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Texto de José Fanha

Ilustração de Maria João Gromicho


No sítio onde moro, um pouco mais à frente, quando
acabam as ruas e as casas, começa uma mata que gosto
muito de visitar.
Ali, tudo é bonito e verde, e eu até
costumo dizer que é a minha mata.
Minha, minha, não é. Isto é só uma
maneira de dizer… Como toda a gente
sabe, a Natureza não tem dono.
Mas também é verdade que há bocadinhos de terra que podem pertencer
a esta ou àquela pessoa. Essas pessoas, que são donas de um
bocadinho de terra, põem um muro à volta e dizem: “Esta terra é minha!”
Mas a frescura da brisa, o cheirinho
da caruma dos pinheiros, o canto
das aves ou o desenho das pedras
não pertencem a ninguém. À procura
dessas maravilhas é que eu vou
quando me ponho a passear pela
minha mata que, como não tem
muros à volta, só é minha porque
também é de toda a gente.
Na minha mata há muitas árvores: pinheiros
bravos e mansos, carvalhos, castanheiros, freixos,
nogueiras, azevinhos, amoreiras e muitas outras.
Cada árvore tem um tronco diferente, a casca mais
rugosa ou menos rugosa, as folhas compridas ou largas,
mais lisas ou mais recortadas.
Há folhas que ficam amarelas e castanhas e caem no
Outono, e outras que estão sempre verdes nos ramos
mesmo no pino do Inverno.
Existem ainda flores, ervas e plantas mais pequenas. A
urze, as mimosas e as margaridas, o rosmaninho, a alfazema que
cheira tão bem, e tantas outras de que eu nem sei o nome e que
nascem pelo chão no meio de pedras e pedrinhas.
Há também imensos pássaros
e aves na minha mata.
E eu gosto de todos eles porque todos são
diferentes e, com essas suas diferenças,
tornam o mundo um pouco mais variado e
mais bonito.
Há poupas e tordos, águias e falcões lá no alto, perdizes e
faisões, pintassilgos, toutinegras, rouxinóis à noite, cotovias
de dia, melros e pardais e eu sei lá que mais. Todos cantam
para me dar as boas-vindas quando venho visitá-los.
Falta ainda falar dos animais pequenos: aranhas, abelhas,
lagartixas, formigas, bichos-de-conta, besouros…
Tantos!
Também vivem na minha mata e todos fazem parte de uma
grande família…
…que é a família da Natureza.
Na minha mata, que é minha e de toda a gente, tenho alguns
amigos especiais: o meu amigo esquilo Rabo Alçado e a sua
família saltitona, o veado Venceslau com as hastes enormes, o
coelho Coisa Fofa com os 254 filhos da última ninhada, a coruja
Miquelina, o ouriço Olegário e até um ratinho muito simpático
chamado Zé Manel.
Gosto de todas as árvores e plantas da minha mata. Sou amigo dos
animais. Ouço a música que o vento faz entre os ramos, vejo a luz
que atravessa a folhagem e sinto-me feliz!
Tudo estaria perfeito se não fosse a terrível família
dos pássaros Bisnaus que são uns pássaros pretos
e cheios de borbulhas.
Andam despenteados, com as penas umas para
cada lado, e cheiram mal porque nunca tomam
banho. São uns grandes porcalhões.
O pior de tudo é que os pássaros Bisnaus não têm respeito por
ninguém.
Nem pela Natureza nem pelos seres vivos.
Hoje, vou contar-vos o dia em que estes maraus, por descuido e
negligência, deixaram atear um grande fogo, que é a pior tragédia
que pode acontecer a todos os que vivem numa mata.
Tudo se passou quando a família dos pássaros Bisnaus quis fazer
um piquenique naquela mata que é de toda a gente e, por isso,
também é muito minha.
Veio o pai Bisnau que tinha cara de tubarão e
cuspia para o chão. A mãe Bisnau, D. Bisnuca,
que era embirrenta, gosmenta e muitíssimo
zaruca. A filha Bisnica, estica-larica, que pintava
o bico de verniz e passava o dia a tirar macacos
do nariz. O filho Bisneco que comia até rebentar
e ficava como bola a rebolar.
Em vez de virem a pé, entraram
com o carro pela mata dentro, a
deitar fumo para o ar e com o
rádio a fazer punca-punca-
punca, punca-punca-punca,
punca-punca-punca tão alto que
até as nuvens tiveram que tapar
os ouvidos para não ficarem
malucas.
Mal se instalaram, puseram-se logo
a fazer porcaria. A filha Bisnica
desembrulhou 19 hambúrgueres e
encheu-os de molhos amarelos,
azuis, verdes e vermelhos.
O filho Bisneco comeu 32 pacotes de
