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Índice
MONÓLOGO DE UMA SOMBRA ........................ 5 VOZES DE UM TÚMULO ................................... 20
AGONIA DE UM FILÓSOFO ................................ 6 CONTRASTES ....................................................... 20
O MORCEGO........................................................... 6 GEMIDOS DE ARTE ............................................. 20
PSICOLOGIA DE UM VENCIDO ......................... 7 VERSOS DE AMOR .............................................. 22
A IDÉIA ..................................................................... 7 SONETOS ............................................................... 22
O LÁZARO DA PÁTRIA ........................................ 7 NOITE DE UM VISIONÁRIO .............................. 23
IDEALIZAÇÃO DA HUMANIDADE FUTURA .. 7 ALUCINAÇÃO À BEIRA-MAR .......................... 24
SONETO.................................................................... 7 VANDALISMO ....................................................... 24
VERSOS A UM CÃO ............................................... 7 VERSOS ÍNTIMOS ............................................... 24
O DEUS-VERME ..................................................... 8 VENCEDOR ........................................................... 25
DEBAIXO DO TAMARINDO ................................ 8 A ILHA DE CIPANGO .......................................... 25
AS CISMAS DO DESTINO ..................................... 8 MATER.................................................................... 25
BUDISMO MODERNO ......................................... 12 POEMA NEGRO .................................................... 26
SONHO DE UM MONISTA .................................. 12 ETERNA MÁGOA ................................................. 27
SOLITÁRIO ............................................................ 12 QUEIXAS NOTURNAS ......................................... 27
MATER ORIGINALIS .......................................... 13 INSÔNIA ................................................................. 28
O LUPANAR ........................................................... 13 BARCAROLA ........................................................ 28
IDEALISMO ........................................................... 13 TRISTEZAS DE UM QUARTO MINGUANTE . 29
ÚLTIMO CREDO ................................................. 13 MISTÉRIOS DE UM FÓSFORO ......................... 30
O CAIXÃO FANTÁSTICO ................................... 13 O LAMENTO DAS COISAS ................................. 31
SOLILÓQUIO DE UM VISIONÁRIO ................. 13 O MEU NIRVANA.................................................. 31
A UM CARNEIRO MORTO ................................. 14 CAPUT IMMORTALE ......................................... 31
VOZES DA MORTE .............................................. 14 APÓSTROFE À CARNE ...................................... 32
INSÂNIA DE UM SIMPLES ................................. 14 LOUVOR À UNIDADE ......................................... 32
OS DOENTES ......................................................... 14 O PÂNTANO .......................................................... 32
ASA DE CORVO .................................................... 19 SUPRÊME CONVULSION .................................. 32
O MARTÍRIO DO ARTISTA ................................ 19 A UM GÉRMEN ..................................................... 32
DUAS ESTROFES ................................................. 19 NATUREZA ÍNTIMA ............................................ 32
O MAR, A ESCADA E O HOMEM ..................... 19 A FLORESTA ......................................................... 33
DECADÊNCIA ....................................................... 19 A MERETRIZ ......................................................... 33
RICORDANZA DELLA MIA GIOVENTÚ ......... 19 GUERRA ................................................................. 34
A UM MASCARADO ............................................ 20 O SARCÓFAGO ..................................................... 34
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HINO À DOR .......................................................... 34 O CONDENADO .................................................... 42
ULTIMA VISIO ...................................................... 34 SONETO.................................................................. 42
AOS MEUS FILHOS ............................................. 35 INFELIZ .................................................................. 42
A DANÇA DA PSIQUE .......................................... 35 SONETO.................................................................. 42
O POETA DO HEDIONDO .................................. 35 NOIVADO ............................................................... 42
A FOME E O AMOR ............................................. 35 SONETO.................................................................. 42
HOMO INFIMUS ................................................... 35 TRISTE REGRESSO ............................................. 43
MINHA FINALIDADE .......................................... 35 AMOR E RELIGIÃO ............................................. 43
NUMA FORJA ....................................................... 36 SONETO.................................................................. 43
NOLI ME TANGERE ........................................... 36 SAUDADE ............................................................... 43
O CANTO DOS PRESOS ...................................... 36 A ESMOLA DE DULCE ........................................ 43
ABERRAÇÃO ........................................................ 37 SONETO.................................................................. 43
VÍTIMA DO DUALISMO ..................................... 37 O MAR .................................................................... 44
Augusto dos Anjos
Ah! Para ele é que a carne podre fica, Livres de microscópios e escalpelos,
E no inventário da matéria rica Dançavam, parodiando saraus cínicos,
Cabe aos seus filhos a maior porção! Bilhões de centrossomas apolínicos
Na câmara promíscua do vitellus.
DEBAIXO DO TAMARINDO Mas, a irritar-me os globos oculares,
Apregoando e alardeando a cor nojenta,
No tempo de meu Pai, sob estes galhos, Fetos magros, ainda na placenta,
Como uma vela fúnebre de cera, Estendiam-se as mãos rudimentares!
Chorei bilhões de vezes com a canseira
De inexorabilíssimos trabalhos! Mostravam-se o apriorismo incognoscível
Dessa fatalidade igualitária,
Hoje, esta árvore, de amplos agasalhos, Que fez minha família originária
Guarda, como uma caixa derradeira, Do antro daquela fábrica terrível!
O passado da Flora Brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos! A corrente atmosférica mais forte
Zunia. E, na ígnea crosta do Cruzeiro,
Quando pararem todos os relógios Julgava eu ver o fúnebre candieiro
De minha vida, e a voz dos necrológios Que há de me alumiar na hora da morte.
Gritar nos noticiários que eu morri,
Ninguém compreendia o meu soluço,
Voltando à pátria da homogeneidade, Nem mesmo Deus! Da roupa pelas brechas,
Abraçada com a própria Eternidade O vento bravo me atirava flechas
A minha sombra há de ficar aqui! E aplicações hiemais de gelo russo.
A vingança dos mundos astronômicos
AS CISMAS DO DESTINO Enviava à terra extraordinária faca,
I Posta em rija adesão de goma laca
Sobre os meus elementos anatômicos.
Recife. Ponte Buarque de Macedo. Ah! Com certeza, Deus me castigava!
Eu, indo em direção à casa do Agra, Por toda a parte, como um réu confesso,
Assombrado com a minha sombra magra, Havia um juiz que lia o meu processo
Pensava no Destino, e tinha medo! E uma forca especial que me esperava!
Na austera abóbada alta o fósforo alvo Mas o vento cessara por instantes
Das estrelas luzia... O calçamento Ou, pelo menos, o ignis sapiens do Orco
Sáxeo, de asfalto rijo, antro e vidrento, Abafava-me o peito arqueado e porco
Copiava a polidez de um crânio calvo. Num núcleo de substâncias abrasantes.
Lembro-me bem. A ponte era comprida, É bem possível que eu um dia cegue.
E a minha sombra enorme enchia a ponte, No ardor desta letal tórrida zona,
Como uma pele de rinoceronte A cor do sangue é a cor que me impressiona
Estendida por toda a minha vida! E a que mais neste mundo me persegue!
A noite fecundava o ovo dos vícios Essa obsessão cromática me abate.
Animais. Do carvão da treva imensa Não sei por que me vêm sempre à lembrança
Caía um ar danado de doença O estômago esfaqueado de uma criança
Sobre a cara geral dos edifícios! E um pedaço de víscera escarlate.
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Os esqueletos desarticulados,
Quisera qualquer coisa provisória Livres do acre fedor das carnes mortas,
Que a minha cerebral caverna entrasse, Rodopiavam, com as brancas tíbias tortas,
E até ao fim, cortasse e recortasse Numa dança de números quebrados!
A faculdade aziaga da memória. Todas as divindades malfazejas,
Na ascensão barométrica da calma, Siva e Arimã, os duendes, o In e os trasgos,
Eu bem sabia, ansiado e contrafeito, Imitando o barulho dos engasgos,
Que uma população doente do peito Davam pancadas no adro das igrejas.
Tossia sem remédio na minh’alma! Nessa hora de monólogos sublimes,
E o cuspo que essa hereditária tosse A companhia dos ladrões da noite,
Golfava, à guisa de ácido resíduo, Buscando uma tavernas que os açoite,
Não era o cuspo só de um indivíduo Vai pela escuridão pensando crimes.
Minado pela tísica precoce. Perpetravam-se os atos mais funestos,
Não! Não era o meu cuspo, com certeza E o luar, da cor de um doente de icterícia,
Era a expectoração pútrida e crassa Iluminava, a rir, sem pudicícia,
Dos brônquios pulmonares de uma raça A camisa vermelha dos incestos.
Que violou as leis da Natureza! Ninguém, de certo, estava ali, a espiar-me,
Era antes uma tosse ubíqua, estranha, Mas um lampião, lembrava ante a meu rosto,
Igual ao ruído de um calhau redondo Um sugestionador olho, ali posto
Arremessado no apogeu do estrondo, De propósito, para hipnotizar-me!
