t i t ur a do Compor t ament o, como af irma Damásio. Essa part it ura é concebida por
Damásio quando t raça um paralelo com esse obj et o da música ao af irmar que o comport ament o de um
organismo é result ado de vários sist emas biológicos at uando simult aneament e, “ uma execução de uma
peça musical para orquest ra como result ado de muit os grupos de inst rument os t ocando j unt os ao mesmo
t empo” (DAMÁSIO, 2004: 118-121).
No desenvolviment o de sua part it ura comport ament al, Damásio conclui que “ o comport ament o humano
normal apresent a um cont i nuum de emoções induzidas por um cont i nuum de pensament os” (DAMÁSIO,
2004: 125), em cuj o cont eúdo coexist em, paralela e simult aneament e, os “ obj et os com os quais o
organismo est á de f at o ocupado ou os obj et os evocados pela memória, bem como sent iment os das
emoções que acabaram de ocorrer” ( i bi dem , 2004: 125). Fluxos de pensament os podem induzir emoções,
de secundárias às de f undo e vice-versa, com ou sem cognição ( i bi dem , 2004: 126). Esses obj et os podem
se port ar exaust ivament e aos at ribut os sonoros: seus possíveis deslocament os são induzidos pelo
pensament o musical.
Um out ro argument o para evidenciar esse t rabalho de const rução de imagens int ernas é a suposição de
que a consciência cent ral 3 inclui um senso int erior baseado em imagens, como af irma Damásio, e que
t ransmit e uma “ mensagem não verbal sobre a relação ent re o organismo e o obj et o: a de que exist e
uma ent idade const ruída t ransit oriament e à qual o conheciment o daquele moment o parece ser
at ribuído” . O aut or expõe a idéia de que essas imagens são processadas sob a perspect iva individual,
que somos det ent ores dos processos do pensament o e que podemos at uar sobre esse sist ema (DAMÁSIO,
2004: 166-167). Assim sendo, as at ividades do pensament o f undament adas sob esse imperat ivo est ão

3
Damásio apont a os seguint es requisit os para caract erizar a consciência cent ral:
1. est ado de vigília (despert o e alert a);
2. se mant ém at ent o aos est ímulos que lhe apresent amos;
3. sua at enção pode ser f ocalizada e mant ida no decorrer de períodos subst anciais, longos, de f at o, desde que
o est ímulo ou a sit uação lhe despert e int eresse;
4. as emoções de f undo f luem cont inuament e, e o mesmo ocorre com muit as emoções primárias e
secundárias, embora não com t odas;
5. seu comport ament o espont âneo é int encional. (DAMÁSIO, 2004: 155-157)
Damásio sint et iza o que expõe sobre a consciência cent ral: “ ela é o próprio f undament o, o sent ido puro e simples de
nosso organismo individual no at o de conhecer“ (DAMÁSIO, 2004: 166).
simpósio de pesquisa em música 2008 123
carregadas de subj et ividade em cont inuidade crít ica, correlaciona seus element os e suas relações e
desse conheciment o se impl ement am bases para o pensament o musical .
Módulo II - Ferramentas: sist ema lingüíst ico, sist ema do grammel ot , sist ema dos at ribut os sonoros
As f errament as são art ef at os: sist emas cuj a principal f unção no esquema geral da of icina é a de f acilit ar
as relações possíveis de acont eciment o da ext ensibil idade (pot encialização) do universo de
acont eciment os dos at ribut os sonoros.
São sist emas para a ext ensibilidade de nossa condição percept iva delimit ada por uma f ront eira que se
moviment a ent re gradient es aparent ement e opost os e que acont ecem simult aneament e, à guisa dos
conceit os deleuzianos sobre o paradoxal. Às capacidades mais percept íveis do olho, se delimit a a de seu
maior sent ido: a visão, que se est ende ao inf init o, para a visão macro, ao mesmo t empo em que subt rai
a imensidão das menores est rut uras visíveis, at ravés de sua ext ensibilidade t ecnológica. A
ext ensibilidade ref erida para as at ividades na of icina é para a condição da capacidade pot encial de
pensar relações sonoras. Uma f errament a visa pot encializar a produção desses pensament os. Na
cont inuidade do uso dos sons da voz para a f ala e assim às suas est rut uras e acont eciment os da sua
linguagem, pode-se t ambém f acult ar o seu uso para a produção de uma sonoridade sob os aspect os das
est rut uras e acont eciment os musicais, no sent ido de se acoplarem ao pensament o das relações sonoras
e de ref orçarem sua cont inuidade.
Sistema Lingüístico
A lingüíst ica me proporciona uma indicação que reúne vários element os invest igados: “ Jakobson (. . . )
denominou a art e verbal inf ant il um gost o por brincar com sons, ritmos e formas fônicas que , embora
mais aguçado em algumas crianças, comparece universalmente no processo de aquisição da
linguagem” ( apud ALBANO, 1990: 28), grif o meu.
É mecanismo comum, seus at ribut os permeiam as medidas desej adas: element os e relações, as mais
simples possível ent re as int erações das subj et ividades.
Essa pesquisa pôde ainda me imbuir de inf ormações sobre o desenvolviment o da criança no período de
aquisição da linguagem e compor ref lexões sobre o f uncionament o dos acont eciment os sonoros, dit os
inat os, do cont ext o dessa f ase.
Um dos f at os mais signif icat ivos a respeit o dessa f ase apont ada por Albano é a enorme dif erença
exist ent e ent re a percepção e a mot ricidade do recém-nascido: j á nasce part icipando, a seu modo, de
um mundo cheio de sons, cores, f ormas, gost os, cheiros e t ext uras; e para dar-lhe sent ido e agir sobre
ele, necessit a int egrar essas percepções à sua at ividade (ALBANO, 1990: 53).
A af irmação de Jackobson com seu est udo ref erent e a element os que comparecem universalment e no
processo de aquisição da linguagem, me inst igou a pensar sobre esse l ugar comum, ou sej a, o que é
universal na organização de imagens sonoras e const it uir o seguint e:
Na voz da f ala a al t ura — um dos at ribut os do som, j á se revela sendo habit ada em alguns dos seus
component es:
“ (. . . ) um gemido como um mmm mmm, você int erpret a a melodia descendent e/ ascendent e
como uma consequência da repet ição de um moviment o de t ensão e dist ensão das cordas
vocais. Esse moviment o af et aria a um t empo a f reqüência e a amplit ude do sinal acúst ico,
sendo, port ant o, t ambém responsável pela alt ernância de maiores e menores int ensidades ao
longo desse sinal. Daí result aria uma bat ida que se alinha com a melodia, numa analogia clara
com o modo respirat ório do gemido. ” (MAIA, 1985: 73).

Maia coment a sobre o primado da f ala, t ant o do pont o de vist a hist órico quant o est rut ural, em relação
às out ras f ormas de línguas como a dos surdos — a gest iculada, “ por ser produzida at ravés das vias
respirat órias, ela t em art iculações nat urais, o que a t orna segment ável, combinável e, port ant o, capaz
de veicular muit as mensagens com poucos recursos” (MAIA, 1985: 8).
Na aquisição da linguagem est á present e um sist ema: há element os dist int os e relações que se
evidenciam pela segment abilidade e pela combinat ória. O que se percebe na f ala é um cont inuum de
uma cadeia de sons discret os denominados segment os, e que, sob essa est rut ura uma analogia com o
pensament o musical me f az quest ionar: o que é segment ável nos at ribut os sonoros, considerando-os sob
a ót ica do que af irmo no Pressupost o V? (MAIA, 1985: 6-14). Cit o a alt ura: sua nat ureza dual lhe
segment a: sua relação agudo/ grave acont ece em t errit órios.
Prezo por pensar numa comunicação como meio da at ividade subj et ivada, um pont o de cont at o sensível
com as relações que se realizam numa est rut ura que envolva um t empo e um espaço subj et ivados. Ao
ouvir as vozes do audível a subj et ividade é apresent ada: ao ouvir as vozes do inaudível, que possuem
moviment o próprio e ant eriores, t em-se um diálogo operacionalizado int ernament e. Pensament os em
at os composit ivos da f ala, não da música! Uma comunicação como meio para desenvolver música se dá,
124 SIMPEMUS 5
à priori¸ no cont ext o do pensament o musical , como bem é expresso nos est udos de Lia Tomás (TOMÁS,
2002).
Sistema do Grammelot
Dos cômicos del l -art , Grammel ot é mais um sist ema para apoiar o desenvolviment o do modelo de
cognição musical. O que é: “ j ogo onomat opéico, art iculado com arbit rariedade, mas capaz de
t ransmit ir, com o acréscimo de gest os, rit mos e sonoridades part iculares, um discurso complet o” (FO,
1999: 97).
Par a execução do grammel ot (. . . ) “ é quase impossível det erminar regras e muit o menos sist emat izá-
las. Precisamos t rabalhar com int uição, f undament ados em um saber prat icament e subt errâneo, sendo
inviáveis o est abeleciment o de um mét odo def init ivo e a t ransmissão do conheciment o em det alhes”
(FO, 1999: 97-98).
Mesmo que essa af irmação de que o gramel l ot não possui regras e é cont ido de um empirismo subj et ivo,
penso em salient ar que em suas gradações, como o gramel l ot f rancês, por exemplo, há que se dist inguir
o que caract eriza o linguaj ar f rancês, principalment e nas art iculações, ou ainda, em sua acent uação
lexical. Esses quesit os part iculares de cada língua devem ser observados e comporão o at o do gramel l ot
f rancês.
Da t écnica do Gramel l ot ent ende-se por um sist ema que promove um cont at o sensível para que a
at enção sobre os component es sonoros sej a t rabalhada nas at ividades de expressões vocais sem a
int erf erência da semânt ica e da pragmát ica da língua, pois, que, no grammel ot se ut iliza dessa
segment abilidade rest ringindo-se essas áreas.
Sistema dos Atributos Sonoros
Os gradient es da f reqüência me conduziram à geograf ia que me possibilit a habit ar o at ribut o dominant e
do audível: a altura. Territ ório de f reqüências, ondas, oscilações, vibrações, amplit udes, velocidades,
deslocament os, pressão, propagação, pert urbação, energia acúst ica, pot ência, int ensidade, localização
e f luxo acúst ico: a list a se mult iplica.
A percepção f reqüencial, designada geralment e por al t ura, é a caract eríst ica de mais pregnância na
percepção dos sons, a que permanece reconhecível à medida que se reduz a duração do som:
“ a alt ura é a qualidade que melhor resist e à at omização do som, ao cont rário do t imbre, que
se demonst ra o primeiro aspect o a ser det eriorado quant o mais se encurt a a duração do som
j ust ament e por ser um aspect o result ant e dos demais e depender assim, de uma clara
percepção das int ensidades, da evolução dinâmica das parciais e das durações dos
component es espect rais” (MENEZES, 2003: 96).

A alt ura t ambém se revela como a mais suscet ível de hierarquização ent re seus valores dist int os, ou
sej a, é um parâmet ro apropriado a uma avaliação cardinal est rut uração por escalas, gamas, séries, et c.
Segundo Menezes, o ouvido t ende a perceber nit idament e set e regiões de f reqüências e a consciência
plena da percepção dessas dist int as gradações é muit o maior na alt ura do que em relação aos demais
at ribut os do som, qualquer mínima dif erença ent re os seus dist int os valores será imediat ament e
det ect ada por uma escut a menos especializada. Menezes argument a que não f oi em vão que as
principais mudanças est ilíst icas e as aquisições t écnicas mais f undament ais da hist ória da música
t iveram sua origem na organização priorit ária das alt uras (MENEZES, 2003: 97).
Essa relevância da alt ura sobre os demais parâmet ros do som não a coloca em posição privilegiada com
relação à sua nat ureza subj et iva. A percepção da alt ura é algo que se dá no suj eit o e de f orma
essencialment e subj et iva, cada pessoa e mesmo cada ouvido possui sua própria sensação de alt ura.
Essas sensações podem apresent ar-se com variações f reqüenciais em relação ao mesmo est ímulo sonoro,
o que o cérebro f az é deduzir essa variação como sendo uma única f reqüência: “ isso f az com que se
inst it ua um consenso ent re os homens acerca daquilo que presumivelment e ouvem em comum, de sort e
que podemos f alar, quase que de f orma indiscut ível, da percepção das ‘ mesmas’ f reqüências”
(MENEZES, 2003: 98).
Ao dist inguir f reqüência de alt ura Menezes coloca que a f reqüência est á relacionada à incidência
vibrat ória no t empo, enquant o a alt ura relaciona-se com a l ocal ização espacial dessa mesma percepção
num regist ro sonoro em que as relações periódicas não conseguem mais ser discriminadas de modo
conscient e por nosso ent endiment o audit ivo, e são aglut inadas numa única sensação de um som: grave,
médio ou agudo (MENEZES, 2003: 98). Essa é uma dist inção import ant e, pois, o que se desej a é a
percepção dessas localizações numa relação diret a com o ent endiment o de t errit ório: onde se habit a o
grave e o agudo, onde se exercit a os moviment os de uma localização a out ra.
Módulo III - Agenciadores: sist ema das emoções e dos sent iment os, sist ema dos sent idos paradoxais
Os agenciadores são sist emas que permeiam o acont ecer sonoro-audit ivo-vocal, onde incessant ement e
quer que se realize a si mesmo. Um convit e à vivência de moviment os num plano const it uído de
simpósio de pesquisa em música 2008 125
component es sonoro-audit ivo-vocais aproximando-os por um ent endiment o do f uncionament o do
sist ema das emoções e sent iment os, pert inent es ao nosso sist ema neurobiológico e à idéia dos sist emas
paradoxais, que expressam as variações dos aparent es opost os, em conf ormidade com o que est á
expost o a seguir.
Sistema das Emoções e dos Sentimentos
A Part it ura Comport ament al preconizada por Damásio cat egoriza um conj unt o de element os em sua
composição que expressam um moviment o de ações percept ivas para um acont ecer generat ivo em at o
verbal, sendo est a uma equação que evoca o princípio de at ividade, conf orme apresent ado no Esquema
02 — Model o de Aprendizagem, de import ant e ut ilidade para as at ividades.
“ Pode ser út il conceber o comport ament o de um organismo como a execução de uma peça
musical para orquest ra cuj a part it ura est á sendo invent ada à medida que a música se
desenvolve. (. . . ) o comport ament o de um organismo é result ado de vários sist emas biológicos
at uando simult aneament e. Os grupos de inst rument os produzem dif erent es t ipos de som e
execut am melodias dif erent es. Podem t ocar cont inuament e durant e t oda a peça ou podem
ocasionalment e se mant er em silêncio, às vezes por vários compassos. Analogament e, isso se
aplica ao comport ament o de um organismo. Alguns sist emas biológicos produzem
comport ament os que est ão present es cont inuament e, enquant o out ros podem est ar present es
ou não em um dado moment o” (DAMÁSIO, 2004: 118-119).

Uma cont inuidade de sist emas int egrados a out ros com caract eríst icas de descont inuidade se
moviment am num nít ido paradoxo def inidor de um pont o sensível onde ocorrem simult aneament e.
“ O est ado de vigília, a emoção de f undo e a at enção básica est arão present es
cont inuament e; eles est ão present es desde o moment o em que você despert a at é a hora em
que você adormece. Emoções específ icas, a at enção f ocalizada e seqüências específ icas de
ações (comport ament o) aparecerão de quando em quando, conf orme as circunst âncias
pedirem. O mesmo ocorre com os relat os verbais, que são uma variedade de
comport ament o” (DAMÁSIO, 2004: 119-120).

Tabela 1 — Part it ura do Comport ament o

Relat o verbal

Ações específ icas

Emoções específ icas

At enção f ocalizada

At enção básica

Emoções de f undo

Est ado de vigília

Font e: DAMÁSIO (2004: 121)


Damásio realiza sua sínt ese com relação aos est ados emocionais e af irma que são def inidos por uma
inf inidade de mudanças t ransf ormat ivas, t omadas a part ir da composição química do corpo, do est ado
das vísceras e do grau de cont ração de diversos músculos est riados do rost o, gargant a, t ronco e
membros. Além das mudanças relacionadas ao est ado corporal, Damásio acrescent a o t ipo de mudança
relacionada ao est ado cognit ivo, ambas const it uem o subst rat o de um sent iment o quando de seu
surgiment o (DAMÁSIO, 2004: 355-357).
Sistema dos Sentidos Paradoxais
A brincadeira nesse sist ema requer t razer um j ogo moviment ado pelo devir-ilimit ado. Est abelecer uma
conversação universal conduzido por inst âncias paradoxais para t odas as suas relações possíveis em um
devir cuj a propriedade é não suport ar a separação nem a dist inção do passado e do f ut uro, pois sua
essência é acont ecer nos dois sent idos simult aneament e: present if icado (DELEUZE, 2003: 1-9).
O convit e é por at ividades onde o sonoro mais encobert o emerge à superf ície das coisas sonoras: ef eit os
sonoros: que se manif est am e desempenham expressividade audit ivo-vocal. Esse at o cont inuado dos
ef eit os sonoros t orna-se o próprio acont eciment o sonoro, “ com t odas as reviravolt as que lhe são
próprias, do f ut uro e do passado, do at ivo e do passivo, da causa e do ef eit o, exibição dos
acont eciment os na superf ície e seus desdobrament os” (DELEUZE, 2003: 8-9). É um devir-ilimit ado que
se qualif ica pela experiência enquant o ela se f az, sempre singular, no moment o em que as signif icações
f icam em suspenso, quando sabemos levar a enunciação sonora a uma de suas relações e que se af irmam
126 SIMPEMUS 5
incessant ement e no pensament o musical e a f orçam a novas possibilidades de pensar e viver o at o
sonoro, quer-se aqui o at o sonoro-audit ivo-vocal.
Módulo IV - Modelagem Sonora: do j ogo ideal.
Dar f orma ao som em um j ogo ideal : delinear, cont ornar, af eiçoar, moldar: uma experiência sonora. Nas
at ividades a experiência sonora é modelada a part ir de um cont rapont o aos nossos j ogos conhecidos:
“ não há regras preexist ent es, cada lance invent a suas regras, carrega consigo sua própria
regra;

longe de dividir o acaso em um número de j ogadas realment e dist int as, o conj unt o das
j ogadas af irma t odo o acaso e não cessa de ramif icá-lo em cada j ogada;

as j ogadas não são pois, realment e, numericament e dist int as. São qualit at ivament e dist int as,
mas t odas são as f ormas qualit at ivas de um só e mesmo lançar. (. . . ) Os lances são sucessivos
uns com relação aos out ros, mas simult âneos em relação a est e pont o que muda sempre a
regra, que coordena e ramif ica as séries correspondent es, insuf lando o acaso sobre t oda a
ext ensão de cada uma delas. (. . . ) É o j ogo dos problemas e da pergunt a;

um t al j ogo sem regras, sem vencedores nem vencidos, sem responsabilidade, j ogo da
inocência e corrida à Caucus em que a dest reza e o acaso não mais se dist inguem, parece não
t er nenhuma realidade. (. . . ) o j ogo ideal de que f alamos (. . . ) só pode ser pensado e, mais
ainda, pensado como não-senso. Mas, precisament e: ele é a realidade do próprio
pensament o. É o inconscient e do pensament o puro. É cada pensament o que f orma uma série
em um t empo menor que o mínimo de t empo cont ínuo conscient ement e pensável. É cada
pensament o que emit e uma dist ribuição de singularidades. (. . . ) Pois só o pensament o pode
af ir mar t odo o acaso, f azer do acaso um obj et o de af ir mação. E, se t ent amos j ogar est e j ogo
f ora do pensament o, nada acont ece e, se t ent amos produzir um result ado dif erent e da obra
de art e, nada se produz. É pois o j ogo reservado ao pensament o e à art e, lá onde não há
mais vit órias para aqueles que souberam j ogar, ist o é, af irmar e ramif icar o acaso, ao invés
de dividi-lo par a dominá-lo, par a apost ar, par a ganhar” (DELEUZE, 2003: 62-64).

Esses princípios que Deleuze af irma serem “ aparent ement e inaplicáveis” são os component es em que se
exercit am relações combinat órias na exploração do t rat o sonoro-audit ivo-vocal e que remet em a esse
j ogo puro, pensado como não-senso onde nenhuma decisão é f inal e t odas se ramif icam, apenas uma
cont inuidade de acont eciment os. Essa maneira de ent ender o j ogar é o que se def ine para aplicação
nas at ividades expressivo-vocais sobre os mat eriais sonoros elencados por cada part icipant e.
Módulo V - Composição Colaborativa: aprendizagem colaborat iva.
Enf im, o conj unt o de sist emas que int egram e moviment am os j ogos na of icina, t em por et apa últ ima,
usar os mecanismos da apr endizagem col abor at iva de f orma a est abelecer at ividades eixo
pr obl emat ização/ sol ução que sej am agenciadas pelo grupo part icipant e.
Na aprendizagem colaborat iva sust ent a-se a idéia de que o conheciment o é result ant e de um consenso
ent re membros de uma comunidade de conheciment o, algo que as pessoas const roem conversando,
t rabalhando j unt as diret a ou indiret ament e e chegando a um acordo. Apr endi zagem Col abor at i va
caract eriza-se por uma est rat égia de aprendizagem que f oca uma part icipação at iva e ef et iva dos seus
membros.
Considerações t eóricas e prát icas sobre o conceit o de Aprendizagem Colaborat iva demonst ram que a
aprendizagem colaborat iva aument a o nível acadêmico dos est udant es e desenvolve habilidades de
t rabalho em grupo. Suas argument ações report am que est udant es que aprendem em grupos pequenos
demonst ram maior realização do que est udant es que f oram expost os à inst rução sem t rabalho
colaborat ivo (ALCÂNTARA et al, 2004: 1 e 12).

Considerações finais
Meu obj et ivo principal nesse t rabalho para o event o do V SIMPEMUS é a apresent ação do processo
vivenciado nas at ividades a part ir de um modelo de aprendizagem musical que sej a experiment ado
independent ement e do conheciment o prévio dos part icipant es sobre t emát icas ou t eorias musicais
complexas.
Para concluir esse art igo apont o t rês principais ref lexões que, a meu ver, const it uem princípios
nort eadores do processo.
Primeiro, uma condut a sensório-mot ora sonoro-audit ivo-vocal é base indispensável para a const rução da
linguagem musical. Em vivências at ravés das at ividades de descobrir as pot encialidades sonoro-audit ivo-
vocais, com o pot encial f ormal do pensament o musical, pode-se verif icar possibilidades de expressão
mult iplicadas e maior capacidade e vont ade de brincar com os sons: e assim t er um grande prazer no
exercício explorat ório dessas pot encialidades. Uma curiosidade sobre o próprio corpo, que é
inst rument o básico na const rução do conheciment o sonoro-audit ivo-vocal.
simpósio de pesquisa em música 2008 127
Segundo, a l inguagem musical é o próprio obj et o sonoro apreendido, ist o é, recriado a part ir de pist as
cont idas na própria l inguagem. Os recursos para a aprendizagem musical podem se desenvol ver
brincando e, post eriorment e, serem int egrados numa at ividade aut o-organizada em que a aut o-
ref erência do obj et o sonoro é de f undament al import ância para o desenvol viment o da condut a sonoro-
audit ivo-vocal .
Terceiro pont o: a const at ação da possibil idade de criar com a voz al go num mesmo t empo novo e
f amil iar é um est ímul o à subj et ividade. A part ir daí, dent ro dos l imit es impost os pel a f isiol ogia
individual , cada part icipant e recria as sonoridades que t ant o a at raem na at ividade sonoro-audit ivo-
vocal do seu pensament o musical . A maneira como isso acont ece depende do modo part icul ar de cada
um manipul ar a novidade gerada pel o próprio corpo.
Port ant o, as singul aridades idiossincrát icas t êm papel f undament al no desenvol viment o da
aprendizagem e é em j ogos de expl oração do pot encial da voz que o part icipant e descobre essa condut a
de expl oração do t rat o sonoro-audit ivo-vocal , at ravés de reit erações em que o próprio moviment o se
encarrega de f ornecer suas pist as. O domínio que adquire dos mat eriais expressivos t ende a migrar do
domínio subj et ivo para o domínio dos component es do pensament o musical . Daí uma rel ação de
condut a-component es, que pode f uncionar simbol icament e por envol ver acont eciment o da experiência
o suf icient e para garant ir um sent ido publ icament e reconhecido e permit ir a sua est abil ização pel a
prát ica. Dessa f orma, pode-se dizer que a ação concret a ext eriorizada do at o composit ivo se t ornou
simbólica.

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O PRINCÍPIO DA TOTALIDADE E A APRENDIZAGEM MUSICAL CONFORME A PROPOSTA DO SISTEMA

ORFF/ WUYTACK.

Luís Bour schei dt (UFPR)

RESUMO: A present e pesquisa t eve como escopo a col et a de dados acerca da apl icação do sist ema
Orf f / Wuyt ack enquant o met odol ogia de ensino de música al icerçada no conceit o de t ot al idade, com
crianças ent re 06 e 08 anos de idade e sob o pont o de vist a do seu desenvol viment o cognit ivo e de suas
habil idades musicais. Tendo como del ineament o met odol ógico a pesquisa quasi -exper i ment al , f oram
apl icadas seis aul as com um grupo de crianças do Curso de Musical ização Inf ant il da Universidade
Federal do Paraná. Tais dados f oram int erpret ados à l uz das anál ises do invest igador e t ambém por meio
da aval iação de t rês j uízes ext ernos que observaram dois t est es real izados na primeira e úl t ima aul a.
Com a ref l exão sobre os resul t ados obt idos, buscou-se revel ar qual idades dest e sist ema enquant o
propost a de ensino de música, no âmbit o da prát ica docent e em educação musical . Como concl usão,
presumiu-se que est e princípio pode ser adot ado como est rat égia de ensino de música, dent ro de uma
aul a de musical ização inf ant il , observando-se o cont ext o de apl icação e caract eríst icas do grupo
part icipant e. Nest e sent ido, são apresent adas sugest ões e orient ações para ut il ização do mét odo.
PALAVRAS-CHAVE: Princípio da t ot al idade. Aprendizagem Musical . Sist ema Orf f / Wuyt ack
ABSTRACT: The purpose of t his research was t o col l ect dat a regarding t he impl ement at ion of t he
Orf f / Wuyt ack aproach. Based on t he concept of t ot al it y, t his st udy invest igat ed t he devel opment of
cognit ive and musical abil it ies of chil dren aged 6 t o 8. A quasi -exper i ment al st udy was designed, and
incl uded 6 l essons f or a group of chil dren enrol l ed at an music program hol d by Federal Universit y of
Paraná. The col l ect ed dat a were anal ized by t he researcher. Three independent j udges anal yzed t he
dat a t o check f or rel iabil it y. Af t er ref lect ion of t he resul t s, t hey t ried t o revel charact erist ics of t his
syst em whil e t eaching purpose of music, in t he docent act ion in music educat ion. In concl usion, it
assumed t hat t his concept coul d be adopt ed as a st rat egy in music educat ion t eaching, observing t he
cont ext of t he appl icat ion and charact erist ics of t he chil dren. Suggest ions f or use of t he met hod are
present ed at t he end of t he st udy.
KEYWORDS: Concept of t ot al it y. Musica l earning. Orf f / Wuyt ack aproach.

1. Int rodução
A ut il ização de mét odos est rangeiros de ensino musical por educadores brasil eiros t em sido divul gada no
Brasil especial ment e, de acordo com Font errada (2005), a part ir da segunda met ade do sécul o XX. O uso
de dif erent es met odol ogias para o ensino musical é uma f orma de f avorecer aos docent es a ut il ização de
novas possibil idades pedagógicas. Assim, f ocal izado a anál ise de um mét odo rel at ivament e novo no país,
busca-se, na present e pesquisa, examinar e aval iar a apl icabil idade do sist ema Orf f / Wuyt ack, enquant o
met odol ogia de ensino musical al icerçada no conceit o de t ot al idade, com crianças ent re 06 e 08 anos de
idade e sob o pont o de vist a do seu desenvol viment o musical . Por meio dest e est udo, procura-se,
port ant o, ref l et ir acerca das qual idades dest e sist ema enquant o propost a de ensino da música, no
âmbit o da prát ica docent e em educação musical .
O sist ema Orf f / Wuyt ack é um mét odo de educação musical desenvol vido pel o composit or e educador
musical bel ga Jos Wuyt ack. Part indo das idéias e da obra escol ar de Carl Orf f , a Or f f -Schul wer k , est e
sist ema de ensino col et ivo de música pode ser considerado a cont inuação da pedagogia musical da
Schul wer k na at ual idade, t endo em vist a a sua ampl a ut il ização em diversos países do mundo, a cit ar
Port ugal , Espanha, França, Canadá e Est ados Unidos (BOAL PALHEIROS, 1998). No Brasil , no ent ant o,
poucos t êm conheciment o dest a pedagogia, j á que a sua adapt ação à real idade brasil eira requer, a
pr i or i , um ent endiment o das suas principais caract eríst icas.
Como obj et o de anál ise para est a invest igação, f oram apl icadas as at ividades present es no sist ema
Orf f / Wuyt ack, em diversos níveis e com dif erent es cont eúdos musicais, t endo como enf oque um
conceit o f undament al para a propost a em quest ão: o conceit o de t ot al idade. Est e princípio diz respeit o
à rel ação ent re as part es e o t odo dent ro do processo de ensino e de aprendizagem musical . Conf orme
sugere Wuyt ack (2005), est e conceit o é possível de ser ent endido de acordo com dois pont os de vist a: 1)
Que o ensino de música, e, port ant o, a própria experiência musical , deve envol ver a t ot al idade ent re a
expressão verbal , a expressão musical e a expressão corporal ; e 2) que a part ir dest as f ormas de
expressão, um det erminado cont eúdo musical deve ser apresent ado de maneira int egral e em uma
simpósio de pesquisa em música 2008 129
mesma aula de música. Wuyt ack sugere que a t ot alidade envolva o aluno de maneira que ele possa
ef et ivament e t omar consciência do f enômeno musical na sua t ot alidade.
A hipót ese dest e est udo f oi que, a part ir das at ividades musicais present es nest e sist ema, e t omando
como ref erência o princípio da t ot alidade na aplicação dest as at ividades em uma aula de musicalização
inf ant il, há uma signif icat iva melhora na aprendizagem musical, principalment e com relação à aquisição
melódica. O present e est udo f oi dirigido com o f oco, port ant o, no relat o da aquisição de habilidades
melódicas das crianças observadas. Dessa f orma, presumiu-se que o princípio da t ot alidade pode ser
adot ado como propost a de ensino de música, dent ro de uma aula de musicalização inf ant il.

2. Obj etivos
Est e t rabalho invest igou a aplicação do sist ema Orf f / Wuyt ack enquant o met odologia de ensino musical,
com crianças ent re 06 e 08 anos de idade e sob o pont o de vist a do seu desenvolviment o musical.
Além disso, pret endeu-se ref let ir acerca das qualidades dest e sist ema enquant o propost a de ensino da
música, t endo como f oco o princípio da t ot alidade. Ademais, buscou-se descrever os processos de
aprendizagem pelos quais as crianças que f izeram part e do est udo est iveram envolvidas, relat ando de
que maneira a met odologia do sist ema f oi ut ilizada na aplicação das at ividades propost as e de que
maneira est e aspect o inf luenciou no seu desenvolviment o musical.

3. Método
Para est a invest igação, cuj o f oco f oi a aplicação de at ividades do sist ema de educação musical
Orf f / Wuyt ack, f oram planej adas 06 (seis) aulas de musicalização inf ant il, com crianças brasileiras ent re
06 e 08 anos de idade. A pesquisa t eve como delineament o met odológico a pesquisa quasi-
experiment al . Assim, o recort e dest e t rabalho buscou verif icar a aplicação dest e sist ema, de acordo
com dois pont os de vist a: 1) com o f oco no próprio sist ema e 2) com o f oco nas crianças.
O primeiro aspect o abordado t eve como enf oque, at ividades que compreendem o sist ema e na sua
met odologia, nas quais buscou-se responder às quest ões “ quais at ividades” ut ilizar com as crianças
observadas e “ como” ut ilizá-las no cont ext o de uma aula de musicalização inf ant il. Nesse caso, os dados
colet ados f oram apresent ados no t rabalho de maneira qualit at iva e descrit iva, pois envolveram a
observação diret a não part icipant e dos vídeos das aulas.
O segundo pont o de vist a abordado f oi a aprendizagem musical das crianças seu desenvolviment o
cognit ivo/ musical. Nessa et apa, durant e a observação das 06 aulas onde os cont eúdos f oram aplicados
por um prof essor especialist a, procurou-se avaliar a perf ormance e o desempenho das crianças enquant o
part icipant es at ivas das aulas observadas, de acordo com as variáveis dependent es dest a invest igação.
Como f orma de validação dest as observações, f oram convidados t rês j uizes ext ernos especialist as, que,
t ambém por meio da observação diret a dos vídeos das aulas 01 e 06 – o t est e A e o t est e B do est udo –
responderam a um quest ionário onde deveriam valorar os mesmos aspect os observados nas variáveis
dependent es do est udo.
A invest igação pret endeu responder algumas pergunt as, a cit ar: a) Quais as vant agens e desvant agens
de se ut ilizar a met odologia do sist ema Orf f / Wuyt ack para o ensino dos cont eúdos musicais t ais como a
aquisição melódica e rít mica? b) Como se dá a relação ent re o ensino e a aprendizagem musical at ravés
do princípio de t ot alidade present e no sist ema Orf f / Wuyt ack? c) É possível est abelecer crit érios que
possibilit em compreender a relação ent re o aprendizado musical e o desenvolviment o musical das
crianças observadas? d) De que maneira o sist ema Orf f / Wuyt ack ent ende a quest ão do desenvolviment o
e da aprendizagem musicais?

4. Resultados.
Ao f inal dest a invest igação, f oi possível a descrição de algumas conclusões ref erent es às analises dos
vídeos, e que cert ament e podem cont ribuir de f orma diret a à prát ica docent e em educação musical.
Com relação ao conceit o de t ot alidade, f icou claro na análise dos vídeos que a consciência do t odo é um
aspect o muit o import ant e para o processo de aprendizagem musical, j á que f oi at ravés dela que o aluno
desenvolveu-se musical e cognit ivament e. Da mesma f orma, a int er-relação ent re as f ormas de
expressão pareceu f avorecer o aprendizado t ant o rít mico quant o melódico. A ut ilização da expressão
corporal, por meio das dif erent es possibilidades de expressão f acial, do j ogo de subst it uição das
palavras por gest os corporais ou at é mesmo da simples moviment ação corporal, cont ribuiu t ant o para a
aquisição das at ividades propost as quant o para o desenvolviment o de uma memória musical.
Igualment e, a ut ilização da expressão verbal - f alando ou cant ando um det erminado rit mo, por exemplo
– pareceu cont ribuir não apenas na memorização de uma det erminada let ra, mas t ambém na aquisição
de out ros element os da música, como o rit mo e a dinâmica.
130 SIMPEMUS 5
Por sua vez, f icou evident e que a t ot alidade pode ser uma boa est rat égia para at rair a at enção das
crianças, j á que f icou visível nas análises dos vídeos, que as crianças demonst raram um especial
int eresse quant o à exploração do próprio corpo – no at o de virar e girar da aula 03, por exemplo – e da
própria voz.
Por out ro lado, é possível concluir que as at ividades mais bem sucedidas correspondem aquelas que
apresent aram um result ado musical concret o ao seu f inal, sugerindo aos alunos uma sensação de dever
musical cumprido. Ent ret ant o o que int eressa ao sist ema aqui est udado é o processo e não os
result ados, apesar do f at o de que os alunos perceberam o processo ao f inal da at ividade, j unt ament e
com o result ado da mesma.
Out ra ref lexão acerca das análises dos vídeos demonst rou que a nat ureza lúdica e bem humorada das
aulas é um aspect o pert inent e à educação musical e que, de acordo com o sist ema aqui est udado, deve
ser considerado na aplicação de det erminada at ividade musical.
Com relação aos processos de aprendizagem e desenvolviment o musical, f icou evident e que há uma
f orça colaborat iva do grupo para a aprendizagem colet iva de música e que est a inf luenciou diret ament e
no processo de aquisição de um det erminado aspect o musical. Daí a import ância de um envolviment o
at ivo dos alunos f rent e ao seu aprendizado musical, j á que t udo deve ser ensinado a t odos, e t odos
colaboram ent re si para a aprendizagem do grupo.
Apesar de não ser o f oco da present e invest igação, há algumas conclusões t ambém com relação à
post ura do prof essor em sala de aula. Dest aca-se, nesse sent ido, a import ância de uma corret a
inst rução, principalment e com relação ao espelhament o (lat eralidade), e, port ant o, de uma coerência
ent re a inst rução verbal e inst rução visual. Not ou-se que at ividades mais simét ricas t ambém são mais
ef icient es para a assimilação de um det erminado cont eúdo. Por out ro lado, uma aula de música não
pode t er um carát er diret ivo o t empo t odo. O prof essor deve deixar claras as inst ruções –
principalment e quando na imit ação – mas deve saber permit ir que o aluno se expresse at ravés do seu
corpo, da sua voz e da música.
Do pont o de vist a do compromet iment o dos alunos com a aula de musicalização, o desaf io pode ser uma
boa est rat égia de mot ivar as crianças, t ornando-se muit o import ant e, na medida em que aument a a
at enção e o int eresse dos alunos para a realização de uma det erminada at ividade.
Com relação à aquisição de habilidades musicais, f icou claro na análise dos vídeos que os aspect os
rít micos f oram mais acessíveis às crianças, se comparados aos aspect os melódicos. Com relação à
aquisição melódica, observou-se uma grande dif iculdade com relação à af inação precisa das not as de
uma det erminada canção. Ent ret ant o, f icou evident e que na maioria das at ividades t rabalhadas, os
alunos conseguiram perceber o cont orno melódico das canções, j á que se t rat a de “ um dos element os
mais óbvios de uma melodia a se mant er invariável em t odas as inst âncias” (DOWLING apud
HARGREAVES & ZIMMERMAN, 2004, p. 256). Port ant o, na aplicação do sist ema aqui est udado, deve haver
uma valorização do cont orno melódico muit o ant es de uma precisão quant o à af inação da melodia.
Com relação à perf ormance inst rument al à imit ação, f oi possível dest acar, após a análise dos vídeos,
t rês conclusões. 1) Os inst rument os Orf f são f ascinant es para as crianças. Nesse sent ido, deve ser
permit ida a livre experiment ação dos mesmos para que os alunos possam habit uar-se com a prát ica
inst rument al, com o corret o manuseio das baquet as e com uma boa post ura f rent e ao inst rument o. Esse
processo deve ocorrer ant eriorment e à imit ação, que visivelment e exige das crianças um grau de
concent ração muit o maior. 2) O espaço f ísico ut ilizado pelos inst rument os não pode compromet er o
espaço dest inado ao moviment o, aspect o bast ant e observado nas análises dos vídeos. 3) Tant o na
perf ormance inst rument al quant o nos processos de imit ação, há a necessidade de um pulso bem
def inido, podendo est e ser execut ado pelo prof essor por meio de um inst rument o harmônico (violão ou
piano, por exemplo).
Ao f inal dessa análise, f icou claro que na prát ica inst rument al/ vocal, a maior dif iculdade encont rada
pelos alunos f oi com relação à perf ormance simult ânea de duas ou mais t aref as complexas. Nesse
sent ido, o prof essor poderá encont rar duas possibilidades para resolver est e impasse: a) adapt ar a
at ividade às possibilidades da t urma que est á t rabalhando, subt raindo element os, ou b) após t odos
aprenderem t udo, dividir a t urma em grupos para que cada grupo execut e uma part e da at ividade –
melodia, acompanhament o inst rument al, gest o, moviment o, et c.

5. Conclusão
Est abelecendo uma relação ent re a análise dos dados e a f undament ação t eórica dest e est udo, pode-se
af irmar que o desempenho musical das crianças t ambém pode ser aprimorado de acordo com as
qualidades dos est ímulos ext ernos mediados pelo prof essor, e pelo ambient e de aprendizagem
(f ísico/ social) no qual a criança est á inserida. Dessa f orma, o principio da t ot alidade pode vir a
cont ribuir para a aquisição de habilidades musicais, j á que est e compreende aspect os ext ra-musicais
para a aprendizagem, como a voz f alada e o moviment o corporal. Ao f inal dest a invest igação, concluiu-
simpósio de pesquisa em música 2008 131
se que a rel ação ensino/ aprendizagem musical pode ser mais ef icient e quando rel acionada t ambém à
out ras f ormas de expressão não purament e musicais.
Do pont o de vist a da aprendizagem, f icou cl aro que as crianças aprendem quando est ão at ivas no
processo de aprendizagem. As int erações e as f orças col aborat ivas ent re os al unos demonst ram que,
conf orme a revisão e a anál ise dest a invest igação, a f unção do prof essor, muit o mais do que ensinar é
mot ivar e desaf iar os al unos a al cançar os seus próprios obj et ivos musicais, t ornando-os aut o-suf icient es
para o f azer musical.
A pesquisa aqui apresent ada possibil it ou o ent endiment o das caract eríst icas de um sist ema de educação
musical – o sist ema Orf f / Wuyt ack – cuj a propost a pret ende que se aprenda música f azendo música. E
f azer música, como pudemos observar, é expressar-se t ambém at ravés dos nossos principais e primeiros
inst rument os: o nosso corpo e a nossa voz. Aprender música, port ant o, não pode ser anal isado apenas da
perspect iva musical . Deve propor, em primeira inst ância, o desenvol viment o geral do ser humano e das
suas capacidades art íst icas. Ao f inal desse est udo, sugerimos ao docent e em educação musical e ao
leit or uma ref lexão acerca dest es aspect os, aqui ampl ament e discut idos.
Enf im, concl ui-se que o resul t ado dest a invest igação poderá apoiar est udos post eriores, f rent e à
necessidade da criação de uma bibl iograf ia em l íngua port uguesa, que discorra sobre a psicol ogia do
desenvol viment o cognit ivo e da aprendizagem musical . Ademais, est e est udo t ambém buscou divul gar o
sist ema aqui apresent ado, na t ent at iva de apresent á-l o à comunidade acadêmica brasil eira e
principalment e aos prof essor de musica int eressado em ref let ir acerca das quest ões aqui apresent adas.
Dessa f orma, o t ext o acima possivel ment e benef iciará a prát ica docent e em educação musical , bem
como aos demais int eressados em pesquisar e est udar f enômenos rel at ivos à psicol ogia do
desenvol viment o e da aprendizagem musical inf ant il . Acredit a-se, por f im, que est e t rabal ho não encera
o assunt o aqui abordado, mas t raz à discussão inúmeros aspect os que podem – e devem – cont inuar
sendo discut idos e aprof undados em invest igações post eriores.

6. Referências
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A TEORIA DA AUTODETERMINAÇÃO E A MOTIVAÇÃO EM MÚSICA

Edson Fi guei r edo (UFPR)

RESUMO: A mot ivação é uma área cada vez mais inst igada na psicol ogia. A Teoria da Aut odet erminação
é uma abordagem da mot ivação humana onde j á se real izou pesquisas em várias áreas do conheciment o,
mas ainda não se est abel eceu um model o para a pesquisa em música. O present e t rabal ho pret ende
sint et izar as idéias da t eoria e realizar uma aproximação com a música.
PALAVRAS-CHAVE: mot ivação, aut odet erminação, psicologia da música.
ABSTRACT: The mot ivat ion is t oday an area very int erest ing in t he Psychol ogy. The Sel f -Det erminat ion
Theory is an approach of t he human mot ivat ion where so many researches have been in t he knowl edge
area, but t here is not a model f or research in t he Music. This work t ries t o do summarize of ideas of t he
t heory and t o do a relat ionship wit h t he Music.
KEYWORDS: mot ivat ion, self -det erminat ion, psychology of music.

A mot ivação é um t ema import ant e da psicol ogia cont emporânea, que procura ent ender a energia
psicol ógica que põe em moviment o o organismo humano. Para apresent ar um comport ament o f avorável
ao aprendizado, perf ormance ou uma at ividade qual quer, uma pessoa deve est ar mot ivada, ou sej a, t er
mot ivos para a ação. As causas que l evam as pessoas a se comport arem de variadas maneiras são
est udados pel as t eorias da mot ivação, que procuram expl icar como est a se processa no ser humano.
Conseqüent ement e a at ividade musical t ambém pode ser abordada pel as t eorias da mot ivação. Segundo
McPherson e O’ Neil l 1 exist e um número crescent e de pesquisas que buscam ent ender como as crianças
desenvol vem o desej o de est udar música; como el es val orizam a aprendizagem do inst rument o; porquê
o grau de persist ência e int ensidade varia e como el as at ribuem seus sucessos e f al has em dif erent es
cont ext os.
As t eorias da mot ivação humana geral ment e se dividem em duas grandes áreas: mot ivação int rínseca e
mot ivação ext rínseca. Segundo Guimarães2, a mot ivação int rínseca est á rel acionada com o int eresse por
sua própria causa, por est a ser int eressant e, at raent e ou, de al guma f orma geradora de sat isf ação.
Ainda para a mesma aut ora a mot ivação ext rínseca é def inida como a mot ivação para t rabal har em
respost as a algo ext erno à t aref a ou at ividade, obj et ivando recompensas ou evit ando punições.
Uma propost a de int eração ent re as mot ivações int rínseca e ext rínseca est á na Teoria da
Aut odet erminação dos psicól ogos americanos Eduard L. Deci e Richard M. Ryan. Os aut ores a def inem
como uma abordagem da mot ivação e personalidade humana, que usa mét odos empíricos para
det erminar os recursos int ernos da personal idade e da aut o-regul ação. 3 As pesquisas guiadas por est a
t eoria possuem o f oco no cont ext o social como f acil it ador ou impedidor da aut o-mot ivação. Para
organizar os processos da aut o-regul ação, Deci e Ryan desenvol veram o cont i nuum de aut odet erminação
que organiza os dif erent es níveis de regul ação da mot ivação ext rínseca at é o pont o de se t ornar
int rínseca. O Cont i nuum pode ser uma f errament a út il no est udo da mot ivação em música. Porém, ant es
de associarmos música e t eoria, devemos observar alguns aspect os part iculares à art e musical.
O est udo da música não f az part e da grade obrigat ória nas escol as brasil eiras. Aquel e que quer aprender
música deve procurar uma escol a específ ica, o que nos f ornece a inf ormação de que al go j á o mot ivara.
Por não ser f orçoso o est udo da música, considera-se que a vont ade int erna de aprender é um dos
mot ivos para se buscar o conheciment o. Mas, os f at ores ext ernos t ambém cont ribuem para se criar o
int eresse por um inst rument o musical.
Ao se mat ricul ar em uma escol a de música, o al uno j á demonst ra est ar mot ivado, mas não se sabe qual
o t ipo de regul ação int erna dest e indivíduo. O cert o é que cada al uno possui regul ações dif erent es, e
respondem dif erent ement e ao cont eúdo das aul as. Exist em pessoas que apl icam um det erminado
esf orço para aprender, enquant o out ras desist em nas primeiras ocasiões de insucesso. Saber t rabalhar
com est as dif erenças pode se uma f errament a út il para qual quer prof essor ou per f or mer , especial ment e
o de música, por ser est a uma mat éria não obrigat ória.

1
MCPHERSON, G. E. ; O’ NEILL, S. A. Mot i vat i on. In: MCPHERSON, G. E. ; PARNCUTT, R. The science e psychology of
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development , and well-being. Amer i can Psychol ogi st , 55, 68-78.
134 SIMPEMUS 5
Compreender os reguladores da mot ivação ext rínseca pode ser de grande import ância para o prof essor
ou int erpret e, pois pode aj udar a obt er divert iment o, prazer e sat isf ação no est udo da música.

A teoria da autodeterminação
Um dos grandes dif erenciais da Teoria da Aut odet erminação é a nova abordagem da mot ivação
int rínseca e ext rínseca. Para Deci e Ryan, 4 a lit erat ura clássica caract eriza a mot ivação ext rínseca como
t ipicament e pálida e empobrecida, sendo assim cont rast ant e com a mot ivação int rínseca. Est a
dicot omia f oi ent re mot ivação int rínseca e ext rínseca f oi dissolvida pelos criadores da t eoria ao
est abelecerem dif erent es níveis da mot ivação ext rínseca. “ A Teoria da Aut odet erminação propõe que
exist e variados t ipos de mot ivação ext rínseca, alguns represent ando f ormas empobrecidas da mot ivação
e out ros represent ando ação. ” 5 As pessoas não possuem apenas dif erent es valores, mas t ambém
dif erent es t ipos de mot ivação. Ist o é, elas não variam apenas no nível de mot ivação (quant o de
mot ivação) mas t ambém na orient ação da mot ivação (t ipo de mot ivação). A mot ivação pode variar no
est ilo regulat ório (ext erno, int roj et ado, ident if icado, int egrado); no lócus de percepção da causalidade
(ext erno, ext ernalizado, int ernalizado, int erno); e no comport ament o (aut ônomo e não aut ônomo).

As três necessidades básicas


As pesquisas guiadas pela Teoria da Aut odet erminação procuram mant er o f oco nas condições sociais e
cont ext uais que f acilit am ou impedem o processo nat ural da aut o mot ivação e do desenvolviment o
psicológico saudável. Os result ados vêm colaborando para o post ulado de t rês necessidades psicológicas
inat as – compet ência, aut onomia, relacionament o – que quando sat isf eit as produzem elevada mot ivação
e saúde ment al, mas quando impedidas conduzem a uma diminuição da mot ivação e do bem est ar.
Decy e Ryan def inem as necessidades humanas como “ nut rient es psicológicos inat os que são essenciais
para o desenvolviment o psicológico, a int egridade e o bem est ar” . 6
A necessidade de compet ência est á relacionada com a capacidade da pessoa de int eragir
sat isf at oriament e com o seu ambient e. Pode ser comparada ao sent iment o de aut o-ef icácia, ou sej a, a
o indivíduo sent ir que é capaz de realizar uma det erminada t aref a.
A necessidade de relacionament o signif ica a necessidade de pert encer a um cont ext o. O ser humano
vive em sociedades organizadas, onde cada um exercer uma f unção. Para suprir est a necessidade, um
indivíduo deve sent ir-se import ant e em uma sociedade, ou sej a, exercer um papel social reconhecido
pelos seus semelhant es.
A necessidade de aut onomia relaciona-se com a percepção dos mot ivos para a ação. Segundo a Teoria
da Aut odet erminação, o ser humano t em a necessidade de sent i-se no cont role de suas ações, e não ser
cont rolado por pessoas ou f at ores ext ernos.
Para Deci e Ryan, a saúde psicológica requer a sat isf ação das t rês necessidades, uma ou duas não são
suf icient es. Os aut ores ainda observam que o bom desenvolviment o pessoal e o bem est ar est ão
relacionados com condições ambient ais que f avorecem a sat isf ação das necessidades. Por out ro lado, a
degradação e o mal est ar se relacionam com condições que dif icult am a sat isf ação.

Motivação intrínseca
Vej amos a def inição de mot ivação int rínseca propost a por Deci e Ryan:
Talvez nenhum f enômeno ref lit a o pot encial da nat ureza humana como a mot ivação
int rínseca, a inerent e t endência de procurar novidades e mudanças, est ender e exercit ar a
própria capacidade, explorar e aprender. 7

Dent ro da Teoria da Aut odet erminação exist e uma subt eoria denominada Teoria da Avaliação Cognit iva,
que desenvolve novas perspect ivas sobre a mot ivação int rínseca. Um dos argument os mais import ant es
dest a t eoria é o f at o de event os ext ernos, como recompensas e f eedback, poderem valorizar a
mot ivação int rínseca para a ação, desde que est e sej a acompanhado por uma percepção int erna no
lócus de causalidade. Ist o permit e a sat isf ação das necessidades psicológicas básicas de compet ência e
aut onomia.

4
Ryan, R. M. , & Deci, E. L. (2000). Self -det erminat ion t heory and t he f acilit at ion of int rinsic mot ivat ion, social
development , and well-being. Amer ican Psychol ogist , 55, 68-78.
5
Ryan, R. M. , & Deci, E. L. Int rinsic and ext rinsic mot ivat ions: Classic def init ions and new direct ions. Cont emporary
Educat ional Psychology, 25 (1). 2000, p. 54 – 67.
6
Deci, E. L. , & Ryan, R. M. (2000). The "what " and "why" of goal pursuit s: Human needs and t he self -det erminat ion of
behavior. Psychol ogical Inquir y, 11, 227-268.
7
Ryan, R. M. , & Deci, E. L. Int rinsic and ext rinsic mot ivat ions: Classic def init ions and new direct ions. Cont emporary
Educat ional Psychology, 25 (1). 2000, p. 54 – 67.
simpósio de pesquisa em música 2008 135
Por out ro l ado, f at ores ext ernos como ameaças, prazos e compet ições diminuem a mot ivação int rínseca,
porque, segundo a t eoria, as pessoas os percebem como cont rol adores do seu comport ament o.
Resumindo, a Teoria da Aval iação Cognit iva sugere que os f at ores ambient ais podem “ f acil it ar ou
impedir a mot ivação int rínseca por suport e ou obst rução das necessidades de aut onomia e
compet ência. ” 8 A mot ivação int rínseca é inat a mais pode ser inf l uenciada pel o ambient e.

Motivação extrínseca
Assim como j á f oi explicado, a mot ivação ext rínseca é aquel a que possui f at ores ext ernos ao indivíduo.
Cont udo, est e t ipo de mot ivação não deve ser vist o como um conceit o unit ário. Para se ent ender mel hor
o conceit o de mot ivação ext rínseca propost o pel a Teoria da Aut odet erminação, deve-se considerar os
seguint es el ement os da mot ivação: est il o regul at ório, l ócus de percepção da causal idade e
comport ament o.
Est il o regul at ório pode ser ent endido como o t ipo de f orça que at ua no cont rol e da mot ivação. Na
regul ação ext erna, a f orça que cont rol a a mot ivação de uma pessoa est á l igada a recompensas ou
punições. Por exempl o, a criança que est uda para t irar uma boa not a na prova, com o obj et ivo de
ganhar um present e do pai ou para não f icar de cast igo. De uma ou out ra f orma a mot ivação dest a
criança é cont rol ada por f at ores ext ernos. Segundo Deci e Ryan a “ regul ação ext erna é o t ipo de
mot ivação f ocada nas t eorias do condicionament o operant e. ” 9 Est e t ipo de regul ação pode ser
observado em af irmações como “ posso t er probl emas se não o f izer” .
A regul ação int roj et ada est á rel acionada a um cont rol e da mot ivação reconhecido pel o indivíduo, mas
não aceit o como próprio. “ O t ermo int roj et ado t em sido ut ilizado em muit as áreas da psicologia ao
l ongo dos anos e ref ere-se ao f at o de um indivíduo aceit ar um princípio, mas sem se ident if icar com el e
ou sem int eriorizar como sendo del e. ” 10 Est e é um rel at ivo cont rol e onde os comport ament os são
execut ados para evit ar cul pa ou ansiedade ou para conseguir el evar o ego. Uma af irmação que
caract eriza est e t ipo de regul ação é: “ vou me sent ir cul pado se não o f izer” .
Na regul ação ident if icada, o cont rol e da mot ivação é aceit o como pessoal . A Ident if icação ref l et e um
val or conscient e de uma met a comport ament al ou regul ação, t al que a ação é aceit a como
pessoal ment e import ant e. Uma af irmação que condiz com est e conceit o é: “ envol vo-me porque acho
import ant e f azê-lo” .
O nível mais al t o da mot ivação ext rínseca é a int egração. Est e est il o regul at ório compreende um
cont rol e da mot ivação que est á de acordo com os ideais da pessoa.
Int egração ocorre quando a regulação ident if icada est á complet ament e assimilada como o
ego. (. . . ) Ações caract erizadas pela mot ivação ext rínseca int egrada possui muit as qualidades
da mot ivação int rínseca, embora sej a considerada ext rínseca porque elas são f eit as para
conseguir conseqüências separadas dos seus prazeres inerent es. 11

O l ócus de causal idade é um sist emas que aval ia a aut o-percepção dos mot ivos que l evaram um
indivíduo a se comport ar de det erminada maneira. Uma pessoa pode perceber os mot ivos de suas ações
como int erno, ou sej a, saber que est á no cont rol e das suas at it udes. Um indivíduo assim é chamado de
or igem, e possui o l ócus de causal idade int erno. No out r o ext remo est á o l ócus de causal idade ext erno,
onde o indivíduo apresent a out ro agent e ou obj et o int erf erindo com a causação pessoal . Um indivíduo
assim é chamado de mar ionet e.
O indivíduo ‘ origem’ t em f ort es sent iment os de causação pessoal e at ribui as mudanças
produzidas em seu cont ext o às suas ações. Em decorrência dessa percepção, apresent a
comport ament o int rinsecament e mot ivado, f ixa met as pessoais, demonst ra seus acert os e
dif iculdades, planej a as ações necessárias para viabilizar seus obj et ivos e avalia
adequadament e seu progresso. (. . . ) O indivíduo [ marionet e] acredit a que as causas de seus
comport ament os est ão relacionadas a f at ores ext ernos, como o comport ament o ou a pressão
de out ras pessoas. Perceber-se como ext ernament e guiado promove sent iment o de f raqueza e
inef icácia, result ando no af ast ament o de sit uações de desempenho. 12

8
Deci, E. L. , & Ryan, R. M. (2000). The "what " and "why" of goal pursuit s: Human needs and t he self -det erminat ion
of behavior. Psychol ogical Inquiry, 11, 227-268.
9
Ryan, R. M. , & Deci, E. L. Int rinsic and ext rinsic mot ivat ions: Classic def init ions and new direct ions. Cont emporary
Educat ional Psychology, 25 (1). 2000, p. 54 – 67.
10
FERNANDES, H. Miguel; VASCONCELOS-RAPOSO, José. Cont inuum de aut odet erminação, validade para a sua
aplicação no cont ext o desport ivo. Est ud. psicol . (Nat al ) , Sept . / Dec. 2005, vol. 10, no. 3, p. 385-395.
11
RYAN, R. M; DECI, E. L. (2000). Self -det erminat ion t heory and t he f acilit at ion of int rinsic mot ivat ion, social
development , and well-being. American Psychol ogist , 55, 68-78.
12
GUMARÃES, Sueli E. F. Mot ivação Int rínseca, Ext rínseca e o uso de recompensas em sal a de aul a. In:
BORUCHOVITCH, E; BZUNECK, J. A. (orgs) A Mot ivação do Al uno. Pet rópolis: Vozes, 2001
136 SIMPEMUS 5
O lócus de causalidade não é est ável, e pode varar dependendo do moment o e da sit uação vivida pelo
indivíduo. Na Teoria da Aut odet erminação t ambém é consideradas a percepção ext erno-int erno, que é
um est ágio int ermediário.
Out ra dif erenciação da mot ivação ext rínseca est á no comport ament o aut ônomo ou aut odet erminado e
não aut ônomo ou não aut odet erminado. Por def inição o comport ament o aut odet erminado represent a
ações que o indivíduo t oma por mot ivos int ernos, o que remet e a mot ivação int rínseca. Já o
comport ament o não aut odet ermindado se verif ica em ações t omadas pelo indivíduo por mot ivos
ext ernos, o que remet e a mot ivação ext rínseca. Mas para Deci e Ryan, a mot ivação int rínseca não é o
único t ipo de comport ament o aut odet erminado. Dif erent e de algumas perspect ivas que vem o
comport ament o ext rinsecament e mot ivado como invariavelment e não aut ônomo, a Teoria da
Aut odet erminação propõe que a mot ivação ext rínseca pode variar na sua aut onomia relat iva Port ant o a
mot ivação ext rínseca pode ser aut odet erminada e não aut odet erminada.

O Cont inuum de autodeterminação


O cont i nuum13 propost o pela t eoria relaciona as dif erent es orient ações da mot ivação. Inicia-se na
amot ivação, passa pela mot ivação ext rínseca at é at ingir a mot ivação int rínseca (f igura 1).
No quesit o amot ivação, não se encont ra uma f orma de regulação, ou sej a, não exist e alguma pressão
que f aça o indivíduo agir. Conseqüent ement e o lócus de causalidade é impessoal. O que caract eriza est a
f orma mot ivacional são as ausências de compet ência, cont ingência e int enção. Na música, seria o
comport ament o de quem não quer aprender um inst rument o porque acredit a que não possui
compet ência para t al f açanha, ou simplesment e porque não quer. Também pode ser o caso do
inst rument ist a que não part icipa de um concurso de int erpret ação por não se achar compet ent e. Nas
escolas de música dif icilment e se encont raria um aluno com est a f orma mot ivacional, mas em escolas
de ensino básico ist o pode ocorrer.

Forma mot ivacional Mot ivação Int rínseca

Amot ivação Mot ivação Ext rínseca

Est ilos
regulat ó-
rios Não Ext erno Int roj ecção Ident if icação Int egração Int rínseco
regulat ório

Lócus de
percep-
ção de Impessoal Ext erno Ext erno/ Ext erno/ Int erno Int erno
causali- Int erno Int erno
dade

Comport ament o Não aut odet erminado


Aut odet ermindado

Processos Ausência de: Pr esença de: -apr ovação -val or ização -sínt ese de
regulat ór social da at ividade r egul ações
ios -compet ência -r ecompensas ident if icadas / -
relevant e ext er nas -envol viment o -impor t ância conscient es diver t iment o
-cont ingência par a o ego pessoal
s -punições -pr azer
-Int enção
-sat isf ação

Figura 1 – Cont inuum de aut odet erminação


A mot ivação ext rínseca possui quat ro est ilos regulat órios dif erent es. A regulação ext erna vincula-se ao
lócus de percepção t ambém ext erno e é caract erizado por recompensas e punições. É o caso do pai que
dá um violão novo ao f ilho se ele aprender aquela música especial, ou ent ão da criança que est uda oit o
horas de piano por dia, para não ser cast igada pela mãe. A premiação de concursos musicais t ambém
pode ser encarado como um regulador ext erno.
O est ilo regulat ório int roj eção apresent a o lócus de causalidade int ermediário, ou ext erno-int erno. Est e
est ágio é caract erizado por aprovações sociais e envolviment os para o ego. Como exemplo podemos
cit ar a criança que est uda porque quer t ocar bem na audição da escola e ser vangloriada pelos pais.

13
RYAN, R. M; DECI, E. L. (2000). Self -det erminat ion t heory and t he f acilit at ion of int rinsic mot ivat ion, social
development , and well-being. Amer ican Psychol ogist , 55, 68-78.
simpósio de pesquisa em música 2008 137
Assim como o per f or mer que al mej a a vit ória em um concurso não apenas pel o prêmio, mas por ser uma
f orma de most rar sua compet ência.
A ident if icação é um o t erceiro t ipo de est ilo regulat ório. Est e t ambém possui o lócus de causalidade
ext erno-int erno e se caract eriza pela valorização da at ividade e import ância pessoal . Por exempl o, um
pianist a que execut a apenas músicas cont emporâneas em seus recit ais, mas que est uda t ambém música
de out ros períodos porque acha import ant e para sua f ormação como um t odo. Est e t ipo de regul ação
t ambém pode explicar as int ermináveis horas que um músico passa est udando t écnica inst rument al.
O nível mais alt o da mot ivação ext rínseca é a int egração. Est e est ilo regulat ório possui o lócus de
causal idade int erno e comport ament o aut odet erminado, embora ainda sej a ext rínseco. É uma sínt ese
das regul ações ident if icadas que est ão em pl eno acordo com o ego. Seria o caso de uma pessoa que
ent ra na aula de música por achar est a f orma de art e import ant e na f ormação de um cidadão.
E f inalment e a mot ivação int rínseca. Est a f orma mot ivacional possui o est ilo regulat ório int rínseco, o
l ócus de percepção da causal idade int erno e comport ament o aut odet ermindado. Se caract eriza pel o
prazer, divert iment o e sat isf ação. É o caso t ípico da pessoa que se empenha em t ocar uma música que
gost a, e é capaz de passar horas est udando, perdendo a noção do t empo.

Considerações finais
A Teoria da Aut odet erminação é uma t eoria de base empírica que ut iliza quest ionários para avaliar seus
pressupost os nos indivíduos. Nos quest ionários da aut o-regulação 14 encont ra-se uma série de pergunt as
avaliat ivas desenvolvidas especif icament e para a t eoria, cada um abordando um t ema ou at ividade.
Exist em modelos para avaliar a mot ivação em at ividades escolares, relações sociais, t rat ament os
clínicos, aprendizagem, at ividade f ísica, religiosidade e amizade. Como pode-se observar, não exist e um
quest ionário específ ico para música.
Est e pode ser um excel ent e campo para a pesquisa em música. A mot ivação é um grande campo da
psicologia possui várias t eorias e pesquisas que est ão em andament o. A psicol ogia da música pode se
benef iciar dest as t eorias e const ruir novas áreas do conheciment o.
Por t rabal har simul t aneament e com a mot ivação ext rínseca e int rínseca, a Teoria da Aut odet erminação
pode proporcionar uma abordagem mais compl et a da mot ivação em música. O grande número de art igos
e pesquisas desenvol vidos pel o Depart ament o de Psicol ogia da Universidade de Rochest er, chef iado por
Deci e Ryan, cert ament e j á cont ribuiu para um maior ent endiment o do comport ament o humano e para
uma mel hor saúde psicol ógica da popul ação cont emporânea. Acredit o que est á na hora de t razer est es
benef ícios para a área da música.

Referências
DECI, E. L. , & RYAN, R. M. (2000). The "what " and "why" of goal pursuit s: Human needs and t he self -det erminat ion of
behavior. Psychol ogical Inquiry, 11, 227-268.

FERNANDES, H. Miguel; VASCONCELOS-RAPOSO, José. Cont inuum de aut odet erminação, validade para a sua aplicação
no cont ext o desport ivo. Est ud. psicol . (Nat al ) , Sept . / Dec. 2005, vol. 10, no. 3, p. 385-395.

GUMARÃES, Sueli E. F. Mot ivação Int rínseca, Ext rínseca e o uso de recompensas em sal a de aul a. In: BORUCHOVITCH,
E; BZUNECK, J. A. (orgs) A Mot ivação do Al uno. Pet rópolis: Vozes, 2001

MCPHERSON, G. E. ; O’ NEILL, S. A. Mot ivat ion. In: MCPHERSON, G. E. ; PARNCUTT, R. The science e psychology of
music perf ormance. New York: Oxf ord, 2002.

RYAN, R. M; DECI, E. L. (2000). Self -det erminat ion t heory and t he f acilit at ion of int rinsic mot ivat ion, social
development , and well-being. American Psychol ogist , 55, 68-78.

RYAN, R. M; DECI, E. L. (2000) Int rinsic and ext rinsic mot ivat ions: Classic def init ions and new direct ions.
Cont emporary Educat ional Psychol ogy, 25 (1). 2000, p. 54 – 67.

14
Disponível em: ht t p: / / www. psych. rochest er. edu/ SDT/ measures/ index. ht ml
MOTIVAÇÃO E PRÁTICA MUSICAL: UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE O ESTUDO COTIDIANO DO PIANO

POR CRIANÇAS

Agnes El i ane Lei mann Il l escas (EMBAP)

RESUMO: Est a pesquisa t em como obj et ivo principal a invest igação dos processos mot ivacionais
int rínsecos e ext rínsecos que nort eiam a aprendizagem pianíst ica, a part ir da análise das prát icas de
est udo diário do inst rument o vivenciadas pelos alunos de piano dent ro e f ora da sala de aula. A principal
j ust if icat iva est á, basicament e, na idéia de que o aprof undament o de quest ões que envolvem a
perf ormance no piano e mot ivação para o est udo podem cont ribuir para o reconheciment o de processos
signif icat ivos de ensino, além de processos para o conheciment o vinculados à realização da prát ica
musical. Diant e disso, após a análise dos dados da invest igação f eit a com seis alunos, divididos em dois
grupos, pode-se apresent ar como result ados a conf irmação de que a mot ivação para o est udo do piano é
part e f undament al do aprendizado e que se conf igura por meio de f at ores diversos como o int eresse no
programa a ser execut ado, os procediment os da condução docent e, a part icipação dos pais/ responsáveis
no acompanhament o e incent ivo ao est udo, o ambient e de est udo, a aut o-est ima e o gerenciament o das
met as.
PALAVRAS-CHAVE: Mot ivação. Est udo do piano. Aprendizagem pianíst ica.
ABSTRACT: The main obj ect ive of t his research is t he invest igat ion of int rinsic and ext rinsic mot ivat ional
processes which guide t he piano process learning, st art ing f rom t he analysis of t he daily st udy pract ices
of t he inst rument experienced by piano st udent s inside and out side t he classroom. The chosen
met hodology f or t he development of t his research was t he mult iple case st udy, in which int erviews
were conduct ed wit h six st udent s, divided int o t wo groups, and t heir t eachers, in addit ion t o parent s or
guardians. Dat a was collect ed in order t o gat her as much inf ormat ion as possible about home and school
st udying habit s and cont ext s. Basically, t he main reason is t he idea t hat deepening t he knowledge in
issues involving piano perf ormance and st udying mot ivat ion can cont ribut e f or t he recognit ion of
signif icant educat ional processes, as well as processes linked t o t he achievement of musical pract ices.
Theref ore, af t er analysing research dat a, result s show t he conf irmat ion t hat mot ivat ion f or piano
st udying is a f undament al part of t he learning process and it is set t hrough various f act ors such as t he
int erest in t he syllabus being carried out , t he procedures of t he t eacher, t he part icipat ion of parent s /
guardians in monit oring and encouraging t he st udies, t he environment of st udy, self -est eem and goals’
management . As general rule, dat a point ed t o t he conclusion t hat int rinsic mot ivat ion is t he key f act or
t o persist ence in musical pract ice by part icipant s, while t he processes of ext rinsic mot ivat ion were not
signif icant in t he st udied cont ext .
KEYWORDS: Mot ivat ion. Piano’ s st udy. Pianist learning.

Est a pesquisa est á cent rada na verif icação de processos de mot ivação para a aprendizagem pianíst ica
com alunos no ensino do piano, em dif erent es cont ext os como sala de aula e em seu est udo diário em
sua casa.
O obj et ivo para est a pesquisa f oi invest igar os processos mot ivacionais envolvidos na aprendizagem do
piano, vivenciados pelos alunos em classe de aula e no est udo f ora dela. Como obj et ivos específ icos,
buscou-se: verif icar possíveis est rat égias do prof essor para incent ivar a aprendizagem do aluno e
analisar aspect os da mot ivação int rínseca e ext rínseca, a part ir do relat o dos est udant es, prof essores e
pais part icipant es.
A j ust if icat iva para est e est udo f oi embasada na idéia de que o aprof undament o de quest ões que
envolvem a per f or mance no piano e mot ivação para o est udo, pode cont ribuir para o reconheciment o de
processos signif icat ivos de ensino aprendizagem, bem como processos cognit ivos vinculados à realização
da prát ica musical.

1. revisão da lit erat ura


Est e est udo t em como base t eórica ref lexões que t ransit am ent re dois eixos específ icos: mot ivação e
per f or mance. A part ir da visão de alguns aut ores é possível discut ir a mot ivação para a prát ica de
est udo do inst rument o como meio de ot imização da per f or mance.
simpósio de pesquisa em música 2008 139
1. 1 Motivação para aprendizagem
Segundo Bzuneck (2001, p. 9), o t ermo “ mot ivação vem do verbo lat ino movere cuj o t empo supino
mot um e o subst ant ivo mot ivum, do lat im t ardio, deram origem ao nosso t ermo semant icament e
aproximado, que é mot ivo. Assim, genericament e, a mot ivação, ou o mot ivo, é aquilo que move uma
pessoa, ou que a põe em ação ou a f az mudar o curso” .
Segue t ambém a def inição de Woolf olk (2000, p. 326), “ mot ivação é geralment e def inida como um
est ado int erior que est imula, direciona e mant ém o comport ament o” . Ela coment a que: “ uma quest ão
básica da mot ivação é: de onde ela vem, de dent ro ou de f ora do indivíduo?” (ibid. ). O est udant e
mot ivado pode chegar a result ados surpreendent es, mais do que poderia ser previst o. Já o est udant e
desmot ivado apresent ará um result ado abaixo do esperado.
A mot ivação não é mais vist a como um conj unt o de pesquisas de processos psicológicos, mas sim, como
part e int egral do aprendizado que aj uda os est udant es a adquirir um nível de comport ament o que lhes
t rará melhor oport unidade de at ingir t odo seu pot encial.
Quando o est udant e desenvolve o desej o de est udar um inst rument o musical ele passa a valorizar seu
aprendizado, t ant o no seu nível de persist ência, quant o na int ensidade que “ demonst ra” na busca por
alcançar seus obj et ivos com a música.

Motivadores intrínsecos e extrínsecos


A mot ivação int rínseca segundo Guimarães (2001), é algo que vem de dent ro do indivíduo, e uma
mudança só acont ece pelo “ querer” . Pint rich e Schunk (apud GUIMARÃES 2001), explicam que exist em
quat ro origens da mot ivação int rínseca que devem ser observadas no planej ament o das at ividades
escolares, são elas: desaf io, curiosidade, cont role, f ant asia. Assim, est udant es mot ivados
int rinsecament e são movidos para iniciar uma t aref a porque gost am, por ser int eressant e, ou ainda pela
própria curiosidade que o est udant e t em em at ingir det erminado result ado.
A mot ivação ext rínseca é def inida por Guimarães como a mot ivação para t rabalhar em respost a a algo
ext erno à t aref a ou at ividade, como para obt enção de recompensas mat eriais ou sociais, de
reconheciment o, obj et ivando at ender aos comandos ou pressões de out ras pessoas ou para demonst rar
compet ências ou habilidades.

Alguns problemas de motivação e estratégias motivacionais


De acordo com Bzuneck (2001), a f alt a da mot ivação represent a queda de empenho individual de
qualidade em t aref as de aprendizagem. Quando os alunos est udam pouco, seu o aprendizado se t orna
insat isf at ório, gerando um f ut uro incert o e com poucas conquist as. Nest e sent ido, Guimarães (2001)
dest aca algumas caract eríst icas de sit uação escolar, ao qual o prof essor pode t omar algumas decisões,
para dar uma nova direção usando est rat égias e inf luências que det erminam a mot ivação do aluno. Est es
aspect os são: t aref as, aut oridade, reconheciment o e valorização, agrupament o, avaliação, t empo e o
envolviment o de t oda a escola.

1. 2 Motivação e performance
Segundo Kaplan (1997), aut o-est ima e aut oconf iança precisam est ar bem present es na vida do
est udant e, desde os primeiros cont at os com a música. Est e j á é um grande passo e, cabe ao prof essor
est imular est a capacidade, para que o est udant e desenvolva a habilidade de uma boa perf ormance
musical.
Alguns pesquisadores t êm dedicado est udos sobre perf ormance e mot ivação. Ent re eles dest aca-se aqui
O’ Neill & McPherson (2002), que em seus est udos sobre mot ivação, procuraram revisar algumas
perspect ivas vigent es no campo do ensino musical, como a t eoria da expect at iva; t eoria da aut o-
ef icácia; t eoria do f luxo; t eoria das at ribuições e t eoria do domínio mot ivacional.
Tsit saros (1996), por sua vez sugere ao prof essor a individualização dos alunos, ent endendo que cada um
é um ser único que precisa de um planej ament o individualizado, t ornando-se mais t olerant e e propenso
a mudanças conf orme a necessidade.

2. metodologia e apresentações dos casos


O delineament o met odológico escolhido para est a pesquisa f oi o est udo mult icasos. Foram def inidos 6
casos, nos quais o f oco f oi a prát ica musical (est udo em sala de aula e est udo diário) de alunos de piano
do curso de Formação Musical I da Escola de Música e Belas Art es do Paraná (EMBAP). Os part icipant es
f oram divididos em dois grupos: Três alunos com desempenho escolar com média ent re 9, 0 e 10, 0 (grupo
A) e t rês alunos com desempenho com médias ent re 6, 0 e 7, 5 (grupo B).
140 SIMPEMUS 5
Ut ilizou-se a ent revist a semi-est rut urada, como inst rument o de colet a de dados e f orma ent revist ados
os prof essores e pais dos respect ivos alunos e os próprios alunos.
Com os docent es f oram abordadas quest ões que os levavam a ref let ir sobre seu processo de ensino com
os alunos e esclarecer t ais processos. Já nas ent revist as com os responsáveis, procurou-se levant ar
dados sobre os procediment os de est udo nos dif erent es ambient es.
Com os est udant es part icipant es, levant ou-se dados acerca de suas impressões sobre sua prát ica de
est udo e t ambém subsídios para verif icar element os de sua mot ivação int rínseca.
As ent revist as f oram realizadas part indo de quest ões básicas, com apoio em t eorias que deram suport e
ao obj et ivo principal da pesquisa, ou sej a, invest igar quais os element os que levam à mot ivação e a
prát ica musical dos alunos no que diz respeit o ao est udo do piano.

3. caracterização dos casos do grupo a


O est udo mult icasos consist iu no enf oque dos processos mot ivacionais envolvidos no est udo do piano, de
cada aluno part icipant e. Tais processos f oram revelados a part ir do cruzament o das ent revist as em cada
caso: aluno, prof essor e o responsável.
Caso 1: Aluno de nível iniciant e com 9 anos de idade, cursava o 3º ano. Teve um excelent e
desempenho, conceit o 9, 75 na prova. Possuía piano em casa, est udava em média 50 minut os por dia,
com um nível de concent ração muit o bom. Sent ia-se bem t ocando em público. Gost aria de ser pianist a e
t ocar t ambém out ros inst rument os musicais.
Caso 2 : aluna de nível int ermediário, com 12 anos de idade, cursava o 7º ano, possuía piano em casa.
Teve excelent e desempenho, conceit o 9, 5 na prova. Est udava em média de uma hora a uma hora e meia
por dia, com um nível bom de concent ração. Vencedora de vários concursos int ernos da escola, e
gost ava de t ocar em público.
Caso 3 : aluna de nível iniciant e, com 8 anos de idade, cursava o 2º ano e possuía soment e t eclado. Seu
desempenho, conceit o 10, 0 na prova. Gost ava muit o de est udar piano, est udava em média t rint a
minut os diariament e. Era uma aluna muit o det erminada quant o aos seus planos com relação à música.

4. caracterização dos casos do grupo b


Caso 4 : aluno de nível int ermediário, com 12 anos de idade, cursava o 6º ano e possuía piano em casa.
Seu desempenho conceit o 7, 5. Est udava no máximo 30 minut os por dia e não gost ava de t ocar em
público, pois f icava nervoso. Seu obj et ivo era apenas obt er o cert if icado.
Caso 5 : aluna de nível int ermediário, com 14 anos de idade. Era aluna repet ent e do 7º ano e possuía
piano em casa. Seu conceit o f oi 7, 0 na prova. Est udava sozinha em casa e se dist raía com f acilidade.
Revelou que muit as vezes não sent ia vont ade de est udar piano. Seu obj et ivo era apenas concluir o curso
para obt er o cert if icado.
Caso 6 : aluna de nível iniciant e, t em 8 anos de idade e cursava o 2º ano. Não t inha piano em casa. Seu
conceit o f oi 7, 0 na prova. Est udava soment e no dia da aula de ref orço e declarou que não gost ava de
t ocar piano.

5. transversalização dos casos


Após o relat o individual de cada caso, buscou-se uma sint et ização dos dados encont rados de acordo com
as caract eríst icas comuns de cada grupo.

5. 1. Processos motivacionais do Grupo A

5. 1. 1 Ambiente de estudo e apoio da família


Nos t rês casos observou-se que o ambient e de est udo em casa era t ranqüilo e sem int errupções ext ernas
e quant o ao apoio f amiliar observou-se clarament e que esse grupo t inha um incent ivo posit ivo com
relação ao aprendizado do piano.

5. 1. 2 Motivação para aprendizagem


Nos t rês casos, percebeu-se essa mot ivação, j á que t odos apresent aram grande int eresse para aprender
a t ocar piano. Todos sent iam-se desaf iados para conseguir t ocar o repert ório além do programa mínimo
exigido pela escola, demonst rando grande sat isf ação quando os desaf ios eram vencidos.
Já a mot ivação ext rínseca, diz respeit o à mot ivação ext erna, é o incent ivo que os alunos recebem de
out ras pessoas para que o est udo t enha um rendiment o f avorável. Nesse grupo, a mot ivação ext rínseca
simpósio de pesquisa em música 2008 141
não f oi observada como um f at or relevant e, em nenhum dos casos, j á que est es alunos não precisavam
de nenhum incent ivo ou cobrança ext erna para at ingirem suas met as no piano, bast ando a mot ivação
int rínseca para que o desempenho f osse sat isf at ório.
Nest e grupo observou-se, t ambém, que exist ia uma excelent e relação ent re prof essores e alunos. A
empolgação e o ânimo do prof essor são muit o import ant es, pois f azem com que o aluno t enha um bom
rendiment o. Para t ant o é import ant e que ele se sint a mot ivado t ant o pelo prof essor, quant o pelos pais.
É essencial que t al mot ivação não se conf unda com aut orit arismo, nem mesmo com cobrança inf undada,
mas deve est ar respaldada em palavras e at it udes de incent ivo para que est e t enha sat isf ação pessoal.

5. 1. 3 Quanto ao repertório
Os alunos dest e grupo não demonst raram nenhuma resist ência no repert ório escolhido pelo prof essor.
Por óbvio, algumas peças eram mais prazerosas e t endiam a capt ar mais at enção dos alunos. A t écnica,
por sua vez, f icava em segundo plano, j á que exigia mais disciplina e persist ência por part e dest es.
As peças com melodias mais agradáveis eram mais f áceis de prender suas at enções, principalment e na
f aixa et ária dest e grupo. Todos ent endiam a import ância da t écnica para o aperf eiçoament o no est udo
do piano.

5. 1. 4 Hábito de estudo e interesse


Todos demonst raram t er uma disciplina quant o ao horário e t empo diário para o aprendizado do piano.
Os alunos não precisavam ser lembrados para o est udo, uma caract eríst ica perf eit ament e ent endida
quando t emos a mot ivação int rínseca como element o marcant e.

5. 2 Processos motivacionais do Grupo B

5. 2. 1 Ambiente de estudo e apoio familiar


Não havia, nos t rês casos, disciplina para o est udo diário e, nos dois casos em que o piano est ava
disponível para o est udo, o inst rument o não est ava em local adequado e havia muit as int erf erências
ext ernas.
Esse é um dos f at ores principais que levam o aluno à f alt a de concent ração, j á que out ros obj et os
acabam f icando mais at raent es do que o piano, principalment e diant e de um aluno que j á não possui
uma mot ivação int rínseca.
Por out ro lado, o aluno que não possui piano em sua casa, para desenvolver o hábit o do est udo diário,
precisa deslocar-se para est udar o inst rument o e acaba f icando ainda mais desmot ivado, pois o
obst áculo acaba t omando proporções capazes de af et ar a qualidade e o desempenho dest e.
Sobre o apoio f amiliar, f oi ident if icado de f orma dif erent e em cada caso est udado nesse grupo, j á que
encont ramos sit uações dif erent es no que diz respeit o à mot ivação ext erna. Pais que deposit avam
expect at ivas exageradas no f ilho, pais cuj o envolviment o era mínimo, e por f im pais que incent ivavam e
apoiavam, mas que não acompanhavam diret ament e o f ilho para o est udo do piano.

5. 2. 2 Motivação para aprendizagem


Uma das caract eríst icas em comum nest e grupo, dizia respeit o à mot ivação ext rínseca ident if icada nos 3
alunos. A mot ivação encont rada era apenas desenvolvida at ravés de um mét odo de imposição f amiliar.
Nenhum deles parecia est udar piano com prazer, mas por det erminação da f amília, cont ribuindo para
que o desenvolviment o musical f icasse prej udicado, j á que não se observava nenhum element o que
demonst rasse a realização pessoal dos alunos, pois suas vont ades não eram respeit adas, no que diz
respeit o aos seus gost os musicais.

5. 2. 3 Motivação e repertório
É nat ural, para os alunos que não sent em mot ivação para o est udo da música, que o repert ório sej a um
dos obst áculos mais f reqüent es para o desenvolviment o, caract eríst ica est a encont rada em t odos os
alunos dest e grupo.
E é nesses casos que o papel do prof essor é f undament al para mot ivar o aluno no que diz respeit o ao
gost o pela música, pelas peças a serem est udadas, pelo desaf io que podem t razer para o aluno, f azendo
com que sej am est imulados de f orma a gerar em algum indício de mot ivação int rínseca.

5. 2. 4 Hábito de estudo e interesse


142 SIMPEMUS 5
Em t odos os casos est udados nest e grupo, const at ou-se a não habit ualidade no est udo diário do piano e
a f alt a de t al prát ica, sendo est a f alt a de sist emat ização uma das causas observadas que possivelment e
levavam a desmot ivação.

5. 3 Elementos convergentes e divergentes dos grupos A e B


Pode-se dest acar que a principal caract eríst ica de um aluno com bom desenvolviment o musical, é a
mot ivação int rínseca para o est udo. O aluno precisa sent ir-se mot ivado, gost ar de aprender a t ocar o
inst rument o para ganhar conf iança e realizar as t aref as com sucesso, por meio dos est abeleciment os de
met as e da sist emat ização do est udo.
Para um bom desenvolviment o o aluno precisa, segundo Csikszent mihalyi (1999), t er as met as
clarament e est abelecidas, sendo est e um dos principais pont os em que f oram encont rados element os
divergent es ent re os grupos.
Nos t rês casos do grupo A, observou-se que as met as dos alunos eram muit o bem def inidas e
correspondiam t ambém às suas próprias expect at ivas, j á que havia mot ivação int rínseca, ou sej a, t odos
t inham os obj et ivos individuais bem def inidos e procuravam f azer o melhor.
Já para o grupo B, as met as ou não eram bem def inidas ou não est avam de acordo com as suas próprias
vont ades, uma vez que est as se conf undiam com as realizações dos pais. Pôde-se observar que
est udavam piano para realizar os desej os dos pais, dos prof essores e não para sat isf azer seus próprios
obj et ivos, o que acabava gerando um conf lit o na prát ica do piano.
Nos dois grupos, observou-se que um dos element os convergent es est ava no est udo da t écnica, havendo
uma cert a resist ência.
Todavia, a dif erença est ava na f orma como est e est udo, que era absolut ament e necessária no
aprendizado, era vist o pelos grupos. Enquant o para o grupo A, era vist o como um desaf io, para o grupo
B, o est udo da t écnica era t ido como um obst ácul o. O que f azia com que o grau de resist ência dest e
grupo f osse mais elevado.
Via-se t ambém, uma dif erença quant o às pref erências musicais ent re os dois grupos. Enquant o o grupo A
sent iam-se est imulados a t ocar o repert ório com músicas do programa da escola, o grupo B demonst rava
int eresse em out ros repert órios, o que enf at izava a desmot ivação do grupo B em est udar as músicas que
são o f oco principal do programa of erecido pela escola.
Out ra caract eríst ica divergent e ent re os grupos era a post ura dos prof essores com relação aos seus
alunos. O papel do prof essor é j ust ament e perceber quais as expect at ivas do aluno e t rabalhar com
elas, para que desenvolvam o programa com o máximo rendiment o possível.
Para o prof essor desenvolver um t rabalho sat isf at ório com o aluno, é import ant e ident if icar seus
obj et ivos, det erminar o nível em que se encont ra e conhecê-lo em t odos os aspect os, desde idade,
personalidade, experiência cult ural, hist órico f amiliar e quais obj et ivos que pret ende at ingir com o
est udo do piano.

