Você está na página 1de 55

Kant

Agir por dever


A Ética Kantiana
• Na avaliação moral das acções, interessa
sobretudo determinar o motivo do agente, e
não as consequências daquilo que ele faz.

• O valor moral de uma acção reside na intenção.

• Exemplo do comerciante: tem valor moral se a


acção for realizada por dever.
A ética kantiana

Os merceeiros kantianos I

Não engano os
clientes para não
os deixar fugir.
A ética kantiana
Os merceeiros kantianos

Para Kant a acção do merceeiro é correcta, mas não correcta no


sentido moral. Ela não viola a regra que proíbe que enganemos os
outros, e é, por isso, conforme ao dever (respeitou a regra ou lei).

Mas podemos dizer que o merceeiro agiu por dever?

Para responder, olhemos para o exemplo de um 2º merceeiro.


A ética kantiana

Os merceeiros kantianos II

Não engano os
clientes, pois é
esse o meu dever.
A ética kantiana
Os merceeiros kantianos

Para Kant a acção deste 2º merceeiro tem conteúdo moral,


pois a motivação do merceeiro ao não enganar os seus clientes
resulta apenas de um desejo de cumprir o seu dever (de fazer o
que é correcto).
A ética kantiana

Os merceeiros kantianos

Constatamos então que:

a) os 2 merceeiros têm uma característica em comum: ambos


agem em respeito a uma regra que consideramos correcta
“Não devemos enganar”.

b) há uma diferença crucial entre as acções dos dois


merceeiros: um respeita as regras motivado pelo interesse
próprio (egoísta), outro fá-lo apenas por respeito ao dever.
A ética kantiana
Os caridosos de Kant I
Alegra-me
ajudar os
outros.

Segundo Kant será esta uma atitude moral? Vejamos a sua resposta
A ética kantiana
Ser caridoso quando se pode sê-lo é um dever, e há além disso muitas almas
de disposição tão compassiva que, mesmo sem nenhum outro motivo de
vaidade ou interesse, acham íntimo prazer em espalhar alegria à sua volta e
podem alegrar-se com o contentamento dos outros, enquanto este é obra sua.

Eu afirmo, porém, que neste caso uma tal acção, sendo conforme ao dever,
não tem contudo nenhum valor verdadeiramente moral, mas vai emparelhar
com outras inclinações, como o amor das honras, que quando por feliz acaso
coincidem com aquilo que é efectivamente de interesse geral e conforme ao
dever, são consequentemente honrosas e merecem louvor e estímulo, mas
não estima; pois à sua máxima falta o conteúdo moral que manda que tais
acções se pratiquem, não por inclinação, mas por dever.

Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, 1785


A ética kantiana
Para Kant não se trata de uma acção
moral, pois apesar de a acção produzir
um bem, não é feita com uma intenção
moral – a motivação é um sentimento (o
prazer que resulta de fazer o bem) e,
portanto, uma motivação na 1ª pessoa.

Ora, para Kant o que interessa moralmente é


que a acção seja executada por dever, ou seja,
por um motivo IMPESSOAL.
A ética kantiana
Os caridosos de Kant II
Não sinto
compaixão pelos
pobres, mas é o
meu dever ajudá-
los.

O que diria Kant deste comportamento?


A ética kantiana

Neste caso, o dever é cumprido, e é cumprido por uma


motivação moral – o mero cumprimento do dever. Se o
caridoso sente compaixão ou não pelos pobres isso é
irrelevante do ponto de vista moral, pois desse ponto de vista
o que interessa é o desejo de cumprir o dever.
É importante distinguir:
Acções realizadas por dever: orientadas pela
razão, pelo sentido do dever.

