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Escola Inglesa de Psicanálise

Conteudista: Prof. Dr. Thales de Medeiros Ribeiro


Revisão Textual: Esp. Maria Thereza Carvalho Rodriguez Guisande

Objetivos da Unidade:

Revisar Freud em diferentes vertentes da psicanálise inglesa;

Comentar as diferentes compreensões de sexualidade, pulsão e objeto nessa


tradição.

📄 Material Teórico
📄 Material Complementar
📄 Referências
📄 Material Teórico
1 /3

Reflita
Qual é o papel Associação Psicanalítica Internacional (IPA) para a
transmissão do legado freudiano? A escola inglesa trabalha com quais
temas e conceitos?

Introdução
Juntamente com Sándor Ferenczi, Sigmund Freud fundou a Associação Psicanalítica
Internacional (IPA), em 23 março, de 1910. Essa instituição, desde a década de 1920, estenderia
seus braços em torno de todo o globo, do Japão ao Novo Mundo.
Figura 1 – Aniversário de 70 anos de Melaine Klein na
Sociedade Inglesa de Psicanálise. Entre os convidados,
estão Winnicott, Bálint e Ernest Jones
Fonte: Wikimedia Commons

#ParaTodosVerem: fotografia em preto e branco. Há uma mesa de jantar ao


centro, com toalha branca. Todos os pratos estão virados para baixo. Algumas
pessoas estão sentadas. Todos os convidados estão vestindo roupas formais.
Quatro pessoas estão de pé. No centro e ao fundo, Ernest Jones mantém os
braços cruzados. Ao seu lado, Melanie Klein, idosa, utiliza um vestido preto e
uma flor na lapela. Há seis homens brancos. Todos estão vestidos formalmente.
Freud está sentado, tem barba curta, cabelo grisalho e segura uma bengala. No
centro, há um homem idoso com chapéu na mão esquerda. À direita, Jung usa
um bigode e se segura em uma bengala. No fundo, há três homens olhando para
a câmera. Fim de descrição.

Após a morte de Freud e a chegada dos psicanalistas refugiados, os Estados Unidos e a Grã-
Bretanha se tornariam duas grandes potências. A IPA predominantemente anglófona se
caracterizaria pelas crises entre as linhas pós-freudianas. O conflito entre as “duas cabeças da
Hidra”, o annafreudismo e o kleinismo colocou em cena um limite entre maneiras inconciliáveis
de pensar a teoria de Freud e a clínica com crianças.
Você Sabia?
IPA é a sigla de Associação Psicanalítica Internacional (em vez de API).

Essa é a sigla oficialmente reconhecida da instituição International


Psychoanalytical Association. Porém, nem sempre foi assim: ela era
conhecida como IPV (em alemão: Internationale Psychoanalytische
Vereinigung) até o ano de 1936. A sigla em inglês passou a ser
reconhecida por todas as sociedades psicanalíticas a ela filiadas – com
exceção da França – desde o final da Segunda Guerra (ROUDINESCO;

PLON, 1998).

Uma década depois de sua fundação, a IPA adotou regras de formação mais rígidas, como a
obrigatoriedade da análise didática e a proibição de que homossexuais atuassem como
psicanalistas.

Você Sabia?
A análise didática e a supervisão (análise de controle) são partes
essenciais para os candidatos a analista ligados à IPA, sendo práticas
oficializadas por Max Eitingon, no congresso de Bad-Hombrug, em
1925 (ROUDINESCO; PLON, 1998).

Leitura
Os Três Modelos de Treinamento
A IPA aceita atualmente três modelos de formação: o de Eitingon, o

francês e o uruguaio. Leia mais no link a seguir.

Clique no botão para conferir o conteúdo.

ACESSE

Ernest Jones é, sem dúvida, um dos nomes mais importantes na história da IPA e da psicanálise
anglo-saxã. Ele integrou a primeira geração internacional de analistas, transformando-se em
um dos “embaixadores” da linha inglesa na era das escolas.

Sob seu domínio, o inglês se tornaria uma língua standard da psicanálise. Diferentemente de
Melaine Klein ou de Donald Winnicott, que produziram novidades para a teoria e a clínica
psicanalíticas, ele era, sobretudo, um líder político do movimento, presidindo a Associação
Psicanalítica Internacional (IPA), nos períodos de 1920-1924 e 1934-1949. Além de trabalhos
teóricos de pouca expressividade (muitos deles esquecidos), a sua maior contribuição é, sem
dúvida, um trabalho inédito da historiografia da psicanálise: a publicação de uma extensa
biografia de Freud, em três volumes.

Foi na IPA que Ernest Jones e Marie Bonaparte financiaram a mais conhecida tradução de obras
psicológicas completas de Freud, a Standard Edition, edição crítica de James Strachey, lançada
em 24 volumes. As escolhas estilísticas e literárias do tradutor destoam dos originais em alemão
e possuem uma ênfase nas linguagens médica, científica e técnica que nem sempre eram as de
Freud, mas que se alinhavam perfeitamente com os ideais da escola inglesa. Leia o Dicionário de
Psicanálise, de Elisabeth Roudinesco e Michel Plon. Por que os termos foram traduzidos para
palavras latinas e gregas? Quais fatores foram decisivos para a “anglicização” da psicanálise?
“Na verdade, Strachey obedecia à vontade do próprio Freud de transformar a

psicanálise em uma ciência, mesmo não fazendo justiça às qualidades literárias do


mestre. Na língua inglesa, essa vontade se expressava pela escolha de certas

palavras latinas e gregas e por uma certa “anglicização”. Assim, para traduzir o

Isso (Es), o Eu (Ich) e o Supereu (Überich), Strachey utilizou os pronomes latinos Id,