6. conclusão
Csikszent mihalyi (1999) observa excelent es result ados quando há equilíbrio ent re a capacidade do aluno
para agir e as oport unidades disponíveis para desenvolver est as ações. É necessário haver uma cert a
proporção ent re o est ímulo do prof essor e o envolviment o do aluno com o compromet iment o em
cumprir os desaf ios t raçados, f azendo com que est es t ransf ormem-se em result ados posit ivos.
Ao prof essor cabe perceber a dose de desaf io que cada aluno est á preparado para enf rent ar, pois se são
alt os demais, o aluno pode f rust rar-se por não conseguir at ingir as met as est abelecidas, t ornando-se
ansioso e preocupado por não conseguir o result ado propost o. Ao cont rário, se os desaf ios são baixos
demais em relação às habilidades do aluno, possivelment e ele f icará desleixado e em seguida
ent ediado.
Assim, de acordo com McPherson (2002), pode-se concluir que cada aluno t em cert as limit ações e
ut iliza-se de recursos pessoais dif erenciados para at ingir seus desaf ios, a part ir de dif erent es t ipos de
recursos que cada um dispõe como: t empo, energia, conheciment o ou habilidade.
Cabe ao prof essor ident if icar e individualizar o aprendizado, invest indo devidament e em det erminada
at ividade para at ingir um result ado posit ivo, mant endo dessa f orma, os f at ores mot ivacionais de cada
aluno, uma vez que ele t enha claro em sua ment e as met as que deve at ingir, o est udo t orna-se
desaf iador e recompensador.
Out ro grande passo para a aprendizagem dos alunos é desenvolver a sua aut o-est ima e aut oconf iança
desde os primeiros cont at os com a música, cabe ao prof essor desenvolver est as capacidades para que o
aluno amplie suas habilidades musicais e permaneça mot ivado.
simpósio de pesquisa em música 2008 143
O papel do prof essor vai muit o al ém de preparar o programa para uma banca de prova, mas consist e em
aval iar e considerar o desempenho individual de cada al uno, ident if icando a necessidade de cada um
dent ro do nível de capacidade e conheciment o de modo a t ornar o est udo mais específ ico e
est imul ant e.
Out ros f at ores t ambém cont ribuem para o desenvol viment o da mot ivação, como: um bom inst rument o,
a organização e qual idade do mat erial , al ém de um l ocal apropriado para o est udo sem int errupções. A
discipl ina para o est udo diário, t ambém depende do incent ivo dos pais est abelecendo rot inas diárias de
est udo.
Segundo Sol é (1996), para que o aprendizado se t orne compl et o, é import ant e a int egração de 3
agent es, quais sej am: a mot ivação do próprio prof essor em t rabal har com seu al uno, a escol ha de um
repert ório de acordo com o seu perf il e os desaf ios apropriados para cada al uno.
Diant e disso, a mot ivação é part e int egral do aprendizado e que cont ribui para que o al uno adquira um
nível de comport ament o capaz de mel horar sua per f or mance, desenvol vido at ravés da mot ivação, o
desej o de est udar um inst rument o musical passando a val orizar cada obj et ivo al cançado.
De acordo com Tsit saros (1996), import ant e dest acar, que o uso do el ogio e a apreciação desf avorável ,
crít ica do prof essor em sala de aula, nem sempre são at it udes f avoráveis ou que f azem bem ao al uno
para mot ivá-l o. Por isso, el e deve t omar cuidado ao ut ilizar elogios e crít icas como f ormas de
mot ivação.
O prof essor deve inspirar conf iança e segurança, f azendo com que el e acredit e que pode const ruir novas
habil idades baseadas naquel as que acabou de aprender, não import ando quão l onge o resul t ado est ej a
do que pode ser considerado como “ ideal ” .
Import ant e dest acar que sempre exist e uma f orma de enf at izar o l ado posit ivo na per f or mance do
aluno, f azendo observações específ icas, pois assim o prof essor est ará dando validade aos result ados do
al uno, mesmo quando em det erminada aul a est á cl aro que o al uno não est udou o suf icient e, f azendo
com que dessa f orma não se sint a inf eriorizado.
Nesse sent ido, Tsit saros (1996) expl ica que não há nada mais desencoraj ador para os al unos do que um
“ prof essor inf lexível e rígido sent ado ao lado deles com l ápis na mão pront o para repet ir as mesmas
coisas novament e” .
Pl anej ar cada aul a, conf orme a necessidade específ ica de cada um, deve ser um desaf io est imul ant e
para f azer com que est es t ornem-se ou mant enham-se mot ivados, pois é import ant e rel acionar que o
desej o de prat icar o piano é uma cont inuação nat ural do que é apresent ado durant e as aul as.
O suport e dado pel os pais no est udo diário impul siona a per f or mance do al uno, j á que, ao reconhecer o
esf orço do f il ho, bem como incent ivá-l o no est udo diário, independent e da idade e do nível em que se
encont ra, é f undament al para at ingir os obj et ivos pret endidos.
Pode-se concl uir que, com base no est udo dos casos concret os e com f undament o na l it erat ura
est udada, para se obt er um bom resul t ado com rel ação à mot ivação para o est udo do piano, é
indiscut ível a necessidade do incent ivo e cuidado dos prof essores e dos pais, como col aboradores
assíduos, além da import ância de se def inir met as e est rat égias individuais para o est udo de cada aluno.

Referências
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WOOLFOLK, A. E. Psi col ogi a da Educação. Port o Alegre: Art es Médicas, 2000.
APRECIAÇÃO, FAMILIARIDADE E GOSTO: INCLUSÃO DA MÚSICA CONTEMPORÂNEA NO ENSINO DE

FLAUTA TRANSVERSAL PARA CRIANÇAS INICIANTES — RESULTADOS PARCIAIS DE PESQUISA

Val ent i na Dal degan (UFPR)

RESUMO: Part e de minha pesquisa de mest rado, “ Técnicas est endidas no ensino de f laut a t ransversal
para crianças iniciant es” é um est udo de campo em que t rabalhei, com alunos iniciant es, de oit o a t reze
anos, possibilidades de uso de novas sonoridades no inst rument o e música cont emporânea,
paralelament e ao repert ório t radicional. A f im de desenvolver f amiliaridade com o gênero, os alunos
f oram incent ivados a escut ar, em casa, CDs de música cont emporânea para f laut a que envolvessem
novas sonoridades. Result ados indicam que reações mais posit ivas são obt idas com crianças mais novas
(at é dez anos) quant o à abert ura a repert ório não-t radicional.
PALAVRAS-CHAVE: Música cont emporânea para crianças; t écnicas est endidas na f laut a t ransversal;
f amiliaridade e gost o.
ABSTRACT: Part of my MM research proj ect , “ Ext ended t echniques in t he f lut e pedagogy of young
beginners” was a f ield research, wit h young beginners aged eight t o t hirt een, in which I worked
possibilit ies of using new sonorit ies of t he f lut e and cont emporary music along wit h t he t radit ional
repert oire. In order t o develop t heir f amiliarit y wit h t he genre, t he st udent s were mot ivat ed t o list en t o
CDs of f lut e cont emporary music wit h new sonorit ies, at home. Result s indicat e t hat more posit ive
react ions are obt ained wit h younger children (up t o t en years old) regarding openness t o non-t radit ional
repert oire.
KEYWORDS: Cont emporary music f or children; ext ended t echniques f or f lut e; f amiliarit y and t ast e.

“ Há a polêmica da sala de concert os lot ada para a apresent ação da nona de Beet hoven, que
t odo mundo gost a, ou a pouca plat éia que assist e com um sorriso conf lit uoso à est réia da obra
cont emporânea que rompe com a idéia de not a musical. ” (Galvão, 2006, p. 169)

Int rodução
No início do aprendizado da f laut a t ransversal os alunos produzem sons que não f azem part e da
sonoridade t radicional do inst rument o. Alunos adiant ados t êm maior dif iculdade em começar a produzir
sons “ est endidos” do que os iniciant es, que geralment e conseguem f azê-lo brincando, lit eralment e.
Port ant o o incent ivo e o t rabalho com est as t écnicas, desde o princípio, inclusive com crianças, pode ser
de grande valia para o seu desenvolviment o. Por out ro lado, a princípio, as crianças são geralment e
abert as a músicas que envolvam sonoridades dif erent es e acham divert ido explorar novas possibilidades
sonoras. Se essas possibilidades são pouco — ou de f at o não são — vivenciadas, seu universo se f echa e,
mais t arde, com maior domínio do inst rument o, em geral soment e o repert ório t radicional é o que as
at rai. Porém, um dos problemas no sent ido da exploração do repert ório cont emporâneo é que est e é em
geral muit o dif ícil t ecnicament e, o que impede a sua ut ilização com iniciant es.
O obj et ivo dest e t rabalho é divulgar result ados parciais de minha pesquisa de mest rado. Meu proj et o de
pesquisa é, em part e, um est udo de campo em que t rabalhei, com quat ro de meus alunos de f laut a
t ransversal — iniciant es, de oit o a t reze anos de idade — durant e quat ro meses, possibilidades de uso de
novas sonoridades no inst rument o e música cont emporânea. Minha int enção é dar um passo na direção
de quebrar o círculo vicioso “ não conheço, não t oco, não gost o” com relação à música nova, que af et a
inclusive inst rument ist as prof issionais. A f im de desenvolver f amiliaridade com o gênero, os alunos
f oram incent ivados a escut ar, em casa, CDs com gravações de música cont emporânea para f laut a que
envolvessem novas sonoridades. Ant es dest e período de quat ro meses, f oi realizado um pré-t est e para
avaliar a f amiliaridade e o gost o por est e t ipo de repert ório. Est e art igo versa especif icament e est a
part e do proj et o. Um aspect o import ant e a ressalt ar, porém, é que o proj et o não t rat a apenas da
f amiliarização das crianças com a música cont emporânea pela escut a passiva, mas a vivência se dará
t ambém pel a prát ica no inst rument o, com um repert ório desenvolvido especialment e para iniciant es.
Durant e suas aulas semanais, paralelament e ao repert ório t radicional, o aluno t rabalha t ambém com
t écnicas est endidas — que são maneiras não-convencionais de t ocar o inst rument o —, envolvendo a
produção de novas sonoridades at ravés de pequenos est udos musicais e da prát ica de repert ório
cont emporâneo, com peças didát icas compost as por vários colegas especialment e para est e proj et o,
pois a alegria maior das crianças é mesmo t ocar. Como at est am Howe & Sl oboda (1991, p. 48) numa
pesquisa sobre inf luências signif icat ivas em j ovens músicos: “ o prazer de uma criança na audição de
música é, t alvez surpreendent ement e, muit o limit ado, at é que ela t enha aprendido um inst rument o por
simpósio de pesquisa em música 2008 145
vários anos. Mesmo ent re aqueles j ovens músicos muit o compet ent es … de modo algum eram t odos
ent usiast as por escut ar música. ”

Fundamentação teórica
A grande maioria dos art igos envolvendo música cont emporânea e gost o dat a do f inal da década de
sessent a. De maneira geral, os art igos pesquisados apont am para a f amiliaridade como f at or muit o
import ant e no desenvolviment o do gost o.
Exist em vários est udos relacionando o envolviment o dos pais e f amília com apt idão e desenvolviment o
de habilidades musicais de crianças. Zdzinski, em “ Relat ionships among Parent al Involvement , Music
Apt it ude, and Musical Achievement of Inst rument al Music St udent s” (Zdzinski, 1992) cit a diversos. Na
abordagem do Mét odo Suzuki, que t oma a aquisição da língua mat erna como base para qualquer
aprendizado — e que de cert o modo me serve como f undament ação didát ica no ensino de inst rument o —
o envolviment o dos pais t em papel preponderant e. Acredit ando que o meio é f at or f undament al na
f ormação do indivíduo, Suzuki af irma que a música que se ouve no ambient e f amiliar é det erminant e no
desenvolviment o musical da criança, pois assim ocorre a sua f amiliarização com a música (Suzuki, 1982,
passim). Não f oi encont rada, porém, bibliograf ia relacionando especif icament e o envolviment o dos pais
e desenvolviment o do gost o musical.
Ian Bradley af irma que um dos principais aspect os do ensino de música seria o de desenvolver a
habilidade de apreciação para possibilit ar uma experiência est ét ico-musical mais rica (Bradley, 1971, p.
295). Em “ Repet it ion as a f act or in t he development of music pref erences” , Bradley def ende que t reino
e experiência t êm relação com a f ormação do gost o, pref erência e j ulgament os de valor, assim como o
desenvolviment o de “ at it udes posit ivas” em relação a composições musicais. Result ados de seus est udos
apont am para a import ância da f amiliaridade com a música at ravés da repet ição, e que mesmo sem
inst rução f ormal em apreciação musical, uma rot ina simples de escut a repet it iva colaboraria para a
f ormação de pref erências posit ivas pela música cont emporânea de art e (Bradley, 1971, p. 298). Por
out ro lado, num art igo publicado um ano mais t arde, “ Ef f ect on St udent Musical Pref erences of a
List ening Program in Cont emporary Art Music” , o aut or sugere que um programa envolvendo escut a
analít ica além da repet ição poderia acarret ar mudanças ainda maiores nas pref erências (Bradley, 1971,
p. 352).
Segundo Radocy & Boyle (1979, p. 235), as pref erências podem ser alt eradas, mas os meios e a direção
dest as alt erações não são sempre previsíveis, e a reordenação dest as pref erências seria
“ f ilosof icament e quest ionável” . (Est a sugest ão t ambém f oi-me f eit a por uma das mães, que ao ser
apresent ada à propost a da pesquisa, e ser-lhe dit o que não haveria riscos f ísicos ou psicológicos,
coment ou que a “ mudança de gost o poderia ser considerada um risco psicológico. ” ) Por out ro lado,
at ravés da educação f ormal, seria possível e recomendável a expansão das pref erências, com boas
chances de sucesso. Radocy e Boyle (1979, p. 235) cit am um est udo de Hornyak segundo o qual a
f amiliaridade aument ou as respost as posit ivas de crianças em idade de ensino f undament al com relação
a composições cont emporâneas, mas não f ez dif erença nas respost as de crianças mais velhas.
Evidências de que as crianças mais novas são mais abert as a novos repert órios t ambém são encont radas
em Boal Palheiros et al ii (2006), numa pesquisa que invest igou respost as de crianças brasileiras e
port uguesas à música de art e do século XX. Os result ados most raram t ambém que a música de art e do
século XX não é f amiliar t ant o para crianças port uguesas quant o brasileiras, pois não é t ocada na mídia,
e rarament e é ut ilizada em programas de educação musical nas escolas. Os aut ores arrolam algumas
razões pelas quais a música cont emporânea é considerada “ chocant e” e não é ut ilizada na sala de aula
(Boal Palheiros et al ii, 2006, p. 590): melodias muit o dif íceis de cant ar, que vão além dos limit es da voz
humana; rit mos e compassos irregulares; sons não-convencionais e elet roacúst icos; harmonia não-t onal;
cont rast es ext remos; f reqüent ement e o f eio se t orna valioso; mist uras de gêneros, est ilos e modos de
expressão e ef eit os sonoros especiais. Segundo o t ext o, a combinação de algumas dest as caract eríst icas
“ pert urbam o senso de equilíbrio na apreciação est ét ica” , exigindo do ouvint e mais do que uma escut a
sedut orament e f ácil e passiva ( ibidem).
Já Dalla Bella et al ii (2001, B9) parecem mesmo acredit ar que o repert ório do século XX seria
inapropriado para uso com crianças pequenas, sugerindo inclusive o uso de músicas de f ilmes do Walt
Disney para est e propósit o.
Ent ret ant o, um proj et o de pesquisa com aplicação prát ica diret a na educação musical como o
“ Cont emporary Music Proj ect ” , ent re out ros, demonst ra precisament e o cont rário (Mark, 1996, p. 28-
34). O proj et o, que acont eceu nos Est ados Unidos na década de sessent a, visava int egrar composit ores e
programas de educação musical em escolas públicas e pagava para j ovens art ist as t rabalharem como
composit ores em residência nest as escolas. Est es descobriram que a maioria dos educadores musicais
não t inha preparo para lidar com música cont emporânea, por conseqüência t ampouco seus alunos.
Apesar disso, t ant o alunos quant o prof essores part icipant es most raram-se recept ivos à música nova em
sua experiência com os composit ores em residência; os prof essores observaram que o cresciment o
146 SIMPEMUS 5
musical das crianças e as at it udes com rel ação à música cont emporânea f oram muit o posit ivas. Al gumas
out ras concl usões a part ir do proj et o f oram:
“ – A música cont emporânea é apropriada e int eressant e para crianças de qualquer idade.
Quant o mais cedo f or apresent ada, mais nat ural será seu ent usiasmo. Crianças pequenas
deveriam ser expost as ao som da música cont emporânea ant es de serem capazes de
int elect ualizá-la.

(…)

– Um dos maiores obj et ivos da apresent ação de música do século XX à crianças deveria ser
aj udá-los a aument ar a sua discriminação audit iva, para que se t ornem gradualment e capazes
de ser selet ivos em suas escolhas de música cont emporânea.

– Seleções adicionais cont emporâneas, que sej am curt as em duração e simples em est rut ura,
precisam ser localizadas ou compost as, de modo que possam ser incorporadas em um
programa maior de educação musical. ”

Método
Part icipam do est udo quat ro crianças de oit o a t reze anos, al unos meus, que haviam iniciado seu
aprendizado de f l aut a t ransversal há menos de dois anos. Ant es do início do est udo, houve uma reunião
com as mães, expl icando o proj et o. El as assinaram um consent iment o para que seus f il hos part icipassem
do est udo. Os nomes aqui apresent ados são f ict ícios.
• Al i ce, de oit o anos, no inicio do est udo t ocava há vint e e um meses. A mãe, que é l eiga em música
mas envol vida com art e cont emporânea, desde o início do programa most rou-se encant ada pel o
repert ório de “ música com sonoridades dif erent es” . Seu pai é músico prof issional.
• Cecíl i a, de dez anos, no início do est udo t ocava há dezoit o meses. A mãe t oca piano, e os dois irmãos
t ambém t ocam inst rument os. A mãe se diz recept iva “ a t odo t ipo de música” .
• Remo e Rômul o, gêmeos de t reze anos, no início do est udo t ocavam havia seis e dezoit o meses,
respect ivament e. Os pais gost am especial ment e de MPB.
No pré-t est e para aval iar a f amil iaridade e o gost o pel o repert ório cont emporâneo para f l aut a que
envol vesse novas sonoridades no inst rument o, as crianças responderam a um quest ionário que consist ia
na escut a de oit o t rechos de música. Após cada t recho, respondiam a t rês pergunt as, marcando numa
escala de 1 a 5:
• O quant o est a música parece f amiliar para você? (1 – muit o est ranha, 5 – bem comum);
• O quant o você gost a dest a música? (1 – nem um pouco, 5 – adorei); e
• Gost aria de um dia t ocar uma música como est a? (1 – de j eit o nenhum, 5 – com cert eza).
As crianças t ambém eram livres para escr ever al gum coment ário sobre cada t recho.
Os t rechos ouvidos f oram os seguint es:
1. Brian Ferneyhough - Passages - f laut a solo
2. Will Of f ermans - Shor t Ver si on - grupo de f laut as
3. Eric Dolphi - Gazzel l oni - f laut a solo
4. Toru Takemit su - Cape Cod - f laut a e orquest ra de cordas
5. Jean-Claude Risset - Passages - f laut a e elet roacúst ica
6. Robert Dick - Flying Lesson 5 - f laut a solo
7. Will Of f ermans - Et ude 8 - f laut a solo
8. Bruno Maderna - Musi ca su due di mensi one - f laut a e elet roacúst ica
***
Como inst rument o de col et a de dados da audição inf ormal das gravações — cds de música
cont emporânea para f l aut a cedidos em emprést imo — f oi organizada uma agenda individual onde, ent re
out ras coisas, cada al uno marcaria os dias em que as escut asse. Os al unos t ambém f oram incent ivados a
escrever al gum coment ário sobre o que ouviam na semana.
• Rômul o não ouviu nenhuma gravação.
• Remo ouviu apenas dois CDs. Na t erceira semana, escut ou um com composições de Toru Takemit su;
seu coment ário f oi “ na minha opinião o CD é horrível , as músicas são muit o ruins” . Na quart a semana
ouviu um CD, com gravações de concert os de f l aut a e orquest ra, com peças de . . . . , bem mais
simpósio de pesquisa em música 2008 147
t radicional harmonicament e do que o primeiro, e com uso rest rit o de t écnicas est endidas na f laut a. Seu
coment ário: “ Músicas bem el aboradas e mel hores que as do CD ant erior” . Depois não quis mais ouvir.
• Al i ce ouviu t odos os CDs, regul arment e por dez semanas. Coment ou: “ Eu achei que [ The Magi c Fl ut e,
de Wil l Of f ermans] é l indo porque t em muit os novos sons” . “ Est e CD [ com peças de André Jol ivet ] não é
muit o cont emporâneo, mas é l indo. ” “ A mel hor música dest e CD, é a segunda [ Pi ece, de Jacques Ibert ]
— porque é mais cl ássica. ”
• Cecíl i a ouviu os CDs com muit a at enção, e produziu relat órios para cada música. Por exemplo:
[ St abi l e de Jolivet ] “ Demora para começar. Dá para ouvir um sonzinho est ranho e baixinho. É uma
música est ranha! Hey! Est ou conseguindo ouvir al go… Que música est ranha. Não consegui ouvir nada!
Ah! Eu não gost ei dest a música. ” Ou sobre Har di ment , t ambém de Jol ivet : “ Nossa j á começa animada? E
com t ambores? Animada! Várias not as agudas. Parece uma f est a de pássaros! Já est ou gost ando dest a
música! Agora é só a f laut a. O t ambor volt ou! Parece um desf ile! De escola! Acaba de repent e! Gost ei
dessa música! ”

Resultados
Um f at o a ser considerado num t est e de pref erências como est e é que não podemos t er cert eza de que
as crianças, especial ment e as mais j ovens, ent enderam compl et ament e o t est e, por mais simpl es que
pareça ser. Um probl ema apont ado por Radocy & Boyl e (1979, p. 224) é que “ qual quer t ent at iva de
medir pref erências é arriscada por diversos f at ores, incl usive porque as pessoas podem não responder
honest ament e às quest ões sobre suas pref erências” . Ainda assim f oi possível observar alguns pont os:
As peças Cape Cod, para f l aut a e orquest ra de cordas, de Toru Takemit su e Gazzel l oni , para f laut a solo,
de Eric Dolphi, mais convencionais do pont o de vist a da sonoridade e da harmonia, f oram as peças com
avaliações mais alt as. As peças que envolviam sons el et roacúst icos (Figura 1) f oram as que t iveram as
aval iações mais baixas (9/ 4-20 — nove pont os numa escala de quat ro a vint e). Est es result ados são, em
part e, dif erent es dos apont ados por Palheiros et al i i (2006, p. 593), em que, num t est e de apreciação
semelhant e realizado em escolas públicas, as peças convencionais obt iveram as avaliações mais alt as,
porém aquel as com sons el et roacúst icos t ambém obt iveram result ados posit ivos.

(Figura 1 – Gost ar, por gênero)


As duas crianças mais j ovens avaliaram mais alt o (Figura 2) o quant o haviam gost ado das peças (33/ 8-
40, cont ra 21/ 8-40 dos mais vel hos) e demonst raram vont ade maior de t ocar o repert ório (31/ 8-40,
cont ra 23/ 8-40).

(Figura 2 – Gost ar, por idade)


148 SIMPEMUS 5

(Figura 3 — Vont ade de t ocar)


As avaliações apresent adas para “ f amiliaridade” (Figura 4), no geral bast ant e baixas, como era
esperado, pareceram menos signif icat ivas: Al i ce parece t er conf undido f amiliaridade e gost o,
apresent ando valores improvavelment e alt os (14, 7/ 8-40, sem considerar Alice, cont ra 30/ 8-40, para
Alice).

(Figura 4 — Familiaridade)
At é o moment o os result ados provisórios do est udo indicam que reações mais posit ivas são obt idas com
crianças mais novas (at é dez anos) quant o à abert ura a repert ório não t radicional, conf irmando
result ados de est udos ant eriores (Boal Palheiros et al i i , 2006; Hornyak, 1968, apud Radocy & Boyle,
1979, p. 235). Os alunos mais velhos (t reze anos) demonst raram cert o est ranhament o na apreciação de
gravação de obras cont emporâneas para f laut a que envolvessem novas sonoridades e sua disposição para
a prát ica das peças simples compost as para o est udo f oi muit o menor do que a das crianças mais novas.

Discussão
“ Aspect os relat ivos à música cont emporânea são de especial int eresse para inst rument ist as
mais j ovens: as crianças com f reqüência conseguem ident if icar-se mais pront ament e com
quest ões pert inent es à música escrit a recent ement e do que com a música européia dos
séculos XVII e XIX. Aprender como int roduzir a música cont emporânea, suas quest ões t écnicas
e est ét icas, é um dos principais deveres dos prof essores de inst rument o. ” (Olson 2001, p. 2)

Desde a década de sessent a discut e-se a import ância da inclusão da música cont emporânea nas
at ividades musicais das crianças. Bradley (1972, p. 353) coment ava sobre a exist ência de um consenso
ent re educadores musicais de que a f alt a de exploração da música cont emporânea em sala de aula seria
uma def iciência nos currículos escolares. Ele sugere que, se é para t ornar a música cont emporânea
part e int egral da cult ura, seria import ant e que as pessoas f ossem capazes de ent ender a sua nat ureza e
signif icado; na educação musical, at ividades com a vanguarda seriam de valor para t ornar as crianças
conscient es dest a nat ureza.
Na prát ica, em quase meio século, excet o por esf orços pont uais para incluir-se a música cont emporânea
no currículo, como por exemplo o CMP, muit o pouco t em sido f eit o. At ualment e, como apont a Boal
Palheiros et al i i (2006, p. 590 e 593), apesar do desenvolviment o de novas abordagens de ensino, os
prof essores de música ainda são muit o conservadores na escolha do repert ório — mesmo porque sua
f ormação geralment e não vai além dos repert órios dos séculos XVIII e XIX. Ainda hoj e as crianças não
t êm cont at o com música de art e cont emporânea. Os aut ores def endem que a inclusão dest e t ipo de
repert ório em at ividades curriculares é uma necessidade, pois de out ra f orma as crianças são privadas
de um conheciment o ampliado da música (Boal Palheiros et al i i , 2006, p. 594).
No Brasil, onde grande part e das escolas nem mesmo t em música em seus currículos, a discussão sobre a
inclusão de música cont emporânea nos programas parece não t er sent ido. Mas t alvez um plano de se
começar j ust ament e com at ividades de vanguarda e música cont emporânea — seguindo a idéia de Dello
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 149
Joio — e não com repert órios do passado ou, no pior dos casos, apenas t razendo para a sal a-de-aul a a
música simpl ória do dia-a-dia que os al unos j á conhecem pel a mídia, f osse uma al t ernat iva radical e
at raent e para a ampl iação dos horizont es est ét icos das crianças, j unt ament e com os dos prof essores de
música.
Acredit o que o proj et o “ Técnicas est endidas no ensino de f l aut a t ransversal para crianças iniciant es”
venha t razer uma col aboração nest e sent ido — decert o que de modo rest rit o porque af et ará apenas
f l aut ist as — pois, se a f amil iaridade das crianças com o repert ório cont emporâneo é um obj et ivo
específ ico no meu t rabal ho, a ampl iação de seus horizont es est ét icos é seu propósit o f inal . O obj et ivo
geral de minha pesquisa é produzir subsídios para um aprendizado da f l aut a t ransversal que, pel a
incl usão de t écnicas est endidas, possibil it e ao iniciant e no inst rument o a ampl iação de seus horizont es
est ét icos, para a apreciação e prát ica de repert ório cont emporâneo que se ut il ize dest as t écnicas.
Quem sabe ent ão as crianças, que iniciarem seus est udos de inst rument o incl uindo músicas “ que
rompem com a idéia de not a musical ” desde o início, venham a modif icar a cena ret rat ada por Gal vão
na epígraf e dest e art igo, most rando não um sorriso “ conf l it uoso” , mas aquel e de sat isf ação por ouvir
com int eresse crít ico uma est réia de obra cont emporânea.

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VOZ. . . UMA CONCEPÇÃO FENOMENOLÓGICA.

Dani el e de Luca Rosa Fr anco (UFPR)

RESUMO: Nest e t rabal ho f oram invest igadas concepções acerca da expressão vocal de cant ores t endo
como l inha discursiva a f enomenol ogia segundo Merl eau-Pont y. A met odol ogia envol veu um est udo
mult i-caso, volt ado para a prát ica musical e para as impressões de quat ro cant ores sobre expressão,
perf ormance, preparação vocal e sel eção de repert ório. Os ent revist ados deixaram ent rever como a
const rução do espaço/ t empo art íst ico ocorre em sua f ormação, aprendendo a discernir suas f ormas de
expressão pessoais e a proj et ar uma f orma de mundo compl exa e nova que vai promover al t erações em
seu próprio mundo percept ivo e no do f ruidor.
PALAVRAS-CHAVE: Expressividade, t écnica vocal, Teoria da Expressão, Fenomenologia.
ABSTRACT: This research aims t o invest igat e t he concept ions about vocal expression in singers
considering as a l ine base Merl eau-Pont y phenomenol ogical aspect s. The sel ect ed Met hod invol ved a
mul t i-case st udy orient ed t o musical pract ice and t he personal impressions of f our singers about vocal
expressivit y, perf ormance, vocal preparat ion and repert ory sel ect ion. The subj ect s showed how
space/ t ime building occur in t heir lif e and t hey learned how t o discern t heir own personal expression
f orms and t o proj ect a new and compl ex way t o underst and t he worl d and promot e changes in t heir
percept ive world of t hemselves and t heir list eners.
KEYWORDS: Expressivit y, vocal t echnique, Expression Theory, Phenomenol ogy.

Tendo em vist a que a voz é um inst rument o de comunicação e que, com el a o ser humano é capaz de
est abelecer relações, posicionar-se f rent e a cont eúdos e val ores, most rar-se ao mundo, nest e t rabal ho o
int uit o f oi invest igar concepções acerca da expressão vocal de cant ores t endo como l inha discursiva a
f enomenol ogia segundo Merl eau-Pont y. Com esse enf oque pret endeu-se analisar, a part ir dos suj eit os
ent revist ados, concepções de expressividade que nort eiam suas prát icas, as especif icidades dos suj eit os
na ação perf ormát ica; os el ement os envol vidos na preparação vocal e os crit érios para a seleção de
repert ório.
Para que t al int ent o f osse possível, procurou-se f ocar pesquisas de aut ores que t rat am da voz em seus
diversos aspect os, desde o ent endiment o purament e anát omo-f isiol ógico at é o empreendiment o de um
t reinament o vocal que deve ser compreendido a part ir de um suj eit o, com suas dimensões pessoais e
t ambém inserido em seu cont ext o cult ural.
A escol ha de Merl eau-Pont y como o aut or que nort eia a discussão de expressão vocal est á na
import ância de seu t rabal ho para o ent endiment o da Percepção e da Expressão humanas. Essas
dimensões da comunicação se t ornam possíveis a part ir do est abel eciment o de signif icado para
experiências que são a razão e relação de exist ência desse ser que, ao exist ir, é.
Para que sej a possível t raçar essa relação de expressão vocal do pont o de vist a exist encialist a-
f enomenol ógico é preciso conhecer o f enômeno vocal a part ir do que se sist emat izou a respeit o desse
assunt o. “ A voz é a respiração sonora, a vida manif est a em som, a dif erença mais prof unda dos seres. . . ”
(PERRELLÓ, 1982, p. 1) Est a surge quando se pret ende qualif icar um inst ant e vit al, imprimindo
int encionalidades nos diversos cont ext os. Nas espécies em que ocorre, cumpre as mais variadas f unções
como: af ugent ar, at rair, avisar, marcar t errit ório.
Segundo Merl eau-Pont y (1999), no ser humano t ais f unções chegaram a um nível de sof ist icação t ão
grande que propiciaram o est abel eciment o de idiomas. Nesse sent ido, a voz est á t ão int rinsecament e
ligada ao f enômeno vit al que é possível, dela, est abel ecer sinais que del ineiam a qual if icação que se
quer dar ao inst ant e vivido. Port ant o, não só aquilo que se pode depreender do que é dit o, mas t ambém
a f orma como é dit o assume a mesma import ância vit al . Amat o (2006) considera que a ident if icação e
qual if icação vocal de um indivíduo pert encem a uma rot ina cot idiana de sua rede de conf igurações
sociais, de t al maneira que num diál ogo, mesmo ao t elef one, é possível ident if icar caract eríst icas f ísicas
do int erlocut or, assim como suas int enções.
Exist e um conj unt o ext enso de sinais vocais que dimensionam essas int encional idades, sent iment os e
emoções, t ornando-os int el igíveis quando produzidos no int uit o de qualif icar um inst ant e vit al qualquer.
Tais sinais permit em a quem ouve aval iar desde a est at ura de quem f al a, at é segundas int enções
agregadas à decl aração. Behl au e Pont es (1995) consideram que t odos somos capazes de reproduzir
várias vozes, ou sej a, mudar o padrão vocal de acordo com o int erl ocut or e com o cont ext o da
comunicação. Essa capacidade é considerada como um bom sinal de saúde vocal do pont o de vist a
simpósio de pesquisa em música 2008 151
anát omo-f uncional, ao se conseguir diversos aj ust es mot ores, assim como do pont o de vist a
psicoemocional ao se considerar a mensagem vocal que revelará a int enção do discurso.
O cant o, para o ser humano, ocupa um lugar sui generis, pois, de alguma f orma, sinaliza que aquele
moment o de vida se revest e de um grande signif icado. As t écnicas de cant o t radicionais f oram
desenvolvidas por art ist as ou especialist as da voz como uma alt ernat iva para f errament ar aspect os
diversos da mesma em épocas dist int as. No mundo do cant o erudit o, se observa uma t endência a se
f ixar nos repert órios dos séculos XVIII e XIX, em que cada regist ro vocal é subdividido em habilidades
t ímbricas que t ornam os int érpret es especialist as na realização de alguns papéis clássicos que int egram
o repert ório t radicional do cant o, o que não garant e que o cant or habilit e sua voz para ser expressiva.
Novas alt ernat ivas t écnicas são buscadas para solucionar a int erpret ação do repert ório t radicional e
cont emporâneo. Alcançar clareza na int erpret ação se t orna muit o f ecundo, pois dest aca aspect os
relevant es dos cont eúdos. Segundo Salgado e Wing (2007), invest igações recent es na área de
perf ormance musical consideram que uma part e signif icat iva da criat ividade musical do int érpret e est á
relacionada à sua capacidade de expressar e comunicar emoções. Esse aut or considera que o Cant o e
seu est udo, enquant o at ividades criat ivas e de comunicação, requerem um conj unt o de sinais
expressivos que precisam ser ident if icados e conscient izados pelo cant or, a f im de que possam ser
ut ilizados com t oda sua f orça comunicat iva.
Para at ingir t al f orça de comunicação é necessário t ambém expandir as perspect ivas int erpret at ivas,
para que, ao discut ir quest ões individuais, simult aneament e o int érpret e os universalize. Isso porque, de
acordo com os aut ores consult ados sobre a t écnica vocal, é possível que haj a um grande avanço na
compreensão da const rução de expressão vocal considerando as experiências nas mais diversas cult uras
sobre as possibilidades de ut ilização do aparelho f onador na produção de sons. Ainda, é necessário que
se pense em uma exploração conscient e de sinais da int encionalidade na voz humana que, sem dúvida,
ainda pode ser melhorada pela t écnica do bel cant o. Parece ser hoj e melhor compreendido, e at é
passível de ser conf irmado empiricament e, que exist e uma inerent e homologia de organização e de
dinâmica ent re os sons da música, os moviment os e at é a própria dinâmica da vida af et iva e os padrões
de moviment o (SALGADO e WING, 2007).
Merleau-Pont y (1999) responde a essas preocupações com a voz expressiva em seu est udo sobre
percepção e expressão. Nele, o aut or est udou a f ala expressiva a part ir do pressupost o de que ela só
ocorre no moment o da f ala e a part ir da experiência int egral corpórea. Nessa direção encont ram-se
convergências do est udo de Merleau-Pont y com as pesquisas mais recent es que apont am para a voz
expressiva como uma necessidade para o int érpret e.
Segundo Amat o (2006), o requint e audit ivo que o ser humano é capaz de desenvolver é o principal
coadj uvant e ut ilizado no processo de análise de uma voz f alada ou cant ada. Boone (1990), est udioso das
f unções e disf unções da voz, t ambém af irma que o modo como nos sent imos af et ivament e pode ser
ouvido no som da voz, revelando a int imidade ent re a voz e a f unção vocal, conf irmando a idéia de que
at ravés do som produzido pelo suj eit o por seu mecanismo vocal, ele comunica sua maneira de exist ir.
Assim como se aprende uma sonoridade em acordo com o que se sent e, se pensa, se percebe de si
mesmo e do seu ent orno, t ambém se aprende a ident if icar esses mesmos mecanismos nos demais
suj eit os que comunicam suas relações de exist ência at ravés do som que produzem.
Amat o (2006, p. 68) explica: “ A realização de uma leit ura vocal diz respeit o à enumeração dos f at ores
anát omo-f isiológicos, psicoemocionais, educacionais e cult urais que est rut uraram o indivíduo para
aj ust es mot ores e produziram sua ident idade vocal” . Para est a aut ora, a prát ica de uma leit ura sonora
desde o nasciment o, ao reconhecer a voz da f igura mat erna, os sinais de af et o e de segurança, assim
como os sinais sonoros que denunciam o perigo, const it uem um ef icient e mecanismo de def esa e de
alert a para a manut enção da vida.
Assim como a prát ica de leit ura vocal desenvolve a habilidade de reconhecer caract eríst icas e est rut uras
f ísicas, essa mesma prát ica possibilit a a int ercomunicação subj et iva at ravés de sinais sonoros que
explicit am a int encionalidade dos int erlocut ores. Essa prát ica t ambém est á suj eit a aos aj ust es
musculares e à ident idade vocal admit ida por cada suj eit o como sua.
O prof issional da voz enf rent a essa quest ão cot idianament e em seu t rabalho, pois a sua voz não é a sua
proj eção. Isso se explica diant e do desaf io que enf rent a ao const ruir os diversos personagens e na
delimit ação das diversas condições em que se deve at uar. Os personagens, geralment e, não carregam
caract eríst icas semelhant es às do prof issional que o int erpret a; a música deve t razer uma leit ura e uma
int erpret ação que não est ão purament e condicionados à experiência do cant or; o locut or deve t razer os
cont eúdos present es no t ext o comunicando-os independent ement e de suas pref erências pessoais ou
disposições do moment o; enf im, o prof issional da voz se t orna cada vez mais ef icient e se consegue
produzir de f orma proposit al os sinais de emoção e de int encionalidade na sua at uação vocal.
No sent ido de esclarecer esses pont os na prát ica da expressão vocal, opt ou-se por analisar o discurso de
quat ro cant ores acerca de sua própria experiência ao produzir, de f orma proposit al, sinais expressivos
152  SIMPEMUS 5
que ident if iquem suas int enções. At ravés dessa análise, f oi possível ext rair considerações que poderão
ser ut ilizadas no ent endiment o do f enômeno da expressividade vocal.
No t ópico de concepções de expressividade que nort eiam a prát ica dos envolvidos, t eve-se como t ema a
exploração do corpo e a ut ilização de recursos expressivos específ icos para alcançar o obj et ivo comum
dos cant ores, que é sensibilizar o público e conseguir clareza na t ransmissão de cont eúdos escolhidos
como essenciais na peça e na ocasião perf ormát ica.
Sint et izando o discurso dos ent revist ados, pode-se af irmar que eles concebem a expressão vocal como
uma f orma de proj et ar o cont eúdo da música at ravés da voz. Para eles, a necessidade expressiva é
decorrent e da t ent at iva de se est abelecer uma comunicação, a qual se serve de uma espécie de
invent ário de f órmulas expressivas pert inent es ao código compart ilhado pela cult ura como subsídio para
a int erpret ação no cant o. Pela prát ica de t écnica vocal, o cant or aprende a usar os recursos do corpo,
como a ressonância em seus ossos, dif erenciando-as em ossos específ icos, ampliando a capacidade de
perceber-se e modif icando sua aut o-imagem, experiment ando possibilidades sonoras. Muit os dos
recursos t écnicos que nort eiam o desencadeament o da expressividade são sent idos no próprio corpo.
Esse corpo é percebido nele mesmo, mas t ambém ocupa um espaço e isso é signif icat ivo, pois como esse
corpo se proj et a no espaço, a maneira como o cant or o dimensiona t ambém qualif ica o que est á
f azendo.
A maneira pela qual o cant or domina essas represent ações no dia-a-dia vai provocar no int erlocut or o
que ele pret ende expressar, sendo possível desenvolver esse aspect o como meio de aperf eiçoar o
desempenho. Adquirir condições de f azer essa comunicação de f orma premedit ada, proposit al e
int encional é uma quest ão que envolve a preparação e a mat uridade do art ist a.
Nas respost as dos cant ores subj az a idéia de que o corpo e a expressão int egram uma t ot alidade. Em
nenhum moment o os cant ores associam a expressão a uma operação prévia do pensament o. A expressão
ocorre concomit ant e à experiência. Tal experiência acont ece quando ela é propost a como realização
t écnica, mas que garant e a realização da expressão no próprio corpo, sendo passível de observação por
aquele que a propôs. Esse j ogo de vivências e experiências promove um amadureciment o art íst ico
complet o.
Para Merleau-Pont y (1999), a aproximação ent re a f ala e a análise do sent ido do gest o corporal
evidencia a int enção de buscar no corpo a origem do sent ido da linguagem. O modo de apreensão do
sent ido da f ala do out ro é o mesmo que o do gest o corporal: eu os compreendo na medida em que os
assumo como podendo f azer part e do meu próprio comport ament o. Os gest os não são of erecidos
deliberadament e ao espect ador como uma coisa a ser assimilada; eles são ret omados por um at o de
compreensão, cuj o f undament o remet e à sit uação em que os suj eit os da comunicação – eu e o out ro –
est ão mut uament e envolvidos em uma relação de t roca de int enções e gest os. O sent ido dos gest os não
é dado, mas compreendido, dit o de out ra f orma, é ret omado por um at o do espect ador. Toda
dif iculdade est á em conceber bem esse at o e em não conf undi-lo com uma operação do conheciment o.
Dessa maneira, a comunicação ou a compreensão dos gest os é obt ida pela reciprocidade ent re as
int enções e os gest os dos int erlocut ores, ent re gest os e int enções legíveis nas suas condut as. Tudo se
passa como se a int enção de um habit asse o corpo do out ro assim como se as int enções do out ro
habit assem o primeiro.
No t ópico ref erent e às especif icidades dos suj eit os na ação perf ormát ica, os cant ores discut em sua
f ormação t écnica e a sua adequação às necessidades e aspirações expressivas que t êm como
prof issionais da voz.
De maneira geral, os part icipant es da pesquisa ent endem que t écnica vocal é um t rabalho baseado no
conheciment o anát omo-f isiológico cuj a propost a é garant ir saúde vocal e, ao mesmo t empo, sugerir
procediment os que lhes possibilit em ut ilizar t odo o equipament o vocal (nesse caso t odo o corpo) para
produzir os sinais sonoros necessários para proj et ar os cont eúdos e int encionalidades em seu t rabalho de
int érpret e.
Para os cant ores, a voz é um veículo de comunicação que possui, por seus próprios recursos, a
capacidade de comunicar. Como prof issionais da voz, ent endem que o est udo de t écnica vocal
possibilit a o domínio e o uso discriminado desses recursos. A t écnica vocal que prat icam lhes garant iu
sucesso quant o aos result ados expressivos porque se t rat a de um posicionament o saudável da voz que
lhes permit e alcançar os result ados sonoros necessários ao seu t rabalho de int érpret e. Os cant ores
admit em que buscam resolver os recursos sonoros no próprio corpo, ut ilizando o corpo t odo
ef et ivament e como f ont e produt ora de som, escolher e selecionar de maneira proposit al regiões do
corpo que podem ser usadas com maior int ensidade do que out ras, garant indo muit as possibilidades
expressivas. A ut ilização de uma seleção de ressonadores específ icos auxilia na expressividade de cada
peça, de cada obra, conf orme o cont eúdo que est a apresent a. Para t ant o, o est udo de t écnica vocal
deve est ar at relado a uma busca do signif icado do próprio som em adequação ao que cant a e, port ant o
é necessário t rabalhar com crit érios bast ant e claros. É import ant e nort ear a percepção at ravés de
simpósio de pesquisa em música 2008 153
cont eúdos nít idos, emoções específ icas que se queira expressar e que são escolhidos como f undament ais
para uma peça, como por exemplo, a agressividade, a t rist eza, a paixão.
Os ent revist ados ent endem o t rabalho perf ormát ico como uma int erpret ação propost a pelo art ist a (não
se t rat a de copiar a realidade) e que deve ser uma const rução específ ica do moment o, necessit ando de
um aj ust e de t odo o equipament o expressivo ao moment o de at uação e com sinais adequados para
garant ir que o público possa usuf ruir o moment o art íst ico propost o pelo cant or.
Merleau-Pont y busca no corpo não só a compreensão do problema da linguagem, mas t ambém o
ent endiment o de uma quest ão mais abrangent e, a expressão. Segundo ele, há um mesmo modo de
apreensão sensível na base da compreensão da f ala e do gest o corporal. Apreende-se o signif icado da
palavra assim como se apreende o sent ido de um gest o: “ . . . eu não percebo a cólera ou a ameaça como
um f at o psíquico escondido at rás do gest o, leio a cólera no gest o, o gest o não me f az pensar na cólera,
ele é a própria cólera” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 250) .
Para Merleau-Pont y (1999), o sent ido t ransparece na int erseção das experiências do suj eit o com as do
out ro, pela engrenagem de umas sobre as out ras, sendo pois, inseparável da subj et ividade e da
int ersubj et ividade, que f az sua unidade pela ret omada das experiências passadas nas experiências
present es, da experiência do out ro na do suj eit o.
No t ópico ref erent e à preparação vocal, os ent revist ados t razem a idéia de que é preciso mant er o
aparelho vocal em condições saudáveis e manif est am o ent endiment o de que a voz responde às
necessidades de comunicação dos est ados emocionais humanos. Port ant o, o t reinament o est á vinculado
à descobert a do signif icado que o som carrega, de acordo com as caract eríst icas t ímbricas, de
ressonância, da proj eção do som no espaço e das relações possíveis com a sensibilidade humana.
Para eles, a voz deve ser ut ilizada como um veículo que possui, por seus próprios recursos, a capacidade
de comunicar t odos os cont eúdos expressivos e as int enções do art ist a, independendo de sinais visuais.
Ainda, permit e dist inguir a presença de sinais expressivos no discurso dos out ros, mesmo que cont rários
ao t ext o. Dadas as indicações do composit or, o art ist a deve int erpret ar os cont eúdos e isso é muit o mais
que repet ir not as.
Ao realizar o t rabalho de t écnica vocal, explorando no seu próprio corpo os recursos expressivos para
que esses se ref lit am no out ro, os cant ores se descobrem mais capazes de t ranspor não só seus limit es,
como t ambém de se relacionarem com as pessoas.
Para Merleau-Pont y (1999), a percepção é o sent ido que inaugura a abert ura para o mundo, como a
proj eção de um ser para f ora de si; a linguagem prossegue est a abert ura de mundo na medida em que
ret oma, t ransf orma e prolonga as relações de sent ido iniciadas na percepção. Por sua vez, é na
expressão emocional dos gest os que se encont ram os primeiros indícios da linguagem como um
f enômeno aut ênt ico. A f ala e o gest o são f enômenos específ icos e cont ingent es em relação à
organização corporal. Os gest os, port ant o, não são of erecidos deliberadament e ao espect ador como
uma coisa a ser assimilada; eles são ret omados por um at o de compreensão, cuj o f undament o nos
remet e à sit uação em que os suj eit os da comunicação est ão mut uament e envolvidos em uma relação de
t roca de int enções e gest os.
No t ópico ref erent e à seleção de repert ório, os cant ores apont am alguns crit érios. O primeiro apont ado
é o de reconhecer na obra a pot encialidade de ser sensibilizado e de, num segundo moment o,
sensibilizar o out ro. Out ro crit ério apont ado é o próprio desenvolviment o pessoal, t écnico e art íst ico
opt ando por peças que t rabalhem cont eúdos que sej am pessoalment e desaf iadores. Um t erceiro crit ério
é a escolha de obras que f açam sent ido j unt as ou que se encaixem na propost a que se quer desenvolver
em f unção do público a ser at ingido com uma idéia ou uma crít ica.
As necessidades envolvidas nessa t aref a podem residir em personagens bast ant e dif erent es do próprio
cant or, evit ando se limit ar t ecnicament e na escolha do repert ório. O art ist a precisa ent ender que est á
ent regando o corpo, est á se doando pra f azer uma coisa que não é ele e, por isso, o int érpret e deve t er
clareza acerca de suas convicções pessoais e não conf undi-las com o personagem que int erpret a. Dessa
maneira o int érpret e pode expandir sua expressividade.
Ao af irmarem que a escolha do repert ório se dá com base na sua pot encialidade de sensibilização ou no
enf rent ament o de sit uações desaf iadoras e que isso concorre para a expansão da expressividade e
aquisição de mat uridade art íst ica, os ent revist ados est ão de acordo com Merleau-Pont y (1999) quando
est e af irma que a operação de expressão, quando bem sucedida, abre para nossa experiência um novo
campo ou uma nova dimensão. A expressão est ét ica conf ere a exist ência em si àquilo que exprime,
inst alando-o na nat ureza como coisa percebida acessível a t odos ou, inversament e, arranca os próprios
signos de sua exist ência empírica e os arrebat a para um out ro mundo.
154  SIMPEMUS 5

Conclusão
A represent ação é uma das ações de que o ser humano lança mão para se relacionar e passar a exist ir
enquant o agent e de seu próprio mundo, no qual ainda exist em sit uações adversas, emoções ainda não
nomeadas, na f orma de experiências desconhecidas, enf im, inúmeras possibilidades dele se expressar.
Represent ar a vida, o cot idiano é buscar signif icados, at ribuir f ormas e caract eríst icas para vivenciar os
dif erent es moment os. Mesmo que não se domine um linguaj ar ou t ecnologia cient íf ica para explicar os
f enômenos da exist ência, o ser humano ut iliza-se dos recursos de sua sensibilidade para descobrir e lhes
at ribuir sent ido e signif icado. Na vivência de experiências, o indivíduo as qualif ica, expressando-as em
f ormas orient adas pelos códigos cult urais de seu grupo e t ambém por escolhas pessoais. Ao dar f orma
ao vivido o ser humano represent a.
A part ir dessa necessidade de qualif icar as experiências, o ser humano t em na voz um inst rument o que
possibilit a cont ar uma hist ória (real ou imaginária) e represent á-la, permit indo que o ouvint e vivencie
cada det alhe apresent ado. Assim é possível imprimir no som da f ala as mais diversas nuances
int erpret at ivas para comunicar ao ouvint e os cont eúdos represent ados.
Exist e, na lit erat ura, um consenso de que a voz revela o ser humano em suas caract eríst icas mais
peculiares, sej am elas de ordem cult ural ou da própria nat ureza psíquica. Nesse sent ido, pode-se
af irmar que é possível comunicar os cont eúdos emocionais e as int encionalidades at ravés da
vocalização, consideradas a f ala ou o cant o.
Ainda, como dimensão cult ural desenvolvida pelos grupos humanos, pode-se dest acar a f unção de
represent ação no espaço art íst ico como dramat ização. Nesse cont ext o, o art ist a represent a a própria
represent ação, propósit o art íst ico, e por isso é t ão f ascinant e a experiência e ao mesmo t empo t ão
desaf iadora, pois não pode aparent ar a int enção de at uar; o espaço é int eirament e ocupado pelo
aspect o expressivo, const ruindo uma dimensão virt ual de experiência (LE HUCHE e ALLALI, 2005).
Dessa maneira compreende-se que a art e é uma f orma de ser no mundo, que const it ui um
espaço/ t empo imaginário criado numa espécie de virt ualidade e que t em como base os cont eúdos
humanos. Ela não t rat a de vivências específ icas, mas, a part ir da represent ação, t orna esses cont eúdos
universais. Esse ent endiment o permit e que o f ruidor da art e possa viver t ais dimensões de exist ência
humana, livre de sua própria cont ingência espaço/ t emporal, podendo se ent regar à experiência com
int ensidade.
Do mesmo ent endiment o, o art ist a t ambém compreende que sua at uação est á cont ingenciada pelo
espaço/ t empo art íst ico. A part ir disso, ele deve desenvolver em seu próprio corpo, as f errament as para
provocar esse deslocament o, conhecendo o maior número de códigos expressivos possíveis e t orná-los
int eligíveis na sua perf ormance art íst ica.
Em meu t rabalho como cant ora e como prof essora de t écnica vocal, pude perceber a import ância do
reconheciment o do corpo como meio de percepção e de ação expressiva. Também em minha f ormação
como psicóloga, esse reconheciment o pode apont ar al t ernat ivas de expressão de cont eúdos que muit as
vezes o discurso crist alizado nele mesmo não resolvia. Comparando essas duas at uações, pude perceber
que a int egralidade do suj eit o f oi uma alt ernat iva para a compreensão de inúmeros f enômenos
diret ament e relacionados à concepção de Homem, dessa maneira int erf erindo na f ormação de art ist a. A
escolha por Merleau-Pont y como linha de pensament o que serviria como suport e de análise dos discursos
dos ent revist ados f oi decorrência da procura dest e aut or em recuperar o est at ut o originário da
percepção ou sensibilidade, superando a dicot omia ment e e corpo inst aurada pela met af ísica
cart esiana. Ele part e da concepção de uma noção eminent ement e corpórea da expressão. Dest a noção a
f ala emerge enquant o gest o de um corpo que é um t odo ínt egro. É esse corpo int eiro que expressa suas
relações de sent ido com o mundo.
Feit a a escolha do aut or como suport e de análise, t ambém, em f unção da minha experiência como
cant ora e da convivência com diversos grupos art íst icos, imaginei inicialment e que cada cant or
abordaria quest ões bast ant e pessoais acerca de suas f acilidades e dif iculdades quant o aos aspect os
t écnicos do cant o. No ent ant o, f ui surpreendida ao const at ar que a preocupação desses cant ores era
mais de ordem exist encial do que de ordem t écnica, most rando que est a não const it ui um f im por ela
mesma, mas um meio de alcançar result ados almej ados. Dessa const at ação pude perceber uma visão
bast ant e abrangent e da suas at uações como art ist as.
Tendo em vist a as especif icidades dest e grupo e a opção met odológica pelo est udo mult i-casos, a
comparação de perf ormance e expressividade com art ist as de out ros segment os ou que possuam out ras
f ormações não f oi possível. Os dados encont rados em cada caso f oram signif icat ivos para as análises dos
discursos dos part icipant es e o relacionament o dest es com o pensament o de Merleau-Pont y. Nest e
sent ido, observou-se que:
O discurso dos ent revist ados corrobora a idéia de corpo-suj eit o de Merleau-Pont y, ao considerar que é a
part ir dele, pela via percept iva, que se dá a primeira experiência com o mundo. A percepção é o
sent ido que inaugura a abert ura para o mundo e a linguagem, por sua vez, prossegue est a abert ura de
simpósio de pesquisa em música 2008 155
mundo na medida em que ret oma, t ransf orma e prol onga as relações de sent ido iniciadas na percepção.
É pel a percepção corporal que os cant ores conseguem discriminar sua experiência expressiva e é
t ambém pelo domínio de f órmulas expressivas est abelecidas pelo código cult ural que podem est abelecer
a int eligibilidade de sua int erpret ação. Dessa maneira, é nessa relação dinâmica ent re a f orma de
expressão do moment o emocional , direcionada por códigos que organizam a percepção, que el es
consideram o t rabalho expressivo.
Os ent revist ados, em seu discurso, dest acam a noção eminent ement e corpórea da expressão.
Novament e, o seu discurso é concordant e com a concepção de Merl eau-Pont y quando est e considera que
a f al a emerge, enquant o gest o, de um corpo que é t odo rel ação de sent ido com o mundo. O carát er
corpóreo da signif icação impede que ela sej a t omada como obj et o puro de pensament o, pois é no
sent ido do comport ament o que se encont ram as signif icações das palavras. A comunicação se realiza
quando a int enção do suj eit o est á explicit ada em sua ação. A expressão é, pois, uma maneira de ser, de
exist ir e de assumir uma f orma de est ar no mundo.
O discurso dos ent revist ados indica que o sent ido da f ala est á além do código lingüíst ico convencionado
e essa idéia é rat if icada pela t eoria de Merleau-Pont y que considera que é na expressão emocional dos
gest os que se encont ram os primeiros indícios da l inguagem como um f enômeno aut ênt ico. Para o aut or,
a f ala e o gest o são f enômenos específ icos e cont ingent es em relação à organização corporal. Nesse
sent ido, o som que os art ist as proj et am é cont ingent e a t al organização corporal, assumindo
caract eríst icas expressivas que são conseqüências da mesma. Dessa ínt ima relação do corpo com o
result ado sonoro, os cant ores explicam que exercit am novas maneiras de conf igurar o som em seus
corpos. Merleau-Pont y considera que ao assumir essas conf igurações como part e de seus
comport ament os, conseguem dar novas f ormas de proj eção do t odo e assim assumir novo signif icado. O
corpo compreendido enquant o f enômeno é port ador de uma capacidade singul ar de apreender o sent ido
de out ra condut a, sej a o sent ido do gest o ou da f al a do out ro considerando que a pal avra t ambém é um
gest o e uma f orma de condut a.
Merleau-Pont y af irma que a operação de expressão, quando bem sucedida, abre para nossa experiência
um novo campo ou uma nova dimensão, o que se observa t ambém no discurso dos cant ores
ent revist ados. A expressão est ét ica conf ere a exist ência em si àquilo que exprime, t ornando-a
percebida na nat ureza e acessível a t odos ou, inversament e, possibilit ando que os próprios signos de
exist ência empírica passem a ser percebidos como expressão de um out ro mundo. Dessa maneira o
cant or ou a at riz t ornam-se “ invisíveis” e quem aparece é o personagem.
Para compreender a abrangência da operação expressiva, Merleau-Pont y t raz a experiência com os
grandes escrit ores, os quais realizam uma espécie de def ormação coerent e que a obra impõe aos
signif icados exist ent es, f azendo-o para dizer o que, de cert a f orma, j amais f ora dit o ant es. Para o
aut or, é precisament e est a operação criadora que represent a o est ilo do escrit or e que imprime na
linguagem comum uma modif icação de sent ido, debilit ando seu equilíbrio para f azê-la dizer e signif icar
o novo. O cant or, de maneira similar, ut iliza essa capacidade de def ormação coerent e para real izar sua
propost a art íst ica, implicando ou não em ser realist a, nat uralist a, exagerado, ou sej a, como art ist a ele
cria seu est ilo no int uit o de dizer e signif icar o novo. Os cant ores ent revist ados, em moment os de seus
discursos f azem menção a essa necessidade de dizer o que real ment e pret endem e da maneira que
real ment e pl anej aram, f azendo uma observação de que o conheciment o de códigos expressivos e a
capacidade de produzi-los int encionalment e é o dif erencial para que seus obj et ivos sej am alcançados.
Observou-se, port ant o, que os discursos dos cant ores encont ram rel acionados à Teoria de Percepção e
Expressão de Merleau-Pont y. Est a invest igação e os result ados encont rados abrem, assim, possibilidades
para novas invest igações no campo da perf ormance. Em virt ude da opção met odol ógica pel o est udo
mult i-caso, o universo de ent revist ados f oi delimit ado na relação da perspect iva de t reinament o vocal e
ao campo de at uação art íst ica dos part icipant es. Sugere-se, ent ão, a realização de novas pesquisas
envolvendo grupos de art ist as, músicos, at ores, bailarinos, enf im, prof issionais ou amadores, que
t rabalhem perf ormance e expressividade. E, considerando que os próprios cant ores ent revist ados
manif est aram a int enção de sensibilização do público como aspect o primordial de sua at uação, sugere-
se que sej am realizadas pesquisas envolvendo esse público para conhecer a sua experiência enquant o
f ruidor.

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O TIMBRE DA FLAUTA TRANSVERSAL: ASPECTOS EXPERIMENTAIS

Fabi ana Mour a Coel ho (UFMG)

RESUMO: Al t erações no t imbre da f l aut a t ransversal ao percebidas empiricament e pel os f l aut ist as a
part ir de imagens ment ais acerca da conf iguração de seu t rat o vocal . Ent ret ant o, o grande número de
variáveis envol vidas e a compl exidade desse mecanismo dif icul t am sua demonst ração compl et a e
obj et iva. Est abel ecemos um paral el o ent re anál ises da f al a que ressal t am que a conf iguração do t rat o
vocal det ermina a int el igibil idade das vogais e o mecanismo ut il izado pel os f l aut ist as. A anál ise dos
resul t ados obt idos a part ir do experiment o real izado indica indícios da exist ência de inf l uência da
posição do t rat o vocal na qual idade sonora da f l aut a.
PALAVRAS-CHAVE: f l aut a, t imbre, ressonância.
ABSTRACT: The use of t he vocal t ract resonance as a t ool f or changing t he sound charact er and col or
suggest ed in t he scores is t horoughl y used by f l ut ist s. Due t o t he compl exit y and t he l arge number of
invol ved variabl es, it was not possibl e yet t o scient if ical l y demonst rat e t he exist ence of t he inf l uence in
t he f l ut e sound caused by t his mechanism. The anal ysis of t he resul t s of t he experiment al l owed us t o
concl ude t hat t here are el ement s t o af f irm t hat t he conf igurat ion of t he vocal inf l uences t he sound
qual it y of t he f l ut e.
KEYWORDS: f l ut e, sound qual it y, resonance.

1. Int rodução
A ut il ização de imagens ment ais acerca da posição do t rat o vocal como f errament a nas mudanças de
t imbre sugeridas nas part it uras é inst rument o comum ent re os f l aut ist as. Ent ret ant o, o grande número
de variáveis envol vidas e a compl exidade desse mecanismo dif icul t am sua demonst ração compl et a e
obj et iva.
Est e t rabal ho apresent a os resul t ados da busca de uma expl icação cient íf ica para al go que a art e e a
sensibil idade j á t ornaram f errament a cot idiana dos prof issionais da f l aut a t ransversal , visando à
compreensão e consol idação desse conheciment o.

2. A produção do som e o t rat o vocal


Al guns t rabal hos j á rel acionaram o t imbre de inst rument os de sopro à conf iguração do t rat o vocal . Mike
Macmahon [ s. d. ] descreve a inf l uência da f onét ica na produção do som na f l aut a t ransversal . Em seu
art igo, int it ul ado Throat ressonance, vowel sounds, ressal t a que os sons vocál icos não são apenas as
vogais out rora aprendidas na escol a, mas sons produzidos com pouca ou nenhuma obst rução da col una
de ar, havendo, assim, cent enas de possibil idades de sons vocál icos. Isso abre a perspect iva de
real ização de inúmeras modif icações no som da f l aut a, est ando est e associado à posição do t rat o vocal
na produção das vogais, chamando at enção para um papel mais abrangent e da l íngua.
Quase t udo que é dit o (nos livros, pelo menos) sobre a língua enquant o t ocamos f laut a,
parece t er a ver com “ t ” e “ k” (ou “ d” e “ g” ). Eu pensei por muit o t empo – e part icularment e
ao ouvir o Jimmy [ James Galway] – que nós t emos que conscient ement e considerar o papel da
língua na discussão sobre as dif erent es espécies de som da f laut a: isso não deveria ser apenas
ignorado como uma quest ão de menor import ância. (MACMAHON, [ s. d. ] )

Macmahon [ s. d. ] expl ica que at ravés de pequenas mudanças na posição da l íngua, dif erent es sons
vocál icos podem ser produzidos, o que signif ica que aj ust es na l íngua af et am a col una de ar e a f orma
como el a at inge os l ábios e a f l aut a. Esse t ipo de aj ust e pode ser usado para se obt er dif erent es cores
no som da f l aut a. Para t ornar possíveis esses aj ust es na l íngua sem que isso af et e a posição da
mandíbul a, como acont ece na f al a, e conseqüent ement e, prej udique a embocadura na f l aut a, o aut or
sugere que os f l aut ist as f açam como os vent ríl oquos, posicionando a boca em uma f orma est át ica.
Em seguida, o aut or escl arece que essas mudanças de ressonância no t rat o vocal , para a f al a, são
mudanças nos f ormant es e est es podem ser anal isados em programas de comput ador específ icos.
Embora a f orma, ou cont orno dos f ormant es mant enha-se prat icament e o mesmo, a f reqüência em Hz
de seus picos depende da f orma e do t amanho do t rat o vocal , ou sej a, dif ere ent re homens, mul heres e
crianças. Porém, o aut or não demonst ra como os aj ust es da l íngua e da l aringe, ou sej a, aj ust es nas
cavidades do t rat o vocal , poderiam al t erar a qual idade do som produzido na f l aut a t ransversal . Faz
considerações sobre a import ância das vogais, com enf oque na vel ocidade e ângul o, evit ando enf ocar a
pert inência ou não da inf l uência ressonant e.
158 SIMPEMUS 5
No art igo The relat ion bet ween t he vocal t ract and t he recorder sound qualit y, Dan Laurin (1998)
propõe que o t amanho e a f orma do t rat o vocal inf luenciam o t imbre da f laut a doce. Para invest igar t al
inf luência, são realizados alguns t est es de medição de t ransf erência acúst ica, inicialment e
desenvolvidos para pesquisas em f ala. Nos t est es, o bocal do inst rument o f oi acoplado a um t ubo, e est e
conect ado a um gerador acúst ico. O som f oi capt ado por um microf one, que t inha a f unção de enviar os
sinais para o comput ador no qual um sof t ware, especialment e desenvolvido para est e t rabalho,
most rava os result ados.
Depois de escolhidas as not as que seriam analisadas, cada uma delas f oi gravada t rês vezes, e os
result ados apreciados.
A primeira t aref a f oi descobrir onde e para o que olhar. Nós decidimos quais not as invest igar,
uma vez que as alt erações de regist ro e posições algo irregulares da f laut a doce t ornam
necessárias dif erent es pressões de ar. Eu busquei, ent ão, produzir dois t imbres opost os em
cada not a, uma vez que a polarização ext remada possivelment e se most raria mais clarament e
na t ela. Cada not a e t imbre f oram gravados t rês vezes e o result ado most rado na t ela f oi
salvo. (LAURIN, 1988)

Os dois t ipos de t imbre escolhidos pelo aut or f oram denominados t hick, para uma posição de palat o
relaxada e, de acordo com o mesmo, um som de f laut a doce bonit o e musical, e t hin, com o palat o o
mais elevado possível. Essa medição t orna-se, assim, um t ant o subj et iva. Qual seria a def inição para um
som belo e musical? Não há um parâmet ro de medida, j á que Laurin ressalt a ainda que essa posição do
palat o para um som t hick é variável, sendo que o inst rument ist a elevaria o palat o quant o mais aguda
f osse a not a t ocada.
O t imbre t hick não f oi produzido com o palat o na mesma posição para t odas as not as. Pelo
cont rário, eu me esf orcei em produzir um som musicalment e viável, e me deixei guiar por
meu gost o musical e pelo que eu considero ser “ um bom e musical som de f laut a doce” . Em
t ermos simples, eu elevei o palat o um pouco mais à medida que a not a que eu est ava t ocando
f osse mais aguda. (LAURIN, 1988)

O aut or descreve que f oi f eit a uma adapt ação na conf iguração da leit ura do espect ro, que a princípio
est ava conf igurado para f reqüências que caract erizam as vogais durant e a f ala, em t orno de 300 Hz a
3, 5 kHz. Nessa região, segundo o aut or, não haveria inf luência de reprodução no espect ro do som
result ant e na f laut a.
A preparação do experiment o, pelo exame da amplit ude da f reqüência que caract eriza
dif erent es vogais, ist o é, de 300 Hz a 3, 5 kHz, demonst rou que enquant o as dif erent es
conf igurações do t rat o vocal produzem grandes alt erações na respost a do t rat o vocal [ sic] , há
pouca dif erença de reprodução no espect ro do som result ant e nessa f aixa de f reqüência. Em
sínt ese, nós est ávamos procurando no lugar errado. (LAURIN, 1988)

A part ir de ent ão, os espect rogramas f oram gerados com medições at é 10 kHz, cuj os gráf icos são
abordados no art igo. O primeiro desses gráf icos represent a a not a C6 (considerando-se C4 ou dó 4 como
dó cent ral) com som t hick e a posição do t rat o vocal como se produzisse a vogal [ a] , e o seguint e, com o
palat o mais elevado possível, a mesma not a C6. O aut or acredit a que soment e alt erações em t orno de
10 kHz t eriam inf luência no t imbre da f laut a. Com isso, af irma que, na f laut a doce cont ralt o, que possui
f undament ais a part ir de 349 Hz (F4), alt erações nas f undament ais e nos primeiros harmônicos de t oda
sua ext ensão não t eriam inf luência sobre o t imbre.
O aut or descreve as dif erenças ent re os dois gráf icos e conclui que as principais mudanças de t imbre
ocorrem em t orno de 5 kHz, e que o som denominado t hin possui parciais mais f ort es ent re 6 – 8 kHz. É
f eit o ainda um experiment o semelhant e com a escala cromát ica, com result ados, segundo o aut or,
similares.
A part ir desses result ados, Laurin conclui que a produção de dif erent es t imbres na f laut a doce não
est aria associada às dif erent es posições assumidas pelo t rat o vocal na produção das vogais. Ele j ust if ica
que as alt erações nos sons vocálicos est ão associadas a f reqüências em t orno de 3, 5 kHz e que o som da
f laut a doce dependeria de f reqüências mais alt as, descart ando, dessa f orma, qualquer alt eração nas
f undament ais e nos primeiros harmônicos. Ent ret ant o, ressalt a o aut or, os sons vocálicos podem ser
ut ilizados na produção de dif erent es ef eit os no som da f laut a doce. Est e sugere, ainda, que as mudanças
de t imbre det ect adas est ariam ligadas a alt erações na pressão e na t urbulência do ar ut ilizado.
A posição do t rat o vocal para o som t hick causa t urbulência na passagem do ar. Isso signif ica
que mais pressão é requerida para a mesma quant idade de ar f luir. É muit o provável, embora
não sej a cert o, que o execut ant e precise mant er o f luxo de ar razoavelment e const ant e para
cont rolar a af inação. Em razão dos músicos possuírem um grau de preparação que os leva a
int uit ivament e t ocar af inado, suprem essa pressão ext ra sem sequer not ar que o est ão
f azendo (af inal, a variação não é grande). A t urbulência gera um ruído de ar que gera o sinal
no gráf ico. Pode ser que essa t urbulência obscureça a f reqüência do gráf ico ent re 6 e 8 kHz,
ou pode ser o result ado de uma int eração ent re o segundo harmônico da passagem do ar e o
t rat o vocal ao qual ela est á conect ada. (LAURIN, 1988)
simpósio de pesquisa em música 2008 159
Todavia, t emos que o result ado do experiment o realizado por Laurin poderia t er sido explorado
levando-se em consideração que mudanças na ressonância alt erariam t oda a f orma do espect ro,
inclusive as f undament ais e seus primeiros harmônicos, af et ando o t imbre da f laut a em razão da
amplif icação e amort eciment o de det erminadas regiões de f reqüência, independent ement e da alt ura
dos sons.
Roger Mat her (1998) escreve sobre a ut ilização da ressonância da gargant a, nariz e boca para a
produção do som na f laut a em seu art igo Your Throat , sinus and Mout h Resonances: Friends or Foes?. O
aut or af irma que o ar cont ido nessas cavidades ressoa. Ref orça ainda que o t rabalho que se pode aplicar
é o de se aj ust ar o t amanho da cavidade para que a alt ura que ressoa sej a a mesma que é t ocada,
concedendo assim, mais f orça, f oco e, segundo o aut or, expressividade ao som.
O ar nessas cavidades ressoa queira você ou não. Sua f unção é aj ust ar o t amanho das cavidades de
maneira que a alt ura que ressoa est ej a t ão próxima quant o possível da alt ura que você est á t ocando.
Isso f ort alece e f oca o som. Melhora a qualidade, a pureza (para mais at rat ividade) e a int ensidade
(para melhor expressão e proj eção). A f laut a responde mais rapidament e. Você se sent e mais
compromet ido, mais pessoalment e envolvido – e você realment e est á! – uma vez que sua execução é
mais expressiva. A plat éia sent e que est á ouvindo um ser humano e não um t ubo de met al . (MATHER,
1998)
Mat her def ende que muit os f laut ist as experient es ut ilizam essas ressonâncias com dif erent es mét odos,
conscient es ou inconscient es. A f laut a é o inst rument o que, segundo o aut or, melhor aproveit a a
ressonância das cavidades oral e nasal, a qual pode ser ut ilizada por t odos os inst rument os da f amília
das madeiras e met ais, porque possui, dent re t odos est es, o som mais menos pot ent e.
O aut or ressalt a ainda que as ressonâncias at uam independent ement e ent re si e dá a ent ender que há
dif erent es t écnicas para se ut ilizar os dif erent es t ipos de ressonância, podendo ou não o f laut ist a ser
aj udado por um t ipo de t écnica ou por um t ipo de ressonância. Todavia, nest e pont o do t ext o os
conceit os se conf undem, não rest ando claro se o f at o de det erminada t écnica não f avorecer
det erminado f laut ist a decorreria do f at o dest e não realizá-la de f orma corret a, ou daquela não ser
adequada ao t amanho e à f orma das part es do seu corpo.
Em seguida, o aut or apresent a cada t écnica e cada at ividade ressonadora aplicada às dif erent es part es
das cavidades oral e nasal, seguindo sua exposição de f orma a enf at izar o carát er didát ico, em
det riment o de aspect os cient íf icos.
Mat her f az ainda considerações sobre a aplicação da f orma das vogais na boca com o obj et ivo de
adequar seu f ormat o para a realização de det erminado nível de dinâmica e af inação. O t ext o sugere
vogais det erminadas para o que considera um melhor aproveit ament o sonoro de det erminados níveis de
int ensidade e alt ura.
Dessa f orma, apresent a uma série de vogais que se adequariam a dinâmicas e int ervalos específ icos,
dent ro da ext ensão da f laut a. Por exemplo, ent re o B3 e o F#4, o aut or sugere que sej a ut ilizada a vogal
[ ] para dinâmicas ent re mp e p, e a vogal [ a] para dinâmicas ent re pp e ppp. Af irma:
Not as graves requerem f undament ais f ort es e por isso são melhor produzidas pelas vogais do
início da série (u - o). As f undament ais de not as acima da oit ava mais grave são harmônicos e
assim são produzidas melhor pelas vogais f inais (a – e). Not as int ensas geralment e t êm
parciais suf icient es, de maneira que as vogais iniciais lhes são adequadas. Para proj eção de
not as f racas é preciso um aument o de parciais at ravés das vogais f inais. (MATHER, 1998)

Fig. 1 – esquema de ut ilização das vogais em det erminadas regiões e int ensidades sugerido por Mat her.
Font e: MATHER, 1998.
Not amos que, na região mais grave da f laut a (de Si 3 a Fá # 4, ou 247 a 370 Hz), com dinâmicas de f f f a
f f e de f a mf , o aut or propõe a ut ilização da vogal [ u] ou oo [ sic] . De acordo com a FIG. 2 percebemos
que a vogal [ u] apresent a os mais baixos valores de F1 e F2 dent re as demais, o que f avoreceria a
emissão das f reqüências mais graves, exat ament e aquelas escolhidas por Mat her (1998). O mesmo
ocorre nas demais vogais sugeridas.
160 SIMPEMUS 5
Na seção dedicada à boca e gargant a, o aut or af irma que a boca f unciona, em t ermos de
ressonância, como uma garraf a vazia e que, ao cont rário da f laut a e dos out ros inst rument os de sopro,
possui uma cavidade bast ant e ampla em relação ao seu compriment o. Esclarece ainda que a abert ura
bucal que cont a para os f laut ist as é aquela que leva à gargant a, pois a abert ura dos lábios seria muit o
pequena para t er algum ef eit o na ressonância.
Sugere posições de língua para det erminadas al t uras e conclui que o volume da cavidade oral é
det erminado pela posição da língua em relação ao palat o duro, a posição do palat o mole e das
bochechas.
O art igo é concluído com algumas considerações sobre como realizar as mudanças sugeridas no decorrer
do t ext o para a ut ilização da ressonância das cavidades oral e nasal, de f orma bast ant e didát ica.
Sugere, ainda, como a ut ilização da ressonância do corpo aplicada à at ividade musical na f laut a
cont ribui para melhorar a af inação e o cont role de dinâmica, ent ret ant o, sem mencionar as alt erações
de qualidade e cor do som. Termina com considerações sobre a melhoria do som na f laut a em
decorrência da aplicação das t écnicas apresent adas. Tais considerações t raduzem-se em simples
conselhos aos f laut ist as sobre como aplicar a t écnica expost a, sem esclarecer seus f undament os.
A f orma de iniciar a execução de uma not a decorre muit o de suas caract eríst icas. Assim, para
um int ervalo grande, sej a com at aque de língua ou ligado, comece mudando sua ressonância
(assim como sua embocadura) um pouco ant es do f inal da primeira not a. Desse modo, você
começará a segunda not a com af inação adequada, int ensidade e qualidade sonora, t udo
perf eit ament e no lugar. Se você esperar que a primeira not a est ej a t ot alment e t erminada – a
t endência nat ural, lament avelment e – o início da segunda not a será desaf inado, f raco ou
suj o.

3. Experimento
Foi elaborado um modelo de embocadura em f ibra de vidro com ângulo e abert ura medianos ut ilizados
na f laut a t ransversal. O modelo em f ibra de vidro f oi f eit o a part ir de moldes em at adura gessada
colocados diret ament e sobre os lábios. Est es moldes, que permit em grande precisão em relação ao
modelo original, f oram ent ão recobert os com f ibra de vidro. Depois de seca, a f ibra de vidro se
desprende do molde original e f orma um modelo bast ant e semelhant e ao nat ural, como evidenciado
pela f igura 2.

Fig. 2: modelo de embocadura em f ibra de vidro – visão lat eral.


Est e modelo de embocadura f oi ent ão colado ao bocal da f laut a de maneira que pudesse produzir sons
na região média do inst rument o, de acordo com o modelo elaborado por Quant z (2001):

Fig. 3: posição dos lábios para dif erent es regist ros na f laut a t ransversal (Quant z, 2001. p. 152)
A segunda linha inf erior indica o meio e o quant o da embocadura deve ser cobert o com os
lábios para o Ré’ ’ [ sic] . A linha inf erior most ra quão dist ant e ambos os lábios devem recuar
para produzir o Ré’ [ sic] . A t erceira linha indica o quant o os lábios devem avançar para o
Ré’ ’ ’ [ sic] . E a quart a linha (. . . ) most ra quão mais adiant e os lábios devem avançar para o
Sol’ ’ ’ [ sic] . (Quant z, 2001. p. 152)

Part e da abert ura do bocal f oi cobert a com f it a adesiva, como sugerido por Colt man (1966): “ Para
simular a cobert ura dos lábios, uma f it a plást ica curva de 3 mm de espessura f oi f ixada ao port a lábios
como uma f orma de reproduzir o modelo humano” .
simpósio de pesquisa em música 2008 161
Not ou-se a necessidade da ut il ização de um bocal de f ibra de carbonoi, menos suscet ível a sof rer
danos em decorrência do processo de mont agem do experiment o.
Post eriorment e ao model o de embocadura de f ibra de vidro, f oi acopl ado um t rat o vocal art if icial f eit o
em PVC. Para simul ar a const rição do t rat o vocal , que nat ural ment e é prat icada com a l íngua, f oi
const ruído um anel em met al . Est e anel moviment a-se dent ro do model o de t rat o vocal est imul ado por
um ímã col ocado na part e ext erna do t ubo. Est es det al hes podem ser mel hor visual izados por meio da
f igura 4.

Fig. 4: visão l at eral do model o de t rat o vocal


Est e model o de t rat o vocal é ampl ament e ut il izado em pesquisas sobre a f al a. Kent e Read (2001)
af irmam sua validade:
Para int roduzir a t eoria acúst ica de produção da f ala, ut ilizaremos um aparat o que não se
parece muit o com um t rat o vocal humano. (. . . ) Para t ornar esse exemplo relevant e ao est udo
da produção da f ala humana, precisamos not ar duas coisas: (1) um t rat o vocal médio de um
homem t em 17, 5 cm da glot e aos lábios e (2) o t rat o vocal t em, aproximadament e, a mesma
f reqüência de ressonância de um t ubo ret o do mesmo compriment o e diâmet ro. Ist o é, o
simples aparat o em f orma de cano most rado na FIGURA 2-2 é um modelo sat isf at ório para
uma vogal em part icular da f ala humana. (. . . ) Para que est e modelo possa represent ar out ras
vogais, a área de const rição deve ser variada no sent ido do compriment o do t ubo, de modo a
aproximar a conf iguração do t rat o vocal da vogal desej ada. (. . . ) Todas as vogais em Inglês
podem ser moldadas, ainda que rudiment arment e, pela modif icação apropriada da
conf iguração do t ubo ret o.

O t rat o vocal art if icial est á l igado a um sist ema de ar comprimido. O f l uxo, aj ust ado manual ment e, f oi
monit orado com um f l uxômet ro para ar comprimido, 0/ 15l / min, bil ha l onga, mant endo o f l uxo de ar
const ant e durant e as medições, el iminando t ambém est a variável . O experiment o f oi real izado no
Laborat ório de Física Experiment al do Depart ament o de Física, Inst it ut o de Ciências Exat as (ICEX),
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

4. Resultados
Os resul t ados obt idos nest e experiment o f oram gravados com um microf one AKG D60S posicionado a
cerca de 20 cm do bocal e apont ado para a região ent re o port a l ábios e as chaves, de acordo com o
sugerido por Garcia (2000).
Foram gravadas amost ras em t rês sit uações dist int as: a primeira, ut il izando apenas o bocal da f l aut a,
gerou uma f undament al em 1000 Hz; a segunda, ut il izando t oda a f l aut a, com as chaves posicionadas
para a emissão da not a Si, gerou uma f undament al em 480 Hz e, f inal ment e, a t erceira, t ambém
ut il izando t oda a f l aut a, com as chaves posicionadas para a emissão da not a Lá, gerou uma f undament al
em 430 Hz.
A dimensão do present e art igo t orna imperiosa a exposição dos resul t ados de apenas uma das sit uações
est udadas. Apresent am-se os resul t ados obt idos ut il izando t oda a f l aut a, com as chaves posicionadas
para a emissão da not a l á. Com est a posição das chaves, obt eve-se uma f undament al em 480 Hz. Foram
gravadas quat ro amost ras. O f l uxo no qual se obt eve respost a sonora adequada do inst rument o f oi
13l / min.
162 SIMPEMUS 5
A primeira amost ra f oi gravada f azendo-se uma varredura do modelo de t rat o vocal com o element o
const rit or. Assim, o imã f oi moviment ado ent re (1, 0 ± 0, 5) cm e (15, 0 ± 0, 5) cm a part ir da porção
ant erior, ou sej a, mais próxima ao bocal da f laut a.
A part ir do sonograma obt ido nest a gravação, podem-se verif icar as marcant es alt erações ocorridas.
Not am-se t rês seções dist int as, como apont ado na f igura 5.

Fig. 5: varredura complet a do t ubo do t rat o vocal com as chaves da f laut a posicionadas para a emissão
da not a Lá
A primeira seção exibe o primeiro parcial (430 Hz), embora com int ensidade f lut uant e; o segundo
parcial (860 Hz); o segundo harmônico (1290 Hz), que aparece apenas em alguns pont os; o quart o
parcial (1720 Hz), nit idament e, oscilando em f reqüência algumas vezes; o quint o parcial (2150 Hz),
pont ualment e, assim como o oit avo parcial (3440 Hz).
A segunda seção expõe o primeiro parcial (430 Hz) mais def inido e acent uado, o segundo parcial (860
Hz) t ambém mais acent uado e o quart o parcial (1720 Hz) algo at enuado.
A t erceira seção t em o primeiro parcial (430 Hz) bast ant e at enuado. O segundo parcial (860 Hz)
desaparece complet ament e. São exibidos ainda o t erceiro parcial (1290 Hz), o quart o parcial (1720 Hz),
o quint o parcial (2150 Hz) e o oit avo parcial (3440 Hz), est e bast ant e ressalt ado.
Det ect ada a exist ência de t rês seções dist int as bast ant e def inidas, decidiu-se gravar separadament e um
pont o dent ro de cada uma dest as seções, com as chaves da f laut a posicionadas para a emissão da not a
Lá.
O primeiro pont o f oi est abelecido em (1, 0 ± 0, 5) cm a part ir do início da porção do modelo de t rat o
vocal mais próxima ao bocal, o segundo, em (6, 0 ± 0, 5) e o t erceiro, em (12, 0 ± 0, 5). O result ado obt ido
é indicado na f igura 6.

Fig. 6: a) pont o dent ro da primeira seção com as chaves da f laut a posicionadas para a emissão da not a

b) pont o dent ro da segunda seção com as chames da f laut a posicionadas para a emissão da not a Lá
c) pont o dent ro da t erceira seção com as chaves da f laut a posicionadas para a emissão da not a Lá
Not a-se que há semelhança com as seções da varredura. No primeiro pont o, o primeiro parcial (430 Hz)
aparece nít ido; o segundo parcial (860 Hz), bast ant e at enuado; o quart o parcial (1720 Hz) aparece
nit idament e e o quint o parcial (2150 Hz), muit o at enuado.
simpósio de pesquisa em música 2008 163
No segundo pont o, o primeiro parcial (430 Hz) mais def inido e acent uado, o segundo (860 Hz) e o
quart o (1720 Hz) parciais um pouco acent uados e o t erceiro (1290 Hz) e quint o (2150 Hz) parciais
at enuados.
No t erceiro pont o, primeiro parcial (430 Hz) bast ant e at enuado e o desapareciment o complet o do
segundo parcial (860 Hz). São exibidos ainda o t erceiro parcial (1290 Hz), o quart o parcial (1720 Hz), o
quint o parcial (2150 Hz) e o oit avo parcial (3440 Hz).

4. Análise dos resultados / Conclusão


Uma análise geral dos result ados do experiment o denot a que as alt erações ocorridas a part ir da
mudança de posição do element o const rit or no modelo de t rat o vocal f oram muit o vast as, havendo
element os para se af irmar que exist e inf luência da posição do t rat o vocal na qualidade sonora da f laut a.
Essa inf luência pode ser percebida t ant o audit ivament e como at ravés de mudanças na conf iguração
espect ral do som. Houve alt erações sensíveis na f undament al e nos harmônicos correspondent es, de
acordo com a posição do element o const rit or no t ubo do modelo de t rat o vocal nas t rês sit uações
pesquisadas.
Not a-se que, na prát ica, a int erf erência do t rat o vocal na qualidade sonora de um f laut ist a é menor que
a demonst rada no experiment o. Ist o ocorre devido ao grande número de variáveis a que o f laut ist a
submet e sua execução, como por exemplo, a posição dos lábios e mandíbula, e variações de pressão e
f luxo. A f unção do modelo, isolando variáveis, é j ust ament e ressalt ar as alt erações decorrent es da
posição do t rat o vocal.
Observou-se que houve f ort e semelhança ent re as t rês sit uações em que as amost ras f oram gravadas.
Percebe-se que em t odas as sit uações exist em t rês seções dist int as. Tal f at o poderia nos remet er à
classif icação geral das vogais em t rês grupos, como apont ado na f igura 7.

Fig. 7: f orma do t rat o vocal e vogais correspondent es (Kent , 2001. p. 17)


A primeira seção de cada uma das sit uações represent a o element o const rit or ant eriorizado, ou sej a,
próximo à região dos lábios, o que nos remet e às vogais [ i] e [ ] , de acordo com Kent e Read (2001).
A segunda seção, por sua vez, represent a o element o const rit or em posição média, o que nos remet e à
vogal [ a] . A t erceira seção represent a o element o const rit or em posição post eriorizada, ou sej a,
af ast ado dos lábios, o que nos remet e às vogais [ u] e [ ] .
Embora sej a possível perceber semelhanças e dif erenças ent re as amost ras apresent adas, não f oi est e o
obj et ivo f inal do present e t rabalho, que se f ocou apenas na verif icação da exist ência ou não da
inf luência do t rat o vocal na qualidade sonora da f laut a. A mensuração dessa inf luência, bem como suas
possibilidades de aplicação prát ica e didát ica, serão obj et o de t rabalhos f ut uros.
Como análise geral, pode-se af irmar que, na maior part e das amost ras, a posição que melhor f avoreceu
a qualidade da f undament al f oi a equivalent e a vogal [ a] , ou sej a, posição média. Tal const at ação pode
f avorecer a didát ica da f laut a, especialment e para iniciant es, que não t êm domínio sobre a t écnica de
realizar alt erações no t rat o vocal. O uso da posição equivalent e a vogal [ a] poderia aj udar o iniciant e a
alcançar com maior f acilidade uma boa respost a sonora do inst rument o.

