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ESTRUTURAS PSICÓTICAS:

PARANÓIA

O CASO SCHREBER
Freud (1910-1911)
Daniel Paul Schreber
Breve Histórico

• 1842: nasceu Daniel Paul Schreber, em Leipzig,


numa família protestante burguesa. Sua irmã mais
nova, Sidonie, morreu doente mental.

• 1861: seu pai com 53 anos morre. Daniel


Gottlieb Moritz Schreber era um médico rígido e
educador moralista, que obrigava os filhos a
viverem situações traumáticas como cobaia de
inúmeras experiências com aparelhos
ortopédicos.

• Em 1877 morre o irmão mais velho (3 anos mais)


com 38 anos. Sofria de uma psicose evolutiva.
Suicidou-se com um tiro.

• 1878: Casamento – não teve filhos.


Breve Histórico

• 1884: Primeira doença

Aos 42 anos, Schreber frustra-se consideravelmente


ao não conseguir uma cadeira no Reichstag, sendo então
hospitalizado pela primeira vez com o diagnóstico de
hipocondria grave na Clínica Psiquiátrica de Leipzig do
professor/médico Flechsig durante 6 meses.

• 1885: Schreber achava-se completamente restabelecido,


teve a sua alta.

• 1886: Toma posse no Landgericht de Leipzig.


• 1893: Segunda doença
• Aos 51 anos, foi nomeado presidente do Senado. Começaram os
sonhos que não deram importância na época, somente mais tarde.

• Após a nomeação, com a posse como juiz presidente e, começa a


ter muita insônia, o que ocasionou-lhe sensações de
"amolecimento cerebral". Certa manhã, ocorreu-lhe a idéia de que
"seria muito bom ser uma mulher submetendo-se ao coito".

• É então novamente internado. Este segundo episódio deu início a


psicose com seus delírios sexualizados.
• Depois, apareceram idéias de perseguição e morte iminente,
assim como extrema sensibilidade ao barulho e à luz. Mais tarde
surgiram alucinações visuais e auditivas. Essas manifestações o
faziam mergulhar por horas a fio num estado de sideração (estado
de abatimento súbito das forças vitais) e estupor alucinatório (não
reage a perguntas nem a estímulos externos).

• Schreber chegou a desejar a morte tentando suicidar-se. Com


o tempo, as idéias delirantes começaram a ter relações diretas
com Deus e aparições milagrosas.
• De 1900 à 1902 - Escreve seu
livro intitulado “Memória de um
doente dos nervos” expondo o seu
caso. Impetra ação judicial para ter
alta.

• 1903 - O livro é publicado mas só


atrai a atenção de Freud no verão
de 1910.
• 1907: Terceira Doença

• Morre a mãe com 92 anos de idade.

• A esposa tem uma crise de paralisia e ele cai enfermo.

• É internado novamente.

• 1911: Morre com 69 anos no Asilo em Leipzig-Dösen


Caso Clínico
• Para Schreber restituir um sentido a essas experiências
desconhecidas e restabelecer uma temporalidade, instaurou-se
um sistema delirante que levou a uma forma de conciliação.

• Em seu livro intitulado “Memórias de um doente dos nervos”


(1903) podemos observar que os delírios giravam em torno do
próprio Schreber com os dois pólos clássicos de paranóia: idéias
de prejuízo/ perseguição e idéias de superestimação de si mesmo.

• Schreber começa explicando a Ordem do Universo: O ser


humano tem um corpo e uma alma. A alma situa-se nos nervos;
quanto a Deus, é constituído apenas de nervos; Deus portanto é
todo alma. Os nervos de Deus chamam-se "raios" e se encontram
na origem de toda a criação. A quantidade de nervos divinos não
diminui nunca, pois Deus reconstitui sua reserva, reintegrando-se
em si os nervos dos homens mortos (defuntos). Todas essas
intervenções divinas são chamadas de “milagres”.
• Contudo, nessa Ordem do Universo existe uma falha: em algumas
circunstâncias, por razões inexplicadas, os nervos dos homens
encontram-se num estado tão grande de excitação, que eles atraem
para si os nervos de Deus com tanta força que estes não mais
conseguem libertar-se, ficando a existência de Deus comprometida
(caso Deus e Schreber). Ameaçado em sua integridade, Deus arma
um complô contra Schreber, visando a sua aniquilação física e
mental. Temos portanto, um Deus ocupadíssimo em destruir
Schreber.

• Em decorrência desses delírios, Schreber é internado na clínica do


professor Flechsig (que o tratou na 1º crise), porém ele acredita que
este é um agente divino, que tudo fará para leva-lo à ruína, pois
Flechsig opera nele uma ligação nervosa e fala dentro de sua cabeça.
Nas palavras de Schreber, o médico pratica nele um “assassinato da
alma”. Essa é uma expressão da “língua fundamental”, ou seja, a
língua de Deus, que significa “assenhorar-se da alma (nervos) do
próximo”.
• Como Deus compõe-se dos nervos dos defuntos, ao atrair para si
os nervos de Deus, Schreber atrai ao mesmo tempo, as almas dos
mortos. Elas se acumulam em sua cabeça, sob a forma de
homúnculos de alguns milímetros de altura. Algumas vezes elas
formigam aos milhares em seu crânio, todos falando ao mesmo
tempo, numa cacofonia monstruosa. Schreber muitas vezes tentou
suicídio para não ter de ouvir essas vozes.

