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Escola Húngara de Psicanálise

Conteudista: Prof. Dr. Thales de Medeiros Ribeiro


Revisão Textual: Esp. Jéssica Dante

Objetivos da Unidade:

Abordar historicamente as primeiras gerações do movimento psicanalítico


liderado por Ferenczi;

Explorar a trama conceitual e as problemáticas da escola húngara.

📄 Material Teórico
📄 Material Complementar
📄 Referências
📄 Material Teórico
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Introdução
Antes de continuarmos, vamos relembrar o conteúdo das Unidades anteriores?

Figura 1 – 6º Congresso Internacional de Psicanálise em


Haia (Fotografia de 1920. Entre os discípulos de Freud
estão Ernest Jones e Sándor Ferenczi, Hanns Sachs, Otto
Rank e Karl Abraham)
Fonte: Reprodução

#ParaTodosVerem: fotografia em preto e branco. Onze homens brancos com


roupas formais e gravata. Quatro deles seguram um chapéu no colo. Freud está
sentado no centro. Ele está calvo, com alguns cabelos escuros e com
cavanhaque branco. Ao lado, Ernest Jones com as pernas cruzadas e chapéu
sobre o joelho. Sándor Ferenczi está ao lado de Freud e é o único que parece
esboçar um sorriso. Em pé, Hanns Sachs está segurando o braço de Otto Rank.
Karl Abraham está entre Freud e Ferenczi. Foto em ambiente externo com flores
nas bordas. Fim da descrição.

A história da Psicanálise pode ser organizada em quatro grandes períodos,


segundo a cronologia proposta de Mezan (2019): 1º a psicanálise de Freud até a
publicação dos ensaios de metapsicologia; 2º a psicanálise pós-guerra marcada
pelas reformulações (2ª tópica e teoria das pulsões) e pelas divergências internas
entre Freud e seus discípulos; 3º a era das escolas; e 4º a tensão atual entre os
herdeiros das escolas após a morte dos seus principais representantes e os autores
que circulam entre as escolas de forma mais independente;

Vimos que a escola inglesa era centralizada na IPA, tornando-se uma das maiores
tradições pós-freudianas. Falamos sobre as contribuições de Ernst Jones, Anna
Freud, Melanie Klein, Donald Winnicott, Wilhelm Bion e André Green;

Destacamos as diferenças entre Anna Freud e Melanie Klein, que incluem


abordagens divergentes em relação às instâncias da segunda tópica, a relação
objetal e as técnicas de psicanálise de crianças. Enquanto Anna Freud combinava a
Pedagogia e a Psicanálise, Melanie Klein se pautava nos conceitos e desenvolvia
técnicas freudianas. Na clínica, ela considerava o brincar como algo equivalente à
livre associação na análise de adultos.

Nesta Unidade, abordaremos a Escola Húngara de Psicanálise. Antes que a Psicanálise se


consolidasse na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos, a Hungria era um país que recebia
com entusiasmo as ideias de Freud. Sem dúvida, essa vertente foi menos propagada do que as
outras escolas e esteve muitas vezes ameaçada por questões diretamente políticas que
ocorreram no país. Mas isso não impediu que seus autores tivessem um papel fundamental na
formação da teoria e da clínica psicanalítica.

A obra de Sándor Ferenczi, em particular, foi discutida em muitos países. O discípulo de Freud
criou a International Psychoanalytical Association (IPA) e foi o seu primeiro presidente. No ano de
1913, ao lado de Istvan Hollos, Hugo Ignotus e Sandor Rado, fundou a Sociedade Psicanalítica de
Budapeste, a terceira instituição freudiana (ROUDINESCO; PLON, 1998).

Em A Escola Húngara de Psicanálise, Casadore (2016) retrata as primeiras décadas do

movimento psicanalítico. Nos últimos anos de Ferenczi, contudo, as ideias deste autor
divergiram bastante da Psicanálise clássica, sendo duramente criticadas pelos analistas mais
“ortodoxos”. Entre suas inovações, Ferenczi questionou o trabalho com a regressão e a postura
do analista na transferência, além de repensar o lugar da Psicanálise no ensino, na saúde e na

sociedade. Ao longo da história, houve interesses sociais que beneficiaram ou anularam a força
do movimento psicanalítico. O objetivo não é chegar a conclusões fechadas sobre situações
históricas, mas pensar nas implicações e influências dessas situações no futuro da história da
Psicanálise, considerando as propostas teóricas, técnicas e institucionais do movimento. Na

investigação da história e dos conceitos da Escola Húngara de Psicanálise, é importante


entender o desenvolvimento da Psicanálise no país e suas implicações em outras vertentes
psicanalíticas.

Saiba Mais
Na Hungria, a classe médica inicialmente não se interessava pela
Psicanálise. Foi por meio dos artistas que Ferenczi encontrou o
engajamento necessário para divulgar o freudismo. Um dos meios

principais de transmissão foram as revistas literárias. Além de


apresentar e desenvolver aspectos da Psicanálise, o periódico era
adepto dos movimentos vanguardistas ocidentais. Os médicos
olhariam para a Psicanálise somente após Ferenczi olhar para as

neuroses de guerra em seu serviço no Hospital Maria Valeria, em


Budapeste, na Primeira Guerra Mundial. (ROUDINESCO; PLON, 1998).

Além da Sociedade Psicanalítica de Budapeste, em setembro de 1918 conseguiu organizar, na


Academia de Ciências de Budapeste, o quinto congresso da IPA. O evento contou com a presença
de autoridades do governo húngaro, alemão e austríaco.

