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Praticando a Presença de Cristo

Rebecca Pippert (Cap. 8 do livro "Out of the Saltshaker&into the World", IVP)

Eu estava andando no aeroporto O'Hare em Chicago, há pouco tempo atrás, quando minha bolsa
caiu e minhas coisas se esparramaram no chão. Eu estava colocando tudo dentro de novo quando
uma mulher com um bebê me perguntou que horas eram. Então ela, tensa e nervosa perguntou:
"Você sabe onde posso comprar alguma bebida?".

Eu não sabia. Mas eu olhei seu rosto, vi que ela estava perturbada. Então eu me levantei e
comecei a conversar com ela.

Ela rapidamente me interrompeu, perguntando: "Você sabe quanto deve custar uma bebida aqui?".

Eu vi que não estávamos chegando a lugar algum e, de repente, eu me ouvi dizendo, "Bem, eu
não sei, mas você gostaria de procurar comigo um bar?".

"Puxa, você poderia? Eu realmente gostaria da sua companhia", ela respondeu.

Então nós saímos. E por todo o caminho eu ia me censurando por isso - indo a um bar à tarde com
uma completa estranha. Que situação constrangedora! Então eu pensei, "O que Jesus faria numa
situação como essa?".

Esse é justamente o ponto. O que Jesus faria?(…)

Freqüentemente somos cegos. Nós agimos como se os que estão à nossa volta não fossem
realmente pessoas como nós. Se os vemos sangrando, nós achamos que não está realmente
doendo. Se os vemos sozinhos, nós dizemos para nós mesmos que eles gostam de ficar assim.

Mas Jesus quer curar nossa visão. Ele quer que vejamos que nosso vizinho, ou a pessoa sentada
ao nosso lado no ônibus ou na sala de aula não são interrupções na nossa agenda. Elas estão lá
por mandato divino. Jesus quer que vejamos suas necessidades, sua solidão, seus anseios, e ele
quer nos dar coragem para que os alcancemos. Se queremos fazer isso nós precisamos fazer
duas coisas: assumir os riscos e se envolver com as pessoas abaixo da superfície.

Tomar a iniciativa nos abre para o risco da rejeição. Deixar as pessoas entrarem em nossas vidas é
assustador, mas um ingrediente essencial no evangelismo. É arriscado abandonar nossas capas
de proteção a fim de penetrar na vida dos outros. No aeroporto eu me perguntei o que eu deveria
fazer agora, num bar, com uma mulher ansiosa que eu tinha acabado de conhecer. Eu percebi que
Jesus provavelmente estaria mais preocupado no por que ela precisava de uma bebida do que no
fato de ele estar indo num bar. Eu sabia que se eu não estivesse à vontade enquanto ela segurava
uma bebida em sua mão e se não permitisse que Deus me guiasse ao que ele percebia como
campo de missão, então eu não seria muito eficaz em comunicar o amor incondicional de Deus.

Depois que nós encontramos o bar, levou apenas alguns minutos antes que ela começasse a
contar porque ela tinha decidido deixar seu marido. Seu marido, que não sabia de sua decisão, iria
encontrá-la no aeroporto de Michigan. Ela estava aterrorizada imaginando a reação dele e se
sentia completamente só. "Mas é ridículo eu estar falando isso para uma estranha. Como deve
estar sendo entediante para você me ouvir!", ela comentou no meio da conversa.

A parte mais triste era sua inabilidade óbvia de acreditar que alguém se preocuparia com ela. Ela
não confiava em quase ninguém. Quando eu mencionei a ela um problema que eu pude identificar,
ela disse, "Então é por isso que você age como se importasse. Escute, você não tem medo de
acompanhar estranhos como eu? Você deveria ser mais cuidadosa."

Quando eu comecei a falar com ela quem Deus era e que ele é quem me levava a situações como
essa, ela parecia se prender a cada palavra. Logo estávamos indo para o seu avião, mas eu
estava inquieta. Eu queria dizer a ela o quanto eu tinha sido tocada por seus problemas e que
Deus se importava profundamente com ela. Mas ela era tão fria e defensiva que eu temi sua
rejeição. Finalmente, no portão de embarque, eu peguei em sua mão e disse, "Escute, eu quero
que você saiba que eu realmente me importo com você e eu estarei orando por você no minuto em
que você chegar lá."

Ela me olhou fixamente, espantada. Então, virando-se, ela disse, "Hum... me desculpe - eu apenas
não sei lidar com amor," e foi embora.

O encontro não foi um sucesso estrondoso, mas eu sabia que tinha sido obediente. Ser um cristão
significa assumir: o risco do nosso amor ser rejeitado, mal compreendido ou mesmo ignorado.
Agora, eu não estou sugerindo que corramos para o bar mais próximo por Jesus. Mas se você se
encontrar em uma situação em que você acredita que Deus o colocou, então aceite o risco por sua
causa.

Nós precisamos ver abaixo da superfície. Não devemos nunca presumir que uma pessoa não está
aberta ao cristianismo. Mais de uma vez eu tenho visto que as que menos aparentam são as que
estão mais abertas para Deus.

Há muitos anos atrás, eu estava em um ônibus sentada ao lado de uma mulher com mais de 60
anos. Sua face era dura, muito maquiada, fumava um cigarro atrás do outro, e seus olhos pareciam
vazios. Eu iniciei uma conversa, mas suas respostas eram curtas e frias, então desisti e comecei a
trabalhar numa palestra que eu iria proferir. Eu pensei que teria muito tempo para fazer isso porque
ela estava espiritualmente fechada.

Poucos minutos depois, para minha surpresa, ela disse, "O que você está fazendo? Você parece
muito ocupada. O que você está escrevendo?"

Eu tentei evitar responder sua questão diretamente, porque eu estava certa de que ela não iria
entender. Mas ela disse, "Claro que é um dia agradável. Mas o que você está fazendo?"

Engoli seco, e lhe falei qual era a minha profissão e que eu estava preparando uma palestra para
uma comunidade cristã.

"Você trabalha para Deus, hein?", ela respondeu cinicamente.

Eu sabia que isso era um ponto final, então eu disse, "Diga-me o seu nome. E o que você faz?"
Ela disse, "Meu nome é Betty. Escute, eu também sou muito ocupada, como você. Tenho muitos
amigos. Eu nunca tenho um momento para mim mesma. Naturalmente eu... ah... bem, eu vivo
sozinha. Mas eu tenho tantos hobbies que eu nem percebo isso." Sua resposta era tristemente
reveladora.

"Sabe, eu nunca vivi sozinha. Acho que eu tenho um pouco de medo de ficar só," eu disse.

Repentinamente ela se virou em seu assento e olhou para mim vividamente. "Olhe, garota. Você
fala sobre solidão? Eu sou tão só que eu quero morrer. Metade do tempo eu penso que eu já morri.
O que eu disse sobre muitos amigos? Não, não os tenho. Ninguém se importa. Meu coração está
doente, e quando eu não me sinto bem eu saio de casa, porque se eu morrer, pelo menos alguém
saberá. Você fala sobre Deus. Eu vou te dizer uma coisa. Eu vim aqui ver um homem. Eu acho que
ele gostava de mim. Ele era sozinho como eu e tínhamos começado uma amizade. Eu liguei em
seu apartamento e ele não atendeu. Então eu liguei pro porteiro e perguntei a ele se Jack estava
lá. Ele me disse para esperar. Quando ele voltou ao telefone, ele disse, 'Oh, Jack está aqui. Mas
ele está morto. Parece que ele morreu há alguns dias. É uma vergonha. Eu vou cuidar disso.
Tchau.' É isso que vai acontecer comigo? Estarei morta no chão por dois dias e ninguém saberá?
O que o seu Deus diz a esse respeito?"(...)

Eu murmurei algo como, "Faz você se perguntar se realmente existe um Deus, não é? Faz você se
perguntar em que mundo Jack está agora."

Ela respondeu, "Eu continuo me perguntando isso. Mas não encontro resposta. Tenho me
questionado sobre isso continuamente desde que ele morreu. "

"Quando você soube que Jack tinha morrido, Betty?", eu perguntei.

"Ontem à noite. E fiquei acordada a noite inteira perguntando ao silêncio essa resposta", ela disse.

Eu queria chorar. Não apenas por sua tragédia, mas por minha cegueira e pela bondade de Deus
para comigo. Eu queria ignorá-la por achar que era espiritualmente fechada, para então poder
escrever minha palestra sobre evangelismo. Mas ela estava fazendo profundos questionamentos,
numa oportunidade para que Deus a alcançasse.

Disse a ela que nunca tinha sentido uma dor como essa. Mas que conhecia outros que que
experimentaram a tristeza da solidão. Falei-lhe de alguém a quem Deus deu sentido à vida, apesar
de seu sofrimento. Betty me olhou com esperança por poucos segundos, então disse tristemente,
"Você é tão jovem, tão jovem."

A conversa se direcionou a outros assuntos. Eu tentei pensar em uma maneira de revelar o amor
de Deus. Mais tarde, na conversa, eu disse, "Escute, eu venho à Salem regularmente. Você
gostaria que eu a visitasse quando vier?"

Foi a segunda vez que ela se animou. "Você realmente viria? Claro que eu gostaria. Escute, eu
também sou uma boa cozinheira! Você poderia conhecer meu cachorro. Nós vamos ter um ótimo
tempo!"

