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RCEBXSTO E SENHOR DE
lGA PR IMAS DAS ESPANHAS ví»Silírv

PeparficJa em leis huros com a íoleni-

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dade dc íu a ire sladação

Br Frei Luís Caeegas da meímaOrde
ScCionifta delia mPiouincradcIòrfugal .1 -

Cfeformada em éslito Cr ordem Lfamphada\

emJucejjos Oyartiadandades de nouo achada. s

per Frei Fins de Soufa da mefma Or¬

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dem iy filho do conuento de
OpjemficcL^yx— CX )
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Imjrrejã. m notauel Vílla Je Ptana a cuPla Ja mefma Vtlla
^icttlao C arualho Imj?refJor Je S l*íg. Anno tóif O
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P Or mandado do fupremo
Afflrouaçao do Reuedor.
8c Geral Confelho da Santa Inqui^ão,'
vi efte livro incitulado:vida de D. Fr.Bertolameu dos Marcyres da
Ordé dos Pregadores Arcebifpo & fenhor de Braga, Primas das
Hefpanhasrno qualachey tacas excellécias,virtudes & maravilhas defte
Illuftrifsimo Prelado na dignidade Arcebiípal, no zelo aferuorado da re
formação de todas as dignidades ecclefiafticas, na vigilância de fuas ove
lhas,na religiofa 8c auftera vida,pureza, humildade, ôc pobreza de fua
peífaa,na caridade inflammada com os pobres, na diligencia em extin¬
guir vicios,no cuydado da falvação das almas, & finalmente nas grades
mercês que Deos por elle obrou,que entendo lhe conuem com muyta
propriedade aquelles dous famofos Elogios que dous Illuftrifsimos Pre
lados derão ao gloriofo S.Carlos Borromeu grande amigo defte fagra-
do Primas,pela fympatia que entre ambos avia do zelo fanto do fagrado
Concilio Tridentino:& das mais virtudes que neiles refplandccerão.O
priroeyrolhedàoBifpodom Anconio Seneca no feu livro de vificatio-
ne: & diz afsi. Fuit in fmplicitateprudens,cum mifericordia juitus,cum bumi-
htate magnanimus,cum ‘gelo difcretus ,Domimci gregis beneficuspãflor,m ui-
tijs euelledis uirga uigilanspn correãtone beneuolus, in judicio juftus t in puni-
tionepius Jiuman# fragilitatis compatiensycuntimaci<e uindex, cum pietateju-
JluSy cu m anfuetudine feuerus, difciplinó dem% populo tf clerofalutaris diliges
cujlos tf conferuator. O outro Elogio deu ao mefmo Sãto o Cardeal Pal-
leottonofeu Iiv. Archiepifc.p,4.& he efte.Fera dignitatis Epifcopalis for*
ma nouaprabens quotidie exempla uigilanti<syfollicitudinisyrerÍi uléjhum cupi-
ditatisjtf humanarum difplicentU yin omnium rerum uarietate conHantU.
E que lhe conuenhâo eftes 8c outros iguaes louvores confta defta vida
farnofa que o autor nclla cô muita eloquência refere. Pelo que me pa re-
ce que fera efte livro hú efpelho claro & refplandecente pera todos os
Prelados da Igreja Católica, em que vejão as pcrfeyçóes que illuftrão
fuas dignidades: & aos religiofos,& fectilares de grade edificação & exé
plo>pera com puntualidade fanta guardarem as regras de íeus eftados.
No qualfe vè jútamente,q Deos NoíTo Senhor nãofòquiz illuftrar efte
grãdePrimàs có milagres maravilhofos, mas pera que fua vidafoffea
todos hu vivo eftimulo de virtude & perfeição,& recreação efpiritual
8c temporal lhe deu tal eferitor, o Padre frey Luis de Soufa,quc em tu¬
do o que efereve del!e,tem toda a perfeição, que defejar fe pode em hu
verdadeyro hiftoriador.E afsi he dignifsimo que fe imprima muytas ve¬
zes pera gloria de Deos, 8c bem de fua Igreja & honra da fagrada Reli¬
gião dos Padres Prégadores, 8c de coda nofta Lufitania. Em efte noííb
* Convento
Convento de São Frâncifco de Lisboa a dezanove de Março de mil &
feilcentos & dezanove.
Frey Andre da Refurreiçao.

V Licença do San to Officio.

Ifia a informação podefe imprimir efie liuro da vida de Dom
Frey Bertolameu dos Alartyres: defpois de imprejfo tor¬
ne a efie C onfelhoparafe conferir como original,&fedar hcençape
ra correr: tf femella nao correra. Lisbcaaos 2 /. de Alarço de
1619.
Bertolameu da Fonfeca. Antonio dias Cardofo.
Fr.Manoel Coelho. Gafpar Pereira. D.Francifco de Bragança

O VE
Licença do Faço.
fe poíTa impii nir efte livro da vida do Arcebifpo Dom Fr.
Bertolameu dos MartyreSjVifta a licença que fe offerece do Santo
Officio: & antesde fe começar a imprimir fe averâ licença do Or
dinario de Braga,onde fe diz que fe ha de imprimir. E defpois de impref
fo,& antes de correr tornara a efta mefa pera fer tayxado. Em Lisboa
a z4.de Março de 619.
L,Machado. Francifco Va& Finto. Monis.

Licença do Ordi nario.

D Ou licença pera fe imprimir efie liuro. Braga 12. de Junho

de 61 p. Gafpar do Rego da Fonfeca.

E Licença para correr.

Stà conforme com o Original,&:podefelhe dar liçcnça pa¬
ra correr. Em efte Convento de S. Francifco de Lisboa a 15,
de Novembro de 6*9. Fr.Andreda Refurreição.

T TAXA.
Axao efie liuro da vida de Dom frey Bertolameu dos Mar-
tyresem^foo reis empapei Lisboa 1 j. de Nouembro de
6\p. Francifco V az Pinto.
Appro-
 V jífprottdçoes da Ordem.
I efte livro dàntes eftando compofto peio Padre frey Lais Caf-
fegas,& agora o vi de novo por mandado do noífo Padre provin¬
cial emendado & acrecentado pelo Padre frey Luis de Soufa: &
âindaque devemos muyto à boa diligencia com cjue o Padre frey Luis
Caííegas ajuntou a morparte da fuftancia defte livro, devemos mais à
ultima mão que lhe deu de novo o Padre frey Luis de Soufa peio eítilo
alevantado com que faz a hiftoria muy grave, & deleytofa & muy de-
vota.Poronde me parece que fera de muyca edificação pera os fieis &
de muyto exemplo pera os Prelados.

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Frej Agoflinho de Soufa.

P Or comiíTao donoíío muyto Reverédo Padre Provincial frey Tho

mas de Brito Meftre em Santa Theologia, & deputado do Santo
ofíicio, vi efte livro da vida do fenhor dom frey BertolameU dos
Martyres Arcebifpo Primas das Hefpanhas de eterna, & gloriofa me¬
mória,de novo hiftoriado,emendado,& acrecensado pelo Padre fr. Luis
de Soufa,oqual eu por comiííão também de noílos Prelados tinha vifto
na primeyra compoficão do Padre frey Luis Caííegas. E em nenhua
delias achei coufaalgúa contra noíía fanta fè, & bos coftumes: antes
muytas pera exemplo,& edificação,dignas de tão Santo Prelado como
piamente podemos crer que foi;& que ferãoocafião de Deos fer louva¬
do em feus fantos. A ambos os autores fe deve louvor por efta obra. Ao
primeyro,pelo muyto trabalho que teve em ajuntar as grandezas defte
Santo Arcebifpo,que por muytas partes andavão efpalhadasrem defco
brir os particulares acontecimentos de fua vida; & na grande diligencia
em averiguar a verdadeiao fegundo,na boa difpofição das coafas: na ef-
colha dellasma gravidade,& excellécia doeftilo: em emendar,& defco
brir novos cafos, com que a obra ficou acrecentada, & perfcyta. Pode¬
mos dizer que fe ouverão ambos na compofição defta hiftoria ,
corno os amigos do efpofo divino nas joyas que prometerão à ef-
poza; murenulas aureas faciemus tibi uermiculatas argento. As peças
CA9ttU crao de ouro , mas pera realçar , era neceííario fazerfelhe por cima
Piivl. cerco lauor de prata , a qual (como diííe Plinioj entre todos os
: a metaes
 metâcs he aqne roais lufitra,& na cor he mais femelhante a luz do dia.
Ouro, &demuytos quilates,era a primeyra coropoíição: luz querno-
ftrava muytas excellécias deite Santo Prelado: porem faltavallie o lavor
da prata:era luz,mas da madrugada. Afegunda coropoíição deu o Iu-
ítre,& realçou o ouro,foy clara luz do diaq deíterrando algúas névoas
fez que fe viííem mais claras as grandezas & foberanas virtudes do nof
fo Santo:& defcobrio muytas de novo. Livrou juntamente aos devotos
& afevçoados do Santo Arcebifpo de poderem com Alexandre cobiçar
pera o feli Santo a pena de Homero. Outro Homero melhor teve o fe-
nhor Arcebifpo, & qual a biitoria pedia,& afsi me parece que redúda-
râ em louvor de Deos,gloria do feu Santo,honra deite reyno,& em par
ticular deita cidade de Lisboa,donde o Santo foy natural, & credito de
noífa Religião,& Província,pelo q com muyta razão fe deve imprimir.
Em São Domingos de Lisboa a 31 de Ianeyrode 1615».

Frey Antonio de Soufa. Adagifer.

Licença cío Padre Provincial

N Osfrey Thomas de Brito AFeJlre em fanta Theologia. Prior

Proutncialda Ordem dos Predadores neftesreynos de Portu¬
gal, deputadodo S. officio, vifla aapprouaçaodos Padres reue-
dores dou licença ao Padre frey Luís de Soufapera imprimir ejle
Luro da vida do fenhor Arcebifpo do?nfrey Bertolameu dos AAar
tyres Primas das Hef>anhas,t5 lhe mando inmtritum fanãa obe-
dientia que 0 imprima 0 mais em breue que for pofsmel. Dada no
noffo Cormentode Sao Domingos de Lisboa oprimeyro de Feue-
rejrode 1619,
* %

Frey Thomas de Brito

Prior Provincial.

à Camara
A C AMARA- E GOVERNO
DA NOTÁVEL VILLA DE VIANA:
E A TODA A MAISNOBREZA
& povo delia.

Frey Luis de Soufa S.

-Ffereço a Vs. Ms. neíle livro a vida do noíTo, ou pera melhor

dizer do feufanto Arcebifpo Dom frey Berrolameu dos Mar
^ .. . tyres. Afsi o fouberão Vs. Ms. amar em vida. venerar def-
lISllÉII pois de mortorafsi o fouberão eftim ar vivo, & abraçaríe com
fuas reliquias defpois que fcu efpirico.as deixou , que nos fazem enveja,
& não fei fe diga,vergonha aos que por hirmandade de habito & pro-
fiííaÕ devíamos nq mefmo aventajarnos, quando eílremos não fizera-
mos. E nao peço perdão aos meus de fallar afsi. Porque ninguém entre
nos pòde negar que fahir oje a luz efta memória de fuas gloriofas obras
fe deve mais às inftancias de Vs. Ms. que a noífa diligencia. Seja humil-
dade,ou pejo natural de celebrar coufas que tornão em louvor proprio;
feja confiança fobeja,ou generofidade de ammos; quefxa he antiga dos
filhos delta Província fermos pouco cuidadofos em defenterrar, não fò
cm liluítrar & levantar com meyos &c cores efludadas as maravilhas de
valor & fantidade que Deos nella nos tem dado. Sintindo efte defcuydo
o devotifsimo Padre Fr.Luis de Granada, começou quaréta annos a traz
& ainda em vida do Santo a hir apontando algúas de fuas virtudes & o-
bras eroveas. Mas defemparou a vida a elle primeiro que ao Arcebifpo,
& ficarão entre os borrões as poucas que tinha notado. Defejoufe novo
eferitor por morte de ambos:tomou o negocio apeito peííoa digmfsima,
qual era o Bifpo de Vifeu Dom frey Antonio de Souía, por letras, por
engenho & eloquência,bem achado Homero pera tal Achilles. Porem
foy defejo fem effeito: porque a poz os cuydados daJPrelacía , foy Íaltea-
do de infirmidades,& logo da morte,ordinário termo delias. Daqui de-
eeoo cargo,&o cuydado ao Padre frey Luis Ca cegas, que como Cro-
nifta,que era da Província,foy follicito inveítigador & averiguador das
coufas que avia do Santo,& encheo delias hum crecido vo!ume:no qual
avia algús annos que também eítavão como enterradas,quando Vs.Ms,
no anno de 6i6.vendo paliados vintefinco defpois de fua morte , & feis
defpois da tresladacão começàró a inílar & requerer % por não dizer ef-
r pertar
pcFtar,osnolTosPâdres,que iião deixaílemos perecer hua memória de
tanta honra noíTa, & gloria de toda a Religião & do reyno. E porque fe
nao diffeíTe que erão vozes fem obras,ou vontade fem braços, nãó con-
íintindo que de noíía parte fe pozeíTe mais que mãos & cuydado acudi¬
rão logo a Lisboa com o culto da impreíTaó liberal, & eíFedlivamente:
Sc afsi moítràrao que não fomente nao devemos por em duvida fe heo
Santo feu,ou noíTo,mas que a verdade he fer mais propriamente de Vs.
Ms. que noílo. Com dtes penhores de verdadeira devação fe deu por
tabrigadonoíro Padre Provincial a mandar ver com prontidão o eítado
dos efcritos do Padre Cacegas. E parecendo que o que citava feito não
era tanto hiidoria formada,como materiâes juntos para fe formar edifí¬
cio de boa hiítoria, aifencou & mandou que foiTe eu o Archiredto, & o
alvener que de novo a traçaífe Sc alevantaíTe. Eavendo dous annosq
ando com as mãos na obra, venho agora de feu mandado prefentallaa
Vs. Ms. & juntamente reconhecer com as devidas graças, que fò a Vs.
Ms. ficará devendo a noíTa Religião em particular, & o mundo em geral
todos os bés que delta lição nelía Sc nelle refuitarem: que efperamos fe-
jão muitos Sc muito grandes polos famofos exemplos de virtude Sc fan-
tídade que por toda vão femeados. E pera que Vs. Ms. eitimé iíto mais,
& notem com animo Chriftão & lembrado como paga Deos qualquer
ferviço que fe lhe faz em honra de feus fervos Sc da Religião,ordena fiu
divina bondade que eíte que Vs. Ms. lhe fizerãofem ter olho a outro
fim mais,que à mayor gloria do Santo q amão, torna tanto em intãreffe
de feus autores,que fendo vida do Arcebifpo fica jancamente Panegyri-
co de Vs. Ms. Sc Crónica delta vilia. Porque nelia acharão Vs. Ms. def-
cuberta Sc apurada a alta antiguidade do nome Sc fundação primeira
delta vilia,Sc o illuítrc tronco dos moradores delia, com a fantidade &
valor de tres infignes Martyres que com gloriofo fangue regarão fuas
praças nos tempos da Gentilidade antiquifsimos. Acharão as muycas
merces Sc favores que feus antepaíTados por merecimento de obras 8c
valor alcançarão dos Reys pera eíta vilia, aventajandoa em differentes
tempos a outras grandes Sc nobres de Portugal, em preminencia de ti¬
tulo,em honra de lugar Sc aífento nos autos públicos do reyno, & o que
be mais,em credito Sc confiança de governo, fiando dos naturaes delia
o cargo de a capitanearem em paz Sc em guerra. Aqui verão Vs. Ms;
particularmente contada a fanta Sc generofa determinação, com que a
nobreza Sc povo delta vilia fe oppoz aos citados Ecclefiaítico Sc fecolar
da cidade de Braga,quando com animo não menos pio Sc digno de hua
tal
hua ta! cidade effícasmente pretendiaoo corpo defuntp de feu Arcebif-
po &fenhor. Aqui reconhecerão & terão fempre prefcntes as grandes
defpez3s,com que todos Vs. Ms. fe empregarão em feftejar fua treslada
çao,que forão excefíos notáveis de amoede liberalidade,& magnificen-
cia.Oque tudo eítendidamêntê relatamos como parte principal defia
hiítoria: baftante matéria pera dar a Vs.Ms. & a todos feus herdeiros
& fucceíTores coroas de immortalidade em todo o tempo & lugar que
feeila ler. E com tudo fendo elTas honras tão merecedoras de íerem efii
madasjfícalhes aVs. Ms. em lugar de outra nova coroa & nova gloria
diante de todas as grandes villas & cidades da Chriftãdade o cuidado q
teverão de pagar com novo genero de agradecimento a cfte grande Por
tugueza efcolha que fez de viver 8c morrer & ficar fepultado entre Vs.
Ms, levantandolhe oje no Theatro do mundo húa famofa eftatoa; eda-
jua pera Vs.Ms. & pera elle, compofta de tal firmeza que vencera em
perpetuidade todos os mármores & bronzes da terra.Porque fendo me¬
mórias de muita gloria para o Santo o rico edifício da fepultura,a fump-
tuofídade das feftaSjO amor 8c contendas por confervação de fuas relí¬
quias: 8c fendo as mefmas de grande nome pera Vs. Ms. 8c não menos
importantes os titulos que poíTuem de antiguidade 8c nobreza, de hon¬
ras 8c privilégios dos Revs; com tudo em quanto não fobião ao ponto q
Vs. Ms. agora lhe fouberao dar, erão huas memórias qnafi da mcirna
eftofa que as Pyramides dos Egypcios,as qua es com ferem de tanto pre
ço que fe fizerão contar entre as celebres maravilhas do mundo: erão
todavia memórias mudas &fem movimento,fogeicas a ruina 8c efque-
cimento,& como mortas.Mas livro eferito he memória viva, & eftatua
animada,com tantas lingoas pera publicar eífas grandezas, como tem le
tras: com tantas azas pera voar 8c as fazer eftimar por todos os fins da
terra,como tem folhas:com tanta vida, pola que recebe 8c renova em
virtude da impreíla6,que fica Fenix na izenção das injurias do tempo
& da idade. E tanto com mayor certeza, quanto neftaobra ouvemais
de religião &Chriftandade de parte de Vs.Ms. & menos de refpeitos
humanos. Aquelle Senhor que tal animo deu a Vs. Ms. lho conferve cõ
grandes adiantamentos de bés & profperidades de toda efta villa , 8c
povo,pera fe empregarem fempre em mayores ferviços feus, Defte C<5-
yento de S. Domingos de Viana 7. de Mayo de 1619,

LIVRO
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LIVRO PRIMEIRO

A VIDA DE
DOM FREY BERTO-
LAMEV DOS MAR.TYR.ES
DA ORDEM DOS PREGADORES,
Arcebifpo, & fenhor de Braga, Primas
das Hefpanhas.
, „ I

'*•
GAP. primeiro:
* ~ * ’ :0

Do nacimento3 & criaçao de Dom Fr. JBertoLmew

dos AFartjres.

£
v A M fe pode duvidar, amara hum , 8c aborrecera ou¬
i
!w> que ha muitas pro¬
y?
s» tro. Sao occultos confelhos, a-
vindas, cidades, cafas, bifmo immenfo de fua incompre-
8c peííoas, que Deos henfivel providencia. Temos
noíTo Senhor por Tuas mifericor- bem claro exemplo no cuida¬
dias favorece com mais parti¬ do , & protecção paternal, com
culares merces,com maiores gra¬ que a Divina Mageftade olhou
ças , 8c prerogativas, que outras. fempre a Igreja de Braga des do
He Senhor univerfal,he tudo feu, dia, que foy fervido fundalla com
do feu dà,& reparte,como he fer¬ a pregação , 8c doutrina do glo-
vido. Afsio diíTe no Evangelho riofo Apoílolo & patrão de Hef-
'jliaíth por boca do Pay de familias, aos panha Santiago, & regalia
ao.
que trabalhavao na vinha. Afsi com o fangue de feu primeiro
o tinha dito muito antes falando Prelado Sao Pedro de Rates (fo-
MxUch. de Iacob , 8c feu irmão : que brenome do lugar do Martyrio)
i. A com
 Livro I. da vida de D , Fr. Bert. dos Aiart,
companheiro , Sc difcipulo dos
mais amados do mefmo Apofto-
lo : dandolhe por codas as idades
efclarecidos , &valerofos Prela¬
dos, qae com fua virtude, Sc fan-
tidade eftabelecerão aquella ca¬
deira, & Primada de Hefpanha:
muytos dos quaes eftão oje re¬
cebidos, & honrados por Santos,
pola Santa Madre Igreja de Ro¬
ma : Sc provendo a em noíTos
tempos de hum Arcebifpo de
tal valor , que não Có foy pode-
rofo pera reformar a Religião
defcayda , Sc emendar os co-
ftumes defcompoílos do clero, Sc
do povo, Sc reduzir todas as leys
divinas a fua antiga pureza , em
fuaDioceíi: Mas ainda na Igreja
úniVerfal foy de tanto peio feu vo
to , & zelo na grande occaíião do
Santo Concilio de Trento, que
por voz»Sc fama publica fe lhe a-
tribuem muytos decretos Santos
com que oje a Chriftandade fe
governa. Tal pera confígo de
fuas portas adentro, que temos
em fua vida, os humildes religio-
fos, hum efpelho de perfeição mo
naítica: Tal das portas afora no
governo de fuas ovelhas, que to¬
do Prelado achará nelle hua re¬
gra , Sc modello vivo de perfei¬
to mi nifterio paftoral. Afsi foube
vnir em hum mefmo fugeito a
Pontifical Ograndeza com a hu-
mildade religiofa. Efte foy Dom
frey Bertolameu dos Martyres,
cuja vida com o divino favor pre¬
tendo efcrever. E como a hifto-
ria feja meftra da vida, & por tal
fe deva ler Sc eftimar, nao fó pera
paliar o tempo ociofamente: e-
ítou perfuadido q fera efta de gra¬
de utilidade pera todos: baftan-
te rezão pera não pedirmos per¬
dões, fe a efcrevermos hum pou¬
co mais eftendidamente, do que
porventura permitem as leys da
liftoria. Mòrménte, que juntan-
dofe fer Religiofo da Ordem que
profeílamos, amigo, Sc conheci¬
do, Sc Português, deíeitafe o ani¬
mo, Sc a pena, corre de vontade,
como em caufa própria, mas po¬
dem eftar certos os leitores,
que não fera parte efte gofto,
Sc afleição , pera que fejamos
atrevidos no contar. Efcreve-
mos entre muitos vivos que
conhecerão , Sc tratarão efte
Prelado, Sc os que o não virão,
nem tratarão , íàbem fuas cou-
fas tão de perto, que não pode¬
mos dizer nenhua, que não fe¬
ja fabida , de quaíi todos por
narração muy frefca , Sc certa,
dos que o alcançarão. E com
tudo fizemos em todas baftan-
tes diligencias .* que ainda que
não andamos tantas terras, co¬
mo Polybio de fy afíirma, dizen-
donos que foy reconhecer os Al- Ub-y
pes, pera poder ao certo, Sc com
juizo efcrever a jornada, que por
elles fez Anibal paliando a Italia:
Corre-
 jircebifyode Braga, Primas das Hefpanhas.
Corremos peííoalmente todas
as terras de entre Do iro & tyres de Lisboa, q vulgarméte
Minho embuíca de peííbas de
importância, de grande virtu¬
de, &: credito: hdas que o acõ-
pmhàrao, outras que o fervi-
rão de portas adentro, Sc em
cargos de fua relação,& admi-
niftração Eccleíiaíbcarfò afim
de nos certificar de particula¬
ridades, em que tínhamos du¬
vida, Sc nos confirmar nas cou
fas íabidas, Sc alcançar outras
de novo. Que na verdade ef-
crever hiiloria com as partes
que elia requere, he mais obra
da providencia divina, quede
forças humanas. Porque cofí-
derãdo o trabalho do efcrever,
Sc os defcontos que a efcrita-
ra (inda que feja a mais acerca -
daj tem por prémio de juyzos
torcidos, & muytas vezes erra¬
dos de quem lé: fenão ouvera
inftin&o do Ceo, que movera
efpiritos, fora impofsivel aver
nenhum fizudo,que fefogeità-
xa a tamanha carga. Deíla co¬
ta ficamos fòra os Religiofos:
porque o que fazemos, & o q
não fazemos,tudo pende de o«
bediencia : Sc nella confiança
animofamente foltamos ave¬
la. Tenho que íerà coufa agra
davel, Sc não defdirà com a o-
bra, trazermos a luz neífe prin
cipio delia hua notável antigui
dade da origem, Sc fúdação da
2
Igrej 1 de N. Senhora dos Mar-
cham imos das Mtrtés: vifto
como foy morada & freguefia
dos pays do Arcebifpo,& a cm
que elie recebeoo primeiro fer
deChriftío pelo fanto Bauttf-
mo, Sc dõdequiz tomar o ape¬
lido, que por coda a vida cõíer-
voa , Sc amou. Concão as hi*
ftorias defte Rey.10, que eliley
Do n Aífbnlo A iriq lez , pri¬
meiro, & mais antigo dos que
nelie contamos s defpoís de ter
ganhado aos Mouros a mòr
parte das terras de Portugal,
de que erão fenhores, quando
herdou o Reyno, avia por afrõ
ta fua poííjjrem Lisboa,que fò
por fy era outro Rsyno:& refo
luto em a conquiilar,ou deiicat
a vida na emprefa, jurou as for
ças do Reyno,& quãdo menos
era efp rado,entra pola cornar
ca de Lisboa levando a ferro,
Sc fogo quanto fe lhe opunha,
Sc breveméte foy íenhor de to
da a terra atèos muros da ci¬
dade. Era o campo que feguia
a elRey muy defigual, Sc min-
goado pera o feito que levava
na imaginação, fe bem pera o
que então era Portugal, aífaz
crt cido. Mas aquelle Senhor, Pf0ve7
que tira Sc dâ os reynos como biot. s.
he fervido, lhe facilitou a em*
prefa pollos meyos que menos
cuidava. Não erao paliados-.
A z muyros
 Limo I. da vida de ZX Fr. Bert» dos JMart.
muytos dias defpois de toma¬
do o caftello de Cintra, quan¬
do amanhecem fobre aRoca
hum groíTo numero de velas,
que cobnãoo mar. Mandadas
reconhecer, foube que vinha
nelfas hum bom exercito com-
pofto de varias nações,France-
fes, Sc Àlemaes, 1 ngrefes , Sc
Framêgos, que paíTavão à cõ-
quilta da terra Santa, gente
bem armada, Sc determinada
a dar a vida pola honra da Fè.
Era General da armâda Gui-
Ihelmo principe Francês da ca
fa de Anjdjbem celebrado nas
hiitorias daquelíe tempo, por
fobre nome Longa efpada>Pa-
receo a eIRey, & aos feus que
lhes acudia o Ceo comíocor-
ro : mandaihe dar conta do
eftado em que fe achava , Sc
lembrarlhe , quam honrofo
emprego reria pera tãoferrrso-
fa armada ajudarlhe a ganhar
aquella c;dade .* Sc. pois hião
embuíca de infiéis, tão longe
de fuas cafas, não feria rezão
deixar quietos aquelles, que
tão perco delias fazião conti¬
nua guerra a feus irmãos, quã-
to mais que a conquifta era fá¬
cil,Como apercaílé o lugar por
duas partes:& a honra grande
de poderem dizer là naSyria,q
antes de faltaré em terra hião
jà cõquiftadores de infieis.Foy
facil de perfuadir o valeroíò ca
valeiro. Entra no rio, lança fua
gente em terra , forrificafe da
parte Ocidétal por todo a quel
le cefo, onde agora he o Cõvé-
tode S. Francifco atè fobre o
mar. Começoufe hum porfia¬
do cerco. A defefperaçao cria¬
va forças,& esforço nos cerca-
dos,defendiãofe, òc ofFendião
denodadaméte: morrião muy¬
tos de ambas as partes, Sc dos
noífos afsi naturaes , como e-
'ílrangeiros, como acometedo-
res,demais expoilos ao peri¬
go,que peltjavão de lugar deí-
cuberto, era ferripre maior o
numero. Bendita morte,que
aos mortos paíTava em hum
momento a g~zos eternosdau-
reados de glorioíb fangiie: Sc
nos vivos acendia enveja,& do
brava o animo. Martyres os
chamavão os côpanhciros, Sc
por Martyres os veneravão: Sc
comoataes foi acordo junta-
mentedambos os campos dar-
Ihesmemoria Sc lugar fagrado
dentro em feus alojamentos na
forma que o tempo permitia.
Começou elRey a Ign j a de S.
Vicente. Fundarão ©seftran-
geiros a de N. Senhora, cha-
rr«ârãolhe dos Mattyres, pera
quê le fez,& a grande antigui¬
dade foy corromper do o no¬
me de Martyres, em Manes,
Sc atè a natureza do articu¬
lo trocou. Neíia fresuefia
crão
 Arcebifyo de B rágã3 Primas das Hefpánhãs.
crao moradores Domingos
Fernandez, Sc Maria Corrêa
fua molhcr, nacidos ambos no
lugar da Verdelha termo da d
»>
dade, de gente boa, Sc limpa.
Vivião abaílados de bes da ter
ra, Sc não tinhao menos do
Ceo : porque erao muyto vir-
tuofos, Sc devotos ,& dotados
de hua particular inclinação
de partir do fen co os pobres.
Efta fingular virtude da cari¬
dade lhes quiz noíTo Senhor
pagar, polo muito que a efii-
ma,dandolhes hum filho tal q
foíle eftremo nella, Sc hora Sc
alegria delles. No mez de Ma-
yo dos annos do Seííor de mil
1 5 1 4- Sc quinhentos & catorze, rey-
nando em Portugal eíReyDo
Manoel vnico deite nome, Sc
prefidindo na Igreja de Deos o
Papa Leão decimo, pario Ma¬
ria Corrêa hum filho.que bau-
tizàrão
1
na fua Igreja
Ç
& íregue-
O celebrada outra Cruz,que íe a- tmprato
fia, & chamarão Bertolameu.
Naceo efte minino com hum
notável final, Sc bem illuítre
pronoítico do que aula de fer
delle ao diante. Tinha na mao
direita fobre as cofias delia na-
turalméte impreífa hua Cruz,
florida de quatro flores deiiz
nos quatro remates, como fei¬
tas de pincel,& da mefna for¬
ma,que faõ as que uzao osCo-
mendadoresde Auís,&asque
andão nas drnías da noífa Or-
I
dem.Reprefentava a carne na-
quelle debuxo hu callo duro,
Sc relevadode cor branca : ou
hu debrum,que fica em fenda
mal curada:& nao cra maiorq
hua pollegada, mas tão perfei¬
ta, Sc difimta & be proporcio¬
nada,que bem moftrava íer o-
bra do Autor da naturtza.Mui
tas vezes acontece hõrar Deos
com fioaes anticipados os que
tem efcolhido pera fere infig-
nes no mundo. Afsi aísinalou o
nacimento dc S. Carlos h rce-
bifpo de Milão cõ hua luz ma-
ravdhofa,que tornou em claro
dia,a noyte q naceo no caticilo
de Arona jCuo do Lago mayor
em Lombardia. Afsi tinha afsi-
nalado muitos íeculos antes, o
de S. Ambrofio feu anteceffor
co enxame de abelhas, q o co-
bdo no berço. E nas Crónicas ?•
de noíío padre S.Domingos he je CJ}_
chou cõ poufca d ff,réça deita lil" '• de
fobre o peito de Fr. Voíado re- e-
lig!ofo deita Orfê na hora de
fua morte.O que nòs achamos Albmo
degrade maravilhanefie final, hb.^.aos
Sc nao menos louvor de quem z,jr^es H
o teve,he, q vivendo 76.annos l'JíreíeiA
o guardou òc encobno co tan- caful.na
to recato, q quãdo chegou a fa Cron. da,
lecer hfia Jò peffoa era íabedo- 0r^ 'f*
ra dellerq foy hum Coaego de ól?
Braga, q fora feu criado, Sc cu-
bicuiano,è 0
rezara cõ elle algús
o
A 3 tepos
 Livro J. da vida de D. Fr, Bert. dos Aíart.
tépos, & podia cõ eíla ocaíiáo
verlhe as mãos, denotar o final.
E foy Deos fervido, q fe achaf
ie elte padre em fua morte pe¬
ra o revelar a dom frey Ago-
ítinho de Caítro, Arcebiípo
feu fuceífor, Sc aos Religiofos
que com elle íê acharáo (como
ao diante fe dirãj Sc com difsi*
mulação tomandolhe a mão
moítrallo a todos. E todos o
eftiveraõ notando, & coníide-
rando com curioíídade as par¬
ticularidades que temos referi-
do:as quaes cõtou defpois miu
damente aquemiíto efcrevia
o mefmo dom frey Agoítinho
em Braga,àlédoteftemunho
dos noífos Rehgiofos.Mas efta
maravilha me caufa a mi outra
maior, que he fer tal a cornpo-
ftura,& gravidade deite varão
que nao teveífe em tatos anos
de vida mais que hua fò tefte-
munha de hua mão defcuber-
ta. Outro fuceífoouve na cria-
çaõ deite minino,muito de no¬
tar: de que não fizéramos tan¬
to cafo, fe os tempos não vic-
rãodefpois a confirmar,que
foy coufa mais que ordinaria,
Sc não carecente de miíterio.
Criavao a mãy a feus peitos co
cuydado de mãy, Sc mãy de
grande virtude. Eftava fogida
da pelle,que ardia em Lisboa,
em hum cafal, que tinhão no
lugar da Torrugem, limite de
Oeyras, quaíi tres legoas da ci¬
dade. Era fobre tarde, tinhao
nos braços à porta do cafal:
chegou hum homem no trajo
pobre mendicante,no íembrã-
te eftrangeiro, & pediolhe ef-
mola.Emquãto lha mandava
dar foy coufa de efpanto, & q
deu muyto que cuydar à mãy,
Sc aos de cafa, o que viraõ no
minino. Encarou no pobre to¬
do rizonho, todo alegre, deba-
tédofe pera elle,& feíiejandoo
com as mãolinhas, boca, Sc o-
Ihos,como fe fora hu dos mais
conhecidos de cafa:& em quã-
to o pobre fe não ddpedio,nao
defviou os olhos delle,nemdei-
xoudeoeftar agafalhando co
aquellas innocetes moftras:fen *
doafsi,que femelhantes viítas
faó o coco, com que as amas af
fombrão, ou acaíentão os mi-
ninos deita, Sc ainda de maior
idade. Dadaaefmola, diííeo
pobre à mãy , que criaíTe com
muyto cuydado aquelle mini¬
no, & como foífe mayor o en-
caminhaífe para as letras,por¬
que lhe fazia faber, que nellas
feria eminente, Sc andandoo
tempo viria a fer hua grande
coufa na Igreja de Deos. Def-
pediofe, Sc o minino como o
perdeo de vilta, virou pera a
mãy pendurandofelhe todo do
pefcoço com outras tantas, Sc
mais feitas: & forão ellas taõ
extraor-
 Arcebifyo de B rapa, Primas das Tíefpanhas.
extraordinárias 6c defacoftu-
madas, que a obrigarão a jul¬
gar, q erão huas fignificações,
6 c genero de agradecimento
da eímola que fizera ao pobre,
de cuja viíla tanto Te agradara.
Mas fe he licito fazer juizo,qué
teve poder para fazer taes ef-
feitos em híia criança de peito,
Sc pronolficar tanto datemao
coufa em que tão inteiro cum¬
pri meto vimos, mais devia fer
que homem ordinário. E fe af-
íi foy,como parece, jà ífto erao
luzes do Ceo,8c da graça , que
começavao a allumiar aquella
alma.Saydo das mantilhas foy
logo dando mollras, de como
Deoslha hya difpõdo perafy.
Era grande o goldo, que tinha
de o levarem à Igreja: & nella
afua vida era, andar de alçar
em altar, parando com atten-
ção em cada imagem, 6c reve¬
renciando todas, fornado pe¬
ra cafa em aparecendo pobres
ellc era o requerente da efmol-
la, elle o que com alvoroço, 6c
alegria lha levava, 6c crecendo
na idade crecia jútaméte na ca
ridade, 6c devação.
CAPITVLO II.
Como começou a aprender as
primeiras letras, entrou
noefludode Gramatica,
SStomou o habito de S> -r -««fi
Domingos,
£ muitos Santos le¬
mos,^ o começarão
râ D'
a fer,aindanoberçOi
SH®®® Afsi madrugou ne-
fte minino a inclinação às cou-
fas da Religião,6c da lgreja.In-
da não tinha idade pera étéder
6 cdifcernir,jà afsiilia a húa Mif
fa cò tanto fifo, 6c com tanta
quietação, que dava que falar
aos que o viao, moftrando na
aplicação,que não ignorava de
todo o que aly via, 6c ouvia.
Em cafa, a peíàr de idade tão
tenra,de nenhua couíã fe dei-
xaua levar daquellas , a que os
mininos faõ affeiçoados. Os
brincos,os jogos, os paífatem-
pos pueris,traz que aquella ida
de corre fem pejo , 6c ainda
fem malicia, parecia que a na¬
tureza o criara izento da incli¬
nação delles. Era vergonhofo,
6 c encolhido. Continuava na
efcola de ler, 6c efcrever a fe-
mana toda, fem fe atrever a ou
tro caminho,fenão era, quan¬
do a mãy piadofa o emprega¬
va em levar alguas efinollas fe-
cretas a peflbas de refpeito, o
que ella muyto de ordinário
fazia, 6c com aíTaz liberalida¬
de. Ao Domingo, 3c dias San¬
tos acudia à fua Igreja das Mar
tés, 6c nella afiuília toda a ma¬
nhã com alegria, 6c efpirito.
Prègavão naquella freguefia os
Religiofos de S. Domingos,via
A 4 dc
 LhtroIJd vida de D.Tr.Bert.dcs Mart.
de confino aquelle habito, ou¬
via aquella doutrina, hiafelhe
afife» çoando. Sabia jà ler, 8c ef-
crever, & hia defcubrindo jui-
* zo, & madureza. Como via os,
noífosReligiofos na Igreja,che
gavafè aelles, acõpanhuvaos.
A fuas pregações eitava tão at-
tento,que os admirava fua prõ
tidão.Se os encontrava na rua,
não podia difsimular a alegria,
recebia em os ver. Notarão
itto os Reiigioíos,advirtiráo ao
pay,cjue ajudaíTea boa inclina¬
ção do filho , & não tardaffe
em o fazer eíludar.Dura j irdi-
ção.por nao dizer tyrania5exer
citãooje muitos paysfobreas
condições , & natureza dos fi¬
lhos. Em nacendo, jàfazé a hú
clérigo , a outro frade, a outro
foldado: de efpreitar a inclina¬
ção 8c geito ç|ue cada hum te
pera as coalas, não ha tratar.
Afsi fica maok trado o que fo¬
ra bom çapateiro,& não he bo
foldado, o que fora bom reli-
giofo. E daqui nace aver oje
tão poucos pays, quefe gabem
de filhos amigos,& obediétes:
porque como todo feu intento
foy fundado em lhes negocear
pão temporal, com menos pro
vidência do efpiritual, he per-
miífaõ divina que pague o er¬
ro com receberem delies tem¬
poralmente muyta defconfola-
ção.Não fe fez afsi com Berto-
lameu : logo foy mandado ao
eíludo. E logo moílrou quan¬
to importa correr traz a boa in
clinação.Inda não tinha perfei
tos quinze annos, já era valete
orámatico.
O
Tinha rara babili-
dadejuto com felicifsima me¬
mória: Não lhe faltava diligé-
cia, 8c cuidado nacido da virtu
de : que nao alcanç ria? Para
lhe íuceder tudo melhor aju-
davafe de hu fanto exercioo.
Tinha hum avoo velho 8c ce¬
go. Quando hiapola manhaã
pera caia do meifire fquena-
quelle tempo cinhão as letras
muy poucos profeííoresj guia-
vao de caminho atè a Iartja O f
das Martés,ouvia Mina,-& dei-
xauao na igreja. Acabadas as
horas da lição tornava por ella
&!evaua o feu velho pera caía.
Com eftas ajudas de eufta eílu
dava pera poder dizer já na-
queUá idade : Oculus fui coeco: l0’J'
fervi de olhos a hum cego.Era I?’
jà bom latino: acudialhe o Se¬
nhor com fantas infpirsções:
8c efhva refoluto em bufear a
Deos na Religião: detinhao fo¬
mente hum pejo natural de a-
cometa* por íi tamanho nego¬
cio : entretanto continuava co
grande afifeição no noílb Con¬
veio, & cõ os Religiofos. Afsi
andou algus dias em cõtendas
comíigo,alegre com a determi
naçãa3tnlle porque a não aca¬
bava
 Arcebijbo dc Braga, Primas das JPcÇpanhas.
bava de executar:atè que hum
d;a de S. Maninho do anno
de mil, & quinhentos 6c vin-
toito,achandofe no Convento
íintio em fy hum tãovehemé-
te impulío de acabar de dei¬
xar o mundo , 6c romper por
t'udo,que não lhe podendo re-
fiftir fe foy aó Prior, & cõ pou¬
cas palavras, que íua modeftia
atalhava, & deixava mal pro¬
nunciar, lhe deícobrio fuaten¬
ção-, & dcfejos,pedindo perdão
delles , como de hum grande
atrevimento. Era o Prior frey
Iorze Vogado,Meftre é Theo-
logia , que muitos annos fora
Gonfèflor,& Pregador delRey
Dom Manoel, doóto, 6c expri-
mentado prelado : 6c ainda q
entepdeo do rofto, 6c das pa¬
lavras do moço,&. do geito, 6c
fervor com que as dizia, que
vinha guiado doEfpiríto San¬
to,quiz como prudente meter
maisa mao nede, & ver felhe
defcubria al-gãa leviandade,ou
movimento pueril debaixo da-
quelia compaíiçãa. E defpois
de algúas perguntas, que lhe
fez de fua vida, 6c coftumes,
pozlhe diante o rigor,6c aufte-
ridades da Ordem , declaran-
dolhe por extenío a obrsgrção
do peixe continuo, 6c dos jejús
prolongados,as v!gias cotidia-
nas,o fiicncio, a pobreza, o ci¬
licio perpetuo no veftido, 6c
/
na cama: tudo violencias,queT ,
brantadoras de qualquer i»a-
tureza muy robufta, quanto
mais da de hum minino , que
àlem de o fer,reprefentava có-
preiçãofraquinha. Aísicomo
o Prior lhe hia propondo eftas
coufas , aísi lhe hia lendo no
rofto as diferenças de effeitos,
que lhe caufavao dentro na al¬
ma. Iá fe inflamava todo cjui
a relação dos trabalhos alvo-
roçandofe pera fe ver com el-
les a braços:ja fe infiava,& per
dia as cores com rnedo defec
engeitado por frac>,ouvindofe
julgar portal .Como teve lugar
de refponder;Padre, difte,tra¬
balhos bufeo, 6c aborreço mi¬
mos : por fogir de mimos que
me foDejao, 6c provar traba¬
lhos,que deftjo, 6c fey que pe¬
ra a íalvsção me íaõ necefla-
rios, bufeo a Pudig*ão. Não te¬
mo efles, nem me affombra-
rão outros maiores,quenáoha
corpo fraco,onde o coração he_
forte. Edificadõlícou o Prior>
não fò fatisfeito do que acha¬
va no moço, chamou o meftre
dos noviços, 6c algus padres
outros que o examinaíTem na-
latinidade,achàrãolhe fufhcié-:
cia, & agudeza de engenho.
Chegàrãofe outros padres que
o conhecião,& informarão de
fuas partes. Tudo juto íoy cau
fa defe determinar o Prior em
* **
nao
 Liuro I.da vida ãe Z). Fr.Bert.dcs Aíart.
nao atalhar aquelle fervor,ne
perder a ocaíiaÕ de ha fogeito
que por onde quer q o tomava
lhe enchia os olhos.Tomou lhe
os vo tos, Sc logo no mefmo
dia defpois de Completas lhe
lançou o habito com tamanha
coníblaçao donoviço,que não
podia crer o que via. A criação
que nos tempos paliados ti-
nhão os moços nefte Reyno
era tao auílèra , Sc tão confor¬
me com as regras de prudecia
que dahi nacia fahiré na guer¬
ra valentes,& animofos, Sc na
Religião fabios, Sc penitentes.
Começou Fr. Bertolameu íeu
noviciado defafombradamen-
te , porque a boa criação, Sc o
defejoque trazia de fe ver em
lugar onde pudeíle fazer algúa
coufa por Chriífo, a quem to¬
do fe tinha em fuaalma dedi¬
cado , lhe facilitavão o traba¬
lho de maneira, que não fe c<5-
tentava com os exercícios or¬
dinários de mortificação,& pe
nitencia: fenao, que a todos a-
crefcentava algúa coufa. O feu
jejum era mais eftreito, afua
difciplina mais rigurofa, Sc fe
tinha lugar, mais prolongada,
o filécio inviolavel.Sempre fur
tava ao fono, ou pera dar aos
livros de devação,ou pera fer o
primeiro no oratorio: & des de
então começou o que defpois
vfou por toda a vida, que eta
' e
ter búa efcudella de agoa ã ca-
beceira,pera fe fervir delia co-
tra a força do fono. Nos exer¬
cidos mais humildes,ornais
ligeiro, Sc mais diligente, Sc
íèmpre alegre em todos. Em
fim tal vida começou a fizer
quinze annos de idade, como’
fetevera perdido muytos em
vicios, Sc collumes eífragados
no mundo, & aborrecido del-
les,&defenganado dellefere-
colheraa fazer penitencia, Sc
tomar vingança de fyno der¬
radeiro quartel da idade.Muy-
tofe contentàvão os Religio-
fos, grandes pronoílicos fazião
de tão bõs princípios : mas era
delgado, & de poucas carnes,
Sc arreceavão que não poderia
chegar com a obra, onde o le¬
vava o animo.Não vivia o mo¬
ço ccm meros cuydado: mas
erão differentes as caufas. Da
imbecilhdade defua natureza.,
nao defcõfiava,porque conhe-i
cia fuasforças,& afsi nãoafro-
xava nos exercidos: defcon-
fiavao, Sc fazia o temer húa
profunda humildade com que
avaliava tudo quanto fazia,por
baixo, Sc imperfeito , Sc não
achava em fy merecimento pe
ra alcançar tamanho bem, co¬
mo verfc profeífo. E quando o
animava algúaefperança, que
cfta em nenhum eífado defem
para hum coração affiígido,
fundan-
 Arcebi^oâeBragdiVnmasdastiejfanhds
fundandofe na virtude,Sc boa co-
dição do meftre, Sc dos Religio-
fos, affligtao a dilação do tempo,
& perfuadiafe que nao corria
noutros annos tão vagarofo o Sol,
nem fohião a fer os dias tao lon-
gosreffeitos proprios deefperan-
ças dilatadas.
CAPITVLO III.
Comofe& frofiJfaOjÇf começou
a eftttdar Artes 3 &
T heoloçia«
m M fina teve o anno fím
fiHP Sc chegotl Deos o no-
m A£3
'*3
fiífaó o mefmo frey Iorze Voga¬
do aos vinte de Novembro do an-
i 5 a Pr no de mil & quinhentos Sc vinte
nove,íendo Provincial neítaPro-
vincia frey Manoel Eftaço,$c Me¬
ftre Geral da Ordem frey Francif-
co de Ferrara: & nao tinha deza-
feis annos compridos, porque lhe
faltava pera os cumprir o que ha
de Novembro ate Mayo. O apel-
Jido que tomou na profiííaô foy
do Valle, em memória de hum
a voo feu, mais por vontade alhea,
que polia fua. Vfou delle algum
tempo atè que foy mais fenhor de
fy, Sc teve liberdade pera feguir
aquiíto,que fem encontrar as leys
daobfervancía,dizía mais com as
de feu efpirito: Foy caindo que
17
pera quem fogira do mundo co¬
mo elle, o acercado era fogir tam¬
bém de tudo o que delle ihe po¬
dia fazer lembranças:& juntamé-
te fogir de cafa de feu Pay, Sc dos
parentes. Ealiçaodos livros en-
íinavao a confiderar a obrigação
grande que tinha ao lugar, onde
fora regenerado no íangue de
I e s v Chrifto, onde começara a
ter nome, Sc adopçao de hlho de
Deos. Põderando tudo có bõ dif-
curfo determinou arrimarfe aos
feus Martyres,&fò do feuapel-
lido vzar , em reconhecimento
dos benefícios grades,que na fua
cafa recebera. Epera mais prova,
queefte fòfora feu penfamentp,
achamos algús finais de fua mão
nos livros do Convento de EVru¬
fie a do tempo que nelle foy Prior
(como adiante contará a hiitoria)
nos quaes fe chama das Martés,
que he o nome, que na voz corím
tem a Igtejade nofí a Senhora dos
Martyresonde foy bautizado.Era
quafi principio de anno novo quã L-V 1
do profeílou : começava em São
Domingos de Lisboa curfo de Ac
tes: entrou nelle, Sc eftudou com
tal cuydado, que em Lógica, &
Filofofianao tinha igual entre to¬
dos feus condicipulos. Foy logo
profeguindo na I heologia eíco-
laftica,& moral.Como tinha mui
to eftudo, Sc aplicação, Sc o enge¬
nho era grande, Sc paliado jà po *
Ia Lógica, que apura, Sc adelgaça
qualquer
 Lntro /. da vida de D. Fr. Bert* dos Mart.
qualquer meã habilidade, baila¬
rão poucos annos pera dar emi¬
nente letrado. DiíTe muyto eftu¬
do, & temo que me reprendáo os
que fabem quão curto, & quão li¬
mitado he o tempo que nefta Or¬
dem ha pera eftudar. Que na ver
dade me não maravilha pouco, q
fendo o principal inftituto delia o
exercicio das letras, 8c prudentift
íímo o inftituidor, não aja coufa
na regra que nos deixou, que ao
parecer de muytos nao encontre
<&: desfavoreça o mefmo exerci¬
cio: o Coro continuo,& Coro ca¬
tado, 8c repartido polias horas do
dia, & noyte, que mais quebran-
tao a humanidadero jejum de fete
meies, o peixe de todo anno. Pe-
fa n do fe tudo, parece que nem o
mais aturado eftndante deftaOr- *
dem pode dizer, que eftuda muy¬
to.Pois que diremos fe cõíiderar-
mos, que fendo a força do eftudo
dos principiantes dos dezafeis atè
os vinteíinco anos, naofejão ifen-
tos por efta rezão de nenhua das
obrigações de cafa de noviços: na
qual âlemdas gerais,ha outras oc-
cupações, que fe bem faõ todas
em favor da obfervancia, faõ em
todo contrarias & diftraâãvas do
eftudo. Digo que eftudava muyto
frey Bertolameu,& nao peço per¬
dão de o ter dito.Porque o verda¬
deiro eftudo de filho, 8c imitador
de S. Domingos, não he fò a con¬
tinuação fobre as poftjlías que fe
eferevem nas Aulas, 8c fobre os
livros,que para elias fervem. Mas
he Oração 8c Contemplação, 8c
quem a efta der muyto tempo,
por pouco que dè aos livros, & às
poftillas , dalioemos por grande
eftudante. Afsi o entendia o glo,
riofo fundador noífo, quando nos
eferevia a iey no mõte alto de feu
erpirito,recebida do Divino JE, ma
dandonos empregar no trabalho
dasletras,quefòperfy he confu-
midor da natureza, enchia a re¬
gra de preceitos contra a vida, 8c
contra todo o gofto natural, & a
rezão he, porque eftes Ievantão a
alma aofobrenatural, &. avivao
os defejos, & amor do Ceo,& on¬
de ifto ha todas as fciencias fe ve
por íi.Que na verdade a fciencia
que de Deos tem o nome, & pera
íèrviço de Deos fe aprende, quan¬
to mais, quem a pretende faber,
tever de Deos, tanto mais alcan¬
çara delia. E be claro nos mcftra
efte Senhor inda oje, que foy tra¬
ça de fua providencia a vida que
profeíTamos, porque com todas
as occupações,faltas, 8c contrarie
dades, que temos mais que todas
as outras Ordés da Igreja pera
chegarmos a hua grande perfei¬
ção nas letras: he com tudo fervi¬
do,que floreça efta Religião com
mais, 8c maiores letrados , com
mais, 8c mayores pregadores que
muytas. Sabemos defrey Berto-
lameu, que jà de noviço puro ti¬
nha
 Arcebijjjo de B raga3 Primas das Hefpanhas.
nha começado a fintir o fabor de¬
ite divino Mana da cõtéplação. E
he certo, q crecendo na idade, Sc
nos anos da Religião,lhe acõtecia
o q eftáefcrito : Quj, bibuntme, ad
ZMcb. hucÇitient. Porq das poucas horas
34". q tinha pera os livros de Theolo-
gia, tomava parte pera os de deva
$ão:huas vezes empregandoas cõ
o devotifsimo Bernardo: outras
cõ S.Boavétura,Thaulero,&Ger
fonronde achava cõ q cevar fua al
ma de paíto Celeftial deíloutra
Theologia, que por mais alta, Sc
1 mais foberana te o nome de Myíii
ca: Theologia q não coníifte em
mnito eípecular, fenao em muito
amar.E pera q não teveíTe mome
to defocupado era perpetuo mora
dor da cella, Sc amigo de recolhi¬
mento. E quado as obrigações da
Comunidade, ou obediécia parti¬
cular o Ievavão fòra delia, ferapre
lya primeiro húas palavras, q ti¬
nha efcritas em hu papel pregado
na porta da bãda de détro, q erão
Dirigantur, Domine ,grejjus mei ad
cujlodiendas iujlificationes tuas. Que
rê dizer:encaminhéfeSehor meus
paíTos pera guarda de voíTa fanta
ley. E em todo tepo q por fòra ga
ítava, procurava andar fempre no
interior muy to recolhido. E pera
não aver coufa q o diftrayffe,todo
feucuydado era trazer fempre a
Deos diãce dos olhos d alma cõíi-
derãdo qiúto lhe devia polo fazer
Chriítão, polo trazer à Religião,
7
por lhe dar de fy conheciméto: Sc
elevado neítes péíamétos não da¬
va fè de muitas coufas, que à vifta
dos olhos corporaes fe lhe offere-
cião.E muitas vezes cõ ímpeto do
efpirito levãtava os olhos ao Ceo,
Sc como arrebétãdo dizia cõ grã-
de affeóto.Te Sacíu Dominu (iaçu- £xRefp.
latoria que muito cuílumava) in- p infcjl-
excelfis laudent omnes Angeli dicetes; Ângelor;
Te decet lausy<ls? honor Domine.Que
rédo dizerrSato Deos,Sãto Senor *
louvãovos todos os Anjos nas al¬
turas,cõfeíTando,q fò a vòsfe de¬
ve, Sc fò em vòs eítâ bé emprega¬
da toda hõra Sc louvor: como vos
não hey de louvar eu,Deos da mi¬
nha alma,em todo lugar, Sc tépo?
E logo 2crecStwa.:Benedicam,ergo} Pfol. 33?
Dominum in omni tempore; benedie,
anima mea, Domino, fcfomnia qu<e in«
tra me funt nomini Santo eius. E o
mais depreda q podia fazia volta
a encerrarfe na cella. Efta cõtinua
ção Sc fanto coítume de trazer fé
?re a Deos preféte na imaginação
he tinha criado hú intenfo defejo
de o agradar. Donde alguas vezes
vinha a cahir em hua profuda ma
lécolia nacida de lhe parecer q fa¬
zia pouco em ferviço de tão bõ Se
nhor.E notãdolhe certo Religiofo
hu dia efta differença no rodo, Sc
pergutandolhea caufa,como pef-
foa,a qué Fr. Bertolameu dava cõ
ta de fua alma (porq per fua hu¬
mildade nao fe fiava de fy em na¬
da,) refpõdeo que a triíleza,&def-
B confo-
 Livro L da vidade D Fr.Bert.dos Alart.
confolaçao que feu gefto reprefen annos defpois no primeiro Capi¬
tava era muito menos da que inte tulo, que celebrarão entrando ne-
riorméte atribulava fua alma, fteReyno o Padre frey leroni-
& a rezão era ver o mal que cor • mo de Padilha, Ôc os mais com¬
refpondia com o muyto que de¬ panheiros , que com elle de-
via a Deos: ôc coníiderar fua gra¬ cerão de Cafteíta com titulo de
de frieza, Ôc defcuydo à vifta de tá reformadores à petição delRey
tos Sc táo Santos exemplos,como Dom Ioão, teve frey Bertolameu
tínhamos nos primeiros Padres conclufóes de Theologia. Foy o
de noíTa SagradaOrdem.Cõ eftes Capitulo em Lisboa: ouve gran¬
exercícios, que nunca largava da de concurfo de todas as Religiões
mão, fahio em breve tépo perfei como he de crer, â conta dos no¬
toReligiofo, ôc cófumado Theo- vos Reformadores. Aqiu fe afsi-

logo. nalou frey Bertolameu de manei¬

CAPITVLO
Comoleo dows curfos de Artes,
(A défyois Theologia:(A rece
ra,que honrou a Província, Ôc ga¬
III1. nhou grande nome com os eftran
geiros & naturaeSjCom grande a-
legria Ôc aplaufo dos padres que
o criarão. Do que refultou decla¬

beo os grãos de Prefèa rarem no logo por Leytor de Ar¬

tes do Collegio de Lisboa inftitui
tado,& Meftre.
do por eíRey dom Manoel,donde
«S •o V and o começava a o mefmo leytor erâCollegiahfem
5 eíludar a fagrada The- preceder pera o leitorado preten-
m
«V

%
w, ologia , fucedeo cele- çao, nem diligencia, nem ainda
brarfe Capitulo Pro¬ imaginação fua. Iuntamente lhe
vincial em Guimarães no anno de foy mandado pollos Prelados que
mil ôc quinhétos ôc trinta &dous. começalfe a exercitar o officio de
*53 * E foy mandado a elle por hua das pregador Apoftolico , que heo
melhores habilidades da Ordem fim dos eftudos, ôc trabalhos da
pera defender huas Concluíoes Ordem. Em hua, ôc outra coufa
de Lógica. Nellas confirmou lar¬ começou a entender armandofe
gamente a opinião que delle fe ti¬ primeiro de dobradas horas d^
nha: porque refpondeo aos argu¬ Oração , como quem tinha ex-
mentos com muyta viveza de en¬ periencia, que fe alcançava mais
genho, ôc com hua certaconfían- nella em pouco efpaço, que nos
ça que mais parecia íeytor antigo, melhores cartapacios em muy¬
que fuftentante moderno.Poucos to. Pedia a Deos, que lhe deíle
parti-
 Arcebifyo de Brava, Vrimas das Hefpanhas.
particular favor, & ajuda perafa-
zsr difcipulos Santos,mais q dou¬
tos com a lição: Sc pera falvar al¬
mas cõ a pregação. Afsi foy fcm-
pre o intento de feus fermões de-
fterrar vicios,& pecados, moftra-
do o dano, & o perigo delles,&af
fciçoar os corações a Deos. E co¬
mo a palavra divina feja efpada
dc fogo, & poderofifsima perae-
ítes effeitos, fe não bota os fios na
boca do prègador (o que aconte¬
ce quando elle fe bufca a fy, mais
que a Deos, pretendédo fazer alar
do de letras, & engenho mais que
converter almasjdeterminou tra¬
zer fempre diãte dos olhos hu ef-
pertador defta verdade, o qual a-
chou nas duas palavras:Ardere}&?
lucere:cm que Chrifto noíToRedê-
tor íignificou as obrigações dover
dadeiro prègador Evãgelico: íou-
íotn. vando ao gloriofo Bautifta,& mo
ftrando que qué tal ouver de fer,
primeiro ha de arder em fogo de
Amor Divino, & da falvação dos
ouvintes:& dcfpois allumiar com
fua doutrina. Efta letra lançava
em todos feus papeis, Sc cartapa-
cios, Sc defta vfou defpois toda a
vida, por divifa junto com a Cruz
da Ordem. Efta foy a emprefa,
que o Papa loão vigefsimo fegun-
do dizia, que Deos dera á fagrada
Ordem dos Pregadores, quando
delia tirou juntos em hum dia tres
Religiofos, pera fe valer delles no
governo da Igreja , & os honrou
com capellos de Cardeâes affir
mando,q pera eftc fim de Arder,
& Allumiar viera ao Mundo. Afsi
frey Bertholameu todas as vezes,
que fem notável falta da lição, ou
da pregação podia acharfe com a
communidade no Coro aos divi¬
nos oíficios, tomavao por recrea¬
ção,engeitando todas as difpenfa-
çÕes de Prègador,& Leytor. Aly
era o inftamarfe em devação, aly
ofobiraos montes da eternidade
percontemplação, não peraeftu-
dar pontos fotís,& ambiciofos, q
fòdeleitão as orelhas:roas pera
poder com verdade vfar da fua le¬
tra. Que aífoalhar empreías mo-
raes fò pera raoffras de boa tèção
Sc defdizeré a vida,& as obras deí
la,he hú genero de mintir,Sc miti
tir por efcrito, Sc em publico, a q
ninguém featreve.E para não ca-
hir nuca nefta falta 9 ajudavafe de
outro meyo,q era trazer efcrita de
fua mao no rofto de hõs carder-
nos de anotações de q fe valia pe¬
ra a pregação, efta Íèntença.-D#
eftudofem devaçao; isf de prègaçao
fem preceder Oraçao pouco proueito
fepode efpcrar. É pera callificar a
fentença, Sc fe exortar com a au-
thoridade da pcftba de quem a re-
cebera,acrefcentava:lembrate, Sc
aproveitate do confclho de frey
N. Afsi fazia muyto fruito fua
pregação, Sc do curfo tirou dif¬
cipulos aproveitados na Filo-
fofia humana , Sc na divina,
B z de ma-
 Listro L da vida de D. Fr Bcrt» dos Mart.
de maneira, que immediatamen-
tefoy polia obediécia madado ler
outro no Convéto da Batalha,pe¬
ra onde era jâ mudado por hum
breve Apoftolico o Collegio, que
elReyDom Manoel fundara em
S, Domingos de Lisboa. Acaban¬
do efte íegundo curfo, foy cha¬
mado a Lisboa polo Provincial
frey íeronimo de Padilha, & de
novo foy por elíe mandado à Ba¬
talha de coníelho dos Padres da
Província por leytor de Thcolo-
gia.Annos lhe faltavão pera che¬
gar aos trinta, quando começou
efta lição. E antes de cumpridos
trinta,lhe foy dado o grao de Pre-
fentado, no de mil & quinhentos
& quarenta & dous, que refpon-
de ao judo com os vintoito de fua
idade. Afsi achamos que foy ley¬
tor de Artes, & Theologia mais
de vinte annos cõtinuos fem leva-
tar máo.Onde avia agudeza de en
genho com tantas outras boas ca-
iidades que temos apontado,facií
fica de entender, quanto adianta¬
ria nas letras, no defcurfo de tão
eílendidoleytorado. Bem pode¬
mos aíTentar, que não tinha igual
em Efpanha. Era em fuas lições
doótifsimo, agudo no q declarava
claro no q diótava. Ningué mais
profundamente ponderava as pa¬
lavras do Angélico Doutor Santo
Thomas.Ninguém com maisfu-
tileza penetrava o fentido delias.
No argumentar tinha particular
graça,& ímgíilar modeília, porq
tocava excellentemente o põto da
difficuldade, & profeguia o argu¬
mento com muita delicadeza, &
convencia fem vlar de brados.No
anno de mil & quinhentos & lm-
coenta & hum , foy eleyto polia
Província por companheiro do
Provincial frey Francifco deBo-
vadiíha, pera iré ao Capitulo Ge¬
ral, que íe celebrava em Santo
Eílevao de Salamanca. Nellede-
fendeo huas Concluíões publicas
por efta Província, & argumécou
em outras, & de maneira fe ouve
em todas, que o Reverendifsimo
Gèral, que era frey Francifco Ro*
meu , lhe deu grao de Meftre : 8c
nas palavras da patére,q delle lhe
mandou dar,declara bem a gran¬
de fatisfaçao,cõ que ficou de fuas
partes. A própria patente veyo a
noífas maos.As pa avras faõ asfe
g iintes em noífa lingoagem.Ci.ffz
a fufficiencia de noojsa doutrina, Ff a
defire^a de engenho que mostrajles nas
publicas difputas,que ouue neste nofo
Capitulo Gèral de Salamanca: confia-
do nos Fr. Fracifco Romeu Cajiellwne
Mejlre Gèral de toda a Orde dos Prè
gadores,de <uoJfa Religião,inteira,Ff
faa doutrina,Ff de ajojja obferaaacia
Ff delação,Ff ^elo pera de federdes a
Sata Fè Catholica, aios fademos, Ff
criamos Doutor,Ff Mejlre em Santa
Theologia: pera o qualgrao fojtes ex¬
posto, Ff aprefetado pola ajejja Pro<
<vinciaFfc.A:è qui íaõpalavras da
patente,
 A rcebifio ode B raga Primas da s Hejpnhas.
3 p
patece. E logo é lanho do mefmo
anno fe ajuntou Capitulo Provin¬
i55'
cial em Lisboa,no qual foy eleyto
por Diffinidor , & aceitado feu
Magifterio: perfiguindoo o mun¬
do com honras multiplicadas, &
infiadas huas a poz outras, a que
nenhúa bufcava, nem queria del-
le.Sofria frey Bertolameu as hon¬
ras que lhe dava a fua Qrdé, por
ver que era eílilo delia: mas bem
fe lhe enxergava, que lhe ferviao
mais de carga,que de alivio ou de
gofto: porque tão pobre era a fua
cella como d^antes, tão facil feu
trato, tao humilde fua converfa-
çao: da mefma maneyra conti¬
nuava o Coro,& communidâdes,
o mefmo recolhimento guardava
que ainda antes de Prefentado.Sò
l ie acarretou de novo a dignida-
O
de, ferbufcãdoy Sc importunado
de partes à conta da fama q jà cor
ria de fuas abalizadas letras, q era
trabalho q muito o inquietava. E
pouco tardou c o bufcar outro, q
qualquer grade fogeito tevera por
boa ventura, &elle o julgou por
tentação, Sc adverfidade. Vivia
neíte tempo o lífante Dom Luis,
Príncipe de quem fe nao pòde fa¬
lar , por fuas grandes partes, fem
prologosde muito louvor. Defe-
java fazer letrado ao fenhor Dom
Antoniofeu filho(que defpois foy
Prior do Cratoj Sc pedio nomea-
darnéte frey Bertolameu pera lhe
ler Theologia.Não fe podia ne-
gar nada a tal Príncipe, & menos r
em matéria de que refuítava hon¬
ra para a Ordem , Sc pera o Me-
ftrerfoy logo mandado pollos Su¬
periores a Evora, onde eífavao
difcipnlo. Ouve aífaz envejofos
defta honra, & frey Bertolameu a
aceitou com notável mortificação
de efpirito, porque como nelle ne
nhua coufa tinha entrada,nem lu
gar mais que Deos , aborrecia
Cortes, Sc todo concurfo de gen¬
te. Todavia obedeceo como hu¬
milde fubdito,& fervio algdm te-
poeftes Príncipes. Mas não nos
coifou em q anno começou, nem
quantos efíeve com elles. O que
fabemos he que eftava violenta¬
do, Sc como em prizão,com quã-
to o amavao, Sc eílimavao muy-
to:& fempre foípirava pollo can¬
to da fua cella, como quem tinha
exprimentado, quefòno deferto
da Religião goza vida fegura, Sc
defcanfada,quem eftima, Scfabe
conhecer o preço da verdadeira li
berdade.
CAPITVLO V.
Como foy eleito em Prior do C o-
veto de S/Domingos de Be-
fica: & como fe ouve
no cargo,
E s i d i a em Évo¬
r.
ra o Meílre frey Berto¬
L?\
8 & lameu , entendendo na
lição que dava ao filho
B 3 do
n•
 LfaroIM vida k D.Fr.BertJos Mart.
çava,com o goílo que recebia em
do Iffante, defcuidado de nova
mudança, quando foy apontado ver como eítava em feu ponto o

pera Prior do Covento de Béfica: rigor da obfervancia, começou a

entender na adminiílração da ca¬
ode foy eleito, Ôc aceitado cõ mui
ta coformidade , Ôc alegria de to* fa. E a primeira coufa foy tratar

dos os Religiofos. Não defagra- do efpiritual, dando traças pera

dou a eleição ao iffante , antes a não defeair o que achava em bom

eftado,antes melhorar: & procu¬
eftimou, porq amavao augrtiento
da Religião, ôc à cota delle fora fa rando reformar atè as coufas mui

cii em cortar por feu goíto (q efta

leves, ôc prantar novas virtudes:

he a obri gação daquelles, q Deos

ôc fobre todas acender nos cora-

fez Principes na Republica) quã- çòes dosíubditos hum fogo arde-

te do divino amor, por meyo da
to mais,que via, que fò fe lhe mu¬
Oração,& contemplação,que faõ
dava o lugar, & não o medre. Aos
as eícadas por onde eile fe bufea,
padres mais graves da Provinda,
foy em efpecial, aceita a eleyçao,
Ôc traz do Cto.Mas porque he té-
poperdido, animar pera a bata- •
entre os quaes o Msftre frey Luis
de Granada, que então era Pro¬
lha,quem ficafòra delia; Sc acon-
feihar virtude, quem não he prb
vincial foy o que mais a feílejou,
meiro em feguilla,começou a em-
que como tão efpiritual, avia que
pregirfe com eftremado fervor
quadrava bem com hua cafa, que
nos efpiricuaes exercidos (pera. os
por todas as idades fora obíervã-
quaes aqueile Cõvento tem muy-
tifsima , o governo de quem era
to a parelho,& húa certa graça, q
efpelho de obfervancia.So o eley-
parece comunicada do Ceo em
tonão fofria fer lembrado peia
virtude de muytos varões Santos
cuydados de governo. Efez toda
que nelle florecerão, ôc ahi tê feus
inftancia, que cabia em humilda¬
oíTos , cujas obras dignifsimas de
de, ôc comedimento de obediente
Rcligiofo, porque fua eleyção não
luz vamos eferevendo, ôc fe Deos
for fervifi° > n^° tardarão em fe
foífe confirmada. Mas não lhe a*
publicar) & aísi começou como
proveitou nenhua diligencia,por¬
fe pera outra coufa não viera. Afsi
que o Provincial por larga expe-
trabalhava Prelado, como íe co¬
riencia fabiao que tinha nelle 3 SL
meçara a fer fubdito: maisfegui-
quão be empregado eftava o car-
dor das communidades, mais aí-
go.Pelo que tomada licença do If-
pero no jejum,mais cuydadoíodo
fante, Ôc do difcipulo fe veo a Be-
íilencio, pobre em todo eftremo,
fica.Onde temperando o tormen¬
enemigo de fahir da cella, muyto
to do governo, que muy to o can-
mais
 Arcmjp de 'Braga, Frimas dãstRJpTmW, 7J
mais do Convento : pouco fono, 3c precedendo hCía breyç líç jq 4<?
'muytaOração,MiíTa cada diafem
a■ rV-* I 1 •
algum livro devotojou rehç^q de

perder nenhíía fenão com grande algum cafo, Sc exemplq fanco, fa-

caufa, & dita com cordial deva- zialhes fuas praticas.-cujo Hm era,

cio. Comefte exemplo animava defpois de os aífeiçoar à vircude,

os fracos,& acendia os animoíos, 3c obfervancia da regra,fazeflhes

não avia nenhiím covarde, 3c a faborofo , 3c familiar o exercício

obfervancia regular andava em da Oração, & erão eilas tão de¬

todo concerto de hum bem tem¬ votas, 3c cheas de fogo do Ceo, q

perado Relogio. Na criação dos o pegava àquellas varas tenras, êc

noviços fe eímerava frey Bertola- almas ianocentes.de maneyra, q

meu com particular cuydado,por as acompanhavão com muytas

cjue dizia elle, 3c afsi o deixou ef- lagrimas,(Sc ardentes fofpiros : 3c

crko, que delia dependia todo o hnm dia aco.uteceo palíarera tan¬

bem,ou mal das Religiões , 3c to adiante , que dizendo elle por

trouxeihes logo pera Meftrt o pa¬ fim de Capitulo,o verfo coituma-

■

dre frey Simão das Chagas vátão do.Adiutonum nojirum l?c. n^o ou

de íiogular exemplo de virtude, ve entre todos quem tevcíTe a vo$

que por tal, foy defpois mandado livre pera poder refponder.Enco-

à índia; 3c aííiíbndo nos Con¬ mendavalhes muyto a compoíl-

ventos 3c reíidencias que a Or¬ ção exterior , que he a marca do

dem tem nas partes de Malaca Religioío: o recolhimento dos o-

viveo&morreo taõ (amamente,q Ihos, a gravidade do paíTo, a mo*

dos Chriífaõs,& atèdos Gentios deília das palavras, èc converfa-

que daly navegao pera a China ção ordinaria, 3c afíirmava, que

he particular avogado nas teme- pera compor tudo de hum golpe,

rofas tempeílades s que naquelía era unico remedio a Oração , em

viagem fa5 ordinarias(como o te¬ que tantas vezes lhes falava, &

mos efcrito na terceira parte da por iíTo o fazia: porque tinha por

hiíforia defta provincia no titulo fem duvida, que fe nelia fe occu-

da Ilha de Solor) & com fer tal o paífem de verdade, chegariao a

Meftre, não fe defcuydava ede, goftar quão fuave he o efpirito do

mas antes ajudava tambe, 3c fer¬ Senhor: 3c logo ficaria compoílo

o homem interior.Donderefulta-
f*' via como de fobrerolda.No verão
defpois da Oração de Noa ’ 3c no
ria hum grande concerto, 3c cor-
refpondencia em todos os fenci-
inverno defpois de CÕpletas, mã
dos. Que de balde trabalhava
dava ordinariamente juntar os
por fe mortificar de fòra, que pri-
noviços em húa capella da Igreja,
B 4 tueiro
 Li*v* ol âd Lvtáããc I). Fr.Bert.dos IvlãYt*
meiro não mortificafte a rayz que
era o interior : & fò aquella com-
poíícão era verdadeira, & durável
que procedia de alma compoífa.
Que efta compoíeílem com a
virtude da Oração-, 8c continua¬
ção delia,que logo lhes dava tudo
por feito. Porque o que fe alcan¬
çava por outros meyos, que não
erão os do Amor de Deos,era tu¬
do forçado, era fantaftico, & hua
efpeciede hipocriíia, ou virtude
gentílica. E porque eftas novas
prantas q hia criando pera os jar¬
dis do Ceo, não perdeífém a fref-
cura, ou fe lhe torceíTem fendo •
apartadas da mao do hortelão
fvifto como os que hião profef-
fando,era força bufcarem e iludo,
pera exercitarem a prègação, que
heoalvo de noífo inftitutoj por
acudir a efta tentação, que he or¬
dinária em noviços, & juntamen*
te ao que mais importava,que era
confervar a boa criação, determi-
noufe como bõ pay, a tomar por
elles hum grande trabalho, que
foy lerlhes hum curfo de Artes
oíferecendofe ao tormento, que
he desbaftar a rudeza da mocida¬
de , 8c tolerar fuas imperfeições.
Afsi começou a ler terceiro curfo
defpois de leytor de Theologia,
Sc Meftre nella, 8c Prior, 8c com
idade crecida: 8c fobre a obriga¬
ção que toda via lhe durava com
o filho do Iffante. Aventajoufe
mfto o Iffante ao Emperador
Theodofto, que íe bem como lá¬
bio fintio a aufencia do grande
Arfenio, quando deixada a Corte
fogio pera o deferto, não mandou
a poz elle os difcipulos, que erão
os Príncipes, Honorio, 8c Arca-
dio/eus filhos: o que fez o Iffante
paffando logo o fenhor Dom An-
tonio ao Convento de Bemfica
por que nem elle perdeíTe a doutri
na de tal meftre, nem o Conven¬
to o Prior que bnfcàra. Mas tudo
pòde a verdadeira charidade.Cõ
todas eftas ocupações podia, & a
rodas íatssfazia frey Bertolameu.
Fvcom ellas ordinariamente fe íe-
vãtava ã sntyâ noycdefpois
rezava coma communidade Ma-
tinas doOfficio pequeno de nof
Ia Senhora, recoíhiaíea eftudar'
ate as tres, & logo caminhava
pera o Coro, 8c nelle eftava em
oração ate as quatro diante do
Santifsimo Sacramento. Eíta era
fua vida de todos os dias , que
nao ocorrião fcftas.Porq nos taes
nuca faltava a Matinas no Coro,
8c como tudo quato fazia era por
Deos 8c pera Deos, 8c em tudo o-
trazia fempre prefente: de ordi¬
nário andava como em extafi, 8c
enlevado nelle. Fez hum dia oof-
ficio das Matinas da Santifsimat
.Trindade: &ficou tao engolfado
naconfideracão do mifterio, que
quando fe receiheo naõ atEnava
co dormitorio : 8c defpois qUeo
encaminharão, hia com'o cegoen-
coftãdofe
l
 A rcebiíbo de Braga, Primas das Hefpanhas.
coftãdofe & marrando polias pa-
redesjfem íaberonde eílava, nem
a cerrar có a cella,& todavia repe
cindo fempre com muyta fuavi-
dride a Antífona.Ex quo omnia,per
quem omnia,w quo omnta , ipjigloria
infácula. Outras vezes recolhen-
dofe de Completas, Sc Matinas
abria a janella, pregava os olhos
noCeo,chamava pello Senhor dei
le, com requebros, Sc branduras
amorofas, pronunciadas com tal
affeico,que nao parecia menos,fe-
nao que a alma fe lhe hia traz el-
las, Sc que tinha o mefivo Senhor
prefente. Alguas vezes foy ouvi¬
do cantar em voz baixa,& fentida
liua letra pouco aparada no me¬
tro, mas no conceito bem fignifi-
cadoradequal andava feu efpiri-
to.Por iíío a efcrevemos.Dizia af-
G; Le 'uaime meu IEST desta terra,
que não ba fem <xws <vida nella. Polo
temporal do Conuento matavafe
pouco,inda que não tinha defcui-
do. Mas perfuadido, & confiado,
que nao podia Deos faltar a quem
de verdade o ferviíTe, conforme a
fu as divinas promeffas: não fazia
diligencia por acquirir renda., ne
acreicentar a que a cafa tinha; Sc
do que avia de portas adentro era
tão liberal, que lhe aconteceo em
tempo de fome,acudindo muytos
pobres à portaria, mandar repar¬
tir por elles o peixe, q eílava gui-
fado , Sc preíles para o jantar da
comunidade: dizendo,tjue em té-
II
pos de necefsidade, pera Religio-
fos que profclfavão pobreza, ba*
ílavão hervas,& fruyta: Sc que fe
elles foíTem verdadeiros filhos de
S. Domingos em obras, Sc exem*r
pio, iifo bailaria pera os feculares
fe defentranharem por lhes acu¬
dir. E na verdade nãofe engana¬
va , porque acontecia vire ao Cõ-
vento amiúde os Príncipes , que
então avia no Reyno, & mais par
ticularmente o Cardeal dom Hé-
rique, Sc o lífante dom Luys,po¬
lo goílo que tmhão de communi-
car com o Prior, Sc comofabíão a
vida, que aly fe fazia, fempre lhe
deixavão efmollas de dinheiro, q
o bom Prelado não entefourava,
mas porque erão ãnos de careftia
Sc andava a terra chea de pobres,
& gente fem remedio, mandavao
trocar em moeda miuda, & con¬
fiado na providencia divina,repajr
tia francamente tudo por elles, 6ç
confolava a todos.
capitvlo VI.
\
Como foy chamado da Raynhat
DonaCatherina o Mejirefrey
Bertolameu, Çtf nomeado
porArcebifpo de Bra
ga, (J) da repofia}c[
lhe deu. „
AN-
 Liuro Lda vida de D.Fr.Bert.dos Mavt.
fílMflS N D A V A M cm com-
petencia com frey Ber-
teegppffe tolameu as honras, <k as
e««lSí£!>*9 dignidades, elle a abor-
recellas, eilas a entrarlhe por ca-
fa .Quem perfuadira efta filofofia
aos ambicioíos? que he poderoíb
meyo pera as alcanfar, o fogi r de
lias devarão elles melhor vida, Sc
teveramos no Mundo mais quie¬
tação. Vagou por efte tempo o
Arcebifpado de Braga por faleci¬
mento de Dom frey Baltezar Lim
po da Ordem de noífa Senhora
cio Carmo. Governava eftes Rey-
nos a Raynha Dona Catherina
por feu neto elRey DomSebaftiao
«que era minino:& como em todo
procedia com grande prudência,
Sc animo de acertar, Sc era a pri¬
meira prelacia que lhe tocava pro
ver,deíejava empregada em tal fo
geito, queajuyzode todos foífe
delia dignifsimo, Sc fua confcien-
cia ficaíle fatisfeíta , Sc fegura.
Avia em todas as Religiões pef-
foas de virtude,Sc letras. Não faí-
tavão Sacerdotes feculares, que à
virtude,Sc letras ajuntavão mere¬
cimentos de fangue, &ferviços
de Pays>&avòs. Começou a fer¬
ver a cobiça, Sc ambiçáo, Sc en¬
trar em batalha com a conftancia
Sc inteireza da Raynha. Ecomo
os filhos do mundo, faõ mais de-
ftros nas pretenções delíe, que os
filhos da luz, eráo os cõbates for-
tifsimos, porque não aparecia pre
tendente ( qúe ainda então fe ti¬
nha eífe refpeito às Prelacias, que
fe não requerião de praça)Sc tan¬
to maior era a força, quanto mais
fecretos os meyos que fe vfavao.
erão muytos osque afpíravão á
Prebenda, Sc nenhum tão defem-
parado de valias, ou de efperãças,
que fe não prometeíTe a vitoria,
Sc por ventura avia algum que jà
repartia cargos, ou mandava fa¬
zer a Mitra: requerião parentes,
infíavão amigos, Sc aliados, hús
com intere ííes manifeftos, outros
incubertos.Os pretédetes cftavão
efcõdidos, mas não defcuydados,
Sc querendo,que fe entédeífe dei-
les,que vivião innocentes das cul¬
pas,ou efeitos da negoceaçao.Va-
lia com a Raynha, & era feu Cõ-
feífor o Meftre frey Luis de Gra¬
nada,que por fuas grandes partes
Sc provada virtude,foy fempre a-
ceitoaos Príncipes aefteReyno,
Sc era juntamente nofíb Provin-
vial neíle. Como o vulgo em tudo
arremeífa feu votorfahio deíle, Sc
corria polia terra, que a Raynha
lhe dava o Arcebifpado. Não he
pera defprezar a voz do povo,que
muytas vezes faz melhores eley-
ções, inda que pareção feitas a
montão,do que faõ as dos Prínci¬
pes,com muito acordo, Sc confe-
Ineiros. Tudo cabia napeítoado
Provincial, o qual eftava a cfte te-
poem Sanearem, ma! tratado de
húa perna 5 de hua queda q dera,
com
 Arccbifbo de Èrdg4}PritMàs ddá tiejpdnhdf
com perigo andando na viíita dá
província. Chegou a fama publi¬
ca a frey Bertolamen deita eley-
cão, & por outra parte que tinha
melhoria o que davão por eleyto:
como amigo,& amigo d alma, e-
ítimou a nova da melhoria, & íin-
tio a outra: tomou papel & tinta,
& efcreveolhe logo, dandolhe os
parabes da faude, mas nenhus da
Mirra:antes lhe lembrava, que
inftaíTe a Deos noíío Senhor com
apertadas orações,que pois lhe li¬
vrara o pèda queda, lho livraíTe
também da Braga com que o mu
do o ameaçava, que a tinha por
pior genero de queda , 5c por
mayor perigo. Pouco tardou o
Provincial em fer em Lisboa. Foy
& veo ao Paço. Não avia quem
duvidaffe em fer elle o chamado,
Sc o elieyto. E não falta quem af-
firme,que afsi foyrmas que engei-
tou a-honra com animo de varao
Apoftolico, 5c he bom argumen¬
to fabermos de certo, que foy elle
quem nomeou, o que na verdade
veo a fer eleytoi ao qual na idade,
no cargo, 5c na valia, 5c na opi¬
nião dos homés fazia então co¬
nhecida ventagem. Ivíandoulhe a
Raynha, que como Confeífor feu
a cuja conta eítava defcarregarlhe
a confciencia, lhe apontaífe pera
aqnella Igreja hua peífoa tal, que
pera diante de Deos ficaífe provi¬
da de Paftor muyto idoneo, fem
putros refpeitos ? nem confidera-'
r"-- *
I2
ções, quaes lhe tinhao as orelhas .
quebradas, Sc quebravão cáda ho
ra. O Provincial encomendando
o negocio a Deos, 5c ponderando
de vagar com que peífoa fatisfa-
ria à tenção pia , 5c fábia da Ray¬
nha , refolveofe que. não avia em
todo oReyno outra, como frey
Bertolameu dos Martyres Prior
de Bemfica, Sc por tal lho ptopos
affirmando, que em rezão de ho¬
mem,& letrado,5c virtuofo,Õe de
valor, não achava quem melhor
mereceííeo cargo.O trabalho era
contentar aos fatrapas, queria di¬
zer, que pareceífe bem a eleyção
aos fenhores , 5c aos nobres da
Corte. Porque como entre eíles
gèralméte fe tem por melhor me¬
dida a do fangue illuftre, 5c avoe-
gos,atè pera as coufas de Deos, q
a da virtude, eftava certo auerem
de empeçar, Sclevantar poeyras
no que diíto faltava a frey Berto¬
lameu. Mas eihe ponto, dizia elle,
que tinha adesfeita na mão: vifto
como Chrifto Redentor noífo, &c
cabeça da fua Igreja nãofe cha¬
mava Sacerdote fegúdo a ordem
de Aaron,fenão fcgudo a de Mel-
chifedech,pera nos iníinar que as
prelacias fò per mericimétos pef-
íòaes, 5c não per outro nenhum
. refpeito fe avião de provfr: 5c lo¬
go quãdo afundou efcolheo pera
Príncipes delia homes que polia
mòr parte naõ erão de langue il-
luftre, moftrando nifto que não
ha
 j^mo 1. da de D. Fr. Bert; dos Mart.
ha dependencia de carne &fan-
guenos does do Efpirito Santo,
que fò trazem origé da pura gra-
£a de Deos, & de fua divina Mife-
ricordiarnem a deve aver na diftri
buição das dignidades Eclefiafíi-
cas: as quaes pera perfeitamente-
adminilí radas,pouco ou nada im¬
porta fer o miniftro mais, ou me¬
nos illuftre em geração, quando o
for em pureza de coftumes , &
credito de letras, & entendiméto:
que não fe podia duvidar que em
fogeitos iguaes por todas as mais
partes, devia preceder a nobreza:
porque em toda a Republica fao
os nobres o mefmo,que no corpo
humano a cabeça, &o coração:
mas avendo homem menos no¬
bre que no valor fe lhes ave ntaiaf-
fe com tanta díftancia, comofrey
Bertolameu fe aventajava a todos
anteporlhe os mais iíluftres , fò
por mais illuílres,íeria fazer agra¬
vo ao valor, feria defraudar o Ar-
cebifpado de hum perfeitopaftor,
&. feria faltar quem tinha o Rey-
no a fcu cargo da inteireza de fua
obrigação, que era bufcarlhe o
melhor. Deufe a Raynha poro-
brigada a informação tão refoluta
Sc não tardou em chamar o apõ-
tado. Entretanto não dormiao os
pretendentes: &comofefoy en¬
tendendo,que jà fe não tratavaJdo
Meftre frey Luis de Granada, e-
rão tantas, & tão apertadas as di-
ligencias,com que por toda par¬
te importunavao, 8c. cançavao a
Raynha : que ouve quem lhe ou-
vio dizer, que pedia a Deos fizeife
immortaes os Prelados de Portu¬
gal em todo o tempo de feu go¬
verno, por-lhe não acontecer a-
charíe mais em femeíhante con-
flidto. Acudio frey Bertolameu
ao Paço tão alheo da honra que o
bufcava, que toda outra coufa fo¬
ra mais facil fubirlhe à imagina»
$ão- Declaroulhe a Raynha em
poucas palavras o pera que o cha¬
mara, dizendo que polia boa in¬
ibi mação, &: muita fatisfação que
tinha dc fua pefloa, Sc letras lhe
fazia mcice cm nome d^lRey íen
neto do Arcebiípado de Braga,
confiando de fua virtude, Sc pru¬
dência, que faria nelíe muitos fer-
vicos a noíío Senhor, Sc a elRey.
Não fe pòde crer, nem ha pala*
vras que baftantemente declarem
o fob refalto, o enleo, o efpanto q
recebeo a alma de frey Bertola¬
meu cõ efta nova: parecialhe cou
fa tão nova, Sc tão fòra de cami¬
nho, Sc para a fua arte, Sc modct
de vida tão defpropofitada, que
polias muytas rezões que ííntia
em contrario;fe lhe tolhia a falia,
não dando lugar a fahir huas às
outras, & de tudo fe começou a
affligir fobrc maneira: Sc com fo-
beja angiiítía,de que fcu rofto da¬
va bem viílos penhores, fe foy ef-
eufando, Sc alegando com muyta
humildade todas as rezões que
lhe
 yirceblíb o de Braga3 primas das Plejpanhas.
humildade todas as rezÕes q lhe
occorrião pera não merecer, nem
aver de aceitar tamanha honra:
que como fe avia de atrever a dar
conta a Deos de tantas mil almas,
c >mo avia naquellaIgreja, hum
peccador miferavel, que da fua fe
nâo atrevia a daíla boa ? hum po¬
bre fradinho fem experiencia cria
do defde minino no deferto da Re
ligião como le avia de bufcar pe¬
ra governo de tanto pefo; que ti¬
nha por grande cargo de confcié-
cia cuydar em tal,quanto mais a -
ceitallo: Sc afsi pedia a fua Alteza
foífe fervida de oefcufar deiie,
porque falando como devidoa-
catamento por nenhum cafo o a-
ccitaria. Replicou a Raynha, que
diíferentes erao as informações,
que delle tinha, Sc dadas por pef- • goílo Sc natureza. Cerroufe o
foas que fabia lhe falavão verda¬
de. Aqui tomou frey Bertolameu
hum pouco de alento parecendo-
lhe que fe hia convencendo a Ray
nha, Sc animofamente refpõdeo,
que de informações por boas que
foífem nao avia que fiar, nem fa¬
zer cafo: que muytos homés ou-
vera no mundo, de quem fe teve-
rão informações, Sc conceitos bé
fundados: Sc na hora que fe virão
entronizados,' logo
O
forao outros:
Sc fendo elle mais fraco , Sc mais
peccador que todos, nao duvida¬
va acontecerlhe pior que a todos.
" Quanto mais,que ninguém íe co
nhecia melhor,que a própria pef-
i^
foa fe queria falar verdade: Sc dlc
de fy fabia,que lhe fàitavão todas
as partes neceífariasperao cargo#
Nao valeoà Raynha refpõderlhe
também a dl a rezao,& obrigallo
com húa brandura Sc termo be~
nignifsimo, como foy dizerlhe, q
as mudanças dos que fe trocavão
nos cargos, não era mudarem os
taes condicao <§Tnãturezã~: Tenão
defeobriré a que as forças da am¬
bição lhefãziaoeíconder em qua
to erão pretendentes: que delle q
“nunca pretendera nãtla, nao fe po
dia cuydar tal: Sc por tanto folgaf
fe de fervir a Deos no que lhe mã-
dava,q como bom religiofo tinha
obrigação a fazello, Sc com tanto
mais deliberação»& animo,quan-
to as coufas erão mais contra feti
frade arrimado a feu parecer, Sc
refoluto em não querer nada do
mundo , íintia pouco ficar avido
por maocortefaõ, Sc defeortez.
Defpedio o a Raynha ficando
defeontente do fucceílo: mas nao
do homem. Antes paífando pol¬
ia imaginação as repoílas, a al¬
teração que no rofto lhe vio,
a humildade das palavras, a ef-
ficacia,& anfiacom que as di¬
zia , edificavafe tanto , que ja em
feu conceito era merecedor de
toda coufa grande : Sc logo man¬
dou chamar o Provincial , Sc
lhe encarregou , que o obri-
gaíle por coda a via que pudeiTe,
C quando
 Luíyo /. da vida de D, Fr. Bert« dosMart.
qnado nao baftaffcm razões. Por que era irmã de hú Emperadoí,
que lhe afirmava que ella o tinha Sc tal como foy Cario V. máximo
por digno do Arcebiípado To po¬ de eterna memória. Que vira efla
lo que neile vira, Sc ouvira: não ja pratica cà polias Aldeãs dos go¬

polia informação que elle Provin¬ vernos menores, pois que nos grã

cial lhe dera. des ja ningaé roga, né fe deixa ro¬

gar. Cúpnrafe, íequer, o q diíleo
CAPITVLO VII. Poeca: Extrema per illos lustiúa ex¬
Vttgil
cedem ter ris {Vejligia fecit.W r a mos Geotg
Das diligencias, que o Yrovin- oollos campos das Republicas po-

cial feZj com o Aíeflre frej ares a inteireza fenhora de ly, a

■Bertolameu, -pera que acci manhofa ambição deivalida,a fim

pies modeftia fe não rogada,ao me
tiJfe o Arceb[fado,
nos honrada. 1 mha o Provincial
(A do que elle lhe a cargo perfuadir a Fr. Bertoía*
refpondeo. meu : viofe com eile, meteo todas
I*
Ovo genero de con¬ as velas de fu a eíoquencia , q era

tenda te nos em cam¬ tão grande como fabemos. Ia o

N po, efpeílacu o digno obrgava cõ o be da Republica, jâ
de hum Anfiteatro Ro cõ a honra da Ordêdembtavalhe

mano. Ategora vimos a inteireza o refpeito delRey,o gofto da Ray-

combatida da cobiça,& ambição: nha, o ferviço de Deos: nao lhe

& não fazia pouco em fe defen¬ ficou coufa por tentar, nem razão
por dizer. Mas o verdadeiro hu¬
der. Agora entra em novas fadi¬
gas. Porque no tnefmo tempo q milde como Afpide,a quê a natu¬

peleja com eífes monflros, íe dà reza enfina tapar as orelhas por

por obrigada afazer forças por le¬ nao ouvir a vozdoencãtadcr, ar-

vantar de terra a humildade, &c mavafe, fechavafe contra a Retori

modeftia q a todo poder lhe refi- ca tãbé encãtadora doíeu Provin

íte. Mil parabés dou a minha pa- cia!, Sc cõ búa fò rezão rebatia to

tria,& à Corte de Portugal, q ve¬ das as íuas:q era juiz de fua alma,

jo nella os ambiciofos rebatidos, Sc fabia de fy, q não tinha f-fficiie

Sc hú humilde rogado, 8c não íò cia pera governar as alheas:&quã

rogado,mas bufcãofe valedoresde do o apertav i, Sc obrigava a fahir

terceiros,pera q hum pobre fradi delia fanta teima afffigiafe, Sc di¬

nho écãtoado,queira fobir ao pri- zia gemêdo: que he poísivel noílo

meiroiugar das Heípanh s.Obra Padre, q V. Paternidade, enri que

digna q acóceceíTe no governo de fempre achei pay Sc amigo, & bõ

Prelado
 JLrcelifyo de Braga, Vrimas das Hefpanhas
Prelado, fe compadeça tao pouco
-de hum filho,Sc amigo & fubdito
feu,que a quem fe não fabe dar a
confelho co o governo de híi Co-
vento de gente fanta, Sc obierva-
tifsima,como he o de Bemficafdo
qual V. Paternidade he boa tefte-
nuinha quantas vezes, Sc cò qnã-
jfa dor deita alma lhe tenho pedi¬
do abfolvição,queira lançar às co¬
ifas a raayor, Sc mais peíãda Pre-
lacia doReyno? Difference ami¬
zade, differente officio de pay , Sc
Prelado, foy o de noíío Reveren-
djfsimo Gèral frey Vmberto de
Romanispera com frey Alberto
Magno, quando o Papa o quiz fa¬
zer Biípoite Regensburgh. Defé-
deo o/emparou o(bem íabe V. Pa
ternidade a hiítoria)& como ver¬
dadeiro amigo efereveolhe, que
antes tomaria vello levar morto
em hum ataúde a enterrar, q po-
fto em dignidade Pontifical,meti¬
do entre rédas, & carregado de fe
nhorias.Efe V.P. fc não doe de
mirn,ao menos devera lébrarfe, q
tomava fobre fy, Sc fobre fua cóf-
ciéciafquando eu aceitara eítefeu
confelho, q Deos não permitirá)
todos os defeitos, & erros, & de-
fordes qeílão certas de minha ig¬
norância, Sc inhabilidade.Era iíto
em Lisboa- fem dizer mais defpe-
diofe pera fe tornar a Bélica. Ma-
doulhe o Provincial q fem fua ex-
preífa liceça fe não fahiífe de Líf-
boa: Sc entretanto toraaffe bom
cofeiho, Sc falaífe co feus amigos:
que elíe fe faria conhecer pot Pre¬
lado, ja q não era crido,né conhe¬
cido por amigo de qué fempre o
fora,& rnuyco grade. Bé entédeo
Fr.Bertolaineu deltas palavras, q
dizião co outras q ouvira á Ray-
nha na defpedida, q fe lhe apare¬
lhava âlgú trabalho : mas a cudo
fe apoítava,ãces q arrifearfe a per¬
der a quietação .de fua alma. Vio¬
lência , q o fizeíTe aceitar não te¬
mia , porq confiderava o Reyno
cheyo de fogeitos meritifsimos da
dignidade, Sc muytos q folgárião
co elia.Pafíados dous dias tornou
ao Provincial por licença pera fe
hir. Pergutouíhe o Provincial de
q bordo citava no q lhe acòfelha-
ra, &fe determinaua coformarfe
co o q eítáva bé a todos, Sc a elle
fò me hor q a todos. Alteroufe Fr.
Bertolaraeu co efta nova inítãcia:
Sc quifera antes híí grade caítigo,
Sc penitecia, qual felhe reprefen-
tava q avia de ter por fim da cõté
da, q ouvir tal:& co grandes laíti-
mas & defconfolaçao lhe pedia,q
o não quifeífe forçar a hua coufa9
pera a qual totalmente fe fintia fé
taléto,né capacidade.Qiie naoera
novo recufaré, Sc ainda cngeitàré
grades cargos os que tinhão pera
elles íufficiencia, quato mais qué
de todo carecia deila. Que bom
exemplo nos deixara diíío noífo
Padre São Domingos, que fendo
quem era, no primeiro Capiculo
Cz gèral
 Livro 1, da vida de D. Tr.Bevudos ÁLart»
gera] , que celebrou em Bolonha*
pedio aos padres que fizeíTem e~
leyção * 8c o ahviaífem do go¬
verno de huaOrdem, que avia
pouco,elle mefmo acabara de fu-
dar, & eftava chea de Santos, 8c
do feu efpinto. Que fe hum tão
grande Santo, 8c tão favorecido
deDeos procurara defcarregarfe
em parte da adminiftração de tal
Ordem, como fe atreveria hú ho¬
mem peccador,& ignorante a pa-
florear tantos milhares de almas
livres nas vótades.diflferentes nos
eftados,& algus edragados na vi¬
da , & por ventura efquecidos da
falvação. Com elle mefmo exem¬
plo, refpondeo o Provincial, que¬
ro convencer a V. R. 8c moPtraf-
lhe, que favorece a minha rezão,
8c condena a fua. Se noífo glorio-
fo Padre trabalhou por renunciar
o Ma^ifterio da Ordem , nao foy
precifamente por efcufar o traba¬
lho de Prelado, & querer retirar fe
a vida quieta. Porque fe tal fora
fua téção não aceitara o ofício de
Inquilidor geral cõtra os hereges:
ou ao menos pedira ao Papa abíol
vicão delle, pois os trabalhos que
levava fervindoo erãofcomo Obe-
mosjintoleraveispollos caminhos
& perigos, & affrontas,a que fem
deícan&r andava offerecid >. O q
o movia,era querer trocar híí tra¬
balho pequeno,por outro muytas
vezes mayor. Aquella-fede infa-
ciavel em q ardia, da falvação das
almas, não fe dava por fatisfeita
como q trabalhava entre Chri-
ftãos. Ouvira dizer, que na Syria
avia gente ir numerável, q carteia
do lume da fè, 8c feria facd de re¬
duzir,fe ouveífe mimftros que lhe
levaífem noticia do S. Evangelho.
Eífe era o intento que o abalou.E
emfím queria trocar a quietação
de governar Sãtos, pollo torméto
8c perigo de cõverter 8c falvar in¬
fleis: 8c quem traz o habito de tal
Santo em femelhantes obras o ha
de imitar fogeitando oentédimé-
to ao parecer alheo, & o corpo á
todo trabalho por ferviçode Deos
8c bé do proximo.E fe V.R. a ífto
fe nega por não perder húa hora
do feu repouzo,inda q fcja repou-
zo fanto,& religiofo,mal pòde di¬
zer que o imita. Procurava o pru¬
dente Prelado cCcuCar termos pe-
fados comFr.BertoIameu,& hia-
lhe dando tempo pera fe determi¬
nar , q fabia era fifudo, 8c amigo
de fua Ordem. Mas elle fintia em
feu animo fortes cõtrariedades pe
ra admittir Cargo q o avia de levar
fora da cella, 8c dos clauftros da
fua Ordem: q ainda q dava por re
zão fua inlufhciência, & o pefode
almas alheas,a mais coufas eifen-
dia o penfaméco: conílderava qua
tos laços eílão armados na digni¬
dade,n as popas de cafa 8c criados
no dinheiro,na mefa, na grãdeza
Pócifícal. Lébravaíhe q bufcàm a
Religião pera fogir occafiões de
perigos
 ArcebiJj?o de Brata. Primasdàs Wejpknhas
perigos d’alma: Sc via que a mef-
ma Religião era a q o vinha ago¬
ra aprecipitar nellas* Aqui perdia
os eftribos, & deícõfiado de fy re-
folviafe em dar a vida primeiro,
que o confentimento: Sc pedia a
noíío Senhor com vehementifsi-
moaífeéto, que foíle fervido de
lhe defviar efta carga que avia por
manifèfta tentação, com que o e-
nemigo pretendia derriballo.
CAPITVLO VIII.
Como o Provincial lhe po&prfa
ceito3queaceitaffe o Arce-
bijpado, SA obrigado
da obediência, o
aceitou^
B
i§p|; Assa dos aígus dias
defpois das ultimas re*
m zõesque acabamos dc
contar, q o Provincial
teve com o Meftre fr.Bertolameu
vendo que lhe tinha dado tempo
baftante pera fe aconfelhar, Sc re-
folver: Sc que pois não acudia era
íinal que fe nao decia de fua opi¬
nião , determinou ufar das armas
da Ordem. Huafesunda feira oi-
j^ to dias de Agoiro do anno do Se¬
nhor de mil 3c quinhentos Sc ím-
coenta Sc oito acabadas Comple¬
tas manda tanger a Capitulo, Sc
juntos no Coro (que ahi quiz que
folie^todos os Religiofos que avia
. 15
no Conveto, chama o Meftre Fr.
Bertolameu, & tendoo em pè lhe
fez hua pratica acomodada ao q
determinava fazer começando po
las palavras de S. Paulo: ChnUus Hcbrg
nonfemetipfum clarijicarvit, ut Pon-
tifexjieretífed qui luquutus efi ad eu:
Filias meus es tu, ego hodiegenui te*
Padre Meftre, dou aV. Reveren¬
cia por exemplo aQmfto noíío
Salvador, o qual fò por obediécia
do Padre Eterno aceitou em qua-
to homem o Pontificado. A Ray-
nha noífa Senhora quer que voífa
reverencia aceite o Areebifpado
de Braga, no que faz merce nao
fomente aV. R. mas a efta Pro¬
víncia , Sc a toda a noífa Ordem,
Sc me ordenou, que obrigaífe a
V. R. com preceito: Sc, como dos
corações dosReys fe diz particu¬
larmente, que eííão na mão de
Deos, temos todos rezáo de cuy-
dar (Sc de nos alegrar muyto por
iíío, & V.R . mais que todos^que
efta eleição he toda do Ceo:3c bo
indicio he, fabermos todos quão
defcuydado V. R. vivia não fò de
a procurar, ou defejar: mas ainda
de a fonhar. Pello que, pois entra
nefta dignidade não derribando
muros,nem faltando vallados: fe-
não polia eftrada real, & polia por
ta,chamado, bufcado, Sc rogado,
Sc ultimamente forçado polia
obediência: Deos que ordenou a
entrada, difporà o proceíío, Sc
guardara a fayda de toda
C 3 culpa
‘■rmfr
 JJuro I.da vida de D.fr*BcYt'do$ Adávt.
culpa ajudando a V. R. comfua
divina graça pera que não fomen¬
te não nre daqui cÕdenação, mas
alcace nos Ceos o prémio, Sc não
qualquer prémio,fenão o que elie
tem prometido aos que bem ad-
miniftrão femelhantes cargos , Sc
dão aos feus confetvos a medida logo os olhos feguirão com lagri¬
jufta no tempo conveniente,& af-
íi como não he bem (fegundoo
D.Tho. nota noffo Padre Santo, I homas
declarando as palavras do Apo*
ftolo que propuz) que os difcipu-
los de Chrifto fação nenhum ge-
nero de diligencia,por aver digni¬
dades : também he conforme a
boa rezão não nas recnfarem qua
dolhefaô offerecidas, Sc trazidas
a cafa fem as pretenderem nem
defejarem. Porque o primeiro he
foberba,&. temeridade, Sc o fegu-
do he teima,& defcorteíia. E hõa
coufa Sc outra,diz Nazianzeno, q
Gregor.
JHa&taz he de gente necia. Porque quan¬
do Deos efcolhe hua peífoa pera
abam cargo,elle fe obriga ao aju¬
dar. E a mefma obediência com
que V.R. fe fogeitarafeu Supe¬
rior, lhe pagara nofto Senhor ain¬
da nefta vida, fazendoo perfeito
Prelado, Sc infpirando no cora-
çao de feus fubditos,que também
lhe tenhão perfeita obediência. E
em virtude delia mando aV. R.
como feu Provincial q fou, q fem
me replicar faça logo íuavenia.De
boas rezões vinha frey Bertola-
nieu armado, fe ouvera de fer ou¬
vido, comoindaefperava. A dor
interior,& a brevidade do tempo
lhe tirarão o confelho, Sc atarão a
lingoa, pera que obraíTe a obediê*
cia.Levantou os olhos ao Ceo, Sc
dando hum grande gemido arra*
c ado do intimo das entranhas , q
mas proftroufe todo por terra (he
cerimonia de humildade que ufao
os noffos Religiofos quãdo o Pre¬
lado lhes quer notificar algúaobe
diencia.) O Provincial então pri¬
meiro q tudo,o abfolveo do Prio¬
rado de Bemfica, & logo foy pro¬
nunciando o preceito, Sc cenfura
na forma da Conftituição da Or¬
dem concluindo, que em virtude
di fanta obediécia aceitalTe o Ai>
cebifpado. A primeira palavra, q
o Provincial pronunciou do pre¬
ceito , acudio frey Bertolameu ca
eftas que todos ouvirão. Meu Se¬
nhor Iesv Chrifto não me defem
pareis. E quando chegou a dizer:
mando a V. R. que aceite, levan¬
tou a voz (como que tevera o laço
na garganta, Sc efperara o garro¬
te) Sc diíTe, Deos feja comigo, RS
reprefentado temos aqui o que fe
efereve do outro Santo também
defta Ordem, que afsi foy levado
ao Bifpado, como fe fora a fer
martyrizado. Foy Santo Antoni-
no Arcebifpo de Florença. Efe-
gundo o que frey Bertolameu tra¬
balhou por fe livrar defte antes,
Sc defpois de fe ver nelle, Sc are q
acabo
 j4rccbíjb o de Braga3 Primas das Hefpanhas
a cabo de muytos annos em fim
o lançou dos hombros, não duvi¬
do,que fe lho poferaó em efcolha
mais facilmente lançara mão do
Martyrio. Aceitou finalmente à
pura força da obediência que he
hum dos tres votos eífenciaes, Sc
folenes de todo Religiofo , que fé
peccado fenão podem quebrar.
Digo, que aceitou forçado da o-
bedienda,porque tinha lido, que
aquelle he verdadeiro obediente,
que fempre eftà pronto, & prefies
pera obedecer fem dilação:q obe¬
dece de vontade, Sc fem contradi¬
ção por mais que repugne o q fe
manda ao gofto,às comodidades,
&atè ao entendimento: que obe¬
dece íingellamente fem eftudar
defvios,nem bufcar efcapullas, né
lançar juyzos, ou pór em balança
os poderes de quem manda, ou a
graveza do que fe manda: em fim
o verdadeiro obediente obedece
univerfalmente em tudo fem fa¬
zer exceiçao de coufa alta né bai¬
xa,pequena,ou grande. Que iftô
querem dizer as palavras do nof-
fo Santo Geral Humberto, dizen¬
do entre outras defta virtude: que
ha de fer.Promptafine dilatione^o
luntaria fine contradiãione ,fimplex
In fpcc. fine difcufsionejmiuerfalis fine excep
Relig. rio»*?.Letrado era,& muyto letra-
cap-4» do frey Bertolameu , &. baftantes
armas lhe davao os livros pera fe
defender: mas efia doutrina jun¬
ta aos grandes efcrupulos que de
16
condão o atormentàvao nas ma¬
térias de fua obrigação, lhe atava
as maos pera fe não quietar com
nada, reprefentandolhe vivamen¬
te na memória os exemplos que
tinha lido dos Santos obedientes:
hum que por não replicar, regou H-ierQ^
muytos dias, & com muyto tra- in vttts
balho húa arvore feca, & de todo putrum.
defemparada da natureza: outro,
que por obedecer prantou as alfa HiB-, s,
ces com a rayz para o Ceo , & as Franc'
folhas pera a terra.Outro que fen
do mandado acudir ao compa- #7#.
nheiro que hia arrebatado do rio Bened.
furiofo,entrou por elle fem medo,
nem ainda cuydado. Logo lhe
moftrava neftes caros o mereci¬
mento, Sc poder da fanta Obedié-
cia,q o tevera pera veftir de nova
frefcura em folha, Sc flores a ar¬
vore defefperada: fizera prender
contra natureza as alfaces: Sc ía-
geara as agoas temerofas, para q
o obediente correffe a pè enxuto
por onde o companheiro fe hia
afogando. Em fim efta força po¬
de fomente acabar com elle , o
que naõ acabou nenhuã repre-
fentaçao de comodidades, ou in-
terefles proprios , nem a honra
que elle Sc os feus ficavão ga¬
nhando, nem a autoridade Real,
nem os rogos do Provincial Sc a-
mig*s. Levantoufe fr. Bertola¬
meu Arcebifpo, & com a mefma
humildade,com q fe tinha profira
dona venia, pedio licéça pera fa-
 Limo 1. da vida de D. Fr. Bcrhdos Man.
lar, 8c começou defta maneira» Â
Sãtaobediécia bufqueino princi¬
pio de minha vida pera me livrar
por íeu meyo dos perigos do mu¬
da, cila dei pois de velho me laça
de íi, & me obriga com cenfuras
que torne âs ondas Sc às tépefta-
des deífe mefmo Mundo: Sc quer
que a crea eu,& quecenha por b<5
Sc a certadoo que me mãda,qua~
doafli medefempara. Grande po¬
der, duriííimo mandado: que aja
de negar o meu entédimento, Sc
aver q ferà feguro Sc fádio pera
mim o que fey que foy veneno,&
veneno mortifero pera muytos
melhores que eu. Digo Padre nof
lo,que eu me fometo á fanta obe-
diécia, Sc delia protefto que rece¬
bo efta Prelacia,& não da mão de
nenhum Príncipe da terrra. Por¬
que a Deos tomo por teftemu-
n ha,que íb o poder da minha Re¬
ligião,que he poder feti,& nenhu
outro do Ceo abaixo me pudera
obrigar. Eafsi protefto diante de
V. Paternidade, & de todos eftes
Padres, que niftofeguirei odeq
fou notado entre elles, de fer com
demafía arrimado a meu parecer,
que em nenhum tempo mudarei
oeftiio de vida,que atègora fe-
gui, Sc nella aprendi : nem me
negarey de filho delia. Ecomo
tal deídagorapeçoa voftfa Pater¬
nidade , Sc em Teu nome a to-
todosos padres Provinciaes feus
fucefíores, que quando vifitando
efta Provinda chegaré a eftes C5
ventos lá vizinhos a onde me de-
fterrao, facão conta que tem ou¬
tro hum pouco mais adiate, onde
eu eftiver, pera o vifítarem em
todo rigor, & pera me aviíarem
Sc reprenderem de minhas faltas:
confiança tenho em Deos, não
chegará nunca minhacegueiraa
tanto,que os engeite por Meftres
Sc céfores: & defdaqui me offere-
ço a toda pena, íe acharem que
defpendo o património de Chri-
ílo, fora do que he fira fanta von¬
tade: naõ no gaftarei em mimos„
ou comodidades de minha peíToa
nao em fauftos de caía,& appara-
tos de criados: nem com elle enri¬
jecerei meus parentes, como
vao: nem o efconderei em thefou-
to, como avaro, Relpodeo o Pro¬
vincial que a confiança que geral¬
mente fe tinha delle,que o cumpri
ria afli, Sc muyto me hor do que
o dizia, o fizera Arcebiípo, mas
que lhe pedia levaíTe na me¬
mória de miftura com eftes fantos
intentos, tres couías de que o que
ria advertir: Primeyra que foííe
amigo de tomar confelho, Sc não,»
fiafte de feu parecer,nem o feguff-
fe,fe não fofte em coufas averigua¬
das,ou em decretos,& mandados
Apoftolicos. Segunda,que não fof
fe precipitado, nem rigurofo em
caftiganantes curafte untando, &
molificando,& difsimulando mui ,
tas coufas: que não quifeile de to¬
dos
 Arcebipode Braga3 Primas das Hefpanhas,
dos vidaefpiritual, poré que não
pcrmitiíle peccado publico,ou ef-
cindalofo, Terceira, que nãofof-
fe facil,nem leve no trato, nas pa¬
lavras,no fembrante: de maneyra
que deíTe azo ao terem em pouco
8c lhe perderem o refpeito. Nem
também foíTe tão efquivo, q fias
ovelhas fe eftranhallé delle : mas
guardaíTe em tudo hua medida 6c
pefo conveniente ao officio, abai¬
xando com os pobres 8c peque¬
ninos os pontos da íèveridade, &
tendo por regra pera com todos
trazer em balança igual,grandeza
de animo com humildade religm-
fa, &. brandura com gravidade. A
fuítancia deftes tres pontos efcre-
veo logo de Tua mão o humilde
Arcebiípo em hum retalho de pa
pel bem pequeno, que trazia nó
breviário como por regiftro, pera
lhe ferem fempre prefentes aos o-
lhos, & à memória: 8i tanto lhe
durou,que nem na vitima idade o
largou, & por fuamorte veyo a
noífas mãos, 8c nellas o tinhamos
quaudo ifto efcreviamos.
CAPITVLO IX.
Do que fez, o Arcebifpo depois
de aceitar fua elejiçao í &
do que mais lhe face*
deo ate fer con-
fagrado.
mIPIà Gabado o Capitu¬
*N
lo fahio'è o eleyto do
7/tS Coro, 8c foyfe lançar
diante do Santifsimo
9to.9
Sacramento no altar de Iesv, pe-
dindoihe com piedofo affcdto, 8c
profudifsima humildade foífe fer-
Vido aíumiarlhe o entendimento,
8c daríhe graça pera fefaber go¬
vernar no officio que lhe ericomé
davafem offenfafua. Foy a ora¬
ção larga,comò pedia aoccaíião.
Ao recolher pera a cella ajuntou-
fe o Convento a lhe dar os para-
bés: os quaes furão pera elle novo
tormento:porque efiava mais ne-
cefsitado de confolação, &anímo.
E como quem fe achava em eíta-
do de emprazado pera entrar em
batalha, começou des da hora q
fe ouve por Arcebiípo a correr
tormenta de cuydados, 8c efcru-
pulos, que lhe não davão mo me¬
to de repouzo. Occorrialheo que
tinha lido nos Santos,das grandes
8c precifas obrigações dos Prela¬
dos: temia, 8c tremia, 8c entrava
em novo efcrupuio de ter aceita¬
do. Iá fe reprendia, jà fabricava
montes de rezoes pera nao pro¬
ceder fua eleição, & todas afeu pa
recer muy jultas. Alegravafe hu
pouco:mas logo tornava â cahir qi
era negocio fòra detempo,&íem
remedio: 8c entrifteciafe mortal-
mente. Afsr foy levando a noy te,
& perdendo o lono da forte apre-
henfaõ,& amanheceu com grãde
dor
 Liuro IJd <vida àe D.Fr.BertJ.os Mart
dor de cabeças feguio logo febre
iotèfa co agaftamétos 8c defaííofe
gos,q dcrao em doença Formada,
Sc pcrigofa. Entretãto eFpalhóLife
polia cidade a nova da eleyção,
&das particularidades delia: 8c
ídy grande o efpanto que caufou,
grade a matéria que deu a difcur-
íos, 8c a converfaçoes de murma-
radores julgandofe variaméte del
ia.Mas graças à virtude & ao pre¬
ço que tem atè entre feus enemi-
gos, que os que mais rigurofas Fé
tenças davaoque erão os oppoen-
tes,n£o achavão que tacha' no e-
leyto couFa q lhe tornaíTe em def-
credito.Cõverteofe a cobiça em o
dio, a ambiçaõ*em rayva & defef
pera ção, noção fauã carta chea de
a trevimentos,& fazemna dar em
maõ do Cardeal iffante.fque os
Príncipes fao paredes brancas,em
que atè os mais triítes negrinhos
lançao Fuas riícas, 8c Deos o per¬
mute pera qUe Fe lembrem que
fao homés). Oiziaõ contra o eley-
té que era moço, Fedo de quaréta
êc quatro anos vividos em eftrei-
ta obfervancia:q lhe faltava expe-
riencia,Fendo a juyzo de todos hu
dos mais famofos letrados que en
taó Fe Fabia: que lhe naõ Fobejava
fangue, como Fe co Fangue andara
emparelhado entendimento, 8c
virtude, & eraõ calumniadores 8c
apaixonados, &apoítados araFgar
cortefia.Efta hei por hua das ma-
yores honras que fr. BertoUmeu
.
teve neífa ocafiaó. Davaolhe muy
taosquefem paixão falavam, 8c
muyta mais os que fabião de per¬
to qual era fua vida .Mas em todos
fez notável abalo, 8c atè nos mal
contentes amaynou a rayva, qua-
do Fe publicou a nova de Fua doè-
ça, & a caufa deiía.Foy o mal cre *
cendo,&dando íinaes temerofos.
AlcançavaoFe as febres huaaou-
tra com alteração no coraçáo, in¬
dícios de humor venenofojO tem¬
po calmofo,& de Outono.Todos?
andavão no Convento aífombra-
dos,elle Fó não temi a, antes eftava
alegre.E ouve quem lhe ouvio di¬
zer,que averia por muito bè vin¬
da a morte , porque o livraria de
muytas occaíióes de poder offen-
der a Deos, Sc defacreditar com if
fo a Ordem, de quem tanta hon¬
ra tinha recebido. Mas o Senhor*
que o guardava pera lhe fazer grá
des fervicos,&. honrar com elle a
Religião de feu glorioíò Fervo S«
Domingos, foy fervido,que foífe
aliviando,8c melhorando, 8c etny
fim teve perfeita faude.Porè quã-
do todo o Convento lhe dava ale¬
gremente os parabés deíla,tornou
eíle a fias primeiras malencolias,
Sc cuidados.È íínrido do mal que
o fizera cõ elle a infirmidade em
o não enterrar, affirmâva, que a
poder fucceder fem offènía de
Deos, tomara de boa võtade aver*
quem lhe levantaífe hum ftlfo
teftemunhp na mais grave ma.tc-
ria.
 Arcéiffo de Braga, Primas das Hefpanhas.
ria 8c demayor infamia da vicia,
pera que foífe occafião de fe re
mover fua eleyção. Como conva-
leceo fizerãofe as diligécías ordi-
narias,pera Te mandarem pedir às
letras da confirmação a Roma:
entaõ foube que lhe csrregnvão
fete mil cruzados de péfaÓ: Sc naõ
faltou quem eitranhou ( Sc antes
quiz diffo fazer peçonha) íofrer
elle cortarfeihe taaianha parte da
renda,que era hú genero de ficar
titulo íern fuílancia, Sc por confe-
guinte culpado de bua ambiciofa
vaydade.Coufa foy de que fe não
deu por achado,nem da culpa, né
da rezão delIa.Porque a culpa era
falfa, Sc bõs indícios tinha dado
no que lhe cu liou chegaremno à-
quelle eílado: Sc da rezão não fez
cafo, porque como não eíhmava
fazenda , fie menos renda lhe dei¬
xarão, tão pouco reparara nilTo.
A ntes fe em tal duvidara, então
pudera fer notado de cobiçarvicio
a fua natureza tão contrario, que
podendo fatisfazerfe da cõtia das
penfo.es na hora que entrou em
Braga com fazer fobir os arren¬
damentos, & crecer a renda, nem
então, nem emvmce Sc tres an-
nos, que foy Prelado tal quiz con-
fentir,como ao diante veremos. E
todavia he certo,que defpoís que
renunciou,crecerao as rêdas qua-
ii em dobro: fazia conta que pera
fy avia mifter pouco, pera feus pa¬
rentes nada; Sc aos pobres pera
18
quem queria tudo (Sc nao tinoa
outro godo de fer Arceb fpo) ba¬
ilava o q lhe deixavaó Tomoufie
log.o pera o feu renãfio amado da
ceiía a Bemfica.que então lhe pa¬
recia muyco melhor aííombrada,
corri o ímr.do que tinha de quão
cedo a av.a de perder, Sc reprefen
tande-felhe dante mão as fauda-
d s que ao diante lhe avia de fa¬
zer veríe fora della.Tornou afeus
primeiros exercícios, afsi os efpi-
rkuaes,como o da lição dos novi¬
ços. E co no eílava defembaraça-
dodo cargrdePr or continuava
com mais aísillencia, & cõ a mef-
ma acodía a todas as Comunida¬
des, como fenão ou vera diferen¬
ça algúa delle a qualquer reiigio-
ío ordinário: Sc como o mais pe¬
queno do Convento, quando lhe
cumpria hir à cidade pedia com¬
panheiro, Sc tomava o caminho
a pè. Aconteceo neíie tempo mã-
dai lhe pedir a AbbadeíTa domo-
íleyro de Odivellas da ordem de
São Bernardo, quiíeíle hir lançar
húa bênção áquellas religiofas, q
lhe tinhão devaçao.uk ao Sabado
que avia de hir, manduulhe a Lif-
boa,onde fe achava, húa mula. A-
ceitou o Arcebii po a ida, mas não
a mula: tomou companheiro, Sc
foy a pè: Sc he húa hoa iegca, Sc
meya d ca:ninho.Quando fe re-
colheo à hoipedaria ellavão duas
camas f itas. Sc porque notou dif-
ferença ncllas: na que vio aventa-
 Livro /„ da vida de D. Fr.Berúdos Mdrt.
$ada mandou lançar feu compa¬
nheiro, & elie tomou a que pare¬
cia mais pobre. Ao Domingo,co¬
mo tinha licença pera entrar den-
tro com a prociíTao, 8c miniftros
como a/y fc coftuma,não quiz hir
fem o companheiro, & ambos en
trarão. Era o companheyro o pa¬
dre frey Ioão da Cruz, de que ne-
fta hiftoria faremos menção mais
vezes,pello muyto que lhe queria
o Arcebifpo, como quem adivi¬
nhava quanto avia de montar na
Ordem: neíte tempo era profeílo
novo. Efteve o Arcebifpo em Bé-
fica continuando com a lição dos
feus noviços todo aquelle inver¬
no. Quando entrou o verão fe-
guinte do anno de mil 8c quinhé-
tos &. íincoenta 8c nove começa¬
rão a cõtinuar os fidalgos da Cor¬
te em o viíitar 8c converfar de ma
neira,que ocanfavão, 8c lhe to-
mavão o tempo defuas occupa-
çôes, & eftudo que nunca deixa¬
va. Pello que determinou mudar
cftaucia,& fe paífoua Azeitão ao
ántiquifsimo Convento que aly
tem a Ordem, 8c nelle refidio atè
avinda das letras que chegarão a
Lisboa por Agoílo feguinte, & fo
rão defpachadas em Roma aos
vinte fete de Ianeiro do mefmo
anno no dia que celebramos a
fefta do valerofo Arcebifpo
de Conftantinopla São
Ião Chrifo-
ílomo.
CAPITVLO X.
Como foy confagrado o Aroe
biffOjÇg fartíofera Bra~
ddcáfd3í$ com
Çanhiaque k-
'Vou,
O iN^a chegada das le
^|||tras Apoftolicas,& cÕ-
defua Santi¬
dade mandou o Arce¬
bifpo a Braga o Doutor Martim
Salvador Afpilcueta , com pode¬
res baftantes pera em feu nome
tomar poííe no Eccleíiaftico, 8c
fecular:& logo aos tres dias de Se
tembrofoy celebrada fua confa-
gração no Cõvento de S. Domin¬
gos de Lisboa com muyca alegria
de todos os Religiofos,notandofe,
que nelle tomara o habito, & nel¬
le avia trinta annos profefTara, 8c
que no mefmo dia, tres de Setem¬
bro em tempos antigos fora con-
fagrado São Gregorio Papa, tam¬
bém coftrangido 8c forçado. Aos
oito que foy lêíla feira dia da Na¬
tividade de noífa Senhora, rece-
beo o pallio no altar de I e s v da
mefma Igreja de mao do Arcebif
po de Lisboa Dom Fernando de
Vafconcellos de Menefes. Palia¬
va de hu anno que Braga citava
fem Paftor, & parecia rezão não
lhe tardar qué a tinha à fua conta.
• 1 Fezfe
 Arccblfbo de Braga> 'Primas das Hefpanhas.
Fezfe preítes,& fegundo fe deter¬
minou avia pouco que apreftar.
O mais porque fe deteve forão vi-
fitas de compriraêto dos fidalgos
daCorte>& tomar licença,& def-
pedirfe da Raynha,& do Cardeal
Jffante. Hu dia inteiro tomou pe¬
ra Bemfica,aonde íe foy a pè,&fò
eom o Padre Fr. Ioão de Leyria:
abraçava todos aqiielies religio-
fos,& a cada hu cõ muyta brãdu-
ra, & palavras de amor pedia em
particular o encomedaffé a Deos,
Sc até com as fontes, & arvoredos
& cõ as paredes daquella devotif-
fima cafa teve faudofos collo-
quios.Aos iz. de Setembro partio
de Lisboa: acõpanhouo atè a por¬
taria toda a Comunidade: ao def-
pedirfe,ou foffe lébrandofe.que à
viva força deixava a cafa, 8c a cõ-
panhia, com q nella Ce criaraiou q
daquella hora em diate entrava é
cuidados tormétofos,&cheyos de
perigo & defgoftos, nos quaes fe
lhe trocara a quietação, 8c defcui-
do fanto, cõ q tantos annos entre
aquelles padres vivera, reçonhe-
ceo a humanidade fua fraqueza,
Sc derramou muitas lagrimas, por
mais força q fazia polias difsimu-
lar.A cafa, & a cõpanhaméto co
q partio fez tão pouco eftrÒdo, q
nãofabemos peífoa de importa.-
cia q levafie conligo, mais q o pa¬
dre Fr, loão de Leiria,a qué efco-
lheoperao levar por feu compa¬
nheiro a vfo da Religião. Era reli-
ip
gofo grave,& obfervate,& tão ã-
tsgo q fora feu meftre de noviços
no Coveto da Batalha , 8c por tal
lhe reconheceo fépre íuperiorida-
de, 8c o refpeitava como quãdo o
tinha porpre!ado:&ainda defpois
de Arcebífpo tão pròtamentelhe
deferia,q deu ocafião a fe cuidar q
o levara còfigo pera ter a qué eu*
algua maneira deííe obedieneia 3
fim de cófervar o mereciméco çm
q fe criara na Relig-ão goyernan-
dofe em todo tépo por võtade a-
lhea,& tendo a fua morta: & affir.
mavafe,q no q tocava a fuapeííoa:
8c cafa lha tinha de fecrcto fogei-
ta.E de Fr.Ioão nos cõfta q proce
deo nefte lugar co mefmo rigor &
aufteridade é fua peífoa & obras
q ufava,quãdo na Religião criava,
noviços.Mais levou còfigo ajgus
religiofos da Ordé, q nao podia e-
ftar fé elles,& feculares poucos.A
recamara nao paíTava de algus li¬
vros, & não muitos, 8c hua pobre
cama da Ordem fé coufa còprada
de novo pera fazer aparato, ou ao
menos pera hu pouco de mais ga-
falhado,8c melhor tratamento de
fua peíToa,do q ufava na Ordé. Af
íi fez breveméte o caminho: quã¬
do lhe diílerão q eftava em terras
de fua Diocefijfohrefaltouíe todo,
8c apertoufelhe o coração. Sécéfe
mais os perigos , quando eftamos
per o delle . Vedofe jà metido no
q tãto arreceara, acudio a Deos co
mo fe écrâra é batalha, dizédo def
A £) còloíadaméte
 LhtYQ I, da vida de D. Fr. Bcrt.dosAFart,
mente com os olhos no Ceo.Meu
Deos & Senhor, pois foftes fervi¬
do que táo pefada carga fe pofeífe
fobre hombros tão fracos, como
vos fabeis que os meus faõ:Dabis,
Domine ,/er^o tuo cor docile, utpo-
puíum tuum iudicarepofsit, fc? dtf-
cernere inter bonum,1$ malum. Quis
2 mim iudicare põterit populum ifium,
populum íuutn multum?Pedindo co¬
mo outro Salamão fabedoria pe¬
ra acertar a julgar, & governar
bem feu povo. A quantos achava
pollos caminhos, de tantos fe fin-
tia obrigado a dar conta, & a to¬
dos fe avia por devedor. Alegra-
vaofe todos com a vifta do novo
Paftorpollo que ouvião dizer de
fuas virtudes que a fama levou
diante : defpejavaofe os lugares
pollo virem efperar aos caminhos
por onde avia de paífar pera o ve
rem & receberem fu a bênção. A
todos agafalhava bem aífombra-
do no gefto, indo aífaz carregado
no coração, & a todos pedia que
oencomendaífem a Deos. Che¬
gou a Braga dia de S.Francifco
quatro de Outubro, dia em que
a fanta Igreja faz memória de ou¬
tro Arcebifpo que fem pretéção,
mas antes por particular revela¬
ção do Ceo foy dado à cidade de
Bolonha em Italia,que foy São Pe
tronio. De todos os eftados foy re
cebido alegremente: que em ter¬
ras pobres, & nas ricas també,he
bé viítoj & parece muito gétil ho~
me o Prelado, & ainda qualquer
governador fecular, que entra cõ
poucas bocas, & pouco efladorjul
gafe que partira melhor com os
naturaes, quando ouver menos
gaftadores de fora, que fará mais
juftiça,& as mãos ferão mais lim¬
pas. Ao entrar da cafa Pontifical
pareceo aos que o acompanha-
vão que fe achava eftranho: & af-
íi foy, mas não de aíTombrado da
magnificência dos paços, das pin¬
turas, dos dourados (como elles
cuydavãoj que nada difto eftima-
va, fenão confideranclo de quan¬
tos Prelados fantos , & muyto
fantos avião fido morada : & dif-
fe com hum fofpiro fintido. O do-
mus antiqua, qudm difpari domino do
minarisX E profeguio. O Arcebifi
pos Sãtos que aqui vos agafalha- ^
fies!O Arccbi/po peccador que a- l(^} °f~
qui te atreves a entrar! Entnxi
polias fermofas falas,que chamão
da Rofa, & de Hercules: & nem
quando entrou fez cafo delias, né
polo tempo a dianterporque nun¬
ca delias fe quiz íervir, fenão era
quando por algua grande fefia
convidava a jantar os que com el
le afsiftião no altar em dia de Põ-
tificai, ou a feus Defembargado-
res,ou tinha hoípedes defòra. Sò
da camara em que fe recolheo,
Sc do concerto delia moftrou
conrentarfe , porque era a feu
modo,& por ordem fua nefta for¬
ma. Hfia cama fem nenhúa diffe-
rença
 jircebifyo de Braga, Vrimas das Hcfpanhas.
reneadas ordinárias daOrde de
S. Domingos, do feitio feguinte:
tres taboas mai lavradas atravef-
fadas fobredous bancjuinhos do
mefmo lavor. Sobre efte leyto
(que na Orde chamamos barra)
lançado hum enxergão de palha,
K
Sc encima feu colchão de lam,
cuberco com duas mantas bran¬
cas de pano groífo, que erão as
melmas que tirou do Mofteyro,
Sc lhe íervirao muitos annos def-
pois.Eftas fazião officio de léçoes
mimofos, Sc de emparo pera o
frio, Sc entre mantas dormio to¬
da a vida fem admittir nenhum
genero de linho,em quanto tinha
Jaude: na cabeceira híía taboa de
pinho arrimada à parede com hui
papel pregado,em que avia fò ef-
tas duas letras S. B. que admitin¬
do muyras fignificações, a que el-
le lhes dava,teve em fegredo, ate
que tornou pera aOrdem,& a ca-
fo a declarou como a diante con¬
tara a hiftoria. Efta era a cama
Ziv.
caj><i6» Pontifical fem outro paramento,
nem pavelhão,nem cortina, Sc e-
ra tao curta,que fegundo íua efta-
tura, de força avia de jazer enco¬
lhido,& tão eftreita, que nao da¬
va lugar de mudar fitio, nem jazi¬
da. lunto da cabeceira no chão
hum vaio d agoa, que era hua ef-
cudella branca, ordinariade Ta-
laveira,que lhe fervia de efperta-
dor contra o fono (coftume feu
des do tempo de noviço)pera não
- D z
20
perder as horas de felis exercí¬
cios. Nas paredes nao avia pano,
nem armação,nem pinturas,nem
paynel. Sò na porta fe armou da
banda de fòra , hum pano azul
groífo por guarda delia, que pou¬
co tempo a guardou,como adian¬
te veremos. A mefa que tinha pe¬
ra efcrever, & eftudar, era como
as que vfamos na Ordem (he íeu
proprio nome banca na figura, Sc
feitio) efta fobre pouco polida na
forte da madeira,& lavor, eftava
detodomía. Sobre ella hum de¬
voto crucifixo, a quem tal mefa
ficava fervindo mais de Caívario,
que de altar. Ao longo da parede
huas eftantes avio Fradefcoque
dízião com a mefa na feição, Sc
pobreza. Poucos livros nelías,
mas cartapacios muytos, & ca¬
dernos de íua mão efcritos, argu¬
mento de feus eftudos : bus de
matérias que diótara;fendo leytor
por tantos annos: & outros de
notações que hia fazendo , Sc ci¬
rando dos Padres, Sc Santos anti¬
gos fobre diverfos intentos. Do
meyo das eftantes pendia hum
pequeno retabolo de noífa Se¬
nhora do Rofario. Com efte re¬
trato da íua ceíla, que nunca al¬
terou em quanto viveo, & foy
Prelado, temperava as vi¬
vas faudades que íem-
pre o íe guião
delia.
(0
CAP.
 Livro L da vida de D . Fr.Bert.dos A/l ar t,
CAPITVLO XI.
Como ordenou o Arcebífyo fua
vida em Braga.
ES do dia que o Arce-
'A 4 birpofe vio encarrega
do das obrigaçoês de
Paítor defejou trazer
fempre diante dos olhos hú retra¬
to de algu perfeito Prelado, pera
conforme aelleguiar fuas obras
8c cuydados. Pera efte fim fez
grandes informações em Braga
da vida & governo Sc modo de
proceder de feus antecederes: Sc
juntamente foy tirado dos livros
dos Santos Doutores & padres
antigos, 8c apontando varias re¬
gras 8c documentos, que reduzio
â hu volume,a q deu ticuío S timu~
lus Paftorum.OcpÀ foy defpois be
eftimado entre os prelados de Ita-
íia, onde primeiro fepublicou,
como veremos em feu lugar. En¬
tre tanto a ordem q tinha em fua
vida era efta: levantavafe infalli-
Velmente todos os dias âs tres ho¬
ras da manham, & pera fe efper-
tar vfava dõ remedio da âgoa que
diílemos tinha fépre a cabeceira.
Occupavafe atè poUa manham na
íiçaõ da fagr^da Efcritura 8c dos
Santos, ou em eferever trattados
de devacao que deixou eferitos
muytos. Rezava fuas horas polia
manham cedo, 8c fempre fò,fe-
não era quando neííe dia avia de
pregar, porque então fe ajudava
de hum capellãoiàs oyto dizia fua
MiíTa,ou a ouvia, 8c dava licença
que entraífem aellatodos os ne-
goceantes 8c requerentes que o
bufcaviío. Defp ois de Miffa dava
audiência geral mandando entrar
primeiro todas as molheresque
avia,& logo fe recolhia com hum
Defembargador pera a canriara
em que dormia a deípachar as pe
tições,& papeis que avia, pera os
quaes tinha outra mefa da mtf-
ma feição,& ornato, que era a de
feu eftudo , com duas cadeiras
chãs, 8c ordinárias. Neítedefpa-
cho entendia atè horas de jantar,
que pera tile erão fempre as do
meyo dia. A tarde mandava abrir
as portas pera quem queria ne-
gocear com elle, ôc avencío pa¬
peis defpachava atè fe cerrar o
dia. De ordinário em fe fazen¬
do final nas Igrejas às Ave Ma¬
rias fe recolhia 8c fechava em fua
camara, 8c largando todo gene-
ro de negocio temporal enten¬
dia em fuas devações particula¬
res , & aprincipal era Oração, 8c
contemplação feu paílo quoti¬
diano, 8c antigo. Afsi fe pagá-
va , 8c reftaurava das occupa-
ções do dia com dar a noyte a
Deos: 8c fe lhe batião com algum
negocio forçado, logo fe deíem-
baraçava deíle,dizédo: Sufficit diá
malmafmX Q bailava tergaliado
o dia
-w— & I
 Arcebityo de Braga, 'Primas das Hefpanhas.
o dia todo em ferviço do proxi-
mo, & em negocios isentares , Sc
diftraòtivos, pera tomar também
hua hora da noyte perafy, pera
pedir nella perdão a Deos de íeus
defcuydos & oífenfas de todo o
dia, 8c impetrar favor pera o fe-
guinte : 8c muytas vezes era tal o
impeto do efpiritu cora que fe re¬
colhia , que em fe fechando fe lhe
ouvião altos gemidos. Efte exer¬
cido tinha atè junto das onze, &
então fe agafalhava entre as po¬
bres mantas. O trataraêto de fuâ
peífoa & mefa, q agora diremos,
mao principiou em Braga: conti¬
nuou em Braga o que d nha naRe
ligião. O que efpanta he que não
afrouxou nunca hum ponto do ri¬
gor com que entrou. No veílido,
como na cama , não admitia ne¬
nhum genero de linho,nem outro
lenço:o habito da Ordem não dei
xou nunca: as túnicas vzou fem-
pre de eftamenha, 8c veftidas a
termos tão largos, que acontecia
perderíhe a cota. Quando eftava
na cidade tomava todos os dias
hua rigurofa 8c larga difeiplina,Io
go defpois das tres horas,quando
fe levantava ante manhã. E porq
íintia faltarlhe eíla mortificação
quando andava vifitando por fo¬
ra,que não tinha por lã a comodi¬
dade 8c fegredo que convínharda
volta que fazia pera Braga, antes
dc entrar nella, coftumavareco*
lherfe hús dias no mofteiro de S.
21
Fruófcuofo da Ordem deS. Fran
cifco,provincia da Piedade, q eílà
fòra dos muros, 8c aly fe refazia
do tempo perdidocom eftreitos
jejfiSj&t muytas difeiplinas, 8c tal
era a recreação que dava aos mé-
bros cançados do trabalho dos ca
minhos,&defcontos da vifitação.
Cilicios vfava em todo tépo , mas
com fegredo & caatella que fe lhe
não entédeífem:porq a imaginar-
fe q os trazia,era fua natureza tao
alhea de hipocrefias3que antes os
não traria. O mantiméto cotidia-
no da fua mefa, os dias de carne
(exceito as quartas feiras q pera
elie erão dias de peixe) era hua fò
ração de vaca, ou carneiro, Sc fe
lhe punhão acafo algúa coufa
mais defte ordinário, em a ven¬
do logo a mandava dar inteiramé
te aospobrcs.Não comia peixe co
tinuo, como manda a regra de S,
Domingos, por lho defenderé os
médicos, reípeito de certo acha¬
que que tinha em hua perna.Pu-
nhãoíhe na mefa hum copo de vi¬
nho q ordinariamste era medida
de meyo quartilho: 8c junto defte
outro vazio, capaz de cãtidade do
brada: começando a jantar lança¬
va por fua mão no vazio ametade
do vinho, 8c acabava de o encher
cõ agoa,& afsi hia bebedo,<Sdãçã
do mais agoa,demaneira q quãdo
acabava a mefa,fépre ficava qunfi
meyodaquellaagoa avinhada, 8c
efta cõ o vinho do mais pequeno
D 3 mandava
 Liuro I.da vida de D>Fr.Bert.do$ Afart.
mandava ajútar & dar a hum po¬
bre. Era iíto elevação que come¬
çou na Religião, Sc não perdeo
defpois de Arcebifpo, nem por to
da a vida. E o méfmo fazia de tu¬
do quãto pera comer lhe punhao
diante. A primeira coufa era apaí
tar logo ametâde pera os pobres,
fazendo conta quando fe aífenta-
va à mefa,que tinha a Cbriito por
convidado: pia & fanta & Verda-
deira confideração: pois tile nos
prometeo,que nos pobres o teria-
mos fempre prefente,quando dif-
fe, que a elie faziamos, o que a el-
les fizeífemos: & pobres em ne-
nhua mefa faltarão, fe ou ver qué
os queira por hofpedes. A copa,
ou Aparador de citado, em que
os vãos do mundo fe revetn (Sc às
vezes com faufto mintiroío, por¬
que acontece ferem maisâs divi¬
das de feus donos, do que Vai tu¬
do o que nelle enlea os olhos/) erâ
pera o Arcebifpo húa banca feca
da arquitetura das qué cotamos
da fua camara fem toalha,fem va¬
zo,nem prato, nem peça outra de
prata. A baixella mais luítroza
era louça branca de Talaveira, o
mais tudo eítanho: que nem húa
colher de prata avia em toda a ca
fa: por maneira, que hum dia que
ouve de tomar húa amendoada fe
mandou bufear húa colher fòra
de cafa empreitada.Pera os cami¬
nhos quando viíitava, mandava
levar louça de pao. Segundo ílto
facil fica de crer quenaoaveria
guarda na parede de rèpoíteiro,
nem outro pano que honrafleo
aparador. A eífes religiofos janta¬
res chamava cada dia hum dos de
fembargadores de fua Relação
(creo, que para lhes dar lição de
temperança ) çomeçando políos
mais antigos, & correndo todos
por ordem, Algús tinhão a hon¬
ra por Cuílofa, outros acudião cÕ
goíto, pollo que tinhão de o vere,
Sc ouvirem, porque fobre a lição
que fempre avia ã mefa, movia
queítões de matérias curiofas, ou
refolvia algum cafo de conciécia,
ou dava doutrina de edificação,
Sc fempre avia que aprender del-
le. As quartas Sc feitas feiras co¬
mia Com feus capellães em refei¬
tório,ou tinello(como agora cha-
mão com nome Italiano ) com li¬
ção , Sc íilencio a ufo monaitico.
Dos jãtares não defdizião as ceas,
que conforme a boa fifica devião
fer mais leves. Nos dias de cea
mandava que lhe deixaíTem em
húa camara junto da em quedor
mia,dous ovos com hum pão , Sc
o vinho coítumado: & fe era jejú
da Igreja,ou da noífa regra, algúa
fruyta, conforme ao tempo, íenj
pão. Eíta cea ou colação, bia de¬
mandar alta noyte, Sc delia muy-
tas vezes nao chegava a comer
ametade,& muytas mais fe acha¬
va polia manhã inteira, Sc inta-
&a,ôcafsi avia de hir logo pera
aku
 Arcebifbo de B raga3 Primas das Hcfpanhas,
aTg !m pobre. Para ahoradacea
não chamava ninguém,nem que¬
ria afsiíbncia de criado pera ella,
ne n pera o defcalçar quando fe
deitava, nem pera o veftir quando
fe levantava. Rezão parece, que
não paíTsmos daqui íem averi¬
guar donde nacia efta eílreiteza
tao determinada, que o Arcebif-
po ufava coníigo: que foíTepor
efcaceza de condição,não fe pòde
tal cnydar de quem (como logo
veremosjdava tudo,& nada ente-
fourava. E a verdade he, que ne¬
nhum avaro dà a outrem o que a
fy tira: 8c quem dà largo, feja dõ-
de for, jà fe izentou do nome de
avaro.Que foífe puíillanimidade,
&hum certo medo de defpender,
que era a interpretação dos mais
futís calumniadores,menos appá-
rencia tem de verdade, porque be
fabido he, que todo genero de ca¬
ça, & aves, 8c outros mantimen¬
tos , que mais fe víaó nas mefas
grandes, faõ em Braga baratifsi-
mos: & quando delles quiíerater
a fua cheya, não vinha a fer gaito
coníideravel no cabo do anno.Se-
guefe logo, & bem provado fica,
que a rezão deites apertos era pu
ra virtude de temperança, & hua
determinação de nao querer mu¬
dar hua minima do trato & co-
ftume fanto da Religião, que fen¬
do nella de foberano merecimen¬
to, mantello no meyoda licença,
& do poder, 8c da grandeza Pon¬
22
tifical, & fer outro Tantalo por
fua vontade, & afsmte, na mayor
abundancia das coufa$,& não pe¬
ra guardar, fcnão pera ter mais q
rçpartir, & efpalhar entre pobres,
he húa virtude de tanto preço, q
não íey eu nenhum que fe lhe
iguale. E bafia fabermos que efte
foy o eíblo dos fantos Prelados da
primitiva Igre ja, Hilário, Marti-
nho 8c Nkoíao.
CAPITVLO XII.
Da ordem que o Arcebifpo deu
najuftiça Ecclefiajlica,
Cf fecular.
|pp O m o quem jà não c-
gWra feu , nem vivia para
llfSlíy, afsi fem tomar dias
pÇra defeançar, né trar
tar doutras matérias, procurou o
Arcebifpo em chegando, enten¬
der no bom governo da juítiça
Ecclefiaitica 8c fccnlar. Falou par
ticularméte com todos os defem-
bargadores, 8c metendo a mao
em cada hum,foy efpreitando co¬
mo eftavão de letras, que calida-
dedecauías corrião nos Auditó¬
rios, que cuydado avia nos julga¬
dores,como defpachavão, 8c que
expediente avia nos negoclrá.Por
outra parte foy logo tomando ef-
treitas informações de peíloas de
virtude,& coníciencia da vida, 8c
coitumes de todos, 8c como pro-
D 4 cedia
 Liuro I. dá vida de D. Fr. Bert. dos Afart.
Cedia cada ham em fua obriga-
* * D
çao: & por então não ihe pafeceo
que era bem alterar em nada o
eftado em que achava as cou-
ías,por nao perturbar a corrente¬
za dos negocios, Sc prover o necef juyzes, os vificadores, por ferem
faria com maduro confelho: fo¬
mente affirmava em todas as pra¬
ticas, que as prebendas grandes,
Sc Abbadias rendofas avião de fer
dos que melhor conta deílem de
feus oíHcios: que por iííb não tra¬
zia parentes.nem criados, porque
tudo o que era fruyto do Arcebif minhar os fubdícos pera Deos.
pado,avia de fer ('com o era rezãoj
pera galardão dos que bem fervif
fern ao mefmo Areebifpado. Dcf-
pois que vio, & ouvio & tratou a
todos, & acada hum por fy, íina-
iou dia pera hir à Relação: era a
primeira vez não faltou nenhum:
fezlhes húa pratica muyto coníí-
derada, Sc da fua erudição, toma¬
do por principio o verfo do Pfal-
mo. Si verèutiq- híflttiam loquimi-
pfal.U, ni->reft 'e ludicatefilij bominum. E lé- mor elfava perto de crueldade de
bravaíhes, que como doãíos, Sc
curiaes tinhão obrigação de jul¬
gar conforme às leys,nao nas tor¬
cendo nem eftirando:& como hu
manos, julgar com piedade com-
padecendofe daquellcs a quem jul
gavão,pois erão homés como el-
les:& não avia ninguém tão puro
em quanto vivemos que fe poiTa
gloriar de viver fem culpas, Sc fra
quezas. Que afsi como os prela¬
dos faõ verdadeiros pays de feus
fuhditos,& como taeseíiao obri¬
gados a lhes ter amor,& procu¬
rar cora todas fuas forças que fe
inclinem ao bera: nem roais nem
menos os defembargadores, os
miniflros, & citarem era lugar do
Prelado ficavao cora a meífna o-
brigação, Sc devião ter feu cora¬
ção cheyo do mefmo amor,pois o
officio que exercitão não he ou¬
tro, nem tem outro fim fenão o
mefmo do Prelado, que he enca¬
Que o pay que de verdade ama o
fiíno, quando mais afperamentc
vza com eíle da vara, quantos gol
pes lhe dá em adio da culpa porq
lhos dá, tantos recebe nasmini-
nas dos feus olhos, pollo amor q
lhe temr afsi o miniftro então fe¬
ria qual convém fe quando cafti-
gaíle o culpado, como manda,a
ley,lhe ficalíe doendo a mão co¬
mo a pay: porque caítigar fem a-
algoz :Iávfar daefpada da jufti-
ça com payxao,era tirania, &. vin- i
gança: que ao juyz jufto, & retfo
nunca a clemecia, & brandura na
tural lhe tolheo a execução da
juffiça, fomente temperava o ri¬
gor da pena. Por onde devião no¬
tar o que o Angélico Doutor Sa- AP
to Thomas, diz fobre aquelle lu-^'s*
gar do Apocalipfe. Incipam te
euomere ex ore meo. Lançarte ey de
minha companhia como qu8 vo¬
mita
 Arcebiífo de Braga,? rimas das Hefpanhas,
mita:qne confideradas as-convul-
fões, & agaftamentos que o vo¬
mito caufa no corpo humano, to¬
do caftigo rigurofo,& a excomu¬
nhão, de que aly faia particular-
mente (que he a mayor pena do
juyzo Ecclefiaíiicoj ha de fer de¬
cretada Contra vontade & como
à força:afsinada com difhculdade,
com lagrimas, & dor do cora¬
ção fulminada, & com aballo de
todos os membros & defconfola-
çao entranhavel executada. Por¬
que na verdade qualquer republi¬
ca, & qualquer cidade he hu cor¬
po de todos feus membros perfei¬
tamente organizado : o Príncipe,
cu Prelado he cabeça, os juyzes,
8c governadores faõ maos,& bra
ços.Nos mais membros fe repre-
fentão os fubditos: & fe no corpo
fenão corta opèfem grande fen-
timento de todos os mais mem¬
bros, & igualmente dos mais prin
cipaes: doutrinados ficavão os q
a feu cargo tinhão julgar, do que
deviao fazèr, & com que refpeito
&magoa,quãdo fe oífereceíle oca
lião fòrçofa de cortar polos pe¬
quenos: 8c acrecentava, que o bõ
julgador pera proceder acertada-
mente avia de imitar o bom cirur
gião que antes de chegar a obrar
com a navalha,ou cautério contra
o membro que fe vay corrompé-
do, primeiro corre, 8c aplica to¬
dos os remedios, que a arte eníi-
naqpera o reduzir a eftado de fau-
de, &c quando nada aproveita, en"
tão vencido da fórça do mal, cor¬
ta, então queima:& no q lhe cuíla
de fentimento chegar a eífa cruel¬
dade , moftra que he genero de
piedade o vir afer crucd, por que
o faz por faluar o reRo do corpo,
& com elle a vida.Por onde,fegu-
do fentença deSeneca, não feria Sen-Ub.
pouco ditofq,o julgador, q de tal àe ciem.
manenira procedeífe, que fe per- £aP'2Z\
fuadiiTem as partes quando nas
fentenças ouveífe fobeia feveri-
dade,que naó fomente guardava
as regras de rezão 8c juíhça,ma$
tabé as da humanidade fentindo
defgofto do rigor forçado. Que
por certo tinha que de todas as
calamidades com que Deos caíli-
gava muytas províncias , a raiz
principal era falta de juíliça: 8c
pella mefma rezão efperava gran¬
des boas venturas & mercês do
Senhor naquella fua cidade: por
que do que tinha alcançado das
boas partes de todos, 8c de cada
hu dos que affiftiáo na qnelle Se¬
nado,formava hu juyzo bem fun¬
dado que aviajuíiiça inteira nos
tribunaes : pois achava nelles
muytas letras, eftudo, & ponde¬
ração, nenhuã cubiça, géte quie¬
ta, livre de contendas 8c paixões,
&ondeiik) avia, não lhe ficava
que defejar, nem que encomedar
fenão era pedirlhes que correííe
cos negocios com tanto cuydado
quenaõ andaííe a Corte cheade
partes,
 Limo Lda vida de D.Fr.BertJos Man.
partes,ne oiiveíle queixa de fei¬ muyto que honrava a virtude,co¬
tos dilatados: & q fe de fu a parte meçarão logo a formar novo con¬
ou de feu poder era neceífario al- ceito, 8c conhecer nelle o que o
gua coufa pera bom effeito do q pri meiro Cõful R.omano quiz íig-
lhes encarregava, pedia a todos o nificar de fi naofferta que levou a tit.zia.
advirdíTem com zelo, Sc có amor Dcífos (era a offerta hum bordão h.Dec.
Sc có liberdade, porq eile de fua de pao mal lavrado & tofco, mas rt
peíToalhes promeda q em todas de tal artificio, que encerrava, 8c
as coufas o aviaõ de achar prõto cubria outro de ouro purifsimo
<8cpredes não fò como fuperior, dentro em fy) 8c forao entenden¬
mas como companheiro: compa¬ do que tinhão valerofo Prelado
nheiro pera os ajudar, & acudir disfraçado em rrajos de pobreza,
em todas as matérias: fuperior pe peito, & animo real debaixo de
ra ter muyto particular cuydado humilde prefença.
de fuas honras, & acrecentamen-
tos. Erão as palavras do Arcebif- CAPITVLO XIII.
po em todo tempo chãs,& finge-
las : mas fabia as propor com hã Da ordem que deu o Arcebifyo
termo tão grave,que lhes dava al¬ nas coufas da fa&enda,
ma , -Sc híía certa força que obri¬
& nofervicoM me-
gava , & perfuadia, 8c fogeitava.
mjo de fua ca-
Tinhão notado fua íingoagem os
Defembargadores em particular, fa*
Sc fua aíFabilidade 8c íingeleza:
m A d o aílènto no go«
viaona cafa o pouco faufto com í? 1?
verno Ecclefiaftico cõ-
que vmha: olhavao pera hum fra¬ B xb £
BW
íbrme ao que pedia o
de em tudo pobre frade: na pef- %
tempo, apli cou fe ao té-
foa,na familia, no trato,na profifi
poral de luas rendas, 8c cafa, em
faõ, 8c como todos nos levamos
que de/pendeo poucas horas, Sc
das primeiras informações, que
deu oi dem pera toda a vida, por¬
faõ as aparências de fòra, era ava¬
que nella não fez niudanca em
liado conforme a ellas, & juiga-
quanto governou. A arrecadação
vão o primeiro dia qae o virão, q
das rendas meteo em mão de pef-
nao tinhaõ mais que hum Prela¬
foas de confciencia, 8c muyta cõ-
do titular. Mas defpois que o ou¬
não de habilidade pera as
virão na Relação, Sc farão vendo
levantar, nem de condição efqui-
8c generofidade, o
fua inteireza,
va pera as cobrar com violência,
pouco que eíhmava fazenda, 8c o
nem de animo avaro pera as fe¬
char
 Arcebifho de B ragas Teimas das Htfyanhas,
char, 8c poupar. Pera chefatirei-
ros do dinheiro bufcou os mais af
feiçoados aos pobres , & a fazer
efmolas. O cileiro que era a parte
mais groíTa de todo o rendimen-
to do Arcebifpado entregou a hii
pobre clérigo que levou coníigo,
paífando de caminho polío con¬
vento da Batalha:& a occafião de
o levar foy efta. Sendo leytor na-
quelíe Convento, como atras fica
dito,foy hú dia prègar a hu lugar
vizinho,que chamão a Barreira,
Sc agafalhoufeem cafa doCura;e-
ftando nella fuccedeo entrar hum
pobre homem malferido em húa
mao a valerfe do Cura : o Cura
fem mais obrigação que de pie¬
dade & boa natureza o recolheo,
Sc o teve em caía provendo o do
neceíTarro, 8c curandoo muytas
vezes porfua mao, atèfarar. No¬
tou o Arcebifpo a caridade q vio
cõ feus olhos, 8c o que fouhe def-
pois perguntando pollo ferido: 8c
nao lhe efqueceo quando paftava
pera Braga: perguntou por elle,
achandoo vivo, tirou o da miferia
da aldeara efte entregou o cileiro,
Sc foube tile dar tal fatisfação de-
fy,qne o Arcebifpo andando o
tempo o fez Cónego,rico,8c hon¬
rado. A efle modo era toda a mais
familiarpouca gente, mas toda de
boa vida,&coftumes, & be pro¬
porcionada com feu amo:& con¬
fiava de tres generos de gente: Re
ligiofos da íua Ordem efcolhidos
jj
por elle: Capellães clérigos fífu-
dos 8c graves: mancebos pera fer¬
viço veitidos de roupas compri¬
das, 8c encaminhados pera Ecde-
íiafticos. Não avia efeudeiros, né
pagSs,nem homem de capa, 8c ef
pada: officiaes de camara, 8c me¬
ia a vfo de cafas de grandes, co¬
mo elle era, que faõ Camareyro,
Mordomos, Eftnbeiro, Trinchã-
te,erao pera o Arcebifpo matéria
de rifo. Aprefentoufe hum dia
dianredelíc hum homem de boa
peílba,& bem eotrajado, dizendo
que fora trinchante de feu ante-
ceííor, 8c por tal merecia não lhe
fer preferido outrem no lugar, &
por deliro no officio, pedia lhe
deífe o Arcebifpo a praça em fea
ferviço. Refpondeolhe o Arcebifc
pofem detença, que trazia trin¬
chantes: reparando hum pouco o
requerente como efpantado, por¬
que fabia bem a cafa que trazia
M
acudio elle, 8c apontando nos dé-
tes,diirelhe, que em quanto aquei
les trinchantes duraífem, efajfa-
va outros:q bufcaífe fua vida. Da
mefma maneira efeufou efteibei-
ros .Todo o appararo da fua eftr
baria era húa mula fò de fua pef-
foa,& efta de tão pouco eftado, q_
de ordinário por não comera ce¬
vada ociofa,andava occupada c<5
as outras de ferviço acarretando
o que era neceíTario pera provifaõ
de cafa.Alsi quem via aquellafa-
milia, via pintado hum mofteiro
de
 Livro 1. da vida de D. Fr.Bert.dos Afart.
de grande reformação.O veflido,
as praticas, o trato de todos repre
fentavão virtude, 8c honeílidade.
Não avia jugar, nem jurar, ne m
dormir fòra de cafa. Se a cafo em
algum avia nota, ou fofpeita, por
leve que foííe de trato pouco ho-
neftojlogo era avifado,ou caftiga-
do, ou defpedidoconforme àca-
lidade da culpa : 8c tendo pera
iito baílantes atalayas em cafa, el-
le mefmo cortumava a viíitar as
poufadasem peííoa com hua ale-
terna na mao pera ver em que
entendião, 8c fe eílavão recolhi¬
dos, 8c as portas da rua fechadas.
Qmcneyo da cafa, 8i provimento
delia, eííava â conta do Padre fr.
IoaÕ de Leitia, que adminiftrava
todo o temporal com muyta pru¬
dência, naõ excedendo porem hu
ponto das balizas 8c ordem que
o Arcebifpo tinha pofto nas cou-
lasuSendo a gente de cafa pouca,
o gaito delia, &c de fua peífoa
tão regiftrado como temos dito*
inda q a renda foííe curta, de for¬
ça avia de fobejar muyto no ca¬
bo do anno: cõítanos que impor¬
tava ao todo a renda certa & íabi-
da do Arcebifpado pouco mais
de vinte mil cruzados: deites pa¬
gava de penfoés feys mil cruza¬
dos ao Cardeal Ifrante, 8c quafi
outros mil a diferentes peífoasrpa
gava de ordenados de fua Relaçaõ
8ç dos miniítros de juítifa fecular
8c ecleíiaítica tres mil 8c quinhé-
tos cruzados: tudo o que ficâvyi
(a que avemos de ajuntar o ren-*
dimento de fua Chancelaria, que*
ainda que nao era de coufa certay
fempre importava hús soros por
outros mais de mil cruzados) era
emprego de piedade metido nas
maõs dos pobres,tirando hua pe¬
quena porção, comq aliroétaya
fua peífoa Sc cafa:8c eíic como,
era diftribuido por peíloas de boa
confciencia 8c de maõs limpas(q
niílo vay muyto a dizer)abrãgiáo
as rendas a tantos, & Iuítravao
tanto,que algus annos parecerão
miraculofas.AÍIi começou e che¬
gando a Braga a alargar a mão do
que achou caydo delias, Sc acu¬
dir liberalmcnte atodas as necef-
íidades que fe lhe reprefentavao,
na cidade 8c fora delia, mandado
remediar huas com dinheiro, ou¬
tras com trigo Sc centeo, 8c paõ
amaííado , fegundo a cada hua
parecia mais conveniente: de ma¬
neira que moítrava hu eítremo
de aperto configo,& outro de lar¬
gueza cos pobres: eftilo novo,&
não ouvido em noífos tempos,q
confundia naquelles princípios
os ânimos dos que olhavao fuas
coufas cÕ curioíidadc: &o que
mais cfpantava era o goíto que
moítrava cm não querer nada
pera fy, nem pera os feus, nc pera
outrem, íenaõ fò pera os pobres
8c aconteceo Ioço cafo notável,cõ
C/
quefe penhorou baftantemente
com
 Arcebifyo de Braga, Primas das Hefpanhas. 2j
co os homés neíle modo de proce agoa da cifterna de Belem. Hifto- Rrg.
der. Por fim de laneyro primeiro ria foy que nao ficou em fegredo, cap.2
que teve em Braga, aprefenrarão- Sc chegou às orelhas da Raynha
lb.e huás lampreas, Nao faltou que como tão grande Cathohca a
quem o advittio que era coftume eífimon, Sc nella renovou o goíto
de feus anteceíTores,as primeiras da boa eleyçao que fizera do Pre¬
lampreas que fe pefcavaõ, invia- lado.
à Raynha,& pera chega¬
■ *ií ' * -.

remnas
rem frefcas Sc boas, bufcavao hu
CAPITVLO XIIII.
valente pia5 que bem pago cor¬
ria com ellas como em poíia. Ou-
vio o confelho,mãdou que fe buf-
Do ZjcIo , & coúnuaçao com <|
cafe o correyo,que fe fizcíTe preço pregava3&>como comfçotí,
do porte & caminho : feito tudo, avifitaro Arce-
mandou vir diante as lampreas, btjpado.
&. o dinheiro que fe montava ao
caminheiro: & logo fez entregar O mefmo tempo que
tudoaofeu efmoler, com ordem o Arcebifpo hia dando
f
que as lampreas fe vendeífem, & 2 ordem na adtniniftra-
o dinheiro delias cõ o do correyo çao da juftiça, Sc no té-
fe deífe aos pobres, acrecentando poral de fua cafa, Sc fazenda, nao
que a Raynha de Portugal tinha cftava ociofo no que tocava ao ef-
rendas, & poder pera mandar pirituaide fuasovelhas. Era me-
comprar Sc levar lampreas,quan¬ ftre na matéria de efpirito, que a
do as quifeífe,de muyto mais lon¬ aprendera defde minino , & fa-
ge : Sc tinha tanta virtude, Sc ca¬ bia bem quanto fe aventaja com
ridade , que não avia de achar fa- prevenir culpas antes que fcco-
bor nas que lhe foííem de Braga metao: fabia que a melhor pre¬
à ctifta daquelles necefsitados, venção de todas pera ter mão nos
por quem mandava repartir o homês que não cayão em gran¬
dinheiro. Poferãofe as lampreas des vícios, he a palavra de Deos, Hcbr
em venda: com ferem as primei¬ palavra viva,& efficaz, que corta
ras , & primicia de Prelado, ne¬ polias entranhas,Sc pola alma,co¬
gou fe aquelle goílo, nao quiz to¬ mo efpada afiada , Sc cortadora:
car nellas,J nem que
4
ferviífem a que das maos à boca faz tro¬
Raynha, fazendo facrificio delle, car o fabor das coufas, defaffei-
Sc delias in finu pauperum,no feyo çoa vontades, Sc atè nos entendi¬
dos pobres:emprego aventajado à mentos faz força. Afsi começou
logo
 LíuyoI. davidá deD.Fr Bert. dosÂfart.
logo acontinuar o púlpito com
tanto fervor, como fe fò paraefte
officio viera a Braga. Pregou to¬
do aquelle Advento, & defpois
toda a Quarefma feguinte : 8c
todas ás feftas principaes de
Chrifto, 8l de nofía Senhora,qué
fe achava na cidade, fazia o mef-
mo,& quafi todos os Domingos:
Sc colhia bom fruyto deíle tra¬
balho, porque como acreditava
a doutrina com exemplo de vi¬
da perfeita, perfuadia , 8c aca¬
bava muyto com os ouvintes: o
eftilo de prègar era muy diflxren-
te do que ufava na corte (o inten¬
to fempre nelle foy o meímoj dei*
xou flores de Rhetorica, explica¬
ções agudas, 8c conceitos levan¬
tados que fervido là pera orelhas
delicadas, 8c entédimetos mimo-
fos pera os penetrar, 8c fazer effbi
to a doutrina medicinal a modo
de bom guifado:& entregoufe to¬
do a termos chãos, & doutrina cia
ra que fervifle pera todos: porque
efta cumpria á mayor parte dos
ouvintes.Armandofe a fazer guer
ra,&defterrar domúdoaquelles
tres peflilenciaes incêndios que o
aílolão: que S.Ioáo nos íignifíeou:
Omne quod efl in mundo concupifcen-
’ tia carnis efl, tf concupifcentm ocu-
lorum, tf fuperbia ^viu. Encarecia
o dano que fazem nas almas, 8c
atè na vida, & nos corpos: exage¬
rava as miferias, 8c a brevidade da
vida,o rigor da conta, os tormen¬
tos do inferno: acendiafe,excla-
mava de maneira,que fazia temer
8c tremer o auditorio. Outras ve¬
zes tratava da fermofura, &dos
bes da Gloria, 8c como nella an¬
dava fépre enlevado,ufava de hus
termos tao proprios,tão fuaves,&;
tão íintidos, que não avia peito
tão de pedra que teveííe as lagri¬
mas^ parecia q do fogo q ardia
em fua alma pegava nos corações
de todos, huas chamas defauda-
des,& defejos do Ceo. Cõ a entra
da do anno novo determinou co¬
meçar a viíitar o Arcebiípadordi-
ziãolhe os Cónegos, 8c Defébar-
gadores, q era o tépo do inverno
muy afpero naquellas partes de
muitas nevesfrios intoleráveis
q lhe poderião fazer dano irrepa¬
rável na faude: a ifto refpõdia q o
bõ paflor não deixava de eflar cõ
fuas ovelhaspor medo de chuvas,
nem frios né calmas,né tempefta-
des: porq ãtes então té eílas mais
necefsidade de fua companhia: 8c
mal cupriria eíle cõ o officio, fe a-
vendo dous ãnos q feu anteceflor
era falecido, 8c fendo provável
aver necefsidades nas ovelhas de
Chriflo, deixaílede lhes acudir
por refpeicos particulares de fua
faude, ou de feu bom ou mao tra¬
tamento.^/ obfernjat ^ventos (di- Ettlef.
zia )non feminat,tf qui conflderat nu- 12:
beS) nunquam metet. Se o lavrador
não ouver de lavrar,né femear fe-
não com bom tépo,nunca femea-
 Arcebijfo da BragA9Pt ifflas das Hcjpanhas.
ia.3T.mca chegará a colher novi-
dade.Contra opinião de todos fe
entregou ao trabalho, & fé nenhu
receo, porque receava mais errar
no que era fua obrigação. Era fim
de IaneirOjtépo vétofo, & frigidif-
fimo:deixou o abrigo,
O
& chami-
' , ^
nès dos feus paços,foyfe exprime-
tarosmaos caminhos, & piores
gafaihados das aldeas.Aordé q le
vava em vifitar era efta: No lugar
que avia defcr vifitado elleera o
primeiro q de toda fua família fe
levãcava polia manha cedo,& ga¬
itava hum grande efpaço em ora¬
ção poíto de joelhos, & algíías ve
zes c5 muitas lagrimas pedindo a
Deos favor, & ajuda pera aquelle
acto de feu ferviço, em q avia de
entéder aquelle dia: juramente fe
aparelhava pera dizer MiíTa exa¬
minando lua confciencia pera fe
confeíTar primeiro, 8c hua coufa
Sc outra fazia todos os dias,& em
celebrar não faltava nenhum, Cal¬
vo avendo jufta caufa,como adia-
te fe dirà mais em particular, Sc
a confiífaõ era com tanto eicru-
pulo, & tamanha pureza,como fe
cuydara que nao avia de fazer ou¬
tra, & que era aquelía a ultima de
toda a vida - 8c com efta imagina¬
ção chegava a por em efcnto por
cifras, que fó elle entendia o nu¬
mero , & caiidade das culpas:
configuin temente dizia MiíTa, 8c
logo fe aíTentava a C riftnar,& def
pois pregava doutrina acomoda-
26
da à necefsidade, & capacidade
dos ouvintes que achava: & nefte
genero de proceder era incanfa-
vel, 8c ordem pera elle infalliveí:
8c a quem lhe dizia que fe obri¬
gava a hum trabalho incompor¬
tável, refpondia: que a fua obri¬
gação não era fomente caftigar
culpas, & reprender vicios, que
he oficio de vificador: mas pro¬
curar por todos os meyos pofsi-
veis, que feus fubditos guardafi
fem a iey de Deos, 8c trabalhar
por lhes levantar os corações a
feu divino amor, &c afifeiçoarlhes
as vontades á virtude, que he of-
ffício de verdadeiro paílor das
almas. Acabada a prègação fazia
pòr tres mefas em lugares diffe-
rentes: 8c elle em hua,& dous vi-
fitadoresque configo trazia cada
hum na fua , vifitavão todos tres
juntamente a hum tempo ? 8c fe
o lugar era pequeno ficava vifi¬
tado em húa fò manham: 8c ain¬
da que em algús lhe cuftava não
acabar menos da hua defpois de
meyo dia: era com tudo tamanha
a fede de acudir a fua obrigação,
que fe avia algum lugarinho
perto, na mefma tarde íe palia¬
va a elle, & fazia o mefmo otfi-
ciode polia manhã pregando, &
crifmãdo,&o vifitava. Como an¬
dava com tanta diligencia em
poucos dias corria muyta terra.
Mas queixavaofe os feus que não
podião aturar a continuação do
E z trabaldo
 Livro L da vida de D. Fr. Bert,dos ALart.
trabalho, dos caminhos,das inver
nadas: elle fò com trabalhar mais
que todos, foffria defaífombrada-
mente todas as incomodidades:
& nos caminhos por fragofos, 8c
afperos q foliem era o primeiro
que os acometia pondofe na dian¬
teira. PaíTavão hum dia de hum
lugâr pera oufro: falteouos hua
chuva fria, & importuna que os
não largou na mòr parte da jor¬
nada: tk corria hum vento agudo,
& defabrigado que os congelava:
tinhafe adiantado o Arcebifpo, fe
gundo feu coftume, que era cami¬
nhar quaíifempre fò pera fe ocu¬
par com mais liberdade em luas
contemplações : 8c hia fazendo
matéria de tudo quanto via no ca¬
po, & na ferra pera louvar a Dtos:
offereceofelhe à viíta não longe
dõ caminho poftofobre hum pe¬
nedo alto 8c defcuberto ao venro,
Sc à chuva,hum minino pobre, Sc
bem mal reparado de roupa , que
Vigiava húasovelhinhas q ao lon¬
go andavão paílandornotou oAr-
cebifpo a eítancia,o tempo, a ida¬
de,© veílido, a paciécia do pobre¬
zinho : 8c vio junramente que ao
pè do penedo fe abria húa lapa, q
podia fer baílante abrigo pera o
tempomnovido de piedade parou,
Sc chamou o,& diííelheque fe de
ceife abaixo pera a lapa,& fogiíle
da chuva, pois não tinha roupa
baílante pera a efperar: IíTò não,
reípoudeo o paftorinho, que em
deixando de eílaràlerta, Sc coo
olho aberto, vem lego o Lobo, &
levame a ovelha, ou vem a rapofa
Sc matame o cordeiro: Sc que vay
niíTo, d.íTe o Arcebifpo.A my me
vay muyto,tornou elle,que tenho
pay em cafa,q pelejará comigo,&
tão bom dia fenão forem mais q
brados:eu vigio o gado, elle me vi
gia a mim :, mais vai fofrer a chu¬
va .Não quiz o Arcebifpo dar mais
paíío, efperou que chegalíem os
defua cõpanhia, contoulhesoq
paliara cõ o minino,& acrecétou:
& eíle esfarrapadinho inocéte en
lina a Fr. Bertolameu a fer Arce-
bifpo.Efte me avifa que não deixe
de acudir, 8c vifítar minhas ove¬
lhas por mais tempeftades q ful¬
mine o Ceo , que fe eíle com tão
pouco remedio pera as paliar, to¬
davia não foge delias refpeitando
o mandado do pay mais que o feii
defeanço : q razão poderei eu dar
fe por medo de adoecer,ou pade¬
cer hum pouco de frio, defempa-
rar as ovelhas, cujo cuydado, Sc
vigia,Chriílo fiou de mim, quado
me fezPaílor delias? Cerremos
eíle capitulo cõ húa mÕílruofida-
de q moílrarão ao Arcebifpo os
moradores do lugar de Ruyvães
íeis legoas deBraga neíla viíitaçao
Era hua arvore de tão defmefura-
da grãdeza, que détro no troco,q
da muyta antiguidade tinha aber¬
to, & oco,fe armou hua meia,& o
Arcebifpo fe afetou a ella ê hua
cadeira,
 Arcehwo a> Primas dás Hefpanhas.
cadeira, 8c por memória no mef-
mo fido, & aíTenco vifitou afre-
guefia , & tinha também lugar
dentro a teficemunha que vinha
dizer feu dito. A ramada que de
fy lançava eíh arvore era tão grof
fa, 8c eílendida, que affirmavaõ
chegava a dar todos os annos fe-
O taçoes.
fenta alqueires de boleta.Bem po¬
demos cuidar,que feria tal pranta
tão antiga, como a terra que a
criou, porque tendo efte genero
de arvores natureza de fe eriar, 8c
crecer muy devagar, não reque-
ria(Tegundo parece)menos annos
pera chegar a tamanho exceífo.
Nas terras novas de Santa Cruz,
(que he o nome que lhe derão os
devotos defcubridores, & a ctlbi-
ça humana o trocou em Brafihref
peito da madeira rendofa, & efli-
mada que produzem ) fabemos
»que ha matos 8c arvoredos, que
provavelmente competem com a
criação do mundo : do que he ar¬
gumento aver falta de cultivado¬
res cm geral, 8c fobejarem no cli¬
ma grandes , & continuas humi¬
dades que tolhem incêndios: &
com quanto fe achao madeiras
groffifsimas de que os naturacs fa
bricão grandes embarcações in-
teiriíTas que cfcufaõ os benefícios
de breu & eftopa, porque faõ de
bua fò peca,muy poucas fe achão
(Tegundo o que daquellas provin¬
das temos alcançado ) que fe pof-
faõ comparar cõ efia fò de Ruy-
27
vães. Por onde fica bem provada
a antiguidade que lhe damos.
CAPITVLO XV.
Do modo de proceder queo Ár~
cebijpo tinha nasvifi-
A n t o que o Arce-
H lilÉib
fH 4^° ** cerrava a vifíta-
-
Ção daquelle dia q viíi-
tava, chamava os dous
companheiros,8c confírião todos:
tres o que tinhão achado, 8c do q
refultava de tudo,fazia elle por
fuamão hum abreviado memo¬
rial em hum caderno,que fempre
coftumou levar confígo: 8c pera
mais fegredo, 8c fer menos a Ef-
critura: aos nomes dos culpados
ajuntava húas cifras, por onde fe
entendia 11a calidade das culpas
de cada hum. Aos Clérigos que
achava de boa vida, 8c boa fama,
defpois de apontar o nome, 8c lu¬
gar em que moravão , linala-
vaos com hum circulo de campo
branco : 8c nos que avia infamia
provada,eclipfava o circulo, fazé-
dolhe o campo negro: fe a infa-
mia era com defeito de prova e-
clipfavao campo fò pola metade:
& fe as teífemunhas depunhao
ao coftume algua matéria de fof-
peiçao , fobre o circulo meado
de branco & preto , lançava
hum S. Correndo o tempo foy
E 3 fazendo
 LiurolM roida àc D.Fí.Fc^t.dos Jl/fávt.
fazendo outro livro mayor, em q
tinha repartido o Arcebifpado
em comarcas pola ordem do alfa
beto : & nelle reduzidas a breve
leitura grandes, & Compridas de-
vaífas, com os nomes dos delitos,
delincjuentes, notados com as
cifras afsima ditas: & efte levava
quando tornava a vilitar os mci¬
mos lugares,mas tão arrecadado,
que peííoa nenhúa fabia o que co
tinha.Neíh. primeira vifitafoy lo
go tomando em lembrança todos
os beneficiados, & facerdotes de
que achava boa informação,pera
ra fe poder fervir delles a feu tem¬ de Miífas q achava em cada Igre¬
po de Curas d almas. Edefpoísda
informação chamavaos, metia a
mão nelles por ver o que podia
efperar de cada hum : Sc fegundo
o que alcançava delles, afsi era o
titulo q ajuntava ao nome: a hus:
parece varão de Deos: a outros:
varão de clara fama, ou fabe le¬
tras: ou fabe pouco: ou nada fabe.
"Também foy apotando hua cou-
fa muyto eíTencial, &cuydoqtie
fazem oje os Prelados menos cafo
delia,do que erarezão, & obriga¬
ção.Deixarão os defuntos fuas fa¬
zendas âs Igrejas com obrigações
deMiífas, Sc anniverfarios: hus
deixandoas e mm aos dos] herdei¬
ros,que chamão adminiitradores
das Capellas,pera elles acudirem
às Igrejas com a parte do rendi¬
mento que em fetis teílamentos
nomearão. Outros mais confia¬
dos, Sc melhor aconfelhados en¬
tregando tudo aos Pàrrochos: cõ
hus, & outros vay o tempo, Sc an
tiguidade caufaudo grande def-
cuydo em muytas partes:que pe¬
ra mortos,o provérbio o diz, que
ha poucos amigos: Sc creoeufaõ
matérias eftas,em que os Prela¬
dos mayor es, & menores hão de
achar muy pefada a jufiiça divina,
quando delias fizerem pouco ca¬
fo,não nas tratando com a miu¬
deza, Sc efficacia, que fazia o Ar-
cebifpo: o qual foy fazendo rol de
todas as obrigações, Sc encargos
ja , pera obrigar, afsi aos admini-
ftradores, como aos Curas, Sc
Reytores,a cúprirem todos: por¬
que ua verdade os Prelados ma-
yores faõ eminentemente Abba-
des,& Curas, Sc atè Sacriftães de
cada Igreginha: Sc não deve cuy-
dar que cumprem baftantemente
em coufa de tanta importância
com dizer: lio, encomendeyo ao
Cura: a mais eftao obrigados. E
porque os Santos antigos o enté-
diao afsi, Sc conheciao os montes
de obrigações que carregãofobre
os Prelados atè em coufas de que
poucos fe dão por achados nefta
idade, fogião as Prelacias com a
contumácia que oje nos faz paf-
mar. Neíte titulo apontava o Ar-
cebifpo juntamente o q montava
a renda de cada Igreja: Sc eltas
memórias paffou defpois ao livro
maycr,
 jircebifyo de Braga,Pnmds das Hefpdnhas, 23
mayor,que atraz dizemos, & Ter- achava emoaraçados, ôc em .m^o
viãolhe muyto pera quando algu ftadovfava de hum meyo Hiffe-

fubditolhs pedia informação ,011 rentifsimo do que oje anda em

beneficio , porque logo tinha a coílume (coftumeperniciofo, ôc

mao quem era o homem, & o que por ventura fomentado polo ene-

pretendia. E afsi aconteceo, que migo comum, que procura acre-

reprendendo hum dia a certo ec- centar peccados, ôc peccadores,

clefiaftico nobre , & querendofe- Ôc não ver nenhum emendado:)

lhe elle falvar na certa colheita Maudavaaos Abbades, Ôc Curas,

dos que fe fentem culpados: que que fendo os cõplices ambos fol-

he alegar enemizade : ôc dizen¬ teiros lhes Azeitem perguntas fe

do que o Arcebifpo a tinha com querião cafar, ôc vindo niffo os re

elle, Ôc pello mefmo cafo era em cebeítem logo não avenrío impe¬

fuascoufas fofpeito: refpondeoo dimento: ôc em cafo que não qui-

Arcebifpo com muy ta manfidão: feíTem cafar, de nenhúa maneira

como pode fer que feja voílo ene- fe lhes levaífe pena pecuniana. A-

migo, & vos feja fofpeito, quem borrecia aquelle animo limpifsí-

vos tras dentro no peito, ôc fobre mo de cubiça toda a coufa q chei¬

feu coração: ôc logo tirou do ca¬ rava a intereífe, Ôc dizia,que con¬

derno que trazia no feo, ôc mo- denar fenfualidades em pena de

dinheiro,eravendellas,& ajuntar
ftroulhe nelle feu nome efcrito;
com efta graça, Ôc graça verda¬ dinheiro, Sc não tirar o peccado:

deira (pois fe o trazia no rol dos ôc pollos eífeitos o julgava.Tinha

culpados, & fobre o coração, tam averiguado , que em tempo que

bem como amorofo Prelado 0 tra avia femelhantes condenações,

zia dentro nelle por ovelha fua como os culpados íabião, que to¬

que muy to amava) tratou de fua das as trovoadas de medos ôc a-

cura, ôc remedio : ôc foy grande meaças avião de parar em dinhei-

principio , ôc efperança de fau- ro,armavãofe delle pera a entra¬

de fazelo cahir em que eftava en¬ da do Viiitador, Sc vivião tão de-

fermo, porq logo admittio os me¬ faròradamente diante de íeuso-

dicamentos neceíTarios,& tornou lhos,& defpois de ido, como dan-

em fy, Ôc fàrou. Aos Curas que a- tes.O remedio que dava era man-

chava de boa vida, ôc coftumes, dalosevitar das Igrejas, ôc avifar

que faziao bem feu officio,honra¬ finco ôc feis legoas á roda,que cm

va , Ôc punhaos à fua mefa, Ôc ti- nenhúa foífem admitidos aos of-

nhão nelle fempre amigo certo. ficios divinos: com medo da afrõ-

Com os homés, ôc molheres que ta, ôc de ferem apontados como

dedo
 Limo l da vida de D. Fr. Bm. dos Man.
dedo tornavão muitos em fy, ou
cafavao, ou fe apartavão. Quan¬
do acontecia não achar prova ba •
ftanre pera ufar deite meyo, man-
davaosvirdiantede fy hum por
hum, & pcrguntavalhés quanto
avia que eftavão emendados,
fora do mao eftado: fe refpondião
queeítavão emendados, ferviafe
da repofta por confirtaó pera os
reprender afperamente de pala¬
vra por então: & pera os evitar ao
diante, quando ouvelTe fama que
tornavão ao peccado: Sc não
outra condenação. Foy remedio
com que em Teu tempo (porque
nunca pode acabar contigo acei¬
tar dinheiro deite fogo de torpe-
\ i . . °
zâ) apartou do vicio muyto nu¬
mero de gente cega, Sc obftinada
nelle.Amcfma contradição fin-
tia em fy pera paífar cartas de ex¬
comunhão, fenão era em caíos
muy graves: & por iífo não ufava
delias nem contra os de mao efta¬
do,que mandava evitar das Igre¬
jas. Dizia que lhe parecia coufa
muy dura lançar por fua vontade
fòr a dos rebanhos da Igreja (co¬
mo fe faz com a Excomunhão) as
ovelhas,quando como Paftor que
era , tinha obrigação de procurar
com todas fuasforças,porque ne-
nhúa fe lhe forte delíes : antes vi-
fto o rifco que corrião as que an¬
da vão fòra, devia fazer toda dili¬
gencia humanaméte pofsivel po-
ias recolher, 6c tornar a eiie$:& af
rt exprimentava todas primeiro qj
chegaflc aos vltimos remedios.
Achou com prendido na viíícação
hum homem poderofo, & q por
fua calidade era rezãoterfelhe ref
peito: que faria o zelofo Prelado
Sc em cafo que a doença pedia re¬
medio aprcííado, & as mezinhas
ordinárias não erao adequadas
ao íogeito? Deu traça com que o
culpado apparecerte diante delle
a titulo de compriméto& corte-
rta. como ertiverao aífentados em
avia
fuas cadeiras Sc a eafa deípejada,
levantafe oa íua, poerofe de joe¬
lhos diante delle com as mãos ju¬
tas dizendo: peçovos Senhor po-
las chagas de 1 E S V Chrirto nof
r
fo bem,que vos queiraes emédac
do peccado, de que eftaes vifíta-
do: que eu nao hey de proceder
contra vos, afsi, porque tenho a,
prova por foípeitofa,& forjada
por enemigos, como porque fio
da honra, Si entendimento que
Deos vos deu, que baftarà efte a-
viíb de pay Sc amigo pera tornar¬
des fobre vòs, Sc vos levantardes.'
Nao dirte mais o Arcebifpo: Sc o
homem attonito do que via, Sc
cõfufo do que cuuia, ficou de ma¬
neira atalhado, que fem faber, ne
poder dizer palavra fe alevantou,
Sc fe foy pola porta fòra. A feta
hiano coração, Sc penetrou de
maneira que mudou a vida: Sc af.
firmava defpois que mais acaba¬
ra com elle aquella profunda hu¬
mildade,
" —4
 jircebtfyo de B ratã, Primas das Hefpanhasl
mildade, & o zelo que de Tua fa'-
vação enxergara no Arcebifpo, q
tinha por fanto:que todos quãtos
eaftigos pudera executar nelle.
CAPITVLO XVI.
De hum notável cafo que fuce-
deo ao Arcebifpo vifitãdo: zf
do cujdado df pu atualidade,
co rn que a cudia atodos ôs
lugares,(A pejfoas afsi
a vi fitar,como a
Crifmar.
I S T E Tanto zelo cotn
m
ra o que o Arcebifpo co¬
3 meçava a procurar o
remedio das almas, 8c
o cuydado, & amor paternal có
que hya viíitando,& doutrinado
a todas fem perdoar a nenhum
trabalho,quiz o Senhor moítrar
que lhe era aceito com o livrar de
hum perigo efpantofo, 8c paliou
o cafo delia maneyra. Como an¬
dava viíitando , & não lhe ficava
lugar por pobre quefoííe,que pef
foalmentenão vifitafíe,foy força¬
do fazer noyte em hu tao defem-
parado,como ha muytos naquel-
le Arcebifpado , que em todo elle
nao avia mais. que hua fò cafa fo-
bradada, a qual como por mara¬
vilha ou exce!lencia chamavão a
torre: todas as mais erão terreas,
& de pedra em foíTo, & cubertas
29
de colmo, que as coava o vento,
8c o fereno da noyte, 8c nem da a-
goa do Ceo erão bem defendidas:
afsi arremeterão os criados à tor¬
re, pera lhe fazerem apofento nel-
la: mandou os avifar que tal não
fizeífem: inílàrão, alegarão que
tudo o mais erão choupanas, ou
palheiros, por não dizer pocilgas,
fogeitos a toda injuria do tempo:
refohitamente mandou , que em
qualquer que quifeífem, ou lhes
pareceffe , aparelhaílem , como
não folie na torre:ouverão de obe
decer a feu amo, que era Senhor
de fy, & do que mandava: aloja¬
rão na na melhor, ou na menos
mâ da aldea ficando fizendo dif-
curfos fobre os effeitos da conftã-
te humildade do Prelado,que por
não fe melhorar da companhia
deixara de aceitar a mayor como-
didade:era o tempo efeuro 8c tor-
mentofo : eis que alta noyte fentç
hum rumor extraordinário, co¬
mo de hum trovão continuado:
8c fabido polia manhã,era a torre
que naquelía hora fe veyo redon¬
damente ao chão fem ficar pedra
fobre pedra. Cafo temerofo : lou¬
varão os companheiros a provi¬
dencia divina, 8c o Arcebifpo fe
confirmou, 8c animou a não te¬
mer nada, nem deixar aldea por
vifitar, por trifie & mal reparada
que foííe: ainda que lhe cuftaífe
canfarfe, 8c quebrantarfe muyto.
Mas fe he licito darmos noífo pa¬
recer,
 Uuro 1.da vida àe D,Fr,Bert.dos Afart.
rêccr, corno he obrigação do offi •
cio que fazemos de hiftoriadorrdi
go que podendo fuceder a cafo a
myna da torre, parece rezao que
como Chriftãos, ôc gente de dif-
curfo lhe atribuamos fim mais al¬
to. Se eíía entédido que não avia
rezao pera o Arcebiípo engeitar
o melhor gafalhado,pois todos os
da companhia ou erão criados,ou
jfubditôs, Ôc aílalariados , porque
nao confdTaremos que a repug¬
nância que fez foy verdadeira re¬
velação, & moSlrarlhe Deosoq
avia de fer ? falvo fè queremos di¬
zer, que neííe accidente natural
quizo Senhor dar documento ao
amo , Ôc aos criados: aelle pera q
nao mudaife da cõftancia, com q
trabalhava: & a elles pera que fe-
guififem fem queixa a taó bom a-
iiio. Que fe julgamos por traça
do Ceo achar Santo Agoftinho
na prava do mar hum minino q
com húa pequena concha pre¬
tendia paliar todas as agoas do
mar a húa covinha , que com a
mão acabava de fazer na area,
quando com feu entendimento
queria penetrar as maravilhas da
Effencia divina, que excedem to¬
da capacidade humana, ôc Ange-
lica:tambem podemos cuidar, q
não foy fem miíterio o fucceíTo
da torre ("ainda que naturalmen¬
te podia acontecer) vifta a impor¬
tância do trabalho que o Arcebif-
po emprendia; & a refiílencia que
achava em todos , ôc atè nos cria¬
dos: antes me perfuado que jâ foy
avifo do Ceo o minino que conta¬
mos, achado em cima do penedo
à chuva, ôc ao vento, provido de
lingoagem eípevitada , ôc cheya
de boa doutrina, melhor que de
vertido: Ôc porque nao devia pe¬
netrar , acudio com o fegundo da
torre. Tinha o Arcebiípo viíica-
do os lugares de junto a Valença
do Minho, tornou pera terra de
Barcellos díílancia de íete pera
oito legoas de caminho: ertando
aqui achou pelos ròys que trazia
configo das freguefias,que lhe fi¬
cara por vifítar na Vigayraria de
Valença hila Igreja bem pequena
(chamãoíhe Nogueira) hua íegoa
de Villanova de Cerveira, No
mefino ponto fez volta pera là,di¬
zendo aos feus,que cumpria defi.
andar húa jornada, porque lhe
lembrara húa diligencia de im¬
portância, que ficara por fazer.
Chegando á Igreja Sc bemmoy.
do ôc canfado, defculpoufe com
os companheiros,&declaroulhes
a caufa da volta: efta fintirão elles
mais que o mefmo caminho dizé-
do que com mandar a hum delles
fazer aquella vifitação, fe pudera
efeufar a fadiga que fem rezao to¬
mara Sc dera a todos : entendeo o
Arcebiípo que vinhão quebran-
tados,&delgoílofos, & naoeftã-
do elle mais folgado começou c5
brandura a confolalos} Ôc confo-
laçfa
 Arcebiíbo de Braga, Btimas das Hefpanhas.
larfe. Meus filhos, dizia,eu fou Fi-
ficomòr de mil & quatrocentos
hoípitaes, q faõ outras tantas fre-
guefías,q à minha cõta tenho ne-
fie Arcebifpado:pois quãdo nefta
pequena (q he hua de!lasj náo aja
mais q hu fò doente, parecevos q
me feria bé contado deixalo mor¬
rer fem peíToahnéce o vifítar, po-
déddhe acudir a teco,& fendo eu
a iífo obrigado ? Bé he verdade q
tenho prouido cada hofpital de
feu fifico,q faõ os Abbades, Rey-
tores, Vigários & Curas, mas def-
fes como Fffico mòr fou eu o fupe
rintedéte:& obrigado âfaberfe vi
íitão elles os doentes , & le o não
fizerem íobre mim cae feu defcui-
do: por onde convém que vigie
eu,& feja fobre rolda: &c tabendo
elles que me hão de achar confi-
go, quando menos me eíperaré,
bailara pera andarem eípcrtos,
&. eu fico ganhando faber como
fazem feu officio, & o que poifo
fiar delles.Com eltas rezoés,que
todo prelado mayor deve cõ at-
tençao confiderar lembrandofe
que em nenhum governo ha mi-
niftro diligente, fe o que he ca¬
beça he defcuidado, ou pouco vi¬
gilante, convenceo o Arcebifpo
& quietou feus companheiros
pera ie naõ defanimarem, 6c fe
acharem apercebidos de lbfri-
mento em outras occafioés, que
cada hora fe oífereciao em que
o avião bem mifter: porque co¬
jo
mo fe atraveíTaífe hu cabello de
obrigação
O>
de officio, elle avia de
'
corcar por tudo, Sc fadsfazer ao
officio: Sc elles como jà lhe fabião
a condição preítavão paciência,
Sc obedeciao com filencio, polia
expenencía que tinhao , que ne¬
nhum coníelho em contrario
admittia : como foy hum dia^
que eftando ja a cavallo Sc o fato
de toda a cõpauhia entrouxado
Sc carregado, chegou a elle hum
pobre homem com hum minino
poía mão,& dizendo que o trazia
a enfunar, no meímo inftante fe
apeou , ôc mandou que defearre-
gaífem, & apareihaílem pera ad-
miniílrar o Sacramento : che-
gàrãofe os companheiros viíita-
dores, que erão peiToas de muyro
refpeito, lembrarão que fe perdia
a jornada: alegarão os criados o
trabalho, Sc defeomodidadede to
dos por hua fò peífoa, Sc de tão
oouca importada,como hum po-
arete: q era menos mal mandato
hir ao lugar pera onde caminha -
vão, q de terfe elle .N ao aproveitou
nada,apeàrãofe todos, ddcarregà
rão,fizerão preftes, crifmou o mi¬
nino,dizendo,que aquella ovelhi-
nha requeria feu direito,&elle era
feu devedor:que nunca Deos qui-
felfe,que por fugir a hum peque¬
no de trabalho,fe lhe dilataíTe hu
fò momento a fatisfação, q eftâva
obrigado, & podia darlhe logo.
lilo q lhe aconteceo eftando inda
na pou-
 Livro I; da vida de D. Fr. Berudos Aíart,
na poufada lhe fucedia de ordiná¬
rio no meyo das edradas cami¬
nhando: & onde quer queoco-
mava quépera ede fato miniderio
vinha demandar: com toda a boa
fombra do mundo, & fem nenhu
pejo parava, & fe apeava,& man¬
dava as partes confoladas: Sc os
criados por fentirem menos a de¬
tença, & o defgodo, que fem repli
catinhao certo neftes encontros,
levavao fempre ledes a arca do
Pontifical, Sc tãodefembaraçada
do mais fato,que fem defcarregar
outra covfa a tiravao com facili¬
dade em qualquer occaíiáo. Ou¬
tras vezes mandavao adiantar híí
da companhia com avifo , que fi-
zeííe tornar pera o lugar onde
avião de parar, quantos vieííem
embufca do Arcebifpo: porque
nao foííem caufade fe deterem,
Sc perderem o dia, & as horas de
caminhar.
CAPITVLO XVII.
Das diligencias quefazja com
os que ordenava, (J? da de-
vaçao,(jf gravidade com
que celebrava ejle Sa¬
cramento.
EM tinha o Arcebif¬
po entendido a muyta
| falta que avia no Ar-
%i}k2££^£pâ cebifpado deminiftros
idoneos que curaíTem tanto nu¬
mero de Igrejas, como nelle avia:
& no pouco que tinha viíicadoa
alcançou mais de perto : ôc com
tudo não era por iífo facil era ad-
mittir ordenantes. Facil era em
fazer o ‘cfficio das crdés, Sc em
nenhum dos tempos do anno,q a
Igreja tem deputados pera cilas
deixava de as celebrar :8c em qual
quer lugar Sc Igreja,que fe achaf-
fe,as dava de boa vótade, & fem¬
pre por fu a mão fem modrar que
fintia o trabalho, que não he pe¬
queno: mas nos exames dos que
pretendião ordenarfe era tão efi-
crupulofo, que não fe contentava
com menos, que examinallos el-
le mefmo em todo rigor : Sc def-
pois que lhe condava da fufficie-
cia,chamava dous Defembarga-
dores , Sc com elles examinava as
certidões q aprefentavao de fuas
terras de vida, & codumes, & ale
tra Sc finâes dos eferivães do cri¬
me que lhes corriao folha , Sc da-
vão fè de não ferem comprendi-
dos em devaífas, nem acufados
de cafo crime : vltimamente buf-
cava o regidro do feu livro fecre-
tro,que atraz diíTemos era o epi-
tome das viíitações, a ver fe con¬
tra os taes rcfultava delias culpa:
avendo algíía, fegundo a caísdade
delia, afsi íe avia com elles, fazen¬
do os abrir os olhos,ou com os re-
prender, ou com lhes dilatar as
ordés tanto tempo,atè que ihe
cõftava da emenda: Sc nede poto
 Arcèbifyo de B raça, 'Primas das Hefpanhas.
era inexorável, porque nao avia
dobrarfe por rogos, nem impor¬
tunações,& muyto menos por va
lias ou cartas de recomendação:
Sc contra eílas veyo a armarfe po¬
lo tempo emdiante de maneira, q
poio meímo cafo que o ordenati-
te, chegado o tempo das ordés
acudia com favores , ou qualquer
genero de interceíTaõ: logo, ao
menos por aquella vez, ficava co¬
mo com fentença de inhabiiida-
de excluydo delias , pofto que
idoneo, & fufhciente foíTe em tu¬
do o mais.Devia fintir o Arcebif-
po que quem fe valia de rogado¬
res pera negocio dependente de
íufficiencia, julgava mal da fua:
ou era querer iníinar os fubditos
a trabalharem,& merecerem por
fy , eftando defenganados, que
não avião de ter com eiíe melhor
valedor, que merecimento pro-
prio: também fe forrava de bua
continua opreffaõ que por toda
parte acompanha os miniílros de
officio publico, que faõ cartas de
recomendação,as quaes fe devião
prohibir,como as peitas, porque
também impedem a juíliça acaba
do por importunação, & por nu¬
mero, Sc por valia de quem as mã
da, o que as peitas negoceão por
cubiça,& por gofto. Eíie fagrado
Sacramento das Ordés celebrava
o Arcebifpo com hiíamageftade
tão grande,q caufava hú religioío
terror nos ânimos de todos. He
ji
minifterio Angélico o q nellas re”
ceberaos os Sacerdotes, Sc poder
mayor q o dos Anjos: tudo fe lhe
deve. A todos os q fe ordenavão
fazia em geral fantas & .devotas
praticas, como foy çoiluinedos
Padres anti gos, q fabiao a digair
dade q davão,& quer ião q os or-
denantes a conhecelIe,& eílimaf-
íé pollo q ella.be, Ôc não polo fim
de muitos>q he o pão queefperão
ganhar.Cõos q ordenaya deEpi-
ifola tinha particular tenção^: ou
foíTe por fer a primeira ordé d^s
Sacras,& porta,de entrada pera o
Sacerdócio: ou porq eltayão ain¬
da em têpo de entrarem em fy, Sc
tomarem bom confelhoyfelenão
íintião com forças pera o eftado q
emprendião:qualquer q &ííe, a re
zao , elle lhes carregava a mão ca
taes documétos,& tão alta doutri
na q os fazia temer, & tremer. A
mefma autoridade tinha,íquando
adminiífrava qualquer outro Sa¬
cramento,ou fazia Pontifical. E fe
acertava fazer algua pratica' a pro
pofito do aóto q tinha étre mãos,
nao avia nenhum dos que o vião
Sc ouviao, que fenão fintiffe mo¬
ver dentro em feu animo a hum
grande acatamento & reverencia.
Na hora que pjunhaa mitra pare¬
cia que tomava outro fembranre,
Sc outro efpirico: talfe moflrava
no afpeito,& no meneyo, «Se na ef
ficada das palavras: no que tanto
mais admirava, quanto vefticio
F era feu
 Lhiro /. da vida de D. Fr. BertJosMarP.
em feu pobre habito, Sc fora da-
c[Uelle adio, onde lião era conhe¬
cido por fua dignidade : ningué o
diferençaua de qualquer Religio-
ío ordinário: tao humilde era em
fuaspa lavras, tao defprezador de
fy melmo,& tao pouco apontado
no v e ilido, Sc nada pompofo em
toda reprefentação extenor.O lu¬
gar nos amoeíla, que façamos lé-
brança de hum bem fundado pé-
faméto que o Arcebifpo defejava
pór em obra , cm favor do eílado
EcclefialliGo. • Dizia elle, que pera
os clérigos que ordenava,eftarem
armados cõtra os vicios que o fer
vor dà idade & ocio(idade gerão:
Sc a licença , Sc liberdade da vida
acarreao: feria coufa fanta, Sc ho-
nefta,nao fe ordenarem,fem con¬
fiar ferem deftros em algum offi-
cio manual, que não foífe vil, Sc
fordido: pera q quando fe oífere-
ceífe ocafião de grande necefsida-
de,pudeílem ganhar de comer,fé
andarem com ignominia pedindo
efmolla de porta em portarque he
muito mayor baixeza,que fuílen-
taríe cõ o trabalho de fuas mãos,
pintando, ou illuminando, ou fa¬
zendo officio de broslador, ou de
cirgueiro,que àlem de remedeare
a vida quanto à fuílentaçao, ga-
nhavão livrar de ocioíidade máy
de todos os vicios, & maldades,
àquelles que fcnão davão às le¬
tras, nem aos exercícios efpiri-
tuaesda oração , Sc contempla-
plação : Sc dava por rezão qne o
fim que teverão os Padres anti¬
gos que com tantas maravilhas
de fantidadepovoàrãoos defertos
da Thcbayda,& da Paleílina, Sc
os hermos da Scythia, quando fe
ocu pavão o dia inteiro em tecer
as fuas alcofas, Sc ceíios Sc eílei-
ras, nao era fò pera bufcaré o ali¬
mento pera o corpo: mas pera e-
ílarem no efpirito mais recolhi¬
dos: porque femelhantes occupa-
ções em quanto exercitao as for¬
ças corporaes divertem o penfa-
méto das coufas feas,& indignas,
Sc não lhe tolhem levantarfe às al
tas Sc divinas: Sc pera prova tra¬
zia na memória hum decreto do
Concilio Cartaginenfe quarto , q caj>. 5*
difpoem que não fomente eiludéd*
letras os Ecclefiaílicos: mas que
também ajuntem com ellas fabe-
rem algum honeílo miíler de
mãos: &de fubdiacono nãofeja
ordenado quem lhe faltar efta
calidade. Perfuadia o Arcebifpo,
mas não obrigava a feus fubditos,
viílo fer coufa defufada nos tem¬
pos prefentes. E na verdade mais
policia parece, & mayor limpeza,
abíleremfe as mãos ficerdotaes
de tudo o que he menos de¬
cente que o trato do altar: mas
com tudo não ha muytos an-
nos que em hum Convento de
letras, Sc letrados , fituado no
melhor, & mais povoado fitio
do Reyno , era tão familiar aos
Relisiofos
 Arc chifro de Braga, Frimas das Hefpanhasi
Religiofos o trabalho de mãos, q
achamos hum alvará dos Reys,
pello qual libertava de direy tos as
obras manuaes que fahião a ven¬
der do tal Convento: Sc avia nelíe
muytos Santos,cujas obras mara-
vilhofas,&de foberano eípirito fo
rão celebres na memória de nof-
íos avòs:&ainda o ferao na nolfa,
fe o Senhor for fervido darnos for
ças pera acabarmos de as defen-
terrar das fepulturas do efqueci-
mentOjComo vamos fazendo.
CAPITVLO XVIII.
De alguns coufas que 0 Arce~
bifpo ordenou em beneficio
efipiritualdo Arce-
bifi^ado»
Ç&!
Ecolheose oArce-
I
#a
tft.
bifpo breve mente â ci¬
m m
-'v
dade, pera afsiíhr nella
-j
aQuarefmajComo era
a primeira: Sc neíte pouco tempo
que andou fòra,que devia fer pou
co mais de hum mez,correo muy
ta terra, Sc foy de importância o
trabalho: porq vio por feus olhos,
& apalpou as grandes necefsida-
des efpirituaes, que polia mòr par
te delia avia : a falta de doutrina,
tanto nos doutrinados, como nos
doutrinantes* muytos Sacerdotes
idiotas Sc pouco idoneos, algús vi
cioíos, & ainda afsi máos de con¬
tentar: alcançou q ainda acharéfe
32
eíles pera as Igrejas era ventura,
polo íício afperifsimo, & nevofo
de muy tas delias: por onde defcul
pava feus anteceíTores ( refpeito
pouco víado nos q fu cedem) mas
não fe queria defculpar a fy : & e-
íla era húa das rezões, porq mais
fe íintia obrigado a continuar em
pregar, & eníinarfcomo temos di
tojnas vifitaçoes que fazia,traba-
lhando por fuprir com efta diligê-
cia as faltas q achava, Sc fazer de
fua parte tudo o que podia: Mas
cubriafelhe o coração demalen-
colia coníideraudo o eftendido
diftriélodo Arcebifpado, q fegíí-
do o que tinha andado delle, Sc o
muito que lhe ficava por ver, era
impofsivel podello vsíitar peffoal-
mente todo , como determinava,
por muyto que aturaííe o traba¬
lho, fenao repartido por annos:
contava por rol hum numero ex-
cefsivo de fregaefias, grande par¬
te delias em terras não fò traba-
lhofas,mas cemerofas de fui ir, Sc
andar. Difcorria, que miferiasde
ignorâncias, que mõftros de mal¬
dades , que feras bravas de vicios
criaria o enemigo cornu, & teria
como de fua mão,nas ferraniasSc
picos do monte Gerez, & da Ga-
via,nas matas,&alturas das terras
deBarrofo,& ferra doMarão:mui
tas das quaes nuca em nenhú té-
po tinhão viílo rofio de Prelado,
&outras quafi nõca:q íe ali aoper
to,&quali nos olhos dosPreiados
F 1 achava
 Livro L da vida de D, Fr, Bert.dos Aíart.
achava muyta gente tao agrefte,
tão inculta Sc felvatica, no q cu-
pria a fu a falvaçao, q avia aííaz q
íintir,& çj chorar:q feria neífou-
tros fidos mais remotos.?Então ca
hia na cota de quata rezao tevera
nas forças & repugnadas, & eftre
mos q fizera por eícufar tamanha
carga, quando o bufcavao pera el
la: Sc fò iífo o confoíava alivian¬
do a triífeza q oprimia fua alma
cõ a memória de q núca dera cõ-
íindméto nella:aqui acudia aDeos
com rios de lagrimas, pedindo!he
cõfelho,& luz: cõfeiho para acer¬
tar cõ remedio cõveniétea tama¬
nho defemparo,& poder encami¬
nhar tantos milhares de almas po
la eftrada dá verdade, Sc da vida:
luz celeftial Sc poderofa q desfizef
íe os cerrados nevoeiros da igno-
rancia, & barbaria, & os cora¬
ções de todos cõ viva fè aíumiaíTe
& cõ inteiro conhecimento delia.
Nunca o Senhor faltou a quem o
bufca,& mais é caufa fua, & por
taes meyos: merece muyto diante
delle os bõs deft jos:antes ao paf-
fo da võtade anda o mereciméto;
& como todo bé procede do alto,
por dados da mão de Deos,pode¬
mos aver os meyos que logo foy
dando o Arcebifpo pera cõleguir
os fantos fins q pretendia: o pri¬
meiro Sc q appareceo tão depref-
fa feito como imaginado, foy af-
fentar dentro em feus paços duas
cathedras de Ca.fos de confcien-
l
cia, que lião dons Religiofos da
fua Ordé de S.Domingos:& pera
q acudifTem a cila eftudãtes de to
do o Arcebrfpado cõíignou efmo-
1 a certa de dinheiro aos pobres, q
chegou a cõciadedozétos mil rei$
por ãno, madãdo dar a cada hu a
íinco,& a íeis toftões por mez, Sc
a algus a fcte, q pera aquella ter¬
ra Sc tépo era baftante fuftétação.
E pera q não foífe fem fruito efta
defpefa, deu cargo a hum Sacer¬
dote homé de cuydado, que foíTc
feu apontador, não lò notando fe
acudi ao à lição, mas informando-
fe de como viviao,& fe aprcveita-
Vao no eftodo:& avédo defedluo-
fos, mandava que foílem defpedi-
dos. Afora effes, que os mais erao
das terras de Tralos montes, ma-
da va dar veftido, Sc ração a filhos
de cidadãos pobres de Braga que
moftravão inclinação, Sc habili¬
dade pera as letras, pera que acu-
diífem também. A eftas lições
mandava que (ç achaíTem todos
os Curas quevinbao negocear á
cidade, & os que nella reíidião, &
todos os mais Sacerdotes eftrava-
gantes, a fim, que os que tinhãq
eftudado bem,refrefcaftem ame-
moria nas matérias,& os que efta
vao fracos neílas,fe aproveitaftem
Sc adiantaftem.E porque nãofal-
taífe lição & remedio de eftudo
aos que vivião em lugares diftan-
tes,ou não tinhão ocaíião de vir â
cidade; encomédou ao P. Fr. Dio-
 Arcebífbode B raga, Frimas das Hefpanhas.
go do Rofario da Ordem de noíTo
Padre S. Domingos, varão doéto,
Ôc que fora fea condifcipulo,q tra
duziífe em lingoagem portuguefa
a Suma de cafos do Cardeai Cae¬
tano Meílre Geral que foy da mef
ma Ordem, por fer obra de muy-
ta autoridade & proveitofa: fez a
tradução o padre Fr.Diogo,& aju
toulhe alguas anotações pera rna-
yor clareza das matérias:& o Ar-
cebifpo a mandou à fua cuíla im¬
primir, & diílribuir por todo o
Arcebiípado:& foy obra de muy-
tofruito pera elle , & pera ou¬
tras partes,&deu occaíião &prin
cipio a muytos homes de clara e-
rudição fe difporem a efcrever ou
tras femelhantes: as quaes todas
fica em certo modo devedo a Re¬
publica Chriílam a eíle Prelado.
São os livros efpirituaes hus pre¬
gadores mudos, que eníinão fem
faítio,falão verdade fem refpeito,
reprendem fem pejo, amigos ver-
dadeiros,cõrelheiros íingellos.De
fejava o Arcebifpo doutrinar a to¬
dos, repardríe por todos, & fer cu
do a todos, como outro Paulo.
Não podia hu fò corpo abranger
a tantos, abrangia o efpirito: cõ o
qual, defpois de encomendada a
tradução q acabamos de cotar,or
denou efcrever de fua mao hum
douto,breve, &facil Catecifmo,
em q por cftilo chão, èc claro,
acomodado à capacidade do po¬
vo declarou em noífa lingoagé os
j3
põtos principaes,&os rnais necef
farios artigos da doLitrinaChriftã:
elle mandava, q os Curas q não
erão letrados foi sé ledo a feus fre
guefes na hora da eílaçaò, & lhes
ficaíTe é lugar de doutrina,& pre¬
gação. A poz eíle livro lançou lo¬
go outro de hús ferrnões breves
fobre as feitas principaes deChri-
fto,6c de noíla Senhora pera fe !e-
ré poía roda do anno nos taes dias
onde faltaffem pregadores .O iate
to q levava, era declarar o miíle-
rio de cada feíla cõ termos fuaves
ôc muito intelligiveis,procurando
levãtar os ânimos de todos ao def
prezo do mudo, ôc amor dos bés
eternos.E como os exemplos dos
Santos penetrão, & move mayto
não fò as orelhas pias: mas acõce-
ceo jà homes devaííos na vida, &c
nos coítumes, tornaré fobre fy,&
ôc deixaré o múdo,fò cõ ouvirem
hu aólo de penitécia dos Sãtos do
hermo,hus toflados do Sol, & do
frio:outros coníumidos de perpe¬
tues jejús,& vigias, Ôc outros qua
fi trasformados em feras na vivé-
da,no mãtiméto, ôc atè no geíto,
fendo nas almas puros Anjos: pe-
dio ao mefmo Religiofo atraz re¬
ferido Fr. Diogo do Rofario q fof-
fe compõdo em Portugés as vidas
dos Santos que a Igreja celebra
polaordé doCalédario Romano:
ôc O que elle fez com boa diligencia:
ôc eíle he o Fiosfantorum im-
preífo em Braga, que o Arcebif-
F 3 po
 Iàuyo Lda vida de D.Fr.BertJos Afart.
po mandou àfuacuíla imprimir
pera utilidade univcrfal.Mas com
todos eftes meyos de a procurar,
indafenão dava por fatisfeito a-
quelle infaciavel zelo, como logo
veremos.
CAPITVLO XIX.
Como o Arcebifpo fundou o
Colltffio da Companhia de
ILSF na fua cidade de
Braga} (A das re~
ZjÕss que pera
ijfo teve.
ííHírPlME
i
//r2T51
m o s hum enemiVo
& do dia pera deícançar: que fe ma¬
Jg|| muyto velho, ferpenti-
no,&: ardilofo:& como
fe perdeo, mtiy fabio
em ajudar a perder almas - & ain¬
da que como Lião esfaymado buf
ca fempre quem trague , não vay
fempre bramindo,nem enfangoé-
tandoasvnhas , & dentes infer-
naesuornafe muitas vezes cordei¬
ro perafegurar grandes preías, Sc
tragar mais. Achava no Arcebif-
po combatente de força, & esfor¬
ço: não fe lhe atreve arca por ar¬
ca, como dizem : reveílefe de hua
extraordinária brandura, Sc por
boca dos que fe davão por mais
feus affeiçoados procura divertil-
lo das obras começadas: entra bú
Sc outro cada hum chcyo de cõ-
payxão de o verem aplicarfe a tã-
tas coufas, Sc tomar fò o trabalho
demuytos homés juntos: de dia
ouvir partes,negocear,defpachar,
pregar ,vifítar,crifimar3darOrclés.
De noyte,velar,orar,meditar, cõ-
templar, ei crever livres: fobre tu¬
do pouca Sc groííeira comida.
Não remos,dizião, Arcebifpo pe¬
ra feis mefes: forãofe adie por ve
zes fem advirtirem que com âni¬
mos íingellos, Sc palavras de ami¬
zade fazião a caufa de Satanas: Sc
erão da gente mais grada da cida¬
de: affirmãolhe que fe mata com
tanto, & tão aturado trabalho e-
ílando fempre entendendo em pU
ro negocio fem ter vaga hua hora
ta a fy, & a todos os que naqueíía
cidade tem já obrigado com fuas
obras fantas a lhe terem affeição
de filhos : que tenha do de fy, Sc
delles: Sc fayba que por mais dili¬
gencias que faça, & reformações
que intente, ferà impofsivel tirar
abufos,&. arrancar vicios arreiga¬
dos com annos, confirmados cõ
poífe, Sc feitos quaíi naturaes cõ
o coftume: Sc enfim era tépo per¬
dido cuydar de melhorar o mun¬
do á cufta de fua vida.Que o q de
via fazer, era pera fe aliviar do tra
balho corporal criar hum Bifpo
titular que o ajudaííe fegundo cu¬
rtume de todas as Igrejas feme-
lhantes: Sc quãtoaomais bailava
deixarfe hir pollo fio de feus ante-
ceííores de proximo : defpender
mais
 Arcebifyo de B ragá. Primas das Hefpanhas.
mais coníigo, Sc menos cõ fíihos
alheos,& com tantas obras como
emprendia,&.viver Sc deícanfar.
Sintio o Arcebifpo eílas lingoa-
ges, &. como era fanto devia co¬
nhecer a rayz donde procedião:
Refolutamenre refpondeo que em
vao trabalharia quem lhe perfua-
diíTe defcanfo, em quanto hs du-
raíTe a obrigação de que hua vez
fe encarregararque lhe não entre¬
gara Deos íuas ovelhas, fò pera
lhes ordenar leys, como iuperior
ociofo,nem pera as calligar como
rigurofo juyz, nem menos pera íe
aproveitar & fervir da lam,do ley
te, & do fangue delias, como inju-
fto fenhorrfenãopera bufcar todos
osmeyos, Sc não lhe ficar pedra
por mover,porque todas íe falvaf-
fem:o que muyto agradeceria aos
que fe davão por amigos Zeus, fe¬
ria aconfelharemno como faria
mais,& como trabalharia mais:q
poupar o corpo, grangear deícan-
fo , apertar a bolfa mal o poderia
fazer quando defe java facnficar a
vida aoferviço de feus fubditos.
Ao ponto de criar Bifpo não ref-
pondeo palavra,ou porque avia q
a tudo tinha fatisfeito com as que
referimos: ou porque he grande
certeza de cumprir bem as deter¬
minações não prometer nadartão
puntual foy neíla, que nunca em
quanto viveo fez mudança nella.
Cae aqui bem o que dizia delle o
padre frey Eftevao Ley tão gran¬
S4*
de feu amigo, & peíToa de grande
virtude, & autoridade neííaOr¬
dem : que tomara a virtude corno
porrayva Ôc teima, porque aísí
como o homem que anda em o-
diovay fenipre crecendo no fel,
Sc rancor: aísi elle cada hora fc
aventajavaem obras fantas.E di¬
zia bem : porque parece que efia
cõtrariedade dos amigos lhe deu
occaíião de fahir mais cedo com
o effcito, 5c execução de hum pe-
farnemo que trazia de fundar húa
Vniverfidadenaq cila cidade (pé
famento Sc obra real) quanto ba-
ftaífepera lhe fazer homés ido-
neos pera Curas dalmas: porque
confiderava,quearezão de não
eíludare muytos, era falta de pão
Sc remedio pera poderem afsiftir
nas Vniverfidades remotas, mais
q pobreza de engenhos: Sc eftava
certo que em tédo eftudoemca-
fa,ou perto delia, Sc ajudando elle
com fu as efmoUas, como fazia,
era caminho aberto pera domeíli
car aquelles matos feros, Sc efpi-
nhofos: era bom traçador,& exe¬
cutor ardente das boas traças.Flo
recião por efte tempo na cidade,
Sc Vniverfidade de Coimbra os
eftudos de Grammatica,Rhetori-
ca,& Filofofia,entre os padres da
Companhia de 1 e s v s, a cujas
mãos os avia paftado elRey Dom
Ioão o terceiro,tirandoos das dos
Francefes, que mandados vir de
Paris polo meímo Rey os man-
F 4 teverão
 Liuro I. da vida de D. Fr, Bert. dos Man.
teverao algiis annos.Era de muy-
ta confideraçao o credito de vir-
tu.de Sc prudência , com que efta
Religião os exercitava:porque tê-
do entre fy medres abalizados
«eftas letras, que por mais apra¬
zíveis, ôc dignas de ferem fabidas
de todo homem lhe chamarão os
antigos humanas: traziao també
meíbres de todo genero devirtu-
de,criados no leyte daquelíes feus
primeiros fundadores varões ce¬
lebres, & dignos de grande lou¬
vor. Entendto o Arcebifpo que
aqui tinha junto tudo o que avia
mifter, Sc defejava: mandoulhes
comunicar fu a determinação: a-
cordarão fundar collegio com ré-
dacompetente, Sc obrigação de
terem continuas quatro claífes de
Grammatica,& Rhetorica,& cur
fo de Artes. E pera começaré lo¬
go a paífo igual, lição, & edifício
ccníignoulhes em fuas rendas du
zentos mil reis em cada hum an¬
uo certos & feguros: ôc
de mais ao futuro Collegio certas
Igrejas de bom rendimento, com
que no mefmo anno de quinhen¬
tos Sc fefenta Sc hum , feabrioa
nova Academia Bracarenfe,& co
meçou a dar flores Sc fruito com
grande efpanto dos que engana¬
dos de zelo piadofo pretendiáo
abater os fervores fantos do Ar-
cebifpo.Forão acudindo detoda a
provinda grande numero de mo-
ços, Ôc recebendo a mòr parte deí
les do Arcebifpo o pão corporal,
Sc todos o d alma ern companhia
das letras, pois de hum & outro
elíe ficava feftdo primeiro Sc prin¬
cipal mini Aro. Os proveitos q íc
cem feguido defla obra fícão faci-
les de crer confíderada a pobre,
za, Sc rudeza de grande parte da-
quellas terras r & a muyta & boa
diligencia dos Reíigiofos. Foy pri¬
meiro Reytcr deAe Collegio com
feiicc pronoAico perafe eíperare
venturofos augmentos , o padre
Inácio de Azevedo irmão de do
Ieronimo de Azevedo valerofo
Capitão na Índia Orientahque no
tempo que iAo fe eferevia, era a-
(Auaimére Governadordella.EAe
padre indo deípois para a Provín¬
cia dc Santa Cruz do Brafil pot
Prelado da fua Religião,que nella
dilatadamente florece,íoy encon-
tradonomardeFrancefes levan¬
tados hereges Calviniftas : os
quaes acometendo o navio em q
anexou hia, defpois de entrado Sc rendi¬
do, a fangue frio, como dizem , o
matarão com trinta & nove com¬
panheiros da mefma Religião, Sc
pera final que o fazião em odio
de nofía fantaFè, Sc particular¬
mente do efiado EccleíiaAico, Sc
Religiofo, Sc pera mayor gloria
dos que padecião pola verdade,
perdoarão a vida a todos os mais
feculares; foy cAe fucceflb no an¬
no de 1570. em quinze de lulho»,
Entrarão cm Braga com elle doze
compa-
 drcebifyo de Braga} Primas das Hefpanhas,
companheiros: começarão a en¬
tender em fu a obrigação, & o Ar-
cebifpo em lhes edificar a caía cõ
fumma alegria: &comeíla occu-
paçao quietou hum pouco feu ani
mo, mas não pera repoufar no q
fabia que convinha a outras.* por¬
que fe a cidade, & o comum do
Arcebifpado ficava bem provido,
avia outros lugares que pedião
mayor remedio,& mais prefente,
como adiante .contará a hifioria.
CAPITVLO XX.
Do cuydadq co que acudia aos
pobres, ítf dos hofpitaes que
ordenou na cidade pera do
entes 3 & faos, (f co-
mo agajalhava os
JdcciefiaJlicoS'
ARec E rá por ven-
tura a quem ler c5 cuy-
l&Mfí dado,o q vamos efcre-
vendo defte prelado, q
quem andava tão ocupado nas
coufas efpirituaes, na5 lhe pode¬
ria ficar tempo, nem ainda me¬
mória pera o governo das tempo-
raes,& he engano:porqucnãofe
prezava de menos díligéte & cui-
dadofo em acudir as neceííidades
corporaes dos pobres, do que o
era em remedear as efpirituaes de
todos .Atras fica dito como tirado
opouco que defendia com fua
Sf
cafa, & o q moatavão os falarios
dosoíficiaes dejuft ça, tudo o mais
fe entefo irava nas maôs dos po¬
bres, quecraomefmo que pafal-
lo ao Ceo por ellas. como o dizia
a Daciano o gloriofo mártir Saõ
Lourenço, em cujo dia ifto vamos
efcrevendo. Agora he lugar de
dizermos a ordé com que o fazia.
Neita primeira vifitaçao que fez
foy tomando eftreita 6c. miuda in¬
formação das neceííidades mais
precifas que avia em cada lugar,
& os nomes dos neceífitados rato
gente recolhida,como mendicãce
das portas,fazia apontar cõ diftin
ção das idades, & fexo, Sc calida-
des, Sc a todos eftes mãdou veftij:
conforme aoeftado de cada hum,
ôc ao que mais lhe convinha, Sc
foy hum grande numero: por que
nos conítaquenoãno que corria
a terça parte do Arcebifpado,che-
gavao a quatrocentas peííoas as
que veftia. Nacidade mandou to¬
mar a rol todo genero de pobres,
afsi das portas, como envergonha
dos, Sc viuvas, Sc donzellas hon¬
radas: com tanta diligencia que
nao avia necefsidade tão incuber-
ta que andaífe fora de feus me-
moriaes: Sc porque receava ficar-
lhe aigúa por remedear como fe
fora algum grande delito, enco¬
mendava a peífoas de confiança,
Sc virtuofas que cõ todo refguar¬
do^ cuydado procuraífem íaber
fe avia gente que antes quifeíTe
padecer
 Limo IJa vida de D.Fr.BertJos Mart.
pãdecer(como às vezes acontece)
«que manifeífarfe, & logo lhe deí-
fem avifo pera nao lhe efcapar o
focorro:& elle por outra parte c5
o mefmo fegredo fe informava fe
vivião virtuoíamente: Sc como a-
chavanecefsidade Sc virtude lo¬
go entravao no rol, Sc conforme á
calidade Sc família lhes taxava a
cantidade que auiao d aver de feu
efmoler, de pão, carne, Sc peixe,
azeite, & vinagre pera cada fema-
na:& o pão madava dar em grão:
aos demais calidade ajuntava con
tia certa de dinheiro, Sc algus al¬
queires de pao na étrada de cada
mez: Ôc a todos fe acudia com tã-
ta pontualidade, que nem no dia
limitado avia falta, nem na taxa
alteração. Eifes erao providos to¬
dos de veílido, Sc às molheres ma
dava dar mantos pera não faltaré
em ir à Igreja: para o qual effeito
tinha em cafa pecas de pano, Sc
farjas que mandava comprar por
junco,como ao diante diremos. A
rnuytos q moravao em cafas alu¬
gadas mandava pagar os alugue¬
res. A efmola da porta que fe dava
a todos os pobres q a ella vinhao,
era quartas,& feftas feiras, Sc era
em dinheiro:& achavafe que paf-
favão de mil peíToas,as que de or¬
dinário vinhãoa ella em cada hu
deftes dias. Afòra efta efmola co¬
fio ma va o Arcebifpo dar deíua
mão outra a todos quantos lha pe
dião fem exceição de peííoa:#c pe
ra iíTo trazia 11a algibeira cantida¬
de de vinteis em prata, que outra
moeda nenhíia conhecia,riem lhe
fabia avalia.Outrasefmolas fazia
extraordinárias a Mofleiros po¬
bres dé frades, & freiras, em que
fe defpendia muyto, por fere mui¬
to continuas.Nem fe gaitava me¬
nos no hofpital gèral que inítituio
Sc tomou à fua conta tanto que
entrou em Braga, com enferma¬
rias feparadas de homés, Sc mo¬
lheres,& abadadas de todo o ne-
ceíTario pera cura dos pobres. Ou
tro genero de efmola inventou, q
em parte merece eíte nome, porq
abrangia a rnuytos pobres: & em
parte era virtude de hofpiralidade
dos Santos antigos tão eítimada.
Coítumava dizer o Arcebifpo, q
em fua cala fò elle era o eítranho,
Sc os pobres erão os verdadeiros
Sc naturaesfenhores delia. Como
acontecia virem a Braga rnuytos
Religiofos de todas as Or dés, Sc
outros Eccíeíiaíticos, ou anego-
cear,ou de paííagem, avia por af-
fronta fua andarem por eítalagés:
ordenoulf)es em lugar comodo
da cidade hum gafalhado provi¬
do, & concertado de todo o necef
fario com muyta limpeza, Sc orde
em híías boas cafas que pera iíTo
tomou: íinaíou renda convenien¬
te pera a fabrica, & pera hum ho¬
mem cafado vircuoío,& ftfudo, q
afsiltia nellas, Sc tinha cuidado q
andafTe tudo apontado de camas
 Arcebifyo de Braga, Brimas das Hefpanhas.
limpas,Sc roupa lavada, & admi-
niftrado de agoa, & candeas: de
modo que nao faltaífe nada pera
bom gafaihado dos hofpedes: 8c
o jantar & cea hia todos os dias
da cozinha doArcebifpo:& gnar-
davafe efta ordem. O afsiftente,
ou enfermeiro mòr defte (chame-
moslhe afsi) hofpital de faòs, ti¬
nha a cargo,tanto que algum Re¬
li ífiofo entrava,dar avifo na defpê
fa do Arcebifpo, & o official de la
o tomava a rol, & todos os dias
femfailencialhemãdava a provi-
faõ neceííaria: & por mtiytos que
concorreíTem, fempre avia pera
todos, porque a ordem que tinha
o official era mandar guiíar na co
zinha,particular comida peraefte
hofpital,& fempre com tanta abu
dancia que nunca faltaífe fe acer-
taffem a vir muytos: & quando
fobejava nao era perdida, mas ga¬
nhada , porque fempre fobejavão
pobres a quem fe dava, & o mef-
mo fe fazia dos fobejos da mefa
dos hofpedes. Aqui nao entrava
fecular,nem enfermo: & os Eccle
íiaíbcos pera quem fe fundou o
gafai hado tinhão prazo limitado
de certos dias: os quaes paífados
erão defpedidos: porque a occa-
íião da poufada graciofa nao o fof nem elle o queria que avexafiem
fe de algús perderem tempo, & fe
deixarem andar na cidade ociofa-
mentermas cõílando que avia ne-
cefsidade de fazerem mais demo¬
ra, cõ facilidade erão de novo ad-
36
mittidos, & providos. Alem defte
gafalhado avia outro particular
dentro do paço, em que erão re¬
cebidos, & apofentados tres ge-
neros de gente: primeiro erão os
Abbades, Vigairos, Rcytores, ôc
Curas da jardição do Árcebifpo,
fe vinhao a negocear com el;e, ou
com feu Provifor negocios tocan¬
tes a fuas Igrejas: porque a eíles
taes convidava & recebia com a-
legria, &. com tanto gofto como
fe forão os Anjos de Abrahão afc
firmando, que os tinha em lugar
de hirmaos,& como taes os ama¬
va, & eftimava por feré feus coad-
iutores,fem ci jo minifterio, & in¬
tervenção nao podia fazer bem
feu ofhcio, nem cumprir com os
encargos deíle: &c afsi queria que
atoda hora achaífem fuas portas
abertas pera gafalhado,pera a au¬
diência , & pera tudo o que delle
lhes cumprifte como a verdadei¬
ros hirmãos. O fegundo genero
de hofpedes do paço erão os Ec«
cleíiafticos que em algum tempo
avião fido feus familiares, ou af-
íittido em fua cafa: mas eíles tam
bem dnhão dias limitados, íea-
certavão de vir a demandas: porq[
dizia o Árcebifpo que não era bé,
partes, &andaftem diftraidos ã
conta do pão certo: fenão tinhão
demandas, nenhum termo lhes
punha. Os terceiros hofpedese-
rão os Religioíos da fua Ordem:
que
 Livro h da vida de D. Fr. Bert.dôs Mart.
que pera eftes como pera filhos
avia apofento feparado,em que
não entrava outra gente, com rou
pa particular, como fefora hofpe-
daria de qualquer mofteyro nof-
fo: Sc com ração certa pera feus
criados, Sc cavalgaduras. Defta
maneira não ficava necefsidade
corporal, nem efpiritual, nem
pobre nem pobreza em toda a
cidade , Sc Arcebifpado , a
que fe não eftendeífe a fervente
caridade do Prelado: & cora a ter
feito tão gèral como parece pollo
que temos dito, ainda a alargava
mais em algús cafos extraordi¬
nários , que logo veremos: & era
muytos outros que ao diante fe
contarão-.
CAPITVLO XXI. ;
De algúas e fmolas fecretas
j to tirava aospobres,pera os quaes
que o Arcebifpo era oc
fica: perguntoulhe o Arcebifpo fe
conhecia huas molheres que lhe
nomeou por hú rol; eraõ tres do¬
nas honradas, virtuofas & pobres;
& dizendo q fabia delias mandou-
lhe quediíIimuladamételevaíTe a
crifè pera cafa,& logo conaífe dei
la tres vafquinhas, Sc feitas lhas
levalíe fem defcubrir quem as
mandava,nem dar conta de nada
á fr. Ioaõ. Obedeceo o officiaI,paf
farãofe algus dias:ouve frey Ioão
que era defcuydo culpável a tar¬
dança do fato:chamou o pera o
reprender. foylhe forçado revelar
o fearedo:era muyto notável ofin-
timento que o Arcebifpo tinha de
fe lhe fazer qualquer peça de ve£
tido nova perafua peífoarpor hu¬
mildade avia tudo por mal empre
gado em fi:& polia caridade pare
cialhe que quãto punha em íí,tan
fò queria tudo. Mandoulhe frey

cafioes que fe lhe ofe¬ Ioão de Leyria fazer hábitos fem

lhe dar c5ta,né preceder medida*
recerão. & ordenou, porque arreceava^
Sta va huã tarde o os não quizeífe veftir, que quens
Arcebifpo fò entrou tinha cuydadodafua camara,íhe
§ & i|| o feu Alfayate cõ huã tiraífe os velhos como eftivefte
* peça de crifè branca deitado, Sc em feu lugar deixafle
muyto fina pera lhe cortar hus os novos fem dizer nada. Quãdo
hábitos por ordem do padre frey fe qaiz veftir íintio o pezo Sc a
Ioa5deLeyria,que fincia na6 íò diferença do fato defacoftumada,'
ferem velhos Sc gaftados os que cahio noengano:&: chamou de
o Arcebifpo trazia, mas jà em al- prelfa pollo cubiculaho, queixou-
guãs partes ramendados, como fe afperamente, como fe lhe fora
veflido que ainda trouxera de Be- feito» algum grande deíleruiço, Sc
man-
 jirccbifyo de Braga, Primas das Hefpánhas. .
ítiàndaiilhe que na mefma hora
IhetornaíTe aly os feus hábitos.
Mas jà naõ avia remedio:que frey
Ioão acautelandofe com tempo,
eomo íabia com quem o avia, na
hora que oue à raao o fato velho,
logo o mandou dar a hum pobre.
DiíTelhe o criado o que paíTava,
qaietoufe algum tato, porem não
deixou de ficar queixofo , &c dan¬
do fofpiros. Por dia de Pafcoa
querendo hir pera aSè âs Mati¬
nas da Refurreição pedio a capa,
ao tempo que foy a cobrilla co-
nheceò que era nova,& diífe com
difsimulação a quem lha dava:
deixemos o veílido novo pera ou¬
tro dia que me enfeite mais deva¬
gar, vamonos agora às matinas,
■Òc tomou a capa velha. Tornan¬
do pera cafa chamou hum fami¬
liar, que erafèu efmolerfecreto,
£>c peffoa de confiança: mandou-
lhe que com todo fegredo levaffe
a capa nova, que era de hum pa¬
no muyto fino que naqueíle tem¬
po chamava© Contray, a hum ci¬
dadão nobre &. velho, & doente,
dizendolhe de fua parte que fizef-
fe delia hum veífido, & lembran¬
do! he que dos retalhos mandaíTe
fazer barretinhos pera fe valer do
frio. Notou frey Ioão de Leyria a
falta da capa, não achava ralfo do
furto y perguntou por eíia a feu
dono, que com muita modeftia
lhe reípondeo : parece que alevà-
rão algús Anjos que andavão niís
37
pera fe cubrirem com elía , q vay
grande frio (forão palavras for-
maes do Arcebifpo.) Offerecefe-
me cuydar que eíle genero de ca¬
ridade , era tao agradavel ao Ar-
cebifpo por hua grande parte que
nella fe deixa ver de outra virtude
q o mefmo Arcebifpo fobre ma¬
neira amava: como parecera ao
diãtepoío tfifcurfo da hiftoria , q
era mortificação da própria võca-
de.Henoífa natureza muito ami¬
ga de fy,&a experiécia nos enfina
que não ha nenhiia tao mortifica
da,q deixe de moilrar algu alvo¬
roço pera húa peça de veitido no¬
vo. Alegra, & eítimafe, ou feja
pola novidade, ou poía honra, èc
gafalhado q recebe o corpo: atè
os penfametos,& as efperãças re¬
nova hú veftido novo. Donde na-
ceo dizer o outro Poeta de hum qj
cornou por tneyo de fazer mal a
outro darlhe hú veílido rico, tedo
por certo q cõ eile entraria em no
vos cõfelhos q foffem occaíião de
fe vir a perder: Eutrapelus cuicunq-
nocere ^uolebat, Vcjhmeta dabatpre-
tiofa.Beatus enim iam Cúpidcns tu-
nicis fumet noua cônfiliaiÚ’fpes > Afsi e^s.
tenho por certo q ("como nao ha
ningué q em quanto vivemos nc-
fta carne mortal,fcjade todo livre
das paixões &movimetos delia,
por mais enfreados, & fogei tos q
os traga ã rezão) queria o Arcebif
po vécer,& pifar,& mortificar e-
íie gofto natural,quãdo laçava de
G
 Liuro I. da vida de D. Fr. Bert. dos Áfart.
fy o vertido novo: vi fio corno lhe
não faltava pofsibilidade pera fa¬
zer no mefmo tempo efmolla
mais crccida ficandofe com a
roupa que avia miftcr. Em pro¬
va deite difcurfo faz o que lhe a-
conteceoem outro tempo, 8c em
diffèrente occafião,quc por nos
cahir aqui a propofíto não dilata¬
remos pera mais longe. Soube a
cafo que húa molher pobre, &
doente,a quem fe mandava o co¬
mer da fua cozinha , tinha tão
pobre cama, que a maior força
da doença lhe caufavaofrio que
padecia (era no coração do inver¬
no) por falta de roupa. No mef¬
mo ponto chamou hum mance¬
bo dos que em cafa criava pera
clérigos, & com elle dobrou hum
O ' #
dedous cobertores que tinha na
cama , 8c apertandoo com fuas
mãos , porque fizeíTe menos vo.
lume lho pos debaixo do man-
teo, 8c mandou que o levaííe á
enferma com refguardo que os
dafamilia nao deífem fedo que
levava. E aqui hede conííderar,
que ufando de piedade em cobrir
& abrigar a pobre 3 eífimou mais
o frio que por eífa caufa ficava pa¬
decendo pollo menos aquella noi¬
te, 8c algúas mais, arèos criados
cayrem na falta. O mefmo refpei-
to parece que teve em outro ca¬
fo quafi femelhante. Defendialhe
o vento, & honrava a entrada da
camara ,ou cella em que fempre
refidia hum pano azul com titu¬
lo de guardaporta, o qual nem
era fino, nem muito de eftimar,
8 c nelle fe refolvião todas as ta¬
peçarias daquella palacio Ponti¬
fical: entrou a deshora hua po¬
bre velha tão mal enroupada que
fem falar palavra falava por ella
a idade, o tempo, & a necefsida-
de , 8c pedia focorro apreíTado:
eftava o Arcebifpo fò, não tinha
homem de quem fe valer : lan¬
çou olhos pola cafa , não vio cou-
fa que dar, 8c viofe obrigado a
acudir: levancafe , arrafta com
fuas mãos hua arca: fobido nella
defpregou a guardaporta , do¬
brou a, entregou a â velha , &
mandoulhe que fe foííe depreífa.
E he de notar,que provida a por¬
ta de nova guarda, 8c novo pa.
no, logo proveo com elle outro
pobre que fe lhe poz diante ne-
cefsirado de roupa: 8c desde en¬
tão ficou pera fempre defarmadat
CA PITVLO XXII.
Da falia que Domfr. Bernar-
do da Cruzj Bifpode S/Tho.
me 3 & oAíefrefr. Luis
de Granadafz^erao ao
Arcebijfo yerfua-
dindolhe q acrece
taffe o eflado
de fua ca¬
fa.
ERA
 Arcebijjio de Braga, Brim as das e f
asM«v.' s^pp R a na entrada do e-
.. % as cores com que a-maíicia pre¬
rfT:
fr^lÇ] ^L‘° anno de mil tendia deíacreditaf á virtude, Sc
ÊlS§1 *& quinhentos, Sc fe- pera perfuadir & fer crida fia-
fsntâ> quando o Meftre
gíndo ^comoayx'a:o das tachas,
frey Luís de Granada Provincial
que aí firmava, fendo verdadeira
da noíTa Ordem entrou por Bra¬
rayva das obras íantas & boas
ga, Sc por caía do Arcebiípo; tra¬
qu.e via , Sc não podia foffrcr no
zia com figo Dom frey Bernar¬
Arcebiípo. Por maneyra , que
do da Cruz Refigiofo da mefma
o Provincial, em quem vinhão
Ordem, Sc Bifpo de São Tho-
quebrar todas as ondas deitas
mè, que renunciado o Biípado
murmurações em figura de quei¬
eftava recolhido no moíleyrode xas , como que fora elle cauíàs
Tibaes, Sc gozava da renda , Sc de hííâ eleyção aveíta : fe ouve
titulo de Abbade delle. A caufa por obrigado a hir a Braga, Sc
publica deita vinda era,como vi¬ ver por feus olhos o que lhe de-
nha viíitando os Conventos de zião. E porque tinha experiência
entre Douro Sc Minho por ra¬ que o Arcebiípo não erafacií de
zão de feu offício, ver de cami¬ trocer pera couías que julgava
nho o amigo, Sc tão amigo, co¬ menos convenientes, ou em ál-
mo fica entendido do que temos gua maneira encontradas com a
efcrico :mas a fecreta era outra, pureza de í na confciencia, paífou
Sc muyto differente* Tinha che¬ por libães , deu conta de feu.
gado a Lisboa a eftreiteza que difenho ao Biípo , Sc pidiolhe
corria em caía do Arcebiípo de quiíeíTe fer companheiro na jor¬
portas adentro: o pouco fauíto nada , Sc no confeiho, que de¬
com que aparecia em publico: Sc terminava dar ao Arcebifpo. Foy
contavaoíe as coufas em termos grande o alvoroço com que o
mais riguroíos, certo effeito da bom Arcebifpo os recebeo, ale—
fama, Sc condição de noveleiros, grandoíe de ver em fu a cafa duas
mòrmente em diítancia grande taes peíToas, que a cada bua por
de lugares. A parcimónia cha- fua rezão eílimava , Sc venera¬
mavão eícaceza, â ordem Sc re- va : ao Bifpo por fua dignida¬
giítro , Sc moderação do gafto, de , Sc por criação Sc compa¬
mera miíeria : ao trabalho con- nhia que ambos reverão na Or¬
tino,& fanto, vileza , Sc defauto- dem: ao Provincial por feu car¬
ridade; ã humildade , baixeza, go, & grande refpeito que fem
Sc animo apoucado» Eftas erão preafua peííoa Sc virtude tevera.
G & Ei per ou

