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Para lembrar que tais lições vêm de longa data, Vitruvius e Alberti insistiam
nessas interações necessárias. No século XX, o primeiro ponto da polêmica Carta
de Atenas fala exatamente da correta justaposição da cidade com a região,
tratando-a, aí, como equivalente à noção geográfica de região natural.
A questão é que a fruição da ideia de meio ambiente tem que lidar com um projeto
de complexidades espaciais inéditas. Com uns parênteses. Complexidade não é
complicação (10). E uma “arquitetura da complexidade", "compromisso para com o
todo difícil”, requer a simplicidade e não a simplificação (11).
Daí a dificuldade da ação. O poder do número, tanto de coisas para alguns, como
de pessoas sem coisas, é assombroso e baralha o discernimento sobre qual é o
papel do arquiteto e urbanista nas condições históricas atuais. Mas só esse
esforço de buscar compreender processos e dinâmicas socioespaciais
contemporâneas abre oportunidades de construir um espaço para o homem, uma
“ecologia abrangente” capaz de alcançar os “problemas em suas raízes”.
O drama é maior nos municípios com dinâmica econômica inexpressiva por diversos
fatores – entre eles, por estarem sob o efeito de legislação ambiental que lhes
impõem sérias restrições quanto à localização de atividades econômicas – mas que
estão localizados próximos aos grandes centros urbanos; ou, ainda, aos municípios
com monoculturas intensivas e agroindústrias que exigem a mão-de-obra sazonal.
Na maior parte das vezes o atendimento social em localidades com essas
características é extremamente precário. O ritmo de crescimento demográfico é
relativamente muito mais acelerado do que a contrapartida de recursos financeiros
necessários para fazer frente aos custos da urbanização. E a situação tende ao
agravamento porque o processo é cíclico. Entre outros fatores, decorre do mercado
imobiliário que, atribuindo baixo valor ao solo urbano, torna-o acessível às
populações de baixa renda. O destino dessas localidades é fatalmente o desempenho
da função de “cidades-dormitório”.
Em resumo, a lógica do processo é simples. Municípios que se encontram nessas
circunstâncias não conseguem gerar receitas em volume suficiente para exercerem
efetivamente a autonomia que lhes são próprias no pacto federativo. Por
consequência, tornam-se extremamente dependentes da conjuntura política
planificadora dos repasses orçamentários, e que, em regime de exceções, ignora
as desvantagens comparativas como merecedoras de alguma forma de compensação
econômico-financeira contínua. Nessa direção, a oferta de equipamentos, serviços
e infraestruturas não acompanha a demanda crescente e a perspectiva da maioria
é de colapso crônico.
Também há que se considerar que a corrupção e o desvio dos recursos públicos
estão entre os motivos que alimentam os desequilíbrios entre oferta e demanda
por atendimento social e desenvolvimento urbano.
Em 2010, o país tinha 5.565 municípios, dos quais 1.212 (21% do total) com menos
de 5 mil habitantes. Esses municípios abrigavam 2,2% da população brasileira.
Já os 36 municípios com mais de 500 mil habitantes, 29,3% (23). No estado de São
Paulo estão o maior e o menor municípios do país: São Paulo, com 11,2 milhões,
e Borá, com 805 habitantes. Esses desequilíbrios, entre o grande e o pequeno, o
máximo e o mínimo, expressam-se igualmente no rendimento familiar.
O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. A renda per capita dos 10%
mais ricos da população brasileira é 32 vezes maior que a dos 40% mais pobres
(24). Neste cenário, na região sudeste – que abriga as duas maiores regiões
metropolitanas do Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro – em 60 anos (1950-2010),
o grau de urbanização cresceu 195% e a população urbana, 697%. No mesmo período,
o grau de urbanização da região Centro-oeste cresceu 342%. Já a população urbana,
3.143 (25).
O poder da técnica
Portanto, a complexidade espacial contemporânea pode ser traduzida pela
urbanização da sociedade levada a extremos e pelas repercussões do fenômeno, em
particular, no agravamento da questão ambiental.
Segundo estimativa elaborada pelo autor, para o ano de 2000, concluiu-se que,
na faixa marginal de 30 metros das represas Billings e Guarapiranga, na RMSP,
moravam mais de 211 mil pessoas. Alargando para 500 metros, por volta de 500
mil; para a faixa de 1.000 metros, mais de 900 mil pessoas. Na mesma época – só
para dimensionar o vulto do problema – o município de Campinas tinha 968 mil
habitantes. Considerando apenas os municípios banhados pelas represas, há
Itapecerica da Serra, Embu-Guaçu, São Paulo, Diadema, São Bernardo do Campo,
Santo André e Ribeirão Pires. A resolução dos problemas de preservação dos
mananciais em São Paulo deve compreender, portanto, a compatibilização de
interesses e o consenso de, no mínimo, sete municípios e desses com o estado.
