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“DRAMA PARA NEGROS e prólogo

para brancos”: (Des) frutando o


Teatro Experimental do Negro,
setenta anos depois.
christian.moura@uol.com.br

Historiador, cursa dramaturgia na SP Escola de Teatro.


Doutorando em Artes pela Escola de Belas Artes da
Universidade Federal de Minas Gerais (EBA/UFMG),
com tema sobre as relações entre História e Teatro a
partir do teatro angolano contemporâneo. Pós-
Graduando Associado do Centro de Estudos Africanos
(UFMG)
Este texto é fruto da reflexão sobre as ausências e presenças
do negro no teatro brasileiro, a partir de breves apontamentos
sobre três peças. São elas, Engravidei, pari cavalos e aprendi a
voar sem asas, da Cia Os Crespos, em 2013; Movimento
Número 1: O Silêncio de Depois..., do Grupo Coletivo Negro,
em 2011; e Sortilégio, mistério negro, do Teatro Experimental
do Negro, TEN, em 1944.

O objetivo é analisar, comparar e interpretar como os grupos


de teatro negro brasileiro contemporâneo, especificamente o
paulistano, tratam a personagem negra e traçar possíveis
aproximações, divergências e singularidades entre seus
tratamentos e a proposta estético-poética-teatral do TEN.
teatro negro
NARANJO, Julio Moracén. Maria Antonia e
Efigênia: Gênero e sociedade no teatro negro
caribenho.

Revista Brasileira do Caribe, São Luis Br, Vol. XII,


nº23. Jul-Dez 2011, p.549-280.
Portal de Periódicos da Universidade Federal do
Maranhão (UFMA).

Disponível em:
<http://www.periodicoseletronicos.ufma.br>.
Consulta em 23 mar 2014.
DOUXAMI, Christine. Teatro Negro: a
realidade de um sonho sem sono.
Afro-Ásia, Bahia,
número 25-26, p. 313-363, 2001.

Disponível em:
< 2014.http://www.afroasia.ufba.br/
>. Consulta em 15 mar 2014.
O teatro negro está relacionado à
identidade cultural do homem negro, este
pode ser compreendido a partir de uma
visão cronológica como um movimento
constituído por representações
espetaculares, obras e encenações
dramáticas negro-africanas da origem e da
diáspora
O teatro negro também pode ser observado
como uma corrente que flutua em função do
momento histórico social, onde se
produzem
performances e obras dramáticas que
expressam signos de teatralidade
fundamentados em três pontos: identidade,
cidadania e atos rituais do homem negro em
qualquer contexto cultural onde ele viva.
A denominação de teatro negro pode tanto ser
aplicada a um teatro que tenha a presença de
atores negros, quanto aquele caracterizado pela
participação de um diretor negro, ou, ainda, de
uma produção negra.

Uma outra definição possível seria a partir do


tema tratado nas peças. Levando em conta a
sobreposição dessas várias definições é que
iremos problematizar as visões que têm como
referência o que é teatro negro no Brasil.
Sortilégio, mistério negro, do Teatro
Experimental do Negro, TEN, em 1944.
O Teatro Experimental do Negro, TEN.
Capa Sortilégio (Teatro Experimental do
Negro) 1957
0cm x 0cm - Crayon
Foto:Paulo Bianco
Cena de Sortilégio – o mistério
negro, de Abdias do Nascimento.
Ítalo de Oliveira (orixá)
Abdias do Nascimento (Dr.
Emanuel). Teatro Municipal, Rio de
Janeiro, 1957.

(Foto de Carlos); Cedida por Elisa


Larkin Nascimento.
EMANUEL – Que mironga é esta no meu pescoço? Quem
está tentando me enfeitiçar? Não acredito em macumba, já
disse. (pausa, reflete...) Sempre debochei dessa
cangira...Mas... se fôr tudo verdade? Se estiver
acontecendo mesmo? Afinal de contas, é o culto do meu
povo. Só porque me formei vou desprezar a religião do
meu sangue? Se algum Orixá estiver tratando de me livrar
da cadeia dos brancos? (pausa, volta-se para o segundo
plano onde apareceu Efigênia pela última vez)... (p.178).
Léa Garcia (Efigênia) e Abdias
Nascimento (Dr. Emanuel) em Sortilégio
– o mistério negro, de Abdias do
Nascimento. Teatro Municipal, Rio de
Janeiro, 1957.