Livro 1. da vida de D. Fr. Bert.dos Mart.
Efperou a familia toda que ou-
Veífe eftremos no gafalhado de
taes hofpedes: & ouve todos os
que fe podiao defejar de amor, 8c
boa fombra: mas a mefa não fahio
dos limites ordinarios,vaca,& ri¬
fo (como dizia hum velho honra¬
do do bom tempo:) Sò hum pou¬
co de carneiro fe acrecentou por
fefta, &c efte em hua fò figura,
quero dizer aííado. Boa pratica,
8c fantos difcurfos forão os Mir-
raftes, & os Alfitetes, & os doces
que continuarão a mefa. Os po-
iíres com que fe concluhio, algúa
fruita pouca do tempo. E foy boa
jparte do gafalhado o concerto, 8c
limpeza do ferviço, toalhasalvas,
eílanholuzente ,8c limpo, louça
branca 8c fina,mas não daChina.
em tudo o que aqui vionotouo
Provincial que não vinha enga¬
nado : mas pareceolhe a mefa de
Santo,que tinha o q baftava pera
fuftétacão,nada pera gula. Notou
pouca fãmilia,mas em todos cõ-
pofição, & modeftía que imitava
a de íeu amo: foy vendo defpois
todos bem occupados, hús com
as mãos nos livros,outros com eí-
las no comer, 8c provimento dos
pobres,nenhum perdendo o tem¬
po, ou ociofo.Soube de perto a lar
gueza 8c boa ordem com que fe
repartia o rendiméto do ArCebif-
pado:a virtude provada dos mi-
niftros, por qué corria (q onde e-
íla falta hc furo q desbarata,&fò»
I
me motes de fazenda co defcredi-
to do Prelado, fenão for cõ mais
mal.j Confideron a vida 8c trata¬
mento do Arcebifpoem nenhua '
coufa menos auítera, de quando
vivia encerrado nos clauftros de
Bemfica,antes mais riguroíò, po¬
lo que acrecentava de grande , 8c
continuo trabalho. Sò aqui repa¬
rou hum pouco dando por calu¬
nia, 8c juyzo errado tudo o mais
que ouvira em Lisboa: 8c pare¬
ceolhe que íeria bem reduziílo a
hum genero devida mais folgada,
8c mais defabafada : com o qual
alcançaria temperarfe a murmu¬
ração, acrecentarfe algúa coufa de
eftado, 8c não fe matar por fuas
próprias mãos quem tão digno
era de vida, 8c neceíTario pera a-
aquella terra. Eeftando húa tar¬
de todos tres juntos em boa pra¬
tica, tratando de coufas paífadas,
vierãodarno fuceífo da eleyçao
do Arcebiípo. Doeofe elle, por¬
que lhe tocarão em chaga que
eftava em carne viva , tanto ou
mais que o primeyro dia. Lafti-
ínoufe, 8c torceofe dizendo. Per¬
doe Deos ao amigo , que fendo
amigo, 8c cheo de virtude, 8c ca¬
ridade , afsi fe efqueceo de fy, 8c
da boa amizade, 8c da verdadeira
câridade : que foy defenterrar
hum amigo de que ninguém fe Ié-
brava,pera ler lançado no fogo:
8c porque faltavão mãos que o
lançaífem, elle meímo quizftro
mimftro.
 A'eBrdvas
Píimas das IlaCpanhas*
minífiro* & o pior he,fenhor Bif-
po fd;ffè viraodoíe pera elie) que
não eíH longe quem ifio fez, Pre-
fente eífà noíTo padre Provincial,
quefezelcado da cabeça do ami¬
go, por falvar a fua.Nío me poíTo
lembrar diífofem dor, nem refe-
riliofem magoa. AcudiooBifpo
defculpando o Provincial com
muytas razões : 8c vendo occa-
íião pera o que trazião acordado
continuou, dizendo: que quanto
fe fazia na terra,foílem quaes fof-
fem os meyos, & os princípios,
tudo vinha traçado do Ceoique
fe faltara hum Provincial religio-
fo & amigo pera o nomear, 8c
ainda húa Raynha, 8c hum Rey
pera lhe dar a mitra, não faltara
hualuz do Cco pera o defcubriír
como a S. Gregorio: ou hua póba
como a São Petronio,ou outro
meyo de muytos que as hiíforias
contão: q em fim a mão de Deos
não eftava ojeabreviada: 8c pois a
lua eleição fora obra da mao de
Deos, devia cõformarfe com elie,
«Senão vfar da dignidade de ma-
neyra que deíTe a entêder ao mu-
dofcomo ja fe hia notãdojq a eftí-
mava pouco , ou andava com elia
defgoílado, &como dizem,de bri¬
gas. Que iílo dizia, porque nem
a trabalhofa vida que fe dava, né
o modo de fua familia 8c acompa
nhamento conformava com a grã
deza Pontifical, 8c Primada de
Efpanha, em que o Deospofeu
jp
fazendoo fuceífor de tantos, 8c
tão famofos Arcebifpos, & em
fim do grande filho do trovão
Santiago primeiro funda¬
dor da Igreja,& Primada de Bra¬
ga. Aqui tomou a mão o Provin¬
cial , & foy profeguindo no meí-
mo argumento, moílrandolhe cõ
vivas rezões, que o Bifpo aponta¬
ra bem: 8c dizia que o feguir eíire
mosfempre fora eífranhado dos
bõs entendimentos: que fauífos
demafiados,nem os louvava, nem
lhos perfuadia,mas fazerfe refpei-
tar com mais cafa, 8c melhores
atavios, & acompanhamento de-
cete nãofòméte não encontrava
a virtude, mas era coufa neceífa-
ria:que os homes prudentes fem-
pre coftumarão conformarfe cõ
os tempos em que viviãorquando
o mundo todo era fanto na primi¬
tiva Igreja podião os Prelados fò
com hum bordão na mao gover¬
nar reynos inteiros, & fazerfe te¬
mer como hú Ambrofio do Em-
perador Theodofio,& hum Mar-
tinho de Valétiniano:mas em ida¬
de tão eíEragada,&perdida como
a prefente,era forçado aproveita-
releos Prelados dambosos glá¬
dios,pera moflrare cambe força,
&poder humano, aos q fiados em
grofias rédas,& é caías cheyas de
armas 8c criados fe deixavão eílar
encharcados no lodo das malda¬
des como e banhos fu aves à viíla,
c olhos do mrido.Que foífe ebora
G 3 fanto
 Liuro Lda vida de D.Fr-Bert.dos APart.
fanto,& nuiyto fanto de fuas por¬
tas a dentro, & pera configo,co¬
mo fazia,que iíTo era o certo, & el
le lho não podia defaconfelhar:
mas fora de cafa não era indecé-
te,antes cõvinha muyto, moílrar
brio, & húicertamageftade de
Principe (pois elle o era na Igreja
de Deosj queiíto rão era pedir-
Ibe novidades, fenão lembrarihe,
que fe acomodaífe aos coftumes
que achava no mundo, & ao que
via ufado em toda a Chriílanda-
de,& na cabeça delia, & delle, q
era Roma: onde o poder humano
junto ao divino fazia venerável, &
refpeitadaafuprema cadeira : Ôc
por iíTo o Summo Fontifice que a
regia,confintia que os Cardeaes,
ôc Príncipes delia poíTuiílem mui
tos contos de renda, vfaílem bai-
xeilas d ouro, Sc prata, teveífem
coches, ôc ginetes :fuas cafas, Ôc
Palacios magnificos fe autorizaf-
femcom fjmptuofas arquitetu¬
ras , Sc recamaras cheyas de fe¬
das^ brocados: porque na ver¬
dade eftas coufas de fy não encõ-
travao a virtude, Ôc ferviao de a-
crecécar mageftade à Igreja.Que
fcguir ôc íintir o contrario dilto
era (fe fe avia de falar claro, & co¬
mo entre amigosjhum querer re-
fufcitar velhices,& impofsibilida-
des, que por efquecidas, ôc def-
ufadas erão meras novidades : ôc
fazellas elle , ôc pretender man-
telías era fer íingular , ôc hum
gcnero de fazer feita por fy fian¬
do pertinazmente de fua opinião
coufas,dequeomundo jà não e-
ftava capaz. E que pois tinha pre-
fentes dous amigos que eftima-
vao, ôc tinhão fua honra por pró¬
pria alTentaíTem todos tres hua
forma,& ordem tal em fua vida,
ôc governo,que fem chegar ade-
maíias baftalfe pera lhe grangear
reverencia,& autoridade, ôc eíti-
maçãonopovo. Não paíTou da¬
qui o Provincial congeiturando
por ventura do filencio , ôc atren-
ção, com que fevia efcutado do
Arcebifpo, que o tinha períuadi-
do:& parando efperava arepofta,
CAPITVLO XXIII.
i
Da refofia q deu o drcebifpo
ds re&oes do Pt ovincial.
S t a v a o humilde
L*wjp Arcebjfpo com os o
1L gHjja lhos pregados no chão
ouvindo o Provincial
c°m muyta quietação, ôc fereni-
dade, fazendo conta que ouvia a
feu Prelado: porque o não refpei-
tava então menos, que quando
era feu fubdito, & frade particu¬
lar. Como vio que acabara, dete-
Vefe hum pouco, ôc então levan¬
tou os olhos, Ôc com hum termo
grave,& fintido começou afsi.De
maneira, que vejo dous Prelados
da
 Arcebifyo de Brands Primas das TJeffanhas%
da Ordem de meu gloriofo Padre
S. Domingos, Prelados íamos, &
reíigiofos, convertidos oje em Pla-
tões,&Tullios formando refpu-
blicas gentílicas com razões, 8c
preceitos em todo humanos:Ref-
publicas até pera os mefrnos gen¬
tios fundadas no ar,ou em fonhos
8c defejos fomente, viífas nunca,
nunca executadas:& iífo pera me
darem methodo no governo de
republica efpiritual, 8c Chriftam:
confdToque tomara vereftalin-
goagem em toda outra peffoa an¬
tes,que na boca dos que tanto me
tocão. Que me faça refpeitar dos
pobres gaitando com minha pef¬
foa, 8c tirando aos mefmos po¬
bres aquillo com que os poíTo re-
medear,& mãter ? Que meta em
ataviar criados, 8c dourar baixel-
das,& ornar paredes mortas,o ca¬
bedal com que poíTo emparar a
orfam, focorrer a viuva, 8c veítir
paredes vivas?Que empregue té-
po 8c cuydado em aparato de me
fa,&meiires de cozinha,para que
fobejem potagés, que desbaracao
a faude,levão a fazenda,&aos po¬
bres não matão a fome? Quem
nao vè que faõ iílo preceitos gen¬
tílicos? Deííe modo em vão tra¬
balharão hum Hilário, hum Mar-
tinho, hum Niculao por nos dei¬
xarem fantos exemplos governa¬
do fuas Igrejas nomeyo de cida¬
des popuiofas com tanta aufteri-
dade em fuas peíToas,& cafas, co¬
4.0
mo fe morarão na mayor pobreza
dodeferto. Logo mal efçreverão
os Ieronimos, os Ambroíios, os
Agoftinhos: jà não ha fazer cafo
das regras de viuer que nos de
cretaraõ os Santos Concilios,
regras dadas pollo Lfpinto Santo,
quenelles afsifte. Efenáo:moítre-
me alguém na vida deites Padres,
ou em eferitos feus , que poíTo eu
fendo mero defpenleiro , & nao
dono do património de Chníto,
que he a renda Eccleíiaílica, cõ-
petir à conta delia com os Prínci¬
pes feculares em pompa 8: íau-
ítos: cruzarmeey fe tal me moítra
rem. Mas fe eu leyo, 8c acho em
todos o contrario deitas rezões,
como hey d acabar comigo dei-
xarme vencer delias
i
? Como as
não hey de aver por gentílicas?
Os Santos a pregar pobreza,& fe-
guilía em tudo: 8c eu que me me¬
ta em faultos?Os Santos a perfua-
dirme humildade, 8c mererfe de¬
baixo dos pès de todos, 8c eu que
moítre brios, 8c oufania? Que
eíteja Chriíto mandando aos Dif-
cipulos que caminhem defcalçós,
8 c fem alforjes: 8c frey Bertola-
meu fuceífor delles,qtie ande cer¬
cado de criados, & com acompa¬
nhamento, & eftado de Príncipe?
Não heiíto, padresReverendifsi-
mos, o que eu aprendi nas efcol-
las.O Concilio Cartaginéfe quar¬
to na regra que dà aos Bifpos me
enfina,que feja a minha mefa po-
G 4 bre
 Liuro I. da vida de D. Frt Bcrt. dos A4art.
bre, Sc as alfayas defta caía vis, Sc
de pouco preço: Sc fe cjuero auto¬
ridade queaprocure com mereci¬
mentos de vida, Sc coftumes. E
Sao Bafilio, que por perfeito Pre¬
lado, Sc perfeito monge mereceo
o nome de Magno,me guia no re¬
cato q eftamos obrigados a guar¬
dar na diftribuição dosbésdal-
greja,afhrmando a Iuliano Empe
rador, que qualquer Sacerdote q
fe ocupa em aquirir & guardar,
ou fe defmanda em gaftar largo,
não eífà fogeito a menos pena pel
lo que mal gaíla, ou entefoura, q
pello que furta do Altar : Sc em
fim refolve, que do altar furta-
mostudo o que aos pobres não
damos. Nao vay longe daqui o
lume da Igreja nofío Padre Santo
Thomas. Todos fabemos quam
eftreitas,&quão limitadas faõas
taxas que poem àcaía, àfamiiia,
Sc a todas as mais defpefas dos
Prelados. Coparemos agora eíla
doutrina cõ eífoutras rezóes, po-
nhamola com ellas em balança,
vellasemos hir por eíTes ares Sc
defaparecer como fantafticas, Sc
íofiíhcas, Sc fem nenhum pefo.
Que razão he que nos envergo¬
nhemos de querer ajudar o poder
divino com o ouro,& cora a pra¬
ta^ com as mais valias da terra,
quando cantamos delle, que pera
confundir eíías forças, & moíirar
quam pouco montão em fua pre-
fença, bufcou,&efcolheo coufas
muy fracas cô que as desbarata.
Se comíamos, Sc vaydades(que
outracoufa. não he toda a potên¬
cia humana) nos avemos de acre¬
ditar os fíiípos, vilas partes que
deixamos a Deos?v!ias partes que
damos á virtude? quando os que
melhor íintirão entre eíTes mef-
mos gentios , em todas as maté¬
rias, Sc occaíióes â inteireza, Sc va
lor do animo, atribuirão mais, Sc
dellefízerão mais conta, que de
todas as riquezas, Sc bés corpo-
raes.Olhemos pera elles, Sc vere¬
mos a hum dar graças á fortuna Lmc-
quando 1 he levou a fazenda cora ín vi ia
onaufragio, porque ficava mais Ztnm%
leve Sc deícmbaraçado perafe eti
tregar â vida filoíòfica virtúofa.
Acharemos outro que engeita as
ofertas do íbberbo Alexandre, Sc tn Ju
íe da por pago com que lhe não Alexaâ.
tolha os rayosdoSol ejue lhe to¬
mava chegandoíe a vcllo, &ffez-
lhe coníèílar cão crecida inveja
àquelle deíprezo do mundo, que
affirmou que a não fer Alexan¬
dre fò Diogenes quifera fer. E ou¬
tro ouve, que tratandofe de hua
comodidade fua, fez delia tão pou
co cafo, Maior Sem ca
que reípondeo :
fumjj? acl maior a mtmy quam utfim
mancipiim corporis mei. Sentença
digna de hum grande Chriftão.
Refolvome Padres Revcrendifsi-
mos,que fe as rendas d'efta minha
Igreja forão de tal talidade, que
as puderamQS eflirar, quanto fe
 Arccbifyo de Braga, B rimas das Hefpanhas.
t pode eítender a vontade,inda en¬
tão ouvera de cuydar muito no
modo de as repartir. Mas fendo
afsi ,que faõ tão curtas, que fe as
defpender comigo,não me fica q
dar aos pobres: & fenão dou a po-
• bres,fico fendo fenhor,&propie-
tario,& não dcfpenfeiro: coufa q
direitamente he contra a opinião
dos Santos: digo chammente, &
de claro, que fe os meus preben¬
dados defejao ouvir alvoradas de
charamelas, & fe os fidalgos de
Braga querem ver paíTeyos de gi¬
netes fermofos, 8c mulas gordas,
& anafadas, 8c nuvés de pagés
enfeitados, & rugindo fedas, de-
fenganenfe, que nunca me verão
tao defatinado que dcfpenda com
ociofos aquillo com que poífo dar
vida a muitos pobres. Soame dé-
tro n’aima, Padres Reverendifsi-
mos, &fazme retinir ambos os
ouvidos aquella voz que fe conta
foy ouvida do Ceo em tempo de
Cõftantino Maguo quando com
fanta liberalidade começou a en¬
riquecer a Igreja, Grande nunc <ve-
nenum in Ecclejia Dei effufum eji. E
confiderando a conveniência que
tem com a doutrina que tantos
annos antes nos efcreveo S. Pau-
AdTt \°'-Hab entes autem alimenta, fc? qui-
i primeiro o eftado, que a determi¬
mot. 6. bus tegamur, bis contenti [imus.Con
feífo que não me atrevo nem pof-
fo acabar comigo defpender nem
hum fò real fòra dos termos que
devo â vida monaftica que profef-
fey. Ifto me lembra que prometi
a voíTa Paternidade Padre noíío
Provincial, o dia que me obrigou
com ceofuras a aceitar efte cargo.
Ifto fey que poífo fazer fem efcru-
puío, 8c com bom confelho dos
Santos: não farey outra coufa ern
*
quanto tevero juyzo inteiro. Aos
ufos, 8c coftumes do tempo pre-
fente que voífa Paternidade me
alegou: às permiífões, & confen-
timentos que ha de quem pode,
8c fabe:r efpondo que tudo he fan-
to, tudo louvável, de por tal o te¬
nho. Mas tarrtbem fey que não
poífo errar feguin^o o forol de
Paulo: 8c fe toda via inda contra
ifto ha que dizer,& V. Paternida¬
de entende que tenho perdido o
Norte nefte governo, não eftà 16-
ge o remedio: V. Paternidade q
fbyomeyo de fe me lançar efta
Braga, que não trago iò nos pès,
como a trazem os cativos,mas tã-
bemfobre opeícoço, 8c no cora¬
ção, pòde com ma fazer tirar, jun¬
tamente atalhar meus erros, 8c
ufar comigo de grande mifericor-
dia. Afsi concluhio o Arcebifpo
fua repoíla com hum foífego, 8c
fegurança de quem fe íintia bem
fundado, & pronto pera mudar
nação. Apercebiafe o Bifpo pera
replicar, como fora o q dera prio-
cipio à pratica:mas entrarão cria¬
dos com recado q eftava a pobre
cea na mefa:& afsi fe defpartirão.
CAP.
 Limo Ud vida de D Fr.Bert.dos Arfart.
CAPITVLO XXÍÍIL
Dos motivos q teve o Arcebis¬
po pera fundar o Conuentode
Santa Cru& da ordem de
Sao Domingos na in»
figne vília de
E a ida do Provincial a
Braga nao foy de mo-
n3ento pera a precencao
que levava, montou Sç
foy bem a tempo, pera o Arcebif-
po dar á execução hu penfaméto
que avia dias o defveiava, bem
difterente dos que o Provincial
lhe perfuadia, porque era ajuntar
mais gaílo em favor dos fubditos,
&pollo cõfeguinte impoffibilitar
os de Tua peífoa Sc cafa.Eftivera o
Arcebífpo é Viana villa das mais
iníignes defte Reyno: confiderara
o eftado Sc importância delíarter-
ra cheya de gente rica Sc muyto
nobre,de grade trato & comercio
por hua parte com as conquiftas
de Portugal, Ilhas & terras novas
do Brazilrpor outra com França
Sc Frandes, Inglaterra & Alema¬
nha, donde & pera onde recebia
de ordinário muytos generos de
mercadorias, Sc deípedia outras:
pera os quaes tratos trazião os mo
radores no mar grade numero de
naos Sc caravelías com groíTas
defpezas,a que refpondiao iguaes
retornos & proveitos,que tinhão
a villa florentifsima, & em eftado
de hua nova Lisboa,Pello rnefrao
caio julgava que onde avia con-
curfo de mercadorias Sc merca¬
dores náo faltaria a rayzde todos
os males que hc a cubiça: cujo of-
fício he procurar que todo home
defeje Sc procure melhorarfe,inda
que fc ja cõ feu irmão,nas copras*
nas vendas,nas pagas,nos preços,
nos prazos, nas companhias, nas
correfpondencias, nos direy tos, Sc
tributos,nas entradas & faidas de
Aiíandegas,& em fim em todo
genero de trato Sc cõtrato: donde
nacem mil enredos pera as almas
cõ q o demonio procura embara¬
çar, Scpouco a pouco hir a carreta
do pera fua jurdiçao as q ve mais
cuydadofas da íalnaçao: que as
deícuydadas por aqui as té a muy
tas amarras:& como defiro pilo¬
to de tal navegaçaõ fempre lhe
vay lançando outras de novo. Por¬
que hum peccado chama outro
peccado, Sc efíoutro vem logo a-
companhado ate criar devaífidão
Sc ficaré em eftado de íe darerat
por fem remedio. Mjferaveliííimo
eftado que abre as portas de par
em par a todo genero de vicio,
Sc apaga toda a memória do Cco
& da eternidade. Confidcravadc
hua parte as efpectiíaçoés, os efi
crupulos,as delicadezas,, com que
os Santos Doutores trataõ eftas
matérias
 jircebifoo de Braga9Prmasdas Hcfpdnhas.
matérias,as diftinçoés, difcurfos
& confideraçoés que fazem ds-
perdas,de proveitos, de danos, de
intereíTes, de preços mass altos,
mais bayxos,rigurofos, Sc menos
rigarofos: a miudeza cõ que eítão
pefando Sc contrapefando cada
ponto deites,por que em cada há
não vay menos que condenação
fe fe paíTa dos termos devidos.
Via por outra parte que nenháa
coufa andava entre os homés do
mundo menos lembrada, que efte
genero de juíliça, & que hião de
monte a monte em hus a igno¬
rância,& defcuydo de fua obriga-
çíorem outros a malicia,& avare¬
za fem refpeito de equidade nem
verdade: trabalhando todos em
hum fò ponto , que era aventajar
partidos, Sc fazer proveitos. Te¬
mia como bom pay,& dohiafe de
poder aver algum mal, onde avia
tanta occaíiao. Ajuntavafe, que
não fò Viana, mas toda a terra de
entre Douro Sc Minho he hua fei¬
ra continua de comprar Sc ven¬
der, & embarcar, & mercadejar,
a gente toda trabalhadora, Sc ne-
goceadora da vida (que nao he pe
queno louvor, como fe não paf-
fem os termos devidos.) Afsi en¬
tendia que cumpria,& era muyto
neceífario aver hua eícolla em q
fe aprendeífe a pureza deitas ma¬
térias,& aver quem eníinaíTe,que
amoeílaíTe.reprendeíTe & gritaffe
quando folíe tépo, & como ardia
42
neíte zelo ainda q fe tinha repar¬
tido em tantas defpezas, queria
cortar por li, Sc tirar da boca pera
acudir a eíia necefsidade : o que
avia de fer edificando hu moítey-
ro em que ouveííe letrados, Sc
Pregadores contínuos , quefizef-
fem o officio que o Apoitolo acõ-
felha em ferviço dos proximos,
que he o mefmo que temos dito.
Do lugar não duvidava, porque
fem embargo que não faltavao
confelhos de peífoas com quem
comunicara o penfamento, que
foífe Braga: elle achava que fò a
Viana pertencia polas razões re¬
feridas , Sc polo fitio, Sc nobreza
do lugar, membro importante do
Arcebifpado. Menos duvidava
em aver de fer de fua Ordem vi-
íto o inftituto delia, Sc a rezão da
fundação. Sò avia que cuydarfe
eíhva a Ordem em tempo pera
acei-ár mais cafas das que tinha:
afsi lhe dobrou o goíto a vinda do
Provincial, pola occafião de tra¬
tar deita obra: Sc na primeira ho¬
ra que fe acharão ambos fòs lhe
deu conta do difenho , & da im¬
portância delle , & do goíto que
fua alma receberia com o ver exe¬
cutado. Apontoulhe donde deter¬
minava darlhe renda,que logo fof
fe fervindo pera a fabrica, Sc jun¬
tamente pera fuftentação dos que
ouveífem de afsiíhr nefla , Sc no
trabalho da pregação, & doutrina
que a paiTo igual queria qneco-
meçaíTe
 Livro L da vida de D. Fr. Bert.dos Mart.
meçaííc. Offerecia de mais hua
“porção que tiraria de fuas rendas
Sc ferviria pera emquanto duraf-
fem as obras do edifício. Tratado
tudo cora a miudeza Sc pondera¬
ção q o negocio requeria, fò hua
dificuldade fe offerecia ao Pro¬
vincial , que avia polia mayor de
todas: Sc era fe poderião as ren¬
das do Arcebifpo fuprir a tama¬
nha carga. Não baíta íò animo
pera emprefas altas: he neceííario
fuftancia Sc cabedal. Da renda q
offerecia perpetua eíiava fatisfei-
to: o fitio aprovava, Sc fobre tudo
confeílava por obra fanta Sc cou¬
ve nientiísima pera o bera efpiri-
tual de toda a provinda a inftitui-
çao do mofleyro: mas pera a def-
pefa que requer tamanha fabrica
como he hum Convento começa¬
do de novo des dos fundamentos,
finda inconvenientes: viftas as def
pefas era que fe tinha repartido:
lições do Paço, fundação do Col-
legio da Companhia, obrigação
dos hofpitaes,& hofpedarias, mo¬
radias aos eítudantes pobres de
cada mez, fobre tudo as efmolas
continuas de pão Sc dinheiro, Sc
veftido : que fe não erão muyto
groífas em cõtia,vinhão a fer grof
íifsimas por numero. A eíta duvi¬
da fatisfez o Arcebifpo dandolhe
conta donde, Sc como, Sc com q
contia podia ajudar a obra, que
era traça de muyto atraz: Sc co¬
mo trazia em pronto, Sc como
contadas pollos dedos todas as
defpefas que fazia, & os mimíiros
erao fieis, Sc clle afsiíiia em tudo»
& não fe perdia nem malgaílava
nada, moftrou que avia pera tudo
& que podia (inalar atè duzentos
mil reis cada anno (que era o mef
mo que dava aos padres da Com¬
panhia) alem da renda cerca, Sc
eílavel em que não avia duvida:
Sc que podéclo largar de fy mais,
fegundo correíTem os tempos, al-
fi o faria, que em fim era obra de
feti coração pollo intento, Sc tam¬
bém por fer de fna Ordem: Sc ul¬
timam ente íorrindofe diffe: Sc e-
fies duzetos mil reis, noiTo Padre
Provincial, fe os ouveramos de
empregar em mais pages, Sc mais
mulas, donde fe pudera acudir a
hua cotiía tão ne ceifa ria, & tanto
do ferviço de Deos como voífà
Paternidade me confeífa que eíta
he? Afsi ficarão dacordo, Sc afi
íèntàrao que fe proporia a cafa no
Capitulo provincial futuro, como
he coítume: Sc entretanto efere-
veíTem ambos à Raynha,& aos
fenhores do confclho pera
fe irem negoceando com
tempo as licenças ne-
ceífarias fegundo
os coftumes
deite rey
no.
CAP,
 Ãrccbijj)o de Braça, Frimas das Hefpãnhas.
CAPITVLO XXV.
Do principio que 0 Arcebifpo
deu a fundacao do novoCòn
vento, das rendas que lhe
aplicou,&obriga^oes
quelhepoZj.
Z5.
i.
O v c o s dias defpois
fe defpedio o Meftre
IffS
m l®y§ freyLuis de Granada
cm
faudofofcomoquéera
tao efpiritual) de hua cafa, oríde
não avia outro trato, nem exercí¬
cio, fenao do Geo: & bem defen-
ganado q deixava em Braga hum
retrato de quaes nos pintao as hi-
florias antigas os Prelados da Pri¬
mitiva Igreja.Não tardou oArce-
bifpo em propor ao Governo, &
Magiflrados da villa de Viana,o q
tinha tratado cõ o Provincial, &c
mandou a iíTo logo na entrada de
Novébro do meímo ano o Padre
Fr.Henrique de Tavora religiofo
da íua Ordé,de quem ao diante fa
remos mais larga menção. Erão
Vereadores Afonfo de BarrosRe-
go, que então fervia de Iuiz, &o
Doutor AntoniodaRocba,&Frã
cifco da Rocha Barbofa,& procu¬
rador do Cõfelho Theodofio Ma
chado,& efcrivão da camara Bal-
thefar de Calheiros;os quaes dei»
pois de ouvirem a Fr. Henrique,
juntos em Camara com todos os
nobres da villa,& gente da gover¬
4$
nança,& povo, como he coftume
nos negociosde importância, Sc
tocantes à Republica , acordarão
de comum confentimento , que a
fundação fe aceitaíle por couía de
muyto feryiço de noífò Senhor, &
grande benefício efpiritual pera a
terrarreconhecendofe por partic.i
lar mente obrigados ao Arcebifpo
& tendolhe muyto em merce lé-
brarfe daquella villa pera húa o-
bra tão effécial.Defta aceitação fe
fez aííento afsinado por todos, de
que levou frei Henrique o tresla-
do,o qual anda no cartório do Ca
vento, Sc parece feito em doze de
Novembro de mil & quinhentos
Sc fefenta.Tratou logo o Arcebif¬
po de dar forma,Sc firmeza na rê-
da que tinha traçada pera fufien*
tação do Cõvento, fegundo apon¬
tara ao Provincial. São Salvador
da torre he hua igreja Sc moftei-
ro de obra antiquiísima limado
nas ribeiras do Lima emdifíãcia
deiegoa Sc meya de Viana,Seda
mefma banda: achamos em hum
pergaminho da torre do Tõbo ef
erito em Latim barbaro q foy fu-
dadordeíle o Capitão D. Pelayo
Emúdez q decédo das Afturias a
fazer guerra aos Mouros por étre
Douro &Minhoatè o mar lhes to
mou rrmytas viilas, & lugares, &
entre elles híí q avia nome Vilía-
mou,no qual edificou híí Moftei-
ro,& poz Abbade & religiofos,&
o dotou de muitos bes. A. antigui-
H d a cie
 Lrnro L davidd de D . Fr. Bcrt. dos Àdart.
ctade pouco curiofa, não aponta
era,nem anno, E fegue a eícritu-
ra, dizendo, que paliados largos
annos veyo ao lugar hum Ordo*
nbo Sacerdote da geração de
dom Pelayo, & achando a Igreja
em ruina,& o moíleiro deípovoa-
do reedificou hua coufa,& outra,
8c trouxe de novo Religiofos, 8c
cõfagrou a Igreja por mão do Bif-
po de Tuy,& lhe poz nome S.Sal
vador.Aos oyto dias antes das Ca
lendas de Setembro da era de Ce-
far mil & cento 8c íeis que refpõ-
de aos annos de noílo Senhor IE-
S V Chriílo de mil 8c fefenta 8c
oito, Com eíle nome andou o lu¬
gar, & molleyro na Ordem, 8c go
verno dos Abbades de São Bento
grandes tempos atè vir a mãos
de Commendatarios Clérigos, a
quem os Reys o davão, os quaes
logravão o groílo das rendas, 8c
íempre iuftentàvão algusfrades.
Foy ultimo Comendatario dom
Chriílovão d'Aímeyda filho cfo
Conde de Abrãtes dõ Ioão d’Al-
meida, por cuja morte fe anexou à
Gamara Arcebifpal de Braga fen
do Arcebifpo dom frey Balthefar
Limpo. Eíle moíleiro pareceoao
noífo Arcebifpo que vinha muy
a propofito pera os feus frades,
porque tinha renda competente
(podia importar mil 8c quinhen¬
tos cruzados hús annos por ou-
tros)& o imo era de grade como¬
didade polia viíinhaoça da vi lia,
8c do rio pera hu dia de recreação
dos q avião de trabalhar toda a
roda do anno em ferviço do povo:
8c afsi foy logo negoceando licen¬
ça pera o defanexar da Camara
Arcebifpal primeiro naCorte por
íer do padroado da Coroa,& def-
pois em Roma,donde tardarão as
etras até fim do anno de i>62. 8c
por Dezébro do mefmo anno to¬
mou poile delle o padre frey Iero-
nimo Borges,primeiroVigairo do
Convento de Viana.Por eíia léda
quizo Arcebifpo q ficaífe oCõvé
to obrigado tanto q ouveífe balcã
te numero de Religiofos, dar fer-
mao na Igreja Matriz da villa to¬
dos os Domingos do anno, 8c to¬
das as feílas de Chrifio 8c de Nof
fa Senhora,8c juntamente aver to
dos os dias hua lição de Theolo-
giaMoraí,q os Religiofos irião ler
na mefmaIgreja, exceito nas va-
cações,q;não ferião mais de qua-
réta dias.Com mais obrigação de
mandarem todos os annos hum
pregador ao Confelho de Coura a
prégar asQuarefmas polias fre-
guelias do Cõfelho quaes os natu
raes apõtaílé, O primeiro princi¬
pio q fe deu ao Convento foy por
maos do padre frey Eílevlo Ley-
taOjOqual por ordé que lhe dei¬
xou o Arcebifpo partindo pera o
Concilio,fe foy a Viana em Mayo
de 1561.J cõ hu alvará da Raynha
D.Caterina pera efeolher lhío,8c
tomar 8c cõprar as cafas q lhe pa
receite
 Arcebifyo de Braga, Primas das Hejpanhas,
receíTe, Sc ahi efteve algus meies
cótinuandoem Tantos exercidos,
pregando a miude , viíitando os
enfermos, Sc acudindo aos pobres
com efmollas.Sucedeolhe o padre
Fr. Ieronimo Borges noanno Te-
guintede is62.no qual foy aceita¬
do o Convéto polia Provinda no
Capitulo intermédio do Provin¬
cial Fr. Ieronimo dAzambuja» a-
quelle Azambuja, cujos efcritos
có nome de Olcaftro celebrão co
louvor todos os doutos da Chri-
ftandade. E no de 1563. por Abril
fe começarão abrir os Aliceces,Sc
levatar as paredes do dormitorio
pequeno na rua de Altamira dei¬
xando outro fítio em que jàefta-
va metido cabedal na rua da Rofa
por fer efte de Altamira de me¬
lhor vida, Sc mais fádio Sc defeu-
berto ao Norte.Nefte edifício en¬
tendia o padre frey Ieronimo Bor
ges, Sc no efpiritual entédiãofeus
companheiros có muito exemplo
Sc confolaçao da terra. Lião Tua li
çao de cafos na Matriz,prègavão,
confeííavão,aconfelhavão, eftan-
do fernpre prontos, Sc preftes em
ferviço de todos. Mas o lugar nos
amoeda que digamos algua coufa
do íitio, Sc antiguidade,Sc eftado
prefente defta villa.
CAPITVLO XXVI.
J)ofitio}çjf antiguidade,(Acali
dades da notável villa de
Viana.
^4
I a n a, q vulgarme-
te Te chama da foz do
Lima,pera differença
de outra Viana de A-
lente jo, que dizem de Alvito : he
villa tão notável em grãdes,Sc va¬
rias calidades, Sc por tantas vias
avent2jada a eftoutra do mefmo
nome, Sc a outras grãdes do rey-
no,que mais deprenalhe ouvera-
mos de confintir diftinção os que
lemos as hiftorias do mundo, pe¬
ra a differençarmos de Viana de
Auftria,ou de Viana de França, cj
não da que lhe fica tanto inferior;
como efta de Alentejo. E por efta
rezao pudéramos aconfeibaraos
moradores, que ou a nomeaífem
por Viana de Portugal, ou Viana
fomente Tem outra addição: dc
maneira q nomeando entre Por-
tugueTes Viana ftngelamente, Te
entendera efianofíade qaopre-
íente tratamos, pella figura que os
Rhetoricos chamão Antonoma-
fia,ou excellécia.-q he aquellapela
qual em Italia dizédo a cidade en-
têdemos Roma, Sc étre os homes
de letras o FiloTofo he Ariftoteles*
Sc o Poeta he Virgílio. Efta villa
teve nostepos antigos mnidiífe-
réte fitiodaquelle e q oje a vemos.
Era Teu afleto Tobre hú mote alto
q Te levata aoNorte delia afaftado
do rio,Sc do mar, fitio forte Sc fo-
braceiro, Tegúdo naqtles tépos Te
bufeava pera lugares de íportãcia
reTpeitodas guerras. Afsi o aftirma
H a D .Fr»
 Livro I. da vida de D, Fr, Bert-. dos Aíart.
frey Prudencio de Sandoval, Bif-
No liv, po qúe foy de Tay, & Cronifta
dos B/f da Mageftade delRey dom Felipe
.pos de terceiro. E o meímò quer dar a
‘Tuy.fol entenc|er fallando delia em Teus
44'.ver]. verfos 0 poeta Fefto Rufo Avie-
iiOjde nação Godo,cujas obras ef-
critas de mão, & letra Gótica af-
‘ firma o mefmoCronifta eftarem
oje no famofo mofteiro de S.Lou-
renço do Efcurial. Sao os verfos.
—Viana falo, quà glauca recúbit
HejperU Oceano; Tjde hinc} atfo
Argua Calpe.
BincHtfpanus agerfellus hinc di-
nots Iberum.
Á deferipfao reprefenta fítio le¬
vantado, & fenhoril fobre o mar
de Efpanha,& que não tocava no
rio, como agora , pois delle ne-
nhua menção faz. As demarca¬
ções faÕ tomadas Poeticamente
ao largo:Tyde he 'Tny: Argua Cal¬
pe chama aferra d’Arga,que aqui
eftende hua ponta que vem fazer
roíto ao mar fobre Viana: & efta
ptol U. he a q Ptolomeu na Geographia
tafa.de de Efpanha chama Promontorio
Europa* p^y^o. Os nomes de Calpe, IV ar¬
gua, achamos também no Perga¬
minho de que fazemos menção
no capitulo antecedente, ufando
deíles o autor na íituação do mo-
fteiro de S.Salvador cõ pouca dif-
ferença do Poeta, 6c dizendo. Ec-
clefa Saãi Salvatoris in ripa Limu
fub Alpe TarragiflV Arga, Com q
fe fic^ acreditando baiUnteméce
o Poeta,&o pergaminho hum ao
outro.Afsi temos oficio antigo de
Viana,que dom Fr. Prudencio no No liv.
lugar q estamos, chama Viana a dts Bf-
velha.Do q tiramos duas bé pro- Pff
vadas conclufoés. Primeira q té o
lugar muyto mayor antiguidade,
da q comumméte lhe dão fuas lé-
brãças,& cartõrios,q naochegão
mais q a elRey D.Afonfo terceiro
de Portugal,& aqui lha damosde
mais de quacrocétos annos atras.
Segúda,q não ha q fazer cafo de
húa dirivação q anda no povo do
nome de Viana,fazédo delle duas
dições,& contando certo fu ceifo,
q querem acreditar cõ o Príncipe
filho delRey D.Afonfo: o qual po
dédo aver acontecido,aqui não té
lugar,vifto não dar elRey nome à
villa,pois o tinha proprio Sc anti-
cjniísimo,Sco mefmo q a tradição
vulgar quer que teveífe principio
no tal fuceíforem cuja relação nos
não detemos, polo aver mos por
coufa fem fundaméto,por r.iao di¬
zer ridicula: & deixada por tal
moílraremos breveméce a miais al
ta ãdguidade da vi!la,& domome
&logoarezão defedaré os mo¬
radores por tão obrigados a elRey
D.Afonfo, q fò a elle referé todo,
Sc não fe alargão mais. He de fa-
ber q polos annos de Chriíto de
260. imperado em Roma Valeria-
no,era Viana tão celebre Sc repu¬
tado lugar, que veyo aella hum
Iuyz ou Prefidente por nome Mi-
nervio
 Arcehijjj o de Bragas Frimas das Hefpanhas.
necyío/azer pefquiza contra os oMartyrio,Galizanãofò tomava^/./.».'
Chriftaos por mandado do Em-:
perador. E foy eíla a oitava per-
íeguição das que teve a Igreja
univeríaí , ôc martyrizou nelía
tres valerofos Santos, honra de
Vianefes:cujos nomes trão Theo-
filo, Saturnino, ôc Revocata. AC-
ilv‘ fi o affirraa Dom frey Prudencio,
trif & aleS!1 autor gravifsimo Lucio
Fíavio Dextro, peíToa de tanta
erudição, & calidade, que mere-
ceo dedicarihe São leronym©
o feu livro dos efcritores Eccle-
íiaflicos. Traz o Bifpo as pa¬
lavras formaes de Dextro que faõ
as feguintes (ôc razão he q as eíli-
nnemos muyto .)Anno Dom mi 2.60 a
Oólavo Kalend. Februarij Viana
in Gallecia, prope Tuden pafsi funt
Sanãi Martyrts TbeophUns, Satur¬
ninas & Revocata fub iudtce Mi-
nervio in perfecutione Imperaioris
Valeriani. Eítes snefmos marty-
Mpty- res apsj ;unE0S traz 0 Mârtyrolo-
Wl.Rofff'• |<v / r n 1 rc
inmenje g ^omaní> ío com eita diffe-
!0
$ebr, rençaque poem Idus} onde Dex¬
tro tem Kalendas: o que em Dex-
: tro podia fer vicio do efcrevente.
Enao aponta nenhúa das parti¬
cularidades que traz Dextro: mas
como as não encontra, ficão em
feu vigor, & autorizadas. Não fa¬
ça duvida dizer, in Gallecia, por¬
que antigamente Viana era do
Bifpado de Tuy,& nas demarca¬
ções do tempo dos Emperado-
res Romanos, em que fucedeo
4j
parte de entre Douro & Minho,
mas
r •
chegava
u
ateTo Douro,
r
&ahi Plm*
EJrVi
Itb•
razia raya com a Lu litania. Como r.
. ^
2
também fe eftendia Portugal cõ da htftow
nome de Luíitania muyto a den-mU
trodoqueojehe Caftella paíían- F/or‘ ^
do alem de Merida.Com as fucef- ^
ções dos Reys que forão muytos \hn<ge~
annos deípois, fe alargarão, ôc a- nerd de
pertàrão limites, fegundo o q ca- £ÍÔa^ja
da hum tinha de mais, ou menos
poder, de mais ou menos ventu¬
ra. O q daqoi fe fica colligindo lar
gaméte he,q lugar em q vinha af-
iiíbr Preíidente em nome do Em
perador não podia deixar de eftar
em poífe de grandeza «Se profperi-
dade, ôc como em tal pera terror
dos pequenos,&de toda a Proviu
cia fe fazião aquellas atrevidas Ôc
exéplares execuções,de grade g!o
ria pera os executados, & felicida
de pera a terra em q paífavão.Efe
Viana jâ então poíTubía autorida¬
de,& o nome q oje té: bem fe fe-
gue que hfia coufa,& outra tinha
de muitos annos atraz. Porq hua
celebridade illultre em fama Ôc re
putação não fe vence em pouco té
po: Ôc quando lha não conceda¬
mos de mais annos que duzentos
antes dos Martyres jà fica coun a
vencagé de mil & quinhentos de
anílanidadena primeira fudação
& no nome. Mas de muito roais
atraz lhe dã principio Flori ao
do Campo grave hiíloriador EP
H 3 panhol
 Ltiuro I.da vida de D.Fr.Bcrt.dos Afart.
Flor. do panhol, dizendo, que os Gallos
Camp. /.Cclticos avendo tempos que íe-
3.í4. 34- nhoreavão as ribeyras do no Gua
Húhgc- diana fa'hiráo delias trezentos &
ner*1 catorze annos antes do naciméto
EfpanJa^ Chriílo acompanhados dos
Turdulos Andaluzes contra as
terras Setentnonaes da Luíitania,
Sc deita jornada forao fundando,
Sc povoando mnytas Colonias:&
entre eilas oPorto na boca do Dou
ro: & paíTado o rio a cidade de
Braga, Sc algus annos deípois tã-
b:m Viana fobre o Lima. E co-
Flor. domo Francefes lembrados de íha
cdpol 3. Origem que era na GalhaBrac-
c. 36. cata(que deípois íe chamou Nar-
bonenfe)derao os nomes a eilas
povoações. A do Porto derãoo
r da fu a Gallia (donde muytos que-
/ /37# rem queíayííe o nome de Portu¬
gal.) A de Braga aquelle com que
a fua província particular íe diffe-
rençava das outras de França que
era Braccata: Sc a Viana o da me¬
lhor cidade que na mefmà Pro¬
vinda tinhao que eraViena fitua-
da alterofamente fobre o rio Rhò
dano,como então ficou Viana fo¬
bre o Lima. E iíto confirma o hi-
íioriador com pareceres de peí-
foas doutas cm antiguidades. E a-
crecenta que neíte lugar vierao
os fundadores em tamanha deía-
vença,que parou em guerra rota,
Sc muytas mortes. O que dá por
cauta da mudança do nome do
rio,deBeion,&Eminio (que am¬
bos eíles tinha primeyro) em Le-
.-querendo os moradores an¬
tigos, que erão Gregos, attribuir RefenJ.
às agoas do rio a diícordia, como l
fruvto do efquecimento,que che- dewuq.
gando a eilas beberão da hirman-
dade,com que atè ly tinhao pro¬
cedido. Porque Letbes na lingoa
Grega he o mefmo que efqueci-
mento. Por eíle teílemunho, que
he de muyta autoridade,temos
Viana fundada em litio & nome
quafi trezentos annos antes do
nacimento de noífo Senhor I e s V
Chriílo. E porque não fique ne¬
nhum efcrupuío de fe chamar
Viàna com, a,intermédio, Sc nao,
e,como a de Frãça, <& a de Auílria
remeto os efcrupulofos aPlinioa
ôc Ptolomeu (inda que a differcn-
ça he tão pouco coníiderave!) os
quaes trazem ambos híía Viana
com, a, intermédio em Alerna-
nhuPtoíorneu no litio da Rhetia: pt9ij
Piimo nas terras dosNoricos. E tab+da
cila tem muytos polia que oje he Europa.
Viana de Aullria. Eíla luz & no- Elindib.
breza de antiguidade tão alta, fe
eclipfou na entrada fatal dos Mou mU ' *
ros, Sc perda geral de Efpanha,af-
folandoa a corrente das armas vi-
toriofas dos barbaros, como acõ-
teceo a todas as mayores cidades
do Reyno. Mas bem podemos at¬
tribuir ao fangne dos feus Marty-
res a viveza Sc fermofura com q
defpois dclorgos annos refufci”
ton. Sepultada ou adormecida
eíkve
 Arcebifyo de Braga, Frimas das Hefpanhas,
eíleve era íuas ruynas Viana atè o
^y^/terapo delRey dom Affonío ter-
da tone ceiro de Portugal,que commum-
àoTobo. meace chamamos Conde de Bo-
^'ia(í<í'l0nha,0 qual no anno do Senhor
de mil 8c duzentos 8c íefenta 8c
íeis a trouxe do monte ao baixo,
Sc ao longo do rio, onde agora
eílà: fitio que então avia nome
A trio,que logo ficou apagado, 8c
trocado no antigo de Viana.E fen
do dantes apaulado,& de muytas
agoas, enxugou com o edifiicio,-
quanto bailou pera ficar fàdio, 8c
ficarem fontes, 8c poíTos pera co-
modidade.Foy a obra deíRey que
paífando em romaria a Santiago
notou a foz do rio : & como avia
andado muytas terras, conheceo
a difpoíição que tinha pera com
o comercio do mar ernnobrecer
hum bom lugar. Todo homem
ama os partos de feu entendimé-
to, 8c às vezes mais que aos meí-
mos filhos: & eíla he a caufa de
muytos fe cegarem com fuas cou-
fas„ Moílrou elRey que amava o
feu juyzo engrandecendo, 8c hó-
rando a villa por todas as vias, q
podia. E o tempo defcohrio logo,
que nao fomente fenao engana¬
ra: mas que fora hum antever de
alto entendimento. A primeira
coufa que elRey fez, foy mandar
paífar provifóes de merces 8c ho¬
ras, 8c privilégios em particular
pera todo homem que acudiíTe a
povoalla, 8c em geral pera o co-
46
ítiam da villa : 8c entre outros fo¬
cabedo
ros lhes deu o de Infanções, que
he o mefmo de que gozão os ci- Decif p.
dadões de Lisboa, & com muita 2'Dtctf
rezãofe jaótão delle : & prome- i07‘
teo!hes,q em nenhum tempo te¬
mo outro fenhor feoão a elleRey
ou à Raynha,ou feus fiíhos.O que
foy caufa de concorrer tanta gen¬
te nobre com fuas cnolheres, 8c
filhos, que podemos affirmar q se
faõ raros os apellidos do melhor
do reyno,que fe não achem nella.
Detão os Íucceííbres final defte
bom langue , aventajandofe ecn
bós ler viços com os Reys, com
que alcançarão novas liberdades
8c honras, 8c o titulo de Notável
pera a villa: Saliento em Cortes
diante de grandes vi!las,fobindoa
do ttezeno banco,ao fetimo, &do
fetimo ao quinto, que oje poífué.
Eoquehe de grande confidera-
çao,que nomeando os Reys par¬
ticulares Capitães mòres pera
quaíi todas as cidades, vi las, 8c
caitellos do Reyno pera ttrem a
cargo o governo milítar em oçca-
íiões de guerra,com Vim 1 rrccà-
rão o eítiio, fiando cite ofiicio dos
naturaes delia: òc afsi o fervem os
officiaes que entrão no governo
da Camara , 8c íe commumcâ a
todos. E comrezão porque nos
coníla de memórias autenticas q
foy fabricados mefmosnaturais,
8c á cufta de feu braço Sc fazen¬
das,u cerca 8c muros que ojc tem:
H 4 o que
 Limo /. dâ*vidâ de D, Fr* Bert. dos ÂLart.
o que por ventura fe nao fabe de
outro nenhum lugar de Portugal.
E ficou murada a ufo daquelles
tempos,de boa cantaria,mas com
circuito pequeno, Sc ruas eílrey-
tas. Diiatoufe em arrabaldes, co¬
mo a gente começou a navegar,
porque forão grandes os interef-
fes que tirou da navegação, Sc
mercancia correndo com Teus na»
vios a todas as Provindas do Nor
•te,& às ilhas & cóquiftas de Por¬
tugal. Masnenhu comercio lhes
tem montado tanto, como o das
terras novas doBrafil,que vay em
tamanho creci mento,que no tem
po que ifto efcreviamos , traziao
no mar fetenta navios de toda for
te,com que à terra eítà mociíla de
riqueza,porq fe eftendem os pro¬
veitos a todos, fucedédo nos mais
dos navios ferem armadores, &
marinhagem tudo da mefma ter¬
ra. E nao parecera iílo muytoa
quem fouber, que avendo oitenta
barças de pefcadores naturaes,íin
coenta annos atraz, que fe conte-
tavao cò o pão de cada dia ganha
do cora pouco fuor nas pefcarias
de perto, Sc ao longo da coftamje
não ha nenhúa, deyxando todos
animofamente a pobreza das re¬
des & a fegurãça das prayas,polas
efperãças,& perigos do alto:& fi¬
ca fendo grangeria pera os luga¬
res vizinhos pobres q acode a pro
ver o povo: como também o faze
todas as naçoés do Norte trazen-
dolhe grande copia de mercado*
rias de toda forte, Sc muyto pão
à conta do retorno que levaó da
èroílura
C)
dos açucares
*
do Brafil,*
que nao ha efgotallos, fegundo
os muytos que cada dia entrao
polia barra .Faz a villa de muros
adentro Sc nos arrabaldes dous
mil Sc quinhétos fogosrno termo
averà outros dous mil.Oterritorio
he eíireito, Sc eífe atraveífado de
ferras,mas em feu tanto fertiliííí-
mo de todo o que ferve pera pafc
far a vida humana com delicia.
E não duvido que a fama ta6 ce¬
lebrada polios antigos do efque-
dmento que caufavaõ as agoas
que efta villa goza do feu rio, que
os Romanos chamavão Obliuio, Luc.ílo
do efeito que delle imaginarão: lib.i.
E Plinio , Sc Ptolomeu Limia: Ptol.l.zl
nefla abundancia Sc bondade
de coufas teve fua origem: avédo
os homés que era tal a terra que plinjy;fit
enfeitiçava os que húa vez a go- ^/^.4
ftavão, &lhes roubava a meffio-w/>J0i
ria de tudo, pera fe nao faberem
Lttc^iâ<
fayr mais delia. Aííi conta Floro,
q Decio Iunio Capitão Romano m Epitòl
conquiftador da Lufitania atè as Ukw,
prayas do Oceano, chegando ailt'
eíle rio, quando os foldados fou-
berão onde eílavaõ, naõ avia ho-
me que fe atreveffe a paífar: o q
vifto lançou mão de húa badeyra
& paífoufe co ella da outra bãda,
Sc aííi quebrado o encantamento
perfuadio a paífagemuSao as pala
vras
 Arcebifyo de Braga, Primas das Hefpãnhas. 4.7
vras de Floro. Decius lunius Lu fita • como os homés fora de cafaJEott
niam urbium expugnationibus de iílo ha não faltaõ as mais vir¬
ad Oceanum perdomuit,et cum flu- tudes de honeftidade, Sc cõcerto
<vium 0BLIV10NEM tran- de vida. Aísi ha matronas de muy
fre nollent, raptum fignifero fignum to preço,& bom exemplo, Sc tão
ipfe transtulit, etfc, <vt tranfgre- inclinadas a encaminhar as filhas
derentur perfuafit. Os homés ou aferem molheres de cafa, & go¬
íigaoas armas, ou as letras,ou fe verno.* que afsicomo em outras
dem à mercancia Sc navegação terras he ordinário na tenra ida¬
cm tudo provão bem, em geral a- de mandallas a cafa das meitras
gudos de engenhos, duros no tra¬ com almofada,& agulhas: afsi ne-
balho , capazes, fizudos, amigos fta as vemos ir às eícolias com pa¬
dobemcomu,& da confervação pel, Sc cinta, Sc aprender a ier, Sc
delíe,moderadbsnavida,& gifto efcrever,.& concar.Como a gente
ordinário, mas nasoccafioés de he tal a terra he bem governada,
honramuis q liberaes: esforçados barata,limpa,bem provida,cb.'ya
Sc animofos nos perigos: briofos de fontes trazidas com arte a iuga
em todo tempo, & amigos de fe res diíferentes pera comodidade
fazer refpeitar Sc conhecer por dos vifínhos, Sc fabricadas cufto-
taes: nas armas, Sc nas ciências famente.Ha muytos edifícios no¬
tem lançado homés de tanto va¬ bres , fe bem íao de arquitedura
lor, Sc tantos em nUmero quefe ordinaria. Nas mais das cafas por
fazem agravo no que tem por taes, &janellas de pedraria com
honra, que he naõ bufcarem ef- fuas rexas de ferro, Sc feus bra-
critores que os fação no mundo foés, Sc divifas fobre as entradas;
celebrados.Todosos nobres exer dentro concerto, Sc policia ema-
citaõ a mercancia a vfo de Vene¬ tavios,& trajos, & alfayasr os tem
za Sc Génova contra o coftume, aios como as cafas,não tem excel
das mais terras de Portugal, que encias de arquitedura, mas ri¬
os louvão Sc naõ os fegué,invejão queza de retabolos dourados, Sc
a felicidade &bõs fuceiTos do tra- abundancia de prata, Sc ornamé-
to,&não fabé imitar a induflria. tos,& bom íèrviço, efpecialmente
As molheres naõ vivé em o ciofí- a Matriz que he acompanhada de
dade ,mas faõ daquelle humor q grande numero de clérigos, & au¬
a Efcritura gaba na q chama for¬ torizada com fuas dignidades de
te, aplicadas ao governo de fua Arcipreíte, Sc conegos. No edifí¬
cafa, Sc a grangear com trabalho cio tem grandeza: Sc nos officios
&induftriadas portas a dentro, divinos grande folenidade Sc cõ-
curíb
 Lmro Lda vida de D^r.Bert.dos Adfért,
cutíb de todos os eftados de •Jf
sen-
te,argumento de devação 6c bom
efpirito.Ha dous moíleiros de frei
ras de grande obfervancia,que ca
da hum paíía de cem religiofas,6c
outro recolhimento dc molheres
honradas pobres:rnas não avia ao
tempo que o noíío Arcebifpo ali
foymais que hum fò Convento
de frades , 6c clfe fòra da villa hu
b6 efpaço, 8c de religiofos entre¬
gues mais à vida contemplativa,
que aos cnydados & trabalhos da
aótiva. He a Órdem de S.Francif-
co,aProvíncia de S. Antonio* O
rio dece acompanhado de híía,6e
outra margem de quintas frefcas,
& cafaes rendofos,& lava os mu¬
ros da villa da banda do Sul, Não
traz muy ta força de agoas,que he
califa de abrir pouco em foz,&fer
a barra eftreyta, 6c de pouco fun-
do:c5 tudohe a melhor,&maisfe
gura,ôc limpa de toda a coíta,des
do Minho ao Tejo: 6c não a gaba¬
mos muyto, porq neíla diftãciaa-
vedo muytos rios, & algus bé po-
derofos de agoas, ne ha porto bõ,
ne barra lé perigo. Pera eftare fe-
guros dos temporaes os navios q
entrão, 6c aver juntamente c5mo-
didade na carga, 6c defcarga del-
les corre ao longo do rio hu gra¬
de^ eftendido caes de groíTa ca¬
taria,altamente fundado 6c terra¬
plenado,com fuas decidas de efca-
das, 6c lingoetas para fervi ço de
toda hora;obra de muito cuftojSç
'T „ * •— — '
de grande importância,A ílôbre-
za pera a villa: 6c vay continuan-
do rio abayxo atè defpegar dós
muros:6c defpois de acompanhar
hum efpaço a povoação de fòra
alarga contra o rio, 6c logo reco¬
lhe outra vez para a terra, de ma¬
neira que faz encima hiia boa pra
ça : 6c da efquina donde começa
a recolher, lança hum molde de
forte muro, qne corre agoa abay¬
xo hum bom efpaço, arqueado co
mo hum braço:6c afsi fica fazédo
hum redu&o capaz de grande nu
mero de naviosjeftancia fegurífsi-
ma de todos os vetos que aqui fa¬
zem dano, porque alem de pode¬
rem ficar détro os navios em feco
Sc cÕ as proas em terra, ou meti¬
dos na vaia, fieao emparados dos
ventos travefíias que entrão por
cima da barra, com outro muro q
abaixo em diílaneia competente
fae da villa cõtra o rio,& faz frota
ria com a praça que dizemos afsi-
ma. Guarda a boca do rio huaFor
ça feita à moderna com finco gra¬
des baluartes providos de boa ar¬
tilharia, 6c guarnição de foldados
competente. Mas melhor a guar-
dão os moradores da villa,fempre
efpertos, 6c fempre preftes a tor¬
narem por fy, A villa he cabeça
de Comarca, 6c Correvção com
muytas villas,6c CoD.felhos fogei-
tos à jurdição do Corregedor clel-
la: 6c tem mais dous mimílros
Reaes letrados: hum que he Pro¬
vedor
 A rcebifyo de B raga3
vedor da Comarca, & outro Iuiz
defòra que adminiftra juftiçana
villa, & termo , & preíide no go-^
verno da Camara. A hum tal lu¬
gar parece que faltava fò pera in-
teyra nobreza húa companhia de
Prègadores , que como foldados,
8 c juntaméte mercadores doCeo
esforçaífem a devação, fizeííem
guerra aos vicios, 8c abriífem lo-
gea de mercadoria, 8c trato cele-
íbafonde tanto avia da terra.
CAPITVLO XXVIL
Das occup ações em que o Ar-
cebijpo empregou o rejlaa-
te defieanno.
E Z mefes avia que o
P Arcebifpo relldia em
3 2 Braga, quado o deixou
o Provincial: porque o
Arcebifpo entrou na cidade aos
quatro de Outubro doannopaf-
fado de fincoéta 8c nove,& oPro
vincial foyfe na entrada deAgo-
ílo de quinhentos 8c fefenta.E ne-
15 6o.
fte breve termo tinha ordenado,
8c principiado tantas coufas, que
fora muyto de louvar em qual¬
quer outro Prelado fazer ameta-
de delias em muytos annos:& nel
le não nos efpantão: porque que
he pouco priguiçoío, fe ajunta có
a diligencia fer aturado nos negó¬
cios brevemente arremata gran-
/
e ■**
des coufas : que ordinariartiete òs
que fe queíxão no mundo de fal¬
ta de tempo,he porque o não em-
prègão todo taõ bem, como de¬
vem : querem dar hú à converfa-
ção dos amigosroutro ao fono i 8c
não fò ao medicinal, 8c nècelfario
(como fe quem tem ofíicio, ou go
Verno publico não fora obrigado
a vigiar tãto cõ os olhos,como có
O entédimento) & outro a outros
paífatêpos: de forte q juítamente
nos poderemos efpantar como té
Vida muytos miniítros públicos,
ou como he pofsiveí fatisfazeretri
a fua obrigação: & não ha duvida
que ou o vem a pagar os negocios
& as partes (8c daqui nacem tan¬
tas queixas no povoj ou a faudc
corporal dos miniftros.‘porque co
mo o negocio he forçado a pena
de perderem o cargo, fe querem
ganhar com força de trabalho o
tempo mal gaftado^ou que deixa¬
rão perder, dão occafiao a gravif-
íimâsindifpofições. O Arcebifpo
viíitàra húa boa parte do Arce-
bifpado, veftira grande numero
de pobres,cafara militas orfãs, re-
mediàra outras necefsidades, af-
fentâra cathredas, fundara hofpi-
taes de enfermos, 8c hofpedarias
de faos, ordenara o Collegío da
Companhia, cuja fabrica jà hia
correndo, tomara aífento noC6-
vento de Viana, 8c alegrando a
terra com tantos generosde be¬
nefícios não paravão entretanto
os ne-
 Liévro h da vida de D. Fr. Bcrt.dos Man,
os negocios ordinários: nem elle
deixava de acudir aos qíie lhe to-
cavãojiintamente pregando fem-
pre, & fazendo Pontifieaes com a
continuação que atraz referimos:
Sc pera tudo cinhatépo:& arezão
era,porque não perdia nenhíi,q
o rnefmo lhe acòtecia no tépo, q
na fazenda. A pouca fazenda do
Arcebifpo gaftadacom a ordem
que elle fabia dar, he efpanto a
quanto abrangia: fe ouvera def-
concertos por muyta &groífaq
fora a muy pouco alcãçàra.Neíle
mefmo tempo naõ ficava feíla de
Chriílo,& deNoífa Senhora q fal
taífe de Vefperas & Matinas na
Sè.Igualmente aííiítia a edas ho¬
ras nos dias dos Apodolos,&dos
Santos que for ao Arcebifpos de
Braga,&dos mais dos Santos de
guarda: & mnytas vezes Iheaco-
te cia edar a ellas em pé no meyo
do Coro ajudando a cantar o
Cabido, & fazendo que não faltaf
fe nada pera perfeita folenidade:
Sc o que mais deve eípantar a qué
lerefta hiftoria , he que defpois
de cantadas éftas horas na Sè ao
vfo Braccarenfe, que he proprio
da quella jgreia , rezava de novo
em cafa as meímas ao vfo de fua
Religião:Sc fobretanta ocapaçao
inda achava tempo pera eftudar,
Sc efcrever livros, Sc tratados de
devação pera à proveitaméto dos
fubditos.Mas eíle era furtado ao
defcanço corporal, Sc à necefsida-
de da natureza fazendo guerra a°
feno Sc aos olhos com a agoa qne
fempre tinha à cabeceira fò pera
efle effeito,como temos contado:
Sc com outro remedio mais viole-
ro,& menos tolerável pera quem
tato trabalhavam qual era come-
do Sc bebendo taõ pouco, que os
membros canfados não recebião
fufficiente alimento pera fe fufté-
tarem Sc jutaméte comunicarem
a humidade neceífaria ao cerebro
pera fazer fono comprido. Sabe¬
mos delle(&he coufa digna de
fe ler com muyta atenção, Sc co¬
mo obra prodigiofa em hu Princi
pedalgrejajq muy tas vezes pa¬
decia grandes fedes, Sc andando
com a boca feca Sc afogueada por
nenhuã maneira queria fatisfazer-
fe dagoa;Sc dizendolhe os feus,q
attentavão niífo, quemataífe de
todo a fede, vido o tempo dema-
íiadaméte calmofoJ& o dano que
lhe poderia caufar na faude, não
aproveitava nada: refpondia que
bailava pouco a pouco acudir á
neceílidade,& não ao gofto:& af-
íi ficava ardendo em mais fecura,
porque a pouca agoa que tomava
era provocadora de mais fede,co¬
mo fe deixa entender em boa filo
fofia. Aos trabalhos do Inverno
eíla era a recreação que dava no
Verão, Sc tal he a differença que
ha dos Santos aos qne fomos mi-
feraveis peccadores,que o feu cã-,
çar, 6c o feu folgar coníiíle em
muy
 A rcsbifho de B raga Primas das I-Iefyanhas.
3
muy difteremes empregos do
noífo. PaíTava o Arcebifpo o dia
todo dando expediente aos negó¬
cios que fe offerecião, fem largar
mão ern quanto avia luz. Mas em
fe cerrando a noyte, quefedeí-
pedia delles ,& ficava fò emfua
camara pagavafe dopefodo dia,
Sc do trabalho com hum paíTa-
tempo mal conhecido no mun¬
do,& ao menos bufeado de pou¬
cos (Sc ainda mal, que fe muytos
o bufcàrão fora melhor ao mun¬
do:) Entregavafe a hua profunda
contemplação das coufas divinas:
eíte era o feu refugio, Sc o feu de£>
canfo, aqui achava todos os go-
fios, Sc de maneira fe reftaurava
que eda hora lhe matava a fome,
Sc temperava a fede , Sc lhe tor¬
nava fuave todo o cançaífo do
luilib-i dia. Soube dizer hum gentio, que
deoffic, nunca fe achava menos fò, que
quando eftava fò. Quanto com
mais rezão poderia dizer iíto
quem na hora que afsi eftava,
era fua converfaçao fobre as
eftreílas com tanta abundancia
de orvalhos da divina graça, que
acontecia em fe recolhendo , Sc
pondo os olhos em hum Cruci¬
fixo, fer tanto o impeto do efpi-
rito, que fem fe poder reprimir
por mais força que fazia arrebe-
tava em fufpiros,em gemidos, Sc
exclamações, que feouvião lon¬
ge, acompanhandoas com rios de
lagrimas. Que quando ellas tem
49
efíarayz, pouco farà quem de-
fejar que faya o coração, Sc a vi¬
da envolta nellas, poía fuavida-
de que devem deixar. E nãofe
maravilhe ninguém da facilidade
com que paliava dos negocios à
contemplação , porque des da
primeira idade tinha feito habi¬
to nefte fanto exercicio de ma¬
neira, que fendo moço, & de fra¬
ca compreiçao , nelle achava, Sc
ganhava forças pera não fomen¬
te poder aturar os rigores da Or¬
dem , mas acrecentar a elles no¬
vas Sc particulares penitencias.
E efte antigo coftume lhe trazia
a viola do efpirito tão tempera¬
da fempre, que em qualquer con¬
junção que largava o negocio, lo¬
go a achava preíles pera fem de¬
tença entoar as muficas da Ce-
leíbal lerufalem, Sc ficar abforto
nos prazeres do divino ocio. E
dizia elleque lhe tinha Deos fei¬
to eila merce, que tanto que fe
recolhia à noite, afsi lhe defpe-
java a imaginação de todos os
cuydados do dia , por grandes
que foífem , Sc muy to importan¬
tes,como fe entrando cile na ca¬
mara ficafiem todos da banda de
fòra. Outras vezes fe os negocios
davãolugar, fubia fobre tarde a
hum eyrado que mandou fazer
em húa cafa das mais altas do
Paço:& como paífarinho, que
defpois de andar todo odpioc-
cupado na fabrica de feu ninho,
I quando
 Liuro /. da vida de D, Fr, Scrt. dosMart.
quando vay caindo o Sol, & a lias moradas, defabafava, & em

fombra dos montes crecendo* Voz baxa entoava de quando em

eftende as âílas polo ar , dando quando alegres Hymnos. De¬

huas voltas alegres &c defenfada- lia maneira foy paliando o

das,que parece não bole pena, ou anno de mil & quinhen¬

podo fobre hum raminho cantâ tos & fefenta:masen-

defcanfadamente* Afsi alargan¬ trouo anno nouo

do os olhos polas ferras & outei¬ com novos, &

ros j que do alto fe defcobriao, diíferentes

eftendiâ os de fua âlmà as mayo- cuyda*

res alturas do Ceo, voâva com â dos*

coníideração por aquellas eter*

3 é
<3

PRIMEIRO
V R 5t

&

LIVRO*
 Fol.ro

u . .» ^ i «? ** íl V í*, Jv-^rf. hUr, ÍR^ Jy_*&. i*^ JW>£ Wík

íf9'flÍT'T^'s‘

tT\ A> J\
| j*5 íjC
livro segvndo

YID
DOM FREY BERTO
LAMEV DOS MAR-TYR.ES
DA ORDEM DOS PREGADORES,
Arcebiípo, ôc fenhor de Braga, Primas
das Hefpanhas.
. ' i

GAP. PRIMEIRO.
GomoPartio o jiTcebiJpo pevaa cidade de ^Tàcnto aoJanto
1 Concilio9 & da cafa, & acompanhamento
que levou.

AM avia mais que dés, 8c abufos, que parte a malí¬

m

|| hum anno Sc meyo q cia, parte a fragilidade, humana

%| o Arcebifpo reíidia tinha introduzido nos membros
íMk
4' emBraga,taô bemo- mais faõs da Igreja: Sc fobre tu¬
cupado em procurar o remedio do pera atalhar o fogo das here^
de fuas ovelhas noprefente, Sc gias, que abrafava Alemanha, Sc
prevenir o futuro, como no livro Inglaterra , Sc grande parte de
paíTado fica dito: quando nova oc França : Sc bufcaríe meyo de tor¬
caíião lhe fez levantar mao de tu¬ nar ao grémio da Santa Madre
do. Muytos annos avia que na Igreja as partes inficionadas,dan¬
Corte Romana fe tinha acorda¬ do lugar aos Dogmatiftas, Sc aos
do convocaríè Concilio gèral de pertinazes, & rebeldes pera vi¬
toda a Chrifhndade, como vni- rem difputar fuas opiniões em
co remedio pera as muytas defoi> praça livre 8i franca pera todos,
I % como
 LiuroII. da vida de D > Fr, Bert, dos Mart.
como fe tinha feito em tempos ati
tigos com outros hereges:& efia^
vaefcolhida & nomeada a cidade
de Trento por lagar íeguro , 8c
mais acomodado de todos pera o
tal effeito.Deu principio a eita fan
ta obra o Papa Paulo terceiroipro
fegnio a Iulío também terceiro,
em quanto viveo. Occafiões de
• guerra em Italia, & em outras par
tes entre os Príncipes Chriílãos,
outros incidentes trabalhofos
tolherão acabarfe, Veyo a aflen-
'Jlhefcas tar^e na Cadeira de S.Pedro o Pa-
p.zM.6 paPio quarto em25.de Dezébro
cap.31. do anno de Chrifto de mil & qui¬
nhentos & íincoenta & nove : &
acudio a Mageftade Divina a fua
Igreja quietando os ânimos dos
Princípes feculares com a paz tão
defejada étre Hefpanha,& Frãça,
quefe aífentou por meyo doca-
famento delRey Dom Filipe fe-
gundo com Ifabel filha de Henri¬
que Rey de França .N ao deixou o
Santo Pontifíce paíTar tão boa oc-
cafião, & defpachou fuas Bulias
a todos os Príncipes, & Prelados
da Chriftadade pera que os Prín¬
cipes por feus embaxadores, os
Prelados peíToalmente fe achaíTé
em Trento com toda a brevida¬
de pofsivel a tratar do bem com-
mum.Forão defpachadas as Le¬
tras Apoftolicas aos vinte nove
de Novembro do anno de mil &
quinhentos & fefentar& publica¬
das^ intimadas aos Prelados de-
fte teyno na entrada do fegiiinte
de mil 8c quinhentos 8c fefenta
& hum.Razões tinha o noflo Ar-
cebifpo bem fufficientes pera po¬
der furtar o corpo ao trabalho de
tão cõprida jornada. Aétualméte
eítava em cura de hum achaque
de importância em hua per na: 8c
o largo dillriõto de íiiâ Diocefí,
que ainda não tinha viíúado nem
reconhecido todo, & o grande nu
mero de almas delle,em que avia
muyto a que acudir, pedião afsi-
ftencia peíloal de íòllictto Paíior.
Com tudo pondo em balança o
bem univerfal de toda a Chri-
ífandade, com o particular de fua
Igreja: 8c o efpirituaí de todos,
com o corporal feu, logo fe reíòí-
Veo em tomar o caminho com
toda a preíTa, 8c fe começou a fa¬
zer preífes. E porque não deter¬
minava com a novidade da jorna¬
da fazer novidade no eftilo de vi¬
da que tinha começado, nem no
aparato de fua pefloa 8c cafa, a
mayor dilação que teve na parti¬
da foy o cuydado de acertar na
forma do governo que avia de
deixar: o qual pretendia que foíTe
tal , que faltando fò fua pelíoa,
todo o mais meneyo do Arcebif-
oado fícaíTe em pè , & na mefma
orrrsa em que o levava até então
entabolado : 8c encomendando
primeiro o negocio a NoíTo Se¬
nhor nomeou por Governador
do Árcebifpado o Padre frey
loão
 j4rcchifyo cie Brava, Brim as das ffejpAnhas*
loao de Leyria,de quem atraz te¬ univerfal ajuncaniento da Chri-
mos feito menção: 8c deulbe por ftandade, que todos os que forão
companheiros peífoas de tão aííombrando os caminhos com
boas partes, que feu ze!o 8c efcru- faufios 8c defpefas extraordiná¬
pulos ficarão bem fatisfeitos. Pa¬ rias, comoahifioria o irà con¬
ra fua companhia nãoquiz mais tando. Sahio de Braga hua fe-
gente, que aquella que precifa- gunda feira defpois da Dominga
mentelheera neceílaria. Primei- da Payxão em vinte 8c quatro de
ramente, porque de maneira eíli- Março do anno de quinhentos &
mava a dignidade Pontifical, que fefenta & hum ; foy caminhando
fe não prezava menos da pobreza por fua Diocefi atè junto a cida¬
religioíã , 8c bõs coftumes dos de de Bragança, 8c no ultimo lu¬
Claufiros em que fe criara, levou gar de fua jurdicão, onde a divi¬
pera feu companheiro, pera com de hum rio do Bifpado de Miran¬
eííe fe acompanhar ao ufo mona- da , deixou a mula, 8c caminhou
fíico,o Padre frey Aririque de Ta hum pedaço apè , & chegando
Vora, filho feu de profiífaõ,Recria¬ ao limite do Arcebifpado virou
do em fua doutrina no tempo que pera onde lhe ficava a fua cida¬
fora Prior do Convento de Bem- de 8c fua efpofa, 8c com os joe¬
fica. Eíle Religiofo andando o lhos em terra , & as mães 8c o-
tempo foy Biípo de Cochim, 8c íhos levantados ao Ceo fez hua
defpois eleyto Arcebifpo de Goa, devota Oração pedindo a Decs
& Primas da índia Oriental.Pera i com grande aifeito foííe fervido
fecretario efcolheo o Doutor Pe¬ guardalla 8c defendella de todo
ro de Tavares Defembargador i mal: 8c acabando com humen-
de fua Relação peíToa de muytas tranhavel fofpiro nas palavras
letras,&virmde.Os mais compa¬ com que Chrifto noíío Reden-
nheiros erao hu capellao, 8c géte tororou ao Padre Eterno. Pater lean-xvl
de ferviço feculares finco ou feis, Sanãe egò oro pro eis , qitos dedtjii
Com eíia tão limitada familiafe mihiy quia tui junt, ferua eos in no-
poz a caminho hum Arcebifpo mimtuo; levantouíe, 8c deitou! he
de Braga, Arcebifpo, & fenhor húa grande bênção, 8c ccncluhio
temporal da mefma cidade, 8c como fazendolhe reverencia com
Primas das Efpanhas. E porque hua profunda inclinação. A in-
fe veja quanto mais vai a pelíba flammação do rofto , & as co-
que os panos onde ha verdadei¬ piofas lagrimas que o banhavão,
ra virtude, com efta pobreza fez por muyto que trabalhava repri-
mais aballo naqtielle fanto, 8c millas, teftimunhavão bem quão
I 3 caro

*
 Liuro ILda vida de D.Fr.BertJos Afart.
caro lhe cuftava efte apartamen¬ da patria feguirão feú cami¬
to, Sc o affedto de amor que acò- nho.
panhavafua alma.Que differen-
temente dos que eftamos no mu¬ CAPITVLO II.
do julgão os Sãtos as coufasl Efta
Braga por qué efte fervo de Deos Do que fe& ô Arcebifpo tanto
faz eftremos de faudades, como
quepaffou os Imites do
por verdadeira efpofa fua que era:
Arcebifpado.
heaquellaque no mefmo tempo
lhe ouVião todos chamar braga,
Ovcos paflbs tinha
Sccadea fua deferro, &a tinha
dado o Arcebifpo fo¬
por tão pefada, que morria por fe
ra dos limites de fua
ver livre delia,como ao diante ve¬
Igreja, quando fe íin-
remos. Quem darà folução ne-
tiofalteado de novos cuydados,
ftes contrários? Era verdadeiro o
ou novos efcrupulos nacidos do
amor, &era verdadeiro oodio.
* %
amor que hia crecendo a paífo
Amavaa por Deos, em quito por
igual, com os que dava caminha¬
elle a tinha a feu cargo: Et more
do: então lhe lembravão muitas
.Rig.i mulierum (como dizia Davidpor
coufas juntas : jà fe culpava, jà fe
Ionathas) pois lhe cuftava lagri¬
reprendia,que pudera fazer mais,
mas fua aufencia , fem aver coufa
ou dizer mais em ferviço da efpo¬
na vida q mais quifeíTe. Aborre-
fa. E não quietou feu eípirito atè
cialhe em quanto lhe parecia que
que chegando a hum lugar que
ocuydado delia lhe tirava entre-
chamão São Martinho tres le-
garfe todo a Deos.E fe hua vez fa¬
goas de Bragança, paíTada a raya
zia verdadeiras faudades por ella,
de Portugal, fem querer ir avante
no mefmo tempo as tinha verda¬
parou, & efereveo a carta que fe
deiras da fuacella com inflama¬
legue ao Governador do Arcebif-
dos defejos de fe ver folto da bra¬
pado, a qual lançamos aqui de
ga. Acabado efte amorofo, & de¬
Verbo ad verbum, por quam vi¬
voto ado, que os companheiros
va mete defeobre quaes erãofeus
ajudarão com iguaes lagrimas,fe*
amores : Sc com ella defpachou
não com igual efpirito, cavalgou
hum meífageiro proprio.
o Arcebifpo, & defpedidos todos

CARTA
 Arcebifpo de B ragd, Primas das Hefpanhas. /2

CARTA.
M Vito Reverendo Padre meu. Graça, tf fortaleza lhe de
Nojfo Senhor.Bem crejo que ambos exprmentamos, quao
verdadeiro feja hum dito de Santo Agofiitiho,que diz,, que 0 amor
do amigo prefente nao fefente,fenao quando a aufncia 0 defcobre:
forque acontmua vifia tf Convirfaçao do amigo nao permite fin
tir aquilo que 0 apartamento forçafintir: mas confio no Senhor,
por amor do qual, Cf no qual fie fez, efie apartamento, que recom-
penfarã efia pena com fiuas vifitaçoes , Cf confiolaçoes efipin-
tuaes. Que por mui certo tenho, ha de ter vo(fq Reverencia
agora mais lumes, Cf confielhos de Deos ncs negócios, Cf mais
larÇueZja de coração nos trabalhos. Tenhapor muy certo, que fioy
traça de Deos pera fua fidlvaçao tirallo do Adofieiro pera efie
minifierio que agora tem. Lã cofiumavafervir ao Senhor em or¬
denar Cf traZjCr a direito 0 temporal do Adofieiro da Batalhaiagc-
ra quiZj 0 Senhor qfoffe confiituiào[obre outra fazenda fua mayor
tffobre ifibfofiepay dos pobres, Cf dos orfaos, emparo de muytas
viuvas j remedio de muytos doentes Cd necessitados, coufa que cde
là nao podia exprimentar. E porque Deos conhecia ndle effia lar¬
ga, Cf benefica condição,lhe quiz. por nas mãos matéria com que a
pude ffe exercitar. E juntamente fe lembre pera fua confolação, Cf
esforço,que fervindo agora nefia pefada cargo, ferve não a mym,
nem somente a Igreja de Braga,mas t oda a ígyeja univerfal,Cf ao
fagrado Concilio,pois fica ahi,pera que eupoffaa elle vir. Ahi pele¬
ja contra Luteranos,poisficafaz,endo 0 que ouvera defaz,er quem
vay pelejar contra elles. Se de alguacoufi deve ter faudade, he da$
horas quegafiava em Oração mental defpots de Aíatinas no Coro
da Batalha,no qual fe deixava ficar te as quatro. E a ifio digo (f
amoefto, que de todo nao deixe efie exercido: tf ao menos hua hora
da noyte,ou de dia ocupe rufio-: Cf muyto mais agora, pois agora te
muyto mais necefsidade de Deos 0 alumiar, pera feu bem, & pera
bem de muytos. Celebre os mais dos dias que puder? Cf antes enfio*
14 nao
 Livro 1L da vida de D. Fr, Berhdos AÃarU
rtaofe entremeta nos negocios. Quanto mais entra na velhice,tato
he mais obrigado entrar dentro emfy , (tf cuidar na eternidade que
efperamos: (tf defpois de armado,&fortalecido cofantos penfàme
tos,feguramentefayrd d guerra dos negócios temporaess(tfos defpa
chara como lhe parecer mais fervigo de Noffo Senhor. E antes q de
conclufaoa qualquer negocio,breve, (tf momentaneamíieponha oS
olhos em Deos,(tf digalhe Doce me facere voluntaté tuam. Entrè
Os pobres fobre todos tenha cuidado dos doentes,quenao pode andar
pedindo comú lhe muytas ve&es diffe. Em toda coufi que tocar em
parente,ou amigo aja grande medo de fy mejmorporque nofia carne
he rapof i refalfada, (tf muitas ve&es nos quer meter em cabega, q
talco ufa fera fervigo de Deos: como quer que na o fejafenao meti-
nagao da própria nature&a carnal. E tenha por certa verdade Ima
coufaque di& Santo Tbomas,que quanto hum homem tem melhor
condigao natural, (tf maispiadofa: tanto tem mais neccfsidade de
andar fobre fy: porque nao acontega, que debaixo de cor a e piedade,
humanidade faça coufa quedefpra&a a Deos. E pois ephfa&ew
da que fútoriz,a,(tf mordomea,he toda de Deos,que nem eu ne clle
a herdamos,ne ganhamos,cove na difpenfagao delia ter o olhopofio
fomente em Deos,(tf grite quem gritar, (tf murmure que murmu¬
rar: porque afim,afim, ainda nefie mundo in fine canitur laus. E
gafando homem hem o de Deos,fica Deosfervido, (tf noffas almas
falvas: (tf o mundo fica diZjendo:dous frades,a quem fe encarregou
a Igreja de Bra<(a em tal Er a,nao fe regerão pollos p ar et es,parece¬
res, (tf cofumes defie maligno mundo: mas fi&erao o que enten
âiao fer vontade de Deos, (tf honra defua Ordem• Porque nao fiei
quando outro dia tereitempo pera lhe lembrar efiascoufas lhas ef~
crevi agora, pera que guarde efia em memória de mim , lembran-
do lhe que me criou na Religião, (tf fuy o mais favorecido que elh
tinha em ca fa de novigos ,pera que euvieffea Cruz* defie Arce*
bifpado, (tf agora langafife a mefma Cruz, fobrefeus hombros pera
poder acudir d Igreja univerfdl que efia pera cahir: confiando
no Senhor , que nos ajuntou em hna Cruz, nos ajuntara
tm hua gloria Amen-. Ep acabei de cfcrever em hum
lugar
 Arcebispo de B raga, Vrimas das Hefpanhaí.
lugar que fe chama S. Aíartinho^que he o primeiro pajfada a rajá
tres lego as de Bragança, oje 2S.de Aí ar ç o de ijé 1.
Vefter in Domino.
CAPITVLO III.
Da ordem com que oArcebiJpo
caminhava, da que ti¬
nha e (eu apofento nos
lugares onde pa¬
rava.
L gv m tanto ficou o
Arcebifpo aliviado c<5
a diligencia defta car-
éèaM€^ ta, & outras cjue efcre-
veo: & defpachado o meíTageiro
tornou a profeguir feu caminho:
no qual guardava efta ordem des
do dia que entrou porCartella acè
o que chegou a Trento.Quando
chegava ao lugar em que avia de
fazer noite, fe tinha informação
que avia nelle Convento de São
Domingos, ou de São Francifco,
deyxava a mula, & a companhia,
deapècomfeu companheiro co¬
mo pobres frades hião demandar
o Convé to, & deixava ordem aos
feus que poufaíTem juntos onde
achaífem mais cómodo,& no dia
feguinte o efperaííem à fayda do
lugar pera tornarem todos ao ca¬
minho, com advertência,que por
nenhum cafo deífem noticia de
fua peíToa, nem diíTeííem ferem
jj
Fr.Bértolameu dos Martjres.
de fua familia. Em muy tos Con-
ventos entrou com efta difsirau-
lação,& foy recebido &agafalba-
do como Religiofo ordinário(que
era toda a recreação de fua alma)
ainda que em algus foy conheci¬
do por quero era, ou por defcuy-
do dos criados, ou por outras oc-
cafióes. A primeira cafa em que
executou elfe fatito engano foy a
de São Domingos da cidade de
C,amora. Aqui teve o Domingo
de Ramos, & aííittioaoofficio, 8c
vio alguas memórias antigas do
gloriofo São Vicente Ferrer, San¬
to da mefma Ordem:- & vi fitou o
devoto Crucifixo que eftà no Ca¬
pitulo : do qual fahio aquella te-
merofavoz dita ao Vifitador que
vinha reformar o Convento, co¬
meçando a fazer o primeiro Ca¬
pitulo de vi fita ção:-Rege eos n vir-
gaferrea.Ao outro dia amanhe¬
cendo tomou a bênção ao P.Ha-
do, & foy alTaz confolado deroã-
dar os companheiros que o ef-
peravão: & continuando fuas jor¬
nadas chegou à cidade de Falên¬
cia: apeoufe â entrada com feu co
paaheiro, & juntos forão pergú-
tando polo Convento a vfo de fra
des pobres : chegarão à portaria,
chamâpão à campainha ; recolhi¬
dos
 JjÍuyo 11.da vicia ãs
dos dentro farão à cella doPnòi4,
& proílrados pct terra com ida
vema feita , fegundo o cftiio da
Religião lhe tomarão a bênção:
mas não lhe fuccedeo aqui a tra¬
ça como efperava. Era o Prior
homem auíteroj&puntual na.ob-
fervancia da regra,perguntoulhes
polia hcéça de íeus mayores pera
andaré por reynos eftranhos, Sc
niãdou que a exhibiiTem. Ficou o
Arcebifpo atalhado,q não queria
perder huã noyte de cca & cama
de pobre, & foy embebedo tépo,
deeftendédo a pratica cõrodeyos
Sc diííimtilaçao a verfefcdef*
cuydavao Prior: mas aviao com
homé executivo: que vendo que
naõ moftravão papeis mandou q
foffé os bõs hofpedes feparados,
Sc metidos cada hu em íua cella,
pera ver mais devagar o q devia
fazer com elles^Aqui cayraõem
terra as traças* & nao teveram
mais lugar os fingimentos.Como
hia a coufa de veras, arreceou o
Arcebifpo dar efcandalo, & com
grande ínagoa de feu coração fe
deu a conhecer: mas com igual a-
legria do religiofo Prelado , que
naõ foy menos aprazível em o feí
tejar cótodos os iubditos da quel-
la atitiquiííima cafafque he das
primeiras da noffa Ordem em Ef-
panha:)do que andara feco Sc pe¬
jado em o defcobrir. Por outras
partes paíTou defconhccido, por
que ou avia menos rigor nos Pre¬
talos AFaít.
lados, ou o defendia a gravidade
de fua peffoa:que quando menos
erão julgados por Medres em
Theologia que caminhavaõ pera
o Santo Concilio, como cada dia
hião paliando outros. Aífi lhe a-
conteceoque entrando em outro
Convêto da Ordem,queffegudo
a via que levou, que temos a pon¬
tada de fua mão por dias,& jorna
das,& iegoasjdevia fer Saó Paulo
de Burgos,inda que não foy co¬
nhecido na entrada por qué eia,
foy recebido ôc tratado com rd*
peito devido a peíloa de importa¬
da fò por fua fiíionomia ôc repre-
fentaçao.Pareceolheo lugar aco¬
modado pera rcpoufar hum dia
da preíla com que caminhava fa¬
zendo conta de fahyr no feguinte
fobre tarde:jantou com a Comu¬
nidade, Sc defpois de graças aílé-
toofe na crafta cõ oPrior & padres
em boa cÕverfação:eis q chamáo
a preífadamente à portaria: aco¬
de o porteiro, acha hum homem
empoado & fuado que no geito&
trajo reprefentavafer Correyo,&
com efficacia perguntava polio
Arcebifpo de Braga dizendo ôc af
firmando que aly chegara,& eila-
va no Conuento. Não fabia que
refpondeíTe o porteiro de emba¬
raçado em ouvir huã coufa a feu
parecer taÕ nova: fomente diíle,
que iverdade era que eftavão em
cafa dous frades do habito Por-
tuguefes chegados do diaatraz,
não
 Arcebifbo de Braga, Primas das Heffanhas.
Naõ foy neceffario mais, lança-
fc polia porca dentro, entra pdla
crafta,& dá de roílo coo Arcebsf
po:conheciao,foyfe aelle ôc pon¬
do os joelhos em terra tirou de
hua carta,bei juu a, ôc diffe, que
era delRey Dom Sebafiião, por
cujo mandado fora defpacha-
do em fen feguimento a toda di¬
ligencia, ôc com a mefma pedia
lhe deite repofta pera dar boa
conta de fi, Sc pozlhc a carta nas
maos. Grandemente ficou o Prior
fobrefaltado: masmuyto maiso
Arcebifpo, que íintio no edremo
verfe privar de huã hora de muito
feu godo, quaes erao todas as q
lhe reprefentavao o feu eftado
antigo de pobre frade, de q tinha
continuas faudades: Sc tomando
acarta diíTe: Ah homé, por que
inematadefperdoete Deos. Acu¬
dirão logo os Reíigiofos todos,&
lançados aos pès do Arcebiíjpo
lhe pediaó as maõs pera lhas bei¬
jar-.^ mais particularméte oPrior
que fe queixava com palavras de
humildade do engano: Sc com as
mefmas pedia muytos perdoes de
fua pouca caridade defculpando
com o mefrno engano o pobre ga
falhado, ôc mao tratamento de
qnem tão differente o merecia.
O Arcebifpo abraçava a todos, &
confolava oPrior affírmandolhe
que não tevera melhor noyte, ne
melhor dia em muytos da vida
que aquelle, por fe ver agafalha-
f4.
do com a facilidade Sc amor da
fua Rcligião:&niíto o reconhecia
por verdadeiro filho de noífo Pa¬
dre S. Domingos: Sc fempre vi-
Viria agradecido, Sc obrigado à-
quella fanta caridade, ôc bom ter¬
mo que aly achara. E porque o
tratamento começava a fer outro
deufepreíta arefponder, & def-
pjehado o correyo deixou logo o
Convento.Deíla defgraça deRur-
gos,que por tal a teve o Arcebif¬
po , fe pagou logo à fua vontade
em outros Conventos: efpecial-
mente em hum muy obfervinte,
que fofoeico devia fer em hum de
dous lugares de Bilcaya: Vitoria*
ou S. Sebaftião, que ambas tem
cala da ordem , Sc em ambas en¬
trou. Chegou à portaria fò com
feu companheiro como coibi-
mava, foy recebido alegremenre,
Sc fem aver quem fofpeitaíTe, ne
cuydaíTe quem feria, foy tratado
em cama,&rnefa como verdadei¬
ro religiofo pobre, Sc não faltou
frio como em montanha. Sendo
manham foyfe à cella do Prior pe
du* licença,ôc tomarlhe a bençao
perafe partir: rogoulheoPrior q
comede primeiro algua coufa
pois avia de caminhar ôc apè,que
afsio julgava. Não aceitou o Ar¬
cebifpo o almorço, ôc o caridofo
Prelado com religiofa fingeleza
fez indancia, que ao menos qui-
zeíTe levar pera o caminho ham
par de pães, Ôc hús peixinhos do
 Livro IL da vkla de D. Fr. Bert. dos ÁLart.
rio que lhe tinha mandado con¬
certar pera não irem em jejum.
Nao teve o Arcebifpo mais fabo-
roía iguaria em todo o caminho
atè Trento: cheyo de alegria ti¬
rou de hííafaca da cinta, Sc abrio
hum pão, & meteolhe dentro os
peixinhos que couberão, Sc deu o
a feu companheiro * Sc logo fez o
mefmo a outro pão, & atado em
hum lenço pendurou o no cinto.
Contente com o alforge,Sc fazen¬
do conta que o recebia de efmolla
como pobre de Chrifto, redeo as
graças por elle Sc polo mais gafa-
Ihado ao Prior Sc . religiofos
O
lou-
vandolhes muito afanta& bem
aífombrada hofpitalidade q vfa-
vão com os humildes eftrangei-
ros, & ficando em fua alma muy
edificado delia, Sc delles.
CAPITVLO IIII.
Lntrao Arccbifpofor Franca
emfegmmento defha <via-
cem , (5* chega à cida¬
de de T rento.
^AM largou o Arce¬
bifpo em todo o cami¬
8 nho efta fanta porfia,
á
tendo por alivio dçlle
verfe de quando em quando po¬
bre entre pobres, fubdito entre
íubditos, defacõpanhado de cria¬
dos, Sc efquecidas as fenhorias,
encantoado na eftreiteza de bua
humilde Sc mal compoíla celía.
E fuccedeolheà medida do defe-
jo daqui em diante, porque nem
avia rigor nos prelados,como em
Paíencia, nem nos fubditos agu¬
deza pera inquirir. Entrou cm
França pola villa de São Ioão de
Luz caminho de Bayona primei¬
ra cidade daquella parte da Aqui-
tania que oje fe chama Gafconha.
Entrou.no Convento que aly ha
da noíía Ordem da Província q
là chamão de Tholofa, Sc não lhe
faltou noytefria Sc mal ceada,co¬
mo entrou comodisfrace coftu-
mado. E logo teve outra feme-
IhantecmS. Severim, onde tam¬
bém achouConvento da Ordem.
PaíTou polia cidade de Aux, &
chegou a Tholofa hum dia polia
manham cedo, Sc ficoufe o dia to¬
do por não deixar deprefiahum
lugar cheyo de memórias glorio-
fas dc noíto Padre S. Domingos.
Aqui eílão as reliquias daquelle
feu grande filho o Doutor Angé¬
lico Santo Thomas. E na Igreja
de S. Saturnino primeiro Biípo
daquella cidade eftão os corpos
de tres fagrados Apoftolos S. Fe¬
lipe,^ Santiago, &SãoThadeo%
com o de S. Bernabe, em grandes
caixas de prata. E os do grande
Martyr S. Iorze,& do Abbade S.
Gil. Ditofa cidade por taes depo-
íitos, mas muyto mais porque a-
fora eíles tem a fagrada Coroa de
Ghrifto,Daqui fe entra na Proviu
cia
 A rcebijjjQ de B raga3 Primas das Hefpanhas.
cia de Linguadoc. Madrugou o
Árcebifpo ôc diíTeMiíTano altar
de Santo Thomas, ôc íeguio feu
caminho: paíTou por Carcaílòna,
tão conhecida dotépoque o Pa¬
dre São Domingos andava em cã
po contra os Albigenfes com of-
licio de Inquifidor Geral:mas
não entrou no Convento que ali-
ha da Ordem por não perder jor¬
nada, & foy dormir a Capiftrano
lugar defviado duas legoas da grã
de cidade de Narbona. Dahi paf-
fou á iníigne villa dc Briííiers, Ôc
a Santubcri, & a Lupian, onde fe
vaytomarviida domar Mediter¬
râneo: ôc logo à cidade de Mom-
pelher,onde foy ver oMofieiro
da Ordem que ndla ha, grande,
Sc magnifico nos tempos atraz:
mas então poilo por terra, ôc com
oito frades íòmente, onde dantes
avia cem cellas. Efta cidade foy
hfia das que mais fe corrõpeo da
heregia, de toda aquella Provín¬
cia,& ainda avia nella pregadores
da falfidade. Quafí no mefmo ci¬
tado eftavão a villa de Luneld, ôc
Sc a cidade de Nimes lugares vifi-
nhos.Não euftava pouco ao Ar-
cebiípo ver eítas calamidades.Re-
creoufe feu efpirito na vifta de A-
vinhao cidade limpa, & fam de fe
melhante pefte, como terra que
he do Sumo Pontifice.Foyfe a feu
vfo ao Convento q nella ha da Qr
de, ôc o mefmo fez quatro legoas
a diante na cidade de Carpentrás,
jp
que também he do Papa, & avia
caía noífa. Aqui começao as ter¬
ras do Delfinado Província que
anda no Primogénito de França,
&efia he a rezão, porque cõnm-
mente chamão os Francefes Del¬
fim,© que os Eípanhoes chama¬
mos Príncipe do Reyno. He pri¬
meiro lugar Santa Eufemia, & o
ultimo Xamon poftonas fraldas
das aítifsimas ferras dos Aloes
contra Saboya. Chegou o Arce-
bifpo a elle em feis de Mayo, ôt
em todo o dia des de Brcanfona
Xamon jornada de oito legoas
não ceílou de nevar como íe fora
emlaneiro. Com tal dia paíTou
o porto temerofo, ôc muy nomea¬
do de Mongeneura, que he húa
aldea que faz coroa aos mais al¬
tos picos dos Alpes; & daqui fe
começa a decer pera o P;e monte,
que foy aos Romanos parte dos
povos Taurinos.E quadralhe be P/pjjy
o nome de Piemonte pola baixe-
za em que fica cõparada com os Éurof*
montes. A decida queha he tão
ingreme que parece talhada a pi-
que:& pera efpantar mais,ordina
riaméte cuberta de neve: & he tão
profunda que corre húa legoa, Ôc
meya de ladeira continua atè hú
lugar que chamão Santa Sufana.
O meyo que achou o engenho
humano pera vadear efte paíTo,
foy inventar húa maneira de an¬
dores, ou carretes fem rodas,
que vão decendo, ou caindopo-
K 'las
 Liuroíl. davida de D.Fr. Btrt.iosMart.
ro ao que lhe ficou mais à mão,&
las ferras abaixo arraftados ca¬
foy o vitimo de toda a jornada a-
da hum por dous homés que
tè Trento, em que fe aproveitou
não fabeis fe os chameis Pilo¬
defta fua recreação .* do que def-
tos, fe cocheiros, fe cavallos , por¬
pois lhe deu queixas o Prior que
que tudo he neceftario que iejaõ
então era, como a diãte veremos.
neíla perigofa diftancia , Sc tudo
Das vinte duas legoas que ha de
faõ i & andão tão deftros, facili¬
tando o vfo à marinhagem,que fe
Brexa a Trento andou à fefta, Sc
ao fabbado as vinte,& ao Domin¬
vence todo perigo. Em Santa Su-
go à tarde as duas que ha de Ca-
íanna parou o Arcebifpo a jantar,
& foy dormir a Xamon caminha¬
lian a Trento, Sc por efta conta

do fempre cofta abaixo, mas ja a

correo em fincoenta, Sc feisdias

cavallo,& ferras menos âgras.Ha

trezentas & trinta Sc duas legoas,
que tantas ha de Braga a Trento
de Xamon a Thurin cabeça do
eftado de Saboya onze legoas: &c polia eftrada que levou , Sc eftas
caminhou em quarenta & nove
de Thurin aBrinfier caminhan¬
do pera Vercelli cidade ja de L5-
jornadas, Sc foy a vitima de Ca-

bardia, ha oyto legoas. HeBrin- lian a Treto em dezoyco deMayo.

íier terra frefca Sc fértil, talhada
de muytos rios que brotão da
montanha, & fó neftas oytoie-
coas fe paíTaõ quatro barças.
fogo fenece o eftado, Sc fe da na
Lombardia, ficando de Thurim a
Milão vinte tres legoas. Aos dez
deMayo entrou o Arcebifpo em
BemqUifera recolherfe no Con¬
vento da Ordem que aly ha, mas
trazia ja fabido do caminho que
feria defcomodidade pera os Reli-
Sc
giofos pola occafiao do Concilio:
por iílo o não tentou.Mãdon diá-
te a familia que fe fofte à primeira
poufadaque achaífem das com-

Milão, Sc defcanfou o dia feguin-

mus da cidade, Sc dahi lhe to-
maftem cafas: elle fobre tarde en¬
te, que foy o Domingo antes da
trou a pè com feu cõpanheiro, ou
fefta da Afcenção , Sc logo à fe¬
por não perder ocoftume daquel
cunda feira das Ledainhas foy
la humildade religiofa, ou por e-
paliando aCaífan , Sc aPontoya
& Hofpedalete: Sc à quarta feyra ftar defconhecido até ter apofen-
to decente. Foy coufa maravilho-
entrou em Brexa terra deVene-
fa,que fem fe faber como, né por-
zeanos, Sc aqui teve a fefta da
q via fe divulgou em hú mométo
Acenfaó, Sc por fer o dia tal nao
fez jornada. Ha nefta cidade dous por toda a cidade fua chegada co
as particularidades da dignidade
Conventos da Ordem , foyfe o
Arcebifpo com feu companhei¬
Sc nome: por maneira q antes da
noyte
 A rccbifio de Braga, Vrimas das Hefifanhas\
noyte,quando cuydou q mais en-
cuberto eftava, & começava a de-
fempoarfe,fe via cercado de dous
graves Prelados, os qaaes defpois
de lhe darem as boas vindas, dei¬
xadas palavras entrarão em obras
procurando cada hum cõ toda in
ítancia levallo pera fu a caía, que
foy pera o Arcebifpo entrar em
nova jornada, &novo trabalho,
Sc tal foy a efficacia, ou a impor¬
tunação, que por não ficar avido
por defcortez, ouve de obedecer
Sc fairfe a poz elles. Er ao ambos
frades Dominicos, Ôc ambos: Bif-
posthú de Modena,& chamavaíe
D. Fr. Esidio Fufcarario: o outro
kJ
deVerona por nome D. Fr. Iero-
nimo Triviíano.Coube a forte ao
de Modena, peítoa a que acom¬
panhava grande fama de virtude,
Sc chamavão em fna Igreja pay
de pobres.Se o Arcebifpo lhe fou
bera o titulo,efte acabara com el-
le mais q todas as forcas. No dia
feguinte teve cafas,& ficou livre.
CAPITVLO V.
'Dejcreveje o fitio da cidade de
fiTrento: <vifita o Arcebif-
po aos Cardeaes Legados
do S. Concilio: recebe
carta do Summo
Pontífice, (f
eficreve a
Braga.
Jd
Rento he hua ci¬
tf3M dade fituada na arra-
2^ km
VJÃ ya de Alemanha con-
dx-xòéa-jjá rra Italía^em terras do
condado de Tirohfica ao Nor¬
te de Italia: ôc P colo meu a conta PtolMl
por terra da mefma Provincia, 6 taú-6'
metendoa na demarcaçao delia J
entre os povos Cenomanos. He
lugar de bom edificio* bem aífen-
tado ôc baftecido de todo genero
de mantimentos: & no feu tama¬
nho nenhum dos grandes de Ale¬
manha fe lhe aventaja na comodi
dade de cafas nobres, ôc de bõ a-
pofento. Lavalhe os muros o rio
Adige, chamado Athefis dos Lati¬
nos, q corre cÕtra Italia crecido jà
de agoas, Ôc navegavel, ôc vay en¬
trar no mar Adriático. O fitio he
fàdio , inda que afogado de ferras
alcifsimas q a rodcão, chamadas
dos antigos Alpes Tridétinos. E-
ftes có os ares frefcos qvem fobre
as neves de q fempre no alto eíião
cubertas,& por etre a efpefura de
arvoredo q as vefte,téperão a quê
tura do Sol do Eítio, q no baxo fe
re có força excefsiva.Para oefFeito
do Concilio não fe podia efcoiher
lugar mais a propofito. Porq fica
como ê cetro cõ Italia & Alema¬
nha, ôc não lõge de Fraca. E pera
feguranca daqnelles q cõ capa de
medo dejurdicões podercíascò-
ravão o pouco goílo q tinhão de
fe acharé nefta íãta jucartinha por
fy não fer fogeito a nenhum Rey,
K í nem
 Livro Ih da vida de D. Fr. Bert»dos Mart,
nem outro potentado temerofo.
O Rifpo he fenhor da cidade no
temporal, afsi como adminiftra o
efpiritual: & fò como a fupremos
reconhece dalgua maneira os C6
des de Tirol, que faõ os Archi-
duques de Auftria, No tempo do
Concilio foy eleito em Rifpo del¬
ia o Cardeal LudovicoMadrucio
Alemão. Eílavão por Legados
defua Santidade na cidade, pera
darem principio ao Santo Conci¬
lio, & preíidirem nelle em feu no¬
me doas Cardeaes,queerão Her¬
cules Gonzaga da cafa dos Du¬
ques de Mantua Cardeal do titu¬
lo de Santa Maria a nova* &Ie-
ronimo Seripando Napolitano do
titulo de Santa Sufana, 8c íintiao
a tardança dos Prelados * prínci-
palmente dos de Efpanha , que
julgavao avião de feros diantei¬
ros como provinda tão afsinala-
da no ferviço da Igreja, ôc maté¬
rias de fé, 8c até então não era vin
do nenhum: & os que fe achavão
em Trento erão de Italia, & eíTes
não paffavão de dez, & quando
fouberão que dos últimos fins do
Occidente era chegado hum Ar-
cebífpo PrimaSjfoy grande o com
tentamentoq receberão, & muy-
to mayor quando o virão, 8c ouvi
rao: que foy logo no dia feguinte.
Porq o Arcebifpo não quiz tardar
mais em hir dar a devida obedié-
cia a qué eftava em lugar do fupre
mo Paftor da Igreja,ÔcVigario de
Chrifto nellarelíes o receberão cõ
grãdes honras,& co extraordiná¬
rias moftras de amor 8c alegria,
affirmandolhe cada hum poríi q
nenhua nova podião mandar a
fua Santida de de mayor gofto, q
a de fua chegada àqueiie lugar:
por fer o primeiro Prelado Efpa-
nhol que alivião:&. ficaré cheyos
deefperanças,,quefeu exéplo fe¬
ria baílante pera dar calor a to¬
dos os mais fe porem a caminho,
cuja tardança tinha alTaz defgo-
ftado a fua Santidade. Avifarão
logo os Cardeaes ao Papa da vin¬
da do Arcebifpo > & ficarão dali
èm diante corrédo cõ elle cõ mui
to refpeito & cortefia , vifitandoo
cõ mimos 8c preíéntes. Não foy
menos eftimâda a nova é Roma;
8 c oPapa em recebédo o avifo dos
Legados, mandou fuas letras ao
Arcebifpo, pelías quaes lhe agra¬
decia a di!igécia,& o trabalho do
caminho, 8c encarecia o gofto q
recebera cõ fua vinda : 8c aos Le¬
gados encarregou efficazmente,
que no gafalhado > & tratamento
da peííoa do Arcebifpo deíTem
feftemunho era Trento, do muy-
to que elle a eftimava em Roma,
E foy ella parte pera fua Santida*
de efcrever de novo a todos os
Príncipes Chriftaos eftranh ando-
lhes a tardança dos Prelados de
fuas terras, 8c obrigandoos com
o exemplo do Arcebifpo de Bra¬
ga , q fendo o ultimo de todos na
diftãcia
 Arcebiffjo de Braga, Primas das Hefpanhas.
diftancia das terras, fora o primei
ro na obediência. Entreranto era
o Arcebifpo vifitado dos Prela¬
dos que avia na cidade,que todos
o bufcavao com curiofidade pola
dignidade, 6c pola fama que tra¬
zia de virtude & letras. Mas elle
tinha o corpo com elles, 6c o co¬
ração eítava com fuas ovelhas em
Braga: 6c dado fò tres dias a eítes
S7
cumprimentos, quiz logo tratar
delias mandandoihes novas de fy
6 c fazendo novas lembranças aos
que as tinhão a cargo. Deite tem¬
po achamos hua carta de fua
mao, que tresladamos aqui por¬
que conforma com o que vamos
efcrevendo. Era pera o Governa¬
dor do Arcebifpado frey Ioão de
Leyria, ôc dizia afsi.

CARTA.
M F1TO Reverendo Padre. Gratia 6c fortitudo adfalvandas gê-
tes. Bemfei que de iure devia efia fer de bua mao de papel: mas com
licença de F. Reverencia remeti as miudezas de nofia jornada àpena de
Pero de Tavares. Abafiara em foma disçer, que o Senhor me fesçmuytas mer¬
cês em toda a jornada,& chegada: porque alem da faude, chegamos no mais op-
portuno tempo que fe poderia cuidar. Esiaudojà auia hum. me^ bf meyo dous
Cardeães Legados,& algus Bifpos de Italia,te nove ou de\efperandopor Pre¬
lados de Efpanha,bt França: bf defconfiados, bf defconfolados polia tardança.
Hera chegando eu fubitamente nao efperado, bf divulgandofe que era chegado
hum Arcebifpo Primas dos fins de Ejpanhafoy grande alegria nos Legados, bf
Bifpos,bf na cidade (a qual ganha muyto em Concilio.) E nos gafalbados bf a-
hraçes mofiràrao os Cardeaes Legados bem efie contentamento : bf efcreverao
logo ao Papa minha vinda affirmando que fe lhe podia efcrever ao prefen¬
te coufade mais feugofio,porque efiava agafiado de nao virem os convocados.
Eu cuydei quepodejfe agora antes que fe começajfe o Concilio chegar a Rema fo -
bre os negocios:mas nao o faço porque me ajfirmao (bf eu o vejo) que aufentar¬
me em tal tempo, fera esfriar o Concilio.Porque fò em Je âisçer que eítà em T re¬
to hum Arcebifpo Primas do ultimo Occidente dà quentura, bf anima os mais.
Entre os Bifpos de Italia que aqui esiao dous faô frades da Ordem,bf hum del-
les grande letrado bf fanto.-Ha tres dias que nos conhecemos,bf fomos como que
ouvefie desçamos: bf isto bafla quanto ao de ca. Quanto ao de là confefiò a F.
Reverencia quefempre ando temendo, que leva mais defgosios bf femfabores,
do que fe^à polia bondade de Deos: pois julgando feu coração l airgo bf magnâni¬
mo,pollo meupequenino bf efireito imagino, fe arde em fogos como eu. Alas como
digo, confio nas ajudas do Senhor, b? nafieldade doí coadtutores, que ha de fer a
K 5 > carga
9
LmroíL da vida de D. Fr, Bert. dos Afart.
%

earga menos pefada, do que lhe parecia. Fofa Reverencia me encomende a toda '
a cqfa.fcf que encomendem a Deos ejk negocio, IF mandeme novas como traba¬
lha na vmha do Senhor. Encomendolbe muito o favor doseítudos ,IF todôs os
padres de Viana., Companhia fF Sao Fruãuofo, ÍF todos os pobres, de que Deos
ofe^pajy. Dominus perpetuo ferver tc. De Trentoazz. de Majode 1561.
Tuus in Domino» Fr, Bertoíameu dos Martyres.

CAPITVLO VI <3ias avia que eftava emTrento

Da ida queo Arcehifpo feZí a
Vene&a, & Padua9çf
a oc c afia 0 delia.
m S t a v a m as coufas
af \e $2 do Concilio tanto em
\tre»
quando tornou a fait de cami¬
nho pera Veneza: Sc contamos
neftes quinze dias o em que che¬
gou , & efte em que partio, que
íòy Domingo da Trindade. Sãó
de Trento a Veneza vinte & hua

íegoas, contando nellas o que ha

& % M flor por mais diligen¬
cias queoSummoPÓ-
tifice com todo fervor fazia, que a
parecer de todos fe julgava que
pâílanão muytos mefes primeiro
que tevefle principio. O Arcebif-
po que não tinha natureza pera
cftar ocioío,quiz aproveitar aquel
le tempo,& empregar parte delle
em ir ver a cidade 6c Republica
de Veneza,& vifltar nella as mui¬
tas Sc grandes relíquias de Santos
que a illuftrão, & em Padua onof
fo milagrofo Portuguez Santo An
tonio. Curioíidade (fe o fora)
bem licita em quem fe achava
tãoviíinhoàquellas cidades: mas
na verdade foy emprego de de-
vaçáo, que não fe pode cuydar
outra coufa de quem fobre dous
mefes de aturado caminho em-
prendia nova jornada. Quinze
de maí entre a terra Sc a cidade,
a que damos hualegoa. Quan¬
do foy â quarta feyra foy o Ar*
cebiípo dizer Mifía em Sao Mar¬
cos. Detevefe algus dias viíitan-
do os Templos Sc Conventos
principaes, & as fancas relíquias
de que todos eftao ricos.Na Igre¬
ja mayor o corpo do Evangeíí-
fta São Marcos, celebrado patro¬
no da cidade. No Mofteiro de
Santa Cruz, que hedefreiras de
Sao Bento da obediência do Pa-
triarcha, o corpo do famofo Pre¬
lado Santo Athanafio. Vio mais
os de Sao Gregorio Nazianzeno,
Sc do Santo Zacharias pay do
Precufor Bautifta , Sc de Santa
Barbara, Sc Santa Luzia, Sc de
muytos outros Santos, Sc Santas,
com que aquelía cidade fe pòde
ayer por mais famofa que por
todas
 Arcebijpo de Braga, P rimas das Hcjpanhas.
todas as outras mundanas gran¬
dezas de cjue fejaõta , pois e-
ílando cercada das agoas
mar, tem eftoutra melhor ,
mais poderofa cerca de Santos,
que he a de quem cantaoPfal-
mo. Montes in circuitu eius.
X2*' rão novas ao Arcebifpo
dando neita fanraoccupacão, de
húa obra que a Republica tinha
começado de pouco tempo, que
era a cafa das penitentes, invo¬
cação da Santa Madalena* 8c con-
tàraolhe tantas excellencias del¬
ia (como todo homem fabe dou¬
rar as coufas próprias, ou da pa¬
ina ) da grandeza, da fabrica, &
do governo 8c meneyo delia, que
o obrigarão a hir vella: & como
deixava dado principio a dous
Conventos ouve o tempo por
bern empregado pera ver, Ôc
tar, & fe aproueitar defta curiofí-
dade. He a cafa bem grande
capaz, 8c qual convinha pera o
numero de molheres que ja então
encerrava,que fegudo dizião,erão
trezentas 8c oytenta. O edifício
nãocufíofo, mas bem entendido
cm toda a repartição, 8c dífpoíi-
$ão de dormitorios,clauftros,offi-
cinas, 8c cafas dedicadas pera os
exercícios, em que fe occupavão.
A parte principal de bom gover¬
no de portas a dentro, he não a-
ver hora deociofídade. Ha húas
grandes falas providas de inítru-
mentos de qaafí todos os offíaos
/£
de húa bem ordenada, 8c abafta-
da Republica, Ero todas traba-
do lhavão muytas molheres: 8c aí-
8c guas em miíleres bem encontra¬
dos com a fraqueza feminil. Le¬
varão ao Arcebsfpo a ver tudo, 8c
De- entre outras vio húa camara al¬
an¬ ta , Sc muy efpaçofa , onde avia
juntas mais de cem mol heres to¬
das occupadas era offícios mais
proprios a fua natureza , huas
lavrando em fuas almofadas, ou¬
tras cozendo, outras fiando, ou¬
tras tecendo panos, fitas, pafía-
manes , outras fazendo botões,
8c coufas a efte modo: do que tu¬
do refuíta ajudarem em húa grau
de parte a defpefa commum de
fua fu (tentação. Guiavao ao Ar-
cebifpo a Abbadeífa ou Regente,
8c outra religiofa cubertos os
no¬ roftros com feus véos , peíloas
bem graves na reprefentação.
8c Tanto que aqui chegarão, todas
as que avia na caía íbltàrão os
vèos fobre os roftos, & fufpcn-
dendo hum pouco o trabalho co¬
meçarão a entoar hura devoto
hymno com cõcerto de vozes, 8c
boa mu fica: a qual acõpanhavão
com hum certo efpirito & toada
tãofíntida que pudera obrigara
devação qualquer peito por frio q
fora, quãto mais ao Arcebifpo, q
fe pagou muito de hú,& outro of-
ficio.Deifa cafa o levarão ao novi¬
ciado q he hu quarto íeparado do
corpo do Moiíeiro cÕ íclis dormi
K 4 torios
 Liuro II. da vida de D.Fr.Bert-Jos Afart.
tonos , refeito rio, & O rato rio: &
tamanha maquina , que repre-
fenta outro morteiro por fy. Aqui
ouve muytas coufas que lhe fize-
rao nova devaçao.Viafe polias pa¬
redes pintada toda a hiftoriada
converfaõ Sc penitencia da Será¬
fica Madalena avogada da cafa,
em muitos painéis de mão excel*
lente, que arrebatava os olhos.
Nos hábitos vis Òc remendados
das noviças fe enxergava eftrema
pobreza íem nenhum genero de
curioíidade das que atè nos ra-
mendòs fabe perfuadir oenemi-
go,pera o ferem tudo ínogeito
híía profunda humildade Sc mor¬
tificação. Chegando o Arcebifpo
mais perto onde eftavão juntas,
íeceberãono com hua mufica de
vozes extraordinárias, & muito
aventajadas às da outra cafa. Os
dormitorios de húa, & outra cafa
faõ feitos por tal orde que ertã-
du as Religiofas retiradas cada
huã em feu particular recolhimé-
to ou leito, fem fe verem húas às
outras podem fer viftas das Prela-
das Sc zeladoras q as vigiaó,pafsã
dofòmétepollo meyododormi-
torio.As camas naõ faõ mais que
enxergões & mãtas,enxergões de
palha, & mãtas de fadco.Hya efta
cafa crecendo em reputaçaõ, de
maneyra q affír màraõ peífoas de
credito ao Arcebifpo, que tinha
acõtecido a muytas donzellas hõ-
radas Sc virtuofas menofcabarem
falfamente fu a fama , fingindofe
menos honeftas , fò a fim de alcã-
çarem ferem admittidas nelIa,por
aue efte era o dote que as fazia lo¬
go receber : afsi não duvidavão
perder fama Sc honra com o mu¬
do à conta de a fuftentarem com
Deos,& fogirem os perigos da vi¬
da, & occafíões de peccado, em q
aociofidade, liberdade, pobreza,
& orfandade faz cair muyta gen¬
te. Fazia cota o Arcebifpo de dac
volta por Padua, Sc medio o tem¬
po de maneyra com a detença de
Veneza, que quando Corão doze
delunhoeftavaemPadua, &.na
cafa do Santo que a elía o levava:
Santo feu compatriota, Sc nacido
como elle dentro em Lisboa, Sc
afsiftio àsvefperas do feu dia Sc
ferta. Forao as vefperas celebra¬
das com toda a foienidade pofsi-
Vel polo Bifpo Sc C«bido:& o dia
feguinte tornarão a fazer o offieio
da Miífa : Sc quando veyo à tarde
ordenoufe bua fermofa prociflao
em que fe tirarão hum grande nu
mero de corpos de prata de ho-
més Sc molheres,que paíTavão de
trinta, Sc muitas outras peças de
prata de grande valia, viftofo ef-
peítacuio, Sc memórias pias de
milagres obrados por meyo do
Santo,que oífereeerão osinteref-
íados Sc deixarão pendurados em
feu templo como trofeos de íua
Virtude & poder. Acompanhou
o Arcebifpo a prociíTaô cheyo de
devaçao,
 ji rcebijjjo de B raga,P rimas das Hefpanhas. S9
devação, Sc com a mefma vi fitou preço. Aqui vio écerrada em hua
defpois as relíquias do Santo. grade cuftodia de prata o queixo
Eftà fua fepultura em meyo de inferior do Santo com todos feus
bua rica capella, em hum tumu¬ dentes. Moftrarãolhe era outra a
lo alto de jafpe. Grnão a capella, ponta daquella lingoa miniftra d'e
Sc acópanhão a fepukura rnuytas celeftiaes conceitos, q eftà oje taÕ
eftatuas de finos mármores lavra¬ viva Sc vermelha como quando
das por excellencia em teftemu- os pronunciava .Co a mefma veue
nho de antigos milagres do Sato. ração tinhaó noutra cuftodia hu
Na fepultura fe vem em partes a- pedaço do c:afco da cefta, em qus
bertos hus pequenos furos, por pareciaõ inda algus cabellos: Sc
onde fe lente fuavifsimò cheiro.
%
juntamente hu grande retalho do
Iunto ao altar mor parece o feu habito q he faco groífeiro Sc co¬
retrato em pintura tirado pollo mo hum cilicio.
natural: eftà gentilhomé Sc man¬
cebo, 8c repreféta grade eftatura, CAPITVLO VII.
carnes, Sc corpulência. Efta cafa
foy antigamente da invocação de Torna o Arcebijfo a Trento
nolíaSenhora: defpois fe chamou
tf ejcreve de no<vo aBra-
Santo Antonio: agora vltimaméte
naõ fe lhe fabe outro nomeienao
ga Aguas cartas, ff
o moíteiro do Santo: Sc efte he o
daffe conta da ‘vida
nome com que em toda Italia he que jazja nefte
conhecido por exceilécia efte be- temq>o*
dito Portuguèz. Quem nomeao
Santo,fica entendido q quer dizer IPPÇpl Entro de quinze
Sc diz Santo Antonio. Moraõ no §§&!» diasfe achou o Arce-
Convento grande numero de Re- t)iíp° outra vez cm
ligiofos,que deve fera conta dos Tréto:& Como tarda¬
eftudos q ha na cidade, como por va em fe abrir o Santo Concilio
devação Sc honra do Santo: faõ voava elle com o efpirito à fua
Francifcanos Conventuaes.Qiiã- Igreja, que íempre traziaimpref-
do entre ellesfe entendeo quem fa na alma : Sc hia efcrevendo
era o hofpede,& q lhes vinha aju¬ muytas cartas ao feu governador,
dar a celebrar a fua fefta, quife- Sc atocbs os mais miniftros do go
rão também feftejallo com toda Verno fecuiar Sc Eccídiaítico pera
fua poííibilidade, Sc foraõlhe mo- fuprir por efta via o q corporal¬
ftrando tudo o que na cafa ha de mente íe lhe negava. Áííi deíaba-
fava

• •

#
 Limo lí.âa vida oh D.Fr.BertJos Mart.
fava & fcítisfazia a feus defejos, q
todos erao fundados em procurar
o remedio das necellídades cor-
poraes dos pobres, & das efpiri-
tuaes de todos. He hita carta re-
trato vivo de feu dono, que como
feja verdade que ex abundantia cor-
■! dis os loquitur s mais ao jufto raa-
nifeftarâ a pena o que palTa no co
raçaõ: porque ordinário he decla-
rarenfe com mais facilidade os
conceitos da alma efcrevendo, q
filiando: aíTi em todas as q temos
do Arcebiípo fe vè,& lè melhor o
feu efpirito, do que o pode enca¬
recer noífa Iingoagem. Ajuntafe
que ficao em lugar de hiftoria na
parte qavifáo ascaufas da dila¬
ção do Concilio: eftas razoes nos
obrigada trazermos duas neíle
lugar tiradas dos originaes:& dei
xamos outras por encurtar efcri-
tura. Ambas faõ efcricas ao gover
nador do Arcebifpado fr. ioão de
Leyria,& em tempos differentes:
donde fe deixa entéder os muy-
tos mefes que o Arcebifpo refidio
ociofo em Tremo antes de fc dar
principio ao Concilio. E porque
be eoufa certa defejarem os leito¬
res faber que vida era em tal tem¬
po a {ua, ajuntamos hu capitulo
de carta q ir. Anrique de Tavora
companheiro do Arcebiípo efcre-
veo ao Reytor do novo Collegio
de Braga, cõ qfatisfazemos a elía
curioíidade. Porque ainda que fa¬
la como por cifras, fica bem def-
cifrada cotejando o que quer fig-
niíicar,com a vida panada do Ar¬
cebifpo, &. como que delia temos
refirido»

CARTA PRIMEIRA;

VI TO Reuerendo Padre meu. Gratia & fortitudo. Nejla nao te¬

nho mais que disçerfendo que eflamos com faude : IV ainda nao começa
a tarefa do Concilio pola tardança dos tíifpos de Cajlella, IV polias tri-
ftes nonas que cada dia vem do reyno de França : donde ategora nao temos efpe-
rança certa que venha algum Bifpo,pollo reyno em muy tas partes ejlar cor¬
rupto, tf os hereges muy poderofis< O Papa de fu a partefazjodo o pofsiuek IV
cada dia nao fay fendo mandar Bifpos daquelles que nao tem conta com outro
Rey fendo com elle. Acendefe tanto este fogo Luterano que he muito pera temer
nao falte là alg úa faifca. Porij de quanto tenho lido,IV porca vúlo,estou refolm
to,q todo ChrtftaÕ que viue carnalmente IV efqueddo de fua faluaçao esta ifca
muy feca,oupoluorapera fe lhe pegar ejla peçonhenta feyta: porque toda ella
ejlà fundada em liberdade de luxuria IV gula.Por eíla via os pregadores desta
feyta trafe muitos peraJy: porij pregão, tj todo Chriftao de qualquer eUado qfe-
ja tenha molhet\ nem cuidem de obedecer aos preceitos que mcindao confejfar,
jejuar
 Arcebifyo de Braga, Prima* das Ucfpanhas. 6ò
jejuar,mo comer carne.Sofpeito muito que fe nefia terra fepermitifi algu deites
falfos euangeliUas, ajuntariao muytos difcipulos: pois vemos tantos que co lhe
prègare o cótrarto difto, todavia elles fe fazem difciputos da liberdade carnal.
Epor ijfo muyto torno a pedir a V. Reverencia qfe esforce muyto Ef creça feu
Zelo em apagar o fogo da luxuria por efie Arcebijpado, Ef de nenhua coufa tenha
tanto efcrupulo,como de fer remifo nijfo, Ef por nenhua outra coufa tema tanto
o juy go de Deos,Ef prezefe muito de ganhar enemigospor efla via, Ef excitar
lingoas contra fy. Porque padecer 1H0 he fnal da eternapredef inação. No dar
das Ordís encomendo a V. Reuerencia muito o rigor que làficou ajfentado, afsi
no exame do Caber como da na ida: Ef antes acrecente, que afroxe: Ef bastara
ao menos dar tres vezes Ordís no amo: Ef ainda estas tres Vezes com parecer
daquellaspefoas Efc.Cubra là V.R. ejle Inuerno muito bem os nus: Ef nào deça
dos duzentos mil reis, nem dos das orfas : ganhe o Paraifo neBes poucos de dias
que Deos lhe da de trabalhoefcreuame o que nifloef à feito tEf quão rico ejlà:
Ef nonas dos Vigários como fazem feus o ff cios. Porque não ponha aqui os nomes
de tantas pejfoas lhe digo que de minha parte de encomendas a todas as que lhe
parecer que herezfo que as eu mande .Em particular me encomende ao Cabido
quando for à Se,Ef aos Padres da Companhia,Ef ao padre fr.Efteuão Leitão,Ef
ao padrefr.Gafpar Borges.Tenholhe efcritohua fobrea moderaçao das efco-
munhoís que fetiraó contra ladroífinhos.Efqueceome de por que eftiuefie no Con-
filho mais N.Ef N.Nojfo Senhor o abrace com feu fogo, pera que abrafe toda ef
fa terra: Efpor mim Ibepeça que cà me dè huafaifca,que bem necefaria he. De-
Trento aos iz de fetembro de 1^61.
Seu irmão 0 Arcebifpo Primas.

CARTA SEGVNDA

M V1TO ReUerendo Padre meu. Gratía & perfeverantia.Atèopre-

fente não he aberto 0 Concilio, ainda quejà fao juntos mais de fincoenta
Prelados, dos quaes quatro fao Arcehifpos, Ef 0 Patriarca de lerufa-
km,alem dos Legados Cardeaes. Toda noffa detença becaufadapor França, que
celebra hum ajuntamento de Bfposno qual ha algus hereges, Ef cada dia temos
roins nouas,Ef nào ha tomado ajfento fe hão de vir,ou nao:Ef ifo nos faz^aguar
dar,pera que V. R.fayba quantas lagrimas,Ef oraçoes hão miBer estas coufas.
Por ifo vigie V. R. là,pois 0 Senhor qui^que elle agora fojfe E/Jpo na obriga¬
ção Ef fuBancial do offcio,ainda que não ponha mitra. E ainda que (como digo)
eftà 0 mundo de maneira cà,que conuinha andarmos todos defcalços Ef com cih-
 Livro 11J d'a vida de D. Fr. Be ri. dos Mart.
titios: todauia,porque efíe Reuerendo Cabido me encomendou tanto que teueffe cã
cuidado de defender apremimncia dejja Igreja,lhe direi o que tenho nifio feito.
Càft aleuantou duuida fe auia eu de preceder a todos os Arcebifpos ndo Prima¬
is: tf auia muytas raspes por Ima parte, tf por outra: efpecialmente contra
mimfafa^ue a minha Primada parecia litigwja, pois ndo era dada jmtenca
cnti e mim tf Toledo,tf outi as razoes. Tinaímente a coufafoy remetida ao Pa
pa}da parte do qual efcreueo aqui hum Cardeal a hum Artebifpo mais antigo,
com quemfe tinha principalmente a diferença,que me defe o lugar: no qual mui
to ajudou diante do Papa o Embaixador Lourençopirey de Tauora: de manei¬
ra que por e fe recado do Papa me he dado lugarfobre todos os Arcebifpos,
Lf tenho o fegundo lugar nos ajuntamentos que fademos nas vefperas tf Mif
fas das fedas i como oje na Mfafolennifsima dos defuntos : porque acima de
mim ndo tenho mais que oPatriarcha de lerufalem. Pode difer isto de minha
parte ao Cabido, porquefaybao que atentoporfua honra. Todauia de Roma <ví
nonas, que o embaixador de Cajlella fabido isto não fei que contradições allega
là diante do Papa per a que efe lugar que me dão nao prejudique a Toledo: ndo
fei que daqui refahara. SeV. R. quando efla ler nao teuer gafado polo menos
os duyentos mil reis em cubrir pobres nefesfrios que Vaofeyme de aqueixar
mtiyto delle,tf chamar lhe mais apertado que bua certa pefoa que calo. Beatus
cjui intelligit fuper egenos,& pauperes. Indiemala (cornem afaber da
morte,tf dojuigo) liberabit eum Dominas. Por amizades humanas nao de
nada:por 1E SP Chrijlo muito. là lhe efcreuique os gaflos ca ategora vao
de maneira,que pode làfer largo com os estudantes, pregadores tf pobres .Ainda
inda imos gafando do dinheiro que trouxemos delà Deos daràpera tudo. Con-
fejfo que me tem al ar gado hum pouco o coração este Santo Bifpo de Modenafra¬
de da nojfa Ordem,que nao chega fua renda a mil crufados, tf dà em feu Bifpa¬
do mais efmollas que eu: tf naofei de que fe mantém. Creyoque Deos faymila-
gres com estes liberaes em 1ESP ChriHo. Elle me dijfe que pafmaua como lhe
abaítaua o que tinha: Por ifo mandeme V. R. boas nouas difo, tf quantas Or-
jasfao ca fadas,por que como digo nao quero que poupe nada dos duzentos mil
reis das orfas. Finalmente porque V. R. nao terà tempo,mande a hum defies pa¬
dres que me efcreua hua mão de papel de todas as miudezys, conuem afaber co¬
mo <ziay o efludo dos Cafos,tf dos moços,dasprègaçoes, da frequência das Sa¬
ci amentos. Pojfa Reuerencia agradeça a Deos as merces que Ibefaz'; que quan¬
tas cartas de là vem todas nao falão outra coufa, fendo de quão bem P. R. tem
mão no leme, tf de quão amado he dos de fora, & dos de cafa. E pois ajsi he
mo Are a estes de cafajinaes de agradecimento porque grandes bts d isçem delle.
Tudo Jejapera gloria de Deos,cujo jutzp temamos nao curando das tingoas da?
mal-
 Arcebifyo de Braga, P rimas das Hefyanhas. <fl
maldizentes,ou bem di^ntes-fendo tpe a'vontade denofíb Senhor feia feita If
Juajuftija guardada, tf os Sacerdotes defia terra fejaS caílos. 0, Deos ms Lre
deste pego' quero d^er da conta que auemos de dar ,fe formos mjuUameme
pjadofos. Dom,nus repleat ce.Pater mi.fervoribusccdcftibus adimplm-
dam íuam volantatem. De trento aos tres de Nouembro der.ru
Vete m Domino O Arccbifpo Primág. .„
Ç) Capitulo da cai ta que pro- vora,pera o Padre Inácio Dazeve
ff metemos do companheiro do Reytor do Coilegio da Cópa-

ftbATTeJ , «hiadelcsvdeBragaheofeguíte
O Jenhor Arcebifpo digo que cada ve^he mais[anto& mortificado tf
creyo que nunca gaftou tao bem o tempo: tf fe lâfor como cfperamos \m
Deos fieuarà grande alforge per aJyfijf peraftas ouelhas: tf nunca vi-
neo tao conforme afeus intentos como cà.Pareceme que fepor elle fofifie nao deixa¬
ria eHegentro de vida.T em dadogrande cheiro nesta terra: tf bufeaono tantos
pobres como em BragafiJ a todos fatisfa^. Os Prelados tem grande conceito dei
le. Nao quero parecer qlouuo minhas coufasypoflo qfallo com qui o conhece Elle
tf a cafa todos fedo bí. Deos louuado. De trento a tres de Nouembro de i ^i

CAPITVLO VIII. ceder aoutracoufa, poftos todos

Dàfè principio ao Sagrado Co
ciliOj & ericomendafe ao Ar-
cebifpo o cargode rever, tf
cenfurar os livros, 0*
fa&er novo Cabalo
go dclles.
A
de joelhos com devação &húmií-
dade Te cantou a Oração Teguinte.
Dfumus Domine Santte Spi-
ritus, adfumus peccati quide
immanitate detentijed in no-
tninetuo fpecialiter aggregati. Veni
ad nos}adefo nobis fignareillabi cor-
dibus noflris. Doce nos quid agamusy

n )
B ri o s e o Conci¬
lio hu Domingo a de¬
quogradiamur oftede}quid efficiamus
operare.Eslofolus tf Juggeltor tf ef-
zoito de Ianeiro de
£
feãor judie iorum noílrorumy qui folus
mil & quinhentos Sc cum Deo Patrefisf eiusfilw nomepof
fefenta Sc dous, dia bem proprio
(ides glortofim. Non nos patiaris per¬
pera táo Tanto Sc importãte a&o:
turbai ores efife jufiitia } qui fummè
porque nelle celebra a Igreja a fe-
diligis aquitatem; vtfmfrum non
fía da Cadeira de S.Pedro em Ro¬
nos ignoranila trahat , non fiauor
ma.Defpois das cerimonias eftan-
inflettat, non aeceptio muneris , rvel
do có os Cardeaes Legados todos
perfona corrtimpat. Sed junge
os Padres juntos, antes de íe pro-
nos tibi efficaciter folius tua gra-
T ti a
 hiUYoth da *vidÀ de D Fr. Bert. dos Aíart.
ti4dono, Vtfmus in te nmirn s & i» cuberto; vòs que fò com Deos Pa¬

nullo deúiemus à <vero; quatenus m dre, & com feu filho poífuis hon¬

nomine tuo colleãi fic incunãts te- ra & nome gloriofo. Vos que no

numus cum pietate ixãiiúavn , eftremo amais virtude & bonda¬

de , não fofraes que fejamos per¬
hic in nullo dijjentiat à tefententia
turbadores da rezão,& da juftiça.
nostra, & in futuro pro bene geshs
conjequamur prrnia fempiterna,per Fazei que nos não leve o feftro da
ignorância, que nos não troça fa¬
CbnHum Dominum nostrum. Amen.
vor,nem amizade, nem nos cor-
Efta Oração fe repetia todas as
rompão dadivas nem valias: mas
vezes que os Padres fe ajuntavão
liay noífas almas em perfeita
pera celebração de algum aóto
vmão com Vofco por meyo do di¬
publico de matérias do Conci-
vino dom de voífa vnica graçarde
io:&por eífa rezão a tomou oAr-
maneyra que fejamos todos hum
cebifpo por efcrito, & coftumava
fò corpo, & húa fò coufa em vòs,
rezalla todas as vezes que fe pu¬
& nem em hum minimo ponto
nha a eftudar os pontos em que
nos defviemos da verdade: pera
avia de dar parecer, & antes de
que afsi como de varias partes
Votar nas juntas; & pola mefma
nos viemos aqui em voífo no¬
caufa me pareceo que a não de¬
me ajuntar, de tal modo figamos
víamos deixar fora defta efcritu-
ra. Traduzida emnoffa lingoage em tudo as ieys da virtude, &
juftiça, regulada por verdadeira
diz afsi.
Q^v i fomos,Senhor Santo religião & piedade, que em ne¬

S pinto,em voífa prefença, nhum negocio diferepem noífas

na verdade alcançados de opiniões , &. decretos de voífa

fanta Vontade. E afsi alcancemos
noífas culpas, & da graveza del¬
ao diante por merecimento de
ias anteparados: mas com tudo
boas obras a gloria & prémios
ío em voífo nome, & à voíía con¬
eternos,por Chrifto noífo Senhor
ta aqui juntos. Vinde a nòs,achai-
vos com nofco, fede fervido de- Amen.
Nãofefezmais efte dia que dar-
cer fobre noífas almas: iníinainos
fe por legitimamente aberto o
que façamos , moftraynos pera
fanto & geral Concilio. Efoy e-
onde,& por onde caminhemos,
fta a primeira Seífaõ delíe das do
& fede vos o que façaes aquillo
tempo doPapaPioQuarto.^mas
oue he bem que nos obremos.
decimafeptima contando as q pre
Sede de noífas opiniões & juy-
Cederão é vida dos Papas Paulo,
zos confelheiro fecreto , & dos
6 c Pio tercios.Logo ficou nomer-
mefmos official & obreiro def-
do dia
 Jmí$o de Braga, Primàs das Hefianhas'. «f,
do ãh pera
t a fegunda
^ & -lançada Francifco Forciro.cle cujas letras,
pera os vinte feis de Fcvereyro. ; # «4 _L I •
grades partes avia entre aquel-
entretanto Te tratava com gran¬
les Padres caí fatisfação,quefe afo
de calor em juncas continuas,que
firma que a mòr parte do texto q
matérias convinha ferem as pri¬
oje temos defte Sagrado Concilio
meiras,pera feirem logoeíludan-
foy compofição fuai & defpois do
do , difputando & dilcutindo. E
Concilio acabado lhecometeoo
pareceo que fe começaífe pola re¬
Papa a reformação do Breviário,
formação dos livros que andavão
8 c Miífal Romano em compa¬
efpalhados por toda a Chriftan-
nhia de dous eminentes Prelados,
dade hús de doutrina fofpeitofa,
8 c juntamente o cargo de com¬
outros claramente falia, femente
porem hum muy efcolbido Cate-
do inferno, cujo veneno pera os
cifmo, que heo Romano que an¬
mai acautelados he mortífero, &
da impreífo. Tornando pera efta
pera todos danofo. Tinhão os
Provinda foy eíeyto Provincial: '
Summos Pontífices com fanto
8c com fua devação,zelo,& indu¬
zelo acudido em Roma a efte
zia fe edificou 8c dotou o Con¬
mal, &vfado de vários meyos,
vento que temos navilia de Al¬
que todos vencia o numero gran¬
mada,onde faleceo t 8c eflâ íepuí-
de de volumes, & a danada cu-
tado no Capitulo. Da fama que
rioíidade de feus Autores. Por
por Italia deixou achamos hfu
ondefe acordou neífa Seífaõco-
honrada memória em hua ad-
meterfe o negocio a bua junta de
diçao da Crónica dos Meííres
Padres efcolhidos, pera o verem
Geraes da noífa Ordem que anda
com madureza, 8c fazerem rela¬
impreífa, 8c encorporada no li-
ção ao Santo Concilio. lífo he o
vrodas Conftituições delia,foi-
que parece pollo texto da Seílaõ.
ta por Fehx Cafteífranco. As pa-1„ chn
E conftanos que forão nomea¬
lavras faõas íeguintes. Erantque Mag.ge,
dos pera eífa junta Padres gravif-
illi pr<eftò infignes Theologi , quo- 0rcL- Pr‘
íimos, como era avida a matéria
rú <vnusfuit ille Forerius Lufyanus, àiCAt'bÈ.
por importantifsima, & portai qui deputatiom ad cenfuram libro-
fora a primeira de que fe lançara
rum Secretarius in eodtm Concilio
mão. Entre os deputados foy em datus indicis librorum ordinandit
fegundo lugaronoífo Arcebsfpo.
tf in eam formam,qua legitur edendi
E éom não menos honrada Or¬ ãiítoF extitit. Cm etiam pojl Lona-
dem dos Pregadores ,& da Pro¬ lium à Simmo Pontífice rpnà cum
víncia de Porcugal foy dado por duobus alijs è nojlro Ordine ajjhmp-
fccrecario delia o Meítre frey tis Ant iUitibm} Leonardoficúicet Ma-
h 2, mo
 Livro JL da vida de D. Fr. Bert.dos ÃLart»
rino Archiepifcopo Lancianenfi, tf mente à cufta de muito traba*
Mgidio Fufcarario Epifcopo Muti- lho.
nenfi Breuiarium tf Mifale Ro-
manum reformandi, Catechifmumf CAPITVLO IX.
fekãifsimum conficiendi cura com-
mijfa efl. §upd munus ipf fideliter Efcreve o Arcebifpo a Braga
executi funt multis laboribus. Que- encomedado os pobres*
rem dizer. Afsiífciãolhe Theolo-
gos inflgnes, dos quaes era hum E r vi a o trabalho
aquelle Foreiro Portuguez q foi n6 & o eftudo, continua-
&
dado por Secretario no mefmo % 0? vão juntas, & não avia
ss
w.

Concilio ajunta qne fe ordenou quaíihora ociofapera

pera a cenfura dos livros 6c feitio
de hum Index delles, o qual fez
na forma q oje fe lè. E ao mefmo
encomedou também o Papa def-
pois do Concilio reformar o Bre¬
viário & Miífal Romano, dando-
lhe por companheiros dous Pre¬
lados também da noífa Ordem q
forao Leonardo Marino Arcebif-
po Lancianenfe, Sc Egidio Fufca¬
rario Bifpo de Modena : & junta-
mente lhe mandou compor hum
Catecifmo q folie obra mui per¬
feita. O que tudo fizerãopuntual-
o Arcebifpo. Mas na mayor for¬
ça dos cuydados nao podia def-
cvidarfe de Braga. E fe tinha al¬
gum momento defcançado com
ella o-ga flava efcrevendo, lembra¬
do, amoeftando, & dando traças,
6 c todas encaminhadas em fovor
dos pobres, que parece que fò e-
ftes ò defvelavão, como fe pòde
entender polo theor da carta fe-
guinte que efereveo nefle mefmo
Fevereiro ao feu Governador do
Arcebifpado frey Ioão de Ley-
ria.

carta;
\ /C FITO Reuerendo padre meu. Gratía,& fortitudo. Pomos dias ha
íuePor 'vid de Roma efereui duas a F. R. com muitas lembranças necef
farias p£rao regimento dejjd Igreja, que cà ando colhendo ouuindomuu
tos prudentes: bufqueas,nao repito.Mas porque fofpeito que eflafera la primeiro
q ellas quero neíla repetir afufanei a de bua das cartas: porque he coufa em q eu
defejo defencarregar minha confcknciaff aparelhar me pera a cota q hei de dar
dafafzda de Deos.F.R.me efereueo q apertaua a maoperaos pobres,por que nao
fabia quantosferi ao meus gaito s cà:por tanto quero nefta declarar o q tenho difio
medido
 %

Arcebifyo de Braga, Primas das Hejfanhas. 63

entendido,13 que queria que làfefigejfe. Digo que de quanto uofia Reuerencia
recebeo 0 amo de 1561. eu nao quero mais que os dous mil cruzados que comido
trouxe: 13 todo 0 mais minha ^vontade he que nada fe entegoure, mas tudo fe
gaite em obras pias, em cafamento deorfas afsi na cidade,como nas camaras: 13
nos rvefltdos dos pobres,13 nos eftudantes, 13 doentes,13 outras miúdas efmolas:
dos quaes gashs farâ V. R. caderno particular ,fe lhenâofor trabalho, defde o
primeiro dia defle amo de 15 61.Jeja defia maneira. Ainda que praticando aflen-
tauamos que podia cà gaitar dous contos,digo que eu me ponho ca de maneira, q
mebaftara hum conto cada amo. E afsi digo que de quanto lhe deuem dos amos
pajjados, 13 de quanto receber por todo eite anno de i]6i.depofitepera Trento
hum conto cada amo, 13 dahipagara aos banqueiros quando lhe prefentarem
minhas cédulas, ou mo derem cà. E do que defle conto eu poupar tenha 0 nooflk
Reuerenc ia guardado pera 0 que lhe efcreuer. 0 outro conto fe reparta defla ma*
Mira. Quatro centos mil reis pera 0 ediflcio do Collegio; & trezentos mil pe¬
ra Viana alem dos duzentos mil que lhe ficarão deputados no outro conto que
Uficou repartido em finco defpefas: como qual não quero que fe bulia nada. Os
trezentos milreis que r estão pera 0 dito contofe repartao em pobres 13 orfas das
Camaras. E tudo iilo como digo hefem algum prejuygo do conto que ficou taxa-
dopera estudantes,orfas, ueitidos, & ordinanas : i3 peçolbe por amor de Deost
& encarregolhe a confciência,que daqui não fe tire bumfeitil pera outro gaflo,
em quanto nao ouuer outras defpefas forçadas. E porque fey que os eitipendios
dos Cafos fao poucos,13 gaixao pouco mando aqui bua prouifada N. em que lhe
encarrego ido: porque noofla Reuerencia nao pode entender em os bufe ar ,13 exa¬
minar. E os que elle efcolber 13 aprouar <voffa Reuerencia com tile afiemarà 0
eflipendio ate dous cruzadospor megj de maneira,que entre eftipendiospera ou-
uir Cafos,&pera Artes fe gaitem os duzentos milreis cada anno. Em quanto os
Padres da Companhia nao colhem Manado'mas tudo leua Dona Tareja,necef
fano he que os fuilentemos, digo os doge que ahi eflão. Ifto digo em quanto aiof
fa Reuerencia lhe nao der os ditos mil crugados quedifie. Tudo ò mais quefo-
bejar de todas as dejpefas 13 gaftos ordinários, 13 extraordinários fe reparta
em obras pias conforme a prudência de -00fia Reuerencia ,fem entefourar nada,
efpecialmenteos doentes da cidade pobres fejao os primeiros prouidos, que efla he
minha intenção em quanto falar de obras pias, 13 efmolas. E entre os doentes lhe
encomendo muito os do hoflital de Santiago, efpecialmente hua molher que ama
dous amos que eytaua entreuada em hum leyto alto. Eu a tinha por namorada,
mas como frio nao me lembrou quantas veges efcreui a nooffa Reuerencia: por
amor de mim lhe mande fagor mimos. Bem fofieito que <voffa Reuerencia fe
enfdjtiara de tato Ibe repelir d dúigecid dos pobres niHo me ha de perdoar?
L 3 he meu
 Liuro IIJd vida deD. Fr.3ert.dos Mart.
be meu officio, fou defpenfeiro da fazenda dos pobres. Não a erdei, hão a ga¬
nhei: queria a repartir como manda feu Senhor. E porque não comem encubrir
nada a vofa Reverencia,fayba que todas as nouas que vem de Braga fao
boas, tirando acerca dos pobres.que me efcreuem que vay a coifa muy aperta¬
da pera elles,Et também pera os dos Cafos. Horajaiba certo que de quantos Bif
pos ha aqui de Efpanha,que fao muytos,,nenhum tem menos gasto que eu. Hora
fe eu iflofaço porque os pobres fejao largamente providos , comofofrerei ouuiro
contrario? Se me eu contento com bua pobre penfao, ra^aohe q me entr/fteca não
ouuindo ofruito do meu poupar. 0 Bifpo de Coimbra tem vinte ou trinta pef-
foas em fua cafa: Et eu eítou mais contente com oito ou noue, pera que ouça de la
nouas de muitas orfas cafadas,Et muytos pobres vestidos.0 padre frey Esteuão
Leitão meefcreueo quão largamente vofa Reuerencia o faceia com elle : Ef eu
folgo. Mas folgara que taobem vofa Reuerencia fofe largo pera os Padres da
Companhia: com tal condição, qne nãopajfe de dar entre ambos por anno , digo a
Viana Et Collegio, mais de quatrocentos ou quinhentos mil reis alem do dito for¬
que conuem acudirmos ãspnncipaes obrigações dos pobres,Et dos estudantes: Et
vofa Reuerencia os faça iguies nas mais efmolas pera feu s edificios. E dando
mais a Viana que ao Collegio declaro fer contra minha vontade. Ifto entendo,
exceito fe lã ouuer fome,porque auendofome cefem todas , Et dèf2 tudo em pao,
pera que nãopereçao os pobres. Bem creo que as rendas deite anno hão de fer d/f-
ficultofas de colher.efpecialmente as dos montes : mas vojfa Reuerencia ira fa¬
zendo pouco Et pQUco,como puder,conforme ao que nesta digo. E as difficuldades
que por ventura achar,comuniqueas comigo. Vagando algúa Vigayraria de Ga¬
mara,que tenha muy pequena porção, acrecentea vojfa reueren cia dando a a algu
benemerito. lã efcreui como 0 Concilio fe abrira a desfito de laneiro: Et agora
comecamos afazer obra, Et jàpafou 0 tempo de repoufo.Vojfa Reuerencia, ain¬
da que nofo Senhor 0 fegmagnanmo, bemfei que dejeja minha tornada pera fe
ver defaprejfado dejfa tempeftade de negocios: mas fofra não por amor de mim,
mas por amor defua mãy a Santa Igreja Catholica, que tão ejpedaçada ejlà ne-
ftes defditofos tempos. O nojfo Embaixador entrou aos fetedefte Feuereiro, Et
foy recebido com grande folennidade. E 0 Doutor Belchior Cornejo fe\ muy
bem a Oração, por parte delRey. Nojfo Senhor 0 cubra de fua confolacão Et
graça. Encomendas a todosos que aqui deuera de nomear, De Trento dia de
Cinga de i)6zi * ,
Seu irmão
0 Arcebiffo Frimas.
CAP.
 Arcebtfyo de Braga, Primas das Hefpanhas,
CAPITVLO X.
Das pregações que 0 Arcebifpo
ordenou ejla Qjaarêftna, (À*
da inJlanciaquefeZjpor q
fe trattajfe da reforma
çaopefoal do clero
tfda Uberdade
co q votou
nella.
jgggggs Ntrov
Sfl fíijír! SÈ^ 'bfj 1 n
aQuaref-
i .
Jg ma deite anno de 15 Sz
& ainda que as occu-
paçoés q todos tinhaõ
erao grandes & continuas, quiz o
Arcebifpo q os menos occupados
também de faa parte ajudaíTem
animando ao trabalho & acendé-
do em devaçao os que com fuor
& fadiga continua cavauao na vi¬
nha do Senhor r ôc ordenou pera
efte effeiro alguas pregações parti
cuiares dos Padres Portuguefes
que avia em Treto. Tocou o pri¬
meiro Domingo da Quarefma ao
Padre fr. Annque de faõ Ieroni-
mo,alias de Tavora,feu cõpanhei
ro, Ôc foy ouvido por eíTa rezaõ de
granâe parte dos Padres do Con-
cilio.O fermaõ foy tal q redudou
em honra da Orde, ôc do Arcebif
po, aque fe davão os parabés por
muytos Prelados dizendo, que bé
fe parecia o filho com o Pay, & o
difcipulo com o meítre.Naõ diíli-
64.
mulava o Arcebifpo o conten¬
tamento que eftas novas Iheda-
vaõ pera dar graças a Deos, cõfor
meaoq eftà efcrito. Ftliusfapiens prouèrb>
Utificatpatrem.E naõ era adula- 10.
ção, que os de melhor voto affir-
mavaõ que atè aquelle dia fe naõ
ouvira naquelle fapientiílimo Se¬
nado outro fermaõ taõ perfeito
em todas fuas partes.Logopera a
terceira fefta feira cóvidou o Ar¬
cebifpo muytos Prelados Italia¬
nos, «Sc de outras nações pera ou¬
virem o fermão da Vrnha do Pa¬
dre Meftre frey Francifco Forey-
ro,de que falíamos no Capitulo
oitavo. Acudirão a elle todos os
Efpanhoes polia fama de fuas le-'
tras,& eloquencia.que efte dia fi¬
cou de novo acreditada com a o-
bra: ôc foy caufa de o fazerem
continuar na Quarefma do anno
feguinte com extraordinário con-
curfo,& aplaufo, ôc com húa cla¬
ra confiíTaõ que andava em alto
ponto entre os Portuguefes aquel
lefanto minifterio do púlpito.En¬
tretanto não fe defcançava em dif
correr & ventilar em juntas quaíi
quotidianas as matérias q aviaõ
de fer foseito da futura SeíTaõ.
u # _
Mas nao erao as que oAicebiípo
tinha aftentado em feu animo q
devião fer as primeiras. Porque
lhe parecia que como o fim prin¬
cipal daquella fagrada, Ôc geral
congregação era emendar o mun¬
do ôc punficallo de vi cios, convi-
L 4 nha
 Lmro //. da vida de Z). r* Bcri. dos Álart.
ilha começar a obra polia parte
Que pois e-rão todos Médicos, Sc
niais grave delíe,que era o Eccíe-
pera curar a Chriftãdade eftavão
íiaftico,& polia melhor do Ecde
ali juntos, curaliem primeiro a fy
íiaftico que erao os Prelados; Sc mefmos: que em boa fiíica quan¬
dahy paflar às coufas de menos
do ha roai no corpo, fempre he
eoníideração, & a tudo o mais q
coflume acudir primeiro aos mé-
avia que remedear, & ido dizia q
bros mais nobres ; Sc pois elles
era proceder com ordem,Sc ttido
erão os principaes do corpo da
o mais chamava prepoftero Sc
Chriftandade não perdeíTé tem¬
defconcertado-mas achava votos
po om curar o que menos impor¬
contra fí, q reformaçaõ em cafa,
tava. Queafsi perfuadirião efS-
inda que feja tomada com as pró¬
cazmente ao mundo, Sc aos here¬
prias maõs naó he coufa faboro-
ges aos membros podres da
fa,& como negocio em que os
Igreja que fofreífem o ferro, Sc o
maiores & mais poderofos erao
cautério , onde Foííe neceífario,
os mais intereííados, difsimnla-
fem poderem dizer Meàtce curate 4
vão todos,& byaõ pegando dou¬
ipfum. Vcnceo em fim que fe en-
tras matérias difcutindo Sc diffi-
Eendeífe nefle ponto em cabo de
nindo fem tratarem ddta. Porem
muytos dias que aporfiou: Sc to-
oArcebifpo não mudou de ani¬
candolhe falar em húa junta, fez
mo , Sc tornando forças da mef-
húa cloquéciísimainvedivache-
ma contrariedade inflava,rogava,
ya de dou trina, Sc zeíoChriftao
perfuadia, & aconfelhava em pu¬
contra ofauflo Sc vaydades com
blico , Sc em particular, que não
queviviãoalgusPrelados, &;ou¬
gaftalíem em coufas depouca im¬
tros Eccíeíiaílicos (Sc nomeou a
portância húa tão precioía occa-
nação em que mais fe enxergava
; ião como tinhão entre mãos pe¬
eíia fuperfluidade.) E proceden¬
ra grandes effeitos: que comecaf-
do queixavafe com grande efpiri-
fem logo polo que mais convinha
to de fe quererem defender com
que era alimpar, Sc apurar o Ou¬ titulo de fazeré por efta via mais
ro da Igreja, que era o eftado Ec-
venerável Sc refpeicada a dignida¬
cleíiaftico, que eftava efcurecido
de. E moftrava que era tão digna
com coftumes depravados dedi-
de íeprenção a defculpa, como a
licias,&; pompas, Sc com muytos
mefma culpa, Sc que ufavão delia
vicios que daqui brotavão: que
por não ter outra nenhua a que
reduzido íflo a bom termo, então
pndeífem arnmarfe. Em fim pro¬
fe procederia ao mais com ordc,
vava Sc concíuhia com vivas re-
Sc leria facil o remedio em tudo.
zõcs 3 & força de exemplos, que
muyto
 A rcebifbo de B raga3 Vrimai das Hefpanhas.
mnyto mayor he a autoridade 8c
refpeito que nos Prelados, & Prin
cipes da Igreja cria & grangea a
virtude,& zelo da honra de Deos
êc dafalvaçaò das almas, q todo
o que podem mindigar & aquirir
por vaydades &meyos humanos.
Procedeofe na matéria 8c propoz-
fe aos Padres em primeiro lugar
fe era razao que as peííoas dos
Cardeaes foliem na reformação
compredidas. Era chegada nefte
tempo ordem 8c mandato de fua
Sãtidade que no votar dos Prela¬
dos iguaes é dignidade fe tomai-
fe a preferencia da antiguidade é
promoçaò de cada hú fem refpei¬
to de Primadas, por evitar as du¬
vidas q aly 8c em Roma fetinhao
levantado por parte dos Embaxa-
dores 8c Prelados Caitelhanos fin
tidos do prejuyzo que fazia ã Ca-
deyra Toledana o favor que fua
Santidade antes de fe abrir o Cõ-
dlio,fizera ao Braccarenfe,quado
mandou que folie preferido em
voto 8c lugar a todos os Arcebif-
pos 8c particularmente ahu que
por anterior em promoção fe lhe
oppunha,comofe contem na fua
carta do capit.7. defte livro.Co»
meçarao a votar os que por efta
rezao ficavão precedendo, 8c hu
a pos outro nemine diferepante,
forão dizendo com a cortezia co-
ftumada:que os Iílullrifsimos, &
Reverendifsimos Cardeaes não
gvião mifter reformados. Quan¬
6/
do tocou dizer ao Arcebifpo, dif*
fe afsi, aproveitandofe das mef*
mas palavras 8c termo dos que ti-
nhão votado,mas com liberdade,
&efpiritode Varão Apoilohco:
llluflrijfimi IF Reuerendifsimi Car-
d inales mdigent illuflrifsima, & re-
uerendifsima reformatione. Pala¬
vras formaes, que forão celebra¬
das por toda a Chriftandade com
honra do Arcebifpo, & o faõ ioda
oje. E não tenho duvida, que co¬
mo o ouro 8c outras coufas boas
que ganhão fineza 8c valor com
o tempo , ferão mais eftimadas,
quanto mais ao longe lembraré,
vifto como o mundo cada dia fe
vay a ventajando a fy mefmo em
criar nos que mandão ânimos
mais imperiofos, 8c nos que obe¬
decem eipiritos mais cativos. Por
iíío vão polias como fahirao da
boca de quem asdiíTe. A lingoa-
gem he.Os IlluHrifsimos, fcf Reue-
rendifsimos Cardeaes hãomiflerbúa
lllufirifsima Is? Reuerendifsma re¬
formação. E logo virando c6 muy-
ta fegurança pera onde eílavão os
Cardeaes Legados,& fazédo hua
muycortez inclinação, diííe com
voz grave 8c fonora. Fofas Senho-
rias llMlrifsimas fao as fontes don¬
de todos os Prelados bebemos : E por
tanto comem que efta agoa ejleja muy
limpa IFpura. Aqui fe mdftrou be
quanto poder tem reformar hum
homé primeiro em fy , o que pre¬
tende emendar nos outros. Co-
 LiuroILâa vtâaâe D. Fr.BertJos Mart.
mo era publica, & conhecida a
tnuyta religião, & rigor de vida
do Arcebifpo, não fomente não
caufon alteração efta liberdade
nos Cardeaes Legados, mas an¬
tes fe afirma que ficarão muye-
dificados delia. Pera todos os
mais Padres foy matéria de gra-
vifsitno efpanto,& a que nenhum
fe atrevera. E não os admirou me
nos a confiança com que fe de¬
clarou: &fobre tudo verem fuas
palavras não fò toleradas, mas be
recebidas dos Cardeaes.
CAPITVLO XI.
*Tratafe da refidencia dos Pr cia
dos,(f todos os maisEcclefiafii
cos em fens beneficios: cele¬
bra o os Legados bua fole-
ne mf ta por mandado
do P apa, & dafe
arez^aõ deL
la$
Pontãraõ muytos Pa-
i! dres q apoz a matéria
da reformaçaõ peífoal
dos Ecdehaftico^ en-
traffe logo em confult a a de refi-
dencia nos benefícios, & pedirão
no cÕ inftancia como coufamuy
eíTencial.Foy ponto muy alterca¬
do, Sc porque das difputas fe foy
defcobrindo que tocava em pre-
juyzo das cabeças m ay ores ? ouve
quem procurou fufpendella: Sc
nos modos com que hia correndo
trasluziafe q ficaria fem deesfao,
noprefente Concilio. Em bú dia
que mais apertadarr.ente fe ven¬
tilou forao votando algús Padres,
que fe decretafle híia pena certa
pera os que foífem defcuydados
em refídir. Outros pera chegaré a
dar na calidade da pena que fe de¬
via pronunciar contra os taes, fo-
rão difeorrendo agudamente, Sc
procurando tirar a limpo de que
recebião os Bifpos o poder que
exercitavao, &, a jurdição queti-
nhao,fe de Chrifío,fe do Papa,&
hiãofe eífendendo , & gaitando
muyto tempo fem ciarem na re-
folução. Tomou o Arcebifpo a
mão vendo confumida a tarde, &
com muita quietação, como qué
eftava fenhor da materiamão fey,
diíle, pera que nos canfamos, &c
perdemos feitio em fazer diílin-
ções entre jurdição eíTencial ao of
fido de Bifpo, que he apacentar,
infínar, pregar,confagrar: &c entre
jurdição judicial, pella qual julga,
caítiga,efcomunga, &aífolve: ôc
em difputar de quem recebe o
Bifpo immediataxnente eíle po¬
der , & jurdição : pois todas
eftas queítões ôc controverfías,
inda que tão doutamente trata¬
das,fazem mUy pouco ao cafo, ou
por melhor dizer não fervem de
nada pera averiguação do fim pro
pofto} que he detetmuiarfe pena
contra
 Arcebifyo de Brata, IPrimds dás Hcfpdnhdf,
contra os que não reíidirem. E
pera efte effeito baila convirmos
todos na caufa ablativa, que he o
Papa,que pode tirar Sc fufpender
eíTe poder & jurdição : como faz
quando priva hum Fiifpo defeu
Bifpado. Porque dado cafo que o
privado não perde então o poder
ordenar, Sc confirmar fpoftoque
pecca mortalmente fe o fizerjne-
nhum poder de jurdição lhe fica:
porque o Papa opòde fufpender
por culpas que cometer, afsida
jurdição eíTencial, como da judi¬
cial,ou a receba de Chrifto,ou do
mefmoPapa. Com efltas breves
rezões teve fim a eftendida difpu-
ta, quanto áquelle ponto, ficando
todos fatisfeitos da fuftancia Sc
clareza delias juta com tanta bre¬
vidade. Mas não ficou aíTentado o
que avia de importância no par¬
ticular da refidencia. E defpois
foràofe metendo muytos dias em
meyo, Sc paíTando a outras cou-
fas, do q o Arcebifpo recebia en-
tranhavel defgofto: porque como
o negocio, fe ouveíTe de ficar de¬
cretado com o rigor que era re-
zão, avia de cortar polo vivo da fa
zenda, ou pollo ocio Sc boa vida
de muytos Padres dos mais auto¬
rizados, & de mais c alidade, que
aly afsiítiao, hia jà temendo (roda
que não era em fua mão cuydar
mal de ninguern) que oquerião
deixar em íilencio. Nefte remoo
fendo jà entrado o mcc de lulho
66
* A • pi
defteànno de i5fo.teverão os Le¬
gados carta ce
em que lhes madava deíTem gra¬
ças â noífo Senhor com todo a-
quelle fanto ajuntamento por
hua iníigne vitoria qUederaael *
Rey de Portugal dos Mouros de
Berberia , que tendo cercada por
efpaço de dous mefes a villa de
Mazegao com todo o poder de
África,em fim fe levantàraõ com
per da degente Sc de reputação.
Ordenàraõ os Legados,vilto o avi
fodeíua Santidade celebrar húa
MiíTa em Pontifical com toda a
mayor folenidade , Sc pera mais
augmento delia,Sc mayor giona
dos vencedores, mandiraó com¬
por de novo Orações particulares *
pera fe cantarem na MiíTa: Sc af-
íiíliraõ a ella com todos os Prela¬
dos que avia em Trento. Teve a
vitoria muytas particularidades
q a fizeraõ famofa Sc digna deita
honra.Hua das que mais fc cele-
bravaõ então pol a Chnftandade
era a força de gente queoXarife
Muley Abdalà ajuntou ptra a em-
prefa:q t-e loão Botero diligente
efcricor ítaliauo affirma q foraõ
' nas Rela
j 4
duzentos mi! homés.Dos noilos ^ ae
efcritores hu que fala de vifta Sc
com miudeza Sc como homé de
guerra fòbe o -numero a poucos -AgoJLâe
mais de cento Sc fincoenta mil. Gavynil
Difcorriaóos homés de bò juízo
- r , . , . ’ . . cercoç.%
o muyto a qle obrigava riu Princi
pe em tal acometimento, a honra ^
_ . que V
 Livro H da vida de D. Fr. BerlJos Mart>
que arifcava naõ faindo cõaem-
prefarrezoès pera fazer o vitimo
de potência (como fezj polia naõ
largar fem vitoria, que todas re-
díídavao em gloria dos cercados,
êc em confirmação de feu valor:
os qnaes contra tamanho poder
defenderão hum lugar pequeno
poílo em campo rafo, pouco po¬
voado de cíefenfores,qoãdo come
çou o cerco,& eííes mal providos
de mantimentos,antes mortos de
fome, & cõ a fortificação, em que
fe trabalhava avia dias, inda im~
perfeyta. Eftà a vilía de Mazegaõ
íituada nas prayas do mar Atlân¬
tico , tão vifinba à cidade real de
Marrocos,que lhe fica como me¬
tida nos olhos.Nao tem mais aju¬
das da natureza que fer fundada
fobre húa pedra viva, & ficarlhe
ornar livre, que bate nos muros,
& de marè cheya quafi a faz ilha
deixando!he nas cavas tres braças
de altura dagoa. Teve o Xarife a
vitoria por certa,quiz dar a gloria
delia a Muley Hamet feu filho,
moço de vinte annos,briofo & va
lente,mandou o com o capo dan-
dolhe por companheiro & confe-
lheiro a elRey de Darà feu tio, &
grade numero de Turcos,& Gra¬
nadinos por foldados. Alojàrao a
meyalegoa do lugar cobrindo fe
os campos de gente como de hu
diluvio.Donde trabalhando todo
o exercito forão levantando & le¬
vando contra a fortaleza húa ma¬
ranha de terra em que fundMo
húa grande plataforma , como
eftiverão a tiro de canhão,& plã-
tarao fua artilheria (erão vinte
quatro peças as que vinhao no
exercito:dez de bater,& todas de HLl'íio
defmefurada grandeza, em q avia Urc0€'*
húa que jugava pelouro de finco
palmos 8c meyo de roda.) Come¬
çou a bataria furiofifsima , 8c à
fombra delia fe entendeo em lan¬
çar húa groffa trincheira ao lon¬
go da cava, que acabarão comt-
íf ranha brevidade ficando todo o
lugar vallado,& cerrado de mar a
mar. Não eftavão os cercados o-
ciofos. Era Capitão mor Ruy de
Soufa de Carvalho em aufencia
de feu irmão Álvaro de Carvalho
proprietário do governo; acudio
com diligencia aremedearo que
faltava da fortificação, trabalhan¬
do com toda agenteincanfavel-
mente dia,& noyte: 8c no mefmo
tempo fazia jugar toda artilheria
contra os trabalhadores do cam¬
po,que fem perder tiro executava
nelles cruelifsima mortandade. E
por moftrar ao enemigo os âni¬
mos que dentro avia, nãoavendo
por então no lugar mais que feis
cavallos,fezíàhir nelles feis deter¬
minados cavaleyros,que efperaa-
do conjunção de marè Vazia aco.1
meterão 8c poferão em revolta o
campo defcuy.dado de tal oufa-
dia, 8c matando muytos Mouros
antes de carregar força de gente
lè re-
 ArcebiftodeBraga, Frimas das Hefpanhas.
fe recolherão em falvo: & tal foy o
feyto que obrigarão o enemigo a
eftar co cuidado, 8c aííentar dali
em diãte corpo de guarda ao lõgo
dagoa.Soou entretanto noreyno
a nova do cerco: & era de ver o al
voroço cÕ q todo generode gete
fe lançava aos navios pera iréfer
cõpanheiros defeus naturaesno
perigo,& no trabalho. Afsi chega
vao cada dia muitos fidalgos,cava
leiros, 8c foldados,& muitos mo¬
ços illuftres fogidos a feus pays,&
embarcados furtadaméte: outros
nao fe cÕtentãdo de fervir íométe
cõ fuas peíToas levavão à fua cuíta
navios chcyos de foldadefca, 8c
munições:8c nãoforão poucos os
que ifto fizerão. A Raynha Dona
Caterina que governava o rey no,
defpachou com o primeiro avifo
Álvaro de Carvalho Capitão da
força acompanhado de muita 8c
boa gente, 8c tras elle algús fidal¬
gos de experiencia, 8c valor na
guerra. Nefte tempo não ceifan¬
do o enemigo de cõtinuar fua ba¬
teria contra o baluarte que avia
por mais fraco , 8c fabia que ti¬
nha a fortificação interior imper¬
feita: 8c lançando dentro na forta
leza muytos pelouros de efpanto-
fa grãdeza cõ q fazia muito dano,
vinha juntamece cegando ofoífo
com terra 8c faxina, fervindo na
obra alem de gaftadores 8c gente
vil,todos os melhores do campo
depè 8c de cavallo.Mas como tra
balhavaõ em lugar aberto, 8c era
povo cõfufo & amõtoado, não fe
pode crer o eílrago q fazião nel-
les os arcabuzeiros, 8c mofquetei
ros de détro,&as infinitas mortes
qdava a noífa artilheria,q não cef
fando de jugar dia 8c noite kvava
pellosares corpos,pernas,braços,
cabeças, os quaes mébros coma
mefmafuriaq erão arrebatados
fazião officio de pelouros cõtra os
vizinhos 8c cõpanheiros: & foi tã
to o dano, 8c o pavor, q hú dia a-
manheceo a obra,&. atè a artilha¬
ria defemparada.Era confelho do
Xarife apertar apreífadamente cõ
os cercados, & procurar fazerfe
fenhor da praça antes delheen-
trar força de gete: porq como ho-
me de guerra não ignorava q ra¬
ramente fe perde lugar q pode fet
focorrido:&: fabédo q a bateria q
fe dava ao baluarte não era de tã-
to eífeico como imaginara,mãdou
voltar todo feu poder não fo a en¬
tulhar a cava como tinhao come¬
çado , fenão levantar híía ferra de
terra que empardhalfe cõamòr
altura do baiuarce:& não faltou o
fuceíloao difenho ftanto podem
muytasmaos juntas.) Etainfini-
to o povo, acudião os Alcaydes,
8c Capitães,& atè os Cacizes,que
entre elles tem o lugar de Sacer¬
dotes^ pera efpcrtarem ao traba
lho alvoraçavão a todos & prome
tião q é efquadrão auiâo de entrar
por cima do baluarte: 8c por mui-
M tos
 LiuroII. da vida de D. Fr. Bcrt. dosAíart.
tos milhares que cahião mortos,
que ficando logo enterrados aju-
davão a crecer a obra, Em fim a
poferao em eftado , que na altura
igualou o baluarte, & na praça re¬
cebia cento Sc vinte homés em fi-
leira/Âqui começarão bravos Sc
temerofos aííaltos , Sc ouve de
parte a parte grandes feitos , Sc
muytas mortes peleijandofe pèa
pè, à efpada, & lança varada co¬
mo em defafio, ou batalha cam¬
pal. Valia grandemente aos cer¬
cados a artilheria dos travefes
que varejava os acometedores
polos lados com maravilhofa con
tinuação:o mefino fazia toda a
foldadefca que não tinha lugar
no baluarte dos combates ,com
arcabuzes , Sc mofqnetes: mas
convinha eftar cubertos, porque
em aparecendo logo erão pefca-
dos com pelouro, feta, ou pedra,
que a gente vil que não jugava
arcabuz por não perder occafião
de ofFender,ufava de fundas a ufo
paftorii, Sc defpedião nuvês de
pedras tão efpeíías, que aconte-
ceofahir hum homem ferido de
duas Sc tres juntas na cabeça. E
porque não ficaíTe nada por ten¬
tar ao enemjgo,como cftava abar-
bado com a muralha, começou
a abrir hua mina a grande preífa
contra o baluarte dos combates.
Foy fintido que fe picava o muro:
acudirão os engenheiros, fizerão
fuas diligencias por atinar que ca¬
minho levava: logo contraminâ-
rão, mas com immenfo trabalho
por fer em rocha viva: emfim en-
contrârãofe com os de fòra: ouve
briga debaixo da terra : forão oi
enemigos lançados fòra com mor
te dos que trabalhavão,&; ficarão
os cercados fenhores da obra:
mas pagarão logo efte bõ fuceíTo
com hum cuftoíò defaftre.Pekja-
vafe com o enemigo no baluarte*
que nos não dava hora de defcan-
ço: & efiavao baluarte chcyo de
fidalgos, Sc dos mais ardidos ca¬
valeiros ,& Toldados que avia no
lugar, hus que pelejavão,outros q
eíjperavão vagante de lugar, por
morte, ou fendas dos que aquelle
dia acertarão fer dianteiros; fe«
não quando fe levanta dentre os
pès hú fubito incêndio com eftrò-
do,& labaredas q parecia arrebé-
tar algúamina, & não ficou ne¬
nhum dos que fe acharão perto,
quenãofoíle abrafado com mui*
to perigo, Sc algus ficarão íinala-
dos pera toda a Vida. E nao cou¬
be melhor forte aos mais afafta-
dos, porque fendo empuxados os
VÍfinhos,dos que fe íintião arder,
Sc eftes carregado fobre os q lhe
ficavão nas cofias q erão os mais
afaftados,foy força cahiré muitos
do baluarte abaixo com novo ge-
nero de perigo,& feridas não me¬
nos cuftofas que as do fogo, pola
altura do falto, & pefo das armas
que todos vefiião. Occafionoufe
 jdrcebifyo de Braga, Primas das Hefpanhas]
o fogo de híía copia de alcanzias
de poivora, & lanças de fogo,
que eftavaó pera íervirem aos
defenfores no combate,& pegan¬
do a cafo nelias fez temerofo ef-
feico, Sc todavia mayor na repre-
íencação,que na fuftancia. Como
duravao os aífaltos imaginarão
os noífos engenheiros aliviar os
cercados abrindo híía mina polo
entulho, 8c ferra fobre que pele-
javão os enemigosrabrirãona com
a commodidade da concramina
com q fe lhes ganhou a mina q fa
zião ao baluarte, como atras con¬
tamos. Derãolhe fogo na mor for¬
ça de hu cõbate,eftava a ferra cu-
berta de Mouros,foy o trovão, 8c
o fogo efpantofo, voarão infinitos
Mouros. Ecom tudo como não
era em corpo folido, foy a mina
de menos efhcacia ,• ficou arden¬
do a faxina, Sc abateo a terra de
maneyra, quefezfufpender os af-
faltos. Aproveitàrãofe os cerca¬
dos do tempo reparando o ba¬
luarte com as defefas que a necef-
íídade , Sc a preíla aconfelhava.
Mas o enemigo pronto em toda
occaíião de offender, em quanto
os feus corrião com novo entulho
pera encherem o que o fogo aba¬
tera , prantàráo duas bombardas
de travez, com que nãofò desba-
ratavão os reparos do baluarte,
mas feriao & matavão muyta gé-
te. Aqui fe vio a deftreza dos ar¬
tilheiros de dentro,ou a força que
es
tem o prémio: forão as promef-
fas que os fidalgos lhes fazião de
dinheiro 8c veífidos, tão podero-
fas, que embocârão húa delias
com morte dos que governavão
ambas.Mas tardou pouco a mon¬
tanha em tornar a tanta & ma¬
yor altura. E os Aleaydcs, como
hia correndo o rempo , 8c íintião
odefgofto que o Xarifo tinha da
dilação, tornarão apertar com os
aífaltos com mayor braveza que
primeiro: & ainda que perdião
muyta gente, Sc da melhor, que
eftes ião fempre os acometedo-
res, também nos tinhão mor¬
tos muytos 8c bõs fold ados, 8c
algus fidalgos 8c cavaleyros de
muyta conta. Fizerão entre tan¬
to os engenheiros fegunda mina
contra o padraílo de terra, 8c a-
companhandoa de mais poivora
teve melhor fuceffo que a pri¬
meira: deu mais mortes, 8c abai¬
xou muyto mais o entulho. Po¬
rem contra tamanho'numero de
gente nem o alivio era de dura,
nem as muytas mortes defeo-
brião falta no fervico: 8c como ti¬
nhão aífentado não aver outro
meyo pera ganharé a praça fenao
entrando o baluarte, com eftra-
nha brevidade fe tornâraõ a igua¬
lar com nofco,& com terribel per
tinacia acometer o baluarte. Paf-
fava ja de mez, & meyo que du¬
rava o cerco, Sc ou foífe vergo¬
nha do pouco que tinhão foy co,
M z ou
 Livro IL da vida de D, Fr. BertJos Mart.
oa determinação fecreta de fe
levantarem , fe em breves dias
não arrematavão a emprefa *
quando veyo aos vinte tres de
Abril derão hum aííaito tão a-
pertado, Sc aturado , Sc pelei-
jado com tanta força, & esforço,
que par eceo eftar toda a frol do
campo junta fobre o baluarte, Sc
vir conjurada a não fe apartar
fem vitoria. Mas naofabia o bar-
baro em que dia pelejava, dia do
glorioíò Martyr Sãolorze , avo*
gado nas batalhas dos antigos
Portuguefes,que nefta conjunção
os favoreceo também de matiey-
ra,que defpois de longa porfia fo-
rão os enemtgos rebatidos com
bravo deftroço, Sc vergonha, Sc
feguidos de grita, Sc apupadas de
todo o muro : às quaes focederão
de noyte muílcas, & follias, inda
queagoadas com mortes deferi¬
das de muytos & bõs companhei
ros. E porque fícaífe conhecido
o favor do Santo foy coufa averi¬
guada,que no mefmo dia em Lif-
boa fe ape!idou vitoria pollos mi-
ninos das ruas femfefaber cau-
fa nem rezão: parece que movia
Deos àquella innocencia a cele¬
brar ofavorquenosfaziaempar
te tão diílante. Ficarão os Mou¬
ros por eítremo quebrantados do
fuceíTo defte dia, & derão final
em hum tnfte Sc defacoftumado
iilencio com que pafTárão a noy¬
te, quenenihúaío voz fe ouvío
em toda cila entre tanta gente. E
todavia paíTâdos poucos dias, Sc
algus fuceífos de menos impor¬
tância que deixamos, derão ulti¬
mo cõbate primeiro dia de Mayo
no qual os Turcos Sc Granadi¬
nos , que fempre erão os diantei¬
ros, pelejarão tão valente, Sc de¬
nodadamente que foy o acome¬
timento violentifsimo: em nenhu
outro fe vio a morte tão barata*
nem a vida tão pouco eEimadaj
cahião muytos de ambas as par*,
tes, Sc de nenhúa íe via lugar va¬
zio, porque à competência avia
muytos fuceílores pera cada pra¬
ça,que a morte fazia vagar.Em to
do oefpaço que abriga durou , q
forão muytas horas,não ouve ho¬
mem que hzeffe pè atras , o lugar
que a cada hum coube em forte
pera defender, ou offender, eífe
fuftentou peleijando , ou cobria
morrendo. Hia o Sol caindo, Sc
não avia braço que caiífe, ou mo-
ftraíTe canfar: cerravafe o dia, Sc
a briga cada vez mais quente, Sc
mais acefa,&parecia que por mo¬
mentos refreícava. Em fim como
em ultimo esforço a noyte deu
fim ao combate,& juntamente ao
cercorporque o enemigo fem ten¬
tar mais a fortuna em feito de ira-
portancia levantou o campo, Sc
fe tornou pera íuas terras poucos
dias defpois. Foy celebrado por
toda a Chriífandade, com o va¬
lor dos cercados o animo, Sc, a!-
 Arcebifyo âc Braga, T rim as das Hefganhas,
voroço, com que os Portugueíes
por honra do Rey, Ôc da pacria
corrião a hum lugar que tinha
fobre fy cento ôc íincoenta mil
Mouros , o qual paífou tanto a
diante,q polos muytos q cada dia
entravão , começavão a dar mais
pejo que foccorro, & foy neceífa-
r:o mandar a Raynha DonaCa-
terina, que governava o reyno,
pub icar,que fenão embarcaííe
ninguém Tem íua efpecial licença:
Sc porque não era baftante tal
prohibiçao fez dar recado nas tor
xcs, que não deixaíTem paííar ne¬
nhum genero de embarcação fem
ordem íua. Sucede eííarmos trefi
íadando eííe feyco entrada de Ia-
neyro defte anno de 1018. em cõ-
junção, que temos outro diante
dos o!hos5!guaI em brio,& deter¬
minação garerofa, fc bem menos
ajudada do fuceífo: êc confcílo
que me alivia o trabalho do eícre-
ver o goiío & porfia com que ve¬
jo no coração do inverno enche-
remfe navios,&navios pouco for¬
tes, & não menos de dezafete, da
gente melhor ôc mais grada do
reyno, Sc de moços nobiíifsimos,
tantos, ôc taes, q ha embarcação
fem fer Capitana né Almiranta,
em q vão juntos muitos filhos pri
mo genitos Ôc herdeiros das cafas
defeus pays , cujos avos admini-
jtrirão os melhores cargos do
reyno. E a emprefa he "bnfcai:
Turcos, Sc Turcos vitorioíòs, &
tão íoberbos,que andando def-
garrados ôc correndo torrnenta
teverão animo parafalrarem em
terra firme de Efpanha, & aífola-
rem lugares. E naohejufto dei¬
xarmos em fiíeocio, que nos mo-
íírou eíla occafião outro exem¬
plo dos tempos mais antigos:fen¬
do afsi, que ouve fidalgo velho,&
de bõs ferviços, q com fi;r ifento
da jornada,pera o Rey fer melhor
fervido, fc embarcou por foldado
do filho mancebo Ôc Capitão, E
iffo bafte afsi em fombra pera dar
matéria aos Crooiftas: ôc pera a*
brir os olhos a quem for tão mal
advirtido, ou tão pouco affeiçoa-
do à fu a patria, que à viíta de taes
efpiritos não confeífar, que vive
ainda nos Portuguefes aqueíle fo¬
go de verdadeiro valor que por
todas as idades os ilíultrou. Muy-
to quebrantão calamidades, & in¬
fortúnios gèraes: mas o fogo cu-
berto de cinza, dfsimuíado eítã,
não apagado, ôc o Ouro íepuIra¬
do na terra, a cor poderá algua
vez perder, & a fineza nunca. Af-
íi o foube conhecer o 'Rey fabio2
ôc benignifsimo, ôc o mandou a-
gradecer aos vaíTalos com pala¬
vras de muyta honra Ôc favor.
Mas temonos divertido muyto,
rezão he tornarmos ao Santo Cõ-
cilio,
a
M 5 CAP,
 Liuro IL cia rvidd âe D. Fr.Bert.dos AFart.
po correndo. Mas o Arcebifpoq

CAPITVLO XII. não perdia de animo com ne¬

nhúa contradição> fendo fcguido
de fefenta Sc oito Padres que e-
Torna o Jrcebiflpo a inflar quê rão quâfi todos os Efpanhoes, Sc
fle proceda na matéria de algus Italianos, Sc o Bifpo de Pa¬
refedencia: trata fle, & ris Euftachio du Bellay com ou¬
torna fle a fdjpen¬ tros Francefes fez tantas inftan-
der* cias Sc apertou com tantavehe-
mencia,que fe acabaífe a matéria
R a parecer do Arce- de reíidencia Sc juntamente fe
sw
rfti! bifpo que a matéria averiguaífe Sc determinaífedeq
BI i de reíidencia cotinha direito era, que em fim defpois de
em íi tamanha impor muytas juntas,Sc de muytos reca¬
tancia pera bem das almas,& ho¬ dos Sc demandas Sc repoftas,que
ra da Igreja, que nenhúa merecia ouve de parte dos Legados a elle
tratarfe mais fundamentalmente, Sc aos companheiros,coníintirão
nem refolverfe com mais confide- os Legados, que fe difputaífe em-
raçao. E vendo os Padres emba¬ borafmas fem tenção de a defini¬
raçados noutras, não no levavâ rem como defpois pareceoJErão
• •
cabeças no requerimento o noífo
1 '-T-
em paciência. I ornou a apertar
vivamente, & como tinha tanta Arcebifpo, & o de Granada dom
autoridade com todos* não duvi- Pedro Guerreiro, Sc dom Gafpar
davão tornarfe a tratar delia: mas Servantes Bifpo de Mefsina em
enterpunhao hua diíficuldade os Sicilia: mas o noífo era o Capitão
que vinhao ao negocio pouco vo¬ & a lingoa de todos, Sc o que por
luntários,a qual era, fe convinha todos com urgentes rezoes tno-
pera o eftado prefente das coufas fírava que eltavão obrigados a
daChriftandadeporíe em praça determinar claramente que a re¬
Sc em difputa hua queftao que íidencia era de ture diuino confor¬
de força avia de preceder, a faber, me ãfolida & verdadeira doutri¬
de que direyo era a obrigação de na do Angélico Doutor Sãto Tho
reíidencia,fe de direito divino, fe mas,que elle confirmava com for
do humano, Sc poficivo: & fazião tes argumentos Sc autoridades
medo com a determinação defte das fagradas letras. Era de ver a-
ponto , como que dependeífem quella grande moderação Sc hu¬
delle outros muito prejudiciaes: mildade tão profunda do Arce¬
Sc afsi hião difsimulando, Sc o té- bifpo em. todo outro negocio,
 Arcebijbo de Braga* Fr imas das Hefyanhas.
quaí fe tomava em tratado dos de
Deos:era fogo,era rayo, era corif-
co.E cjiíadravalhe bem o nome de
Boanerges,pois era filho do trovão
nos efíeitos, como o era na fucef-
faõ da Cadeira:aísi abrafavão, af-
fi ferião, afsi penetravão fuas pa¬
lavras. Na primeira confulta pro-
poz de fia maneira. Os Bifpos que
pedimos q fe trate fogo Tem mais
dilações a matéria de reíidencia,
matéria importantifsima ao bem
univerfaí, & que requeremos que
jfem rebuço fe averigúe a verdade
delia, fundamos noffa petição em
direito, Sc de rigor de juftiça in¬
flamos em noflb requerimento
per duas rezoes: primeira porque
em quãto pafiores de noíías Igre¬
jas pedimos declaração defta ver¬
dade como peíToas,a quem não
pode efcufar a ignorância do di¬
reito divino : efpecialmente naS
coufas que pertencem a noíTo of-
íicio pafioral: Sc pois fomos pa-
ftores queremos faber fe nos ma-
da Deos que refidamos com nof-
fas ovelhas. A fegunda rezão que
nos obriga he, em quanto fomos
procuradores de noíías Igrejas
Parroquiaes defemparadas,& or-
fas defeus Reytores: porque ellas
por noíías bocas fe queixão de
feus efpoíbs, que lhe não íazem
aquelle tratamento , Sc compa¬
nhia , q por rezão do officio eftão
obrigados: arrecadão o doce de
fuas rendas,& logo fogem, &an-
79
dão aufentes delias. E por tanto
pedem fe declare, que os tâ£$ ef-
pofos, & paftores, viflo entende¬
rem fomente em fe aproveitar do
H.
leyte Sc lana das oVelhas , &. fem
mais refpeito defempararem o
gado,Sc as eípofas, faõ quebran-
tadores da direyto divino. Forão
eftas rezoes ditas poio Atcebiípo
com tanta efficaoa , & parecerão
a rodos tão contluintes, que nao
duvidava ningué de fe dar oaquel
le dia final deciíaó na rr ateria,
mòrméte eftando, como eftavaõ,
eftudados os pontos, & desbafta-
das as difficuldades por todos os
padres.Mas o Cardeal de Mantua
como Prefidéte & Legado q era,
fem fe entender que rezão o mo¬
via,mandou que por efta vez ficaf
fe fufpenfa: Sc difle pera o Arce-
bifpo, como era o principal reque¬
rente, que lhe pareceíTe bem ficar
aííi pera quando fe trataííe do Sa¬
cramento da Ordem, que era feu
lugar proprio. Aqui naõ ouve q
replicar: mas ficarão aliviados coi
legindofe por todos daquelle ge¬
ne ro de fufpenfaò , que os Lega¬
dos fe davão por convécidos: que
não foy pequeno effeito, íegundo
o que nos principios fe temia: Sc
afsi fe desfez a junta. Por em o Ar-
cebifpo por lhe não ficar nada
por fazer, determinou carregar
inda a mão com hua dihgencia
demuytafuflancia, EraTheolo-
go polo Síímo Pontífice oMefire
M 4 frey
 Livro II. da vi da de D. Ff* Bcrt. dos AFart.
firey Pedro de SotoReligiofo da
Qrdé dos Pregadores, cujas letras
erao taò conhecidas,que o faziaa
bem merecedor da hora & limar,
&c tal fe tinha moftrado àquelle
Senado em todas as confuItas.Era
velho, adoeceo gravemete : foyfe
a elle o Arcebifpo,Sc como fabia
que exoíficio tinha avifado a fua
Santidade do que finda no cafo,
que era o meímo que o Arcebif¬
po: obrigou o em confciencia, q
em quãto tinha forças, como por
te da mento advirtiffeafuaSãtida
de das coufas de importância to¬
cantes ao cargo que lhe dera: Sc
juntamente fizelfe de novo lem¬
brança muy de propoííto da obri
gação que entendia terem os Pre¬
lados a reíidir em ílias Igrejasdé-
brandoíheo Arcebifpo qeraof-
fiicio pera em vida, Sc em morte,
fe Decs lha delTe, digno de fuas
grandes partes Sc de fua palhada
vida.Creceo a enfermidade, fintio
o velho o chamamento Divino,
fez hus apontamentos pera Sua
Santidade com efte prologo. As
coufas que me pareceo deuia principal
mente lembrar tf propor a vojfa Sd-
tidade nesta derradeyra hora de mu
nha ryida,fao asfeguintes.E logo a-
baixo dizia aífi. bjueprimejro que
tudo ,faça. vojfa Santidade,que nao
f mente clara, tf abertamente fe de¬
fina neste'Janto Concilio fie que direito
feja a refidenaa dos Bijpos, tf mais
minifiros da Igreja: mas que feguar*
de tom effeito infalliuel o que for de¬
finido, ajsi por uojfa Santidade, co¬
mo por todos os mais Prelados. Epor¬
que mais claramente o diga, os Car-
deães fiejao prouidos doutra parte, tf
nao tenhao Bfpados„
GAPIT VLO XIII.
Das diligencias que o drcebif*
po de novo feZj porque fe a*
cabaffe a matéria da reji-
d ene ia,como emfim
o alcançou,
A o ficou o ArcebiR
d WlfVS
po contente de ter, a
O
X
parecer de todos, alca-
çado vitoria, quando
fe lhe dilatava o logralía.Quanta
mais que ainda poílo fucedido fe
podia congeieurar, que como os
grandes erao os que mais a atre-í
ceavao, porque v<nhao a perder
mais nella.-a dilação interpoflafev
ria a fim de hir eíauecendo, Sc ter
algum defvio, com que felargaf-
fe de todo.Paííarao dias,correrão
matérias,entrou a da Ordem,foy-.1
k dando, Sc tomando neíla,& tiJ
nha feu lugar a Refidencia3fegun~
do lhe fora afsjnado polo Cardeaf
Prefidente: mas não avia quetr, fe
atreveííe a abrir a boca nem Falar
(tanto dano faz nos co;nfelhos
eftar íoípeitada, nao fò entendida
a tenção de quem prefíde.JO Ar-
cebifpo que notava tudo, Sc não
temia
 Arcebiífo dè Braga, Vrimas das Hejpanhas.
temia mais que a Deos, parecem
doíhe q tinha baílantemente ef-
perado, & cumprido com os ter¬
mos decortezia refolueofe em rõ-
per: & quando mais fe tinha o ne¬
gocio por fepultado, entra pollo
a poíento dos Legados acompa¬
nhado do Arcebiípo de Granada,
&deDõ Martirn Perez deAya-
la Bifpo de Segovia, & com a con
fiança que lhe dava feu zelo lem¬
brou lhes que convinha ao íeruiço
de Deos concluir a caufa íufpédi-
da, 8c o pedia a conjunção que
tinhaõ entre maõs,vifto aver dias
que fe tratava do Sacramento da
Òrdem.Naõ avia jà poderlhe fur¬
tar o corpo: refponderao que aíli
fe faria fem falta. Amanheceo o-
dia feguinte,entraõ em congrega¬
ção, propoem a caufa como pro¬
meterão, mas amontoando tãtas
difficuldades a fe aver de enten¬
der por então nelía, 8c alegando
occupação de outras matérias
lirgentifsimasfque na verdade in-
ftavão)que em fim vencerão com
cento 8c trinta & feis votos de cor-
pore Concilij,<\ue fe tornaííe a efpa-
çar, mas com dia certo 8c precifo
pera fe lhe dar conclufaõ aos vin¬
te dous de Abril proxitno. Fica¬
rão todos quietos, fò o Arcebifpo
lião pode acabar coníigo outro
tanto : 8c íintindo entranhavei-
mente efta fegunda fufpenfaõ que
vinha a fer de quaíi tres mefes , q
tanto avia daquelle dia queerão
7l
tres de Fevereiro, aos vinte dous
de Abril, armafe de novo brio, 8c
fem embargo de ter tantos con¬
tra fy, oppoemfe com eftranho
valor a todos: & contrariou a di¬
lação com grande vehemencia de
poderofos argumentos, & effica-
zes razõesderv brandolhes por re¬
mate com palavras affeâiuofiífi-
mas, 8c muy íiacidas ponderaf-
fem, que aquella fagrada junta
compofta de todos os Prelados
da Chriftandade era hum efpe-
daculo do mudo podo na cidade
de Trento , como em hua praça
delle: 8: coníideraílem com os o-
Ihos da alma,& do corpo o efcan-
dalo que receberiao com magoa
8c dor os Catolicos 8c virtuofos:
com rizot8c efcarneoos maos, &
hereges. Âconteceo aqui não o
que fe conta do outro eloquente
de Athenas, de quem dizão que
trazia as vÕtades 8c corações dos
ouvintes dependurados de fua bo
ca: mas verificou fe o dito do Pfal-
mifta Jgnitum eloqutum tmm ^vebe-
Pf
menter.Era ifto arrayal de Deos, o
negocio feu, o Arcebifpo fanto.
Sahião daquelle peito, 8c pora-
quella boca labaredas de eío que¬
da divina que abrazavao cora¬
ções , trocavão entendimentos.
Afsi fe decerão & reclamarão lo¬
go juntamente fincoenta 8c oito
votos, 8c todos os mais fe forão
conformando com o parecer do
Àrcebifpo:de modo que ficou aí-
fentado
 LiuroíIJd-vida de Z), Fí.Bert.dos ABátt.
fentado que logo fem na ais dila-
ça5,Sc antes de fe levantarem dos
bancos fe difputaíle, Sc fe definif-
fe a quefKo.Vendo oArcebifpo q
acudia Deos a lua defconfolação.
V -
& que era tornada em vento a
popa ácrnar bonança toda a fu ria
da tcmpellade, naó quiz perder
tão boa occaíiao, Sc propoz de no
vodous pontos muyto eífenciaes
pera bom fnceífo de todas as con-
íliltas,Sc nao menos da q tinhao
prefente,fe bem hu pouco azedos
<Sc que feriao nos olhos a muytos
(mas a verdade he ifenta Sc
Sc a poucos bem aíTombrada, co¬
mo dizia o noíTo DoAnrique de
Meneies o Roxo que foy Viíorey
da índia,fendo notado de mala-
condicionado.) Erá o primeiro q
tanto que os Padres, que o Santo
Concilio deputaffe pera decreta¬
rem os eapitulos da Reíidencia,
os teveífé acabados,Wo
ij
fem lhes
mudarem coufa algúa foílem a-
píefcntados a Concilio,Sc ao Ef-
pirito Santo pera ferem aprova-
dos,ou refutados. Ofegundo foy,
Sc nefte carregou mais a mao,que
nas còfultas em que fe trataífe de
defterrar coftumes danados do
clero Sc curar doenças efpirituaes
delle ,nãoteveíTem credito, antes
foífem ávidos por votos íoípeicos
todos aquelles q no tal coftume
ou enfermidade roífero de preséte
achados,ou em algu tempoouvef
fem fido inficionados delia? por¬
que hus ficavão manifcílamente
fofpeitos,Sc dos outros prefumia
o direyto que feria ô faciles em re-
cayr,ou tornar ao vomito. E a-
$ J
cendendofe em zelo profeguia di-
zendorcomoha de caber em en¬
tendimentos bem adernados, que
quando tratamos que ninguém
tenha duas Igrejas Catredaes, ou¬
çamos Sc demos credito ao que
nos diílerem os que no mefmo té-
po eíliveréde duas empoííados?
E por configoince, como haó de
lèr admittidos a coníiiltas de Re-
feca fidencia, os que naó fabem que
coufa he relidir.?Não he iílo fazel-
los juyzes na mefma caufa em q
fao partes.?Se aqui onverao zelo
daquelles antigos Sc famoíosPa-
dres que celebrarão o grade CÕ-
cilio Niceno, cadigados ouverao
eftes defer,nãojà ouvidos:Sc nos
polo contrario tao longe efiamos
de os caíligar,que naó ío lhes nao
damos pena alguã, mas ainda co
ímtimos,que falem Sc dcm fua
rezaõ, quando vão taõ fora delia,
que apertão Sc fazem força, por¬
que nao cheguemos a refoIuer,de
que direyto fcja a Refidencia dos
paílores: Sc nos querem perfuadic
que nos contentemos cóíecon-
ííituir hua leve pena aos que nãa
refidirem: certo final de quererc
ficarem eflado,quc nuncavejaÕ
dos olhos fuas ovelhas.O,q pafío-
res/Emfím começoufe a votar; Sc
como o Arçebifpo tinha eífiida-
do
 Arcebifyo de Braga, Primas das Hcfpanhas. 72
do a matéria tantos dias > & muy cia podemos logo deixar de decla
f

rar,q também nòs dciure diuinoc-

^ _ * ff 1 1 I

de rayz, Sc vinha nella refoluto:

foy ouvido com grande attenção,
quando lhe tocou dizer. Entre
outras muitas razões que apon¬
tou, dizia, que ainda que hua ver¬
dade efpecolativa fe poíTa difsi-
mular por algum tempo : em ne¬
nhum modo fe deve difsimular,
nem pòde efcõder a verdade mo¬
ral, quando encerra em fy algum
preceito de Deos. Que ifto he o q
nos aconfelha o HEpirito Santo,
ftamos obrigados aos apacentar?
O que não pòde fer fem refiden-
cia: fendo afsi, que o rigor da juíli
ça commutativa obriga igualmé-
te ambas as partes. Difcutida lar¬
gamente, Sc apurada entre todos
a matéria ,forao nomeados pera
fazerem o decreto o Cardeal de
Lorena Arctbifpo de Reynis em
França,o Cardeal Madrnaoeley-
to Bifpo de Trento , Daniel Bar-

Ecclef 3 Suanc*0 ^VL' Altiora tene qu<eferis: baro eleyto Patriarca de Aqui-
qutf tamenpr^ceptt Deus tila cogita leya, o Árcebifpo de Braga, Sc o
femper. Pelo que fe o que tratavão de Granada, & Georgio Drafco-
era de jure divino, que he o meí- vicio Bifpo da cidade Sinco igre¬
mo que Ter por Deos mandado jas em Vngria, Embaxador do
(como largaméte provava) al gúa Emperador em quanto Rey de
hora Te devia declarar : porque Vngria com outros onze Padres.
doutra maneira em balde fora ma Mas fobre o de Braga defcarregâ-
dado.E fe em algum tépo fe avia raoos Legados todo o pefodao-
de declarar, que tempo mais a- bra, como em quem fora delia o
comodado , que occaíiao mais o- principal promotor, Sc que nella
portuna,q a prefente,de tão fanta mais fuou. Começoufe a efcrever
congregaçãa?De verdade, acrecé- o decreto, Sc porque fobre a for¬
tava, que fe os feculares duvida¬ ma Sc palavras delle recrecerão
rão eílarem de iure diuino obriga¬ duvidas, Sc diferenças entre os
dos a fuítentar os miniftros Eccle Padres: Sc pera concordarem foy
ílkfêicos Sc feus paftores: não ou- neceífariofazerem os Legados aí
vera de aver defcuydo nem pri- gúas jutas particulares, inda mfto
Óiiça em nenhum de nòs pera foy de importada o meyo do Ar-
he declararmos Sc perfuadirmos cebifpo, que com fua prudência,
efta obrigaçaõ: nem ouvera de fi¬ Sc polo muito que todos o refpei-
car arguméco que não ufaramos, tavão, os temperou Sc concertou;
nem pedra que nao bulhramos Sc finalmente em hua congrega¬
por lha fazermos entender. Com ção geral que fe fez aos nove de
que razão, & com que confcien- Julho defte anno de fefenta Sc tre $
Vier ão
 Livro II, da vida de D. Fr. Bert.dos Marti
vienô todos os Padres cõforme-
mente co grande alegria, & júbi¬
los d a Ima do Arcebiípo, cjtie o
Decreto fe publicaífe» affi como
eílà inferto no corpò do Concilio
na SeíTáo vinte tres, que foy aos
quinze do raefmo mez &anno3no
primeiro capitulo delia.
CAPITOLO XIIII.
Que contem hua carta que o
jircebifpo efcreveoao Vigá¬
rio do feu Convento novo
de Santa Cruz* de
Viana.
^PPIP ^ S T E mez Fe verei
fêSSfciil» ro de fefen ta ôc tres a-
, _ chamos hua carta que
.sí&sSá G Arcebilpo efcreveo
de Treco ao Vigário do fcn Coii-
vento de Visna frey Ieronimo
Borges,que foy o primeyj-o que
aqueiía caía teve,eleyto no capjtu
lo Provincial de Santarém ceie»
brado por Outubro do anno paf-
fado de íefenta & dous,como fca
apontado no livro primeyro.Pa-
receome digna defte lugar, porq
quem alemão poderá deixar de
formar hum alto conceyto do ín*
cançavel efpirito do h rcebiípo,q
no meyo de tão alterado mar de
cuydados & contradições, como
cra o era que o vimos nos capittl->
los paliados, não avia coufa que
lhe tiraífe a memória de fu a Igre¬
ja cantes tinha tão prefentes os
particulares delia , como fe ne-
nhúa outra coufa o occupàra.