Na Primeira República, os estudantes de medicina solicitaram que a Psicanálise fosse ensinada


na universidade. O curso foi inicialmente recusado devido a um relatório que acusava a
Psicanálise de ser “pornográfica”. A despeito das críticas iniciais, Ferenczi conseguiu que a sua
candidatura fosse aceita e, em junho, iniciou seu curso com um auditório lotado. Nessa época,
Freud escreveu o artigo Deve-se ensinar a psicanálise na universidade?, mencionando os
princípios essenciais para a prática da psicanálise e propondo “um programa de literatura,
filosofia, arte, mitologia, história das religiões e das civilizações. Freud insistia em que, em

nenhum caso, a psicanálise devia limitar seu campo de aplicação às patologias” (ROUDINESCO;
PLON, 1998, p. 360).

Nos anos seguintes, os planos de Ferenczi foram destruídos. O regime de Horthy e a onda
antissemita na Europa fez com que muitos psicanalistas húngaros se exilassem, como Melanie

Klein, Michael Balint, Sandor Rado e Geza Roheim.

Ferenczi permaneceu no país, mas foi expulso da Sociedade Médica. Ele continuou com a prática
clínica e com a escrita, mas teve que se afastar dos compromissos oficiais. Na época, a
Associação Psicanalítica de Budapeste resistiu e continuou suas atividades com cerca de vinte
membros. Segundo Roudinesco e Plon (1998, p. 360), “o fascismo destruiu todas as esperanças

da escola húngara de psicanálise. E foi no exílio que seus melhores representantes continuaram
a servir sua causa”. A situação se agravou, tornando a prática da psicanálise cada vez mais
arriscada. Além da vigilância da polícia, havia uma política de perseguição aos judeus e
adversários do regime do regente Horthy, aliado de Hitler e Mussolini. Em 1942, a Sociedade de
Psicanálise foi proibida e Hollos, sucessor de Ferenczi, quase foi deportado. Com a invasão das

tropas alemãs, em 1944, vários psicanalistas que viviam no país foram exterminados em campos
de concentração. Após a guerra, o país viveu sob o regime comunista, que promoveu igualmente
uma campanha contra a Psicanálise, o que culminou na dissolução da Sociedade Psicanalítica de
Budapeste.

Saiba Mais
Como as condições políticas (a exemplo de guerras e ditaduras)
afetaram a história da Psicanálise? A Psicanálise é uma prática possível

sob regimes antidemocráticos?

No começo da década de 1970, Imre Hermann tentou manter o nome “Associação Psiquiátrica
Húngara” para demarcar os fundamentos da Escola Húngara na IPA. Mas a instituição

considerou os seus autores como iniciantes, segundo os seus procedimentos padrões:

“Os psicanalistas húngaros, que tanto lutaram para manter uma prática em

Budapeste, foram tratados como iniciantes e convidados a se submeterem ao

processo clássico de admissão. Reconhecida primeiramente como grupo de


estudos, a sociedade foi depois aceita como sociedade provisória em 1983, no

congresso da IPA em Madri, um ano antes da morte de Hermann.”

- ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 361

Houve muita luta e resistência para que a Psicanálise se mantivesse viva na Hungria. Apesar das

tentativas de apagamento e das adversidades, é inegável a influência dessa escola, tanto pelos
analistas que deixaram o país e continuaram suas pesquisas e clínicas no exterior quanto pela
força da tradição ferencziana.

A Tradição Ferencziana: de Balint a Abraham e Torok


A violência da ditadura na Hungria e a invasão alemã no país durante a Segunda Guerra Mundial
produziram efeitos danosos para a transmissão da Escola Húngara de Psicanálise e,
consequentemente, na história de seu representante principal. Além disso, houve uma

campanha de difamação promovida por Ernest Jones, que não hesitou em acusá-lo de
“psicótico”, tentando com isso invalidar suas obras.
Figura 2 – Retrato de Sándor Ferenczi (autografado pelo
autor em 1923) encontrado nos fundos documentais de
Melanie Klein [artista desconhecido]
Fonte: Wikimedia Commons

#ParaTodosVerem: desenho em preto e branco. Ferenczi é calvo com cabelos


brancos acima das orelhas. Utiliza óculos e está sentado. Ele usa roupa branca
com uma gravata preta. Está sentado e levemente reclinado, com a mão direita
apoiada sobre o braço da cadeira. O desenho contém uma dedicatória assinada
no canto superior direito. Fim da descrição.

Saiba Mais
Ferenczi nasceu em 7 de julho de 1873. Em 1906, trocou cartas com

Freud, encontrando-se com ele dois anos depois em Viena. Na década


de 1910, Ferenczi fundou a IPA e a Sociedade Psicanalítica de
Budapeste. Em 1919, tornou-se o primeiro docente universitário de

Psicanálise em Budapeste. Faleceu em 1933.

A violência da ditadura na Hungria e a invasão alemã no país durante a Segunda Guerra Mundial
produziram efeitos danosos para a transmissão da Escola Húngara de Psicanálise e,
consequentemente, na história de seu representante principal. Além disso, houve uma

campanha de difamação promovida por Ernest Jones, que não hesitou em acusá-lo de
“psicótico”, tentando com isso invalidar suas obras.

O psicanalista húngaro era um constante questionador do dogmatismo na prática analítica.


