Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Gainsucjna
Gainsucjna
FACULDADE DE LETRAS
Rio de Janeiro
2022
LUCAS RUBIO MESQUITA DA SILVA
RIO DE JANEIRO
2022
FICHA CATALOGRÁFICA
AGRADECIMENTOS
Agradeço ardentemente à minha mãe, Shirlei, e ao meu pai, Luis, por me apoiarem de
todas as maneiras possíveis que uma pessoa pode apoiar a outra ao longo dessa jornada
complexa que é a graduação. Sem vocês, eu nunca teria chegado a lugar algum.
Especiais agradecimentos ao Prof. Edelcio Americo por ter sido o primeiro a me abrir
as portas do fantástico universo da Língua Russa e por ter me alfabetizado desde o zero na
língua que hoje me leva adiante.
À Profa. Sonia Branco (minha orientadora) e ao Prof. Diego Leite, o meu muito
obrigado por todo o apoio, orientação, paciência e oportunidades que me proporcionaram nesse
caminho e também minha admiração pelos vários trabalhos realizados no setor de Russo na FL
ao longo dos últimos anos.
Não posso deixar de agradecer às minhas amigas Letícia Fretheim, Stéphanie Pinheiro
e Ursula Scheidt pela leal amizade e inquebrável companheirismo de todos esses anos e por
dividirem comigo todas as turbulências e desafios da graduação.
O último e mais especial agradecimento vai para todos os gigantes homens e mulheres
que, séculos e séculos antes de mim, se aventuraram no mundo científico e dedicaram suas
vidas à construção de um mundo guiado pela compreensão humana do Universo ao nosso redor.
Isaac Newton
Fatos são o ar da ciência. Sem eles, um cientista
não pode alçar voo.
Ivan Pavlov
RESUMO
Este singelo trabalho tem como objetivo central analisar materiais didáticos para o ensino de
língua russa para brasileiros. São analisados aqui dois manuais de língua russa de diferentes
filosofias e origens geográficas, levando-se em conta suas diferenças, semelhanças e
implicações para falantes de português que desejam aprender o russo. A fonte maior de análise
são os próprios manuais de língua russa objeto deste trabalho. Os elementos que foram postos
frente a frente para serem comparados são: apresentação do conteúdo gramatical, peculiaridades
do trato dos autores com o conteúdo, disponibilidade da exemplificação do conteúdo em
construções textuais, exercícios de fixação e cronologia da introdução de temas gramaticais.
Algumas outras características também serão mencionadas, embora não constituam o tema
central de análise. A delimitação desses elementos desenha a busca pela compreensão de que
método (ou quais métodos) cada material usa. O aporte teórico central para a definição dos
métodos e abordagens de ensino de línguas que serão analisados no trabalho foi o de Vilson
Leffa (1988). Dada a natureza deste tipo de tarefa comparativa, é importante dizer que, neste
trabalho, foi utilizado frequentemente o recurso da descrição, necessário para contextualizar o
ambiente que foi analisado, apoiando-se, é claro, na abordagem teórica e na crítica, evitando
criar um resultado puramente descritivo.
Deseja-se, com a realização deste breve estudo comparativo, contribuir de alguma forma para
a discussão acerca do complexo processo que é o ensino de uma língua estrangeira,
especialmente a língua russa, que está ligada a uma civilização infelizmente ainda distante e
estigmatizada em nosso país.
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 9
3. ANÁLISE COMPARATIVA............................................................................................ 13
3.3 Verbos................................................................................................................................ 19
3.6 Estrutura............................................................................................................................. 26
4. REFLEXÕES..................................................................................................................... 30
5. CONCLUSÃO.................................................................................................................... 33
6. REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 35
8
1. INTRODUÇÃO
1
Zlatoust Language School. Disponível em: <https://www.zlat-edu.ru/company/our-school/>
9
compreender não somente as técnicas e caminhos adotados no ensino do idioma como também
quais as implicações contextuais de cada um deles. Será que o chavão se confirma?
Durante a leitura, pode-se perceber que serão usadas as transliterações dos nomes dos
manuais, bem como de algumas outras palavras, ao invés do nome original em alfabeto cirílico
russo, em respeito a possíveis leitores não familiarizados com esse idioma.