M
CARTA
ri TO Reuerendo2Wrs,Gratia&forticúdo adfaívandas gentes;
Vofia Reuerencia ate agora nao me quicçfacçer caridade de me mandar
nouasfuas kf de Viana.Por ifo justo he que eucomece^pois fou o que ga-
nhei em voffa Reuerencia virpera effd terra, com faber certo quanto bao dega-
nhar as almas defa comarca comfua doutrina kf conuerfaçao. E alem- dos in*
tenfies no edifício efpiritual,que he oprincipal, digtm me que também vofa Re¬
verencia tem particular habilidade per ao edifício de pedra k? cal. E por parti¬
cular merce de Deos tenho que os princípios dejfa cafa fe entregafem a peffoaf
que juntamente com o efpirito kf “gelo de Deos tenha engenho pera obras : porque
daqui nacera que o efpirito de Deos temperara o engenho edificatiuo, kf nao per¬
mitira que feja fiperfluOj mas quefe edifique hua cafa que em algúa maneira chei
re àfanta pobreza}k? em algúa maneira fe pareça com os edifícios qne defejauao
nojjos Padres antigos:kf nao confntira, que indo eu de cà me aconteça o que a-
conteceo a nofo Padre Sao Domingos entrando em Bolonha, o qual Vendo que
fe íomecaua hum edfctopompofo dotando dife, Adhuc me vivente palatia
vobis
 Arcebijfjo de Braga, Primas das Hefpanhas. yy
vobis edmcatis. E por ijjo lhe peco por amor do Senhor , que faça hum edifício
muy moderado: iP fuja muy to do engenho ip magnanimidade de frey Inhao
Romero arqmteãodeSao Gonçalo. Hecornnia gentes incjuirunt, vosau-
tem non fie. Se uojfa Reuerencia ip eu queremos edificar por amor de Deos,
afsi conuem que o façamos, que não agrauemos a Deos,nem tenhamos de que dar
conta,aonde nos parecia queganhauamos coroa. Efpecialmente cjle edifício que
fe edifica comfangue de pobres : pois a renda que fe pera ijfio aplicou deputada
efiaua pera os pobres. Confio em njofia Reuerencia , que o ha de fager me¬
lhor do que eu defejo, que he, que o edificio feja forte mas pobre: porque desta
maneira Deos fera feruido, ip nos nao pelejaremos. Se naofia Reuerencia <~vir
que frey Mo com feu animograndiofo quer exceder a mediocridade, que vofia
Reuerencia julgar que bastaria , ip eu pretendo lp defejo, ponhafe forte con¬
tra elle:lp em quanto eu nao vou apelle para mim, porque defpois que eu là
for, bem nos entenderemos ambos. E porque fayba que o Padre frey loao em al-
gúa maneira he fofpeito neste cafo de edifício magnifico, lembrelhe que des de mi-
ninofe criou debaixo das abobadas da Batalha, pello que tem a imaginatiua in¬
ficionada toda, ip transformada em Arquiteturas magnificas. Mas ?vo fia Re¬
verencia ip eu fomos filhos do Pedrogao: Non alta edibcia fapientes,fed hu-
milibas confentientes, & adhxrentes. Hadenus de edifício carnaii.
O Efpiritual he o que fobre tudo encomendo a aio fia Reuerencia: Et ultra la¬
borem verbi predicando,& Iegendo fpeculatorem te do Viennenlibus.
Gniero diger, que nao aja <viciofabido na terra de que nao faça fibedor ao Pa¬
dre frey Mo em quanto eu là nao eflou . Se por fua amoeslação o nao puder cu¬
rar tome efie trabalho por amor de mim. E os clérigos que forem negligentes de
rvir à lição dos cafos os denuncie ao Padre frey loao, ip ao Figario "da Cornar -
ca,pera que nijfoponhao algum remedio, ip faça ter muita diligencia na lição,
ip procure que o Padre que lhes ler (ip o melhor feria farelo rvojfa Reuerencia
as veges) fies entremeta algúas exortações do que toca à obrigação Sacerdotal
ip Pastoral: lp por ififofarà grande feruiço a nofifo Senhor, ip a mim caridade
tonuerfar com effcs Clérigos,pera que ganhandolhes o coração, recebao melhor
feus confelhos. E dos que Mrque tem algum efpirito, IP confiar que tem rvirtu¬
de defenganadafaçamehim rol pera me dar quando là for,dando efperancas aos
bos que lhes nao faltara minha ajuda ipfauor naquillo que eu puder.
A i madres de Santa Ama fao taes que fem eu as encomendar, el/as porfy fe
encomendão a qualquer feruo de Deos: rvojfa Reuerencia as confolemuyto, ip as
ccmfèffe por fy, lp por quem lhe parecer, IP da minha parte dè hm grande bên¬
ção à Madre Abbadejfdip a fua fanta companhia.
N Ne fia
 Lmrô IL da vida de D> Fr. Bcrt. dos AÁart.
NeUa hora recebi bj&a caria de Portugal em que me nomeauao os companhei¬
ros que 'vojfa Rtuerencia tinha : conuem afaber oPadrefrey Antonio Grego,
do qual por juro da antiga amizade confio que ha de trabalhar pôr Ires em to¬
dos os exercícios efpirituaes IV medicinaes defa gente: IV hum padre quejdhio
agora do Collegiopera ler cajòs, queJe chama frey FranCiJco do tifpirito San¬
to, do qual teabo boa informação. Saluta eos ardenter corde meo, Sc ore
tuo. Também me drgem que esta ahi o meu mimojofrey loao da Cruao qual
diga que boafeja fua ‘vinda, fenãofor preguiçoJòfsV Je naoje dejcuidar dospro-
ocimos3 procurandofomentef ua deuaçao. E por ijfo rogo, Í7 mando a loojfa Re-
iierencia,que o façaprègar por ejfas aldeas todos os Domingos IVfestas: iV o fa¬
ça ouuir conjijsoes não somente dos leygos, mas também ajude a confejíar as Re-
ligiojas. Sê ouuer algúa pouco deuota, metãolbd na mao pera que a poder dela-
grimas IV ameaças a afferuòre. E porque creyo que ainda ahi cítara o Apofto¬
lo de Coyra frey Regmaldo de Melo: Videat, VtmmUterium fu um impleat
€}up eu me tenho dejcarregadú de Coyra > IV lha tenoo lançado as cofias, Is? qne
elieha de dar conta a Deos delia. E alem difo os Domingos IV fejtas que ejlmer
em Viana <vapor ejfes lugannhos a fa^er-doutrina, IV confejfar. De ca aopre-.
fente não ha muitas nonas que lhe mandar Jenao que as coujas da reformação
rvão de nvagar, porque nofios peccados,parem muytos impedimentos. Defde de*
. çafete de Abril em que fe celebrou afexta Sefâo> ate gora fenao fe^ outra:
eítà lançada afetimapera quinze de lulho. Efperamos em nojjo Senhor, que wl-
lafah iremos com alguacoufapera bem da Chnjiandade. Temos tratado a ma¬
téria de Ordine & refidentia. fatio os Theologosna de matrimonio:
orandum eft. Evojfa Reuerencia com os feus náo cejfe la de importunar a
Deos com feruentes Orações: porque Je ejias não tem maonelle, perimus. En¬
comendo também ejle negocio do Sagrado Concilio as Madres IV a toda ejfa ter¬
ra. E nãoauendo mais que drrpr. Dominus te perpetuo fervét $ &>adiin«
pleat fuo fpiritu. De Trento <vintt de Feuereiro de tf 3 •

O Arcebifpo Primas

C A P.
 Arcebify o de B vaga, P rimas das Hejpanhas;
prefentava menos que htim dos
CAPITVLO XV. mais rigurofos da primitiva Igre¬
ja , no trato de fua peíToa, mefa,
% •
cafa ôc familia. Se como letrado,
Tratafe cm hua Congregação achavao íua doutrina fegura, cer¬
Jobre afrov/pío dos benefícios ta, & clara ; fuas refoluções bre¬
jEcclefiaficos curados: aU ves , ôc fentenciofas, ôc Magi-
cança o Arcebiffoque ftraes: ôc todas Tuas advertências,
informações, duvidas Ôc coníe-
Je decrete em fa¬
Ihoscheyos de puro zelo do bem
vor dos Pre¬
commum , Ôc honra da Igreja.
lados. Aííi foy hufn dos Prelados , a
quem por todas as vias mais hon¬
rou a fama nefte (agrado ajunta¬

m dado de fuas letras, ôc

mento da Chriftandade,
hora fe offereciao coufas
Sc cada
que
E&ffcKMastfá juntamente de feu zelo mais o acreditavão: que fora fa¬
em todas as confulcas Ôc congre¬ zer hum grande volume fe quife-
gações, ôc a&os públicos, Ôc em ramos profeguir todas, mas acre-
confelhos ôc juntas particulares, centaremos fò hfia fobre as que
agora propondo ôc apontando co temos apontado : a qual lhe deu
mo fabio Prelado, agora votando grande honra. Entrando em con-
com liberdade de varão Apoftoli íulta a matéria daOrdé,húadas
co fò com os olhos em Deos, ôc principaes coufas que os mais dos
em feu mayor ferviço, ôc gloria Prelados apontarão, ôc pedirão
fem nenhum refpeito humano, com inílancia, foy que fe bufcaf-
agora praticando ôc diffinindo fe meyo pera tirarem do mundo
como douto ôc refoluto Meftre, hum perniciofo coftume, que por
que de todos era igualmente efti- • muytas partes altamente eftava
mado, Ôc amado: ôc gèralmente arreigado no modo de prover
dizião que a melhor efcola que po as Igrejas curadas, que era darem
dia aver no mundo era a fua. Por¬ nas os fenhores dos Padroados
que fe o confideravão como pu¬ a quem lhes dava gofto (em ef*
ro religiofo Dominico, viao que colha de partes , nem mais ra¬
fua vida era qual podia fer a do zão que a de feu poder, O que
mais auftero, ôc mais reformado com mais energia inRou no ne¬
feguidor da obferváncia Monafti- gocio entre todos os Padres foy
& ’ * J
ea. Se em quanto Prelado,não re- o Arcebiípo , queixandofe com
N 2. grande
 Livro 11, da vida de D . Fr. Bert.dôs MarU
grande acrimonia em publico, &
em fecreto, & a toda hora, de fe
darem paftores pera curar almas,
fem confideraçãonem refpeito ao
bê efpiritual delias, fem aVer cjuê
foiíe á mão aos que tinhão a cul¬
pa: & pedia a todos quizeííem a-
cudir a ta manho defemparo, que
era tal,& hia tanto nelle, que ain¬
da que noutra coufa nãoempre-
gaífem muytos dias, a todos con¬
vinha efpertar os engenhos, Sc a*
fiar os entendimétos por lhe acha
rem remedio.Que fe querião ata¬
lhar hum grande abifmo de pec-
cados Sc perdição de almas, (úni¬
co fim que aly os tinha congrega*
dos) importava darfe hummeyo
effícaz, com o qual o Santo Con¬
cilio obrigaíTe & cÕftrangeíle os
Prelados & poffuidores dos pa¬
droados, que de nenhua maneira
conferilfem benefício curado em
miniftro, que não foíTe idoneo. E
que o melhor termo pera os en¬
frear feria aííentar & mandar,
que nao pudeífem dar os taes be¬
nefícios a beneplácito, comofa-
zião,fenão por ley de razão Sc ju-
ítiça , provendo os per concurfo,
Sc oppofição, &. prova de mereci¬
mentos , como jà então fe ufava
nos Bifpados de Burgos Sc Palen-
cia. Nefle argumento fez hum
dia hum largo difcurfo eíiando
todos os Padres juntos, Sc def-
pois demuytas razões íacenden-
dofe em zelo dizia. Ay, Sc muy-
tas vezes ay, gravifsirros Padres,
que vejo, Sc fey que fe dão oje as
Igrejas Parroquiaes como quem
dá hortas ou quintas.E dahi vem
que não temos quem iníine, qué
confeííe, netri quem pregue fru-
õtuofamente. Por iffo ninguém
efíuda , ninguém trabalha por fa-
ber, Sc gèralmente fe tem por er¬
ro gaílar tempo, vida, & fazenda
nas Vniverfidades : quando ba¬
ila fervsr ociofâmente ao Bifpo,
ou a feu parente fem mais cançar,
nem faber, pera gozar rendas de
grandes benefícios: quando vai
mais a ignorancía com poucas
onças de favor, que a fciencia Sc
boas letras com grandes pefos
de merecimento. E como he pof-
íivel que cumpra hum Prelado
emfua Diocefío que o Apoíto-
Io encomenda ? Predica <verbut», * *àTi-
argue, obfecra, tncrepa: fcnão te-mot"' +■
Ver polias Parroquias miniftros
fufficientes que o ajudem ? Que
aproveitara fer o Bifpo tão íabio,
Sc tão fanto como hum Sao Mar-
tinho, fe os Parrochos forem in-
habiles Sc deítruidores ? Quem
poderá ouvir fem magoa, Sc íem
horror efta peftilencial palavra
(Sc não falta a quem caiba na bo¬
ca ) que o Papa he fcnbor,nao
difpenfeyro dos benefícios , Sc
que os pode dar como quizer,
Sc a quem quizer? Propofíção
he eífa tão prejudicial ãs almas,
como em fí falfíííima. E nao
 Arcebijbo de Braga, Primas das Hewanhas.
à poderá aprovar fenao quem
for tão desatinado , que com
pertinácia queira defender ou¬
tra tão falfa , Sc tão errada co¬
mo ella , qual he que não vay
nada,nem fedeve fazer cafoque
fe falvem , 011 fe condenem as al¬
mas: fendo afsi que fe a efte tal
preguntardes qual de dous Mé¬
dicos bufearà pera fe curar a fy,
ou a hum hofpital de doentes,
âvendo de fer o falarioSc cufto
igual: hum efprimentado Sc do-
<5to: ou hum idiota que nunca to¬
mou pulfo: eílà certo que fe rirà
de vos , fe lhe pedirdes repofta.
De mim affirmo, 8c afsi o declaro
aqui diance da Igreja de Dcos,que
fe a ifto fe não dá remedio, eu me
não atrevo, nem poffo governar
proveitofatnente minha Igreja:
Sc fermeá neceflario tornarme
pera o canto da minha cella:por
nao ver por meus olhos, como
• dizia Agar por Ifmael, morrer o
minino â pura fede : nem torne
a topar o que não ha.muyto tem¬
po me paiTou por eíias mãos. Na
Sede vacante proximè paífada
provi depaftor, qual convinha,
hua Igreja de muytas ovelhas.
Soube hum lobo que pertencia
aos Conclaviftas , veyofe polia
pofta a Roma , bufeou meyos,
não lhe fritarão , impetrou o be¬
neficio, falcou no rebanho, a de-
ftruyção que fezindaojeagemo
Sc choro.É não me diga ninguém
7/
que deminuirà na autoridade} &
cfplendor da Curia Romana fal-
tarlhe femelhante império fobre
os benefícios. Que antes affirmo,
que fò eífa falta lhe dobrara hua
cotifa Sc outra: porque cila confe-
quencia he certa. O Papa procu¬
ra & trabalha polia falvação das
almas, logo acrecenta a honra da
Curia Romana : Sc não digo fò a
efpiritnal, fenao a temporal tão
bem. E provafe,porque fe as Pat-
roquias efteverem providas de
bõs Reitores, com mayor firme¬
za perfeverarão os parroquianos
na obedíencia da Sè Apoftolica:
Sc pelloconfeguinte ficarão mais
longe do perigo das heregias. Por
onde o que importa he, que não
feja cura de almas fenao que paf-
far por exame 8c aprovação de
homes de fciencia 8c confciencia:
Sc que tenhao juramento de guar
darem juítiça aos mais benemeri-
tos, pera que onde ouver oppofi-
ção Sc concurfo feja preferido o
mais digno, não o mais valido.
Levou o Arcebifpo a poz fy a ma¬
yor parte dos padres: mas como
o negocio tocava, ao que parecia,
najurdiçao da Suprema cadeira,
não fe deu por decidido naquelle
dia,&ordenârao os Legados re-
metello ao Papa,& ouvir feu pare
cer pera final determinação. Afíi
fe levantarão os Padres,&o Arce
bifpoporlhe nao ficar nada por
fazer em ponto de tanta importã-
N 3 cia
 ZíÍísto íí.da *oida de D Fr.Berhdos AFart.
tiã, virto como llia poi: confultâ a 8c palavra. Prouidetur quodprouifo
S. Santidade; foyíe â cafa do Em- Papá non ualeat^nijí Epifcopo appro-
baxador de Portugal, que no C5- bante eltãum. Ordenaríeà , que
ciliò afsiftia, que era Dom Fernão nao feja valiofo o provimento que

Martinz Mafcarenhas > 8c obri¬ fizer o Papa, fe o Bifpo não apro-

gou o dandolhe conta do que era Var o eleyto. Eftè decreto fe veyo

paííado, a efcrever com toda #n- a publicar com grande honra 8c

íianciâ â S. Santidade, 8c ao Em* credito do Arcebifpo por dia de

baxador,que pôr elRey Dom Se- S. Martinho do meimoanno na

baftiaoreíidiâ em Roma, que jà SeíTao vinte quatro, que durou to

então era DomAlvaro de Cartro* do o dia, 8c grande parte da noite:

que fucedeo a Lourenço Pirez de 8 c ficou determinado 8c definido

Tavora. E porq fique dito o fim polo Concilio nao fe darem igre¬

que ouVe na matéria* inda que foi jas curadas fenão per ccncurío 8c

muitos dias defpois,he de faber, q exame de letrados ajuramenta¬

chegando a Roma, o Papa a man¬ dos : que era o mefmo que o Ar¬

dou ver, 8c eftudar em hua junta cebifpo pedio. E afsiihe < hamava
de Cardeaes: dos quaes foy julga¬ defpois a SeíTao preclariílíma.

da por abominável propofição a

que continha, que o Papa era Se¬ CAPITVLO XVI.
nhor , 8c não difpeníeiro dos be¬
nefícios .‘propofição inventada, 8c Apontaofe outras coufasparti
aflerta por medres mintirofos, culares que os Padres do fan
amigos de liíongearem os Sum-
to Conáho mandar ao de¬
mos Pontifices. E acrecentàrão ,
cretar por confelhoy &
eftas palavras em fua reporta.
Beatiífímo Padre;Defta fonte, co¬
d infacia do Ar¬
mo do cavalo TroyanOj fahirao cebifpo,
tantos defconcertos,& tão graves
doenças,que com peftilencial cõ- Z
O Ticia temos de

tagião tem inficionada 8c enfer¬ õ outras particularida¬

des que no fanto Co*
r (J

ma grande parte da Chriftanda- u

& » cílio ficarão decreta¬
de. Efte avifo veyo a Trento, 8c
quaíi junramente outro do noíTo das,que não faõ menos em favor,

Embaxador bem conforme a el- 8 c melhor ferviço das Igre jas , as

le. Porque efcreveo, que fazenda quaes forão aconíelhadas polo

lembrança a S. Santidade, lhe ref- Arcebifpo, 8c fe devem à fua boa

pondera per oráculo de fua boca traça & diligencia. GuardamoJas

por
 aircebifoo de Braga, Frimas das Hefpanhas.
por ferem coufas mais miúdas, pe
ra irem juntas nefte capitulo,inda
que forão be divididas em tépo:
& começando polia que foy viti¬
ma , porque fegttio immediata-
mente a que deixamos contada
no capitulo proximo, he defaber
que era coufa muyto vfada antes
do Concilio,quem queria fegurar
fucelíao do beneficio q po flutua
pera defpois de feus dias em pa¬
rente,ou amigo, impetrar do Sú-
mo Pontífice a graça, que polla-
mefma rezão tinha nome de ex-
pedativa.ou mãdato deprouiden-
do. Confiderouo Arcebiípo que
fetais mandatos permanecião.fi-
cava perdido todo o feitio do de¬
creto dos exames 6c oppoíiçoes.
Moftrou o, provou o, & pedio fe
decretafleq naó tevefle mais lu¬
gar na Corte Romana efte genero
de graça. Todavia ouve algus vo-
tos^que fe naõ devia tirar total¬
mente polia parte q era em favor
dos pobres. A ifto replicou que fi¬
cado qualquer porta aberta, logo
• os ricos auião de ter manha pera
fe ferviré també delia, fingindofe
pobres: & os pobres avião de vfar'
de fraude fazendofe mais pobres.
Quanto mais que pera os pobres
baftavão efmollas de dinheiro, &
pão & veftidormas dar benefícios
por efmola,era coufa de rodo põ-
* to iniufta: porque nenhua rezão
nem direito permitia, que os be¬
nefícios Ecclefiafticos que fao de¬
j6
vidos aos que melhor os merece
por eftudo,& letras,3c virtude, fe
deíTem a pobres muytas vezes
pouco idoaeos pera elíes, fò por
ferem pobres ficando excluydos
òs benemeritos. E afsi cumpria
que totalmente fe acabalfe efte
nome de expeétativas, 3c não fo¬
mente ficaíTe apagado pera fem-
pre, mas que pera delle fe extin¬
guir a memória, fe deífem defde
logo por nulías todas as que efti-
veflem concedidas. Afsi íe acei¬
tou &c ficou decretado no capitu¬
lo dezanove da feflaõ vigcílimá 24,'
quarta. O mefmo fucceílb teve cap. xp.
antes deftes,em hua traça qué lhe indene-
deu milito cuidado, de como fe t0 refori
poderião obrigar as dignidades,
3c prebendados das Catredaes a
fazerem menos faltas em fuas
Igrejas, & obrigações: porque af-
íi como da aufencia dos curas nas
Parroquias redundava grande de¬
trimento no remedio 3c governo
das ovelhas: afsi a dos prebenda¬
dos & dignidades deminuhia na
autoridade das Catredaes, fican¬
do ellas hermas 3c defemparadas,
3c elles andando por quintas em
caças, Ôc paftatempos. Comuni¬
cou o Arcebifpo a traça com al-
gús Prelados efpanhoes amigos,
3c prudentes. Como teve feu pa¬
recer , pedio que no capitulo ter¬
ceiro da reformação da Ordem,
feílaõ vinte hua,onde diz o deere-
ioquenas Catedraes onde falta-
N 4 real
 Lhiro II. âd tvidd de D, Fr. Bcrt. dosMarl.
item cliftríbuiçoésjou fore curtas,
fe reparta nelias a terceira parte
das prebendas: fe mandaífe acre*
centar que o mefmo fe fizeííe nas
rendas das dignidades que andaf-
fem aufentes,pera que aífi não fí-
caíTem logrando ociofamente os
bes da Igreja. Não vinhaÓ niíio
muytos padres, 8c oque não pude
rao encontrar com razoes, defui-
arão no com dilações. PaíTou a-
rSefl. 22. quella SeíTaò.Quãdo entrou a fe-
eap.iJe gninte antes de fe tratar doutra
&rfom. coufa tornou a propor o cafo com
tanta força de argumêcos, que to¬
dos em fim fe conformarão com
elle,6c logo fe madou acrecentar
aífi como o apontara, dizendolhe
os mais dos padres ao fayr da cÕ-
gregaçao que àfua conta 6c por
lhedarem gofto,
O
fe deixaraõ ven-
cer.Quafi o mefmo, 8c em mais
fortes termos acõteceo ao Arce-
bifpo em outro ponto do mefmo
Sacramento da Ordem. Tinhao
os padres quaíi todos vniforme-
mente votado 8c concluydo que
nenhum eclenaftico nem regular
pudelfe fer ordenado em facerdo-
ie com menos idade de trinta an-
nos, & afsi o mandavao eferever
no capitulo doze da reformação
daOrdem SeíTão vigeífima tercia.
Levantoufe o Arcebifpo,6c fò eile
fe oppoz contra todos, & impug¬
nou alimitacão alegando em fim
de muytas razoes de juftiça 8c ne-
ceífidade, que hu dos mayores
trabalhos que padecia no gover*
no de fu a Diocefi, era bufear Sa¬
cerdotes pera as Igrejas que pro*
via, porque as que efiavãoà fua
conta curadas paíTavão de mil 8c
trezentas : & q fe a efte paífo ti*
nhao crecidoopovo, 6c a deva*
ção,& edifícios polias outras par¬
tes da ChriíUndade, eftava efpã-
tado,como os Prelados que aly e-
rao prefentes confintião em tal:
mormente que as vidas o/e erão
muyto mais curtas, q tantos cen¬
tenares de annos atras, quantos
avia que paflarao Concilio Tole-
daiio quarto com quem fe que-
riaÕ conformar, q foy celebrado
no de Chrifío dcíeifcétos 8c trin¬
ta 8c tres. Então vidas largas 8c
povo eftrcito,agora tudo ao revez
affirmava que avia por impoílivel
poderemíè governar,íe íè nao en¬
curtava muyto o prazo dos trinta
annos.Era gente junta em nome
do Senhor, não vota vão porref-
peytos humanos , nem defendião
por teyma fuas opinioés: em ou¬
vindo coufa que quadrava com a
boa razão,fogeitavaõ feu juizo,fe
aver que perdia nenhum de fua
reputação quando mudavaopa¬
recer,ainda que foíle a dito de hu
fò. Aífi fucedeo nefta cõtroverfia:
deixandofe os Padres vencer das
boas razoes do Arcebifpo.Dece-
ra5 dos trinta annos aos vinte fio- SeB2 3*
co:& aífi ficou decretado.Não hcc^ l2*
bem que nos fique pordizer a fa- *
cilidade ~ “
 Arcebifto de Braga, Primas das Hefpanhas.
cilidade co que rcdazioafeu pa-
recer aquelle fagrado Senado em
outra matéria feparada das ordi¬
nárias do Concilio: Sc também
quaíi vencida. Os padres Capu¬
chinhos da Ordem do Patnar-
cha “São Franciíco que em Italia
chamão Efcapuchinos, pedirão no
Concilio Sc folicitàrão com gran¬
de cuidado que fe lhes mandàíTe
entregar o fello geral da Ordem,
£c alegavão por fy,que procedião
daqnelles primeiros Sc mais anti¬
gos Padres Clauftraes, entre os
quaes o Santo fundara Sc dera
principio àfua Ordem, Sc guar-
davaõ oje a regra naquella mef-
ma forma Sc rigor, em que a guar
darão os primeiros Padres. E a-
ccecentavao que dc todas as ou¬
tras Províncias que no mundo ti-
nhaoonome Franciícano, a fua
era a mais reformada, Sc de mais
auílcra vida. Pello que como a fi¬
lhos primogénitos,& que em na¬
da degeneravão da primeira cria¬
ção de feu bom pay,lhes era devi¬
do de juftiça terem em feu poder
o fello de toda a Ordem. Porque
fendo verdade, como era, que em
hum Capitulo generalifsimo que
fe celebrou em Roma no anno de
1S í ^. foy tirado o fello aos padres
Clauftraes, pellas muytas difpen-
fações,que contra a primeira re¬
gra tinhão admittido : Sc foy da¬
do aos Padres da Obfervancia, Sc
entre elles ficou defde então pera
/7
ri: pella mefma razío pertencia
agora a elles Efcapuchinos, vifta a
reformação & rigor queprofeíTà-
vão, com q eítavão diãte de todos
os Clauífraes, Sc obfervantes, co¬
mo era notono. EífaVão os Pa¬
dres não íò inclinados a eftas ra¬
zões , mas perfuadidos delias. A-
codio o Arcebiipo por parte da
Obfervancia: Sc difíé,que em Por
tugil conhecia Sc tratara muyto
famiiiarméte duas dilíintas Pro-
0
Vmcias de Reíigiofos Francifca-
nos Cbfervantes : cujos nomes
erão da Piedade hua, Sc a outra
da Arrabida , Sc ambas tinhão
muytos Conventos, Sc fabia que
em ambas florecia a perfeita Ob¬
fervancia , com tanta afpereza de
Vida Sc bom exéplo-, que não cria
íhe podia fazer ventagem outra
nenhúa da Ordem por eftremos
de auíferidades que guardaífe: do
que erão boas reifemunhas todos
os Prelados Pnmigueíés que eni
Tréto afíiilião.Por onde fe a cau-
fafeavia de vencer por mais re-
formaçãoitião era jufto tirarfe aos
padres da Obfervancia o fello,
quando alem de eílarem iguaes
na reformação com osEfcapuchi-
nosffenão eífiveífem diancej ti¬
nhão por fy a poífe delle em que
viviao tantos annos avia, Sc deíla
naopodiaõ fer esbulhados fé de¬
méritos. Efte honrofo teífemu-
nhofoy de tanta força polia auto¬
ridade da pclloa do Arcebifpo q
- o deu
 Liuro Jí.âa <vida ãe D* Pr.3ert.dos APart.
O <3eu,& polio que em íi cocinha
que no mefmo poto tomou o ne¬
gocio outra cor, & mandarão os
Padres que ficaffe no eítado em
que eítava, Sc nuo oUveíTe novi»
dade.
l
CAPITYLO XV iL
Aj^ntaoje os Prelados tf APe*
firesda Ordem dos Pregadores
com o Arcebifpo a celebrar a
fia do Padre S. Domingos na-
fuacafade Trento , if dàfe
conta dos Prelados Portu-
gwefes que afsifiirao
nella3(f no San¬
to ConcA
1 lio.
R A principio de Ago
llp|pf ílo deite ano de 55 Sc
paííava de hú anno Sc
ri.
meyo que o Concilio
durava. Hya acalmando a furia
dos negocios, ôc davaõ jà lugar
de algfi alivio aos Padres. Achou-
fe o Arcebifpo com a mayor par*
tedosdaíua Ordem aos quatro
deite mez no Conuento de Tréto
pera cantarem as vefperas Sc fole
nizaré a feita do feu gloriofo Pa¬
triarca S. Domingos. Entre muy-
tas coufas dignas de louvor que
osvaroés prudentes do Concilio
coníideravão no Arcebifpo, era
huã o grande amor que tinha a
fuaOrdéj&o muyto qliefe pre¬
zava do habito delia, ôc o cafo q
fazia de todos os Rcligiofos delle,
que neíta ocafiaõ concorrerão em
Trento,tratandoos Sc converfan
do taõ domeítica ôc particular-
mente,como fe forao fetis natlira-
esScainda da mefma criação.R
foy fermofa efquadra a que aqui
fe ajuntou de todas as partes da
Chriíta ndade em ferviço da fanta
Igreja pera eíta guerra efpiritual
do íagrado Concilio. Erão íeis
Arcebifpos, à faber o de Génova,
dous de Naxo em Grécia, o Lan-
cianenfe,o Surrentino, Sc o noíío
Bracarenfe. Erão mais dezefete
Bifpos, Se vintoito Meítres em
Theologia com o Meítre Gèral
da Ordem frey Vicente luítinia-
no, porque lhes não faítaííe Capi¬
tão de cafa. A todos precedia o
Bracarenfe por Primas, Ôc por
mais antigo na eõfagração Sc Pai-
lio: ôc com tudo afsi fe avia com
todos, afsi os metia na alma, co¬
mo fe fora o minimo delles. Pe«
diolhe o Gèral,que afsi como pre¬
cedia a todos , quizeíTe também
autorizar a feita fazendo o ofhcio,
ôc preíidindo aquelles dotis dias
no Convento como immediaco
Prelado, pera o que lhe cometia
fuas vezes. Aceitou o Arcebifpo
o cargo.E logo fez o officio às pri¬
meiras vefperas fazendo feu com¬
panheiro frey Anrique de Tavo-
ra o de-cantor do Coro, Ôc ajun-
tandofe
 4
Arccbifyo de Braga, Frimas das Hefpanhas.
tandofe à eifante todos os mais
Arcebifpos, & Bifpos 8c Meftres*
Foyhu dos mais fermofos efpe-
Ctaculos q neíta idade fe virão: Sc
he bem de crer que receberia o
Santo Patriarca particular gloria
acidental no Ceo, vendo tantos
& tão honrados filhos celebrãdo
feus louvores com pfaímos 6c mu
fica fagrada,& que erão os mef-
mos que por outra parte cõ eítu-
do, letras, Ôc fciencia, naquelle
exercito fagrado da Igreja eííavão
oppoftos aos hereges,cõtra quem
oSantofoy primeyro Inquiíidor
Geral: & armados em defenfaõ
da fè como os companheiros de
luàic.7. Gedeon de trombetas de Santa
doutrina, & luzes de verdades ca-
tholicas: 6c fendo differentes em
Iingoas,& nações hua fõ fè,6c hu
fòefpirico era o de todos. Levou
a pos fy os olhos de quantos fe a-
charãonafeftaa grave continên¬
cia 6c Mageftade com que o Ar-
cebifpo fez o Officio, que nifto
não tinha igual. Defpois de vef-
peras como Prelado de cafa con¬
vidou a todos os que forão prefen
tes pera o dia feguinte,& a outros
Pre ados muytos, 6c todos come¬
rão juntos no refeitório , 6c o Ar-
cebifpo fez o gafto de jãtar Ôc cea.
Foy banquete de fabios, abaítan-
çafemdemaíia, concerto fem de¬
licadeza , pera fatisfação, 6c não
repleção, pera final de alegria re-
hgiofa,não de fauftos3nem vayda-
78
de. Cantou a Miífa da feíla o Ar-
cebifpo , 6c ã tarde fez o Officio
dasfegundas vefperas. E porque
não pareceíTe aos feus Religiofos
que perdera com a grandeza Po-
tffical a lembrança dos coftumes,
6 c ordinário rezar da Ordem, pou
co defpois de Completas mandou
tanger a Matinas da feita daTrãf-
figuração: ás quaes áfsiítirão to¬
dos os convidados fo polo acom¬
panharem. Advirtafe que naquel
les tempos fazia a ordem a feíla
de noffo Padre aos finco do mez*
dia de NoíTa Senhora das Neves,
qlie foy o em que faleceo, 6c não
no antecedente como agora cofia
mamos. Como o Arcebifpo cha¬
mou mais convidados q os de fua
Ordé,razão parece q fique nome¬
ados os Portuguefes , pera que vi¬
va fua memória com elle nefia fua
hiftoria, afsi como o acompanha¬
rão nefia folenidade,& nos traba¬
lhos , 6c afsiftencia do Concilio.
Eiles forão dous Bifpos: porque
de Portugal não avia outros Pre¬
lados no Concilio, Hum Dõ Ioão
Soares,que com titulo deBifpo
de Coimbra tinha também os de
Conde de Arganil, &fenhor da
villa de Coxas, 6c por eítes fe ou¬
ve por obrigado a aparecer no
Concilio com faufto de Príncipe
fecular, o qual reprefencou com
efplendor 6c magnificência notá¬
vel. E porque fe viífe que fora ifto
força do eftado, mais que de ani¬
mo
 Livro 1L da vida de-D, Fr. Berudos Ivíarlo
mo vao, parlada a ocasião do Co-
cilio fe poz em caminho a vifítar
os lugares fantos de lerufalem rc-
compenfando com a moderação
de peregrino voluntária,as fuper-
fluidades de fenhor forçadas. Foy
cminentiffimo no minifterio do
púlpito;canto que os mayores prè
gadores de feu tempo lhe reco»
nheciao aventagem>& como a fe*
gundo Demoílhcnes o venera*
vao. Era reiigiofo da Ordem dos
Eremitas do Padre Santo Agoíti-
nho. E damefma foyofegundo
convidado Dom frey Gafpar do
Gafai Bifpo de Leyria , nacido na
viila de Santarém, de fangue no¬
bre, que elle com exceilenciade
virtudes & letras muy fe mel h an¬
tes às de feu Padre Santo Asotti-
u
nho, feznabilifsimo. Foy meftre
do Príncipe D. Ioão paydelRey
dom Sebaftiao, defpois Bifpo de
Leyria: viveo muytos annos, Ôç
quafi vinte defpois do Concilio,
paífou pera a Igreja de Coimbra
nuiyto aventajada ern calidade,
& renda ã de Leyria. Eftesdous
Prelados com o noíío Bracarenfe
derão grande honra; naquelle fa-
grado ajuntamento a fua patria.
Teíhmnnhon o a voz publica cô
hum elogio que em feu favor cor
reo pola Chriftandade, que com
termo Laconico defeobrio elega-
temente a excellécia de cada hu.
Multapatteis, pauca multis, multa
mdtis. Querem dizer. Muito em
pouco: pouco em muy to: míTyto
era muy to. A primeira parte fe
dava ao de Braga, porque cõ ac*
miravel clareza & futdeza refi>
mia em breves razoes altas fera
renças. Afegunda diíferão polo
Conimbricenfe,pola extraordina*
ria corrente defuaviífimaeloqué*
cia>com que acompanhava o que
queria dizer: a qual era tal que tu*
doem comparação delia vinha a
defaparecer,ou parecer pouco. A
dom frey Gafpar acomodavão a
ultima parte > Sc com bom juyzo:
porque igualmente era eftremado
na a U
çndeza Sc fuílaneia de cocei-
tos pera impender os entendimé-
tos,& na excellencia deosdi/pot
pera deleitar as orelhas. Forão
mais companheiros na fefta,& na
mefa dons Sacerdotes feculares,
ambos peííoas infignes. Hum
dom lorge de Ataide filho do
Primeiro Conde da Gaftanhei-
ra, que afliítio no Concilio por
curiofidade virtuofa , Sc não por
obrigação, Sc procedeo de ma¬
neira , que nas relações impref*
fas delle , anda nomeado com
titulo de Reverendiííimo: titulo
Epifcopal, como pronoftico do q
pouco defpois teve da Igreja dle
Vifeu. Outro foy o Doutor Diogo
de Pay va d’Andrada,que indo poc
Theologo delRey dom SebaPcião
U j
fe fez amar Sc refpeitarde todos
os Padres do Concilio por fu as
grandes letra^avifo, Sc prisdécia,
de
 A rcéifoG de B rafa, Primas das Hefpanhas.
de que fazem illuftre teftemunbo
os efcritos que deixou em língoa
Latina & vulgar.Não fe pode paf
far em íiiencio, pois failamos de le
trados da Ordem de S. Domingos
q fe acharão oeíla junta, o iliuíire
Medre frey Lais deSotto mayor
que acompanhava a dõ lorze de
Acaide como fea Theologo. Mas
porque não podemos fatiar delle
dignamence na brevidade de efti-
lo qne fegu imos, junta remos aqui
duas letras que em feu louvor fe
publicarão ndfte Reyno, de todo
gèralmente bem recebidas: bua
em fua vida fque acontece a pou¬
cos) cfeuípida em brõze: outra na
morte entalhada em mármore: a-
queilapor hum amigo junta a feti
retrato: eíla por acordo de toda
huainfigne Academia fobre fua
fepultura. E condanos que em ne
nhua teve voto,nem ambição. A
primeira tinha por titulo Diua <e-
ternitatifacrum. E feguia alíi. Lu-
douico Sotto maiori ex família Pr<c-
dicatorum in Academia Conimbricen-
§ literarum facrarum profefiori eme-
rito,inter omnes fui tempons Doãori
celeberrimo^qui doãrinam, pietatemi
uligiontmpj omnium nairtutum or¬
namenta cttm claritudine generis con-
iungens dubium redd.it,quo magis ex-
cellat: Emmanuel Soufa Coutignus,
<vt cuius fama omnes Europa, Afiefó
fines diuinorum propè fcrtptorum ~vo-
lumimbus, tanquàm ahs peruagatur,
faciei puo que cognitio attingat, if
79
fuis ipfe oculis indulgeat quod in ani¬
mo infculpfit amor, hunc typum 'vtce
fiam a amico optirne merstofeptua-
gefsimum fextum atatis annurn per-
currenti inanea tabula aternitatem
«cmulaturus incidi curauit. Petrus
Perret fculptor Regis fecit ano 16o u
A lingoagem Portuguefa he. Me¬
mória confagrada áfanta eterni¬
dade. Ede retrato em lugar de
edatua fez efculpir em bronze
Manoel de Soufa Goutinho, era
honra & memória de freyLuis
de Sottomayor da Ordé dos Pre¬
gadores Lente jubilado das Sa¬
gradas Efcritnras na Vniver (ida¬
de de Coimbra em idade de 76.
annos, ôc o mais celebre Doutor
ncilas de todos os de feu tempo, qj
juntando com a nobreza do fan-
guerdoutrina,piedade,reíig'ão,&
todos os mais arreyos de virtudes
faz duvidar em qual fejamais in-
fignei&c foy o fim afsi pera que o
amigo, a quem íe acha obrigado,
&quepormeyo de feus divinos
eferitos como com azas voa por
codas as terras de Europa & A-
íia, chegue por conhecimento de
roílo, aonde por fama tem che¬
gado: como também pera alegrar
a vifta com o mefmo objeíto que
traz dentro na alma , & defi joio
de o fazer competir com a eterni¬
dade. Fez a obra Pedro PereçoEf
cultor delRey noanno de 1002. A
fegunda lerra he do epitaíio que a
Vniveríldade de Coimbra íhe mã
O dou
 Linro II. da vida de D. Fr* Bcrt. dos Adfart*
dou efculpir na fepultura,agrade¬
cida â doutrina de tal meftre con¬
tinuada por efpaço de quafí íin-
SL-
coenta annos:ôc hea quefe le¬
gue. Magnus Tbeologus, <~vir c<xdo
dignus FraurLudouicus Sotto maior
Domimcanus ,Jidei btmms afàr-
tor in utraque Germania}ílf Anglia*
Primarms Commbru diuinorum li-
brorum interpres longe illuUris, is?
emeritus: moriens ipja die, Ff hora,
qua Spiritus Sanãus corda repleue-
rat ApoHoIonm,fu<e mortis diuinus
<viuam fanãitatis imaginem expref
fit , quam njiuensflbi paranerat Deu
fequendo. Tandem hicftus esí amo
i6\o.fu<e <etatis 84.Ern Portuguez
quer dizer. O grande Theologo
varão do Ceo digno frey Luís de
Sotto mayor da Ordem de São
Domingos, valerofo defeníor da
Fèegi húa & outra Alemanha,ôc
no reyno de Inglaterra: famofo
Lente de PrimadaEfcrituraSa¬
grada em Coimbra, ôc jubilado
nella: tendo alcançado ôc publi¬
cado primeiro o tépo de fua mor¬
te , & vindo a falecer no mefmo
dia Ôc hora em queoEfpirito Sã-
to deceo fobre os Apoftolos, dei-
xounos morrendo hum vivo re¬
trato defantidade,qual em vida
foube aquirir ôc fuftentar feguin-
do, ôc fervindo a Deos. Em fim
foy aqui fepultado no anno de mil
ôc feiícentos ôc dez: .Ôc de fua ida¬
de oitenta ôc quatro.
CAPITVLO
Parte o mo
ra Roma > $ cheia a
Bolonha,
£>
I nha o Arccbifpo
^' * determinado não fe
recolher pera Efpa-
nha fem ver Roma, ôc
beijar o pè a S. Santidade, ôc juta-
mente communicarlhealgus ne¬
gócios importantes de fua confcie
cia ôc de fua lgreja.E andava ef»
preitandotepo ôc ocaíião, com q
fem faltar à caufa comum, pudef-
fe acudir à fua particular, de ma¬
neira que lhe não folfe forçado de
terfe defpois de acabado o Conci-
lio.Offereceofelhe como a pudera
defejar,ôe lançou mão delia. E foi
o cafo que eftando intimada a Sef
faõ vintequatro para quinze de Se
tembro defte anno de 6$ .procede
rão coufas que a fizerão trasferir
pera os onze de NoVebro. As ma
terias que fe avião de averiguar
nella eftavão largamete eftudadas
ôc difeutidas: porq erão aquellas
de que ja temos dado noticia. Fez
cota q tinha dous mefes do Outo
noyagos, determinou aproveitai-
los.Ko reftante de Agofto, ôc atè
meado Setébro foy acudindo a ju
tas particulares é q fe vetilavão,&
votavão as claufulas, Ôc nota dos
capítulos de coufas decretadas: ôc
vendo que eftavão no cabo pozfc
ao ca*.
 Arcchijj)o de B vaga, Primas das Hefpanhas.
ao carnuda o em companhia do
Cardeal de Lorcna íea grande af
feiçoado, que como fazia a mefma
jornada obrigou o Arcebiípo a ire
juncos. Sairão deTrento ern ig.
de Setembro aprovei tandofe do
rio agoa abaixo quaíi vinte legoas
c
quinze aVerona, 6 finco a hum
lugar que chamão a Abbadia. A-
qui tomarão coches: meteo o Car
deal coligo ao Arcebiípo, & a ou¬
tros tres Bíípos Francefes. Agra¬
dável jornada & companhia pera
o Arcebiípo em quanto não che-
gavão a povoado, porque os Frá»
ceies alegres «Sc devotos faziao le¬
ve o trabalho do caminhar can¬
tando pfalmos, «Sc hymnos. Mas
não era aísi nas villas & lugares
grandes: porque erao contínuos,
êc extraordinários os recebimen¬
tos, fedas «Se acompanhamentos
que por todo o caminho íe"fazião
ao Cardeal,aísi por íua dignidade
como por íer tio delRey de Fran¬
ça. E nao podem os Italianos en¬
cobrir hua notável inclinação que
tem aosFranceies,nao por muito
amor (que nunca Italia recebeo
dellesboas obras) fenao arefpci-
to ou deípey to de Eípanhocs. Por
razão da companhia acodiaotam
bem ao Arcebiípo cerimonias &
cumprimetos das peííoasqueos
faziao ao Cardeal,couía abomina
vel pera a íua arte 6c quietação.E
ja hia traçando desfazer a compa¬
nhia no primeiro Iugar;em q fem
$0
parecer defeortez lhe pudcííefnr
tar o corpo. Afíi paliarão a Pvovi-
go,& de Rovigo a Ferrara. Sahio
o Duque em coche hu bom eípa-
ço da cidade a rece ber o Cardeal,
& mcteoíe com elle deixando o
íeu coche : & aísi caminharão acè
os paços do Duque. Aqui ouve o
Arcebiípo que era tempo de eíca-
paràs inquietações «Sc cerimonias
que tão enfaifiado o trazião:& co
toda cortezia pedio licéça ao Car¬
deal 6c Duque pera íeguir íua via-
gé a íeu modo. Não queria o Du¬
que por nenhu caio coníentir ernr
tal licéça, 6c faziaíelhe de mal per
der tal hoípede: apertou de novo
com elle por todos os meyos, co
que os Príncipes fabé obrigar &
vencer. Mas o Arcebiípo cortou:
por tudo, & deípediofe ajudada
do Cardeal,q em Frãcez advirtio
o Duque da condição do Arcebif»
po, 6c aísi o deixou ir contra foi
gollo. Saltou o Arcebiípo do co¬
che como qué íac de prifão: Sc to
mando coligo íeu cõpanheiro íòs
6 c apè,íe íoy ao Convento da Or¬
dem que aii ha. Entrando coma
pobres frades hoípedes,íoy tomar
a bençao ao Prior fazendo íua vé¬
nia com toda humildade, 6c hiaíe
logrando de íeu coíluniado fingi-
mento.Mas duroulhe pouco, por¬
que o deícobrio hu Religiofodo
mefmo Convento, que o conhe¬
cia deTrento. Como fby força
confeiTai; a verdade com magoa
O 2, íua
 Livro 11. da vida de D, Fr. Bert.dos Mart.
fuâ, Veyo com oPrior a partidos,
que o trataííe como a qualquer
dos frades aííinâdos no Conven¬
to^ com a mefmâ igualdade em
tudo, porqueavendo de feroutra
çotlfa não fe deteria hua hora. A-
qui defabafou , & repoufou hum
pouco feu efpirito i mas não foy
igual o alivio q deu ao corpo.Por-
que em vingança das honras recé
bidas o cafíigou com bua larga dif
ciplina. O dia feguinte que era o
de Matheus madrugou,& dif
fe Miflfa, & pera poder vingar as
oito legoas que ha até Bolonha fa
hio çom a primeira luz, defejan-
do entrar a boa hora naquelle Cã
tycnto cabeça de toda a Ordé dos
Prègadores, Sc depofitario das
Santas relíquias do fundador del¬
ia.E pera o poder fazer defconbe-
cido,& caminhar mais defemba-
raçado tinha mandado diante fua
familia da tarde atraz. O alvoro¬
ço, que o Arcebifpo levava pera
chegar a tomar a bênção a noíTo
gloriofo Padre lhe deu taes azas,
que antes de vefperas eftava na
fua Igreja.Feita oração diante do
Santifsimo Sacramento foyfe lo¬
go á Capella Sc fepnltura do San¬
to. Aqui proftrado por terra com
fua venia, Sc os olhos rebentando
em lagrimas de alegria deva-
çao por fe ver em talíugar, lhe pe
dio a bençao. E logo começou a
entrar em tnentaes colloquios,
quaes era rezão teveííe com pay
tao fanto hum filho, que com fet
fanto lintia de fy tão baixamen¬
te, que fe avia polo mais indigno
Sc mayor peccador de toda afa-
miiia. Levantava os olhos àquel-
le bom pay, difeorria pola emi¬
nência defuas virtudes: viaó tão
pobre que nunca teve cella pró¬
pria: tão humilde que nunca po¬
derão os Papas acabar com elle
que aceitaííe dignidade algua:
tão penitente que cs feus cami¬
nhos erão a pé, Sc com pés defcal-
ços polas mais afperas ferras:tão
compaísivo que não duvidava vé-
derfe por libertar hum cativo. A-
baixava os olhos, punhaos em fy:
para pobre viafe rico, Sc muito ri-
co:pera humilde, viafe Arcebifpo
& Primàs:pera penitente hia cer¬
cado de criados, Sc todos a caval-
lo, & fem íintir falta: Sc pera pia-
dofoconfiderava que comião, Sc
Veíhão elle, Sc elles:morrendo de
fome Sc frio muytos pobres de
Chrifto.Aqui fe confundia, & en¬
vergonhava reprefentadoíelhe q
lhe dizia o Santo. Si Pater egofum, Mal.i.
<vbi efi honor meus? V<ejilij deferte- ifaU.-^o
res1 E parecendolhe que de filho
de tal pay não trazia ali mais que
o nome, & o habito pedia muy¬
tos perdões de qual fedmagina-
va: entre tanto tefiirminhavão
os olhos com lagrimas em fio a
Sc di-
dor que na a^ma lhe ficava,
zia com Santo Antão: Hei rmhi,
qiiia falfo monachi nomen gero J paí,n ■
Logo tem.
 drccbifyo de Bragd, Primas das Heffanhas.
Logo lhe acodia hum penfamen-
to, cjue como com hum ar frefco
ferenava feu efpiriro trazendoíhe
à memória a faatidade da cafa em
que eftava,a brandura do pay q a
eila vinha bufcar, feu amor pera
os filhos, & íuas Tacas promeíTas:
de que concebia húa fubica con¬
fiança , que algúa hora fe avia de
verfoltodas pnfoes da dignida¬
de,do efiado, ôc da renda,da fami
lia,& reduzido ao cancodehua
pobre cella,ode pudeíTefer pobre
entre pobres, íubdito entre fubdi-
tos,entregarfe todo a hum íò cui¬
dado de imitar de verdade afeU
fanco pay.Eíta efperança que o de
fcjoâcezo affigurava jàpofta em
obra Ihs adoçava as lagrimas de
forte,q jà erao lagrimas de goílo,
Sc taes que não quifera nunca en-
xugalias. Afsi eftava engolfado, Sc
quaíi enlevado,quâdo fintio cílro
do na porta das graças,&logo vio
jmuytos Religioíosq alegreméte
vinhão pera elle, Sc proílrados
por terra lhe pediáo as mãos pera
lhas beijarem, & outros fem efpe-
rarem licença lhe faziao força. Pa
receolhe novidade,porque não po
dia crer, que antes de vifto foiTe
conhecido: Sc ficou por eftremo
defcótete ôc fobrefaltado,& mui¬
to mais quando ouvio a hu delles
que era o Prior.Defia vez Illuftdf-
íirno Bracarenfe (he o termo Ita¬
liano) não quer Deos q V.Senho-
ria nos engane, como noutro cepo
Si
em Brexa.E affi he razao que en¬
trando hum tão famofo filho em
caía de feu pay feja hõrado, ôc fe-
idejado & fervido dos que cambe
fomos filhos do me imo pay,& in¬
dignos irmãos de V. S. Queria co
da via o Arcebií x> levar a diante
a difsimnlação cando a entender
quefeenganavão comelie.Mas jà
não avia lugar de artificio:porque
o Prior era o mefmo que o a gafa -
ihou no noíTo Convento de Bre-
xa, quando paífava de Milão pera
Treco, ôc conheceoo logo: & por
outra parte efiava jà no Conveto
hum criado do Cardeal deLore-
na c5 recado ao Prior, que o avi-
fava de quem tinha era cafa. De-
ceo então a feus proteftos acoftu-
mados de quando fe via defcuber
to, tirando por cocerco que fe não
avia de alterar nada com elle. Foy
facil o Prior na capitulação, porq
o Cardeal o mandou juntamente
advirtir como o avia de tratar pe¬
ra o terem contente. A efiahora
fezfe final a vefperas:foyfe o Arce
biípo aoCoro feguido de todos os
Re igiofos:que não ouve nenhum
tão impedido que deixaífe d eacu
dir a eile/ò polo verem.Porq polo
que tinhão ouvido de fuas virtu¬
des ôc partes a todos os que de¬
dão de Trento, a cada hum pare¬
cia que vião entre fy hum daqucl-
les primeiros xõpanheiros de feu
grãde Patriarca, ou algu dos fan-
tos Prelados da primitiva Jgrcja.
O 3 não
 vida âé D Fr3 Wtdos Matu
Kão hâ palavras que declarem
bem a confolação eípiritualcjue
o Arcebifpo iintia vendofe nâ
Câfa que âquelíe grande Abra-
háo tanto amara , tocando as
lageasqtielheferviao de cama, 0
chão que regara com lagrimas,&
com fangue Sc dizia configo. Non
GVtf. 2 • eji bic ahud, mfi domus Dei, tf por-
ta Coeli. Eftendia os olhos polafer
mofura daquelle Coro (avianeb
le mais de duzentos ReligiofosJ re
prefentavafeíhe hum efpedaculo
das Hierarchias Celeftiâes- Edifi-
cavafe das veneráveis cãs dos ve¬
lhos.Os moços com fua tenra ida
de & roftos Angélicos lhe fazião
elevação. A compoíição dos má-
Cebeos, & a modelba dc todoS
moftrava bem ferem criados ao
bafo de tal pay. Todos o bufca-
vão co os o hos, quando fem nota
podiao, pera o conhecerem, & eb
leem todos,&em cada hum pre¬
gava os feus,parecendolheque ne
nhum avia ali,a quem não pudef-
fe ter muyta inveja : & fe lhe fo¬
ra licito trocar a Mitra com a-
quelle eftado, logo aíi a dei¬
xara- Acabadas vefperas
recolheofe ahiia cella,a
onde o levarão: que
avia be miíèer def-
cãçar do muito
Sc apreífado
caminhar
daquel-
le dia.
C APlTOLO XIX.
Vifita as relíquias do Conveio,
as do mojleiro dasfreyras
deSataIncsitornaao Cõ-
vento , entra em cafa
de nouiços,Çffa&-
Ihes húa pra¬
tica efpl ri¬
tual.
HJHJ O dia feguintelevàib
Q.
X
toufe o Arcebifpo ce¬
do^ cõ grandes júbi¬
4
* los de fua alma diífe
Miffana capella de noílo Padre
Defpois de MiíTa foyihe o Prior
moftrandoas coufas notáveis do
ConVento.Na Sacriília moflrou-
lhe a cabeça do gloriofo Padre
metida em hu rico &bè lavrado
relicário de prata.Não fe fabe q
razão ouve pera a apartarem do
corpo- Coftumão no dia da fua
fefta levaremna em prociííaõ po-
la cidade com grande folenidade,
Sc concurfo de povo,por fer o Sã-
to padroeyro delia. Tomou a o
Arcebifpo em íuasmaõs , polia
fobre os olhos, beijou a Sc abra-
çoúfe com cila com tal aífeito, q
parecia a queria meter na alma.
Moílrarãolhe entre outras peças
da Sacriltia hu livro de Efdras de
letra de mão , de q ha tradição
fer
\
 Arcebifyo de Braga, Primas das Hefpanhas.
fcr efcrito poía do mefmo Autor, caminhava,que em nenhum ou
& a vifta delle dà grande tefte- tro tempo vfava delle. Porque
munho de fua antiguidade. Tor¬ eftando nos Conventos nunca
narão à Igreja q he hua cafadef- faltava do Coro a nenhua hora.
compaíTa da mente grande: a in¬ Não pafte nenhu filho de tal pay
vocação he de São Petronio Bií- por efte ponto fem fe compungir,
po da mefoia cidade, ôc martyr^ ou confundir: que ifto não he pa-
A íepulcura de noíío Padre tem rabola, ou remoque efeuro (vfe-
fua capella particular , onde eftà mos do termo Portuguez.) Mo-
muy venerada de toda a cidade. ftràrãolhe também hu troço do
He hum muymento de alabaftro bordão que vfava , Sc outras reíi-
entalhado todo à roda de figuras
D quias: Sc vifitouas fepulturas de
de relevo de perfeita efcultura, q tres Religiofas que na quella cafa
faõ memórias de milagres feus> florecerão em grandes virtudes,
aíTentado febre hum grande al¬ Sc por taes eftão veneradas & a-
tar. No pè defte altar parece hum vidas por Santas. A todas tres lã-
archete de mármore, no qual lhe çou noíío Padre o habito, Sc lhes
diíTerão que eftavão os oíTos de fez profiffaÒ. Como não feriaó
húa Margarita Portuguefa da ter¬ Santas com tal bencao/Os nomes
ceira ordem, que por devaçao do fão Diana de Andalo primeyra
Santo deixada a patria Sc a cida¬ fundadora do Mofteyro, Sc Ceci-
de de Lisboa onde nacera, fe fora lia,& Amanda. Tornou o Arce- ■
viver a Bolonha: tinha fua mora¬ bifpo pera o Convento Sc pediô
da em huã lapa pouco diftante ao Prior que lhe moftraffe a cafa
da cidade, & a vida que fazia era de noviços.Entrou dentro, acudi¬
roais de efpirito Angélico, que de rão todos ao Oratorio. Sc chega-
corpo humano, Sc por tal lhe de- rão a tomarlhe a bênção: Sc elle
rão a quelle lugar na morte.Nao com entranhasde pay foy abra¬
tardara em fayr a luz fua hiftoria çando a cada hum.Nefte paííofe
em cõpanhia dos varoés illuftres ímtiofubitamente abalado de hu
Portuguefes defta Ordem: Sc a defejo de confolar Sc animar a-
charfeâna parte fegunda, titulo quella fantainocência,como nou¬
das freyras terceiras: trabalho Sc tro tempo fohya fazer aos feus
obra do Autor defta. Vifitou deí- noviços de Bemfica: Sc pedindo
pois o mofteiro de freyras da in¬ licença ao Prior afsentoule com
vocação de Santa Ines fundado ellesno Oratorio, Sc aftiftindoo
por noíTo Padre &vio nelle o bre¬ mefmo Prior Sc mtiytos dos pa¬
viário que fervia ao Santo quãdo dres mais graves com aluoroço
pera
 Lmro II. da vida de D. Fr, Bert. dos fi/f ar t.
pera o ouvirem,começou bua pra
dcâ de effilo chio Sc acomodado
pera aquellas idades , mas cbeya
defervoroíbeípirito: Sc foyapri-
meyra parce declarar lhes com
breve prologo a tençlo com que
entrava a velíos Sc fallaríhes, que
nlo cra dar doutrina: que fora ig¬
norância, não fò confiança dema-
íiada entre Padres tio doutos, Sc
tio fantos, como os daquella cafa
tomar elle officio de Meítre : que
fomente o trazia aly golfo eípiri-
tual, Sc a cõíolaçao que fintia em
fe ver na criaçlo dos filhos de tio
fanto pay, Sc onde elle c6 feu cor¬
po defunto eílava comrnunican-
do alento Sc vigor de vida , Sc co
frios oíios acendendo fogo cie de-
vaçao : Sc defejava dizerlhes o
muyto que deviao a Dcos polos ti
rar do mar tempeffuofo do mun¬
do pera o remanfo da Religião, Sc
pera aquella cafa. Profiguindo dif
corria por todos os êiiados do
mundo, por todas as idades dos q
nelle vivilo, Sc polas ocupações,
Sc cuidados de cada hum, Sc em
tudo defeobria tantos defeontos,
tantos trabalhos Sc defconfola-
ções, que claramente moífrava
nao fer outra coufa a vida fecular,
fenlo hum abifmo de tormentos
Sc miferias,& chamarfe co razao
valle de lagrimas: porque ajunta¬
va com as que todos nacédo cho¬
ramos , as continuas dos poucos
aanos que durava a vida? Sc a cf«
fas,ou tras, no fim delia, que Fazia
raais magoadas o medo da mor¬
te, & a vergonha do tempo mal
vivido: Sc fe avia quem riífe Sc
uem fe alegraíTe,era mintira, era
ngiméto,& mafcàra demoftras
falias pera disfraçar amarguras
Verdadeiras: Sc quem cif as nlo
fintia j eííe era mais nòiferavel,
porque tanto mayor Sc mais peri-
gofo era o mal,quanto menos fia
ti mento tinha delíe quem o pade-
cia:fendo como era a vida do pec-
cador, fegundo doutrina de hum
Santo,hui horrenda Chiméta,hu Berm
deíàventurado compojfo, q con-
fíldode tres partes, hua delias era
nada,& as outras duas piores que
nada. Hum nada que éramos an¬
tes de criados, Sc outros dous na¬
das que o peccador ajuntava â na¬
tureza que lhe foy dada, quefaõ
peccados,& as penalidades por eí
les merecidas: porque o peccado
íèndoem fy nada punha aos ha-
més no mais trifte, 8c mais abati¬
do eíladoqae podia fer: Sc os o-
brigava a cõdenaçao depena eter
na,que he o terceiro nada: Sc mui
to pior nada que os outros, con¬
forme as palavras do Salvador:
Bonum erat ei,Jt natus nonfuifset ho- Ate.stf,
mo tile. Melhor ihe fora íè tal ho¬
mem nlo nacera: Sc fora fomen¬
te nada.Por onde a verdade era,q
fòfe podilo chamar no mundo
bemaventurados os que fogindo
pera Q deferto da Religião trata¬
rão
 Arcebijjfo de Braga, Frimas das Hefpanhas.
vão de fegurar aque!le<zw«0,que
fò he neceífario,que he o Reyno
do Ceo,pera o qual fomos cria¬
dos de nada:& muyco mais bem-
aventurados elles, pois Iogravao
os bés Sc quietação da cafa do
Senhor antçs de teré experiencia
dos males que avia fora delia: Sc
ifto em companhia do fepulcro
Sc olíos fantiííimos de noífo glo-
riofo Patriarca, litio bemdito, Sc
folar verdadeiro de noífo morga¬
do^ nobreza: onde naoerapof-
fivel efquecerfe hum Religiofo de
fy com tal efpertador,nem perder
o caminho com tal guia.Que fe a
v- Efcritura Sagrada dizia que os of-
fos de Elifeu profetizarão, porque
defpois de fepultados fizerão mi¬
lagres dignos de fua profecia, Sc
de varão profetico,não duvidava,
que aqueííes virginaes oífos fi-
zeífem raros, Sc maravilhofos ef-
feitos em fuas almas, dignos de
tao grande Profeta,cuja vida toda
nao fora outra coufa,fenão hum
perenne facrificio em ferviço de
Deos, Sc falvação dos proximos:
& defpois de morto, como outro
Gen^°. lofef, que não confintio apartaré-
fe feus oftos da companhia de fua
familia: eftava com elles fazendo
em vivas memórias officio de
Msftre,amoeftando os juntamen¬
te da morte Sc da vida, dos traba¬
lhos, Sc do defcanfo, da batalha,
Sc do triunfo, das miferias da ter¬
ra, & das riquezas, Sc alegrias do
Sj
Ceo. Aqui levantava a voz com
aq uellas palavras. Attendite adpe jr. ,
tram, <vnde exciji eflis: attendite ad ** ‘ * **
Abrabampatrem ‘veftrum.E pedia-
lhes que caindo bem na conta de-
fta grande felicidade do lugar em
que eftavão,no qual fe lhe fora li¬
cito , de boa vontade os acompa¬
nhara & tornara a fer noviço cõ
elles: nãodeixaílem paliar hora
nenhua da vida, nem ainda mo¬
mento , fem levantarem os cora¬
ções a Deos com as graças Sc lou¬
vores, que por ella lhe deviao: Sc
pola mefma razão fe esforçaífem
a correr com grande valor o ca¬
minho da virtude,& conforman-
dofe com a pedreyra, de que erão
cortados Sc lavrados,„& com q
grande Abraham, de que erão fi¬
lhos,teveílem por certo , que afsi
como ali com o bafo de fuas fan-*
tas relíquias os amimava , & a- ’
nimava ; também lã do Ceo no
meyo das celeftiaes delicias que
poífuhia, fenâo podia deícuydar
delles,antes os eftava chamando,
Sc convidando a irem povoar cõ
elle a triunfante Ierufalem, de cu- A%'Me
jos muros a cantaria erão pedras
■ • r „ r c-24. dr
preciolas, as portas erao guarne- 2
cidas & cuberras de pérolas, nas
praças fe pifava Ouro.o dia là não
conhecia noyte, nem o verão in¬
verno,nem a vida fim: dia, verão,
vida, tudo era eterno Sc fem ter¬
mo. Defte ponto fe foy engolfan¬
do em hum difeuríb dos bés da
gloria
 Lmroíí.da vida de D. Fr.Bert.dos Mart.
gloria dado taes novas, Sc fãzédo eftremo de recreação que feu es¬
delia Sc delles tamanhos encare- pirito ndle íintia. Mas q receyo
cimentos,& faudades, como fe jà que tinha aos favores doCardeal,
paííeara fobre as eftrellas,ou tive que eílava certo nao no deixaria
ra viftoo q referia: Sc os brandos gozar daquella quietação,© fez a-
coraçoés dos moços fufpenfos preífar Sc cortar per íeu godo.
Sc pendurados de fu a boca como Mandou aos feus que o vieffetn
com mu fica cxcelléte davao íinal bufear, Sc defpedido do Prior &
do que íintiaoderretendofe em Padres levandoos todos & toda a
fuaves lagrimas, Sc ardentes de- cafa na alma tomou o caminho
íèjos & amor do Ceo: Sc o Prior dc Florença, aonde chegou aos
Sc Padres cftavão admirados da vinte & quatro de Setembro.Lo-
efficacia das palavras, da força q go ao entrar da cidade fe poz a pê
fazião na alma,& comopenetra- em fua acoftumada penitencia, Sc
vao Sc abrafavaõ. Acabou enco* foy com feu companheiro demã*
mendandolhes não perdeííem da dar o Convento da Crdem, que
memóriaaquelíes bés, Sc dellea he do titulo de São Marcos. En¬
teveflem em feus Rofarios, pera trou na Igreja, Sc eftado em Ora¬
que chegaííe a fer companheyro ção diante do altar Sc relíquias de
feu em os gozar. Deixados os no¬ Santo Antonino, alegre de fe ver
viços teve o Arcebifpo recado do na cafa daquelle infigne Arcebif¬
feu fecretário que era entrado na po,cuja vida, & obras tinha pro-
* cidade oCardeal de Lorena.Pollo poífo imitar a todo feu poder, co¬
que determinou partirfe logo,& mo ja começara em aceitar força¬
pedio licença ao Prior pera o fa¬ do a dignidade q tinha,& como o
zer acabando de comer. imitaua no habito Sc profíílaõ Do
minica: chegou hum criado dar-
lhe rebate q não tardaria em en¬
CAPITVLO XX.
trar o Cardeal de Lorena,porque
avia novas que vinha a meya po-
Tajfa o Arcebifpo de Bolonha a fía: Sc o grão Duque hia jà fora
Blorença} & aSena3&fe da cidade efperallo com toda fua
guefeu caminho a Corte, & tres Cardeaes confígo,
Roma, queerão
^ o Cardeal Pacheco,* Sc
Santa flor, & o de Medieis feu fi¬
Ais dias fazia conta lho. Muyto a feu pefar fe levacou
o Arcebifpo dar a efle o Arcebifpo, & fem fazer detença
e
fanco Convento polo fe poz a cavallo,^ deixou o Con¬
vento
 Arceíifyo de Bra^a, Primas das Hcfpanhas.
vento & a cidade por efcapar às
honras &traveíTuras cortezas do
amigo,que finda como verdadei¬
ras períiguiçoes:& náo tinha an¬
dado muyto quando virão que
vinha jà chegando pollo caminho
de Bolonha, daqui o mandou vi-
íitar pollo Secretario mandando-
lhe dizer com termo Portusuez.
que boa prol ihefizeífe canta fe-
ida 8c canta corte: que elle lhe hia
fogiado a redea folta. Ao outro
dia chegou à cidade de Sena pa-
tria da Serafica Caterma Religio-
fadanoíTa Ordé da terceyra re¬
gra , mas entrou logo nas faas
coídas o Cardeal acompanhado
de guarda de Arcabuzeyros, &
gente de cavallo foando pífaros,
Sc atambores, & trõbetas baídar-
das. Qiíiz o Arcebiípo ver fua
entrada, Sc pozfe de parte donde
viíTe fem fer viído, Sc mandoulhe
dizer que na quella forma fe co-
ídumavão em fua terra levar ar¬
recadados os delinquétes de con¬
celho em concelho: que por if-
fo fogia de fua companhia : que
bem íe aviara, fe o acompanhallo
lhe avia de cuidar hir prefo Sc le¬
vado por gente de guerra de çida
de em cidade: Sc logo fe apartou
antes que carregaííe mais gente:
Sca pé fe foy a hum Convento
de dons que aly ha da Ordem.
Hecoídumeem Italia nas terras
em que ha dous Conventos aga-
falharem os hoípedes aos mefes
84,
pera que feja igual a caridade, &
adeípefa.Não tocava recebelloa
eíde,& o Prior fe mandava efcufar
com tudo replicando que era hu
Meidre que vinha do Concilio Sc
paliava a Roma foy admittido:
era fobre tarde, foy chamado pera
a caridade da cea. Achoufe com
hum paõ Sc dous ovos cozidos,
duros, & pouco quentes: eíplen-
dído Sc mimofo banquete pera
quem fò eídes bufeava: chamafe
eida cafa de Santo Efpirito , Sc
eídà nella parte do corpo de Sãta
Caterinafque por iíToa bufeono
Arcebiípo.) Moídroulhe o Prior
no dia feguinte a cabeça da Sãta,
Sc a cadea de ferro com que fe dtf
ciplinava tresvezes no dia, & def-
pois lhe ficava fervindo de cilicio
cingindoa. Vifitou também a fe-
pultura do Santo frey Ambrofio
Sancedonio, que na Ordem cha¬
mamos .Santo Ambrofio de Sena
por cujos merecimentos tem nof-
fo Senhor obrado na queila cida¬
de grande numero de milagres,
Sc eídà nella muy venerado.Infla-
mado em devação deídas memó¬
rias retiroufe a huã capella,& apa
relhavafe pera dizer MíTa. Entre
tanto entrou o Cardeal pollo Cõ-
vento que adivinhava a cea Sc a
má noyte que o Arcebiípo teria
levado:& chamado o Prior per-
guntoulhe fe entrara aly algum
frade da Ordé Efpanhol hofpede,
Refpondw© o Prior o que era, que
' da
 Livro 11J da vida de ZX Fru Bert. dos Man.
da tareie dates erão entrados dons
que diziãoíèr Efpanhoes, &vire
do Concilio, 8c hfi delles Meftre
em Theologia. FinavafeoFran-
cez dc rifo vendo quão innocente
Sc enganado eftava o pobrePrior,
Sc quão bem fe fabia o Arcebifpo
contrafazer pera levar mà vida:
& íbylhe dizendo quem era em
dignidade,& renda, Sc ajuntando
louvores de íua virtude Sc letras,
com que o Frade ficou efpantado
Sc confufo:& dali fe foyjogo on¬
de eílava o Arcebifpo, & queixa-
dofe do engano laçado a feuspés
pediaihe perdões de fu a pouca ca
ridade,& da culpa aíhea.Enaofe
confolava com o Arcebifpo lhe af
firmar que lhe eftava muy obri¬
gado polo tratamento daquella
noyte, porque por elle o avia por
verdadeiro íilho de S. Domingos,
Sc o eítimara maisque todos os
mimos que pudera ter em com¬
panhia do Cardeal deLorena3a
quem perdoaíTe Deos a deíeonfo-
laçáo que lhe dava em lhe tirar o
gofto doutra tal noyte.O Cardeal
não efperou mais no Convento
por fugir às queixas do Arcebif¬
po. E o Arcebifpo também ven-
dofe defcuberto íb defpedio aca¬
bada a Miífa, 8c feguio feu cami¬
nho a Roma, com determinação
de alargar tãto o paíío que pudef-
fe entrar primeiro que o Cardeal,
Sc anticipar na cidade os penofos
afsintesque fem remedio lhe fa¬
zia, corno quem fe tinha ápoftàdo
a fer íua trombeta em toda aqutl-
la jornada,huas vezc-s eílorvando-
íhe a quietação que bufcava nos
Mofteiros,como temos vifto: ou¬
tras em hir contando maravilhas
de fuas partes & fazendo largos
encomios delias a todos os fenho-
res com que fe encontrava.E íou-
befe defpois que nefte oíficio foy
continuando atè Roma com mui¬
tos Cardeaes amigos que oefpe-
ravão & feftejàrão em fuas quin¬
tas 8c cafas de campo antes de en¬
trar na cidade: aos quaes contava
com grande fefta as traveffurasq
lhe viera fazendo, & a pena que o
Arcebifpo recebia de lhe elle to¬
lher as fomes, a que armava com
feus disfraces»
C APITOLO XXL’
Chega o Arcebifpo a Romade-
vao o Emhaxador com artificio
afua cafa.Pajfafepera o Cd-
vento da Minerva : don¬
de por mandado de Sua
Satidadetornape-
racajado Em¬
haxador.
i
PU
Wh
I A dc São Miguel via
te nove de Setebro pol¬
ia manha chegou o Ar
cebifpo à viíla de Ro¬
ma, Tanto que defcobrio a cida-
' ~ de,
 A'ndifto de Braga, Primàs das Hefianhas.
de,apeoufe co todos os feus, poz
os joelhos em terra, & cheyo de
alegria &'devaeao em feu efpirito
começou a dizer.Salue ò mãy nof-
ía: falve ò máy fanta : eícoila da
Religião Chriftam,coluna Ôc fun¬
damento da verdade: dondefaea
luz que alumia o mundo, Sc o co-
nheciméto do fu mm o bem. Deos
te guarde fermofa cidade, depofi-
taria fídeliíTima dos fagrados cor¬
pos dos Príncipes de toda a Igre¬
ja Católica São Pedro ScSàõ Pau¬
lo, que com feu fangue derra¬
mado por tuas praças em honra
de Ie s v Chrifto, te fizerao mais
Iíluítre, do que o eras por tantos,
Sc tao famofos Emperadores, &
por aquellesque te derão o nome.
O fete montes fagrados,ar fae def
fas Aras Sc edeficios benditos, q
recreando eíta alma ma enche de
efperanças que acharey em vos
alivio da carga que tanto me opri¬
me & q fò me traz a vòs.E acaba
do co hu fofpirQ,&cõ os olhos no
Ceo , virou pera os cõpanheiros,
Sc fezlhes hua devota pratica lem
brandolhes o refpeito &reverécia
c6 q fe avião de aver na cidade,&
tratar outorgares fantos deila.E co
quanto avia inda híi bo eípaço de
caminho por adar,foyfe co todos
apè:& ãdãdo hia cÕtinuãdo a pra
tica q começara,& dizia:etramos
filhos nefta íamofa cidade,cabeça
daCbriftãdade,fonte de toda dou
trina 3c fatuidade: dods o mudo
gf
todo tira decretos dá fè.& da Reli
. W *_ ^
giao q profeífamos, & exéplos de
virtude,Corte córrmde todos os
Catolicos, & gèral hofpedaria de
eftrageiros, Aqui refide o Vigário
de Chrifto,& fu ceifo r de S.Pedro
Príncipe fupremo Sc cabeça da 1-
greja. Aqui oCollegio dos Car-
deaes cõ grades Prelados,& altas
dignidades. Aqui achareis a cada
paífo muitas coufas q vos fação
devaçao Sc vos edifique muyto.
Porem como os q neila morão Sc
tratão nãofaó Anjos pernature**
za,ne cõfirmados em graça, roas
faõ bomês & filhos de Adão, co-
feííovos q pode aver defeuidos Sc
fraquezas humanas, afsi como he
certo q ha muita virtude &muita
fantidade.Peçovos muito meus fi¬
lhos,q dos bes vos aproveiteis,&
os males íe algus encõtrardes, né
vos efcãdalizé,né vos fação cahir.
Deíles muros a détro he terra fan
ta toda a q pifamos,de forte q po¬
deis crer, q não pondes pè, q não
feja fobre cinzas de K4artyres. E
diílo não duvideis, q lido tenho
averé padecido neila por Chrifto
trezentos mil Martyres. Que nu¬
mero fera o dos Santos ConfeíTo-
res ? Qual fera o das Virgés?
Infinitos devem fer. Em toda
parte he grande mal cffender
àquelie Senhor que nes criou:
aqui onde tantas couías ebri-
gao afervillo , feria a culpa do¬
brada, Pefcaiçaros çapatos man-
P dava
 Liuro //. davidâ de D. Fr.
ftava Deos aMoyfes avsfandooq
afsi convinha,porq eftava em ter¬
ra íanta.O q vos encomendo,& o nas eftradas:& ou folfe pola medi
que a todos nos convé, he grande
aparelho de devação,& pureza da
alma que efte he o verdadeiro def
calçar dos çapatos pera vifitardes
os lugares pios & eítacões fantas,
& alcançardes as muitas & gran¬
des indulgências que ntllas te ga¬
nhão. E affi agradecermos todos
a Noíío Senhor a grande mcrcè q
íiostefeyto em nos trazer de tão
loncre &c com faude àvifta deites
San&uarios. Eftas & outras pala¬
vras be dignas de feu efpirito lhes
hia dizendo. Mas vendoíe jà per¬
to da cidade adiantoufe cõ feu cõ
panheiro , & apertou o paíTo por
entrar mais dirsimulado. Eratm-
baixadojf de Portugal em Roma,
como atras diílemos, D. Álvaro
de Caftro,& eftava aviíado da vin
da do Arcebifpo aquella Corte, &
do diaquefahiradeTréto, & do
caminho & diligencia que trazia.
E lançando boa conta efperavaq
poderia fer entrar naquelle dia.
Defejava irbufcallo ao caminho,
Sc acompanhallo, & trazelo a fua
cafa afsi por obrigação, & honra
de feu cargo: como polapeíToa,&
dignidade do Arcebifpo, & não
menos pollo grade nome q tinha
diante de S. Santidade, Sc de toda
aquella Corte, em que eftava a ve¬
ta jado a todos os Prelados do Cõ
cílio fem fazer agravo a nenhú;de
JBert. dosMart.
que refultava grande honra a efte
reyno. Afti determinou ter efpias
da que tinha tomado ao caminho
& ao tempo : ou a cafo, defpedio
aquella manhã dous criados a ca¬
vado com ordem que fahiífem po
la porta & caminho de Sena hum
bom efpaço,& fe o encontraíTem,
hum voltaífe logo em todadiligé-
cia a darlhe a r.eva: & o outro fi-
cafte cõ elle prccurãdo entretello
pera lhe dar tépo de poder fahir a
rectbello com todo o acõpanha-
mento & aparato que a tal peftda
fe devia. Ambos o toparão fé dar
fè de quem era, porque ainda que
o teverão bé conhecido de roíio,
baftante razão era pera o defeo-
nheceré,o modo em que o virão.
Paliando a diante derão com géte
junta: era a familia do Arcebifpo:
perguntarão novas de quem buf-
cavão. Hum lhes deu as com que
ficarão fatisfeitos, pera voltarem
ambos a redea folta a ver fe o po-
dião inda alcaçar.Mas elle jà nefte
tépo eftava na Igreja de S. Pedro
em Vaticano vifitando com quie¬
tação & alegria as relíquias dos
Santos Apoftolos. Difte logo Mil-
ía, &defpois recolheofe na mef-
ma Capella, vendoa mais defvia-
da do concurlo da gente , pera ef-
perar hum criado que do cami¬
nho defpachara ao Prior do Con¬
vento da Minerva com cartas do
Geral da Ordem frey Vicente
luili-
 u4recfaJJ?o dc Bvdgd, Vvtwias dâs Hefpdfjhds.
laítiaiâno & faas, pera fe lhe def-
pejar a hofpedaria pera feu apoie
to.SoubeoEmbayxador dos feus
como rinha o Arcebifpo na cida¬
de, &nao fendo jà tempo pera ou
tra coufa , mandou a toda preíTa
quãtos tinha é cafa, q repartidos
por todas as ruas lho defcobriíTé.
Dons q forão mais advirtidos,de-
rão ambos jutaméte cò elle, onde
cuidou q mais efcõdido eítava: &
de parte doEmbaixador lhe diíTe-
rao tudo o q em boa cortezia era
devido, pera o obrigaré a querer
irfe pera elle,8c aceitar fna cafa re
ferindolhe as diligeeias q desde ã-
te manha tinha feito, pera ter té-
po de o ir bufear ao caminho. Sa-
biafe o Arcebifpo deféder,8c efta-
va íintido do pouco q lhe valera a
madrugada:não ouve coufa que o
moveífe. Levaraono étão por ma
nha. Diderãolhe q a Minerva era
lõge, & fe fazia tarde pera efperar
aluqfedevia ir pera à,qelleso
guiarião,8eacõpanharião.Porfià-
rão tanto,q à pura força o tirarão
da Igreja (q acabão muito os im-
portunos)& parece q adevinhava
o q avia de fer. Forão atravelfádo
de hua em outra rua: 8c elle lébrã
dolhes fépre a promeífa. Em fim
derao có elle em cafa do Embaixa
dor.Quãdo o teverão à porta, dif-
ferãolhe q eftava perto da Miner¬
va : mas q feria milhar efperar aly
o recado q là tinha mandado.En¬
tretanto foi avifado o embaixador
S6
8c fahioâ rua;&levãdoo nos bra-
ços, dezia. Como fe cÕpadece, fe-
nhor Arcebifpo, q faça tantas dili
gécias por fogir dos Porcuguefes,
qué tantas 8c tão grandes té feito
polos hõrar. Olhe V. S.q a rezão
quer,q ou não faça tanto por nos,
ou feja mais humano,& fe dé me¬
lhor cõ nofco.Não avia coufa q o
dobraífe fintido do engano dos
criados.Mas o Embaixador foube
dizer tantas coufas,& era tao cor-
tez 8c bé entendido, q em fim aca
bou cõ elle ficar a jatar:pore com
cõdição que defpois lhe não faria
mais força,& o deixaria ir pera os
Frades. Affi comerão ambos com
particular goílodo Embaixador,
q fobre mefa começou de novo a
provar todos os meyos, 8c lanços
de bõ cortezão pera o perfuadir a
lhe não fazer tamanho agravo, co
mo feria faberfe naquellaCorte, q
defpois de eítar ern fua cafa, fora
bufear outra eftalagé. Mas era té-
po perdido, q o Arcebifpo valeo-
fe da palavra dada, 8c levantoufe,
como fogindo. Foife no mefmo
rempo o Embaixador ao facto
Palacio,& fez fua queixa ao Papa
cõtãdo tudo o q tinha pafíado cõ
o Arcebifpo,& pedindo de merce
q S. Sãddade lhe mandaífe q não
aíojaífe noutra parte,fenaõ é fua
cafa. Sobre tarde foi à Minerva
vifitallo, & tornoulhe a fazer fuas
inftãcias cõ novas razões &c aper¬
tados encarecimétos. Querédofe
P z defpe-
 Livro 1L da vidadeD* Fr. jBert. dos AFart.
[ir defefperado ja de o po¬
der vécet, entrou o Fihco rror do
Papa polo Cóvéto,& diííe ao Ar*
cebifpo defpois de lhe fignificar o
goftaqS. Santidade tinha de fua
vinda, qjutamente lhe mandava
fobpCna delanta obediéciafe fa*
bilíe logo daquelle Moífeiro, Sc
& foffe fer feu hofpede no Sacro
Palacioi&naofecõtétando deite
apofento,em tal caio fe averia por
fatisfeito, com q feíoíTe pera cafa
do Embaxador de Portugal. Affli
giofe notauelmête o Arcebifpo co
eíle recado: Sc quiz começar a ín-
terpretaliopor efpecie de fâvor,&
hora cj S.Santidade lhe queria fã-
Zer,& não por mãdadoexpreílo.
Mas acudio o efcrúpulo q fempre
o acõpânhava de cahir em culpa,
Sc em fim por fogir a d< fobedien-
cia,efcoíheo por mais humildade
|ã que avia de deixar os feusFta-
des,ir co o Embaixador, ficando
elles fintidifsimos deperderem tal
companhia:& tanto mais,quanto
vi ão ashõras extraord:narias,q S.
Sãtidade lhe fazia, de q efiavão ío
bre maneira admirados.
CAPITVLO XXIl.
Come o Tapa mandou chamar
o Arceb>fpo:(jf das honras q lhe
fez. :& ac alguas par ticu laru
dades que teve ccm elle^
da facilidade tS amor
coqo tratava.
$
<Wfi O mefmo dia fobre
W*.
w
m |í| tarde fez fu a entrada 0
4-'
Cardeal de Lorena c
foy recebido como ta
peífoa có grade fõpa, polos dous
Cardeaes íobrinhos de S.Santida
de Borromeu Sc Altéps:os quaes
oforãobufcar fora da cidade, & o
levarão ao Sacio Palacio,onde fòi
apofenrado.ComooFrãces vir,ha
tão affciçoado ao Arcebilpo , na
primeira audiência que teve de S.
Santidade gafiou tépo em lhe dar
cota de fua peíloa & partes, acre-
ditandoasfião menos do q vinha
fazendo polo caminho: & ainda
d,ífe mais.Porq affirmava que tu¬
do era nelle em fupremo graóa
\irtude;letras,zelo,obfervanciare
hgiofateleyção acertada em apon
tar, efficacia em perfuadir , liber¬
dade fanta no vorar:de feição que
não avia pederfe difeernir em
qual fe efmerava mais. Defpois
lhe foy particularizãdo o an oi q
tinha ao feu eftado monafiico, &
àquella pobreza Sc vida humilde,
Sc o que trabalhava por incubrir
â dignidade fò a fim de fer pouco
refpeitado, Sc maltratado. Enão
calou as traveíínras com que o
perfeguiafazendoo conhecer por
qué era, quãdo mais difsimulado
eftava. Tudo folgava o Papa de
ouvir, & como tinha outras infor¬
mações gèraes de fua peíloa por
cartas de Portugal delKey Dom
Sebaftião, Sc do Cardeal D. Anri-
que,
 Arcehifyo de Braga, Primas das Hefpanhas.
que,& as q lha mandavao os Car
deães Legados quotidianamente
do Concilio, das razoes & voto q
dava em todas as matérias eldava-
lhe por eíiremo aífeiçoado, Sc a-
viafe por obrigado a ihe fazer mer
cé Sc honra. E cõ o grande defejo
que tinha de o ver,logo à fefta fei
rafeguinte terceiro dia defpois de
chegado lhe mandou queofoííe
ver. Foy o Arcebifpo fõ com feu
cÕpanheiro, Sc a pè. Recebeo o S.
Santidade todo rifonho & alegre,
Sc cÕ honras muy differentes das
coftumadas cõ outrosPrelados de
igual dignidade.Bei/ouíhe oArce-
bifpo o pè com muy ta humildade
Sc gravidade. Ao íevãtar inclinou
fe S. Santidade como q o queria
abraçar , ou ajudar a levantar : &
madou o aífentar & cobrir.Pedio
lhe o Arcebifpo íicéça pera entrar
|fua familia & ver a S. Sant. Deu-
lha, 6c entrarão, que eftávão ja na
antecamara em copanhia do Em-
baxador.Saydos elles fez o Papa íi
nal q defpejaífem todos os mais q
avia na cafaficou fò cõ o Arce
bifpo,& deteveo hu grande efpa-
ço perguntandolhe muitas coufas
cõ eítranha affabilidade. Como o
Arcebifpo teve lugar de fallar tra
tou logo de fe abfolver daobedié-
cia cõ q S.Santidade o fizera hof-
pede do Embaxador,affirmãdo q
não fc atrevia a fofrer tãto rugido
de fedas como tinha em feu apo-
fento;né tantos mimos como lhe
8/
punhao na meia:que era frade, 6c
•não fabia viver fem frades :quefof
fé S. Santidade fervido darlbe licé
çaperafe tornar â Minerva leva-
tãdolhc o preceito. RiaoPapada
efficacia &c anfia com que o Arce-
bifpo requeria, 6c rindo difsimu-
Iava,&; mudava o propoíico. Mas
vedo q não deixava o requerimê-
to, 6c toda via apertava com infta
cia: diífe q lhe outorgava a graça
como foflefem perjuizode tercei
ro,q era o Embaxador,& a rezão
pediaq foíTe primeiro ouvido: &
coníintindoelle, avia a obediécia
por alevãtada. A eííe tépo entra¬
va pola Camara oEmbaxador era
• cõpanhia do Cardeal de Lorena,
E o Papa tanto q os agafalhou c<5
as cortezias coílumadas, diífe em
voz baxa pera o Embaxador. Vos
não confintais, Sc fe o quereis ter
cõtéte, não lhe deis a comer mais
q dousovos duros.EntédeooEm
baxador o que podia fer: 6c comò
eftimava ter o Arcebifpo em fua
cafa tanto, como elle defejava fo-
gir delia,diífe alto,q não cõfintia,
&proteílavaqfe lhe fazia agravo.
Finalmete defpedidos do Papa to
mou o no coc ie,& tornou o a le¬
var coníigo, 6c em fua cafa o teve
todo o tepo q refidio é Roma.No
dia feguinte vilitou o Arcebifpo
as fete Igrejas: Sc dahi em diante
quafí todos os dias era chamado
de S. Santidade, Sc híías vezes
Q mandava ficar a jantar: outras
P S COUVÍ-
 Li tiro ILda vida de D, Fr.Bert.dos Mart.
çonviáava o pera o dia fcguinte
mortrando particular gofto de tra.
tar cora elle. E foy crecendo eíVa
facilidade & favor de for te, q deu
em híía muyeftreita familiarida¬
de: & tal que chegou o Arcebis¬
po a advircillo de confas importã-
tes ao bem com mu m da Igreja,&
a feu officio Paftoral, das quaes
contaremos algúas. Apontavalhe
o Arcebifpo com hua liberdade
humilde erros, &abuzosq avia
era partes da Chriftadade no go¬
verno Ecclefiaftico; & com peito
de varão Apofiolico amoeftavao
que convinha n£o tardar com o
remedio, q pera iíTo o tinha Deos
poílo naquclle lugar fupremo,pe¬
ra vigiar & acudir a tudo: q fe fe
defcuidaffe/quãto era mayor a hó
ra,tanto feria a cota mais eílreita.
Tinha o Papa hum entendimen¬
to muy vivo Sc docii, & era natu¬
ralmente brando & bem inclina¬
do: ouvia o com attenção, Sc co¬
mo fe converfara com hum igual
feu, huas vezes lhe dava deícar-
gos:outras lhe pedia cõfelho, ou
remetia o remedio das cousas ao
Concilio,agradecendolhe fempre
as lembranças. E como enxerga¬
va em todas profundo juyzo de
quem lhas fazia, hia formando
mayor conceito cada dia do ho¬
mem,maravilhado de ver que em
tao pobres hábitos, & tao humil¬
des palavras ettiveíle efeondida
hua tamanha luz de zelo, de vir-
tude, de prudência. Defpo:$ das
matérias publicas não le defeuy-
dou o Arcebifpo das particulares
fuas,& de fua Igre ja: Sc conforme
aos tempos & propefitos em que
fe achava com Sua Santidade , fe
hia defearregando defevsefcru-
pulos pedindo licenças,renedios,
& auxílios do poder luprerr o, de
que convinha citar provido pera
muy tos cafos & defccncertosq
tinha notado em fuaDioctfioc-
correrem a cada paífo: & quem
vivia no cabo do mundo não po¬
dia com cada coufa recorrer âSè
Apoifoiica. E o Papa como tinha
|à tanta fatisfaçao delle, em aca¬
bando o Arcebifpo de propor o
cafo, ou recefsidade , Sc declarar
fua pefção, logo lhe concedia tu-
do:& algúas vezes lhe dizia com
bondade Sc candideza de Princi-
pe.Nao fey que he iíio Bracaren-
íe,que vos não poílo negar nada.
E em certo negocio lhertfpõdeo
hua vez. IíTo que me pedis,atèoje
o não tenho concedido anirgué,
mas a vòs nao no poffo negar;
Fiat. E outra pedindolhc licença
o Arcebifpo pera lhe failar em
hua matéria, diíTe. Podeis failar a-
gora, Sc à tarde, antes de comer,
Sc defpoes de comer, Sc todas
quantas vezes quizerdes, porque
fempre vos ouvirey de boa vonta¬
de. Levou o hum dia conílgo paf-
feanio até o jardim famoío dos
Papas, que chamão Belveder, Sc
mo-
 Arcchíjj)o de Braga, Vrimas das Hefpanbas.
mortrãdolhe as obras que fe hião
fazendo diííelhe íbrrindofe, como
quem lhe fabía jà o humor: porq
não fazia lã na fua Braga hus Pa¬
ços como aquelles.Santifsirno Pa¬
dre, refpondeo o Arcebifpo, não
he de minha condição ocuparme
em edifícios que o tempo gaita.
Não ignorava o Papa que avia de
fer efta a reporta:& com tudo tor
nou a inftar, & di ífe. Pois que vos
parecedertas minhas obras? En¬
tão com mayor energia refpon-
deo.O que me parece,Santifsimo
Padre,he que não devia curar V.
Santidade de fabricas que cedo
ou tarde hão de acabar Ôc cahir.
E o que digo delias he que de tu¬
do ifto pouco,&c muyto pouco,&
nada: & do edifício temporal das
Igrejas feja mais do que fe faz.
Mas no efpirituaí,ahi íim, que he
rezão ponha V. Santidade toda a
força, & meta todo o cabedal de
feus poderes. E por não ficar com
eícrupulo de dizer pouco onde via
defpefa groffa Ôc mal em prega¬
da,foy carregando a mão & ajun¬
tando razões, âs quaes o Papa cÕ
fua natural brandura acudio com
eftas palavras. Pois que ha de fer?
Quereis que deixemos a obra
imperfeita? Eu na verdade não
fuy Autor delia,que não fou ami¬
go de gaftar dinheiro em vayda-
des : acheya começada, folgarey
deaacabar,que também não te¬
nho outros paíTacempos, em que
me ocupe.
&$
CAPITVLO XXIII.
Como advirtio o Arcebifpo a S.
Santidade de bua Cem rezJao
q naqueíla Corte fe ufava
com os Bifpos: & fua
Santidade are-
me diou lo-
í°-
Eseiavam os Pa¬
a dres do Concilio, ôc
m *2
procurarão com gra¬
mm. de cuidado achar al¬
gum meyoefficaz & poderofo pe
ra atalhar os muytos inconve¬
nientes que fe fíguiao dos Matri¬
mónios clandeltinos. Ventila¬
do o negocio quiferao antes de
vitima refolução coníultar a Sua
Santidade, & pareceo bé quefof-
fe por meyo do Cardeal de Lore-
na &. do Arcebifpo, pois hyão a
Roma, 8c levavão acargo outras
matérias que os Legados lhes ti-
nhaõ~cometido. Defpois que o
Papa os ouvio,mandou fazer huã
junta de Cardeaes ôc Bifpx>s em
fua prefença pera refolver a caufa.
Iuntàrãofe os chamados no dia
ôc hora aííinada.Entrando diante
de Sua Santidade aífentaraõfe os
Cardeaes em feus lugares: ficarão
os Bifpos em pè,& as cabeças def
cubertas. Foy o Arcebifpo dos
chamado^Deu feu vocoreíumin»
P + do
 Liuro II. da vida de D. Fr. Bert. dos Ãíarl.
efe toda a matéria em breves ra¬
zoes,tão fuftânriaes & tio douta-
mente apontadas , que deixou a-
todos admirados.Mas ficou muy
defcótéte não levando em pade¬
cia ver muytos Bifpos velhos Sc
honrados pofios em pé Sc desbar-
reta dos, & aífiftiré allí alguãs ho¬
ras que a junta durou, quando os
Cardeaes efiavao bem aílentados
Sc cubertos. Pareceolhe aéto feo
(nãofòdefarrezoadoj pera Corte
Romana, & indigno da Igreja de
Deos, Sc efiranhou o mais, por
íèr a primeyra junta em que fe ti¬
nha achado.Logo em faindofea-
partou com o Cardeal deLorena
pera defcobrir que animo tinha
no cafo. Achou o baftantemente
defgoftado, & os Bifpos Frãcezes
que trouxera configo que todos
forao prezenteSjlincidiíTimos.Pe-
dio entaõ ao Cardeal q eile como
peífoa de tanta autoridade diíTef-
fe a Sua Santidade o que entedia*
Mas nao no pode perfuadir: por¬
que nas Cortes o medo de defa-
gradar ao Príncipe,inda que os
males fejão patétes, faz mudas to¬
das aslinguasras q os nao gabao,
cu/dao que faze auto de virtude,
porque nao falta quem os louve
encontrando o entendimento.
Foyfe o Arcebifpo pera cafa car-
regadiííimo com o efcrupulo de
aver de ficar em filencio coufa a
feu parecer tão erradarmas deter¬
minado em não fahir de Roma
fem fe defcarregar delíe, ãvlfoíl
logo ao Cardeal, q pois não que¬
ria aduiftir a Sua Santidade, tão
pouco lhe fignificaífe nada doq
ambos paliarão. Porque nao era
bem que eftiveííè prevenido, fe
Deos deparafie algua boa oca-
fiáo pera o que elle Arcebifpo de
terminavafazer.Rcíoiutoo Arce¬
bifpo em dizer ao Papa feu pare¬
cer com aqueíía confiança que a
pureza de íua tenção lhe dava,
quiz primeiro dat conra ao Car¬
deal Alexandrino frey Miguel Gif
lerio, que defpois foy Papa Pio
Quinto. Efteo defcontétou mais
que o de Lorena,porque o deferi-
ganou affirmandolhe queíèria té-
po perdido,por fero cofiume furr
dado em antiguidade de muytos
annos. E replicando o Arcebifpo
que toda via cfiava cm propofito
de provar a mão, Sc dizer o que
fíntia. Com a mefma refoluçao
lhe tomou cõ palavras formaes.
DiceSyfed nihilperjicies.Diteis, màs
nada acabareis. Paliados poucos
dias, eis que manda o Papa inti¬
mar outra junta como a paliada
de Cardeaes Sc Bifpos: Sc recado
ao Arcebifpo pera fe achar nella.
Veolhe a ocaíião como a pudera
pintar:& pola não perder,porque
a junta avia de fer à tarde, foyfe
aqueila manhã a Palacio. Entrou
logo, que pera elle não avia porta
fechada,nem detença.Fallou a S.
Sãcidadeem alguas matérias das
que
 Arcebijfoo de Braga, Frimas das Hefp anha$,
que trazia a cargo de Trentora-
pontou nellaso que entendia cõ
advertências imporcanres perafe
poder dar fim com brevidade ao
Cõcilio como S. Satidade defeja-
va.Agradeceolhas S.Santidade Sc
moftrou tanta fatisfação delias, q
lhas pedio por efcrito prometédo
de não tardar em as dar à execu¬
ção , porquão acertadas lhe pare¬
dão, Sc com eíie gofto continuou
dizendolhe q em todo cafo que¬
ria, q da volta q fizeífe pera Efpa-
' nha acabado o Concilio tornaífe
a Roma. Não differio oArcebif-
po a efte põto,mas fòy profeguin
do nas coufas do Cõcilio, Sc pera
tomar chegada ao feu efcrupulo,
pegou dos pÕtos da Reformação
Sc defpois de encarecer quanto
importava pera aver bom fu ceifo
nelía começar a cortar pellas pef-
foas Sc cafas mayores Sc de mais
dignidade, louvoulhe com pala¬
vras graves Sc nada hfongeyras
hum coídume muy acertado que
Sua Santidade tinha introduzido
de pouco tempo, contra outro q Senhor noffo,&fu Cederão no lu¬
oor errado extinguira,o qual pol-
o vío Sc antiguidade fe nãoeftra
nhava janaquella Corte-Mas San
tiííimo Padre (acrecentou o Ar-
cebifpo) huã obra tão fanta Sc de
tanta jufíiçanão temindafua per
feyçaõ. Que fe V.Sãtidade tirou,
Sc não contente, que os Bifpos q
aííiilem à fua meia eftejão em pè
&defcuberto$,como em tempos
atras fe fofria: que piais razão h?
pera eftaré da meíma forma nas
juntas Sc congregações, quefete
diante de V. Santidade, como no-
tey nefta vitima, que durou tres
ou quatro horas, Sc todas effcive-
rãoem pè quantos B(fpos forão
prefentes , Sc com os barretes na
mãoíTuntandofe outra defigualda
de que pera o meu entendimento
faz o cafo mais indigno, a qual foi
Ver no mefmo tépo os Cardeaes
bem aífentados , & íuas cabeças
cubertas.Se os Bifpos,em quanto
Bifpos faõ fuperiores aos Car¬
deaes , em quanto íbmente Car¬
deaes (porque jâ deixamos decla¬
rado no Concilio, que os Bifpo?
tem o primeiro lugar da igreja)
em que juftiça caberá que os Car^
deães que he hua dignidade iníii-
tuida fomente por authoridade Sc
confelho humano,fejão aventaja-
dos diante de V. Sancidade nas
honras do barrete Sc aífento , aos
Bifpos q forão criados por autop
dade Divina pello mefmo Chrifto
gar dos Santos Apoftolos ? Que
razão pode aprovar que onde os
Cardeaes eftão com tanta honra.,
fiquem os Bifpos fem nenhua hu-
milhados,& abatidos, & afronta¬
dos? BeatiíTimo Padre, os Bifpos
em quanto Bifpos faõ voífos hir-
rnãos,corno taes hao de fer trata¬
dos. Ouvio o Papa tudo com artê-
çãojcomo coltumava ouvir o Ar-
cebiípo
 • í
L iu ro 1/. da vida âe D. Fr. Be ri. dos Mart,
cebifpo : & no cabo dealbe por
reporta , c]ue o curtume era anti¬
go,não invenção fua,afsi o ufavão
feus antecertores,&os Biípos não
no eftranhavão:como avia elle de
fazer novidade em coufa que o te
po tinha tão aífentada & corren-
te?Não fe acovardou o Arcebifpo
Sc replicou afsim. V. Santidade
por fu a grandeza Sc benignidade
ine tem dadodicença que lhe falle
livremente nas couías: neftaeftou
> vendo, que polia pcífoa que repre
fenta na terra, me manda que co
dobrada liberdade me declare,
pois a caufa he toda de Deos : &
fe o eu não fizerte feria grande cuí
pa minha.Beatifsimo Padre, falla-
do com o devido acatamento , Sc
com a verdade Sc zelo que fou o»
brigado a erta Santa Sede, iffò he
I3t.fi?tri claramente dominariin clero. Cou¬
fa que o Apoftolo S. Pedro, cujo
fuceíTor he V. Santidade,Sc o ferà
longos & felices annos,nao apro¬
va na fua Canónica. Fòra, fora
com eíTas velhices E fenao deme
V. Santidade licença pera pergu-
tar: fe V. Santidade afsiftira no
fanto Concilio,que termo avia de
mandar ter com os Bifpos? Não
aviao de eftar artentados ? Claro
eftàquefy. Pois nãoheargume-
to que convence de mayor a me¬
nor? Se lã ouverão de ertar aííen-
tados em adio tão publico, Sc cõ-
greçao univerfal aos olhos do mu
do todomão he muito mais rezão
I
& juítiça, que fe aííentem cã em
hua partícula* que V. Santidade
faz?Parece certo que não tem ifto
nem replica, nem duvida. Fizerão
tanta impreíTaõ ertas razões no
peito do Papa afsi por fua nature¬
za inclinada a todo bem& juftiça,
como poia força dcllas,que fe deu
por perfuadido, Sc moitrou agra¬
decer o aviío. Porque entrando o
Cardeal deLorena, defpois de ido
o Arcebifpo, dealbe Sua Santida¬
de conta de ioda a pratica, & per-
guntoulhe feu parecer, o qual foy
em confirmação do do Arcebif¬
po, & acrccentando que fallara co
mo letrado, & como zelofo da ho
ra cie Deos, Sc da dignidade Epif-
copabChegou a hora da janta, q
como fica dito, eftava notificada
peraamefma tarde. Entrarão os
chamados. E Sua Santidade, an¬ »
V'
tes de propor a matéria em que
fe avia de votar,fez hua concerta¬
da pratica bem digna de hu Prín¬
cipe prudente,& temente a Deos,
qual elle era,dizendo entre outras
coufas, que a mayor infelicidade
cj podia acontecer a qualquer go¬
vernador de hua republica, era
faltar nos íubditos zelo ou confiã-
ça pera o advirtirem & aconfelha-
rem. Porque não barta pera acer¬
tar, aver bom entendimento &
bõs defejos em quem governa :q
muitas vezes fucede os que ertão
de fòra, Sc a quem as coufas não
toçaoj cahirem melhor nos parti¬
culares
 Arcebifpo de Braga, Primas das Hefpanhas.
calares delias,que aquelles q com
muyto confelho 8c confideraçao
as manejão. Que ifto dizia, porq
fora advirtido de hua fernrazão q
corria naCorte , que na verdade
nao ignorava que o era: mas por
eítar confirmada com tantos an-
nos,quequaíi paííavapor ley, 8c
parecer por húa parte que redun¬
dava em augmento da Magefbde
da fu prema cadeira: & por outra
que fendo permittida de feus an¬
te cefFores tao fabios & tao fantos
Pontifices,era hum genero de de-
maíiada confiança querer ellefò
emendalla:a coníintira & deixara
paílar atè aquella hora. Mas que
erao tao boas as razões de quem
o advirtira que fora o Arcebifpo
de Braga que prefente eftava,que
logo a queria remedear. E decla-
randofe de todo mandou aos Bif-
pos que fe affentaíTem, 8c como
eftiverao alternados fez final que
fe çobriíTem : & afsi procedeo 8c
acabou ajunta. E ficou parafem-
predeíterrada a mal confiderada
cerimonia antigâ com grande hõ
ra do Arcebifpo pera em todo té-
po que delia fe fizer memória.To
dos os Bifpos que fe acharao na
junta em eípecial os Francezes, q
erao novos nos coílumes da Cor¬
te^ levavao pior aquelle,efperá-
rão o Arcebifpo na fala, & nao fe
fartavaodelhe dargraças engran
decendo a obra comoverdadeira-
meute heroica, 8c admirados fo-
Sfo
bre maneira da liberdade q ufava>
8 c muyto mais do fruito que viaõ
feguir delia. Chegoufe também a
elíe o Cardeal Alexandrino,& dá
doíhe os parabés dizia: quem po¬
derá agora com Monfenhor Bra-
carenfe que eítá vitoriofo?
CAPITVLO XXIIII
Das honras que o Pap afaria
ao Arcebifpo, eA de outra
advertência que o Au
cebifpolhefe&. '
Onvidava oPapa
ÍffilKÈÍ alpuas vezes aoArce-
SMÈ bifpo a jantar, huas ve-
fJzfJk zesfò,outras em com¬
panhia do Cardeal de Lorena, 8c
por mimo 8c hora particular mã-
dava que elle lhe lançaííe a toalha
quando lavava as mãos antes, 8c
defpois de comer.Hum dia o má-
dou chamar para certo negocio
em que le gaftou a manha toda,
defpois mandoulhe que fe ficaíTe
a comer com elle. O modo era q
fe punha outra mefa hum pouco
afaftada da de S. Santidade, &
nefta comia o Arcebifpo. Deita
vez mandou Sua Santidade qlha
pegaííem com a fua,queo queria
ter muyto junto de fy, 8c ouvillo
de perto. E quaíi em todo o tem¬
po que durou a mefa nao tratou
doutra coufa, fenão louvar 8c en¬
gran?
 Livro 111 da vida de Dl Fr. Bert. dos Man.
gradecer os Portuoucfes,
K.J s
encare-
cedo aos aííiíf entes feu esforço Sc
valentia, & a famofa vitoria que
no annoatraz avião aícaçado dos
Mouros de África no cerco de
Mazegão,de que moftrava,tevera
particular godo: & dizia q tinha
por certo náo fer menos libera! o
Ceo de Portuga1 em criar excdlé
tes engenhos &profundos juyzos
para todo genero de letras & fci*
encias:que de ânimos generofos
pera as armas.E que bem fe vira
o exemplo na quelle ano: no qual
em hú mefmo tempo hus fulien-
tando valerofamente o impeto
de toda África junta, à viva força
de braço êc armas corporaes fi-
zerão retirar 8c dar as cofias o
Rey infiel de Marrocos vécido Sc
desbaratado com grande gloria
de Portugal & donomeChriílão.
Outros com não menos honra Sc
valor aífiífião no arrayal de Deos
em Trento ajudando com armas
cfpirjtuaes de confumadafciécia,
8c trabalhando com eftndo con¬
tinuo por darem perfeita vitoria à
Igreja Catholica contra os ereges
feus capitaes enemigos. Mas que
fe náo efpantava, quando punha
os olhos nos Reys por quem eráo
governados Sc a quem ferviao, q
por todas as idades tinhao moílra
do táo alco valor nas armas, tanta
virtude Sc zelo na fé, que náo era
fácil de averiguar em qual fe avé-
tajavão mais. Daqui tomou o Ar-
cebifpo ocafiáo, peta fe efprayar
em hum eloquéte panegyrico dos
Príncipes q entáo avia riefte rey-
no, encarecendo com verdade o
zelo do ferviço de-Deos,& o amor
do Culto divino, q jâ refpiandecia
nos oiro annos deidade deiRey
dom Sebaftiáo: o íabio Sc acerta-
tado governo da Raynha Dona
Gaterina fua auò, que o criava : a
Sc heroycas
/ i
grande rehgiáo virtu
des do Cardeal IfFante dom A-n-
riqae,& a particular affeiçáo que
tinha ao ferviço da Santa Sede A-
poftolica. Baila, refpondeo S, S an-
ridade, que íaó Príncipes de Por¬
tugal , Sc com cila fò palavra fica
entendido tudo o que em mu v tas
fc náo pòde bem fignificar. Táo
fantoSjtão devotos,tão amigos de
confervarem a Fé em fua pureza,
Sc de a dilatarem foráo fempre
feus pays & avos, E eíla he hua
das exceílencias que hum varão
douto,& bem verfado nas antigui
dades notava neffe voíío reyno.
Em quatrofdizia elíe)que achava,
era Portugal vnic'o, cada hua mui
to de eftimar, & todas provadas
polos livros. Primeira, que de to¬
da Efpanba,& Frãça,& dos maís
reynos Chriftáos da Europa fora
o primeiro que recebera a Santa
Fè.Segunda, quedefpois de rece¬
bida , nunca mais a largara, nem
perdera , antes aconfervara fem-
pre tão inteira & pura s q nenhua
nação do mudo a zelava, né defen
dera
i
 .Ai isbfjjjo cie /> vã^ãj Pfimas clãs HcJjjdnhãs.
dera nanca com mais^confiancia.
Terceira que não ouve gente que
a mais longes terras levaíTe a pre¬
gação do Evangelho. E a ultima
a que não fe fabia., q jà mais Por¬
to guefes fe ouvdlem levantado,
ou tomado armas contra feu Rey
legitimo. E do que mais particu¬
larmente dizeis do Cardeal Dom
Anrique fou co boa teitemunha,
que fendo Cardeal corri com el-
le em mtiytos negocios , Sc expri-
menteíem todos o que delle af-
firmais: Sc ainda oje nefte eítado
lhe enxergo a mefma inclinação
Sc bondade nos que fe o itere cem.
Era manjar d alma o que o Arce-
bifpo tinha neítas praticas, muy-
to mais faborofo pera elíe que to¬
dos os que vinhão à mefa. E de-
fejando moítrarfe grato a tantos
favores de Sua Santidade pare-
ceolhe que tinha baftante maté¬
ria no grande numero de vazos
de prata que aly via, confiderãdo
que avia prato que podia fer cafa-
mêto de hua orfam, ôc outro que
podia bem veftir muitos pobres,
4 & notando com magoa que fò o
ouro dos dourados que jà eftava
perdido pudera matar a fome a
niuytos miferaveis,a quem toma¬
va a noyte fem cea, & às vezes
fem jantar. Era efta fu a ordinaria
teima, Sc inve&iva contra os Bif-
pos, que fe ferviao com prata: Sc
não admittia adefculpa que da-
vão que era ferviço que durava
9i
toda a vida, & gaílofeito por hua
vez , Sc na hora da morte ficava
pera fatisfação de criados, & divi¬
das miúdas que íempre avia nas
cafas grandes. Eaffirmava que
não podia aver razão que abonaf-
íe tamanha ferojuítiça, como era
em terras cheas He pobreza, & de
necefsidades de próximas urgen-
tifsimas refplandeeerem os apa¬
radores dos Prelados com aqueí-
la riqueza ociofa. Sabia elle como
jà o Pontífice tinha noticia delta
fua payxão, fez conta que peque¬
no remoque bailaria pera quem
eftava advir tido, & tinha o enge¬
nho efperto. E tomando oeaíião
de hum íermofo vazo dourado
que veyo à mefa. Temos, dilfe,
em Portugal hum genero de bai-
xella, que com fer barro fe aven-
taja tanto à prata em graça & lim¬
peza, que aconfelhara eu a todos
os Príncipes (fe hum pobre fra¬
de pòde fiar de fy dar confelho) q
não ufaraõ outro ferviço, &de-
íterrarão de fu as mefas a prata.
Chamamoslhe em Portugal Pro-
felanas, vem da índia, lazemfe
na China. He o barro tão fino Sc
tranfparente, q as brancas deixão
atrasos criftaes Sc alabaítros:&as
qfaó variadas-de azul eníeáo os
olhos reprefétãdo hua cõpoíiçao
de alabaítro Sc çafiras. O q tê de
quebradilfo,recõpefaõ có a bara-
teza. Podéfe eftimar dos mayores
Príncipes por delicia & curiofida-
de
 Livro 1L da vida de D* Fr. Bert, dos -A/lart.
dade» & por tal fe tem em Portu¬
gal, Não paffou por alto ao Papa
o tiro do Arcebifpo , <Sebem no¬
tou onde apontava com a tenção,
E difsimnlando diífelhe, que te-
VeíTe lembrança quando fe viíTe
em Portugal de dizer ao Cardeal
IfFante feu amigo, lhe mandaífe
deftas procelanas, que como as
teveífe daria de mão à prata. Con
touo Arcebifpo efta hiíloria ao
Embaixador que teve cuydado
de avifar ao Cardeal: Sc dentro
de poucos dias eftavão em Roma
grande numero de procelanas de
toda forte, com que lua Santide*
de moftrou muyco gofto , Sc
íiocom Cardeaes Sc outras pef-
foas, Sc ficou com ferviço baftan-
te pera muytos dias.
CAPITVLO XXV.
jlprefenta o Arcebifpo aS.Sart
tidade apontamentos derefor-
maçao das pejfoas dos Pr ela-*
dos majores: dafe con¬
ta da familiaridade q
teve com alfas em
Romd}ttf como
era efmado
delles.
D
ES do tempo que no Cõ-
cilio fe começou a tratar da
reformação peífoal dos Ec
clefiaftieos, foy opinião confiante
do Arcebifpo, q pera fer de effei-
to Sc dura avia de fer univerfal, co
meçando polas cabeças que erao
os Cardeaes: Sc dahi decendo por
todos os Prelados: porque então
fe poderia com muito animo, &
juftiça cortar polos membros in¬
feriores. E foy fazendo com con-
fideração, Sc muyto eftudo hus
apontamentos contra as dema-
íias de gafios Sc fauftos defnecef-
farios de fuas peífoas Sc cafas, Sc
dando meyos Sc traças pera fe cer
cearem com razões cheyas de ze¬
lo Sc verdade Chriftam:parte das
par- quaes tinha declarado em Tren-
to a primeira vez que na matéria
fe votou,como atras fizemos mé-
ção. Eftes moftrou em Roma a
muytos Cardeaes,Sc deipois pera
inteira fatisfação de fua confcien-
cia procurou que Sua Santidade
os quizefie Ver. E hum dia que te¬
ve licença fua lhos leo, Sc S. San¬
tidade os ouvio muito devagar &
moftrou fatisfazerfe delles,d zen-
dolhe em confirmação do que íin
tia,que foubefte de certoefiava,
determinado a cortar Sc refor¬
mar em fua peíloa, cafa , Sc fa¬
mília , Sc no que tocava ao offx-
cio Pontifical fupremo tudo o
que pareceífe razão, Sc fua conf-
ciécia lhe diófcaífe.E entrado pola
cafa o Cardeal Carlos Borromeu
Arcebifpo de Milão feu fobrinbo,
chamou o Sc tomãdoo pola mão
diífe
 Arcclàjho de Braga, B rimas das Hefpanhasl
diíTe pera o Arccbifpo. Braca-
renfe aqui volo entrega, eíle ha
de Ter o primeiro que me aveis de
reformar. E não o diíle a furdo,
que fegundo a boa natureza deite
Santo Cardeal, âcaeítreita ami¬
zade que travou com o Arcebifpo
des do dia que entrou em Roma,
íè tevera necefsidade de reforma¬
ção, ninguém de melhor vontade
a aceitara do Arcebifpo que eíle.
AíTi a eíle primeiro que a todos
communicou o Arcebifpo as
traças da reformação, & o Car¬
deal as aprovou muy to: Sc lendo
nellas o fervor de efpirito &amor
de Deos Sc da Igreja,do Autor, fe
lhe afeiçoava cada vez mab,& af-
fsi o acatava Sc reverenciava co¬
mo fizera a hum dos Prelados da
primitiva Igreja : & erão bõs pe¬
nhores diíto, que fendo anexa a
todo poder Sc mando impaciên¬
cia de companhia, em lugar de fe
reíintir dos favores que o Pontífi¬
ce lhe fazia, Sc de o ver tirar orá¬
culos Sc palíar portarias em nego
cios feus Sc alheos, enxergavaíe-
Ihe em obras Sc palavras levar
goíto de que S. Santidade o eíti-
maífe Sc honraíTe.E acontecialhe
tnetello configo noapofento que
tinha em Palacio, Sc communi-
carlhe Sc defpachar com eile to¬
dos os negocios importantes que
por fua mao corriao. E outras
vezes davalhe conta de fua alma,
Sc de fua vida Sc exercícios,que já
p2
entãoerão de Santo,pedindolhe li
çocs Sc regras pera fe dar a Deos
de todopooto, Sc gaitando niilo
muytas horas. Creciao amor cõ
a communicação , porque cada
dia hia defeobrindo hum no ou¬
tro çoufas que os obrigava© a fe
amarem mais. Tres vezes convi¬
dou eíle Cardeal o Arcebifpo a
jantar nos poucos dias que fe de¬
teve em Roma não por curioíida-
de nem o (tentação, mas fó pera
tratar com elle matérias do efpi¬
rito, & receber lições de como fe
governaria no meyo de tantos ne¬
gocios como manejava (que erão
todos os da Chriftandade) fem of
fenfa de Deos,fem agravo dos pro
ximos, fem prejuyzo da confcien-
cia, Sc fem perder de feu recolhi¬
mento. Admiravafe o Arcebifpo
Sc edifícavafe juntamente de ver
a religião, & abalizada virtude,
que achava em hum Cardeal
mancebo, nobre, rico, que poílo
na mayor grandeza, Sc na mor
liberdade , que o mundo podia
dar , cobria com a purpura ci¬
lícios , penitencia, afpereza, exer¬
cícios de Oração Sc contempla¬
ção , Sc hum efpirito tão puro,
que fe lhe reprefentava hum
Anacoreta dos muy perfeitos
da Thebayda. E alegre de o ver
f • * ^
tal animavaò Sc exhortavao a
mais perfeição lembrandolhe
quãofermofo efmalte faz a ver¬
dadeira virtude no ouro dama-
Qj yor
 Livro IL da vida de D. Fr. Bert. dos Alart.
da mayor dignidade,Sc do langue
suais illuftre. Realça (dizia) a pur¬
pura,coma novoluífre a nobreza.
Que fe elía virtude fò per fy he
suais fermofa que o Ouro suais fi¬
no, Sc como Sol lança de fy rayos
de luz que a fazem amar Sc efti-
mar, que ferá fendo tão bemacõ-
panhada? Eraiftodar azasaqué
por fy corria. E todavia fe arar-
ma que não foy pequena parte pe
ra eííe fanto chegar aos eflremos
de perfeição,a que defpois fobic:a
doutrina que recebeo 11a conver-
fação do Ârcebifpo. E não pare¬
cera atrevida efta lingoagsm a
^ quem com attenção ler húa carta
do mefmo Santo para o Arcebif-
l cap. po, que adiante poremos em ou-
34 ' tro propoíito. Quaíi todos os
mais Cardeaes que avia na Corte
procuravão conhecer Sc tratar
de perto o Ârcebifpo: muycos o
Convidarão Sc feftt jàrão em fuas
cafas, & todos lhe fazião honras
Sc cortezias com exceífo fem em¬
bargo de faberem que era eíle o
que gritava por reformação em
fuas peífoas Sc cafas.Tanto valia
o conceito que unhãode fua vir¬
tude,que não pod'ão acabar cÓíi-
go torferélhe o rofto,ou eftranha-
remfe com elle. O Cardeal Ale¬
xandrino fe lheaffeiçoou na pri¬
meira villa , ambos de hum habi¬
to,ambos efpirituaes Si reforma¬
dos. Facilmente fe juntão os que
fe achão entre fy femelhantes;co¬
mo diz o provérbio, Muyto o ref-
peitava, Sc muyto folgava de o tra
tar. Mas como o tépo de fua cila¬
da em Roma foy tão curto que
não paífou de dezefete dias, fò
hum teve pera fe lograr delle: no
qual achando o em boa ocaíiao
lançou mão delia , Sc levou o a
jantar coníigo no feu apofento
que também tinha no facro Pala-
cio. í. utro Cardeal lhe moftra-
va grande benevolencia. E ou fof-
fe quererlhe fazer honra, ou mo-
ftrar grandeza convidou o hum
dia, Sc deulhe hum efplendido
banquete em numero, & varie¬
dade, & preço de iguarias. Efo-
bre mefa outro não menos rico
de viíla de peças peregrinas em
curioíidade Sc valia, de que tinha
a cafa cheya: eftatuas antigas de
mármores finos, lavradas por ex-
cellentes artífices , pinturas de
mãos infignes, medalhas de to-
dososmetaes, de Emperadores,
Confules ,&Capitães, das que
mais celebradas faÕ dos eftudio-
fos de antiguaihas. Em cada cou-
fa fazia o Cardeal hua Crónica
notando, gabando, encarecendo
Sc revolvendo antiguidades, No
cabo defpois de canfado: Sc con¬
tente de lhe parecer que tinha 0
Ârcebifpo pafmado com aquelle
thefouro,que elle por tal eftimava
ou venerava,diíTelhe o Ârcebifpo.
Pareceme,fenhor* que jà em eípi-
rito via o Apoifolo eltes mármo¬
res
 Arcebifpo de Braga,]?rimas das Hejpanhas.
res Sc eftas curiofídades, quando
efcrevendo ol Thimotheo diíTe.
à veritate quidern auditum auertent,
ad fabulas autem conuertentur. Dci-
i.adTr- xarão os homés de ouvir as ver-
rnoth.if, dades,que importa faberem pera
íua falvação: & entregarfeão a ce
lebrar patranhas, Sc fabulas dos
gentios.
CAPITVLO XXVI.
JDealguas graças de importân¬
cia que Sua Santidade con
cedeo ao Arcebifpo em
favor de partes.
C8
N| V a nt o eftas horas
h erao mayores, tanto
mais violentado fe fin-
tia o Arcebifpo em Ro
ma. Tinha as honras por carga:
Sc o verfe mimofo & feftejado em
cafa alheya por cativeiro. Afsi
procarava dar fim aos negocios
encomendados do Concilio, Sc
aos particulares de fua Igreja: mas
por não fer molefto, ainda que ti¬
nha as licenças largas, Sc eftava
os mais dos dias com Sua Santi¬
dade hiafe defpacbandopouco a
pouco,& tratando das coufas por
eftilo de bom cortezao fegundo
fe offerecião as occafiões. Foy
hum dia à tarde ao Caftello de
SantangelojOndc foube que o Pó-
' çj
tificc fora jantar cõ o Cardeal de
Lorena, Sc outros Cardeaes: Sc
deixoufe eftar na fala em quanto
eftavão recolhidos, Sahio S. San¬
tidade pera fòra,vio o Arcebifpo,
Sc diííelhe.Bracarenfe, como não
vieftes oje fer meu hofpede ? Ref-
pondto o Arcebifpo rindo. 6fuja
non fui vocatus ad nuptias. Tor¬
nou o Pontífice com muyta affa-
bilidade (palavras formaes) não
vos aceito a efenfa: porque eu vos
hey por convidado continuo. Vin
de jantar comigo todos os dias
fempre,fempre. Eftando defpois
ouvindo o Arcebiípo chegàrãofe
hus requerentes com efperança
que em dia alegre , & diante de
tão honrados hofpedes teria fua
caufa bom defpacho: Sc fizerão
fua inftancia. O cafo era que vi-
vião de reprefentar Comedias, as
qnaes S. Santidade tinha prohibi-
do porque fe hião defmandando
em hiftorias lafcivas , Sc paífos
pouco honeftos: Sc avia dias que
requenão nova licença , fem
lhes defirir. Diífelhes o Papa be¬
nignamente , que os remetia ao
Bracarenfe que prefente eílava,
que com elle correlTem , Sc fe elle
deífe licença, reprefentaífem em¬
bora. Forãofe cheyos de alegria,
mas duroulhes pouco. Porque in-
formandofe em cafa do Embaixa¬
dor da cõdição do Arcebifpo,taes
novas acharão q não fe atreuerão
cõ elie;&ouverão por melhor par
Q, 3 tido
 LiuroIIJd *vida de D* Fr.Bert.dos Mart.
tido guardar o requerimento pe¬
ra outro tempo temendo mais da¬
no do que padecião.Melhor fuce-
deo a hus Efpanhoes que avia
dias continuavão na Corte fobre
difpenfações matrimoniacs. Efta-
va Sua Santidade refoluto nao
difpenfar em fegundo grao de cõ~
fanguinidade. Eftes nao preten-
dião outro.Tmbafe declarado co
elíes por algíías vezes.E fendo de-
fenganados & defpedidos: como
erão de tão longe & não tinbão o
remedio em outra parte deiKà-
vãofe eítar efperando algua boa
hora. E todas as vezes que Sua Sã*
tidade fahia fora não perdião põ-
to, apareciãolhe , lançavãoíe por
terra,diziãofuas laftimas, mas na
da lhes valia. Hum dia que o Ar-
cebifpo comeo com Sua Santida¬
de em companhia do Cardeal de
Lorena,deceo fua Santidade com
ambos, abayxo pera moftrar ao
Cardeal as obras que fe fazião em
Belveder. E fobre eílas travou de
novo, & teve graças com o Arce-
bifpo, que todavia não queria a-
provar defpefas de pedra & cal,
& chãmente o dizia. Teverao re¬
bate os Efpanhoes que Sua Santi¬
dade andava fòra, acudirão todos
juntos. Poemfe de joelhos, & voz
em grita começão a pedir miferi-
cordia. Enfadoufe o Papa, man¬
dou que deíTem recado ao Gover
nador que os fizeífe lançar nas ga
lés. Não tinha o Arcebifpo noti¬
cia do que avia precedido, pare-
ceolhe crueza o que via , ficou
cheyo deeípantoèc compaixão:
& nao podendo acabar configo
ter jfilencio em tal palTo, fem me¬
ter tempo em meyo chegoufe a
Sua Santidade, &com toda hu¬
mildade. Beatifsimo Padre, diíTe,
ifto faõ ovelhinbas, de que V. Sa-
tidade he Pafíor. Se no pafior a-
charem as ovelhas efquivança,
quem lhes ha de valer, onde hão
de achar brandura? Aqui fc ha de
enxergar o fofrimento, aqui o a-
mor de pay. Não confinta Voífa
Santidade que fe vão de íua pre-
fença defconfoIados.Bcm fe diífe.
Patuntia lenietur Pnnceps , Í7 l/n- ír0U 2^
gua mollis confr inget (Imitiam. Vi¬
rou oPapa pera elle todo trocado:
ôc como corrido da cólera que
moftrarajdíílefcrrindofe, Braca-
renfe, eu volos remeto,& vos dou
minha autoridade em feu defpa-
cho. Là vos avinde com elies, &
com voíía confciencia, que fobre
cila defcarrego a minha.E pondo
os olhos nos requerentes, q efia*
vão finados de medo, diflclhes.
Acudi ao Bracarenfe, que elle vos
defpacharà. Afsi forão aviados
brevemente,& com novogenero
de difpenfação, que fby penitéc a
no corpo,& nenhua na bclça.Vio
o Arcebifpo as petições & os ca-
fos de cada hu com coníideração,
& no dia feguinte diffe a S. Santi¬
dade que os podia mandar difpé-
far
 Arcebifyo de Braga, Primas das Hefpanhas.
far com penitencia de aííiftirem
certos Domingos à porta de fuas
Igrejas, pes deícalços, Sc cabeças
dVcubertas, & velas acefas nas
mãos em quanto fe cantaíTe a Mif
fado dia. Mandou Sua Santidade
que neíla forma foffem defpacha
dos, Sc afsi fe declaraííe pas bulias
fem mudar nem alterar coufa das
que o Arcebifpo apontou. E ain¬
da que os impetrantes tomarão
antes fadsfazer a pena com dinhei
ro, pera o que vinhão apercebi-
dos:& fazendofelhes de mal a pe¬
nitencia Sc vergonha publica in¬
tentarão recurfo, em fim como
não virão outro remedio aceita¬
rão fuas letras q lhe forão expedi¬
das por portarias doArcebifpo.
Publicoufe pola Corte a valia do
Arcebifpo cÕ o exeplo dos caros
refcridos.Hiãofe a elíe todos osno
cefsitados, pediaolhe fua intercef-
faõ.Como era tão piadofo, quan¬
do entrava em Palacio levava a
poz li mais partes que os mefmos
Datarios. E ainda que fe aífom-
brava com fe ver baleado Sc eíli-
mado das gentes, que jalhe pare¬
cia genero de vaydade Sc tétação,
não lhe fofria fua condição lançar
de fy os q reprefentavão pobreza*
& fe o que pedião era coufa em q
nao íintía efcrupulo intercedia
por elles com muyta eííicacia. E
era coufa de ver o goílo Sc bran¬
dura com que o Papa fe deixava
yencer de fuas razões. Em ouvin»
9 4.
do ao Arcebifpo que fem efcru
pulo podia conceder a graça, no
mefnno ponto com aboca cheya
de rifo refpondia. Pois afsi vos pa
rece nos fomos contentes :jiat. E
eílava jatãonotoria & corrente
na cidade efta privança doArce-
biípo, qne bailava moiirarfe por¬
taria fua do Oráculo que alcan¬
çava de Sua Santidade (chamão
em Roma oráculos às refoluções
ou mandatos que os Pontitices
dão de palavra,ufando melhor do
vocábulo do que fazião no tempo
da gentilidade, que íignificavão
com elíe as mintirofas repoíhs
do inferno) digo que bailava iua
portaria, pera íe paliarem logo as
bulias na Dataria tão fem efcru-
pulojcomo fefora de mao de qual
quer dos fobrjnhos do Papa. CÕ
a mefma prontidão acudia a ou¬
tras obras pias como lhe cõílava
não aver nellas efcrupulo, inda
que os fuplicantes não foíTem
pobres. Entre eilas teve lugar
a expedição das letras da Igreja
deManzedo,que como atras fica
dito,tinha vnido ao Collegiodos
Padres da Companhia de I e s v
de Braga: as quaes pedio a S. San¬
tidade" lhe mandaíle defpachar
de graça.E Sua Santidade lho ou¬
torgou alegremente repitindo cõ
muyta graça. Omniagrátis, omma
graus:q quer dizerrcudo de graça,
tudo degraça.E foubeíe que ouve
rao de cuítar aos Padres cõforme
0 4- as ta-
 Lim o II. da vida de D. Fr, BerL dos ALar t.
h taxas da Dataria mais de miléc
quatro centos cruzados,fe faltara
efte favor.
CAPITVLO XXVIl
FedeoArcebifpoa S. Sat idade
qtte lhe aceyte renunciaçaò do
Arcebifpado: nao lha aceytan
do pedelhe algaas graças
de importacia pera bo
governo de fua
Igreja:^) aU
canfato
das « ças a Deos que lendo pera mim
m E n t> o o Arcèbifpo
como tinha lançado
<«•
baftantes fundamen¬
mh rjlf-
tos pera poder inten¬
tar qualquer grande requeriméto
com S. Santidade fem reccyo de
ficar fruttrado, pareceolhe tcpo
de nao dilatar mais a cabeça de
todos os que a Roma o levarão,
Sc q fò lhe tirava o fono. Foyfe
buã manhã a Sua Santidade &
defpois de tratar alguas coufas de
menos fuftãcia faloulhe delta ma-
neyra. Ategora,Santiííimo Padre,
tratey de negocios cómus, ora do
Cõcilio, ora de partes, ora da mi¬
nha Igreja. Agora,fenhor,he tépo
de tratar de mim.Que razão he,
pois por fingular mercê & favor
de V.Santidade valeo a tantos Sc
em tantas coufas o meyo de mi¬
nha interceíIão,a mim me nãofal
te em bua lo q pretendo. He huã
fò,& emíi muyto pequena, fe bé
pera mim he amayor & de mais
efiima que de prefente pode aver
na terra. Porque íe as coufas Ião
grandes ou pequenas íêgundo a
medida do deíéjo ccm que fe bul¬
cão,nao fo he grande efla, mas
grandiífima. He tal Senhor, que
a efperança delia me fufterna a
vida,&me facilitou o caminho de
Portugal a frento, & de Tremo
a eíta cidade, Sc eífa fò me detem
nella atè oje.Mas dou muytas gra
tamanha como digorhe tão facil
Sc tão livre de eferupulos pera V.
Santidade que fem eilirar as leys,
nem alterar o curfodas coufas,
Sc ainda fem nenhum genero de
y^ifpenfação me pode fazer aísina-
lada merce. Que mòr dita pera
hum Principe,que poder enrique¬
cer muyto, & a pouco culto os
fubditos que ama?Afsi venho per
fuadido & confiado que levarey
deftespès toda minha cofolação.
Efcutava o Pontífice, com filé cio,
& eítava fufpenfo efperando on¬
de hia parar a novidade Sc effica-
cia deftes preâmbulos. E o Arce-
bifpo profeguindo. Eu,fenhor,di¬
zia , entrey na Religião minino,
crieyme nella fem nenhum conhe
cimento do mundo, nem do go¬
verno delle. Não fey porque mao
fado meu (faltemos hum dia co¬
mo
 'ifjjo de B r4g4a P nm. hdas Hefpmhás.
mofecularesjme forao tirar dos
clauílros & de fobre os livros, 8c
pera Arcebifpo: eleição taõ fòra
de razão & de caminho, que to¬
das as vezes que nella cuydo , te¬
nho grande íaftima das confcien-
cias dos que me elegerão , 8c
muyto mayor da minha 8c de
mim que a aceitei.Bem heverda-
de q me alivia muyto a reíiíten-
cia que fiz,& huã lembrança que
fe aceitei foy forçado 8c compel-
lido por obediência de Prelado q
o era meu. Mitra me poferao na
cabeça, 8c o pefo do monte Ape-
nino inteiro fobre o coração. Iito
foy o que íinti oprimeyro dia:
masoquepaífa dentro em mim
defpoisque fuy vendo &conhe-
cédo de perto a carga' que tomey
neftes hombros , o que depende
de mim, o de que me obriguey 0 nas outras livreméte o que finto.
dar contaaDeos 8c a V.Sãtidade
nao fey como odeclare, fenão for
com dizer,que bem & acertada-
Cafiian. mente fez o outro Monge que an-
ColL 20. tes efcolheo fogir da Religião, q
CaP'1' arrifcarfe a fer Prelado. Que hr-
vão as Igrejas 8c as governem a-
quelles que pera iíTo tem talento
8c experiécia,tal feja minha vida:
mas que fe bufquem pera cilas ho
més fem nenhúa deftas partes,
he grande temeridade dos eley-
tores, & igual rifco dos eleytos.
Não he a mefma coufa letras de
Theologia, 8c fciencia de gover¬
nar, Hiia,& outra coufa fe aprçn-
et
py
de,& não fe fabe fenão o que fe a-
prende & eftuda. A minha Theo
logia edudey com cuydado, delia
faberei dar conta. Do que não a-
prendi como hei de querer fer
Meftre? Em matérias de governo
confeífo chãmente: 8c declarome
BeatifsimoPadre, 8c defcarrego-
me com VoíTa Santidade, quelou
idiota 8c de todo ignorante 8c co-
nhecendome por tal , aqui nas
mãos de V. Santidade deponho a
Mitra, 8c lhe encarregoa confcié-
cia,que a ponha fobre melhor ca¬
beça. E pois V. Santidade tem a-
ceitado meu parecer em coufas
de muyta importancia/obrigação
tem de cuydar que o não engana¬
rei nefta,que efta tanto à fu a con¬
ta,como todas as mais: &eu ain¬
da que fou parte, digo nella como
Quiferao o Papa atalhar, tanto q
lhe alcançou a tenção: mas hiao
Arcebifpo tão enleva do no que di
zia,& faltando tanto da alma,que
o foy fofrendo:& em fim não po¬
de mais efperar,& cortou a prati¬
ca fecamente avendo que era ge-
nero de culpa 8c coníintimento
em tal matéria, ouvir razões nel¬
la: & afsi o defenganou que nun¬
ca em quanto viveííe lhe confina¬
ria largar a Igreja:que a governaf-
fç com o cuydado 8c diligencia q
fazia,& não trataíle doutra coufa.
Replicava o Ar cebifpo, 8c come¬
çava apontar novos inconvenien¬
tes
 LiuroILda vida de ZX Fr.Bert.dos Aíárt»
tes.Maso Papa por lhe não dar
maisorelhas:como em coufa fo¬
ra de coda razão,cerrou com fen-
tença de golpe: Sc mãdoulhe por
obidiencia que na quelíe particu*
lar lhe não falaífe mais palavra*
Áparcoufeo Arcebifpo deíconfo
lado: & ficou o Papa igualmente
confufo, Sc cópungido de fua lin¬
guagem Sc humildade, Sc notan*
do por maravilha prodigiofa a
pouca eíhma que fazia de fy, do
eftado,darenda, Sc dignidade cou
fas tão prezadas no mundo,& tão
cegamenre bufeadas de todos.
Des daquella hora foy logo o Ar¬
cebifpo imaginando não parar
mais em Roma, & dar as coftas a
favores Sc honras, que valendo-
lhe peranegocios alheos,nospro
prios lhe não eraó de proveyto.
Apontou brevemente em hum
papel alguãs coufas que lhe pare-
ceo feria bem levar negoceadas,
fobre as que ja tinha defpacbado,
pera melhor governo de fua Dio-
cefi.Com efte memorial tornou
ao Papa dizendo que pois S.San-
tidadenão fora fervido de livrar
de tamanha carga a quem era tão
pouco pera ella, lhe fizeíTe merce
de lhe conceder alguãs graças q
tinha imaginado poderiaõfer rae-
yo de a levar com mais alento, Sc
menos efcrupulos de confidencia*
Mandonlhe Sua Santidade ler o
memorial, Sc elfeveo ouvindo ate
o cabo, edificado de ver que ne«
nhuã coufa pedia nem propun ha
que cheyraííe a carne & fangue.
Tudo erão lanços pera bem das
almas Sc em favor dos pobres.
E dizia eí-íc queeífe nome de po¬
bres quadrava muy ao juíto â ma-
yor parte dos feus diocefanos.
Porque ainda que não erão dos q
pedião por portas}erão tantos em
numero que morando por mon¬
tanhas Sc ferras afperifsimas, ain¬
da afsi era a terra eífreyta pera eí-
lcs,& vivião co trabalho Sc muy-
to miferavelmente .Não fez o fan-
to Pontifice duvida em nenhua
coufk das q lhe pedio,fendo muy-
tas. Aíguas diremos pera que fc
veja a confiança que delie fazia.
Concedeolhe que pudefTe abfoí-
ver no foro da confciencia de cer¬
tos cafos refervados à Sé Aporto-
Álea, Sc difpenfãr em aígus impe¬
dimentos ocultos de confangumi-
dade,& de crime, Ôc de pareotef-
co efpiritual, como fenãopodef-
fem provar no foro litigiofo.E em
primeiro grao nos impedimentos
por afíinidade. Mas tudo no foro
interior fomente. E porque acon¬
tecia fer neceííario elle ou feus
minirtros mandarem alguas ve¬
zes aos Ecdeíiafticos com pena
defufpenfaó das Ordés. Ealgus
defpois de inenrridos na pena ce-
lebravãoou por inadvertência,ou
por ignorância craífa, ou por fe¬
rem pouco verfados em femelhan
tes matérias. Por onde ipfo fado
.fieavão
 Arcebifyo de Braga^Primas das Hefpanhas.
ficavao irregulares,& polo confe-
guinte fogeitos a pedir a difpénfa-
ção ao Papa, porque efta ningue
fenão elle a podia dar. Concedeo-
lhe Sua Santidade que pudelTe dif
penfarnefte ponto,quefoy hua
graça muy defacaftumada,& que
o Arcebifpo eftimou fobremanei-
ra pera remedio de Sacerdotes
idiotas,& pobres, aos quaes o hir
a Roma &omãdar eraigualmé-
te difficultofo, & a muitos impof-
íivel. Vfava elle defpois defte po¬
der em favor dos delinquentes,
mas com tal avifo &difsimula-
ção,que nunca ie lhe entendeoq
otinha.Aífi as cenfuras em feu
tempo erao temidas (como he ra¬
zão entre gente Catholica) Sc
transgreíTores erão remediados
como filhos. Alcançou mais de S.
Santidade, que procedendo con¬
tra elle qualquer juiz Ecclefiaíli-
co com cenfuras, por cafosque
muytas vezes fucedem com as Re
ligiões Militares,& Regulares ,
Collegios, & outras Comunida¬
des que tem feus Cónfervadores
immediatos ao Papa, logo pudef-
p6
Pentecofte, AíTumpçao de Noíla
Senhora, Sc dia de todos os San¬
tos. Efta indulgência pedio, Sc al¬
cançou defpois pera o Arcebifpa¬
do de Lisboa o Cardeal Dom An-
rique, fendo prelado delle. Não
falta quem affifme que offcreceo
o Papa ao Arcebifpo difpenfação
graciofa pera vfar roxete Sc mur-
fa,&qeliea engeitou polo amor
que tinha ao habito de S. Domin-
goSjaquem fe confeíTava deve¬
dor de tudo o que tinha de letras
& dignidade.
CAPITVLO XXVIII
Defpedefè do Pontificepera tor
os
tiarpera T rento. Çontaofeal
pus favores particulares
que Sua Santidade lhe
fezj na defpedida.
Saede Roma
(jf chega a
Sc Afsis.
mm
a
O z é dias avia que o

WM
o
Arcebifpo eftava é Ro¬
fe abfoiverfe delias, in troque fo¬ li ma, Sc pareciãolhe ou¬
Si

ro, por qualquer confeíTor que ef- tros tantos annos. E co

colheíle. Com a mefma facilida¬
de impetrou hum jubileu plenif-
iimo perpetuo pera todos os que
fe confeííaírem Sc comungaífem
em feu Arcebifpado em finco fef-
tasdoanno, ou em feusoycava-
tios. As feitas erãoiNacaljPafcoa,
mo tinha arrematado os negocios
que o levarão a eiia, inda que no
principal ficara o feitio perdido,
picavao já o efcrupuío de eítar au«
íente do lugar da batalha, Sc do
rrabalho, digo de Trento, onde
podia fer de proueico; Sc fobre tu¬
do

I
 LwroIL âavlâa de D. Fr, Bcn. dos Man.
«Io ardia e faudadcs da íua íiberda
de, & vida Monaíhca ordinaria
defejando verfe jà onde tomaíle
virigãça de tanta vaydade 8c tata
delicia , corro curíara era Ro-
rna. Antes de dizer nada a Sua
Santidade pediolhe licença pera
correr as fete Igrejas & juntamé-
te huã Indulgência plenaria pera
fy 9 &peraosíeus que lhes foííè
ocaiião de cumprirem a elevação
com raais frtiyto efpritual. Deu-
lha Sua Sãcidade 8c por lhe fazer
raais favor,mandou cjue lhe foííé
moftradas todas as Relicjnias cjue
ha ndlas Igrejas: que fe as ouve-
ra de ver no tempo cjUe he cofiu-
rae moílraremfe,avia raifter efpe
rarcjuaíihfi anno.Vilitou o Ar¬
cebifpo as Igrejas em companhia
do Cardeal de Lorena começado
de S.Pedro em Vaticano, & a ca-
bando em S. Paulo fora dos mu¬
ros. E logo no dia feguinrefoy ao
Papa, pediolhe licéça Sc fuafanta
bênção pera fe tornar ao Cõcilio.
Era prefente o Cardeal de Lore¬
na que também andava de cami¬
nho, & queiia que tornaífem jun-
tos.Afua inftancia refpôdeo Sua
Santidade ao Arcebifpo que feria
bé cfperaífe pollo amigo 8c com-
panheyro cõ que viera. Replicou
o Arcebifpo que não fe atrevia cõ
tal companhia: 8c cobrindo com
razão cortezam 8c verdadeyra as
q mais o obrigavão, como atras
contamos, acreçéton, que o Car*
deal caminhava em huã rmdaq
voava, como aguia,& a fu a não nl
podia aturar.Nãofeja eífa a duvi¬
da tornou o Papa.Eu vos darey
huã mula que tan bem heaguia.
Deyxayvos eftar. Aííi o defpidio
Sc logo à tarde lhe levou hum
cllribeyro a mula. Era ruífa pora-
ba;& muy bem feyta,& bem me¬
recedora do nome de Aguia que
fépre lhe ficou , porque na verda¬
de no paífeyo não tinha igual, &
por tal,quando S. Santidade fazia
caminho fora de Roma não cavai
gava noutra. Paliados dous dias
tornou a S.Santidade com alguãs
razoes q avia de novo por onde
lhe convinha tomar adianteyra
ao Cardeal, 8c não tardar: mas
não lhe valerão. Ao outro diaq
tornou a inftar, difleihe, Bracaré-
fe,emtodo caio me tornay a ver
polia manham, que aindatemos
que fallar.E em fim pollo conten¬
tar diiíe , que lhe dava licença.
Mas quando o Arcebifpo foyfo-
bre tarde pera lhe beijar o pè por
ultima defpedida, achouíe enga-
nado.Porque Sua Santidade com
afua boa fombra coftumada, in-
da,diíTe,vos naohey por defpedi-
do de todo,inda vos quero tornar
averpola manha com voífo co-
panhyro, que ha couíàs que con¬
vém comunicarmos juntos pera
ficar mais quieto.Na manham íe-
guinte fahyo o Papa de fua cama-
ra acompanhado detoda a Corte
&foy
 Arcebifyo de Braga, Vrimas das Hefoanhas",
8 t foy vifitar o Cardeal deLore-
naaoíeu apofento que era décro
nofacro Pa!acio,como temos co¬
tado. Foy honra publica Sc defa-
coftumada & feyta com muyta fo
íenidade. E com ellc efteve largo
tempo fem ficar dentro de todos
os que o acompanharão mais que
o Arcebifpo. E eftatarde gaitou
S.Sântidade quaíí toda com o Ar-
cebirpOjíSutltimaméte lhe lançou
a bençao, Sc o deípedio com tan»
.tos abraços &íignificaç5es de ver
«ladeira affieição, que fe deixou bé
entender que o fora a que ate aíy
lhe moítrara:& antes que de todo
o largaííe tirou hum anel do dedo
Sc diífelhe q o levaííe em feu no¬
me Sc em penhor de amor Sc lem
branca. Aos dezefeis de Outubro
dia immediato ao em que fedef-
pedio do Potifice foy pola manhã
cedo dizer Miíía a Noífa Senhora
de Po pulo mofteyro daOrdé de
Santo Agoftinho, onde eífã a fe-
pudtura do famofo Cardeal Por¬
ta guez Dom Iorze da Cofia natu-
ral do lugar de Alpeclrinha na Bei
ra, de cujo valor Sc autoridade te¬
mos notáveis memórias nefie
reyno,do tempo dos Reys Dom
Aufonfo Quinto, Sc Dom loão fe-
jgundo,que fuas Crónicas contão,
hiítorias Pontificaes apon-
tão. Dita Miíía feguío os feus que
tinha mandado diante, Sc foy tal
a madrugada,& o bom picar.que
foy dormir a Burgheto, quefao
py
nove legpas
sj
de Roma naeftrada
de Noífa Senhora de Loreto, cu¬
ja Santa cafaquiz vifitar antes de
fahir de Italia. A fegunda jorna¬
da andou outras nove legoas a
Efpoleto, que o gofto de fe ver li¬
vre de Roma lhe fazia apertar o
paífo de maneira que a Águia le¬
vava azas. O terceiro dia paífou
a jantar a Montefalcon, onde vio
o corpo de Santa Clara chamada
de Montefalcon ,a differença da
grande difcipula do Patriarca São
Francifco. Faleceo efta Santa no
anpo de mil Sc trezentos & oito,
Ôc efta oje tão inteira em todos
feus membros como o dia que
faleceo , Sc afsi lhe meneao os
braços, Sc levantão as mãos, ôc
lhas abrem Sc cerrão , como a
húa peífoa viva. Maravilhas que
obra o Senhor em feus Santos.
Daqui caminhou pera Afsis pa-
tria do gloríofo São Francifco,Sc
chegou às tres horas da tarde, vi-
ficando de caminho a celebre ca-
fa da Porciuncula, que fica de Afi-
fis obra de húa milha de diftan-
cia. Antes de entrar na cidade
fe apeou nao efquecido do efti-
locoftumado, & com feu com-
panheyro fe foy a hum Moftey-
ro dos quatro que os Padres
Menores tem nella, & com hu¬
mildade pedio gazalhado por
amor de Deos pera dous Reli-
gioíos que paífavao feu cami¬
nho , íoporaquellanoyte. Man-
R, dou p
 Livro 11J da vida de ZX Fr, Bert, doí Aíart.
ebil ô recolher o Guardião Sc
agafalhar com toda a caridade
que nefta Sérafica Ordem florece
Como morgado em que não pode
ayer quebra,deixado por feu San-
ta fundador, qUe quiz que feus fi¬
lhos não políuiíTem nada,pera fa-
beremdar tudo, Sc ferfenhoreS
de tudo. Que fò he verdadeiro
fenhor da fazenda quem a fabe
dar & repartir. Efcravosfaõ del¬
ia oS que a fechão & entefouráo*
Foy levado ao refeitório com ale¬
gria de todos, Sc com a mefma lhe
poferao diante tudo o que avia
em cafa , que erão hus ovos, Sc
hervas da horta, Sc aígua fruyta
do tempo. Aqui fe achou o Arce-
biípo em feu centro : & bem vin¬
gado das fuperfluidades de Romã
canto na mefa , como nâ câma*
A mefa foy qual temos dito , a
pedir por boca, como dizem, pe¬
ra o que vinha defejando. Aca¬
ma, indaquelha derão como áS
do Convento, Sc em boa cella ba-
ftante pera paliar o frio da noyte,
que já fe fazia íintir bem rigurofo:
teve muyta aventagem àcea.Por¬
que lembrandofe dos exercícios
em que naquella caía Sc Igreja
paífava noytes inteiras o Seráfico
pay delia,não pode acabar comfi-
go húa fò que aly avia de ter, paf-
falla em cella & entre mântas.Iífo
fabemos que a levou toda no co¬
ro , inda que canfado de tres dias
de caminho. Do que mais paííou
não ouve tefiemunhas: más bem
he de crer, que quem fogia dore-
poufodoleyto Sc abrigo da cella
em noyte fria Sc em caía fanta, fe¬
ria pera ferir fogo de ardente o-
ração defpois dc larga difciplina,
que he excellente meyo pera ado¬
çar o eípirito, Sc afervorar a ora¬
ção: pois fabemos que efté era feu
coftume todas as vezes que tinha
lugar a propofito como efte era,
Defejava exclamar â vifta defte
exemplo contra o medo quenefta
idade temos à penitencia, & a hú
pouco mais de trabalho.Mas raao
me atrevo a dizer nada, quando a
Vida deite religiofo varão dâ vo¬
zes,& brada tão alto,que não po¬
dem nenhus efcritos igualarfe cõ
elías, inda que fahirão do eftudo
de hum Chrifoftomo.E na verda- L
dc o certo he que: qui MojJem non
audiunt^neque fiqúis exmortuis refur
gat,audient. Quero dizer que qué
não te ver refpeito,& tornar emíy
com hum ado de tanta edifica¬
ção como efte Sc outros muytos,
que nefta hiftoria nos ofFerece o
Arcebifpo de Verdadeiro Religio-
fo, menos o terà a noíTas excla¬
mações. Sòméte cerraremos efte
capitulo com dizer que fe o efcre-
Ver vidas de Santos, Sc ler por el-
las, não ha de fervrr pera nos cõ-
pungir & emendar, cciofo heo
tempo da lição, & muy to mais o
ciofo o trabalho da efcrittlra.Que
os Santos não hão mifter a gloria
de noífa
 • ..
Arcebifbode Bratra= Primas das Hefpanhas.
de noíla pena: ío queré a de Decs
c e[limarão muito a que a Deos
8
daremos, fe âfua imitação cópo-
fermos noíTas vidas, que pera iffo
querem que fe eícrevão as fuas.
CAPITVLO XXIX.
Far te o Areebifpo de Afsis: paf
fa a Nofia Senhora ao Lo
reto (j? entraeFr eto.
3 dous hábitos que lhe moítràrao
.Jfjgp
fpp tioyte também gafta-
c]a JiiTe o Arcebifpo
fu a MiíTa fobre o corpo do Seráfi¬
co Santo. Que MiíTa feria em tal
lugar, 8c com tal prevenção/ Dif-
fea demadrugada,& defpois del¬
ia lhe moítràrao o Convento, 8c
as Relíquias que ha nelle. He o
edifício forte 8c fundado de pare¬
des groíías & dobradas,que que¬
rem arremedar fortaleza bellico-
fa , mais que cafa de penitencia.
Dos quatro que ha na cidade fò
eíte he de Clauftraes , 8c nelle fe
guarda a preciofa relíquia do cor¬
po do Santo. Tem fermofa vifta
fobre a grande varzea q chamao
valle Efpoletino maraviíhofo em
frefeura & fertilidade,que toda
fe defeobre dos eyrados. Vifítou
o Arcebifpoa Igreja de São Da-
míão, que he fora da cidade. Ne-
íla Igreja fallou o Crucifixo ao
Santo,& lhe diííe as palavras que
J
p£
fe eferevem em fua Crónica. Fa-
decepara domum meam.
Palavras
que todos feus filhos devem tra¬
zer eferitas no coração avendo
que não forão menos ditas aos fi¬
lhos que ao pay, nera obrigão
menos a elíes do que a elle obri¬
garão. O Crucifixo fe guarda no
Moíèeyro de Santa Clara, 8c ahi
o vio o Arcebifpo: & vio mais
do Sãto,hú delíes de hu burel co¬
mo picote : outro de Iam mais
groífeira da cor do pano,que ufaõ
nas capas os Religiofos de S. le-
ronymo. Moílràraolhe o cilicio
do Santo, & o de Santa Clara, &
os Breviários de ambos: & o cou¬
ro enfangoentado que o Sãto tra¬
zia fobre o lado aberto: 8c húa:
corneta de Marfim que o Soldão
do Egipto deu ao Santo, quando
foy pregar à fua corte, a qual lhe
fervia de convocar os Infiéis â prê
gação:& huas taboletas com que
fazia final de filencio pera fer ou¬
vido: memórias bé dignas de efíi-
ma Sc veneração. Iuntamenteíhe
rrioftràrão hús çapatos que o San¬
to ufava defpois que Chriffo nof-
fo Senhor lhe imprimio fuas fan-
tas chagas. Daqui foy o Arcebif¬
po em tres diasaLoreto palian¬
do Forli, Macerara, 8c Recana-
te tres cidades Epifcopaes. Em
Macerata achou o Cardeal de
'i rento que andava aperceben¬
do feíhs 8í reprefentacoes pera o
R z Cardeal
 Lmro 11. âaviâd de D. Fr» Bcrt. dos ÀFart.
Cardeal de Lorena qneefperava-:
bem anteviftas do Arctbilpo,que
por jfogir delias lhe furtou o cor¬
po & fe adiantou.Neíle ditofofu-
gar do Loreto eftà oje aquella mi-
lagrofa Camara , em que a Virgé
Maria NoíTa Senhora naceo,&
foy vifitada do Anjo,& concebeo
em fua s purifsimas & Virginaes
entranhas o filho de Deos. Foy
trazida a efie fitio por mãos de
_ Anjos que de Nazaret a paffàráo
fetrtis •. t cr t 1
Cantfms 3 Dalmacia oje dita híciavonia,ju-
/2 ^ to a hõa pequena aldea chamada
de Ma- Terfaétum ribeiras do mar A-
na Vir- driatico ,da jurdição de outro lu-
&tne' gar pouco mayor, que fe dizia Flu
men.Defpois no anno de i z9
dez de Dezembro no Pontificado
»
de Bonifácio oy tavo apareceo era
Iralianefta comarca de Recanate
poíla em meyo de hõa defcfa de
certa molher chamada Laureta.
Daqui fez terceira mudança (fe-
gredos do Ceo)pera outro fido de
hum outeiro, que era herdade de
dous irmãos,onde eíleve algõ te-
po. Mas crecendo a devação na
província, 8c as efmollas 8c oífer-
tas na fanta cafa, creceo também
a cobiça & defcompoz a irmada-
.de dos donos da terra, vindo em
difcordia íobre a partilha do que
feofferecia. Não podião agraciar
brigas àquella Senhora, por cujo
meyo veyo a mefma paz dosCeos
à terra.Qúãdo menos o cuydàrão
forão defpojados do preciofo thc-
fouro:&foy levada polos Anjos
ao lugar em que de prefente a ve¬
mos, que então era eflrada real,&
em meyo delia ficou aílentada,
hõa legoa de Recanate, caminho
de Ancona.E aqui confeiva o no¬
me do primeiro pofio que tomou
•em Italia,chamandofe de Loreto.
São as paredes de ladrilho aífenta
do com barro: o teóto de abobada
de berço. Na parede da entrada
tem hõa pequena janeila. Em ou¬
tra feve aberta hõaeftreita can-
tareira, com hõatabca no lugar
do cantaro, 8c outra no rr eyo.Te-
<5to 8c paredes moftrão queforao
guarnecidas de barro. Tem den-
4-3 tro quinze pès de largura, 8c ou¬
tros tantos de cumprimento con¬
tados eftes atè o Altar, que fobc
tres degraos , 8c afsi fica fendo
mais comprida que larga, todo o
efpaço que tomão os degraos Sc
o corpo do Altar .No meyo do al¬
tar fe faz bum vão que fe vè todo
chapeado de prata topo & lados.
Eefculpidasalgõas figuras de re¬
levo com letras que nomeao os
autores da obra. E tem por ref-
guardo grades de ferro largas cu-
bertas de hõa rede de fio darame
t
miúda, que dà baftante viíla do
que ha dentro. A imagem da Se¬
nhora eftà pofta em alto, de eíta-
tura ao parecer de quatro pal¬
mos,na cor morena, & com o mi-
nino IESV nos braços. A matéria
de que he feyta não fe compréde.
Ardem
 Ãrcmfyõ de Bra^Vrmasdas Hefpanhas.
Ardem diante oito alampadas de de em ordem a fe dar brevemente
prata.He grande & cõtinuo o cõ-
remate ao Concilio. Sobre tudo
curfo de devotos a viíitalla. Ma¬
não acabavão de levantar até as
drugou o Arcebifpo de Recanate,
eíf relas a obrigação que todos re¬
Sc chegou cedo (que não ha mais
conheci ao a íua liberdade com q
de hua legoa emmeyo ) Sc cele¬
lhes deixava franqueada diante
brou na Santa cafa com hu eífre-
de Sua Santidade a honra dos af-
mo de alegria efpiritual, ôc fe não
fentos ôc barrete. Aísi ic antes da
tirara por elle a obrigação do Cõ-
ida o amavão agora de novo o
cilio,mais devagar fe lograra deí-
querião meter na alma. Logo lhe
Ja. Mas como fe não avia de deter
derão conta como pera o dia fe-
quanto lhe pedia a vontade aca¬
guinte eflava aíTentado leréfe em
bada a MiíTa profcguio fen cami¬
congregação geral os capítulos da
nho na volta da famofa cidade de
reformação q antes de fua ida fe
Ravena,& dahi a Ferrara, & aos
tinhao confultado Sc mãdado ef-
catorze dias defpois de partido de
crever,pera fe ver fe avia que em-
Roma entrou em Mantua, aonde
mendar na rorma & nota delies.
quiz hir por dizer Miíía na fepul-
E difíe hum Prelado por graça: o
tura do Cardeal Hercules Gonza¬
fenhor Bracarenfe como vem tão
ga, hum dos Legados que achou
favorecido de Sua Santidade a-
cmTrento quando ali chegou,
verfeajà agora mais brandaméte
como em feu lugar fica dito,&era
com nofco, Sc não nos quererá
falecido de Mayo do mefrno an¬
matar com fuas reformações. Ao
uo. E ainda no mefrno dia foy dor
que tomou a mão o Biípo de Mo-
mir a Villafranca,& dous dias def
dena como amigo intimo que era
pois no ultimo de Outubro pola
do Arcebifpo dizendo. Amanham
manhã chegou a Trento. E co¬
veremos que mudança fez neíle
mo nãoeraem fua mão potipar-
Roma,& quanto vaíeo a Sua San¬
fe,viíitou logo os Legados, & â tar
tidade a agnia que Ibe deu pera o
de não quiz faltar às vefperas dos
trazer cã. Na mefma noite vio o
Santos,que fe celebravão em Põ«
Arcebifpo com cuydado o tresla-
tifical com afsiflencia de muytos
do dos capítulos (porq a todos os
Prelados. Foy fua vinda feftejada
Prelados fe derão copias,& coteja
de todos, & acabadas vefperas fe dos com as íembrãças q tinha das
vícrao juntos a eile darlhe a boa
cõíuítas q fobre eíles auião prece¬
vinda, ajuntando grandes graças
dido achou aígíías coufas troca¬
Sc abraços polo que jà fabião que
das ôc differétes.Quãdo ao outro
•
trazia negoceado com S. Santida-
4- —4 dia forão todos os Padres juntos,
R 3 como
 LiuroIlM vida âe D. Fr.BertJosMart.
como lhe coube fallar, diíle co a
fu a cofturaada izençao, que no
CAPITVLO XXX.
papel que lhe fora dado notava
muytas coufas differences das re- Dos Prelados com que o Arce-
folucões que antes de fua partida bifpo teve amizade emP^ ren
fe avião tomado em todas as con- to3(H? das particularidades
fultas: & que àlem deíla differen- quepafsoH com algus
ça achava nas margés alguas gro-
delles.
fas, que enccntravão a íulfancia
dos capitulos. E íobre tudo dif-
Ra o Arcebifpo na«
correo de novo y como Te então fe ri H turalmente fevero no
r.v,
começara a tratar a matéria ra¬
&
bi
afpeito, & poía fiiofo-
tando as grofas, & o que trazia al
iliS fia que a Religião eníf*
teração, com razões cão pias, tao
na muyto compofto.Daqui vinha
fentenciofas Sc bem fundadas, q
joí^aremno por efquivo Sc feco
a todos parecia que fallava Deos
ds que o não tratavão de perto,
por elle. E não era de efpahtar,
Áfsi nos princípios do Concilio
pois em todas fallava elle pola ho¬
era menos bufcado enganandofe
ra de Deos. Por remate acrecen-
os mais dos Prelados com o que
tou: fòra, fòra com taes grofas, q
faziao crer as aparências de fòra.
corrompem & deftruem o texto,
E era efte o mayor beneficio que
fòra com mudanças, fejatrios fem
lhe podião fazer, porque nenbúa
pre os mefmos.Foy feu jparecer fe
coufa conformava mais com fua
ouido de tantos, que não ouve q
natureza, que a vida folitaria .* vi¬
fazer fenão reduzirfe tudo ao pÕ-
via fòconfigo, & com os fetis li¬
to que primeiro fora propofto por
vros, & âfsi fe dava por bem acõ-
elle,& aceitado por todos no tépo
panhado. Mas defpois que lhe fo-
atras, & na ocafião prefente tor¬
rao cahindo na arte, 8c virão que
nou a apontar. E afsi fe concsuhio
converfado era tudo brandura
com duzentos Sc feis votos^ de
8c humildade, que a todos metia
corpore Concilij a fatisfação
naalma, &com facilidade dava
de todos,& muy particu
conta de feus conceitos & dile*
lar contentamento do
nhos, era fua cafa tão frequentada
Arcebifpo cujo avia
de todos os que avia em Tremo,
fido todo o pefo
que lhe nao davao hua hcia de
do trabalho.
repoufo. A chavão nelle grandes
(•?X?X0. ' letras 8c fciencia fem inchaçao,
(y. profundo
 ArcebtjJjo de Bragã, Brlmàs das Hefpdnhas
profvndo juyzo com affabilidade.
Ifto oraohava as vontades de ma¬
neira , que parecia andavãoa cõ-
petencia a quem fe daria mais co
elle,& o grangearia com mayores
moftras de amizade. Híís conti-
fiuavão com vifitas Sc cerimonias
de cumprimentos,outros lhe mã-
davão mimos que lhes vinháo de
fuas terras,outros ihe comunica¬
rão relações de novas &íuceííos
de varias partes, que he hum ge-
nero de paíTatempo, de que fe pa¬
gão muyto os eftrangeiros. Dos
Prelados da Ordem de S. Domin
gos não ha pera que façamos mé-
ção,porque eftes erão com elle co
mo irmãos, Sc elle fe avia com to¬
dos como irmão menor.Masdous
fe aventajavão em o refpeitar co¬
mo a pay. Hum era o Bífpo de
Modena de que atras fizemos me
ção,o qual des do primeiro dia fe
lhe entregou todo. Era varão ef-
piritual & grande efmoler, limbo
lizavão ãbos, eftava certa a união.
O outro dom frey Ieronimo Co-
lufuarino Bifpo Canadienfe de na¬
ção Vngaro,Theologo famofo,&
incanfavel perfeguidor de ereges.
Eíte Prelado não fò vivia entre
ereges,mas tinha muytos paren¬
tes que o erão, Sc de hus, Sc ou¬
tros era fobre maneira odiado.
Porque os atava Sc convencia co
difputas Sc pregações. E como
não fabiao que refponder, Smde-
bmt dmttbuS) rangtão, Sc quebra-
, i- 1 c-“
10 0
vao os dentes com rayva, como
os Iudeus antigamente contra Sã-
to Ellevão, Sc defejavão btberlhe
o fangue:os parentes importuna- Aft.Ap»
doo que apoftataíTe da Ordem, Sc fl0Í-7\
da Fè: os que o não erão arman-
dolhe,perao matarem. E hús Sc
outros procuravão que nao vieífe
ao Concilio pola experiencia que
tinhão dos fios de fua Imgoa Sc
efpirito.Mas o bom Preiado rom-
peoportudo, veyodeafliího em
Trento Sc ajudou valerofarnente
com fuas letras Sc não menos cõ
exemplo de vida,& por fer tal fa¬
zia o Arcebifpo muyto cafo de
feu voto em todas as matérias, Sc
tinhao por companheiro infepa-
ravel. Elle Bifpo veyo a falecer
em Trento,& o Arcebifpo o acõ-
panhou como bom irmão Sc ami¬
go na ultima hora animandoo Sc
confolandoo9& affirmava defpoís
que lhe fizerão muita enveja os li-
naes de prediíbnação que nelle vi
ra. O Cardeal de Mancua Hercu¬
les Gonzaga Legado que preíidia
no Concilio,como diílemos, quã-
do o Arcebifpo entrou a primeira
vez em Trento,era hum Príncipe
fabio,& brando Sc de gentis con¬
dições. Como o Arcebifpo che¬
gou tantos mezes antes de come¬
çar a obra pera que fe juntavão,
teve o Cardeal lugar & ocaíião
pera o converfar devagar, Sc co¬
mo foy metendo a mão nelle nao
fe pode crer a affeyção que lhe co
4 kron
 hfaro II. da vida de D» Fr. Bert. dòs Mart.
brou.Âfíi em «quanto não recres¬
cerão negocios,ertavao ordinaria¬
mente juntos tratando dantemão
do que convinha remediarfe na-
quel a fanta junta, & doutras ma¬
térias nao menos importantes,
Ma s fobre todos fe affinalou em
honrar Sc eftimar ao Arcebifpo
o Cardeal Carlos deLoreuaAr-
cebifpo de Reims grande fenhor
em França Sc muy chegado em
fangue à cafa Reai. E mofirou o
baílantemente nas ocaíioes que
fe ofFerecerao no Concilio, & na
jornada que temos contado de
Roma. Porem fe a com muni ca¬
ção de importantes fegredos hz
a ultima prova de verdadeyraa-
miza de entre os amigos,nem eíla
ficou por dar de parte do Car¬
deal, porq com eflranha confian¬
ça lhe comunicava o intimo de
fua alma.Sucedeo hum dia darihe
cota o Arcebifpo de feus efludos,
&. panicularmentede hum livro
que hia compondo da vida efpi-
ritual & contemplativa, do qual
dizia, que devia a mòr parte ao
grande Doutor Francez Sao Ber¬
nardo, de quem era devotiffimo.
Sao os Francezes grandes amigos
de tudo o feu, muyto vnidos em
acudirem pollos naturaes,& a ca¬
da híi lhe parece ique tem parte
na gloria de qualquer particular
de fuapatria. Aííi eílimouo Car¬
deal efte dito do Arcebifpo, co¬
mo fe fora coufa nova (fendo aííi
qtie ha poucos efcricos de que fe
poffa coíhertànta abuodancia ©e
fuavidade de efpirito,como fao os
ddle Santo,)Ecomofe em hora
fua muy particular refultara, a q
o Arcebifpo taõ ju {lamente dava
aoSanto,diíTelhe que por ultimo
&mayor penhor do qneo arria¬
va lhe queria dar parte de hum íe
gredo que tocava ao mefmo Sãto>
o qual era de calidade que atèa-
quellahora o não comunicara a
peíToa viva, nem determinava c5
municar em quanto viveífe,& fa¬
zendo outros encarecimentos do
que cumpria nao fe defcohrir vi-
iio o cííado das coafas de França
naquclle tempo: foyíhe contando
a tresladação que por fuas maõs
fizera, avia potico mais de dous
annos das veneráveis relíquias do
Santo,aqualfegundo fua relação
paífou defta maneyra. Dcícjava o
Sumo Pontífice que nao faltaffem
no Concilio os Prelados de Fraça,
Sc particularmente os Abbades
de Claraval &. Ciíler,peíToas am¬
bos de grande eminencia em íe-
tras.Por outra parte como cftava
taõ ateado Sc crecido o fogo das
eregias no Reyno, arreceava, Sc
todos os zelofos o temião , que
aufentandofeos Prelados Catoli-
cos de fuas Igrejas naõ fò fe def»
enfreaíTem mais os ereges em
feus erros,mas que fe alargaílem
com diabólica oufadia a profanar
os templos,& relíquias dos San¬
tos
 Arcebifyo de Brava, Primas das Hefvanhaf, ■
toq como jà tinhão começado a
fazer por alguãs partes, Noqual
cafo os templos que mais arrif-
cados eftavão a qualquer infulto
eraoos da Ordem de São Ber¬
nardo por eftarem todos defuia-
dos de povoado.Queos das cida
des . indâ tinhão mais remedio
na virtude & brio de algfis cató¬
licos que lhes podiao valer, Afsi
fe veyo a tomar hú meyo pera fe
acudir a efte jufto receyo, Sc não
faltarem os Prelados ao Concilio,
E foy que mandou Sua Santidade
fe pofeflem em cobro as relíquias
dos Santos por toda parte em que
pareceíTe eftarem com perigo: Sc
particularmete efcreveo & man¬
dou ao Cardeal de Lorena que
peííoalmente foííe à Abbadia de
Claraval:& cõ todo fegredo tiraf-
fe o corpo de feu Santo fundador
Sc o levafte à cidade de Avinhãp
com a fegurança Sc decencia que
era razão. Amanheceo o Cardeal
hum dia no Mofteyro com pouca
gente diílimulado , &como que
paliava de caminho. Deu conta
ao Abbade do que vinha fazer Sc
com q ordem.Não fabiade fi par¬
te o pobre monge de fobrefaltado
& perplexo. Mas muyto mais o
ficarão os fubditos, quando jutos
era Capitulo, Sc pofta primeyro
huã obediência de guardarem fe¬
gredo, lhes foy declarado que dé-
tro de poucas horas ficarião def-
pojados do amado thefouro de
m ••
feu Santo Padre. Procurou o Pre¬
lado confolallos lembrandolhes
que não era fem ordem do Ceo
aquella obra (como nenhuã paf-
fava na terra fem vir traçada do
akoj Sc baftava fer do Summo
Pontífice pera a terem portal .-a-
quem ficavao em obrigaçaõ pollo
cuydado com que S. Santidade
prevenia à perverfidade dos ere-
ges: que fe a malicia andava jà en¬
tre elles tão refinada , que fendo
nacidos Sc criados dentro em Frã
ça perderão o refpeito em Turs a
S. Martinho gloria, Sc coluna da-
quelle reyno, Sc em Poytkrs a S,
Hilário, Sc em outros lugares a S.
Boavemura, Sc a Santo Hireneo,
Sc a outros Santos, defcubrindo
impiamente feus corpos, por tan¬
tos feculos de feus mayores vene¬
rados : Sc efpalhando polos cam¬
pos as relíquias de hús, & quey-
mando as de outros, fazendo Mar
tyres defpois de mortos os que
muyto defejarão fello em vida:
nãopodiaÕ duvidar os filhos de
Saõ Bernardo fer grande miferi-
cordia de Deos poremfe em efta-
do as do mefmo Santo q ficafsem
feguras de femelhãteinjuriarmor-
mente quando cftavão entre a-
quelles motes ermos fem nenhã
genero de defefa nem reparo: fè
baftava reparo contra a fúria in¬
fernal daquelles, a quem nem as
fortes muralhas de Poytiers,nem
o numerofopovo dc Turs tão af*
feiçoado
%
%
 hiuro Il.da vida de
firicoado, Sc obrigado a íèu Santo
Padrocyro puderao refiftir.Qj.ie
daria Deos paz,melhor2rião os te
pos,torr»ariao os cegos Vgonotos
à luz,ou pelo meyo do Santo CCi¬
ei ú o que eftava a ponto de come¬
çar, ou por forca de armas que jà
eftavão cm campo com feu Rey
veftido nellas : 8c 11a hora que o
reyno tornaíTe a feu antigo foííe-
go tomariao elies também a co¬
brar o que agora era bem que iar
gaífem pera o poííuyrem defpois
com inteira fegurança. Mal con-
fola hum defconfolado. Erao tan¬
tas as lagrimas com que o Abba-
deacompanhava eftas razões, q
tendo muy ta força a íuftancia del
las pera abonar a determinação
Sc mandato de S.Santidade, afsi
as recebião os Monges como fe
virão o Mofteiro entrado dos
me finos Vgonotos. Afsi eftavão
confufos,afsi aífombrados, coníi-
derando qnefe forão roubados de
enemigos derao o fangue êc a vi¬
da primeiro que deftem o fanto
depofito, que fora baftante confo-
lação de bõs filhos: mas verfe fa-
quear por amigos, 8c largar a pof-
fe do prefentepor eíperanças do
futuro,nenhum avia qtieolevaíTe
em paciência. E derão bom exem
pio de religião 8c obediência con-
fintindo no que em todo lhes en¬
contrava o gofto 8c entendimen¬
to. Seguirão ao Cardeal, & ao Ab
bade ao lugar da fepuicura: lançà*
D. Fr.Bert.dos Àíart.
raofe por terra em oração com tal
pranto,que nao devia fer mayor 0
de feus antigos & primeiros Pa¬
dres quando nella encerrarão o
Santo. Abriofc afepultura, 8c era
efta a primeira vez que fe bullia
nella defpois de fepultado o San¬
to auia quatrocentos 8c oyto ân¬
uos, porque elle faleceo no de mil
Sc cento Sc íincoenta 8c cres: &
efta tresladaça© foy no de mil 8c
quinhentos & fefenta 8c hum a
vinte de Mayo. Achoufe o corpo
metido em hua cayxa Jde chum¬
bo envolto em tres grandes len-
çoesque dobravao hu fobre ou¬
tro das ilhargas,pès,& cabeça,tu¬
do o que fobejava de cada parte q
era muy to. Eftes eftavão faõs, al¬
vos 8c incorruptos, como o pri¬
meiro dia que ali começarão a fer
vir. Tirados osíençoes aparece©
o corpo cozido todo em hum cou
ro muy to apertado & jufto, faivo
a cabeça: fahia delle hua fragran-
cia de cheyro fuaviífimo. Tinha
lançada ao pefcoçohuãCriiz de
pao pendurada de hua fita, que
lhe ficava fobre os peytos, Sc en¬
talhada nella efta lctta.,Fafciculu$
myrrfu ddeãus meus mibi , inter
rvberameacommorabitur. Eftava cq
o corpo huã cayxinha com relí¬
quias, que fe declarava nella fere
doApoftolo São Thadeu,q lhas
mandara de Roma feu devoto dif-
cipulo o Papa Eugênio terceyro.
Achoufe jumaraeace o finece que
o Saim 1
 9
Arcebifyo de Braga, Frimas das Uefpanhas.
o Santo nfava. Era de cobre com
fua empreza, & letra aberta à
roda. A empreza era haã Arpa.
A letra. 6)uid ent in Patria? Tira-
rãofe doutra fepultura as reliqui as
de Saõ Malaquias Monge da mef-
ma Ordem Bifpo Conerth nfe
em Hyrlaoda, que mereceo ter
por cronirta a Saò Bernardo. Co¬
mo o Cardeal teve emfeu poder
todas as relíquias que na cafa avia
paílbufe com ellas a hum lugar vi
zinho, 8c daly as levou à cidade
de Avinhao com groíTa guarda
de Toldados Cathohcos acompa¬
nhado pera decencia do thefouro
Tanto, de dezefeis Bifpos, &c dos
Abbades de Claraval, 8c Cifter. E
foubecaõ bem disfraçar a razão
da jornada,que em toda a compa¬
nhia de ninguém foy entendida
exceito dos Abbades, os quaes
também Tem mais outra pelfoa q
o Cardeal forao prefentes à entre¬
ga que Te fez das relíquias ao Go¬
vernador que tinha ordem do Pa¬
pa pera as receber &c guardar em
lugar Tecreto 8c feguro.
CAPITVLO XXXI.
Dàfefim ao Sato Concilio. Sae
oArcebifpo de T rento pera
Portugal, chega a
S .Ãíaxiwino em
Franca*
102
OS vinte finco de No-
pfj vembro defte anno de
Tefenta & tresfejuntà-
rão todos os Prelados
que avia em Trtnto em cafa do
Cardeal Moron que era o mais an
tigo dos Legados.* pera confulta-
rem Te feria bem darie por cõclui-
do o Tinto Concílio : vitto como
eftava tomado aííento em todas
as difficuldades que na parte Ca-
tholica.íe offercceriáo: &não avèr '
que fazer nas que podia aver de
pa»te dos ereges* poisem quaíl
dous annos queerao corridos def
pois de aberto o Concilio, fendo
antes & defpois por muytas ve¬
zes chamados, amoedados & re¬
queridos com offerta de toda fe-
gurãça nao avião acudido. Acor¬
darão que pera Te tomar final re-
folução ouvelfe junta geral pera
os quatro de Dezembro. E juntos
nefte dia de cófentiméto de todos
Te ouve o fagrado Concilio por
findo.E feitas as ceremonjas co-
ftumadas,&: dadas graças aNoífo
Senhor,fedeu licença aos Prela¬
dos pera cada hum fe poder hyr
pera fuas terras.O Arcebifpo que
nenhnã coufa mais defejava, não
fez mais detença que enoquantO
a cabou de aísinar os decretos, 8c
deu lugar a vibrações de Prelados
que erão tantas que lhetiravãoo
tempo pera elle fazer as de fua o-
brigação. Foy coufa de ver o a-
mor, a cortezia 8c faudades com
que
 Liuto IIda vida de D . Fr. Bert. dos Maru
<que fe defpediao d elle, claros in¬
dícios daopiniao cm que todos o
íiaháo. Partícularmente o Car¬
deal de Lorena fazia eílremos de
íintim.cnto>que como impróprios
cm grandes Senhores efpantàrão
liiais. Dizia que pera huãfòcoufa
lhe fervia muyto aquella divifão,
Sc era perafintir menos adivifáo
da vida quando a eííe ponto che-
gaííe: porque não tinha duvida q
feria facil de fofrer a qué tinha
forças pera ficar vivo perdendo
pera fcmpre a vida Sc cõveríaçao
de tal amigo.E que o muyto que
lhe caftavaefte apartamento avia
de fer parte pera trabalhar por fcr
fanto, pera q afsi como fe acha¬
rão juntos em ferviço da Igreja
Militãte,chegaíTe a ter comeilea
mefma vnião na Triufante/«*»«/
titudine if? plenitudine Sanãorum.
O Bifpo de Modena nao deixou o
Arcebifpoatè o meter no barco*
onde já eífava o Embaixador de
Portugal efperandopor elle com
o Bifpo deLeiria,&. todos os mais
Portuguefes que reíidiao cm Tré
to : falvo o Bifpo de Coimbra que
tomou outro caminho. Aos oito
de Dezembro fizerao vela polo
rio abayxoatè a cidade de Vero-
na, Sc dali por terra a Miíãoionde
o Arcebifpo fe foy apofentar no
Convento da Ordem de São Do¬
mingos q chamao de Santo Eu-
ftorgio, pera vifltar nelle a fepul-
tura do iníigne Martyr S. Pedro
de Verona Religioíb da mefma
Ordem, Sc primeiro Inquiíidor
Geral de Lombardia» Neífa cida¬
de vi fitou também os fepukros
do famofo Prelado , & grande
Doutor da Igreja Santo Ambro-
fio:Sc do Beato fr. Amadeu Por-
tuguez.O de Santo Ambrofiofe
guarda em hum mofteyro de Re-
íigiofos que tem o nomedomef-
mo Santo debayxo do altar da ca-
peiíarriòr,aquai tem á fu a conta
facerdotes feculares, celebrando
igualmente nella os divinos cffi-
cjos também os regulares. Na fa-
criífia dos frades femoílrahum
bordão do Santo, & hum copo de
pao por onde bebia, encaixadca-
gora por devaçao em ou tro de
prata.O corpo do Beato Amaccut
jaz no Coro de Noíía Senhora Ia
Paz moíleiro da Ordem de Sío
Francifco que elle íèguio: ondeie
mandou fepultar ao pè da efiane.
Cobreie, com hua taboa levadiía
pera fe poder moftrar aos dcv-
tos.He celebrado feu nome emo
da Italia, Sc hua recolleta muy i-
formada que fundou no anno e
1460. que chamao dos Amades
Sc ha delia muytos Conver.us.
Sua vida anda efcrita por vari>s
autores, Sc he bem de ver Sc ro-
tar o caminho por onde o levou,
Deos a fer Santo. Foy irmão ie
Diogo da Sylva primeiro Conle
de Portalegre, filhos ambos 1c
Ruy gomez çla Sylva, Se de Doí a
im
 Arcebijjjo de Brdga^Trimas cias Hcfpanhas,
Ifabel de Meneies, filha de D. Pe¬
dro de Meneies, primeiroCapitao
de Ceyta.De Milão foy o Arcebii
po a Pavia deixando o caminho
direito de Génova, por ver a caia,
onde he tradição q eftâ o corpo
do grande lume da Igreja Santo
Asoftinho iem ie faber lugar cer-
to. A Igreja he comum a dous
mofteyroscotiguos aella, ambos
da regra Sc nome do meimo San¬
to, cora efta differenea,que hu he
de Conegos Regrantes, & outro
dos Eremitas: & todos ie jantão
no meimo Coro às horas, & Offi-
cios divinos, & iò no minifterio
do altar ie altcrnão ás iemanas.
Daqui tornou a demandar o Em¬
baixador Sc mais cópanhia a Gé¬
nova, paííando por Tertona onde
o Bifpo o vifitou cõ fruitas da ter¬
ra, & mimos pera o mar. Em Gé¬
nova entrou o Arcebiipo dia do
Apoílolo S.Thomè, apoientouie
com iua família no raodeyro da
Ordé,q he de S. Maria do Cartel-
lo. E aqui efteve até dia de Natal
Sc por ordé do Senado daquella
republica lhe foy mortradoo pra¬
to em q Chrifto Senhor noífo co-
meo o cordeiro Pafcoal na ultima
cea.Hepeça de preço ineftimaveí,
polo íerviço em q fervio, & pola
matéria,que he fina efmeraida, &c
como tal fe guarda na Sè fechado
com doze chaves, q ertão em po¬
der d outros tacos cidadãos princi
paes.He aberto $ç largo por cima
" ioj
Sc vay deminuindo & ertreytando
no pè/az feis divifoés,ou cátos de
oitavado, &c té duas azas,& é boa
ertimativa fera capaz de mais de
meyo alqueire de trigo.Eííariquif
fima joya.he tradição que foy cTel
Rey Salamão.Em Génova em bar
cou a primeira oytava de Natal
principio do anno de 1564.com to
da a cópanhia fazédo viagé a Nif-
fa em bergancís, onde viíitàrao o
Duque de Saboya filho da Iffante
de Portugal Dona Breytiz, que na
quelle lugar ertà enterrada. Eo
Arcebifpo teve cuydado de fazer
officio de piedade, & de bom For-
tuguez vifitando com hum reG
ponfo iua fepulcura. De Niíía en¬
trarão no. rey no de França por
Antibò,&Frejus, & Holuco ter¬
ras da Proença,& paííârão à cida-
dade de S.Maximino, onde o Ar¬
cebifpo poufou no morteiro de S.
Domingos q ali ha. Fie morteyro
rico Sc fuptuofo à maravilha. Té
ertudos públicos, &criãofe, Sc a-
prédé nelle como pupillos muitos
mininos filhos defenhores prind
paes do Reyno,polo muito credi¬
to Sc autoridade do CÓvéro, q he
fenhor do téporalda cidade: & os
Reys deFrãça por lhe fazeré hóra
té o titulo de Priores delle, Sc poé
de fua mão o Prior q o governa
por breve do PapaBonifacio VIII.
Ertas gs ãdezas lhe proccdé todas
da precioía relíquia q em íy té do
corpo da gloriofa Madalena,q ne-
S fte
 Livro IL da vida de D. Fr» Bert. dos Aíart.
fie lagar veyo dar a alma ao Cria¬
dor, fédo inda vivo & prefentea
feu felice tranfito S.Maximino,de
qtié a cidade tomou o nome, Quá
íi ao meyo da Igreja eftà húa ca-
pella fotterranea,é q fe guarda có
muyta veneraçao & recado a ca¬
beça da gloriofa Santa. Tem os
Governadores da cidade húachâ
Sre «, & outra anda no depofito do
Convento. Moftrouíe ao Arcebif»
pocó outras muytas relíquias q
eftão jútâs.Eftà a fanta cabeça en-
gaftada ero hú grande meyo cor¬
po de prata.E fendo jà pura cavei
ra &feca,indaoje cÓferva na tefta
fobre a fobranceiha do olho ef-
querdo tanta carne toldada jà , &c
denegrida da antiguidade,quanta
he tradição qUe tocarão os dous
dedos de Chrifto, quando!he apa
receo refucitado,& lhe difte. Noli
me tangere. He a caveyra muyto
mayor q as ordinárias dos homés
d’agora. E tirando por ella & por
húa cana do braço que tambê fe
moftra a proporção do corpo to¬
do, devia fer bem agigantado. O
reáate de feus oíTos,dizé eftar me
tido no vão do altar mòr em húa
cayxa de prata.Vemfe mais nefta
capella hús tumulos levantados
em que jazem corpos de aigús
Santos, convém a faber, o de São
Maximino, que foy hum dos 72.
difcipulos, & de Ierufalé foy lan¬
çado com as fantas hirmãs Maria
Sc Martha, & vindo parar a eftas
partes foy o primeiro Bifpo de
Aix.ou Aquenfe, como chamao
os Latinos, feislegoas diftantede
S. Maximino. E o corpo do cego
Sidonio , cego de nacimento,a
quem Chrifto deu vifta, & o de
Santa Marcella criada de Santa
Marta, & o de Santa Sufana que o
mefmo Senhor curou de húa alei¬
jão cal das coltas, que fe não endi¬
reitava. AlTombravãofe os ludeus
com tantos & tamanhos tcitimu-
nhos juntos da Divindade que
negavão: defterrarao nos pera os
acabarem, ou pera os não verem
&fe cegarem mais. Todos tem
feus moymentos diftintos. Mas
pera confolação dos fieis ficarão
de fòra as cabeças em feus reli¬
cários de prata, ao modo que e*
ftà o da Magdalena, & fe moftrão
aos devotos. Apos eítas relíquias
moftràrao os Religiofos ao At-
cebifpo duas ambuias. Húa de
criftal, em que fe vè húa grande
madexa de cabellos muyto lou«
ros & groffos, & 20 que fe pode
julgar bem compridos , porque
eftão retorcidos & com voltas da
das como fe faz às madexas de fio
douro. A ambula he redonda &
liza,& eftà tapada cõ húa prãche-
tade prata cravada,&rebatidano
criftal de maneira que fe não pô¬
de abrir facilmente. A outra he
pequena, & de hum vidro groííb,
& parece cheya atè o meyo de
húa terra de cor etre parda & cin
zenca
 Arcéblfbo de Braga, Primas das Hefpanhas.
zentâ,&: como de vafa de rio.Efta
terra foy a que a Santa Madalena
coíheo ao pè da Cruz, banhada,
& envolta no preciofifsimo fan-
guedo Redentor, & por tal eftà
Venerada com prova de eífeitos
milagrofos. Porque todos os an-
nos infallivelmente no dia defe-
fhfcyra da femana fanta, tanto
que começa o officio da Payxao,
começa cita terra a ferver em mo
vimento continuo,& à vifta de to
dos fe moftra fer verdadeiro fan-
gue. Acabado o Officio acaba jun
taméte o fervor, Sc ficando é quie
tação fica também com fua pri¬
meira cor,como afsima dizemos,
Eíf a relação teve o Arccbifpo po¬
los Religiofos, de grande Sc cor¬
dial confolaçao pera todo fiel. E
mefma tinha ouvido algus annos
antes de boca do Meftre frey Ior-
ze de Santiago Religiofo noífo,In-
quifidor de Lisboa,& defpois Bif
po das Ilhas dos Açoresio qual in
do pera o Concilio quando a pri¬
meira vez fe começou que foy no
anno de 1545. fe achou neíia cafa
por tal dia, & vio por feus olhos o
imlagre.A tres legoas de S.Maxi-
mino eítà a lapa em que a Santa
fez penkecia por efpaço de trinta
aunos em trato cõtinuo cÕ o Ceo,
Sc converfação dos Anjos,& per¬
petua auzencia do povoado:fenao
ffii o dia em q o Senhor a chamou
pera fy , que então por ordem fua
foy bufcar o Santo Bifpo Maxinú-
.'S
«
104.
no ôc a Igreja. Eftà aberta a lap^
em hú afperifsimo rochedo, Sc pe
gado a ella temos hõ moíteirinho
limado entre aquellespenedos cal
VOS,que faz grande de vação aos q
viíitao a fanta iapa.Não chegou a
cila o Arcebifpo,porque lho ertor
vou o rigor do inverno com força
de neve que cobria tudo: & junca-
mentea preífa que traziao o Em¬
baixador Ôc os mais companhei¬
ros, cuja companhia não podia lar
gar por terras tão perigofas.
CAPÍTVLO XXXII.
Do que fucedeo ao Jlrcebfpo
defpois,quepartio de S.AÍaxi-
min0 ate que entrou em EJpa-
nha , éf chegou a Nojfa
a
Senhora de Aíon-
ferrate.
H| E «São Maximino fo-
A
rão no dia feguinte
m dormira Aix: onde co
nheceo ao Arcebifpo
hum clérigo que eftivera no Cõ-
cilio. Efte avifou logo ao Cabido
com tal relação da peífoa & par¬
tes do Arcebifpo, q o mãdàrão vi
fitar com muyta cortezia Sc cnm-
primétos, Sc có hum prefente de
coufas decomer cõforme ao têpo.
E fendo noyte fe vierão pera elle
todos os muficos Sc capella da Sè
acopanhados dediveríòs iniiru-
mentos, & gaftàrão bu bò efpaço
da noyte cantando concertada Ôc
Rz fuave-
 Limo JL da vida de D, Fr. Berl. dos-Mart.
fuavemente muytos motetes &
Vcrfos dos Píalmos,que foy íingU
br recreação pera o Arcebifpo,
porque avia boas vozes & todos
muy deilros: & alegravaíe de ou¬
vir caticos do Senhor em terra,da
qual có pouco efcrupulofe podia
cuidar q era alhea de noííaíanta
Fè. E eite parece que devia fero
motivo, porque quizerão moftrar
fua habilidade, dcclarandore por
Cathohcos, & felicjandoaos que
tinháo por tacs. Ha doze legoas
de Aix a Avinhão : aonde chega¬
rão a dormir dia de Reys.E forão
com magnificência h >fpcdâdo$
polo Bifpo de Fermo Vicelegado
de Sua Santidade, & poio Gover¬
nador da gente de g lerra.Eftà af-
fentada elía Cidade (obre as ribei¬
ras do no Rodâno, bem fortaleci¬
da de baluartes & mu ralha A ba-
ftante prefidiô defoldados.He ter
râ própria da Igreja Româna , Sc
muyto eftimada dós Summos Po
tifíces,& jà foy aífento feu em té-
pos antigos por diícurfo de ?4.an
HOS:&durãóindacje o.^paços em
que moravão, cafa de bõ edifuio.
Não he pera ficar em íiiencio pe¬
ra gloria da Fè, o q o Vicelegâdo
contou aqui aos hofpedes, dizédo
que de húa cidade daquella co¬
marca fora a Treto pera fe achar
íioConcilio hu Bifpo, conhecido
Sc avido por rebelde Sc obftinâdo
<erege, Sc levara configo outro tão
Uno Sc tão perverfo como elle, fò
a fim de bufearem ambos q notar
Sc Calumniar nos Catolicos:& có
efte animo mcuberto cõyerfavão
Com todos,& entraváo nas jíítas.
Mas foi o Senhor fervido,q de lo¬
bos tornarão cordeiros- Sc naofò
cetdeiros,mas tãbé valerofos ma-
guardadores dos rebanhos
Cathoíicos. Porq o primeiro era
então o mayor perleguidor dc V-
gonotos q avia em toda a provín¬
cia^ ornais Celebre pregador dei
ia é favor da Fè,& do.'CatliOÍ;Cos.
E ãbos confeíãvão publicaméte,q
a razão q os fizera cahir na conta
de leus erros fora ver Sc confide-
rar o modo que aqii.iles Padres ti
nháoenj preceda na$ matériasq
cõfultavão,o cuidado & trabalho
com que as eftudavão, difcutiao,
Sc ventilavão: como fe enxergava
q não avia outro fim é todos mais
q defeobrir &averíguar verdades
Sc acertar cõm O pôto delias, nao
fuftentando opiniões cõ pertiná¬
cia,nem com oíiétação de letras:
propondo^rgumétandojdifíinin-
dòfem fingimento, fem dobrezes,
fem enganos,nem cavillaçóes: cõ
quanta facilidade fe rédião todos
ao melhor parecer, Sc fe íogeita-
Vão logo fem replica ao que por
mais votos era determinado: & fi-
nalméte cÕ quânto juyzofepõde-
raVa Sc examinava não íò na fuftã
cia,mas a nda na nota & nas pala
Vfas oqaV*ade ficar decretado.
Das quaes íonfiderações ficarão
perfua-
 jirtebijbo de Braga^rmàsdas Hefpanhas.
fuadidos 8c convencidos que ver-
daieiramente afsiília naqaella fa-
grada congregação o Efpirico Sã-
to:& na Igreja Cacholica a pure¬
za da Fè, & tudo o q era fòra del¬
ia, era devaneo, Sc mintira & mal¬
dade.De Avinhão vierão corrédo
as mefmas cidades, & poios mef-
mos paíTos q o Arcebifpo levara à
sda, paíTando a Nimes, & Luneld
&Mõpeíher,eres boas cidades em
copia de povo Sc bõs edifícios,
mas pouco melhoradas noeftado
da Fè de quãdo á ida por ellas paf
jfou.Em Nimes acharão hu gover
nador Catholicoq dalgua manei¬
ra tinha amanfado a furia dos erc
ges,quanto aos infultos fòméte, q
no mais quafi a mefma devafsi-
dão reynava: Sc viofe bem no que
asora contaremos.Derao aofahir
do lugar em hua grande Cruz de
na ar more, que toda via ficou em
pè a pefar dos Vgonotos,&.fazen-
do todos ao paíTar fua inclinação
com as cabeças deícubertas, hua
pobre 8c esfarrapada molher que
o notou, os começou a praguejar
c maldizer em voz alta, 8c o que
8 bifpo a SèrmoRràrãolhe os Cone-
be mais de rir (mas antes pera
chorar) reprendendoos, &fazen-
dofe pregadora da maldita eregia.
Ficavao atras o Padre frey Anri-
que de Tavora, Sc o fecrccario Pe
ro de Tavares, Sc quando enten¬
derão as razões da miferavel, ao
emparelhar com a Cruz, virarão
cõ mais devação incliaaadofe pro
io f
fundaméte, 8c cõ toda reverencia
ao final de rfoífa redenção. Não fe
pòde crer a rayva em q a erege fi¬
cou ardendo , 8c multiplicando a
brados, novos oprobrios contra a
piedade. Paliadas eftas terras Sc
outras atè Briífíers quizerão to¬
dos feguir
O
o caminho mais breve
pera Efpanha, & acabar de fahir
de França: Sc deixado a eftrada q
leva a S. Sebaftiâo que foy a que o
Arcebifpo feguio á ida pera o Cõ-
cilio, tomarão a de Barcelona fo-
bre a mao efquerda , Sc vierão a
Narbona.Nefta cidade fe apartou
o Embaixador &c tomou a polia,
& o Arcebifpo com a mais com¬
panhia fe foy na volta de Barce¬
lona por fuas jornadas, paíTando
jor Salfas,& Perpinhão, famofas
orças de Catalunha, 8c fronteiras
de Efpanha cõ França : onde não
entrou por aver peíle. E paífou a
ferra dos Perineos,polo paífo que
chamao Portus, paífo temerofo
por aífaltos de ladrões, Sc vando-
leyros, Sc veyo à antiga Sc nobre
cidade de Girona. Viíitou o Arce¬
gos alguas peças ricas,& entre el¬
las hua de grande eílim a pola an¬
tiguidade,& memória de quem a
<!eu. Era huataíla douro de pé
alto.E diz o Arcebifpo em hua re
lação q temos de fua mão de toda
eíla jornada,q a teve nas mãos,&
efcaiTaméte podia cõ eíla.Sãopala
vras fuas,A ççadição he q foi dadi
f , S 3 va do
 LiuroILda vida de D. Fr.Bert.dos Aiart.
do Emperador Cario Magno of-
íerècida âquella Igreja. O retabo-
loda capella mor, diz a mefma re¬
lação que he todo de prata, & in-
ligne pola obra não menos que
pola matéria: & o Altar em roda
chapeado de laminas de prata, 8c
ornado de figuras de prata & ou-^
ro.Em dezenove de Ianeirovef-
pera de S. Sebaftião chegarão à
Barcelona cabeça de Catalunha,
pofta nas prayas do mar Mediter¬
râneo,obra da antigaCartago por
flor. ào
meyo da nobre família dos Bar¬
Campo*
Aufon •
ças,que lhe comunicou o nome*
poeta, He coufa digna de ponderação, q
Hieron. andando nefta conjunção coalha¬
Tãulus. da a terra de falteadores, 8c fendo
certos 8c continuos em dous paf-
íos que ha na mefma jornada an¬
tes de chegar à cidade , tanto que
no mefmo dia que o Arcebifpo
paíTou, ouve paííageiros rouba-
dos, & não poucos, elle & fua c6-
panhia não toparão coufa que
lhes deííe moieíiia. Em Barcelo¬
na defcançarão o dta de S. Seba¬
ftião, & o feguinte, 8c ao terceiro
fahirao da cidade defpois de co¬
mer, 8c forão dormir a Martu-
rel, pera poderem ao ou¬
tro chegar cedo à devo*
tifsima cafa de NolTa
Senhora de Mon-
ferrate.
W -
CAPITVLO XXXIIL
Vi fita o À rcebifpo a devo tifsi¬
ma cafa de No fia Senhora de
Aio nferrate.Pafsa a A-
ragao. Contafe o que
lhe fucedeo aú che¬
gar a C3ara-
goça.
N t r o v o Arcebif-
po no moíleyro com
“ * fua familia, 8c foy re¬
cebido amorofa & ale
gremente de todos os Religiofos.
Delta cafa, do íitiç delia, de feus
princípios, 8c das maravilhas que
nellaobra ôCeo não fe pode di¬
zer pouco,pois andão livros intei¬
ros de fuas grandezas , & ainda
não dizem todas. E nòs como va¬
mos de caminho 8c com outro
intento,bailara dizermos do íitio,
8c da devação com que he freque
tado das gentes,o que Ifayas diíTe
por Outro monte. E o Arcebifpo
foy o primeiro que o.Iembrou 8c
referio, quando poífo no mais al¬
to da ferra alargou a vifta polos
montes que lhe ficão àroda, os
quaes fendo bem altos, parecem
a quem olha de cima pequenos
outeyrinhos: tanto fe impina fo-
* bre elles a ferradomofteyro. £rií
praparatus mons Domus Domini m jfiy c<i
<vertice montiumjj ekuabimr japer
colks
 Arcebifyo de Braga,]?rimas das Hefpanhas.
colles, te? fluent ad eum omnes gentes,
Parece q fe poz a natureza a criar'
ou a pintar por paíla tempo hum
grande caítello roqueyro muyto
crefpo de corres & baluartes fun¬
dado fobre a coroa de huã ferrai
Sc levantou fobre montes altifsi-
mos que aqui faz a cerra, outro
monte talhado a pique por toda
parte,como obra feyta à mão Sc
corr» confelho mais que a caio, Sc
tao determinado em fe hyr às
nuvés,que do lugar de bayxo dõ-
de fe começa a fubir atè o mofiey-
ro ha huã boa legoa de cofta co-
tinua. E cabelhe bem o nome de
monte ferrado ou fechado, fe o
quizermos tomar nefte fíncido
polia forma pyramidal, com que
crece junto Sc apinhado lobre a
ferra:dado que a razãodelhe cha¬
marem ferrado os naturaes pro¬
cede da abertura que faz no alto,
como fe com ferra fora dividido,
Sc moftey-
pera dar lugar à Igreja
ro.A Igreja he peqna Sc de obra
atiga,mas muyto devota,Sc cheya
de huã certa mageílade que fa&
recoiher o entendimento & obri¬
ga a attenção. Tem pouca luz de
fora, & por muyca que tenha de
hu grande numero de alampadas
de prata que ardem diante da Se¬
nhora , femprefica efeura. Afsi
como o ar he ocupado de alam¬
padas, fão as paredes em roda to¬
madas de cirios de cera,que fegu-
do fão grandes, melhor diríamos'
106
ciéfiaf
maílos,que círiosí& tal ha que fe
affírma teremfy cera arrobas d? Barrey-
cera. Os vazios entre alampadas ros »x
& cirios enchem cadeyas,bragas, fua c!,°~
àrgolas, correntes , & trave íTas^|y^
de ferro, pedaços de calavres , re- verp
tratos de nâos, húas em pintura,
outras em relevoroffertas de nau-
fragantes Sc cativos, Sc outros ar¬
gumentos dé varias neceííidades,
Sc do remedio que nellas fe alcã-
çou por meyo dsfta Senhora. À
imagem he pequena & morena,
mas nefta cor Sc tamanho te hua
gravidade Sc humpefo, que mo¬
ve muyto em lhe pondo os olhos,
Sc faz devação. E porq tudo qua¬
dre, os Monges de S.Bento cuja he
a cafa Sc Convento faó gente que
vive em notável obfervãcia. Aqui
quizo Arcebifpodar algum alivio
âo efpirito,como deu em Barcelo¬
na aocanfaço corporal decantas
& tão aturadas jornadas. Vio a ca
fa toda/ubio às hermidas, que fe-
guindo a comparação que come¬
çamos, fe ha de coníiderar ficare
aífétadas fobre os curucheos das
torres, que he altura medonha:
donde dizem ue em dias claros
fe defeobre a i ha de Malhorca,
diftancia de fefenta legoas.As
O
her
midas faô treze, todas muy bem
ornadas Sc co bom apofento em
cada húa pera os hermitães, Não
vira o Arcebifpo em fua vida ou¬
tro íitio pera a fua arte taõ bem
affombrado: Sc bem fe lhe enxer-
S 4 gava
 Limo I!, da vida dc Dl Fr, Bsrt. dos Aíart.
gava fim ta enveja aos morado¬
res drile , nas faudades que fa¬
zia eílendendo os olhos por aquei
les picos Sc rochedos, a outros
montes roais altos Sc mais fermo*
fosfmontes da eternidadejq fem-
pre trazia diante dos olhos d al¬
ma: & nao era em fua mão apar¬
tar a vifta deíles, polia lembrança
alegre que lhe fazião dos outros*
Alguas horas gaílou com os foli-
tarios moradores do alto em de¬
votos colioquios, que fora dita,
Sc edificaçaonoíla íe nos ficarão
efcritos aísi como paífarão. Em
fim defpedindofe dizia. Ahdito-
fos Padres que poíluis Sc conbe-
ceys tãobeliaéftancia,em vida jà
alevantados do mundo tamanho
efpaço,& c5 tantos paííos menos
pera o Ceo.ífto,padres meus, he
jà hum converfar na patria, hua
prelibacãoda gloria, Sc hum co¬
meçar a reynar.Bem fey eu quem
trocara polo ermo deíles pene¬
dos,& polia fecuradelles rmiyto
concurfo de povo, Sc muyra fref-
cura de fontes: & não fizera muy-
to: que tudo o al he íbnho de en¬
fermos comparado com o defcan-
ço Sc quietação difto.E abayxãdo
os olhos pera ode ficava o moftey
ro,acrecentava:bem pudereisvòs
Senhora, receber tãbem entre os
pezos de ferro, que pendem em
voíTa prefença outra braga, que
pode fer, nenhua deffas nem to¬
das juntas affíigirão tanto aos q
as árraílavao entre infieys, como
èíia laftima Sc defconfola entre
Chriftaõs a hum pobre que por
vós chama & em vós efpera* Acu
dião lagrimas a dias vitimas pa¬
lavras, mudou propofito polias
difsimular, & por não entenderé
os Religiofos que falava de fy.Pafi-
fados tres dias,que ao Arctbilpo
parecerão bem curtos, tornou a
feu caminho polia eíirada deC,a-
ragoça. Em Cerueira entrou no
Conuento de S. Domingos, Sc vi-
fitou a cella em q morava S, Vicé-
te ferrer, quando lhe a parecco
noílo gloriofo Patriarca, & de par
te de Deos lhe dilTe o que em fua
hiíioriafe efcreve.Em Belpuche
doze legoas de MÓferrate deípois
de eftar quieto na poufada,entrou
jà de noytt elRey Dom Felippefe
gundo,quea cabarade fazer cor-
tes em Móçon áquelles tres Rey-
nos em que fe comprende a coroa
deAragão& paliava a Barcelo-
na.Vinha em fua companhia Ruy
Gomez da Sylva Principe de Ebu
li,que pola nobreza de feu fangue,
Sc polas grandes partes que nelle
ajuntou a natureza de valor,avifo,
Sc prudência chegou a ter o pri¬
meiro lugar de valia diante de hu
Rey independente, & fen hor de fy
Sc emfim fapientifsiroc:&. nelle fe
foube confervar em quanto vivco,
Sc deixou fundada a cafa Sc Du¬
cado de Paftrana com groflas ré-
das, Sc titulo de Grande: fem eira*
barg<o
 Arczblfyo de Braga, Primas das Hefòanhdf,
bargo de fer n acido é reynoeftra-
nho, como então era pera com o
refto de Efpanha, Portugal , Sc
criado em affaz eilreiteza de vida^
criação dosbos , Sc do bom tem¬
po de Portugal. Tal he o poder
dos Reys,que faó deofes da terra*
&,ranto pòde hum bom entendi¬
mento fe acerta a topar com que
o conheça , Sc faiba eftimâr Que
do fino diamante ninguém faz ta¬
to carcomo o bom lapidario, né
da pederneira tira grandes faiícas
de fogo, fenão o fuzil de aço fino.
A natureza nunca foy avara em
criar grandesí talentos í mas falta
muytas vezes em dar ão mundo
quem os efltertda: & eíla he a cah
fa de morrerem inda oje ScipiõeS
polas edaiages (como dizia hum
bõ velho antigo.) Como a Portií-
guez & valido foylhe logo dado
rebate polos apofencadores Reaes
que eftava no lugar o Arcebifpo
de Braga de quem tanta fama cor
ria polas relações do Concilio. A-
viíbu a elRey,quc não tardou em
moftraf que fabiá eftimar a virtu¬
de, & mandou o vi fitar, que foy o
mefino que querer velio. Dera o
Arccbifpo muyto por efcufar efte
encontro, que baftãntemente vi¬
nha en faiba do de honras & favo¬
res de Príncipes,& do mayorPrin
cipe de todos que era o Papa.Mas
jà nao avia fogirlhe. Foy a S. Ma-
geftade: deceo Ruy gomez a rua'
com outros íenhores da Corte a
ío7
recebelloj&levalloa S. Mageftâ-
de, que o recebeo com todas as
honras & gafalbados devidos a
grande Prelado, & Prelado elirã-
geiro,& que ja por informação de
feus miniftros tinha em grande
conta. Nao quizo Arcebifoo que
lhe paíTaíTe oCiofantiente o pouco
efpaço que durou a vifíca* que foy
pouco máis de hum quárto de ho¬
ra : Sc lembrou a elRey a obrigt-
ção que tinha* pois á Tuas initan-
cias & braço fe devia o bom fu-
ceífo de húa obra tanto da hon-*
ta de Deos & bem univerfal da
Igreja Catholica, como fora o fa-
grado Concilio tres vezes come¬
çado^ & em feu tempo cócluydo:
de fer S. Magedade o primeiro Sc
ínais ngurofo zelador dos Tantos
Decretos que nelle ficavão acor¬
dados : para o que convinha que
nem quizeíFe difpenfação do Pa¬
pa em nenhua parte delles,inda <|
muyto lhe toCalíe, nem deíTe fa¬
vor pera fe difpertfar comoutrérq
o q eftãtia aílétado tudo era fanto
Sc neceíTario, & bé ordenado: de-
fordenarfehia,&. defcóporíeba fe
os Reys cõ o poder do refpeitoq a
Sè Apodolica cõ muita razão lhes
tem, por via de difpenfações os fi-
zeíTem alterar. Defpedido delRey
achou a Ruy Gomez q o tornou
a acompanhar fazea dolhe rnuyta
força porque foífe feu hofpede. Ef
eufoufeo Arcebifpo com fua hu¬
mildade , & cõ a razão que tinha
â mão
 Liuro ÍLâd vida de D . Fr.BertJos Márt*
à mão de ferem todos hofpedes,
Sc por tao pouco efpaço,como de
Ma íò noyte.Não lhe valia nada.
Em fím foy força contentallo era
arte com aceytar paílarfe pera
ua boa cafa, que emquanto fe
deteve com elRey lhe mandara
tomar dapofento. Foy matéria de
graça pera Ruy Gomez o que nao
he razao ficar por eferever, por
que não foy graça, nem defcuydo
no Arcebifpo.Não pode o Religio
fo Prelado acabar eonfigo fallar-
por Mageíf ade a hum Rey da ter*
ramoroquãtoouve poucos Reys
no mundo que tão bem fe repre*
fentaíTem dignos delia. Parecialhe
que tazia agravo à Divina , que
fempre trazia prefente na alma,
fe cõmunicafíe aquelle tao alto
titulo a quem era terra.Aííi dizia
defpois faliãdonefias vifías que a
R4ageíiade |ò Deos a tinha:& pe¬
ra os Reys em quanto eftavão em
lugar mais alto que os outros ha-,
niés,fendo todos iguaes em ferem
roortaes, terrenos & caducos, af-
faz eraihua Alteza como em Por¬
tugal fe coltumava .E bem fe fabia
da humildade Scrnodeilia do Ar->
eebifpõ., que nao interueyo aqui
ponto de vaydade, como a do oli-j
Cdlisih. tro Qreg0>que por honra 8c ciu-
uvcbti nies ^ua Filofofia fe atreveo a;
vit. Ale- reprender Alexandre de aceytar
%ani. às adoraçoés da corte Perfiana.,
De Belpuche foy o j Arcebifpo à
cidade de Lerida,que heYniuer-
fidade do rey no de Catalunha»
E no dia feguince entrou por Ara*
gão.E por Fraga veyoa Burjola-
ròs. onde ha hum paíío de terra
montanhofa & defpovoada,certa
guarida de ladrões,& vãdcleyros.
Entrãdo polia villa mandou guiar
pera hua cafa de poufadas, que
chamavaõ dela Santa,nome com
q era conhecida a cafa 8c a dona
delia, pollo raro termo com que
procedia.He coufa averiguada q
tudo o que efta molher grãgeava
naquelle canfado 8c humilde of-
ficio, defpois de hua moderada
porçaõqne tirava pera fuftenta-
ção íiia,& de hua rnãy velha que
tinha, entrevada, defpendia com
pobres 8c doentes do lugar 8c do
rermo 8c comarca: 8c quãdo cor¬
ria bem o ganho, abrangia aos
prezos da cadea publica de C,ara-
goça.Naõ podia faber mal o jan¬
tar ao Arcebifpo em tal cafa:onde
achava caridade 8c amor de po¬
bres, combinação com fu a natu¬
reza^ afsi trazia alvoroíío pera
entrar nella, quando foy infor¬
mado do q temos dito. Ouve cu-
rioíidade nos da companhia pera
quereré efpecular q razão podia
obrigar a huã molher que fegun-
doortome 8c obras devia feref*
piritual 8c devota , a occuparfe
em hum minifterio tão diftradi-
vo 8c em parte fordido. Pergun¬
tada refpondeo com humildes
palayras, & çompoíicão de bom
cfpim©
 Arcebifpo de Brandi Vrimas das Hefpanhas.
efpirito , que lhe não ficara por
morte de fcu Pay mais fazenda
que aquella cafá com o movei
aifayas que fervi ao pera hofpedar
paíTageyros: com o que lhe ren-
dião fe mantinha a fy , Sc a fua
may que por enfermidade eítava
inútil de pès 8c maõs,& o que fo-
bejava não empregava mal: Sc
quizeífe desfazerfe daquelie cabe¬
dal, vendido lhe valeria tão pouco
que ficarião fem remedio-de vida,
Sc efta era a caufa que a fazia fo-
portar aquelle trabalho. Algús an
nos defpois fucedeo a quem ifto
efcrevia,que vindo de Roma no
anno de 571,peíío mez de Outu¬
bro com outros dous Religiofos,
hum da fua Ordem Dominica, &
outro da Mercê, com mais vinte
quatro companheyros a cavallo,
eftando recolhidos todos em húa
venda que chamão de Sãta Luzia
forao de fubito falteados deoyté-
ta vandoleiros: Sc fem poderem
fazer defefa forão defpojados de
quanto trazião. E o abrigo que
defpois teverao foy irfe deman¬
dar a pouzada dela Santa:a qual
quando os vio, como húa Santa
recebeo Sc confolou a todos,
meyro com palavras que paredão
faydas de peyto em que Deos mo
rava, Sc defpois c<5 boa cea Sc
camas, Sc baílante provifão pera
as cavalgaduras, fendo o numero
dos roubados vinte fete, Sc
trastancas cavalgaduras, alem
10 S
muytos moços que as governa-
vão. Ao outro dia que íe quize-
Sc rão partir lhes tinha preftes.o al¬
moço com tam boa fembra , que
a pecição que febre elie fez, foy
de muytos perdões, por fenaó a-
char em tempo Sc com largueza
de poder acudira cada hum com
fe- ajuda de eufta pera o caminho,
como fora feu gofto , naqurlla
adverfidade. Particularmé te com
os Religiofos fe moftrou nr ais la-
ílimada pola impofíibihdade em
que eftava dc focorrer com algura
dinheyro E rogavalhts q fe dei-
xaííem eftar atè lhes vir provimé-
to de algúa parte, que entretanto
lhes não faltaria cama & meza de
graça, que era o que abrangia o
ettado prefente de fuas forças &
fazenda.Efta breve digreíTaõ he
digna de perdão viílo fer feyta
por agradecimento Sc em memó¬
ria de virrude Sc paga de benefi¬
cio recebido, Sc em prova da in¬
formação que foy d ida ao Arce-
bifpo. Ao primeyro de Fevereyro
paliou o Arcebifpo o rio Hebro,
Sc entrou em C,aragoça cabeça
do Reynode Augao.
pri- CAPITVLO XXXIIII.
Do que fuceâeo ao Arcebifpo
defpois quepartio de C,arago
boas
çaate checar a Salaman~
caentrar em Portu
ou- gal3&terras de fua
de Diocefi.
Efteve
 Lmro II. da vida de D. Fr. Bert. dos Marti
S t e v e o Arcebifpo
SíIkIs
— , — zando do rio , & as janellas fobre
nhora das Candeas, á-
gafalhoufe no Conveco de S. Do¬
mingos. Mas não nos cofia fe foy
ío Sc pclio modo que ufava quan¬
do bia pera o Concilio, fe com to¬
da fna familia.O que poíTo fofpei-
tar he,que devia vir ainda de com
panhia com o Bsfpo de Leyria, 8c
com os mais Padres com que par
tio de Trento, como atras referi¬
mos. E a razão defta iofpeita he,
que no itinerário que temos da
mão do Arcebifpo, fazendo men¬
ção de como fe apartou o Embay-
xador, não faz nenhua de aparta¬
mento doutros companheiros.
Donde infiro, que ainda aqui vi-
nhão juntos,& aísidevião entrar
por Caftella: & ajuda o difcurfo a
necefsidade que naquelles tem¬
pos avia de fe ajuntarem os csrni-
nhanres, & fazerem corpo como
cm cafila, refpeito dosereges por
França, & dos vandoleiros por
Catalunha, 8c Aragão. Sò ao en¬
trar dos lugares era necelfario a-
ver dtvifaõ de cada hum com fua
família pera fe poderem apofen-
tar com comodidade comoagen
te era tanta .Faz o Arcebifpo lem¬
brança no feu itinerário da excel-
lencia do edifício do noífo Con¬
vento de C,aragoça, 8c particu-
larmete do dormitorio, o qual diz
eftarpor tal traça edificado, que
eftendendofe ao longo do Hebro,
todas quantas ceilas tem ficao go
elíe. A arquitedura he, que todo
o dormitorio he hfia grande fala
real, naqualfaem múytas portas
da banda que faz tefia ao río, 8c
cada porta he fervintia pera qua¬
tro ceilas, duas altas, 8c duas bai¬
xas , 8c todas com a vifta no rio
fem poderem ter oií-ra. Aqui vifí-
touafarrtofa Igreja que chamão
del Pilar,porque fe guarda nella o
Pilar, ou coluna, fobre o qual he
tradição, que a Virgem KoíTa S e¬
nhora apareceo ao Apoftolo San¬
tiago , 8c eftà nella o altar em que
o Santo celebrou. Eíla fe tem po
la mais antiga Igreja de Efpanha,
Sc a primeira que no mundo fe le¬
vantou em hõra da mãy de Deos.
Outra ha nefta cidade tambe mui
antiga, & igual na devação do po¬
vo, que he da Santa Portugueza,
Virgem, & Martyr gloriofa E*n-
gracia. Era filha efta Santa de hú
fenhor,que naquelle tempo man¬
dava tudo na Lufitania. A grande
antiguidade efcureceo todas as
mais particularidades do fangue,
do nacimento, do nome, 8c mais
partes do pay, 8c do lugar onde
era feu aíTento: fomente iabemos
que era Portuguez, 8c mandava a
filha moça,& donzella,a França a
hum Capitão que tinha a feu car¬
go hua parte da Gallia Narbonefe
nas ribeiras do Rodano, com qne
a tinha
 u4rcebifbo de Bytga, Primas das Hefpanhas.
a tinha defpofada. Mas tinhalhe
o Ceo guardados
O
outros
"
ruais
venturofos defpoforios. Tanto
que adonzella foube em Portu¬
gal, polia fama que corria por to¬
da Efpanha, o eílrago que fazia
nos Chriílãos de C,aragoça Da-
ciano Preíidente de Efpanha po¬
lo Emperador Diocleciano, mo-
ílroute facil pera as vodas, a que
nunca atè então dera cõfentiméto
voluntário: Sc a razão era porque
fendo por C,aragoça a eftrada
que avia de levan, davalhe no co¬
ração que fe lhe abria por aly ou¬
tra muito certa pera fe poder li¬
vrar do efpofo mortal a quem feu
pay a mandava , & confagrar a
pureza virginal ao Eterno por
meyo do martyrio. Alegre em
fu a alma com eíle penfamento
fe poz ao caminho, ôc na hora
que entrou porC,aragoça man¬
dou guiar à cafa de Daciano. Era
conjunção que eílava em au¬
diência publica. Aprefentafe dian
tedelle, reprendeo com lingoa-
gem de fembrante fenhoril, cha-
malhe juiz injuílo , eferavo vil
do inferno,lobo do fangue huma¬
no , Sc cruel miniílro de vãos Sc
cruelifsimos Emperadores. Ba¬
ilava pouco pera quem de feu ^an¬
dava feito carniceiro. Deixonfe
de palavras, mandaa cruelmete
açoutar diante de todos os que
avinhão acõpanhando queerão
dezoyto honrados cavaleyros, 6c
d
i op
arraílar pola cidade como a blaf-
fema, porq pofera boca nos Em¬
peradores. Nao parando aqui os
tormentos, acudirão os feus cava¬
leiros tachando ao Prefídéte mo-
ílrarfe valente com húa tenra dõ-
zella,quando tinha diante homés,
ôc que profeíTavão a mefmaFè,
porque ella padecia. Foy lanço de
valor,corridos de naõ provarem
por obras,o que podião ver com
os olhos.E não lhes tardou o pré¬
mio,que foraõ logo todos dezoy¬
to hú tras outro degolados, com
cordial confolação da Santa de
ver que jà hya fua companhia
diante efperatla ao Ceo. Provou
novas artes o tirano, meteo tem¬
po em meyo, tentou afagos, lan¬
çou feros: com o vioque nada ba¬
ilava pera dobrar a contlancia >
mandoulhe arrancar as vnhas >
atenazar os peytos, pregar a cabe¬
ça com hum prego ate o cerebro.
E podendo ainda com mais a pa¬
ciência fanta, do que fabia inuen-
tar a ira infernal, tornãofe a reve¬
zar potros, garfos Sc pentes de
ferro, atè que não ouve parte, nos
fantos membros em qne fe pudef
fe a vidafuílentar, Sc afsi fe foy
ábemdita alma juntar com o di¬
vino efpofo. Vicãofe Anjos ao rê-
po que os Fieis a fepuhavão, veíli-
dos em dalmaticas carmeíins:
hus cõ tochas acefas nas maós,ou
tros cõ turibulos de cheirofosper
fumes fuprindo,ao q parece,no of
T ficio
 Liuro //.da vida de D. Fr Bwt. dos Afart.
cio dafepultura aquilloemque
os homés faltavão pollo medo Sc
crueza da perfíguição.Efta Igreja
tem por bayxo outra foterranea,
em que Te vem rmiytos fepulcros
de Martyres alumiados com
muytas alampâdas continuas,
Sc como tudo he Santo, caufaò
maravilhofa impreífaó nos âni¬
mos dos que decem abavxo. Am¬
bas eftão â conta de Rtbgiofos
de São Ieronimo, que aqui tem
nobilifsimo Convento, obradel-
Rey dom Fernando o Catho ico*
Ao outro dia defpois da Purifi¬
cação tornou o Arcebifpo ao ca¬
minho, Sc tanto que entrou em
Caítelia, decerminado em cami¬
nhar direito pera a fua Igreja dei¬
xou à mão efquerda a eilrada de
Madrid,de tomou a deCaftella
a velha por Almaçan, Sc Ofma
na volta de Medina del campo, Sc
Salamanca. DeOfmatroceo tres
legoas por hir ver Caleruega, pa
tria Sc nacimento de noííb glo-
riofo Padre São Domingos. Efte
he o que em noíTas lendas fe cha¬
ma Calaroga. Foy antigamente
lugar de importância, em que tí-
nhão Teu aíTcnto muytos nobres
do Reyno , quaes erão os pays
Sc parentes do Santo. Vay o tem¬
po trocando Sc dando voltas a
tudo. He oje hua villeta em que
nenhum rafto ha do que foy,
aldea nos edifícios & morado¬
res , tinha até cem vizinhos, tu¬
do lavradores, gente boa , Sc de-
Votifsima do feu Santo. Tem
hum íb nrofteyro da Ordem, &
efte he de freiras, iníigne por re¬
formação , Sc a elle pertence to¬
da a jurdição ípiritual, & tempo¬
ral do lugar. Ha tres Igrejas: hua
antiquiísima em que foy bauti-
Zado noííoPadre, que he a fre-
guefia da invocação de São Se-
badião. A fegunda hea do mo-
fteyro , Sc junto delia fem aver
maisde fincoenta palmos de di-
ftancia eílà a terceira edificada
no proprio fitio Sc folar das ca-
fasdos pays do Santo. No meyo
da qual ha húa Capella, que di¬
zem fica no n efrro lugar em
que elle naceo. E na cape.la mòr
à mão efquerda debayxo de hum
arco cerrado de grades de fer¬
ro fe guarda a pia em que foy
bautizado, paíLda aqui de São
Sebaftião. Donde a mandou ti¬
rarei Rey Dom Filipe que Deos
guarde , Sc levar a Valhedolid
pera fer nella bautizado, como
foy,oPrincipe Dom Filipe Do-
minico Vitorio, que Deos faça
tão fanto como com efte piifii-
mo acfto lhe quiz pronofticar fua
jMageftade. De Caleruega paf-
fou o Arcebifpo a Ar anda do
Douro , boa Villa doBifpadode
Ofma , onde achou hum Con¬
vento de São Domingos edificado
de novo , Sc começado por mãos
do grande Reiigioio fr. Pedro de
Soco
 Arcebijjjo de Braga, Vrimas das Hejpanhas. 1 io
Soto, &p°r mandado do Bifpo cafamcntos de donzellas, as ef-
de O faia Dom Pedro da Cofta fa- niolías, os ornamentos que dava
mofo Prelado Portuguez, que co¬ ás Igrejas não tinhão numero.
mo em fabrica fua efcoíheoaca- Por maneira que avia vinte an-
pella mòr pera feu enterro. Deíle nos que era falecido quando o
Prelado aponta o Arcebifpo em Arcebifpo a!y aportou , & vivia
fea itinerário aiguas excellencias, feu nome na memória, & na bo¬
que não parece razão ficarem em ca de todos com louvor & fau-
íilencio , viíto ferem de Portu¬ dade, agradecendo tarde o que
guez , & apontadas por tal cro- por ven tu ra não e li mavão quan¬
nifta, que na narração dá indí¬ to era razão quando o tinhão pre-
cios de húa fanta enveja delias. fente, conforme ao dito do ou¬
Fora primeiro Bifpo do Porto, & tro. Vmurem incolumem odimus,
Horat• £
defpois levado a Caflella, foy pro¬ fublatam ex oculis qu<enmus tnuidi. 3.OÍ.24,
movido â Igreja de Lião, Ôc ulti- De Aranda foy o Arcebifpo dor¬
mamente teve eíta de Ofma , na mir a Penbaficl, onde com fua
qual achaodoa falta de doutri¬ difsimulação antiga fò com feu
na edificou logo hum Collcgto companheiro , 8c apè foy pedir
de fabrica excellente, pera cléri¬ humilmente poufadaaoConven¬
gos com lições de Filofofia, & to da Ordem que alyha. E paf-
Theolog a, & Cânones. E por¬ fou a noyte à fua vontade, por¬
que lhe nao faltaile nada com- que foy hofpede pobre, 8c leve.
proulhe dous mil cruzados de Na capella mor delia cafa á mão
renda, & dooulhe algúas pe£as efquerda ellà hum moymtnto
de grande valia: húas pera com¬ alto, em que jaza fanta Matro¬
prarem mais renda, & outras pe¬ na Dona Ioana d Aça mãy de nof-
ra ficarem na cafa por honra, 8c fo glorioío Padre São Domingos.
autoridade. Entre as quaes avia Daqui paílou em duas jornadas
húa Cruz peitoral, que affirmá- a Medina del campo, onde fe de¬
vão valia a pedraria delia vinte teve tres dias mandando veflir
mil cruzados. Em Aranda do¬ a família. Em outras duas jorna¬
tou íargamente o Convento que das foy de Medina a Salamanca.
temos dito. Libertou feus fub- Neíla cidade tem a noífa Or¬
ditos de certo tributo antigo que dem hum infigne Convento,
pagavão à Coroa, comprandoo povoado fempre de fogeitos
com dinheiro junto, conda que grandes em virtude, 8c letras,
paliou de doze mil cruzados. Os como ellà poflo fobre o mon-
T z te de
 Livro 11, da vida de D. Fr. Bert. dos Mart,
monte de hua Vniveríidade flo-
rentifsima em todo genero de
fciencias.Chamafe de Santo'Efte-
vão, tem groílas rendas 8c gran¬
de numero de Religioíbs , com
qué as defpende. Entrou o Arce-
bifpo por èlle como fez polo de
Penhafiel, mas não lhe fucedeo
taõ bem.Deufe recado ao Prior q
erao dous Relig ofos Portuguezes
que vinháo do Concilio. Entédeo
que feriãoMeftres:mandou atres
da cafa que os foífem receber &c
agafalhar Erao frey Fernando de
Hontiveros, frey loão de la pe¬
nha^ frey Pedro de Sotomayor.
Trouxerao nos pera o clauftro có
caridade 8c cortezia em quanto
fe aparelhavão cellas. Pergútou o
Arcebifpo logo por fc acautelar,
fe eftava ainda aly hum Religiofo
de Lisboa,quele chamava frey
Gafpar Leytão.Refponderao que
em cafa o tinha : 8c começàrao-
lhe a perguntar com grande al¬
voroço polias coufas do Conci¬
lio , 8c fobre tudo por novas do
Arcebifpo de Braga, fe viria por
aquella cidade: que feria dita po¬
derem ver tal peíToaacrecentan-
do que elle era quem a fama apre¬
goava por Achilles daquella fanta
guerra, honra de Efpanha, 8c da
fu a Religião, 8i mayor de Portu¬
gal donde era Prelado 8c natural.
Reparou o Arcebifpo hum pouco
& ficou trifte. Deíejava encobrir-
fe,& temia ferdefcortez com Pa¬
dres tao graves , lançou breve¬
mente fuas contas, que não lhe
eftava bem continuar no fingi¬
mento , pois eftava em cafa quem
lho não deixaria levar adiante,
que era o mefmo Religiofo por
quem perguntara , que o conhe¬
cia tão bem, como quem fora feu
alumno, 8c em fua doutrina cria¬
do no tempo de Prior do Con¬
vento de Bemfica. E com aíTaz
dor de feu coração refpondeo co¬
mo arrebentando eftas palavras.
Ah Padres meus , que querem
vcífas Reverendas a efle ho¬
mem: eufcueífe malaventura-
do. Não íe pôde baftantemente
ftgnificar o efpanto,a alegria,o al¬
voroço que a novidade repentina
8 c não efperada caufou em todos.
Afsi o crerão como fe toda fua vi¬
da o tratarão,& conhecerão, cer¬
to final de quao bem o acredira-
vão o fembrante,& moftras exte*
riores:arremeíTaõfe todos a lhe to
mar as mãos 8c beijarlhas. Man¬
dão correndo recado ao Prior: re¬
volve fe o Convento, acode a Co¬
munidade inteira: nãopodião crer
terem de fuas porras adentro, &
diante dos olhos tão grande hof-
pede,olhavão no com efpanto ,a-
catavão no como a Santo. Quan¬
do foy hora de Complecas, acu*
dio a cilas , & tomou lugar no
Coro efquerdo. Pediolhe o Prior
que fizeífe a confiíTaõ parecen-
dolhe termo dc cortezia. Ref¬
pondeo
 Arcclifyo de Braga, Brimas das Hefpanhas.
podeo cõ modeília,mas gravemé
t c.Ad Epifcopum nonpertinetjnijifo-
lum benedicere. Querendo dizerq
aii nao cocava mais ao Bifpo q lan
çara bênção, como fez ances da
Salve. Traçou logo de fe defpedir
pera caminhar no dia feguince,
porque o godo que tinha de fe
ver em claufura, Sc entre os feus
frades.fe lhe atoava com as hoii-
ras,ôc mimos que lhe fazião, To¬
da via ros;os.& inftãcias do Prior
o deteveráo dous dias : nos quaes
alcançarão també que deífe O ir¬
des, como as deu a muitos Religio
fos no Oracorio da cafa de novi¬
ços, Sc fez o officio com tãta gra¬
vidade &devação que admirou
muyto a todos os Padres.Que na
verdade inda que nas palavras Sc
trato comum era roda a humilda¬
de do mundo, com tudo na hora
que celebrava qualquer adio Põ-
ttfical reprefentava húa magefta-
de tao excraordinaria que canto
nos muy conhecidos, como nos
eftranbos caufava terror & acata¬
mento. Nao cõíintio que vieílem
miniítros de fòra pera lhe afsifti-
rem no officio.Miniíiràrão os fra¬
des, &. elle os inftruhia nas ceri¬
monias , & hia advirtindo a cada
minidro do que avia de fazer no
que lhe tocava. Afsi com fer tudo
rezado não acabou menos das
tres horas da tarde. Foy também
caufa de dilação ocoítumequeo
Arcebifpo tinha, & aqui não per**
nr
deo de fazer particular amoefta-
ção a cada Ordem que dava enca-
recédo aos ordenantes a alteza da
dignidade, & o grande pezo da o-
brigação que fobre fí tomavão.
Teve cargo da cella Sc gafalhado
do Arcebifpo o Padre fr. Gafpar
Leytão,&hua noite, quetevelu-
gar,moftroua algus Padres o pe¬
lote que veíha hum Prelado que
afsi os afíombrara com autorida¬
de,© qual os nao aífombrou me¬
nos: porque na calidade do pano»
era do mais groífeiro que na Or¬
dem fe dà pera interiores , Sc no
eftado não fò velho, Sc confami-
do do vfo, mas em partes remen¬
dado : Sc em tudo moítrava q de¬
via fer o mefmo q ainda recebera
na Ordé quando nelía vi via. E o q
mais he, provava por boas cõgei-
ttiras feré os remédos laçados por
mão do me fruo Arcebifpo. Aílí
nãovião coufanelleq não edifi-
caffe,q nao efpãtaífe. Do q naceo
cobrarei he todos naquelle breve
tépo tal a ff íção , q quando fe ou¬
ve de hir não ficou nenhum , a
quem não cuftaííe muyto fua par:
tida. Pardo de Salamanca aos 21.
de Fevereiro defpois de comer, Sc
aos 23. foy dormir a Freyxo de
efpada cinta primeiro lugar doAr
cebifpado de Braga.
F I M D O
SEGVNDO LIVRO.
, ~ T 5 LIVRO
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LIVRO TERCEIRO