Pelos fundibulários da montanha! Em tudo, então, meus olhos distinguiram
Augusto dos Anjos
Chegou-me o estado máximo da mágoa! Verbos! Querer dizer-nos que não finge,
Duas, três, quatro, cinco, seis e sete E a palavra embrulhar-se no laringe,
Vezes que eu me furei com um canivete, Escapando-se apenas em latidos!
A hemoglobina vinha cheia de água! Despir a putrescível forma tosca,
Cuspo, cujas caudais meus beiços regam, Na atra dissolução que tudo inverte,
Sob a forma de mínimas camândulas, Deixar cair sobre a barriga inerte
Benditas seja todas essas glândulas, O apetite necrófago da mosca!
Que, quotidianamente, te segregam! A alma dos animais! Pego-a, distingo-a,
Escarrar de um abismo noutro abismo, Acho-a nesse interior duelo secreto
Mandando ao Céu o fumo de um cigarro, Entre a ânsia de um vocábulo completo
Há mais filosofia neste escarro E uma expressão que não chegou à língua!
Do que em toda a moral do cristianismo! Surpreendo-a em quatrilhões de corpos vivos,
Porque, se no orbe oval que os meus pés Nos antiperistálticos abalos
tocam Que produzem nos bois e nos cavalos
Eu não deixasse o meu cuspo carrasco, A contração dos gritos instintivos!
Jamais exprimiria o acérrimo asco Tempo viria, em que, daquele horrendo
Que os canalhas do mundo me provocam! Caos de corpos orgânicos disformes
II Rebentariam cérebros enormes,
Como bolhas febris de água, fervendo!
Foi no horror dessa noite tão funérea
Que eu descobri, maior talvez que Vinci, Nessa época que os sábios não ensinam,
Com a força visualística do lince, A pedra dura, os montes argilosos
A falta de unidade na matéria! Criariam feixes de cordões nervosos
E o neuroplasma dos que raciocinam!
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Almas pigméias! Deus subjuga-as, cinge-as
À imperfeição! Mas vem o Tempo, e vence-O,
E o meu sonho crescia no silêncio, Por que há de haver aqui tantos enterros?
Maior que as epopéias carolíngias! Lá no "Engenho" também, a morte é ingrata...
Era a revolta trágica dos tipos Há o malvado carbúnculo que mata
Ontogênicos mais elementares, A sociedade infante dos bezerros!
Desde os foraminíferos dos mares Quantas moças que o túmulo reclama!
À grei liliputiana dos pólipos. E após a podridão de tantas moças,
Todos os personagens da tragédia, Os porcos espojando-se nas poça
Cansados de viver na paz de Buda, Da virgindade reduzida à lama!
Pareciam pedir com a boca muda Morte, ponto final da última cena,
A ganglionária célula intermédia. Forma difusa da matéria imbele,
A planta que a canícula ígnea torra, Minha filosofia te repele,
E as coisas inorgânicas mais nulas Meu raciocínio enorme te condena!
Apregoavam encéfalos, medulas Diante de ti, nas catedrais mais ricas,
Na alegria guerreira da desforra! Rolam sem eficácia os amuletos,
Os protistas e o obscuro acervo rijo Oh! Senhora dos nossos esqueletos
Dos espongiários e dos infusórios E da caveiras diárias que fabricas!
Recebiam com os seus órgãos sensórios E eu desejava ter, numa ânsia rara,
O triunfo emocional do regozijo! Ao pensar nas pessoas que perdera,
E apesar de já ser assim tão tarde, A inconsciência das máscaras de cera
Aquela humanidade parasita, Que a gente prega, com um cordão, na cara!
Como um bicho inferior, berrava, aflita, Era um sonho ladrão de submergir-me
No meu temperamento de covarde! Na vida universal, e, em tudo imerso,
Mas, refletindo, a sós, sobre o meu caso, Fazer da parte abstrata do Universo,
Vi que, igual a um amniota subterrâneo, Minha morada equilibrada e firme!
Jazia atravessada no meu crânio Nisto, pior que o remorso do assassino,
A intercessão fatídica do atraso! Reboou, tal qual, num fundo de caverna,
A hipótese genial do microzima Numa impressionadora voz interna,
Me estrangulava o pensamento guapo, O eco particular do meu Destino:
E eu me encolhia todo como um sapo III
Que tem um peso incômodo por cima!
"Homem! por mais que a Idéia desintegres,
Nas agonias do delirium-tremens, Nessas perquisições que não têm pausa,
Os bêbados alvares que me olhavam, Jamais, magro homem, saberás a causa
Com os copos cheios esterilizavam De todos os fenômenos alegres!
A substância prolífica dos semens!
Em vão, com a bronca enxada árdega, sondas
Enterravam as mãos dentro das goelas, A estéril terra, e a hialina lâmpada oca,
E sacudidos de um tremor indômito Trazes, por perscrutar (oh! ciência louca!)
Expeliam, na dor forte do vômito, O conteúdo das lágrima hediondas.
Um conjunto de gosmas amarelas.
Negro e sem fim é esse em que te mergulhas
Iam depois dormir nos lupanares Lugar do Cosmos, onde a dor infrene
Onde, na glória da concupiscência, É feita como é feito o querosene
Depositavam quase sem consciência Nos recôncavos úmidos das hulhas!
As derradeiras forças musculares.
Porque, para que a Dor perscrutes, fora
Fabricavam destarte os blastodermas, Mister que, não como és, em síntese, antes
Em cujo repugnante receptáculo Fosses, a refletir teus semelhantes,
Minha perscrutação via o espetáculo A própria humanidade sofredora!
De uma progênie idiota de palermas.
A universal complexidade é que Ela
Prostituição ou outro qualquer nome, Compreende. E se, por vezes, se divide,
Por tua causa, embora o homem te aceite, Mesmo ainda assim, seu todo não reside
É que as mulheres ruins ficam sem leite No quociente isolado da parcela!
E os meninos sem pai morrem de fome!
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Ah! Como o ar imortal a Dor não finda! O instinto de procriar, a ânsia legítima
Das papilas nervosas que há nos tatos Da alma, afrontando ovante aziagos riscos,
Veio e vai desde os tempos mais transatos O juramento dos guerreiros priscos
Para outros tempos que hão de vir ainda! Metendo as mãos nas glândulas da vítima;
Como o machucamento das insônias As diferenciações que o psicoplasma
Te estraga, quando toda a estuada Idéia Humano sofre na mania mística,
Dás ao sôfrego estudo da ninféia A pesada opressão característica
E de outras plantas dicotiledôneas! Dos 10 minutos de um acesso de asma;
A diáfana água alvíssima e a hórrida áscua E, (conquanto contra isto ódios regougues)
Que da ígnea flama bruta, estriada, espirra; A utilidade fúnebre da corda
A formação molecular da mirra, Que arrasta a rês, depois que a rês engorda,
O cordeiro simbólico da Páscoa; À morte desgraçada dos açougues...
As rebeladas cóleras que rugem Tudo isto que o terráqueo abismo encerra
No homem civilizado, e a ele se prendem Forma a complicação desse barulho
Como às pulseiras que os mascates vendem Travado entre o dragão do humano orgulho
A aderência teimosa da ferrugem; E as forças inorgânica da terra!
O orbe feraz que bastos tojos acres Por descobrir tudo isso, embalde cansas!
Produz; a rebelião que, na batalha, Ignoto é o gérmen dessa força ativa
Deixa os homens deitados, sem mortalha, Que engendra, em cada célula passiva,
Na sangueira concreta dos massacres; A heterogeneidade das mudanças!
Os sanguinolentíssimos chicotes Poeta, feto malsão, criado com os sucos
Augusto dos Anjos
As aves moças que perderam a asa, Análogo é ao que, negro e a seu turno,
O fogão apagado de uma casa, Traz o ávido filóstomo noturno
Onde morreu o chefe da família; Ao sangue dos mamíferos vorazes!
O trem particular que um corpo arrasta Ah! Por mais que, com o espírito, trabalhes
Sinistramente pela via férrea, A perfeição dos seres existentes,
A cristalização da massa térrea, Hás de mostras a cárie dos teus dentes
O tecido da roupa que se gasta; Na anatomia horrenda dos detalhes!
A água arbitrária que hiulcos caules grossos O Espaço - esta abstração spencereana
Carrega e come; as negras formas feias Que abrange as relações de coexistência
Dos aracnídeos e das centopéias, É só! Não tem nenhuma dependência
O fogo-fátuo que ilumina os ossos; Com as vértebras mortais da espécie humana!
As projeções flamívomas que ofusca, As radiantes elipses que as estrelas
Como uma pincelada rembrandtesca, Traçam, e ao espectador falsas se antolham
A sensação que uma coalhada fresca São verdades de luz que os homens olham
Transmite às mãos nervosas dos que a buscam; Sem poder, no entretanto, compreendê-las.
