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Aula 7: NOVAES, Henrique. T. (Org.). Qual autogestão?

In: O retorno do caracol à sua concha:


alienação e desalienação em associações de trabalhadores. São Paulo: Expressão Popular, 2011.

PPG em Políticas Sociais e Direitos Humanos


Diego P. Viégas
Trabalho, Autogestão e democracia.
Prof. Tiago Nunes
Introdução
• Objetivos: retomar as críticas de alguns autores marxistas quanto a necessidade de
coordenação global da produção pelos produtores associados (Nem todos os socialistas
vislumbram a necessidade de extinção dos mecanismos de mercado). Traçar os limites
e as possibilidades da construção do planejamento socialista da produção.
• Correntes socialistas: Mercado (não) é imprescindível para o socialismo.
• Autogestão altamente polissêmica, por isso “Qual autogestão”
• Crítica: Economia Solidária – maior atenção as decisões dentro das cooperativas
populares, associações de trabalhadores e fábricas recuperadas, do que, realizar uma
crítica profunda aos mecanismos de mercado.
Economia Solidária
• Conjunto das iniciativas econômicas associativas nas quais a) o trabalho;
b) a propriedade de seus meios de operação (de produção, de consumo, de
crédito etc.); c) os resultados econômicos do empreendimento; d) os
conhecimentos acerca de seu funcionamento; e) o poder de decisão sobre
as questões a ele referentes são compartilhados por todos aqueles que dele
participam diretamente, buscando-se relações de igualdade e de
solidariedade entre seus partícipes
Autogestão
• Autogestão diz respeito aos processos mais amplos da vida (...) A produção associada
como uma forma de organização dos trabalhadores (...) não diz respeito a vinte
trabalhadores que olham para sim mesmos, para seu próprio umbigo, mas têm a
sociedade dos produtores livres como horizonte (Tiriba, 2002, s/nº).
• As fábricas de trabalhadores não podem ser analisadas sem se prestar atenção ao em
torno em que estão inseridas. Não pode haver uma teoria que se sustente olhando
apenas para dentro das cooperativas, celebrando a nova forma de decisão democrática,
parlamentarista, na qual os trabalhadores decidem coletivamente os rumos de cada
empresa sem se observar a permanência da perda do controle do produto do trabalho.
Hipótese
• Três vertentes na Economia Solidária e mesmo a mais a esquerda não faz uma critica
profunda ao sociometabolismo do capital!
• Percebem que as cooperativas populares, fábricas recuperadas, etc competem no
mercado (o que é), mas não vislumbram a coordenação global pelos produtores
associados (como deveria ser).
• Estão rejuvenescendo a velha proposta socialista de mercado
• Autores que fazem a críticas à tese socialista de mercado e buscam resgatar o debate
sobre a necessidade de coordenação global da produção pelos produtores associados:
C. Bettelheim, I. Mészáros e E. Mandel.
A necessidade de coordenação global da
produção pelos produtores associados
• A visão de C. Bettelheim:
• Percepção a partir da experiência soviética da importância de um controle operário
coordenado.
• “Na falta de uma coordenação a priori, a coordenação se faz de qualquer modo a
posteriori, através do mercado, ou melhor, é o resultado das forças entre os diversos
ramos das indústrias ou diversas fábricas”(BETTELHEIM, 1979, p.133).
• A simples mudança da propriedade jurídica dos meios de produção não garante uma
ruptura com o sistema capitalista.
A visão de C. Bettelheim
• Reconhece que o controle fabril, a gestão descentralizada ou a autogestão em
algumas empresas individualmente, ignora os condicionantes da produção externos à
empresa
• Defende a coordenação social da produção pelos trabalhadores.
• O problema da autogestão no “socialismo real”: Os próprios trabalhadores em cada
empresa determinavam a direção das mesmas. Entretanto, eles se preocupavam
prioritariamente com eles. Faltava um senso de solidariedade com a sociedade. Ao
invés disso, predominavam a autoorientação e o egoísmo.
O problema da Economia Solidária no Brasil
• Contradição: a conciliação de autogestão das fábricas e competição no mercado,
cooperação e competição, eficiência da cooperativa e anarquia da produção.
• “O colapso do socialismo realmente existente convenceu a maioria dos marxistas que o
progresso econômico e os direitos individuais não podem ser garantidos sem liberdade
econômica e algum grau de competição de mercado” (SINGER, 1999, p.73).
• Para Paul Singer não é necessário “isolar-se da economia dominante capitalista para
desenvolver formas socialistas de distribuição e, eventualmente, de produção”
• Evoca o direito de escolha para justificar a permanência dos mecanismos de mercado:
Mercados são essenciais para possibilitar ao individuo o direito de escolha, como
trabalhador e consumidor
O problema da Economia Solidária
• Os defensores das Redes de Economia Solidária (RES) acreditam que é possível
blindar ou isolar a Economia Solidária dos efeitos negativos da concorrência sob
os empreendimentos econômicos solidários.
• Produzir mais barato, mas produzir para vender. O que não é realmente economia
solidária.
• Apesar de questionarem de alguma forma a propriedade dos meios de produção
pelos trabalhadores, os defensores das Redes de Economia Solidária e o Professor
Paul Singer, não vislumbram, nem sequer a título especulativo, a necessidade de
coordenação global da produção pelos produtores associados.
A interpretação de István Mészáros
• A questão fundamental é o “controle global do processo de trabalho pelos produtores associados, e não
simplesmente a questão de como subverter os direitos de propriedade estabelecidos”
• a tirania da circulação não é menos perversa que a tirania da produção. A relação de troca a qual o
trabalho está submetido não é menos escravizante que a separação e a alienação das condições materiais