10
A língua russa, por mais que pareça algo um pouco distante do Brasil, possui até que
um respeitável histórico em nosso país. Não são totalmente claras as evidências do momento
inicial do ensino e aprendizagem desse idioma no Brasil, mas são conhecidos alguns dados.
Considerando-se o estabelecimento de relações diplomáticas entre o Brasil e a Rússia, ainda no
século XIX2, percorreu-se um grande espaço de tempo até que o russo pudesse ser
institucionalizado formalmente como língua a ser aprendida pelos brasileiros.
O desenvolvimento de materiais didáticos para o ensino de língua russa, por sua vez,
pode ser bem mais nebuloso de rastrear. À época do nascimento dos cursos universitários em
nosso país, a União Soviética já publicava há algum tempo inúmeras gramáticas, apostilas e
manuais para o ensino de língua russa voltados para o público estrangeiro, uma vez que isso
fazia parte de uma proposta de influência cultural e política, dentro, é claro, de um contexto de
Guerra Fria. Os manuais de Nina Potapova, publicados nas décadas de 1950 e 1960 na URSS,
foram traduzidos para várias línguas e ganharam várias versões futuras, algumas delas, em
português, que acabaram chegando ao Brasil.
No mesmo espaço temporal, é impossível falar de língua russa no Brasil sem mencionar
a UBRASUS, a União Cultural Brasil - União Soviética. Com sede em São Paulo, essa
organização de intercâmbio cultural foi fundada na década de 1960 por intelectuais brasileiros
2
Embaixada da Federação da Rússia na República Federativa do Brasil. História das relações bilaterais.
Disponível em: <https://brazil.mid.ru/web/brasil_pt/historia-das-relacoes-bilaterais>
3
Departamento de Letras Orientais e Eslavas. Apresentação. Disponível em: <
http://www.orientaiseeslavas.letras.ufrj.br/>
4
Dicionário de Tradutores. Rubens Figueiredo. Disponível em:
<https://www.dicionariodetradutores.ufsc.br/pt/RubensFigueiredo.htm>
5
Departamento de Letras Orientais da FFLCH. Bacharelado em Letras - Russo. Disponível em:
<https://letrasorientais.fflch.usp.br/graduacao/russo>
11
como Caio Prado Júnior e Florestan Fernandes6 e operou até mesmo em plena ditadura militar,
num contexto de condenação e perseguição ao comunismo no Brasil. São conhecidos os
materiais usados por essa organização, a citar o "Russo sem Mestre", de Custódio Gomes
Sobrinho, que também se utilizava de fitas com gravações de lições em áudio para auxiliar no
processo. A UBRASUS operou até fins da década de 1990, quando o colapso da URSS levou
consigo a própria organização, que foi renomeada como União Cultural pela Amizade dos
Povos, em 1997.
A virada para um novo milênio parece ter trazido uma renovada onda de interesse e
possibilidades de estudos da língua russa. Além da consolidação dos cursos universitários no
Rio de Janeiro e em São Paulo, foram surgindo cursos de extensão (como o CLAC, da UFRJ,
e o PROLEM, da UFF), além de cursos particulares, esses últimos sendo praticamente
impossíveis de serem citados por seu grande número e ramificações. Nos últimos anos,
especialmente em um contexto de pandemia global, a consolidação da internet como meio de
comunicação usado também para ensino de línguas expandiu ainda mais esse universo, com
vários cursos ou professores particulares desenvolvendo materiais e cursos próprios.
Alguns outros materiais de ensino de russo, desde então, têm chegado ao Brasil, seja em
traduções ou produções nacionais recentes. É o caso do curso “Russo Básico", escrito por Keith
Rawson-Jones e Allan Leonidovna Nazarenko, traduzido para o público brasileiro por Fábio
Brazolin Abdulmassih e publicado pela Editora Berlitz. Uma iniciativa recente voltada para os
brasileiros digna de nota é o manual "Fale tudo em russo!" (com CD), de Ekaterina Volkova
Américo e Gláucia Roberta Rocha Fernandes, publicado em 2013 pela Editora Disal.
6
União Cultural pela Amizade dos Povos. Histórico. Disponível em:
<http://www.ucpadp.org.br/pages/historico>
12
Esse breve histórico, é claro, não capta a totalidade das iniciativas, cursos e materiais
disponíveis para o público brasileiro voltado ao aprendizado de língua russa, mas pretende
exemplificar o preenchido percurso desse histórico. Porém, apesar disso, é sensível o fato de
que não temos à disposição uma ampla gama de materiais quando nos referimos à língua russa,
sendo pouco variadas as possibilidades de fontes para isso, quando comparado ao ensino de
outras línguas.