O antagonismo de Tifon e Osíris, Em vão, com a mão corrupta, outro éter pedes
O homem grande oprimido o homem pequeno, Que essa mão, de esqueléticas falanges,
A lua falsa de um parasseleno, Dentro dessa água que com a vista abranges,
A mentira meteórica do arco-íris; Também prova o princípio de Arquimedes!
Os terremotos que, abalando os solos, A fadiga feroz que te esbordoa
Lembram paióis de pólvora explodindo, Há de deixar-te essa medonha marca,
A rotação dos fluidos produzindo Que, nos corpos inchados de anasarca,
A depressão geológica dos pólos; Deixam os dedos de qualquer pessoa!
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Nem terás no trabalho que tiveste
A misericordiosa toalha amiga,
Que afaga os homens doentes de bexiga
E enxuga, à noite, as pústulas da peste! BUDISMO MODERNO
Quando chegar depois a hora tranqüila, Tome, Dr., esta tesoura e... corte
Tu serás arrastado, na carreira, Minha singularíssima pessoa.
Como um cepo inconsciente de madeira Que importa a mim que a bicharia roa
Na evolução orgânica da argila! Todo o meu coração depois da morte?!
Um dia comparado com um milênio Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Seja, pois, o teu último Evangelho... Também, das diatomáceas da lagoa
É a evolução do novo para o velho A criptógama cápsula se esbroa
E do homogêneo para o heterogêneo! Ao contrato de bronca destra forte!
Adeus! Fica-te aí, com o abdômen largo Dissolva-se, portanto, minha vida
A apodrecer!... És poeira, e embalde vibras! Igualmente a uma célula caída
O corvo que comer as tuas fibras Na aberração de um óvulo infecundo;
Há de achar nelas um sabor amargo!"
Mas o agregado abstrato das saudades
IV Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!
Calou-se a voz. A noite era funesta.
E os queixos, a exibir trismos danados,
Eu puxava os cabelos desgrenhados SONHO DE UM MONISTA
Como o rei Lear, no meio da floresta!
Eu e o esqueleto esquálido de Esquilo
Maldizia, com apóstrofes veementes,
Viajávamos, com uma ânsia sibarita,
No estentor de mi línguas insurretas,
Por toda a pró-dinâmica infinita,
O convencionalismo das Pandetas
Na inconsciência de um zoófito tranqüilo.
E os textos maus dos códigos recentes!
A verdade espantosa do Protilo
Minha imaginação atormentada
Me aterrava, mas dentro da alma aflita
Paria absurdos... Como diabos juntos,
Via Deus - essa mônada esquisita -
Perseguiam-me os olhos dos defuntos
Coordenando e animando tudo aquilo!
Com a carne da esclerótica esverdeada.
E eu bendizia, com o esqueleto ao lado,
Secara a clorofila das lavouras.
Na guturalidade do meu brado,
Igual aos sustenidos de uma endecha
Alheio ao velho cálculo dos dias,
Vinha-me às cordas glóticas a queixa
Das coletividades sofredoras. Como um pagão no altar de Proserpina,
A energia intracósmica divina
O mundo resignava-se invertido
Que é o pai e é a mãe das outras energias!
Nas forças principais do seu trabalho...
A gravidade era um princípio falho,
A análise espectral tinha mentido! SOLITÁRIO
O Estado, a Associação, os Municípios Como um fantasma que se refugia
Eram mortos. De todo aquele mundo Na solidão da natureza morta,
Restava um mecanismo moribundo Por trás dos ermos túmulos, um dia,
E uma teleologia sem princípios. Eu fui refugiar-me à tua porta!
Eu queria correr, ir para o inferno, Fazia frio e o frio que fazia
Para que, da psique no oculto jogo, Não era esse que a carne nos conforta...
Morressem sufocadas pelo fogo Cortava assim como em carniçaria
Todas as impressões do mundo externo! O aço das facas incisivas corta!
Mas a Terra negava-me o equilíbrio... Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
Na Natureza, uma mulher de luto E eu saí, como quem tudo repele,
Cantava, espiando as árvores sem fruto, - Velho caixão a carregar destroços -
A canção prostituta do ludíbrio!
Levando apenas na tumbal carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!
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MATER ORIGINALIS
Forma vermicular desconhecida ÚLTIMO CREDO
Que estacionaste, mísera e mofina,
Como quase impalpável gelatina, Como ama o homem adúltero o adultério
Nos estados prodrômicos da vida; E o ébrio a garrafa tóxica de rum,
Amo o coveiro - este ladrão comum
O hierofante que leu a minha sina Que arrasta a gente para o cemitério!
Ignorante é de que és, talvez, nascida
Dessa homogeneidade indefinida É o transcendentalíssimo mistério!
Que o insigne Herbert Spencer nos ensina. É o nous, é o pneuma, é o ego sum qui sum,
É a morte, é esse danado número Um
Nenhuma ignota união ou nenhum nexo Que matou Cristo e que matou Tibério!
À contingência orgânica do sexo
A tua estacionária alma prendeu... Creio, como o filósofo mais crente,
Na generalidade decrescente
Ah! De ti foi que, autônoma e sem normas, Com que a substância cósmica evolui...
Oh! Mãe original das outras formas,
A minha forma lúgubre nasceu! Creio, perante a evolução imensa,
Que o homem universal de amanhã vença
O homem particular que eu ontem fui!
O LUPANAR
Ah! Por que monstruosíssimo motivo O CAIXÃO FANTÁSTICO
Augusto dos Anjos
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OS DOENTES
A UM CARNEIRO MORTO
I
Misericordiosíssimo carneiro
Esquartejado, a maldição de Pio Como uma cascavel que se enroscava,
Décimo caia em teu algoz sombrio A cidade dos lázaros dormia...
E em todo aquele que for seu herdeiro! Somente, na metrópole vazia,
Minha cabeça autônoma pensava!
Maldito seja o mercador vadio
Que te vender as carnes por dinheiro, Mordia-me a obsessão má de que havia,
Pois, tua lã aquece o mundo inteiro Sob os meus pés, na terra onde eu pisava,
E guarda as carnes dos que estão com frio! Um fígado doente que sangrava
E uma garganta de órfã que gemia!
Quando a faca rangeu no teu pescoço,
Ao monstro que espremeu teu sangue grosso Tentava compreender com as conceptivas
Teus olhos - fontes de perdão - perdoaram! Funções do encéfalo as substâncias vivas
Que nem Spencer, nem Haeckel compreenderam...
Oh! tu que no Perdão eu simbolizo,
Se fosses Deus, no Dia de Juízo, E via em mim, coberto de desgraças,
Talvez perdoasses os que te mataram! O resultado de bilhões de raças
Que há muitos anos desapareceram!
VOZES DA MORTE II
Agora, sim! Vamos morrer, reunidos, Minha angústia feroz não tinha nome.
Tamarindo de minha desventura, Ali, na urbe natal do Desconsolo,
Tu, com o envelhecimento da nervura, Eu tinha de comer o último bolo
Eu, com o envelhecimento dos tecidos! Que Deus fazia para a minha fome!
Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos! Convulso, o vento entoava um pseudosalmo.
E a podridão, meu velho! E essa futura Contrastando, entretanto, com o ar convulso
Ultrafatalidade de ossatura, A noite funcionava como um pulso
A que nos acharemos reduzidos! Fisiologicamente muito calmo.
Não morrerão, porém, tuas sementes! Caíam sobre os meus centros nervosos,
E assim, para o Futuro, em diferentes Como os pingos ardentes de cem velas,
Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos, O uivo desenganado das cadelas
Na multiplicidade dos teus ramos, E o gemido dos homens bexigosos.
Pelo muito que em vida nos amamos, Pensava! E em que eu pensava, não perguntes!
Depois da morte, inda teremos filhos! Mas, em cima de um túmulo, um cachorro
Pedia para mim água e socorro
INSÂNIA DE UM SIMPLES À comiseração dos transeuntes!
Ser semelhante aos zoófitos e às lianas, Gordo adubo da agreste urtiga brava,
Ter o destino de uma larva fria, Benigna água, magnânima e magnífica,
Deixar enfim na cloaca mais sombria Em cuja álgida unção, branda e beatífica,
Este feixe de células humanas! A Paraíba indígena se lava!
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Querer dizer a angústia de que é pábulo,
E com a respiração já muito fraca
Ah! Somente eu compreendo, satisfeito, Sentir como que a ponta de uma faca,
A incógnita psique das massas mortas Cortando as raízes do último vocábulo!
Que dormem, como as ervas, sobre as hortas,
Na esteira igualitária do teu leito! Não haver terapêutica que arranque
Tanta opressão como se, com efeito,
O vento continuava sem cansaço Lhe houvesse sacudido sobre o peito
E enchia com a fluidez do eólico hissope A máquina pneumática de Bianchi!
Em seu fantasmagórico galope
A abundância geométrica do espaço. E o ar fugindo e a Morte a arca da tumba
A erguer, como um cronômetro gigante,
Meu ser estacionava, olhando os campos Marcando a transição emocionante
Circunjacentes. No Alto, os astros miúdos Do lar materno para a catacumba!