Mas quando nós chegamos em Salem, ela se fechou novamente. Assim que saímos do ônibus e
ela abriu a porta da estação, ela disse, "Bem, criança, foi ótimo ter te conhecido. Nós nos vemos
por aí." E ela foi andando embora. Um pouco mais adiante ela parou, virou-se, e olhando para mim
com desespero disse, "Oh, Deus, Becky. Não se esqueça de me ligar. Por favor, não me esqueça."
E ela se foi.
Eu sentei num banco e chorei. Eu queria um final feliz para essa história, mas não aconteceu. Eu a
visitei. Gastei noites com Betty e seu cachorro. Trouxe estudantes para conhecê-la, e eles a
amaram mais consistentemente e fielmente do que eu. Do que eu sei, Betty apenas recebeu. Ela
nunca deu. Talvez ela não fosse capaz disso. De fato, ela nos usou.(...) Ela soube da fonte do
nosso amor. Ela soube de Jesus. Mas ela nunca escolheu segui-lo, pelo menos enquanto nós a
conhecemos. Eu a encontrei e a deixei como uma mulher solitária.

Betty não foi perda de nosso tempo. Ela era importante para Deus e importante para nós. Nós não
falhamos. Mas não podemos fazer ninguém se tornar um cristão. Nós não somos julgados pelo
nosso sucesso, mas por nossa fidelidade e obediência, apesar de ter sido uma obediência
dolorosa e custosa para nós.

Nós nunca devemos presumir que as pessoas são como aparentam. Todos nós temos
necessidades. Como Betty, a maioria de nós experimentou alguma forma de rejeição. Nós
queremos ser tocados, ser apreciados, saber que somos especiais, mas não sabemos como pedir
isso. Quando somos machucados, temos áreas sensíveis, como feridas abertas que nos fazem
morrer de medo de sermos tocados e de nos expormos, apesar de ser isso o que mais desejamos.
O que nós precisamos é de alguém que aja como Jesus, nos alcance, coloque seus braços ao
nosso redor e diga "Venha para casa comigo. Eu me importo com você. Eu quero estar com você."

Isso é algo para o que nós somos chamados a fazer. nós não devemos esperar sermos curados,
amados, e então alcançar os outros. É possível que um dos primeiros passos em direção à nossa
cura vai se dar quando formos em direção a uma outra pessoa. Quando nós vamos além da
superfície de uma pessoa, nós geralmente descobrimos um mar de necessidades. Nós precisamos
aprender a interpretar as necessidades corretamente, assim como Jesus.(...)

A mulher samaritana teve cinco maridos e agora estava vivendo com um sexto homem. Os
discípulos a olharam e pensaram, "Esta mulher? Se tornar uma cristã? Não tem jeito, olhe como
ela vive!" Mas Jesus a olhou e teve uma conclusão oposta.(...) Não foi a necessidade dessa mulher
por afeto que o alarmou, mas a sua busca em responder sua necessidade. Além disso, Jesus viu
que sua necessidade indicava fome de Deus. Ele parecia dizer aos seus discípulos, "Vejam o quão
arduamente ela está tentando encontrar a coisa certa nos lugares errados."

Quantos homens e mulheres samaritanos você conhece? Onde quer que eu esteja, eu vejo
pessoas procurando freneticamente pelas coisas certas em todos os lugares errados. A tragédia é
que minha resposta inicial é desconsiderar e presumir que eles nunca vão se tornar cristãos. Nós
devemos nos perguntar, "Como eu interpreto as necessidades e estilo de vida de meus amigos?
Eu olho para eles bebendo e transando e digo, 'Isso é errado' e vou embora? Ou eu vou além de
suas máscaras e descubro por que eles fazem isso? E então, eu tento amá-los onde eles estão?"

A fim de estabelecer uma relação de confiança com as pessoas, nós devemos amá-las com a
bagagem que elas trazem. Nós precisamos aceitá-las onde estão, sem comprometer nossos
padrões cristãos.

Nós precisamos viver a tensão de sermos chamados para identificarmos os outros sem sermos
idênticos a eles.

Uma menina se mudou para o apartamento debaixo do meu em Portland, Oregon. Toda vez que eu
a via ela estava indo para uma festa. Nós trocávamos palavras amigáveis e um dia ela me disse,
"Becky, eu gosto de você. Você é jóia. Que tal nos encontrarmos semana que vem e fumarmos um
baseado, o.k.?"

Eu respondi, "Puxa, obrigada! Eu também gosto de você, eu adoraria gastar um tempo com você.
Na verdade eu não gosto de fumar, mas a gente poderia fazer alguma outra coisa."
Claro que ela me olhou um pouco surpresa, não tanto porque eu não fumo baseado, mas porque
eu expressei prazer ao pensar em gastar um tempo com ela. Eu poderia ter dito a ela, "Eu sou
cristã e eu não quero saber dessas coisas", mas eu queria afirmar o que eu podia fazer sem abrir
mão dos padrões cristãos. Muito freqüentemente nós espalhamos o que "não fazemos" quando
deveríamos estar tentando descobrir pontos de contato genuínos. A maioria de nós tende ou a se
superidentificar e se misturar de tal maneira que ninguém pode dizer que somos cristãos ou a nos
separar, nos guardando seguros, mantendo pouco contato com o mundo. Nós devemos
reconhecer qual é a nossa tendência e lutar contra ela.

Há algumas coisas que não devemos fazer. Um teste é se a atividade viola um princípio da Bíblia.
Outro é se estamos violando nosso próprio senso de pureza. Aqui é importante nos conhecermos.

Nós precisamos saber onde somos vulneráveis. Na maioria das circunstâncias é perigoso nos
colocarmos no que sabemos ser uma tentação real, mesmo que digamos que pedimos a Deus
força para vencer a tentação. Freqüentemente estudantes me dizem que entraram em situações
perigosas porque eles sentiram que eram as únicas pessoas que podiam testemunhar ali. Eu
acredito que devemos assumir riscos como cristãos. Mas Deus não nos chama para situações em
que ele sabe que nós não conseguimos lidar. Ele pode achar uma outra pessoa para ir ali que não
lute nessa área.

Nós temos liberdade de falar. Isso também significa que nós temos a liberdade de sermos nós
mesmos. Fique contente com o temperamento que Deus te deu e o use para os seus propósitos.
Deus fez alguns de nós tímidos, outros extrovertidos. Nós devemos louvá-lo por isso. Mas se você
é tímido, se lembre que sua timidez não é uma desculpa para evitar relacionamentos; pelo
contrário, isso significa que você vai amar o mundo de uma maneira diferente que um extrovertido.

Uma garota me disse uma vez que era terrivelmente tímida. Só de pensar em falar com alguém ela
ficava aterrorizada. Mas ela era uma cristã comprometida e sabia que tinha de achar caminhos
para se relacionar. Percebeu que não deveria pedir a Deus para torná-la extrovertida. Mas ela orou
pedindo a liberdade de olhar para fora, não para si mesma.(...)

O que me impressionou nela foi a eficiência de seu testemunho não-verbal. Ela falou com seus
amigos sobre Jesus. Mas ela o demonstrou de maneiras diferentes também. Ela trabalhou para
vencer sua timidez, mas descobriu que tinha o dom da serenidade. Pessoas se aproximavam dela
porque sua presença trazia paz. Ela nunca teria percebido esse dom se não tivesse passado pelo
processo doloroso de tomar iniciativa. Ela trabalhou nos limites de sua timidez, mas nesse
processo Deus a abençoou com os dons de sua timidez.

É desalentador ouvir as pessoas dizerem que para mim é fácil evangelizar porque sou extrovertida.
Ser extrovertida não é essencial para o evangelismo - obediência e amor são. Há muitas pessoas
que eu nunca pude alcançar e eu provavelmente as intimidei por ser expansiva. Deus irá usar
outros cristãos para alcançá-los. Mas não me sinto culpada por isso porque Deus não é glorificado
em minha vida se eu tento ter a personalidade do meu melhor amigo. Eu preciso ser quem eu fui
criado para ser. E preciso me relacionar com os outros de uma maneira sensível à pessoa com
quem estou falando e consistente com minha própria personalidade.(...)

Mas você pode dizer que de fato tomar a iniciativa não é natural para você. Você é uma pessoa
tímida. Na verdade, a habilidade de sairmos de nós mesmos e servirmos ao outro não é natural
para ninguém. Mas ficarmos sentados e não fazermos nada não é uma opção. Nós somos
chamados para amar, para servir, para identificar a necessidade e responder a ela. Não é fácil para
ninguém, mas é o que o Espírito Santo nos ajuda a fazer a fim de nos tornarmos mais parecidos
com Jesus. No entanto, na maneira de exercitar o nosso amor, no modo que encontramos para
demonstrá-lo, na maneira que compartilhamos Cristo com os outros nós podemos escolher um
estilo adequado a nós. Nós podemos tomar a iniciativa, seja discreta ou expansivamente.
Não devemos nos transformar, como John Stott falou, um cristão "coelho-na-toca" - o tipo que
coloca sua cabeça fora do buraco, deixa seu colega de quarto cristão pela manhã e corre para a
aula, procura freneticamente um colega cristão para sentar ao seu lado (uma maneira estranha de
encarar um campo de missão). Assim ele procede aula após aula. No refeitório, ele se senta com
os cristãos numa grande mesa e pensa, "Que testemunho!" De lá ele vai para o seu estudo bíblico,
onde são todos crentes. E quem sabe ele ainda chega a tempo pra reunião de oração onde os
crentes oram pelos não-crentes do seu andar. Então à noite ele volta rapidamente para junto de
seu colega de quarto cristão. Seguro! Ele atravessou o dia e seus únicos contatos com o mundo
foram aqueles corajosos períodos entre uma atividade cristã e outra.

Que perversa reversão do mandamento bíblico de ser sal e luz do mundo. O cristão "coelho-na-
toca" permanece ilhado e isolado do mundo quando ele é ordenado a se infiltrar nele. Como
podemos ser sal da terra, se nós nunca saimos do saleiro? (...)