3. ANÁLISE COMPARATIVA
Dentro desse capítulo, são analisadas algumas áreas da língua russa e a maneira com a
qual são abordadas pelos dois diferentes LDs. A pesquisa sobre os dados dos LDs é uma análise
documental descritiva e comparativa, que tenta não somente descrever, mas também
problematizar ambos os materiais (o que pode ser encontrado no capítulo 4).
Quanto aos elementos que se procura observar, cabe citar mais uma vez a atenção dada
à apresentação do conteúdo gramatical, disponibilidade da exemplificação do conteúdo em
construções textuais, as possibilidades de exercícios e a cronologia da introdução de tais temas
gramaticais. Esses traços foram escolhidos para servirem de pistas a serem rastreadas para se
encontrar, afinal, que abordagem e método os diferentes LDs usam e quais suas peculiaridades.
7
LEFFA, Vilson J. Metodologia do ensino de línguas. In BOHN, H. I.; VANDRESEN, P. Tópicos em
lingüística aplicada: O ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1988. p. 212
13
Há ainda explicações sobre a divisão dos módulos e carga horária prevista para o uso
do material, que foi pensado para um semestre. São 33 lições de aulas, 4 de testes (e 4 com os
gabaritos dos testes) e 4 de exercícios, pensados para serem operados em uma carga horária de
110 horas. Em tais módulos, Dialog se propõe a apresentar não somente temas gramaticais
como também questões tradicionais e peculiares da Rússia, além da introdução de vocabulários.
A estrutura das lições se dá por meio do esquema de introdução de um pequeno texto com
introdução de conteúdo lexical e gramatical que será trabalhado em todo o capítulo, uma parte
de explicação gramatical e exercícios. Os textos, segundo as autoras, são verossímeis e
ambientados em situações de uso real, como escola, profissão, etc.
Já o manual russo Jili-Byli, em seu texto de introdução, escrito em russo, apresenta que
o material foi concebido em atenção ao público estrangeiro sob "um método conscientemente
8
BALDÉ, Nailia, DUTTA, Jayanti, PROKOPYSHYN, Ana Carina. Dialog - Manual de Russo como Língua
Estrangeira para Falantes de Português, nível A1. Coimbra: Grácio Editor, 2017, p. 3.
9
ibidem
14
Indo mais além, os autores explicam que o manual possui 28 lições com o planejamento
de 120 a 150 horas de utilização global em aulas presenciais, um livro de exercícios que
acompanha o material principal e os complementos em áudio para cada lição. A estrutura de
cada lição se dá na ordem das seguintes peças componentes: quadro com situação de fala, parte
explicativa com conteúdo gramatical, texto com glossário, exercícios de interpretação,
exercícios outros, tarefas de "jogos" e anedotas.
Por fim, explicam que há outros anexos internos, por assim dizer, que complementam o
material, como exercícios práticos, avaliações e um "dicionário" (que, na verdade, está mais
para um índice alfabético vocabular), além de lições de resumo que intercalam alguns capítulos.
Do ponto de vista crítico, é evidente a diferença do público alvo dos dois materiais - ao
passo que Dialog está voltado especificamente para falantes de português do ambiente
acadêmico que anseiam estudar russo, Jili-Byli tem um público mais genérico e amplo, uma
vez que é escrito por russos e feito para estrangeiros no geral. Na construção dos textos de
apresentação desses manuais, é perceptível que ambos procuram explicar os métodos e
10
MILLER, L. V. POLITOVA, L. V. RYBAKOVA, I. Ya. Jili-Byli... - 28 urokov russkogo yazyka dlya
natchinayushikh. São Peterburgo: Zlatoust, 2016, p.4
11
ibidem
12
Ibidem, p. 5
15
estratégias por trás da formação do material por meio da apresentação da estrutura das lições e
das metodologias, frisando as questões de apresentação de léxico usado em situações reais de
prática da língua e a importância da comunicação no russo para o estudante.
Como primeiro objeto gramatical de análise desse trabalho, será feita a comparação dos
dois materiais quanto à alfabetização e a introdução das primeiras noções gramaticais em russo,
entendendo por "primeiras noções gramaticais" a divisão em gêneros, os pronomes possessivos,
o plural dos substantivos e os adjetivos.