Referências bibliográficas
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164 SIMPEMUS 5
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Acúst ica Musical . São Paul o, 2004.
REFLEXÕES SOBRE SISTEMAS SONOROS E AUTO-ORGANIZAÇÃO

Cesar Adr i ano Tr al di (UNICAM/ UFU) Jônat as mANZOLLI (UNICAMP)

RESUMO: O conceit o de que a est rut ura musical t rat a-se de um sist ema dinâmico t ornou-se o pont o de
part ida para as indagações apresent adas nest e t ext o. Os agent es pert encent es ao sist ema sonoro podem
desempenhar dif erent es f unções. Ent ret ant o, esse processo de t roca de inf ormação ent re os agent es
pode ocorrer de dif erent es f ormas e as f unções que os agent es irão desempenhar est ão diret ament e
l igadas aos modos de int eração que são t ipif icados nest e t ext o em t rês grupos: Sist emas Fechados,
Sist emas Mediados e Sist emas Int erat ivos. A part ir dest as t rês def inições, buscamos compreender como
se dão as relações ent re os agent es envol vidos em cada um dos sist emas.

PALAVRAS-CHAVE: Sist emas, Aut o-Organização, Int erat ividade, Mediação.

ABSTRACT: The concept t hat t he musical st ruct ure is a dynamic syst em has become t he st art ing point
f or t he quest ions present ed in t his t ext . The agent s bel onging t o t he sound syst em can pl ay dif f erent
roles. However, t his process of inf ormat ion exchange among agent s can occur in dif f erent f orms, and
t he f unct ions t hat t he agent s will play are direct ly linked t o modes of int eract ion which are cl assif ied in
t his t ext int o t hree groups: Closed Syst ems, Mediat e Syst ems and Int eract ive Syst ems. From t hese t hree
def init ions, we underst and how are t he rel at ions among t he agent s involved in each of t he syst ems.

KEYWORDS: Syst ems, Self -Organizat ion, Int eract ivit y, Mediat ion.

Int rodução
A ciência cont emporânea t em ident if icado a possibil idade de diversos f enômenos f ísicos e biológicos
serem descrit os pel o mesmo principio engendrador. A idéia de aut o-organização, que t em sido est udada
como model o para o surgiment o de processos biológicos, pode ser ut il izada conceit ual ment e para
compreendermos mel hor o processo de criação musical . A part ir dest a visão cont emporânea, buscamos
compreender as int erconexões ent re organizações sonoras e a Teoria Geral de Sist emas (TGS) 1.

Definições Iniciais & Tipologias de Sist emas


A idéia de Sist ema pode ser f ormul ada a part ir da def inição de uma vizinhança (conj unt o) onde há
el ement os que int eragem ent re si para at ingir um obj et ivo. É uma t ot al idade na qual as part es t êm uma
ident idade própria e uma ident idade comum, como def inido por Bresciani e D’ Ot t aviano (2000). Nest e
t ext o denominamos de agent es os el ement os de um sist ema que int eragem at ravés de rel ações/ f unções
que variam no t empo. A ref l exão que f azemos aqui é que na est rut ura musical (vist a como sist ema) há
dif erent es agent es que podem desempenhar dif erent es f unções de acordo com a est rut ura da obra.
Dessa f orma, ent endemos pr ocesso cr i at i vo como um meio de proj et ar/ propiciar o desenvol viment o de
rel ações dinâmicas (t emporais) ent re os agent es de um sist ema sonoro. Há diversos modos de int eração
e as f unções que os agent es irão desempenhar est ão diret ament e l igadas a el es.

Nest e t ext o iremos abordar os sist emas sonoros t omando como pont o de part ida a exist ência de t rês
agent es: o composi t or , o i nt ér pr et e e o espect ador 2. Também def inimos para cada um dos agent es
quat ro f unções possíveis: obser vador , ar t i cul ador , medi ador e obser vador . Apesar da rel evância e da
exist ência de sist emas sonoros que não ut ilizam diret ament e a ação do int érpret e (como obras
compost as para t ape sol o), nest e t ext o o pont o de ref l exão é j ust ament e a int eração ent re est es t rês
agent es com f oco na ação do int érpret e. Caract erizamos os sist emas em t rês grupos:


1
TGS: Em 1950, o biólogo alemão Ludwig von Bert alanf y ao pesquisar os organismos vivos, not ou a exist ência de
caract eríst icas comuns (organização e dependência). Post eriorment e a noção de sist ema se est endeu para out ras
organizações: sociais, mecânicas, sonoras, elet rônicos, ent re out ras.
2
Os t ermos composit or, int érpret e e espect ador são t omados no singular no sent ido de def inir t rês agent es
sist êmicos. Todavia, há f ormas plurais para cada um deles. Est e t ext o não f az um est udo sob como cada um dos
agent es se desdobram em grupos no processo de agenciament o sist êmico.
166  SIMPEMUS 5

Sistemas fechados: sist emas onde a part it ura represent a um processo dinâmico desenvolvido a priori. O
composit or é o agent e com as f unções de observador, idealizador e art iculador. O int érpret e é o agent e
com a f unção de observador do desdobrament o da est rut ura sonora e mediador da art iculação
idealizada pelo composit or. O espect ador é o agent e com a f unção de observador da int erpret ação;

Sistemas Mediados: sist emas onde a not ação ut ilizada pelo composit or dá margem ao int érpret e at uar
t ambém como agent e art iculador (i. e. improvisação ou int erpret ação de part it ura gráf ica nos casos
apresent ados nest e t ext o). O composit or é o agent e observador, idealizador e o principal agent e
art iculador. O int érpret e além de ser um agent e observador e mediador é t ambém art iculador. O
espect ador é o agent e observador da art iculação e mediação do int érpret e;

Sistemas Interativos: sist emas onde não exist e uma not ação est abelecida a priori, mas o composit or
como agent e idealizador f az escolhas de mat eriais e observa maneiras como vão ocorrer relações locais
e iniciais. Nest e caso, o espect ador assume as f unções de agent e observador, art iculador e mediador. A
noção de int erpret ação f ica at relada aos desdobrament os dinâmicos produzidos pela ação do espect ador
sobre os mat eriais e nas relações locais idealizadas pelo composit or e que se desdobram em t empo real.
Port ant o, a obra só se apresent a como est rut ur a sonora f inal mediant e a ação do espect ador.

Visão Sistêmica & Funções Sistêmicas


Georgescu C. (1990. p. 15) apresent a o livro Gener al Syst em Theor y3 de Ludwing Von Bert alanf f y (1968)
como sendo a sement e para o início de uma t endência cont emporânea de invest igação da art e dos sons,
o que segundo ele poderia ser chamado de maneira genérica como “ syst em musi col ogy” . Segundo Gaziri
(1996, p. 401) t oda obra ou composição musical pode ser t rat ada ou analisada como um sist ema de
composição.

O sist ema sonoro é ext remament e complexo e exist e uma f ort e conexão ent re seus variados element os.
Esses element os são células rít micas, melodias, t onalidades, t imbres, seqüências de acordes, que se
relacionam de maneira complexa result ando em al go muit o maior. Podemos not ar aqui alguns dos
element os que possibilit am esse olhar sist êmico para as obras musicais. Bresciani & D’ Ot t aviano (2000,
p. 284 e 285) descrevem da seguint e maneira os sist emas: “ Um sist ema pode ser inicialment e def inido
como uma ent idade unit ária, de nat ureza complexa e organizada, const it uída por um conj unt o não vazio
de element os at ivos que mant êm relações, com caract eríst icas de invariância no t empo que lhe
garant em sua própria ident idade. Nesse sent ido, um sist ema consist e num conj unt o de element os que
f ormam uma est rut ura, a qual possui f uncionalidade. O conj unt o não vazio de element os, subj acent es a
um sist ema, é denominado universo do sist ema. Ent ret ant o, observa-se que não se deve conf undir um
sist ema com o seu universo. ”

O sist ema sonoro possui uma grande quant idade de inf ormação e por conseqüência há um grande
número de int erações ocorrendo. Essa grande complexidade não possui uma lógica subj acent e que
j ust if ique a organização, e é exat ament e por esse mot ivo que f ica dif ícil f azer previsões. O sist ema
sonoro t rat a-se de uma organização complexa que t em uma preposição indecidível.

Nos sist emas musicais exist em dif erent es agent es envolvidas no processo:

O agent e idealizador é o delimit ador do sist ema. É ele quem det ermina os limit es do sist ema at ravés de
part it ura, t ape, sof t ware de int eração em t empo real, mat erial sonoro, element os de improvisação, t ipo
de escrit a musical, et c. É o agent e idealizador que det ermina o que é inf ormação pert encent e ao
sist ema ou não. Além disso, é ele que det ermina os processos, ist o é, como serão as relações ent re os
agent es. O agent e idealizador escolhe os element os e os processos, mas por se t rat arem de relações
muit o complexas, ele não consegue prever t ot alment e t odos os result ados dessas int erações.

O agent e art iculador int erage com os out ros element os pert encent es ao sist ema sonoro inf luenciando e
recebendo inf luências. Ele t em responsabilidade diret a pelos result ados sonoros.

O agent e mediador é um t radut or da art iculação realizada pelo agent e art iculador. As f unções de
mediação e de art iculação, dependendo do t ipo de sist ema, podem ser desempenhadas pelo mesmo
agent e ou por agent es dif erent es. Em sist emas f echados o agent e art iculador represent a sua art iculação
at ravés de part it uras e o agent e mediador int erpret a est a art iculação, nest e caso a f unção de


3
BERTALANFFY, L. General System Theory. New York: G. Braziller, 1968.
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 167

art iculação e a f unção de mediação não necessit am ser realizadas pelo mesmo agent e. Já nos sist emas
mediados e nos sist emas int erat ivos o mesmo agent e pode desempenhar as duas f unções. Est e único
agent e é responsável por art icular e em t empo real mediar suas próprias art iculações.

O agent e observador t rat a-se do espect ador do sist ema. Ele ant ecipa e gera expect at ivas sobre as
int erações que est ão ocorrendo “ aqui e agora” , em t empo real. É at ravés da criação dessas previsões
que o espect ador de maneira individual passa a criar sua f ruição est ét ica. A percepção é individual e
esquemat izada e é decorrent e do hábit o de cada espect ador. Dessa maneira, a f ruição est ét ica nos
sist emas musicais irá ocorrer de maneiras diversas em espect adores dif erent es.

Auto-Organização
O agent e idealizador ao delimit ar um sist ema sonoro dinâmico escolhe os seus limit es est abelecendo os
element os e processos que irão f ormá-lo. Apesar de ser o proj et ist a do sist ema sonoro, o agent e
idealizador não consegue prever com precisão ou exercer inf luencia nos result ados das int erações que
irão ocorrer dent ro do sist ema. Isso ocorre devido ao f at o de que os sist emas sonoros são sist emas
dinâmicos que evoluem a part ir de si mesmos. Essa aut onomia do sist ema sonoro pode ser ent endida
at ravés do conceit o de aut o-organização. Ou sej a, as correlações e int erações que vão ocorrer dent ro de
um det erminado sist ema int erat ivo são est abelecidas por inf luência dos próprios element os f ormadores
do sist ema.

A aut o-organização ocorre a part ir de element os pré-det erminados. Segundo Debrun (1996, p. 13), um
sist ema é aut o-organizado quando os element os que o f ormam se produzem a si próprios. No caso de
alguns sist emas os element os não são como nas palavras de Debrun “ element os discret os” , mas sim,
element os pré-est abelecidos pelo agent e idealizador e criador do sist ema. Segundo Debrun (1996, p. 11)
“ a aut o-organização é aqui secundária à medida que ela j á não part e de simples element os, mas de um
ser ou sist ema j á const it uído. ” O agent e idealizador ao pré-est abelecer o sist ema não consegue domínio
complet o sobre ele, mas segundo Debrun (1996, p. 11) o sist ema com aut o-organização secundária “ é,
em geral, uma ‘ f ace-suj eit a’ que, f rent e a um desaf io ext erno ou int erno, ‘ decide’ , orient a, impulsiona
e cont rola a aut ot ransf ormação do organismo rumo a um nível de complexidade superior. ”

De acordo com Gaziri (1996, p. 408) o processo que produz as relações ent re os element os pert encent es
a est rut ura de um sist ema, se f orma inf luenciado por f at ores ext ernos casuais, que preenchem o papel
de ‘ ruído inf ormacional’ nas Teorias de Aut o-organização. Esses ruídos podem est ar relacionados a
f at ores cognit ivos como a percepção sonora e a memória do composit or.

Discussão
A principal caract eríst ica dos Si st emas Sonor os Aut o-Or gani zados é a presença de agent es que se
relacionam. Nest e sent ido, uma obra sonora pode ser observada e classif icada como um sist ema aut o-
organizado no moment o de sua criação ou art iculação. Os agent es do sist ema sonoro podem
desempenhar dif erent es f unções: idealização, art iculação, mediação e observação. Ent ret ant o, são nos
moment os de art iculação que se caract erizam as relações sist êmicas aut o-organizadas. Dessa f orma o
agent e que desempenha a f unção de art iculação passa a pert encer ao sist ema inf luenciando e sendo
inf luenciado pelos out ros element os do sist ema e por essa razão passa a t er uma posição de aut onomia e
ident idade com o processo. Idealização é uma f unção ext remament e complexa e que precede e ocorre
t ambém no at o do sist ema exist ir. O agent e idealizador ao imaginar o sist ema não consegue domínio
complet o sobre ele, mas ‘ decide’ , orient a, impulsiona e cont rola a aut o-t ransf ormação do organismo
rumo a um nível de complexidade superior.

Se post ularmos um cont inuum, caminhando de Si st emas Fechados, passando por Si st emas Medi ados e
chegarmos a Si st emas Int er at i vos, observamos que o agent e idealizador desdobra gradualment e a
f unção de art iculador, a qual desempenhava nos Si st emas Fechados, para os out ros agent es do sist ema.
Há, sem dúvida, um f at or cat alisador dessa mudança nas f unções dos agent es dos sist emas sonoros: o
grande desenvolviment o t ecnológico do f inal do século XX, que possibilit ou aos idealizadores criarem
sist emas muit o diversos at ravés de sof t wares como Max/ MSP, PD, et c. A t ít ulo de exemplo podemos
vislumbrar que a criação de um pat ch no ambient e comput acional Max est á diret ament e ligada à
idealização da obra e não à art iculação. Pois, a art iculação se dará por processos dinâmicos que
ocorrem no moment o de perf ormance em t empo real.
168  SIMPEMUS 5

Conclusão
A visão sist êmica que ut il izamos demonst rou-se uma f errament a de est udo import ant e para a
compreensão da compl exa rede de int erações que ocorrem na int erpret ação e composição de obras
sonoras com mediação e int erat ividade. A f unção de um det erminado agent e ampl ia-se quando el e se
desdobra nas rel ações sist emas e, por ext ensão, at ua no processo de aut o-organização. Not amos que nas
dif erent es possibil idades sist êmicas, aqui apresent adas, ocorre uma mist ura e dil uição das f ront eiras das
f unções t radicionais det erminadas no sécul o XIX para composit ores, int érpret es e espect adores. Assim,
podemos not ar que há mudança de f unções dos di f erent es agent es quando comparamos sist emas
f echados, sist emas mediados e sist emas int erat ivos. Est as mudanças ampl iam a ident idade e aut onomia
dos agent es no processo de produção sonora.

Aut onomia e Ident idade do Espect ador e do Int érpret e

   
           

Aut onomia e Ident idade do Composit or

Ol hando para o esquema acima podemos not ar que quando caminhamos da esquerda para a direit a
t emos uma ampl iação das f unções sist êmicas desempenhadas pel o espect ador e int érpret e. Enquant o
nos Si st emas Fechados o int érpret e desempenha apenas a f unção de t radut or das idéias do composit or,
nos Si st emas Medi ados el e passa a t er maior import ância no moment o da execução da obra, pois al ém
de agent e mediador, passa t ambém a desempenhar a f unção de art icul ador. Já nos Si st emas Int er at i vos,
na direção de uma adapt ação sist êmica, o espect ador sai de uma f unção passiva para uma at iva,
chegando a propost as onde a mediação é t ot al ment e f eit a at ravés del e. O espect ador desempenha nos
Si st emas Int er at i vos as f unções de agent e art icul ador, agent e mediador e agent e observador. Já quando
caminhamos da direit a para a esquerda vemos uma ênf ase na f igura do composit or.

Agradeciment os
Est a pesquisa t em apoio da Fapesp.

Referências
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A COMPOSIÇÃO POR SEGMENTAÇÃO EM MORTON FELDMAN: ANÁLISE DE CRIPPLED SMMET RY

Dant as Neves Rampi n (UNICAMP)

RESUMO: A música do composit or Mort on Feldman é marcada por sua relação int rínseca de sua música
com a Pint ura do Expressionismo Abst rat o assim como pel o seu cont at o com a t apeçaria nômade
d’ Anat olie (Turca). Dest a vivência com a pint ura e t apet es nasce uma música que busca lidar de f orma
singular as quest ões de Est rut ura e Tempo. Dent re as várias est rat égias composicionais de Mort on
Feldman para lidar com Est rut ura e Tempo, a composição por Segment ação revela uma das suas
t écnicas mais bem sucedidas nest a conf l uência ent re música, pint ura e t apeçaria.
PALAVRAS-CHAVE: Mort on Fel dman, Crippl ed Symmet ry, Segment ação, Tempo Não Est rut urado, Pint ura
do Expressionismo Abst rat o, Tapet es Nômades.
ABSTRACT: The music composed by Mort on Fel dman is marked by t he int rinsic relat ion bet ween his
music and t he abst ract expressionism pait ing as well as his cont act t o t he nomad t apest ry
d'Anat olie(t urkish). Through t his living wit h pait ings and carpet s, is creat ed a music t hat t ries t o deal,
t hrough a singular way, wit h quest ions of St ruct ures and Time. Amoung all t he Mort on Feldman's
composit ional st rat egies t o deal wit h St ruct ures and Time, composit ion by Segment at ion is revealed as
one of t he most successf ul skills in t his conf luence amoung music, paint ing and t rapest ry.
KEYWORDS: Mort on Fel dman, Crisppl ed Symmest ry, Segment at ion, Non-st ruct ured Time, Abst ract
Expressionism Pait ing, Nomad Carpet s.

1 – int rodução
Em 1952, John Cage, coment ando sobre a música do amigo Mort on Feldman na conf erência na Juilliard
School of Music, declarou:
Ele não est á pre-ocupado com a cont inuidade porque ele sabe que qualquer som dá seqüência
a qualquer out ro. Seus t rabalhos em papel de música não são essencialment e dif erent es
daqueles em gráf icos, pois, quando escreve as not as e os valores, ele o f az diret a e
inesit ant ement e, sem se envolver com a idéia de f azer uma const rução de nat ureza lógica.
Seu t rabalho f az-me lembrar de um poema de Emily Dickinson: Na insegurança, j azer é
qualidade que assegura a alegria (Cage (1952) citado em Duprat e Campos (1985, p. 100).

A decl aração de Cage af irmando que a música escrit a por Fel dman em “ papel de música” não t em
essencialment e dif erença dos seus t rabalhos em “ gráf icos” nos parecem um t ant o prof ét icas se
considerarmos que Feldman ainda não t inha at é aquela época, uma produção consist ent e em part it uras
“ t radicionais” . A declaração de Cage sint et iza em muit o a música de Feldman do início dos anos 70,
época conhecida como est i l o t ar di o1 de Fel dman, que havia emergido t ot al ment e em t rabal hos como
St r i ng Quar t et (1979). Em 1978 – um ano ant es da composição de St r i ng Quar t et – Feldman compõe uma
peça na qual el e apresent ou uma f orma dif erent e de escrit a em “ papel de música” realizada por ele at é
ent ão. Est a peça int it ulava-se Why Pat t er ns? – para glockenspiel, piano e f laut a – na qual ele
experiment ou uma maneira radical de ut ilização de padrões rít micos, harmônicos e melódicos, não
ut ilizados por ele at é ent ão. Why Pat t er ns? é precursora de uma t écnica empregada por Fel dman
baseada na “ combinação dos padrões encont r ados nos t apet es f eit os à mão pelos nômades da Turquia e
Ásia Cent ral e da t écnica de repet ição empregada pelo pint or Jasper Johns chamada de Crosshat ch
Paint ing” (Johnson, 2002, p. 219 – gr i f o nosso).
No t ext o escrit o por ele em 1981, int it ulado Cr i ppl ed Symmet r y2, Feldman menciona o t rabalho de
Johns e t raça um paralelo ent re repet ição/ padrão e Cr osshat ch Pai nt i ng / t apet es orient ais.
Em 1983 Feldman volt a a ut ilizar a t écnica preconizada em Why Pat t er ns? na peça int it ulada Cr i ppl ed
Symmet r y para f laut a/ f laut a baixo, vibraf one/ glockenspeal e piano/ celest a, peça que será o nosso
obj et o de análise, na qual poderemos observar import ant es f errament as composicionais usadas por
Feldman. Aqui na j unção ent re as idéias geradas a part ir dos t apet es nômades d’ Anat olia e da
Cr osshat ch Pai nt i ng, Feldman desenvolve uma t écnica composicional, t écnica est a que o composit or

1
Ent ende-se por est ilo t ardio, as peças de carát er mais padronizados, compost as por Feldman a part ir dos anos 70.
Est e período t ambém é marcado pelo aument o t emporal signif icat ivo em suas peças, por exemplo, St r i ng Quar t et
(1979) com aproximadament e 6 horas de duração.
2
Traduziremos Cr i ppl ed Symmet r y por Simet ria Manca ou Cambaleant e. Cr i ppl ed Symmet r y aparecera em nosso
t ext o em t rês sit uações dist int as, uma como ref erência do t ext o escrit o por Feldman em 1981, out ra ref erindo-se à
peça escrit a em 1983, e por últ imo como uma das t écnicas de manipulação de padrões ut ilizados por Feldman.
170 SIMPEMUS 5
chamou de Cr i ppl ed Symmet r y, mesmo nome que leva a peça a ser analisada e do t ext o escrit o por ele
em 1981. Tant o o t ext o que acabamos de cit ar, quant o o art igo escrit o por St even Johnson, int it ulado
Jasper Johns and Mor t on Fel dman: Why Pat t er ns?3, alem do t rabalho de Philip Gareau – La musi que de
Mor t on Fel dman ou l e t emps en l i ber t é – serão mat erial base da present e análise, além de out ros
t rabalhos complement ares.

2 – Feldman / Johns: composição por segmentação


Feldman em seu t ext o int it ulado Cr i ppl ed Symmet r y escreve:
Minha música é inf luenciada pelo mét odo do uso da cor, no qual est e é usado em um art if ício
essencialment e simples, e isso me f ez quest ionar a nat ureza do mat erial. Qual o melhor modo
de acomodar a cor musical? Padrões.

Mais adiant e no mesmo t recho Feldman cont inua:


A Tela do Johns é mais uma lent e onde somos guiados por seu olho conf orme viaj a, onde a
maré – um pouco dif erent e um pouco a mesma – t raz à ment e o que disse Cage sobre “ imit ar
a nat ureza na maneira da sua operação. ” Est as pint uras criam por um lado a concret ude que
associamos com a art e padronizada e por out ro lado, uma poesia abst rat a de não saber sua
origem (Feldman (1981) cit ado em Friedman e O’ Hara (2000, p. 139).

O t recho acima conf irma sua relação: t apet es/ Johns. Feldman coment a sua at ração por uma série de
pint uras em que Johns explora a repet ição e a simples abst ração de padrões como base às suas t elas.
Johns chama est as t elas de Cr osshat ched Pai nt i ngs. Est as pint uras não represent at ivas e impessoais
permit iram a Feldman concent ra-se no processo de criação delas, sugerindo a ele novas possibilidades
para o uso da repet ição de padrões, em part icular a noção de Johns com relação à “ variação do f oco dos
olhos” (Johnson (2002, p. 220).
St even Johnson no seu t ext o coment a sobre a primeira Cr osshat ch Pai nt i ngs de Johns, int it ulado Scent ,
1973 - 74 – f igura 1 – ressalt ando a int enção de Johns com relação ao “ o f oco mut ant e (mudança) do
olho” – t irar o f oco da superf ície da t ela chamando à at enção para a percepção (Johnson (2002, p.
220). .

Figura 1: Jasper Johns, Scent , 1973-74. Collect ion Ludwig, Aachen. Font e disponível em:
ht t p: / / www. art chive. com/ art chive/ J/ j ohns/ scent . j pg. ht ml Acessado em: 15/ 07/ 2007.
Scent é compost o de t rês painéis onde aparent ement e acredit amos est ar vendo superf ícies iguais. No
ent ant o não o são. Da esquerda para a direit a os painéis apresent am dif erenças de t ext ura:
Painel esquerdo: encáust ico – pigment o derret ido em cera quent e, proporcionando uma superf ície
granular e sem brilho – opaca
Painel cent ral – óleo sem verniz em t ela não bet umada, t endo o ef eit o de uma t ela de um brilho sut il
Painel da direit a – óleo com verniz numa t ela bet umada, onde o brilho dest a é int enso.
Dest e modo Johnson af irma haver uma int enção de Johns em propor uma direcionalidade visual na
percepção da t ela de Scent at ravés do uso dos mat eriais – part indo de uma t ext ura “ desint eressant e” ,
opaca, rumo a uma t ext ura brilhant e, chamat iva (Johnson (2002, p. 219-220). Est a est rat égia de Johns
inf luenciou o modo como Feldman t rabalhou a mont agem das part es de peças como Cr i ppl ed Symmet r y,
isso é, Feldman ut iliza padrões simples e não cont rast ant es em uma mont agem direcional seccionada,
pois se observarmos mais at ent ament e Scent , veremos que os t rês painéis não são a única direção visual
exist ent e.

3
Johnson, St even. The New Yor k School s of Musi c and Vi sual Ar t s. New York, 2002, Rout ledge, pp. 217-247.
simpósio de pesquisa em música 2008 171
Michael Cricht on em Jasper Johns (1984), apresent a como Johns seccionou e mont ou Scent – f igura 2:
As cores iguais nunca se encont ram, a não ser ent re as t rês t elas, as repet ições dos padrões dos “ f eixes
de cores4” . Os padrões est ão agrupados em subseções vert icais dispost os em ABC – CDE – EFA, onde a
primeira subseção – A – do painel da esquerda é igual a últ ima subseção do painel da direit a; a últ ima
subseção do painel da esquerda – C – é igual a primeira subseção do painel cent ral; e a t erceira subseção
do painel cent ral – E – é igual a primeira subseção do painel da esquerda. Est a f orma de mont agem
repet indo as seções nas ext remidades ent re os painéis, t ambém é uma f orma de orient ação da visão,
t ornando a t ela menos plana (achat ada) e mais cilíndrica, cont inua (Cricht on (1984) cit ado por Johnson
(2002, pp. 221-222).

A B C C D E E F A
Encáustico Óleo sem verniz em Óleo com verniz numa
tela não betumada tela betumada
Figura 2: Jasper Johns, Scent , est rut ura da t ela.
Feldman encont ra ressonâncias na f orma de mont agem de Johns com a maneira que ele pensava a
operação do t empo musical. Feldman ut iliza da concepção vinda da pint ura chamada St ásis para
const ruir em sua música o t empo da imobilidade ou ilusão de imobilidade at ravés da criação de
procediment os que ocult am mecanismos de arranj o da repet ição variada no t empo que, por sua vez,
ocult am um desenvolviment o baseado em obj et os aparent ement e imut áveis. Est e t empo imóvel ou
“ Tempo em Permanência” é o cerne do t rabalho de Feldman.
Na página inicial de Crippled Symmet ry observamos como Feldman t rabalha em semelhança com as
pint uras de Johns na manipulação de padrões que se encont ram ent re o f ixo e o f lexível, ent re o
variável e o invariável – f igura 3.

4
Os f eixes de cores são os grupos de linhas de cores iguais.
172 SIMPEMUS 5

(C) (C) (C)

(B)

(A)

Figura 3: Mort on Feldman, Cr i ppl ed Symmet r y, 1983. Primeira página.


O t recho inicial apresent a as t rês operações com padrões descrit as por Feldman no t ext o Crippled
Symmet ry:
Mol dur a Ver t i cal – consist e em t rabalhar um padrão simét rico de t ext ura harmônica dent ro de uma
moldura (ent re pausas) que varia a memória t emporal, sem, cont udo, perder a nat ureza simét rica do
padrão ut ilizado – f igura 4.

Figura 4: Mol dur a Ver t i cal .


si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 173
No t recho inicial de Crippled Symmet ry podemos ver a ampliação dest a t écnica no t erceiro sist ema ( A ) –
f igura 3 – no qual ele cria um j ogo de simet ria e assimet ria. Uma moldura assimét rica: 5/ 8 num gest o
simét rico: 4/ 4 – com 4 seminimas. Feldman t rabalha t ambém com a Moldura simét rica ( S) para um gest o
assimét rico ( A ) – f igura 5:

S A S
Figura 5: Mol dur a Ver t i cal .
Al t er ação do Impul so do Padr ão – Na linha do vibraf one podemos not ar um padrão compost o por um
grupo de cinco semicolcheias (primeiro compasso 5/ 16) que aparece sendo reit erado at é o f inal da
f igura 3 – ( B). O que chama a at enção, é que a cada reit eração, o padrão é deslocado no seu impulso
inicial pelo acréscimo de uma pausa de semicolcheia – primeiro o padrão é deslocado uma semicolcheia,
depois uma colcheia, depois uma colcheia pont uada e assim por diant e.
Cr i ppl ed Symmet r y – Nos compassos 3, 5 e 7 – ( C) – da linha da f laut a escrit os em 9/ 16, vemos como
Feldman alt era o modelo compost o por uma colcheia pont uada mais t rês colcheias, alt erando a posição
da colcheia pont uada. No compasso 3 o pont o de aument o aparece na t erceira colcheia, no compasso 5
aparece na segunda colcheia e no compasso 7 na quart a (últ ima) colcheia do padrão – f igura 3.
O t recho inicial t ambém apresent a, além dest as operações mais pont uais, uma operação de ordem
est rut ural muit o import ant e que é o processo de segment ação (o nosso maior int eresse nest e t ópico), no
qual Feldman apresent a em cada part e inst rument al dif erent es padrões baseados sobre o mesmo
mat erial harmônico, alem disso, est es padrões se apresent am em dif erent es relações duracionais,
geradas pelas dif erent es f órmulas de compasso em que elas est ão escrit as e pelas repet ições desiguais
ent re as part es inst rument ais – f igura 6. Podemos observar aqui mais at ent ament e as mudanças de
f órmulas de compasso e suas repet ições, além do comport ament o do mat erial harmônico/ melódico,
onde as dif erent es cores das linhas represent am grupos de padrões dist int os e os números em vermelho
os compassos de “ pausas” 5. Est a f orma inicial de operação t raz uma dessincronização que perdura por
t oda a peça, porém, out ras seções da peça não t em a mesma superf ície desincronizada como nest a
seção inicial.

1 A 5 10

A 5/ 8 9/ 16 3/ 4 9/ 16 5/ 8 9/ 16 7/ 8 5/ 4 5/ 4
4/ 8
 
6/ 16 7/ 16 8/ 16 9/ 16 10/ 16 11/ 16 10/ 16 9/ 16 8/ 16
[ : 5/ 16

3/ 8 : ] [: 4/ 4 4/ 8 : ] [: 5/ 4 5/ 8 : ] [ : 6/ 4: ] [ : 7/ 4: ] [ : 8/ 4: ] 7/ 8
[ : 3/ 4

A PI -------------  B

15 20

5/ 4 3/ 8 5/ 8 4/ 8 4/ 2 3/ 8 7/ 4 3/ 8 6/ 4 3/ 8
7/ 16 6/ 16 5/ 16 7/ 16 9/ 16 11/ 16: ] 11/ 16 10/ 16 A’ [ : 3/ 4 1/ 8

7/ 4 : ] [: 6/ 8 6/ 4 : ] [: 5/ 8 5/ 4 : ] [: 4/ 8 4/ 4 : ] 3/ 4 [: 4/ 4 4/ 4

B’

5
Import ant e ressalt ar, que o f at o dos padrões t erem dist inções, não signif ica que eles t êm caract eríst icas
radicalment e cont rast ant es, mas apenas, que apresent am modelos modif icados, muit as vezes sobre o mesmo
mat erial.
174 SIMPEMUS 5

25 30

5/ 4 1/ 8 4/ 4 5/ 8 4/ 4 5/ 8 3/ 4 7/ 8  5/ 8

 1/ 8 4/ 4 1/ 8 5/ 4 1/ 8 : ] 3/ 4 1/ 8 [: 2/ 4 1/ 8
4/ 4 4/ 4 4/ 4 : ] [: 4/ 4 4/ 4 4/ 4 4/ 4 : ] 11/ 16 3/ 16 10/ 16

B’ ’ ----- 
Figura 6: Est rut ura do inicio da primeira seção em Cr i ppl ed Symmet r y.
Na f igura 7 vemos o comport ament o dessincronizado ent re as part es inst rument ais e as proporções ent re
as 12 segment ações que f ormam Cr i ppl ed Symmet r y: A – B – C – A’ – D – A’ – E – F – B’ – F’ – E’ – F’ .

Figura 7: Diagrama dos padrões dent ro das segment ações em cada inst rument o de Crippled Symmet ry.
At ravés do diagrama not amos que t odas as part es se realizam enquant o t ext ura mesmo com as
def asagens ent re elas, a não ser as seções 9 (de baixo para cima – azul escuro) – B’ e 11 (de baixo para
cima – amarelo) – E’ .
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 175
3 – Feldman / tapetes: variação escondida – abrash
A mesma mot ivação que envolveu Feldman com relação à pint ura de Johns, o conduziu na década de 70
a se int eressar a colecionar t apet es nômades Turcos de onde ele t rouxe para a sua música a concepção
do Abr ach. A t écnica do Abr ash consist e em pequenas mudanças nas cores em um mesmo t apet e em
virt ude de se t ingir pouca quant idade de f ios. Embora a cor de uma área em part icular do t apet e
supost ament e possa ser a mesma do rest ant e, na verdade est a não o é. Por exemplo: um t apet e que
possui uma área t ingida em vermelho, t ambém revela cont rast es de marrom, roxo e vinho– f igura 8.

Figura 8: Tapet e nômade Turco.


Os t apet es Turcos cont ribuíram ainda mais à música de Feldman, as suas f ormas semelhant es, mas não
simét ricas chamaram sua at enção para a caract eríst ica idiomát ica dest es.
O t rabalho de Feldman com as alt uras busca operações que ressalt em suas pref erências pela St ási s do
t empo at ravés da Var i ação Escondi da – Abr ash e da “ Cr i ppl ed Symmet r y” (como vimos ant eriorment e).
Podemos af irmar que a maneira como ele t rabalha o mat erial harmônico/ melódico segue est e mesmo
caminho. Paula Kopst ick Ames, numa análise de Piano (1977), cit ada por DeLio (1996, pp. 114-121),
chamou at enção para as operações geradas por Feldman no seu t rat o com os mat eriais harmônicos:
– Cruzamento de vozes:

Figura 9: Mort on Feldman, Cr i ppl ed Symmet r y. Página 20.


Uma das maneiras mais f reqüent es com que Feldman t rabalha os mat eriais é at ravés da simples
redist ribuição de um conj unt o de not as. Aqui vemos uma dest as f ormas, onde Feldman simplesment e
invert e a posição das not as. Not a-se que a not a lá sust enido no primeiro acorde, passa a ser lá bemol.
Est a pequena dif erenciação na not a, além da inversão ut ilizada por Feldman, t raz à memória o uso do
abr ash.
176 SIMPEMUS 5
– Mudança de registro:

Figura 10: Mort on Feldman, Cr i ppl ed Symmet r y. Página 1.


Além do cruzament o de vozes, a mudança de regist ro pode exist ir ou não. No exemplo ant erior t ambém
houve a mudança de regist ro, que pode est ar relacionada a um cruzament o de vozes ou não, como no
exemplo acima.

– Inversão intervalar:
Em Cr i ppl ed Symmet r y, Feldman não opera inversões int ervalares, mas por ser est e um procediment o
comum em suas composições, apresent aremos at ravés de um exemplo de out ra peça escrit a por ele
int it ulada Copt i c Li ght (1987) para orquest ra – f igura 10.
No exemplo abaixo, not amos o moviment o do int ervalo de t erça menor – f á sust enido e lá nat ural –
invert er num int ervalo de sext a maior – lá nat ural e f á sust enido – ent re os acordes 3 e 4.

Figura 10: Processo de t ransf ormação nos acordes ocorrent es nos Cont rabaixos em Copt i c Li ght .
simpósio de pesquisa em música 2008 177
– Processos aditivos/ subtrativos:

Figura 89: Mort on Fel dman, Crippl ed Symmet ry. Páginas 23-24.
Na f igura 89 not amos um exempl o cl aro de processo harmônico adit ivo, da mesma f orma que Fel dman
t ambém opera subt rat ivament e, principal ment e se considerarmos a ret irada int encional de mat erial nos
f inais das suas peças.

4. 3 Conclusão
At ravés dos aspect os anal isados pudemos not ar como at ravés das segment ações, Fel dman desenvol veu
uma const rução ent re o f ixo e o f l exível , ent re pl anos cont rast ant es e est át icos, simét ricos e
assimét ricos at ravés das t écnicas da variação escondida e da Crippl ed Symmet ry. As rel ações dos
mat eirais harmônicos/ mel ódicos t razem a est a const rução “ ent re sensações” uma espécie de unidade
mat erial auxil iadora nos sut is ef eit os do abrash.

Referências bibliográficas
CAGE, John. De Segunda a Um Ano. Trad. de Rogério Druprat ; Rev. August o de Campos. São Paulo: Hucit ec, 1995.

DELIO, Thomas. The music of Morton Feldman . West port : Greenwood Press, 1996.

FELDMAN, Mort on. Crippled Symmetry. Universal Edit ion, 1983.

FELDMAN, Mort on. Écrits et paroles, précédés d’ une monographie par Jean-Yves Bosseur . Paris: L’ Harmat t an,
1998.

FRIEDMAN, B. H; O’ HARA, Frank. Give my regards to eighth street: collected writings of Morton Feldman . New
York: Cambridge Universit y Press, 2000.

GAREAU, Philip. La musique de Morton Feldman ou le temps en liberté . Paris: L’ Harmat t an, 2006.

JOHNSON, St even. The New York Schools of Music and Visual Arts. New York: Rout ledge, 2002.

VILLARS, Chris. Morton Feldman Says: Selected interviews and lectures 1964 –1987 . London: Hyphen Press, 2006.
A TRANSFORMAÇÃO FÍSICA DO PRÉDIO E A BUSCA DE ESTABILIDADE NA INCORPORAÇÃO PELA

UNIVERSIDADE

Leonar do L. Wi nt er (UFRGS) Lui z Fer nando Bar bosa Juni or (UFRGS)

RESUMO: O art igo aborda a t ransf ormação f ísica do Inst it ut o de Art es e sua inf l uência na evol ução do
ensino no Rio Grande do Sul . Fundado em 1908 em Port o Alegre, o Inst it ut o de Bel as Art es é uma das
mais ant igas e import ant es inst it uições de ensino art íst ico-musical do Brasil. Const it uído como um
inst it ut o part icular de ensino às art es e música est rut urou-se em duas seções: o Conservat ório de Música
e a Escol a de Art es. A met odol ogia empregada se processou at ravés de pesquisa bibliográf ica e
document al est abel ecendo rel ações ent re a est rut ura f ísica e a evolução do ensino musical no Rio
Grande do Sul.
PALAVRAS-CHAVE: Conservat ório de Música, Inst it ut o de Belas Art es do Rio Grande do Sul, Musicologia.
ABSTRACT: The art icl e aproaches t he physical t ransf ormat ion of t he Inst it ut e of Art s and it s inf luence on
t he devel opment of educat ion in Rio Grande do Sul. Est ablished since 1908 in Port o Alegre cit y, t he
Inst it ut o de Belas Art es is one of t he oldest and more import ant inst it ut ions of music and art ist ic
learning of Brazil. Init ially conceived as a privat e inst it ut ion, was st ruct ured in t wo main sect ions: t he
Music Conservat ory and t he Fine Art s School . The met hodol ogy used was done by bibl iographic and
document ary est abilishing relat ions bet ween t he physical st ruct ure and evolut ion of music educat ion in
Rio Grande do Sul.
KEYWORDS: Music Conservat ory, Inst it ut o de Belas Art es f rom Rio Grande do Sul, Musicology.

1 – int rodução
Est e t rabal ho aborda como a t ransf ormação est rut ural do Inst it ut o de Art es t eve ref lexos no ensino
musical do Rio Grande do Sul e suas impl icações nas modif icações de sua est rut ura f ísica na
incorporação à Universidade. Dado esse obj et ivo, o est udo est á compreendido ent re os anos de 1908 e
1962, dat as que marcam, respect ivament e, a criação dest a Inst it uição e sua incorporação def init iva à
Universidade.
Est e apanhando hist órico, realizado a part ir de pesquisa bibliográf ica e document al no Acervo Hist órico
do Inst it ut o de Art es, bem como nos arquivos de j ornais locais, visa cont ext ualizar um período da
evol ução e t ransf ormação da est rut ura que se deu pel a consol idação e inst it ucional ização acadêmico-
universit ária do proj et o de ensino da música, resgat ando e preservando a memória cul t ural na cidade de
Port o Al egre e no Rio Grande do Sul , reconst ruindo a hist ória da incorporação do Conservat ório de
Música e Escola de Art es do Inst it ut o à inst it uição universit ária.

2 – ant ecedent es hist óricos


Aos vint e e dois dias do mês de abril de 1908, na cidade de Port o Al egre, capit al do Est ado do Rio
Grande do Sul , f oi assinado pel o President e do Est ado, Dr. Carl os Barbosa, e por nomes represent at ivos
da sociedade l ocal , a inst al ação da Comissão Cent ral t endo como f inal idade à impl ement ação do
Inst it ut o de Belas Art es do Rio Grande do Sul.
Seu primeiro prédio, sit uado em um imóvel alugado pela Comissão Cent ral da inst it uição, possuía t rês
paviment os e um audit ório que, t al como dest acam os document os pesquisados, não permit iam o pl eno
desenvolviment o das at ividades art íst icas e musicais.
simpósio de pesquisa em música 2008 179

Figura 1 – Primeiro prédio do Instituto de Belas Artes do RS.


No relat ório financeiro referent es aos anos de 1909-1910, primeiro ano ef et ivo de aulas no
Conservat ório de Música, observamos um aument o em it ens de receit as e despesas onde j á aparecem
rubricas det alhadas que nos permit em vislumbrar algumas at ividades desenvolvidas no primeiro ano de
f uncionament o: af inações de piano, despesas com anúncios, programas musicais e concert o, at ividades
de encerrament o de aulas, receit as advindas de espet áculos musicais e de aluguel de sala. No it em
“ despesas” o balancet e revela os gast os com a remuneração dos professores e de funcionários.

RECEITAS DESPESAS
Saldo em 22 de abril de 1909----------35:628$200 Folha de pagamentos
Contribuições-------------------------------11:050$000 Professores-----------------------------------5:684$000
Subsídios do Governo -------------------17:000$000 Escola de Arte-------------------------------1: 355$000
Subsídios da Intendência ----------------2:000$000 Escriturário, zeladora e contínuo----------540$000
Matrículas-------------------------------------3:710$000 2 Pianos ---------------------------------------3:000$000
Produto de espetáculos-------------------1: 183$250 Aluguel de casa-----------------------------1: 705$000
Leilão de 2 animais----------------------------331$000 Luz elétrica --------------------------------------467$950
Aluguel de sala --------------------------------270$000 Ordenado ao guarda livros------------------360$000
Donativos------------------------------------------85$000 Conserto do prédio--------------------------1:581$000
Juros ------------------------------------------2: 154$600 Instalação de luz elétrica---------------------359$600
Cobrança de títulos-----------------------------48$000
Anúncios e programas -----------------------159$800
Telefone------------------------------------------100$000
1 Toilette-----------------------------------------100$520
Encerramento de aulas----------------------265$000
Compostura da casa -------------------------625$000
Pintura da casa---------------------------------220$000
1 armário -----------------------------------------52$000
Artigos para escritório-------------------------220$700
Concerto-------------------------------------------35$000
180 SIMPEMUS 5
Afinação de pianos -----------------------------16$000
Diversas contas -----------------------------1:615$800
Balanço---------------------------------------54:901$680
Total ------------------------------------------73:412$050 Total: -----------------------------------------73:412$050

Font e: (OLIVEIRA, 1912, p. [ 46] ).


Também est e balancet e apont a receit as arrecadadas de cont ribuições de volunt ários, mat rículas e
subsídios do Governo e da Pref eit ura (Int endência) permit indo mesurar a import ância dos subsídios do
Governo do Est ado - at ravés da iniciat iva do President e Carlos Barbosa - no apoio à nascent e inst it uição.
Nos anos seguint es as subvenções do Governo Est adual e da Pref eit ura somaram a seguint e quant ia:

SUBSÍDIOS GOVERNAMENTAIS AO INSTITUTO DE BELAS ARTES DO RS


Anos 1909 1910 1911 1912
Governo Estadual 12:000$000 20:000$000 25:000$000 25:000$000
Prefeitura 2:000$000 2:000$000 2:000$000 3:000$000
Font e: (OLIVEIRA, 1912, p. 19).
Idealizado como uma sociedade part icular e dependent e das t axas de mat rículas arrecadadas pelos
alunos - f ormado em sua grande maioria por mul heres - o Inst it ut o de Belas Art es dependia
principalment e dos valores repassados pelo Governo do Est ado para cobrir suas despesas. Finalment e no
ano de 1913 o sobrado f oi adquirido pelo Inst it ut o por 30 cont os de reis conf orme const a na at a da
Comissão Cent ral do dia 04 de abril de 1913 repr esent ando uma maior est abilidade à nascent e
inst it uição.
Os recursos f inanceiros para a manut enção, provenient es de mat rículas, donat ivos de part iculares e
cont ribuições do Governo do Est ado, não permit iam a est abilidade, nest e sent ido era necessário buscar
uma solução.

3 – a primeira incorporação à universidade


Com a criação da Universidade de Port o Alegre, em 1934, o Inst it ut o de Belas Art es f oi incorporado à
nova est rut ura. Tal incorporação, t odavia, não perdurou e, em 5 de j aneiro de 1939 o Governo do
Est ado edit a o decret o nº. 7. 672, desanexando o Inst it ut o da Universidade com o argument o de que
f alt a de reconheciment o f ederal e ausência de inst alações adequadas. Nenhuma causa pode dar cont a
de t odas as explicações que concorrem para essa exclusão. O reit or que encaminhou as causas da
exclusão não possuía a vivência do campo art íst ico. Procedent e da Facul dade de Medicina e Deput ado
Est adual empenhou-se vivament e num gerenciament o e num t rabal ho de saneament o econômico da
Universidade.
Segundo Fernando Corona1, f alava-se que havia sido a t ít ulo de economia e af irmava-se que um
secret ário de Est ado f izera a pergunt a: “ como pode um t ocador de t rombone ganhar igual a um
prof essor de Medicina?” . Ao apelo f eit o pela comissão de prof essores que f oi pedir amparo ao Palácio
Pirat ini (Palácio do Governo do Est ado do Rio Grande do Sul), deu-se a seguint e respost a: “ art e não
int eressa ao Est ado” (CORONA, 1978).

4 – construção do prédio próprio do Instituto de Belas Artes


Em f ace da dif ícil sit uação criada, procurou a Congregação de 28 (vint e e oit o) prof essores do Inst it ut o
sanar as lacunas que deram ensej o ao ref erido decret o. O ent ão Diret or Tasso Corrêa imaginou a criação
da Legião dos Cont ribuint es int it ulados de Legionários das Bel as Art es em prol da const rução de um novo
edif ício.
A Congregação reuniu-se aprovando, em 23 de agost o de 1940, um regul ament o para a ordenação e
legalidade da campanha que f oi acompanhado de um rápido hist órico do educandário.
Novament e recursos da comunidade port o-alegrense f oram angariados com a f inalidade de auxiliar na
const rução de um prédio adequado: 700 (set ecent as) pessoas cont ribuíram com diversos valores
divididos em parcelas. Porém, a despesa para execução do novo proj et o arquit et ônico chegava a
1. 500. 000 (um mil hão e quinhent os mil ) cont os de réis. A solução encont rada pelo ent ão diret or do
Inst it ut o, prof essor Tasso Corrêa f oi, conj unt ament e com alguns prof essores, hipot ecar suas residências

1
Fernando Corona, cont rat ado em 12 de maio de 1938 pela Universidade de Port o Alegre, f oi f undador da cadeira de
Modelagem e do curso de Escult ura. Junt o com o arquit et o Ernani Corrêa criou o proj et o do prédio at ual do Inst it ut o.
simpósio de pesquisa em música 2008 181
part iculares, obt endo assim a quant ia necessária para const rução do novo edif ício do Inst it ut o de Belas
Art es.
No dia 30 de abril de 1941 o Governo Federal reconheceu o Inst it ut o de Belas Art es como ef icient e para
poder educar às belas art es pelo decret o n. º 7197, publicado em 20 de maio do mesmo ano.
Agora o próximo passo era a const rução do novo edif ício. O Inst it ut o passou a f uncionar no 1º andar de
um prédio alugado na Rua dos Andradas, nº 1. 511, onde at é a cozinha servia como sala de aula.
Regist rou Corona em seu diário sobre a const rução de um novo edif ício:
O caso da Escola era um problema de amor próprio que nos impulsionava a redobrar nossos
esf orços. A idéia de demolir o melhor casarão da Rua Senhor dos Passos e const ruir um
alt eroso edif ício, se t ransf ormou em idéia f ixa (CORONA, 1940).

No mesmo ano de 1941 f oi iniciada a demolição do ant igo edif ício com t rês paviment os e, em primeiro
de j ulho de 1943, inaugurado o novo prédio dispondo de inst alações modelares, conf orme parecer do
inspet or f ederal, Dr. Rômulo Gut ierres, que assim se manif est ou a respeit o em document o of icial
dirigido ao Exmo. Sr. Minist ro da Educação: “ [ . . . ] inst it ut o conf ort avelment e inst alado em uma das mais
modernas e amplas sedes escolares que me t em sido permit ido ver em minhas missões de inspeção” . Em
virt ude do reconheciment o f ederal e das inst alações de que dispunha, a Congregação de prof essores do
Inst it ut o dirigiu-se em out ubro de 1943 ao Governo do Est ado pleit eando sua reincorporação à
Universidade, vist o como haviam desaparecido os mot ivos do seu af ast ament o.
O Conselho Universit ário emit iu um parecer no dia 5 de j aneiro de 1944, cont rário à incorporação,
alegando a exist ência uma inst it uição de mais alt a import ância para a cult ura riograndense e que não
possuía est abilidade assegurada, que era a Faculdade de Filosof ia. Também pelo f at o de assumir um
orçament o de Cr$ 680. 000, 00 f ora o valor relat ivo ao emprést imo f eit o com a Caixa Econômica Federal.
O reit or da Universidade de Port o Alegre, Saint Past ous, que assumiu o cargo após a decisão do Conselho
Universit ário, f oi f avorável à reincorporação do Inst it ut o de Belas Art es, mesmo cont rário da decisão,
acent uando ainda que: “ a Faculdade de Filosof ia e Let ras e o IBA est ão para a f ormação da cult ura
como os inst it ut os de ciência pura para a criação do espírit o de pesquisa. Sem uma e out ra, a
Universidade será apenas uma f icção decorat iva, que não j ust if ica a responsabilidade de seus desígnos” .
Depois de sua primeira desincorporação, o Inst it ut o t ent ou por diversas vezes uma est abilidade com a
inst it uição universit ária sem sucesso.

5 – ampliação do prédio do Instituto de Belas Artes


Mesmo sem o apoio da inst it uição universit ária, em março de 1947, Tasso Corrêa, Diret or do Inst it ut o,
consegue com o Minist ério da Educação uma subvenção de 2 milhões de cruzeiros. Com isso o Inst it ut o
compra a velha casa de nº 256 (ao lado do prédio inaugurado em 1943) para a ampliação do prédio do
IBA.
Fernando Corona desenvolveu o proj et o de ampliação do prédio e sonhou mais longe proj et ando um
Grande Teat ro Audit ório com capacidade para 2. 000 pessoas, com salas de ensaios, camarins e t odo o
conf ort o de uma grande sala de espet áculo como most ra a f igura 2. À esquerda do prédio da Escola
seria um Museu de Belas Art es com muit a luz e salas de rest auração e laborat órios. Est e proj et o
ocuparia t odo ângulo par superior da Rua Senhor dos Passos. Esse proj et o circulou, ganhou as ruas e o
público at ravés dos periódicos impressos da capit al.
182 SIMPEMUS 5

Figura 2: Proj et o Audit ório-Teat ro, Escola e Museu de Belas Art es.

6 – reincorporação do instituto à universidade


Descrit o como possuidor de uma t enacidade incomum, o prof essor Tasso Corrêa aliment ou de
esperanças o corpo docent e do Inst it ut o de Belas Art es de Port o Alegre e levou à f rent e a lut a pela
reincorporação do Inst it ut o à Universidade. Esse proj et o adormecia na Câmara dos Deput ados na Capit al
Federal (Rio de Janeiro) em razão da burocracia e da ausência de prioridade.
Em agost o de 1962, Fernando Corona e o President e do Cent ro Acadêmico Tasso Corrêa, o est udant e
Luiz Carlos Maciel, f oram a Brasília, após uma passagem pelo Rio de Janeiro. Em cont at o com o
Deput ado Aderbal Jurema, Relat or do Proj et o de Reincorporação do Inst it ut o de Belas Art es à
Universidade na Comissão de Educação da Câmara dos Deput ados, conseguiu dest e e de out ros
deput ados a promessa de apoio a aprovação do proj et o na ref erida comissão. Consumada est a et apa, o
proj et o f oi remet ido ao Plenário da Câmara dos Deput ados, sendo ent ão designado Relat or o Deput ado
Celso Brand. Após int enso t rabalho j unt o ao President e da Câmara e out ros Deput ados, o proj et o
f inalment e f oi à vot ação, sendo aprovado no dia vint e e set e daquele mês.
Finalment e, no dia quat ro de dezembro de 1962 f oi sancionado pelo President e da República João
Goulart , o proj et o de reincorporação do Inst it ut o de Belas Art es a at ual Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), da qual f az part e at é os dias de hoj e, garant indo est abilidade e cont inuidade no
proj et o de ensino das art es e música na cidade de Port o Alegre.

7 – conclusão
Os f at os ocorridos com o Inst it ut o de Art es permit em uma ref lexão sobre os caminhos percorridos pela
inst it uição na hist ória e seus personagens. Criado como uma inst it uição part icular de ensino das art es e
da música dent ro de um proj et o republicano para desenvolviment o e “ progresso” da sociedade f oi
soment e at ravés da incorporação def init iva à Universidade que o ref erido Inst it ut o adquiriu est abilidade
e reconheciment o para cont inuidade do seu t rabalho.
Nest e cont ext o desf avorável o Inst it ut o Art es pode não t er cont ado com o apoio polít ico necessário aos
seus proj et os, ent ret ant o a sociedade Gaúcha reconheceu a sua import ância e int egrada a est e,
permit iu que o Inst it ut o exercit asse o seu obj et ivo maior: a f ormação, desde 1908, de inúmeros e
conceit uados art ist as.
Const a nos regist ros document ais import ant es nomes das art es e da música, os quais f azem part e da
hist ória nacional e int ernacional, sej a como mest re, ou egressos dest a persist ent e inst it uição.
Nest e sent ido, pode-se dizer que o Inst it ut o de Art es percorreu o caminho “ inverso” apregoado pelos
pensadores neoliberais da at ualidade de mant er a int ervenção do Est ado ao nível mínimo e soment e em
áreas consideradas “ import ant es” e “ est rat égicas” . Numa sociedade capit alist a e massif icada o Est ado
t em obrigação de apoiar os proj et os de pesquisa na área das art es permit indo est abilidade e
cont inuidade aos proj et os em áreas consideradas “ não-est rat égicas” . Soment e at ravés de uma polít ica
pública cont inuada e consist ent e poderá a sociedade brasileira se desenvolver de maneira equilibrada
proporcionando um f eedback aos cidadãos desse país, est abelecendo-se parcerias decisivas ent re o
Poder Público e a iniciat iva privada.
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 183
Referências bibliográficas:
CORONA, Fernando. Inst i t ut o de Ar t es: 70 anos. Correio do Povo – Caderno de Sábado. Port o Al egre, 1978, 29 (4).

CORTE REAL, Ant ônio. Subsídi os par a a hi st ór i a da músi ca no Ri o Gr ande do Sul . 2ª ed. rev e ampl . Port o Al egre:
Moviment o, 1984.

INSTITUTO DE ARTES. Os dez pr i mei r os anos. Port o Al egre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul [ s. d] . 70 p.

LUCAS, Maria El izabet h. Cl asse dominant e e cul t ura musical no RS: do amadorismo à prof issional ização. In: RS:
Cul t ura e Ideol ogia. Port o Al egre: Mercado Abert o, 1980. p. 151-167.

NOGUEIRA, Isabel e SOUZA, Márcio. Aspect os da música no Rio Grande do sul durant e a Primeira Repúbl ica (1889-
1930). Art igo inédit o: 2007

OLIVEIRA, Ol int o. Rel at órios de 1909 a 1912 do Inst it ut o de Bel as Art es do Rio Grande do Sul . Port o Al egre: Livraria
do Gl obo, 1912.

SIMON, Círio. Et apas e cont r i bui ções do Inst i t ut o de Ar t es da UFRGS na const i t ui ção de expr essões de aut onomi a no
si st ema de Ar t es Vi suai s do RS. Port o Al egre, 1999. Tese (Dout orado em Hist ória) – Inst it ut o de Fil osof ia e
Ciências Humanas da Pont if ícia Universidade Cat ól ica do Rio Grande do Sul .
CORRESPONDÊNCIAS MUSICAIS E VISUAIS EM PROMET EU DE SCRIABIN: ABERTURA,

TEMPORALIDADE E TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA

Al exandr e Fr ei t as (USP-FAPESP)

RESUMO: Visando nos aproximar das correspondências ent re poét icas musicais e visuais, apresent amos a
obra Pr omet eu de Al exander Scriabin sob t rês perspect ivas. Na primeira, a obra é apresent ada e sua
abert ura é sugerida, a part ir dos conceit os de Umbert o Eco. As quest ões rel at ivas à t emporal idade e
f orma musical são l evant adas e, na part e f inal , ent ramos no cerne do t rabal ho abordando os processos
de t radução int ersemiót ica, f undament ados em Júlio Plaza.
PALAVRAS-CHAVE: t emporal idade, f orma, abert ura, int ersemiót ica.
ABSTRACT: Wit h t he purpose t o expl oring t he rel at ion bet ween Musical and Visual Poet ics, we present
t he work Pr omet heus by Al exandre Scriabin f rom t hree viewpoint s. First ly, t he work is present ed wit h
it s’ overt ure suggest ed, inspired by t he ideas of Umbert o Eco. The quest ion rel at ed t o t emporal and
musical f orm are raised and, in t he f inal part , we ent er t he nucl eus of t he work, addressing t he
processes of int ersemiot ic t ransl at ion f ounded by Julio Plaza.
KEYWORDS: t emporal, f orm, overt ure, int ersemiot ic.

“ Quando mais inçado de dif iculdades sej a um t ext o, mais recriável, mais sedut or enquant o
possibilidade abert a de criação ele será. (. . . ) Quant o mais int raduzível ref erencialment e,
mais t ranscriável poet icament e. ” (CAMPOS, 1996, p. 33)

Int rodução
A busca pel as “ semel hanças secret as” 1 ent re poét icas musicais e visuais vem int rigando art ist as,
cient ist as e pensadores há sécul os e suscit ando inúmeras maneiras de aproximar prát icas art íst icas. Para
il ust rar um desej o de aproximação poét ica, t rat aremos, sobret udo, das rel ações ent re som e cor no caso
de Al exander Scriabin e sua obra Pr omet eu .
Represent ações pict óricas do gest o musical, música descrit iva, associações de parâmet ros f ísicos
(f reqüências, int ensidades e durações), a sinest esia como ocorrência neurol ógica e a t ransposição de
t écnicas e est rut uras est ão ent re maneiras de se est abelecer elos ent re música e art es visuais.
Pr omet eu parece sint et izar a maior part e dessas f ormas de aproximação.
Em uma obra da compl exidade de Pr omet eu, as considerações sobre a t emporal idade e os processos
anal ít icos da semiót ica f azem emergir um número enorme de quest ões, revel ando assim um t errit ório
f ért il de est udo e ref lexão. Nossa pesquisa se limit a a uma apresent ação sucint a da obra, ref l exões que
report am à sua abert ura e dimensão t emporal e às quest ões de t radução int ersemiót ica.

1. a obra e sua abert ura

a) Alexander Scriabin e Promet eu


Al exander Nikol ayevich Scriabin (1872-1915) f oi um pianist a e composit or russo que t em em sua est ét ica
el ement os do romant ismo t ardio permeado de uma ideologia míst ico-f ilosóf ica. Em sua obra sent imos
ressonâncias chopinianas, bem como uma dissol ução t onal cada vez maior e uma mot ivação que é
f reqüent ement e associada à idéia do super-homem de Niet zsche aos princípios da Teosof ia. Est a f usão
de f ilosof ia, religião e ciência dos princípios t eosóf icos, o levou ao f ascínio pela f igura de Lúcif er. Est a
denominação, que na t radição crist ã represent a o anj o caído ou a represent ação do diabo, t em uma
signif icação dist int a na dout rina t eosóf ica. Lúcif er, no gl ossário de Hel ena Bl avat sky 2. Além de signif icar
a est rel a da manhã e o pl anet a Vênus, esconde uma mul t iplicidade de signif icados alegóricos, dos quais
t alvez o mais import ant e sej a sua ident if icação com Manas, a Ment e dual, a int eligência espirit ual que
habit a em t odos os homens, que t ant o condescende vol unt ariament e em cair na mat éria como é o

1
Termo usado por Souriau em “ La correspondence des art s” (1969).
2
Helena Blavat sky (1831-1891) f oi uma das f undadoras da Sociedade Teosóf ica e responsável pela sist emat ização da
moderna Teosof ia.
simpósio de pesquisa em música 2008 185
agent e que f oge por si mesmo da animalidade e resgat a-se para uma vida superior, sendo ao mesmo
t empo o Tent ador e o verdadeiro Redent or int erno de cada um 3.
Lúcif er encont ra na Teosof ia uma correspondência com Pr omet eu que, de acordo com mit o grego,
roubou o f ogo dos deuses, rompeu o f irmament o e o deu ao homem. Como punição, Zeus o acorrent ou
no mont e Cáucaso onde um abut re se aliment ava diariament e de seu f ígado. Esse mit o mot ivou Scriabin
na composição de um poema sinf ônico em 1910. Na obra Pr omet eu, que t em como subt ít ulo O Poema de
Fogo, Scriabin int roduz, em meio a uma grande orquest ra e a um coro mist o, um inst rument o que ele
chamou de l uce, um t eclado que proj et aria cores correspondent es às not as musicais.
A not ação do l uce consist e em duas part es. Segundo BOWERS (1980, p. V), a part e inf erior é o pont o de
órgão, a cor de f undo ( backgr ound) , a at mosf era que pret ende t omar part e da sala. Denot a a idéia de
Scriabin de evolução espirit ual at ravés de uma t roca menos f reqüent e de cores. A part e superior est á
const ant ement e em t ransf ormação. Para cada novo acorde ou t onalidade, uma nova cor. A int ensidade
das luzes segue a dinâmica da orquest ra.
Scriabin cria em Pr omet eu um t errit ório em que, mot ivado por ideais t eosóf icos e f undament os
mit ológicos, uma obra é const ruída a part ir de cores e sons musicais. Part indo de um longo acorde
dissonant e que sugere o Caos Or iginal , o composit or vai apresent ando t emas musicais, que ele chama de
Pr incipio Cr iat ivo, Desej o, Desper t ar da Consciência, Ego, Dança da Vida e Dança dos Át omos (ibid. ,
p. III).
Na capa da primeira edição de Pr omet eu e na maioria das edições seguint es se encont ra, a pedido de
Scriabin, um desenho de seu amigo belga Jean Delville. Na part e inf erior da ilust ração, dois t riângulos
sobrepost os que represent am Lúcif er.
A riqueza das t ransf ormações melódicas e harmônicas, caract erizada por uma dispersão e inst abilidade
do sist ema t onal, assim como as sugest ões visuais do l uce e da presença do mit o, f azem de Pr omet eu
uma obra port adora de grandes ambigüidades int ernas e polissemia.

b) abertura
A mult iplicidade de element os e linguagens, ou melhor, códigos envolvidos na obra observada e a
possibilidade de alguma imprecisão, que coment aremos a seguir, suscit aram uma idéia de abert ura em
Pr omet eu. Umbert o ECO (2007) at ribui ao conceit o de obra abert a dois sent idos: um amplo e um mais
específ ico. O sent ido amplo de obra abert a é caract erizado pela ambigüidade que exist e na obra,
mesmo quando o art ist a visa uma comunicação unívoca. Desse modo, t oda obra de art e é abert a e
port adora de uma pluralidade de signif icados em um só signif icant e. O sent ido mais específ ico é
apresent ado por Eco como aquela obra que t em em sua poét ica uma t endência aos at os de promoção da
liberdade do int érpret e e/ ou do recept or. O que dist ingue do rest ant e das obras de art e é o discurso
abert o, que é caract eríst ica das obras de vanguarda em part icular, que “ apresent a-nos as coisas de
modo novo, para além dos hábit os conquist ados, inf ringindo as normas da linguagem, às quais havíamos
sido habit uados” (ibid. , p. 280). O art ist a coloca em lugar privilegiado a ambigüidade do discurso.
No caso de Pr omet eu, apesar de Scriabin int roduzir o l uce como inst rument o na orquest ra, não f icou
claro o modo de execução desse inst rument o, mesmo que a duração, int ensidade e cor est ando
det erminadas. Os modos de proj eção e as exigências f ísicas da apresent ação das cores não são
especif icados. A poét ica de Scriabin apresent a assim uma ambigüidade de leit uras que vai variar
enormement e de acordo com a execução do l uce e o grau de import ância a ele conf erido pelo regent e
ou pela direção art íst ica da per f or mance. Pr omet eu não renuncia a t ransmissão de uma mensagem
ordenada, mas expande as possibilidades de leit ura da obra at ravés do princípio de uma obra inacabada
(na execução do l uce), das int erseções ent re sons e luzes visando uma correspondência diret a e na
t radução de um mit o grego.
É int eressant e observar t ambém que a dimensão narrat iva de um poema sinf ônico que se encont ra em
Pr omet eu nos remet e a um aspect o discursivo de um t ext o musical e visual que nos prescreve, at ravés
das sugest ões encont radas no t ít ulo, na pint ura da capa da part it ura e nas prescrições do composit or, o
que devemos desej ar, perceber e buscar na obra. Excet uando-se a imprecisão da realização do l uce e as
ambigüidades que podem emergir da t ent at iva de t ransposição visual-musical, Pr omet eu caract erizaria
um discurso persuasivo, de acordo com a def inição de ECO4 (ibid. , p. 280). A obra pode const ruir assim
uma t ensão ent re discurso persuasivo e aquele de uma obra abert a, port adora do princípio do
inacabado.

3
De acordo com o pref ácio de BOWERS (1980, p. IV).
4
O discurso persuasivo é aquele t ipo de discurso que quer nos levar à conclusões def init ivas.
186 SIMPEMUS 5
2. temporalidade

a) Distinções e aproximações nas percepções visuais e sonoras


Júlio PLAZA (2003, p. 59) expõe algumas dist inções f undament ais ent re o obj et o visual e o acúst ico. A
primeira est á ligada ao carát er selet ivo do sinal visual, que apesar de se dar no t empo, est á suscet ível à
escolha e eliminação de inf ormação no campo de amost ragem. O canal acúst ico, por out ro lado, é
obrigado a perceber as várias sucessividades. Uma segunda dist inção diz respeit o a maior f acilidade do
canal visual em escolher a f ont e de inf ormação. A maior quant idade de inf ormação no campo visual e a
ausência de f ront eiras e signif icados do espaço acúst ico dist inguem t ambém os sent idos visuais e
acúst icos.
O conceit o de t empo na música, assim como nas art es visuais, pode ser abordado sob dif erent es
perspect ivas. O t empo suscit a alguns posicionament os por part e dos art ist as e diversas indagações e
relações são possíveis. Art ist as plást icos, músicos e est udiosos de diversos períodos ref let iram em algum
moment o sobre quest ões t emporais.
Robert Delaunay e Paul Klee, por exemplo (BOSSEUR, 1998, p. 50), coment aram a relação da música com
o t empo. O primeiro acredit ava que a percepção do universo só se complet ava como a visão, pois a idéia
de sucessão que pressupõe a audição se limit a à duração e perde em prof undidade em relação à visão. E
Klee, por sua vez, dest acava a vant agem da dimensão visual não t er início nem f im e por isso nos deixar
livres para nos abandonar em inf init as leit uras.
O aspect o t emporal, que dist ingue a música e a f ala das art es visuais, pode t ambém revelar int erseções
na inst auração de seus obj et os. O pensament o, que ant ecipa uma criação ou uma execução musical, é
um f enômeno espacial, at emporal e não ordenado e só depois se encarnará em f ormas simbólicas
lineares (NATTIEZ, 2005, P. 98). Uma “ imagem musical” ant eciparia a composição e a int erpret ação
musical e a exist ência de uma obra encont raria uma ressonância em uma dimensão visual, de acordo
com DAHLHAUS (1991, p. 23):
A música, de modo análogo a uma obra de art e plást ica, é t ambém obj et o est ét ico, obj et o de
cont emplação est ét ica. A sua obj et alidade most ra-se, claro est á, menos de um modo imediat o do que
indiret o: não no inst ant e em que ressoa, mas só quando o ouvint e, no f im de uma f rase ou de um
membro, se vira para o que decorreu e o represent a para si como um t odo consist ent e. A música t oma
ao mesmo t empo uma f orma quase espacial; o que f oi ouvido consolida-se em algo que est á diant e de
nós, numa obj et ividade por si subsist ent e.
Uma out ra aproximação da t emporalidade da música é apresent ada por LÉVI-STRAUSS (1997, p. 71). A
música, apesar de requerer uma dimensão t emporal para se manif est ar, pode t ranscender o plano de
linguagem art iculada, suprimir e imobilizar o t empo e at uar da mesma f orma que o mit o, ref erir-se a
event os passados que se const it uem como est rut uras permanent es, caract erizando uma ambigüidade
f undament al que est abelece elos ent re o passado, o present e e o f ut uro 5.
Por out ro lado exist e a dimensão da signif icação. O som musical, assim como os f onemas, por si só, são
qualidades acúst icas. São represent ações sem conceit o: “ idéias est ét icas” que se art iculam por meio de
analogias diversas com “ idéias racionais” , conceit os que agem por meio de símbolos, segundo KREMER
(1984, p. 35) e sua f undament ação kant iana.

b) O tempo em Promet eu
Ent re as mot ivações para a composição de Pr omet eu por Scriabin est aria a crença em um l ocus ext ra
t empor al e na possibilidade de se buscar uma sincronia das vibrações do universo e sua percepção pelos
sent idos. Esse posicionament o pela unidade das art es sugere uma ênf ase em um dos modos de
exist ência de uma obra de art e segundo os conceit os de Ét ienne SOURIAU (1969, p. 91): a exist ência
t ranscendent al. Esse modo de exist ência, cert ament e o mais complexo dos quat ro (f ísico,
f enomenológico, causal e t ranscendent al), corre o risco de aproximar-se de uma met af ísica plat ônica
que pode est ar além da art e e acabar por sendo est ranha à ela (DAHLHAUS, 1991, P. 14).
Mas a aproximação t emporal de Pr omet eu parece encont rar uma ambigüidade int erna no que diz
respeit o à f orma composicional. A obra est á compost a a part ir de princípios normat ivos de uma f orma
sonat a, segundo os quais a obra encerra t rês part es principais: uma exposição dos principais cont eúdos
t emát icos, o desenvolviment o das principais unidades t emát icas e uma recapit ulação da exposição.
Ent ret ant o, uma t ensão conceit ual aparece na medida em que a f orma musical precisa seguir a
linearidade de uma hist ória, no caso, o mit o grego de Pr omet eu. Para conseguir t ranspassar esse desaf io
de um ret orno ao t ema inicial e uma cont inuidade do serviço à mot ivação mit ológica, Scriabin recorre

5
Podemos est abelecer uma semelhança com as ref lexões de Sant o Agost inho acerca da música e o t empo. Uma obra
musical seria f ormada pela lembrança present e da melodia passada, a melodia present e e a expect at iva present e de
sua cont inuação.
simpósio de pesquisa em música 2008 187
ao l uce, com ef eit os l uminosos dist int os e não como recapit ul ação e a uma t ransposição da t onal idade
principal da obra. Mesmo rompendo com est rut uras est abel ecidas hist oricament e no t rat ament o
mel ódico e harmônico de Promet eu e com a l iberdade dada pel o conceit o românt ico de poema
sinf ônico6, Scriabin se mant eve f iel à est rut uração f ormal que se est abeleceu no século XVIII.
A sucessão de acont eciment os do mit o grego de Promet eu ao qual a música e as cores devem servir é
submet ida a uma est rut ura f ormal que carrega em seus f undament os a idéia de ret orno. Essa
ambigüidade essencial acaba por produzir um t ipo de t ensão, que j ul gamos f ért il , no int erior da obra de
Scriabin est udada. Em Promet eu, mesmo sendo conduzido por uma narrat iva mit ol ógica, o f im guarda
similaridades com o início.

3. Traduzindo o intraduzível

a) A sinestesia como tradução direta


Dent re as f ormas de se aproximar os f enômenos sonoros e visuais, dois parecem se dist inguir dos
procediment os art íst icos: a maneira cient íf ica e os casos neurol ógicos. Há sécul os cient ist as buscam
est abel ecer uma rel ação ent re sons e cores. Isaac Newt on, j á no sécul o XVII, supôs que o espect ro de
set e cores t inha rel ação diret a com as set e not as musicais. Um de seus al unos, o padre Louis-Bert rand
Cast el , f icou conhecido no sécul o XVIII graças à invenção do cravo ocul ar, um órgão que, at ravés de um
grande aparat o de espel hos e vel as proj et ava cores que se relacionavam com as not as musicais.
Ent ret ant o, at é hoj e não exist em comprovações cient íf icas aceit áveis de uma real aproximação ent re
f reqüências sonoras e l uminosas (LÉVI-STRAUSS, 1997, p. 99).
Al ém da vont ade de se est abel ecer rel ações ent re sons e cores que permeia a hist ória e a ciência, exist e
uma aproximação que é real , porém ext remament e individual izada, ent re as percepções sonoras e
audit ivas. Trat a-se de uma f orma de sinest esia conhecida como “ audição col orida” . A sinest esia é a
l igação at ravés da qual a excit ação de um sent ido incit a, em al gumas pessoas e de maneira regul ar,
impressões de um out ro sent ido e pode ser herdada genet icament e ou f rut o de um dist úrbio t raumát ico
(SOURIAU, 1969, p. 148). PLAZA (2003, p. 60) cit a col ocações de Jackoson e Sapir que coment am as
rel ações de semel hança est abel ecidas ent re o som f onét ico e sensações musicais, olf at ivas ou t áct eis.
Por que um t imbre, com sua gama de harmônicos, sua duração e f reqüência não poderia suscit ar al gum
t ipo de sugest ão visual em f unção de l eis neuropsicológicas? Por exemplo, dif icilment e associaríamos
uma not a aguda de um viol ino a uma cor cl ara e com pouco bril ho. Sob esse aspect o exist iria uma f orma
de sinest esia branda para grande part e dos humanos.
Al exander Scriabin é f reqüent ement e cit ado na l it erat ura musical como sinest et a port ador de audição
col orida. Ao mesmo t empo, seu int eresse pel a t eosof ia e as inf l uências do ideal wagneriano de art e
t ot al , o inf l uenciaram na composição de Promet eu.
O f enômeno f isiol ógico da sinest esia, como bem o demonst rou Ol iver SACKS (2007) e Sérgio Bit t encourt
SAMPAIO (2001), é al go pessoal e que não poderia se t ornar parâmet ro para o est abel eciment o de
anal ogias universais ent re sons e cores. Como diz ECO (2007, p. 54): “ O conheciment o do mundo t em na
ciência seu canal aut orizado, e t oda aspiração do art ist a à vidência, ainda que poet icament e produt iva,
cont ém sempre al go de equívoco” .
Quando observamos o t rat ament o das cores no l uce percebemos que nem sempre exist e uma
correspondência diret a ent re as harmonias musicais e as cores. O que supõe out ros t ipos de processos de
t radução, al ém das equival ências sensoriais apresent adas por Scriabin nas páginas iniciais da obra
est udada.

b) Processos de tradução intersemiótica


O f at o de não exist ir na t ot al idade de Promet eu uma correspondência diret a ent re uma det erminada
not a e uma det erminada cor nos revel a que a operação t radut ora de Scriabin ou a int erpenet ração de
l inguagens ocorre como t rânsit o criat ivo e não se l iga a f idel idade. Sendo assim, a poét ica de Scriabin,
se ref l et ida sob os conceit os apresent ados por PLAZA (2003, p. 2), cria sua própria verdade, est abel ece
as l igações t emporais e se f irma como poét ica sincrônica.
De acordo com PLAZA (ibidem, p. 11), a especial ização dos sent idos em cat egorias bem demarcadas
acabou por l imit ar o al cance sensorial de uma det erminada expressão art íst ica e nos l eva ao risco de
perder a “ sugest iva import ância” da int erpenet ração de sent idos. No meio musical exist e, desde o
Romant ismo, uma f ort e resist ência na aceit ação ou na abert ura as f ormas de expressão que não sej am

6
Tipo de composição musical que segue um programa ext ra-musical em sua est rut ura narrat iva. Foi muit o explorada
no Romant ismo por composit ores como Liszt , Berlioz e Richard St rauss.
188 SIMPEMUS 5
dirigidas soment e à audição7. Carl DAHLHAUS (1991, p. 24) crit ica os que vêem com maus olhos o
est abeleciment o de relações ent re música e visualidade:
Nada seria mais f also do que ver no impulso para a espacialização uma dist orção da essência
da música. Na medida em que ela é f orma, alcança, f alando em t ermos paradoxais, a sua
exist ência verdadeira j ust ament e no moment o em que se esvai. (ibid. , p. 24).

Tendo part ido da sinest esia e da vont ade de expressão de t ot alidade sugerida pela prát ica t eosóf ica,
sent imos a predominância de alguns t ipos de int erseções na poét ica de Scriabin. Mesmo que a t radução
int ersemiót ica t enha por princípio o enf rent ament o do int raduzível, é int eressant e observar que, no
caso de um sinest et a, as leis t ransduct oras são respost as neuropsicológicas individualizadas e que
sugerem um isomorf ismo em sua est rut ura8. Pr omet eu parece ser port ador de um hibridismo de
processos int ersemiót icos, j á que carrega consigo relações diret as e indiret as ent re not as musicais e
cores, suscit ada pela sinest esia e mot ivada por princípios t eosóf icos de t ot alidade e de correlação ent re
as f reqüências das dif erent es energias vibrat órias. Segundo a t ipologia de t raduções int ersemiót icas
apresent ada por PLAZA (2003, p. 90-94), a mat erialização do poema sinf ônico Pr omet eu poderia se
adequar às seguint es cat egorizações de t raduções:
- Tradução Icônica r eady-made: esse processo de t radução se paut a pela similaridade da est rut ura,
est abelecendo uma analogia ent re os obj et os imediat os de acordo com conceit os de Peirce. Scriabin,
possivelment e graças a sua sinest esia, est abelece uma analogia diret a ent re not as musicais e cores em
sua poét ica na maior part e de Pr omet eu9. Na inst ância da recepção, essa analogia não é percebida de
imediat o, mas vai se conf igurando no decorrer da obra e na medida em que o t ext o musical vai sendo
apreendido.
- Tradução Indicial: Plaza dist ingue as t raduções indiciais t opológica-homeomórf ica e t opológica-
met onímica. Na primeira, cada pont o de uma f igura corresponde a um pont o da out ra e na segunda
exist e um homeomorf ismo parcial de carát er met onímico como f orma de est abelecer cont inuidade
ent re o original e a t radução. Na t radução indicial t opológica-met onímica element os são deslocados e
podem ser “ orient ados” espacialment e e cont ext ualment e, procurando novas organizações e
crist alizações. No caso de Pr omet eu, apesar de exist irem passagens em que not as musicais específ icas
de um inst rument o corresponderiam às “ not as coloridas” do l uce, a operação que parece predominar é
a indicial t opológica-met onímica. Os deslocament os de element os da obra na produção de novos
signif icados podem ser análogos a t rat ament os cont rapont íst icos ent re a part e musical e as cores
present es.
- Tradução Simbólica: A mot ivação ext ramusical vinculada ao pret ext o f ilosóf ico de Pr omet eu
t ransf orma os signos diversos em met áf oras um do out ro. O ciclo de quint as a part ir do qual Scriabin
orient a seu poema sinf ônico agrega às not as musicais e às cores signif icados psicológicos que devem ser
agregados à descrição do mit o grego. Por f orça da convenção abaixo reproduzida, a t radução simbólica
def ine os signif icados lógicos “ mais abst rat os e int elect uais do que sensíveis” (PLAZA, ibid. , p. 93).
PLAZA (ibidem, p. 90), baseando-se em Peirce, apresent a os signos icônicos, indiciais e simbólicos como
part es const it ut ivas do pensament o int ersemiót ico que se apresent am sob t rês f ormas de t radução. A
Tradução Icônica enquant o t r anscr iação que aument a a t axa de inf ormação est ét ica. Além da
complexidade harmônica e melódica, são inseridas cores que ampliarão o número de ícones present es e
que no decorrer da obra podem despert ar sensações análogas aos sons musicais. A Tradução Indicial
acent uará as caract eríst icas f ísicas do meio que abriga o signo (no caso de Pr omet eu, as ondas sonoras e
as ondas luminosas) e será uma t r ansposição. O símbolo se const it uindo em uma regra que det erminará
sua signif icação concerne a Tradução Simbólica e será uma t r anscodif icação.

Conclusão
Buscando um ent endiment o das relações ent re música e cores na poét ica de Scriabin passamos por
quest ões f enomenológicas, est ét icas e semiót icas. As correspondências art íst icas sugerem uma abert ura
à int erdisciplinaridade e, principalment e, à f orça e mist ério da poïesis.
A obra de Scriabin parece anunciar uma t endência do século XX em que a música visa uma libert ação de
uma dimensão est rit ament e t emporal para buscar uma relação mais prof unda com uma visualidade e
espacialidade. A obra observada é port adora de ambigüidades no que diz respeit o à sua f orma musical,
à execução do l uce e aos processos de t radução.
Pr omet eu, com sua complexidade harmônica e melódica e sua int eração diret a com a visualidade e o
mit o, f az emergir uma série de quest ionament os e t ensões nas esf eras poét icas, est ét icas e crít icas. A

7
É o caso especialment e dos poemas sinf ônicos.
8
“ Subst âncias dif erent es que crist alizam-se no mesmo sist ema, com a mesma disposição e orient ação dos át omos e
moléculas” (PLAZA, 2003, p. 90).
9
Essa relação de equivalência ent re sons e cores é revelada nas primeiras páginas da part it ura de Promet heus, mas
como j á f oi coment ado, não se sust ent a int egralment e na obra.
simpósio de pesquisa em música 2008 189
obra incit a aprof undament os em suas especif icidades e sua anál ise poderá gerar desdobrament os mais
gerais que dizem respeit o às t raduções e seus l imit es bem como a sua abert ura poét ica.

(SCRIABIN, p. VI, 1980)

Referências bibliográficas
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CAMPOS, Harol do de. “ Das est rut uras dissipat órias à const el ação: a t ranscriação do l ance de dados de Mal l armé” . In:
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COELHO, Rodol f o. Música. São Paul o: Edit ora Novas Met as, 1984.

DAHLHAUS, Carl . Est ét ica Musical . Tradução de Art ur Mourão. Lisboa: Edições 70, 1991.

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KREMER, Joseph-François. Les f ormes symbol iques de l a musique. Paris: Kl incksieck, 1984.

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1997.

PLAZA, Júl io. Tradução Int ersemiót ica. São Paul o: Edit ora Perspect iva, 2003.

SACKS, Ol iver. Al ucinações musicais: Rel at os sobre a música e o cérebro. São Paul o: Companhia das Let ras, 2007.

SAMPAIO, Sérgio Bit t encourt . “ Som e cor: Real idade ou f ant asia?” Revist a da Academia Nacional de Música, 2001, pp.
141-170.

SOURIAU, Et ienne. La correspondance des art s: Él ément es d’ est het ique comparée. Paris: Fl ammarion, 1969.

Partitura

SCRIABIN, Al exander. Promet heus: The Poem of Fire, op. 60. Pref ácio de BOWERS, Faubion, London: Ernest Eul enburg
Ldt . , 1980.

“ Semiót ica não é ‘ o est udo das rel ações ent re o código e a mensagem’ , como af irma Eco.
Semiót ica é o est udo das rel ações exist ent es ent re os sist emas de signos: Semiót ica é sempre
int ersemiót ica” . (PIGNATARI apud COELHO, 1983, p. 42)
JUSTAPOSIÇÃO E ESTRATIFICAÇÃO

Ant enor Fer r ei r a Cor r êa (ECA-USP)

RESUMO: com um obj et ivo essencial ment e didát ico, os processos composicionais de j ust aposição e
est rat if icação (Cone, 1962) são descrit os, coment ados e exempl if icados. Part e-se de considerações
sobre a signif icação e usos dos t ermos em suas áreas origem, seguindo análises de possibilidades
advindas da import ação dessas nomenclat uras para o campo musical . Ao f im, sugerem-se alguns
procediment os t ípicos da t écnica cinemat ográf ica, baseados nos t ext os de Eisenst ein, como art if ícios de
conexão ent re os blocos e camadas musicais engendradas nos processos de j ust aposição e est rat if icação.
PALAVRAS-CHAVE: j ust aposição, est rat if icação, análise musical, pós-t onal idade.
ABSTRACT: t his paper deal s wit h t he processes of st rat if icat ion (Cone, 1962) and j uxt aposit ion having,
mainl y, a didact ic concern. In t he beginning, are considered t he meanings of st rat if icat ion and
j uxt aposit ion in t he specif ic areas where t hey were originat ed. Fol l owing, are made anal ysis of some
possibil it ies coming f rom t he import of t hese concept s t o t he music. At t he end, are suggest ed a f ew
procedures, ordinaril y used in t he cinema, as devices t o connect musical l ayers creat ed in t he processes
of st rat if icat ion and j uxt aposit ion.
KEYWORDS: st rat if icat ion, j uxt aposit ion, musical analysis, post -t onalit y.

Int rodução
A música enquant o art e essencial ment e t emporal t raz a impl icação óbvia de f ormat ar uma sucessão de
event os no t empo. Ao l ongo da hist ória, f oram propost as al gumas maneiras de est rut uração e para a
compreensão desse desenrol ar de event os. Model os int erpret at ivos ligados à t radição, por exemplo,
observam a apresent ação e o encadear de idéias t emát icas no decurso da narrat iva musical . Focam,
principal ment e, nos procediment os de desenvol viment o e variação a que os t emas são suj eit os, as
regiões harmônicas exploradas, os conf lit os result ant es das oposições com out ros t emas, mot ivos e
harmonias, e, f inal ment e (semel hant e à narrat iva de uma avent ura), seu ret orno ao pont o de origem.
No ent ant o, processos composicionais não t radicionais propõem narrat ivas out ras que dif erem dessa
“ l inearidade” t radicional . Como é o caso do discurso f ragment ário das obras pós-t onais surgidas,
sobret udo, a part ir da segunda década do sécul o XX, cuj o t ranscurso t emporal de event os não segue
uma l ógica supost ament e “ diacrônica” do t ipo exposição, desenvol viment o e re-exposição. (Embora
t ermos e proposições do t ipo l inearidade e diacronismo pareçam cont roversos quando apl icados em
música, nessa int rodução me pareceram prát icos para apresent ar as idéias e ref lexões t rat adas a
seguir).
Em vist a dessa caract eríst ica f ragment ária, out ras propost as surgiram na t ent at iva de compreensão
desse t ipo de discurso, que em maior ou menor grau, f ocam at enção nos procediment os ut il izados pel os
composit ores para apresent ação e art icul ação de idéias e bl ocos musicais. A grande part e desse t ext o
expõe e discut e uma dessas t ent at ivas de ent endiment o, a est rat if icação. O mét odo de est rat if icação,
aqui considerado, decorre da propost a do composit or e t eórico nort e-americano Edward Cone (1917-
2004). Cone apresent ou a idéia de est rat if icação em um art igo int it ul ado St r avi nsky: t he pr ogr ess of a
met hod 1, t rabal ho cont ido no primeiro número da prest igiosa revist a Per spect i ves of New Musi c (1962),
periódico est e que o próprio Cone veio a t ornar-se co-edit or ent re os anos de 1965 e 1969.
O t rabal ho de Cone t eve por base t rês obras de St ravinsky ( Si nf oni as par a i nst r umenos de sopr o,
Ser enat a em Lá e Si nf oni a dos Sal mos). No t ext o que segue, int roduzo em l inhas gerais a proposição de
Cone, conf ront ando-a com out ro procediment o t ípico das poét icas f ragment árias, a j ust aposição;
ret roagindo a origem desses procediment os à obra Pet r ushka de St ravinsky. Os t ermos são aval iados na
sua et imol ogia e nas respect ivas áreas de est udo onde surgiram, observando, a seguir, sua import ação
para o campo musical . Ambos processos são expandidos de modo a abarcar out ros art if ícios
composicionais. Ao f im, são coment ados al guns mét odos de mont agem cinemat ográf ica, t eorizados por
Sergei Eisenst ein, que podem concorrer para o ent endiment o de const ruções musicais est rut uradas por
meio dos processos de j ust aposição e est rat if icação.