DA VIDA DE
DOM FREY BERTO
LAMEV DOS MARTYRES
DA ORDEM DOS PREGADORES,
Arcebifpo, ôc fenhor de Braga , Primas
das Heípanhas.

GAP. PRIMEIRO.
Entra o Arcebifpo em TortugaUchega afua cidade
de Braga. Contafeo amorcom quefoj
recebido: o que logofe&.

$twP! Aõ fey q doçura en¬ Creação, & alivio de bem traba¬

S cerra em ly efte rome
SLJk da patria, que vendo
entrar o Arcebifpo
Delia, afsi nos alegra efcrevendo,
como fe cõ elle foramos peregri¬
nando, & com elle tornáramos
triunfando. Promete a Patria def-
canfo, quietação , paz & alegria.
Mas he miferavel condição a dos
que governão,por mais q a doure
a ambição.Enrrou o Arcebifpo na
patria & em fua cafa, Sc ao pare¬
cer tomou porto feguro pera re-
lhados tres annos. E fucede tanto
ao reVez, que quafy não contara
otitrâcoufa efte terceiro livro fe-
não trabalhos,inquietações,& té-
peftades de Contendas & defgo-
ftos feU$, que fe não teverão por
fy a Deos, por cuja honra o Âr-
cebtfpo pelejava, & padecia-nem
fe pudera efperar vitoria,nem cui¬
dar de fahir delles com Vida. Bem
dsfte hum Filolofo; D/jficile efi efle j>iutãr.
probum. Grão trabalho, & cuitoía ch in Co
coufa he fazer homé o que deve. viviofep
por- tmfaP'
 Arcebijho de Braga} Vrimas das Hefpanhas,
Parq avendo cTaver juftiçâ,defar-
reygar vicios, emendar vidas, tão
bom Martyr ferà Hum Prelado
entre os fens, que não terà necef-
fidade de hir-bufcar a palma, & a
coroa a Marrocos. Entrou o Ar-
cebtfpo em terras dePortugil por
differente caminho do que levou
quando as deixou* Encãofoy por
Bragança entrar em C,amora , a-
gora veyo por Salamanca, Sc Al-
vicegudino dar em Freyxo de ef-
pada cinta, como diíTemos,em vin
te tres de Fevereiro defte anno de
1564.1564. Tanto qentrou poliaraya
apeoufe com todos os Teus, pozfe
de Ioelhos , & cõ alegria deu gra¬
ças a Noílo Senhor poio levar Sc
trazer fam & falvo com toda fua
còpanhia fem defaftre, nem doé-
ça em cabo de tres annos, que ta¬
tos avia i começara a jornada, 8c
qaafí ao judo os cumprioodiaq
chegou a Braga como ao diante
veremos.E porq a villa de Freyxo'
he jà de fua jurdiçao, como di(le¬
mos, antes de entrar nos limites
delia foy caminhando com toda
a famiiia hum bom pedaço a pè.
E quando lhe diííetão queeftava
ja em terra do Arcebifpado parou
hum pouco,& todá cheyo de no¬
va alegria faudou fua amada Igi e-
. ja com húa profunda inclinação,
Sc com os olhos banhados em de¬
votas lagrimas lhe lançou húa grã
de bênção. E tornando á memó¬
ria as faudades com que em outra-
112
femelhante paragem fe defpedira
delia, de novo com os olhos pre¬
gados no Ceo , Sc os joelhos em
terra fez Oração ao Senhor rende
dolhe as graças de lha deixar tor¬
nar a ver com paz & faude,& an¬
tes de fe levantar lhe lançou outra
bênção dtzendo có grãde aífeito.
Deos te falvcformofa mea, columba
meajmmaculdta mea, amica mea, tf
furor mea: oHende mibi fauem tuam,
fonet ~oox tua in auribus meis. Kox
enim tua dulcts, tf fácies tua decora.
E logo daíy foy v:(bando todas as
Igrejas que avia no caminho, prè-
gando Sc Cnfmando, fegondofeu
antigo coftu me, com tanta quie¬
tação', &: vagar, como fe então fa-
hira de Braga muyto defcanfado.
Acud ião por toda parte a vello, Ôc
tomarlhe a bênção com grande
amor Sc reverencia que todos lne
tinhao.Quando em Braga fc fou-
be de fua vinda, Sc que aiidaya jà
no Arcebifpado, foy eftranho o
alvoroço com que â nova fe fefte-
joú por todo genero de gente.Por
que a faudade & fintimento que
lhes caufou fua ida foy grande,
creceo o amor com a aufencia, Sc
o godo de o verem em caía não
cabia nos peitos. Aífencarão fa¬
zer! he hum folene recebimento,
Sc aperceberão pera elle muytas
coufas.Encre tanto vinha o Arce-
bífpo correndo fuas Igrejas,& co¬
mo em cada húa fe detinha viG-
tan do, quando edevejuto de Bra-
T y ga.cra
 Liuro ///. da vida de D. rr.Berl.dos Afart.
ga,erajà quarta femana da Qua-
refma,&: porque teve noticiadas
feftas que lhe cinhão preftes, an-
ticipoufe,&: entrou denoyce é hu
dia da mefma femana. Afsi veyo
a cumprir juftamente os tres an-
nos de fua aufencia, fe lançarmos
a conta de Qjiarefma aQiiarefma:
porque elle pardo hua fegunda
feyra da Dominga da payxão tres
annos antes como contamos no
principio do fegundo livro, ôc en¬
trou agora quaíl na vefpera da
mefma Dominga.E logo nellaa-
pareceo na Sè ôc no pulpito,camo
fe tevera tomado muytos dias dc
folga defpois de jornada táo com-
prida.Foy o concurfo do povo af-
íida C!dade,como do termo táo
extraordinário, que era a Igreja
pequena, abafavaõfe ôc não ca-
bião.Todosoqueriãover Ôc ou¬
virá; receber de perto fua bên¬
ção,&íignificarlhe cada hu per fy
ao menos cõ os olhos ôc fembrãte
o contentamento de o terem con¬
digo. Pagavalhes elle na mefma
moeda,Ôc afsi lho declarou copa
lavras cheas de affeyção paternal
no primeyro cõceito q levatou fo
bre o thema do fermaó,q foi o prí
cipio da Epiftola que íe cantou
na MiíTa. Chriflus afsijles Pontifex
Bcbr-p. Juturorum bonorum per amplius> &
perfeãius tabernaculú no manufaãit
tdeU,non huius creauonis}ne^perfan
gumem bircorum, aut <vitulòrum3
fed per proprmm fanguimm introimP
frnel \n Sanãa Kterna rtdmptme
imota fcfc.E procedendo adiante
como trazia nos olhes fazer cum¬
prir ôc guardar com ptitualidade
os fancos decretos do Concilio,
nãoquiz perder aocaíiaó -que as
palavras de Saõ Paulo lhe offere-
ciaó pera o manifeftar aos ouvin¬
tes.E continuando na explicação
delias difeurria afsirq íèndo,cono
era, o proprio Bifpado de Chi-
fto,o ajuntamento dos efcolhidos,
que hão dehir ao Ceo:por eífa la-
zaõ naõ tomaria poffe delle per-
feyta,íênlo no dia do juizo: antes
do qual dia,& até elle, vay o Bif-
pado íèmpre em crecimento, afsi
como crece o numero dos q fe fal
vaõ.Donde inferia que os Bifpos
aos quaes poz Deos no lugar dos
Apoftolos pera pregarem por to-,
doo mundo o Santo Evangelho,
devem cuydar, que também elles
afeumodofaõ Bifpos da cidade
doCeo,& que faõ por Deos ef-
colhidosôc por elle poftos em tal
dignidade ôc officio,perà que quã
to em fua mão for, trabalhem por
chegaré os homésa fer cidadaós
defta fanta cidade, Sc familiares
da cafa de Deos, & a todo feu po¬
der ôc com todas fuas forças pro-
curem que fe angmente cada vez
mais o numero de taõ honrado
povo.PolIo que não deviao aver
os Bifpos que cumprião baftante-
mentecom fua obrigaçaõ traba¬
lhando por macer em paz ôc quis
tacão
 fk
Àrccbifoo de Braga, Primas das ffefpanhas.
taçao Sc profperidade fuas ove¬
lha? quãtoà vida & bés tempo-
raes fomente (porque eííe he o
fim & intento dos Reysda rerra,
&de todos osmais governado¬
res das Republicas fecubres.)Se¬
não fazendo toda diligencia «Sc
facrificando a vida fe foiíe necef-
fario, polia faluação das almas,
que faõ as que principalmente
eftão à cotados Prelados: & tanto
à fua conta,que quando com boas
razoes Sc brandura,com confe"
lhos & amocftaçcés não pode¬
rem a cabar com os fubditos, que
em fua vida Sc coftumes proce-
daõ com a quelia limpeza «Sc pu¬
reza, que he bern refplandeça nos
que pretendem fer moradores do
Ceo:emtal cafo eftaÕ obrigados
a vfar de força & cõftrangellos.
E não era inconveniente poderfe
cuydar, que legundo a poífe que
muytas almas defenfreadamente
daõ de fy ao peccado Sc ao infer¬
no, feria perdido ouduvidofoo
feytio que com ellas víaííem.Por-
que ainda que fucedeíTe ficarlhes
baldado feu trabalho , nunca fi¬
caria perdidoo merecimento dos
bõs & fantos intentos.Queo ga-
lardaõ,onde a juftiça he verda-
deyra, naõfe mede polios fruy tos
da feara, fenao pollo cuydado Sc
diligencia que em femear poz o
lavradorJPor onde S. Paulo não
diziplus omnibusprofui: fenao:atú-
dantius ilhs omnibus laboram, que
\
11 $
quer dizer fiz de minha parte
mais que todos.Porque Deos naÕ
paga a obra dos pregadores polia
medida do fuceílo que delia re-
fulta, fenao polia tenção Sc effi-
cacia com que trabalhaÕ «Sc pre¬
ga õ: vifto como a razaõ pede que
não mereçamos com aquilio que
depende da vontade & juyzo a-
Iheo, que he o faceíTo: fenao íò
com oque he noíTo proprio,como
he o bom zelo «Sc defejo de acer¬
tar em fervi ço do proximo.E por¬
que elle, viito o grande amor que
todos lhe moftravão, Sc o alvoro¬
ço Sc alegria com que feftejavão
fua vinda, Sc principalmente por
razão do cfficio Paítoral q tinha,
fe fintia obrigado a procurar com
novas forças Sc muyto de propo-
ííto o bem Sc remedio Sc lalvação
de todos: Sc efla em grande par¬
te dependia da guarda inviolável
dos faudaveis Decretos, que no
Santo Concilio com afsiftencia do
Efpirito Santo toda a Igreja Ca-
tholica juntamente acordara .'fa¬
zia faber a todos, que determina¬
va introduzir logo ovfoõc prati¬
ca delles, & fazellos guardar pun-
tualméte,efperandona Mifericor-
dia de Deos,«5c.nobom animo, Sc
devação que no rofto, Sc olhos de
cada hum enxergava, que refub
tarião defta diligencia tãocreci-
dos bés efpirituaes naquella cida¬
de Sc Ar ccbifpado, que elle fícaf-
fe ávido por homem agradecido
ao que
 Liuro HL da <vida ãe D. Vr.BcrlJos Mart.
áo que confelíava deverlhes, Sc todos os annos, Sc aos doze po¬
juntamente bom executor do car¬ bres alê do veííido Sc jantar man¬
go que Deos lhe dera:& elíes cor¬ dava dar na mão certa efmolla
rendo com alegria polo caminho em dinheiro.
certo, &fesuro
'O
de fuafalvacão.
a
>ío Domingo feguinte que foy de CAPITVLO II.
Ramos tao bem pregou, & logo á
quinta feyra fez folenemente a- Começa o Arcebifpo a dar cum
quella cerimonia fanta , a que
prime rito aos Decretos dofanto
deu principio ChriftonoíTo Re¬
Concilio, pola fundaçao do
dentor , quando qaiz inílimir o
diviniílimo Sacramento do al¬
Seminário contribui-
tar , Sc ordenar em Sacerdotes çoesferadleitf efcre-
feus fagrados Apoftolos. E paf- ue a S. Santidade
fou deita maneira. Mandou veíbr emfavor do
doze pobres, Sc pofta húa mefa Clero.
na faa fala aíTentou os a eíla,&: def
pois de os fervir hum cfpaço pon¬ <*/
mm Assada a Pafcoa
do a cada hum per fua mão o pri¬ A
ajuntou o Arcebifpo o
meiro prato,aíTentoufe à mefa, Sc Sí^ 9 m Cabido Sc Clerezia, 8c
comeo juntamente com elíes. Co¬ propozlhe a obrigaçio
mo acabirao de jantar Ievouos que todos tinhão de ganharé por
comfigoâSè, Sc nacapelia rnòr mão a todas as Igrejas do Reyro
à vifia do povo todo lhes lavou os na execução do Santo Conciio
pès. O que fez com tanta deva- Tridentino.E porque a determ-
ção & lagrimas, que não ouve pei naçaÕ que mais redundava en
to tão duro que fe não confundif- proveyto geral era, a que mãda^a
fc,3c tornaíTe de cera. E como tu¬ fundar Seminários pera fe cria¬
do naquelle dia Sc hora ajudava, rem desde mininos os que def-
foy coufa de grande edificação o pois de criados em fanta douta-
pranto géral comque a Igreja in¬ na poderião idoneamente fenir
teira acompanhou a feu Paítor. as Igrejas, aconfelhou que fofe
A poz o lavatorio fubiofe ao púl¬ efta aprimeyra coufa em que ei-
pito , Sc pregou o Mandato com tendeffem, Sc pediolhe encared-
hum efpirito tão abrafado &c ta¬ damente cjue liberal Sc alegremei-
manho fervor que em todos re¬ te acudiílem todos à obra:em qte
novou a compunção, Sc as lagri¬ o merecimento avia defer de to¬
mas. Eíh cerimonia fazia deípois dos, não pondo duvidas nem h-
vantar-
 Arcebijbo de Braga, Frimas das Hefpanhas.
vantando litígios na comtribui-
ção que tocaíle acada hu , ôc que
clle queria fer o primeyro a dar a
fua parte. Era matéria de largar
fazenda: não avia peííba aauem
fe fizeííefacil. Ouve contrad;çoés
& alterações & queixas. Porque
rrniy tos alegavão que Tuas Prebé-
das erão tão tenues, que por ne¬
nhum cafo erão capazes de parti¬
lha , por pequena q foííe. Outros
fazião difficuldade em averem de
fazer contribuição desdo tempo
que o Breve foy paliado. Porque
tanto que no Concilio fe acordou
a fundação dos Seminários,logo o
Papa paliou fuas letras pera Telhe
dar cumprimento. E os que eftà-
vão de melhor animo na matéria,
coníintião na contribuição prefen
te, Ôc para o diãte,mas não tinhão
por tolerável averem de pagar do
que tinhão comido. E como a co¬
tia era jà crecida não avia nenhu
que vieíle em defembolçar coufa
algua. Os Capitulares daSèmo-
vião outra duvida q parecia prin¬
cipio de litigio , ôc que revolveria
fò per fy rodo o negocio. Quei-
xavãofe agramente de que álem
da contia com que avião de acu¬
dir das Prebendas que confiftião
em fruytos, fe lhes mandava tam¬
bém que pagaíTem pro rata da-
quella porção que quotidianamé-
te recebião na Sè em dinheiro de
contado: afíirmando com effica-
zes razões que não fò era riguro-
114.
fo & exorbitante tal mandados
mas contra todo direito Ôc razão>
viílas as obrigações continuas da
Sè, Sc o pezo gravifssmo da aífifté -
cia tão aturada Sc trabalhofa, que
mais merecia acrecentaméto que
não dimin nçao daquelia pobreza
que quafi como efmolia Ôc hum
genero de gratificação fe lhes da¬
va na mão* Quanto mais q que-
rião moftrar , & pera iílo pedião
tempo & lugar, que era contra a
tenção das letras Apoftolicas, as
quaes mandavão fazer a taxa Ôc
contribuição de fruitos,& não do
que era meramente eftipendio.
Quanto pòde hum bom entendi¬
mento ! Afsios foube levar o Ar-
cebifpo,que tornou em paz ôc bo¬
nança toda a tormenta de contra¬
dições que ja eftava armada, dan-
dofe por fatisfeitos com fe tempe¬
rar o rigor do Breve em dous po-
tos. Primeiro que dos annos cor¬
ridos fe não pagaííe nada. Segun¬
do, que os que tinhão fua preben¬
da naquella moeda que recebião
quotidiana na Sè íem outro ne¬
nhum fruito, não pagaíTem mais,
que ametade da parte que por ra¬
zão da taxa do Breve lhes tocava,
Ôc ifto em cafo que o Papa não
confentiífe em ficarem ízentos de
toda, como parecia jufto. E offe-
receofe a eferever logo a Roma,
ôc pedir a Sua Santidade que afsi
folie fervido. Que foy acabar de
quietar tudo , como jà fabiaõ o
muito
 Livro 11 í\ da vida de D. Fr. Bert. dos Mart.
muyto credito que tinha como clero,& a muyta prudência com
Papa. A carta ajuntamos aqui afsi que juntamente poz em eífeyto Sc
como a achamos entre os papeys corrétezaefte importante decre-
que à noíTa mão vierão do Arce- to.E não irà traduzida: porque jà
bifpo, porque declara o bom ani¬ fica declarado o que contem.
mo com qu e acudio a favo recer o

Bv '
CARTA T *

EATlSSlME Pater.Poít falkium pedumofeula.Cum Tridentim

Synodt decretum Sanchtatijq, tua motum propnum depuerorum collegio,
acfeminario extruendopuxta id quod eade Sanãitas tuapraceperatfili-
geterexequitf obire curare ytion defuerút contradiãiones, •variaíi obteãa dubi-
tationes,qiubu$ tam Capitulum.quàm Clerus buius Dicecefs inftitutum opus im¬
pedir e,tf interpellare contenderunt. §upniam autem Deogratius tf acceptms
me faãurttm credidiyf rem ad exitumperductrem,quam peius difficiles aliquos
nados inuolutos adhuc, tf imphcatos reltnquerem: controuerfas omnes ad luc
modum dirimendas cenfili. Licct in to Motuproprio, qui Sanãitatis tua nomne
ad nos mifius ef,iubereturyu)t ad collegium con fielendum ,pecunia ab eo tempire
foluerenturyquo debitaportio ex omnibus buius Dicecefis reditibus pendenda, à
meprafinita ejfet. Constitui tamenpecuma, qua adfuperiores amos fpeãabzt,
exaãionefuperfedere, eamg tantum cogereyqua adprafentem arnum attinehty
qui die Sanãi Ioannis Baptista proximè elapfo incepit *. ita tamen, <vt Hatim
figmficarem, mefupplici animo â Sanãitate tua efflagitaturumy <vt hanc Jupe•
riorum annorumpenfionem Clero remitteret, beneuole£ condonaret. Gjup audito
qui anteà tumultuari ruidebanturiconquieruntimoderatiuf<fo tf placatius onus
]ibi impoftum tolerarunt.Vltra hoc etiam buius ciuitatis Braabara Capitulum,
cateriq; eiufdem Dioecejis Capitulares Conuentus ab huiufmodi tributo vendica-
re nituntur reditus iure tf inftituto Pontifíciofibi in fingulos dies dari folitos.
Autumant emm tf affirmant huiufmodi reditus non fntãuum nomine, fed diur-
m flipendij ejfe appellandos: ideoque iuxtà reãam iuris normam nihil ex bis ad
communem bane collationemy Collegijfe alimenta decerpendum: ita intelligendum,
ita explicandumjam decretum facra Sjynodii quàm Motum proprium Sanãita-
tis tua. Vnde interpretationem facra Synodi,qua totam dubitattonem exphcaty
fanãitati tua <vt útero Arbitro tf difeeptatori deferendam duxi, <vt Beatitu-
dints tua iufu,quid in re ancipitifentiendum, qui d fequendum, nobis praferiba.
tur .Ínterim flante dubitatione nihil ex bis quotidianis reditibus detrabendum
effe conJlitur.Ghtod aquum indicaui habita buius ciuitatis Capitularium ratiene,
qui ex Prabendis fuis nullos fohdos amuofqs fruãus colhgunt, cum quidquid
emolu-
 Arcebifyo de B raga3 Vrimas das Hefpanbas. i /j
emolummti Pr<ebend<t redduntjd totum in illos quotidianos reditus conferatur.
Accedit,quòd bac mercede ijdem Capitulares dignifisimi fint propter grauifsi-
mim laborquem fine intermifisioné in templo máximo fushnent cum magno
Diuini cultus incremento. Gpigbus de cattfis, quodp Prxbendx ipfie tenues pa-
rumd firuduofie fint, cu eifdem deliberam Sanãitatem tuamJummopere roga-
re,<vtfialendo Collegiopartem tamen aliquam ex quotidianis illis pecunijs de-
berepraficmdi 'vifum fueritfianc leniam detgratiamcp tnbuat Beatitudo tua
tiuitatis buius Capitular ibusynenjltr a dimidiam partem eius fiumm<e, qua fin-
gulispro rata obueneritfienfitare cogantur.Et quoniam hac inita rationepacem
obtinuimus, c.eptriwtçg omnes tam è clero, quàm è capitulo qttod cuifo obtigit
libenter pendereynjndefacili negotio opus collegijperficieturfianttitatem tuam,
quantapojfium animi ui pf contentione maxima, coram Deo optimo máximo ob~
jecro, pf obtefiorgvt his rebus itaprouidere pf confiulere noeht, <vt pf Clero fia-
tisfiat3pf omnes abfip tumuhu pf ojfiènfione laboriofioponderifefie fiubijciant. Ex
fiedit etiã,Beatifisime Pater, cu Saditas tuaprxdiãi motus proprij ad nos mifi
firverbis approbauerit iam atfi conjirmauerit taxationempro redittbus buius
Dioecefis â mefiadamym qua nifias aliquas pf honestas admifideclàratwnes pf
modificationes ab 'vniuerfo Clero tunc temporis: expeditpnquam, nat Sanãitas
tua easpro expnfisis babes, eodemfimihter motuproprio dentio confirmare pf
approbare dignetur. Id í ego pf meo pf omnium nomine, qnantum enixè pof-
funty fupplico pf peto Afie.
Rendidos os ânimos de todos cõ fede infaciavel em q ardia de apro
eftes bõs meyos aceitárão confor- veitar aosproxirnos, Aísi acõteceo
memete começaré logo a contri¬ q détro de íeis mefes ouve apofen
buir (“era a cõtribuição a dous por to capaz pera fefenta collegiaes. E
cento das rendas de todos os be¬ não tardou o Arcebifpo em os fa¬
nefícios do Arcebifpado.JiE o Ar- zer povoar de muytos moços de
cebiípopera mais os convencer, bõ natural efeolhidos de todo o
alem de mandar entregar com ef- Arcebifpado, q como boas pratas
feito a parte ane lhe tocava pagar éviçozo jardim criadas à mão de
de fuas rendas, aplicou pera a o- cuydadoío ortelão forão dãdo fin-
bra trezentos cruzados da íua me gulares fruytos, &provédo as Igre
fa Areebifpal.E logo fez pòr mãos jas de minifiros letrados &virruo-
à obra com tal diligencia, que efte fos que foy o e(feito q o bõ juyzo
foy o primeiro Seminário que em do Arcebifpo antevio,fendoelle o
Portugal, & por ventura em toda primeiro que no Cõcilio rroveoa cap. iS.
Efpanha fe edificou. Obrava aqui pratica dos Seminários, 8c a cõti- séfi. 22
*

o efpirito do Arccbifop ôc aquella nuoii & perfuadio, até q alcançou

V ‘ ficar
 Liuro IIL da •vida de D. Fr Bert. dos Mart,
ficar por decreto. Mas nao achou
tanta facilidade em outro Decie-
to não menos pio> cjue logo dire¬
mos, pera que o trabalho 6c con¬
tradição lhe acrecentaffe mereci¬
mento 6c gloria diante de Deos*
CAHTVLO III.
Como o Arcebifpo começou a vi
fu ar as igrejas da jur dição
do Cabido, queeraotodas
as da cidadeda gra
de contradição
que achou.
Ara mais clareza do
*
i^ que temos que tratar
&*■
»•> neíle capitulo, he de fa
ber que em tempos
anfgos toda a jurdição afsiefpi-
ricual como temporal,do Arcebif
pado de Braga, Sc toda a admini-
ftração das rendas 6c fruytos del-
leerão communs entre os Arce-
bifpos & Cab?do, 8c indivifamen-
te fe governava tudo. Correrão
os annos,creceo a malicia, come¬
çou a aver difftreoças, 6c deman¬
das , que paliarão como he ordi •
nario a grandes contendas & def-
goftos. Emfim pera quietação vie
rão a partidos, 6c compoíerãoie
nelta forma. Que as rendas fe re-
partiílem igualmente entre o Ar¬
cebifpo, 6c Cabido : 6c quanto â
jurdição. A temporal folTetoda
in folidum do Arcebifpo. Mas a
efpiritual o Cabfoo ateveífe,&
exercitaííe em todas as fregde-
íías, capellas, 6c hermidas da ci¬
dade , 6c fobre as Igrejas de São
Ioão de Souto 6c Santiago, fem o
Arcebifpo fe poder entremeter
nella em nenhum tempo. E to¬
das as mais Igrejas do Arctbifpa-
do fic*íltm oa jurdição do Arce¬
bifpo ftm o Cabido entender ja¬
mais com eilas. Eíie atoidoapa-
zigeu diftordias preíentes, mas
deixou (emente pera levanta r ou¬
tras mayoi espolio tempo adian¬
te. Porque em virtude do concer-
i
to nomeava o Cabido vríitadores
que viíitavao o clero,& os fécula*
res da cidade: 6c o Paílor que o
era em obrigação 6c nome ncava
fem conhecimento de fuas ove¬
lhas, & (em poder entender qual
era a vida dos Ecleíiafticos ,do$
ricos, dos poderofosda cidade. E
eftava claro que avendo neítege-
nero de gente vicios 6c culpas, de
que a liberdade ,& a riqueza fao
fonte certa, nunca poderião ter
emenda, pois a eleição dos que as
avião de (indicar pendia do arbí¬
trio dos mefmos que muyta.s ve¬
zes erão mais culpados. Afsiavia
males públicos 6c fem remedio,
nao faltado viíitas cõtinuas de ca
da anno. E era o mal mayor,porq
fendo em peífoas grades, &pofto
como em praça publica,por ferna
cabeça
 Arcebiího de Braga, Primas das Hefpanhas, i/6
cabeça do Arcebifpado,os que vi- metiãofe a vitoria com as coftas
nhía à cidade levavão pera fuas quentes no poder real. Moftrà*
caías exemplo de muyto efean- rão mais brio, & fizerão tão pou¬
dalo: os maos pera ferem piores, co, que tudo fervio de fortalecer
& os bõs pera cahirem facilmen¬ mais a autoridade do Cabido,
te* Donde nacia ferern de pouco Sc íancar mais ancoras em fua
eífeico as viíitações dos outros lu¬ poífe. Coníiderava tudo onoífo
gares : que a malicia fabe fazer Arcebifpo, Sc chegavalhe à alma
feus íilogifmos, & qualquer com- ver chagas podres Sc jà conta-
prendido em culpa por grave giofasdentrodosmuros em que
que foífe achava parfeyros ricos vivia, Sc fendo elle o Cirurgião
Sc nobres, & às vezes com mais verdadeiro delias , acharfe com
publicidade , Sc tomava armas as mãos atadas pera as curar.
das culpas alheas contra o caftí- A obrigação polo cargo direita¬
go & reprenfaó. Eos mefmos mente fua , mas impedida com
Viíitadores fe queixavao entre as capitulações indiferetas dos
fy, de que ferve provar forças anteceílores. Com tudo fiado em
com os pequeninos Sc pobres, Deos , que fò tinha diante dos o-
quando ha grandes em dignida¬ Ihos, Sc em hum Decreto do fa-
de, fangue Sc renda, que a olhos grado Concilio, que não fomen¬
do Prelado vivem Sc repoufao te dà licença aos Bifpos, que vi-
devaíTamenté atolados no lodo íitem todas, & quaefquer Igrejas
dopeccadojde entrao, Sc faem an de fuas Díocefis , mas manda, Sc
nos fem emenda Sc fem remedio? obrigaos que lhes nao fique ne-
Eda era a pedra em que topavão, nhúa por vifitar em cada hum
Sc fe magoavão todos os Prela¬ anno: começou animofamente o
dos entrando nefta Igreja. Muy- negocio. Acabada de aífentar a
tos levados do bom zelo que a- fabrica , Sc taxas das contribui¬
companha os princípios dos car¬ ções do Seminário , fem meter
gos defejàrão arrombaila, Sc def- tempo em meyo mandou íigni-
fazella, coníideràrão as dificul¬ ficar ao Cabido, queefcufaííem
dades , defconfiàrao, Sc náo paf- nomear viíitadores pera a cida¬
fârao de bõs defejos. Outros che¬ de , porque elle em cumprimen¬
garão a acometer, mas acharão to dos Decretos do fanto Con¬
tal refiftencia no primeiio affal- cilio, a que eílava mais obriga¬
to, que náo fe atreverão ao fegun- do, que às compoíiçÕes Sc aíícn-
do. Vierão a entrar fi‘hos, & ir¬ tos de feus ateceíTores começaria
mãos de Reys ííâ Prelacia; pto* a viíicar fuas ovelhas, cuja jurdi-
V a ção
 Livro III. da vida de D. Fr. Bert. dos Man.
f ao nenhum Prelado podia ceder
a outrem em prejuyzo de feus fu-
ceíTores: & nomeou dia. Não ha
paiavras que poffaõ bem declarar
as poeyras,as gritas, os eftrondos
que levantou em todo genero de
gente efta determinação. Hús a-
codindo polia autoridade & hon¬
ra do Cabido, outros polo que
íuas confciencias lhe faziao te-
me^que tinhão o Arcebifpo por
rigurofo, todos polia políe & an¬
tiguidade de eftarem fenhores de
fy, 8c da melhor parte do Arcebif-
pado. Amanheceó o dia nomea¬
do: aparece o Arcebifpo na Sé cõ
meíapofta, 8c eícrivão con/íao,
8c meirinho convocando teíti-
munhas. Eftava o Cabido & Cle¬
ro todo da cidade feytoem hum
corpo, gente poderofa, doóta 8c
muyto curial, Sc muyta em nu¬
mero aparelhados pera reiiíli-
rem legundo fe viíTem acometer.
Acudirão logo requerendo ao Ar
cebifpo com toda folenidade de
Direito que fe não entremeteíTe a
viíitara c dadeque era jurdição
do Cabido, nem lhes perturballe
a polfe em que eftavão de tempo
immemoríaí, ajuntando feus pro-
teftos, & todos os mais pontos
que fe ufaõ em femeíhantes au¬
tos. Reípondeo o Arcebifpo com
toda moderação poucas palavras:
8c tanto mais conftante, quanto
mais brando íe moftraya , foy
continuando, 8c perguntando te-
ftemnnhas, Replicoufe por parte
do Cabido : 8c como o Arcebifpo
não deíirtio, foyfc ateando defte
dia em diante a mais guerreada
demanda, Sc de mais trances 8c
recontros, que ouve em muytos
annos nefte reyno, como a hifto-
ria o ira contando em feus luga¬
res.
CAPITVLO IIIÍ.
P rocede o Arcebifpo navifitaça
começadaidà vijlaaos e findos,
Ç? bofpitaes,(A asobras do Se-
nnnario, ST orna raTLao das
efrnolas do tempo defua an
Z^encia. rigurofà-
mentifuafamília, eS
dàforma na evifim
taçaodoArce•>
bifpado,
*1
Aõ levantou mão o
Arcebifpo da viíítação
'3 correndo todas as Igre
jas da cidade,è viíítãdo
todo genero & eftado de gente fe
cuIar,&Ecíeíiaftica ate a ter cerra
da. Acudiãolhe cada dia, & é cada
Igreja novas reclamações, 8c até-
tados do Cabidordava fua repofta
fé nenhúa alteração, & profeguia
naobra.Ardião em fogo de cólera
& rayva (que eíle heofruitoor¬
dinário dos litigios) os Prebenda¬
dos
 Arcebijlo de Braga, T? rimas das Hefpanhas.
dos, & quafi coda a cidade: elle
tão quieto ( Sc todavia firme em
feu propoíito) que podia dizer: In
tnedio ignis non fum áftuatus. E co¬
mo íeaão fora parte em negocio
tao pefado, andava nas horas que
lhe vagavão dando viíía: hora ao
Gollegio da Companhia que e-
ftava no cabo quanto à fabrica, Sc
continuava com diligencia nas li¬
ções de fua obrigação. Alegrava-
fe de ver as Aulas chcyas, aqui de
principiantes, aly dc proveitos:
©atros ja no curfo das Artes, Sc
em eítado de começarem a dar
fruito Sc ferem de ferviço naquel-
la fua republica que tao nec^fsita-
da achara;Agradecia
O
aos Meftres
o trabalho,encomendavalhes no¬
vo ctvydado.Outras vezes paífava
ao Seminário. Apertava com os a-
pareíhadores da obra,com os offi
ciaes,& fuperintédentes,que me¬
te fíe rn gente, creceífe o edifício,
luziíTe a defpefa. Ià acudia ao hof-
pital dos pobres éfermos,jà à hof-
pedaria dos Ecclefiafticos, fazédo
eftreitas informações da cura que
fe fazia a bus,do provimento q ti-
nhão os oucros.Logo entendia cõ
os eftudantes pobres, fe recebiao
puntualméte íuas efmollas de ca¬
da mez,fe e&udavão, fe viv^ão bê.
Nenhua abelha fe vio maisfollici-
ta em jardim cheyo de flores por
colher de todas com q perfeiçoar
0 artificio de feus favos, do que o
Arcebifpo andava em todas as
up
coufas de fua obrigação, & em ca¬
da hua, comofe nenhúa outra e-
ílivera à fua conta: tão miúda, <&
particularmente as tratava. E co¬
mo os pobres erão os feus mais
queridos filhos, quiz faber o cuy-
dado que delles fe tevera nos an-
nos de fua aufencia:dos que íe ve-
ftirao na cidade Sc em todo o Ar-
cebifpado ; das orfãs que fe caia¬
rão nos lugares de fua obrigação,
pera as quaes deixara contíadedi
nheiro certa Sc feparada: das viu¬
vas Sc envergonhadas que fe vifi-
tàrão com efmollas, E ifto fazia
não pera pedir conta eflreita das
rendas com termo avaro &def-
confiado:que efta não tomou nu¬
ca,nem a mandou tomar, porque
os miniftros de que fe fervia erão»
taes,que não avia,nem podia aver
delles defeonfiança. Que efle he
o verdadeiro mechodod,e bõ go¬
verno , com que nos bõ$ tempos
fe regia o mundo, muyta diligen¬
cia por achar hum bom mimltro,
achado,fiar delle tudo. Oje vay cu
do tanto ao revez,que o primeiro
contra quem fe acautelão os Go¬
vernadores das republicas, heo
mefmo q acabarão de eleger pera
o cargo. E hegram cafo , que na
hora que lhe derãoo cargo, nelfa
mefmaotem jà por fofpeito ( Sc
ainda mal, porque mnytas vezes
lhes fobeja razão: mas a culpa he
mais dos eleitores que do eley-
to.) Era o Arcebifpo fenhor dc fy
V 5 & do
 Liuro 1IL da vida de D. Fr.Bert.dos Afart.
Sc do que fazia & mandava: que¬ virtindoo & amoeílandoo, que
ria que os miniftros foífe.m mini- era obrigaçaõ de contrato a que
ílros, nao amos,nem pedagogos: tinhao aquelles Religiofos, alem
que todos delle dependcífem, elle da que lhes corria por fua reli¬
de nenhum, fenao da razão, Sc gião. E alegre com as boas infor¬
da verdade. Queria faber como fe mações que lhe vinhão,mandava
procedera no palfado, pera me¬ por retorno groíías efmollas,com
lhorar o prefente fe foffe neceíTa- que a fabrica hia muyto adiante.
rio, & remediar tudo com igual¬ E a cafa agafalhava jà muyros Re-
dade^ como bom pay, que ama ligtofos, logeitos de importância
igualmente os filhos fem preferé- em virtude & letras,com q eílava
çi, nem dífferença de hús a ou¬ acreditada, & a terra bem fatisfei-
tros. E confiando tanto dos depo- ta.Cerrada a^ilita da cidade de¬
fitarios de fuas rendas, como te¬ terminou o Arctbifpo fahir a vi-
mos dito, porque fabia ferem fieis fitar o Arcebifpado.Mas quiz prir
em alto grao, fònadiítribmçãoq meiro fazer húa diligencia q me
fazião com os pobres fe moítrava perfuado deve fer ordinaria en¬
defconfiado, arreceando fempre tre os Prelados todos : que como
que ou feria mais curta do que el¬ lem em Sao Paulo que quer pera
le mandava, ou menos continua Bifpos homés que faybao bem go
do que defejava. E a etle fim lhes ver nar fuas cafas, nao podem ier
fazia amiúde particulares lem¬ defcuydados em procurar que fua
branças , affirmando que toda a familia feja exemplo de virtude ao
efmoilaque dava, por reílituição povo. E o meyo.diíío he,que pois
a avÍa,não por efmolla. Porque os vifítão as cafas & vidas alheas, co
pobres q a recebião, erão os pro- mecem primeiro por fua cafa, &
pietarios dos bès & rendas da fua polia vida dos que tem de portas
Igreja,&darlhos era tornar o feu a dentro: & quãto tiles lhe tocao
a feu dono. Não fe efquecia ndle mais que os outros, tãto feja mais
tempo do edifício do feu Convé- eílreita a inquirição do procedi¬
to de Viana, procurava faber co¬ mento de cada hum, & mais rigu
mo corria não fò no que era pe¬ rofo o caíligo dos culpados. Eíia
dra & cal, mas nas obrigações q diligencia fez o Arcebifpo per fua
aífentàra com o Provincial,nas li¬ peíloa com toda a familia exaâif-
ções de cafos, nas pregações da fimamenre. Do que delia i efultoti
villa,&do termo, & comarca, naonoschtgou coufa que polía¬
ôc fazia apertadas diligencias có mos pòr em memória: mas fabe-
o Vigário que nelle preíidia ad- mos que deite dia em diante to¬
dos
 Arcebifyo de Braga3 Primas das Hefodnhas]
dos os annos a primeira viíita em
que punha maõ,era eíta, Sc cafti*
gava os que achava comprendi-
dos conforme as culpas, repren-
dendohus, & defpedindo outros
de feu feruiço. A fegurtda era a da
cidade,a que efte anuo deu prin¬
cipio,como diííemos. A terceyra-
do corpo do Arcebiípado.E porq
entendia quanto importão os o-
lhosdo Paftor, cujo he o gado,
pera faude Sc remedio verdadey-
ro delle,aííentou,inda que muyto
lhecuftaíTe da faude Sc da quie¬
tação, viíitar peíToalmente todas
fuas ovelhas.E pera o poder fa¬
zer,como a Dioceíi he tão larga
Sc efpalhada ordenou partilla em
tres comarcas, ou diftri&os, dan¬
do poucas menos de quinhentas
freguezias a cada diftri<5to,& tan¬
tas aííentou que poderia viíitar
cadaanno. E fahiolhe taõ acer¬
tada a traça,que por ella fe gover¬
nou em quanto afsiftio no Arce-
bifpado contentãdofe cõ dar vifta
a todas fuas ovelhas cada tres an-
nos hua vez. A qual vifta de tres a
tres anos,como era de olhos pró¬
prios pofta em balança, cõ a q po
dia dar cada anno per paflos Sc di
ligécia de mercenários, era de ta¬
to mais effeyto,quãta he a avêta-
gem que tem o bom Paftor ao
mercenário em tudooque toca
ao bem das ovelhas. Acrecenta-
vafe que o Arcebifpo, como to¬
camos atras,da vifta que dava,
i / <P
defuois dos remedbs dalma cjae
faoia procurar comopay, Sc pay
muyto amorofo, deyxava reme¬
dadas codas as neceííidades cor-
poraes, q ic era hum meyo excel-
lente p^ra obrarem as mezinhas
efpirituaes. Hum fò incoveniente
avia nefta dilaçaõ dos tres annos
que era poderem falecer muytos
mininos fem o Sacramento fanto
da Confirmação. Efte ponto tra-<
tou de vagar em Trêto com Pre¬
lados Sc outras peíToas de ietras,
& com feu parecer fe refolveo em ai
crifmar os mininos, inda que fof-
fem de peito, porque não fucedef- . d
fe falecer nenhum fem Crifma,
aV
pois não ha duvida que os q mor¬ ■i
rem crifmados tem gloria aven-
tajada por virtude deite Sacramé-
to,como affírma noífo Padre San¬
to Thomas.E pera não aconrecer
• 7*
tomarem duas vezes a Crifma, ar. 8»
mandou que no livro dos bauti-
fados ouvefíe titulo de crifmados,
quando foftem dos que ainda não
teveífem ufo de razão.
CAPITVLO v:
Da jornada que o Arcebifpo íH
fez, a vifitar as terras de
Barrojfo:ÇA dehumca
fo milaçrofo que
nelUfuce-
deo.
T£M
 Lmro III. da vida de D. Fr. Bert. dos Mart.
SfP??S^Í ^ ^ oArcebifpado dè
m fe| Braga muytas Igrejas
entre montanhas Sc
mMCCM ferras fragofifsimas ,
comofepode entender do que a-
tras deixamos efcrito.Mas as que
eftãonas terras que chamao de
Barrofo tem hum fido tao intra¬
tável de ferras Sc penedias, quaíí
fempre cubertas de neve.de picos
q fe vaõ às nuves , de brenhas te-
merofas, de valles profundifsimos
Sc paífos perigofos, que mais pa-
recem morada de feras ôc faiua-
gés,quede horries capazes de ra¬
zão & juizo.E com tudo faõ muy¬
tas as Igrejas, Sc muyto em nu*
mero o povo que fe cria por a*
quelias matas,como formigas em
formigueiros. Por tal terra como
efta determinou o Arcebifpo co¬
meçar efte anno a vificação de fo¬
ra: que como eftava refoiuto em
andar tudo peíToalmente, quizco
meçar polo mais difficultofo, jul¬
gando,antes tendo por certo, que
averia em tal poíto grande necef-
fidade de fua prefença , Sc tão
efpeíTas matas de ignorância,
como avia de arvoredo agrefte:&
nao fe enganava, como defpois
lhe moftrou a experiencia. Na
hora que publicou a jornada não
ouve homem dos que lhe podião
dar confelho que lha nao encon-
traífe com muytas razoes , affir-
mando todos a húa,que era gene-
ro de tentar a Deos pollos perigos
certos a que fe offereciâ a Ty Si a
todos os feus em terra fempre in-
vernoía , fempre cheya de neve:
onde atè na força do verão avia
tempeftades de ventos & frios de
cruelifsímo inverno :rifcos mani-
feftos nas fobidas das ferras: fer¬
ras tao ingremes que por muytas
partes era forçado hir a pè, Sc taí
vez valer das mãos: mayor rifco
nas decidas, ou precipícios dos vai
les, que fò de olhar pera o baixo
fe perdia a vifta, tremiao as car¬
nes, pafmavao animo, Sc todo o
encareciméto ficava curto fallan-
do de longe, pera o qne avia de a-
char de perto. Sobre tlído terra
pobre,eíleril, falta de mantimen¬
tos^ muyto mais de gafalhados,
Sc em fim tal que nunca nenhum
Prelado fe atrevera a fubiraella,
fenao fora o grande São Giraido
(fe fe pode dar credito a hua tra¬
dição que de tempos antiquifsi-
mos anda naquella gente) & que
todavia lhe culHra a vida acaban¬
do ahi feus fantos dias. Nãoreíí-
fte a palma ao pefo,nem o diamã-
teaomartello com mais fortale¬
za, do que o Arcebifpo fe armava
de conftancia contra todas as dif-
ficuldades: antes quato mais lhas
exageravao, mais lhe acendiaoo
defejo de fe ver ja com cilas abra¬
ços Sc como em defafio. E pare-
cendoíhe tudo pouco a troco do
mereci meto que efperava ganhar
com Deos cm acudir a ovelhas
tão
 Arceblfhode B raga} Primas das Hcfpanbas.
tão defemparadas ou perdidas
mandou fazer preftes 8c nomeou
dia,5c em fim partio contra pare-
c;r de todos aíegremente.Êntran
do polia terra começou a viíltar
sollas fraldas dos montes 8c pol-
o menos fragofo.E logo foy ven¬
do que fe os que lhe eitorva vão a
ida falavaò verdade no que diziao
da calidade do fido, muyto mais
ao certo lhe adivinhara íeu cora¬
ção o miferavel eftado que acha¬
va nas almas 8c confciencias da
pobre gente.Podemos bem dtzer
que nao avia Cnríftandade mais,
que no nome. Gorreo a voz pol¬
ia ferra da vinda do Arcebifpo.
Abalou fe toda, foy o aluoroço 8c
alegriafem medida. Iuntavaofea
recebello pollos caminhos com
fuas danças 8c follias rudes, que
eraoeftremodefefta quepodião
fazer.E porque naõ foífem julga¬
dos por menos agreftes que os
fcus matos, nas cantigas que en-
toavaó entre as voltas 8c faltos
dos bayles,publicarão logo a quã-
to chegava o que fabião do Ceo
8 c da Fè. Húa dizia afsi. Benta
feja a Santa Trindade irmadenof-
fa Senhora. Efte mote com grofas
iguaimente defparatadas repeuão
muytas vezes avendo que gran-
geavão com mu fica fanta hú Pre¬
lado que trazia fama de fanto , 8c
moftravão fineza de Chriftanda-
de. Que faria hum prelado pio 8c
zelofo nefte PaíTo? Finavaofe de ri
1 rp
fo todos os feus. Elle qual o ou
tro prudente 8c affligido, de qué
o Poeta canta.
Spem rvuhu\fmulat}premit altura vH T-
cor de dobrem* Jined*
fingia fembrante alegre, porque
convinha pera contentar, 8c afsi
ganhar 8c remediar aquella rude¬
za: mas em feu coração chorava
lagrimas de fangue vendo tanto
dtfemparo no geral, que não era
n enos nos particular» s, como lo¬
go foy defcubriudo. Encontrou a
hum caminhando,chamou o,per-
guntoulhe quantos erãoos man¬
damentos da Ley de DeoS,refpo-
deo efpivitadaméte que erão dez:
rnandandolhe que os declaraíTe,
foy a repofta levantar as mãos
ambas,8c alargar os dedos,fazen¬
do conta que em moftrar o nu¬
mero nos dez dedos eftava a fcié-
cia, 8c nenhua outra coufa foube
o pobre dizer. Daqui fe pòde in¬
ferir qual eftava tudo.Começou o
Arcebifpoafazer feu officiocom
grande piedade, offício de verda¬
deiro Paftor, 8c pay. Como com
mininos,afsi eftava com elles, afsi
lhes fazia a doilrrina,pregava, crif
mava, rogava, animava, & ami¬
mava, mais do que reprendia.Por
que a gente de feu natural era in¬
clinada ao bem, 8c dos males que
avia os mais procedião de falta de
meftres, poucos de malicia. Bem
finda o enemigo infernal que lhe
avia de dar muyta perda efta jor-
nadv
 hiuro III. da vida de D. Fr.Bert.dos Afart.
nada, Ôc por iífo trabalhou polia
eftorvarpor meyo de confelhos
piadofos, como atraz contamos:
que a cada canto fabe criar procu
radores de fua maldade fem fe dar
a conhecer. E rayvofo do fucelTo
determinoufe em guerra defcu-
berca. Andava jà o Arcebifpo no
mais trabalhofoda ferra.E paffa-
vahum dia de Covas de Barrofo
pera onde chamão as Alturas, ou
o Salco: era o caminho húa vere¬
da muy toe ílrei ta, ôc cofta arriba
por húa ferra ingreme ôc altifsi-
ma,& de húa ôc outra banda pua
fi como talhada a pique,& os val-
les taõ fundos,quemetiao medo.
Caminhavao todos infiados hum
tras outro,& com aífaz pavor,
como dizem com o Credo na bo-
ca.Diante hyão fete azemalas de
carga que levavão camas Ôc man¬
timento, como fe fazia conta que
era o caminho pordeferto. Se¬
gui ao os criados Ôc familia ôc
vifítadores que ajudavaõ ôc fem-
pre acompanhavão o Arcebifpo.
Na retaguarda hum efpaço atraz
ficava o Arcebifpo a companha-
do fomente de algús de pè, que
nunca o largavaõ. Era efte o co-
ftume do Arcebifpo. Como fahia
polia manham da poufada cha¬
mava hum capellaò com quem
bia rezando as Horas menores.
Acabadas defpediao dizendo. A-
gora recolhamonos com Deos:&:
huãs vezes deyxavafe ficar deçraz
detodos,outras fe o tempo era af-
pero de agoas, ou frios tomava a
dian£eira;&logo fazia o que de-
zia fervindolhe quatas couias via
polo caminho de ocaíiaó pera a-
cender ôc levantar o efpirito em
alta contemplação,em que de or¬
dinário hiatão engolfado q pou¬
co ou nada fintia o trabalho por-
larga que foífe a jornada. Com os
braços cruzados, & os olhos no
Ceo, ôc as redeas da mula lança¬
das em banda caminhava muytas
legoas fem dar fè de nada, ôc às
vezes por paífos bem perigofos.
E guardaDeos com tanto cuyda*
do os pès dos que traze os olhos,
decoração ndle(legando o q tem
ôc prometido ) que affirmavao os q
o fervião efpantados da poftrjra
ôc enlevamento em que fempre
hia, que nunca virão cahir,nem
menos tropeçar ou embicar a mu
la em que caminhava. Na ordem
os que temos dito hião caminhando
devagar ôc com trabalho: íe não
quando ao tempo que hião no
mais alto da coíta,&. quaíi vencé-
do o cabeço do mote, refvala húa
das azemalas de carga, ôc emref-
valando tudo foy hum ,refvaíar,
& hir em tombos pola cofta abai¬
xo. Hia nelta paragem o carreiro,
ou vereda que feguião, em voltas:
vinhão abaixo as outras azema¬
las: dá fobre ellas a que vinha em
tombos,com o ímpeto que trazia
derriba a primeira que encõtrou,
eíla
 Arcebifyo de Braga, Vrimas das Hefpanhas, 120
eíla levá outra, <Sc outra a que a fe louvado, ninguém perigou, Entre
gaia. Afsifeforão encontrando, tanto os caydos fe tinhaõ alevan-
empuxando, Sc derribado atè da¬ tado, &os de pè carregado de
rem nos quevinhao acavalIo,q novo as azemelas:& juntos todos
fé remedio, como não avia nenhú acharão que em taõ evidente pe¬
perafe defviaré.vierãoq uaíi todos rigo, nenhum dano fe recebera:
a terra dado voltas íbbre os pene¬ Sc ainda que algãs de raõ muytas
dos. Foy grande a grita que o fo- voltas fobre penedos agudos &
brefalto Sc o perigo fez levantar a troncos de amores, onde fò o pe-
todos chamando em altas vozes fo 6c a força da quèda era baftan-
polo nome de I E S V & de Nof- te pera matar, nem cavalgadura,
ifa Senhora dandofe por acabados nem homé ficou ferido, rt i n al
& avendo que naõ pararião , fe- tratado,exceyco hum íò que eurÕ
não no fundo do valle feitos em cou hum pé,coufa muyto leve.Af-
pedaços.Foy talo alarido, que o íi davão todos o cafo por n ibgro
Arcebifpo, inda que vinha muy- fo,8c tornarão a caminhar atè ga¬
to atras,o ouvio claramente, co¬ nharem o alto da ferra Sc ficarem
mo crecia o ecco entre os valles na eítrada larga. Como foraõ em
Sc concavidades da ferra. Enten¬ cima pararão, juntâraõfc,davaõ-
dendo o que poderia fer mandou fe os parabés hús aos outros de fe
aosdepè que o a companhavao, verem falvos, como fe naquelle
foíTem correndo acudir : Sc elle a dia naceraó outra vez: Sc afsi da-
peoufe Sc derribandofe em terra vaõa Deos graças fem fim. Mas
com as maõs & olhos levantados entráraõ em cuydado do que fe-
ao Ceo.Ah Senhor, diiTe, como riadefeu amo. E logo algús torr
permittis que fejaõ perturbados nàraõ poilos mefinos paííos em
palTos tanto de voíío fervirço,co¬ fua bufca temerofos de femeíhan-
mo vòs fabeis que eftes faõ? Que te fuceíTo ao em que fe viraõ. Po¬
diraõ os que tanto fizerao poilos rem logo ficàraõ defalTombrados
eftorvar ficando defcançados Sc Sc pararão, que o viraõ de longe
quietos em fuas cafas?& como fe que vinha pouco a pouco fobindo
atreveraÕ eíles a paliar adiante Sc quando chegou a elles antes
Sc acõpanharme fe os não guar- que ninguém fallaíTe, levantou as
daes?Sem dizer mais efteve em íí- maõs ao Ceo, Sc com rofto ledo
lencio orado quafi meya hora: Sc Sc rifonho diííe.Seja o Senhor lou
tornando a cavalgar diífe alegre¬ vado que ninguém perigou. Fica-
mente ao que lhe tinha a mula raõ todos attonitos olhando hús
de redea. Seja Deos pera fempre pera os outros,de ouvirem o que
lhes
 Livro IIF da vida.de D. Fr. Bert. dos Marti.
lhes dezia,fabendo certo queelle
os nao vira cahir:& quando bem CAPITVLO VI.
Ihechegaífe o rumor & agrita,
era impofsivel ter noticia do fucef Frocede na vifitacao ate a con¬
fo,& de como cada hú ficará, fe- cluir. Dàfe conta doutros de*
não fbiTe por revelação. E entaõ
Jemparos que achou:&da
aííencavaõ que quem eftando au-
fente ôc longe do perigo alcança* traça que deu pera re¬
raque o avião paliado fem da¬ medio de toda a
no, eííe mefmo por Teus mereci¬ Serra.
mentos lhes negoceara com Deos
O
• ' , i . *

o remedio ôc livramento. E cuy-

dando defpois devagar n^ cali-
SKBffiE”*' frròice das Aí»
curas que com muy ta
dade do íitio em que cahiraÓ, na |razão poftuetal nome
violência da quéda, &no eftado b pola eminencia que té
em que fe viraõ:&tràs ifto naspa- fobre todas as mais ferras de Bar
íavras do Arcebifpo: achavao no rozo: ha np alto largueza Sc def-
•cafo dous milagres. O primeyro campado, ôc muytas terras lavra¬
efcaparê ;todos faõs ôc falvos , ôc dias & frudiferas: Ôc peíío cotafe-
ferolezão nenbua. O legando a- guinte abundanciade moradores
Vello adivinhado o Arcebifpo e- com luas Igrejas.Na primeira em
ftando longe,como fe fora prefen que o Arcebifpo aqui entrou, co¬
te.Efeouvera nelles curiofidade mo tinhãojà recado os freguefes,
pera fazerem autenticar ambas quefempre mandava diamte9efta-
as maravilhas, como ouve juyzo vao todos jutos efperando fna vin
pera as notarem, pudéramos dar da: que feftejàrão pelo eftilo dos
efte ftrceíío por tão milagrofo,co¬ outros lugares: mas com mais ef-
mo muy tos dos que fe contão nas panto* Porque ncmri os muyto ve¬
canonizações dos grandes Santos lhos fe lembravão verem naquel-
antigos. Mas ficando entre todos le lugar tanta gente de cavallo ju¬
praticado ôc conhecido por tal ta. O mais que em muytos annos
teverão cuydado de diííimular, acontecia, e>;a chegar aly hum vi-
refpey to de feu amo , aqué fabião íitador,clérigo pobre,& mal acõ-
que com nenhúa coufa podiao panh^do, mandado polos Arce*
defgoftar tanto, fegundo fua gran b»fpos,que nemtaes como efte
de humildade,como com fallarê, achavão,que fe atreveífem com o
ou fazerem cafo de matéria que trabalho daquellas terras. Diífe o
redundaífe em louvor feu. Arcebiípo Mifla, pregou, crifmoti
Choravão
 Jrcebify odeB raga, 'Primas das Hcfyanhas.
Choravao de prazer:hus o ouvião
com as mãos levantadas, outros
poftos de joelhos,todos palmados
quando o virão em Pontifical.Foi
correndo outras frègueíias: de to¬
das o vinhaõ bufear rnuyto antes,
Hõs a faber quando os avia de vi-
íitar pera edarem preífes & jun¬
tos. Outros acudiãaem magotes
íb a velio.E não fe contétavão de
o verem húa vez. Hiao ôc torna-
vão naijy tas. Elíe recebia a todos
com a boca cheya de rifo, agafa-
Ihandoos de palavra Sc obra co¬
mo a filhos daima, O defemparo
Sc pobreza que achou nas Igre¬
jas dizia bem com o que avia nas
almas & doutrina. O menos era
eftarem mal fechadas de portas
Sc freft as, & mal reparadas de
dentro , Sc de fora. Avia aiguas
que em tres meies não tinhãoMif
fa.' a caufa era que nenhum Cura
aturava nellas porfer a viveda in¬
tolerável,& fe algus perfeveravão
crão tão rudes como feus fregue-
fes,q aceitavlo a eftancia por lhes
faltar commodo em melhor íitio
por fuá infufficiecia. Quafi todas
tão desbaratadas de ornamentos,
que fe não podia celebrar nellas
fem notável irreverencia, como
elleoteífimunha em húa carta q
fobre a matéria efereveo ao Papa
como ao diante veremos. Os cá¬
lices quaíi todos erão de chumbo,
E quando vío tantos, começou
por aqui a recolhdlos 3 até que li-
'121
vrou o Arcebifpado de/fa indece-*
cia. Os mais fíídio per fuas mãos,
Sc deu traça pera ferem todos de
prata. Em doença grande & anti*'
ga fe o medico hefabio & amigo,
não fe da preífa na cura , q males
velhos hão miíter tépo, Sc efpaço
pera obrarem os medicamentos*
AíTetavafe o Arcebifpo por aquel
las penedias entre fuas ovelhas fei
to verdadeiro paftor, inítruhia
rnuyto devagar aquelles entendi-
mêtos fylveftres có hua eílranha
paciência, mas cõ igual fuavidade
de efpirito,que o Pay de Mifencor
dias lhe comunicava em obra tão
pia.Não fe fartava de lhes pregar,
&dar a entéder a doutrina Cbri-
ftam. Logo mandava viros po-
Ç Sc todos o erão) a hus
acodia com dinheiro na mão pe¬
ra remedearem fuas necefsidades
logo: a outros tomava em rol pe¬
ra os mandar veftir.Nenhua Igre¬
ja de todo effe diftridto lhe ficou
por ver, Sc viíitando todas como
vi fitou mais de aíTento Sc fobre
mão do q coftumava por outras
partes, magoavafe tato da barba¬
ria de coftumes «Sc cegueira em q
vivião, que chorava não ter vindo
ali o primeiro dia q conheceo Bra
ga.O que de prefente fazia era en
comendallos a Dcos em continua
Oração, Ôc pediríhe remedio pera
feara tamanha, tão aífogada de
màs ervas, &tão falta dé bõs obrei
ros, Acudio o Senhor piadofo , «Sc
X oífere-
 Lwro IIL da vida de D, Ff. Bert.dos Afart.
offereceolhe traça que bem pare- va o bom Prelado muyto dante
ceo polofuceílo infpirada do Ef- mão prevenido de particular di£
pirito Santo. Confiderou que le¬ penfaçáo, que em Roma com ou¬
vando dali os moços que ouveife tras mtiytas impetrou do Papa
de bom geito, & fàzendoos criar pera lhe não faltar nada no bom
domeíiicamente ao feu bafo, 8c governo 8c necefsidades de fua
no eftudo , poderia adoçar aquel- Igreja, como deixamos contado,
le natural montezinho, & çafaro, Kão he razão que fe nos paífe em
8c fahiiââo taes que prefíafiem pe íilencio o que aconteceo ao Arcea
ra Curas,& meíires de feus natu- bifpo em hum lugar defta viíita-
raes. Porque não avia duvida que ção pera acabarem de entendeç
folgariao de tornar pera os paren¬ os que efta hiftoria lerem qual e-
tes , & pera os penedos que co- ra a terra em tudo, 8c quantas as
nhecião por patna fem medo das defcõmodidâdes,a que eííe Prela*
neves & rigores de queos eílra- do fe quiz fogeitar fò per não faln
nhos fogião. Como o imaginou, tar hum ponto em aproveitar, &
afsi o poz por obra, 8c afsi íhe fu- ajudar fuasevelhas. Como via a
cedeo defpois.Mandou logo levar r.ecc ílidade que avia de doutrinar
muytos pera a cidade,& recolhe- efta gête muyto de propoíito, por
los em fua cafa, & veftillos. Deu- fe deter com elles efqueciafe de íi;
lhes por Reytor hum Sacerdote 8c fucedeo acabar tão tarde em
virtuofo 8c íiílido, que os criava búa Igreja, que quando ouve de
em toda modeftia 8c. virtude:hião paílar a outra, a meyo caminho fe
ao eftudo, com ião em refeitório, ltrrou a noyte em hum defpovoa-
providos 8c fuftécados à eufta do do 8c paragem tal, que com mui<
Arcebifpo.Aprendião, creciao na to trabalho pode chegar a húapo
idade,& nas letras: como erão ba- bre cafa,ou cabana, em qfoy for¬
ftantemente inflruydos ordtna- çado parar.Ka qual não avia mais
vaos em Sacerdotes, proviaosnas gente,que húa velha pobrifsima:
Igrejas 8c Curados dos feus luga¬ nenri mais gralhado pera a cea, q
res. E porque não faltaífe nada, búa panelinha no lar entre dous
veftiaos decenteméte, 8c rranda- tições. Faziafe tarde, a provizao
vaos contentes, 8c honrados.Para não vinha,que fobteveo chuva
a difficuldade que avia que vécer 8c vento, alem de fer o caminho
com eftes pobres, que era a falta por fy agro 8c deterçofo. Eftavão
de património fem o qual não po- todos íirtidos 8c agaflados , 8c
diao fer ordenados, conforme âs mais que todos o que trazia a car¬
regras dos Santos Cânones: eífa- go o governo da Familia, que não
fabia
 jinchifyo de Braga, Primas das Hefpanhasi
fabiapartedefydedefconfolado,
polo que via padecer ao Arcebif-
po; & a toda a copanhia.Entedeo
o Arcebifpo o ddgofto,que jâ ne¬
nhum o difsimulava. E como elie
tinha feito tanto habito de morti-
ficação, que em fcmeíbantes oc-
caíiòes parecia infenfivei,quando
mais affligidos eílavao, pergútou
com muyta graça à velha hofpe-
da,que era o que tinha ao fogo,&
jfe partiria com elle dafuacea.Ref-
. pondeo a pobre com a obra por
não parecer que negava: trouxe
correndo hua efcudella bem tiz*
nada: entornou nelía hum pouco
de caldo, que era agoa tal, & al-
guas folhas de couve,que fem ou¬
tra rnidura, nem mais adubos co¬
zi ão na paneila. Tomou a o Ar¬
cebifpo, lançoulhe a bençao, co-
meo as folhas, bebeo o caído fem
pãopiem outro genero de vianda,
que de tudo eílava herma a boa
poufada* Affirmou que nuca cou
fa mais íaborofa comera: &,fe fof-
fe cafo que a provifaò não chegaf
fe aquel a noyte, elle eílava con-
folado & fe dava por fatisfeito*
jlutdr. Bebeo Artaxerfes nas mãos grof-
Jjiopht. feiras do lavrador a agoa que lhe
offereceo, jurou que lhefoubera
melhor que fe a bebera polo Ou¬
ro &c chriftaes dos feus appara-
dores. Não canfaõ os eferitores
Gentios de celebrar o dito & a
obra por hum eftremo de realeza,
& benignidade,^ animo agrade-
12 2
eido. E eu não acho nelía ínais
que vaidade, & hum artificio de
dar matéria a lifongciros, de que
as Gortes andão cheyas, pera fa¬
zerem feus empregos. Quanto
ha mais que eífimar na mortifi¬
cação & humildade de hum Prin
cipe da Igreja,q afsi fe paga decea
tão defabrida, por defaiíombrar
& aliviar os feus/ Que fe lhe não
foube bem, que mayor bondade?
E fe a achou tanto de feu gofto,
como eu creyo pois elle o affir¬
mou (fabemos que fe não fingia,
nem era caçador de vãs glorias}
q mayor cõfiança no Ceo? Razão
he q tenhamos por certo q quem
deu fuftãcia ao bolo de Elyàs pera
quarétadias de caminho, daria fa
bor àquellas cotíves pera recreare
membros cançados em jornada
de zelo igual, inda que de menos
legoas. Efla ida de Barrozo foy
occafião ao Arcebifpo de dar
principio de execução a hum pen
famento que de muyto atraz o a-
tormencava. O qual pede mayor
prologo, porque afsi como era de y (I
grande importância, foy origem
de muytas tempeílades de de¬ uM
mandas &c defgoftos, que contra
elle fe levantarão , & correrão
por todo o reyno, Si chegarão
atè Roma,como veremos
no capitulo feguinte.
(•?•)(•?•)(•?•)
mm
mX z ’ GAP.
 Liuro 111. da vida âe ZX Fr.BertJos Afart.
CAPITVLO VII.
Começa oArcebifpo a vifitar as
Igrejas das Ordes Aíili-
tares cm cumprimen¬
to dos decretos do
S. Concilio.
c. Vstis s i m o, 8c fã-
w
Scf 7-C
7-&' 8. .5
m tifsimo he o Decreto
em que o fagradoCõ-
cilioTridétino nao fo¬
mente encoméda aos Bifpos que
vifirem todas 8c quaefquer Igre¬
jas de fuasDioceíis: masobrigaos
aiíToem conciencia fem referva,
nem exceiçao de privilégios, gra-
ças,ou indulcos por amigos & au¬
torizados que fèjão.Porque fendo
afsi, que nos tempos antigos os
nobres & os valerofos fe preza-
váo de enriquecer as Igrejas, &
partir com ellas liberalmente do
que com feu braço, 8c à eufta do
íãgue ganhavão; veyo defpois ou¬
tra idade avara 8c cobiçofa, ern q
qualquer homem pobre , ou rico
que foffe, mais nobre, ou menos
nobre, em fe vendo poíTuidor das
rendas da Igreja afsife defeuida-
va do concerto 8c ornato delia,
afsi tratava & lograva as rendas,
como fe hua coufa 8c outra foraõ
vinhaou cafal herdado de pay 8c
avos, 8c elle propíetario, 8c nao
ufufrudluario, como na verdade
he todo homem que poííue ren¬
da Ecclefiaftica. E como proprie¬
tários fe atreviao afazer repug-
nan cia ao Bifpo fe acudia pola
Igreja defeompofta 8c mal trata¬
da. Áconfelhados com brandura
engeitavao confelho , obrigados
com força contraminavao o man¬
dato: logo queixas a feus juizes,
licigioSjinhibitorias, confufõesrde
forte que os Prelados de cança-
dosvinhao alargar as caufas-, &
ficavão padecendo as Igrejas cu-
jaserãoas rendas. Para remedio
defte defemparo acudio o fanto
Concilio com oíaudavel Decre¬
to que apõtamos.Mas offereciáo-
fe ao Arcebifpo montes de difi¬
culdades muyto duras de vencer,
8 c mais pefadas,que as que ja lhe
davao aífaz de inquietação cctr o
Cabido. Porque eílava claro que
entrava em guerra defeuberta cô
quafi a mayor parte do Reyno, &
com toda a nobreza delle cujas ré
das principaes conftão de Igrejas
8 c Cõjríendas.Pelo que tanto que
chegou doConcilio mandou eíht-
dar o cafo por peíToas de fciencia,
8 c conciencia 8c bem curiaes, pe-
dindolhes que particularmente
confider2Ílem, a quanto 8c em
que grao lhe obrigava a concien¬
cia contrapefados todos os incon¬
venientes certos 8c fabidos.Eelle
também tomou a cargo revolver
por fua parte os livros, 8c. enco¬
mendando primeiro o negocio
a KoíTo Senhor com hu puro de-
fejo
 Arcebifyo de Braga, Frimas das Hejpanhas.
fcjo de acertar no que mais fea fer
viço foífe, cm fim fie refolvco def-
pois delongo eítuda comas pef-
foas que confultou, que tinha o-
brigação prccifa em conciencia
devifitar todas as Igrejas de feu
Arcebifpado fem exceiçao de ne-
nhúa por izenta Sc privilegiada
que folie : porque todas eltavao
à lua conta, Sc fobre fua alma car¬
regaria o defcuydo que nellas ou-
veíTe,como de fupremo , & mais
verdadeiro adminiftrador, Sc co¬
mo a tal lhe pediria Deos cõta dei
Ias. Tomada efta reíòluçao pare-
ceolhe q devia dar conta del a na
fua Relação:Sc afsi o fez pouco an
tes de partir pera as terras de Bar
rozo. Muyco antigo he nos confe-
lhos públicos aver pouca gente
ique encontre as propoftas, mor¬
na ente fe quem propõe he Prín¬
cipe, ou tem poder fupremo. Na-
ceiftodehúa certa fraqueza, Sc
abatimento de ânimos que rey-
rsano mundo, não fe atrevendo
ninguém a defgoftar a quem man
da: ou de terem refpeito os confe-
Iheiros a feu particular, mais que
ao bem publico Sc do Príncipe.
Porque como as propoftas def-
cobrem logo a tenção nos ter¬
mos,, & no geito delias , os que
fe tem por meftres 110 trato do
mundo mais fe canfaõ em en¬
feitar lingoage pera as abonar, Sc
dar por acertadas, que em cuydar
fe o faõ. Temem perder lugar na
123
graça do Príncipe nao confor¬
mando com elle, fogeitão o en-:
rendimento à preteneão, Sc a ver-
dade ao negockxjfi deifaTonte
tenrbrorãdõ drãndeTmiles, que
ainda oje cern vivasTiTágiimãs
nrnTõTfios de muytosTení eípe-
Tãnça de as verem nunca enxutas.
Não era ãfsTnosdmniftrõs do Ár-
cebifpo , que àlem de ferem ho-
mes efcolhidos em virtude Sc pru
dencia, fabião que o avião com
prefidente,com quem fò a verda¬
de Sc boa razão tinhao lugar.
Comfaberem que a matéria vi¬
nha refoluta não fe pode crer
quam defenganadamente, Sc fem
nenhum rebuço nem rodeyo lhe
declararão feu parecer affirman-
do q acometia temeridade cheya
de brigas & trabalhos, dos quaes
por remate ficaria com os braços
quebrados, Sc tépo Sc feitio perdi-
do.Que não fe avia de cuidar que
as determinações do fanto Gonci
Iio,inda q obrigaflé aos Prelados
na conciencia,ficivão fòra das re¬
gras deprudécia.Que quem eftas
paííaífe por executarão pè da le¬
tra Sc em todo rigor,poderia fer fi
car avido por diligéte,mas não efi¬
ca paria da nota de inconfiderado.
Porq primeiro fie devião confide-
rar os meyos õcfins das éprefas,&.
ver o q delias podia refultar,q aco
meternenhuarpor quatovãTmãis
ToBreftar^pm fiío ante?cle cõmê-
^par,q retiratdelpois cõ Yergonha.
X3"" Qúc
 Liurolít. da vida âe D. Fr.Bert.dos Mart.
Que nos, dizia hum delles, não
condenamos querer V.S. fogeitar
à vifita EpiTcopal todas as Igrejas
dos Padroados & Ordés Milita¬
res .Santo & pio he tal intento: &
muy jufto que entendão os Co¬
mendadores qne tem as Igrejas,
& as rendas delias em encomen¬
da 6c como feitores delias, & não
em propriedade & como fenho-
res:& conhecendo efte titulo fir-
vão 6c ornem 6c afermofeem as
Igiejas do que he verdadeiro pa¬
trimónio delias: 6c o que reftar if-
fo gozem elles embora, que não
lhes concedem mais os Summos
Pontífices. Mas pera che gar ifto à
eífeito temos hum mar nomeyo
tão largo, 6c tão perigofo,q mais
certo he nelle o naufragio, q boa
fahida. Quatro Religiões Milita¬
res temos em Portuga*. De algúas
delias ha muitas Igrejas neftaDio
cefi. As tres tem por cabeça qué o
he do Reyno, q he o mefmo Rey,
quem poderá com ellas ?Que os
miniftros com quem avemos de
litigar, jogão de armas de ambas
as mãos,ufaõ do poder , 6c j jrdi-
ção Eclefiaíhca em quanto lhes
eftàbem (que também a tem co¬
mo nos) & quando lhes parece a-
colhemfe à Real. A outra que he a
de S.Ioão dc Malta não he menos
poderofa.Porque os Commenda-
dores delia polia parte que té de
mais Religioíos , hão que faõ de
cafa, 6c immediatos ao Summo
Põtífice,& não querem reconhe¬
cer por cá nenhum fuperior : 6c
polaque faõ Toldados parte pior
com fuas Igrejas: devem cuidar q
aííaz tem feito por ellas no íangue
que lhe cufiàrão. E ft os advirti-
mos, inda que fe ja com toda rno-
deíha,faó homés aííomados, brio
fos,& bngofos , perdem o reTpei-
to,rafgão a cortezia,& defpois no
litigar faõ contumacifsimos. Pois
as Igrtjas que faõ anexas a Mo*
fteiros,&Collegios tem onitro ge-
nero de armas, outros bailuartes
de defefa na modeftia & forandll*
ra que fabem uTar, com que fe fa*
zem mais inexpunhaveis queto*
das.Efendo afsi,que homem fifu-
do ha de aver, que nao finita ver a
V.S. embaraçado emhtigios cô
CoílegioSjCom mofteiros, cõ foi-
dados:com poderofos,cõ validos,
com fidalgos,6c em fim cõ o mef¬
mo Rey, 6c cõ todo o reytnoíQué
ha de cuydar que por muito que
todos trabalhemos, & nos mate¬
mos ha V.S.de tirar daqui fruito?
Ofruito ferao defgofios , odios,
guerra. Dura coufa he aconfelhar
concra determinação tomada, &
aquem não pede conTelho. Mas
he o cafo tão temerofo, & V. S.
tão amigo de acertar em todos,&
tão pouco arrimado a feu pare¬
cer,que não hey que falíamos fo¬
ra de tempo. Ajuntafe ter V. S.
começado hua caufa tãonova, &
tão ardua, como he a que jà corre
com
 Ancbifyo de Braga, Primas das Hefpanhail
com o Cabido, que não he acerto
darlhe companheiros, 8c tantos
na queixarque muytos queixofos
juntos, iada que de parte de cada
hum aja pouca razão,abalão mui¬
to , 8c fazem muyto. Peio que tu¬
do fintimos, 8c afsio pedimos a
V, S.que ou deponha de todo eife
penfamento: ou ao menos efpere
ofuceffo do negocio do Cabido:
Sc vã fucefsivamente, 8c pouco a
pouco vencendo hum,& hum lé-
brado da comparação com que
o outro Rey perfuadia a feus fi¬
lhos em propofito differente, que
não diz mal com o que temos en¬
tre mãos. Para quebrar hum fei¬
xe de fetas juntas, não bafta hum
gigante,hua por húa,fobeja hum
minino.Ouvioo Arcebifpoatté-
tamente,como coftumava, o que
o Defembargador diífe,q os mais
dos companheiros com o fembrã
te,&meneyo rnoftràrão aprovar:
mas fervio tudo de ficar mais ani¬
mado em fua determinação,porq
notou que todas as razões tiravao
afins, 8c refpeitos humanos, 8c
como eílava perfuadido que o ne¬
gocio lhe tocava na alma, refpon-
deo com poucas palavras 8c def-
aílom bradam ente, q nunca Deos
quizeífe que por temores do mu¬
do deixaííe de fazer o que fua cõ-
ciencia lhe diótava: que de pouca
fè feria notado pera com ofriefmo
Deosfe largaíTe caufa tanto fua,
Sc que ellesjulgavãopor jufta&
124.
fãta,por medo de defagradar aos
Príncipes , 8c aos poderofos : ou
por íífo arrecealTe defaífoíTegos,
8 c ainda afrontas. E ajuntava CQ.
Bernardo, Si bona fuerit caufa pug- Aâ tnili
nce.exitus malus efenonpotertt.Que tisTem-
a caufa feja jufta bê fe prova, pois í^caP' *
he autor delia o Efpinto Santo, q
infpirou aos Padres do Concilio
que a decretaífcm. Que me obri¬
gue em conciencia ninguém o da
vida: como não confiares logo , q
me ha Deos dc ajudar no que *-
cometer por feu ler viço, não pot
ambição, não por cobiça de mais
mãdo,ou mais jurdição.?Nenhúa$
impofsibihdades me deterão, ne-
nhuas carrãcas me aííombrarão:
& de todas as pendenças me dou
por vencedor: porque tendo fen-
tença por mim que mayor triúfo?
E fendo contra mim, inda ganho
mais, que he ficar livre dos traba¬
lhos, dos caminhos, das afflições,
q por efifas Igrejas avia de tomar,
& juntamente aliviando efies ho-
bros deíTa parte do Arcebifpado, -
Sc eíta alma de húa nuvé de efcru-
pulos, que por ellas me atormen-
tao. Ifto era palfado antes da ida
de Barrozo. Chegando lã achou
algtías Igrejas de S. Ioão,& como
hia determinado no que avia de
fazer entrou nellas , viíicou as, êc
achãdo as desbaratadas 8c pobrif
fimas de tudo o que pertencia ao
culto divino,fez focrefio nos frui-
tos da Comenda, 8c mandou as
X 4 orna-
 Listro III. da‘vida deD.Fr.Bert.dosIkTart,
ornamentar dò neceíTario cõ mo¬
deração de quem não pretendia
efcandalizar, ferião remedear, 8c
cm algúas poz Curas 8c Vigá¬
rios. O mefrno fez em outras da
Ordem 8c habito de Chrifto. E
como começou poreftas afáifoy
procedendo por toda parte fem
aceitação, nem exceição de pef-
foa,CoHegio,nem Múfteiro: com
geral efpanto de toda a terra, que
lião eftava acoftumada a vertao
grandiofos efpiritosrmas cõ gran¬
des benções de todos os bõs.
♦ * **
t - ■-> - a diante. Multiplicavaõ os Confer¬
CAPITVLO VIIL
Das grandes contradições tf
contendas que fie leuantarao
c contra o Arcebifporfor re
Zjdo de fias ‘Vifitas, tf
como fe ouve nel-
•• j las.
mm
a Aõ fe pòdé crer as má
mÔ u rulhadas de litígios,de
queixas, de duvidas 8c
cõtroveríiasq por todo
o reyno fe movèraõ contra o Ar-
cebifpo.Por cada Igreja deftas em
que entrava ganhava hu enemigo
no que a tinha à fua conta,& ffiuy
tos enemigos nos parentes 8c ai-
liados defte. Logo feguiaõ prote-
ftos,requerimentos 8c demandas
pera diante dos Confervadores
de cada Ordem. EHe deíabafada-
mente refpondia &acudiaatudo-:
8 c quando de fòra fe lhe tinha la-
ftima não faltando quem ctiyda-
va que eftaria affbgado com a ma¬
quina de tantos negocios, vivia
em tanto repoufo, que de menhíí
de feus a coílumados exercícios
perdia húa hora. Como eftava bé
fundado, quando creciaõ mais as
tormentas & erão : mirablies ela- pfàl.?
imesmaris, todas Jhe tornava em
calma o que fegue. Mirabihs m al-
tis Domirns. Nefta cõfiança pofta
a proa a todo trabalho , pirocedia
vadores requerimentos, fulmina-
vão inibitórias & excomunhões:
nada lhe defcompunha o paífo,
ou affoxava a cõftancia.Deíuabo
ca fe naõ ouvio nunca palavra co¬
lérica ou fintida,por mais impor¬
tunos que foífem os autos judi-
ciaes, por mais defcortezes q fof-
fem os libellos 8c proeeíftos. Alíi
litigava , como fe naõ fora parte
cm nada.Còtra as Excomunhões
eftava armado de particular Bre¬
ve do Papa (como afsima toca¬
ra os) que impetrou em Romaco
outras graças femelhantesj como
qliem jà então determinava o que
agorafazia,&antevia o qje ago¬
ra pafíava.E pollo Breve fe aííoí-
via de todas.Entretanto efcrevia a
todos os tribunaes do Reyno 8c a
todosbs juyzes Apoftolicos, 8c a
elRey & aos de feu confelho jufti-
fícando o que fazia cõ razões tão
vivas
 Arcebifyo de Bragas Vrimas das Hefpanhas.
vivas, tao efficazes & pias, que
juncas à autoridade que fua pef-
foa tinha com todos, faziaó mara-
viíhofos effeycos. O numero ma-
yor das caufas corria diante do
Conferuador das Ordés , que era
então o Bifpo de Angra & das
Ilhas dos Açores Dom Manoel de
Almada. Eitas levavao feu curío
ordinário. Mas o Comendador de
Saõ Ioao,cujas rendas o Arcebif-
po focreftara, procedia com ter¬
mos defcompoftos, &. tão azeda-
mencefcomo eftes Religiofos fe-
tem por mais privilegiados que to
dos, &íeprezaóde menos lofri-
dos) que o Arcebifpo fe determi¬
nou a dar conta ao Papa do que
paflava, & defpois de hua larga
informação das muytas Igrejas
queemíeu Arcebifpado precen-
dião izenção do Ordinário, & do
eftado laftimofo em q as tinhaõ
os que as defrutavão ajunta as
palavras feguintes , que tiramos
da própria carta que achamos ef-
crita em Portuauez.
O
Sendo tantas
as Igrejas tf Benefícios que reconhece
depen dencia de outras cabeças, como
tenho aponta do,feguiafeficar efia Dio
cefi quanto às anfitaçoes hum corpo
tnonfiruofo.Porque cada cabeça defias
pre tendia fer 0 Prelado em feu Bene-
ficio tf fer fenhor do que toca à rvifi-
taçao que he noffa, como dos fruytos
que faófeus.Por onde tanto fao mais
de louuar por ftantos, tf faudaueys
os Decretos do fagrado Concilio, que
12 j
tirão eftes monftros do mundo: em cujo
cumprimento no ou rv fitando todas as
Igrejas .Mas entrando nas quejaôda
admintftraçdo da Religião de S. lodo
de lerujaleyjfirmo a V. Santidade q
0 nao pude fazer [em grande dor de
meu coraçaó.Porque neítes benefícios 3
como atè agora ndo admittido <101 fita-
çoês do Ordinário em uirtude deJeus
pnuilegios, tao pouco cafo Je faz^ do
que pertence ao tulto tf ornato das
Igrejas que fomente a Autoridade do
Santo Concilio pòde dar remedto a tan
to dejcuido , t? negligencia. Ao qual
todauia nao querem confefiar Jogei-
çao nem eftes Religiofos, nem Jeus Co-
Jeruadores. Atèqui faõ palavras da
carca.Por efta,& outras que o Ar¬
cebifpo efcreveo ao Papa, que era
inda Pio quarto, comqué eftava
tão bem acreditado, como parece
das honras que lhe fez em Roma,
lhe mandou S.Sãtidade dous Bre¬
ves de favor extraordinariorhum
para inibir o Confervador da Or¬
dem de S. Ioão,& fe levar a caufa
a Roma nos termos em que cor¬
ria.Da qual faiemos ao diante par
ticular menção, & do fim que te¬
ve.Outro pera poder focreftar as
rendas da Comenda de Poyares,
que também he da mefma Reli¬
gião , & então era de hum Bay-
lio delia. E nao tardou a execu¬
ção. & nella fucedeo hum cafo bé
notave! que a hiftoria em feu lu¬
gar contarà.Entre tanto hia o Ar¬
cebifpo profeguindo fuaviíiiaçao
não
 Livro HL da vida de D. Fr, Bert. dos Áyíart,
não perdendo dia pordeyxar cu-
prido com hum terço das Igre¬
jas do Arcebifpado, como era fua
traça.E como tratava do remedio
das almas, logo confegainteméte
acudiaàs necefsidades.corporaes
dos pobres repartindo por elles
fu as efmotlas como era feu coftu-
rae,& fazendo feus roes (fegundo
atraz tocamosjpera vefiir a hús,
& conhecer a outros. E porque
todos os trabalhos fe juntaftem
em hiía monçaó, naolbe faltavaõ
nefte tempo encontros doutro
genero com fenhores grandes do
Reyno. Erao em matérias de Pa¬
droado. Gozãomuytos fenhores
em Portugal de privilégios anti¬
gos dos Súmos Pontifxces, pollos
quaes tem faculdade de nomea¬
rem miniílros em muitas Igrejas:
nomeados apprefentaõfe aos Pre
lados,& os Prelados faõ obriga¬
dos a aceytallos, como fejão ido-
neos. Mas offerecemfe cada dia
particularidades, que caufão gran
des contendas:huas vezes preten¬
dendo os Padroeyros que todos
feus nomeados íufficientes &in-
fuíficientes fejaò admittidos, co¬
mo heOrdinário quereremos fe¬
nhores fatisfazer o criado com a-
quillo que lhe pode dar fem lem¬
brança da inhabilidade, ou com
iembraça doutros refpeytos, que
não tem lugar nos que fabem.Ou
tras vezes ha contraftes por razao
da poíTe do Padroado? efeurecen-
do a antiguidade dõ tempo os ti ta
los da apprefentação, ou por ou¬
tros inconuenientes. Por húa Sc
outra via ouve queixas & deígo-
ftos aftas entre o Arcebifpo Sc Pa¬
droeyros. Porque quanto à pri-
meyraemavendofaitade fufficié
cia nos apprefentados, era tempo
perdido cuydarfe que os avia de
paftar,por mais valias q acarretaf*
fé.Levantavãolhe logo os queyxo
íos que queria as Igrejas pera ieus
criados, corrião litigios, quiebran-
tavaofe Sc quebrantavaonro até q
o tempo os vinha a deíenganar Sc
acaba vão de entender que nãa
morava no Arcebifpo mais que
zelo fanto fem miftora de cobiça,
porque na hora que avia íogeitos
com as partes que convinhão, ío-
golhes dava fua provizao fem di-
açoés nem extorfoés. No direytc»
dos padroados avia mais trabalha
porque o Arcebifpo de nenhua
maneyra fabia ceder hum ponto
de fua jurdição ou fofle aquirida
por razao de pofle,ou prefcripção,
ou propiedade:como era coufa em
que intervinha qualquer genero
de efcrupulo,não avia força que o
dobrafte.Vinhão cartas delRey &
dos Príncipes, rogos de fenhores
Sc validos, nada o levava. Aviza-
vaono os amigos que era avido
pordeshumano Sc contumàs,&
pouco cortez em querer ufar com
todos o mefíno rigor: aconfelha-
vãono que ao menos com os gran
des
 Arcebifyo de Braga}Primds das Hefpanhas.
ctas fe moítraííe mais tratavel.Cec
rava as orelhas & defpedia a to¬
dos com hua fò repofta: que qué
não queria razão, não merecia fa¬
vor. Éfe acertavão a fentencear-
fe eftas mefmas caufas contra el-
le,nenhum genero de pefadume
íincia, antes fe lhe enxergava cõ-
tentamento notável. Porque co¬
mo fua pretenção nao era funda¬
da em intereíTe, fe não fò na obri¬
gação do officio : alegravafe na a-
legria do proximo, porque a to¬
dos amava, 8c alegravafe por fe
ver juridicamente defcarregado.
E pòde tanto hum procedimento
afsi livre & desintereíTado ate co
os inimigos, na hora que chega a
fer entendido, que achando gran¬
des 8c odiolas demandas lobre
citas matérias cõtinuadas longos
annos por feus anteceííbres, elle
as acabou todas fò com a fatisfa-
çao que de fy dava às partes, 5c
não por melhor litigante. Hú dos
adverfarios mais duros 8c mais
poderofos era o Vifconde de Pon¬
te de Lima,que tem feu eítado no
Arcebifpado: eíte fe lhe rendeo
polos meyos que diífemos, tão de
coração, que não fòmente ficarão
de todo acabadas intricadifsimas
demandas q corrião, mas tinha-
lhe o Vizconde tal refpeito,que fe
acertava acharfe em algum lugar
onde o Arcebifpo vinha vifitar, el
le era o primeiro que fahia ao ca¬
minho a recebello, 6c lhe pedia 8c
126
tomava a bênção com cortezia &
humildade Chriftarm Afsiveyo
a compor outros negocios 8c dif-
ferenças pefadas, em differences
matérias com gente teimofa 8c
deíenfreada. Porque não avia nin
guem tão vencido da payxão,que
tarde ou cedo fe não vieífe a fo-
geitar ao bom termo 8c razão cõ
que o Arcebifpo fc governava em
tudOé
CAPITVLO IX.
Como fe ouue com alguas pef
Joaspoderofas, que achou
em 'vtfitaçdo com-
prendidas,
rS Areceme qqaern
9 com.attenção teverli¬
Mg®
do o que até aqui efcre
vemos da vida q o Ar¬
cebifpo fazia : 8c põderar bem os
cuydados do efpiritu, 8c traba¬
lhos do corpo em que a toda ho*
ra fe ocupava, maisfe efpãtarà de
como podia foffrer cargo tão peia,
do , que da anfia que tinha polo
lançar de fy. Que na verdade po¬
los que com femelháte zelo fe go-
vernão nas Prelacias fe deve enté-
der o que diz o Apollolo. &ui Epif
cupatum defideraty bonum opus defde-
rat. Pois todo o emprego deite
Prelado não fò era em obras fan-
tas 6c boas, mas em obras de tor-
méto
 Limo 111. da vida de D. Fr.Bert Jós ÂLart.
mento &martyrio cótinuo.O efta
do em que o Arcebifpo fe achava
por aquellc tempo em terras & lu
gares de importância > era aver
peccados públicos 8c efcandalo-
íòs:&em peíToas nobres 8c pode-
rofaSjque he o que mayores ma¬
les cauianas Republicas. Porque
o vicio na gete nobre, he vicio po~
íto a cavallo & entronizado, que
em lugar de íer eíiranhado & a-
borrecido,fe faz honrar & refpey
tar, 8c deíle exemplo nace o cftra-
go& perdição de muytos.Que
mayor defconfolaçaò pera olhos
de hum Prelado puro,& honeílif-
íimo, que ver torpezas & deuaíli-
doés não fò defenfreadas, mas au¬
torizadas? Ajuntavafeq muytos
daquelles em queeftas faltavão,
tinhaó hus entendimentos taõca
tivos,&. tão feitos a viver entre el-
las fem pejo nem afco algum, que
erão os primeiros que murmura-
yão da dijigencia que o Arcebifpo
punha polas emendar: & em to¬
das as cafas, em todas as praças,
onde íe juntavão em côverfaçóes
a governar o míído, 8c defgover-
iiar ou infernar fuas almas: o pri¬
meiro (indicado Sc mais agrame-
■te notado era o A'rcebifpo;jà o ca-
• lumniavão de amigo de novida¬
des em querer defarreigar vicios
quefempre ouvera nomundo,a-
pertar &c íinalarfe com os nobres,
curar culpas envelhecidas,& qua-
íi tornadas çõocpftumc em na¬
tureza : \ii poio vituperarem, pu-
nhão no Ceo outros Prelaeos, q
fendo bõs 8c virtuofos difsimufa-
vão muytas: que não era fò mais
fabio & melhor que todos: que
não podia bem governar quénão
fabia difsimular. Daqui paílavao
ao intento de viíitar a cidade 8c
Cabido (que era matéria alterca¬
da jà por todo o reynoj a liberda¬
de c5 que cortava polos Padroa¬
dos, polas Comendas, & Comen¬
dadores, tachavão no de preíun- /
tuofo, altivo, & atrevido. Por ma¬
neira que em tudo o que devia fer
eftimado feu governo pera terem
remedio os males públicos, erat
roydo deílas Arpias fem lhe dei¬
xarem oíTo fao. Não fe efeondia
nada ao Arcebifpo,do que era cõ~
tra fua peíloa não fazia cafo .* o <|
era contra a honra de Deos,& em
dano das almas, ifto fò o affligia
ôc lhe tirava o gofto da vida. Afsi
o moílrou em algus cafos que ire¬
mos cotando: em parte dosquaes
não achamos (inalado lugar nem;
tempo certo nas memórias q nos
vierão à mão, fendo os fuceílos
cercifsimos: & creyo devia fer a
caufa, porque no tempo que fe
apontavão, como erão aconteci¬
dos de frefeo, 8c avia refpeito em
não nomear as partes,temiafepo;£
ventura que também polas cir-
cuílancias de lugar 8c tempo fc
vicíTera a collegir as peíToas.Con-
ftpillhe andando em vilicação que
era
 ArcebiftodeB raga3 Primas das Hefpanhas,
cm certo lugar avia hum home
nobre de fangue,rico & podero-
fo de fazenda,que de moytos an-
rios atras não fazia vida com fua
molher, Sc ellava em mào eílado
com outra a olhos Sc face do mu¬
do: Sc ao deíâforamenco da vida
ajuntava hua foberba Luciferina
Sc prezarfe de forças Sc esforço:
de maoeyra q não temia a Deos,
Sc era temido de todos. De viíita-
cloresnaõ fazia cafo5&os Arce-
bifpos paliados nunca lhe pudè-
rao achar remedio. A elde tal man
dou o A rcebifpo chamar a fua ca¬
ía, & lhe fez hua pratica com ra¬
zões tão pefadas Sc palavras tão
afperas que pareceo que as eftu-
dara como antidoto compoito de
brio Sc valor contra a foberba,
valentia.afeoulhe ò efcandalo de
tantos annos,o fedor da culpa,em
cjue jazia fem fe ííntir mais como
falvagem, que home racionaha
afronta que fazia a feu fangue,o
perigofo eftado em que eftava;
por remate lançando fogo de ze¬
lo pollos olhos Sc por todooro-
fío mandoulhe fopena de efeomu
nhao mayor, que dentro de tem¬
po certo,que logo lhe limitou,lan-
çaíTe fora a mà converfaçao,
trocaíle a vida, com apercebimen
to que fe o não fazia, nem o avia
de aíTolver,nem confintir que fof
fe admittido aos officios Divinos
em nenhtia Igreja do Arcebifpa-
do: Sc então (acrecentouj) vivireis
/ 2?
de todo como herege, ou como
Mouro. Fez o Arpebifpo feu of-
ficio fallando. Quiz Deos pro¬
var fe o fazia taõ bem ouvindo.
Ouvefe o valente por afronta¬
do,nao ío por reprendido: vazou-
fe em palavras íoltas Sc defeom-
poíhs contra o Prelado, Sc fahio-
fe polia porta fòra furiofo, Sc ar¬
dendo de braveza , mefíurando
queixas com ameaças:que nãofa-
tisfaria com menos ao pouco ref-
peitoque a fua peíToa Sc calida-
de tevera, que cõ lhe tirar a vida.
Ouviao o A rcebifpo, Sc offerecia
a Deos o que ouvia,em facrsficio
não fò por fy: mas muyto mais
cordialmente pollo mefmo furio¬
fo, avendo delle grande laftima
Sc em feu coração, E que não acaba¬
ria hum tal facrificio ? Muytos e~
xemplos temos de quanto Deos
eíbma orações por enemigos Sc
perfíguidores.Efta ceve tal poder,
que não paííaraõ muytos dias,
Sc que efte temerofo leão fc veyo aos
pès do Atcebifpo feyto hum cor-
deyro pedindo com verdadeyra
humildade perdão de fuas culpas,
Sc pondofe em fuas maõs rendido
& pronto pera tudo o que lhe
Sc qaizeííe mandar. O Arcebifpo
orscebeocom entranhas depay
abraçou o,fezlhe fefta como a ou¬
tro Prodigo,&com bua leve pe¬
nitencia o aífolveo. Cantemos
eternamente as Mifericordias do
Senhor, Paliado pouco tempo fu-
Y cedeo
 Liuro III. da vida de D. Fr.Bert.dos Afart.
cedeoque tendo cumprido pun-
tualmente fua ^penitencia veyo a
adoecer, & faleceo,recebidas pri¬
meiro todos os Sacramentos da
Igreja com muyta devação Sela-
grimas, & com grandes íinays de
predeftinaçao. Quaíi femelhan-
te a efte foy outro cafo que lhe a-
conteceo com hum fidalgo do
Confelho delRey , homem illu-
jftre, & rico. Achou ocompren-
didona vifitaçao. Deu traça co¬
rno vieffe a fua prefença. Como
eftiverãofòsperguntoulhe como
fe chamava: refpondeo,quefoão
da Sylva (tinha o Arcebifpo co-
lbrae deufar derivações^ devia
fer o nome Gaífão, ou Triílão,
ou femelhante: &c diffelhe com
muyta feveridade,Cabrão da Syl-
va vos chamarey eu, que nao me¬
recem outro nome voíTas obras,
&adevafsidão com queviveys:
ingrato a Deos, que vos deu no¬
t yWgr
■M
me,renda,&. honra: & hua ma¬
trona tão fantapormolher,que
fe nao forão fuas orações, já efti-
vereis nas profundezas do infer¬
no. Onde eftà o entendimento?
Vlo fer & autoridade de fidalgo?
Qnefejaes hua infamiade toda
eíia Comarca : & não entendaes
o eílado em que eftais ? Que paf-
fe hum anno , & outro anno, &
nao tenhaes refpeito a Deos, & a
voífo Prelado , pera entrardes hu
dia em vòs ? Não fabeis vòs, que
fe eu efcrever duas regras a elRey
fobre voífos defconcertos, que fe-
reis duramente caftigado, & fica¬
reis inhabifpera nunca emvoíía
vida terdes lugar diante delle?Sirt-
tioo o Arcebifpo penetrado, 6c
compungido, porque o fembran-
te dava certos penhores do que
lhe paílava na alma: mudou os
termos, deceoa confelhos, & pa¬
lavras brandas & fentenciofas.
Acabou de o render de maneira,
que fe lhe arremeíTou aos pès, ôc
com o roílo banhado em lagri¬
mas lhe pedio que como jpay per-
doaífe feus erros, & cormo medi¬
co curaííe fua alma:que a dor que
nella fintia dava por fiança da e-
menda. O Arcebifpo o levou nos
braços, & com muyta cortezia &
amor o defpedio fem outra peni¬
tencia. E a vida que daquella ho¬
ra em diante fez o bom fidalgo
foy tanto outra, que teífimunhou
bem afòrça das palavaras do Ar¬
cebifpo , ôc a virtude da Divina
graça.
CAPITVLO X.
Como fe ouue com algusmini-
niflros da Iufliça fecular
em cafos de vifitaçao,
immumdade
da Igreja.
Iuyzes
/
<><
 Arcebifyode Bragdi 'Primas âas Uefpdnhasl
75?a§ V y z e s de Fòra faõ
?È3 minifiros q elRey põe
Has mayores Scdc
tàtettffcfâí mUyto pOVO pera bom
expediente da jultiça. O nome de
Fòra paffa jà em titulo, dado c<ue
nos princípios foy fó pera fe difife-
rençarem dos juyzes Ordinários
das vilias pequenas, Sc de menos
calidade: nas quaes faõ eleitos do
corpo do povo, Sc polo mefmo po
vo. Eftes fâóidiotas, Sc annuaes,
fervem fm eftipendio preíènte,
Sc fem efperança de prémio futu¬
ro. Vivem livres da fogeicão de re
fidencia particular, mas náo de
caftigo , fe faõ com prendidos em
culpa. Os de Fòra faõ letrados, o
ferviço be trienal, levao falario da
fazenda real, &vão fobindo a car¬
gos mayores ,'fegundo a calidade
do ferviço, & a conta q dão he em
reíidencia eílreita que fé ihes to¬
ma por minift-ros fuperiores. Ea-
contece chegaré por feus degraos
Sc merecimentos aos mayores of-
ficiosqueno reyno eítão deputa¬
dos pera eíle genero de letras.Vi-
íitandoo Arcebifpo húa villa das
cjue fe governao por effces mini-
fíros de Fòra, achoti que publica-
mente vivia mal o que aly afsiftia,
Sc com tanto defpejo Sc liberda¬
de, que a juftiça das partes pendia
do arbitrio , de quem lhe trazia o
juyzo, Sc alma infernada, &vi-
phaafer governada a terra per
12$
húa molher infame. Como ã
quem tal fazia, afsi o tratou o Ar¬
cebifpo. Mandou o notificar que
apareceffe diante delle, Sc como
o teve prefente diiFelhe com voz
&rofto crimef palavras formaes.)
Vòs fois hum grande ladrão. Não
ouvira em íiia vida o luyz pala¬
vra femelhante (que as verda¬
des poucas vezes fe dizem , Sc
menos vezes íc ouvem) ficou at-
tonito Sc corrido: Sc diífe ao Ar¬
cebifpo, que devia olhar que af-
frontava hum miniftro delRey,
&official publico de juftiça. Eu
vos provarey, tornou o Arcebif¬
po , que fois ladrão publico da
juítiça: vòs eftaes publicamentc
amancebado com fbam, que ni-
fto não ha duvida, que me confta
Juridicamente por autos, Sc di¬
tos de tefíemunbas conteftes ôc
legaes: & quem ha miíter algúa
coufadevòs, &devoífo officio
boa,ou mà: jufta, ou injuíla com
dia fe negocea „ Sc vòs afsinaes
o que ella manda, Sc afsi roubaes
a juftiça às partes :& ifto he fer la¬
drão. Apoz efta confequencia car¬
regou lhe a mão com húa grave re
prenfaõjlembrandolhede cami¬
nho qUeabriífe os olhos porqfua
vida &remedio não depédia mais
q cfe fazer bé feu officio.No q íbe
quiz fignificar(oq foi grade parte
da emenda) que avifaria a elRey:
Sc pouco baítava em femelhante
Y 2, matéria
 Lturo III. da vida de D. Fr« Bert.dos Marti
matéria pera logo fer excluído do o Arcebifpo foy fabedordo qile
ferviço Real, & por confeguince paífava, deixou tudo o que fazia
ficar perdido. Mas pera fazer de em aberto, & pofio a caminho
todo a cura perfeita, mandou lo¬ nao cerre mais deprtífa o paftor
go lançar da villa a miíeravel roo- àrova do lobo quelltefalteouo
lher:& o juiz tornou fobre fy. An curral,do que elle apertou o paf-
dava o Arcebifpo ocupado nelta fo,& atropellcu as egoas que a-
vifitação, que polo que podemos via em meyo que não eraõ pou¬
colligir, era ainda no diftri&o das cas. Chegando â villa devaíTou do
terras que chamao de Trallos cafo judicialmente, & tanto que
montes, quando foy avifado que lhe confiou da verdade manda jú«
na villa de Chaves o Ouvidor del tar todo o clero Sc Cruzes da ter¬
la entrara violentamente emhúa ra, ordtr a búa pree fia6. as Cru¬
Igreja,& tirara delia à força hum zes cubettas de negro, Sk o clero
delinquente (tem r.oroe de Ou¬ entcãdo em vczbaxa &, íintidao
vidores os miniftros de juftiça Pfalmo. Çhttare fremuerunt gmtts
mayores,que os fenhoresparti¬ elle no couce,& manda guiar
culares poem nas terras de feus pera a Igrt ja violada. A novidade
eftados,) E foy o cafo que o Ouvi¬ da procilLõ, oefpeélacullo de cri*
dor defta villa quiz prender hum fteza fez teror no povo, dcfpejoa
omiziado em fragrante delito, ef- as cafas,Ieuou apoz fi toda a terra.
capoulhe por pès meteofe na Igre Sobioíèo Arcebifpo no púlpito,
ja. O Ouvidor que lhe bia no al- fez húa prègaçaó ao projpoíito de
canfe defatinado com a payxáo palavras Sc fentenças cheyas de
de o ver pofto em falvo, & do cri¬ fintimento, Sc immediatamente
me que deixava cometido,achãn- fulminou fentéça de efeomunhão
do jà a Igreja fechada, manda vir mayor contra o Ouvidor decla¬
machados: elle por fua mão, por¬ ra ndoo por publico efcoroúgado.
que n ao ouve outrem que fe atre- E no meíroo dia deípachcu man¬
veífe, fere nas portas fagradas dados por todo o Arcebifpado,
(6c ceífaõ corifcos: quantos defa- que não foíTe admittido aos of-
tinos nos íofreis bom Deos/Jfen¬ ficios divinos em nenbúa Igre¬
de, racha, arromba,& entra den¬ ja nemmolteyro. E porque tar¬
tro , defaferra dos altares o delin¬ dava em tornar o prefo ã Igreja,
quente,levao prefo, & lançao car¬ aggravou as cenfuras, &poz in¬
regado de ferros no fundo da ca- terdito. Aqui não ouve roais dila¬
dea publica. Na mefnja hora que ção , tornáraõ o prefo, Sc o Ouvi¬
dor
 Arcebifpo de Braga, Primas das Hefpanhas. 129
dor coma Catiholico Chriftão
pedia com humildade perdão, Sc CAPITVLO XI.
licença pera fer aííoko & reconci¬
liado affirmando que zelo de jufti Recolhefeo Arcebifpo pera Bra
ça,& náo defprezo da Igreja o fi¬ ga. Daf? conta do em que en~
zera atrevido. A deículpa era ver¬
dadeira: mas como o cafo foy pu¬ tendeo ate 0 fim defean-
blico , & efcandaíofo, cuftoulhe no: do que pajfou
entre outras penitencias Sc con¬ cohua dignidade
denações que teve, eftar hum Do da Se a nojte
mingo toda amanham em quan¬ de Na¬
to durarão os offícios divinos cõ tal.
o machado ãs coftas com que fez
o Iníuito , Sc com a cabeça defcu- Ra fim de Outubro*
berta à porta da mefma Igreja q mm tinha o Arcebifpo tra¬
violara. Neftes contraíies de jur- Ej balhado muyto, & en¬
diçao com as joftiças,& miniftror trava o tempo riguro-
feculares tinha o Arcebifpo húa fo de agoas Sc frio. Quiz efte an-
liberdade verdadeiramente Apo- no recolherfe pera a cidade roais
ftoiica,& efcrevia cartas gravifsi- cedo,por fera primeira viííta def-
tnasaelRey^ aosCÕfeihos :pe- pois do Concilio. Veyo apearfe fe-
ra o que tinha efpecial talento, Sc gnndo feu coftume antigo ao mo-
a refoíuçao de todas era, qneou iteiro de São Frudmofo da Ordé
S. Alteza lhe deixaíle confervar de S. Francifco. Dali defpedio to¬
inteiramente a imtnunidade Ec- da a companhia, Sc criados que
clefíaftica, que em fua confagra- fe foliem defcançar de tantos dias
fão com folene juramento prome de caminho , que o avião bem
tera guardar:; ou proveííe o Ar- rriilter. Elle fícoufe fò pera fe re¬
cebifpadoem outré, porque def- fazer também * nao do trabalho
delogo lhe fazia livre renuncia¬ corporal, que efte lhe não lem¬
rão delíe. Era muy notorio que a- brava, mas do que julgava ter per
quelía izençao de palavras deter¬ dido das delicias do efpirito com
minadas Sc fecas fahia de hú pei¬ a ocupação continua dos nego¬
to pio Sc religiofo, & nada akivó: cies.Então fe tomava conta das
defirialbe elRey com muyta brã- noy tes que fe lhe paftárão fera to¬
dtlra cratandoo feroprecom hon¬ mar diciplina polo cencuríò da
ra Sc cortezia,& não lhe negando gente Sc eftreyteza dos gafalha-
coufa de quantas lhe pedia, dos , Sc pagavafe íargamenee
y5 com
 Livro 11L da vida de D. Fr. Bert»dos Mart.
com penitencias dobradas.Gafta-
va em oração muytas horas, po-
lascjuenão pudera nella empre¬
gar com a fadigados caminhos.
De forre que quando dava licença
aos feus pera le recrearem, fò a iy
fe tinha por indigno de deícanço.
Senão he que os varões perfeitos
então perdem o íintimento dos
trabalhos, quando fe vem cerca¬
dos de íintimentos do efpirito, q
eftes desfazem aquelle, & faõ co¬
mo hua viração frcfca & fuave
em dia calmoío,& afogueado.Paf
fados algus dias entrou na cidade,
onde primeiro que tudo quizver
os feus encomendados,filhos dos
penedos de Barrozo, hofpedes de
íua cala. Achou hum enxame de
moçozinhos bemveftidcs & fei¬
tos eftudantes,& não deíayrofos,
ji com geito Sc cores de Corte.
Aiegrouíè grandemente vendo a
boapranta que tinha junta pera
paliar ao Seminário, como o edi¬
fício eftivefíe enxuto, Sc em efta-
do de fe poder habitar. Polos fi¬
lhos fe lembrou dos pays & pa¬
rentes pobres, que trazia em rol,
Sc tratou logo com o Padre frey
IoãodeLeyria de mandar pano
por todas as Igrejas que deixava
viíitadas pera ficarem cubertos
os mais necefsitados pera o Inver¬
no: que efte coilume de mandar
oveftiaotras avifita não perdeo
nunca, como fica apontado no q
temos efcrito. Nélho perturbou
hua grande multidão de requeri¬
mentos que o efperavão de todos
os Comendadores, Collegios Sc
Mofteyros, cujas Igrejas vifitàra,
que fe hião multiplicando fegun-
do os termos Sc eftilos dos Iuyzos
õde fe litigava:& eftes efpertavaõ
Sc davão amrno ao Cabido pera
com mais força inftar nos feus.En
trouo (Aduento começou a con¬
tinuar o cíficio da pregação com
tanta afsitiencia Sc. cuydado, co¬
mo fe eftivera defaffom Brado de
toda outra ocupaçaõ.E mão dei¬
xava por ifto de acudir a codas as
particularidades do governo pu-
blico.Porque como tinhalido tan
tos annos,& era muyto vifto nos
Padres.cuftavalhe pouco o traba¬
lho do púlpito, inda que foífe en¬
tre gente muy aguda & aparelha
da a tachar, qual entaõ eftava to¬
do genero de ouvinte que entrava
na Sè:que poucos Sc muy conta¬
dos erão os que naõ tinhão por
própria a caufa que corria fobre a
viíitaçãodacidadennda quefbftc
dos mais pios Sc mais religiofos.
Dana eftamagos todo litígio, Sc
cria mi voutade nos litigantes (q
efteheofruyto primeyrodas de
mãdas.) Facil he de crer, que não
feria o Arcebifpo ouvido de todos
com gofto:& muyto menos dos
que teveftem as confciencias infi¬
cionadas de algua doença das que
coftumão fahir em viíitacão.Que
a eftes caes como naõ duvidavaõ
eftarem
 Arcebifyo de Braga, Primas das Hejpanhasl V30
eftarem patentes ao Arcebifpo de noífa Redenção de mil 8c qui- j
ílias vidas, cada palavra do pal¬ nhétos feféta 8c finco étrava o Ar 5 6 5»
pito devia fer hua feta de fogo cebifpo no thefouro da Sé pera fe
pregada no coração. Porque aísi reveftir & dizer Miífa é Pôtifical:
co mo aos que padecem enfermi¬ vio q começava a fazer o mefmo
dade de dores,qualquer rumor q pera cãtar o Evãgelbo em fua cõ-
fe faça na cafa,inda que longe del panhia hua das Dignidades aqué
les,lhes agrava ador:a palmada q tocava.-chegoufe a eile o Arcebif-
fe dà na mefa ou na cadeyra, o ca- po,& diííelhe à orelha q efcufaf-
vallo que paífa polia rua , tudo fe o reveíhrfe, que cumpria não
lhes caufanouo fintimento, 8c af- hir aquella noyte ao Altar. Quei¬
figricao, comofe realmente cada mou fe logo , 8c levantou a voz
coufa da quellas cahira fobre o Ia perguntando que razão podia a-
gar lefornem mais nem menos a Ver pera eíle perder o lugar 8c ho¬
contece a hua confciencia que an ra que de direyto lhe pertencia. O
da cativa da culpa. Mas o Arce¬ Arcebifpo com muyto repoufo:
bifpo era tão prudente & fabia arazãojrefpondeo^mguerrj me¬
taõbemvfar dofanto minifterio lhor que vòs a fabe.Aqui fe acea®
da prégaçaõ,que ainda que tinha deo em queyxas,& formou agra¬
noticia de tudo o que paífava na vos, dizendo que pois era afron¬
cidade, nunca pregava particular¬ tado em publico,tiraria eftromen-
mente contra ninguém, porque tos da força, 8c requereria fua ju-
procurava aproveitar, não efcan- ftiça. Replicou o Arcebifpo que
dalizar,ganhar almas,não endure dilío podia fazer o q lhe parecef-
cellas:que he ofim do pregador ze fe, como não trataíTe de fobir em
iofo.Os vicios públicos reprendia fua companhia ao Altar. Tornou
em gèral,& fempre com tanta ve- fobre fiopadre,moderou alingoa-
hemencia, que não era d efpantar gem/ez novas inftanaas, 8c apor
quem fe íintia comprendido em fiou , por ver fe podia falvar o de-
algum, tomar a reprenfaõ por fy, far de o fizerem depòr os ornamé
8c ainda temer que feria o Arce¬ tos fagrados qUe começara a ve-
bifpo facil em decer a remedios ftir.Foy por demais, que o Arce¬
pefados 8c defacoílnmados , fé bifpo não fe deyxava levar facil¬
não aproveytaíTem aquelles bran mente. Pediolhe entaõ licença pe¬
dos 8c ordinários, como logo vi¬ ra o mandar citar, & tratar de feu
rão por experiencia, 8c em peíToa direyto.E fahiofe corrido 8c ardé-
deaífaz autoridade. Na noyte de do emrayva. E nãofoy menos a
Natal que dava principioao anno de todos os que comavão mal as
vifi-
 Liuro III. da vida âe D. Vr.Bert.dos Aíart.
vifitaçoes da cidade, vedo cal frui-
to da primeira. Fora eíle Preben¬
dado comprendido na vifitação
que o Arcebifpo(como diííemos)
fez na cidade. Acudiralhe com os
meyos devidos à calidade da pef-
foa, 8c neceííariosà eméda.Quã-
do tornou de fòra foube que não
forão de effeito: antes tinha a oca-
íião do mal de portas a dentro, 8c
vivia com a me fina liberdade que
dantes. Iulgou que convinhao re¬
médios mais violétos,& o dia não
era pera difsírnular culpa taofea.
Não foy lerdo o queixofo em ti¬
ra rfua carta citatoria do defiem-
bargodoPaço. Citou oArcebif-
po pera diante dos Corregedores
da Corte, 8c corria a caufa em Lif
boa. Entretanto o Arcebifpo co¬
mo fua tenção era remediar o fub
dito, & não publicar por audiên¬
cias fuas culpas, conftandoíhe q
todavia duravao fem embargo de
reprenfaÒ tão publica, determi¬
nou abreviar acura por termos
mais poderofos. Toma papel 8c
tinta, efcreve a elRey tudo o que
palíava, & era paliado, pedindo
em conclufaõ que S. Alteza foífe
fervido de mandar hira Braga o
Corregedor de Ponte de Lima,
pera lhe tirar da cidade quem era
occaliao da queixa, 8c doefcan-
dalo. Não paliarão muytos dias,
quando aparece em Braga o Cor¬
regedor com ordem delRey pera
feguir a que o Arcebifpo lhe def-
fe. E advirtido do qne avia de fa¬
zer ufou tal manha & difsimula-
ção, que defpois de eflar muytos
dias na cidade, em fim <ouve às
mãos aElena defta guerra, 8c a-
prendeo,& fez levar dahi muytas
legoas notificada com graves pe¬
nas que nem tornaíle a Braga, né
do lugar em que ficava fahiííe.Fei
ta eíla diligencia mandou o Arce¬
bifpo efcre ver aLnys Guerrafeu
Agente em Lisboa, que não acu-
dille mais á demanda, antes fe dei
xaile vencer 8c pagaííeas cuftas.
Bem pudéramos nomear a peííoa
polo valor Sc honra da enenda.
Porque cahio tão bem na conta
do muy to que devia por eíla cura
ao Arcebifpo, que nunca defpois
lhe fahia de cafa. E porque não
ropamos ao diante o fio da hifto-
ria tornando a eíla matéria fera
bem dizermos logo como proce-
deo no reílante da vida.Afsi ficou
eíle homem reconhecido da mer-
ce que Deos lhe fizera polas mãos
de feu Prelado, como quem rece¬
bera vifta eílando cego, & vida
eífando morto.E tãto lhe durou
o agradecimento, & lembrança,q
quando muytos annos defpois
foube que largando o Arcebifpa-
dofe recolhia em Viana, foy dos
primeiros que o forão bufcar à-
quella villa , & offerecêdoihefua
peííoa 8c fazéda,dezia,8c não fem
lagrimas, qne pouco faria em dar
a fazenda a quem labia que devia
a alma
 Arcebifpo de B raga3 Primas das Hefpanhas. tjt
a alma. PaíTiios al25s dias fuce- reza/fornarão lo go a acudir pro
deo adoecer gravemente, Sc da teftos,& requerimentos do Cabi-
doença perder a vifta.Inda afsi ce¬ dorrefpOKideo, como coftumava,
go fe meteo em huas andas, Sc tor fuàvemente, & foy continuando
noa avifitar o Arcebifpo , affir- com fua conftacia.PaíTada a Qua
mando que não tinha mais alivio refina que ocupou nos exercícios
nascrevasem que vivia, que em Públicos de fua obrigação & co-
quanto com elle falia va. Coufola- lume: Sc com os de Oração &
vaoo Arcebifpo com aquellafua penitencias continuas,como acras
grande caridade,confiderando,&. contamos; deixou a cidade,comó
engrandecendo os confelhos in- fe fora pera elie eftancia de ociofi-
compreheníiveis da providencia dade : Sc tornou a continuar pef-
Divina em cómunícar tanta luz a foalmente a vifitação do Arcebif-
hua alma, a quem tirava de todo ado. Temos nella hum fuceílo
a corporal: Sc defpedia o anima¬ em eftravagante, Sc tal como os
do pera fintir menos efta , Sc a- que feefcrevem dos mais abaliza¬
diantar na outra. dos Santos antigos. Tomàra eii
ter tanto efpirito que lhe foubera
CAPITVLO XII. dar a luz q merece. A mayor cir-
cuftancia que delle temos he que
Vifita 0 Arcebifpofegunda <ve& foy no lugar de Parada termo da
a cidade de Braga. T orna d villa de Murfa. Vificando aqui foa
'vifitaçao de fora. Contaje
be juridicamente, que o hofpede
Vigário do lugar, em cuja cafa e-
como remedeou algus ftava apoíèntado,tinha mao trato
culpados. Com Certa molher,de que jà avia
efcandalo. Não curáoos médicos
N t r o v o anno de fempre de hua mefma mãneira,
15^5-
M tlff feféta Sc finco cõ mais nem com hua fò medicina todas
Ú
H efta demanda fohre tã- as doenças. Porque he neceíTario
tas outras, Sc com no¬ variar as curas conforme a varie¬
vos contraftes Sc fuceífos, com q dade dos fogeitos. E aqui como
o Senhor hia apurando o valor de em hofpede Sc bem feitor reque-
feu fervo. Mas nenhum foy parte íiafe húa de mais artificio Sc que
pera que fe efqueceííe da vifita- laftimaflemenos, mas que foífe
ção da cidade,a qual começou, co efficaz.Cuydou a o Arcebifpo,&
mo foy tempo, fazendo primeiro parecendoíhe que a tinha achada
2l de fua familia com muyca intei- não na quiz dilatar. Quando, fe
' quiz
 Lfatrôlll.da
<qni2 recolher diífe ao cíerigo, cjue
como todos cftiveífem recolhidos
Sc a cafa quieta foífe ao feu apo-
fenco que tinha que fallar com el-
le.Ficou o pobre homé alfombra*
»do,& como a conciência o argu*
hia,o menos que temia era prizao»
Mas como jànão avia efeapar, a-
mmouíe & obedcceo. Era alta
ooyce, adiou o Arcebifpo com a
capa cuberta, pareceolhe novida¬
de., 8c mayor quando vio defpois
de entrado que o Arcebifpo cer¬
rava por fu a maõ a porta, &c o
mandava aífentar. Eftando afsi
todo embaraçado com o queeí-
perava Sc temia: fe não quando o
Arcebifpo deyxa cahir a capa, Sc
ficando nu da cinta pera cima,
lançafe de joelhos diante do hof-
pede, 8c começa a ferirfe com
cruéis 8c ddpiadados açoutes de
húa groífa diciplina.Eftava o ho-
mé tao fòra de fy à vifta daquel-
le cfpedaculo, como fe totalmen¬
te o defem pararão todas as o-
peraçoés de corpo 8c alma. Sem
movimento, Sc fem confelho&
fem fefaber determinar no que
fari a eftava pafmado no quç via.
Entre tantofoy ofanto Prelado
continuando a difeiplina acompa
nhada de dous rios de lagrimas:
defpois que gaftou nella hubom
efpaço levanta os olhos, 8c com
as maõs juntas 8c a efficacia que
fe pòde entender de tal portura
pedelhe que emende a vida, & a-
Fr. Be)f. dos Mm.
talhe a infamia, 8c que em prin¬
cipio de paga do muyto que a
Dccs tinha oífendido Iheoífere-
cia por elle aquelles açoutes Sc la
grimas que via.Muy de pedra fo¬
ra quem fe não movera com tal
obra Sc taes palavras. Entrou em
fy,8c he bom argumento de que
recebeo inteira faude, fabermos
que foy elle o publicador da cu-
ra(que da boca do medico claro
eílà qne nunca apuderamos fa-
ber) & ninguém gaba a Fiíica,
fe não quem delia fintio proueito.
Dífferentefoy aque o Arcebifpo
vfou cambem defta vez. com ou¬
tro facerdote, em doença feme-
Ihante,mas mais antiga: & todá
via com bom effey to. PaflTava de
hum lugar pera outro hú dia pol¬
ia manham cedo: offereceíelbe à
vifta hum minino que com muy-
ta preífa 8c afadigado pollo mci¬
rno caminho q elle leuava, vinha
caminhando contra o lugar de q
acabava de fahir. Não iey que
notou, ou que podia notar nelíe:
chama o, perguntalhepera onde
vay tão de manham Sc afsi apref-
furado: refpondendo que pera o
lugar qne aparecia,donde eile fa-
hira, fegundou o Arcebifpo per¬
guntando, que hia lã fazer, ou buf
car.Refponde que o mandava feu
pay, porque foubera que hia o
Arcebifpo vifitar a quella manha
perguntando quem era o pay:
não fotfbe a inocência acautelaríe
* nem
 Arcebijbo de B raga? Primas das Hejpanhas.
nem efconder nada,declarou fim-
plefmence o noms,& e liado. D5-
de ficou entendido 8c defcuberto
fero Abbade damefma Igreja 8c
lugar pera onde hião.Quem pe-
far bem efte fuceíTo 8c muycos
outros do Arcebifpo,achara em to
dos tato do Ceo,que temo fazer-
moslhe agravo, fe os dermos por
acontecidos a cafo. E afsi me per-
fuado que concorria Deos cò elle,
pera ihe facilitar os meyos nas o-
bras que fazia: vifto como nenhúa
outra teçao o levava a ellas,fe não
a gloria 8c hòra do mefmo Deos.
Quem fe lembrar o que conta¬
mos,do defcuydo com que o Ar-
cebifpo caminhava de todas as
coufas da terra com os olhos, &
mete fempre arrebatada no Ceo,
de nenhua maneira poderá ter
por acidente deterfe em pergun¬
tas & reportas com hum minino.
Era o Arcebifpo manrtfsimo por
condição natural, & muito mais
por habito de virtude:nãç> chega¬
va a remedios violétos fenão mui¬
to forçado .* 8c fe pera acudir a to¬
dos os males ouvera por baftante
meyo padecer elle fò, bem fe dei¬
xa entender do cafo paliado q lhe
fora muito facil.Porq a fua oração
os jejus 8c penitencias de Braga,
Sc S. Fru<ftuofo,que temos conta¬
do,^ outro fim lhe podemos dar,
fe não fer tudo cortar por fy, pera
que os fubditos compofeftem as
almas ôc confciencias de maneira, •
132
que lhe não forte necertario cor¬
tar por elles ? AíTi lhe deparou
Deos efte inocentinho pera que
pudeffe íalvar o pay fem afpere-
za.Como oouvio mandou a hum
capelíão que o tomaffe nas ancas,
Sc profeguio feu caminho. Che¬
gando ao lugar foyfe apear à Igre
j a. Efperavao o Abbade nella, fae
a recebello. Não tardou o Arce¬
bifpo no que convinha. Moftrou-
Ihe o minino , 8c perguntoulhe
fe o conhecia. Ficou o pobre ho¬
mem fem cor no rofto, nem fan-
gue nas veas, que todo acudio ao
coração com o fobrefako de ver o
filho em companhia do Arcebif¬
po, & de confufo 8c corrido ficou
mudo. Tomou a mão o Arcebif¬
po,& diftelhe: jà que fois pay in-
finayo bem, 8c fabeilhe dar vida,
Sc não oftedais mais a Deos. Não
lhe deu mais reprenfaõ, nem ou¬
tro caftigo, nem foy necertario: q
efte com fer leve obrou baftante-
mente,ou por fer publico, ou pola
virtude de quem o deu. Em outro
lugar foube que certa molher vi¬
via mal, 8c confiderando q meyo
teria pera a reprender fem efcan-
dalo do marido, mandou vir am¬
bos ante fy,&diffe ao marido.Sou
informado que dais mà vida a vof
fa molher, &que a trataes afpe-
ramente contra o que deveis ás
leys do fanto Matrimonio. Man¬
dei chamar a ella pera faber fe me
fallàrão verdade,k a vps pera vos
lembrar
 Liuvo III. da <vida de D. Fr. Bert.dos Mart.
lembrar a obrigação que tendes
de viver em paz, & em ferviço de
Deos. E chamando a molher a
parte; ando, difte,bufcando invé-
ções pera vos avifar & obrigar q
emendeis voíTa mà vida, antes q
a ira de Deos caya íbbre vòs.Eme
dai vos, não tardeis, porque não
venhaes a perder corpo Sc alma
juntamente.
CAPITVLO XIII.
Como fe aula emcafosque nao
admutiao remeâio publico;
& do íneyoque deu fera a
reformação que uefie
tempo fe começou
da Õrdede S.
Beto.
Ék O M aoccaíião do ca»
§||f|§ fo ultimo do capitulo
precedente, ficamos o-
brigadosa dizer algua
coufa da grande afflição q o Ar-
cebifpo padecia neftas vificações
empeçando cada hora em caíbs q
o chegàvao a eftado de Te não fa-
ber dar a confelho, hora pola ca-
lidade dos cafos,hora pola calida-
de das peíToas denudadas: Sc ou¬
tras vezes por defeito de prova
comindicios muyurgentes.Eco
fer tao letrado,como íãbemos, Sc
andar acompanhado nas vifitas,
dehomes de grande erudição Sc
prudência, com quem fe aconfe-
íhâva Sc defpachava,alguas vezes
fc achava metido em hum labi¬
rinto de perplexidades, em que
não tinha outro remedio fenão
defabafar com Deos em gemidos
Sc lagrimas fofpirando polia fua
quietação antiga, Sc pedindolhe
de todo o coração o aíiviaífe algíi
dia do pczo da prelacia. Por hua
parte parecialhe q devia mais âs
leis de caridade como pay, que ãs
de juíliça como juyz. Por outra
fintiafe obrigado a remetdear os
males: logo fe achava cõ as mãos
atadas da natureza delles. Porque
algíís erão de calidade, que nem
como proximo podia avifar, nem
como pay reprender, nern como
juyz caftigar. E quando lherohia
as entranhas o zelo da honra de
Deos obrigandoo a defébainhar a
efpada do mayor rigorrfazia o an¬
teparar com muy ta prudencia,«Sc
cauteíia a honra Sc fama das par¬
tes. Entalado neftes apertos can-
fava o juyzo por inventar mcyos
Sc traças acomodadas pera reme¬
diar os males,falvar as almas, fem
queixa fundada da parte dos fub-
ditos,nem falta de fua obrigação.
E conforme aos tempos,& acali-
dade dos males,& eftado das pe£
foas,afsi feguia, ou trocava os ca¬
minhos não faltando em nada do
que feu cfpirito lhe diófcava por
neceíTario, nem largando nenhíí
necefsitado por deíefperado, Sc
incu-
 Arcebifyo de Braga, Primas das Hefpanhas. *33
incurável que parecefte. Valiafe Ihante a efte fucedeo algus annos
muyto de dar aviíos fecretos, 8c defpois pregando o Arcebifpo na
por terceiras peííoas coni rodeos cidade do Porto, que a hiftoria
Sc reíguardo, 8c fazia fruyto.Mas contara em feu lugar: o qual mui¬
quando não baftavão, não def- ta gente julgou por milagrofo. E
confiava, remiccia muytas coufas não fe pòde duvidar que afsifte
à força da palavra divina,acomo¬ Deos aos que em palavra 8c obra
dando fuas pregações à nature¬ faõ pregadores Apoftolicos , 8c
za dos ouvintes, & os conceitos lhes communica o que hao de di¬
delias àealidade das culpas que zer 8c pregar. Que fe por fua bo¬
avia.E dando doutrina em comú- ca adviruo aos difcipulos, que fe
penetrava os corações dos culpa¬ não canfaftem em fazer difcur-
dos tanto ao vivo, que era coufa fos fobre o que refponderião,quã-
certa, 8c averiguada que fe apar- do fe achaftem diante dos tira¬
tavão muytos por efte meyo, dos nos : que mais cruéis tiranos das
peccados. Taes palavras lhe vidas & almas humanas que os
punha Deos na boca, 8c tal for¬ vicios 8c peceados ? Diante de-
ça nas palavras que não abala¬ ftes , 8c contra eftes andão em
va fomente, mas tornava de ce¬ guerra continua os Prelados, 8c
ra os mais duros, 8c mais em¬ pregadores zelofos, 8c como fo¬
perrados corações. Afsi vifto rem taes, certo tem o foccorro do
no púlpito era hum relâmpa¬ Geo, Afsi era nomeado o Arce¬
go , 8c ouvido hum trovão. E bifpo em toda Efpanha por gran¬
aconteceo hum dia, que pregan¬ de meftre do governo Paítoral,
do contra certo vicio, hum ou¬ Sc por tal o veyo btifcar nefte
vinte que nelle eftava fecreta- tempo o Padre frey Pedro Zor-
mente culpado , fintio húa tão rilha varão eminente na Ordem
forte imprcíTaõ na alma com do Patriarcha São Bento em
a Iingoagem 8c fentenças , que Caftella , vindo a efte reyno a
como rayos lha penetravão, que reformar os mofteiros de fua
fe perfuadio que devia ter noticia Ordem, Sc ordenar nova Con¬
de fua vida, & que fò contra elle gregação reformada, àinftancia
pregava, & nelle apontava. E tan¬ delRey Dom Sebaftião, & com
to fe foy inquietando com efte grandes poderes do Papa. E an¬
penfamento que arreceou fer no¬ tes de por mão em nada, fevio
tado dos cir cuftantes, & tomou devagar com o Arcebifpo , &
por remedio levantarfe, 8c fahir- ufandode feu confelho introdu¬
jfe da Igreja. Outro cafo ftme- zia a obfervancia com muytafa-
Z cilidade
 Limo 111. da vida de D, Fr.Bert.dos Mart.
cilidadç, & fem nenhíía extorção, dades envelhecidas, os quaes em
muito a fabor dos Religiofos,&co poucos annos fe extinguirão, 6c
inteira fatisfação delRey, A traça acabarão,) de cayda 6c defmaya-
foy fuavifsima. Propoz aos Reli- da que eítava a Ordem, quali de
giofos a obrigação que tinhão de fubito a vimos levantada, &vi-
guardarem a regra defcu Santo gorofa: 6c de forte foy tornando
Patriarchana pureza cm queelle em fy que eftà oje húa das mais
a deixou efcrita:& lançando fòra religiofas, 6c obfervantes do rey-
as difpenfações & larguezas com no.Mas a traça foy parto do enten¬
que a tinha desluftrado a malicia dimento do noífo Arcebifpo.
dos tempos, & a fraqueza huma-
na.Mas porque Deos fe não que¬ CAPITVLO XIIII,
ria fervido de gente forçada , fe-
não volútaria 6c alegre, tão pou¬ Dos Breues que oPapadefpa*
co elle ufaria de força com nin¬
guém. Os quefe fintiííem cõ for- chouemfauor do Arcebifpo.
Ças,&efpirito pera Ce atreverem E dojim que teue adem an
com aquelle fanto rigor antigo, da que com elle traua
começalTem com elle reformador o Cabido.
alegremente nova vida, pera nova
honra & gloria de fua Ordem. Hegàrão a Roma na en
Mas que não defmayaíTem os que H trada defte anno de
não fiaíTem de fy tanto, que tam¬ 15 6j. as nova s das con-1 5
bém daria ordem pera ficarem tendas em qjueardiao
confolados, & dentro de fua Re- Arcebifpado de Braga com feu
Jigiao, feparandolhes cafas, onde Prelado, 6c entrarão de tropel
com leys faciles, & toleráveis paf- juntamente por muitas vias.Huas
faífem a vida. Por iíTo chãmente, por cartas dos que fe tinhão por
6 c fem rebuço declaraífe & efeo- agravados nas vifitações das Igre
Iheífe cada hum o que melhor jas, que comecavão a queixarfe
lhe eftiveile. Efte bom termo po¬ pera terem os caminhos mais cor
de tanto, que muitos tirárao for¬ rentes pera quãdo fuas coufas fofi
ças de fraqueza, & fe abraçarão femàfuprema cadeira, onde to¬
animofamente com a aufteridade das as Ecclefiafticas vão parar.
antiga,& nella perfeveràrão.E fe- Outras por grande papelada do
parados os pufiílanimes (que toda Cabido, 6c Capitulares, que co¬
via ouve algús, como faõ maos de mo ricos , 6c juntamente Cu-
trocar coílumesfroxos, & liber¬ riaes não perdoavão a gafto,
nem
 jirccbifyo de Braga, Frimas das Hefpanhasl
nem efcritura procurando abo-
liar fua caufa com o Summo Pon¬
tífice & co todos feus miniftros,
ajuntando palavras & termos pe-
fados em que a payxão arrebenta
fem cuydar:8c pera fazerem cor¬
po , nao fe efquecendo de acumu¬
lar as queixas de todos os Madei¬
ros,9 Colleaios,&
O J
Comendadores
& outros particulares que contra
o Arcebifpo Iicigayão.Porque era
cofelho/en ão pudeíTem derribal-
Io do credito, 8c autoridade que ti
nha em Roma com a razão de feú
agravo, & com a força dellc, aju-
daremfe de tanto numero de quei
xas 8c queixofas, que com a mul¬
tidão o arrombaíTem. Porque hu
clamor geral he de grande effeito,
Sc ao menos obriga a crer, q não
he totalmente fem fundaméto. O
Arcebifpo tambe nao eftava mu¬
do. Avilava o Papa largamente,
mas co toda moderação, das cau-
ías & orige deftas tépeftades,mo-
ftrãdo como todas nacião de húa
fò raiz,q era querer elle per é pra
tica as fantas determinações do
fagrado Cõcilio de Tréto: 8c não
levaré os homés em paciência de»
fapoíTaremnos dos coftumes erra
dos,em q vivião contra leys divi¬
nas 8c humanas. Ajudavafe de car
13$,
tas do Cardeal Iffante,a adem co»
mo a Príncipe tão pio, 8c Legado
que era de Latere de S. Santidade
nefte reyno,dava conca de todas
fuas coufas, & pedia parecer nel-
las,& queodefte ao Papa.O qual
era inda nefte tépo Pio quarto, q
tão de perto 8c cõ tantas experié-
cias tinha penetrado o animo, 8c
fantos intentos do Arcebifpo, co¬
mo referimos na jornada doCon-
cilio 6c eftada de Roma.E doedo-
dofedo trabalho de tão bõ mini-
ftro, q fabia lidar por caufa não
fua laltimoufe em feu animo,&de
fejou a!iviaIIo,& faziao alguas ve¬
zes por mão do Cardeal Borro-
meo feu fobrinho,comofe verá de
hua carta fua eferita nefte têpo, q
em outro propoíito trazemos a
diantc.Aííi mãdou defpachar hui
Breve ao Cardeal Iffantc, no qual
lhe encomenda procure por algú
bom meyo concercallo com o fed
Cabido:& em caio q não venhão
a compoíição, lhe comete como a
juyz a decifaõ da contenda. São Ie
tras Apoftolicas, Sc teftemunha
gravifsimo e favor do Arcebifpo.
Parece obrigação nao perdermos
palavras dellc , & heofeguinte,
treíladado do original.

Pius Papa 1IÍI. Gardiíiaíi Pòrtugaíia; ínfanti &c.

Y) lleãefili nofier/alutW Apoílolicam benediãione.Tuude qvmrabiUfra.
tre Arehiepifcopo Eraccarmfi testmoniú,proJumma (ide, quã tibi mento
babemusjtati apud nos poder is fuitinot fyuid dè eo òpinionis' incomod* in animo
2 z nofiro
 Liuro IIL da vida de D, Fr. Bert.dosMart.
noflro infidifftf, eamftatim depofturifuerinws, Vtrmin Concilio fiam is adeò
probitatemyrehgionemydeuotionem nobisprobauit, <vt bonorifcentifsumm de
eô Pralato iudicium fecerimus: qtiod nullius querela itnmtarepotermt. Gjum
etim id magnopere confirmatum fuit,poftquam audimms}quanta aura & di-
ligentia ipfius Conctlij decreta exequi aggrejjus ft. Gnu a tamen cmm eum m-
lejlia carere nvellemusjupmus f fienpotent, controuerfias inter ipfimfâ non-
nullos deeius capitulo exortas aliquaprobabih ratione componi.Sed Ji inter eos
non conuenentyeasfiut ipd quofcfirtpfrnusytibi <vt noftrofâ Sedis Apoítolica
Legato cognofiendas fuel amtcè componendasynjelpro <Vt aquu & iufiumfue-
rit dijudicandasfniendaffo harumliterarum autbontate mandamus. D atum
Roma apudSanãum Petrúdie Marti/ ijèj.Pontificatus nojlriannofexto.
Em noífa lingoagem diz afsi.

A O Papa Pio Qjtarto ao Cardeal Ijfante de Ponugali^c,

Mado filho noífo,faude Sc Apoílolica benção.Foy de tanto pefo
pera com nofco a informação que nos mandaftes das coufas de
noíío venerável irmão o Arcebifpo de Braga, polo mtrto credi¬
to que com razão damos a todas as voífasique fe deíle teveramos con¬
cebido algua opinião menos boa,logo a mudáramos com tal teftemu-
nho. Mas tal fatisfação nos deu elle no tempo que reíidio no Concilio
de fua bondade,& religião, Sc devação, que o ficamos tendo em gran¬
de conta,& com tamanho conceito de fua honra Sc virtude,que o não
poderão alterar queixumes de ninguem.E eíle fe acrecentou & confir¬
mou defpois que íoubemos o grande cuidado Sc diligencia com que
faz executar os Decretos do mefmo Concilio. E afsi, porque folgaría¬
mos quenãoouvefie coufaqueomoleftaffe, defejamos que febufque
algum meyo com que fe quietem,fe puder fer,as differenças que entre
elle&algús dos feus Capitulares andão movidas. Mas em cafo que
não vcnhão em acordo, por virtude Sc autoridade defias letras vos co¬
metemos o conhecimento delias, como a Legado noífo, Sc da Santa Sè
ApoftoIica('& afsi lho efcrevemos a ellej) pera que tenhãofimou por
amigavel compofição,ou por determinação de, fentença, como jufiiça
for. Dada em Roma em S. Pedro a z8.de Marco de 1565. no annofexto
de noífo Pontificado.
No mefmo tempo mandou Sc autoridade pera fecreftar as
Sua Santidade ao Arcebifpo ou rendas da Commenda de Poya-
tros dons Breves de que atraz fi- res da Religião de São Ioão
zemos menção. Hum de licença de Malta: outro para inhibir o
Confer-
 Areebifyô de Braga,Trimas das Hefpanhas:
Conservador da mefma Religião
na caufa que diante delle corria
fobreofecrcíto que o Arcebifpo
fez nas terras de Barrozo , dos
fruitos das Igrejas deS.Ioãoque
achou necefsitadas , como atraz
tocamos. E veyo juntaméte man¬
dado avocatorio & compulforío
pera irem todos os autos a Roma,
Si Ià correr a caufa. Êíie Segun¬
do breve confolou muytoaoAr-
cebifpo poíio dema fiado fervor,
& atrevimento, com queoCon-
feruador ufava de Seu poder. E pe
ra nãofallarmos mais nelie,he dc
faber , que levados a Roma os
autos durou a caufa algus annos,
&em final Se Senteceou é favor do
Arcebifpo, & gaitou o Cõmcda-
dor mais é Sua teima, do q lhe ou-
vera de cuftar o repairo de Suas I-
grej‘as a todo Sabor do Arcebifpo
corno dei pois veyo a fazer. Tãbé
daremos razão do eífeito que fez
o Breve que deixamos treslada-
do & treduzido,& do fim que te¬
ve a controverfía do Cabido.Por-
que fe ouvermos de guardar ca¬
da incidente pera feu proprio an-
no, cortarfeà muito amiúde a hi-
ítoria,que he embaraçar a narra¬
ção das coufas mayores, & dar
defgoíto a quem lè. Tanto que o
Cardeal IfFante teve o Breve em
Suas mãos efcreveo ao Arcebifpo
dc Cabido pedindolbes cuydaf*
Sem em algum bom meyo de con¬
certo, & lho com muni caíTem, pe¬
ij y
raquc elle de íua parte àjudaífe
co mo amigo, 8c favoreceíle co¬
mo Legado. Efe quizeífem pòr
em Suas mãos toda a differença,
dcdecerenfededemandas, como
parecia mais conveniente entre
gente qve profeííava religião 8c
letras, eile faria de maneira que
entende fiem os amava , & eíti-
mava a honra 8c quietação de
todos. Mas ou foíle porque os
Capitulares o avião por inclina-*
do ao Arcebifpo , ou porque fia-
vãodemafiado de íua juftiçanem
oquizerão aceitar por juyz arbi¬
tro , nem os pode quietar como
Commiífario. Correo a caufa
muyto devagar com variedade
defuceííos, & aígus termos def»
abridos. Porque chegou o Ca¬
bido a intentar foípeição ao Ar¬
cebifpo, 8c efcreveofe, 8c ajuntou-
Se ao proceífo. Efetviofò de oc-
cafiãode mais defgoítos, levando
os Capitulares porella, alem da
magoa de não prevalecerem, hua
boa reprenfaõ, per palavras do
Santifsimo Papa Pio Quinto, que
fucedeo no Pontificado a Pio
Quarto, asquaes formalmentc
dizem afsi: Non embuerunt 3tan-
quam fufpeãum recufare rvenerabi~
km fratrem nottrum Bartholommm
Archiepijcopum Braccarenftm fcte.
A lingoagem he. Não teverão
pejo de recufarem, como a fofpei-
to , a noífo venerável hirmão
Dom Bertolameu Arcebifpo de
Z 3 Braga
 Livro 11L da vida deD» Fr. Bert. dos Aíart.
Braga."Em fim íoy Deos fervido q
teveífe fim tão porfiada guerra a-
cabando em húa concordia fu a-
viílima de grande honra pera o
Arcebifpo.ôé bem digna do valor
& letras de tão grave Cabido. A-
cordarão &, ficou por aífento per¬
petuo & irrevogável, que o Arce-
bifpo viíitaíTe per fua peífoa o cie
ro da cidade , & nomeaíle pera a
vifitação dos leygos dous Capitu¬
lares quaes lhe pareceíTem , os
quaes darião conta a elle Arce-
bifpodo quenella achaíTem.Efie
fim teve hum negocio, que nao
fò por difficultofo, mas por im-
po.sivel era julgado de todos,fi¬
cando hum pobre fradinho íem
cafa,nem criados, nem autorida¬
de ou pompa múdana, enfronha¬
do em húa pouca de eftamenha
velha, com hua vitoria, que nun¬
ca pode alcançar nenhum de feus
áteceffores gravifsimos Prelados,
Sc algus delles fiíhos & irmãos
de Reys. Certo argumento que o
brio &c autoridade do Pafior Ec-
clefiaftico não pende de magefta-
de Sc reprefentações aparatofas
da terrafquando fe acabara de en¬
tender efta verdade no mundo?)
fenãofò de virtude folida,que on¬
de efia ha,faz Deos que fobeje em
fufiancía mayor pefo de refpeito
Sc reverencia , que todo o que os
vãos da terra achao nos fu mos, &
aparências de feus faufios,confor¬
me ao eme canta o Pfalmo. No» in
fortitudwe equi <voIurttatem habebit, ■pf.itf.
nefcin tibijs uin beneplaciitum erip
ei. Beneplacitum efi Domiino fuper
tumentes fe Ide.
CAPITVLO XV.
De hum nútauel encontro que o
jircehifpo teue com hum Baylio
de S* íoao de Adalta, & do
maramlhojo exemplo de
humildade, (tfJanti-
dadecomque oven-
ceobS quie¬
tou.
VA N d o chegarão
m 5 ao Arcebiípo os defpa-
chos de Roma, de que
no capirolo atraz tra¬
tamos , andava vifitando a co¬
marca de Villareal. Do lugar em
que o tomarão deu repofta às car
tas que juntamente teve do Car¬
deal Iffante, pondofedeboa von¬
tade em fuas mãos Sc arbítrio no
que tocava à caufa do Cabido: &
não largou a viíitação, que tinha
por negocio mais principal.Poya-
res he lugar defla comarca, Sc ca¬
beça de húa grande Comenda de
S. Ioão,cujas Igrejas tinha fabido
no anno antes que eftaváo tão
mal paradas, como as que reme-
deara em Barrozo. E porque fa¬
zia conta de as vifitarcfte, Sc o
Comendador era Bayho, que he
dignidade
 A rcebifyo de Bragá,
dignidade eminente naquda Re¬
ligião,quiz eílar prevenido pera o
que foíte neceííario,de mayor po¬
der^ impetrou o Breve quedif-
femos: o qual lhe chegou na me¬
lhor conjunção qne pudera fer,
porque íe achava pegado com o
lugar. Foyfe logo a elle, &viíicã-
do as Igrejas achou verdadeiro tu
do o que delias lhe tinhão dito.
Notou o que feria neceíTario pera
ficarem com decencia. IíTo dei¬
xou provido em viíítação:& pera
que teveííe effeito, fecreftou em
V.rtude do Breve de S. Santidade
todas as rendas da Comenda c<5
declaração que com cilas íe não
âcudiífe ao Comendador em to¬
do nem parte, fem prifieiro fatif-
fazer a tudo o que deixava orde¬
nado Sc declarado pera cada Igre¬
ja. E fby pro/eguindo feu míniile-
rio, Sc paliando a outros lugares.
Eftava em hum lugar dafregue-
fiaque chamão de Galafura,pou¬
ca diftancia de Poyares. Levan-
toufe hum dia pola manham ce¬
do, fegun do feu coftume,& come¬
çava a rezar o Officio Dív:no: eis
que entra o Baylio aíTombrando
2, terra com cavallos, & peonagé,
Sc armas, 6c com fua peííoa, que
ainda que nas cãs reprefentava
idade madura, era robufto ôc te-
merofo de afpeito,verde na difpo-
fição & forças, Sc a cólera que tra
zia o fazia mais feroz. Apeoufe na
cafaeni que o Arcebiípoeftava,
e ãnhaf. 13*
mandou que lhe deíTem recado,q
lhe queria fallar.Nuncao Arce-
bifpo fe achou mais em fy , nem
com mais fegurança.-refpondeo q
efperaífe. Tornou o Baylio afe-
gundar defpois de efperar hum
bomefpaço, ícgundouo Arcebif-
pocom o mefmo. Não fey nefie
paífo de qual me efpante mais :le
da fraqueza do que vinha fulmi¬
nando braveza, Ôc ameaça?, ven-
dofe tratado como hum pobre ho
mem,& defprezada fua pomparfe
do brio dc hu Relig;ofo por eifre¬
mo humilde, que conhecendo a
peífoa que o bufcava, &c a payxão
com que vinha, lhe teve a porta,
Sc o fez efperar na fala. Aqui ca¬
be ao jufto o que elle coílumava
dizerem cafos femelhantes: que
eftes foberbaços eráo fua relè, co¬
mo do Falcão neb i a garça que
mais alto voa. E não no dizia fem
razão,porque com nenhum fe en¬
controo, que deixaífe dc o aman-
far, Sc fazer á fuá mão , como te¬
mos vifto no que fica atraz em al-
gíís cafos,& ao diante o verem os
em outros. Mas ifto entendia,não
polos meyos que ufa o mundo de
melhor braço, Sc mayor poder
(que então fora pouco de elfimar
a vitoriaj fenão atropellandoos Sc
fazendoos entrarem fy à pura for
ça de verdades moftradas ao olho
com repoufo & fofrimento fanto,
que mollifica Sc converte cora¬
ções de bronze. Efealgúas vezes
Z 4 lançava
 Liuró III. da vida de D. Fr.Bcrt.dõS/lFart.
iânçava palavras,ou fazia obras q
à primeira face reprefentaiíem ar
rogancia, era pay 6c juntamente
medico, 6c medico exprimétado:
conhecia os fogeitos & as doen-
ças.-fabia onde convinha fomen¬
tar, & onde cauterizar: mas o ani¬
mo fempre era de fárar,não de ef-
candalizar. Afsi entrando o Bay-
ho,que mandou entrar como cer-
rou o breviário ,ufou doutro ter¬
mo inda menos faborofo , que o
da detença na fala: (enxergoulhe
nos olhos afogueados a peçonha
que trazia no coração, pareceolhe
neceííario antidoto ou triaga de
grande effícacia ) perguntouíhe>
qué era: &. refpondendo q oBay
lio, tornou cõ outro muito mais af
pero, dizendo com voz grave 6c
fonora, 6c lembrado de fuas deri¬
vações. O Baylio: não fois vòs fe
naoo vadio.-vadio, 6c defcuydado
nas coufas de voffa obrigação Sc
eonfciencia. E onde fe fofre que
fendo o voííoorficio defenderdes
dos infiéis aslgrejas todas,tenhaes
em eftadoas que vos faõ mais par
ticularmente encomendadas, que
falta pouco pera parecerem de in¬
fiéis laqueadas? Arnfcardes a vida
por Deos na guerra,&c férdes com
elle defcortez na paz,não faõ cou¬
fas que entre fy digão bem. Se âs
não concertaes cõ guardar o de¬
coro que deveis aos feus altares,
nem fois foldado de Chrifto, nem
religiofo de S. Ioão, nem trazeis
eíle habito mais, que pera comer¬
des a renda : & i fio he fendes fe-
nhor abfoluto, Sc diífoluto do que
vos foy dado em adminiíílração
pera o logrardes com caridade &
temor de Deos ■: & não^em pro¬
priedade,pera o difsipardes & dei
xardes perder como caiai herda¬
do de voífos avos.Naõ tinha bem
acabado efias razoes o Arcebifi
po,quando o Baylio que abafava
de cólera Sc raiva,polío que ouvia
febre a que ja trazia, At fe lihe acre
centàra com a detença:fò!t;aalin-
goa em hua corrente 6c fúria de
palavras feas Sc indignas, repeti¬
das com tanto deíèn toa mi nto,,
que efeandalizou a quantos oou-
viraÕ.Sò q Atcebifpo não rece-
beo alteração nem mudou fim-
branterque os Santos então triun-
faõ,quando o mundo cuyda que
triunfa delles. E Ievantoufe pera
dizer Miíía com animo pronto a
ouvir outro tanto & muytomais
defpois delia,fe duraffe a payxao
6c foltura.Bem como outro mon-
te Glympo, que nenhum tépo in-
vernofo nem tormenta por gran¬
de que feja, chega a toldarihe a fe
renidacle doCeo que goza na mor
altura.E foy tanta a paz de fua al¬
ma no meyo defta tempeftade, q
dizendolhe os companheyros íín-
tidos 6c afrontadosferao montes
bayxos) que devia prender 6c ca-
íligar pBaylio.RefpÕdeo; préder
pão,mas encomendalloey mnyto
a noífo
 * T

efpanhaí,
» • >

/
a NoíTo Senhor nefta Miífa que cheo de confufáo Sc arrependi¬
vou dizer, pera que conheça fua
mento do que por elle paliara,nao
culpa. Sobioo Arcebifpo ao Al¬
ceifando de dar graças a Deos q
tar, Sc chsgoufc o Baylio a ouvir oaíumiàra: Sc aos companheiros
a MtíTa taõ cego da cólera como que hião attonitos de ver tornar
viera, & muyto mais: porque o
tão cordeirOjquecn tao leaõ viera,
exercido das payxões não nasa- affirmava que fizera Deos por elle
bate,mas aviua as. Acabou a Mif- manifefto milagre polío roeyo da
fa.E não tinha o Arcebifpo bem a Miífa Sc oraçao do Arcebifpo : Sc
cabado de tirar os ornamentos fa- não fe fartava de publicar Sc en¬
grados:eis que á vifta de todos & carecer fua fantidade. E dentro
pafmando todos lançafelhe aos de breves dias ornou Sc reparou
pès aquelle tigre encarniçado, cõ- as Igrejas a todo contentamento
Feífafeu erro,pede perdaõ.fLou- do Arcebifpo.Cafo bem digno de
vemvos os Anjos Deos dos exér¬ fer avido por milagre evi dente,
citos, quao inteiramente cumpris como foy outro que logo conta¬
o que prometeftes a quem vos fer¬ remos,que não efpantarà menos.
ve ( Supèr AJpidem & Bafilifcum
PaJI.po. ambuíabis i conculcabis Leonem,kf
CAPITVLO XVI.
Draconmt.) Levantouo o Arcebif¬
po & abraçou o com tanto amor
Do efiranho meyo que <vfoMpe¬
Sc boa fombra, como fe toda ávi¬
da fe amàrao, & conuerfàrao.Cõ-
ra reduzir hum Abbade
feíToulhe o Baylio que na quelía que vi ui a mal avia
MiiTa o convertera NoíTo Senhor, fnujtos an-
Sc lhe abrira os olhos d alma,pera nos.
ver feu erro Sc defatino,em conhe¬
cimento do qual eftava pronto & V y t o s annos a-
é.
preftes pera logo prover as Igre¬ via que nenhum Ar¬
jas aífi &damaneyra que lhe ti¬ cebifpo de Braga, ne
nha ordenado na vifitação & ain¬ miniftro feu vifitaya
da com aventagem. E fobre tudo hua Igreja de fua obrigação fitua-
cumpriria a penitencia que foífe da na raya de Galiza. E a razão
feruido darlhe. Aííifoy areconci- era, porque o Abbade homem de
liaçaõtão verdadeyra, que o Ar¬ groífa fazenda, Sc devaífo Sc per¬
cebifpo reconhecendo o poder Di dido navida como nao determi¬
vino que obrava lhe levantou logo nava mudar coftume, valiafe do
o fecreilo. E o Baylio fe partio poder Sc dinheyro, pera efcufar a
* conta
 Livro 11 Jj da vida de D. Fr. Bert. dos A/ÍÀrt.
conta que temia.Trazia efpias pol
Ias Igrejas viímhas, Sc como ti¬
nha aviío que andavaó Vifítado-
res perto , a pouco cufto trazia
gente armada de Galiza (que dif-
io lhe fervia o fitio)& com ella Sc
com doze filhos de que era pay,
todos homés feytos & robuftos
Sc atrevidos, como varas de tal
tronco,faziafe forte na Igreja.Quã
dochegavãoos Viíitadorcs,acha-
vaõno encaflellado, & não avião
por mao partido poderfe tornar
em paz. Porque o Abbade naò
admittia rogos, nem dava por a-
moefta$ões:& de tudo o queerão
termos Ecleíiafticos, monitorios,
efcomunhoés fazia taò pouco ca-
fo,como fe viuera entre os mais
danados ereges.E fofriafe ifêo en¬
tre gente católica & em Portugal
tantos annos avia,quantos fe dey-
xão entender do numero Sc idade
dos filhos que ternos dito, Guar-
davafe eílaempreza pera o noíío
domador dos monftros: que afsi
lhe dohia a perdição deíla ovelha
que determinou arrifcar a vida
polia ganhar Sc trazer do deferco
onde jà andava entre asvnhasdos
lobos infernaes, Sc pouco faltava
pera lhe acabarem debeberofan
gue.E foy a traça tal que ninguê
fe não dom Bertolameu dera nel-
la,&ninguém fe não elle fe atre¬
vera^ executalla. Foy viíitando
ate chegar aos lugares roais pró¬
ximos: aly fe informou do cami-
nho Sc diftancia q avia ate algre-
ja do levantado, & achou que o
bom homem com a nova de fua
vinda tinha junto feu preíidlic co-
fiurnado, & com portas tranca¬
das efperava apoftado a tolhera
étradaatodo generode Viíhador
inda que folíe à pefloa delle Ar-
cebifpo.Levãtoufe húa manham
cedorefolutonoque tinha coníi-
go affentado defpois de largas ho¬
ras de Oração. E mandando aos
feus que fe não bulhffem iem ve¬
rem recado feu com certo ífinal q
lhes deixou,toma feu companhei¬
ro hum Religiofo da Ordem que
fempre trazia conhgo,& ambos a
pèfuas capas às coifas Sc bordoés
nas rnaõs a vfo monaftiao poé-
fe em caminho a acometer hum
efquadraõ de defalmados (fanta
Sc apoílolica confíança.jEra ater¬
ra fragofa, os membros dtebilita-
dosdejejus& penitencias conti¬
nuas, íintirão eíla do caminho
por defacoílumada.Chegou acafa
do Abbade aíTaz quebrantado.
Antes que chegaíTe colheo húa
vergontea do pè dc hua aruore, Sc
com ella na mão bateo aporta.
Acudirão os que eftavão deguar¬
da, dera õ rebate ao Abbade. Co¬
mo foube que erão dous frades
fòs Sc a pé,fem receber alteração,
porque não via gente de cauallo
nem arcabuzeyros , coroo fazia
conta que o Arcebifpo traria quã-
do fe atrevefTe a bufcalio, quiz pef-
foal
 Jrcebiftadn B saga,Prims das Hefpanhas.
foalomte ver ojue queriao, & la hora fente,& defeja dizer, nãq
Qumdo bafta húa fò Iingoa,&húa fò boca
bifpo vio & conheceo que tinha a pub!icalIo:& fe quer começar aí
diante de fy a ovelha perdida , gua coufa, a confufaõ atalha, a
cheyo de boa efperança em fua al¬ vergonha emmudece. Com júbi¬
ma, diíTelhe todo rizonho & ale¬ los dalma folemzava o Arcebifpo
gre: fabeis, filho, a que venho cà, o poder da mão Divina, vendo
venho vos açoutar com efta vari¬ taõ bõs princípios nefta conqui-
nha. Mas afallar verdade eu Sc íta. Que quando madeiro verde
meu companheyro vimos canfa- começa a eftilar agoa na chami¬
dos Sc com boa fome,fe tendes al- né, final he que fe vay tomãdo do
gua coufa que nos dar de comer, fogo. Os filhos Sc familia que en-
comamos Sc deixemonofcde mais chião a cafa, eftavão fòra de fy co
que he tarde. NaÕ ha palavras q o que vião: lagrimas, humildade,
poíTao encarecer, nê declarar o fo- brandura, não era lingoagem, de
brefalto que o homem recebeo que naquella cafa ouvelfe notiçia.
quado conheceo que tinha o Ar¬ Entretanto fazendofe força o pe¬
cebifpo em cafa:fícou como homé nitente , Sc como arrebétando ar¬
tomado de acidente de Apople¬ rancou eftas palavras do peito.
xia que eftà vivo, Sc não fabe fe Pay pequei contra Deos, Sc cõtra
vive: tão atalhado,& tão fem con vòs, E tomando hum pouco mais
feIho,que não fabia formar hua de alento com hum grande fofpi-
fò palaura. Em fim era chegada a ro proíiguio. De todo coração pe¬
hora em que Deos por fuas mife- ço perdão de minhas culpas, gra-
ricordias queria dar faude ao pa¬ vifsimas, Sc enormifsimas culpas,
ralítico de trinta Sc oito annos. Sc das entranhas prometo emen¬
E não obrarão menos com os mu da. Não palíou daqui, porque os
ros de ferro da quella alma em q o falluços amiudavão tanto que lhe
diabo eíiava encaftellado tantos tomàvão o folego, Sc o coração
tempos avia, as brandas palavras lhe batia no peito com tanto ím¬
do Arcebifpo, do que antigamen¬ peto,que parecia querer faltar fò*
te teveraõ força com os de Hyeri- ra.Mas fallavão baíiante os olhos
cò os brados do Capitão Iofué feitos dous rios de agoa.Não eftà-
(maravilhofas palavras, fobrchu¬ vão enxutos nefte tempo os do
mano effeyto.) Deixafe cair aos Arcebifpo, antes acompanhando
pés do bom paftor, abraçafe com lagrimas com lagrimas levantou
a terra,chora,fufpira,geme Sc não o humilde penitente,& lançando-
falla:porque o muyto que naquel lhe os braços fobre o pefcoço, Sc
^ apertando o$

Lwro III. da vida de D. Fr. Bert.dos jMart.
apertando os com amor de pay
feguroulhe o perdão da parte de
Deos& da fua;&mão por mao ea
tràraõ ambos pera dentro. E o
Arcebifpo mandou logo recado
aos defuacõpanhiaperaquelhe
vieíTem ajudar afeíiejar a vitoria
doCeo.Em tanto pozfe a meia,
chegotiíe o Arcebifpo a elía, aíTen
tou junto configoo filho de novo
achado, &. comeo com tanta ale¬
gria que a todos a dava com fua
vifta. Vieraõ os companheiros,
efteve de vagar,vifitou a Igreja Sc
freguefes, que tudo eítava mato
bravio (tãopouco conhecimento
avia jà de Deos) pregoa, crifmou,
repartio efmolas, ficou a terra ou¬
tra. E o Abbade caufa Sc cabeça
de todo omal fe fogeitou a tudo o
que o Arcebifpo lhe mandou Sc
ordenou, &ocumprio tão pun-
tualmente, que o Arcebifpo não
fò fedeu por fatisfeito, mas ficou
correndo com elle em amizade.
Divulgoufe afama defte feyto,&
foy celebrado por todo o Reyno
como hum dos grandes daquelle
primeyro tempo da Santa Igreja
Sc dos Santos muy antigos. E co¬
mo os Bifpos faõ fuceííores dos
Apoíloíos & devem fer imitado¬
res de fua virtude Sc efpirito,não
faltava quem o cõparaííe ao que
fez o grande Santo Apoftoio Sc
Evangelifta Ioaõ,quando foy cor¬
rendo à ferra embufca do difci-
pulo,&otirou de entre os faltea-
V
dores, com quem andava feyto
tal como elles, Sc o tornou a fua
doutrina Sc o faluou.
CAPITVLO XVII.
Da caridade que ujbu comdous
fu er dotes eftranget ros
da traça com que reme
díou duas pejfoas
q nao proce-
4 diao be na
vida.
m S t o v vendo que â-
í§jf certaapaíTar os olhos
por efta hiftoriaalgua
peífoa das que tem à
fua conta almas alheas (aconfe-
Ihara eu a todas q a não lerão por
acerto^ou acafo,fenao que a te ve¬
rão fempre diante dos olhos co¬
mo efpelho, ou à cabeceira da ca¬
ma, como agafalhava Alexandre
alliada do feu Homero.) Eftou
vendo, como digo, que eftima, Sc
lè com admiração os dons cafos q
acabamos de contar. Mas torcen¬
do orofto Sc lançando cõ paílos
de prudecia humana, julga os am¬
bos por temerários, mais que va-
lerofos,& efcolhera antes largar
ocargo,que pòr a-cabeça em ar¬
bítrio de hum furiofo ou defalma-
do, & em fim gabaoíuceffo, Sc
não o acometimento. Hão duvi¬
do refponder a quem tal difcuríò
fizer
 Arcebifjio de Braga, Frimas das Hefpanhas.
fizer que julga mal, mas que efco-
lhe bem-. lulga mal porque não
pòde merecer nome de temeri¬
dade aquillo que hú Prelado aco¬
mete em proveito efpiritual do
íubdito fem outro nenhum fim,
Sc negoceando primeiro
Deos por meyo de rnuyta Ora¬
ção, jejum,Sc difciplina,que nido
fabemos era continuo o Arcebis¬
po: Sc quem afsi proceder, ani-
tnoramence fe pòde abalançar a
mais certas perigos. Mas digo
que efcoihe bem , fe largando o
cargo, efcoiher como fez Dom
Bertolameu : quero dizer, bufcar
hua ceila edreita Sc pobre,
outro cargo mais quieto, ou mais
rendofo. E tomando a noífa hi-
ftoria foy o Arcebifpo paífan-
do a outros lugares , Sc
não deixava perder nenhúa oc-
cafíão que de íalvar almas fe
lhe offerecia , porque iífo
fo o que bufcava, não paliarão
muytos dias que teve em que fe
empregar como logo diremos,
dando primeyro o lugar a hum
aéto de caridade, que ufou com
hus peregrinos que encontrou
em hum delfes lugares. Erão Sa¬
cerdotes Sc pobres, de nação Ita¬
lianos, & paííavãoem Romaria
â Santiago. Mandou os hir à cafa
onde fe agafalhava, & avifar aos
feus que avia de ter hofpedes.En-
tendeo Pedro de Freyxo fen apo-
fentador por qaem o dizia, che-
i jp
goufe a elle, & diílelhe que fe não
erao mais que os peregrinos elle
os agafalharia em outra cafa, Sc
em outra mefa , Sc bem a feu go¬
do. Não fe tratão afsi, refpondeo
o Arcebifpo, Sacerdotes, Sc efttã-
com geiros , Sc pobres. E como foy
hora mandou os vir, adernou os
na cabeceira da mefa junto com-
figo, & como fe cada hum dos
pobres fora a peífoa de Chrifto,
afsi fe fez feu trinchante partin¬
do com elles de tudo o que lhe pu
nhãodiante.E moftrou que acha¬
ra particular godo naquelle jan¬
tar,não fò porque partia com po¬
Sc não bres , que eífe era feu cotidiano
exercício, mas porque via pobres
na fua mefa, Sc com elles comia.
Afsitrazia fempre na boca,que
como de fua cafa,& dequãto nella avia
os verdadeiros Sc naturaes fenho-
res erão os pobres , Sc elle fò nel¬
era la o edrangeiro. Que elles co-
mião o que de razão Sc juftiça era
feu, & elle fò comia o alhcyo. Fo-
rão os peregrinos feu caminho.
Ficou o Arcebifpo entendendo
em fua obrigação. Avianefte Ar-
cebiípado hua pedoa demnyta ca
lidade, da qual não pudemos al¬
cançar o nome nem o eftado,nem
o lugar certo de fua morada, que
tudo calarão os relatores do ca-
fo. Vivia mal , Sc o mao codu-
me tinhao tão cativo ( que hc
grande mal fazer habito no pec-
cado) que ainda que a nobreza,
Aa Sc o

Liurolll, da vida âe D. Fr.Bert.dos Afart*
8 c o entendimento lhe fazião
força pera fe conhecer & receber
com bom animo os avifos do Ar-
cebifpo, pafiàvão osannos intei¬
ros em bõs propoíitos, & nunca
chegava híia hora de fahir da cul¬
pa. Devia ajudar a vivenda do
monte. Que na verdade a vi¬
da folitaria he vida de eftremos;
ou faz Anjos , ou demonios. O-
brigou o com fua autoridade o
Arcebifpo, que fe foffe morara
cidade, efperando que ou a con-
verfação de gente grave, £c reli-
giofa o tornaria ao caminho da
honra, 8c da virtude; ou traria fo- pondendo , que foão dc Bena-
bre elle tantas efpias, 8c tanta vi- vides. Melhor, diíle, vos acerta¬
gilanciaem fua vida, que decor¬
rido & apertado acabaffe de dei¬
xar a vileza do vicio. Refpon-
deoofuceíTo às efperanças. Foy
Noífo Senhor fervido que ca-
hio na conta, & emendou a vida,
8 c perfeverou na emenda. Bem
podiamos acomodar a efte Pre¬
lado à vifta de tantas 8c táo enge- amor de mim, 8c faiba eu quan¬
nhofastraças de falvar peccado-
res, o nome que a Igreja da a nof-
fo gloriofo Padre São Domin¬
gos. Chamalhe Magnus anima-
rum <economus. He o termo Gre¬
go mais íignificativo do que a
noífa lingoagem pòde efpecifi-
car.Vem a refponder entre nòs
hum grande mordomo de almas.
He o officio do bom mordomo
feitorizar de maneira a fazenda
que fe lhe entrega, quefaya de
1
fuas mãos aproveitada & melho¬
rada. E fendo afsi, juftamente ar¬
ma ao filho, o nome que damos
ao pay: o qual mereceo tão bem
que a nenhúa alma faltava , 8c
pera todas achava invenções de
remedio atè defpois deefgotada
toda a fifica ordinaria. Achou
em certo lugar hum clérigo hon¬
rado, defcuidado em fuas obriga¬
ções, 8c entregue fem redea ao
vicio da gula, 8c ao que o mundo
chama levar boa vida. Man¬
dou o vir diante de fyítpergun-
toulhe como fe chamava, 8c ref-
ra com o nome, fegundo a vida
que fazeis , quem vos chamara
de Bene bibis , Is? malè njiuis•
Quanto melhor parecera padre
meu, pois fois Sacerdote que fe
diíTera de vòs que cinheis eífe no¬
me ao revez, 8c que erds de bene
<viuis kfmale bibis. Trocayo por
do por aqui tornar , que eftais
trocado em tudo. Afsi fabia dou¬
rar pilloras de verdades amargo-
fas com derivações engraçadas
que fe erão ocalião de rizo, tam¬
bém davão azo à emenda. E efta
fez effeito de caftigo, & apro¬
veitou ao reprendido. Pòde
fer que temeo outro
mais pefado.
mm
m
CAP.
 Arcebifpo de Braga,]?rimas das Hefpanhas.
CAPÍTVLO XVIII.
Recolhefe 0 Arcebifpopera a ci¬
dade,!?? poeta em ordem aja-
tar Sinodo Provincial.Vi
fita 0 feu Convento de
Viana: dd principio
' t? nome d I-
greja.
O M a vifitacão deftes
JlMí dons annos de fefenta
ÍtJͧ| & quatro, & fefenta 8c
"v&Êm finco 3 acabou o Arce¬
bifpo de correr 8c conhecer pef*
foalrnente por húa vez todas as
Igrejas,fem ficar nenhúas o que fe
ha de entender juntando eom a
diligencia deftes annos a que ti*
nha feito no pouco tempo que re-
íidio antes da jornada do Conci¬
lio. Feito tão eroyco que pode¬
mos affirmar nao aver fama, nem
lébrança,que nos diga outro tan¬
to de nenhum anteceflor feu: &
tao importante pera o bem dos
fubditos, quanta he a differença
que faz a obra do dono da fazen¬
da, à do mercenário. E tanto he
mais de louvar, quanto nos con¬
fia que fe fervia o Arcebifpo de
miniftros fabios , 8c de virtude
muy provada, fobre cujas conf-
ciencias pudera feguramente def-
cançar. Que onde iftohlta, fal¬
to fera de juyzo o Prelado que
não for muy defeonfiado em co¬
meter fuas vezes, 6c dar poderes.
140
Veyofe o Arcebifpo pera a cida*'
de acabada a vifitação,por fim de
Outubro defte anno de 1^5.E fo¬
bre os cuydados ordinários que
nunca largava começou a entrar
de novo em outros de muita im¬
portância. Lembroufe que pera
inteiro cumprimento das deter*
minaçòesdo fanto Concilio Tri-
dentino tinha obrigação de ajútar
Sinodo Provincial pera fe acabaré
de extirpar por hua vez de toda a
Província os erros antigos, 8c to¬
dos os defconcertos que fe tinhão
enxerido,&tomado poftenas cou
fas Ecclefíafticas , 8c introduzir
em feu lugar os aífentos do fagra*
do Concilio, 8c fazellos guardar
univerfalmente» E parecendolhe
q o nao devia dilatar efereveo lo¬
go aos Bifpos de fua província qui
fedem a dentar no té po q melhor
lhes eftivede, pera fe juntarem na
cidade de Braga,&daré principio
a obra tão fanta,6e que a todos o-
brigava.De acordo de todos ficou
aftentado q fe acharião em Braga
juntos pera a entrada de Setébro
do anno feguinte de i566.Pareceo
ao Arcebifpo efte tempo mais ac-
comodado pera tal congregação,
porque lhe não tomava os mefes
principaes de viíitar, que erão ate
fim de Agofto. £ fucedendo aver
dilações nella entraria polo in¬
verno , 8c nunca poderia durar
tanto que lhe vicífe a tolher o
verão do anno adiante. Com
Aa z ral
 .Fr.BcrtJosMart.
tal determinação , entrando Ia- brou as na Igreja Matriz em ve£
neyro de mil Sç quinhentos & fe- pera de São Sebaftião. E chegan¬
íenta Sc íeis , logo defpois dos do o dia de São Vicente juntou na
Reys fahio de Braga caminho de Matriz húa folene prociífaõ de
Viana. E ainda que era tempo de todo o Clero da villa, & elle no
começar a fegunda volta ao Ar* couce em Pontifical aconpanha-
cebifpado, & avia de dar vifta âs do de todo o povo camiihou pe¬
Igrejas que vifitàra antes da jor¬ ra o Convento: levavão jínto del-
nada do Concilio ,nao achamos le quatro Religiofos nofos hum
lembrança Te foy em ordem de andor bem ornado, err que hia
viíitaçao efte caminho de Viana. húa fermofa pedra tjuacradaque
O que fabemos he que foy rece¬ devia levar efculpidas ís armas,
bido de toda a nobreza & povo & nome do fundador,& o tempo
da villa com geral alegria,& mui¬ da fundação que fe começava.So-
tas feftas,& mais particularmen¬ lenizavão a prociífaõ todo géne¬
te dos feus frades, que o venerá- ro de feíf as, & inftrumtntos de
vão ji então como pay, & como mufica coíhimados.Neía ordem
a Santo. Aqui fe deteve algús dias chegarão ao Convento, Diífe o
com grande gofto pollo que le¬ Arcebifpo MiíTa em Pontifical,&
vava de fe ver entre Religiofos, também prègon.Vltimamente le¬
em Coro continuo, &vida que vando os Religiofos a pedra onde
lhe reprefentava Celeftial, & a- eftavão abertos os aliceífes pera
quella antiga errj que fe criara que a capelía mor chegou o Arcebif¬
não podia perder da memória. po, benzeoa com muytass benções
Mão era indanefte tempo come¬ & ceremonias,que a Santa Igreja
çada a Igreja r pareceo aos Reli¬ manda ufarem femelhates aítos,
giofos que fe lhe deífe princi¬ Sc pondolhe as mãos lançou a no
pio com a prefença do Arcebifpo. fundamento, & deu nomeà Igre¬
E aífentàrão dia folene aos vinte ja^ Convento,de Santa Cruz. A
dous de Ianeiro fefta do Martyr grande devação que tinha a efte
São Vicente, & cm quanto fea- divino final de noífa redenção foy
percebia o neceífario pera a fole- caufa do nome, Sc confirmou o
nidade, fez o Arcebifpo outra de com húa fermofa reliquia que ti¬
exequias do Papa Pio quarto feu nha da Vera Cruz, que logo dei¬
grande amigo,que aqui teve no¬ xou ao Convento.Cõ eftes favo¬
va de íer falecido na entrada de res do Arcebifpo,& com efmolas
Dezembro paflado de mil & qui¬ groíTas q cada dia mãdava foi cre
nhentos & íefenta & finco. Cele- cendo a obra de forte q no arino
de
 járcebifyo de Brava, Primas das Hefpanhas.
de 1Ç71. por Agoíio ern dia de
Noffo Padre Saõ Domingos fe dil-
fc a primeyra MiíTa na capella,
mòr,aqual caorou o Padre frey
Ioao de Leyria de quem tantas
vezes falamos atraz, & por parti¬
cular bem feycor deftc Conuento
Sc de todo o Arcebifpado que
tantos annos governou he razão
que digamos aqui, como quatro
annos defpois no de 75* em Mayo
faleceo em Braga cheyo de annos
Sc merecimentos pera com Deos
Sc com os homés,& os Religiofos
agradecidos o forao bufcat Sc en-
terráraõ à porta do Choro.
141
do Porto.Dom Antonio Pinheyro
de Miranda: Vifeu eftava nefta có-
junção fem Paílor. Entrarão em
Braga por fim de Agofto defle
anno de mil & quinhentos & fe-15 66
fenta &feis , atempo quetam- .
bem o Arcebifpo era chegado de
pouco. Deraõ principio ao Sinodo
em oyto de Setembro dia folene
da Natividade de Noífa Senhora.
Apontou o Arcebifpo com feu a-
coilumado zelo muytas coufas
que de longe trazia cuydadas afsi
pera reformação dos coftumes,
como pera melhor feruiço Sc go¬
verno das Igrejas , em que rno-
ftron bem o lume de fua' doutri¬

CAPITVLO XIX. na Sc fantidade. Os companhey-

v.
ros eraõ muyto letrados & pru¬
dentes . Fizeraõfe conftituições
Celehrafeo Sinodo Prouincial muytas Sc muy bem ordenadas
em Braga, fegundo pedia o tempo, & oefta-
do das coufas:& pol as muytas q
A6 tenho duvida que feoffereciaô ,& pera aver tempo
i 0
j
G
começou o Arcebifpo de fe eítudarem Sc coníiderarem
eíte anno a viíitaçao todas com madureza durou a jun¬
de fora muyto mais te ta fete mefes. E efte he o quarto
yoram que nos paíTados, porque Sinodo ou Concilio Prouincial
tambe convinha recolherfe mais Bracarenfe dos que andão im-
cedo pera agafalharos hofpedes preífos. Publicado que foy o
& dar principio ao Sinodo. Tem Sinodo (veyo a pnblicarfe em pri-
aProvincia Bracaréfe quatroBifpa meyros de Abril do anno fe-
dos fuflPraganeosjCoimbra, Porto gninte de mil Sc quinhentos Sc 11 tf 7,
Vifeu,&Miranda* Erao Prelados íefenta Sc fete.) O mefmo Ar¬
Dom frey Ioao Soares de Coim¬ cebifpo de feu motu própria
bra, omefrao de quem atraz con¬ fem lho pedir nem requerer nin¬
tamos que aííiílio no Concilio em guém , apeiíou em nome do
QTrento.Dorn Rodrigo Pinheyro Clero pera a Santa Sè Apofíolica
Aa 5 de aí-
 Livro III, da vida de D, Fr, Bert,dos Aíart.
de algua parte dos eílatutos dei- dar a viaem tudo, & ferfeguido
le.Coufa que deu occafiao a fefa¬ comofuperior ('comoftjagenero
zerem muytos difcurfos, traba¬ de defeortezia fer teimofo cõ hof-
lhando os borres por atinar com pedes.) E não tenho duvida que
vários juyzos na téção que o mo- no mefmoauto eílranbou por in¬
veo, A algús parecia que fora la¬ dignas , Ôc afperasas ordenações
ço artifíciofo pera dar a entender de que apellou: Sc juntaméte lhes
que não fora elle autordaqmllo fez a faber dante mão que avia de
de que appellava. Outros funda- apellar delias. Afsi no primeiro fi¬
vâõ mais o negocio, Sc dizião que cou fatisfaztndo ao didame do
aapellação dos pontos rigurofos feu entendimento Sc confcien-
era a fim de que quando foílem * cia: &nofegundo ao decoro dos
aprovados & admittidos em Ro- companheiros. Mandou logo fa¬
> ma ['onde fe não mataria polos fa¬ zer trtílados doSinodo, Sc defpa-
zer revogar) menos fe lhe eílra- chou bú aRcma ao feu aigéte per$
nhafle defpois o apertar com in¬ fe aprefentar ao Papa, com o ter¬
teireza na guarda dclles, como mo da apeilaçãoacoílado.Eíie Sí¬
eftava certo aviá de fazer. E na nodo foy muy encontrado em»Ro
Verdade hus Sc outros julgavão te ma, & teve outras difficuldades
merariamente. Porque quanto ao de importância que caufàrão diia-
primeiro o Arcebifpo não fabia tarfe a confirmação. Eporq eftas
negocear com dobrezes: nem em fucederão polos annos adiante, fe¬
toda fua vida foy grageador difto ra bem darmoslhe em outro lu¬
que chamão Aura popular,quero gar particular capitulo. Aprovei-
dizer graça & eflimação do mun¬ toufe o Arcebifpo de tão boa oc-
do. E quanto aos fegundos, mo- caíião como foy a deíla junta pe¬
liras tinha dado em todas as ma¬ ra fazer novas conftituições Sc re¬
térias , que bailava tocaremlhe gras de bõ governo pera a fua Re¬
qualquer coufa na confcien cia, pe¬ lação Sc auditórios anulládo mui¬
ra fem medo nem refpeito de nn- tas antigas & defneceíTarias, re¬
guem as fazer executar Sc cum¬ formando & melhorando outras
prir â rifca. O q eu affirmaria he, pera mais facil Sc abreviada deci-
que afsi como era livre & izento faõ das caufas. Também fez apó-
no votar : afsi defpois de Vencido tar muytas duvidas que o concur-
em votos não faria repugnância fo dos negocios Sc pratica dos li¬
aos companheiros, por lhes tirar tigantes hia levantando fobre po-
a occafiao de cuydarem delle,que tos principaes do fagrado Conci¬
queria eftando emfuacafa man¬ lio Tndentino, pera pedir decla¬
ração
 Arcebifo de Braga, Primas das Hefpanhas»
raçao delias â S. Santidade, a qué
fò pertencia mandalla dar.Defpe-
didos os hofpedes , & acabadas
eftas coufas, corno nãa fabia dcf-
cançar, voltou o animo às ocupa¬
ções ordinárias,&fuas vifitações,
que hia o mez de Abril muyto
adiante, &c avia de entender com
o fegundo terço do Arcebifpado,
que vi ficara quando chegou do
Concilio no anno de 1564.
CAPITVLO XX.
Z)e àous cajos notaueis quefu* te erão numero de vinte pef-
çederao ao Arcebifpo an¬
dando em vifita-
çao
p||j R eV s s v s chamarão
e. os antigos húa ferra al-
tiífima & igualmente
ícs-.® fragofa do diítrióto de¬
ite Arcebifpado que oje chamão
os naturaes monte Geres:terra po
bre, & por razão da grande afpe-
reza em muytas partes defpovoa-
da,& tão alhea do trato humano,
que cria VíTos, 8c porcos monte»
fes, 8c todo genero de veação em
ábundancia. Vifitandoo Arçebif»
po as Igrejas deita ferra chegou
hum dia a húa que chamão São
Martinho do campo, aííentada
conforme ao nome em meyo de
húa varzea bem eftendida, mas
herma 8c defemparada de toda
companhia de gente. Caípin^ya
o Arcebifpo com grande compa¬
nhia. Porque como temos conta¬
do atraz, levava fempre configo
dous Vifitadores que juntamence
com elle vi fitavão cadâ Igreja,pe-
ra poder vencer o grande nume¬
ro de Igrejas que avia. Cada Vi-
fitador tinha feu efcrivão, & hús
8c outros íeu fato & criados.Ac<5
panhavafe mais o Arccbifpo de
feus Capellães,&outros criados,
afòra homés de eftnbeira, & ou*
tros que entendião em puçrps fcp*
viços: de force que ordiflariamen*
foas, 8c mais. Eou foííe defcui*
do de quem tinha a cargo nego-
cear o provimento neceífario pe¬
ra tanta gente, ou que fe efperou
do fitio mais abaítança , faziãofe
horas de comer,& não avia coufa
de que lançar mão. Começarão
algús a agaftarfe,& aqueixarfe^
porque fobre não aver ah nada,o
lugar mais vifinho era muy difta-
te,quefelàquizeíTem mandar,nç
pera a cea poderia vir coufa a iç-
po. Quanto mais q eífe de mais
perto era húa aldea de quatro ca¬
ías,tão pobre que nem húa boroa
fe acharia nellapor muyto dinhei
ro (boroa chamão por eftas ter-
• rasopáode milho, que he man¬
timento ordinário da gente po¬
bre) 8c fobre tudo os poucos mo¬
radores delia andavao polo mõte,
Jiomés,& molheres ocupados to¬
dos
 Limo III. da vida de D. Fr.Bert.dos Mart.
dos em feus ferviços como gente
que crâo de trabalho, Sc na guar¬
da dos gados.Não falcavão outros
mais defconfiados a quem a fome
arrancava palavras mais pefadas:
que era forte coufa dezião.andaré
todo o anno atravefiando feras,
onde nunca Prelado pofera pè,
bufcando Igreiginhas de quatro
paftores mais falvagés que os Vf-
fos com quem fe criavao , cõ que
era perdido o tempo, Sc o traba¬
lho. Que padecer,como faziao ca
da dia,calmas, frios, ventos, chu¬
vas, neves, dormindo em palhei¬
ros, & às vezes ao fereno aííaz de
mal era: mas bufcar defpovoados
afsinte pera morrer de forne, era
huacrueza, humnao terdò dos
criados, Sc a cufia alhea exercitar
fantimonias, pois pera a fua mefa
vinha o provimento diante, Sc fò
os que o feguião, auiao de ficar a
beneficio da ventura pendédo do
mal ou do be das terras eíteriles
Sc defaventuradas por onde fe vi-
nhão embrenhar. Entendeo o Ar
cebifpo a queixa, Sc fabendo que
não era menos a falta que avia pe¬
ra fua pelToa, cheyo de confiança
em Deos, com rofto alegre Sc ri-
zonho: Gente, dizia, de pouca fè,
porque duvidaes? Animo,animo,
meus filhos: não aja ninguém que
defmaye. Trabalhadores fois da
vinha do Senhor pois me acom¬
panhais Sc ajudais: taõ bompay
de famílias não pòde faltar aos
feus jornaleyros. Eu confio em
fua divina providencia, que por
mais difíiculdades que o tempo
&o fitio ameacem, indaojce vos
hadeíobejar,& nem o j armar a-
veis de perder.Mal fe quieta povo
faminto.Tão feguramente falíava
o Arcebifpo como fe ja vira o nú-
timentoprefente, Tão defconfia-
dos Sc trifies efiavão os feus que
nada os esforçava. Paliava de
meyodia, erão dias de Mayo &
tinhaõ caminhado toda a manhã,
apertava a neceííidade;fe não quã
do levantando os olhos vem cu-
brirfeosrochedosde húa & ou¬
tra parte de homes Sc mohcres
que fe vinhaõ arremeífando pol¬
ias cofias abayxo aquem mais po¬
dia correr contra a ígreja:& no-
taõ que todos vem carregados:
chegando mais perto começão a
divifar que híis trazião das fuas
boroas,outros vazilhas de viinho,
outros cabras montezas Sc quar¬
tos de veado , nenhum vinha
com as maõs vazias: Sc todos à
porfia querião fer primeyrosem
fe lhe aceytar fua oíferta. Acu-
dio tanto povo que fe encheo
a varzea , foy tanta a comida,
que faltou quem a gaftafie,ain¬
da defpois de cheyos os pobres.
Parece que tocou Deos os cora¬
ções deftes montanhefes que acu¬
dindo à vifiração Sc vifta de feti
Prelado adivinhafíem a necdíi-
dade em que efiaviL & lhe acudif-
t , A — f — W '
fcm
 Arceblíbo de B ra^a, Primas das Hefpanhas, i 4j
fem com o remedio. Aqui vifitou por coma dos feus, que erao çn<
o Arcebifpo, pregoa Sc crifmoa tre todos vinte duas peflbas, & ti-
6c deyxou fuas efcnoUs, como co nhão madrugado aquella manhã
ftumava. Efte fuceíTo contavaõ Sc eftavão moídos do trabalho do
defpoisoscompanheyros comef- caminho comprido, Sc bem necef
panto da confiança com que o fitados. E ainda que igualmente
Arcebifpo os cercificara do não faltava pera fua peífoa, porq era
efperado jantar, Sc pafmados da acabado o alforge, não fintia por
abundancia delle.Mas naÕ tardou fua conta nada,fòdos feus fe lafti-
muyto tempo que viraÕ outro, q mava,& dohiafe também dos po¬
fez efquecer o prefente,porque na bres do lugar, q jà lhe tinhão po-
verdade foy bem claro milagre, fto cerco à porta. Em fim aííen-
paliou defta maneyra. Andava o toufe á mefa com hua extraordi¬
Arcebifpo vifitando em terra de nária alegria de hum movimento
Montelongo (não pudemos ave¬ ínbito:òc elle mefmo a benzeo, Sc
riguar fe foy nefte anno, fe no fe- começou a comer. Adentàraofe
guinte) &c porque naõ efperavão juntamente os cõtinos de fua me¬
por elle, por fer efta vifitaçaõ da fa, que vendo o bom -ar do Arçç-
obrigação da Igreja de Guima¬ bifpo fizerão o melhor rofto que
rães , Sc não fua, achou tudo def- podião por lhe darem gofto,& cq
provido, &c em eftado que che¬ meçàrão a íãçar mão do que avia.
gando a horas de jatar a certo lu¬ Maravilhas do Senhor.Tal foy a
gar Sc em dias de peixe, não fe a- virtude,& o fabor que Deos Nof-
chou em todo elle mais que hua fo Senhor foy fervido por naquel-
pefcada feca,& dous ovos,Sc a for las pobres iguarias,que fe não po¬
ça de importunação alcançarão dião ver fartos delias,& for|o co¬
de hua pobre velha hua boroa, Sc mendo como enlevados fem c^-
não grande , que vendeo,como a hir no que paliava atè fe fin tirem
pefo de dinheiro, por fefenta reis. bem fatisfeiroí. E levantados en¬
He de faber que fora efte anno gé trarão os companheiros da fegu-
ralmete efteril,&: com grande ex¬ da mefa,& acharão que comer cÕ
cedo em toda a terra de entre tal abaftança que ouve pera to¬
Douro Sc Minho,& começavão a dos largaméte,& pera os da pou-
entrar as fomes que defpois forão fada, Sc ainda ouve fobejos pera
em crecimento, Sc vierão parar os pobres. O hofpede da cafa co¬
«em pefte, Sc ar corrutto que cor- mo foy o que mais fintio a falta
reo todo o reyno com infinito da- por fer em fua cafa,foy também o
íio.Eftavaaffligido 0 Arcebifpo que mais notou o fuceíTo daquel-
la mefa
 L' \
Liwo III, da vida de D. Fr. Bert. dos Adart.
Ia meia, Sc aílombrado do q vira®
tinha o por verdadeiro milagre.
Mas o Arcebiípo lançando o em
graça diíTe pera Pedro de Freyxo,
qne eraoejue trazia a cargoofer-
viço da íua mefa,& apofento. Pe-
dro de Freyxo, defta maneira,
cora eftas pobrezas me daifem-
pre de comer, que eu vos affirmo
que ha muyto tempo que não jã«
tei tao bem, né achei tanto gofto
no que comi. Afsi o diíTe o Arce-
biípo,& o mefmo confeííârão to®
dos. Mas queixome delles como
ingratos, que conhecédo hua ma¬
ravilha tão fòra das leys da natu®
reza,& prodígio averiguado: não
fizerão nelíe tal diligencia, que
caíTe em eftado de nos poder fer»
vir oje pera pretendermos Sc
darmos a canonização de quem
merecia a Deos favores tão raros,
CAPITVLO XXL
Remedeao Arcebifyoahu clé¬
rigo facinoroíb.
m ij-uc num cicri-
m% mpâ| g° defte Arcebifpado
Ejnha chegado a tanto
eftremo de eftragado,& facinoro-
fo,qne por fe fegurar do braço Ec
cleftaftico,& fecuíar: que de hum
Sc outro era bufeado por vários
infultos, de que eftava culpado
em ambos os foros: tinha tomado
por remedio iançarfe ao monte,
Sc andar feito falceador de cami¬
nhos. Cortavalhe as entranhas
como a bom paftor a perda defta
ovelha,o miferavel eftado daquel
Sc la alma, Sc até dotrabalho corpo*
ra!,qne paífa va, tinha laftima.Lé*
bravafe do bom Paftor do Evan-
gelho, que não fe contentou com
menos, que deixar o rebanho to¬
do pola ovelha perdida, Sc revol¬
ver os matos, Sc charnecas polá
achar, Sc defpois de achada trazei
la fobre feus hombros , Sc avia q
lhe não corria a elle menos obri¬
gação,pois eftava àfua conta ove¬
fí- lha tao arrifcada.Difcorria com o
entendimento como lhe daria al*
fun¬
canfe, canfavao juyzo bufeando
rneyos,Sc inventando traças. Em
fim veyo a fatisfazerfe de hua, Sc
não tardou em a por por obra.Ef*
creve de fua mao hua carta ao cie
rigo,cuja fuftancia era pedirlhe q
fe viífe com elle o mais brevemé-
te que fer pudefle, que a carta lhe
mandava por feguro & falvo con¬
duto. Afsina a ,& por intelligécias
que fe^bufeárão fez que fedefte
em mao do encartado.Ficou o po
bre homem cercado de hum mar
de perplexidades. Obrigavao a
hir o trabalho Sc medos em que
vivia,5c aefperança que concebia
das palavras do Arcebifpo.* deti-
nhao hua vergonha com que o
enenriigo ò efpantava defpois que
lha
 Arcebifyode Braga> Frimas das Hefpanhas;
lha tinha feito perder de todo fa-
zendoo infame por tantas vias: de
com que rofto fe avia de atrever
tamanho peccador a aparecer
diante de hum Prelado Santo. Af-
íi vacillando valeolhe hua luz da
divina graça que lhe amanheceo
na alma, & o fez refolver na me¬
lhor parte. A primeira noite que
teve lugar apareceo diante do Ar-
cebifpo. Não era conhecido, deu
íinaes, referío~a carta. Quando o
Arcebifpo cahio nelle cerra por
fua mão a porta,fechafe com clle,
Sc mandandoo aíTentar em hua
cadeira lançafe de joelhos diante
delle, Sc c5 vivas Sc fantas razões
começalhe a abrir os olhos mo-
ftrandolhe o perigo em que tra¬
zia hua vida curta, fraca, Sc mife-
ravel: Sc o mayor perigo, Sc mais
pera temer de fua alma polos de-
fatinos paífados ,;& por outros q
cada hora cometia de novo leva¬
do da força que lhe fazia a necef-
íidade. Pedelhe com as lagrimas
nos olhos,& com hum affeito en¬
tranha vel, que de fy mefrno fe cõ-
padeça , de fua vida, Sc de fua al¬
ma: Sc folgue também de fazer a
vontade a feu Prelado, que como
pay amorofo Sc magoado da per¬
dição do filho o bufcàra: Sc eftava
preftes pera lhe dar perdão das
culpas paíTadas, Sc remedio pera
o diante fe decoração quizeíTe tor
nar fobre fy. Quiz NoíTo Senhor
pagar o zelo f Sc ardente caridade
144*
do pay,com a converfaõ do filho
Aííilhe alumiou naquelle ponto
a alma , que cahindo na graveza
de feus deliros, &c reprefentando-
felhe a fealdade delles, não íò fi¬
cou compungido,míS attomto,&
pafmado de ver Sc entéder o mui¬
to que Deos lhe tinhafofrido, Sc
o pouco que queria delle por feu
Prelado poftoa feus pès. Rendido
a tamanhas enchentes de miferi-
cordia começa a eftilar oleo aquel
le penedo durifsimo, Sc derreten-
dofe em lagrimas de verdadeira
contrição lançafe por terra repi-
tindo muytas vezes. Pequey, mi-
fericordia. Des daquella hora fi¬
cou em cafa do Arcebifpo:de pu¬
blico, & defaforado peccador: de
ladrão Sc vandoleiro, convertido
em verdadeiro penitente. Man¬
dou o logo veítir o Arcebifpo, Sc
comia cõ feus capellães. E proce-
deo com cão bom exéplo, Sc per-
feverança na vida nova, que álem
do lugar de familiar, Sc contino
de cafa em que ficou, lhe fazia o
Arcebifpo particulares favores
pola cõftancia que lhe enxergava
na eméda. Mas efte goftoquefoy
muito de fua alma, porque fò dos
taes fe pagava, teve logo feu def-
cont*>com coufa que muytofin-
tio, indaque em matéria muyto
differente. Ordenando o Deos af-
fi pera acrecentar novos mereci¬
mentos a feu fervo, Sc hir apu¬
rando fempre mais aquelle ouro
fino
 LmroíII. da vida de D , Fr. Rert.dos Mart.
fino de fuas virtudes, como logo rar o trabalho defete meies,’de
diremos. quatroPrelados fabios, 8c zelofos,
8 c acompanhados de muytos ho«
CAPITVLO XXII. mês de grandes letras & citado.’
Ajuntavafe ter nova certa que to¬
Doauifo queteue de Roma fo• dos os que litigavao cõtra e íe em

bre o treslado do Sinodo Portugal, 8c em Roma, de mão

que mandou ao Papa,
Çj) do quefobreif'
fofa.
TRAZ fica dito co¬
An
m mo o Arcebifpo tanto
que acabou o Sinodo
Provincial, inviou logo
a Roma hum treslado deíle pera
fe aprefentar ao Papa.Paliados al-
giís meles teve recado do feu agé-
te, que o levara a S. Santidade, 8c
que por feu mandado fe comete¬
ra o exame delle a hu Biípoefirã-
geiro que andava na Corte. Foy
coufaefta que malencolizou , &
deu muito qiie fintir ao Arcebif¬
po confiderando oftde vinha pa-
comum, 8c a todo poder folieita-
vão por feus requerétes, &fazião
extraordinárias diligencias porq
foíTe reprovado o Sinodo: hús por
verem com ifio deTacreditado o
Arcebifpo , outros fo por lhe da¬
rem pefar: & muytos com receyo
das novas conftituiçoes. Defpois
de cuydar muytos dias no que fa¬
ria , refolveofe em manifeítar li¬
vremente ao Papa oquenocafa
fintia, & deixar o mais à difpoíí-
ção divina. Era tempo de fe reco¬
lher pera a cidade, veyofeaella»f
8 c a primeira coufa que fez foy ef-
crevera S. Santidade. Zelo, brio,
& magoa notarão a carta, que he
a que fe fegue tirada do origina!
de verbo ad verbum.

