SÍNTESE: POSSENTI, S. Aprender a escrever (re)escrevendo. Cefiel/IEL/Unicamp, 2005.
O volume da coleção “Linguagem e Letramento em Foco” apresenta a escrita e reescrita
como temas principais, mas não se trata somente de produção textual. A nossa cultura tem como um dos motivos principais da existência da escola saber ler e escrever e é possível notar isso através do fato que o analfabetismo é uma mazela social. Segundo o autor, a escola deve focar na atividade escrita e o que caracteriza um bom texto é que ele seja correto e bem-escrito, (p. 6). A respeito do critério correto, o autor indica que a escola deve continuar a corrigir textos, pois o aluno deve dominar as normas da língua. Este critério só seria suspenso em casos de exceção, como na estilística, no humor, nos jogos de linguagem e nas experimentações estéticas. Quanto ao aspecto de bem-escrito, os parâmetros mudam de acordo com o contexto e a época e se tornam mais amplos e flexíveis. Possenti expressa que adotará neste volume uma postura conservadora, a qual defende que a escola deve privilegiar alguns modelos de texto em detrimento de outros e deve escrever a partir da tradição culta. Encerrada a introdução, são apresentadas duas práticas para a produção escrita. A primeira seria a escola contemplar o funcionamento da escrita em sociedade e como ela é utilizada. A segunda seria o exercício da prática da escrita, feito fora e dentro do contexto escolar, mas sempre seguindo regras. Por outro lado, a produção textual deve ser estimulada através de materiais e abordagens próprias; somente solicitar uma redação através de uma frase ou um tema exige demais dos alunos uma estrutura prévia que muitas vezes é inexistente. O aluno deve ser apresentado também a duas importantes ideias: a revisão e reescrita estão presentes no mundo em que vivemos, um texto costuma ser revisado, reescrito e editado antes da publicação; e que neste mesmo mundo, há uma sequência de regras e normas para a escrita de um texto e a escola, ao solicitar uma quantidade de linhas ou limitar o tempo, simula de certa forma este ambiente. Quando se pensa um texto escrito corretamente, pensamos num texto sem erros de grafia, porém, o autor indica que o aluno pode escrever com a grafia correta mas sem a estrutura adequada, por exemplo. No nosso contexto cultural, o domínio da grafia é considerado o principal critério de bom português, pois além de ser objetivo (facilmente verificável) não apresenta muita complexidade. Sendo assim, ter boa pronúncia, concordância e saber ortografia é tido como um atestado de capacidade e não saber, de incapacidade, aliado também ao prestígio social. O autor se dedica, através de um texto de Mattoso Câmara, a demonstrar que muitos destes desvios ortográficos têm base para ocorrer e que, por mais que devam ser corrigidos em sala de aula, há outros problemas muito mais graves no aspecto estrutural. Possenti apresenta então uma atividade de revisão: através de uma redação ou um trecho, alunos e professor revisem-o de forma conjunta, apresentando as incongruências e os desvios. A partir desta revisão, os alunos conseguiriam chegar numa reescrita que preservasse o sentido do texto original com as adequações realizadas em sala de aula. Em dado momento, reforça-se a ideia de que a escrita não é um fenômeno natural e por isso, é altamente arbitrário. Por esse mesmo motivo, julgar como ignorante quem realiza desvios ortográficos chega a ser “ridículo”, do ponto de vista do autor. Ele embasa esse argumento ao mostrar cartas e textos do século 16 que apresentam “desvios” que podem ser verificados em textos escritos ainda hoje. Não se trata portanto de um erro grave ou que é um sintoma de alguma deficiência cognitiva. Trata-se de um comportamento comum na língua e que deve ser adequado à norma culta, sem a necessidade de tratar quem o comete com diferença. Com base neste panorama, Possenti sugere que a escola não se ocupe em lamentar os desvios e comportamentos linguísticos que existem, mas que se dedique a conhecer o público-alvo do ensino e a partir disso fornecer um aprendizado permanente e enriquecedor. Conhecer os alunos e o ponto de partida do ensino é essencial para a educação. Isso inclui entender em qual região, geográfica e sociocultural a escola está localizada. O autor apresenta as noções sociolinguísticas de indicadores, marcadores e estereótipos, (LABOV, 1964), sendo os indicadores “os traços de linguagem (dialetal) que distinguem um grupo de outro — por exemplo, uma região de outra — mas não distinguem um subgrupo de outro na mesma região”; marcadores caracterizando formas linguísticas que diferem um grupo social de outro da mesma região, podendo diferir também graus de formalidade de um mesmo grupo; e estereótipos traços de fala regional que impactam o comportamento linguístico de algum grupo, geralmente influenciados por algum tipo de mídia. A partir disso, o autor propõe algumas atividades para a sala de aula, como prática de leitura de diferentes formatos de textos, prática constante de escrita e abordagem de quais comportamentos linguísticos são pretextos para discriminação social. Ele também sugere uma ordem para o ensino e adequação da língua escrita, atendo-se primeiro aos marcadores e depois aos outros aspectos. Além disso, Possenti ressalta alguns pontos que devem ser observados, sendo eles a) construção atípica feita por alunos b) atenção ao léxico e sua especificidade c) análise da estrutura do texto e d) a atividade de reescrita. Quanto ao que ele chama de atividades fundamentais do domínio gramatical, ressalta duas: a correção e a paráfrase. Em outro momento, o autor se dedica a explicar o que seria uma gramática e suas principais características, e, segundo o texto, ela seria “a reunião de um conjunto de regras que devem ser seguidas para falar e escrever corretamente”, dividindo-se em regras ortográficas, de pronúncia, morfológicas e sintáticas. Ela também conteria análises a fim de informar sobre as estruturas presentes em determinada língua. Além destas questões técnicas, a gramática se tornou um manual de como praticar a língua corretamente, optando por algum comportamento linguístico em vez de outro, invisibilizando regionalismos e dialetos. Retomando à parte que trata sobre reescrita, o autor ressalta que geralmente não há somente uma única forma de reescrever um texto e é benéfico estimular os alunos a fazer diferentes reescritas e revisões. No último capítulo do texto, Possenti recupera o que havia dito na introdução a respeito das características de um texto que deve, segundo ele, ser correto e bem escrito. Além destes aspectos, um texto deve satisfazer não somente na esfera gramatical, mas também deve ter sentido. Também não basta que cumpra exigências textuais, mas também deve ter “sentido para uma sociedade”. Há ainda uma última característica, que seria a marca de autoria. O texto, segundo o autor, deve possuir traços que confiram mais densidade para si. O texto de Possenti, apesar de longo, não possui escrita cansativa e entrega muitas instruções acerca da abordagem da escrita, reescrita e ensino de gramática em sala de aula.