1
Esse art igo encont ra-se t raduzido para o port uguês, publicado na Revi st a Músi ca Hodi e, Vol. 7, Nº. 1, 2007.
simpósio de pesquisa em música 2008 191
Estratificação x j ustaposição
Chama a at enção, de saída, a t erminologia empregada por Cone, sobret udo o próprio t ít ulo do mét odo:
est rat if icação. Esse t ermo é normalment e ent endido como a sobreposição de planos ou camadas, t endo
surgido na geologia para designar a est rut ura originada pela acumulação progressiva de qualquer
mat erial (rochosos, minerais, vulcânicos, arenosos, crist alinos, causado por precipit ação química ou
decant ação, ent re out ros) t endendo a f ormar camadas def inidas por descont inuidades f ísicas e/ ou por
passagens bruscas ou t ransicionais de mudanças de t ext ura, est rut ura ou quimismo. As f iguras 1 e 2
most ram como se dá a est rat if icação.

Figura 1: Est rat if icação peculiar encont rada em It u (SP) denominada Varvit o. Result a do acúmulo de
camadas alt ernadas const it uídas de f ino-silt it o (lâmina clara) e silt it o/ argilit o (lâmina escura).

Figura 2: Est rat if icação cruzada em quart izit o.


As ciências sociais import aram o t ermo para designar as dif erent es classes sociais de det erminadas
cult uras, ou meios socioeconômicos, f at o comprovado na vast a lit erat ura sobre est rat if icação social.
Mas, Cone ref ere-se ao t ermo como a j ust aposição no t empo de blocos musicais. A condição para a
ident if icação desses blocos é o cort e, j á que esses blocos normalment e são int roduzidos de f orma
abrupt a. Nest e sent ido, t eríamos uma série de part es ou seções expost as linearment e, o que em últ ima
análise não const it ui uma const rução em camadas. A própria def inição de j ust aposição é esclarecedora,
implicando naquilo que é adj acent e ou est á em disposição lado a lado; o que é post o em cont igüidade.
Com isso, as idéias de cort e e j ust aposição t razem embut idas os conceit os de descont inuidade e
disj unção. Inclusive na gramát ica, j ust aposição é um processo de f ormação de palavras pelo do qual
novas palavras são f ormadas pela j unção de duas ou mais palavras j á exist ent es. Duas f ormas de
composição são possíveis, por j ust aposição e por aglut inação. A composição por aglut inação ocorre
quando duas ou mais palavras se unem para f ormar uma nova palavra e ocorre alt eração na f orma ou na
acent uação das palavras originais. Ex. : f idalgo (f ilho + de + algo), aguardent e (água + ardent e). A
192 SIMPEMUS 5
j ust aposição ocorre quando duas ou mais palavras se unem sem que ocorra alt eração de suas f ormas ou
acent uação primit ivas. Ex: guarda-chuva, segunda-f eira, passat empo.
A conf usão inicial surgida com a adoção da nomenclat ura propost a por Cone é esclarecida no modo
como ele apresent a sua análise. Como ilust ração, imagine-se, por exemplo, a seqüência de quadrados
abaixo:

Em um rápido lançar de olhos, observa-se uma série de f iguras j ust apost as, ist o é, dispost as
horizont alment e lado a lado. A repet ição das f iguras parece se dar de modo arbit rário. Porém se os
mesmos quadrados f orem dispost os vert icalment e, al ém de uma const rução em camadas, surgirá um
possível padrão ‘ lógico’ : A- B- C – A- C – A- B- C – A- B. Padrão esse que rompe a série t ernária (A-B-C) pela
inserção de grupos binários (A-B ou A-C), como most ra a f igura a seguir:

Uma disposição similar f oi pensada por Cone para a música, que dispôs em camadas as seções ou blocos
musicais ant es j ust apost os, realizando, assim, a primeira part e do seu mét odo chamada de
est rat if icação.
A est rat if icação, como propost a por Cone, é a separação de idéias musicais, no espaço sonoro. Essas
idéias encont ram-se j ust apost as no cont ínuo musical, mas são represent adas graf icament e dispost as em
camadas. Além disso, Cone sugere a possibilidade dessas camadas serem ‘ lidas’ de maneira horizont al,
ou sej a, os blocos separados f ormariam sent ido unif icado quando t ocados em seqüência. Por exemplo,
imagine-se que as camadas A , B e C da f igura ant erior sej am blocos musicais. Se esses blocos f ossem
t ocados linearment e, ist o é, só a camada A , ou só o est rat o B, os mesmos cont eriam um sent ido lógico,
como se f ormassem uma única f rase musical, por exemplo. Por isso, est e t ipo de est rat if icação implica
em cont rast es, abrupt os ou sut is, gerados por mudanças de regist ro, inst rument ação e na est rut uração
rít mica. Pet r ushka é uma das grandes obras de St ravinsky e, t ambém, considerada por alguns t eóricos
como o prot ót ipo de seu mét odo de est rat if icação, nela é possível f azer uma abordagem preliminar de
uma das maneiras como se dá esse processo.
Na Cena I de Pet r ushka, St ravinsky ret rat a quat ro sit uações. A primeira delas, o início da obra (Exemplo
1), apresent a a Fêt e popul ai r e de l a semai ne gr asse (f est a popular da Semana Sant a) f est ej o mais
conhecido como Carnaval. Similarment e, a t radução inglesa usa a palavra Shr ovet i de t ermo equivalent e
a Carnaval (do lat im car ne l evar e, adeus à carne). Essa f est a seria a oport unidade de f art ar-se dos
prazeres da carne ant es do período de abst inência de 40 dias. O int uit o, ent ão, dessa f est a é celebrar o
início da quaresma. A segunda sit uação, most ra um grupo de f arrist as bêbados que passam dançando
(Ex. 2, correspondent e ao número 5 do scor e), 2 t oda essa at mosf era f est iva e de comemoração é
t ransmit ida pela música pulsant e de St ravinsky. Surge, na t erceira sit uação, o Mest re de Cerimônias
ent ret endo a mult idão do alt o de seu balcão (número 7 do scor e). Há uma curt a recapit ulação da música
inicial (vide Ex. 3, quat ro compassos ant eriores ao Nº. 9 de ensaio) que é abrupt ament e int errompida,
ret ornando novament e a música do Mest re de Cerimônias (número 9 do scor e). No próximo moment o,
quart a sit uação, um t ocador de realej o aparece ent re a mult idão com uma dançarina. A música
acompanha a cena, por meio de um cort e súbit o e da inserção de um novo bloco musical (Ex. 3, quat ro
compassos ant es ao Nº. 10 de ensaio). A seguir, novament e a música do Mest re de Cerimônias rompe
abrupt ament e a at mosf era inst aurada.
É f ácil not ar que a sucessão dos dist int os blocos musicais é f eit a em relação diret a com as ocorrências
da cena. Quando uma nova sit uação ou personagem surge, a música é imediat ament e alt erada para
acompanhar e ressalt ar a ação dramát ica. Esse princípio de int egração ent re música e cena não é
novidade alguma, e pode, no mínimo, ser remet ido às óperas do século XVII. Porém, sua absorção na

2
As indicações a seguir ref erem-se à part it ura orquest ral de Pet r ushka publicada pela Dover , 1988.
simpósio de pesquisa em música 2008 193
t écnica de St ravinsky f uncionará como pont o de part ida para a consolidação de seu mét odo e post erior
uso em obras abst rat as, ist o é, aquelas que não possuem cont rapart e ext ra-musical.
O primeiro moment o de Pet r ushka é inst rument ado para f laut as, clarinet es e t rompas (Exemplo 1), com
int ervenções melódicas dos celli. Out ros inst rument os são int roduzidos gradualment e, gerando um
crescendo de densidade, conservando um carát er de cert a f orma indef inido, principalment e pelo uso de
t rinados nos clarinet es e t rompas, que não explicit am uma conf iguração harmônica em part icular. Esse
crescendo culmina no segundo moment o cênico, com a ent rada dos f arrist as bêbados. Esse bloco
cont rapõe-se ao ant erior pela mudança de t ext ura (f ormando agora uma t ext ura em uníssono, realizada
pelo t ut t i orquest ral que adensa uma linha melódica, result ando em um grande bloco harmônico),
mét rica (t ernário ant erior t orna-se binário) e rít mica (as linhas diversif icadas do primeiro moment o são
subst it uídas pela homorrit mia).
O t erceiro bloco surge na aparição do Mest re de Cerimônias. As t ransf ormações ocorrem na mét rica, no
andament o e carát er (nest e moment o mais agressivo e imponent e). O grande t ut t i é reduzido após um
esf orçando sobre a not a Bb dist ribuindo a inst rument ação para o acompanhament o de violinos e violas
(díade D-E) com um pedal em Bb sust ent ado pelo f agot e e t rompa. O exemplo 1 most ra essa mesma
modif icação cênico/ musical em pont o mais avançado da peça, em que a inst rument ação é um pouco
dif erent e, cont udo, são claras as dif erenças ent re os blocos musicais j ust apost os (ver a passagem do
come pr i ma para o número 9 de ensaio, sf or zat o sobre a not a Bb dist ribuído para t rombone, t uba,
t ímpano, celli e baixos).
O próximo moment o cênico int roduz o t ocador de realej o e a dançarina. As mudanças são mais radicais,
pois se dão em prat icament e t odos os parâmet ros: carát er, andament o, rit mo, mét rica, densidade,
t ext ura, inst rument ação e, inclusive, gênero (St ravinsky int roduz uma valsa, o que f ez com que alguns
t eóricos ent endessem essa passagem como cit ação ou int ert ext ualidade).

Exemplo 1: St ravinsky, Pet r ushka, Cena I, compassos 1-3, redução. Início da peça.

Exemplo 2: St ravinsky, Pet r ushka, Cena I, número 5 de ensaio, redução. Ent rada dos f arrist as bêbados.
A j ust aposição dos blocos musicais no caso de Pet r ushka cumpre uma f unção de ambient ação t eat ral,
pois as mudanças na música são geradas em analogia às modif icações cênicas. A originalidade do art igo
de Cone f oi j ust ament e analisar como essa concepção permaneceu nas obras ‘ abst rat as’ de St ravinsky,
ou sej a, nas peças que não f oram compost as para t eat ro ou balé, t endo Si nf oni as par a Inst r ument os de
Sopr o como a obra arquet ípica desse processo.
A j ust aposição dos blocos musicais implica em uma segunda et apa, a conexão ent re essas part es. No
cinema a t écnica que dirige esse processo é chamada de mont agem, cuj o ent endiment o será int ent ado
a seguir visando a um desdobrament o post erior no âmbit o musical. .
194 SIMPEMUS 5

Exemplo 3: St ravinsky, Pet r ushka, Cena I.


simpósio de pesquisa em música 2008 195

Exemplo 3 (cont . ): St ravinsky, Pet rushka, Cena I (números de ensaio 8 – quat ro compassos depois – 9 e
10), t rês blocos j ust apost os em concordância com as ações cênicas.

Teorias da montagem
Alguns aut ores sugerem que o mét odo de est rat if icação de St ravinsky t em paralelo com as t écnicas
usadas no início do cinema. O princípio da “ mont agem” e “ cort e” como t eorizados por Sergei Eisenst ein
(1898-1948) são paradigmát icos. Eisenst ein ent endia a mont agem como processo de signif icação e não
como simples suceder de cenas. Toda a sua t eoria acerca do sent ido do f ilme sit ua-se em t orno da
mont agem, que seria responsável pela at ribuição de sent ido ao f ilme e, ao mesmo t empo, t eria um
sent ido em si mesma, além de const it uir-se enquant o element o dif erencial ent re o cinema e as demais
art es. Poderia exemplif icar as idéias de Eisenst ein dessa maneira:
Imagine-se uma cena em que uma mulher encont ra-se parada em f rent e a um espelho, vest ida com um
vest ido pret o, est at icament e olhando para seu ref lexo. Est a cena é sucedida por out ra que most ra um
t úmulo em um cemit ério. O espect ador é levado, ent ão, a deduzir que a mulher é uma viúva. Se a
mesma cena da mulher f or sucedida por out ra que most re um palco com piano, est ant es de part it uras e
inst rument os musicais, o espect ador ent enderá t rat ar-se de uma musicist a apront ando-se para um
196 SIMPEMUS 5
concert o ou recit al. Ainda, se a primeira cena f or seguida de out ra que cont enha uma mesa com vinho,
velas, uma suave música ambient e, o espect ador pensará t rat ar-se de um possível encont ro amoroso.
Enf at ize-se que uma mesma cena, seguida de out ras dist int as, deu origem a t rês signif icações
dif erent es. Esses sent idos f oram criados pelo próprio espect ador, pois não havia indicat ivos desses
signif icados nas cenas. O sent ido f oi const ruído na ment e do observador. Experiências dest e t ipo f oram
realizadas pelo cineast a Kuleshov, provando que o signif icado de uma seqüência pode depender t ão
soment e da relação subj et iva que cada espect ador est abelece ent re imagens ou planos que, em
princípio, não possuem qualquer relação.
Ent ret ant o, se a cena da mulher em f rent e ao espelho f osse seguida por uma out ra em que se vê um
macaco empoleirado em um galho, não haverá conexão evident e, ao cont rario, há desconexão, rupt ura.
O espect ador f icará na dependência de mais uma sit uação para t ent ar relacionar esses dois event os.
Nest e últ imo caso, há um cort e no f luxo signif icant e. Essas são algumas das possíveis sit uações que
apont am para a ut ilização da mont agem enquant o processo de signif icação.
As t eorias da mont agem de Eisenst ein enf at izam esse aspect o de const rução de sent ido, opt ando por
uma concepção dialéct ica do choque ent re os planos, nascendo daí a sua signif icação. Busca, assim, os
est ímulos corret os que operaram no espect ador as reações emocionais desej adas. Eisenst ein classif icou
os seguint es t ipos de mont agem: mét rica, rít mica, t onal, at onal, int elect ual e vert ical. Não é possível
deixar de not ar a semelhança com o vocabulário musical, parent esco est e que não é mera coincidência.
Alguns desses t ipos são sumariament e descrit os a seguir com o propósit o de f oment ar as sugest ões
musicais ext raídas a part ir deles.
A mont agem mét rica é def inida como aquela que t em por base o compriment o real dos f ragment os
j ust apost os. Eisenst ein diz que “ os f ragment os são unidos de acordo com seus compriment os numa
f órmula esquemát ica correspondent e à do compasso musical” (Eisenst ein, 1990, p. 77). Nest e t ipo de
mont agem, o cont eúdo da cena não guarda relação com o compriment o do f ragment o, encont rando-se
subordinado a est e. Tem uma caract eríst ica mecânica e t em a ver com a criação de uma sucessão de
imagens sem qualquer int ent o int elect ual.
A mont agem rít mica est á relacionada com a moviment ação int erna da cena, import ando assim, o
cont eúdo da mesma. “ O moviment o dent ro do quadro impulsiona o moviment o de mont agem de um
quadro a out ro” (Eisenst ein, 1990, p. 79). Um lago ondulant e t em um t ipo de moviment ação, enquant o
que soldados marchando t erão out ro. Esses rit mos peculiares a cada f ragment o são usados como
conect ores dos planos j ust apost os, de modo a gerar proximidade ou cont rast e. A mont agem rít mica
(inerent e às moviment ações part icularidades da cena) não se desvincula da mét rica (que legisla sobre a
t ot alidade dos f ragment os). Desse modo, na mont agem rít mica est ão present es os dois t ipos de
moviment o: o dos cort es de mont agem e o real no int erior dos planos. Um personagem correndo pode
surgir num f ragment o de curt a duração. Ao passo que a ondulação lent a de um lago pode t er uma
duração longa, dando est at icidade à cena. Surgem assim os crit érios de concordância e conf lit o na
mont agem desses dois moviment os. A cena na escadaria de Odessa, no f ilme O Cour açado Pot emki n é
um exemplo dest e t ipo de mont agem, pela f orma como Eisenst ein coloca em cont rast e o rit mo criado
pelo cort e mét rico de mont agem e o rit mo dos passos dos soldados que avançam pela escadaria abaixo.
A mont agem t onal ref ere-se principalment e ao cont eúdo emocional do quadro, sua at mosf era
sent iment al, mas abarca diversos aspect os da cena, como medida, cor, luminosidade, ent re out ros.
Possui um alt o grau de subj et ividade na medida em que t rat a das sensações emocionais suscit adas pelo
quadro, sensações que não podem ser t rat adas mat emat icament e, como na mont agem mét rica. Na
mont agem t onal, “ t rabalha-se com combinações de variados graus de suavidade de f oco ou graus
variados de agudeza” , sendo que o principal indicador para reunião dos f ragment os “ est á de acordo com
seu element o básico – vibrações ót icas de luz (graus variados de sombra e luminosidade). ” (Eisenst ein,
1990, p. 80).
A mont agem at onal (t ambém chamada de harmônica) é a menos compreendida pelos coment adores de
Eisenst ein, que se limit am a reproduzir cit ações dos seus t ext os. O cineast a considera os conf lit os, ou
dissonâncias, int rínsecos aos vários element os da cena, como cont eúdo emocional, cores, sons, et c, e
t oma essas divergências como base para a j ust aposição dos quadros. As concepções do cineast a não são
t ambém muit o claras nest e caso, t endo ele mesmo conf essado que a descobert a da mont agem at onal se
deu post eriorment e ao seu f ilme A l i nha ger al , com o qual f oi possível a det ecção do conf lit o ent re
planos, que ocorreu soment e com a visão do moviment o, ist o é, depois do f ilme mont ado na t ot alidade.

Considerações finais: j ustaposição, estratificação e montagem


Embora em est ágio inicial, acredit o ser possível a sist emat ização de alguns procediment os de conexão
ent re os blocos musicais t endo por base os art if ícios de mont agem f ílmica descrit os. De maneira
sumarizada t ent arei esboçar alguns apont ament os a esse respeit o, cient e das dif erenças exist ent es
ent re as percepções visuais e aurais.
simpósio de pesquisa em música 2008 197
Como pont o de part ida é preciso ressalt ar que a idéia é conect ar blocos musicais aut ônomos, ist o é,
blocos que cont rast am e são percebidos como independent es ent re si. Em geral, esses blocos surgem
como rupt uras no f luxo narrat ivo, e são percebidos como divergent es, post o que apresent am rit mos,
mét ricas, dinâmicas, andament os, regist ros, est rut uração das alt uras e caract eres part iculares. Esse
aspect o não é problemát ico, sendo at é desej ado no discurso poét ico f ragment ário. Porém, o que se
propõe é uma maneira de int egrá-los sob um mesmo denominador, ao menos no desf echo da obra, para
que sej am percebidos como part icipant es de um mesmo cont ext o. Obviament e, essa idéia diminui a
carga subj et iva inerent es aos discursos f ragment ários.
Na proposição das mont agens mét rica e rít mica, as dif erent es durações dos blocos musicais, bem como
suas dist int as est rut uras rít micas, poderiam ser t ransf ormadas de modo a adequar compriment os de
f rases, t emas ou mot ivos, andament os, durações e células rít micas de modo a t ornar semelhant es os
blocos musicais, f icando os cont rast es relegados aos out ros parâmet ros (alt ura, regist ro, dinâmica e
carát er).
O aspect o sugerido pelas mont agens t onal e at onal são aqui ent endidos não em relação ao sist ema
t onal, mas ao carát er expressivo da obra (que acabam por envolver t odos os parâmet ros musicais, não
só os de alt ura) e aos possíveis cont rast es e conf lit os a ele relat ivo. Tom é ent endido como inf lexão, o
que leva à percepção do carát er. Um bloco musical pode t er um carát er mais lírico, out ro mais
enérgico. Podem ainda divergir quant o à própria est rut ura int erna, sugerindo uma maior organização ou
uma disposição mais caót ica. De acordo com o regist ro e dinâmica podem t ambém sugerir agressividade
(região aguda em dinâmica f ort e) ou cont emplação. Essas caract eríst icas poderiam ser gradat ivament e
t ransf eridas ent re os diversos blocos j ust apost os de modo a diminuir suas divergências, criando ao f im,
uma espécie de grande bloco que encamparia as incongruências dos demais, levando-os a uma espécie
de sínt ese f inal.
Os exemplos seguint es t ent am most rar possíveis modos de conexão de blocos musicais segundo o
processo de mont agem. O Exemplo 4 apresent a t rês part es dist int as que poderiam ser j ust apost as em
uma peça. O bloco 1 t em regist ro amplo, dinâmica f ort e, andament o rápido, carát er al l egro, est rut ura
rít mica caract eríst ica e usa seis not as da escala cromát ica. O bloco 2 dif ere-se dest e sobret udo em
carát er (calmo), t ext ura (acórdica), uso de t rillos e uso de not as não present es no bloco 1, pois esse
novo conj unt o de not as complet a o t ot al cromát ico. O cont rast e principal do bloco 3 é a t ext ura
pont ilhist a, regist ro agudo, além disso, o uso de int ervalos dissonant es cria uma sonoridade mais áspera.
O Exemplo 5 most ra uma das possíveis conexões ent re os blocos 1 e 2, criando uma const rução cuj os
est rat os int erpenet ram-se, pois os t rillos caract eríst icos do bloco 2 são gradat ivament e assimilados pelo
bloco 1. Da mesma maneira, o Exemplo 6 f az convergir, por meio da est rat if icação, os blocos 1 e 3, a
t essit ura aguda e t ext ura pont ilhist a do bloco 3 se superpõe no bloco 1, assim os blocos são t razidos
para um cont ext o comum.

Exemplo 4: Três blocos musicais cont rast ant es a serem conect ados.

Exemplo 5: Mont agem e conexão dos blocos 1 e 2.


198 SIMPEMUS 5

Exemplo 6: Mont agem e conexão, via est rat if icação, dos blocos 1 e 3.
Essas considerações encont ram-se em f ase inicial, t odavia, vislumbro a possibilidade de t omá-las como
pont o de part ida para engendrar, post eriorment e, a sist emat ização dos procediment os de j ust aposição
e est rat if icação aqui coment ados.

Referências bibliográficas
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EISENSTEIN, Serguei. Ref l exões de um ci neast a. Tradução de Gust avo Doria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1969.

__________ . A f or ma do f i l me. Tradução de Teresa Ot t oni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
MEDIÇÃO ACÚSTICA E METODOLOGIA DE PREVENÇÃO DE PERDAS AUDITIVAS EM AMBIENTE

ESCOLAR

Ansel mo Guer r a (UFG)

RESUMO: Verif icamos a necessidade de conscient ização por part e de ouvint es, músicos inst rument ist as
e, sobret udo, de educadores musicais e daquel es que exercem cargos administ rat ivos em rel ação às
medidas prevent ivas de perdas audit ivas no ambient e escol ar, ou nas prát icas musicais col et ivas, como
bandas e orquest ras. Na int rodução def inimos o obj et o de est udo, obj et ivos, rel evância e j ust if icat iva.
A seguir apresent amos a f undament ação t eórica, abordando a percepção de int ensidade sonora e o
mét odo de medição. Apresent amos um resumo das pat ol ogias rel acionadas com graus dif erent es de
exposição ao ruído. Rel at amos uma pesquisa real izada com músicos de bandas. Concl uímos com
recomendações aos dirigent es e educadores, e proj eções para pesquisas f ut uras.
PALAVRAS-CHAVE: t ecnol ogia musical , perda audit iva, psicoacúst ica.
ABSTRACT: We not e t he need f or awareness on t he part of l ist eners, music perf ormers and, above al l ,
music educat ors and t hose who perf orm administ rat ive f unct ions in rel at ion t o prevent ion met hods of
hearing l oss in t he school environment , or t he musical collect ive pract ices, such as bands and
orchest ras. In t he int roduct ion we def ine t he obj ect of st udy, obj ect ives, rel evance and j ust if icat ion.
Them, we present t he t heoret ical basis, addressing t he percept ion of sound int ensit y and t he met hod of
measurement . We present a summary of diseases rel at ed t o dif f erent degrees of exposure t o noise. We
report a survey conduct ed wit h bands of musicians, and concl ude wit h recommendat ions t o l eaders and
educat ors, and proj ect ions f or f ut ure research.
KEYWORDS: music t echnol ogy, hearing l oss, Psychoacoust ics.

Nas úl t imas décadas, t emos observado uma crescent e preocupação com assunt os rel at ivos à Ecol ogia,
sobret udo em ref erência aos cuidados com o meio ambient e. Esse moviment o, part indo dos meios
cient íf icos enf im se popul arizou at ravés da mídia e inf l uenciou as pol ít icas públ icas, t ant o que hoj e
podemos observar o t ema exaust ivament e abordado no ensino escol ar.
Ent ret ant o, um aspect o t em sido sist emat icament e negl igenciado: a saúde audit iva - obj et o de est udo
dest e art igo. A rel evância desse probl ema é t al que, se a prevenção de perdas audit ivas não t iver sua
incl usão sist emát ica na educação, t eremos conseqüências graves pois a crescent e exposição a f at ores
sonoros agressivos e suas conseqüências podem at ingir pat amares pandêmicos. Parece que se inst al ou
um model o em nossa cul t ura, ref orçado pel a mídia, que rel aciona como prazerosa a música com al t os
níveis de int ensidade sonora . E est e hábit o at inge as várias at ividades cot idianas, incluindo-se,
inf el izment e, o ambient e escol ar. Port ant o, nest e art igo nosso obj et ivo é expor quais são esses f at ores
sonoros danosos, como ident if icá-los, quant izá-l os e como combat ê-l os.

1. fundament ação t eórica


A f undament ação t eórica part e da experiência dest e aut or com o t rabal ho int erdiscipl inar sob a
orient ação dos prof essores Maria Ângel a Feit osa e Al cides Gadot t i (UnB), da l inha de pesquisa em
Processos Sensoriais (ALMEIDA 1991). Para ent endermos a percepção musical recorremos à Psicoacúst ica
que é um campo que envol ve conheciment os de f ísica acúst ica, biologia, psicologia, música, ent re
out ros. Audibil idade, al t ura, t imbre e t empo são at ribut os usados para descrever o som, especial ment e
os sons musicais. Est es at ribut os dependem de um modo mais compl exo de quant idades mesuráveis t ais
como pressão sonora, f reqüência, espect ro de parciais, duração e envol t ória. A rel ação ent re os
at ribut os subj et ivos do som e as medidas f ísicas é o probl ema cent ral da psicoacúst ica.
A percepção envol ve não só a recepção de inf ormações pel o órgão sensorial , mas t ambém a codif icação
a t ransmissão e o processament o dessa inf ormação no sist ema nervoso cent ral . O pioneiro no est udo das
rel ações ent re o est ímul o e as sensações subj et ivas f oi o pesquisador G. T. Fechner (El ement s of
Psichophysics, 1860).
Por isso, um dos conceit os mais import ant es f oi denominado Lei de Fechner, que diz: quando um
est ímul o se aument a por mul t ipl icação, a sensação se aument a por adição. Por exempl o, quando a
int ensidade sonora é dobrada, sua audibil idade aument a um degrau na escal a. As oit avas musicais se
rel acionam em razão mat emát ica de 2: 1, ou sej a, uma seqüência de 1, 2, 3, 4 oit avas se expressa por
f reqüências mul t ipl icadas por 2, 4, 8, 16. Os mat emát icos chamam t al rel ação de l ogarít mica. A Lei de
Fechner est abel ece que a sensação cresce na proporção do l ogarit mo do est ímul o.
200 SIMPEMUS 5

Percepção de intensidade
A percepção de int ensidade se f az com base na quant idade de f ibras nervosas excit adas e a percepção
de alt ura do som de acordo com o pont o de maior amplit ude da vibração da membrana basilar, dent ro
de nossa cóclea. A membrana basilar não possui sensibilidade homogênea em t oda a sua superf ície, com
o máximo em sua região cent ral. Consequent ement e é f avorecida a f aixa média das f reqüências do
espect ro audível.
Os f undament os em acúst ica def inem Int ensidade Sonora num pont o e numa direção det erminada como
a quant idade de energia t ransport ada pela onda sonora por unidade de superf ície normal à direção da
onda.
Int ensidade (I) = energia/ área (wat t / m2)
Como nossa sensibilidade não é homogênea para t odas as f reqüências, f oi def inido como ref erência a
f reqüência de 1000 Hert z1. Para 1000 Hz, o limiar de audibilidade, ou sej a, o som mais f raco que uma
pessoa pode ouvir est á sit uado nos 10-12 wat t / m 2, enquant o a int ensidade em que o ouvido começa a
doer é um milhão de vezes maior: 1 wat t / m 2.
Para represent ar essa grande variação f ísica em t ermos de percepção, t ornou-se convenient e adot ar
uma escala percept iva com base na lei de Fechner. Ent ão, para se obt er increment os iguais de
percepção de int ensidade sonora, precisamos increment os exponenciais de excit ação. Para isso criou-se
uma nova unidade: o decibel 2.
Nível Sonoro de Int ensidade (NSI) = 10 log I/ Io (dB)
onde:
I = int ensidade do som em quest ão
Io = int ensidade de ref erência: 10-12 wat t / m2

wat t / m: 10-12 10-11 10-6 100 = 1

NSI (dB): 0 10 60 120

Apresent amos alguns valores de níveis sonoros:

20 a 30 dB ambient es calmos, dormit ório;

40 a 50 dB escrit órios, residência barulhent a;

60 a 70 dB conversação normal;

80 a 90 dB t ráf ego pesado;

90 a 110 dB indúst ria pesada;

110 a 120dB proximidade a aviões a j at o

Agora que t emos meios de quant izar a percepção de int ensidade sonora, podemos comparar cert as
relações de causa e ef eit o para o ser humano. Um f at or import ant e a se considerar é a dist ância ent re
f ont e sonora e ouvint e, sej a est a f ont e um obj et o, um inst rument o musical ou um aparelho elet rônico.
O modelo mais realist a de proj eção sonora é o Campo Hemisf érico (ROSSING 1990, p. 88), pois
represent a uma f ont e sonora sobre o solo ou ref let indo o som em uma parede. Com ele vemos que a um
met ro de uma f ont e sonora t emos uma at enuação de 8dB. E cada vez que se dobra a dist ância t em-se
um decréscimo de 6dB.
Com esses dados podemos inf erir algumas sit uações cot idianas:

1
Ondas sonoras são f enômenos de repet ição cíclica. O número de ciclos em um segundo def ine a f reqüência da onda,
e essa unidade é denominada Hert z (ou abreviadament e Hz) em homenagem a Heinrich Hert z (1857-1894), que
demonst rou a exist ência das ondas hert zianas, as ondas de rádio. Para nossa ref erência musical, 1000 Hz é
aproximadament e um Dó-6.
2
Decibel é derivado do Bel, nome dado em homenagem a Alexander Graham Bell (1847-1922). Sendo o Bel a medida
da razão ent re duas pot encias, onde os valores obt idos eram pouco convenient es na prát ica, decidiu-se adot ar como
unidade seus décimos.
simpósio de pesquisa em música 2008 201
Quem usa f ones de ouvido deve t er a consciência que, pel o f at o do art ef at o se inst al ar prat icament e
dent ro do ouvido, não exist e nenhuma dist ância para at enuar a pot ência na f ont e, ou sej a, a
int ensidade produzida no f al ant e vai diret o para sist ema audit ivo. Ent ão, como vemos na t abel a acima,
bast a apenas 1 Wat t para se at ingir o nível de dor, correspondent e a 120 dB

Em uma sal a de prát ica inst rument al (orquest ras, bandas e out ros grupos inst rument ais) os músicos se
posicional em f il eiras, onde geral ment e os inst rument ist as proj et am o som a poucos cent ímet ros dos
ouvidos do músico à sua f rent e. Por exempl o, a pot encia de um som f ort e medido na campana de um
t rombone é cerca de 1, 5 Wat t , ou sej a, 132 dB proj et ados próximo do ouvido do parceiro à f rent e.

A l egisl ação brasil eira def ine os Limit es de Tol erância para Ruído Cont ínuo ou Int ermit ent e. Aqui
resumimos a t abel a de nível de ruído em rel ação ao t empo de exposição:

NÍVEL DE RUÍDO MÁXIMA EXPOSIÇÃO DIÁRIA PERMISSÍVEL


(dB)

85 8 horas
90 4 horas

95 2 horas

100 1 hora
105 30 minut os

110 15 minut os
115 7 minut os

Tipos de perda auditiva induzidas pelo ruído


Abaixo, sint et izamos o l evant ament o de t ipos de perda audit iva induzidas pel o ruído, conf orme
l evant ado por Ferreira (2003, p. 54) na base t eór ica de (COSTA E KITAMURA 1995) e (SELIGMAN 1997):
Trauma Acúst ico. Perda audit iva causada por ruídos repent inos e de f ort e int ensidade, com uma grade
pot ência sonora apl icada em um único moment o, ou em f orma cont inuada, como em discot ecas,
est údios de gravação musical , podendo causar l esões no ouvido médio e int erno, caract erizando uma
l esão sensorioneural . Em al guns casos pode ocorrer a rupt ura da membrana t impânica ou a
desart icul ação da cadeia ossicul ar .
Perda Audit iva Temporária. Mudança t emporária do l imiar de audição produzida pel a exposição a ruído
int enso em um breve período de t empo. Nest e caso, o indivíduo obt ém mel horas progressivas em 30
segundos, 15 minut os, 5 horas ou 24 horas depois da deposição, dependendo da int ensidade e do t empo
em que f icou imerso no est ímul o. Ent ret ant o, sabe-se que o est resse repet ido e t empos mais
prol ongados podem provocar perdas audit ivas permanent es;

Perda audit iva permanent e. Causada pel a exposição repet ida, dia a dia, a ruídos excessivos que com o
passar dos anos l eva a uma perda audit iva irreversível . É um processo l ent o e progressivo que pode
passar despercebido por l ongo t empo. Em geral , quando o indivíduo de dá cont a, as l esões j á est ão
avançadas, Esse t ipo de perda é ocasionada por dest ruição de part es do Órgão de Cort i começando na
região da espira basal da cócl ea e avançando para regiões vizinhas conf orme o agravament o da
exposição;

Zumbido. É uma sensação sonora produzida na ausência de f ont e ext erna de som. É um indicat ivo de
l esão audit iva induzida pel o ruído ;
Recrut ament o. É a reação desproporcional à medida que a int ensidade do som aument a, produzindo
sensação de incômodo;
Ot al gia. Causada por sons excessivament e int ensos que é acompanhado event ual ment e por dist úrbios
neuroveget at ivos e por rupt uras t impânicas;
Perda Audit iva Induzida pel o Ruído (PAIR). Dif er ent ement e do t rauma acúst ico, é a diminuição gradual
da acuidade audit iva decorrent e da exposição cont inuada a níveis el evados de ruído.
A Perda Audit iva Induzida pel o Ruído (PAIR) é o grande risco que correm os músicos de bandas,
orquest ras e demais grupos inst rument ais, devido às condições de t rabal ho, sobret udo devido ao
ambient e dos ensaios: t empo de exposição a níveis sonoros el evados e caract eríst icas acúst icas da sal a.
Aquel es que sof rem de PAIR apresent am as seguint es caract eríst icas (COSTA E KITAMURA 1995, p. 377):

a inst al ação da PAIR é inf l uenciada principal ment e pel as caract eríst icas f ísicas do ruído (t ipo, espect ro
e nível de pressão sonora) , t empo de exposição e suscept ibil idade individual ;
202 SIMPEMUS 5
a PAIR é neurossensorial em razão aos danos causados ao Órgão de Cort i, ou sej a, é irreversível e at inge
bilat eralment e;
normal ment e não chega à perda audit iva prof unda, normal ment e est abil izando na perda de 40 dB em
baixas f reqüências e 75 dB mas alt as,
começa a af et ar a região ent re 6 e 3 kHz e, com o agravament o da lesão est ende-se para acima (8 kHz)
e abaixo da f aixa inicial (250 Hz). A primeira part e do processo pode durar de 10 a 15 anos sob
exposição cont inuada;
como pat ologia coclear, poder apresent ar zumbido e int olerância a sons int ensos, compromet endo a
int eligibilidade da f ala em prej uízo do processo de comunicação.
Uma vez que é cessada a exposição ao ruído a progressão da PAIR cessa;
à medida que os limiares audit ivos aument am, a progressão da perda t orna-se mais lent a.
Nesse cont ext o, o manual de Segurança e Medicina do Trabalho (acima cit ado) inclui as at ividades de
música como at ividade de risco, ou sej a, o músico em sua at ividade laboral encont ra-se em cont at o
diret o com ruído cont ínuo ou int ermit ent e, sugerindo um t rabal ho de prevenção com a adoção de
medidas que visem pelo menos est acionar as perdas audit ivas em progressão e evit ar novos casos.
O Programa de Conservação de Audição (PCA) é um conj unt o de medidas que t em por obj et ivo impedir
que det erminadas condições de t rabal ho provoquem a det erioração dos limiares audit ivos de
det erminado grupo de t rabalhadores. Segundo IBAÑEZ (1997), são necessárias as seguint es medidas:
at ividades de monit orização: avaliação ambient al do ruído, audiodosimet ria, audiomet ria;
at ividades de cont role: redução do ruído ambient al, redução da dose de exposição ao ruído;
equipament os de prot eção individual;
at ividades de apoio: medidas administ rat i vas; educação e inf ormação; avaliação.
Dent ro da f ilosof ia do PCA, seria ideal que se apli cassem as medidas no cont ext o dos grupos musicais:
realização de audiomet ria admissional e acompanhament o periódico do desempenho audit ivo do musico;
emprego de prot et ores audit ivos. Exist em prot et ores auriculares especialment e indicados para músicos,
possibil it ando que el es t enham f eed-back na medida adequada ao desempenho musical , pois podem ser
regulados para at enuar ent re 15 e 25 dB do nível de int ensidade, sem perda da qualidade sonora.
enf im, cabe aos educadores musicais promoverem a conscient ização do músico, inf ormando, e cobrando
das inst âncias administ rat ivas as medidas corret as em relação às condições f ísico-acúst icas de t rabalho
para os grupos musicais.

2. relato: um estudo sobre músicos de banda no centro-oeste


Est e aut or orient ou uma pesquisa denominada “ A psicoacúst ica como auxiliar na prevenção em saúde
audit iva de músicos de banda: est udo sobre int ensidade” (FERREIRA 2003). A pesquisa invest iga as
cont ribuições das met odologias da psicoacúst ica para o campo da prevenção em saúde audit iva de
músicos de banda, sediados em uma capit al da região cent ro-oest e. At ravés de um est udo t eórico-
prát ico embasado nas met odologias da psicoacúst ica medimos a int ensidade sonora nos ensaios das
bandas musicais det ect ando-se níveis elevados de int ensidade.
Procedimentos Metodológicos: com a real ização de exames audiomét ricos verif icamos que um
signif icat ivo número de músicos possuem rebaixament o audit ivo sugest ivo de compromet iment o
neurossensorial, levant ando-se a hipót ese f inal de Perda Audit iva Induzida Pelo Ruído (PAIR).
Adapt ando-se os Mét odos de Est imat iva de Razão e de Est imat iva de Magnit ude, ambos da psicof ísica
moderna, criamos t est es psicoacúst icos em f reqüência não ut ilizadas nos exames de audiomet ria, aqui
denominados Test e de Variação de Int ensidade e Test e de Sensibilidade de Mudança de Int ensidade.
No Mét odo de Est imat iva de Razão submet emos ao indivíduo a dois est ímulos e solicit amos que est ime a
razão ent re el es. No Mét odo de Est imat iva de Magnit ude solicit a-se que o suj eit o at ribua números a
variações quant it at ivas em um at ribut o de um est ímul o dado (FEITOSA 1996). Mas como l idamos com
músicos, subst it uímos os números pela linguagem musical ref erent e à variação de int ensidade sonora
(FERREIRA 2003, p. 79). No Laborat ório de Pesquisa Sonora (UFG) criamos digit al ment e amost ras com um
gerador na f orma de onda “ dent e de serra” (f undament al = 220Hz), conf orme duração e vol umes
def inidos na pesquisa. Por exempl o, de 1 a 10, os números f oram represent ados de 1 = pp = 0dB at é 10 =
f f = 100dB.

Resultados: Em uma primeira et apa, verif icou-se uma int ensidade média ent re 101 e 107 dB nos ensaios
de bandas. Salvo casos excepcionais, os ensaios são real izados diariament e, com 4 horas de duração com
30 minut os de int erval o. De acordo com a l egisl ação brasileira, para os níveis medidos, est es níveis só
simpósio de pesquisa em música 2008 203
seriam aceit os para cerca de 30 minut os diários. Cerca de 26% dos músicos acusaram rebaixament o
audit ivo nos t est es audiomét ricos.
Os resul t ados obt idos com os dois t est es de Est imat iva de Magnit ude se most raram sat isf at órios para o
desempenho musical dos indivíduos. Ent ret ant o, f oi observado que os rebaixament os audit ivos
det ect ados nos t est es audiomét ricos se encont ram maj orit ariament e nas f aixas de f reqüência ent re 3 a
8 kHz. Port ant o, as perdas evol uem de f orma mascarada. Com apl icação de dois quest ionários
abordando quest ões ref erent es à audição, e out ras ref erent es a aspect os da f ormação dos músicos,
obt ivemos dados que conf irmam sint omas advindos da excessiva exposição a f ort es int ensidades sonoras
e a não percepção da perda audit iva por al guns músicos. Com base nas comprovações dos dados,
verif icamos que est es t rabal hadores necessit am adot ar medidas prevent ivas na preservação da saúde
audit iva.

3. Conclusões
Com a argument ação cient if icament e f undament ada é possível convencer os dirigent es a criar pl anos de
prevenção de perdas audit ivas, pl anej ando mel hor os espaços de t rabal ho, promovendo campanhas de
conscient ização. É possível convencer a criança ou o adol escent e que é preciso moderar na int ensidade
dos f ones de ouvido. Do mesmo modo, deve-se inst ruir aos inst rument ist as de bandas, orquest ras e
out ros grupos musicais que é preciso ut il izar prot et ores auricul ares em caso de exposições cont ínuas em
suas at ividades de ensaio. E, f inal ment e, devemos al ert ar aquel es que ingenuament e querem animar as
f est as at ravés da música ensurdecedora – as crianças menores são as maiores vit imas, pois o sist ema
audit ivo del as é mais sensível do que os ouvidos compromet idos dos adul t os. Inf el izment e, est a prát ica
é comum mesmo nas escol as. Observamos a mídia int eressando-se por assunt os ecol ógicos, mas parece
que para el a, a Ecol ogia Sonora não exist e, ou não rende bons índices de audiência. Tal vez sej a a
concret ização de uma prof ecia de Derrida – a ext i nção da música erudit a como “ espécie cul t ural ” .

Especul amos que o rebaixament o audit ivo, com a conseqüent e perda de sensibil idade às qual idades
musicais do som pode dif icul t ar a percepção das expressões musicais mais sut is e el aboradas – assunt o
que seria rel evant e para f ut uras pesquisas.

Referências bibliográficas
ALMEIDA, Anselmo Guerra, Geber Ramalho, M. Angela Feit osa e Alcides Gadot t i. "Relevância do Est ado do Int ervalo
Musical na Percepção de Tons de Combinação". Anais da XXI Reunião Anual da Sociedade de Psicologia de
Ribeirão Pret o. São Paulo: Faculdade de Medicina da USP- Campus Ribeirão Pret o , 1991.

COSTA, Everaldo A. e Sat oshi KITAMURA. Órgãos dos Sent idos: audição. In: Mendes , René (org). Pat ologia do
Trabalho. Rio de Janeiro: At heneu, 1995.

FEITOSA, M. Ângela. Teoria e Mét odos em Psicof ísica. In: PASQUALI, Luiz (org), Teoria e Mét odos de Medida em
Ciências do Comport ament o. Brasília: UnB-INEP, 1996.

FERREIRA, Eliamar Aparecida de B. Fleury e. A Psicoacúst ica como auxiliar na prevenção em Saúde Audit iva de
Músicos de Banda: est udo sobre int ensidade. Dissert ação (Mest rado em Música) – Universidade Federal de Goiás,
2003.

IBAÑEZ, Raul Nielsen. Programa de Conservação Audit iva. In: NUDELMANN, Albert o et all (org): PAIR: Perda Audit iva
Induzida Pelo Ruído. Port o Alegre: Bagaggem Comunicação, 1997.

ROSSING, Thomas. The Science of Sound. Massachuset t s: Addison-Wesley Pub. , 1990.

SELIGMAN, José. Sint omas e Sinais na PAIR. In: NUDELMANN, Al bert o et all (org): PAIR: Perda Audit iva Induzida Pelo
Ruído. Port o Alegre: Bagaggem Comunicação, 1997.

Legislação

BRASIL. SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO. Lei no 6. 514, de 22 de dezembro de 1977. Normas Regul ament adoras
(NR) aprovadas pela Port aria no 3. 214, de 8 de j unho de 1978. Normas Regulament adoras Rurais (NRR)
aprovadas pela Port aria no 3. 067, de 12 de abril de 1988. Sã o Paulo: At las, 2002.
MÚSICA ESPECTRAL: O SOM COMO REFERÊNCIA COMPOSICIONAL

Gui l her me de Cesar o Copi ni (UNICAMP) Si l vi o Fer r az (UNICAMP)

RESUMO: O pr esent e ar t i go t r at a de uma compi l ação de i nf or mação que at ual ment e est á di sper sa em
ar t i gos di ver sos e não di sponívei s em por t uguês. Assim, o mesmo vi sa j ust ament e per mi t i r ao est udant e
e pesqui sador da ár ea de músi ca uma apr oxi mação à Músi ca Espect r al , suas pr opost as poét i cas e
est ét i cas t endo por r ef er ênci a os pr i nci pai s t ext os pr oduzi dos t ant o por composi t or es que par t i ci par am
dest a poét i ca quant o por pesqui sador es que se dedi car am a r euni r est as i nf or mações na f or ma de l i vr os
e t eses. A i mpor t ânci a do ar t i go est á no f at o que est e compi l a e r eúne el ement os f undament ai s que
per mi t em uma pr i mei r a apr oxi mação com est a poét i ca.
PALAVRAS-CHAVE: música cont emporânea, música espect ral , composição musical , música el et rônica,
acúst ica.
ABSTRACT: The present art icl e t reat s of a compil at ion of inf ormat ion t hat now is dispersed in several
art icl es and no avail abl e in Port uguese. Like t his, t he same seeks exact l y t o al l ow t o t he st udent and
researcher of t he music area an approach t o t he spect ral music, t heir poet ic and aest het ic proposal s
t end f or ref erence t he main t ext s produced so much by composers t hat part icipat ed in t his poet ic one
as f or researchers t hat were devot ed t o gat her t hese inf ormat ion in t he f orm of books and t heories. The
import ance of t he art icl e is in t he f act t hat t his compil es and it gat hers f undament al el ement s t hat
al l ow a f irst approach wit h t his poet ic one.
KEYWORDS: cont emporary music, spect ral music, musical composit ion, elect ronic music, acoust ic.

Poét ica da música espect ral


No início do sécul o XX, uma das vert ent es da música cont emporânea assumia o t imbre e as
caract eríst icas f ísicas do som como principal mat erial para const rução musical . Por vol t a dos anos 70, o
grupo de composit ores L’ It i nér ai r e, em Paris, dos quais podemos dest acar Gérard Grisey (1946-1998) e
Trist an Murail (1947- ), est ava escrevendo obras que não eram mais baseadas em rel ações de al t uras
predominant ement e, mas sim, obras cuj o f oco est ava na nat ureza do som e f ormas de represent ação do
mesmo, principal ment e no espect ro harmônico. Baseado nessa caract eríst ica, Hugues Duf ourt (1943- ),
um dos membros do grupo f rancês, denominou a música produzida pel os composit ores como Músi ca
Espect r al em art igo publ icado em 1979.
Conf orme Joshua Fineberg a escol a de Composição Espect ral j á cobre t rês gerações de composit ores,
sendo uma das mais import ant es escol as de composição cont emporânea. 1 Jul ian Anderson def ende que
Não exist e nenhuma escola de composit ores espect rais; na verdade, cert os problemas
f undament alment e associados com o est ado da música cont emporânea desde pelo menos
1965, t em repet idament e int eressado composit ores de dif erent es f ormações na pesquisa de
2
algumas soluções comuns envolvendo a aplicação de acúst ica e psicoacúst ica na composição .

Havendo ou não uma escol a de composição espect ral , o import ant e é verif icar que est es composit ores
t inham e t êm a preocupação de compor uma música que al ie os est udos sobre o som e sua percepção
com o auxíl io de t ecnol ogias disponíveis.
Gérard Grisey af irma que a música espect ral t em “ uma origem t emporal ” e que era “ necessário dar
f orma a expl oração de um t empo ext remament e dil at ado e permit ir um preciso grau de cont rol e na
t ransição de um som para o próximo” . 3 Ist o pode ser vist o nas primeiras composições espect rais como,
por exempl o, Par t i el s (1975) do próprio Grisey, na qual det erminado espect ro sonoro é usado por um
l ongo t recho musical e l ent ament e é f eit a a t ransição ent re est e e o seguint e. Trist an Murail def ine
música espect ral não como um conj unt o de t écnicas, mas como uma “ at it ude perant e a música e
composição, com conseqüências est ét icas ao invés de est il íst icas” . 4 Tal f at o se comprova pela grande
diversidade de est il os dos composit ores que t rabal ham com est e t ipo de música. No ent ant o, est es
composit ores compart il ham a idéia cent ral de que a música é som evol uindo no t empo. 5

1
FINEBERG, 2000
2
ANDERSON, 2000, p. 7.
3
GRISEY, 2000, p. 1.
4
Apud FINEBERG 2000, p. 2.
5
FINEBERG, 2000.
simpósio de pesquisa em música 2008 205
Desenvolvimentos musicais e tecnológicos que culminaram na origem da música espectral
A música espect ral t eve como principal inf luência a obra de composit ores que: 1)Desenvol veram
pesquisas no campo da acúst ica (sobret udo espect ro harmônico), como Edgard Varèse (1883-1965);
2)Produziram música com cont ínuo, l ent o e gradual processo de evol ução do mat erial sonoro, como
Giacint o Scelsi (1905-1988), e György Liget i (1923-2006); e, 3)Escreveram música elet rônica ou música
acúst ica com el ement os dest a, como Karlheinz St ockhausen (1928-2007). 6
Os composit ores de música espect ral t iram das caract eríst icas f ísicas do som o seu mat erial
composicional. Ist o é f eit o at ravés de uma análise do espect ro de det erminada amost ra sonora. Est a
anál ise é baseada na t eoria de Fourier 7 e se dá pela ut ilização de sof t wares que t êm sido desenvolvidos
principal ment e pel o IRCAM. Al ém disso, f azem uso de vários procediment os ut ilizados e desenvolvidos
na música el et rônica. Segundo Jonat han Harvey, dif icil ment e uma t eria se desenvol vido sem a presença
da out ra. Nas palavras dele, “ música elet rônica é um avanço t ecnol ógico bem document ado,
8
espect ralismo em sua simples f orma como pensament o de cores, é um avanço espirit ual ” . Como
sal ient a Murail (um dos f undadores do moviment o), “ a maior part e dest as primeiras peças f az uso da
simulação de sist emas elet rônicos t ais como modulação por anel e ecos, ou ext ensão ou compressão de
séries harmônicas abst rat as” . 9
Embora os composit ores espect rais f açam uso de vários conceit os e processos da música elet rônica
(como por exempl o, a simul ação dos aspect os espect rais de sons elet rônicos - t ecnomorf ismo), o
obj et ivo del es não é a produção de uma música el et roacúst ica, mas na verdade, “ um novo t ipo de
música inst rument al com sons dif erent es, t ext uras e evoluções” . 10
Conf orme Murail, o composit or “ t rabalha com som e t empo” . 11 Sendo est a a principal linha guia dos
composit ores espect rais, é necessário ent ender como se dá a análise das amost ras sonoras ut ilizadas na
composição. O processo de decomposição de uma onda sonora é f eit o at ravés da Transf ormação Fourier
Rápida [ Fast Fourier Transf orm – FFT] . Segundo Fineberg, a FFT “ é o coração de t odas as análises
espect rais f eit as em comput ador” . 12 A maneira mais ut il izada para a compreensão dest es dados obt idos
na anál ise é a represent ação gráf ica dos mesmos em um sonograma (f igura 1).

Figura 1. Exempl o de Sonograma obt ido a part ir de análise de amost ra sonora. Fonte: FINEBERG -
“ Appendix II – Musical Examples” , 2000, p. 116.
É import ant e f risar que em uma anál ise desse t ipo não há dif erença ent re o espect ro de uma not a
associada a um t imbre e o espect ro de um acorde como um el ement o harmônico. Pressnit zer e McAdams
af irmam que
Uma simples not a é uma coleção de component es espect rais, dest a f orma um acorde; e um
acorde é uma coleção de parciais, dest a f orma um t imbre. Sínt ese sonora permit e a
organização da not a em si, int roduzindo harmonia no t imbre, e reciprocament e a análise
sonora pode int roduzir o t imbre como gerador de harmonia. 13

6
ANDERSON, 2000.
7
Jean Bapt ist e Fourier (1768-1830), mat emát ico f rancês que demonst rou que qualquer som pode ser decompost o em
det erminado número de senóides, ou a part ir da escolha de senóides específ icas pode-se chegar ao som desej ado,
por mais complexo que est e sej a. Em out ras palavras, qual quer onda periódica pode ser t ransf ormada em um t ipo de
série harmônica.
8
HARVEY, 2001, p. 11.
9
MURAIL, 2000, p. 6.
10
FINEBERG, 2000, p. 1.
11
MURAIL, 2005, p. 137.
12
FINEBERG, 2000, p. 100.
13
PRESSNITZER; MCADAMS, 2000, p. 39.
206 SIMPEMUS 5
Uma vez que harmonia e t imbre est ão t ão int imament e ligados, o últ imo pode ser associado e
manipulado de acordo com as noções t onais de t ensão e relaxament o. Em Dési nt égr at i ons (1982),
Trist an Murail ordenou t imbres e agregados sonoros por grau de inarmonicidade. Em Ver bl endungen
(1982-84), Kaij a Saariaho def iniu um eixo de som/ ruído com obj et ivo de reproduzir t ensão e
relaxament o. 14
Desde a década de 70, as pesquisas cient íf icas sobre som, t êm sido realizadas principalment e com
subsídios do IRCAM ( Inst i t ut de Recher che et Coor di nat i on Acoust i que/ Musi que). Est e import ant e
inst it ut o europeu, f undado por Pierre Boulez (1925) e onde vários composit ores ligados a música
espect ral t rabalharam (dent re est es Trist an Murail), t em sido local de origem de alguns dos mais
import ant es conceit os e t écnicas ut ilizados na música elet rônica [ a sínt ese FM por exemplo, criada por
John Chowning (1934), desenvolvida principalment e no IRCAM] . O IRCAM t ambém t em sido responsável
pelo desenvolviment o de sof t wares de análise e sínt ese espect ral de amost ras sonoras, os quais são
at ualment e f errament as import ant es para os composit ores de música espect ral. Os sof t wares mais
amplament e ut ilizados são OpenMusi c e Audi oScul pt . 15

Principais técnicas utilizadas na música espectral.


De modo geral a música espect ral t em como f undament o o est udo do t imbre e é baseada na est rut ura
f ísica do som, sobret udo em séries harmônicas. Sabe-se que nem t odos os parciais da série harmônica
t êm alt uras correspondent es na escala t emperada. Para resolver est a quest ão, os composit ores dest e
t ipo de música f azem uso de microt ons com obj et ivo de aproximar-se das f reqüências relat ivas à
det erminada amost ra sonora. Além dist o, est a música usa do conceit o de sínt ese adit iva do Teorema de
Fourier para realizar um dos mais import ant es procediment os das primeiras composições espect rais: a
“ sínt ese inst rument al” (ou orquest ral). Nest a t écnica o espect ro da amost ra sonora analisada é
dist ribuído por um conj unt o inst rument al. O result ado não é o mesmo da amost ra original, uma vez que
cada inst rument o cont ribui para uma maior riqueza t imbríst ica do result ado f inal. Um import ant e
exemplo do uso dest a t écnica é a obra Par t i el s (1975) para 18 inst rument ist as de Gérard Grisey, na qual
o composit or usa como mat erial a not a E2 de um t rombone (f igura 2).

Figura 2 . Espect ro Harmônico gerado a part ir da análise da not a E2 do t rombone. Fonte: FINEBERG -
“ Appendix II – Musical Examples” , 2000, p. 117.
Os composit ores não ut ilizam apenas espect ros harmônicos, mas t ambém inarmônicos. Como por
exemplo, o de inst rument os como sinos (que são caract erizados pela presença de vários espect ros
harmônicos soando simult aneament e, produzindo bat iment os ent re si). Um exemplo de uso dest es t ipos
de espect ro é a obra Mor t uos Pl ango, Vi vos Voco (1980) de Jonat han Harvey. Nela o composit or f az uso
principalment e do espect ro de um sino (ver f igura 3).

Figura 3. Espect ro inarmônico ut ilizado em Mor t uos Pl ango, Vi vos Voco. Fonte: FINEBERG - “ Appendix II
– Musical Examples” , 2000, p. 119.
A part ir do f at o de que os harmônicos são múlt iplos de uma dada f undament al, os espect ralist as
passaram a t rabalhar t ambém com a criação de sons que não exist iam previament e. Segundo Fineberg

14
Idem.
15
FINEBERG, 2000.
simpósio de pesquisa em música 2008 207
Qualquer combinação de parciais harmônicos const ruídos sobre a mesma f undament al
compart ilham cert as propriedades acúst icas, as quais o ouvido é sensível, e cria um grau de
f usão. At ravés do uso de novas combinações de parciais e amplit udes os composit ores
espect rais conseguiram criar novos sons art if iciais que mant ém muit o da nat uralidade dos
sons acúst icos e dão à música espect ral o t ipo de ressonância sonora que t em sido geralment e
observada nest e t ipo de música. 16

Dest a idéia surge uma t écnica import ant e, a dist orção espect ral , f eit a pela compressão ou expansão de
uma série harmônica. No moment o de cál cul o dos parciais de uma série harmônica abst rat a, é
adicionada uma pot ência que irá variar a f reqüência de cada parcial, aument ando ou diminuindo a
mesma. Também se pode alt erar o espect ro at ravés da adição ou subt ração de um valor f ixo de
f reqüência em cada parcial do mesmo (f igura 4).

Figura 4. Série original na paut a superior; série expandida ao coef icient e 1. 1 na paut a int ermediaria;
série alt erada por adição de 100 Hz a cada parcial da mesma (os números acima das not as represent am
f reqüência em Hz). Font e: FINEBERG - “ Appendix I – Guide To The Basic Concept s And Techniques Of
Spect ral Music” , 2000, p. 93 e 95.
Em várias sit uações um som int erage com um segundo som independent e, quando isso ocorre o
resul t ado geral ment e é que um modul a o out ro. Os composit ores de música espect ral usam
f requent ement e t rês t ipos de modulação: de ampl it ude (AM), f reqüência (FM) e por anel (RM – ring
modul at ion).
A modul ação de ampl it ude é similar ao vibrat o de amplit ude, muit o comum para os f laut ist as. Nest e
caso a f reqüência moduladora alt era o envolt ório de dinâmica da port adora.
Conf orme Fineberg, “ modulação de f reqüência (FM) é o t ipo de modulação mais usado para aplicações
musicais” . Já a FM é semelhant e ao vibrat o de f reqüência, comum aos violinist as. Nest e t ipo de
modulação criam-se bandas lat erais, ou sej a, parciais simet ricament e acima e abaixo da f reqüência
port adora do espect ro. Os parciais t êm valores iguais à dif erença e soma ent re a f reqüência da
port adora (P) e da moduladora (M). Pode-se obt er um espect ro ainda mais complexo se a moduladora
f or mult iplicada por um índice de modulação (I), resumido na f órmula FM=[ P+/ -( IxM )] . (ver f igura 5).

16
FINEBERG, 2000, p. 93.
208 SIMPEMUS 5

Figura 5. Exemplo de modulação de f reqüência (FM). Font e: FINEBERG - “ Appendix I – Guide To The
Basic Concept s And Techniques Of Spect ral Music” , 2000, p. 96.
Por f im, a modul ação por anel é originalment e usada como t rat ament o elet ro-acúst ico analógico no qual
um som capt urado por um microf one é modif icado por um sinal provenient e de um gerador de senóides.
A dif erença ent re a RM e FM é que na primeira os sinais não se relacionam de maneira hierárquica
(port adora e moduladora), na verdade ambos se modul am simul t aneament e. A RM t ambém pode ser
mult iplicada por um índice de modulação (I) e a f órmula para o cálculo das f reqüências obt idas pode ser
resumido em [ F1 +/ - ( IxF2 )] e [ F2 +/ - ( IxF1)] . Uma vez que o número de f reqüências result ant es é
muit o grande o espect ro t ende a sat urar rapidament e, gerando ruído (ver f igura 6).

Figura 6. Exemplo de modulação por anel (RM). Fonte: FINEBERG - “ Appendix I – Guide To The Basic
Concept s And Techniques Of Spect ral Music” , 2000, p. 97.

Considerações finais
Hoj e t emos mét odos cient íf icos e inst rument os analít icos modernos que, conf orme Murail, nos
(. . . ) dão a habilidade de ent ender a est rut ura do som em det alhe: o seu espect ro, por
exemplo, a f orma em que pode ser decompost o em seus component es element ares, seu
envelope de dinâmica, ou a f orma em que variam no t empo, seus t ransient es, a f orma que
começam e t erminam. 17

A música espect ral não só propõem t écnicas composicionais e modelos sonoros, mas t ambém a revisão
de conceit os e da posição do composit or f rent e à música. De acordo com Murail,
Exist e um erro de conceit o desde o início: o composit or não t rabalha com 12 not as, ‘ x’ f iguras
rít micas, ‘ x’ indicações de dinâmica, t odas inf init ament e permut áveis, ele t rabalha com som
e t empo. 18

17
MURAIL, 2005, p. 183.
18
Idem, 2005, p. 137.
simpósio de pesquisa em música 2008 209
Jonat han Harvey é enf át ico ao descrever a import ância da Música Espect ral no cont ext o at ual:
Eu não quero ecoar o f amoso ‘ inút il’ dit o por Boulez quando ele descreveu aqueles que não
est avam f amiliarizados com o serialismo; de qualquer f orma, eu acho que os composit ores em
at ividade hoj e, que est ão complet ament e int ocados pelo espect ralismo, são no mínimo menos
int eressant es. (. . . ) espect ralismo é um moment o de mudança f undament al a part ir do qual o
pensament o sobre música j amais poderá ser o mesmo novament e. Música Espect ral est á
aliada a Música Elet rônica: j unt as elas alcançaram um renasciment o da percepção . 19

A música espect ral é hoj e, um caminho bast ant e at rat i vo para os composit ores em at ividade, pois ela
apresent a alt ernat ivas novas, f errament as novas, conceit os novos, mas sem limit ações est ilíst icas, como
disse Murail ao ref erir-se a ela como uma at it ude do composit or f rent e ao f enômeno sonoro. É,
port ant o, essencial que o composit or at ual t enha cont at o com est a música e t écnicas.

Referências bibliográficas
ANDERSON, Julian. “ A provisional hist ory of spect ral music” . Cont emporary Music Review, Reading: Harwood
Academic Publishers, Vol. 19, Part e 2, p. 7-22, 2000.

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19
HARVEY, 2000, p. 11.
1
CRÍTICA GENÉTICA E COMPOSIÇÃO MUSICAL: O “ TRIO 1 9 5 3 ” DE ARMANDO ALBUQUERQUE

Cel so Gi anet t i Lour ei r o Chaves (UFRGS)

RESUMO: Est e art igo propõe a aproximação da crít ica genét ica à composição musical é propost a nest e
art igo, t omando como obj et o de invest igação o Trio nº2 (1953) do composit or sul -rio-grandense Armando
Al buquerque (1900-1986). A gênese do processo criat ivo do composit or é invest igada a part ir das duas
f ont es manuscrit as da obra e são f ormul adas pr opost as para uma t eoria da gênese em música.
PALAVRAS-CHAVE: Música; Crít ica genét ica; Composição musical ; Música brasil eira.
ABSTRACT: The proposes t he use of genet ic crit icism in t he st udy of music composit ion is proposed in
t his art icl e which has t he Trio Nr. 2 (1953) by Brazil ian composer Armando Al buquerque (1901-1986) as
it s main subj ect . An invest igat ion of t he genesis of t he creat ive process of t his composer, as manif est in
t he t wo surviving sources of t he Trio, is conduct ed and proposal s f or a t heory of creat ive genesis in
music are advanced.
KEYWORDS: Music; Genet ic crit icism; Music composit ion; Brazil ian music.

O exercício da composição musical pode ser ent endido como um processo de t omada de decisões que se
est ende por pel o menos t rês t errit órios. Decisões ideol ógicas – o est abel eciment o do repert ório com o
qual se dial oga e no qual é possível int ervir para a sol idif icação de suas concepções. Decisões est ét icas –
quais component es sonoras são col ocadas em ação, e quando, como se int egram e como divergem, o
quant o se bast am e o quant o se consomem. Decisões pont uais – as decisões de processo de criação que
impel em o t rabal ho para diant e e que conf ormam a obra num processo cumul at ivo de inf ormações.
Nest es t errit órios de decisão o processo criat ivo est á em moviment o const ant e e as operações ocupam
dif erent es escal as t emporais. As decisões ideol ógicas se movem mais lent ament e pois sinal izam com
cert a permanência uma f amíl ia de int erl ocuções possíveis. As decisões est ét icas se movem mais
rapidament e dent ro do t errit ório do ideol ógico, admit indo const ant es f lut uações de carát er geral que
são próprias da const rução de um repert ório individual . O processo de decisões pont uais é o mais vel oz e
deixa t raços concret os at rás de si, sob a f orma de anot ações em dif erent es graus de compl et ude e que,
em ret rospect o, dão cont a e t est emunho do t rabal ho do composit or. El es conf iguram uma “ f orma
simból ica, a qual é resul t ado de um compl exo processo de criação (o processo poiét ico) que t em a ver
t ant o com a f orma quant o com o cont eúdo da obra” (NATTIEZ, 1990, 17).
As dif erent es sub-áreas do conheciment o musical propõem probl emas específ icos mas não raro
dif erent es sub-áreas musicais incl inaram-se no Brasil f ort ement e para a musicol ogia, como se est a f osse
uma l íngua f ranca a admit ir abordagens oriundas de dif erent es conheciment os específ icos. Foi só diant e
dessa musicol ogia de segunda cl asse que se t em chegado à concl usão de que as sub-áreas do
conheciment o musical – sej am el as mais vol t adas ao exercício prát ico, sej am el as mais vol t adas à
f ormul ação t eórica – possuem probl emas que l hes são específ icos e que permit em o exercício da
pesquisa sem que sej a necessário apel ar para uma pret ensa área geral , essa l íngua f ranca há pouco
al udida, a não ser que essa sej a uma abordagem met odol ógica imperat iva.
A composição musical, como processo de t omada de decisão, pode ser o seu próprio obj et o de
invest igação. Nest e sent ido a crít ica genét ica apresent a um direcionament o cient íf ico viável , com seus
princípios met odol ógicos que, se em princípio apl icados a out ras áreas do conheciment o, pode ser
t ranspost o t al e qual para a música. Como mergul ho na gênese do processo criat ivo at ravés de suas
evidências, a crít ica genét ica pode invest ir de especif icidade o est udo do processo de decisões que
caract eriza o exercício da composição musical . Os seus pressupost os podem desvel ar um processo
sempre único at ravés dos t raços de dif erent es ordens que f oram deixados pel o caminho.
Como af irmam Sal l es & Cardoso, “ as dif erent es manif est ações art íst icas se cruzam em ref l exões sobre
modos de criação, abrindo assim diál ogo com t odos aquel es que, por mot ivos os mais diversos, se
int eressam pel a criação art íst ica. ” (SALLES & CARDOSO, 2007, 46). Ainda mais, as t omadas de decisão
pont uais do processo composicional são idênt icas àquel as operações sist emát icas da escrit ura que
Grésil l on apont a no seu est udo sobre as bases t eór icas da crít ica genét ica: “ do t raço f ixo, isol ado e
f reqüent ement e dist anciado da mão que escreve, [ o genet icist a] remont a às operações sist emát icas da
escrit ura – escrever, acrescent ar, suprimir, subst it uir, permut ar – pel as quais ident if ica os f enômenos
percebidos” (GRÉSILLON, 2007, 29).

1
Pesquisa f inanciada pelo Conselho Nacional de Pesqui sa (CNPq), at ravés de Bolsa Produt ividade em Pesquisa.
simpósio de pesquisa em música 2008 211
Se na lit erat ura, obj et o do est udo de Grésillon, essas “ redes de operações” permit em f ormar
“ conj ect uras sobre as at ividades ment ais subj acent es” (GRÉSILLON, 2007, 29) porque não seria possível
t ambém f ormá-las mesmo com a t roca de obj et o, da lit erat ura à composição musical?2 Essa apropriação
e sua aplicação a problema específ ico, a gênese do processo criat ivo, rest it ui ao est udo da composição
musical ex-pos f act o aquilo que lhe é exclusivo, af ast ando-o de áreas correlat as mas ext ernas, quais
sej am o enf oque analít ico e o enf oque musicológico.
Para Salles, a crít ica genét ica “ é uma invest igação que vê a obra de art e a part ir de sua const rução.
Acompanhando seu planej ament o, execução e cresciment o, o crít ico genét ico preocupa-se com a
melhor compreensão do processo de criação. É um pesquisador que coment a a hist ória da produção de
obras de nat ureza art íst ica, seguindo as pegadas deixadas pelos criadores. ” (SALLES, 2004, 12) Há aqui
uma semelhança à poiét ica ext erna de Nat t iez: “ o musicólogo se vale de um document o poiét ico –
cart as, planos, esboços – como seu pont o de part ida e analisa a obra à luz dessa inf ormação. ” (NATTIEZ,
1990, 141) Est a semelhança permanece mesmo t endo em vist a os dif erent es obj et ivos dos dois
moviment os invest igat ivos – a análise em Nat t iez, a t eoria do gest o criat ivo na crít ica genét ica.
A apropriação dos princípios da crít ica genét ica para a música ainda é t ímida no Brasil. Em “ A crít ica
genét ica e os acervos de músicos brasileiros” , Toni reconhece que “ a música brasileira de concert o t em,
na crít ica genét ica, campo vast o de t rabalho em f unção de cert as caract eríst icas da própria área de
música, bem como do f azer musical” . (TONI, 2007, 49). No ent ant o, a quest ão é evadida sem que uma
crít ica genét ica sej a ensaiada. Em “ Os músicos e seus manuscrit os” , Biason diz que a crít ica genét ica f oi
t ranspost a para a análise musicológica seguindo o mesmo caminho de procura de ent endiment o dos
processos de criação, apenas que “ mirados no processo de criação musical” . (BIASON, 2008, 18). Tant o
num como nout ro art igo há um evident e viés musicológico, a crít ica genét ica sendo colocada a serviço
da musicologia hist órica, passando muit o t angencialment e pela at ividade de “ elucidar a gênese de um
t ext o” como a quereria Grésillon. A abordagem da crít ica genét ica para a composição musical aqui
propost a, t ranspondo conceit os de uma área para out ra, segue os caminhos que Salles e Grésillon
deixaram inexplorados em seus est udos.
A pesquisa na qual se insere est e est udo t em como t ema geral de invest igação o processo de gênese
criat iva do composit or sul-rio-grandense Armando Albuquerque (1901-1986). O est udo se iniciou como a
const rução da genealogia dos manuscrit os das obras para piano. Em et apa subseqüent e, que t eve como
t ema a música sinf ônica, t odo o acervo de manuscrit os do composit or f oi disponibilizado ao pesquisador.
A presença palpável dos “ manuscrit os como port adores do processo de criação” (PINO, 2007, 25) f ez
com que a invest igação passasse por um aj ust e de f oco, deslocando-se da const rução de uma genealogia
para a const rução de uma gênese, e ocasionou a aproximação à crít ica genét ica.
A et apa at ual se ref ere à música de câmara de Albuquerque que inclui duos, t rios, quart et os de cordas e
um quint et o com piano. Um caso que se apresent a como apropriado para a aplicação da crít ica genét ica
a um corpus composicional é o Trio nº2 (“ Trio 1953” ), compost o em 1953 e revisado em 1966. Exist em
duas f ont es para o Trio no acervo do composit or: (1) um manuscrit o dat ado de 9 de agost o de 1953
dent ro de um caderno com diversas composições em razoável est ado de f inalização; e (2) um
manuscrit o dat ado de 1º e 2 de f evereiro de 1975, com revisão de 1966/ 1975, em caderno isolado.
Cada uma dest as f ont es apresent a dif erent es camadas de int ervenções, suscit ando a comparação não
apenas dos dois manuscrit os, numa avaliação de suas divergências bast ant e subst anciais3, mas t ambém a
comparação de cada manuscrit o com ele mesmo. Diant e da ext ensão das int ervenções e da marginalia
present e nos dois manuscrit os, é possível obt er uma superposição de níveis de int ervenção, como se
cada manuscrit o f osse um conj unt o de camadas geológicas de escrit ura. Essas anot ações represent am
t raços de um at o, o da escrit ura composicional, e as diversas anot ações com diversos mat eriais
localizam as ações no t errit ório das decisões pont uais.
Das duas f ont es, a primeira é a mais limpa, com int ervenções a lápis pret o na mão do composit or e, em
apenas duas inst âncias, a lápis vermelho, t ambém na mão do composit or. Essas int ervenções conf iguram
correções de not ação, adições de sinais de at aque e ligaduras de f raseado, alt erações de velocidade e,
em apenas duas inst âncias, alt eração de rit mo. Na segunda f ont e as alt erações são sempre a lápis pret o,
na mão do composit or. Inicialment e há poucas int ervenções, sempre de acréscimo de indicações de
met rônomo e alt erações de alt uras. Na part e f inal da obra as int ervenções são mais prof undas, com
cort es e acréscimos de compassos, alt erações de al t uras, rit mos, adensament o de t ext ura e indicações
de velocidade.
As maiores divergências aparecem na comparação ent re os manuscrit os. Tant o assim que f oi necessário
int roduzir o conceit o de eco nest e exame, a signif icar o mat erial musical ident if icável comum às duas
f ont es mas que, vindo do manuscrit o de 1953, sof reu re-composição no t ext o musical no manuscrit o de

2
Trabalho nest e sent ido (“ Cruzament os de crít ica genét ica: o caso da música” ) f oi apresent ado por est e pesquisador
no VII Seminário Int ernacional de Hist ória da Lit erat ura na Faculdade de Let ras da PUCRS em 10 de out ubro de 2007.
3
A descrição dest as divergências f oi obj et o do t rabalho de Iniciação Cient íf ica “ Os t rios de câmara de Armando
Albuquerque – o que nos dizem os manuscrit os” de Fabrício Duart e Gambogi (2008).
212 SIMPEMUS 5
1975. Est e moviment o de eco denot a a reabert ura do processo criat ivo numa obra aparent ement e
encerrada e leva o Trio 1953 para uma nova conf ormação int erna, alt erando radicalment e sua
f isionomia ext erna.
A reabert ura do processo de t omada de decisão demonst ra que em Albuquerque a criação do t ext o
musical pôde ser ret omado com décadas de int ervalo e que as alt erações radicais de alt uras, cont eúdo
harmônico, mot ivos, rit mos e inst rument ação conservaram ecos da versão ant erior, permit indo que ela
se mant ivesse ancorada no mesmo t errit ório ideológico e est ét ico. As int ervenções que Albuquerque
exerce em seu t ext o conf irmam as “ operações sist emát icas da escrit ura” aludidas acima. O t ext o
musical de Albuquerque int ersect a a crít ica genét ica e permit e que se desvele o seu processo criat ivo
most rando que as int ervenções das quais o composit or deixou os t raços mant ém-se na est rit a aderência
a uma única coerência musical.
Ao assinalar a import ância do recort e na met odologia genét ica, Pino menciona o “ uso de um
det erminado espaço (as cart as, ou as margens)” pelo art ist a (PINO, 2007, 26/ 27). No caso do Trio 1953,
a marginalia t ambém f ornece acesso à gênese do processo criat ivo de Albuquerque. No manuscrit o de
1953, o f inal do primeiro moviment o é demarcado, ao f inal da página, pela observação “ Fim do 1º
mov. ” Escrit o logo em seguida, como se depreende pelo sent ido vert ical que a escrit a ocupa no pequeno
espaço deixado livre pelo t ext o musical, est á a seguint e ref lexão: “ quasi que pergunt o se valerá a pena
me dar ao t rabalho de copiar o rest o. . . ”
Para além do est abeleciment o de cronologias, a exist ência de anot ações marginais apont am o caminho
para a elucidação de um processo de acúmulo de ref lexões que o composit or f ez, em t empo real, sobre
o seu t rabalho criat ivo. A not a marginal dest a página revela dados import ant es. Ao se ref erir a “ copiar o
rest o” , o composit or permit e supor a exist ência de t ext o ant erior a part ir do qual ele copiou (com que
grau de f idelidade?) o manuscrit o que agora se t em em mãos. Também permit e supor que est e t ext o
ant erior (que est á perdido) seria o da obra complet a (de onde “ copiar o r est o ” ), pelo menos naquele
est ado que o composit or j ulgou merecedor de cópia.
Nest e sent ido, vale recordar a ordenação de mat eriais primários de obras musicais propost a por Sallis a
part ir de manuscrit os. O mat erial a part ir do qual o composit or f az a at ividade de copiar seria o
“ esboço” , “ t ent at ivas sist emát icas de resolver problemas composicionais” (SALLIS, 2004, 45). Já o que
se t em em mãos, o manuscrit o de 1953, est á na cat egoria de “ primeira cópia def init iva” , “ um proj et o
de obra, ou uma seção dessa obra, que j á t enha at ingido algum nível de complet ude” (SALLIS, 2004,
47). Schubert & Sallis dest acam que “ o esboço signif ica a ut opia da imaginação musical sem rédeas se
desenvolvendo em seus próprios t ermos” (SCHUBERT & SALLIS, 2004, 5). Ao empreender a cópia, essa
ut opia é submet ida ao escrut ínio do próprio composit or, que a crit ica e coloca em dúvida a sua
ef iciência como declaração ideológica e est ét ica. No caso present e, a respost a f oi dada pelo próprio
composit or na página seguint e: sim, valeria a pena, uma vez que o t ext o de out ros dois moviment os do
Trio são copiados em seguida, conf igurando uma obra de câmara complet a.
O manuscrit o de 1975 t ambém est á na cat egoria de “ primeira cópia def init iva” ao invés de j á conf igurar
uma “ cópia def init iva” , def inida por Sallis como “ não apenas uma part it ura escrit a de maneira limpa,
mas e ainda com maior import ância indica uma f ont e aut orizada da idéia musical ou do cont eúdo da
obra” (SALLIS, 2004, 52/ 53). O manuscrit o de 1975 ocupou, em det erminado moment o, est a posição
ent re as f ont es do Trio 1953. Assim o demonst ra a observação f eit a pelo composit or na capa do
manuscrit o: “ a cópia def init iva f oi f eit a em veget al” .
O t ermo “ veget al” é aclarado por Toni: “ com a popularização da cópia heliográf ica (. . . ), o art esanat o
da escrit a musical se alt era bast ant e e dá origem a variant es de t ext os com out ras caract eríst icas. Ist o
porque o preparo de t odo o mat erial t em que ser f eit o sobre papel veget al [ grif ei] , ainda mais dif ícil de
lidar do que aquele de f ibra de celulose. ” (TONI, 2007, 50). No caso de Armando Albuquerque, a peça
musical só era “ passada para o veget al” quando o t ext o def init ivo havia sido est abelecido com clareza
em et apa ant erior. O “ veget al” do Trio 1953 est á perdido, mas a segunda das suas duas primeiras cópias
def init ivas é precisament e a “ et apa ant erior” na qual Albuquerque est abelecia suas idéias musicais em
penúlt ima inst ância e dava prat icament e por encerrado o processo de t omada de decisão.
Diz Margaret Bent que “ reunir a obra de um composit or pode ir do mais simples ao quase impossível. A
t aref a é relat ivament e f acilit ada (. . . ) quando se t em razoável cert eza de possuir o essencial daquilo que
f oi escrit o” (BENT, 2004, 994). Há a cert eza de que de pelo menos quat ro possíveis t ipos de f ont es
primárias (esboços, duas primeiras cópias def init ivas e cópia def init iva) est ão disponíveis apenas as duas
primeiras cópias def init ivas. Mesmo assim é possível avaliar o processo composicional como t omada de
decisões, pois ele est á suf icient ement e (embora não complet ament e) demonst rado pelo mat erial
disponível. É possível acompanhá-lo horizont alment e, numa comparação ent re os dois manuscrit os (as
duas primeiras cópias def init ivas) e é possível acompanhá-lo vert icalment e, numa ident if icação dos
dif erent es níveis de int ervenções ef et ivadas em um mesmo manuscrit o.
As f ont es do Trio 1953 são document os privados como o assinalariam Hall & Sallis. Ao f inal da primeira
das primeiras cópias def init ivas há mais uma marginalia: “ Fim AA. . . / / f eit o numa madrugada” . Mas,
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 213
af inal, quem é o int erlocut or do composit or? A quem se dirigem est as observações escrit as com f irmeza
na part it ura? Seria o composit or o seu próprio int erl ocut or ou est e seria o crít ico que agora lê essas
mensagens do out ro lado e at ravés delas delimit a o seu t rabalho invest igat ivo? São pergunt as ainda sem
respost a mas que indicam o carát er agudament e privado do processo criat ivo que t ransparece do exame
dos manuscrit os “ port adores do processo de criação” .
A t aref a do crít ico genét ico, pel o menos no escopo do t rabalho aqui propost o, é reconst ruir um processo
de t omada de decisão, mas sempre t endo em vist a o respeit o à privacidade, que em Armando
Albuquerque t ransparece da marginalia dirigida a um int erlocut or ocult o, e sempre levando em
consideração o que dizem Salles & Cardoso: “ o crít ico genét ico não t em acesso a t odo o processo de
criação – não há a ilusão da t ot alidade – mas apenas a alguns de seus índices. Pode-se, no ent ant o,
af irmar, com cert a segurança, que convivendo, observando e est abelecendo relações ent re os
document os do processo que se t eve acesso, pode-se conhecer melhor o percurso da f ormação da obra,
em pesquisas de nat ureza indut iva. ” (SALLES & CARDOSO, 2007, 45).
A pesquisa que est amos empreendendo se f unda na convivência, na observação e no est abeleciment o de
relações no repert ório-obj et o e nos manuscrit os que est ão à disposição. Não se t rat a aqui de
est abelecer uma edição crít ica pois, como bem af irma Grésillon, “ o est abeleciment o de uma edição
crít ica é aos [ olhos da crít ica genét ica] não seu primeiro obj et ivo” (GRÉSILLON, 2007, 236). Aqui se
t rat a de avaliar e t ent ar reconst ruir, na t ent at iva de f ormular uma t eoria da gênese. Se est a não f or
ampla e geral como se desej aria, que pelo menos sej a uma t eoria da gênese do processo criat ivo de
Armando Albuquerque. A cont ribuição à música brasil eira do século passado j á será, nesse sent ido,
expressiva. (set embro 2008)

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AS CONTRIBUIÇÕES DOS FEST IV AIS DE MÚSICA DE CURIT IBA E DOS CURSOS INT ERNACIONAIS DE

MÚSICA DO PARANÁ NO DESENVOLVIMENTO ARTÍSTICO-MUSICAL DO ESTADO NO PERÍODO DE

1965 A 1977

Tai anar a Goeder t (UFPR) Ál var o Car l i ni (UFPR)

RESUMO: Est e t rabal ho busca verif icar a propagação das nove edições do Fest i val Int er naci onal de
Músi ca de Cur i t i ba e dos Cur sos Int er naci onal de Músi ca do Par aná, event os coordenados pel a Soci edade
Pr ó-Músi ca de Cur i t i ba, com direção art íst ica do maest ro Robert o Schnorrenberg, e apoio do Governo do
Est ado do Paraná, aval iando suas cont ribuições e repercussões no desenvol viment o art íst ico-musical da
capit al paranaense. Est a comunicação int egra t ambém a int rodução de dissert ação de mest rado sendo
encaminhada j unt o ao PPGMUS da UFPR, a qual se apoiará priorit ariament e em f ont es originais não
edit adas, encont radas em acervos de Curit iba, t endo em cont a que poucas pesquisas acadêmicas
rel acionadas ao assunt o f oram real izadas.
PALAVRAS-CHAVE: Fest ivais de Música de Curit iba; Cursos Int ernacionais de Música do Paraná; Sociedade
Pró-Música de Curit iba.
ABSTRACT: This essay aims t o verif y t he spread of t he nine edit ions of Curit iba Int ernat ional Music
Fest ival and Paraná Int ernat ional Music Cl asses, event s t hat are coordinat ed by Pró-Música Societ y of
Curit iba, wit h art ist ic direct ion of Conduct or Robert o Schnorrenberg and support of Paraná St at e
Government , eval uat ing t heir cont ribut ions and impact on t he art ist ic and musical devel opment of
Paraná's capit al cit y. This essay al so incl udes a brief int roduct ion of a Mast er's Degree dissert at ion,
which is based primaril y in non edit ed original sources, which were f ound in f il es of Curit iba's Cul t ural
Foundat ion and Federal Universit y of Paraná, considering t hat t he number of academic researches
rel at ed t o t his subj ect is not rel evant .
KEYWORDS: Curit iba Int ernat ional Music Fest ival , Paraná Int ernat ional Music Cl asses, Pró-Música Societ y
of Curit iba.

1. int rodução
Nas décadas de 1960 e 1970, Curit iba f oi sede de signif icat ivos event os musicais real izados no Brasil .
Trat am-se dos Fest i vai s de Músi ca de Cur i t i ba e dos Cur sos Int er naci onai s de Músi ca do Par aná, ambos
pat rocinados e real izados pel a Soci edade Pr ó-Músi ca de Cur i t i ba, cont ando com a direção art íst ica do
maest ro Robert o Schnorrenberg, e apoio do Gover no do Est ado do Par aná.
Nesses event os, a capit al paranaense pôde observar um aument o expressivo de apresent ações musicais,
assim como a presença de inst rument ist as, prof essores e grupos art íst icos de out ras cidades brasil eiras e
do ext erior, como Europa e América Lat ina.
Os Fest i vai s de Músi ca de Cur i t i ba e os Cur sos Int er naci onai s de Músi ca do Par aná t erminaram em 1977,
devido às mudanças pol ít ico-administ rat ivas subseqüent es aos Governos de Ney Braga (1961-1965) e de
Paul o Piment el (1966-1971). Cinco anos depois, em 1982, a Secr et ar i a Muni ci pal de Cul t ur a de Cur i t i ba,
baseando-se naquel a propost a art íst ico-pedagógica, passou a promover a Of i ci na de Músi ca de Cur i t i ba,
que se encont ra at ual ment e em sua XXVI edição.
Part e dest e t rabal ho int egra t ambém a int rodução de dissert ação de mest rado que est á sendo
desenvol vida no Programa de Pós-Graduação em Música da UFPR, na l inha de pesquisa Fundament os
Teóricos/ Musicol ogia, sob orient ação do Prof . Dr. Ál varo Carl ini, e vincul ado ao grupo de pesquisa do
Cnpq/ Uf pr Músi ca Br asi l ei r a: est r ut ur a e est i l o, cul t ur a e soci edade, l inha de pesquisa: Musi col ogi a
Hi st ór i ca: ent i dades ci vi s sem f i ns l ucr at i vos vi ncul adas à músi ca no est ado do Par aná, sécul os XX e XXI .