CARTA.
E AT IS SI ME Pater. Pofifoeliciumpedum ofcuUt Celebrato no-
) jlro Prouinciali Concilio Braccarenf mox illud ad Sanãitatem <veflratn
Apoftolica cenfura examinandum ac repurgandum mifimus. Et cum cer¬
ta relatione nobis conjlaret ipfum fub trutina quorundam Cardinalium ex San-
ãitatis njettra comifsione manere}acpromde Apojlolicam jententiam de em ap-
probationefoel reprobatione^ correãiomyexpunclione éxpeãarenws: repente mi-
bi iP compromncialibus meis prjfentatum eU refcriptam quoddam, per quocll
Sanelitas njeíira committit examen diãi concilij Epifcopo Cameracenji. Qup
nuntio turbatus fum ip obftupui, vtpote mihi anua penitus mcredibth. Quis
mm
 Arccbifyode Braga, Frimas das Hefpanhas. 14. j

enimpofsibiíeputaretJempore feruentifsúmi (totius Ecclefi.« iudicio)ad Ecclefi

reformationem Pafions, tale Breue in manifestam Synodorum Prouinciahum
exautborationemjae dicam ^vilipendiumymanaturum? ®ua prcpter alnid cre-
dere nonpojjum,nifi quòd per callidifsimam fubreptionem, tf obreptionm (<vt
non femel acadit) pr^diãum refcnptum impetratumfit. Nam f fic futurum
efi, <~vt tota autontas, tf rvtilitas Prouinciahum Concihorum, ob clamores
bofiium refbrmationis, tandem ad amius Epifcopi altenus Promncu arbi*
trium reducenda ac refoluenda efi: quid mconfultius, aut inanius, quam Syno-
dos Prouinciales cogere, tf reformationi Prouinciahum abufuum operam dare.
Profeão, SanãifsimePater, omnes deponemus animum, tf dejperatione per-
culfi dicemus. Aãum efi de autboritate, tf de [perata njtilitate Prouincialium
Synodorum Smecaufa Tndentinum Concihum ea reslauranda decreuit.Ac-
cendatur igitur %elus tuus, tf tollatur de medio tam graue buius ProuincU,
omniumquepiorum fcandalum, tf dijfolutorum exultatio, iam Utantmm tf
tnpudiantium de eneruata ac conculcata autor itate tf grauitate Prouincia¬
lium Synodorum. Absterge maculam bane à tempore tui Pontificatus: tf noftri
con cilij expurgaiionem ad tuam limam reuoca:fub ea expurgetur , mutiletur
et f dignum efi fia totum abrogetur, tf in nihilum redigatur. Tanquam enim
de coelo allatam (<vt par efl) tuam cenfuram qualemcunque excipiemus. Alio-
quin, <vt iam apud nos dicitur, hac Synodus fuitpoft antiquasprima, tf erit
mltima. Non enim expediens ac <11 tile noílrx ProuincU cenfemus litibus inter-
rnnatis nofira defendere decreta. Paucis uerbis acfiliah §ducia dixi, qua cen-

B
feodeboc negotio,clementifsimeP ater,pane aufui.
Efta he a carta,& o fintido Portugaez o feguinte.
Eatifsimo Padre. Defpois de beijar os pès de Vofla Santidade.Ta-
to que concluymos o Sinodo defta Província de Braga, logo oin-
viamos a V. Santidade pera fer vifto & emendado por eíTa Santa
Sede Apoftolica,& íbubemos que ficava entregue por mandado de V.
Santidade o exame delle a certos Cardeaes,por onde eftavamos efpera-
do a fentença Apoftoiica,de aprovação,ou reprovação,de emêda, ou a-
nulação:quãdo iubitamentechega a minhas mãos, & dos Bifpos meus
cõpanheiros-hu referito de V.Santidade pello qual V. Santidade come¬
te a cenfura do dito Concilio ao Bifpo de Cambray.Nova foy elb q me
perturbou,&fez pafmar,como coufa q por nenhu cafo pudera crer non
tro tempo. E quem avia de cuydar que feria pofsivel paíTarfe tal Breve
em manifefto defcredito,por não dizer defprezo & abatimento dos Sí¬
nodos Provinciaes,em tempo q Deos nos deu hu Paftor o mais afervo¬
rado na reformação de fua Igreja de quantos ella teve ajuyzo de toda
Bb a Chriftan-
 Liuro 111. da vida de D. Fr.Bert.dos AFart.
a Chriftandade, muytos annos ha? Pelio que não me poíío perfuadir a
outra coufa, fenão que efte Refcrito foy negóceado por algúa grande
malicia de engaooía , & não entendida fubrepção , & obrepção como
tem acontecido muytas vezes. Porque fe ba de ier afsi, que polas gri¬
tas & porfias dos enemigos da virtude, & reformação ha de vir a cahir
em mãos Sc alvidrio de hum Bifpo de outra Província a autoridade, &
utilidade dos Concílios da noffa , não fey mòr defacordo , nem tem¬
po mais mal gaftado que fazer juntas Provinciaes, & matar monos por
reformação de abufos Sc defordés. Em verdade, Santifsi mo Padre,
que fera ílfo parte pera nos perdermos todos de animo, & cahindo em
defefperação darmos por acabada a reputação dos Sinodos,& dizer¬
mos a húa voz que jà não ba pera que fazer cafo dos proveitos que del-
les efperavamos, Sc que fem razão nem propofito os mandoui de novo
introduzir o Concilio Tridentino. Mas não feja afsi, Padre Saantiísimo,
tome foao Sc acendafe voífo fantozelo, tirefe do mundo tão grave ef-
candalo^que por húa parte oífende a efta Província, & todas as ore¬
lhas pias: Sc por outra enche de alegria à gente de vida eftragada que
jà triumfa & falta de prazer vendo cahida Sc atropelada a gravidade &
refpeito dos Sinodos Provinciaes. Tire VoíTa Santidade efta noda dos
tempos de feu Pontificado, tornando aos feus olhos, & à Uma de feu
juyzo a revifta Sc correição do noíío Concilio : dahi íaya emendado,
cortado Sc efpedaçado: dahi venha de todo anullado, venha feyto em
pò. Porque a cenfura de VoíTa Santidade, qualquer que ella for acei¬
taremos, como he razao,por vinda do Ceo. Doutra maneira não te¬
nho duvida fe não que efte Sínodo afsi como foy o primeiro defpois
dos antigos, ferà também o derradeiro, como jà entre nòs fe pratica.
Porque não cumpre nem eftà bem a efta Província defender noííos de¬
cretos com demandas fem fim. Com brevidade Sc confiança de filho
tenho dito o que entendo deftes negocio; do atrevimento peço perdão.
NoíTo Senhor Scc.

Forão as razões defta carta tão cilio Tridentino. Então fe oppofe

poderofas,quelendoas Sua Santi¬
dade na mefma hora ordenou no¬
va comiffaÕ, Sc mandou que fe
examinaífe o Sinodo na Congre¬
gação dos Cardeaes deputados
pera a declaração do fagrado Cõ-
rão de praça còtra muytos decre¬
tos delie oAgéte delRey,& os pro
curadores dosCabidos & de todo
o Clero da Província Bracarenle:
vierão com embargos, levantarão
duvidas,Sc ouve tantas outras có-
trovtr-
 A rcebijbo de Braga,Primai das Hejpanhas.
troveríías, que fe dilatou o defpa-
cho atè o anno de fetenta &hum,
& em fim veyo aprovado & con¬
firmado pola boa diligencia do
Cardeal Alexandrino freyMiguel
Bonello frade noíTo, & íobrinho
do Papa, 8c com grande gloria do
Arcebifpo, a quem fò fe deve des
da primeira penada que nelíe fe
deu em Braga, atè o final defpa-
cho em Roma»
V.
CAPITVLO XXIII*
Das efmolas cjue faseia em aú¬
no s de eji entidadedo ri
gorque ufaua configo
fera termais que
dar.
s
& '0W- Vv e nefle anno de
I A
fefenta & fete, eílerili-
n
dacle apertada por to¬
das as terras de alem
Douro. E como tinhao precedido
outros annos fracos, começou a
fintirfe muyta falta, & encherfea
cidade de gente miferavel que an¬
dava polas portas bufeando feu
remedio. Porque nauytos que da¬
tes lavravão feu pedaço de terra,
como lhes faltava a mantença,fo-
rão primeiro vendendo as pobres
alfayas, defpois o gado, 8c no ca¬
bo confumido tudo não tendo de
que fuftentarfe, nem com que be¬
neficiar as terras la.rgavao a cafa,
14.fi
corriao à cidade & ao Prelado,de
quem fabiao q eftava com os bra¬
ços, & com os íileiros abertos pe¬
ra receber 8c prover a todos com
paternal amor.E na verdade bem
íe enxergou â mifericordiaDivina
com feiupovo neftes dez, ou doze
annos q correrão atè o de 76/por-
que defearregando nelles por feus
ocultos juyzos fobre as terras de
Portugal, do arco de fua juíla ira
duas cruclifsimas fetas de fome 8c
pelle.abrio juntamente hua fonte
de caridade no peito do Arcebif¬
po,que nu & noutro trabalho foy
vnico refugio 8c cõfolação de to¬
dos, 8c deu vida a híí numero qua
íi infinito.Neíles primeiros anos,
q a necefsidade não era inda tão
gèral,nem tão urgente, alem da ef
moía ordinaria de dinheiro que fe
dava à porta do Paço,mandava re
partir pão amalTado por todos.Iu
tavãofe em hum pateo àvifta do-
deelle comia. Aly lhes infinava
hum Sacerdote a doutrina Chri-
ftã,& logo o mefmo diílribuhia o
pão, &avia muitos dias em que fe
gaftaváo cada dia quinze alquei¬
res. Defpois q foy crecendo a fal¬
ta, 8c a fama delia piedade, erão
os pobres tantos, que avia dias de
quorenta alqueires de pão cozido
de efmola.E o Arcebifpo por acu¬
dir atodosmandou fufpenderos
pagamentos 8c confinações de di
nheiro q dava de fuas rédas peraa
fabrica do Collegio da Copanhis,
Bb z &do
 LiuroIII. da vida de D. Fr. Bcrt.dos AFart.
& do feu Conven to de Viana, di¬ contecendo vir fobre mefa hua
zendo que convinha acudir às pa¬ cayxa de confeitos, chegcu a o
redes vivas com as rendas Ponti- Arcebifpo ao Padre Luys Gon¬
ficaes, rendas mais propriamente çalves, dizendo, coma voífa Re¬
dos pobres,que do Prelado:& ad- verencia, que he manifefiamente
virtia que entretanto ou ceííaílem doente: eu também corr.era, que
as obras naquella contia, ou fe a- me fazem proveito ao eftamago:
pertaílem também os Religiofos, mas pois vejo que nao tocão nel-
&c fizeífem abftinencia , quãdo a les outros velhos que honrão efta
fazia o povo todo có a inclemécia mefa, mao exemplo daria o Ar¬
dos tempos. Com eftas efmolas, cebifpo fe fe moítrafTeamigode
& com as gèraes 8c continuas doces. Dizia fempre que em me¬
que temos dito , que efpalhava fa de Bifpo nao avia de aparecer
por todo o Arcebifpado viíitan- coufa dernafiada. E fencdo advir-
do, & com as particulares & fe- tido hum dia que algúis ociofos
cretas que repartia na cidade, fa¬ motejavao da pobreza com que
zia muyto tolerável o trabalho agafalbava os hofpedcs hum Ar¬
da fome em fua Diocefi. E vendo cebifpo de tanta autoridade 8c
que toda via fe padecia muyto no renda: refpondeo com feverida-
povo, eftreitava cada vez mais de 8c íintimento. Inda nao che-
o gafto de fuapeffoa, &da fua guey a tamanha doudice, que me
mefa, com fer aííaz temperada parecelfe a minha mefa de Pre¬
em todo tempo : patecendolhe lado reformado: antes tenho por
pouca juíliça aver nella abaítan- certo que fe me entràra po/a por¬
ça, quando em todas avia min- ta São Martinho,ou Sío Nico-
goa. Foy diflo boa teftemunha Iao, 8c virão a minha mefa me
o Padre Luy s Gonçalves da Com ouverão de eftranhar as fuper-
panhia de IE SYS hirmão de fluidades delia, 8c darme muy-
Martim Gonçalves da-Camara. tas reprenfoens. Com efte juyzo
Efte Padre fendo Meftre del- que fazia defuas coufas, todas as
Rey Dom Sebaftião , & peíToa vezes, que avião de comer com
tão grave por fua religião 8c Ie- elleos que lhe afsiftião no altar,
jtras, hum dia que foy hofpede quando celebrava em Pontifi¬
do Arcebifpo, em que avia muy- cal , 8c os feus Defembargado-
tos convidados, 8c todos gente res ( que então confintia que ou-
de calidade , não achou maisa- veífe mais largueza na mefa) to¬
lem da vaca 8c fruyta que hum da via pedia o rol das iguarias
pouco de carneiro aliado. E a- que fe ordenavão na cozinha,
òc con-
 Arcebiftode Braga, Primas das Hefvanhasl
& confiadamence rifcava o que
lhe parecia demaíiado. E porque
nãofoífe differente comíigo em
tudo o mais, do que era na mefa,
he coufa certa, que indo cami¬
nho em tempo de inverno, & che
gando à paulada todo molhado
Sc paffado da agoa, como lhe fu-
cedeíTe ao tirar das botas íahir
húa em pedaços,com muyta con¬
fiança a mandou enxugar, 8c to¬
mar a rotura com hús pontos.
Mas como foy enxuta ao fogo fi¬
cou creílada, Sc os pontos arre¬
bentarão, 8c ainda afsi fefervío
delia algus dias. E chegando on¬
de avia officiaes mandava que
de novo lha acomodaflem, ou rc-
mendaíTem. Quando lhe affir-
tnàrão que não tinha concerto,
então ouve de largar ambas man-
dandoas dar a hum pobre com
dinheiro pera as concertar. Di¬
zia eile que afsi como por Prela¬
do fe fintia obrigado a não fazer
demaíia : afsi por frade que era,
tinha efcrupulo de gaftar mais
comíigo que aquitio que hum re¬
li gi o fo pobre precifamente não
eícufava. O que refoltava de con¬
tas tão eftreitas não era enteíbu-
rar o que com elías poupava, fe
não ter mais que dar aos pobres:
Sc daqui nacia aquella fanta per¬
tinácia que por toda a vida guar¬
dou : com que da pobre pitança
que lhe punhão 11a meia , avia
de partir ao julio meyo por meyo
H7
com os pobres : fazendo conca
que era pouco de agradecer a cf-
moía, que fe dá do que fobeja,
Sc que feria mais meritória a que
tirava da boca. E não fazia ifto
fò em fua cafa: mas fe a cafo acer¬
tava a comer em mefa alhea mais
tempo gaitava em cortar pera os
pobres que perafy. Do primeiro
temos dito baftantemente nos li¬
vros atraz. Do fegundo diremo s
logo.
CAPITVLO XXIIII.
Do c ay dado que tinha dospo«
bres comendo em me-
J^a abh eaa
é>
RA muyto aceito ao
Arcebifpo o Doutor
Gregorio Rodriguez
Defembargador de fua
Relação, polia muyta virtude &
rara erudição que nelle avia. Di*
zia Milfa nova hum fobrinho feu,
filho de fua hirmã. Quiz fefte-
jar o dia como era razão , aper=
cebeo hum banquete efplendido:
convidou muytos Defcmbarga*
dores, & outros Eccleíiafticos pe¬
ra a Miífa,& pera a mefa.Soiibec
o Arcebifpo , quiz honrar a fefta
Sc 0 Miffacantãte, cóvidoufe per;
Bb 3 eli;
V
 Livro IIL da vida de D. Fr* Bert. dos Alart.
cila A qujz que foíTe o jantar afti
como eftava aparelhado, dentro
nos paços, & foy hum dos que co
merão a mefa. Ouve na mefa mui
tâ policia,& grande abundancia,
& divçríidade de manjares. Co¬
meçou o Arcebifpo a comer, Sc
não achava fabor no que comia,
porque coníiderava qtiedoalheo
fe bem podia comer, nao era ra¬
zão fazer efmola, & a repartição
que tinha em coftume. Com efte
efcrupulo efteve defgoftado Sc pe
fativo até auafi meya mefa. Mas
nao fe podendo maís ter, chamou
hum dos que fervião, & mandou
dizer ao Doutor Gregorio Rodri-
guez,que a regra de Corte era hu
convidado poder convidar outro,
& porque eftava longe quem elle
poderá trazer, lhe pedia licença
pera dofeu prato o convidar.Ref-
pondeo o Doutor que antes re¬
ceberia niftb mercê, que tudo o q
a li vinha era de fua Senhoria Sc
&dosfeus convidados quejàfa-
bia quem erão. Então ficou def-
aíTombrado , & dandofe por li¬
vre do efcrupulo começou a co¬
mer, & fazer prato pera os po¬
bres, &comogoftoda partilha
comia algua coufa: &nãoíintia
durar a mefa, polo intereíTe que
refultava aos pobres. Coftume
foy efte tão continuo no Arcebif-
po,q achamos por fama q atè dos
xaropes,& purgas quando eftava
enfermo fazia as mefmas parti.
lHas, & fe lhas reprovavão fin-
tia o, Sc pedia que bufcaffem al¬
gum doente a quem ferviflem.
Ordinário he facilitar o coftume
a natureza,& então ficadefculpa-
do o que pudera parecer excefto,
mòrméte fédo a matéria de virtu¬
de. Com tudo não damos defte
mais certeza, que a voz Sc tradi¬
ção commum. Porque nas me¬
mórias que nos vierão âs mãos,
donde tomamos o que vamos ef-
crevendo, não ha nenhúa que tai
aponte; offerecendofe boa occa-
íião no banquete referido, Sc em
outro jantar que também ficou
em lembrança poías muytas te-
ftemunhas que nelleouve, defte
cuidado do Arcebifpo: cujofucef-
fofoy o feguinte. Achoufe hum
dia em Amarante no nofto Con¬
vento Sc cafa de São Gonçalo, Sc
jantava com a Comunidade no re
feitorio. Notarão os Religiofos q
não comia bocado , embebido
todo em cortar Sc apartar pe¬
ra os pobres quanto lhe punhão
diante: & pararão todos íem lan¬
çar mao de nada efperando que o
Arcebifpo ccmeçaífe a comer.
AdvirtiooPrior na corteziados
Frades,mandou dizer ao Arcebif¬
po polo hirmão que fervia, q pois
honrava a mefa da Ordem com
fua prefença,fofíe fervido de aga-
falhar os Religiofos comendo al-
gúa coufa da pobreza que avia,
pera que eiles també comefíem,
que
i
 Arcebifyo de Braga,Frimasdas Hefpanhas,
que por fua caufa eftavão para-
dos.Ouvindo o Arcebifpo efte re¬
cado levantou a voz, &diíTe. Di-
game ao Padre Prior,que diz frey
Bertolameu dos Martyres que fe
ellefora Arcebifpo de Braga, ain¬
da comera menos, Sc repartira
mais com os pobres de Chrifto,
do que come & reparte com elles
quem agora he Arcebifpo de Bra
ga.E toda via foy neceíTario pera
que comeíTe algua couía fegun-
dar o Prior com outra inftancia.
CAPITVLO XXV.
Da repojia que 0 Arcebifpo deu
a quem lheperfuadia que ji-
&ejfe efmolas grojfas, &
alargaffe a maocom
Jeus paren¬
tes,
em tempos muyto
w
Wj
e. antigos ouue quem no
& touhú mao eílilo do
mundo, que he fazer¬
mos pouco cafo da virtude,& vir-
tuofos em quanto os temos pre-
fentes, fofpiramos por elles def-
pois que nos faltão. Em tamanho
exceífo de liberalidade, como foy
a do Arcebifpo,nao faltarão calu¬
niadores agudos daquelles que de
húa legoa enxergão areftas nos o-
lhos do proximo,que notavão nel
Je pontos de efcaccza. Hús dizião
148
quefuas efmolas, fe bê er|o mui*
tas em numero que o nao
negar, erão em contia tão miúdas
que entretinhão,não fàrtavãojta-
pavão a boca, não matavão a fo¬
me: curavão, mas não davãofaude
perfeita: querendo figoifiçar por
tacha de animo curto Sc mefqui-
nho nlo fe alargar nellas, princi¬
palmente com peíToas que podia
de húa vez tirar de miferia com
húa dadiva groífa. Outros fazião-
fe muy de cafa , & avião que era
baixeza Sc hum genero de efqui-
vança muy des humana não fazer
muito em feus parentes, quando
erão pobres: & atreuiãofe a ler de
cadeira regras de Theologia, Sc
caridade a quem era Mettre delia,
Advirtião ao Arcebifpo de tudo
os que pera iflo tinhão entrada Sc
licença: & elle com muyta pacie-
cia & maníidão ouvia, Sc folgava
de eítar à conta com elles como
outro Iob,dando fua razão a pefa-
dos amoeiiadores. Aos primeiros
refpondia que as rendas do Arce-
bifpado elle as tinha por fazenda
própria de todos & de cada hum
dos pobres moradores delle: Sc
fendo afsi fem razão faria, fe por
faivar em claro a necefsidade de
algús, pondoos em eftado que fi-
caífem fartos 6c deícanfados: fi-
zeífe tanta falta a outros,que ficaf
fem morrendo à fome. £ não de¬
via fazer pendor nefta coníídçra-
ção ferem aquelles aventajados
jbb 4
 Limo 111, da vida de D. Lr.BcrtJcs Afart.
em fangue Sc calidades: & eftou-
tros da mais vii efcoria do povo.
Porque fendo,como crão todos fi¬
lhos, nem os baixos fe avião de
deixar perecer por humildes Sc
pequeninos, nem os grandes por
xnais nobres fe avião de fartar a
não poder mais. Que ainda reve¬
rão algua juftiça fe as rendas que
polTuhia forão tao crecidas, q ou¬
ve r a nellas com que encher a hús,
Sc cingir levemente a outros. Mas
O meyodasnecefsidades que defe-
fendo tão curtas como todos la-
bião, pera o mnyto a que convi¬
nha acudir, a boa Theoíogia man
dava, que nenhum filho fe defrau-
daíTe do que foífe feu: Sc o aperto
dos tempos pedia qne fe trataífe
de fuftentar todos, Sc não fartar a
hus Sc deixar perecer outros.
Quanto mais , dizia o Arcebif-
po, quem fe adianta a dar confe-
lhofem fer rogado, tem obriga¬
ção de lançar boas contas fopena
de ficar fenrenceado por duas ve¬
zes ignorante.Veja quem quer de
mim efmolas groífas,onde lança¬
mos o que avia de empregar nel¬
las. Se me moílrarem que o pou¬
po pera fazer tefouro,on que ofòr
ro pera acrecentar eftado &pom-
pa: fe me diílerem q edifico quin¬
tas pera recreação, que alargo a-
pofentos,q me defpendo em dou¬
rados Sc pinturas , que alevanto
criados, que enriqueço parentes,
em tal cafo confeííarei que fobeja
razão a quem me culpar. Mas fe
Deos foy fervido por fuas miferi-
cordias damos animo de não ga¬
itarmos defatinadamete eíTa pou¬
ca réda que fiou de noílas mãos,
Sc eíla não chega, nem pode fu-
prir a mayor emprego,qoe aquel-
le que fazemos, injnítamente nos
julga quem outra coufa quer de
nòs.E não faó menos defarrezoa-
dos os que me querem muyto ca¬
ri do To pera com meus parétes,no
jao remedeadas , & eu v<ejo que
convém remedear. Se meius paré-
tes fe qudxao que lhes dou pou¬
co, lembréfequenacérão pobres
Sc que aífaz faço em os fuflentar
igualandoos com os pobres do
Arcebifpado,aos quaes devo mais
por feu Prelado &Paftor, quea
clíes por feu parente, & amigo.
Aventajallos ou enriqueccllos iífo
não farei nunca em quantto tever
ojuyzo inteiro. Defatino he ref-
peitar mais a carne Sc o fangue,
que a ley de Deos. Mayor defati¬
no negocear pena Sc inferno pera
a minha alma, pera que o corpo
do meu parente tenha gloria Sc
parayfo nefte mundo, nem ainda
no outro. A ley divina he o de
Deos a Deos,& o de Cefar a Ce-
far. Do cafal que herdei de meu
pay poíTo difpor à minha vota de.
Enriquecer o meu fangue como
alheo^qtie fao os bés da Igreja de¬
putados fomente pera obras pias,
não fey Theoíogia que o acõíelhe
nem
 Arcebifyo de Braga,]? rimas das Hefpanhas.
nem confiuta. Condição tinha be
liberai em nome 8c obras o Papa
libefcas Clemente Quarto. Não lhe fal-
p. x. «.ítava riqueza, nem poder pera dif-
vida í/ípenfar comíigo nella. E com tudo
clemen-ds duas filhas que teve avidas de
?t'4' ligitimo matrimonio,a hua fez re-
1 ligiofa có dote de trinta crufados:
8c a outra cafou com hum igual
feu:& avendo que fe alargara de-
mafiadoem trezentos crufados q
lhe deu de cafamento,logo lhe fez
lébrança que em toda a vida não
efperaííe mais delle. Dizia efte
Santo Põtifice que o Papa não ti¬
nha parentes. E fe ifto parecia a.
quem fem detrimento da -igreja
pola grandeza delia,podia honrar ji
& levantar em réda & eftado aos
feus: quanto mais releva aos Pre¬
lados menores de pouco cabedal,
8 c muytas obrigações, que hum
pão que damos mais ao parente,
logo fe enxerga na falta q faz aos
pobres. Afsi filofofava 8c difcor-
riao Arcebiípo, 8c com apofioli-
caconftancia o executava. Enão
em menos grao,que com fua pró¬
pria hirmã Sor Caterinado Spi-
rito Santo Religioía de muyto me
recimentono noíío morteiro da
Rofa de Lisboa, que fendo mo-
lher enferma, 8c fem outro empa-
ro no mundo nuca pode aver dèl-
le mais que feis mil reis de tença:
Sc tantos affirmava o Arcebifpo
que mandava fe gaftaíTem menos
fia fua mefa cada ãno,pera fe quie¬
tar, & cuidar que lhos dava çom
boa conciécia. E pagaValho Deos
(bemaventurado quem íò em elle
fia) porque ordenou que fem tor-
fer hum fio della^calfem feus pa*
rentes ricos & acrecentados, co*
mo veremos no capitulo fegpipte,
CAPITVLO XXVI. è
• I
Vagão as Alcaydarias mores
da cidade de Braga,&Erue-
dedo: froue nellas o Arce-
bifpo a Franctfco vau
dofm pa¬
rente.
Nome & offíciode
m Alcayde mòr he couf*
muy antiga nefte rey-
0 no, introduzido 8c ufa
do em todas as cidades, 8c villas
grandes, 8c fortalezas delle, de$
do tépo que fe foy libertando do
jugo dos Mouros q rantos annos
opprimirão Efpanha. Onomehe
barbaro, a fignificação, Capitão,
8 c o officio he fer cabeça 8c prefi?
déte no minifterio da guerra.Por»
que a primeira coufa que os Reys
fazfãoem tomando qualquer lu¬
gar aos Mouros, era nomear pef-
foa de valor 8c cõfiança que o go-
vcroaífe, vigiarte 8c defendeíle. E
como os barbaros que fufiétavão
as terras fronteiras uiavão do no-
me de Alcaydes: aquella idade
pouco
 Livro 11L da vida de D. Fr. Bert. dos JVfart.
pouco atilada ferviafe també nas
fu as do nome dos enemigos. E que fem tirar nada dos bês Eccíe-
efte perfevera oje íem nenhiia dif-
ferença do cargo Sc nome, mais q
na palavra,mòr,a cjual íeacrecen-
tou pera diftinção do Alcayde pe¬
queno,que nos primeiros tempos
era como fuítituto ou tenente, Sc
Capitão do Caftello por nomea¬
ção 'Sc provimento do Alcayde
mòr pera íervir em fu a aufenciar
Sc corrédo o tempo ficou em ge¬
ne ro de officio na Republica, Sc
ufa de vara.&tem lugar em muy
tas coufas como membro de jufti-
ça.Em todos eftes lugares ha cer¬
tos direitos que fao como propi¬
nas, ou precalços,que de coftume
antigo pertencem aos Alcaydes
mores, que fazem o titulo àlé de
honrofo, tambê rendofo,em húas
partes mais,& noutras menos,fe-
gnndo a calidade Sc íicio das cer¬
ras. No Arcebifpado de Braga ha
duas Alcayderias mores, que os
Arcebifpos como fenhores tem-
poraes das terras prouem nas pef
foas que lhes parece, provimento
que dura em vida do poíTuydor,
Sc não paífa ao herdeiro íenão
por nova mercê. He hua da cida¬
de de Braga, Sc outra do muy an¬
tigo couto de Ervededo,a primei¬
ra de mais calidade, Sc menos pro
veito: afegunda menos autoriza¬
da,mas bem rendofa. Ambas vie-
rão a vagar em differentes tépos,
defpois do Arcebifpo entrar em
Braga,ordenandoo afsi Deos pera
fíafticos teveífe com que favore¬
cer feu fãguc. Tinha o Arcebifpo
coníigo hum parente, a quem àlé
da razão do parentefco amava, Sc
eftimava muito polas boas partes
que nelle avia: chamavafeFrancif
coVaz, filho de Anconio Vaz Ca¬
pitão da carreyra da Mina, Sc fo-
srinho doPatrão mòrSimão Vaz.
Afsi nos cofiou por hua carta do
Arcebifpo pera a Raynlha Dona
Carerina quando goverrnava efte
rcyno,efcrita em Braga em 17. de
Fevereyro de 1561.na qual lhe pe¬
de mãde ver em juftiça osreque-
% rimentos de pay Sc filho, & cha¬
ma ao Antonio Vaz Capitão per¬
petuo da carreira da mina,& affir
mater ferviçodequaréta annos.
E declarando que faõ feus paren¬
tes ajunta que não he fina tenção
valerlhes com favor (izenção na¬
tural do Arcebifpo,mas juntam é-
te confiança na jaíliça dos enco¬
mendados. ) Efta carta nos foy
comunicada da torre do Tombo,
que heo cartorio geral do reyno,
polo Licenciado Gafpar Aluares
deLoufada Machado, que mais
vezes nomearemos ao diãte, por¬
que lhe deve efta hiftoria muytos
particulares, Sc antiguidades que
ja eftavão enterradas: Sc tenho
por acertada a fentença. Obnoxlj Vlin. h »
frologo
profeãò animi eíl deprebendi w furto
nat.hisi.
malle} cptàm mutmm nddm. Que
he
 ArcebiftodeB raga3 Primas das Hefpanhas,
heo meímo que dizer. He de ani¬
mo cativo & bayxo querer antes
fer tomado cõ o furto nas mãos,
que tornar o feu a feu dono. Acho
em algúas lembranças, Franciíco
Vaz com apelido de Tèlo deque
a carta não faz menção. Tarda-
valhe a remuneração da terra, a-
cudio a do Ceo. Vagou a Alcay-
deria môr de Braga,deulha o Ar-
cebifpo:& ainda que a renda era
curta pera fuitétar familia de mo-
lher &. filhos, foy payrando & re-
medeandofe com prudência polo
efcrupulo que o Arcebifpo fazia
de defpender largo dos bés Eccie-
íiafticos com gente fuatatèque va
gou a Alcayderia mòr do couta
de Ervededo que rendia fete cen¬
tos mil reis, & o Arcebifpo lha
deu a titulo de cafaméto pera húa
filha. Mas com os olhos nos po¬
bres do Arcebifpado,pozlhe con¬
dição que dentro de termo preci-
fo lhe prefentaria hu letrado ley-
go, de quem elle Arcebifpo fe co-
tentalíe, pera poder fervir na fua
Relação: & ferviria oyto annos
fem eífipendio.Noque fazia con¬
ta,que tanto ihe tomava da renda
pera os pobres, quanto montava
o eftipendiotmas em outras infor¬
mações achamos , que fobre efta
condição lhe não dava inda mais
que ametade da réda, vifta a grof-
fura della:o que facilméte me faz
crer, o rigor que com fua hirmã
ufava. Porem os merecimétos de
ISO
taojuftodefpenfeiro fu pri ao on¬
de eílreitava a juíhça. Defpois ou¬
ve Dona Ioana Corrêa filha de
Frandfco Vaz, toda a renda in fo-
lidum, caiando com Lopo Soares
Secretario do eítado; vencidas al-
guas diffícuidades que nacèrão
da condição referida. E Dona Lia
nor Corrêa fua h‘rmã ficou com
a Alcayderia mòr de Braga dan-
dolhao Arcebifpo pera leu cafa-
mento, & cafou cõ o Doutor Ber-
tolameu Rodrigues Lucas,Corre¬
gedor do crime da Corte em Lif«
boa. A terceira filha Dona Luyza
de Lacerda por ultima não ficou
deíèmparada: cafou com Fernão
de Caiíro Alcayde mòr de Mel-
gaço, & fenhor do Reguengo de
Freitas junto a Guimarães.Dos fi¬
lhos o mais velho Pero Vaz Cor¬
rêa foy fervir elRey àíndia, & vin
do a feus requerimentos fàleceo
na viagem,& deixou hu m filho,q
he Duarte Corrêa de Soufa eferi-
úo da Camara de íuaMageftade.
Aofegundo quefeguio as letras
foy o Arcebifpo provendo em be¬
nefícios como começou a fer idó¬
nea no ferviço da Igreja, atè o fa¬
zer Coneg) na Sé de Braga : don¬
de fobia a Bifpo de Cey ta, &.ulti-
mamente de Portalegre com no¬
me de Dom Diogo Corrêa, & fa¬
ma de bo ■ Prelado. Afsi proveo
o Arcebifpo ao feu modo pay &
filhos fem déminuição nem frau¬
de das rendas da Igreja, que avia
por
 Liuro III. da vida de D. F?\ BertJosMart.
por fazenda alheya,& não fua:
por iílo foy Deos fervido que fi-
caífem ricos Sc adiantados no mu
do. E porque tratamos de paren¬
tes do Arcebilpo fera bem que fi¬
que aqui dito, como lhe nao fica¬
rão outros,Sc duas hirmas que fó
teve,hua foy Religiofa, de que fal¬
íamos no capitulo precedente:oti-
tra cafou,& não deixou geração.
CAPITVLO XXVII.
Comofeouue o Arctbiffo com
hííapejfo aferida defefteq
yediaconfiffao.
T, g OMOS chegados a
termos com efta hifto-
II
4
ria que a nao pode-
mos profeguir por fu-
ceílos diftintos Sc continuados
cada anno, como fizemos até o de
fefenta & fete. Porque né em to¬
dos acontecerão coufas dignas de
memória: nem ifto fao annaes de
Reyno que fempre dão algua oc-
cafião de efcrever. E as hiftorias
dos Santos he forçado levaré dif-
ference ordem de narração , vifto
como aquelles que forão prefen-
tes às obras heroycas que fíze-
rão, & de quem nòs as recebe¬
mos,não teverão tanta curiofida*
de, que notaíTem em todas anno
Sc dia,como ja me tenho queixa¬
do em aleua parte deftes efcritost
U 4
Sc por ventura não eftenaiaool
Ôc penfamentos a que poderia vir té-
po,quealguéas pediíTepera lhes
procurar vida Sc memória como
agora fazemos. Afsi nao foy fem
trabalho o que até aqui fomos te¬
cendo com húa pouca de ordé,al¬
cançando os tempos de algus fuc-
ceííbs por congeituras, & como
adivinhando. E de boa vontade
nos empregamos nefte cuydado,
porque conhecemos quanto he
maisfaborofa, Sc íefaz nnais efti-
mar a hiftoria q vay digerida por
annos,& ainda por dias fe pudera
fer. Daqui em diante iramos fo-
brefaltando annos,mas fmpre fa
remos diligécia por dar agua cer¬
teza ou luz do tempo era que ca-
hirem as coufas que coitarmos.
Deixamos o Arcebifpo en Braga
contra o fim do anno deéfenta&
de fete,de/pois de vifitado ofegundo
terço do Arcebifpado,nafegunda
volta que tinha começado no an¬
no atraz: Sc dahi fomos infiando
algús fuce íTos, que fabidaméte foi
feu lugar a cidade, fe bé faltamos
na averiguação precifa que não
pudemos alcançar do tempo em
que acontecerão; Sc por occafião
deftes continuamos outros, como
dependentes dellesrmas foy caufa
principal não lhe fintirmos lugar
mais a propofito em tudo o q nos
refta por efcreVer. No anno fe-
guinte de 1568.acabou eftafegun-
da carreira de todo o Arcebifpa-
do vifitado 0 ultimo terco.E
a*
nefta
continua
 Arcebifoo de B raga3 Primas das Hefpanhas.
continua toda de trabalho enten-
deo regularmente andando c]iiaíí
femprc polo A.rcebifpado femfe
poupar nem defcançar, fe nao era
nos tempos de Advento 6c Qua-
refma que os Prelados tem obri¬
gação de aísiftir em íuas Catre-
daes. E íabido que guardou eíta
ordem em todos os vinte tres an-
nos de fua Prelacia, como algúas
vezes temos tocado, nao ha pera
que hirmos traz elle, &cançar-
mos também. £ paliaremos a hu
aélo de piedade que ufou com
hua enferma, que fe lhe não der¬
mos nome de rnais que extraor¬
dinária,diremos pouco.He tãojfo-
bida de ponto que entre as muy-
croycas merece contada. Efuce-
deo na entrada do anno de feten-
ta pola razão que logo diremos.
Foy o anno de 1568. infelicifsimo
pera elle revno: porque nelle teve
principio o cruelifsimo fogo de
peide que o correo 6c abrazou to¬
do com mortandade de infimtas
gentes. Paliava de quaréta annos
que a cidade de Lisboa gofava de
hua corrente continua de tempos
benignos 6c falutiferos, quãdo no
princípio defte, avendo precedido
grande 6c defacoftumada força de
agoas todo o inverno,&fobrevin-
do efpeífas névoas,que no íitio de
fy humidifsimo íaõ prejudiciaes,
começarão a íintirfe géralmente
eriíipulas & carbúnculos com fe¬
bres de mà caiidade,que dando
1yr
em hua cafa fe pegavao, 8c cor
riaõ por todos: logo fe forão def-
cobrindo forças de mayor vene¬
no, em pintas ôc inchaços, com
mortes arrebatadas. Não era o
maide todo conhecido, davãofe
outras caufas à violência dos acci-
dentes,& ao acabar repentino, &
nao faltava quem com medo de
fe ver defemparado da compa¬
nhia,ou lançado delia,ou difsimu-
lava ou negava. Afsi fe veyo a fol-
tar em contagiao Sc ar corruto
com tal faria que fazendo effdtos
de fogo ardente podemos dizer
que deixou aquella cidade aííola-
da.Davafe a razão deíle mal entre
os que medem codas as coufas aos
palmos humanos, q nos viera de
Veneza envolto em mercado-
rias.Rafleiros difcurfos.Não duvi
do que palia, 6c pode paliar por
eíles meyosdehús lugares a ou¬
tros em tanta,& em mayor diftã-
cia, 6c que faõ acertadas as dilige-
cias 6c O
guarda dos lugares
O
inficio-
nados,como o eftivera Veneza an
tes de Lisboa. Mas os que fomos
Chriftãos,& q damos a Deos 6c a
fua providencia (como he razão)
todo o governo 8c poder das cou¬
fas humanas, a principio mais al¬
to devemos referir acoutes tao
horrendos.Na mercadoria de pec
cados he certifsima a peite, 6c to¬
dos os outros males.Sahiaofeosq
podiao da terra, 6c como levavao
ja 0 mal configo, nos lugares de
Cc ar pu-
 Liuro III. da vida âe D. Fr.BertJosMart.
ar puro & fadio fazia effeitos de
polvora que faz mais força onde
acha mayor refidencia. Era tão
violento que tudo abrafava. Afsi
foy lavrando por todo o reyno de
forte , que quafi não ficou lugar
izento de contagiaò. E como hia
caminhando ao paíío dos que o
levavaõ confígo de hús lugares
a outros, os que mais diifan*
tes eftavaó de Lisboa, foraõ os
que mais tarde o fintiraõ. Quan¬
do chegou a alem Douro era jà
por fim do anno de fefenta 8c no¬
ve , 8c principio de fetenta. Em
Viana como em lugar de mais
comerciodeu juntamente em ca-
fas di Aferentes , ateoufe o fogo,
revolveofe a terra , tratou cada
hum de fogir, que naõ ha outro
meyo de efcapar, fe fe toma com
cedo. Defte fe quiz valer húa Do¬
na das nobres da villa, mas nao
foy taõ a tempo como devera,
porque levava ja faifcas no feyo
fem as entender. Meteofe em hu
barco , foyfe rio arriba. Antes de
chegar a Ponte de Lima lavrarão
as fayfcas, levantarão labaredas,
fenteíe a pobre fenhora ferida.
Defembarca junto de Ponte de
Lima , metefe na primeira cafa
que achou de hum lavrador. Era
difcreta & boa Chrifta m, acudio
íogo aos remedios da alma, que
fempre devem fer os primeiros
em quem defeja fegurar os do
corpo. Mandou fazer diligencia
por confeffor. He o mal da peftè
fempre temerofo, mas nos princí¬
pios fò o medo bafta pera matar.
Não achou quem lhe valeííe,nem
â alma nem ao corpo.O defempa-
ro, o lugar, o pavor, a força do
veneno hião confumindopor mo¬
mentos a fraca candea da vidá
(que menos enemigos baftão co-
tra hum corpo humano) entrou
em artigo de morte. Foy fua ven¬
tura que andava o Arcebifpona
mefma conjunção viíitando por
àquelles montes, 8c não longe do
em que fe achava a enferma. Co¬
mo era o primeiro rebate foy
grande a inquietação nos vizi¬
nhos 8c revolta por toda a terra,
8c chegou ao Arcebifpo.Nomef-
mo ponto que o piadofo Prelado
teve informação do que paífava
fem meter tempo em meyo dei¬
xou tudo: fae de cafa & poemfe
a caminho pera hir cotnfeilar a fe¬
rida. Acraveílàrãofe os de cafa
com rogos, 8c alguas pelíoasno-
bres da terra que com ellefea-
chavão, com proteftos 8c reque¬
rimentos, que fazia remeridade
em offerecer fua peífoa a tão ma*
nifefto perigo, Òc nella todo o bé
do Arcebifpado que de fua vida
dependia. Nada o detinha, cami¬
nhava 8c apertava o palTo por
chegar a tempo , 8c de todos
com húa fò razão íe defendia.
Sou feu paftor , he ovelha mi¬
nha , pede confiíTaó em arti¬
go de
 Arcebifyo de Braga, Primas das Hejpanhas,
go dô morte,não ha quem và, eu
íou obrigado a hir.Nao poíTo dei¬
xar de hir, nem deixarei de hir.
FoíTe honra, ou vergonha, ou á-
mor de tão bom amo, refolveofe
hum defeus capellaes tomar fo-
bre fy o perigo : foy correndo,
pozfe diante do Arcebifpo.pedio-
íhe licença, 8c a bênção pera en¬
trar em feu lugar. Comoeílevio
que avia confeíTor,tornoufe. Não
falta quem afhrme que o Arce-
bifpo a confeífou. Mas na verda¬
de onde a determinação foy tão
verdadeira & confiante não lhe
fica devendo nada a ultima exe¬
cução da obra. E não fe pode du¬
vidar que teve o merecimento pe¬
ra com Deos dobompaftor que
poem a vida polas ovelhas,fcgun-
do as palavras do devotifsimo
Bermtr. Bernardo. Quantum njis, tantum
in ôpufc. menrisjrj> quantum crefcittuabona
hmc 8. <voluntas , tantum crejcit meritum
tuum.Crece o merecimento â me¬
dida de hua boa vontade, & quã-
ro quereis , tanto mereceis. Fa-
leceo a enferma, mas confeffada
pola boa diligencia do Prelado,
fenao foy por fua peífoa. O ma¬
rido levantou húa hermida no lu¬
gar em que foy enterrada. E ain¬
da que as pedras delia foíTem de
natureza de bronze , não perpe¬
tuarão tanto a memória da de¬
funta,como a terà viva o animofo
& Apoftolico feito do Arcebif-
po.
»
IS2
CAPITVLO XXVIII.
Recolhefeo Arcebifpo em Bra¬
ga Çabendo que auia neíla
pejle declarada: (jf ap
fijle na cidade em
quanto du¬
rou.
■ STovia! e o At-
cebifpo a vi fitar de in-
verno polo muyto que
tinha cjue correr, 8c
porque o coftume he fazia jà to¬
leráveis todas as inclemências do
tempo, & toda via fe paíTavão me
lhor por eftas rerras deCeomais
benigno como vizinhas ao mar.
Hia jà de volta pera Braga, &
afíaz laftimado doeífado em que
ficava Viana,& do cafo que quafi
tevera entre mãos, quando lhe
chegou recado da cidade de reba¬
tes 8c mal declarado neíla, & me¬
do tao crecido,que os morado¬
res a defpejavão a quem mais po¬
dia. Cercado de nova afflição deu
preífa a caminhar com animo de
acudir com fua peíToa & prefen-
ça aos fubditos, &foyfe ao mo-
fteyro de São Fru&uofo, feu re¬
fugio 8c recreação antiga nos
remates das vifitações compri¬
das, não pera fe deter como co-
ftumava, mas pera fe informar
com certeza do que paliava.
Cc a Tato
 Liuro IIL da Ma de D. Fr. Bert.dos Adart.
Tanto q na cidade fe íbube de fua
chegada,& da tenção com que vi
nha, fizerão juta a gente principal
lie aínda avia, com os officiaeS
o governo Ecclefiaftico &fecu-
iar , & acordarão irem todos a
Fru&uofo, & impidiré comobõs
vaílâlos a entrada do Arcebifpo.
Mas não forão tão diligentes na
execução do acordo, como o foy
o Arceb;fponoq també configo
tinha tomado. Encontraõno, que
vinha apè co o rolto na cidade,cõ
a mefma confiança 8c animo com
que a pudera hir demandar no té-
po demais perfeita faude. Apeà-
íãofe,vãofe a elle, proteíião como
vaííalios, requerem como filhos,
rogão como amigos, que por ne- *
nhum caio queira acometer en*
trar na cidade, onde a contagião
era defcuberta,& o ar inficionado
& mais perigoíb pera qué hia de
fora.Que he tentar a Deos entrar
em tal coujunção, fendo afsi q fua
peííoa viva & fam,era de mais im
portancia pera o bé de todos em
qualquer parte q eftiveííe,q não
dentro na cidade c5 rifco de adoe
cerou de morrer,que qualquer
deitas coufas q aconteceffe , feria
affolarfe de todo a terra, & oArce
bifpado.Moftrou o Arcebifpo efti
mar a boa vontade & zelo q mo-
ftravão de fua faude, & dandolhes
os agradecimétos,refpõdeo, q to¬
das as razões q aliegavão pera lhe
dlorvarc os paílos q hia dãdo,ef-
fas mefmas o obrigavão a aprelíal
los. Se o mal era declarado, fe tão
forte & impetuofo, q os pays fo-
giaõ dos fi hos , 8c os filhos dos
pays, pello rrefmo cafocupriaa-
S. cudir eile q tinha obrigaçaode fo-
correr a todos, 8c não deféparar a
nenhú.Se fua peííoa era de impor
tãcia como dizião, cõ osnecefsita
dos o avia de moíírar: & ifto avia
de fer afsiiíindo cõ elles no traba¬
lho,& no perigo.Que não era bo
Capitão quem fe punha em falyo
quãdo os íoldados pele javãornem
bõ paííor qué lhe íofria o coração
Ver de outeiro o perigo das ove-
lbas.Nem feria amigo verdadeiro
do Paílor quem em tal tempo lhe
âconíelhaífe fazer falta em feu of-
ficio.Afsi lhes hia dizédo 8c camí
nhando com muita quietação &
boa fombra, & cõ a mefma fe foy
meterem íeusPaços. Em chega¬
do começou logo a entéder no re-
medio dos éfermos,&prefervação
dosfaõs. O primeiro foy ordenar
húa cafa grãde & capaz fòra da ci
dade, õde chamão a defeza nova,
lugar defabafado & fàdioypera re¬
colher 8c curar os feridos cõMedi
co,Cirurgião,&Barbeiro}CQtinos
8c afsiílétes:& cõ miniftros & fer
vidores pera o governo & fuífen-
tação de todos. Efta fazia prover
com abundancia de todo o necef-
fario , 8c atè mimos fobejavão.
Pera o efpiritual mandou dous
Sacerdotes com ordem de o avi-
farem
 Arcebifyo de Braga, Vrimas das Hefvanhas.
farcm de tudo o que viífem fer ne
ceífario no efprimal Sc têmpora!,
dadolhes pormais encomédados
&cm cabeceira de rol os pobres
mais defemparados. Na cidade
nomeou porGuarda da faude hua
peíToa de virtude & cuydado, a q
deu miniftros que lhe afsií-fííem,
hús pera vigiarem Sc correrem a
terra, «Si faberem dos cj adoecião,
Sc tolherem a comunicação dos
vifinhos. Outros pera levarem fó»
ra da cidade os enfermos, Sc en¬
terrarem os que faleciao. E eífes
fervião defpois de tirarem o fato
inficionado Sc purificarem as ca-
fas. Levàraofe logo todos os feri¬
dos com feu fato à cafa que diífe-
moSjque chamarão da faude, Sc o
foy pera muitos. Apartàrãofe a oit
tro lugar os impedidos por comu¬
nicação dos enfermos. Viíitava o
Arcebifpo todos, Secada dia,toma
do informação dos Médicos do e-
ftado de cada hu,& do q covinha
pera teré faude, Sc dos officiaes fe
faltava algua coufa.Quem fe não
avia de animar com tal enfermei¬
ro ? Affirmafe que trazia todos os
fintidos tão roubados deftefò cui¬
dado, que de fy fe não lembrava,
Sc cm todo o tempo que durou o
trabalho na cidade não pode aca¬
bar coníigo tomar hua hora pera
cortar o cabello, E fazendolhe
lembrança hum familiar, refpon-
deoeftas palavras. Quando a ef-
pofa padece,agravo lhe faríamos,
2 jj
fe me não efqueceííe de mim»
Deixaima ver fam , Sc logo me
vereis enfeitado. E porque ie ave¬
riguava que toda a enfermidade
prefente procedera de comuni¬
cação de gente de fora, mandou
fazer rignrofa guarda nas portas
da cidade dos lugares inficiona¬
dos. E pera atalhar a corrupção
do ar, encomendou aos do gover-'
no alguas particularidades de im -1
portancia, que forão fazer gran¬
des fogueiras por todas as praças
Sc ruas, meter gado na cidade, &
purificada deimmundicias, Com
efta boa ordem , & com elle afsi-
ftir em tudo com fua vigilância,1
Sc fem nenhum refguardo ex¬
traordinário de fua peffoa, odora-
tus efi Dominus facrificium ( que fa-
crificio foy verdadeiro o q fez de
fua peíToa neíla occafiãoj &foy
o mal muyto menos do que fe te¬
mia, Sc do q penetrou por outras
cidades do reyno.E particuíarmé-
tc montou fua afsiftécia pera não
padecerem os pobres, nem fe def-
pejar a cidade, Sc continuarem os
officios divinos em todas as Igre¬
jas , Sc ainda q os mais dos Cone»
gos &dignidades da Sè fe fahirão,
com tudo não ouve Cura d almas
que à vifta de tal exemplo como ti
nhao no Prelado, deixaífe feus fre
guefes.Mas ao longe foou mais a
fama defte valor. Fallavafe neile
por todo o reyno, como em hua
coufa prodigiofa: já ficava atraz
Cc 3 tudo
 L ivro 11/, a vida de D .Fr.Bert.dosAIart.
*
tudo o que dantes efpantava,apo-
breza própria, o dar tudo aos po¬
bres Tem referva de nada pera fy,
nem pera os feus, o trabalhar po«
las almas, a oração, os jejús, a pe¬
nitencia. Porque na verdade co¬
mo a confervação da vida he cou
fa tão natural, 8c o fer liberal del¬
ia encontra todo entendimento,
gerava nos ânimos dos homés bú
novo efpanto o defprezo que vião
fazer delia ao Arcebifpo. E efti-
mavafe a obra como moeda dos
tempos muy antigos, que íe def-
conhece por aver muitos que não
corre, mas prezaíe 8c entezouraíè
não fò pola valia do metal aven-
tajado, fenão por coufaeftranha
Sc rara no mundo, & polo preço
& veneração da antiguidade , co¬
mo o contara o capitulo feguince.
CAPITVLO XXIX.
\Mandao elRey domSibafiiao,
(tf o Cardeal ijfanteao Arcebif
fo quefe [aya de Braga for
raZjãodaPejle: efujafeo
jircebifyo, (tf conti¬
nua em [ua a[si-
Jlencia.
Hegov à Corte a delia o tempo em que forão eícri-
ÉiÈtf, fama da valerofa deter
roinaçã° cõ que o Ar-
- Cebiipo fe fez enfermei
rode feus fubditos encerrandofe
com elles, 8c governandoos com
o amor que temos contado. E co¬
mo he ordinário pafmarcm todos
os homés em quem faz coufa, a q
ninguém fe atreve : celebravafe a
obra com eípanto em todas as cõ-
verfações , 8c com o mefmo a le¬
varão os fidalgos a elRey (parece
que não avia então de quem fe cõ
taífe outro tanto.) Era elRey ge*
nerofifsimo de animo,foubea efti-
marnoque merecia (nao tinha
então perfeitos dezefette annosJ&
julgando por muyto digno de vi¬
da quem tão pouco cafo fazia del-
Ila, eicreveoihe que fe fahilTe da ci
dade,& em fua peífoa teveíTe to¬
do refguardo, 8c que 1 he agrade¬
ceria comprillo afsi, porque das
vidas como a fua,tinha elle muyto
goito , 8c feu reyno necefsidade.
No mefmo argumento lhe efcre-
veo o Cardeal Iffante dom Anri-
que, fenão que fe alargava mais
com elle em palavras de muita hõ
ra & amor. Os origmaes deftas
cartas não chegarão a noífas
mãos ,fò alcançamos o da repoíla
que o Arcebifpo deu acarta do
Cardeal, com a qual fe fica enté-
dendo baftantemente a fuftancia
de ambas, & íuprindoafalta qae
nos fazem.Iuntamente colligimos
tas,& que toda via dura o traba¬
lho em Braga polo mez de Março
de 15 70. por todas eftas razões
nos pareceo treíladallaaqui.
CARTA
 Arcebifyo de Braga,PrimasdasHcfpartha$%

V
CARTA.

Era & xterna celfitudo. No primeiro defie mezjecebi bua carta de

V. A. confejfo que afsi me alegrou o grande pinai de amor que V.A.me
mojlra comfa^er cafo de nimba nnda tf faude, como grandemente me
lafiima o ejpiritogver que me manda coufa,que eu fegundo Deos tf minha cof-
ciencia naopojfo compnr fem de [obedecer,tf offender ao mefmo Deos\ Com ne-
nbúa outra me confolo fendo com ter por certo, que fe V. A.je achara oje neíta
terra,tf mira polo miudo o que nellapafa, tf quantos efcandalos, dejemparos,
defmayosjtf defconfolaçoes hayde fe temer que mepojfo aufentar • com mil cen-
furas me obrigara,ainda que eu nao quisera, a efiar nella. No principio de Fe-
uereiro falecerão algúas pejfoas fem fe faber de que, tf pojlo que nesta terra era
coufanaoouuidanem conhecidaestemal, todavia nao faltarão algús receyos
tf congeituras deferpejie. Mas quando aos de^do mefmo mecço Doutor Lou-
renço Vieyra Chriítao velho bomfifico,letrado, tf exprimentado Jèrefolueo tf
declarou que algús doentes que auia,erao feridos do mal ,foy coufa efpantofa- q
filuoroço, tf defacordo que ouue ne(la cidade aquelle dia tf o feguinte. Súbita«
mente fe fahirao as duas partes dos mor adores,como que fogirao de morte certa,
tf os que ficarão tudo foy gentepobre,tf algús muyto poucos dogouerno .E ain-
da eftesjedetem com'Vergonha de meterem: tf afstelles como todos os mais
pobres (que todos os defia terra commummente fao pobres) fe nao dejmayão he
por me verem nella,tf entenderem que no que conuem afsi a cura dos doentes,
tf remedio delles: como ao dosfaos nao lhes ha de faltar o necefiario neíta cafa
em quanto eu puder. As dignidades da Sè todos fe aumentarão, tf a mayor par*
tedos Conegos. Ejles que ficarão que facçem o officia diuino arreceyo quefeme
viremfahtr,todos fe aumentem,tf fique aSèfem auet quem afrua. Alem defias
razfies o açoute do Senhor na ay brando ate gora. E ha tres dias que nao adoece
ninguém. Os mortos atègorafao nainte mminos, onge molhem, tf tres bomes,
Na cafa da faude eílão catorze feridos,tf Mera vmtotto conualecentes, quejà
fe começao a erguer.E afsi efies como os impedidos fe poferão todos em búa defe-
cçafòra da cidade em cafas que lhefilemos onde. fao curados tf fuflentados com
toda caridade pofsiuel. Efeme agora mirem aumentar, temo que morrão de pu¬
ro medo,alem domao exemplo que com ifio darei aos outros Bifpos ,tf Reytores.
Porque nao faltão Abbades que me efcreuem tf prometem que por meu exemplo
inda que apeííe venha a fuas freguefias as não defempararão, antes efperarão a
pè quedo,tf fe deixarão morrer entreJeus freguefes. Pelo quepeçoa F. A.me fa¬
ça mercê nao tão fomente de me nao obrigar a fahir defia ctdade, mas ainda de
Çc 4 meauer
 Liuro 1II. da vida de D. Fr.Bert.dos Mart.
m auer delReJ nojfofcnhor licença per afear nella, &f comprir com minha obri¬
gação,porque naopofú acabar outra coufa com minha conciencia. Nofo Senhor
a-vida tf Real estado de yofa Alteia çonferue em toda a verdadeira profperi-
dade. Em Braga 4. de Março de 1570.
Capellao tf feruo de vojfa Alteza.
Do tempo em que efla carta feef-
creveo podemos formar hum ar¬
gumento bem efficaz da grande
conta que dí<ey, 8c os Príncipes
que então avia,fazião da peííoa
4o Arcebifpo. Porque pola nar¬
rativa confta que 0 mai íe defeo-
brio aos dez de Fevereiro. E qua-
do chegou a nova ao Arcebifpo,
devia fcr jà.aos doze,dado que an¬
dava perto , pois o avifavao da ci¬
dade defpejada:& dandolhe dons
dias de detçnça em S. Fruduofo,
parece que entrou na cidade aos
catorze.Se ouve tanta curiofidade
em Braga,que no mefmo dia fe ef-
creveiTe á Corte fua entrada,bem
erão neceílarios fete dias pera che
garem as cartas: os quaes juntos
com catorze fazem vinte & hum
dias do mez de Fevereyro.No bre
ve termo que refta ate o primeiro
de Março., qqe fby quando o Ar-
cebiípo recebeo as cartas,foy for-
çadqque tudo fe fizeíTc repenti¬
namente , determinarfe o que fc
avia de eferever', mandarefe fazer
as cartas polos Secretários, & par¬
tir o correyo, & caminhar com
£
o Arcebifpo Primas.
eftravagante preíTa:vinonãoaver
poftas pera efta parte. Afsi pare¬
ce bem ao claro que do muyto q
foy íintido o perigo do Arcebifpo
naceo a extraordinária diligencia
com que elRey,& o IfFaite quife-
rãoquefoífe advirtidobdefviaF
fe de le.HÕra grande & defacoílu
mada,mas bem merecida.
CAPITVLO XXX.
Como fe auia nefles tempos na
arrecadaçao (jf difírtiai*
çao de fitas rendas (jf
como cejfoua
pejte.
Asto v muyto 6
I Arcebifpo de fuas re-
das no tempo QUe du-
rou efte maf ai< de „
dofe extinguir. Porq os falarios
dos que ferviãoerãograndes, 6c
com a preíla 6c aperto não fe po¬
dia ter conta,nem pelo, nem me¬
dida 110 q fc dava: perdiãofe mui¬
tas coufas de comida 6c de mezi¬
nhas
 Arcebifyode B ragd3 e 4
nhas,todas cuftofas: oiltras fc fur- éftreitas diligências, 8c pergunta¬
tavão (que até âvifta da morte do elíe mefmo ém occafioes o co¬
faz a cobiça feii ofdcioj fobre tu- mo fe avião:&fe lhe chegava que
d oa condição do Prelado que fò algum rendeiro fazia extorfaõ ás
pera coníigo queria taxa, coai os partes, logo lhe mandava tirar a
necefsitados não fabia cer ne.- renda.Delia maneira enfreava co
nhfia. Nos outros annos manda¬ biças, crueldades,queixas, 8c fuas
va que lhe não fobejaífe nada, né rendas erao arrecadadas com fua-
ouveíTe poupado no cabo de cada vidade.E iífo que delias lhe ficava
hum nem hum fò real: agora que livre defpois de pagas as obriga¬
o povo & todos padecião, com ções, &confinações que atraz co¬
grande affouteza mandava que fe tamos, que tudo fe repartia em ef
empenhaíTem as rendas , que fe mollas (8c podemos dizer que ror
pediíTe empreftado , 8c todo o nava aos mefmos que 0 davãojco
meyo fe ufaíTe porque não pere- mo era avido fem violécia, 8c fem
ceífem por íua culpa fuas ove¬ lagrimas nem moleftiáde ningué,
lhas.E com tudo he muito de no¬ era fazenda como dizem de bên¬
tar que não era em fua mão con- ção, 8c abrangia tanto,que fuas ef-
íintir que fuas rendas fe alevan- mollas pola corréte cõtinua çrão
taíTem à conta das efterilidades avidas por miraculofas; 8c algús
8c apertos do tempo.Porque avia cafos tocaremos ao diante que da
que tudo quanto os rendeiros lhe rao diífo manifeílos indicios. De¬
pagaílem de mais, tanto fahiria mandas não fofria que fe fizeífem
das coftas , ou do fangue dos po¬ por fua parte em nenhua matéria:
bres: hora foíTe com oppreífÕes & as que mais fintia erão fobre
na arrecadação, hora com porem arrecadação de fazenda. Quando
o preço caro a todos os fruytos. E em alguas confintia era por força
àfsi queria 8c mandava que em de efcrupulo da cõfervaçao da pof
tudo fe guardaíle moderação : os fe 8c direitos da Igreja,que lhe lé-
feus thefotireiros com os arren¬ brava íòlenemente jurara de guar
dadores não lhes pondo as rendas dar,& nao podia deixar de os de¬
tão altas que íe perdeffem,ou fof- fender fem prejuyzo 8c agravo de
fé neceíTarias pera a cobrança pri- „ feus fuceííores.Mas qualquer que
zões 8c avexaçòes, que muyto a- a caufa foíTe,8c qualquer o juyzo
borrecia por razão de fazenda: 8c mandava a feus requerétes 8c pro
juntamente vigiava que os arren¬ curadores,que cortaífem todo ge.
dadores não foíTem tyranos com nero de dilação q pudeífe caufat
OS lavradores, fazendo fobre iífo moleília às partes,& fe os feitos fe
avocavão
 Livro 11L âa vida de D. Fr. Bert. dos Mart,
avocavão àCortetacè aos juyzes ef
crevia, não q os fentêceaílem em
fen favor, q iííb pouca ou nenhúa
pena lhe davatmas q osdefpachaf
íam cõ brevidade, por cj as peíToas
com qué litigava eícufaífé defpefa
8c trabalho andando muito têpo
fòra de fuas cafas. Não podia dei¬
xar de fazer grandes effeitos faze»
da tao bem aqnirida. Afsi falvou
muitas vidas, & fe tê por averigua
do cj ardera a terra, fe lhe não va¬
lera fua liberalidade & diligencia*
Taes faõ os juyzos do mudo q to¬
do o credito dà aos olhos, & fò po
lo que vè,callifica as coufas. Não
fe pòde negar que valerião muyto
as boas ordes,o provimento largo
8c a tempo,& todo o mais cuyda-
do teporal do Arcebifpo pera an¬
teparar tamanho mal.-mas quem
conheceo a efte Prelado,ou quem
tever noticia de fua vida, agravo
lhe farà,fe não fubir cõ a confide-
raçao a pontos muyto mais altos.
Quê na bella paz a hora q tinha
de feu, gaftava toda inteira com
Deos: quê na força & importuna¬
ção dos negocios ordinários do
governo toda a noytc empregava
em oração: q faria em tempo de
guerra tão arrifcada.? Em têpo de
negocios não têporaes,fe não on¬
de o litigio era de vidas 8c almas?
Coufa fabida he, & fem duvida,q
nefta conjunção,defpois de dar to
do o dia ao beneficio material dos
enfermos, também lhe dava toda
a noite cõ o efpiritual,tomado tão
pouco efpaço pera o defcanfo cor¬
poral, q aifto podemos tãbê atri¬
buir o andar tão álbeo, & efqueci
do de fy como atraz diífcmos.En-
tao nepoceava outros antidotos
mais poderofos,retnedios de faÕs,
8c enfermos, q era clamar ao Ceo
por perdão de peccados dobrado
todos os exercidos antigos, pois
erãodobradas as necefsidades. As
lagrimas agora mais vivas,Sanais
cõtinuas ,.aoraçao mais afervora¬
da,os jeji1s,as difciplinas em têpo
8 c rigor aventajadas. O facrificio
celeíiial da Miífa celebrava cõ hu
novo afiei to, & devação tão entra
nhavel,q dias forão na verdade
as mezinhas, 8c as diligêcias q íe-
renãrão o tempo,purificarão o ar,
clerão laude, 8c emfim lançarão de
todo fòra a contagião: & foy Bra¬
ga hua das cidades do Reyno em
quê a peftc menos crueza execu¬
tou. Que fe as mãos de Moyfes le¬
vantadas erão as q davaõ vitoria
ao povo q pelejava com os cnemi
gos,como não feria poderofa pera
matar as chamas peftilenciaes a
oração de hu Prelado fanto offe-
recida ao Pay Eterno no meyo del
las, 8c unida cõ aquella purifsima
Ho ftia do Cordeiro q veyo falvar
o mundo de todos os males,
FIM DO TER»
ceiro livro.
LIVRO
 FoLiftf
s?
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e\r> rir* s * *r45£
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'Ti > y fTi

LIVRO Q V A R T O

A YID DE
DOM FREY BERTO
LAMEV DOS MAR-TYRES
DA ORDEM DOS PREGADORES,
Arcebifpo, & fenhor de Braga, Primàs
das Hefpanhas.

C A P. PRIMEIRO.
DefpachaelRey Dom Sehafliao hãa Alçada pera as Co-
marcas da Reira, tf alem Douro com ordem de
entrar em Braga. Oppoefeo Arcebifpo;
reuogajèaordem.

E s s o v o açoute do rão offerecêdo matérias huas traz

ã Ceopola mifericordia outras q lhe derão muita inquie¬
n
•?

m do Senhor, que nunca tação afinando feu valor Sc pade¬

nos caftiga quanto me cia. Parece que trocou Deos com
yecemos , deíimpediofe a cidade, elle as mãos,& foy genero de co-
acudirão os moradores que an- trato comutarlhe noutras penas
davão polos motes, a povoar fuas em que fò elle foíTe o affligido, Sc
cafas. Tornou o Arcebifpo aos laftimado,a furia Sc fogo da pede
cuydados antigos, & a continuar que aíTolava o povo. He coftume
com a corréte dos negocios Sc go¬ muyto antigo em Portugal man¬
verno. E porque lhe nao faltaíTe darem os Reys Alçadas polo rey-
Cruz Sc tribulação, que fempre o no fegundo as ocafíões dos tem¬
trouxeíTe exercitado, logo fe fi> pos. Chamamos Alçadas hus tri-
bunaes
 hiuro////. âavida deDoFr. Bcrt.dos Afart.
bunaes,ou caías de juíliça q con-
ftáo de preíidente 8c cõpanhia,&
autoridade de miniftros: os quaes
em forma de Relação defcorrem
por todos os povos com poderes
Reaes como em viíita géral a def-
fazer agravos,caftigar infultos, to
lher forças, 8c humilhar podero-
fos que mal ufaó de fu a grandeza.
Duas juntamente achamos q def-
pachou eíRey DomSebadião def-
pois de tomar o fetro, 8c ambas
bem autorizadas.Hua pera as ter¬
ras de Alemtejo 8c Algarve, de q
foy Preíidente Fernao da Sylvei-
ra,Craveyro da Ordé de Chriflo.
E outra pera as Comarcas da
Eftremadura,Beyra,& alem Dou
ro. Deíla deu aPrefidencia aD5
Pedro da Cunha Capitão mòr da
gente de ordenança da cidade de
Lisboa, & por companheiros íin-
co Defembargadores, que forao
os Doutores Diogo Rodriguez
Cardofo,Miguel de Cabedo, Ruy
de Matos de Noronha,Ruy Bran¬
dão, Lourenço Correa.Conflanos
que forao defpachadas as provi-
foens 8c regimentos que levarão,
em vintoito de Ianeiro defte mef-
mo anno em q vamos continuan¬
1570 do de 1570. eftando elRey em
Evora. Efta Alçada foy occaíião
de muyto defgofto ao Arccbiípo,
8c muyta deípeza. E paíTon deita
maneira. Teve o Arcebifpo avifo
que no regimento que Dom Pe¬
dro levava, avia ordem expreffa
de enrrar exercitando feu officio
em todos as terras da jurdição da
Igreja de Braga, & també na mef
ma cidade.Quiz informarfe mais
ao certo como o pedia negocio de
tanta importância, 8c tão novo.E
avia tempo em quanto a Alçada
hia cor fedo outras terras: quãdo
fubitamente fe vio certificado por
obra, do que tinha fabido de pa¬
lavra: vindolhe recado de feus vaf
falos do couto de Dornellas,que o
Preíidente o mandara devaífar to
mando conhecimento de caufas,
8c procedendo no couto da Igreja
como em qualquer entra terra
Realenga. Foycoufadtaqueem
grande eftremo o atormentou,re-
preíentandofelhe muytas coufas
que avivavao a dor. Porque íintia
quebrarfeem fcu tepo hum pri¬
vilegio que a todos feus antccef-
fores tinhão guardada inviolavel-
mente os Reys paífados ( como
privilegio que juntamente era co-
trato) 8c intentallo hum Rey mo¬
ço,altivo, 8c voluntário, que feria
duro de tornar atraznoque húa
vez em prendia, reprefentava o ne
gocio fem remedio.Fazialhe guer
ra o tentador, que não perde occa
íiãof 8c fomos de carne & fangue,}
com o goíto que teriao feus emu-
los, de que a terra eílaua cheya,
vendoo pouco refpeitado,& co¬
mo triunfarião de fua pobreza, 8c
defautoridade,que paredão caula
de agravo tão novo. Torméta era
pera
 yircebifyo de Braga,
pera defcompor qualquer peito q
fora menos fundado q o do Arce-
bifpo,q todavia o achou tanto em
fy:q determinou fazer guerra , &
não fofrelia : não fò oao perder,
mas tirar intereííes pera fua pef-
foafem ver mingoa em fua Igreja
em quãco elle a governaífe. A pri¬
meira coufa q fez foi fulminar gra
vifsimascefuras cõtra o Prelidéte
Sc todos os q no Couto entraítem
ou ouve (Té entrado em forma de
iuperiores,& cõellas mãdou mi¬
ni ftros de autoridade & diligêcia,
O Couto de Dorneilas he em ter¬
ra de Sarroío. Foi em têpos muy
antigos património do Cõde Do
Nobili* Vizoy Vízois irmão de S. Senho¬
no doCo rinha de Bailo, a qué o Cõde Do
de D. Pe
Pedro Uluftriísimo efcritor das gè
àro tit.
22. dos rações defte reyno no livro q del¬
Soupis. ias nos deixou no titulo iz.chama
D.Gõçoy. Hú feu deçédéte do a-
pellido dos Soufas fez dclle doa¬
ção à Igreja de Braga, em cujo car
torio anda oje viva/egúdp nos fez
relação o licéciado Gafpar Alva-
rezLoufada Machado,grande in-
veftigador de antiguidades, q por
tal cem oje a cargo a reformação
dos Padroados delíaCoroa:oqual
afirma vio a doação, & a lançou
por fua mão nos livros q por man
dado daquelleCabido ordenou de
leytura nova. A íeguda diligêcia q
o Arcebifpo fez foy defpedir pera
a Corte hu Defébargador de fua
Relação dos demais cõfiança, &
* S7
>/*
melhores letras.Era o Doutor An
tonio Franciíco. Por elle efcreveo
a elRcycõ a íua cuftumada izêção
lébrãdolhe q S.A . nao tinha mais
fuperioridade na cidade deBraga,
Sc nos mais lugares da jurdição te
poral daquellaígreja,q o q era ap
pellação nos cafos crimes: toda a
mais foberania de mero Sc mifto
império era da fua Igreja fé nenhú
outro reconhecimento à Coroa.E
fegúdo ifto tinhagravirsima razão
de queixa, Sc S. A. nenltua razão
de mãdar entrar nella & nelles a
Alçada de D.Pedro da Cunha, q
era ufurpar direito alheyo , fazer
força,&agravo à Igreja q tinha va
ledor mais poderofo que todos os
Reys da terra, que era o mefmo
Deos:q polo teré afsi entédido os
Reys palíados nuca em nenhu tê-
pointétàrão femtlhante víoleria.
Reys fãtos,&tão apoftados a guar
dar inteira juíliça, q elRey D.loão
o III.de fata ôc gloriofa memória
avo de S.A. em hua jornada de de
vaçao q fizera queredo ver êc hõ-
rar a cidade de Braga,quãdo che¬
gara a entrar nos limites delia mã
dàra a todas as luftiças q acompa-
nhavao fua real peííoa, ceífalTem
na execução de feus offícios, &atè
as infinias deíles,qfaÕ as varas,po
fdfé de parte,& fe bcâra fervindo
dos miniftrosBracatêfes.-q eftes ti
nhaS.À.obrigação de imitar con-
fervado e fuas honras & favores a
Primacia deEfpanha qDeos lhe
Dd pofera
 LiuroIÍIl. da*vidaãe D» Vr.BcrtMs Aíart.
pofera em feu reyno. Quato mais
q a Igreja de Braga nettc caio naó
trarava de favor, nem pedia rner-
cèrjuíhça fò queria,& eíta era Sua
Alteza obrigado a fazerlha, como
a qualquer vaíTallo, mandando
cumprir & guardar os contratos
íoleneniente celebrados entre el-
la, Sc os Reys feus anteceífores,de
que inviava os trcílados, polos
quaes fe acharia que a jordiçao te
poral q a Igreja poífòhia é Braga
lhe fora dada por clRey D. Afõío
o Quinto não graciofaméte fenão
em troca Sc efcãibo de groíTas ré-
das próprias q lhe largou pera a
Coroa, comoforão os direitos Sc
rédiméto da Alfandega de Viana,
Sc grande numero de moradas de
cafas é Lisboa no primeiro &prin
cipal íitio da cidade, q era na rua
nova dos ferros. Queos cÕtracos
igualão os cõtrahentes na obriga¬
ção do cõpriméto dellesiôc S. A.
pois gozava as rédas,devia cõprir
eíte,q não fò tinha força de cõcra
to,mas de pura veda,&vêda de fa
zéda groífa Sc de muita fuítancia,
dada por húa coufa aerea Sc de ne
nhu tomo, qual era a hora da jur-
dição daque la cidade,& de algus
outros lugares na téporalidade:da
qual os Arcebifpos na verdade
nao tiravão fenão trabalho efpiri*’
ritual & corporal,& muyto gaílo
deíuafazéda em bufcar &íiiftétar
Jhua Relação (qual elle Arcebifpo
2 mãcinhajde homés tao letrados
Sc tao inteiros & provados e toda
virtude q era outro Areopago cõ
avétagé ao de Athenas. Que por
tato efperava de S. A. Sc aísi lho
pedia cÕ todo encarecimento, da
parte de Deos,& daquella Igreja,
Sc també dafua(q comocapellão
feu merecia fer ouvidojmãdaíle a
D.Pedro fe fahiffe logo do íeuCou
to de Dornellas, Sc ao diante não
entédeffe có nenhiu terra da jur-
diçao da Igreja ,& muito menos
cõ a cidade de Braga:: & em cafo
q S. A .teveíle de r.ovoalgúa ra¬
zão em cõtrario, foíTefervido mã-
dar fufpéder a força: Sc por o ne¬
gocio em jufiiça diãte de legitimo
juyz,qera oArcebifpo deSãtiago
em Cópoftella nomeado nos Bre¬
ves Ap oftolicos q autorizarão os
cõtratospera decidir as duvidas q
é algu tépo neíles recreceíTé. Mas
quãdo S. A .não vieíle neíle meyo
tao cõfòrme a todo direito divino
Sc humano,elle Arcebifpo fé em¬
barco de não alcãçar tao pequeno
&jufto favor,offtreciaaS.A.dous
bõs ferviços jútos: primeiro, tirar-
lhe de Braga qué fechaffe as por¬
tas a fuas Alçadas: fegúdolargar-
lhe a Mitra,pera S.A.poder hõrar
cõ cila outro capellãoq melhor a
mereceíIe.Epera não aver dilação
inviava cõ o Doutor Antonio Frã
cifco poder baílate, pera logo em
feti norr e a renúciar. t q íe toda
via valtíTem ião pouco diante de
S. Alteza os refpeitos devidos àPri
macia
 Arcebifyo de Braga, Primas das Hefpanhas.
macia cie Efpanha,que nem íervi
ços,nem razões lhe quizeííe acei
tar,nem mandar atalhar o agravo
que fc lhe fazia: elle proteítava de
tomar o caminho de Roma inda
que foííeapè & com hum pao
na mão,a requerer fua juftiça diã-
te do fu premo tribunal da Igreja,
onde os pobres erão ouvidos: Sc
também fe julgavão & reprédiao
os Reys Sc Príncipes do mundo»
Eftas erao as razões da carta. A-
mava elRey ao Arcebifpo, & ref-
peitavao polo que fabia de fua vir
tude & zelomão lhe quiz dar def-
gofto,attento que nem avia cafo q
pediífe entrada de braço real em
Braga, nem nos lugares depende-
tes delia,polo bom governo Sc ju-
fíiça que o Arcebifpo fazia guar¬
dar,nem parecia razão dar occa-
íião de queixa a hum Prelado tão
acreditado por toda parte. Afsi
lhe refpondeo que fe nao defcon-
íòlaile que pollo refpeito que ti¬
nha a fua peíToa Sc partes, & à ju-
íHça,& paz em que era informa¬
do, mantinha aquella cidade Sc
fuas terras, folgaria de lhe dar go-
fto & fatisfacão. E looo mandou
efcrever a Dom Pedro fe nao en¬
tremete ifc mais em nenhúa par¬
te da jurdição do Arcebifpo.
Com a carta veyo juntamente
hú alvará delRey, cujo theor era,
que por fazer merce ao Arcebif¬
po, & avendo refpeito a fua peíToa
Sc virtude, Sc por lho elle pedir
i jS
mandava ao Prefideníe nao enté-
deífe nosCoutos da igreja de Bra¬
ga,nem na jurdição de fua cidade:
&fealgúa obra teveífe começa¬
da, a dava por invalida & de ne¬
nhum vigor nem effeito. Era vin-
doirecado ao Arcebifpo q o Preíi-
dente nao obedecera as ceníuras:
Sc tratava de as agravar, quando
teve a carta, 8c alvará delRey. Do
qual fe aproveitou pera efcuíar cõ>
tendas, mas fazedo primeiro bua
diligencia muy eirencial & digna
de fua inteireza,que foy tanto que
oleo,mandar chamar dous notá¬
rios.^ diante delles reclamallo,de
clarando q o não aceitava na par¬
te q elRey dezia por lhe fazer mec
cè, fenao em quanto por concien-
cia era obrigado deíiftir da força
em feu nome, &por feu mandado
começada, Sc nao lhe fazer ne¬
nhúa de novo. Afsi nao entrou
em braga em todo o tépoq o Ar¬
cebifpo a governou, nenhú minr-
ílro de juftiça reai,fe nao foy com
ordem Sc a requerimento do mef
mo Arcebifpo. Mas não tardou
outro genero de torvação que fe-
nao foy tão pefada,teve poder pe¬
ra o tirar fòra de cafa Sc de fua
Dioceíi.
CAPÍTVLO II.
Como feouue ímhíta cauja de
jurdição Ecclefiafhca en-
cot rada por minifiros
Keaes feculares.
Cc z He
 LwroIIILdavida de D Sr BertJos Mart,
&
m
%
rji
E boa parte da tenda
da mefa Arcebifpal na
Igreja de Braga bua
c\ te
certa contia de pão, &
& outros fruytos que pagão muy
tos Diocezanos de tépo antiquif-
íimo,a que chamão Votos. Sobre
a arrecadação dos quaes iempre
ouvelitigios, & nefta conjunção
como todo o Arcebiípado ardia
em contendas de tantas maneiras
como temos contado,vierão a pa¬
rar em defgoílos. Pera Te enten¬
der a demanda, & a califa delia le¬
rá neceíTario defenrolaimos búa
bé notável antiguidade, que vifto
pedilla o lugar, contalaemos cem
a brevidade pofsivel.Aquelle gra¬
de brío cô q o lífanteD.Pelayo co
meçou a fazer guerra aosMouros,
& reílauraros reynos deElpanba
perdidos por elReyD.Rodrigo feu
tio: veyo a falhar é algusde feusfa
ceífores c5 tanto eftremo,q a tro¬
co de logr are com menes cuyda
dos o pouco que tinhão cobrado,
confíntirão em hua vergonhoía
paz, dãdo aos barbaros pareas de
feu proprío fangue, que erão cem
donzellas em cada hum anno.Foi
primeiro pagador defte infehce
tributo elRey Mauregato.Mas fu-
cedendo no reyno de Lyão,a que
também então fe referia tudo o q
fe tinha tirado aos Mouros das ter
ras altas de Galiza & Porcugal D.
Ramiro primeiro (ou Ranimiro
como aígúas eferituras lhe cha-
mão^jtãto dos annos dcSenhor de
834.Entrou cõo novo Rey,novo
efpirito nos vaífalos: era Príncipe
Valcrofo.Determinão dar as vidas
antes q as filhas.Afsiodão porre
pofta aos meííageiros doReyMou
ro q as pedia, q era Abderramen
íegúdo dos q cõ eíte nome reynâ-
rão ê Cordova: o qual nao tardou
em ajutar hu poderofiísimo exer¬
cito,& entrar pcllas terras de Ra¬
miro aílclãtío quato encontrava,
mas nao achou lege o bôRey q a-
percebido desdodiaq tomara o
cetro, o veyo encontrar no Itgar,
onde agora he a villa de Clavijo,
não lóge da cidade de Calahorra.
Afrõtados os cãpos denfe a bata¬
lha, pele joufe valerofa,&porfiada-
méce, mas deu a vitoria aos Mou¬
ros o numero de cõbatentes q co
muitas partes traziãomayor, &
fez dano aos noíTos o defeoftume
emqeftavão das armas. Védofe
elRey perdido foife retirado o me
lhor q pode a hú mote vizinho, q
naquelle tépo chamavao Clavijo.
Ali foi recolhédo os feus,& fortifí
cãdofe quanto © tépo & 0 fitio co
íintia. Cercavãcno os Barbaros q
alagavão os cãpos, & cubrião os
motes cõ a multidão de gétes, Sc
cõ gritas & algazaras fgmficavão
o gollo da vitoria preléte,&antici
pavãooqefperavão ttremaira-
nhecédo cõ tt maré ás n ãos os q
avião efeapado da batalha. Bem
fe deixa entender quai eiíaria o
animo
 rcèbifyo de Brâga, 'Primas das Hejbanhas.
animo de Dom Ra miro entre vaf*
failos deft roçados, & muytos feri-
dos,todos dtfanimados, & ouvin¬
do o que paííava entre os enemi-
gos. Era alta noyte, começava a
defcançar hum pouco do grande
trabalho do dia. Eis que lhe apa¬
rece naquelle manfo roubo dos
íintidos hum cavaleyro armado
de todas armas fobre hum Termo
fb cavallo,armas brancas, & cavai
lo branco, na direita húa efpada
nua, na eíquerda hum guião brã-
eo atraveíTado de Cruz vermelha
Sc cô voz clara & diílinca lhe mã-
da que amanhecendo acometa os
Mouros , q lhe aíTegura a vitoria:
Sc porque não duvide delia,fayba
que eíle que o diz he o Apoftolo
Santiago Patrão , Sc proteõtor
deEfpanha,& naqueila poftura
em que o via fera em feu favor na
batal ha.Era vifaõ do Ceo, encheo
de luz à alma,& obrigou o enten¬
dimento. Efpertou cheyo de cele-
flial confiança,chama os feus, co-
talhes a vifaõ,parece q com a rela
§ao comunicava jutamente valor,
esforço,determinação, Sc efperan
f a de vitoria.Corre a vozpolo mõ
te,alvoroça Sc aléta a todos:jà não
avia peito defmayado,jà lhes pare
cia q tardava o Sol, Sc o dia. Não
era bem manhã, ordenão feus ef-
quadrões , começãoa decer do
monte a paíTo cheyo em demada
doenemigo.Efpãtãofe os Mouros
da novidade,& do animo em géte
J fP
Vecida.Devião cuidar cj era êffeito
dedefefperação, Sc prõtaméte ef-
peravao arrematara vitoriaíenão
quando à vi fia de ambos os capos
fe aprefenta de noíía parte hú ca¬
valeiro q íò enchia o campo, com
tao conhecidos fínaes de fer omef
mo q fe tinha prometido a elRey,
que não duvidando ningué da pef
foa levantarão os do monte todos
jutamente hua voz q foy ferir nas
nuvés,d<zédo Santiago, ou fof*
fe figtiificando que conhecião feu
valedor, ou pedindolhe cúprimé-
to da palavra.Arremete juntamê*
te a toda fúria dos cavallos , defa«
parece o campo, ferem nos Mou¬
ros. Foy o primeiro a rompera
batalha,& a enfangoentar a efpa¬
da o Santo Alferez mòr defpregã-
do hum fermofoeftandarte com a
devifa do finai denoíTa falvaçao
em cor de fangue: dõde crecia rã-
to animo nos acometedores, Sc tã
to pavor nos acometidos que em
pouco efpaçofe conheceo & gri¬
tou de noíía parte a vitoria.Forão
osMouros desbaratados, tomados
os Arrayaes, & cô o impeto Sc fe-
guimêto da vitoria étrada &toma
da a cidade de Calahorra q eílava
por elles. Foi tal o defiroço q fe af
firma correrão íãgue todos os rios
vizinhos,&forão os mortos fetéca
mil Mouros: é fim vitoria doCeo.
Defte dia em diante ficou era Ef-
panhao coftume de rõper as ba¬
talhas com o nome de Santiago
Dd 3 na boca
 livro JUl da vida de D. Fr. Bert. dosAfart.
na boca, & chamando por elle. E
delta vitoria naceo darfe elRey D.
Ramiro por tao obrigado ao San¬
to, que acordou com todos os gra
des, & co o povo que a!y Te achou
ofFerecerlhe hum ferviço perpe¬
tuo que foy de cada geira de terra
hua medida do melhor fruito del-
la.Da qual oíferta mandou fazer
efcritura publica ,dogo defpois da
vitoria détro na metma cidade de
Calahorra.Trazemna muytos ef-
critores antigos»ÔL dos modernos
p.Mau* D. Mauro cfaftelhá Ferrer, na hi-
rahiiiJe ftorja de Santiago. Nòs traremos
fomente as palavras que tocao ao
o lue formalmente faõ as Ce¬
de ifui guintes. Statuimus ergo per totam
J>. Luc. Hifpamam, ac m vnmrfts parti bus
€ 4p* & Hijpaniarwn , quafcunfe Deus Jub
. Aboíloli lacobi nomine dignar et ur à
de role- Sarracenis hberare vommus objer-
do d Ro uandum. Quatenus de rmo quofc iu-
dng.xi- g0 boum finguU menfura de meltori
menes.l. frUgead modum primitiarum de
A'/'1 3'- rumo (imiliter ad <viãum Cannonico-
Aiofo. el rum in Ecclefa Beatt lacobi commo-
fab. hijjl. rantium annmtm miriúlris eius Ec-
genl de cjej;^ in perpetuum perfoluantur.
Ejpanha Qyerem dizer. Afsi que deter mi-
^ 3 (7,11 namos , & votamos para que fe
cumpra 6c guarde por toda Efpa-
nha & em todas as partes delia q
Deos for fervido livrar dos Mou¬
ros em nome do Apoítolo Santia¬
go, que fe paguem em cada hum
anno pera íempre aos miniítros
da Igreja do Bemauenturado Sá-
tiago por cada jugada de boys
húa medida dos melhores fruy-
tos a modo de primícias, afsi do
pão como do vinho, pera a mefa
dos Conegos que nellarefidirem.
Conclue a efcritura com palavras
dignas de kfaber cm. Faflafcrip-
tura confolationiSjdcnaticniSyOblatio-
tioms buius in cimtate Cal aforra no¬
to die oãauo Calendas hwij era 87 z.
Foy feita efta efcritura de conío-
laçao, doação, 6c oíferta na cidade
de Calahorra dia labi do aos oito
antes das Calendas de Iunho da
era de Cefar oitocentos fetenta &
dous, que refponde na noífa con¬
ta aos vinte & quatro de Mayo
dos annos do Senhor oitocentos
& trinta & quatro. Efta he toda
a razão 6c principio da renda que
na Igreja deBraga chamãoVotos.
Ficanos agora por dizer a razão q
ha pera fc pagaré à Igreja de Bra¬
ga os votos feitos a Santiago, 6c 1
fua Igreja. He de faber q defpois
que fe dividirão as províncias de
Efpanha emReynos & coroas dif
ferentes,nao ficou tão corréte em
Portugal a arrecadação do q per¬
tencia defta renda aCcmpoíiella.
Porque como emReyno eftranho
& jurdição alheya não podião os
irjinillros de Compoftella execu¬
tar os devedores com a liberdade
que em Gaiiza.Refultou daqui vi-
remfe a compor os Prelados de
hua & outra Igreja,& fazerem ef-
caymbo 6c troca de rendas. O de
Santiago
 Arcebifyo de Braga, Primas das Hefpanhas,
Santiago largou os Votos que lhe
tocavão no Arcebifpado de Bra-
ga.O de Braga outra fazenda que
poíTuhiaern Galiza. Afsi ficarão
pertencédo os Votos de Santiago
àmefa Arcebiípal de Braga com
a mefma razão Sc fundamento q
forão prometidos ao Santo tantos
annos antes. Mas algus herdeiros
deitas fazendas(tornando a infiar
aqui a nolTa hiítoriaj não o que-
rião fer da obrigação &c paga dos
Votos,com que as tinhão recebi¬
do de feus mayores : &c fendo re¬
queridos pera pagar polos offi-
ciaes Ecdefiaiticos recufavão ref-
ponder em feu juyzo (he genero
de furtar o corpo aos pagamétos
de pouca duvida a declinação do
juyzojalegavão que a matéria era
fecnlar. E porque todavia fe pro¬
cedia contra elles com cenfuras,
acudirão a valerfe do braço Real,
& do poder de hum juyz que çha
mão dos feitos da Coroa, ao qual
coltumão recorrer todos os que
litigão cõcra poder Ecciefiaítico,
quando achao que toma mais lar
gajurdiçãodo que lhe compete,
ou do que cumpre aos litigantes.
Eíte juyz he coníhtuido polos
Reys pera afsiítir às queixas dos
vaflTallos, Sc achando que recebe
força da jurdiçãoEcclefiaítica,mã
tellos Sc confervallos na Real. Pa¬
ra o que não ufa de leu arbitrio,
mas tem leys certasporondefe
governa promulgadas polos Reys
i6 o
entre hua Sc outra jurdiçlo pera
meyo de paz Sc concordia, Sc da-
hi tem o nome (chamãoihe Con-
cordata.J Mas he mofina do tem-
porparece nome aplicado per cõ-
trario fincido pela figura que os
Retoricos chamáo AntifraÍKpor¬
que em nenhuas vemos mayores
contendas, nem menos conformi¬
dade. E razão fora que cortarão
por fy os feculares,& quando ou-
vera de quebrar o direito por al-
gua parte, ficara melhorada nos
partidos a Igreja. Diga embora o
gentio qne por reynar fe pode
fizer força à juítiça : cpmo foão *
aqutllas palavras tão fabidas:
cjuod fi tus njiolandum efl, imperíj Sucton.
gratia njiolmdum eft. Mas oChri- **
ftão deve dizer Sc querer, que fe
- , 1 .zoexE» 1
percao antes os Impérios,que per y G ^
derfe,ou quebrarfe hum ponto do c0.
direito da Igreja. Que nunca ga¬
nhara mais o mundo,que quando
arrifcar Sc perder muyto, porque
a Igreja não perca nada. Deite tal
juyz fe valerão os q não querião
pagar. Elle fentenciou em favoç
dos feculares. PaíTou a coufa a
diante,chegou a aver fegunda fen
tença deciarãdoos juyzesquena
matéria dos Votos não tinhão os
ftculares obrigação de refponder
no juyzo Ecclefiaílico, Sc quem
os quizeífe demandar,no juyzo fe
cular os demandaífe. Muytos an¬
nos avia que a queftão corria cõ
mui altercadas Sc porfiadas con-
Dd 4 tédas
 LiuroílIL da vida de D. Fr.Bert.dos Afart.
tenelas. Apertcufe mais neíla cõ* das Sc dignidades que tielle pof-
junçaõ,emqueos muitos cmulos fuem. Mas quiferao priimeiro dar
puc o Arcebifpo tinha ganhado conca aelRey do que determina-
com a execução do (agrado Con¬ vão. Sabida por Sua Alteza o que
cilio Tridcntino , como atraz fica pafíava mandou fufpender tudo
dirOjd.eíejavão vello abafado com ate ouvir de novo ao Arcebifpo.
negocios 8c contradições, & por Efcreveolhe hua carta bem digna
vetara aííopravao de fecreto efte de Príncipe rao pio, 8c tão benig-
fogo,& alentavão ou ajudavãoos nOjqnal elle era com todos os mi-
litigantes. E em fim puder ao tan* niftros da Igreja. Nella lhe enco¬
to que fe pronunciou terceira fen- mendava que mandâííc a feus of-
tença,aquai tirada do procedo ficiaes,quena matéria dos Votos,
cm nome delRcy confirmava as onde fe nao trataííe da proprieda¬
fentefiças dadas no cafo, & man¬ de delles fe conformaíTcm com a
dava que fc guatdàlTem,& execu- íentença vitima que uo Cafò fo¬
tafTcm. Gom tudo os officiaesdo ra dada,nao efcomungmdo, nem
Arcebifpo nãodeixavao de prece evitando das Igrejas cí que recu-
der com cenfvras contra os defo- faflem o juyzo Eccíeíiaítico: & q
bedientes em pagar,on virem dar tendo a iífo algiia duvida, ou ou¬
razão de fy em íeu juyzo, & paf- tra coufa emeontrario, a mandafc
’ fando a diante evitavãonos das íe alegar na mefado Defembargo
i •» 4* *

Igrejas: o que foy caufa de fe tira¬ do Paço,onde lhe mardaria fazer

rem novos edormentos de agra¬ todo cumprimento dejuítiça, 8c
vo pera o mefmo juyz da Coroa lhe agradeceria muyto cumprillo
na Cafa & Corte da Supplicaçao. afsi. Tinha o Arcebipo íintido
E porque tornando as partes a feu muyto a fentença, ma tempera¬
fábor providas, nao dedftiao nem va o defgoílo comfa.er conta q
abrandavao os miniflros Ecde- era dada em juyzo inampetente,
íiadicosteomeçoufe a tratar entre & que lhe nao obrigada a concié-
os ReaeSjde fc ajudarem contra o cia. Porem quando vi»eíta carta
Arcebifpo dos meyos que o mu¬ ficou pofto é cerco, cono que co¬
do tem inventado em fuas leys pe nhecia a natureza dos Príncipes,
ra fe fazerem obedecer dos Eccle- que fuas palavras quindo mais
íiafticos: tirãolhes o fervico, & a brandas,& mais mimtfas, quere
mantença, ôcaffirmão que nao he que fejão leys pera osfaíTalios,&:
iífo violência, 8c chegão a defna- feus rogos,mandados.Cuydando
turallos, Sc mandallos fahir fòra no que fada pareceohe que pe¬
do reyno, como incapazes das ré- dia o negocio fer traado peffoai
mente.
 Arcebijjj ode B ragas Vrimas das Hefpanhas,
mente. Soube que v'nha elReya
Coimbra : não tardou em fe por
a caminho.
CAPITVLO UI.
Vem o Arcebifpo a Coimbra.
Baila a elR ey, (jf 'pregalhepor
Jeu madado: Çtf compoem
a conte da da furdipao
na matéria dos
Votos.
%
Ntrov o Arcebif
LM
n
i a*
•|§ p° em Coymbra nos
*Ã " primeiros mefes do an
nodefetenta & hum;
ill
&foyfe agafalhar no noiTo Con¬
vento de S. Domingos.E fahiolhe
acertada a jornada, porque elRey
folgou de ver & conhecer hú Pre
lado, de quem fe contavão eftre-
mos de virtude: & afsi o moftrou
nas honras com que o recebeo.
Defpois de lhe dar gratas audiên¬
cias , & efperança que em feu re¬
querimento fe daria todo bom
meyo;mandoulhe dizer hum dia,
que folgaria de lhe ouvir húa pre¬
gação, foy o lugar o mofteiro de
S. Clara iníigne por antiguidade,
& pollo depoíito fanto que guar¬
dado corpo da Raynha Dona Ifa
bei molherdelRey Dom Dinisq
por excellecia chamamos em Por
tugal a Raynha Santa. O Evange¬
lho foy o do Centurião que fe cã-
16 r
tou e líe dia; o fefmão,Sc doutrina
Conformou com o auditorio, &có
o tempo.Qtie nem aqui quiz per¬
der a occaíião de aproveitar,mais
que de ãgradar.Engrandeceo pri¬
meiro com levantados conceitos
a fèdefte Capitão,& defpois igua¬
lou com cila a fè dosPortuguezes,
recopilando fuas fámofâs vitorias
alcançadas húas em África, ou¬
tras na índia com Valor mais que
humano, de enemigos poderoíif-
límos em forças, em esforço , 8c
em numero. E encarecendo nel-
las a fè com que fe arrifcárão ao
fogo,ao ferro, & à morte certa: o
animo intrépido com que furarão
o Oceano por tantas mil legoas,
exprimentàrão novos mares, def-
cubrirão novas eftrellas, penetrá-
rão novos clymas,& em fim abri¬
rão caminho pera fuas naosdes
do ultimo Ocidente aos reynos
donde o Sol nace, de que não ti-
nhão conhecimento mais que por
fama. Navegação tão temerofa,
tão cheya de perigos,de mõftros,
de mortes , que de dcfatinada &
louca lhe foy poldo o nome polos
eftrangeiros,porque ou naoacha- pau^I,°Z
rao palavras,que igualaílem o lou
vor que merecia,ou nao fe atreve- \ z.infi,
rão a encubrir a inveja que lhes fa namai-
zia a ineibmavel gloria, a infinita g**-dtlã
riqueza,os triunfos, & vitorias q tíc' ?rx~
por meyo delia alcançou eíte pe- Urm^ic
quenoreyno. Daqui fez húa di-
greíTaõfobreafraqueza da natu¬
reza
 Lhró II]I, âa vida de Dl Fr. Bêrt. dos Mart.
reza humana em não poder refi-
ftir a hua certa complacência, 8c
vagloria,que reíulta dos feitos va*
lcrofos5àquelÍ€S que os acabão,&
não para íò nelles, fenão que tam
bem paíTa aos decendentes 8c
parentes.Mas cila vamgloria, di¬
zia elle,licença vos dou pera vos
reverdes , 8c vos pavoneardes
nella , que nao merece o nome
de vam,nemeu a tenho por fantaf
tica,por iercomo he fundada em
altas proezas & eroyco valor. c5
que o Rey he fervido,a patria hó-
rada,dilatada a Fé, & Deos glori-
ficado.Emfim he hua gloria que
anda na cabeça,& no entendimé-
to que he feu lugar proprio. Mas
v\
,v
hua vãgloria que oje vejo devaífa-
mente introduzida, ou entroniza¬
da em Portugal, de pompas, de
gaííos & eflados, que nunca ufà*
rao vofios avòs,nem vos faze me¬
lhores , nem mais honrados. De
invenções de trajos,que vos traze
os membros empréfados,cativQS,
r» 8c aleijados, que tevereis mereci¬
mento fe por penitencia os fofre-
reis. De golodices 8c fuperfluida-
des nas mefas, que efeminao os a-
nimos,& enfraquecem os corpos:
eíla digo eu que não fò he vãglo¬
ria,mas a mefma vaydade3oca, 8c
imaginaria & vazia de toda íuftã-
cia,* * & em fim não tem aífento na
cabeça,nem no entendimento. O
lugar que tem declara baftante-
mente quem cila he: 8c o que vos
fei affirmar,he que fe por aqui ca
minhaes , vireis a ver aquillo de q
já hnm Poeta fe queixava dos Ro¬
manos (não folgueis de o fer
mAo) & dizia.
/Et as parentum púormis tuliti Horat l.
Nos nequiores jnox daturos yOáe 6.
Progememrvittojiorem.
Quero dizer, q venhaoa fer taes
os filhos que deifas deaiafias, 8c
diíloluçóes nacerem , que vos en¬
vergonheis muyto delles. Carre¬
gou a mao o Ârcebifpo nefte põ-
to, porque era o fogeico geral de
todos os Pregadores dacjueíle té-
po. E eíRey notou, & eitirnoa o
difcurfo, como quem jà então pio
curava atalhar com leys 8c prema
ticas as defordés que fem freyo
hiao crecendo na matcna.Poucos
dias fe deteve o Arcebifpo em
Coimbra, porque nao íabia viver
aufente de fuas ovelhas.E fua pre
fença foy de importância pera el-
Rey lhe mandar paílar provizóes
fctvoraveis, com que tornou fatif-
feito do trabalho da jornada : fcm
embargo que na relaçaò defte fu-
ceífo naõ foy noífa tençaõ louvar
a vitoria que alcançou contra os
litigantes, 8c feus fomentadores,
que por aquella via cuidàrao por-
lhe o credito em balança com o
Rey rfenaõ moftrarmos quantos
generos de trabalhos padeceo por
comprir inteiramente com a obri¬
gação de feu officio.
CAP.
 Arcebififi 4i Primàs das Hefpanhas,
CAPITVLO ÍIIÍ.
Pretende hum Sacerdote infa
jnar o Arcebifpo diante do
Sumo Pontífice .APofira
Je o Arcebijpo fiem cul
pa, (S' perdoa ao
Sacerdote*
A r e c e aue como 3
vX
IM §n oiuro Iob bia o ene-
w migo tomando o pul-
t •>
w.
fo ao noíTo Arcebifpo:
& como o achou firme 3c robu-
ílo nos dons cafos paliados, cjue
fegundo vimos lhe forão ocafíao
de honras 3c favores,pedio licen¬
ça a Deos pera o ferir de mais
perco. Tomou por inftrumento
certo Beneficiado de Braga, a-
quem por alguas boas partes de
que era dotado, tratara o Arce¬
bifpo bu tempo familiarmente,,
3c com refpeyto:& defpois fe ef-
quivoii com elíe pollo compren-
derem alguas leviandades, & o
lançou de fy. Achou o demonio o
fogeito difpoílo, vomitou nelle
toda a peçonha do inferno atif-
fando o fogo da payxao, &a fede
da vingança,que abrazava & ce¬
gava 0 miferavel, de forte, que fe
náo contentou com menos que
deítcrrarfe da pacria, hirfe a Ro¬
ma,Iançarfe aos pès do Papa,&
fazer lolene acufaçáo contra feu
\6 2
Prelado* & por efcrito, È porque
tudo íe pareceífe com a rayz don¬
de nada, que era o èfpirito de min
tira,nao tratou de dizer coufas q
pudeffem ter fombra ou femelhã-
ça de verdade.Tudo quanto ajun
tou forão falfídades patentes 3c
claras. De duas faremos memória
pera que delias fiquem julgadas
as mais. Húa era que celebrara o
Sínodo provincial violentamente
Valendofe de gente armada, com
que guarnecera as portas da cida¬
de de Braga. A oútra como depen¬
dência deita, qiie obrigara com
força muytos clérigos a renúciaré
contra vontade íeus benefícios*
Foy avifado o Arcebifpo do que
paliava em Roma com o treílado
dos capítulos , 3c nome do autor.
Conheceoa mão dõde lhe vinha
õ tiro; armoufe com o efcudo de
paciência,& dando primeiro gra¬
ças ao Senhor pola ocaíião q lhe
dava de merecer, como quem de
todo eíiava refignado em fuas fan
tas maos,determinou des da hora
que teve a nova não fe lhe paííat
dia fem fazer particular oração
polo mefmo que fora inílruméto
da vexação. Mas todavia a carne
fazia feu officio: andava malerico-
lizado 3c defgoílofo, Àcudião pef
foas graves a confolallo: 8c hu dia
defpendendo hu dos mais família
res muytas palavras é afear atrey-
ção 3c maldade de tão manifefta
Sc falfa calumniafdiíTelhe o Arce*
bifpo
 LmrõJÍIL da vida de D, Fr. BertJosÂíart.
foiípo com bua paz íignificadora
darmiytaqucnaalma íhe ficava.
Muyto ha que tenho entendido q
a principal rendados que fomos
Prelados não faõ os dízimos Sc
primícias que colhemos dos fieis,
fenão as murmurações Sc perfe-
guições que padecemos dos ho-
més efquecidos de fuafalvação.
Das lingoas deites faz Deos roze-
tas como dizia a noífa Serafica Sã
ta Caterina de Sena, que nos poé
nas difciplinas, a hãs pera caítigo
de cu! pas, a outros pera matéria
de merecimento. Agudas faõ que
fazem faltar o fangue vivo dedé-
tro do coração.Mas taes faõ as pe
íbenSjCom que os Santos Apolio-
íos da mao de Chriíto receberão
as Prelacias do mundo, afrontas,
injurias, cruzes: '8c nada differen-
tes daquella com que o me fina
Chriíto a recebeo do Padre Eter¬
no fegundo fuas palavras. Et ego
Xuc> 2 a i difpono uobis ,fícut difpofuit mihi Pa
ter meus, regnum. Pois fe o Senhor
4 me fez tamanha mercê , que quiz
lhefuccdeíle eu no officio, fendo
indignifsimo delle, forçado he a-
ceitallo com as mefinas penfoens.
Que toda a erança manda a ley q
paífe com feu encargo. Confio eu
no mefmo Senhor, que me darà
paciência polos merecimentos da
que eile teve na Cruz, pera que
eítas rofetas fe tornem em rofas,
cujo cheiro lhe feja fuave 8c acei¬
to facrificio por meus pcccados,
Com eíta conformidade &c fofri-
mcnto levava o Arcebifpo o tra¬
balho preíente. Mas como a denú
ciação era de culpas tão graves»
como faífas, pareceo a todos os
amigos, que devia dar defcarga
delias ao Papa, & fadsfação do
procedimento que tevera no Sino
do. Formàrãofe autos com infor¬
mação jurídica, & teiíemunhas
conteftes de peííoas graves , que
forão prefentes no tempo do Sí¬
nodo: Sc provoufe largamente, q
o Arcebifpo na celebração delle
procedera com toda paz & fuâvi-
dade,fem força,nem extorfao que
fe fizeífe, nem intentalfe a peífoa
algua,& em tudo feguira píkual-
mente as determinações do fanto
Concilio Tridentino. Eítes man¬
dou a &oma,& forao prefentados
ao Papa,& mandados ver por ei¬
le. Era Pio Quinto d<e fanra me¬
mória. Quando fe lhe fez relação
do que concinhão deu em repoíta
Si delator eft in <vr-
eítas palavras.
bt, quxratur &fufpendatur. Que¬
rem dizer.Se o malfim anda na ci
dade,bufquemno,& feja enforca¬
do. Mas elle andou prevenido, Sc
ligeiro, mudou trajos, & defapa-
receo. Em repoíta deites defear-
gos teve o Arcebifpo hum Breve
de Sua Santidade com palavras
de muyca honra & amor, que pu¬
déramos guardar pera elogio de
fua fepultura. Deípois de o confo-
lar da calumaia^chamavao ventu-
rofo
 Arcebiftode B raga, Frimas das Hefpanhas. '/ 6$
rofo pois era perfegaido por fa- das.) E as obras forão negocear
zer juftiça Sc verdade:Sc animan- íhe perdão com o Papa, & com
doo a continuar em feuzelo, Sc elRey. Do qual lhe reCultou dian¬
profeguir no bom modo de go te delles novo louvor , Sc nova
•verno, que levava: encomenda- gloria, edificandoíe muyto mays
valhe que valerofamente, & com do defacoílnmado genero de vin¬
toda confiança guerreaíle as guer gança que tomava de fuas inju¬
ras do Senhor dos exercitos. Fo- rias, do que Ce tinhãoeCcandali-
gido de Roma o denunciador tor- zado da Cemrazão delias. ACsi pa¬
noufe a Portugal, como quem Ca¬ rou em alegre bonança húa cor-
bia que da condição do Árcebifi menta medonha. Mas não parou
po náo tinha que temer* Mas oenemigo : nem tardou em le-
como o negocio íoy publico Sc • vantar outra com muytas aven-
muyto Coado,tanto que chegou à tagens mais perigoCa , de que
.Corte de Portugal, madou elRey fe farà particular cap;tulo, def-
D.Sebaftião qfoffe deCnâturado> pois que contarmos a praga que
Sc defterrado do reyno.O que foy cahio Cobre as terras de Portu¬
permilTao divina pera augmen- gal de húa apertada fome: Sc os
to de gloria, & merecimento de intereífes que delia tirou o Ar-
feu Cervo. Porque o pobre Clé¬ cebiCpo* >
rigo vendoCe por toda parte de- «
femparado de remedio, Coube
CAPITVLO V.
buCear o certo, que foy aparecer
humdiaàviftade toda a cidade
de Braga lançado aos pès do Ar- Da grande fome quefobreueyo
cebiCpo pedindo com lagrimas nas comarcas ae T*rallos
rniCericordia Sc perdão de fua cul¬ motes fjf antre Douro j
pa. Moftrou o Arcebifpo que era
Admho: & do cujda¬
paftor), Sc que era pay. Levan¬
tou o, abraçou o, Sc chorou com
do Çtf largueza com
elle, tao compadecido de Cua mi- que 0 Arcebifpo
feria Sc trabalhos, como Ce nunca acudio aospo
delle ouvera recebido agravo. E breSo
nao Cò lhe deu perdão, mas con-
folou o com palavras de cordial 1£&( ■ w\
vta Chamo? nas me-
affeito, a que Ceguirão obras (que
onde efias faltão he fraco telíe-
fS® morias antigas que
fefP® no anuo de mil & qui-
munho o de razões bem affenta-
nhentos Sc fetenta
5574»
1 Ee Sc qua-
 Liuro II11, da vida de D. Fr.Bert.dos Afart.
êc quatro ouve nas terras de alem Recolhidos nos pateos do paço,
Boaro gèral eíterilidade em to- cerravãofe as portas,& lançavão-
dosos fruytos, que foy caufade nos por húa que ífae ao jardim.
venderem os pobres tudo o que Para chegarem a eíta paílavao
tinhão de feu pera íltftentarem primeiro tres, Sc em cada húa
feus filhtnhos, Sc defpois que nao achavão feu efmoler, & recebião
ouve que vender , nem que co¬ diíferente genero deefmoIla.Na
mer defempararem as calas, Sc primeira os eftava efperando o
iremíeà ventura peregrinando Sc bom velho frey loao de Leyria
íazerando : Sc aconteceo morre¬ de quem tantas vezes temos fey-
rem muytos polias eítradas. Sin- to menção, como outro Abrahão
tiafe mais o mal como corria o no fervor da calma: Sc de hum
tempo, Sc como fe hiãoacaban-* grande faco que tinha diante, de
do de comer eíTcs poucos fruy¬ moeda de cobre dava a cada hum
tos que fe rinhao colhido. Afsi conforme a fua necefsidade , a
quando entrou o anno feguinte qual fe julgava pola familia, que
defetenta & finco era jà tão cre- o feguia. Na fegunda porta aC-
cida, & tão gèral a fome , que fe íiília outro venerável Sacerdote
Vendia hum alqueire de milho * odeado de montes de pão amaf-
pof hum CrUZado , Sc quem o íado , que confornandofe com a
achava nefte preço,avia»por boa companhia que ada hum tra¬
Ventura: Sc quem o dava, por zia , diftribuhia mais cu menos
boa caridade. A necefsidade que pães. Na terceira avia outro mi-
atè os brutos enfina a bufcar íiu niftro,quc hia repartindo por to¬
confervação, guiava os atribula¬ dos carne, caldo,& couves de
dos filhos ao bafo do pay, as ove¬ muytos caldeirões que junto de
lhas ao Paftor, Sc acudiaotodos fy tinha. Eftas efmollas , como
a Braga, Sc era tamánho o nu¬ levavão efta ordem davãofe com
mero, que enchião as praças Sc muyta quietação, & com hum
as ruas. Affirmafe que fe junta- eftremo de confolaçao Sc conten¬
vão na entrada defte annoà por¬ tamento do grande pay das com¬
ta do Paço à efmolla muyto pou¬ panhas, que as mandava dar. O
cos menos de tres mil pobres» qual de hua janella fazia officio
Á todos mandava o Arcebifpo de fobrerolda: & fe acertava a vír
dar de comer cada dia por efta algum pobre de novo, ou fora de
ordem. Tocavafe hum fino a ho¬ horas, elle era o q chamava os mi
ras de jantar. Acodião ao reba¬ níftros,&os advircia pera q nãofi-
te todos os que avia na cidade. caífe defcõfolado.Não fe acabava
 jrcebifyo de Bragas Prlnias das Hcjbanhas*
a caridade com o dia : também
ànoycetioha Tuas efmollas* que
as vinhão demandar rmiytos ho-
mês nobres disfraçados, que dun-
dofe a conhecer ao Padre fréy
Ioáo de Leyria , recebiãd cada hu
comofegredo & decoro á catiti-
dade de pão que avião miíter pé**
ra fuas familias. Alem deita ef*
molla fecretâ, avia outra publica
que fe dava no primeiro dia de
cada femana por hum rol. Efta
cra em grão, & a gente de meftos
porte,a quatro alqueires &; a tres,
&a menos, fegundoérao as caí^s'
que jà tinhão fua taxa. Durou
efte grande gaftoatèa novidade
Sc colheita deite anuo de mil Sc
quinhentos Sc fecentâ & finco, q
Deos foy fervido mandar bem a-
bundante. He bem que declare-
mos como pode o Arcebifpo fu*
prir a tamanha dcfpcia, eftando
claro que em fuas rendas avia de
ter grande quebra, pois a falta era
geral. Supria o Arcebifpo com a
providencia d3outro tofcf. Porque
vifta a tfterilidade da novidade
de fetenta Sc quatro,, ficou enten¬
dendo o aperto que avião de pa¬
decer os pobres atèa feguinte, Sc
mandou logo muyto dinheiro a
diffcrentes partes do reyno a em¬
pregarem trigo, &. Cenreyo,& mi
lho: Sc com o que recolheode
fuas rendas ficou cdm baftante
provizao pera vencer o trabalho.
Heiie anno ouve muytos ricos?
% ê$
que como fambexugas engroíTà-
tão do fatigue dos pcb es5enche«
dó de prata os fileiros que vaias
vão de pão. Mas o Arcebifpo def*
pois de efgotâr á bolça nóernpre-
go do pão Comprado: Sc defpoiS
de fumido efte * & iodo ô maiS
que procedera de fuas rendas, pe¬
dia emprethdb , 8c ernpenboufe
como pay piadofo com hu m ani¬
mo cão determinado , que fe fora
fteceíTario dar o fangue dos bra¬
ços por não padecerem os filhos,
com ã mtfma facilidade abrira as
Veas , que Vaiava a bolça. E não
fetà razão que fique por contar
hum calo em que o moítrou bem
claro. Vinha hum diadeforada
cidade a cavallo, Sc entrava po-
la pottade 5anciago : vio pairan¬
do húa roda de gente que cer¬
cava hum homem que no chãot
eftavaeftirado: parou, & ouvio
que dizião os cirçunftantes que
ePcava quafi fem pulíb Sc pera
efpirar, Sc que a doença parecia
falta de mantimento. Ho mef-
mo ponto fe apeou ; Sc como fe
em lhe morrer âquelle, perdera
todo o fruito de fua providen¬
cia, falio tomar em braços dos
criados, & levar à fua hofpedar
ria que era perto. Tentarão ian,»
çarlhe polia boca algúa fuftan-
cia .- tinha jà ps dentes tão fe¬
chados j que com húa faca lhos
não podião abrir. Mandou o Ar-
ctbiípo vir o feu Medico , pro-
Ee z uarãofe
 Ltttro HIL daviaa de D.Fr. Beridos Aíart.
vàrãofe benefícios, forãó tantos lhe querer poupar alguacoufape
que tomou em fy. E toda via não ra odian te com defconfiada pro¬
feâtreveo a largailo ó bom Pre¬ videncia. He coufa certa que tira¬
lado atè que por dito do Medico do a limpo o paõ queneftaoca-
fe certificou que eftava fora de pe íião fe recolheo, afsi das rendas,
tigo. Que mais poderá fazer Como das compras que difTemos:
hum pay muyto maviofo com Sc o que fe defpendeo, refultãrão
hum filho único Sc muyto me¬ por conta fiel &c verdadeira gaita¬
recedor de fer amado l Não deve dos álem de tudo o que fe encilei-
parecer a ninguém àiviita defte fou palTante de mil &quinhétos
caíb,que pomos em rifco o credi¬ alqueyres. Maravilha he de Deos,
to da hiftoria, fe contarmos ou¬ que por fua deve confundir Sc a-
tro que como verdadeiro milagre brir os olhos aos ric«os do mundo,
foy notado Sc publicado naquelle notando que afsi coimo crecem os
tempo em Braga & por muytas bçs a quem liberalmente os repar
outras partes. Nao tomava con¬ te com os necefsitados: afsi fe pér
tas ò Arcebifpo, como atraz dií- dem Sc minguao nas mãos paralí¬
femos, a feus thefoureiros de re- ticas do auarento: ou polo menos
qeita & defpefa, porque quando do fuceflor. Porque o provérbio:
lhes dàva o cargo, jàerão marca¬ De malè qu<eft 'ts nongaudet tertius
dos por fidelifsimos & de virtude hoeres. Que he o nefmo que di¬
provada. A que fomente tomava, zer; o mal ganhado não chega a
era fe fe proviao os pobres, ou fe terceiro herdeiro:com razão o po
ficava algum por prover, & nefte demos elfender ao mal dc avara-
ponto núca acabava de fe fatisfa- mente poupado,que a palavra La¬
zer, multiplicando nelle eftreitifsi- tina tudo comprende,
mas ddigencias. E pera eífefim
mandava que os que tinhaõ à fua
conta os fíleyros recebeíTem por CAPITVLO VI.
conta, & com ella defpendeíTem
fazendo particular declaração de
quanto recebião,& como Sc quã- Dehua notauelafrontaquefe
do & aquém o davão. E efías ftZi ao Arcebejfo: do
contas & defpefas folgava muytoi
de ver,poía razão que temos dito valor com que fe for*
Sc porque não queria, q em quã- tou nella*
to avia necefsidades q remedear,
acertaííem por ventura os feus a
Hera
 íArcebifpode Brnga, Primas das Hefpanhas'
FUSSJOra fanto Arcebif-
j|| po chegados fomos a
tépo que em lugar de
coroa da verdadeira
honra & gloria, que citais mere¬
cendo por tantos milhares de al¬
mas, que confeílaõ deveremvos a
vida que vivemfmiiagres de voífa
providencia 8c liberalidade) entre
cííes mefmos homcs (quem tal
cuidara/javeis de fer findicado 8c
reprendido: & vòs que fois Prela¬
do 8c Paftor, 8c juyz, aveis de fer
chamado a juyzo & reíidécia em
tribunal de feculares, & fubditos,
& ovelhas voífas : onde vos háo
de ler hum livro de toda voífa vi¬
da^ não (ò da vofía,fenão de vof
fos pays,& avôs, & parentes: 8c
nao por certo do que elles, né vòs
mal fizeftes, fcnão do que nunca
cuidaftes,nem fonhaítes. Livro q
ainda que falfo 8c mintirofo, vos
ha de tocar no mais vivo da alma.
Fogo he que ha de penetrar o ou¬
ro de voífas virtudes atè no cetro,
8 c defcobrirnos os quilates mais
fecr.etos delle. Nao duvido q erão
pedras de fino toque as que atègo
ra o acreditarão, mas em fim to-
cavaonafuperficie. Lano intimo
quer oje o mundo provar quem
jírm.i.íois.Se fois cidade forte,coluna de
aífo, muro de bronze, como vos
tendes moítradoem tantos tran¬
ces, & como a Santa Igreja chama
aos varões Apoftolicos de voífa
profiífaõ ; em occafião eftamos
i6y
que tudo vos he neceífario pera
efcudo da nova tentação que vos
efpera, tentação forjada nas offi-
cinas do inferno, & tal, que atè a
quem a efcreve defcompoem 8c
faz defviar da eítrada, &c do effilo,
&leys da hiftoria. E tornando a
cila: viíicava o Arcebifpo em hum
lugar de fila Diocefi,& proceden¬
do em feu officio reprendeo 8c ca-
ftigou com a fua coítumada intei¬
reza algus comprendidos na vi-
fítação, caífigo de pay piadofo,
que quando toma a vara na mão
he pera encaminhar, não pera ef-
candalizar. Mas erão filhos de Be-
iial, que taes faõ os homés de vaf-
fos 8c defalmados, efcravos foltos
do diabo, feus algozes em carne,
que o fervem de graça, 8c remão
fem cadea. Acercadamfnte diífe
quem lhes chamou Anjos defa-
tanas. Ardem em ira 8c odio, blaf- c^rí0’
fernão do Prelado, aífentão cmI.acf
r v .. pop.Ant
tomar vingança: eíperarao a noy- [
te,fizerão corpo de gente, 8c jun-
tãofe na rua onde o Arcebifpo
eftava apofentado defronte das
fuas janellas, & foando primeiro
inftrumentos pera efpertaros de
cafa,& a vifinhança, começarão a
vafar polas bocas malditas todas
asinfamias& impropérios que a
rayva & a payxão, 8c a perverfa
natureza lhes iníinava nao deixã-
do coufa por dizer de quatas húa
lingoa afiada em todo genero de
maldade podia inventar, 8c corn-
Ee 3 por,
 LkírvIIIldd 'viàaàeD.Tr.BertJosMârt,
& minrir cõtra o mais vil,& mais dito fe ja o Senhor Deos. E voltan¬
mal acoftumado homem do mú- do pera os feus. Hirmaos, diífe,
do.Erão horas que o Santo eftava eftes examinão da parte de Deos
com feus Vificadores &officiaes minha paciência. E afsi como não
entendendo na reformação & fer- fora prudenea vangloriarme fe
viço dos fubditos & dcfpachando me chamarão Santo,que fora I011-
papeis. Ouvia tudo, & fem levan¬ varme do que em mim não ha:
tar mão do que tinha diante, nem também não he razão efcandali-
fazer movimento algum fe deixou zarme das injurias &teftirr unhos
hir continuando com tanta paz falfos que ouviftes, antes he obri¬
& foíTego,como fe ouvira húa mu gação de Chriftão fofrellos & díf-
fica de bem acordadas vozes, & fimulallos, & calar por exercício
fuave armonia. Arrebentavão os de virtude & matéria de mereci-
companheiros de payxão & ef- mento.Mas em pomo de heregia,
candalode tão defaforada infolen- que toca â honra de Deos, não ha
cia: & por outra parte pafmavão d aver fofrimento. Afsi nos acon-
da invencível paciência, & da fe- felhaSão Ieronimoque ninguém
renidade com que o Arcebifpo fe difsimule em tal cafo.Quer dizer,
eftava ouvindo acufar & conde¬ que logo refponda & aGuda por
nar. Paífoufe grande efpaço mul¬ fuafè, & fe neceííario for prove
tiplicando & repetindo os da rua fua inocência pera fer por Catho-
feus defatinos, & o Arcebifpo fo- lico conhecido. E quando os Dou
frendo & calando de dentro co¬ tores poem em queftão fe he hu
mo a competência. Quando vi¬ homem fenhor de fua honra pera
rão que fe não fazia cafo dclles, fe poder infamar , ou confeífar
porque não fintião rumor nem de fy algua culpa que não come-
inquietação em caía, que era o q ceo,por efeapar tormentos prefen
pretendião, comendofe de nova tes:a primeira concluzão he, que
rayva,& abrazados emfuria (que nao pode tomar fobre fy,inda que
não ha coufa que mais quebrante veja a morte certa diante doso-
ânimos & lingoas ferpentinas, q lhos, infamia de heregia. Mas ro¬
largarlhes o campo com filencio) guemos a Deos por elles, que ifto
levantarão grandes apupadas, & nos manda noííb Senhor IE S V
voze n grita chamàrãolhe de he¬ Chrifto em feu fanto Evangelho.
rege Lutherano. Aqui fe alterou E pofto de joelhos fez devota ora¬
' aquella profunda humildade, & ção polos que o acabavao de afro-
levantando o rofto diífe.IíTo não: tar com tanta exorbitância. Sinti-
herege não,nem Lutherano: ben¬ rãofe então por toda a rua abrir
 Arcebifpo de Brága, Primas das Hfpanbas*
portas, 5c janellas, 5c foar vozes
dos vizinhos, qae acudiao pola
honra de Deos, & de feu Prelado:
& abominando o que ouvirão,di-
ziao a brados que o Arcebifpo era
vircuofo , & Tanto, & elles falfos,
Sc fementidos, Tem alma Sc Tem
vergonha. A eíle pregão de lou¬
vor acudio o Santo com muyta
preíía como verdadeiro humilde,
&levantandofe diííe. Hús & ou¬
tros mentem, porque pola graça
de Deos não fou Luterano:5c por
minha grande culpa não fouvir-
tuofo.ác muyto menos fanto. Af-
fi acabou de Te confundir o ene-
mi godo genero humano, Sc de-
fefpendo de poder amolgar hum
fofrimento de tamanha firmeza
tecido fe foy lançar nas profunde¬
zas dos fogos eternos.
CAPITVLO VII.
Fa&emfe diligencias pola ju-
JiiçaJecular contra os culpa¬
dos: attalhaas o Arcebifpo
tS~ tolhe o cajiigo dos
prefos.
7^ wesra» £ tão feyo Sc enorme
o cafo que acabamos
de contar, que não du-
o rar devaífa, tato polo refpeito de¬
VÍ(do com par alio com
outro, que quafi no mefmo tem¬
po aconteceo ao gloriofo Cardeal
Sc Arcebifpo de Milão S. Carlos:
fò com eda differença, que a São
lóS
Carlos defacatárão os Teus dentro
em fua cidade & palacio deMilão,
Sc a Dom Fr. Bercolameu fòra de
Braga:a S. Carlos com inftrunié-
to da terra, que foy hum arcabuz
com que lhe fizerão tiro, a Dom
Fr.Bertholameu com inftrumen-
to infernal qual he húa má lingoa.
Eilc foy tanto mais perigoío.quã-
tovalmais a alma que o corpo,
quanto he de mayor eftima a ho¬
ra que a vida. Mas como combi-
navão em ferem grandes defenfo-
res da honra de Deos, 5c entre fy
muyto amigos :afsi combinarão
em ficarem ambos livresfeafo mi-
lagrofo 5c rarojhú do pelouro do
arcabuz, que não penetrou né fe¬
rio dandó em lugar que pudera Io
go matar: o oucro do veneno das
lingoas, que fazendo fua bataria
nas orelhas,nenhúa impreífdõ fez
na alma que bufeava. Amanheceo
o dia feguinte,publicoufe o infuíto
co dor &L efpanto de roda a terra,
q em todo efte Arcebifpado he o
cõmCí da gente grandemente pio,
5c affeiçoado a feus Prelados: Sc
fò era alivio faberfe publicamentc
que o Autor do exceffo, inda que
rico 5c poderofo no lugar,não era
natural delle.Não tardou quem ti
nba acargo a juítiça da terra em ti
vido ao Arcebifpo,como por obri
gição de officio conforme âsleys
do reyno , que afsi o difpoem em
caio de aífuada, 5c genero de mo*
 Um IU1Í4 vulade D.Fr.Bert. dosAfart.
dm comoeíteíoy. E pronunciou
logo à prifao algús dos culpados,
Sc c6 a mefma diligécia deu íobre
elles & os lançou na cadea. Veyo
à nocicia doArcebifpo o q paliava
por dito de que por vétura cuidou
que levava alvitre de goíto:& na
mefma hora mãdou pedir ao juiz
q não quizeíTe hir com a devaíTa
por diante. Pareceo ao juyz que fe
cõtentaria o Arcebifpo com que
nós q tinha colhido fe dcíle exé-
plo aos mais,&cõ iíTo ficalTe tudo
acabado: foyfe a elle Sc diíTelhc q
pois não queria q a devaíTa paíTaf-
fe a diante, viíle o q feria bé fazer
dos q ji tinha prefos , q razão era
ferem exéplarméte caíhgados. A-
gradeceo o Arccbifpo a cortezia
Sc bom termo , Sc acrecentou,
que na efcolla de Chrifto nãofe
aprendia dar mal por mal,mas an
tes perdoar as injurias de todo co¬
ração: & ainda fazer bera aos au¬
tores delias. E por tanto o que fò
queria dos prefos era, que fe arre-
pendeíTem da culpa que contra
Deos cometerão, pera que folie
fervido perdoarlha, q elle defua
parte plenifsimamente lhes per¬
doava: & a elle juyz pedia que por
fua conta nem aos prefos avexaf
fe,nem contra os foltos procedef-
fe: alegando que a obrigação do
Chriíião era deixar os caítigos à
^ conta de Deos, o qual diz de fy.
cu '^2 Mea eíl 0)1 tio, ego retribuam eis. A
vingança he minha,eu lhes darey
o pago: & quem fe adianta a to¬
mar vingança, comete efpecie de
idolatria, qual he ufurpar a jurdi-
ção Divina. Foyte o juyz cheyo
de admiração de hu tal animo: Sc
o Arcebifpofahioacontinuarem
feu officio com a mefma vigilãeia
Sc cuydado que fobia,tao defaf-
fombrado Sc tão quieto, que ne-
nbua differença fe lhe fenda nas
palavras,nem nofembrante,do
que antes era.Viíicava, crifmava,
prègava Com tanto fervor, Sc tão
cbeyo de efpirito, que parecia lho
comunicava Deos de sovo. Não
avia hora nenhuanodia em que
felhe enxergaífe defgofto ou íin-
timento, fenão que notavelmente
o achavão todos mais humano,
mais aíFabil Sc benigno: que foy
íinal clarifsimo, de que lhe man¬
dou NoíTo Senhor eíta tentação
pera augméto de graça Sc mayor
coroa. Porque não fomente não
afracou no curfo de ícus fantos
exercícios,mas a olhos viítos cre-
cerão nelle todas as virtudes. Ef-
palhoufe pollo reyno afama de¬
ite fuceíTo. Mãdou elRey ao Cor¬
regedor da comarca, que fizeíle
nova diligencia Sc caítigaífe com
rigor os cuipados.Etnoíãbendoo
Arcebifpo, ouve q perdia a honra
fe algum dos que o agravarão pa¬
dece lfe a mais leve pena do mudo:
porque julgava , que tanto perdia
de merecimento cm fua coroa,
quanto teveíle de trabalho,quem
lha
 ArcebifjjQ de Braga, Frimas das Hefpanhas.
Iba negoceirâ: Sc tanro fez cj. e a*
cabou cõ o Corregedor q não bo-
liíTe, nem fallaíTe no negocio. Em
fim ficarão fem nenbu catbgo da
juftiça da terra homés tão facino-
rofos;& o que puderão ter tomou
indafobre fy o Arcebifpo por hui
novo modo de padecer. Porque
foy tãta a guerra q muita gete lhe
dava,de fòra com cartas,& de ca«
fa com praticas Sc inftancias de
cada hora que deixade proceder
contra ei!es,que podemos dizer q
cm os livrar pagou por elles. Epor
ventura foy ede pera o Arcebifpo
mayor tormento, que o principal
da injuria, pois chegavão a dizer
que era hú infenfivel, que nao fin-
tia afrontas.Parece que quiz o Se¬
nhor que efprimentaíTe também
o trabalho que o Sanro Iob pafi-
fou com as impertinécias de feus
amigos Sc confoladores. Dizia a
hús Sc efcrevia a outros que nao
quizeffem com fuas razões pefa-
das agoarlhe o godo que levava
daquellamercède Deos,que el¬
les chamavão afronta:que antes
pedia fe aíegraíTem cõ elle todos
os que bé lhe queríao. Porque na
verdade achava qpadecer fome,
fede,pobreza,mortes de parentes,
pays, Sc amigos, perdas de faide
& fazenda,nem propriaméteerão
trabalhos,nem merecião nome de
perfiguições,porque húas fão cou
fas naturaes, outras fucedem a ca-
fo, Sc emfim faõ defaitres que a-
{67
contecem a muytos, ou atoc|o$.
Mas iíto de fer aviltado Sc injuria¬
do no rodo, Sc com nome de ere»
ge, quem tanto fe prezava deCa-
tholico, quem tanto fazia polia
honra de Deos,em obras Sc pala¬
vras, ido era favor particular do
Ceo, Sc encontro de grande inte-
reíTc,que fe devia abraçar com tp-
da a al na,&fedejar de verdade,
& render por cite graças fem fim
à Divina Magedade. È feodo tal,
fò opodiadesludrar Sc mefcabac
qualquer genero de vingança que
por fua parte fe tomaíTe,ou çon-
fintiífe tomar, como lhe aconfe-
íhaváo. Que Deos lhe mandava
não fò a!egrarfe,mas dar faltos de
prazer em femelhaute occafião,
íembrandolhe a certeza Sc gran¬
deza do galardão no Ceo, fem lhe
deixar licença pera outra coufa,
que ido querião dizer as palavras
do Evangelho: Beati eftis cum ma- Maifaf,
ledixerint <vobis bomines, tf psrjt cu -
ti 'vos fuerint, tf dixennt cmne ma-
lum aduerfum -vos mentlentes , prvp-
ter me. Gaudetetf exultate,quoniam
merces 'vesira copiofa e(l in calis.
Concluhia que elle íe avia porbe
aventurado em ter fò a padecer,
Sc fabia que nãofe enganava.Mas
não badava nada, que os de lon¬
ge não fe davão por fat refeitos, &
os de cafa cubriãofe de húa nuve
de trideza & maIencoíia,que mui
to defconfolava ao Arcebifpo, po¬
lo que os amava. E toda via não
ouve
 Ljiru'i o ílil âa-vlda de D. Pr. JBert. dos Acíart,
ouve coufa que o tiraíTe de fuao-
bro da mefma Releglão. Efiimdu
pinião. E com ella alcançou ficar
o Arcebiípo a viíita quanto era rà
mais faceada íua inocência ainda
záo,& aceitou a jornada com gra¬
diante dos homés, que fe vira pu¬
de gofio Sc aluoroço» E fingindo-
nidos os delinquentes a todo fa-
fe em fua imaginação hum pobre
bo'r de feus amigos &c criados.
frade particular, forro do cativei-
rodos cargos & dignidade, afsi
CAPIT VLO VIIL fe alegrava, corno fe ja fe vira na-
queila antiga liberdade, que hum
Vay o Arcebifpo à cidade do tempo lograra , Sc por quem fua

*■ Fortoafsijhrno Capítulo alma com faudade continua fufpi-

rava , correr a chamado de feus
Frouincialda Ordem
Prelados. Tudo foy hum,fer con¬
de Sao Domin- vidado^ caminhar, ou por me¬
vos. lhor dizer, voar. Determinou en-
trar de noite no Porto por fogir
deeftrondos Sc ceremonias de re
cebimentos: Sc afsi medio as jor¬
jUg^Jj tão governou a Reli nadas, que nao pudeíle chegar de
gião de noiTo Pa d ré dia. Mas como o caminho he ta<5
Sao Domingos neíle Reyno com curto, efía meírna traça foy meyo
titulo & cargo de Provincial* de fer recebido com mais pompa*
veyo a celebrar Capitulo intermé¬ Sc mayor folenidade.Porq o mef-
dio cumpridos dous annos def- mo alvoroço q elle trazia pera ver
pois de fua eleyção pollo mezde toda fua Religião junra, tinha ella
15 7 C Mayo de 1776.E foy nomeado pe¬ pera fedograr da vifta de qué tan¬
ra eile o noiTo Convento da cida¬ to a illuftrava com fuas grandes
de do Porto. Aprincipal coufa q o virtudes. E nao era menos o de-
Provincial Sc definidores acorda¬ fejo que toda a nobreza do Porto
rão na primeyra junta que fizerão tinha de o ver dentro daquclles
foy defpachar dous padres dos muros. Afsi lançarão boa conta
mais graves do Capitulo a Braga ao tempo & horas, & quando o
a vifitaro Arcebifpo, Sc pedirlhe Arcebifpo cuydou cjtie fe podia
em nome delle,q pois fe celebra¬ meter no Convento íem ferviílo
va em fua província quizeíle hon- de ninguém, achoufe cercado de
rallo,&aucorizallo com fua pre- hfia comprida prociííaõ dos feus
fença, & lançarlhe hua bênção lé- frades: & logodoBiípo Sc Cabi¬
bratidofe que também era ruem- do da Sè, que não quiz faltar em
ajudar
 Arcebifyode Braga, Vrimas das Hefpanhas.
ajudar os Rsligiofos a feílej ir o go
ílodeíla entrada (era o BifpoD,
Ayrcs da Syíua primo com hir-
mão do Regedor da cafa da Supli¬
cação Lourenço da Sylua, por fan
gue Sc defcendencia particular af-
feyçoado a cila Religião.) Acudi¬
rão juntamente todos os fidalgos
Sc gente nobre da cidade; com q
foy tato o rumor faindo o povo to
do ao exemplo dos mayores, Sc ta
manho o acompanhamento, que
não pudera fer mayor fe entrara
a peíToa delRey dom Sebaílião. A*
judárao avifadaméte os Vereado¬
res mandando pòr laminarias por
todas as janelias, Sc fazendo vir
muytas tochas, que fizerao a en¬
trada em todo bé triunfada.Neíla
popa foy levado o Arcebifpo até
o Convento, onde chegando ou¬
ve entre todos grandes compri¬
mentos , Sc cortezias, porque o
Bifpo pretendia que a elle fe devia
tal hofpede , & queria levalloà
força pera fua cafa. E o Arcebifpo
nenhua coufa queria menos, co¬
mo qué tinha pola melhor parte
delia jornada verfe ío entre os
feus frades,& efquecerfe híís dias
de Arcebifpo. Em fim fe aparta¬
rão com moílras de muyto íinti-
mento de hum, Sc agradecimen¬
to do outro, Sc grande amor de
ambos, Sc de todos os mays Ec-
clefiaílicos Sc feculares que não
fe fartavão de venerar o Árcebif
po alegrandofe de ver em fua ca¬
168
fa húa coluna da Igreja, de quem
tantas maravilhas ouvião de le¬
tras,de governo, Sc de fantidade.
Foy o Arcebispo apofentado a fua
arte, Sc com muyto goílo feu no
dormitorio em hua cella como
qualquer dos Capitulares, ainda
que mais compoíla Sc paramenta
da do que elle quifera. Aqui lhe
pedirão logo o Provincial & de¬
finidores que pera em tudo favo¬
recer Sc honrar o Capitulo qui-
feiTe pregar hum dia. Efcufoufe
com razões de humilde, Sc corte-
zão, que feria demafiada confiá-
çadehum velho jà acabado atre-
verfe a abrir a boca diante de tão
grave congregação, ondefabiaq
vinhão pregadores de grande fa¬
ma & grandes letras:que bem o
defculpava, quando quizera dar-
lhes goílo,aver tantos annos q 011
tros livros não revoluia fe não au¬
tos & proceíTos compoítos por
efcrivães Sc officiaes de juíliça.
Mas fe fe efcuíou da pregação por
então, nãoofezafsi em todosos
mais autos de Religião; nos quais
deu memorável exemplo acudin¬
do fem faltar nunca,a todas as co¬
munidades de Coro, rcfeytorio &
concluzÕes com tanta puntualida
de, como o mais robuilo & mais
obrigado Religioío doCcnéto. E
o q mais devemos enuejar os fra¬
des, he o goílo,& alegria,& de va*
ção com qne o fazia:que na verda
de Deos não fe quer fervido a for-
ça
 Limo 11II. da mãa de D Sr, BertJos Man.
ça: tem condição rrrny afidaigada,
Sc muy de quem he.Serviço arra-
liado,8c como dizem por matar
geyra, nem abu ruílico agrada,
quanto mais a hum Senhor que a
primeyra coufa que de nòs quer,
fratt.iy heo coraçãoo Fili pr<cbe mibi cor
tuum.
CAPITVLO IX.
Prega o Arcebifpo no Capitulo
contafè humJucejfo ejira*
nho que interuto nofer
mao.
Roòedíase no
~ [§g£j2 Capitulo, & era jà quin
m ta peyra> Rftavão entre-
tendo ao Arcebifpoo
Provincial Sc algús Religiofos gta
vesem boa converfação.Detevefe
oArcebifpohu efpaço fem fallar:
Sc logo levantando o roílo alegre¬
mente,poz os olhos no Provincial
&com palavras formaes^quebem
moftravão no geyto Sc pronúcia-
çãoquefahiaÕ d alma diffedeíla
maneyra.Padre noíTo Provincial
lêbro a voíía Paternidade q a mim
me chamao Frey Bertolameu dos
Martyres, Sc fou frade delia illu-
flriííima Ordé de noíío Padre São
Domingos, Sc membro delia Pro¬
víncia,& como tal fubdito de voE
ía Paternidade.Por onde me pare
ce razão advirtilio, que tem obri-
gação de me vi!ltar,reprender, &
caítigar^ & ufar comigo , pois he
Provincial,o que por razão de íeu
of-ficio coftuma & he obrigado fa
zer no dia damanham com cada
hum dos Religiofos que faófeus
íubditos. Era o outro dia feíla fei-
ra: Sc he de íaber que he cererno-
nia antiga Sc religiofa de oolTa Or
demem tal dia fazer o Provincial
Capitulo, Sc acufaremfe nelle os
Capitulares todos de feus defei¬
tos . E he o primeiro que começa,
o mefmo Provincial. E conforme
àcalidade das culpas, faó amoe«
liados, Sc reprendidos, ou peni¬
tenciados. E por iíío fe chama Ga
pi tu lo de culpis. E polia mefrna
razão fez o ArcebiEo a lembran¬
ça que referimos. Era hum des
afsiílentes aellaoNeílrefrcy An
tonio de S.Doming»s lente de Píi
ma deTlieologianíVniverfidade
de Coimbra, comoivifado & cor
tezão não quiz percr o lãço q fe
lheoiferecia de pocr obrigar ao
Arcebifpo a fobir o púlpito, co¬
mo todos defejavãctomou a mão
& diífe.Tãbénòs juderamos Ié-
brâr a V. Senhoria lluílrifsima,qj
os frades fubditos obedece a feus
Prelados, Sc fe VS. he fubdito
como lhe ouvimos em razão eílà
que fe fogeite ao qie a obediência
lhe manda. OPacre Provincial,
& os Padres defindores pedirão
aV.S. quizeíTe pegar hum dia
defta fe jx ana,ella vty paífando, 8c
V.S.
r
 A rcebifyo de B ragas P rimas das Uefòanhas.
VoíTaSenhoria atègora não lhes
tem deferido. Viole o Arcebifpo
tomado às mãos,&: cjue não tinha
por onde efcapar: abaixou a cabe-
ça,&diíTe com mtiyta humilda¬
de. Hora en pregarei à manham,
pois mo manda a fanta Obediên¬
cia. Efpaihoilfe logo entre os Reli
giofos, & dahi polia cidade, que
pregava o Arcebifpo no dia fe-
guinte,fòi coufa nunca vida o cõ-
curfo da gente na Igreja a vello,&
ouvillo.Poílo no púlpito tomou 3
benevolencia aoBifpoda cidade
com muyta cõfiança & cortezia.
Defpois de tomar a graça deu
principio ao fermão com eftas pa
lavras. Minha mãy que hea Or¬
dem de Sao Domingos s me man¬
dou vir a efta cidade,dizendo que
me queria ver, &eu como filho
obediente que mtiyto lhe quero,
ôc me honro muito de a ter por
mãy, acudi logo a feu chamado,
que também vivia com grandes
faudades delia. Dou muytas 'gra¬
ças a noffo Senhor que a acho em
muyto boa difpoíiçao , muyto
bem aííombrada, & rodeada de
tantos & tão honrados filhos co¬
mo vedes : bus iníignes em le¬
tras, outros em letras &c púlpito,
todos em virtude , & taes que
confeffo não me atrevia a fubir a
eíle lugar , porque eftando tão
bem aforado, como tendes eiles
dias viífo , arreceava que perdef-
fe pormim, o que por elles tem
16$
ganhado. Mas mandoLime mb
nha boa mãy. Afsi velho, & aca¬
bado , & entregue de todo a ou¬
tros exercidos muyto differentes,
diz que me quer ouvir,não fò vcrs
obedeço como filho. Á razão pe¬
de que não efpereis de mim futi-
lezas de conceitos, nem pontos
delicados. Sou velho, de velhos
faõ maos de tirar de fens coífu-
mes.Não vos hei de prègar fenão
como lã coílumo nas minhas viíi-
tações às velhinhas, & horoésdo
monte.Aííi propoz o Arcebifpo:
Sc pontualmente o cííprio, como
prometeo,porq foy infíando hua
doutrina muito clara & chã eftra-
nhãdo os viciosjouvãdo as virtu-
des,encarecédo a fealdade & peri
go do peccado:& cõ hu termo de
medre velho tecia as matérias de
maneira,q aosignorãtes iníinava*
ôc não defagradava aos fabíos, Sc
cm todos fazião luas palavras im-
preífaõ & fruyto.Porq de fu a bo-
ca,nem as matérias fubidas erão
efcuras por altas, nem as muyto
ordinárias Sc claras perdião pre¬
ço por baxas. Tal luz, & tal tem¬
pera fabia dar a tudo. Nefte fer¬
mão fe conta que lhe acontccco
aqueííe cafo tão raro, que poden¬
do fer a cafo tem muyto de pro¬
dígio efpantofo, quando nãoqui-
fermos conceder que nelle ou-
veíle milagre , ou revelação, que
be bem de crer que a ouve. Veyo
a tratar de mnytos males q cauíà
Ff cm
 Limo lílí. da vida âe D. Fr. Bert.dos Jlart.
etn bua almao torpe Vicio da fen-
fuabdade* Difcorrendo por elies
encarou pera hum lugar onde
eftava 2Ífentada hua molher que
nas vifitações doBilpo traziamao
nome: & não tirou os olhos do
lugar,nem delia por hum efpaço
grande apertando a matéria com
tanta energia , que não faltava
inais que norrealla por feu no¬
me. Eiíava a molher corrida (&c
não devia fcr do rnais vil do po¬
vo) parecendolhe que toda a Igre
ja leguia o Arcebifpo em pregar
os olhos nella: fenão quando pro-
feguindo o Arcebifpo a matéria,
& querendo fazer hua figura de
Retórica com propor hum exem¬
plo vivo em peííoa & nome, aco¬
de com o nome da mefma mo¬
lher, & começa a nomealla, &
chamar por eila hua & muytas
Vezes. Quando apobreouvio o
feu nome , acabou de fe perfuadir
que com ella o avia o Arcebifpo,
& que não podia fer fenão, que
tinha novas de fua vida, &não
íintindo que remedio tomaífe em
tamanha afronta comoimagina-
vaem meyo de toda hua cidade,
que não era menos o auditorio,
deixou cabir o manto febre os pei
tos, & aí si eíleve até o fim do fer-
mão desfazendofe em lagrimas.
E não era bem acabado, quando
fe levantou & fahio da Igreja jul¬
gando & affentando configo,que
quantos nel a ficava©,erão jà ceife
munhas do que Daffava em fua
conciencia. O Bfpo ficou tão
cheyo de efpantodo que ouvio,
que quaíi não da^a credito a fitas
mefmas orelhas. Chamou def-
pois o eferivão ca vifitação que
também efteve pefente, benzía-
fe o homem & azia pafmosdc
como podia fer cr o Arcebifpo
noticia do que pilava nofegre-
do da vifitação, & do feii eferito-.
rio: & fe a rtao thha, como era
pofsivel fallar ta) determinada¬
mente,& tanto a# certo. Mas ne-
ftes eftremos de admiração pu¬
déramos nòs furdar hum juílo
fintimentode vei quão malaca*
bão de cahir os homés de letras
nos grandes intereífes que ha em
eftudar lingoagem pera o cora-
ção3não pera as orelhas: doutri¬
na cham & fobida pera aprovei¬
tar como fazia o Arcebifpo, não
pontos que defpontao de agudos
pera ganhar fama, como fazem
muytos. E confiadamente pudé¬
ramos affirmar, que fe os que aly
forao prefentes, & os que oje vi¬
vem feguirão no púlpito & no
eftudo o eftilo & di&ames doAr-
cebifpo, não fizerão efpantosdo
milagre entendendo, que aos que
fò tratão de falvar almas, revela o
Efpirito Santo muytas vezes as q
té necefsidade: ou move fuas lin-
goas& olhos,pera q tenhão reme
dio os peccadores &eméda,como
efton perfuadido que aqui foy.
CAP.
 ! VO Primas das Hcfyanhas* i/o
muy groffas. Sobre todas eílas fom
CAPITVLO X. lenidades, a que acho cocada por
mayor nas relações defte Capr
tu lo, he hum milagre com que
De hum notmel Aíilaqre de São Gonçalo Santo deíla Ordem
SãoGonçalo de Amaran & Portugaez, o quiz ajudar a fe-
te,Ju cedido durante ílejar, fu cedido nos mefmos dias
o Capitulo Pr o-' que adualmente fe celebrava, co¬
uinctal. mo quem moftrava a feus hir-
mãos com ímaes exteriores não
eftar efquecido de fu a Ordem
O Y eíle Capitulo hu nefia commnm alegria, nem fe
WsífeÉ,
ji
dos mais celebres,que cfqueceriade lhe procurar dian¬
\ ii * r
1 V*M<’
"“ll* ate aquelie tempo le te de Deos todos os bés, & acre-
tinhao ajuntado, nem centamentos efpirituaes. O mila¬
fe jantarão muytos annos def- gre paííou deíla maneyra. Aos
pois. Porque àlem dos muytos 8c treze dias de Mayo defteannode
muy do&os Religioíos que nelle mil 8c quinhentos 8c fetenta 8c
concorrerão,forão prefentes com feis hum Domingo à rardefera
o Arcebifpo de Braga, outro Ar- o mefmo em que fe começava o
cebifpo 8c hum Bilpo íngrezes, noíío Capitulo) entrou na noífa
ambos da nolTa Ordem, 8c am¬ Igreja de São Gonçalo em Ama-
bos valentes letrados, que fogin- rante hua pobre moça toda to¬
do a perfeguição dos ereges vie- lhida 8l aleijada, de forte , que nê
rãoaly aportar nefta conjunção. empes, nem em mãos tinha uío,
E eftes tres Prelados com o da ci¬ nem força, nem movimento al¬
dade Dom Ayres da Sylva, forão gum , & os braços tinha fecos 8c
afsiftentes contínuos manha n 8c encolhidos. E era tão pobre que
tarde nos autos públicos de Con- hus almocreves por amor deDeos
cluzões 8c pregações, &nãofó atrouxerão, & meterão na Igre¬
ouvindo, mas também argumen¬ ja. Ficou lançada junto clafepul-
tando em todas as difputas. A tura do Santo, 8c aly eíleve aquel-
Igreja eíleve por eílremo bem or¬ íanoyre atè a fegunda feira, pe¬
nada emtraça 8c riqueza de ar¬ dindo com muyto fervor ao San¬
mação. A gente que a ella acudia to que ouveíle piedade de feu de-
Sc continuava a todas homs era femparo , & pobreza , & «Ve jão.
infinita. As eímoílas com que a E continuando em fua petição
Gamara ajudou o Capitulo forão com grande fè, q por meyo do Sã
Fl z tolhe
 Liuro IIILlda vida deD.Fr. Bcrt.dosMan.
to lhe avia Deos de dar faude,
quando veyo a fegunda feyra à
tarde a horas que polias Igrejas fe
fazia o final coftumado das Ave
Marias, diífe a aleijada a húa mo*
lher que perto eftava, que lhe quí
zeíle dar a mão, porque fe achava
com alento & ííntia em fy esfor*
ço pera fe ter em pé : levantada
com efta ajuda,' fintio fubitamen-
te em todos os membros tanto
vigor, como quando era perfei¬
tamente fam. E logo á vifta de
todos começou a andar pola ca-
pellafem ajuda, & defempeçada-
mente,& defpois por toda a Igre¬
ja. Como o milagre foy tão pa¬
tente não ouve tardança em fe ti¬
rar informação autentica com
muytas teftemunhas em forma
de Direito,& mandarfe co a mef-
ma brevidade ao Arcebifpo ao
Porto.Coftava por ella que a mo¬
ça fe chamava Cefilia , nacida no
lugar que chamaoaPortella das
Cabras, de pays incertos,porque
em nacendo fora delles engeita-
da. nefte lugar fe criara & crece-
ra vivendo de efmollas por cafa
dos fieys, Sc padecendo eftrema
pobreza, & procedendo o tem¬
po viera a tolher de pès demãos
Sc braços: de maneira que avia fe-
te ânuos quando aly chegou que
de todo eftava paralítica, & que
obrigada dos muytos milagres
cjue cada hora ouvia contar de
São Gonçalo defejàra muyto vir
a fua cafa, & en quanto não te-
vera remediopeia cumprira ro¬
maria, fe lhe enomendava muy¬
to de coração, & dahi nacia que
muyto amiude bnhava com el-
íe , reprefentancbfelhe que fe a-
chava junto de eu fepulchro re¬
zando : em fim naquclles últi¬
mos dias movides a piedade hús
vizinhos do feu lugar a fizerão
trazer em varaes ;té o de Modim,
onde começara a fintit algúa me¬
lhoria no braço direito, & dahi
hus almocreves que paftavão a
tomarão por ehnolla em húa
cavalgadura , & a poferao na
Igrtja , onde Dcos lhe fizera a
mercê Sc maravilha referida.
Mandou o Arcebifpo com bre¬
vidade fazer no cafo os exames
coftumados, 6c interpondo fua
autoridade Ordinaria deu licen¬
ça que o milagre fe prègaífe por
certo &autentic(o: & logo antes
do Capitulo acalbado fe pregou
no nofto Convento com gran¬
de alegria do Arcebifpo Sc de to¬
dos os Capitulares, & louvor do
Santo, 8c honra daOrdem. Não
fera razão paliarmos em fiíen-
ciohumaéto de liberalidade, Sc
demoyta honra, com que a ci¬
dade obrigou de novo aos Capi¬
tulares &c6 ellcs a coda a Provín¬
cia. Védo os Vereadores q o Capi
tulo fe cÕc!nhia,&por vétura ima
ginado q a brevidade q coftuma-
mos feria por medo da defpefa q
de for-
 Arcebijfio de Braga, Vrimas das Defpanhas.
de força he muyco gãrde, manda¬
rão ao Definitorio dous cidadãos,
fazédolhe faber que a cidade efti-
mana muyco prorogaríe outros
oito dias aqueíla folenidade do
Capitulo,& defpacharem os Pa¬
dres os negocios da Ordem muy-
to folgadame nce, & que pera iíio
offerecia & tomava à Tua conta
todo o gafto do tempo que mais
íequizeifem deter. Não fe acei¬
tou a offerta,por fer contra as leys
da Ordem mayor dilação. Mas
eíitimouíc, Sc agradeceoíe a von¬
tade como era razão, pera ficar
desde então em lembrança, & a-
gora não cfquecer neftes efcritoss
que a farão perpetua.
CAPITVLO XI.
De ha a pratica que o Arcebif-
pofe^aos Religiofos do Ca
phulo antes de fe
defpedir.
pj|| Iz eram muytospa
Hl p§!^ dres infiancia ao Arce-
|||||§ bifpo, que antes de def
pedido o capitulo qui-
zelíe fazer bua collação efpirituaí
z todos os Capitulares, alegando
que o queriao ouvir em matéria
que lhes tocafie de mais peno, 8c
fòlTe própria de Religiofos. Por¬
que a doucrina que lhe ouvirão do
púlpito inda que fora muyto fan-
ta St provei tofa, & em fim dou¬
trina fua, tevera mais refpeko à
vida fecular do povo, que â reli-
giãoiNão lhe dava licença fua hu¬
mildade pera confintir em tal, &
conliderando que avia de fallar
entre letrados coniuniados , &
engenhos florentes , & afiados»
quaes os conhecera no púlpito,&
nas difputas , julgava o feu por
mais botado, & froxo, do que na
verdade era. Em fim deixoufe
vencer dos rogos de mnytos, &
principalmence do Provincial q
mais inftou. E juntos todos co¬
meçou húa pratica, qual devião
fer todas as dos Prelados cheya
de devação & efpirito, como ver¬
dadeiro filho de noífo Padre São
Domingos, Sc legitimo herdeiro
de feu zelo, tratando chammen-
te daquelias coufas, a que princi-
palmente devião attender todos
os Religiofos afsi Prelados, como
fubditos pera confervaçao da pu¬
reza da Religião. Fora dita gran¬
de fe os que prefentes fe acharão
nola deixarão eferita polos mef-
mos termos Sc palavras, que o
Arcebifpo a pronunciou , que
por femduvkla tenho , acende¬
ra fogo nas almas, & dera vida
aeftes efcricos* Mas não nos a-
pontârão mais que huas cabe¬
ças das matérias que iremos refe¬
rindo. Primeiramente encomen¬
dou em geral a guarda inteira»
Sc precifa da Regra, & conftkoy-
Ff 3• çôes
*v
 Livro JUL àavida de D. Fr. Bert»dos Afart.
4qcS , & até das mínimas & mais,
leves cerimonias delias: dizendo
quccftafora a que dera credito,
Sc honrâ à Ordem : & a falta del¬
ia nío fò lha tiraria , mas de todo
à poriá ern perdição & ruyna: Sc
que não íe deixaiTem enganar do
refplandor das letras, Medrados,
Çatredas , grandes habilidades-
grande púlpito: que o fer,&ova
íor do Reiigiofo não coníiftia em
mais que em fer bom filho de São
Domingos, & obíervante de fuas
leysrquem nifto foffe defcuyda-
do, foubeíTe que por muyto que
tevelTe de tudo o mais, hia cego
Sc perdido: qae fem comparação
pefavá mais o dano qué fazia na
Religião hum grande letrado fe
acontecia fer pouco obfervante,
do que valiao os inteteíTes de fuas
letras por grandes & celebradas
que foífem.Porque o rigor da ob-
ferváncia fò por fyera baftante
a fuftentar a Ordem em fua fref-
cura Sc fermofura.o que as letras
defacompanhadas da obfervan-
cia não podião fazer: porque to¬
das as coufas era certo conferva-
remfe polos meyos qforãoâqui-
ridas:& ànoíTa Ordem mais cre¬
dito lhe grangeara a virtude de
noíío Padre São Domingos, que
não fuas letras ; Sc os famofos le¬
trados que revemos por iífo a hõ-
rârão,& honrão oje em dia, porq
juntarão com as letras grande pu-
lezadevida. Decendoaos parti¬
culares encareceo com efficacia o
cuydado que cumpria averna
criação dos noviços, Sc dizia que
daqui nacia todo o bem ou mal
da Religião: que a agoa fe da fon¬
te fae danada, mal pode melhorar
por onde corre, fendo afsi que a
muy boa fe corrompe muytàs ve¬
zes nos regatos. Que fobré tudo
procuraílem aífeiçoailos ao exer-
cicio da Oração & medicação , q
era hum olio divatiú que lançado
neftas Apoftolicias alampadas, q
Começavão a luzi r na Caíâ deDeos
podia fazer que vitííem a alumiai
la com fua doutrina & bom exé-
plo. Que por ter entédido o mui¬
to que neíte ponto íe intereífava,
pediálhes deíTena por Meftr.es ho
més muyto efpirituaes Sc amigos
de Oração, Sc encarregava a con-
ciencia âos Prelados,que fe em to
daaProvinciã nao ouveííe mais
que hum fô^quaatõmais cftândo
comoeftâvaflòrentifsima debõs
efpiritosjefte bufcaiTem,& o troa
xeífé por todas ãs cafas a ler efta
filofofia, em que fe achavão como
em thefouro todas as riquezas do
CeojuntaSí Que fe guardaíTem
pera Meftres,de hús peitos ferre¬
nhos, fecos,deiamoraveis,q mèdé
aquellas idadeá tenras pola fua ro
buíiezà Sc condição dura,& cuy-
dãoquetodaa íulíancia eftà em
carregar os noviços de trabalho
efteril, Sc matallos com difcipli-
nas; que quem diífe. G^ut parcit
<virg&
 Arubiffo dc Braga,
Pwt. 13 'virg‘6, oiitfilium fuum. Também
P/4/.44,. diífe,q avia de fer vara pera enca¬
minhar. & não pera matar inda
que fofife vara de Reyno: quanta»
mais fendo de Religião. THie co¬
nhecera algús tao rudes, que co¬
mo tyranos, afsi quenão acabar
tudo à pura força 8c medo da-
quelle cetro de varas, & fazendo
vagloria de ferem temidos, não
íintião ferem odiados,como o ou¬
tro cruel que dizia. Oderint, dum
Jpttd
Tull. in metuant.E fò tiravao de talgover-
j. yryy. *rr Q,
orat.pro no pera fy odio,&pera os difcipu-
Pub.Sex los pouco aditamento 11a Religião
tio. & amor de Deos. Que os Meítres
avião de juntar com afpeytofeve-
ro animo brando & maviofo,pera
amarem o noviço como mãys,ca-
ftigarem como pays, infinarem
comoamigos:& dizia como ami¬
gos: porque afsi como eftes fe dif-
fimulão hús aos outros alguas
faltas & defcuydos, por não que¬
brar na amizade,também os Me-
ftres avião de ter bojo pera fobre-
levar erros 8c imperfeyções da
mocidade, 8c hir desbaftando fíaa
incapacidade antes com mimos,
que com terrores, &fazendofe a-
mar dos difcipulos, que era ome-
Ihor meyo de todos pera impri¬
mir na cera branda daquella ida¬
de toda boa doutrina. Que fe hu
cavallo animal rifpido 6c feroz fa-
bia fintir 6c agradecer a feu modo
a mão branda de quem o adeftra-
ya,quando lha corria pollo pefeo-
\7 2
ço, ou lhe compunha a feda 8c af-
fentavaas comas, pera acudir co
prontidão &c obediência ao fynal
da redea, ou da efpòra: que fafa
híía natureza racional,branda, &
docil? Kos pregadores dizia que
temia fazerlhes lembrança, que
via bem que o põdião iníinâr a el-
lerque toda via lhes pedia fe não
mataíTem por eltudar agudezas
pera o pulpirò,porque lhes não a-
conteceire nette mundo ou no ou
tro o que a São Ieronirno quando
andava embtbidono elbloCice-
roniano. Que cõfideraiTem o fim
da pregação que erafò deíterrar
vicios,prantar virtudes,criar deva
ção &c defejos do Ceo.Que fò ne-
íte entendeífem fe querião efeu-
far eftreitas contas iri die mala^we
chamava o da morte. Aos confef-
foresaconfelhava grande inteyre-
za,grande liberdade cornos peni¬
tentes, nao nos grangear né que¬
rer delles nada mais que fua fa va«
ção,advirtindoos que erao prega¬
dores de orelha,6c fem brados po
dião grangear muytas almas pera
Deos,fe foubeííem ufar do officio.
Lembrava aos que tinhão obriga
ção do Coro , que fe foubeífem a-
proveitar daquelle fantoocio acu
dindo a elle alegremente, fervindo
ao Sen hor: m Utitia 1? exultatione:
que acharião n<“lle grandes inte-
reífes fe os bufcaíTem como de-
vião , 8c conforme ao que eftà ef-
cnio; Pfalhtefapienter.be acudiífé PfaL^a,
jFf 4 a louvar
 Limo IHL âd vida de D. Fr. BertJosAíart.
a louvar a Deos prontos 8c Icíies,
nao pollos cabelíos, mas antici pa¬
do os finos.Com grande vehemé-
cia encomendava a todos tempe¬
rança na mefa> pobreza em tudo
o que tem lugar, íilencioTempre,
partes eííenciaes da Religião, &
principaes confervadoras delia.
Que da temperãça era,fobre gra¬
des bêsque criava n’alma eften-
der &c manter com faude a vida,
Sc fequer pollo muyco que a a-
maraos devíamos Ter todos gran¬
des jejuadores: q,fe confultaíTem
osMcdicos aehariao q as mais das
doenças dos corpos humanos e-
rão ocafionadas da demaíia do
comer & beber: 8c também fabe-
riao que o pefcado,que a noffa Re
ligião profeífa nao era contra¬
rio à natureza, nem prejudicial á
faude, antes fazia proveito polia
muyta facilidade da digeílão: co¬
mo fe via bem na Santa Cartuxa,
onde fe achavao homés de vidas
muy largas, que nem por doença
o deixavão.E os que entre nòs íin
tiao delie algum dano era a caufa,
o apetite de o alternar com a car¬
ne. Porque eftas mefturas gèra-
uao outras de humores contrá¬
rios que desbaratavao as comprei
çoes: & em fim fe o melhor con-
felhoeraodo Medico mais ami¬
go, quem melhor Medico, quem
mais amigo de feus filhos que nof
fo Padre S. Domingos? Da po¬
breza dizia que era criar fauda-
des do Ceo, & aborrecimento do
mundo,que na verdade onde avia
necefsidades & trabalho, o viver
era pena, Sc a morte ganho. Mas
que mòr boa ventura , que andar
o Religiofo fempre cercado de e£
pertadores da bemaventurarça
que efperava? Que procurafíèm
embora os fecnlares fazerfe eter¬
nos com o dinheiro, a que refe*
rião a melhor pairte da faude: c5
as delicias das olajndas, das fedas,
das martas , das cafas cozidas em
ouro, 8c de todas as maisfuper-
fluydades, com que trabalhavão
disfraçar as miferias da vida hu¬
mana. Mas o verdadeiro Religio-
íb naó quizefle mais, que dizer có
S. Paulo: Tendo com quecuhrtrnos
r .Timo
& dgm coufa que comamos, com iflo th,6.
eftamos contentes,E cuydaíle,q não
avia peçonha mais refinada, nem
morte mais certa na Religião que
o dinheiro particular, porque de
maneira fe pegava com nofiã na¬
tureza que pouco a pouco fe fazia
idolatrar,& fazia que nos enganaf
femos a nòs, & aquem nos difpé-
fava. Que o enxergão frio & duro
lhe lembraíle a terra em que avia
de jazer fepultado. O cilicio con¬
tinuo da túnica de lam afpera &
mordente, o aguilhão da morte.
Os bichos que aeftamenha cria¬
va, 8c jà em vida começavao a fa¬
zer palio de noífascarnes, foífem
hus amoeftadores do que avia de
fer delias dentro de pouco tempo,
E em

Arcebifyo de Bragas Vrtmàsdas Hefpanhas,
8c em fim a cella falta de tudo lhe
fizeíTe dar fofpiros poílo Ceo, on¬
de fobeja tudo. No filencio defco-
bria grandes tefouros: porque lhe
dava húa muy eftendida jur dição
dizendo que por iíTo era com tan¬
ta razao encomendado, porq não
confiftia fò em enfrear a lingoa: q
íilencioera efcufar viíítas,<Sc fahi-
dasfem grande ncccfsidade; filé-
cio,não procurar licéças pera an¬
dar vagabundos de moíteyro em
moíieyro , & de quinta em quin¬
ta,onde fe perde em poucas horas
quanto fe aquirio de efpiritoem
rouytos mefes. Silencio também
era,dentro do Convento não paf-
fearfempre clauftros,hortas, dor-
mitorios: dentro da cella,não tra¬
tar negocios feculares, fogir de li¬
vros profanos: & détro de fy não
dar lugar a penfamentos ociofos,
vãos & defneceíTarios : & o ver¬
dadeiro filencio era fallar fò com
Deos, 8c fò nelle cuydar. Daqui
foy paífandoaosPrelados, & dos
Prelados às eleyções: 8c dizia que
obrigação era dos Prelados (8c pe
ra ifto os punha Deos no primey-
ro lugar) fazer continuas lembrã-
ças aos fubditos das coufas ditas:
8c fe os vilTem levar differente
eftradaencaminhallos cõocafti-
go, mas mais com o exéplo : por¬
que não avia melhor caíligo, nem
preceito mais rigurofo pera o fub
dito,que a vida religiofa 8c obfer-
yante do Prelado: 8c não baftan-
■4
do èfte, então aíTentarlhé árna$
como a rebelde* Que quem difi
fimulava culpas no fubdito,era fi¬
nal,que ou lhe devia, ou efperava
delle:ou lhe pagava obrigação paf
fada, ou a grangeava de novo : 8c
feem tal obrigação ou grangeria
aconteceífe intervir qualquer gé¬
nero de ambição: a tal Prelado
melhor lhe fofa que nunca veíiira
o habko3nem Conhecera religião.
Aqui deu o Santo hum grande ge
mido,dizendo: Ay ambição, am¬
bição Mefterre Deos eíle monftro
danoífa, & de todas as Religiões,
quefò elíe he baftante pera as lan¬
çar a todas por terra.E foy profe-
guindo,que por amor de Deos, 8c
por honra de noííò Padre SãoDo-
mingos, 8c com todo encareci¬
mento pedia aos Prelados mayo-
res 8c menores que foífem muy
efcoymados & puros em matéria
de dar,& receber cargos. Que fé
pre lhes retiniíle nas orelhas a-
quella voz tão temerofa. Ambitio
perdidit nos. E que não quizeílem
conuerter em dano das almas o
que o Padre Saó Domingos infti-
tuyra pera merecimento delias.
Que noffo Padre, íanto fora 8c
pruden ti (limo -bem pudera refer-
var as eleyções dos Prelados pera
fy,& pera os Gerais da Ordé feus
fuceííores: ou largallas aos Prc-
vinciaes, 8c Definidores de cada
Pro vincia: mas fiando de nòs que
feriamos imitadores de feu efpiri-
to tão
 LivroíllLàavidade D.Fr. Bert. dos Man,
to tao defmíereíTado,tão afidal ga¬
do 8c puro, nos entregara as eley-
ções,pera que opovo dos frades
pudeílemos merecer em medrar
nellas izençao &c liberdade: não
nos deyxando levar nem torcer
por rogo, nem por medo, por a-
mor,nem por odio peílimos con-
íelheyros daverdade:& pera que
os Priores teveífem merecimento
em engeytar
O j
ou ao menos não
procurar prelacias, &c neftas me¬
nores fe enfayaííem pera fiaberem
defprezar as grandes, como elle
fez, & como defejava fizeííem to¬
dos feus filhos. E os Provinciaes
gan bailem com Deos, & com os
homés em medrar tão pouco go-
fto do poder 8c mando, que antes
de dado o não apeteceífem, & def
pois como de prizao 8c cadeas,af-
fii defejaífem livrarfe delle. Nem
lhesfobifse àcabeça a hus 8c ou¬
tros tamanho defatino}como feria
fabricar traças em qualquer force
de eleyçlo, por humilde que foíTe
contra as leys, que tao fabio fun¬
dador nos deyxara. E quem fede
tãoefquecido de religião que tal
inteníaíle, entendeffe que tinha
fobrea cabeça pendurada de hu
cabello a efpada afiada da divina
juftiça,& daquella terribel fente-
Sdp.d. QzJudichtm dunfsimum y^quipr<e-
funty fet. E affirmava que devía¬
mos muyto a noífo Padre neda
forma de ekyçoes.Porque nos tra
tara como a filhos dando parte a-
todos no que em verdade era de
todos.O que nao tinhão as eley-
çoes que dependiao de hum fò,
ou de poucos, que ale de muytas
falhas íecretas que as danavão,e-
rao hum O*
çenerode Revno:
4
fò as
noílas feguião forma de republica
8 c quanto a elias ficavamos goza¬
do das aventages que ha de filhos
a criados nas chas particulares,
8 c de hirmãos a vaífallos nos rey-
nos. Donde infiria hua grande 8c
precifa obrigação, que a todos gra
des & pequenos corria de proce¬
dermos com grande limpeza de
confidencia afsi neíla parte, como
na verdadeira guarda de todas as
mais particularidades de noífas
conftituições, as quaes tinha por
tão coníideradas , tão acertadas
em tudo 8c tão fantas,que defviar
delias era fogir da mefma razão
8 c juílica. Arreimatou pedindo a
todos que o emcomendaíTem a
Deos, & lhe alcançaíTem de fua
divina mão, tornallo inda algum
dia ajuntar comtaobos hirmãos
livre da pefada carga de almas a*
lheas.
CAPITVLO XII,
Corno vagãrao Águas pcnfocs
ao Arcebiffo: & em quQ.
?nodo difpo&del*
las.
Apar
 Arcehifyo de BraPrimas das Hefpanhas.
S PartovseoAr-
wmm çebifpo do Convento
ÉSSlÉ & dos Religiofos, co-
Í&Í3M.9WÍ ir}G arrancaí]o a viva
força. Eralhe o lugar faborofo co-*
mo feu verdadeiro centro,& a cõ-
panhiareligiofa como natural. Af
íi deixando na cela que defpejava
o coração, tornou fe ao feo Arce-
bifpado & ao governo & traba-
lhoscolfumados.A pouco mais de
dous annos defpois deíle Capitu¬
lo,por Agoífo de 78. fucedeo a
infelicifsima jornada que eIRey
DomSebaílião temerariaméte a-
cometeo medindo fuas forças por
feu esforço, & lifongeado & fo¬
mentado por gente de pouco dif-
curfo:& paliando em África todo
o poder éc nobreza deíle Reyno
a fepultou com fua peíToa nos
campos de Alcacere ribeyras do
ryo Lucus. Vivia em idade muy
crecida & com pouca faude o Car
deal Iffante dom Anrique tio del*
Rey hirmão de feu Avo elRey D.
Ioão terceyro do nome, que logo
foy levantado & jurado por Rey.
Como tomou o fetro largou as ré-
das Eclefiafticas que antes poíTu-
hia,entre as quaes era húa srolTa
penfão no Arcebifpado de Braga
de feis mil cruzados,como atras fi¬
ca dito.Mas polia certeza que ti¬
nha da condição do Arcebifpo*
que tudo queria pera fantos em¬
pregos efcreveolhe , que leuaria
golfo que ametade da penfão que
*74>
erão tres mil cruzados fe aplicaífe
na forma feguinte, a faber mil cru
zados pera o Collegio da compa¬
nhia de IESV, de Braga,& outros
mil pera o Collegio que os mef-
mos Padres principiavão na cida¬
de do Porto: & os que reífavão fe
diíf ribuiíTem por pobres & orfas
do Arcebifpado. Que facil he de
levar hu animo deíintereíTado a-
largar fazenda,como feja emcau-
fa jufta? Refpõdeo que com muy-
to golfo largava os mil cruzados
pera pobres & orfãs:& também
confintiana aplicação que S. Ai
queria pera o Collegio queaCõ-
panhia tinha em Braga. Porem q
em nenhiia maneira podia acabar
comfuaconcicnciaque asefmol-
las dos pobres da fua Dioceíi fe
eífendefíem a Religiofos que fer-
vião noutra: porque iífoera tirar
o feu a feu dono. E afsi pedia a fua
Alteza folíe fervido q pera o Por¬
to fe não deífe coufaalgúa: & afsi
fefez.Sintia rnuyto o Arcebifpo
que fe divertiffem pera fòra do
Arcebifpado as rendas que delle
procedião, porque entendia que
todas erão devidas aos que nelle
trabalhavão, q erão os miniífros
das almas, & da jutiiça, & todos
os que nelle padeciao,que erão os
pobres,& peraeífes tudo quanto
colhia de renda lhe pare cia pou¬
co: tãto por ferem muytos em nu¬
mero,como polo grande amor q
lhes unha. Afsi né com eífes feis
mil
 LwroIlIL ãd'vida det). Fr. BertJos MarU
mi! cruzados, nem co outros tre¬
zentos , que o Cardeal Iffante lhe
tinha largado nos annos atrazien
do Inquiíidor geral, que o Arce-
biipo pagava pera asdefpezasdo
Santo Officio da Inquifição: ou¬
ve em lua caía melhor trato, nem
melhor prato: tudo redundou cm
may sabundancia pera os pobres,
nenhúa pera o Prelado. Pagava
cem mil reis a certo fidalgo que
feguia as letras, de penfaõ no Ar*
cebilpado; foube que deixara a
Via da Igreja,& íe caiara: logo lhe
íufpendeo o pagamento. Ouve
queyxasj&recados de parte a par
te. Reiolveole que nem elie podia
dar a contia com boa conciencia,
nem o fidalgo levalla, pois cra ca-
fado, Sc não podia comer bés da
•Igreja faltandolhe o titulo, com q
átè cafar os poíTuira: que ie puiei-
ie o negocio cm jufliea , Sc com o
que ie ientqccaffe ficariao ambos
livres de eicrupulo. Correo a de¬
manda algõs annos. E he de no¬
tar a providencia do Arcebtipo,
que em cada hum dos que durou
o lítigio, mandava lançar em de-
pofito a contia defta peniaõ: por¬
que ie acertaíie a ter íentença cõ-
tra iy, eftiveífe preftes Sc conta¬
da como cotiia que era alhea: iem
cortar pola ordinaria repartição
dos pobres, comoieria neceíTario
fazer, ie em cabo de mu ytos an¬
nos lha mandaffem pagar por ju-
to. Nao durou poucos o litigio3
mas em fim vierao a concerto.
Contentouie o fidalgo com a ren-
da de cinco annos. Madoulha dar
o Arcebiípo, de o refto que eftava
guardado paílou logo pera me¬
lhor depofito, que forão as mãos
dos pobres.
CAPÍTVLO XIII.
Como fe ouue nas alterações cj
Çucederao nejle reynopor
morte detReydow
Anrique.
JSSgS ^ R v 1 0 a eIRéy o Se
tl° ^ 3 ^010a de lhe
encurtar a vida. Que
eltes ao os encargos
que ordinariamente acompanhão
o Reynar. Tinhamuyta idade, Sc
adiipofção pouco firme.-carregà-
rao cuydadGS, &as Importuna¬
ções dos pretendentes do povo Sc
eftados do Reyno: vivia afligido,
Sc irreiohuo, Sc iem hora de del-
canio nem de goílo,Redundou no
corpo o trabalho do anirro: avi¬
vou as enfermidades companhey-
ras da velhice,& em fim cortou-
lhe a vida: que por ventura iora
mais larga ie paliara eftes vlcimos
annos naquelle ianto ocio, em q
tinha contado ieienta Sc tantos.
Faieceo vitimo dia de Ianeyrodo
annodeoytenta,quefoio meimo 1 5
dia em que nacera Ieienta Sc oyto
annos
 Arceítfjjo de B raga3 Vrimas das Hefyanhas,
ânuos atràs.Alteroufe todo o rey*
noqueyxofodo Rey defunto que
primeyro deu fira à vida que o def
fe ao iitigio que ante elie pendia
da crança que deyxavaX) que foy
caufa de grandes males que todos
ou a raòr parte atalhava com a de-
cifáo da caufa, ou declaração qual
quer que fora.Deu principio San*
tarem levantando por Rey a D*
Antonio Prior do Grato filho na*
turaldo Iffante D. Luis hirmão
deíRey D6 Anrique. Seguirão a
Sanearem muitos povos & luga¬
res principaes.-hus por exemplo*
outros por cõfelho,& todos mais
com animo que forçasrporque del
las eftava a terra exaufta, primei¬
ro com a jornada de África , def*
pois cõ o refgate dos cativos. Cd
a primeira nova da morte delRey
fez o Arcebifpo o que era conve¬
niente pera prevenir os trabalhos
que tinha por certo avião de fe*
guir logo. Defpois de celebrar as
exequias com o decora & fenti-
mento, que era devido ao ultimo
Rey da fuceííaõ Real mafculina*
que durou nefte rey no quatrocen
f .Btr». tos &0ytensra & feisannos con-
tac^os do nacimento delRey Dom
fit z p.U Afonfo Enriqtiez, que foy no de
j.c.xo. io94.atè efte anno de oitenta.Co*
Durte rneçon a entendeF era devotas pro
Nnnes^ cfp0£s & orações publicas & par
Q6 Luift * j*j ç
cho ào ticu*ares pedindo a Deos -paz*
Cole D. (Que nunca nenhúa foy certa né
Enr que firme, fenão a q por eftes meyos
foi. 12.
17 j
fe procura & negocea.J Prégavâ
muito a miude,&nas pregações Sc
prar i cas par ti cul a res a moe ti a Va, Sc
acõfelhava â todos*ej eõ muita dc*
vação peditfem a Noífo Senhor
dètle Rey de fua mão pera cõfer-
vação de paZ, Sc augraento de fua
fantafè. Andando afsi occupado
o Arcebifpo chegou a fegunda
nova do levantamento de Santa¬
rém,^ como contágião veyo mo¬
vendo humores, Sc alterando os
ânimos afsi Como os tocava o avi-
fo,& fegudo a inclinação q acha*
va em cada hum,atè chegar a Bra
ga.He nome fermoío Rey natu¬
ral. Não enche menos os olhos
hu efpirito prõto a fe perder pola
patfia. Onde avia gente deíle hu¬
mor levantavao logo bandeyra
por D. Antonio,& bafiavão pou¬
cos pera o eífeito , q logoerão fe-
guidos do.povo fácil de levar da
boa fõbra da caufa,& do brio dos
animofos. Por outras partes bafta
va veré levãeado o lugar vizinho,
peraferefolaeré ao mefmo:hus fò
por imitação,outros por medo ta-
bé de fer julgados por fofpeitosfe
tardaíTé.Não faltavão homés pm
détes,q eílédião os olhos ao diãtc
& cõíiderando o eftado do reyno
ãteviao Sc propunhãoincõvenié-
tes,mas ou nao erão ouvidos,ou íl
cavao e opinião de froxos & pera
pouco: ou polo menos badeados,
Sc ávidos por géce q pretendia da
caufa publica fazer negocio par-
Gg ticular
 Livro 1ÍÍL âavida de D. Fr. Bert. dos ALart,
iicular & proprio. Braga he terra
grandes toda efta diveríídade de
Iiu mores fe achava nella. Come¬
çarão os que fe tinhão por animo-
ios a publicar zelo & amor da pa-
tria, & a levantar o povo. Acudio
o Arcebifpo moftrãdolhes a obri¬
gação que avia de obedecer aos
Governadores deixadospor elRey
Dom Anrique, & efperar delles a
fentença da fuceííaòiNao bailava
nada,& querião todavia que a ci¬
dade íe declaraffe por Dom Anto
nio,& fem duvida o effeituàrão fe
o vulgo melhor conhecido do
muyto que devião ao Arcebifpo,
&c mais agradecido ("que he coufa
bem rara) nao reíiftira com as ar¬
mas na mão, dizendo que não fe-
guiriao nem terião por Rey,fenao
aquelle q o Arcebifpo feu fenhor
&pafior lhes nomeaíle como qué
melhor que todos entendia o que
a todos cumpria. Durou eíla obe-
diécia atè que chegou recado dos
Governadores ferem fahidos do
reyno & paífados a Caftella. En¬
tão fe juntou corpo de geie & per
fuadidos que eftavão c6 liberda¬
de pera feguirem o partido que ti¬
nhão por melhor pera todos, to¬
marão animo & fizer ao requeri¬
mentos públicos ao Arcebifpo, q
quizeííe mandar que a cidade to¬
ma ffe a voz de Dom Antonio, 6c
o reconheceílem por feuRey,pois
o Reyno quaíi todo o reconhecia
por tal, & os Governadores com
fe aufentarenm tinhão defobriga-
doo povo de fua obediência, 6c
muyto mais de efperar delles féte
ça.Ajútavão rogos & lembranças
do grande Iffante D. Luys, a qué
elle tinha tão notorias obrigaçóes
pois de tal Principe fora efcolhido
perameftre de húfófilho,& mui¬
to querido,a quem Deos agora de
ra a Coroa de feus antepaíTados,
& de cujo bem & acrecentaméto
elle Arcebifpo devia ter por efia
razão particular gofto. "Nao era o
Arcebifpo homem,a quem fizeííe
vétagem no amor da patria 6c do
bem commum nenhum dos mais
acefos requerétes: impreífa tinha
no animo a memória do Iffante,
6c o amor do filho que muyto te-
po iníinàra, 6c converfara, como
temos contado. Mas era em tanto
eftremo efcrupulofo,& temia tan
to embaraçar a conciencia em
qualquer mateiria onde inrervieífe
prejuyzo de terceiro , inda que
muy leve fofíe o cafo 6c todo da
jurdição de fuas letras, que de ne-
nhúa maneira fe atrevia a dar vo¬
to, quanto mais fazerfe autor em
caufa tão pefada,& de todo alhea
do feu eftudo, como era a preten-
çãodo reyno. Afsi todo feu cuy-
dado era íuftentar a terra em húa
quieta paz atè aver fentença, ou
declaração, procurando confer-
var hua limpifsima, 6c definteref-
fada inteireza,fem reípeico ao po¬
der do mais poderofo , ncrn ao
amor
 jirceblfpo de Braga, Vrimas das Hefyanhas.
amor do mais amigo. E guan¬
do fevio vencido de importuna¬
ções, Sc requerimentos cemédoq
o negocio vieffe a rÕper em algíía
perigofa defordé, Sc em dano da
cidade,fez ajuntar o povo todo, &
dandolhe breveméte cõtadoefta
do do reyno & da cidade: das in-
ftancias q lhefazião, & da deter¬
minação firme é q eftavadenao
tomar íbbre fy dar né tirar reyno,
mandou q votaíTem hu por hú,
Sc dedaralíem quem querião por
Rey,&elle por fy tomou os votos.
Coufa he de cófiderar q fim teria
o Arcebifpo em feyto tao extraor
dinarioiq de homê tão prudente,
Sc tao letrado não avemos de cui¬
dar q fe abalançou fem fundame-
to:pois eílava claro q nem Braga
fo era parte pera eleger,nem pera
fuftentar quê eíegeíTer&toda elei¬
ção he ridícula, quando fe faz por
qué não té poder pera a fazer, ou
pera a manter.DoUs intétos pare¬
ce q teverprimeiro m.oftrar o q na
verdade era,q né tinha inclinação
a parte algua,né queria tomar fo-
bre fy a caufa commum: fegundo
çuydar q refultaria defte genero
de eleyção pacificarfe cõ ella a ci¬
dade que era toda fua preteoção,
& com paz Sc foífegoefperar que
as coufas fe aclaraffem, Sc deífe
Deos algum meyo de fe entender
quem era o judo Sc verdadeiro
herdeiro. Vias não refpõdeo o fu-
ceíTo â boa tenção, porque o povo
elegeo com grande exceíTo de vo¬
tos elRey Dom Filipe fegundo de
fte nome em Caftella: Sc fendo af-
íí declarado polo Arcebifpo, cre-
ceo o defiífoííego Sc a!teraçãos
porque os que cuydavao que de¬
fendi ão melhor caufa, tomarão a-
nimo pera fe defcomporem aber-
tarnenter&não no teverãoosque
por Caftella votarão, pera fuften-
taté fua opinião, de maneira que
fe pudeífe o Arcebifpo prometer
húa quietação , qual defejava, li¬
vre de efcãdalos Sc perturbações*
Afsi ficou de novas anguftias cer¬
cado,vendofe por hua parte obri¬
gado a feguir a eleyção que por
fcu juyzo pofera em votos, Sc por
outra temendo os defconcertos
que ja fe começavão a trasluzir
nos de opinião contraria:os quaes
com coifas quentes no favor de
todas as villas,grandes que à roda
fe tinhão declarado por Dom An-
tonio contradiziao a eleyção, 8c
ameaçavão os eleytores feaqui-
zeífem fuftentar. Por onde quado
vio todos feus dizenhos falfados,
Sc q não podia dar a paz q defeja-
ra,determinou em rodo cafo dalía
foííe qualquer q foífe,deixado ve
cedores, Sc largando o campo aos
que a querião a feu modo. E jul¬
gando efte por menos mal deípe-
jou a cerra , &c cora grande mor¬
tificação & dor de fua alma fe paf
fou a Galiza à cidade de Tuy.
Gg 2 GAP,
 /
Lmolllh da vida de D. Fr. Bert.dos Man.
CÂPÍTVLO XIIIL
Dofuio da cidade deTtiy.fJ* da
doença q nella teue oArcebifpo;
&do quefaffou atecoua
lecér,t$ tornar fera o
jlrcebifpado.
fpSrfSli V Y he hua pequená
SM cidade em Galiza íicua
^ V?VCI.V da na ribeira direyta
rj0 Minho. Cha-
màrãolbe os antigos Tyde , 8c
Refenâ. defpois Tude , convertido o, ys
lib yf i em,n, Coftume muyto ufadodos
Antiq. Latin0S4 Sua fundação he tão an-
Lufitan. tigaqne todos os efcntores a re¬
ferem ao Grego Diomedes Rey
de Etoliâjhum dos valerofos con-
quiftadores de Troya,& querem
que lhe deíTe o nome de feu pay
Tydeo.Dõde Siíio Itálico lhe cha
J7/.//4/. ma j?toia^ Tyde. He cabeça de
hb} Bifpado des de antes da perda de
Efpanha , & naquelles primeiros
tempos eftendia feus limites por
dentro de Portugal ate Viana que
lhe era fuffraganea.Tinha porPre
lado neíte tépo D.Diogo de Tor-
quemada varão eminente em le¬
tras.Entrãdo oArcebifpo emTuy
o defgoftoq levava fez obra de li¬
ma furda, & veyo a arrebétar em
hú tabardilho peftilécial, q o teve
defconfia do da vida. Sintindofe a-
pertado não tardou é fazer teila-
mento & todos os mais autos de
verdadeiroChriftão.E porq feve
ja q não erãofeus cuydados 8c 0-
btas differentes na morte,doqfo
bião fer em vida,nao fera tépo per
dido trefladaímos aqui ao pé da
letra hua verba defte teftamento
pera exéplo, ott pera confuzão de
muytos:a qual diz afsuPor quãto
o Santifsimo Senhor noífo o Papa
Gregoriò Decimo tertio me tem
concedido que eu poíTateftar de
finco contos de reis, que faõ doze
mil &quinhétos cruzados de moe
daPottugueza: quero &mãdo,q
os ditos finco contos de reis q afii
por S. Sãtidadt me faõ cõcedidos
fedé & entregue ao Provedor 8c
irmãos da S, Mifericordia da cida
de de Braga,pera os mandaré ga-
ftar em obras pias, cõforme as di¬
tas letras Apoílolicasipera cujo ef
feito & execução * & pera todo o
mais q pera efte teftâmeto cúprir
no mais largo modo q em direito
poífbjOS faço meus teííaméteiros.
Elias erãoas palavras da verba. E
he de notar q em todo o teífamé-
to não tratava decriados,né paré-
tes.Porq aos criadospagou de cõ-
tadocomo fe viadoéte:&âos paré
tes,nucaquiz fazer herdeiros em
coufa da Igreja. Tãbé faõ dignas
de memória as palavras de húa
cíaufula do Breve aífima referido,
pera q fe veja a cota q o Papa fa¬
zia do Arcebifpo,& q lhe não ne¬
gara a mefma graça pera fazer ri¬
cos feus parentes fe pera eíles a
Va¬
pedin quifera. He a cíaufula.
lentes perfonam tum nobis , IV
dtfU
 A rcelijj) o de Braga, Pr Imas ctas Plejpanbas.
diSla Sedi ualde. demtcim tuis mag-
nis èxigentibus mentis fatí&re pro-
fequi gratiofo fctc.Como fe diílera.
Querendo nòs favorecer & hon¬
rar voíía peíToa, que temos por
muyto devora noíTa, Sc desta fan-
ta Sede, &fazervosgraça & mer¬
cê, fegundo nos obrigão voftos
grandes merecimentos, &e,Em
todo o tempo que durou a doen¬
ça do Arcebifpo, fez o Bifpo com
elíe nao fò ofncios de Prelado &
hofpede cortez,mas de hu folicito
enfermeiro. Todos os dias o vi fi¬
tava duas vezes, & em cada húa
delias antes doutra coufa, fe ajoe¬
lhava junto da cama,& lhe toma¬
va a mão & com muyta reveren¬
cia lha beijava.E he coufa certa q
nunca entrou q perdelfeo cuyda-
do deita cerimonia fanta(taí era a
opinião q de fua virtude & fanti-
dade tinha) & porq o Arcebifpo
como verdadeiro humilde o to¬
mava mal ôc fogiaeõos braços,&
efcõdia as nriãos,elle fe nao levan¬
tava atê lhe achar Sc tomar a
mão,& à força lha beijava, Ôc en¬
tão fe aftentava: aífentado per¬
guntava pólio que fe oíferecia do
eftado da doença, Sc dos aciden-
tes,& peryodos da febre: ajunta-
vafe com os Médicos, confultava
os remédios,difputava como bom
Filo fofo do que feria rnais acomo¬
dado, & eom tanto cuydado&
amor lhe procurav^afaude que
bem moítrava connecer o valor
J77
de tal hofpede. Seguiãò o exem¬
plo do Prelado todos os Conegos
& pdíoas nobres da cidade em
Vifitaremo enfermo procurando
cada hum darlhe alivio & recrea¬
ção. E como fabião delle que era
pouco amigo de praticas ociofas,
ôc muyto das letras , movi ao de
ordinário queftões de matérias
curiofas.Hum dia particular men¬
te fendo o Bifpo prefente vierão
a tratar dos attributos divinos, Sc
debatiao com grande altercação
no ponto: Qupmodo diftwguebãtur
interfiA? ab efímtia : iff cm cognef-
cantur cognita ejfmtia Diuina ? De-
rão Sc tomarão hum efpaço gran¬
de. O Bifpo era dodtifsimo Theo-
logo, Sc fora Lente de fama: acu¬
dia de quando em quando com
fuas razões. Sò o Arcebifpo ca¬
lava como eftava muyto enfraque
eido do mal, mas betnfe via neí-
le que tinha todos os fintidos
prontos no que fe praticava, por¬
que revolvia os olhos com vive¬
za a hum Sc outro, notando &
dando fè do que cada hum dizia.
Defpois que os vio calados, Sc
tendeoque davão a queftão por
decidida, acenou ao Doutor Bel¬
chior Dias feu Defembargador
que eftava mais perto (nao pude¬
mos averiguar fe fucedera ifto na
força da infirmidade, fenacon-
va ecécia)q o ajudaííe a endireitar
hu pouco cõ o traviífeiro aífentã-
dofe por detraz delle na cabeceira
Gg 3 da ca-
 Livro 1111, da-vida de D.Fr.Bcrt. de s Man,
da cama>& ajudandoo a íu (dentar
com os braços,que tudo era necef
fario pola muyta fraqueza que ti¬
nha. Como defcanfou da fadiga
Oue lhe caufou o abal!ó,pedio li¬
cença ao Bifpo pera dizer aigíia
couía fobre o que ali fe tratara. E
logo tomando a matéria entre
mãos afoy difcutindo com tanta
ordem & concerto, apootândo as
duvidas, & refpondendo aos argu
mentos em contrario, & pondo
Concluíoes muy acertadas, & cõ-
pendioías,que o não pudera fazer
com mais viveza,& melhor graça
& mayor erudição fe naVniver-
íidade de Coimbra fizera húa bé
eftudada releyçao de tudo o que
por difcurfo de hum annoouvera
diótado em tal matéria .Foyeftra-
nbaa maravilha que caufou nos
circúftances o qne virão & ouvi¬
rão, efpantandofe hús do alento
& vigor com quéfallou eftando
tão quebrado de forças: & todos
da memória, facilidade Sc clareza
com que difputoii Sc reíolveo a
queftão doétiííimamente. Affir-
mou defpois o bifpo,q fendo eftu-
danre, Ôc difcipulo ouvira aquella
matéria de lentes eminentifsimos:
& fendo Meftre Sc Catredatico a
lera Sc didara nas efcolias: Sc de
proximo eifava vifto nella^porq a
cftndara pera certo cafo,mas con-
feífava que nunca delia alcançara
canto,nem ficara em todos os po¬
ços tão refoluto,como defpois q a
ouvira de boca do Arcebifpo. Por
que fendo como era rrmyto difftr
fa, Sc efcurifsima, elle a refumira
em cão poucas palavras,Sc tão ma
giftralmenre, que defa lição fica¬
ra nella confurnado. Peilo que af-
fentava que com muyta razão fe
publicara delle no Concilio Tri-
dentino aqUelle lonvavel elogio:
Multa paneis, Significando niíio o
confintiméto com mu m, que íuas
razões etão eíi.remo de breves, Sc
fuftandaes, grrânde thdouro em
pequeno cofre.Melhorou o Arce¬
bifpo, mas como velho foy conva-
lecendo devagar. Nâconvalecen-
cia continuou imuyto com o Cõ-
Vento que a nolffa Ordem tem na-
quella cidade.E não fe apofentou
nelle,porque fe perfuâdio que fe¬
ria mais largo aquelíe voluntário
defterrOjdo que em fímveyo a fer,
Sc remia fer pifado aos Religio-
fos. Aos quaeisnefta jornada en¬
carregou ao auydado de confef-
far, Sc facramentar as Religiofas
do mofteyro de Sãta Clara da Or¬
dem de São Francifco, que he da
obediência do Ordinário de Bra¬
gada villa de Valença.Fica Valé-
ça defrõte deTuy,quafi lero mais
diftancia que adivifaõ do rio Mi¬
nho, que também aqui he divifaõ
dos reynos. Continuao os Reli-
giofos com efta cbtigação por
honra da Ordem, & men oria do
Arcebifpo. Ainda andava debil
& convaiecSite , quando Deos
 Arcebifpo de Braga, Vrimàs das Hefyanhaç,
foy fervido dar paz por todo o
Reyno fendo recebido por Rey, 8c
obedecido de todos, el Rey D om
Filipe fegundo deCafteila. Com
o primeiro avifo fe poz logo a ca¬
minho, 8c fe recolheo a fua cidade
de Braga.
CAPITVLO XV.
17<f
eftimaria ter muyto que lhes per¬
doar. Entrou o anno de oytenta
*58*-
& hum, 8c o Arcebifpo não aca¬
bava de entrar em forçasrtoda via
andava fraco 8c achacofo (mal a-
nexo à velhicey quando teve car¬
ta delRey Dom Filipe,em que lhe
fazia aíaber, como determinava
juntarCortes na vi!!a de Thomar
pera alTentar as couEs do reyno,

Chama elRey Dom Filipe ao 8c por tanto lhe encomendava

fedifpofeffe pera fer prefente ael-
Arcebifpo pera as Cortes de Tho
las conforme à obrigação que ti¬
mar: efeufafe duas eve?aes:
nha por fua peííoa 8c dignidade.
com terceiro recado parte Efcufoufe o Arcebifpo com fua
pera ^homar, & af idade crecida 8c canfada, 8c com
ff e nas Cortes os achaques q lhe deixara a doen¬
••
ça^ receyos de recayda, efeufas

5 o y o Arcebifpo rece¬ verdadeiras 8c certas: mas a mais

H bido da faa cidade & certa era o pouco goílo que tinha
vm
o.

