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DIREITO CIVIL


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AVISO DE DIREITOS AUTORAIS


Prezado aluno, antes de iniciarmos nossos estudos de hoje, precisamos ter uma
conversa séria. Trata-se do respeito aos nossos esforços na produção deste curso, a que
temos dedicado todas nossas energias nos últimos meses.

Saiba que nosso objetivo é sempre oferecer o melhor produto possível e que
realmente faça a diferença na sua caminhada rumo à aprovação. Mas, para que nós
consigamos atingir essa meta, sua ajuda é imprescindível.

Então, sempre que algum amigo ou conhecido falar “será que você passa para
mim aquele material do RevisãoPGE que você tem?”, lembre desta nossa conversa.
Mais: lembre que o Extensivo (assim como todos os nossos produtos) são tutelados pela
legislação civil (como a Lei 9.610/98 e o Código Civil) e pela legislação penal
(especialmente pelo art. 184 do Código Penal).

Para que não reste dúvida: este curso se destina ao uso exclusivo do aluno que
o adquirir em nosso site, e sua aquisição não autoriza sua reprodução. Ok?

Sabemos que falar isso parece pouco amigável, mas só estamos tendo este “papo
reto” porque queremos de você justamente um ato de amizade: não participar, de
forma alguma, da pirataria deste curso. Se isso acontecer, o fornecimento das aulas a
você será interrompido e nenhum valor pago será restituído, sem prejuízo,
evidentemente, de toda a responsabilização cabível nos âmbitos civil e penal.

Bem, o recado era esse. Agora podemos voltar às boas e meter a cara nos livros!
Ops... nos PDFs!

Bons estudos!
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NOVIDADES DESTA VERSÃO


Nesta versão da aula, você encontrará, em relação à versão anterior, as seguintes
novidades (que também foram incluídas no PDFLASH correspondente) decorrentes de
revisão e/ou atualização do material:

I) Foi adicionado, na pág. 66, o tópico “HISTÓRICO DAS CONSTITUIÇÕES


BRASILEIRAS”.

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ROTEIRO DE ESTUDO

PRINCIPAIS ARTIGOS

O assunto é, essencialmente, doutrinário, mas essa seleção de artigos foi feita para que
você possa iniciar o estudo com a leitura dos artigos mais relevantes sobre o assunto e,
ainda, para que você saiba o que priorizar em futuras revisões sobre o tema.

Art. 47, CF/88;

Art. 69, CF/88;

Art. 60, § 2º, CF/88.

RESOLUÇÃO DE QUESTÃO
Resolva 20 questões sobre o tema na plataforma de sua preferência.

Segue o link com filtro específico sobre o assunto:

Filtros

Disciplina: Direito Civil

Assuntos: Lindb e Direito Civil Constitucional

https://www.qconcursos.com/

CONTEÚDO JURÍDICO
Agora, siga para a revisão do conteúdo abaixo e bons estudos!
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Aula revista e atualizada em 10/03/2023

DIREITO CIVIL – AULA 01


LINDB E DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL
DIREITO CIVIL – AULA 01 ................................................................................................................5
LINDB E DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL .......................................................................................5
LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO – LINDB ..............................................6
FONTES DO DIREITO .......................................................................................................................7
Fontes materiais, formais e não formais ......................................................................................... 7
A LEI ...............................................................................................................................................9
Noções gerais .................................................................................................................................. 9
Vigência, revogação e repristinação .............................................................................................. 10
Obrigatoriedade das leis ................................................................................................................ 22
Interpretação das leis .................................................................................................................... 25
Integração da norma jurídica ........................................................................................................ 32
Eficácia da lei no tempo (direito intertemporal) ........................................................................... 42
Eficácia da lei no espaço ................................................................................................................ 48
Nota a respeito da Lei n.º 13.655/2018 ........................................................................................ 50
CÓDIGO CIVIL DE 2002 E DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL ........................................................... 51
BREVE HISTÓRICO DA CODIFICAÇÃO PÁTRIA ............................................................................... 52
O CÓDIGO CIVIL DE 2002 .............................................................................................................. 53
Princípios norteadores do Código Civil de 2002 ............................................................................ 54
Conceitos indeterminados e cláusulas gerais ................................................................................ 55
DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL .................................................................................................. 57
Eficácia horizontal (irradiante) dos direitos fundamentais ........................................................... 58
Diálogo das Fontes ........................................................................................................................ 59
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LEGENDA

Quando seu texto estiver preenchido com esta cor, estaremos


falando da jurisprudência do STJ

Quando seu texto estiver preenchido com esta cor, estaremos


falando da jurisprudência do STF

Quando seu texto estiver preenchido com esta cor, estaremos


falando de QUESTÕES DE CONCURSO

LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO –


LINDB
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n.º 4.657/42, que
atualmente possui status de lei ordinária) era antigamente denominada de Lei de Introdução ao
Código Civil. A alteração de nomenclatura, operada pela Lei nº 12.376/2010, se deu em função
de o referido diploma não disciplinar apenas matérias afetas ao Direito Civil, mas, na realidade,
à Teoria Geral do Direito.

A LINDB é um código de normas de sobredireito (lex legum), ou seja, é uma lei que
estabelece normas sobre normas. Em vez de disciplinar condutas estruturar órgãos ou de
algum outro modo incidir diretamente sobre o campo do “dever-ser”, a LINDB objetiva
regulamentar como as normas em geral devem ser produzidas, interpretadas, integradas e
aplicadas.

Trata-se de uma lei que veicula normas de sobredireito de caráter geral, que convivem
com outras disposições específicas relativas a determinados ramos do direito. Exemplificando,
embora o art. 4º da LINDB estabeleça mecanismos clássicos de integração do direito, o art. 108
do Código Tributário Nacional traz disposições especiais relativas à integração das normas
jurídicas tributárias. Do mesmo modo, o art. 8º da CLT dispõe sobre a integração das normas
jurídicas trabalhistas.

Assim, pode-se dizer que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro é a nossa
Lei Geral de Sobredireito, havendo normas complementares (especiais) referentes aos diversos
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ramos do direito.

Antes de se adentrar no estudo das principais normas de sobredireito estabelecidas pela


LINDB, cumpre examinar o tema das fontes do direito, matéria de abordagem essencialmente
doutrinária e que constitui ponto de partida para a compreensão de diversos temas tratados
naquele diploma legal.

FONTES DO DIREITO

Fontes materiais, formais e não formais


A principal classificação doutrinária das fontes do direito consiste na divisão entre fontes
materiais, formais e não formais.

As fontes materiais dizem respeito ao substrato cultural de onde o direito provém. São
todos os fenômenos econômicos, religiosos, sociais, científicos, dentre outros, em função dos
quais são criadas as normas jurídicas. Como exemplo, é possível citar que o avanço da
tecnologia de manipulação genética de embriões humanos e células-tronco fez surgir a
necessidade de edição da Lei de Biossegurança (Lei n.º 11.105/2005), cujo intuito foi assegurar
a ética e a segurança das iniciativas envolvendo o tema.

A própria convivência entre os seres humanos dá origem a diversas normas jurídicas, a


exemplo dos direitos de vizinhança (arts. 1.277 e s., do CC) e das normas que disciplinam os
condomínios edilícios (art. 1.337, parágrafo único, do CC). Em suma, a fonte material do direito
é a realidade cultural humana e suas inerentes complexidades.

As fontes formais, por sua vez, consistem no modo como as normas jurídicas são
exteriorizadas 1 . Em outros termos, são os meios pelos quais o direito é revelado e

1
Parte da doutrina (v.g., Rubens Limongi França) entende que é mais adequado denominar as fontes
formais de “formas de expressão” do direito, já que a palavra “fonte” remete à ideia de “origem”;
“causa”; noção esta que diria respeito apenas às fontes materiais do direito. As “fontes formais” não
seriam a causa nem a origem das normas jurídicas, mas sim a forma pela qual estas se expressam, se
exteriorizam. Inclusive, parte dos editais de concurso elenca no conteúdo programático o item “Fontes
do direito”, enquanto outros elencam a nomenclatura “Formas de expressão do direito”, o que pode
sinalizar a preferência doutrinária do examinador (informação que pode ser relevante para provas
discursivas/orais).
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manifestado.

Conforme o art. 4º da Lei de Introdução, são fontes formais do direito a lei (em sentido
amplo, o que abrange também os decretos, instruções normativas, portarias, etc.), a analogia,
os costumes e os princípios gerais do direito. Classicamente, essas são as quatro fontes formais
elencadas nos manuais de Direito Civil, cujas peculiaridades veremos adiante.

A jurisprudência, os precedentes e as súmulas conformam aquilo que pode ser chamado


de direito judicial – são instrumentos que veiculam entendimentos do Poder Judiciário acerca
de normas jurídicas. No estudo das fontes do direito, é controverso o reconhecimento dessas
figuras enquanto fontes formais, sobretudo em razão de o Brasil ser um país de tradição jurídica
civil law, em que a lei é historicamente tida como fonte principal do direito.

Independentemente da classificação doutrinária, é de se destacar que a Súmula


Vinculante e os precedentes exarados pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle
concentrado de constitucionalidade possuem eficácia vinculante e erga omnes (arts. 103-A e
102, §2º, da CF), o que lhes garantem peso normativo semelhante ao de uma lei. O direito
judicial também teve sua importância bastante acentuada com o advento do CPC/2015, que
consagrou um rol de precedentes obrigatórios (art. 927 do CPC), num movimento de
aproximação da nossa cultura jurídica com a tradição angloamericana do common law.

Não obstante, segue controverso o reconhecimento da jurisprudência e dos precedentes


enquanto fontes formais do direito.

Em razão de suas peculiaridades, a jurisprudência e a doutrina são classificadas por


parte dos civilistas como fontes não formais do direito, significando que elas influenciam o
modo como são interpretadas e aplicadas as fontes formais. Conforme essa classificação, as
orientações provenientes dos tribunais e da comunidade dos estudiosos do Direito não
veiculam normas jurídicas per si (característica das fontes formais), mas contribuem para sua
construção.

Dessa forma, esquematizando:

Realidade cultural humana:


Fontes
fenômenos sociais, econômicos,
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Materiais científicos, tecnológicos; moral,


religião, dentre outros.

• Lei
Fontes • Analogia
Formais • Costumes
• Princípios gerais do direito

Fontes não • Jurisprudência


formais • Doutrina

A LEI

Noções gerais

Dentre as fontes formais do direito (ou formas de expressão do direito), a lei é a


protagonista nos ordenamentos jurídicos de tradição romano-germânica (civil law), sendo
denominada, por alguns civilistas, de fonte primária, imediata e principal do direito, sendo as
demais consideradas secundárias, mediatas e acessórias.

De fato, a principal ocupação da LINDB é justamente a lei: suas normas disciplinam o


modo como esta é interpretada, integrada e aplicada no espaço e no tempo, dentre outros
assuntos relacionadas a esta fonte do direito.

A lei pode ser conceituada como o ato elaborado pelo Poder Legislativo no exercício de
sua atividade típica, ordinariamente promulgada pelo Chefe do Executivo, com intuito de
estabelecer normas sobre o convívio humano ou sobre a ordem político-econômico-social.

Em sentido estrito, a lei compreende os atos enumerados no art. 59, II, III e IV, da
Constituição Federal: leis complementares, leis ordinárias e leis delegadas. A expressão “lei”
tomada em sentido amplo abarca também as medidas provisórias, decretos, instruções
normativas, resoluções, portarias e regulamentos em geral.
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Segundo FLÁVIO TARTUCE e CARLOS ROBERTO GONÇALVES, a lei possui 5 (cinco)


características básicas:

a) Generalidade/abstração: a norma jurídica dirige-se a todos os cidadãos, sem


qualquer distinção, tendo eficácia erga omnes. O seu comando é abstrato, não
podendo ser endereçada apenas a uma determinada pessoa;
b) Imperatividade: a norma jurídica é um imperativo, impondo deveres e condutas
para os membros da coletividade. Quando exige uma ação, impõe; quando quer
uma abstenção, proíbe;
c) Autorizante: o conceito contemporâneo da norma jurídica possui uma ideia de
“autorizamento”, de modo que a norma autoriza ou não autoriza determinada
conduta. É o fato de ser autorizante que distingue a norma legal das demais
normas éticas;
d) Permanência: a lei perdura até que seja revogada por outra ou perca a eficácia.
Algumas normas legais, entretanto, são temporárias, destinadas a viger apenas
durante certo período, como as que constam das disposições transitórias e as leis
orçamentárias;
e) Emanação de autoridade competente: a norma legal, para valer contra todos,
deve emanar de autoridade competente, com respeito ao processo de
elaboração.

Assentadas essas primeiras noções conceituais acerca da lei enquanto forma de


expressão do direito, cumpre ingressar no exame de sua disciplina à luz da doutrina e,
principalmente, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Vigência, revogação e repristinação


Antes de produzir seus efeitos, a lei passa pelos processos de elaboração, promulgação
e publicação.

A elaboração consiste na observância do processo legislativo previsto na Constituição


Federal e, no caso dos estados-membros e dos municípios, nas respectivas Constituições
Estaduais e Leis Orgânicas. Assim, o embrião da lei (projeto de lei) deve ser primeiramente
submetido ao crivo democrático, realizado de acordo com as regras procedimentais
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estabelecidas pelo constituinte.

Uma vez aprovado o projeto de lei, conforme o quorum aplicável à espécie (maioria
simples, no caso da lei ordinária; absoluta, no caso da lei complementar), aquele é enviado ao
Chefe do Executivo, que, em não sendo o caso de veto, promulgá-lo-á, transformando-o em lei.
A promulgação é o ato de declaração da existência da lei – é a certidão de nascimento da lei.