• Esses homúnculos revelam à Schreber que a Terra está condenada


à aniquilação, que ele será o único sobrevivente, e que as pessoas
que o cercam não passam de simples formas humanas que,
segundo a “linguagem fundamental” são chamados de"homens
feitos às pressas".

• Com Deus, Schreber mantém relações feitas de uma mescla de


adoração e revolta: acusa-o por todos os seus males, considera-o
ridículo e tolo, mas também, confere-lhe todas as virtudes e todas as
glórias.
• Schreber também possui delírios referentes ao seu corpo. Imagina
que sua estatura foi reduzida e introduziram um verme em seus
pulmões, pulmões que depois se contraíram até quase desaparecer.
Retiraram-lhe seu intestino. Seu esôfago foi picado em pedacinhos.
Suas costelas foram quebradas e ele engoliu parte da laringe. Seu
estômago foi substituído pelo de um judeu. Os nervos da cabeça
foram-lhe arrancados. Seus dedos paralisavam-se quando ele
tocava piano. Todavia, a mais abominável de todas as torturas era a
"máquina-de-atar-cabeças” - homúnculos comprimiam-lhe o crânio
girando uma manivela.

• Às vezes, os raios aproveitavam que Schreber estava dormindo ou


conversando para então fugirem. Imediatamente Schreber produzia
o "milagre do urro", soltava um grito para provar a Deus que não
estava morto nem idiotizado. Às vezes, despertava de seu sono
profundo para dar alguns urros mostrando a Deus que, mesmo
dormindo, continuava dono da situação.
• Deus então concede-lhe um missão, um projeto de escala
universal: a criação de uma nova humanidade, depois que a atual
fosse extinta. Uma nova raça de homens, nascida do espírito de
Schreber.

Portanto, pelo bem da humanidade, Schreber consente em ser


mulher de Deus, através da emasculação (os órgão masculinos
retraíam-se para o interior do corpo, ao mesmo tempo que os
órgãos internos se transformavam) para dar origem a essa nova
raça. No início da doença, sua emasculação destinava-se a humilhá-
lo e destruí-lo, abusando sexualmente dele. A prova de que isso era
para humilhá-lo era que os raios de Deus o chamavam de "Miss
Schreber". Somente mais tarde ele aceitou sua transformação em
mulher como algo conforme à ordem do universo.

Enfim, ele só começou a se reconciliar com a idéia dessa


transformação quando lhe pareceu que era o próprio Deus que
reclamava sua feminilidade, não para humilhá-lo, mas com um
propósito sagrado.
O Delírio

Deus persegue Schreber (Ordem do Universo)

Schreber ameaçado em sua mente (Língua dos nervos)

Schreber ameaçado em seu corpo (Destruição do Corpo)

O milagre dos urros

Schreber consente em ser mulher (Emasculação)

“Essa idéia indigna nunca me haveria me ocorrido


sem uma intervenção externa”
Para Freud...

“A ameaça paterna mais temida, a castração, na realidade


forneceu o material para sua fantasia de desejo (a princípio
combatida mas depois aceita) de ser transformado em
mulher”.

► Todo delírio de desmoronamento e aniquilação do


mundo em Schreber corresponde à retirada de
libido do interesse pelos objetos.

► A figura de Deus e o fracasso do Édipo

► A estabilização do delírio através da reconciliação

► A paranóia é a expressão de uma fixação narcísica


e também da luta contra essa fixação
Reconciliar-se com o pai= Deus=médico

Ser penetrado = emasculação = defesa contra a perseguição

Prazer em ser penetrado

Ponto de fixação: desejo pelo pai = medo de ser retaliado = abusado pelo pai

Não possui ainda o controle esfincteriano = “desmanchar-se”

Assumir cargo importante = prazer = medo da retaliação


► Schreber: (...) o senhor, por interesse científico,
pode ter prosseguido na relação comigo até
sentir-se como pouco à vontade com ela e, por
conseguinte, ter decidido rompê-la. Mas é
possível que, nesse processo, parte de seus
próprios nervos – provavelmente sem que o
senhor tivesse conhecimento – tenha sido
retirada de seu corpo, de um modo somente
explicável como sobrenatural, e subido ao céu
como “alma provada”, ali adquirindo um certo
poder sobrenatural. (Memórias de um Doente
dos Nervos, p. 34)
Análise de Freud:

A “alma provada” corresponde ao valor


libidinal atribuído a Fleschig no
inconsciente de Schreber, sendo esta a
eclosão de um desejo homossexual, da
qual Schreber se defendeu através de um
ato psicótico de destruição do mundo,
uma retirada radical dos investimentos
libidinais em todos os objetos.
Referências Bibliográficas

► CORIAT, A; PISANI, C. Um caso de S. Freud:


Schreber ou a Paranóia. In Os Grandes Casos
de Psicose.
► FREUD, S. Notas psicanalíticas sobre um
relato autobiográfico de um caso de
paranóia. In Obras Psicológicas Completas. Rio
de Janeiro: Imago, 1969-1980
► SCHREBER, D. P. Memórias de um Doente dos
Nervos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995

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