Nascido na Hungria na cidade de Miskolc em 1873, oitavo filho de judeus poloneses, cresceu em

um ambiente rico intelectualmente, mas os pais eram “reservados em tudo o que concernia à
vida afetiva: os contatos eram dos mais reduzidos e se evitava falar do corpo, do sexo ou das
emoções” (THIS, 1995, p. 70). Formou-se em medicina e trabalhou durante alguns anos no
Hospital Saint Roch, onde atuou em prol de uma medicina social, trabalhando com pessoas

marginalizadas socialmente. Em 1906, defendeu os homossexuais na Associação Médica de


Budapeste se contrapondo “aos preconceitos reacionários da classe dominante, que tendia a
[designá-los] como degenerados responsáveis pela desordem social” (ROUDINESCO; PLON,
1998, p. 232).

Em 1908, conheceu Freud e fez análise com ele em três momentos entre os anos de 1914 e 1916.

O resultado da sua análise marcou uma distinção radical entre dois modos de compreender o
lugar do analista e da transferência na clínica. Enquanto Freud ressaltava que o analista deveria
manter uma postura distante de seus analisandos, Ferenczi, ao contrário, criticava esse lugar
pretensamente “neutro”. Ferenczi produzia trabalhos embasado em sua experiência, realizava

deslocamentos sobre a técnica e até mesmo, algumas sugestões para a prática clínica.
Durante a Primeira Guerra Mundial, ele começou a se interessar pelas “neuroses de guerra”.
Passou a defender uma necessidade de um tratamento analítico mais breve, com resultados
rápidos, o que se diferenciava radicalmente das expectativas do método freudiano, que

geralmente implicava uma análise longa (THIS, 1995, p. 81). Essa análise breve seria o princípio
da “técnica ativa”. O que seria essa técnica? De acordo com Roudinesco e Plon (1998) uma
terminologia semelhante já havia aparecido nos trabalhos de Wilhelm Stekel. O autor começou a
estabelecer um prazo limitado de sessões (no máximo 150). O termo retoma com Ferenczi e

adquire ainda outros sentidos. O psicanalista húngaro observava em sua prática clínica
obstáculos que os analisandos construíam para resistir à associação livre.

Muitos deles dormiam durante as sessões ou não conseguiam associar, pois muitas coisas lhe
ocorriam ao mesmo tempo. Ferenczi considerava que isso não seria sanado com os métodos
clássicos de interpretação. Nesses casos ditos difíceis, Ferenczi defendia a postura ativa do
analista. Em um de seus casos, ele insistia, por exemplo, para que o paciente completasse toda
frase ou sentença interrompida. Em outro caso, Ferenczi pediu para que o paciente não
economizasse esforços em vencer a resistência que possuía frente às palavras obscenas; o

analisante deveria escrever o que queria comunicar, em uma prática contínua, progressiva, de
superação dessas resistências (CASADORE, 2011). A atuação do analista ocorria por meio de uma
intervenção mais direta do que no método clássico, com o uso de “ordenamentos” e
“proibições” quando percebia uma posição acomodada do analisante. Observando que uma
paciente mantinha sempre as pernas cruzadas durante as sessões, ele a proibiu que “adotasse

aquela posição, sob a explicação de que, daquela maneira, realizava uma forma primária de
masturbação, liberando pulsões inconscientes e permitindo somente a formação de materiais
fragmentados, inúteis, correspondentes às suas ideias” (CASADORE, 2011, p. 61).

O psicanalista húngaro não considera que essa prática deveria ser usada por iniciantes e nem de

forma indiscriminada. A associação livre e a interpretação eram os fundamentos da clínica.


Nesse sentido, a “técnica ativa” foi apenas um complemento para casos específicos nos quais os
métodos clássicos se mostraram pouco eficazes.
Saiba Mais
Segundo Gisela Paraná Sanches (1994), Michael Balint foi um

importante comentador da obra de Ferenczi, além de ter sido seu


analisante, discípulo e colega de trabalho. Balint se fundamentou
principalmente nas ideias biológicas de Freud e Ferenczi sobre as fases

do desenvolvimento. Um dos aspectos mais originais seria a de um


“novo começo” associado aos organismos que escapam da morte,
ideia particularmente relacionada aos “casos difíceis” e aos

paradigmas do fim de análise. Casadore (2011) destaca as suas


contribuições posteriores:

“Balint sugere que a constituição subjetiva passaria por três “níveis”, a saber, o

nível da “falha básica”, o nível “edípico” e o nível “de criação”. A postulação da

ideia de “área da falha básica”, referente a deficiências na estrutura do sujeito


durante a fase de construção da sua personalidade, é, por fim, uma das principais

concepções de Balint acerca do funcionamento psíquico e do tipo de tratamento

psicanalítico possível. A área da “falha básica”, pré-edípica, constitui-se, por fim,

um nível de tratamento singular e referente aos pacientes “difíceis” e regredidos

que Ferenczi havia apresentado no começo da década de 1930. Balint formularia

estruturalmente o funcionamento destes sujeitos na clínica, a partir das

colocações práticas ferenczianas e dos seus próprios estudos e experiências com


esse tipo de paciente, elucidando os tipos de processo característicos destes

analisandos e, a partir de então, formulando as possibilidades de trabalho e de


intervenção clínica para o terapeuta. Além dos comportamentos “ocnofílicos” e

“filobatas” frequentemente encontrados nesse nível psíquico, Balint também

destacaria a “vinculação dual” que se mantém ali, a força dinâmica de relações e

investimentos libidinais qualitativamente diferentes daquelas do “conflito”


edípico, e, enfim, o predomínio dos processos não-verbais, do funcionamento do

sujeito estruturado numa linguagem menos simbolizada, aquém da dos adultos, a

qual deve ser alvo de bastante atenção e cuidado na relação transferencial

estabelecida.”