Seguindo o fluxo natural do ensino de uma língua nova que possui um alfabeto diferente
do nosso, os dois manuais partem do básico - a apresentação do alfabeto cirílico. Tal
apresentação, entretanto, é muito distinta entre eles.
Dialog introduz a língua e o alfabeto russo ao longo de suas páginas com textos em
português sobre a história de formação do russo e do alfabeto cirílico, a origem e tronco
linguísticos, a estrutura de funcionamento das frases (com exemplos), além de dados numéricos
e geográficos sobre o uso da língua no mundo. Depois, o alfabeto inteiro é apresentado com as
letras maiúsculas e minúsculas tanto em tipografia de forma quanto cursiva. Cada letra tem o
seu nome apresentado e é exemplificada com um exemplo em português, contando com uma
transcrição fonética. Após isso, cada uma das 33 letras ganha uma explicação específica, com
dicas de pronúncia e informações sobre sonoridade e uma grande quantidade de detalhes.
Por sua vez, Dialog também apresenta os gêneros em forma de quadro, porém mais
tardiamente na lição 3 e dentro de um contexto temático de membros da família, no qual
justamente os gêneros foram trabalhados com noções ligadas a pessoas. Além disso, detalhes,
explicações em português, traduções e recursos visuais estão na órbita do tema. Aproveitando
o ambiente da apresentação dos gêneros, o manual aproveita e introduz a noção de pronomes
possessivos logo em seguida, na mesma lição, apresentando as formas em russo para posse em
todas as pessoas.
O tema plural dos substantivos converge para a lição 4 nos dois LDs. Em casos
regulares, o plural no russo é feito por meio da alteração do final da palavra com o acréscimo
ou substituição de uma letra, ao passo que, em casos irregulares, parte da palavra ou ela toda
pode ser alterada.
Jili-Byli apresenta esse sistema por meio de figuras ilustrativas e exemplos de palavras
para os três gêneros, uma vez que cada gênero é alterado conforme suas peculiaridades. A
distribuição no material se dá por meio de quadros, sem informação textual de que se trata de
uma divisão dos gêneros, depositando na intuição do usuário em identificar por si só que todas
as palavras agrupadas no quadro são de um único gênero. Os plurais irregulares são
apresentados em alguns exemplos à parte, também em um quadro, bem como a regra gramatical
que impede o uso de uma das vogais usadas para fazer o plural após algumas consoantes
especiais. Nenhuma explicação textual é dada, de modo que aqui as figuras exercem um papel
18
fundamental para se compreender que os objetos descritos estão em número maior do que um,
ou seja, no plural.
Como nos temas iniciais, ambos os materiais entregam exercícios de fixação logo em
seguida.
3.3 Verbos
A sincronia cronológica existente nos dois manuais se encerra logo nas primeiras lições
e dois rumos diferentes são tomados pelos LDs. Depois de apresentar o alfabeto, gêneros, plural
e possessivos no russo, Jili-Byli apresenta o tema verbos na lição 5. Já o manual Dialog parte
direto para um caso de declinação do russo, o prepositivo; as possíveis razões para esse salto
serão especuladas em breve.
Tratando-se da apresentação do quadro verbal no russo, Jili-Byli, mais uma vez, aposta
na apresentação do tema sem anunciar que um conteúdo gramatical será trabalhado. Algumas
ilustrações, um mapa e um quadro de gentílicos apresentam personagens de vários países que
serão usados ao longo de todo o manual como participantes dos textos e situações de diálogo,
numa tentativa, dos autores, de se criar um ambiente de familiaridade que atravessa toda a
experiência com o manual. Em um texto apresentado logo em seguida, ocorre o detalhamento
dos personagens, introdução de suas origens geográficas, profissões, etc, e, no próprio corpo
textual, ocorre a aparição de verbos flexionados para diferentes pessoas (ele, nós e vós). Logo
após o texto, um quadro conjuga um par de verbos, um da primeira e outro da segunda
conjugação, mostrando o padrão de conjugação grifado e destacado, e apresenta frases como
exemplo. Daqui em diante, ao longo de todas as lições, os verbos serão apresentados dessa
maneira: inseridos dentro de textos ou em quadros especiais (principalmente os verbos
irregulares); no caso dos verbos dentro dos textos, é de se notar que eles aparecem, assim como
substantivos e adjetivos novos, listados num tipo de glossário pré-textual. Como já mencionado,
como o manual não se utiliza de nenhuma palavra em outra língua, é necessário que o estudante
19
conte com a ajuda de um tutor ou procure por conta própria em dicionários para saber o
significado das palavras.
