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SÉRIE

2024_EM_B1_V1
Língua Portuguesa

Conto I

1o bimestre – Aula 04
Ensino Médio
Conteúdo Objetivos

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● Analisar visões de mundo,
● Gênero literário: conto; questões de cidadania e
● Foco narrativo e tipos de conduta ética presentes em
narrador. textos literários;
● Ler e analisar um conto;
● Reconhecer e classificar tipos
de narrador.
Para começar

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Técnica Lemov
Sobre a sua experiência de leitor… De surpresa

Você, com certeza, já leu muitos contos ao longo


da sua vida, e sabe que eles abordam temas muito
interessantes.
Você se lembra de algum conto que tenha sido
marcante para você? Ou de algum autor?
Foco no conteúdo

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O conto desta aula irá nos levar a refletir sobre como nos comportamos em
sociedade, sobre valores sociais, ou seja, sobre o que é considerado um
comportamento adequado, honesto, enfim, ético. Vamos lá?

Ação: escrita
Antes, porém, observe o título e responda: qual
história você acha que o texto vai contar?
Levante hipóteses.
“A CARTEIRA”
De Machado de Assis
Mais adiante, iremos retomar as hipóteses.
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Agora, vamos ler um conto de Machado de Assis.
A CARTEIRA, de Machado de Assis

http://www.dominiopublico.gov.br/dow
nload/texto/ua000180.pdf
Para começar

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... De repente, Honório olhou para o chão e viu uma carteira. Abaixar-se,
apanhá-la e guardá-la foi obra de alguns instantes. Ninguém o viu, salvo um
homem que estava à porta de uma loja, e que, sem o conhecer, lhe disse rindo:

— Olhe, se não dá por ela; perdia-a de uma vez.

— É verdade, concordou Honório envergonhado.


Para começar

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Para avaliar a oportunidade desta carteira, é preciso saber que
Honório tem de pagar amanhã uma dívida, quatrocentos e tantos mil-
réis, e a carteira trazia o bojo recheado. A dívida não parece grande
para um homem da posição de Honório, que advoga; mas todas as
quantias são grandes ou pequenas, segundo as circunstâncias, e as
dele não podiam ser piores. Gastos de família excessivos, a princípio
por servir a parentes, e depois por agradar à mulher, que vivia
aborrecida da solidão; baile daqui, jantar dali, chapéus, leques, tanta
coisa mais, que não havia remédio senão ir descontando o futuro.
Endividou-se. Começou pelas contas de lojas e armazéns; passou aos
empréstimos, duzentos a um, trezentos a outro, quinhentos a outro, e
tudo a crescer, e os bailes a darem-se, e os jantares a comerem-se,
um turbilhão perpétuo, uma voragem.
Para começar

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— Tu agora vais bem, não? dizia-lhe ultimamente o
Gustavo C..., advogado e familiar da casa.

— Agora vou, mentiu o Honório.

A verdade é que ia mal. Poucas causas, de pequena


monta, e constituintes remissos; por desgraça perdera
ultimamente um processo, em que fundara grandes
esperanças. Não só recebeu pouco, mas até parece que ele
lhe tirou alguma coisa à reputação jurídica; em todo caso,
andavam mofinas nos jornais.
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D. Amélia não sabia nada; ele não contava nada à mulher, bons ou maus
negócios. Não contava nada a ninguém. Fingia-se tão alegre como se nadasse
em um mar de prosperidades. Quando o Gustavo, que ia todas as noites à casa
dele, dizia uma ou duas pilhérias, ele respondia com três e quatro; e depois ia
ouvir os trechos de música alemã, que D. Amélia tocava muito bem ao piano,
e que o Gustavo escutava com indizível prazer, ou jogavam cartas, ou
simplesmente falavam de política.

Um dia, a mulher foi achá-lo dando muitos beijos à filha, criança de quatro
anos, e viu-lhe os olhos molhados; ficou espantada, e perguntou-lhe o que era.
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Compreende-se que era o medo do futuro e o horror da miséria. Mas as esperanças
voltavam com facilidade. A idéia de que os dias melhores tinham de vir dava-lhe
conforto para a luta. Estava com trinta e quatro anos; era o princípio da carreira; todos
os princípios são difíceis. E toca a trabalhar, a esperar, a gastar, pedir fiado ou
emprestado, para pagar mal, e a más horas.