Embora a lei passe a existir formalmente a partir da promulgação, a produção de seus


efeitos depende de sua publicação, que é o ato oficial de comunicação do conteúdo da lei aos
seus destinatários. Nesse sentido, cumpre transcrever e analisar o art. 1º da LINDB:

Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar


em todo o país quarenta e cinco dias depois de
oficialmente publicada.
§1º Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei
brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de
oficialmente publicada.
§2º (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009).
§3º Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova
publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo
deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a
correr da nova publicação.
§4º As correções a texto de lei já em vigor consideram-se
lei nova.

Conforme o caput do dispositivo, a lei entra em vigor após 45 dias contados da data de
sua publicação – 3 meses no caso de aplicação em território estrangeiro. “Vigor” significa
imperatividade, força vinculante. O período compreendido entre a publicação da lei e o início
de seu vigor é denominado vacatio legis, e sua razão de ser é dar tempo aos destinatários da
norma para que tomem ciência do conteúdo normativo e possam se adaptar às mudanças
operadas pela nova lei. A vacatio legis, portanto, é instituto intimamente relacionado ao
princípio da segurança jurídica.
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É obrigatória a previsão de um período de vacância da lei? Como regra geral, não.


Conforme a letra do art. 1º da LINDB, haverá vacatio legis de 45 dias “salvo disposição
contrária”. Deste modo, é possível e, inclusive, corriqueira, a edição de leis que começam a
vigorar a partir da data de sua publicação, conforme previsão expressa geralmente contida ao
final do diploma.

Todavia, conforme observam CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD, “quanto maior


a repercussão da lei, maior deverá ser o período de vacatio legis. (...) a cláusula ‘entra em vigor
na data de sua publicação’ é restrita às normas legais de pequena repercussão. Logo, uma lei
de grande repercussão social precisa de um período mais longo. Daí a razão pela qual a Lei n.º
10.406/02 – o nosso Código Civil – teve uma vacatio legis de um ano”. Nessa mesma linha
dispõe a Lei Complementar nº 95/98, que regulamenta temas afetos à elaboração das leis,
dentre os quais a vacatio legis:

Art. 8º A vigência da lei será indicada de forma expressa e


de modo a contemplar prazo razoável para que dela se
tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra
em vigor na data de sua publicação" para as leis de
pequena repercussão.
§ 1º A contagem do prazo para entrada em vigor das leis
que estabeleçam período de vacância far-se-á com a
inclusão da data da publicação e do último dia do prazo,
entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação
integral.
(...)

Assim, à luz do art. 8º da LC 95/98 é correto defender que leis complexas e que
promovam extensas alterações normativas, de difícil adaptação por parte dos destinatários,
devem possuir uma vacatio legis adequada para que os indivíduos potencialmente afetados
possam tomar providências para se ajustar às mudanças.

Além disso, nota-se que o art. 8º da LC 95/98 prevê, em seu § 1º, que o prazo de
contagem da vacatio legis deve ser contabilizado com a inclusão da data da publicação e,
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também, do último dia do prazo. Excepciona-se, aqui, a regra geral do art. 132 do Código Civil
(“Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do
começo, e incluído o do vencimento”).

O art. 1º da LINDB se aplica às emendas constitucionais? Não. Salvo disposição em


contrário constante da própria emenda, a inovação constitucional entra vigor no momento da
publicação do texto. A doutrina conceitua como vacatio constitutionis esse interregno. A CF/88
adotou a vacatio constitutionis? Como regra, não. A única exceção que consta do texto
constitucional de 1988 está prevista no art. 34 do ADCT2 - que trata de parte do sistema
tributário nacional3.

Ultrapassado o período de vacatio legis, a lei entra em vigor, ou, em outras palavras,
tem iniciada sua vigência. É comum ver as palavras vigor e vigência utilizadas como se
sinônimos fossem. No entanto, vigência diz respeito ao tempo de duração da lei – é um
conceito relacionado ao aspecto temporal. Já o vigor diz respeito à força vinculante da lei –
conceito relacionado à imperatividade.

Assim, a vigência de uma lei acaba no momento em que ela é revogada – sua duração
chega ao fim. Não obstante, a lei revogada continuará disciplinando atos jurídicos perfeitos
praticados sob sua égide, de modo que, em relação a estes, ainda terá vigor. Veja que nessa
hipótese a lei possui vigor, embora não esteja mais vigente – este, aliás, é o conceito de
ultratividade.

Voltando ao art. 1º da Lei Introdutória, ressalte-se que “a lei começa a vigorar em todo o
país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”. O dispositivo consagra o princípio
da obrigatoriedade simultânea, também denominado de princípio da vigência sincrônica,
segundo o qual a lei começa a vigorar exatamente no mesmo momento em toda a extensão do
território nacional, sem qualquer distinção entre as diversas regiões do país – no passado,
distinções desta espécie existiam, de modo que eram estipulados períodos de vacatio legis
diferentes para cada região do país.

2
Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da
promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº
1, de 1969, e pelas posteriores.
3 Disponível em: https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/80796/que-se-entende-por-vacatio-constitutionis-ariane-
fucci-wady. Acesso em 14/03/22.
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Tratando das modificações realizadas em lei já publicada, a LINDB estabelece que


correções formais no texto legal (erros gramaticais, etc.) podem ser realizadas dentro do
período de vacatio legis, sem necessidade de elaboração de nova lei. Nesta hipótese, deverá
haver o reinício do prazo de vacância em relação aos dispositivos que foram
corrigidos/alterados (somente a parte retificada se submete a novo período de vacância). Por
outro lado, se o prazo de vacatio legis já se ultimou, qualquer alteração no texto da lei, ainda
que para corrigir erros de linguagem, deverá ser realizada por meio de nova lei formal
alteradora (art. 1º, § 4º, da LINDB).

Avançando no estudo da vigência da lei, ressalte-se o princípio da continuidade,


segundo o qual a lei, salvo circunstâncias especiais, possui caráter permanente e vige por
tempo indeterminado, continuando vigente até que seja revogada por outra lei. CARLOS
ROBERTO GONÇALVES elenca hipóteses que excepcionam o princípio da continuidade, nas quais
a lei perde sua vigência independentemente do advento de outra lei revogadora:

a) Advento do termo fixado para sua duração: Trata-se das leis de vigência
temporária (leis temporárias). Alguns diplomas legais, por sua própria natureza,
são destinados a viger apenas durante certo período, como as disposições
transitórias e as leis orçamentárias. O tempo de duração pode também vir
prefixado no próprio texto da lei.
b) Implemento de condição resolutiva: A lei perde sua vigência em virtude de
condição quando se trata de lei especial vinculada a uma situação determinada,
como ao período de guerra, por exemplo, estando sujeita a uma condição
resolutiva, qual seja, o término desta.
c) Consecução de seus fins: Cessa a vigência da lei destinada a determinado fim
quando este se realiza. Assim, por exemplo, a que concedeu indenização a
familiares de pessoas envolvidas na Revolução de 1964 perdeu sua eficácia no
momento em que as indenizações foram pagas.

Em todos esses casos a lei perde sua vigência sem ser revogada por outra –
excepcionando-se, portanto, o princípio da continuidade. A cessação da vigência da lei por
motivo outro que não seja a revogação denomina-se caducidade. Como visto acima, a lei pode
caducar em razão do advento de seu termo de duração, do implemento de condição resolutiva
ou da consecução de seus fins.
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Por outro lado, diferentemente do que ocorria no direito romano, não se admite no
direito pátrio que a lei caduque em razão do desuso. Os usos e costumes não possuem o
condão de revogar ou tolher a vigência da lei, circunstância que é denominada por parte da
doutrina de princípio da supremacia da lei sobre os costumes. Em outra denominação, a
doutrina fala também em inadmissibilidade do desuetudo (“desuetudo” é uma expressão de
origem latina que agrega a ideia de revogação da lei em razão do costume negativo ou do
desuso).

A supremacia da lei sobre os costumes possui estreita relação com o princípio da


continuidade da lei, o qual, como já visto, prega que a lei é concebida para viger
indeterminadamente até ser revogada por outra. Trata-se de diretriz consagrada no art. 2º da
LINDB, que disciplina o instituto da revogação:

Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá


vigor até que outra a modifique ou revogue.
§1º A lei posterior revoga a anterior quando
expressamente o declare, quando seja com ela
incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de
que tratava a lei anterior.
§2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou
especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica
a lei anterior.
§3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se
restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

Revogação é a cessação da vigência da lei causada pelo advento de outra norma legal.
No conceito de MARIA HELENA DINIZ, revogar consiste em “tornar sem efeito uma norma,
retirando sua obrigatoriedade. Revogação é um termo genérico, que indica a ideia da cessação
da existência da norma obrigatória”.

A revogação pode ser total (ab-rogação) ou parcial (derrogação). Ab-rogar uma lei
significa revogá-la por completo (ex.: art. 2.045 do CC, primeira parte), ao passo que derrogar
uma lei significa revogar apenas uma parte de suas normas, mantendo em vigência as demais
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(exemplo: art. 2.045 do CC, segunda parte):

Art. 2.045. Revogam-se a Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de


1916 - Código Civil (ab-rogação do CC/1916) e a Parte
Primeira do Código Comercial, Lei n o 556, de 25 de junho
de 1850 (derrogação do Código Comercial).

Conforme previsto no art. 2º da LINDB, anteriormente transcrito, há duas espécies de


revogação:

I. Revogação expressa: ocorre quando a lei posterior revogadora faz menção


expressa às normas que pretende revogar, a exemplo do que se verifica do art.
2.045 do Código Civil;
II. Revogação tácita: ocorre em duas situações: a) quando a lei posterior trouxer
normas incompatíveis com a anterior; ou b) quando regular inteiramente a
matéria de que tratava a anterior.

A revogação expressa favorece a segurança jurídica, eis que o legislador busca de


antemão esclarecer o impacto do diploma legal sobre as leis anteriores que versem sobre o
mesmo tema, conferindo maior certeza aos indivíduos acerca do panorama normativo vigente
após a entrada em vigor da nova lei.

Por outro lado, a revogação tácita pressupõe o exame por parte dos destinatários da
norma e intérpretes acerca da interação entre a lei posterior e as leis anteriores, no intuito de
verificar se entre ambas há incompatibilidades.

Aqui se insere o estudo das antinomias jurídicas, que se relaciona com o fenômeno da
revogação tácita, embora com este não se confunda. No conceito de FLÁVIO TARTUCE,
“antinomia é a presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade
competente, sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso
concreto (lacunas de colisão)”.

Havendo incompatibilidade entre duas normas, poderá se concluir pela revogação tácita
de uma pela outra ou pelo afastamento episódico (somente em relação ao caso concreto) de
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uma delas. Deste modo, veja que a antinomia nem sempre conduz ao fenômeno da revogação
tácita, pois o conflito entre as normas pode ser resolvido pela delimitação do âmbito de
aplicação de cada uma, hipótese em que ambas as normas legais conviverão harmonicamente.
Daí porque, efetivamente, antinomia jurídica e revogação tácita não se confundem.

Não é sempre verdadeiro, portanto, o brocardo de que a “lei especial revoga a lei geral”.
Verificada antinomia (conflito) entre norma geral e norma especial, a solução pode ser o
simples afastamento de uma delas perante o caso concreto, não havendo óbice para que ambas
subsistam no ordenamento, cada uma regendo matérias distintas. Nesse sentido é o art. 2º, §
2º, da LINDB: “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes,
não revoga nem modifica a lei anterior”.

A solução do conflito entre normas jurídicas (colisão) se dá por meio da utilização dos
três metacritérios jurídicos clássicos construídos por Norberto Bobbio:

I. Critério cronológico: norma posterior prevalece sobre a anterior;


II. Critério da especialidade: norma especial prevalece sobre a geral;
III. Critério hierárquico: norma superior prevalece sobre a inferior.

Os metacritérios estão acima enumerados em ordem crescente de força, de modo que o


critério cronológico é considerado o mais fraco, o da especialidade é o intermediário e o critério
hierárquico é o mais forte. Daí resulta, por exemplo, que eventual incompatibilidade entre uma
lei ordinária e a Constituição Federal será sempre resolvida em favor desta última,
independentemente de a primeira ter sido editada posteriormente, eis que as normas
constitucionais se situam no topo da hierarquia do ordenamento jurídico (princípio da
supremacia da Constituição).

As antinomias jurídicas são objeto, ainda, de duas classificações doutrinárias


importantes. Na lição de FLÁVIO TARTUCE, a primeira classificação é baseada na quantidade de
metacritérios envolvidos no conflito entre as normas:

I. Antinomia de 1º Grau: conflito de normas que envolve apenas um dos


metacritérios anteriormente expostos;
II. Antinomia de 2º Grau: choque de normas válidas que envolvem dois dos
metacritérios analisados.
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A segunda classificação diz respeito à possibilidade ou não de solução, mediante a


utilização dos metacritérios de solução do conflito normativo:

a) Antinomia aparente: situação que pode ser resolvida de acordo com os


metacritérios antes expostos;
b) Antinomia real: situação que não pode ser resolvida de acordo com os
metacritérios antes expostos.

Todos os casos de antinomia de 1º grau são aparentes, pois podem ser resolvidos
mediante a aplicação de um dos metacritérios elencados por Norberto Bobbio. Assim, o conflito
entre norma legal posterior e anterior é solucionado pelo critério cronológico (prevalece a
posterior); o conflito entre norma geral e especial é solucionado pelo critério da especialidade
(prevalece a especial) e o conflito entre norma inferior e superior é solucionado pelo critério da
hierarquia (prevalece a superior).

No caso das antinomias de segundo grau, é necessário levar em consideração a já


mencionada força dos critérios. Assim, observa FLAVIO TARTUCE que “quando se tem um
conflito de uma norma especial anterior e outra geral posterior, prevalecerá o critério da
especialidade, prevalecendo a primeira norma”. Assim ocorre porque o critério da especialidade
é mais forte do que o critério cronológico. Nessa hipótese, portanto, haverá uma antinomia de
segundo grau (há dois metacritérios envolvidos = cronológico + especialidade) aparente
(solucionável mediante aplicação do critério da especialidade).

