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TELEVISÃO

Telejornalismo:
onde está o lead? 1 Introdução

RESUMO EM ABRIL DESTE ano, mais precisamente no


O noticiário televisivo é a principal informação que a maioria dia 23, o Jornal Nacional, da Rede Globo,
dos brasileiros têm do mundo que os cerca. Nesse sentido, o principal noticiário televisivo do País, leva-
telejornal ocupa uma dimensão significativa na construção va ao ar as primeiras imagens da seca no
da realidade. Este trabalho tem como objetivo discutir como nordeste do Brasil. Uma semana depois,
o lead se apresenta na notícia de televisão e toma por base a uma nova reportagem, mostrava a distri-
perspectiva do newsmaking que estuda a produção da notícia buição de donativos aos flagelados. Três
a partir da cultura profissional dos jornalistas, da organiza- dias após as câmeras da Globo registravam
ção do trabalho e dos processos produtivos. o saque de alimentos por parte dos atingi-
dos pela seca.
ABSTRACT A seca, até então um problema esque-
From the point of view of the newsmaking perspective, this cido pelas autoridades, ao ganhar visibili-
article discusses the lead within the construction of television dade na mídia, entra na pauta das preocu-
news. pações do Governo motivando até uma vi-
sita do presidente da República, Fernando
Henrique Cardoso, à região para ver de
perto seus efeitos.
Sem entrar no mérito da questão da
seca, um fenômeno que faz parte da vida
deste País e parece longe de uma solução,
interessa-nos no fato chamar a atenção para
a força que a mídia, em particular a televi-
são, ocupa na sociedade. É partir do notici-
ário televisivo que o Governo é acionado e
não o contrário, como seria de se esperar. A
televisão é hoje, através do telejornal, a
grande “Praça Pública” onde os temas naci-
onais são mostrados e debatidos dentro
das regras próprias do veículo(Fausto
Neto, 1995).
Num País como o nosso onde, na mai-
oria das vezes, a única informação que as
pessoas têm do mundo que as cerca é a
transmitida pelo telejornal, esse quadro ga-
nha uma dimensão maior. No entanto, ape-
sar da importância que o telejornalismo
tem para sociedade brasileira, a bibliogra-
fia e os estudos sobre o assunto ainda não
são muitos diante da relevância do tema
(Marques de Melo,1995; Caparelli & Stum-
Alfredo Vizeu1 pf, 1998).
Professor UFES e Professor licenciado Unisinos Este trabalho tem por objetivo discutir
2
Jô Mazzarolo um dos aspectos do complexo campo do
Mestranda em Comunicação/UFRJ telejornalismo: a notícia, mais especifica-