Nós somos sal e luz. Nós fazemos diferença porque somos diferentes. E quando nós vivemos
perante Deus como realmente somos, ele irá mudar o mundo no qual vivemos.

Evangelização no meio estudantil

Jeriel Silva Santos


(ex assessor região Nordeste)

(adaptado do livro Cristo na Universidade Brasileira)

A ordem de Cristo “ide e fazei discípulo”, para que a Igreja tenha caráter Católico, Universal, não
limita-se apenas ao aspecto geográfico- Judéia, Samaria e confins da terra- mas, também, deve-se
estender a todas as etnias, culturas, extratos sociais e categorias intelectuais. A Catolicidade da
Igreja exige um discipulado entre burguesia e proletariado, entre cultos e analfabetos.

A Igreja de Cristo na América Latina tem falhado justamente entre a última categoria citada,
especialmente entre os mais jovens deles: os universitários, que aumentam em número e
importância a cada ano. O nosso continente é um continente de jovens. Mais e 50% da população
tem menos de 25 anos de idade. A Igreja latino-americana deveria ter também, um total de
membros ativos de igual índice. Se não o temos poderemos cair no marasmo e na rigidez [1], em
vez de nos caracterizarmos por um dinamismo vibrante.

Na realidade, cada época histórica tem tido um critério de liderança: uma casta sacerdotal, uma
casta guerreira ou uma aristocrática, cuja manutenção no poder estava condicionada a certos
vínculos de sangue e de tradição. No nosso século poderíamos acrescentar a liderança intelectual
ou tecnocrática. Essa nova liderança, que faz sentir de uma maneira crescente sua influência no
mundo secular, deve ser um dos alvos principais da Igreja. Essa nova liderança é composta de
pessoas iguais às outras em tudo, inclusive no pecado, mas, também, na passividade à ação do
Espírito Santo.
Por que não estamos alcançando a juventude de nossas Escolas e Universidades? Por que a
juventude intelectual reage à mensagem do Evangelho de um modo tão negativo? Isso foi sempre
assim?

O presente estudo pretende chamar a atenção dos irmãos da comunidade evangélica-


especialmente sua liderança- para os problemas e indagações acima mencionados. Conseguindo
isso nos daremos por satisfeitos, e teremos motivos para agradecer ao Senhor que nos levou a
esse ministério tão necessário em nossos dias.

Um pouco de história

Universidade, Educação e Cristianismo

É um fato desconhecido, para muitos, que o gênese das Escolas e Universidades, estejam tão
intimamente relacionada com o Cristianismo, a ponto de podermos afirmar: “A Universidade é filha
do Cristianismo”.

As Escolas Monásticas e Episcopais funcionaram como depositários de cultura- e transmissores -


após o período caótico de transição do Império Romano para o feudalismo, com um cotejo
sangrento de invasões, a implantação de elementos culturais divergentes, e, até, uma ausência
normativa. O Cristianismo emergiu como elemento unificador e criador de novas instituições [2]. A
Idade média se não foi um era Cristocêntrica, pelo menos foi uma era Eclesiocêntrica. Nas Escolas
monásticas, todas mantidas por ordens religiosas, e funcionando em conventos, mosteiros ou
abadias, é que iam estudar os filhas da aristocracia feudal, com a intenção de adquirirem um
preparo humanístico, e, muito raramente, fazer um noviciado (tornar-se clérigo). As Escolas
Monásticas, e as Escolas Episcopais, que funcionavam nas sés diocesanas, representaram
autênticos “congeladores de cultura”: se não criaram, pelo menos a repassaram e transmitiram aos
que, dentro da estrutura social da época podiam receber.

As Universidades vão se desenvolver a partir daquelas escolas, sendo as primeiras Universidades:


Salerno, Bolonha, Paris(1200), Praga, Salamanca, Oxford, Cambridge, Coimbra, todas elas são
organizadas em torno da Igreja, e dela recrutam seus mestres. A teologia era amplamente
estudada, ao lado das artes menores: gramática, retórica e dialética, e as artes maiores: aritmética,
geometria, música e astronomia [3]. Importantes essas Universidades? Salerno havia fundado sua
escola de medicina no século IX e Bolonha no ano de 1200 já possuía 10.000 estudantes.

No mundo o fenômeno vai se repetir, com instituições cristãs fundando os primeiros centros de
estudos superiores. Na América do Norte, Harvard (1636) e Yale (1701), as primeiras e mais
tradicionais Universidades, vão ser criadas visando, principalmente, Uma melhor formação
acadêmica para o clero Protestante. Na América Latina, San Marco (1551) e San Domingo, a
primeira em Lima, no Peru e a segunda na capital da República Dominicana, são organizadas Pela
Igreja Católica Romana com propósitos semelhantes às suas congêneses norte-americanas, além
da necessidade de educar a elite “creolla”, os filhos dos colonizadores espanhóis.

Na Ásia, na África e Oceania o fato se repete. A grande rede de Universidades chinesas dos
princípios deste século era fruto do labor e da visão dos missionários evangélicos.

No Brasil, as duas primeiras Faculdades, criadas pela Carta de Lei de 11 de agosto de 1827, foram
as de direito em Olinda e em São Paulo ambas por iniciativa cristã. A primeira dirigida por
beneditinos, e a última por franciscanos.

A primeira aula de estudos superiores do país foi ministrada na biblioteca do andar superior do
Mosteiro de São Bento, na antiga capital pernambucana, em 15 de maio de 1824 [4]. A Igreja
Romana seria também responsável pela instalação de inúmeras escolas, formando,
posteriormente, as Universidades Católicas. Os Evangélicos criaram a Universidade Mackenzie,
com curso primário, secundário e universitário, sendo a primeira do país a funcionar em um
“Campus”, ou seja, todas as unidades na mesma área geográfica. A referida Universidade, em
seus primórdios como “Escola Americana”, tomou parte ativa na vida política do país no fim do
século passado, no apoio às idéias republicanas. Outras unidades superiores isoladas, de caráter
protestante, funcionaram em vários Estados.

Cristãos na universidade

Não somente as Universidades são filhas do Cristianismo, mas também alguns dos episódios mais
importantes da História da Igreja nelas foram vividos, tendo como personagens centrais, membros
de sua comunidade.

Temos a presença marcante de Jonh Wycliffe na pré-reforma, traduzindo a Bíblia para o inglês,
protestando contra o papado, defendendo as doutrinas escriturísticas, Wycliffe destacou-se como
um dos principais antecessores de Lutero na luta por uma reforma religiosa (150 anos antes de da
Reforma). Foi, ele um renomado e respeitado professor na Universidade de Oxford, cujo respeito a
ele conferido ressalta muito bem um historiador cristão: “ Wycliffe já era famoso como homem mais
culto da Universidade de Oxford” [5]. Os alunos, muitos deles pertencentes a aristocracia, levaram
adiante o ensino de seu mestre e transformados pela mensagem poderosa do Evangelho, vão
fazer um ministério revolucionário, assim descrito por Nichols: “ Usando roupas grosseiras,
andando descalços, de cajado na mão, dependendo de esmolas para seu sustento, percorreram
toda a Inglaterra. Conduziam manuscritos dos tratados de Wycliffe, sermões e porções bíblicas, e
pregavam por toda parte. Cresceram de modo extraordinário e se constituíram uma força poderosa
na disseminação da religião Evangélica. Embora miseravelmente perseguidos no século XV,
continuaram sua obra até o tempo da Reforma [6]. Tivemos outro grande vulto da Reforma
protestante ligado estreitamente a Universidade, nos referimos ao grande antecessor Jan Huss,
cujas as idéias evangélicas chegaram à Boêmia (atualmente Tchecoslováquia).

A Reforma Protestante não é diferente foi, em seu período, um movimento Universitário. Lutero, e
seu principal discípulo, Melanchton, era professor Universitários em Wittemberg, local de seus
estudos das Escrituras, de suas pregações e de seus escritos. Quando resolveu queimar
publicamente a bula do Papa, foi acompanhado por uma multidão que o aplaudia, formada, quase
que em sua totalidade, de alunos e professores da Universidade.

Calvino, outro grande Reformador, era estudante na Universidade de Paris quando foi tocado pela
chama do Evangelho. No auge de seu ministério foi o idealizador, o organizador e o grande mestre
da Universidade de Genebra.

Quando a Igreja vivia uma frieza com a ortodoxia da era post-reforma, que a colocava em um
estado de inércia, sem visão nem vida, dois movimentos vão sacudi-la, completando a obra dos
reformadores. Estes movimentos foram o “pietismo” e o “movimento metodista” que reavivou a
Inglaterra e de certa forma toda a Europa.

O pietismo surge com o ministério de Phillip Jacob Spener, pregando a necessidade de uma volta
aos estudos bíblicos, à oração, a vidas renovadas, expostas em sua obra “vidas piedosas”, e que
chegou através de seu líder a Universidade de Halle. O professor Augusto Francke consegue
transformar a Universidade, convertendo a maioria dos estudantes. Ao contrário do significado
deturpado que o nome pietismo hoje apresenta, na realidade ele não advogava alheamento ou
alienação, mas engajamento: a organização de lares para abrigar os menos favorecidos,
especialmente crianças, e a origem do moderno movimento missionário, quando, em 1705, foram
enviados à Índia 70 pioneiros, a maioria estudantes da Universidade de Halle e de outras
Universidades alemãs.
O reavivamento metodista, que sacudiu as ilhas britânicas, e cujo impacto vai se fazer sentir em
todos os setores, se origina com um grupo de estudantes da Universidade de Oxford, chefiados
pelos irmãos John e Charles Wesley, que se reuniam para uma vida de comunhão cristã no
chamado “clube santo”, com cerca de 52 colegas [7]. A influência deste movimento vai impedir que
a Inglaterra, passe pelo mesmo banho de sangue que a França, com a revolução francesa.

