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Resumen
Entre los diversos desafíos de la Educación en Ciencias (ec), familiarizar a los alumnos con rela-
ción al lenguaje científico y llevarlos a comprender aspectos de la Naturaleza de la Ciencia (ndc)
son elementos tan importantes como la enseñanza y aprendizaje de conceptos científicos. Si bien
estos dos primeros desafíos se exploran ampliamente en la investigación de la ec, vemos poca
preocupación en articularos. Nos preguntamos en qué medida el lenguaje canónico científico
ha contribuido al mantenimiento o la ruptura de las visiones de la ciencia que reflejan cómo el
conocimiento científico es producido. En este sentido, este artículo teórico pretende explorar
estas relaciones basadas en la contribución del Análisis del Discurso (ad) de línea francesa, que
nos permite reconocer los efectos del significado del texto científico, y las investigaciones recientes
sobre ndc, que discuten aspectos fundamentales para comprender el proceso de producción de
conocimiento científico. Identificamos tres articulaciones fructíferas entre estas perspectivas, basadas
en la caracterización del discurso científico basado en ad: la ausencia de subjetividad y la dimen-
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sión humana del trabajo científico; la prohibición a la interpretación y los aspectos comunicativos,
históricos y creativos del proceso de producción de conocimiento científico y la intertextualidad
explícita y / o el carácter colectivo del trabajo del científico0 Concluimos que este tipo de análisis
ilustra que un lenguaje científico condensa elementos que contribuyen tanto a ratificar puntos de
vista distorsionados de ciencia como a rectificarlos, lo cual tiene implicaciones para la enseñanza
y las investigaciones en ec.
Palabras clave
Lenguaje científico; naturaleza de la ciencia; efectos de sentido; análisis de discurso
TED
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A preocupação com a linguagem científica do em inglês Nature of Science). Esses estudos
está presente nas pesquisas em Educação em destacam a importância desse componente
Ciências (ec) de diversas formas. Ela envolve no currículo e debatem sobre quais elementos
o entendimento dos alunos em relação aos são fundamentais nessa ampla temática, bem
conceitos científicos, principalmente quando como de que forma eles poderiam ser inseridos
as palavras usadas na ciência têm sentido dis- no ensino de ciências (Hodson, 2014; Leder-
tinto no cotidiano (Lopes, 2007), e fornece um man, 2018; Matthews, 2012).
caminho seguro para investigar as interações
Embora essas duas dimensões sejam
entre professor-aluno como forma de mapear
bastante exploradas nas pesquisas em ec, per-
o processo de ensino-aprendizagem (Mortimer,
cebemos pouca preocupação em articulá-las.
2002). Recentemente essa preocupação se
Nos perguntamos em que medida a própria
ampliou para formar professores conscientes
linguagem científica canônica contribui para
da importância da linguagem nas interações
a manutenção ou ruptura com visões de ciên-
com os estudantes (Mortimer e Scott, 2002)
cia que refletem a forma como o conhecimento
considerar a multimodalidade da linguagem
científico é produzido? Assim, entendemos que
(Mortimer et al., 2014) e as construções de ar-
as ciências poderiam ser melhor exploradas no
gumentos por parte dos alunos (Scarpa, 2015).
Aspectos da natureza da ciência presentes no discurso científico: investigando os efeitos de sentido da linguagem científica
ensino e nas pesquisas se incluíssemos uma
Embora bastante associada ao processo de perspectiva integradora que articulasse a lin-
ensino-aprendizagem, entendemos que a lin- guagem científica e a ndc. Nesse sentido, este
guagem comporta outra dimensão constitutiva artigo teórico pretende explorar essas relações
que vem sendo pouco explorada. Ao aprender a partir da contribuição da Análise do Discurso
ciência, além dos seus conceitos específicos – (AD) de linha francesa, que nos permite recon-
para os quais os estudos anteriores têm contri- hecer os efeitos de sentido do texto científico, e
buído – entendemos que os alunos deveriam das pesquisas recentes sobre ndc, que discutem
ser capazes de: 1) conhecer e se apropriar da aspectos fundamentais para o entendimento do
linguagem científica e 2) compreender aspec- processo de produção do conhecimento cien-
tos da natureza do conhecimento científico. tífico. Inicialmente apresentaremos, de modo
A primeira depende, então, da aproximação bastante resumido, as principais ideias dessas
e familiarização com a linguagem científica, duas perspectivas teóricas para, em seguida,
considerando suas diversas variações (artigos, explorarmos algumas articulações entre a lin-
livros, figuras, etc.). Mortimer (1998) analisa guagem científica e a ndc.