Ego, Superego e, para investimento (Besetzung) e ato falho (Fehlleistung), recorreu

a termos gregos: cathexis, parapraxis. Enfim, cometeu o erro de traduzir pulsão por

instinct, a pretexto de que o termo drive não existia em inglês. Assim, Strachey

contribuiu para acentuar o processo irreversível de anglofonização da doutrina


freudiana, processo ligado à situação política: o nazismo e, mais ainda, o Tratado

de Versalhes foram responsáveis pela migração para a Grã-Bretanha e os Estados

Unidos da totalidade dos psicanalistas de língua alemã. Quanto aos russos e aos

húngaros, estes já estavam germanizados por razões políticas por volta dos anos

1920, e todos se tornaram anglófonos a partir de 1933. Por conseguinte, é difícil

acusar Strachey de ser o único responsável por essa evolução.”

- ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 733

Psicanálise, Sexualidade e Formação


Em 1921, os membros da IPA se dividiram. Com Karl Abraham, os berlinenses acreditavam que
os homossexuais eram incapazes de exercer a profissão, pois a análise não os tinha curado de
sua “inversão”. Anna Freud e Ernest Jones tinham uma posição até mais reacionária,

declaradamente contrária as de Freud e de Ferenczi, que lutavam contra as tentativas


“terapêuticas” de “cura” da homossexualidade. Otto Rank também se posicionou defendendo
que homossexuais poderiam exercer normalmente a profissão, conforme a sua competência
(ROUDINESCO; PLON, 1998).
Jones, em particular, considerava a homossexualidade um “crime repugnante”, e que seria um
descrédito grave se um membro ligado ao Comitê Secreto ou à IPA o cometesse. “Assim, aquele
que fora acusado de abuso sexual durante sua temporada no Canadá tornou-se, por sua vez, e

durante muito tempo, o representante de uma política de discriminação que pesaria muito sobre
o destino da psicanálise no mundo” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 353).

Saiba Mais
Em “Carta a uma Mãe Preocupada com a Homossexualidade de seu
Filho” (1935), Freud ([1935] 2019) defendia que a psicanálise não
deveria ser usada para “curar” a homossexualidade, tomando partido
por sua descriminalização. Em sua visão, a homossexualidade não é
um vício ou uma “degradação” e “não pode ser classificada como
doença; nós a consideramos uma variação da função sexual produzida

por uma detenção no desenvolvimento sexual” (FREUD, 2019, p. 349).

Com o aumento progressivo da influência das sociedades psicanalíticas estadunidenses, a IPA


mostrou-se cada vez mais conservadora.

A instituição se afastava do posicionamento freudiano para ditar regras de acesso dos

homossexuais à análise didática, com base em julgamentos morais. Tidos como “pervertidos
sexuais”, eram vistos ora como inaptos ao tratamento psicanalítico ora como “curáveis” por
meio dos efeitos “adaptativos” da análise. A IPA nunca editou uma norma por escrito sobre o
tema, mas as sociedades ligadas a essa instituição evitaram aceitar candidatos que fossem
assumidamente homossexuais.

A Sociedade Inglesa de Psicanálise também teve seu papel na difusão desses preconceitos. Além

de Jones, Anna Freud – que mantinha uma relação afetiva com Dorothy Burlingham – defendia
uma posição abertamente contrária ao acesso de homossexuais à análise didática. Melanie Klein
e seus aliados na instituição, mais liberais em diversos aspectos, nada disseram contra o
posicionamento de Anna Freud ou da IPA.

Hoje, a IPA já não tem o mesmo poder de decidir sobre os rumos da psicanálise mundial.
Contudo, vemos que ao final da era das escolas, ela produziu atores e linhas de pesquisa cruciais
dentro da psicanálise pós-freudiana, principalmente no interior da Sociedade Inglesa de
Psicanálise.

O Legado de Freud na Tradição Inglesa


Vemos, de um lado, uma vertente da escola freudiana e da psicologia do Ego, herdeira das
concepções de Anna Freud sobre as três instâncias da segunda tópica e os mecanismos de

defesa. De outro, as diversas formas de pensar as relações de objeto no quadro de uma teoria da
sexualidade na psicogênese da neurose e da psicose.

Importante!
Os tópicos essenciais da teoria freudiana nessa escola são:

A teoria da sexualidade infantil e das dualidades pulsionais;


O complexo de Édipo;

O caso do pequeno Hans (análise da fobia de uma criança de cinco anos) e do


homem dos lobos;

Os estudos sobre o narcisismo (estudo da esquizofrenia e das psiconeuroses


herdado da escola suíça);

O estudo sobre a relação do eu com o objeto perdido no luto, na melancolia e nas


depressões;

A segunda tópica: Eu (ego), Id (isso) e Supereu (superego);

A discussão sobre a angústia (ou a ansiedade);

Os textos técnicos sobre a transferência positiva/negativa e a contratransferência;

Dentro da escola freudiana, a teoria do desenvolvimento da libido de Karl Abraham


(psicose maníaco-depressiva, fase oral, objeto parcial).

O tema da angústia, por exemplo, atravessa os escritos de Anna Freud sobre os mecanismos de
defesa em crianças normais e neuróticas, os textos de Melanie Klein a respeito das mudanças de
posição da criança (esquizoparanoide e depressiva) em relação ao casal parental e os de

Winnicott sobre o objeto transicional no processo de desmame e sobre as fronteiras que


separam o eu do não-eu.

