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Princípio é Preguiça?

No capítulo 8 do livro Direito Administrativo para céticos, de Carlos Ari


Sundfeld, o autor faz considerações ao uso ambíguo de princípios no direito público
brasileiro para fundamentar decisões.

Sem entrar em detalhes, Sundfeld expressou que os princípios foram utilizados


superficialmente. Juízes e advogados às vezes invocam princípios como um "coringa"
para justificar uma decisão ou questão sem base legal adequada. Isso muitas vezes
acontece sem uma análise minuciosa do caso concreto e sem a devida caracterização
ou explicação.

Ao criar soluções para os casos, há um dever analítico que não pode ser
negligenciado pelos especialistas do direito. Ter boas intenções ou confiar apenas na
intuição não será suficiente. A mera invocação e exaltação de princípios não basta; é
crucial defender a autonomia de cada instituição, examinar as normas sociais e as
escolhas alternativas, analisar os fatores contribuintes e os resultados e avaliar
cuidadosamente os prós e os contras. Evitando, assim, viver em um mundo de caos,
arbitrário e não regido por lei.

Atualmente, o direito público brasileiro assiste a um auge na aplicação de seus


princípios. De acordo com Sundfeld, isso é atribuído a três razões predominantes. A
principal razão é que há uma abundância de indefinições permeando tanto a
Constituição existente quanto as novas leis, e como a ”fábrica” de princípios sempre
gera produtos, o trabalho de absorvê-los é constantemente ruidoso. A segunda razão tem
a ver com o fato de as pessoas estarem cada vez mais dispostas a considerar os
princípios como fontes do direito, e isso tem causado muitas dificuldades. E, por fim,
rodar um sistema com tal medida de incerteza normativa cria muita confusão.

Segundo o autor, a eficácia de um sistema jurídico não pode ser julgada apenas
pela frequência com que seus princípios são empregados. Em vez disso, a verdadeira
questão reside na medida em que esses princípios são convenientes e práticos em sua
aplicação, e não no princípio em si. Sundfeld dá o exemplo de
um oportunista interessado em adiar o pagamento de dívidas, que, para isso, invoca
o Princípio do Acesso à Justiça e exige que o pagamento não seja feito até que o seu
processo seja concluído, um esperto com argumentos convenientes que mascaram seu
verdadeiro anseio. Em contrapartida, um juiz que não queira se preocupar em analisar
a adequação da lei pode simplesmente aceitar esse princípio e conceder uma liminar, ou
invocar o princípio do contrato obrigatório e negá-la, este é o preguiçoso, utilizando de
embasamentos rasos para ocultar a superficialidade da sua decisão. Para que os
princípios da argumentação jurídica não funcionem como armas para os sábios e
preguiçosos, é preciso impor um ônus inerente àqueles que os aplicam.

De acordo com o que foi manifestado até agora, o autor defende que para


justificar a intervenção judicial não é suficiente a apelação aos princípios jurídicos e da
sua relevância no caso em deliberação, o juiz deve refletir claramente e decidir questões
preliminares de sua legitimidade, inclusive considerando as possíveis consequências
negativas e positivas da interferência no caso.

Sundfeld aponta que, embora ideias soltas não possam motivar decisões


judiciais, o "status de princípio" de certas palavras, expressões e frases muitas vezes
ofusca a falta de padrões em nosso sistema jurídico.

É preciso retirar esse mau hábito do nosso ordenamento jurídico. Não basta que
os juízes invoquem princípios jurídicos ao deliberar sobre determinado tema, porque
somente isso já gera uma situação de dúvida e insegurança jurídica, mais do que isso, é
preciso que o juiz analise e resolva categoricamente sobre o problema preliminar de sua
legitimação, avaliando até mesmo as possíveis consequências de sua intervenção na
matéria.

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