(Foto de José Medeiros);


Cedida por Elisa Larkin Nascimento.
EFIGÊNIA – Usei meu corpo como
se usa uma chave. Você me ensinou
imitar as colegas brancas. Então? Qual
era a vida delas? Você sabia:vestidos
elegantes... perfumes franceses...
música... uísque... No princípio, oh!
Como tudo isso me encantava! (grifos
nossos) (p.181).
Sequência de Sortilégio – o mistério negro, de Abdias do Nascimento. À esquerda Abdias do
Nascimento (Dr. Emanuel); ao centro Helba Nogueira (Margarida-Iemanjá é pescada pela
Teoria de Iaôs). Rio de Janeiro, Teatro Municipal, 1957.

(Foto de Carlos). Cedida por Elisa Larkin Nascimento.


I FILHA DE SANTO – Da terra!
II FILHA DE SANTO – Do céu!
III FILHA DE SANTO – Do inferno!
TRÊS FILHAS DE SANTO (juntas) – Venham.

(Emanuel entra no peji, invisível para o público,


faz a invocação dos exus. À medida que são
invocados, os exus surgem como sonhos
fantásticos entre as árvores). (p.195).
Sortilégio , 1957
Acervo Idart/Centro Cultural São Paulo
Registro fotográfico autoria desconhecida

Teatro Municipal do Rio de Janeiro

Montagem: Teatro Experimental do Negro


Sortilégio , 1957
Acervo Cedoc/FUNARTE
Registro fotográfico autoria
desconhecida

Theatro Municipal do Rio de


Janeiro
Movimento Número 1: O Silêncio de
Depois..., do Grupo Coletivo Negro,
em 2011
Movimento Número 1: O Silêncio de
Depois...,

Grupo Coletivo Negro, em 2011;


Movimento Número 1: O Silêncio de
Depois...,

Grupo Coletivo Negro, em 2012


Espetáculo “Movimento Número 1: O
Silêncio de Depois...”

Facebook. Foto de André Murrer.


PRÓLOGO
Atriz 1 recebe o público fora do espaço cênico, as portas estão fechadas. Ela traz consigo com
alguidar e uma porção de sacos de terra que distribuirá para o público durante sua fala.
Atriz 1: Boa noite.
Nós poderíamos contar de várias formas toda a nossa historia, nossa.
Poderíamos espalhar por entre o espaço, coisas, cores, cheiros e sons, pra que vocês
pudessem ver tudo com mais clareza.
Nós fizemos...
O que hoje aqui acontecerá é fruto de uma união. É o que dela fez-se necessário após caminhos
idos.
É a forma das nossas vontades, é a poética dos nossos desejos, é o suor dos nossos corpos,
que juntos aqui nesse espaço-tempo possibilitam a nós: CELEBRAR-REFLETIR!
Atriz 1 entrega ao público um saquinho que contém um punhado de terra. Abre as portas e
conduz o publico até o espaço onde será realizada a celebração, lá o publico encontrará outros
artistas (atores e músicos) que os recebem e os orientam a se acomodar.
Já no espaço cênico diz: Esta obra é dedicada à memória e a luta de Abdias do Nascimento e de
todo o Teatro Experimental do Negro.[1]

[1]O texto integral do espetáculo foi gentilmente cedido via mensagem eletrônica pelo diretor Jé Oliveira, em 13 de
março de 2014, segundo o diretor a peça será publicado em breve.
Espetáculo “Movimento Número 1: O Silêncio de Depois...” Facebook. Foto de André Murrer.
Espetáculo “Movimento Número 1: O
Silêncio de Depois...”

Facebook. Foto de André Murrer.