Reduziam os Céus sérios e rudos
A uma epiderme cheia de sarampos! Mas vos não lamenteis, magra mulheres,
Nos ardores danados da febre hética,
III Consagrando vossa última fonética
A uma recitação de misereres.
Dormia embaixo, com a promíscua véstia
No embotamento crasso dos sentidos, Antes levardes ainda uma quimera
A comunhão dos homens reunidos Para a garganta omnívora das lajes
Pela camaradagem da moléstia. Do que morrerdes, hoje, urrando ultrajes
Contra a dissolução que vos espera!
Feriam-me o nervo óptico e a retina
Aponevroses e tendões de Aquiles, Porque a morte, resfriando-vos o rosto,
Augusto dos Anjos
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Ah! Tudo, como um lúgubre ciclone,
Exercia sobre ele ação funesta Naquela angústia absurda e tragicômica
Desde o desbravamento da floresta Eu chorava, rolando sobre o lixo,
À ultrajante invenção do telefone. Com a contorção neurótica de um bicho
Que ingeriu 30 gramas de noz-vômica.
E sentia-se pior que um vagabundo
Microcéfalo vil que a espécie encerra, E, como um homem doido que se enforca,
Desterrado na sua própria terra, Tentava, na terráquea superfície,
Diminuído na crônica do mundo! Consubstanciar-me todo com a imundície,
Confundir-me com aquela coisa porca!
A hereditariedade dessa pecha
Seguira seus filhos. Dora em diante Vinha, às vezes, porém, o anelo instável
Seu povo tombaria agonizante De, com o auxílio especial do osso masséter
Na luta da espingarda com a flecha! Mastigando homeomérias neutras de éter
Nutrir-me da matéria imponderável.
Veio-lhe então como à fêmea vêm antojos,
Uma desesperada ânsia improfícua Anelava ficar um dia, em suma,
De estrangular aquela gente iníqua Menor que o anfióxus e inferior à tênia,
Que progredia sobre os seus despojos! Reduzido à plastídula homogênea,
Sem diferenciação de espécie alguma.
Mas, diante a xantocróide raça loura,
Jazem, caladas, todas as inúbias, Era (nem sei em síntese o que diga)
E agora, sem difíceis nuanças dúbias, Um velhíssimo instinto atávico, era
Com uma clarividência aterradora, A saudade inconsciente da monera
Que havia sido minha mãe antiga!
Em vez de prisca tribo e indiana tropa
A gente deste século, espantada, Com o horror tradicional da raiva corsa
Vê somente a caveira abandonada Minha vontade era, perante a cova,
De uma raça esmagada pela Europa! Arrancar do meu próprio corpo a prova
Da persistência trágica da força.
Era a hora em que arrastados pelos ventos,
Os fantasmas hamléticos dispersos A pragmática má de humanos usos
Atiram na consciência dos perversos Não compreende que a Morte que não dorme
A sombra dos remorsos famulentos. É a absorção do movimento enorme
Na dispersão dos átomos difusos.
As mães sem coração rogavam pragas
Aos filhos bons. E eu, roído pelos medos, Não me incomoda esse último abandono.
Batia com o pentágono dos dedos Se a carne individual hoje apodrece,
Sobre um fundo hipotético de chagas! Amanhã, como Cristo, reaparece
Na universalidade do carbono!
Diabólica dinâmica daninha
Oprimia meu cérebro indefeso A vida vem do éter que se condensa,
Com a força onerosíssima de um peso Mas o que mais no Cosmo me entusiasma
Que eu não sabia mesmo de onde vinha. É a esfera microscópica do plasma
Fazer a luz do cérebro que pensa.
Perfurava-me o peito a áspera pua
Do desânimo negro que me prostra, Eu voltarei, cansado da árdua liça,
E quase a todos os momentos mostra À substância inorgânica primeva,
Minha caveira aos bêbedos da rua. De onde, por epigênese, veio Eva
E a stirpe radiolar chamada Actissa!
Hereditariedades politípicas
Punham na minha boca putrescível Quando eu for misturar-me com as violetas,
Interjeições de abracadabra horrível Minha lira, maior que a Bíblia e a Fedra,
E os verbos indignados das Filípicas. Reviverá, dando emoção à pedra,
Na acústica de todos os planetas!
Todos os vocativos dos blasfemos,
No horror daquela noite monstruosa, VI
Maldiziam, com voz estentorosa,
A peçonha inicial de onde nascemos. À álgida agulha, agora, alva, a saraiva
Caindo, análoga era... Um cão agora
Como que havia na ânsia de conforto Punha a atra língua hidrófoba de fora
De cada ser, ex.: o homem e ofídio, Em contrações miológicas de raiva.
Uma necessidade de suicídio
Em um desejo incoercível de ser morto!
16
Mas, para além, entre oscilantes chamas, Cismava no propósito funéreo
Acordavam os bairros da luxúria... Da mosca debochada que fareja
As prostitutas, doentes de hematúria, O defunto, no chão frio da igreja,
Se extenuavam nas camas. E vai depois levá-lo ao cemitério!
Uma, ignóbil, derreada de cansaço, E esfregando as mãos magras, eu, inquieta,
Quase que escangalhada pelo vício, Sentia, na craniana caixa tosca,
Cheirava com prazer no sacrifício A racionalidade dessa mosca,
A lepra má que lhe roía o braço! A consciência terrível desse inseto!
E ensangüentava os dedos da mão nívea Regougando, porém, argots e aljâmias,
Com o sentimento gasto e a emoção podre, Como quem nada encontra que o perturbe,
Nessa alegria bárbara que cobre A energúmena grei dos ébrios da urbe
Os saracoteamentos da lascívia... Festejava seu sábado de infâmias.
De certo, a perversão de que era presa A estática fatal das paixões cegas,
O sensorium daquela prostituta Rugindo fundamente nos neurônios,
Vinha da adaptação quase absoluta Puxava aquele povo de demônios,
À ambiência microbiana da baixeza! Para a promiscuidade das adegas.
Entanto, virgens fostes, e, quando o éreis, E a ébria turba que escaras sujas masca,
Não tínheis ainda essa erupção cutânea, Á falta idiossincrásica de escrúpulo,
Nem tínheis, vítima última da insânia, Absorvia com gáudio absinto, lúpulo
Duas mamárias glândulas estéreis! E outras substâncias tóxicas da tasca.
Augusto dos Anjos
Quase todos os lutos conjugados, Em torno a mim, nesta hora, estriges voam,
Como uma associação de monopólio, E o cemitério, em que eu entrei adrede,
Lançavam pinceladas pretas de óleo Dá-me a impressão de um boulevard que fede,
Na arquitetura arcaica dos sobrados. Pela degradação dos que o povoam.
Dentro da noite funda um braço humano Quanta gente, roubada à humana coorte,
Parecia cavar ao longe um poço Morre de fome, sobre a palha espessa,
Para enterrar minha ilusão de moço, Sem ter, como Ugolino, uma cabeça
Como a boca de um poço artesiano! Que possa mastigar na hora da morte;
Atabalhoadamente pelos becos, E nua, após baixar ao caos budista,
Eu pensava nas coisas que perecem, Vem para aqui, nos braços de um canalha,
Desde as musculaturas que apodrecem Porque o madapolão para a mortalha
À ruína vegetal dos lírios secos. Custa 1$200 ao lojista!
17
Que resta das cabeças que pensaram?!
E afundado nos sonhos mais nefastos,
Ao pegar num milhão de miolos gastos, IX
Todos os meus cabelos se arrepiaram.
O inventário do que eu já tinha sido
Os evolucionismos benfeitores Espantava. Restavam só de Augusto
Que por entre os cadáveres caminham, A forma de um mamífero vetusto
Iguais a irmãs de caridade, vinham E a cerebralidade de um vencido!
Com a podridão dar de comer às flores!
O gênio procriador da espécie eterna
Os defuntos então me ofereciam Que me fizera, em vez de hiena ou lagarta,
Com as articulações das mãos inermes, Uma sobrevivência de Sidarta,
Num prato de hospital, cheio de vermes, Dentro da filogênese moderna;
Todos os animais que apodreciam!
E arranca milhares de existências
É possível que o estômago se afoite Do ovário ignóbil de uma fauna imunda,
(Muito embora contra isto a alma se irrite) Ia arrastando agora a alma infecunda
A cevar o antropófago apetite, Na mais triste de todas as falências.
Comendo carne humana, à meia-noite!
Um céu calamitoso de vingança
Com uma ilimitadíssima tristeza, Desagregava, désposta e sem normas,
Na impaciência do estômago vazio, O adesionismo biôntico das formas
Eu devorava aquele bolo frio Multiplicadas pela lei da herança!
Feito das podridões da Natureza!
A ruína vinha horrenda e deletéria
E hirto, a camisa suada, a alma aos arrancos, Do subsolo infeliz, vinha de dentro
Vendo passar com as túnicas obscuras, Da matéria em fusão que ainda há no centro,
As escaveiradíssimas figuras Para alcançar depois a periferia!