batatas fritas, 26 pastilhas, 17 chupa-
chupas, 59 rebuçados e 9 sumos de laranja
completamente deslaranjados.
E os papéis de tudo isto para onde é que
foram atirados?
Para o chão! Todo aquele lixo foi parar ao
chão da minha mata.
Mas ainda fizeram muito pior, os pássaros
Bisnaus. D. Bisnuca e os filhos Bisnica e
Bisneco, depois de terem comido tanta
comida que não presta, resolveram fazer a
sesta. Foram-se deitar e, em menos de
nada, já estavam a ressonar.
O pai, de barriga a rebentar, sentou-se
encostado a um tronco e pôs-se a fumar. E
o que é que havia de acontecer? Deixou-se
adormecer, o cigarro acesso caiu e pôs-se
a rebolar, fazendo acender uma faúlha aqui,
outra ali, até o fogo começar a crepitar.
De repente, no meio de latas, lixos e sucatas,
mais pacotes de batatas, embalagens de papel e
papelão, começaram a surgir mais de mil chamas
no chão.
As chamas cresceram, pegaram-se às ervas e
subiram pelas árvores acima numa dança
assustadora.
O fumo encheu tudo num instante e, no
meio da fumarada, os pássaros Bisnaus
acordaram a tossir e, sem pensarem em
mais nada, puseram-se logo a fugir.
O fogo crescia, crescia e as árvores ardiam.
E os animais, muito aflitos, que remédio tinham?
Para se salvar foram-se embora passarinhos passarões
toutinegras e perdizes
cotovias codornizes
pintassilgos, tentilhões
pombas brancas e falcões
patos bravos tarambolas
gaviões e galinholas
pica-paus e andorinhas
raposões e raposinhas
lebres lobos e coelhos
todos com os olhos vermelhos, cucos melros rouxinóis
aranhiços caracóis todos se foram embora para nunca
mais voltar.
Com mais ou menos facilidade, os animais conseguiram escapar
daquele pesadelo. Mas as minhas amigas ervas, as plantas, os
arbustos e as árvores estão agarrados à terra e não têm pernas para
fugir. Por isso, a pouco e pouco, no meio de uma enorme confusão,
iam-se deixando cair, transformadas em carvão.
Um passarinho pequeno, quando viu que a árvore onde costumava
fazer o seu ninho estava a arder, foi a correr, quer dizer, foi a voar
chamar os bombeiros. O passarinho não sabia falar a língua dos
homens. Mas o seu canto era tão aflitivo, que os bombeiros
perceberam muito bem o que ele lhes queria dizer e saíram logo
com a sirene tinóni-tinóni para ir apagar o fogo da nossa mata que
estava mesmo à beira de ficar toda queimada.
Foi uma trabalheira. Mangueiras para aqui, mangueiras para ali.
Com muito esforço e muita coragem, os bombeiros lá conseguiram
apagar as chamas, salvaram algumas árvores que ainda só
estavam chamuscadas. E deram de beber à terra que estava cheia
de sede.
O fogo foi apagado, o fumo foi desaparecendo e o ar, ao fim de
alguns dias, voltou a ficar limpo e puro.
Agora, o fogo estava apagado e já era possível fazer
com que a mata nascesse de novo.
Os estragos tinham sido muito grandes. Foi preciso
limpar tudo muito bem limpo. Remover o lixo e as
cinzas. Às vezes, parecia mesmo que a minha mata já
não tinha remédio.
Mas a natureza é muito forte e, quando chegou
a Primavera seguinte, as árvores voltaram a dar
folhas.
Por isso…
gaviões e galinholas
pica-paus e andorinhas
raposões e raposinhas
lebres lobos e coelhos
todos com os olhos
vermelhos
cucos melros rouxinóis
aranhiços caracóis
a correr e a saltar
um dia tinham partido
Por isso, a correr e a saltar mas resolveram voltar.
rapidamente voltaram
passarinhos passarões
toutinegras e perdizes
cotovias codornizes
pintassilgos
tentilhões
pombas brancas
e falcões
patos-bravos
tarambolas
As aves voltaram a fazer ninho nos seus ramos. Os bichos e
bichinhos, os que vivem nos troncos das árvores ou debaixo do
chão, voltaram também e tudo ficou perfeito, quando o meu
amigo coelho Coisa Fofa teve mais uma ninhada de 254
coelhinhos, que encheram aquela mata de uma alegria enorme.
As ervas e todas as plantas também voltaram a
nascer porque a água que vinha de um ribeirinho
que, passava ali perto, corria muito fresca e
saltitante lá ia enchendo de seiva todos os
habitantes da minha mata que é de nós todos e
todos devíamos ter o cuidado de tratar muito bem.
• PB - 2010/2011
• Agrupamento de Escolas Gonçalo Sampaio

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