Espetáculo “Movimento Número 1: O Silêncio de Depois...” Facebook. Foto de André Murrer.
O que me fez cansar de ter pele. O que
me fez não querer. De quase todos os sim
eu fui poupada. Só não fui poupada dos
não. Mesmo não tendo me tiveram. Sim.
Me transmitiram esse legado... (grifos
nossos)
“Eu hoje reverto o tempo e me olho no
passado...”
Eu não, eu achei que fosse conseguir dizer não.
Daí, as linhas da minha existência insistiram em se fazer
borracha. Eu preciso esquecer pra viver. A minha caligrafia
rumou ligeira para ser legível.

E os que de mim saíram poderão ser sim folhas de papel


sulfite, brancas.

Sim, fiz do meu corpo pincel. Desenhei-busquei linhas


finas, que são tão diferentes das minhas. Contemplei
esses tipos de traços, me enlacei, perpetuei, multipliquei e
eternizei nos meus, na minha prole que nasceu mista.
Mestiços e claros, a salvo do meu garrancho-legado.
É, foi na composição dessa escrita, na
junção desses ''singulares'', que
''pluramos'', e fizemos os nossos
''plurais''...

Foi ele que por meio dessa outra cor


de pele abriu pra mim um portal, uma
passagem para outro universo de
cores, desejos, vontades e
possibilidades.
Engravidei, pari cavalos e aprendi a
voar sem asas, da Cia Os Crespos, em
2013;
"Engravidei, pari cavalos e aprendi a voar sem
asas", na Funarte SP. Foto: divulgação
Projeto dos Desmanches aos Sonhos: Poética em legítima defesa.
Projeto dos Desmanches aos Sonhos: Poética em legítima defesa.
Projeto dos Desmanches aos Sonhos: Poética em legítima defesa.
Espetáculo 'Engravidei, pari cavalos e aprendi a voar sem asas', da Cia Os Crespos. Foto: Lenise Pinheiro, 2013.[1]

[1] Disponível em: <http://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2013/12/19/engravidei-pari-cavalos-e-aprendi-a-voar-sem-asas/>. Consulta em 22 mar 2014.


“...mulheres negras, que “são flagradas em seus cotidianos e suas vidas são expostas ao público,
revelando verdades privadas de uma afetividade soterrada”.
Espetáculo 'Engravidei, pari cavalos e aprendi a voar sem asas', da Cia Os Crespos. Foto: Lenise Pinheiro, 2013.[1]
Espetáculo 'Engravidei, pari cavalos e aprendi a voar sem asas', da Cia Os Crespos. Foto: Lenise Pinheiro, 2013.[1]
Espetáculo 'Engravidei, pari cavalos e aprendi a voar sem asas', da Cia Os Crespos. Foto: Lenise Pinheiro, 2013.[1]
Roniel Felipe
Todos direitos reservados - FUNARTE, dez
2013.
Roniel Felipe
Todos direitos reservados - FUNARTE, dez
2013.
A PRINCESA DO CARNAVAL
Roniel Felipe
Todos direitos reservados - FUNARTE, dez
2013.
(A Princesa do Carnaval está com o corpo
todo marcado como vaca de corte, em
tinta vermelha. Usa um sutiã Madona,
uma máscara pornográfica no rosto e uma
máscara como uma vagina gigante no
sexo. A atriz anuncia a cena. O texto é
falado como quem dá uma entrevista. Aos
poucos a atriz vai se limpando e por fim,
espreme o pano manchado de vermelho na
altura da vagina).
Quando eu desfilei no carro pela
primeira vez eu sambava como uma
louca, parecia que eu tinha me
libertado de alguma coisa que não sei
o que era. Eu me sentia desejada e eu
gostava disso. Acho que a noção de
que eu tinha um corpão, de que era
gostosa e bonita é que me fez livre.
Eu quero sair da quebrada e morar num
apartamento bom. Pode ser em Pinheiros, na
Lapa ou até mesmo no Tatuapé. Vou deixar pra
trás as brigas no trem, aquela gente toda
dormindo em pé nos vagões. Um escorado no
outro tentando compensar a noite mal dormida
porque mataram um policial e os polícia em
resposta, mataram 05 meninos pra vingar a
morte do coxinha.

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