de produção dos trabalhadores.
• Para Mézáros: a possibilidade de uma modificação do sistema do capital - implica a necessidade de
ataques duplos, às “células constitutivas ou “microcosmos” (isto é, o modo pelo qual as jornadas de
trabalho singulares são organizadas dentro das empresas produtivas particulares) com os
“macrocosmos” auto-regulantes e aos limites estruturais auto-renovantes do capital em sua inteireza”
• Ataques duplos: controle global da indústria pelos produtores associados, e não apenas de fábricas
isoladas, e a necessidade de mudanças qualitativas nos microcosmos, ou seja, dentro dos muros das
Fábricas Recuperadas.
A interpretação de István Mészáros
• Não vislumbra o resgate dos instrumentos de planejamento no Estado, ainda que em algum
momento tenhamos que recorrer ao mesmo, mas a construção de organismos e instituições
totalmente novos, criados pelos trabalhadores tendo em vista o “autogoverno pelos produtores
associados”
• Cita Borón como um exemplo de uma visão intermediária que não defende nem a volta ao
estatismo do século XX nem as fórmulas do tipo cooperativo. Para ele um projeto socialista
deveria implementar mecanismos de regulação localmente descentralizados, onde os setores da
sociedade civil, isso é, o povo, tenha mais capacidade de efetuar os controles necessários para
fiscalizar certo tipo de bens e serviços.
• R. Luxemburgo: A contradição das cooperativas é que elas têm que governar a si mesmas com o
mais extremo absolutismo. Nelas, os trabalhadores são obrigados a assumir o papel do empresário
capitalista contra si próprios. A cooperativa ou vira empreendimento capitalista ou terminam por se
dissolver.
A interpretação de István Mészáros
• Conselhos de Trabalhadores deve ter o papel de mediador entre entre a ordem
antiga e a ordem socialista almejada - busca de um planejamento autêntico.
• O sistema do capital é um modo de controle global-universalista que não pode
ser historicamente superado exceto, por uma alternativa sócio-metabólica
igualmente abrangente.
• Enquanto as funções controladoras vitais do sociometabolismo não forem
efetivamente ocupadas e exercidas autonomamente pelos produtores associados
o próprio trabalho continuará a reproduzir o poder do capital contra si mesmo
A interpretação de István Mészáros
• Burawoy : “a conquista dos aparatos de produção somente torna-se significativa
em conjunção com a conquista dos aparatos do Estado.” Ainda que haja auto-
administração o Estado ou algum órgão estranho aos trabalhadores ainda
continuará estipulando as condições das fábricas.
• Fracasso do planejamento soviético: devido a imposição de cima por um corpo
separado de decisão, pelas ordens crescentemente problemáticas que até mesmo
aquele “bando de contadores” era obrigado a aceitar sem discussão, sendo que os
próprios produtores nunca eram consultados, a não ser mediante o ritual anual de
“aprovação entusiástica”
A visão de Ernest Mandel
• Crítica ao axioma burguês da proposta de conciliação de socialismo com mercado.
• Para Mandel, planejamento não é sinônimo de “perfeita” alocação dos recursos, nem da
alocação científica, nem mesmo de uma alocação “mais humana”. Para ele, o termo designa
uma alocação direta, ex-ante. Por isso, ele é o oposto da alocação via mercado, que é expost.
• Formas de se adaptar a produção ao consumo:
• Necessidades são entendidas como dadas desde o início, aferidas ex-ante pelo corpo social dominante, e a
produção é então organizada para satisfazê-las.
• Necessidades desconhecidas ou incertas, cabe ao mercado as revelar ex-post através dos dispêndios da
demanda efetiva.
A visão de Ernest Mandel
• Acredita que o mercado deve ser totalmente substituído pela “autogestão articulada dos produtores.
• Problema: Aumento da satisfação de necessidades básicas x reduzir a carga e a alienação do
trabalho dos produtores diretos.
• A autogestão articulada dos produtores poderia trazer para a realidade tais metas, desde que os
trabalhadores sejam participantes ativos - e não meramente consultados- no processo de tomada de
decisões e da administração direta da economia e da sociedade.
• “a administração não seria monopólio do “nível central”, nem tampouco a autogestão seria
confinada ao nível (sic) do local de trabalho. Ambas seriam mescladas tanto a nível (sic) central
quanto descentralizadamente”
• A autogestão democrática não quer dizer que todos decidam sobre tudo.
Participacionismo de Tragtenberg
• Análise de política da participação na fábrica entre a ótica dos trabalhadores e a ótica
empresarial.
• Participacionismo: ótica dos trabalhadores - instrumento da classe trabalhadora para
controlar a produção e decidir democraticamente o papel das empresas na sociedade; Ótica
empresarial: trocas de informações, admitem a consulta, a delegação de responsabilidades,
sem colocar em xeque a decisão
• “Nova ratoeira do capital”: A participação dos trabalhadores na discussão da produtividade,
dentre outros aspectos, é uma “técnica utilizada para enganar o público e dar impressão, à
mão-de-obra, de que ela possui papel importante nas decisões, o que é uma farsa”
Participacionismo de Tragtenberg
• “pseudo-participação”: um reforço do modo de produção capitalista.
• Participação autêntica é aquela “onde a maioria da população, através de
órgãos livremente eleitos e articulados entre si, tem condições de dirigir o
processo de trabalho e participar da decisão a respeito das finalidades da
produção e outros aspectos da vida social que tenham significado”
• O problema central é a alienação do trabalho no sentido clássico do termo.
Ela existe como função do capital e o trabalhador é acima de tudo
dominado pelas condições de trabalho sob as quais não tem poder.
Bettelheim, Mészáros, Mandel e Tragtenberg