COMO O ASSUNTO JÁ FOI COBRADO EM CONCURSOS?


Na prova CEBRASPE (CESPE), para Procurador do Estado do Piauí, realizada em 2014, foi
considerada errada a seguinte assertiva (adaptada):

“Na situação em que uma lei anterior e especial esteja em confronto com outra lei geral
posterior, tem-se uma antinomia de primeiro grau, perfeitamente solucionável com as
regras previstas na LINDB.”

A antinomia descrita no enunciado é de 2º grau, pois envolve mais de um metacritério


(cronológico e da especialidade).
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Outra hipótese de antinomia de segundo grau aparente é a de colisão entre norma


posterior inferior e norma anterior superior. É o exemplo da hipótese, antes mencionada, de lei
editada após a Constituição, com esta incompatível. A antinomia será de segundo grau porque
envolverá dois metacritérios (cronológico + hierárquico) e será aparente porque resolvida
mediante aplicação de um deles (hierárquico).

O caso de antinomia real apontado pela doutrina é o de colisão entre norma superior
geral e norma inferior especial. Ou seja: a antinomia real ocorre quando se encontram
opostos, de forma combinada, os metacritérios da hierarquia e da especialidade, hipótese em
que o conflito nem sempre pode ser solucionado com base em tais referenciais. Nesses casos,
qual caminho deve o intérprete adotar para solucionar o conflito normativo?

Ainda que possua caráter geral, em regra, a norma superior deverá prevalecer sobre a
especial, em razão da teoria do ordenamento jurídico e do escalonamento hierárquico das
normas (pirâmide kelseniana), em função do qual as normas inferiores retiram seu próprio
fundamento de validade das normas superiores. Assim, a prevalência de uma norma especial de
lei ordinária em face de uma norma geral constitucional, por exemplo, só poderia ocorrer em
caráter excepcionalíssimo, e desde que fundamentada numa terceira norma também de
estatura constitucional, tal como o princípio da isonomia. Nesse sentido são as palavras de
MARIA HELENA DINIZ:

No conflito entre o critério hierárquico e o de especialidade, havendo


uma norma superior-geral e outra norma inferior especial, não será
possível estabelecer uma metarregra geral, preferindo o critério
hierárquico ao da especialidade ou vice-versa, sem contrariar a
adaptabilidade do direito. (...) Todavia, segundo Bobbio, dever-se-á
optar, teoricamente, pelo hierárquico; uma lei constitucional geral
deverá prevalecer sobre uma lei ordinária especial, pois se se admitisse o
princípio de que uma lei ordinária especial pudesse derrogar normas
constitucionais, os princípios fundamentais do ordenamento jurídico
estariam destinados a esvaziar-se, rapidamente, de seu conteúdo. Mas,
na prática, a exigência de se adotarem as normas gerais de uma
Constituição a situações novas levaria, às vezes, à aplicação de uma lei
especial, ainda que ordinária, sobre a Constituição. A supremacia do
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critério da especialidade só se justificaria, nessa hipótese, a partir do


mais alto princípio da justiça: suum cuique tribuere, baseado na
interpretação de que ‘o que é igual deve ser tratado como igual e o que
é diferente, de maneira diferente’. Esse princípio serviria numa certa
medida para solucionar antinomia, tratando igualmente o que é igual e
desigualmente o que é desigual, fazendo as diferenciações exigidas
fática e valorativamente.

Assim, a regra é que, havendo colisão entre norma superior geral e norma inferior
especial, a primeira deverá prevalecer (com base na teoria do ordenamento jurídico e do
princípio da supremacia da Constituição). Todavia, é possível que haja dificuldades de solução
do conflito por meio da simples aplicação do metacritério hierárquico, hipótese em que,
conforme a doutrina, a antinomia real pode ser solucionada com fundamento no princípio da
isonomia e, também, com base no princípio da máxima justiça, este, inclusive, fundamentado
no art. 5º da LINDB:

Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a


que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Visualize-se abaixo, para fins de memorização, as antinomias consideradas aparentes e


real:

APARENTES REAL

• Todas as antinomias de 1º grau (que


envolvem apenas um metacritério); • Inferior especial x superior geral
• Posterior geral x inferior especial (especialidade + hierárquico)
(cronológico e especialidade);
• Posterior inferior x anterior superior
(cronológico e hierárquico)
Resolução por meio da aplicação de
princípios como o da isonomia e da
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Resolvem-se pela aplicação do máxima justiça. Em muitos casos, porém,


metacritério mais forte deverá prevalecer a norma superior, em
razão da Supremacia da Constituição

Ultimando o estudo da vigência e da revogação da norma legal, resta salientar que não
se aceita no ordenamento pátrio, como regra, o fenômeno da repristinação. Repristinar
significa restaurar, restabelecer. A repristinação é o retorno da vigência de uma lei revogada
em razão da revogação da lei que a revogou. Tal fenômeno só se admite quando
expressamente previsto na lei revogadora, de modo que é absolutamente vedada a
repristinação tácita.

A matéria é disciplinada pelo art. 2º, § 3º, da LINDB, a seguir transcrito:

Art. 2º (...)
§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se
restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

Exemplificando, suponha que a Lei “A” seja revogada pela Lei “B”. Imagine ainda que
esta última, posteriormente, venha a ser revogada pela Lei “C”. Nessa situação, o simples fato
de a Lei “B” ter sido revogada não acarreta a restauração da vigência da Lei “A”, eis que, como
visto, não se admite a repristinação tácita. A Lei “A” só teria sua vigência restaurada se a Lei “C”
assim o dispusesse expressamente.

Por fim, não se pode confundir repristinação com efeito repristinatório. A


repristinação, como visto, é fenômeno inerente à revogação das leis, sendo vedado em regra
(admitido somente quando expressamente previsto na lei revogadora). O efeito repristinatório,
por sua vez, é fenômeno inerente ao controle abstrato de constitucionalidade das normas
jurídicas, as quais, tendo sido pronunciadas nulas, são retiradas do mundo jurídico desde sua
origem.

Uma vez que a declaração de inconstitucionalidade em controle abstrato nulifica a


norma legal desde seu nascedouro, os efeitos por ela produzidos são também reputados
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inválidos e extirpados do mundo jurídico. Disto resulta que as normas revogadas por uma lei
declarada inconstitucional em sede de controle abstrato têm sua vigência restabelecida a
partir da respectiva declaração, nisto consistindo o efeito repristinatório (também chamado de
repristinação oblíqua ou indireta).

Ao contrário da repristinação, o efeito repristinatório das decisões tomadas em controle


abstrato de constitucionalidade é regra no nosso ordenamento jurídico. Só não ocorrerá
quando o STF expressamente modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, por
razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social (art. 27 da Lei nº 9.868/99).
Segue abaixo quadro-resumo das distinções:

REPRISTINAÇÃO EFEITO REPRISTINATÓRIO

• Fenômeno relacionado à • Relacionado ao controle abstrato


revogação das leis; de constitucionalidade;

• Como regra, é vedado; • Como regra, é admitido;

• Pode ser admitido mediante • Pode ser afastado pelo STF


previsão expressa na lei mediante modulação dos efeitos
revogadora. da decisão.

Dentro desse contexto, cumpre ainda destacar o conceito trazido por MARCELO
NOVELINO de efeito repristinatório indesejado4, que ocorre “quando a lei revogada também
for eivada do vício de inconstitucionalidade, faz-se necessária a formulação de pedidos
sucessivos de declaração de inconstitucionalidade, tanto do diploma ab-rogatório quanto das
normas por ele revogadas. Caso a norma anterior não seja impugnada, a ADI não será
conhecida.”

Obrigatoriedade das leis


Uma vez publicada a lei e ultrapassado o respectivo período de vacatio legis (se houver),
a norma legal torna-se obrigatória para todos os seus destinatários, indistintamente. Conforme
4
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Declaração de inconstitucionalidade de lei sem a produção de efeito
repristinatório em relação às leis anteriores de mesmo conteúdo. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível
em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/2e6d9c6052e99fcdfa61d9b9da273ca2>.
Acesso em: 18/03/2022
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mencionado anteriormente, uma das principais razões que justificam o período de vacância da
lei é a de dar tempo aos indivíduos para que tomem conhecimento do conteúdo das normas
legais.

Todavia, é certo que não há como os particulares acompanharem toda a produção


legislativa do país, que é simplesmente gigantesca. Atos legislativos são editados
diuturnamente, sendo impossível que um cidadão consiga se manter a par de todas as leis
publicadas nos três níveis da federação (União, Estados-membros e Municípios, além do Distrito
Federal).

Nesse cenário, o princípio da obrigatoriedade da lei informa que a norma legal vincula
o indivíduo independentemente de ser por este conhecida. Assim, ninguém pode se escusar de
cumprir a lei alegando que não a conhece (art. 3º da LINDB).

A importância dessa diretriz está diretamente relacionada com a segurança jurídica, na


medida em que o ordenamento jurídico perderia sua imperatividade se se admitisse que suas
normas fossem relativizadas toda vez que alguém alegasse ignorá-las. Nas palavras de
CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD:

Não fosse o princípio da obrigatoriedade das leis, haveria um iminente


perigo de desagregação e insegurança social, porque qualquer pessoa
poderia ser perdoada pelo descumprimento da norma legal. Neutraliza-
se, assim, a ignorância ao texto legal, fazendo com que ninguém possa
alegar o seu desconhecimento.

Uma vez que esta situação é peculiar do ponto de vista lógico-filosófico (a possibilidade
do indivíduo dever obediência a comandos cujo teor não conhece), surgiu na doutrina a
necessidade de se justificar a circunstância de as leis vincularem os indivíduos
independentemente de fato de serem ou não conhecidas. Nesse sentido, há três teorias que
buscam fundamentar o princípio da obrigatoriedade da lei, assim resumidas por Carlos Roberto
Gonçalves:

a) Teoria da presunção legal: presume que a lei, uma vez publicada, é conhecida
por todos. É criticada por basear-se numa notória inverdade;
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b) Teoria da ficção legal: considera tratar-se de uma hipótese de ficção, e não de


presunção – o que também, em verdade, não ocorre;
c) Teoria da necessidade social: sustenta que a lei é obrigatória por elevadas razões
de interesse público, ou seja, para garantir a eficácia global do ordenamento
jurídico, que ficaria comprometida caso a alegação de seu desconhecimento
pudesse ser aceita. Esta é a teoria mais aceita.

O princípio da obrigatoriedade das leis repercute na esfera processual, implicando na


desnecessidade, em regra, de os litigantes fazerem prova da existência ou da vigência das
normas legais com base nas quais fundamentam seus pleitos. Com efeito, vigora a máxima iura
novit curia (o juiz conhece o direito), bastando às partes fornecer os fatos relevantes para que o
juiz identifique e aplique a norma jurídica pertinente. Excepciona-se desta regra o direito
estadual, municipal, estrangeiro ou consuetudinário, cuja vigência deve ser provada pela parte a
quem aproveite, se o juiz assim determinar (art. 376 do CPC).

No mais, ressalte-se que o princípio da obrigatoriedade não é absoluto, comportando


exceções. O ordenamento prevê algumas hipóteses em que a alegação de ignorância da norma
jurídica produz efeitos válidos, a exemplo do disposto no art. 138 e 139, III, do Código Civil:

Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as


declarações de vontade emanarem de erro substancial
que poderia ser percebido por pessoa de diligência
normal, em face das circunstâncias do negócio.
Art. 139. O erro é substancial quando:
(...)
III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação
da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.

Assim, nos termos da legislação acima transcrita, o erro de direito pode ser invocado
como fundamento para a invalidação do negócio jurídico, desde que o agente esteja de boa-fé e
a ignorância da lei tenha sido a causa determinante para a celebração da avença.

Exemplificando a norma em comento, CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD citam


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a hipótese da pessoa que compra um terreno com o propósito de nele construir uma casa, sem
saber, porém, que a área em questão foi considerada non aedificandi (nas quais é proibido
construir) por força de lei municipal, que era desconhecida do adquirente. Neste exemplo,
haveria um erro de direito, que poderia ser arguido pelo comprador para anular o contrato de
compra e venda.

Outra mitigação do princípio da obrigatoriedade das leis, em que a ignorância da norma


jurídica pode ser eficazmente alegada, diz respeito ao reconhecimento do casamento putativo
(art. 1.561 do Código Civil), autorizando o juiz a emprestar efeitos diversos a um casamento que
em tese seria nulo, desde que os cônjuges tenham agido de boa-fé. Exemplo é a hipótese de
irmãos que, embora saibam que são parentes, contraem matrimônio sem ter ciência da norma
legal que proíbe o casamento entre irmãos.

Ademais, conforme mencionado no início deste material, a LINDB veicula normas


jurídicas de sobredireito, regulamentando matérias afetas à Teoria Geral do Direito – que vão
além, portanto, dos limites do Direito Civil. Assim, o princípio da obrigatoriedade das leis – que
se aplica não apenas em relação às normas legais de direito civil, mas a todas as normas legais –
encontra mitigações também em outras searas do Direito, a exemplo do que dispõe o art. 8º
da Lei de Contravenções Penais e o Art. 21 do Código Penal, ambos a seguir transcritos,
respectivamente:

Art. 8º No caso de ignorância ou de errada compreensão


da lei, quando escusáveis, a pena pode deixar de ser
aplicada.

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro


sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se
evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

Interpretação das leis


Interpretar a lei significa revelar o conteúdo e o alcance da norma jurídica. Portanto,
interpretação legal consiste na atividade pela qual se atribui sentido ao texto da lei, dele se
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extraindo a norma jurídica. Perceba-se que o enunciado legal (o texto do dispositivo) não se
confunde com a norma jurídica: esta é o resultado da interpretação daquele.