A dívida urgente de hoje são uns malditos quatrocentos e tantos mil-réis de carros.
Nunca demorou tanto a conta, nem ela cresceu tanto, como agora; e, a rigor, o credor
não lhe punha a faca aos peitos; mas disse-lhe hoje uma palavra azeda, com um gesto
mau, e Honório quer pagar-lhe hoje mesmo. Eram cinco horas da tarde. Tinha-se
lembrado de ir a um agiota, mas voltou sem ousar pedir nada. Ao enfiar pela Rua da
Assembléia é que viu a carteira no chão, apanhou-a, meteu no bolso, e foi andando.
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Durante os primeiros minutos, Honório não pensou nada; foi andando, andando, andando, até o
Largo da Carioca. No Largo parou alguns instantes, − enfiou depois pela Rua da Carioca, mas
voltou logo, e entrou na Rua Uruguaiana. Sem saber como, achou-se daí a pouco no Largo de S.
Francisco de Paula; e ainda, sem saber como, entrou em um Café. Pediu alguma coisa e encostou-
se à parede, olhando para fora. Tinha medo de abrir a carteira; podia não achar nada, apenas papéis
e sem valor para ele. Ao mesmo tempo, e esta era a causa principal das reflexões, a consciência
perguntava-lhe se podia utilizar-se do dinheiro que achasse. Não lhe perguntava com o ar de quem
não sabe, mas antes com uma expressão irônica e de censura. Podia lançar mão do dinheiro, e ir
pagar com ele a dívida? Eis o ponto. A consciência acabou por lhe dizer que não podia, que devia
levar a carteira à polícia, ou anunciá-la; mas tão depressa acabava de lhe dizer isto, vinham os
apuros da ocasião, e puxavam por ele, e convidavam-no a ir pagar a cocheira. Chegavam mesmo a
dizer-lhe que, se fosse ele que a tivesse perdido, ninguém iria entregar-lha; insinuação que lhe deu
ânimo.
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Tudo isso antes de abrir a carteira. Tirou-a do bolso, finalmente, mas com
medo, quase às escondidas; abriu-a, e ficou trêmulo. Tinha dinheiro, muito
dinheiro; não contou, mas viu duas notas de duzentos mil-réis, algumas de
cinqüenta e vinte; calculou uns setecentos mil-réis ou mais; quando menos,
seiscentos. Era a dívida paga; eram menos algumas despesas urgentes.
Honório teve tentações de fechar os olhos, correr à cocheira, pagar, e, depois
de paga a dívida, adeus; reconciliar-se-ia consigo. Fechou a carteira, e com
medo de a perder, tornou a guardá-la.
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Mas daí a pouco tirou-a outra vez, e abriu-a, com vontade de
contar o dinheiro. Contar para quê? era dele? Afinal venceu-se e
contou: eram setecentos e trinta mil-réis. Honório teve um
calafrio. Ninguém viu, ninguém soube; podia ser um lance da
fortuna, a sua boa sorte, um anjo... Honório teve pena de não
crer nos anjos... Mas por que não havia de crer neles? E voltava
ao dinheiro, olhava, passava-o pelas mãos; depois, resolvia o
contrário, não usar do achado, restituí-lo. Restituí-lo a quem?
Tratou de ver se havia na carteira algum sinal.

"Se houver um nome, uma indicação qualquer, não posso utilizar-


me do dinheiro", pensou ele.
Para começar

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Esquadrinhou os bolsos da carteira. Achou cartas, que não abriu, bilhetinhos
dobrados, que não leu, e por fim um cartão de visita; leu o nome; era do
Gustavo. Mas então, a carteira?... Examinou-a por fora, e pareceu-lhe
efetivamente do amigo. Voltou ao interior; achou mais dois cartões, mais três,
mais cinco. Não havia duvidar; era dele.
Para começar

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A descoberta entristeceu-o. Não podia ficar com o dinheiro, sem praticar um
ato ilícito, e, naquele caso, doloroso ao seu coração porque era em dano de um
amigo. Todo o castelo levantado esboroou-se como se fosse de cartas. Bebeu a
última gota de café, sem reparar que estava frio. Saiu, e só então reparou que
era quase noite. Caminhou para casa. Parece que a necessidade ainda lhe deu
uns dois empurrões, mas ele resistiu.