• Não se contentam com o controle de algumas fábricas, posicionando-se,


cada qual à sua maneira, em defesa do controle da sociedade pelos
trabalhadores
• Se para a Economia Solidária autogestão significa propriedade coletiva
dos meios de produção e decisão democrática na fábrica, para os
primeiros significa somente isso, mas fundamentalmente autogoverno
pelos produtores associados tendo em vista a produção de valores de uso.
Considerações Finais
• Crítica ao rejuvenescimento das propostas socialistas de mercado: Economia Solidária x
coordenação global da produção pelos produtores associados;
• Abordagem teórica de uma vertente da Economia Solidária, especialmente a de Paul Singer,
é fruto de uma crise ideológica, uma crise que não vê mais as virtudes do planejamento
socialista. Ao não vislumbrar o planejamento da produção tendo em vista a produção de
valores de uso, a Economia Solidária realiza uma crítica parcial, senão incompleta ao
sociometabolismo do capital.
• Enquanto a autogestão não atacar os centros nevrálgicos da acumulação de capital, pouco se
pode esperar da mesma. Para que o cooperativismo e o associativismo de trabalhadores
possam florescer, eles devem se inserir numa proposta de construção de uma sociedade “para
além do capital” e para isso, faz-se necessário retomar o debate sobre a coordenação da
produção pelos produtores associados.

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