Das negras desonradas pelos brancos;
Contra a Arte, oh! Morte, em vão teu ódio
Pisando, como quem salta, entre fardos, exerces!
Nos corpos nus das moças hotentores Mas, a meu ver, os sáxeos prédios tortos
Entregues, ao clarão de alguns archotes, Tinham aspectos de edifícios mortos
À sodomia indigna dos moscardos; Decompondo-se desde os alicerces!
Eu maldizia o deus de mãos nefandas A doença era geral, tudo a extenuar-se
Que, transgredindo a igualitária regra Estava. O Espaço abstrato que não morre
Da Natureza, atira a raça negra Cansara... O ar que, em colônias fluidas, corre,
Ao contubérnio diário das quitandas! Parecia também desagregar-se!
Na evolução de minha dor grotesca, O pródromos de um tétano medonho
Eu mendigava aos vermes insubmissos Repuxavam-me o rosto... Hirto de espanto,
Como indenização dos meus serviços, Eu sentia nascer-me n’alma, entanto,
O benefício de uma cova fresca. O começo magnífico de um sonho!
Manhã. E eis-me a absorver a luz de fora, Entre as formas decrépitas do povo,
Como o íncola do pólo ártico, às vezes, Já batiam por cima dos estragos
Absorve, após a noite de seis meses, A sensação e os movimentos vagos
Os raios caloríficos da aurora. Da célula inicial de um Cosmo novo!
Nunca mais as goteiras cairiam O letargo larvário da cidade
Como propositais setas malvadas, Crescia. Igual a um parto, numa furna,
No frio matador das madrugadas, Vinha da original treva noturna,
Por sobre o coração dos que sofriam! O vagido de uma outra Humanidade!
Do meu cérebro à absconsa tábua rasa E eu, com os pés atolados no Nirvana,
Vinha a luz restituir o antigo crédito, Acompanhava, com um prazer secreto,
Proporcionando-me o prazer inédito, A gestação daquele grande feto,
De quem possui um sol dentro de casa. Que vinha substituir a Espécie Humana!
Era a volúpia fúnebre que os ossos
Me inspiravam, trazendo-me ao sol claro,
À apreensão fisiológica do faro
O odor cadaveroso dos destroços!
18
ASA DE CORVO
Asa de corvos carniceiros, asa
De mau agouro que, nos doze meses, O MAR, A ESCADA E O HOMEM
Cobre às vezes o espaço e cobre às vezes "Olha agora, mamífero inferior,
O telhado de nossa própria casa... "À luz da epicurista ataraxia,
Perseguido por todos os reveses, "O fracasso de tua geografia
É meu destino viver junto a essa asa, "E do teu escafandro esmiuçador!
Como a cinza que vive junto à brasa, "Ah! Jamais saberás ser superior,
Como os Goncourts, como os irmãos siameses! "Homem, a mim, conquanto ainda hoje em dia,
É com essa asa que eu faço este soneto "Com a ampla hélice auxiliar com que outrora ia
E a indústria humana faz o pano preto "Voando ao vento o vastíssimo vapor,
Que as famílias de luto martiriza... "Rasgue a água hórrida a nau árdega e singre-me!"
É ainda com essa asa extraordinária E a verticalidade da Escada íngreme:
Que a Morte - a costureira funerária - "Homem, já transpuseste os meus degraus?!"
Cose para o homem a última camisa! E Augusto, o Hércules, o Homem, aos soluços,
Ouvindo a escada e o mar, caiu de bruços
O MARTÍRIO DO ARTISTA No pandemônio aterrador do Caos!
Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda, DECADÊNCIA
Busca exteriorizar o pensamento Iguais às linhas perpendiculares
Augusto dos Anjos
Que em suas fronetas células guarda! Caíram, como cruéis e hórridas hastas,
Tarda-lhe a Idéia! A inspiração lhe tarda! Nas suas 33 vértebras gastas
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento, Quase todas as pedras tumulares!
Como o soldado que rasgou a farda A frialdade dos círculos polares,
No desespero do último momento! Em sucessivas atuações nefastas.
Tenta chorar e os olhos sente enxutos!... Penetrara-lhe os próprios neuroplastas,
É como o paralítico que, à míngua Estragara-lhe os centros medulares!
-
Da própria voz e na que ardente o lavra Como quem quebra o objeto mais querido
Toda a Poesia
19
GEMIDOS DE ARTE
A UM MASCARADO I
Rasga essa máscara ótima de seda Esta desilusão que me acabrunha
E atira-a à arca ancestral dos palimpsestos... É mais traidora do que o foi Pilatos!...
É noite, e, à noite, a escândalos e incestos Por causa disto, eu vivo pelos matos,
É natural que o instinto humano aceda! Magro, roendo a substância córnea da unha.
Sem que te arranquem da garganta queda Tenho estremecimentos indecisos
A interjeição danada dos protestos, E sinto, haurindo o tépido ar sereno,
Hás de engolir, igual a um porco, os restos O mesmo assombro que sentiu Parfeno
Duma comida horrivelmente azeda! Quando arrancou os olhos de Dionisos!
A sucessão de hebdômadas medonhas Em giro e em redemoinho em mim caminham
Reduzirá os mundos que tu sonhas Ríspidas mágoas estranguladoras,
Ao microcosmos do ovo primitivo... Tais quais, nos fortes fulcros, as tesouras
E tu mesmo, após a árdua e atra refrega, Brônzeas, também giram e redemoinham.
Terás somente uma vontade cega Os pães - filhos legítimos dos trigos -
E uma tendência obscura de ser vivo! Nutrem a geração do Ódio e da Guerra...
Os cachorros anônimos da terra
VOZES DE UM TÚMULO São talvez os meus únicos amigos!
Morri! E a Terra - a mãe comum - o brilho Ah! Por que desgraçada contingência
Destes meus olhos apagou!... Assim À híspida aresta sáxea áspera e abrupta
Tântalo, aos reais convivas, num festim, Da rocha brava, numa ininterrupta
Serviu as carnes do seu próprio filho! Adesão, não prendi minha existência?!
Por que para este cemitério vim?! Por que Jeová, maior do que Laplace,
Por quê?! Antes da vida o angusto trilho Não fez cair o túmulo de Plínio
Palmilhasse, do que este que palmilho Por sobre todo o meu raciocínio
E que me assombra, porque não tem fim! Para que eu nunca mais raciocinasse?!
No ardor do sonho que o fronema exalta Pois minha Mãe tão cheia assim daqueles
Construí de orgulho ênea pirâmide alta... Carrinhos, com que guarda meus sapatos,
Hoje, porém, que se desmoronou Por que me deu consciência dos meus atos
Para eu me arrepender de todos eles?!
A pirâmide real do meu orgulho,
Hoje que apenas sou matéria e entulho Quisera antes, mordendo glabros talos,
Tenho consciência de que nada sou! Nabucodonosor ser no Pau d’Arco,
Beber a acre e estagnada água do charco,
Dormir na manjedoura com os cavalos!
CONTRASTES
Mas a carne é que é humana! A alma é divina.
A antítese do novo e do obsoleto, Dorme num leito de feridas, goza
O Amor e a Paz, o Ódio e a Carnificina, O lodo, apalpa a úlcera cancerosa,
O que o homem ama e o que o homem abomina, Beija a peçonha, e não se contamina!
Tudo convém para o homem ser completo!
Ser homem! escapar de ser aborto!
O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto, Sair de um ventre inchado que se anoja,
Uma feição humana e outra divina Comprar vestidos pretos numa loja
São como a eximenina e a endimenina E andar de luto pelo pai que é morto!
Que servem ambas para o mesmo feto!
E por trezentos e sessenta dias
Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes! Trabalhar e comer! Martírios juntos!
Por justaposição destes contrastes, Alimentar-se dos irmãos defuntos,
Junta-se um hemisfério a outro hemisfério, Chupar os ossos das alimarias!
Às alegrias juntam-se as tristezas, Barulho de mandíbulas e abdômens!
E o carpinteiro que fabrica as mesas E vem-me com um desprezo por tudo isto
Faz também os caixões do cemitério!... Uma vontade absurda de ser Cristo
Para sacrificar-me pelos homens!
20
Soberano desejo! Soberana Eu, depois de morrer, depois de tanta
Ambição de construir para o homem uma Tristeza, quero, em vez do nome - Augusto,
Região, onde não cuspa língua alguma Possuir aí o nome dum arbusto
O óleo rançoso da saliva humana! Qualquer ou de qualquer obscura planta!
Uma região sem nódoas e sem lixos, III
Subtraída à hediondez de ínfimo casco,
Onde a forca feroz coma o carrasco Pelo acidentadíssimo caminho
E o olho do estuprador se encha de bichos! Faísca o sol. Nédios, batendo a cauda,
Urram os bois. O céu lembra uma lauda
Outras constelações e outros espaços Do mais incorruptível pergaminho.