É claro que há muitos outros elementos que poderiam ser confrontados quanto aos
verbos e suas apresentações nos dois materiais, mas, esse trabalho fica limitado a essa
comparação. Nos próximos tópicos, um último comentário acerca de verbos será feito.
O russo é uma língua com casos de declinação, o que significa que a alteração
morfológica das palavras atribui função sintática a cada uma delas, de forma que existe um
complexo sistema de desinências e marcas a serem aprendidas pelo estudante de russo. Como
o português não é uma língua declinada, esse tema costuma causar uma certa surpresa no
estudante recém-chegado no russo. Dessa maneira, talvez esse seja um dos tópicos mais
sensíveis para um manual abordar.
13
Em russo, o passado é formado por meio do acréscimo de desinências no infinitivo do verbo de acordo com o
gênero e número do sujeito
21
Como havia sido comentado antes, existe, logo no começo, uma diferença marcante no
trato com o tema entre Jili-Byli e Dialog: o primeiro apresenta a noção de caso somente apenas
depois dos verbos, ao passo que o segundo parte diretamente para o conteúdo logo após ter
ensinado ao estudante como fazer o plural das palavras.
Sobre isso, vale um pequeno exercício de pensamento para tentar entender as razões
dessa tomada de decisão tão oposta entre os materiais. Do ponto de vista de um estudante em
língua estrangeira, uma das primeiras demandas de quem está aprendendo russo (e, na verdade,
todo idioma) é o domínio sobre como expressar a realização de ações, ou seja, de como usar
verbos. Quem já trabalhou com ensino de língua provavelmente conhece vários casos que,
prematuramente, perguntas sobre como fazer isso ou aquilo surgem em sala de aula.
Provavelmente, os autores de Jili-Byli imaginaram que, após uma carga introdutória sobre
gêneros, plurais e possessivos, seria interessante desenvolver a habilidade das ações. Agora,
por outro lado, talvez as autoras do Dialog tenham pensado do ponto de vista prático, mecânico
e morfológico: se o estudante acabou de se ambientar com o acréscimo e substituições de
desinências nas palavras por causa do plural e do reconhecimento dos gêneros, é mais do que
prático que se introduza de imediato a noção de caso nesse momento. Perde-se, entretanto, a
possibilidade de expressar orações mais complexas, afinal, os nomes ficam sujeitos a apenas
estarem presentes em algum lugar; contudo, aproveita-se a técnica de alteração de desinência
ainda temporalmente próxima.
Nesse trabalho, entretanto, será analisada a abordagem quanto a outro caso - o acusativo.
O acusativo é o caso que marca o objeto direto da frase.
O caminho natural visto pelos idealizadores do Jili-Byli foi a introdução deste caso logo
após os verbos. Isso se dá na lição 11, que apresenta o caso acusativo no sistema de pequenas
perguntas e respostas. Como de costume, mais uma vez o manual lança mão de quadros e
destaques no texto para evidenciar o conteúdo gramatical ali presente, sem fazer grandes
explicações. Um quadro dividido em seções para três gêneros no singular e uma para o plural
mostra palavras inanimadas no nominativo sendo transformadas em acusativo dentro de
contexto de frase. No mesmo capítulo, há ainda a introdução de vocabulários temáticos (por
exemplo, de alimentos) e seu uso dentro de um texto. Vários exercícios de fixação também são
apresentados, marcando um estilo de organização do capítulo que persegue todo o material,
como já visto.
22
Dialog dedica uma página da sua lição 29 a esse tema. Nela, uma breve explicação em
português situa o estudante, que, para estar na lição 29, já está muito mais familiarizado com a
língua. Após isso, seguem-se um quadro com os 8 pares verbais e um breve diálogo,
acompanhado de exercícios para fixação.
24
Figura 7 – Dialog dedica parte de uma página ao tema, já quase no fim do livro,
na lição 29 (recorte).