A Psicanálise de Crianças: Anna Freud, Melanie Klein e Winnicott


Desde a publicação dos Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905), Freud propôs uma
concepção do desenvolvimento psíquico e do sexual que causou entusiasmo e revolta na Europa
do início do século XX. Para Freud, todos nós somos bissexuais na primeira fase da vida. A
heterossexualidade e a homossexualidade seriam orientações produzidas pelas posteriores
identificações e escolhas sexuais de objeto.

Reflita
Por que o conceito de sexual, para Freud, não se confunde com o sexo
em si? Qual é a novidade da concepção freudiana da sexualidade?
Figura 2 – Foto de Melaine Klein (ao centro), Anna Freud e
Ernest Jones
Fonte: Wikimedia Commons

#ParaTodosVerem: fotografia em preto e branco em ambiente fechado. Há uma


mesa redonda com pratos e uma garrafa de vinho vazia sobre uma toalha
branca. Cinco mulheres de cabelos curtos estão sentadas, duas delas de costas
para a fotografia. À direita, Ernest Jones, calvo, utiliza um casaco preto e olha
para as três mulheres no segundo plano. Anna Freud, jovem, entrega um objeto
branco (provavelmente um gato) para a mulher à esquerda. Melaine Klein está
sentada entre as duas. As três riem olhando para o objeto (ou animal). Fim de
descrição.

Quais são as principais concepções de sexualidade para a psicanálise? Um resumo pode ser
encontrado em “Compêndio de psicanálise”, obra póstuma de Freud (1938/1940):

A vida sexual não começa somente após a puberdade, mas inicia-se sim, e com claras
manifestações, logo após o nascimento;

É necessário diferenciar nitidamente os conceitos de sexual e de genital. O primeiro é


mais amplo e compreende muitas atividades que nada têm a ver com as genitálias;

A vida sexual abrange a função de obtenção de prazer das zonas do corpo que são
colocadas posteriormente a serviço de reprodução. Frequentemente, ambas as funções
não chegam a coincidir por exemplo.

- FREUD, 2019, p. 35

Para Freud, a sexualidade começa desde a primeira infância e se desenvolve até chegar a um
período de latência, que, por sua vez, dura até a puberdade. Isso implica a amnésia, com exceção
de alguns resquícios, das experiências sexuais anteriores à puberdade. A concepção psicanalítica
da sexualidade é mais ampla do que o ato sexual ou a masturbação em si, pois se liga à pulsão,
conceito limítrofe entre o psíquico e o somático, às formas de obtenção de prazer/desprazer.

A boca, o ânus, o falo e a genital seriam protótipos de diferentes formas de obtenção do prazer e
da sexualidade.
A fase oral se refere ao aparecimento da primeira zona erógena, pois além da função
propriamente alimentar, existiria uma obtenção de prazer.

Na fase anal-sádica, acentuam-se os impulsos sádicos que apareceram, na outra fase, com o

surgimento de dentes. A satisfação é obtida por meio da função da excreção e da agressão.

A fase fálica precede à configuração final da vida sexual. A fase fálica define a inscrição de uma
diferença sexual para as meninas e para os meninos, ainda que a presença universal do pênis
seja um pressuposto comum para ambos.

No menino, haveria o ingresso na fase propriamente edípica. No início da fase edípica, ele
manipulará o órgão ao mesmo tempo em que terá fantasias de se relacionar com a mãe. A
ameaça da castração associada à descoberta da ausência de pênis na mulher conduzirá o menino
a um recuo e a entrada no período de latência.

Na menina, haveria uma frustração após a tentativa de agir como um menino. A menina
descobre a falta do pênis e a inveja por ele. As fases não devem ser pensadas como etapas
lineares, elas podem coexistir e se sobrepor. A sexualidade se organiza de modo completo a
partir da puberdade com a quarta fase, a genital.

A teoria de Freud sobre a sexualidade e sobre o objeto deu base para que a tradição inglesa
adentrasse em territórios pouco explorados: a análise de crianças e de pacientes não neuróticos.

Leia os apontamentos de Melanie Klein sobre a análise de crianças. Quais são as diferenças em
relação à perspectiva de Anna Freud? Utilize os grifos (termos em negrito) como guias.

“Anna Freud foi levada, por suas descobertas, no que se refere ao ego da criança, a

modificar a técnica clássica, e elaborou seu método de analisar crianças no período

de latência independentemente de meu processo. Suas conclusões teóricas diferem


das minhas em vários pontos fundamentais. Em sua opinião, as crianças não

desenvolvem uma neurose transferencial, de forma que não existe a condição

fundamental para o tratamento analítico. Além do mais, ela acha que não se deve

aplicar às crianças um método análogo ao empregado para adultos, pois o ideal do

ego infantil ainda é muito débil.

Essa opinião difere da minha. A experiência ensinou-me que as crianças podem,

perfeitamente, produzir uma neurose de transferência e que, exatamente como no

caso dos adultos, surgirá uma situação transferencial desde que empreguemos

um método equivalente à análise de adultos, i. e, que evitemos qualquer medida

pedagógica e que analisemos a fundo os impulsos negativos dirigidos contra o

analista. Constatei, também, que, com crianças de todas as idades é muito difícil,

mesmo com a análise em profundidade, atenuar a severidade do superego. Além do


mais, se for efetuada sem se recorrer a qualquer influência pedagógica, a análise

não somente não debilita o ego da criança, como ainda o fortalece.”