2. obj et ivos
Est a pesquisa t em como obj et ivo anal isar e cont ext ual izar hist órico-musicol ogicament e os Fest i vai s de
Músi ca de Cur i t i ba e os Cur sos Int er naci onai s de Músi ca do Par aná, at ravés dos document os encont rados
em acervos da cidade de Curit iba, e da real ização de ent revist as (Hist ória Oral ) com personal idades da
área de música vincul adas aos event os em quest ão. Buscar-se-á compreender os acont eciment os
administ rat ivos e pol ít icos que l evaram à f undação e que decret aram o t érmino desses event os, bem
como seus ref l exos na educação art íst ica e musical na capit al paranaense ent re as décadas de 1960 e
simpósio de pesquisa em música 2008 215
1970, al ém dos desdobrament os art íst icos inst it ucionais resul t ant es diret os dos Fest i vai s e dos Cur sos
Int er naci onai s real izados naquel e período, como é o caso da Camer at a Ant i qua de Cur i t i ba, ainda em
at ividade.
Pret ende-se, além disso, ef et uar análises est at íst icas quant it at ivas ref erent es às nove edições dos
Fest i vai s de Músi ca de Cur i t i ba e dos Cur sos Int er naci onai s de Músi ca do Par aná, no que se ref erem ao
número t ot al de al unos inscrit os em cada edição, seus l ocais de origem, cursos mais f reqüent ados,
prof essores e conf erencist as part icipant es, ent re out ros el ement os. Est a anál ise se est enderá com o
int uit o de verif icar o número de concert os real izados em cada edição, os grupos part icipant es e suas
procedências, o repert ório execut ado, verif icando quais os períodos da hist ória da música, composit ores
e obras que f oram mais privil egiados, e o número t ot al de espect adores por edição, const at ando, dessa
maneira, aspect os rel evant es para a f ormação de pl at éias para a música erudit a e f ormação do possível
gost o musical do públ ico de concert os de Curit iba nas décadas de 1960 e 1970.

3. revisão de literatura
A pesquisa rel acionada aos Fest i vai s de Músi ca de Cur i t i ba e aos Cur sos Int er naci onai s de Músi ca do
Par aná apoia-se, principal ment e, em f ont es originais, t ais como periódicos diários e semanais,
programas de concert os e document os administ rat ivos da Soci edade Pr ó-Músi ca de Cur i t i ba.
O acervo consul t ado para est a pesquisa encont ra-se preservado na Casa da Memór i a da Fundação
Cul t ur al de Cur i t i ba e no Depar t ament o de Ar t es da Uni ver si dade Feder al do Par aná, porém ainda em
seus suport es originais, sendo, port ant o, ainda minimament e aproveit ados em est udos acadêmicos e em
publ icações especial izadas.

3. 1. Sociedade Pró-Música de Curitiba e a criação dos Festivais de Música de Curitiba e dos


Cursos Internacionais de Música do Paraná
Os Fest i vai s de Músi ca de Cur i t i ba e os Cur sos Int er naci onai s de Músi ca do Par aná f oram event os
promovidos pel a Soci edade Pr ó-Músi ca de Cur i t i ba, ent idade civil sem f ins l ucrat ivos f undada em abril
de 1963, que pat rocinou, desde a sua f undação, concer t os, recit ais, conf erências, séries de música
erudit a, cursos e f est ivais. Em 1964, o maest ro paul ist a Robert o Schnorrenberg (1929-1983) f oi
convidado por Arist ides At hayde, na época president e da Soci edade Pr ó-Músi ca de Cur i t i ba, para
organizar e dirigir o Fest i val de Músi ca de Cur i t i ba.
Aproveit ando uma das vindas de Schnorrenberg a Curit iba para ensaiar o Coro Pró-Música,
Arist ides [ President e da Pró-Música] convidou o maest ro paulist a para organizar e dirigir aqui
um f est ival de música nos moldes dos j á organizados por ele em Port o Alegre e Teresópolis
(. . . ) Schnorrenberg ampliou a idéia, prevendo a realização simult ânea de um curso que seria
minist rado pelos prof essores-int érpret es convidados para apresent ações no Fest ival,
congregando por um mês prof essores e alunos. 1

Os Fest i vai s de Músi ca de Cur i t i ba e os Cur sos Int er naci onai s de Músi ca do Par aná iniciaram-se em
j aneiro de 1965, sob a direção de Robert o Schnorrenberg, e mant iveram suas at ividades durant e os
meses de j aneiro de 1965 a 1971. A propost a principal dos Cur sos Int er naci onai s de Músi ca do Par aná
era proporcionar uma grande t roca ent re prof essores e al unos de t odo o Brasil e ext erior. Já os Fest i vai s
de Músi ca de Cur i t i ba t inham como obj et ivo promover e divul gar a música erudit a at ravés de concert os,
recit ais e audições. Durant e o 4º Cur so Int er naci onal de Músi ca do Par aná,
(. . . ) quarent a e dois prof essores f oram convocados, ent re os quais t rês vieram da Alemanha,
t rês dos Est ados Unidos, dois da França e dois da Argent ina. Compreendendo vint e e oit o
mat érias, o Curso visa promover o int eresse pela música e f avorecer o aperf eiçoament o
art íst ico dos alunos nele inscrit os, em aulas int ensivas (. . . ). Paralelament e uma série de
concert os – corais, de orquest ras, de música de câmera, recit ais – e palest ras (. . . ) compõem o
4º Fest i val de Músi ca de Cur i t i ba. 2

Segundo Mil l arch, os cursos e f est ivais f oram “ reest rut urados em 1974, com direção do maest ro Isaac
Karabit cheveski, e t eve uma abert ura em t ermos de prof essores - incl usive com a part icipação de nomes
como Egbert o Gismont i e Dory Caymmi, mas sof reu muit as crít icas” 3.
A grande inovação do VII Curso de Música de Curit iba (. . . ) será o Curso de Música Popular
Brasileira que será minist rado pelos composit ores Dory Caymi e Egbert o Gismont i (. . . ). O
Curso de Música Popular não é para leigos, ist o é, para as pessoas que não t em noção de
música. Exige-se o conheciment o de um inst rument o, de pref erência violão ou piano, pois
além de uma part e t eórica, os prof essores ensinarão arranj os e os alunos part iciparão de um
conj unt o que será f ormado durant e as aulas (. . . ). O curso de Música Popular será um dos mais

1
TEIXEIRA, 1991, p. 06
2
REVISTA PANORAMA, 1968, p. 28
3
MILLARCH, 1988.
216 SIMPEMUS 5
animados cursos do Fest ival de Música, pois usará de f art o mat erial áudio-visual,
desent errando canções ant igas, f ot os e f ilmes sobre música brasileira. 4

Por esse mot ivo, no ano seguint e, em 1975, os Fest i vai s de Músi ca de Cur i t i ba e os Cur sos Int er naci onai s
de Músi ca do Par aná vol t aram a ser dirigidos pel a Soci edade Pr ó-Músi ca de Cur i t i ba, que real izou ainda
mais duas edições, nos anos de 1975 e 1977.
Durant e a real ização dos Cursos e Fest ivais, Curit iba recebeu um grande número de al unos, prof essores
e conf erencist as oriundos de vários Est ados brasileiros e do ext erior. Em cada edição f oram of erecidos
cerca de 30 cursos, t eóricos e prát icos, al ém de cerca de 30 concert os, chegando a at ingir cerca de
17. 000 espect adores por edição.

3. 2. Desdobramentos artísticos resultantes dos Cursos e Festivais: Camerata Antiqua de


Curitiba
A Camer at a Ant i qua de Cur i t i ba surgiu durant e o 6º Cur so e Fest i val Int er naci onal de Músi ca. Segundo o
maest ro Robert o de Regina, “ na época iniciamos est a at ividade que perdura at é os present es dias, f at o
comprovant e da real valor de t ais promoções. ” 5
Formada por al unos curit ibanos part icipant es dos Cursos de Música, iniciou suas at ividades em j unho de
1974, em recit al realizado no Teat ro Paiol . Segundo August in, “ o t rabal ho de Robert o j unt o a Camerat a
Ant iqua (. . . ) se impôs t razendo credibilidade ao moviment o de Música Ant iga no país, abriu um novo
campo de est udos e t rabal ho para os músicos, t rouxe diversidade para as sal as de concert o e para o
mercado f onográf ico. ” 6

4. Metodologia
A pesquisa f oi dividida em duas et apas. A primeira, em f ase de real ização, est á baseada na pesquisa
bibl iográf ica e document al ref erent e aos Fest i vai s de Músi ca de Cur i t i ba e aos Cur sos Int er naci onai s de
Músi ca do Par aná. Já a segunda et apa consist irá na escol ha do mat erial pert inent e ao est udo,
encont rado principal ment e em acervos da cidade de Curit iba, t ais como o Acer vo da Casa da Memór i a
da Fundação Cul t ur al de Cur i t i ba, e o Acer vo da Soci edade Pr ó-Músi ca de Cur i t i ba, localizado no
Depar t ament o de Ar t es da Uni ver si dade Feder al do Par aná.
Const a t ambém do pl anej ament o dest a pesquisa, al ém da anál ise e da compreensão dos document os, a
real ização de ent revist as com al guns personagens que, diret a ou indiret ament e, cont ribuíram para a
real ização dos Fest ivais e Cursos na cidade de Curit iba. A realização dessas ent revist as será realizada
seguindo a met odol ogia da Hist ória Oral , “ que consist e em real izar ent revist as gravadas com pessoas
que podem t est emunhar sobre acont eciment os, conj unt uras, inst it uições, modos de vida ou out ros
aspect os da hist ória cont emporânea. ” 7

5. Conclusão
Espera-se que est a pesquisa possa cont ribuir na val orização acadêmica dos Fest i vai s de Músi ca de
Cur i t i ba e dos Cur sos Int er naci onai s de Músi ca do Par aná, f acilit ando, dessa maneira, a reinserção
hist órica desses event os na const rução da hist ória cul t ural do Est ado, durant e as décadas de 1960 e
1970.
A cont ext ual ização do ambient e e o est udo das condições em que f oram real izados est es f est ivais
poderá auxil iar na dif usão e aproveit ament o acadêmico de f ont es ainda desconhecidas da maioria dos
especial ist as da área e cont ribuir para que est e período da hist ória da música em Curit iba não
permaneça desconhecido e suj eit o ao desapareciment o.

6. Referências
August in, Krist ina. Um ol har sobr e a músi ca ant i ga: 50 anos de hist ória no Brasil. Rio de Janeiro : K. August in, 1999.

CARLINI, Álvaro. “ Corais na SCABI (1945-1965)” . In: Anai s do Si mpósi o de Pesqui sa em Músi ca. Curit iba: DeArt es,
2007, pp. 21-30.

CARLINI, Álvaro; MENON, Fernando; PECCIOLI, Cendy. “ A linha de pesquisa Ent idades civis vinculadas à Música no
Est ado do Paraná no século XX, no Depart ament o de Art es da UFPR” . In: Anai s do II Fest i val Penal va. Curit iba:
Art Embap, 2004, pp. 105-111.

Diário do Paraná. Curit iba, 11 dez. 1973.

4
DIÁRIO DO PARANÁ, 1973.
5
DIÁRIO DO PARANÁ, 1974.
6
AUGUSTIN, 1999, p. 88
7
FGV – Cent ro de Pesquisa e Document ação de Hist ória Cont emporânea do Brasil. Disponível em:
ht t p: / / www. cpdoc. f gv. br/ comum/ ht m/ . Acessado em: 13/ 04/ 2008.
simpósio de pesquisa em música 2008 217
Diário do Paraná. Curit iba, 13 j an. 1974.

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MORAES, Ulisses Q. “ A modernidade em const rução polít icas públicas para a música e produção musical em Curit iba –
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TEIXEIRA, Selma Suely. Fest ivais de Música de Curit iba e Cursos Int ernacionais de Música do Paraná 1965/ 1977,
Bol et i m i nf or mat i vo Casa Romár i o Mar t i ns, 18 (86), j an. 1991, 63 p.
A PRESENÇA DO DIAK UCRANIANO NO PARANÁ

Lara Janek Babbar (UFPR)

RESUMO: Nest e art igo, apresent o o diak, o cant or rel igioso, import ant e personagem das al deias e
comunidade rel igiosas da Ucrânia a quem, em t erras brasil eiras se deve a l iderança das primeiras
organizações rel igiosas dest e grupo e a revit al ização das músicas rel igiosas aport adas pel o imigrant e que
aqui se inst al ou. Expl ica-se o papel do diak na l it urgia ucraniana e as evidências de sua presença e
at uação nas comunidades paranaenses ort odoxas e greco-cat ól icas vincul adas à et nia. Post eriorment e é
descrit a a ação do diak Miguel Zubyk, um agricul t or da comunidade da Linha Esperança, do município
paranaense de Prudent ópol is, cuj o depoiment o cont ribui para perceber o compromisso dest e indivíduo
com as f unções rel igiosas, e a dedicação dest e l íder comunit ário em prol da perpet uação das t radições
musicais l egadas pel os seus ant epassados ucranianos.

PALAVRAS-CHAVE: Ucranianos no Paraná, música rel igiosa, diak.


ABSTRACT: In t his art icl e, I present t he diak, church singer, an import ant charact er of t he Ukrainian
rel igious communit ies and vil l ages which, in Brazil ian l ands is responsibl e f or t he f irst rel igion
organizat ions of t his et hnic group and f or t he revival of rel igious music brought by immigrant s. The rol e
of dj ak in Ukrainian l it urgy is expl ained in l ight of his act ivit ies in ort hodox and Greek-Cat hol ic
communit ies. Final l y, t he work of Dj ak Miguel Zubyk, a f armer l iving in Linha Esperança, Prudent ópol is,
il l ust rat es his commit ment wit h his rel igious act ivit ies and his work in order t o perpet uat e t he l egacy of
Ukrainian music t radit ions.

KEYWORDS: Ukrainian in Paraná, rel igious music, diak.

int rodução
Os cost umes e as pecul iaridades cul t urais t razidos pel os imigrant es ucranianos, que a part ir do sécul o
XIX se inst al aram nas t erras do sul do Brasil , em grande part e se associam aos val ores rel igiosos
cul t ivados por est a popul ação esl ava e, dent re as mais cat ivant es expressões, a música rel igiosa merece
dest aque. Embora semel hant e à t radição cat ól ica romana no que t ange à est rut ura, as cerimônias das
igrej as ort odoxas e greco-cat ól icas ucranianas possuem seus f undament os na t radição bizant ina que do
pont o de vist a musical envol ve part icul aridades ainda pouco observadas e est udadas nas esf eras da
musicol ogia e et nomusicol ogia brasil eira.

Durant e a Divina Lit urgia ou “ Boj ést venna Lit urhia” 1 (correspondent e à missa l at ina), o cant o é
al t ernado const ant ement e, ent re o sacerdot e, o diácono, os f iéis e os cant ores, o que possibil it a a
rupt ura de homogeneidade sonora (ocasionado pel a dif erença ent re t ext ura de vozes e t imbres), ainda
que a repet ição das mel odias const it ua-se uma propriedade part icul ar da l it urgia orient al ucraniana.
Sal vo o cant o, apenas badal adas de sinos e sinet as int errompem a dimensão sonora inst aurada nas
cel ebrações, vist o que, a nenhum serviço rel igioso é concedida a permissão de inst rument os musicais.
De cert a f orma, a ausência dos sons dos inst rument os musicais t orna o moment o mais f ocado na palavra,
mas de modo mais abrangent e, ao som da voz a qual f az ecoar a mil enar t radição rel igiosa do povo
ucraniano.

Na t radição rel igiosa ucraniana, o conj unt o dos cânones vincul ado ao cal endário l it úrgico est abel ece
cicl os anuais, semanais e diários ref erent es ao emprego apropriado dos t ext os l it úrgicos e, ademais, de
mel odias específ icas a serem ent oadas nos diversos of ícios e serviços l it úrgicos. O primeiro cicl o f ornece
inst rução para as orações dos of ícios diários como Mat inas e Vésperas. 2 O cicl o semanal orient a a qual
memória se dedica cada dia da semana, e ademais, orient a a rot ação do cicl o de oit o semanas, que
regem a mudança dos oit o t ons ou “ hl asy” . 3 O cicl o anual est abel ece o período l it úrgico (Pré-Quaresma,
Quaresma, Tempo Pascal e Tempo de Pent ecost es), as f est as f ixas (ocasiões e sant os) e móveis (de
acordo com a Páscoa). A combinação dest es cicl os irá det erminar as int enções e caract eríst icas das
cerimônias, e port ant o, dos hinos, dos t ext os e l eit uras sagradas, com as correspondent es mel odias. A
rot at ividade de t ext os, int enções, hierarquias, denot am mel odias “ prescrit ivas” adequadas que,
somadas à própria f orma l it úrgica, caract erizam o rit o ucraniano como est rut ural ment e compl exo.

1
Translit eração de At anásio Kupit ski.
2
Os serviços religiosos incluem Mat inas, Vésperas, Típica, Horas Canônicas, Complet as e Of ício da Meia-Noit e
(FEDORIV, 1983, p. 260).
3
O t ermo hl asy é plural de hl as ( ) que signif ica t om, que t ambém é encont rado com o t ermo hol os ( ), voz.
simpósio de pesquisa em música 2008 219
Diversas f ont es bibl iográf icas4 apont am que, desde os primeiros sécul os da of icial ização do crist ianismo
na Rus´ de Kiev (sécul o X), a ação de sacerdot es, de cant ores t reinados e dos cant ores das al deias
ucranianas, f oment ou as t radições l it úrgicas e promoveu a propagação dos cant os l it úrgicos. Na Ucrânia,
por meio da t radição oral , as seguidas gerações de cant ores ecl esiais de cada comunidade rel igiosa
promoveram a cont inuidade das t radições musicais l it úrgicas, ao mesmo t empo em que idiossincrasias
musicais e os “ regional ismos” t ambém f oram evidenciados em est udos ant eriorment e real izados5.

Diak, o cantor da igreja


Diak é cant or, ele puxa, ele começa e o povo cont inua [ . . . ] Est e Diak j á exist ia na Ucrânia há
séculos [ . . . ] É uma caract eríst ica import ant e. – Dom Ef raim Krevey

Nos primeiros anos da imigração, os rel igiosos chegados ao Brasil , à part e das dif icul dades ref erent es à
l íngua, à cul t ura, à convivência com imigrant es provenient es de out ras porções da Europa (ent re el es
hist óricos dominadores do povo ucraniano) sof reram nos primeiros anos a inexist ência de Igrej as que
prat icavam o rit o ao qual est avam habit uados. Embora a grande massa de imigrant es pert encesse à
Igrej a Cat ól ica, o f at o de cel ebrarem sua f é por meio do rit o orient al causava est ranhament o ent re
brasil eiros e out ras comunidades de imigrant es.
Cont udo, muit as vezes a circunst ância não impedia os f iéis de real izar suas prát icas, e as cerimônias
eram l ideradas pel os cant ores, conhecidos como diaky6 (ou diakê), l eigos que assumiam não apenas as
cel ebrações l it úrgicas, mas t ambém orações comunit árias e as rezas em ocasiões de f uneral . 7 Andreazza
revel a est a conj unt ura ao se ref erir aos l eigos da comunidade rel igiosa de Ant ônio Ol int o (Paraná):
Em Ant ônio Olint o, os ucranianos reproduziram essa divisão religiosa/ cult ural present e na
Galícia. Passaram a usar a religião que prof essavam como símbolo que os dist inguia dos out ros
grupos. A dif erença cult ural, principalment e quant o aos poloneses, serviu para os ucranianos
elegerem valores que demarcaram seu próprio círculo de pert ença ét nico. Vale f risar, porém,
que esse moviment o f oi orquest rado por leigos, pois a comunidade só t eve pároco f ixo a
part ir de 1911 (ANDREAZZA, 2004, p. 53).

Tal l iderança da prát ica rel igiosa e da demarcação de pert enciment o ét nico-cul t ural , conf orme
cont ext ual izado por Andreazza, são f unções não apenas decorrent es do processo imigrat ório, vist o que,
hist oricament e, dent re as diversas f unções dos cant ores ucranianos, const a sua inf l uência quant o ao
desenvol viment o da consciência nacional l ocal (MEDWIDSKY, 2000, p. 110).
Diversos est udos dos primórdios do cant o l it úrgico esl avo, cant o ucraniano e do Cant o Znamenny8
apont am para a import ância e o papel desempenhado pel os cant ores das igrej as e cat edrais. O domínio
do cant o e da escrit a znamenny e da ent onação apropriada era da incumbência do cant or t reinado, que,
“ não cont ent e em reproduzir est rangeirismos, gradual ment e iniciavam por int roduzir novidades,
mol dados de acordo com seu próprio gost o e a sua disposição musical ” . 9 Fora do âmbit o lit úrgico, mas
ainda vincul ado ao cant o rel igioso, encont rava-se o Cant o Demést venny, original ment e associado ao
kant or bizant ino10 ou ao cant or da cort e imperial , no ent ant o, na Rússia, t al cant o era
pref erencial ment e ent oado em moment os não-l it úrgicos, como nas orações domést icas. Al f red Swan
af irma que exist e, cont udo, ref erência do emprego dest e cant o nos l ivros de regul ament os da Cat edral
Sant a Sophia (Kiev) do sécul o XVII (SWAN, 1940, p. 236). É int eressant e not ar que est e cant o t ambém
era usado nas Igrej as associado às ocasiões f est ivas, de cunho não l it úrgico, como nas gl orif icações dos
czares (VELICHÁNIYA apud SWAN, 1940, p. 236).
Nos ensaios e art igos col et ados por Robert Kl ymasz no l ivro “ From chant re t o dj ak: cant orial t radit ions
in Canada” , são apont ados e anal isados diversos aspect os do of ício do cant or e do seu cant o, ent re os
quais se dest acam mecanismos t écnicos e de ornament ação caract eríst icos (KLYMASZ, 2000). Nas igrej as
que seguem o rit o orient al , o papel do cant or é f undament al , em f unção da exist ência de diversos
t ext os e mel odias móveis cuj o emprego deve seguir coerent ement e o cal endário l it úrgico. Port ant o,
dominar o uso corret o dos cant os é a primeira t aref a do cant or. Ademais, há moment os específ icos da
Divina Lit urgia (missa) que cabem ao cant or, como a l eit ura da Epíst ol a.

4
SWAN, 1940; ROCCASALVO 1990; FEDORIV, 1983.
5
FEDORIV, 1983; BERTHIAUME-ZAVADA, 2000.
6
De acordo com Onat s´ kyi, “ um cant or ( diak) é um cant or e leit or de igrej a; o t ermo é derivado da abreviação da
palavra diácono” . No original: “ a CANTOR [ diak] is a church singer and reader; t he t erm is derived f rom t he
abbreviat ion of t he word deacon [ diakon] (ONATS´ KYI apud MEDWIDSKY, 2000, p. 114). Out ras designações para o
cant or são diakê (GUÉRIOS, 2007), kant or, psal t er (ou salmist a), precent or , khazan, chant re.
7
Segundo depoiment o de Padre Domingos.
8
Trat a-se do cant o lit úrgico com sinais ecf onét icos, correspondent es ao primeiro sist ema de not ação musical do
cant o lit úrgico ucraniano. O Cant o Znamenny f oi subst it uído a part ir do século XVII pelo Cant o de Kiev, que adot ava a
not ação quadrát ica.
9
“ In ot her words, t he Russian singers were t rained on t he Bizant ine chant , but , not cont ent t o rear a f oreign
import at ion, gradual l y began t o int roduce int o it novel t rait s, moul d it in accordance wit h t heir own t ast e and
musical disposit ion” (SWAN, 1940a, p. 232).
10
A designação original para est e cant or é demést vennik ou domést ik ( domést ikós) (SWAN, 1940a, p. 235).
220 SIMPEMUS 5
Uma segunda f unção do cant or é associada à possibil idade de inst aurar ou modif icar at mosf eras da
cel ebração, mediant e seu modo de cant ar. Segundo a est udiosa Kononenko “ o cant or é a pessoa com
uma bel a voz, com o conheciment o de música” , 11 cuj o papel cont ribui para est abel ecer a at mosf era
mist eriosa e int rospect iva, da lit urgia orient al, e el e é “ um int ermediário ent re o cl ero e os f iéis,
adapt ando e modif icando conf orme as necessidades da congregação” . 12 Tal incumbência t orna o diak
uma f igura míst ica que canal iza o mundo cel est ial e o universo humano, o que pode j ust if icar suas
numerosas ref erências na l it erat ura e no f ol cl ore ucraniano. 13
É f undament al a presença do diak nos rit os de passagem, como no caso de f unerais14 vist o que nest as
ocasiões, os cânt icos dos sal mos ocorrem ao l ongo da vigíl ia. Andrij Makuch, est udioso da hist ória da
Igrej a Ucraniana Cat ól ica de Buczacz, em Al bert a, Canadá, cit a que nest as sit uações, o diak t ambém
poderia int erceder para mant er os part icipant es at ent os durant e o l ut o, e para ist o, por vezes, deveria
imprimir pequenas doses de humor. 15
Não é raro encont rar pessoas na comunidade ucraniana, cuj os avós, pais, t ios t enham at uado como diak
nas comunidades brasil eiras. Em ent revist a, Dom Ef raim Krevey, ao se l embrar de seu avô Miguel Baran,
que at ou como diak no município de Ivaí no Paraná ent re 1908 e 1958, cont a que:
Ele começava [ a cant ar] , ele cant ava e a gent e olhava, e. . . [ eu pensava admirado] “ um dia
vou cant ar assim! ” [ . . . ] Era uma equipe. Tinha mais 2 ou 3 que eram inf eriores. Ele era
“ xerif e” . Ele levava em f rent e! [ . . . ] Int eressant e. . . da f amília “ dele” , t odos são cant ores,
t odos t êm voz, t êm est a f acilidade de cant ar. . . – Dom Ef raim Krevey

A admiração pel o of ício do cant or, e a import ância dada a est a f unção parece t er sido t ambém
preponderant e às decisões quant o ao caminho sacerdot al do recém ordenado Bispo Dom Vol odomer
Koubet ch, que por meio de sua at uação como diak na comunidade cat ól ica do município de Roncador, a
part ir dos doze anos de idade, descobriu a vocação rel igiosa que o l evaria ao cargo da aut oridade
máxima da comunidade cat ól ica ucraniana do Brasil . 16
Em rel ação à vocação sacerdot al e ao val or dado ao cant or compet ent e, Dom Jeremias (Bispo da Igrej a
Ort odoxa Aut océf al a Ucraniana do Brasil ) decl ara que “ no Brasil , é muit o dif ícil achar o sal mist a [ o diak]
[ . . . ] é mais f ácil [ achar] vocacionados ao sacerdócio do que gent e compet ent e para ser sal mist a” . Para
o bispo ort odoxo, “ [ o sal mist a, diak] t em que t er o Dom, que se manif est a pel o amor à l it urgia” , e nem
o domínio da l eit ura musical , possibil it a a ef iciência do cant or, pois, segundo el e, “ não é o
prof issional ismo que garant e. . . ” 17
Quant o ao enf oque do prof issional ismo do cant or ecl esial , é vál ido dispor que no decorrer da pesquisa
real izada, não f oram encont rados document os com ref erência quant o a pagament os dest inados aos
serviços realizados pelos diaky que at uaram no Brasil .

Miguel Zubyk
Aquilo que a gent e aprendeu desde criança, a gent e t á cont inuando, sempre. – Miguel Zubyk

Ao buscar inf ormações sobre cant ores das igrej as cat ól icas ucranianas, desde os primeiros encont ros
com padres de Curit iba, em 2006, e post eriorment e em Prudent ópol is, soube que na Linha Esperança, a
doze quil ômet ros do cent ro de Prudent ópol is, seria possível encont rar um cant or que há anos se dedica
aos serviços rel igiosos da paróquia e às ocasiões de bat izados, casament os e f unerais da comunidade.
Assim, no domingo de carnaval de 2008, às oit o e meia da manhã eu me aproximava de Prudent ópol is
com o mapa da região que discriminava a est rada at é a Linha Esperança. Na grande igrej a, as f amíl ias
ucranianas chegavam e, ao adent rarem no espaço rel igioso, dispersavam-se obedecendo à t radição de
mul heres e homens se disporem em l ados opost os, respect ivament e no l ado esquerdo e direit o da
const rução. Dirigi-me ao coro e busquei o cant or Miguel Zubyk, responsável pel os cant os da cerimônia,
para me apresent ar, e pedir a aut orização para a gravação e combinar uma breve ent revist a ao f inal da
cerimônia. Miguel j á t inha conheciment o que eu est aria visit ando a comunidade. Às nove horas iniciei o
regist ro do início das orações e da Pr oskomídia. A cerimônia durou uma hora e meia, com a incl usão da
Bênção das Vel as, rit ual que ocorreu ao f inal da Divina Lit urgia, com bases mel ódicas próprias dest a

11
“ The cant or is t he person wit h t he beaut if ul voice, wit h knowl edge of music” (KONONENKO, 2000, p. 5).
12
“ (…) t he cant or is an int ermediary bet ween t he cl ergy and t he peopl e, adapt ing and changing as t he needs of t he
congregat ion change” ( ibid, p. 7).
13
Como na obras de Nikolai Gogol e Tarás Shevchenko.
14
Durant e o lut o, e na memória pelos mort os são realizados os serviços panakhyda e parast as. Durant e o f uneral,
ocorre o pokhoron, est e é apenas recit ado e não cant ado (Depoiment o de Jonas Chupel).
15
MAKUCH, 1989, p. 90. Nest e est udo Makuch t ambém coment a sobre um aspect o chocant e das prát icas de vigília
dos ucranianos que consist e em ent oar gemidos lamuriant es (conhecidos como hol osinnia) ent orno do corpo velado,
realizado usualment e pelas mulheres mais idosas ( ibid). Est e cost ume não f oi ident if icado nas f ont es consult adas ao
longo da present e pesquisa.
16
Depoiment o de Dom Volodomer Koubet ch.
17
Depoiment o de Dom Jeremias Ferens.
simpósio de pesquisa em música 2008 221
cerimônia. A comunidade religiosa cat ólica ucraniana da Linha Esperança é compost a por t rezent as e
cinqüent a f amílias, e, na oport unidade, a cerimônia cont ava com cerca de duzent os f iéis. O grupo de
f iéis e cant ores que se concent ravam no coro, liderados pelo di ak Miguel compunham a maior part e da
massa sonora ouvida nas part es colet ivas da Divina Lit urgia, mas f oi possível perceber o envolviment o de
t oda a comunidade durant e a execução dos cânt icos. As vozes f emininas se dest acavam, mas em
algumas part es o t imbre de Miguel se sobressaía no conj unt o, e at ingia em primeiro plano a escut a dos
f iéis.

Fig. 1 - Di ak Miguel Zubyk, Linha Esperança, Prudent ópolis (Acervo pessoal, aut oria própria).
Após a cerimônia, realizei a primeira ent revist a com Miguel, na qual obt ive dados sobre seu
envolviment o com a Igrej a e sobre o of ício de coordenador dos cânt icos realizados na comunidade
Esperança. Desde criança, Miguel t em se envolvido nas preparações das cerimônias religiosas,
part icipando das celebrações, quando pequeno, em f amília. Foi com a cat equese e a prát ica que Miguel
aprendeu a cant ar as melodias sagradas ucranianas, não t endo t ido a oport unidade durant e sua vida, de
est udar em escolas específ icas ou realizar cursos direcionados a essa prát ica musical. Seu encant ament o
pelas melodias religiosas é visível, assim como o é sua dedicação na preparação semanal das músicas.
Após a breve ent revist a, combinamos um f ut uro cont at o para que eu pudesse apreender maiores
det alhes sobre seu engaj ament o com a música nest a pequena localidade paranaense.
O segundo cont at o com Miguel ocorreu na residência da f amília Zubyk, num domingo de maio de 2008.
Na casa acolhedora, pode-se obt er, ao longo do dia, t est emunhos e relat os acerca da hist ória da f amília,
dos ant epassados imigrant es, do relacionament o com vizinhos ucranianos e poloneses, sobre as
pref erências musicais de Miguel, seu t rabalho e sua f é.
Na comunidade da Linha Esperança, região localizada a doze quilômet ros do cent ro do município de
Prudent ópolis, nasceu o cant or religioso Miguel Zubyk, no dia 17 de f evereiro de 1955, o quart o f ilho de
Vlademiro Zubyk e Paranka Semchechen Zubyk. Os avós pat ernos de Miguel chegaram nas t erras do
Paraná no f im do século XIX, o pai de Miguel era f ilho caçula de Maria e Miguel Zubyk, e nasceu no Brasil
durant e a primeira década do século XX.
222 SIMPEMUS 5

Fig. 2 - Int erior da casa de Miguel Zubyk 18 (Acervo pessoal, aut oria própria).

Miguel cont a que ao chegar em Prudent ópolis, seu di do e sua baba19 t iveram grandes dif iculdades para
est abelecer a nova vida. As aut oridades locais os encaminharam at é a Linha Ivaí, uma região na época
dot ada de densa veget ação e de dif ícil acesso.
Há alguns anos, ocorreu uma t rist e e f at al t ragédia com a f ilha do casal Miguel e Verônica Zubyk, e o
velório f oi realizado na no int erior da casa, como de cost ume nas localidades rurais do sul do Brasil. Ali,
dezenas de pessoas da comunidade se reuniram e part iciparam da cerimônia de f uneral conhecidos
como Panakhyda, na qual são ent oadas melodias próprias da ocasião, de domínio da comunidade
ucraniana. Miguel exercia há vint e e cinco anos a liderança dos cant os religiosos na igrej a e na
comunidade da linha Esperança, e, naquela ocasião, def ront e ao corpo da f ilha, mais uma vez puxava os
cant os sagrados que, usualment e, t êm f unção de conf ort ar os f amiliares e amigos, segundo o próprio
Miguel. Ao narrar o moment o vivido, Miguel t ranspareceu muit a comoção à f at alidade ocorrida, ao
mesmo t empo em que demonst rou quão int ensa se manif est a sua f é e seu compromisso com a música
religiosa.
Algumas f ot os dest e moment o f oram most radas durant e a ent revist a, pelas quais pude observar que no
ambient e das orações, as paredes da sala j á possuíam as inúmeras imagens de Sant os, de Maria e de
Crist o, além dos ret rat os ant igos da f amília, que f oram not adas durant e a visit a ao domicílio, em maio
de 2008. A adoração às imagens religiosas é caract eríst ica marcant e dos ucranianos, f at o que t ambém
verif iquei durant e a explicação pormenorizada de Miguel quant o aos sant os de devoção da f amília.
Def ront e à parede, um alt ar sust ent ava os livros sagrados, e nos cant os da sala, est avam dispost as
cadeiras, que denot a o espaço da casa em que a f amília Zubyk e pessoas da comunidade se encont ram
para prat icar orações. Em relat o, Miguel af irma que as orações domést icas são recit adas na língua
ucraniana, porém não cant adas, e ocorrem diariament e às set e horas da noit e.
É int eressant e ressalt ar que a língua f alada pela f amília é o ucraniano, e por est a razão, Verônica e
Miguel apresent aram algumas dif iculdades em conversar int egralment e em port uguês comigo, e diversas
vezes, a f ilha auxiliou a exprimir palavras e complement ar algumas f rases. Na conversa com dona
Paranka, Verônica e Ana Crist ina auxiliaram na t radução.
Na vida dos Zubyk, a música ucraniana é predominant ement e apreciada, porém, Miguel revelou seu
gost o part icular para as músicas cant adas em décadas passadas pela dupla Tonico e Tinoco. 20 Ent re os
cant os t radicionais ucranianos lembrados na ent revist a, um cont a a hist ória de um “ j ovem que f oi da
Ucrânia para longe, visit ar uma moça e o pai da moça não quis receber. . . e. . . coit ado, f oi muit o

18
Fot o de aut oria própria em maio de 2008.
19
Em ucraniano, respect ivament e avô e avó.
20
A dupla sert anej a paulist a Tonico, João Salvador Pérez (1919-1994), e Tinoco, José Pérez (1920- ) at ingiu grande
popularidade a part ir da década de 40 do século passado, e deixou inúmeras gravações de músicas brasileiras
(número superior a set ecent as) (MARCONDES, p. 779-780).
simpósio de pesquisa em música 2008 223
magoado, el e veio l á de l onge e os pais não quiseram receber” (Fig. 4. 17). A canção popul ar ( nar odna
pi sni a) que se int it ula “ Iháu Kózak Z Ukr aíne” t raz a seguint e melodia:

Fig. 3 - Excert o de “ Iháu Kózak Z Ukr aíne” (Transcrição e t ranslit eração da aut ora).
Out ra mel odia pref erida de Miguel , pert ence ao cant o paral it úrgico “ Levadov Dol enov” , um cant o
mariano, no qual uma homenagem à Virgem é f eit a at ravés de uma guirl anda de f l ores que se el eva aos
céus, em agradeciment o ou pedido de aj uda a Nossa Senhora.
A t erra em que t rabal ha o casal Zubyk é benzida com os ramos abençoados pel o pároco da Igrej a Nossa
Senhora do Pat rocínio no Domingo de Ramos, que ant ecede a Semana Sant a. É curioso que no cost ume
ucraniano, são benzidos apenas t rês cant os do lot e de t erra, sendo que o quart o é proposit al ment e
deixado para que o “ mal ” possa sair. Out ro cost ume que envol ve o t rabal ho na t erra, t rat a-se da
saudação “ Dai Bózhe Shchást i a” , pronunciado ent re os ucranianos que signif ica “ Que Deus (nos) dê
f el icidade” ou “ Bom t rabal ho com a Bênção de Deus” . Ao ser quest ionado se el e ent oa cant os de
l avoura, Miguel apont a sua pref erência em t emát icas rel igiosas, e cont a que durant e o t rabal ho com a
t erra, ent oa int ernament e os cânt icos da próxima celebração que se responsabiliza, num ensaio
individual e silencioso. Dest e modo, t erra, f é e música preenchem a vida e a rot ina de Miguel.
O t rabalho religioso, além da liderança dos cant os lit úrgicos, inclui out ras at ividades, como o ensino
semanal da cat equese. At ual ment e Miguel assist e a cerca de t rint a crianças, às quais ensina canções
religiosas e cânt icos lit úrgicos em idioma ucraniano. Cont eúdos religiosos são t ransmit idos em língua
port uguesa e ucraniana. Após o f al eciment o de sua f il ha, e o ret orno a Prudent ópol is, há dez anos at rás,
decidiu envol ver-se com mais af inco à vida rel igiosa, e a part ir de ent ão se dedicou ao ensino da
cat equese e ainda mais assiduament e ao t rabal ho com o Apost ol ado da Oração, assumindo sua
coordenação na comunidade.
Há t rint a e cinco anos, Miguel assumiu-se como cant or da comunidade da Linha Esperança. Há cerca de
al guns anos f al eceu o ant igo di ak da região, Paul o Dohan. Segundo Miguel , o di ak Paul o t ambém
realizava serviços religiosos ext ernos à paróquia, porém, cobrava por serviços, dif erent ement e de
Miguel . 21 Ant eriorment e ao Paul o, havia na Linha Esperança, o cant or Danil o, que conhecia
prof undament e a lit urgia e os cant os ucranianos.
O grupo de cant ores l iderados por Miguel é f ormado por vint e pessoas, e de acordo com Miguel , as vozes
f emininas são mais numerosas e part icipat ivas. O grupo não realiza ensaios semanais, mas sim nas
vésperas de cerimônias religiosas anuais, como Páscoa ou Nat al . Não há, por enquant o, nenhuma pessoa
sendo t reinada especif icament e para o papel desempenhado por Miguel , ent ret ant o, est e af irma que na
comunidade, há um grupo de j ovens que est ão se mobilizando para cant ar nas cerimônias e as músicas
cant adas por est e grupo são os mesmos cant ados pel o grupo de Miguel . Por meio das inf ormações
obt idas na ent revist a, o coro de j ovens não busca int ercâmbios com Miguel e o grupo mais experient e. A
manut enção dos cant os t radicionais religiosos, ent ret ant o, é sust ent ada por ambos os grupos.
A aparent e indif erença quant o à l iderança e ao conheciment o do di ak Miguel pel os j ovens parece não
ocorrer ent re os sacerdot es e as irmãs missionárias. Quinzenal ment e, quando as cerimônias da Linha
Esperança são cel ebradas, o padre Josaf at e as irmãs procuram Miguel para combinar como será
direcionada a celebração, quais serão os cant os, e de que maneira deverão ser ent oados. Há, port ant o,
uma t endência a respeit ar o modo como a comunidade local, represent ada pelo líder Miguel, é
acost umada a prat icar seu rit o.

21
De acordo com a lit erat ura est udada, a cobrança pelos serviços realizados pelo cant or não se const it ui prát ica
incomum em comunidades ucranianas canadenses e est adunidenses. Makuch explicit a o valor pago ao padre em
cerimônia de f uneral na década de 50 era aproximadament e $15, 00, enquant o que o valor pago ao di ak nas mesmas
cerimônias era ent re $3, 00 e $5, 00 (MAKUCH, 1989, p. 92);
224 SIMPEMUS 5
Por se t rat ar de uma localidade rural, diversos aspect os t radicionais são mant idos na comunidade,
porém out ros são modif icados de modo nat ural. Um dos exemplos é verif icado em experiências
ocorridas no rit o, especif icament e com os cant os, que em cert as cerimônias dest a comunidade j á se
const at ou o uso de acompanhament o de t eclado nos cant os das samoil kas, 22 em part es como Creio, Pai
Nosso, Hino dos Querubins e Sant o. Est a inovação f oi primeirament e narrada em depoiment o pelo Bispo
Eparca Dom Volodemer, e na visit a que realizei a f amília Zubyk f oi conf irmada por Miguel, e f oi,
segundo ele, muit o bem recebida, e mesmo elogiada pelos f iéis locais. Cont udo, o uso do inst rument o
musical não ocorre em t odas as cerimônias, e parece se t rat ar de experiências esporádicas que,
ademais, não ganharam a ant ipat ia por part e das aut oridades eclesiást icas.
As amizades cult ivadas por Miguel incluem membros de out ras comunidades cult urais, como poloneses,
alemães, assim como com cat ólicos lat inos. Na ent revist a cedida, ele last ima a ext inção de cost umes e
t radições observados durant e sua inf ância, na comunidade polonesa da Linha Esperança. Lembra Miguel
que na igrej a lat ina (com arquit et ura dist int a àquel a f reqüent ada por Miguel, dist ant e a poucos met ros)
os poloneses se reuniam com suas vest iment as t ípicas e em polonês celebravam missas, com cant os
t razidos de seu país de origem, analogament e ao que hoj e ainda ocorre nas comunidades ucranianas de
Prudent ópolis, mas que se ext inguiram gradat ivament e. Pelo ocorrido com a comunidade polonesa,
Miguel demonst ra preocupação e age, port ant o, em prol da manut enção das t radições ucranianas. Por
est a razão, ao se t rat ar das melodias religiosas ucranianas Miguel sem rodeios af irma que “ os cant os são
os mesmos de ant igament e, e vão cont inuar, para sempre. . . ”

Resultados
Mediant e a lit erat ura est udada, f oi const at ado que o cant or de igrej a desde os primórdios do
crist ianismo ucraniano exerceu import ant e papel nas celebrações, vist o a necessidade de domínio da
leit ura e decodif icação dos sinais ecf onét icos Znamenny. Ao reproduzir as melodias lit úrgicas
prescrit ivas do rit o ucraniano, o diak em sua per f or mance empregava part icularidades que t ornava sua
int erpret ação única, f at o t ambém verif icado na comunidade religiosa ucraniana brasileira t ant o nos
relat os das pessoas ent revist adas, quant o na observação de cerimônias at uais.
O reconheciment o do diak como pessoa respeit ada pela comunidade pareceu se evidenciar não apenas
nas f ont es bibliográf icas consult adas, como t ambém, nos t est emunhos colet ados de pessoas da
comunidade ucraniana do Paraná, principalment e quando se ref erem às décadas ant eriores.
At ualment e, cont udo, a f igura do diak nas igrej as e comunidades ucranianas é cada vez menos
evidenciada, conf orme depoiment o do Bispo Dom Ef raim Krevey:
O diak é uma espécie de mest re nas comunidades, ele cant a. Aqui no Brasil ult imament e t êm
poucos. Na Europa, cada aldeia t em dois ou t rês diaky, e na Europa t êm escolas especiais. –
Dom Ef raim Krevey

Em part e, os mot ivos dest a ext inção podem est ar associados ao f at o de que, em diversas comunidades
brasileiras, a liderança dos cant os lit úrgicos se encont ra ao encargo das mulheres, as “ di akechas” . A
ação missionária das cat equist as j ust if ica em part e est e dado ref erent e ao gênero. De acordo com
relat o de Dom Ef raim, na Ucrânia, a f unção da diak é predominant ement e execut ada por homens, e
mesmo o t rânsit o das mulheres no espaço das igrej as possui limit ações, pois não é of icialment e
aut orizada a ent rada delas no Sant uário (part e int erna do iconost ás). 23 Est a mudança, cont udo, apont a
ser uma f usão ent re a dinâmica int erna e ext erna do grupo ucraniano do Brasil, j á que a necessidade de
cat equizar os grupos para a sust ent ação da t radição religiosa (incent ivada, port ant o, pelas ent idades
eclesiást icas) e dos valores cult urais do grupo dos imigrant es e descendent es prevaleceu à idéia de que
a t aref a devesse ser execut ada pelos homens.
Na busca por diaky at uant es, encont rei o agricult or e religioso Miguel Zubyk, que mediant e um
det alhado depoiment o disponibilizou dados ref erent es aos seus ant epassados que em t erras brasileiras
t ransport aram seus cost umes e valores cult urais, e que em part e são percebidas no cot idiano da f amília
Zubyk. Das descrições pessoais de Miguel Zubyk, ext raem-se f usões valiosas de manut enção das
t radições, f é, t rabalho e compromisso com a música religiosa.
Acresce-se que, no t ocant e à int erpret ação musical do diak, Miguel Zubyk, na Igrej a de Nossa Senhora
do Pat rocínio (Linha Esperança, em Prudent ópolis, Paraná) event ualment e insere t eclado elet rônico nas
celebrações ucranianas, e rompe, assim, com a t radição milenar da prát ica do rit o exclusivament e
movido pelas vozes dos part icipant es. A nat uralidade, porém da inclusão do inst rument o musical
dimensiona a idéia de que mesmo em âmbit o rural, os grupos ucranianos não são apát icos ao mundo que
os circundam, mas sim, permit em-se viver com int ervenções part iculares da comunidade, que quase
evidencia o domínio e int imidade com sua prát ica religiosa. Ademais, como ref lexo das necessidades

22
Tipo de cant o lit úrgico popular que pert ence às part es f ixas (corresponde ao “ Ordinário” das cerimônias lat inas)
dos of ícios religiosos, cant ado em uníssono ou em t erças pela comunidade.
23
“ Iconost ase (grego): Colocação de imagens, nas Igrej as orient ais, divisória de madeira ou de pedra, ornada de
ícones, que separa o presbit ério da nave dos f iéis” . (KOUBETCH, 2004, p. 189).
simpósio de pesquisa em música 2008 225
cont emporâneas rel acionadas ao t empo de cul t o rel igioso, a Divina Lit urgia assist ida na comunidade da
Linha Esperança subst it uiu cant os t radicionais comunit ários ( samoil kas) do Pai Nosso e do Creio por
recit ação dos t ext os correspondent es (rezas), ou sej a, adot ou-se a f orma “ simpl if icada” de cel ebração,
ação est a que descaract eriza, em part e, uma import ant e propriedade do rit o orient al crist ão.

Referências
ANDREAZZA, M. L. Os bravos do Brasil. Nossa História. Rio de Janeiro, out ubro 2004, v. 1, n. 12, p. 52-57.

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FEDORIV, M. Ritual Chants of the Ukrainian Church of Western Ukraine: lit urgical chant s. Philadelphia: Basilian
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KONONENKO, N. Pref ace. In: KLYMASZ, R. B (ed. ). From chantre to dj ak : cant orial t radit ions in Canada. Hull:
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KOUBETCH, W. Da criação à Parusia: linhas mest ras da t eologia crist ã orient al. São Paulo: Paulinas, 2004.

MAKUCH, A. Hlus´ Church: a narrat ive hist ory of t he Ukrainian Cat holic Church at Buczacz, Albert a. Historic site
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MEDWIDSKY, B. Cant ors of godparent s in Ukrainian f olklore. In: KLYMASZ, R. (ed. ). From chantre to dj ak : cant orial
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ROCCASALVO, J. The Znamenny Chant . The Quaterly, v. 74, n. 2, 1990, p. 217-241.

SWAN, A. The Znamenny Chant of t he Russian Church – Part I. The Musical Quaterly, abril, 1940a, v. 26, n. 2, p. 232-
243.

FONTES ORAIS

DOM EFRAIM KREVEY. Entrevista concedida à autora. 06/ 03/ 2008. Curit iba.

DOM JEREMIAS FERENS. Entrevista concedida à autora. 21/ 04/ 2008. Curit iba.

DOM VOLODOMER KOUBETCH. Entrevista concedida à autora. 15/ 05/ 2008. Curit iba.

JONAS CHUPEL. Entrevista concedida à autora. 20/ 03/ 2008. Curit iba.

MIGUEL ZUBYK. Entrevista concedida à autora. 03/ 02/ 2008. Prudent ópolis.

_______________. Entrevista concedida à autora. 18/ 05/ 2008. Prudent ópolis.


PRÁTICA DE MÚSICA JAPONESA EM VITÓRIA (ES)

Mar cel o Donat i l i o Pr at t i (UFES)

RESUMO: Est e art igo apresent a part e do resul t ado f inal da pesquisa “ Revit al ização e prát ica da música
j aponesa t radicional em Vit ória (ES)” . Após uma int rodução sobre musicol ogia e música ét nica, se expõe
um panorama da prát ica de inst rument os j aponeses rel acionada com a Associação Nikkei de Vit ória (ES)
at ravés do grupo de t aiko (pal avra para t ambores j aponeses) Shind daiko com seus 15 anos de
at ividades e da quest ão da perda de int eresse ent re os j ovens descendent es.
PALAVRAS-CHAVE: t aiko, música j aponesa, imigração j aponesa, musicol ogia.
ABSTRACT: This art icl e present s part f rom t he f inal resul t s of t he research “ Revit al ização e prát ica da
música t radicional j aponesa em Vit ória (ES)” . Af t er an int roduct ion about musicol ogy and et hnic music
it exposes a l andscape t o t he pract ice of j apanese inst rument s relat ed t o Associação Nikkei de Vit ória
(ES) t hrough t he t aiko (word t o j apanese drums) group Shind daiko wit h it s 15 years of act ivit ies and t he
quest ion of why t he descendent yout h had l ost int erest in j apanese cul t ure.
KEYWORDS: t aiko, Japanese music, j apanese immigrat ion, musicol ogy.

1 – int rodução
Todo grupo ét nico e social possui na música um import ant e el ement o de manut enção cul t ural . O
desenvol viment o da est ét ica est á sempre l igado à música, que não é uma l inguagem universal passível
de compreensão f ora do cont ext o hist órico e social em que est á inserida. O obj et ivo dest e t rabal ho é
perceber que a música de um grupo ocupa um l ugar de imensa import ância na manut enção de sua
cult ura e valores.
A compreensão dessas músicas necessit a de um est udo específ ico da cul t ura, hist ória e pensament o de
det erminada época e l ocal .
É precisament e erguendo ao nível de hist oricament e concret o que, com um vast o número de
ref lexões, nós poderemos começar a ent ender a música de uma maneira que vai além do
merament e ‘ exót ico’ , além da noção superf icial de uma ‘ linguagem universal’ compreensível
a t oda ‘ comunidade mundial ’ . (GROEMER, 1999, p. xviii)

Termos como wor l d musi c são usados de f orma muit o equivocada quando reúnem t udo o que não
descende da música européia num mesmo conj unt o, quando, na verdade, f azemos t ambém part e do
processo de t ransf ormações das “ músicas do mundo” , pois a música européia do Sécul o XVIII t ambém é
ét nica e part icipou das t ransf ormações de seu t empo e espaço. O engano est á em organizar as músicas
num processo evol ut ivo, como se um dia, f ossem t odas se t ornar t onais e se port ar de acordo com
caract eríst icas est ét icas ocident ais.
Na década de 1980, a educadora musical Tereza de Alencar j á se preocupava em promover a
compreensão da ‘ música como produt o cult ural e hist órico’ e da ‘ diversidade’ cult ural,
enunciada no Ref erencial Curricular Nacional Inf ant il em 1998, p. 80, exemplif icando ao vivo
os sons de várias cult uras para os seus alunos conhecerem. (SATOMI, 2004, p. 489)

Ent ão é de grande import ância que at ravés da música pode-se desenvol ver a consciência de que t odos
est ão t ransf ormando e sendo t ransf ormados pel o meio, independent e de raízes cult urais.
A cult ura popular e, especialment e, a música da cult ura inf ant il são ricas em produt os
musicais que podemos e devemos t razer para o ambient e de t rabalho das creches e pré-
escolas. A música da cult ura popular brasileira e, por vezes, de out ros países devem est ar
present es. (ALENCAR apud SATOMI, 2004, p. 489)

Na migração dos povos pel o mundo a música sempre t em grande part icipação no processo de adapt ação
e na manut enção da cul t ura. Porém, det erminados povos, como as comunidades it al ianas e port uguesas,
mesmo mant endo suas “ f est as e músicas, encont ram-se dil uídas e miscigenadas com a sociedade
brasileira” (SATOMI, 2006, p. 45) devido à f acilidade de ent recruzament o cult ural.
Por out ro lado, a presença de inst rument os árabes, j aponeses e ciganos at est a a manut enção
da cult ura ancest ral no int erior desses grupos. Ent re os imigrant es oriundos do Médio e
Ext remo Orient e percebe-se, pois, a t endência à conservação da música t radicional, enquant o
o das cult uras mais próximas t ende à mudança parcial ou t ot al de valores ancest rais.
(SATOMI, 2006, p. 45)
simpósio de pesquisa em música 2008 227
A relevância dada por esses povos à perpet uação dessa est ét ica eleva a música ao nível de import ância
da religião f ormando “ o últ imo baluart e, e em t orno dela se crist alizam t odos os valores que não
querem morrer” . (BASTIDE apud SATOMI, 2005, p. 1421)
Compreende-se ent ão que as músicas do Brasil são ref lexo dessa mist ura de povos e cost umes de várias
part es do mundo. O povo af ricano, os indígenas que aqui j á viviam, árabes, espanhóis, it alianos,
alemães, port ugueses e vários out ros indivíduos se t ornaram part e da f ormação cult ural do país.
Inf luências na culinária, no t rat ament o pessoal, na linguagem f alada e out ros det alhes caract erizavam
e, em alguns casos, ainda caract erizam cada um como pert encent e a det erminado grupo.
Desde a chegada dos port ugueses no Brasil, f oi-se const ruindo a música erudit a brasileira, além disso,
muit os inst rument os, músicas e danças af ricanas f oram f undament ais para o surgiment o da música
popular moderna como a modinha, o choro, o samba e out ras. Também é import ant e cit ar a música
indígena da qual muit a coisa sobreviveu graças à resi st ência de alguns grupos aos ensinos dos j esuít as.
O est ado do Espírit o Sant o, apesar de sua cult ura predominant ement e it aliana e alemã, possui vários
out ros grupos que, embora menos represent ados demograf icament e, f azem-se present es. Est e t rabalho
apresent a part e dos result ados expost os no relat ório f inal da pesquisa “ Revit alização e Prát ica da
Música Japonesa Tradicional em Vit ória (ES)” , um proj et o guarda-chuva que cuidava de várias
manif est ações cult urais/ musicais do Espírit o Sant o sendo est e especif icament e sobre a produção de
música com inst rument os j aponeses e a at uação do grupo de t aiko1 Shind daiko como principal
represent ant e dessa at ividade no est ado.

2 – a prática musical entre os j aponeses e descendentes no Espírito Santo


Em Vit ória (ES), a prát ica musical ent re os membros da Associação Nikkei se resume basicament e ao
karaoke com repert ório de canções enka2 e músicas populares diversas, às at ividades do Coral da
Associação Nikkei de Vit ória regido pela violonist a Ayuko Sakanoue e ao grupo de t aiko Shind daiko.
Como o t rabalho t rat a de música j aponesa t radicional, as at enções serão concent radas na prát ica de
t aiko, embora o coral da associação t ambém execut e event ualment e Min'y 3.
Ent re os mais velhos exist e sempre uma relação com a música j aponesa. Ela remet e à t erra nat al e a
sit uações nost álgicas. Em dat as como ano novo e out ras comemorações, a prát ica do karaoke est á
sempre present e como principal at ividade relacionada à música j aponesa além de algumas poucas
experiências com Min em f est ividades.
Ent re os j ovens descendent es há uma evasão grande de f reqüent adores da Associação Nikkei. Isso é
apont ado como uma das razões da diminuição de muit as at ividades. A vida musical do j ovem
descendent e f reqüent ador da Associação Nikkei de Vit ória pode resumir-se às at ividades ant eriores. O
karaoke t ambém é uma prát ica comum, o cant o coral é f reqüent ado por alguns j ovens, embora a
maioria sej a de adult os de meia idade. Ele ouve diversos t ipos de música, além de bandas pop e rock
j aponesas, consomem quadrinhos ( manga), f ilmes e séries de animação ( anime).
Alguns dos j ovens ent revist ados conhecem inst rument os j aponeses, mas a ausência de prof essores de
música j aponesa no est ado do Espírit o Sant o f az com que a vont ade de se aprof undar e aprender
inst rument os j aponeses sej a abandonada pela dif iculdade de se realizar idas e vindas const ant es a
out ros est ados.

2. 2 – A Fundação do Taiko Clube de Vitória


Em agost o 1993, o prof essor de língua j aponesa Seij i Oku veio do Japão para lecionar como volunt ário
da JICA (Agência Int ernacional de Cooperação Japonesa). Foi ent re os est udant es que o prof essor
encont rou os primeiros cinco membros do grupo chamado de Taiko Clube de Vit ória. O prof essor Oku
t inha t rês obj et ivos: implement ar no Brasil uma t radição do Japão, criar e desenvolver o espírit o para
f ormação do homem e desenvolver a perseverança, dedicação e harmonia ent re t odos.
No início o grupo não possuía inst rument os e prat icava em cavalet es de madeira. Não havia sequer os
cort es grandes de t ake4 que t ambém são ut ilizados para t ocar, mas isso não impediu o grupo de f azer
sua primeira apresent ação na “ Feira dos Municípios” em Sant a Maria de Jet ibá (ES). A comunidade
j aponesa de Funchal (RJ) emprest ava um t aiko que era buscado a cada apresent ação, e os cort es de
t ake que f oram cedidos pela cidade de Venda Nova do Imigrant e (ES). Com pouco t empo os mat eriais
f oram sendo adquiridos. Um t aiko f abricado no est ado do Paraná, out ro doado pela empresa Marubeni e
out ro comprado com esf orço dos membros que organizaram um event o para levant ament o de f undos.
Em 1996, Seij i Oku ret ornou ao Japão.

1
Palavra usada para designar t ipos de t ambores j aponeses.
2
Gênero musical popular.
3
Música f olclórica.
4
Bambu, em j aponês.
228 SIMPEMUS 5
Em 1997 o grupo cont ou com a aj uda do prof essor Umahashi, t ambém vindo do Japão, aj udou o grupo a
pronunciar corret ament e as palavras que são f aladas durant e a apresent ação. Em 1998 o Taiko Clube de
Vit ória t eve a oport unidade de t ocar j unt o com o f amoso grupo Yamat o do Japão.
No ano de 2000 surgiu o at ual nome do grupo, inicialment e apenas chamado de Shind 5. Em 2007 o
grupo passou a usar o nome complet o de Shind daiko6. Com t odos os acont eciment os, problemas,
mudanças e vit órias, t ent a-se mant er a hist ória do grupo viva. Ao início dos ensaios, desde o primeiro
t reino em conj unt o at é hoj e são repet idos, em língua j aponesa, os t rês princípios deixados pelo
prof essor Seij i Oku: Cult ivar a harmonia, preservar o respeit o e mant er a concent ração.

2. 3 – Repertório e transmissão
A composição das primeiras quat ro músicas é credit ada ao prof essor Seij i Oku. Conhecendo o f at o dele
t er vindo volunt ariament e do Japão para ensinar o idioma j aponês, separado t empo para ensinar
basebal l e t ai ko, um membro do Shind daiko diz que t ais músicas são ref lexos de sua própria
personalidade alt ruíst ica.
Dessas composições, a música “ Kai byaku ” 7 represent a a criação do universo, seu som descreve o planet a
Terra se solidif icando no meio do vazio do espaço. “ Mush ” 8 simboliza o surgiment o do homem na t erra,
quando ele part e em busca de seus sonhos. A t erceira composição é “ Skon” 9, represent a a consciência
de saber que somos humanos e que queimando nossa energia poderemos desenvolver nosso respeit o
mút uo. A ult ima música compost a para o grupo pelo prof essor Oku é “ Shi ngan” 10 simbolizando a aut o-
ref lexão t razendo t ranqüilidade às nossas almas e para que cont inuemos rumo aos nosso sonhos. Nessa
seqüência, as composições descrevem, na verdade, o caminho do ser humano no universo. A f ormação
dos membros de 1996 ainda compôs a música “ Inochi ” 11 most rando que mesmo com o ret orno do mest re
Seij i Oku ao Japão, suas vidas est avam na direção do f ut uro e ent regues ao amanhã. Ainda f oi compost a
a música “ Shi nd ” , t razendo um element o int eressant e de reconst rução e apropriação cult ural. O
ki hon12 f oi ret irado de uma música de r ock , segundo um membro.
Not a-se que quase sempre, as composições para t aiko possuirão um f undo de represent at ividade que vai
além do merament e sonoro. Na execução de “ Shi nd ” , por exemplo, a disposição dos inst rument os
t ent a imit ar os t raços do ideograma “ shi n” 13 como most ra a Figura 1a e a Figura 1b. Dest a f orma,
percebe-se que at é o visual pode ser de muit a import ância.

Figura 1a. A f ormação dos inst rument os numa vist a aérea, sendo que (a), (b), (c) e (d) represent am o
posicionament o dos t ambores ( t ai ko), (e), (f ) e (g) são os cort es bambu ( t ake).
Figura 1b. Est e é o ideograma “ shi n” que signif ica coração/ alma.
A t ransmissão se dá at ravés da imit ação. Os membros novos assist em os vet eranos e pela observação
decoram as f rases musicais at é que se possa t ocar em conj unt o. Um pouco do aprendizado das

5
Caminho da Alma.
6
Taiko do Caminho da Alma
7
A Criação do Universo.
8
A Explosão dos Sonhos.
9
A Criação da Alma.
10
A Serenidade da Alma.
11
Vida.
12
Base, no sent ido de base rít mica. O kihon, ou kihon-rizumu (corrupt ela de rhyt hm/ rít mo) é o t ermo usado para se
ref erir a uma bat ida principal sobre a qual a música se desenvolve. Também pode ser usado para designar uma célula
rít mica específ ica. O kihon-rizumu e o “ sambinha” são duas const ruções rít micas dif erent es que o iniciant e deve
aprender ant es de começar a t ocar qualquer uma das músicas.
13
Coração/ Alma.
simpósio de pesquisa em música 2008 229
composições mudou com a t ranscrição das músicas em f ormat o MIDI 14, assim os novat os podem ouvir as
músicas e t reinar com o auxílio de um comput ador.

2. 4 – Perfil dos membros do grupo


Nos primeiros anos, o grupo era f ormado por adolescent es e crianças em idade escolar. Os problemas
mais f reqüent es se davam em sit uações como período de provas escolares. A presença de não-
descendent es era rara. Hoj e a f aixa et ária é de j ovens e j ovens adult os (ent re 18 e 30 anos) os
problemas para se cont inuar no grupo agora são o vest ibular, t rabalho, f aculdade ou mest rado f ora do
est ado. Exist em poucos membros que pert enceram a f ormações ant igas e a maioria deles agora é não-
descendent e. Tant o o descendent e quant o o não-descendent e que t oca t aiko possui uma t olerância
muit o grande à música j aponesa t radicional e ao som dos inst rument os j aponeses, que por muit as
pessoas são considerados desagradáveis ou “ desaf inados” . Um dos membros j á havia t ido algumas aulas
de bat eria ant es de prat icar t aiko, mas diz que “ não vê nenhuma semelhança. [ . . . ] Os dois se bat em
t ambores com baquet as, mas são coisas 100% dif erent es. . . ” .
O grupo de hoj e é mais maduro, não só na f aixa et ária, mas t ambém do que diz respeit o à
musicalização, ao conheciment o do próprio inst rument o e da música j aponesa.

2. 5 – A falta de interesse do j ovem descendente


Joyce Rumi Suda (2005) ident if ica algumas razões para o af ast ament o do j ovem descendent e das
at ividades que envolvem cult ura j aponesa. Exist e um processo que pode ser ident if icado quando
descendent es de j aponeses passam a mant er cont at o quase que apenas com brasileiros, deixando de se
relacionar com out ros j aponeses ou com at ividades relacionadas às suas origens.
Por exemplo, se um grupo não of erece condições adequadas para preservar uma ident idade
social posit iva [ . . ] , muit os opt am pela est rat égia da mobilidade social e mudança de grupo
para os de st at us mais alt o, “ desident if icando-se” com o grupo original. (SUDA, 2005, p. 55)

O moviment o cont inua com descendent es que negam durament e sua origem causando reações negat ivas
no grupo de j aponeses e ao mesmo t empo “ não são aceit os como pert encent es ao grupo dos
brasileiros” . (SUDA, 2005, p. 55)
Taj f el (1983) nos most ra que o preconceit o acont ece t ambém como f orma de def esa cont ra
aqueles que se apresent am como ameaça ao nosso modo de vida e à nossa posição social.
Sendo assim, cert as caract erizações, inicialment e t idas como posit ivas em relação aos
j aponeses, dependendo do cont ext o podem f uncionar como mecanismos de discriminação e
exclusão social. (SUDA, 2005, p. 22)

Além disso, Suda (2005) apont a uma resist ência a mudanças e uma hierarquização de relações muit o
severa na administ ração da Associação Nikkei de Vit ória ref let indo na “ medida que as crianças que
f reqüent avam a Associação iam crescendo, diminuía o int eresse pela cult ura j aponesa e aument ava o
desej o de ident if icação com os capixabas” (SUDA, 2005, p. 128), pois era com eles que mant inham mais
cont at o.
Tal processo pode acont ecer de f orma inversa quando o não-descendent e t ambém se af ast a de valores
ocident ais e t ent a se inserir num grupo que não é originariament e o seu. Num moviment o de
apropriação de cost umes ele part icipa de um moviment o de “ orient alismo” do ocident e, t ermo que,
f alando de música, pode ser “ compreendido como [ . . . ] uma máscara at ravés da qual composit ores
est ariam hábeis a crit icar as prát icas de seu próprio t empo” . (BEARD & GLOAG, 2005, p. 129) Isso
explicaria, em part e, os não-descendent es no processo de revit alização das at ividades cult urais na
Associação Nikkei de Vit ória. No t aiko a maioria dos part icipant es é não-descendent e.
Pode haver ainda out ras várias razões para essa sensibilidade e apreço pela cult ura j aponesa que t erão
ligação part icularidades pessoais.

3 – Conclusões
Com as inf ormações expost as nest e t rabalho t em-se um panorama do moment o em que se encont ra o
f azer musical com inst rument os j aponeses e a part icipação de não-descendent es nesse processo no
Espírit o Sant o.
A import ância do levant ament o e da organização desse mat erial é compreendida quando se conhece a
t raj et ória do povo j aponês no Brasil. Observando as reconst ruções e recriações da t erra de origem
at ravés da cult ura. No decorrer de sua hist ória, o povo j aponês radicado no Brasil e seus descendent es
part iciparam e part icipam da paisagem cult ural do est ado do Espírit o Sant o, mesmo menos
represent ados em número de habit ant es.

14
Sist ema digit al de comunicação de dados capaz de simular sons de inst rument os musicais.
230 SIMPEMUS 5
Sob a l it erat ura, percebe-se que a t ransmissão musical corresponde ao esperado, porém, t ais prát icas
t ransf ormam-se e recriam-se. Isso most ra que o repert ório t ambém sof re modif icações, j á que, mesmo
no Japão, el e modif ica-se com o t empo.
O aument o da part icipação de brasil eiros que não possuem ascendência j aponesa nas at ividades da
Associação Nikkei de Vit ória t em dest acado uma t ol erância maior do j aponês e descendent e ao
brasil eiro, porém sem abandonar suas raízes. Ao invés disso, el e permit e a reconst rução para
manut enção de seus val ores originais.
Saber da exist ência um grupo que execut a inst rument os j aponeses há 15 anos em Vit ória e t er noção de
sua t raj et ória aj uda a perceber que a música, assim como é af irmado pel a l it erat ura, ocupa esse l ugar
de enorme import ância para manut enção cul t ural . O inst rument o, o som, a imagem e as emoções que a
música evoca, f azem part e da perpet uação de um espírit o que, f ora da t erra nat al , mesmo sut il ment e,
se mist ura aos cost umes l ocais, se t ransf or ma para as prát icas ant eriores cont inuem.
A comunidade j aponesa em Vit ória (ES) t em seu rel acionament o com a música, assim como qual quer
out ro grupo ét nico, porém, dada sua menor represent ação demográf ica, suas prát icas podem parecer
ocul t as pel as prát icas dos grupos mais expressivos como os it al ianos ou al emães, por exempl o. Porém,
dent re out ros f at ores, o f enômeno da wor l d musi c e a disseminação das rel igiões e f il osof ias orient ais, a
cul t ura j aponesa ocupa l ugar de especial dest aque at ual ment e.
Assim, compreende-se a represent ação mais signif icat iva da prát ica de inst rument os j aponeses no
est ado do Espírit o Sant o. Suas t ransf ormações e recriações são part e import ant e e f undament ais para a
perpet uação da cul t ura j aponesa ent re a comunidade l ocal de f orma que se mant enham vivos seus
símbol os e signif icados at ravés das gerações.
Mesmo que eu não t enha muit a t écnica, eu est ou det erminado a t ocar meu inst rument o com
a alma. [ . . . ] Mi n'y são as canções dos camponeses. [ . . . ] Você deve cant á-las de f orma a
t razer à t ona os sent iment os das canções, as lágrimas. Com convicção. É isso que eu digo aos
mais j ovens. (TAKAHASHI CHIKUZAN apud GROEMER, 1999 p. 271)

4 – Referências bibliográficas
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Groemer, Gerald. The Spi r i t of Tsugar u: Bl i nd Musi ci ans, Tsugar u-j ami sen and t he Fol k Musi c of Nor t her n Japan,
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_____. Tendênci as dos Est udos Sobr e a Músi ca dos Imi gr ant es. In: III Encont ro Nacional da ABET. São Paulo. Anais. . .
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Suda, Joyce R. Ident i dade Soci al em Movi ment o: A Comuni dade Japonesa na Gr ande Vi t ór i a (ES) . Dissert ação de
Mest rado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES, Vit ória, 2005.
A INFLUÊNCIA DO ENSAIO SOBRE A MÚSICA BRASILEIRA DE MÁRIO DE ANDRADE NA OBRA DA

COMPOSITORA EUNICE KATUNDA: A CANÇÃO MODA DA SOLIDÃO-SOLITUDE

Mel i na de Li ma Pei xot o (UFMG)

RESUMO: Est e art igo t em como obj et ivo encont rar em uma das peças para cant o e piano da composit ora
Eunice Kat unda (1915-1990), al guns dos el ement os const it ut ivos da música sist emat izados por Mário de
Andrade no seu Ensai o sobr e a músi ca br asi l ei r a (ANDRADE, 2006). O t ext o da canção anal isada é de
Mário de Andrade e serão abordados os cinco el ement os const it ut ivos da música, de acordo com a
propost a do Ensai o.
PALAVRAS-CHAVE: Eunice Kat unda, Mário de Andrade, canção brasil eira, Ensaio sobre a música
brasileira.
ABSTRACT: This paper has as obj ect ive t o f ind in one of Eunice Kat unda’ s (1915-1990) pieces f or voice
and piano, some of t he const it uent el ement s of music syst emat ized by Mario de Andrade in his Ensai o
sobr e a músi ca br asi l ei r a (ANDRADE, 2006). The song has l yrics by Mário de Andrade and wil l be
discussed t he f ive const it ut es el ement s of music, according t o Ensai o’ s proposit ion.
KEYWORDS: Eunice Kat unda, Mário de Andrade, Brazil ian chamber song, Ensaio sobre a música
brasileira.

1. int rodução
No l ivro Músi ca Vi va e H. J. Koel l r eut t er , movi ment os em di r eção à moder ni dade, de aut oria do
musicól ogo Carl os Kat er (KATER, 2001, p. 93), const a um depoiment o da composit ora Eunice Kat unda ao
aut or, em que el a dizia t er no “ Ensai o sobr e a músi ca br asi l ei r a seu predil et o l ivro de cabeceira” .
Surge, ent ão, a part ir desse depoiment o, o int eresse em procurar em uma das canções para cant o e
piano de Eunice Kat unda, al guma semel hança ent re as orient ações de Mário de Andrade em seu Ensai o e
as caract eríst icas musicais da canção da composit ora. A canção escol hida, a Moda da Sol i dão-Sol i t ude,
t em t ext o de Mário de Andrade e f oi compost a em 1967.
Sabe-se que o poet a e crít ico musical Mário de Andrade (1893-1945) correspondia-se com os
composit ores expressando seu posicionament o f rent e às obras musicais desses, mas f oi at ravés do Ensai o
sobr e a músi ca br asi l ei r a que el e al cançou gerações post eriores: os descendent es diret os de
composit ores al unos seus – como Francisco Mignone e Camargo Guarnieri –, ou aquel es que de uma
f orma int uit iva acabaram por adot ar suas sugest ões. Será assim, inicial ment e at ravés de uma herança
diret a, e post eriorment e conduzida por escol has pessoais, que Eunice Kat unda será inf l uenciada pel a
principal obra t eórico-musical de Mário de Andrade.

O Ensaio Sobre a Música Brasileira


De signif icat iva part e da obra de Mário de Andrade dedicada ao est udo t eórico da música, o Ensai o é a
primeira, e dirige-se aos j ovens composit ores. O Ensai o at uou na t ent at iva de expl icar como deveria ser
a música nacional , buscando empregar da mel hor maneira a música popul ar, de f orma a resol ver
discussões e dúvidas dos próprios composit ores. De acordo com NEVES (1981, p. 42), “ no início do Ensai o
sobr e a músi ca br asi l ei r a el e (Mário de Andrade) diz diret ament e: ‘ Cert os probl emas que discut o aqui
me f oram sugeridos por art ist as que se debat iam nel es’ . ”
Mário de Andrade ent ão discorre sobre os el ement os const it ut ivos da música (rit mo, melodia, polif onia,
inst rument ação e f orma), debat endo e sugerindo a f orma de se empregar os el ement os do popul ário na
música art íst ica (ANDRADE, 2006, p. 20). Sit uado na segunda f ase da obra de Mário de Andrade, o Ensai o
possui ainda o enf oque sobre a f unção social da obra art íst ica, que deveria cont ribuir de al guma
maneira para a af irmação da música nacional que, por sua vez, deveria ref l et ir as caract eríst icas do
povo brasil eiro.
Ao l ongo do Ensai o, Mário de Andrade cit a grande quant idade de t rechos de composições de Vil l a-Lobos
a servir de exempl o, evidenciando a grande admiração do musicól ogo por esse composit or que reunia
t odos aspect os posit ivos, em seu modo de ent ender, durant e a década de 1930. Ainda segundo el e, a
assimil ação de el ement os f ol cl óricos e popul ares por Vil l a-Lobos é art icul ada a part ir da f orma propost a
no seu Ensai o: não como mera apresent ação de t emas melódicos e rit mos ou harmonizações, mas como
pont os de part ida para o desenvol viment o da criação art íst ica.
232 SIMPEMUS 5
Eunice Katunda
A pianist a e composit ora nascida na cidade do Rio de Janeiro a 1915, iniciou seus est udos de composição
com Camargo Guarnieri aos 27 anos de idade. Com Guarnieri – composit or nacional ist a e t al vez o mais
f iel seguidor dos ideais est ét icos de Mário de Andrade – est udou a música brasil eira e o t ext o nacional ,
adquirindo conheciment o sobre o Ensai o sobr e a músi ca br asi l ei r a e seu aut or: “ Aprende com o músico
nacional ist a o respeit o pel o t ext o musical , a compreensão do ‘ brasil eiro’ – ist o é, da música brasil eira
como f enômeno original e aut ênt ico – e a import ância de Mário de Andrade, cuj o Ensai o sobr e a músi ca
br asi l ei r a t orna-se f ont e de ref erência const ant e. ” (KATER, 2001, p. 16) 1
Kat unda é na maioria vezes cit ada como int egrant e do grupo Música Viva e conhecida por sua at uação
como int érpret e desse grupo por t er est reado signif icat ivo número de obras de composit ores nacionais e
est rangeiros, t ant o no Brasil quant o na Europa. El a part icipou int ensament e do grupo por quat ro anos
apenas, mas o suf icient e para marcá-l a por t oda uma vida. O grupo Música Viva, criado em 1938 pel o
al emão H. J. Koel l reut t er, t inha como obj et ivo a divul gação da música cont emporânea, e com a
part icipação de inúmeros músicos o grupo at uou real izando concert os, encont ros, cursos, concursos e
at é um programa de rádio com int uit o pedagógico, ent re out ros f eit os. O grupo redigiu dois
“ Manif est os” , dat ados dos anos de 1944 e 1946 que resumi am os propósit os do grupo de vanguarda e que
segundo LUCAS2 (1997, p. 116), o de 1946 ref l et ia al guns dos ideais anál ogos aos de Mário de Andrade:
“ A concepção ut il it ária da art e, o seu carát er f uncional e col et ivo na sociedade, são pont os de
convergência com a propost a andradiana de ‘ art e-ação’ e art e baseada no ‘ princípio de ut il idade’ ,
expressões cit adas no manif est o de 1946 [ grif o nosso] j unt ament e com out ras idéias expost as no t ext o
original de O Banquet e3. ”
Como coment ado ant eriorment e, o posicionament o de Koel l reut t er e do manif est o Música Viva de 1946
f azia anal ogia ao discurso de Mário de Andrade, mas o ent endiment o do grupo sobre os ideais do “ papa
do modernismo” era dif erent e do dos nacional ist as: “ Fragment os de O banquet e f oram reproduzidos nos
bol et ins Músi ca Vi va. O dest aque para est e t ext o de Mário de Andrade era um modo t ambém de
polemizar com os nacionalist as, que pref eriam cit ar o Ensai o sobr e a músi ca br asi l ei r a que
int erpret avam sobre o viés de um f ol cl orismo simpl ist a. ” (EGG, 2004, p. 954)
O composit or Cl áudio Sant oro, j á apl icando em uma de suas obras a f orma serial , int eressou-se em
aprender com Koel l reut t er as bases da t écnica dodecaf ônica, e a part ir de t al moment o criou-se a
pol êmica que disseminava a idéia de que o ment or do grupo Música Viva direcionava seus al unos a
comporem a part ir da t écnica criada por Schoenberg (KATER, 2001). Mas podemos verif icar a l iberdade
com que Koel l reut t er ensinava t écnicas de composição a seus al unos – sem inf l uenciar em escol has
t emát icas e t écnicas – ao observar a premiada cant at a para vozes f emininas Negr i nho do Past or ei o, de
Kat unda, compost a em 1946, sob a orient ação de Koel l reut t er, onde est á cl arament e conf irmada sua
aproximação dos t emas f ol cl óricos.
No ano de 1948, quando Kat unda est ava em viagem à It ál ia com o obj et ivo de f reqüent ar um curso de
regência com Hermann Scherchen – grande inf l uenciador e mest re de Koel l reut t er –, f oi publ icado na
revist a Música Viva nº 16 o “ Apel o” , redigido no Segundo Congresso de Composit ores e Crít icos Musicais
em Praga. O “ Apel o” que reivindicava mudanças radicais para a música erudit a, sol icit ando aos
composit ores de t odo o mundo que se aproximassem mais do povo at ravés da agregação de el ement os
mais “ popul ares” em suas músicas, resul t ando assim numa el evação do nível da música popul ar e da
maior aceit ação e compreensão da música erudit a pel a massa. A resol ução desse “ Apel o” , que cont ou
com a part icipação de Sant oro, incidiu no Brasil j ust ament e na música de vanguarda produzida por
Koel l reut t er e seus al unos, que acusados de se mant erem ao l ado opost o do dos músicos nacional ist as,
t iveram nesse moment o da hist ória o início de sua rupt ura.
Os composit ores do grupo, j á incl inados à rupt ura, se sent iram l evados pel a necessidade de compor de
uma f orma mais aproximada dos el ement os popul ares da música brasil eira. Kat unda chegou ainda a
redigir uma cart a a Sant oro exprimindo sua opinião, cont rária à do col ega – que part icipou do Congresso
de Praga –, mas depois, no ano de 1950, com o advent o da Cart a Abert a aos Músicos e Crít icos do Brasil ,
de aut oria de Camargo Guarnieri, el a deixa o grupo Música Viva e redige no ano de 1952 seu t ext o
At onal i smo, dodecaf oni smo e músi ca naci onal (In: KATER, 2001), onde crit ica durament e o ensino e a
composição de est rut ura dodecaf ônica.

1
KATER, Carlos. Eunice Kat unda, musicist a brasileira. São Paulo: Annablume, 2001.
2
LUCAS, Maria Elizabet h. Coment ário sobre “ Nos Domínios da Música” , a propósit o de O Banquet e, de Mário de
Andrade. H. J. Koellreut t er. In: Cadernos de est udo: Educação Musical. Belo Horizont e: At ravés, Nº 6, 1997.
3
O Banquet e, de Mário de Andrade, lançado em f orma de f ascículos ent re os anos de 1943 e 1945 que f oram
publicados na Folha da Manhã.
4
EGG, André Acast ro. O debat e no campo do nacionalismo musical no Brasil dos anos 1940 e 1950: o composit or
Guerra-Peixe. Curit iba: UFPR, 2004. Dissert ação de Mest rado, Depart ament o de Hist ória, Universidade Federal do
Paraná.
simpósio de pesquisa em música 2008 233
Kat unda, que desde criança t eve um relacionament o est reit o com a música popular, f ez uma viagem à
Bahia, em 1952, em razão de uma Campanha do Part ido Comunist a, onde aprof undou seus
conheciment os sobre o nordest e e o país, assist indo inclusive a uma “ roda” de capoeira que result ou
mais t arde em um art igo publicado na revist a Fundament os em 1952. Dessa f orma, Kat unda est ava
at uando na música brasileira de acordo com a primeira propost a do Ensai o sobr e a músi ca br asi l ei r a de
Mário de Andrade, f azendo o est udo aprof undado do f olclore.

2. As características do Ensaio voltadas à Moda da Solidão-Solit ude


“ A reação cont ra o que é est rangeiro deve ser f eit a espert alhonament e pela def ormação e adapt ação
dele. Não pela repulsa. (ANDRADE, 2006, p. 21)” . Nessa f rase que const a no seu Ensai o, Mário de
Andrade recomenda que não se recuse a inf luência européia, est ando ela present e no f olclore brasileiro
ou na t écnica composicional, ref let indo dessa f orma seu posicionament o ant ropof ágico5. “ O f olclore
limit a as pessoas. . . Para mim, ele represent a a possibilidade de amplif icar o nosso universo criat ivo. ”
(KATUNDA, apud KATER, 2001, p. 38): Eunice Kat unda, ao abandonar o grupo Música Viva e ao volt ar-se
cont ra a música dodecaf ônica com a publicação de seu t ext o At onal i smo, dodecaf oni smo e músi ca
naci onal , inicia uma nova f ase, volt ada algumas vezes à t emát ica f olclórica brasileira, mas ainda
ut ilizando recursos t écnicos de experiment ação composicional derivados de seu cont at o com a música
de vanguarda.

2. 1. Um pouco sobre a Moda da Solidão-Solit ude


A escolha da canção Moda da Sol i dão-Sol i t ude como obj et o de observação da inf luência do Ensai o sobr e
a músi ca br asi l ei r a na obra de Eunice Kat unda, deve-se primeirament e ao f at o de ser uma das canções
da composit ora com t ext o de Mário de Andrade. Out ro f at o que nos chama at enção para essa canção, é
que ela sit ua-se aproximadament e à met ade da vida composicional de Kat unda, época que podemos
considerar musicalment e amadurecida.
A Moda da Sol i dão-Sol i t ude é a segunda peça int egrant e de Lír i cas Br asi l ei r as que, conf orme currículo
da composit ora6, f oram compost as em 1967. São elas:
I – Moda do Coraj oso
II – Moda da Solidão-Solit ude
Lír i cas Br asi l ei r as f oram compost as sobre t ext os de Mário de Andrade. O t ext o da Moda da Sol i dão-
Sol i t ude é a poesia Canção, dat ada de 1940, localizado no livro de poesias A Cost el a do Gr ão Cão.
A seguir, apresent amos a poesia ut ilizada na ínt egra na composição de Eunice Kat unda, Moda da
Sol i dão-Sol i t ude:
Canção
(Rio, 22-XII-1940)
. . . de árvores indevassaveis
De alma escura sem pássaros
Sem f ont e mat ut ina
Chão t ramado de saudades
À et erna espera da brisa,
Sem carinhos. . . como me alegrarei?

Na solidão solit ude,


Na solidão ent rei.

Era uma esperança alada,


Não f oi hoj e mas será amanhã,

5
Esse “ posicionament o ant ropof ágico” de Mário de Andrade é derivado do “ Manif est o Ant ropof ágico” redigido por
Oswald de Andrade e publicado na Revist a Ant ropof agia, em 1928. O Manif est o, que f azia alusão ao supost o
canibalismo dos índios brasileiros, declarava que era necessário primeirament e assimilar o mat erial cult ural
est rangeiro para ent ão adapt á-lo à nossa cult ura.
6
A composit ora redigiu seu próprio Curriculum Vit ae e, segundo Joana Holanda, (em t ese de dout orado de 2006) f oi
elaborado após 1981.
234 SIMPEMUS 5
Ha-de t er algum caminho
Raio de sol promessa olhar
As noit es graves do amor
O luar, a aurora o amor. . . que sei!

Na solidão solit ude,


Na solidão ent rei,
Na solidão perdi-me. . .

O agouro chegou. Est oura


No coração devast ado
O riso da mãe-da-lua,
Não t ive um dia! uma ilusão não t ive!
Ternuras que não me viest es
Beij os que não me esperast es
Ombros de amigos f iéis
Nem uma f lor apanhei.

Na solidão solit ude,


Na solidão ent rei,
Na solidão perdi-me,
Nunca me alegrarei.

Nota sobre a poesia: Foi mant ida a ort ograf ia como apresent ada no livro de Mário de Andrade, Poesias
Complet as (4ª ed. São Paulo: Mart ins, 1974).
Lír i cas Br asi l ei r as, depois agrupadas a out ras cinco peças, f ormaram uma série de canções para cant o e
piano com o t ít ulo Set e Lír i cas Br asi l ei r as.

2. 2. A verificação dos elementos musicais do Ensaio sobre a Música Brasileira na Moda da


Solidão-Solit ude

O ritmo
Mário de Andrade def ende em seu Ensai o que seria comum à rít mica brasileira a caract eríst ica de
f uncionar como “ verdadeiros recit at ivos” , conseqüência da mist ura de “ element os est ranhos” dos povos
que aj udaram na f ormação da nação brasileira. Os composit ores, ao t ent arem t ransmit ir em sua música
ext rat os do f olclore popular, o f ariam de f orma det urpada, t ransf ormando t odo e qualquer rit mo livre,
derivado da prosódia, em síncopas. Mas o aut or cit a “ a obsessão da síncopa” como o maior problema da
rít mica na música brasileira. Segundo Mário de Andrade, “ muit os moviment os sincopados não são
síncopas” , e a maneira mais corret a de ret rat ar a rít mica do f olclore, respeit ando a prosódia, seria “ a
diluição caract eríst ica da síncopa em t ercina com acent uação cent ral, cost ume f reqüent íssimo em nosso
j eit o de cant ar” .
Na Moda da Sol i dão-Sol i t ude, Kat unda organizou a dist ribuição dos f onemas do t ext o de Mário de
Andrade de f orma que as células rít micas escolhidas por ela se assemelhassem muit o ao rit mo da fala
natural de quem os recit asse, respeit ando assim a prosódia do t ext o do poema. Kat unda ut iliza-se muit o
da t ercina, propost a por Mário de Andrade em subst it uição à síncopa em excesso, o que t ambém t orna a
rít mica de sua canção mais f ácil para a execução em l egat o, combinando com o carát er indicado no
início do manuscrit o, “ calmo-nost álgico” :
simpósio de pesquisa em música 2008 235

Fig. 1: Ut ilização da t ercina, aproximando o rit mo à f ala nat ural de quem recit a o t ext o. Em Moda da
Sol idão-Sol it ude, c. [ 4, 5 e 6] .