n de todos os bõs com de aparecer em Corte, 8c defa pa¬

8c a-
aquelle aluoroço
legria, com que húa honefta 8c
virtuofa efpofa fefteja a vinda 8c
vifta do elpofo, q andava naguer-
ra, 8c lhe entra polia porta íao
& faluo defpois de ioga aufencia,
paíTados grandes trabalhos, ven¬
cidos graves perigos. Atèos que
nas o piniões lhe íorão contrários
quando tudo andava revolto & al
terado , 8c agora fogiao à luz do
dia com medo de caítigo, lá onde
eftávão efeondidos eífimavao a
faude,&boa vinda do Prelado:
porque fabião q era pay, em que
nãoíotinhaõ certo operdaõ de
qualquer delito,mas que era tal q
recer a fuas ovelhas. Porem S.Ma
geftade fegudon com palavras de
muyta honra 8c brandura, dizen¬
do que vifto ferem asprirneyras
Cortes que nefle reyno fazia, le¬
varia muyto goílo, que elle Arce-
bifpo fe achaífe nellas. Porque àlé
de cumprir afsí afeu ferviço, de-
fejava vello, 8c não tomar o jura-
méto coftumado em outras mãos
fenao nas fuas. E por tanto lhe en
carregava & pedia que feesfor-
çaífe 8c em todo caio VJeíTe. Não
aviafogir a razões tão apertadas.
Mas a natural averfaõque tinha
a cumprimencos de Paço, 8c efti-
los de Corte,lhe iníinou fegunda
Gg 4 defeulpa
 hum íllL da vida dç D. Fr. Bert.dos MarU
«efcuípa com certeza, que quado mento antigo deqúe nuncâfeã-
nao íoíie baítante pera lhe efcu- çhava d e íae oíd p a n ha d o: & dava-
hr a jornada, de força o feria pera lhe no coração que avia de achar
ajudar muyco o que com a defcnl- em Thomar , quem lhe quizcdê
pa pretendia.Refpondeo com gra tomar a braga, & defaprelTallo de
de fumiirao , que obrigação era ferro tão pefado. Chegou a Tho¬
fua arrilcar faude & vida, quando mar aos dous de Abrsl de i^;i.a-
fua Mageftade moftrava godo de védojà algú-s diascj eíRey edava
fua vinda.Mas queavia outro inco no lugar apofentado no Con¬
veniente muyto importante que vento da Ordem de Chrido. En¬
o embaraçava. Effe era q a Igreja trou o Arcebiifpo com fua Cruz
de Braga edava em pode da Pri- Primacial dianite levantada, leva-
macia de efpanha por muytas, Va a Pero do Valle conego Prebé-
muy antigas,& muy jurídicas ra¬ dado na Sè de Braga, Sc coro eila
zoes.E por ellas eraeiíe Arcebif- ordem fazendo fua entrada dcdia
po obrigado (Sc não podia alfazer fe foy demandar o apofetito que
por coníervação de feu direytoja lhe eftava íinellado. E logo man¬
levar fua Cruz Primacial a’çada dou vir hu notajrio Apoílolico, 8c
por todo lagar 8c em todos os au¬ diânte de muytas tefiimunbas lhe
tos 8c folenidades das Cortes.Do- requereoque de como elle Dom
que edava certo averem dereful- Frey Bertolaraeu dos Martyres
tar contendas com os Metropoli¬ Arceb/fpo de Braga, 8c Primas
tanos de Lisboa 8c Evora:q pera das Efpanhas ufando de feu direi-'
fe evitarem defgodos onde era bé to 8c poíle immemorial entrara
que tudo foffe cheyo de alegria & com fua Cruz alçada naquelia vil-
benções, o melhor meyo era aver la de Thomar mllius Diocefs 8c
fua Magedade por feu feruiço, com ella alçada chegara paci-
que elle ArcebLpo não aparece de ficamente,& fem contradição al-
em Thomar, nem fahide de fua gfia atè aquelías cafas de fen apo*
Igreja.A ede ponto lhe mandou lento a olhos & face de todos em
elRey refponder q vieíle embora bom dia daro:& à viíla delle no¬
ufando de fua pode, que fe lhe tário que prefente efiava lhe def-
não tolheria confervarfe em todo fe hum Sc muitos eftromentos«
direyto & cerimonias della.Fran- No dia feguinte fobio ao Conuen-
queada eda dificuldade não ouve to a beijar a mão a elRey * & à ida
que fazer fenao meterfe a cami- Avinda & entrada do Conuento
nho.Criava animo 8c forçaspera levou fempre fua Cruz levantada.
o paífar na virtude do feu penfa* Aos dezaíeis dias do mefmo mez
de Abril
 Arcebifyo de B ragd> Primas das Hefyanhas,
de Abril,dia em que celebramos
a fefta de Sío Fruótuoío Arcebif-
po de Braga,foy o primeyro auto
das Cortes.Eftava húa grande fa¬
la do Convento ricamente arma¬
da. No topo delia levantado hum
teatro alto,do qual nacia outro co
mo trono q fobia poucos degraos
& cerrava com a parede, 6c com
hú grade docel que o cobria. Arri
mada ao docel hua cadeyra pera
fua Mageftade. Abaixo corrião
fentos pera os Prelados & pera os
Grades 6c Titulos do Reyno.O q
ficava da fala tomavão bancos En
çados por ordem hus tras outros
pera aftentos dos procuradores
dos povos.Foi particularméte chá
mado de novo pera efte auto o nof
fo Arcebifpo de parte de S.Mage-
ftade.E entrou polia fala com fua
Cruz alçada, 6c com ella diante
fubio ao teatro. Eftavão já nelle os
dous Arcebifpos Metropolitanos
Dom Iorze d’Almeida de Lisboa,
& domTheotooio de Bragança,
d’Evora: os quais lhe fizerão am¬
bos fuas lembranças, 6c reclama¬
ções, que nao podia ufar de Cruz
levantada fòra de fua província,
vi do eftar em pc , 6c nao fer fenté
ceada a contenda que tinha com
o Arcebifpo de Toledo íobre o di
reyto da Primacia.O Primas to¬
mando com cortezia 8c autorida¬
de o primeyro 6c melhor lugar,
refpondeo em poucas palavras q
eftava em poíTe,& eiTa confervava
iyp
ufando de feu direyto.Entrott lua
Mageftade & fubio ao íeu lugar,
Levantoufelogoo BifpodeLey-
ria Dom Antoniò P:nheyro que
primeyro o fora de Miranda muy
tos annos, fegiindo acraz deyxa-
mos tocado, 6c em nome de íua
Mageftade fez a falia cofturnada
aos Eftados. Aqual acabada che-
goufe o Primas á cadeyra de fua
Mageftade com hum Miífal nas
maós 3c ndlasfezfua Mageftade
í C?
o juramento coftumado era Cor¬
tes de manter 6c guardar todos os
foros,liberdades & privilégios do
reyno, fegundo a forma que o Se¬
cretario do eftado trazia eferi-
ta em hum livro 6c hia lendo 6c
Sua Mageftade repetindo. Ao ju¬
ramento delRey feguioo juramen
to dos Eftados, que lhe forao to¬
dos fazer em fuas maÕs de obe¬
diência 6c fidelidade. Deufe fim a
efteaíto com húa folene procif-
faó de graças,que S.Mageftade a-
companhou:forão os Arcebifpos
&Bifpos de pontifical, de o Pri¬
mas no couce levando diamede-
íy oConegoPerodo Valle revefti
do em húa capa rica có fua Cruz
arvorada.Nefta ordem foy a pro-
ciífaó demandar a Igreja , 6c o
Primas diífe a oração , &. tendo
diante a Cruz Primacial lançou a
bençao pontifical. De todo o pro-
cefto delta folenidade 6c cerimo¬
nias delia mandou defpois fazer
públicos eftromencos 8c autéticos
por
 Liuro 1111. da vida de D. Fr. Bert.dos Mart.
por notários Apoílolicos com af-
particularidades do lugar q teve,
Sc officios que fez,& como em to
dos teve fempre íua Cruz alçada,
que era o ponto fufcancial pera
jjuftificação dapoíTe q executava
do direito Primacial da fua Igreja.
E não contente com eíles fez tirar
outros de todas as vezes que fa-
hio em publico em quanto fede'
teve em Thomar, & todos juntos
mandou lançar pera memória no
cartorio da fua Sè.
GAPITVLO XVI.
Das m ay tas & varias dáigen-
cias que em diferentes tempos
feZj o Arcebijpopor largar
o A rccbifpado: (£? co¬
mofe determinou em
pedir a elRey D.
Filipe lhe acei-
tafea rermn
cia^ao.
SFIHII ° PrinciPio deft* hi‘
fé ft°r‘a contamos larga-
__ mente a grande repug-
nancia com que o Ar-
cebifpo chegou a aceitar efia dig¬
nidade. E polo que atèqui temos
efcritofe deixa bem entender, q
a exercitou có tanto trabalho de
corpo & efpirito, que nem ficão
de efpantar as contradições q da¬
te mao fazia, pois afsi determina¬
va viver.-ncra o defejo irrsmenfo q
fempre defpois teve (Ôc agora co
aidadecrecidacrecia mais.) de fe
ver livre delia. Mas porque nefta
noífa idade he coufa tao rara en-
geitar dignidades, que arrecea¬
mos faliando neíle animo do Ar-
cebifpo fem grandes provas, que
ou aja duvidas na fè da hiftoria,
ou fc cuyde que contamos mila¬
gres, guardamos de propofito pe¬
ra efte lugar hua recapitulação
das particulares diligecias que fez
emdiveríos tépos & lugares por
largar a Mitra: pera que fe acabe
de entender que à força, denego-
ceaçao exercitada por todoodif-
curío da vida , veyo a lançar de fy
o pefo que tao leve,& tão bem af-
fombrado parece a cantos. E dei¬
xando as iníiancías que fez com o
Papa Paulo Quarto no mefmo té
po em quefoy nomeado pola Ray
nha, por cartas que lheefereveo
com razões muy vivas Sc aperta¬
das: & efeufando repetir aqui as
que fez peííoalmente em Roma
ao Papa Pio Quarto que conta¬
mos no livro fegundo; he muyto
digno de memória o que nos dei¬
xou çfcrico o Meftre riey Luis de
Granada em híís fragmentos de
hiftoria do Areebifpo que come¬
çou a compor ainda em vida do
mefmo Santo. Diz elie que no té-
po que foy vi fitar o Areebifpo a
Braga fendo Provincial da Ordõ
de SãoDommgoSjComo acraz fica
contado$
 u4 rcebiff>Q de Braga,Piimas ãas Hefpanhas,
contado, eflando hú dia fòs, lhe
pedira o Arcebifpo com hu longo
preambulo de encarecimentos q
pois fora inftruméto, delle entrar
em tamanhos trabalhos como pa
decia, o quizelTe cambem ferde
fua liberdade Sc quietaçao:& acre
centara palavras formais. Porque
ea Padre Provincial não me poíTo
enforcar q he offenfa deDeos:mas
jà cheguei a termos de fintirasa-
gonias que padecem os que vão a
enforcar vendome a ffogado num
pego fem fundo de negocios, Sc
enredado num cego labirinto de
cfcrupulos.E eftas palavras{pro fe
gueo MeítreJ que as pronunciara
o Arcebifpo com hua tão extra¬
ordinária aflição & tal energia, q
lhe quebrara o coração de laítima,
& lhe cuftàrão viuas lagrimas,
O também fazia,que fendo Religio-
Ate qui hc do Meftre fey Luis
de Granada. Quando defpois foy
eleyto em Summo Pontífice Pio
Quinto pareceo ao Arcebifpo,
que fendo como era Religiofoda
fuaOrdem,& muyto conhecido Sc
amigo feu do tempo que eftevera
em Roma, como atraz tocamos,
tinha feu negocio feyto: & defo-
frego na efperança, quando lhe ef-
crevco as emboras do Pontifica¬
do , mifturou logo na mefma car¬
ta o requerimento, dizendo que
pois o Deos fubira a tão alto lugar,
devia fer pera remedio de muycos
afligidos, como verdadeyro íueef-
ior daquelle Senhor que dizia.
Vemte ad me omnes qui laloratfs, ^
onerati ejiis & ego reja iam ^vos. ' ’
Que elle Arcebifpo fe achava em
grande eflremo atribulado: Sc Sc
Santidade fo o podia aliviar & co
folar com híía íò palavra aceican-
dothe a rer íinciação da Igreja q
indignamente governava: que be
eftana lembrado S. Santidade do
tempo que tratara & ouvira a tile
Areebjípoem Koma,quam opri¬
mido andava já então da cargaá
Que feria agora que fe fazia mais
intolerável com os annu$?Por on-/
delheera forçidd clamar por re¬
medio nao fo com palavras, mas
com lagrimas faydas do centro da
alma. Mas achoufe bem engana¬
do, porque o Papa lhe refpondeo
que preítaíTe paciência, como elle
fo da mefma Ordem, Sc velho, &
enfermo, & fem nunca tal cuydaí
nem pretender,fe achava com to*
doo governo da Igreja umuerfal
fobre feus hombros: que fe tnco-
mendaífem ambos a Deos Sc tra-
balh íffem,pois elle afsi fora fervi¬
do. Vendofe o Arcebifpo fruflra-
do de húa efperança que portão
certa concebera,queixavafe, hora
ao Ceo com fufpiros, hora a feus
amigos com razões replicando a
miude aquellas finudas palavras.
Tribulationes tordis mei multiplica -
Ufunt. Querendo dizer que co-
meçavãode novo feus tormentos,
quando imaginava que erão aca¬
bados:
 Liurollll. da vida de D. Fr. BcrlJosMart.
acJbados. Affi fe lhe dobrarão cõ
Gregorio Decimo terció, que foce
dedo a Pio Quinto no Pòtificado.,
igualmente lhe fucedeo em ouvir
ínuytos &efficazes requerimétos
do Arcebifpo na mefma matéria:
& também em lhe negar defpa-
cho.Nao paíTàrãomuytos anncs,
que trouxe o tépo ocafião bé fuf-
ficiente pera fazer defpovoar as
cidades Sc largar todos os goftos
da vida, fe cuvera fabermonos fin
tmPerdido dentro de hua hora o
Rey Sc o Reyno a mãos de Bárba¬
ros: que avia qefperar ainda nos
muy enganados , & rmiy apega¬
dos às mineiras do mundo, quan¬
to mais em quem com elle tinha
guerra declarada defdeque fe Cou¬
be entéder? Pareceolhe que tinha
obrigação dobrada de le hir ao
deferto, Sc efeondido em húa la¬
pa chorar a perda da patria Sc os
peccados que erao caufa della.Ef-
creveo a elRey Dom Anrique
húa larga carta fobre o eftado do
Reyno, Sc ajuntoulhe hús apon¬
tamentos , em que declarava as
tnuytas razões que tinha pera pre
tender defearregarfe do Arcebif-
pado. Húa coufa Sc outra man¬
dou às maos do Mcftre frey Luis
de Granada, pera fazer officio de
medianeyro & amigo com elRey
como quem fempre por fua gran¬
de virtude Sc Religião lhe fora
muyto aceyto. Determinou o Mc¬
ftre de valer ao Arcebifpo com o
favor de valido, Sc com a diligen¬
cia de folicito requerente. Aííío
fez, Sc dizia defpois que ófezerâ,
com aíTaz efcrnpulo, porque não
fabia fe fora infiel a Deos, por fer
fiel ao amigo.Porem oChriftíanif-
íimo Rey o tirou defte cuydado
com a reporta, dizendo,que fervif*
fe o Arcebifpo fua Igreja, queaísi
velho de doente fazia mais fruto,
do que avião de fazer quantos
lhe podiaõ fuceder nella. Cada re
puifa deitas era pera o Arcebifpo
hum paroxifmo, que lhe punha
em rifeo avidr com defgofio. Mas
achandofe agora em Thomar Sc
vendo a largueza com que elRey
Dom Filipe entrava fazedo mer-
ces a todos,& coníiderãdoa mny-
ta que lhe fazia a elle em particu¬
lar todas as vezes que o via, af-
fentou comíigo fazer feu reque¬
rimento no ponto que as Cortes
fe arremataífam, com grande ani¬
mo de alcançar delta vez o que
tantas outras fe lhe negara,
CAPITVLO XVII,
Dàfefiw às Cortes. Pede o Ar-
cebifpo licença# elReyfe-
ra renunciar o Arcebif
f ado: alcança licen- .
ça^ (jf remi¬
ria.
/ à
 Arcebifyo de Braga, Vrimas das Hefbanhas.
Profvndis sima
| humildade do Arcebif
po era canfa de avaiiar
(<J L
v em cão baixo preço a-
quelle feu grande juyzo & letras
coníiimadas, eom que efpantou a
Igreja Vniverfal no Concilio, que
totalmente fe tinha por inábil pe¬
ra o officio dc Prelado, em q muy
poucos de feus anteceílores fe lhe
aventajãrao, fendo muitos em nu¬
mero , 8c grandes em valor. Efta
opinião que de fy tinha o trazia
íempre engolfado em hum mar
tempeftuQÍb de eícru pulos,&per-
fuadido que era obrigado a deixar
oqeraidoneo pera adminiftrar.
Outro fundamento nao tinhão as
continuas 8e agonizadas infiam-
cias que acometia. E quando via
que lhe fahião baldadas,o refugio
era coníiderar que de fua parte
nao faltava com fazer todas as di¬
ligencias pofsiveis por fe defear-
regar, manifeftando feus defei¬
tos , & proteftando não fe lhe
aver de imputar culpa nelies pera
diante Deos. E hua das coufasq
lhe facilitou , como atraz toca¬
mos , a vinda às Cortes, que fez
nrruyto contra fua arte & goito,
foy a boa occaíião que fe lhe offe-
recia pera clamar de novo, 8c co
melhor efperança. Vendo as Cor¬
tes acabadas foy a Sua Magefta-
de, 8c defpois de lhe dar os para-
bés do remate delias,negocio tão
importante a feu ferviço, Sc ao
///
bem univerfal do reyno, propoz
íiia caufa dizendo, que em tempo
que S. Mageftade com animo ver¬
dadeiramente Real õc rouyto feu
fazia tantas 8c tão largas mercês
a todos os Portuguefes, cj os obri¬
gava a hua publica conhííãõ de te
rem por grande boa vétura Se mi-
fericordia do Ceo ferem vaílallos
de tal Rey 8c fenhor:vinha elle co
fiado em que também, inda que
roinimo & humilde capellão feu,
alcançaria de fua Ma°eíhde hua
que pretendia, a qual fe bem era
differente na calidade de todas as
que atè então tinhâo fahido de
fua liberal mao, nao era por iííb
fraca, nem pequena. Antes fendo
pera elle que pedia de grande pre¬
ço, pera íua Mageftade era tanto
mais grandiofa 8c Real, quanto
mais fe moílrava o poder fobera-
no em livrar de ferros &prifaõ hu
cativo,ou dar faude a humdefef-
perado da vida, que enriquecei!©
de fazenda.Profeguio recontando
com palavras humildes, mas gra¬
ves & efhcazes, quantos annos
avia que trabalhava na vinha do
Senhor da Igreja de Braga:& quã
tos avia que fe conhecia por iná¬
bil pera tamanha carga, que não
erão menos, que os rnefmos que
tinha de Prelado, 8c qnantos re-
querimétos fizera no difeurfo deí-
les fem lhe aproveita ré, mais por
defgraça fua , que razão legitima
que pera iíToouveííe. E forque a
Hh infuf-
 LmroIIlI. da vida de D. Fr BertJosMart.
mfufficieciaque fempre em fy^fin-
tira,& nunca dcyxara de cõteííar
eftava tao crecida com íua muyta
idade, & grandes indifpofições, q
avia por grande efcrupulo de cõ-
ciencia continuar em tal eílado
com o cargo de fuas ovelhas, que
requeria hú paftor muy robufto
& trabalhador: pedia a S. Mage-
ftade folie 'fervido darlhe licen¬
ça pera 0 renunciar : Sc que aínr-
mava que jã o não obrigava a pe¬
dir elia mercê o amor da celia Sc
de feus livros, corno nos primei¬
ros tempos, quando o tirarão del¬
ia,& delles : fenão fomente ver
que lhe faltavao as forcas , vacil-
Java a memória, Sc de todo fe fin¬
da inútil pera bem fervir. Que fe
nas univeríidades qualquer Ca-
tredatico tinha auçao pera ficar
apolentado Sc não trabalhar mais
(ò com vinte annos de leytura,
nos quaes logravao mezes de fe¬
rias, Sc mnytos dias de folga Sc
repoufo: quem avia vinte dous
annos Sc paliava delles que atu¬
rava o trabalho fem dia de def-
canío,nem ainda hora que pudef-
fechamar fua,bem merecia co¬
mo efcravo velho alforria, ou co¬
mo foldado veterano 6c de bõs
ferviços izenção da milícia,& que
fe quer ao por do Sol da vida vi-
veffe algús poucos dias para fy,
pois todos os que erão paliados,
& a idade mais florida vivera pe¬
ra outrem. Que a troco de tama¬
nho bem faria a renunciaçao nao
como jubilado de efcollas que fica
cora renda,& fem obrigação,mas
livreméte & fem referva nenhúa.
Porque de Braga nao queria mais
que verfe algúa hora livre delia.
Óuvio elRey ao Arcebifpo com
attenção , & ou foffe que de fuas
razoes fe vio convencido: ou que
ouvefie per boa ventura cahirlhe
nas mãos húa prebenda tão grof-
fa Sc pouco efptrada, pera com
cila ganhar amigos, ou pagar al¬
gúa obrigação no reynodenovo
acquirido : em fim lhe refpondeo
que confintia na renunciaçao af-
fi como pedia. Quando o Arce-
bifpo ouvio húa palavra tantos
annos procurada, & tantas vezes
negada, cheyo de húa extraordi¬
nária alegria pedio a mão a fua
Mageftade em reconhecimento
da mercê que lhe fazia para lha
beijar. Tornou pera cala com ou¬
tro animo , Sc outro alento, tref-
bordavalhe o contentamento da
alma polo fembrante , Sc polos o-
íhos: de maneira que lho enxer¬
garão todos os de caia, que não
foy pequena marauilha pera el-
les mudança no rofto do Arcebif¬
po , Sc rrmdança pera alegria.
E fem perguntarem pola caufa
forãologo inteirados delia, ven¬
do entrar polas porras notários
Apoflolicos, & com grande ma¬
goa de feus ânimos , ouvindo
da boca do Arcebifpo que re¬
nunciava
 Arcebijpo de Braga, 'Primas das Hefyanhas,
nanciava em máos de S. M age ida¬
de a Prelacia, Indou o Arcebifpo
que fe tirafíem logo edormentos
em publica forma cõ todas as fo-
lenidades ordinárias: & advirtio
os Secretários que foílem cartas
delRey pera o Papa com todos os
mayores encarecimentos, porque
não ouveíle coufa que ddficultaf-
fe o defpacho em Roma, E entrc-
goulhes procurações & cartas pe
ra em feu nome fe fazer là tambe
renunciação em mãos de S. Santi¬
dade. E no mefmo dia que aca¬
bou de as afsinar,fe fahio de Tho
mar,
4.. *
CAPITVLO XVIII. b
Torna oJrcehffo ferafua Dio
ccfi. Chega anovadejuarenun
ciação a Roma. Ddfeconta
do que fajjou fobre eíiano
Conjiporio. Aceyta a
! 0 Pafa.
a minhava o Ar:
1
C,
j cebifpo alegre & defa-
bafado em feu animo,
p0[o qlle deixava con-
claydo a cabo de tantos annos de
longos & trabalhados requerime
tos. Sò lhe toldava de quando em
quandoaquelle Ceo aberto & cia
10,que jà começava a gozar de fu a
liberdade,hum receyo fe aceita¬
ria 0 Papa a renunciação,vifto ter
1S2
lha engeitado outras vezes.Tam¬
bém lhe dava cuydado quando o-
Ihavapera feus criados,ver no fem
brante de todos húa eícura nuve
de malécolia,que como os amava
muyto,& fabia q na mefma moe¬
da lhe pagavão, não podia deixar
de íintir vellos defcontentes. Cõ-
folavaos repetindo as razões que
muitas vezes lhe tinhao ouvido
pera defejar,& effcituar oq agora
vião começado: & as que elies ti-
nhão de lhe não darem pena com
fe moftrarem íincidos da mercê q
Deos lhe fazia: que fe com o bera
& godos de quem como a filhos
lhes queria fe entrifteciao,julgaria
que fò de fy erão amigos, & q lhe
pagavão mahq era velho, & quan
do menos cnydaíTem, lhes acaba¬
ria entre as mãos, & não era r a-
zãoedorvaremlhe bufcar com te-
po fua quietação, & aparelharfe
pera a hora da cõta que tinha per
to,coufa em que fomente confi-
ftia a perda 011 ganho:o mal ou bé
do Chriftao: &c por tanto lhes pe¬
dia que alegremente o acompa-
nhaítem, Sc todos fe apercebef-
fem,pera quando Deos ihetrou-
xeííe de Roma o bom defpacho
que efperava , lho ajudarem a
feftejar com godo & contenta**
méto,q ede feria officio de verda¬
deiros filhos,&de bõs amigos.Cõ
tudo não baifava nadapera lhes le
vataros ânimos. Alsi caminhavão
aborridos Sc defconfolados, por
Hh a mais
 Linjro lílh davida de D. Fr. Bert, dos Aíart.
ruais que fe procufavão fingir co¬
mo fe levàrao o ArctEfpo peraa
íepultura, E he de iaber que de
quantos eraonenhum aviaqdei-
xaile de eftar jà acomodado polo
Arcebifpo: de maneira que todos
ri n hão baftantemente com q paf-
faravida fem depender de nin¬
guém o dia que lhes faítâffe fuá
companhia. Donde fevèquefna
írifteza era nacida de aflfeição ver¬
dadeira fem miftura de intereííe,
nem amor proprio:&. fenao fa-
zião mayores demõftrações, era
a caufa que de muyto longe tra-
ziao bebido em receyos o que ago
ra com effeyto fintiao. Tanto que
o Arcebifpo entrou em terras de
fua Igreja começou a viíkar.Por-
que não ficava defobrigado da
adminíftração,nem as rendas dei-
xavãode correr por elíe , ate lhe
confiar fer aceitada fua renuncia»
ção poílo Papa, & juntâmente fe¬
re lhe intimadas as letras do fucef-
for, Efoy fazendo leu officio com
o mefmo eftilo de pregações, 6c
efmolias 8c todo o mais trabalho
Sc feytios que era coftumado.
Acho efcrito q não entrou mais
na cidade de Braga:& que fe dei¬
xou andar por fòra todo o tépo q
tardou a reporta de Roma. Mas pa
receme dura ccufa de crer, fe não
foy, cuydar que feria a tardança
breve, ou não fe atrever a ver 8c
ouvir de perto as lagrimas ôc cla¬
mores dos pobres, que de longe
fe deyxarao defpois ouvir 8c fin-
tir. Entretanto chegarão a Roma
os papeis do Arcebifpo, que fen¬
do aprefentados a Sua Santidade
& lidos emConíiftorio com htía
carta delRey, em que largamen¬
te recontava as razões que teve-
fa pera coníintir na renunciação,
Sc as que S< Santidade tinha pe¬
ta a aceytar:& no cabo pedia &
encarecia a confolação do Arce¬
bifpo vifia a inftancia 8c caufas
com que a requeria, 8c tomar por
intercefibr a S„Mageftade,quede-
Zejava fazerlhe ermudo favor por
fuas granies calidades, Affirmaíè
que foy ouvida efta carta com no
tavel fintimento de todos os Car-
deaes que fe acharão preíentes.
Porque rão era das cartas de
fauor ordinárias, Sc a nota delia
dava indícios que nao defprazia a
elRey a renunciação. Que fe não
interviera íignificação muy decla¬
rada da vontade de S. Mageftade,
de mui pouco eífeito fora a do Ar-
cebifpo que jà era notoria a todos.
He coufa certa que dsífe bu Car-
dealem voz alta, Beatifsimo Pa¬
dre não fe deve admitrir tal re¬
nunciação. EíTe Prelado he tocha
acefa do raíído,efpelho de virtude,
deféfor da imunidade da Igreja,ze
lador da reformação Eclefiafiica,
pay dospobres,êparo de viuvas,or
faõs Sc nccefiitados, E ifio não he
alcãçado por relações de lõge.Eu,
BeaufíinioP.fou de tudo teliemu-
, nha
 Arcèbijpo de Braga, Primà? das Hefpanhas. i$$
nha de VHt.i,q o vi & conheci, Sc vincia Bracaréfe, q no mefíno dia
tracei no Cõcilio,onde fez maravi foy fakeado de húa grave doéça q
lhas,de q cambe fao ceítemunhas em breve termo o paífou a me¬
inuycos dos que aqui eftáo. Se he lhor vida.^obrc a contia de frui-
velho deíídhe coadjutor.Defte pa tos q o Arcebifpo avia de gozar
recer forão noa is algfis Cardeaes, em (ua vida ouve aiTaz d fferéças,
mas o Papa mandou q toda via fe tanto mais pias quanto mayores.»
aceicaíTe a renunciacão, lembrado Porq eile nao queria nada* & quã
de muitas cartas &c importunos do o apercávaoque todavia acei¬
r-ogos cõ q o Arcebifpo ego tépos ta íle algúa coufa, pois tanto tem-
atraz lha unha oíFerecido. Fezfe a 3 o trilhara,Sc trabalhara naquel-
cerimonia da renúciaeão em Cõ- aeyra do Senhor ; contentavaíe
íiílorio publico pello Doutor Fra* com húa curta porção quanto ba-
cifco de Faria, quenefta conjúçao íiaííe pera no Conventode Viana
fervia a elRey de Secretario da em onde pretendia defcançar, lhe da¬
baixada pola Coroa de Portugal. rem de comer,&. apontava em fef
Era Frãciíco de Faria hu dos par¬ fenta mil reis^ dizendo, q cornava
ticulares & antigos amigos do Ar tanto, porque o Convento avia de
cebiípo, criado no ferviço de fua ter trabalho, & deípeza em o cu¬
Relação de muitos annos, & por rar, que era o mais certo na idade
tal lhe madou o Arcebifpo fua pro em que eftava.Mas não fe teve ref
curação pera efte auto,cõ húa car peito a coutas tao humildes,fenao
ta,em q lhe dava cota de fuas de¬ ao que era devido aos merecuné-
terminações, & das caufas delias: tos Ôc autoridade de fua peííoa,&:
Ôc jútaroéte lhe pedia,q canto q a fizeraolhe força q aceitaíTe quatro
renunciação foífe aceitada & por centos mil reis de penfaõ: & com
elle afsinada,lhe vifitaífe as Igre¬ menos não quiz o Papa que fe def
jas dos Príncipes dosApoftolos S. pachaíTem as letras do iucefíor.
Pedro,& S.Paulo,& em feu nome
fe defpediííe delles.Cuprio o Dou CAPITVLO XIX.
tor Francifco de Faria púcualméte
o mandato do Arcebifpo, porq no Chega o cartas (j? recado ao .Ar
mefmo dia q fez a renúciação em
acabado dc a afsinar, fe foy vifitar cebifpo de lhefer acataàa a re

as Igrejas dos Santos Apoftolos. nrnctacdo em Rema: rJej-

Mas des da mefma hora lhe cahio fede/è do ylrcebifpa-
na alma tal dor,&triifeza de puro do, Cf parte pera
zelo do bé publico de toda a pro- Viana.
Hh 3 Era
 Liurô ML da *vida de D. Fr. Bert.dos Mart.
«•:
RA no mez de Feve¬
m reiro, do anno de oité-
m
At
I
3 ta & dous,& andava o
Arcebifpo nas terras
de Trallosmontes vifícando; &
adualmente eftava em offício de
vifícação dentro em hua Igreja ca
mefa & efcrivão diante de fy,quã
do lhe chegoã hum correyo com
cartas do leu agente de Roma po-
lasquaes íhe fazia a fabetcomo
Sua Santidade lhe tinha aceitada
a renunciação. Não quiz mais ler
o fanto velho, larga as cartas,poé
os joelhos em terra, & levantan¬
do as mãos ao Ceo deu graças ao
Senhor pola mercê .de íhe deixar
Ver arrematado hum negocio que
por muyto defejado inda temia,
Sc naquella hora ficava livre de
fobrefaltos. Logo levantou mão
do que fazia, Sc de todo o mais ne
gocio,& ocupação de Prelado: Sc
como quem fe avia jà por bpfpe-
de & em caía alheya mandou fa¬
zer preftes pera fe partir. Entretã-
£o chegou hum notário Apoftoli-
co,que lhe acabou de perfciçoar
o gofto, com que fe aviava. Porq
lhe intimou humBreve,polo qual
parecia que S. Santidade aceitara
a renunciação que elle Arcebifpo
por feu procurador lhe fizera em
Roma, da fua Igreja de Braga,-&
linha nomeado 6c cõfirmado nel-
la novo Prelado. Efte notário foy
mandado polo fuceíTor pera effei-
sodo noíío Arcebifpo defiftir da
poííe em que eftava, & do offício
que hia fazendo. Defpedidoo no¬
tário derãolhe recado que eftava
tudo apõco pera poder caminhar
quandoquizeífe.Tornou entãoà
Igreja,& fez oração no meyo del¬
ia tão alegre Sc contente no fem-
brante que dava cercos penhores
do que lhe paliava na alma: bem
ao revez do que fe via era fua fa-
miliã,que erão lagrimas vivas em
muytos & hua profunda malen-
colia em todos.Acabada a Otação
levantou a voz, Sc como qué fe def
pedia naquella Igreja de todas as
do Arcebifpado, diífe c5 amorofo
aífeito.Ficaivos muito nasboas ho
tas,minha muyto amada, primei¬
ra Sc derradeira efpofa Igreja Bra
carenfe, honra das Efpanhas, ca¬
beça Sc Prímãs delias,fundada po
lo arãde filho do trovão, Satiaoo,
u o 9
muito amada Sc querida de mim,
masferviida com infinitas imper¬
feições. Ficaivos embora minha
fermofa Igreja, meus primeyros
&vltimos amores, aqueeu não
correfpondi, como era obrigado
pollo que muyto o defejey Sc em
quanto pude o procurey.Perdoay-
tne íe me aparto de vos com ale¬
gria Sc jnbi os d alma, que como
fcmpreme ouve por indigno de
ocupar hfia cadeira em que tan¬
tos Sc tão grandes Santos fe aífen
tárão, herazao que aceite cõ go¬
fto verme livre da grande vergo¬
nha & pavor em que fempre vivi
olhado
 Arcebifpo de Braga$
olhando pera fua fatuidade, & pe¬
ra meus grandes peccados.Naò
me levão de vòs amores novos:
nem deixo de vos fervir porbuf-
car outra, on amar outra ma;s q
a vòs: fe não porque defejo que
venha quem fiípra meus defeitos,
emende minhas faltas, & tenha
partes pera vos faber merecer, q
em mim nunca óuve.E pois me
fofreftes tanto tempo, tal qual foti
nao poderei deixar de vos querer
fempremuyto, 8C encomédarvos
muyto a Deos. Em quanto neftes
membros velhos 8c canfadosdu-
rar efpirito de vida fempre em mi
nhas orações & facrificios pedi¬
rei ao Senhor que nas necefsida-
des vos acuda com focorro,& nos
bésefpirituaes com grade augmé-
to. Acompanharão os amigos &
familiares eftas ultimas razões cõ
tantos fofpiros, lagrimas & fclu-
ços,' que o povo que concorreo á
defpedida que fe tinha divulgado,,
comomais facilde mo ver, & co¬
nhecido do bem que perdia arre¬
bentou em prãto formado. Novo
generode triunfo: hú Capitão que
canra vitoria cercado de exercito
que a chora: Capitão alegre entre
foldados triftes.Levantoule o Ar-
cebifpo & lançando a toda a Igre¬
ja bua grande bênção fez ultima
defpedida com húa profunda in-
clinação.Sahido da Igreja 8c fican¬
do fò com os feus começou a def-
pedirfe delles& defpedillos, mas
\84.
*
nãoouvenerih im que em tal co-
fintiíle:& por muyto que traba¬
lhou 8c iní ou deíejãdo verfe fò 8c
caminhar a ufo de pobre frade,
não acabou nada. Porque o am or
8c refpeito que ihe tinhãd não da¬
va lugar a obedecerem em coufa
tão defarrezoada. Todos oforão
feguindo 8c acompanhando atè a
Villa de Viana, pera onde partirão
no mefmo dia que lhe chegou o
avifode Roma que foyaos vinte
de Fevereyro de 1582.
CAriTVLO XX
Chega 0 Arcebifpoa V~iana:def’
pede os feus. Recolhefe no
feu Aíojleyro deSata
Cruz»
Âminha va 0Ar-
_H® cebifpo a grandes jor-
nac*as ardendo em de-
fejQS <je feverjà abra¬
çado cõ a fua anega 8c manfa po¬
breza, forro de todo cuvdado
' J
8c
entregue fomente aos de fua fal-
vaçao. E pareciaihe o caminho
tão comprido, que fe lhe cubria o
coração comaníias,& affiigido
repetia muytas vezes* Quis dabit Pfd
tmbipennas Jicut columb#? Vcl abo &
nquiefcam.Como defejando a ligei
reza de húa pomba, pera de hum
voo, 8c fem bater aza acabar a jor¬
nada , 8c começar a defeançar.
Hh 4 Noutro
 hiuroIÍIL da vida de D. Fr; BertJosJkfaH.
Noutro tépo,quando andava vifi-
tandojfe ihe diziao que aviâ mui*
tas legoas ao lugar pera onde ca-
rninhava,todos fe enfadavao, cllc
fò folgava,& muyto mais fe acer¬
tava a faberq as legoas erãogran
des, porque fua deleitação era ca¬
minho que levaífe muyto tempo,
Ôc fempre lhe parecia breve por
longo que foíle. Agora vecido do
godo que levava pera fe efeonder
Sc fogir ao mundo,cada legoa jul¬
gava por outro tanto, como toda
a jornada de Trento.A razão que
então o movia era, pofque íonas
horas que durava o caminho def-
canfava dos negocios te corais, ôc
fe entregava todo a tratar cõDecs
em fantas meditações. A que agò
ra o fazia apreífar facil fica de en¬
tender. Todos os companheiros
arreceavao chegar a Viana,& elle
fò por acabar de a ver fe finava.
Aigúas vezes embebido no godo
que efperava gozar naqueila fan-
ta quietação dofeu mofteironao
fe fartava de dar graças a Deos di¬
zendo a cada palio com David.
Fjltl6-. Benediãus Deii$,qui nonamouit ora-
ttonem meam,tf tnifericordiamfuam
à me. Bem dito feja o Senhor que
nem lançou de fy meu rogo, nem
de mim fua mifericordia. Em fim
como levava tanta preíTa, breve-
mete fe acharão às porcas do Go¬
verno de Santa Cruz de Viana. A-
qui creceo a dor dos companhei¬
ros, & o alvoroço do Arcebifpo a
paífos iguass, Foyfe à igreja, Sc
entrando pio Coro diífe cõ gran
de efpirito.íFecnquies meamJacu- Pf i3r*
Ju faculij hl babitabo quôniam elegi
eam.Qucrmdo fignificar o q bé à
nfca euwp io,que aly defcaíiíaria
Sc faria mcrada perpetua,& foyfe
lançar em «ração diante do Santif
fimoSacramento. Acudiolrgoo
Prior com todos Religiofus a f-e-
cebello &c beijarlhe a mão, Sc elle
ao contrariOjfazendoíuâVenia ao
Prior como humilde fubdito a feu
Prelado lhe pedio a bênção, & â-
braçou a todos os Reíigiofos hum
por hum,& dizia. Fratres mei cha-
rifsimi, tf dejideratifsim) gaudium
meumjt? corona mea. Meus hum aos
muyto amados,fenipre tive gran¬
des defejos de viver entre vòs,por
que íois meu contentamento, Ôc
minha gloria. Peçovos por chari-
dadc me queirais aceitar em voíTa
cõpanhia, & por efmolla me deis
hu canto deíle Conveto pera me
recolher. Efohre tudo defejo qne
vos não efijandalizeis fe me achar¬
des diftrahido fqlie apodado ve¬
nho com o favor divino a refazer
em voffa companhia, ôc aprovei-
tandome de voífo exemplo, tudo
o que deixei perder da boa cria¬
ção que nefta fanta Ordem tive.
Apartonfe então, ôc tornoufe aos
de fua companhia, que erao mais
gente da que ordinariamente le¬
vava nas viíicnçóes. Eráo algus
Dcfembargacjores ôc Conegos,&
outros
 jdrcebifyo de Braga, Primas das Plefpànhai. j
outros Prebendados. Hus qué d pio de bdm Prelado, nem na edi
forão acopanhando às Cortes de ficaçãd de Fteligiofo:antes pòr vé-
Thomar, & como virão a renun- tura vos efeandalizei muycas ye-
ciaçao que fez, & entendião que zes como defeduofo & miferavel
muyto brevemente chegaria re¬ em obras & palavras. Pelo q vos
cado de Roma que os dividiíTe peço polas chagas de NoÍÍoj Se¬
delle, ouverao por crueza deixa- nhor ÍESV Chntlòme perdoeis.*
remno antes. Outros fabendoo Sc em voíTos facrifiaos Ãoraçóes
que paíTavaotinhão vindo viíitar me encomendeis ao Paydeíetiiaí:
de varias partes,& pola mefma ra que feja fervido me faiba aprovei¬
zao determinarão feguilio atè o tar nos poucos dias que meíicão
fim. Eftando todos juntos dizem de vid^,deíf a grande trnfer cordia
q lhes fallou ddia maneira. Ama¬ que comigo ufou , & Eça dignos
dos hirmãos Sc filhos da minha frnytos de penitencia. Vida neva
alma, he chegado o prazo q Deos determino fazer. Tarde he, q
foy fervido dar a mens trabalhos fe nos vai cerrando o dia: mas nu¬
trazendome â eíb cafa ; também ca he tarde pera hum peccadcr
he razão que defeanfeis vos dos tornar fobre fy. Que diante de
muytos que aos mais de vòs fiz Deos jâ eftâ fòra da culpa quem
curfar por ferras &hermos,por de verdade lhe peza delia. Ide em
chuvas & neves & tempeíiades. bòra meus bõs amigos. Vivey ale¬
Tempo he que eu Sc vòs demos a gres &defcaoçados, Sc crede que
Deos o que da vida nos reíla, fem me ficais todos dentro no intimo
entendermos cada hum mais que da alma: Sc que em quanto viver
com noffas almas.Cuydado bem- me não poderei efquecer de vòs
aventurado & cheyo de muytos em minhas pobres orações. Ifío
proveitos fazer cotas com a vida, mefmo vos peço que digaes a to-
defenganar com o mudo: que em dosos que criei Sc converfei,quã-
fim não fabemos o dia nem a ho¬ doos encontrardes , Sc elte mef¬
ra. De vòs bemfei que oaveis de mo perdão lhe pedi de minha par
fazer melhor do que volo enco¬ te. Ivos embora, Sc a bênção de
mendo. Taes vos conheci fempre meu Senhor IESVChnfto feja fé-
em minha companhia:afsi me edi pre em volTas almas.Amem, Ref-
ficaftes com voíTa virtude Sc exé- ponderao todos juntaméte a dias
plo. Mas que direi de mim que fe palavras,não com outras. Porque
ouver de fallar verdade, cõfeííb q nem a dor foltava as lingoas pera
nem vivi entre vòs com aquella fazerem íeu offício, nem o muyto
inteireza que devia,nem no exem que cada hum íincia achava lin-
goagem
 Lluro ÍIIL da vida âe D. Fr. Bert.dosAfart.
goagem pera o íigniíícar. Em la* em que eftavalhe nao confentia
gar de palavras refpondião os co¬ triíxeza apreíTou a defpedida, &
rações com fufpiros que delles íãu lançando! hes a bençao tornou pe¬
dofamente arrancavão: &c os o- ra os Religiofos, que cheyos de
lhos com lagrimas. E debrucan- prazer o efperavão.
dofe todos a Teus pès pera lhos
beijarem,híi velho como em no¬ CAPITVLO XXI
me de todos levantando híía voz
rouca difte afsi.Se ador que noíías Da vida cjue o Ârcehifpofa&ia
almas nefta defpedida fentem,fo-
ra capaz de confelho,baílante con defpois de recolhido noje u
folação tinhamos em ver como ve Contento de Viana.
mos a voífa fenboíia confoíado 8c
contétc. Mas como perdemos tu¬ V d o o que temos pe
do o que na .vida tinhamos de bé ra dizer no Capitulo
que eraíiia companhiafanta,nao * prefente pudéramos ci
he culpa chorarmos com lagrimas frar em poucas pala¬
fem remedio: q pouco fente que vras,que nao tornarão em menos
admitte razão. Vòs Senhor alcan- louvor defteíèruo de Deos, doq
faftes o que defejaveis como San¬ pòdem fazer as razões dilatadas.
to: nos perdemos o que maiseíli- Mas pera confolação de feus de¬
mavamos como peccadores. A votos faremos 1 ida couía & outra.
vòs premiou Deos como pay bra¬ A cifra he que quem qnizer faber
do^ nòs caftigou como juyz rigu- a vida que o Arcebifpo fazia def-
rofo.EIora pois elleafsi foy fervi¬ pois que fe achou entre os feus fra
do,em fua divina bondade efpe> a- des em Viana, ponha de parte o
mos,que nem a vòs negara lograr titulo de Arcebifpo, Ôc debuxe à
des muytos annos efte fruyto de fua vontade hum religíofo obfer-
voíTos grandes merecimentos: né vantifsimo: & qual for a vida que
a nòs alcançardes delle com as a efte der,tal aílente que era a do
lembranças & orações que nos Arcebifpo. E quem quizer fazer a
prometeis, que cubra & empare cota mais abreviada to» ne aler o q
com fuas mifericordias aos que af- temos efcrito de como vivia fub-
íi quiz deixar orfaos & fem vòs dito em Lisboa,ou na Batalha: 8c
inhac kchrimarum <~valle. Nao po¬ aja que tem aicanfado toda a or¬
de o Arcebifpo diffimular o que dem de vida que agora começou
lhe euftava a defconfolação de fò com efta differença, que então
tão bõs amigos, E porque o lugar era moço Sc robuiio, & agora ve¬
lho
 Arcebijbo de B raga3Vrimas das Hefpanhas,
lho & fraco & em idade de fefen-
ta & fete annos. Moilrou o fanto
velho e m entrando que vinha cõ
animo de fe aventajar a fy mefmo*
&ao tempo mais florido. Apri-
meyra coufa por onde começou*
foy deíafiarfe junta mente com to¬
dos os rigores & obrigações dà
regular obferuancia, guardandoas
tão pontualmente, como fefora
hum frade rafo de inteyra & fir-
me difpoíição, que viera afsinado
pera aqueile Conuento,& muyto
defejofo de agradar ao Prelado
com vida & exemplo. Afsi acudia
ao Coro a todas as horas canoni-
cas, afsi andava apontado nas in¬
clinações, & nas paufas ôc pontos
ao rezar dos Pfalmos: ôc tão folli-
cito era em fe conformar com to¬
dos nos jejuns, íilencio, recolhi¬
mento, trato de fua peífoa, & em
todas as mais cerimonias da Or¬
dem, como fe então acabara de
fahir de cafa de noviços com opi¬
nião do mais reformado della.Pe-
dia com muytainílancia ao Pre¬
lado Ôc aos mais religiofos,qne
fe lhe querião dar goíto, o cratafie
em tudo Ôi o mandaífem como fe
agoraentrara de novo na Ordem
ôc começara feu noviciado, fem
lembrança nem refpeyto da digni
dade paliada. Por nenhum modo
coníintia fe vfaffem com elle par¬
ticularidades nem difpenfações:
ôc defcoufolavafe muyto fe o Pre¬
lado o queria aliviar nos rigores
18 6
da Conftituição dizendo ôc pro¬
vando com razões que a dignida¬
de que tevera,fora híía coufa que
fe acrecentará ôc não fucedera ao
eíhdo monafiico que profe fiara.,
Pello que na hora que fua renun-
ciação fora pelo Papa aceitada, Ôc
elle afioltodo Árcebifpado > fica¬
ra puro frade com todas as obri¬
gações de fua profifiaõ*como íem
pre o fora, & desde efia hora não
avia mais nelleque Frey Berto-
lameu dos Martyres : o quai frey
Bertolameu eítava obrigado a cõ-
tinuar com fuas Comunidades,
ôc com toda a guarda da regra ôc
conftituyções, como fe nunca fo¬
ra Arcebifpo, ôc fomente andara
algus dias aufente com licença.
Fundado nefta razão nao fofria q
na mefa lhe pofefiem coufa algíia
em particular: ôc fe acafo lha ou-
nhao em notando que não corria
a mefma por toda a Comunida¬
de,logo a apartava de fy; ôc o mef
mo fazia a qualquer mimo que o
Prelado lhe mandava. E não ba¬
ilava fazerlhe lembrança , que a
fanta obediencía lho mandava.
Porque contra eíta força fendo
em tudo o mais obediennfsimo,
tinha armas preífes ôc fortes a to¬
da prova, quaes erão alegíu que
era icnmediato ao Papa, ôc ízento
de toda outra jurdiçãó. De forte
que pera tudo o que era penal Ôc
trabalhofo fe avia por frade fub-
dito, Ôc muyto fogeito à obediên¬
cia:
 Livro 111L davula de D. Fr. Bert dos Man
cia: mas fe a mefma obediencía to
cava em coufa de alivio, ou com'
modidade fua,então declinava jur
dição. Afsi velho & doente ufou
íernpre túnicas de eftamenha , né
ouve nunca quem pudeíTe acabar
com elle que ao menos admitiíTe
húas de eftopa groífa, ou canha-
maço. E foy coufa de notar, que
tendo o Prior noticia que as túni¬
cas com que aly entrara erão ve¬
lhas & rotas, &.(oque mais nos
deve confundir) por fua própria
mão remendadas : & não poden¬
do defcobrir eftamenha pera o
prover d’outras,tomou por meyo
pedirlhe que íò em quanto a má-
daua bufcar a outro lugar,quizef-
fe veftir htía mais groílira &
mais afpera que de eftamenha,
feyra do que a gente do monte
chama tomentos,que he a ultima
efcoria do linho. Como entendeo
que não era de Iam, refpondeo q
com as que tinha poderia paliar
atè fe achar eftamenha,& não ba«
ftou nenhum rogo pera a aceitar.
Nem as de lam pera mais fe mor¬
tificar mudava a roiude.E aconte¬
ce o hum dia tratar com afpereza
a Frutuofo Fernandes, que fo de
iodos feus criados deyxcu cõfigo,
porque hua manha-lhe dava hua
túnica lavada, mais cedo a feu pa¬
recer do que coftomava mndarfc.
Agaftoufe & diílelhe. Que he
iíto irmão? Mimos à carne? Que-
reifme regalar.? Não fabeis vòs q
»
tenho efeito a quantos domes
vefti a qu< trago?& mandoulhe q
a guardaíb.Dizem os que fizerao
lernbrançi defta fanta indinação,
que por faquezaquejà fíntiana
memória apontava os dias da tú¬
nica lavack cemendofe da carida¬
de do criado. E eu cuydo que a ra
zao era per fer coftumado a me¬
ter tantosdias em meyo de hua à
outra,que ainda pera boas memó¬
rias ficava o enleo facil :que efte
genero de mortificação he muy
odoíb à natureza, que por fe li¬
vrar deile com o nome enganofo
de limpeza tem pérfuadido, & vai
introduzindo mimofas difpenfa-
çóes,que fao pouco menos de
ciauftralidades. Porque a claufu-
la da Conftituição que diz: Lineis
ad carnem non vtantur^ú.0 admit* Dift. r.
àc veft*
te explicações metafificas.JBem fa cap.ioi
bia declararfe qué fez a ley. Tam¬
bém entendia de limpeza, & nin¬
guém era melhor letrado que o
Arcebifpo: &poriíIonem ufava
linho, nem queria mudar a efta¬
menha a miuderantes pera fe mor
cificar com efte afeo que faz htía
túnica no corpo muy tos dias tra¬
zida^ deixava andar tantos arreó
que vinha a perder a conta delles,
& era neceílario valerfe de papel
& tinta pera ajudar a memória.
Trazia o Arcebifpo impreíla na
memória a fentença do Senhor q
diz .Si quis <venit ad me, & non odit
Zfíc.
Patrrn fmm l? mmm fuam, ad
buc
 Arcebfo de Braga, Primas das Hejbanhas.
hucU animam fuam}nonpoteUmeus
ejfedifcipulus.E quanto fazia de pe
nicencia,& em periíguição da car
ne,tudo lhe parecia pouco. Se al-
gam dia por razão do tempo auia
eftreiteza de provimento no refei¬
tório, afsi fe alegrava polo que lhe
tocava, que de todos era entendi¬
do. E he de notar que por fraco
que foíTe o jantar, nunca perdeo o
coftume antigo de partir ao jufto
pola metade com os pobres tudo
quanto lhe punhão diante,pão, vi
nho, carne,peyxe, & tudo o que
mais foíTe. E fe acertava de ver a-
bundancia na mefa, por fer dia de
fefta,ou porque por feu refpeito
dava o Prior algúa pitança extra¬
ordinário que às vezes fazia: cu-
briafelhe o rofto de malencolia,
iintindo aver de comer mais do
feu ordinário por razão da Comu
nidade.Húa feda feyra de Endoé
ças, que foy a primeira defpois q
tomou pera a Ordem, entrando
polo Refeitório , como nao vio
mais que pao & agoa, & hus tal-
los de funcho pera toda a Comu¬
nidade, fegundo he coftume da
Religião neftedia, foy tamanho
feu prazer, que nunca comeo de
melhor ar, nem mais bem aflom-
brado. Ao contrario lheaconte-
ceo híía vefpera de São Ioão.Efta-
va a Comunidade no poyo junta
pera entrar no Refeitório,chegou
etle, & cheyo do feu efpirito. Pa¬
dres meus, diífe, coníiderera vof-
18?
fas reverencias , que celebramos
hojeaVigilia de hum Santo tão
abftinente, que o feu mantimento
crant locufttf.Como ufou do termo
Latino,acudio o Prior, & jugãdo
do vocábulo, diíle, que bem eftá-
vão logo , porque parte do jantar
avião de fer loeuftas. E diziao por
híía lagofta que lhe viera de fòra.
Não fejao cilas do mar,replicou o
Arcebifpo. Aífentados ã mefa a-
chou a lagofta diante de fy: & foy
tamanho o fintitnento que teve,
que não fomente aafatioufema
provar , affligindofe , & dando
muytos fofpiros, mas nem cocou
coufa algua de quantas vierãoà
mefa , mandando guardar tudo
pera os pobres. E como fahirão
pera fòra fez queixa ao Prelado
de lhe fazer mimos , principal-
mente fendo o dia de jejum, & de
hum Santo, que efpantou o mun¬
do com penitencia.
CAPITVLO xxir.
Dos litígios que ouue fobre a
p>arte,que o Arcebifpo tinha
evencido de f%as redas: (3*
do q ellefobre ijfo fez*
fj? diífe.
A rd o v a repofta
(m.
m de Roma fobre a acei¬
Zf tação da renunciaçao
doArcebifpo quafi.hu
li anno
 xhturo IIII. da vida de D. Fr. Bert.dos Aíart,
anno3 como atrazvimos. Ellc en¬
tretanto foy trabalhando & vifi-
tando fem defcançar,& hia mere¬
cendo & vencendo inteiramente
íuas rendas como era razão pois
trabalhava. E não avia quem du-
vidaííe deverfelhe em rigor tudo
oquefervira & vencera prorata
des do dia que o Papa lhe aceitou
a renunciação,atè o em que lhe fo
rão intimadas as letras do fucef-
for,com tanta juftiça, como o me¬
recia are o dia da renunciação, vi-
fío como nunca deixou de fer Ar
cebifpo fenão do dia da intima¬
ção das letras Aportoíicasem diã-
te,&pera eííe efFeito fe lhe intima
rão.Mas o fuceffor, & que o acõ-
felhava, fazião differente conta.
Primeiro começarão por difficul-
dades na liquidação do que fe m5
cava: defpois armârãofe duvidas
fobre o direito da cotia liquidada
fe lhe pertencia, ou não: em fim
tornoufe em fangue a fazenda a-
lheya,como he coftume; que efte
he o perigo a que fe poem, quem
do que não he feu fe faz injufto fe-
nhor: & buícaraõfe razões pera
a negar, & fobejãrão textos pera
a defender. Tinha o Arcebifpo
aplicado ametade de tudo pera as
obras do feu Convento, 8c outra
pera repartir entre pobres. Ven¬
do os Keligiofos que não avia ou¬
tro remedio valerãofe do meyo da
juíhça requerendo por demanda
o que lhes tocava. Mas íoy pera o
fanto velho novo genero de mor¬
tificação andar feu nome por audi
torios, 8c fazer litígios por tão
pouca coufa quem com muyto
gofio acabava de engeitar tantos
contos de renda. Era feu parecer
que fe perdeíle antes tudo: 8c em
fim per atalhar demandas,8c não
perder o Convento a íua parte ef-
creveo a elRey hua carta muy
ponderada em que lhe dava con¬
ta de toda a matéria, & em refo-
luçãolhe pedia, que mandaífe ao
Arcebifpo feu fucefibr pofeífe a
conterda em parteer de juyzes
árbitros que fem eftrepito nem
figura de juyzo a defimíTem, 8c
do que fentenceaííem não ouvef-
fe apellação nem agravo. Mo-
ftrou elRey defeontentamento do
termo que o novo Arcebifpo ufa-
va, 8c eftranhandoo lhe efereveo
que fe conformaífe com feu ante-
celfor,& feneceííé a caufa por cõ-
promiíío.Com tudo furtava o cor
po metendo tempo em meyo, 8c
não acabava de fe determinar. E
foy neceífario vir fegúda8c tercei
ra carta de S.Mageífade, 8c man-
darlhe na ultima q não aceitando
logo cõ efFeito o louvaméto, foífe
à Corte darlhe peffoalmente cõra
das caufas que pera iílo tinha.En-
tão não ouve mais lugar de dila¬
ção.Comprometerãoferdeufe ien-
tença. Mas aconteceo neila o que
diífe hum antigo em cafo rão
muyto diffeience, que todo ho¬
mem
 jircebifyo de B raga,
mem faz mais fefta ao Soi que na-*
ce, que ao que fe yay pondo. Foy
juyzo como de olhos fechados Sc
fem mais coníideração que de a-
gradaraoque cinhão por Sol na^
centei alvidràrao âo Santo velho
hum curto eífipendio,como fe fi>
rahum pobre Vfiicador merce¬
nário Sc de pouca importância*
Sentença aítazeftranhada de ho-
més doutos Sc curiaes. Mas elle
não confirmo,que fe falíaíle mais
palavra. Reparcio o que lhe derão
como o tinha aplicado, entre o
Convento, & os feus pobres. E o
fuceíTo moftrou quanto fe enga-
não os juyzos dos homes, caindo
brevemente no oceafo da morte o
<qae julgarão por Soi nacente : &
ficando vivo & em pèo que tra-
tàrão como fepultado. Como eífe
litigio teve as interpolações q refe
rimos Sc foy mui dilatado por cau
fa delias, faltava ao Arcebifpo cõ
que acudir ao Convéto Sc aos po
bres,porque também tardavaode
Roma as letras da penfaõ. E acõ-
teceo pergútar hum Religiofo co¬
mo por graça ao Arcebifpo, dõde
efperava dar efmollas, Sc pagar a
qué o fervia em caío q os juyzes
fentéceaífem contra elle.Foi efpa-
tofaa confiança Sc oefpirito cõ q
refpondeo dizendo palavras for-
maes. Calay, Padre, calay por a-
roor de Deos,q vos affirmo de ver
dade,q então me averei polo mais
dicofo homé que hoje vive. E cui-
ill
darei q he Deos meu amigo, quã*
do permittir chegar eu a tempo
que não tenha de meu fenão o q
pedir po!as portas dos fieis Chri-
Rãos,ou po as portarias dos mo*
fteiro$,& dizendo Miíías petámc
fuftentâr,como pobre Sacerdote.
Quanto mais , que eftou con¬
fiado que os meus clerigòs que
eu criey me acudiràõ de boa von-
tade.Porque nao dei Igrejas, nem
beneficios/e nao a taes peííoas, q
por certo tinha partirião dos fruy-
£os delias cõ os pobres deChriftot
quanto mais comigo a quem fem
pre teverão muyro amor, Sc fa-
bião que lho tinha eu, por enten¬
der ferem elles eftes. Mas certo
edou que nada difto me feria ne-
celTario em quanto ahi ouveííe
mofteyros da noíTa Ordem , que
neíles nunca pera comigo faltaria
mifericordia. Afsi dizia o fanto
Velho,Sc não fe enganava naopi-
niao que tinha da gête que crioU.
Porque tal era a affeição que na
memória de todos reynavapera
com feu bom Paftor,que nenhum
ouvera que deixara de fe defen-
tranhar polo fervir, fe occalião fc
offerecera. E he baftante argumé
to deftaverdade, que defpois de
vinte Sc mais annos de feu faleci¬
mento entrando Religiofos de 5,
Domingos por cafa de algusEccle
fíaíhcos deftes , erão cõ eíhanha
devação recebidos&feftejados,ve
nerãdo todos naqlle habito a me-
H í mona
 LfaroIllL davidade D,Fr. Berl. dos Mart.
mdefeu antigo Prelado, cujo a»
mor fazia em íeus olhos ayrofa,
Sc agraciada â noiia pobre efta-
menha & farja* Mas íflo a meu
yer,he mais força da virtude do
Arcebifpo^que não de amor nem
agradecimento natural dos ho-
més. Porque o que dizemos dos
Ecclefiafticos , a qué criou & deU
vida& hõra(& por ilTo deve efpã
£ar menos) paíía igualméte étodos
os naturaes doArcebifpado fécula
res,nobres & plebeyos,&atènos
mais rufticos, porq afsi té efculpi-
da nos corações fua memória,qto
dos os q delle alcançaraõ viíta ou
noticia,é védo hú habito de S. Do
mingos teftemunhão cõ finaes de
alegria a lébrança,&: cõ fufpiros a
faudade de tão fanto Paftor.
CAPITVLO XXIIL
T)a continuação com que o Ar
cebífpoprígaua defpois dc
recolhido emVi*
ana*
Ô l o mefmo cafo
que o Arcebifpo co¬
$
mia rendas do Arce-
bifpado que elle cha¬
mava fempre pão de pobres, auia
queeítava obrigado a trabalhar,
Sc merecello trabalhando. E era
tão agudo em confiderarfuas o-
brígações, que nem fe avia por li¬
vre delias com fefenta & íeis an*
nos de idade, & muytas indifpo-
íições corporaes:nem queria ufat
do favor mayor de Sua Santidade
com que largamente eftava dif-
penfado de todas.Fazia conta que
as difpenfações fe concedem on¬
de ha necefsidade , & caufa legi¬
tima , & que onde efta falta não
ha di fpenfaçaÕ. O,pobres de nò.sl
Se iítlo áfsi paífa , quantas dif¬
penfações fe logrão oje com mui¬
ta quietação, que pouco ou nada
tem de verdadeiras : Sc fe me não
querem crer, Ieãome Os que com
ellas vivem mtiyto fatisfeitos, o
proíogo , por onde começão as
fu as. As mais dizç que viíta* taí,&
tal razão(6c nuca tal râzao ouve fe
não he imaginada,ou quãdo mui¬
to algúas fombras, delia) outras: fi
ita efi.He matéria larga,tornemos
ao põto. Avia o Arcebifpo q não
fe jubilava na obrigação de íèrvir
os próximos, é quãto avia forças:
Sc que pois vencia Sc levava pen-
faõ, & podia andar em pè, inda
que cercado de indifpoíições, e**
ft a va obrigado a ler vir. Afsi co¬
meçou a continuar o officio da
pregação polos lugarinhos do re¬
dor de Viana,como fe fahira ettu-
dante moço Sc frefco do Colle*
gio, Sc começara então a fazer
exercido do púlpito Sc desbaítar-
fe. Enão paífava Domingo, nem
feftájqiiedeixaíTe de hir a húa, Sc
maislegoas de diílancia. Era de
ver
 A rcekifpQ de rapa, Frimas das
B Hf
ver aquella famofa trombeta do
Concilio Tridentino, quecõtan*
ta gloria foou por todas as regiões
da terraide cuja boca pendia todo
aquelle Senado graviílimo da
Chriftandade,como de hum ora-
culo:andar entre aquelles pobre¬
zinhos 8c rudes iníinadolhes o A,
B,C, da doutrina Chriftam com
ta ta padecia & humildade, como
fenúca felevãtara maisfeu cabe¬
dal. A orde q feguia quando avia
de pregar era efta. Madrugava às
tres da manha, vinhafe ao Coro,
rezava todas as horas Canónicas,
Sc defpois ficava em oração atè q
lhe parecião horas de dizer Miíía.
Dahi fahiaa dizella, 8c fazia que
a ouviíTem dous familiares feus ,
que o aviao dacompanhar , 8c
caminhava. Se chegava à Igreja
antes dc começada a Miífa, como
acontecia muytas vezes, prégava
lo20,8c acabando tornavafe lem
mais efperar pera o feu Moíley-
ro.Enaofe efquecia de declarar
aos ouvintes,por fe não efcanda-
lizarem da preffa com que fazia
volta, que elle 8c os companhey-
ros trazião jà MiíTa ouvida.Se era
começada a MiíTa, pregava a fuas
horas: mas acabada aprégaçao na
mefma hora fe tornava a jãtar ao
Connéto,por muy to tarde q folie.
Porque defpois que foy Arcebií-
po nuca comeo em cafa né mefa
íecuiar,&por eftes lugares peque
nos como procurava dar doutri-
ganhas. i <fj?'
na, nao queria fer ocafião de pe
jo , ou competência aos mora*
dores.Epera que os íeusfoffcm
tao fofridos como díe , «Sc não
pedíífem nada fòra de cafa, mam
davaos comer antes de fahir dó
Conuento.Se algum dia por aípe-
reza de tempo, ou por outros ref*
peytos lhe tolhia o Prelado hir a
efia obrigação, abayxava com hu
mildade a cabeça como obedien¬
te, mas declarava que efiava prõ-
to & aparelhado pera hir, & não
fintiadefua parte inconueniente
8 c que defcarregava fua concien-
cia. E com tudo logo lhe nota-
vão que eííe dia ou não comia*
ou fe algua coufa tocava era en fa-
fíiadamente 8c fofpirando, 8c corn
húa interior deíconfolação q lhe
caufavao efcrupulo de lhe pare¬
cer que comia ociofamente o pão
dos pobres. Aconteceo hir hum
dia prègar longe tornou tarde
& moydo 8c afadigado do cami¬
nho. Entrou no refeytorio,come¬
çou a jatar.Eys que tangem a vcf-
peras no me fino ponto deyxa me¬
fa 8c comer, «Se caminhou pera
oCoro.Chegaráofe aleús Padres
a elle, pedirãolhe com caridade
que tornaífe a acabar de jantar,
8 c clefcanfar do trabalho da pre¬
gação & do caminho.Não no pu-
derão acabar cõ elle, & refpõdeo
cõ palavras formais.Iífo fora, pa¬
dres meus,quãdo eu fizera eífe mi
nifterio^como verdadeiro filho dc
li 3 São
 hiuto 1111. da vida de D»Fr. Berf.dos Afart.
São Domingos indo pregar Apo-
ftolicamente a pè, Mas ca como
frio & fem efpinto fuy beftialmé-
te , quero dizer a cavallo. Outra
vez foy pregar à Igreja de Santa
Maria de Vinha.PaíTado bum pe¬
daço de caminho o macho em çj
hia começou a defaííoíTegarfe de
maneira,q o velho correo rííco de
hua terribel queda : 8c cõ muy-
to trabalho o apearão, & deixou
o macho: mas nao deixou por if-
íoo caminho.Continuou por diã-
te,& foyfe atè a Igreja apè, 8c apè
tornou pera caía. E nunca o virão
jantar com mais godo: porque fo¬
ra pregar à imitação dos Apofto-
los,& de noíTo Padre São Domin
gos &dosnoííos Religiofos an¬
tigos. Efte exercício da pregação
aturou quafi quatro annos contí¬
nuos, atè que o vierão carregan¬
do achaques da velhice, 8c indif-
pofíções multiplicadas que o ina¬
bilitarão de todo pera o trabalho.
Entãooapofentàrãocom grande
magoa fua, 8c não menos de feus
ouvintes, em quem fazia muyco
proveito fua doutrina.
CA PI TV LO XXIIIL
De algas particulares exerci*
aos,em que entendia no
Lonuento.
v|§! P R i n c ipal & mais
cócinua occupaçãodo
Arcebifpo defpoisque
■ fe recolheo ã religião,
era a fanta oração. Efta lhe levava
todootépo, ncfta em todo lugar
& a todas horas andava enibebi-
do,conforme ao que eftà efcrito:
Ai E-
orantes omni tepore mfpintu. Opcr- fhef 6.
tetfemptr orare, & ncn dfficere. E Luc%
nãohiede efpantar que quem no
tempo que andava com montes
de negocios fobrc os hombros to¬
mava pera a oração as noites intei
ras,como atras fica dito, & qual¬
quer outro efpaço que entre as o-
cupaçiões do dia lhe vagava : ago¬
ra que não tinha em que entéder
mais que com fua alma, claro fica
que não ferião outros feus cuyda-
dos,fe nao entregarfe a ella. E co¬
mo todo o fim da oração feja hú
alevantamento da mente a Deos:
8c o A rcebifpo com nenhum ou¬
tro imtento procurava defcarrc-
garfedlo governo 8c diftrayções
delle , fe não pera ficar em eftado,
que tudo o ajudaffe a efta fanta
enlevação,fem aver coufaque lha
impediífe, o dia que fe achon no
folitariorepoufo da Religião, afsi
andava arrebatado em Deos , afsi
trazia todos feus penfamentosoc-
cu pados nelle, que em nada ente¬
dia nem tratava,fenão no que po¬
dia fermeyo de mais fe acender
em feu divino amor. Da abundan
cia do coração falia a boca. Eião
fu as
 jArcebifyo de Braga, Primas das tlefpanhas.
fuas praticas fegundo o que tra¬
zia na alma* Dizia que o devoto
Relisiofo
D
avia de trabalhar cõ to-
das fuas forças por não deixar ef-
friar nem afroxar aquelíe calor 8c
fervor da devação quepola ora¬
ção a quiria* Porque no eftado da
natureza corrupta não durava
mais a devaçao que em quanto a
trazíamos ao ar do fogo da ora¬
ção. E ufava da comparação de
hum vazo dagoa, a qual como de
feu natural feja fria,aquece & fer¬
ve com a força do fogo, & tanto
efpaçofuítenta a quentura, quan¬
to eftà favorecida delle , &. pof
muyto que ferva, no ponto que
lhodefvião, logo pouco apouco
torna á frialdade natural. Por on¬
de aconfclhava que quem quizef-
fe eftar fempre devoto{& dizia el-
le que quem não era devoto indi-
namente pofTuhia o nome de Re-
ligiofo) trabaihaíle a toda força
por fenão alongar do fogo da o-
ração,mas andaííe ardendo nelle
de concino a modo de forno de vi
dro»que fempre tras o fogo vivo
fem nunca esfriar, & não como
outros fornos, que a tempos fe
acende m , 8c a tempos fe deixão
apagar. O que dizia, fazia: & co¬
mo aconfelhava,afsi o executava.
Porque com grandes inílancias
óc continuação tinha pedido a
Noíío Senhor,que de tudo lhe ti-
raíTe a memória fenão fò do Ceo,
& delle. E em muycas coufas que
*$0
ao diante contaremos fe verà que
não falta a palavra: Omnis enm qui LuCt
petit aceipit, Is? qui qu<erit, tnuemt.
Porque afsi o veyo alcançar larga-
mente. A eifa oração ajuntava ou¬
tra de bua fonte perene de gra¬
ças,que das entranhas lhe brota¬
va não fe fartando de levantaras
mãos & o coração a Deos com
louvores &c glorias fem hm , por
fe ver refgatado do cativeiro do
mundo, falto de fuas prizões, óc
reftituido à fua cella. E pera não
«
perder nunca a memória de ta¬
manha miíericordia trazia efcri-
tas na primeira folha do Breviá¬
rio eftas palavras. A braga mefop
lançada aos oito de AgoUo de 7558, B
mefoy tirada a njinte deFeuereiro
de Sao os que a leuei njinte tres
annos tf meyo. He grande compa¬
nheira da oração a lição dos livros
devotos,dãofeas maos,& ajudao-
fe muy bem bua à outra. Confef-
fava o Arcebifpo de fy que acha¬
va grande fuavidade na medita¬
ção do ííntido miftico dos Pfal-
mos de David: & como faõ tão
cheyos de altos mifterios, era li¬
ção digna de feu juyzo, & de fuas
letras.Empregavafe nella cõ mui¬
to gofto efpintual, &gaftavaal-
guas horas naexpoíição de paf-
fos mais difíicultoíos, de que fez
hum tratado de muyta erudição
Óc engenho, acompanhado de de¬
votos conceitos,cujo titulo he:An-
notatioms m Dauidicos Pfalmos, ex-
 LwroIIIL da vida de D. Fr. BcnJosÁíart,
ponendo duntaxat qiu objcuriora oc»
currrnt legentibus ,aut canentilmsyol
hãcC gratia excitando deuotioms :per
fratrem Bartbolomoeum de Martyri-
bus Arcbiepijcopum Braccarenfem.
E começa. MultapojJunt bic dia de
Imdibus Pfalmorum fcfc. Tinha o
Arcebifpo grande cabedal pera
poder fer tinico nefta profiíTaõ.
Porque fendo na Theologia efpe-
culativa,como temos dito por ve-
zes, hum dos mais abalizados ho»
més de feu tempo,era rnuy verfa-
do na lição dos Padres. Efe a ex¬
periência nos tem infinado , que
muycos homés eípirituaes,& ain¬
da molheres fò por virtude dao-
raçao chegarão a alcãçar grandes
mifterios da fagrada Efcritura, q
valentes engenhos não puderão
com prender com força de eftu-
do,bem fe deixa entender,quanto
fe levantaria fobre as nuves o Ar-
cebifpo , quando com fuas letras
confamadas ajuntava muyto efpi-
rito,continua oração, ardente de»
vação,& vidafanta. Qne na ver¬
dade nunca as fagradas letras fe
entendem com a perfeição devi-
7 da (fegundo doutrina do grande
Bji-Jn Atbanafio/enão defpois que que
caradt. as quer penetrar, vive como ellas
Vcrbi. mandão & iníinão. Efte tratado
trazia de ordinário no feyo : &
quando defpois dás graças fe jun-
tavão os Religiofos em converfa-
çaOjComo he coftume da Orde fo¬
bre jantar nos dias que o Prelado
dá licença , tirava delle , & lia al-
guas explicações tao engenhofas
de bem provadas, & juntamente
tao devotas, que todos os Padres
as e (limava o muyto: & quando
acaba vão de comer eftavão já cá
alvoroço efperando a lição, como
poítre de doce faborofo fobre me
fa. E elle as propunha banhado
em gofk),& a egria efpirituafque
dava certos ftnaes da grande fua-
vidade que a fua alma fe devia c5
municar do Cco no eftndo & co¬
te mpl ação do que eferevia. Ajun-
cavafe dtorvar com efte entreci-
mentopalavras ociofas, que pera
a arte do Arccbifpo era hum gra¬
de intercífe. Porque não fe pode
crer como era enemigo delias, ta¬
to de as fali ar , como de as ouvir.
E não fera fora de propofito refe¬
rir aqui o que nefta matéria con¬
tava o Doutor Bertolameu do Vai
le Arcediago de fonte Arcada dig
nidade na Sè de Braga. Affirmava
elle que doze annos contínuos vi¬
vera das portas adetro como Ar-
cebifpo em Braga,& em todos el-
les não cralébrado ouvirlhe hua
palavra ocioia. Porque feu perpe¬
tuo trato ou era de matérias de of
ficio ^
soverno.
c- *
ou de devacão
$
ôc efpiricuaes. Donde,quando fàl-
tárão outras provas, pudéramos
fòdefta inferir alta perfeição ne-
fte Santo, conformandonos com
hua repofta do Angélico Doutor
Santo Thomas, dada a quem lhe
pergun-
 Arcebifyo de Braga, Primas das Hefpanbas. / pt
perguntou como fe poderiaconhe bifpo, quando o vimos renunciar*
cerfeavia perfeyção em húapef- julgando que ftírâ facrificio mais
foa que era avida por efpiritual; meritório eliár fervindo* como
aqual foy,quequem em fuas pra¬ fervia de defpenfeyro fiel daqitel-
ticas admitiíTe leviadades, chocar- ías groíías tédas,que entregãd >a$
rices , & ociofidades, inda que a quem não avia de fer outro ftey
muy adiante eílivefle na virtudej Bertoíamai, acolheífe pera o de-
eftava longe de perfeyto. ferto.Más Deos mOitrou , & não
quiz târdar em o moftrar, que a
CAPITVLO XXV. doutrina de Bernardo era fanta,
& que o Árcebifpo fizera ã£lq
Evangélico & agradável a feus di¬
í)as efmollas que o Ãrcebifyó
vinos olhos. E ifto foy obrando
fa&ia no Conueto,Çfdaorde por elle húa maravilha cheya de
quenellas tinha: íj? dehtí maravilhas,que palTou delia rrsa-
ejlranho fuceJfo,que neyra. Tanto que o Árcebifpo íe
r/ejla matena lhe recolheo a Viana, tornou o feu ef-
aconteceo. moiler a cabo de poucos dias ao
Conuento,& entregouíhe qumhé
i
EmoS pera efcrevetf tos cruzados,que dizia lhe ficarão
hum cafo novo, & pro por galiar do que recebera pera
digiofo, & da memo- efmolias. Como era dinheyro que
ria de homés não ou¬ defdefeu principio fora dado pe¬
vido,que a meu juyzo baftàra pe¬ ra pobres, não quiz ó Árcebifpo
ra fazer illuftre eíla hiíloria, inda mudarlbe a natureza, nem aplicar
que outro não contáramos. São hú fò real dellcs a outra coufa, E
Bern.tr. Bernado efcrevendo a hú Abba- começou os íogo a defpender có
de rico feu amigo, que o era muy- todos os pobres, q corrião a elle,
tode remediar necefsitados, diz- comoafõte,onde a ágoaera certa
lhe que bem folga de o ver diílri- & limpa. & pera abranger a mui¬
buydorde fu a fazenda entre po¬ tos, & mu tos dias determinou
bres: mas que mais quizera veilo nãodar mais cada dia q tres cruza
fem fazenda & pobre. Edà por ra- dos.Eíles trazia da ceifa como aca
zãoque mayor preço tem largar bava de dizer Miífa, & aflétãdofe
fazenda & fer pobre por Chriito, em húa cadeyra travèífa do Coro
quedarmuytafazéda aos pobres direyto,que era o feu aífento ordi¬
de Chrifto.Lembrado fou que ou nário , d’aly os repartia por fu a
ve gente, que deu culpas ao Arce- mão. O mçdo que tinha em dar
era
 LmrolllL da vida de D, Fr, Bert.dosAfàrt,
eratioEavebporque em quanto da rem fofrerqiie as repoíkdas dos
va,os olhos eftavão no Ceo, & a muyto repúblicos, Sc pouco cari-
mao nas mãos do pobre:& de ne dofos. Os que faõ dcfpenfeiros do
nhua mancyra avia de olhar pera alheo,eftes cenbãoeílas confide-
o rofto de quem lhe pedia, ou re¬ » rações: que em tal caio faõ muy
cebia a efmolla, inda que foliem juítas. Mas também he razão que
homés, & muyto menos fe erão fe fação com os olhos no Ceo, co¬
molheres. Porventura feria pera mo fazia o Arcebifpo, & nao com
que com rtienos pejo cbegaífem refpeitos de carne & langue.O Ar
a eile todo genero de pobies: ou cebifpo dava do feu, podia dar,co¬
porfe não inclinar maisa hús, q mo dizem, a efmo, & a olhos fe¬
a outros: ou cambem por tirar â chados fem eleyçao. Tornando à
natureza híiappetite mao, que té hiftoria,foy pofefta ordem ga-
ainda fuarayz na primeyra culpa íf ando todos os dias atè contia de
do mudo,de lançar juyzos de que tres cruzados, não fendo nuca me
cada hum he polias aparências de nos. E ao que parecia não podia
fora.Muytos ha que reprefentão aver diinheiro pera feis mefes:por-
necefsidade , & paffaõ a vidafol- que era coufa fabida,que fazia tão
gadaméte. Ha outros que não faõ bem efmollas extraordinárias a
taó artiíiciofos,os quaes com gei- peíToas particulares & de mais ca
to de paliarem melhor padecem lidade, húas de dez cruzados, &
muyto. Quem folga de fer liberal outras de mais cõtia. Paliarão feis
có os pobres,fe dà do feu , não ha meles,& paílàrao oito,& a fua ef¬
miiler fer juyz das vidas de nin¬ molla continuava. Começarão os
guém rbafta que vay a efmolla por Padres aattenrar nilfo, procurà-
amor de Deos,& ainda que acon¬ rão entender fe encurtàra a mão.
teça errar no emprego da peíToa, Acharão que nem o Santo dava
â quem dà,núca erra em q dà por menos,nem pera tal podia aver Iu
I esv Chriíto. Que ha gente q gar: porque o numero dos pobres
hum real quedà vay tão envolto hia cada dia crecendo: que corria
em pezadas reprenfões contra o a fama, & davãofe rebate hús a
pobre, de que he faõ, & porque outros,como coítumao. Paliou
não trabalha, & coufas femelhan- luirn anno, Sc entrou outro, Sc a
tes,q já não he efmolla fenão pra¬ fonte não ceííava.Creceo a curio-
ga pera quem a recebe, & às ve¬ lidade, lançárãofe contas, chega¬
zes pera quem a dà. E daqui nace rão os frades a imaginar ou alíen-
que algus fe valem de deixar cre- tarquc lhe entrava dinheiro íe-
cer chagas'feyas, & antes as que¬ creto, Si que ferião reftos de divi*
das
 dlrcebiffo de Braga3 Primas das Hfjpanhas.
das do Arcebifpado. Qije das ca¬
ías grandes as migalhas fao rique¬
za pera as menores.Fizerão eiirei-
tas dtligsnciasr&pò Je íer que en¬
trava neílas algum cuydado, ou
ciumezinhodeo verem tão largo
com os pobres, Sc não acudir co
nada ao Convento,tardando a pé
fao de Roma, & correndo a demã
dá febre os fruytos vencidos: Sc
inquirirão apertadamente hum
conego, aquemo Arcebifpo dey-
xara o cargo de arrecadar o que
por alguãs partes fe ficara deven¬
do de contas atrazadas: fe trouxe¬
ra dinheyro. Refpondeo chãméte
que algus fobejos ouvera à mão,
mas que tudo fe defpendera em
pagar dividas a criados, 6c nem
hum fò real entrara em poder do
Arcebifpo. Então não ouve q fa¬
zer fe não com efpanto darem to¬
dos graças a Deos, pola Mina que
vião milagrofa: tanto mais digna
de caufar pafmos,quanto notavao
que hia correndo o fegíído anno,
6 c os pobres erão cada dia mais,
que acudião de todo o termo de
Viana Sc de mais longe,& chega-
vão a não caber no Coro : Sc por
pouco quedcffeacadahum, era
neceífario paífar de tres cruzados
o que aly deftribuhia cada dia.Fi-
nalmente a fonte manou ate fe cu
prirem dous annos com particu¬
lar obfervação dos Religiofos, Sc
do efmoller que avia fido do Ar¬
cebifpo , que fe achou por efte té-
\9 2
po no Convento : Sc todos anda-
vão fobre avifo, Sc notando com
cuydado o tempo & contiadaef-
molla , & o numero dos que a re-
cebião.Grande &foberano prodí¬
gio , em que podemos confiderar
tantos milagres quantos forãoos
dias,horas,& mométos,quc a cor
rente daquella moeda foy multi¬
plicando Sc continuando. E com
todos podemos aflentar que quiz
o Poderoíifsimo Deos íignificar q
aprovava Sc aífelava (como diífe-
mos no principio) a retirada de
feu fervo. Lançada bem a conta,
fem entrarem nella as efmollas
eftravagantes que confia qtiefo-
rao muytas, & fem coníintirmos
que paííaííe nenhum dia dos tres
cruzados, multiplicou tanto o pri¬
meiro depoíko, que paliou muito
de dous mil cruzados.São os nof-
* . ,4 i
fos Religiofos em géral pouco ami
gos de realçar com cores Sc ma¬
tizes de encarecimento as o;ran-
dezas da nofla Ordem,parecelhes
emprego de louvor proprio, que
todo bom entendimento aborre¬
ce : querem as glorias de boca Sc
lingoagem aíheya. Sendoeftehu
milagre tão provado ,& a olhos
viftos tão continuado,não fomen¬
te o não autenticarão , como fora
razão,nem o celebrarão; mas ou¬
ve algus que trabalharão polo re¬
duzir a meyos humanos. E ainda
que viao a verdade delle palpavel
na finceridade do fanto velho, Sc
dos
 Livro IIJL davida de D. Fr. Bert. dos ALart,
dos que avião fido feus miniftros,
& no grande numero dos pobres,
qao fe querião convencer:& qua-
do muyco, defpois q fe fintião de
todo vencidos , não fazião ruais
oue fufpender o entendimento.
Masferuio efta incredulidade pe¬
ra o Senhor acudir polia honra
de feu fervo, Sc com novos rrula-
ores calificar efte: & acabar de
defterrar dos ânimos defcõfiados
todo genero de duvida , como ve¬
remos no capitulo feguinte. E to¬
da via não poílo deyxar de culpar
de defcuydo os religiofos daquelle
tempo,em deyxarem paliar tama
nhas maravilhas fem as autoriza¬
rem com efcritos, Sc teftimunhos
jurídicos que forão hoje de muyta
eftima pera gloria de Deos, & de
feu Sãto. Mas paliemos aos novos
milagres.
CAPITVLO XXVI
De outros maramlhofos cafos,
que fuccederao ao jirce-
hijpo na mefma maté¬
ria de ej.mollas.
33m Aliarão os dous annos
da retirada do Arcebií
&
(m &
ca
po, Sc com elles teve-
>>
raofimos quinhentos
cruzados: ficou fem ter que dar
comaquella continuação que co-
ftumavaóc defejava. Porque o li-
tigio dos fruytos vencidos toda
via durava, & os pagamentos da
penfão (que também tardarão
muyto as letras delia) defpois que
começarão a correr, erão muy re¬
tardados & efpedaçados. Afsi quã
do via pobres, & fe via falto de os
poderconfolar, nao avia peraeile
mayor pena.Porque na fua imagi¬
nação cada pobre lhe reprefétava
a peífoa de Chrifto, lembrado do
que omefmo Senhor difíc. Quod MauA.
<vm ex bis minimis fecijlis, mi bi fe-
cifiis. E quando não tinha dinhey
ro davalhes lenços, toucadores,
toalhas,&outras peças de feu ufo,
que achava polia cella quaefquer
que foliem. E por dar cadadia
pouco ou muyco,& que folie com
detrimento feu,& tirando, como
dizem da boca(q efta he a melhor
parte da verdadeyra efmollajguar
dava infallivelmente aquelle feu
antigo coftume, em q tnuytas ve¬
zes temos fallado,de partir e par
tes iguaes tudo quãto lhe punhão
na mefa pera comer,Sc húa delias
avia de hir pera os pobres em no¬
me de IE S V Chrifto, que fem-
pre fazia conta,era feu convidado.
Efta partilha cra com licença do
Prelado,& naõ deyxou de a con¬
tinuar em quanto viveo Sc até a
hora de fua morte. Mas porq lhe
fora muy cuftofa i difpofição
tal paríimonia defpois que foy
cahindo em muyta velhice, por
fer homem grofto de membros,
 Arcebifpo de Bragat ¥ rim as das TTejbdnhds.
groíTo de mehros, que requeriao
fuílentação capiofa,ufava o Prela¬
do de caridade & cautella manda
dolhe acudir com tão fufficiente
porção, que com a cortar polo
meyo ficaíTe com alimento conve
niente. E era facil de enganar,
porque fua compoíição de roflo
8c olhos era de tanto eflremo, q
não podia dar fe das catidades q
fe punhão a feus vizinhos. E co¬
mo não cõhntia que na calidade
8 c numero das pitãçasfe lhe fizef-
fe diíFerença da Comunidade, tao
pouco a fofrera na cantidade, fe a
fua modeftia não dera azo ao pia-
dafo engano. Como lhe vinha al¬
gum dinheyro da penfaõ tomavâ
hu diâ dafemana pera ò hir êtregã
do aos feus acrèdores,q acudiaõ a
elle não como a pedir,fe naÕ a exe
cutar,& elle como devedor que
folga defe defindividar , eftava
cheyo de alegria, porque tinha co
que pagar, efperando que chegaf-
fem aífentado defpois de Miíía na
fua cadeira, como temos dito .Mas
aconteceo que tendo dado hum
dia tudo quanto de prefente tinha,
de forte q fe não vinha novo pro*
vimétode fòra,não avia remedio
de fatisfazer aos acredores: quãdo
•veyoo outro dia foife defpois de
MiíTa ao feu lugar do Çoro,& poz
fe é oração como era coftumado.
Daly fintia cruzar muytos pobres
pola Igreja, 8c aígús chegarem à
porta do Coto, 8c fazcré fuapeti-
\p$
çãoraqual ouvida lhe feria o cora¬
ção cõ magoa,de ver que de força
fe avião de hir defcõfoladcs, & q
não podia fermenos.Bé he de crer
que feria nefte paífo fua oração ef~
ficaz 8c fervorofa oíferecendo a
Deos em facrificio os bõs defejos
8c aimpofsibilidade. Nãopermi-
tio o pay de mifericordias,&Deos
de todaconfolação, q fícaífe nefta
ocaíião defconfolado o feu fervo
cõ mãdaros pobres maldefpacha
dos:&cupriofe aqui oq diííeoPro
feta. Defiderium pauperum exaudi- P/y»
<vit Domtnus, pr<cparationem cordis
eorum audiuit auris tua. Como fe
diífera. Acode Deos aos pobres i
medida de feus defejos , & atèos
penfamétos lhes ãtecipa, 8c enca¬
minha pera fabere pedir&aleãfar.
Acertarão a chegar muitos jútos à
porta do Coro (devião cuydarq
não dava o Sãto fè delles) pedirão
em voz alta por amor de Deos.Ef
pertou o Sãto da oração como cõ
íbbrefalto : 8c polo coftume de
quãdo tinha q dar,lançou de pref
famãoa outra cadeyra ao lugar
õde punhaodinheiro.Coufa mara
vilhofartudofoy hu, laçara mão,
& lébrarfe que não avia aly a que
ne pera que:& topar cõ dinheyro,
8 coq he mais de efpãcar, copia de
dinheyro. Tanto que.tocou nelíe
ficou maravilhado & fufpéfonão
fe determinando no quefaria:por-
que fabia & eíiava certo que na-
quelle dia não trouxera nem pofe
Kk ra
V Livro 111L da vida de D. Fr. Bert.dos Aíart.
ra aly dinheiro algum, nem elleo
tinha pera o trazer : & do dia
atraznâo fobejaranada, porque
avião acudido tantos à efmolla, q
mais defpendera fe mais tevera.
Nefta indeterminação parecen-
doihe que não podia dar o que de
certo fabia que não era feu , man¬
dou chamar algús Padres, com-
municdulhes o cafo & o efcrupu¬
lo. Virão o dinheiro. Affirmouq
nem o trouxera,nem o tinha pera
o poder trazer,inda que bem qui-
zera. O lugar não permittia cuy-
daríè,que podia ninguém perder
nelle dinheiro,& junto,& agranel
como efiava,& tanta contia. Re-
foívèrão que podia' dar affouta-
mente : que foy pera elle gloria &
contentamento íem par. Inda ne-
fie calo não faltarão juyzos incré¬
dulos que difcorriao, que algum
devoto do Arcebi/po de muytos
que avia na villâ ricos & hórados
poderia mandar lançar aíy aqttel-
ie dinheiro pera cõíohção do San
torcomo fe fora diíficultolo áquel
le Senhor,que o fuftentou cõ vin¬
te companheiros num deíèrro c6
hum pão,& dous ovos,& hu pei-
xe,de maneira que ficarão abada¬
dos & ouvefobejosrque Iheacre-
centou o pão nos fileiros, como
deixamos contado, & lhe dobrou
na arca tantas vezcs os quinhétos
cruzadosifazerlhe nacer na cadei¬
ra muytos milhares de moeda.
Efta pouca fè de algús poucos
quiz Deos ainda curar com obrar
a mefma maravilha à face & o-
Ihos de todos outras duas vezes
polo tempo a diante,& no mefmo
lugar.De forte que ficou apagada
nos ânimos mais incrédulos toda
a duvida, louvado Sc engrandeci¬
do o poder Divino, acreditada a
Virtude Sc caridade do Santo. E
não fazemos relação do tempo,&
occafião,& das circúftancias que
ouve no fegundo Sc terceiro fu-
ceíTo, porque como na fuftancia
fe nao diíferençárão do primeiro,
fogimos de fazer leitura dilatada
deíneceílariamente ; Sc paliare¬
mos; a outros cafos, que acredi¬
tando os palíados fizerão julgar
o Arcebifpo por dignifsimo dos
favores que recebia do Senhor,
CAPITVLO XXVII.
JDa repojía que deu a quem lhe
perguntou comofeachaua
na Religião:^ de bua
notauel efmolla
quefeZ). >
aas
ííítavão ao Arcebifpo
muytos fidalgos, & ou
m et
tras peífoas de calida-
mm
a lâi
wmmm de, afsi Ecclefiafticas,
como feculares,ievadas do refplã
dor de húa obra tão levantada fo-
bre as ordinárias, como foy aquel-
la fanta fogida do Eítado,do fenho
rio
 jtrcebifyo de Braga, Vrimas das Hefpanhas.
rio,da dignidade Sc rendas, acre-
centadas, em tempo que nenhua
coufa mais efiimavão os homés.
Olhavao pera elle com efpanto,
comofe virão hum S.Ieronimo e
Belem ou S. Macario no hermo.
Então crião a eroyca conftancia
com que tinhão ouvido Tem opo-
der crer , que engeytavaa mitra
quãdo lha davao: 6c com que def-
pois de acey tada à força, traba¬
lhou pola largar em todas as oca-
íioés , que fe ihe offerecerão. Paf-
mavão da pobreza que vião no
veftido , na cama & em toda a
cellaa hu Arcebifpo Primas, fe-
mhor tantos annos de tão groílas
rendas. E tanto mais ficavão atco
nítos, quanto pergutando hu del-
les ao Prelado fe trouxera muyta
riqueza pera o Convento, de pra¬
ta, tapeçarias, & recamara,de que
he ordinário eftaré recheadas as
cafasdetão grandes perfonagés,
refpondeo que por vinte mil reis
daria tudo quanto o Arcebifpo
trouxera coníigo,& q não faltava
peça de quanto poífuhia em Bra¬
ga. Mas não fe edi ficavão menos
das palavras que lhe ouvião,doq
os eípantava o que vião. Pergun-
toulhe hum fidalgo como fe acha¬
va defpois que fe tornara a encer¬
rar naqueíies datiftros, refpondeo
com rofto alegre. Achome como
negro forro, a quem tirarão hfía
braga muito pezada,que arraftoa
yintequatro annos cõ grande tra-
*9+
balho 8c grande defconfoíação» E
acrecentôu. Hora defensanefeo
mundo (oc crcaome como a cx<*
J / o ^ ®
primentado & acutiladoj que o q
íà chamão dignidades 6c cargos
honrofos , não tem mais de feu q
aquellas vi fias Sc reprefencações
de Mageftade, q tudo o mais faõ
perpetuas ocupações,&cuydados
Sc os mais delles muy penofos. E
o que he pior carregão a concien-
cia com montes de efcmpuIos,&
poéem rifcoafalvaçãofem mais
prémio muitas vezes que hum le¬
treiro pompofo 8c vão pera os of-
fos fecos da fepultura.Por iíTo dou
infinitas graças a Noífo Senhor q
me livrou de hum mar fempre al¬
terado, fempre tormentofo, & me
trouxe a efie porto de quietação*
onde me parece que jà começo a
lograr os bés da gloria.Eftão logo
em muyta pena, replicou outro*
todos os pobres do Arcebifpado,
Sc muyta outra gente,que depen¬
dia do emparo, 6c abrigo de Vof-
fa Senhoria, que jà começa a fin-
tir fua auzencia , Sc todos cho¬
rão. A ifto acndio o Arcebifpo
cõ moyta humildade, 8c diífe.Bê
pouco íizo fora o meu, & dema-
fiada foberba, fe não cuydara de
meu fucceiror,que avia de acudic
a feu officio com muito mais cuy«
dado Sc vigilância,doque cu fou-
be fazer. Poderofo he Deos pera
levãtar das pedras filhos de Abra
hao: quero dizer, pera dar à Jgte-
Kk z jade
 Liuro Jlll da vida de D. Fr. BertJos Mart.
fa- de Braga Prelados que a gover¬ zeífe conta que elíe a cafava. Pou¬
nem (como lhe deu muytos em co bailava pera mover o Arcebif-
tempos atraz) com mais proveito po a íemeihantes obras: mas to-
das ovelhas, & melhor exêplo de mavao em tempo que nem era fe¬
vida,do que eu fiz, pofto que tra¬ ri hor de dinheiro baílante pera ef
balhei quanto pude por acertar, molla crecida como efta, nem o
& fazer o que devia. Afsi dizia o efperava tao cedo.Foy cuy dando
fanto velho, avaliandofe em íua que poderia fazer pera não perder
imaginação em muito menos pre o lanço de remediar a oríã, 8c cÕ-
ço do que eífas palavras foavão. folar a mãy,q não ceifava de o im
Mas ainda aly naquelle canto,on¬ portiunar, & amefquinharfe. Em
de parecia que eítava apagada ou fim mandou* he que à boca da noi
efeondida a tocha de íuas virtu¬ te fe achaífe aopè da janella da fua
des , fazia obras tão illuftres que cella^quealgiiapeça lhe bufearia
davao luz a toda fua vida paífada. pera ajuda do enxoval ,& enfor¬
Em todas as q eílima a Religião mou a bé do lugar aonde avia de
eraeílremado,mas nas de carida¬ hir piera fe não errarem. Tanto q
de a fy meímo fe excedia com hú forãodítas Vefperas 8c Comple¬
efpirito tao abrazado nelía, que tas recolheofe na cella a dar orde
podia pegar fogo ao mundo todo: ao cumprimento do concerto.Fe-
Sc diremos brevemente aiguas choufe por détro, dobrou a cama
mais notáveis. Fora hum Domin¬ inteira em que dormia, & fem dei¬
go pregar, como coílumava, a hú xar peça de fora liou a apertada¬
lugar do termo, 8c vinhafe reco¬ mente. Anoiteceo,pozfe em vigia
lhendo pera o Convento: encon¬ efper;ando(digamo o aísijpola fua
trou polo caminho muytos po¬ Thyísbe,ou Hero, por cujos amo-Onid.lt
bres,que o efperàvão em paradas® res ife apercebião
r n
fetenta annos pe
• r l i - Mufosas
Defpoís quecíefpendeooque tra¬ ra dormir aquella noite lobre hua Gr^
ria (que quando tinha com que, taboa núa,&pera lograr tal mimo
(empre fahia provido pera eíles andava naquelles furtos 8c cautel-
aífaltosj não no largava hua po¬ Ias.Não foy deícnydada a boa ve¬
bre velha amõtoando lalfimas, 8c lha , que de longe, 8c muy to an¬
dizendo que tinha concertada pe¬ tes da hora aprazada, eftava com
ra cafar húa filha orfam, 8c que olhos de Lynce na janelía,& tan¬
à mingoa de húa pobre camazi- to q reconheceo o Àrcebifpo nel-
nha deixava deeftar emparada; Ia,& vio o tépo acomodado pera
que por amor de Deos lhe dèíle o negocio ter o fegredo encoméda
ainda pera ella, & fe lha dava* fi- do,chegoufe aopè da janela(q ain
da
 Arcebifpo de Braga, Frimàs das Hejbanhas.
da então não era o Convento cer¬
cado ) Ôc feiro finai recebeo a
trouxa que o Arcebifpo ihe lan¬
çou. Levou a pobre mais do que
efperava, deu o Arcebifpo tudo o
q poííuhia: ella foi rica, elie ficou
fem ter cò q fe cobrir.£ cora tudo
não ha duvida que no goftodo
fur to ficou o Arcebifpo com acata
. ^ * O
des avencagés, & tanto raais cre-
cidas quanto fe via ficar mais po¬
bre. E afsi creyo que dormio ef-
fa noyte a fonho foito, Sc a todo
feu fabor:& que lhe pagaria Deos
o fono que o canfaço da prega¬
ção & do caminho,&a taboa du¬
ra lhe tiravão, em altas Sc cele-
ftiaes confolacóes, que efte he o
fono que elle fabe dar aosfeus a-
mados mais deliciofo, que todos
os da terra, E o Arcebifpo pro¬
curou não no perder em muytos
dias tendo cuydado de eftar fe¬
chado de contino por dentro, Sc
quando era bufeado d alguém,
ferrar primeiro a janella, ou fa-
hir anegocear fora da cella. Atè
que o Senhor foy fervido que não
ficaíTe em íilencio obra tão eroy-
ca, nem feu fervo padeceífe tan¬
to: rompendofe por parte da ve¬
lha, que fe gabou a fuas vizinhas
da efmolla, Sc publicou os meyos
delia, Sc dahi fe divulgou por co¬
da a terra. Por maneira que quan
do chegou ao Prelado Si Reii-
giofos que o Arcebifpo dormia
fem cama , andava ja a hiftoria
l9T
entre os moradores da vilíamuy
celebrada:& refirindoa hum dei-
les em certo propofico no Con¬
vento, como coufa que os Padres
nãopodião ignorar: então cahi-
rão na conta da razão que avia
pera o Arcebifpo andar naqucl-
les dias tao fechado de porta Sc
janella que a todos dava em que
cuydar. E o Prelado por fe cer¬
tificar entrou hum dia com el~
íe de fupito , fem lhe dar tempo
de-fe prevenir: & vendo a barra
nua,diflelhe com difsimulação.
Que he iíio fenhor ? Mandou
voíía fenhoria aífoalhar a cama?
Ofanto velho por fallar verdade,
Sc refponder em forma a feu Pre¬
lado, diíTc com grande humilda¬
de, palavras formaes. Húa velha
pobre me tirou de meu fincido,
& levou a roupa que ahí eftava,
parece que era fua, pois delia ti¬
nha necefsidade: & eu, Padre nof
fo , poífoa mayto bem efcuíar,
que afsi durmo melhor, & pera
mim ifto bafia. O Prelado polo
não defconfolar mudou o pro-
poíito, & logo à tarde mandou
prover outra cama. Então fe vio,
que como ao taful não falta nun¬
ca dinheiro pera desbaratar ju-
gando:afsi he impofsivel poder
faltar ao verdadeiro efmollcrcõ
que focorrer os pobres. Potq não
pode fer melhor roefira de inven¬
ções a necifsidade ou apetite mao
• pcraomaírdo que he engenhofa
Kk 3 a per-
 LiuroIIIL davida de D. Fr.Bert.dosMart.
a perfeita caridade pera o bem: a
qual quando o mundo lhe falte,
tem por fy a Deos, que eftima ta¬
co qualquer pequeno ferviço que
lhe fazemos nos feus pobres, que
alem de o pagar a cento por hum
como eftà efcrito, acode com fua
omnipotência a acreditar os cari-
dofos, como vimos nas multipli¬
cações que deixamos contadas,
em tantas coufas & tantas vezes.
Afsi à vifta defta impetuofa en¬
chente de caridade, os mefmos q
dantes querião achar meyos na-
turaes pera os prodígios referidos
fe repreqdião, & condenavao feu
fluyzo: & fazendo comparaçáo da
meya capa de S. Martinho,com a
cama inteira do Arcebifpo: a leve
falta da capa, com a muy cuftofa
da cama: hua publica,& cheya de
honra, a outra fecreta & cheya de
humildade, jà não tinbão por de¬
ra a íi a todas as maravilhas q por
dle obraífe o Ceo.
CAPITVLO XXVIII.
Liura milagrofamente da mor¬
te hum pobre homem.Contao-
fe algus effeitos notaueis de
fua oraçao }& da de-
evaçao que lhe ti¬
nha o povo.
plSflS A s o foy muy pubfi-
co em Viana, conta-
p||i por todos os mo-
radores da viila 8c co¬
marca, 8c portodos celebrado o
que agora eícreveremos; 8c que
logcfe divulgou polío reyno com
grarde gloria de Deos,& admira¬
ção do muy to que faz por quem
fabe deyxar tudo por elle. Cele¬
brava o Arcebifpo hú dia polia
manha cedo. Entrando no pri-
meyroMemento foy tamanha a
detença que fez, que ominiftro
vendo que paífava muyto de feu
coííume lhe fez fnal drandolhe
polia vertimenta. Efpertou o San-*
to fegundo parecer de quem o a-
judava: & foy procedendo com
outro termo mais defacoftuma-
do nelle,que foy abreviar notável
mete 0 q reftava da MiíTa, 8c fem
fazer nenhum modo de detença
na facriftia, nem noutra parte fe
recoilheo pera a cella.-ccufa tão
nova no Arcebifpo que todos a
notarão. Chamou logoaFrutuo-
fo Fernãdes,que dos dous familia¬
res,que cõíigo tinha,era o media-
neyro de fuas efmollas fecretas,&
metendolhe na mão hua boa can
tidade de dinheyro nomeoulhe
rua 8c lugar certo, onde acharia
hum homé jà entrado em dias,no
geicoõt trajo trabalhador do cã-
po, que hia fayndo pera fora da
viila levava húa corda debay-
xo dobraço:ao qual daria o dínbei
ro
 Arcebifyo de Braga3 Primas das Hefpanhas,
ro,& tomaria em troco acorda
Sc lhe diria daparce de Deos, que
fe tornaífe pera cafa, &bufcaífc
remedio a feus filhos, Sc não de-
fefperaíTe da mifericordia Divina.
Eencomendoulhe que foíTe cor¬
rendo que avia perigo na tardãça.
Não foy vagarofo Frutuofo Fer-
nandes polo que ficou colíigindo
do negocio. Chegando ao lugar
deu de rofto com o homé, que lo¬
go conheceo polos finais que le¬
vava. E aprimeyra coufa q fez foy
meterlbe o dinheyro nas mãos,
Sc com elle alento, efperança,a-
legríaSc vida, que tudo levava jà
perdido: Sc facilmente operfua-
dio alargar acorda, & todos os
danados penfamentos. Qjue alem
da força que o dinheyro tem com
os cobiçofos, nefte por fahir da
mão dofanto Arcebifpo podemos
cuydar que levava outra fecreta
Sc mais alta virtude pera reftituir
aquella alma defefperada ao cria¬
dor. Porque a dilação do Memen-
to, quando o miniftro cuydon que
avia mifter efpertado, bé fe deyxa
entender que devia fer requeri¬
mento Sc inftancia que o Santo fa¬
zia ao Rey da gloria que queria
confagrar, revelandolhe naquelíe
ponto fua Divina Mageftade o
eftado miferavei do pobre homé.
Defpois que Frutuofo Fernandes
o teve animado & quieto, foube
delle que lhe tinhão defaparecido
muytos dias avia dous boys,vnico
196
remedio de fua vida: porque com
elles o ganhava pera húa pobre ca
fa cheya de filhinhos: que fizera
todas as diligencias que ie podiao
fazer fem ntinca achar nova del-
les,& quando afsi fe vira fe fora
a quem remediava a todos,que era
o Arcebifpo; Sc ou foíTe efiar o
Arcebifpo então fem dinheyro,
ou não crer fua neceísidade, ou
fua mofina, emfim inda que lhe
acudira com efmolla,não lhe dera
remedio.Por onde fe determinara
bnfcar o dos trifies com o peque¬
no curto d aquella corda que lhe
tirara das mãos, tendo por me¬
lhor partido acabar de hua vez a
vida cãfada, que ouviras laftimas
damolher Sc dos filhinhos, que
lha tiravao muytas vezes a cada
momento. Hum cafo femelhante M frey
aefte fe efcreve nas Crónicas da Fraajco
Ordem de São Domingos da pro Biago /.
vinciade Aragão acontecido a fr.
Ioão Mico,que nella fíore ceo com
raro valor. Mas por outras rrmy-
tasvias Sc modos honrava o Se- |
nhor & fazia eftimar a virtude de
feu fervo. He coufa certa, Sc que
foy vifta muytas vezes , Sc por
muytas Sc differentes peífoas no¬
tada que hiao Arcebifpo pera o
Morteyro de São Saluador da tor¬
re, que hora be quinta dos noífos
Religiofos, como acraz fica ditor
Sc navegando no arriba acontecia
cubriríeoCeodenuvés negras Sc
gròíías com ameaças de grande
ínver-
 Livro IIII, davidade D.Fr. Bert, dos Aíart.
•invernada:&o Sãto como notava
odefgofto 3c temor dos compa-
nhcyros levantava com deva cão
os olhos & coração ao Ceo:& lo¬
go viao todos, que desfazendofe
os Ceos em agoa de húa & outra
parte do rio, cerrado tudo de efcu-
ridade, fò no íitio que tomava o
barco não avia final de chuva, 3c
caminhavão como metidos debay
xo de hú feguro toldo,toldo fabri¬
cado polo poder Divino. Efte mi-
lagre fabemos que fucedeo algfias
Vezes a noífo Patriarca gloriofo S.
Domingos. E rezão era veréfe no
filho as maravilhas do pay, pois
fevia nelie tanto de fuas virtudes.
Fazia o Arcebifpo muytas vezes
efte caminho, porque achava par¬
ticular graça no íitio deS. Salva¬
dor pera o exercício de fuas con¬
templações. He íituada a caía em
lugar eminente , & nomais alto
delia tem húa pequena varanda
que por húa parte defcobre ao iõ-
ge ferras 3c montes que fe vão âs
nuves, por outra varzeas 3c cam¬
pos eftendidos. A efta fe fobia, 3c
nella fazia fua morada amor parte
do dia: apacenrava os olhos na va
liedade daquella profpediva, 3c
detudo o que aparecia tomava
motivos de apregoar louvores do
Criador, 3c convidar a elles todas
as criaturas. Outrasvezes enleva¬
do na faudade que fazem as mon¬
tanhas & ferranias viftas ao longe
que parece fe juntao com as eftrel-
las,&levão trazíi o efpirito,tinha
com os motes devotos colloquios
como abrazandofe em aníias de
fobircom elles: logo voava com
os penfamentos ao mais alto do
Ceo einpyreo,&com fofpiros fe-
guidos de muytas lagrimas fea-
prefenrava diante da Divina Ma-
geftade dizendo com S. Paulo c«-
pio dijjòhiyet ejfe cum Cknfío. AíTi
defabafava, 3c ncando como def-
mayado,& arrebatado em alta cÕ
cemplação gozava nefte pofto de
grandes coníolações do efpirito.
Mas eftas confolações,& os íetiti-
mentos que cada hora alcançava
do Ceo) lhe hião criando hum grã
de ahorreciméto da vida, 3c amor
abrazado da eternidade. Beíòrte
que em tudo o q fazia & dizia fé
lhe enxergava,que já não erao oa
tros feus defejos,& os reqnerimé-
tos que trazia com Deos,fenão fa-
hir das prizões da carne.E jà fe ti¬
nha tarcnbé porpronoftico de aver
de durar ponco nella, o grande e-
ftremo de affeição,com que nefte
tempo era vifítado & bufeado de
toda a gente em gèral de Viana, qj
parece fe affinava mais em o a-
rrjar,& fe excedia a fy mefma jun
to do fim.Porque avendo mais de
feis annos q refidia naquelle Con¬
vento tinto de aflento, q o tinhão
os horaes por feu natural, 3c o
vião catadia: cõ tudo todas as ve¬
zes que acertava a tomar a capa,
&pafíír polavilla, quando em¬
barcava
 Arcehifyo de B ragat Frimai das Hefpanhas*
barcava pera S. Salvador, des que
fahiado Convento atè entrar no
barco era coufa maravilhofa o nu-
mero de gente que concorria a el-
le,homés, molheres, &c mininos,
&todoslhe hião tomar a bênção
com tanta preífa quehús aos ou¬
tros fe atropellavão,& com tal ve¬
neração Sc devação o vião Sc aco-
panhavão, como fe nunca o teve-
rao vifto fe não então, ou fe cuy-
dàrãoq o não avião de vermais.
Quando tornava da quinta, che¬
gava ao Cõvento co mefmo triu-
fo,porque em defembarcando iera
q alvoroço do povo, & a fefta que
lhe fazião tal, que polo rumor q
o tropel da gente caufava polias
ruas, entendião as donzellas Sc
macronas nobres no encerramen¬
to mais interior de fuas cafas, que
paliava o Arcebifpo, & com gra¬
de cõtétamento acudião às janel-
lasa vello. Acrecentavafe eílea-
mor & devação com agrande fè
que tinhão em fuas orações Sc fa-
crificios confirmada.com experié-
ciasdomuyto que lhe valião nas
doenças Sc trabalhos. Do que na-
cia acudirem à fua Miíía irmytos
doentes de varias enfermidades?
hús pera receber Tua bênção, ou¬
tros pera lhe pedir hú Evangelho,
ou o final da Cruz íobre acabeça.
E ainda que no principio fe lhe
fazia muy eftranho bufcaremno
pera ifto,como verdadeyro humil
de; Sc defpedia a todos fecamente
19?
Sc algus com efquivàn^a dizendo.
Pera que he faudef Pedi antes a
Deos,que vos de nefte mudo muy
tas dores Sc cáftigos: Sc là na ou¬
tra vida nem hua fò hora de Pur¬
gatório. Com tudo os enfermos
continuavao Sc crecião em nume¬
ro, Sc quando fe recolhia pera a
facriftia atraveíTavãofelhe diante,
cercavãono,punhãofe de joelhos,
Sc algús com lagrimas importu-
navãono que os não mãdaííe de£
confolados:& afsi o vierão pouco
a pouco a render de maneyra que
jà o não eftranhava. E como com
as efmollas temporaes focorria
aos pobres em fuas necifsidades,
afsi fe compadecia da afflição dos
doentes, pedindo & alcançando-
lhes remedio com fuas orações,
Sc não duvidava fatisfazer a todos
os que fe chegavão a elle. Coftu-
mava a celebrar no altar mòr. Ef-
peravãono os enfermos abaixo
dos degraos poftos em fileira, Sc
de joelhos lhe tomavao a bênção,
Sc beijavão as veftiduras fagra-
das. Elle os recebia com affabili-
dade eílimando a fé com que buf
cavão o falutifero final da Cruz de
que era devotifsimo: &.poriíTo
quiz que teveífe efta vocação o
Convento .Muytos tornavao com
faude,& todos com alivio, Sc taes
novas davao pola terra, que os q
não podião hir ao Convento ti¬
nhão por grande favor alcançarç
húa fatia de pão, ou hú pouco de
vinha
 Viuyo IIII. da vida de D. Fr. Bert.dosAFart.
vinho da parte quefeparava na der contra afebre Sc alterações
mefa pera os pobres, Sc achavão do corpo humano, cambe era de
que por merecimentos do Santo crer que a rcria contra os ventos,
comunicava Deos virtude a eftas Sc tempeftades,que faõ a febre Sc
coufas,pera a terem muy efficaz defcompofições deite grande cor¬
& provada contra todo genero de po Sc maquina elemétar.He cofta
mal Sc enfermidade. brava toda a Occidétal deílerey-
noatè Galiza, Sc muy perigofa;&
CAPITVLO XXIX a falta que padece de bõs portos
a faz mais de temer. Como .fe le-

JDa grande fe que os moradores vantão ventos travefsias , que faõ

muyto ordinários nella, corre rií-
deVtanatinhão nas oraçoesdo
co não íò os navios que fe achão
d.rcebifpo3quando ama peri¬
fobre a cofta,mas também os que
gos nomar:Fj? de doas par eftao furtos dentro das barras, Sc
úculares em que fe va¬ rios.O mefmo acontece neíla pa¬
ler a o delias 3Çf al ragem de Viana* A barra efíreifo
cançdrao re¬ Sc defabrigada, Sc hum baixo pe-
me dio. rigofo que ha na entrada tem fem
pre em cuydado & temor os ma-'
•J. | Mvyía devaçao q reantes. Mas vierãono a perder
i Gí
todo o povo de Viana nefte tempo era virtude do Arce-
«0
tinha com ofeu Arce- bifpo. Em apontando navio que
•3 ti

bifpo, q efte nome lhe demandaífe a barra, fe corria tor-

compete a meu parecer daqui em raenta„voavão em bandos ao Go¬
diante,mais que noíío,& a firme¬ verno molheres Sc filhos Sc pare¬
za defè com que fe encomédavao ces dos que fofpeitavão que o na¬
em luas fantas orações era tao vi¬ vio lhes tocava ou polia marinha¬
va Sc afíervorada, q nao he de ef- gem,ou polias fazendas Sc carga,
pantar fazere delias comofaziao* a pedir ao Arcebifpo fizeífe ora¬
Mârc. o que os Gregos chamarão, Pan- ção por elle, Sc pollo menos che-
Tit’l.or. chreítorquero dizer hum medica- gaíTe a húa janella & lançaífc fua
ô.mver. mento univerfal contra todos os bênção fobre o mar:& como hião
trabalhos & necefsidades. Eera affligidos & o perigo apertava pe-
acertada a conta. Porque os vali¬ diãolhe focorro em altas vozes. O
dos dos Reys não o faõ ío pera ca Santo cheyo de caridade Sc obri¬
fos Sc coufas particulares : Sc qué gado da fè que enxergava naquel¬
o era tanto de Deos,que tinha po¬ as inftanciás, em ouvindo a grita
fe lan»
 Arcebifto de B raga3 Primas das Hefvdnhas.
felançava de joelhos em terra on-
de quer que fe achava:(o mais or¬
dinário era hirfe a Igrejaj 8c com
a fua coftumada devaçao rezava a
Antifòna de Noíía Senhora Sub
tuúprafidium kfc.Sc dahi fobia ao
dormicorio,8c chegando a húaja
nella fazia com grande fèo final
da Cruz contra o mar. Era coufa
prodigiofa,que em acabando de
o formar no ar, obedeciãoo mar
8c os ventos iqnella reprefenta-
ção do que fòy meyo de nolía re¬
denção, 8c era tão fubica a mudã-
ça que não avia quem duvidaífe
fer coufa extraordinária 8c palpa¬
velmente poder celeítial. Eafsi o
affirmavão defpois os q vinhão
no mar, a Oeos mifericordia, com
a morte bebida em medos: 8c o
confeífavão os q de terra os cho-
ravaojà por comidos das ondas.
Aconcecia muytas vezes vire co
eítes clamores a horas,que o Saco
eftava na mefa: mas a qualqner q
foíTe,como era ajudar o proximo
com o que podia , deixava o co¬
mer , levantavafe, 8c caminhava
pera a Igreja. Aconteceo hum dia
acharemfe algús barcos de pefca-
dores ao mar. Levãcoufe a travef-
íia tão repentinamente, qne antes
de fe podere recolher era torméca
desfeyta, & ainda que vinhão em
popa demandar o rio, erao os ma¬
res tão groíTos 8c tanta a força do
vento,que defconfiados de pode¬
rem atinar eom elle fe davãopor
i
perdidos. Eítavao as molheres 8c
filhos de terra vendo o perigo, &
em fuas almas correndo a mefma
tormenta.Crecia o tempo,& a paf
fos iguaes o medo 8c defcfpera-
çao. Defemparao a praya, correra
ao Convento, 8c voz em grita pu-
blicao o perigo, pedem foccorro,
amifquinhaofe, carpéíe. Compa-
deceofe o Santo, foyfe proítrar
diante do Santifsimo Sacraméto,
8 c chamando todos os Santos do
Ceoem fua ajuda por meyo de
hualedaynha q devotamente re¬
zou,foy NoíTo Senhor fervido, q
repentinamente começou a abran
dar o vento, 8c abonançou o mar,
de maneira que os barcos fe reco¬
lherão fem difficuldade:mas com
geral eípanto dos q nelles vinhão*
8 c de toda a terra de verem tanto
â deshoras tornar em calma húa
furia de tempo defefperado, que
quafi nunca começa por pouco.
Deites cafos acontecião tantos, q
fe tinhão por coufa ordinaria 8c
quotidjanaj&como erão todos de
perigos do mar,& pola mefma ra
zão quafi femelhantes , ficarão fò
cm lembrança as particularidades
do que acabamos deefcrever,&
do que agora diremos. Durava
avia grandes horas húa defenfrea*
da tempeftade.O mar andava em
ferras 8c montes, 8c com tal bra*
veza vinha quebrar em terra,que
parecia quererem mar & veto fo-
vertella. Ià tinhão lançado dous
> navios
 Límtõ IIII. da vida de D. Fr. But.dos Aíart.
navios fobre o bayxo da barra
femlhes valer manha nem dili-
gécia pera fe poderem deíviar, 8c
à vifta do povo q cobria as prayas
laftimada do rriííc efpeótacnlofo-
rao num momento desfeitos das
ondas, como fe forão de vidro el-
Ies,ellas de ferro. Mas novo peri¬
go arrebatou os olhos de todos
a outra parte. Defcubriofe ao lon¬
ge bua vela,que logo pareceo que
demãdava o rio:& quaíi tudo foy
hua coufa,apontar, 8c eftar fobre
a barra, tal era a força do vento.
Aifentàrão os da terra que não
podia efcapar, porque fem reme-
dio conforme ao tempo iria fobre
os baixos. E como o tinhao por
averiguado acudirão rouytos pef-
cadores c6 diligencia a lançar bar
cos à agoa pera faivarem as vidas
dos que jà choravão porperdidos.
Era grande a grita 8c as vozes co-
fufas por toda a praya dos que en
travão nos barcos, 8c dos que os
iticitavaõ,& animavaõ, ajudavao
molheres, 8c mininos com alari-
dos a confufaõ , 8c nacia de tudo
humeftrondo temerofo, que re¬
tumbava no mofteiro, & obrigou
o Arcebiípo a abrir hua janella 8c
querer entender o que feria. Sedo
vifto debayxo, bradàraólhe que
encomendaíTe a Deos aquelíes po
bres que fe vinhaõ perder como
logo veria. Recolheofe apreflada-
mente,pozfe em oraçaÔ, fegundo
feu coíiumeJ& logo moftrou o ef>
feito quam efficâz &c quao devo¬
ta fora: porque com toda aquella
furia de tormenta, a que os dous
navios naó puderaõ reíiftir, en¬
trou efle com tanta facilidade, co¬
mo fe viera com vento galerno &
mar bonança.Foy grande o efpaa
to & igual a alegria:porq ao gofto
de o verem em falvo, fe ajantoa
outro, que foy faberfe era a carga
trigo d<e que a terra eftava necefsi-
tada.E afsi fe deu toda por obriga
da de novo ao Arcebiípo , a cujas
orações referiaõ Sc ficavaõ deve-
do as vidas dos hofpedes,& opro
vimento proprio,
CAPITVLO XXX.
Em quefeda conta dos grandes
âefejos que o Arcebifyo tinha
de morrer antes da renticia»
çdodoArcehiJpádoifjf do
creameto que teuerao
Jejfoisq renucíou-
éf[erecoíheo.
E a morte pera os iu-
I íli U c a, trabalhos,
ftos fim de
principio de alegrias,
Mík verão florido defpois
de triflc inuerno , porto feguro
apoz tépeflade temerofa: ganho
8c intereífe lhe chama S. Paulo: M PH
galardão da vida lhe chamava S„ fyp-1’
Caterina de Sena.E como nelía íf le"'
eíperaoos Santos yaíe knhores B Uf.
de
 ArcebifyodeB raga3 P rtma sdds 1-JefpanhdS*
dos thefôuros da eternidade a
cjue afpirão, a cudo o da terra dão
de mão,5c coda inteira lhes pare*
cecouía indigna de hú emprego
de olhos, quanto mais de affeição
dalma. Que na verdade quem
muyto fe paga dos goítos da
terra, inda não fahe o que efpe-
rado Ceo : que fe bum fò ponto
pudéramos alcançar doquelàfe
goza, pouco era andar perdidos
cento & ímcoenta annos traz o
canto fuave do paffarinho, como
aconteceo ao outro monge fantoí
pouco era dar a alma , comohia
dando São Franciíco quando co¬
meçou a fintir a melodia doar*»
co que hia paliando pola viola
Celeitial. Afsi he de crer que ti¬
nha o Areebifpo grandes illu-
ítrações 5c noticias dos bés da
Gloria, polo muyto que defeja-
va morrer 5c verfe nelía. Eítes
defejos juntos a hum rêfoluto de-
fapegamento de todos os goítos
5c confolações da terra o ator-
mentavão com grande exceíío,
não íò defpois de aliviado do pe-
zo do Arcebifpado , 5c defpois
de gaitado da idade 5c indifpoíí-
ç5es:tao antigos erao nellequaíi
como o habito, 5c profíílaõ de
frade : indícios certos do muyto
que jà então fua alma começava
a fintir 5c faber do Ceo. Deites
defejos nacia o pouco goíto que
tinha dos citulos honrofos da Or-
*99
dem,de Leytor,de Prefentâdo.d e
Meítre, de Prior: qiie todos lhe
entrarão pola porta hus apoz
outros , fem nunca fe lembrar
que os avía pera ellc, quanto mais
procurallos. Nem podia ter ou¬
tro fundamento aquella porfia¬
da repugnância que lhe vimos
fazerà Mitra, quando pera elia
foy btifcado. Porque quantos
mais feitios fazia o mundo poio
alevantar em honras, rendas & e-
ítado, fazendo o mi mofo dos Pa¬
pas, favorecido dos Reys 5c Prín¬
cipes , eítimado, 5c reverenciado
do povo:tanto mais fe acendia era
aníias de voar ao alto, 5c então a-
borrecia mais todos os bés da vi¬
da. Afsi no tempo que com forças
5c faude governava o Arcebifpa¬
do (onde outrem tevera por bên¬
ção,lõga vida pefa o lograrj a boa
ventura , porque fufpirava era a
morte:eíta chamava feudefpacho
5c por eíta frafiem fua ordinaria
lingoagem a fignificava.Mas quã-
do via que fe lhe dilatava,afíligia^
fe por renuciar o Arcebifpado pe¬
ra ao menos largar todos oscuy-
dados da vida, 5c entéder naquel-
Ie fò, que fòmente nos he neceífa
rio de boas 5cbé limadas cótas pe
ra a hora da morte. Como navio
q pretéde fazer boa viagé, q fe os
mares faó groífos, 5c o vento car¬
rega,não duvida alijar ao mar to¬
da a carga 5c volume demafiado»
Li por
 Livro 1111. da vida de D. Fr. Bert.dos Mart.
por rico q feja, pera ficar defemba decia o mal à força dos remedios,
raçado,& leve,& correr melhor. de temendo que lhe eftorvaíTem
Eítàva hum dia em boa pratica Comelles o defpacho,que a feu
Com hum Abbade bom letrado parecer jà tinha nas mãos da
& virtuofo em Braga: offereceo. doença, que bem conhecia fer
fe nodifcurfo delia dizerlhe que graviísima, dizia com fintimen-
âcabaria de chegar feu defpacho, ro , quando entravão, palavras
pera então defcanfar, Sc morar formaes. Ià vem os trampões, Sc
emfuacafa. Imaginou o Abba¬ bemtrampões. Declaravafe def-
de que fallava em lhe aceitarem )ois, & dizia que trampões erão
â renunciação,por Ter a coufa que íús auogados que com manhas
ínais publicamente tratava fem- & aftucias dilatavao as deman¬
pre j Sc co neçoulhe a proporcom das Sc entretinhão a juftiça: Sc
caridade algúas razões pera o dif- íaes erão os feus Médicos , que
fuadir de tal pretenfaõ mofiran- quando Deos queria dar final
dolhe a falta que fariao fuapef- defpacho em fua antiga petição:
ioa, & feu governo & fuas efmol- a poder de invenções de fua fi-
las. Declaroul he então o A rcebif- fica Sc artifícios de medicamen¬
poque odefpacho principal que tos lhe procuravão fuípender a
efperava , Sc em cujas efperan- juítiça, & dilatar a fentença em
ças fe fuftentava , era a morte, Sc que todo feu bem confíftia: que
fua cafa a fepultura, Sc o defcan- bem mefecião o nome de tram¬
ço porque fufpirava, a Gloria que pões , Sc bem trampões. Em ou¬
Deos tinha prometido a feus fcr- tra doença que teve na mefma
vos. Quando adoecia , reprefen- cidade não menos perigofa dç
tavaíelhe, que chegava o defpa- húas febres ardentes acompa¬
cho, & não fò fe entregava de nhadas de grande faílio Sc fra¬
boa vontade à difpofição divina, queza , mandavao os Médicos
mas alvoraçavafe pera o remate acuditlhe com apiílos &fuftan-
da vida com júbilos de prazer. E Cias amiúde pera o esforçarem:
aconteceo que curandofe em Sc de miftura com apozimas, Sc
Braga de hum tabardilho que o muytos cordiaes pera reprimir
teve no cabo, viíitavãono os Mé¬ a malignidade do humor vene-
dicos muyto a miude, Sc por não nofo. Mas não avia fazerlhe le¬
ficar nada por tentar do que a var nada. Porque à comida re¬
arte infina multiplicavão bene- pugnava o faftio : Sc às mezinhas
ficios. Sintio o Santo que obe¬ a võtade, Sc gofio de morrer. Cer
cavaono
 Arcehifpo de B raga, Vrimas das Hefyanhas,
cavãono Religiofos da fua Ordé,
& de SãoFrancifco dos feus devo
tos de Sao Fruótuofo, «Sc Padres
da Companhia. Fazião aperta¬
das iníkmcias todos, metendolhe
efcrupulos , que era obrigado em
concienciaa tomar o que os Mé¬
dicos ordenavão «Sc receitavao
pera fua faude. Vendofe hua noy-
te muyto perfeguido de razões
dc rogos folcou eftas palavras
com hum eífremo de afflição:
enemigos de minha confolação
que me quereis? Se Deos tem de¬
terminado levarme pera fy, dei-
xaime hora hir pera elle. De mui¬
to boa vontade vou, que he muy¬
to bom Senhor. Se elle por quem
he quer dar bom defpacho a mi¬
nha petição, porque mo quereis
deter? Porque me tolheis tanto
bem? Porque me envejais o cum¬
primento de todos meus defejos?
Aà Ro-
Infxlix bomo quis me hberabit de
tnanj
jifd.it* corpore mortis bitius? Quando <ve-
ntam, & apparebo antefaciem Do~
mm ? Ah trifte de mym, quem
tne livrará jà defte corpo, defte
cárcere de morte? Quando fera
o dia que acabe de chegar, & a-
parecer na prefençade meu Se¬
nhor? Se vos Padres me amareis
de verdade, vòs folgareis com as
novas de meu defpacho. Paliou o
maI,fahio de perigo, &convale-
ceo.Alegràrãofe todos,fò elle não
eítava contente , & recebia para-
bés forçados daquillo que nada
ao o
eftimava. Mas tanto que renun-
ciou,&fevio forro dos cuydadòs
do Arcebifpado, & de entender
com almas alheas, não ouve que
ficava foiço pera defeanç r: fe nao
defcarregado dos ferros pera me¬
lhor voar. E os defejos que dan¬
tes íe reoarrião a deus fins, os
*. /
quaes erão renunciaçao da Micra,
ôc da vida, juntàrãofe agora era
hum fò, &c unidos num corpo fa-
zião guerra àquella alma, de forte
que podemos afsi dizer, &. fem
encarecimento demaiiado , que
morria por morrer.E o feu mayor
alivio erão as fahidas que fazia
(como acraz contamos)a São Sal¬
vador: aly com longos fufpiros,
com branduras, & requebros cha
mava por aquelía hora , que avia
de fer meyo traníito pera a pa-
tria, & prémio da vida trabalha¬
da. E lançandolhe mil bencões
defeançava hum pouco, & torna¬
va pera o Convento animado pe¬
ra poder levar melhor o tormen¬
to que íintia na tardança delia.
Defpois que entrava em cafa co¬
mo andava todo entregue a efte
cuydado diando fò <k acompa¬
nhado rompia muytas vezes em
piadofos gemidos,& dizia das en¬
tranhas. lnpace,m id ipfum dor- P/2/4
miam fcf requiejcam. Dormirá efte
corpo o íono da morte, defcãçarà
minha alma cÕ Deos, & acabarei
de quietar algu dia. Coftumava o
Prior do Convento todas as vezes
Li 2. que
 Liuro IIII. da vida de D. Fr. Bert.dos Aíart.
q avia de hir fòra da villa,dar co¬
ta ao Arcebifpo de como hia, & a
q hia, Sc tomarlhe a béção. E elle
como andava enlevado em Taudà-
des da hora que defejava diziaihe:
Padre noíTo, jà quando V. Reve-
rccia embora tornar,quererá NoT
fo Senhor q Teja vindo meu defpa
cho. Por iíTo deiteme desdagora
Tua Tanta bençao, Sc fiquefe embo
ra, Te nos não virmos mais nefte
mudo.Peçolhe q Te lembre de en¬
comendar minha alma a Deos em
Teus Tantos Tacrificios & orações:
olhe q Tou Teu filho &Teu Tubdito.
Algfias vezes quando lobia as eT-
cadas do dormitorio parava hum
pouco no meyo pera defcançar,&
1
% dizia a quem vinha cõ elle. Sabeis
M
■ ■
que me dizem eftes meus pès.?que
folgarião jà de deTcançar na Tua ca
Ta.Era termo com que fignificava
a morte & a Tepultura. Mas deve¬
mos muyto a hum Rcligiofo noT-
To que repetindolhe o ArcebiTpo
eftefeu queixume ordinário da tar
dança de feu deTpacho, lhe fallou
livre &defenganadamente:& por
efte meyo nos tirou delle húa re-
pofta de grande confolaçao pera
os que Tomos fracos Sc miferaveis
que como andamos envoltos em
culpas Sc peccados tememos de-
maíiadamente a morte, como de-
fafio cõ enemigo que traz armas
de avecagem.DiíTelhe o ReligioTo.
j,
VoíTa Senhoria núca acaba de fal-
lar nefte Teu deTpacho: Sc nòs le¬
mos & Tabemos que a Santos mui
abalizados fazia tremer a barba a
coníideraçao daquella hora:& vé
doTe nella temerão de maneira, q
quaíi perdião os eftribos da con-
fiança.Refpõdeo o Santo.Não de-
Tejo padre meu a morteporcuy-
darq tenho feito a Deos taes Ter-
viços, que mereça por prémio al-
camçar Tua beatificavifaÕ.Quefe
eTpero Talvarme he fomente con¬
fiado nos merecimentos da morte
Sc payxao de meu Senhor 1 e s v
G)ui
Chtifto: C\J dilexit me. Isf tradidit
Ad Gal
*
fe metipjumpro me, & nos de Tua
2*
may Sacratifsima Sc de todos os
Santos. Mas Te defejo morrer, he
por acabar de Tahir deite maç> mu
do,& arrematar contas com tudo
o que não he Deos,& viver Tò pe»
ra Deos Tem medo nem Tobrefalto
de o poder jà mais perder.Porque
conhecendome,como me conhe¬
ço por defeituoTo, Sc miferavel,&
grande pecc^dor, Teja.o fim da vi¬
da limite de peccados, Sc Te acabe
de quietar de todo eíta con-
ciencia dos efcrupulos & re-
ceyos que de contino a cõ
batem de oífender a
hum tão bom
Deos.
»
FIM DO QyAR-
to livro.
LIVRO
 C3J 14 V

s&^'^'s^^t>eyfssfí^-3èxsès(5-xí)&)ssís$gi xmnesítsfi;
LIVRO QVINTO

D A YID A DE
DOM FREY BERTO
LAMEV DOS MARTYRES
DA ORDEM DOS PREGADORES,
*T
Arcebiípo, &fenhordeBraga, Primas
*1
das Hefpanhas.

CAP. PRIMEIRO.
«. . ^
*' [ f
.* . - “«v ‘ «** ■ ** ' *>• .. .....

Da vitima doença que teueo Arcebifpo-.Çf do

tejlamento quefezj.
As tant e força de reza de hum mao metal, de quem
!r|f| verão ter comigo os contão os enfayadores da prata

V
(|| muycos dias de trato &
^ converfação da hiftoria
defteSanto, & hirmos jà fobre
quatro livros delia,pera fe nos pe¬
gar algúa faifca de devaçã,& dar¬
mos final delia, começando efte
com novo brio, com novo & leva
tado eftiloimòrméte quando che¬
gamos com a obra a termos de o
vermos triúfar, & tomar poffe do
reyno & coroa, por quem tantos
annos tão valerofamete batalhou.
Mas não me poílo negar da natu¬
do monte de Potofi nas terras q
chamao índias Occidentaes, que
com fer prata fina, he tão feco,tão
duro,& rebelde,que por muyto q
feja favorecido de todos os meyos
& materiaes,que a arte infina,
não bafta nada pera o fazer bran¬
do & tratavel, & fe deixar benefi¬
ciar .E ha tanta copia dclle,que co
mo pedra ordinaria ferve de cal¬
car
i»
as ruas & fabricar as caías.
Efta he a prata,ou faó as almas de
quem fe queixa Deos dizendo;r
LI 3 Fruflrà
 Liuro V.davida deD.Fr.BcrtJosAfart.
ler >6- Fruflrà confiauit conflator.Dcbalde,
8c por demais trabalhou o en-
fayador polaenfayar. Por iffo pe¬
ço perdão aos leitores conbecen-
dome por tibio,& feco,& indevo-
to,calidades do metal que oje co¬
bre a terra por muytas partes, 8c
rogolhes q não ellranhandoem
mim a frieza gèral do mundo, af-
íinosfofrão no pouco q fica por
eferever. Oito annos avia q o Ar-
cebifpoferecolhera 8c refidia no
feu Convento de Santa Cruz de
Viana, 8c jàpaíTava delles tanto
tempo,quanto ha de Fevereiro
atè lunho. Deftes os primeiros
quatro unha gaftado, como díífe-
mos , em perpetuo ferviço & tra¬
balho,pregando todos os Domin-
gos,&maisdias fantos com húa
tao aturada continuação,que me¬
te medo a quem cófidera o como
nos queremos oje poupados os q
temos as mefmas 8c mayores ebri
gacoes.Os outros quatro não def-
cançou,inda que forão menos tra
/ balhados. Porq como eftava muy
gaftado de varias indifpofições,
quando entrou nelles, 8c palTava
já então de fetenta & dous, não
conííntiao Prelado queprocedef-
fe com a continnação primeira.
Obedecia o Santo , mas com dor
8c repugnância do efpiriro,que fo
bre tantos annos inda lhe parecia
què tinha obrigação de merecer
fervindo,o pão que comia. Notá¬
vel,mas fanta porfia de hum Ar-
cebifpo illuflrifsimo em virtudes
8c merecimentos, carregado dç
annos, confumido de peniten¬
cias & doenças, que nos enver¬
gonha aos robufíos, 8c afeanof-
fa fraqueza 8c inconftancias, que
não ha bom propofito que nos
dure oito dias, tudo fe nos vay
em mudanças. Era por fim de lu¬
nho do annodemil& quinhen¬
tos & noventa, quando começou
a fiotir huas dores, que fendo no
principio leves o forão apertando
8 c afadigando. E ou folie que en¬
tão não entendeífe a graveza do
mal,ou quizeíTe merecer diante
de Deos padecendo, elle asdifsi-
mnlava, 8c paliava fem dizer na¬
da. Somente notavão osReligio-
fos que contra fua condição íe le¬
vantava tarde, 8c fe recolhia mais
cedo do que cofttimava, & q an¬
dava falto de forças, & muyto
quebrado de cores:8c com iílo en
xergavao nelle finaes de quem an¬
dava contente. O que lhes deu fof
peita fe teria algfia nova do que
fohia chamar feu defpacho : mas
como fe não declarava,nem quei¬
xava, attribuhião aquellas novi¬
dades a eíFeitos de veíhice.Porem
elle já não duvidava de fer entra¬
do o correyo que lhe trazia o def¬ c
pacho: & num dia dos primeiros
de Iulho fintindo grande força de
dores, & que não era tempo de
mais feencubrir,esforçoufev dilTe
biiíTa,&por ultima defpedida cor
reo
i
 Arcebijb o de B raça, Primas das Hefpatihas, ao2
reo os Altares, viíicou os feus po¬ conhecendo melhor qoe elles Q
bres, que nunca em quanto foy vi eítado em que eftava tomou pa¬
vo lhe faltarão da Igreja: Sc reco- pel Sc tinta Sc fez feu teftamenco,
Ihendofe pera a cella paíTou pola teftamento de pobre foldado de
do padre frey Andre da Cruz Re- Chrifta:pobre,mas defembaraça-
ligiofo antigo Sc feu grande devo¬ do (que he a mor dita que fe pòde
to, Sc diíTelhe cheyo de alegria. defejar pera a ultima hora, Sc que
Meu padre frey Andre pola ami¬ poucos fabem negocear.jFoy co¬
zade antiga lhe venho dar conta mo dizem feito na unha, Sc as pa¬
de meu bé.Pareceme que he che- lavras erão.Eu o Arcebifpo dom
gado meu defpacho, porque o Or frey Bertolameu quero, Sc orde¬
dinario que mo traz,fe me na o en no queIevandome NoíTo Senhor
gano,eita já em cafa. Fiquefe em¬ perafy, meu corpo ftjafepultado
bora,& lembrefe de me encomen neftemofteyro de Santa Cruz de
dar a Deos,porque lho mereço,<3c Viana que eu fundei. E declaro q
tenho diíTo muyta necefsidade. faço pura Sc irrevogável doação
Recolheofe, Sc deitoufe. Vierão inter vivos a efte mofteiro dos
Médicos, entédeofe que o mal era meus livros ,& dos meus moveis
retenção de ourinas, que a fiíica que tenho, Sc afsi de tudo o q me
chama angurria, Sc que fe tinha pertencer Sc tever vencido ate o
agravado com o fofríméto dema- tempo de meu fallecimento.E por
íiadorporque avia ílnaes de exul- certeza fiz erta doação no dito
cerações. Então cahirãoos Reli- mofteiro de Santa Cruz aos fete
giofos, que a grande honeftidade de Iulho de 1550. de que forao te-
do Arcebifpo junta com fua pacié ftemunhas Fruéiuofo Fernandez,
cia fora caufa de dilatar tanto a Sc Paulo Marinho meus familia¬
publicação da enfermidade. Co- res. E não continha mais o tefta-
meçàrãofe a bufcar Sc aplicar re¬ mento. Noutro que fegúdo atraz
médios com todo cuidado andan¬ referimos,fez em Tuy,tinha rno-
do muy follicitos todos os Padres ftrado o rnefmo animo de fe fepul
na cura, Sc da mefma maneira os tar entre feus frades, Sc mandava
Médicos, que lhe acudião cõ gran que o trouxeftem ao Convécpde
de amor, Sc como he facil de crer Viana,fem nunca fe lembrar pera
o que muy to fe defeja, nao davão efteeffeitoda Sé de Braga. Entre
a doença por mortal: & quando o tanto fazião feu officio os Médi¬
íbífe,por fer o fogeito tão defcay- cos a plicando Sc multiplicando to
do com a muyta idade, avião que dos os remedios que a doutrina
dos livros, Sc a expenencia acon-
Ll
feria vagarofa. Mas o Arcebifpo
4 felhavão.
 Livro V. da vida de D. Fr. Bert.dos Aíart.
felhavão.Mas em males interiores
como fe efcondem aos olhos, fao
tnuy enganoíos osjuyzos. E elle
mal hia penetrando com mais vio
lencia,& mais preíTa do que elles
com fua filofofia & diícurfos ati-
navão.O que fe defcubrio por hús
defmayos que lhe fobrevierão, os
quaes o enfraquecião demafia-
damente, & o fazião acabar de af-
fentar que tinha feu defpachona
mão. Aísi,como qué fe íentiaobri
gado a eílimar 8c feílejar o q tato
defejara, fofria íoas dores có tato
animo,que fendo de fy gravifsí-
mas, 8c caufandolhe intolerável
martyrio,nenhum dos cricuíian-
tes o entedia fe náo era polos def¬
mayos,com que de pura anguftia
desfalecia, 8c toda via fazia pola
encobrir com admiravel coníiã-
cia.E quãdo a furia das dores era
mais crecida, alegremente defpre
gava a Iingoa em louvores de
Deos dandolhe graças infinitas
com entranhavel affeito por to¬
dos os benefícios da criação, ôc
tedenção, da fè, 8c da conferva-
çao delia , repetindo 8c exage¬
rando cada hum por fy. Então
engrandecia , 8c agradecia as
mercês de o fazer Religiofo, de
o defcarregar do officio palio ral,
de o tornar aos clauíiros 8c com¬
panhia de feus hirmãos, ôc che¬
gar a tempo de poder entre elles
acabar o curfo da vida mortal.
Logo ficaua com hua quietação
tão extraordinária , que pared'3
lhe tinha todos os tormentos em
calma. £ era q no meyodelles o
arrebatava a cõtemplação da Glo
ria,que fe os não fufpendia de to¬
do,ao menos fazialhos toleráveis
Ôc fazia que eíiimaíTe &deífe por
bem vindo o mal, a troco dos bés
que efperava,de que ja fe lhe-re-
prefentavão hus longes de fobe-
ratiaconfolaçaõ. E vendo que íe
encurtava o prazo de padecer,e-
ílava com o efpiriro rendido Sc
prontifsimo a fofrer muyto mais,
pera mais merecer. Acompanha-
vãonoosReligiofos com grande
íaíiimado que lhevião paífar:&
por hui a parte fentião o muyto q
perdiao neíle.-por outra cortava-
lhes as entranhas ver arrematar
hua vida tão inculpável em mor¬
te tão penofa. Não avianenhuq
fe não ocupaíTe em algúa coufa
de feu ferviço, ou de comida, ou
de mezinha: todos querião com
elle merecer, Sc fe fora licito, tro¬
car a vida, porq todos oamavão
vnicaméte.Mas o mal entretato
tinha paíTado muyto adian¬
te, &defcubria íinaes mor
taes,com q os Médicos
começarão a defeõ
fiar da arte 8c re
médios hu¬
manos.
(+)
0
CAP.
 A rcebifyo de B raga, Frimas das Hefpanhas.
CAPITVLO II.
Do grande fintimento que auia
fia villa de f^iana polia doença
do Arcebifpo: tf das palamas
com que o Santo fe mandou
defpedir dos moradores
delia: tf dos nonosac-
cidentescomque
fe lhe foy ag~
granado o
mal.
38111 Omo fe publicou na
villa a infirmidade do
rã®
J§||Í Arcebifpo & a calida-
^ efta(}0 delia, foy
eftranho o effeito que fez em to¬
do genero Sc eftados de gente;
achando todos & cada hum por
fy muyco que fíntir na perda que
jà tinhão por certa de tal coluna
Sc tal pay daquella republica.
Venciao os pobres em moftras
de defconfolação. Porque alé da
caufa cõmum,a particu ar Ôc
pria,onde obrigava alalta do re-
medio quotidiano efpertava nel-
les vivas Sc publicas magoas. A-
cudiráo logo a vifitallo os mais
dos nobres íignificandolhe o gra¬
de Sc geral fintimento que por
fua doença avia em todaaviUa:
o muyto q defejavao Sc pediao a
Deos fua faude, porque delia de¬
£0J
pendia o bem de todos, que com
fua vida Sc vifta Sc à fua fombra
viviáo confolados, Sc com fuas
orações Sc fantos facrificios fe ti¬
nhão por feguros & emparados
de todos os males Sc trabalhos.
Esforçou o Arcebifpo a voz mo*
ftrando que queria fer entendido
no que determinava refponder,
Sc começou dizendo clara Sc de-
ftintamente, que muyto agrade¬
cia o amor que lhe moftravão: Sc
por elle,& polo que elle Arcebif¬
po lhes tevera fempre, Sc no que
pudera fempre mortrara, lhes pe
dia que agora o ajudaífem com
fuas orações:& afsi o diíTeíTem de
fua parte atodos os mais vizinhos
Sc moradores de Viana: pera que
elle pudeííe fazer muyto por eíles
tanto que o Senhor lhe fizelíe
mercê de o meter de poffe de feu
defpacho, q por horas efperava:
que elle os levava dentro em íua
alma,& lá regaria por todos, co¬
mo na vida fempre fizera. Eftava
o feruo de Deos muy a tormenta-
do de dores, Sc com alingoa já
pro groffa,& a vòz enfraquecida, que
mal fe lhe entendia o que faliava:
esforçarfe Sc animarfe pera falíar
afsi nao foy outra coufaíe não hu
genero de defpedida Sc compri¬
mento de cortezia Sc verdadeiro
amor devido a hua villa tão illu-
ftre, que muyto amava Sc tinha
efeolhida pera fitio, em que deter
minava efperar a refurreyção.E
fe as
 Líhyo V. da vida de D. Fr. Bcrt.dosMart.
fe as promeífas dos Santos faõ de viao mais de martyrio que de be-
eftimarfcomo na verdade faõ di¬ nefício.Era de ver a devação com
gnas de grande eftimajeftas pala¬ que a gente da vilia pedia & leva¬
vras deviao todos os naturaes de va os cabdlos, que ihe cortarão
Viana trazer efculpidas nos cora¬ do cercilho pera obrarem os de-
ções: & efcritas com letras dou¬ feníivcs: atè os panos,& ataduras
ro nas caías, pera fe valeré de tal das fangrias levavão. Trabalha-
promeíTa em fuas neceísidades, vão os Frades por ter#o Santo ef-
como fazemos os Religiofos a on perto, porque eftava profunda-
tra femelhante que nofío gloriofo mence amodorrado. Manyriza-
Padre Sao Domingos nos fez na vãono com remedios, importu-
hora de fen bédito traníito: aqual navãono,fallavãolhe.Não acudia,
lhe trazemos à memória Cada dia & fe acordava reípondia com deí-
Sc não hua fò vez,com paíticular vàtios. Mas íoy couía de dar gra¬
antífona,que logo então fe orde¬ ças infinitas ao Senhor, & de gran
nou. Apoz a gente nobre foy acu¬ de admiração, que no meyo dos
dindo muyta outra gente a/si da tref/a.lios fe lhe fallavao em Deos,
viíía > como de mais longe, Eccle^- ou etn matéria deefpirito, & ain¬
íiaftícos, &feculares procurando da que não foíTe mais que em hu
todos aquella ultima confolaçao ponto de jThtoIogia, logo torna¬
de fua vifta. E muytos trazião pa¬ va em fy, & fefpondja^ergúcava
nos de cabeça, que ofFereciâo aos 8c refunda fallando tão efperto, &
Padres, pera levarem os que fe ti- apropofito, como quando eftava
ravao ao Santo tendo fèque taes em perfeita faude. Todavia como
relíquias ferião de tanta importã- o mal tinha feito /eu aííento ena
cia defpois de fua morte,como na baixo, & danificado muyto os va-
vida tinhão exprimentado em var¬ zos da ourina, não durou muyto
rias necefsidades. Masneftetépo tempo na cabeça, Ceílou a mo¬
hião multiplicando acidentes te- dorra & juntamente o frenefi, 8c
merofos: porque avia dias q não tornou a ficar em feu perfeito juy-
ourinava, & o humor detido fez zo. Então fe lhe ouvião a tempos
acometimento à cabeça, caufou verfos dosPfalmos & hymnos de
fono, & a voltas delle freneíís. A- Koífa Senhora .Outras vezes acu¬
cudirãoos Médicos comdefeníi- dia com devotas jaculatórias, í?«
vos ã cabeça, &c com fangrias nos naes do que paííava détro naciuel
braços pera divertir o humormo- ia.ditofa alma, como eftava toda
tomías que em hu corpo taõ ga- em Deos, & jà quafi gozando do
fíado,& ja vencido da doença íèr- que efperava. Publicoufe polo
Arce»
 Arcebifyo de Bragá>Primas das Heffanhas.
Arcebifpad 0 a doença 6c 0 peri¬
go delia, 8c no aballo que caufou
nos ânimos da gente fe deixou
bem entender t quaõ prefos & o-
brigados eííavão todos do amor
8 c obras do Santo. Vierão logo
entrando de varias partes muy-
tos ecclefiafticos 8c feculares co¬
nhecidos & amigos antigos que
com íuavifta o confolavão:& el-
les fe confolavão igualmente, 8c,
aprendião naquelle efpe&aculo
de dores 8c miferia humana por
húa parte, 8c de eftreyta pobreza
oor outra, quanto melhor porto
íe pera efperar a derradeira hora
hum pobre taburno no canto de
hua ceIIa,cubertode mantas grof
feyras, rodeado de humildes 8c
devotos Religiofos, que os ley-
tos ricos em camaras douradas,
armadas de finas tapeçarias, acõ-
panhadas de pompofa familia,
que tudo acotece eftar jà acnfan-
do 8c muytas vezes ates dojuizo
condenando ao poderofo q eftà
em braços da morte lidando com
faudades do q deyxa, 8c temores
do que eípera: 8c fe náo: pergun-
temme ao Papa Leão Decimo de
licias do genero humano,que en-
vejas confeffou ás chaves 8c ao
burel do porteyro remendado de
humConventinho pobre, quãdo
Jlhefcàs ^ V*° aca^a,: a V‘^a fenh°r de Ro
hijl. Po-ma & do mundo dentro no famo-
tif.p.z. fo Palacio de S. Pedro. Tornado
l í^.»4-aofío daiiirtoria veyo eutre os ec
/.xi. '~ " CAP.
204.
defiafticos huConego de Braga
por nome Luis Gomez. Entrado
pola cellá foy logo conhecido do
Arcebifpo, que era dos feus acei¬
tos^ diíTelbe com repoufoí. vin¬
des bem? Trazeis o que vos entre
guey pera eíla hora? Pozfe 0C0-
negode joelhos* Sc tomâódolhe
á mao pera lha beijar, refpondeo.
Não trago narta, mas digame V*
S. que he o que avia de trazer?
Tornou o Santo com muyta fe-
renidadero anel pontifical, que‘a-
gorahe neceííano. Dizendoiheò
Conego, que o não trouxera, por¬
que efperava em N0ÍÍ0 Senhor, .
que d aquella enfermidade o não
averia mifter, replicou.-mandayo
logo bufcar,que ja he neceífario.
Erte era o anel que defpediodofe
o Arcebifpo em Roma do Papa U c.-xti
Pio Quarto, lhe deu Sua «Sauda¬
de de fua mão, como aly efcreye-
mos:& vindo a Braga o entregou
â efte Conego Luis Gomez, aque
muyta amava, & elle por fua vir¬
tude 8c partes o merecia,dizédo-
lhe que teria cuydado de o guar¬
dar pera lho pòr no dedo quãdo
faleceíle 8c afsi o veyo a cumprir
em cabo de vinte feis annos. Por¬
que o mandou bufcar com dili-
gécia, 8c veyo a tépo.E a primei¬
ra repofta q deu ao Sãto foy tétati
va a ver fe eftava cõ conheciméto
perfeyto 8c lembrança delle Luis
Gomez, vifto corno eftivera fre¬
nético 8c crefualiado.
 Limo V. da vida âe Z). Fr. Beri.dos Mart.
GAPITVLO III
Entra 0 Arcebifyo em artigo de
mòrteivem de Braga a vi
fitallofeufegundofuc-
cejforjd.tr. Ago~
fiinbode IES/
|pjj HegaVases hora*
§H| em q o Senhor tinha
ordenado dar gloriofo
a*®*< fim aos trabalhos de
feu feruo,& intèyra fatisfaçao a
fcus defejos.Crecerao as doresdef
medidamente,final eerto da muy
ta preíTa Sc força com que o mal
interiormente hia lavrando , Sc
derribando a natureza.A fraque¬
za era eftiema , que jà nao era
fenhor de nenhum aclo nem mo
vimento corporal, de o calor na¬
turais os pulfos hiáo faltando.
Neíle eftado o que fe podia enté-
der, era eftar todo abforpto em
meditações celeftiaes, & amores
do Divino efpofo.Do que davão
indícios algúas palavras de abra-
zado affeyto, com que defabafa-
va nao podendo difsimular as en¬
chentes de gofto com que fua
alma fe adiantava a receber a-
quella hora fua fempre defejada,
Sc longamente efperada. Era
Prior do Conuento o Padre frey
Francifco do 'Efpirito Santo, co¬
meçou a tratar com os Religio-
fos que modo teriao no enterra¬
mento & exéquias , como jà não
avia outra coufa que efperarrmo-
ftrando todos muyto fin ti mento
de aver deíèr hua coufa & outra,
vifto o eftado do Conuento, com
pobreza & filencio , bem confor¬
me a arte & natureza do que avia
de fer encerrado, fe cÕ elle fe con-
fultarra a matéria;- mas muyto lõ-
ge do que eftàva merecendo fua
peíToa ôc dignidade, 6c lhe devia
o Convento Sc toda a Ordem.
Mas aquciieSenhor que tanto fe
preza de fiel a todos feus amigos
que atè a terra vil dos corpos da-
quelíes que por elle fizerão algua
coufa no mundo, tem prometido
honrar dizendo, que nem hu ca
Luc< 21.
belo da cabeça cõfintirâ que per-
cão, teve cuidado de tirar o Prior
Sc frades defta fadioa ordenan-
do ao feu fervo tão folenes Sc põ-
pofas exequias, comofe dentro
cm Braga forão celebradas mor-
rédo elle em poífe daquella Igre¬
ja,& nãoavendo outro Prelado.
E fucedeo defta maneyra. Por fa-
lecimetode D.IoãoAfonfo deVâf
concellos q foy primeyro fuccef-
for do noflo Arcebifpo dom fr.
Bertolameu na Igreja de Braga,
ôc como velho que era a logrou
poucos annos: foy provido nella
Dom frey Agoftinho de IE S V,
alias de Caftro, Reíigiofo da Or¬
dem dos Eremitas de S. A go¬
lfinho, peftba muy conhecida ne-
fte
 Arcebifyode B rdgd, Primas âas Htfyanhas, 20 j
fte reyno por fuas grandes calida- Sc foraono guiando.Encrou o Ar¬
des de fangue, & virtude : & avia cebifpo na cella có todos os q o fe
muytos dias q reíidia em Braga. guião: Sc elle & todos heàrão hú
Chegou a fama â cidade do eita- efpaço fufpenfos Sc mudos dando
do emq oéfermo fe achava,& co lugar a q coníiderafle os olhos hu
mofenáo tratava ja doutra coufa defengano de grande confufaõ pe
fe náo de éterro & exequús. Nao ra qué eílima a vida. Hua eílreira
faltou <jué levaííe a nova ao Arce cella,as paredes nuas, em mefa fc
bifpo, q movido em feu animo do pano hu candieiro de ferro pédu-
em q tudo ve a parar: forte comu rado de hum prego; hua cama de
Sc ley forçada de todos os q vive- frade ordinário fem cortina, nem
mosrdeterminou hir a Viana, cóíi genero de paramento, fobre hua
(deradoq era ocafião dc verdadei¬ taboa de pinhofque taboa pera faí
ra caridade,& piedade Chriftam, varde grandes naufrágios!) Aíy
quando náo hia viíitar, nem ga¬ hum Arcebifpo lançado, que tão
nhar graças, fe nao fazer officio celebrado Sc tao eEimado foy no
de fepultura. Soubefe pola terra, mundo agonizando cm cruelifsi-
revolveofe com o exemplo, & re- mas dores , Sc do mar tyrio delias
fucirou geral faudade do Prelado tornado hum bichinho. Reprcfen
antigo.Pozfe o Arcebifpo a cami¬ tava tudo afsi junco por hua parte
nho na mefma tarde que teve o hum retrato do Purgatório: por
avifo, & fendo na força das calmas outra oíferecia hum Memeto bom>
de Iulho caminhou aturadamen¬ Sc hum avifo medonho da fraque
te coda a noyte de maneira que às za do barro que fuftenca as mais
fetc horas da manham eftava em luzidas eftatuas do mando. Ao ru
Viana às porcas do nolío Gonven mor dos que entravão efpertou o
to acompanhado de tanta Sc tão Santo dos a&os Anagogicos em
autorizada gente Eccleíiaftica Sc que fempre eítava ocupado , que
fecular,que parecia fe defpovoara efteera o ouro que lhe dourava
Braga. Entrou polo Cóvento fem & fazia levar as pilloras dasdnto-
efperar cerimonias,& perguntan¬ Ieraveis dores q paífava:& abrin¬
do pola cella do enfermo dizia co do os olhos Sc vedo a cella cheya
cortezia Sc confiança de Principe: de tãta variedade de gére foi olha
palavras formaes.Qual he a cella do muitodevagar a todos, & como
do fenhor Dom frey Bertolameu? reconhecédo a cada hú por fy: Sc
O Prior Sc Religiofos fobrefaka- ficou hú pouco fufpcfo, mas não
dos cõ tamanho hofpede acudi¬ torvado.E pergútãdolhe hú Reli-
rão correndo a lançaríè a feus pès, giòfo q eílava mais perco de q fe
Mm efpan-
 Livro V. da vida de D .Fr.Bert.dos Àlart.
efpantava: dizem que refpondeo
com voz clara & fevera.Não per¬
mite Deos que ie executem por
agora milagres. Outros entende¬
rão. Não efpere agora ninguém
por milagres. Cauíou efpanco em
todos os circúftantes a novidade
deftas palavras. Porque era total¬
mente alheyo da natureza do Ar-
cebifpo fallar em milagres , excei-
to nos do Evangelho, 8c dos San¬
tos canonizados. Mas os que ti-
nhão mais conhecimento delle,
julgarão que continha em fy algu
grande myfterio. E bem fe pôde
cuydar que vendo tanta gente jun
ta,& tanta diveríidade de roftos,
todos triftes,todos defconfolados,
8c muitos banhados em lagrimas,
averiaquelhe envejavão aquella
boa ventura de fe ver às portas da
morte,& pediao a Deos lhe defie
vida: & com húa fanta ira os quiz
defenganar, que jà eftava certo &
feguro de feu defpacho,& que ne-
nhus meyos humanos feri ao ba-
ftantes pera tornar arraz a pala¬
vra que lhe eftava dada: que não
fe cançaííem, nem efperaíTem mi-
lagres:que milagre feria viver que
eftava ja penando entre paroxif-
mos de morte. Mas o mais certo
devia fer que em tantas illuftra-
çÕes como o Santo tinha do Ceo,
que agora ferião de luz aventaja-
da,não lhe faltaria algúa de que ti
n ha o Reyno, & a Coroa perco, 8c
dahi lhe naceria a confiança com
que fallava: fenao quizermos di¬
zer que pode fer ifto profecia de
milagres, que polo tempo adian¬
te aja de obrar Deos por feu fer¬
vo , guardandoos pera quando
mais for íeu fantoferviço.Porque
quem diz que de prefente nao ha
daver milagres,fupoem que os
averà de futuro. E de hum tai va¬
rio não avemos de julgar que po¬
dia fahir palavra inconfiderada
eftando como eftava em feu fifo,
8c em tal hora,& talocafião.Che
goufeo Arcebifpo à.cama do Sa-
to cheyo de laftima do que lhevia
padecer, tomoulhe as mãos, faU
Ioulhe alguas palavras de grande
efpiirito & confolação, 8c íignifí-
cações de amor, não fò ço mo de
Arcebifpo pera Arcebifpo, mas
como de filho pera pay, com que
edificou a todos os circunftantes,
offerecendo pera fua cura não fò
a fazenda como rico 8c poderofo,
mas tão bem as mãos como enfer
meiro,officio emq determinava
igualarfe com o mais humilde Re
li^ofodo Convento. E logoco¬
meçou a moftrar que nãoerão pa
lavras de cumprimento,lançando
mão do que lhe parecia que con¬
vinha,& acudindo a tudoftm má
dar, nem rogar a ninguém, com
exemplo de grande humildadt&
rei gião.Não nos cõfta de palavra
que o enfermo lhe refpondeftc • &c
não hed cfpantar, q como eitava
tão afadigado do mal, 8c deftituy-
do de
 jírcehifjw de Braga, Primas das Hcfjjanhas.
do de forças pera fatisfazer com
palavras equivalentes a tal vifica,
Sc tal offma,ufou de filencio,cque
muytas vezes he verdadeira elo¬
quência.Mas o que fe lhe entédeo
do fembrante, & algus írnaes foy
confolarfe muyto com fua prefen-
ça, Sc eftimalla. També moílrou
alegrarfe com os Eccleíiafticos q
conhecia,porque a hus criara, Ôc
a outros tratara, & a todos ama¬
20 f
cebifpo pera o enfermo mandan¬
do primeiro fazer preífes pera a
fanta Vnção que por fuas mãos
lhe queria miniíirar. Não fe tra¬
tou do Santifisimo Sacramento da
Eucariftia,porque no proceíío da
doença o tinha por fua confoía-
ção recebido algíãas vezes: Sc de
prefentelhe tinhão acudido hus
Vomitos que crão impedimento.
/ r r\ .. .

va. As meímas moftras de amor

íintirã nelle os feculares, não fal¬
CAPITVLO IIII
•*. * * 1

tando a nenhum com o que podia

naqucila ultima hora, como nun¬ Manda a cidade de Braga vi*
ca lhes faltou em vida. Mandou o fitar 0 enfermo. Dafe conta
Arccbifpo que vieífem os Médi¬
de hum requerimento qUe
cos, Sc fahiofe pera fòra, pera que
a Gamara de Viana
defpejaíTem os mais: que como
erão muyta gente,& o tempo cal-
fe&ao ArcebifpõD.
irsofo afrontavão o enfermo. Iun-
fr.Agoflinho: fj?
tos os Médicos quiz o Arcebifpo a ra&ao deU
entender a raiz Sc princípios da le.
doença,& o proceUo della,& que
ímuao do eftado prefcnte,& man >^ E 0 povo de Viana do
douafsiílir na confulta ofeu Me¬ m z*1
tadode hum particu¬
dico, que por não faltar em nada m m lar zelo do bem de fua
trouxe em fua companhia de Bra¬ Republica: Sc no que
ga. Propofta, Sc declarada larga- toca ao comum, ainda que hus cõ
mente toda a informação do mal, outros ande defavindos, Iqctq faõ
Sc os termos que tinha feito,&hia unidos Sc conformes:& ondefen-
fazendo,foy breve arefolução, Sc tem fer neceíTario fabem não per¬
com poucos difcurfos convierão doar a diligencia, nem trabalho,
todos em que não avia que efpe- nem defpeza. Com a vinda do
rar,& que fe não tardaíle com os Arcebifpo Dom ffey Agofti-
últimos íbcorros da Santa Madre nho fubita Sc não efperada, Sc
Igreja, porque fe hia com muyta com o numero extraordinário
preíía coníiimindo. Tornou o Ar de gente nobre fecuiar , Sc de
Mm z Conegos
 Livro V. davidadc DSr.Bcrt.dos ALart.
Conegos & dignidades de que a
villa andava cheya, entrarão em
foípeicas (coroo he ordinário em
noffa natureza inclinarfe facilmé*
te a cuydar o que teme) que ta¬
manho ajuntamento não era tu¬
do obra de cumprimento & cari-
dade.mas queáfombra delia, Sc
cõ eíTe pretexto quereriao leuar
pera Braga-aquelle Santo na ho¬
ra que eípirafle. E coníideravão
no cafo não fomente detrimento
da villa,polo q o amavão, & polo
muyto que eíperavão averlhes
de valer com Deos terem entre fy
fuas reliquias:mas afronta Sc def
credito de todos fe com manha,
ou força lho tiraftem. Começa¬
rão logo a acautelarfe fem o da¬
rem a entender: Ôc tanto que o
Arcebifpor entrou no Convento
forão com elle o Iuyz de fòra Sc
Vereadores Sc o Governador
do Preíidio &Forcaíeza da barra,
a titulo & cor de cuprimento&
cortezia devida ao Prelado q en¬
trava por fuas portas,mas na ver¬
dade a ver fe podião aícanfar por
algua palavra ou final o fim ver-
dadeyro defta vinda. E como o
Arcebifpo entrou na celia do en¬
fermo forão eíles nas fuas cofias a
fom de acompanhamento, mas.
com amefma tenção, efperãdo q
por algua via trazíuziria a verda¬
de. Como nao fintirão novidade
defpejàrão, & forãofe aliviados,
mas não defcuidados.Encre canto
chegarão ao Convêto dous Verea
D
dores da cidade de Braga acõpa-
nhados de algíis cidadaõs. Erao
peífoas de autoridade,fizerão feu
oíficio cõ muytas palavras de cor¬
tezia & amor filial declarandolhe
o fintimento grande com que a-
qnelíe pouo recebera as novas de
fua infirmidade,&ogofto que te
ria cõ as de melhoria & perfeita
faude q lhe defejavão; & lébran-
dolheq em cafo q nofio Senhor
fofíe feruido de o liurar das penas
defia vida, quãdo fe viffe nos go¬
zos da eterna, não fe efquectfie
dos que fépre tratara como filhos
fazemdo por todos diante da Ma-
geftaade Divina oíficio de pay: 8c
pera penhor & cõfolaçãolhe pe-
dião fua fata béção.Defta embai¬
xada &vifita forão logo aduirti-
dos os do Governo da villa &não
foymais necefíario peraafíenta-
rem & darem por certas fuas fof-
peitas,& juntos em Camara com
o Corregedor da Comarca , Sc
Iuyz de fora, Sc Governador do
Prefidio acordarão de defender a
todo feu poder q o corpo do Sãto
não fahifte fora do fen Gonuento
nem viuoné morto:& pera efte
fim fe fizeffé todas as diligencias
que parecefiem necdTarias,& to¬
dos fe unifie nellas como em cau-
fa própria & peculiar de cada hu:
Sc praticadas logo algúas,& dado
cargo delias aos q as avião de exc
cutar,poferão à conta do Iuyz de
fòra
 ArcebifyodsBraga,'Primasdas ílefpanhas.
fòra& Vereadores dar principio a
hua que julgavao por de muita
importância, a qual foy efta. To¬
marão confígodous notários A-
poftolicos, Sc juntos em corpo dc
Camara forão ao Cóven to,& ma
dando pedir licença ao Arcebifpo
D.Fr.Agoíiinho pera fazeré húa
diligécia em prol do povo daquel
la villa, como forão em fua prefen
ça,diíle hum dosVereadores com
todo o decoro de termos Sc pala¬
vras devido a fen Prelado: q â no¬
ticia dos que alyeftavao era vin¬
do, mas fem autor certo, que avia
«]uem tratava de q fendo falecido
o fenhor Dom Fr.Bertolameu dos
Marryres, jà Arcebifpo de Braga,
felevaíTefeu corpo daquelle Cõ-
vento Sc daquella villa. O q elles
não crião por muitas razões que
avia em contrario. Primeira,porq
a vontade publica Sc fabida do en
fermo fora viver, & morrer, Sc en
terrarfe entre os feus Religiofos
naquella cafa que alevantàra dos
fundamentos, Sc em q fe recolhe¬
ra des do dia que renuciara o Ar-
cebifpado,fem nuncafabir mais
della.Segunda,que em hum teíta-
mento antigo, que não eftavade-
rogado,& por hum codicillo que
agora ultimamente fizera fe man¬
dava fepultar naquelle Cõvéto:&.
fendo como era ultima vontade
de defunto, Sc de tal peffoa, não
podia fer ordenarfe coufa algúa
contra ella, Com tudo por obri-
29^
gação do offieio que exercitavão
que era procurar todoobeni&
quietação daquella villa , Sc ata¬
lhar toda ocaliãode difcordia &
defgoífos nelia, lhes parecera pe¬
dir a S. Senhoria Illuífrifsima, co¬
mo de feito lhe pedião por mcrcè
cm nome dos prefentes, Sc de to¬
do o povo:& da parte de Sua San-
tidade,&deS. Mageftade Ihere-
queriao diante dos notários Apo-
ftolicos , Sc efcrivão da Camara,
que o ouviao, não confíntiífe que
tal coufa fe fizeíle,nem intentaíTe.
Refpondeo o Arcebifpo com pa¬
lavras gèraes,& como quem não
trazia mais intentos que ufar ca¬
ridade. E elles defpedindofeforao
ver o enfermo, Sc dizendo quera
erao lhe pedirão a bênção pera to
da a viila, em cujo nome aly vi-
nhão. Olhou o Santo velho pera
todos com muyto repoufo,& tra¬
balhando por fe concertar na ca¬
ma da maneira que podia, lha
lançou, Sc elles a receberão de
joelhos , com devação Sc lagri¬
mas. Não erão bem defpedidos
de hum , Sc outro Arcebifpos,
quando o Convento fe encheo
de alto a bayxo da melhor gente
da villa,repartida a efpaços com
boa ordem de vigias, & com feus
corpos de guarda a uíò de guerra
em tudo, íalvo que não avia ar¬
mas publicas mais que as ordiná¬
rias da paz por guardar refpeito à
religião,&efcufar perturbação no
Mm 3 Con-

Limo V.ddvida de D, Fr. BertJosMart:
Convento.Efta guarda continuou
dia Sc noite atè q o Sãto foy fepul
tado. E era o zelo Sc cuydado tão
vivo, que nenhua peífoa por no¬
bre , ou muyto occu pada que fof-
fe, fe efcufava do trabalho: Sc os
Vereadores &jnftiças erãoosfo-
breroldas, Sc os q tèpartião as vi¬
gias, &nomeavão os que avião de
entrar Sc Íucceder nas guardas. E
porq não ficaífe nada por fazer,
que a cautela demaíiada não da¬
na , ardião tochas àcuftadaCa-
mara por todo o dormitorio,
commais cuydado junto dâcella
do Santo, Sc nos bayxos que ref-
pondem à mefma cella: Sc por fo¬
ra á roda do Convento avia outra
gente em guarda, Sc com fuas lu¬
minárias, porq fe não fizelfe mo-
viméto por nenhua parte fem fer
íintido.E ficarãodacordo com os
Padres do Convento,como a cau-
fa era igualmente fua, que vendo,
oufíntindo algum indicio de no¬
vidade, ou cocaífem hum fino,ou
fizeífem final aos da vigia, porq
jà em todo povoeftava paífada pa
lavra de acudir ao Convento fem
faltar homem,& não confintirem
em mudança do Santo indaq fo-
bre ifTo arrifcaíTem vidas Sc
zendas.
CAPíTVLO V.
Como foj ungido ofanto
jircebifto.
f •
gif ffi- Rão entretanto os cUy-
s Sj dados muy differentes
% 36 3 em ambos os Arcebifi
pos. Porque hum efpe-
rava poio ultimo focorro q a Igre¬
ja tem finalado pera os que cora
fè entrao na batalha da morte, q
he o Sacramento daíanta Vnçao;
Sc o outro fe fazia preftes pera cõ
caridade o adminiftrar. Mas em
quanto fejuntavão os miniftros,
Sc ordenavao as coufas pera fe fa¬
zer com toda folenidade, quizo
Sc Arcebifpo Dom frey A golfinho
aproveitar aquelle efpaço de tem¬
po com hua obra de feu valor be
digma. Mandou vir hu pintor de
fama por nome Antonio Maciel
pera nos ficar por feu meyo co-
nheciméto do rofto Sc feições do
Santo, coníblação grande pera os
que não alcançamos fua prefença.
Tinha o Santo naquella hora os
olhos fechados ,oupolaforça do
que padecia,ou poreftar afsi mais
entregue ãs meditações doCeo q
nunca interpolava. E foy boa oc-
caíiãopera o effeito,porque fegu-
do fua profunda humildade, fora-
lhe deíconfolação grande fe o en¬
tendera. Todavia pera fe tirarem
fa¬ os olhos quefaõ quafi o todo do
rofto humano,era neceíTano eftà-
rem abertos, Sc aver viifa delles o
official.Aqui foy neceftario artifi¬
cio. Tomou o â fua conta hum Re
ligiofo do Convento que eítava â
ilharga da cama, Sc fem mais dili¬
gencias,
 Arcebifpo de Braga} 'Primas das Hcjj?anbas,
gencias,q ue dizeríhc-furfú, cordãi
abrio logi os olhos com toda a
viveza que o eftado prefentefo-
fria, Sc pregados com devação
no Ceo, diíTe affeótuofamenteí
babemusad Dominum. E pera que
os náo tornaíTe a cerrar, & o hir
entretendo, perguntoulhe fe o co
nhecia. Refpondeo oSatopondo
nelleos olhos. Sy conheço Padre
meu,muyto bé vos conheço,q ce«
des hum nome muyto fermofo
do Apoftolo Santo Andre, que
foy grande namorado da Cruz
de meu Senhor I E SV Chrifto,
8 c delia tendes também ofobre
nome: & ha mnytos annos, que
fon muyto voíTo amigo por voíía
grande virtude 8c religião.Repli-
cou o Religiofo. Pois voíTa Sen ho
ria diz que he meu amigo, lébre-
fe de mim diante de Deos.Sy fa-
rey,refpondeo o Santo. Aqui acu-
dioo Arcebifpo dom frey Agofti
nho dizendo: &de mim també,
fenhor.Ede vòstambé, refpõdeo
o Santo, Sc de muyto boa võtade,
porque tendes muita necefsidade.
E como fe virou pera elle pera
lhe dizer eftas palavras, deu fè do
pintorftanto em fy eftava) & per
guntou que homem era Sc que
faziaaly. Quietarãono facdméte
dizendolheque eftava concertan
do hús papeis que erao neceíía-
rios.Afsi ouve lugar pera fe aca¬
bar o retrato , que ficou bem ao
natural, Sc por elle fe tirarão def-
208
pois outros dos quaes foy logo
hum ao Arcebifpo de Evora dó
Theotonio de Bragança que elle
eíhmava muyto,& namefma co¬
ta tinha dom frey Agoftinho o
primeyro que á elle devemos. E
na verdade a obra íòy tal, que
em quanto efta eferitura durar:óc
a memória do Santo,que fêrá eter
na conforme à promeíTa:/» memó¬
ria eterna eritjuftus. Terá a do Ar
cebifpo D.Fr.Agoftinho perpe tui
dade &louvor ficado retratada na
figura alhea, co mais vivas & per
feytas cores: Sc com aquella avé-
tagem que tem a pintura Sc retra
to do animo ao corporal. Que
iftofoy o que quiz dizer Tullioa
Inlio Cefar, quando vioqueman
dava levantar as eftatuas de Pó-
peyo,que o pouo por adular o vé-
cedor lhe Sta-
tinha derribado.
tuas Pompetj erexiflijuas ftabilisíi. Plutarc.
Como fe diífera. Na honra que^f^’
fizefles ás eftatuas de Pompeyo,
eternizaftes a voíía, Sc as voíías.
Iunto a hum tépo acabava o Pin¬
tor, & entravão a dar recado que
eftava a ponto tudo o que era ne-
ceífario pera a fanta Vnç-ão. Não
foy neceífario bufear rodeyos pe¬
ra avifar o enfermo do que fe que
ria fazer.Ninguem melhor queel
le conhecia o eftado de íua doéça,
8 c já tinha pedido por algúas ve¬
zes ao Prior, que como pareceífe
tempo,lhe acudiftem comefteSa
çramento.Dilferãolho clara mte.
Recebeo
 Lwro V. da *vida âe D. Fr. Bert.dos Aíart.
Recebeo a nova nao fò fera per¬
turbação, mas cõ íinaes de gofto.
Ccrneçoufeo officio com muyta
folenidade & apparato. Porque o
Arcebifpo jà quando partio de
Braga entendendo o que poderia
fuceder, deixou ordem que apoz
elle lhe fofte do thefouro hum Põ
tifical inteiro, & panos de feda, Sc
brocado, muytos caftiçaes & to-
cheiras de prata, copia de cera de
toda forte,& juntamente todos os
muíicos da Capeíla da Sè, pera q
avedo de aver exequias fe fizeífem
com toda pompa Sc magnificên¬
cia. Quem dirâ que nao foy tudo
ifto movimento do Ceo & provi¬
dencia divina? & q quiz o Senhor
começar a honrar feu fervo com
honras extraordinárias no meyo
da pobreza Sc defconfiança dos
feus frades ? A folenidade da Vn-
ção foy a mayor q podia íer, vifta
a peffoa de quem a adminiftrava,
a nobreza Sc numero dos afsiften-
tes,a riqueza èc abundancia de or
namentos.Masnaofoy menos de
vera fegurança,a quietação, Sc
devação de quéa recebia. Eílava
em todo feu acordo, & perfeito
juyzo, pedia a todos que o ajudaf-
fem com fuas orações, pera que o
Sacramento caufaíTe em fua alma
todos aquelles efFeitos , pera os
quaes Chrifto NoíTo Redentor o
inftituyra. Começàrãofe a rezar
os fete Pfalmos; dizia elle hu ver-
fo com muyta pauza,& clara pro-
nunciacaoroutrodiziao os Cone-
gos,& Abbades, & Religiofos do
Convento 8c doutras Ordés que
aís iftirao muytos em numero. E
porq acontecia a dor Sc lagrimas
que aquelle trifte adio efpertava
em quaíi todos, impedir a boa ex-
prefsiva dos verfos q aíternavão,
elle acudia & emendava, como
fe eíliivera com inteiras forças, Sc
fazia declarar as ultimas fyílabas:
Sc afsi diífe todos os verfos q lhe
tocavãofem perder nenhum , né
errar palavra: de cõ a meána prõ-
tidão,inteireza, & foífego refpon-
deo por fy onde era neceífario ao
receber do fanto Olio. Eílava a
cella cheya de gente de maneira
que nao cabião, Sc nem tio dormi
torio fe podiao revolver: porq ao
iinal que fe fez pera elle Sacra me¬
to acudio da vil a o povo todo, Sc
atè as molheres principaes man-
davão amiúde feus criados a fa-
ber o que paííava, & não fe con¬
tentai vão com menos q novas de
vifta, efperando fe quereria o Se¬
nhor fazerihes mercê de aíargat
aquclla vida,de que tantas depen-
dião, & arreceando o fobrefalto
de a perderem. O concurfo da gé-
tc}Sc a muyta cera,q ardia tinhao
o ar da cella tão quente, que fe fin
tia demafiado fogo, quando aca¬
bou o officio. O que junto ao tra¬
balho que o enfermo tomou na
continuação do rezar,& rcfpõder
a tudo, caufoulhc fraqueza, Sc a
fraqueza
 Arcebifyo de B raga, 1
fraqueza hu paroxifmo. Mandou
o Arcebifpo defpejar de todo ,
acodirlhe com fuftancias pera o
esforçar, & ver fe podia repouíars
Sc deícanfar hum pouco.
CAPITVLO VI
mifleriofo find que fe
defcubrio nofanto Arcebif
po:íjf defeufelice
tranfito,
v» *
N tre os muytos ed
*
clefiafticos que deBra
£3 I ss ga acudirão avifitaro
«i»
fanto enfermo , veyo
hum Conego,q de moço/e criara
emfua cafa, fora feu cubiculario,
Sc muito tempo o ajudara a rezar.
E por fer efte ordenou o ÀrcebiC
po D. Fr. Agoftinhoque fícaíTe
com elíe em companhia de algus
Religiofos do Convento, que o vi-
giavão. Eftando efte Conego de-
noyte com elles lhes perguntou fe
tinhão vifto hu final que o enfer¬
mo tinha de grande maravilha:&
fendo coufa nova pera todos, def-
pois de iho referir de palavra, to¬
mou com refguardo a mão direi¬
ta ao enfermo,& moftroulhes nel
la a Cruz de que no primeiro ca¬
pitulo defta hiftoria fizemos me-
çao.Os Religiofos a efti ver ao com
admiração confiderando muyto
devagar, & dando graças ao Se-
20 p
nhor que tao mâraviíhofo fe mo-
&c ftra em feus Santos.Veyo o Árce-
bifpo de madrugada vifitar o en¬
fermo^ dandolhe os Padres co¬
ta do final, quiz por feus olhos vel
lo: & logo ihc tomarão a mao cp
cautela quenao cahiífe no fim a
q o faziãt>i& o Arcebifpo o efteve
vendo com cunofidade <& confi-
deraçao, Sc notando na Cruz to¬
das as particularidades que atraz
contamos:as quaes elle defpois re
ferio largamente à quem ifto ef-
crevia.Porque ainda que aviamos
por baftantemente caliificados os
teftimunhos dos noííosReligiofos,
que erão todos os que então fe a-
chavãonaquelle Convento, com
tudo como o final era tao eftra-
nho Sc prodigiofo,que de nenhúa
maneira o podemos dar por cou¬
fa natural,pareceonos q não cum
priamos cò a obrigação de hifto-
rLador,fe o não ouvíamos por vi¬
va voz do mefmo Arcebifpo, co¬
mo de teftemunha rriayor de toda
exceiçao; Sc efte foy hú dos prin-
cipaes fins que a Braga nos levou.
Frey Thomas deCantiprato, .Sc
outros Croniftas da Ordem de S. ^atí7.i
Domingos contão de outra Cruz âeApfy.
femelháte que atraz referimos de y
hum Religiofo deftaOrdem gran¬
de Santo,a qual efcrevem que lhe
foy achada no peico,& que era do
mefmo feitio Sc debuxo que defta
temos efcrito , falvo que efta era
florida em todos os quatro rema-
 Lmro V. da vida de D . Fr. BeriJosMart,
tes,& a de frey Volando (que afsi
avia nome o Religiofo) carecia de
tanta perfeição, porque o remate
de baixo, que ficava fendo o pè da
Cruz,nao era florido, mas acaba*
va em ponta aguda lifa & direyta.
E acrecentaCantimprato, quefc
interpretava naquel e tehipo pela
Cruz a cõtinua meditação da pay
xão de Chrifto em que o Santo fe
exercitava, & polas flores de liz a
pureza virginal que por toda a vi¬
da com grande cuydado coníèr-
vara. E cõ muyta razão podemos
aplicar ambas eftas interpreta¬
ções à Cruz do noífo Santo, porq
em hua 6c outra virtude foy infig
ne. Vendo o Arcebifpo hum pe¬
nhor do Ceo tao extraordinário
no fcu doente, & comparando cõ
ellc o que de fua vida & obras ti¬
nha fabido, fazia conta que tinha
entre mãos hum dos grandes San
tos antigos, & dava não fò por bc
empregado, mas avia por boa vé«
tura o trabalho que tomara neíla
jornada,que não foy pequeno.Né
foy menos o que paliou quatro
ou finco dias que alli afsiftio.Porq
fenotoa queemtodos eliesquaíi
nunca fe apartava do enfermo: 6c
de noite eftava comelle finco Sc
feis horas dandolhe fempre de co
roer por fua mão, 6c acudindo pri
roeiro que todos aoparoxifmos
que muyto amiúde acometião a
acabar de confumir a natureza ja
proftrada , & defemparada de to-
do vigor.E como fe fora qualquer
dos Padres particulares fte caía,
era fuaafsiftécia ou aífcncadoaos
pès da cama,ou en cofta do à cabe¬
ceira,& muitas vezes pofto de joe
lhos. Continuando o Arcebifpo
nefte fanto 6c piadofo oftício, co¬
mo não perdia ponto na vigia 8c
advertência do que convinha ao
enfermo, notoulhe húa tarde no¬
vo quiebrantamento de roílo & o
lhos, 6c que conformava o pulfo
com eftrema debiíi tacão. Por on¬
de julgou que tardaria pouco em
fe apagar a candea da vida, Sc avi-
fando os circuftantes começou a
rezar com os joelhos em terra por
hum liyro que pera efte effeito «a
zia,certas orações próprias pera
tal hora:as quaes acompanhava
com muytas lagrimas, & com as
mefmas refpondiao muytas pef-
foas de todos os eftados q por fec
a cõjução tal tinhao a celía cheya.
Que como o Saco em vida amava
decoração toda peflòa religiofa
fem refpeito das cores do habito,
cu apel ido da Religião, veneran¬
do em cada hua o Capitão de to¬
das asOrdes 6c Congregações re
Iígiofas Chrifto I E S V: afsi orde¬
nou elle que.lhopagaíTem nefte
ponto,porque alem dos Capitula¬
res dc Braga 8c dos Abbades, 8c
mais Ecclefiafticos que, como te¬
mos dito concorrerão em grande
numero,avia Religiofos de S. Ben
to^de S.Franctfco, da Companhia
dç
 Arcebifyo de Braga, Frimas das Hefpanhas,
de IE S V. Não faltarão os mais
nobres da villa, nem os Capitães
do Prefidio obrigados alem do
amor geral do Santo, do particu¬
lar cuydado Sc guarda, em que a
villa Te tinha empenhado. A deva
ção & lagrimas do Arcebifpo co¬
meçando o officio da agonia
crecião de maneyra, que nem en¬
xergava a letra, nem podia pro¬
nunciar as palavras: 8c com feu
exemplo não avia nenhú caoin-
fenfivel que teveíTe os olhos enxu
tos.Era de vero Santo velho co¬
mo outro Patriarca Iacob entre
feus filhos, rodeado de tantos em
que a tnayor parte por algua re¬
lação lhe deviaonome de filhos.
Porque a hús criara, outros orde¬
nara, outros fizera ricos. Todos
prantcavão, elle fò alegre 8c côté
te perguntava húa vez & outra
fe erão ditas Completas , como
quem tinha pera então algúa pro
meíTa do termo da jornada. Não
faltou quem comparava efte dia
com outro, em que o Santo fe vio
em Capitulo pleno no Conven¬
to de Lisbo a arrebentado de dor
por fever obrigado da obediência
a deixar os clauftros, 8c aceytar
a mitra .-então trifte, & todos feus
hirmãos contentes: agora tudo
aorevez.Que na verdade então
fahia pera cativeyro certo, agora
pera verdadeyra liberdade: verda
descridas, 8c conhecidas de to¬
dos, mas de muy poucos abraça-
ê &
j
das.Entre as fete,*& as oy to da tat
de tornou a perguntar fe erão di
tas Completas: dizendolhe que
erão dicas, quietou hum pouco,
parece que pedindo Cumpriméto
da promcífa. Nefte tempo che¬
gou hum Reiigiofo a tocar-lhe os
pés,pera ver em que eftadoefta-
vão de frialdade, & afsi julgar da
vida, Foy coufa maravilhofa aef-
perteza com que acudio, eftandcr
tanto no cabo, que não durou hu
quarto de hora: encolheo os pès
cõ força qjà não tinhafvitimo ef-
forço da natureza) fezíebrante 8c
olhos fe veros , defejou fàllar,ác
fez final a boca: mas jã não avia a-
íento pera formar voz,nem fe lhe
cntendeo nada.E com tudo aífaz
fallou naquelles meneos bem li-
gnificadores, que nem no derra-
deyro artigo da vida fe efquecia
do antigo cuydado de fua honefti
dade, & compoftura, A efte tépo
oReytor do Collegio da compa¬
nhia de Braga,q eftava pegado
com elle tomava o livro ao Arce¬
bifpo pera hir continuando o Of¬
ficio, qtie o bom Prelado total¬
mente eftava impofsibilicado, ti-
randolhe as lagrimas a vifta, Sc a
dor a refpiração.Então levantou
o Santo as mãos 8c olhos ao Ceo,
8 c fem fazer outro movimento de
rofto,nem corpo rendeo o efpiri-
to ao Criador, húa fegunda feyra
dezafeis dias delulho de ^çoen-
tre as fete 8c as oyto da tarde em 9 0>
idade
 Liuro V. da vida de D. Fr. Berf.dos Afart.
idade de fetenta & feis annos &.
dous mefes:tinha de habito fefen
ta & doas annos não perfeytos.
Sc avia trinta & dous que fora e-
leyto Arcebifpo,& oyto 6c algús
mefes, que deyxando o Arcebif-
pado fe tornara a fua Religião.
CAPITVLO VII
Dafifionomia tf fartes corpo-
raes do Santo Arcebtfpo: tf
do fentimnto que porfua
morte ouue na •villa
de Viana
Oyo Arcebifpodcm
Frey Bcrtolameu de
® boa &c bem propor cio
nada eftatura, mayor
que meyã.Conformava com ella
a cõpoíição de todos os mébros,
cabeça grande,roílo comprido Sc
defcarnado:tefta larga& alta,que
abria em hua venerável calva: os
olhos erao pequenos Sc fumidos,
a vifta cm ambos torcida.Efte de-
Tlin hb.
feytofchamão os Latinos aos q o
ii.
tem Strabonesj) não he de nature¬
A vicem za. Afsi o fente Plinio quando diz.
Fm animalium homini oculi depra-
i r.i cl. i.
<vantur:corno fe diflera,que fò ao
c.i S.àe
Str.ibopt homé entre todos os animaes acõ
C u '■ àe tece danaremfe Sc torceremfelhe
S impto os olhos nacendocó elles direitos
ma mnt Ôc fem vício. Os Médicos apõtão
l.
algus generos de doenças q o cau-
faÕ.Guido Deíiderio defpois de
Ant. Cftt
as referir, acreeenta .Pueri et iam m do Difd
cunis jacentesobliquè fepè luem w £pt.
cernentes in bíic affeãim mterdú inci Val/fcj.
dunt.Querendo dizer que vé eíle de Tarã-
mal també aos mininosno ber- talf Cm
, r , , . de Stra¬
ço por deícuydo de quem os cria J
pondolhesa luz em parte que de
força a hao de bufear coma vifta
atraveíTada.Tinha o nariz propor
cionado comorofto, direyto, Sc
moderadamente levãtado: a boca
groíTa, Sc o queixo Sc beyço infe¬
rior hú pouco fahido , quaíi ao
modo que nos pintão os retra¬
tos aos Príncipes dacafa deAu-
ftria„Deítas feyções refuítava húa
certai Mageftade, que o fazia tão
grave 8c venerável, q deprimey-
ra viíla,era dequem o não conhe¬
cia julgado por efquivo Sc intra¬
tável: mas converfado nao avia
mayor brandura: era chão, fácil,
humano mavs doque fe pode crer
(effeitos da Filofofia Chriftam, Sc
verdadeyra virtude,que tempera,
& adoça o agro da natureza,&me
ihora& avécajaobom.JEraaluo
de rofto,& ãtes de chegar à muy
ta fdade inflamado fépre em cor:
mas a inflamação fe atnbuhiaa
caufa mais alta , que natural: di-
zião que procedia de trazer a al¬
ma de contino aftervoradamente
occupada em Deos: de que dava
teftimunho no rofto,& olhos qua
fi fempre levantados ao Ceo. O q
tãbè era caufa de parecer mayor
ode
 Arcebifyo
o defeito que difiemos da vifta.Sé
do moço era miúdo &de!icado de
membros, que fe duvidava fc acu¬
raria o trabalho da ftcligfáo.Com
a idade engroffou & fczCe corpu¬
lento: & como fe fe trocara em ou
tro,afsi fe mortrou robuílo de na¬
tureza & forças,fofredor de muy-
to trabalho,de vigias,de eíiudo Sc
penitencias,que nunca largava. A
compreiçao era colérica 8c fangui
nha: de que derão indicio muytas
doenças q padeceode langue mui
graves, fendo de admiravel tem¬
perança no comer <& beber. Era
de engenho fútil, claro entendi¬
mento , 8c firme memória, livre
em dizer a cada hum o que ente¬
dia, êc (o que he rarifsimo no mu
dojfofrido êc humilde em ouvir o
que cada húm lhe dizia de avifos
êc advertências: animofo em a-
cometer as coufas de fua obriga-
ção,acre,& diligente na execução
delias,cortante em as levar ao ca¬
bo,porque nenhua acometia fem
muyroertudo Sc cõfelho, parte de
verdadeira prudência. Acabando
de el pirar fizeraõ final os finos do
noílo Convento, Sc forao refpon-
dédo os Morteiros de freiras,&. Io
go cõtinuàrão os das outras Igre¬
jas,com que ficou entendido por
toda a vilía o falecimento do San¬
to. Então fe começou a ouvir por
todaelia hum pranto geral com
tão verdadeiras lagrimas , Sc fin-
timenco tãofaudofo, como íe ca¬
anhd$. Ãil
da hum perdera feu prôprjopay»
Porque quafi r.ao avia caía neíte
grande lugar s que deixaíTc de
citar penhorada com algum be¬
neficio deíle pay de todos , nos
trabalhos,nas doenças, nas necef-
fidades: ou por mey o de fu as ora¬
ções , & coníolações efpirieuaes,
ou de feusconfelhos & xfmolfas.
No Convento erão os effeitos dif-
ferentes, não fendo menos a def-
confolação, & as caufas delia nos
que aly fe achavao. Ficarão como
atonitos metidos em alto filen-
cio fem fc ouvir palavra , nem
mais que algum fufpiro fahido
das entranhas. Novo genero , Sc
nova força de dor que fecou as la¬
grimas , emmudeceo as lingoas.
Aífi acompanharão o defunto o
que reílava da noyte. O Arcebif-
po defpois de afsirtir alguashoras»1
como tinha tomado à lua conta a
põ pá funeral recolheofe ao feu a-
pofento a dar ordé nella deixando
primeiro encomedado a dons Co
negosos mais principaes dos que
aly fe acharão que lhe veftiífem o
Pontifical, & pofeíTem o PalIio.E-
rão horas que começava a clarear
o dia, 8c não avia quem qnizeíle,
nem lhe lembraíTe bufear repou-
fo. Pedirão os Religiofos que fe
defpejarte a celia, Sc deífem lugar
pera amortalharé o corpo. Aqui
ouve grade cõtéda cõos Vereado
res Sc algus outros nobres da vilía
perfuadidos, q fe era verdade o £j
Na fuás
 Livro V. da vida de D .Fr.Bcrt.dos Mari,
fuas fufpeitas lhe fazião adivinhar
aquelle era o pòco em que tinhão
mais razão de temer: Sc não que-
rião perder de vida humfò mo¬
mento o corpo do Santo, nem ía*
hir da cella. Em fim defpois de
muytas razoes & contraíies def-
pejàrao a rogo dos frades: porem,
ficarão hus guardando á porta da
banda de fora , & outros íe forão
reforçar a guarda,& acrecétar lu¬
zes Sc tochas não fò no Convéto,
mas cambem por fora defrõte da
janelía, & nos baixos q refpondé
à cella prevenindofe pera toda fu-
tileza de roubo que fe pudeífe ima
ginar,poIa janeIia,poío folhado da
cella que era de taboado,& atè do
telhado fe temião.Santos & piado
fos receyos, penhores certos do a-
mor & elevação que tinhão ao Sã
to, Sc do que fabião eftimar fuas
reliquias.Defpejada a cella enten¬
derão os que ficarão dentro com
o que eftava à fua conta. Os nof-
fos Frades com muyta reverencia
lhe tiràrao os hábitos em que fa-
leceo,que erão pera ver de pobres
Sc velhos,& remedados não por
outra mão, fenão pola mefma do
Santo.E por taes os guardarão pe
ra reliquias de eftima.Veftiiãolhe
húa túnica de lam das que coftu-
mava trazer,que pera fervir nefta
occafião tinha elíe guardada, Sc
deputada de muytos dias atraz;&
hús hábitos Sc efcapulano no¬
vos. Os Conegos o reveftirão no
Pontifical,& fobre a Cafula lhe í^,
çárão o feu proprio Pailio. Pofe’
rãolhe húa Mitra nova de tela de
ouro.E calçarão!he húas luvas de
retrozearmefi. Na mão cfquerda
hum Bago dourado que era o mef
mo cjuede ordinário ufava quan¬
do 3ndando em viiicação fazia P5
tificahna direita hum anel de pre¬
ço que o Arcebifpo mandou dar.
Mais não fahcu o Conego Luys
Gomez com fua promtfia^qutfa-
bendo o que fe fazia veyo â porta,
chamou Sc entregou
O o anel do Pa
pa Pio Quarto, q tinha em guar¬
da i como atraz fizemos menção,
Sc efte levou o Santo, como tinha
ordenado. A efte tempo chegava
também à porta o luyz de fòra a-
companhado dos Vereadores Sc
dos principaes da governança da
villa,& com a occafião da entra¬
da de Luyz gomes quiferaõ fazer
força tomando mal terem lhe a
porta,quando fe abria a outrem,
Sc a pelloa q não era da villa. Os
de détro polos pacificare admiti¬
rão o luyz de fòra, Sc porq fe nsõ
derao por fatisfeitos, pouco def¬
pois abrirão de todo a porta.Efta-
va ja oderato no meyo da cella fo
bre húa grade &fina alcatifa veiii
do emPõtificafo rofto defcaberco
Sc taobé aílóbradoq reprefétava
bem a gloria Sc alegria que íua al¬
ma levava : cercavão no muytos
brandões ardédo em caftiçaes Sc
cocheiras de prata.Todos os q en
trarão
 .Arccbijpo de JB ragd3 Prima $ das Flejpanhas.
trarao chegarão a beijarlhe as ve-
fíiduras fagradas, & coro tanta ve
neraçao,&dsvacío tocavão nel-
las feus rofarios , & outras pe¬
ças que trazião, como fe já o virão
canonizado: 8c com a mefma ven¬
do que Frtituofo Fernandes hiati
rando da cella a cama em q fale¬
cera, fahirão fora 8c tomarão os
lençoes 8c traviíTeiros,&raígàrão
tudo Sc feitas tiras & retalhos, os
repartirão entre fy, & muitos ou¬
tros nobres da viíla q de novo che
gàrão.E hum pouco mais quietos
c5 o veré & conhecere deixàrãofe
ficar cò elle. Entre tanto tinha o
Arcebífpo mandado aperceber o
neceífario pera o enterraméto &
exequias.Fezfe hu cayxãoà medi
da do corpo forrado de feda car-
meíi por détro,&de veludo preto
por fòra cõ lua cravaçãodourada.
No meyo do cruzeiro fe levantou
hua grãdcEçade tres degraos em
alto cuberta de veludo negro,&as
paredes d alto abaixo fe cubrirão
de baetas.Pédião em roda dezoito
bandeiras negras cõ as armas do
defúto,q erão as de fua Ordé.Cru
zes q rematão é flores de liz,quar
teadas as Cruzes & as flores de
brãco & negro,em tarjas 8c cãpo
das mefmas coresfq os Religioíos
não fegué regras de armaria.) A
CruzAt cebiípalpor timbre cõ feu
fombreiro emcima,& muytas vol
tas de cordões, & borlas verdes
por paquifes, 8c em roda a letra q
2\s
o Sanco ufava por ernprefa■ Ardere
lacere. Nelite conformari huic fa-
culo. Querendo dizer, &iébrar a
fy mefmo,& a todos os Prelados,
q pois eraõ Iuz,q foi o titulo cõ q
Chriftoos hõrou,dando o primei
ro aos A polidos, em cujo cilicio
fucedèraõ os Prelados, fícavao o-
brigados a arder &íuzir: arder em
fy,&luzir pera os outros.Abrafar-
fe em fogo de amor de Decs & do
proximo,& alumiar o mudo com
exéplos 8c doutrina, guardandofe
de o querer cõprazer, ou confor¬
mar com fuas Ieys.
CAPITVLO VIII
Dos requerimentos quefefi&e»
r ao for farte do Cabido'da Se}
Hf âaCamara de Braga pe¬
dindo o corpo do defunto:
CJ5 das replicas que ou-
uede parte davrf
la/S doCon-
vento.
igp| E n d ó manham ror-
nou o Arcebifpo a vifi-
gj tar o defunto feguin-
deo todos os de fua fa¬
mília cõ trajo mudado & coojfor
me a trifleza geral cubertos de
roupas de dò, & muita gente íe-
cular nobre na mefma forma,
E começoufe a ordenar levarem
ocorpo,eflãdo juntos o Clero da
Nn i villa
 hluro Vdavidaâe D.Fr.Rert.dosAtfart,
villa & termo com fuas ícbrepelli
zes & velas acefas mandado con¬
vocar geralmente pollo Arcebif-
po, 8c todos os mais Religiofos re
guiares que fe 2chavão na vi!la 8c
Conuento. A eftc tempo fe levan¬
tou empe o ConegoFrancifco da
Cofta que eftava junto com o de¬
funto^ em breves 8c concerta¬
das palavras fez hum requerimé-
to ao Arcebifpo com dous notá¬
rios Apoftolicos prefétes:do qual
foy a fuftancia, que o corpo que
tinhao diante defunto dofenhor
dom frey Bertolameu dos Marty
res pertencia de direyto à Sé Pri¬
macial da cidade de Braga,donde
fora Arcebifpo,& como tal efta¬
va ali reveftido em paramentos
Pontificaes, 8c com Pallio de Ar¬
cebifpo. Pella qual razão 8c por
muytas outras que abrevidade
do tempo tolhia efpecifícarerofe,
8c proteftava allegar quando ne-
ceífario foíTe,elIe Frãcifco da Co¬
fta Conego prebendado da dita
Sè, em nome de todo o Cabido
delia que prefente eftava pedia a
Sua Senhoria Illuftrifsima 8c da
parte de Saa Santidade requeria,
que o corpo prefenre lhes foífe
defde logo entregue pera o levaré
à ditaSè,onde lhe farião fepultura
qual convinha a tal peííoa.E não
cõíintiíTe que fendo em outra par
te fepultado.ficafte a Sè defrauda¬
da de feu direito 8c poíTe antiga,
cm que não avia duvida; pois era
notorio,que falecendo antigamé-
te algús Arcebifpos em lugares
diftantes,& fendo fepultados em
diverfas Igrejas, forao todos tref-
ladados â Sè de Braga fé mais ou¬
tro titulo que por averé fido feus
Prelados,titulo juftifsimo 8c bafta
tifsimo.Não tinha bé acabado o
Conego, quando hum Vereador
dos que tinhão vindo da cidade a
vifittar o defunto fe chegou ao Ar-
cebiifpo, 8c começou outro feme-
lhante requerimento da parte de
fua Mageftade em nome do povo
de Braga,alegando fuas razões 8c
fundamentos, & offerecendopor
remate levarem o corpo à cufta
8 c defpefa da cidade, 8c edificaré-
lhe capella 8c fepultura nobilifsi-
ma. Erão prefentes, & ouvião tu¬
do as juftiças de Viana, 8c toda a
gente do governo delia, que fe ti-
nhão juntado pera as exequias 8c
enterro: 8c ainda que conhecião
terem bom partido com apoífe,
&como bõ animo que avia nos
moradores pera afuftentaré, fica¬
rão cõ tudo alterados. Eftava cõ
elleso Capitão Caftelhano q go¬
vernava o Preíidio (não lhe pude¬
mos alcançar o nome: fò fabemos
q debaixo da ordem do Meftre de
campo Pero Bermudes,tinha a
feu cargo o Caftello da Barra que
fe hia fabricando, 8c a gente do
Preíidio , como atraz dizemos,
8 c outra foldadefca que afsiftia
ua villa.) Efte com outro Capi¬
tão
 jircebifyo de Braga, Brim as das Hejpanhas.
tao 8c feus officiaes acompanhou
fempre os Magiílrados da terra
ajjdando & acõfelhando os mo¬
dos das vigias & guardas, & acu¬
dindo com feus foldados aellas:
8c como vio a contenda travada,
tendo intéco como foldado velho
8c íifudo a procurar paz poio ter¬
mo que a oca íião moftrava mais
conueniente , 8c feguro, fez logo
hua falia publica ao Prior doCon
vento animãdoo com militar elo¬
quência a que por nenhum cafo
cõíintiífe tirarfelhe de cafa aquel
i que avendo occaíião de algua dif-
ía preciofa relíquia. E étre outras
razoes affirmava que fua Mage-
ftade fe nao averia por bem fervi¬
do de tal mudança, que pois co¬
mo poderofo mandava levantar
forças com preíidios de foldados,
8c groíías defpefas de fazenda pe
ra defenfaõ das terras de fua Co¬
roa, também como Catholico &
-Chriftianifsimo Príncipe que era,
edimaria eílarem ornadas com re
iiquias & corpos de Santos, que
erão armas mais poderoFs inda
que inuiíiveis , que os CoiToletes
8 c Arcabuzes , que os baluartes
8 c artilharia. Quanto mais que
naquelle Santo tinhão os mora¬
dores de Viana vifto experiencias
tao certas de que os ajudava em
feus trabalhos & perigos., & lhes
tinha particular affeyçao em vida,
que julgava por generode ingra¬
tidão cõíintiré fazerrelhe na mor¬
te tamanho aggravo, como feria
jrj
alterarfe o que por ultimas pa¬
lavras 8c teftamento feito & afsi-
nado de fua mão declarara fer ga¬
ito & vontade fua, que era ficar
entre elíes fepuítado, como entre
elles vivera os annos que chama¬
va de feu defcanfo,& a elles buf»
cara pera paliar nefta terra tao 15
ge da fua própria o derradeyro
quartel da vida.Fallavao Capi¬
tão com o Prior, mas bem fe dey-
xava entéder que o fim de fua pra
ticaeradefenganar os Bracaréfes
ferença não avia de fer neutral,
como porvétura fe poderiao per
fuadir por fer forafteyro:mas an¬
tes unirfe &c conformar em tudo
com os Vianefes.Porem os Verea
dores & gente nobre da vilía fem
embargo da alteração que rece¬
berão,como eftavão refolutosno
que avião de fazer, & cõ as guar¬
das 8c vigias, que os trazião aíTaz
defuelados, tinhão baftanteméte
declarado fua tenção, nao cura¬
rão de defpéder palavras (que he
proprio donde ha muyto animo
pera obras.JSò hum dos Verea¬
dores adiantandofe hum pouco
dos companheyros , 8c pedin¬
do licença ao Arcebifpo peraref-
ponder aos requerimentos, dif-
íe com foífego &c fegurança.Eíla-
mos, fenhor, em hora , que pede
mais lagrimas, & orações, que
controverlias 8c litígios. Quan¬
do foy tempo fizemos lembran-
Nn 3 caa
 Lmyo V> dá vida de D. Fr. Bert.dosAíart.
fa â voíía Senhoria Illuftfifsimâ á culpa não íerà noíTa, q nenhua
das razoes que ba pera não terem fe pòdc impu*ar a quem fe cõfer-
lugar nenhúas das q eftes fenho? Va em feu direito. Afsi o protcfto,
res aílegão. O povo de Viana tem Apercebiaofe pera replicar os
por fy a renunciarão que efte Va¬ Bracarenfes Ecc!tíiâftjeos,& fecu
rão de Deos fez da Igreja de Bra¬ lares: mas d Arcebifpo védo que
ga «Que por iíTo a renunciou,pera fe fazia tarde, que erão ji oito ho¬
nunca mais em vida,né em morte ras pâreceolhe bom meyo de ata¬
ter parte nella, nem ella nelle : Sc lhar difcordias dar o corpo em de
tudo a fim de fe tornar a fua Reli¬ pofito aos Religiofos do Conven¬
gião , & nella acabar, como aca¬ to,que era hum medo de conten¬
bou, feus fantos dias, & entre os tar ambas as partes: & afsi decla¬
Relígiofos feus hirmãos ficar fe- rou que eile o depofitava naquel-
pultado. A renunciaçao aceitcu le Convento de Santa Cruz até fe
Sc confirmou Sua Santidade, con- determinar a quê de direito per¬
ííntio nella fua Mageliade. A vo¬ tencia. Porem o Prior frty Fran-
ta Je de ficar nefta vifla Sc nefte cifco do Efpirito Santo replicou a
Cõvéto declarou a o defunto por ifto dizendo,que elle como Prela¬
Êeftamento.Quem pretender le* do daquella cafa com os Religio¬
vaííoa outra parte, manifeftamé- fos fubdiros ôc moradoresdellao
te encontrará a vontade de hum enterrava como frade da fua Or¬
Santo, & osdous poderes mayo- dem no mofteiro em que vivera
res da terra, & por ventura o do Sc morrera: & em que por ultima
Ceo. Sobre todos eftes titulos, fe- vontade fe mandara enterrar, Sc
nhor,eftamos de pofte, & o povo não depofitar.Pelo que declarava
determinado em nao cahir delia. Sc piroteftava que o não recebia
Que quem tanto fente faltarlhe em depofito: mas que o fepultava
hfia vida em que não tinha poder como a hum Rtligiofo morador
(como bé teltemunhão os olhos do Convento, aonde por efta, Sc
de todos os prefentes) mal acaba¬ por todas as razões pertencia,
rá coníigo largar o corpo que tem
em fua mão.Nao permittirà Deos CAPITVLO IX.
que acompanhem ou figão tragé¬
dias & efcandalos o triunfo com Da ordem com que o defunto foi
que efte Santo entra oje no Ceo,q leuado a Igreja, Cf daf oleni~
iíTb fio eu já do amor que nos ti¬ dadecomque fe celebra*
nha em vida, & da promdfa que
rao as exequias.
nos fez morrédo.Mas fe os ouver,
Em
 Arcebifyo de Bragd, Primas das Uefpanhas.
M quanto duravão os
|||^ requerimentos referi-
“dos tratarão os Religio
fosdeacomodarêo cor
po no cayxão, em que avia de fi¬
car fepultado, & de prefente avia
de fervir de tumba pera fer leva¬
do. E chegandofe a elle quatro
dignidades da Sède Braga com o
Prior, & Supprior do Convento,
lançarão primeiro hua gra nde col
cha da índia muyto alva 8c fina
eftendida de maneira queoqdel
la fobejava por fòra encubria todo
o caixão. Sobre ella hum travifei-
rodeolanda que o tomava todo
ao comprido, 8c na cabeceira húa
almofada defetim carmezi:& pu-
ferãoemcimao corpo com muy-
ta reverécia.Logo começou o Of-
ficio da Commendação. Sendo a-
cabado, tomarão os mefmos o cay
xao em hombros & começou a
mover aproeiíTao por eílaordé.
Hião diante acõpanhando a Cruz
muytos Religiofos de S. Bento, 8c
S.Franc fco,& da Companhia dc
miftura com os do Convento. Se-
guião os Clérigos em grande nu¬
mero, 8c ultimamente o Cabido
da Sè cõ fuas fabrepelizes, &c mu?
fas, todos com grandes velas nas
mãos. Cerravao a prociíTaõ o cay
xão,& apozelle o Arcebifpo cer¬
cado das juftiças 8c governo da
terra, Corregedor, Iuyz de fòra,
Vereadores com toda a nobreza
da villa,& de Braga, 8c os Capi¬
214
tães Caftelhanos cõ feus officiaes,
Afsi forão caminhando pera ai»
greja,mas não avia poder romper
polo grande numero de povo que
fe tinha juntado nío íòda viíla,
mas de todos os Lugares da coma?
ca. Mandoufe abnr a porta das
craftas, & nemiííb baftou , potq
a Igreja cõ fer grade eftava cht ya
8 c da meíma maneira eftavao dor
mitorios , & clauftro, 8c atè no
adro,& nas ruas, & janellas & lo-
geas que caem nelle era tanto o
aperto de gente que não cabião,
E ouve muytos enfermos que fe
fizerao levar ao Convçto com ef-
perança de remedio a feus males
por merecimentos do Santo. Mas
parece que fe cumprio aqui oq
ellc diííe que não fe eíperaíTem
milagres na fua morte, porq não
nos cólta de nenhum que neita
conjunção ouveíle, avendo muy*
tos (que contaremosjpclo tempo
em diante. Quiz o A rceb!fpp cõ-
decender com a devação do povo
Vendo tamanho coneurfo,& man
dou guiar pera a portaria, & fahir
a prociíTaõ ao adro 8c dar volta
por elle ao longo das cafas dos fe-
culares pera vire a entrar na Igre¬
ja pola porta principal. Com tudo
íe caminhava com demaíiado va¬
gar, porque a gente recrecia,& to
dos trabalhavão por chegar de
perto , 8c ver o roíio do Santo êc
tocarlhe as velfiduras. Tanto que
fahio pola porta ria, 8c foy vifío do
>ía 4 povo
 ^ - §er
Livro V. da vida de D. Fr. Bert.dos Man.
povojlevântoufe bua voz de pran¬
to tão extraordinário & piadofo,
que infenfivel era quem o não aju
dava. Hus lhe chamavão pay de
pobres,emparo de orfaõs, & viu-
vas:outros confolaçao de atribu¬
lados,remedio de alfligidos/aude
de enfermos, & a voz gèral de to¬
dos era Santo,Santo:& de manei¬
ra fe ajuntou, & apertou aqui a
gente, que parou a prociífaõ fem
poder dar parto adiante. Traba-
íhavão os officiaes de jurtiça quã-
to podião por fazer lugar, & por
njuyto que fe cançárao,era ja mui
tarde qrando chegou a entrar na
Igreja. Da porta da Igreja arè à E-
ça ouve novo trabalho pera poder
romper.Porto o cayxão fobre a E-
ça foy cercado de grande numero
de tochas & brandões com que a
Igreja ardia em fogo. Ficarão en¬
cima dous Sacerdotes com feus tu
ribulos encéfando:& outros qua¬
tro que recebião Rofarios & len¬
ços que tocavao no Santo : & à
roda fe poz guarda pera defender
a fobida: porque ainda ali fazião
força por chegar, &fobião osq
podião a lhe beijar os pès & as
roupas:& era a preífa & o rumor
grandifsimo. Começoufe o Offi-
cio com toda folenidade, mas o
concurfo & alvoroço da gente q
de novo entrava, &por chegar,
oufobiràEça,featropellava hua
â outra caufava tal inquietação êc
tumulto em toda a Igreja, que ne
fe ouvia o Officio,nem os que o fa
zião fe podião entender. Toma¬
rão então por remedio dar licença
franca ao povo que fobiííe à Eça
por ordem entrando todos por
húaparte, & fahindo por outra.
Com ifto foflegou hum pouco o
rumor não ficando peíToanenhúa
que deixaífe de chegar ao Santo.
De forte que podemos aqui apli¬
car o que fe conta do enterro . ^
de Santa Paula em Belem, onde ** rnn%
r ^ in
aconteceoque ie contava por tsi-s.rauiA
crilega toda a pefloa que não che¬
gava a beijarlhe o vertido .Cantou
a Miífa o Arcebifpo, pregou feu
confèílor & companheiro & Re-
ligiofo da mefma Ordem c Padre -
Frey lorze Queymado, que def-
pois foy confagrado cm Bifpo de
Fez dignidade titular.A pregação
fez quietar a Igreja, defejando to¬
dos ouvir as obras gloriofas do
Santo,das quaes os mais erão te-
ftemuinhas de virta, ou as fabiao
por relação de fens vizinhos: ef-
feitos de amor verdadeiro, q não
fe paga de ouvir hua fò vez, fenão
muytas,as coufas que eftima. Foy
othema dofermão a fentença q
o Santo trazia por emprefa, & fe
viaefcrica em todas as bandeiras
queondeavao polo cruzeiro:Jr-
dere & lucere: nokte conforman buic
fccculo. As quaes derão occafião ao
Pregador de levantados concei¬
tos, 8c fantas cõfiderações aplica-
doas a notáveis particularidades
da vi-
 Arcehifto de Braga3V rimas das Hefpanhas.
da vida do Santo, com que o audi
torio que por fy eftava benevolo
& devoto, fe moveo de novo, de-
maneira que as lagrimas eraogè-
raes,& por toda a Igreja íoavão
fofpiros 8c foluços. E acabado o
fermão com nova devação fobião
a ver, 8c reverenciar o Santo, co¬
mo fe nuca o teverão vifto.E por¬
que o grande refpeito com que o
venera vão atava as mãos a todos,
pera fe não atreverem a cortar as
veftiduras fagradas,comolhes pe.
dia o defejo,fartarão a pia cobiça
de levar relíquias, nos panos que
cobrião a Eça, cortando 8c rafgan
do tudo cm miúdos retalhos, &
com tanta preíTa,q fe empuxavão
hus aos outros, 8c encontrandofe
cahião defatentadamente. E não
valeo às bandeiras eftarem em al¬
to,que com ferem tantas, & pare¬
cer que polo íitio eftavão feguras
da devação, achou ella remedio
pera as alcançar & derribar, & ne
nhúa ficou,que não vieíTe abaixo,
8 c feitas em tiras muyto delgadas
ainda afsi fobejavão requerentes
pera cada pedacinho. Defpois q
todo faltou,não faltou quem in-
vetaíTe novo genero de relíquias:
cortavãofe lafcas dos degraos da
Eça,com que muytos não poden¬
do aver outra coufa-forão conten¬
tes. E notoufe por maravilha que
eftando o tabernáculo da Eça ar¬
mado em roda 8c crefpo de gran¬
des puas de ferro de pontas agu-
21 j
das, 8c fendo tanto o concorfo 8c
encontros da gente, que fem po¬
der ai fazer fe derribavão & pifa-
vâo defatinadamente, não fò não
ouve nenhum encravado,mas né
levemente picado. Durou efta
marè em movimento continuo a-
tèas quatro da tarde, que foy o-
ponto em que acabou a Ivíifta, 8c
então forão dando lugar peraíè
levarocorpoà fepulcura.
CAPITVLO X.
Comofoyfepultado 0 Santo Ar
cebífpo.
ytmgs °MÓ tempo tor-
SÍpIIÍhS nárão à Eça as mefmas
'* dignidades 8c Religio-
Jfos que tinhão trazido
o Santo , 8c tomando o cayxão
nos braços vierao comelle atèo
pèdo altar mòr , onde o aííenta*
rão.Aíy lhe beijarão a mão com
muyta reveiécia, 8c cubnndolhe
o roílo com hua toalha dobrarão
íobre as roupas Pontificaes as bor
das da colcha q decião das ilhar¬
gas,pès 8c cabeça,& encima fe af-
íentou 8c pregou a tafoa do tam¬
pão,que era forrada dentio 8c fò-
ra,como difterros do caixão.Efta¬
va aberta húa grande ccva no
presbitério da parte da Epftcla,
de maneyraque ficou o prtibite-
riofey to em carneyro vazandcfe
dc todo 0 entulho, 8c ficado á ro¬
da
 Liuro V. da vida de D, Fr. BertJosMart.
da fomente as íageas. Aqui mete-
mo o caixão, Sc fem íhe lançarem
terra nem caí vierao officiaes que
ajuntarão Sc acomodarão em ci¬
ma as íageas. He de fabet que lo¬
go étao teverão os noííos Padres
refpeitoà tresla dação que era ju-
fto fazerfepera lugar rnais decéte,
8c eíTa foy a razão de deyxarem
defocupada a parte do Evãgelho,
onde defpois fe lhe lavrou felt
muymento, como adiante vere¬
mos.Cerrada a fepuítura mãdou
o Arcebifpocubrilla, por lhe não
ficar nada por fazer de magnifi¬
cência , com hum grande tabur-
no cercado de fua grade de ba-
lauíles, Sc forrado de veludo pre¬
to, & atraveífado de hua Cruz de
fetim branco. Não fe derão por fa
tisfeitos os moradores de Viana
com verem o Santo em fua terra
fepultado,cuberto & rodeado dc
hum muro de groíTos & pefados
marmores:fe nao que quizeraõ
fazer demõílração a todo o Rey»
no que o animo & determinação
com q refponderao aos requeri-
metos do Cabido, Sc. cidadaõs de
Braga nacia de peytos em q avia
muyta honra & devaçaò. E defta
hora em diante ficàraõ na Igreja
por ordem da Camara trinta ho-
mcs armados,& tantos continuà-
raõ defpois muytos dias fem fal¬
tar momento de dia,nem denoite
revezandofe ordenadamente com
fuas armas na maÕ como em au¬
to de guerra. Atè que o Prior, &
Padres pedirão à Camara quizef-
íem efcufar o trabalho, que pera o
povocra cufloío, peraoConven¬
to de muita inquietaçaõ,& perao
intento com que o começàraõ fu-
perfiuojvifio comopaílava de trin
ca dias que aly afsiítiao, o que pa¬
recia baftante termo pera a de-
moitração pretendida.Que quan
to a fcgurança daqudla fanta pré-
da aílaz confidentes eraõ os Reli—
giofos do Convento,como interef
fados ncífa por partes iguaes, &
ainda com aventagem. Difficul-
dade moftràrão os nobres, & não
menos o povo : mas confideradas
as razões quefe davaõ por parte
do Convéto, & vendo que por fer
paliada a occafião & necefsidade,
fe efeufava a guarda: & que fe du-
raííc mais tempo fe atribuiria 3
hum genero de rebolaria, 8c ofté-
tação vam,mais que a devação 8c
amor que na verdade tinhão ao
feu Santo,que foy o que os obri¬
gou nos primeiros acometimétos,
deixàrãofe vencer dos rogos dos
padres lançando o ainda em íer-
vico ao San to, pois agradavão nif-
fo aos q elle amara como hirmaõs
Sc cÕpanheiros. No dia feguinte,
defpoisdo Santo enterrado ama-
nheceo fobre a fepuítura hum di-
fiico Latino,que por fer compofi-
çaõ de hum eftudante mini no, &
natural da villa nao pareceo indig
«o do lugar, nem de lhe darmos
nefxe
 Arcebifpo de B raga, Primas das Hcfyanhas. 31$
neíle memoria.Dizia afsi. pão pudemos averiguar tempo,
Ardere, & (ucere jubet, %ui luxit nem lugar certo,fora inaduerten-
& arfit, cia querellas tecer com a hiftoria,
Luxit mim exemplis, arft a* que em quanto foy pofsivel vie¬
more Dei. mos trazédo Sc continuando por
A fencença he fundada nas pri- annos,& tempos fabidos. A ordc
meyras palavras da emprefa do que neilas teremos, fera a que oc
Arcebifpo , & queremos verfos dinariamente feguemos efcrito-
dizer. Manda arder Sc alumiar, res de vidas de Santos, que bc re¬
quem ardeo Sc alumiou, deu luz duzirem os cafos que no difcurfo
com vida excplar, em fanco amor delias lhe não couberão, ás virtu¬
fe abrazou. Como he ordinário des a que pertencem.
não fc conhecerem de verdade os
bés fe não defpois que falcão, cre*? CA PITVLO XI,
cerao as faudades do Sanco Ar¬
cebifpo por coda a província de
alem Douro em geral& em parti¬ J)a profunda humildade, quç
cular de maneira que quafi em ca 0 Santo Arcebifpo guar-
da cafa& em toda conuerfação Sc daua emfuas obras &
ajuntamento de homés fe não fa¬ palauras,
lava nem tratava doutra coufafe
não da exccllencia de fuas virtu- Em todas as virtudes
Pl
des.Logo apontava cadahu as q Chriíiãs entre fy tal
fabia, 01 os cafos Sc exemplos de paréteíco,tal conexão,
que tinha nocicia,&afsi cempera- & encadeamento, que
vão o fintimento que em todos em dizendo homé virtoofo,he cõ
caufava fua falta, Sc acédião Sc a- fequencia forçada que não feja
Vivavão adevação que lhe tinhão. deícuydado emnenhúa: &dizé-
Omefmo mepareceo que eftava à do Santo ha defer em todas pro¬
minha conta fazer nefte lugar pe¬ vado. Mas ifto não tolhe efmera-
ra confolaçao dos devotos: Sc de- remfeos Santos com mais perfey
terminey empregar algus capítu¬ çãoem huãs,quenoutras. Asem
los em recontar particulares exé- que nos cõtáo queforão infignes
plos que o Santo Arceb fpo nos aventajadaonente, ouve cafos,áZ
deyxou em muycas virtudes, os encontros q o mamfdfàrão. Nas
quaesnos caem aqui em feu ver¬ outras em que náoteverão me¬
dadeiro fitio. Porque como forao nos exccllencia, ou ^conteceo fal¬
^oufas, cm que pola mòr parte tarem provas,que as publicaílem
 Liuro V. davida de D. Fr. Bert. dos Marl.
ôu permittio Deòs que fiçaíTem doem rodas quê afsi fe adiantóii
efcõdidas ao mundo. Que fegun- fiefiaS.B pois temos dito que a htt
do meu juyzo, o menos dos San¬ miídade he fundamento, vejamos
tos he,ôque vem aos livros. Por¬ píimeirofé Ouve nelía algum exé-
que como a humildade feja a bafi pío fobre os que no difeurfo do q
de todas as virtudes, quanto ma- temos eferito ficão jà apontados.
yores Santos, tanto mais humil¬ Era o Arcebifpo tão humilde de
des, & por confeguinte mais cn- coração, que era nenhum tempo
Cubridores do ouro fino de íuas fe lhe notou âêlo que chciraífe a
ptoezas, lançãono no centro da foberba ou vagíoria. E começan¬
terra,là o efCondem,&de nenbúà do polas difputas das Vniverfida-
coufa fe tememi tanto, como dos des , onde o brio das fciencias
olhos dos homês.Nefie noffo Sa¬ cria &a!evanca hum certo ar de
ro temos exemplo de tudo ,porq inchação, conforme ao queeífíà
foy em todas as virtudes abaliza¬ eferito : Scièntia inflat. E parece i-adCerl
do, &com eftremo efcondedor que fe pode fobreievar ncilas aí-f*8*
delias,como o vimos naqueíle eí- gua alnveza,ou ofienração por
pantofo final, que pofto em lugar honra das letras:de maneira fe
tão publico como he hna mão, 8c ouve neÍIas;que fendo letrado cõ-
mão direita,& nas cofias delia cô fumado, 8c mofirandoo na força
tudo nunca delle fotibemos fenão das razões 8c agudeza com que
iio cabo da vida,& vida de longos arguhia,ou refpondia, tanto edifi¬
annos; & por hum fò homem , q cava aos ouvintes com a brandu¬
fe acertara a faltar naquella con¬ ra 8c humilde termo que em tu¬
junção,ficava o final fepultadocõ do & com todo s ufava, comoef-
feti dono, 8c ignorado no mundo. pantava com o engenho 8c alto
A fsi não he pofsivel darmos razao juyzo. A fsi perguntava defpoisde
particular de como fe ouve em ca Mefive,aísi eftimava os pareceres
* da virtude. De rnuytas tem feito a alhevos, como fe entaõ começara
hifioria baftante mêçaõ.-de outras a fer difcipulo.
deixamos de tratar atègora, por Aconteciaíhe no têpoque era
não cortar o fio da narração que Arcebifpo em câfos diíficuítofos,
levamos, & daqui em diante lhes defpois de os ter bem eftudados,
daremos fe.u lugar. E facilmêtefe cõfultallos em Relação, êc apõtar
poderá perfuadir quê quizer fazer clle mefmo as duvidas,& os argu-
rejfto juyzo, que ainda q de algúa mêtos pro utraque parte,de force
não contemos cafoafsinalado,era q os defembargaderes pelo traba¬
como impofsiveí naõ fer efirema- lho alheyo,& íem nenhum íeu. vi¬
nha©
 j4rcebifjjo de B raga, Vrimas das Hcfpanhas.
a
nhao cariirna deciíao da diffi-
culdade, que dantes não atina-
vao , Sc facilmente refolmo a
matéria. E era tal a natureza do
Arcebifpo que a elles referia tu¬
do affirmandolhes que elles com
feu parecer o infinàvão, Sc qme-
tavao. E fe fucedia enconcrarfe
com elle algum Defembargador
nas opiniões (o que poucos Pre-
íideotes tomão bemj dava fua
razão como igual fem nenhum
genero dc império , nem por¬
fia.
Nos exames que chamao de
concurfo pera provimento
benefícios, a que fempre queria
fer prefente,fern embargo de fe¬
rem os examinadores homés dou
tos & virtuofos ; fe acertava a
aver votos encontrados , ou i-
guaes, & ficava fòno feu a de¬
terminação de quem avia de le¬
var o benefício, fiava tão pouco
de feu parecer, que por não che¬
gar a refoíverfe por elle o nego¬
cio, procurava com toda diligen¬
cia que os examinadores fe con-
formaífem , & aíTentaíTem juri¬
dicamente no provimento :
quando não bafiava , mandava
vir de fòra outro letrado pera que
votafíe dando chammente a en¬
tender que fe cinha em conta de
faber menos que todos, 6c como
tal fetião atrevia a tomar fobre
fy aquillo em que homés fabios
jsi7
Sl tementes a Deos variavão»
Quando de palavra era con-
fultado em algum caio , inda que
foífe daqiieíles em que andava
viís.o 6c refoluto, refpondia que
veria os livros. O que não fazia
comooje coílumaõ os letrados,
ou por credito dafciencia, ou por
melhor venderem a fua: mas fò-
métepor fogirao fumozinho da
vamg oria de fentencear de re¬
pente. A muytos efpantava muy-
to a igualdade de animo com que
levava as apellações de fuas fen-
tenças,ou mandados pera mayor
de poder: fendo a coufa que tão mal
toma qualquer julgadorzinho ,
que polo mefmo cafo não entra¬
rá o apellante ja jnais com elle em
jogo. E o Arcebifpo não íò fe não
efcandalizava, mas com a boca
cheya de rifo refpondia às partes
que faziao acertadamente, porq
de fuas faltas Sc ignorâncias acha-
riao eiles emenda na mòr alçada,
6 c elle defcargo certo de fua con-
ciencia. Se efie era final provado
de humi!dade,muyto fe lhe aven-
tajou o que agora contaremos.
ôc Era o Arcebifpo no Concilio
como atraz referimos, o mais efii-
mado voto daquelia grande Con¬
gregação, Sc tal era feu parecer
em todas as matérias: tão eftuda-
do, Sc tão apontado o trazia, que
acontecia muytos daquelies Pa¬
dres gravifsimos, & lumes daChri
Oo fiandadc
 K Fr. Bert. dos Alart.
ftandade, tocandolhes dizer, não lhe nao valeo a traça coftumou
fazerem mais que tirar o barrete, defpois, tanto que votava, pedir
Sc dizerem que fe hião cõ o Arce licença & fairfe da congregação.
bifpo: & ufaváo delia brevidade, Mas pera conuencermos que não
Sc palavras formaes: com o lllujinf ouve neíle aéio impaciência,nem
fmo Bracarenfe. E era necdlario outro vicio de animo, cae aqui bé
aoArcebifpo fintindofe nomear o que vimos por letra do padre
a cada paí!o,não faltar cõ a devi¬ frey loãoda Ciuz quandoiílo ef-
da cortezia de corpo & barrete creviamòs.E foy que rezando co
(honra,que em qualquer grande o Santo no Coro,defpois de reco¬
fogeyto pudera criar azas de vai¬ lhido em Viana,o aduirtio alguas
dade, porque fe notava no preço, vezes de cerio defeyto cue fazia,
que fe dava a feu voto,que fò elle & porque fe não emendava lhe
era a guia & meneyo do mais gra diííe hú dia.Voíía Senhoria nao
ve Senado da terra,& o que tinha fe emenda. E o Santo com toda
é fua mão os corações detodos.) humildade refpondto. Hedefcoy
O que outrem febre maneira eíli- do,dayme hua grardepefccçada
mara, elle o aborrecia em tama¬ (forão palavras formaesj fe me
nho eílremo, que hu dia nao po¬ não emendar.Híle Padre o tratou
dendo fua humildade com a ear- muyros annos & defpois por fu as
ga de tantos llluftrifsimos Braca- mãos o veyo atreíladar,fendo nof
renfes, que lhe davão os que com fo Provincial fegúda vez, como
elle fe ccnformavão, defpoisde logo contaremos.
ter tirado obarrete infinitas vezes A hum hemé que vindeovi-
finalmente vencido do que fintia, fitar entrou com grandes exagera
deu com elle no chão.A&o ao pa ções de louvores das obras &
recer arremeífado, Sc que em tal virtudes com que illuílrava o Ar-
lugar fora reprehenfivel, fe não^ cebiípado, & traz efta adoração
tevera por fy o geito,cõ que ofez, propozeemo acontece no mun¬
nacido de húa vehemétifsima dor do, húa petição de negocio dif-
que publicamente fe lhe enxerga¬ ficultofo: aos louvores fe.carre¬
va de fe ver tãoeftimado.Se não gou, como outrem pudera fazer
quizermos cuydar que ofezàfin- aoprobrios, Sc à pitiçao refpon-
te, pera furtar a volta à tétaçao Sc deo fecaméte por razão do prclo-
ao tentador, Sc ficando com efie godizcndo.C^Ktí bemoprtus bonu
defar deminuido da grande repu¬ ‘Vinum ponit , tunc deinde quod di- Ioan
tação em que eflava: Sc porque ter ms eTt: dandoihe a entender.
que
 A rcebíffo de B raga, Primas das Hefyanhas.
que errara os rermos, emoífcre-
cer primeiro o vinho vinagre ,
que portal tinha o de ícus ga¬
bos: «Se defpoiso menos mao da
petição, & por iíío como ignora^
te Arquicriclino não merecia na¬
da. Afsi, como alguém o louvava
acudia logo com o verío do Pfaí-
,ioi miíla.Et quilaudabant me, aduerfú
meiurabant.Porque lhe não davão
menos pena louvores proprios
no rofto, que conjurações de ene-
migos.
Sendo Provincial da noíía Or
defa o Padre frey Eftevao Lei¬
tão^ viíícando por feu officio os
Conventos de alem Douro, che¬
gou como era razão por cumpri¬
mento de cortezia ver o Arcebif-
po na fua cidade. E praticando
hu dia com elle varias matérias
veyo afallarno rigor demaíiado
com que o via tratar fua peíToa,
& com liberdade de amigo (que
o era miiyto feu) &dereIigiofo
foylhe eftranhando a aufterida-
de de vida que feguia fendo ve¬
lho, & indifpolto, & fendo fua vi¬
da muyto neceíTaria na terra. Que
faria nefte paíTo ãqueíla profun¬
da humildade? Reconheceofe a fy
por frade de São Domingos, Sc
a qué o advirtia por Provincial de
fuaOrdé:a fi por fubdito,a elle por
Prelado,lãçafe por terra, & pro-
ftrafea feuspès c6 húa humilif-
fima Venia (coílume fanto da nof
fa Ordé,aquc eità obrigado todo
ar p
oReiigiofo,qnado he reprendido
do Preiado.jConfufo & como fo¬
ra de fy oProvincial de ver tão no
vo Sc nunca vifto exemplo de ver
dadeyro humilde em hum Prjnci
pe da Igreja velho na idade,& no
foroimmediato ao Papa,não fou-
be fazer outra coufa fe não derri-
barfe da rrtefma maneira Sc eiien
derfe no chão proteldando que el
le era o que devia a Venia. Afsi fi¬
carão ambos em terra, & em fáta
porfia, de quem ficaria nella mais
tempo, porque eífe era o final de
fubdito,& de mais humilde.Nem
hú nem outro queria ceder,éfim
íatisfezfeo Arcebifpo cõ lhe pe¬
dir o Provincial que ambos a hu
tépo fe alevãtaífem,
CAPITVLO Xíl.
Daliberdade, tA inteire&a, &
gravidade to q procedia nas
coufas de jua obrigacao.
^ A hua humildade que
procede de animo ca¬
tivo, fervil&apoucado,
cujo verdadeiro nome
não he humildade, fe não vileza,
Sc abjecção: &o feu contrario he
altiveza. E afsi como o meyo en¬
tre prodigalidade , & avareza
he a liberalidade : nem mais
nem menos confiderados os dous
eítremos vicioibs, quefaõ abjec-
Co z ção
 Livro V\ da vida de D. Fr^ Bert.dos Mart.
Ião,& altiveza fica no meyo a fan
ta & graciofa humildade,tão dig¬
na de louvor,como os dous cifre¬
mos de vitupério, & com igual di
ftancia dos eltremos: porque c]uá
to foge de altiva,tanto fe a óga de
vil & abjedta,cõiorme ao q notou
hú bo eí pi rito de noffa idade.
Virtus extremú eft, ^oiuumji rej-
Jâc Tal piás rvnum,
Val i 4.
Si duo: dic médium. Nam difsi-
Oper.
Toet* í&f duobus 4
Tal era a humildade do noíío Ar
cebifpo:com aqual ajuntava húa
invencível fortaleza. Que fazem
ambas fcrmoía irmãdade. Porq
não ha coufa mais bella aos olhos
de Deos & dos homes, que hua
profunda humildade muyto Vale¬
ro fa, & hum alto valor muyto hu
milde, valor fem foberba, humil¬
dade fem medo* Afsi fabia o Ar-
cebifpo vnir com perféyta humib
dade hú modo de proceder em to
das fuas obras tão grave,tão intei
ro& livre,que grandemente au*
torizava o officio paíloral, Sc não
realçava menos fua humildade,,
Quãdo fe fazia preífes pera a jor¬
nada que fez ao Santo Concilio q
acraz contamos, nao faltou hú a*
migo,que vendo apreíTa com que
queria partir, lhe eftranhou fazel-
lo fem tomar primeyro licença
delRey Dom Sebafhao , & da
Raynha que governava o Reyno,
lembrandoihe que como vaffalo,
Sc como agradecido tinha obriga
çao,de moífrar fogeição & refpey
to aquê o poíerâ em tão honrado
lugar: Sc que nao avia duvida fe
nao que a Raynha Sc os do cõfcr
lho tomarião mal fua ida afsi arre
batada:& que fe arrifcava a aigú
defgcífo polo têpo adiante. Livre
Sc animcfamente refpondeo, que
elRey o fizera fubdito& immedia
to ao Papa, & o Papa o mandana
chamar com toda brevidade,que
por nenhúa maneyra efperaria
outra licêça,nem recado,q pudef-
fe fer occafão de deixar de obe¬
decer aquem por direyto Divino
efiava obrigado: Sc cõ admiração
de todo o reyno fe poz a caminho
êcapareceo emTréto tãotéporlo
q foi o primeiro PreladoEfpanhol
q naquella cidade entrou, como
em feu lugar diífemos.
K4uytos annos defpois fucedeo
queafsiífindó em fua Diocefiaf-
folueo de AbbadelTa em hú Mo-
fteyro de fua obedienciahúa Reli-
giofa do fangue mais illuílre do
reyno & â mãdcu paífar a outro,
por quietar difcordias. Iuntàrãofe
osparétesjfizerão queixas a elRey
Dom Sebaftião, Sc alcançarão q
efcrevtífeao Arcebifpo, Sc com
efficacia lhe pediífe a reftituyçao
da Abbadefl a aoCõvéto Sc ao car
go.Mas não ouve coufa q dobraf-
íe a inteireza do prelado. £ não fò
nao troceo hú põto do que tinha
feito no negocio, mas refpondeo
a elRey com autoridade, Sc va¬
lor
 Arcehijpo de Braga, Primas das fíefvanhas.
lor Apoílolico, Sc coacluhia a car
ta com eílas formaes palavras. E
porque fenhor, polos negocios q
precederão norte Morteiro, Ôc os
termos em q o eu agora vejo, de
neahua maneira porto fazer meu
ohicioeomo convém, nem reme¬
diar o dico Morteyro tornando a
eíle erta Religiofa. Peço a V.Alte-
za me faça mercê, aja de S. San ti*
dade,ou de quem feu poder te ver,
que pois efte Morteyro he da Or-
dem de S. Francifco dèobediécia
ao Padre Superior da mefma Or¬
dem nerte reyno. Porque confcífo
a V. A.que ficando na minha, fe-
gundo a coufa vay,eu não poderei
nuncaeftar femefcrupulos, q me
dem mttyta inquietação. Atequi
faõ palavras da carta.
Entrando elRey D, Filipe fegu
do em Portugal logo nos primei¬
ros mefes de fu a entrada, & antes
das Cortes dc Thomar, vierao a
Braga por certa occaíião húas co-
panhias de foldados Caftelhanos,
ôc alojarão nella. Era coufa nova
pera os moradores o modo do ga-
falhado, & intolerável o termo q
naqnelles princípios ufavão,pedin
do com arrogancia , tomando co
foltura,termo nacido, ou do favor
dos bos fucertos ou de ferem no¬
véis na milicia, que eíles chamao
bifonhos. Foy avifado o Arcebíf-
po que andava fòra da cidade:aííi
olintio como fe a vira diante de
feus olhos arder, ou faquear. Ef-
j i <f
creve logo a eíRey com híía izerr
çao que já não he conhecida nem
coftumada no mundo,que aqueí-
la cidade quafi tao pouco per tem
cia a fua Magéftade no temporal*
como no efpirituai: que toda era
da fua Igreja: que nem era porto
de mar pera aver mifter prefídio:
nem tinha feito desferviços, por
onde mereceffe fer afrontada. Pe¬
lo que pedia a fua Magefhde foF
fe fervido de mandar defpejar á
terra de taes hofpedes, Sc junta*
mente palíarlhe provifaõ pera
que nunca mais encraíTem nelía
outros femelhantes: ou lhe fizef-
fe mercê de o querer aver por li*
vre do Arcebifpado, que não fal¬
taria quem melhor o feruiíTe neF
le: porque como era frade pacifi¬
co não fintia em fy animo pera
fofrer em fua cafa fem necefsida*
de gente de guerra. Defiriolhe
elRey com grande prontidão Sc
benignidade polas informações
que jaxinha de fuas partes: man¬
dou fahir a foldadefca, & junta¬
mente defpachar a provizão, afsi
ôc da maneira que o Àrcebifpo
pedio, Sc com a claufulaque em
nenhum tempo fe fizefie mais a-
lojamento de foldados na cidade:
ôc afsi fe cumprio em todo feu
tempo.
Com a mefma inteireza quan¬
do veyo às Cortes de Thomar
no anno de oitenta & hum , co¬
mo em feu lugar contamos, to-
Oo 3 das
 Líuyo V* davida de D, Fr. Bcrt.dosAíart.
todas as vezes que vio a elRey, &
lhefallou,ou efcreveo,antes &def
pois das Cortes, he ccufa certa q
nenhum outro termo ufcu, fenão
o de Alteza* E fendo advirtido
húa vez & outra, nunca mudou
eíhlo,refpondendo o mefmo, que
muytos annos antes tinha dito,
quando fe encontrou com o mef-
mo Rey, Sc o vifitou em Catalu-
nha,&feguio o mefmo modo de
failar : que pera os Reys da terra
baftava o titulo de Alteza rode
Mageftadeera fò de Deos. Não
faltarão juyzos, que fempre ha
nas republicas,mais ocupados em
feitos alheyos, que nos proprios:
os quaes difcorrião,que efta con-
ítancia rédera ao Arcebifpo a fua
tão fufpirada renunciação do Ar-
cebifpado, fundado em razão de
eftado,& na lição das hiftorias an¬
tigas , que em Reynos de novo a-
quiridos não arma, nem agrada a
Governadores prudentes deyxar
em primeyros lugares, ânimos fo
bejamente inteiros Sc livres. Mas
ha hús juyzos, que de muyto agu
dos paílão levemente a temerá¬
rios, & tal deve fer tfte. Porque a
liberdade do Arcebifpo como na-
cia de hum vivo zelo da honra de
Deos,que em tudo felhe enxerga¬
va , fazendofe íintir não defagra-
dava,pungindo não efcandahza-
va,nem era mal recebida de pey-
tos magnanin os & pios qual era
odelRey do Filipe. E em prova
diíío guardamos do propofitope
ra efte lugar húa carra que de
Braga efcreveo ã Raynha Dona
Caterina delpois que largou ogo-
verno deíles Reynos,que teve na
menoridade deiRey dom Seba*
ftião feu neto: na qual fe verá quã
defenganada & izentamente ío-
hia dizer as verdades,fedo a Ray¬
nha a peíToa do mundo,aqué elle
mais obrigação reconhecerdevia.
O treslado delia tirado do orginal
que fe achou na torre do Tõbo,
ouvemos por mão Sc letra do Li*
cenciado Gafpar Aluares de Lou*
fada Machado, que outras vezes
temos nomeado, Sc ao diante no¬
mearemos. E he à quefefegue.