 Acções realizadas conforme o dever: acções que


mesmo que estejam de acordo com aquilo que
devemos fazer, não são motivadas pelo sentido do
dever.
acções motivadas por interesses pessoais
 por interesses económicos
 motivadas por desejos, sentimentos
Acções

Contrárias ao dever De acordo com o


Ex: maltratar uma dever
pessoa Ex: ajudar uma pessoa

Meramente conformes ao Realizadas por dever


dever Ex: ajudar uma pessoa
Ex: ajudar uma pessoa por apenas para cumprir a
interesse ou compaixão obrigação moral
A ética kantiana

Kant e as “máximas”

Ora, o valor moral de uma acção depende da


máxima que lhe está subjacente – só as máximas
ditadas pelo sentido do dever são morais!
Máximas…
Máximas: as pessoas agem segundo máximas – são regras
ou princípios que nos indicam o motivo dos agentes.

 Assim, o valor moral de uma acção depende da máxima


que lhe subjaz.

 Só fazemos algo com valor moral quando agimos segundo


máximas ditadas pelo nosso sentido de dever.
EX: mantém as tuas promessas
ajuda quem precisa
A ética kantiana
MAS EM QUE SE BASEIA ENTÃO, SEGUNDO
KANT, O NOSSO SENTIDO DE DEVER?

KANT RESPONDE: NA RAZÃO OU NUM


PRINCÍPIO DA RAZÃO.

Que princípio é esse?


A ética kantiana

PARA KANT O
CUMPRIMENTO DO DEVER
É UM IMPERATIVO
CATEGÓRICO!
A ética kantiana

PARA SE COMPREENDER O QUE É O IMPERATIVO CATEGÓRICO


DEVEMOS ENTENDER:

A) O QUE É UM IMPERATIVO
B) DISTINGUIR ENTRE IMPERATIVOS
HIPOTÉTICOS E IMPERATIVOS CATEGÓRICOS.
A ética kantiana

UM IMPERATIVO É EXPRESSO POR UMA


FRASE QUE INDICA ALGO QUE É
OBRIGATÓRIO FAZER.
Imperativo ou não imperativo?

Tens de
fazer
exercício!

IMPERATIVO
Imperativo ou não imperativo?
Vou mas é
para a
praia!

NÃO
IMPERATIVO
Imperativo ou não imperativo?

Não
matarás.

IMPERATIVO
A ética kantiana

NO ENTANTO, KANT DISTINGUE ENTRE DOIS TIPOS


DE IMPERATIVOS
IMPERATIVOS

HIPOTÉTICOS CATEGÓRICOS

NÃO TÊM TÊM VALOR


VALOR MORAL MORAL
A ética kantiana
IMPERATIVO HIPOTÉTICO IMPERATIVO CATEGÓRICO

ORDENA APENAS ORDENA UMA


UMA ACÇÃO QUE ACÇÃO QUE É UM
É UM MEIO PARA FIM EM SI MESMA.
SE ATINGIR UM
FIM PARA LA DA
PRÓPRIA ACÇÃO.
Imperativo ou não imperativo?

Não engano IMPERATIVO


os clientes HIPOTÉTICO
para não os
deixar fugir.

Pois a honestidade é apenas um


meio para satisfazer um desejo,
interesse ou necessidade: não
perder clientes. Indica, portanto,
uma obrigação condicional.

A forma do IH é
“Se queres X, faz Y.”
Imperativo ou não imperativo?

Não engano IMPERATIVO


os clientes, CATEGÓRICO
pois é esse o
meu dever.

pois a honestidade é um fim em si


mesma. Indica, portanto, uma
obrigação incondicional
(absoluta).

A forma do IC é
“Faz Y, pois fazê-lo é um dever.”
Imperativo ou não imperativo?

Alegra-me IMPERATIVO
ajudar os HIPOTÉTICO
outros.

pois a ajuda não é um fim em si


mesma. É um meio para que a
caridosa fique contente.
Imperativo ou não imperativo?

É meu dever IMPERATIVO


ajudar os CATEGÓRICO
outros.

pois a ajuda aos outros é um fim


em si mesmo. Há um puro respeito
pelo dever – o dever pelo dever.
A ética kantiana
RETENHAMOS O SEGUINTE:

Os imperativos “hipotéticos” justificam-se racionalmente – encontram a


sua razão de ser no facto de a acção que ordenam ser um meio
necessário para satisfazer um desejo ou interesse: estamos
obrigados a (é racional) fazer X porque queremos atingir Y.