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mente o lead, definido tradicionalmente, a uma nova forma de escrever e publicar
pela maioria dos autores, como a abertura, notícias. O autor explica que depois das lu-
a parte mais importante da matéria jorna- tas, os jornalistas dirigiam-se ao telégrafo
lística, o parágrafo sintético que deve pro- para passar suas matérias. Por uma ques-
curar responder às tradicionais perguntas: tão de tempo, eles pediam preferência para
o quê?, quem?, quando?, onde?, como? e transmitir suas mensagens.
por quê? (Amaral, 1978, p.66-68). Fontcuberta (1993) diz que por causa
A definição que toma por base a notí- da pressão do “relógio”, os corresponden-
cia de jornal também vale para a televisão? tes evitavam emitir opiniões em suas re-
Esse é o ponto principal que pretendemos portagens. Além disso, eles deixavam de
discutir. Longe de procurarmos dar uma lado os detalhes, preocupando-se com o
resposta definitiva à questão, interessa-nos “essencial”, os acontecimentos mais impor-
levantar alguns aspectos para novas pes- tantes. É que cada um queria enviar o mais
quisas e debates sobre o tema. Como lem- rápido possível às redações as informações
bra Leon Sigal (1986) saber como as notícias sobre o conflito. Além disso, o correio não
são produzidas é a chave para compreen- podia parar só para atender os repórteres.
der o que significam. Diante deste quadro, os operadores
A informação é a principal matéria- do telégrafo criaram um método para dar
prima das instituições jornalísticas que preferência aos correspondentes. Cada jor-
ocupam um lugar central no desenvolvi- nalista podia ditar um parágrafo, o mais
mento do capitalismo brasileiro e devem importante da sua informação. Ao terminar
estar em constante vigilância pela socieda- a primeira rodada, iniciava-se uma nova e
de, uma vez que cumprem uma função re- assim sucessivamente até que todos conse-
levante na construção social da realidade guissem passar suas reportagens.
(Berger; Luckmann, 1995). Segundo Fontcuberta, essa é a origem
Nesse sentido, entendemos que bus- da pirâmide invertida da notícia, método
car revelar os modos de elaboração da notí- que segue vigente ainda hoje. O núcleo da
cia contribui não só para a reflexão sobre a informação, o mais importante, se põe no
atividade jornalística, mas para o próprio princípio, denominado de lead. Os detalhes
aperfeiçoamento democrático da socieda- que complementam a notícia seguem em
de. ordem de maior a menor importância até o
Com a finalidade de contextualizar o final.
debate, este estudo está divido em três mo- No estudo sobre a evolução histórica
mentos. Num primeiro, mesmo que de da imprensa nos Estados Unidos, Alejan-
uma forma superficial e sucinta, faremos dro Pizarroso Quintero revela que a Guerra
um breve histórico sobre o surgimento do da Secessão determinou importantes modi-
lead no jornalismo e sua introdução no Bra- ficações na imprensa. As tiragens dos jor-
sil. Depois, mais em nível exemplificativo, nais aumentaram muito e as técnicas de im-
apontaremos algumas diferenças que acre- pressão tiveram de melhorar para atender a
ditamos existir entre as notícias de jornal e este novo quadro.
as de televisão. Finalmente, o tema central No entender de Quintero(1996), a ge-
desta pesquisa: o lead na notícia televisiva. neralização do telégrafo modificou a reda-
ção das notícias: desenvolveu assim o que
conhecemos como lead ou entrada, onde a
2 Os caminhos do lead informação era resumida com a máxima
economia de palavras.
São várias as explicações para o surgimen- No Brasil, o lead foi introduzido por
to do lead no jornalismo. A mais correspon- Pompeu de Souza, em 1950, no Diário Cari-
dentes nos campos de batalha deram início oca. De acordo com ele, citado por Genro

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(1987, p. 189), até então, a abertura da maté- um lado, a cultura profissional; e por ou-
ria era um comentário, uma opinião, uma tro, as restrições ligadas à organização do
mistura de informação, interpretação e trabalho sobre as quais são criadas conven-
tudo mais; a notícia ficava no final. ções profissionais que contribuem para de-
Sem dúvida, seria um reducionismo finir a notícia e legitimam o processo pro-
imputar a esses fatos históricos a explica- dutivo, desde a captação do acontecimento,
ção da consolidação da pirâmide no texto passando pela produção, edição e até a
jornalístico. Não é este o nosso entendi- apresentação.
mento. A discussão sobre o a “pirâmide in- “As exigências organizativas e estru-
vertida” e o lead está ainda por se construir turais e as características técnico-expressi-
dentro de um contexto mais amplo de vas, próprias de cada meio de comunicação
uma “teoria do jornalismo” (Traquina, de massa, são elementos fundamentais
1993). para a determinação da reprodução da rea-
Para a maioria dos autores, o lead lidade social fornecida pelos mass media”.
deve ser um resumo conciso das principais (Wolf, 1994, p. 166).
e mais recentes informações. Ele deve res- É dentro deste contexto que vemos o
ponder “às famosas” seis perguntas (o lead no jornalismo. Submetido às estruturas
quê?, quem? quando? onde? como? por organizacionais de cada veículo (jornal, rá-
quê?), que serão que serão explicadas em dio e tevê), a uma cultura profissional e às
detalhes ao longo do texto (Bahia,1990,p. rotinas de produção da notícia vai apresen-
44). tar características dependendo do suporte
No telejornalismo, o lead foi adaptado (meio) em que está sendo trabalhado.
às condições da televisão. A cabeça da ma- Por isso, neste segundo momento do
téria - a abertura da informação televisiva - trabalho, procuraremos apontar algumas
lida, na maioria das vezes, pelo apresenta- semelhanças e diferenças entre a notícia do
dor, reportagem: está normalmente relacio- jornal e da televisão. E, a partir da compa-
nada com a principal informação da Squir- ração procurar mostrar que o lead no tele-
ra (1995) comenta que os títulos, no telejor- jornalismo apresenta características bem
nalismo, são equivalentes aos leads do jor- peculiares.
nalismo impresso. É o elemento de desta- Este estudo comparativo tem por base
que da notícia dentro da avalanche de da- a pesquisa realizada por Paul Weaver so-
dos do telejornal. bre as notícias de jornal e as notícias de
Pelo apresentado até agora, a função televisão(Traquina, 1993, p. 295-305). Co-
do jornalismo ficaria restrita a uma simples mecemos pelas semelhanças. Em ambos os
reprodução da realidade social mediante casos, as notícias são variedades do jorna-
um “instrumental” de regras mecânicas a lismo que têm como finalidade o relato de
serem acionadas pelos jornalistas no mo- acontecimentos atuais. Os discursos jorna-
mento de escreverem seus textos: um relato lísticos estão presos há uma dupla contem-
descritivo a partir do lead do fato mais im- poraneidade. O presente como “assunto” e
portante. o presente como perspectiva no tempo em
Acreditamos que esta perspectiva é que o fato é descrito. Em outras palavras, o
reducionista. Nesse sentido, entendemos jornalismo é o discurso da atualidade (Cor-
que o jornalismo não é um espelho da rea- reia, 1997, p. 153).
lidade, mas uma forma de conhecimento A notícia de jornal e a de televisão
social, que constrói diariamente o mundo também são semelhantes na cobertura dos
que nos cerca. No processo de descrever acontecimentos diários por meio da repor-
um fato a notícia define e dá forma a esse tagem, descrição factual que um observa-
fato (Tuchman, 1983, p. 197-198). dor (repórter) em cima do fato em questão
Na produção de notícias, temos, por viu e ouviu. Há uma preocupação com o