2015; Oliveira, Porto e Queiroz, 2014). A se- e surgiu como tema de pesquisa no final da
gunda dimensão envolve um amplo conjunto década de 50. Ele destaca que o termo ini-
de pesquisas sobre a Natureza da Ciência (ndc) cial “natureza do conhecimento científico” foi
ou nos (recuperando o termo bastante conheci- sendo resumido para “natureza da ciência”
103
embora não tenha perdido essa acepção inicial. Este autor representa uma das
principais contribuições nesse campo de estudos pois propôs um conjunto de
aspectos que constituiriam a ndc e desenvolveu questionários para investigar a
visão de ciências, conhecidos pela sigla em inglês vnos, que foram amplamente
adotados nas pesquisas em ec. Os aspectos destacados por Lederman e seus
colaboradores (2002), que ficaram conhecidos como Lederman Seven, incluem:
a natureza empírica do conhecimento científico; a diferença entre leis e teorias
científicas; a natureza criativa e imaginativa do conhecimento científico; o em-
basamento teórico da natureza do conhecimento científico; a imersão social
e cultural do conhecimento científico; o mito do método científico; a natureza
tentativa do conhecimento científico. Os latinos e brasileiros se aproximaram
dessas discussões também pelos trabalhos de Daniel Gil-Pérez e colaboradores
(2001) que apresentaram sete visões distorcidas do trabalho científico: empíri-
co-inditivista e ateórica, rígida do método científico, aproblemática e ahistórica,
exclusivamente analítica, acumulativa de crescimento linear, individualista e
elitista e socialmente neutra. Eles também apontaram cinco características es-
senciais do trabalho científico, que nos parecem bastante próximas dos itens do
Lederman Seven: pluralidade metodológica, recusa do empirismo puro, papel
do pensamento divergente, procura de coerência global e caráter social do
desenvolvimento do conhecimento científico.
Esse conjunto de ideias constitui o que ficou conhecido na área de pesquisa
como a Consensus View ou visão consensual sobre a ndc. Ao mesmo tempo que
elas contribuíram para constituir e consolidar um conjunto de pesquisas sobre
o tema, recentemente surgiram críticas à noção de “natureza da ciência” e ao
reducionismo que essas listas implicam no ensino (Hodson, 2014; Adúriz-Bravo e
Ariza, 2013; Matthews, 2012; Irzik e Nola, 2011; Allchin, 2011). Matthews (2012)
é um dos principais críticos que propõe a substituição do termo natureza por
características da ciência, ressaltando que elas não são capazes de definir e
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Aspectos da natureza da ciência presentes no discurso científico: investigando os efeitos de sentido da linguagem científica
Adúriz-Bravo e Ariza (2013) e Allchin linguagem científica representasse um caso
(2011) defendem uma nova perspectiva para de estudo que será analisado com base nas
os estudos de ndcque começaria a partir da dis- contribuições desses autores.
cussão sobre seu objeto. Segundo Adúriz-Bravo
e Ariza (2013), a natureza da ciência envolve Análise do discurso de linha
três aspectos: 1) conhecimentos sobre o que francesa e o discurso científico
é a ciência; 2) um elemento fundamental da
alfabetização científica associado a atividade A ad vem sendo apropriadas pelas pesquisas
científica; 3) uma linha de pesquisa, inovação, em ec através de suas várias linhas e pers-
docência e extensão. A alternativa para a visão pectivas teóricas. No contexto brasileiro, uma
consensual seria uma abordagem contextuali- revisão bibliográfica mapeou os referenciais
zada de episódios históricos ou casos científicos teóricos de pesquisas que adotam a ade iden-
que permitam compreender a natureza da tificou três autores em ordem de recorrência:
ciência de modo articulado ao conhecimento Bakhtin, Orlandi e Bardin (Veneu, Ferraz e
científico, respeitando sua especificidade. Adú- Rezende, 2015). Nossa linha se insere na pers-
uma rede campo-questão-ideia que representa a apreensão direta e categorial de seu signi-
uma forma mais rica de abordar questões de ficado. A ad francesa trabalha com a noção
ndc, envolvendo um aspecto (campo), uma de efeitos de sentido em que entendemos
questão derivada desse aspecto e uma ideia que uma palavra, uma imagem ou uma frase
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carregam sentidos que escapam às intenções do autor do texto. O discurso é
entendido no sentido de linguagem em movimento, “etimologicamente, tem em
si a idéia [sic] de curso, de percurso, de correr por, de movimento”, ou seja, o
“discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem” (Orlandi, 2003,
p. 15). Dessa forma, “servindo como ponte de ligação entre a língua e a sua
exterioridade constitutiva, a ad afirma a associação da linguagem à sociedade,
ao contexto histórico no qual o sujeito está submetido” (Gregolin, 2000, p. 19).