Exemplificando, do art. 121 do Código Penal, extrai-se a norma jurídica de que é proibido
matar, embora o enunciado daquele dispositivo não seja redigido nesses exatos termos:

Art. 121. Matar alguém:


Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Nessa toada, pode-se dizer que não há normas jurídicas em estado “pré-
interpretativo”. No caso da lei, somente após a interpretação de seus enunciados as normas
jurídicas se revelam perante seus destinatários. Em alguns casos, o texto pode ser de fácil
interpretação, não despertando dúvidas acerca de seu conteúdo ou alcance. Noutras hipóteses,
não raras, é necessário maior esforço por parte dos intérpretes, a fim de esclarecer qual sentido
deve ser extraído de determinado dispositivo legal.

Independentemente da pretensa clareza ou obscuridade do texto, entretanto, sempre


haverá interpretação. A crença de que seria possível a elaboração de leis absolutamente claras,
que pudessem ser simplesmente aplicadas de modo autômato pelo juiz, foi há muito
abandonada. Essa era a concepção da Escola da Exegese, contemporânea à Revolução Francesa,
cujos adeptos pregavam que os juízes, ao aplicarem o Código Civil de Napoleão, deveriam se
comportar como simples “bocas da lei” – meros repetidores do texto legal.

A doutrina moderna abandonou, inclusive, o velho brocardo romano segundo o qual in


claris cessat interpretatio (na clareza, não há interpretação). Isto porque tachar um texto de
“claro” só é possível após interpretá-lo. Qualquer juízo sobre a clareza ou obscuridade de um
enunciado linguístico só é possível após a leitura e interpretação do intérprete. Assim, muito
longe de ser um pressuposto negativo de interpretação, a clareza é, na realidade, o resultado de
um juízo de interpretação.

Ao se estudar a matéria da interpretação jurídica, é comum se deparar com a utilização


das palavras “interpretação” e “hermenêutica” como se fossem sinônimos. No entanto, ao
passo que a interpretação, como dito, consiste na atividade de determinar o conteúdo e alcance
da norma, a hermenêutica jurídica é o ramo do Direito que se ocupa do estudo da
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interpretação. A interpretação, portanto, é o objeto de estudo da hermenêutica.

Em se tratando da interpretação do direito, é importante frisar que todos os indivíduos


atuam como intérpretes das normas jurídicas. Não são apenas os exercentes de profissões
eminentemente jurídicas que interpretam as leis (advogados, promotores, delegados,
defensores públicos, juízes, etc.), mas sim todos os membros da sociedade, que buscam
conhecer as normas jurídicas para conduzir seus negócios e pautar seus comportamentos de
acordo com o direito.

No entanto, a palavra final acerca do sentido das normas jurídicas é dada pelo Poder
Judiciário, incumbido que é de prestar a atividade jurisdicional. Não custa lembrar, aliás, que a
palavra jurisdição tem origem etimológica na expressão romana juris dicere, que significa “dizer
o direito”. Assim, embora diversos atores da sociedade possam participar do debate
interpretativo acerca do conteúdo das normas jurídicas, será o Judiciário o intérprete final da
lei, responsável por atribuir-lhe o derradeiro sentido5.

Tratando de matéria ligada à interpretação, o art. 5.º da LINDB consagra a finalidade


teleológica e a função social (socialidade) da norma legal:

Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a


que ela se dirige e às exigências do bem comum.

CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD observam que o dispositivo acima pode ser
correlacionado, hoje em dia, com diversos vetores interpretativos estabelecidos pela
Constituição Federal, tais como a função social da propriedade, a solidariedade social, a
igualdade, a liberdade e a própria dignidade humana. Assim, a Constituição de 1988 imporia
uma concepção “socializada” do direito, que repercute especialmente na atividade
interpretativa, a qual, portanto, jamais pode desconsiderar os fins sociais almejados pela norma
jurídica.

Inspirado nesses novos ares teóricos, o legislador do CPC/2015 editou norma de


sobredireito que vai além do disposto no art. 5º da LINDB. É o art. 8º do CPC:

5
Missão que foi confiada especialmente aos órgãos jurisdicionais de superposição, nos termos do art.
102, III; e 105, III; da Constituição Federal.
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Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá


aos fins sociais e às exigências do bem comum,
resguardando e promovendo a dignidade da pessoa
humana e observando a proporcionalidade, a
razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

Assim, a dignidade da pessoa humana, a proporcionalidade e a razoabilidade foram


expressamente alçados à condição de vetores interpretativos, juntamente com valores
republicanos como o da publicidade e da eficiência, todos os quais devem ser observados pelo
juiz no momento de interpretar e aplicar a norma (além da necessidade de atender aos fins
sociais e às exigências do bem comum).

Outro importante parâmetro de interpretação é a boa-fé objetiva, conforme previsão do


art. 113 do Código Civil:

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados


conforme a boa-fé.

O dispositivo acima transcrito faz referência apenas à “boa-fé”, sem especificar que se
refere à boa-fé objetiva.

Como se sabe, distingue-se a boa-fé subjetiva da objetiva. A primeira diz respeito ao


estado de espírito do indivíduo: é um conceito de viés psicológico, ligado a dados internos do
sujeito. Já a boa-fé objetiva é compreendida sob uma perspectiva externa ao sujeito: é o
comportamento do indivíduo; sua conduta efetivamente adotada e observável. O art. 113, ao
aludir à boa-fé enquanto diretriz interpretativa, refere-se à boa-fé objetiva.

Além disso, em 2019, foram acrescentados outros parâmetros de interpretação do


negócio jurídico no Código Civil, a seguir expostos:

§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir


o sentido que:
I - for confirmado pelo comportamento das partes
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posterior à celebração do negócio;


II - corresponder aos usos, costumes e práticas do
mercado relativas ao tipo de negócio;
III - corresponder à boa-fé;
IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o
dispositivo, se identificável; e
V - corresponder a qual seria a razoável negociação das
partes sobre a questão discutida, inferida das demais
disposições do negócio e da racionalidade econômica das
partes, consideradas as informações disponíveis no
momento de sua celebração.
§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de
interpretação, de preenchimento de lacunas e de
integração dos negócios jurídicos diversas daquelas
previstas em lei.

No que tange à necessidade ou não de o intérprete levar em consideração o contexto


histórico de criação da lei, há duas grandes teorias acerca do melhor caminho a ser adotado
pelo intérprete, conforme explica CARLOS ROBERTO GONÇALVES:

a) Teoria subjetiva da interpretação (ou escola exegética): sustenta que o que se


pesquisa com a interpretação é a vontade do legislador expressa na lei. Tal
concepção não tem sido mais acolhida, pois, quando a norma é antiga, a
vontade do legislador originário geralmente está superada;
b) Teoria da interpretação objetiva: afirma que não é a vontade do legislador que
se visa, mas a vontade da lei, ou melhor, o sentido da norma. A lei, depois de
promulgada, separa-se de seu autor e alcança uma existência objetiva.

Assentadas essas noções acerca do fenômeno da interpretação, resta apenas abordar as


principais classificações consagradas na doutrina da hermenêutica jurídica.

A primeira classificação é realizada com base nos elementos utilizados pelo intérprete
para esclarecer a norma legal, também denominados meios de interpretação ou métodos
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interpretativos:

a) Interpretação gramatical (ou literal): realizada sob o ponto de vista linguístico,


analisando o texto normativo pelas regras gramaticais, a colocação das palavras
na frase, a origem etimológica, etc;
b) Interpretação lógica (ou racional): busca apurar o sentido e o alcance da norma
por meio de raciocínios lógicos, adotando regras indutivas e dedutivas de
pensamento. Visa eliminar incoerências e contradições do texto legal;
c) Interpretação histórica: considera como elemento interpretativo a origem do
texto interpretado e a evolução histórica do instituto, averiguando as
discussões do projeto de lei, votações e exposições de motivos, bem como as
circunstâncias que motivaram a criação da lei;
d) Interpretação teleológica (ou sociológica): norteia-se pela finalidade da norma
e busca adaptar a lei às exigências atuais e concretas da sociedade;
e) Interpretação sistemática: parte da ideia de que a norma legal não existe
isoladamente, devendo ser alcançado o seu sentido em consonância com as
demais normas que inspiram o ramo do Direito em questão.

Todos os elementos de interpretação (ou métodos) acima listados podem ser utilizados
de forma conjunta pelo intérprete, a fim de determinar o sentido e alcance da norma legal. Não
se trata de meios de interpretação isolados e estanques: a utilização de um não exclui a do
outro.

Quanto à origem da interpretação, isto é, aos agentes da interpretação, deve-se ter em


mente a seguinte classificação:

a) Autêntica: é a interpretação emanada do próprio órgão que editou o ato


normativo. Ocorre, por exemplo, quando o Poder Legislativo edita uma lei
veiculando normas interpretativas, com o propósito de esclarecer o sentido de
um ato normativo anterior;
b) Judicial ou jurisprudencial: é a interpretação realizada pelos juízes e tribunais,
no exercício da atividade jurisdicional. Dela advém a jurisprudência (coleção de
acórdãos que consagra um entendimento harmônico de um tribunal acerca de
determinada questão jurídica), a súmula (enunciado que deduz a jurisprudência
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de maneira sucinta, em forma de tese) e o precedente (decisão judicial que


influi no modo como devem ser decididos futuros casos essencialmente
semelhantes);
c) Doutrinária: é a interpretação realizada pela comunidade de estudiosos e
comentaristas acadêmicos do Direito.

Por fim, a última classificação a ser ressaltada diz respeito ao resultado da


interpretação, particularmente no que concerne ao alcance da norma afirmada pelo intérprete.
Quanto ao resultado, elencam-se as seguintes espécies de interpretação:

a) Declarativa: quando o intérprete objetiva aplicar a norma legal nos contornos


em que foi concebida em sua origem, sem diminuir ou ampliar seu sentido ou
alcance. Ocorre uma compreensão de que o texto legal corresponde ao
pensamento do legislador, e que este não disse mais, nem menos, do que
queria dizer;
b) Extensiva ou ampliativa: o intérprete conclui que o alcance da norma legal é
mais amplo do que indica o texto da lei, abrangendo implicitamente outras
situações. Nesse caso ocorre uma ampliação do alcance da norma, cujo âmbito
de incidência é elastecido6 (v. g., a doutrina cita que os direitos e garantias
fundamentais devem ser interpretados de modo ampliativo, de modo a dar
efetividade à proteção da pessoa humana);7
c) Restritiva: ocorre o inverso da interpretação extensiva, ou seja, o intérprete
limita o âmbito de aplicação da lei (v. g., devem ser interpretadas
restritivamente as normas que estabeleçam privilégios ou sanções, bem como
as normas restritivas de direitos).

Encerramos aqui este tópico acerca da interpretação da lei, seguindo, abaixo, quadro-
resumo sobre as três classificações acima mencionadas.

6
Não se confunde interpretação extensiva (ampliativa) com analogia. No primeiro caso ocorre um aumento do
alcance da norma: sua área de incidência é ampliada para abarcar hipóteses não previstas no texto legal. Na
analogia não há ampliação do alcance da norma legal, mas sim sua utilização com fim de integração jurídica, para
regulamentar uma hipótese que carece de norma própria.
7
Como exemplo de interpretação extensiva, podemos citar o Tema 296 da Repercussão Geral, onde o STF decidiu
que: É taxativa a lista de serviços sujeitos ao ISS a que se refere o art. 156, III, da Constituição Federal, admitindo-
se, contudo, a incidência do tributo sobre as atividades inerentes aos serviços elencados em lei em razão da
interpretação extensiva.
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PRINCIPAIS CLASSIFICAÇÕES DA INTERPRETAÇÃO DESCRIÇÃO

• Gramatical (ou literal)

Quanto aos elementos (meios ou • Lógica (ou racional)

métodos) • Histórica
• Teleológica (ou sociológico)
• Sistemática

• Autêntica

Quanto à origem (agente) • Judicial ou jurisprudencial


• Doutrinária

• Declarativa

Quanto ao resultado • Extensiva (ou ampliativa)


• Restritiva

Integração da norma jurídica


A lei é concebida e elaborada com o intuito de disciplinar a ordem das coisas: o modo
como deve funcionar a convivência humana, os negócios jurídicos, as instituições, enfim,
diversos temas políticos, culturais e sociais. No entanto, uma vez que o processo legislativo é
conduzido por seres humanos, os quais, por natureza, não têm como prever todas as hipóteses
fáticas capazes de emergir na realidade concreta, a lei constantemente acaba sendo omissa em
relação a diversos aspectos que deveriam (ou poderiam) ter sido regulados.

Nesse sentido, os diplomas legais não conseguem exaurir as matérias que constituem
seu objeto, isto é: a lei não veicula normas sobre absolutamente todas as particularidades que
dizem respeito aos assuntos que propõem regulamentar. Isto porque, como dito, a realidade é
por demais complexa e diversos detalhes escapam ao legislador no momento de elaboração da
lei. Além disso, a dinâmica social e tecnológica é muito mais veloz do que a legislativa, de modo
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que a lei frequentemente envelhece e fica em descompasso com o mundo dos fatos.

Surgem, nesse contexto, as lacunas da lei, que são as omissões do texto legal acerca de
matérias que deveriam ser por ele reguladas. No dizer de CARLOS ROBERTO GONÇALVES, a
lacuna consiste na “existência de situações não previstas de modo específico pelo legislador e
que reclamam solução por parte do juiz”.

FLÁVIO TARTUCE, mencionando a classificação de MARIA HELENA DINIZ, elenca as


seguintes espécies de lacunas:

a) Lacuna normativa: ausência total de norma prevista para um determinado caso


concreto;
b) Lacuna ontológica: presença de norma para o caso concreto, mas que esteja
em descompasso com a realidade fática e social, não tendo eficácia prática;
c) Lacuna axiológica: presença de norma para o caso concreto, mas cuja aplicação
seja injusta;
d) Lacuna de conflito ou antinomia: choque de duas ou mais normas válidas,
pendente de solução no caso concreto. Trata-se das antinomias, estudadas
anteriormente no tópico que tratou da vigência das leis.