Em que, no agudo grau da última crise,
O braço do ladrão se paralise Uma atmosfera má de incômoda hulha
E a mão da meretriz caia aos pedaços! Abafa o ambiente. O aziago ar morto a morte
Fede. O ardente calor da areia forte
II Racha-me os pés como se fosse agulha.
O sol agora é de um fulgor compacto, Não sei que subterrânea e atra voz rouca,
E eu vou andando, cheio de chamusco, Por saibros e por cem côncavos vales,
Com a flexibilidade de um molusco, Como pela avenida das Mappales,
Úmido, pegajoso e untuoso ao tacto! Me arrasta à casa do finado Toca!
Reúnam-se em rebelião ardente e acesa Todas as tardes a esta casa venho.
Todas as minhas forças emotivas Aqui, outrora, sem conchego nobre,
Augusto dos Anjos
E armem ciladas como cobras vivas Viveu, sentiu e amou este homem pobre
Para despedaçar minha tristeza! Que carregava canas para o engenho!
O sol de cima espiando a flora moça Nos outros tempos e nas outras eras,
Arada, fustigue, queime, corte, morda!... Quantas flores! Agora, em vez de flores,
Deleito a vista na verdura gorda Os musgos, como exóticos pintores,
Que nas hastes delgadas se balouça! Pintam caretas verdes nas taperas.
Avisto o vulto das sombrias granjas Na bruta dispersão de vítreos cacos,
-
21
Essa alegria imaterializada, Para reproduzir tal sentimento
Que por vezes me absorve, é o óbolo obscuro, Daqui por diante, atenta a orelha cauta,
É o pedaço já podre de pão duro Como Mársias - o inventor da flauta -
Que o miserável recebeu na estrada! Vou inventar também outro instrumento!
Não são os cinco mil milhões de francos Mas de tal arte e espécie tal fazê-lo
Que a Alemanha pediu a Jules Favre... Ambiciono, que o idioma em que te eu falo
É o dinheiro coberto de azinhavre Possam todas as línguas decliná-lo
Que o escravo ganha, trabalhando aos brancos! Possam todos os homens compreendê-lo!
Seja este sol meu último consolo; Para que, enfim, chegando à última calma
E o espírito infeliz que em mim se encarna Meu podre coração roto não role,
Se alegre ao sol, como quem raspa a sarna, Integralmente desfibrado e mole,
Só, com a misericórdia de um tijolo!... Como um saco vazio dentro d’alma!
Tudo enfim a mesma órbita percorre
E as bocas vão beber o mesmo leite... SONETOS
A lamparina quando falta o azeite I
Morre, da mesma forma que o homem morre.
Súbito, arrebentando horrenda calma, A meu Pai doente
Grito, e se grito é para que meu grito Para onde fores, Pai, para onde fores,
Seja a revelação deste Infinito Irei também, trilhando as mesmas ruas...
Que eu trago encarcerado na minh’alma! Tu, para amenizar as dores tuas,
Sol brasileiro! Queima-me os destroços! Eu, para amenizar as minhas dores!
Quero assistir, aqui, sem pai que me ame, Que coisa triste! O campo tão sem flores,
De pé, à luz da consciência infame, E eu tão sem crença e as árvores tão nuas
À carbonização dos próprios ossos! E tu, gemendo, e o horror de nossas duas
Mágoas crescendo e se fazendo horrores!
VERSOS DE AMOR Magoaram-te, meu Pai?! Que mão sombria,
A um poeta erótico Indiferente aos mil tormentos teus
De assim magoar-te sem pesar havia?!
Parece muito doce aquela cana. - Seria a mão de Deus?! Mas Deus enfim
Descasco-a, provo-a, chupo-a... ilusão treda! É bom, é justo, e sendo justo, Deus,
O amor, poeta, é como a cana azeda, Deus não havia de magoar-te assim!
A toda a boca que o não prova engana.
II
Quis saber que era o amor, por experiência,
E hoje que, enfim, conheço o seu conteúdo, Madrugada de Treze de Janeiro.
Pudera eu ter, eu que idolatro o estudo, Rezo, sonhando, o ofício da agonia.
Todas as ciências menos esta ciência! Meu Pai nessa hora junto a mim morria
Certo, este o amor não é que, em ânsias, amo Sem um gemido, assim como um cordeiro!
Mas certo, o egoísta amor este é que acinte E eu nem lhe ouvi o alento derradeiro!
Amas, aposto a mim. Por conseguinte Quando acordei, cuidei que ele dormia,
Chamas amor aquilo que eu não chamo. E disse à minha Mãe que me dizia:
Oposto ideal ao meu ideal conservas. "Acorda-o"! deixa-o, Mãe, dormir primeiro!
Diverso é, pois, o ponto outro de vista E saí para ver a Natureza!
Consoante o qual, observo o amor, do egoísta Em tudo o mesmo abismo de beleza,
Modo de ver, consoante o qual, o observas. Nem uma névoa no estrelado véu...
Porque o amor, tal como eu o estou amando, Mas pareceu-me, entre as estrelas flóreas,
É Espírito, é éter, é substância fluida, Como Elias, num carro azul de glórias,
É assim como o ar que a gente pega e cuida, Ver a alma de meu Pai subindo ao Céu!
Cuida, entretanto, não o estar pegando!
III
É a transubstanciação de instintos rudes,
Imponderabilíssima e impalpável, Podre meu Pai! A Morte o olhar lhe vidra.
Que anda acima da carne miserável Em seus lábios que os meus lábios osculam
Como anda a garça acima dos açudes! Microrganismos fúnebres pululam
Numa fermentação gorda de cidra.
22
Desceu depois à gleba mais bastarda,
Duras leis as que os homens e a hórrida hidra Pondo a áurea insígnia heráldica da farda
A uma só lei biológica vinculam, À vontade do vômito plebeu...
E a marcha das moléculas regulam,
Com a invariabilidade da clepsidra!... E ao vir-lhe o cuspo diário à boca fria
O vencido pensava que cuspia
Podre meu Pai! E a mão que enchi de beijos Na célula infeliz de onde nasceu.
Roída toda de bichos, como os queijos
Sobre a mesa de orgíacos festins!... O CORRUPIÃO
Amo meu Pai na atômica desordem Escaveirado corrupião idiota,
Entre as bocas necrófagas que o mordem Olha a atmosfera livre, o amplo éter belo,
E a terra infecta que lhe cobre os rins! E a alga criptógama e a úsnea e o cogumelo,
DEPOIS DA ORGIA Que do fundo do chão todo o ano brota!
Mas a ânsia de alto voar, de à antiga rota
O prazer que na orgia a hetaíra goza Voar, não tens mais! E pois, preto e amarelo,
Produz no meus sensorium de bacante Pões-te a assobiar, bruto, sem cerebelo
O efeito de uma túnica brilhante A gargalhada da última derrota!
Cobrindo ampla apostema escrofulosa!
A gaiola aboliu tua vontade.
Troveja! E anelo ter, sôfrega e ansiosa, Tu nunca mais verás a liberdade!...
O sistema nervoso de um gigante Ah! Tu somente ainda és igual a mim.
Para sofrer na minha carne estuante
A dor da força cósmica furiosa. Continua a comer teu milho alpiste.
Foi este mundo que me fez tão triste,
Apraz-me, enfim, despindo a última alfaia
Augusto dos Anjos
- As árvores, meu filho, não têm alma! - "Que esta alucinação tátil não cresça!"
Toda a Poesia
E esta árvore me serve de empecilho... - Dizia; e erguia, oh! céu, alto, por ver-vos,
É preciso cortá-la, pois, meu filho, Com a rebeldia acérrima dos nervos
Para que eu tenha uma velhice calma! Minha atormentadíssima cabeça.
- Meu pai, por que sua ira não se acalma?! É a potencialidade que me eleva
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?! Ao grande Deus, e absorve em cada viagem
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho... Minh’alma - este sombrio personagem
Esta árvore, meu pai, possui minha’alma!... Do drama panteístico da treva!
- Disse - e ajoelhou-se, numa rogativa: Depois de dezesseis anos de estudo
"Não mate a árvore, pai, para que eu viva!" Generalizações grandes e ousadas
E quando a árvore, olhando a pátria serra, Traziam minhas forças concentradas
Caiu aos golpes do machado bronco, Na compreensão monística de tudo.
O moço triste se abraçou com o tronco Mas a aguadilha pútrida o ombro inerme
E nunca mais se levantou da terra! Me aspergia, banhava minhas tíbias,
VENCIDO E a ela se aliava o ardor das sirtes líbias,
Cortando o melanismo da epiderme.
No auge de atordoadora e ávida sanha Arimânico gênio destrutivo
Leu tudo, desde o mais prístino mito, Desconjuntava minha autônoma alma
Por exemplo: o do boi Ápis do Egito Esbandalhando essa unidade calma,
Ao velho Niebelungen da Alemanha. Que forma a coerência do ser vivo.