Nesse contexto, ao analisar o discurso científico pretendemos trazer à
tona as estratégias empregadas pelos cientistas para compor seus discursos,
que não são claras ou perfeitamente delimitadas nem mesmo pelos agentes
enunciadores, bem como revelar o modo como esses efeitos de sentido são
produzidos e as contradições que esse discurso carrega. Para isso, nos baseamos
na contribuição de alguns autores da ad que adotaram o discurso científico
como objeto de investigação.
Alguns pressupostos gerais que merecem ser destacados incluem a percepção
desses autores sobre o cientista e o papel do discurso científico na ciência. Concor-
damos com Coracini (1991, p. 190) “que o cientista, prisioneiro de sua formação,
nem sempre tem consciência dos recursos lingüísticos que utiliza nem daquilo que,
em pragmática, se convencionou chamar de intencionalidade”. Assim, a ad nos
ajudará a enxergar os dispositivos empregados inconscientemente pelo cientista
para aplicar aos seus discursos uma atmosfera de objetividade, imparcialidade e
veracidade. Em relação à ciência, ela pode ser entendida, no contexto da ad, como
um conjunto de regularidades (esquemas, modelos e normas) que caracterizam os
discursos dessa área. Segundo Machado (2004, p. 152) a ciência envolve “uma
certa organização do discurso, uma certa maneira de falar, argumentar, analisar,
observar e validar conhecimentos”. No mesmo sentido, em uma entrevista Foucault
afirmou para Rouanet e Merquior (1971, pp. 34-35, grifo nosso) sobre a ciência
e o cientista que:
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Por fim, Possenti (2004) defende que o que define um discurso como sendo
106 científico não é a veracidade desse enunciado (como costuma-se acreditar), mas
sim o fato desse discurso estar inserido num Constata-se,
determinado sistema de produção determi- Obtém-se,
nado historicamente. Ele ilustra esse sistema
de produção com o exemplo da suposta des- Conclui-se.
coberta da fusão a frio em que a verdade foi Quem? Não faz diferença...
verificada através da reprodutibilidade, o que
(Alves, 1981, p. 149).
não ocorre em outras áreas, mas também não
garante que o conhecimento seja verdadeiro. Essa característica do discurso científico é
citada por diversos autores com uma das prin-
Entendendo em linhas gerais como a ad
cipais marcas da linguagem científica, eviden-
analisa o discurso científico passamos a ar-
ciada em todo texto no estilo impessoal, e no
ticular os efeitos de sentido produzidos pela
uso da terceira pessoa e da voz passiva. Mulkay
linguagem científica tentando interpretar suas
(1991) esclarece que estão rigorosamente
implicações em relação à ndc. Portanto, as
excluídos do discurso científico as opiniões ou
seções seguintes estão organizadas a partir da
interesses do autor e que o uso da voz passiva
cada aspecto discursivo que identificamos na
impede que alusões a ações e decisões do au-
ade suas possíveis articulações com a ndc.