3.6 Estrutura
Por várias vezes, é possível perceber que a apresentação de pequenos diálogos, textos,
situações de fala e o uso massivo de quadros e tabelas, por dentro dos quais estão sempre
conteúdos gramaticais ou introdução de vocabulário, é uma rotina em ambos os materiais, com
algumas diferenças. A exemplo dessas diferenças, Jili-Byli opta por muitos textos relativamente
longos, complexos e com várias estruturas em ação ao mesmo tempo14, mas Dialog prefere
navegar no sentido de escolher diálogos mais curtos ou parágrafos focados no conteúdo da
lição15.
A observação acerca dos aspectos visuais dos manuais pode parecer algo secundário,
mas é importante em alguns sentidos.
A disposição dos elementos na página, o formato, cores e formatação acabam por dizer
respeito às estratégias de cada material.
14
Vale notar aqui que todos os textos do LD são lidos no conteúdo de áudio que o acompanha
15
Já aqui, é possível notar que, em alguns casos, tais diálogos ou textos curtos acabam por ficar de fora das
leituras do áudio
26
No sentido contrário, Dialog, por sua vez, tem todas as suas páginas coloridas. Além de
ilustrações e fotografias com cor, quadros, gráficos, tabelas e outros elementos visuais, como
pequenos blocos de notas flutuantes, tornam-se instrumentos de navegação pelo material. Isso
é destacável não apenas do ponto de vista puramente visual, uma vez que dentro desses
elementos há dicas, explicações, exemplos e glossários - algo coerente com o material que, em
todo o seu desenvolvimento, se propõe a ensinar a língua russas muitas das vezes usando o
português. Nesse contexto, é de se ressaltar que os títulos dos quadros ou tabelas muitas das
vezes acabam por sinalizar ao estudante de russo que conteúdo será visto em seguida.
Nessa comparação geral, é pertinente se perguntar até que ponto esses diferentes LDs
provocam o contínuo exercício do estudante em algumas competências da língua (como a
27
leitura, a produção oral, a compreensão por meio da escuta, etc) e incentivam uma produção
própria. Há de se observar que os dois manuais acabam priorizando, por vezes, o
desenvolvimento de algumas competências em detrimento de outras.
Por outro lado, Dialog desenvolve ao longo de suas páginas muitos exercícios
gramaticais, tais quais os do Jili-Byli, mas dedica também espaço considerável para propostas
de produção oral, seja ela individual ou coletiva.
Embora esse trabalho não seja um juízo de valor competitivo entre LDs, cabe aqui uma
defesa ao Jili-Byli. Em seus objetivos autodeclarados, os autores expõem a possibilidade da
flexibilidade do material para fins específicos de sala de aula, abrindo o precedente de se
entender, por exemplo, que as perguntas de interpretação de texto podem ser feitas em voz alta
e de modo coletivo, pressupondo também a participação múltipla de interlocutores. A própria
leitura dos textos também pode ser aqui manejada como um meio de prática oral, embora
limitada em sua criatividade.
Já o manual Dialog possui um pequeno dicionário, também em suas páginas finais, com
a relação das palavras usadas nos textos seguidas de suas traduções, somando a cifra de 1200
palavras, aproximadamente.
4. REFLEXÕES
Diante das várias comparações feitas ao longo dessa monografia, é possível estabelecer
algumas reflexões.
Isso se confirma parcialmente se nos atentarmos que, ao longo desse manual, são várias
as situações e nas quais usos da língua contextualizadas são empregadas. Os pequenos diálogos
e textos, tão citados durante as aberturas das unidades, se desenrolam sobre situações
específicas.
16
LEFFA, Vilson J. Metodologia do ensino de línguas. In BOHN, H. I.; VANDRESEN, P. Tópicos em
lingüística aplicada: O ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1988. p. 226
17
ibidem
18
ibidem
30
Na mesma linha e bebendo bastante da mesma fonte da abordagem direta, o manual Jili-
Byli, em características estruturais, se constrói não apenas com os pressupostos dessa
abordagem já expostos aqui como também sob a ideia geral dessa escola de que a "L2 se
aprende através da L2"19. Em todos os elementos comparados nesse trabalho, notou-se, nesse
LD, primeiro a apresentação do conteúdo gramatical por trás de situações textuais ou até mesmo
figuras sem explicações e sem o apoio de outra língua além do próprio russo, seguindo o
apontamento de que "A transmissão do significado dá-se através de gestos e gravuras, sem
jamais recorrer à tradução"20. A autodeclaração de Jili-Byli como dotado de "um método
conscientemente prático" e de "abordagem funcional à apresentação do material linguístico"
reforça a preocupação na sistematização gramatical, especialmente quanto ao emprego de uma
"abordagem funcional à apresentação do material linguístico".