Fig. 2: Ut ilização da t ercina em Moda da Sol idão-Sol it ude, c [ 84, 85 e 86] .

A melodia
A quest ão principal a ser t rat ada pelo aut or no el ement o melodia é a “ invenção melódica expressiva” ,
que segundo Mário não seria corret o simplesment e imit ar mot ivos f olclóricos nem t ão pouco
desrespeit ar a ret órica cont ida no sent ido de cada palavra do t ext o, mas sim ut ilizar a melódica
popular, desenvolvendo-a e empregando a melodia que mais se assemelhe às palavras.
Podemos compreender a propost a de Mário de Andrade na canção de Kat unda f azendo a relação ent re a
linha melódica da canção e a poesia de Mário de Andrade. Selecionou-se um t recho da peça para
observar-se a presença de semelhanças ent re o moviment o melódico e o sent ido da palavra:
• A f inalização em moviment o melódico ascendent e na palavra “ carinhos” (f igura a seguir) nos t raz a
idéia de dúvida, e a cont inuação dessa f rase em moviment o descendent e com pequenos int ervalos no
f im do verso “ como me alegrarei?” nos sugere cert a melancolia, quase conf ormação, remet endo à f ase
poét ica em que Mário de Andrade escreveu est e poema 7:

7
“ A Cost ela do Grão Cão” f oi escrit o numa f ase reconhecida por alguns est udiosos como de prof unda crise exist encial
para Mário de Andrade.
236 SIMPEMUS 5

Fig. 3: Moda da Sol i dão-Sol i t ude, c. [ 14, 15, 16 e 17] .

A polifonia
Para Mário de Andrade a harmonia de carát er nacional seria aquel a que, t rabal hada at ravés de mét odos
e t écnicas provindas das escol as de harmonia t radicional européia, t ivesse como pont o de part ida uma
harmonia popul ar desenvol vida habil idosament e. Da harmonia popul ar, que Mário considera “ pobre por
demais” , deve-se ut il izar el ement os como cont racant os e variações t emát icas, para em seguida
desenvol vê-l os por meio da harmonia européia. Segundo Mário de Andrade, a harmonia européia est aria
na raiz de t oda a música popul ar e f ol cl órica brasil eira.
Eunice Kat unda nomeou sua peça de Moda, gênero muit o disseminado na música popul ar. A moda nest e
caso, ref ere-se às canções rurais que segundo a Encicl opédia da Música Brasil eira (2003), “ em maioria
absol ut a as modas são l egít imos romances, narrat ivas de f at os que impressionam a imaginação popul ar,
casos de t odo gênero (. . . ) Mais rarament e, são l íricas e amorosas. ” A composit ora, como j á mencionado,
nomeou as duas canções com t ext o de Mário de Andrade como Lír i cas Br asi l ei r as, port ant o, poderíamos
pensar que é uma moda l írica e amorosa. As modas são geral ment e acompanhadas por viol as e são
cant adas a duas vozes em int erval os de t erças sobrepost as. O baixo mel ódico da Moda da Sol i dão-
Sol i t ude t em caract eríst icas semel hant es à escrit a para viol ão, o que nos remet e a moda-de-viol a. Mário
de Andrade sugere em seu Ensai o: “ . . . os baixos mel ódicos do viol ão nas modinhas, a maneira de variar a
l inha mel ódica em cert as peças, t udo isso desenvol vido pode produzir sist emas raciais de conceber a
pol if onia” (ANDRADE, 2006, p. 41). Cabe aqui ref orçar que nessa época, Kat unda j á havia est udado
composição, harmonia e orquest ração com mest res de est ét ica nacional ist a – como Camargo Guarnieri –
e da est ét ica dit a universal , – com Koel l reut t er – evidenciando assim o domínio t écnico t ant o da
harmonia t radicional européia quant o da de vanguarda.

A instrumentação
Quant o à inst rument ação, Mário de Andrade sugere que não se acrescent e nas obras dos composit ores os
inst rument os mais comuns na música popul ar, mas o musicól ogo sugere que se f aça o t rat ament o dos
inst rument os t radicionais – da música de concert o –, quer est ej am el es mais próximos do povo e de seu
j eit o caract eríst ico de t ocar, quer est ej am nas sal as de concert o. Mas essa at it ude do composit or não
deve ser f eit a simpl esment e at ravés da imit ação da sonoridade resul t ant e da maneira popul ar de t ocar,
mas sim da t écnica:
“ Que o violino banque o violão, que a gent e procure f azer do piano um realej o de rua, uma
caixinha-de-música ou uma orquest ra são coisas que não me int eressam e na maioria das
vezes são coisas de f at o det est áveis. (. . . ) Uma t ransposição da t écnica e dos ef eit os dum
inst rument o sobre out ro pode at é alargar as possibilidades dest e e pode caract erizar
nacionalment e a maneira de o conceber. ” (ANDRADE, 2006, p. 47)

Kat unda, ao pôr em evidência o carát er de baixo mel ódico nessa canção, recordando uma moda, se val e
da l inguagem idiomát ica que of erece o viol ão – inst rument o adot ado popul arment e –, aderindo
novament e a uma das recomendações de Mário de Andrade.
A seguir, exempl o de t recho da Moda da Sol i dão-Sol i t ude em que o baixo mel ódico assemel ha-se à l inha
pont eada, comument e escrit a para o viol ão:
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 237

Fig. 4: Moda da Sol i dão-Sol i t ude, c. [ 31, 32 e 33] .

A forma
No capít ul o que discorre sobre a f orma, a primeira crít ica de Mário de Andrade diz respeit o aos t ít ul os
escol hidos pel os composit ores para nomear suas peças. Segundo Mário, col ocar a pal avra “ brasil eira” no
t ít ul o de uma composição, seria concordar com a caract eríst ica de “ música exót ica” produzida pel o
país. O composit or deveria agregar à sua obra a diversidade das f ormas caract eríst icas da música
popul ar ut il izando-a como inspiração.
Kat unda, ao nomear sua canção de Moda da Sol i dão-Sol i t ude, procede em concordância com essa
sugest ão de Mário de Andrade, empregando a pal avra Moda como subst it ut a para a pal avra Lied ou Ária,
mas ao int it ul ar as duas peças de Lír i cas Br asi l ei r as, comet e ent ão uma das f al t as mais graves segundo a
ót ica de Mário de Andrade.

3. Conclusão
Observando al gumas das sugest ões e crít icas f eit as por Mário de Andrade para a const rução de uma
música nacional que não f osse simpl ória como a que vinha sendo produzida pel os composit ores da
época, e f ocando a peça de Eunice Kat unda e sua pesquisa musical , not a-se que há uma grande
quant idade de semel hanças ent re a f orma ut il izada pel a composit ora e o mét odo sugerido pel o aut or do
Ensai o.
Vol t ando à f unção social da música, que, segundo Mário de Andrade, seria auxil iar na const rução de uma
música nacional que não recusasse os el ement os oriundos da Europa, observou-se t ambém que Kat unda
ut il izou t oda bagagem e conheciment os t écnicos assimil ados durant e seu cont at o com vários mest res e
dif erent es cult uras.
Eunice Kat unda nunca chegou a est udar pessoal ment e com Mário de Andrade, e f oi al una de Camargo
Guarnieri por um período curt o de t empo – aproximadament e dois anos –, mesmo assim podemos
perceber a grande inf l uência dos ensinament os de Mári o de Andrade para a vida art íst ica da composit ora
e, mais especif icament e, do Ensai o sobr e a músi ca br asi l ei r a sobre a canção que f oi anal isada nest e
t rabal ho.
Pode-se af irmar ent ão, que o Ensai o sobr e a músi ca br asi l ei r a f oi ref erência para uma composit ora de
geração post erior à dos músicos denominados nacional ist as – que acompanharam de pert o os ideais de
Mário de Andrade – e que, mesmo at ravessando f ort es moment os e t endências est ét icas conf l it ant es, os
mét odos composicionais e a hist ória da música brasil eira sempre se servirão, como ref erencial , dest e
que t al vez sej a o principal est udo sobre a música nacional at é os dias de hoj e.

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238 SIMPEMUS 5
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DICIONÁRIO GROVE DE MÚSICA: edição concisa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Edit or, 1994.

Partitura
KATUNDA, Eunice. Moda da Sol i dão-Sol i t ude. 1967. Part it ura manuscrit a para cant o e piano.
ANTÔNIO CARLOS GOMES E THEODORE THOMAS

Mar cos da Cunha Lopes Vi r mond (Uni ver si dade do Sagr ado Cor ação-Baur u-SP) Leni t a Wal di ge Mendes
Noguei r a (UNICAMP)

RESUMO: Em 1892 Ant ônio Carl os Gomes invest e em sua part icipação como membro da comit iva of icial
para a Exposição Col ombiana Universal . Sua presença na Exposição f oi o úl t imo event o import ant e em
sua carreira. Est e est udo document a, baseado em cart as, periódicos e livros, pret ende apresent ar e
discut ir f at os ref erent es à relação t ravada ent re Gomes e o diret or musical da Exposição, Theodore
Thomas, que seria post eriorment e o f undador da at é hoj e conhecida Orquest ra Sinf ônica de Chicago.
Concl ui-se o comit ê de música est ava desej ava apresent ar Col ombo e que Gomes obt eve a recepção de
uma grande personal idade musical de relevo int ernacional.
PALAVRAS-CHAVE: Carl os Gomes, Theodore Thomas, Exposição Universal Colombiana, Chicago.
ABSTRACT: In 1892 Ant onio Carl os Gomes aim t o part icipat e as a member of t he of f icial del egat ion t o
t he Worl d Col umbian Exposit ion. His presence in t he Fair was t he last relevant achievement in his lif e.
This document al st udybased in let t ers, periodical and cont emporary books aims t o present and discuss
some aspect s on t he rel at ions bet ween Gomes and Theodore Thomas. It is concl uded t hat t he music
commit t ee was wil l ingl y t o schedul e Col ombo during t he f air and t hat Gomes was received as a musical
personalit y of int ernat ional musical scenario.
KEYWORDS: Carl os Gomes, Theodore Thomas, Worl d Col umbian Exposit ion, Chicago.

Int rodução
Logo após da cont urbada gest ação de Lo Schi avo (1889), Gomes compõem em curt o espaço de t empo
suas duas últ imas obras, Condor (1891) (Virmond, 2003)e Col ombo. Est e é um período, t ambém, em que
Gomes enf rent a um dos moment os cruciais de sua carreira – a proclamação da República (Nogueira,
2005). O advent o da República t rará maiores dissabores ao composit or, que se acost umara a cont ar com
o const ant e apoio da casa imperial . Em sua est réia em 1892, Col ombo chega a ser apupada, para grande
desgost o do maest ro. Gomes é ident if icado com o passado e com a monarquia. O posit ivismo da
república necessit a f irma-se em um nacional ismo que el e nunca represent ou.
Nesse cenário de incert ezas e dif icul dades, Gomes visl umbra proj eção e dinheiro na propal ada
Exposição Universal Col ombiana que est ava sendo organizada em Chicago, nos Est ados Unidos da
América. Na f alt a de out ros horizont es mais cert os, Gomes f oca suas at enções em sua part icipação
nest e event o. Col ombo é part e dest e empreendiment o, mas não necessariament e o pont o principal .
Nest e sent ido, o present e est udo obj et iva conhecer, de f orma preliminar, os principais f at os que cercam
a part icipação de Ant ônio Carl os Gomes na Exposição Col ombiana Universal de 1893, part icul arment e as
relações com Theodore Thomas, diret or musical do event o. Para t al , ser propõe um est udo document al
e analít ico de f ont es primárias, principalment e examinando-se cart as, relat órios e not icias de j ornais de
Chicago, Nova Iorque e Rio de Janeiro.

Ent endendo a Exposiçao Colombiana


Em 1892 comemorou-se os 400 anos da descobert a da América. Os Est ados Unidos, na voga das
exposições indust riais, resolvem idealizar a Exposição Col ombiana Universal . Al ém dos est ados
f ederados dos Est ados Unidos, a maioria dos países se f ez present e na exposição em Chicago. Para se t er
uma idéia da abrangência, part iciparam países como a Al emanha, França e países da América do sul , at é
nações mais exót icas, em t ermos da época, como o Ceil ão e as Il has Leeward (Rand, 1893). Em rel ação
ao Brasil , a j ovem repúbl ica est ava int eressada em af irmar-se e a part icipação no event o de Chicago
vinha em boa hora. A demonst ração de puj ança da nova repúbl ica sul americana requeria um prédio
vist oso para uma demonst ração de t oda sua produção agrícola, indust rial e cult ural. Os gast os com a
part icipação do Brasil f oram est upendos - 600 mil dól ares. Ent re as nações est rangeiras, soment e o
Japão (630 mil ) e a Al emanha (800 mil ) despenderam mais que o Brasil . Só na const rução do prédio,
desenhado pel o arquit et o mil it ar Souza Aguiar, f oram gast os 90 mil dólares. De f at o, o prédio do Brasil
f oi considerado por muit os como um dos mais bel os e impressionant es em t amanho ent re os das
legações est rangeiras.
240 SIMPEMUS 5
A música na Exposição Universal Colombiana
A música t eve expressivo lugar na exposição de Chicago. Foram const ruídos dois espaços próprios para
os concert os, o Fest ival Hall, de maiores dimensões e o Musical Hall. A agenda est eve replet a de event os
musicais, chegando a 75 o número de concert os com orquest ra. Além da orquest ra da exposição,
part iciparam as Filarmônicas de New York e Bost on. Dest es concert os, a maioria era grat uit a (McKinley,
1985). Os concert os pagos não logram sucesso e as dif iculdades f inanceiras com a manut enção da
orquest ra da exposição t erminaram por gerar uma crise que causou a saída de Thomas, o qual f oi
subst it uído por Max Bendix, assist ent e de Thomas. Em verdade, a idéia de Thomas, considerando a
enorme acorrência de público à exposição, era privilegiar os concert os grat uit os e populares,
procurando levar música mais popular em uma roupagem mais erudit a para uma camada da popul ação
que não t inham acesso aos rest rit os círculos da música erudit a de alt a f at ura. De f at o, a média de
público aos concert os grat uit os era de 3. 500 pessoas, ao cont rário dos concert os pagos e sof ist icados,
que t erminaram induzido ao f im das at ividades musicais da exposição ant es de seu t érmino
est abelecido, incluindo a desmobilização da orquest ra of icial do event o.
Além dos concert os com as orquest ra, muit o sucesso alcançaram as bandas milit ares de dif erent e
est ados. Havia pelo menos uma apresent ação diária desses grupos, ent re os quais se salient ou a banda
dos f uzileiros navais conduzida por John Philip Souza. Recit ais de órgão, concert os corais e recit ais de
piano complet aram a programação musical da exposição. Além desses event os, vários países
comemoram suas dat as nacionais com event os musicais, como f oi o caso dos Est ados Unidos, do Brasil e
da It ália.
Import ant es composit ores europeus receberam convit es para a exposição, ent re eles Verdi, Brahms,
Mascagni, Gounod, Dvorak e Saint -Saens. Desses, apenas dos dois últ imos compareceram. Import ant es
inst rument ist as e grupos musicais t ambém part iciparam dos event os, t ais como Paderevsky, Joachim e
seu quart et o de cordas e o Coro da Capela Sist ina do Vat icano.
Como se pode ver, as at ividades musicais da Exposição Colombiana Universal f oram int ensas e
cuidadosament e organizadas. O concert o inaugural envol veu orquest ra, bandas e um coro com mil hares
de vozes que apresent aram um programa incluindo, ent re out ras obras, uma Col umbi an Mar ch por John
Paine, composit or muit o amigo de Theodore Thomas, The Heavens ar e Tel l i ng de Haydn e Hal l el uj ah do
Messias de Haendel (Brilliant Social Event , 1892).

Gomes e a recepção nos Estados Unidos


A Delegação Brasileira era chef iada pelo Marechal José Simeão de Oliveira, que ocupara o cargo de
Minist ro da Guerra no governo de Floriano Peixot o. O grupo diret ivo da comissão brasileira est eve em
Chicago em agost o de 1892 para os preparat ivos da part icipação do Brasil (One week, 1892). Ent ret ant o,
soment e em 2 de abril de 1893 é que t odos os del egados, com exceção de Gomes, e os mat eriais a
serem expost os chegam ao port o de Nova Iorque (Brazil’ s Fair Commissioners, 1893). A const rução do
pavilhão do Brasil causou enormes dissabores ao Marechal Simeão, causando-lhe int enso desgast e f ísico
e emocional. Levado para Nova Iorque, o Marechal vem a f alecer no Hot el Savoy daquela cidade em 20
de j unho de 1893 (He broke down at Chicago, 1893). Ent ret ant o, as obras do pavilhão em Chicago
cont inuavam at rasadas e o prédio só f oi inaugurado em 19 de j ulho de 1893. Floriano Peixot o, ent ão,
nomeia o cont ra-almirant e José Joaquim Cordovil Maurit y para comandar a comissão.
Diant e do silêncio da Comissão sobre sua ida para Chicago, Gomes decide part ir com recursos próprios e
chega em Nova Iorque em 22 de maio de 1893, vindo de Gênova (Vet ro, 1982: 315). É recebido com
muit o ent usiasmo por Sal vador de Mendonça e membros do comit ê de recepção da direção cent ral da
Exposição Universal de Chicago (Composer Gomez en rout e, 1893). A recepção por part e da imprensa à
Gomes, t ant o em Nova Iorque como e Chicago, é muit o expressiva e at est a o renome que o composit or
gozava. Os cabeçal hos do New York Times e do Chicago Dail y Tribune f al am em “ Conhecido na Europa
por suas maravilhosas óperas” ; “ Chegada à cidade do brasil eiro f amoso no mundo da música” e “
Nascido no Brasil, passou muit os anos na Europa onde é cat egorizado como um dos maiores
composit ores vivos” . Esse t ipo de recepção deve t er cont rast ado muit o com a acolhida f ria dispensada
por seus cont errâneos da comissão brasileira. Ent ret ant o, Gomes segue para Chicago e f ica hospedado
no Hot el Met rópole, local de concent ração da comit iva brasileira.

A música de Gomes na exposição


Nenhuma inf ormação exist e, at é o moment o, sobre a propost a f ormal da part icipação de Gomes, como
chef e do set or de música, na delegação brasileira à Exposição Universal Colombiana. Soment e alguns
document os of iciais (Exposição. . , 1892; Brasil, 1893) e as cart as de Gomes t razem alguma luz, unilat eral
cert ament e, sobre est a at ividade. Podemos, ent ret ant o, relat ar alguns f at os relevant es sobre a
presença de Gomes e sua música na exposição.
Como se verá adiant e, o desej o de Gomes era represent ar Condor e Il Guar any em Chicago. Ent ret ant o,
os event os musicais document ados se rest ringem ao concert o comemorat ivo ao dia da independência
simpósio de pesquisa em música 2008 241
( Br azi l i an Day), levado à ef eit o no dia 7 de set embro de 1893, e a part icipação de Gomes no concert o
em homenagem ao dia nacional da It ál ia, em 12 de out ubro do mesmo ano.
Coment a-se que o composit or não obt eve os recursos para a mont agem de Il Guar any e Condor , que
parecia ser sua int enção (Carvalho, 1946). Ent ret ant o, at é o moment o não há document ação consist ent e
que possa explicar esses coment ários. Analisado-se os programas das at ividades musicais da exposição,
percebe-se que nenhuma ópera f oi apresent ada e que a est rat égia das at ividades musicais propost as por
Theodore Thomas e sua equipe não previa t al t ipo de espet áculo. Cert ament e, rest aria a possibilidade
de se alocar a mont agem das óperas de Gomes em um dos t eat ros de Chicago. Ent ret ant o, pelo que se
depreende, as at ividades da exposição eram rest rit as ao recint o do parque e nada f oi realizado na
cidade de Chicago que t ivesse conexão com a exposição universal. Out ra possibilidade seria a f alt a de
recursos por part e da comissão para arcar com essa mont agem. Ent ret ant o, a leit ura das cart as de
Gomes e out ros document os da época não revelam qual quer iniciat iva concret a de ambas as part es no
sent ido de que a mont agem das óperas f osse part e f ormal da programação propost a pela delegação
brasileira.
As comemorações da independência do Brasil incluíram apenas o concert o no Musical Hall e a uma
dist ribuição grat uit a de caf é e ref rescos no pavilhão brasileiro. O concert o t eve início às 14h e consist iu-
se em um enorme sucesso para o maest ro. O programa f oi exclusivo de suas obras e pode ser vist o na
Figura 1. Melhor do que descrever, será ler part es de uma report agem que aparece no Chi cago Dai l y
Tr i bune com coment ários sobre o event o:
. . . Para organizar as celebrações do Brasil, os membros da comissão decidiram que não
haveria discursos, principalment e porque o Cont ra-Almirant e Maurit y pret ende of erecer um
banquet e dent ro de uma ou duas semanas onde os discursos t erão vez. Assim, o programa
consist irá unicament e de um concert o no Musica Hall à t arde e um recepção à noit e no
pavilhão do Brasil, com música e amenidades.

. . . O Maest ro Gomes aparent a t er cerca de 50 anos é pequeno e aprumado em est at ura, com
cabelos semelhant e à Paderewski, com exceção de serem grisalhos, assim com seu bigode.

. . . O público era grande, int eressada e ent usiast a e não cont ent e em aplaudir os músicos no
f inal, aplaudiam no meio da apresent ação. Gomes, com a bat ut a na mão, era t ant o um
monarca como um rei. Ele é mais expressivo que (Theodore) Thomas, mas sua gest iculação
era enérgica e mesmo impressionant e (By Sons of Brazil, 1893).

Out ros coment ário se seguem, t odas apreciat ivos da f igura de Gomes e de sua música.
No Br azi l i an Day o composit or Gomes, aplaudido durant e t odo o concert o, ao f im do mesmo
f oi o cent ro de uma especial at enção. Ele f oi beij ado por ent usiasmadas mulheres e
cumpriment ado pelos homens. (World’ s Fair Muisc, 1893).

Figura 1 – Programa do Br azi l i an Day (By sons of Brazil, 1893).


O segundo event o musical com a part icipação de Gomes f oi o concert o comemorat ivo ao dia nacional da
It ália, celebrado em 12 de out ubro. O programa f oi organizado por Gomes e pelo barít ono it aliano
radicado em Chicago, Vit t orio Carpi (In Thomas Concert s, 1893). Gomes part icipou como regent e da
Sinf onia de Il Guar any execut ado em quat ro pianos à quat ro mãos.

Gomes e Theodore Thomas


Out ro aspect o a ser ponderado na relação ent re Gomes e a Exposição Universal Colombiana é o cont at o
art íst ico com Theodore Thomas.
242 SIMPEMUS 5
O comit ê de assunt os musical era comandado por Theodore Thomas, regent e da Thomas Orchest ra que,
l ogo após, seria responsável pel a f undação da at é hoj e conhecida Orquest ra Sinf ônica de Chicago.
Thomas era import ant e f igura no cenário musical nort e-americano t endo nascido em 1835 na Al emanha.
Foi um dos mais import ant es regent es do f inal do sécul o XIX e responsável pel a est réias nos USA de
import ant es obras de Dvorak, Grieg, Bruckner e Smet ana. Não se est ranha, pois, que a direção do
comit ê da f eira l he t enha sido conf iado. De f at o, Thomas assume com mão de f erro est a t aref a e
desenvol ve um arroj ado programa musical para a f eira que incl uirá a part icipação de import ant es
composit ores int ernacionais e a est réia de obras especial ment e compost as, como é o caso da Marcha
Triunf al de Al exander Gl azunov. Ent re os composit ores que part iciparam sal ient a-se Gomes e Dvorak.
Os cont at os com Gomes iniciaram-se cedo. Em abril de 1892 Gomes menciona em cart a a Sal vador de
Mendonça que aguarda a visit a de um cert o Mr. Wil son. Ist o demonst ra que j á t eria mant ido cont at o
ant erior com a comissão de música da Exposição, uma vez que t rat a-se de George H. Wil son (1854-
1908), secret ário da comissão de música da Exposição. De f at o, em cart a enviada a Thomas em 23 de
j unho de 1892, Gomes diz 1:
Milão, 23 de j unho de 1892

Sr. Theodore Thomas

Chicago

Acredit o que, cert ament e, o Sr. conhece algumas das minhas obras musicais (óperas), ent re
elas Condor, Guarany, Lo Schiavo, et c. Há al gum t empo lhe escrevi sobre algumas propost as
art íst icas. Eu lhe enviei minha nova ópera Colombo, a qual, acredit o, o Sr. irá pref erir para as
solenidades Colombianas em Chicago. Agora est ou part indo de Milão, para o Rio de Janeiro,
onde aguardo uma respost a sua sobre minha propost a. (Gomes, 1892: 23 de j unho)

Thomas recebe est a cart a e Wil son, provavel ment e ent re abril de maio de 1892, t em um cont at o
pessoal em Mil ão com Gomes sobe a sua part icipação em Chicago (Wil son, 1892: 12 de j ul ho). Thomas
parece def init ivament e int eressado em t er o composit or como convidado para a Exposição. Os f at os
del e conhecer a part it ura de Col ombo e de que el a est á impressa parecem rel evant e para uma decisão
de Thomas e sua comissão. Em 12 de j ul ho, Wil son discut e com Thomas:
Desej o escrever a Carlos (Gomes) imediat ament e; Seu Colombo est á publicado; como f aremos
para convida-lo, det alhes; t alvez como Brahms que f oi convidado para represent ar a
Alemanha; quando f alei com ele em Milão, me pediu det alhes que não pude
f ornecer. . . (Wilson, 1892: 12 de j ulho).

Logo em seguida, Wil son inf orma Thomas que a comissão de música est á pl enament e empenhada em
apresent ar uma das obras de Gomes:
Em relação a Gomes (Sic) o comit ê j á est á compromet ido com a apresent ação de uma obra
dele: em 28 de março Mr. Tomlins escreveu ao Minist ro brasileiro em Wasingt hon of erecendo
para que se apresent asse uma cant at a especialment e compost a para a ocasião e esperando
que Gomes pudesse vir e reger ele mesmo e ist o pudesse ser arranj ado. . . (Wilson, 1892: 21 de
2
j ulho) .

Por f im, Wil son conf irma que recebeu a respost a de Thomas com o endereço de Gomes no Rio e que
uma cart a j á t inha sido enviado ao composit or. Est es t rês import ant es document os são resumos das
correspondência sent re os dois membros da comissão e não especif icam, por exempl o, o que Wil son diz
a Gomes nest a cart a enviada para a Rua do Ouvidor 134, endereço f ornecido a el es pel o composit or.
Depreende-se, ent ão, que a Comissão real ment e desej ava uma cant at a de Gomes e est a só poderia ser
Col ombo , a qual Thomas j á conhecia. O que não f ica cl aro é o cont at o ent re Toml ins, o responsável
pel as obras corais na comissão musical , e Sal vador de Mendonça. Quais os requisit os para est a
apresent ação? Porque Gomes nunca menciona em sua correspondência com Mendonça sobre est a est e
desej o af irmado pel o comit ê em apresent ar sua obra? Qual o papel de Mendonça nest e insucesso de
Gomes, j á que aquel e era um de seus mais sinceros e ardent es promot ores? Est as são pergunt as que
requerem a anál ise de document ação ainda não disponível .

1
Original em Inglês: Milan 23t h - 6 – 1892; Mr. Theodore Thomas; Chicago; I believe t hat you nat urally know some of
my musical works (opera), bet ween which Condor, Lo Schiavo, Guarany et c. --Somet ime ago I wrot e you wit h
art ist ical proposal. I sent you t he new opera Colombo t hat I believe you will pref er f or t he Columbian solemnit y at
Chicago. I am now going away f rom Milan, f or Rio Janeiro, where I shall wait your answer on my proposal. I am, Sir,
respect f ully Your Carlos Gomez Ouvidor 134 Rio de Janeiro
2
July 21, 1892. Theodore Thomas, Esq. , Fairhaven, Mass. Dear Mr. Thomas: - …Regarding Gomez [ sic] , t he Bureau is
already commit t ed t o perf orm a work of his: under dat e of March 28 Mr. Tomlins wrot e t o t he Brazilian Minist er at
Washingt on of f ering t o perf orm a cant at a especially writ t en f or t he occasion and hoping Gomez [ sic] might come and
conduct if it could be arranged. …[ signed] G. W. Wilson
simpósio de pesquisa em música 2008 243
Considerações finais
Os t ext os examinados revel am que o composit or gozava de al t o prest igio pel o menos no ambient e em
que circul ou nos Est ados Unidos, as cidades de Nova Iorque e Chicago. De f at o, um dos pont os que f ica
mais evidenciado com a document ação consul t ada é que a recepção que l he emprest ou o públ ico,
músicos e cant ores f oi própria de um grande personal idade musical .
No que se ref ere à rel ação com a comissão musical como dit o, Theodore Thomas, conhecia Gomes desde
o início de 1892 e j á t inha anal isado a part it ura de Col ombo e out ras de suas óperas. Depreende-se,
t ambém, que Thomas incl uía Gomes como f igura de singul ar import ância no cenário musical . Razões
para ist o podem ser a anál ise das part it uras que Gomes l he remet era e pel o reconheciment o del e para
com um composit or com uma carreira muit o bem sucedida em um dos t eat ros icônicos como marca de
qual idade em ópera no sécul o XIX, o al l a Scal a de Mil ão. O que sust ent a essa impressão é que Thomas,
independent e da oport unidade ou viabil idade de encenar Col ombo, desej a convidar Gomes como
composit or represent ant e do Brasil , da mesma f orma como t ent ou t razer Brahms como represent ant e da
Al emanha e Verdi da It ál ia. A conf irmação de que a comissão musical est ava pl enament e compromet ida
com a apresent ação de uma das obras de Gomes t ambém at est a o prest igio do composit or. Da mesma
f orma, os t ext os das cart as t rocadas ent re Wil son e Thomas, revel am o cuidado e apreço que dedicavam
ao nome de Carl os Gomes, reconhecendo-o como uma personal idade do mundo musical da época.

Referências
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ht t p: / / brazil. crl. edu/ bsd/ bsd/ u1979/ 000061. ht ml

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CARVALHO, I. G. V. Vida de Carlos Gomes. 3. ed. Rio de Janeiro: Edit ora A Noit e, 1946. 189 p.

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EXPOSIÇÃO UNIVERSAL COLOMBIANA. Exposição Preparat ória no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Companhia
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McKINLEY, Ann. Music f or t he Dedicat ion Ceremonies of t he World's Columbian Exposit ion in Chicago, 1892. American
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NOGUEIRA, Lenit a W. M. Música e Polít ica: o caso de Carlos Gomes. In: XV Congresso da ANPPOM, 2006, Rio de
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VETRO, G. N. Ant ônio Carlos Gomes – correspondências it alianas. Rio de Janeiro: Livraria e Edit ora Cát edra/ INL,
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VIRMOND, M. Condor – uma análise de sua hist ória e música. Bauru: EDUSC, 2003.

WILSON, G. H. cart a a Theodore Thomas. Chicago Symphony Orchest ra. Theodore Archives, Chicago: 1892.

WOLRD’ S FAIR MUSIC. The Chicago Daily Tribunaily Tribune, 29 de out ubro de 1893.
TECNOLOGIA E SINTAXE AS IMPLICAÇÕES NA CONCEPÇÃO DE MÚSICA E REFLEXOS NA

EDUCAÇÃO MUSICAL

José Est evão Mor ei r a (USP)

RESUMO: Nest e art igo, apont o para o processo de concepção da sint axe musical e da visão de mundo, a
part ir do advent o das t ecnologias que, at ravés da ampliação dos t errit órios de at uação do homem,
depreendem novos “ f azer es e pensar es” e, a part ir das primeiras const at ações, os ref lexos das
concepções de música na prát ica pedagógica.
PALAVRAS-CHAVE: linguagem musical, obj et o sonoro, f enomenologia, Pierre Schaef f er, educação
musical.
ABSTRACT: In t his art icle, indicat ed about t o t he suit of concept ion f rom synt ax musical and f rom view
of world , wit hin t he advent f rom t he t echnologies what , via t he magnif icat ion f rom t he t errit ories of
mult i-skilled of t he man, deduce new "t o do's and t o t hing's", t he part of t he f irst cert if y, t he ref lect ions
f rom t he concept ions of music in pedagogical pract ice.
KEYWORDS: musical language, sonic obj ect , f enomenology, Pierre Schaef f er, music educat ion.

Uma pesquisa que examine a relação ent re t ecnologia, música e educação, t erá um campo f ért il para
invest igações muit o ricas e cont ribuint es para a t eoria e a prát ica da educação musical. Sobret udo por
vivermos num século t ão adept o às novidades t ecnológicas onde as opções – que não cessam de aparecer
– de opci onai s passam a ser dit ames que, ao invés de serem cr i adas para at endiment o às necessidades
específ icas, acabam por ser cr i ador as de necessidades. Porém, est a abordagem da relação t ecnologia –
música – educação seria muit o mais adequada a uma perspect iva da sociologia e/ ou da psicanálise.
Também out ra possibilidade de abordagem, seria com relação aos usos e cont ingências das t ecnologias e
suas aplicações prát icas na música e na educação. Tant os out ros caminhos poderiam surgir na t ent at iva
de suscit ar quest ões e ref lexões sobre t eorias e prát icas que busquem lograr êxit o no ensino da música
ou t ambém apont ar problemas pont uais do cot idiano para que possam ser solucionados a cont ent o.
No ent ant o, ant es de buscar soluções prát icas para o dia-a-dia em sala de aula – quest ões f undament ais
e laboriosas – há o desej o, aqui nest e art igo, de compreender (ao menos em part e) a compr eensão da
música. E ainda, com uma condição: a de que na relação ent re t ecnologia e a práxis da música, novos
conceit os da linguagem musical (sint axe) emergem com o surgiment o de novas habilidades,
inf ormações, possibilidades, conheciment os, t eorias, et c. Tudo isso ref let irá nas ações pedagógicas
propriament e dit as, pois o que quer que venha a ser concebido como o qui d da música será
det erminant e sobre o ensinar. O mét odo, o cont eúdo, a didát ica, a met odologia et c. , decorrerão das
premissas e paradigmas de música est abelecidos – conscient ement e ou não – pelo prof essor.
Em concordância a est a assert iva, DUARTE JÚNIOR af irma que em Educação est ará sempre implícit a uma
det erminada t eoria do conheciment o, ou sej a, uma t eoria que f undament a e explica a maneira e o
processo pelo qual o homem vem a conhecer o mundo. O como o homem conhece, o como ele encont ra
um sent ido para sua vida no mundo, passa a ser a pedra angular de qualquer processo educat ivo.
DUARTE JÚNIOR af irma ainda que educar é levar a conhecer, é necessário que se def ina ent ão como se
dá o at o de conheciment o , par a que a educação se f undament e nesse pr ocesso 1.
Assim, t rat o aqui da t ecnologia não necessariament e como possibilit adora de novas ou ant igas prát icas,
mas sim, como pot encializadora de novas visões de mundo. Ent ret ant o, as t ecnologias e inovações por si
mesmas não são capazes de engendrar revoluções de sist emas de pensament o. Para que est as
acont eçam, é f undament al que haj a o encont ro ent re aquelas e os desej os e anseios de quem dela lança
mão para at endiment o de suas necessidades. Com relação aos sist emas de idéias, Edgard MORIN
apresent a-nos um int eressant e exemplo de como um mesmo acont eciment o pode vir a ser re-signif icado
pelo surgiment o de novas evidências ou de novas cont emplações do mesmo f enômeno. O sol apresent a-
se como um mesmo f enômeno para a humanidade pré-copernicana e para a pós-copernicana. Porém,
para a primeira o sol é um disco que gira em t orno da Terra; j á para a segunda um ast ro ao redor do
qual a Terra gira. Nas palavras de Morin, para que a nova t eoria se const it uísse f oram necessárias “ novas
inf ormações que causaram uma pert urbação ent re as ant igas, mas f oi preciso t ambém que um novo
sist ema coerent e de hipót eses most rasse o Sol no cent ro do mundo e a Terra na sua perif eria” 2.

1
DUARTE JÚNIOR, 1981, p13.
2
MORIN, 1981, p. 56
simpósio de pesquisa em música 2008 245
À guisa de exempl if icação, poderíamos esquemat izar um processo cíclico da const it uição dos sist emas
de idéias começando, em primeiro l ugar, pel o conheciment o, supondo as suas decorrências: um
conheciment o pode gerar uma t eoria que pode agir reciprocament e sobre a int erpret ação do
conheciment o. Est a t eoria ref let e-se na visão de mundo subent endendo, por sua vez, prát icas,
condut as, cost umes, int ervenções et c. A percepção das coisas (do mundo, da música et c. . . ) est ará
submet ida a uma det erminada visão de mundo, gerando inf ormações e por sua vez conheciment o e
assim sucessivament e3.

Conheciment o Teoria Visão de Mundo

Prát icas
Inf ormação Percepção Int ervenções
Condut as

TECNOLOGIA CRIAÇÕES

f igura 1
No campo das criações, t ambém subj ugadas à uma visão de mundo, t emos a t ecnol ogia que permit e que
um mesmo f enômeno apresent e novos dados e t odas as implicações. Kant af irma que t odos os nossos
conheciment os começam com a experiência em processos nos quais os obj et os apresent ados aos nossos
sent idos produzem represent ações e, a part ir de ent ão, impelem a nossa int eligência a compará-los
ent re si, a reuní-los ou separá-los4. Nossa capacidade de conhecer o mundo at ravés da experiência
depende das próprias experiências para se aprimorar. Ist o é, as nossas est rut uras de conheciment o são
det erminant es em nossa apropriação do mundo e a part ir delas erige-se t odo o nosso inst rument al
t eórico para a at uação nest e mundo. Com rel ação a est e aspect o cognit ivo, t eremos como f undament o
aqui algumas ref lexões de Pierre Schaef f er, o f undador da musique concret e no Trat ado dos Obj et os
Musicais (1966).
“ As cont ribuições de SCHAEFFER no campo t eorét ico da música são de grande import ância
para além mesmo de seu propósit o na música concret a. SCHAEFFER perscrut a por longos
caminhos e t errit órios do pensament o na t ent at iva de f undament ar e j ust if icar seus
experiment os musicais na rádio f rancesa – bem como o seu conceit o de obj et o sonoro –
t ecendo relações com diversas disciplinas do conheciment o (semiót ica, f enomenologia, f ísica,
psico-acúst ica. . . ). Dest e modo, nos conduz a rigorosos quest ionament os sobre conceit os e
posicionament os acerca da música e da própria concepção do que é (pode ser) música. Tais
ref lexões revelam-se muit o valiosas quando t omadas como pont o de part ida para a pesquisa
em diversas f rent es da at ividade art íst ico-musical: desde a composição, t ecnologia, f ilosof ia,
passando ainda pela sociologia e educação” 5 .

A respeit o da música enquant o obj et o do conheciment o, é possível se const at ar, segundo Schaef f er, que
os modos de apropriação do f enômeno musical passam ant es pel a ref erência do que o indivíduo
compreende como t al , ou sej a, dependem de suas at it udes de escut a. As at it udes de escut a, por sua
vez, est ão condicionadas a uma int enção de escut a. Uma invest igação mais det al hada sobre a l inguagem
e o f enômeno musical poderá nos evidenciar que as percepções múl t ipl as da música (e do som) est arão
condicionadas a est as int enções de escut a e, ainda, às habil idades do indivíduo em perceber e
decodif icar est e f enômeno. Um som pode ser e sempre será relacionado com out ras experiências
ant eriores – sej am est as sonoras ou ainda out ra sort e de possibilidades6.

3
Cont udo, a vida é compl exa e não poderia simplesment e ser compart iment ada em cat egorias e hierarquias
indiscriminadament e. Ademais, a relação ent re est es aspect os da vida humana t ende a apresent ar um dinamismo de
conseqüências simult âneas e int ensivas na qual cada acont eciment o ref let e no t odo globalment e e vice-versa –
holíst icament e – não necessariament e de um modo linear, subsequent e. O que f az com que pequenas coisas t enham
grandes inf luências sobre o t odo, sobre o sist ema.
4
KANT, 1966, p. 23
5
MOREIRA, 2006, SIMPEMUS 3, Anais p. 232
6
SCHAEFFER 1993, p. 105-108
246 SIMPEMUS 5
Assim, como o homem que se comunica at ravés da linguagem ref erindo-se soment e àquilo que aprendeu
e f oi capaz de perceber com suas est rut uras de percepção e conheciment o, na música ocorre o mesmo.
Ist o é, se um mesmo f enômeno cont iver dif erent es maneiras e possibilidades de ser percebido, e se a
nossa percepção a parâmet ros específ icos aprimora a sua f orça est rut urant e a cada nova experiência,
de acordo como dissemos, com a int encionalidade, é possível que det erminados at ribut os do mesmo
f enômeno não venham a ser percebidos, ist o é, não venham a ser decodif icados devido a uma não-
habilidade para percepção/ decodif icação/ apropriação dest es7.
Falando agora mais precisament e sobre as conseqüências das t ecnologias na concepção de música,
podemos verif icar a ocorrência de ref ormulação de paradigmas, com o surgiment o de novas percepções.
Por exemplo: a part ir da “ descobert a” da complexidade harmônica das not as do piano, baseado em
crit érios acúst icos e organológicos, que pode ser verif icada at ravés de análises espect rais com o
comput ador 8, a percepção – ainda que virt ual – de novos parâmet ros produz novas inf ormações,
conheciment os, t eorias e por sua vez, modif ica a visão de mundo.
Para Pierre Schaef f er, as idéias musicais são dependent es, mais do que se possa acredit ar, da
aparelhagem musical 9. A gravação é de grande import ância no sist ema de Schaef f er e f undament al para
o propósit o da música concret a e de sua escut a acusmát i ca10. Também as imbricações ent re sist emas e
inst rument os são mencionadas por Schaef f er quando est e diz que o f enômeno musical t em dois aspect os
simult âneos e correlat ivos apresent ando uma “ t endência à abst ração, na medida em que a execução
possibilit a est rut uras; e aderência ao concret o, na medida em que ele permanece vinculado às
possibilidades inst rument ais” . A est e respeit o nas palavras de Schaef f er, de acordo com o cont ext o
inst rument al e cult ural, a música produzida é, sobret udo concret a, ou sobret udo abst rat a, ou quase
equilibrada11.

Música eletroacústica e sintaxe


A música elet roacúst ica pode ser ent endida como a j unção ent re a música concret a e música elet rônica.
A música concret a, ut ilizando-se de element os advindos da ‘ nat ureza’ , do caos, realizava recort es e
manipulações que, a part ir de ent ão, t ransf ormava aquele excert o do t empo, “ um cort e no t empo
daquele que escut a” , em uma “ suspensão na mensagem daquele que se exprime” 12. A música elet rônica
– à qual SCHAEFFER inf ere: música a pr i or i – part indo do serialismo, buscava um rigor algorít imico,
int elect ual ext remo, “ uma t ot al obra da int eligência abst rat a at uando, ao mesmo t empo, sobre a
subj et ividade dos aut ores e sobre o mat erial sonoro” (1993, p. 31). É import ant e not ar a pat ent e
divergência na visão de mundo ent re ambas as escolas que, muit o mais que t eóricos e est ét icos, eram
t ambém ideológicos.
“ Esses dois t ipos de música [ . . . ] apresent avam, além disso, anomalias inquiet adoras, à part e
t oda a est ét ica: uma não se escrevia, a out ra cif rava-se. Por f alt a ou excesso, elas f aziam
mais do que cont radizer a not ação t radicional: elas ext rapolavam. Uma devia renunciar a essa
not ação, diant e de uma mat erial sonoro cuj a variedade e complexidade escapavam a t odo
esf orço de t ranscrição. A out ra t ornava-a anacrônica, por um rigor t ão ext remo que as
aproximações das part it uras t radicionais empalideciam diant e de t amanha precisão” .
(Schaef f er 1993, p. 28).

Ainda sobre est e cont rast e ent re est as duas t endências (música concret a e abst rat a) t ranscrevemos um
pequeno t recho de Sérgio Freire Garcia, (“ Al t o; al t er -, aut o-f al ant es: concer t os el et r oacúst i cos e o ao
vi vo musi cal ” , Tese de Dout orado em Comunicação e Semiót ica, PUC, 2004), onde menciona o t ext o de
Simon Emmerson, “ A r el ação da l i nguagem com os mat er i ai s” :
“ A discussão sobre a sint axe – cuj os ext remos são sint axe abst rat a e sint axe abst raída dos
mat eriais – é um pouco mais complexa, e f undament a-se na premissa de que “ os obj et ivos de
ambas est as f ormas de música podem ser resumidas como a descobert a e o uso de ‘ leis
universais’ . ” Ent ret ant o, o uso dos t ermos ‘ lei’ ou ‘ regra’ apresent a ambigüidades, pois
encont ram-se t ant o o uso de “ lei como uma ‘ generalização empírica’ , ou sej a, um resumo de
t odas as ocorrências observadas de um event o part icular” [ música concret a] , quant o “ lei
como uma ‘ necessidade causal’ t endo um cert o st at us ‘ acima’ dos event os e det erminando
sua ocorrência” [ música serial] . Assim, o primeiro uso se relaciona à busca de uma sint axe
abst raída dos mat eriais observados, enquant o a essência do últ imo é a criação e manipulação
pelo composit or de “ f ormas e est rut uras def inidas essencialment e a pr ior i “ 13 .

Port ant o, quando f alamos a respeit o linguagem musical e seus t ermos import ant es para a compreensão
do mat erial sonoro, lidamos com a dualidade do concret o e do abst rat o. Por exemplo, ao ouvirmos um

7
Idem, p. 248
8
GUIGUE, 1998, p. 25.
9
Idem, p. 38
10
Acusmát ica: proj eção sonora cuj a procedência não é visível.
11
SCHAEFFER 1993, p. 54.
12
Idem, p. 39.
13
FREIRE, Sérgio, Per Musi, vol 7, 2003 pp 8-9
simpósio de pesquisa em música 2008 247
quart et o de f l aut ins t ocando simul t aneament e as “ not as” sol – si – re – f á, resol vendo14 em do – mi – sol ,
observamos cl arament e um moviment o harmônico do t onal ismo: dois acordes, obj et os musicais ideais
at uando como signos de f uncional idade; respect ivament e, dominant e e t ônica. Da mesma f orma,
t eremos est es signos se f orem t ocadas as mesmas “ not as musicais” 15 num quart et o de cont rabaixos ou
cont ra-f agot es no mais grave possível em posição cerrada, por exempl o. Cont udo, exist irão inf ormações
concret as de parâmet ros dist int os ao da al t ura que proporcionam a riqueza de out ros at ribut os do som
que podem passar despercebidos, pois a est rut ura de percepção do suj eit o, em sua hist ória de
experiências, possa j amais t er experiment ado ist o.

Reflexos na prática pedagógica


Para o prof essor, conhecer e conceber out ras perspect ivas da música, bem como sua l inguagem, gera
imediat os ref l exos na sua f orma de ver e o mundo e, por conseqüência, de apresent á-l o ao al uno.
Conf orme apresent a Pedro Paul o Sal l es, “ possibil it a que a visão de música não só deixe de est ar
l imit ada por um t onal ismo il imit ado e suas impl icações, mas se t orne abert a aos possíveis il imit ados da
imaginação” 16. O que def endo aqui é que ao se admit ir e conceber out ras possibil idades do f azer
musical , o prof essor est ará em mel hores condições t eóricas de opt ar pel o seu cont eúdo e met odol ogia,
como responsável que é pel o ensino. Sal l es ainda nos apresent a um int eressant e exempl o no qual um
al uno, em uma aul a part icul ar de piano, est á real izando improvisações at ravés das regiões do piano
pref erindo, naquel e moment o, os sons mais graves – ou ainda t raga uma l ição f eit a em casa – porém, no
mesmo inst ant e, o prof essor (ou prof essora), o “ resgat a desse devaneio” ret omando o exercício.
O exempl o acima, do prof essor “ impl acável ” , pode ser anal isada sob diversas perspect ivas: psicol ógica,
psicanal ít ica, pedagógica, didát ica, ant ropol ógica, pol ít ica, et c. No ent ant o, val e chamar a at enção
para a quest ão da compreensão do f enômeno musical , onde o prof essor est á sendo coerent e com sua
visão de mundo no que t ange a quest ões da l inguagem, pois aprendeu que a música se divide em
harmonia, mel odia e rit mo. Sua condut a poderá ser dif erent e no inst ant e em que perceber que uma
simul t aneidade de sons pode não ser um acorde, mas sim um bl oco de sons ou de sonoridades. Ou,
ainda, que uma sucessão de sons não se t rat a, necessariament e, de uma mel odia – que t em por sua vez
uma ordem int erna que não se resume a uma sucessão de sons. As cercanias da concepção de música
inf l uenciarão diret ament e a ação do prof essor de música. Para SALLES. . .
“ Se em nossas est rut uras prof undas predominam, no âmbit o da música, f ort es resíduos do
t onalismo e a longa t radição ret órica e mét rica que o engendrou, f az-se imprescindível ao
aprendiz a busca de novas est rut uras, de novas realidades musicais, de sist emas de sons
dif erent es daqueles da t radição, para uma ampliação de seu arco de ref erências, o mesmo
que inf orma suas est rut uras prof undas e seu processo criador” 17 .

Conclusão
O propósit o dest e art igo, como dissemos, f oi de verif icar a inl uência da t ecnol ogia na concepção da
música e o ref l exo nas prát icas pedagógicas. Est a pesquisa est á em andament o e muit o ainda há de ser
f eit o. Muit o pode ser dit o, por exempl o, sobre a inf l uência do rádio, da t el evisão, do cel ul ar, iPod, e
ainda mais, em t empos de yout ube! Ent ret ant o seria um campo por demais abrangent e. Port ant o,
at enho-me sobret udo na at uação do prof essor, com o qual é, em t ese, possível um diál ogo mais t écnico
e t ambém del iberat ivo – na medida em que a part ir dest as const at ações, o prof essor poderá opt ar ou
não por reconsiderar quest ões. Acima de t udo, t ive aqui desej o não de presecrever mét odos, mas sim
apont ar para os possíveis da música. O que é (pode ser) música?

Referências bibliográficas
DUARTE JÚNIOR, João-Francisco, 1981 p. , Fundament os est ét icos da educação, São Paulo, Cort ez, Edit ores
Associados e Universidade Federal de Uberlândia

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Art igo publicado na revist a Opus, Ano V n° 5, pp. 19-47

KANT, Immanuel, Crít ica da Razão Pura, MEREJE, J. Rodrigues (t rad. ), São Paulo, Brasil Edit ora, 5ª edição, 1966

14
Nest e caso, o t ermo “ resol ver” é est abelecido abst rat ament e como um procediment o do t onalismo.
15
O arquét ipo de not a musical leva em consideração soment e um at ribut os do som, a alt ura, de modo que uma
f reqüência de 440 Hz e seus múlt iplos de dobro ou met ade t ambém serão consideradas como a not a LÁ (SCHAEFFER,
1993, 243-245).
16
SALLES, 2002, p. 108
17
Idem, p. 107s
248 SIMPEMUS 5
MOREIRA, José Est evão, Mat ér i a Músi ca: O que é (pode ser ) Músi ca? Ref l exões a par t i r de uma f enomenol ogi a da
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SCHAEFFER, Pierre, Tr at ado dos Obj et os Musi cai s. Trad. Ivo Mart inazzo. Brasília. Edit ora da UnB, 1993.
PREDIÇÃO DE ASPECTOS DA EMOÇÃO CONSTATADA EM MÚSICA POR DESCRITORES COGNITIVOS

MUSICAIS

José For nar i (Núcl eo Int er di sci pl i nar de Comuni cação Sonor a – NICS-UNICAMP)

RESUMO: O est udo de cognição musical normalment e se ut iliza de modelos comput acionais para calcular
aspect os específ icos da percepção e int erpret ação da inf ormação musical. Est es modelos são chamados
na lit erat ura de descrit ores acúst icos quando calculam caract eríst icas musicais, na f orma de series
t emporais, diret ament e de arquivos de áudio. Chamamos de descrit ores cognit ivos musicais (DCM) aos
descrit ores acúst icos que calculam aspect os cont ext uais da cognição musical. Nest e t rabalho
apresent amos o desenvolviment o de oit o DCMs que aqui f oram ut ilizados para calcular a dimensão de
Valencia, que na lit erat ura é normalment e ref erida como uma das dimensões do modelos dimensionais
de emoção musical, e que se est ende ent re a int erpret ação do t rist e ao alegre em música. Aqui
ut ilizamos cada DCM para calcular a variação dinâmica da medida de Valencia em uma peça musical.
Post eriorment e f izemos o mesmo com um model o l inear ut ilizando t odos os DCMs. Est a medida f oi
comparada com a média das medidas da variação cont ínua de Valencia, dada por t rint a e cinco
est udant es de música. Finalment e comparamos a ef iciência de nosso modelo com dois import ant es
modelos da lit erat ura, para a mesma peça musical . Os result ados most ram que o modelo aqui
apresent ado f oi mais ef icient e que os modelos ant eriores, o que parece indicar o seu possível uso f ut uro
na previsão de out ros aspect os cont ext uais da emoção const at ada na escut a musical.
PALAVRAS-CHAVE: música e emoção, cognição musical, descrit ores cognit ivos musicais
ABSTRACT: Music cognit ion researches normally use comput at ional models t o ret rieve cert ain aspect s of
t he percept ion and int erpret at ion of music mat erial . These models are named as acoust ic descript ors
when t hey ret rieve music inf ormat ion direct ly f rom audio f iles. Here we name as Music Cognit ive
Descript ors (MCD) f or t hose ones who ret rieve cont ext ual aspect s of music cognit ion. Here we describe
t he development of eight MCDs and use t hem t o calculat e t he emot ional dimension of Valence, known in
t he lit erat ure as one of t he dimensions in t he circumplex model of af f ect . We use each MCD t o ret rieve
t he dynamic variat ion of Valence f or a piece of classical music. Following, we build a linear model wit h
all descript or and, again, calculat ed Valence, f or t he same music. These calculat ions were correlat ed
wit h act ual behavioral dat a; t he mean rat ing of t he measurement of t hirt y-f ive list eners. Finally, we
compare t he result reached f or our model wit h t he result s of ot her t wo import ant models f rom t he
lit erat ure. It is seemed t hat our model reached t he best correlat ion f or t his piece of music, what seems
t o suggest t o be possible it s usage in f urt her experiment s f or t he ret rieval of ot her cont ext ual aspect s of
music emot ion. .
KEYWORDS: music emot ion, music cognit ion, cognit ive musical descript ors

1. int rodução
São chamados de descrit ores musicais, os modelos comput acionais ut ilizados com o propósit o de prever
aspect os específ icos da percepção e int erpret ação humana durant e a escut a musical. Est es descrit ores
são organizados de acordo com a escala de t empo que at uam. Chamam-se descrit ores de baixo-nível
aqueles que t rat am da escala de t empo microscópica, da ordem de milisegundos, e assim t rat am de
aspect os percept uais ou psicoacúst icos da escut a musical, como: l oudness (percepção da int ensidade
sonora), pi t ch (percepção da alt ura musical) ou t imbre (percepção da composição espect ral do som). Os
descrit ores de médio-nível at uam na escala de t empo relacionada à noção do “ present e” ou “ agora”
musical, que é considerada por muit os pesquisadores como est ando na ordem de t rês a cinco segundos
de duração. Já os descrit ores de alt o-nível t rat am dos grandes t rechos t emporais da música e cost umam
def inir aspect os normalment e quase invariant es no decorrer de grandes t rechos da peça musical, como:
t onalidade, andament o e gênero. Dif erent e dos descrit ores de baixo nível, os descrit ores de médio e
alt o nível podem descrever aspect os cont ext uais da música, ou sej a, aqueles que dependem do cont ext o
musical e são assim relacionados à int erpret ação do ouvint e, f rent e à obra musical. Os descrit ores
podem calcular os aspect os musicais em dois t ipos de mat erial musical: simbólico e áudio. O mat erial
simbólico é dado pelas f ormas de represent ação musical, como a not ação da part it ura da composição de
uma peça ou por seu arquivo MIDI. O mat erial em áudio é dado por um arquivo de som digit alizado da
gravação dest a peça musical (amost rado no t empo, numa dada t axa de amost ragem, e na amplit ude,
numa dada resolução binária) e que pode se apresent ar em diversos f ormat os, t ais como: WAV, AIFF, ou
MP3. Enquant o muit as pesquisa ant eriores se ut ilizaram de descrit ores simbólicos para o est udo dos
processos de cognição musical, at ualment e vem-se crescendo o int eresse pelo desenvolviment o de
250 SIMPEMUS 5
descrit ores acúst icos, ou sej a, aqueles que agem diret ament e sobre os arquivos de áudio digit al. A
cat egoria de descrit ores acúst icos cont ext uais é aqui chamada de descrit ores cognit ivos musicais, ou
DCM. Tais descrit ores permit em a analise dos aspect os cognit ivos musicais diret ament e sobre o mat erial
sonoro e assim podem t ambém ser ut ilizados em processos de composição e perf ormances musicais.
Em est udos ant eriores, desenvolvemos oit o DCMs que serão aqui rapidament e apresent ados e aplicados
em uma das muit as possíveis ut ilizações; a descrição de Valencia: um aspect o cognit ivo musical muit o
ut ilizado em modelos dimensionais de emoção em música. Conf orme descrit o adiant e, Valencia t rat a da
const at ação de alegria (ou t rist eza) em um t recho musical. Not e que est amos aqui dist inguindo a
emoção const at ada da emoção sent ida. A Valencia para nós t rat a apenas da emoção const at ada, em
uma escala cont inua que varia ent re dois ext remos: do t rist e ao alegre, daquilo que é int erpret ado pelo
ouvint e e previst o pelos DCMs. Exemplif icando, ao escut armos uma t ípica marcha de carnaval, podemos
t er cert eza da emoção que t al música t ent a evocar, mesmo que est a não est ej a af et ando nosso est ado
emocional.
Est e est udo ut iliza os dados comport ament ais medidos com t rint a e cinco est udant es de música para
verif icar a previsão dos DCMs. A media dos dados comport ament ais é nossa “ base de verdade” , onde
iremos medir a ef iciência do nosso modelo. Est a é chamada na lit erat ura de gr ound-t r ut h, ou GT.

2. Histórico
A emoção associada à música t em sido est udada por muit os pesquisadores no campo da psicologia, t ais
como os descrit os em [ 1] . A lit erat ura menciona t rês modelos principais de emoção musical: 1) o modelo
cat egórico, originado dos t rabalhos de [ 2] que descreve a música em t ermos de uma list agem de
emoções básicas [ 3] . 2) o modelo dimensional, originado dos t rabalhos de [ 4] onde é propost o que t odas
as emoções podem ser descrit as num sist ema da coordenadas cart esianas de dimensões emocionais [ 5] ,
e 3) modelo do processo component e, do t rabalho de [ 6] que descreve a const at ação da emoção musical
de acordo com a sit uação de sua ocorrência e o at ual est ado emocional do ouvint e.
Do mesmo modo, modelos comput acionais para o cálculo de aspect os relacionados às emoção evocada
pela música vem sendo desenvolvidos pela comunidade at ualment e conhecida como MIR ( Musi c
Inf or mat i on Ret r i eval ) em est udos t ais como em [ 7] , onde se desenvolveu um modelo comput acional
para classif icação de gênero musical, que é similar (apesar de mais simples) ao cálculo de emoção
musical. Em [ 8] t em-se um bom exemplo do uso de descrit ores acúst icos no est udo dos aspect os gest uais
relacionados à emoção musical. Exist em diversos out ros exemplos do uso de modelos comput acionais
para a ext ração de aspect os emocionais da música, t al como em [ 9] e [ 10] que usaram descrit ores
acúst icos de alt o-nível (na escala de t empo macroscópica) t al como “ t onalidade” , em uma variedade de
arquivos musicais de áudio digit al.
No est udo do desenvolviment o dinâmico de emoção musical, [ 11] usou um modelo bi-dimensional para
medir, em f unção do t empo, a emoção musical const at ada por um grupo de ouvint es sobre diversas
peças do repert ório clássico. As dimensões emocionais ut ilizadas f oram Ar ousal (que se est ende do
calmo ao agit ado) e Valencia (do t rist e ao alegre). Assim ele propôs diversos modelos lineares, compost o
por cinco descrit ores acúst icos, af im de prever essas duas dimensões, at ravés de uma análise das series
t emporais previst as por est e modelo, para cada peça musical. Assim [ 11] apresent ou dois modelos
lineares para cada peça musical, um para descrever a dimensão de Ar ousal e out ro para descrever
Valencia. Post eriorment e, [ 12] ut ilizou as mesmas medidas comport ament ais de [ 11] dessa vez para
criar dois modelos gerais (o mesmo modelo para t odas as peças musicais), sendo um modelo para o
Arousal de t odas as peças e out ro para suas Valencias. Est es dois modelos f oram desenvolvidos
ut ilizando a t écnica conhecida na lit erat ura por Syst em Ident i f i cat i on.

3. As dimensões de Arousal e Valencia


É vist o nos result ados dos est udos de [ 11] e [ 12] que seus modelos comput acionais f oram capazes de
prever a medida comport ament al da dimensão de Ar ousal com um alt o grau de sucesso. Na verdade,
est es est udos most ram que a dimensão de Ar ousal é int imament e ligada à noção de l oudness e pode
assim ser adequadament e previst a at ravés de um simples descrit or de baixo-nível, como RMS ( Root
Mean Squar e).
No ent ant o, a previsão da Valencia t em provado ser part icularment e dif ícil de ser previst a. Ist o pode ser
devido ao f at o de que os modelos ut ilizados nos est udos acima mencionados não f izeram ext enso uso de
descrit ores cont ext uais, mas em sua quase t ot alidade, apenas de descrit ores de baixo-nível, que,
conf orme dit o ant eriorment e, não são suf icient es para descrever aspect os cont ext uais da música, mas
apenas seus aspect os percept uais, t ais como as clássicas grandezas psicoacúst icas. Uma vez que a
Valencia é um aspect o cont ext ual da música, sua adequada previsão deve ser conseguida por um modelo
ut ilizando descrit ores cont ext uais, t ais como DCMs aqui apresent ados.
É int eressant e t ambém not ar que os result ados desse experiment o deixaram t ransparecer aspect os não
int uit ivos da previsão da Valencia. Conf orme será vist o adiant e, na discussão dos result ados, alguns
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 251
DCMs que nos pareciam int imament e ligados à int erpret ação do t rist e e do alegre em música, aqui
f oram os que apresent aram menor correlação com os dados comport ament ais, enquant o out ros que
inicialment e não nos pareciam t ão import ant es para a det erminação dest e aspect o cont ext ual,
apresent aram grande correlação com o GT.

4. O desenvolvimento dos DCMs


Os DCMs aqui descrit os f oram desenvolvidos por mim em 2007, durant e um PosDoc na Universidade de
Jyväskylä, Finlândia, que f azia part e do proj et o Tuni ng your Br ai n f or Musi c ou simplesment e
Br aint uning. Est es DCMs f oram t odos simulados e t est ados no MATLAB com o Digit al Signal Pr ocessing
Tool box. Para t est ar a predição de cada DCM, t ambém criamos um GT at ravés de um est udo
comport ament al com t rint a e t rês est udant es de música que ouviram e mediram as mesmas
caract eríst icas previst as pelos DCMs em uma cent ena de t rechos musicais de t rilhas sonoras de f ilmes.
Todos os t rechos eram inst rument ais e t inham a duração de cinco segundos. Cada DCM f oi desenvolvido
e aperf eiçoado at é apresent ar uma previsão com grande similaridade com nosso GT. A similaridade
ent re as previsões dos DCMs e o GT f oi medida at ravés do coef icient e de correlação ent re as series
t emporais. Todos DCMs obt iveram coef icient e correlação com o GT acima de 0, 5 o que é considerado
como sendo um result ado promissor na descrição de dados comport ament ais por modelos
comput acionais. Abaixo a descrição de cada DCM desenvolvido é apresent ada.

4. 1 claridade de pulso
O pulso musical é aqui vist o como a f lut uação musical periódica e percept ível numa f reqüência sub-
t onal, que est á abaixo de 20Hz. Est e pulso pode ser de qualquer nat ureza musical (harmônico, rít mico
ou melódico) desde que sej a int erpret ado pelo ouvint e como pulso. A escala dest e DCM é cont inua, indo
de zero (nenhum pulso) a um (claro reconheciment o de pulso).

4. 2 claridade de tonalismo
Est e modelo mede quão t onal um dado t recho musical é, não import ando qual a t onalidade do t recho
musical, mas apenas quão clara é a percepção de um cent ro t onal. A escala dest e DCM varia
cont inuament e ent re zero (at onal) e um (t onal). As regiões int ermediárias dessa escala (próximas de
0, 5) t endem a concent rar os t rechos musicais com muit as mudanças t onais, acordes dúbios ou
cromat ismos.

4. 3 complexidade da harmonia musical


A noção de complexidade musical est á relacionada pela t eoria de comunicações à ent ropia ou grau de
desorganização da inf ormação musical. No ent ant o, o que est amos int eressados em medir aqui é a
percepção dest a ent ropia, e não a ent ropia propriament e dit a. Por exemplo, se um dado t recho musical
é ext remament e desorganizado ou complexo, não seremos capazes de ident if icar t al complexidade e
est e nos poderá parecer simples (não complexo). O desaf io aqui é encont rar o pont o máximo de
complexidade musical percebida que a nossa cognição é capaz de processar. Focamos aqui apenas no
aspect o da complexidade da harmonia musical, relevando a complexidade melódica e rít mica. A escala
dest e DCM é cont ínua e varia ent re zero (sem percepção de complexidade harmônica) e um (percepção
de grande complexidade harmônica).

4. 4 Articulação
Est e DCM visa det ect ar a f orma da art iculação da melodia de uma dado t recho musical. Em música, a
art iculação da melodia cost uma se est ender ent re st accat o, ou dest acada, onde cada not a é t ocada
dest acadament e, com uma clara pausa t emporal ent re uma not a e out ra, e l egat o, onde as not as da
melodia são t ocadas sem qualquer pausa ent re elas, ou sej a, ligadas sequencialment e uma à out ra. Sua
escala vai cont inuament e de zero (st accat o) a um (legat o).

4. 5 Repetição
Est e modelo analisa a similaridade de t rechos t emporais. A repet ição que se quer medir pode ser de
nat ureza melódica, harmônica ou rít mica, mesmo que varie de nat ureza ou t imbre durant e a repet ição.
O import ant e não é a quant idade ou f reqüência das repet ições, mas apenas a medição da claridade de
uma int erpret ação de repet ição de event os musicais. A escala dest e DCM varia cont inuament e de zero
(ausência t ot al de repet ição) a um (clara exist ência de repet ição).

4. 6 Modo
Apesar de exist irem set e modos clássicos da escala musical diat ônica, est amos aqui int eressados em
det erminar o grau subj et ivo ent re o modo menor e o modo maior. Os valores int ermediários dest a
252 SIMPEMUS 5
medida podem se ref erir aos out ros modos bem como a variações t onais encont radas no t recho musical
analisado. A escala dest e DCM varia cont inuament e ent re zero (clara percepção de modo menor) a um
(clara percepção do modo maior).

4. 7 Densidade de Eventos
Aqui é medida a int erpret ação de uma densidade de event os musicais de qualquer nat ureza (melódica,
harmônica e rít mica), desde que possíveis de serem percebidos dist int ament e. Do mesmo modo que no
caso da percepção de complexidade harmônica, aqui é levada em consideração a capacidade máxima de
percepção de event os simult âneos, que a cognição é capaz de suport ar, a part ir da qual, o aument o do
número de event os musicais poderá corresponder a uma diminuição percept ual de event os simult âneos.
A escala dest e DCM varia cont inuament e ent re zero (sensação da exist ência de um único event o
musical) e um (sensação da exist ência de uma grande quant idade de event os simult âneos).

4. 8 Brilho
Aqui mede-se a sensação de brilho de um t recho musical. Apesar de f ort ement e inf luenciado pela
presença de element os percept uais, t ais como parciais de alt a f reqüência no espect ro musical, out ros
f at ores t ambém podem cont ribuir para est e aspect o, t al como a presença de at aques, art iculação
dest acada ou mesmo a ausência de parciais em out ras regiões do espect ro sonoro. A escala dest e DCM
varia cont inuament e ent re zero (ausência de brilho) e um (grande presença de brilho).

5. Criando um modelo para se prever Valencia


Em [ 11] f oi est udada dinâmica t emporal de emoções const at adas durant e a escut a musical, onde f oi
criado um GT com dados comport ament ais colet ados de t rint a e cinco ouvint es que dinamicament e (ao
longo do t empo) mediram as emoções que eles const at avam ao longo da escut a de peças musicais
selecionadas do repert ório clássico. At ravés de um modelo bi-dimensional baseado no modelo
circumplexo descrit o em [ 13] cat egorias de emoções f oram most radas na t ela de um comput ador,
dispost as em um circulo, num plano onde as coordenadas eram Arousal e Valencia. Enquant o escut avam
cada música, os usuários moviam o cursor da t ela, at ravés do mouse do comput ador, sobre as emoções
que est avam const at ando naquele inst ant e. Est a inf ormação era gravada pelo programa de comput ador
em int ervalos de um segundo de duração. Ao f inal do experiment o, havia para cada usuário uma série
t emporal, amost rada a cada segundo, da dinâmica emocional const at ada pelo ouvint e, para cada peça
musical escut ada. A média das proj eções das medidas dessas emoções sobre as coordenadas (dimensões
Ar ousal e Valencia) f oi dada na f orma de um GT cont endo duas séries t emporais, uma para cada
dimensão emocional. Est e GT f oi post eriorment e usado por [ 12] para o desenvolviment o dos dois
modelos únicos para a previsão das dimensões de Ar ousal e Valencia, e f inalment e, ut ilizado t ambém
nest e t rabalho aqui apresent ado, porém, para a previsão apenas da dimensão de Valencia. Calculamos
aqui a correlação ent re a previsão de cada DCM e a série t emporal de Valencia est abelecida pelo GT
dado por [ 11] de uma única peca musical, o “ Aranj uez concert o” cuj a duração é de dois minut os e
quarent a e cinco segundos. Nest a peça, t em-se durant e o primeiro minut o, o violão que apresent a
sozinho o t ema musical. Em seguida, e abrupt ament e, t oda a orquest ra passa a acompanhar o violão,
agora como solist a. A int ensidade da orquest ra vai, pouco a pouco, decaindo at é novament e o violão
permanecer sozinho, f inalizando com o t ema principal dest a peça musical.
Ao analisarem o arquivo de áudio dest a peça, os DCMs apresent aram series t emporais similares àquela
dada pelo GT. A correlação ent re cada DCM e o GT é dada abaixo, iniciando pelo DCM com maior
correlação, ou sej a, o que melhor descreveu os dados comport ament ais de Valencia, at é o que
apresent ou menor correlação.
Densidade de event os: r = 0, 59
Complexidade harmônica: r = 0, 43
Brilho: r = 0, 40
Claridade de pulso: r = 0, 35
Repet ição: r = 0, 16
Art iculação: r = 0, 09
Claridade de t onalismo: r = 0, 08
Modo: r = 0, 05
Em seguida desenvolvemos um modelo linear com os oit o DCMs, at ravés da t écnica de regressão
múlt ipla. Est e modelo ut ilizou uma j anela t emporal de t rês segundos, ref erent e ao t empo do “ agora” ou
“ present e” em cognição musical, avançando a cada um segundo da escala de t empo. Ist o equivale a
dizer, em t ermos de processament o de sinais, que o modelo ut ilizou um over l ap de dois segundos por
simpósio de pesquisa em música 2008 253
j anela. Assim, f oi t ambém obt ida, com est e modelo, uma serie t emporal amost rada a cada um segundo
da escala de t empo, similar à da medida comport ament al do GT. Est e modelo apresent ou um
coef icient e de correlação r = 0, 64 implicando num coef icient e de det erminação R2 = 42%.
Comparando, o modelo descrit o em [ 11] usou cinco descrit ores para prever o mesmo dado
comport ament al. Est es f oram:
1) Tempo,
2) Cent róide do espect ro de f reqüências,
3) Loudness,
4) Cont orno melódico
5) Text ura.
Com exceção do descrit or Text ura (que t ent a medir caract eríst icas t imbríst icas da música) os demais
são descrit ores de baixo-nível, o quais, como dissemos ant eriorment e, não t rat am de aspect os
cont ext uais da música. Em [ 11] a previsão de cada descrit or f oi t ambém dif erenciada ant es de ser
ut ilizada pelo modelo linear. Ist o f oi f eit o, segundo o aut or, com o propósit o de se levar em
consideração, não a medida absolut a da previsão dos aspect os percept uais, mas sua variação relat iva.
Assim, f oi criado um modelo linear, de primeira ordem, com a predição desses cindo descrit ores. Est e
t ipo de modelo é conhecido na lit erat ura como OLS ( ordinary l east square).
O modelo post erior, apresent ado em [ 12] ut iliza dezoit o descrit ores de baixo-nível, onde f oram t est ados
diversos modelos para se escolher aquele que mais se aproximava das medidas apresent adas pelos dados
comport ament ais. Segundo est e aut or, o melhor modelo encont rado f oi o ARX ( aut oregressive wit h
ext ra input s).
A t abela abaixo most ra o result ado das comparações de R2 para a medida comport ament al de Valencia,
para o concert o Aranj uez.

[11] [12] Nosso modelo Densidade de


evento
tipo OLS ARX Regressão Apenas um DCM
múlt ipla

R2 33% -88% 42% 35%

Tabela 1. Medida comport ament al VALENCIA. Ground-t rut h: Aranj uez concert o
A t abela acima most ra que o nosso modelo, ut ilizando oit o DCMs t eve, para a predição de Valencia do
concert o de Aranj uez, uma perf ormance signif icat ivament e melhor que aqueles apresent ados em [ 11] e
[ 12] . Enquant o o modelo de [ 11] apresent ou um coef icient e de det erminação razoável, o modelo de [ 12]
apresent ou um coef icient e negat ivo, o que signif ica que a predição dest e modelo é t ot alment e dispare
daquela apresent ada nos dados comport ament ais. A úl t ima coluna da t abela most ra a predição dada
pelo DCM com maior correlação, o “ Densidade de Event os” . Not e que est e, por si só, j á apresent a
correlação superior ao modelo de [ 11] . A previsão de nosso modelo apresent ou coef icient e de
det erminação bast ant e superior a ambos modelos, o que parece sugerir que, de f at o, DCMs podem ser
ut ilizados ef icient ement e para a predição de dados comport ament ais associados à const at ação de
emoções, t al como a dimensão de Valencia.
A f igura a seguir most ra, em t ermos gráf icos, a comparação ent re a média da medida de Valencia dos
t rint a e cinco ouvint es e a predição dada pelo nosso modelo ut ilizando os oit o DCMs.
254 SIMPEMUS 5

Fig. 1. Média das medidas comport ament ais de Valencia (linha cont inua) e o nosso
modelo de predição (linha pont ilhada).
Not e que a f igura acima apresent a a medida de Valencia indo do alegre (valores negat ivos) ao t rist e
(valores posit ivos).

6. Discussão e conclusões
Est es DCMs f oram desenvolvidos pela necessidade encont rada em se obt er modelos comput acionais para
a predição de específ icas int erpret ações do mat erial musical em áudio que pudessem est ar relacionadas
à const at ação de emoções em música, especialment e no que t ange a predição cont ext ual diret ament e
sobre arquivos de áudio musical. Na lit erat ura de cognição musical, um grande número de est udos para
a predição de conot ações emocionais t em sido invest igado. Conf orme é vist o em modelos ant eriores,
para a predição dinâmica de emoções alt ament e cont ext uais, t al como a Valencia, ou sej a, a
const at ação de alegria e t rist eza em música, o uso de descrit ores de baixo-nível parece não ser
suf icient e para prover result ados de predição adequados, uma vez que, por agirem em escalas
microscópicas do t empo, est es não t em como levar em consideração aspect os cont ext uais da música.
Foi int eressant e observar que a predição apresent ada pelo DCM “ Densidade de Event o” apresent ou a
maior correlação, enquant o “ Claridade de Tonalidade” e “ Modo” apresent aram as menores correlações
com os dados comport ament ais. Lembrando que “ Modo” det ermina uma escala ent re o modo menor e o
modo maior, era de se esperar que est e t ivesse papel f undament al na det erminação da Valencia, uma
vez que nos é int uit ivo relacionar o modo menor ao t rist e e o modo maior ao alegre em música. Do
mesmo modo, a pouca correlação apresent ada pela “ Claridade de Tonalidade” t ambém vai cont ra a
premissa int uit iva de que o at onal est aria relacionado à int erpret ação de algo mist erioso ou hermét ico,
enquant o o t onal seria mais ent endível e, port ant o, relacionado ao alegre e conf ort ável. No ent ant o, o
que de f at o parece t er mais cont ado para a noção de alegria e t rist eza const at ada nessa específ ica peça
musical analisada, f oi a sua densidade de event os, Assim, independent e da t onalidade, est e
experiment o parece sugerir que uma peça solo t ende a parecer nat uralment e mais melancólica, da
mesma maneira que uma orquest ra execut ando uma obra cont rapont íst ica t ende a inspirar excit ação e
alegria.
Escolhemos especif icament e est a peça musical ( Ar anj uez) por t er sido aquela cuj a Valencia f oi
apresent ou menor correlação nos experiment os dos out ros modelos e assim queríamos t est ar se nosso
modelo seria de f at o capaz de apresent ar melhores result ados para est a peça. Sem dúvida, mais
experiment os serão necessários para validar a ef iciência dessas medidas, mas nós acredit amos que os
result ados aqui alcançados j á sugerem um prognóst ico posit ivo para o desenvolviment o de mais e
melhores DCMs e a sua ut ilização na predição dinâmica de aspect os cognit ivos musicais.

Agradecimentos
Gost aria de regist rar o meu agradeciment o para t oda a equipe de pesquisadores que compuseram o
proj et o Br ai nt uni ng, (www. braint uning. f i) pela oport unidade que t ive de desenvolver est e proj et o
durant e minha pesquisa de PosDoc em cognição musical.

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MÚSICA E MUSICOTERAPIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A CONTEXTURA DE SENTIDOS E ESPAÇOS

DE ESCUTA

Pat r íci a Wazl awi ck (UFSC) Kát i a Mahei r i e (UFSC)

RESUMO: O t rabal ho discut e uma experiência musicot erápica real izada com crianças da educação
inf ant il regul ar de uma escol a em Curit iba. Será rel at ado part e do processo musicot erápico, t endo em
vist a as dif icul dades de rel ação, comunicação, escut a e comport ament o que as crianças enf rent avam
devido à t roca de prof essora. O f oco principal est eve em proporcionar e const ruir, j unt o às crianças e a
coordenação, espaços de escut a, comunicação e diál ogo na escol a. Da mesma f orma, t ambém remet e a
possibil idades de at uação da musicot erapia no cont ext o educacional para cont ribuir com a const it uição
dos suj eit os envol vidos nos processos de ensinar-aprender.
PALAVRAS-CHAVE: musicot erapia; educação inf ant il ; psicologia social da música; sent idos; espaços de
escut a.

int rodução
A idéia de escrever est e t ext o surgiu de um moment o de revisit a a escrit os/ rel at órios da prát ica
musicot erápica real izada com crianças em uma escol a de educação inf ant il part icul ar, sit uada na cidade
de Curit iba. Passados quat ro anos do t rabal ho, o ol har com que ol hamos e nos dirigimos ao t ext o
daquel e acont eciment o é um ol har de est ranhament o, um ol har est rangeiro como diz Ít al o Cal vino
(1990), num moviment o de aproximação-dist anciament o como propõe Bakht in (2003) na práxis da
exot opia1.
Para t al moviment o, os horizont es t eóricos que escol hemos e que ao mesmo t empo “ se nos apresent am”
como t ônicas rel at ivas para e dest e acont eciment o vivido, dizem respeit o a t emát icas t ant o da área da
música, quant o da musicot erapia – de uma musicot erapia cent rada na cul t ura (STIGE, 2002), bem como
da psicol ogia – em uma abordagem hist órico-cul t ural (VYGOTSKI), t endo t ambém um pé e quiçá
impl icações para a educação musical . No f inal das cont as, est as ref l exões e pensament os est ão
impl icados com as rel ações múl t ipl as e f acet adas que o homem pode est abel ecer e empreender com
a(s) música(s) nos mais diversos cont ext os. Sendo assim, St ige – musicot erapeut a norueguês - il uminado
por idéias de Bakht in (2003), t al como nos propomos aqui, dest aca que é uma busca de se t rabal har com
as possibil idades de diál ogo, onde em “ um empreendiment o dial ógico2 pode-se reconhecer dif erenças
como t ambém a necessidade em compart il har códigos para t ornar possível a comunicação” (STIGE,
2002, p. 8).
De acordo com St ige e Bakht in, para se t er e acont ecer diál ogo(s) deve-se haver dif erenças – dif erenças
não só em respost as, mas t ambém em pergunt as (STIGE, 2002, p. 8). A part ir daí, t ecendo uma sínt ese
dial ógica ent re nossas áreas de pensament o e o acont eciment o que aqui será discut ido, muit o mais que
respost a(s) emerge para nós a quest ão: de que maneira pode a música e a musicot erapia permit ir a
const rução de espaços out ros de escut a3 e a const rução de sent idos out ros ao vivido, por suj eit os – nest e
caso crianças, mas t ambém j unt o a adul t os, ist o é, suj eit os em rel ação – em cont ext os de ensinar-
aprender?

1
Exot opia: ent endida como o olhar de f ora, dist ância ou dist anciament o (Bakht in, 2003). De acordo com Faraco
(2006), para Bakht in “ . . . o processo est ét ico pressupõe um ol har de f ora, ist o é, um eu posicionado do lado de f ora
em relação ao out ro para poder enf ormá-lo est et icament e” (Faraco, 2006, p. 23).
2
Bakht in “ . . . vai caract erizar as relações dialógicas como r el ações de sent i do que se est abelecem ent re enunciados,
t endo como ref erência o t odo da int eração verbal (e não apenas o event o da int eração f ace-a-f ace)” (FARACO, 2006,
p. 63). “ ‘ . . . não há limit es para o cont ext o dialógico’ . O universo da cult ura é int rinsecament e responsivo, ele se
move como se f osse um grande diálogo” (FARACO, 2006. p. 57). Not a acrescent ada pelas aut oras.
3
Sobre ouvir e escut ar: “ apesar de est arem int imament e ligados, os t ermos ouvir e escut ar possuem uma dif erença.
Segundo Ferreira, escut ar signif ica ‘ t ornar-se ou est ar at ent o para ouvir; prest ar at enção para ouvir alguma coisa’
(1977, p. 195). Ouvir, por out ro lado, t raz a noção de ‘ perceber, ent ender (os sons) pelo sent ido da audição; ouvir os
sons, dar at enção, at ender’ (ibid. , p. 354)” (Wazlawick, 2001). Para o present e t rabalho não f aremos dist inção e
t rat aremos como sinônimos os t ermos ouvir e escut ar, pont uando mais como uma at it ude de escut a, como dar espaço
a escut a, como const ruir espaços para a escut a acont ecer.
simpósio de pesquisa em música 2008 257
Metodologia e pontos de reflexão iniciais
Será relat ado e discut ido aqui part e do processo musicot erápico realizado com uma t urma de crianças.
Est e t rabalho começou ao iniciar-se o ano let ivo, t endo em vist a as dif iculdades de relação,
comunicação, escut a e comport ament o que as crianças enf rent avam, principalment e, devido à t roca de
prof essora.
As at ividades musicot erápicas começaram a ser desenvolvidas com a t urma, com o obj et ivo principal de
auxiliá-los no enf rent ament o dest e período e permit ir que pudessem se deparar com a sit uação, com a
maneira como est avam agindo, que pudessem expressar o que sent iam, e compreender o vivido,
const ruindo sent idos para o mesmo. Da mesma f orma, as at ividades realizadas na musicot erapia
serviram de mediação para uma melhor comunicação por part e dos adult os daquela escola, e as
crianças, e vice-versa. O f oco principal do t rabal ho da musicot erapia est eve em proporcionar e
const ruir, j unt o às crianças, a coordenação e os prof essores – j á era uma t erceira prof essora que
acompanhava a t urma em menos de dois meses -, espaços de escut a, comunicação e diálogo na escola.
De acordo com Hamel (2006), médico e musicot erapeut a alemão, a pessoa que é e se sent e escut ada,
aprende a escut ar. Por meio de uma escut a mút ua pode-se criar f undament os para uma melhor
comunicação e diálogo, que est avam encont rando descompassos naquela sit uação no cont ext o escolar.
A musicot erapia é uma área de conheciment o e de prát ica possível a part ir de ent recruzament os
int erdisciplinares ent re várias áreas do saber. Segundo Bruscia (2000) muit as disciplinas relacionadas em
t orno das áreas de “ música” e de “ t erapia” se (re)combinam para f ormar o “ híbrido designado de
musicot erapia” (p. 8). Nest e sent ido, além de out r os pont os de ancoragem import ant es a musicot erapia
t rabalha com e se nut re principalment e da escut a, a criat ividade e a comunicação – não de modo pré-
est abelecido, mas acompanhando os dif erent es f azeres, acont eciment os, moment os e at ividades nas
relações ent re os suj eit os e seus cont ext os de vida.
At ividades realizadas na musicot erapia e na música, e t ambém educação musical, mesmo t endo
dif erent es f ocos e obj et ivos, de uma maneira geral t rabalham com a escut a. Uma escut a enredada, ou
produção de espaços de escut a, em meio a t odo o f azer, a t odas as ações que podem acont ecer. Na
musicot erapia dest aca-se a quest ão de que ela produz um ambient e impregnado de escut a, e, nest e
sent ido, quando alguém escut a, pode pensar e int erpret ar de uma out ra maneira. Aqui nos volt amos
para a possibilidade de const rução de sent idos, ent endidos como signif icados singulares, em base a
Vygot ski (1992) e seus int erlocut ores, quando o suj eit o t rabalha com at ividades criadoras e est ét icas,
por exemplo, que permit em (re)criar os cont ext os vividos, as compreensões dest e vivido, e a si mesmo.
Por ocasião do XII Congresso Mundial de Musicot erapia, realizado em j ulho de 2008 em Buenos Aires,
recordamos o musicot erapeut a Dr. Rolando Benenzon, quando disse que “ a música é, na musicot erapia,
ent endida como a art e de combinar os silêncios e as pausas para reconhecer os sons” . Pensamos aqui
que dialét ica ou sínt ese dialógica pode exist ir, no f azer do suj eit o, ent re silêncios, pausas, sons e
signif icados/ sent idos? Ao mover energias de vida o que são ou como são t raduzidos, o que signif icam
nossos moviment os rít micos, sonoros e musicais? Que silêncios e sons ouvimos ou não conseguimos ouvir?
Enf im, que sent idos port am o silêncio, os sons e as músicas e as dif iculdades de ouvirmos e ouvirmo-nos?
Com est as inquiet ações e est ranhament os em base ao t rabalho que ora apresent amos, oport unament e
Benenzon (22/ 07/ 2008) t ambém t rouxe out ro coment ário/ pergunt a lançando-os aos ouvint es na
abert ura do congresso acima ref erido: “ O silêncio permit e o reconheciment o recíproco. O que exist e
ent re o silêncio e a not a que o precede ou que virá?”