tor apareçam no texto. Essas opiniões, ações e
Aspectos da natureza da ciência presentes no discurso científico: investigando os efeitos de sentido da linguagem científica
decisões do autor, para Rubem Alves, poderiam
A ausência de subjetividade ser traduzidas como as emoções do cientista
e a dimensão humana do e o trabalho com esse tipo de texto lhes dá a
trabalho científico impressão de que os cientistas
No livro Filosofia da Ciência Rubem Alves “pensam de maneira diferente dos homens
discute vários aspectos epistemológicos da comuns” pois “seu único propósito é refletir
ciência e inclui algumas considerações sobre o objeto. Não deseja coisa alguma dele. A
a linguagem científica. Merece destaque um objetividade e a isenção exigem isso. Afinal de
trecho que ilustra claramente a preocupação contas um cientista tem de ser ‘livre de valores’
do cientista com a ausência de subjetividade ... E sua ciência dispõe de um método que
no seu texto: torna possível um discurso totalmente fiel ao
objeto, do qual o sujeito se ausentou.” (Alves,
No dia 13 de agosto de 1979, dia
1981, pp. 149-150). O que caracteriza fun-
cinzento e triste, que me causou arrepios,
damentalmente o trabalho científico, segundo
gicos que o impediam de dirigir esse olhar neutro e acolhedor sobre o mundo?
[...] Eu lhes direi não, não me parece que uma análise assim seja suficiente. De
fato, esse sujeito supostamente neutro é, ele próprio, uma produção histórica. Foi
preciso toda uma rede de instituições, de práticas, para chegar ao que constitui
essa espécie de ponto ideal, de lugar, a partir do qual os homens deveriam pousar
sobre o mundo um olhar de pura observação. No conjunto, parece-me que essa
constituição histórica dessa forma de objetividade poderia ser encontrada nas
práticas judiciárias, e em particular na prática da enquête.
Aspectos da natureza da ciência presentes no discurso científico: investigando os efeitos de sentido da linguagem científica
e exata, produziria resultados infalíveis e, do discurso científico, a afirmação de que o
podemos pensar também, à prova de subje- total apagamento do autor é impossível. Para
tividades. Esses mesmos autores assim como Brandão (2004, pp. 57-58) “a subjetividade é
Lederman e colaboradores (2002) criticam o inerente a toda linguagem e sua constituição
“mito do método científico” e discutem que se dá mesmo quando não se enuncia o eu”,
a ciência adota métodos, mas que eles são como discutimos anteriormente, ela defende
plurais e passíveis de revisões e questiona- que “essa estratégia de mascaramento é
mentos. Os autores das novas perspectivas também uma forma outra de constituição
de ndc também destacam o método como da subjetividade”. De acordo com Possenti
um dos aspectos fundamentais da produção (2004, p. 240) existem pelo menos dois luga-
do conhecimento científico. Allchin (2011) res de “irredutível presença da subjetividade
exemplifica alguns pontos atuais que podem na produção científica”: a formulação de
estar associados ao tema: experimentos con- hipóteses e o trabalho científico. Ele exem-
trolados, estudos com duplo-cego, erros em plifica a presença do sujeito na formulação
para explicar que para a ciência, mais im- relação ao trabalho científico, ele debate que
portante do que ter um método infalível, é o “o discurso científico não se dá” (Possenti,
caráter público desse método, ou seja, a pos- 2004, p. 240 – grifo do autor), e que todas
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as etapas do trabalho envolvem o sujeito, inclusive no trabalho de eliminação
da subjetividade (do vivido).
Uma destas etapas do trabalho científico apontadas por Possenti (2004)
poderia ser a etapa da elaboração dos resumos, citada por Coracini (1991). A
pesquisadora realizou entrevistas com autores de artigos científicos (discurso cien-
tífico primário – relato de experiências) sobre as etapas da redação dos artigos e
encontrou espaços nos quais, até mesmo os autores, assumiam suas “marcas” no
texto. Na elaboração dos resumos, a ordem de importância dos itens (introdução,
discussão, resultados...) aparecem no texto de acordo com um “julgamento sub-
jetivo por excelência”, não existem regras claras fornecidas pela comunidade ou
por revistas científicas indicando a ordem de importância dos itens nos resumos.
Ainda sobre a presença do sujeito no trabalho científico, encontramos em
Coracini (1991, pp. 125-129) a demarcação das etapas do trabalho científico
em que se revela a presença do sujeito desvelada pela autora através da análise
da “modalidade explícita” nos discursos científicos: “o enunciador assume sua
pesquisa justificando a escolha do tema ou do material”; “o enunciador avalia
a ocorrência de um fenômeno ou de um resultado com base nos dados (evidên-
cia)”; “o enunciador opina sobre os fatos ou resultados obtidos, engajando-se
mais ou menos com relação às asserções que realiza”; “o sujeito-enunciador
avalia o trabalho e sugere novas pesquisas”; “o enunciador faz hipóteses, supo-
sições”; “o sujeito-enunciador chama a atenção do seu interlocutor”; “o sujeito
enunciador recomenda”.