Porém, do século XVII para cá a presença cristã nas Universidades diminuiu progressivamente.
Não necessariamente a presença de cristãos nominais, mas a falta da influência do Evangelho no
ambiente. O Iluminismo e o Racionalismo levam a uma rejeitam- na Universidade- do Cristianismo
de seus fundadores, dando lugar ao humanismo antropocêntrico e seus derivados, com a razão
como padrão, centro de referência e autoridade última e suprema. Para ser considerado culto era
necessário rejeitar a fé.

Desgraçadamente a Igreja, principalmente na Europa, ajoelhou-se diante das novas idéias,


abandonando o sobrenatural revelado, levando a razão a julgar a revelação, afastando-se da
herança apostólica, anunciando um “outro evangelho”. Tudo isso com a intenção de conquistar os
intelectuais e parecer “respeitável”. O que não consegue. Antes, ao contrário, desacredita-se cada
vez mais, pois sua mensagem carece de poder transformador de vidas.

Diante dessa situação caótica que a era post-cristã trouxe, coube à Universidade, mais uma vez,
ser o palco de uma reação enérgica, que atinge seu período mais vigoroso na segunda metade do
século passado. Destaca-se aqui a atuação de Charles Simeon na Universidade de Cambridge,
fundando o Inter-collegiate Christian Union, modelo para inúmeros outros grupos bíblicos ou uniões
de estudantes cristãos que se seguem. John Mott marca sua presença com o movimento estudantil
de “Missionários”. Olav Hollesby, autor de “Religiosos ou Cristãos”, em sua época professor da
Universidade de Oslo, organiza grupos de estudantes e intelectuais que buscam comunhão com
Deus em sua Palavra. Associações de profissionais liberais, de cientistas, de estudantes, de
escritores cristãos foram organizadas [8].

Enquanto o clero e a hierarquia da Igreja dormiam ou traiam, a juventude universitária, em seu


vibrante setor, avançava, mantendo-se fiel. Muitos jovens se decidiram pelo ministério da Palavra,
renovando a vida dos Seminários, dando início a um novo tipo de pastor de “vocação tardia”, a
criar novos núcleos da posição Evangélica dentro das denominações “revisionistas”.

No começo do século XX o movimento estudantil Evangélico passou por uma cisão: de um lado, o
grupo que desejava manter a ênfase confessional e doutrinária de seus fundadores; do outro, os
que queriam um mínimo de definição para “somar” mais participantes [9]. O último grupo se
organizou como Federação Mundial de Estudantes Cristãos, ligando-se posteriormente ao Concílio
Mundial de Igrejas. O primeiro grupo organizou vários movimentos nacionais, e, após a II Guerra
Mundial, estruturou-se como Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos, sem
vinculação a qualquer concílio. Hoje possui mais de 120 movimentos nacionais membros, dos
quais temos a Aliança Bíblica Universitária do Brasil. A Comunidade Internacional de Estudantes
Evangélicos implanta sua primeira sede em Lausanne, na Suíça.

Pelo poder do Espírito Santo, nos dias atuais, enquanto muitos estudantes” “abandonaram” a fé
que nunca tiveram, passando para a contestação anti-eclesiática, aderindo a filosofia ou ideologias
anti-cristãs, milhares de outros se reúnem para estudar a Palavra, orar, comungar no Senhor,
anunciar a mensagem de redenção.

Notas

[1] . supremacia de uma geração mais madura


[2] . SOUTO Maior, Armando, “História Geral”, Companhia Editora Nacional, São
Paulo, 1968, cap.16.
[3] . SOUTO Maior, op.cit,pag.263
[4] . Encontrados, também, os sacerdotes na linha de frente da educação superior,
em seus primórdios no Brasil, como a Escola de Medicina da Bahia e a de
Veterinária em Pernambuco.
[5] . Nichols, Robert Hastings, História da Igreja Cristã, Casa Presbiteriana, São
Paulo, 1960, pg.135.
[6] . Nichols. Op. cit. pg. 135
[7] . Latourette, Keneth Scott, “A História do Cristianismo”, 1953, pg. 1023.
[8] . Aos que ainda desconfiam que “crente” é sinônimo de baixo Q.I., lembramos a
existência da American Scientific Affiliaton, sociedade de cientistas cristãos,
portadores de doutorado e Ph.D.
[9] . Um grupo tem definições doutrinárias que definem a sua posição Evangélica;
o Outro usa definições vagas para unir todos os “cristãos’. No final colocaremos as
Bases de Fé da Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos.

Iniciativa e Resposabilidade estudantil

Manual Geral da Aliança Bíblica Universitária ABUB

Iniciativa e Responsabilidade estudantil

Ao longo de toda a sua história, os Movimentos que constituem a Comunidade Internacional de


Estudantes Evangélicos (CIEE) têm se caracterizado por uma convicção fundamental: a
responsabilidade estudantil na obra universitária.

Uma definição necessária

Que entendemos por obra universitária? Confrontar cada estudante com as boas novas da graça
de Deus e as afirmações de Cristo como Senhor e Salvador por causa da sua morte em nosso
lugar na cruz; convidar cada estudante a aceitá-lo e a submeter-se à sua soberana vontade. Mais
ainda, ver que cada estudante cristão se constitui num fiel discípulo de Cristo que busque sua
vocação cristã.

Diante deste objetivo, a nossa estratégia básica é a de responsabilidade estudantil, onde a


iniciativa e a responsabilidade pelo testemunho e pela evangelização na universidade descansam
principalmente sobre os ombros dos próprios estudantes. Este é um Movimento essencialmente de
estudantes e para estudantes.

Se estudantes cristãos são postos pelo Senhor na universidade e, portanto, são responsáveis
perante ele pela realização da obra, devem também ter a última palavra nas decisões sobre a obra
cristã na universidade.
A responsabilidade estudantil não significa que toda a iniciativa proceda dos estudantes, ou que
não necessitem da ajuda dos pastores, profissionais, obreiros dos Movimentos e amigos. Significa
que, embora a iniciativa às vezes venha de outros (no caso de começar um grupo novo, por
exemplo), a meta é sempre estabelecer um grupo plenamente responsável. Esta meta deve
determinar os métodos que se empregam (por exemplo, quanto a finanças, exige-se sacrifício ou
dá-se tudo numa bandeja aos estudantes ? Quanto à evangelização, busca-se "decisões" ou
"discípulos" ? Com respeito à liderança do grupo, procuram-se líderes ou funcionários?). Além
disso, significa que, embora os estudantes possam pedir ajuda de pessoas de fora (como é
necessário e correto, já que formam parte da Igreja de Cristo e precisam dos membros dela, com
seus dons), não devem chegar a depender deles nem estar subordinados a eles.

A base bíblica

Como chegamos a esta posição? Tem fundamento bíblico ? Cremos que a Bíblia é a Palavra de
Deus. Queremos nos sujeitar a ela. Assim como cremos que tem que ser a fonte da nossa
mensagem, cremos também que tem que ser a fonte de nossos métodos e princípios.

Segundo as Escrituras, cada crente é um sacerdote diante de Deus, e portanto, não é necessário
se aproximar de Deus através de intermediários humanos (1 Pe 2:4,5,9). Cada crente tem o
Espírito Santo morando nele (Atos 2:38, 39; Rom 6:9; 1 Cor 6:19,20). O apóstolo Paulo cria no
Espírito Santo; não de uma forma vaga, meramente como um poder espiritual, mas como uma
Pessoa que morava nos crentes. Por isso, cria em seus conversos. Podia confiar neles. Não
confiava porque ele cresse na virtude natural deles ou na suficiência intelectual deles. Cria que
Cristo podia e queria guardar aquilo que seu servo lhes havia encomendado. Cria que Cristo
estabeleceria, fortaleceria e confirmaria seus conversos. Ele cria, e atuava de acordo com o que
cria.

Cada crente deve ser uma testemunha de Cristo. E assim foi na igreja primitiva. A aplicação à
nossa situação é evidente: cada cristão universitário compartilha o privilégio e responsabilidade de
ser uma testemunha de Cristo para seus colegas. Esta tarefa não é propriedade dos obreiros
cristãos nem de alguns especialistas.

Ainda que nossos grupos não sejam igrejas locais, no sentido estrito do termo, cremos que os
mesmos princípios que devem reger a vida a serviço de uma igreja, têm que reger em todo grupo
que leva o nome de Cristo. Se não aceitamos isso, então a Bíblia tem muito pouco a dizer a nossos
grupos como grupos.

Ora, como atuava Paulo? Depois da conversão de alguns, eles os juntava para formar uma igreja.
Dava-lhes instrução básica e simples sobre como alimentar-se e crescer, e ia embora. Confiava em
Cristo presente na igreja através de seu Espírito, o tinha por meta final a maturidade em Cristo dos
convertidos (Col 1:20; Fil 2:14-16). Na sua pregação buscava conversões genuínas pelo poder do
Espírito; em assuntos de finanças, não dava dinheiro mas ensinava sacrifício e responsabilidade;
em assuntos de disciplina, apelava à responsabilidade da igreja, de intervir diretamente, no seu
ensino, procurava dar o que era prático e útil para os crentes.

Como resultado, Paulo estabelecia igrejas locais que eram responsáveis perante Deus por seu
próprio crescimento e pela evangelização da região vizinha. Mesmo assim, esta autonomia não
significava o rompimento da unidade de todos os crentes em Cristo, nem a independência de
outras igrejas, nem a recusa de aceitar ajuda de fora.

Paulo não estabelecia uma constituição mas inculcava princípios. Não introduzia nenhuma prática
que devesse ser recebida pelos seus próprios peritos ou em nome de nenhuma autoridade
humana; lutava para que seus conversos vissem e compreendessem a relação dessa prática com
Cristo. Procurava guiá-los a uma convicção intelectual e a uma resposta da consciência. Nunca
tratou de força-los à obediência mediante decretos.