- KLEIN, 1981, p. 20-21, grifos nossos

Assistiríamos, portanto, ao duplo destino dos textos freudianos.

A visão de Anna Freud pretende uma adaptação do Eu (ego) à realidade exterior, com base na
oposição médica entre saúde e doença e da oposição moral entre virtude e vício. Confira o trecho
de introdução de “O ego e os mecanismos de defesa”. Observe qual é a finalidade da sua
concepção da prática analítica:
“Desde o começo, a análise, como método terapêutico, preocupou-se com o ego e

suas aberrações: a investigação do id e de seus processos de funcionamento foi


sempre um meio, apenas, para se alcançar um fim [...]: a correção dessas

anormalidades e a recuperação do ego, em sua integridade.”

- FREUD, 2006, p. 10

Do lado de Melanie Klein, o “desvio” da teoria freudiana não significou um regresso a questões
já superadas, mas a abertura de uma trilha pouco explorada. As luzes do conflito edipiano já não
seriam dadas (somente) à figura potencialmente castradora do pai, mas sobretudo à
ambivalência em torno da mãe entre o seio ideal e o seio mau. Os conflitos com o objeto levam à
posição depressiva assumida diante da dimensão monstruosa, devoradora e onipotente figura

da mãe (unida com o pai).

Saiba Mais
A técnica de interpretação de desenhos na análise de uma neurose

infantil (caso Richard) e a discussão com o caso Hans. Nessa análise,


Klein enfatiza a importância da análise da fobia infantil para que ela
não se torne uma neurose grave na vida adulta, em oposição à

interpretação de Anna Freud, que considerava a fobia de Hans normal e


não neurótica, isto é, não resolvida com a análise de suas fantasias.

O caso foi publicado em 1905. Nesse comentário, você verá como Freud
relê o caso 21 anos depois, em “Inibição, sintoma e angústia” (1926),
quando já havia apresentado sua nova teoria das pulsões (pulsões de
vida e de morte), as instâncias da segunda tópica e desenvolvido outra
teoria da sexualidade (complexo de Édipo).

O pequeno Hans não conseguia sair de casa, pois tinha medo de cavalos (o que
equivaleria aos carros ou motos numa cidade movimentada!);

Ele não tinha medo de estar diante de um cavalo, mas também sofria com a
expectativa de ser mordido pelo animal (o que Freud chama de angústia de
castração);

Hans apresentava uma postura edípica ambivalente em relação ao pai: era hostil
com ele, mas o amava intensamente;

Para solucionar esse impasse, ele passa a ter fobia a cavalos. O cavalo seria, portanto,
um substituto do pai. Para Freud, esse deslocamento (pai → cavalo) é o que
caracterizaria uma neurose (fobia), isto é, os impulsos hostis são direcionados para
o cavalo e não mais para o pai. Contudo, essa substituição é completa, mas ele não
deixa de hostilizar o pai;

A fantasia de ser devorado pelo pai expressa (de forma substitutiva) o desejo de ser
objeto de amor paterno (no sentido do erotismo genital); e a formação da fobia inibe
o investimento objetal (sexual) em relação à mãe;

Segundo Freud ([1926] 2014), o caso do pequeno Hans se trata de um recalcamento


“que atinge quase todo o complexo de Édipo, os impulsos hostil e afetuoso em
relação ao pai, e o afetuoso no tocante à mãe” (Freud, 2014, p. 29);

A angústia produz o recalque. É por causa da angústia de castração que Hans


abandona a agressividade em relação ao seu pai.
O caso do pequeno Hans foi um marco inaugural para a construção de uma análise de crianças,
pois Freud tinha dúvidas se seria possível analisá-las. O pequeno Hans o fez mudar de
concepção: “articulando as teorias sexuais infantis ao complexo de Édipo, Freud demostrou que
a realidade psíquica da criança se assemelha à do adulto em suas angústias, fantasias e desejos”
(COSTA, 2010, p. 17).

Em Síntese
Com a sua teoria da sexualidade infantil e por meio do caso do pequeno
Hans, Freud havia traçado um caminho para a clínica com crianças.

Além da leitura do complexo de Édipo, Klein apresenta uma hipótese original sobre a gênese das

psicoses, defendendo que a esquizofrenia (narcisismo) precede a paranoia (regresso da libido


para o estágio anal). Essa hipótese será fundamental não somente por expandir o campo de
investigação mais além da neurose infantil, mas também por apresentar, aí, a leitura de uma
esquizofrenia infantil atípica (o caso Dick) em que a criança demonstrava uma inibição
generalizada diante de seus cuidadores e uma relação singular com a fala. A condução da análise
foi feita a partir de brinquedos. Os estudiosos de Klein consideram que esse seria um dos
primeiros relatos históricos não de um caso de psicose, mas da estrutura autista.
Figura 3 – Melanie Klein e Sigmund Freud em 1920. Na
ocasião, o psicanalista apresentava a sua leitura do jogo
Fort-Da
Fonte: Wikimedia Commons

#ParaTodosVerem: foto em preto e branco. Há três pessoas sentadas à mesa,


um homem à esquerda, de pele branca, terno e gravata, e duas mulheres à
direita, ambas brancas, de cabelo preso e vestido que cobre os ombros. Em pé,
na fileira de trás, temos quatro pessoas, três homens e uma mulher. O primeiro
homem à esquerda é Sigmund Freud, de pele branca, cabelo ralo, barba e bigode.
Os dois homens do meio também são brancos e vestem terno e gravata. A
mulher, à esquerda, é Melanie Klein, de pele branca, cabelo escuro preso, vestido
branco e chale escuro por cima. Fim da descrição.