Relato do acontecimento
A at ividade de musicot erapia começou em março do ano let ivo de 2004. A t urma const ava de onze
crianças com idade por volt a de 5 anos, sendo cinco meninos e seis meninas. Nest e ano eles seriam os
“ maiores” da escola, t endo em vist a que no ano seguint e iriam para uma escola maior, para a primeira
série.
A sit uação apresent ada iniciou-se com o f at o de que a prof essora que os acompanhou no ano ant erior e
que os acompanharia t ambém no ano seguint e est ava com licença-mat ernidade, e eles t inham um f ort e
vínculo com ela, era uma pessoa muit o dinâmica e criat iva. No f inal do primeiro mês de aula est avam j á
com uma t erceira prof essora, apresent ando-se agit ados, com um menor rendiment o escolar, f alavam
t odos ao mesmo t empo, não se “ ouviam” e não “ ouviam” a prof essora, nem a coordenação da escola,
t inham int eresses em várias brincadeiras durant e as aulas, alguns apresent avam comport ament o
agressivo, com pouca at enção e concent ração.
Nos primeiros encont ros em grupo na musicot erapia no início prest avam at enção, realizavam uma
at ividade, mas logo dispersavam, saíam da sala sem comunicar, f alavam ao mesmo t empo, e assim as
at ividades “ diluíam-se” .
258 SIMPEMUS 5
Como musicot erapeut a4 que est ava desenvolvendo a at ividade com eles, conversei com a coordenadora
e sugeri conseguirmos várias caixas grandes de papelão para aquele que seria o quart o encont ro. Ao
mesmo t empo, combinamos que a part ir de daquele moment o cada criança iria escolher a música que
mais gost asse e t razer o CD num dia combinado, para o t rabalho da musicot erapia.
No quart o at endiment o o aluno “ sort eado” para t razer sua música f oi Gabriel 5. Trouxe a canção “ Vou
Deixar” (Skank), era um menino com int eresse em música, gost ava de bat eria e músicas de r ock’ n r ol l ,
t inha uma especial musicalidade e rit mo muit o present e. Dist ribuímos as caixas de papelão pela sala,
eles se organizaram em duas ou t rês crianças para cada caixa, e a consigna f oi de que quando
começasse a t ocar a música no aparelho de som t odos cant assem e percut issem j unt os, acompanhando o
rit mo, nas caixas de papelão. Quando começou eles percut iram com int ensidade muit o f ort e,
aleat oriament e, por alguns minut os. Imediat ament e Gabriel disse: “ Não est ão ouvi ndo a ‘ mi nha’
músi ca, eu não est ou escut ando nada de músi ca” – com uma sensação de f rust ração e desaprovação pela
at it ude do grupo. Cont inuaram mais um pouco nest a f ort e int ensidade sonora, quando Gabriel f azia
sinais para que t odos parassem de t ocar. Quando t odos pararam, diminui a int ensidade da música e
desliguei-a, e conversamos sobre o que t inha se passado, eles colocaram suas impressões, e a part ir
dest a vivência experenciada puderam, aos poucos, perceber e sent ir como est avam agindo desde o
início das aulas.
Ainda por um período houve a presença simult ânea de moment os de envolviment o-part icipação nas
at ividades da musicot erapia, e os comport ament os iniciais ainda est avam present es. Aos poucos eles
f oram se int egrando, aument ando o período/ t empo de concent ração e part icipando das at ividades
musicais na musicot erapia. Est avam t endo um espaço para vivenciarem/ sent irem suas dif iculdades e
seus comport ament os, a relação em grupo, ou sej a, um espaço de escut a de si mesmos, de sua
int eração, de seus modos de agir e ser criança naquele moment o, um espaço que est ava t ambém sendo
const ruído por eles. No f inal do mês de abril a prof essora ret ornou.
Em um dos at endiment os no início do segundo semest re uma aluna t rouxe um CD com canções
gravadas/ cant adas por várias t urmas de educação inf ant il de uma out ra escola de Curit iba, eles
gost aram muit o das canções e viram que cada t urma t inha um “ nome” , assim como as t urmas de sua
escola. Out ra aluna pergunt ou se poderiam f azer um CD da/ para a t urma deles t ambém. Conversamos
sobre est a idéia, se queriam, se gost ariam, e se poderíamos t rabalhar com est e “ proj et o” a part ir
daquele moment o, e t odos se int eressaram. Assim passamos a est e “ f azer” e “ conf eccionar” est e CD.
No f inal do ano produzimos um CD com cada uma das músicas escolhidas pelas crianças da t urma, cada
um desenhou uma capa/ encart e para o CD, e escreveram o nome do grupo: “ Gr upo Cor ação” . Est avam
mais calmos e mais cent rados em si mesmos e no grupo, e em seus processos de ensinar-aprender no
ano let ivo em que t iveram cinco anos de idade. Est e CD f oi mot ivo de orgulho, alegria e realização para
cada um deles.

Discussão e considerações finais


Tal como j á apresent amos em out ro t ext o (WAZLAWICK & MAHEIRIE, 2008), diz Vygot ski (2001) no t ext o
“ A educação est ét ica” , que “ educar sempre signif ica mudar” . Se não houvesse nada para mudar não
haveria nada para educar (p. 140). Nest e sent ido, o conheciment o, o saber, a ref lexão crít ica, não são
mais suf icient es para as t ransf ormações do suj eit o (SARTRE, 1984; SAWAIA, 2001; MAHEIRIE et al. , 2006;
MAHEIRIE, 2007). Tendo em vist a as novas conf igurações de mundo e os cont ext os sociais nos quais t odos
nos encont ramos, percebemos nas mais variadas áreas de t rabalho com o ser humano, que t rês
dimensões devem ser mobilizadas para a mudança do suj eit o: a) o saber; b) a sensibilidade - sent ir; e c)
a ação – agir. Nest a perspect iva, Maheirie (2007), ao considerar os cont ext os de vida na
cont emporaneidade e as ações desenvolvidas pelos suj eit os, pont ua que, j á não é suf icient e que o saber
venha em primeiro lugar, mas sim a dimensão do sent ir. Vivências e experiências vinculadas, aí sim, ao
saber, orient arão ações de acordo com as demandas sent idas e necessárias em det erminados cont ext os
de vida.
O que acont eceu na sit uação vivida e experenciada pelas crianças no moment o em que t odos percut iam
f ort ement e nas caixas de papelão em det riment o de apreciar a música escolhida por Gabriel? Ele mesmo
se deu cont a que não est avam ouvindo a sua música, e verbalizou ist o para t odos quase grit ando. “ Não
est ão ouvi ndo a ‘ mi nha’ músi ca, eu não est ou escut ando nada de músi ca” (sic. ). Nada de música est ava
sendo ouvido, apreciado, mas sim barulhos, com muit a energia, uma sit uação que denunciava, t alvez, o
modo como est avam se relacionando naquele período, sem uma orient ação, onde t odos queriam “ f alar”
ao mesmo t empo, f azer t udo que t inham vont ade, onde não est avam se ouvindo e sendo não ouvidos
pela coordenação da escola, que chegava apenas para dizer, de modo aut orit ário como deveriam se
port ar adequadament e, sem de f at o ouvi-los naquilo que est avam passando e enf rent ando - as

4
Pat rícia Wazlawick.
5
Nome f ict ício.
simpósio de pesquisa em música 2008 259
demandas reais de crianças na escola, pequenos seres humanos sim, mas seres humanos, suj eit os em
const it uição, que vivem t ambém suas angúst ias.
Na conf iguração dest e período vivido e dest a sit uação em part icular na musicot erapia, f az-se óbvio que
não escut ariam de modo a apreciar a música do col ega, pois não havia espaço para ist o, pois, crianças e
adul t os viviam um descompasso preenchido por barulhos, ruídos e desencont ros na escola. Todos
queriam f alar e serem ouvidos, mas não se sabia como, assim como não est avam encont rando um modo
de resolver t udo aquilo.
Com ist o não est amos querendo dizer que a musicot erapia sol ucionou por si só o probl ema, at é porque
out ros moment os complicados ainda se f izeram present es, inclusive nos próprios encont ros de
musicot erapia. Porém, aquel e f oi um moment o singul ar, onde algo se f ez dif erent e a eles, primeiro a
Gabriel, mas em seguida ao grupo t odo. Um est ranhament o, um st art que despert ou al go dif erent e a
el es: o começarem a perceber, sent ir o que e como est avam f azendo e se rel acionando. E no se dar
cont a com est e sent ir, vivenciar e compreender o que se passava, abriu-se espaço para a escut a, onde
el es começaram a const ruir est e espaço de escut a de si, do out ro, do grupo, const ruindo, ao mesmo
t empo, sent idos para o que viviam.
“ Não est amos nos ouvindo” , “ queremos t odos f al ar ao mesmo t empo e ist o vira uma bagunça” , a
compreensão começou a passar por aí. Não que t ivessem que começar a f icar t odos em sil êncio,
comport ados, para ouvirem-se, porque sabemos que nem sempre é assim na escol a, mas ao est ranhar a
at it ude do grupo em não ouvir nada de música, em meio só a barul hos, a vont ade de ouvir se
reacendeu, ao mesmo t empo por el es e a part ir de agora, de modo dif erent e, dos adul t os da escol a em
relação a eles.
A const rução dest e espaço de escut a permit iu t ambém uma escut a dif erent e na seqüência, a vont ade de
criar um CD com suas músicas, as músicas escolhidas por cada um dos al unos daquel a t urma – t rabal ho
que se desenvol veu durant e o segundo semest re at é o f inal do ano, cul minando com a obj et ivação de
suas músicas gravadas em um CD. E o que é um CD senão uma mediação mat erial para poder ouvir e
escut ar músicas? Naquelas canções escolhidas havia a presença de cada um del es, das músicas que l hes
est avam sendo signif icat ivas naquel e moment o, que dizia al go del es, que era cada um del es al i, que os
f azia serem ouvidos e escut ados por t odos, e que os col oca em escut a para os t empos que viriam. A
vont ade que surgiu de conf eccionar est e CD, sendo ent ão um proj et o do grupo, f oi ext remament e
signif icat iva, f oi, podemos hoj e dizer, a obj et ivação da escut a, da const rução de um espaço de escut a,
most rando moviment os de t ransf ormação possíveis por suj eit os na escola.
Segundo Maheirie (2001) “ a part ir da música, pode-se criar novas signif icações, vivências, ref lexões
sobre a realidade social e sobre o cot idiano” (p. 11). Não é propriament e e em si a música como uma
ent idade isolada que f az ist o, mas as relações est abelecidas pelos suj eit os com o f azer musical.
Maheirie (ibid. ), em uma compreensão psicossocial da música diz que a(s) relação(ões) dos suj eit os com
a(s) música(s) permit e const ruir est e mesmo suj eit o, permit e que el e possa produzir maneiras out ras de
compreender a si mesmo e ao mundo, permit e const ruir ident idades singulares e colet ivas.
Est a aut ora t ambém cit a Simon Frit h (1987) que sal ient a que a música cria o nosso ent endiment o sobre
as coisas. Nós acrescent amos e priorizamos mais uma vez que nossa rel ação com a música permit e
const ruir e t ecer sent idos sobre o vivido. Frit h dest aca que as músicas não só expressam, mas buscam
def inir os suj eit os de f orma colet iva e singular. E ist o f oi sendo visível no acont eciment o em
musicot erapia que narramos nest e t ext o. Segundo Frit h “ o suj eit o se const it ui e se t ransf orma pela
mediação da música e das f unções que cumpre no seu dia-a-dia” (1987, apud MAHEIRIE, 2001, p. 170).
O musicot erapeut a norueguês Dr. Even Ruud (1998) em seu est udo sobre música e ident idade t ambém
ref erencia Frit h quando est e pont ua que “ f azer música não é uma f orma de expressar idéias; é uma
f orma de vivê-l as” (FRITH, 1996, p. 11 apud RUUD, 1998). Assim, o suj eit o envol vido e impl icado no
f azer musical, nas at ividades musicais, na musicot erapia, por exempl o, pode sent ir, pode se deparar
com o est ranhament o est ét ico que a rel ação com a música proporciona, t al como se deu com nossas
crianças. Pode viver e sent ir, deixando-se “ t ocar” e “ mover-se” pel a música e por t udo que el a pode
despert ar em nós, para, const ruindo novos sent idos e novas f ormas de l idar conosco mesmos, com as
sit uações, rel ações e com a real idade, experenciar e t ent ar novas f ormas de agir e at uar, de resol ver as
problemát icas nas quais est amos envolvidos, onde nos const ruímos e buscamos, t ecemos e (re)criamos
novas possibilidade de ser e de f azer a própria vida.
É nest e sent ido que ousamos uma repost a, mas uma respost a abert a, que não col oca um pont o f inal , e
quem sabe uma provocação – provocação ao pensament o e à própria pesquisa -, à quest ão f eit a por
Benenzon, a respeit o de “ o que exist e ent re o sil êncio e a not a que o precede ou que virá?” Ousamos
dizer - não ent endendo de modo l inear, mas por sal t os qualit at ivos - que nest e ínf imo milésimo de
segundo que pode haver ent re os f ragment os de sil êncio e as not as que o precedem ou que virão exist e,
ent rel açando e engendrando sil êncios e sons, a cont ext ura do(s) sent ido(s). Que não param por aí, mas
que imediat ament e se desaf iam a uma cadeia inf init a, abert a e inacabada de, ent re sons e silêncios,
t ecer sent idos, e assim const ruir a t rama, t ambém sonora e musical, da vida de suj eit os.
260 SIMPEMUS 5

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DA LEITURA DE PARTITURAS MUSICAIS À TRANSCRIÇÃO/ ARRANJO PARA CONJUNTOS DE

CÂMARA1

Deni se Si l vi a Bor usch - (EMBAP)

RESUMO: O ideal de proporcionar a vivência musical em conj unt os de câmara a est udant es de nível
int ermediário de inst rument o bem como a dif iculdade de encont rar part it uras adequadas aos conj unt os
f ormados, ensej ou a criação e a realização desse proj et o. Nessa pesquisa, desenvolvida durant e o ano
let ivo de 2007, est udant es comprovaram ser essa uma aprendizagem que os est imulou a f azer em música
com orgul ho, por recriarem um produt o musical , e com pr azer , por t ocarem em uma nova leit ura, em
conj unt o com seus colegas. A part ir dessa vivência e do seu produt o f inal dessa experiência, buscou-se
ent ender como se deu o processo de t ranscrição/ arranj o elaborado por esses est udant es. Esse t rabalho
cont ou com a part icipação de nove alunos, a colaboração de duas est agiárias, alunas do Curso de
Composição e Regência da EMBAP e da prof essora. O processo const rut ivo e invest igat ivo dessa pesquisa
realizou-se a part ir do t ripé: a pesquisa-ação; os princípios f ilosóf icos do Programa de Ext ensão da EMBAP,
embasado na t eoria do desenvolviment o musical de Swanwick; e os pressupost os do sócio-int eracionist a
Vygot sky. Esse processo culminou com o mat erial apost ilado Transcrições/ arranj os para Conj unt os de
Câmara, o qual cont ém nove peças t ranscrit as/ arranj adas pelos part icipant es da pesquisa, e com um
recit al gravado de set e dessas peças.
PALAVRAS-CHAVE: Transcrição/ arranj o. Música de Câmara. Educação Musical.
ABSTRACT: The ideal of providing a chamber music experience t o inst rument st udent s of int ermediat e
level, as well as t he dif f icult y in f inding appropriat e scores t o t he f ormed groups, originat ed t his proj ect .
In t his research, developed during t he school year of 2007, st udent s proved t his t o be a kind of learning
t hat st imulat ed t hem t o make music wit h pride, f or recreat ing a musical product , and wit h pleasure, f or
perf orming in a new view, t oget her wit h t heir f riends. St art ing f rom t his experience, and f rom t he f inal
product of t his experiment , one t ried t o underst and how t he process of t ranscript ion/ arrangement of
t hese st udent s happened. This work count ed wit h t he part icipat ion of nine st udent s, t he collaborat ion of
t wo t rainees, EMBAP’ s st udent s of t he Course of Composit ion and Conduct ing, and t he t eacher. This
research’ s const ruct ive and invest igat ive process t ook place f ollowing t he t ripod: search-act ion; EMBAP’ s
Ext ension Program philosophical principles, based on Swanwick’ s musical development t heory; and
Vygot sky’ s social-int eract ionist assumpt ions. This process result ed in t he creat ion of t he
Transcrições/ arranj os para Conj unt os de Câmara compilat ion, which cont ains nine t ranscribed/ arranged
scores developed by t hese research’ s part icipant s, and wit h a recorded recit al of seven of t hose works.
KEYWORDS: Transcript ion/ arrangement . Chamber Music. Music Educat ion.

1. int rodução
O desnível de exigência ent re a part e de um ou de mais inst rument os melódicos em relação à part e do
piano, encont rado em muit as músicas de câmara, f oi const at ado na t ent at iva de f ormar conj unt os ent re
colegas na classe de música de câmara nos cursos Formação Musical I (FM I), Formação Musical II (FM II)
e Avançado (AV) da Escola de Música e Belas Art es do Paraná (EMBAP).
A pesquisadora, prof essora de piano, movida pelo int eresse de alguns alunos de f azerem música de
câmara, e por pesquisas comprovando a necessidade dessa prát ica para a f ormação do músico, não pôde
deixar de pesquisar meios para que os est udant es de inst rument o do nível médio e int ermediário2
t ivessem essa oport unidade.
Nirenberg (1995, p. 158) recomenda a prát ica de música em conj unt o na área da educação musical, pois
ele não concebe uma “ boa f ormação musical sem a vivência cameríst ica” . Ele considera que “ a música
de câmara, enquant o prát ica de vivência e convivência, f az crescer o músico” .

1
Art igo realizado com base na dissert ação de Mest rado do mesmo aut or. BORUSCH, Denise Silvia. Da leit ura de
Part it uras Musicais à Transcrição/ arranj o para Conj unt os de Câmara. Dissert ação (Mest rado em Educação Musical) –
MINTER – Universidade Federal da Bahia / Escola de Música e Belas Art es do Paraná, Salvador, 2008.
2
Foi considerado, nessa pesquisa, como aluno de nível médio aquele que é capaz de execut ar polif onias, como as
exist ent es no Pequeno Livro de Ana Magdalena Bach, e aluno de nível int ermediário aquele que é capaz de execut ar
polif onias, como as exist ent es no livro de Bach, Invenção a Duas Vozes.
262 SIMPEMUS 5
Para Koellreut t er valores como: “ aut odisciplina, concent ração, subordinação de int eresses pessoais aos
int eresses do grupo, aut ocrít ica, criat ividade e desenvolviment o da sensibilidade” são adquiridos com a
prát ica musical em conj unt o (KOELLREUTTER3, apud FURLANETTO, 1994, p. 2).
Para poder desenvolver essa at ividade, houve a necessidade de alargar o repert ório cameríst ico
específ ico para o nível musical desses est udant es, o que f oi realizado mediant e a t ranscrição e o
arranj o. Ent re 2003 e 2006, esse t rabalho f oi realizado pela pesquisadora, o qual, após esse período, f oi
idealizado para os alunos part iciparem nessa t aref a. Assim, a t ranscrição/ arranj o de part it uras para
conj unt os de câmara, realizados pelos próprios alunos de inst rument o do nível int ermediário na
disciplina de Música de Câmara, mediados pela prof essora e est agiárias, f oi o f oco de pesquisa de
mest rado da aut ora.
Durant e o ano let ivo de 2007, f oi colocada em prát ica a primeira f ase dessa pesquisa, cont emplando
t ant o as t ranscrições/ arranj os de músicas quant o a sua execução pelos próprios alunos. Nos primeiros
dois meses, t odas as f ases do t rabalho com os discent es f oram orient adas pela pesquisadora: a escolha
das part it uras, a t ranscrição/ arranj o e a int erpret ação. Com a ampliação dessa experiência, surgiu a
necessidade de envolver mais pessoas na condução dos t rabalhos. Foram convidadas, ent ão, est udant es
do Curso Superior de Composição e Regência da EMBAP, que part iciparam como est agiárias com a f unção
de mediadoras nos t rabalhos de t ranscrição/ arranj o realizados pelos alunos e, de revisoras dessas peças.
Durant e esse mesmo ano, f oram t rabalhadas dez peças, das quais oit o f oram est udadas, culminando
com a gravação de set e.
Tendo em vist a essa vivência, o obj et ivo geral dessa pesquisa f oi examinar como se deu o processo de
t ranscrição/ arranj o de peças para conj unt os de câmara, realizado pelos est udant es part icipant es da
disciplina Música de Câmara dos cursos FM I, FM II e AV. Quant o aos obj et ivos específ icos, pret endeu-se
elaborar um mat erial apost ilado com as t ranscrições/ arranj os para ut ilização didát ica das part it uras;
f azer uma análise crít ica da part icipação dos est udant es envolvidos nas at ividades de
t ranscrição/ arranj o e de execução; e observar a import ância de t al at ividade na vivência pessoal,
musical e prof issional dos envolvidos.
As palavras-chave t r anscr i ção e ar r anj o, const ant es nessa pesquisa, f oram invest igadas na lit erat ura
para que se t enha compreensão dos seus signif icados.
Segundo o The New Gr ove Di ct i onar y of Musi c and Musi ci ans, t r anscr i ção signif ica “ um arranj o,
especialment e envolvendo uma mudança do meio de or quest r a par a pi ano” (SADIE, 1980, v. 19, p. 117,
grif o do aut or). Já por ar r anj o, na mesma obra encont ra-se a seguint e def inição: “ o re-t rabalhar de uma
composição musical, geralment e com um meio diferent e do original” (SADIE, 1980, v. 1, p. 627).
Para Barbeit as (2000, p. 89, 95), o sent ido do t ermo t r anscr i ção musical é “ ent endido como o processo
que muda o meio f ônico originalment e est abelecido para uma dada composição” . A t ranscrição “ coloca
em especial relevo a f igura do int érpret e, inclusive como suj eit o da criação” . Para esse aut or,
t ranscrever exige uma ref lexão para a ut ilização dos inst rument os associada à preservação da coerência
e a propost a de organização, cont idas no original . “ A t ranscrição musical impõe para a int erpret ação
uma post ura radicalment e dif erent e e muit o mais prof unda do que a comum subserviência calada f rent e
à part it ura” .
No decorrer do processo de t ranscrição das peças para os conj unt os de câmara para o est udo dessa
pesquisa, ocorreram pequenas mudanças t ambém na composição. Essas modif icações f oram necessárias
de acordo com os inst rument os usados e as possibilidades t écnicas e int erpret at ivas dos discent es, assim
caract erizando-as como t r anscr i ções/ ar r anj os.

2. fundamentação e metodologia
O processo const rut ivo e invest igat ivo dessa pesquisa realizou-se a part ir do t ripé:
os princípios f ilosóf icos e a met a dos Cursos FM I, FM II e AV;
os pressupost os dos aut ores Swanwick e Vygot sky;
o mét odo pesquisa-ação.
Os princípios f ilosóf icos dos cursos FM I, FM II e AV são “ baseados na idéia de que t odo o indivíduo é
capaz de aprender música e com ist o desenvolver o seu pot encial est ét ico e art íst ico” (EMBAP, 2000, p.
8). A met a desses cursos é “ of erecer uma Educação Musical que desenvolva o senso est ét ico e criat ivo
musical do aluno, at ravés de experiências individuais e colet ivas em execução e apreciação,
complement adas pela composição/ improvisação/ arranj o” (EMBAP, 2000, p. 19).

3
KOELLREUTTER, H. J. Educação Musical no t erceiro Mundo: Função, Problemas e Possibilidades. In: Cader nos de
Est udo n. 1. São Paulo: At ravez, p. 1-8. 1990.
simpósio de pesquisa em música 2008 263
O t rabal ho de t ranscrição/ arranj o perpassou pel as cinco at ividades do Model o Tecl a de Swanwick as
quais, segundo o aut or, são indispensáveis para o desenvol viment o do conheciment o musical . São el as:
t écnica; execução; composição; l it erat ura; e apreciação.
Visual iza-se no Quadro 1, as at ividades real izadas pel os al unos part icipant es dessa pesquisa nesse
processo de t ranscrição/ arranj o.

At ividade Descrição das at ividades real izadas

(T) Técnica Os est udant es reconheceram os sons, os t imbres e a escrit a musical dos
inst rument os com os quais t rabal haram; desenvol veram a habil idade para a
l eit ura à primeira vist a, o cont rol e t écnico e a habil idade de execução em
conj unt o. Al ém disso, t rabal haram com orquest ração, graf ia musical com ou
sem programas de comput ador.

E Execução Os est udant es ut il izaram seus próprios inst rument os, expressando suas idéias
musicais, como t ambém se int eressaram pel os demais inst rument os e em
saber como os col egas se expressavam. À medida que as
t ranscrições/ arranj os eram el aboradas, eram t ambém experiment adas por
meio da execução.

C Composição A part ir de suas capacidades, cada est udant e procurou desenvol ver a
habil idade em agrupar, dissociar, acrescent ar e suprimir os mat eriais
sonoros de f orma expressiva, cont ribuindo assim com as
t ranscrições/ arranj os e t ransposições realizadas.

(L) Lit erat ura A lit erat ura musical t rabalhada f oi diversif icada, de escolha de t odos os
int egrant es e com aprovação f inal dos est udant es. Termos, sinais e it ens
musicais ocorreram sist emat icament e. Invest igações hist óricas e musicais
para cont ext ual ização e compreensão das obras f oram real izadas.

A Apreciação A apreciação est eve present e desde a escol ha das peças a serem
t ranscrit as/ arranj adas e a escol ha das part es dest inadas a cada inst rument o,
at é o dia da gravação f inal , passando por t odas as et apas de
t ranscrição/ arranj o para experiment ação dos resul t ados obt idos no decorrer
dest e processo.

QUADRO 1 - ATIVIDADES REALIZADAS FONTE: BORUSCH (2008, f . 119) NOTA: El aborado a part ir do
MODELO (T)EC(L)A (SWANWICK, 1979, apud EMBAP, 2000, f . 13)
Para demonst rar as dimensões do aprendizado e para expl icar a evol ução int el ect ual que é
caract erizada por sal t os qual it at ivos de um conheciment o para out ro, Vygot sky desenvol veu o Conceit o
de Zona de Desenvol viment o Proximal , apresent ando-o dessa maneira:
Segundo o aut or (2003, p. 117-118), o aprendizado cria a zona de desenvol viment o proximal e, em
conseqüência, est imul a vários processos int ernos de desenvol viment o que são operados quando o
aprendiz int erage com companheiros e adul t os em seu ambient e. Esses processos, quando
int ernal izados, t ornam-se aquisição do desenvol viment o.
O conceit o de zona de desenvolviment o proximal é de ext rema import ância para as pesquisas
do desenvolviment o inf ant il [ e j uvenil] e para o plano educacional, j ust ament e porque
permit e a compreensão da dinâmica int erna do desenvolviment o individual. At ravés da
consideração da zona de desenvolviment o proximal, é possível verif icar não soment e os ciclos
j á complet ados, como t ambém os que est ão em via de f ormação, o que permit e o
delineament o da compet ência da criança [ do est udant e] e de suas f ut uras conquist as, assim
como a elaboração de est rat égias pedagógicas que o auxiliem nesse processo (REGO, 1995, p.
74).

O mét odo pesquisa-ação est eve de acordo com esse t rabal ho por ser um t ipo de pesquisa social com
base empírica, concebida e real izada em associação com uma ação col et iva, na qual a
prof essora/ pesquisadora, as est agiárias e os al unos est iveram envol vidos de modo cooperat ivo e
part icipat ivo (THIOLLENT, 2005, p. 16).
Esse mét odo f oi ut il izado, pois abrange as sit uações concret as de aprendizado e t odo um processo de
descobert a de capacidades individuais e col et ivas, e de novas maneiras de se rel acionar-se com a
música. Gerou, ainda, a produção e a circul ação de inf ormação, com base na t ranscrição/ arranj o de
obras exist ent es. Est a pesquisa-ação f oi realizada com o auxíl io principal ment e do mét odo dial ógico,
propiciando que a t omada de decisões acont ecesse de maneira crít ica e dial ét ica. Como af irma
Thiol l ent (2005, p. 42), nesse diál ogo, os pesquisadores e os demais part icipant es t razem “ o
264 SIMPEMUS 5
conheciment o de diversos el ement os de t eorias ou de experiências ant eriorment e adquiridas” . A
const rução do conheciment o deu-se a part ir da discussão ent re os envol vidos.
Al ém disso, a pesquisa-ação possibil it ou à pesquisadora “ mel hores condições de compreensão,
decif ração, int erpret ação, anál ise e sínt ese do mat er i al qual it at ivo gerado na sit uação invest igat iva”
(THIOLLENT, 2005, p. 31, grif o do aut or).
O est udo em quest ão consist iu no t rabal ho de t ranscrição/ arranj o de peças para conj unt os de câmara,
escol hidas e el aboradas pel os al unos, mediados pel as est agiárias e pel a prof essora, e na revisão dest as
peças pel as est agiárias. As t ranscrições/ arranj os f oram submet idas pel a prof essora/ pesquisadora, a uma
anál ise comparat iva ent re as part it uras originais e as el aboradas pel os part icipant es, observando-se
como os el ement os musicais das peças originais f oram t ranspost os e/ ou arranj ados.

Para saber se os al unos compreenderam o t rabal ho de t ranscrição/ arranj o real izado por el es e se el es e
as est agiárias aprovaram esse t ipo de at ividade, f oi ut il izada a t écnica de quest ionário semi-est rut urado
com pergunt a abert a “ que f ornece dados qual it at ivos, para invest igar a est rut ura nat ural das respost as,
com respeit o a um t ópico específ ico” (BAUER; GASKELL, 2002, p. 509). Possui a vant agem de “ dar mais
inf ormações” (HILL; HILL, 2005, p. 94). Já para Andrade (1997, p. 134), “ a int erpret ação procura um
sent ido mais ampl o nas respost as para os probl emas propost os” e, por int ermédio da anál ise, “ procura-
se verif icar as rel ações exist ent es ent re o f enômeno est udado e out ros f at ores” .

Para o regist ro das peças t ranscrit as/ arranj adas f oi ut il izada uma câmera f ot ográf ica SONY, com 5. 1
mega pixel s, com capacidade para f il magem. O obj et ivo da gravação dessas peças f oi para
demonst ração em event os cient íf icos e, para present ear os part icipant es dest a pesquisa, com som e
imagem o f echament o dest e t rabal ho.

Final izando, a pesquisadora procedeu ao exame de cada part e do processo, buscando compreender
como ocorreu a vivência da at ividade de t ranscrição/ arranj o e execução das obras pel os al unos.

3. População
O proj et o dessa pesquisa f oi apl icado à única cl asse de Música de Câmara, discipl ina das Prát icas em
Conj unt o dos Cursos FM I, FM II e AV do Programa de Ext ensão da EMBAP. As aul as f oram semanais, de
50 minut os cada, e por iniciat iva de al guns al unos, houve aproximadament e quat ro horas ext racl asse.

Part iciparam onze est udant es, duas est agiárias e a pesquisadora, prof essora da EMBAP, responsável por
est a discipl ina e aut ora dest e art igo.

Os est udant es part icipant es dessa discipl ina est avam mat ricul ados nos Cursos FM I (7º ano), FM II (1º e 2º
anos) e AV (1º, 2º e 3º anos) e t inham conheciment o musical e habil idade de execução inst rument al
compat ível com as Invenções a duas vozes de Bach (QUADRO 2).

Dos onze al unos part icipant es, a f aixa et ária de nove del es era dos 12 aos 16 anos de idade e de out ros
dois est ava acima dos 40 anos, pois não há l imit e de idade para o ingresso de al unos nos Cursos FM II e
AV. Houve t ambém, a t ransf erência da al una NB, do Curso Avançado para o Curso Superior de
Composição e Regência, por t er sido aprovada por meio de reaproveit ament o de vagas para est e curso
de graduação. Devido a essa aprovação, j á em maio, NB começou a part icipar dessa pesquisa como
est agiária e revisora das peças. Cont udo, ainda como al una, part icipou e cont ribuiu com o arranj o de
uma peça e part icipou do recit al em novembro para a gravação.
Em set embro, um dos al unos abandonou t odas as discipl inas do curso em que est ava mat ricul ado e, um
out ro al uno demonst rou não ser assíduo, f al t ando t ambém no dia do recit al / gravação. Port ant o, dos
onze est udant es iniciais, os t rabal hos f oram encerrados no dia da gravação com nove al unos, duas
est agiárias e a pesquisadora. A al una NB f oi considerada duas vezes. Tant o como al una, como est agiária
(QUADRO 2).

Est udant es Ano/ Curso Inst rument o

JB 7º FM I Viol oncel o

MM 7º FM I Viol ino

TM 7º FM I Saxof one al t o

XX* 1º FM II Saxof one al t o

AB 1º FM II Cl arinet e

ER 1º FM II Viol a
simpósio de pesquisa em música 2008 265
VC 1º FM II Fl aut a

RG 2º FM II Fl aut a

PG 1º AV Piano

NB** 2º AV Piano

DS 3º AV Piano

QUADRO 2 – ESTUDANTES, CURSOS E INSTRUMENTOS FONTE: BORUSCH (2008, f . 59) NOTAS: *XX: al uno
desist ent e; **NB: al una at é o mês de j ul ho e part icipant e da gravação
Dez al unos aceit aram part icipar da pesquisa e seus respect ivos responsáveis assinaram um Termo de
Consent iment o de Part icipação de Pesquisa para o Est udant e, no qual f oi dada permissão para:

col ocar o nome de cada al uno em seus produt os musicais;


f il mar e gravar a apresent ação dos al unos dest es produt os;

responder ao quest ionário ent regue pel a pesquisadora.


As duas al unas do Curso Superior de Composição e Regência assinaram o Termo de Consent iment o de
Part icipação de Pesquisa para a Est agiár ia, no qual f oi dada a permissão para:
col ocar seus nomes em seus produt os musicais e nas revisões que real izaram;

responder ao quest ionário ent regue pel a pesquisadora.


Assim, nas t ranscrições/ arranj os, f oram col ocados os sobrenomes dos respect ivos aut ores e revisores, os
quais se sent em orgul hosos e prazerosos por essa decisão. Porém, no decorrer da discussão, f oram
usadas apenas as suas iniciais.

4. A pesquisa
Essa pesquisa, apl icada no decorrer de 2007, const ou da escol ha das part it uras pel os est udant es dent re
as part it uras l evadas pel a prof essora/ pesquisadora, pel as est agiárias e pel os próprios al unos4; da
t ranscrição/ arranj o real izada pel os al unos, mediados ou não pel a prof essora/ pesquisadora e pel as
est agiárias; da revisão dessas peças pel as est agiárias; da execução e da gravação dessas peças pel os
al unos; e do quest ionário respondido pel os est udant es e est agiárias, sobre as at ividades real izadas em
cl asse. Com exceção da gravação na execução f inal , t odas as out ras et apas ocorreram simul t ânea e
espont aneament e, a part ir das necessidades do próprio processo. A el aboração das
t ranscrições/ arranj os era discut ida e iniciada em aul a. Os próprios al unos assumiram as part es
inst rument ais que eram capazes de t rabal har. O resul t ado era t razido na aul a seguint e, ocasião em que
era execut ado e col ocado à apreciação do grupo. A part ir daí, quando necessário, ocorriam sucessivas
modif icações e novas apresent ações nas aul as subseqüent es. Os part icipant es, al unos, est agiárias e
prof essora podiam dar sugest ões, porém as mudanças na escrit a eram real izadas pel os al unos e, depois
de pront as, f oram passadas pel a prof essora/ pesquisadora, para o programa Encor e 4. 5, t ransf ormadas
em pdf – Adobe Reader , real izando assim, um mat erial apost il ado com as peças t rabal hadas. Isso
garant iu a part icipação de t odos na const rução da experiência, cada qual buscando est ender sua
compreensão. Durant e t odas as at ividades f oram enf at izados dois aspect os: de um l ado, a experiência
de reconst ruir com l iberdade e de manipul ar criat ivament e uma composição pré-exist ent e; de out ro, a
vivência da prát ica da música de câmara como ação prazerosa e de aut o-real ização.
Ao l ongo do ano, os part icipant es sel ecionaram dez músicas, conf orme suas possibil idades e
pref erências, para serem t ranscrit as/ arranj adas. Dessas dez, uma del as, mesmo com sua
t ranscrição/ arranj o real izada, não f oi ent regue. Das nove peças ent regues, t odas f oram revisadas.
Dessas peças, duas não f oram gravadas. Uma delas porque o aluno responsável por sua t ranscrição e que
t inha part e no quart et o, f alt ou no dia da gravação. A out ra por t er sido elaborada muit o próxima à
gravação.
O Quadro 3, apresent a os nomes das peças e do(s) aut or(es), as iniciais dos t ranscrit ores/ arranj adores
responsáveis, os inst rument os para os quais cada peça f oi t rabal hada, a inicial do revisor e, quais del as
f oram gravadas. As peças est ão ordenadas conf orme f oram sendo t rabal hadas.

Peça Aut or(es) Transcr. / arr. Inst rument os Revisão Gravação


original

4
Part it uras ext ensas como, por exemplo, Sonat as, não f oram aceit as para que os al unos pudessem
t ranscrever/ arranj ar o mais rápido possível, para poder t ocar esses produt os.
266 SIMPEMUS 5
Ser est a Guerra-Peixe PG Violino, Violoncelo e JR Sim
Piano
para piano

Secr et Cat herine JR; TA Clarinet e, Saxof one NB; JR Sim


Agent Rollin alt o e Piano
of t he 88s
para piano

*Lasci a G. F. Händel - - - -
ch’ i o pi anga
f r om
“ Ri nal do”
cant o e
piano

Fal ando de A. C. Jobim NB Flaut a, Violoncelo NB Sim


Amor Arr. : P. Jobim e Piano
para cant o
e piano

Vel ha P. I. ER Clarinet e, Violino JR Não


Mel odi a Tschaikowsky
Viola e Violoncelo
Fr ancesa
para piano

That ’ s Al l Bandt e DS; TA Saxof one alt o e NB; JR Sim


para cant o Haymes Piano
e piano

The S. Joplin PG; VC Flaut a, Clarinet e JR Sim


Ent er t ai ner
e Piano
para piano

Car i nhoso Pixinguinha VC; RG; AB 2 Flaut as, Clarinet e, JR; NB Sim
Viola, Violoncelo e
para ER; NB; JB; PG;
Piano
DB
piano

Ber ceuse G. Faurè AB; DS; MM Clarinet e, Violino JR Sim


op. 16
JB/ DB Violoncelo e Piano
Transcrição
para f laut a
ou clarinet e
e piano

Vi er am os Henrique RG; DB Flaut a, Clarinet e, JR Não


Past or es Morozowicz Violoncelo e Piano
para piano a de Curit iba
4 mãos

QUADRO 3 – PEÇAS TRANSCRITAS/ ARRANJADAS FONTE: BORUSCH (2008, f . 61) NOTA: HÄNDEL, G. F.
Lasci a ch’ i o pi anga f r om “ Ri nal do” peça que não f oi ent regue

5. Como se deu o processo de transcrição/ arranj o


Por meio da análise comparat iva ent re as peças originais e as t ranscrit as/ arranj adas, realizada pela
prof essora/ pesquisadora pôde-se saber como se deu o processo de t ranscrição/ arranj o de part it uras
para conj unt os de câmara elaborados pelos est udant es part icipant es da disciplina Música de Câmara
para eles próprios t ocarem.
simpósio de pesquisa em música 2008 267
Esse processo deu-se em t rês et apas: a primeira et apa relaciona os procediment os iniciais; a segunda
relaciona o desenvolviment o do processo const rut ivo das peças5 e conf orme a habilidade do aluno
t ranscrit or/ arranj ador, est e pôde t ransit ar pelas duas et apas sem a experiment ação da primeira; a
t erceira et apa relaciona os procediment os f inais para a realização da perf ormance dessas peças.
Primeira etapa:
escolha da peça a ser t ranscrit a/ arranj ada;
audição e/ ou análise da peça para dist inguir as vozes;
escolha do inst rument o para cada voz;
mudança de região (alt ura) t ant o na escrit a quant o com a indicação de oit ava;
escrit a, execução, apreciação e discussão.
Segunda etapa:
duplicação de not as, mot ivos e f rases para execução em dois inst rument os ao mesmo t empo;
duplicação de not as selecionadas do acompanhament o para criação de f rases;
colocação de not as, mot ivos, f rases e acompanhament os por meio da análise harmônica e/ ou recurso
audit ivo;
mudança do valor da not a;
supressão de not as e/ ou linha melódica e/ ou t ransf erência dest as para out ro inst rument o;
alt ernância de inst rument os ent re as vozes;
ut ilização de gl issando, appogiat ura, t rinado;
colocação de art iculação, de dinâmica;
ant ecipação de mot ivo rít mico/ melódico;
adição de um compasso;
mudança de andament o;
mudança na condução harmônica;
escrit a, execução, apreciação e discussão.
Terceira etapa:
revisão das peças t ranscrit as/ arranj adas pelas est agiárias;
elaboração de uma apost ila, pela prof essora/ pesquisadora, com as peças t ranscrit as/ arranj adas, para
dist ribuição ent re os part icipant es;
gravação das peças t ranscrit as/ arranj adas em um recit al.

6. A importância desta atividade na vivência pessoal, musical e profissional dos envolvidos


Nest e cont ext o, t ant o o mat erial apost ilado quant o a gravação são aspect os visíveis da t raj et ória
percorrida. Os inúmeros out ros saberes int ernalizados podem ser apenas int uídos mediant e os
coment ários e as respost as dos alunos e das est agiárias, dadas aos quest ionários.
Respost as dos est udant es:
TA disse que, depois do percurso realizado, est á t ocando melhor out ras músicas;
PG af irmou que est e t rabalho a aj udou “ a t reinar cadências, acordes e escalas” ;
DS respondeu que a experiência lhe proporcionou cresciment o “ na part e prát ica (arranj os, improvisos) e
t ambém na part e t eórica (harmonia)” . Ela buscou mant er-se em “ sint onia com a harmonia e dar base ao
solist a” ;
MM af irmou que ant es “ pegava as músicas pront as e não conhecia o ‘ processo’ de t ranscrever,
escrever” , e agora ela sabe;
RG respondeu que “ f oi uma excelent e mat éria, porque abre o campo de conheciment o sobre música e
sobre t ocar com out ros inst rument os” ;

5
Alguns it ens ocorreram em apenas uma peça.
268 SIMPEMUS 5
AB aprendeu “ a ver música sem t ocar soment e o [ . . . ] [ seu] inst rument o (clarinet e), mas a pensar nas
diversas sonoridades ant es de começar a t ranscrição” ;
NB considerou “ import ant e a disciplina na f ormação do Músico [ ! ] , pois ele aprende a t ocar com os
out ros músicos [ ! ] ” .
Respost as das est agiárias:
para JR, a parceria cont ribuiu “ para o desenvolviment o musical de ambas as part es” e “ a sugest ão é
que cont inue e amplie para alcançar os demais” , pois “ é muit o bom” ;
segundo NB, f oi “ uma oport unidade para [ . . . ] [ as est agiárias t est arem] os diversos t imbres inst rument ais
nos arranj os propost os e desenvolvidos com a t urma” . “ O cont at o com os alunos propicia cresciment o e
aprendizado” ;
NB como sugest ão, solicit ou a “ parceria const ant e de alunos de Composição e Regência com os alunos
de FM I, FM II e AV, t rabalhando com orquest ração e arranj os, f ormando Conj unt os de Música de Câmara
da EMBAP” .

7. Considerações finais
Foi com o int uit o de t razer ao processo de educação musical a dinamicidade e a permanência do
aprendizado, por meio da vivência alargada do f azer música em conj unt o, que surgiu essa pesquisa. A
experiência dos envolvidos f oi const it uída desde a compreensão da obra original, a sua desconst rução, a
sua reconst rução criat iva individual e/ ou colet iva, as experiment ações audit ivas durant e est e processo,
at é a sua perf ormance para a gravação.
A hist ória da música most ra que o aprendizado musical ocorria de maneira int egrada, copiando-se e/ ou
manipulando-se grandes obras do passado. Os grandes mest res da música como Bach, Mozart ,
Beet hoven, Schumann e Liszt , ent re out ros, t odos eles composit ores e int érpret es, copiavam,
t ranscreviam, adapt avam, const ruíam variações sobre composições de seus ant ecessores e
cont emporâneos t ant o para aprender a escrever quant o para possibilit ar a perf ormance por eles
próprios e por out ros.
Not a-se, port ant o, que no passado a música em seus possíveis f azeres era prat icada como um t odo. No
ent ant o, no passar de poucos séculos, houve a cisão ent re o músico composit or e o músico int érpret e.
Desvinculou-se o ver, o invest igar, o manipular, o compor e o t ocar, encont rando-se a prát ica musical,
hoj e, ainda compart iment alizada. Acredit a-se não ser f ácil o prof essor dar o passo inicial nest a
mudança, por não t er t ido ele próprio est a experiência ou int imidade com a composição.
Com a realização desse proj et o, procurou-se oport unizar aos alunos um ret orno à vivência do const ruir o
próprio conheciment o musical. Ao mesmo t empo em que se est á possibilit ando aos part icipant es uma
nova abordagem da música, t em-se como ret orno uma nova aprendizagem, advinda da t roca e da
ousadia. Aprende-se muit o, t ambém, observando o processo pelos quais eles passaram, cada qual dent ro
das próprias possibilidades procurando ampliá-las.
É nesse sent ido que a realização dessa pesquisa t em sua import ância maior. De um lado, a vivência
ampliada da experiência musical, que t em como conseqüência uma nova visão do f azer música. De
out ro, uma compreensão signif icat iva do processo de const rução musical com liberdade, o qual colabora
para a conscient ização das muit as possibilidades do si mesmo e da inserção dest e ser no mundo. O
compart ilhar com o colet ivo, por sua vez, propicia t rocas t ant o de conheciment o quant o de af et ividade.
De cert a maneira, pode-se considerar que essa pesquisa não f oi uma novidade, f oi uma volt a a um
passado que t raz consigo aspect os f undament ais para uma nova abordagem de ensino musical. Est a
abordagem envolve as cinco at ividades do modelo (T)EC(L)A, propost o por Swanwick, const it uindo uma
vivência que o aut or considera uma experiência complet a do discurso musical. Com base nessa
experiência, pode-se alargar esse proj et o para que alcance muit o mais alunos para que possam
experiment ar, manipular, f azer novas conexões com a música como t ambém iniciar uma out ra vivência,
um out ro processo, pois de acordo com Nirenberg, (1995, p. 159, grif os do aut or), “ f az-se música de
câmara, e não t oca-se música de câmara. São o f azer at r avés da vi vênci a e a vi vênci a at r avés do f azer ,
requisit os f undament ais para t ornar-se camerist a. Trat a-se de um processo, e um processo de
amadureciment o” .

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“ MÚSICA É UMA CAÇADA AO TESOURO” : WORLD MUSIC E BUENA VIST A SOCIAL CLUB

Andr ey Gar ci a Bat i st a (UDESC)

RESUMO: Quest ões rel at ivas à chamada wor l d musi c t êm sido examinadas por pesquisadores nas úl t imas
duas décadas, envol vendo discussões sobre gl obal ização, t radição ver sus cosmopol it ismo, rel ações de
t roca e apropriação de bens musicais, dent re out ras. Nest e art igo, o proj et o Buena Vi st a Soci al Cl ub ,
que durant e a década de 1990 document ou e deu visibil idade int ernacional ao gênero son da música
cubana, é conf ront ado com est udos sobre a wor l d musi c e anal isado a part ir do ângul o pol ít ico-
ideol ógico e mercadol ógico. Buena Vi st a t oca em pont os del icados no que diz respeit o às compl exidades
cul t urais e hist óricas que exist em ent re os dois países — Cuba e Est ados Unidos — envol vidos no proj et o.
PALAVRAS-CHAVE: et nomusicol ogia – wor l d musi c – música cubana
ABSTRACT: During t he l ast t wo decades, schol ars have been discussing several issues concerning t he
concept of wor l d musi c. Those issues invol ve discussions about gl obal izat ion, t radit ion ver sus
cosmopol it anism, music t rading and appropriat ion. In t his art icl e, Buena Vi st a Soci al Cl ub — a musical
proj ect in t he 1990s which regist ered t he son Cuban musical genre, and provided int ernat ional visibil it y
t o it as well — is f aced wit h st udies about world music and anal yzed in it s pol it ical , ideol ogical and
market el ement s. Buena Vi st a cont ains del icat e issues rel at ed t o t he cul t ural and hist orical compl exit ies
exist ent bet ween Cuba and Unit ed St at es.
KEYWORDS: et hnomusicol ogy – wor l d musi c – Cuban music

Int rodução
Durant e a segunda met ade da década de 1990, a mídia int ernacional t eve suas at enções at raídas para o
Caribe, mais precisament e para Cuba, depois que o proj et o chamado Buena Vi st a Soci al Cl ub se t ornou
um best -sel l er dos mercados f onográf ico e cinemat ográf ico. Os soner os, músicos cubanos l igados ao son,
gênero musical t radicional na il ha, f oram col ocados sob o f oco de hol of ot es dos dois l ados do At l ânt ico,
agit ando o mercado da wor l d musi c.
Pret ende-se ident if icar e examinar al guns dos pont os para discussão cont idos em Buena Vi st a Soci al
Cl ub, rel acionados às prát icas discursivas em t orno da música popul ar e da chamada wor l d musi c,
segundo det erminado recort e bibl iográf ico (CONNELL e GIBSON, 2004; FELD, 1994, 1996, 2005; HAMM, 1995;
HARRIS, 2000; HAYNES, 2005; LUCAS, 1996; MIDDLETON, 1990; WYNDHAM e READ, 2003), bem como l ançar um
ol har crít ico sobre al gumas das quest ões gerais, de cunho social , ideol ógico e pol ít ico, suscit adas pel a
produção, nas suas f ormas t ant o f onográf ica quant o cinemat ográf ica.
O t ermo wor l d musi c, depois de t er surgido no âmbit o acadêmico — que al ém de t ent ar ser uma
al t ernat iva ot imist a para o t ermo ‘ et nomusicol ogia’ , buscava t ambém “ um ef eit o pl ural izador nos
conservat órios ocident ais, ao promover a cont rat ação de execut ant es e o est udo de prát icas não-
ocident ais” (FELD, 2005, p. 11) —, f oi t ransf ormado em uma espécie de rót ul o para um det erminado t ipo
de produt o da indúst ria musical . O mercado int ernacional busca em cul t uras sit uadas f ora do âmbit o
ocident al novos mat eriais musicais, que são t ransf ormados em mercadoria. Est e processo de t roca
int ercul t ural acaba ocorrendo sob a ação de f orças desiguais, que t endem a privil egiar os envol vidos de
maneira desequil ibrada. Est e universo é pal co de rel ações compl exas, onde prát icas discursivas e
ideol ogias desempenham um papel signif icat ivo. A apropriação musical , de acordo com Fel d (1994),
ref l et e duas cat egorias discursivas: de um l ado, um discurso se f orma em t orno da noção de t radição e
“ raiz” ; e de out ro, em t orno da idéia de expl oração. Segundo Haynes, “ a wor l d musi c é geral ment e
imaginada, cel ebrada e embal ada como um exempl ar de uma harmonia gl obal e como a pl ant a de um
proj et o para uma sociedade mul t icul t ural ” (HAYNES, 2005, p. 366)
As compl exidades que envol vem as prát icas musicais sob o rót ul o da wor l d musi c at ingem e af et am
l argament e o mercado musical at ual . Mesmo que a embal agem do produt o não t raga o rót ul o est ampado
l it eral e expl icit ament e, os processos envol vidos na produção dest e t ipo de mercadoria cul t ural podem
caract erizá-l o como t al . Wor l d musi c, port ant o, mais do que uma divisão na prat el eira da l oj a de discos,
é uma post ura, uma at it ude, consol idada at ravés de prát icas discursivas que geram pol arizações ent re
“ música” e “ músicas” , t radição e cosmopol it ismo, aut ent icidade e hibridismo, l ocal e gl obal .

O proj et o Buena Vista Social Club


Buena Vi st a Soci al Cl ub é uma produção que regist ra uma reunião de músicos nort e-americanos e
cubanos em ál bum (COODER et al . , 1997) e document ário cinemat ográf ico (WENDERS, 2000) homônimos. O
simpósio de pesquisa em música 2008 271
álbum t em a produção assinada por Ry Cooder, composit or, guit arrist a e produt or musical nort e-
americano — que t raz no currículo t rabalhos em t rilha sonora para cinema, além de dois prêmios
Gr ammy na cat egoria wor l d music em 1993 e 1994 —, sob o crivo de Nick Gold, produt or brit ânico que
dirige o selo World Circuit Records. O f ilme f icou a cargo do cineast a alemão Win Wenders, responsável
pela direção e rot eiro.
Em uma das f alas de Ry Cooder regist radas no document ário, o músico declara que, em 35 anos de
carreira como produt or musical, Buena Vi st a Soci al Cl ub f oi o disco que desf rut ou de melhor aceit ação
por part e do seu público. At é ent ão, Cooder considerava o t rabalho como sendo o auge de sua
t raj et ória. A produção t ambém f oi cont emplada com o prêmio Gr ammy, no ano de 1997, na cat egoria
de música lat ina. O f ilme de Wenders ganhou mais de uma dúzia de prêmios em f est ivais int ernacionais
de cinema, além de uma indicação ao Oscar no ano de 2000.
O proj et o cont ou com a colaboração presença de músicos cubanos membros de uma espécie de ‘ velha
guarda’ , incluindo nomes como Francisco ‘ Compay Segundo’ Repilado, Ibrahim Ferrer, Eliades Ochoa,
Rubén Gonzáles, dent re out ros. O repert ório é f ocado quase que exclusivament e em composições
abrangendo gêneros musicais que se consolidaram e eram prat icados em Cuba ent re as décadas de 1930
e 1950, incluindo o son, o danzón, o bol er o e a guaj i r a.
Abaixo se lê as palavras do produt or musical, em que manif est a suas impressões sobre o proj et o, que
servem como impulso para a análise e discussão que seguem.
Os músicos e cant ores do ‘ son de Cuba’ t êm cult ivado est a música ref inada [ . . . ] numa
at mosf era selada, livre dos acont eciment os de um mundo hiper-organizado e ruidoso. Num
período de cerca de 150 anos, eles desenvolveram um belo conceit o de conj unt o que f unciona
[...].

Est a música est á viva em Cuba, e não é um vest ígio de museu no qual nos deparamos sem
querer. [ . . . ] Música é uma caçada ao t esouro. Você cava, cava, e às vezes encont ra alguma
coisa. Em Cuba a música f lui como um rio, cuida de você e o reconst rói de dent ro para f ora.
[...] 1

“ Música é uma caçada ao tesouro”


Um músico pop nort e-americano ou europeu f az uma viagem a um país dist ant e para pesquisar e
recolher uma música exót ica; o mat erial é gravado e t ransf ormado em mercadoria da indúst ria cult ural;
o álbum arrecada um t esouro de milhões de dólares em vendas de discos no mercado int ernacional. Est a
é uma descrição, obviament e simplif icada e caricat a, de um t ipo de prát ica que se t ornou bast ant e
f reqüent e a part ir da década de 1980 dent ro do que veio a se chamar de wor l d music (FELD, 2005, p. 12).
A produção de Buena Vi st a Soci al Cl ub pode ser enquadrada como t ípico exemplo de mercadoria musical
produzida por est a indúst ria. A exemplo de out ros produt os que se apresent am sob est e rót ulo (cf .
CONNEL e GIBSON, 2004; FELD, 1994, 1996, 2005), o produt o carrega consigo quest ões bast ant e complexas
sobre a produção, a circulação e o consumo de mercadorias musicais. O que acont ece em Buena Vi st a
Soci al Cl ub, at ravés da f igura do seu produt or Ry Cooder, parece ser exat ament e uma caçada a um
t esouro musical que est eve supost ament e esquecido durant e décadas. O país dist ant e é a Cuba da
década de 1950, românt ica e nost álgica, pré-revolução, “ do t empo em que Havana era um pl aygr ound”
para o povo americano (WYNDHAM e READ, 2003, p. 501).
Os prof issionais envolvidos nos dois proj et os Buena Vi st a Soci al Cl ub, t ant o Cooder quant o Gold e
Wenders, desempenham um papel que se encaixa no que Bourdieu chama de “ mediador cult ural” ,
conf orme apont ado por Haynes (2005, p. 368). Haynes dest aca dois t ópicos relacionados ao conceit o de
mediação cult ural:
a) exist e, para Bourdieu, uma f orma de t ensão que est á sit uada no senso de ident idade de classe, que
associada ao papel prof issional, mist ura dist inções da vida cot idiana, gost os e at ividade prof issional;
b) o t rabalho dos mediadores visa a produção simbólica at ravés de f ormas de promoção (propaganda,
market ing) como t ent at iva de moldar o valor de t roca e de uso dos bens cult urais. Assim, o mediador
cult ural assume uma posição de cont role que, at ravés de persuasão via t écnicas de market ing e da

1
Excert os do t ext o de apresent ação escrit o pelo produt or Ry Cooder no encart e do disco Buena Vist a Social Club
(sem grif o no original). Eis a t ranscrição do t ext o original, na ínt egra: “ The players and singers of t he ‘ son de Cuba’
have nurt ured t his very ref ined and deeply f unky music in an at mosphere sealed of f f rom t he f all out of a hyper-
organised and noisy world. In t he t ime of about a hundred and f if t y years, t hey have developed a beaut if ul ensemble
concept t hat works like greased light ning. This album is blessed wit h some of t he f inest musicians in Cuba t oday —
t heir dedicat ion t o t he music and rapport wit h each ot her is unique in my experience. Working on t his proj ect was a
j oy and a great privilege. This music is alive in Cuba, not some remnant in a museum t hat we st umbled int o. I f elt
t hat I had t rained all my lif e f or t his and yet making t his record was not what I expect ed in t he 1990s. Music is a
t reasure hunt . You dig and dig and somet imes you f ind somet hing. In Cuba t he music f lows like a river. It t akes care
of you and rebuilds you f rom t he inside out . My deepest t hanks t o everybody who part icipat ed in t his record” .
272 SIMPEMUS 5
criação de um mercado, possibilit a manej ar as conexões que t ais valores possam t er com as vidas do
público consumidor.
Assim, o alvo dos mediadores cult urais é ligar um produt o cult ural a consumidores pot enciais
t ent ando est abelecer processos de ident if icação ent re, por exemplo, um j ogo de comput ador
e um adolescent e, uma est rela de novela e um espect ador, e no caso dos mediadores
cult urais na indúst ria da world music, um CD de música senegalesa e um ouvint e inglês.
(Haynes, 2005, p. 368).

Wyndham e Read (2003) sugerem que Buena Vi st a Soci al Cl ub pint a um ret rat o da música cubana que f oi
f ormat ado e direcionado pelos seus produt ores, para cert o t ipo de consumidor nort e-americano (dent ro
de um perf il de classe média cosmopolit a), cuj o gost o j á est á moldado j ust ament e pelos vínculos
cult urais e simbólicos que exist em ent re os dois países, conf orme será vist o mais adiant e.

“ A música flui como um rio”


O proj et o Buena Vi st a Soci al Cl ub ref let e um t ipo de discurso sobre aut ent icidade bast ant e comum no
âmbit o da wor l d musi c, sobret udo no que diz respeit o a quest ões envolvendo a presença da af ricanidade
na América Lat ina e no Brasil: Lucas (1996) ident if ica pont os nas prát icas discursivas dif undidas ent re
meios de comunicação, numa análise sobre as represent ações da música brasileira na mídia nort e-
americana, que podem se est ender à discussão sobre a cult ura de Cuba. A visão sobre a música cubana
ret rat ada em Buena Vi st a Soci al Cl ub é um ref lexo de discursos semelhant es aos analisados por Lucas.
A música brasileira aparece expressa na versão ilust rada/ românt ica do paraíso, [ . . . ] em
narrat ivas do t ipo ‘ na paisagem luxuriant e dos t rópicos o ouvint e a cada moment o encont ra-
se com t rilhas sonoras ricas em melos e rit mos, dominadores de corpo e alma’ . No sist ema
discursivo dos t ext os veiculados pela mídia americana sobre a música brasileira, o Brasil é
t raduzido musicalment e pela personif icação do mit o do lat in lover, [ . . . ] que produz uma
música capaz de of erecer exot ic aural delight s/ seduct ive sounds/ spicy melodies
corporif icados em sensual rhyt hms. A rít mica af ro-brasileira é invariavelment e apont ada
como o element o ét nico-exót ico mais import ant e da ident idade musical brasileira. (Lucas,
1996, p. 3)

Além dest a “ f et ichização do lugar” (CONNEL e GIBSON, 2004, p. 353), são narrat ivas em t orno da
af ricanidade e do component e rít mico af ricano nas musicalidades present es nos países lat inos que
aparecem ref let idas em Buena Vi st a: Joachim Cooder, percussionist a nort e-americano part icipant e do
proj et o, f ilho de Ry, t ambém ent revist ado no f ilme, coment a o t om de brincadeira com que f oi t rat ado
pelos músicos cubanos: f icou conhecido como “ o cara dos sons engraçados” , por t er incorporado às
gravações inst rument os de percussão alheios à t radição musical nat iva, e port ant o, que os soner os não
cost umam ut ilizar (como o udu dr um e o dumbek ); e Ry Cooder, por sua vez, af irma que a int enção
inicial do proj et o do selo World Circuit Records era gravar um álbum que mist uraria músicos camponeses
cubanos com músicos do oest e da Áf rica. Os dois exemplos most ram uma t endência a uma imagem de
alt eridade musical generalizant e, que coloca as músicas dos “ out ros” em um amont oado genérico —
uma wor l d musi c que deveria ser chamada de t hi r d wor l d musi c, conf orme ironiza Feld (2005, p. 12).

“ Uma música cultivada numa atmosfera selada. . . ”


Quant o à problemát ica da aut ent icidade, conf orme af irma Middlet on (1990), por mais que se f ormem
discursos em t orno do que é ou não genuíno, “ na prát ica, nenhuma música anda pelo cenário hist órico
de f orma descont aminada” . E é j ust ament e no t ocant e à aut ent icidade — de uma música “ cult ivada
numa at mosf era selada” , para usar as palavras do próprio Cooder —, em que sobressaem algumas das
cont radições de Buena Vi st a Soci al Cl ub . O álbum t raz a especif icação do gênero musical de t odas as
f aixas gravadas, e duas delas est ão classif icadas sob o nome i nf l uenci a amer i cana, o que j á demonst ra
um t raço de hibridismo e int ercult uralidade. A presença dos Cooder — a sl i de gui t ar de Ry e a percussão
exót ica de Joachim — irrit ou alguns crít icos (DE LA HOZ, 2000; EBERT, 1999); t alvez, j ust ament e, porque
esperavam a música aut ênt ica “ cult ivada numa at mosf era selada” .
Af inal, por que Ry Cooder part icipa do f ilme como músico? Cont rariament e ao que Feld (1994, 1996)
problemat iza a respeit o de out ros músicos do cenário pop, não parece haver a int enção explícit a por
part e de Cooder, no álbum produzido por ele, de se “ apropriar” da música dos soner os: t odos os
composit ores est ão devidament e credit ados, bem como os músicos. Mas as imagens do f ilme most ram
Cooder numa posição de dest aque, não soment e por encabeçar a produção, mas por ser o ment or e o
responsável por um encont ro ant es impossível.
A elit e dos art ist as pop est á na posição art íst ica e econômica mais f ort e para se apropriarem
do que gost am na diversidade musical humana, com t odo o apoio das companhias gravadoras
e muit as vezes com a grat idão dos músicos cuj o t rabalho apenas aparece com novo nome.
(Feld, 1994, p. 245)

Conf orme Feld, f iguras ligadas ao cenário pop f azem part e de uma est rut ura t riangular que move o
mercado musical, abrangendo as gr avador as, os ar t i st as pr i nci pai s e os músi cos, sendo que os últ imos
simpósio de pesquisa em música 2008 273
geral ment e servem como mão-de-obra no moment o da produção, e geral ment e t êm pouca ou nenhuma
part icipação nos ganhos com o produt o f inal. Feld apont a exempl os em que, do pont o de vist a da
propriedade do produt o, o dist anciament o ent re o st at us dos ast ros pop e dos músicos que col aboram na
produção est abelece o limit e ent re o que é part icipação e o que é propriedade, sendo que est a úl t ima
quase sempre é conf erida ao pop st ar (1994, p. 242).
Talent o como t rabalho pode ser import ado, t ransf ormado em mercadoria at ravés de
apropriação e export ado com um novo rót ulo, reaf irmando o t alent o, a habilidade e a
singularidade do art ist a que reuniu t udo. (Feld, 1994, p. 245)

Terá sido est a a int enção de Ry Cooder? Nas cenas de palco, o produt or sempre ocupa a posição cent ral.
A últ ima imagem do f ilme, exat ament e a últ ima, logo após os crédit os f inais, não é nada democrát ica:
ao invés de most rar os músicos cubanos, congela em Cooder sozinho, agradecendo os apl ausos do
Carnegie Hall lot ado. A problemát ica do salvacionismo, bast ant e present e nas discussões sobre a worl d
music, aparece de f orma clara: as imagens t endem a most rar que o heróico proj et o liderado pelo
músico nort e-americano salvou os soneros cubanos do esqueciment o e das condições de vida em que se
encont ravam, e que a presença da f amília Cooder resgat ou e most rou para o mundo est a música
(supost ament e) rara, (supost ament e) cult ivada dent ro de um (supost o) ambient e hermet icament e
f echado.

“ . . . e livre dos acontecimentos de um mundo hiper-organizado e ruidoso”


A af irmação de Harris (2000, p. 25), de que “ nenhuma prát ica musical pode ocorrer int eirament e
separada de processos sociais” , por mais que hoj e pareça um t ruísmo, merece ser enf at izada e
t ranspost a para o cont ext o aqui analisado. Para um espect ador mais at ent o, Buena Vist a é inquiet ant e:
nenhum t rabalho musical envolvendo músicos nort e-americanos e cubanos poderia passar despercebido
e deixar de suscit ar as sérias quest ões que envolvem a t raj et ória hist órica dos dois países. Cert ament e
não é nenhuma novidade que o binômio Cuba/ EUA é um vespeiro de t ensões polít icas, “ que
t ransf ormaram as meras 90 mil has que separam a penínsul a da Fl órida da il ha de Cuba em um muro de
Berlin caribenho” (WYNDHAM e READ, 2003, p. 498). E embora exist a est a f ort e divisão mot ivada pelo
dist anciament o polít ico — Cuba é vist a por uma signif icat iva parcela da sociedade nort e-americana
como um “ out ro” polít ico, social, hist órico —, para Wyndham e Read, os “ vent os cult urais” at uais
ult rapassam est a barreira, causando uma aproximação e promovendo t rocas ent re as cult uras dos dois
países que result am num quadro bem mais complexo, que vai além da simples quest ão polít ica.
Obviament e, quem assist e o document ário dirigido e escrit o por Wenders percebe que o diret or opt ou
por não se arriscar nest es t errenos minados — f ica cl aro que t rat a-se de um document ário musical, e
não polít ico. Ao mesmo t empo, ent ret ant o, o rot eiro não parece t er sido el aborado com muit o cuidado
(se é que houve no diret or a int enção de t er algum cuidado) e algumas quest ões sérias e provocant es
salt am aos olhos.
Como int erpret ar est es t ópicos delicados nos quais a produção esbarra? Em vários moment os no f ilme,
algumas cenas parecem f uncionar como armadilhas ideol ógicas que — int encionais ou não —, podem
capt urar o espect ador desavisado, e que ref let em, de uma f orma ou de out ra, um discurso polít ico
subliminar. Tomadas de câmera nas ruas de Havana, f ocalizando aut omóveis enf erruj ados e prédios de
arquit et ura neoclássica em conservação precária, aparecem int ercaladas com imagens de out doors com
o ret rat o de Che Guevara ou com f rases como “ est a revol ución es et erna” ou “ creemos en l os sueños” .
Numa das ent revist as com o cant or Ibrahim Ferrer, a uma de suas declarações, em que diz “ nós,
cubanos, t emos muit a sort e. . . somos pequenos, mas somos f ort es” , é sobrepost a a imagem de um
luxuoso aut omóvel, t ípico dos anos 1950, em péssimo est ado de conservação. Já próximo ao gran f inal e
— o concert o dos soneros no Carnegie Hall —, o document ário ret rat a os cubanos passeando por ent re
arranha-céus nas calçadas de Manhat t an, olhando vit rines, visit ando o t opo do edif ício Empire St at e. No
f inal, as imagens do grupo t ocando no t eat ro são int ercaladas com novas t omadas das ruas de Havana.
O f ilme parece querer criar (ou enf at izar), port ant o, uma imagem de alt eridade bast ant e polarizada,
uma noção de ‘ nós’ e ‘ out ros’ separada pelo muro de Berlin caribenho, const ruída sobre oposições:
progresso versus at raso, Nova York versus Havana, riqueza versus pobreza, capit alismo versus
comunismo, democracia versus dit adura. Eis um dos pont os t ensos de Buena Vist a Social Cl ub: o
component e ideológico, ao qual pode ser bast ant e dif ícil f azer vist as grossas. Cenas como as cit adas
podem t ransmit ir uma visão maniqueíst a e simplist a de um processo que é muit o mais compl exo e
int rincado do que o f ilme aparent ement e relat a.
Ent ret ant o, há out ras possibilidades de int erpret ação para o component e polít ico-ideológico de Buena
Vist a: ao mesmo t empo e por out ro ângul o, conf orme propõem Wyndham e Read (2003, p. 498), “ o
f ilme quer f ingir que as t ensões ent re as duas nações [ . . . ] nunca exist iram, e t ent a nos convencer de
que algo essencial une as pessoas de Cuba e dos Est ados Unidos” . Os aut ores ent endem que o encont ro
de Cooder com os cubanos é most rado como al go nat ural e f amiliar. As relações t ensas são
t ransf ormadas em inof ensivas at ravés do charme da cult ura musical cubana, a qual j á se encont ra, de
alguma f orma e em cert o grau, assimilada pelo público nort e-americano.
274 SIMPEMUS 5
A câmera t rabalha criando um senso de ‘ moment os em f amília’ . Como f ot ograf ias num álbum,
as canções no f ilme são cort adas e coladas, lado a lado, sugerindo f ragment os de um quadro
maior. Um observador not a que nenhuma das músicas é execut ada por int eiro. Por que se dar
ao t rabalho? Para quem é ínt imo de uma cult ura, como membros de uma f amília, não é
preciso dar t odas as not as, ‘ nós j á a conhecemos bem’ . Os cort es aliment am um senso de
compart ilhament o de valores e experiências. Coisas não dit as, músicas inacabadas, t udo f az
part e das memórias de f amília. Est a inf ormalidade premedit ada conf ere à hist ória uma
aparent e int imidade e genuinidade. (Wyndham e Read, 2003, pp. 502-503)

A int enção que exist e em const ruir o cl ima de f amil i aridade parece ser a de remet er o espect ador a uma
Cuba nost ál gica do período pré-revol ução, que f az part e do imaginário da cul t ura nort e-americana.
Ironicament e, f oram a t urbulência dos moviment os de independência, as demonst rações
ant icoloniais e as vigorosas lut as nacionalist as do f inal dos anos 1950 e início dos anos 1960 na
Áf rica, Ásia e América Lat ina que aliment aram essa criação de um mercado dos, e desej o
comercial pelos, aut ênt icos (e muit as vezes nost álgicos) alhures musicais. (Feld, 2005, p. 12)

Wyndham e Read (2003), port ant o, def endem que o proj et o Buena Vi st a Soci al Cl ub é uma t ent at iva de
reivindicação e reapropriação de t raços da cul t ura cubana por part e dos nort e-americanos. Segundo os
aut ores, o propósit o principal do f il me de Wim Wenders é “ reif icar o direit o cul t ural nort e-americano
sobre a il ha enf at izando o que convém e obscurecendo o que não convém” .

Conclusão
Conf orme Harris (2000), “ embora não exist a um pont o de vist a privil egiado a part ir do qual se possa
f azer um j ul gament o geral sobre os resul t ados da gl obal ização da música, é import ant e t ent ar encont rar
perspect ivas anal ít icas que permit am rel acionar processos l ocais e gl obais” . Examinar exempl os como o
do proj et o Buena Vi st a Soci al Cl ub pode ser um exercício de compreensão para as rel ações ent re
gl obal ização e t radições l ocais. A produção concent ra um número considerável de cont radições que
merecem a at enção dos est udos acadêmicos sobre cul t ura popul ar e circul ação de mercadorias musicais.

Referências
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OS INSTRUMENTOS DA DANÇA: UM ENFOQUE ORGANOLÓGICO SOBRE O TRATADO

ORCHÉSOGRAPHIE (1 5 8 9 ) DE THOINOT ARBEAU

Cami l o Her nandez Di Gi or gi (UNICAMP)

RESUMO: O art igo revel a e examina as ref erências e descrições de inst rument os musicais cont idos na
obra Orchésographie (1589) de Thoinot Arbeau. Embora vol t ada à dança, est a obra apresent a
inf ormações val iosas para a organol ogia, uma vez que cont ext ual iza sócio-cul t ural ment e os inst rument os
que descreve.
PALAVRAS-CHAVE: música ant iga, organol ogia, dança, renasciment o, inst rument os.
ABSTRACT: This art icl e reveal s and anal yses ref erences and descript ions of musical inst rument s wit hin
t he t reat ise Orchésographie (1589) by Thoinot Arbeau. Al t hough being a dance manual , t his t reat ise
present s val uabl e inf ormat ion t o organol ogy in t hat it l ocat es inst rument s in t heir social and cul t ural
environment .
KEYWORDS: ancient music, organol ogy, dance, renaissance, inst rument s.

Os moviment os de val orização e revit al ização da chamada música ant iga, aquel a compreendida ent re os
períodos medieval , renascent ist a e barroco, t êm l ançado mão do uso e revisão de uma série bast ant e
diversif icada de document os hist óricos em busca de f undament os para as “ int erpret ações
hist oricament e inf ormadas” . Ent re est es document os, os t rat ados de inst rument os receberam muit a
at enção por part e dos prof issionais da organol ogia hist órica. Os mais conhecidos e expl orados at é o
moment o f oram as obras de Sebast ian Virdung ( Musi ca get ut chst , 1511), Mart in Agricol a ( Musi ca
i nst r ument al i s deudsch, 1528), Michael Praet orius ( Synt agma Musi cum , 1618) e Marin Mersenne
( Har moni e Uni ver sel l e, 1636). Est es document os apresent am pr opost as universais e muit as vezes
exaust ivas de sist emat ização e descrição de inst rument os musicais.
A obra da qual est e art igo t rat ará é o manual de dança Or chésogr aphi e (1589) de Thoinot Arbeau. 1 Por
cont er inf ormações val iosas e únicas sobre as danças sociais prat icadas no nort e da Europa do sécul o
XVI, il ust rando e descrevendo pormenorizadament e seus moviment os, reverências e post uras, seu
cont eúdo coreográf ico sempre f oi e ainda é obj et o essencial nos est udos de danças renascent ist as,
j unt ament e com obras de Fabrit io Caroso ( Il Bal ar i no, 1680 e Nobi l i t á de Dame, 1600) e Cesari Negri
( Nuove i nvent i one di bal l i , 1604). Dif erent ement e desses, no ent ant o, est e manual f rancês apresent a
uma série de out ras inf ormações adj acent es ao cor pus principal da obra. Del e const am nada menos que
43 t rechos musicais mel ódicos de peças bast ant e popul ares no repert ório da música de dança, al ém de
preciosas il ust rações e descrições de inst rument os musicais.
Est as il ust rações e descrições é que serão o obj et o dest e art igo. Longe de t er sua import ância diminuída
pel o f at o de a obra não const it uir um t rat ado organol ógico de f at o, com propost as universais e
exaust ivas, sua import ância e preciosidade reside j ust ament e no f at o de apresent arem uma sel et a gama
de inst rument os musicais especif icament e ut il izados no cont ext o social e hist órico das danças
renascent ist as, al guns del es pouco ou nada pormenorizados em out ros t rat ados.
Para Arbeau, a dança irá depender essencial ment e da música [ . . . ] : “ uma vez que sem sua qual idade
rít mica, a dança seria obscura e conf usa. Da mesma f orma que os gest os dos membros acompanham as
cadências dos inst rument os musicais, os pés não podem f al ar uma coisa e os inst rument os out ra. ” (p. 5r.
e 5v. ). Toda a met odol ogia empregada no l ivro est á de acordo com est a visão. Se pensarmos na
import ância que o aut or reserva à música, as descrições de inst rument os que f az t al vez não devam ser
vist as como real ment e perif éricas no cor pus da obra. Assim, é na int enção de expl orar est e cont eúdo
pouco f reqüent ado pel a bibl iograf ia que est e art igo propõe um ol har organol ógico sobre a obra de
Arbeau, t razendo à t ona e examinando de maneira sumária especif icament e seus t rechos que cont êm
inf ormações sobre os inst rument os musicais descrit os pel o aut or e seu papel na música de dança.
A exposição e discussão que se apresent ará agora é part e int egrant e de uma pesquisa de mest rado em
andament o. Est a t em como sua t emát ica o inst rument o f l aut a e t ambor ou t amboril , suas caract eríst icas
e uso no Renasciment o.

1
Os t rechos da obra que serão ut ilizados nest e art igo f oram t raduzidos do f rancês pelo aut or do art igo a part ir de
uma impressão de uma edição elet rônica f ac-similar da obra, disponível na Bibliot eca do Congresso Americano:
ht t p: / / memory. loc. gov/ cgi-bin/ query/ h?ammem/ musdibib: @f ield(NUMBER+@band(musdi+219))
276 SIMPEMUS 5
Os t rechos da obra que seguirão, f oram t raduzidos do f rancês a part ir de uma impressão f ac-similar.

Os instrumentos das danças marciais


O papel que Arbeau reserva à música est á de acordo com os ideais de sua época. A música e a dança
eram part e import ant e de um processo amplo de disciplinament o comport ament al e cult ural da
arist ocracia f rancesa no início do século XVI (Orden, 2005). Nest e período, a cult ura nobre est ava
int rinsecament e ligada ao serviço milit ar e const it uía o que se chamava de “ noblesse d’ épee” . Dest a
maneira, ent ende-se o porquê de Arbeau iniciar seu livro com a descrição das chamadas “ danças
marciais” , ou sej a, o conj unt o de inst ruções de marcha e deslocament o de t ropas. Os inst rument os
nelas empregados são os primeiros a const ar no livro: “ [ . . . ] buccines & t rompet t es, lit ues & clerons cors
& cornet s, t ibies, f if res, arigot s, t ambours, & ault res emblables, me mement le dict s t ambours. ” 2 (p.
6v. ). Dest es, apenas descreverá o t ambour des per es3, o t ambour duquel v ent les f rançois4, o píf aro e
o Ar i got .
O t ambor persa será assim descrit o:
O t ambor dos persas (que usam alguns alemães, pendurando-o no arcão da sela] é compost o
de uma meia esf era de cobre t ampada de um f ort e pergaminho de mais ou menos dois pés e
meio de diâmet ro. Ele f az o barulho de um t rovão quando sua pele é percut ida pelas
baquet as (p. 6v. )

Da maneira como é descrit o, t rat a-se do t ímpano de ent ão, ainda ident if icado com as mont arias
orient ais apesar de present e na Europa pelo menos desde o século XV. A célebre série de 137 imagens
do Triunf o de Maximiliano I t raz imagens bast ant e precisas dest es inst rument os, f reqüent ement e
associados aos t rompet es.
O t ambor f rancês é um inst rument o milit ar desacompanhado, t ocado por duas baquet as cuj a imagem é
f ornecida na obra (f igura 1).

Figura 1: Tambor Francês (p. 7r. )


Segundo Arbeau, seu uso est á relacionado à unif ormização dos deslocament os, sinalização e
encoraj ament o das t ropas. O aut or o descreverá no seguint e t recho:
O t ambor usado pelos f ranceses [ bast ant e conhecido por qualquer um] é de madeira oca,
longo em aproximadament e dois pés e meio. É t apado de um lado e out ro por peles de
pergaminho, seguras com dois círculos de aproximadament e dois pés e meio de diâmet ro e
amarradas com cordéis, af im de que sej am mais rij as. [ Ele] f az [ como vós podeis t er ouvido
muit as vezes] um grande barulho quando as dit as peles são t ocadas com dois bast ões que
aquele que as bat e t em em suas mãos. (p. 7r. )

Com ele será descrit o o f if r e ou píf aro: “ Nós chamamos de píf aro uma pequena f laut a t ransversa com
seis f uros que é usada pelos alemães e suíços e, por possuir uma f uração bem est reit a, da largura de
uma bala de pist ola, ela produz um som agudo [ . . . ] ” ( p. 17v. ). Est a mesma f laut a pode ser vist a em
uma das t ábuas do Synt agma Musi cum (1618) de Michael Praet orius. Nessa ilust ração, os píf aros,
chamado de Schwei zer Pf ei f f en, f laut as suíças, est ão acompanhados de grandes t ambores munidos de
est eiras em seu f undo. Est as mesmas est eiras aparecerão na obra de Arbeau descrit as como doubl e

2
Buzinas e t rompet es, t rombet as e clarins, t rompas e cornet os, t íbias, píf aros, arigot s, t ambores e out ros
semelhant es aos dit os t ambores.
3
Tambor dos persas.
4
Tambor usado pelos f ranceses.
simpósio de pesquisa em música 2008 277
cordeau, cordel duplo, em uma alusão post erior. Da mesma maneira que se vê em Praet orius, Arbeau
nos revela que est es cordéis apenas cobrem uma das peles do t ambor.
O Arigot é descrit o na passagem logo post erior:
[ . . . ] Alguns ut ilizam em vez do píf aro o chamado f lageolet e f lut t ot , t ambém chamado de
Arigot que, conf orme sua pequenez, possui mais ou menos f uros. Os melhores t êm quat ro
f uros em cima e dois f uros embaixo e seu som é bast ant e penet rant e; podem ser chamadas de
pequenas Tíbias, uma vez que eram f eit as originalment e de t íbias e pernas de grous. Os
execut ant es dos dit os t ambores e píf aros são chamados pelos nomes de seus inst rument os, e,
quando se f ala de dois soldados, diz-se que um é o t ambor e o out ro o píf aro de algum
capit ão (p. 17v. ).

O aut or f ornecerá imagens t ant o do píf aro (imagem 2) quant o do Arigot (imagem 3). Est a últ ima é
visivelment e ret rat ada como um inst rument o de bisel, ou sej a, um inst rument o da mesma f amília das
f laut as doces.

Imagem 2: Píf aro (p. 17r. ) Imagem 3: Arigot (p. 17r. )


Para o Fif re e o Arigot , Arbeau f ornecerá algumas inst ruções de art iculação bem como uma longa
melodia, post eriorment e reescrit a em compasso t ernário.

Os instrumentos das danças recreativas


Terminada a explanação sobre as danças marciais, o aut or part irá para as chamadas “ danças
recreat ivas” e int roduzirá out ro t ambor que é assim descrit o:
Arbeau

[ . . . ] É preciso que vós saibais primeirament e que à semelhança do t ambor de que f alamos
acima, f ez-se um pequeno, chamado t ambor de mão, com uma largura aproximada de dois
pequenos pés e de um pé de diâmet ro, [ . . . ] . Sobre seus f undos e peles são colocados f ios
ret orcidos, [ . . . ] .

Capriol

Para que servem esses f ios ret orcidos?


Arbeau

Para que, quando o t ambor f or bat ido por uma baquet a ou pelos dedos, o seu som sej a
est rident e e t rêmulo. (p. 21v. )

Por out ras ref erências f ornecidas ao longo do livro, a medida “ pé” parece t er 29, 4 cm. Ao cont rário
desse, nenhum dado ou parâmet ro é f ornecido para calcular-se o pet it pied, mas é possível supor que
est e sej a menos da met ade do t amanho do pied j á que na imagem f ornecida pelo aut or (f igura 4), o
t amborileiro suspende um inst rument o que t em alt ura visivelment e maior que o diâmet ro da pele.
278 SIMPEMUS 5

Figura 4: Tamborileiro (p. 22v. )


Est e t ambor f az par com a f laut a de t rês f uros e serve “ [ . . . ] de base e diapasão a t odas as harmonias”
(p. 21v. e 22r. ), mas ant es de part ir para a descrição dest e duo rít mico-melódico o aut or t ambém
descreve out ro t ipo de t ambor usado pelos bascos e berneses:
[ …] Os bascos e os berneses ut ilizam um out ro t ambor que mant ém suspenso na mão esquerda
enquant o o t ocam com os dedos da mão direit a. A peça de madeira é apenas meio pé f unda,
ao passo que as peles t êm um pequeno pé de diâmet ro. Ele é cercado por guizos e pequenas
peças de cobre que t ornam seu som agradável [ . . . ] (p. 22r. )

Trat a-se, port ant o, de out ro inst rument o, bem menor, conf igurando-se t al como um pandeiro.
A descrição da f laut a e t ambor, ou t amboril, cont ida na obra é a mais pormenorizada ent re os
inst rument os que aparecem nest e t rat ado e const it ui uma das f ont es mais preciosas de inf ormação
sobre o inst rument o ent re t odas as f ont es escrit as dos séculos XVI e XVII. Com ilust rações f reqüent es
desde o século XIII, est e duo inst rument al t ocado por um só execut ant e parece t er gozado de
popularidade cont inent al na Europa at é o início do século XVII. A part ir dessa dat a, irá desaparecer na
maioria dos países europeus e sobreviverá at é hoj e nos f olclores da França, Espanha e Port ugal. Com a
colonização do cont inent e americano, será incorporado nas cult uras populares e indígenas de uma série
de países hispano-americanos. Alguns poucos indícios levam a crer que f oi empregado no Brasil,
int roduzido pelos j esuít as nas cult uras indígenas.
A união do t ambor com a f laut a é explicit ada nest e t recho:
[ . . . ] Quant o ao nosso t ambor, nós não lhe colocamos guizos e comument e o t ocamos
acompanhado de uma longa f laut a ou grande t íbia. Nessa f laut a o músico t oca5 t odas as
canções quant o boas lhe parecem, segurando-a com a mão do braço esquerdo, o mesmo que
suspende o t ambor. (p. 22v. )

A f laut a é assim suspendida:


A ext remidade próxima à j anela é sust ent ada na boca do execut ant e enquant o a ext remidade
de baixo é sust ent ada ent re o dedo auricular e o dedo anelar. Além disso, para que a f laut a
não escorregue da mão do execut ant e, há um cordão em sua part e baixa onde se coloca o
dedo anelar para encaixá-lo e assim sust ent ar a f laut a. (p. 22v. )

O que o aut or chama de t erceiro dedo é na verdade o dedo anular e não o médio, como se acredit aria
normalment e. O cordão cit ado parece envolver a f laut a e f ormar um pequeno laço na ext remidade
inf erior do inst rument o, dest inado ao encaixe do dedo anular e à suspensão do inst rument o. A mesma
idéia é explorada numa sua congênere moderna, o Txist u basco, onde um anel met álico se localiza
embaixo do inst rument o e recebe o dedo mindinho.
A f laut a é assim descrit a:
[ …] , t em soment e t rês f uros, dois na f rent e e um at rás. É admiravelment e conf eccionada, de
maneira que, com o dedo indicador e o do meio, que t ocam os dois f uros da f rent e, e ainda
com o dedão, que t oca o f uro de t rás, t odos os t ons e vozes da escala são f acilment e achados.
(p. 22v. e 23r. )

O mecanismo da produção das not as at ravés dos dif erent es harmônicos é assim explanado:
Vós deveis saber que os t ubos ou canos que são alt os e longos e que t êm a j anela baixa e
est reit a, como é a f laut a em quest ão, salt am f acilment e e nat uralment e à sua quint a quando
são soprados um pouco mais f ort ement e, e se são soprados ainda mais f ort ement e, sobem at é
a oit ava. Quando a f laut a longa é assoprada docement e e t odos os f uros são t apados,
supondo-se que ela soe a not a sol, quando se abre o primeiro f uro, t apado pelo dedo médio,

5
Na obra, est e verbo aparece como “ cant a” , o que evidencia o espelhament o, comum na época, da música vocal
inst rument al e vocal.
simpósio de pesquisa em música 2008 279
ela soará a not a lá, e se o segundo f uro, t apado pelo indicador, f or abert o, ela soará a not a
si, e se o t erceiro f uro, que é o últ imo e é t apado pelo dedão, f or abert o, ela soará a not a dó.
Depois disso, t odos os f uros est ando bem f echados, assoprando-se um pouco mais f ort e, ela
salt a à quint a e soa a not a ré. Com est e mesmo sopro, se o dedo médio é levant ado, ela soa a
not a mi, e f á se o dedo seguint e é levant ado. Ist o f eit o, t irando-se o dedão, ela soa sol, e
assim cont inuando, elevando os dedos e soprando f ort ement e como se deve, encont ram-se
muit as not as da escala. (p. 23r. )

Est a passagem vem ao encont ro de muit os aspect os que hoj e são t idos como cert os sobre as f laut as de
t rês f uros. Além de const at ar-se que se t rat a de f at o de um inst rument o delgado, t odo o mecanismo de
preenchiment o das not as f alt ant es ent re os dif erent es harmônicos at ravés do progressivo encurt ament o
do t ubo é clarament e explicado.
O aut or ainda menciona o hábit o de se t ocar duas das mesmas f laut as simult aneament e: “ Eu me lembro
de t er vist o t ocar uma f laut a dupla [ . . . ] , uma delas era cort ada mais curt a [ que a out ra] e f azia [ o
int ervalo de] uma t erça sobre a maior. Aquele que as t ocava com as duas mãos as f azia af inar
harmoniosament e. ” (p. 23r e p. 23v. )
O t ermo Tibie, f reqüent ement e encont rado na obra, é usado para designar a f laut a de t rês f uros, mas
signif ica para o aut or ao mesmo t empo uma miríade de inst rument os de sopro longiníleos, ent re eles, os
oboés. O emprego dest es e das sacabuxas nas danças recreat ivas é explicit ado no t recho a seguir, onde
t ambém são f eit as considerações sobre a pot ência sonora da f laut a de t rês f uros:
Capriol
Na verdade os oboés t êm cert a semelhança com os t rompet es e produzem uma consonância
assaz agradável quando os grandes, soando na oit ava de baixo, são t ocados conj unt ament e
com os pequenos, que mant ém a oit ava em cima.