- CASADORE, 2011, p. 119-120

O conjunto de contribuições de Balint para a psicanálise incluiu suas investigações técnicas,

além da atuação em patologias contemporâneas como os casos ditos borderline

Uma Revisão da Teoria do Luto em Abraham e Torok


Para abordarmos como a elaboração do trauma e o luto apareceram como temas privilegiados na

Escola Húngara de Psicanálise, precisamos retornar a Freud.


Figura 3 – Retrato de Sándor Ferenczi. Fotografia de Aladár
Székely (1910)
Fonte: Wikimedia Commons

#ParaTodosVerem: fotografia em preto e branco de Sándor Ferenczi. Ele está


em ambiente fechado (estúdio). Utiliza roupa formal preta com gravata e gola
brancas. Utiliza óculos redondo. Fim da descrição.

Sigmund Freud e Karl Abraham apresentaram uma nova compreensão das relações entre luto e

melancolia, diferenciando-se da abordagem biológica de Emil Kraepelin. O editor inglês de Freud


argumenta que a preocupação com a melancolia nos leva ao ano de 1985. Nas cartas a Fliess,
Freud tentava explicar a melancolia em termos neurológicos. Mais tarde, em um debate sobre o
suicídio na Sociedade Psicanalítica de Viena, em 1910, ele apresentou, pela primeira vez, a

analogia entre melancolia e luto. Mas foi somente em um texto feito durante a Primeira Guerra
Mundial que Freud definiu o luto como um modelo para compreender a melancolia.
Esses escritos sobre a melancolia são, sem dúvida, uma forma de pensar o quadro das psicoses,
mesmo que, durante a época da 2ª tópica, Freud a considere uma psiconeurose narcísica e não
mais uma psicose (como seria a paranoia).

Saiba Mais
A psicose foi investigada primeiramente pelos autores da tradição
suíça que pensavam o campo freudiano em suas fronteiras com a

psiquiatria descritiva. Cf. por exemplo A noção freudiana de ideogênese


e o seu significado na loucura maníaco-depressiva (Kraepelin’s), de
Otto Gross (ainda não há tradução para o português), Histeria e

Dementia Praecox, de Karl Abraham e Sobre a psicologia da demência


precoce de Jung, os três publicados em 1907.

Leitura
O Triunfo do Ideal: Contribuições para o Estudo Psicanalítico da Mania

Clique no botão para conferir o conteúdo.


ACESSE

Freud (2019), em 1915/1917, definiu o luto como a reação à perda, um afeto normal que poderia
servir como protótipo para entender a afecção da melancolia. O luto é caracterizado pela tristeza
profunda causada pela perda de alguém ou algo, enquanto a melancolia se manifesta como uma
resposta diferente em relação à perda. O luto é concebido como uma reação a uma perda, seja ela
concreta ou abstrata. Freud aponta para características comuns entre os dois estados: profundo
desânimo, perda de interesse pelo mundo externo, incapacidade de amar e estabelecer
transferência, inibição das ações. Diferentemente do luto, a melancolia apresenta uma divisão
no Eu que coincide com o rebaixamento da autoestima: há a identificação do Eu com o objeto
perdido e, simultaneamente, uma postura sadicamente direcionada contra o objeto (a queixa
delirante), divisão gera um conflito entre as pulsões do Eu e as pulsões sexuais.

Anos antes, Karl Abraham (1911/1912) já havia sugerido que a angústia se relaciona ao medo
(futuro) da mesma forma que o luto ao pesar (passado). A depressão surgiria quando a pulsão
não é alcançada e o sujeito se sente não-amado e incapaz de amar. Nesse texto, ele destacou a
dificuldade de separar o luto patológico e a melancolia, mostrando a semelhança estrutural
entre a psicose depressiva e a neurose obsessiva e chamando a atenção para a análise da psicose
depressiva. A análise de Freud e Karl Abraham, com o tempo, foi levando esses autores a
distinguir as duas estruturas a partir das diferentes fases do desenvolvimento da vida
psicossexual. Enquanto o luto patológico do neurótico estaria ligado à fase anal, o melancólico
se fixaria à fase oral-canibalista, como podemos ler em Psicologia das massas e análise do eu
(1921) e em O eu e o Isso (1923).
Trocando Ideias...
Em Erótica do luto no tempo da morte seca, o psicanalista francês Jean
Allouch (2004) mostra que, para entendermos melhor a versão
freudiana do luto, precisamos passar pelos textos de Karl Abraham e
pela troca de cartas entre eles, mas que não devemos esquecer das
correspondências entre Freud e Ferenczi. Ferenczi havia escrito nove
dias após a morte de seu irmão: “Caro Sr. Professor – escreve Ferenczi
– “Eu ab-reagi o luto de meu irmão, completamente, durante a

evolução de sua doença, rica em esperanças frustradas […]” (FERENCZI


apud ALLOUCH, 2004, p. 123, grifo do autor). Você sabia que o termo
“ab-reação” remete ao traumatismo? Esse termo foi introduzido por

Freud e Breuer na introdução dos Estudos sobre a histeria. O que


Allouch está indicando é que a menção a essa noção mostra que havia
um lugar para o luto na teoria de Freud antes do conceito de

narcisismo, e que esse lugar já tinha uma designação específica


relacionada à catarse. Ferenczi não estava inovando nesse sentido,
pois já havia lido sobre as condições que dificultavam a ab-reação ao
traumatismo, incluindo casos em que a natureza do trauma excluía
qualquer reação possível, como na perda irreparável e insubstituível de
um ente querido. Por que Freud não pensou o luto a partir do trauma?