V
CARTA.

ER A & (eterna celftudo.As <ne%es temo ter me V. Alteza por efque

cido.E forqueeu antes queroJer tidopor atreuido,que por defconhectdo
faço agora ejlaJJ' faria outras <vezgs fe nao arreceajfe tfadar. Efpecial-
mente porque fe de mim ouuer de efcreuer nouas^nunca tenho que dizerJe nao an
gufiias ítf amarguras d efte mar}em que Vcfja Alteia me lançou, h pois afsi het
Nofjo Senhor lhe deu a mais quieta natda aoprefente}que emJeu efiado podia
tfperar}conuem que entre os mais gemidos que dà diante do Senhor, gema tam- <
bem
 ArcebifpQ de B raga, Primas das Hcganhas. g
bem polos indignos operários que meteo m vinha dó Senhor (dos quaes eu fouy
o m.iyo) 'Jpedindolbe que perdoe afsi a culpa dá eleição,como as culpas dos eleitosi
afsi como também a mim conuern pedir que perdoe o Senhor a culpa da eleição
pola defculpa da intenção. E naufe efqueçaFofa Alteia agradecer muj to* ao
Senhor na o a leuar no tempo de feu gouerno, mas dar lhe tempo pera chorar as
faltas do dito tempo, E tanto je tenha por mais alumiada do Senhor yuanto en¬
xergar em fy mais faltas no tal officio; tf nunca fe lifongee a fimjmi dizgndo
fi\° pude,Porque ijfo ejcajjdmente o podia diger a diligencia de São Paulo,
prmcipalmete quem rege nefle tempo tão nvoluntarwfo tf reuel a tóda justiça &
•virtude,Onde todos nao cefao de gritar,tf fe queixar,de que lhe fação a von¬
tade: tf toda a vidafegaíta em requerimentos nao de justiça Je não de cuhiça.
Finalmente Fofa Alteza, agradeça ao Penhor darlhe antes do pafamento hua ho
raperacuydar em fy,qual eu também defejo pera mim.ElleporJua mifericor-
dia enriqueça muyto Fofa Alteza de feus verdadeiros bes. De Brara u de
Março de 1^66. . * *

Capellao & fervo de Voífa Alteza*

0 Árcebifpo Primas,

em negocio tão claro era hum ge-

CAPITVLO xnr.
Do valor com que defendia
aspreminenctas dafka
Igreja.
c Ao era menos a cõílã-
cia & animo, com que
o Árcebifpo defendia
odireyco &poí!eanti-
nero de o por em duvida. Que
coufa mais certa , Sc mais averi¬
guada que termos por fundador
da cadeira, Sc Primada de Braga
o grande Apoftoio S a ntiago
tarito na flor da Primitiva Igreja,
que padecendo elle gloriofo mar-
tyrioem lerufalem aos onzean»
nos defpois da payxao do Reden- Bartf.
tor, que foy o fegundo do Empe- Annaí’

. , Cláudio,Sc /eu fegondoCõ^f ann

quifsima da Primada que a igre¬
rrador 5 o Dom 44..
ja de Braga tem Sc deve ter fobre lulado em companhia de Cayo ifaor.de
todas as Igrejas de Efpanha, que Licinio Largorjâ então tinha vi Ao •viu &
pudéramos provar com muytas ôc pifado Sc coniagrado com fua morteSl
& muy evidentes razões, íenão doutrina eíte ultimo Ocidente, ãff-caI
37-
entenderamos que defpendellas muy to antes que nenhum dos Sa-
Oo 4 grados
 Liuro V.davida de D. Fr. Bert. dós Afárt.
%eâã ^grâ^0S Apo Rolos tocaíTe cerras
colleã. de Europa: & deixado em Bra-
calhjt.2gaornais amado de Teus difcipu-
Papa h\os pe(jr0j a quem polo fangue q
e^'uim deu por Chriílo, & polo lugar em
qve o deu , chamamos São Pedro
de Races.Grande favor do Ceo pe
ra Efpanha, que foíTe a primeira
Provinda de Europa, que gozaíTe
vifta ôc doutrina de hum Apofto-
Iode IESV Chriffo,&tal Apo-
ftolo, que lhe chama a Igreja Pri¬
mas do Collegio Apoftolico.Grã-
íQrJefreàe®c foberana honra do Reyno
dicat. de Portugal, & da cidade de Bra¬
ga , que foíTe a primeira terra de
Efpanha,em que elle efcolheííe af
fento,8c cadeira,& deixaífe fucef-
for, Bem argue as forças & vir¬
tude de tal cepaoefpirito Apo-
flolico que ficou , & dura atèoje
na rama & defcendencia defta fan
taCadeifa,nos grandes & valero-
fosfantos que a governarão, Gi-
raldos,Fru6Tuofos,Martinhos, Ôc
noutro grande numero de Varões
de eroica virtude, que a eftesfuce-
derao,devemos hir fucedendo em
noífos dias. Mas deixando efta ma
teria pera outras penas,o certo he
que nenhum agravo fazemos à
nobilifsima cidade de Toledo em
lhe negarmos o que Deos lhe não
quizdar:com outras grandezas a
honrou,mas eíta prerogativa Pri¬
macial ,foy fervido dalíaà cidade
de Braga*& confirmarlhacõ tan¬
tos citulos, que não ha nenhu na
terra que lha poíTa tirar.O que c6
fiderando o Árcebifpo foy em to¬
do tempo diligentifsimo defenfor
defia:L& pârticularmente quando
fc achou no fanto Concilio a fníle
tou a toda força contra grandes
encontros,fem perder núca aquel
lefeu termo de profunda humil¬
dade no que a fu a pclToa tocavas
Algús mefes antes de fe abrir o
Concilio, avendo já bom numero
de Prelados juntos,entre os quaes
erão quatro Arcebifpos fem o nof
fo, tratoufe logo dos lugares que
cada hum avia de ter, Pareceo bo
termo de eícufar differenças, que
fetomaíTera as precedencias em
voto 6c afTento íegundo a. antigui
dade da promoção de cada hurn.
Retiroufe o noíTo alegando q por
Primàs devia preceder aos Arce*
bifpos não primazes, inda q mais
antigos foíTenK&que lhe não co¬
vinha acudir ás juntas particula¬
res,que fe hião fazendo,em quan¬
to fe não deter mi naffe o põto é fa
vor da fua Igreja 6cDignidade Pri-
macial.Diziafe pola parte adverfa
de hum Árcebifpo mais antigo, q
nas dignidades ôc titulos iguacs
eracoítume da Igreja Catholica
feguido de tempos imrnemoriaes
precederem os mais antigos nel-
las,& vencendo elle como vencia
ao noíTo em anterioridade de pro¬
moção claramente era feu o pri¬
meiro lugar. E não obíiava dizer
oBracarenfe, que era Primásdas
E/panhas,
 ArcebifjjQ de Braga, Frimas das Hefpanhas.
Efpanhas, porque efte ticulo efta-
va Iicigiofo:& tinha ooppoéte em
fua ajuda todos os Prelados Caíte
lhanos, que juntos contrádjzlão a
Primacia de Braga, avendo que fe
prejudicava aodireico que Tole¬
do pretende,fe o Braccarenfe por
Primas foíT em algua coufa me-
lhorado.Valiáo muyto cõ os Car-
deaes Legados as razões do nofío
Arcebifpo,& igualmente com el-
las a autoridade 8c graça que com
todos tinha ganhado. Mas como
avia tamanhas contradições re¬
meterão o negocio ao Papa.Dian-
te de Sua Santidade ouve novas
queftões, inídando ardentemente
oEmbaxador de Caftella quefe
não concedeíTe coufa que paraíTe
prejuyzoa Toledo, & pugnando
a toda força o de Portugal, q era
então Lourenço Pires de Tavora
por manter o partido de Braga.
Acudião cartas do noflfo Arcebif-
po amiúde, eferitas com rrmyto
calor, & pedindo a Sua Santidade
declaraíTe a preminencia conheci
da da Igreja de Braga fobre todas
as de Efpanha affirmãdo conítan-
temente que doutra maneira fe-
não acharia nos autos do fanto
Concilio que cada hora fe efpe-
rava começaíTe. Atalhou o Papa
as contendas com hummeyode
grande honra para o noífo Arce-
bifpo & fualgrejafjuftamente po¬
díamos fundar nellc hum auto de
confirmação depolTedaPrima-
22%
cia, auto confirmado poja Supre*
ma cabeça da IgrejaJ 0 qu alfoy
mandar ao Arcebifpo oppoetite,
que logo fe deceíle de Tua preten-
çlo: 8c foy o mcfmo que mandar
ficaííe o Bracarenfe ancepofto a
todos,como com effei to ficou por
então. Algús mefes defpois efere-
veo Sua Santidade amorofamentç
ao Bracarenfe quizeffe eiíar pola
ordem que de novo tinha dada
acerca dos lugares para o pro/è-
guimento do Concilio, a qual era
em dignidades iguaes ferem pre-
feridos os primeiros promovidos
fem refpeito a outros titulos: poj;
quanto não determinava definir
por então a caufa de fuaPrimacia;
mas com declaração que o direito
delia lhe ficaria inteiramente 8c
em todo feu vigor refervado, 8c
fem prejuyzo de íua pretenção,ou
poíle. Aísi autorizou ajuftiça de
Braga com o primeiro? 8c fem lhe
deminuir nada com o fegudo quie
tou os Caftelhanos. De húa 8c ou
tra coufa temos tedimunhos vi¬
vos.Da primeira em hua carta do
noíTo Arcebifpoque he a fegunda
das que deixamos hnçadas no Ca
pitulo fetimo do livro fegundo ef- í z-c’7*
enta em Trento aos tres deNove
bro de i56i.Para a fegunda temos
o me imo Breve do Papa, que por
fer tal fc lançou na torre do Tom¬
bo (aísi chamamos em Portugal
ao cartorio geral das memórias
do rcyno, que oje fe guarda rios
 hiuro V. da vida de D. Fr. BcrtJosAfart,
Paços do Caftellode Lisboa, paf- tos papeys & antiguidades de im¬
fado a elles de híía torre q eftava portância.} Daqui no lo comrnu-
junto aos Paços da ribeira, que nicoti o Licenciado Loufada.O
por defaftre fe queimou em tem¬ trcslado dei’e tirado do original
pos paffados go m perda de muy- de verbo ad verbú heo feguirice.

P
Breve de S. Santidade, v
I V S Papa (Rúartús venerabilifratriBartbofomao Arcbiepifcopo Brac
carenfi. Venerabilis fratery falutem , Rf Apoflolicam benediãwnem. Red-
dita nobis mperfaerunt litera tua, perquas d nobis expeditionem uete-
ris quafíionis de Primam Ec cie fia tua Braccarenfis dudum in Concilio fufcita-
ta, ne illiús prima Sefisioni propèdiem celebrem da mn interejfe cogerens ,inUan~
TerpõHulabas. Nos autem deuotionem tuam plurimim commendantes ,frater-
nitatem tuam feire <volumus, quod ex certis rationabiliblis caufis, dileãis filijs
nostris Sanãa Romana Ecclefa Cardinalibus in eedem Concilio Legatis dedmus
nuper in mandatis,quatenus natnerabiles fratres Patriarchasprmò, Arcbiepif-
copos fecundo, ter tio autem loco Epifcopos in quibufuis aãibus public is eivjdí
Concilij iuxtà ordine ftiarutn promotionum federe,imedere, ac locum babere nul-
la habita ratione ad dignitates Primatiales nveras velpratenfas ,autoritate no-
ftra facerentyiif curarent: itacg prius promotus infuo quifq, Ordine prior exifle-
ret. CÓtrouerfia eroprafata decifionem in aliud tempus duximus referuandam.
Coeterum <zit mandato Rf njohmtaxi nofha buinfmodi acquiefcere rveht, Fra-
ternitatem tuam hortamur.Erit enim id nobisgratum Rf acceptum.Volumus au¬
tem ,Rf per prafentesflatuimus nullumperboc tibi Rf Ecclefa tua Braccarenjt
fuper Primatia Hifpaniarum, quam pratendit iu petitorw,aut pofiefior w praiu-
dicium irrogarifed in ommbus Rf per omnia te Rf Ecclefa m ipfiam in eodem
fiatu poH Coníihum celebratum remanerefin quo ante illtus inchoationem exiíte-
baSjRf Ecclefa ipfa exiflebat. Et fic per qmfcumífi Romanos Pontíficesfuccejfo-
res noftros, ac Sanãa Romana Ecdelia Cardinales,Rf alios quofmufi quauis
autoritate fungentes iudices, Rf perfonas, in quauis caufa, Rf rnUantia iu-
dicari,interpretari, Rf diffiniri debere, fublata eis,Rf eorum cudibet quauis ali-
ter iuiicandifRf interpretandt facultate, irritum quocg Rf inane fecus fuper
,fi

his à quoqua fcienterjvel ignoranter contigerit}attcntari decernmus,pramifsis9

ac quibufuis côfiitutionibus Rf ordinationibus Apoftolicis comrarijs non obfía-
tibus quibufcunque.Datum Roma apud Sanãum P et rum fubamulo Pifcatoris
die i o. lamiarij. 15 6z.Ponttficatus nefiri amo ter tio. C afiar Gloriemsa
Mão
 Arcebifyo de Braga3 Frimas das Hefpanhas,
Não nos pareceo traduzir em Por
tug iez efte Breve vido como te¬
mos declarado badantemente a
fudancia delíe.
Nao perdeo o Arcebifpo erq
Portugal o cuydado com cjue acu-
dio por fua Igreja fòra dclle. Tra
tara familiarmente em Roma o
Santo Cardeal Carlos Borromeu
Arcebifpo de Milão, &c cõmuni-
caralhe hú livro que levava com-
podo pera doutrina 8c guia de
Prelados, que por eíTa razão inti¬
tulou Stimulus Pajtorum: de que
atras fizemos menção. Agradou
tanto ao Cardeal o livro q o fez
tresladar, & logo imprimir em
Roma: 8c conhecendo a importa¬
da dclle defejou que também em
Efpanha fe imprimiííe, & pera ef
fe effeito inuiou hu dos impreífos
cm Roma ao Medre frey Luis de
Granada encarregandolhe o cuy¬
dado.Teveo o Medre, imprimio-
fe o livro em Lisboa, efpalhoufe,
chegou a Braga, 8c chegou jun¬
tamente ao Arcebifpo que lhe fal
tava nos titulos, o de Primàs^de-
via por ventura parecer ao Medre
frey Luisquefe pejaria a humil¬
dade do Arcebifpo com o gradio-
ío titulo de Primas das Htfpa-
nhas,ou feria efquecimento: por¬
que não podemos julgar dclle q o
fizede com cuidado de nao pre¬
judicar a fua patria como Cafte-
Ihano.JNa mefma hora que teve
Jiocicia do que palTava, efcreveo
222
ao Medre que recoíhede todos os
que pudedc,& fizede de novo im
priroir hua folha com o titulo de
Primas das Hefpanhas, 8c tirada
aprimeyra fe pofeífe eda fegunda
em feu lugar é todos os volumes:
de maneira que não aparcccífe ne
íihum fem o antiquiísimo 8c tam
bem merecido titulo dc fuacadei
. ra. Afsi o cumprio o Medre logo
porque fabia com quem o avia.
E hum dedes livros emendados
achamos na livraria do noíToCo-
ventodc Viana,cuja inferipçlo be
a feguinte. Stimulus Paftorum, ex
grauifsimis Sanãorum Patrurn fm~
tentijs concinnatusiin quo agitur de
njita ly monbus Epijcoporum alio-
rumf Pralatorum. Per reuerendifsi-
mum D. D. Bartbolomxum de Mar-
tyribus Arcbiepifcopum Bracharen-
fem, isf Hifpanu Pnmatem. Olyfp.
pone apud Francifcum Corream Ty-
pograpbum Serenifsimi Cardinalis
Henrtci amo 1565. Na volta defta
folha fe lè. Ãpprobatus fmt Ubel-
lus bicper Fr. Emmanuelem a Veiga>
cui à ferenfúmo Cardinale Hennco
regm huius Inquftore Generali, &
Arcbiepifcopo Olyfppomf examinem-
dorum librorum commijja efi cura.
Com o mefrrio titulo de Primàs
tivemos em noífas mãos outro
quando ido eícreviamos im-
predo em Lisboa, 8c pada¬
do pola Ordinário no
annode 1582.
(■!■)(■?■)
CAP.
 LivroV. âa vida de D.Fr. Bert.dos Mart.
CAPITVLO XIIII,
Dapobre&a com que trata-
<vafmfejjoa.
Ssencial confer-
ra vadora he da religião
^ a pobreza de corpo &
-!■>
efpirito. Afsi foy ama¬
da dò Arcebifpo em todo eftado,
Sc mais na grandeza PontificaL
Porque como fe tinha determina¬
do em nao trocar nella o efpirito
monaftico, entregoufe a húa vo¬
luntária pobreza no comer, & no
veftir,&em todo o eftado de fua
cafa com termos tão apertados,
que quaíí todos os que viviao Sc
dependíão delle paíTavão com
mais largueza. De muytas partes
deftes efcritos fe pode colligirc-
fta verdade, masindaa faremos
mais patente por algús cafos par¬
ticulares.
Mandirãolhe aífar hum dia
huâ perdiz que a cafo veyo a
cafaf porque jà fe fabia que pera a
fuamcza avendo faude fenaoa-
via de comprar nem matar ave
de pena) veyo à mefa: em a vedo
afsi lhe torceoo rofto, afsi a maa
dou tirar com preíía Sc defgofto,
como fe fora a gúa coofa de muy
to afco ou horror. Replicàrao os
familiares acudindolhe â tenção,
que a mandai a certo clérigo, Sc
eraomefmo que avifallo que fe
não comprara pera elie. Não ba*
flou nada,mandou quefe deííe lo
go a hum pobre.
O mefmo fez outro dia a hua
cfcudelia de manjar branco, que
fe lhe poz diante-. Tinha tão pou¬
co conhecimento de manjares de
licados , que perguntou vendoa,
que papas erão aquellas (forão
palavras fuas.) A vifta era boa,
chegouas pera fy. Tomãdo o pri-
meyro bocado cahio em que não
era aquelle o fabor dos caldos de
farinha,que aigúa hora comera,
porque íintio açúcar Sc cheyro;
Sc conhecendo que fe enganara,
logo a afaftou , Sc mandou aos
pobres.
Vivia refoluto :em não dar
mais ao corpo, que quanto baftaf
fe pera a fuftentação, nada pera
goíio.E como niílo fcguia eftiío
de verdadeyro pobre, nem mais
nem menos fe tratava no veftido
tomando em cantidade Sc calida-
de,o que fervia pera cobrir as car
nes.Porque nem do frio fe queria
abrigar baftantemente, néfofria
pano cuftofoj&a roupa q húa vez
veftia,fe lha não tiravão por en¬
gano , faziaa durar até eftar no
vitimo fio: Sc toda a interior,cer¬
to & averiguado he, que porfua
mão a cozia Sc remendava fendo
Arcehifpo:da mefma mancyra, q
quando era pobre frade ordina-
rio.O interefíe que daqui íhc fica
 Arcehifto de B ràga31
va,era ter mais pera os pobres a-
quillo queafy mefmo furtava, fe-
gair o nfo de pobreza monaíhca,
8 c vingar da carne com a mortifi¬
cação da roupa nao de qualquer
modo ufada, fenão velhiísima, &c
vilifsima-Quando veyo ao Capi¬
tulo da faa Ordem, como conta¬
mos, celebrado na cidade do Por¬
to,com maycas coufas edificou &
cfpantou aquella fanra Congrega¬
ção: 8c nao foy menos com o que
todos lhe notarão no veítido.Por-
que os hábitos fobre ferem de pa¬
no baixo 8c groíTeiro,erão velhos
Sc remendados, 8c o eícapulario
particulirmence tãocofumido&
maltracado,quefe atreveo o Prior
doCõvéto a lhe oferecer outro,
Grãde força devia fer,a q obrigou
afazer tal oferta hú frade pobre
a hu Arcebifpo muytorico. Não
no aceitou dizédo, q ainda daquel
le fe melhorara pera vir de feita
8 c enfeitado como vinha a ver fua
mãy,& hirmãos em dias de ranta
folenidade.Mas o q maisdevemos
eítimar no Arcebifpo, he não fe
dar por achado da clara repren-
íaõ,que em fy continha o ofere¬
cimento , que fem nacer de ten¬
ção errada do Prior tachavu , 8c
condenava aquelleeítremode po¬
breza, como coufa indina 8c af-
frontofa. Parece que ja então co¬
meçava a aborrecer, 8c fazer afco
a pobreza: 8c fobia a fer nos bõs
tempos de Portugal, que não era
el 223
afronta o fer pobre (que miidad-'
ças traz o rodear dos annos'J 8c
ojeentendefe iíio tanto ãsveffas,
que não falta quem por quatro
dias de rico compre ignominia
que nenhum tempo apaga. Mas
acul pa he dos que mandão , que
derão em fazer roais honra â me¬
lhor capa,nãa â melhor cara, 8c o
mundo faz o mefmo,porque fem-
pre coftamcu andar aogeito dos
Príncipes. Que ainda algús dos
que oje vivemos alcançamos ne-
fte reyno homés em fangue 8c en¬
tendimento comparaveys aos an¬
tigos Carias, <Se Cincinatos Ro¬
manos,os quaes vivédo em eftrei-
teza q nefta idade parecera vergo
nhofa,não fe abatiao a vilezas, nq
do Rey,& do povo erao menos e-
ftimados.E tornado ao Arcebifpo
lébravafe,q húa das partes do pa¬
trimónio que N; P. S. Domingos
morrédo nos deixou, fora a fanta
pobreza:&fo!gava de ferpobre,&
não eftranhava parecello,como lo
go veremos em outros calos.
AcÕteceo q andava polo Arce
bifpado ê vifita,& eítava é húa al-
dea crifmãdorétrou pola porta da
Igreja,ode crfmava o M.fr.Anto-
niode São DomingosReligiofo da
fua Ordem 8c Lente de Prima de
Theologia na Vniverhdade de
Coimbra que o hia viíítar por
húas ferias* Pareceoihe coufa
digna de o Meftre fe efcandalizar,
8 c auer por fobeja curiofídade tra
Pp zer
 Lluro V\ davlda de D» Fr.Bert. âos Afart*
zcr elle Arcebifpo por caminhos
a cadeira em que o achara cele¬
brando o Santo minifterio, & fer
aquella algum pouco aventajada
{^erao bem pouco) das ordina-
que fervem nas cellas dos Re¬
li giofos: & ciofo da obfervancia
da Tanta pobreza, a primeira cou-
fa que fez defpois de lhe dar a boa
vinda foy, ter com elle fatisfação
muy formal fobre a cadeira, pe-
dindolhe que fe nao efcandalizaf-
fe delia, & affirmando que fe a
trazia configo, & fe era melhora¬
da das da Ordem,a razão era,por
que lhe fervia na admiriítração
do Sacramento, em que o achara
occupado, Sc pera mayor venera¬
ção delle: Sc que em nenhúa ou¬
tra occafião ufava delia.
Trouxe o Arcebifpo quando
veyo do Concdio hua mula que o
Papa Pio Quarto lhe deu, como
atraz contamos, & com o nome
de Aguia, que lhe ficou da occa¬
fião em que lha deu. Era famofa
em paífeyo,& fermofa em corpo,
& em fim peça de Príncipe. Che¬
gando a Braga como todo o ap-
parato da fua eftribaria, os co¬
ches, andas, carroças, & ginetes,
nunca coftúmãráo paliar de húa
fò mula pera fuapeífoa, a honra
cjuefezaerta foy ficar ellafò em
cafa, mas não pera comer a ceva¬
da ociofamente. Quando ceífa-
vão as jornadas do Arcebifpo , a
pobre Aguia defde polia manhã
atè noyte andava â carga fazendo
todooferviço de cafa não lhe va¬
lendo pera privilegio de ociofida-
de, nem a memória do primeiro
amo , nem o bom ferviço feito ao
fegúdo é tão larga jornada. Que
dirão a lílo osmuitos Alexandres
queojeha pera Buctfalos? Que
fe lhes não edificão cidades,como
o gentio, temnos tão penfados Sc
mimofos, que muitos pobres fe
puderão manter & cubrir, com o
fuperfluo que com elles fe defpen
de. Aconteceo hum dia paíTar a
Aguia carregada à vifta do Arce¬
bifpo ; conheceo a: & forrindofe
diífe. Evos aguia cuidáveis q por
ferdes de tanto melhor fenhor,
avieis de fer cã privilegiada, mal
vos eoganaíks,q nacafa dopobre
todos faõ pobres, & não come fe-
nãoquem trabalha.
CAPITVLO XV,
Da verdade, tf funtu alidade,
que vjaua em obras
(jf paUuras.
Amanho era o cuí
dado com que o Arce-
bifpo v»via de não dif-
crepar hnnvponto do
que era pura Sc lifa verdade, faí-
lando , eferevendo , & obran¬
do, que atè as coufas minimas pe-
favacom extraordmaria miude¬
za, Sc efcrupulo , como quem
guardava
i
 Arcebifpo de Braga3 Primas das Ufftanhas, 2 24.
guardava o mefmo eftillo nas gra¬
novo ao Archiduque; encomen¬
des. Afsi tinhão deile tal conceito dou ao Padre frey Ioão da Cruz,
os Reys Sc Príncipes de Portugal,
de quem atraz fazemos menção,
que em qualquer negocio, que fe Sc a faremos mayor ao diante,que
oíferecião informações fuas, erão . fizeíle a carta, Sc lha trouxeífe pe-
avidas por teftemunhos infalíi-
ra a aísinar. Ao afsinar quizvero
veis. Pediolhe hum dia certo Ec-
q continha,& achou q começaua
cleííaftico hua carta dc favor pe¬
afsi.Tenho efcritoa Voífa Alteza
ra elRey Dom Anrique. Deulha tantas vezes nefta materu: por¬
o Arcebifpo,porque o homem na
que como fou velho, Sc cenho ne-
verdade tinha partes de virtude
ceísidades, & dividas,queria cum
Sc letras, Sc va eolhe aííaz. Mas
prir com brevidade minhas obri¬
quando lha deu , Sc lhe moílrou,
gações &c.Neftc ponto parou, Sc
como era razão, o que delle ef-
perguntou ao Padre frey Ioão
crevia , diífelhe que com tal con¬
quantas vezes cena efcrito ao Cac
dição a recebeífe ôc levaííè, que
deal, Sc refpondendoíhe qnetres,
avia de ter porfalfo Sc mintirofo
ou quatro: cornou o Arcebifpo ôc
tudo quanto de fuas boas partes
dilfe. Ede termo que Voífa Reve¬
dizia a elRey. Porque doutra ma-
rencia ufa de cantas vezes parece
neyra eftava certo que ficaria po¬
íignifícar grande numero:&. tres,
dre comfoberba (Torão palavras
nem quatro vezes não he muyto
fuas formaes,)& elle Arcebifpo en
numero;& he ir contra o põto da
corrido nas culpas delia.
verdade. Também diz aqui que
Quando fe tornou pera a Or¬
tenho necefsidades, & eu não fin¬
dem renunciado o Arcebifpa-
to nenhua: porque me não falta
do, foylhe neceíTario efcreveral.
veítido, nem mantença. Eifto he
guas cartas ao Archiduque Alber mintir; pelo que tenha Voífa Re¬
to , que em habito, Sc dignidade
verencia paciência, Sc façame ca¬
de Cardeal governava eítes rey*
ridade de fazer outra carta. E re-
nos,fobre o Utigio que corria com
plicandolhe o Padre , que ainda q
fea fucceííor Dom Ioão Afonfo
não fintia necefsidades em íua pef
por conta dos reditos que lhe per
foa,bailava pera fallar afsi não ter
tenciao des do dia que renunciou
com que pagar aos criados que o
atè que lhe forão intimadas as le¬
ferviao, refpõdeo que toda via em
tras da aceitação de Sua Santida¬
lugar de tantas vezes emendaífe
de, como atraz tocamos. Dilaca- algúas. Sc onde dizia que tinha nc
vafe o negocio, pedirãolheos Pa¬
ceísidades, poíeíle que devia fervi-
dres do Convento,que inftaífe de ços a criados,
Pp z Oatra
 LfaroV. àa vida de D. Fr. Bertjos ÀlarX.
Ontravez pedindolhe hua
pefToa chegada a Tua cafa,húa
carta para elRey,encomendou a
ao mefmo Padre. Levandolha
feita, eftranhou a nota, porque
começava afsi. Tenho muyta
obrigação a Francifco Vaz, &c.
& diífe.Não poderei acabar co¬
migo afsinar efta carta, por di¬
zer que tenho muyca obrigaçao
âefte homem. Verdade he que
algúa ihe tenho, porque efteve
em minha caía em Braga. Mas
também lhe dei aAlcadaria mor
da cidade: & afsi fe diíTcr que lhe
tenho muytaobrigação não fal-
larey no rigor da verdade, por¬
que eu nao entendo que he muy¬
ta. VoíTa Reverencia perdoe o tra
balho , & faça outra em que fin-
gellamente diga , tenho obriga¬
ção a Francifco Vaz &c. Eftou
vendo que não ha de faltar quem
troça o rofto a eftas finezas. E por
ventura que .aja muytos qne lhe
ponhão nome de fobegidão de
efcrupulos , quando não esbar¬
rarem mais, fendo afsi que fe po¬
dia colligir daqui hum bem im¬
portante documento pera a fal-
vação. O qual he, qual feja a ba¬
lança, quaes os pefos ,com que
os Santos fazem conta que hão
de fer diante de Deos julgadas
fu as obras. Pouco fabemos do
que paífa naquelle temerofo tri¬
bunal : mas polo cuydado com
que os Santos fe vigiavão de cul-
pas Ievifsimas, deve todo Chri-
ftão julgar, quanto cumpre an¬
dar acautelado em todas. Que
fe ouve Santo, que fe condenou
a hfia cadea de ferro cingida aper¬
tadamente nas carnes, & fechada
com cadeado,& a chave lançada
no pego de hum rio em pena de
lhe fahir pola boca,que fazia roim
dia: & moftrou Deos, que lhe a-
gradara o feitio em permittir que
a chave lhe tornaífe âs mãos mi-
lagrofamente: razão he cuydar-
mos que avemavão & arrecea-
vão grandes tempeftades na ulti¬
ma hora, quando fíavao tão del¬
gado nas coufas de fua concien-
cia. Por efta razão era o Arcebif-
po tão cuydadoío & miudo no
que noífos juyzos fe atrevem ava¬
liar por coufas de rifo. E São Ber¬ Ztrn.
nardo o dà por final muy certo
de morar o efpirito Santo onde ha
tal vigilancia.Porque diz elle, que
como o Efpirito Santo he fogo
vivo, não confente na alma do ju-
fto né hua palhinha que não feja
defte fogo queimada & confumi-
da. Afsi aconteceo que avendo
quem replicou ao Arcebifpo, que
não era coufa de fuftancia o di¬
zer na carta que tinha muyta obri
gação, &. que pera o requerimen¬
to da parte feria importãte,de ne-
nhúa maneira fe deixou vencer,
antes refpõdeo. Tenho fetentaan
nos,&não quero fazer coufa q aja
delevar à cõfifíaõ.Cõ efta pureza
A»
 Arcebifyo de Bra£a9 Vrimas das Hefpanhas,
de conctencia conformava bem o
que muycas vezes fe notou nelle:
que fe era neceífario nas cartas de
cumprimento, ajuntar ao feu fí-
nal, conforme ao eftiío das corte-
zias antigas: Orador* por voíTa
mercê,não na requerendo mayor
apeffoa, a quem efcrevia: antes
de tomar a pena, lhe rezava pri¬
meiro algua oração.
CAPITVLO XVI.
Da temperança que puar-
dana no comer, tf beber,
tf dormir.
OM tal determina-
Çã° & cõtinuação, per
íeguia o Santo fua pro-
-prjâ carne^. a/sj fe hja \
mao em tudo o que podia fer de
golfo, ou de bom tratamento del¬
ia , que nenhum efcravo rebelde
foy nunca mais aperreado de fe-
nhor deshumano & cruel, no co¬
mer ,no beber,no veftir, no traba¬
lhar, & em todas as mais coufas.
São 8c doente parecia ter publi¬
cado contra fy guerra de fogo, &
fangue. Começando pola mefa,
contado temos largamente quão
pobre & eif reita era a fua. Mas
fe comia em cafa alheya,como
alguas vezes era forçado viíitan-
do, por vir de caminho,ou chegar
aos lugares fòra de horasro mayor
2 2f
defgoífo que fe lhe podia dar era
poremlhe na mefa muitas igua¬
rias,afrontava, gemia,não comia:
& polo contrario entrando enâ
parte onde acertava achar falta,
ou aperto a:y comia de boa von¬
tade , 8c notavelmente felbe en¬
xergava achar golfo &fabor no
que lhe davão.
Vifitando em Santa Maria de
Ayrão no anno de 1-573. não íe
achou em toda a terra hum pão
de trigo pera a fua mefa, avendo
abundancia de tudo o mais: pe-
dio que lhe trouxeílem hfia boroa
(afsi chamão por aqueílas partes
ao pão de mil hoj 8c não fò comeo
delia,mas fervioíhe de falfa, 8c a-
petite pera comer bem do mais,
confeífando que fò nella achara
godo por fer mantimento de po¬
bres groífeiro & não mimofo. Vi-
ficando em outra parte vio que o
hofpede andava feito hua Martha
em preífas,&diligencias entran¬
do 8c fahindo fem afoífegar: fof-
peitou o que era, malencolizoufe
em demalia: 8c lendo hora de co¬
mer começou a entender com pa¬
peis. Derãolhc recado que eífava
o jantar prelfes, não fc moveo: fe-
gundàrão dizendo queeílava na
mefa, 8cCc tardaíle não teria golfo
então áfinte fe deteve húa gran¬
de hora:& tendo diante de fy húa
imagem de Noífa Senhora prega¬
va os olhos nella, & dizia contra a
carne 8c contra fy.Não has de hir
Pp 3 & quan-
 Lmo V\ da vida de D. Fr< BcrtMsMart
Ê quando fe foy aífentar à mefa,
dtava jà tudo tal,que nem era pe¬
ia ver,quanto suais pera ter fabor.
Ecom tudo niíío pouco que co¬
me o ninguém lhe enxergou quo
lhe defagrâdava. Porque era nel-
le eítiío inviolável , que nunca de
iua hoca aviâderahir palavra,que
gabaíTe ou defgabaíTe de mal gui-
fado,ou mal temperado oquelhe
pnnhãõ diante: foíTe falgado, ou
enfoílo: frio,ou efcaldando: quei¬
mado , ou cheyo de fumo, nenhu
trabalho cinhão com elle os cozi¬
nheiros. Menos trabalho tinha
quem lhe dava de beber. Alguas
vezes acÕceceo andando polo Ar-
cebiípado darem!he vinagre forte
pôr vmho, fem elle fazer cafo dif-
Jb: & advirtindóquem comia ju-
tamente,aos criados, que atencaf-
fem o que fazião, refpondiâ o Ar-
cebifpo,qúe pera elle aquilloba-
ítâva.Hum dia lhe derão hum vi¬
nagre tão azedo a beber, que em
o tomando na boca lha abrazou
toda • & então fem fazer differen-
çí daquella perpetua compoítura
que nunca mudava, o mais q dif-
fe,foy, que viíTem fe avia em cafa
outra coufa que não foíTe tão vi¬
nagre.
No anno de mil & quinhentos
& fefenta & oito, cahioodiafa-
grado de Natal em feita feira.Co-
miao com elle, como era coltume
os que o acompanharão no Pon¬
tifical, & os Defembargadores da
fua Relaçao,& à hora da feita foy
o jantar de carne efplendido &cu-
ítofo.Elle na mefma mefa fem to-
Car coufa delia, paíTou alegremen¬
te com hum pouco de peixe feco
fque o não avia Frtfco)ôc com hu
Caldo de grãos,& advirtio os con¬
vidados , porque fenao efpantaf-
fem,que o fazia por frade de S Do
mingos, porque dado que a Santa
Madre Igreja por fer o dia tão fo-
lene com muyta razão difpenfava
que fe pudcífe gèialmente comer
carne, com tudo na fua Ordem né
fe ufava da difpenfação, né fe per¬
dia o jejum nas feitas feiras coltu-
mado:& elle por tanto queria cÒ-
formârfe com os feus, & como
coítume em que fora criado.
A cama de q fe fervia em qtiã-
to afsiítio no governo do Arcebifi
pado, fobre fer tão pobre que nu¬
ca foy aventajada ãs da Religião,
como deixamos eferito no primei
ro livro,& fobre fer tão curta que
lhe cumpria jazer de contino en¬
colhido fobpena de ficar com os
pès de fòra,& tão eítreita que não
podia dar voltas fem perigorman-
dava pera mais mortificação abrir
hua cova dalto abaixo no enxer¬
gão, onde aífentando o colchão,
que ficava em cima, com o pezo
do corpo, jazia não fò entalado,
mas como enterrado.O que devia
fer ou pera lembrança da íepultu-
ra,ou pera não poder nunca ter
hum pouco de alivio com a mu¬
dança
 Arcebifpo de Braga} Prlmàs das Hcfyanhas,
dança do lagar,inda que pequena
Sc arrifeada, fegundo a efireiteza
da cama. Recolhendofe húa noi¬
te achou efta cama melhorada &
crecida. Parece que lhe íeverão
Iaftima os criados, corria hum ré-
po deílemperado, & miíyto frio,
acrecentàrãolhe íium colchão, Sc
hum cobertor. Era o Santo por
natureza inclinado aofono,mas
por razão Sc virtude inimicifsimo
delle. Cama molle, Sc bem abri¬
gada em tempo frio, quem fe po¬
deria levantarfNão teve paz com-
figo,nem aíToíTegou, atè que deu
com tudo fóra. Com húa leveoc-
cafiao mandou o colchão a hum
pobre,&o cobertor a outro,&fi*
coualiviadodaquelle favor, que
afsi o aíTombrava, como fe fora
húa grande clauftrahdade. E por¬
que não avia por baftante meyo
pera encurtar o fono , tal feitio de
cama,ufava doutros cfpertadores,
hus públicos, como erãoo pouco
aíiméto que dava ao corpo,efper-
tador mais pefado Sc poderofode
todos;& a agoa que fempre tinha
preftes junto defy pera lavar os
olhos a qualquer hora da noyte
que acordava, fe lhe parecia tem¬
po de levantar, como atras deixa¬
mos contado:outro erá fecreto pe
ra todos,& enigmático, ma« pera
elle demaíiadamente, & injulia-
méte publico. Erão as duas letras
S. &B.que acopanhavãoaquel-
la rica taboa que lhe foftinha a ca-
j a <S
beceira, fegundo efcreuemos no
primeiro livro. DiíTelhe hum dia
hum Rcliglofo , defpois de eftar
recolhido em Viana, que aquelles
caraderes erão a cifra do nome
do feu Santo S. Bertoiameu. E el¬
le refpondeo. Não faõ por certo,
fenão de qué eu fou , porque que¬
rem dizer Surge Beffia. Levanta-
te animal torpe deífa cama , que
quem nella fe deixa eitar mais té-
po, do que hc neceíTario precifa-
méte pera refazer a natureza fraca
Sc caníada, mais he animal bruto,
que homem racional; não digo já
rcligiofo, nem eftudante. Deftes
efpextadores que fempre acópa-
nhavão o Santo > infiro eu que fe
lintia fogeito á payxão do fono, Sc
tanto fica mais de louvar a refílíé-
cia que fazia. Porque quem por
velhice, ou por natural compofi-
çãode humores vive defempara-
do das caufas Sc princípios que
gèrão o fono ; que efte tal feja vi¬
gilante Sc madrugador (digamo-
lo em bom Portuguezj nem gra¬
do nem graça.
CAPITVLO XVII
g % t W * *• . \ *. * i, . • .*
Da afpere&acomquefe tra■
taua quando era doente,
Õ? em todo tem-
fo,
Pp 4 Mas
 Limo V. âavida de D . Fr. B ert. cios Mart.
A S não fe contenta¬ res mandarão que lhe armafiem
va o Santo com ufar a cama em roda de huas cortinas
I de pano de linho grofío, com que
de rigor comfigo fò-
méte cjuando andava ficaífe emparado do ar, Sc ufalTe
faõ & robufto: a mtfma regra de lençoes Sc túnicas de lenço.
guardava fendo enfermo.Não def Dada a ordem, Sc receitadas as cã
pia as túnicas groíías de eilame- tidades da agoa, Sc os tempos do
nba ardendo em febres,nem con- fu ar: tornarão a viíltaílo húa ma*
fintia tiraremlhe as rr)afitas,&po- nham, Sc não achando cortina né
remlhe em lugar delias lençoes de refguardo na cama,nem lençol né
linho: &o que hemaisnão tro¬ final de lenço neíla, ficarão efpan-
cava o genero Sc cantidades da tados Sc queixofosrdeclaràrão, Sc
comida ordinaria de faõ. Acontc- proceftàrão,que não íbmente nao
ceoeftar gravemente doente, & obrariao os medicamentos, mas
algúas peíToas religiofas vendoo refulcaria delles mayor mal pene¬
enfraquecido demaíiadamcnte a* trando qualquer ar os membros
confelharãolhe, queafroxaífe híí efquentados do fuor, Sc pòros a-
pouco da crueza com que fe tra¬ bertos, por falta do abrigo que ti-
tava , difpenfando por algusdias nhão advir tido, Sc aly não acha-
com alam, & admitindo linho, vão: Sc recolhédofe o fuor de no¬
Sc comendo algua cottfa mais Sc vo no corpo por falta de lençoes,
de boa fuftancia com qucreftau- Sc túnicas de linho que o recolhe
raíTe as forças perdidas:&elle ref- Sc embebem cm fy, como hua ef-
pondia cõ grande efpirito. O, car¬ ponja,o que não faz a lam,que era
ne, & fangue quantos procurado¬ a primeira regra que tinhao dado:
res tés por ti, & por teus mimos/ pello que affirmavão que fe não
Sc fe não era em perigo da vida avião de fer obedecidos, fora me¬
conhecido, Sc obrigado por con- lhor não começar a cura , que fa-
ciencia não fazia mudança. zella com dano proprio,& defere-
Teve em Braga antes que fof- dito da Fifica.Obrigado deftas ra¬
fe pera o Concilio certo achaque zões admitio tudo,
/ *
mas com tal
em hua perna, pera remedio del- ordem, que em paífando a hora
lç,ordenàráolheos Médicos que do fuor logo veftia túnica de lam,
tomaífe a agoa do Pao, que vul- Sc lançava fòra os lençoes. E co¬
garmente fe chama da China, por mo acabou cõ os fuadouros man¬
que là nace,& de là vem, medica¬ dou vender as cortinas, Sc dar o
mento muyto ufado Sc proveito- dinheiro aos pobres. Fez effeito a
fo. E porque avia de fer com fuo- Medicina,enxugou a perna,& co-
meçoufe
 Arcebifbo de Braga, Frimas das Hefpanhas.
meçoufe a levantar. Ordenarão
então que ufalle de huas meyas
de pano de lam force Sc encor¬
pado, qie lhe defendeílem as per¬
nas, Sc a parte lefa, do ar, & do
frio.Qinndo tornarão no dia fe -
guinte, acharão comprida a or¬
dem na perna do achaque, & vi¬
rão que tmh t a outra cuberca,co¬
mo dantes, de húa pobre &. lm-
gella meya de eftamenha. Como
lho eftranhaíTem,refpondeo, que
a perna doente era bem ler privi¬
legiada, & não a fam.que pois e-
ftavafem dor,fofreíTeo frio. Mas
replicando elles,que fe fe não ref-
guardaíTe, Sc enroupaíTe todo cõ
nauyco cuydado»tiveíTe por cerco
que nao feria nnnca livre de do¬
res, 8c poria em rifco avida:deífa
maneyra,diíTe o Santo, ficaes ago
ra fendo meus amos: Sc pois afsi
he fazey da perna o q quizerdes.
Alguas vezes que lhe aconte¬
cia andar polo Arcebifpado de
Inverno,por mais afpero que fof-
feo tempo , &as terras q corria
frias Sc de maos gazalhados nun¬
ca ouve quem o vide chegar ao
fogo: Sc a quem o aconfelhavaq
fe não deyxaífe congelar cófrio,
pois tinha o remedio na mão,ref-
pondia,que ofrio avia de fazer feu
officio, Sc o effeyto pera que fora
criado, & compadecendofe dos
feus mandavalhes fazer grandes
fogueyras: fò coníigo nenhúa pie¬
dade ufava. Em caminhos frago-
227
fos que muycas vezes tomava cho
vendo Sc nevando por poder ven¬
cer a muyta terra que cada anno
corria,fc via os companheyros tri
ftes ou arreceofos paíTava diante
de todos,& afsi caminhava fofren
do animofamente a inclemência
do Ceo Sc da terra com o cfpinto
ocupado no Senhor, porquem
trabalhava, que como fiel a Eus
amigos lhe fazia a paga em con-
folaçÓcs da alma. E he de faber,
que por rigurofo q foííeo Inver¬
no,nem calçava luvas que eftas
não teve nunca, nem recolhia ou
refguardava as mãos na capa:
antes quando os companheiros
as levavão metidas em boas luvas
Sc envoltas nas capas, elíe por pa¬
decer mais, caminhava com eilas
defcubertas ao vento , Sc ao frio.
E por mais agras quefoíferaas
fubidas das ferras , Sc medonhas
as decidas, como feoflrerecem em
muycos palTos defte Arcebifpa-
do,por muy diítances que eftivef-
fem os lugares, por pobres & pe¬
quenos que foíTem os povos,a tu¬
do fe amícava como fe fora de
ferro.E cudavalhe iífo agazalhar-
fe a’guas noytes em tão pobres Sc
trifies caías , que mais mereciáo
nome de choupanas ou palheiros
que doutra coufaras portas tão
bayxas que era neceíTario entrar
de joelhos,tão mal reparadas que
quafi fe dormia ao fereno.
Viíicandoaferra da Gavia,q
 Liuro V. âd *vidd deD.Fr.BertJosAíart.
por alta Sc impinada deve ter efte
nome: & he coufa averiguada q
nunca fobio a ella Prelado, achou
os lugarinhos táo miúdos, Sc
do o mais tão pobre Sc de ultima
miferia, que pera os Teus terem
gazalhado lhes deu licença que
dormiífem na Igreja pondo!hes
preceito que pagaíTem a poufada
ComfílencioinuiolavehE iftofoy
em eftrema necefsidade pola gra¬
de veneração que tinha 20 Santif-
íimo Sacramento,a qual era tal q
acontecendo em algúas partes
não aver outro remedio de gaza¬
lhado perafua peíToa,fe não a
Igreja,quando o aceitava, dormia
Veftidoóc calçado , & com hum
feyxe de palha por cama. E com
tudo nem defpois de velho &quc
brantado de varias indifpofições
podião com elle acabar os Teus q
pofeííe termo a tanta mâ vida,&
a tão trabalhofas Sc arriícadas
jornadas. Antes pera poder cõti-
nuar o trabalho, porque lhe hião
faltando as forças pera aturar ca¬
minho cumprido cm fella, inuen-
toa andar em hum cilhão fecha-
do:& outras vezes caminhava af-
fentadò em hum afninho: Sc
imiytas tomava grandes ef-
paços apè fem querer dar
hora de folga àquclles
canfados mem¬
bros.
0 fem aelIe.Edefde logo tornando
CAPITVLO XVIII
tu¬
ComoZidma 0 remédio dos
pobres.
fC ho v oSanto no Ar
Cé^cebifpado algúasCouta
j^que |'e(JS anteceíforcs c.
ftimavão,& fazião guardar pera
dias dc paffatépo. E ettas faõ oje
as delicias dosPrincipes, Sc hua
das partes em que fundão eftado
Sc grãdezâ(Sc não he coufa indig
na, fe o rigor extraordinário com
que fe defendem as Coutadasfc
temperara de maneyra que não
ficarão fendo laço irremediável
de pobres Sc coy tados.) Húa das
do Arcebifpado efta no caminho
que vay da cidade pera Santiago
de efporões.Indo hú dia o Arce.
bifpo vi fitar efta Igreja, andavão
hus pobres homés roçando ma¬
to na Coutada. Alvoraçarãofe to¬
dos os que o acompanhavão, Sc
algús dizião que feria bem fazei»
los prender Sc caftigar. Repren»
dèosoSanto,& cftranhoulheso
dito,& a tenção, Sc paífando dif-
feaos que cortavão o maro,que
continuaííern embora no ferviço
Sc fizelfem feu proueito: Sc fe al¬
guém lho quizefíe tolher acudiA
pera a cidade mandou largar Sc
fran-
 Arcebifyo de Bra^a,Frlmàs das Hejpanhas.
franquear codas asCoutadis,pera
dar mais eíte refugio à gente po-
bre.Porqae a fna opinião era que
o oficio de Prelado conííftia em
fer pay 8c reme Jea dor de pobres.4
& fíntia muyto nao íe entéder 8c
praticar afs i por toda a Chriftan-
dade.De forte que foy voto feu,
quando fe achou no fagradoCõ-
cilio deTrento,& nelle com vehe
meneia inftou, quefe decretaífe,
que todo Prelado defpois de to¬
mar de fuas rendas o neceífario
perahua côngrua & decente fu-
fíentação de fua peffoa* & cafa 8c
officiaes, tudo o mais depoíitaífe
no thefouro de fua Sè, aplicado /
logo como património que eraJ
de Chrifto, pera fuftentação de
pobres,&dahi fe repartiífe por el«
les.E ajuntava , que declaralfeo
Concilio por homé que o alheyo
poífuhia, 8c retinha o Bifpo que
o contrario fizeífe. Não lhe ref-
põdeo nefte negocio o fuceífo ao
defejo , refpondendolhe bem à
medida delle em outros que pare
cião mais difficulcofos de acabar.
Mas elle fe deu toda a vida por o-
brigado à tenção com que então
fallou,não apartando em toda el-
la nem hii fò real do que lhe fo-
bejava de fuas rendas,pera outros
ufos. E guardava niíío tanta exac-
ção 8c efcaceza (Tanta 8í gloriofa
efcacezajque o cufto de hua folha
de papel,fe a podia efeufar lhe pa¬
recia furto feyto aos pobres. O q
228
colligimos de algfis liyrinhos feu$
que vierão a noíías mâos de me¬
mórias de muita importância,em
fy tão pequenos, tão mal encader
nados, & tão confumidos daanci
guidade, que claramente nos mo-
drãojque os queria 8c fofria afsi
por não fazer gaflo noutros mais
cuftofos, que por minimo que fof-
fe de força avia de refultar em da¬
no dos pobres,fazendo conta que
a refpeyto daquillo com quecea,
8 c fecontenta hú pobre toda def-
peza he coníideravel, inda que
naofoííe mais que de quatro fo¬
lhas de papel.E os Santos até dos
indivíduos fabem fazer cafo em
todas as matérias, & por iífo fao
Santos. Achamos pofloé memó¬
ria hum dito feu que prova muy
bem o que vamos contando, fe
onde ha obras fora neceífaria cõr
fírmaçãode palavras.E leferilloe-
mos nao porque íirva em credi¬
to do Santo, mas porque efpera-
mos que por feu ande doje em
diante eferito com letras douro
por todas as cafas de Principes, 8c
Prelados,& paes de famílias. Ou¬
ve em Braga hum homé nobre q
fe vendia por muyto affeiçoadó
âs coufas do Santo , & como tal
matavafe por lhe perfuadir que il-
luítraíTe feu nome com fazer nos
paços Pontificaes algúa fabrica
fumptuofa que perpetuaífe nelles
fua memória: ou quando menos
mandaífs reparar algús apofen-
 --
Livro V. âaviâa de D. Fr. Bert.dos Mart.
tos que fe hião danificando.Efcu-
favafc o Santo com as necefsida-
des dos pobres que erao grandes,
6c elles muytos em numero, 6c
os tempos cada vezmais aper¬
tados de eflerilrdades, & fomes,
& trabalhos.Tornou o confelhei
ro a inftar 6c perder razões alega
do cofiumes, honra, &eíladcs.
Vendofe o Arcebifpo períc guido
& tentado hum dia demaliada-
mentç, cortou a pratica, dizendo.
Verdadeiramete, Senhor,que me
obrigais a vos dizer, que fois pior
com efta teyma, que o roefmo fa-
tanàs.Porque elle fe queria perfua
diraChriífo que fizeífe das pe¬
dras pao,jà era coufa de que po¬
deria refultar algu proveyto aos
pobres:mas vòs mataifuos 6c ma
taifme , porque faça pedras do
pao dos pobres. Afsi nuca gafiou
dinheyro em edifício de goflo,
nem vaydade,defpendendo muy-
to 6c com muyto gofto nos que
erão de feruiço de Deos, 6c pro¬
veyto dos proximos, como forao
oConuentode Viana, 6c o Col-
iegio da Cõpanhia, ôc Seminário.
CAPITVLO XIX.
Do efpecialajfeito de piedade yco
que acudia ao remedio
dos fubdiíos.
f v
Bras & exemplos
M, de caridade eroyca
vão femeados por eíla
hiftoria baftantes pe¬
ra darem fobre nome a efle fervo
de Deos,não fè de famofo efmol
ler , como o teve hú Saco antigo,
fe não cambe de pay de pobres
Sc defemparados. Mas colluma-
va juntar com todas fuas efmol-
las hua cerca brandura de animo
piadofo Sc compafsivo que fica¬
va o ouro fino defta caridade tão
levantado de quilates, que repre-
fentava aos olhos outro genero
de meraí 6c de virtude muyto
mais alto.Tinha lido o que noíío
bom Deos prometia de fy • Qucmdfà*'
tnodò f cui manr bladiatur, ita ego
confolabor rvos. Querendo fígnifí-
car o eiíremo de amor com que
avia de tratar os homés na ey
de graça -> cõparavao aos mimos
6c meyguicescom que húa máy
agazalha ofílhinho que muyto
ama. Afsi parecia ao Arcebifpo
que tinha obrigação de imitar a-
quelle Senhor, que por noíío a-
morquiz tomar offício 6c nome
de mãy.Em tempos de frio man¬
dava fazer vejflidos pera mininos
de differentes idades^tinhaos fey
tos,6c quando vinhãoà efmolla
ao paço,mandava bnfear os que
vinhão mal enroupados , 6celle
por fuas maõs os veftiadogo fazia
vir pão,6c parciao por elles com
húas entranhas 6c aífeito de ver-
dadeyra
 Arcelifyô de Braga, Primas das fítefpanhas»
dadeirâ may*
Hum dia mayto deftempera-
do de frio & vento compadecen-
doíe dos pobres,íembrcmfe de cer
tamolher que fobre necefsitada
era doente & velha,chamou logo
hum criado de quem fe fiava,mã-
doulhe que forte onde acudião os
carreiros do termo com lenha de
venda, & compraífe hua boa car¬
iada, & a fizeffe defcàrregar à por
ta da velha, com advertência que
por nenhum cafo lhe deffe o di¬
nheiro , fe não a lenha. He de fa-
ber que efta pobre tinha ração
ordinariado Arcebifpo pera fua
mantença,& aefmolla da lenha
fòy piedade particular, confide-
rando o muyto que padeceria
com o rigor do tempo. Quan¬
do mandava efmollas a feme-
Ihantes peíToas, fe erao cafadas
àdvirtia os portadores que as
deífem em mão própria das mo-
lheres , fem as fiarem de mãos
nem olhos dos maridos, porque
com efte refguardo fe fica vão
aproveitando , 8c remediando
com cilas. O que nao aconte¬
cia fc os maridos vião ou aventa-
vao dinheiro em cafa por manei-
ia que não fò acudia com o reme-
dia, mas também com traça pe¬
ra que não folie baldado.
Obrigava a eftudar os filhos
dos homés pobres 8c honrados
da cidade de Braga, pera defpois
lhes fuftentar as cafas com mais
229
abundancia: porque em quanto
erão moços afsinavalhes ração de
comida,& veftido:& quandoma-
yores fe Continuavãó o eftudo, &
davão boa conca de fy em vida 8c
coftumes,proviaos nos benefícios
de fua aprefentação, có q ficavao
ricos & remedeados pays &filhos
Sc toda a famiíiâi
Entrou' hua tarde ira fuacamá-
ra,a horas qnc effava fò & defpe-
jado de partes, hum clérigo a tra¬
tar de certo negocio.Notou o Ar¬
cebifpo em quanto o efteve ouvin
do,que o manteo, & roupeta que
trazia, alem de rotos por mais de
Hua parte, eftavao no ultimo fio
de velhos & gaílados. Fazia gran¬
de frio,& tinha cuberto perafe va
ler delle híi manteo novo de pano:
nao lhe fofreo o coraçãodeixar de
valer logo a que em tal tempo via
tão defvalido; tirou o manteo dos
hõbros, & por fua mão o poz nos
do Sacerdote mãdandolhe q fe fa*
hirte de preíTa, 8c teveífe fegredo*
Cativava os ânimos dos que rece-
biãofemelhãtes efmollas efta fin-
gular piedade, ôc obrigavaatèos
q as ouvião.O que fe dá pedido 8c
rogado, já culta tanto como com¬
prado. E fe o provérbio diz, qne o
que feda depreda he duas vezes
dado, que ferà o qne fe dá fem fe
pedir,&ainda fem fecuydarnem
efperar , como aconteceo a efte
clérigo. Competia a condição
do Arcebifpo nos modos de dar
Qq alegre
 Liuro V’. d a vida de D. Ft\Bcrt. dos Aíart.
alegre & engraçadaméte, com os o enfermo , o qual era informarfe
mayores Meílresde pedir & arrã particularmente fe acudia o Me¬
ear efmollas com efficacias,& ro¬ dico a tempo, fe avia cuydado na
ei evos, & encarecimentos. comida, & mezinhas, & fe fe da-
E porejue não fícaííe genero vão a fuas horas:& ajuntava efpi-
nenhum de bem fazer em que fe rituaes advertências,que davão a-
não efmeraífe, era cofiume feu, Iento,&. recreavão corpo & alma.
quando caminhava pergúcar aos E ainda que os doentes foífem
que encontrava, pera onde cami- muvtos, como fncedeo nos annos
é '

nhavão,& a que. E féihedizião dos tabardilhos, & defpois dos ca

que hião pera a cidade a aígúa de¬ darrões, que forão doenças gè-
manda mandavaihes quede fua raes que derribavão cafas & fa¬
parte difTeíTem aos julgadores , q mílias inteiras, não lhe ficava ne¬
olhaífem por fua juíliça,& os deí- nhum por vifitar & confolar fera
pachaífem com brevidade .E mõ- medo do ar contaoiofo: O Sc como
tavalhes muyto efta lembrança, anecefsidade tra mayor aconte¬
porque os juyzes fendo advirtidos cia defvelarfe mays com os enfer¬
como lhe conhecião a condição, mos, & fazerlhes também fuasvi-
âbriaoos olhos, &fazião diligen¬ fitas de noy te, tempo em que o
cia. mal pola reclufaõ doar emapo-
De feu fe elÍâ,que não feria me fentos fechados he mais perigo-
nos piadofo de fuas portas aden¬ fo,âc mais certa a contagião pera
tro,& com os feus, quem tanto o osfaõs.
era pera os de fòra: com quanto
ha homés de tal humor que fòra CAPITVLO XX.
de cafa fao toda a brandura &
boa fombra do mundo,& pera cõ Da grande dena^ao que o Ar*
os feus parece que trocão a condi¬ cehfio tinha ao Santifsi-
ção , afsi faó aufteros & defabri- mo Sacramento do
dos:aveíía & defcompotta carida¬ Altar,
de. O Arcebifpo em adoecendo
qualquer Capeílão ou outro cria¬ Omo toda confoia-
do leu, não fò fazia diligencia que /tWjjTjSW .

foíTe bem curado & provido de to pf^l8 Çâ0>t0(^0 °bctro, & to*
das as riquezas da Igre
do o neceífario,mas elíe empeíToa ja Catoiica, & dos que
o viíitava cadadia , competindo fomos tão ditofos que delia fo
Com o Medico nefteofficio; ôc fa¬ mos filhos, confiílão no Divinif-
zendo outro que maisconíòlava fimo Sacramento do Altar, mais
tera
 Arcebifpo de Braga, Primas das Hefyanhas,
tem de Santo, & de melhor filho
quem com tnais devação , 8c
mayor fervor procura venerallo,
fervilio & adoralio.Verdadeiro fi¬
lho era o noííb Arcebifpo nefta
parte,como nas mais. Porque em
todo o tempo que efiava de aííen-
to em Braga, por grandes enchen
tes que ouvcíTe denegocios,& na
roayor força delles avia fempre de
dizer fua Mifia. E quando andava
por fôra vi fitando todos os Do¬
mingos, 8c fefias de Chrifio & de
Koíla Senhora, & dos Apoftolos
a celebrava citada fem minifiros.
E íe eftava na cidade nas fefias
mayores nunca perdia Pontifical.
Dizia eíle que efta divina 8c coti-
diana refeição buícava fua alma
pera renovar o fervor da caridade
Sc devação, que a continua occu-
paçao dos negocios coftuma a en-
tibiar.E com tudo algúasvezes de
propofito deixava de celebrar hu.
dia na femana. Porque como
aquelía foberana mefa afsi como
he chea de toda fuavidade, nao
he menos temerofa,& di^niísima
r ^
de hum muy profundo acatame*
to,achava que fazia muy to ao ca¬
io efta breve interpolação pera re-
frefcar,& avivar aquelle tao devi¬
do refpeito. Afsi quando no dia
feguinte fobia ao altar, levava o
efpirito tão affervorado, 8c húa
tão entranhavel faudade do ma¬
na Celeftial, que largamente fe
lhe enxergava que a dilação acen¬
aso
dera a fede, 8c acrecentara impe-
to na devação: 8c cada palavra q
hia pronunciando parecia eípirar
aquelle ardor do Rey Santo. Sicut pfal
ceruus defderat ad fontes aquarum
Isfc Como acontece fe a rio furio-
fo cortamos o palio tomandolhe
a corrente com reprefa, então fe
mofira roais poderofo, então en-
groífa aforça 8c pefo das agoas,
8c com nova violência rompe, paf
fa,& desbarata tudo, & a íy mef-
mo parece excederfe. Não erão
menos as crecentes de devação
que levantava no peito do Santo
aauzencia da divina fonte de hú
fó dia,nem menos a força dos de-
fejos com que a apetecia no fe¬
guinte. E fe tao breve termo cau-
fava taes eífeitos, bem entendido
fica quão mal fofreria mayores in-
tervallos.
Aconteceo adoecer de hu peri
gofomal de febres acõpanhadas
de hum fogo interior tão ardente
q aboca 8c lingoa fe lhe tornava
negra com fecura & fede.E cõ tu¬
do quando a furia do mal lhe da¬
va algúa hora de tregoas pera po¬
der dar conta de fy, não erão fuas
queixas da fede intenfiísima que
o abrafava, fendo efta a que rnais
afflige em femelhantes doenças
acrecentandofe com a reprefenta-
ção que faz na fantezia de todas
quantas fontes & frcícuras algua
hora vio o enfermo: fenão fò da
fome exccfsiva que fua alma
Qq z padecia
 Livro V. da vida de D. Fr. Bert.dos Adart.
padecia do pafto foberano da fan-
tiísima Euchariftia. E pedindoa
Com muyca inftãcia queixavafe
a todos os circúftantes de lha não
âdmimftrarem : & aos que o im-
portunaváo que tomafíe algúa fu-
ftancia pera não desfalecer, dizia
piadofamente,que fò elía era a fu-
ftancia que avia mifter, & fò o
manjar que feu gofto apetecia.
E quando via a grande diligencia
com que os Médicos lhe a plica-
vão remedios corporaes laftiroa-
vafe,agaftavafe, & affirmava que
era matéria de muyto efcrupulo
amiudarem tanto medicamentos
vãos da botica, & faltaremlhe cò
os verdadeiros do Ceo. Erãoifto
effeitosda experiencia que tinha
quotidiana dos grandes mimos
Ôc favores que de Deos alcança
pera fua alma, & ainda pera os ne
gocios humanos, quem a miude
fe chega a efte altifsimo Sacra¬
mento.E daqui nacia que quando
de Trentoefcrevia ao Padre frey
Ioão de Leyria Governador do
Arcebifpado , encarecidamente
lhe encomendava, que todos os
dias antes de entrar no labirinto
dos negocios & governo do Ar¬
cebifpado , pera irem bem guia¬
dos^ ver nelles bom fuceíTo,dif-
feíTe primeiro fua Miífa.
Em todo tempo encarecia mui
to,& trazia fempre na boca húas
palavras que São Boaventura diz
contra os Sacerdotes defcuyda-
dos. Cum Sacerdos efi abfquepeccato Jn ^
mortali, Isf inpropofito bono non ha- pupara
bís legitimum mpedimentuto, & non tiowsad
ex reuerentia,fed ex negligentia omit-
tit celebrare, tunc quantum infe eít,
pnuat Trinttatem laude & gloria,
Angelos Iceútia , peccatores noenia,
tufios fubfdio, in Purgatório existen¬
tes refrigeno, Ecclefiam cbnshfpiri-
tuah beneficio,Je ipjum beneficio, Ef
remedio contra quotidiana peccata,
ip? infirmitates: & denicp quantum
in fe efi, euacuat Diuinum cultum la-
triam denegando CreatorilEíiâs íao
as palavras. A fignificação he.
O Sacerdote que não no accuían-
do fua conciencia de peccado mor
tal, nem mao propofíto, & fem
ter jufto impedimento deixa de
dizer Miífa , não no fazendo por
reverencia , fenão por negligen¬
cia , efte tal a todo feu poder pri¬
va de gloria a Santifsima Trin¬
dade, os Anjos de alegria, os pec-
cadores de perdão, aos juftos de
focorro, aos que eftão no Pur¬
gatório de refrigério, a Igreja de
Chrifto de benefício efpirimal,
afymefmo de hum grande bem
& remedio contra os peccados
& fraquezas de cada dia,& fínal-
meme por fua vontade, & quan¬
to em fua mão he,eftreita, & en¬
curta o culto divino negando ao
Criador a hora da verdadeira ado
ração que lhe he devida. Bem fe
deixa entender deftas palavras,
quantos & quão crecidos intertef-
ffes
 Ârcebifyo de Braga, Trimas âas Hefvanhas.
íesgrangea perafua alma quem
continua o aícar.E erão taesos
que o Arcebifpo achava nelle,
que ate os afsi (lentes enchia de
devação quando celebrava , ou
por outra qualquer maneira fe
chegava ao Divino Sacramento.
Paliando de ca minho por Via
na no anao de fetenta 8c finco a-
choufe hua tarde na Igreja ma¬
triz , & vio que andavao apare¬
lhando pera levarem o Sãtifsimo
Sacramento a hu enfermo q mo¬
rava na ribeyra, que nao hc pe¬
quena ditlancia da Igreja, tarda¬
va o Cura, 8c nao aparecia outro
nainiftro; alegremente laçou mao
da ocafiao que fe lhe offerecia da-
quelle exercício de devação.En-
tra na capella do Sacramento,re-
veftefe nos paramentos fagrados
Sc com grande edificação do
pouo, 8c confolação própria , 8c
de todos os que o acompanharão
Sc afsiftirão levou &c adminiítron
o Sacramento ao doente. E he
muyto pera notar que tornando
pera a Igreja chamou o Cora, 8c
teve com elle hum comprimento
tanto mais cortez & cheyo de bô-
dade, quanto menos era devido,
dizendo que por fe achar alyna-
quella conjunção lhe tomara a
mão, Sc porque na verdade o tal
officioa elle Arcebifpo direyta-
mence copetia, como a Prelado q
eraimmediato do enfermo , pois
era ovelha fua, 8c afsi não lhe fi¬
*3*
zera agravo. Deíla elevação &
efpirito do Arcebifpo achamos
hua memória que nao he razão
ficar em filencio. Quando fe a-
chou nas Cortes de Thomar,
quiz elRev Dom Filipe,polo que
fabiadefuas partes, que lhe dif-
feífe MiíTa algúas vezes: 8c alfir-
mavãoos Senhores que afsiíbão
aelía com Sua Magdiade,que
era tal o fintimento, 8c devaçao,
8 c fuavidade, com que a celebra¬
va,que grandemente ficauão ad¬
mirados, ôclhes parecia naaueí-
le efpaço que eftava jà transferi¬
do na Gloria.
CAFITVLO XXL
Da deuaçao & cuydado com
que re&aua o officio
Diurno.
ffFfSfrpf A5 ha duvida que o
Vá1 exer cicio do Coro, 8c
das horas Canónicas
que todos os ecclefia-
fticos nelle,ou fora dclle rezamos
fendo o fim louvar a Deos em to¬
das as horas do dia,ã imitação do
q na Corte Celeílial fitzé perenal-
méte os EípritosAngélicos,he tã-
bem aparelho pera melhor feruir-
mos 8c receber mos é noífas almas
eííe mefmobcnhor no foberano fa
cnficio da MílTa.E por i ífo he o re
zar obrigação perpetuaméte ane
xa ao Sacerdócio. E pelía mefma
Q.q 3 razão
 Liuro V. da vida de D. Fr.BertJosMart.
mão do bom modo & actençao
com que virmos rezar os Sacer¬
dotes,'conheceremos polamayor
parte a que terão em celebrar: &
ao contrario pola devação, com
que celebrão poderemos alcançar
a que teverao fatisfazendo ao ofh-
cio divino,ou com que lhe cofíu-
mão fath fazer. Temos vifio co¬
mo o Arcebifpo celebrava:& Tem
dizermos mais, podia ficar enten¬
dido c5 q cuydado fe diíporia pa¬
ra o facrificio rezado. Mas não he
razão q deixemos de cõtar algúas
particularidades d ignas de lem¬
brança. Affirmão todos os que o
conhecerão & tratarão que tudo
o que rezava,ou entoava no Coro
& fòra delle era com hua certa ef
ficada & devação tanto do inti¬
mo da alma, que notoriamente fe
Via que fahia delia o que pronun¬
ciava a boca. Na exprefsiva das
palavras era grandemente apon¬
tado procurando que foíTe muy-
to clara & diftínta. E fe no Coro
via negligencia nella defconfola-
vafe rouyto. Mas quando rezava
cm particular, em fe defcuydando
quem o ajudava logo lhe fazia re¬
petir o Verfo,ou palavra tantas
quantas vezes mal fe declarava.
Quando chegava a dizer o Verfo
Glona Patri, tf Ftlto tf Spiritui
Santo ^c.acendiafe tanto no efpi-
ríco, que levantava a voz defen-
toadamente. E fe lhedizião que
não parecia bem rezar afsi em
Communidade refpondia quecõ
fervor & alvoroço fe avia de in¬
vocar o Efpirito Sanéto. lílo era
fallar a boca do que trasbordava
no coração. A viola mais mufica,
& mais fuave , he deftemperada
em mão de quem a não entende.
O eílrondo das agoas do Nilo^J^
quando caem do falto altifsimo ScJ^
das ferras da Étiopia qne chamão
Catadupa, não tolhendo o ouvir
aos naturaes,enfordece aos eftian
geiros. Aquillo que parecia de.en
toamento,& nimiedade no Arce-
bifpo, por iílo o era nas orelhas
dos que afsi o jnlgavão, porque
não alcançavão qual era o Meftrc
de Capeila que lhe fazia o compaf
fo dentro na alma. Não atinavão
com as vozes daquella viola, erao
eftrangeiros naqudla toada.
Não era menos eftranho,& de
algus feria por ventura eíbranha-
do outro coílumeque o Santo ti¬
nha acabando de rezar, que era
devação fua cordialifsima.No ca¬
bo das horas repetia finco vezes
Diui*
com extraordinário affeito:
num auxihum mantat femper nobij-
cum.Querem dizer eítaspalavras.
Sejafempre com nofco o divino
foccorro. E de cada vez que che¬
gava à ultima delias fazia hum gei
to & fom com a boca, como qué
fuavemente chupava ou íorviaal-
gúa coufa muyto faborola. Defe-
jàrão muytas peíToas entender o
íegredo diílo,& nunca o declaiou
fendo
 Arcehifpo de Brdga} Primai das Hfjbanhas. 232
fendo por vezes perguntado & ro não era Deos, era pera elle fel, 6c
gadorfenao defpois de eftar reco¬ amargura, 8c de nenhúa Coufa fo¬
lhido em Viana, onde o Padre Fr. ra de Deos podia ter gofto. Não
Ioão da Cruz lhe fez inftancia, & revelou o Arcebifpo deílefecreto
a elle como a filho que muyto a- mais partes queedas: porque fao
mava o não pode negar. Dizia q âs que podia contar fem cocar põ
fe reprefentava rezado diante do to de honra íiia,que muyto abor¬
bom IESV crucificado, & ma¬ recia. Mas fe he verdade que polo
nado rios de fangue precioíifsimo eífdtoque caulárãoem Fr. Her¬
de fuas divinas Chagas:& acaban mano os divinos favores fe conhe
do de rezar pedia cõ aquelle Ver- ce a grandeza delles, bè podemos
foacada húa daquellas fagradas affirmar, que não recema menos
fontes,particulares mifericordias: mimos o Arceb»fponeíla fua de-
& juntaméte imaginava que che¬ vaçao,pois temos vifto largamen¬
gava a pòr a boca em cada hua, te que aborrecia tudo o que o mú
& recolhia neíía, & em fua alma do eítima 8c preza, com tal refolu
com incomparável gofto aquelles ção que podia dizer com o Apo- Adfhih
nquifsimos licores.E era devação ftclo que fua vida era fóChnfto. l%
que aprendera do Beato Fr. Her- Em hua doença gravifsimaq
manoReligiofo de fua Ordem: o teve (que nao fos ao poucas nem
qual fendo devotifsimo das fagra¬ leves as q lhe procederão do mui¬
das chagas,8c eftando hum dia to to que trabalhava , & da mà vida
do arrebatado na cófideração dei que levava) cahio em profunda
las, hora compadecendofe das do modorra, de fotte que não avia re
res que caufarião naquelles inno- médio pera o terem elperto. Mas
centifsimos 8c virginaes mébros, nao faltou quem defeubrio hum
hora alesrandofe
O com o remedio muyto facii,&.igualmente eíficaz:
que delias fahio pera o mundo, & bailava fazeremlhe ouvir que não
dandolhe por elle graçâs & lou¬ tinha rezado. A efta voz acudia
vores infinitos.-apareceolhe o mef com preílteza, 8c efperteza dizen-
mo Senhor com as divinas cha¬ do.Pois rezemos,rezemos logo.E
gas abertaSj&diíTelhe.Chega, 8c à conta de o livrarem do fono, lhe
bebe quanto quiferes. Obedeceo davão o trabalho de rezar, q nao
Fr. Hermano: poz a boca nas fa¬ era pequeno pera em ta! eíiado,
gradas fontes, & forao tamanhas mas menos danofo. E notavafe
as enchentes de gozo celeftiai que por maravilha,que do que era co-
naquella hora fíntio, que da rnef- ftumado rezar de còr, não perdia
mo ponto em diante tudo o que com coda a força do mal, nem lhe
Qq 4 cfquecia
 Lluro V. divida de D. Fr.Bert. dos MarU
êfquecia palavra: antes faltando
os que o ajudavao algum Pfalmo,
ou deixando Verfo, ou trocando
Antifona(o que às vezes fazião de
própofitoj acudia cõ viveza. Não
he eííe o Pfalmo, não dizeis bem,
tornay aqui,nao he eífa a Antífo¬
na.
Longos annos tinha o Santo
pedido a noífo Senhor com conti¬
nuas &ardentes orações,que nao
permitiíTe perdello nunca da me¬
mória , nem couía algúa das que
tocaííem a feu ferviço, 8c a troco
deftc bem tudo o mais da vida fe
lhe varreífe 8c apagaíle delia.Me¬
lhor petição por certo que a de
Salamão, 8c digna que todos os
Chriftãos de propoíito a eftude-
mos, 8c feja a primeira de todas
noífas petições, confiando &c ten¬
do por certo que nas femelhantes
nunca nos pòde faltar bom defpa-
cho,conforme à promeífa Divina.
Qiucimcfo orantes petitis , credi¬
te qubci accipietis , Iferunt ucbis»
Afsi parece que o Santo efiava jà
ern poiTe de tão alta mercê, pois
em tempo que a natureza & as
potências eífavão proftradas 8c
vencidas da força da doença, em
íè lhe tratando de Deos, logo tor¬
nava em fy, 8c cobrando o vigor
perdido ficavão elle, 8c ellas vito-
riofas domai , 8c fenboras de to¬
das fuas operações. O nome de
Deos que lhe foava nas orelhas no
maior peio da modorra,& atê nos
mais defatinados frenefis, abatia
todas as fumaças do humor per-
nicioíbjOU as anteparava, de mo¬
do,que pera as coufas divinas fi¬
cava em todo feu perfeito juyzo,
& acordo. Seja o Senhor immor-
talmente louvado por tao eftra*
nhas maravilhas.
CAPITVLO XXII.
#
Da continuação com que Je ex¬
ercitaria nas virtudes da
Oraçao tj? Adedi-
t dd Oê
Arga menção fize «
mos no principio da
H
A
hiftoria, como de to¬
dos os exercicios & oc
cupações fantas doArcebifpo,a
que mais tempo lhe levava, era a
oração. Aqui diremos mais algúa
particularidade na mefma maté¬
ria. Era tão aplicado a dle modo
de tratar com Deos,que qualquer
hora ou momento de tempo que
os negocios lhe deixavão livre, lo¬
go lançava mão da occafião pera
fe recolher com elle, 8c afsi o buf«
cava feu eípirito,como toda a cou
fa pefada demanda naturalmente
o centro. A continuação que toda
a vida teve de negocear cõ o Ceo
por efte meyo,criou habito, o ha¬
bito fez gollo. Eaquelle Senhor
que tem prometido de não faitar
a quem
 Arcebityo de Braga, Primas das Hefpanhas.
aquém o bufca, & que acode a to
dos os que de fua parte trabalhão
polo achar, taes fuavidades lhe
comunicava em hu grao alnísi-
mo de contemplação, a que o ti¬
nha levantado, que fe fora pofsi-
vel não comer, nem beber, nem
dormir pola cótinuar, tudo fizera
o Santo : a troco delia queria dar
o Arcebifpado , 8c pera a lograr
fem interuallos, erão todas as in-
ftancias que fazia por largar os
cuydados 8c carga de Prelado,
quando o era: a ede fim cortava
pola comida, pola bebida, polo fo
no,porque não ouveífe coufa que
lhe tolheíTe hu ponto do que ti¬
nha por mayor gofto de todos,
que era acompanhia do Senhor
que fempre trazia à viiladoso-
lhos dalma. E porfe dar todo a
elie,queria dar tudo, 8c não que¬
ria da terra na da .E era tão antiga
a aífeyção que tinha a efte fanto
exercício 8c trato interior com
Deos, que achamos efcrito é hús
fragmentos que de fua vida come
çada a compor polo Meftre frey
Luis de Granada vierão a noíía
mão,que morando o Santo em S.
Domingos de Lisboa, & achan-
dofe aly inquieto com ocafioés de
negocios 8c viíítas, dizia a hum
Religiofo feu familiar amigo, que
folgara que fem culpa fuafe lhe
levantara algúa tormenta ou cafo
tal,que foíle ocafiao de fer conde
nado a reclufaõ de húa cella,por-
que então eftaria mais folto &
deíbeupado pera fe entregar todo
a Deos.Tão amigo era do reco¬
lhimento 8c quietação que tal
ocupação requer. Afsi fabemos
dos que o conhecerão de perto,
que todas as vezes que avia de
pregar defpois de Arcebifpo, o
livro em que e ftudava a noite an¬
tes, era Chrifto Iesv verdadey-
ro livro da vida poído na diante
da Cruz:lançavaíe por terra dian
te delle.aly alcanfaua em alca me¬
ditação conceytos divinos, que
abrazavão almas, emendavão vi¬
das, faravão conciencias, E não
empregava fò neítes aótos men-
tacs as horas que erão fuas, tam
bem lhe dava todas as que pare¬
dão perdidas, &ocioias, 8c a-
lheias de tal cuydado.
Acabando de vifitar quando
andava polo Arcebifpado, fe avia
de crifmar, ou dar ordés,ou prè-
gar:& era neceífario fazer antes
algua detença por ocafioes que fe
offereciãorpor curto que foíle o
efpaço, logo íe recolhia coníigo;
8 c quando lhe trazião recado, ja o
achavao todo abforpto 8c enle¬
vado com os olhos pregados no
Ceo, 8c tão alheyo dos fíntidos,
q era neceífario fazerem muyto
eftrondo,& fallar alto peraefper-
tar.Outras vezes nao bailava ne¬
nhum rumor por grande que fof-
fe.Tiravaolhe pola roupa, & ne
afsi reípondia: 8c quãdo acabava
de
 hiuro V. àa vida de D. ¥r< Bcri.dosÃ/fart.
reíponder, failava como homem
alienado dos íintidos,E fe aconce-
cia,.por fe paliarem as horas do
minifterio a que avia de acudir,
apertarem com ei!e, & efpertaré-
no apreííadamente, magoavafe
tantod’aquella força, por fe ver
divertido do faborofo encretimen-
to de fua alma, que a primeira re¬
porta, com que acudia,era rompe
do em altos gemidos, Deyxaimc,
que me quereis? Afsi por lhe nao
encurtarem efta hora de gorto,co
mo lhe nao viaooutro nenhúna
vidafquandonão avia muyto pe¬
rigo natardançajdifsirrmlavão co
o que avia pera fazer, & efpera-
vao atè queporfy tornaííe.E or¬
dinariamente quando afsi torna¬
va, era banhado de copiofos fuo-
res.
Dizia hu dia aos feus,queyxã-
dofeelles no Inverno dehumti-
gurofo Nordefte que corria. Re-
medio excellente & infallivel,
meus filhos pera o frio,pòr em o-
raçao: não ha melhor brazeiro.
Failava de experiencia,& podiao
dizer quem nella chegava a fuar*
Mas que engolfar faria norepou-
fo da fua camara , ou cella, & no
quieto filencio da noite,quem tão
facil era em fe furtar a fy mefmo
no mcyo de tantas obrigações, 8c
diftracções? Das quaes quando fe
yia afrontado coftumava a dizer,
que o enchia de efpanto 8c inveja
a grande devação,& efpirito do
do Santo Rey David, que cercado
de tatos & tao pefados cuydados,
como deviãofer os de hum gran¬
de reyno, 8c tendo tantas coufas
em que fe repartir, todavia acha¬
ra tempo pera compor hum gran
de numero de Pfalmos defohera-
no coceito, & não lhe faítavão ho
ras pera os cantar devotamente
em fua arpa.
Como o Sãto gartava a mayor
parte do anno poio Arcebifpado
vifitando & caminhandoíèmpie,
pagavafe nos caminhos do tépo
queos negocioslhe tomavãoem
povoado.Ordinariamente fcadia
tava dos feus, ou fe deyxava ficar
atraz,& de tal mazieyra fe aplica¬
va a filas meditações, q por com¬
prido que forte o caminho , dava
nuiy pouca fé deile. Alguas vezes
hia tomando ocafião de quantas
coufas fe lhe oíferecião aos olhos,
pera levantar o efpirito a Deos.
Se fobia algum monte, ou corta
agra dizia com devação.Venite
cendamus in montem Domini. Eoq
então fe lhe reprefentava na ima¬
ginação,eftillavão logo em lagri¬
mas feus olhos.Vendo ferras leva
tadas,recebia particular conten¬
tamento, 8c alegremente acudia
com o vttfo.Lettaui oculos tneos in Pfl2&
montes jvnde <veniet mxilium mibi.
Quando caminhava por valles,
8 c fe via cercado de outeyros can
tava .Montes tn circuitu etusjls? Lo-
mims in circmtupopulz fui. Afsi fe
hia
 Arcebifbo de Brava,
hia difpondo 6c acendendo pera
a contemplação atè que ficava ar¬
rebatado nella, 6c palíava em de-
leyraçoes do Ceo as legoas intei¬
ras , 6c os pafios arriícados 6c pe-
nofos.
Caminhava hum dia porhõa
charneca fea 6c feca de matos af-
peros 6c brenhas efpeílas. Hião
os da companhia defcontentes 6c
defgabavão a terra: 6c el!e dizia q
não tinhão razão, que antes por
boa merecia louvada. Replicando
os companheiros que não vião
nella bondade, nem coufa pera q
foíTe boa, refpondia o Santo que
era bonifsima: ad eleuandam mente,
pera mover 6c levantar o efpirito,
6c lembravalhes os defertos de S.
loão bautifta, 6c dos antigos Ana¬
coretas .Se lhe diziao que era o ca¬
minho fragofo,refpondia que não
avia que recear, que afsi era o ca¬
minho do Ceo. E mandava aos
Capellães que lhe foliem cantan¬
do algus Pfalmos, ou Hymnos,6c
o contraponto com que os ajuda¬
va, era copia de íuavifsimas lagri¬
mas. Em fim por não ficar nada,
que lhe não folie motivo de pias
confiderações, gabava huas cou¬
ves que em entre Douro 6cMinho
chamão hortos (6c faõ as piores
que là ha) 6c a razão que dava era,
porque creciao direitas pera o
Ceo, 6c quanto mais as defpoja-
vão das folhas,tanto mais fobião.
Mas toda fua confolação era fe
i
*j4-
rteftes caminhos topava com algu
Moííeirojóndefem perder muyto
da jornada pudeííe fazer noyteé
Aqui fe aproVeitava do tempo íe*
Vando toda a noyte diante do San
tifsimo Sacramento em oração,6c
difeiplinas: 6c à defpedida deixam
do confolados os Religioíos com
fuas efmollas, como ficavão edifí*
Cados da companhia.
CAPITVLO
Doslwros que deixou
eferitos,
Ao merecia ultimoíu
XVIS m gar entre as virtudes
3 .'Z
m o do Arcebifpo o traba¬
lho que tomou em ef-
crever vários Tratados de fanta6c
proveitofa doutrina, Porque fen¬
do fu a vida etn todo tempo tãobe
ocupada,como temos mofirado,
era neceííario furtar muyto tem¬
po ao defeanço corporal pera o$
poder compor.Muyto lhe devia-
mos pola doutrina,que fuas eroy-
cas obras nos pregão, mas não
quizque lhe devenemos menos
pola de feus efcritos;pera enten¬
dermos que em tudo he grande
no Ceo, conforme ao dito do Re¬
dentor. ®uifecerit,& docuent, hic
magnus uocabitur in regno Calorum.
Tanto que fevio cora obrigação
ds paítor guia de almas aíheyas
con he-
 Livro V. da vida de D. Fr, Bert.dos Ivíart.
conhecendo fer amayor arte, &
mais diffícultofa fciencia de to*
fâreg. itt
fájloral. das,conforme ao dito dc S.Grego*
rio, determinou alcãçar delia tu-
do o que por cftudo & meyos hu
manos podia fer. E foy colhendo
dos Santos Doutores Sc Padres
antigos como follicita abelha em
campo de flores, quanto achava
pertécente à matéria difpofto com
ordem & curiohdade, & cõ o feu
engenho:& brevemente fe achou
com hum volume que era todo
ouro fino.Foy fua tenção fazer hu
como roteyro pera fe governar
naPrelacia:por iífo lhe deu titu¬
lo Stimulus Paftorum-krr, ter inté-
to de o publicar. Mas fendo lido
Sc coníiderado polo grande Arce
bifpo de Milão São Carlos, como
deixamos atraz contado,logo por
feu mãdado foy impreífo em Ro¬
ma^ defpoisem Lisboa, & em
Paris fe fez terceyra impreífaõ.
Pera os homês efpirituaes efere-
veo hum excellente vòlume, que
todo Religiofo devia trazer de con
tino na mão, Sc a doutrina delle
na alma. He húa guia ou efeada
pera c5 facilidade fe fobir ao alto
monte da cótemplação .Chamou
lhe Compendiam Spiritualis doflri-
na ex <varijs Sanclorum Patrumfen
tentijs colleãum. E ainda que todo
he recopilado das flores dos San-
tos,como prometeotituío,bem fe
deixa ver no que poem de fua ca¬
ía que falia de expiriencia, Sc co-
mo Meftre exercitado naqtieíia
fciencia,que por alta Sc íbberana
he chamada Theologia Miftica.
Compoz outro livro aque deu no¬
me Goilationes Spirituahs: no qual
ajuntou cento & ílncoenta coíla*
ções efpirituaes, cada húa com-
particular thema conforme à roa-
reria,em que procede com muy-
to engenho Seefpirito.A primeira
he do amordivino: té por thema:
ofculetur me ofculo oris fui. A fegu-
da trata defatore peccati.Q thema
hcputruerunt jumcta in ílercore fuo
Outro eícreveo fobre os Pfalmos
deDavid, Sc Cânticos das ferias.
Começa Multa p&JJent bic dici de
laudibus Pfalmonm.E outro de an
notações fobre leremias, Sc ou¬
tros Profetas. Outro fobre cafos
de Conciécia,cujo titulo he: Pun*
fia tangentiajura <E? cafus confeien-
í/W.Começaãntentio dicitur lumm
fcfc.A outro deu titulo iVariafen-
titi a ad Sacram Scripturam pertiní-
tes: Começa.* Abraamprius difius
eURam.&c. Aoutro Doflrina
regula mtnfa reltgiofe.Aoutro.Epi-
tome chronicorum mundi: corrjeça.
Prima Monarcbia Afsiriorum Efc.
A outro Compendiam HiTtoriarum
Ecclefaslicarum. Começa. Pilam
quadam no fiefubintulit in <vrhem le
rufalem &c. Eícreveo húâ relação
das confas fucedidas no fanto Cõ
cilio de Trento des do dia que fe
abrio, até que reve conclufaõ, Sc
começa. Conciliam apertam eft de¬
cima»
 Arcebifyo de Braga, Primas das Hejpanhas. 23S
cimaoãauadk Ianuarij anni 1562. po prefente tres Regiões fe ajun»
Na lingoaPortugueza fez hum tra tão no reyno que chamamos de
tado de praticas devotas pera os Aragão,&c. E outro dos Reys de
Prelados fe ajudarem delias quã- Navarra; começando do primei¬
do dão Ordés,acomodadas a cada ro que foy Dom Garcia Ximenes
grao em particular, & cõ íuas ad¬ até elRey Dom Filipe fegundo.
vertências, afsi dos louvores del¬ Aqui ajuntou a fucelTaó dos Reys
ias,como da obrigação dos que as Mouros, que em Eípanha reynà-
recebem. Outro de praticas efpi- rão. Das coufas de Portugal não
rituaes fobre os Evarl^elhos das fez mais q hua breve relação dos
feílás de todo anoo,em que fe cõ- Reys, do tempo q viverão & rey-
forma com os entendimentos Sc nârão atè elRey Dom Sebaíhão,,
capacidade do povo íimpres, por¬ Por certo podemos ter que fe to¬
que foyfua tenção,que ferviííem das eftas obras chegarão à im-
pera os Curas idiotas as lerem aos preíTaõ ouverão de fer eftimadas
freguezes, & por iílo as mandou & bem viftas, porque feu dono
imprimirá fua eufta & efpalhar tinha partes pera illuftrar tudo
polo Arccbífpado. Hum Catecif- o que tomava entre mãos: Sc não
mo compôs tao claro, tão facil & fazia nada por ociofidade, ou cu-
proveytofo,que porfer tal o mã- riofídade, fenão fõ pera proveito
douelRcy dom Sebafhão impri¬ dosproximosi Mas como elle fe
mir, pera fe ler nas Igrejas dos me não aplicou a imprimillas , por
ftrados&Ordés Militares deChri nao defraudar os pobres da con¬
ftOjSãtiago & Avis.Pera os curio- da , que niífo podia defpender,
fos de hiíáorias recopilou diverfos ficamos defraudados os efiudio-
tratados de antiguidades * como fos de hum grande thefouro, Sc
foy hum Epitome das vidas dos utilidade f principaímente nas o-
Summos Pontífices com os fucef- bras pertencentes à doutrina, &
fos mais notáveis, que em tempo à fagrada Efcritura.O que he tan¬
de cada hum ouve no mundo, co¬ to mais de fintir,quanto heoje
meçando de São Pedro, atè o tem rnayor a liberdade, ou defaforo
po de Sixco Quinto.E hum com¬ (por dizer melhor) noeícrever,
pendio gèral das hiftorias de Ef- & imprimir , que vay crecendo
panha, que começa. Avendo quin de forte, que arreceyo nos ave-
ze annos que A dam era criado mos de vir a queixar da impref-
&c. A efte ajuntou outro dos faõ, não fò negarlhe os antigos
Reys de Aragão , &c Condes de louvores.
Barcelona, que começa. No tem¬
Rr CAP.
 Liufô V, clavida de D. Fr.Bert. dos AbarP,
CÁPITVLO XXIIII
teflemunhos notaueis
que derdopejfoas grauif-
fimasda Santidade do
Arcebifpo.
Oz de Deos,chama o
provérbio, a voz do
i
pouo: efia he aquélle
coníintimento geral
em que vnibormemeníe concor¬
damos todos bõs & maos, fabios
& idiotas pera approvar, ou con¬
denar qua quer genero de coufa,
que chega a andar em fama publi
ca. E a razão de a hõrarmos com
tal nome, parece fer, porque não
pode deyxâr de aver algúa coufa
deDivino na quelle juyzo,quena-
cendo de tanta variedade 6c dif-
formidade de juyzos,quanta heã
differença & numero de cabeças
donde faeitodavia venha a con¬
formar Sc vnirfe em hú ío pare¬
cer. Efta voz 6c efte juyzo teve o
Arcebifpo em feu favor quando
vivia. Eifa teve defpois de morto
fque he quando fem refpeytos de
amor 6c odio fe apurão verdadesj
com tanto apíaufo 6c publicida¬
de,que a boca chca.he nomeado,
& avido por Santo em todoefie
reyno:& na villa de Viana quaíi
não ha cafa, que não tenha q con
tar,cafos prodigiofos é beneficio
efpiritualjOU temporal defetis na-
turaes. Mas porque o defcuydo
dos Religiofos da Ordem de São
Domingos pouco inclinados a le¬
vantar as coufas delia, ou por me¬
do de vãgloria,ou dodefarque
té os tefiemunhos em caufa pró¬
pria, fe acomodou à humildade
do Santo,não procurando auten¬
ticar fuas obras maravilhofas: &
oArctbifpo Dom frey Agoftinho
feu fuceífor , que tinha tenção &
deft jos de o fazer, foy prevenido
de doenças & da morte, quando
ouvera de começar: pareceome
que deviamios acudir nefie lugar
pera memória da poíteriddde
com algús teftemiunhoSjquepefi
foas gravifsimas, izentas por fua
calidade de toda razão de íofpei-
ção, derão da virtude do Arce-
bifpo : os quaes juntes com os
que já vão fen.eados neftes eferi-
tos de Papas 6c Reys 6c outras
peííoas grandes,fiquem fuprindo
aquellâ fatal negligencia nofía.
Chamo a fatal, porque a tenho
por procedida de divina vontade,
conformandcme com o dito do
mefmo Santo, quando morren¬
do dilfe, fegundo là referimos,
que não efperaífem mi]agres..Que
na verdade bem conforma a pala¬
vra: não efperem milagres: com
não aver atègora nenhú juíiifca-
do em forma de direito, 6c na q a
Sãta Igreja tem determinadoem
femelhãtes materias:fédo os mila¬
gres
 Arcebifpo deBrdjra, 'Primas das Hefyanhas.
gres muycos em numero , &
grandes em calidade, Sc os devo¬
tos do’Santo quaíi infinitos. Por
onde nos podemos perfuadir que
a profundtfsima humildade com
que em todo o difcurfo da vida
trabalhou por incubrir, Sc aniqui¬
lar fuas grandezas, alcançou de
Deos que nem por morte tenhão
aquella callificaçao que avião mi-
fter pera ferem ávidos por verda¬
deiros milagres, a qual lhe podia
grangear na terra a honra de o
vermos canonizado.
A poz o teftemunbo da voz po
pular, ferà o primeiro de hú fidal¬
go de grande autoridade nefte
reyno, com cargo na cafa real de
Capitão dos Ginetes delReyDom
Sebaftião, Sc feu Embaxador no
Concilio de Trento. (Efte cargo,
Sc nome de Capitão dos Ginetes
achamos em Portugal des do tem
Cábeâ P° dclRey ^om Afonfo o Quin-
judf'p. to; foy o primeiro que o teve Gô-*
2. Dctif çalo Rodrigues de Soufa,& ref-
103. ponde no offício que faz, fegun-
do a lmgoagem que oje fe ufa 11a
milicia , a General da Cavalla-
ria do reynoj o nome Dom Fer-
nao Martíz Mafcarenhas. Efte fi¬
dalgo conheceo Sc tratou fami¬
liarmente o Arcebifpo todo o té-
po que aquella fan ta junta durou,
Sc defpois de acabada vierao em
companhia atè junto aEfpanha:
confideroo fua vida, ditos Sc fey-
tos com attençao,& com maduro
236
juyzo,& quando fe offerecia fallar
nelle dizia,que na verdade confef
fava não ter noticia das particula¬
ridades da vida dos Bifpos anti¬
gos que a Santa Madre Igreja ve¬
nera por Sãtos:raas que também
não fabia que mais podião fazer
do que fazia o Arcebifpo dom fr.
Bercolameu, nem como poderia
fer viverem melhor. Porque fe de
S.Martinho fe contava,que de tal
maneyra cumpria com as obriga¬
ções de grande Prelado, que nun¬
ca lhe eíquecerao as de mõge hu*
milderdom frey Bertolameu tal
proceder tinha em fua vida, que
quando pera ella olhava não fabia
diftinguir e qual era mais perfey-
to,fc na Pontifical, ou na monaíli
ca.Se S.Nicolao fora grãde efmol
ler: dom frey Bertolameu fe aven-
tejava tanto nefta parte que todas
fuas rendas em claro erão dos po¬
bres, Sc não fomente nao refervoií
nunca eoufa algua pera fy fòra do
gafto precifo & forçado de fua pef
foa&cafa,mas ainda deífe corta¬
va Sc forrava pera éprego de mais
efmollas.E fe efpantava o valor &
liberdade com que Santo Anto-
ninoameaçava os Magiftrados de
Florença dizendo que ainda era
fenhor da chave da íua ce 11a, Sc
fe tornaria a ella,Sc os deixaria: a
elle com grande execeíío o ad¬
mirava mais a força , com que
Dom frey Bertolameu fora ar¬
rancado da cella pera a Prelacia,
Rr z a vio»
 LivroV. davidade D.Fr. Bert.dos Afart,
a violência & defconfolação com
que vivia Árcebifpo , Primas das
Efpânhas, & fenhor da cidade de
Braga , & em fim a eíficacia com
que procurava tornar ao canto hu
milde de fua Religião.
Seja fegundo teíhmunhoode
outro Embaixador graviísimo,di¬
go. Dom Álvaro de Calho fiiho
daquelle grãde Viforey da Índia,
reitaurador delia, hõra da Patria,
& do feu apelíido Dom loão de
Calho,que em feitos de armas foi
Jgual aos mais famofos Capitães
andgos,& em pureza,& inteireza
de ânimo quaíi nao teve igual.
Era Dom Álvaro embaixador de-
fte reyno em Roma durando oCõ
cílio em Trento, como atraz dif-
femos : & efcrevendo a e!Rey Dõ
Sebaíliao por carta de 20. de No¬
vembro de 15o'3.diz aísi em fim de
hum capitulo delia. 0 Arcebifpô
de Braga feparti0fmco dias antes do
dito Cardeal (entende o deLore-
na) em bua mula muito fermofaque
lhe Sua Santidade deu pera 0 cami¬
nho. Em todo 0 tempo que aqui ejleue
tecebeo de Sua Santidade muytosfa-
uoreSy honrasyisf graças :l$ falbu tao
liuremente tudo 0 que entendeo, como
fafao os Santos antigos. E pode tan¬
to a njirtude que tudo Sua Santidade
tecebeo bem , & ejicaua defpois com
outras pfjjòas louvando, 6c 0 que lhe
dijjèra. O original defta carta eftà
oje vivo em livro que o Embaixa¬
dor tinha das que eftrevia: &a
ouvemos de mão de Dom Fer-
naodalvarezde Calho feu fiiho
em Cujo poder eftà.
Não he menos de eftimar por
celebre abonação , a diligencia
com que o Mtftre frey Luís de
Granada tão conhecido por to¬
da a Chritíandade pola excelíen-
cia de feus fantos tfcritos, come¬
çou a compor a hiftoria defte
Santo âsnda em fua vida. A nof-
fa mão vierão os cadernos cri-
ginaes,em que a hia lançado (não
na chegou a perfeição, porque fa-
leceo primeiro que o Árcebifpo j
nelles defpois de contar algús mi¬
lagres do Santo, que dà por muy
certos com a claufula de não au¬
tenticados, diz as palavras feguin-
tes, que vão em fua língua Cafte-
lhanâ, que elle com fua eloquên¬
cia grandemente illuftrou. Pero
Cobre todos eiíos mil agros es major
la fantidad deite <varon de Dios ,y
el defprecio dej} mfmo ,y de quan¬
to pojfee.
O Árcebifpo Dom frey Agoíli
nho de Caího fegundo fuceífor
do Santo, quando acudio a confo-
lallo enfermo, & honrailo defun¬
to com folenes exequias, ficoulhe
fobre maneira affeiçoado , polo
que nelie vio 8c entendeo naquel-
la ultima hora. A opinião em que
o ficou tendo declarou por muy-
tas vezes em palavras 8c 0-
bras. E he muyto de norar o
que emparticular diiíe dentro em
Braga
 c’^/j^ c B rdga, Vrimas das Hejpanhas.
'*37
7

Braga aquém ifto efcrevia.-affir-

mando, que cõ a mcfma confian¬
CAPITVLO XXV
ça faria oração, Sc fe encomenda¬
ria a efte Santo,que a hu S. Giral-
Em que fe da relaçao íftresla-
do, ouS. Fructuofo: fòmentelhe
nâo diria Miífa, nem levantaria al¬
do de bua Carta, a o Glo¬
tares, vifto não íer canonizado no- rio fo S.Carlos Carde¬
la Santa Sè Apoftol ica E acrecen- al fj? Arcebijfo de
tava contando , que no tempo de Aãilao efereneo
monge particular fora algum tem ao aojfo Arce
po acometido de bus acidentes bifpo.
melancólicos, dos quaes lhe fica¬
ra hua lefaõ, Sc horror tal no co¬ tare»
Or vitimo Sc roais po«
ração , que por nenhum cafo po¬ mál
8
derofo teftemunho&
dia afsiftir, nem ainda entrar em
íi' J A ■^w
que podia efeufar to¬
cafa, onde ouveífe enfermo em
dos os referidos guar¬
ultima agonia; Sc fe acõtecia que- damos pera efte Capitulo hua
rerfe vencer ôc fazer força , lhe carta de hum Santo Canonizado,
caufava notável prejuyzo na fau-
digo, do grande Arcebifpo de
de. Ecomfaber ifto de fy afsifti-
Milão o Cardeal São Carlos Bor~
ra com o Santo jà ungido algus romeo, eferita ao noílo Arcebif¬
dias fem o largar de dia nem de
po em repofta de outras fuas.He
noite, & emfim lhe morrera nas
carta bem digna de tal efpirito,&
mãos, & com tudo nenhum da¬ que defeobre muytas particulari¬
no nem perturbação fintira em dades que nefta hiftoria vão toca¬
fua difpofiçao com andar defa- das, Sc pera mais a eftimarmos
gazalhado Sc trefnoutado: o que he de aduirtir que a efereveo o Sã
junto àexperiencia que de fy ti¬ to eftando na mayor força de fua
nha , avia o fu ceifo por tão mi-
mandado Roma & o mu
lagrofo, como todos os que
do,como fobrinho que era do Pa¬
do Santo fe contavão a
pa Pio Quarto, q ainda então go¬
Sc elle o attribu-
vernava a Igreja de Deos. E por
hia a feus me
fer efta,ainda que feja hum pouco
re cimen¬
larga a lançamos a qui toda de
to s verbo ad verbnm.
o) (m
(m
Rr 5 CAR-
 Limo V. âavida de D.Fr. Bert JosMart.

CARTA.

EFE RE ND1SS1ME DOMINE. Reddiu mihi funt à

«A» Reuerendifsima Dommat. tua tres epifoU.fed <vno exemplo dua , qm-
bus me de D tace fana Synodu.de certorum hominum dtjsidio, IF quere-
hsfF de Retro Tauares ad 'vrbem mijjo certwrem facit. Eqiadem Reuerendiff.
dom. tuam in eo multum amo,quòdfanãiones, IF decretaJdcri Concilij Triden-
tini ab eis integre recipi IF objeruart njeltt,quos intelhgit fuafdeipoteftatiáà
Deo efe concreditos. Cui tamen fiaduerfari maluertnt quàmpartre, no tpfiauto-
matem, fed confliumfibi fentient defitifie.Nefo enim Sanãifsimo Dom. Nofi.
quicquam efe dehberatius 'Vídeo,quam ea qua in celeberrmo CbnUiana Reip.
conuentu dm qiufita.agitata,excujfa, àfapientifsimis <~oins in Spiritu Sanão
congregatis iudicata,lF fuomet iudicio comprobatalF corroboratafuntficpr«&-
ftare.rvt fuam <vim IF autoritatemJemper retineant:tantumfabef,^vt bacfír
mamenta catbolica fidei exfua Sede dimoueriaut ccnueíli pattatur^t etiamfir
mionbus prafidijs tndies muniat. Quamobrem fi qm erunt inreligionis officio
minus cofantes,ideH,â Reueredifsrm&D.tua fentenjs IF praceptis aliem,in ijs
confirmandis adbibeat fapientiam IF gramtatem quam debet, autoritatem au-
tem IF feueritatem ijsfinibus,quos fibi <videt à Dminis fanãionibus IF legibus
efepr<efcriptos,quogratius Sanãifimo D.N.facere mbilpcteíl. Nec<verò aut
fufpeãam aut dubiam Reuerendifsima Dom. tuafidem, <vel innccentiam, <vel
pietatem amquam habuit.nep iftorum bominum querelis, de quibus tpfa fifpi-
cari<vifa ejfaures dedit. ffiugd enim illi eíltam exploratum atfa perfpectum,
quam Reuerendifsima D. tua aut integritas,autprudentia,aut in catbolica <~ue-
rttate conjlantia? Spuod fi ^vcl fexcentos in eam calumm atores IF tejles hominu
inuidia excitafet,cum in taittam njirtutem cadere nonpofit jufpicto, nihil efet
ueldeipfats bona exiflimatione detraãum, <vel de Sanãifsimi D. N. beneuola
erga eum <voluntate diminutum. Nam quid dicam de me, cui inconfpeãu pene
animi femper adeHUFpropter excellentem inomni genere uirtutis laudem <vm
efl ad imitandum propofita? Mea quidem opinio,iF cum opimone confentiens bac
<vna est oratio,nibil efe in Jrcbiepifcopo Bracharenfi quod abft à fummis lati-
dibus-.ut non modo iíiius prouincia.Jedmultarum pratereâ regionum integri-
tate IF noirtute efe Primarius wideatur.Itaq^ mihi nonnulh non tam conqueri
de Reuerendifsima D. tuafaãis, quam defuis àehãis cciften (Vift funt, cum
nibilferè almd fitab ipfius confilijs d/fentire, mf à rehgione ofiaj.lF àprobita-
te defcifcere.Sed quomam eos babutt non tam accujatores feueritatis jua quam
fanãitatis IF prudentia teíhs,erit eius humanitatis acJapientia ijs etiam ah-
quid
 Arcebifpo dvBraga, Primas das HeJJoanhas. 2$ 8
quld conionare tf rmittere,cumpr<efirtim voluntária iniuriarum obliuio non
minorem habititra ftpietatis,qu m clementiú laiidem. At^ ego fore confidnm*
vt i/s,q:ns in (um pnslinamgratiam refiituit, xquifsimis, amantijsimis, tf
omm an/mi jenfu coniunãifsimis vtaturMx quibm facere nonpojfum cLuin Re-
uerendifiim.e D tu# D a anu m fuum feparatim siudwfèfc commendem , quem
ego quantum ex ipfius fermone potui perfpicere cognoui tpfus percupidum: non
enim Reuerenitfsinu D. tu* refijlere.Jed in illius veterem gratiam per San-
ãifsimum D.N.reduci voluit. Et quanuis apud eam fubojfendent tamen, vt
buman.e natur* eU imbecillttas,qiudam interdum vitia vtihus eíi com gere,
quam acnus vindicarei velnepeccantibus acerbitas fupphcíj reditum ad vtr-
tutem intercludat^vel neprúpenjiores ad iracundiam,quàm ad lenitatem efe vi
deamur-vel vt Jit apud nos non niflitu folum ,fed ahquis etiam mifencordi*
locus.Nunc habet Keuerendiff.D. tua in quo eius fe bumanitas, tf vtrtus ex*
erceat.Huic igiturf feplacabilempr<ebuerit,tf quem olimfilij !oco dilexerat}ad
eam reuerfum paterna item caritate fuerit complexa, edet prxclarum exemplum
fapientufux, quemà reão oficio culpa deflexe.rat, grauifsmis tf momtis tf
praceptis in curfumfuarum laudum reuocabif.quod erit Sanchfúmo D.N. gra-
tum,acmibi gratifsimum. At fi forte (quodfufpicari ^jixpoflum)controuerf<ef
quas Reuerendifsima D.tua cum nonnuUis habet defuo capitulo, erunt eiujmo-
diqvt eas autoritate tf fapientiafua fedare ac dirimere non queat,ferenifsimo
Domino Henrico Infanti Cardmali,tf Apofíoliu Sedis Legato Sanãfsimus D.
N.perfcripfit^mandauitq^ vteas dijudicandas tf componendasfufcipiat} quod
optimiimtf fapientifsimum Principem fumma <cquitate tf prudentta ejje fa-
ãurummibiplanè perfuadeo. Petrum Tauarefium Reuerendifsima Dom. tu*
ftudioffsimum ,tf obferuantifsimum cognoui,cut neçfc operajaecgratia, ntc auto-
ritas mea apud Pontificem defuit.Reliquum efl vt omnia amorts.tf dthgentu,
tf hberalitatis officia flatuat fibi ejfe à me, tf fore femper paratifsima : cui mé
etiam at^ etiam commendo.Rom* die iy. Aprilis 1565.

Reverendifsimae D. tux addiótifsimus

C, Cardinalis Borromeus,

R
Segue a tradução em vulgar.
Everendissimo Senhor* Tres cartas me forao dadas
de V. S. Reverendifsima,das quaes as doas erao hua copia da ou-
tra.Ndlas me avifa do Sinodqqíi^cefèbi:ou,& dos encontros &c
queixas
 hluro F. davida 2c D. Fr. Bert. âos Aíart*
queixas de algus homés,& de como tem defpachado pera eíla Corte a
Fero Ta vares. Em verdade muito n)e obriga amar a V". S. Revercndifsi-
ína,ver como procura que Te aceitem & guardem inteiramente os efta-
tutos & determinações do fagrado Concilio Tridentino por todos a-
quebes,cujas almas fiou Deos de fua virtude & governo: ao qual fe qui¬
serem fer rebeldes antes que obedientes, virão a íintir que a V. S. íobe-
jou poder & autoridade, & a eiles faltou confeiho. Porque em nenhúa
coula vejo mais refoluto ao SantiiT.Padre N.S. que em fuiíencar & man¬
ter de tai maneira as coufas que naquella grande junta de toda a Re-
publica Chriftam forão acordadas, deípois de íongamente eftudadas,
ventiladas,dífeutidas, 3c aífentadas por varões doutiísimos unidosno
Spirito Santo, & ulti mamente aprovadas & confirmadas com ím pro-
pno parecer.*que fiquem pera fempre em toda fua força & vigor. E tão
longe eftà de confintir que em nenhum tempo fe movão ou aballem do
cftado que tem de prefente eftes eftabelicimentos da Fè Católica, que
antes os vay cadadia com mayores forças,& ajudas corroborando.Po-
Io que fe ouver homés que na obrigação da Fè,& Chriftandade nao re¬
verem o aíTento, & fer que devem , que he o mefmo que moílraremfe
alheyos da vontade, & mandatos de V. S. Reverendifsima. Vfe V. S. do
faber & inteireza que he obrigado para fe fazer obedecer , & de todo o
poder & rigor,que, as Ieys,& ordenações Divinas lhe concedem: tendo
por certo que nenhúa coufa poderá fazer que a S. Santidade mais aora-
de. E fayba que de parte de S. Santidade não ouve nunca defconfíança
nem duvida,da verdade & bondade,& bom modo de proceder de V. S.
Reverendifsima,nem deu orelhas aos queixumes deíles homés, que V.'
S. parece quer fofpeitar: fendo afsi, que nem ha coufa que S. Santidade
tenha mais vifta > nem mais palpavelmente conhecida que o valor &
prudência de V. S. & fua conftancia & fortaleza nas matérias da JcTre.

a V.
ja,& da Fè. O que he tanto afsi, que fe aconteceíle levantar o odio° &
malicia feifeentos acufadores,& outras tantas teftemunhas contra
S. nenhúa coufa feria parte pera deminuir hum ponto do credito,&
boa opinião de V.S.fviíto como em tanta virtude não pòde aver nu-
ca fofpeita; nem da boa vontade &affeiçáo de S. Santidade para com
elíe. Pois que direi de mim, que quafí fempre trago a V. S. diante dos
olhos d alma,& pola excellencia que tem em todo genero de virtude ^
fòa eíle me determinei imitar. Porque minha opinião he f&comeíla
conforma o que fempre falloj não aver coufa no Arcebifpo Braccaren-
fe,que mereça menos,que hum efhemo de louvores. De íorte que não
(ò me
 Arcebifyo de Braga^V rimas das Hefpanhas, f jp
fò meparece Primas deíTa Provinda,mas que por feu valop & bondade
o pode Sc deve fer de muycas outras. E afsi julguey de algus queyxofos
de V.S.Reverendifsima,que Tuas queixas & razões nao culpavão tanto
as obras de V.S. como defcubrião culpas Sc dcfeytos proprios: porque
quanto a mim ,deíuiar do parecer Sc confclhos de V. S., não be outra
coufa, fenaofògir de toda boa razão Sc obrigação de Chriíiandade.
Mas vifto como eftes taes lhe ficarão fervíndo de teítemunhas de íua
Santidade Sc prudência,mais do que forao caíumniadcres de feu rigor:
adto feria bem digno da brandura & entendimento deVoíIa Senhoria
fobrelevar Sc perdoarlhesalgua coufa: poiso efquecimento voluntário
dos agravos não tem menos preço nas virtudes Chriftãs, que na pieda-
4 de Sc manfidão natural.E fiaria eu que os que afsi tornar a admitir a fu a
graça,hade achar ainda muy bõs amigos,& muy fieis Sc conformes em
tudo com fua vontade, Sc Como de taes íe ha de aproveitar Sc feruir deb
les.Entre todos não poíTo acabar comigo não encomendar a Voíía Se¬
nhoria Reverendifsima particular Sc encarecidamenteo feu Dayãoipor
que o achei, em quãtç pude alcançar de fua lingoagem, bé affeyçoado a
V.S. & fey que não tratou com Sua Santidade pera encontrar a VoíTa
Senhoria Reverendifsima, fe não pera ver fe podia reíiituirfe a fua gra¬
ça por eâe meyo.E ainda que acontectífe offendello dalgu modo, iegii
do afraqueza da natureza humana: melhor he às vezes emédar algus er¬
ros com brandura que caftigallos com afperezarou porque o rigor não
cerre de todo as portas aos delinquentes de tornarem íobre fy , Sc rne«
lhorarem:ou pera não parecermos mais fogeitos à ira, que inclinados
á piedade: ou pera que não ache fò em nòs lugar a juftiça, fe não tam
bem a mifericordia.Agora tem Voíla Senhoria Reverédiísima em que
poder exercitar fua bondade Sc manfidão:Sc crea quefe com efte ho¬
mem fe ouver brãdamente, Sc abraçar cõ amor de pay a que noutro té-
po amou como a filho,daràfamofo exemplo de fua condição Sc enten¬
dimento, Sc farà com fuas lembranças Sc regras fantas, que torne à e-
ífrada Sc a fer pregoeyro de feus louvores,quem a culpa trazia defuiado
do caminho direito de fua obrigação:do que S. Santidade levará gofto,
Sc eu tam bem oterey muyto grande.Mas fe as differenças que V.S.
Reverendifsima tem com algus do Cabido forem por ventura de tal ca-
lidade que com fua autoridade Sc entendimento as não polTa compor
Sc q lietarfo que nem fofpeitar poílo) o Santifsimo Padre N.S. tem ef-
crito&dado cargo ao Serenifsimo Iffante Sc. Cardeal dom Anrique
Legado da Sè Apoftolica que come à fua conca julgallas Sc compoilas:
o que
 h'wro V.davida deD.Br.Bert.dosMart,
fjtjiieeftou perfuadido farà com toda equidade & prudência, como
príncipe viítuofifsimo & fapientifsirro que he. A Pero Tavares achey
grade fervidor & muy affeiçoado de VoíTa Senhoria Revercdiísima;&
cu lhe não faltei diante de Sua Santidade com minha diligencia faver,
& autoridade. O qúerefta he,q feafíegure Sc tenha por certo achara
em mim fempre muy prontos & preíles todos os bõs officiosqde mi¬
nha peíToa lhe cumprirem de amor, & cuydado Sc largueza:& húa Sc
muytas vezes me encomendo a V*S. Em Roma a 3.de Abril 1565*

JtFoífa Senhoria Reverendifsima obrigadifsimo

• }í

Carlos, Cardeal Rorromeo.

_,_—— -i---c* —_ -„c

zaonenhúanos pòde fazer fofpei

CAPITVLO XXVI. tofafua opinião, Porque o q nos

Qjte contem hum elogio da <vi~
da tf ohras do Santo com-
pojlo polo Aíeftre fr.
Luís de Sotto
major.
P® Ào me parece compa-
Ç nhia indigna dos gravif
ínfimos teftimunhosque
^•atrazfícão húa compo
íiçao Latina,parto do íingular juy
zo do Meftre frey Luís de Sotto
mayorfque jà outra vez nomea¬
mos) Catredatico jubilado da Sa¬
gra da Efcritura na Vniverfida.de
de Coimbra pefloa de tanta cali-
dade por fangue,por letras & vir¬
tude,que nem o aver fido contem
poraneo Sc companheiro do Ar-
cebifpo na rehgiáo^nem outra ra-
declarou com a pena eferevendo,
fintio dentro na alma obrando,
eferitor fincero, Sc fiel relator da
verdade: do que foy argumento
que vindo a falecer quafi vinte fi¬
nos de/póis do Arcebifpo, quan¬
do chegou à vitima hora, que an-
tevio Sc declarou âos Religiofos
que o acompanhavao, em idade
decrepita no numero dos annos,
que eráo oytenta Sc quatro, mas
robufta Sc verde nas potências Sc
fintidos,mandou qne lhetrouxef
fem hum eícapulario que pera a-
queila conjíiçao tinha guardado:
veyo a peça dobrada & compoíla
Sc comocoufade eftimacom fua
letra finalada, Sc dizia. Efcapula-
rio donoífo Arcebifpo Santo Dõ
frey Bertolameu dos Martyres.
Nella como cm armas fortes fe
mandou veílir pera entrar na ba¬
talha
 Arcebifyo de Brava> Primas das Hcfpanhas,
talha da morte , & nelle quiz que
foííe feu corpo à terra, lançado ao
pefcoço hum Rofario lavrado da
madeyrado cayxãoem que o Sã-
to Fora enterrado. Efte eícapula-
rio fora o mefmo que oArceoifpo
tinhaveilido quando paííou ame
lhor vida.Inuiaralho de Viana hu
Religiofofeu affeíçoado,como pre
24a
Fé te de muyto preço: Sc oMeílre
o tinha em tanto, que o guardou
pera tal hora. De que podemos
inferir o muyto que fiava da vir¬
tude Sc mericimentos do Santo,
Sc janramente ter por certo que
nao lifongearia em vida, a quem
determinava tomar por valedor
na morte.

E
Segue o Elogio.
CCE obijt diemfuum Aiam magnus fomo inquamjlleplane magnus M
eflyMonacbusfimul Ef Sacerdos magnus : nec non ferutís isf amcus. Dei
magnus familiar is, tf prxcipuus. Denique bomo nunquani fatis pro dig-
nitate laudatus,de quo quidem prxflabat nihtl,quàm parum dicere, Is efi Domi-
nus Bartholomeus\non quidem ille Apóftolus,fed tamen <■virtute ApoftolicUs ; et,
ff as eH dicereymente,<virtutefj mento pene compar & proxtmus ipfis Jpeito,
lis,fanãifiimiffc Dei martyri bus,quorum et iam cognomen illegerebat: if tan-
quam proprium, quandiu <vixitypro infgni fbi ujurpauity <z>tdehcet ad maius
njirtutis incitamentum.Is ergo dum in vita Isf monaftica difciplina quam iam
inde àpuero rite profejfus fuerat}atfo etiamplurimum auxitf? lílusirauit tad~
kucpermaneret, ofque adeo fanólè, religiofè, fcf innocenter uixit, rvt ob egre-
gia merita fuafdeH mores innocentifsimosjandidifsimos, caHifsimos l? aoirgi-
nalesyx Mmacho Dominicano ad Prmatum Ecclefe Bracbarenfsftuina pro-
uidenúafy gratiapotius quam bominum, aut principum fauore fuent afum-
ptusgvelpotius traãus & raptus,de morefcilicetfanctorum illorum rjeterm
Epifcoporum. Tantum abeftjvt hunc honor em,'u el potius onusfle nmquam an-
teà ambierityaut affeãaueht. Siqmdem bocpofiea ,fua ipfe fponte je penitus
abdicauit: idp prxter omniumjpem atq3 expeãatwnem : in quo quidtm opere,
feu munere Pastorahyoelut alter loannes Baptifta lucernam ardentem id lu-
centem fefeilleplane exbibere ■vifus eH Itaenim indies magis ac magis proã
ciendo excelluit, 'Vt mirificum fplendorem Deo id mundo dederit, fummus atf
omninoperfeãus euaferit,non folum ama. fed etiam doólnnaúdeft non folu naer
bis fed etiam faãis,tanquam ambidexter. Hic eft emm qui quale aoerbum , ta*
lem habuit Ef aiitam, tsf qualem uitam tale habuit ls? ‘verbum. Quemadmo-
dum deOrigene ahcubipraclare dtxit Eufebius Coêfarienfísfuxtà illiid Euange-
hj diãum. Em autem fecentf ? docueritjnc magnus ooocabitur m regno Codo-
rum,
à
 Livro V. da vidade D.Fr. Bcrt.dos Adart,
rum.Neque enimfolum Mefatis babau optimi Pafioris officiu facere, nifietim
pcrfeãi tf confiimati Monacbi per omnem <vitam fiiamyojficiumjegej^ ac dccu-
rim confianter feruaret ytf cuHodim ad vnguém: quinetiam ,fi fas efi dice-
re,perfeãi Monacbi metam tf limas tranfilim: qu# laUs efi rarifsma tf ma-
ximafirxfcrtm nunc t empar is. Itacfi iure optimo non modo Sacerdos magnus,
fed etiam A dam Jeu bomo magnus â nobis nommatur, tf efi. Se d tamen nibilo-
minas etiam, maias tálmonium ille habetfisfampUus à Deopnawrapfunt me¬
nta ipfihs,quàm ânobis pr0 dignitatepr<edtcarijaudari naèpojsit. Etemm vt
compendio ytf infumma dicam, fi <~uir ifiefummus cum uteris isíis Epifiopis
<viilgaribuspopularibus.jtf quotidianis comparetur, adeps àreliqua carneJepa-
ratus noidenprofeãbpofsit.Gpua quide íollatwne diurna Scriptara altcubi njti-
tur in laudibus Sanãi Dauid Regis,atmjíc de eo ait. Quafiadeps à carneftpa-
ratusfic ifle à utèris filijs Ifrael. Fel etiam quafi Sol Oricns itit inter alias
Stellas minores,tf quafiprettofum quoddam "onguentumyaim effufum longèja-
tefandolet Juauifsimumfa odorem reddit: nonde illiusnômen tf fama non modo
in patriajed etiam extrapatriam longe, latè£ noolat, tf mirificè celebraturt
eiufip njirtutes plane attéíatur Lufitama}tf reliqua Htfpan/a, Italia, Galha:
âenifoid quodmaius tf amplius ejljvniuerfa Tndentina Syrndus, in qua illey
quafi luminare quoddam mams mirabiliter eluxit: nonus que procul dublo ex iU
hsfuitrot dicam mcdefiifisimtqui inter tot illuíires Paflores fit? Do St ores alh
qutd ejje aiidebantur, tf prfiertim colebantur. Quapropter digmfsimits efit
quem diligant>colant, venerenturyadmirenturytf mitentur onraesynaxime au-
tem tf iure fuoproprioprobi PaUores Bracharenfes. Monacbi autem Domini-
cani bunc tanquàm decas quoddam Ordinis PrLdicatorij fingulare, tf rarum
quoddam <virtutis tffanãnatis exemplarfibiproponcre debent ad imitandum.
Cum ergo talis tantufip bic rvirfityion minus mors tf fepultura.memoria% em
quàm aiita commendabúisytf pretiofaefiin confpeftu Dvmini, quo ille in Ccdis
iam nunc immortahter beatus frui tur. T ai era o Eiogio Latino, cuja fig,

E
nificaçao em noíTa Iingoagem he a feguinte,

Í $ que he morto o grande Ádam, quero dizer aquelle homem ver

dadeiramente grande, que juntamente foy grande frade, & gran¬
de Sacerdote,& grande fervo,& amigo de Deos com afíinalada & íin*
guiar familiaridaderhomem em fim de qué nunca fe diílerão tantos lou¬
vores,que não ficaííe merecendo mais, Sc por iíTo fora melhor nao di¬
zermos delíe nada,que dizer pouco. Efte he Dom Bertolameu, nao o
Apoftoio,mas Apoífolieo em virtudes, & fe afsi podemos faliar, em ef-
pirito,valor,Sc merecimento quafi igual & emparelhado aos mefiraos
A poílollos
 Areebifyo de Braga, Frimas das Hefpanhas. r
Apoftolos, & aos mais Santos Martyres de Deos: dos cjuàes tomou
também o fobrenome,& delleufou toda a vida como de titulo de hon¬
ra, & coufa fu a própria , pera effeito de trazer fempre configo quem a
mais virtude o efpertaíTe. Effe pois edando ainda dentro dos Clauftros
da Religião que desde minino folenemente profeífou, & deípois adian-
toa,& honrourviveo com tal obfervancia,& tão fanta,& incúlpavelroe-
te, que fò por fuas partes Sc merecimento de fu a vida 3c coftumes, de
pobre frade de São Domingos foy levantado à dignidade Primacial da
Igreja de Braga,& das Efpanhas, mais por graça «Sc providencia Divi¬
na, que por favor de Principes,ou outro meyo humano: & não fò levan¬
tado,mas antes á viva força obrigado , & como a raílo fubido à cadeira
a afo daquelles fantos Bifpos do tempo velho. Tão fòia eftava de pre¬
tender, ou grangear a honra do cargo, ou carga. O que defpois mo¬
fo011 bem claro Largando a Prelacia de fua vontade, coufa nunca efpe-
rada, nem cuydada de nenhum homem. Mas pollo nella de tal manei¬
ra fe portou no officio Paftoraí, que como outro São Ioão Bautifta fe
moftrou ao mundo tocha ardente, & radiante. Porque foy crecendo
em fantidade Sc maravilhas, de forte, que pera com Deos , Sc com os
homés refplandeceo com luz de incomparável claridade: Sc pera con-
figo fahio varão perfeito, & confirmado, não fò na vida, mas também
na doutrina,quero dizer,não fò em palavras, mas também em obras Sc
exemplos,como quem joga dambas as mãos.Que na verdade effe foy o
homem, em quem vimos conformarem as palavras com a vida, Sc a vi¬
da com as palavras, como notou bem Eufebio Cefarienfe em Oricrenes,
fegundo aquillo do Evangelho: quem fizer Sc infinar efie tal feràVran-
de no reyno de Deos. Porque não ouve Frey Bertholameu que baila¬
va fazer officio de excellente Prelado, fenãoajuntaflfe também guar¬
dar inteii amente,& cumprir ao juflo, Sc cõ perfeverança Sc por toda a
vida o officio de perfeito monge com todas as Ieys Sc decoro da obfer-
vancia.Mas, fe he coufa que fe poffa dizer, ainda excedeo Sc paífou
os limites da perfeição monafiica : louvor em todas as idades grande Sc
raro, mas nn pr^fente ranfsimo & grandiísimo. Por onde com rnuy-
ta razão lhe damos, Sc merece o titulo nao fò de grande Sacerdote fe¬
não também de Adão, 8c de homem verdadeiramenre arande. E com
tudo iílo inda he mayor a honra, Sc o teftemunho, que da parte de
Deos tem por fy; & mayores feus merecimentos, que tudo o que dcl-
le podemos encarecer Ôc louvar. Porque na verdade, pera refumir
Sf em híu
 tluro V. dúvida de D. Fr.Bert. dos Mart.
efn bua palavra o que entendo , fe ouvermos de fazer comparação
defte vario com eíTes Bhpos commus, & ordinários , & que cada
diã tratamos, podemos fazer conta que elle he a banha, & a g> oííura a-
partada da carne. Que he a mefrra comparação de que ufa a íagrada
Efcritura nos louvores do íantoRey David, dizendo delle. Qual hea
d)fferença,& avemagem que tem a banha,& a groíTura apartada da car
ne, tãp diffcrente,& aventajadofoy efte de todos os mais hlhos de If-
tael.E tal poderemos dizer que foy , qual he a luz do Sol quanoo nace
entre as etírellas: & qual he a fragrancia de hua compoftção de agoas
cheírofas,ou mifturaà aromaticas de preço, quando fe eípaíha ou der¬
rama, que enche & faz recender tudo de fnayifsimo cheiro. Afsi corre
fua fama não fò nefte Reyno patria fua, mas fòra delle voa & he conhe¬
cida & celebrado leu nome por toda parte: dado famofo teftimynho de
fua fantidade não lò Portugal & todas as maisProvincias de Eípanha,
mas Italia, & França: & o que he n ais q tudo, efte mefn o teftinmnho
deu delle o Concilio univerfal deTrento, onde afsiftio , & não refplan-
deceo menos, q qualquer dos luzeiros grandes, ou olhes do munoo E
nao ha duvida que foy elle hum daquelles que entre tantos & tãoiílu-
ftres Prelados & Doutores (pera que o digamos com teda a modeíha)
parecião fer algúa ccufa, & por taes erão honrados & bufeados. Pelo
que he muyto merecedor que de todos íeja amado,eílimado, venerado,
&. refpeirado,&também imitado & feguido:ao que principalmente
£em mais direito & razão os bõs Prelados de Braga. Mas com dobrada
obr igação os frades Dtminicos, os quaes como aiume & honra íingu-
lar da fua Ordem, & como hum raio treslado dt toda virtude & fanti-
dade o devem trazer fempre diante cos olhos pera em tudo feguirtm
fuas pifadas. Sendo pois efte varão tão grande coufa, razão fera crer¬
mos que nao he menos precioía, nem de menos valia fua morte & fe-
pultura,& fua memória, do que foy fua vida: diante da divina Mage-
ftade,da qual immortalmente jà agora eftà gozando cheyo de bem-
avencurança.

CAP.
 uircebifio de B raga,P rimas das Hcfpanhas.
CAPITVLO XXVII
Vo rcfipeitoquetinhdo ao San¬
to os Summos Pontífices, tf
os Reys (f Príncipes de
[eu tempo, (f toda a
gente nohre.
àrrzres Aõ acredita menos
ò a fantidade do Arce-
a
$ bifpo o grande refpei-
A
to com que os Prínci¬
pes foberanos da Igreja de Deos,
Sc os da terra feculares tratavão
de fua peíToa. Sobre os exemplos
que por efta hiftoria parecem Sc.
vão nella inflados apontaremos
mais algum.Cõftanos, q todos os
fantos Padres q em feu tépo fuc*
cederão na cadeira de São Pedro
hús traz outros favorecerão fépre
fuas coufas cõ particular affeição,
de maneira que fizerão mintiroía
húa opinião muy antiga, & avida
cmRoma por infallivel, q nenhú
homem valido de hum Paparem
a mefma ventura com feu fuccef-
for. Dos favores de Pio Quarto,
Sc Pio Quinto, que pudéramos
chamar amores,fegúdoeftes Prin
cipeslhe forão aífeiçoados, tem
feyto a hiftoria larga menção.
Sucedeolhes Greçorio Decimo
O zendofe muycas
24 2
Tercio nelles,como no efhdo,
Sc moftrou o em algúas ccca-
íiões. Ém cartas particulares que
lhe mandava efcrever, era prin¬
cipal lembrança que fia\a mny-
tode fuas orações , & lhe encar¬
regava o encommendaíTe a Kof-
fo Senhor. E fucedendo virfe de
Roma pera eíle Reyno o Meftre
Frey Anconio de Soufa eleyto Vi-
gayro Geral da Ordem de São
Domingos, que defpois foy B f-
po deVifeu.-o dia que foy beijai:
o pè a Sua Santidade , Sc tomar li¬
cença pera fe por a caminho, lhe
mandou , que quando chegaíTea
Portugal, dsílelle de fua parte ao
Arcebifpo, que lhe fazia a faber
que tinha muy prefente na me¬
mória fua peífoa, & em Tuas Ora¬
ções muyca devação,que nc!las
fe nao efqueceífe dclle. Defpois
que o Arcebifpo renunciou fuce-
deo tratarfe em Roma por ne¬
gocio ordinário , como na verda¬
de he, paílaréfelhe letras Apoílo-
licas de retenção do nome ác dig¬
nidade, porque eftà em coftume
quem húa vez foy Bifpo não per¬
der húa couía nem outra. Acu-
dio a impedillas com pouco con-
felho quem fazia as partes de
Dom Ioão Aftonfo feu primeiro
fuceílor. Vtyo o negocio diante
de Sua Santidade, & não aven-
do quem por parte do noífo Ar¬
cebifpo fizeflfe diligencia, & fa-
Sc muy extraor-
Ss z dinarbs
 Livro V. âavidaâe D.Fr. Bert.dos Mart.
dinarias polo fu ceifor, mandcu
rgiute voeis oráculo que as letras
da retenção fe expediííem logo fé
fazer cafo de nenhúa razão de im
pedimento,& declarou roais que
acontecendo acharemfe na Sede
Braga o Arcebifpo refígnante,&
ofuceííor, precedeííe em tudo o
refignante:quefoy rotavel hora
& favor roui particular feito à pef
foa & merecimentos do noíTo Ar
cebifpo. O Iffante dom Anrique
em quanto foy Cardeal &c Ntício
Apoftol(CO,&defpois que reynou
afsi deferia a fuas cartas, que ba¬
ilava fua informação pera ficar a-
creditado qualquer fogev to/obre
quem lhe efcrevia,& pedindolhe
Igreja ou outra coufa fem mais di
ligencia nem inquirição lha con¬
cedia. Não valeo roenos diante
delRey dom Sebaftião nos cafos
que com elle fe lhe offerecerão,&
nas Igrejas que aconteceo pedir-
lhe da aprefentação real pera feus
encomendados. Com elRey dom
Filipe fegundo defte nome em
Caltella, 8c primeyro em Portu¬
gal teve tanto lugar a opinião de
fua Santidade,como fe poderá en¬
tender do cafo íiguinte.Dom Dio
go Corrêa Bifpo de Ceyta em A-
frica era fobrinho do Santo Arce
bifpo, & como tal fe criou de mi-
nino em fua cafa, & na fua dou¬
trina , 8c nella le fez merecedor
da Mitra, fendo primeyro expri-
mentado & provado em aigús
benefícios que fervio com virtu¬
de & inteireza, & ultimamente
provido em húa coneziada Sè de
Braga. Tendo adminiftrado ai¬
gús annos com fatisfaçao efíe Bif
pado trateufe no conleihodePor
tugai de o melhorarem ao Bifpa-
do de Portalegre. Deufe contaa
Sua Mageftade:pedio informação
da pefíoa & partes do Bifpo: foy
a primeyra &c principal que o con
fe ho lhe mandou a criação que
contamos de cafa do Arcebifpo,
& eífa fò valeo tanto com elRey,
q fem lãçar mão doutra coufa ref
põdeo q fe lhe defíe o Bifpado, q
de tanta fantidade de força fe lhe
avia de pegar muyto. No tem¬
po que o Arcebiípo afsiftio nas
Cortes de Thomar como atras
referimos, foy de ver acontinua-
çãocomque foy vifitado de to¬
dos os Senhores Caftelhanosq
vierão acompanhando a SuaMa-
geftade.Efpantavãofe da pobreza
da cafa 8c familia, das humildes
alfayas de fua guarda roupa, do
eftranho generode cama 8c rou¬
pas, que ufava pera a grandeza
de Arcebifpo, & Primás, & rico.
Creciao efpanto confiderando a
gravidade de fua peíToa, &c o pefo
das praticas 8c repoftas.Da admi¬
ração naceo gofto, como he ordi¬
nário, 8c do gofto affeição,& reve
rencia:& era tanta a que em gèral
fe lhe tinha naquella Corte, q os
mais dos fidalgos eftrãgeiros ódç
quer
 Arcebifpo âeBrdga, o
*4-3
quer queoencontravao, voltavão olhos,& venerar hum homem d«
com el!e,& o acompanhavão , Sc quem tantas maravilhas de vir¬
ao defpedirefperavão que lhes la- tude & fantidade ouvira, Sc erão
çaíTe a bcnção , que recebiao cora publicas na índia. E affirmava,
muyta cortezia, Sc algus chega- que em todo aquelle grande O-
vao com veneração a lhe beijar as riente era o Arcebifpo celebrado
roupas. E porque não eftivefteo por Santo.
refpeito fomente na nobreza, a
quem toca como por caufa pró¬
pria honrar a virtude Sc a Igreja,
CAPITVLO XXVIII.
hecoufa certa que quafí todas as
vezes que o Arcebifpo fe recolhia
Daspejfoas quefubirao da ca**
do Paço pera íiia cafa, fahia a guar f j, tf criacao do Arcebtp
da Real com elle, & o n£o largava fo fera grandes cargos
atè o deixar nella. Afsi o achamos tf dignidades do
podo em memória , mas não nos Reyno0
cõíta fe era efta cortefía de moto
proprio dos q afazião,fe por man
Nfallível he a
dato de mayor poder. Não he ra¬
zão q deixemos o q efcreveo o Co lU
m(s}
rc8ra > S ha prova
niais cerra pera enten¬
Mittl

nego Pero do Vallc peftoa de vir¬ der a bondade da ar¬

tude &bom entédimento,em húa
carta que temos em noíTo poder,
o qual doendofe como homem q
muytos annos refidio em Gafado
Arcebifpo,de q não ouveífe Cro-
nifta de fuas obras, refumia em
breves razões, hua grande parte
das que temos contado,&acrecc-
tava que não erão então paliados
muytos dias,que hum fidalgo hõ-
rado Portuguez vindo da índia,
onde fervira cargos de importân¬
cia,& paíTando em romaria a San
tiago de Galiza, entrara com gra¬
de alvoroço em Viana, dizendo,
que nenhúa outra coufa o trazia
eIia,fenão
a poder ver por feus
r -T-# y
. t
vore, que ver Sc confiderarlhea
calidade do fruito. E fò efta parte
nos refta por tratar, pera hirmos
pondo termo a efta hiftoria.Fazer
homés he fciencia tão alta,que de
força avemos de confeíTar, que te
muyto doCeo. Muytos fabema
theorica,mas faõ rarifsimos os;
que chegão a entender Sc mane*
jar a pratica. Tem fegredos efeõ-
didos,que alcançallos, Sc fabellos
communicar he mais dadiva di¬
vina, que obra do engenho,ou
do entendimento. Concedida foi
efta graça a hum Davi d Santo,
&abum Alexandre gentio, que
fizerão foldados Sc Capitães tão

Sf 3 eftre-
 Lluro V. da vida de D, Fr. Bcrt.dosMart,
íloeftremados cm valor que fo
râo cfpanto da fua idade.Em nof-
fos tempos alcanfou eíle dom hu
Emperador Carlos Quinto,por¬
que de fua efcolla fahirão tantos
& taes varoês, que fe o não emba
raçara bum viíinbo emulo de fua
gloria, tão duro & inquieto nas
armas, como deígcaciado nellas,
pudéramos efperar ver por elíes,
Sc pelo Meftre a caía Gttomana
désfeyta. Também nefte Reyno
fòy celebrada a caía de hurb Iffã-
te que fempre fera nomeado com
faudadede* todo bom efpirito,&
com queyxâ & magoa de lbe não
cahir nas mãos hu grande impé¬
rio: digo,o Iffante dom Lnis,ra¬
ro valor, íoberano entendimento
de Príncipe fobre tudo o que fe
pode encarecer .Ou foíTe graça de
difcernir efpiritos, & eícolher ta-
léros, ou íciécia dc fazer ao fen os
que lhe cabião nas mãos, andava
como em provérbio a ventagem
com que fefazião conhecer os q
o fervião, em todas as partes de
bom faber & proceder.E provou
fe a fama com o fuceífo. Porque
andando o tempo quafí todos fo-
rão bufcados pera grãdes cargos
do Reyno,quando parecia que os
defemparara a vêtura com a mor¬
te apreífada do lífante. Nao apõ-
to exemplos,por ferem notorios.
Aísi temos da íamilia defte Apo-
ílolico Arcebifpo muytos varoés
fantamente criados aos peytos de
feu exemplo & doutrina:hus que
paííàrão muyto adiante no fervi-
ço da Republica fendo pera elle
chamados: outros que fe conten¬
tarão de paílar a vida em hum fi-
lencio delcaníado & quieto: mas
todos enriquecidos de virtudes
teftimnnhadoras do leyte que na
criação receberão. Diremos de al-
gús mays afsinalados no mundo,
deixando outros queonãoforao
menos em merecimentos. O pri¬
meiro íeja o Padre frey Aprique
de Tavora,por outro nome de
São Ieronymo (& não de Brito,
como erradamente he chamado
de algusj companheiro do Arce-
bifpo na jornada do Sagrado Con
cilio, & fiiho feu des do tempo q
foy Prior de Berr fica: o qual de
fua cafa lhe foy tirado pera Bifpo
deCochim na índia Oriental, &
dahi foy nomeado pera Arcebif¬
po de Goa, & Primas de todo o
Oriente. Na mefma cafa fe criou
desdeminino Dom Diogo Cor¬
rêa fobrinho do Santo, 6c delia lá¬
bio tão aventajado em virtude &
letras, que deCcnegode Braga
mereceo em primeira promoção
o Biípado de Ceita em África , &
na fegunda o de Portalegre , pera
Onde o paíTou elRey Dom Filipe
como pouco ha refennr os.O Dou
tor Bertolameu doVallefoy pcf-
foa nefte reyno muy conhecida
por fuas partes & merecimentos
ganhados na converfaçáo do Ar-
cebúfpo
 Arcebifto de B raga3 Vrimas das Hefpanhas,
cebifpo , em cujo fervíço aprédeo
afer Santo. ConfelTava elle que
doze annos eftivera de fuas por¬
tas adentro comendo o feu pão,
& gozando de fua doutrina. Eite
varão feruio muytos annos em
Lisboa de Iuyz das Ordés com
hua inteireza poucas vezes vifta,
8c pola mefma razão muyto efii-
mada do Rey 8c do pouo. PolTu-
bio muytas rendas pola Igreja,
que todas lhe entrarão pola por¬
ta fem diligencias, nem negocia¬
ções, 8c deípédia as como grande
Chndão.Foy Arcediago de Fon-
tarcada dignidade na Santa Igre¬
ja de Braga.Viveo muytos annos,
& foubeos lograr tanto à imita*
Ção de íeu Ca pirão 8c Medre,que
ouvimos affirmar a peíToas de cre
dito,que lhe fora offerecido o Bif-
pado do Porto,que he húa hon¬
rada & deleytofa eftancia,& ani-
mofamente fe efcufou,por não di¬
zermos q a engeitou. Era velho,
quiz como íifudo tratar de fua al¬
ma,antes que das alheyas.-&fez
o certo,que não farà pouco quem
da fua fouber dar boa conta. Que
mais tempo continuou com o Sa-
to foy o Doutor Francifco de Fa¬
ria, porque o acompanhou defdo
dia q fahio da Religião pera Bra¬
ga. Aly o começou a feruir, acom
panhou o ao Concilio, &com elle
palíou a Roma, & defpois que vie
rão foy Defembargador de fua
Relação, & tal conta deu de fy
244
em todo tempo, que elRey dom
Sebadião o tirou de Braga, Sc o
mandou por Secretario da ernbay
xada a Roma,cargo de muyta hõ
ra 8c confiança. Enelle feruio a-
tres Reys dorn Sebadião, Dom
Anriqne, & Dom Filipe , 8c ata¬
dos fatisfez de maneyra,que o per
petuarão no cargo fazédolbe no¬
vas merces.Ede varão foy aqueí-
le q atraz contamos, q fez ern Ro¬
ma a reníícia ção do Arcebifpado
em nome do Sato, com tamanho
zelo & fintimento do que julgava
q perdia a Igreja , & provinciade
Braga,que de pura malencohaa-
doeceo no mefmo dia,& pouco
defpois acabou a vida. O Doutor
Gregorio Rodriguez dolyveira
foy homem de grandes letras 8c
provada vircude,&por tal defpois
de falecido o Arcebifpo , aquern
feruio muytos annos em Roma
de feu agente, & em Braga de Vi¬
gário Gèraffoy chamado de dom
Theotonio de Bragança Arcebif- NkitUo
po de Evora, que o fez feu Viga- Agosti-
rio Geral naquelle Arcebifpado, nhomvi
8 c alegre da eíeyção vagandtf o ^ad0 Ar
Thefourado da Igreja que he ater cebtfP°
ceyra dignidade delia,lho deu. E-
ftes faõ os que fizerão mais ceie- ^
bre feu nome à cufta de fuaquie-
tação que deyxarão: os que não
quizerão,ou nãoteverão ocafião
pera a deixar fendo iguaes em me
recimentos,forão o Doutor Fran-
ciíco de Chaves,o Doutor Fernão
Ss 4 Mergulhão
 hum V.davida de D. Fr.Bert. dos Âfart.
Mergulhão, o Doutor Lourenço
Dias Provifor,o AbbadeFrancif-
co Médez,& Pero de Tavares feu
Secrerario na jornada de Trento.
E pudéramos ajuntar outros Ai>
bades,Conegos, & Beneficiados,
todos defta criação, 6c defia Aca¬
demia,todos em partes, & cahda-
des dignos difcipuíos delia, 6c me
recedores de grandes cargos, que
muytas vezes vai mais merecellos
que alcançados .Não he pera ficar
em íilencio hum louvor que a Fa¬
ma publicou em gerai de todos
eftes fogeitos , o qual he que nun¬
ca a nenhum deiles, ainda defpois
demuyto ricos, & adiantados no
mundo,fe ouvio outra iingoagem
falladono Arcebifpo,feDão o Ac-
cebifpo meu Senhor (termo dc
cortezia,6c agradecimento) tanto
pòde a virtude & a boa doutrina,
Sc tanto fe imprime nos bõs efpi-
ritos o amor Sc reverencia devida
a hum bom meftre.
CAPITVLO XXIX.
Dc alqjds Aíilaqres notaueis q
o SantofeZj em fu a vida.
SI Obre as obras ma-
ravilhofas que temos
contado polo difeurfo
& P2 da hiftoria, conftanos
de outras muytas, com que Deos
KoíTo Senhor foy fervido confir¬
mar Sc efclarecer a grande vittu-
de de feu fervo,as quaes por muy
certos Sc averiguados milagres
pudéramos contar, fe afsi como
nos confiarão por informações
dignas de coda fè, ouveranelles o
exame & approvação, que he co-
fturne fazerfe peiio Ordinário pe¬
ra fe poderem publicar Sc affir-
mar por verdadeiros milagres.
Mas eífe defcuydo, de que já ou¬
tra vez nos queixamos,não he ra¬
zão que nos tire Iançallos em me¬
mória , fem embargo que poffos
em balança com os exemplos das
virtudes do Santo, ficão de tanto
menos confideraçao, quanto tem
mais preço aquilloque nos edifi¬
ca, que tudo o que efpanta, porq
os milagres que caufaõ efpanto
algua vez pòde acontecer fazeré-
nos homés maos,&; as virtudes q
edificãanão cabem fe não nosq
faõf. verdadeiramente bos. Conta-
remos os íuceíTos pera edificação
dos leytores, 6c devotos fem lhes
dar titulo dc milagres callificados
atè que algum dia o tenhão, co¬
mo he razão,fendo pola Sata Ma¬
dre Igreja approvados. E fejão pri
meiros os que nos deixou apon¬
tados o Padre Medre frey Luis de
Granada nos fragmentos que hia
eferevendo davida do Santo, que
pera os darmos por muyto certos
faz grande força a callíficacão dc
tal varão.
Hua molher cafada das hon¬
radas de Viana avia finco dias que
efiava
 Arcebifyõ de Braga, Primai das Fíçfpanhas.
eílava de parto cercada de gravif*
íimas dores,que a tinhao em dia
do, que ja não falíava, nem podia
comer,nem levar coufa de fuílart-
cia, & as comadres tinhão por
certo a criança morta , que era
jà de oito meies compridos: por*
que avia indícios de mao cheyro,
& o medico de cafa que também
foy relator do cafo, applicava jà a
eíla conta os remedios que a Fiíl
ca iníína pera ajudar a natureza a
defpedirfemelhantes partos. Ne-
fte confli&o & defconfiança acu¬
dirão aos remedios divinos Sc
procurarão aver algúa peça de ve-
ítido do Santo pera focorrer à en
ferma que dauão por acabada.
Derão conta no Conuento ao Pa
dre frey Ioão da Cruz.deulhes
húa túnica do Santo, que em feu
poder tinha,fem lhe dizer nada.
Veilirãonaà doente: & foy coufa
maravilhofa, que na mefma ho¬
ra fallou, & dide que eftava fam^
& cobrando perfeyta faude ,
aos nove mefes pario hum fi¬
lho vivo & faõ.Soou efte cafopol
' la terra:& poucos dias defpois e-
ílando outra molher de parto tres
di as avia muy atribulada,& jà tão
debilitada da vehemencia das do¬
res , que nem forças nem animo
tinha pera defpedir acriança , fo-
rao ao mefmo Padre , pedirãolhe
a mefma túnica,Ievaraona à enfer
ma,& pario logo.
Hum homem fe aífogava fem
• /
*
24 f
remedio de húa inchação interior
na garganta, que chamão efqui-
nencia.Procurarão os párentes a*
ver húa correya,ou orello com q
o Santo fe cmgia,& não faltou
que 0 ouve às maõs fem elle dar
Fè do furto.Poferãono fobre o en¬
fermo , ôc vazou logo pola boca
hum golpe de matéria Sc fangue
enuoito, Com que ficou defapref-
fado & breveméte cobrou faude.
Eíles tres cafos tràs o Medre
freyLuisde Granada no remate
do tratado que hia compondo,&
comoefcreviaem Lisboa, deem
Vida do Santo acrecenta o quar¬
to dizendo, que naquella cidade
femoftrava então hum moço de
pouca idade que tendo jà cance-
rada parte do roílo de hum mal
que chamão: nolimetangere: a
mãy o levara ao Arcebjfpo pera
lhe fazer o final da Cruz,& da ter
Ceira vez q fora a ellestrouxera o
minino faó. Outras maravilhas
refere o mefmo autor que vão jà
lançadas neíta hiíloria emfeuslu
gares, & tempos mais proprios.
Nas quaes aduirtiremos algúas
coufas importantes pera a lição
da quelle tratado, de que fe tem
dado muy tos treslados pera efte
Reyno,& fora delle, & jà veyo a
noífas mãos hú impreíTo. E fe-
ja aprímeyra que o Meftre frey
Luis de Granada não fazia conta
de o tirar aluz em vida do Arce-
bifpo,fe naõ por fua morte,como
era /
 Viuvo V. dá vida de D. Fr,. BertJosAfart.
era razao: & por tanto hia efcrc- ve fua farita Sc exemplar vida , 8c
vendo como por mayor,& apon¬ nao he de fua mão nem podia íèr
tando em muytas partes fomente o que anda acrecentado da vida
as cabeças das matérias, pera def- &c morte do Arcebifpo. Etudo
pois as dilatar com as particulari iftonos confta por vifta dos mef-
dades & circúftancias dos fucef- mos originaes que temos-ern nof-
0 Btfpo fos. Afeganda he que o Meftre
fo poder, & damos por defculpa»
de Mono
pol, bisi.
Granada foy vencido em annos dos os erros Sc enganos dos cref-
gendeS. do Arccbifpo, porque elle faleceo lados , Sc trefiadadores polo em¬
Doming• vitimo dia do anuo de quinhen¬ baraço Sc dííficuldade da letra,
4 ?d 3- tos Sc oytenta Sc oyto, Sc o Arce- grofas, & entrelinhas , tudo muy
c.31.
biípo em dezefeis de Iuiho de qui efcuro Sc cego pera quem nao for
ibi.c. 4<í.
nhentos Sc noventa.Pelo que fica muyto curfado no modo de efcre-
rao os originaes do tratado imper ver do Meftre , Sc na letra Sc lín¬
feitos & entre as rifcas &. borroes gua Caftelhana. E tornando a nof
onde nacevão,&os treslados que lo propofito profiguiremos algús
delles fe derão, fahiráo confofos Milagres , que ou não chegarão a
Sc defe&uofos ern circunftancias noticia do Padre Granada, ou íu-
de cafos, lugares & tépos, Òc no¬ cederao defpois de feu fallecimen-
mes de peftoas, & em algua par¬ to,os quaes por ferem muyto cer¬
te com falta de claufula inteyra: tos Sc provados merecem eftelu-
como alcançara facilmente quem gar.
com cfte noífo trabalho os cote¬ Hum homem nobre de Via¬
jar.Vltimamente aduirtimosque na veyo a perder a vifta de hum
o que he obra do Meftre começa olho: Sc era tal a caufa do mal q
afsi. Como los cie los eflan fempnen cftava em rifeo de fe lhe vazar, Sc
continuo moto &c. 3c acaba com e- o perder de todo. Foy fe ao Santo,
fta claufula. Aqui tienen los Perla¬ quando acabava de dizer Miífa:
dos imprejfa la imagen PaHoral,y pediolhe hum Evangelho,ouvioo
delos médios y exercícios que para ef- com devação, Sc continuou nella
fo les han de ayudar,para quefgttien- nove dias, Sc affirmava que todas
do este exemplo reciban del Principe as vezes que lhe rezava o Evange¬
delos Pajlores el prémio de fus traba- lho fe fintia melhorar, Sc hirfelbe
jos con tantos grados de Gloria^quan- aclarando a vifta, Sc quando veyo
tas animas encaminaren al Cielo con o nono dia fe achou com ella per¬
Jumdufiria. Nefte ponto fez fim à feita.
fu a efcritura o Meftre frey Luis Poucos annos ha que era vivo,
de Granada, 6c juntamente o te¬ Sc charaavafe Manoel de Lima
hmm
 Arcebifpo deBrdga, 'Primas das Hejhanhas,
hum clérigo natural da mefmavil
la, que em vida do Arcebiípo,fen¬
do minino era tão cego que o leva
vão pola mão ao noffo Convento
3c o chegavão ao Santo pera lhe
dizer hu Evangelho,quando aca¬
bava a Miífa:& elle compadecen
dofe do mal defpoisdo Evãgelho
fazialhe o final da Cruz fobre os
olhos. Sé outra mezinha foy nof¬
fo Senhor fervido darlhe faude,&
por reconhecimento de a receber
na cafa de S. Domingos trocou o
habitozinho q trazia de S.Francif
co no da nofla Ordé, & com elle
vethdo andou algu tempo no Cõ
vento minirtrando 3c ajudado âs
Míífas, acé que crecendo em mais
jdade étrou no Seminário de Bra¬
ga^ defpois fe ordenou de Or-
dés facras.
Tam bem era natural de Via¬
na outro homé que andãdo muy
atribulado de mal de olhos,&não
íintindo melhoria com nenhúa
Fificafovfeaorcmedioque todos
bufcavão: chegoufe hum dia ao
Santo, pediolhe co grande Fè que
lhe rezarte hu Evangelho, 3c por
cortezia & devação tomoulhe a
ponta do efcapulario,&beyjoua. '
Defd’aquel4 hora fe fíntio melho
yar 3c farou.
Ertando o Santo doente em ca
ma do mal de q faieceo acudiao
muytos mininos da villa manda¬
dos polas mãys a beijarlhe a mão,
& tomar íiia bênção. Recebiaos o
2 /. 6
Santo cõ amor & benignidade íé
brandolhe o que diífera Chrifto.
Siniteparuulos ad me rvenirejahum Mutth
eHenimregnum codorum. Entre e- 19.
ftes vinha hú que trazia hum bra
ço lavrado de chagas,que lhe cau
favão mortaes dores eípecialmen
te ao defpegar da manga dacarm
za embebida & orudada com as
poftemas,quando a mãy o defpia
à noite.De híãn vez que chegou a
beijar a mao ao Santo, infinou lhe
a necefsidade que he grande Me-
ífcra, ertender obracmho doente,
3c de propofito igualallo com o
braço do Santo, Sc roçarfe por el¬
le.Foy couía maravilhofa, logo fe
fíntio tal que chegando a cafa dif-
fe à mãy com grade fefia que hia
faÕ.Quiz a mãy certificarfe, def-
pio o,achou!he o braço tao limpo
3c faõ 3c fem final do mal paífa-
do, que não tinha difFerença do
outro,é que nunca ouvera lefaõ.
Eftes cafos todos forão- públi¬
cos 3c averiguados em vida do
Arcebifpo:& fe quiferamos ajun¬
tar todos os que fe contavão, 3c
cadadia fucedião,fizéramos gran¬
de volume. Porque de ferem muy
tos em demafia os que de fe en¬
comendarem ao Santo fintiao be¬
neficio,nacia eftara Igreja todas
as manhas povoada de enfermos
aefperar fua Mirta 3c bênção, co¬
mo atraz contamos. Mas agravo
faríamos a hú povo inteiro,fe dey
xaílemos de ajuntar a eíles cafos,
* outro
 LiwoV. davidade D,Fr. Bert.dosMart.
entro ftão menos digno
Zj
de merao
ria que por voz comum de toda
a gente de Viana fe atribue ao Sã-
to.Vierão à villa hús eftrãgeiros,
traziao configo hu víío grande
corpulento,feyo Sc feroz; mas
domefticado Sc infinadoa fazer
coufas mayores , do que cabem é
animal tão bravo,que era efpedta
culo de rilo,de paílãtempo Sc cn-
riofidade pera o pouo, Sc polo
mefmo cafo de muyto intereíTe
pera os donos,qae fabião bé ven-
der a vida Sc valerfe delia pera vi
verem. Quizerão mudar lugar a
cabo de algús dias: fahirao hua
manham pera a viíla de Caminha
pola rua de S. Sebaftião,& dando
na eítrada que vay por junto das
hermidas do campo,tãto que che
girao onde fe defeobreni as janel-
las do dormitorio do noífo Con-
vento,eis que fubitamente cae o
vlTo em terra tremendo todo
efcnmando,& dentro depouco ef
paço ficou morto. Do modo da
morte,& do lugar não ha duvida.
Do que fe fegne não pude alcan-
faraqueíía verificação que bufea
mos nas mais coufas que eícreve-
mos: fò achei hua tradição geral
recebida Sc celebrada por todos
os naturaes.Efta he que ao tempo
que o animal paliava levado de
trela polos eftrangeiros, ouve quê
contou ao Santo que efiava a hua
janelia, as habilidades que fazia,
Sc o Santo com admiração fizera
contra elleo final da Cruz, dizen¬
do que devia fer, ou trazer o de-
monio: Sc no mefmo ponto fuce-
dera o que temos contado.
Sc
tão
CAPITVLO XXX.
De outras maraudhas q nojjb
Senhor obrou for intercej'
Jao do Santo desffois
defu a morte.
lilIffS Om a mefrna claufula
Sc declaração que re-
&rimos as obras mara
vilhofas que o Sã to Ar
cebifpo em fu a vida fez, diremos
outras que o Senhor foy fervido
moftrar por merecimentos & in«
terceíTaõ de feu feruo,per a o hon¬
rar dcfpois de feu felice tranfito,
E ferão muyto poucas a refpeito
Sc do grande numero que hâ & nòs
pudéramos ajuntar. Porque não
parece conueniente gaftar muy¬
to papel& têpo em hifioriar cou¬
fas, que confclTamos eftarem fal¬
tas da neceífaria autoridade do
Ordinário, & pella mefrna razão
quantas mais faõ cm numero &
calidade,tanto mais acufaõ ndífa
negligencia,quero dizer dos que
as puderão ter autenticadas com
pouco trabalho feu, Sc muytaglo
ria da Ordé, Sc do Santo. Tinha
hum dos mais nobres moradoires
de Viana hum filho mancebo ■ do
emte
 I
Arcebifbo de B ragd3 Vrimas das Hejpanh/s.
ente ,aggravoufe o mal, juntaoíè
Médicos, aílenrao, que morre, q
íe trate d alma>& acudão apreíTa*
damente aos Sacramentos. Entre
tanto correm os parentes ao Con
veto affligidos & defaíentados,pe
dem algúa reiiquia do Santo, le-
vao húa túnica que fora fu a, lan-
çarãona fobre o enfermo: & foy
Deos feruido que fem outro be¬
neficio tornaííe das portas da
morte á vida*
Outro homé damefma villa a-
doeceo de buas febres ardentes,
& o que mais o atormentava nci¬
las erao dores de cabeça tão vehe
mentes que lhe tiravaoa vida.Ou
Ve quem trouxe hua tira das que
íè fizerao dos lençoes em que o
Santa jazia quando faíeceo,como
là referimos, apertarãolhe a cabe¬
ça com cila. Poderofa virtude do
Ceo, ceiTou juntamente a dor,& a
doéça, & cobrou faode.
Sor Maria de Nazareth Rcligio
fa do Mofteyro de Santa Anna
da Ordem de S. Bento em Viana
tinha hu braço paralitico, & de
forte amortecido, que nem era fe
nhora de o bollir, nem tinha nel-
le movimento algíí. Poferãolhe
emcima a Mitra que nonoífoCo
vento ficou do Santo, & logo lhe
fintio novo vigor & força, com
que 0 foy eftendédo, & veyo a fa-
rar perfeytamente. Fazern o cafo
mais milagrofo as arcúiíancias.
A Mitra foy ao Moíieyroà peti-
;24 /
cão doutra enferma. Soubeo a ca-
fo for Maria : 8c rendo o braço ê
eílado,que como incurável jà não
tratava deIle,encheofe fub-camen
te de devaçao &c efperança de re-
medio.Paliava quê íevava aMitra
pede que lha deixem ver & tocar:
trazemlha, metea no braço: & no
rneímo ponto começou aíintir a
virtude& reonediodo Ceo,que
dilTemos.
Era Corregedor de Viana o
Doutor Manoel Pinto da Rocha,
quando húa noite afsidindo na
viliafoy falteado de hum aciden¬
te de cólica com dores violentif-
fimas.Caníouíe toda a noite com
remedios da Fifica & botica, em-
praftos, 8c fomentaçoes. Defpois
de provados & corridos todos os
meyos humanos fem nenhu ali¬
vio,quando veyo polias duas ho¬
ras defpois de meya noite,madou
aonoílo Conuento bufcar cófef-
for,& pedir jontamente Ihequi-
zeííêm levar a Mitra do Santo.
Maravilhas do Senhor: poz a Mi¬
tra fobre o lugar da dor,&deim-
provifo quietou. Novo milagre:
acertou de encontrar na cama cõ
hu faquinho de milho 8c fal 8c
outros materiaes da botica que
lhe tinhão aplicado fem proveito,
tornou o a chegar pera a ilharga:
8c no mefmo inftante lhe torna-
ião as dores de novo, corno fe cõ
o milho 8c com ofalvicrão en¬
voltas. ArremeíTou o faquinh o cõ
Tc fu ria
 tilufo F. damda de D. Fr.Bert. dos Mart.
fdfia,pola que traziao as dores,
ik tomoufd á Valer da Mitrâj& lo¬
go foy livre & ficou fâõ.
Na villa de Ponte de Lima tres
legoâs de Viana forão livres dous
ílomés atormentados do demo*
nio, com porem fobre elles húâ
túnica quefora do Santo. E nao
paiTaraodefpois múytos dias que
a mefma tunicâ valeo em feme-
lhante trabalho a húa pobre mo-
lherque lafiimofamente era per-
feguida doenemigo.
Eftava namefma villa de Pon¬
te de lima húa molher de parto
cercada de acerbifsimas dores,
de forte,que fe lhe reprefétava a-
cabaria a vida no meyo delias.
Trouxerãolhe hum retalho do
gibão que fora do Santortomou o
nas mãos com muita devação, Sc
tendo o configo começou aquie¬
tar,& foy caindo em fono. Dor-
mio hú efpaço, Sc tanto q acor¬
dou pario logo co tanta facilida¬
de , Sc tão defaíTombradamente,
que dizia defpois,que parira dor¬
mindo.
FIM DO Q VI N-
T O LIVRO.
Aos defafeis de Iulho do anno de
lôogifendo Prior de Viana o Pa¬
dre frey Bertolameu Pinto prega¬
dor geral cantarão os Religioios
hú officio inteyro de defui tos
comíúa MiíTa foiene polo Santo
Arctbiípo , como era cofíume
fazerfe por tal dia todos os annos
cõ muyto apparato de cera grof-
fa ôc miúda que ardeoemquãto
durou o Officio,& mandando def
pois pefar aquefe tinha tomado
de aluguer3como fe coftuma pera
fe faZer pagamento ao cirieyro,
achoufe que pefara na entrega
húa quarta mais alem do peio q
tinha quando fe recebeo, fendo
afsi que ardeo tamanho eípaço co
mo temos dito:& pera que folie
o prodigio mayor , he de fa-ber q
juntamente fe diíferão na mefma
manham vefperasfolenes Sc can¬
tadas.Afsi honra Deos aos feus
fervos acumulando maravilhas
fobre maravilhas,bemdito íeja el-
le per infinita fieculorum íaecula.
Amen.
LIT/RO
 Foi 2 4.8
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3

ff} /T! /Ti A/U) ’* A/T) ‘■A/T) /t) •'A/ *íí .

LIVRO SE ISTO

D A YID DE
DOM FREY BERTO
LAMEV DOS MARTYRES
DA ORDEM DOS PREGADORES,
Arcebifpo, & fenhor de Braga, Primas
das Heípanhas.

Coma'folénidade defitaTrcsladaç ao.

c a p. primeiro;

Do muyto que era dejejãda a tresladaçao dofanto Ax~

cebijpo: íf de hum cafo extraordinário
que afez, aprejfar.