Arbeau
Est a dupla é ef icaz para f azer ressoar um grande barulho, t al como é preciso nas f est as de
aldeias e em grandes aj unt ament os. Porém, se ela f osse unida à f laut a, of uscaria o som
dest a. Pode-se j unt ar t ambém est a dupla com o t amboril ou com o grande t ambor.
Capriol

Pode-se ut ilizar o grande t ambor para a dança recreat iva?

Arbeau

Sim, cert ament e, mesmo com os dit os oboés que são barulhent os e grit ant es e que são
assoprados com f orça. (p. 23v. e 24r. )

Nest e t recho é possível perceber-se que o inst rument o, não apresent ava uma pot ência sonora grande o
suf icient e para t ocar j unt o a um conj unt o de oboés e sacabuxas sem o compromet iment o de sua
audibilidade.
Embora t enha se det ido em explicação pormenorizada sobre o conj unt o f laut a e t ambor, na passagem a
seguir, o aut or explicit ament e liga o uso do inst rument o ao passado, a prát icas não mais em voga.
O t ambor, acompanhado da f laut a longa, ent re out ros inst rument os, era empregado no t empo
dos nossos pais para que apenas um músico f osse suf icient e para conduzir os dois j unt os. Ele
f azia a sinf onia e t odo o aj ust e sem que f osse necessário t er maiores despesas e muit os out ros
músicos como violinist as e semelhant es. Agora não há t rabalhador, por pobre que sej a, que
não queira t er oboés e sacabuxas em suas núpcias. [ . . . ] (p. 24r. )

Dest a maneira o uso da f laut a e t ambor parece j á est ar em decadência em seu próprio t empo.
A base da met odologia cont ida no livro será const it uída pela união dos dif erent es moviment os e passos
com a melodia e as bat idas do t ambor. Nas chamadas t abul at ions ao lado de cada not a melódica será
colocado o moviment o ou conj unt o de passos a ser execut ado.
O aut or, não at ribui unicament e à f laut a o papel de f ornecer linhas melódicas para as danças. O mesmo
não pode ser dit o para o t ambor como most ra o seguint e t recho:
Capriol

É preciso que sej am empregados necessariament e o t ambor e a f laut a nas pavanas e danças-
baixas?

Arbeau
Não quem não queira; uma vez que se pode t ocá-las em violinos, espinet as, f laut as t raversas
e doces, oboés e t odo t ipo de inst rument os. Pode-se at é mesmo cant á-las, mas o t ambor,
com suas bat idas unif ormes, aj uda maravilhosament e a f azer os passos conf orme as posições
requeridas pelos moviment os [ da dança] . (p. 33v. )
280 SIMPEMUS 5
Dest e modo, é possível ver como o rit mo imprimido pelo t ambor é element o essencial e est rut urant e na
concepção do aut or. Tal const at ação pode levar a crer t ambém que o emprego de cont ra-rit mos ou
síncopas era algo provavelment e não prat icado nest e cont ext o, uma vez que prej udicariam a ref erência
rít mica.
Da mesma maneira que as grandes obras sobre inst rument os musicais escrit as e publicadas durant e o
renasciment o e part e do período barroco, o t rat ado de Arbeau deve ser examinado com bast ant e
cuidado e cont ext ualização. A procura por modelos únicos e invariáveis de inst rument os musicais é um
gest o t ípico de nossa era, cercados e acost umados que somos aos padrões indust riais e comerciais.
Quase que inevit ável t ambém, é a procura por cert a “ ef iciência musical” dest es inst rument os, que
invariavelment e se report ará às nossas necessidades cont emporâneas, mesmo na execução
hist oricament e inf ormada da música ant iga.

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UMA QUESTÃO DE GOSTO CONSIDERAÇÕES SOBRE ORNAMENTAÇÃO E ARTICULAÇÃO NA OBRA

DE FRANCESCO GEMINIANI

Ter esa Cr i st i na Rodr i gues Si l va (UNICAMP)

RESUMO: O obj et ivo dest a comunicação é apresent ar as idéias musicais de Francesco Geminiani em
rel ação à ornament ação e a art icul ação. Est es aspect os da int erpret ação são decisivos para a execução
da música do sécul o XVIII e no caso de Geminiani est ão est reit ament e vincul ados a um gost o considerado
pecul iar por seus cont emporâneos.
PALAVRAS-CHAVE: ornament ação, art icul ação e gost o.

ABSTRACT: t he aim of t his speech is t o present Francesco Geminiani´ s musical ideas in rel at ion t o
ornament at ion and art icul at ion. These aspect s of int erpret at ion are ext remel y rel evant s f or t he
perf ormance of t he XVIII cent ury music and special l y in t he case of Geminiani t hey are int rinsical l y
rel at ed t o a t ast e considered pecul iar by his cont emporaries.
KEYWORDS: ornament at ion, art icul at ionand and t ast e.

Segundo inf ormações cont idas na biograf ia escrit a por Enrico Careri 1, Francesco Geminiani, viol inist a e
composit or It al iano nascido em Luca, est udou composição com Al essandro Scarl at t i (1660-1725) viol ino
com Arcangel o Corel l i (1653-1701). Considerado como um dos maiores viol inist as da sua época, f oi
apel idado por Tart ini como "i l f or i bondo” 2 devido a sua maneira ext remament e expressiva de t ocar.
Geminiani era possuidor de f ort e personal idade, idiossincrát ico e paradoxal . Em seus dias f oi acl amado
como grande viol inist a por uns, porém, crit icado negat ivament e por out ros. Transf eriu-se para Londres
ainda j ovem e t rabal hou como musico independent e, rej eit ando várias oport unidades de emprego na
cort e. Foi um dos responsáveis pel a dif usão do est il o It al iano na Ingl at erra. No f inal de sua vida
escreveu diversos t rat ados, ent re el es dest acam-se The Ar t of Pl ayi ng on t he vi ol i n (A art e de t ocar ao
viol ino) [ Londres 1751] e A Tr eat i se on Good Tast e i n Musi ck (Um t rat ado sobre o bom gost o em música)
[ Londres, 1749] . Produziu um conj unt o de obras pequeno, porém, muit o original .
Geminiani viveu na Ingl at erra numa época na qual as idéias musicais de J. J. Rousseau (1712 – 1778)
est avam sendo dif undidas at ravés do inf l uent e hist oriador Charl es Burney (1726 - 1814). A maior part e
da produção musical de Geminiani é f ormada por composições em est il o rebuscado, com progressões
harmônicas surpreendent es, l inha do baixo moviment ada e imit at iva, em est il o cont rapont íst ico,
caract eríst icos do barroco3. Rousseau def endia a nat ural idade, a simpl icidade e a simet ria das f rases,
execrava a pol if onia e as harmonias compl exas4 denot ando a pref erência pel o est il o gal ant 5. Nest e caso
é oport uno cit ar a def inição do próprio J. J. Rousseau 6 dada ao t ermo Bar oque.
A musica barroca é aquel a na qual a harmonia é conf usa, carregada com modul ações e
dissonâncias, a mel odia é sombria e pouco nat ural , a ent onação dif ícil e o moviment o
ref reado. Parece que est e t ermo vem do barroco dos l ogist as. (Paris, 1768)

O carát er depreciat ivo dado na def inição acima nos indica o gost o de Rousseau em rel ação a est e est il o
de música. Considerando a import ância de suas opiniões naquel e período e a inf l uencia que el as
exerciam sobre os int el ect uais Ingl eses, ent endemos o porquê das crít icas cont undent es recebidas por
Geminiani em rel ação à suas obras. Acredit amos que essa compl exidade criada pel as adversidades de

1
CARERI, Enrico. Francesco Geminiani (1687 - 1762). Londres: Cl arendon Press - Oxf ord, 1993
2
O f urioso. Todas as t raduções apresent adas nest e t ext o são da aut ora.
3
Fal amos aqui do est il o barroco especif icament e e não do período de t empo que compreende 1580 a 1750
4
“ Para que uma musica se t orne int eressant e, para que el a l eve à al ma so sent iment os, é necessário que t odas as
part es concorram a f ort if icar a expressão do suj eit o, . . . que o baixo se moviment e de maneira unif orme e simpl es e
guie de t oda maneira aquel e que cant a e aquel e que escut a sem que nenhum nem out ro perceba, para dizer em uma
só pal avra, que o conj unt o t odo l eve apenas uma mel odia por vez ao ouvido e uma só idéia ao espírit o. . . A respeit o
das cont ra f ugas, f ugas dupl as, f ugas reversas, baixos ref reados… são com cert eza vest igios de barbarie e de mal
gost o que só servem, como so port ões das nossas igrej as gót icas, para a vergonha daquel es que t iveram a paciência
de f azê-l as. ” Jean-Jacquses Rousseau. , Let t re sur l a musique f rançaise, Let t re sur l a musique f rançaise, t ome V des
Oeuvres compl èt es de Rousseau, «Bibl iot hèque de l a Pl éiade” Paris, Gal l imard
5
Expressão usada no sécul o XVIII para designer musica em est il o gracioso, com mel odies periódicas e com
acompanhament o l igeiro. Impl ica, em sint onia com os idéias il uminist as, uma música que é cl ara, agradável e
“ nat ural ” , em oposição ao cont rapont o el aborado da geração ant erior. Dicionário Grove de Música – Edição concisa.
Rio de Janeiro, 1994
6
Rousseau, J. J. , Dict ionaire de la Musique, Paris, 1768, p. 41.
282 SIMPEMUS 5
gost o do período em que ele viveu dif icult aram para que sua obra ocupe um lugar de maior dest aque em
nossos dias. Suas composições são rarament e execut adas e muit as delas permanecem inédit as. Para a
compreensão do est ilo de Geminiani é necessário um aprof undament o nas quest ões int erpret at ivas
levant adas por ele em seus t rat ados. Dest acaremos dois pont os cruciais nos quais Geminiani expressa o
seu gost o: a ornament ação e a art iculação.
Em seu A Tr eat i se on Good Tast e i n Musi ck (Um t rat ado sobre o bom gost o em música) [ Londres, 1749] ,
Geminiani t rat a exclusivament e do t ema da ornament ação. Ele at rai a at enção do int érpret e para a
import ância da execução dos ornament os, pois est es det erminam de maneira qualit at iva o gost o do
int érpret e. Na int rodução do A Tr eat i se. . . . Geminiani declara que est e: “ Cont ém t odos os ornament os
de expressão necessários para a execução com bom gost o” (GEMINIANI, 1749 p. 2). A seguir, ele
desenvolve suas idéias relacionando o bom gost o ao discerniment o e ao j ulgament o na aplicação dos
ornament os:
O que é normalment e chamado de bom gost o no cant o e na int erpret ação ao inst rument o,
t em sido considerado desde alguns anos como algo que dest rói a verdadeira melodia e a
int enção de seus composit ores. Muit os supõem que o verdadeiro bom gost o não pode ser
adquirido por regras de art e; pois ist o é considerado um dom nat ural e peculiar concedido
soment e àqueles que t êm nat uralment e um bom ouvido, e muit os se iludem pensando possuir
est a perf eição, ent ret ant o é o que acont ece quando aquele que cant a ou t oca sempre as
mesmas ornament ações acredit ando que dest a maneira será considerado um bom int érpret e,
sem saber que t ocar com bom gost o não consist e em ornament ações f reqüent es, mas sim em
expressar com f orça e delicadeza a int enção do composit or. (GEMINIANI, 1749, p. 2).

Ele f az uma apresent ação t ext ual de quat orze ornament os essenciais os quais ele chama not avelment e
de ornament s of expression. Além do t ext o explicat ivo (anexo A) para cada ornament o, ele organiza
uma t abela (f igura 1) na qual são especif icados os símbolos e a execução de cada um deles.

Figura 1 Ornament os, símbolos e execução. Font e: GEMINIANI, 1949, p. 6


Dos quat orze ornament os cit ados, cinco est ão relacionados à expressão de dif erent es af et os. Geminiani
descreve a aplicação de cada um deles most rando que é possível variar o ef eit o de um mesmo
ornament o por dif erenças sut is de execução. Ele demonst ra como se produzem os af et os de alegria,
t ernura, amor, prazer, maj est ade e dignidade, assim como as pat hopeia7 que provocam medo, raiva,
f úria, resolução, horror e lament ação.
Num est udo det alhado das reedições de Geminiani, o musicólogo Pet er Walls (WALLS, 1986, p. 221)
not ou que com o passar dos anos ele se t ornou cada vez mais preocupado em explicit ar suas idéias
musicais, especialment e com relação à ornament ação. Walls most ra como Geminiani assimilou a
not ação musical f rancesa ut ilizando símbolos para a ornament ação e sinais de inf lexão. Além dist o,
acrescent ou ornament ações por ext enso. Ele cit a como exemplo um t recho do Remar ks on Mr . Avi son’ s
Essay on Musi cal Expr essi on de William Hayes:

7
Figuras ret óricas que causam f ort e emoção. Ver Tarling, 2004
simpósio de pesquisa em música 2008 283
“ Minha opinião sobre ele (Geminiani) como composit or é que ele é ext remament e desigual.
As excursões que ele f ez a Paris não cont ribuíram em nada para sua desigualdade: embora
possam t er proporcionado um novo cont orno às suas melodias, à sua maneira de variá-las ou
most rar perspicácia, apresent a como result ado uma de suas mais t rabalhadas e complicadas
melodias, uma massa impossível de se compreender” 8.

Em sua obra, as ornament ações carregam grande part e do apel o emocional ou sej a, do pat hos a que el e
se ref ere com f reqüência em seus t rat ados. O j ul gament o de suas obras por Hayes, como t rabal hadas,
compl icadas e impossíveis de se compreender, se f az t ambém pel o f at o de Geminiani superval orizar a
ornament ação, escrevendo-a com f reqüência por ext enso. Porém, sua verdadeira int enção era deixar
cl aro que est as são indispensáveis para execução cal cada no que el e considerava bom gost o.
Observamos que os adj et ivos ut il izados por ambos, Hayes, são os mesmo ut il izados por Rousseau, em
t om depreciat ivo, na sua def inição do t ermo Barroco.
Sobre as art icul ações Geminiani apresent a suas idéias no The Art of Pl aying on t he viol in (Londres,
1751). Geminiani expl icit a o seu gost o dest a vez como j ul gament o com j uízo de val or designando-as:
Buono, Medíocre, Cat t ivo, Cat t ivo o part icolare, Meglio, Ot t imo, Péssimo9. No enunciado do Exampl e
XX10 Geminiani enf at iza que:
Não é suf icient e dar a elas (as not as) sua verdadeira duração, é necessário t ambém dar a
expressão apropriada a cada uma delas. Quando ist o não é considerado, com f reqüência
acont ece que muit as composições boas são arruinadas por aqueles que t ent am execut á-las.
(Londres 1751, p. 8)

Observamos com est e enunciado que al ém da duração, Geminiani considera as art icul ações responsáveis
t ambém pel o cont eúdo expressivo das not as. El e apresent a t rês t ipos de art icul ações: o st accat o que
segundo el e deve ser execut ado f ora da corda, a not a simpl es t ocada com arco na corda e o swel l ing t he
sound11cuj a execução est á descrit a no Exampl e IB:
Uma das principais belezas do violino é o swelling, ou sej a, o crescendo e diminuendo do
som. É realizado com maior ou menor pressão do arco sobre as cordas, pela ação do dedo
indicador. Nas not as longas o som deve começar suavement e, com um gradual crescendo at é
o meio, e ent ão decrescendo at é a pont a. Por ult imo, deve-se t omar cuidado especial para
não int erromper o curso do arco, dando cont inuidade do t alão à pont a. Observando est es
princípios, assim como mant endo o arco sempre paralelo com o cavalet e, pressionando-o
apenas com o dedo indicador, o inst rument o t erá uma bela sonoridade. (Londres, 1751, p. 2)

No exempl o prát ico, ref erent e ao Exampl e XX Geminiani apresent a 14 padrões de art icul ações em
t empo l ent o (Adágio, o Andant e) e 14 em t empo rápido (Al l egro o Prest o) e suas respect ivas
cl assif icações. David Boyden em sua int rodução ao Facsimil e do The Art . . . considera os j ul gament os de
Geminiani em rel ação às art icul ações como “ dif íceis de ent ender. . . em quais bases essas dist inções são
f eit as não é cl aro al ém do f at o que, gol pes de arco em not as individuais sem nuance são geral ment e
considerados medíocres. ” Concordamos que o j ul gament o de Geminiani possa aparent ement e cont er
pouca l ógica; no ent ant o com o obj et ivo de compreender mel hor as suas idéias, organizamos um quadro
no qual pode se visual izar mais f acil ment e uma comparação ent re os j ul gament os das art icul ações em
ambos, andament o l ent o e rápido.
Quadro 1: Art icul ações segundo Geminiani
Font e: GEMINIANI 1751, p. 2
Adágio ou Andant e Allegro ou Presto

Swelling Ótimo – ut ilizado j unt ament e às ligaduras de duas em duas colcheias e Bom – nas seqüências de
t he sound aplicado t ant o na primeira quant o na segunda colcheia. mínimas e semínimas.

Bom - nas seqüências de mínimas, semínimas e colcheias. Melhor – na art iculação mist a
de ligado e st accat o, em
Melhor - aplicado na seqüência de semicolcheias é considerado seqüências de colcheias,
melhor do que a art iculação simples de apenas ligaduras de duas em aplicado sobre a segunda
duas semicolcheias. colcheia ligada.

8
“ My opinion of him as a composer is t hat he is ext remely unequal. The excursions he hat h made t o Paris, have not a
lit t le cont ribuit ed t o his unequalit y: For alt hougt h t his may have given a new Turn t o his Melodies, and his manner of
variegat ing of t he one, and t he want of Perspecuit y in t he ot her, render some of his most laboured, complicat ed
St rains a mere Hodge-Podge; an unint elligible Mass of Learning. ” . Willian Hayes, Remarks on Mr. Avison’ s Essay on
Musical Expression, London, 1753, p. 123, apud Pet er Walls, op. cit , p. 228.
9
Bom, medíocre, ruim, ruim ou part icular, melhor, ót imo, péssimo. Dicionário It aliano-Port uguês – Oberdan Masucci,
São Paulo: Edição Folco Masucci, 1971.
10
Geminani ut iliza o t ermo “ Example” para organizar cada t ópico de seu t rat ado The Art of Playing on t he violin.
11
Observamos que o t ermo Swelling t he sound corresponde ao t ermo Messa de voce em it aliano. Acrescent amos que
est e ef eit o t ambém aparece como um ornament o de expressão no Example XVIII do The Art . . . p. 7
284 SIMPEMUS 5
Arco na 1- Medíocre – nas seqüências de mínimas Ótimo – na seqüência de
corda semicolcheias, incluindo
2- Ruim ou particular – nas seqüências do rit mo f ormado por combinação com ligaduras.
semicolcheias pont uadas e f usas.
Bom – nas seqüências de
2- Ruim – nas seqüências de semínimas e de colcheias semicolcheias pont uadas ou
não.

Péssimo – Nas seqüências de


colcheias

St accat o 1- Ruim ou particular – nas seqüências de semínimas, de colcheias e 1 – Bom – nas seqüências de
de semicolcheias. colcheias

2- Melhor – nas seqüências de


colcheias quando mist urado ao
ligado e ao swelling t he sound.

2- Ruim – nas seqüências de


semicolcheias

Legat o Ótimo – Nas seqüências de colcheias mist urado com o swelling t he Ótimo –
sound
a) nas seqüências de
Bom – sempre de duas em duas nas seqüências de semicolcheias semínimas de duas em duas e
alt ernado com o st accat o.
Melhor – quando mist urado ao swelling t he sound e variado com t rês
ligadas b) Ót imo quando combinado
com o arco na corda nas
seqüências de semicolcheias.

c) Ót imo nas seqüências de


semicolcheias, quando usado
sobre mist urando sobre duas
ou t rês not as.

Melhor – nas seqüências de


colcheias, alt ernando com os
st accat os (melhor do que
soment e st accat os)

3- Ruim – nas seqüências


de semicolcheias.

Ligadura 1 – Particular – nas seqüências de semicolcheias (não é cit ado)


sobre
pont os

Observando o quadro acima, const at amos que Geminiani não at ribui ot t i mo para nenhum padrão de
art iculação que inclua st accat o. Ele at ribui ot t i mo apenas para padrões compost os de duas art iculações
dif erent es como, por exempl o, o l egat o e o arco na corda. Art icul ações que incl uem o st accat o são
consideradas Buonno apenas nas seqüências de col cheias em t empo rápido e Megl i o quando recebem a
nuance do swel l i ng t he sound ou seguidos, ou ant ecedidos de l egat os. Observamos t ambém que as
art iculações sobre not as individuais sem a nuance do swel l i ng são considerados por ele medi ocr es,
cat t i vo o par t i col ar e.
Concl uímos que o gost o de Geminiani não seguia os padrões de sua época. Geminiani t inha uma
predil eção pel a variedade em det riment o da igual dade. A riqueza de det alhes prescrit as por ele t ant o
para a ornament ação quant o para a art icul ação caract erizam o rebuscament o de suas composições e o
carát er improvisat ório. de suas obras. Ironicament e essas caract eríst icas que f oram severament e
crit icadas em seu t empo, hoj e em dia são obj et o de grande int eresse pela sua singularidade.
Salient amos aos int érpret es da música do século XVIII, que a import ância dada à ornament ação e à
art icul ação deva ir al ém do simpl es reconheciment o dos símbolos e suas respect ivas execuções. Muit o
mais do que ist o, elas deve represent ar um gost o, uma época ou no caso de Geminiani, represent ar a
invent ividade e imaginação peculiar de um composit or.

Referências bibliográficas
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Nebraska Press, 2002.

BOYDEN, David D. The Hist ory of Violin Playing f rom it s Origins t o 1761. Londres: Oxf ord Universit y Press, 1965.

______________. Int roduct ion t o Geminiani’ s The Art of Playing on t he Violin (1751), edição f acsimile. Londres:
Oxf ord Universit y Press, 1952.
simpósio de pesquisa em música 2008 285
BROWN, Clive. Classical & Romant ic Perf orming Pract i ce 1750-1900. Londres: Oxf ord Universit y Press, 1999.

CARERI, Enrico. Francesco Geminiani (1687 - 1762). Londres: Clarendon Press - Oxf ord, 1993.

CARTER, St ewart A. , Ornament s. Grove Music on line<ht t p/ / www. oxf ordmusiconline. com/ art icle/ grove/ music/ pg4>
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DONINGTON, Robert . Baroque Music: St yle and Perf ormance A Handbook. New York – Londres: W. W. Nort on &
Company, 1982.

FIAMINGHI, Luiz Henrique. Violino & Ret órica. Monograf ia f inal do Curso Lat o Sensu de Cult ura e Art e Barroca.
Universidade Federal de Ouro Pret o, IAC, Ouro Pret o, 1994.

GEMINIANI, Francesco. A Treat ise of Good Tast e in t he Art of Music (edição f acsimile), Londres, 1749.

____________________. The Art of playing on t he Violin, edição f acsímile edit ada com uma int rodução de David D.
Boyden. Oxf ord: Oxf ord Universit y Press, 1952.

TARLING, Judy. Baroque St ring Playing f or ingenious l earners. Hert f ordshire: Corda Music Publicat ions, 2000.

______________. The Weapons of Ret horic, a guide f or musicians and audiences. Hert f ordshire: Corda Music
Publicat ions, 2004.
286 SIMPEMUS 5
ANEXO A – Introdução e texto explicativo dos ornamentos. Fonte: GEMINANI, 1749
simpósio de pesquisa em música 2008 287
MÚSICA NA UMBANDA

Renat a Schmi dt de Ar r uda Gomes

RESUMO: Est a invest igação f az part e de uma pesquisa de mest rado, em andament o, onde busco discut ir
as prát icas sonoras de um Terreiro de Umbanda localizado na cidade de Pelot as/ RS. Tal t rabalho se dá
at ravés de uma et nograf ia f ocada na memória dos part icipant es do ref erido grupo, com o obj et ivo de
analisar e ent ender o f azer sonoro a part ir da visão êmica. Nest e t ext o pret endo f ocalizar nas seguint es
quest ões: valores sonoros do ambient e em quest ão e música e conversão.
PALAVRAS-CHAVE: Memoria, Música, Umbanda.
ABSTRACT: This invest igat ion makes part of an inquiry of mast er's degree in progress where I look t o
discuss t he resonant pract ices of a Terreiro de Umbanda locat ed in t he cit y of Pelot as/ RS. Such work
happens t hrough an et hnography f ocused in t he memory of t he part icipant s of t he above-ment ioned
group, wit h t he obj ect ive t o analyse and t o underst and doing resonant ly f rom t he vision emic. In t his
t ext I int end t o f ocus in t he next quest ions: resonant values of t he environment open t o quest ion and
music and conversion.
KEYWORDS: Memory, Music, Umbanda.

Meu primeiro cont at o com a Umbanda deu-se no ano de 2003 devido a um convit e que recebi por part e
de amigos para ir a uma “ f est a de Ciganos” , em virt ude do aniversário do Terreiro de Umbanda Reino de
Luz – est e que hoj e é meu obj et o de pesquisa. Passei a f reqüent ar a casa e após algum t empo a f azer
part e da corrent e 1. No ano de 2005 me af ast ei da t erreira2 por mot ivos pessoais e em 2007 volt ei a t er
cont at o com o Reino de Luz, mas dessa vez como pesquisadora.
Ref let indo sobre minhas experiências como membro da t erreira – at ravés da escrit a de um caderno de
campo de memórias –, j unt ament e com est e novo encont ro com a casa e minhas idas a campo, observei
que o f at o de a Umbanda ser uma religião musical f oi um f at or muit o import ant e para que eu me
convert esse umbandist a, assim sendo busquei saber como os membros da corrent e do Reino de Luz viam
t al quest ão. No present e t ext o, pret endo começar a ref let ir sobre: O f at o de a Umbanda ser uma
religião musical inf luenciou para que os umbandist as do Reino de Luz ent rassem ou cont inuassem nest a?
Se exist e gira3 sem música? E caso sim: se é a mesma coisa.

Uso da memória como element o na pesquisa et nográfica


Além de ser uma cat egoria j á previst a dent ro do universo umbandist a – at ravés da memória corpórea,
ut ilizada como f orma de reconhecer as ent idades4 ou t ambém da t ransmissão de conheciment os que é
em grande part e repassada via oral – a obt enção de dados a part ir de memórias é bast ant e usada pelos
que t rabalham com narrat ivas e a ent revist a é um dos meio de chegar a essas inf ormações.
Tomando como exemplo o t rabalho de Cláudia Neiva de Mat t os, “ A poesia popular na república das
let ras – Silvio Romero f olclorist a” , onde a aut ora, concent rada nos t ext os de Silvio Romero, “ [ . . . ] nos
problemas que eles manif est am e levant am, e na maneira como se relacionam com as quest ões
marcant es de sua obra e de sua época” , part e para uma análise mais geral dos est udos oit ocent ist as
brasileiros sobre poesia popular. A aut ora relat a que os est udos de Silvio Romero acerca da poesia
popular t iveram como base suas vivências, ist o é, que est e não f oi a campo para recolher esses cant os e
poesias. “ Silvio aproveit a as circunst âncias que a vida lhe of erece para ir colhendo aqui e ali, desde os
t empos de menino, nas várias províncias por onde passa, os document os que reunirá nos Cant os e
Cont os” . Mas nem por isso os escrit os de Silvio Romero não são import ant es, a aut ora dest aca
exat ament e o cont rário, o quão import ant e é a cont ribuição dele para os est udos de f olclore (Mat t os,
1994).
Sendo assim, busco ver a reconst it uição de minhas memórias e o uso delas como um recurso
et nográf ico, como realizado por Sílvio Romero e, ao mesmo t empo, f arei como Cláudia Neiva de Mat t os,
sit uarei esse discurso e verei como ele pode de f at o ser ut ilizado como um recurso et nográf ico.

1
Assim é chamado o grupo de part icipant es do Terreiro.
2
Ut ilizo o t ermo t erreira, no f eminino, pois é dest a maneira que os membros do Reino de Luz se ref erem a casa.
3
Assim t ambém são chamados os t rabalhos ou rit uais da casa.
4
As ent idades são os espírit os com quem os médiuns da Umbanda incorporam.
simpósio de pesquisa em música 2008 289
Segundo Gomes,
“ A memória é um t rabalho. Como at ividade, ela ref az o passado segundo os imperat ivos do
present e de quem rememora, resignif icando as noções de t empo e espaço e selecionando o
que vai e o que não vai ser “ dit o” , bem longe, nat uralment e, de um cálculo apenas
conscient e e ut ilit ário. Quem aceit a f azer o t rabalho da memória, o f az por alguma ordem de
razões import ant es, dent re as quais est ão a busca de novos conheciment os, a realização de
encont ros com out ros e consigo mesmo, de f orma a que os result ados sej am enriquecedores
sob o pont o de vist a individual e colet ivo. ” (GOMES, 1996: 22)

Com est e obj et ivo de “ busca de novos conheciment os” e “ realização de encont ros com out ros e consigo
mesmo” é que proponho o uso da memória como meio de obt er mat eriais et nográf icos. Aqui, at ravés
das ent revist as, de convivência com os envolvidos e conversas, busco melhor ent ender os discursos dos
part icipant es do Reino de Luz acerca de suas vivências e prát icas religiosas.
Uso minhas memórias, sem pret ender, de f orma alguma realizar um monólogo e privilegiar as minhas
concepções, pois sei que elas não podem ref let ir o que os part icipant es daquele ambient e pensam sobre
ele. Além disso não pret endo realizar um t rabalho em cima soment e dessas memórias, mas com elas,
est as podem ser út eis se aliadas as memórias dos membros da corrent e e a um t rabalho de observação-
part icipant e previament e est rut urado. Dest e modo a memória é a principal cat egoria met odológica
dest e t rabalho, ela f oi o recurso ut ilizado durant e as conversas, ent revist as, const it uição do
quest ionário dest as e at é mesmo para chegar aos quest ionament os relat ivos ao campo em si.

Música como fator de conversão e permanência na Umbanda


Acredit o que a música possa ser um at rat ivo dent ro da rel igião. Assim como acont eceu em meu caso
específ ico – relat ado acima – out ras pessoas podem t er se aproximado da religião a part ir da música.
Dest e modo considerei bast ant e int eressant e saber como os membros da corrent e do Reino de Luz vêm
e sent em a musica dent ro da religião, a f im de saber se a música havia sido um f at or import ant e na
conversão e permanência dest es na Umbanda.
As prát icas musicais são descrit as de dif erent es maneiras pelos membros do Reino de Luz. Est as
adquirem valores que a primeira vist a poderiam ser considerados como ext ra-musicais, mas que, para os
part icipant es da casa, f azem part e do universo sonoro. Assim, muit os consideram que para o t rabalho e
a música serem bons, o t amboreiro precisa t er vont ade de t ocar e de est ar no ambient e religioso. Além
de vont ade, seriedade e vibração t ambém são valores recorrent es nas f alas dos umbandist as da casa em
quest ão. Dest e modo, vont ade, seriedade e vibração t ornam-se caract eríst icas que a música deve t er
para que os t rabalhos f luam bem.
A música é vist a t ambém como um f at or de aj uda na concent ração e na ent rega 5 dos part icipant es
durant e os rit uais. Luiz Robert o Jara, mais conhecido como Zinho 6, relat a
Zinho – “ Eu. . quando eu ent rei? Foi no aniversário da t errera. Na inauguração, era aniversário
e sincerament e eu ent rei porque. . mais pelo t ambor assim, não ent rei pela religião, porque
eu. . ent rei pelo t ambor mesmo, porque eu gost ava de t ocar t ambor, t ambor e percussão,
ent rei por onda assim porque eu queria t ocá. Aí. . logo depois eu comecei a me envolvê com a
religião, a vê que eu. . que eu não t inha ent rado só por aquilo, que a minha missão era seguir
espirit ualment e com a religião. Foi por isso, ent rei mais pela música mesmo porque eu
sempre gost ei.

Eu – “ Tu acha que existe gira sem música?”

Zinho – “ Pode at é exist ir. Acho que exist e, mas a vibração f ica t ot alment e dif erent e. Pra mim
quando. . . no caso assim, eu me concent ro melhor com a música assim, com. . o pont o t ocado.
Eu consigo ment alizar algo e aí eu ent ro num nível, aí eu consigo t ê uma. . . mas sem t ê a
música começa aquela. . . mesmo t ando silêncio eu não consigo me concent rar direit o, a
música pra mim inf luencia muit o. ”

Eu – “ Na concentração?”

Zinho – “ É, na concent ração. ” (Em ent revist a a aut ora) 7

Para Zinho, a música não só inf luenciou em sua ent rada para religião como aj uda em sua concent ração
durant e os t rabalhos. Pergunt ei a Diego Peres
Eu – “ O f at o da. . de a Umbanda sê uma religi ão musical inf luenciou pra t i. . t e int eressares?”

5
Ent regar a cabeça é como os membros da corrent e se ref erem à incorporação.
6
Opt ei pela ut ilização dos apelidos, pois é assim que est as pessoas são conhecidas e t rat adas dent ro da t erreira.
Zinho é o t amboreiro do Reino de Luz.
7
Transcrevi as ent revist as com as f alas coloquiais.
290 SIMPEMUS 5
Diego Peres – “ Claro, com cert eza, porque a. . a música assim, ela t e. . ela t e concent ra mais,
ela f az t u concent rar no que t u t a vivendo, no que t u t a presenciando no moment o. A
vibração do. . . a vibração que o som, assim, causa em t i é uma vibração boa. . quando t u t as
envolvido em cert os rit uais que a Umbanda t em. ” Eu – “ E. . como t u sent e a música dent ro da
Umbanda, dent ro da nossa casa?”

Diego Peres – “ Eu acho que a música dent ro da nossa casa ela vem. . . como mais. . . assim ó, a
mais pura vibração porque eu acho que é dali que vem. . não que eles precisem disso, mas é
que dali que vem a nossa vont ade de. . de ent regá, acho que é dali que vem a nossa f irmeza.
Sabe? Não é t ant o pra eles, acho que é mais é pra nós mesmo. ”

Eu – “ Ent endi. E exist e gira sem música?”

Diego Peres – “ Ah, exist e. ”

Eu – “ Ta e é a mesma coisa, t u acha que é a mesma coisa?”

Diego Peres – “ Não. Porque é a mesma coisa assim ó. . . . se t u t a numa f est a, vamo bot á assim
pra vê se t u me ent ende, se t u t as numa f est a, numa f est a sem música, t u não t ens a mesma
animação, t u não t ens a mesma dedicação, vamo dizê assim. . agora se. . . aonde a música t a
t ocando, t u. . t e dist rai, aí t u começa a f icá mais f eliz, t u. . começa a t e vibrá mais, muda. ”

Eu – “ E é a mesma coisa na religião?”

Diego Peres – “ É a mesma coisa na religião. ” (Em ent revist a a aut ora)

Aqui Diego, assim como Zinho, apont a a música como sendo um el ement o import ant e dent ro da
concent ração do médium, para a “ vont ade de ent regá” . Lucas Loy t em uma visão parecida
Eu – “ E o f at o da Umbanda sê uma religião musical t i inf luenciou a escolhê essa religião pra sê
a t ua? Fez com que t u seguisse nela? Inf luenciou em alguma coisa?”

Lucas – “ Inf luenciou muit o, eu acho t ri bonit o assim, acho. . eu acho que é uma das coisas
t ambém dif erenciáveis, né, inf luenciou. . vamô dizê 50% assim. ”

Eu – “ Ta e exist e t rabalho, gira sem música?”

Lucas – “ Exist e. ”

Eu – “ E é a mesma coisa?”

Lucas – “ Não, bem dif erent e. ”

Eu – “ Por quê?”

Lucas – “ Porque na verdade, a vibração, a empolgação, o. . . a própria doação, que t u t e


ent rega, né? Que t u t e deixa levá pela música, a música acaba t e. . . . . relaxando, eu acho, t e
solt ando, t e harmonizando, t udo de bom assim eu acho que a música t raz pra religião. ” (Em
ent revist a a aut ora)

Lucas f ala na música na Umbanda como sendo um dos f at ores que dif erenciam est a das out ras religiões.
Em ent revist a a Luiz Carlos Jara – Lom – Cacique 8 do Reino de Luz, eu f iz a seguint e pergunt a
Eu – “ Tu me dissest e que o t ambor t e chamou at enção a primeira vez que t u f ost e numa casa
de. . de Umbanda. Tu acha que, o f at o da religião sê musical, t e inf luenciou a cont inuá nela,
t ambém. . ?”

Lom – “ Sem dúvida nenhuma. A. . a música é um. . é uma das f ormas de comunicação mais
ant iga da humanidade, principalment e a percussão. O homem ant es de f alá bat ia em t ocos,
em t roncos, palmas e grit os e se comunicavam at ravés. . mais musical do que qualquer out ra
f orma de comunicação e. . . sabendo que t udo no mundo é energia e uma das energias mais
palpáveis, as f reqüências mais. . . que nós usamos pra nos comunicá é a vibração, é o som. . e
se esse som é harmônico e t e t rás uma mensagem, mais ainda, porque ele usa a palavra, a
harmonia e a vibração. Tudo isso é f ísica, isso. . at inge t odo o nosso corpo, t odo os nossos
chacras, f avorecendo uma sint onia maior com o universo, isso é música, isso é Umbanda. ”
(Em ent revist a a aut ora)

Lom f ala na música como sendo energia, Carmen Jara relat a o seguint e em relação à música
Eu – “ O f at o da Umbanda sê uma religião musical inf luenciou pra que ela t e chamasse at enção
e que t u cont inuasse a f reqüent ar essa religião?”

Carmen – “ Não, assim ó, eu acho que a música, eu acho que o rit ual aquele t odo dos pont os,
ele f az part e, at é porque eu acho que a música. . ela t em que f azê part e de t odas as
at ividades humanas, eu acho que a música é f undament al, como educadora eu t enho provado
isso aí, que a música f az f alt a em t odas as nossas at ividades e na religião t ambém, porque?
Porque eu acho que. . . que a música, ela eleva o espírit o, mesma coisa se eu f or dizê, se t u t a
num. . . numa f est a, aí t a t odo mundo parado, olhando um pra cara do out ro, conversando,

8
Cacique ou Chef e de Terreiro é a pessoa responsável pela part e espirit ual da t erreira.
simpósio de pesquisa em música 2008 291
daqui a pouco começa a música, mudou a f est a, as pessoas vão pra aquele sent ido, pra
aquele nível assim ó, de f est a, de música. A mesma coisa na igrej a, t u t a ali aj oelhada
rezando, na t ua, daqui a pouco, t a vem a música, na igrej a cat ólica, em qualquer out ra
religião. Eu acho que a música é f undament al, ela eleva o espírit o da pessoa pra aquilo que
ela t a vivendo naquele moment o. . . . ” (Em ent revist a a aut ora)

Mesmo dizendo que o f at o de a Umbanda ser uma rel igião musical não f ez com que el a ent rasse e
permanecesse nest a, Carmen t em opinião próxima a de muit os part icipant es da t erreira, vê a música
como “ f undament al ” , “ el ava o espírit o da pessoa pra aquil o que el a t a vivendo naquel e moment o” .
Assim como Lucas, Diego e Zinho que acredi t am que aj uda na ent rega, na concent ração.
Taize Pereira l eva mais f undo essa quest ão
Eu – “ . . . . . Exist e Gira sem música?”

Taíze – “ É, eu acho que não. Acho que é bem. . . exist e né, não que os nossos Guias não
consigam se aproximar, mas eu acho que a música gera um. . um campo energét ico que
f acilit a, põe as pessoas no mesmo pat amar de energia, consegue f azê esse equilíbrio e. .
f acilit a, com cert eza. ”

Eu – “ E como t u sent e a música dent ro da religião?. . Quando t u t a dent ro da corrent e e


começa a t ocá o t ambor. . . ”

Taíze – “ Eu acho que é. . . . é como se abrisse um. . . uma port a de. . e emanasse energia, é bem
diret o. É bem diret o, começa o primeiro t oque do t ambor e a gent e sent e uma vibração, uma
energia dif erent e, bem, bem diret o mesmo. . ” (Em ent revist a a aut ora)

Para Taize não exist e Umbanda sem t ambor é “ compl icado” e “ as pessoas não se ent regam do mesmo
j eit o” , pois a música “ põe as pessoas no mesmo pat amar de energia” .

Considerações finais
Apesar de cada part icipant e da casa descrever a música enf at izando dif erent es f at ores, muit os t ermos e
designações são comuns. Todos conot am grande import ância para a música dent ro dos t rabal hos rit uais,
mesmo expl icando-os de maneiras dif erent es. Vej o t ambém exist ir um consenso sobre a música ser
port adora de vibração (energia) e inf l uenciar na ent rega (concent ração).
Dent ro do Reino de Luz, a música ou t oque, como muit as vezes são denominadas as prát icas sonoras da
casa, são diret ament e rel acionadas à vibração ou energia. A vibração (energia) é vist a como um f at or
essencial dent ro dos rit uais, sempre se procura uma boa vibração, ist o é, vibração el evada, pois dest e
modo os Guias de l uz9 podem aproximar-se de maneira mais ef et iva aos médiuns. Para t al, os membros
da casa devem mant er a energia da corrent e o mais el evada possível e a música é vist a como um f at or
de aj uda nest a missão. Por est e mot ivo, a vont ade e a empol gação são consideradas muit o import ant es
durant e os rit uais, principal ment e na hora de t ocar e cant ar os pont os, pois se acredit a que quando
f azemos al go com vont ade nossa energia est á mais el evada, l ogo, se os pont os são t ocados e cant ados
com vont ade, a vibração da corrent e t orna-se mais el evada. Assim sendo, no Reino de Luz, vont ade e
empol gação t ornam-se caract eríst icas musicais essenciais para o bom andament o dos t rabal hos.
At ravés dos rel at os nas ent revist as pode-se not ar t ambém que para muit os part icipant es a música f oi um
f at or de at ração e conversão à rel igião. Logo, o f at o de a Umbanda ser uma rel igião musical inf l uenciou
muit os dos ent revist ados a se convert erem a el a, assim sendo, acredit o poder cogit ar a hipót ese, nest e
caso específ ico, de ver a música como sendo uma port a de ent rada para a Umbanda e para o Reino de
Luz.
Acredit o t ambém, que discut ir a música como uma port a de ent rada para a rel igião, possa t razer a t ona
out ras quest ões sobre a música e a como os umbandist as se rel acionam com est a. A part ir do
quest ionament o “ o f at o de a Umbanda ser uma rel i gião musical inf l uenciou para que t u ent rasses ou
permanecesse nest a?” , pude not ar a import ância que os membros da corrent e do Reino de Luz dão à
música nos cul t os e, com ist o, abre-se um import ant e caminho de conversação sobre as prát icas
musicais e a rel ação dest as com os part icipant es da casa.

Bibliografia:
CLIFFORD, James. A experiência etnográfica. Trad. José Reginaldo Gonçalves. Ed. Da UFRJ. Rio de Janeiro: 1998.

GOMES, Ângela de Cast ro. A guardiã da memória. Acervo - Revist a do Arquivo Nacional, v. 9, nº 1/ 2, p. 17-30,
j an. / dez. Rio de Janeiro: 1996.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. 1º edição 1968. Trad. Beat riz Sidou. Cent auro Edit ora. São Paulo: 2006.

9
O mesmo que ent idade.
292 SIMPEMUS 5
MATTOS, Cl áudia Neiva. A Poesia Popular na República das Letras – Sílvio Romero Folclorista. Edit ora UFRJ. Rio de
Janeiro: 1994.
| Conferência |

ANÁLISE MUSICAL E O PENSAMENTO DA DIFERENÇA

Car ol e Guber ni kof f (UNIRIO)

Ant es de mais nada gost aria de agradecer o convit e da comissão organizadora do simpósio e dizer que
considero est a oport unidade um privilégio. Vou aproveit ar a oport unidade do convit e para o V Simpemus
para apresent ar um t ext o bast ant e livre, em que t ecerei considerações sobre as at ividades ligadas à
análise musical, que t em sido meu campo privilegiado de pesquisa e à música, considerada como um
pensament o.
Venho lidando com os t emas e quest ões que vou t rat ar ao longo dos anos e são eles que t êm servido de
f undament ação para uma prát ica cot idiana. Alguns deles poderão parecer ext remament e ambíguos e
genéricos, out ros, mais pessoais e empíricos.
A relação ent re a análise musical e o pensament o musical não é de nat ureza simples. Def endo a posição
que o pensament o é um acont eciment o raro e que, por sua própria nat ureza, são eles que dão sent ido à
música. Os acont eciment os musicais devem ser dist inguidos de peças musicais em geral. A vida no
mundo at ual é sobrecarregada de peças que não est abelecem uma relação de f orça e sent ido com a
f orça da palavra música. Ao cont rário, o excesso de “ músicas” ao invés de aument ar a qualidade da
sensação musical, cria um silêncio cult ural. Por out ro lado, a análise musical pode ser “ aplicável”
indiscriminadament e a obras e peças em geral, sem envolviment o com quest ões de valor, cumprindo
muit as vezes um papel de legit imação.
Nas últ imas décadas a busca por met odologias de análise musical ocupou grande part e da lit erat ura
acadêmica sobre música. Ult imament e, parece que houve um silêncio: não há mais quest ões analít icas
ou met odológicas e os aut ores de livros que se t ornaram ref erência por apresent arem t eorias e
met odologias analít icas os anos 80 e 90, se volt aram para out ros “ obj et os” : os mult imeios, a canção
popular, as prát icas int erpret at ivas, a musicologia hist órica. Parece que a noção de pós- modernidade,
com sua f orça de aniquilação das dif erenças, dissolveu a própria idéia de que exist e um pensament o
musical e uma int elect ualidade musical.
A dif iculdade da t aref a a que me ent reguei no início dos anos 80, f oi a de encont rar um pensament o da
dif erença que servisse de suport e para uma int uição prof unda: a de que uma obra merece est e nome
quando se t rat a de uma singularidade e que est a singularidade est á necessariament e ligada a uma
universalidade e não uma part icularidade que remet e a uma generalidade.
Est a perspect iva não t em nenhuma implicação cult uralist a ou de recuperação de ant igos crit érios como
a ident if icação da música de origem européia como a única de carát er “ universal” , mas diz respeit o á
própria nat ureza da música como pensament o. Além disso, minha pesquisa de t ese envolvia a
f ormulação de uma ant i-met odologia, ext raída a part ir de t ext os musicais do século XX que, em minha
opinião, desaf iavam a noção de t empo cronológico e linear que eu ident if icava com o t empo da música
em que a própria t onalidade def iniria a necessária direcionalidade. Nest a t ese, de 1993, def endi o
conceit o de que o cont eúdo da música t onal é seu próprio sist ema de ref erência, t omado não como
“ sint axe” , mas como cont eúdo. Est a ref erencialidade do sist ema é que permit iria a produção de obras
singulares, nos casos de haver um pensament o musical e obras genéricas, ident if icáveis f ormalment e
mas sem cont eúdo musical.
Podemos começar a desf azer est e emaranhado de t aut ologias, o das singularidades que remet em á
universalidade se encararmos cada uma dest as singul aridades dent ro de um cont ext o de quest ões.
A primeira, de ordem f ilosóf ica, remet e ao que Deleuze considera revolução copernicana, do
pensament o quando Kant enuncia o t empo como um a pr i or i da subj et ividade.
A música, desde a ant iguidade clássica e da Idade Média, era considerada o número do t empo. A
arit mét ica se ocupava do número puro, a geomet ria do número no espaço, a música do número no
t empo e a ast ronomia do número no espaço e no t empo. Ainda na ant iguidade clássica Arist ót eles
complement a Plat ão, quando encont ra na mudança, na t ransf ormação dos corpos, de acordo com o
ant es e o depois, a medida do t empo. Aí nos encont ramos diant e de um primeiro paradoxo: se o t empo
é auf erível pelas t ransf ormações corporais, como a música pode ser considerada a medida do t empo se
nela nada se t ransf orma? Vemos, ent ão que a concepção f ísica da música e do som era muit o mais de
294 SIMPEMUS 5
nat ureza incorpórea que corporal e que a música ef et ivament e escut ada não f azia part e,
necessariament e da et ernidade e da imut abil idade do universo. Est a quest ão assombrou o primeiro
grande pensador da civil ização crist ã, Sant o Agost inho, quando, nas Conf issões, l ivro IX, est abel eceu a
rel ação ent re et ernidade e o present e, o passado e o f ut uro at ravés da música.
Est a vert ical idade da música, no sent ido de uma não direcional idade, pode est ar na raiz da quest ão da
universal idade e singul aridade. Há uma rel ação vert ical ent re as duas, uma remet endo à out ra, sem
passar pel a general idade dos part icul ares.
Para mim, na prát ica cot idiana do exercício da prof issão de prof essora de anál ise musical , eu est ava
l idando com obras singul ares, que remet eriam à universal idade, mas ao mesmo t empo dent ro de
cont ext os necessariament e genéricos, como a cul t ura, a hist oricidade, os est il os e as perf ormances
individuais.
Est a ambigüidade da obra art íst ica, ent re o universal e o cont ingencial est á muit o bem expressa por
François Lyot ard,
É um erro grave e comum impor às obras de art e uma classif icação por períodos ou por
escolas. [ . . . ]

O que há de art e nas obras é independent e dest es cont ext os mesmo que elas não se
manif est em senão neles e na sua oport unidade. A obra de art e é sempre um gest o de espaço-
t empo-mat éria; a art e de uma peça musi cal, um gest o de espaço-t empo-musical. 1

Vol t ando à quest ão do “ sil êncio” que recaiu sobre as met odol ogias de anál ise musical nos úl t imos vint e
anos, podemos pensar que houve ao mesmo t empo um esgot ament o das “ novidades” met odol ógicas
t razidas principal ment e por t eóricos do mundo acadêmico angl o saxônico: a t eorias neo-schenkerianas e
a t eoria dos conj unt os ( set t heor y). A sit uação pode ser comprovada se comparamos a versão do
verbet e Anál i se Musi cal escrit o por Ian Bent , na década de oit ent a e a versão de mesmo aut or do ano
2000. As mudanças são muit o pequenas, com o agravant e de que o espaço concedido a est as duas
“ met odol ogias” se t ornou ainda maior, cedendo ao enorme poder das t eorias predominant es nas
universidades americanas. Eu mesma, desde o início dos cursos de pós-graduação f undado em 1994
t enho cont ribuído para est e est ado de coisas.
Os grandes l ivros sobre anál ise musical dividiam as met odol ogias em cat egorias que nem sempre muit o
cl aras em suas def inições. Num l ivro a redução Schenkeriana era chamada de psicol ógica e nout ro de
f ormal ist a. A t eoria dos conj unt os deve ser considerada sempre “ f ormal ist a” apesar de sua maior
dif icul dade ser a de não est abel ecer crit érios de segment ação e de não “ revel ar” uma possível f orma.
Como se posicionar f rent e às chamadas grandes f ormas sem t ransf ormar os al unos em processadores de
sonat as, como se a “ f orma sonat a” exist isse ef et ivament e. 2
Dent ro dest e emaranhado de quest ões, al guns t ext os se t ornaram ref erências obrigat órias, sem
manif est ações de novas met odol ogias. . Dent ro da vert ent e da música t onal podemos cit ar os dois
cl ássicos de Charl es Rosen: Cl assi cal St yl e e Sonat a For ms. 3 Considero t oda a part e int rodut ória do l ivro
St r uct ur al hear i ng, de Fel ix Sal zer, uma l ição permanent e das noções de cont rapont o e harmonia.
Apesar da incont est e qual idade do l ivro de Al l en Fort e, Int r oduct i on t o schenker i an anal ysi s, f al t a nel e
o sopro de musical idade do l ivro de Sal zer e não caberia aqui ret omar discussões sobre quem seria o
“ verdadeiro” herdeiro das t eorias de Schenker.
Sobre Schenker, sabemos muit o pouco. Quando est ive na Universidade de Col umbia, em 1998/ 99, vi
prat el eiras de obras de Schenker em al emão, vol umes sobre Beet hoven, que nunca f ui capaz de
abordar, pois est ava concent rada em minhas pesquisas. A sensação de que havia um universo
f rust rant ement e perdido bem ao al cance de minhas mãos, f oi t errível . Ent ret ant o, qual quer t radução de
seus t ext os t ranspira paixão, organicidade, virt ual idade, o que os t ext os mecânicos “ de apl icação” não
possuem absol ut ament e. Para Schenker a harmonia é uma virt ual idade que necessit a de composit ores
“ geniais” para int uí-l a e at ual izá-l a. A música exist e em est ado l at ent e e cabe ao
composit or/ int érpret e, at ual izá-l a, f azê-l a soar. Não sou especial ist a nest e t ema e conheço pessoas que
o f azem com a maior seriedade e respeit o, mas meu f ascínio por est as cat egorias impl ícit as, como um
devir que se at ual iza na duração me f ascinou. Por ocasião de minha pesquisa desenvol vida durant e o
pós dout orado sobre a música de Trist an Murail e de Al meida Prado, o t ema da t emporal ização de uma
virt ual idade me f ascinou. Como est ava l idando com a música de um composit or f rancês que reivindica
uma nat ureza sonoro-t imbríst ica como base para a escut a musical , comet i o sacril égio de adapt ar à
t eoria dos espect ros sonoros as cat egorias de redução e prol ongação, real izando grandes gráf icos de
reduções de seções int eiras.

1
Idem, ibidem p. 4
2
Podemos mencionar t rês livros import ant es: Analysis de Ian Bent e william Drabkin, New Grove Handbook in Music,
London: Macmillan, 1987; Music Analysis in Theory and Pract ice, Jonat han Dunsby & Arnold Whit t all, London, Faber,
1988; A Guide t o Musical Analysis, Oxf ord, Oxf ord Universit y Press, 1987.
3
Rosen, C. - The Classical St yle, New York: Nort on, 1997; Sonat a Forms , New York: Nort on, 1988
simpósio de pesquisa em música 2008 295
Dois exemplos ext raídos de Désint égrat ions de Trist an Murail

A#1{p: 7, 11, 20, 36} A#1{p: 4, 7, 11, 21}


0’ 11’ ’ 1’ 43’ ’
Ex. 1 – Início, seção I, dois acordes ext raídos de uma mesma f undament al

Ex. 2 Redução da Subseção IIa’ – 3’ 59’ ’ (p. 19: c 4) – 5’ 52’ ’ (p. 25: c 7)
Na segunda redução do exemplo 2, pela vert icalização dos element os podemos verif icar com clareza
que exist e uma linearidade int rínseca ent re as vozes, que são conduzidas at ravés de uma harmonia
micro t onal, ext raída da expansão dos parciais da not a sol.
Mas, para além das pesquisas e das ref lexões sobre as t écnicas e as est ét icas da música cont emporânea,
exist e um lugar preservado: o ensino da graduação. Concordo com as advert ências de Felix Salzer,
discipulo de Schenker, que recomenda no livro St ruct ural hearing, não expor alunos ainda em f ormação
aos conceit os schenkerianos de redução, prolongação, background e f oreground, Urlinie, Urzat s e níveis
int ermediários. 4 Podemos nos concent rar em t ransmit ir at ravés da apreciação musical e do t reinament o
nas at ividades e reconheciment o e segment ação de rit mos, t ext uras, harmonias, carát er, est ilo e t udo o
que envolve o aprendizado da música e não da análise musical. Tem sido na prát ica cot idiana do ensino
na graduação que t enho t irado os maiores aprendizagens da música, at ravés do repert ório clássico,
acredit ando que a aprendizagem se realiza no cont at o diret o com o pensament o musical.

4
Salzer, F. - St ruct ural Hearing: Tonal Coherence in Music, New York, Dover, 1967.
296 SIMPEMUS 5
Vamos agora, depois desde longo coment ário, ret omar o início da palest ra, quando mencionei a
revolução copernicana de Kant , o deslocament o do t empo, j unt ament e com o espaço, na const it uição
do suj eit o e conseqüent ement e dos obj et os. Tempo e espaço em Kant são os dois a pr i or i que
possibilit am proj et ar sobre o mundo esquemas e são est es esquemas que permit em a t ransf ormação dos
f enômenos em obj et os.
Tomarei como guia um art igo de Bernard Sèves, t raduzido por mim na revist a Debat es 5, “ O que a
música nos ensina sobre a noção de f orma em geral” . Nest e t ext o ele conf ront a duas grandes vert ent es
do pensament o sobre a f orma musical. No primeiro, f ormulado por Vincent D’ Indy, a f orma musical se
const it ui a part ir de modelos paradigmát icos: a f uga de Bach, as sonat as de Beet hoven, e assim por
diant e. Ele chama est a vert ent e de dogmát ica, e a considera normat iva, escolást ica e escolar. A out ra
vert ent e, ele chama de hist órico-sint ét ica, considera caso a caso ao longo da hist ória. “ Est a vert ent e
não é normat iva , é pluralist a, mas t em um result ado def inidor muit o pobre”
Nest e art igo, Bernard Sèves invert e a t radicional dependência das f ormas musicais ao verbal e ao
pict urial. A part ir de uma leit ura dos t ext os de Kant , ele const rói uma noção de f orma que se const it ui a
part ir do j ogo das sensações. Para esclarecer est a noção est e recorre a passagens da Cr ít i ca da
f acul dade de j ul gar :
“ t oda f orma dos obj et os dos sent idos (t ant o as dos sent idos ext ernos quant o as mediadas, de
sent ido int erno) ou é f igura [ gest alt ] ou é j ogo. No segundo caso, ou é j ogo de f iguras
[ gest alt en] , (no espaço: a mímica e a dança) ou é puro e simples j ogo de sensações (no
t empo). A cont inuação da passagem most ra como est e puro e simples j ogo das sensações no
t empo corresponde à música, o que é conf irmado no §51. 3. o que me int eressa aqui é que a
f orma pode ser pensada não apenas como f igura, mas t ambém como j ogo, quer dizer, como
moviment o (SÈVES, pg. 95).

Já quando discut e a Anal ít i ca do Bel o, Sèves conclui com as seguint es f ormulações:


“ [ em Kant ] . . . a f orma não é est rut ura, mas princípio est rut urant e; mais do que t er uma
f orma deveríamos dizer que a coisa t oma f orma e que ela não cessa de se f ormar. Idéia
capit al: a f orma é moviment o e moviment o inacabado porque livre, quer dizer não
det erminado por um conceit o. É por isso que o moviment o é pensado por Kant como ref lexão
do espírit o sobre a coisa como t rabalho da imaginação. (SÉVES, pg. 97).

Não caberia a est a palest ra ext rair e desenvol ver as complexidades do pensament o de Kant ,
principalment e no que diz respeit o às ext raordinárias f ormulações const ant es na Cr ít i ca do Juízo e na
Anal ít i ca do Bel o que part em do princípio da sensação aut o-ref lexiva e sem conceit o. O que gost aria de
guardar é apenas a idéia de princípio est rut urant e e de coisa que “ t oma f orma” e que “ não cessa de se
f ormar” . A liberdade da f orma é ela “ não ser det erminada por um conceit o” .
Para mim, a lição que consegui ext rair dest es t ext os se ref let e mais no t rat ament o dado às obras
musicais que apresent o nas aulas da graduação que em mudanças de cont eúdo programát ico. Acredit o
que o livro Fundament os da Composi ção Musi cal de Arnold Schoenberg5 siga est e mesmo principio: cada
capít ulo apresent a várias soluções para conceit os muit as vezes def inidos sem muit a clareza, numa
“ abert ura” para as dif erent es at ualizações de uma mesma virt ualidade. Em minhas aulas procuro
evidenciar a singularidade de cada obra em relação a um esquemat ismo, que f az part e da const it uição
do suj eit o e nunca pela def inição de um f orma. A singularidade de cada obra est á diret ament e ligada ao
esquema cognit ivo que lhe dá universalidade e não às f iguras paradigmát icas ou exemplares f rent e à
qual t odos os part iculares seriam cópias enf raquecidas.
Para exemplif icar est a prát ica, apresent arei um pequeno minuet o de Haydn, ext raído da Sonat a em Si
menor, Hob. XVI: 32. A “ f orma” do minuet o se const it ui de duas danças, o minuet o e o t rio. Cada uma
das danças t em duas part es e cada uma das part es se compõe de f rases. No período clássico, as danças
seguem esquemas harmônicos de relacionament o ent re as f rases, de acordo com suas cadências. Nest e
minuet o, apesar de ser absolut ament e clássico em sua f ormulação, encont ramos t raços present es das
danças do período barroco, em que a primeira part e das dança cadencia para uma região harmônica de
dominant e ou de t ônica relat iva maior, se a t onalidade f or menor. Na reexposição obrigat ória da
primeira part e do minuet o, após o cont rast e harmônico e t emát ico do início da segunda part e, que
servirá de f inal para a peça como um t odo, após a realização do t rio, com o da capo para o minuet o, a
f rase conseqüent e da primeira part e é “ resolvida” na t ônica. Est a operação é bast ant e simples, apenas
ilust ra como um pequeno e singelo minuet o envolve quest ões est ilíst icas indecidíveis: ou é “ ant iquado” ,
levando-se em consideração o esquema harmônico mais próximo do barroco; ou é “ avançado” , f rent e à
liberdade f ormal e f raseológica. Não encont ramos, na primeira part e a “ regularidade” f raseológica que
será absolut a nos períodos hist óricos subseqüent es, como o romant ismo, pois a cadência para a
dominant e f orçou a dilat ação da f rase, sem encont rarmos uma “ ext ensão” . O início da segunda part e
não é uma f rase cont rast ant e, mas uma variação e t ransposição da “ única idéia” dest e minuet o, que é
reapresent ada com dif erenças int ervalares no salt o ascendent e que a caract eriza. A regularidade

5
Schoenberg, A. – Fundament os da Composição Musical, São Paulo, Edusp, 2007 (3ª d. )
simpósio de pesquisa em música 2008 297
f raseológica, de quat ro compassos é def init ivament e subst it uída por uma regularidade de seis
compassos. Como podemos observar, t udo nest e minuet o cont raria a idéia duma f orma pré est abelecida
e, no ent ant o é perf eit o enquant o acabament o e reconheciment o t ant o do carát er quant o da est rut ura
f ormant e.
O mais import ant e de: ele revela a exist ência de um pensament o f ormal e harmônico que t ranscende
qualquer cat egorização hist órica e est ilíst ica.

Ex. 3 Minuet o da Sonat a em Si menor, Hob. XVI: 32, de Joseph Haydn


| sessão de pôst eres |

FATORES SIGNIFICATIVOS PARA A REALIZAÇÃO DA LEITURA À PRIMEIRA VISTA POR PIANISTAS

Ai l l yn Ungl aub Schmi t z e Dr . Gui l her me S. de Bar r os (UDESC)

RESUMO: Como o piano é um inst rument o que execut a várias not as simult aneament e, produzindo um
ef eit o sonoro harmônico, a part it ura escrit a possui uma est rut ura mais complexa, f at o que dif icult a a
leit ura à primeira vist a. Músicos pesquisadores como Agay e Kaplan discut em est as quest ões e indicam
t écnicas de est udo para f acilit ar a execução. Para uma melhor realização dest a prát ica, not a-se a
necessidade de que se t enha o domínio da not ação musical , da t opograf ia do t ecl ado, e que se f aça uma
análise e leit ura prévia ant es de iniciar a execução inst rument al.
OBJETIVOS: Discut ir e analisar t écnicas de conheciment os musicais para a realização da leit ura à
primeira vist a na prát ica pianist a.
METODOLOGIA: A pesquisa bibliográf ica nort eou a realização dest e t rabalho.
CONCLUSÃO: At ravés das abordagens t eóricas percebe-se a import ância da análise da peça ant es da
execução. A at enção ao andament o, t ít ulo, f órmula de compasso, t onalidade, e out ras caract eríst icas
específ icas, proporcionam det erminado conheciment o prévio da obra.
A análise da bibliograf ia ut ilizada nest e est udo f avoreceu ent ender a complexidade corpórea envolvida
na habilidade de ler à primeira vist a. É possível concluir que a leit ura não é propriament e uma quest ão
de t alent o individual, e sim uma at ividade que pode ser adquirida por quem ut iliza as t écnicas
adequadas. “ O único caminho para melhorar a leit ur a à primeira vist a é prat icar” . (LAST, 1972, p. 85).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AGAY, Denes. Sight Reading: The Basics, St ep by St ep. In: AGAY, Denes. Teaching Piano. Unit ed St at es of America:
Yorkt own Mus ic Press, 1981. v. 1. p. 197-218.

GABRIELSSON, Al f . Music Perf ormance research at t he millennium. In: Psychology of Music, Not t ingham, U. K. , v. 31,
n. 3, 2003.

KAPLAN, José Albert o. Teoria da Aprendizagem Pianíst ica. 2. ed. Port o Alegre: Edit ora Moviment o, 1987.

KOCHEVITSKY, George. The Art of Piano Playing: A Scient if ic Approach. U. S. A: Summy-Bichard Company, 1967.

LAST, Joan. The Young Pianist . Melbourne, NY: Oxf ord Universit y Press. , 1972.

SEASHORE, Carl E. Psychology of Music. New York: Dover Publicat ions, Inc. , 1967.

IDENTIDADE ECOLÓGICA DA ESCOLA DE BELAS ARTES: MARCAS DA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

DE UMA PROFESSORA DE MÚSICA

Débor a de Fát i ma Ei nhar dt Jar á

Cl euza Mar i a Sobr al Di as

RESUMO: Est a invest igação est uda a hist ória de vida e t raj et ória prof issional da prof essora de música
Val eska Inah Emi l Mar t ensen - a “ Dona Inah” - que com sua prát ica educat iva marca a ident idade da
Escola de Belas Art es Heit or Figueira de Lemos, localizada na cidade do Rio Grande-RS.
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 299
OBJETIVOS: Compreender como o modo de ser e a ação docent e da “ Dona Inah” perpassam a
t emporal idade, inf l uenciando f ort ement e a ident idade ecol ógica da Escol a de Bel as Art es e produzem
uma prát ica educat iva que, ainda hoj e, circunda o processo de ensino e aprendizagem nest a inst it uição.

METODOLOGIA: Hist ória de Vida com base nas inf ormações obt idas em ent revist as com f amil iares e
al unos e em document os: j ornais, f ot ograf ias, gravações de programas musicais da época, os quais
t ambém servirão como desencadeadores das narrat ivas dos suj eit os ent revist ados.

CONCLUSÕES: A at uação dest a docent e, que se est abel eceu por mais de duas décadas na ref erida
inst it uição, inf l uenciou não só a cul t ura dest a escol a, mas provocou mudanças na hist ória social e
cul t ural da cidade. O f azer docent e dest a prof essora inf l uencia f ort ement e na ident idade do
Conservat ório de Música do Rio Grande, at ual ment e Escol a de Bel as Art es, produzindo uma prát ica
vert ical izada est abel ecida por uma hierarquização prof issional bal izada pel a val oração dos saberes
pedagógicos.

REFERÊNCIAS:
BEYER, Est er; BOSSI, Ecléia; CALDAS, Pedro Enrique; D’ OLIVET, Fabré; FONTERRADA, Marisa; GEERTS, Clif f ord;
GUATTARI, Félix ; HALL, St uart ; HENTSCHKE, Liane; LANGE, Francisco Curt ; LE GOFF, Jacques; MINAYO, Maria
Cecília de Souza; PELIZZOLI, Marcelo; REAL, Ant onio Cort e; SATO, Michel e; TINHORÃO, José Ramos; THOMPSON,
Paul.

ORQUESTRA SINFÔNICA DA SOCIEDADE DE CULTURA ARTÍSTICA BRASÍLIO ITIBERÊ (SCABI): A

DIVULGAÇÃO DA MÚSICA ORQUESTRAL EM CURITIBA, ENTRE 1 9 4 6 -1 9 5 0

Al an Raf ael de Medei r os; Ál var o Car l i ni (Uni ver si dade Feder al do Par aná)

RESUMO: A present e pesquisa t em como obj et ivo est udar a at uação da orquest ra da SCABI, verif icando
suas principais at ividades ao l ongo de seus quat ro anos de exist ência na capit al paranaense,
compreendidos ent re 1946 e 1950.
OBJETIVOS: O present e art igo t em como obj et ivo anal isar a at uação da Soci edade de Cul t ur a Ar t íst i ca
Br asíl i o It i ber ê ( SCABI) no desenvol viment o da cul t ura musical na cidade de Curit iba, at ravés de suas
invest idas para a criação e manut enção de uma orquest ra sinf ônica, que real izou concert os na capit al
paranaense durant e quat ro anos (1946-1950).
METODOLOGIA: Os programas de concert os da OSS, preservados na Casa da Memór i a, Fund. Cul t ur al de
Cur i t i ba, servem como base de consul t a primária para a el aboração dest e t rabal ho. Out ras f ont es
document ais (j ornais, est at ut os, l ivros de bal anço f inanceiro) vêm somar na compreensão dest e set or da
SCABI.

CONCLUSÕES: A orquest ra sinf ônica da SCABI at endeu part e das demandas musicais de Curit iba, ent re
1946-1950. Após o encerrament o das at ividades, est a f avoreceu a apresent ação de conj unt os orquest rais
na cidade (nacionais e int ernacionais), at ravés de concert os. Real izou event os como a série int it ul ada
Concer t os Si nf ôni cos Popul ar es, e o repert ório que disseminou inf l uenciou a f ormação de pl at éia na
Curit iba do período, e seu ref l exo se f az sent ir na at ual idade.
300 SIMPEMUS 5
Referências
CARLINI, Álvaro. Cor ai s na SCABI (1945-1965) , IV Simpósio de Pesquisa em Música, Curit iba, 2007. In: Anais do IV
Simpósio de Pesquisa em Música: Curit iba, 2007. p. 21-29.

RODERJAN, Roselys V. Aspect os da Músi ca no Par aná (1900-1968) , 2004, p. 81-96. In: A [ des] const rução da Música na
Cult ura Paranaense. Org. Manuel J. de Souza Net o, Curit iba: Ed. Aos Quat ro Vent os, 2004, 707p.

SAMPAIO, Marisa Ferraro – Remi ni scênci as musi cai s de Char l ot t e Fr ank , 1 ed. Curit iba: Lít ero Técnica, 1984.

UNIVERSIDADE SEM FRONTEIRAS PROJETO CORAL DAS CONCHAS: UMA PROPOSTA DE

MUSICALIZAÇÃO INFANTO-JUVENIL NO LITORAL PARANAENSE

Beat r i z Hel ena Fur l anet t o (EMBAP) Joel ma Zambão Est evam (UFPR)

RESUMO: O proj et o “ Probl emas Sociais Inf ant o-Juvenis Invest igados no Município de Mat inhos: uma
propost a t ransdisciplinar para revert er essa real idade” , poet icament e denominado “ Proj et o Coral das
Conchas” , f az part e do programa Universidade Sem Front eiras l ançado em out ubro de 2007 pel a
Secret aria de Est ado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná, sendo realizado pela Escola de
Música e Belas Art es do Paraná e Universidade Federal do Paraná.
A observação de crianças expost as ao t rabalho inf ant il e às drogas no município de Mat inhos-PR, com
baixos result ados escolares na avaliação do INEP/ 2005, mot ivaram a el aboração dest e proj et o.
A propost a inicial era levar uma at ividade musical colet iva, o cant o coral, a ser realizada no cont ra
t urno escolar: o proj et o ganhou visibil idade e, com a aj uda da Pref eit ura Municipal de Mat inhos, passou
a of erecer t ambém, em 2008, aulas de f laut a doce, musicalização e xadrez.
As crianças part icipant es aparent ement e est ão mais int egradas socialment e, at ent as às at ividades
escolares e melhoraram no aspect o disciplinar: a música parece criar um espaço de convivência e
af et ividade.
OBJETIVOS: Combat er o t rabalho inf ant il, a drogat ição e a exploração sexual inf ant o-j uvenil.
- Proporcionar vivências af et ivas que est imulem a sociabilidade, aut o-est ima, alegria, disciplina,
amizade, responsabilidade e realização pessoal.
- Promover a conscient ização de comport ament os e a recriação dinâmica de vínculos, valores, at it udes,
cont empl ando uma f ormação global e int egradora.
METODOLOGIA: O proj et o promove, semanalment e, aulas de f laut a doce, musicalização, cant o coral e
xadrez às crianças e adolescent es da rede pública de ensino de Mat inhos.
A opção de realizar at ividades musicais colet ivas nas escolas deu-se por duas razões dist int as: em
primeiro lugar, pelo f at o da música represent ar uma alt ernat iva prazerosa e ef icaz de desenvolviment o
pessoal e de socialização – o que poderia ser uma cont ribuição signif icat iva a indivíduos em sit uação de
risco social localizados na perif eria dos benef ícios of erecidos pela sociedade.
A música é uma at ividade criat iva e percept iva que auxil ia no desenvol viment o e no equilíbrio da vida
af et iva, int elect ual e social do homem, cont ribuindo para sua condição de ser pensant e.
O segundo aspect o considerado na escol ha da at ividade musical f oram os ganhos no que concerne ao
desempenho escolar dest as crianças: a música solicit a as est rut uras racionais, normal ment e as únicas
enf at izadas pela escola, e mobiliza as est rut uras sensíveis. Dest a f orma desempenha um papel
f undament al na f ormação de cidadãos onil at erais, ou sej a, pessoas que se desenvol vem em t odas as
dimensões.
O xadrez pode cont ribuir para aument ar a concent ração, a paciência e a perseverança, bem como
desenvolver a criat ividade, int uição e memória, desenvol vendo habil idades que auxil iam a t omar
decisões e resolver problemas de f orma mais f lexível.
O cont eúdo didát ico de cada at ividade é sel ecionado de acordo com as necessidades e int eresses dos
part icipant es, e mensalment e são realizadas apresent ações musicais para a comunidade local.
O proj et o t ambém promove pal est ras e debat es para a comunidade escolar, pais e responsáveis,
ent endendo-se que t odos os envol vidos no processo de aprendizagem part icipam como co-responsáveis
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 301
nest a iniciat iva que pret ende at uar de f orma signif icat iva na mudança dos rumos do f ut uro dest as
crianças.
CONCLUSÕES: O “ Proj et o Coral das Conchas” busca promover um espaço social e cult ural que possibilit e
aos alunos o cont at o com suas próprias pot encialidades e a (re) elaboração de suas represent ações, na
maioria das vezes compromet ida pelo ambient e host il ao qual est ão expost os.
O cant o coral e a musicalização at ravés da f laut a são at ividades colet ivas e part icipat ivas que
possibilit am dif erent es habilidades de aprendizagem: audição e percepção, prof iciência mot ora,
f acilidade de expressão de sent iment os, criat ividade, disciplina individual, concent ração, expressão
corporal, respeit o mút uo, além de proporcionar aos est udant es um conheciment o da cult ura musical.
A prát ica do xadrez propicia o desenvolviment o na capacidade de levant ar hipót eses e raciocínios
lógicos, a responsabilidade, o ent endiment o das implicações nas “ t omadas de decisão” , a mat uridade de
aceit ar adversidades ou vit órias e aprender a conviver com as mesmas.
Já f oram const at ados result ados signif icat ivos ent re os alunos at endidos, como melhor comport ament o,
mais at enção em sala de aula, e aparent ement e, maior aut o-est ima. A cont inuidade dest e proj et o
poderá de f at o at ender às quest ões que mot ivaram a sua idealização.
Esse proj et o idealiza cont ribuir signif icat ivament e para a melhoria de vida de algumas das muit as
crianças e j ovens desprovidos de recursos f inanceiros e af et ivos em nosso país, silenciosos e sem
rost os. . . E, gradat ivament e, esses pequenos brasileiros est ão descobrindo suas vozes, most rando seu
sorriso e, t alvez, acredit ando em um f ut uro mais promissor.

O PROCESSO DE EDIÇÃO DO SOM EM FILMES: DO RETRATO À CONCEPÇÃO SONORA

Débor a Regi na Opol ski (UFPR)

RESUMO: Est e art igo é part e de um est udo de caso que int ent a clarif icar o processo de pós-produção de
som no cinema, de modo a f ornecer inf ormações, aos prof issionais e est udant es int eressados, a respeit o
das principais f unções e procediment os t écnicos envolvidos no processo de edição e concepção do
desenho de som. Obj et iva demonst rar que a recriação do som na pós-produção pode inf luenciar
dramat icament e e narrat ivament e na obra audio-visual. Para t ant o, pret ende relat ar as f unções
relat ivas ao processo de criação do som, bem como os procediment os realizados para reconst ruí-lo.
De acordo com Wyat t (2005, p. 1) o t ermo pós produção de som ref ere-se à part e do processo de
produção que lida com a edição, a mixagem e a mast erização da t rilha sonora. Dent re os obj et ivos da
pós produção Wyat t cit a:
1. Auxiliar na narrat iva, localizando o espect ador em relação ao ambient e ao t empo e ao período
at ravés do uso do diálogo, da música e dos ef eit os sonoros.
2. Adicionar impact o.
3. Complet ar a ilusão de realidade e perspect iva.
4. Complet ar a ilusão de irrealidade e f ant asia.
5. Complet ar a ilusão de cont inuidade.
6. Criar ilusão de prof undidade e espacialidade.
7. Corrigir problemas do som diret o.
8. Ent regar a t rilha sonora f inal com as corret as especif icações e f ormat os.
É na et apa da pós-produção de som que o desenho sonoro do f ilme é const ruído.
1. O som diret o é lapidado e vozes são adicionadas ou regravadas (ADR/ WALLA);
302 SIMPEMUS 5
Nas f alas dos personagens os def eit os são corrigidos e as descont inuidades suavizadas. O Walla (vozerio)
cont ribui para a localização do espect ador no ambient e da cena.
2. Os sons que provém de obj et os (f oley) são regravados dramat icament e e de acordo com a
int encionalidade da cena;

Segundo Purcell (2007. p. 32), o f oley é responsável por auxiliar a narrat iva, acrescent ar cor e t ext ura
sonora às cenas, bem como aj udar a esconder erros de f ilmagens e problemas nas f alas, principalment e
quando exist em dublagens. Os sons de sala criam a ambient ação necessária para que os diálogos
regravados não soem f alsos.
3. Sons processados e criados digit alment e (ef eit os) t ambém são acrescent ados;

Sons que não são necessariament e gravados em sincronismo com a


imagem: backgrounds (ambient es), hard ef f ect s (ef eit os signif icant es) e sound ef ect s (ef eit os
dramát icos).
Hyper-real sound (Holman, 2002, p. 16)
Os sons não são inseridos apenas para ret rat o da realidade.
São mais signif icant es do que realíst icos. Muit as vezes não exist e ligação diret a com a f ont e original,
porém o exercício de escut a causal e semânt ica ao qual o espect ador é submet ido realiza esses
processos cognit ivos.

Referências:
Assells, Chirst opher & Hallberg, Per. The speed of sound. Ext ra do filme The Bourne Ident it y. Universal Pict ures,
2002.

HOLMAN, Tomlinson. Sound for film and t elevision. Focal Press publicat ions, 2002.

PURCELL, John. Dialogue Edit ing for mot ion pict ures. Focal Press publicat ions, 2007.

WYATT, Hilary & AMYES, Tim. Audio Post Product ion for Television and Film. Focal Press, 2005.

ABORDAGEM FENOMENOLÓGICA EM EDUCAÇÃO MUSICAL

Pat r íci a Mer t zi g (PPE/ UEM)

RESUMO: Apresent a-se aqui a corrent e f ilosóf ica chamada f enomenologia como uma import ant e
cont ribuição em educação musical. Para t ant o t rat a-se primeiro da f enomenologia e seus principais
aut ores como Husserl e Merleau-Pont y. Na seqüência realiza-se uma abordagem ecológica da educação
musical propost a por Schaf er como espaço para a ref lexão sobre uma possível abordagem
f enomenológica em educação musical.
PALAVRAS-CHAVE: f enomenologia, educação musical, ecologia acúst ica.
si mpósi o de pesqui sa em músi ca 2008 303

CONTRA-INDÚSTRIA

Est r el a Lemi nski e Téo Rui z (FAP)

RESUMO: O principal obj et ivo dest e t rabalho é analisar a música independent e e o cont ext o da
inst it uição MPB, de f orma hist ória e cult ural, e os panoramas da música brasileira. Est e t rabalho
discorre sobre o ref lexo da indúst ria cult ural na música e mecanismos art íst icos de produção além de
propor o t ermo “ Cont ra-Indúst ria” para os “ aut o-produt ores” .
PALAVRAS-CHAVE: Música, Hist ória da Música Brasileira, Indúst ria f onográf ica, Música Independent e,
Cont ra-Indúst ria

UMA ANÁLISE TEMÁTICA DOS PRELÚDIOS PARA VIOLÃO DE VILLA-LOBOS

Jyl son J. Mar t i ns Jr . - Acáci o Tadeu de Camar go Pi edade (UDESC)

RESUMO: Est e art igo apresent a uma análise dos cinco prelúdios para violão de Villa Lobos. At ravés da
busca de t ransf ormações t emát icas ao longo das cinco peças, pret ende-se compreender a unidade dos
prelúdios.
PALAVRAS-CHAVE: Análise Musical; Musicologia-Et nomusicologia; Teoria musical; Música no cont ext o
sócio-cult ural e hist órico.

As idéias de organicidade e unidade na obra musical f oram revist as e crit icadas por vários aut ores da
musicologia após as desconst ruções pós-modernas. Na est eira dest as crít icas, volt adas part icularment e
ao f ormalismo e sincronismo analít ico, as idéias de Rét i sobre t ransf ormação t emát ica não escaparam
ilesas. De f at o, est as novas perspect ivas crít icas represent am import ant es desenvolviment os que
apont am para a necessidade de ref ormulações no campo da musicologia em direção a um maior
relat ivismo e adequação no uso de modelos t eórico-analít icos para se pensar a música [ . . . ] .
É o que pret endemos f azer aqui, at ravés de uma análise da dimensão t emát ica nos cinco prelúdios para
violão de Villa-Lobos. Para demonst rar o rendiment o de seu mét odo, Rét i (1951) analisa obras [ . . . ]
procurando demonst rar a int erconexão mot ívica ent re seus moviment os e a unidade da obra def inida a
part ir de element os t emát icos primários que aparecem t ransf ormados, por t oda a obra. Seguindo est a
premissa, t rabalhamos com a hipót ese de que est as cinco peças de Villa-Lobos possuem element os
comuns que as unif icam [ . . . ] . A análise apresent ará, peça a peça, est es element os (mot ivos, células
mot ívicas, t emas e t ransf ormações t emát icas)[ . . . ] consideramos que o mat erial primário é apresent ado
no início da obra, no seu primeiro moviment o. Assim, t omamos o Prelúdio nº 1 como uma espécie de
f ont e geradora [ . . . ] .

Prelúdio nº 1
Segundo Turíbio Sant os, o prelúdio nº1 t raz uma “ melodia lírica” , uma homenagem ao “ sert anej o
brasileiro” [ . . . ] . Segundo Marco Pereira (1984), “ a seção A apresent a uma melodia que, desenvolvida na
região grave do inst rument o, evoca a t essit ura do violoncelo” (PEREIRA, 1984, p. 65). A melodia na
região grave do inst rument o t ambém pode est ar relacionada ao est ilo do choro (exemplo abaixo), pois
Villa-Lobos sof reu grande inf luência dest e est ilo na sua inf ância e adolescência (NEVES, 1977, p. 23). A
melodia do primeiro t ema inicia-se por um int erval o de quart a j ust a, f ormando t ambém o primeiro
mot ivo, segue exemplo:
304 SIMPEMUS 5
O primeiro t ema do prelúdio nº1 t em um int eressant e desenvolviment o, pois a célula rít mica do mot ivo
I, sempre se repet e em uma nova alt ura em direção a região mais aguda, at é not a ré, e depois a
melodia segue descendent e at é a not a mais grave (f á#, comp. 10), cf . o exemplo:

[ . . . ] Se observarmos apenas as not as do baixo dest a progressão (E, A, G, F#, B), veremos que est e grupo
de not as est á cont ido no t ema I, porém de f orma incomplet a. Trat a-se daquilo que Rét i chama de
compressão t emát ica. Considerando ainda a linha do baixo, podemos observar t ambém que o desenho
melódico derivado do t ema apresent ado possui o mesmo grupo de not as em out ra ordem.

Prelúdio nº 2 - Seção A
A mesma célula mot ívica da seção ‘ A’ do prelúdio nº2 adapt a-se ao desenvolviment o harmônico, sem
perder com isso, a essência da idéia inicial propost a nos primeiros compassos. Ist o signif ica dizer
t ambém que a base de t oda a seção se encont ra c. 1 e 2. Est a idéia mot ívica inicial do t ema A pode ser
comparada à idéia mot ívica do t ema B do Prelúdio nº1. As similaridades aproximam as duas peças
at ravés da esf era mot ívica. Segue exemplo ilust rado abaixo comparando t emas do Prelúdio nº 1 e 2:
simpósio de pesquisa em música 2008 305
Prelúdio nº 3 - Seção B
O ‘ Tema II’ do Prelúdio nº3, surge dest e mot ivo inicial e, a part ir do segundo grupo de semicolcheias,
aparecem os int ervalos de 3ª, 4ª, 5ª, 6ª e, por f im, a 7ª, que é a própria inversão do ‘ Mot ivo I’ . O
próximo exemplo most ra que t oda a seção B é const ruída at ravés da repet ição dest e ‘ Tema II’ , sempre
iniciando uma 2ª menor abaixo. Os acordes de resolução, represent ados dent ro dos círculos, possuem a
not a mais aguda de sua est rut ura sempre meio t om abaixo do acorde ant erior, ref orçando, mais uma
vez, o ‘ Mot ivo de segunda’ . No f inal de cada compasso t emos uma not a isolada que da início a próxima
f rase, est as not as de f inal de f rase f ormam um grupo de not as com o mesmo cont eúdo t emát ico do
Prelúdio nº 1, só que o t ema aparece alar gado e em moviment o reverso (t ransf ormado).

Prelúdio nº 4
O Prelúdio nº 4 t em uma est rut ura muit o próxima dos Prelúdios de nº 1 e 2. Nest e prelúdio, usa-se o
compasso t ernário e a t onalidade da peça é mi menor, t al qual o Prelúdio nº 1 [ . . . ] . A seção A da
ref erida peça desenvolve-se com f rases curt as em compasso t ernário, seguidas de um mot ivo rít mico
ost inat o em compasso quat ernário. O t ema do Prelúdio nº 1 aparece no primeiro compasso, porém
t ransf ormado. Segue o exemplo ao lado:

Prelúdio nº 5
O últ imo prelúdio dest a série, em ré maior, possui t rês t emas dist int os [ . . . ] . Est a célula mot ívica inicial
t ambém cont ém element os que j á est avam present es no t ema do Prelúdio nº 1. Segue exemplo ao lado:

Considerações finais
Assim concluído o exame de cada um dos cinco Prelúdios, apresent aremos alguns breves coment ários
para f inalizar est e art igo [ . . . ] . Porém, se ret irarmos est as cascas j á t ão bat idas, rest a o verdadeiro
insight de Rét i: o composit or em geral busca unidade para sua peça, e est e ensej o produz unidade,
muit as vezes à revelia, e est a pode ser const at ada at ravés da análise. Villa-Lobos, alt ament e int uit ivo e
criat ivo, é um caso onde a abordagem de Rét i encont ra abundant es exemplos. Consideramos nossa
análise um passo preliminar para ut ilizar a análise do processo t emát ico e adent rar nest e rico universo
da música brasileira.
306 SIMPEMUS 5
O t ext o dest e pôst er é uma versão resumida do art igo.

O t rabal ho int egral encont ra-se disponível na int ernet no seguint e endereço:
ht t p: / / www. ceart . udesc. br/ revist a_dapesquisa/ vol ume3/ numero1/ musica. ht m

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DeAr t es 
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PPG MÚSICA

ISBN 978-85-98826-18-9

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