Vantagens práticas

Levando à prática estes princípios bíblicos descobrimos que há outras considerações que
sublinham a importância da responsabilidade estudantil.

a) um grupo estudantil goza perante as autoridades universitárias dos direitos correspondentes aos
outros universitá-rios.

b) um grupo estudantil tem maior aceitação entre os universitários não-cristãos, preci-samente


porque é dos estudantes.

c) a responsabilidade estudantil responde também às características dos jovens estudantes. Tal


abordagem tem toda a fraqueza e instabilidade dos estudantes cristãos, mas também utiliza todo o
entusiasmo, a iniciativa, a fé e o amor à aventura que lhes são próprios.

d) em muitos casos os universitários cristãos de hoje serão os líderes das igrejas de amanhã. Mais
ainda, a história do grande avanço missionário do século passado e do presente contém páginas
comoventes de milhares de universitários que responderam ao chamado de Cristo a levar o
Evangelho a terras e povos distantes. É a participação na obra de Deus nos anos, na universidade,
que estimula ao discipulado e à maturidade espiritual e dá fundamento ao serviço futuro.

e) se desenvolvemos o sentido de responsa-bilidade estudantil, evitamos a necessida-de de


multiplicação de obreiros e de re-cursos financeiros.

Algumas objeções

Sabemos que nem todos compartilham da nossa posição. Temos que considerar seriamente as
críticas, a fim de aprendermos e corrigir a nossa prática.

Às vezes nos dizem: "um grupo estudantil é instável; corre perigo de excessos e desvios; é capaz
de desaparecer repentinamente; falta maturidade”, etc. A essa objeção responde-mos que tudo
isso é correto, não o negamos. Mas vimos que Paulo estava disposto a arriscar tudo isso, porque
confiava no Espírito Santo nos crentes, e sabia que só este caminho conduz à meta da maturidade
cristã. É muito triste quando os crentes não fazem nada porque não têm nenhuma
responsabilidade. Seria muitíssimo melhor que cometessem muitos erros, caíssem em muitos
equívocos e causassem muitas ofensas, do que atrofiar a sua responsabilidade. O Espírito Santo é
dado aos cristãos a fim de guiá-los, e não para que torpemente se sujeitem à voz da autoridade.

Outra crítica que ouvimos é a seguinte: "os grupos estão mortos. Como vão evangelizar? O que
vocês dizem é uma linda teoria, mas não acontece na prática. Por isso, seria melhor empregar
princípios e métodos mais eficazes".

É verdade que existem grupos que aceitam este princípio mas não fazem nada. Temos que
confessar isso. Quantas vezes nós vemos a indiferença e a apatia de certos grupos frente ao
mandato do Senhor. Os estudantes de nossos grupos sabem como ter comunhão com o Senhor?
Sabem encontrar a vontade de Deus para a vida particular e a vida comunitária? Sabem estudar a
Palavra de Deus para alimentar-se e ter algo a compartilhar um com o outro? Sabem o que
significa a comunhão juntos no Espírito, e o que é a exortação mútua? Sabem pedir a Deus com fé
pelas suas necessidades ?
Por mais organização e programa que tenha um grupo, há de fracassar se não está
experimentando a obra do Espírito Santo. Sem a fé no Espírito Santo que mora nos cristãos não
podemos fazer nada. Sem ela, não podemos reconhecer a graça do Espírito Santo nos nossos
conversos, e nunca confiaremos neles, nunca inspiramos neles a confiança no poder do Espírito
Santo que mora neles. A confiança que engendra a confiabilidade é o essencial para ter o menor
êxito com o método paulino.

Quanto à colaboração de obreiros cristãos "profissionais" (obreiros [tempo integral], assessores-


auxiliares, pastores, missionários) e de crentes de maior preparo e experiênccia na obra
universitária, repetimos que os estudantes têm necessidade da sua ajuda, seja para iniciar o grupo,
ensinar, treinar, aconselhar ou pregar a mensagem de Cristo. Os estudantes devem estudar sua
situação e convidar aqueles que estão preparados para ajudá-los.

Mas a que conduz esta ajuda? Deve ter a finalidade de que o grupo se estabeleça e seja de fato
responsável perante o Senhor, ficando em melhores condições de levar a cabo a sua missão (Ef
4:11-13). Não queremos que o grupo dependa de um grupo estranho nem que seja dominado
pelos que ministram de acordo com os dons que Cristo lhes dá.

Na prática, sem intervenção de fora, grupos universitários evangélicos têm surgido repetidamente,
com os mesmos princípios e fins que professamos. O movimento do qual somos herdeiros nasceu
por meio da iniciativa estudantil. Deus põe no coração de um ou dois o desejo de alcançar os
colegas. Eles procuram com quem orar e servir, e assim nasce um núcleo de testemunho
estudantil evangélico.

Entrando em campo - a Missão

Tais Machado
(secretária de capacitação)

Entrar ou estar na universidade, para muitos é estar no campo, sim, no campo minado.
Assustados, muitos cristãos ficam acuados, temerosamente isolados, quando participam de
algumas atividades com os colegas de classe são atormentados pelo cheiro de enxofre (o
“mármore do inferno” é algo assustador não só para muçulmanos), e, se ainda se divertem com os
pecadores, aí sim, vem acusações aterradoras de uma mente culpada e que o ameaça na próxima
curva: “deixa chegar as provas e você vai ver só como o castigo”, ou, “depois não reclame se as
coisas não derem certo!”.

Muitos, que buscam sinceramente a santidade, que não querem contaminar-se com o pecado, ou,
com “o mundo” que “jaz no maligno”, assumem a postura de não ter amigos não-cristãos, pois
estes são quase sinônimos de armadilhas diabólicas.

Joseph C. Aldrich faz a esse respeito importantes comentários: “Para o sal ser eficaz, deve sair do
seu recipiente e entrar no mundo de pessoas pecadoras, que estão magoadas, morrendo e
sofrendo. Não há impacto sem contato; contudo, após conhecer o Senhor há dois anos, o cristão
comum não tem relacionamentos significativos com os não-cristãos. Em geral, a conversão abre
uma rede inteiramente nova de relacionamentos e o recém-convertido inadvertidamente afasta-se
dos seus companheiros não-cristãos. [...] Na maior parte das circunstâncias, os não-cristãos são
vistos como inimigos em vez de vítimas do Inimigo. A espiritualidade é vista como separação dos
não-cristãos. O recém-convertido é informado de que ‘não tem nada em comum’ com seus
conhecidos não-cristãos.”

A Aliança Bíblica Universitária acredita que entrar e estar na universidade é entrar e estar num
precioso campo missionário. Que Deus, em sua soberania, assim permitiu que ali estivéssemos
com um propósito. Mas, se concordamos com isso, ou, ao menos, somos simpáticos a essa
possibilidade, precisamos pensar como encaramos essa missão. Será que é a culpa que deve nos
motivar? Para muitos a evangelização não passa de um pesado fardo que se tem que carregar,
quase uma provação. Outros a utilizam para fazer cobranças, pregar regras, dar lições sobre uma
pseudo-moralidade, para controlar ou manipular alguns, para chegar ao poder...

Precisamos, numa análise verdadeira, verificar nossas motivações. M. Craig Barnes fala um pouco
sobre o fazer missão: “Nossa missão de servir a Deus nunca pode começar pensando que temos
alguma coisa para oferecer. Com certeza há muitas coisas para dar a Deus: nosso tempo, talentos,
dinheiro, palavras de esperança sobre o evangelho. Mas nunca começar oferecendo. Começamos
com a confissão de que se somos um sucesso ou um proscrito, precisamos de misericórdia. Caso
contrário, o que chamamos de missão cristã geralmente será um disfarce para permanecermos
poderosos. [...] Se a primeira lição sobre missão é voltar em direção ao nosso sofrimento, a
segunda é então voltar para Jesus Cristo em agradecimento. [...] Apaixonar-se é uma maneira de
expressar a mais profunda gratidão do coração por estar recebendo o amor de alguém. Missão é
simplesmente o que achamos irresistível fazer quando realmente acreditamos que Deus nos ama.
É uma expressão de gratidão, e, assim, uma maneira mais profunda de se apaixonar.”

Quando olhamos para a Bíblia, e, particularmente, para o livro de Atos, percebemos um pouco
como a Igreja encarava sua missão, como ela vivia sua missão. John Stott assim comenta: “A
salvação é dada para ser compartilhada. Aqueles primeiros cristãos de Jerusalém não estavam
preocupados em estudar, compartilhar e adorar a ponto de esquecerem de evangelizar. Pois o
Espírito Santo é um Espírito missionário que criou uma igreja missionária.” E mais, diz que “as
marcas da presença do Espírito” são “ensino bíblico, comunhão em amor, adoração viva e uma
evangelização contínua e ousada (a evangelização não era uma atividade ocasional ou esporádica
da igreja primitiva)”. Exatamente por isso, não podemos cair na tentação de nos acomodar fazendo
reuniõezinhas evangelísticas (e olha que em boa parte elas nem são tão evangelísticas assim!) e,
ficarmos então esperando que os não-cristãos apareçam. A reunião é só mais uma possibilidade.
Nossa vida precisa falar mais alto que nosso discurso. Desconfio que a necessidade da maioria de
nós seja aprender a relacionar-se. Rebecca Pippert, que atuou como assessora da ABU em
diversos países, diz o seguinte: “O ensinamento de que a vida é feita de relacionamentos não se
iniciou com Jesus: é um princípio bíblico fundamental. Ser é estar se relacionando com alguém. A
trindade evidencia isso”. Ela ainda pergunta e comenta: “Você já pensou em olhar a vida de Jesus
com mais profundidade? Se sua vida tiver os mesmos valores e prioridades que ele teve, vai ver
que a evangelização acontecerá naturalmente. Ela se torna seu estilo de vida, não um projeto. [...]
O modo que tratamos as outras pessoas revela o que pensamos de Deus. Imagine as implicações
que isso tem para o evangelismo! O tratamento que damos às pessoas é algo crítico. Elas
entenderão o amor de Deus a partir do amor que demonstramos em nossas vidas. A primeira Bíblia
que muitos vão ler é a nossa vida.”