A psicanálise de crianças é uma questão crucial para a tradição inglesa.

Desde as Grandes Controvérsias até a formulação de conceitos-chaves, como o objeto


transicional de Winnicott, a clínica infantil ocupou as principais vertentes da Sociedade
Britânica de Psicanálise.

Leia a seguir a definição de objeto transicional. Repare que, diferentemente dos objetos parciais
(seio ideal/seio mau), o objeto transicional pode ser qualquer coisa (até uma melodia ou um
gesto) utilizada para mediar a separação entre o bebê e a mãe, entre o eu e o não-eu.

“Pode surgir alguma coisa ou algum fenômeno – talvez uma bola de lã, a ponta de

um cobertor ou edredão, uma palavra ou uma melodia, ou um maneirismo – que,

para o bebê e, se torna vitalmente importante para seu uso no momento de ir

dormir, constituindo uma defesa contra a ansiedade, especialmente a ansiedade de

tipo depressivo. Talvez um objeto macio, ou outro tipo de objeto, tenha sido

encontrado e usado pelo bebê, tornando-se então aquilo que estou chamando de

objeto transicional. Esse objeto continua sendo importante. Os pais vêm a saber de

seu valor e levam-no consigo quando viajam. A mãe permite que fique sujo e até

mesmo malcheiroso, sabendo que, se lavá-lo, introduzirá uma ruptura de

continuidade na experiência do bebê, ruptura que pode destruir o significado e o


valor do objeto para ele.”

- WINNICOTT, 2019, p. 376

Inicialmente, foram as mulheres que se ocuparam em analisar e buscar a especificidade de uma


clínica infantil. Isso aconteceu pelo contexto histórico e social da época, pois elas não tinham
permissão de estudar em universidades e atuarem como médicas. Por essa razão, muitas
trabalhavam antes como professoras e, ao atuarem como psicanalistas, aliavam a pedagogia
com a prática analítica. Um exemplo foi a própria Anna Freud.

Foi a partir de estudos sobre a psicanálise de crianças que Anna adquiriu mais reconhecimento
na sociedade psicanalítica, após a publicação de sua principal obra sobre o tema: O Tratamento
Psicanalítico das Crianças (1927). Nesse livro, a autora já defendia que o papel do analista de
crianças deve ser pedagógico. “O analista deveria, portanto, analisar e educar. Para isso é
necessário funcionar como o ‘eu’ auxiliar da criança, seduzindo-a inicialmente para ganhar a
sua confiança e exercendo, a partir daí, uma autoridade ainda maior que a dos pais” (COSTA,
2010, p. 26). Além disso, Anna Freud argumentava que a criança não conseguia construir uma
neurose de transferência e nem associar livremente como um adulto. A perspectiva de Anna
Freud em relação à análise infantil será bastante diversa da de Melanie Klein.

Melanie Klein resolveu analisar o seu próprio filho a partir de princípios rigorosamente
psicanalíticos. Em 1921, ela se muda para Berlim com propósito de atender crianças, uma
sugestão dada por Abraham, seu segundo analista. Ele foi uma importante influência para Klein,

uma referência teórica sobre a teoria dos objetos parciais.

Terezinha Costa (2010) explica a base central da teoria de Klein:


“Melanie Klein fundou a técnica da análise pela atividade lúdica com crianças.

Brincar – atividade natural das crianças – foi considerado por ela a expressão

simbólica da fantasia inconsciente. Ela afirmou que pelas brincadeiras a criança

traduz de modo simbólico suas fantasias, seus desejos e suas experiências vividas.

O elemento organizador essencial do pensamento de Klein é a prevalência da


fantasia e dos “objetos internos” sobre as experiências desenvolvidas no contato

com a realidade externa.

A partir dessa constatação, ela conclui que a diferença que existe entre a análise de

crianças e a de adultos reside no método e não em seus princípios básicos. Em

outras palavras, a prática psicanalítica com crianças repousa sobre o mesmo corpo

conceitual teórico no qual se apoia toda a teoria psicanalítica: o inconsciente, a

transferência e a pulsão. Quanto ao método, Melanie Klein irá postular que o

brincar é capaz de substituir as associações livres. Portanto, a partir de tais

constatações teóricas, ela afirma que é possível analisar crianças.”

- COSTA, 2010, p. 31-32, grifos nossos

Notou que é um caminho oposto ao de Anna Freud?

Enquanto Anna Freud se apoia em arcabouço teórico que une pedagogia e psicanálise, Melanie

Klein se embasa nos conceitos fundamentais para aplicar uma técnica específica com o uso de
brinquedos e da atividade lúdica.

Analisar a brincadeira na vida infantil é, portanto, interpretar uma formação do inconsciente


(seus recalques, fantasias etc.), assim como Freud na análise dos sonhos.
Observe também que, para Klein, brincar pode equivaler à associação livre, algo que, na visão de
Anna Freud, não seria possível. Klein afirma que os princípios teóricos de análise são os
mesmos para crianças e adultos; para Anna Freud existe uma diferença radical entre as duas
abordagens (por isso só se deve trabalhar a partir da latência).

Outro teórico que contribuiu para uma abordagem sobre a psicanálise de crianças foi Donald
Winnicott. Era formado em medicina, com especialização em pediatria. Em meados de 1930,
passou a integrar a Sociedade Britânica de Psicanálise.