Ao analisar um artigo científico Dota (2003) revela a presença do autor
no texto por meio da utilização de alguns recursos linguísticos mais frequentes no
inglês, mas que também observamos em textos em português como: tempos
verbais na voz passiva: “Foi descoberto que as...”; utilização de verbos subjetivos:
“Deve ser enfatizada...”; uso de advérbios: “Aproximadamente”, “aparentemente”;
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Ainda sobre este tema, em uma das entrevistas realizadas por Coracini (1991,
p. 130, grifo nosso), um dos “informantes” relatou que “não é permitido ao pes-
110 quisador nem expressar afetividade com relação ao seu objeto de pesquisa (que de
tanto estudar, o cientista acaba amando), nem sustentariam novos pedidos. Um caso histórico
ao menos afirmar categoricamente as próprias clássico da fusão à frio, citado anteriormente
conclusões”. Daí o uso das palavras exempli- neste texto, é bastante ilustrativo quanto aos
ficadas acima, qualificadas pela autora como interesses econômicos influenciando a pro-
“modais”. Esse relato aponta para a questão dução da ciência e o papel dos textos e da
da responsabilidade sobre o que o cientista diz, linguagem científica nesse processo (Collins
ao afirmar categoricamente sua conclusão, que e Pinch, 2003).
também foi citado por Brandão (2004). Nesse primeiro exercício analítico fica
Outro foco de subjetividade do discurso claro que a linguagem tanto contribui para
científico é o fato de que ele é um discurso a produção de efeitos de sentido que sus-
argumentativo, um “fazer persuasivo”, assim tentam visões distorcidas de ciência, como
como o discurso jurídico e político (Coracini, para a neutralidade e rigidez do método
1991). Assim como no uso de modalidades científico. Ela também pode ser usada para
que relativizam as assertivas dos cientistas ao desmascarar a presença do sujeito no texto,
mesmo tempo que lhes confere credibilidade, no nível do intradiscurso, como para mostrar
a subjetividade do discurso científico pode ser as estratégias argumentativas empregadas
Aspectos da natureza da ciência presentes no discurso científico: investigando os efeitos de sentido da linguagem científica
revelada por meio das estratégias argumen- pelo cientista na produção dessa linguagem
tativas empregadas na produção científica supostamente neutra.
com o intuito de convencer o leitor. Coracini
(1991, p. 41) estabelece comparações entre A interdição à interpretação
o discurso científico primário e o discurso po- e aspectos comunicativos,
lítico, com base numa “visão argumentativa históricos e criativos do processo
e, portanto, subjetiva da ciência e da política, de produção do conhecimento
enquanto atividades humanas”. A autora se científico
baseia no fato de que “ambos os discursos
são altamente argumentativos na medida em O discurso científico se caracteriza pela esta-
que pretendem convencer o interlocutor da bilização dos sentidos que tendem a restringir
validade do que dizem e procedem retórica e as possibilidades interpretativas quando com-
linguisticamente de acordo com esse objetivo” parado a outras formações discursivas – por
(Coracini, 1991, p. 41). Além de convencer exemplo, a literária. Pêcheux (1990, pp. 30-
Assim como Pechêux (1990), Possenti (2004, p. 248) afirma que esse efeito
de univocidade depende de certa repressão das idiossincrasias do leitor, o que
é ilustrado pelo seguinte exemplo: “Se um estudante de geometria ler a palavra
‘ponto’ e teimar em pensar em teatro, a palavra ‘ponto’ deixará de ser precisa
no interior do discurso da geometria”. Assim, o gesto interpretativo no discurso
científico nos parece ser condicionado por algumas estratégias que caracteri-
zam esse discurso: 1) condução da leitura do texto; 2) uso de linguagem clara
e objetiva; 3) normatização da apresentação textual.