Porém, é preciso levar em a conta a bacia do Alto Tietê, com sua população de
17,5 milhões de pessoas. Tem mais. Nessa região, a disponibilidade de água é de
400 m3anuais por habitante. É inferior aos 1.500 m3, que correspondem à situação
crítica, e mais ainda que o ideal – 2.500 m3/ano por habitante, segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS). Em consequência, o sistema Cantareira captura
água da bacia dos rios Piracicaba/Capivari e Jundiaí. Em 2000, moravam, nessa
UGRHI mais 4,3 milhões de pessoas.
Uma coisa é certa. A raiz criativa da cultura arquitetônica tem tudo para
colaborar nessa empreitada.
“Aí está o grande tema para os próximos anos: começar a preencher o espantoso
abismo que se verifica em nosso crescimento, em nossa modernidade. O abismo
entre o progresso científico e tecnológico (que indiscutivelmente houve) e o
progresso ético, inexistente” (54).
Nesse contexto, o território não é mero suporte, mas instância ativa da
sociedade, “como a economia, a cultura e a política” (55).
notas
1
VENTURI, R. Complexidade e contradição em arquitetura. São Paulo: Martins Fontes,
1995.
2
SANTOS, M. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico
informacional. São Paulo: Hucitec, 1994. (Geografia: teoria e realidade).
3
Id. Ibid.
4
No Brasil, a arquitetura e o urbanismo são considerados, pelos órgãos federais de
ensino superior, como uma única área de conhecimento integrada à grande área das
ciências sociais aplicadas.
5
SAWAYA, S. B. Para ler as entrevistas. Cadernos de arquitetura FAUUSP. v.1. São
Paulo: Pini/FUPAM, 2001. p.14-52.
6
PIANO, R. A responsabilidade do arquiteto. São Paulo: BEI Comunicação, 2011, p. 37.
7
PRESTES, L. F. Entrevista com Nestor Goulart Reis Filho: resenha. Cadernos de
arquitetura FAUUSP. v.2. São Paulo: Pini/FUPAM, 2001. p. 66.
8
ALMEIDA, C. G. Um cronista da cidade: Curitiba no jornal sob o olhar de Jamil Snege
1997-2003. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras do Setor de
Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná, 2006, p. 99.
BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
9
SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo; razão e emoção. São Paulo:
Hucitec, 1996, p. 50-58.
10
GREGOTTI, V. Território da arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 184-188.
(Debates).
11
VENTURI, R. Complexidade e contradição em arquitetura. São Paulo: Martins Fontes,
1995, p. 121-147.
12
SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.
4. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
13
SANTOS, M. O espaço do cidadão. 7 ed. São Paulo: EDUSP, 2007.
14
SANTOS, id. Ibid., apud SILVA NETO, 2004, p. 20.
SILVA NETO, M. L. da. Cidades inteiras de homens inteiros: o espaço urbano na obra
de Milton Santos. Acervo: revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1,
p. 11-22, jan./jun. 2004.
15
MUNFORD, L. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. 2
ed. São Paulo: Martins Fontes, 1982, p. 283.
16
DICKINSON, H. W. A máquina a vapor em 1830. In: A invenção da máquina a
vapor (1958). São Paulo: FAUUSP, 1976. p. 106-116.
17
MARX, K. O processo de produção do capital. O capital: crítica da economia política
(1890). 7 ed. São Paulo: Difusão Editorial S.A., 1982. Livro 1º, v. 1-2., p. 431.
18
MUNFORD, L. Op. cit, il. nº 26.
19
LEIS, R. H. A modernidade insustentável: as críticas do ambientalismo à sociedade
contemporânea. Montevideo: Coscoroba, 2004, p. 55-56.
20
MARX, M. Nosso chão: do sagrado ao profano. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 1988. (Série espaço e desenho. Teses / Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo), p. 41.
21
A primeira “Sociedade Protetora dos Animais” surge na Inglaterra em 1824 (LEIS, op.
cit., 2004, p. 40).
22
SILVA-NETO, M. L. Subsídios para o desenho de estratégias desustentabilidade
aplicadas à Macrometrópole paulista: POSURB/PUC-Campinas, fev.2012. Mimeo.
(Relatório de pesquisa). p. 53-56.
23
Fonte dos dados primários: IBGE, SIDRA, Tabela 1290 - Número de municípios e
População nos Censos Demográficos por tamanho da população, 2010.
24
UNITED NATIONS. The inequality predicament: report on the world social situation
2005. New York: United Nations, 2005, p. 49.
25
Fonte dos dados primários: IBGE, SIDRA, Tabela 1288 - População nos Censos
Demográficos por situação do domicílio, 2010.
26
LEIS, op. cit., p. 54.