Aproximou-se de Klein e tornou-se analista de Erich, filho da psicanalista. Contudo, a ligação


teórica e pessoal de ambos não é evidente. Durante a época das Grandes Controvérsias, por
exemplo, ele optou por seguir o lado do Middle group (posteriormente, os independentes).

A experiência como pediatra se interliga com a sua prática clínica, associando dois polos que

eram até o momento colocados como completamente distintos. Haveria uma relação entre o
meio ambiente do bebê e o desenvolvimento dos transtornos mentais.

Winnicott enfatiza a profunda dependência do bebê para com a sua mãe (CELERI, 2007). A sua
teoria se distingue da de Melanie Klein, pois se ela destaca a estruturação interna da
subjetividade, Winnicott foca na relação de dependência do sujeito com o meio ambiente. O
ambiente, segundo a sua perspectiva, é equivalente aos cuidados maternos, isto é, “a mãe, ou
algum substituto desta, irá favorecer ou dificultar o desenrolar desse processo” (COSTA, 2010, p.
48). Winnicott utiliza a expressão “mãe suficientemente boa” para atribuir a função de cuidado
com o bebê. Para o autor, “assim como o cuidado materno adequado conduz à integração do ego,
as falhas no cuidado levam à desintegração” (CELERI, 2007, p. 426).

Ainda segundo Winnicott, haveria fases em que o bebê passa da total dependência para a
desvinculação gradual do elo materno e ambiental. Essas fases se dividem em:

Fase inicial: do nascimento aos seis meses. Dependência absoluta com os cuidados
maternos e o meio ambiente;

Segunda fase: dos seis meses aos dois anos. Dependência relativa. Nessa fase, “a
criança descobre, aos poucos, que ela e sua mãe são separadas, que suas fantasias
não correspondem à realidade e que há uma dependência [externa] para a satisfação
de suas necessidades” (COSTA, 2007, p. 49-50). Nessa etapa, a mãe também se
desliga gradativamente do bebê. Para Winnicott, a “mãe suficientemente boa”
consegue fazer essa adaptação entre a dependência absoluta para um ambiente em
que o bebê seja capaz de suportar a angústia de separação;

Terceira fase: esse último momento se refere à criança e à sua interação com
objetos para se situar no mundo externo. Esses objetos serão denominados como
objetos transicionais. Winnicott formula sua teorização com base no jogo de
carretel do Freud. A relação da criança com objeto se dá quando ocorre um jogo
entre ela e o mundo em um espaço transicional. O objeto não se trata da coisa em si
que a criança mexe (chupeta, brinquedo, ursinho, paninho, babador carretel etc.),
mas o modo como ela se utiliza desse objeto. Dessa forma, é por meio de um espaço
transicional, ou seja, um espaço que anteriormente não existia para o bebê e passa
ser o lugar onde ele encontrará os objetos transicionais. Segundo o Winnicott, esse
momento termina quando a criança deixa cair um objeto e deseja descer ao chão
para brincar com ele.

Veja o seguinte Quadro de Teresinha Costa. A autora mostra as diferenças entre Anna Freud,
Melaine Klein e Winnicott em relação à psicanálise de crianças.

Quadro 1 – Quadro comparativo: Anna Freud, Melanie Klein e Winnicott

Anna Freud Melanie Klein Winnicott

A criança tem uma A criança sabe


A criança não tem
fantasia “inconscientemente”
consciência da
inconsciente da o motivo de seu
doença
doença conflito

Pré-tratamento, Faz uma anamnese Entrevista “única”


etapa que tem com os pais e sem preocupação com
caráter pedagógico a demanda de análise,
Anna Freud Melanie Klein Winnicott

inicia a análise para descobrir o


com a criança conflito que ocasionou
a busca de um analista

Trabalha com a Interpreta a Busca estabelecer uma


criança sempre em transferência comunicação com a
transferência positiva e negativa criança, um encontro
positiva desde o início “espontâneo”

Abandono do
O complexo de Édipo precoce – complexo de Édipo
Édipo dá-se com com um ano e meio clássico. Faz uma
cinco anos de idade redefinição do
materno e do feminino

Não recomenda a
análise para todas as
Não analisa a
O complexo de crianças que
criança antes do
Édipo deve ser apresentam sintomas,
final do complexo
trabalhado pois isto pode
de Édipo
desresponsabilizar os
pais

O supereu
O supereu está em primitivo é
fase de extremamente
constituição – cruel e precisa ser
ênfase no eu interpretado para
aliviar a angústia
Anna Freud Melanie Klein Winnicott

O processo A transferência é uma


Aliança do analista psicanalítico se réplica do laço
com o eu do baseia nas forças materno. Mantinha
analisando psíquicas relações de amizade
inconscientes com seus analisandos

Não é possível
combinar o Enfatiza o lugar
Analista tem ação
trabalho analítico “materno” do analista
pedagógica
com trabalho na transferência
educativo

Não é possível É possível


Enfatiza o lugar
estabelecer uma estabelecer uma
“materno” do analista
neurose de neurose de
na transferência
transferência transferência

Técnica utilizada:
desenho, perguntas e
sugestões de modo a
Técnica utilizada: Técnica utilizada: despertar o interesse
desenho brinquedo da criança, levando-a
falar de situações e
coisas que não falaria
com outra pessoa

Fonte: Adaptado de COSTA, 2010, p. 76-77

Wilfred Bion
Wilfred Bion foi um psicanalista britânico. De família inglesa, nasceu na Índia, onde viveu parte
da infância. Na Primeira Guerra Mundial, alcançou a patente de capitão do exército com
condecorações do governo britânico. Após entrar no setor de história da Universidade de
Oxford, ele se formou em Medicina. Passou a atuar nas áreas da psiquiatria e da psicanálise,
fazendo sua análise didática com Melanie Klein. Com o final da Segunda Guerra Mundial, ele
retomou o trabalho com a clínica e participou da Sociedade Britânica de Psicanálise, na qual foi
presidente entre os anos de 1962-1965. Nas décadas de 1960 e 1970, Bion se mudou para Los

Angeles e realizou diversas viagens para o Brasil e para outros países da América Latina, com o
objetivo de divulgar seus trabalhos.