A condução da leitura do texto pode ser observada no nível intradiscursivo
através das orientações do autor quanto à forma de interpretação do conteúdo
científico do texto, como ilustra Campanario (2004, p. 369 – tradução nossa)
através dos seguintes exemplos: “Compare em primeiro lugar as tabelas II e IV...”;
“O primeiro fator que devemos prestar atenção é...”. Ele afirma que esse tipo
de instrução revela um caráter interativo do discurso “com enfoque à serviço da
necessidade de convencer o leitor”, reiterando o aspecto persuasivo do discurso
científico destacado por Coracini (1991). Dall’Aglio-Hattnher e Pezatti (2005,
p. 4) complementam essa discussão destacando o papel das negativas em
textos científicos, em que “preocupado em evitar um raciocínio que poderia ser
derivado de sua afirmação (e que o falante supõe que o ouvinte faria), o falante
se apressa em negar esse conteúdo pressuposto.” Outro aspecto da condução
da leitura pode ser evidenciado a partir da análise de Possenti (2004) sobre a
relação entre o léxico e a regras de combinação entre as palavras. Conforme
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Aspectos da natureza da ciência presentes no discurso científico: investigando os efeitos de sentido da linguagem científica
Os autores exemplificam o caráter criativo e histórico, as palavras têm uma leitura unívoca.
imaginativo do conhecimento científico com Além disso, para ele, a tradução em lingua-
o modelo de Bohr e seu avanço em relação à gem matemática dos enunciados das ciências
noção de linhas espectrais atômicas. Esse as- da natureza garante essa leitura unívoca
pecto é bastante discutido nas novas perspecti- dos enunciados por leitores diferentes. Pode-
vas de ndc pois, da forma como é abordado na mos nos referir a esse treinamento e cristali-
visão consensual, a imaginação e criatividade zação dos sentidos pela ideia do jargão da
são dissociadas de contextos específicos de área. O domínio deste jargão é tão impor-
produção do conhecimento científico. Allchin tante que se apresenta como um dos motivos
(2011) e Hodson (2014) contextualizam esses pelos quais os alunos apresentam tantas difi-
aspectos na história da ciência e em casos culdades de entendimento nas disciplinas de
concretos que permitem compreender o papel ciências, o que encontramos em colocações
da imaginação e criatividade na produção de como: “no caso da física, uma característica
sínteses de conhecimentos científicos isolados, da sua produção já há longo tempo é a
na articulação com os métodos científicos linguagem formal específica, e essa caracte-
p. 62) aponta que essa padronização significa que “o cientista, se quiser ver
aceito o seu trabalho, terá de se submeter aos ‘grilhões do formalismo’ (. . .),
indicando bem a ausência de liberdade formal do cientista no momento de
114 elaboração do seu artigo”.
Coracini (1991) acredita que os cientistas diferença entre a ordem do texto no trabalho
apresentam certa dificuldade em respeitar o final e os diferentes caminhos percorridos até
esquema formal canônico, ela justifica sua ideia está definição. Ele afirmou que ao escrever
com base no argumento de que é comum artigos, os cientistas costumam apresentar
encontrar textos científicos com outras subdi- a pesquisa da forma mais pronta possível,
visões conceituais ou temáticas. Além disso, a ocultando todos os caminhos e tentativas
autora observa uma certa imprecisão em re- percorridas, e que nenhuma revista científica
lação ao conteúdo dessas seções, reconhecen- aceitaria um artigo que apresentasse esse
do, por meio de entrevistas, que “tais ‘desvios’ tipo de informação (Feynman, 1965). Seu
são de ordem metodológica (valorização da comentário nos remete à citação de Rubem
pesquisa em si) e ilocucionária (valorização Alves apresentada anteriormente.