COMO O ASSUNTO JÁ FOI COBRADO EM CONCURSOS?

Na prova CEBRASPE (CESPE), para Procurador do Estado do Piauí, realizada em 2014, foi
considerada errada a seguinte assertiva:

“A lacuna ontológica ocorre quando existe texto legal que soluciona uma situação
concreta, mas que contraria os princípios e os axiomas norteadores da própria ideia de
justiça.”A assertiva descreve o conceito de lacuna axiológica, esta sim relacionada com o
valor de justiça. A lacuna ontológica, por sua vez, é ocasionada pela existência de norma
que não possua eficácia social, pois perdeu a sintonia com a realidade fático-social.

Ressalte-se que há lacunas nas leis, não no ordenamento jurídico. Este é informado
pelos dogmas da integridade e da plenitude, pois prevê seus próprios mecanismos de
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autointegração, que suprem eventuais ausências de normas jurídicas. Assim, o ordenamento


jurídico não possui lacunas porque, uma vez verificadas, ato contínuo são colmatadas por
ferramentas de integração disponibilizadas pelo próprio ordenamento.

O fato de o ordenamento jurídico ser pleno fundamenta o princípio pelo o qual o juiz
não pode se eximir de decidir a lide sob o pretexto de que a lei é omissa ou obscura (art. 140 do
Código de Processo Civil8). Trata-se do princípio da vedação ao non liquet (o litígio deve ser
solucionado, deve ser “liquidado” – é proibida a “não decisão”). Assim, deparando-se com uma
lacuna legal o juiz deverá recorrer aos mecanismos de integração elencados no art. 4º da
LINDB:

Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de


acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais
de direito.

Logo, os meios de integração da norma jurídica são as ferramentas concebidas pelo


sistema para suprir as lacunas legais, sendo eles a analogia, os costumes e os princípios gerais
do direito, os quais serão adiante analisados individualmente.

Vale ressaltar que a doutrina majoritária9 entende que a ordem listada no art. 4º é
preferencial e taxativa, no sentido de que, ao se deparar com uma lacuna, o intérprete deve
primeiro tentar fazer uso da analogia, utilizando-se sucessivamente dos costumes e, por último,
se necessário, dos princípios gerais do direito. Parcela da doutrina critica essa concepção sob o
argumento de que os princípios gerais do direito não poderiam mais ser aplicados em caráter
de último recurso, considerando a concepção moderna dos princípios enquanto normas
jurídicas (sobretudo os princípios constitucionais). Esta controvérsia, no entanto, será logo
adiante analisada no subtópico próprio acerca dos princípios gerais do direito.

Analogia

No conceito de LUCIANO FIGUEIREDO e ROBERTO FIGUEIREDO, a analogia consiste na

8
Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.
Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei.
9
Nesse sentido, por exemplo, Silvio Rodrigues, Rubens Limongi França, Paulo Nader, Cristiano Chaves de Farias e
Nelson Rosenvald.
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aplicação, a um caso para o qual não há previsão legal, de uma norma tipificada para um fato
essencialmente semelhante (análoga). Assim, seriam requisitos para sua aplicação:

a) Falta de previsão legal para o fato, verificando-se uma lacuna legal;


b) Semelhança essencial entre o caso contemplado e o não contemplado em lei;
c) Identidade de fundamentos lógicos e jurídicos aplicáveis a ambas as situações.
A analogia se ampara na antiga parêmia romana de que “onde há a mesma
razão deve haver a mesma disposição” (ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis
dispositio).

Conforme já adiantado em nota de rodapé no tópico que tratou da interpretação


extensiva, a analogia não se confunde com aquela. Segundo FLÁVIO TARTUCE, na analogia,
rompe-se o limite de alcance da norma legal, que é utilizada para fins de integração do direito;
enquanto na interpretação extensiva ocorre mera ampliação do alcance da norma, para
abarcar uma hipótese que não consta expressamente no texto legal. No primeiro caso, a norma
é chamada a atuar fora de seu âmbito de incidência, enquanto ferramenta de integração; já na
segunda hipótese, a norma é regularmente aplicada mediante subsunção, havendo apenas um
esclarecimento de que o seu alcance é maior do que o texto legal faz supor (o legislador disse
menos do que deveria).

Importante ressaltar, ainda, que a analogia é objeto da seguinte classificação


doutrinária:

a) Analogia legal ou legis: aplicação de uma norma legal, individualizada, ao


caso semelhante que não possui regulamentação legal própria. LUCIANO
FIGUEIREDO e ROBERTO FIGUEIREDO mencionam, como exemplo, a
possibilidade de aplicação analógica da revisão do contrato, prevista no instituto
da lesão (art. 157, § 2º, do CC), ao estado de perigo (art. 156), o qual não tem tal
possibilidade consignada expressamente no texto legal10;
b) Analogia jurídica ou juris: aplicação de um conjunto de normas – e não
apenas uma em particular –, dele se extraindo elementos que possibilitem a

10
Enunciado 148 do Conselho da Justiça Federal: Ao "estado de perigo" (art. 156) aplica-se, por analogia,
o disposto no § 2º do art. 157.
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analogia. A integração da norma legal é realizada por meio de um raciocínio


analógico sistemático.
Costumes

No conceito fornecido por CARLOS ROBERTO GONÇALVES, o costume é a “prática


uniforme, constante, pública e geral de determinado ato, com a convicção de sua
necessidade”. Deste modo, o costume, enquanto fonte formal do direito e ferramenta de
integração da norma legal, seria composto por dois elementos:

• Reiteração de um comportamento (elemento externo ou material);


• Convicção de sua obrigatoriedade por parte dos indivíduos de determinado
seio social (elemento interno ou psicológico).

Conforme previsto no art. 376 do CPC, a parte que alegar direito consuetudinário deve
provar-lhe o teor e a vigência, se assim o juiz determinar. Trata-se de exceção, como visto, à
máxima iuria novit curia (o juiz conhece o direito), não sendo exigível ao magistrado conhecer
os usos e costumes dos mais diversos nichos sociais.

É importante a classificação dos costumes com base na sua relação com as normas legais
vigentes (costumes secundum legem, praeter legem e contra legem). Trata-se de subdivisão
amplamente difundida pela doutrina, assim resumida por CRISTIANO CHAVES e NELSON
ROSENVALD:

a) Secundum legem (segundo a lei): é o costume cuja utilização é imposta pelo


próprio texto da lei, ou seja, a norma jurídica remete a solução do conflito aos
usos habituais de um lugar. Tecnicamente, pode-se afirmar que o costume
secundum legem não é mecanismo de integração da norma jurídica, uma vez
que assume o caráter de verdadeira lei. Exemplos: arts. 569, II; 615 e 1.297, §
1º; do Código Civil;
b) Praeter legem (na falta da lei): é o costume aplicado em razão de uma lacuna
legal e que, além disso, não é chancelado nem proibido por nenhuma lei. Tem-
se, aqui, por essência, o costume como forma de integração da norma jurídica.
Assim, quando a lei for omissa e não for possível preencher a lacuna pela
analogia, poderá o magistrado dirimir o conflito aplicando os usos e costumes
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do lugar. Exemplo: admissibilidade do cheque pós-datado, sendo devida,


inclusive, indenização ao emitente no caso de apresentação antecipada da
cártula (Súmula n.º 370 do Superior Tribunal de Justiça);
c) Contra legem (contrário à lei): trata-se do costume que se afigura incompatível
com a norma legal, de modo que não pode ter eficácia jurídica reconhecida.
Conforme ressaltado em tópico anterior, não se admite no direito pátrio a
figura do desuetudo (revogação da lei em razão do costume negativo),
vigorando, pelo contrário, o princípio da supremacia das leis sobre os costumes.
Exemplo comum é a construção indiscriminada de “lombadas” ou “quebra-
molas” por particulares, geralmente em vias locais, sem observância dos
padrões estabelecidos pelo CONTRAN, o que é proibido pelo art. 94 do CTB.

Princípios gerais do direito

O último dos mecanismos de integração da lei previstos no art. 4º da LINDB são os


princípios gerais do direito, cuja conceituação, hoje, é objeto de intenso debate doutrinário.

Na doutrina clássica brasileira, os princípios costumam ser tratados como comandos de


alto grau de abstração, que seriam diretrizes gerais fundantes do direito. Teriam como traços
marcantes sua maior vagueza e o fato de ocuparem um papel estrutural e orientador em
relação às normas do ordenamento jurídico.

Atualmente, com base nas doutrinas de RONALD DWORKIN e ROBERT ALEXY, é


amplamente aceita a noção de que os princípios são, ao lado das regras, espécies do gênero
norma. Dentre outras diferenças, ressalta-se que os princípios, além da dimensão da validade,
possuem a dimensão do peso, de modo que podem ser aplicados em diferentes medidas. As
regras, por outro lado, não podem ser sopesadas: sua aplicação obedece ao raciocínio do “tudo
ou nada” – ou a regra é aplicada em sua inteireza, ou simplesmente não é aplicada.

Além disso, ALEXY desenvolve o conceito dos princípios como mandados de otimização,
no sentido de que determinam que algo deve ser realizado na maior medida possível,
consideradas as possibilidades fáticas e jurídicas presentes. Nesse contexto, a realização do fim
visado por um princípio pode ser obstada por outro princípio colidente, hipótese em que ambos
deverão ser sopesados através da técnica da ponderação, com auxílio da máxima da
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proporcionalidade. Mais uma vez, evidencia-se que os princípios podem ser aplicados em
diferentes medidas, em uma lógica completamente distinta das regras (que são aplicadas
mediante simples subsunção, no regime all or nothing).

Nesse novo paradigma teórico, em que os princípios são reconhecidos como normas
jurídicas primárias – muitos deles com assento na própria Constituição –, parte significativa da
doutrina civilista contesta a validade da parte final do art. 4.º da LINDB, que prevê que os
princípios gerais do direito constituem mera ferramenta de integração de lacunas (sendo,
inclusive, a última da ordem de preferência, utilizável somente na impossibilidade de o
intérprete lançar mão da analogia e dos costumes).

Com efeito, se formos partir do pressuposto de que a expressão “princípios gerais do


direito” se refere aos princípios enquanto espécies de normas (ao lado das regras), a previsão
do art. 4º da LINDB realmente não mais subsiste. CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD
observam que muitos juristas chegam a advogar a revogação do referido dispositivo, ao
argumento de que os princípios gerais do direito, na ótica do constitucionalismo
contemporâneo, são os próprios princípios contidos na Carta Constitucional, os quais,
obviamente, possuem força normativa primária e vinculante.

Todavia, há na doutrina quem distinga os princípios gerais do direito dos princípios


fundamentais: somente estes últimos possuiriam caráter normativo e força vinculante, ao passo
que os primeiros seriam diretrizes jurídicas genéricas e abstratas, sem força normativa, que
serviriam apenas como ferramenta de interpretação ou integração do direito. Desse modo, o
art. 4º da LINDB, ao elencar as fontes de integração da lei, não estaria utilizando a palavra
“princípio” na moderna acepção de norma jurídica, isto é: o dispositivo não estaria aludindo
aos princípios entendidos à luz das doutrinas de DWORKIN e ALEXY.

Essa visão de que há uma distinção entre princípios-norma (princípios fundamentais ou


constitucionais) e os princípios gerais do direito é defendida, entre outros, por CARLOS
ROBERTO GONÇALVES, THIAGO BOMFIM, CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON
ROSENVALD.

Sob esta perspectiva, os princípios gerais do direito seriam aqueles que não possuem
caráter normativo, mas apenas orientam o intérprete, podendo, eventualmente, funcionarem
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como mecanismos de integração de lacunas. Nas palavras de CARLOS ROBERTO GONÇALVES,


seriam “fórmulas concisas representativas de uma experiência secular, sem valor jurídico
próprio, mas dotadas de valor pedagógico”. Assim, são exemplos de princípios gerais do
direito, para efeitos de aplicação do art. 4.º da LINDB:

• Ninguém pode se valer da própria torpeza;


• A boa-fé se presume, a má-fé se prova;
• Deve-se favorecer mais aquele que procura evitar um dano do que aquele que
busca realizar um ganho;
• Dar a cada um o que é seu, viver honestamente e não lesar a ninguém;
• Não obra com dolo quem usa de seu direito, dentre outros.

Já os princípios fundamentais ou constitucionais seriam aqueles que, de fato, constituem


normas jurídicas primárias e vinculantes, e não ferramentas de integração do direito (princípio
da dignidade da pessoa humana, da segurança jurídica, da moralidade, da publicidade, etc).

Outra parcela da doutrina, que não procede à distinção acima exposta, critica o art. 4.º
da LINDB por entender que ele traduz uma concepção ultrapassada dos princípios jurídicos.
Nesse sentido, exemplificativamente, é a posição de FLÁVIO TARTUCE, que cita também
GUSTAVO TEPEDINO e LUCAS ABREU BARROSO. São os adeptos da chamada escola do Direito
Civil Constitucional.

COMO O ASSUNTO JÁ FOI COBRADO EM CONCURSOS?

Na prova CEBRASPE (CESPE), para Juiz Substituto do Estado do Paraná, realizada em


2017, foi considerada errada a seguinte assertiva:

“A ordem de aplicação das formas de integração da norma defendida pela doutrina do


direito civil constitucional coincide com aquilo que é propugnado pela teoria civilista
clássica.”

Como visto, a corrente civilista clássica entende que, diante do caso concreto, havendo
lacuna da lei, a ordem prevista no art. 4º da LINDB deve ser aplicada na integração. Por
outro lado, a doutrina do direito civil constitucional não é favorável à aplicação
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obrigatória da ordem do art. 4º da LINDB.