Um Campo Estratégico
Essa missão dentro da universidade tem sido ignorada por muitos e desprezada por outros tantos.
É difícil conseguir o apoio das igrejas em geral, e, em boa parte das vezes somos mal
interpretados. Somos caracterizados como “elitistas”, “intelectuais da Bíblia”, “soberbos” e/ou
“separatistas”, e apesar de todas as críticas merecerem reflexão, pensemos um pouco em como o
Novo Testamento evidencia aquilo que o professor, pastor e missiólogo Timóteo Carriker chama de
“estratégias”: “Em Atos, encontramos uma estratégia urbana. As cidades chaves devem ser
alcançadas. A idéia de missões urbanas, então, não é uma novidade. Felipe foi dirigido à Samaria,
Pedro a Cesaréia e Paulo às cidades chaves do Oriente Próximo e Europa. Diante da marcante
urbanização mundial a tarefa missionária não pode ser ingênua. [...]Outra estratégia envolve
pessoas e classes chaves. Quando Paulo foi a Chipre, tratou com o procônsul do país. Em Atenas
(outro centro metropolitano), tratou com os filósofos, e alguns se converteram, entre os quais um
certo Dionísio (At 17.18,34). Em Éfeso, trabalhou entre os estudiosos, na escola de Tirano, durante
dois anos. Resultado? Todos os habitantes da Ásia ouviram a palavra do Senhor, tanto judeus
como gregos (At 19.10). Que relatório! Outro exemplo é o de Felipe, que, ao falar com o eunuco da
Etiópia, dirigia-se a um líder do país, sendo este o primeiro passo do evangelho naquela nação.”
Evangelizar uma população que deverá alcançar cargos importantes na sociedade brasileira não
seria bastante estratégico?

Que evangelho pregamos?


Será que conseguimos rapidamente responder a essa pergunta: “Que evangelho pregamos?”. Pela
realidade que se vive hoje em dia, e isso nem é privilégio só de brasileiros, somos pressionados a
pregar um evangelho fácil e manco. Por isso, recomendações como as de René Padilla (um dos
fundadores da ABU na América Latina) precisam ser constantemente lembradas: “O primeiro
problema que a igreja tem que encarar em uma cidade é a tentação de reduzir sua missão a uma
evangelização superficial com um evangelho feito a medida para o homem-massa, em evangelho
de ofertas mas sem demandas. Uma das características da cidade é seu fabuloso poder de
‘coisificação’, sua capacidade de impor a gente uma psicologia de massas opostas ao
compromisso pessoal. Não serve ao propósito como uma religião desenhada para garantir a
felicidade presente e a salvação futura, sem questionar os valores e atitudes próprios da civilização
urbana. [...] Para que deixem os ídolos da cidade para seguir ao Deus vivo e verdadeiro e começar
a servi-lo se requer muito mais. Se requer testemunhas cuja palavra e estilo de vida apontam ao
Senhor que morreu por todos, para que os que vivam já não vivam para si mesmos, senão para
Aquele que morreu e ressuscitou por eles”.

Universidades estão geralmente em grandes centros urbanos ou cidades em crescimento. E esse


“poder de coisificação” que o Padilla coloca parece ser familiar a todos nós. Os valores da
sociedade berram em nossos ouvidos a todo instante e, sutilmente, interferem e sugestionam em
nossa evangelização. Muitos, em prol do crescimento e resultados, negociam o evangelho, como
se pudessem baixar o preço, fazer uma liquidação das exigências para ser discípulo de Cristo. Daí
há uma grande confusão do que vem a ser evangélico hoje. Paul Freston (que foi assessor da ABU
por muitos anos) escreve: “Ser evangélico deveria significar ser radicalmente bíblico.[...] Ser bíblico
deveria ser visto como uma agenda. Uma agenda positiva, que nos obrigasse a falar certas coisas
ou a dizer onde é possível informar-se sobre certas coisas. Desta forma, por exemplo, se eu deixo
de dizer a um recém-convertido que a sua nova fé tem implicações para o seu racismo, não estou
sendo bíblico. Ser bíblico é um desafio, uma meta, algo que nunca se alcança plenamente... A vida
sempre levanta novas questões para as quais as velhas respostas cristãs são incompletas, e é
preciso explorar o terreno com outros olhos. [...] Quais as implicações do desejo de ser
radicalmente bíblico para nosso uso da Bíblia como indivíduos e como comunidades? Em primeiro
lugar, ao invés de fetichizar a Bíblia, honrando-a como símbolo, temos que leva-la a sério, por meio
do trabalho árduo de interpretação e aplicação. [...] Devemos aplaudir tudo o que for bíblico, onde
quer que se encontre (inclusive entre cristãos não-evangélicos ou entre não-cristãos).”

Que saibamos, então, cuidadosamente, encontrar o bíblico em nossos contextos, no ambiente


universitário, onde Deus nos colocar. Que Ele nos dê um coração fiel à Sua Palavra e tenha
misericórdia de nós.

Para terminar é bom ficar com a reflexão que o reverendo John Stott faz: “Devemos andar como
Cristo andou, penetrar na sociedade humana, misturar-nos com não- cristãos e nos relacionar com
pecadores. Não está aqui uma das maiores falhas da igreja? Nós nos separamos demais.
Tornamo-nos uma comunidade à parte, indiferentes em vez de interessados.”

Para responder:
1) Como é a evangelização para você? Um projeto ou um estilo de vida, um evento ou um jeito de
ser?

2) Se o verdadeiro amor ultrapassa barreiras, eu estou preparado para praticar isto? Como poderei
fazer isso?

3) Minha vida reflete apenas as atividades religiosas ou carrega a marca do amor profundo? Como
você avalia sua convivência com seus colegas de classe que não são cristãos?

4) Quais as vantagens de comunicar sua fé naturalmente, ao invés de parecer artificial e ensaiado?

5) Pensando no que disse Paul Freston, coloque com as suas palavras, o que é “ser bíblico”.

A universidade: pano de fundo histórico e a presença


cristã

A universidade no Brasil

América Espanhola - a universidade européia é transplantada já no Séc. XVI há 6 universidades -


na época da Independência há 19.

América Inglesa - na época da Independência há 9 universidades.

América Portuguesa - nada ! Não há uma instituição sequer de ensino superior no Brasil Colonia.

América Espanhola forma 150.000 pessoas na era colonial.

América Portuguesa - apenas 2.500 pessoas durante toda a era colonial foram fazer cursos
superiores na Europa. No Brasil só havia o ensino médio (dirigido pelos jesuitas). Cursos
superiores só em Coimbra, Portugal (teologia e direito) ou em Montpellier na França (medicina). As
tentativas dos jesuítas nos secs. XVI e XVII, e dos Inconfidentes mineiros no final do sec. XVIII, de
implantar uma universidade, foram frustradas pela Coroa Portuguesa.

1808 - chegada da Corte portuguesa no Rio, fugindo de Napoleão - criação de algumas escolas
superiores, isoladas - era "escolas profissionais"(por exemplo, para formar médicos para as Forças
Armadas).

1889 - haviam 6 instituições de ensino superior (Direito de SP e Recife; Medicina do Rio e Bahia; a
Politécnica (Engenharia) do Rio; e a Escola de Minas do Ouro Preto. Nenhuma universidade.

Início do sec. XX - criação de universidades, mas só no papel ! Manaus, 1909, etc. - 1920, criação
da Universidade do Rio de Janeiro, reunindo as escolas superiores já existentes, apenas para
poder dar um título de doutor honoris causa ao rei dos belgas que ia visitar o país. Uma
universidade "para belga ver". (Fávero, pp. 18-28; Ribeiro, pp. 88-90).

Segundo Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, sintetizando o período de 1500 a 1934, "até o


desembarque da corte portuguesa, o poder colonizador não permitiu a instalação de escolas e nem
das instituições culturais e técnicas em geral ... Durante três séculos, não se incentivou a formação
profissional e muito menos a formação intelectual de uma elite nativa. Durante o período imperial, e
até as primeiras décadas deste século, recebemos algumas missões estrangeiras e umas poucas
escolas profissionais foram instaladas. Os governos imperiais e republicanos patrocinaram também
a instalação de escolas profissionais de Direito, Medicina e Engenharia. Naturalmente estas eram
de pequenas dimensões e concebidas isoladamente... Como visavam à formação de especialistas,
foram mais apêndices da própria corte e oligarquias locais do que visando o desenvolvimento do
país. Desde o final da primeira República, as universidades que então não existiam, nem de direito,
nem de fato, passaram a ser decretadas pelo Governo Federal e por alguns governos estaduais.
Foram criadas de direito, artificialmente concebidas, como aglomerados de escolas e faculdades
heterogêneas, fisicamente distantes umas das outras, sem que se registrasse alguma proposta de
Universidade concebidas como tal". (in Steuernagel, pp. 1-2).

A primeira universidade no Brasil foi a USP, 1934 - agrupou escolas já existentes, mas a nova
Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras, com professores estrangeiros - não para ser apenas mais
uma escola "profissionalizante", mas para formar pesquisadores. Mas após 1930, a proposta
original foi mudada (oposição das escolas antigas + repressão do Estado Novo).