do público-leitor), no sentido de ‘tornar clara
A utilização de gráficos, tabelas e dados
a apresentação e facilitar a leitura’” (Coracini,
estatísticos é outra característica marcante
1991, p. 63). Esses desvios representam outra
dos textos científicos, e geralmente atribui-se
marca de subjetividade do texto científico, como
o emprego dessas formas a trabalhos bem
as discutidas anteriormente. Outra questão le-
apresentados e de qualidade. Não é exigência
vantada por Coracini (1991, p. 70), como pro-
Aspectos da natureza da ciência presentes no discurso científico: investigando os efeitos de sentido da linguagem científica
que os textos científicos apresentem gráficos e
va de que os textos da ciência não são sempre
tabelas, no entanto veicula-se a ideia de que
relatos fidedignos das experiências realizadas,
a utilização destes recursos é aconselhável. Em
é que esta organização textual não segue a
sua pesquisa com autores de artigos científicos,
ordem de realização das etapas da pesquisa,
Coracini (1991), obteve de seus informantes
destacando a partir das entrevistas que o resu-
justificativas para o emprego desta forma
mo, embora apareça primeiro, costume ser a
de apresentação dos dados que remetiam
última parte do texto produzida pelos autores:
à concisão e limites quanto ao tamanho do
(. . .) das diferenças básicas entre os texto que favoreciam o uso dessas figuras que
dois processos – investigação científica e o condensam informações e ao aspecto didático
texto propriamente dito: este se apresenta desses recursos para os leitores.
numa ordem linear, levando o leitor a
Levando em conta esses dois aspectos da
crer que a investigação científica seguiu
normatização da apresentação textual, consi-
a ordem (determinação dos objetivos,
deramos que a ad nos permitiu identificar efeitos
ficando tal oposição, o que, segundo a autora, é aplicado pelo cientista com
a função de “valorizar a própria pesquisa”. Acreditamos que o uso das citações
também pode remeter, indiretamente, a ideia de reprodutibilidade, em que,
caso outro autor utilizasse as mesmas referências e metodologias de pesquisa,
116
chegaria às mesmas conclusões. Além disso, o uma das grandes revoluções na forma de
uso se constitui em uma estratégia a favor da transmissão do saber”. (Foucault, 2003,
credibilidade e do conceito de cientificidade pp. 76-77).
(Coracini, 1991, p. 170): Ao contrário de visões despersonalizadas
(. . .) se um certo número de referên- da produção do conhecimento (Allchin, 2011)
cias tidas como fundamentais no âmbito e da ideia de que o cientista é um gênio que
da especialidade não se encontram no trabalha isolado (Gil-Pérez et al., 2001; Le-
texto, o leitor poderá concluir que o autor derman et al., 2002), essa característica do
(pesquisador) está mal informado e que, discurso científico aponta diretamente para o
portanto, suas palavras são pouco dignas caráter coletivo da produção da ciência. Assim,
de crédito, e sua pesquisa pouco inte- novamente acreditamos que uma análise cui-
ressante. Do mesmo modo, um número dadosa do texto científico pode contribuir para
muito restrito de citações pode levar à apresentar aos estudantes uma percepção mais
concluir que o pesquisador desconhece as adequada do trabalho científico destacando a
fontes de informação que a comunidade presença e contribuição de diferentes pesqui-
científica reputa como relevantes, dados sadores para a proposição e validação de uma
Aspectos da natureza da ciência presentes no discurso científico: investigando os efeitos de sentido da linguagem científica
estes que seriam indispensáveis para a pesquisa. Segundo Allchin (2011), as interações
valorização do seu texto e consequente sociais entre cientistas são um aspecto funda-
força persuasiva. mental de discussões sobre a ndc e podem
promover percepções sobre as colaborações
É interessante perceber como este instru-
ou competições entre eles, assim como for-
mento de validação, que confere autoridade
mas de persuasão e credibilidade, limites e
ao discurso é uma estratégia que durante muito
críticas de perspectivas teóricas e divergências.
tempo foi empregada como uma forma de
O destaque e problematização das citações no
estabelecer a verdade. Foucault (2003) mos-
texto científico, como marca de sua intertextuali-
tra que nas universidades medievais, o saber
dade explícita, permitiria analisar essas relações
era manifestado, transmitido e autenticado
e romper com a ideia de que a ciência poderia
em um tipo de ritual denominado disputatio,
ser produzida fora de um contexto social interno
que consistia no afrontamento verbal de dois
do campo científico.
adversários apoiados nos processos retóricos
e no apelo à autoridade.
Conclusões
Acreditamos que este tipo de análise ilustra que a linguagem científica con-
densa elementos que contribuem tanto para ratificar visões distorcidas quanto para
retificá-las. Entendemos que o trabalho com textos científicos em aulas de ciências
representa então um caminho possível para aproximar os alunos da linguagem
científica ao mesmo tempo em que os processos de produção do conhecimento
científico podem ser problematizados.
TED
118
Referências
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