Qual a justificação racional subjacente aos imperativos “categóricos”?


A moral kantiana é, quase toda ela, uma tentativa de responder a
esta pergunta.
A ética kantiana
RETENHAMOS O SEGUINTE:

Os imperativos “hipotéticos” justificam-se racionalmente – encontram a


sua razão de ser no facto de a acção que ordenam ser um meio
necessário para satisfazer um desejo ou interesse: estamos
obrigados a (é racional) fazer X porque queremos atingir Y.

Qual a justificação racional subjacente aos imperativos “categóricos”?


A moral kantiana é, quase toda ela, uma tentativa de responder a
esta pergunta.
A ética kantiana

VEJAMOS COMO KANT FORMULA O IMPERATIVO CATEGÓRICO:

Kant formula o imperativo de diversas maneiras.


Vamos concentrar-nos em duas delas.

A fórmula da lei universal

Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao


mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.

O que quer isto dizer?


A ética kantiana

A fórmula da lei universal


Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo
tempo querer que ela se torne lei universal.

A ideia é que o princípio da minha acção (a máxima da


minha acção) deve, para ser moral, poder ser
“universalizada”, ou seja, poder levar a uma acção que
possa ser adoptada por todos os agentes racionais.
A ética kantiana

Exemplo: pode a acção seguinte ser universalizável?

Não vou cumprir


a promessa que
fiz.
A ética kantiana
Para poder responder será melhor colocar a
questão nos seguintes termos:
O que aconteceria se “universalizássemos” o não cumprimento das
promessas, ou, por outras palavras, o que aconteceria se toda a
gente decidisse deixar de cumprir o prometido?

A resposta é óbvia: toda a gente deixaria de acreditar em


promessas.
Quer isto dizer que o não cumprimento das promessas indica que
esse incumprimento entra em contradição consigo mesmo: o
incumprimento das promessas levaria a uma situação em que
seria impossível não cumprir promessas!
CONCLUSÃO: o não cumprimento de promessas não é
universalizável.
A ética kantiana

Outro exemplo: pode a acção seguinte ser universável?

Se souber que não


sou apanhado, não
me importo de
roubar.
A ética kantiana
Mais uma vez:
O que aconteceria se universalizássemos o não cumprimento das
promessas, ou, por outras palavras, o que aconteceria se toda a
gente decidisse deixar de cumprir o prometido?

A resposta: o roubo tornar-se-ia uma prática consentida.

Neste caso o roubo não conduziria a uma situação contraditória


consigo mesma, pois podemos imaginar um mundo onde toda
a gente possa roubar toda a gente. Porém, conduziria a uma
vontade contraditória, pois se queremos roubar é porque
queremos obter coisas, logo não quereríamos viver num mundo
onde os outros nos pudessem tirar as nossas coisas (o ladrão
não quer ser roubado).
A ética kantiana

A fórmula da humanidade

Age de tal maneira que uses a tua humanidade, tanto na


tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre
e simultaneamente como fim e nunca simplesmente
como meio.

Aqui a ideia é que é sempre errado


instrumentalizar as pessoas, ou seja, usá-las
como meios para atingir os nossos fins.
A ética kantiana

Exemplos de coisas que esta fórmula do imperativo categórico


exclui do plano moral

A escravatura
A violência
O paternalismo
A dissimulação…

O imperativo categórico exige que as pessoas se


respeitem umas às outras e que a própria pessoa
se respeite a si mesma.
A ética kantiana

A fórmula do fim em si não proíbe tratar as pessoas como meios.


Proíbe apenas tratar as pessoas como “simples meios”.

Qual a diferença?

Exemplo: ao trabalharmos para ganhar um vencimento ao fim do mês somos


usados pela nossa entidade patronal como meios, mas como o fazemos de
forma livre e consentida, não estamos a ser usados como “simples meios”.
A ética kantiana

Porque são as pessoas dignas de respeito?