Acometido de uma febre estranha E eu saí a tremer com a língua grossa
Sem o escândalo fônico de um grito, E a volição no cúmulo do exício,
Mergulhou a cabeça no Infinito, Como quem é levado para o hospício
Arrancou os cabelos na montanha! Aos trambolhões, num canto de carroça!
23
Perante o inexorável céu aceso ALUCINAÇÃO À BEIRA-MAR
Agregações abióticas espúrias
Um medo de morrer meus pés esfriava.
Como uma cara, recebendo injúrias,
Noite alta. Ante o telúrico recorte,
Recebiam os cuspos do desprezo.
Na diuturna discórdia, a equórea coorte
A essa hora, nas telúricas reservas, Atordoadoramente ribombava!
O reino mineral americano
Eu, ególatra céptico, cismava
Dormia, sob os pés do orgulho humano,
Em meu destino!... O vento estava forte
E a cimalha minúscula das ervas.
E aquela matemática da Morte
E não haver quem, íntegra, lhe entregue, Com os seus números negros, me assombrava!
Com os ligamentos glóticos precisos,
Mas a alga usufrutuária dos oceanos
A liberdade de vingar em risos
E os malacopterígios subraquianos
A angústia milenária que o persegue!
Que um castigo de espécie emudeceu,
Bolia nos obscuros labirintos
No eterno horror das convulsões marítimas
Da fértil terra gorda, úmida e fresca,
Pareciam também corpos de vítimas
A ínfima fauna abscôndita e grotesca
Condenadas à Morte, assim como eu!
Da família bastarda dos helmintos.
As vegetalidades subalternas VANDALISMO
Que os serenos noturnos orvalhavam,
Pela alta frieza intrínseca, lembravam Meu coração tem catedrais imensas,
Toalhas molhadas sobre as minhas pernas. Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
E no estrume fresquíssimo da gleba
Canta a aleluia virginal das crenças.
Formigavam, com a símplice sarcode,
O vibrião, o ancilóstomo, o colpode Na ogiva fúlgida e nas colunatas
E outros irmãos legítimos da ameba! Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E todas essas formas que Deus lança
E as ametistas e os florões e as pratas.
No Cosmo, me pediam, com o ar horrível,
Um pedaço de língua disponível Como os velhos Templários medievais
Para a filogenética vingança! Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos...
A cidade exalava um podre báfio:
Os anúncios das casas de comércio, E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
Mais tristes que as elegias de Propércio, No desespero dos iconoclastas
Pareciam talvez meu epitáfio. Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!
O motor teleológico da Vida
Parara! Agora, em diástoles de guerra, VERSOS ÍNTIMOS
Vinha do coração quente da terra
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Um rumor de matéria dissolvida.
Enterro da tua última quimera.
A química feroz do cemitério Somente a Ingratidão - esta pantera -
Transformava porções de átomos juntos Foi tua companheira inseparável!
No óleo malsão que escorre dos defuntos,
Acostuma-te à lama que te espera!
Com a abundância de um geyser deletério.
O Homem, que, nesta terra miserável,
Dedos denunciadores escreviam Mora, entre feras, sente inevitável
Na lúgubre extensão da rua preta Necessidade de também ser fera.
Todo o destino negro do planeta,
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
Onde minhas moléculas sofriam.
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
Um necrófilo mau forçava as lousas A mão que afaga é a mesma que apedreja.
E eu - coetâneo do horrendo cataclismo -
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Era puxado para aquele abismo
Apedreja essa mão vil que te afaga,
No redemoinho universal das cousas!
Escarra nessa boca que te beija!
24
VENCEDOR Foi nessa ilha encantada de Cipango,
Verde, afetando a forma de um losango,
Toma as espadas rútilas, guerreiro, Rica, ostentando amplo floral risonho,
E à rutilância das espadas, toma Que Toscanelli viu seu sonho extinto
A adaga de aço, o gládio de aço, e doma E como sucedeu a Afonso Quinto
Meu coração - estranho carniceiro! Foi sobre essa ilha que extingui meu sonho!
Não podes?! Chama então presto o primeiro Lembro-me bem. Nesse maldito dia
E o mais possante gladiador de Roma. O gênio singular da Fantasia
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma, Convidou-me a sorrir para um passeio...
Nenhum pôde domar o prisioneiro. Iríamos a um país de eternas pazes
Onde em cada deserto há mil oásis
Meu coração triunfava nas arenas.
E em cada rocha um cristalino veio.
Veio depois um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta, Gozei numa hora séculos de afagos,
Banhei-me na água de risonhos lagos,
Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem...
E finalmente me cobri de flores...
E não pôde domá-lo enfim ninguém,
Mas veio o vento que a Desgraça espalha
Que ninguém doma um coração de poeta!
E cobriu-me com o pano da mortalha,
Que estou cosendo para os meus amores!
A ILHA DE CIPANGO
Desde então para cá fiquei sombrio!
Estou sozinho! A estrada se desdobra Um penetrante e corrosivo frio
Como uma imensa e rutilante cobra Anestesiou-me a sensibilidade
De epiderme finíssima de areia... E as grandes golpes arrancou as raízes
Augusto dos Anjos
28
Lá onde as rochas se assentam
Vista de luto o Universo
Fulguram como outros sóis
E Deus se enlute no Céu!
Os flamívomos faróis
Mais um poeta que morreu,
Que os navegantes orientam.
Mais um coveiro do Verso!
Vai uma onda, vem outra onda
Cantam nautas, choram flautas
E nesse eterno vaivém
Pelo mar e pelo mar
Coitadas! não acham quem,
Uma sereia a cantar
Quem as esconda, as esconda...
Vela o Destino dos nautas!
Alegoria tristonha
Do que pelo Mundo vai! TRISTEZAS DE UM QUARTO
Se um sonha e se ergue, outro cai;
Se um cai, outro se ergue e sonha. MINGUANTE
Mas desgraçado do pobre Quarto Minguante! E, embora a lua o aclare,
Que em meio da Vida cai! Este Engenho Pau d’Arco é muito triste...
Esse não volta, esse vai Nos engenhos da várzea não existe
Para o túmulo que o cobre. Talvez um outro que se lhe equipare!
Vagueia um poeta num barco. Do observatório em que eu estou situado
O Céu, de cima, a luzir A lua magra, quando a noite cresce,
Como um diamante de Ofir Vista, através do vidro azul, parece
Imita a curva de um arco. Um paralelepípedo quebrado!
A Lua - globo de louça - O sono esmaga o encéfalo do povo.
Augusto dos Anjos
Que é que ela diz?! Será uma Aumentam-se-me então os grandes medos.
História de amor feliz? O hemisfério lunar se ergue e se abaixa
Não! O que a sereia diz Num desenvolvimento de borracha,
Não é história nenhuma. Variando à ação mecânica dos dedos!
É como um requiem profundo Vai-me crescendo a aberração do sonho.
De tristíssimos bemóis... Morde-me os nervos o desejo doudo
Sua voz é igual à voz De dissolver-me, de enterrar-me todo
Das dores todas do mundo. Naquele semicírculo medonho!
"Fecha-te nesse medonho Mas tudo isto é ilusão de minha parte!
"Reduto de Maldição, Quem sabe se não é porque não saio
"Viajeiro da Extrema-Unção, Desde que, 6ª feira, 3 de maio,
"Sonhador do último sonho! Eu escrevi os meus Gemidos de Arte?!
"Numa redoma ilusória A lâmpada a estirar línguas vermelhas
"Cercou-te a glória falaz, Lambe o ar. No bruto horror que me arrebata,
"Mas nunca mais, nunca mais Como um degenerado psicopata
"Há de cercar-te essa glória! Eis-me a contar o número das telhas!
"Nunca mais! Sê, porém, forte. - Uma, duas, três, quatro... E aos tombos, tonta
"O poeta é como Jesus! Sinto a cabeça e a conta perco; e, em suma,
"Abraça-te à tua Cruz A conta recomeço, em ânsias: - Uma...
"E morre, poeta da Morte!" Mas novamente eis-me a perder a conta!
- E disse e porque isto disse Sucede a uma tontura outra tontura.
O luar no Céu se apagou... - Estarei morto?! E a esta pergunta estranha
Súbito o barco tombou Reponde a Vida - aquela grande aranha
Sem que o poeta o pressentisse! Que anda tecendo a minha desventura! -
29
A luz do quarto diminuindo o brilho
Segue todas as fases de um eclipse... Entretanto, passei o dia inquieto,
Começo a ver coisas de Apocalipse A ouvir, nestes bucólicos retiros,
No triângulo escaleno do ladrilho! Toda a salva fatal de 21 tiros
Deito-me enfim. Ponho o chapéu num gancho. Que festejou os funerais de Hamleto!
Cinco lençóis balançam numa corda, Ah! Minha ruína é pior do que a de Tebas!