27
“O atual é tanto mais difícil de apreender, nas fases em que a história se acelera,
quanto nos arriscamos a confundir o real com aquilo que não o é mais. Felizmente,
conforme escreveu Stephan Hales (1727, p. 318) a propósito das incertezas de um
raciocínio sobre a natureza, ‘com um esforço encontramos as coisas que estão diante
de nós’. O que se acha diante de nós é o agora e o aqui, a atualidade em sua dupla
dimensão temporal e espacial” ( SANTOS, M. Pensando o espaço do homem. 2 ed. São
Paulo: Hucitec, 1986, p. 10).
28
Fonte dos dados primários: IBGE, SIDRA, Tabela 3926 - Área dos biomas, 2012.
29
Fonte dos dados primários: IBGE, SIDRA, Tabela 1288 - População nos Censos
Demográficos por situação do domicílio, 2010.
30
Fonte: IBGE, SIDRA, Tabela 1121 - População residente total e em área costeira e
Proporção da população residente em área costeira, 2010.
31
HOGAN, D. J. Migration dynamics in Brazil's major biomes. In: XXV INTERNATIONAL
POPULATION CONFERENCE, Tours. 2005. Proceedings... Tours: International Union for
the Scientific Study of Population, 2005, p. 4. Disponível em:
<http://iussp2005.princeton.edu/download.aspx?submissionId=51543>. Acesso em: 6
jun. 2009.
32
“O maior problema ambiental é a desertificação, agravada pelo uso intensivo da
irrigação com tecnologia imprópria, pela contaminação de fontes de água disponíveis
e pelo desmatamento para obter-se lenha e carvão” (Id. Ibid., p. 10).
33
SANTOS, 1996, op. cit., p. 151-169. Id.,op.cit., 2000, p. 24-27.
34
Id., op. cit., 1996, p. 27.
35
Id. ibid., p. 126.
36
SANTOS, op. cit., 1994, p. 139.
37
Id. ibid., p. 131.
38
“A noção, aqui, de solidariedade, é aquela encontrada em Durkheim e não tem
conotação moral, chamando a atenção para a realização compulsória de tarefas
comuns, mesmo que o projeto não seja comum” (Id. ibid., p. 132).
39
“(...) Pretendo indicar com essa expressão processos que revolucionam as qualidades
objetivas do espaço e do tempo a ponto de nos forçarem a alterar, às vezes
radicalmente, o modo como representamos o mundo para nós mesmos”. HARVEY, D.
Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1993p. 219.
40
“(...) O único lugar da terra onde se acham todos os lugares, um espaço ilimitado
de simultaneidade e paradoxo, impossível de descrever numa linguagem menos do que
extraordinária”. SOJA, E. W. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na
teoria social crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1993, p. 8.
41
“O acontecer homólogo é aquele das áreas de produção agrícola ou urbana, que
modernizam mediante uma informação especializada, gerando contiguidades funcionais
que dão os contornos da área assim definida. O acontecer complementar é aquele das
relações entre cidade e campo e das relações entre cidades, consequência igualmente
de necessidades modernas da produção e do intercâmbio geograficamente próximo.
Finalmente, o acontecer hierárquico é um dos resultados da tendência à
racionalização das atividades e se faz sob um comando, uma organização, que tendem
a ser concentrados. (...) Em todos os casos, a informação joga um papel parecido
àquele que, no passado remoto, era reservado à energia” (SANTOS, 1996, ibid., p.
132).
42
KOPP, A. Quando o moderno não era apenas um estilo e sim uma causa. São Paulo:
Nobel/Edusp, 1990.
43
WOODBRIDGE, 1940, apud SANTOS, 1986, op. cit., p. 28.
49
MONEO, R. Inquietação teórica e estratégia projetual na obra de oito arquitetos
contemporâneos. São Paulo: Cosac Naify, 2008, p. 54.
50
VENTURI, 1995, op. cit., apud id. ibid., p. 52.
51
BOISIER, S. El dificil arte de hacer region. Cusco: Centro de Estudios Regionales
Andinos Bartolomé de las Casas, 1992, p. 184.
52
SANTOS, 2007, op. cit. p. 63-65.
53
SILVA NETO, 2004, op. cit.,p. 20.
54
PIANO, 2011, op. cit., p. 42.
55
SOUZA, M. A. A. de. O retorno do território. Revista OSAL. Buenos Aires, ano VI, n.
16, p. 251-261., fev./abr. 2005, p. 252.
56
PRESTES, 2001, op. cit., p. 65.
57
CERTAU, 1998, apud RIBEIRO, 2005, p. 95.
sobre o autor
Manoel Lemes da Silva Neto é arquiteto e urbanista, mestre e doutor em Arquitetura e
Urbanismo pela Universidade de São Paulo e especialista em Gestão do Desenvolvimento
Regional pelo Instituto Latino-americano e do Caribe de Planificação Econômica e
Social. É professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-
Graduação em Urbanismo do Centro de Ciências Exatas, Ambientais e de Tecnologias da
PUC-Campinas.