Considerando-se uma visão geral dos elementos comparados entre os dois manuais,
ainda pode ser observado um traço de outra abordagem, a gramatical, pois, como explica
Gonzales (2015):
19
ibidem
20
ibidem
31
Gonzales ainda segue com uma observação importante quanto à mistura de abordagens
junto à abordagem comunicativa (AC) em materiais didáticos para ensino de línguas
estrangeiras: "No geral, encontra-se nesse tipo de materiais um tratamento flexibilizado da
gramática, contextualizada/camuflada em situações comunicativas. Temos nesse caso uma
variante atualíssima da AC, a “Abordagem Gramatical Comunicativizada” (AGC)"23
21
GONZALEZ, Verónica Andrea. Análise de abordagem de material didático para o ensino de línguas
(PLE/PL2). Brasília. Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução, Universidade de Brasília, 2015,
Dissertação de mestrado. p. 48-49
22
ibidem, p. 60
23
ibidem, p. 64
32
Isso nos evidencia, então, que várias abordagens, em maior ou menor grau, transpassam
a mentalidade por trás da concepção desses materiais, até porque, as próprias abordagens,
embora quase sempre adotadas como superações irrevogáveis de suas versões passadas,
também carregam características de suas predecessoras. Tal combinação mista seria algo típico
de um "ecletismo inteligente", como defendido também por Leffa: "Nenhuma abordagem
contém toda a verdade e ninguém sabe tanto que não possa evoluir. A atitude sábia é incorporar
o novo ao antigo (...)".24
Por fim, é interessante também se perguntar sobre o grau de produção oral que cada um
dos LDs incentiva a ser realizado, como já comparado nesse trabalho. Em sua dissertação de
mestrado, Rodrigues (2020), sobre a produção oral em língua estrangeira (LE), explica: "a
prática de LE é fundamental para o desenvolvimento de habilidades na língua estudada.
Também, vale ressaltar que o uso da língua materna é importante para a aquisição de um novo
idioma."25, praticamente se comunicando com a proposta que Dialog propõe ao utilizar-se, por
vezes, do português para chegar ao russo e de Jili-Byli, que tem em sua proposta geral o uso
contínuo da língua ao ser escrito inteiramente no russo.
5. CONCLUSÃO
Diante de tudo que foi apresentado, é possível notar que, antes de mais nada, ambos os
materiais representam excelentes possibilidades de estudo em russo. Naturalmente, com
caminhos diferentes, mas com objetivos em comum, Jili-Byli e Dialog apresentam um amplo
leque de conteúdos gramaticais, situações de uso e vocabulário.
Sem fazer juízo de valor, fica muito claro que Dialog opta por explicações detalhadas,
mecânicas e instrumentais, em português, da estrutura da língua ao mesmo tempo que lança
mão do uso de exemplos e exercícios de fixação, contando também com tempo maior de
exposição e ambientação em alguns temas (principalmente a alfabetização e contextualização
histórica), ao passo que Jili-Byli não caminha na direção de explicações textuais em
absolutamente nada, mas aposta na assimilação de estruturas por indução, repetições
sistemáticas de um fenômeno, exemplos com grifos e recursos visuais de destaque em
24
LEFFA, Vilson J. Metodologia do ensino de línguas. In BOHN, H. I.; VANDRESEN, P. Tópicos em
lingüística aplicada: O ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1988. p. 232
25
RODRIGUES, Keila Dos Santos da Silva. O olhar sobre o livro didático no contexto dos métodos e
abordagens de ensino de línguas no Brasil. Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal da Paraíba.
João Pessoa: 2020. Monografia. p. 11
33
6. REFERÊNCIAS
<https://www.dicionariodetradutores.ufsc.br/pt/RubensFigueiredo.htm>
RODRIGUES, Keila Dos Santos da Silva. O olhar sobre o livro didático no contexto
dos métodos e abordagens de ensino de línguas no Brasil. Curso de Licenciatura em Letras da
Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa: 2020. Monografia.