Universidade do Distrito Federal (Rio), 1935 - concebida como uma instituição integrada - mas
dissolvida em 1938, pelo Estado Novo.

Universidade de Brasília, 1961 - concebida como instituição integrada - mas 1965, pressão do
governo mudou o projeto. (Fávero, pp. 38-42; Ribeiro, pp. 128-132).

Após 1964 - reforma universitária assessorada pelos EUA (acordos MEC-USAID) - introduz o
modelo norte-americano de organização universitária - um projeto "tecnocrático-empresarial" para
a universidade (Souza, pp. 79-80).

Número de alunos em cursos superiores: 1940 = 21.000; 1950 = 37.000; 1960 = 93.200; 1964 =
142.000; 1970 = 425.000; 1977 = 1.110.000; hoje = mais ou menos 3.000.000. Mais universitários
do que em qualquer outro país da América Latina, mas uma das menores proporções da faixa
etária (Souza, pp. 75-76; Ribeiro, p. 90).

Características desta expansão: mais no setor privado e em estabelecimentos isoldos:

1964 1977 Setor público 87 403 Setor privado 54 714 Em universidades 91 497 Em
universidades isoladas 50 620

(milhares de alunos)

Houve também um aumento de alunos noturnos. E devido ao ensino fraco, houve uma expansão
de cursos de pós-graduação (Steuernagel, pp. 3-4).

O modelo inspirador da moderna universidade latino-americana foi o francês (napoleônico); "As


universidades latino-americanas são conglomerados de faculdades e escolas ... A universidade, em
si, é uma abastração institucional ... Nas escolas, o estudante ingressa e vive toda sua existência
acadêmica ... As únicas atividades inter-universitárias são as relacionadas com os centros
acadêmicos". (Ribeiro, pp. 105-107).

Não pretendemos aqui entrar numa análise crítica da universidade. Mas é importante perguntar:
que camada da população a universidade atinge? Que valores ela professa e que valores ela vive
de fato? De que projeto de sociedade ela está a serviço? Qual é o conceito do homem que
fundamenta as atividades dela? Como é concebido o material humano com o qual a universidade
trabalha - o que é possível ou impossível fazer com este material? Até que ponto esta concepção é
compatível com a visão bíblica do homem ?

A presença cristã nas universidades do Brasil e no mundo

"Muitas vezes especulo sobre a escolha que o apóstolo Paulo faria se estivesse vivo hoje, no que
diz respeito à sua esfera de serviço pelo Senhor Jesus Cristo. Acho que ele iria logo a algumas das
nossas grandes universidades ... Nelas, estão sendo treinados os líderes do futuro ... " (citado em
Lowman, p. 13).

A universidade é filha do cristianismo. As primeiras universidades são organizadas em torno da


igreja, a partir do sec. XII. Os professores são do clero. No Brasil também, as primeiras faculdades
são de ordens religiosas (Direito de SP - Franciscanos; Direito de Olinda - beneditinos).

A história do protestantismo está muito ligada à universidade - Wycliffe (um pré-reformador do sec.
XIV) é professor da Univ. de Oxford. Lutero é professor da Univ. de Wittemberg. Calvino se
converte como estudante em Paris, e depois funda a Univ. de Genebra. Os primeiros missionários
protestantes à Índia eram estudantes da Univ. de Halle na Alemanha. Muitos impulsos para a
expansão missionária tiveram origem entre estudantes cristãos.

A influência de valores e conceitos cristãos na universidade diminui a partir do sec. XVIII com o
Iluminismo e o Racionalismo. Um humanismo antropocêntrico passa a dominar nas Universidades.

Boa parte da Igreja ajoelha-se diante das novas idéias, abandonando a revelação, levando a razão
a julgar a revelação, anunciando "outro evangelho". Tudo isso para conquistar os intelectuais e
parecer "respeitável". O que não consegue.

Surge uma reação. Temos notícias de grupos evangélicos da iniciativa estudantil desde o sec. XVII
- mas eram grupos não evangelísticos. Mas no século XIX surgem grupos evangelísticos, grupos
de estudantes que, apesar de estarem nas universidades dominadas pelo racionalismo, querem
proclamar o evangelho bíblico aos seus colegas. Já na década de 1870, começam a surgir
federações. A ABU da Cambridge começa em 1877. Simultaneamete, há iniciativas na Noruega,
nos EUA e outros países.

Estes grupos começam bem evangélicos. Mas, por várias razões, a maioria deles começa a se
tornar teologicamente liberal (isto é, abandonam o evangelho bíblico) no início do século XX.
Finalmente, há uma cisão. Por um lado, aqueles que querem uma definição mínima de "cristão"
para poder incluir o maior número possível - este grupo funda a Federação Mundial de Estudantes
Cristãos, que nos anos de 1950 chega no Brasil e funda a Associação Cristão de Acadêmicos
(ACA), que não existe mais. Por outro lado, aqueles que querem manter a ênfase na doutrina
bíblica e uma atuação evangelística - estes fundaram movimentos nacionais autônomos de linha
evangélica, reunidos à nível internacional na Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos
(CIEE) e que a partir de 1957 está representada no Brasil pela Aliança Bíblica Universitária (ABU).

Robinson Cavalcanti frisa que a presença do catolicismo na formação do povo brasileiro foi menor
do que se poderia esperar. Ele aponta para duas fontes de rejeição do cristianismo na formação
cultural brasileira:

a) rejeição psicológica - devido à formação da família na época colonial, surge o machismo e por
outro lado, a Igreja Católica aparece na figura do sacerdote celibatário, pregando um Cristo
deturpado. Assim, surge a oposição: caçador de fêmeas x sacerdotes celibatários + Cristo distante,
derrotado na cruz, piegas e assexuado. A religião torna-se uma prática das crianças, mulheres e
velhos.
b) rejeição intelectual - a influência mais marcante na vida cultural, especialmente entre as elites,
era a francesa, isto é, da França pós-revolucionária, racionalista e anti-cristã. Daí, o elemento anti-
religioso básico nas modas intelectuais que dominam no Brasil. No século XIX, é o positivismo de
Comte, que divide a história em três estágios, o teológico, o metafísico, e o científico, relegando
assim a religião a um estágio infantil da humanidade. Depois, é o existencialismo, o anarquismo, o
marxismo ... A entrada de Cristo era proibida na universidade brasileira. (Cavalcanti, pp. 12-24).

Até a década de 1950, quase não havia evangélicos nas universidades brasileiras (havia poucos
universitários no país, e os evangélicos eram em geral de classe social inferior). Quando
começaram a chegar, havia alto número de "baixas". Não estavam preparados para dar a razão da
sua fé, ou não estavam convertidos mesmo. Por isso, abandonaram a igreja, ou dicotomizavam
suas vidas, por causa de um complexo de inferioridade numérica e intelectual. Tudo isso reforçou a
opinião de muitos líderes evangélicos de que a universidade era um lugar perigoso. Nessa época
(década de 1950) começam a funcionar a ACA, da linha liberal (e hoje inexistente) e a ABU, de
linha evangélica.

Bibliografia utilizada:

Cavalcanti, R. Cristo na Universidade Brasileira ?


São Paulo, CLE/ABU, 1972.

Fávero, M. de L. de A. A Universidade Brasileira em Busca de Sua Identidade


Petrópolis; Vozes, 1977.

Itioka, N. Encarnando a Palavra Libertadora (história da ABUB)


São Paulo; ABU, 1981.

Lowman, P. The Day of His Power


Leicester, IVP, 1983.

Ribeiro, D. A Universidade Necessária


3ª Edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

Steuernagel, V. O Desafio da Universidade


Apostila da ABUB, 1978.

Notas sobre o manejar de conflitos

Marcos Gilson G. Feitosa


(ex secretário de capacitação da ABUB))

(este artigo foi escrito inspirado num artigo do pastor Gary Preston, da Igreja Betânia, no Colorado)

Eu estava num acampamento de carnaval com o pessoal da minha igreja e tinha convidado um
assessor-auxiliar novo na ABU que me visitava para me acompanhar.

Minutos antes que eu começasse o estudo devocional da segunda manhã, este assessor me
chama à parte e me diz o seguinte: "Olha, Marcos, eu não creio que homens de Deus devem ficar
brincando como qualquer pessoa fica. Nós temos de ser sérios, reservados; afinal o Senhor nos
chama para sermos santos."

E continuou no mesmo tom solene: "Observe bem, eu não estou dizendo isso para repreender ou
qualquer coisa assim, mas acho que servos de Deus não devem se portar dessa forma". "De que
forma, meu irmão?", perguntei, tentando me conter, enquanto imaginava que espécie de blasfemo
comportamento eu tinha tido. Ele não soube explicar direito, mas deu a entender que o que lhe
perturbava era o temperamento brincalhão que ele me atribuia. "Servos de Deus são sérios, não
ficam brincando".

Fiquei com muita vontade de retrucar e citar uma meia dúzia de homens de Deus que tinham um
temperamento que guardava certa semelhança com aquele que ele atribuia ser meu problema,
mas de repente percebí que argumentar e discutir naquele instante só me perturbaria ainda mais
antes da devocional para a qual já estavam me chamando. Agradecí o conselho e saí perturbado
para dar o estudo devocional.

Dois tipos de conflitos tinham se caracterizado. O primeiro era de ordem pessoal, pois enquanto eu
caminhava para a reunião ficava pensando que hora "magnífica" ele tinha escolhido para falar,
mesmo se o problema tivesse sido real. Eu o via agora como insensível não só em relação a mim,
mas também em relação àqueles que estavam para ser ministrados. Por seu lado, ele me via como
alguém que não agia como servo de Deus e possivelmente tinha se ofendido com meu
comportamento.