Devemos considerar o contexto histórico. Em 1915, o método catártico de Freud já havia sido

modificado. Ironicamente, a guerra de 1914-1918 trouxe a concepção de trauma novamente para


o centro da cena. Foi somente na segunda tópica (apresentada posteriormente) e com a
introdução dos conceitos de pulsão de morte que o trauma voltou a ser reconhecido como uma
questão central. Portanto, a nova compreensão do trauma e sua relação trágica com a morte só

foram desenvolvidas depois de luto e melancolia. A conexão entre luto e trauma, no entanto,
nunca foi realizada pelo pai da Psicanálise.

Em Além do princípio do prazer, Freud enfatizou como o trauma pode acarretar uma repetição
compulsiva nos sonhos dos soldados de guerra. Ferenczi também contemplou os sintomas e
sonhos dos neuróticos de guerra. Os traumas não eram mais reminiscências distantes, mas
feridas abertas no presente.

Em Dois tipos de neurose de guerra (histeria), Ferenczi (1992) afirma que muitos soldados
voltavam da guerra com tremores e dificuldades de locomoção. Inicialmente, esses sintomas
físicos pareciam causados por doenças orgânicas/neurológicas, porém frequentemente eram
neuroses resultantes do trauma. Tais neuroses de guerra fariam parte das histerias de
conversão, apontando para as circunstâncias atuais na formação dos sintomas. Elas são
caracterizadas por “sintomas regressivos” que funcionavam como uma defesa para lidar com a
experiência traumática. O caráter repetitivo desses sintomas, diferentemente do que
considerava a perspectiva freudiana, pode ser concebido neste caso como parte do processo de
cura e elaboração.
Figura 4 – Retrato de Karl Abraham. Fotografia de Becker &
Maas (1920)
Fonte: Wikimedia Commons

#ParaTodosVerem: imagem em preto e branco de Karl Abraham. Ele está em


ambiente fechado com roupas formais. Tem cabelo e bigode rente e grisalho.
Fim da descrição.

Saiba Mais
Uma concepção de trauma diferente da de Freud e da de Ferenczi pode
ser lida em um texto de Karl Abraham (1994):

Neuróticos e psicóticos apresentam memórias dos traumas sexuais da infância;


Enquanto forma de atividade sexual infantil, a criança desejaria inconscientemente
o trauma. Em crianças predispostas à histeria ou demência precoce, uma
experiência sexual pode ser um objetivo sexual. O trauma ocorre como
consequência de uma tendência inconsciente, expressando uma forma de atividade
sexual infantil;

Abraham compara os casos em que a criança se afasta do trauma (evitar colocar a


mão no fogo) com aqueles em que haveria uma tendência à sua repetição. Ele
observa uma tendência dos histéricos adultos a experimentar repetidamente os
traumas sexuais;

Analisa o caso de um homem que sofreu um acidente e tem repetidamente sonhos


angustiantes relacionados ao trauma, relacionando-o às teorias de Freud sobre os
sonhos (como realização de um desejo inconsciente). Essa hipótese será negada
pelo próprio Freud quando ele aborda a repetição nos sonhos dos neuróticos de
guerra.

Essas observações mostram que a clínica psicanalítica se liga ao campo do social, envolvendo
uma tensão entre o estrutural e o histórico. No estudo do trauma e do luto, a psicanálise escuta
como a perda se associa ao processo histórico e à subjetividade. As concepções de trauma de
Karl Abraham são criticáveis quando comparadas às teorias de Freud e de Ferenczi. Enquanto
Abraham simplifica o trauma ao vê-lo como uma forma de atividade sexual infantil e atribuindo
a culpa à vítima, Freud e Ferenczi reconhecem a complexidade do trauma, explorando seus
diferentes aspectos psíquicos.

Abordando a temática do luto, as ideias de Freud e Abraham sobre a incorporação do objeto


perdido foram deslocadas por dois importantes autores da Escola Húngara de Psicanálise:
Nicolas Abraham e Maria Torok. Esses autores emigrados herdaram a tradição húngara e a
desenvolveram na França.

Em A casca e o núcleo (1995), Abraham e Torok citam a correspondência entre Freud e


Abraham, e revelam um mal-entendido inicial entre eles. Nicolas Abraham menciona a
incorporação do objeto em seus casos clínicos e solicita uma separata do artigo Luto e
Melancolia de Freud para auxiliá-lo em seu trabalho. Ele também compartilha a observação de
que muitas pessoas apresentam um aumento da libido logo após um período de luto, o que pode

levar à concepção de uma criança.

Abraham menciona que compreendeu os escritos de Freud sobre a mania e a melancolia, mas
não encontra menção a uma reação paralela nos casos normais de luto. Ele questiona se sua
observação sobre o crescimento da libido após o luto pode ser considerada análoga à “festa
maníaca”. Finalmente, Freud pede desculpas pelo mal-entendido e reconhece a importância do
tema. No entanto, menciona que Abraham acabará dando a ele um lugar restrito em um artigo
posterior, limitando suas consequências teóricas e clínicas.