"Paciência, disse ele consigo; verei amanhã o que posso fazer".


Para começar

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Chegando a casa, já ali achou o Gustavo, um pouco preocupado, e a própria D.
Amélia o parecia também. Entrou rindo, e perguntou ao amigo se lhe faltava alguma
coisa.

— Nada.

— Nada?

— Por quê?

— Mete a mão no bolso; não te falta nada?

— Falta-me a carteira, disse o Gustavo sem meter a mão no bolso. Sabes se alguém
a achou?

— Achei-a eu, disse Honório entregando-lha.


Para começar

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Gustavo pegou dela precipitadamente, e olhou desconfiado para o amigo. Esse olhar
foi para Honório como um golpe de estilete; depois de tanta luta com a necessidade,
era um triste prêmio. Sorriu amargamente; e, como o outro lhe perguntasse onde a
achara, deu-lhe as explicações precisas.

— Mas conheceste-a?

— Não; achei os teus bilhetes de visita.


Para começar

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Honório deu duas voltas, e foi mudar de toilette para o jantar. Então Gustavo
sacou novamente a carteira, abriu-a, foi a um dos bolsos, tirou um dos
bilhetinhos, que o outro não quis abrir nem ler, e estendeu-o a D. Amélia, que,
ansiosa e trêmula, rasgou-o em trinta mil pedaços: era um bilhetinho de amor.
Na prática

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5 MINUTOS
Agora, responda.

1. As hipóteses levantadas pela turma vão ao encontro da história contada por


Machado de Assis?
2. Você, ou algum colega de sala, já viu alguém vivenciar uma crise como a
do personagem Honório, que envolvia decidir devolver ou não algo que
encontrou que havia sido perdido por alguém?
3. Diante da carteira encontrada, Honório se vê frente a um dilema: devolvê-la
ou não. Cite os motivos que poderiam influenciá-lo a ficar com a
carteira, e os que o levariam a procurar o dono.
Na prática

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Resposta

1. e 2. Respostas pessoais.
3. Motivos que poderiam influenciá-lo a ficar com a carteira: sua crise
financeira; medo de a esposa descobrir; orgulho, pois queria pagar a
dívida daquele dia para não ouvir desaforos; crença de que ninguém
descobriria.
Motivos que o levariam a procurar o dono: honestidade, ética, empatia,
ou seja, colocar-se no lugar de quem perdeu e tentar entender seu
sofrimento; vergonha de se passar por ladrão; medo de que alguém
descobrisse.
Na prática

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Resposta
4. O tema que dá início ao conto 5. De acordo com a história, a
é: personagem Honório:
a. A vida de um homem de família. a. É de uma classe social humilde e
b. A crise financeira de um homem. precisa muito de dinheiro.
c. O conflito ético de
conflito ético deum
umhomem.
homem. b. É muito rico e não precisa de
dinheiro.
d. A burguesia do século XIX e seu
estilo de vida. c. Não é rico nem é pobre, mas
consegue viver bem.
d.d. Aparenta
Aparentaterterboas
boascondições, mas
condições,
não
mastem
nãodinheiro como parece.
tem dinheiro como
5 MINUTOS parece.
Na prática

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Resposta

6. Ao longo do conto, o narrador vai, indiretamente, construindo para Honório


uma personalidade fraca, com um quê de ingenuidade. Indique, entre as
passagens seguintes, a única que NÃO evidencia esses traços da personagem.
A. Um dia a mulher foi achá-lo dando muitos beijos à filha (...) e viu-lhe os
olhos molhados.
B. É verdade, concordou Honório envergonhado.
C. A dívida não parece grande para um homem da posição de Honório, que
C.advoga.
A dívida não parece grande para um homem da posição de Honório,
quemedo
D. Tinha advoga.
de abrir a carteira; podia não achar nada, apenas papéis e sem
valor para ele.
Na prática