A resposta é: porque as pessoas
são, em princípio, autónomas.
A ética kantiana

O que é a autonomia (da vontade)?

Kant distingue dois tipos de


vontade:
a) A vontade heterónoma
b) A vontade autónoma
A ética kantiana

HETERONOMIA DA VONTADE
(não ter vontade própria)

A vontade é heterónoma se nós, em


vez de nos guiarmos pela razão,
nos deixamos guiar pelas nossas
“inclinações” (interesses,
conveniências, impulsos,
desejos...) ou pela vontade dos
outros.
A ética kantiana

AUTONOMIA DA VONTADE
(ter vontade própria)

A vontade é autónoma se nós nos


guiamos pela razão (pensarmos
pela própria cabeça).
A ética kantiana

AUTONOMIA DA VONTADE E MORAL

Podemos agora perceber que para Kant agir


autonomamente (pela própria cabeça,
livremente) e agir moralmente
(imparcialmente, desinteressadamente e no
respeito pela pessoa humana) é, no fundo, a
mesma coisa.

É na razão que alcançamos a autonomia e


liberdade e também a moralidade.
A ética kantiana

Ora, o ser humano distingue-se dos outros seres por ser


racional, e, como vimos, é a razão que lhe permite pôr
entre parêntesis as suas inclinações e agir com
autonomia. Por outro lado, é a autonomia que lhe dá o
livre-arbítrio: é ao seguir a razão e o dever que o ser
humano se torna livre (deixa de obedecer às leis da
natureza que são leis exteriores à sua vontade).
A ética kantiana

RESPEITO PELO OUTRO

Deste modo, o imperativo categórico exclui todas as


acções que envolvam querer que outra pessoa faça algo
sem o seu livre consentimento (respeito pela sua
autonomia).
Vontade Autónoma/Heterónoma
• O imperativo categórico é uma lei que deriva da nossa própria
vontade.
• A moralidade das nossas ações não depende de nada que nos seja
dado do exterior, mas do interior.
• A lei moral resulta da nossa autonomia, isto é, da nossa capacidade
de nos determinarmos a nós próprios.
• Vontade autónoma: vontade puramente racional, que faz sua uma
leia da razão, lei presente na consciência de todos os seres racionais.
– Ao agir por dever obedeço à voz da minha razão e nada mais.
• O Homem deve ter força suficiente para seguir os
ditames da razão, ainda que os apetites e inclinações
biológicas ameacem desviá-lo para uma direção
diferente.

• Heteronomia: vontade que não vence o conflito entre


a ordem que damos a nós mesmos (o dever) e os
interesses e inclinações sensíveis que nos afastam do
seu cumprimento. Quando o cumprimento do dever
não é motivo suficiente para agir tendo de se invocar
razões externas como o receio das consequências, por
exemplo, a vontade submete-se a autoridades que não
a razão.
• Quem concebe a lei moral como heterónoma comete o erro de julgar
que os deveres morais são imposições exteriores à nossa própria
racionalidade.

• O Homem é livre quando a sua vontade se submete às leis da razão.

• Quando agimos moralmente não estamos a ser constrangidos. Pelo


contrário, estamos a agir autonomamente, isto é, em função de uma
lei que damos a nós mesmos. A verdadeira liberdade consiste nisto.
Ideal moral: tornar boa a vontade
• Só a escolha da moralidade, a escolha do dever por
dever, torna a nossa vontade uma boa vontade;

• Boa vontade: a vontade que age com uma única


intenção, cumprir o dever pelo dever. É o bem supremo,
a vontade cuja bondade não deriva dos resultados ou
efeitos da ação, mas do motivo pelo qual é realizada.
A ética kantiana

DISCUSSÃO

1. Como avaliaria Kant o fenómeno da prostituição?

2. Fazendo aqui uma comparação entre Kant e as doutrinas utilitaristas


estudadas, o que podemos dizer?

3. O que diria Kant das teorias do relativismo moral e dos mandamentos


divinos?

Você também pode gostar