OBS: essa questão foi anulada pelo Cespe, mas apenas devido à divergência relacionada a
outra alternativa, sendo o aprendizado de assertiva acima exibida plenamente
aproveitável.

Equidade

Finalizando o estudo sobre a integração das normas jurídicas, cumpre analisar a figura
da equidade, que não consta do rol do art. 4º da LINDB, mas é mencionada no art. 140,
parágrafo único, do CPC/2015:

Art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de


lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.
Parágrafo único. O juiz só decidirá por equidade nos casos
previstos em lei.

Na lição de FLÁVIO TARTUCE, a equidade pode ser conceituada como o “uso do bom-
senso, a justiça do caso particular, mediante a adaptação razoável da lei ao caso concreto”.
Trata-se, portanto, de noção intimamente ligada à ideia de justiça do caso concreto.

Há entendimento clássico no sentido de que a equidade não seria uma fonte de


integração do direito, mas sim um mero recurso auxiliar de aplicação da lei: o intérprete não
extrairia nenhuma norma jurídica da equidade, mas se utilizaria desta apenas como guia para
determinar o sentido das normas e aplicá-las aos casos concretos.

Todavia, a doutrina civilista moderna (v. g., FLÁVIO TARTUCE, CRISTIANO CHAVES DE
FARIA e NELSON ROSENVALD) aceita a equidade como verdadeiro mecanismo de integração do
direito, o que encontra eco em diversos dispositivos legais em vigência no ordenamento pátrio.
Além do já citado art. 140 do CPC/2015, o art. 108 do CTN e o art. 8º da CLT fazem referência
expressa à equidade enquanto fonte supletiva a ser utilizada pelo juiz no caso de omissão da lei.

Em todo caso, a equidade só pode ser utilizada quando expressamente autorizada pela
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lei. Isto porque, em última análise, o julgamento por equidade franqueia ao juiz decidir a lide
mediante sua percepção íntima daquilo que é justo. CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD
asseveram que é por causa desse alto grau de subjetivismo que somente é possível o uso da
equidade nos casos expressamente previstos na norma legal.

A doutrina distingue as expressões “julgamento com equidade” de “julgamento por


equidade”:

a) Julgar COM equidade: nesta expressão a palavra equidade é utilizada em sua


acepção lata, como sinônimo de justiça do caso concreto. O juiz sempre deve
buscar julgar as lides com equidade, eis que, ao aplicar as normas jurídicas,
deve buscar concretizar o ideal de justiça. Nesse sentido, julgar com equidade
significa, por exemplo, interpretar e aplicar uma determinada norma legal da
maneira mais justa possível;
b) Julgar POR equidade: aqui a equidade é empregada no sentido estrito, ora
estudado, em que é entendida como fonte secundária e integrativa do direito.
Havendo autorização expressa do ordenamento jurídico, o juiz decidirá com
fundamento naquilo que entende ser o mais justo no caso concreto, ou seja,
decidirá por equidade. Aqui a equidade não auxilia na interpretação e aplicação
da lei, mas constitui o próprio critério de decisão da lide.
OBS.: Em outra acepção, utilizada notoriamente na seara da arbitragem (art. 2º
da Lei 9.307/96), a expressão julgamento por equidade significa a adoção de
critérios extrajurídicos para a decisão da causa, sem a incidência das normas do
ordenamento formal. Esta noção inclui, mas não se limita, à adoção do critério
da justiça do caso concreto, podendo a lide ser decidida, por exemplo, à luz da
Teoria dos Jogos ou de normas contidas num livro sagrado (Bíblia, Torá, Corão,
etc.).

Seguem, por fim, exemplos de dispositivos legais que autorizam o uso da equidade pelo
juiz para a decisão da causa:

Código de Processo Civil/2015


Art. 85. (...)
§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o
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proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for


muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por
apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos
do § 2º.

Código Civil
Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente
pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em
parte, ou se o montante da penalidade for
manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e
a finalidade do negócio.

Código de Defesa do Consumidor


Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as
cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de
produtos e serviços que: (...)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas,
abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a
equidade;

Eficácia da lei no tempo (direito intertemporal)


O estudo da eficácia da lei no tempo tem por objetivo definir o alcance da norma legal
em relação aos fatos ocorridos antes, durante e depois do início de sua vigência. Considerando
o fenômeno da revogação, pelo qual as leis são sucedidas por outras, é fundamental definir
como as relações jurídicas que ocorreram sob a vigência de mais de um diploma legal devem ser
tratadas.

Nesse sentido, a questão principal é definir se a lei nova se aplica ou não a casos
pretéritos, concretizados sob a égide de lei anterior. A resposta é que, em regra, a lei só produz
efeitos em relação a fatos futuros e pendentes, ou seja, somente aqueles que ocorrerem após
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o início de sua vigência (fatos futuros) ou que, embora iniciados na vigência da lei anterior,
ainda não se consumaram (fatos pendentes). Trata-se do princípio da irretroatividade e do
critério da aplicabilidade imediata da lei, ambos positivados no art. 6º da LINDB:

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral,


respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a
coisa julgada.
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado
segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu
titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles
cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou
condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de
outrem.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão
judicial de que já não caiba recurso.
A irretroatividade, no entanto, não é norma absoluta. A lei poderá retroagir se forem
obedecidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

a) haja expressa previsão legal determinando sua aplicação a fatos pretéritos (no
silêncio da lei, prevalece a regra da irretroatividade);
b) a retroatividade imposta pelo legislador não ofenda o ato jurídico perfeito, o
direito adquirido e a coisa julgada.

A exigência de preservação do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa


julgada é um corolário do princípio da segurança jurídica, o qual, por sua vez, deriva
diretamente da própria noção de Estado Democrático de Direito. Tanto que a Constituição
Federal reproduziu em seu texto a redação do art. 6º da LINDB, alçando a proteção do ato
jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada ao nível de direito fundamental
constitucional (art. 5º, XXXVI, da CF).

Nos termos do art. 6º, § 1º, da LINDB ato jurídico perfeito é aquele que já se consumou,
ou seja, que já se aperfeiçoou. LUCIANO FIGUEIREDO e ROBERTO FIGUEIREDO fornecem os
exemplos de uma compra e venda instantânea realizada à época do Código Civil de 1916 ou de
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um casamento celebrado na vigência de uma determinada lei. Em ambos os casos incidirá a lei
vigente à data da ocorrência dos fatos, cujas normas se apresentarão revestidas de
ultratividade – embora revogadas, continuam disciplinando os fatos que ocorreram sob sua
égide (tempus regit actum).

No tocante às relações jurídicas continuativas (relações de trato sucessivo), sua


existência e validade ficam submetidas à norma legal vigente à época em que iniciadas, ao
passo que seus efeitos, produzidos a partir da vigência da lei nova, passam a ser por esta
regidos. Nesse sentido é o teor do caput do art. 2.035 do Código Civil, verbis:

Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos,


constituídos antes da entrada em vigor deste Código,
obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art.
2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência
deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se
houver sido prevista pelas partes determinada forma de
execução.

Com base no citado artigo, o STJ decidiu que "é válida e eficaz a cláusula de reversão em
favor de terceiro, aposta em contrato de doação celebrado à luz do CC/1916, ainda que a
condição resolutiva se verifique apenas sob a vigência do CC/2002”. Pois “Em se tratando de
matéria relativa à direito intertemporal, incide o disposto no caput do art. 2.035 do CC/2002,
segundo o qual a validade dos atos jurídicos subordina-se aos ditames da lei anterior, mas os
seus efeitos, desde que produzidos após a vigência do novo Código, em regra, a ele estarão
subordinado” (STJ. 3ª Turma. REsp 1922153/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
20/04/2021)

Esse julgado foi objeto de questão discursiva na prova para Procurador do Estado de
Alagoas, aplicada em 2021 pelo CESPE11.

Outro instituto que não pode ser agredido pela retroatividade da lei é o direito
11
Disponível em: https://treinesubjetivas.com.br/prova/procurador-do-estado-pge-al-2021/ . Acesso em
14/03/2022.
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adquirido, que é aquele que já se incorporou ao patrimônio jurídico do titular, consoante as


normas legais vigentes antes do advento da nova lei. No conceito de FLAVIO TARTUCE, “é o
direito material ou imaterial incorporado no patrimônio de uma pessoa natural, jurídica ou ente
despersonalizado”, podendo-se citar, como exemplo, um benefício previdenciário desfrutado
por alguém.

Importante ressaltar que não há direito adquirido em face do poder constituinte


originário, visto que este rompe com a ordem anterior, sendo juridicamente ilimitado e
incondicionado. Assim, as normas previstas na nova Constituição que entra em vigor podem ser
aplicadas a fatos pretéritos, podendo atingir, inclusive, direitos adquiridos.

A coisa julgada, por sua vez, é a qualidade de indiscutibilidade e imutabilidade da


sentença ou acórdão não mais sujeito a recurso. Trata-se de outro instituto relacionado à
segurança jurídica, acobertado contra a retroatividade legal. A coisa julgada confere
definitividade à decisão tomada pelo Estado-Juiz, permitindo a efetiva pacificação dos conflitos
sociais.

Em alguns casos excepcionais, institutos de direito processual como a querela nullitatis,


a ação rescisória e os embargos rescisórios possibilitam a desconstituição ou a anulação da
coisa julgada. Tais figuras, entretanto, são objeto de estudo inerente ao Direito Processual Civil,
não sendo este o espaço apropriado para aprofundá-las.

Cabe ressaltar aqui, porém, a teoria da relativização da coisa julgada, a qual não se
confunde com nenhum dos mecanismos processuais acima citados. Tal teoria parte do
pressuposto de que a coisa julgada se fundamenta no princípio da segurança jurídica, o qual,
em determinadas ocasiões, pode colidir com outros princípios que seriam igualmente caros ao
ordenamento jurídico. Nessas situações, conforme a referida tese, a segurança jurídica deve ser
objeto de ponderação e sopesamento (pois não seria um valor absoluto), podendo, a depender
do caso concreto, ceder espaço para a concretização de outro princípio constitucional.

Tal teoria foi acolhida pelo STF em relação a ações de investigação de paternidade cujo
mérito já tinha sido objeto de decisão judicial transitada em julgado, proferida, porém, em
circunstância na qual o exame de DNA não estava disponível. Nesses casos, a coisa julgada foi
relativizada para permitir a reapreciação da matéria pelo Judiciário, tendo a segurança jurídica
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cedido em face do “direito fundamental à busca da identidade genética, como natural


emanação do direito de personalidade de um ser” (STF, RE 363.889, Plenário, Relator Dias
Toffoli, julgado em 02/06/2011).

Não obstante, não é pacífica na doutrina a aceitação da teoria da relativização da coisa


julgada. Há vozes (v. g., LUIZ GUILHERME MARINONI) no sentido de que a segurança jurídica
seria subprincípio do Estado Democrático de Direito e expressão da própria supremacia do
ordenamento jurídico, de modo que sua desconstituição ou anulação só poderia ocorrer
mediante a utilização das ferramentas preconcebidas para essa finalidade12, sob pena de serem
corroídas a certeza e a estabilidade do direito. Por outro lado, há defesas no sentido de que a
segurança jurídica é um valor que se nivela em relação a muitos outros princípios igualmente
constitucionais, tais como os ideais de justiça e da dignidade humana, de modo que não seria
imune à ponderação e ao sopesamento (v.g, DANIEL SARMENTO).

Tal debate se manifestou inclusive no âmbito do STF, conforme se infere da decisão


monocrática proferida no RE 649154, em que consta a ressalva do entendimento pessoal do
Ministro Celso de Mello. Na ocasião, o Ministro Celso de Mello aplicou o entendimento
majoritário da corte em homenagem ao princípio da colegialidade, embora sua convicção
pessoal fosse no sentido de rejeição da tese da relativização da coisa julgada material. (STF,
RE 649154, Relator Min. Celso de Mello, julg. em 23/11/2011).

Assim, o candidato deve guardar para as provas que a referida teoria é acolhida pelo
STF, notoriamente em relação à repropositura de demandas de investigação de paternidade
fundamentadas na disponibilização do exame de DNA. Por outro lado, deve ter em mente que a
aceitação da tese da relativização da coisa julgada não é pacífica na doutrina, havendo
robustos argumentos tanto favoráveis como contrários à sua adoção (conhecimento que pode
ser demandado em provas subjetivas e orais).

Prosseguindo no estudo do direito intertemporal, outro dispositivo legal relevante para


a matéria é o parágrafo único do art. 2.035 do Código Civil, verbis:

Art. 2.035. (...)

12
Destacadamente a ação rescisória, que, em regra, só pode ser proposta dentro do prazo decadencial de 2 anos
(art. 975, caput, do CPC). Ultimado este prazo, a doutrina contrária à tese da relativização entende que a coisa
julgada estaria definitivamente consolidada (“coisa julgada real” ou “coisa julgadíssima”).
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Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se


contrariar preceitos de ordem pública, tais como os
estabelecidos por este Código para assegurar a função
social da propriedade e dos contratos.

O dispositivo consagra o que parte da doutrina denomina de retroatividade motivada


ou justificada, que consistiria na possibilidade de normas de ordem pública retroagirem, a
exemplo daquelas relativas à função social da propriedade e dos contratos. FLAVIO TARTUCE
defende que o dispositivo é constitucional e não viola os princípios da segurança jurídica e da
irretroatividade das leis, pois se fundamenta na função social da propriedade (art. 5.º, XXII e
XXIII, da CF). Embora não haja manifestação específica do STF ou do STJ sobre a matéria,
encontram-se decisões de alguns Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais do Trabalho
acolhendo e mencionando expressamente o princípio da retroatividade motivada (v.g, TJ-PR,
Apelação n.º 11822707, Relator Des. Carlos Eduardo A. Espíndola, julgado em 05/05/2015).