V y t o s annos avia voto eftava defeontente, qrjeixa-

que o Santo Arcebif-
ÉlvlpS po Dom frey Bertola-
meu era falecido,& to
davia jazia em hua fepaltara raza
Sc humilde, & quaíi plebea,na ca-
fa que edificou,na Ordem que ho
rou, na villa ôc Arcebifpado que
tanto & por tantas viasilluftrou.
Sintiafe Viana, Braga murmura¬
va,o Arcebifpo feu íuceíTor &í
vaofe os Rcligiofos deSao Domin
gos por eíta Província (Pomo he
coftume do povo interpretar à íua
vontade & Paliar largo no que e-
fíà à conta dos mayores) Sc era
fim gèralmente fe defejava, que
teveíTefim húa femrazáo taoma-
nifeffa,que jà parecia redundar
em deferedito 8c afronta de to¬
de¬ dos. E com tudo corriáo os annos
Tc z 8c tu-
 Livro VI. âavidaâc D. Fr. Bert.dos ALart.
êt tudo erao deíijos fem aparecer
'tfièyto j fallar todos* 5c ningué o-
brar. Nifto fe vè o dcfemparo or¬
dinário das coufas publicas:em ro
cando a mais que hum logo ficão
fem dono * & he neceílano efpe-
rarlhe 0 remedio doCeo.E na vér
dade bem podemos ter por certo,
que húa das caufas porque neíie
tempo vay tanto mal aos particu¬
lares (que não vemos ninguéfem
queixa) he polo pouco que todos
tratamos do comum,& polo gran
de cuidado com q' <e cada hum he
fò por fy. Quer Deos que nos pa¬
reçamos com elle, que fendo tao
grande nao fe defcmda do mais
vil indivíduo da terra; não acaba
com nofco alargarmos os penfa-
mentos fòra dos intereíTes pro^
prios, juftamente permite que o
paguemos. A nobreza de Viana
como gente de honra,em quem o
agradecimento he natura nao
podia efquecer as obrigações em
que edava ao Santo, de querer vi¬
ver^ moi rer, & ficar entre elles
fepultado. Ajuntavafe a lembran¬
ça que delias lhe fazia cadadia
Com cafos milagrofos : & vendo
acudir devotos peregrinos de mui
tas partes, que vinhão vifitar afe-
pultura do Santo,& encomendar-
íe atlle,parectalhes que fem fada¬
rem palavra lhes lançavão em ro-
fto culpa,& negligencia de eítar
tão defautonzado hum Santo, a
quem chamavão feu auogado, Sc
padroeyro, & que em tantas occa
liões tinha molhado não defpre-
zar o titulo:& hum Santo por qué
na hora de feu fallecimento fe a-
dianràrãoem tãoconfideradas,&
bem empregadas demõdraçÕes:
andavao iintidos, & como corri¬
dos, &era o animo de todos,fe em
lua mão efiivera, não fò fazerlhe
nova fepultura, mas levàntarlhe
altares, Sc templos. Porem corro
era matéria de tresladação,que he
toda Eccleíiaftica , efperavão, Sc
com razão q coroeçafie polos Re-
ligiofos: & elle penfamento lhes
atava as mãos, eftando no defejo
prontifsimos, Sc não ignorando o
que paliava entre os cidadãos de
Braga que cada hum íabia lançar
feu remoque febre as guardas, &
foldadefcas, Sc luminárias do tem
po paliado * chamando agora le¬
viandade fem fruito, o que então
teverão por ârrogancia.O Arce-
bifpo D.Fr. A gofhnho fò aos Re-
ligiofos culpava, povq em cafode
tanta honra da OrdéjComo era to
da a que deviamos â tão illuíhe fi
lho delia, julgavao não fò por def-
cuydo,mas por defprimor: Sc co¬
mo amava muyto ao Santo, âc fe
Via velho,defejava velío canoniza¬
do,quanto mais melhorado em ja
zigo (Sc neíla divida lhe eftà toda
a noífa Ordé.j Mas entendia que
lhe não tocava mais que finnlio,
Sc íignificallo nas occabões q íe of
ferecião,& afsi o fazia.NoCõvéto
de Via-
 Arc diff o ckBrãga, 'Primas das IP( (banhas.
de Viana cada Prior q te entrava
vinha prometendo maravilhas
(cerco alvoroço de Governadores
novosjSc lançando montes de cra
ças donde,como,Sc qnandofe la¬
vraria a fepulcvra,que feitas faria,
qtieepitáfios entalharia: alegrava
os frades que raorrião pola tres-
Iadaçao, vágloriavafe nos penfa-
mentos por trcs annos inteiros,&:
pagava com elles íem outro feitio^
Afsi fe hião fucedendo hús a ou¬
tros,& tal avia que por fe defcul-
par dante mão do pouco q fizeífe,
ou determinava fazer,amontoava
culpas fobre o anteceílor,&nellas
fundava efcufa a feu parecer legi¬
tima de não fazer nada. Mas não
ha duvida, que medindo as cou-
fas aos palmos humanos (como
oje fazemos todos,femquerermos
fiar nada de Deos) o negocio re-
prefentava aíTaz dificuldades*
Lançavafe conta ao muyto que
avia de cuftar hua decente fepul-
tura,ao excefsivo gaito que reque
na hua folenidade & pompa qual
convinha ao Santo, & à honra da
Ordem: confideravafe o pouco a-
parelho que avia na eftreyteza de
entre Douro ? Sc Minho pera tal
obra, Sc emfim parecia que nem
com fe pedirem efmollas por to¬
do o reyno, nem com fe fintarem
todos os Conventos delie fe po¬
deria fazer a trcsladação cõ ode-
coro que cõvinha.Porque quanto
aos Conventos, notorio he ferem
*4$
todos tao pouco abaítados do ne"
ceífario, que efcaíTamente aícanm
faõ a fuftentaríe: & quanto a ef¬
mollas do reyno,aííaz fe exercita
a caridade dos fieis nas que pedi¬
mos cada dous annos pera cele¬
bração dosCapitulos Provmciaes
que faõ muytas Sc grandes. Eítas
cólideraçóes defanimavão os Pre
lados mayores,a cuja conta eftava
o primeiro movimento do nego¬
cio,& tolhia aos Priores não lhe
porem os hombros com animo Sc
refolução. Aísi hião correndo os
annos,& o tempo confumindo as
fantas relíquias, por eftaré em lu¬
gar fogeito a toda humidade dos
montes vizinhos,que o vem demã
dar com tanta dcmaíia,que acon¬
tece de Inverno arrebentarem
fontes ao redor da Igreja: atè que
aquelle Senhor de quem canta- pfal
mos que coroa os feus de gloria,
Sc honra:gloria no Ceo, Sc honra
na terra,deu íinal que lhe defagra
dava o defcuydo que dé feu fervo
avia,por hum meyo que parecen¬
do em todo acidentai, moltrou o
fucceílo que não forafem provi¬
dencia divina. Era a Iareja do
Convento de Viana,nova, Sc bem
cuberta,& reparada de maneyra,
que por grandes que foííem as
invernadasem nenhúa parte dei-
la feíintia dano algum de agoa.
Palíava de dez annos, que o Ar-
cebifpo paliara a melhor vida: eis
que fubitamente com hum leve
Tc 3 temporal
 I
Liuro VI. davidá de D. Fr, BcrtJosMart.
temporal de agoas arrebenta hua
goteira na abobeda da capelia
mòr)& em parte que cahia a pru¬
mo íobre a fepultura do Santo,
tão importuna ôc continua, que
com qualquer chuva enchia tudo
de agoa. Acudirão os Prelados cõ
toda diligencia a concertar o te¬
lhado maisà conta da fepultura,
que do beneficio da Igreja, mete¬
rão officiaes, encomendarão a o-
bra,mas nenhúa coufa aproveita¬
rão. Viofe na primeira agoa que
veyo, que no mefmo íitio, & da
mefma maneira alagava tudo. Se¬
gundarão concertos:& fendo cou
ía tão lacil & ordmaria tomar go¬
teiras , & mais facil vedar húa fò,
&afsinalada, & em abobeda de
pedraria, era feitio perdido quan¬
to fe trabalhava. E o que faz o ca-
fo mais prodigiofo , he que fe re-
volveo & retelhou aquella parte
da capelia muytas vezes, ôc em dif
curfo de tempos: Ôc como fe ou-
vera quem à mão fora defman-
char a obra,& abrir a mefma fon¬
te,afsi fe tornava o mefmo lugar
a lavar em agoa. De forte que já
em toda a Província fe avia por
coufa mifteriofa, & por hum ge-
nero de avifo do Ceo,por não di¬
zermos ameaço, que acabaíle de
aver refoluçao em mudar as fan-
tas relíquias. E afsi fe começou a
tratar com calor, como logo dire
mos.
CAPITVLO II.
ôc jdjfentjfena Prouinctafa&er-
Jed tresladação do Santo
j4rcebifj)on:omeafe
dia3(f começafe
a preuenir one
cejfario.
ggPP N t r o v por Prior
í&jj do- Conuento de Via-
na o Padre frey Berto-
* Iam eu Pinto pregador
geral, homem diligente ôc indu-
ítriofo:& como tal decerminado
a prometer pouco,&fazer muito,
não fe defeu par cõ faltas alheyas,
nem culpar a ninguém, fe não
a fy, quando nao fahiíTe com feu
intento. Obrigavao o nome que
tinha do Santo Arcebiípo, &o
conceyto que avia delle, que da¬
na fim a eíia obra da tresladação
que já era pedida por toda a Pro¬
víncia.Chegou a Viana por Mar¬
ço de 60). Em quanto não era té-
po pera outra coufa , quiz provar
fe tera mão pera vedar a agoa, q
fazia guerra à fepultura, ôc dava
pena a todo o Conuento, deu rra
ças, canfoufe: mas foy trabalho
baldado, gafio de tépo Ôc dinhey
rofem fruyto.Sò ihefervio dto
acender mais pera a empreía que
levava imaginada. Gaitou algum
tempo em compor as coufas de
c;afa
 Arcebifbo de B raga3 Primas das Hefpanhâs.
cafa,& caladamence foy tomãdo
o palio ao eftado da terra tentan¬
do que animo & forças achava
pera quando folie tempo de a
occupar:& logo cerrando os o-
Ihos açodas as dificuldades de¬
terminou fe animofamente com
a obra. Oprimeyro ponto foy en-
comendalla a noífo Senhor, cuja
era,& ao Santo por cuja devação
fe movia: o fegundo comúnicalla
ao Padre Prefentado frèy Marti-
nho Eccay noílo Provincial que
então era: oqual a eftimou fobfe-
maneira louvandolheo intento,
& encomendandolhe que com
toda brevidade o pofeíTe em eífei-
to, Sc procuraíle que a fepultura
que fe avia de laurar,foífe tão ri¬
ca, como trabalhara por fer po¬
bre quem fe avia de lançar nella,
que era pedir eídremos de fúptuo
fa: Sc a folenidade da tresladação
não defdiííeíTeda fepultura, em
quanto as forças abrangeífem,Sc
do muy to que ao Sãto toda a Or¬
dem devia: Sc nomeou logo dia
cerco o primeyro Domingo de
Outubro do ãno de <íoy. Foy ifto
arrimar efporas a que por fy cor¬
ria. Deufe o Prior por obrigado/
& foyfe com efte recado a Braga
ao Arcebifpo Dom frey Agoíli-
nho de Callro, aquem por rrmy-
tos titulos era devido tomar fua
licença, & parecer: deulhe conta
de todos leus difenhos defpois de
lha dar da determinação do Pa¬
2 jo
dre Provincial, Sc do cíia qoeefta-
va aprazado. Lançouihe mil ben*
çoes o devoto Prelado, affirman-
do que fua alma fe alegrava com
ver tratar de htía obra rão fanta,
ôe tãoreligiofa,
O * & cão devida não
fò da Religião de São Domingos,
mas de todo homem que conhe¬
cera aqueile Santo ; & que de fy
confefíava que muyto tempo avia
deíejava ver aqueiles fantos oíTos
honrados,comomereciáo: depor
tanto fe offerecia a hif peíToaírné-
te ajudaf a folenidade de íen triú-
fo,comoo ajudara & acompa¬
nhara na afflição da doença & til
iico:& elle Prior podia fazer con¬
ta de cvdo o que em fua caía,& na
fua Sé avia pera fe valer a feu tem¬
po,que nada lhe faltaria. Elias pa
lavras confirmou o Arcebifpo co
obras madandolhe logo dar cem
cruzados pera ajuda da fepulcura«
Tornoufe o Prior a Vianã, Sc fem
perder hora foyfe ã Gamara da
villa,& comunicou particulatmé-
te aos Vereadores afsi a ordem q
tinha do Padre Provincial, como
a licença Sc promelfas que trazia
do Arcebifpo com tudo o mais q
determinava fazer na calidade Sc
fabrica da fepultura , Sc na foleni¬
dade que pretendia que ouueíTe,
a qual como toda fe avia de attri-
buir ao efpirito Sc devação dos
moradores da vilia , Sc redundar
em honra Sc credito feu : afsi ef-
perava q avião eíles de fer a prin-
Tt 4 cipal
 Liuto Ví. âavida de D. Fr.Bert. dos Marti
tipal parte nclla. Nao o deixarão go pera Lisboa a ordenar a fabri¬
©s Vereadores paíTaradiante,le- ca da fepultura com os melhores
vãtãofe todos a tomarlhe asmaos officiaes & da melhor pedraria
&beijarlheos hábitos dando in¬ do Reyno, cheyo de confiança q
finitas graças a noíTo Senhor, 8c tudo lhe avia de fobejar.
ao Padre Provincial, & a toda a
nofla Relig;ao de poderem che¬ CAPITVLO III.
gar a tempo de ver com feus o-
Ihos hua coufa de tantos ânuos D a diligencia com quefe laurots
defejada: 8c diziao que todos os a feyultnra:(jfdas tfmol-
moradores daquelle lugar interef
las que o Priorfr. Ber-
íavão tanto nella de honra & cre¬
dito que mais era negocio íeu q tolameu Pintor
da Ordem de São Domingos: por negoceoupe-
onde edivefTem os Padres confia ra ella.
dos, 8c efta palavra davao em no¬
me de todos,que elles acudiriáo a Maior, difficuldâde
fervi r o Santo de maneyra,que
íávw. Ytórísi 'V./a | .

de todas as q fc repre*
ficaíTe bem provado, que fabiao íentavão aos que em
conhecer & ellimar a honra de o tantos anos fe não atre
terem configo,& podere nomeai- verão a entender com a empreza
Io por avogado Sc padroeiro. E defta tresladação, era o feytio 8c
nomefmodia â tarde mandarão eufto da fepuítura.-averfede fazer
âo Prior fiocoenta Cruzados de cm Lisboa,trazerfe por mar com
efmolla. Publicoufe pola villa que grande rifeô de colíarios,aíTentac
íe tratava de tresladarem o feu fe por officiaes de tão longe , co¬
Santo pera lugar alto 8c decente, mo donde fc IavraíTe, avaliavão
onde roais à vontade o podeíTem iíiocom pouco difeurfoem muy
os devotos honrar 8c venerar, tos milhares de cruzados,duvida-
nao fe pòde crer o aluoroço que vaodas ajudas da terra, 8c nas do
caufou a nova no pouo, 8c a ale¬ Ceo moítravaofe de pouca fè, 8c
gria com que foy recebida &fefte cahialhes o coração, como dize,
jada,começando logo todos 8c ca aos pès. Aqui he de notar quanto
da hum por fí a entender &difcur val hú fò homem, 8c quam pou¬
far como 8c em que poderião a- co vaiem muytos homés. Bem
judar& feruir. Vendo o Prior e- refpodeo Antigono eftando pera Flutar*
íies bõs principios ficou tão ani¬ dar húa batalha no mar,aquéihe íjíwg
mado, que determinou partirfe lo metia medo dizendo q erão m uy
cos
 jírcebifyo de Braga, Frimas das Hefpanhas.
tos mais os navios doenemigo,
que os feus.E pera quantos deífes
cudais vòs que baila fò rainha pef
foa.?Como fe diíTera que tal homé
era elle que valia mais que muy-
tas naos carregadas d’homês.Dõ-
P lutar¬ de veyo dizer Matcello Romano
ia Vitx
queixandofe de húa fraqueza, q
Mareei.
lhe fizerão feus Toldados. Que
muytas armas via 8c rauytos cor
pos de Romanos,mas não via ne¬
nhum Romano. Sò o efpiritode
frey Bertolameu acometeo 8c aca
bou,oque muytos arrecearão por
difeurfo de catorze annos,& digo
que o acabou , porq feyta a fepul-
tura, que era ofundaméto de to-
daaobra,&o aluo das impofsi-
bdidades,logo fe deu tudo por fei
to:&o que he mais peraelpantar
cílancou por fy 8c fem nenhú be¬
neficio a goteyra teimofa, que ni-
fto fe acabou de entéder, que não
fora coufa fem mifterio. Porque
vencendo atè então todas as dili¬
gencias 8c concertos, 8c fendo
deixada por incurável, em come¬
çando a correr a pratica da tresla-
dação, vedou 8c farou por fy fem
feíhe por mao.Pozfe o Prior a ca
minho, 8i caminhado foyfazédo
negocio.Em Coimbra deu parte
ao B)fpo dom Afonfo de. Caftei-
brancodo q eftava aíTentado,&
do q o levava a Lisboa. O mefmo
comunicou por cartas a outros
Prelados doReyno,& a differétes
peíToas, 8c parti cularmente ás q
1
2/1
tinhao algíía relação de parentef-
co,ou outra obrigação com o Ar-
ccbifpo. Eldava tudo tão difpoito,
8 c maduro , que todos com gran¬
de vontade acudião com fua fa¬
zenda , & querião ter parte na o-
bra, 8c afsi a veyo a fazer o Prior
fem euftar nenhúa coufa à Proviu
cia, nem ao feu Convento : antes
fegundo adevação 8c liberalida¬
de que achava na gente,& o bom
termo q elle tinha em negocear,
rauyto raayor copia de dinheiro
pudera ajuntar, do que fez,fc pare
cera, que convinha fabrica mais
eufiofa. Era Viforey o Marquez
de Callel Rodrigo Dom Chri-
ftovao de Moura. Tratou o Prior
chegando a Lisboa a matéria co
elle,& por feu meyoouve licença
de fua Mageílade pera fe fazer a
tresladação, .& húa efmolla pera
ella de cem cruzados. O Bifpo Ca
pelíão mór Dom Iorze de Atayde
como amigo antigo do Santo,que
fe achárao juntos no Concilio de
Tréto tomou à fua conta por de-
vação& goftoatraça daíepultu-
ra,& o mandar lavralla,que foy ef
pirito de grade fenhor,&o mayor
alivio que fe pudera dar ao Pnor.
Chamou Arqaite&os, mandou
fazer prantas 8c debuxos, efeo-
lheoaquelhe pareceo mais con¬
veniente. Vierão efcukores dosq
em Lisboa tinhao mais nome: a-
cordouCe, que fofle de jaipes bran
cos, & vermelhos, ladrados, &
brunidos,
 Lturo VI. da ‘vida de D, Fr- BertJosAfart.
brunidos,&a iriáo afifentar a Via¬ frey Gonçalode Moraes,ode Por
na. E porque o Bifpo não queria talegre Dom Diogo Corrêa, & o
ajudar fò com o engenho mandou Doutor Bertolameu do Valle Ar¬
lhes contar de íua cafapera final cediago de Fontarcada na Sè de
&. principio de paga cem cruza¬ Braga. De feculares: o Duque de
dos.Não poíTo deixar de affirmar A veyro, Dona Brites de Lara fi¬
nefte paíTo, que me faz íufpender lha do Duque de Villa real, Iorze
a pena , &ç o entendimento cora da Gamara , Dona Ioana Corrêa
goílo &c admiração ver hum Pre¬ hirmã do Bifpo de Portalegre , &
lado tãoillufire & tão adiantado molher dp Secretario do eíhdo
cm cargos no reyno , feito meílre Lopo Soares. Lavrada a pédraria
de obras de quem nunca quiz ter, fizerãofe cayxões, em quefoy me
nem teve quem lhe defcalçalfe os tida, & pregada pera fegurança
çapatos,& feyto Ârquiteíto de fe dos golpes, & encontros dos car¬
puhtira magnifica pera quem nu¬ retos,& embarcações: & embar¬
ca pretendeo roais , que jazer aos cada entrou em Viana a falvameti
pèsdosfeus frades no cemiterio to era tépo que coalhavEo o mar
comum como pobre & humilde coílarios Oiandezes,&: outros he-
Religiofo, Não tardou a obra em reges,que també fe ouve por par¬
fe acabar na perfeyçao5& confor¬ ticular favor do Ceo9
midade da traça,nem o preço deí-
ía em fe ajuntar. Corria tudo ven¬
to apopa de maneira, que entre capítvlo iirr.
poucas peífoasíe recolheo o que
faltava, & fobejou muyto pera fre
tes,&outras defpcfas. Os nomes
de alguas apontaremos, que heo Leuantafe o edifício da nonafe-
ferviço que os Religiofos pode¬ pukura: mudafe o dia em que e-
mos fazer em final de agradeci¬ efiaua lançada a tresladação:
mento,em quanto nãoteveremo afsmafe outro, ff mudafe ta
galardão mayor & mais certo do bem co nonos impedimen¬
Ceo, que lhes não pode faltar,cõ- tos: ‘vitimam ente no¬
forme ao que eftà eferito. (gui re- me afe dia precifo *
cipit Prophetam in nomine Propheta
Mâtth. polo Capitu- !
10.
mercedm Propheta accipiet. E faõ
os feguintes. De Ecclefiafticos, o lo Prouin
Bifpo de Coimbra Dom Afonfo ciaL
de CafielbrancOjO do Porto Dom
Ca mu-
 Arcebifpo de B rdga, Primas das He/banhas,
Aminharãoquafi a pai
l§gp!§ fo igual os maceriacs
da fepultura por mar,
& o Prior, 8c officiaes
delia por terra, Pofto.s em Viana,
onde jafervia tudo em gaftos, 8c
aparatos, deu grande brado por
todo entre Douro &Minho, & pc>
las terras vizinhas a chegada da
pedraria,& íãòerfe q a toda pref-
ía fe hia acertando, 6c edifi cando
a fepuítura , como íegundo avifo,
Sc certificação dobrada de não
aver de paíTar a fefta da treslada-
çao do dia aprazado. Eafsifeda-
vao preíTa com novo defaíTofego
por toda a parte,os da villa em co
cluyr as pompas, 8c apercebimen¬
tos com que determinavao fefte-
jar o Santo:& os de fòra em apre-
ftar fuas peftbas 8c famílias pera
fe acharem prefentes na fefta,que
também he genero de folenizar,
quando em alfe não pòde fervir.
O Prior andava alegre & diligen¬
te não perdoando a nenhum tra¬
balho nem defpeza, |)or ter apon¬
to o que eftava à fua conta,& pro-
metiafe de tudo bom fuceíío.Mas
no mayor fervor fobreveyo incõ-
vemente, q parecendo muy leve
veyo acarretado outros mayores
Sc em fim eftorvou a tresladação,
Sc a deteve muytos mezes. E foy
q efcreveo o Padre Provincial ao
Prior que negocio fotçofo, a que
não era pofstvel refiftir lhe tolhia
poder fer em Viana pera o dia de-
t
2j 2
terminàdo,q era primeiro Domin¬
go de Outubro,nem ainda por to¬
do o mez: mas que não faltaria no
feguinte de Novembro : que ocra
então lhe encomendava teveíTe tu
do preftes, porq fem duvida acu¬
diria a tempo. Nao foy de peque¬
na deíconíolação efta nova pera o
Prior,como pronoftico certo,que
não avia de lograr em feu Priora¬
do o fruyto do muyto que tinha
trabalhado. Cõ tudo foy fe a Bra¬
ga avifar o Arcebifpo do que paf-
fava, & ver o que mandava q ref-
pÕdefte ao Provincial. Aftentou o
Arcebifpo que não avendo de íer
a fefta no dia em que eftava lança¬
da,por nenhum cafo fe rrataífe do
mez de Novembro.Porque como
era principio de Inverno, que por
aquellas partes entra de ordiná¬
rio com tormentãs furiofas,& grã
des agoas,ficava fendo o mais de*
facomodado tempo de todo anno
pera femelhantes folenidades,das
quaes as mais principaes faó as q
fe fazem poías praças,& ruas pu¬
blicas, de procifíoes, & repreftn-
taç5es,& outros generos de fefta s
em que o povo coftuma moftrar
fua devaçao. E eftava certo que
ou fe não poderiâo fazer,ou quaa
do a cafo o tempo defte lugar pe¬
ra fe fazerem, feria com pouco go
fto por falta de gente de fora que
asviíle, 8c folcnizaífe (que he o
fruyto das defpezas,& grãdc par¬
te da devacãoj porque ninguém
fahia
 Livro VI. da vidade D. Fr eBert.dos Man.
íahia em tal tepo de fua caía mór-
mente pera longe. Efcreverão lo¬
go neíta conformidade ambos; &
não erão bem chegadas as cartas
a Lisboa, onde o Provincial reíi-
diâ,quãdo novo,& mayor incon¬
veniente apontou.Era Meílre Gè
ral da Ordem de São Domingos
o Medre frey leronimoXavierre,
Deulhe o Papa capelio de Car¬
deal : foy neceffario elegerfe de
novo quem a governaffe , & por
tanto mandou convocar Capitu¬
lo de tleyção. E particuiarmcnte
efcreveo ao Provincial de Portu¬
gal que em toda diligencia fe faffe
a Roma. Fez a jornada o Provin-
cial,&.do trabalho delia,ou da
mudança do clima & ares, enfer¬
mou cm chegando, & dentro de
poucos dias deixou o cargo, & a
vida : varão por fuas partes bem
merecedor de húa coufa êc outra.
Deita morte naceo terceiro &
mayor eílorvo , & caufador de
mais largas demoras. Porque foy
necdTarto efperarfe Capitulo de¬
lta Provincia, & eleyçao de novo
Provincial delia: o qual Capitulo
feveyoa jútar por Setembro do
anno de 1608. ôc nelle fahio eley-
to Provincial o Padre frey Ioão
da Cruz, que jà outra vez com o
mefmo cargo tinha governado
cita Provinda. Alsi fe cumprio
largamente o pronoítico do Prior
frey Bertolameu Pinto, porque jà
neíie tempo tinha eípiradoofeu
triénio, & era entrado em feu lu¬
gar o Padre frey Francifco Villez,
peíloa de muyta coca na Ordem,
Pregador geral, & que tinha go¬
vernado njuytos dos principaes
Conventos deita Provincia. Tra¬
tou fe no Capitulo com muyta at-
tençao entre os Padres Definido¬
res de fe abreviar a dilatada tref-
Iadaçao, & difcorrendo com ma¬
duro confelho em que tempo fe¬
ria bem execntarfe acordarão que
otempofoíleoVerãoíiguinte do
annodeéQ?. E o dia aquelle mef¬
mo prccifamente, em que por to¬
da a Ordem coílumamos cele¬
brar a Tresladação de noíío Glo-
riofo Patriarca , que he aos vinte
& quatro de Mayo. E chamado
o Prior, foylhe declarada a deter¬
minação da Provincia , & junta-
mente com todo encarecimento
encomendado, procuraííepor to¬
das as vias a mayor,& mais aven-
tajada folenidade que pudeíle fer,
Eque pera o tempo feri ao com
elle em Viana o Padre Provincial,
& todos os Priores dos Conven¬
tos mais vizinhos. E porque con¬
vinha nao perder dia nem horaei
le Prior fe aviaífe & defpediífe lo¬
go. A coníideraçao que o Capi¬
tulo teve em nomear efte dia foy
refpeitar o que em tal cafo dif-
poem os fagrados Cânones, & os
Decretos dos Concilios, os quaes
não permitcem honrarfe com pu¬
por
blica folenidade nenhum defunto
 Arcebifyo de Braga, Primas das Hefpanhas.
por muyto que floreceíTe ern o-
píuiao de faatidade vivendo , Sc
com a mefma morreíTe/em pri¬
meiro fer confultada a Sè Apo-
ftolica , Sc delia manar pera iíTo
expreífo coníiatimenco: Sc com
fe fazer a feda a titulo de noíTo
Padre São Domingos ficavãofaí-
vando a difpoíiição do direito Ca¬
nónico, Scefcufandoas licenças,
&c honrando quanto quizeífem o
filho fanto na memória do pay
fantifsimo, a quem era de crer rc-
íultariao diíío no Ceo grandes
graos de gloria acidenta!. Acre-
centavafe pena boa convinien-
ciadafefta concorrer quaíi jun¬
tamente a tresladaeaa do gran¬
de Patriarca dos Menores São
Francifco, Santo de quem o Ar-
çebifpo fora devotifsimo,& a feus
filhos todos em grande eftremo af
feiçoado:& parecia que por rodas
as vias cahia mui a propofitoem
taes dias efta folenidade. Cami¬
nhou o Prior com diligencia, Sc
por aproveitar tempo foyfe direi¬
to a Braga. Viíitou o Arcebifpo,
Sc deulhe com as cartas do Pa¬
dre Provincial avifo da ordem,
Sc determinação que levava, fa-
zendolhe juntamente lembran¬
ça como toda a folenidade , Sc
inayor importância da obra pen¬
dia de a elle favorecer Sc ajudar
com fua peffoal afsiftencia, como
offerecera ao Prior feu antecef-
for, Sc toda a Religião efperava.
>
Mas he miferavel a vi da em que
vivemos : pequenos interval os
caufaõ grandes mudanças. A-
chou ao Arcebifpo defgoítofo,&
carregado: & ou foífe humor ma-
lencolico, que junto com a velhi¬
ce o trazia quebrantado, & pou¬
co tempo defpois lhe veyoa tirar
a vida: ou que eftiveífe fintido das
dilações interpoftas, que lhe-to-
lherão celebrar a tresladação,
quando tinha perfeita faude , não
refpondeo ao Prior tão faborofa-
mente como elfe efperava, Def-
culpoufe com fuas indiípofíções,
dizendo, que ellas erão caufa de
não poder moílrar de prefenteo
amor &devação que tinha ao San
to: do qual erão boas teftimunhas
nos tempos atraz os padres do
Convento, 8c nos proximos o pa¬
dre frey Bertola meu Pinto, a que
com muyta vontade prometera
hir em peífoa feftejaf a treslada¬
ção, tendo intento de a engrande¬
cer com hum aéto de muyta ho¬
ra do Sa nto, Sc gloria da Ordem,
que ouvera de fer autenticar elle
mefmoos milagres que de próxi¬
mo fe contavão do Santo, pera fe
poderem pregar o dia da fefta:
que eífa fora a razão, porque pe-
dindolhe Frey Bertolamen pera
omefmoeffeito hum Defembar-
gador, elle lho negara: que affír-
mava não ferem menores de pre-
fente feus defejos, mas a idade Sc
os annos,quc jàerão muytos ?lhe
Vv tinhao
 Liuro VI. davida de D. Fr.Bert. dos Afart,
tinhão feico conhecer hú mal tão
pefado,que nem animo, nem for¬
ças lhes deixava peta dar hfi paf-
fo fora de cafa.Por onde de fuapef
foa nao podia cumprir;, nem pro¬
meter nada, do que lhe ficava af-
faz íintimento. A eftas palavras
ajutou o Arcebifpo íincoenta cru¬
zados de efmolla.Recebeos oPrior
mas congeiturando delia,& de to
da a lingoagem do Arcebifpo ('co¬
mo nolTa natureza he inclinada a
julgar o pior) q devia aver mayor
fundamento,na fequidão q a doé-
ça lhe fazia moftrar , foyle pera
Viana mal contente & defanima-
do, & fazendo conta que não ti¬
nha que efperar mais de Braga.
Porem o fuceífo moflrou que fo¬
ra juyzo apreíiado, como a íeu té-
po contaremos.
C APITVLO V.
JDa diligencia & cuidado coque
a •villa deVianafe occupaua nos
apercebimentos das fefl as da
trCsladaçao:&da magni¬
ficência com que o Ar-
cebífpo Domfr. A-
(jofinho as man¬
dou ajudar.
M Viana achou oPrior
m tudo a feu parecerem
$6melhor difpofiçao, por
i*
que avifando a Camara, Sc a no¬
breza da villa do dia certo em
que a Provincia tinha determi¬
nado a tresladação : pareceo-
Ihes o tempo & fazao tão acomo¬
dada que jà avião por dita terfe
fufpendido no anno atraz:& tam¬
bém aprovavâo a dilação atè
Mayo, porque nem era tão larga
que foífe penoza, nem tão breve
que lhes tolhelle apercebercmfe
de fòra & de longe de muytas
coufas neceífarias. Aísi tornárao
a entender com tanto fervor nos
gaftos & aparatos do anno arraz,
como fe lhe não fora cortado o
fio com tao pefada interpolação.
Em húas cafas fe entendia cma-
deftrar cavallos,& compor jae¬
zes, mochilas ricas, & boçaes de
prata.-noutras fe rafgavão fedas,
& cortavão panos finos.Em húa
parte fe juntavão moços de habi¬
lidade a enfayarfe pera alegrarem
a terra com reprefentações de paf
fatempo, & curiofidade: noutra
fe traçavão invenções de carros,
& triunfos, & paífos artificiofos
pera a prociífaõ que fe avia de fa-
zer;&todos em geral trabalhavão
por ataviar fuas peífoas & cafas
com as mais louçainhas,que a pof
íibilidade de cada hum alcançava
pera fignificaré com ellas,quando
em al não pudeífem a alegria cõ
que efperavão tão defejado dia.
Na ribeira trabalhavão grande
numero de carpinteiros & calafa¬
tes
 Arcebijjjo de Braga, Vrimas das Hefpãnhas.
tcs.em eftender, Sc levantar húas
grandes barças pera armarem fo-
bre elías hua imitação de gales, q
foy tão bem arremedada que en¬
ganava & dava muyro que ver.
Occupavlofe nella naturaes Sc
eítrangeiros à porfia de quem fa-
hiria com melhor fabrica.Por ou¬
tra pa.te fe defpendia grande co¬
pa de polvora em vários artifícios
de fogo, douravãofe armas, lim-
pavãoíe ar cabazes,compunhãofe
prumagés. Em fim eftava a cerra
feita húa offícina de invenções de
feda & alegria: & jà era hu come¬
çar a íintilla ôc logralla aoccnpa-
ção em q todos andavãoévolcos.
Ne era menos o alvoreço por to¬
das as cerras de entre Douro &Mi
pho , Sc nas mais vizinhas de Ca-
ftelia & Galiza.Tanto q por cilas
foou a nova certa do dia da tresla-
dação,efpertoLi a devação & alé-
b^ança do Santo os ammos de to¬
da a gente que o conheceo de ma¬
neira q não avia qué qtiizefíe fal¬
tar em o vir venerar. E muitos fi¬
dalgos honrados Sc ricos de Gali¬
za, & entre Douro & Minho fe de
terminarão não fò ajudar a foleni-
dade cõ fua viíta & prefença, mas
tomar cambe parte nella, trazédo
fermofos ginetes, Sc muytos cria¬
dos cõ gaito,& concerto extraor¬
dinário pera ferviré cõ elles, & cõ
fuas peííoas ao Santo. Afsi fe hia
apercebendo tudo, Sc jà parecia o
prazo deMayo caoprológado, q pera comporé a craítacõ perfey-
não fo aos q defejavao alegrar os
olhos, Sc fartar a devação com a
vilta das fantas relíquias, fenão tã-
bem aos q hiao revoívédo o mais
longe do reyno pera fe petrecharé
cÕ o melhor deíle,fc reprelétavao
as horas , & os dias mayores, Sc
mais vagarofos do ordinário. Mas
o tépo voa, Sc não ha termo largo
na vida.Chegou o defejadoMâyo.
Entrando o mez juntàrãofe os no¬
bres da villa, Sc fazendo cõta que
aventajavão pouco fua devação/e
não venceíTcm adosReligiofosdé
tro nos feus clauítros , forãofe ao
Convento Sc d íferão ao Prior , q
nao era aquella a occafião em que
elles fe avião de contentar fò com
os cuydados da rua Sc praças, q
também queriáo parte nos do Co
vento.q os Padres fe contétaíTem
cõ armar a craíta , Sc largaífem a
Igreja à villa, pera elles à fua võta-
de fc efmerarem nella,& cõpetiré
com o que os Padres fizefTem na
crafta.São os Religiofos de S. Do¬
mingos em geral tão pouco follici
tos de luas portas afora,& tão fal¬
tos de intelhgécias cõ feculares, qj
tudo o q tinhão bufeado Sc junto
em tanto tempo era a feu parecer
pouco pera ornar a Igreja &cta(la
Sc como avião q lhes faltava Bra¬
ga,porq o Prior não fe atrevia a fa
zer novainltãciacõ o Arcebifpo,
alargarão os efpiricos cõ o requeri
meco davilla, &jà fe achavão ricos
Vv Z ção
 ZjivYoVI.davidade D.Fr 'Bert.dosÀFirt.
çao.A hum mefmo tempo come¬
çarão hús & outros a entender
, com o que eftava à lua conta. Os
frades com a crafta , os feculares
com a Igreja: & foy couía de ver
a requdta & cobiça, com que os
feculares a dividirão entre fy às
braças, 8c como eráo muytos , 8c
cada hum como em bua rica eran
ça defejava fcr melhorado em qui
nhão, foy a partilha quafi aos pal¬
mos.Afsi fe hia trabalhando com
cuydado & fervor, & aVizinhan-
dofe o dia que avia de fer princi¬
pio da fefta. Entretanto não eífa-
va dtfcuydido o Arcebifpodoq
em fua devação devia ao amigo&
anteceífor defunto, & medmdoo
tempo da necefsidade hia cõ par¬
ticular diligencia mandando ter
pfeftes tudo o que entendia con¬
vir pera inteira celebridade, como
fe toda eftivera à fua conta. Qua¬
tro dias faltavao fò pera o apraza¬
do,quando entrou polo Conven¬
to de Viana hum criado do Arce-
bifpocom húa carta dirigida ao
Prior, 8c a todos os mais Padres
de cafa,na qual com muyta corte-
zia 8c brandura recontava as ra¬
zões que dera ao Prior pera fe
não poder achar com elles na-
quella fefta,as quaes dizia que a-
gora erão mais urgentes,por quã-
to fua infirmidade correndo os
dias fe hia agravando 8c carre¬
gando mais: & com tudo o alvo¬
roço de ver que todavia chegava
ahoradelle taodeff jada, em que
fe honrava aquelíe Santo na terra,
como entendia que eítava honra¬
do no Ceo: lhe dera animo pera
acometer por duas vezes entrar
em huas andas, & dambas fe fin-
tira tão desfalecido 8c fraco, cjue
lhe parecera era tentar a Deos
porfe a caminho:que bem deviáo
Crer delle , pois em outro tempo
na força das calrnas de Iulho, &
com diligencia exrraordinariafo-
ra acompanhar o Santo & ler íeu
enfermeiro,não lhe faltara eroté-
po tão aprazível feemfuan ãofo
ra, pois não fe pode cuydar que
queira faltar no tempo do triunfo
8c alegrias, quem folgou de fer
companheiro na batalha 8c nas
triftezas: 8c em penhor defta ver¬
dade lhes inviava polo portador
da carta tudo o que avia de bom,
&c pera poder fervir na occaíiao
prefente, não fomente na Sè, mas
também em fua cafa, & na de feu
íobrinho Dom Ieronimo de Ca-
ífro:& que pera fuprir a falta de
fua peííoa pedira ao Bifpo de Fez
Dom Iorze Queimado quizeífe
acharfecom elles , 8c o meímo
mandara pedir às dignidades &
Cabido da Sè, & encomédara aos
defébargadores de fua Relação,&
aos Vereadores & nobreza da ci¬
dade, 8c cofiava q nenhú faltaria.
No fim da carta encarregava aos
Padres com encarecimento, que
cõ toda magnificécia celebraíTeon
a feda
 *A rcebifpo de B râga, Brimas das Hejpanhas.
a fefta, 8c fe valcíTera fielle 8c de
fua caía 8c fazenda pera tudo o
mais que julgaíTem fer neceííario.
Lida a carta com exceísivo golfo
de todos,& dando por elia infini¬
tas graças a Deos, 8c ao Arcebif-
po: virão que chegavão á portaria
oytoazemalas cubertas.com re-
poífeiros do Arcebifpo: das quaes
o mefíageifo fez logo defearregar
grandes almofreyxes em que vi-
nhão muytos panos ricos de bro-
cadosjtelas/veludos , damafeos 8c
tafet as de differentes cores & pe¬
ra differétes fer viços. Outras tra-
ziao cofres de que fe tirarão qua¬
tro ornamentos, 8c feis capas de
brocado, 8c muvíos froataes hús
dc brocado,outros de varias fedas
8c cores,tu do rico de guarrniçoés
8c bordaduras. Eifas coufas parte
erao do thezouro da Sède Braga,
parte dos Moífeyros vizinhos,
que o Arcebifpo teve cuydado
8 c cunofidade de mandar pedir.
Entregou mais omeítageyro qua
cro Mitras de grande preço, &
quatro Bagos Pafioraes de pra¬
ta,& muytas tocheyras de prata,
8 c caífiçaes grandes de prata pe¬
ra fer vi ré na Eça que fe avia de
fazer, &c em todos os altares, &
vitimamente cotou ao Prior húa
efmolía groíTa de dinheyro que
o Arcebifpo mandava pera cera
de que o Prior tinha mandado
lavrar grande cantidade de toda
forte.No mefnio dia porque na-
2 jj
da falcafle do que mais conuinha9
& fe devcíTe tudoà liberalidade
8c grãdeza do Arcebifpo chegou
por elle mandado Valeriano de
Frias de Caíblho thefoureyro da
fua capella,peííoa intelligente em
Arquitedtura pera eíFeytodcor-
denar a Eça que avia de feruirna
tresladação: a qual traçou & fez
lavrar Jogo em peças, pera fe ar¬
mar fem dilação,corno foífe tem¬
po.Deu novas Valeriano de Frias
que traz elle viu hão todos os mu-
íicos da capeila daSè, 8c as cha¬
ramelas do Arcebifpo, Ôc porque
não deffem pejo no Convento
mandava o Arcebiípo fazer o ga¬
ito a todos por fua conta.
CAPITVLO VI.
Do numero fj? calidade de gen-
te que acudio a Viana:
da armação (& orna¬
to da Igreja de S.
Domingos.
Sflfif®Manhec eo o dia
fie fabafio 2}. fie Mayo,
ItllSlll que avia fie ler o pri-
^ meyro das feitas fia tref
ladação,com as vefperas que em
tal dia he coftume cãtaremfepor
toda a Ordem fia tresladação
fio gloriofo Pat? iarca delLa. Efoy
Noífo Senhor fervido que cur-
fando ate a fefta feyra o tempo
Vu 3 ainda
 hluro VIida‘vida deD.Fr, Bcrt.dosAFart.
âirda verde & invernofo, neíle
diâ de íabado fe trocou de manei
íâ que deu principio a hú bem af-
íbn brado & graciofo Verão, o
qual perfeVerou todos os dias q
as feftas durarão, acrecentando
grande luítre a tudo o que nelles
íefez. Aede tempo era já tanta a
g nte na villa que nao cabia pe¬
las ruas,muyta de Caífella, n uy-
ta mais de Galiza,& tanta de en¬
tre Douro & Minho, q fazia crer
e flava aly reduzido todo. He fa¬
ma publica,&. affirmarão homés
de bom entédimento,& que o ti-
nhao pera orçar o numero,que
Tem molheres & mimnos fotão
poucos menos de trinta mil ho-
més.Teftemunho de verdadeira
devaçao, & obra do poder de
Deos que afsi queria honrar a feu
. fervo. Porque não fe pode crer
que fò apt tite de ver feífas arran-
caíTe de fuas cafas tanta gente, 8c
muyta delia de grande diflancia
de íegoa$:& muytos âfsi naturaes
como eílrãgeiros nãofe contéta-
rão com menos que trazer fuas
cafas inteiras. De Ecelefiafticos
era todo o Cabido de Braga, 8c
muytos Abbades de varias par¬
tes^ outros clérigos,grande nu¬
mero de ReltgiofoS de rodas as
Ordés de Portugal &Galiza,muy
tos fidalgos principaes,&outra gé
te nobre. Entre todos luzião os
Vianeíes em concerto de trajos
ricos, 8c libres louçãs & cultofas,
em cavallos fermofos 8c bem fel-
lados^ nella parte,como no con
curfo da gente eífavaa villa húa
luílrcfa corte. Não desdizia 0110
defta comparação que fucedeo a-
charemfe neífa conjunção nelle
muytos navios de alto bordo eflra
nhos, & da rerra, que amanhece¬
rão todos embandeirados &po-
ftos aíom de guerra tocando a
porfia muytas trombetas baífar-
dasrajudavão a fazer o no fer mo¬
fo oyto Gales maravilhofamente
reprefentadas fobre as barças que
diífemos fe alevantavão na ribty-
ra, as quaes toldadas de iedas de
varias cores, & ondeando ao ve¬
to grandes effandartes,& muytas
flamulas & galhardetes, eftavão
fobre ferro no meyodo rio tão
guerreyras & airoías, que faziáo
crer podia o Lima competir com
o Tejo. Abriofe a Igrtja A Con¬
vento logo pela menhã, pera que
a gente gozaíle da vifta da arma¬
ção,& ornato da Igreja & craftas.
A riqueza 8c artificio 8c concerto
com que a Igreja eítava armada,
pudéramos melhor declarar pin¬
tando,que pintar efcrevendo, por
que não he obra depena, &de
húa fò tinta reprefentar a varie¬
dade & particularidade decoufas
que avia que ver & notar. Foya
emprefa de gente honrada, A ri¬
ca,& ambiciofa, 8c repartida por
fortes entre muytos : prcren-
deo cada hum aventajarfe feiu vi
zimho
 Arcebifyo de Braga, Vrimas das Hefpanhas,
zinho no cufto & na invenção' &
fendo tanta a diferença & diver-
fídade dos feitios, quãta era a dos
engenhos, & pareceres que na fa¬
brica fe occupavão,fahio hum to¬
do de preço eftranho, de nova, 8c
nunca vifta obra.iPorque o que fe
faz por hua fò mão, 8c hum fò juy
zo em todo o corpo de hum tem¬
plo grande fundafe em refpon-
dencias dilatadas,que digão huas
partes com outras ao largo,&por
mayor fogindo miudezas,& varie
dades multiplicadas que levão té-
po, & cuftão muyto, & canfaó
igualmente. Aqui nenhtia coufa
fe tratou nem bufcou com cuyda-
do,fe não vencer a eftreyteza do
lugar que a cada hum coube com
miudeza,& novidade do lavor, 8c
com differença do vizinho. E efta
emulação em variar,oti defvariar,
veyo a formar tão agradavel vifta,
que muyto procurada com arte
não pudera fahir mais graciofa,
auendo muyto que ver em cada
palmo de toda a Igreja. Por ma¬
neira que vifta por partes alegra¬
va 8c deleytava muyto & vifta def
pois toda junta reprefentava hum
campo, onde Abril, 8c Mayo ti-
nhão derramado toda a frefcura
8c abundancia 8c diveríidade de
fuas flores, 8c que aly eftavão to¬
das juntas com as mais vivas 8c
■ perfeitas cores que a natureza fou
bc pintar. He a Igreja grande 8c
alterofa,8c té muyta luz;c5 cila fa-
2JÓ
hião as miudezas, Sc realçavão as
cores, 8c de maneira fe vinha tu¬
do aos olhos, que ninguém avia q
fe fartafle de ver,nem de louvar o
que via. Mas ifto que-temos dito
era fò no corpo da Igreja: na capei
la & cruzeiro avia outro genrro
de fabrica A caoella
I mòt,&
5 Coro
eftava coda de hua ma*>: pedioa
hum devoto do Santo, & armou
a fòcom muyca Ordem, ík difpo-
íição, 8c com íuas refpondencias
de cores,& divifoés bem betadas,
cujos remates íe tomavão cõ cor¬
dões de feda de cores acomoda¬
das ao todo.Erão as fedas confor¬
mes ao tempo , que tanto que fe-
renou & efteve quieto, logo fe fez
fíntiro Sol, 8c entrou calma. Da-
mafquilhos 8c tafetas cobrião tu¬
do: os ba!aufles,& pilaretesdo
Coro veftia feda branca da China
tecida 8c femeada de paífarinhos
vários nas cores 8c nas feições pé
durados de ramos verdes : tudo
tãobem aífentado 8c perfeito,que
pera não aver falta em nada, fe af-
firma que comprou efte devoto
trezentos cruzados de fedasno-
vas. A compoftura que aqui avia,
como fazia differença do mifcra-
do da Igreja, ficava por efta via
mais víftofa, 8c acrecécando tam¬
bém graça à Igreja. Avia logo ou¬
tra agradavel diverfídade de ar¬
mação nas duas captllas collate-
raes dos topos do cruzeiro, O Al¬
tar de IESV toma o topo direito.
, yu 4 Das
 hiuro VI. d a vida de D. Fr.Bert. dos Afart.
Dis paredes dos lados occupava
a direita hua grande arvore bem
formada de tronco & ramos que
íc alargavao por tudo & fobião
proporcionalméte atèoalto. Vra-
fe em meyo delia noífo Padre São
Domingos todo enlevado em híí
devoto Crucifixo que tinha nas
mãos. Polos ramos paredão af-
fentados os Santos, & Santas da
Ordem, figuras de vulto grandes
Sc bem proporcionadas,cada hua
com as iníignias de íiia vida ,ou
virtudes , ou dignidade, por onde
fe deixavão conhecer, Todos c5
acatamento tinhao os olhos no
Santo Patriarca: & elle cõ os feus
pregados no crucifixo parecia e-
Ílaríhe dando graças polo fazer
pay de tão bõs filhos. O lado frõ-
teiro era todo lavrado Sc como
debuxado de hus compartimen¬
tos, & laçaria de cordões forma¬
dos de ramos verdes,que hião pe¬
gar no tedtu: Sc os vazios enchiao
ricas pinturas em payneis,& reta-
bolos , & medalhas. No topo ef-
querdo do cruzeiro eftà o altar de
Noíía Senhora do Rofario. Na pa
rede da mão efquerda do altar na
cia do baixo em hum groífo tron¬
co a arvore de IeíTè demuy difFe-
rente feitio obrada da que diíTe-
mos do altar de lESV.Crecia atè
enteílar no fofo do émadeiramen
to,alargava Sc cífendia os ramos
por todo o pano da parede: & os
ramos povoados de Reys & Pa¬
triarcas veftidos ricamente ao an-
tigo:no meyo delia refplandecia
em ouro Sc riqueza húadevotif-
fima imagem de Noíía Senhora
do Rofario. No pano fronteiro fe
via outra arvore de menos altura,
mas de fabrica & feição mais pe¬
regrina, de cujos ramos como ver¬
dadeiros fruitos pendiáo Rofarios
em grande cantidade.No alto pa¬
recia aífentada a Virgem mãy co¬
mo Senhora delia com fembrante
alegre, Sc como convidando a to¬
dos com aquella roifterioía fr uy-
ta. Foy tomada efta invenção dc
hum famofo milagre que na ilha
de Hiríanda aconteceo no atino
de 1575. Erão perfeguidos os Ca-
tholicos polos miniihosereges da
Raynha líabel de Inglaterra, Sc
com rayva efpecial procurava a
maldade heretica rirar dos olhos,
Sc extinguir da memória dos fieis
o iníírumento & falutifero exer¬
cido dos Rofarios, em que os afli¬
gidos devotos fundavao as efpe-
ranças de feu remedio a corpos &
almas, animados com a pregação
dos frades dc São Domingos, que
a toda hora trabalhavao polos cõ
firmar naqueila devação fantifsi-
ma.Era pola Quarefma, Sc junto
da femana fanta ; a gente que de
feu he muyto pia,ajudada do tem¬
po andava devotiísima, Quiz o
Senhor em tal conjunção coníb-
lar os bõs,acender os tíbios, efper
tar osdefcuydados,defengana.r Sc
cõfumdiç
 Arcebifyo de B raga3 Primas das Hefpanhas, * > j?
confundir os rebeldes: eys que a & groífa,& cubertos de flores.E
horas do meyo dia em tempo fe- toda a Igreja ardia em caçoulas Sc
reno Sc clarifsimo nace & crece varias compofições de cheyros,
Sc poemfe fubitamente em Tua que fòra na praça comunicavão
perfeyção hua prodigiofa arvore grande fragrancia Sc fuavidade.
eítranha na figura & muyto mais Afsi não avia quem fe foubelte fa
na grandeza. Era tão alta que de hir da Igreja, nem a gente fe po¬
ham campo razo onde eflava em dia neíla revoluer com a muyta
parelhavacom grandes montes, que de novo entrava.
porque fobia hú eftadio q he al¬
tura de cento& vinte finco paíTos
CAPITVLO VII.
Sc a refpeito defte corpo tão avul¬
tada & efpaçofa que fazia íò hum
grande bofque. Mas o mayor ef- Do concerto que auia nas
panto eflànofruyto.Pendíão dos Crajlas.
ramos em lugar de folha &c fruy-
tos inoumeraveis ramaes deRofa- iH As não era menos o
rios, Sc pera poderem fervir em K que acõtecia aos que
feu vfo (que Rofarios ociofos Sc acertavão a entrar pri
c-;
trazidos fò pera atavio ião pouco £
meyrona craíta. Por¬
agradaveis à Senhora dellesjerão que fe a Igreja deleitava Sc fuf-
todos infi ados em feus cordoés pendia os olhos, a craíta fufpen-
delgados, mas rijos & fortes. Co- dia olhos Sc ânimos, Que como
y^/^lherãoos Catolicos muyta copia ella ficou â conta dos Religiofos
feruãdes delles,& por reliquiade eitima Sc ouverãoque lhes tocava como a
l i.cap.x memória do íuceflo fe guardaoin- gente de letras,& devota por pro-
do roft- 0je cm algúas partes daChri- fiíTaõ dar aos entendimentos pa-
7>^ fJu ítandade. Gozou deita maravi- Sc matéria de devação às al¬
íto,
Sagfiz, lha o Bifpado de Corquiclon,& mas: Sc effeytuàrão hua coufa Sc
âantigui anda eferito por muytos autores. outra armando em cada lanço del
dadeeto E por fer coufa de tanta edifica- la dous grandes payneis de pintu¬
çáo Sc de que já avia fama, foy ra,que vinhao a fer oyto por todos
ReMriâ *auenÇ^° muyto bem recebi- guarnecidos com feus cercos Sc
c.6.}$, da, & de novo encheo de alegria frifos Sc molduras fingidas,
O ' Sc or-
Franc. os devotos do fanto Refario. Os nados de lavores Sc debuxos , que
belUfore altares todos eftavão ornados de com a conformidade Sc reípon-
fl.Uias rjqU;fsjmos frontaes ,de grandes dencia que entre fy tinhão daváo
htstortas o o D,
prodtg.p, caiiiçaes de prata, Sc cera branca grade luítrea todo o mais ornato
401. da craíta
 Liuro VI âa vida de D. Fr. Bcrt.dosAíart.
da erafía.O que nelles moftrava a
pintura erão algíís fuceftos da vi¬
da do Santo dos mais fabidos,
que mais podião efpertar a lem¬
brança de fuas virtudes. E ainda
que não avião de feruir mais que
pera efta vifta , procuroufe boa
mão,& propriedade na obra, 8c
viveza nastintas quanto alcaníava
o eftado da terra 8c do Conuento.
Ao pede cada hú declarava húa
letra Latina o que continha, pera
q chegafte porella a noticia dos
eftrangeiros,o que os naturacs ía-
b ão por fama & vizinhãça. Mas
fòra da ordem deftes oyto painéis
fazia obra per fy hum mayor que
to dos, q fern menoscabo da Ar-
quiteótura ficava no meyo 8c fro-
taria de hú dos lanços que fò avia
defpejado de portas & íeruintias,
8c pera diffcréça dos mais repre-
fentava hum bem formado por¬
tal deobraCorintia.Conheciafc
nelle o Arcebifpo reveftido em
Pontifical,& a feus pès húa gran¬
de 8c comprida cava aberta, 8c
elle inclinado fobrella, & com as
mãos poftas em húa grãde pedra
quadrada 8c entalhada de muy-
tas letras,que dous homés tinhao
cm braços, & ao parecer lha offe-
recião,pera a lançar na cava. Afa-
ftado hum pouco moftrava a pin¬
tura húa companhia de gente a
húaeftante, que nos geftos 8c tra
jo fe devifava ferem clérigos, 8c
nogeito cantarem: & por detraz
delles outra companhia de chara
melas:oque fe enrendia dos inítru
8c mentos que tinhao nas maoscõ
prontidão, como que eíperavão
darlhes a Capella lugar pera ref-
ponderem. A letra de clarava íer
ifto memória da cerimonia que
o Arcebifpo fez quando noanno
de 15 66. veyo lançar a primeyra
pedra noedifieio delia Igreja, 8c
lhe deu nome 8c principio, cemo
atraz cotamos.E dizis .Reuereniif-
fimus Dominus D. Frater Bartkolo-
meus de Martyribus jtdejedens Bra*
cbarenfi Hífpaniarum primaria infg-
ne Viana oppidum multis nominibus
dtgnii indicam y in quodfratrum fuo-
rum Ordims Dcminicani familiam
tnduceretfalutt animar um procurem»
dxyui totopeãore inhiabat, Crnobiu
boc erexit in ipfo aditu dignitatisybo-
niffc dotauit amo 1560. Templíípau-
cis pojl annis , atif aras primar 10 in
fundamenta iaão lapide ,fua manuy
'verbiffe titè conceptis facrauit, //-
luílri Diiu Crucis appellatwne infg■
niuit. A hum 8c outro lado com
diftancia igual ficavão os dous pai
neis, que nefte lanço fazião obra
com os mais da crafta menores
no corpo 8c differentes no ornato
como temos advirtido , do q efte
cra. No primeiro parecia a húa
parte húa portada de Igreja de
grande mageftade quanto o lugar
8c a pintura fofria, 8c junto a ella
hum homem pobre & esfarrapa¬
do, ao parecer mancebo, mas en¬
fermo
 Arcebifpo deBrdga, Frimas das Hej^anhas»
fermo Sc arrimado a hu bordão.
Daoncra parte hia o Arcebifpo
pera entrarem hás paços que Te
reprefentavao em híía profpefti-
va viftofa de varandas 6c colunas
& caías altas, &c eftava virado pe
raosque o acompanhavão & a-
pontando com o dedo no pobre:
Sc enxergavãofe em hua varanda
dons moços de roupas compridas
ambos com as mãos poftas em hu
pano que cobria húa parede. Era
repreíentação verdadeira do que
aconteceo ao Santo recolhendo-
fe hum dia da Sè pera caia , que
encontrou hum pobre moço, no
eftadoqueo reprefentava a pin¬
tura, & laftimado de fua auferia
Sc nueza por lhe acudir de preíTu
queo requeria a nccefidade,&o
tempo que era de frio& neves,
mandou a dons moços dos que
criava em cafa, que defpregaílem
o pano que lhe fervia de guarda
porta na camara, & o deíTem ao
pobre pera fe cobrir. Aletra o fig-
niíicava cõ eftas breves palavras.
Domum à templo regredkns juuenem
occurrentem feminudum , membrafc
languentia <~oix báculo fuflentantem
auUo,quo Pontiãcij cubiculi obtende-
batur ofiium,mambus famulornm re-
fixo donari extemplo iubet, digna A-
pofiolico <~viro fententia faclum pro-
ftquutus: pauperes Chníli aiefíire o-
portet,parietes nonoportet.No fegú-
do eftava o Arctbifpo em cami-
»* *
nho Sc a cavallo por entre mon¬
*jS
tes, 8c virado pera os qUeoacom
panhavão parecia que os manda¬
va parar fazédoihe final com hua
mão,& com outra apontando em
hua molher que de longe os vi¬
nha feguindo com híi minino po-
íamão. Defcobriafe no folio da
molher a fadiga com que aprefta-
vaopaífo,& no veftido fua pobre
za. Hum pouco apar tado eftavão
fe defcarregãdo arcas de hua car-
ga, &huaarca fe viaaberta, 8c
húa mitra em mão de hú de rou-
?as largas.E foy o cafo q efta mo-
her trazia o minino a crifinar ao
lugar q ficava atraz,& achando o
Sãto partido foyfe é feu feguimé-
to:&elle acertando de a ver de
longe , 8c congeyturando o que
podia fer, parou, & aíy no meyo
da eftrada fe apeou , & fez o offi-
cio,&a mandou confolada. Afsí
dignificava aletra d zendo. Lo«-
gum ittr ingrejfus , fortè refpiciens
mulierculam feítmis pafsibus procul
fubfequentem 'una cum puerulo, que
manu trabit, confpicatur.exquo quid
fibi u ter que uelint conijciens focios
jubet m rveftigio confiíterejacras <-vt
fies, rvafafc expediri, menfam fíer-
ni: in ipfa montium [olitudine fa-
crum puero Chrifma impontt; nooti
compotes faãos, Icerosfc Utior ipfedo-
mum remittit. No primeyro qua¬
dro do fegundo lanço era de ver
hum homé de barba comprida
com tezoura em húa mão,&. noa
tra hua fita, finaes q dcclaravão
feu
 Lhro VI. âa -vldadeD. Fr 4BertJos Mart.
feu officio, Sc oque pretendia fa» Sc o fino levantado com tal pro-
ser.Eftava perto híía mefa, & nel ariedade,que aos que o vião íe af¬
la húa peça de pano, Sc o Arce- igurava que fe movia & tangia:
bifpo rinha hua mão fobre o pa¬ fò lhe faltava o fom , que a arte
no, Sc o dedo moftradcr da outra não foy poderofa pera o exprimir
fobre a boca, que bem fe deixava eftando tudo o mais tão bem fin¬
entender que era mandar ao al~ gido. Iilo foy que em tempo que
fayate que levaííe opano,&guar- o Santo tinha faude, defpois de
daíTe fegredo. A len a o dizi que eftar recolhido em Viana,” o dia
era. Attritx njfu nimio noefti neuam que tinha de mòr gofio era quan¬
fufficere horrido monente Decembri, do lhe acontecia hir a pregar apè
cumpamus, tf fartor preito ejfent, polas aldeas mais pobres daqucl-
fartori inditto fikntio tmperat, pan- le termo. Afsi fe referia no Latim
num ciam ejferat, in tres partiatur com bom encarecimento. Egre-
<z>eftes, diligenter fartiat Jartas tri- gins ille Hifpania rum Primas, fa-
bus dijlribuat feminis fama tf pro- pientia tbejaurus, eloquentia fumen,
bitate notis , illud infuper adijeiens de cuius ore celebernma njniuerfe
aquius ejfe Epifcopumyquàm egregium ReipubliCíC Chnftiatu ccncio, Tri-
■<vtrtute cottum byemis inclementia ta dentina Synodus cum admiratione o-
befeere. No fegundo quadro efta- lim pendebat,ecce inter rufticos bumi
va poftoem caminho o Santo co hsjnter pauperes egentifsimus, indi-
capa & fombreiro Sc bordão na ãofbifpontaneo ab cmtatibus exilio,
mão,& hum companheiro junto per uicos tf mapalia njerbum Dei
delle de roupas compridas que alacriter difeminat, báculo tf pedi-
reprefentava fer clérigo, & outros bus pro quadriga njtitur, duobus af-
dous cm trajo curto que o feguião feclis numerofa conjlat famiha.
como criados, & todos com o ro-
íto em hum lugar que ao longe fe CAPITVLO VIII.
defeobria, o qual no feitio das ca¬
ías , Sc em todas as mais aparên¬
cias moftrava fer hua pobre al- Profegue o concerto das
dea.Viafe no alto hum pouco afa- crajlas.
ííada hua pequena Igreja, & hum
homem veítidoem fobrepelliz q ] Primeiro pay-
em todo o mais geito parecia fer nel do terceiro lanço
clérigo (Sc devia fer o Cnra do lu¬ da crafta continha a-
gar) com as mãos na corda do fi¬ quelle cafo tão celebra¬
no , os braços em alto eftirados, do de quando lançou pola janelia
a cama
 Arcebify o de B raga, P rimas das Hepianhas.
a cama em que dormia a hua po¬
bre velha, quslhs pedio eímolla
pera o enxoval de húa filha que
cafaua. Eídava pintada húa pro¬
longada fachada de janellas , &
poíhgos que bem reprefentavao
corredor do dormitorio: & o San¬
to a hua das janellas rodo incli¬
nado pera fora como pera lançar
abayxo húa coufa que tinha nas
mãos, que parecia fer traviíTeiro.
Ao pè fe via a velha com o ro¬
ído & olhos levantados efperan-
do o enxoval, de que jà tinha par¬
te aos pès tudo envolto & fem di-
ídinção de peças,mas be fe conhe¬
cia fer roupa. A cobiça & alvo¬
roço cõ que a velha fofrega eídava
defpojandoo fanto velho , procu¬
rou o pintor manifeídar no fem-
brante & olhos delia, 8c não tra¬
balhou de balde, porq fe deixava
bem notar. Mas nao baldou a arte
pera moídrar no geído do Santo o
goíto com que fe deixava roubar,
queeramayor. Suprio a letra di¬
zendo. MuliercuU dotem collocand#
filu pofeenti culcitras, puluinariafô
quicquid laneitm habebat in slratis
(lineum incolumis nunquam babuit)
ciam per feneftram demittit, in gr a-
tiam iuuencuU feptuagenarius coeno-
bita-.egregium agens furem, <vt nuda
pojleà fponda membra <-vigilijs, ine~
dia, frigore fatifeentia collidat. No
outro paynel parecia hum altar
alto de muytos degraos, com
hum devoto crucifixo; 8c o Arce-
25 p
bifpo celebrando o Santo fac ri fr¬
eio da MiíTa, os braços eídendidos
&0 roído todo arrebatado aoCeo.
Povoavao os degraos muy ta forte
de gente que parecíão enfermos,
hús nas cabeças >entrapadas, ou¬
tros em teré muletas, outros bor¬
dões nas mãos : & todos efpera-
vao pola bênção do Santo, com q
era coufa certa receberem muy¬
tos faude perfeita ainda em caios
de todo defefperados, como fe de¬
clarava abaixo. Sacra peragentem
obferuat languentium turba, <ut qui
dum terrefiria bonafupererant, fa~
mem â corporibus largiendo repelle-
batynunc coelejlium ditijúmus,morbo-
rum pejles ab eisdem orando arceat.
Nec <~coto fraudan miferos f*epius
experiedo multi didtcerant. No quar
to & ultimo lanço moídrava hum
dos quadros o Arcebifpo cercado
de muytos Reíigiofos, 8i todos a-
joelhados &como rezando em hu
grande coro:& o Arcebifpo tinha
o roído inclinado, & a boca poída
fobre as mãos juntas cõ húa poídu
ra tão devota , q fazia devação a
quéovia. E os Reíigiofos eídavão
cõ os olhos nelle cõ hum geito de
gente que pafmava do q via. Era
a hildoria que já contamos. Quan
do acabava de rezar imaginavafe
chegado às Chagas deChriído nof
fo Redétor,& fazia conta q bebia
daquellas fagradas fontes o licor
preciofifsimo de feu divino fan-
gue. O que veyo a declarar ebri-
Xx gado
 Livro VI. da vidade D Fr‘Bert,dosMart.
gado da admiração cjuecaufavaõ
nos Religiofos os finaes extraor¬
dinários que dava da grande con-
folação que aly recebia.Ido conti¬
nha o Latim.Pofl orationem in ge-
tiua cum fratribus procumbes crucem
ex njtroífo poli ice compactam ori ad-
mouet>admotam fuauifsimè deofcula-
tur t pofl ofcuia mellifluum quiddam
quafl wde manet, cum quadarn in-
gluuie tf labiorum flrepituflor bei ac
flugit. Gniarè idfaciatpercontanti cú
admiratione amico: ondeor miht, refl-
pondet,flacris Cbrttti Dei njulneribus
mdignum os mprimere, Diuini flan-
guinis hauftu totus dulcifsimè prolui,
tf melle de petra fluente fltientem ani¬
mam exaturare. Viafe no outro,
que era o ultimo de todos, lança¬
do em cama hum homem, em
quem a pintura fe efmerou por
íignificar com a arte hum eftre-
mo de doença & afflição. Tinha
as mãos juntas, & a cabeça incli¬
nada pera duas peííoas que fe che
gavão à cama, que na feição do
veftido moftravão fer frades, Sc
nas cores Dominicos: dos quaes
hum tinha nas mãos hõa Mitra,
Sc fazia geito de querer fallar.Ido
não foi fu ceifo particular fenao
muyto gèral em Viana, que a fè
com que muytos enfermos po-
ferão fobre fuas cabeças a Mitra
que ficou do Santo obrou gran¬
des maravilhas. .A letra o dizia
brevemente.lnfulaSanãi Prxfluhs
quafl à domino antafuncto commum-
r
cata medicandi potentia , agntis
ope medicorum deítitutis} acpenè de-
ploratis fanitatem Jubitam at<fl mo-
pinatamfalutari attaãuflepius refli-
tuijfe cum flt notifsimú: piãura in rei
mtmonam <z>nicu ojfert jpeãantibus >
famainnumeros celebrat.Os efpaços
que avia entre os quadros, &os
altos,& os bayxos década hum,
cobrião telas Sc fedas de varias
cores , com tal ordem & cuydado
de dizerem huas com as outras
no fitio,&calidade, cores Sc di-
ftancias,que junto tudo fe julgava
que nao ficava a craíla devendo
nada à Igreja. Muyto entretinha
& dava que entender a todos bú
numeroinfinito de cartéis com q
os devotos do Santo procurarão
moftraremtodo genero de me¬
tro , & diverfidade de lingoas,
hús devaçao Sc agradecimento,
outros engenho Sc ambição, &
todos encarecimento dos louvo¬
res Sc merecimentos do Santo.
Ouve compofiçÒes muyto de
ver Sc eftimar, que fe ouuera cui¬
dado, como fora rezão,de fe guar
darem, puderão oje fazer elpan-
to, Sc enveja, Sc acrecentar eite
livro em credito, & em volume.
Ordinário he entrar a poefia po¬
los limites da pintura, Sc então
cuydar que fe affina quando lhe
rouba mais da jnrdição. Pagafea
pintura cõ ella na mefroa moeda,
Sc afsi o moílràrão aqui cópetin-
doambasem qual melhor íeruiria
ao S;anto
 Arcebifpo dsBraga, Frimas das Hejpanhas. 260
ao Santo, & foy contenda de q re CAPITVLO IX.
faltou nova devação com a lena Dasfeftas que ouue ao S abado»
brança que po r hua & outra par¬
te fe fez de fuas maravilhas, que
viftas no debuxo, & lidas no ver- %
fo efpertavão vivas faudades prin fo Padre S. Domingos
cipalmente nos naturaes da villa, ao fabado a tarde com
dos quaes algus as folenizarao cõ toda folenidade , fendo prefente a
lagrimas quando voltando oso- ellas noífo Padre Provincial o Pa¬
lhos ao meyo da craíia virão nel- dre frey Ioao da Cruz com muy¬
la feyco hu mar,&no mar hua fer tos Priores 8c outros padres gra¬
mofã nao ancorada, 8c na praya ves da Província , 8c todos os Ec-
de fironte da nao o Santo de joe¬ clefiafticos que jà andavão na vil¬
lhos em hua figura grande ao na- la. Acabadas vefperas fintiofe gra
tural,qo reprefentava enlevado de rumor no rio. Acudio a gente à
em oração,as mãos & olhos leva- praya.Erãoas oito fingidas gales
tados ao Ceo: que atodos parecia queaofom de muytas trombetas
teremno prefente,&: verem de no 8c charamellas levarão ferro,8c fs
vo aquelle efpantofo faceíTo qae forão a remo pola barra fora. Era
diante dos olhos de todos paliou devera fermoíura da foldadefca
da nao que julgada & chorada 8c armas que nellas fe devifavaá
por perdida virão milagrofamen (porque ficarão capazes de muy-
te falva 8c entrada no rio por ora¬ tagentej&como luftrava em ca¬
ções do Santo. Ajudava a devaçao da hua adifferença de cores dos
8c a faudade hua acordada mufi- galeotes, 8c dos eflandartes que
ca de Sereas em geftos & compo- das pontas das vergas deciao ate
ftura bem fingidas, que rodeavao arrojar pola agoa,8c o rio coalha¬
a nao tocando diverfidade dein- do de barcos cheyos de homés 8c
fírumentos com fuavifsimaarmo molheres (pola mòr parte gente
nia.Foy efpeítaculoo da Igreja 8c forafteira) tão differentes nos tra¬
crafta de tanto entretimento 8c jos8c atavios,como na lingoagem
gofto pera todo genero de gente, &nacimento, 8c todos como a
que davão por bem empregado o porfia rica 8c cuftofamente vefti-
dia,quando nelle não ouvera ou¬ dos. Fazia fermofa vifia a diverfi¬
tra forte de recreação ; mas logo dade &grãde copia de louçainhas
ouve outras5que a muytos não pa joyas,peças douro 8c pedraria em
recerão inferiores, 8c com a diffe- vertidos 8c toucados, 8c fombrei-
rença deleitàrão muyto. rosiavariedadedas cores de telas
Xx 3 6c fc-
 ttiHTô Vh devida deD.Fr.Bert.âos Afart.
êí fedas,&pânos ricos nos trajos. po, Sc rouyto mais o pareceo,qua

NIo era menos de Ver a praya cu do naforça defta contenda arran¬

beftade pouo fem numero.Sem carão furiofamente as gaiès,& in-

mais fiue aparências de feíla Sc veftindo as naos, à efpada & lan¬
paz ândavão as Gaiès dando vol ça fe fizeraô fenhoras delias,& ré
tas poio mar,&alegrando ater¬ didas lhesfizerão amaynar as ver¬

ra com a vifta, fe não cjuando fu¬ gas tomandolhes todas as bandei

bica mente arremetem todas jun¬ ras. Alcatifada efta vitoria Sc reco

tas a voga arrancada contra fete Ihidos os foldados derão volta pe

naos das muytas que eftaváo fur ra o rio Sc forão remando contra
tas na barra,as que moftravâo e- huas navetas que eftavao ancora¬

ftar mais crefpas de gente & arti¬ das mais dentro, onde chamãoo

lharia, Sc pavefadas. Começarão poftigo. Aqui foy de nouo hum

as naos â desfazerfe em fogo Sc porfiado combate de muytas bõ

bombardadas vendo o acometi¬ bardadas,& grandes Sc continua¬

mento : Sc as gaiès fazião outro das ca rgas de arcabuzaria &mof

tanto com tal preffa Sc continua quetaria : porque as navetas efta-

çao,que não avia quem fe ouvif- vão providas de gente Sc muni¬

fe com eftrondo , nem fe viffe cõ ção, & davão a entender que fe-
fumaça:o afuzilar da artilharia podião manter contra rnayor for¬

aodifparar feria os olhos como ça lãçãdo de fy infinito fogo:mas

reíampado & metia pavor ,& o em fim fedo abordadas foi ão en
trovão fazia crer que hia a coufa tradas Si rendidas. Não fe tinha

de veras. Durou efta briga hum levantado de todo a nevoa do fu¬

grande efpaço; Sc logo levantada mo, nem era bem aclarado o ar,

a fumaça chegandoíe as gales de quando das gaiès fe tinhao lança*

mais perto começou outro jogo do em terra oyto boas efquadras

nao menos temerofo de arcabu¬ de foldados tão luzidos de armas

zaria & mofquetaria com tal vi¬ corpos Sc trajos, que prometião

veza Sc calor de húa parte Sc ou¬ de fy qualquer grãde feyto.Erão

tra, ajudãdo, & acedendo os a- em num ero igual Portuguczes Sc
nimos muytas trombetas baftar- eftrangeyros dos que negoceão

das de parte das naos, Sc muytos na terra ajudandofe pera fazerem

pifaros Sc atambores das gaiès» corpo os eftrangeyros de outros

que todos tocavão de guerra a- feus naturaesque chamarão dos

meaçando fogo Sc fangue, que jà porcos vizinhos atè de Galiza,

então parecia verdadeyra batalha Francefes ,Framengos,& Ingre-

hum
naval mais, que fingido paíla té- fes. Obedeciáo a dons Capicaés,
 Arcehifyo de Braga, Frimas das Hefvanhas.
hum Portuguez , outro eftran-
geiro. Portos era terra correrão
fargentos, & formarão em hum
momento hum efquadrão fecha¬
do,guarnecido de fuás mangas de
arcabuzaria , & feu paíío cheyo
começarão a marchar contra a
fortaleza tocando caxas, ôc foan-
do pífaros. Guiavão os deus Capi
tães marchando diante do efqua-
drao armados de coíToletes&mur
riões dourados,povoados degran
despmmagés. Não erão a meyo
caminho , quando fe defeobreda
parte da villa hum grande tropel
de cavailaria, que arremetendo cõ
o efquadrão, húa & muitas vezes,
ôc recebendo delle muytas cargas
de arcabuzaria, o foy detendo atè
q da fortaleza arrebétou toda a foi
dadefea Caífelhana, que afron¬
tando o efquadrão fe derao bata¬
lha cão bem ferida , ôc bem con¬
trafeita, que foy coufa de grande
recreação pera coda a gente. Def-
pois de durar húa grande hora
íem íe conhecer ventagern em
fimforãoos do mar perdendo ter
ra Ôc retirandoíe pera o rio a paf-
fo largo,atè que apertados de no¬
vo da cavailaria, 3c do prefidio vi-
toriofo forão forçados a embarcar
fe. Embarcados os do mar reco-
lberáole osÇallelhanos à fortale¬
za, ôc os de cavallo derão volta pa
ra a viila:& juntos em humefeam
pado que fe faz ao longo do noíTo
Convento, que aCamara tinha
261
pera efte efFcito mandado alargar
ôc apraynar, fcflejárão a vitoria
com húa efearamuça muy cõcer-
tada, ôc bem travada , & no cabo
com muytas carreiras ayrofamen
te paliadas de bõs corpos, Ôc boas
lanças,de cauallos ligeiros & bem
enfreados. Era gaitado o dia, ôc
poíloo Sol :& parecia que atè os
Oihos pedião défeanço Ôc tregoas
do muy to que tinhão vifto, quan¬
do começão com a noyte que en¬
trava, a foar caixas, &. cantar pi-
faros pera a parte onde chamao o
Cãpo do forno,q he húa praça be
capaz,cercada de cafas nobres, ôc
com húa fonte no meyo fermoía
em abundancia de agoa ôc feitio
de pedraria. Aqui avia prantadas
muytas arvores de fogo,& outras
invenções de polvora, que arde¬
rão com alcanzias,& rodas, Ôc fo-
guetes,atè qoe por partes contra¬
rias da praça começarão a apon¬
tar duas companhias defoldados
em boa ordenança com feus Ca¬
pitães diante, os quaes vindofe a
encontrar no meyo da praça le¬
varão das efpadas, Sc acomecédo-
fefuriofamente começarão a bri¬
gar com muyta deíf reza, que os
foldados de húa ôc outra parte fo¬
rão imitado. Era como hú defafio
formado de tantos por tantos:
hús efgrimião montantes, outros
brandião piques , outros juga-
vão de alabardas ; íò faltava luz,
Mas eis que a briga começada
Xx 3 aferro
 LmroVI. davida deD,Fr. Bcrt.dosMart,
^ ferro,paíTa num momento a fo¬ ças principaes , Sc polos poílos
go, Eráo as armas que jugavão mais públicos da villa diverfos ter
feytas com tal artifício que apou- nos de charameilas, Sc muytas
Cos golpes arrebentavão em laba trombetas Sc atabales: Sc polas
redas, & ardendo Co violência fa ruascorriãoa bua parte luzidas
zião temerofa Vifta efgrimidas, Sc encamizadas,& avia muytas car-
muytâs defpedião copia de fo¬ reyras: por outra foavão alegres
guetes, hus voadores que Ievavão foí lias, mu fica popular Sc rifpida,
os olhos apoz fy àseffrellas, ou¬ que defcanta com stambor, 8c
tros raíteyros que entretanto buf entoa ao fom de inífrumétos grof
cavãoospès defcuydados: & co¬ feiros,mas pera géte juta &de ter
mo não ha fogo fem pavor, era reiro he bé felfival.Sobre tudo re-
matéria de felia &alarida o me¬ tinião com vivos Sc aturados re¬
do dos que fogião , ou fe defuia- piques todos os finos da villa. Af-
vão del!es,& como a praça eítava fífepaílou a noyte.
cheyade gente nenhú fahia que
náodeííeem que entender a mui CAPÍTVLO X.
tos,ou a todos. noite jà cerrada
faziã parecer q ardia toda a praça
porq a mefma cópofição das ar¬
Da prociJsão}fjffeftas que ou-
mas q fe jugavao,levavao os mor- ueao Domingo,
riões Sc rodellas q muitos trazião
embraçadas.Aífi tinhãoa gente ^ Domingo vinte &
embebida, que nao avia quemfe quatro de Mayo cele-
Iembraífe de cafa, nem cea, nem P!brãrão os noífos frades
íbno.Foy tomando termo eífe fo a Mifla da fefta da tref-
go,& começou outro geral de lu¬ ladaçlo do Padre S. Domingos co
minárias portoda a villa portodas a mefma folenidade que forão can
as cafas, por tas,& janellas, & a ja- tadas as vcfperas. Pregou o Padre
rella que menos tinha, erão tres frey Paulo Leyte pregador geral
lumes.Sobre todas era de vero refumindo em poucas palavras
Conuento de S. Domingos que com muyta eloquência Sc avifo
parecia abrazatfe, telhados, janel- grandes excellencias do Santo
las,eyrados,campanario tudo ar¬ Patriarca Sc de fua Ordem: & a-
dia,^ a noyte eftava de forte ven¬ brevíou o fermão pera dar lugar
cida,que não devia nada ao dia. a fe compor Si difpor a ordem da
E porq nãoouveífe íilencio, q he prociíTaõ qne na mefma tarde a-
enemigo de alegria,auia nas pra¬ viade fahirdo Conuento .Ficou
amanhã
 Arcebifyo de Braga, Vrimas das He ganhas,
à manhatn grande ao Povo. Não
n aquizerão perder,os que o que-
rião alegrar. Deu Logo vifta pola
villa húa grande quadrilha de ca-
valeyros veftidos à Mourifca de ri
cas marlocas,varias nas fedas, nas
cores, Sc nos fekios,fobre camifas
Mourifcas lavradas de mnyto al-
jofre,& lançados encima fermo-
los terçados de pra,ta. As marlotas
femeadas de peças douro, &as
toucas,de pedraria que fe fazia bê
conhecer com a luz & reverbera¬
ção do Sol. Hião de dous em dons
com muytos cavallos a deftro
diante, que levavão lacayos bem
apeíloados , vertidos também à
Mourifca de grandes pelotões de
diverfas cores luftroíos Sc bem
guarnecidos. Era vifta que levava
os olhos cada cavallo por fy, fen¬
do todos de preço, a riqueza de
jaezes,de mochillas,&caparaz5es
bordados douro,& aljofre,a diffe
rença de nominas,& cordões, Sc
boçaes de prata, as invenções de
ouro Sc prata que fe moítravão
em freyos,& cabeçadas, em eftri-
beiras, Sc efporas que parecia le¬
varem junto todo o melhor que
difto avia no reyno. A legrava , Sc
era efpeótaculo particular o brio,
Sc foberba dos cavallos que fazia
perfuadir aquem os olhava, que
íeentendião, Sc hião vãgloriando
nos arreyos, Sc em ferem quaíi a
melhor partedaquella fefta.Nefta
ordem forão fazer reverécia à por
*62
ta principal da nofta Igreja, Sc da¬
li paíTàrão ao campo que a traz dif
femo$,qUe fica entre o Convento
Sc a hermida de NoíTa Senhora
da Penha,o qual eftava ja cercado
de hum grande quadro de palan¬
ques quefazião rermofa vifta em
paramentos de feda, Sc infinidade
de gente q ue não occupava fòos
palanques , mas enchia a praça q
ficou muy capaz. Aísi como hião
entrando,forão paliando a carrei¬
ra todosdogo fe dividirão é duas
quadrilhas ficando Capitão de
húa Francifco Pereira de Britian-
dos de illuftre Sc antigo fangue
Portuguez:& da outra dom Gon-
çallo Corrêa Sottomayor, fidalgo
de Galiza, que com a nobreza da
geração ajuntava gentil difpoíiçao
de pcíToa: Sc começarão hum jo¬
go de canas muy quente & apre-
íurado,&com tanto ar, Sc cõcer-
to & deftr eza jugado , que fem fe
enxergar defcuydo, nem aver de-
faftre,ou perigo durou hum gran
de efpaço. E fendo defpartidos fi¬
carão efcaramuçando, & acaba¬
rão correndo outras carreiras, q
parec'ãoincanfaveis, porque mu¬
dando muytos cavallos que fin-
tiãoo trabalho, elles fòs moftra-
vao que então começaváo.Entre¬
tanto eftava aponto tudo o que de
muyto atraz eftava cnydado Sc
cõcertado pera a Prociftaõ.Quã*
do forão as duas defpois de meyo
dia tinhao os frades cantado vef-
Xx 4 poras
 Livro VI. da vldade D. Fr ‘Bert.dos AFart.
peras & Completas juntamente,
&eftandojà a Igreja 8c Convento
cheyo de gente começou a fahir a
Proaííaõ por efta ordem. Hiao
«diante algús ternos de trombetas
<k bum de charamelías tocando
amiúde, èc apozelles ordenada-
mente toda a diveríidade de invé-
çÕesque comummente acompa-
nhão nas cidades 8c villas mayo-
res as prociííoés deCorpus Chri-
íli, que eftão repartidas polos of-
ficios mecânicos. Logo feguiao
hum numero grande de danças
qne tomavão grande efpaço de
terra, 8c todas tinhão muyto qne
ver por riqueza de vdiidos 8c
joyas de ouro 8c pedraria, & por
variedade da invenção de cada
húa,&dos inftrumentos a que
dançavao.Fez effeito por hua par¬
te a devacao, 8c por outra a cobi¬
ça do prémio que eítava publica¬
do à mais engenhofa,chegou o nu
mero a trinta. No couce de todas
caminhava com paíTo vagarofo
hum grande 8c gentil mancebo
íbbre bum poderofo cavallo ruço
pombo,ricamente ajaezado, veftia
ao antigo huas roupas largas de
hua feda acatafolada que fazia va¬
rias cores com bordaduras de ou¬
ro: na cabeça hum grande turban
re com muycas joyas de pedraria
bé polias: na mão direita em hua
comprida hafte hú grande guião
de feda branca franjada douro, 8c
nelle bordado o efeudo das armas
& devifa da Ordem de São Do¬
mingos, atraveflado de hua Cruz
florida das mefmas cores, 8c fe-
meadas por elle êc polas orlas
muitas eftrellas, huas brancas em
campo negro, outra ao revez: 8c
outras, meadas de branco & pre¬
to com os campos igualmente re¬
vezados. Parecia efla figura fer
reprefentação da Fama, porq hia
toda cercada de azas,húas muyto
eftendidas qne lhe fahiãodas ef-
paldas,outras curtas na cabeça„&
nos pès,todas variadas de diveríi-
dade de cores, prometendo cele¬
brar com feus eíTeitos efta fefia,&
divulgar a devação & grandeza
delia por todos os fins da terra :o
quedava a entender tocando de
quando em quando hua trombe¬
ta baítardà que na hafte do guião
levava atraveíTada. Seguião a Fa¬
ma todas as bandeiras dos oiffi-
cios mecânicos , acompanhadas
dos oíficiaes delles veftidos de fe¬
ita, & enfeitados com feus caftel-
los 8c infignias nas mãos guarne¬
cidas de muytos pendões entre ra
maihetes & flores. Apoz tiles pro
cedião ordenadamente todas as
cruzes das hirmandades 8c con¬
frarias,& fregueziasda viíla &tcr
mo,que faõ hum grande numero.
Por efte efpaço que tomavão as
bandeiras, 8c cruzes,corriãomuy
tasfolíias que alegravao 8c elper-
tavão com eftrondo dos inftrumé-
tos & das vozes 8c bayícs. Era a
uiciima
 Arcebífyo de B raga3 Primas das Hefpanhas, 26 3
ultima Cruz: a da Igreja Matriz,& Sc luftre. Moftravao no geito, Sc
logo a pouca diftancia delia cami¬ nos inftrumentos que levavão,fer
nhava com pado grave hum au¬ figuras de Abrahão Sc de feu fi¬
torizado velho veílido auío anti¬ lho Ifac íignificando o caminho q
go dos Hebreus: & na cõpanhia fizerão pay Sc filho ao monte pe¬
moftrava fer Loch fobrinho de ra o facrificio mandado, Sc não
Abrahao , porque o acompanha- executado, mas trocado em ou¬
vao duas donzellas muyto moças tro.
Sc de bom parecer, & quanto po¬
dia fer louças no trajo Hebreu, le¬ CAPITVLO XI.
vadas cada húa de mão por hum
Anjo. Oetraz feguião dous feyos Fr ofegue a procijfao: defcreuefe
monftros do Inferno carregado - 0 primeir o carro•
cada hum com húa tcmerofama
quina que reprefentava em torres
rF Ev a v a apoz fy os
muralha Sc baluartes húa populo- ^ olhos de todos hum ap
fa cidade, & erijo feitas por tal ar¬ |paratofo carro, q aqui
tifício que cada húa tomava toda entrava, moftrando no
a rua,& parecia intolerável carga repoufo Sc mageilade com que
pera húa fò peíToa: afsi davão mui movia fer coufa de alto mifterio.
to efpanto com a grandeza Sc fei¬ Era fua fabrica de altura que fo-
tio, Sc com outro artifício que era brepojava porcima das cabeças
irem lançando de fy efpefío fumo dos mayores homés,o comprime
negro Sc medonho Sc nelle envol¬ to de húa grande carroça com lar
tas muytas faifcas de fogo,& a ef- gura proporcionada; fuftentavaíe
paços labaredas vivas & azuladas fobre quatro rodas meneadas por
de enxofre, que caufavao pavor, dentro fem parecer qué as movia,
Sc moftravao fer as q abrazàrão Sc era toda jafpeada de branco, Sc
as infames cidades naqucllas ma¬ douradas as molduras &remaces:
quinas reprefentadas. Seguia com o refpaldo alcerofo,& todo o mais
algúa diftancia hum grande &ve- campo defcuberto Sc razo, cerca¬
neravel velho de fermofas Sc al¬ do de hús balauftes curtos Sc lar¬
vas cas, acompanhado de hum gos que ornavao,& não impediao
moço de rofto varonil Sc boadif- a vifta do que dentro hia. No ref¬
pofiçao, Sc de dous que paredão paldo fobre hum aífento como
criados; os trajos do velho Sc do trono hiaempè húa figura viva
moço femelhantes aodeLothno que moftrava fer de noílhPatriar¬
feitio, mas aventajados em preço ca São Domingos na feição, & cor
do ha-
 Limo VI. âavidã de D. Fr. Bert.dosAíart,
do habito, & juntamente na gen¬ grande efpelho, os pès hião defcal
tileza venerável do rofto finda q ços. A outra vertia hum eftreito
muyto quebrado &femcor) &. & afpero cilicio em corpo exte¬
na diadema douro que levava: o nuado & fraco, o icrto desfeito, a
capcllo & habito femeado de af- cor pallida, mas nefíe eftado quã»
fentos de rubis & diamantes, os to podia fer, fermofa, & nada tri-
çapatos lavrados de laçaria de pé¬ rte, nem carregada: o cabello to¬
rolas entrepoftos botões douro,, mado em traças febre a cabe ça cõ
Levantavafe artificiofamente do moftras de pouco cuydado, nas
lado efquerdo do refpaldo hú edi¬ mãos húa difcipíina de cadeas de
fício , que na profpeõliva de colu¬ ferro com que fe fazia conhecer
nas, &portaes, & cantaria arre¬ por hum retrato da penitencia.
medada reprefentava fumptuofo Viãofe hum pouco afaftadas ou¬
templo , porem tão inclinado & tras duas figuras acompanhando
pendente pera dentro que clara¬ o Santo, que fe não puderão buf*
mente fe via deverfe âs maos do car em tudo mais naturaes pera o
Santo que ambas lhe tinha polias intento:reprefentavao as dnas vé-
não acabar de cahir/urtentandoo turofas hirmãs, q merecerão hof-
comellas, em memória daauella pedar & fervir o Redentor do mu
muy fabidajvifaõ do Papa Inno- do. Hia da mão direita a Santa
cencio terceiro:quando fe lhe mo- Magdalcna refplandecédo em ri¬
ftrou a Igrtja de S.Ioão de Latrão queza como quando fei via ao mu
ameaçando ruyna, & o Santo fei¬ do, & na idade em q o deixara fe»
to Athlante delia. Hiao a feus pès gundo ordinariamente fe pinta.
com decencia lançadas duas figu¬ Na cabeça hum graciofo toucado
ras que davao muyto que ver po- compoflo dos mefmos cabellos
la propriedade que tinhão cõ fua feitos em hús laços altos com tal
fígnificação/Húa que fígnificava ofdem5quc como erão muyto lou
ainoocencia, & pureza da alma, ros ficava toda a cabeça ondean¬
vertia de branco Ima roupa de fe¬ do em arcos daquelle ouro natu¬
da comprida & folta,o cabello on- ral, & lançando rayos por entre el
dado &louro polos hombros fem les cõ a reverberação do Sol muy-
arte efterdido, fobre elle húa ca- tos rubis ôc diamantes em ricos
pella de boninas do campo, os o- aífentos que tomavao & fuften-
Ihos efmeraldas,oroftorofas, to¬ tavão os laços.Levava vertida húa
da rifonha & alegre com húa mo faya de mangas de chamaloce de
Zj

deília & brandura tal que a todos prata encarnado com pontas &
Jazia devaçãodevava nas mãos hu botões de preço, cingida húa cin¬
ta de
 Arcebifyo de Braga, Primas das Hefvanloas'
ta de dia mantes: & laçada ao pef-
coço húa cadea de varia pedraria.
As mãos ambas hião occupadas,
aefquerda com hú vazo douro
de edranhofeytio: iníígnia fua Sc
memória daquelle que tão bem
foube empregar derramando o
fobre os pès de fcu Meftre. Sobre
adireyca, que tinha enuolcaem
hum fino veo, reclinava a cabeça
pera não tirar nunca os olhos do
Ceo, onde os levava pregados có
hum geico &c ar tão de voto, que
parecia querião arrebentar em la
grimas.De fronte hia fua birmam
veftida ao antigo em húa roupa
de fetim roxo bordada, que lhe
defcobria os pès metidos em hum
calçado de veludo verde coalhado
de pérolas,manto no hombro pre
fo,de damafquilho Ieonado com
guarnição de muytos palfamanes
d ouro largos Sc abertos.O cabel-
lo recolhido na cabeça de bayxo
de hum finovolãte prezo de hum
aperta dor de pedraria de gran¬
de valorrno pefcoço apertado hu
collar de finas efmeraldas.Erão
tudo figuras vivas, & bé adeftra-
das em guardar a compofição q
convinha. Da tefta do carro fa-
hia hum maço de fitas largas en¬
carnadas, cujas pótas Ievavão nas
mãos muytos Santos da Ordem
que o acompanhavão Oprimeiro
Sc mais chegado ao carro eraS.
Pedro de Verona Mártir gloriofo
que levava por inlignia hua Cruz
264
arvorada fobre húa comprida ha~
fte, como padroeiro do fantoof-
ficioda Inquiilção, que admini-
ftrou,&deu por ellea vida: logo
Sãto Antonino Arcebifpo de Flo¬
rença, & junto delieo Angélico
Doutor da Igreja Santo Thomas
de Aquino com hu fermofo col¬
lar douro & pedraria airofamen-
te laçado fobre o capelio da capa,
Sáo Raymundo de Penha forte
fundador da Ordem da Mercê, a
Serafica Santa Caterina de Sena
refplandecendo com fuas chagas:
& Santa Ines de Montepulciano
com o manto femeado de Cruzes
brãcas, Sc ao pefcoço húa rica ca-
dea,pendurada delia húa grande
Cruz douro: efta em mpmoriada
que tomou ao efpofo fobcrano
I E S V S: aquellas, do celeítial or
valho,que em tal figura Sc cor lhe
borrifava o manto todas as vezes
quefe punha em oração , como
cantamos em fua lenda. As capas
capellos &e(capulariosddles Sã-
tos erão de fedacõ muytaseftre-
las douro femeadas por elles:oque
fe via d os pès, cuberto de joyas Sc
pedraria.Seguia efte carro hú Ca
pitão de gentil poftura em peífoa,
armas&atavio,fua gineta na mão
Sc apoz elleoytenta foldadosem
fuas fileyras armados de coífole-
tes,os mais delíes dourados Sc gra
vados, Sc as celadas guarnecidas
de grandes prumages de varias
cores,por entre os quaes fe deyxa
vão
 Liuro VI. davlda de D.Fr.Bert.âos Alart.
Vao ver devifas Sc tenções pere¬
grinas com fuas letras que davao
emqueentéder aos curiofos.Cer
rava tão luítrofa companhia hua
extraordinária figura de grande
Sc malencolica, fembrante afligi¬
do, olhos íagrimofos, barba brãca
ate acintura. Veitia ao atiço
O húas
roupas de damafeo preto, na mão
efquerda híí livro aberto, nadirei-
ta hua pena. Era, fegtindo logofe
entendeo, o Profeta Ieremias, &c
hiao traz elle muytas molheres
de todas idades, & todas juntas
& fem ordem cercadas de alçfis
O hua riqueza infinita de ouro &
mininos Sc mininas, todas com
vefiidos de preço, Sc de varias co¬
res aovzo antigo dos Hebreus,&
asmaõsprefas cÕ cadeas douro.
Logo era de ver hum tropel de ho
més que nos geftos, Sc trajos ri¬
cos Sc cuftoíbs reprefentavao no¬
breza, prefos como as molheres
em cadeas douro,os rortos caidos
Sc triftes , Sc algus delles com in-
ftrumentos de alegria lançados
por de tras dos hombros, violas,
citaras Sc alaúdes,com fuas letras
em cada hum que declaraváoo
citado de toda a companhia. Em
hús fe lia:<verfa eH in luSlum citha-
ra noftra. Outros diziao. Qupmodo
cantabimus canticumDomini m terra
aliena. E a eíte modo os mais. Sc
guia elRey Sedecias apeffoado Sc
gentil homé,quanto podia repre-
fentar quem hia fem olhos, Sc
pera fer conhecido porquem era,
levava hua coroa douro metida
polo braço efquetdo,cingido cor¬
po & braços de hua groífa cadea
douro , na patifa Sc madureza do
paífo moíirava o fer de peíToa
real.Cõ partos iguaes o acõpanha
vaoSimimo Sacerdote em para¬
mentos inteiros
%
facerdotaes da
ley velha, com toda a riqueza de
feda, ouro & pedraria que nelles
fe vfava.Cerrava eíta mal artoni-
brada companhia, outra de folda
dos muyto aventajados aos dian¬
teiros em peffoas Sc atavios Sc
pedraria. Levavaoentre fy Na-
buedonofor Rey de Babyloniaa-
gigantado Sc membrudo em po¬
rtara de toda inchação Sc fober-
ba no geíto Sc aparatoiroupa im¬
perial roçagante de brocado, ce¬
tro douro na mão,coroa nacabe-
ça,tudo lançãdo rayos deprecio-
fifsimas pedras,collar de grandes
diamates,terçado douro de obra
riquirti ma, botas brancas forra¬
das de fetim carmefi, & cayrela-
das douro, lavradas de alco a bay
xo de laçaria de pérolas infiadas.
Daqui tornarão a correr peças
de feita, que parecerão melhor
cora a differença das partadas:cn-
trarão dous fermofos adores em
quevinhão num S. Iacinto, non
troS. Gonçalo, ambos filhos de¬
ita Ordé,ambos grandes em mi¬
lagres, Sc em devaçao da gente
Portugueza, ãbos levados em hõ
Bros
 Arcehift o de B raga, Vrimas das Hefpanhas.
bros de fcus confrades vertidos
em opas brancas, 8c coroados de
capellas de flores. O andor de
Sao Gonçalo ficava no couce co¬
mo de Padroeyro uniuerfal que
he de entre Douro & Minho, or¬
nado de peças douro 8c joyas de
grande preço. Entre hum 8c ou¬
tro alegravão os olhos & as ore-
lhas quatro curiofas invenções de
danças. Hua de tres Cirnes quam
to podia fer bem arremedados 8c
viftofos , que dançavão com tres
donzellas muyto louçãs. Outra de
tres Ninfas vertidas ao modo que
os antigos plntavão as dos bof-
ques,que chama a Poerta Orea-
des. Huas 8c outras dançavão
por excellencia , 8c eftas junta-
vaoàertranheza do habito vozes
fnavifsimas,com que hião cantan¬
do ao fom de inítrumentos bem
acordados que levavao nas mãos.
As outras duas erão húa de mi-
ninos iguaes todos de corpo «5c
bom parecer vertidos à Mourifca
muyto deítros 8c ligeiros que pa¬
recia muyto bem : a outra deSi-
ganas que fò tinha novidade na
variedade 8c graça de cuftofos
vertidos, 8c na riqueza de cadeas
8 c outras peças de ouro que a
juntarão fobre fuas grandes trun¬
fas. Os que de fòra notavão com
attençao as coufas defte carro,
&de toda a companhia de figu¬
ras que adiante , 8c atraz delle
hião , davão íincido que fe via
j Lff
nelias & neile o triunfo da Or¬
dem de São Domingos, 8c hu co¬
mo íirnbolo & íignificação de to¬
da elía , afsi como o moiirava fer
da perfeição devida que o mefmo
Santo fez na terra.Porque parricu
larizando diziao que a innocencia
& pureza dalma he primeiro fun-
daméto da vida religiofa : 8c onde
eíla falta debalde feblafona o ti¬
tulo : dizião que a penitencia he o
pão cotidiano deita Religião na
pobreza,no jejum continuo,no ci¬
licio da lam,no peixe de todo o an
no, pão,cm que quafi fe ayentaja
a todas as mais famílias mona-
caes. E não he menos o jugar que
faz dambas as mãos no exercido
das vidas aótiva,cSz contemplativa
fignificadas polas duas hirmas:
hora dando gemidos ao Ceo no
Goro no alto filencio da noyte
imitado as muíicas celertiaes dos
Anjos: hora fazendo guerra aos
vicios 8c vicioíos do púlpito , cu
doutrinando ignorantes nos Con-
fdsionarios & nas Catredas, ou
gaitando avida pera hum & ou¬
tro fim fobre os livros. Afsi pro-
vavão feu difeurfo achando q ifio
fizera o Saco pay, & os filhos não
degenerando da pedreira donde
erão cortados, exccutavão o mef¬
mo oje,cõ tãta força &verdadeira
vivacidade, q não adulãdo né fin¬
gindo,não temédo,nem rogando,
pobres & rotos.faõ ertimados dos
grldesPrícipes daChr iftãdade:&
Yy n eíla
 livro VI ââ vidade D. Fr .Bsrt.dos AdarU
Defta grande provinda de Efpa-
nftâ, onde a Fè Católica com tan¬
tas aventagés florece, lhe entrão
por caía as primeiras cadeiras nas
Yniveríidades; & agora nefta ul¬
tima idade nao lhe faltado no mu
do pcrfiguidores (q fépre os bós
forão cô perfiguições exercitados
& guay dos que vivem fem ellas,
que aííaZ arrifcados vivem) lhe
faõ reftituidos (que afsi fe pode
dizer) os antigos ugares no alto
tribunal do Santo Gfficio da In-
quifição ganhados Como dizem,
às lançadas polo Santo Patriarca
em fete annos de guerra continua
com os Albigenfes ereges, guerra
em campo com eíludo , com infi-
no, com oração 3c duras peniten¬
cias, Por onde foy nomeado por
Inquiíidor Géral Apoftolico: &
foy o primeiro que efte officio 3c
titulo teve na Igreja de Deos in-
ftituido polo Papa Innocertcio ter
ceiro,& confirmado nelíe por Ho
norio tambê Terceiro. E á tal an¬
tiguidade referiaoos curiofos a re
prefencação das cidades afoguea¬
das , & dos cativos de Babilónia,
confíderando nellas o vicio que a das artificiofamente de finas olan-
natureza aborrece caítigado, Sc
nelles a pefte da eregia, 3c idola¬
tria dclt errada da patria dos fieis
que faó as partes que com fuma
inteireza o Santo tribunal exerci¬
ta: & parecendolhes que com mui
ta juíhça fe fazia tal lembrança no
triunfo prefente. Mas tornemos à
ProciíTaõ deixando os grofadores
delia.
CAPITVLO XII.
Profegue aProciJfao:deftreve-
fe 0 n carr0,
Mmedia tamente
efej traz os andores dos Sã
tosfeguia hum altero-
fo carro triunfal avten-
tajado ao paliado em fabrica Sc
em riqueza, como o era nas pef-
foas a quem fervia. Viafe encofta-
da no alto refpaldo delie húa per-
feicifsima imagem
& de Noíla Se-
nbora de vulto 3c da eílatura que
podia fer fe fora natural: rodeada
de hum grande refplandor que ía
hia por entre hum efpeíío rofalq
a cercava de roías brancas & en¬
carnadas naturaes. Tinha os pès
fobre húa grande meya Lua que
(Tem fe ver o modo) parecia fu-
ílentarfe fobre verdadeiras nuvés
bordadas de prata &ouro,forma¬
das, 3c volantes raxados. Aos pès
de húa parte & outra hiao de joe¬
lhos dons Anjos cada hum com
as maos abas nos cornos da Lua,
como que naquellc andor lcvavao
a Senhora. E!ia imagem íe fez
pera o aitar do Rofario do nof-
fo Convento, Sc a primeira vez
que
 Arcebífpo deJdrãgâ, Primas das Hejbanhas. js 66
qnefevio em publico foy nefie o carro, maífravao levallo por ef~
dia: & he razao que fique em ef- las: &onde paravão largavão as
crito por honra dos devotos o q ficas Sc dancavão ayrofamente
então foy publico, que deu hum ao fom que lhe fazião os que no
confrade pera o feitio delia trinta carro hião. Eftes Anjos erão de
mil reis defmolla, Sc duas molhe- ver porque vdlilo varias cores Sc
res derao cada hua fua jova de pe¬ roupas muyto ricas, com cintas
draria de importância. Diante da Sc cofiares de pedraria, Sc alpar¬
Senhora em pouca difianciahia cas guarnecidas de aljofre entre-
hua imagem do raininolESV em pofios botóes , Sc outras peças
eftatura que reprefentava finco douro. Aqui entrava a Cruz do
annos de idade ou pouco mais» os noíTo Convento entre dous acó¬
pès fobre hua peanha alta doura¬ litos com ciriaes de prata doura¬
da, veftido de cfiofado roupa de dos feguida dos noííos Religiofos
ouro Sc roxo atè os pès: na cabe¬ de midura com grande numero
ça fobre cabelo natural diadema doutros de diuerfasOrdès, Logo
O
douro: nellaaberto feu titulo que fegoia outro numero infinito de
dizia 1ESFS Cbriftus Saluator mú- cantores açodados à capella da Sè
di.Na mão efquerda húa Cruz,& de Braga .-porque todo homem
a direita levantada lançando a bé- que fabia de mnfíca, comofea-
ção. Hião a feus pès ajoelhados chou na terra,quiz empregar ít
tres Anjos figuras vivas,queve- voz em ferviço do Santo. E reful-
ífião mantos de tafeta azul cor de tava de tantas vozes juntas hua
Ceo guarnecidos de rendas dou¬ armonia tao grande que hia fazec
ro fobre túnicas brancas,cabellei- eccos nos montes apartados. E
ras foltas ondeando polos hom- pera que da mefma maneira fe
bros coroadas de grinaldas de ra¬ continuaífe a mufica Sc louvores
fas , azas jafpeadas de azul Sc pra- divinos por toda a ProciíTaõ fem
ta:tocava cada hum feu inítrumè- ceifar, tinha cuydado de fazer fi¬
to muíicQ, Sc cantavao acordada¬ nal hum terno de charamellas do¬
mente. Na teíleira do carro hia brado que acompanhava a ca¬
hum grande Serafim de vulto em pella , alem doutros que hião
pè, o rodo ardendo em fino ro- repartidos em differentes po-
íicrè, roupa Sc azas tudo carmeli ftos. Edendião a Prociífaó por
efcuro fobre ouro. Sahiãolhe da grande efpaço a Clerezia da vil-
boca fete ramaes de fitas de feda la, Sc termo, Sc de muy tas vil-
carmeíi, das quaes lançando mão las Sc cidades de perto Sc lon¬
fete Anjos que acompanhavão ge , caminhando ordenadamente
Yy 2, em fi«
 Limo VL àa niida de D. Fr. BertJosMart.
em fileiri > com fuas fobrepeíli-
£es,&cera branca ardendo nas
mãos. Ficava no couce o Cabido
da Sè de Braga com fobrepelli-
tcs ôc Murfas, alegres todos a-
quelles veneráveis Padres de fe
verem chegados a folenizar a glo¬
ria & triunfo de hum Prelado de
que forão fubditos , & muytos
criados em fua doutrina ôc em íua
cafa, Sc todos o honravão & ve-
neravão por Santo. Arrematava
a popa em hum grande palliode
brocado que levavão em varas de-
prata douradas íeis Religiofos do
Convéto com fuas capas de bro¬
cado: & cubria outro, que reve-
ítidoem húa riquifsima capa de
brocado de rres altos com faba-
ftros de imagineria , levava nas
mãos hum fermofo relicário
feito a modo decuítodia,no meyo
do qual fe via , preciofsima relí¬
quia, hua parte do Santo lenho
em que fe obrou noíTa redenção:
primeira dadiva que o Arcebtfpo
Santo deu áquelle feu Convento,
dandolhe também o nome delia.
Cerravão com o Pallio o Corre¬
gedor da Comarca, & juiz de fò-
ra, Vereadores, & offíciaes da
Gamara acompanhados de toda
a nobreza da villa veítidos todos
de feita, & tão ricos de ouro, ôc
joyas que erão outro efpeõtacu-
lo por fy.Hião juntamente muy¬
tos fidalgos de todo entre Douro
ôc Minho, ôc muytos de Galiza,
Ôc apoz elles outra gente infinita.
Não fera bem que paliemos em
filencio hum pregão que ouue
nodifeurfo deita Prociílaõ ,in da
que não fazemos tanto cafo del-
le,coroo por ventura fe fizéra em
outra idade , & por outras na¬
ções. Os pobr«s mendigos das
porcas , que aqui acudirão em
grandes bandos,dandofe por obri
gados a celebrarem também fe-
gundo fuas forças a feita de quem
a não tinha mayor na vida, que
quando com elles partia muyto,
como notàrão a univerfal deva-
ção que naquelíe grande ajunta¬
mento avia: ou folie que a fim de
intereíTe a quizeífem adular fque
a cobiça he muyto engenhofa) ou
que movelfe Deos aquella fim-
plicidade de Iingoas &c ânimos,
fegundo o que eítá eferito. b)ui
línguas infantium facit difertas: co¬
meçarão acreditar fuas petições
com o nome ôc reverencia de São
Bertolameu o novo. E não he por
certo leve principio de honra, a
que vem dada polos pobres,ou
íeja porque tem a Deos por fy,
que fc honra do titulo de Deos
de pobres: ou porque em todo
lugar à mor parte do povo faõ
os pobres, ôc fica fendo fua
voz,voz de povo, que o
provérbio chama
voz de Deos.
mm
m
CAP.
 Arcebifyo de Braga, Frimas das Hejpanhas•
CAPITVLO XIII.
T)as dítierftdades defejtas que
ama polos lugares, que a
Procijfdocorreo,&do
que matsfuccdeo
ate Te reco-
/wr9
Ela ordem que te-*
mos dito foy a procif-
s* É3 faõ caminhando fem
a aver quebra nem defor-
d em em demanda da Igreja Ma-
trizrdonde, tanto que a ella che¬
gou,fez volta,& veyo correndo as
ruas principaes da villa, que efta-
vão bem pera ver;porque nenhua
janeila né porta avia que não efti-
veíTe armada de fedas & panos ri
cos de toda forte fazendo lavor cõ
muytos retabolos & painéis, &
muita frefcura de ramos & flores:
&algúas avia tao aventajadas que
parecia quererem competir cora
a Igreja. A lugares, onde avia lar¬
gueza de íitio, eftavâo aponto re-
prefentações devotas de figuras vi
vas,que alegrarão os ouvintes cõ
a fuftancia de boa poefía, Sc cora
a graça da pronunciação. Em ou¬
tras partes ouve paflos ao divino,
mudos pera fazer diíferença, mas
também figurados que no filen-
cio dizião muyto. Acompanha-
vãofe cora altares por eftremo
bem ornados. Por todas as ruas
fe fintião fuavifsirnos perfumèS
de todas as compofições, & chei¬
ros,que a índia cria. E com quan¬
to avia calma, &oconcurfo da
gente a dobrava:a deley taçao dos
rn^ais fintidos era tanta, que fazia
nao fò tolerar o fervor do Sol,was
qtiâfi não no fintir. Nefla volta
que a prociflaõ levou , foy dar vi-
íla a praya,& tanto que a ella che
gou o fegundo carro, todos os na¬
vios do rio, & galés, que pera
efta hora fe aventajarão ao pri¬
meiro dia , em lançarem bandei¬
ras , Sc todo o mais ornamento
maritimo , começarão húa con¬
certada faíva de .artilharia, reve-
zandofe por ordem,& continuan¬
do fem ceifar fucefsivamente, de
forte que em quanto teverão vi-
fla da prociíTaõ foy hua continua
bataria : Sc não ficou navio que
poupalíe polvora , ou deixafle
de dar fogo a todas fitas peças
por muytas vezes, que como erão
muytos, parecia quererem aífo-
Iar a villa. Mas chegando à vifta
da fortaleza, & ceifando a trovoa¬
da do mar começou novo gene-
ro de faíva.Eflava a fortaleza po-
fta em armas,crefpa & guerreira,
como fc efperara, ou temera aífal-
to. A infantaria repartida por mu
ros Sc baluartes, muytas bãdeiras
arvoradas que ao longe luflravão
em diflerença de cores , refplsn-
decia o ferro luzente & acicalado
Yy 5 das
 LímyoVL da vida de D .Vr.Bert.dosAíart.
4as armas, & coííoletes, que fei¬ tas. Logo quando acabou de def-

tos efpelhos aos rayos do Sol fe¬ pegar da Igreja ouve muyta gente

ri ao com outros que de fy defpe- devota, que obrigada do efpirito

diao a viftâ de todos* A mofque- mais que do gofto das feílas quiz

taria & arcabuzeria foy primeira empregar a tarde em vifitar à von

em fazer Teu dever diíparando to¬ rade a fepulcura do Santo julgan¬

da juntamente carregando a do feria cépo acomodado & quie¬

prdfafoy continuando & amiu¬ to em quanto a terra toda fe dei¬

dando a falva como em efcaramu xava levar da folenidade da Pro-

ça muy quente, atè que o Pallio ciífaÕ. Fizerao tantos efte mefmo

chegou cefronte da fortaleza o difcurfo,que a Igreja fe povoou de

mais perto que podia fer fegundo gente,como fe em toda a villa náo

a via que aprociíTaó levava. En¬ ouvera outra coufa em que enten¬

tão fe chegarão os Alferezes às der. Claro final de bem affeêtoofa

bandeiras & empunhando cada devaçaora qual paliou tanto adia-

hum a fu a defpois de ayrofos flo- te,que de beijar, & reverenciar as

reos as inclinarão & abaterão em lageas frias da fepultura chegarão

final de reverencia, & no mefmo a lhes fazer força, & procurar to¬

ponto fe deu fogo a toda a artilha car nas fantas relíquias, & faltou

ria do caftello, que difparando jú- pera iílo pouco, & paííou o nego¬

tamente, foy extraordinário o e- cio deíla maneira. Tiverão pri¬

ftrondo & pavor, &atroamento meira modo (devia fer compon-

tasde adagasj perarõper as per-
por toda a villa que não avia quê
fe ouviíTe nem entendeíTe.Tem a cintas de cal, que união as lageas:

a fortaleza trinta & feis peças, como as teverão em roda defini¬

em que ha algús canhões re¬ das , &. leves, forão abalando &

forçados. Afsi foy o trovão tão te- bullindo todas , & empuxando

merofo que de todas refultou,qne huas contra as outras, de forte,q

quando veyo fobre tarde avia a-
tremia a terra, & o coração no pei
to a muytos : & como a villa efta bertura fobre o corpo (canto po¬

íituada ao pè de montes que entre dem muytas mãos juntas indaíe

fy abrem em grandes valles, retú- inftrumentos) que entrava húa

bon por entre elles com tamanho mão,por onde metião Rofarios Sc
impeto, que foy refponder em di- lenços que chegavão a tocar no

fíancia de muytas legoas, & lã fe ataúde. Entendido iílo carregou

ouvio claraméte.Durou o paíleyo muyta mais géte porfiando todos

da ProcilTaõ das duas horas atè as por chegar, fem ferem poderoíos

fete, que forão finco horas perfei- pera o impedir algús padres ve¬
lhos
 Arcebiffo de B raga, Primas das Hejpanhas,
velhos que ficarão em guarda da
cafa & da Igreja: os quaes vendo
que cada hora recrecia mais po¬
vo, Sc com alvoroço fe procurava
fazer mayor abertura, mandarão
com diligencia avifar o Prelado.
Veyo correndo húa efquadra de
arcabuzeiros caftelhanos pedidos
polo Prior ao Capitão da fortale¬
za, com que fe quietou a porfia da
gente, fazendoa defpejar o Coro,
Sc ficando elles de guarda.Quem
averà que vendo tão viva demon-
jftração de amor em tanta multi¬
dão de povo, nao defcubra nella
outro genero de callificação davir
tu de do Santo, femelhante àque
no capitulo paífado fahio da boca
dos pobres? Aquella em voz, efta
em obra: aquella da ultima & aba
tida plebe, efta de grao mais fobi-
do:aquella fundada ao que pare¬
cia , em algum amor proprio,
efta tão deíintereflada Sc acefa,
nem as feftas que tanto enlevão
ânimos populares, odetinhãoou
divertião da Igreja, ne nella erão
parte as lageas pefadas pera lhe
eftorvarem a mayor veneração de
fuas reliquias.Mas porque não fal
taííe a terceira Sc ultima callifica¬
ção de parte dos mayores Sc
ftres,alem daquejaeftava paten¬
te Sc publica com tantos generos
de folenidade em que elles forão
tudo, com ânimos,peífoas, Sc fa¬
zendas,fucedeo que no ponto que
os nobres fouberão o que paliava
26 S
na Igreja bufcàrão logo homés na
turaes que foliem dar guarda â fe-
pultura avendo por afronta fua
deixar tefouro q tanto eftimavão,
em cuftodia de eftrangeiros, inda
que companheiros, Sc quafi hir-
mãos po a viíínhança doprefidio.
E apoz efta diligencia nomearão
tres Capitães que cada hum com
fua companhia de naturaes fizeííe
a guarda em quanto duraííe a oc-
caílão prefente da tresladação.Af
fi tomarão o negocio à fua conta
tão de vontade,que fe não poderá
fazer com mais cuydado ne mais
apontadaméte em tempo de guer
ra:& foy coufa averiguada , que
ouve homem tão fofrego nefta o*
brigação que vigiou quarenta ho¬
ras arreyo fem nunca fe aííentar.
Afsi era gèral o fervor & inftin-
étodoCeo em todos os eftados
Sc pera com o Santo, nos primeiros
q Sc mais pequeninos pera o lou¬
var, nos fegundos pera o bnfcar,
nos grandes pera o feftejar,& de¬
fender Sc guardar,
CAPITVLO XIIIL
illu-
Como fe afentou a Eça fara a
tresladaçao: (ffoy aberta
afepultura onde 0 San
to jazja.
Yy 4 Atraz
 Livro VI. davidade D.Fr .Bert.dos Aíart.
T r a z contamos co-
mo mandou o Arcebif*
H po Dom frey Agofii
nlin
nho a*1 Valeriano rli
de
Ff ias feu thefoureiro da capella
pera dar traça & ordem na fabri¬
ca da Eça que Te avia de levantar
pera o aéhoda tresladação, & co¬
mo entendeo lo^o nella hzendoa
em peças pera eífar prcides pera
feu tempo. Necefsicados vinhão
de repoufo os Religiofos, & todos
polo trabaiho do dia, mas era for¬
ça empregar em outro a noiterpor
que não cinhão outra hora pera
armarem a Eça que avia de fervir
no dia feguinte. Como cerrou a
noyte entédeo Valeriano de Frias
naobra,fazédoa aíTentar,& guar¬
necer: Sc logo ficou pofta na for¬
ma & eítado que cumpria quan¬
to ao principal.Pela meya noite a-
cudirão ao Convento o juiz de fo¬
ra & Vereadores,como edava tra
tado pera confultarem com o Pa¬
dre Provincial do como & quan¬
do fe abriria a fepnltura.NiRo fe
gaíiou o que reftava da noyte, Sc
em ouvir Sc refponder a recados
Sc pfoteílos que osVereadores de
Braga mandarão por vezes ao Pa¬
dre Provincial, & ao Prior,reque¬
rendo juridicamente a hum dou¬
tro de parte de fu a Mageítade, q
na fepulcura Sc corpo de feu Ar-
cebifpo Sc fenhor fe nao bolliííc
fé elles fere chamados,Sendo jà as
quatro da manha, Sc eftãdo o Cõ
veto todo fechado, 8c ecârregado
ojuyz de fora das chaves da por¬
taria q o Prior lhe entregou por
fe forrar de importunações com
gente de fora: deceo abaixo o Pa¬
dre Prouincial frey Ioão da Cruz
acompanhado do Prior do Con¬
vento Frey Francifco Vilez,&dos
Priores do Porto, Villareal, Gui¬
marães, Sc Amarante, & outros
Padres antigos da Ordem, Sc en¬
trou no Coro,onde ja eíhvao o
Iuiz de fòra &Vereadores de Via¬
na , Sc dous Defernbargadores
da cafa do Porto , Sc o luyz &
Vereadores de Braga que forão
mandados chamar, & em prefen-
ça de todos mandou o Padre Pro¬
vincial abrir a fepultura.Comoas
lageas eífcavao bollidas do diaa-
traz, teverão os ofhciaes pedrei¬
ros pouco trabalho era as mover
& levantar.Decerao dous Reiigio
fos noíTos,Sc poferao o caixão en¬
cima do presbitério,oquai a olhos
Sc face de todos fe vio eítar fecha¬
do com chave, & o Padre Provin¬
cial por fua mao o abrio: Sc elle
com o Prior do Convento tirarão
ambos com muyta veneração o
corpo do cayxão velho, Sc opaf-
fárao a outro novo que eftava pre-
fíes.Era o lugar do Presbitério on
de o Santo jazia tao fogeito às hu¬
midades que ali reífumbrão em
grande cantidade dos montes vi-
zinhos.que prometia de fy pouco
agradavel cheiro, ainda fem aver
nelle
 Arcebifyo de B rdga, Primas das Hcfòânhds.
nelle fepultura.Mas foy Deos fer-
vido por moftrar a gloria de feu
feruo, que fuas relíquias o fizerão
cheyroío,&; de hu cheyro que to
dos fintirão fuavifsimo, efpecial-
mente da cabeça & do lugar da
boca: & hum reíigiofo grave que
oje vive nos referio quando ido
efcreviamos, que achandofe pega
do com o cayxáo novo, quando
a elle fe mudou o corpo, procura¬
ra furtadamente arrancar delle
algua parte pera guardar por reli
quia, & da força que fizera lhe fi¬
cara na mao hu fuave cheyro por
muytos dias, & dizia que onde o
tentara achara carne folida & du¬
ra como mirrada,fem embargo q
a fanta cabeça eftava toda defcar
nada.Era o cayxão lavrado de ta-
boasde Angelim madeyra da ín¬
dia Oriétaldehua natureza qua-
fi incorraptivel: & tal nome &c tal
madeyra competia âs relíquias q
derão gazalhado & morada na
terra àquella alma que jà em c5-
panhia dos Anjos reynavagozan
do daquelle Oriente, quinefcit oc-
cafumiqucvo dizer.onde nunca ja
mais anoitece. Tinha finco pal¬
mos é cõprido,& dous de Iargo:o
forro de fetim carmefi , tomadas
as coíluras,& remates com paíTa-
manes & franjas douro, a crava¬
ção dourada. No tampão ficarão
tres freftas abertas ao comprime
to com fuas vidraças bem entre¬
gues na madeyra & firmes, pera
269
fedar vifta dis reliquias íicandoo
cayxão logo pregado. Cerroufe
entretanto a fepu tura, & compo
feraofe as lageas.E o cayxão ficou
fobre o presbitério cuberto com
hu pano de brocado, & cercado
de muytos brandões de cera brã-
ca ardendo em caíliçaes de prara.
Começarão iog>o
* O a entrar todas
as peífoas eccleíiafticas & fecula-
res a quem fe devia mais refpeito
que o Provincial tinha manda¬
do aviíar por Religiofos do Con¬
vento com fegredo:& fazia offi-
O
cio de porteyro o juyz de fóra q
tinha as chaves, afsiftindo na por
taria foldados de guarda porque
não entraífem mais q os chama¬
dos,que forão o Bifpo de Fez Do
Iorze Queymado, as dignidades
conegos & Cabido da Sè,os Def-
embargadores do Arcebifpo , o
Abbade gèral de S.Bento,o Geral
dos padres de S. Eloyo, o Padre
Provincial da Companhia de IE-
SV.Ecom elles algús Religiofos
deftas Ordés & da de S. Frãcifco,
& o Caftelhano da fortaleza Dio-
goSarmento, & outras peííoas
de calidade da villa & de fora. Co
mo todos forão juntos armonfe
húa mefa no meyo do Coro, co*
briofe com hum pano de broca¬
do,& quatro Priores Dominicos
tomarão o cayxão fobre duas toa
lhas & o trouxerão a eila, acom¬
panhando o todos os Religiofos
có tochas acefas nas mãos,& gra¬
de
 Limo VI. âmolda de D. Fr.Bert. dos Mdrt.
«Je fefia & aluoroço de chara-
mellas,que pera dia hora fe man¬
darão vir.
CAPITVLO XV.
Da referencia grande com que
foy vtjlo GT venerado o
corpo do Santo Arce-
B
b,fio.
?jpg|§ A nto q os Priores
aííentarão na mefa o
u
cayxao > chegou r
fe t
a el-
ISfemlSyâ |e o Prior do Gonuéto
& abrindo o levantou hum fino
veo,que cubria asfãtas relíquias,
<&ficando abertas Sc patétes a to¬
do o ajuntamcto,diíTeem alta voz
que jurava & proteftava in verbo
facerdotis fer aquelle corpo que
todos viao patentemente aly reco
!hido,do51laíl;rifsimo & Reveren
difsimoSenhor Dom frey Berto-
íameu dos Marryres Arcebifpo
Sc Senhor de Braga Sc Primas
dasHefpanhas fielmente tresla-
dado poucas horas ates de outro
cayxão, em que fora depoíitado
ao tempo de Teu faleci mento,que
parecia prefente Sc vazio fobre
o presbitério, onde fora a fepultu
ra. Ifio dito retiroufe, & deu lu¬
gar a chegarem todos.Foy o pri-
meyro o Bifpo de Fez o qual fa¬
zendo primeyro hua profunda in
clinação beijou o corpo com muy
ta reverêcia: apoz elle fuccdsiua-
rnente- • fizerão o mefmo as digni-
ZP
dades & Conegos & Cabido da
Sèfegundo fuas antiguidades &
CJ kJ
preferencias, no que lhes afsiílio
o feu Meífre de cerimonias como
cm aõbo de importância. Defpois
forao chegando todas as mais pef
foas ecclefiafiicas & feculares,,&
todas venerarão & reverenciaão
aquelle corpo com tanta devaçáo
Sc humildade que parecia mais
movimento de poder celtíbal , q
amor da terra, oqiie os obrigaua
ao reconhecerem por Saco &c dig¬
no de tal veneração: Sc que era o
Senhor fervido de honrar o feruo
fiel Sc prudente com dias glorias
da terra pera comprimento do
Centuplum que tinha prometido
M&tth.
nelía,alem da celeílial.E he de cõ-
fiderar que efita gloria humana cr
denou a providencia Divina que
a teveífeo Santo no mefmo fitio
Sc lugar,onde muy tos dias & an-
nos contínuos fby vifio rodeado
de pobres3viuva^orfãos,& doen¬
tes, & outros necefsitados, prove
do a todos com entranhas de pie
dade, do remedio corporal: a nus
com a eímolIa,a outros cõ a faude
q muycos confeílavão receber do
tado de fuas mãos, Sc por meyo
de fuas orações ; Sc afsi quiz, que
fendo elle tal que por verdadeyra
humildade não fofria que nem os
pobrezinhos Sc defprezados do
mundo ihe beijaíTeova mão de
<Fe
 Arcebifoo de Braga, "Primas das TIcfvanbas*
que tantos bés recebião, não fe
defdenhando elle de tocar & tra¬
tar com cila as cabeças & chagas
nojentas dos mais miferaveis en«
fermos.vieífem agora ao mefmo
9 ^
pofto os grandes do mnndo,as Mi
tras, & as dignidades Ecclcfiafti-
cas & feculares, naoinchnarfe fò-
mente,fe não debruçarfe por ter¬
ra diante defeusoífos fecos,& bei
jallos,& polos na cabeça , & ave-
rem por dita ferem pera ilTo cha¬
mados. Por onde com mayta ra¬
zão nos podemos efpantar de nòs
mefimos, Sc íintir Sc chorar noíTa
frieza, que fendo tão amigos de
honra , & inclinados a fazer por
ella finezas, façamos táo poucas
por fervir Sc agradar a hú Deos,
que fem nos dever nada he por
fuas mifericordias tãofacil de o-
brigar,que obras humanas de fua
colheita fracas Sc miferaveis acei¬
ta por ferviços dignos de os pagar
com os crecidos Sc aventajados
galardões que aqui vemos. Et du-
Virg- UE bitamus adhuc uirtutem extendere
c.sEn. faãis. Diífe hum gentio como ef-
pantado de não fermos todos San
tos:à vifta de hum cafo de bé pou¬
co efpanto digno, fe o ouvermos
de cõparar com o que temos en¬
tre maos. Não faltarão lagrimas
no meyo de tanta alegria,huas de
compunção, outras de faudade,
porque os mais dos circundantes
avião conhecido & tratado o San
10,8c muytos forão teílimunhas
2? â
de parte de fuas hefoycás obras,
Sc eftes choravão a falta qUe vião
delias no mundo & doutro tal ef-
pirito.Outros lembrandofe de tao
rara virtude,não fe atreyiáo a por
os olhos em fy, Sc a muyta luz deí
la, & asfaltas próprias a ran-
cavão lagrimas em fio. Sò as do
Padre Provincial fr. Ioão da Cruz
erão lagrimas de gozo & alegria
não achando termos ne palavras
com que rendeífe as graças a que
fefintia obrigado a Deos Noífo
Senhor,de permittir que fendo el¬
le por tantas vias obrigado ao grã
de amor que o Santo ihe teve , Sc
em todas as oceafiões moftrou
em vida,vieííe a fer o inftrumento
da honra & gloria que oje recebia
na terra:donde infiria que não fe¬
ria defeuidado em lhe procurar a
paga no Ceo. Defpois que todos
os prefences fatisfizerão com fua
devação, tornou o Prior do Con¬
vento ao caixão,& cobrindo as re
liquias fechou o com fua chave,
Sc pera mayor cautella mandou
vir hum official que à vifta de to¬
dos o pregou em roda com muy¬
tos pregos que eftavao preftes Sc
dourados. Eos mefmos Priores o
tornarão a paliar ao lugar donde
o tinhão trazido com o mefmo
acompanhamento de tochas , Sc
alegria de charamellas. Logo pe¬
ra memória perpetua fe manda¬
rão autuar eftormentos públicos
de tudo o que temos referido, Sc
fe pc-
 Líuyo VL davida de D. Vr Bert.ciosAíart.
fe pedirão treslados autécicos em
íorma de direito»
GAPITVLO XVI»
Do yrande concurfo de pouo
que onuena Igreja , & do
mcjo qpze.fe tomou pe¬
ra dejpejar.
•^IpSp V R o v a foienidade q
p temos contado atèjun-
Wgxtsl to ^as °y£o horas do
x.&tfâA dia da fcgunda feira. E
em quanto tardou, batia 8c
empuxava com impeto as portas
da Ig«eja grande força de gente
adivinhando o que détro paliava,
8c defcorfolandofe com imamna-
( r t ~
rem que íerazia a tresíadaçáo ãs
portas fechadas & em fegredo,&
que ficariao defraudados do cu-
primento defeus defejos 8c deva-
ção,que era chegarem a por a bo¬
ca Sc olhos nas relíquias do San¬
to.Ealgus avia que fe davao por
muy agravados, Sc foltavão def-
compolhs queixas. Qilietoufe tu
do abertas as portas, 8c viíío o a-
paratoda Eça que tomava o cru¬
zeiro,& o cayxao que fe deistava
ver fobre o presbitério da fepultu-
ra antiga cercado de lumes 8c
guarda de Religiofos êc foldados.
E não enxergando na fepnltura
nova nenhum íinal de mudança
ficarão aliviados em feus receyos
efperando que lhes nao faltaria
hora 8c lugar pera o que lhes pe»
dia feu bom efpirito. Atsi eftaváo
aguardando a ver o que fe orde¬
nava,quando correndo poia vilia
a nova,queo corpo eííava fora da
fepultura acudio tanta multidão
de povo, que em hum momento
foy a Igreja cheya, & o aperto &
alvoroço por íe adiantaré 8c che*
garé às grades do Coro pera akã-
çaré vilia do caixão , era tal q fe
afogavâo: & fazendo foi ça os que
fícavao decraz, 8c podo hombros
os dianteiros nas grades , ou pera
fe livrarem da oppreífaõ, ou pera
ferem primeiros em chegar ao
Santo, levarão 8c arrombarão as
grades : 8c fem valer ncnhúa rdi-
íiencia fubião ao presbitério, &c
defpois de fazerem fuas devações
8c beijarem o cayxão com reve¬
rencia,como todos fazião, porfia-
vão por vero corpo.E foy g ande
acerto ficar pregado ; porque a
não fer afsi, mal fe pudera tolher
a tanto impeto de gente o quea
devação indifereta lhe perfuadia:
do que foy bafiante indicio, que a
pefar da diligencia & defefa cjue
azião os foldados, 8c quatroPa-
dresquecom eíles ficarão, rom¬
perão hua vidraça,&pola abertu¬
ra metião lenços 8c Rofarios,com
que íe hião confolados.Dnrava to
da via o tumulto 8c a preífa 8c cõ-
curfo clemafiado>& viafe que nao
fò não parava,mas q hia em cre-
ci me rato»
 ArceMfy o de B ragas Frimas das Hefpanhás.
cimento, ^omeçàraoos Padres a
entrar em cuydado de poder a-
concecer algum defconcerto, ou
demafia, Sc bufcavao meyo pera
fc prevenir: mas acudirão a tem-
po os Vereadores com ordena¬
rem que húa comedia que eíiava
apercebida pera outra hora, fe re-
preíèntaííe logo. Fezfe final no
terreiro que he adro da Igreja,
que ja pera o efEitoertava com
poílo & ornado. Deufe principio
á comedia com tanta pompa
apparato,& tanto que ver Sc
tar,que toda via fez afroxar o a-
pertoda Igreja. Os reprefentan-
tes erao quaíi todos moços no¬
bres, & do melhor do lugar,
ajuntavão com a nobreza boas
habilidades Sc graça natural;
ainda que fe não tinhão provado
cm femelhante exercício outras
vezes, porque nenhua coufa da
vida os fizera fobir ao cheatro, fe
nãoío o ferviço do Santo, teve-
rão cuydado de fe exercitar Sc
fayar em particular tantas vezes,
que portos em publico parecerão
officiaes velhos. Era a hiftoria
moral,apropriadaàfolenidade
alegria prefente, Sc os entremefes
muyto engraçados fendo junta¬
mente honertosrasfi fem encome-
darem o Plaudite dos Comicos a
tigos teverao hum extraordiná¬
rio aplaufo de naturaes &ertran-
geiros Sc de todo o ellado de gen¬
te,no mais copiofo auditorio que
27 j
fe pudera juntar em grandes cida-
des.Louvouíe a furtancia da obra
& o enredo engenhoío da fabula,
Sc a boa compofieão da letra Sc
fentenças delia : que pera tudo
avia ouvintes de grande juyzo.
Mas outro louvor que em come¬
diantes não he cortume ter lugar,
deu grande honra aos prefentes:
& foy a confiança, com que al-
gúsdeftes mancebos fe determi¬
narão a aparecer em publico, &
Sc arrifearfe a hir do theatroperaa
no¬ Cadea. Porque andavão de proxi-
mo homiziados Sc temidos da
Iuftiça, que os bufeava, Sc não fal¬
tava na fefta nenhum roiniftro dd
Sc Ia nem da vilía, nem da Comar¬
ca. E com tudo o gorto de acudir
Sc afertejar o Santo, & á fua honra
alegrar o povo , fez eilimar me¬
nos todo perigo. Deixârãofe ver
Sc conhecer que não podia fer me
nos,de todas as juftiças &officiacs
do cri me, & o que he mais,de feus
cn- acuíadores : Sc ou foíle comedi¬
mento , ou defcuydo , não ouve
qué lhes empèceiTe: recolherãofe
em paz,& tornarão como dantes
Sc â fombra de telhados.
CAPITVLO XVII.
Da fabrica fjj? ornato da Eça>
Espeiovse aIgrc-
Kll; ja em fim, tarde Sc com
muyto trabalho, junto
Zz ao
 Livro VI. da vidade D. Fr .Bert.dos Mart.
do meyo dia. Acudio logo Valeria que també ficavao com cilas pe¬
no de Frias com algús Regliofos a ra o cumprimento da Eça: Sc pel-
rever a Eça, & por em perfeição o lo confeguinte húa telía contra
que faltava, pera eilar tudo apõto, aporta principal, & outra con¬
òi prefies pera as Vcfperas: forão tra a capella mòr. Sobre a pea¬
aílentando tocheiras Sc caíiiçaes, ra ha fe armou hum tumulo da
Sc povoado tudo de tochas 6c brã mefma largura Sc comprimen¬
does Sc velas.Eftava a Eça affenta to, Sc. de outra tanta altura , de
da no meyo do cruzeiro, q he bé feição que quaíl vinha a fazer
largo & capaz cõ a fabrica Sc for¬ com eila húa mefma obra. E por
ma feguinte. Lançouíe primeiro dia conta vinha a fubir a Eça
hum grande elirado de quatro vinte & hum palmos com que
palmos de alto, vinte quatro de fazia húa bem luzida repreíen-
comprido , dez & fetede largo: tação. A tefta da Eça que olh.ava
& ficou o cumprimento fazendo pera a porta principal , cobriáo
teíta contra a porta principal. So¬ damafcos verdes Sc carmefins
bre elle eiirado, deixandoihe tres quarteados. Os tres primeiros
palmos de andito em torno le- degraos veludo Sc damafco car-
vantavao tres degraos com fua mefim, Sc o quarto que era o que
diminuição proporcionada de fazia aílerno ao corpo que foííi-
palmo Sc meyo de alto, & outro- nhaapeanha era guarnecido de
tanto de palio. O vitimo deíies veludo carmefi bordado de ou¬
degraos fazia por cima tres pal¬ ro. Aparte da Eça que refpon-
mos de andito, & fobre elle fo¬ dia à capella mòr ficou raza &
bia outro de palmo Sc meyo de fem degraos pera dar livre fer-
altura, Sc outro tanto de paífo. vintia pera a porta do Coro, fal-
t)efte nacia hum corpo grande vo o degrao mais alto dos tres
a modo de altar,que levantava que didemos q fazia tres palmos

finco palmos, Sc tinha fete de de andito , Sc o que fobre elle

cumprido ao cumprimento da corria Sc fazia aíTento ao corpo
Eça, Sc feis de largo. E fobre el¬ do altar. Eíta face cobrião tam¬
le adernava húa bem feita pea- bém damafcos verdes Sc car¬
nhadetres palmos em alto, tres mefins da mefma feição da con¬
de largo, Sc finco Sc meyo de com traria , que fazia frontaria â por¬
pridocom as teftas pera o cum¬ ta principal. O corpo do altar
primento do corpo.do altar fo¬ era veliido em roda de brocado.

bre quem fundava: por maneira E o tumulo cobria hú riquiísimo

 Arcebifyo de Braga, Primas das Hefpanhas' *?
pano de brocado atraveíTado de do laços por hua Sc oíitra parte
hua grande Cruz de veludo car- da tarja, de a fualetra â roda em
mefi broslada douro. Efte pano caraókres grandes & legíveis:
era tamanho que decia com as Ardere hf lucere: Nolhe conforman
borlas & franjões douro a aííen- kuicfaculo. Tal era o edificio, tal
tar por ambos os lados fobre o o ornato, que o Arcebifpo tam¬
Altar, Da cabeceira do tumulo bém mandou que correífe por
fobia bum pouco afaftado hum fua conta & defpefa , fem conlln-
baíauftc dourado , em que fe pez tir que os Religiofos tomaífera
hua fermofa Cruz de prata dou¬ parte nenhúa nelle; & fahio ba-
rada do Convento entre duas to¬ llantemente apparatofode mag¬
chas em tocheiras douradas, Sc nifico.
todo o corpo da Cruz alevantava
por cima do tumulo. No degrao CAPITVLO XVIII.
debaixo ardião vinte quatto to¬
chas de cera branca (como era
Da ordem com que for ao ceie-*
toda a mais da Eça de tochas, ve¬
las &brandões)a feis por cada la¬
bradas as qjefperas, & No
do; Sc em cada hum dos quatro ãurnos da treslada-
cantos da Eça húa de avance jada çao do Sato Ar-
grandeza, Sc todas em grandes cebiffo.
tocheiras de prata : nos outros
degraos groífos brandões em O M O não era pofsi-
feus caíiiçaes de prata de pè alto. WÊm vel polas razoes que
Sò no terceiro não avia cera mais nos capítulos a traz fi-
que nos cantos porque ficaíTe o cão apontadas feílejar-
lugar livre pera dous Sacerdotes fe efta tresladaçao com aquelíes
que avião de incenfar. Na teíla officios que a Igreja Catholica
do tumulo contra a porta da Igre¬ tem fiaalado pera os Santos por
ja parecia hum grande carrão ella recebidos, & declarados por
com as armas doSan:o que erão taes (honra que o noílo fanto Ar-
as da Ordem quarteadas de bran¬ cebifpo inda não tinha : quere¬
co Sc preto,poio meyo das quaes rá NoíTo Senhor que rnuyto ce¬
fobia hua Cruz alta de duas tra- do lha vejamos) aífentou o Pa¬
veítas mfignia de Primacia , que dre Provincial , que foííe cele¬
lhe fazia timbre com feú fombrei- brada com vigília , & Noótur-
ro de cordões Sc borlas verdes, nos de finados Sc Miífa dc Re-
que hião dando voltas Sc fazen¬ quiem: Sc fem embargo que nos
Zz a ânimos
 Zjíuyq VL da vida de D . Fr. Bcrt.dosMart.
ânimos de todos eítava bé altera¬ defuntos, no ponto que foy trse)0

do, que nao podia ter necefsida- dia começou primeiro final o fi¬

de de fuffrag^os quem tão fanta no do Convento, & logo fegui-

vida vivera, 8c com tão fanta mor rão os da Matriz, 8c Molteiros de

te a arrematara.E julgava a gente freiras , & todos os mais da villa,

pia (8c não era o difcurfo mal fun atè os das Hermidas, & conti¬

dado) que ainda deípois de mor¬ nuarão dobrando atè as tres ho¬

to lhe queria Deos dar a honra de ras. A efte tempo eítava jà noCo-,
terem porfeu meyo alivio alguas rodo Convento o Bifpo de Fez

defemparadas almas do Purgató¬ 8 c as dignidades Conegos 8c Ca¬

rio. Porque celebrandofe por elle bido da Sè , & os Defembargado-

todos os annos des de feu felice res Ecckfiafticos do Arcebifpo,

tranfico atè o prefente eítes fuf- com fobrepellizes, & murças, to¬

fragios com preces, 8c officio, 8c dos no Coro direito: 8c eítavão

Miífa folene de defuntos, & não no efqqerdo o Abbade Gèral de-

tendo fua bendita alma delles ne- São Bento, 8c o Gèral dos Pa¬

cefsidade pera effeito de chegar dres de Santo Eloyo, 8c o Provin¬

a gozar da vifaõ beatífica, ficarião cial da Companhia de IESV,

dniribuydos com grande gloria 8 c muyros outros Religiofos de¬

accidental que a elle lhe refulta- itas Ordés, & da de São Francif-

ria,polas mais necefsitadas almas co de míítura com os nofíos:&

que naquelle temerofo fogo cfti- o noíío Padre Provincial em feu

affento com elles. O cruzeiro en-
veíTem detidas, que acontece a-
ver muytas que na terra nao tem chião clérigos da villa 8c terraio,

parentes nem amigos que com que todos forão notificados por
mandado do Arcebifpo 8c com
oraçóes lhes acudao i &c íe os tem
comminação fe achaííem pre-
ou não querem, ou nao podem,
ou feefquecem de fazer bem por fentes nefte dia , 8c no feguinte

cilas. Afsi o fente o Ange ICO com fuas fobrepellizes ao offi-

co da tresladação : 8c foy fupe.r-
^.71.47. Doutor Santo TThomas nas Addi-
14.4^2.çqCs à fua terceira parte. Eítes flua a diligencia, porque não fo¬

fuifragios trocárão os Religiofos mente da villa & termo vierao

defpois da tresladaçao prefente todos por gofto 8c devação,

em húa Miífa íolene de todos os mas de muytas outras partes a-

Santos , que lhe cantão cada an cudiráo tantos que eilava a Eça

no no dia que Deos o levou. Aven- fermofamente acompanhada.Dã-

dofe pois de celebrar officio dc do tres horas, & citando a Igre¬

ja,ÒC
 Arcebifyo deBrâga, Primas das Hefyanhas.
ja & capellas com tanta gente ciue
fe nao podião revolver fubirão
f* * 1* ^ 1 n 1 • * *r
quatro dignidades ao presbitério
onde eftava o corpo do Santo , 8c
tomarão o cayxão em braços 8c
com muyta reverencia o levarão
à Eça acompanhado de hua com
prida procidao de tochas 8c. bran
dões:hia logo detraz o Bifpode
Fezreveftido em Pontifical com
feus afsiftent.es & miniftros: 8c
poftofobre o tumulo que ficava
fobre o mais alto da Eça lançarão-
Ihe porcima hum rico pano de
brocado de tres altos. Logo fe ace
deo toda a cera em roda, com q
ficou a Eça tão fermofa faindo
as cores das fedas, 8c refplandecé-
do o brocado & bordados com as
muytas luzes , que mais parecia
trono imperial pera fefta,que in-
ftrumento de officio funeral. En¬
toou o Bifpo a primeyra antífona
dasVefperas:& forão profeguidas
com muyta paufa 8c gravidade
cantando o Cabido 8c Religiofos
do, Coro hum verfo, 8c aclerizia
do cruzeyro oatro: & o mefmo fi-
zerão nos tres No&urnos deyxan
do fomente as Laudes pera o dia
feouinte.
O Entretanto afsiftião fo-
brea Eça ao logo do tumulo dous
Sacerdotes em dalmaticas dé da
mafco branco 8c carmefi c6 feus
turibulos nas maós encélando. A-
cabou o officio 8c o cayxão ficou
no mefmo lugar, ardendo toda a
tarde 8c noyte feguince muyta ce-
2 ?3
ra em roda. Mas teverão cuydado
_ , ^ '
osCapitaesacujo cargo eíiava a
guarda, de a reforçar com gente
armada:& oPrior mandou tambe
afsiftir Religiofos do Convento
com ordem de ajudarem a vigia
repartidos por quartos: & os Ca¬
pitães entre tato não repoufavão,
antes hião&vinhão fazendo di¬
ligente fobrerolda , & folgando
de medrar que fabião fazer o of-
ficio,&eílimavão fazello em tal
occafião*
CAPITVLO XIX.
Dasfejlas queoime na vilU
ejla tarde.
g^g.Ra publico na villa q
©í avião de correr tou¬
ros aquella tarde, 8c q
eftavã0 ja encerrados
na praça que chamãoo Campo
do Forno. Tanto que fe deu fim
às Vefperas 8c Noánrnos, come¬
çou o pouo a correr a ella. Avia
muytos palanques em que fe aco¬
modar, porque a praça he gran¬
de, & cercada de cafas nobres,on¬
de cambe muytos fòrafteiros erão
admittidos 8c agafalhados com
franqueza 8c cortezia: 8c afsi não
faltava lugar fenão aos que fol-
gavão de parecer ou getishomés,
ou arrifeados no corro. Afsi como
vemos 8c fabemos que ha cercos
Zz 3 generos
 Jjiuro VI. davida de D. Fr.Bert. dos ABart
generos de comidas Sc bebidas
q faõ peculiares a algúas provin¬
das,^ tão amadas dos naturaes
delias que as té por mimo & de¬
licia, as quaes em outras de ne-
nhúamaneyra faõ recebidas né
goftadas, antes ãs vezes caufaõ af
co: nem mais nem menos acon¬
tece em jogos & paíTatempos:
porque efie de touros tão vfado
em toda Efpanha,q fem elles não
ha fefta de gofto pera todo efta-
do de gente, he mal recebido de
todas as outras nações: & nem os
barbaros que folgao de ter em
fu as cafas tigres Sc lyões, & ou¬
tros animaes ferozes & fempre
temerofos,o admittem. E na ver¬
dade he hú paílatempo de cujo
exercício nenhum proveyto re-
zulta, & o rifeo he muyto grande
Sc fem nenhua defculpa.O jogo
da pella faz o corpo agil,a luta en¬
durece os membros, a Iufta que
pera briga tem pouco rifeo, & pe¬
ra fefta demaíiado,comtudoo fer
exercício militara deféde. Sò nos
touros nenhua coufa boa ha: fe
faõ manfos he coufa fria, aborre
cem:fe faõ bravos, poucos fe cor¬
rem que nao fação voar corpos
ao Ceo, & almas ao inferno. E q
então alegre, então fcjão matéria
de gofto,& lhe chamem bõs tou¬
ros , como na verdade afsi paífa,
he coufa indigna do que deve¬
mos ao fer humano,quanto mais
de Chriftãos : he hum renovar¬
mos as effufoés de fãgue dos Am
fiteatros gentilicos/Não ignoro q
perdemos tempo nefte avifo, co¬
mo o perderão muytas peffoas
gravifsi mas q por vezes o derao.
Mas obriganosozelo do bemeõ-
mum,&o ofíicio de biftoriador,
que he dar parecer nas matérias,
& fobrecudo fabermos que hu
tão grande Santo como foy o Pa¬
pa Pio Quinto Religiofo de noíía
fagrada Ordem trabalhou muyto
polo tirar do mudo: Sc fiquem a-
duirtidosos autores de tal efpe-
<ftaculo,fe algu ouver que palie
os olhos por eftes efcritoc,que em
boa Theologia levão fobre ly grã
de parte do fangue humano que
eftes touros derramao. Mas paf-
fandoaos de Viana fabemos que
alegrarão por bravos, Sc pola fer-
mofura da gente que enchia a pra
ça, Sc polo concerto & apparato
de jane Ias Sc palanques tudo cu-
bertode varias fedas que fazião
bellifsima vifta: Sc não fe conta q
Giivefle defaftre, que foy bem no¬
tável maravilha em corro tão pe¬
jado de gente, lunto da noyte def-
poisde corridos muytos fahiohú
que pola novidade da invenção q
trouxe foy muyto aprazível. Era
grande Sc temeroío, Sc vinha ar¬
mado todo de húas cubertas de
couro embutidas de artifícios de
polvora,& nos cornos duas gran¬
des rodas do mefmo artifício bem
arrematadas. Defpois qdt u vifta
ao corro
 Arcebifio de Braga, Primas das Hefpanhas*
ao corro entrarão cavalleiros com
lanças de fogo, chegarão, pega-
rãono nas rodas, 5c juntaméte em
hua parte das cubercas.Começou
a furia da polvora fazer feu officio
5c como a das cubercas fe comu¬
nicava toda entre fy,ar diao as ro¬
das, 5c ardia o touro inteiro: elías
volteando com violência 5c efta-
lando, 5c defpedmdo infinidade
de foguetes 5c bufcapès: elle en-
doudec endo de braveza 5c pavor.
Foy grande a grita, ôc alvoroço, 5c
alegria no povo, 5c pera fer mais
comprida,o touro como fe man¬
dada fora,bufcando remedio pera
fogir do que levava configo cor-
reo por vezes toda a praça, 5c foy
alegrando todos de perto. Entre¬
tanto não eftava a Igreja fò, antes
nunca deixou de eftar povoada de
muytos devotos, emquanto a tar¬
de 5c a fefta da praça durou.E fen
do noyte afsi acudião fuccefsiva-
mente homés 5c molheres de to¬
dos eftados,como fe fora em bom
dia claro, nao fe fartando de viíi-
tar 5c acompanhar o feu Santo. E
com eftar a terra cheya de gente
eftrangeira, 5c fer aPortugueza,
principalmente molheres,tão cuy
dadofa 5c pontual em feu recolhi¬
mento, nefta oecaíião todas fe ou-
verão por difpenfadas na licença,
5c na confiança. Afsi foy neceíla-
rio eftar a Igreja aberta ate a meya
noyte, 5c ainda então ouve aftaz
trabalho pera fe defpejar 5c fe¬
274-
char: 5c durou pouco fechada,por
que muytas peíToas de cahdade
pera tomarem lugar, donde bem
viftem toda a cerimonia da tresla-
dação,5c ouvifíem a pregação, pe¬
dirão que fe lhes deífe entrada de
madrugada, 5c forão abertas a$
portas antes de amanhecer.
CAPITVLO XX.
Dàfe fim ao officio datreslada-
çao,& leuxfeo corpo d
fiepaltura*
Terça feira entre as fe-
te 5c as oito da manhã
fe começarão asLaudeá
afsiftindo o Bifpo de
Fez em Pontifical, 5c com toda a
mais folenidade que no diâ antes
fe guardou emVefperas 5c No-
dlurnos. E immediatamente co¬
meçou a capella a officiar a MiíTa
a qual celebrou oBifpo,íendo mi-
niftros pera cantarem o Evange¬
lho, 5c Epiftola dòusConegos pre
bendados da Sè de Braga: 5c afsi-
ftente com o Bifpo nas cerimo¬
nias do Pontifical, 5c em todos os
mais a&os folenes defte dia o Ar¬
cediago de Barrofo, q defpois foy
do Couto,Mathias da Silva de Mc
nefes. Procedeo a MiíTa offíciada
folenifsimamente atè o cabo( porcp
eftava aftentado que a pregação
fofte defpoisj 5c acabada ella co-
Zz 4 meçoii

Livro VI. da viâade D.Fr .Bert.dos Afart.
meçoíl 6 fermao. Foy pregador o
paire Pcefentado frey Anconio
Feyo pregador gèral na Ordem,
Sc examinador por fu a Magefta-
dedasOrdés Militares, que def-
pois foy eleito Prior de Azeirão,
Sc Evora: & fem efies titulos he
peflfoa muy conhecida &eítima-
da em toda Efpanha por feus ef-
critos.Foy ouvido com grande a-
plaufo,porque o gofio que todos
levavao em ouvir de novo as ma¬
ravilhas, que nenhum ignorava
do Santo: & oorgão & viveza &
bom termo de quem as referia, fo
rao occaíiao de foarem com nova
graça nas orelhas dos ouvintes.
Como avia muyto que dizer
(Sc a graça de dizer muito em
poucas palavras,foy fò concedida
a efie Santo Arcebifpo,como me-
receo ouvir por gèral pregão dos
Padres do Santo Concilio, fegun-
do temos nos livros acraz referi¬
do) durou o fermão grande efpa-
ço. Sendo acabado entrarão polo
cruzeiro reveíbdos em capas feri-
cas pretas quatro dignidades da
Sèo Dayão, & Medre efcolla, Sc
dous Arcediagos.Levava cada hu
diante de fy dous Sacerdotes em
fobrepellizes com tochas acezas
nas mãos.Seguia o Bifpo em Pon¬
tifical com Mitra poda acompa¬
nhado dos miniftros que canta¬
rão Evangelho Sc Epidoia Sc dos
afsidentes. Neda Ordem fobirao
todos à Eça,& ficando no primei¬
\
ro taboleiro delia, aííentcufe o Bif
po defrote do tumulo com as co¬
fias pera a porta principal da Igre
ja em hua cadeira de veludo car-
mdi franjada douro,acompanha¬
do a hum Sc outro lado dos afsi-
fíentes.Nos quatro cantos tinhao
aíleoto as quatro dignidades ca¬
da hum em lua cadeira em meyo
das tochas & Sacerdotes que as
levavão. Logo foy o Biípo dizen¬
do certas orações cantadas : as
quaes acabadas entoou a capelía
hum refponfode defuntos: & em
quanto fe cantava, o menos anti¬
go das quatro dignidades que ti-
nhao os cantos da Eça, moveo do
lugar com muyto repoufo & gra¬
ve continência, Sc com hum hifi
fope que lhe foy dado por hu mi-
nifiro deu volta ao tumulo lançan
do agoa benta: Sc onde acabou a
volta lançando agoa, começou ou¬
tra polos mefmos paílos encenfati
do o tumulo em roda com hum
turibulo que lhe poz nas mãos ou
tro miniftro,& parou juntodolu-
gar Sc cadeira donde íãhira.Aqui
levantou a vozdizédo J?atermíh)\
Sc logo hua Oração cantada. Ref-
pondeo a capella Amen. E logo foi
profegiaindo outro refponfo diffe-
rente: Sc o mais moderno das tres
Dignidades que fica vão, foy fazé-
doas mefmas cerimonias que
j
o
primeiro, Sc afsi as profeguiraoos
dous companheiros em terceiro
Sc quarto lugar: Sc ulcimamente
fe I.e-
 Arcebifto de B raga3 Primas das Hefpanhas,
fe levantou o Bifpo cantando a ca-
pella quinto refponfo, & rodeou
o tumulo com o hiíTope , & def-
poiscom o turibulo, Sc tornado
ao íitio primey ro diíTe fua oração.
Efta ordem he conforme as re¬
gras do novo Ceremonial Roma¬
no , que atè então não fucedera
verfe , nem executarfe nefte rey-
nopor faftade hua ocafião feme
lhante. Dado fim a efta cerimo¬
nia fobirão as quatro Dignidades
afsi como eftavão cada hum de
fua parte, os degraos da Eça, Sc
chegados ao tumulo decerao cõ
reverencia o cayxão , & tomado
nos hombros fe vierão com elle
pera o Coro pelomeyode duas
grandes fileyras de tochas acefas
com que de hua Sc outra parte
fazião muro os Clérigos do Cru
zeyro: feguiao Bifpo ao cayxão
com a mefma companhia de mi-
niftros Sc afsiftentes com que fo¬
ra: Sc nas coftas cerravao folda-
dos de alabardas, porque confide
rando a gente que fe levavãoas
fantas relíquias pera onde nao a-
via efperança de as tornarem a
ver dos olhos, carregou tão im-
petuofamente por chegar a tocal-
ías,&venerallas de novo,que qua
íi não erão poderofos pera a ter,
nem dous Capitães pera romper
Sc abrir caminho por diante: o q
foy caufa que fendo tão curta a
diftancia da Eça á fepultura,quan
doaella puderão chegar paífava
*7f
das duas defpois de meyodia,
CAPITVLO XXI.
Da perturbação que ouue ao
recolher do corpo nafepul-
tura: & da atoarda q
aCamara de Via
nalhepozj.
Inhão chegado as Dia
nidades cõ as fãtas re
^, liquias à fepultura cõ
Q aperto & trabalho
que diftemos:& não faltava mais
que fazeré entrega ao Padre Pro¬
vincial Sc a feus Religiofos, quan¬
do fe chegou o Arcediago do Cou
to dignidade da Sè de Braga com
hum notário Apoílolico configo,
Sc em voz alta fez hu requerimen
to Sc protefto jurídico dizendo,»
que aauelle corpo que prefente ti
nhão do fenhor Dõ frey Bertola-
meu dos Martyres Arcebifpo q
fora de Braga por razão Sc direy-
to pertencia à mefma Igreja, Sc
como Prelado q fora feu dentrp a
ella avia de fer levado a fepultar é
companhia de feus anteceífores:
que a efta conta o reverendo Ca¬
bido fe movera aviraly celebrar
fuas exequias como de Prelado
feu. E por tanto requeria a todos
os prefentes,& aquem de direyro
& juftiça requerer devia de parcc
do Sumo Pontífice Paulo Quin-
 Liuro VI. âavida de D. Fr.Bcrt. ãos Man.
to nâIgreja, de Deos Preftdentc,
que em cal fepultura não foííe re¬
colhido, antes aly fe lhes entregai
fe pera o levarem a feu devido ja¬
zigo que era a Sè de Braga.Pertur
bou grandemente efta voz a quie¬
tação , & Perenidade com que atè
aquella hora procedera tudor&ie-
ftavao fuípenfos os circundantes
efperando em q pararia: quando
fe ouvirão outras mais defentoa¬
das, com que o juyz & Vereado¬
res de Braga rompendo poio ajú-
tamento Òc trabalhando por fc a-
diantar começarão a formar ou¬
tro femelhante requerimento, co¬
meçando hús,& profeguindo ou¬
tros, & fàllando hora hum fo, ho¬
ra todos juntos,& dizendo que no
tificavão, Sc avião por notificados
a todos os prefentes & auzentes,
Sc futuros a quem dc direito tocaf
fe,que elles em feu nome & da ci¬
dade de Braga , cujos miniftros
erão, na melhor forma & manei¬
ra que em direito podião,punhao
embargos a fepuítarern aly aquel-
le fanto corpo,per quanto perten¬
cia àftia cidade, cujo fenhor noté-
poral & efpiritual fora: & reqoe-
rião da parte de fua Mageftade q
logo lhes foífe feita delle real en¬
trega: & não fe fazendo comope-
diao proteftavão lhes feria refti-
tuido com todas as cuidas, perdas
Sc danos, que fobre o cafo rccre-
ceífem. Foy efte requerimento
quafia brados, Sc íem modera¬
ção: Sc como os qneofazião erão
muytos,& todos querião nelle ter
parte,de fuprir hús,onde faltavão
os outros, reprefenrava o'negocio
hum principio de motim funda¬
do fobre algua determinação
mayor Sc mais fecreta.O que cau
fou nova alteração em todo home
Vianes:de forte que feitos ern hu
corpo as juftiças &Vereadores co
os Capitães &foídados que jun¬
tos eftavão, & todos os nobres q
fe acharão perto,fe oppozerao c<5
cólera aos de Braga,& os tevetao
afaftados,femos confintlr chega¬
rem à fepultura» Aqui levantarão
de novo altas vozes,raas mudan¬
do lingoagem ,& dizendo que
queriâo ver fe metião naquelle lu¬
gar o corpo do feu Arcebifpo , ou
fe o levavao a outra parte: Sc for¬
cejando por fe adiantar, não lhes
vaíeo nada, pera os deixarem paf-
far hum pè donde eftavão: antes
como os nattiraes eftavão fintidos
Sc coléricos do eícandalo, Sc fe a-
chavão com as armas nas mãos,
temeofe que pâfTaííe o negocio a
algua grande defcornpoftçãoquc
ecíipfafle a fefta : & ouve princí¬
pios que o ameaçarão, mas me-
teraofe os Religiofos cm meyo pa
cificando,& valerão os merecime
tos do Santo pera fe quietar acon-
tenda. Contendanaverdadefan-
ta Sc piadofa,& cm que cada par¬
te parecia ter bom direito.Preten-
dião os de Braga aicanfar por vaf-
faiios
 Arcehifpo deBr<tga3 Vrimas das Hefyanhas.
/àílos,o cj te oiVianefes poííuhião
por vizinlios.Braga alegava vinte
aunosd* converfação 8c ferviço
do Sanco. Viana fundavafe no a*
mor 8c vontade declarada do mef
mo Santo, inda que com menos
aanos de vizinhança. Se Braga fin
tia por menoscabo Teu ficar de¬
fraudada dos oifos de feu fenhor:
Viana tomava emeafode honra
cuydarfe que poderia aver força,
que dentro em fua cafa lhe fizeííe
largar nem hum cabello das fan-
tas relíquias de feu bemfeitor. Se-
CafsUn. melhante porfia 8c contenda de
devaçaoouve antigamente entre
Theodo- ^aas c,dades de Paleíbna fobre as
n r.i c/f relíquias de hus Santos que os,
nece fin barbaros martyrizàrão,requeren-
ttoruw- c(oas hua por ferem feus naturaes
8c nacidos dentro nella:& a outra
defendendofe com a razão de que
erão moradores 8c vizinhos feus
ao tempo do marcyrio, 8c com ou
tra melhor da poífe em qeídavão
de os terem jà entre fy fepultados:
8 c com tudo não parou a compe¬
tência em menos que guerra rota
a fogo 8c fangue. Deita nos livrou
Deos cà, 8c a boa 8c fanta tenção
dambas as partes: 8c como era tar
deem quanto duravão os prote-
ítos tinhão as Dignidades entre¬
gue o cayxão ao Padre Provincial
8 c elle com o Prior recebendoo
em fuas mãos o poferão dentro
no moymento. Eftavão junto del-
le com materiaes ôc inltrumencos
27 S
preítes o meftre das obras do Có«
vento 8c feus ofhciaes veftidosde
feda 8c enfeitados, como era ra¬
zão pera cal obra: mas adiãcarãofe
o Corregedor da Comarca, òc ou¬
tras pefíoas principaes da vil la, 8c
fizerão por fuas mãos o officio a-
lheyo tomandotrri braços a pela¬
da lagea da campa 8c aíientandoa
&c acertandoa fobre o movmento
cm toda perfeição.E por mais ve¬
neração mandarão vir lacre & o
fínete daCamara,& felíarão as ju
turas com as armas da villa.Foy
demonftração de zelo, mas feitio
ocioíb, porque os jaípes brunidos
não davao lugar ao lacre fazer pre
fa 8c cofpião no de fy. Sobre e0a
diligencia antes de fahirem da
Igreja fizerão vir húa grande com
panhia de foldados alem dos ordi¬
nários que jà tinhão obrigação de
afsiítir, os quaes repartirão pola
Igreja,cra0as,& adro, dando aen
tender nefta prevenção a determi
nação que tinhão quando ouveffe
quem fe alargaífe a mais que ter¬
mos & formalidades jurídicas.
Efta guarda perfeverou defpois al
gus dias profeguida com cuydado
8c pontualidade , ate que os Reli-
giofos fizerão inltancia que ceifai
fe.Que dizem mal armas com re¬
ligião,cheiro de polvora ôc enxo¬
fre com incenfo 8c paltilhas, pi-
faros com orgaos, vozes quebra¬
das & roucas de atãbores, cem as
brádas 8c entoadas da Igreja.
GAP,
 Liuro VI. âavídd deD.Fr.Bcrt.dosAíart.
CAPITVLO XXII.
D<? que mais fucedeo efle dia 9
& como fe dm fim dsfefas
da tresladaçao
r<Lí Ao fe pode negar q
f/SJsLÍ*
w» foy Tanta & muyco 6
a honra do Santo a e-
mulação que vimos
entre as cabeças de dous pouos
tao Illuftres 8c antigos começada
jà em Teu falecimento,como dey-
xamos eferito, & repetida agora
com ânimos tão acefos &taoze-
loTos,qmoftrarãobé hiis & ou¬
tros àvifta de tanta multidão 8c
diverfidade de gente o muyto q
prezavãofuas relíquias.E fe pera
o Santo foy gloriofa a queftão,
nãoofoy menos pera os que a
moverão & fuífentàtão, ficando
híís & outros julgados por devo¬
tos 8c reconhecidos de Tuas obri¬
gações: 8c iguabnente louvados
hús polaaffernorada pretenfaõ&
defejos que moífrarão: os outros
polo zelo &c conftancia com que
fe oppoferao defendendoas 8c
querédoas pera fy 8c pera os Tens.
Que fe foy ocafião de celebre iiti
gio entre fete cidades das muy no
'niroAu ^res c^a Greclaj nos tempos mais
jellius* profperos delia, o merecimeto de
'.$,c.n. hú varão fabio, pretendédo cada
qual preferirfe em melhor razão
pera lhe Ter julgado por natural,
8c fundando fò neíie titulo húa
grande honra pera feus mjprado-
res:quanto mais fera de eftimar
o litígio,&oefpirito dos litigantes
quando a caufade litigar não he
hú ponto vão,& quelião de no¬
me dehú homêfqual era da Gre-
ciajem quem não avia mais qae
hum bom entendimento natural,
& boa pena pera efereverrfe não
a poííe real de hum Sãto de gran¬
des maravilhas, & de quem não
duvidamos eftar cornos Anj<os
gozando de Deos? Sò aos nofíos
Religiofos q aqui forão como o
campo deíle duelío, reiuítoa del-
le hu grande dano.Tinhão poílo
em pratica cornos Vereadores &
nobres da villa que lhes ficaílefò-
ra da fepultura a cabeça do Santo
pera com fuavifta fe confolaretn
Sc animarem nos trabalhos da IRe
ligião .* eílavão dacordo 8c, com
determinação de lhe mandarem
lavrar húa cayxa de prata em que
fe guardaíTe engaftada com a ve-
O V ^
neração devida. Mas como virão
os determinados requerimentos
do ecieíiatlico 8c fecular de Bra¬
ga mudarão confelho temendo q
poderia acontecer polo tépo em
dianre vir algú Prelado tão pode-
rofo pera a Igreja de Braga, que
não teveíTern animo os Religiofos
pera lha defender & negar íe ape
diíle. Epois Deos &o Santo lhe
tinhão feyto canto bem que efta-
va
 jircebt^odeB ràga3 Primas das Hefpanhas.
Va todo na fua villa,nao era razão
arrifcaremfe,a poderem em algu
tempo perder tamanha parte de
fuas relíquias. Antes tratarão lo¬
go enrre fy com grande feruor de
cerrarem o moymento de hãas
grades de bronze fortes,cõ cha¬
ves diíferentes que eítiveíTem no
Convéco húa, 6c outra na Cama-
raí 6c. ajuntavlo, que ouveíTe of-
fíciaes eleytos por votos em cada
hú anno com folenidade peraq
teveíTem cargo & cuydado da fe-
paltura, 6c fe não ouve execução
em ncnhú de taes peníamentos
foy a caufa verem nos Religiofos
baitante zelo 6c muyta confor¬
midade com a vilía. Tanto que o
pouo vio o moymento cerrado,&
aufentes de feus olhos as fantas
relíquias, bufcou novo modo de
fatisfazer as faudades, que come¬
çava a ííntir delias.Corre em tro¬
pel à fepultu ra antiga: cftavão af-
fentadas jà as lageas, 6c bem aju-
ftadas em fen lugar, 6c erao gran¬
des 6c pefadas (mas qtte couía po¬
de refiifir a povojanto?) tantos fo
rãoaellasqem hú momento fo-
rão levantadas, 6c ouve homes q
fe lançarão dentro fazendofe di-
ftnbuidores da terra, 6c foy necef
fario ficar muytos dias aberta po-
la confolação que os devotos le-
vavãoem venerarem naquelle pò
a memória do Santo que jà não a -
chavão. E he coafa certa que ma
dandoaos frades cubrir fegunda
277
vez vifto o impedimento que era
pera os oíficios divinos eftar aber
taporfer no presbitério, a cu d 10
polo tempo em diante tanta gen¬
te dô novo 6c com tanto fervor dc
devação,que reuolveráo as lageas
6 c a deyxarao outra vez aberta.
Mas não parou aqui o eípirito. O
cayxão velho como morada que
fora dezenove annos do San¬
to, foy feyto em rachas, 6c as ra¬
chas desfeytas em Rofarios que
fc repartirão por varias partes, &
hú í a bem os que coube ao Mefi re
frey Luis de Sotomayor,o qual el
le eltimava tanto,que falecendo o
leuou à terra poíio ao pefcoço,fo«
bre hú efcapulario que também
fora do Santo. Sao as t3rdcs de
Mayo tão largas,q fendo bem fey
tas tres horas, quando a gente fc
recolheo a comer 6c defcanfar,
inda com tudo ouve tempo pera
fe fazerem & verem novas feftas
que por toda a villa ouve de ale¬
gres inuenções correndo as ruas
muytos emmafcarados a pè 6c ca
vallo: 6c ultimaméte fe jútou húa
quadrilha de mancebos todos de
mafcara,6c veftidosa víodemõ-
te,jugarão húas canas com tão
bôs cavallos ôc tanta deifreza &
bom ar dc corpos 6c lanças que
foy julgada por húa das mais a-
praziveis fetfas que ouve na
fefta,
l
• . Aaa CAP,
 I. àítvtdadc D. íV .Jdèvt .d.os /! f.:-Yt.
CAPITVLO XXIII. yores:outras vezes cõfiderando fe
ria pouca reputação doSãto,&hú
De algúas conueniencias que gen ero de ab atiméto dadevação,
teue efia tresladacao, mj» 4 q Italia, & toda a Chriftãdadc lhe
que antigamente fe fez> de tinha,fazer húa tresiadação muda
nojfo Padre Sao Do¬ fem muytafclenidade & muytas

mingos, feífas. Afsi vivião perplexos & lé

acabar de fe refolver,atè q húa in-
«5 Arece razão fazermos Vernada deagoas extraordinárias
li Sc demaíiadas ajútou tanra humi¬
V<tf» i híãa breve repetição de
i? algúas circúftãcias que dade em toda a Igreja, Sc particu¬
fe notarão neíta tresla- lar mente no lugar da fepultura, q

daçao,que a fizeráo femelhante, á julgarão por grande indecécia Òc

que celebramos por toda a Ordé, maior incõveniente de todos dei-

das fantas relíquias de noííoPadrc xallomais eífar nella: & ifto o bri¬
S. Domingos .Que pois o filho foi gou aos Religiofos a cortar por to

tão verdadeiro imitador do pay das as còtrariedades, & tratar de

nas virtudes, & na vida: quando o mudaré cô muita preíTa.Qué ler

também fucedeo parecerfelhe nos cõ còíideraçãooq atraz referimos

fucceffos q feguirão a morte, ho¬ de quãdo fe trarou da preféte tref-

ra he deeítimar , Sc pera fe fazer ladacão do Arcebifpo,bé vera que

tanto cafo delia q nao fique em fi- foi femelhante o motivo de híia&
lencio.Cõtao as hitlorias de noíía outra fe dilatar primeiro, & fe a-

Ordé q avia jà onze annos q noífo prelíar defpois: Sc q não ha mais

olonofoPatriarcha era falecido,& diíferença,q no tépo. Porq noífo

jazia em húa fepultura baixa da I- Padre S.Domingos foi tresladado

grcja de Bolonha,como qualquer aos onze annos de feu bédito tran

outro Religiofo ordinário:& defe- fito,& o Arcebifpo aos dezanove:

jando todos os filhos q o alcança¬ & porq cà não baftaváo a nos per

rão Sc tratarão,levantarlhe fe pof- fuadir as agoas & humidade do lu

fivelfora hum Maufoleo, quanto

gar q erão tantas Sc mayores q as

tnais tirallo de tao humilde lugar: da Igreja de Bolonha,& hiáo cor-

rédo muitos ãnos,acudio Deos c5
todavia fe paífavãoos ãnos em tra
ças & bõs defejos, húas vezes an¬ outra agoa,qfoi mais agoa doCeo

teparados da direita pobreza é q q dos telhados, Sc eíia acabou de

então fe vivia,q nãodava lugar né derreter a neve de noífas irreíolu-

çoes.Não feria menor cõvemécia
por pofsibilidade , né por credito
outra q logo ap6taremos,fe oski-
de religião a fe fazeré deípefas ma
tiores
 Ârcehifyo de Brãgd, Frimas das Hefpanhar
res me deré licença pera fazermos
cÕparaçao do Príncipe mayorda
Igreja de Efpanha que he o Arce-
bifpo de Braga Primas delia,ao fo
berano Príncipe de coda a Jgrc ja
Católica o Papa noíío Senhor. E
fazedoa cõ toda a fubmiíTaõ &hu
mildade q devemos (Siparualicet
componere magnis^eto dizer fe he
fofrivel auer cõparação de coufas
pequenas pera as muito grandes)
pouco ha que acabamos de cõtar,
como indo a Braga o Prior frey
Bertolameu Pinto dar cota ao Ar
cebifpo D.frey Agoílinho como ti
nha licença Sc ordé de feus mayo
res pera fabricar fepultura alta ao
Santo, & o palíar a ella, elle o lou¬
vou muito queixandofe primeiro
de terem dilatado tanto hua obra
tao deuida.E a mefma lingoagem
contamos que achou em todos os
mais Prelados &pefíbas fínaladas
do reyno cõ geral alvoroço em to
das pera a tresladação. Afsi efcre-
vemos como fendo ultimamentc
rogado o mefmo Primas quizeífe
cõ fua pelToa autorizar aquelle au
to, como dantes tinha offerecido
q faria, intervierão taes inconve¬
nientes & tão forçofos que lhe im
pofsibilitàrãoa jornada:&pornao
faltar com o que podia mandou o
feu Bifpo titular,Cabido,& Digni
dades cõ tudo o mais que vimos,
affirmando que fe não eíhvera
prefode indifpofições cõ a mefma
yontade lhe acudira agora, que fi-
27$
zera em outro tempo quando fora
fer feu éfermeiro,&deípois officia
dor defuas excquias.Digo pois,to
mada a licença da cõparação,q to
das eítas circuitadas acharemos
na tresladação do Padre São Do- fr- dnf.
mingos mudados fomente os titu Sen\ tn
los & a grandeza das peíToas.Por
que no tempo que faleceo íhe fez prAL.j
o officio da fepultura o Papa Grs- cup.^.
gorio Nono, ainda que então não/' rum
era mais que Bifpo de Qfiia & Le
gado Apoítohco em Bolonha co- cr^âtU
nhecido polo nome de Cardeal or,des.
Vgolino:& defpois de eleito Papa Doming*
indo os noífos Religiofos darlhe^'
conta da tresladação que determi
nàrão Ezer não fò os incitou & a-
nimou a cila,mas cõ palavras gra¬
ves lhes eítranhou o defcuydo de
deixaré paííar tantos annos fé cui-
daré em tal chamandoos ingratos
atãofanto & hõrado pay. O mef¬
mo animo lhe derao os Cardeaes
& Prelados da Corte aquécomu
nicàraoa determinação. Né mais
né menos quando chegou o dia a-
prazadoda feita, em que a mayor
de todas auia de fer a prefença de
hú Pontífice Romano devoto, Sc
amigo do defúto &de fua Ordé fo
rao tantos os defvios q o tempo a-
carretou pera eftorvar paífarfe o
Papa cõ a corte de Reate onde e-
ílava pera Bolonha,q em fim fe ef
cufou,moítrandoao Geral da Or¬
dem , que era o Santo frey Ior-
dão com palavras de muito amor
Aaa z Sc hon-
 de D . Fr,
èí hora, que fintsa nao poder hir
honrar os oíTos de feu grande a-
tiiigo na fegunda fepultura, como
fizera na primeira. E logo man*
dou defpachar cartas pera o Ar¬
cebifpo de Ravena, que com os
Bifpos de Modena,Brexa, & Bo¬
lonha^ cambem o de lornaco,
afsiihfifem na tresladação, & pro-
curaílem todos grande magnifi¬
cência neiia.E aisi como vimos
queonoíTo Provincial Freyloao
da Cruz com o Prior de Viana &.
mais Priores fez abrir a fepultura
do Arcebifpo & o cayxão em que
eftava , & por fu as mãos o paíTou
a outro nòVo &c bem guarnecido,
& antes de o levar a nova mora¬
da deu vifta dos fantos oííos ao
BifpodeFez, Dignidades, Cóne¬
gos & Cabido de Braga, & as ju-
ftiças, & Vereadores & peííoas
nobres de Viana & Braga: & to¬
dos com reverencia os venerarão
& beijarão. Da meíma maneira
y' Ant‘ nos contão as hiftorias que o fez
wtis *P4o Santo Geral frey Iordão fem dif
tr ord. crcpâr hum ponto, afsi no abrir
Prtll.y da fepultura & caixão antigo (o q
cp.\. p£Z com Q provincial de Lombar-
^dcU™ dia)como c ° Paííar a outro mais
cruz, rico & a fepultura alra & fúptuo-
cro.delaÇa. manifeftando primeiro as fan-
Or.deS.tiS relíquias ao Arcebifpo de Ra-
Domtn- yeua aos Prelados feus compa-
I,C'29 nheiros, os quaes todos com os
.Magi(Irados & gente principal de
Bolonha as reverenciarão beijan-
Bert.dosAfart.
doas com devação & humildsde
& furão teftemunhas de hu chei¬
ro deleitofifsimc q delias fahia dif
ferêce de todos os q no mudo faõ
mais eftimados .E porq tudo foífe
femeihâte em Bolonha comoem
Viana, tãbéos nobres Bolonhefes
fc temerão de roubos:& acautela-
doíe fem ter emulos,meterão géte
armada na Igreja, & fizerão fu a
tresladaçao fobre feguro.E aísi co
mo é Bolonha fez cfficfo delia pol
la Religião hum filho muyto ama
do de noífo padre S.Domingos;,&:
o q unha o primeiro lugar naOr*
dé. afsi o fez emViana o mais que¬
rido & eftimâdo filho q o SâtoAt
cebiípo tinha na mefma Religião
&nefta Província q era o Padre
frey IoâodaCruz:& parece orde¬
nou Deos pera confolação dábos
Vir a cahir a tresladação em tem¬
po que elle governava a Ordé co¬
mo cabeça & Provincial delia ne-
fte Reyno.Sò notamos duas diffe-
renças em todo efie fucelfo, húa
muyto polia em razão,qual foy fe
rem todos os miniftros dellenoq
toca ao pay muyto avétajados em
peífoás, cargos & autoridade ;Jâ
Gèral & Provinciaes, câ Provin¬
cial & Priores:là Arcebiípo & Bif
pos,cà Bifpo, & Conegos juififsi-
ma differença q com bõ confelho
não pudera fahir melhor traçada.
Nó eftferuus maior domino Jito, né o
filhohe razão q f ja avétajado aítu
pay õt a tal pay. A outra diífcren-
ca íoy
 Arcebifpo de B raga, Primas das Heftanhas.
ça foy, que o Santo Frey Iordão
deixou em Bolonha fòra da fepnl
tura a cabeça do gloriofo Patriar-
cha pera alivio das fandades dos
filhos: 8c em Viana pera perpetua
magoa dos defta Provinda, nos fi
cou a do Arcebifpo debayxo das
lageas do novo fepulcro com o
reíto de feu corpo.Do que foy cau
fanao inadvertência, ou falta de
vontade no Padre Provincial frey
Ioão da Cruz5mas o não efperado
litigio que os Bracarenfes levan¬
tarão. E não he pouco denotar
por íingular conveniência efta-
rem as cabeças de pay 8c filho em
eftado depoderem ficar ambas fe-
paradas dos mais membros, 8c
tendo o tempo executado em am
bas os eífeitos que coftuma em
carne mortal,ficarem vencidos do
cheiro 8c fragrancia que delias fa-
hia:tanto mais de efpantar, quan¬
to he mayor a contrariedade que
entre fy tem corrupção de carne,
& fuavidade de cheiro. Seja o Se¬
nhor bemdico, que afsi he fervido
que ceife, ou íeja vencido o curfo
natural das coufas pera honra 8c
credito de feus Santos.
CAPITVLO XXIIII.
Afontaofe alguas particulari¬
dades que omie vejlafejla
dignas de conjide-*
raçao.
jt7ç
Otàrao peííbas de bom
asjUj entendimento que fa.
voreceo o tempo cita
rresladação com tantas
circunílancias juntas , & muyto
extraordinárias cada hua poríy,
que aíTentavão ferem manifeílos
finaes do que Deos efiimava o q
a terra fazia por feu bom fervo.
Porque não parecia poísivel jun-
taremfe a cafo tantas coufas & tão
diíferentes como aqui levirao.He
coufa certa que todos os dias que
precederão ao Sabado na femana
em que as feitas começarão eíte-
ve o tempo chuvofo, frio, 8c defa-
brido até a feita feira, 8c quando
veyoaofabado amanheceoo dia
claro,fereno 8c brando ('verdadei¬
ro dia de MayoJ 8c o que mais ef-
pantou, fem bafo de vento , fen¬
do cm tal tempo ordinárias & co-
tinuas ventanias nefta coíta.E du¬
rou efta calada pu tregoa dc ven¬
tos atè a terça feira: 8c logo â quar
taamanheceo o Ceo toldado, ar-
ripiou o tempo,& rornárão a cur-
far ventos. Defta particularidade
naceooutra, que os homés mais
velhos julgavão por rara &prodi-
giofafobre todas, a qual era que
fe Iembravão de quarenta Sc fin-
coenta annos atraz nao fe ver nun
ca naquella femana que era de
Ledaynhas & fe juntavao finco
dias de obrigação de abftinencia
de carnes , biftante provimen¬
to de peixe pera íuftencação da vit
Ana 3 Ia,
 Liuro VI davHa de D. Fr.Bert. âos Mart.
com voto feito de a cÕfervarern ui
Ia, fe nao antes falta notável Sc
violavel, afsi fe não arrancou cf-
muitas queixas dilTopor caufa das
?ada , nem ouvio diíferéça deo-
tormentas que temos dito: Sc fu-
3ra nem palavra.falvo a da Igreja,
cedeo tanto ao revez na occafiáo
prefente q eílando a terra cheya
que como fundada em zelo Sc de
vação nao merece mao nome. E
de gente em numero, como diííe-
cófidetada a natureza dos homés
mos,de mais de trinta mil almas,
de Viana,altivos,briofos,& brigo
foy escefsiva a abundância de to¬
fos,& confiderado andaré as ruas
do genero de pefcado, de forte q
cheyas de emmafearados, que fe
nãoYe contentando os pefcadores
affirma forao nos quatro dias
com o poré nas praças, como he
mais de tres rail,& algúas peíToas
coftume, ãdavão cõ carros cheios
de conta disfraçadas parecia eíla
polas ruas convidando o povo a
quietação milagroía.E não exce-
comprar. E daqui fe pode enten¬
demos no encareciméto, pois ntos
der o barato que fariao. A mayor
conlla que em outro femelhante
força de peixe erao peícadas , Sc
ajuntamento que ouve na cidade
ruyvos, Sc lagoftas : Sc as lagoftas
de Barcelona em Catalunha à fe-
íem tanta copia, que rogavão com
fta da canonização de S.Raymun-
cilas,& o preço comum eraquafi
do Religiofo da noífa Ordem , &
de graça. De todos os mais man¬
natural daqvella cidade,fe pregou
timentos ouve muyta abaftança,
& tal barateza,que fe vio trocada
nos pulpiros por milagre Sc obra
do Santo paliar o dia da folenida-
a natureza das mercadorias , ou
dos mercadores.-porquc fendo in¬
de fem mortes & fem brigas. A ífiGemms
feefereveno livro que anda de- jeRei,u.
finitos os que compravao andava
ftafefta. Não fe tenha por mila- ihofaâif
a competência com elles o barato
gre,mas não deixa de íer grandecurfo.it
das coufas. Afsi paífou tanta gen¬
maravilha, que eftando a Igreja,M 23*h
te com muyta largueza & pouca
Coro,capellas,& craftas do Con¬
defpefa, que a hoípedes Sc natu-
vento ornadas com tanto gafto &
raes alegrava & efpantava Mas o
curiofidade como temos dito, em
que mais alegres Sc mais fefteja-
que avia por cada lugar muytas
dos fez eftes dias , foy que em
coufas faciles de levar, como pe¬
tamanho concúrfo de gente^ Sc.
tanta diverfidade de nações,
daços de fedas Sc cortes de tela &
peças de ouro& prata, morroen»
Caftelhanos, Galegos, Francezes,
lngrefes,Framengos,& Hirlande
te em tanto aperto Sc revolta de
oentefem conto,que vencia todo
fes ouve húa perpetua conformi¬
cuvdado Sc cauteíla:&íendo asfi*
dade Sc paz. E como fe eftiverão 4
 Arcebifyo de Braga,Frimas das Hejpanhas •
guras da prociífaõ tantas, & to¬
das enfeitadas & cubertas de pe¬
ças douro & pedraria faciles de
cahir 8c arrancar, muyto difficul-
tofas de achar fendo perdidas,ne-
nhua coula fe furtou , nem achou
menos:nadafe perdeo,nem dani¬
ficou cm parte notável.
CAPITVLO XXV.
Dealgasfucejfos, em queJe no¬
tou eípecialfauor Diuino
neftes dias.
a M outras coufas muy-
£
tf tas attentàrao os cuno
m
fos, de que fe podia fa¬
a t»
zer com razão muyto
cafo,por raras & fora do curfo or
dinario:mas fò de quatro faremos
memória, pera gloria de Deos, 8c
das mifericordias 8c grandezas q
obra por quem o ferve. Foy a pri¬
meira,que fendo tantas as inven¬
ções , 8c artifícios de fogo como
contamos, &avendo por toda a
vdla outros muytos que não ef--
crevemos por abreviar: de nenhu
delles, nem das falvas da fortale¬
za, naoqcaravellas, 8c gales tanto
de artilharia como de arcabuzeria
8 c mofquetaria,que forão muy tas
8 c continuadas, refultou defaftre,
nem perigo,nem defconcerto,fen
do tão arriícadoo trato da poivo¬
ra,que raramente fe achara home
28 0
que o continuaíTe fem algum da¬
no. E polos muytos males que a
experiencia tem moftrado, cujo
principio não foy outro: acoufa
em que na guerra de mar 8c terra
temos Capitães mais vigilância
8c mayor guarda he a poivora.
Mas porque ficafte provado que o
Ceo era o q fizia a guarda neftes
dias foy coufa averiguada 8c vifta
por muytos,que em húa das galés
cahio hú murrão acefo fobre can-
tidade de poivora (não fe pòde cõ
tar fem pavor j que baftava pera
fazer voar a galè cÕ quantos hião
dentro: 8c não fez mais effeito q
íecahira fobre area. Nao he me¬
nos danofo o fogo da heregia que
o da poivora mais refinada: mas
o Anjo do Senhor que tirou a vio¬
lência ao da poivora pera nos não
agoar o gofto da fefta, mortificou
também o outro de maneira (8c
eftafeja a fegunda coufa das no¬
tadas) que algús eftrangeiros, de
que não avia duvida ferem here¬
ges,ajudarão a celebrar efta fefta
de feu moto proprio fem ferem
conftrangidos nem rogados,& cõ
muyto gafto, 8c gofto. E o que
mais he de maravilhar, que infuu
dindo o demonio nos ânimos de-
ftes cegos mortal odio 8c rayva
contra as relíquias dos Santos 8c
fu a veneração, eftiverão nefta oc-
cafíâo tão trocados, que ouve al-
gus que pedirão com inftãciadas
lafcas do caixão do Santo quando
Aaa 4 fedef-
 LivroVL âavtdade ZX Fr .Bert.dos Mart.
fe desfazia,& da terra da fepultu-
ra. O terceiro fu ceifo que muyto
moveo os ânimos de todos a gran
de exaltação dos favores & mer-
ces que palpavelmente fez Deos
nefta occafião á villa de Viana,
foy verem entrar de mar em fòra
na mefma tarde que a prociííaõ
andava ao Domingo,tres navios,
osquaesfe foube logo q vinhão
do Brafil carregados de mercado
rias pertencentes aos naturaes é
retorno de feus tratos:& alegran-
.do a terra com o aluoroço do pro
veico que tocava a todos acrecen-
tarao a feda com muytas bom-
bardadas que vinhão tirando cõ
o gofto de fe verem em fua caía.
E he coufa certa que algus dos in
tereííados nelles defpois delidas
as cartas de feus refpondentes,af-
firmavão que com os terem no
porto eftavão largamente,& com
aventagem pagos de tudo o que
tinhão gaitado na ocaíião prefcn-
te.Porque não fomente viao fua
fazenda pofta emfalvo em tempo,
que jà defefperavao delia, por an¬
darem os coífarios fenhores do
mar, mas tinhão novas de creci-
dos íntereífes nas que avião inuia
do.E porque o gofto abrangeífe
mais em geral, Sc tudo fe deveífe
â feita que tinhão entre mãos,
entrarão na mefma marè outros
navios deFrança& Fraudes com
outra forte de mercadorias, & xouvias do mundo, que fareis nos
muyto pão que he mercadonade
todos, & mais neceífana q tochas.
Mas fobre toda a admiração enllea
va Sc fufpendia os entendimentcos
mais efpeculativos em quarto liti¬
gar,o modo de gazalhadode tan¬
tos milhares de hofpedes: quan¬
tos cites quatro ou finco dias fe
recolherão em húa villa não gran
de,onde as eftalagés publicas não
erão ca pazes: & nas cafas particu
lares não era pofsivel terem todos
parentes, ou amigos, ou conheci¬
dos,& não avia dar evafaõ, nem
atinar com as duvidas que fe offe
recião.Porque a gente era tanta
que por nenhua parte da villa fe
hia que fepudeífe romper coma-
perto: & no mefmo tempo que
eftavão juntos &c apertados nos
palanques,ou nas praças;afsi eíia
vão a Igreja & cr aftas do Convé-
to Sc todas as ruas cheyas, como
fe lâ eftivera tudo hermo, Sc cá fo
ra afefta toda.Eiftotudo em Ihu
mefmo tempo,Sc ahúa mefma ha
ra. Deitas maravilhas juntas nacia
huamayor que fazia levantar os
olhos ao Ceo, & com alegria Sc fè
viva confeífar por verdadeira a-
quella fencença tantas vezes repe¬
tida Deus in Sanãisfuis:pfau?}
& logo exclamar com ofidelifsi-
rao Agoílinho. Si tanta facis nobis Aug.Sâ
in carcere>quid ages inpalatio?$c tan^°fcaP
tas grandezas obrais por voílos"*15
fervos cá nas mafmorras, Sc en«
voííòs paços celeftiacs Si tanta fo
latia
 jircebijf o de B rdgas Primas das Reffanhas,
latia in hac die lacrymarum , quanta
' conferes in die mptiarm? Se cantos
bés lhes fazeis no dia criile defta
vida que he dia de lagrimas, & mi
ferias,que ferà no dia das vodas 8c
glorias da eternidade?
CAPITVLO XXVL
DaPranta dafepuíturado Sa
to Arcebifpo: {$do Letrei
roque nellafeef-
culpio.
J E RR A D A a fepuleu*
III ra, 8c encerrado nelia o
JÈ fanto depoíito,pareceo
que veftirão aquelles
mármores outra graça, outro lu-
ftre ôc perfeição* Afsim fe repre-
fentavao agora fermoíos 8c ayro-
fos aos mefmos que dantes não fa
ziaocafodelíes* Afsim fe deleita-
vão todos na fineza da pedraria,
na bem entendida arquiteílura:
8c em fim o que primeiro erão la-
geas mortas 8c frias, já como fe al
nu teverao, communicavão de-
vação 8c fervor. Atè os q não en-
tendião a lingoa Latina, trabalha-
vão por penetrar a letra do epitá¬
fio,& alcançaras particularidades
delia. lá a tomavao na memória,
8c de tudo fazião pafto a fua deva-
çao. Que na verdade efta era a q
hvava apoz fy os olhos corporaes
& aos da alma affigurava toda
s$t
fábrica cheya de belíeza, & dignâ
de reverencia» E fe avia qnem im¬
primia na alma o Epitáfio > outros
fe contentavão com eículpir nelía
a traça &c comportara dd edifício»
Doqual daremos noticia aos que
o não virão,ccm pintura de pena,
que dado que não moftre fom»
brasj&matizes como faz o pincel,
iiefta tinta negra que cobre todas
as tintas , fem admittir cor ne-
nhua, vivem com mayor perfei¬
ção as Pyramides do Egypto, oS
Maufoleos de Caria, os Coloííos
8c Anfiteatros de Roma, qúe nos
mármores diamantinos,de que fo
rão comportas,dos quaes oje não
temos mais que a fama» Gaftouo
tempo Sc confumio eílas maqui¬
nas que nas appareneias compe-
tião com a eternidade (alardo vão
dafoberba 6c poder humano) 8c
o q oje vemos delias não he mais
que huâ oííada, 8c membros po¬
dres delidos da antiguidade^ atè
nâ rnefma Roma cabeça do mun¬
do, não achamos nada daquella
Roma, que o aíTombrava* O que
delia 8c delias achamos, & (abe¬
mos he beneficio da eferitura* Co
efte poisjfirvamos também o San¬
to.Crião os motes de Lisboa per-
feitifsimos mármores, jafpcs bran
cos 8c vermelhos de toda fineza.
Os brancos defpois de lavrados
8c brunidos 3 faõ efpeihos em lu-
ftre, 8c alabaftroem aluura:& def
a cobrem huas agoas, que lhe acre-
centlo
 Liuro Vt. da vida de D. Fr.Bert.dos Mart.
cem ao grande graça. A meíma té
os vermelhos,que parece fe efteve
recreando a natureza nos claros,
&efcuros, com que os varia,
ondea, fazendo em hua
muitas diíferenças de cores,como
fe c5 pincel fe pofera a dar a húas
partes mais, ou menos luz; a ou¬
tras mais ou menos fombra,&def
pois fora com arte mifturãdo hua
coufa & outra: Sc fobre elfa per-
feyção deícobrem a efpaços,& co
mo a furto búsnòs ao parecer de
aIaballro,q com íua alvuia real-
ção maravilhofamente o rofícrè
natural do jafpe.Deíie material he
o edifício da fepultura fem mi-
Sc conforma bem
ílura doutro:
comelíeaobra Sc feytio quanto
fofre a calidade da fabrica, que fe
determinou foífe coufa cham
durável, Sc de obra Dorica. Faz
bafe & fondaméto a toda ella hu
degrao de mármore branco com
feu bocel Sc filete por ornamento
que nace no canto da capella mor
da parte do Evangelho, Sc
tando fobre o presbitério corre
contra o Coro em tanto compri¬
mento, quanto toma ao jufto todo
o presbitério. Sobre os eftremos
deítedegrao felevatao dous gra¬
des pilares de mármore branco
ambos peças inteiras de hua fò
pedra cada hum, fem mais obra
que feu refendimento , Sc
&chapiteis de jafpe vermelho.Do
jaípe dos pilares heo arquicrave,
Sc confíguintemente o frifo &
cornija. A elfo edifício ferve de
remate hum frondfpicio aber¬
Sc to,pera dar lugar a hua grande
fò cor tarja bem obrada & guarnecida»
q occupa todo o rafgado;& he de
j.ifpe alvifsimo,que o parece mais
com a vizinhança do vermelho, q
enche o efpaço interior dofronuf
picio de hua & outra parte da car
ja, & fica fazendo refpondencia
na cor aos chapiteis Sc bafes dos
pilares. A tarja foz no meyo hum
circulo ovado, em que parece em-
talhada a Cruz quarteada de bra¬
ço Sc negro,diviía da Ordem de
São Domingos, Sc do fanto Arce-
bifpo com feu fombreiro por tim¬
bre , Sc laços de cordões Sc borlas
verdes por paquifes. Por fora do
Sc circulo faz orla a letra que o Santo
ufava .Arderetf lucerewolite confor-
marihiucfieculo. Sobre a car/a fbbc
húa pequena pyramide, que cora
hua dourada fooiía em que fenece
faz remate ao frondfpicio Sc a to¬
aíTen- da a obra. Comprende eíta porta¬
da no interior delia hum arco cu¬
jas faces détro & fòra faõ de már¬
more branco, íifo Sc fem guarni¬
ção, Sc carrega fobre quatro pila¬
res do mefmo q tem fuas bafes ao
olivel dos pilares grãdes:& afsi ba
fes como époílas faõ de jafpe ver¬
melho, & do mefmo he toda a voi
bafes ta interior do arco, Sc a dilfancia
que fica entre os pilares polos la¬
dos, que he tanta como toda a lar
gura
 Arcebifpo de Braga, Frimas das Hejbanhas.
gura da cayxa da fepultura que
acompanhão, & do mefmo jafpe
vermelho faõ os feguinces do ar¬
co, que a modo de triângulos lhe
fazem ornamento por fòra de híí
& outro lado.Debaxo do arco fe
moftra a fepultura do Santo nâ
forma feguinte. A olivel do cnva-
zamento dos pilares fe eftende
hum focco de jafpe branco que
em comprimento toma quafi to¬
do o campo que ha entre as bafes
dos pilares. Sobre elte corre húa
faxa,ou cinta de jafpe vermelho
com feu bocel por cima de largu¬
ra da faxa, Sc outro logo mais e-
ftreyto da mefma pedra: Sc eftas
peças hcão por bafe da fepultura,
que fobre ellas aífenta: a qual he
hú tu mulo,ou cayxa de jafpe bra¬
ço de bom comprimento: Sc de
largura Sc altura proporcionada
com fua faxa em roda lavrada no
mefmo mármore,que lhe fica por
moldura,ou refendimentorcõ fua
cintapor cima,&feu bocel do mei
mo jafpe braco:& fobre efteboccl
aflécão varias guarnições de jafpe
vermelho q fazem cimalha ao tu¬
mulo. Daqui começa alevãtar ou¬
tro corpo de obra mais miuda, q o cayxilho aífenta
dà perfeyção ao moyméto, Sc fica
fazédo cubertaou tampão à caixa
delle: fandafe em hú meyo bocel
grande de jafpe vermelho,q fazfa
cad 1 fobre as guarnições inferio¬
res: Sc logo fobre elle vão fobindo
outras guarnições de mármore
2 80
branco mais recolhidas, que faõ
húa cinta, de que nace hua mtya
cana de boa altura, a qual reco-
lhédofe mais que a cinta pola par
te fuperior,tem fobre fy outra cm
ta mais eftreita que a de bayxo,
por cima da qual corre húa gula,
cu coroa com fua cinta, que fe e-
ftende à medida da primeyra. A
efta obra de jafpe branco fuce de,
Sc faz remate a todo o tumulo
hum triângulo de jafpe vermelho
no meyo do qual fe faz outro co¬
mo refendímento na mefma pe¬
dra: & acabara de formar pirami
de, fenão forão ambos cortados
polos dous terços de fua altura,pc
ra defeobrir Sc dar vifla de hú cai
xilho de jafpe vermelho, que to¬
ma em comprimento todo o efpa-
çoqueha de chapitel a chapicel
dos pilares interiores, fobre q na¬
ce o arco.Te o cayxilho nos qua¬
tro cãtos hús círculos ou tach oés
de pedra negra luítrada q o repre
fentão pregado na parede frõteira
lobre o tumulo:Sc no vão cõpren-
de húa lageabrãea como grande
taboa,en que fe lè o epitáfio efcul-
pido em grãdes caradteres. Sobre
hum ovado
dourado,reduzido també no vão
do arco,mas jà na parte mais alta
delle:no qual le vè o retrato do Sã
to em campo negro,reveftido em
capa de brocado.Tal he a fabrica
da fepultura. A letrado Epitáfio
he Latina,Sc dizafsi.
Deo
 fjitéfo VI. dá vldíi de D. Fr.Bcft.dos Áfdvt.
Deo Opt. Max.
Rater Bartolomceus de Martynbus Vlyfiponenfis, Dominicanus , Hifpa*
niarurn Primas, A dam ver magnus bicftus efhqui ad Br achar enfim Jede
a cella fut aiebat,tanquam à regno ad crucem raptus,cumfecundapoH A-
■poMos difpenfand« Ecclcf* gratiajnttr albs/vtSol inter minores Mas diui-
nitus fulffiet,Sumis Potifiabus ,Patribufa Conctlij Tridentinifpeãabihs,pro-
batus tf charus,mgr auejcente Mate fionteabdi cata fede Reliam monafíerij hu»
m quod condideratjibens repettjf.ru bi tf fimãè <vixit dtleãus Deo tf komi-
tubus tf diurnapatiens ab ofculo Domim afiumptus efi:beupauperíipater,tf re
lmoíorum,amam pudmtu,<emulatione Martjrfrofifiwne Doãorjal tmx,
lucerna ardens t? lucens/arm^verorum Epfcoporum exemplar, tf Mut ade-
Ecclcf ps feparatus à carne.Vixit annos 7 6.à profefswne Dominicana 62. à cofecratio-
4 7. mEpifcopi 32J regrefiu ad Ordinem.2. Obijt anno Domim 1550. Die decimo
fextolulij. Requiefcat inpace. Amen. Traduzido em noíía lingoagem
refponde o feguinte.
A Deos de toda bondade tf grandeza.
O ui jaz Fr.Bertolameu dos Martyres,natural de Lisboa,Religio
fida Ordé de S.Domingos,Primàsdas Efpanhas, Adão cres ve¬
zes arandero qual fendo tirado da fu a cella pera a Sede & Arcebif
pado de Braga aísi foy em fua opinião forçado & violentado, como fe o
arrancarão donde tinha cetro & reynado,pera hir fer crucificado. E te-
do por mcrce deDeos alcãçado em fegúdo lugar aquella graça de be go¬
vernar a Igreja, q os Apoífolos fòméte teverão em primeiro: & có tanta
abundancia,q reiplandeceo entre os homer,comoo Sol entre as mais pe
quenas eftrel as:do q naceo fer amado dos Sumos Põtihces, refpeicado,
Sc eftimado dos Padres do Cócilio Tridetino: vendofe entrado em dias
deixou de fua võtade a dignidade, & tornou a povoar alegremente húa
cella q efcolheo ncfte Cõvento, q elle tinha edificado: na qual paliou o
yefiante da vida amado de Deos,& dos homes:& vivendo em cõtinuo
trato com o Ceo por meyo de altas contemplações, & arrebatamentos
dalma, foy levado a elle dentre os braços & ofculos do Senhor, co ma-
<70a dos pobres & dos Religmfos^quelie que era pay delles, amador da
pureza,rnartyr em defcjos,em profiíTaÕ de letras Doutor &meftre fal da
terra,tocha acefa,& chea de luz,raro efpelho & treslado de verdadeiros
Bifpos:& entretodos como a banha &groffura apartada da carne.Vivco
76.& entrado em 6z.de habito,& 3z.de Arcebifpo,& compridos S.deí-
JEcclef.
pois que tornou pera a Ordem/aleceo no do Senhor de 1590, aos 16. ac
47-
húho.Requiefcat in pace. Amen.
F I N I S. IA-

taboada dos capit vlos
D ESTES SEIS LIVROS.
LIVRO PRIMEIRO.
C A P. i. Do nacimento de Dom
_j frey Bertolameu dos Martyres
foi. i.
Çap it.z. Como começou a aprender as
pnmàras letras,tf entrou no eflu-
do de Grammatica, tf tomou o ha
btto de São Domingos. foi.4.
Cap .3. Como fe^pnfiJfaÔ,& come¬
çou a eíludar Artes tf Theologia.
foi. 6.
Cap.4. Comoleodous curfos de Ar- '
tes, tf defpois T heologiay tf rece-
beo os graos de PreJentadoy tf
Mejlre. foi. 7.
Cap.s. Como foy eleito em Prior do
Conuento de São Domingos de
Bemficaytf como fe orne no cargo,
foi.9.
Cap A. Como foy chamado da Ray-
nha DonaCaterinao Mejlre frey
Bertolameufigf nomeado por Arce¬
bifpo de Braga, tf da repofta que
lhe deu. fol.n
Cap.7.Das diligencias que 0 Prouin-
cialfcgcomo Mejlre frey Berto¬
lameu pera que aceitaffe 0 Arcebif
pado, tf do que elle lhe refpondeo.
fol.i3.
Cap. 8. Como 0 Prouincial lhe po^ Capit.17. Das diligencias que fagia
preceito que aceitaffe 0 Arcebifpa-
flo} & obrigado da obediência acú
I
tou. foi AS-
Cap. 9. Doquefe^ 0 Arcebifpo def¬
pois de aceitar fua eleyçao : tf do
que mais lhefucedeo ate fer conf %-
grado, f°l a 7
Cap. 10.Como foy confagrado 0 Arce¬
bifpo , tf partio pera Braga : tf
dacafa tf companhia que leuou.
foi. 18.
Cap. 11. Como ordenou 0 Arcebifpo fua
<vida em Braga. foi. 10.
Capit. 2. Daordem que 0 Arcebifpo
deu na justiça Ecclefasiica, tf Je-
cular. fol>. 2.
Cap a 3. Da ordem que 0 Arcebifpo
deu nas coufas da fazenda, Sc no
feruiço , &c mento de fua cafa.
foi, 15.
Cap.i \. Do 'gelo Sc continuação com
queprègaua, Sc como começou a
ai fitar 0 A nebifpado. foi. z s.
Capit. 1 Do modo de proceder que 0
Arcebijpo tinha nas <vfitaçóes.
foi. 27.
Capit. 16. De hum notauel cafo que
fucedeo ao Arcebifpo njifitando:
Sc do cuidado Sc pontualidade co
que acudia a todos os lugares Sc
pejfoas afii a <v fitar, como a crif
mar. foi. 19
com os que ordenaua: Sc da deua-
cão Sc grauidade co que celebraua
Bbb eíte
 Taboada
ette Sacramento'. foi. 50
Capit.x 8. De algúas coufas que 0 Ar-
cebtfpo ordenou em beneficio efpiri-
tual do Arcebifpado. foi.32.
Capit. *9. Como 0 Arcebifpo fundou 0
Collegio da Companhia de IESV
na fua cidade de Braga, tf das
raspes que pera ifo teue. foi. 33.
Capit.io. Do cuidado com que acu¬
dia aos pobres, tf dos hofpitaes
que ordenou na cidade pera doen¬
tes tf faos, tf como agafalhaua
os Ealefaflicos. 35.
Capit.i t. De algúas efmollasfeire-
tas que 0 Arcebifpo ftz^ em occa-
Jiôes quefe lhe offerecerao. foi.
Cap.ii.Da falia que Dom Frey Ber¬
nardo da Cru\ B fpo de Sao Tho-
me y tf 0 Meflre Frey Luis de
Granada f^erao ao Arcebifpot
perfuadindclhe que acrecentafe
0 ejlado de fua cafa. foi 3 7.
Cap.15. Da repofla que deuo Ârce-
bifpo às razfies do Brouincial.
foi.’9.
Capit.21. Dos motiuos que teue 0 Ar-
ctbfpo pera fundar 0 Conuento
de Santa Cru\ da Ordem de Sao
Domingos na mfgnenjilla de Via¬
na. foi. 41.
Cap.is,. Do principio queo hrceblf-
po deu à fundação do ncuo Con¬
vento, das rendas que lhe apli¬
cou tf obrigações que lhe poz^.
foi. 43.
C ap. 2 6. Dofaio tf antiguidade, tf
cahdades da notauel <villa de Via¬
na. 01.14.
Capit. 17. Das occupaçoes em que 0
Arcebifpo empregou 0 reHante de-
fleanno. foi. 48.
LIVRO SEGVNDO.
C
AP.i. Como par tio 0 Arce¬
bifpo pera Tremo ao Santo Co
cilioytf da cafa tf acompanham e-
to que leuou. fol.^a.
Cap.i. Do que fez^o Arcebifpo tan¬
to quepajfou os Imites do Arcebif-
pado. ful.si.
Capitj. D a ordem com que 0 A rce-
cebifpo caminhaua : tf da que
tinha em feu apofento nos lugares
onáeparaua. foi. 5*.
Cap.^. Entra 0 Arcebifpo por Fran¬
ça em feguimento defua rviagem,
Sc chega à Cidade de Trento.
foi- .54
Capit.1). Defcreuefeoftio da cidade
de Trento’ uifta 0 Arcebifpo os
Cardeães Legados do Santo Con¬
cilio: recebe cartas do Summo
Pontífice : tf efcreue a Braga,
foi-5 6.
Cap.<. Da ida que 0 Arcebifpo fez^a
Veneza,tf Padua, tf da occafifo
delia. fol.S 7.
Cap.7. Torna 0 Arcebifpo a irentOy
Sc ef creue de nouo a Braga algúas
cartas: ôi dàfe conta da rvida que
fazpa neste tempo. foi.9 $.
Cap A. Dàfe principio ao fagrado Con
cilioitf encomendafe ao Arcebifpo
0 cargo
 dos Capítulos defte livro»
o cargo áe reusr tf cenfurar os
huros, tf fager nouo catalogo del-
les> 6l.
Cap.9. Efcreue o Arcebifpo a Braga
encomendando os pobres. 62.
Qap.io.Daspregações que 0 Arcebif¬
po ordenou ejla quarefma: tf da
instancia qtiefesçporquefe trataf
fe da reformaçãopejfual do Clero r
tf da liberdade com que uotou
nella. 64é
Captt. 11. Tratafe da rtfdmcia dos
Prelados, tf todos os mais Eccle-
faficos em feus beneficios: celebrao
os Legados bua Jolene Mifla por
mandado do Papa, tf dàfe racfio
delia.
Çapit.u. Torna 0 Arcebispo a inflar
que fe proceda na matéria de re(i-
dencia: tratafe 8c tornafe a fuf-
pender. 69.
Cdp.13. Das diligencias que 0 Arce-
hfpo de nouofes^, porque fe aca-
baffe a matéria da refidencia, tf
como em fim 0 alcanfiu. 70.
€ap. 14 . Que contem bua carta que 0
Arcebifpo efcreueo ao Vigário do
feu Qonuento de Santa Crusç de
Viana. 7Z.
fap. 15. Tratafe em bua congregação
fobre a promfao dw ben eficios Ec-
clefiaBicos curados: alcanf a 0 Kr-
ctbifpo que fe decrete emfauor dos
Prelados. 74.
Cap.16. Apontaofe outras coufaspar¬
ticulares, que os Padres do San¬
to Concilio mandarão decretar
por confelho} tf à instancia do Ar
*■* «-*-
cebifpo. 7C
Cap. 1 r Kjmtaofe os Prelados, tf
Mefires da Ordem dos Pregado¬
res com 0 Arcebifpo a celebrar a
fefla do Padre São Domingos na
fua cafa de Trento: tf dãje conta
dos Prelados Portuguefes que af-
fiftirão nella,tf no janto Concilio.
Capa 8. P arte 0 Kr cebifpo de Trento
pera Roma, tf chega a Bolonha.
fol.79.
Cap.i^.Vifta as relíquias do Con-
uento,tf as do mofieiro das frei¬
ras de Santa Ines : torna ao Con-
uento,entra em cafa de nouiços, tf
falhes bua pratica efpiritual. 8r,
Capit.io.Pafa 0 Arcebifpo de Bolo¬
nha a Florença, tf a Sena, tf fe-
gue feu caminho a Roma. 83«
Cap.u. Chega 0 Arcebifpo a Roma,
leuao 0 Embaxador com artificio a
fua cafa: pafafepera 0 Comento
da M inerua ; donde por mandado
de Sua Santidade torna pera cafa
do Embaxador * 84.
Cap. 22. Como 0 Papa mandou cha¬
mar 0 Arcebifpo, 8c das honras
que lhe fecç: 8c de alguas partícula
r idades que teue com elle, 8c da fa¬
cilidade 8c amor com que 0 tra-
taua. 8<}„
Cap.25.Como 0 Arcebifpo aduirtio a
S.Satidade de húa femrazfio q na
quellaCorte fefasfia aosBifpositf
S.Santidade a remedeou logo. 88.
Cap. 24. D as honras queo Papafa-
cqaao Arcebifpo,& da aduerten-
Bbb z cia
 Taboada
cia que o Arcebifpo lhe fe^fobreo
feruiço de prata. 9o*
Çap.is. Aprefentão Arcebifpo a Sua
Santidade apontamentos de refor¬
mação das pefioas dos Prelados
mayores: fcf daje conta da fami¬
liaridade que teue com algus em
Romafiy como era ejhmado delles.
foi. 9 i.
Cap.2$. Dealguas graças de impor¬
tância que Sua Santidade concedeo
ao Arcebifpo em fauor de partes.
foi. 93*
Cap.2,7. Pede o Arcebifpo a Sua Santi
dade lhe aceite renunciação do A r-
ceb fpado: não lha aceitando pede-
lhe alguas graças de importância
pera bom gouerno da fua Igreja:
{y alcança todas. 94
Cap. zS. Defpedefe do Pontífice pera
fe tornar pera Trentoicontaofe al¬
gus fauores particulares que Sua
Santidade lhe fe\ na dejpedida:
Iaede Roma iy chega a Afis. 96.
Cap. 19.Parte o Arcebifpo de Afiis:
chega a Nojfa Senhora de Loreto,
ly entra em Trento. 9 8.
Cap. 30, Dos Prelados com que o Ar¬
cebifpo teue amvgade em Trento,
ly das particularidades que teue
com algus delles. 99»
Cap. 3 . Dàfe fim aofanto Concilio:
Jae o Arcebifpo de Tretopera Por
tugalff chega a S. Maximino em
França.
Cap A 2 .Do quefucedeo ao Arcebifpo,
defpois quepaftio de Sã.o Maximi¬
no atè que entrou em EJpanha} ly
chegou a Nofia Senhora de Mon-
ferrate. J°4*
Cap.35. Vifitao Arcebifpo a deuotf-
Jima cafa de Nofia Senhora de
Monferrate:paJfa a Aragao. Ccn-
tafit o que lhe Jucedeo atè chegar a
Cj aragoça.
Cap .3 4. bfl que fucedeo ao Arcebf
po defpois quepartio de C,arago¬
ça , atè chegar a Salamanca, Sc
entrar em Portugal} ly terras de
Jua Diocefi. 108.
LIVRO TERCEIRO.
C A P. 1. Entra 0 Arcebifpo em
Portugal, chega àjua cidade de
Braga. Contafe 0 amor com que
foy recebido,iy 0 quelogofe^.i 1 / .
Cap.1.Começa 0 Arcebifpo a dar cum¬
primento aos decretos do Santo Co
cílio ,pola fundação do Semináriot
ly cótribuiçóespera elle:iy efcreue
a S.Santi dade em fauor do Clero.
foi. 113.
Cap.).Como 0 Arcebifpo começou a <vi
fitar as Igrejas da jurdição do Ca¬
bido, que erão todas as da cidade:
ly da grande contradição que a-
chou. lj5*
Cap. \.Procedeo Arcebifpo na <vifita-
ção começada:dà uiíta aos eíludos
{y hofpitaes, ly às obras do Semi¬
nário: toma rasfito d<25 efmollas do
tempo de fua aufencia: <vifita rigu
rofametefua famihaifcf da forma
na 'vifitação do Arcebfpado. 116
Cap.]. Da jornada que 0 Arcebifpo
 dos Capítulos defte livro.
ft\a rvifitar as terras de Barrofo:
iV de hum eafo milagrofio^que nel-
lafucedeo. n8.
Gap. 6.Procede na n^ifitaçdo atè a con
■ cluir.Dàfe conta doutros defempa Sao Ioao de Malta: fci do maraui-
ros que achou,IV da traça que deu •
pera remedio de toda a jerra. 110.
Cap.y .Começa o Arcebifpo a vi fitar
as Igrejas das Ordes Militares em
cumprimento dos decretos do fanto
Concilio. 122.
C ap.%. Das grandes contradições iV
contendas, que fe leuantàrdo con-
cotra o Arcebifpo por razfio deílas
vifitasfiV como fe orne nellas.\z\
Gap. 9. Como fe ouue co algúas pefoas
poderofas que achou em vifitaçdo
comprendidas. iz6.
Cap.io.Comofe ouue com algús mi*
niHros dajujliça fecular em cafos
de vifitaçdo, iV immunidade da
Igreja. 127.
Cap.n .Recolhefe 0 Arcebifpo peraBra
ga.Dàfe conta do em q entendeo a-
tè ojim dejle annoilVdo que pajfou
com húa Dignidade da Se a noyte
de Natal. 129;
Cap. iz.Vifita 0 Arcebifpo fegunda
ve^ a cidade de Braga-.torna à
vifitaçdo deforaicontafe como re-
medeou algús culpados. 131.
Capit. y.Comofe auiaem cafos que
nao admittiao remedio publico: IV
do meyo que deu pera a reforma-
çao que nejle tempo fe começou da
ordem de Sao Bento. 132.
Çap .14. Dos breues q 0 Papa defpa-
chou emfauor do Arcebifpo: IV do
fim que teue a demanda que com eU
traria 0 Cabido. ^ jj*
Cap. 15.De hú notauel encontro,que 0
Arctbijpo teue cem hum Baylio de
Ihofo exemplo de humildade IV fan
tidade com que 0 venceo, IV quie-
tou. 135.
Cap.16.Do efiranho meyo que ufoupe
ra redueqr hum Abbade que viuia
mal auia muitos amos. 13 7
Cap.y. Da caridade que ufou com
dous Sacerdotes eftrangeirosilV da
traça com que remedeou duas pef-
foas que nao procedido bem na an¬
da. 138.
Cap.iS. Recolhefe 0 Arcebifpo pera a
cidade ; IV poem em ordem ajun¬
tar Sinodo Prouincial. Vifita o feu
Conuento de Viana : da principio
IV nome à Igreja. 1 a O;
Cap.y. Celebrafe Sinodo Prouincial
em Braga. 141.
Cap.10.De dous cafos notaueis quefu
cederão ao Arcebifpo andando em
fvifitaçdo. 142.
Cap.21 .Remedea 0 Arcebifpo a hum
clérigofacinorofo. 143.
Gap.11.Do auifo que teue de Roma fo-
bre 0 treslado do Sinodo que man¬
dou ao Papa, IV do que fobre ijso
Mi _ HA-
Cap. 23. D as efmollas quefazja em an-
nos de efierihdade: IV do rigor
que vfaua com figo pera ter mais
quedar. 146.
Cap. 24. Do cuidado que tinha ckç
pobres comendo em mefa alheya.
Bbb 3 . foi.
 Taboada
foi >147 •
Capitai Da repoíht que 0 Arcebifpo
deu a quem lhe perfuadia que f-
Zgfíe ejmpllas grofas, IV alargaf-
fe a mão comJeus parentes. 14 8.
Capit. 26. Vagão as Alcatderias mo¬
res de Braga IV Eruededo: prouè
nellas 0 Arcebijpo a Francifco
VazJIellojeuparente. 14 9.
Cap.27 .Comufe ouue 0 Arcebifpo com
húa pejfoa fenda depejle quepedta
confifiào. »50.
Cap.Ã.Recolhefe 0 Arcebifpo em Bra
gafabendo que auia nella pefle de¬
clarada : IV afiste na cidade em
quanto durou. M2.
Cap.i9.Manda elRey DomSebafiião
IV 0 Cardeal Iffante ao Arcebifpo,
que fe faya de Braga por razfo da
peíie. 15 3-
Capit. 50. Como fe auia nefles tempos
na arrecadarão IV dijlribwção de
fuas rendas,IV como cefou apejle.
foi AU*
LIVRO QV AR TO.
C AP. 1. Defpacba elRey Dom
Sebajliao húa Alçada pera as
Comarcas da Beyra,iV alem Dou¬
ro com ordem de entrar em Braga:
oppoemfe 0 Arcebifpo : reuogafe a
ordem. 156.
Capit. 1. Como fe ouue emhúacaufa
de Jur dição bcclefaíiica encontra¬
da p(>r mimfiros Keaes feculares.
foi. x 5v,
Capit. 3. Vem 0 Arcebifpo a Coim¬
bra falia a elRey, IV pregaibe por
Jeu mandado: iV compoem a con¬
tenda da jurdição na matéria dos
•votos. l£í.
Cap. 4, Pretende hum Sacerdote in¬
famar 0 Arcebifpo diante do Sum-
mo Pont/fce.MoflraJe 0 Arcebif-
po fem culpa, IVperdoa ao Sacer¬
dote, 162.
Capit. 5. Da grande feme que fo-
breueyo nas comarcas deTrallos
montes, iV entre Douro iV Mi¬
nho : iV do cuydado IV largueztf.
com que 0 Arcebijpo acudio aos po¬
bres. lo*.
Cap.*. De húanotauelafronta que
Jefe\ao Arcebijpo : iV do ualor
com queje portou nella. 164.
Capit. 7. Fasçemje diligencias polo,
jufiiça fecular contra os culpados:
atalhaas 0 Arcebifpo ,iV tolhe 0
cafligo dosprefos. .' 166.
Cap.8. Vay 0 Arcebifpo à cidade do
Porto ajsiítir no Capitulo Prouin-
cialda Ordem de São Domingos.
foi.167.
Capit.ç. Prega 0 Arcebifpo no Ca¬
pitulo: contafe hum fuccejfo ejlra-
nho que interueo no fermão. 16 8.
Cap. 1 o De hum notauel milagre de
São Gonçallo de Amar ante fuce-
dido durante 0 Capitulo Proum-
cial. 17 o.
Cap.xr De húa pratica que 0 Arce-
b{fp°fe\ aos Religwjos do Capitulo
antes deJe defpedir. 171.
Cap.12. Como •vagarão algúas pen-
foês ao Arcebijpo: IV em que mo¬
do
 dos Capítulos defte livro,
do dfpo\ delias. 173.
Capit. 13. Como fe ouue nas altera-
coes quefucederao nefle reyno por
morte delRey Dom Anrique,
foi17 4*
Capit, 14. Do f tio da cidade de Tuy:
tf da doença que nella teue 0 Ar-
cebifpo: tf do quepaffou atè con-
ualecer, tf tornar pera 0 Arcebif-
pado. \jt).
Capit. 15. Chama elRey Dom Fi¬
lipe ao Arcebifpo pera as Cortes
de Tbomar: efcufafe duas rvesçes:
com terceiro recado parte pera
Tbomar, tf afsifienas Cortes,
foi. 178.
Capit. 16. Das muitas tf carias
diligencias que em diferentes tem¬
pos fecç 0 Arcebifpo por largar 0
Arcebifpado: tf como fe determi¬
nou em pedir a elRey Dom Fili¬
pe lhe aceitajfe a renunciação,
foi. 179.
Capit. 17. Dàfefim às Cortes: pe¬
de 0 Arcebifpo licença a elRey pe¬
ra renunciar 0 Arcebifpado: al¬
cança a licença,tf renuncia. ígo.
Capit. 18. Torna 0 Arcebifpo pera
fua Diocefiichega a noua de fua re-
nmciaçao a Roma. Dàfe conta do
que pafloufobre ella no Confftorio.
Aceita ao Papa. 182.
Cap. 19. Chegao cartas tf recado
ao Arcebifpo de lhe fer aceitada a
renunciaçao em Roma : dejpedefe
do Arcebifpado , tf parte pera
Viana. 18-?.
Capit. 10. - Chega 0 Arcebifpo a Via-
na: defpede os feus: ncoFefe no
feu mosteiro de Santa Cru\. k 8 4.
Cap. 21. Da aiida que 0 Arcebifpo
facfa defpois de recolhido no fu
Conuento de Viana. 185.
Capit. 2.1. Dos litígios que ouuefo-
bre a parte, que 0 Arcebifpo tinha
<vtncido de Juas rendas: tf do que
ellefobre fjofe^tf dijfe. 1 87
Cap. 21. D a continuação com queo
Arcebifpoprègaua defpois de re¬
colhido em Viana j8 3
Capit. 24. De algús particulares
exercidos,em que entendia no Con
uento, 189,
Capit.25. Das efnollas queoArce-
bfpofa^ia no Conuento, tf da
Ordem que nellas tinha: tf de
hum estranhofucefo que nefla ma¬
téria lhe aconteceo, 1^1,
Cap. 26. De outros marauilhofos
cafos que fucederao ao Arcebifpo
na mefma matéria de efmollas.
foi. 192.
Cap.27. Darepofta que deu a quem
lhe perguntou como fe achaua na
Religião: tf de húa notauel efmol-
la quefesç. 1 3,
Cap. 28, Liura milagrofamente da
morte hum pobre homem. Contao-
fe algús efeitos notaueis de fua
oraçao: tf da deuaçao que lhe ti¬
nha opouo. 193,
Capit. -9. Da grandefè que os mo¬
radores de Viana tinhao nas ora-
coes do Arcebifpo, quando auiape¬
rigos no mar: tf de dous particu¬
lares,em que fi <v alerto delias, tf
alcan•
 Taboada
ãlcâttfarao reéedro. 197.
%2ap.]o.Enj que feda conta dos gran¬
des defejos que 0 Arcebifpo tinha
de morrer antes da r enunciação do
A rcebifpado : iV do crecimento
que teuerao defpois que renuncious
iVfe rcolheO'. r$8.
LIVRO QVINTCX
A P. 1. Da ultima doença
.j? que teue 0 Krcebifpo: ia do te-
Jlamento que fesç. 101•„
Capit.z. Do grande fintmento que
auia na na tila de Viana pola doen¬
ça do Krcebifpo : & daspalauràs
com que 0 Santo fe mandou defpe¬
dir dos moradores delia : & dos
nouos acadentes com que fe lhe
foy agrauando 0 mal. 203.
Capit. 3. Entra 0 Arcebifpo em artigo
de morte. Vem de Braga a n^if ta¬
lo feu fegundo Jucejfor Dom frey
Agoflinho delESV. 204.
Capy Manda a cidade de Braga
ui fitar 0 enfermo. Dàfe conta de
hum requerimento qne a Camara
de Viana fe^ao Arcebifpo Dom
Frey Agoítinho: IV a rafao delle,
foi.206.
Cap.<,. Como foy ungido 0 fanto Ar-
cebifpo. zo7.
Gap.6. De hum misleriofo final que fe
defeobrio no fanto Arcebifpo : IV
de feu felice tranfito. 20 9.
Çap.ii Dafifionomia IV partes cor-
poraes do fanto Arcebifpo : IV do
fentimento que por fv.a morte ou-
ue na uilla de Viana. 1 ? 0-,
Gap.8. Dos requerimentos qttt fefi-
qeràoporparte do Cabido da Sè,
IV da Camara de Braga , pedindo
0 corpo do defunto: IV das repli¬
cas que <mue departe da uilla, IV
doConuento. 212.
Cap. p. Da ordem com que 0 defunto
foy leuadoà Igreja: IV da folenni-
dade com que fe celebrarão as exé¬
quias > 213*
Cap.10. Como foy fepultado 0 fanto
Arcebifpo. 255.
Capit. ii. Da profunda humildade
que 0 fanto Arcebifpo guardaua
em fuas obras,IV palauras. z 16.
Cap. 12. Da liberda deyW inteirezy,
HV grauidade b com que procedia
nas coufas deJua obrigação. 218.
Cap. 13. Do ualor com que defen¬
dia as preminências de Jua Igreja.
fol.zio.
Capit .14. Da pobreza com que tra-
tauafuapefoa. zzs
Cap. 13, Da uerdade IV pontuali¬
dade, que ufaua em obras IV pa-
lauras. z? 3.
Cap. 16. Da temperança q guarda¬
ua no comer, IV beber, IV dormir.
fol.zzç.
Cap. 17. Da afperezy com quefe tra
taua quando era doente, IV em to¬
do tempo. z 16.
Capit. 18. Como zglaua 0 remedio dos
Pobres. 22.7.
Capit. 19. Do efpecial ajfeito de pie¬
dade , com que acudia ao remedio
dosfubditos. * 228.
Cpp*
 dos Capítulos deite livro
Gap.io.Da grande deu açãoque o Ar-
cebifpo tinha ao Santtfsimo Sacra¬
mento do altar. 229.
Gap.u. Da áeuaçao tf cuidado com
que resçaua o officio diuino. 2.3 í .
Gapit.zi. Da continuação com que fe
exercitaua nas <■virtudes da Ora-
çao,tf meditação, 23 2.
Ozp.2.3, D<w liuros que deixou efcri-
tos. 234.
Capit.14. De algús tejlemunhos no-
taueis, que der ao pejjòas graues da
fantidade do Ar cebifpo. 23 5.
Gap. 1^. Em queque feda relação tf
treslado de bua carta que oglorio-
fo S. Carlos Cardeal tf Arcebifpo
de Milão, efcreueo ao noffo Arce-
bfpo. i$7.
Gap.16. (fue contem hum Elogio da
<vida tf obras do Santo compofío
polo Mestre frey Luis de Sotto
mayor. 239.
Cap.z7.D0 refpeito que tinbao ao Sa-
to os Sumos Pontífices, & os Reys
u tf Príncipes de feu tempo, tf to¬
da agente nobre. Z4i.
Cap.zZ.Das pejfoas quefahirao daca-
fa tf criação do Arcebifpo pera
grandes cargos tf dignidades do
reyno. 243.
Gap. 19. De algús milagres notaueis
que 0 Satofezym fua uida. 214.
Gap.^o. De outras mar anilhas que
Nofio Senhor obrou por intercef-
fao do Santo defpois de fua morte.
fol.1^6.
C
LIVRO SEISTO,
AP.i. Do muyto que era de¬
fenda a tresladaçao do Santo
Arcebtjpo: tf de hú cafo extraor¬
dinário que afe^ aprejfar. 248
Cap.i. Ajjentafe na Prouincia fa-
‘gerfe a tresladaçao do Santo Arce¬
bifpo: nomeaje dia, tf começafe a
preuenir 0 necejfario. 249.
Cap.3. Da diligencia com que fe la-
urou a [epultura : tf das ejmollas
que 0 Priorfrey BenoJameu Pin¬
to negoceoupera ella. 250,
Cap.4. Leuantafe 0 edificio da nouafe
pultura. Mudafe 0 dia em que
efiaua lançada a tresladaçao. Af-
finafe outro, tf remouefe também
com nouos impedimentos. Vltima-
mente nomeafe terceiro dia polo Ca
pitulo Proutncial. 151
Cap. 5. Da diligencia tf cuidado com
que a noilla de Viana fe ocupaua
nos apercebimentos das fefias da
tresladação: tf da magnificência
com que 0 Arcebifpo Dom frey A-
gofiinho as mandou ajudar. 253
Gap A.Do numero tf cahdade degen
te que acudio a Viana: tf da ar¬
mação tf ornato da Igreja de São
Domingos. 255,
Gapit.y.Do concerto que auia nas
cr afias. 237.
Capity. Profegue 0 concerto das cra-
Jlas. 258.
Çapit.y.Dasfefias que ouue ao Saba¬
do. 2(0.
 Taboatla
tapitÁo.DaProciffao E? fejlasque
ouue ao Domingo.
o 26 i.
Capit.i i.Profegue a Proc/JfaÓ : def
creuefe o primeiro cano. is 5,
Çapit. 12. Pr ofegue a Prociffao: def
creuefeofegundo carro. 265.
Capit.15.Das diuerfiâades defeftas,
que ama polos lugares que a Pro¬
ei f ao correo: Ef do mais que fu-
cedeo atè fe recolher. 267.
Capit. 14. Comofe ajfentou a Eçape-
ra a tresladaçao: Ef foy aberta a
fepultura onde 0 Santo jafita. 26 8
Cap. i*). Da reuerenáagrande com q
foy njiíto E? uenerado 0 corpo do
fanto Arcebifpo. 269.
Cap.16. Do grande concufo depouo,
que ouue na Igreja^ Ef do meyo que
fe tomou pera defpejar. 270.
Capit. 17. Da fabrica Ef ornato da
Eça* 271.
Cap.1$.D a ordem com que forao cele¬
bradas as Vefperas, Ef Noãur-
ttos da tresladaçao do fanto Arce-
btfpo, ~ ~' 27U
LAVS DEO
Cap. 15?. Das feílas que ouue na <vti¬
la efla tarde, 271.
Cap.10. Ddfefim ao offcio da tresla-
dacao, & leuafe 0 corpo âfepultu-
ta. 274.
Cap. ir. Da perturbação que ouue ao
recolher o corpo na fepultura : Ôc
da guarda que a Camara deDta-
nalbeposç.
Cap.2i.Do que maisfucedeo efiedta:
ôc comofe deu fim àsfálas da tref
la dação. 276%
Cap.23. De algúas conueniencias, que
teue efla tresladafaojom a que an¬
tigamente fie fie^ de nojfio Padre
Sao Domingos. 277,
Cap.14. Apontaofe alguas particu¬
laridades que ouue nejlafefla dig¬
nas de conjideraçao. 2799
Cap.is. De algús fucejfos em que fe
notou efpecial fauor diurno nefies
dtas. 280.
Cap. 16. Da pranta dafepultura ão
fanto Ambifpo : ôc áo letreiro
que nellafe efculpio. 281,
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