Para Sandler (2007), ele rejeitava a ideia de construir uma escola ou uma tradição em torno de
seu nome. Isso não diminui a sua relevância para a psicanálise inglesa e para a corrente dos pós-

kleinianos, em que o seu trabalho geralmente é enquadrado. Para Zimerman (2007), Bion seria o
fundador de uma escola que poderia ser nomeada como vincular-dialética, já que possui
condições que caracterizam uma “escola psicanalítica”: o autor deve ter contribuições originais
que não se distanciem do legado freudiano; seus conceitos fundamentais devem possuir
aplicabilidade na prática clínica e abarcar o trabalho de psicanalistas que se ramificam ao longo
dos anos.

Independentemente de ele fundar uma escola ou ser um sucessor de Klein, seu trabalho tem
contribuições para a terapia de grupos fundamentais na psicanálise. Em “Um singular plural: a
Psicanálise à prova do grupo”, René Kaës (2011) comenta que ele mobilizou as estruturas do

grupo para mobilizar certas patologias traumáticas, borderline e psicóticas e lançou outras
hipóteses sobre os processos de grupo no livro Experiências com Grupos (1961). Confira a
seguir algumas contribuições do autor:

Continente-conteúdo: “a relação continente-conteúdo se expressa como algo


complementar entre a projeção da criança e a receptividade materna. A mãe é
continente para o projetado, recebe-o e o processa” (BLEICHMAR; BLEICHMAR,
1992, p. 253). Esse estado de projeção e receptividade também é chamado de rêverie
(devaneio). A mãe teria a função de anteparo interno aos sofrimentos do bebê. Esse
vínculo pode nos ajudar a compreender o vínculo analítico, na medida em que o
analista teria a função de continente, sendo receptivo ao sofrimento psíquico do
analisante;
Objeto bizarro: com esse conceito, Bion mostra como os psicóticos produzem
identificações projetivas com os objetos do mundo físico de seu entorno;

Ataque ao vínculo ou ataque ao pensamento: Bion tenta explicar a origem da psicose


partindo da função da inveja e das pulsões destrutivas. Para ele, na personalidade de
todo sujeito existiria uma parte psicótica.

André Green
André Green, médico especializado em Psiquiatria, foi uma figura de exceção na era das escolas.
Suas leituras atravessam a oposição entre a escola inglesa (Klein, Bion e Winnicott) e a escola

francesa. A título de curiosidade, Green acompanhou, durante sete anos, o ensino de Lacan. Ao
rejeitar a armadilha do “ecletismo”, André Green toma esse referencial para pensar aspectos de
sua prática clínica, dedicando-se ao campo mais além da neurose: a psicose, os casos-limites
(borderline) e os transtornos psicossomáticos.

Em sua perspectiva, a análise deveria “desenlutar a linguagem”, dando-lhe uma nova vitalidade.
Essa posição só seria possível rejeitando o privilégio lacaniano sobre a formalização matemática
e o significante quanto à ingenuidade de uma perspectiva biologizante da escola inglesa. Em
outras palavras, a situação analítica valoriza tanto a linguagem quanto as pulsões, propiciando

um “discurso vivo, o encontro entre razão e afeto, inconsciente e consciente, processos


primários e secundários, mundo subjetivo e objetivo” (FIGUEIREDO, 2007, p. 481).

A respeito do objeto, ele seria absolutamente necessário para a constituição do psiquismo.


Distintamente de Freud, que entrou em contato apenas acidentalmente com um caso-limite (o
homem dos Lobos), a clínica “mais além da neurose” apresentaria outras questões: a ausência,
a ineficácia ou a falha na constituição primária dos objetos. O pai, a mãe ou o casal assumiriam o
lugar do objeto de apoio, exercendo a função de despertar ou conter as pulsões. Essa contenção
aproximaria a sua teoria da escola das relações objetais, como conceito de holding (Winnicott) e
a continência (Klein, Bion).

Esse despertar e essa contenção criariam, por intermédio da função parental, a internalização e
o esquecimento do objeto absolutamente necessário para possibilitar a representação e a
fantasia dos objetos faltantes (ou objetos de desejo). Quando isso não ocorresse – diante da
inacessibilidade da mãe deprimida, por exemplo –, veríamos os efeitos devastadores da
ausência ou da falha dos objetos primários na constituição do funcionamento-limite.

Em sua teoria sobre a relação de objeto, o autor se distinguiria da escola inglesa, já que não aceita

a oposição entre o dentro e o fora. Os objetos se constituíram simultaneamente por movimentos


pulsionais de inclusão e introjeção, de exclusão e expulsão. Na clínica dos casos-limites, o
psiquismo neurótico se estabeleceria entre o inconsciente e o consciente.

Confira a resposta de André Green a Fernando Urribarri (2019). Ele comenta a mudança de

abordagem da psicopatologia para a metapsicologia, fazendo uma autocrítica à delimitação do


termo casos-limites (boderlines). Prefere, em seu lugar, caracterizá-los como em seu aspecto
conceitual, como estados no limite do que concebível para o pensamento clínico.