Essa troca de correspondência revela a resistência de Freud em explorar mais a fundo o tema do
luto. Karl Abraham apresentou formulações importantes tanto para a Escola Inglesa de
Psicanálise quanto para a Escola Húngara. Suas obras originais contribuíram para o
conhecimento do estado pré-genital de desenvolvimento da libido. Ele trabalhou temas como o
luto e sua a relação entre os estados maníaco-depressivos, além de contribuir para pensar as
relações de objeto, sobretudo a fase oral (pré-genital), noção com a qual elaborou a ideia da
incorporação do objeto perdido no luto. Ele repensou a fase pré-genital, investigando a rejeição
de alimentos nas depressões e psicoses e estabeleceu uma conexão entre a melancolia e a
regressão à fase oral. Em um trabalho de 1924, ele chegou a apresentar casos bastante radicais
de identificação com o objeto abandonado através da noção de incorporação. Mesmo na

elaboração do luto dito normal, a reação à perda se constrói a partir dessa fase do
desenvolvimento da libido. Um de seus exemplos é o caso do marido que perdeu a esposa e o
filho recém-nascido em uma cesariana. Em sonho, retornavam as imagens de um corpo
retalhado, indicando uma analogia possível entre o luto e o banquete canibal.

Ao longo do tempo, o conceito ferencziano de introjeção foi sendo utilizado de diferentes


maneiras e acabou perdendo sua definição original. Essa confusão se tornou evidente com o uso
do termo introjeção para descrever processos que, na verdade, envolvem recusa ou
incapacidade de introjetar (ABRAHAM; TOROK, 1995).

Freud, Abraham e Melanie Klein, cada qual à sua maneira, enfatizam a ideia de que a melancolia
envolve a incorporação de um objeto. A perda de um objeto amado pode resultar na identificação
radical com o que foi perdido, o que pode levar a um estado melancólico. Nessa vertente, haveria
uma internalização melancólica do objeto perdido. Já Ferenczi segue por outra via. Ele
desenvolveu a noção de introjeção que se refere ao processo pelo qual o sujeito lida
internamente com os objetos externos, em um movimento contrário ao da projeção paranoica.

No texto Introjeção e transferência (1909), o psicanalista húngaro define o conceito de


introjeção como a introdução dos objetos externos na esfera do Eu, introjeção cuja origem é
autoerótica, mas que regula o amor objetal e a transferência.

“Enquanto o paranoico expulsa os estímulos desprazerosos para fora do eu, o

neurótico se organiza de forma a trazer para o interior do eu a maior porção

possível do mundo externo, fazendo dela objeto de fantasias inconscientes. Trata-

se de um tipo de processo de diluição, mediante o qual o neurótico procura

dissolver a intensidade desses impulsos de desejo. Poderíamos então nomear este

processo, em oposição ao de projeção, de introjeção.”

- FERENCZI, 1909 apud STEKEL, 2017, n. p.)

Abraham e Torok indicam que devemos reservar o termo “introjeção” ao sentido entendido
originalmente na obra de Ferenczi. A introjeção, como entendida por Ferenczi, envolve a

extensão dos interesses autoeróticos, o alargamento do Eu e a inclusão do objeto no Eu. O texto


de Ferenczi revela que a introjeção implica a extensão dos interesses autoeróticos, o
alargamento do Eu através da eliminação dos recalcamentos e na inclusão do objeto no Ego,
resultando no autoerotismo.

No caso da introjeção, Ferenczi destaca que ela não é motivada pela perda de um objeto de amor,

mas sim pela aspiração de introduzir a libido inconsciente no Eu, ampliando e enriquecendo-o.
Esse processo não tem a ver com uma reparação ou compensação, mas com o crescimento do
Eu. O autor ressalta que a introjeção não se refere apenas ao objeto em si, mas ao conjunto das
pulsões e de seus destinos. Ferenczi compreendia a introjeção como um processo que abarca a
mediação do objeto e do analista, operando entre o narcisismo e o erotismo dirigido ao outro. A

partir dessa mediação, as incitações pulsionais se transformam em desejos e fantasias.

Abraham e Torok discutem, então, a especificidade da incorporação como um mecanismo


fantasmático que busca recuperar o objeto-prazer perdido. Segundo os autores, ao contrário da
introjeção, que é um processo progressivo e está relacionado ao alargamento do Eu, a
incorporação ocorreria de forma instantânea e mágica. A incorporação é um mecanismo
compensatório à perda do objeto que busca instalar o objeto perdido para preservá-lo. A
incorporação sempre se distingue da introjeção, pois recorre inclusive a processos próximos da
alucinação. Seu objetivo é recuperar secretamente um objeto proibido. Enquanto a introjeção
rompe com a dependência do objeto, a incorporação cria ou reforça um vínculo imaginário,
portanto, uma relação de dependência.

Em síntese, com base em Abraham e Torok (1995) podemos fazer a seguinte distinção entre a
incorporação e a introjeção:

Incorporação:

Mecanismo fantasmático que busca recuperar o objeto-prazer perdido;

Processo instantâneo e mágico;

Compensação à perda do objeto. Busca instalar o objeto perdido para preservá-lo;

Recorre a processos próximos aos da alucinação;

Objetivo secreto de recuperar um objeto proibido;

Cria ou reforça um vínculo imaginário. Estabelece uma relação de dependência.


Introjeção:

Processo pelo qual o sujeito lida internamente com os objetos externos.

Introdução dos objetos externos na esfera do Eu.

Origem autoerótica. Mas tende a regular a dinâmica do amor objetal e da


transferência.