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Resposta

7. Campo lexical é um conjunto de palavras empregadas em um texto para


designar, qualificar, caracterizar, significar uma noção, uma atividade, uma
pessoa. O texto em estudo apresenta diferentes campos lexicais. O campo
que se relaciona ao principal drama vivido por Honório é o seguinte:
A. reflexões, consciência, censura.
A. reflexões, consciência, censura.
B. Advogado, causas, constituintes.
C. Cartas, bilhetinhos, cartão de visita.
D. Dívida, agiota, bojo.
Na prática

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8. O espaço psicológico é muito importante nesta história, já que ele nos
revela a crise moral de Honório para saber o que faria com a carteira.
Entretanto, os espaços físicos também são importantes. Indique em quais
espaços físicos acontecem os fatos do conto.
9. O conto começa num dia qualquer da vida de Honório, que chamaremos
aqui de um "hoje“, o dia em que ele achou a carteira. Depois, ficamos
sabendo de sua dívida para “amanhã”. Entretanto, o narrador decide voltar
um pouco ao passado, e, então, retorna ao presente (ou seja, os eventos que
vão do encontro da carteira até o desfecho). Qual é a importância dessa
volta ao passado na narrativa?
Na prática

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Resposta

8. Indique em quais espaços físicos acontecem os fatos do conto.


O acontecimento inicial, e muito relevante para a história, acontece na rua,
quando Honório acha a carteira, um espaço aberto, público. Depois, o
protagonista anda pelas ruas do centro do Rio de Janeiro. Então, vem a cena
final, que se passa na casa de Honório.
9. Qual é a importância dessa volta ao passado na narrativa?
A retrospectiva, trazendo momentos que nos situam sobre a trajetória, a
crise e a dívida do personagem, serve para justificar a relevância da carteira
achada para Honório. Por esse motivo, a volta ao passado é importante.
Foco no conteúdo

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Relembrando o que aprenderam sobre foco narrativo
Foco Narrativo

Narrador em Narrador em
1a pessoa ou Narrador em
3a pessoa onisciente –
narrador 3a pessoa observador –
conhece passado,
personagem – conta não participa da história
futuro, segredos,
a história da qual que narra, apenas conta
sentimentos e
participa; é um o que viu ou ouviu
pensamentos de todas
personagem. dizer.
as personagens.
Na prática

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Resposta

10. Responda: que tipo de narrador a história apresenta?

a.a. Narrador
Narrador onisciente.
onisciente.

b. Narrador personagem.

c. Narrador observador.

d. Narrador paciente.
Aplicando

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Para a próxima aula

Agora é com você! Crie uma postagem com uma narrativa curta, uma história
sobre alguém que encontra uma carteira, uma bolsa, uma mochila, enfim.
Apresente o dilema que essa pessoa vive em relação a isso. Como se trata de
uma postagem em rede social, o texto não precisa ser tão grande, mas precisa
dar conta de expor a sequência de fatos e o conflito interno. Conte a sua
história, usando um narrador em 1ª ou em 3ª pessoa.
Ao final, compartilhe seu post com os colegas da sala.
O que aprendemos hoje?

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● Na aula de hoje, lemos e analisamos o conto
“A Carteira”, de Machado de Assis;
● Revimos os seguintes tópicos: gênero textual e
tipos de narrador;
● Refletimos sobre conduta ética e cidadã a
partir do conto.
Referências

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ASSIS, Machado de. A carteira. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000180.pdf. Acesso em: 17 fev. 2022.
BUENO, Francisco da Silveira. Gramática de Silveira Bueno. 20ª ed. e atualizada. São Paulo: Global, 2014.
SÃO PAULO (ESTADO). Secretaria da Educação. Currículo em ação – Língua Portuguesa. Segunda série do
ensino médio. Caderno do estudante. São Paulo, 2022. Disponível em: https://cutt.ly/i8jKJb6. Acesso em: 28
fev. 2023.
SÃO PAULO (ESTADO). Secretaria da Educação. Currículo Paulista do Ensino Médio. São Paulo, 2020.
Disponível em: https://cutt.ly/V8jLYm2. Acesso em: 28 fev. 2023.
Lista de imagens e vídeos
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Slide 14 – https://pixabay.com/pt/illustrations/professora-caixa-ensino-falando-4702490/
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