Por fim, cumpre expor duas classificações frequentemente mencionadas pela doutrina
acerca da retroatividade da lei. A primeira toma como critério a preservação do ato jurídico
perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada:

a) Retroatividade injusta: é aquela que ocorre com ofensa ao ato jurídico perfeito,
ao direito adquirido ou à coisa julgada;
b) Retroatividade justa: a norma legal retroage sem que ocorra ofensa a tais
institutos.

A segunda classificação leva em consideração a força da retroatividade, critério segundo


o qual é subdividida em:

a) Retroatividade máxima: atinge atos ou fatos já consumados, inclusive o ato


jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada;
b) Retroatividade média: a lei nova atinge os efeitos pendentes (iniciados, mas
não consumados) de atos praticados sob a égide da lei anterior;
c) Retroatividade mínima: a lei nova alcança apenas os efeitos ocorridos após o
início de sua vigência, relativos a atos praticados sob a égide da lei anterior.
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Registra-se que, de acordo com o STF, os dispositivos constitucionais têm vigência


imediata, alcançando os efeitos futuros de fatos passados (retroatividade mínima). Contudo,
salvo disposição expressa em contrário – e a Constituição tem permissão para fazê-lo –, eles
não alcançam os fatos consumados no passado nem seus efeitos pendentes (retroatividades
máxima e média) (STF, RE 242740/GO, Rel. Min. Moreira Alves, Julgado em 20/03/2001).

COMO O ASSUNTO JÁ FOI COBRADO EM CONCURSOS?

A eficácia da lei no tempo foi objeto de questão dissertativa na prova para o cargo de
Procurador do Estado do Amazonas (PGE/AM) realizada em 2022 pela banca FCC. (Link
para Prova)

Eficácia da lei no espaço


O estudo da aplicação da lei no espaço tem por objeto analisar os limites territoriais
sobres os quais a norma legal incide, com destaque para a possibilidade ou não de a lei de um
país produzir efeitos em território estrangeiro.

É evidente que a lei, conforme o princípio da obrigatoriedade, possui vigência e força


vinculante em todo o território nacional, como expressão da soberania do Estado. O conceito de
território nacional, no entanto, compreende o real e o ficto. Na boa síntese de LUCIANO
FIGUEIREDO e ROBERTO FIGUEIREDO, “O território real compreende o solo, o espaço aéreo
correspondente, as águas, ilhas e uma faixa de mar territorial de 12 (doze) milhas. Além disso,
tem-se o território ficto, o qual compreende as embaixadas; os navios, as embarcações e as
aeronaves de guerra nacionais, onde quer que estejam; navios mercantes nacionais em águas
brasileiras ou internacionais; navios estrangeiros em águas brasileiras e aeronaves sobrevoando
o território nacional”.

TERRITÓRIO NACIONAL

REAL FICTO

• Solo nacional • Embaixadas brasileiras

• Espaço aéreo correspondente • Navios, embarcações e aeronaves


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• Águas de guerra nacionais, onde quer


• Ilhas que estejam

• Faixa de mar territorial até 12 • Navios mercantes nacionais em


(doze) milhas do litoral águas brasileiras ou internacionais
• Navios estrangeiros em águas
brasileiras e aeronaves
sobrevoando o território nacional

Sobre a possibilidade ou não de aplicação da lei em território estrangeiro, há três


sistemas jurídicos possíveis, orientados pelos seguintes princípios:

a) Territorialidade: baseia-se no respeito à soberania estatal, em virtude do qual a


lei se aplicaria somente no território nacional;
b) Extraterritorialidade: fundamentada, via de regra, em tratados e convenções
internacionais, permite que determinadas leis de um país sejam aplicadas além
de suas fronteiras, para reger relações jurídicas ou a situação de alguns
indivíduos localizados em território estrangeiro;
c) TERRITORIALIDADE MITIGADA (OU TEMPERADA): Este é o sistema adotado
pela LINDB e vigente no Brasil. Segundo esta orientação, a lei se aplica, em
regra, somente no território nacional, mas são admitidas exceções em que é
permitida a incidência de norma estrangeira em território brasileiro, bem como,
inversamente, a incidência da lei brasileira sobre fatos ou relações jurídicas
ocorridos no estrangeiro.

Os arts. 7º a 19 da LINDB veiculam diversas normas sobre a eficácia espacial da lei,


relativas a temas variados (casamento, sucessão, meios probatórios, aplicabilidade de
sentenças estrangeiras em território nacional, dentre outros). Recomenda-se a leitura atenta
desses dispositivos legais por parte do candidato, pois, embora tratem de algumas matérias
mais afetas ao direito internacional, eles podem ser exigidos em provas de advocacia pública
como matérias pertencentes ao Direito Civil – relativas ao conhecimento da LINDB.

Dentre tais assuntos, destacaremos aqui o tratamento dado pela LINDB a três situações:
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o estatuto pessoal, os bens e as obrigações.

O estatuto pessoal diz respeito ao conjunto de normas que regem o nome, o começo e
fim da personalidade, capacidade e direitos de família. Nos termos do art. 7.º da LINDB, o
estatuto pessoal é regido pela lei do domicílio do indivíduo (critério lex domicilli).

O mesmo critério (lex domicilli) foi adotado em relação aos bens móveis que o indivíduo
tiver consigo ou que se destinarem ao transporte para outros lugares (art. 8º, § 1º, da LINDB).
Por outro lado, aplica-se a lei do lugar da coisa para regular as relações de posse e propriedade
de bens imóveis, em relação aos quais se aplica o critério lex rei sitiae.

Por fim, as relações obrigacionais são regidas pela lei do local onde foram constituídas
(critério locus regit actum), nos termos do art. 9º da LINDB. Caso se trate de obrigação
constituída remotamente (por e-mail ou carta, por exemplo), por pessoas situadas em países
distintos, o art. 9º, § 2º, da LINDB esclarece que a obrigação se considerará constituída no local
em que residir o proponente.

Segue abaixo quadro-resumo dos critérios aplicáveis aos referidos institutos:

ESQUEMATIZAÇÃO

Estatuto pessoal Lei do domicílio da pessoa (lex domicilli)

• Móveis: lei do domicílio (lex


domicilli)
Bens
• Imóveis: lei do lugar da coisa (lex
sitiae)

Lei do local em que foram constituídas


Obrigações (locus regit actum) ou do local em que
residir o proponente.

Nota a respeito da Lei n.º 13.655/2018


Em abril de 2018 foi publicada a Lei nº 13.655, que acrescentou onze artigos à Lei de
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Introdução (arts. 20 a 30). Conforme a ementa da referida lei, os novos artigos dispõem sobre
“segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público” razão pela qual, em
princípio, não deve ser objeto de avaliação em Direito Civil.

Um dos estudiosos que influenciaram na elaboração da Lei n.º 13.655/2018 foi CARLOS
ARI SUNDFELD, segundo o qual seu âmbito de incidência abarcaria “situações de criação e
aplicação do direito público sob a tutela primária da administração pública como um todo. A Lei
n.º 13.655/2018 impacta diretamente a aplicação dos direitos constitucional, tributário,
administrativo (em sentido estrito), financeiro, sanitário, concorrencial, previdenciário, de
trânsito, enfim, os ramos do direito público”.

Assim, embora o presente espaço não se afigure adequado para aprofundar o estudo
dos arts. 20 a 30 da LINDB, recomenda-se a leitura e memorização de tais dispositivos por parte
do candidato, eis que tratam de matérias de grande importância para os concursos de
advocacia pública.

COMO O ASSUNTO JÁ FOI COBRADO EM CONCURSOS?

A LINDB foi objeto de questão dissertativa na prova para o cargo de Procurador do


Município (PGM POA - Porto Alegre/RS- 2023) realizada pela banca FUNDATEC. (link
para questão)

CÓDIGO CIVIL DE 2002 E DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL


Finalizado o estudo da LINDB, faremos agora uma análise introdutória do Código Civil de
2002, a fim de pavimentar o futuro estudo dos diversos institutos de direito privado por ele
regulados. Assim, será comentado brevemente o histórico de formação do atual Código, bem
como suas características principais e valores norteadores.

Além disso, será estudada a influência da Constituição de 1988 sobre as relações


jurídicas privadas, tema geralmente mencionado pela doutrina sob a rubrica de Direito Civil
Constitucional.
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BREVE HISTÓRICO DA CODIFICAÇÃO PÁTRIA


A cultura jurídica brasileira deita suas raízes na tradição romano-germânica – o sistema
civil law. Grande parte de nossos institutos de Direito Civil são baseados no direito romano, tais
como a prescrição, posse, falência, divórcio e usucapião.

Quando se fala que o Direito Romano é a base do civil law, não se leva em consideração
apenas a doutrina e os textos legais produzidos na antiguidade, à época da república ou do
império romano ocidental. Mesmo na Idade Média, após a invasão das tribos germânicas e da
instalação do regime feudal, as leis romanas foram o principal objeto de estudo da doutrina
jurídica que então se formava.

Destacam-se a Escola dos Glosadores (Escola de Bolonha), no Século XII, e a Escola dos
Comentadores (Escola de Órleans), no Século XIV, ambas as quais procuraram revisitar os
textos romanos na busca por um Direito com bases racionais, dissociado de fundamentos
ritualísticos ou metafísicos típicos de algumas práticas jurídicas medievais (a exemplo do
método probatório das ordálias).

O Direito Europeu na Idade Média era também influenciado pelo direito consuetudinário
dos povos germânicos, marcadamente oral e fragmentado. Paralelamente, nas Universidades,
buscava-se construir um direito aplicável uniformemente em todo o continente (jus commune),
que seria justamente o de origem romana.

Assim, ainda no Século XII, foi redescoberta uma grande compilação das principais leis
produzidas por Justiniano (imperador da Roma Oriental), agrupadas no consagrado Corpus Iuris
Civilis. O estudo e a grande valorização deste documento podem ser entendidos como o
embrião do fenômeno da codificação, típico dos países de civil law, pelo qual se busca
disciplinar um ramo do Direito de modo sistemático num grande diploma legal.

Deste modo, a tradição civil law formou-se a partir do estudo minucioso do direito
romano, vivenciado e aplicado paralelamente ao direito consuetudinário dos povos germânicos
(direito romano-germânico) – ao qual se acrescenta, ainda, certa influência do direito canônico,
baseado nos ritos e regras da Igreja Católica.

Esse é o curso da formação do civil law até o advento da Revolução Francesa e do Estado
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Moderno, quando o fenômeno da codificação se consolidará com a edição do Código Civil de


Napoleão (Código Civil Francês de 1804). Este diploma será tomado como modelo para a
elaboração de muitos outros códigos na Europa e no mundo afora, naquilo que se pode
denominar de era das codificações.

O Código Civil Brasileiro de 1916 (Código Beviláqua), por exemplo, foi inspirado no
Código Napoleônico, além de ter sofrido certa influência do Código Civil Alemão de 1896. Na
descrição de LUCIANO FIGUEIREDO e ROBERTO FIGUEIREDO, “tratava-se de um código
patrimonialista, agrário, conservador, individualista, que seguiu a lógica do iluminismo. Criado
sob a égide de uma sociedade colonial, patriarcal, rural, e escravagista, valores como o trabalho,
a igualdade e a função social da propriedade não estavam presentes neste primeiro Código Civil
Brasileiro”.

Assim, o Código de 1916 era marcado pelas características do individualismo e do


patrimonialismo (patrimonialização do direito civil), sendo ausentes aspectos relativos à função
social dos institutos de direito civil.

Este panorama sofrerá grandes mudanças com o advento da Constituição de 1988, que
impactará profundamente o Direito Civil pátrio.

O CÓDIGO CIVIL DE 2002


O atual Código foi elaborado por uma comissão coordenada por MIGUEL REALE e
composta por outros civilistas de renome, que iniciaram seus trabalhos em 1967. Com o
advento da Constituição de 1988, o projeto foi inteiramente adaptado às disposições e aos
valores do novo texto constitucional, o que acentuou ainda mais a diferença entre o texto final
do atual Código e o do anterior.

Um dos principais movimentos consolidados pelo Código Civil de 2002 foi a


personalização (ou personificação) do direito civil, que, nas palavras de CRISTIANO CHAVES e
NELSON ROSENVALD, significa o “afastamento da preocupação com a proteção patrimonial
para almejar a efetiva proteção da pessoa humana”.

Assim, ao passo que o Código de 1916 centralizava-se na patrimonialização do direito


civil (regulação e defesa do patrimônio), o Código de 2002 promove a despatrimonialização e a
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repersonificação do direito civil, em que a proteção da pessoa ocupa o papel central e a


propriedade é funcionalizada em prol do ser humano (função social).

Ainda no campo das distinções entre a codificação atual e a anterior, cumpre destacar
dois aspectos inerentes ao Código Civil de 2002: a adoção de vetores principiológicos e a
utilização de conceitos indeterminados e cláusulas gerais.

Princípios norteadores do Código Civil de 2002

Na exposição de motivos do Código Civil constam os princípios que nortearam sua


elaboração. A doutrina utiliza diferentes nomenclaturas para se referir a eles, tais como
princípios básicos, princípios filosóficos, ou vetores axiológicos do Código Civil de 2002,
geralmente relacionados a MIGUEL REALE, coordenador do projeto do código e quem assina a
exposição de motivos em nome da comissão elaboradora.