Ampliação e enriquecimento do Eu.

Não é motivada pela perda de um objeto de amor.

Não se refere apenas ao objeto, mas ao conjunto das pulsões e seus destinos.

Processo progressivo. Rompe com a dependência do objeto.

A Primazia das Relações Objetais no Desenvolvimento


Subjetivo na Escola Húngara
Assim como ocorreu no pós-freudismo inglês, a Escola Húngara também dedicou atenção ao
desenvolvimento infantil e às suas fases.

Segundo Casadore e Hashimoto (2015), a Escola Húngara desenvolveu trabalhos sobre os


estágios iniciais do desenvolvimento infantil, a exemplo de Alice Balint que pensou a relação
entre o desenvolvimento infantil e a educação, destacando-se sua prática clínica ativa na
Associação Psicanalítica e na Policlínica Psicanalítica de Budapeste. Alice Balint é uma autora
que, tal qual Klein e Winnicott, visou à relação entre a mãe e o bebê, mas a autora se voltou
sobretudo à área da educação. Ela seria representativa das ideias da Escola Húngara. Alice Balint
baseou-se em Ferenczi e na própria experiência clínica, fato comum aos psicanalistas da Escola
Húngara. Os seus textos póstumos Identificação e Amor pela mãe e amor materno seriam
particularmente significativos, já que abordam as primeiras relações na vida do sujeito.
No trabalho sobre a identificação, a autora partiu de sua prática para indicar como o
desenvolvimento infantil da criança deve ser sempre relacionado ao mundo externo. A criança
estabeleceria uma relação com o mundo externo por meio de identificações subjetivas com os
objetos em meio às experiências afetivas com a mãe ou os educadores. Tais identificações são
cruciais para pensarmos nossa relação com o mundo, dado que a identificação não se limita
apenas à relação objetal amorosa, mas envolve a assimilação dos objetos. A psicanalista tinha a
seu acesso um rico material para investigar o “pensamento identificatório” associado à

assunção progressiva da realidade.

Leia a seguinte citação sobre o pensamento identificatório.

“A. Balint vai dizer que a criança começa identificando coisas externas com outras

familiares a si, como massas quaisquer com fezes ou líquidos com urina, num

primeiro momento. Afirma que o vantajoso nesse processo é a possibilidade que a


criança teria de encontrar substitutos para suas primeiras fontes de prazer que,

aos poucos, vão sendo renunciadas graças à imposição da educação. O pensamento

identificatório teria, por fim, como propósito, evitar aquilo que lhe é desprazeroso

e obter prazer ao transformar o que antes era um objeto externo estranho e

assustador em algo familiar e que possa ser usufruído, de algum modo, pela

criança. Dessa forma, é sobre a aquisição do sentido de realidade que debruçamos

nossa atenção, dentre aquilo sobre o que versam as propostas teóricas da autora.

Num primeiro momento, a atribuição de sentido e assimilação de objetos é

extremamente egocêntrica e limitada, e só depois se torna mais complexa. A.

Balint, no entanto, vai ressaltar que essa imagem notável do mundo compreendido

a partir do nosso ego-prazer (pré-“realidade”) persiste para sempre no nosso

inconsciente e acaba por ser a responsável por estabelecer a base de um

antropomorfismo (egocêntrico) que sempre estará por trás até mesmo dos

pensamentos mais científicos e objetivos. A. Balint vai sustentar que,


naturalmente, o pensamento identificatório teria sua constituição muito atrelada

ao narcisismo – mas se considerarmos que o narcisismo nunca se estende para

além do próprio ego do sujeito, há de concebermos a identificação como a ponte

pela qual o sujeito pode passar de um “autoamor” (embora também relacionado

com o meio externo) a um “amor-realidade” (amor objetal com senso de

realidade). ”

- CASADORE; HASHIMOTO, 2015, p. 326

No outro trabalho, Alice Balint se volta à relação mãe-bebê considerando-a a “primeira relação

objetal da criança”. Essa ligação não seria puramente narcísica ou passiva, mas também ativa e
dual, já que o bebê demanda o amor da mãe.

O “egoísmo ingênuo” seria uma forma arcaica de amar a mãe. De buscar um amor do objeto
materno sem considerar quaisquer outros investimentos libidinais e egóicos. Balint destaca,

ainda, que tais relações arcaicas, tanto do ponto de vista da criança quanto do da mãe,
permaneceriam na vida adulta, ou seja, é um modo de relação objetal que produz efeitos
duradouros na vida do sujeito. A mãe se torna um objeto cuja presença e atendimento às
necessidades do bebê são cruciais ao desenvolvimento psíquico da criança. Isso aponta para a
necessidade de um ambiente suficientemente acolhedor e de uma presença materna
consistente para o indivíduo.

Sabemos que as ideias de Balint – assim como a de outros autores da Escola Húngara – são
menos famosas do que as de Klein, Winnicott, Lacan ou Dolto. Mas perderíamos contribuições
valiosas sem elas, seja porque a autora traz um olhar diferente sobre a constituição do sujeito em

seus primeiros estágios do desenvolvimento, seja porque dá primazia às relações objetais e às


identificações, aspectos fundamentais da Psicanálise.