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concreto, o imediato e a fidelidade à particu- trutural, é que o jornal oferece um “menu”
laridade dos acontecimentos. A reportagem é das informações do dia. A partir da leitura
o lugar de “sublimação” do jornalismo, onde das manchetes de capa, a pessoa tem a op-
a narrativa, inerente a este campo, se faz pre- ção de escolher entre elas aquela que dese-
sente com mais intensidade. (Ferrari & Sodré, ja ler por primeiro e dirigir-se à página
1986). onde ela se encontra.
Em terceiro lugar, tanto as notícias de Com o telejornal dá-se justamente o
rádio como as de televisão são semelhantes contrário. As notícias são selecionadas, ela-
porque produzidas por instituições que têm boradas e organizadas de modo a serem
como objetivo principal a produção das mes- vistas integralmente pelos telespectadores
mas. Além disso, todo o processo de constru- sem diminuir o tamanho ou interesse da
ção da notícia é de responsabilidade de uma audiência ao longo do programa.
pessoa que o tempo todo vive em função dis- O número de informações de um noti-
so: o jornalista. A finalidade de qualquer ins- ciário televisivo é menor do que no jornal e
tituição informativa é de dar relatos sobre há sempre uma preocupação com um equi-
acontecimentos significativos, interessantes e líbrio num todo relativamente coerente e
importantes (Tuchman, 1983). integrado. De certa forma, o jornalista vê-se
As notícias de jornal e de televisão são obrigado a um constante “jogo de sedu-
semelhantes ainda por estarem permanente- ção” para manter a atenção do espectador
mente submetidas à prova dos vereditos do até o boa-noite dos apresentadores.
mercado, através da sanção, direta, da clien- Um outro aspecto a ser considerado é
tela, ou indireta, do índice de audiência. Am- que as notícias televisivas são um resumo
bas estão submetidas a uma “ditadura da au- dos principais acontecimentos do dia. Na
diência”. A principal fonte de rendimento maioria das vezes os assuntos são aborda-
das empresas jornalísticas é a publicidade. dos de uma forma superficial e fragmenta-
Por fim e, como conseqüência da pres- da. Já no jornal as notícias podem ser trata-
são da audiência, os jornais e, principalmen- das de uma forma mais profunda, mais
te, as televisões estão constantemente em analítica, proporcionando desta maneira
busca do “furo”. uma visão mais contextualizada do fato.
Em outras palavras, a concorrência pelo A segunda grande diferença entre os
leitor e pelo telespectador toma a forma de dois media está relacionada com os critérios
concorrência pela prioridade, pelas notícias relativos aos limites de produção caracte-
mais novas, que são usados como trunfos na rísticos de cada veículo. A televisão é tanto
conquista da audiência. visual como auditiva. O mesmo não acon-
“Inscrita na estrutura e nos mecanismos tece com o jornal que apóia-se na narrativa
de campo, a concorrência pela prioridade falada. Essa diferença óbvia tem, no entan-
atrai e favorece os agentes dotados de dispo- to, conseqüências decisivas na execução
sições profissionais que tendem a colocar das funções narrativas de ambos.
toda a prática jornalística sob o signo da O repórter de jornal adota uma narra-
velocidade(ou da precipitação) e da renova- tiva mais impessoal, dificilmente fala na
ção permanente”. (Bordieu, 1997, p. 107). primeira pessoa. Ao longo da sua reporta-
gem raramente faz referências aos seus pró-
prios atos na observação dos acontecimen-
3 As notícias de jornal vs as notíci- tos e dos fatos. O jornal procura ocultar sis-
as de televisão tematicamente qualquer traço da pessoa
real que escreve. O que permanece na notí-
Observamos as semelhanças entre as notíci- cia é uma sucessão de declarações (Gonçal-
as de jornal e de televisão., entraremos ago- ves, 1994, p. 57).
ra nas diferenças. A primeira, de ordem es- Na televisão acontece o contrário. É