O segundo era um conflito de visões de mundo. De uma lado estava alguém que acreditava que
temperamento alegre e brincalhão não faz parte da maneira de ser de um servo de Deus, e do
outro alguém que achava que não há uma relação direta entre um estilo específico de
temperamento e o ser servo de Deus. Para este tipo de conflito, epistemologicamente mais
profundo, a resolução estaria dependente de sensibilidade e de uma conversa franca e fraterna.

Uma parte de mim, enquanto dava o estudo, ficava pensando no acontecido e no que dizer a ele
depois da reunião. "Isso; tenho de tratar com ele imediatamente!", pensava. Mas esta não é uma
boa idéia quando se está lidando com resolução de conflitos. A seguir listo algumas notas sobre
resolução de conflitos, fruto de vivência em alguns deles.

1) Resista o impulso que vem naturalmente.

De uma forma geral, no ministério, seguir os instintos funciona perfeitamente bem em grande
número dos casos. Alguns pastores têm falado que quando estão num funeral, num leito de
hospital, ou até compartilhando o evangelho com não-cristãos, os seus instintos pastorais
normalmente os guiam na direção certa.

Mas isto não funciona quando a questão é lidar com conflito. Para algumas pessoas, a reação
inicial ao conflito é fuga, é esquecer, fazer de contas que a ofensa não aconteceu, e aí procurar
algo para fazer, ou então dormir, ao mesmo tempo que a mágoa e ressentimento vão se alojando
no coração. Para outras, o que vem naturalmente é o desejo de resolver a questão na hora, em
cima da bucha, e obviamente com toda a "sabedoria" da reflexão do tempo gasto desde a
instalação do conflito até a reação, o que em alguns casos, não passa de segundos.

Em ambos os casos, é saudável resistir ao impulso que vem naturalmente. Para os fujões, que são
tentados a pretender que nada aconteceu, é bom sentar e refletir sobre a situação, assumindo
consigo mesmo o compromisso que vai tomar uma atitude positiva em relação à situação. Para os
arrojados, que se arremetem contra o conflito na maioria das vezes sem ter nenhuma idéia do
contexto amplo que o gerou, é bom também sentar e refletir sobre a situação, assumindo o
compromisso que só tomarão alguma atitude quando tiverem refletido o suficiente e tomado uma
decisão positiva em relação à situação.

2) Converse com a pessoa sobre o assunto.

Depois de reflexão séria e tempo gasto em oração pedindo a orientação de Deus e a serenidade
do Espírito, talvez seja a hora para conversar com a pessoa. Se você se sente suficientemente
calmo e sereno, talvez dê para a conversa acontecer a dois. Se não, ter presente uma pessoa da
confiança de ambos funciona às maravilhas.

Ao conversar, tente primeiro entender o ponto de vista do outro, os referenciais a partir do qual ele
fala, mesmo que as suas atitudes lhe pareçam erradas; pois é a partir daquele ponto de vista que
ele está agindo e para ele lhe parece certo.

Fundamental é decidir de antemão quem vai sair ganhando neste acerto: se você, se ele, ou se o
Senhor vai ser honrado. Se a sua preocupação for honrar ao Senhor com o resultado, até a
possibilidade de uma aparente derrota sua não vai ser de todo descartada. O Senhor obviamente
se alegra com a verdade, mas exulta com o amor. Não adianta nada colocar a verdade de uma
forma contundente sem que ela esteja permeada pelo interesse pela outra pessoa. Por isso, às
vezes é necessário para pessoas de temperamento mais arrojado não cederem à tentação do
acerto imediato, pois ressentimentos e rancores podem estar ainda em plena ebuliçâo.

A grande maioria de mal-entendidos ocorre porque temos panos-de-fundo diferentes. Uma palavra
dita sem intenção de ofender pode suscitar em outros reações imprevisíveis, simplesmente porque
o tom em que foi dita, ou a expressão que foi usada, ativou memórias do passado com tremendo
potencial explosivo e corrosivo.

Por isso, é saudável usar a regra áurea; tente expressar a sua percepção da situação mais ou
menos assim: "Olha, eu entendí essa sua ação, atitude, ou palavra como indicando isto... Entendí
corretamente? Foi isso que você quís comunicar?" Dita no momento apropriado, esse tipo de
postura pode fazer verdadeiros milagres.

Discordar não é motivo para conflitos. É bom num grupo existir opiniões divergentes. Pessoas
podem discordar e ainda assim trabalhar juntas. O que não pode existir é desrespeito.

3) Mantenha pelejas pessoais no nível pessoal.

Imagine a seguinte situação: um líder estudantil tem lutado para conseguir que o seu grupo se
organize, planeje com antecedência suas atividades, dando assim margem para improvisar com
mais segurança e criatividade num imprevisto. Mas existe uma pessoa no grupo que reage
fortemente a isso. Depois de um certo tempo, o grupo começa a mostrar os frutos de trabalho sério
e planejado, e numa reunião da liderança com os pastores da cidade, os líderes estudantís
expressam seu contentamento pelo trabalho bem feito durante o semestre e os pastores
comentam que estão impressionados com a capacidade de organização, seriedade e planejamento
do grupo. Aí o líder que sempre enfatizou essas coisas comenta: "Ah, que bom ouvir isso; embora
existam pessoas que não gostam muito disso, e acham que tudo deve ser feito por pura inspiração
do momento". Mesmo sem mencionar nome, ficou claro para todos os estudantes a quem ele se
referia. O ataque anti-ético e público de uma disputa privada criou um clima ruim numa reunião
muito boa.

Portanto, mantenha as disputas pessoais que você tenha com alguém privadas.
4) Pratique atos de bondade.

A melhor maneira de realizar uma "vendetta" é com atos de bondade; fazendo algo para o bem da
pessoa difícil. As possibilidades são inúmeras. Um certo pastor tinha um membro de sua igreja que
era uma pessoa particularmente difícil. Nunca parecia estar satisfeito. E quando esta pessoa lhe
dirigia a palavra era sempre "pegar no pé"; com criticas irônicas e destrutivas. A saída do pastor
durante algum tempo foi evitá-lo.

O pastor depois mudou de atitude; decidiu amá-lo: fazer atos de bondade em relação a esse
homem. Um dia, convidou-o para pescar, sabedor das habilidades dessa pessoa na área: "Você
poderia ir pescar comigo no próximo sábado? Gostaria que você me desse algumas dicas: em
pescaria eu sou um verdadeiro iniciante". O outro irmão topou. Foram; não só uma, mas quatro
vezes. Depois de algumas semanas o pastor ouviu aquele homem alegremente se referindo às
lições de pesca que tinha dado ao pastor em conversa com outras pessoas. Passado um tempo, o
pastor foi com a família pescar. Conseguiu pegar um peixe grande o suficiente. Na volta, passou na
casa daquele homem e ofertou a sua primeira grande pegada a ele, como um presente pelas lições
que ele lhe tinha dado. O outro ficou exultante, e um início de uma nova relação começou.

Fazer atos assim é como colocar brasas na cabeça dos outros; um estímulo a que as pessoas
acordem suas consciências e civilidade.

E quando tudo isso não dá certo?

E o que fazer quando você percebe que a pessoa com a qual você tem conflito, mesmo quando
você mostra abertura e disposição para uma conversa honesta e construtiva, não parece ter a sua
mesma disposição? Ou quando mesmo realizando atos de bondade, a outra pessoa em vez de
acordar a consciência, vê seus atos como um sinal de que afinal ela estava absolutamente certa?

Não existem soluções fáceis. Cada pessoa e cada conflito têm os seus próprios contextos. Em
alguns casos, talvez seja hora de um grande esforço e deixar claro para a pessoa a intenção de
conversar depois, quando a situação talvez estiver mais amadurecida para ela.

Se o caso é que a pessoa não se mostra disposta a conversar, talvez seja interessante dar sinal a
ela que você se preocupa como é que ela está processando a frustração que está passando. Fazê-
la sentir que você se interessa e se preocupa.

E no caso da pessoa que a cada vez que você age com atos bondade em relação a ela, ela fica
convencida que estava certa mesmo, é importante não parar de amá-la. Lembre-se; não somos
chamados a gostar dos inimigos e dos que nos perseguem, mas a amá-los. E amar é procurar o
bem do outro.

O apóstolo Paulo recomenda: "se possível, o quanto depender de vocês, tenham paz com todos os
homens" (Rm 12:18). Ele sabia que há limites. Mas o quanto depender de nós, e se for possível,
devemos procurar a paz. Há casos que não são possíveis, e podem existir pessoas que, por
qualquer razão, não estejam interessadas em ter paz conosco.

Conclusão

Em relação ao caso do irmão que me repreendeu no acampamento, a situação ficou assim: depois
da exposição, saímos para conversar e tentei explicar primeiro o conflito de visões de mundo,
indicando a ele que embora as pessoas com as quais ele convivia diariamente eram de um
temperamento mais reservado, não era mandatório para todos os crentes se comportarem daquela
maneira. Isto não ficou completamente resolvido para ele, mas pelo menos ele deu sinais que tinha
entendido o que eu tinha falado.

Quanto ao outro conflito, mais pessoal, reconhecí primeiro que o interêsse dele era em última
análise me preservar de um comportamento que ele julgava inapropriado, e que eu o agradecia por
essa preocupação. Pedí contudo que quando ele no futuro se sentisse impelido a fazer isso, não
só comigo mas com outras pessoas, que considerasse com carinho qual seria a melhor hora e
oportunidade para fazê-lo. Disse que tinha ficado perturbado na exposição. A este ele aceitou
prontamente. E continuamos amigos e, pelo que me consta, respeitando as diferenças de
temperamento que temos.

Marcos Gilson G. Feitosa foi secretário de Capacitação da ABUB por muitos anos.

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