“Os casos-limites sempre colocam uma dificuldade quanto à sua delimitação,

quanto à sua definição. Não acredito que uma abordagem psicopatológica – sem

excluí-la – seja a mais adaptada. Propus a noção de “limite” tentando introduzir

nisso uma elaboração enquanto conceito metapsicológico. O limite não é uma

simples linha, é toda uma zona de transformações entre o dentro e o fora, assim

como entre as instâncias psíquicas. Não há psiquismo sem limite. Não há sujeito
sem limite. Eu insistiria, ainda hoje, no fato de que o conceito de “caso-limite”

permanece mal circunscrito. Ele recobre uma multiplicidade polimorfa: algumas

neuroses graves podem ser consideradas casos-limites; as patologias

psicossomáticas geralmente o são; os transtornos narcísicos e, em grande parte,

os quadros depressivos também. Continua sendo preferível – por ser mais

produtivo – encará-los clinicamente como estados nos limites da analisabilidade.”

- GREEN; URRIBARRI, 2019, n. p., grifos nossos


📄 Material Complementar
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Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livro

Introdução à Obra de Melanie Klein


SEGAL, H. Introdução à obra de Melaine Klein. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1975.

Vídeo

O Caso do Pequeno Hans – Christian Dunker


O caso do pequeno Hans | Christian Dunker | Falando daquilo 25

Leitura

História de Uma Regra Não Escrita: a Proscrição da


Homossexualidade Masculina no Movimento Psicanalítico

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ACESSE

Lista Completa das Publicações de D. W. Winnicott

Clique no botão para conferir o conteúdo.


ACESSE
📄 Referências
3/3

BLEICHMAR, N. M.; BLEICHMAR, C. L. A psicanálise depois de Freud: teoria e clínica. 1. ed. Porto
Alegre: Artmed, 1992.

CELERI, E. H. R. V. A mãe devotada e o bebê. In: PINTO, M. D. C. (org.). O livro de ouro da


psicanálise: o pensamento de Freud, Jung, Melaine Klein, Lacan, Winnicott e outros. 1. ed. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2007. p. 421-434.

COSTA, T. Psicanálise com crianças. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. (Coleção Psicanálise
Passo a passo). v. 75.

FIGUEIREDO, L. C. André Green: o discurso vivo. In: PINTO, M. D. C. (org.). O livro de ouro da
psicanálise: o pensamento de Freud, Jung, Melaine Klein, Lacan, Winnicott e outros. 1. ed. Rio de

Janeiro: Ediouro, 2007. p.475-486.

FREUD, A. O ego e os mecanismos de defesa. Trad. Francisco Settíneri. 1. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2006.

FREUD, S. Carta a uma mãe preocupada com a homossexualidade de seu filho (1935). In: FREUD,

S. Amor, sexualidade, feminilidade. Trad. Maria Rita Salzano Moraes. Belo Horizonte: Autêntica,
2019. p. 349-352. (Obras Incompletas de Sigmund Freud). v. 7.

FREUD, S. O desenvolvimento da função sexual (1938-1940). In: FREUD, S. Compêndio de


psicanálise e outros escritos inacabados. Trad. Pedro Heliodoro Tavares. 1. ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2019. p. 87-91. (Obras Incompletas de Sigmund Freud).
FREUD, S. Inibição, sintoma e angústia (1926). In: FREUD, S. Inibição, sintoma e angústia, O
futuro de uma ilusão e outros textos (1926-1929). Trad. Paulo César de Souza. 1. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2014. p. 13. (Obras Completas). v. 17. (e-book)

GREEN, A.; URRIBARRI, F. Do pensamento clínico ao paradigma contemporâneo: diálogos. Trad.


Paulo Sérgio de Souza Júnior. 1. ed. São Paulo: Blucher, 2019.

KAËS, R. Um singular plural: a Psicanálise à prova do grupo. 1. ed. São Paulo: Loloya, 2011.

KLEIN, M. Psicanálise da criança. São Paulo: Mestre Jou, 1981. 350 p.

KLEIN, M. Amor, culpa e reparação e outros trabalhos (1921-1945). Trad. André Cardoso. 1. ed.
Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Obras completas de Melanie Klein). v.1.

KLEIN, M. Narrativa da análise de uma criança: o procedimento da psicanálise de crianças tal


como observado no tratamento de um menino de dez anos. Trad. Claudia Bacchi. 1. ed. Rio de

Janeiro: Imago, 1994.

ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de Psicanálise. Trad. Vera Ribeiro; Lucy Magalhães. 1. ed.
Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

SANDLER, P. C. Wilfred R. Bion: uma obra em paradoxo. In: PINTO, M. D. C. (org.). O livro de ouro

da psicanálise: o pensamento de Freud, Jung, Melaine Klein, Lacan, Winnicott e outros. 1. ed. Rio
de Janeiro: Ediouro, 2007. p. 439-450.

WINNICOTT, D. Objetos transicionais e fenômenos transicionais (1951). In: WINNICOTT, D. O


brincar e a realidade. 1. ed. São Paulo: Ubu, 2019. p. 316-331.

ZIMERMAN, D. E. Uma vida dialética. In: PINTO, M. D. C. (org.). O livro de ouro da psicanálise: o
pensamento de Freud, Jung, Melaine Klein, Lacan, Winnicott e outros. 1. ed. Rio de Janeiro:
Ediouro, 2007. p. 451-464.

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