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sobretudo uma “voz pessoal” que apresen- 4 O lead no telejornalismo
ta as notícias diariamente. O rosto, o corpo,
a postura da pessoa, seus gestos são partes Na notícia televisiva o processo não
integrantes do produto informativo. Os re- se dá da mesma forma. A, notícia na televi-
pórteres e apresentadores transformam-se são é construída para ser entendida na sua
praticamente em “artistas” da informação. totalidade. Senão vejamos. A cabeça de
Um exemplo prático disso foi a polêmica uma matéria de televisão – abertura da no-
em torno do substituto do apresentador tícia lida pelo apresentador – tem como
Cid Moreira, no Jornal Nacional. função chamar o videotape(VT) – a matéria
Finalmente, a notícia televisiva é dife- elaborada pela reportagem. Em outras pa-
rente da notícia do jornal porque empresta lavras a notícia é a “cabeça” da matéria
muito mais força ao espetáculo. Esse aspec- mais o VT. A supressão de uma destas par-
to está intimamente relacionado com ou- tes tornaria incompreensível a informação.
tros dois tratados anteriormente. A infor- O assunto que uma matéria de tele-
mação televisiva em função dos limites do visão trata perpassa todo o material edi-
meio de comunicação(as pessoas não po- tado. A narrativa no telejornalismo tem
dem voltar ao começo da notícia nem virar começo, meio e fim, o que não acontece
a página para tirar alguma dúvida). por nas matérias de jornal. As informações,
isso, têm que procurar durante todo o pro- sons e imagens são selecionadas para
grama “seduzir” o telespectador com obje- ilustrar o desenvolvimento do tema.
tivo de cativar e manter a audiência (com- “... cada suporte, além da especifici-
promissos com os anunciantes). dade das suas condições de produção re-
Apresentadas algumas semelhanças e sultante das suas características próprias,
diferenças entre as notícias de jornal e as de constrói em suas maneiras com as quais
televisão, entramos na última parte deste trata de se oferecer como meio, que tenta
estudo onde pretendemos levantar algu- dar conta de uma inteligibilidade do
mas pistas sobre a construção do lead na real”(Fausto Neto, 1991, p.35).
notícia televisiva. No telejornalismo, mais do que no jor-
A notícia padrão de qualquer jornal é nal, o processo de edição da notícia, recon-
organizada de acordo com a “pirâmide in- textualização dos fatos é submetido ao rígi-
vertida”. do formato estabelecido pelo noticiário te-
No lead, de uma maneira geral, vamos levisivo.
encontrar um resumo da informação e, na “A fragmentação dos conteúdos e da
seqüência, nos demais parágrafos, os da- imagem da realidade social situa-se, exata-
dos complementares e explicativos do que mente, entre esse dois movimentos: por um
foi tratado na abertura da matéria. Essa lado, a extração dos acontecimentos do seu
descrição é feita de uma forma decrescente, contexto; por outro, a reinserção dos acon-
da informação “mais importante” a “menos tecimentos noticiáveis no contexto construí-
importante”. do pela ‘confecção’ pelo formato do produ-
Um dos objetivos é possibilitar o aces- to informativo “(Wolf, 1994, p.219).
so rápido do leitor as principais informa- Wolf explica ainda que é dentro do
ções da matéria. Num breve passar de quadro do formato que acontece a adição
olhos ele poderá decidir se já leu o que de sentido ligado à aproximação de duas
interessa. notícias entre si. os critérios de acerto do
Outro objetivo, ainda em uso no jor- ritmo do noticiário, às inferências que se
nalismo, é cortar a matéria em função das podem tirar da ordem em que estão dis-
necessidades de espaço e tempo das em- postas as próprias notícias. Em outras pala-
presas jornalísticas, bem como de seus vras, a produção da atividade informativa
compromissos comerciais. é racionalizada.