São três os princípios básicos do Código Civil de 2002: eticidade, socialidade e


operabilidade, os quais, à luz da doutrina, são assim sintetizados:

a) Eticidade: consiste na valorização da ética e da moral na disciplina dos


institutos civilísticos. As relações privadas devem ser conduzidas de forma
proba, com observância de valores sociais e morais relevantes. A eticidade está
relacionada com a positivação de valores como a boa-fé e a lealdade (vide arts.
422 e 187 do CC);
b) Socialidade: reflete a necessidade de harmonização dos interesses individuais
perante os interesses sociais. Representa uma quebra de paradigma em
relação à concepção individualista vigente à época do Código de 1916, devendo
os institutos de direito civil atenderem a uma função social (concepção
socializada). O princípio da socialidade se manifesta, por exemplo, na função
social da propriedade (art. 1.228, § 1º, do CC) e na função social do contrato
(art. 421 do CC);
c) Operabilidade: é o princípio segundo o qual o direito é feito para ser bem
compreendido e efetivado, devendo o legislador evitar fórmulas legais
complicadas e de difícil interpretação (deve prevalecer a simplicidade). Um
grande exemplo de concretização desse princípio no Código Civil de 2002 foi a
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adoção de um critério claro de distinção entre a prescrição e a decadência,


matéria que antes causava enorme celeuma entre os aplicadores do direito.

Além do aspecto da simplicidade, o princípio da operabilidade também é entendido sob


o prisma da concretude, no sentido de que as normas devem efetivamente incidir sobre a
realidade fática, por mais complexa que esta se apresente. Para que isso seja possível, às vezes
é necessária a utilização de dispositivos legais mais abertos e maleáveis, que são os conceitos
indeterminados e cláusulas gerais.

Conceitos indeterminados e cláusulas gerais

À época da Revolução Francesa e da subsequente era das codificações, nutria-se na


cultura jurídica civil law a noção de que o direito poderia ser completamente disciplinado e
armazenado num código, que conteria a expressão perfeita de todas as normas jurídicas de um
determinado ramo do Direito. Assim foi o caso do Código Civil Francês de 1804 (Código de
Napoleão), o qual, segundo a Escola da Exegese, seria tão perfeito e isento de lacunas que
dispensaria qualquer tipo de interpretação além da literal-gramatical (os juízes, portanto,
poderiam ser meras “bocas-da-lei”).

A partir de um ideal iluminista, acreditava-se que a razão humana seria capaz de ordenar
completamente o mundo do dever-ser, de modo rigorosamente lógico e científico. Além do
mencionado Código de Napoleão, com esse mesmo espírito já havia sido editado o Código Civil
Prussiano de 1794, que possuía nada menos do que 19.000 artigos (!).

Com o avanço da Teoria Geral do Direito e da Hermenêutica Jurídica, essa concepção foi
superada, tendo sido abandonado o dogma da completude dos códigos. A mutação dos valores
da sociedade, os avanços tecnológicos e a globalização acarretaram o envelhecimento
generalizado de diversos Códigos, na medida em que muitos dos fatos neles regulamentados
não mais se manifestavam na sociedade ou, quando sim, apresentavam-se de maneira
completamente distinta da que foi visualizada pelo legislador (lacunas ontológicas).

Assim, em vez de se tentar elaborar uma lei capaz de abarcar todas as hipóteses do
mundo fenomênico (o que é impossível, pois o legislador não é onisciente nem clarividente),
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atualmente busca-se elaborar códigos maleáveis, adaptáveis à realidade, o que é possível


através da utilização de enunciados com linguagem propositalmente mais vaga e aberta, que
deem maior espaço à atuação do intérprete.

Tais enunciados são produzidos mediante o emprego de conceitos indeterminados e


cláusulas gerais, cuja adoção constitui uma das diferenças mais marcantes entre o Código Civil
de 2002 e o de 1916.

Sobre o tema, FLAVIO TARTUCE observa que “a atual codificação consubstancia um


sistema aberto ou de janelas abertas, em virtude da linguagem que emprega, permitindo a
constante incorporação e solução de novos problemas, seja pela jurisprudência, seja por uma
atividade de complementação legislativa”. Assim, os conceitos indeterminados e cláusulas
gerais podem ser conceituados como normas abertas (janelas abertas) deixadas pelo
legislador para preenchimento pelo aplicador do direito, caso a caso.

Segundo PAULO NADER, a distinção entre o conceito indeterminado e a cláusula geral


consiste no fato de que no primeiro caso há uma vagueza apenas na hipótese da norma jurídica
(pressuposto normativo), enquanto na cláusula geral há vagueza tanto na hipótese
(pressuposto) quanto na consequência da norma jurídica (consequente normativo). A distinção
pode ser entendida por meio de exemplos:

• Cláusula geral: ao consagrar a cláusula geral da função social do contrato


(art. 421 do CC) o legislador deixou ao intérprete a tarefa de definir com
precisão, em cada caso concreto, o que significa a referida função social
(antecedente normativo). Além disso, caso a função social do contrato não
seja cumprida, caberá também ao intérprete definir a consequência jurídica
daí advinda (consequente normativo), que pode, por exemplo, ser a
nulidade da avença ou apenas uma indenização. Há uma abertura
semântica, portanto, no pressuposto normativo (hipótese) e no
consequente normativo (disposição). O mesmo sucede em relação à
cláusula geral da boa-fé (arts. 113, 187 e 422);
• Conceito indeterminado: no caso dos conceitos indeterminados, a
linguagem vaga e imprecisa é empregada apenas no pressuposto
normativo (hipótese), sendo a consequência jurídica delimitada de modo
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mais preciso pelo legislador. Um exemplo fornecido por PAULO NADER é o


do art. 1.638 do Código Civil, que dispõe que a prática de atos contrários à
moral e aos bons costumes (conceito indeterminado) pode acarretar a
perda do poder pátrio – consequência delimitada sem vagueza. Outro
exemplo é o do parágrafo único do art. 575 do Código Civil, que permite ao
juiz reduzir o aluguel arbitrado caso este seja manifestamente excessivo.

Além de conferirem maleabilidade e efetividade aos códigos (razão pela qual são
associados ao princípio da operabilidade), os conceitos indeterminados e cláusulas gerais são
mecanismos imprescindíveis para viabilizar a constitucionalização do direito civil, isto é, permitir
a incorporação dos princípios e ditames consagrados pela Constituição no Código Civil e nas
demais leis infraconstitucionais.

DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL


Nas palavras de CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD, “a expressão Direito Civil
Constitucional quer realçar a necessária releitura do Direito Civil, redefinindo as categorias
jurídicas civilistas a partir dos fundamentos principiológicos constitucionais, tais como a
dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), solidariedade social (art. 3.º, III) e a igualdade
substancial (arts. 3º e 5º)”.

Trata-se de um movimento, um ramo ou uma escola do Direito Civil que busca


identificar e ressaltar a influência da Constituição sobre os institutos civilistas, que não podem
mais ser compreendidos senão à luz do texto constitucional. Com o advento da Constituição
Federal de 1988, o Brasil passou a viver sob a égide de uma Constituição verdadeiramente
vinculante, fruto de um processo de redemocratização e concebida para assegurar as garantias
e direitos fundamentais da pessoa humana.

A Constitucionalização do Direito Civil pode ser entendida sob dois prismas. O primeiro
é no sentido de que a CF/88 trouxe em seu texto diversas disposições sobre institutos de direito
civil, de modo que várias matérias antes tratadas somente em sede infraconstitucional
passaram a ser disciplinadas pela própria Constituição. Assim, ocorreu uma migração de
diversos temas do direito civil da legislação ordinária para a Constituição, os quais foram,
nesse sentido, constitucionalizados – v. g., direito de propriedade (arts. 5º, XXII, e 170, III, da CF)
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e direito de família (arts. 226 e 227 da CF).

A segunda acepção pela qual se entende a constitucionalização do direito civil se dá no


campo hermenêutico, no sentido de que com o advento da CF/88 todos os institutos e
dispositivos do Código Civil (e das leis esparsas de direito civil) devem ser interpretados à luz e
em conformidade com os vetores axiológicos constitucionais.

Trata-se de uma consequência do princípio da Supremacia da Constituição que, no


Brasil, se fez sentir somente após a promulgação da Constituição de 1988.

Nesse contexto, cumpre analisar dois temas inerentes ao Direito Civil Constitucional e à
constitucionalização do direito civil: a eficácia horizontal dos direitos fundamentais e a teoria do
diálogo das fontes.

Eficácia horizontal (irradiante) dos direitos fundamentais

Na clássica definição de CANOTILHO, o constitucionalismo é uma “técnica de limitação


do poder com fins garantísticos”. Daí se depreende, intuitivamente, que uma das principais
funções da Constituição é proteger os indivíduos em face dos arbítrios do Estado, ou seja, do
poder dos governantes. Essa proteção é feita através de normas que consagram garantias e
direitos fundamentais aplicáveis em face do Estado, perspectiva que diz respeito à eficácia
vertical dos direitos fundamentais.

Por outro lado, a eficácia horizontal (ou irradiante) dos direitos fundamentais diz
respeito à aplicabilidade das garantias e direitos fundamentais constitucionais nas relações
entre os particulares, noção que se consolidou a partir do neoconstitucionalismo e da
constitucionalização do direito civil. Nas palavras de DIRLEY DA CUNHA, “os direitos
fundamentais não são direitos apenas oponíveis aos poderes públicos, irradiando efeitos
também no âmbito das relações particulares, circunstância que autoriza o particular a sacar
diretamente da Constituição um direito ou uma garantia fundamental para opô-lo a outro
particular”.

CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD observam que “os direitos fundamentais


constituem garantias universais (e cláusula pétrea), motivo pelo qual não se pode pretender
represá-los somente nas relações de direito público. Efetivamente, não seria crível imaginar
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que, nas relações privadas, as partes pudessem atentar contra os direitos fundamentais”.

Um exemplo da eficácia horizontal dos direitos fundamentais diz respeito à necessidade


de prévia observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5.º, LV, da CF) para
a exclusão de associado da pessoa jurídica ou para a aplicação de multa ao condômino
antissocial (respectivamente, arts. 57 e 1.337, parágrafo único, do Código Civil).

De acordo com o STJ, por se tratar de punição imputada por conduta contrária ao
direito, no âmbito da visão civil-constitucional do sistema, deve-se reconhecer a aplicação
imediata dos princípios que protegem a pessoa humana nas relações entre particulares, a
reconhecida eficácia horizontal dos direitos fundamentais que, também, deve incidir nas
relações condominiais, para assegurar, na medida do possível, a ampla defesa e o contraditório.
(STJ, REsp 1365279/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 25/08/2015)

Alguns doutrinadores tratam ainda da eficácia diagonal dos direitos fundamentais, que
nas palavras de NATHÁLIA MASSON 13 serve “para ilustrar a incidência destes (direitos
fundamentais) nas relações entre particulares que não estão em situação simétrica, isto é,
naqueles casos em que um dos polos da relação jurídica se encontra em condição de
hipossuficiência, de flagrante desigualdade fática. É o que se passa, por exemplo, nas relações
trabalhistas e consumeristas”.

Diálogo das Fontes


Outro tema relacionado à constitucionalização do direito civil é o diálogo das fontes,
tese14 segundo a qual as normas pertencentes a ramos jurídicos distintos não devem se
excluir, mas se complementarem. Reforça a premissa de que o ordenamento jurídico é uno e
íntegro, sendo a divisão em “ramos” e “matérias” concebida para fins puramente didáticos e de
organização legislativa.

Uma vez que todas as leis retiram seu fundamento de validade da Constituição,
buscando concretizar os direitos fundamentais nela consagrados, os diferentes diplomas legais
de direito privado (Código Civil, Lei de Locações, CLT, Código de Defesa do Consumidor, Estatuto

13
Nathália Masson. Manual de Direito Constitucional. 2020. p. 253.
14
Desenvolvida pelo professor alemão Erik Jayme e trazida ao Brasil por Claudia Lima Marques, professora da
UFRS.
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da Criança e do Adolescente, etc.) devem ser interpretados de maneira harmônica e


complementar, com a possibilidade de aproveitamento recíproco de institutos e regras.

Esclareça-se que o diálogo das fontes não se restringe ao direito civil e demais ramos do
direito privado, podendo também ser realizado na seara do direito público (a exemplo do
frequente diálogo realizado entre a Lei da Ação Civil Pública, Lei de Improbidade Administrativa
e a Lei de Ação Popular, no campo do Direito Processual).

No âmbito do Direito Civil, o principal exemplo de aplicação da tese em comento


fornecido pela doutrina é a possibilidade de aplicação de normas do Código Civil em contratos
de consumo, quando as regras deste diploma forem mais favoráveis ao consumidor do que as
previstas no CDC.

Veja-se que, perante um contrato de consumo, o CDC é lei especial, devendo prevalecer,
em princípio, sobre o regramento geral dos contratos estabelecido pelo Código Civil (critério da
especialidade). Todavia, uma vez que ambas as leis devem ser interpretadas e harmonizadas à
luz da Constituição Federal de 1988, que por sua vez consagra o dever de proteção do
consumidor (art. 5.º, XXXII, da CF), é possível a aplicação de uma norma geral do Código Civil
quando isto se revele o meio mais adequado para atingir a finalidade constitucional (proteção
do consumidor).

Tal raciocínio encontra-se refletido no Enunciado 167 da Jornada de Direito Civil, que
assevera que “Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica
entre esse Código e o Código de Defesa do Consumidor no que respeita à regulação contratual,
uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos”.

Percebe-se, como observa FLAVIO TARTUCE, que o diálogo das fontes pode ser
concebido como um novo método para evitar e solucionar antinomias jurídicas, que
atualmente convive com os metacritérios clássicos descritos por NORBERTO BOBBIO
(cronológico, hierárquico e da especialidade).

Destaque-se, por fim, que existem julgados do Superior Tribunal de Justiça que
mencionam expressamente a teoria em comento. Efetivamente, segundo a Corte Superior,
promovendo o necessário diálogo das fontes, tem-se que o Estatuto da Advocacia não é de
todo inaplicável aos Defensores Públicos, dada a similitude com a advocacia privada das
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atividades que realizam. Dessa forma, impensável afastar, por exemplo, a inviolabilidade por
atos e manifestações (art. 2º, § 3º, da Lei 8.906/1994) ou o sigilo da comunicação (art. 7º, III).
(STJ, REsp 1710155/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
01/03/2018, DJe 02/08/2018)

Por hoje é só. Até a próxima aula!

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