A Sociedade Húngara de Psicanálise não pode ser considerada uma “escola” em sentido estrito,
pois não haveria uma doutrina coesa em torno de um mestre, ainda que Ferenczi seja

reconhecido como um de seus principais teóricos. A despeito de suas notáveis inovações


teóricas, técnicas e institucionais, a liderança na escola húngara difere daquelas atribuídas, em
outros países, a Ernest Jones, Anna Freud, Melanie Klein ou Jacques Lacan. Sua originalidade
não se limita apenas às suas produções teóricas ou técnicas, mas está relacionada à sua

formação e a seu funcionamento. Embora não haja uma teoria de base a ser seguida ou
“ensinada”, os textos dos autores húngaros – desde os primeiros períodos da Sociedade
Psicanalítica de Budapeste – revelam os caminhos comuns que foram trilhados por seus
membros. São trilhas abertas e não imposições de uma doutrina. A Escola Húngara é, portanto,

uma construção coletiva, onde os postulados são aprimorados ao longo das gerações.

Entre os autores estariam Judith Mészáros, Brabant, Nemes, Ëros, Michele Moreau-Ricaud,
Anna Verônica Mautner e Judith Dupont.

“Na Escola Húngara, a identificação teórica não se vincula necessariamente à

rigorosidade metodológica, mas, antes, a um ideário comum que se refira a

posicionamentos e princípios – fundamental, porém bastante aberto à construção

cada vez mais distinta e original de produções científicas. Dentro desse espírito

húngaro, [é importante discutir questões] referentes à formação do psicanalista, à

primazia dos estudos clínicos, da relação terapêutica e do papel do analista, de uma

postura ética desse analista – não só no que concerne à clínica, mas também à

psicanálise ampliada –, ou seja, posicionamentos críticos e investigativos que

definiam, a nosso ver, a configuração da sociedade psicanalítica húngara.”

- CASADORE, 2016, n. p., grifo do autor

Confira, a seguir, as principais ideias sobre a técnica e a formação que ocorreram na Sociedade
Húngara de Psicanálise, segundo Casadore (2016):

Mudanças técnicas influenciadas por Ferenczi;


Importância do setting, da transferência e da contratransferência;

Discussão sobre a postura do analista, a evolução da análise e seus objetivos em


relação aos casos difíceis e às relações objetais;

Estabelecimento de cursos, palestras, congressos e seminários para a formação e


treinamento dos candidatos a analistas. Organização do Comitê de Treinamento em
1925, liderado por Ferenczi e Hermann;

Criação de policlínicas para atendimentos supervisionados durante a formação;

Inclusão de temas como etnologia psicanalítica e psicanálise aplicada na formação


analítica;

Requisitos para admissão de novos membros, incluindo análise pessoal, experiência


clínica e apresentação de casos aos pares da Sociedade Psicanalítica;

Ênfase no aprendizado centrado na experiência clínica, com supervisão contínua;

Ênfase na ética profissional e no reconhecimento da


subjetividade do analista.
📄 Material Complementar
2/3

Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livro

A Falha Básica: Aspectos Terapêuticos da Regressão


BALINT, M. A Falha Básica: Aspectos Terapêuticos da Regressão. São Paulo: Zagodoni, 2014.

Leitura

Um Estudo Psicanalítico Sobre o Trauma de Freud e Lacan

Clique no botão para conferir o conteúdo.

ACESSE
Um Capítulo Húngaro da História da Psicanálise: as
Contribuições de Ferenczi, Spitz e Balint para o Estudo das
Formas Passivas de Adoecimento Psíquico
Artigo escrito para a Revista Brasileira de Psicanálise por N. E. Coelho Junior em 2017.

Clique no botão para conferir o conteúdo.

ACESSE

Sándor Ferenczi e os Princípios para uma Ética do Cuidado


nas Práticas Educativas

Clique no botão para conferir o conteúdo.

ACESSE
📄 Referências
3/3

ABRAHAM, K. Psicoanálisis clínico. 3. ed. Buenos Aires: Hormé, 1994.

ABRAHAM, N.; TOROK, M. A casca e o núcleo. São Paulo: Escuta, 1995.

ALLOUCH, J. Erótica do luto no tempo da morte seca. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2004.

CASADORE, M. M. A escola húngara de psicanálise e sua influência no movimento psicanalítico.


Londrina: EDUEL, 2016.

CASADORE, M. M. Sándor Ferenczi e a psicanálise: pela errância das experimentações. 2011.


Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Estadual Paulista, Assis, 2011.

CASADORE, M. M.; HASHIMOTO, F. A primazia das relações objetais no desenvolvimento


subjetivo presente nos estudos da Escola Húngara de Psicanálise: uma perspectiva histórica.

Estilos clin., São Paulo, v. 20, n. 2, p. 325-338, ago. 2015. Disponível em:
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FERENCZI, S. Dois tipos de neurose de guerra: histeria. In: FERENCZI, S. Psicanálise, 2. São
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FREUD, S. Luto e Melancolia. In: FREUD, S. Neurose, psicose, perversão. Belo Horizonte:
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MEZAN, R. O tronco e os ramos: estudos da história da psicanálise. 2. ed. São Paulo: Blucher,
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RICOEUR, P. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Unicamp, 2007.

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SANCHES, G. P. Sándor Ferenczi e a ampliação dos limites terapêuticos da psicanálise. São


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STEKEL, W. As diferentes formas da transferência = Die verschiedenen Formen der Übertragung.

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<https://revistalacuna.com/2017/11/20/n4-06/#_ftn42>. Acesso em: 22 abr. 2023. Traduzido e
comentado por C. Padovan e N. Müller.

THIS, B. Introdução à obra de Ferenczi. In: NASIO, J-D (org.). Introdução às obras de Freud,
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