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A importância da imagem no telejor- informação principal.
nalismo ressaltada, principalmente, pelos A segunda hipótese remete ao que foi
“videojornalistas” está associada à necessi- tratado anteriormente. A notícia de televi-
dade de que a informação televisiva tem de são como é elaborada para ser assistida na
representar de uma forma sintética, breve, sua totalidade não teria necessariamente
visualmente coerente o objeto da notícia. um lead, mas seria ela toda um grande li-
Uma das explicações para a preocupa- dão 3, reforçando ainda mais os aspectos de
ção dos editores com uma imagem forte, banalização, superficialidade e espetacula-
que pode até salvar a matéria pode ser en- rização da notícia televisiva.
contrada na definição de Gans (1980, p.90- O estudo realizado por Daniel Hallin
93) sobre o higligthing, que é a seleção dos e Paolo Mancini (1993,p. 307-325) sobre a
aspectos mais importantes de um fato, ação estrutura política e a forma representacio-
ou personagem, deixando de fora os aspec- nal nas notícias televisivas dos Estados
tos que não pareçam “novos”ou “dramáti- Unidos e da Itália, oferece algumas impor-
cos”. tantes contribuições para o debate. A pes-
O highlighting e a edição contribuem quisa mostra que as TVs americanas para
para deixar de lado na elaboração da notí- manter a audiência usam um conjunto de
cia tendências inerentes à dinâmica social, convenções para envolver o telespectador
ressaltando os desvios à norma. É já por emocionalmente.
demais conhecida a frase que procura ex- Já na televisão italiana, por contraste,
plicar o que é notícia dizendo que se um os índices de audiência não são uma preo-
cachorro morde um homem, não temos no- cupação permanente. Motivo: as televisões
tícia, mas se o homem morde o cachorro, ai americanas são de propriedade de empre-
temos notícia. sas privadas com fins lucrativos(sistema
Essa preocupação leva o jornalismo privado) e a principal rede transmissora
televisivo a dar uma cobertura despropor- nacional da Itália, Radiotelevisione Italia-
cionada a fatos, ou aspectos que são espe- na, RAI, é propriedade do Estado e dirigi-
taculares e espetacularmente gravados. da por um Conselho eleito do parlamento
Como mostra Bordieu (1997), ela está forte- (sistema público).
mente influenciada pela pressão comercial Como estamos ainda num trabalho
que se torna visível na luta desenfreada pe- inicial de pesquisa novos aspectos deverão
los índices de audiência. ser acrescentados e já estão sendo acrescen-
De que forma isso vai influir o lead no tados ao estudo. Uma das preocupações é
telejornalismo? Com base no que foi apre- estudar os- efeitos que o campo jornalístico
sentado levantamos duas hipóteses. A pri- e, através dele, a lógica do capital, a pres-
meira é o que o lead tradicional do jornal são do mercado, determinam sobre a recei-
que traz na abertura da matéria o fato mais to e os demais campos da sociedade (cultu-
importante da reportagem é subvertido na ral e político) ■
televisão.
Ele dá lugar a uma abertura da maté-
ria que não vai necessariamente se preocu-
par com o fato mais importante da notícia, Notas
mas com o detalhe mais atraente, mais se-
dutor ao telespectador já que é preciso 1 Doutorando em Comunicação/UFRJ, professor UFES e
prender a audiência. É cada vez mais co- professor licenciado Unisinos
mum nos telejornais do horário nobre as-
sistirmos aos apresentadores lerem as notí- 2 Mestranda em Comunicação/UFRJ e jornalista
cias preocupando-se mais com o aspecto
pitoresco da matéria, deixando de lado a 3 As informações são distribuídas ao longo de um ou dois

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minutos de matéria (tempo médio de duração de uma “estórias”. Lisboa: Vega, 1993.
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