Mas aquilo mortalhas me recorda, Quisera ser, numa última cobiça,
E o amontoamento dos lençóis desmancho. A fatia esponjosa de carniça
Vêm-me à imaginação sonhos dementes. Que os corvos comem sobre as jurubebas!
Acho-me, por exemplo, numa festa... Porque, longe do pão com que me nutres
Tomba uma torre sobre a minha testa, Nesta hora, oh! Vida em que a sofrer me exortas
Caem-me de uma só vez todos os dentes! Eu estaria como as bestas mortas
Então dois ossos roídos me assombraram... Pendurado no bico dos abutres!
- "Por ventura haverá quem queira roer-nos?!
Os vermes já não querem mais comer-nos MISTÉRIOS DE UM FÓSFORO
E os formigueiros já nos desprezaram".
Pego de um fósforo. Olho-o. Olho-o ainda. Risco-o
Figuras espectrais de bocas tronchas Depois. E o que depois fica e depois
Tornam-me o pesadelo duradouro... Resta é um ou, por outra, é mais de um, são dois
Choro e quero beber a água do choro Túmulos dentro de um carvão promíscuo.
Com as mãos dispostas à feição de conchas.
Dois são, porque um, certo, é do sonho assíduo
Tal uma planta aquática submersa, Que a individual psique humana tece e
Antegozando as últimas delícias O outro é o do sonho altruístico da espécie
Mergulho as mãos - vis raízes adventícias - Que é o substractum dos sonhos do indivíduo!
No algodão quente de um tapete persa.
E exclamo, ébrio, a esvaziar báquicos odres:
Por muito tempo rolo no tapete, - "Cinza, síntese má da podridão,
Súbito me ergo. A lua é morta. Um frio "Miniatura alegórica do chão,
Cai sobre o meu estômago vazio "Onde os ventres maternos ficam podres;
Como se fosse um copo de sorvete!
"Na tua clandestina e erma alma vasta,
A alta frialdade me insensibiliza; "Onde nenhuma lâmpada se acende,
O suor me ensopa. Meu tormento é infindo... "Meu raciocínio sôfrego surpreende
Minha família ainda está dormindo "Todas as formas da matéria gasta!"
E eu não posso pedir outra camisa!
Raciocinar! Aziaga contingência!
Abro a janela. Elevam-se fumaças Ser quadrúpede! Andar de quatro pés
Do engenho enorme. A luz fulge abundante É mais do que ser Cristo e ser Moisés
E em vez do sepulcral Quarto Minguante Porque é ser animal sem ter consciência!
Vi que era o sol batendo nas vidraças.
Bêbedo, os beiços na ânfora ínfima, harto,
Pelos respiratórios tênues tubos Mergulho, e na ínfima ânfora, harto, sinto
Dos poros vegetais, no ato da entrega O amargor específico do absinto
Do mato verde, a terra resfolega E o cheiro animalíssimo do parto!
Estrumada, feliz, cheia de adubos.
E afogo mentalmente os olhos fundos
Côncavo, o céu, radiante e estriado, observa Na amorfia da cítula inicial,
A universal criação. Broncos e feios, De onde, por epigênese geral,
Vários reptis cortam os campos, cheios Todos os organismos são oriundos.
Dos tenros tinhorões e da úmida erva.
Presto, irrupto, através ovóide e hialino
Babujada por baixos beiços brutos, Vidro, aparece, amorfo e lúrido, ante
No húmus feraz, hierática, se ostenta Minha massa encefálica minguante
A monarquia da árvore opulenta Todo o gênero humano intra-uterino!
Que dá aos homens o óbolo dos frutos.
É o caos da avita víscera avarenta
De mim diverso, rígido e de rastos - Mucosa nojentíssima de pus,
Com a solidez do tegumento sujo A nutrir diariamente os fetos nus
Sulca, em diâmetro, o solo um caramujo Pelas vilosidades da placenta! -
Naturalmente pelos mata-pastos.
30
Certo, o arquitetural e íntegro aspecto
Do mundo o mesmo inda é, que, ora, o que nele
Morre, sou eu, sois vós, é todo aquele O LAMENTO DAS COISAS
Que vem de um ventre inchado, ínfimo e infecto! Triste, a escutar, pancada por pancada,
É a flor dos genealógicos abismos A sucessividade dos segundos,
- Zooplasma pequeníssimo e plebeu, Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
De onde o desprotegido homem nasceu O choro da Energia abandonada!
Para a fatalidade dos tropismos. - É a dor da Força desaproveitada
Depois, é o céu abscôndito do Nada, - O cantochão dos dínamos profundos,
É este ato extraordinário de morrer Que, podendo mover milhões de mundos,
Que há de, na última hebdômada, atender Jazem ainda na estática do Nada!
Ao pedido da célula cansada! É o soluço da forma ainda imprecisa...
Um dia restará, na terra instável, Da transcendência que se não realiza...
De minha antropocêntrica matéria Da luz que não chegou a ser lampejo...
Numa côncava xícara funérea E é em suma, o subconsciente aí formidando
Uma colher de cinza miserável! Da Natureza que parou, chorando,
Abro na treva os olhos quase cegos. No rudimentarismo do Desejo!
Que mão sinistra e desgraçada encheu
Os olhos tristes que meu Pai me deu O MEU NIRVANA
De alfinetes, de agulhas e de pregos?!
No alheamento da obscura forma humana,
Pesam sobre o meu corpo oitenta arráteis! De que, pensando, me desencarcero,
Augusto dos Anjos
Dentro um dínamo déspota, sozinho, Foi que eu, num grito de emoção, sincero
Sob a morfologia de um moinho, Encontrei, afinal, o meu Nirvana!
Move todos os meus nervos vibráteis.
Nessa manumissão schopenhauereana,
Então, do meu espírito, em segredo, Onde a Vida do humano aspecto fero
Se escapa, dentre as tênebras, muito alto, Se desarraiga, eu, feito força, impero
Na síntese acrobática de um salto, Na imanência da Idéia Soberana!
O espectro angulosíssimo do Medo!
Destruída a sensação que oriunda fora
-
E vejo, como nunca outro homem viu, Destas tegumentárias mãos plebéias -
Na anfigonia que me produziu
Nonilhões de moléculas de esterco. Gozo o prazer, que os anos não carcomem,
De haver trocando a minha forma de homem
Vida, mônada vil, cósmico zero, Pela imortalidade das Idéias!
Migalha de albumina semifluida,
Que fez a boca mística do druida
E a língua revoltada de Lutero; CAPUT IMMORTALE
Teus gineceus prolíficos envolvem Ad poetam
Cinza fetal!... Basta um fósforo só Na dinâmica aziaga das descidas,
Para mostrar a incógnita de pó, Aglomeradamente e em turbilhão
Em que todos os seres se resolvem! Solucem dentro do Universo ancião,
Ah! Maldito o conúbio incestuoso Todas as urbes siderais vencidas!
Dessas afinidades eletivas, Morra o éter. Cesse a luz. Parem as vidas.
De onde quimicamente tu derivas, Sobre a pancosmológica exaustão
Na aclamação simbiótica do gozo! Reste apenas o acervo árido e vão
O enterro de minha última neurona Das muscularidades consumidas!
Desfila... E eis-me outro fósforo a riscar. Ainda assim, a animar o cosmos ermo,
E esse acidente químico vulgar Morto o comércio físico nefando,
Extraordinariamente me impressiona! Oh! Nauta aflito do Subliminal,
Mas minha crise artrítica não tarda. Como a última expressão da Dor sem termo,
Adeus! Que eu vejo enfim, com a alma vencida, Tua cabeça há de ficar vibrando
Na abjeção embriológica da vida Na negatividade universal!
O futuro de cinza que me aguarda!
31
APÓSTROFE À CARNE SUPRÊME CONVULSION
Quando eu pego nas carnes do meu rosto, O equilíbrio do humano pensamento
Pressinto o fim da orgânica batalha: Sofre também a súbita ruptura,
- Olhos que o húmus necrófago estraçalha, Que produz muita vez, na noite escura,
Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto... A convulsão meteórica do vento.
Dói-me ver, muito embora a alma te acenda, Que produziu este contraste fundo
Em tua podridão a herança horrenda, Entre a abundância do que eu sou, no Mundo,
Que eu tenho de deixar para os meus filhos! E a nada do meu homem interior!
"Une, pois, a irmanar diamantes e hulhas, A água, em conjugação com a terra nua,
"Com essa intuição monística dos gênios, Vence o granito, deprimindo-o... O espanto
"À hirta forma falaz do aere perennius Convulsiona os espíritos, e entanto,
"A transitoriedade das fagulhas!" Teu desenvolvimento continua!
Era, numa alta aclamação, sem gritos, Antes o Nada, oh! gérmen, que ainda haveres
O regresso dos átomos aflitos De atingir, como o gérmen de outros seres,
Ao descanso perpétuo da Unidade! Ao supremo infortúnio de ser alma!
32
A FLORESTA Navio para o qual todos os portos
Estão fechados, urna de ovos mortos,
Em vão com o mundo da floresta privas!... Chão de onde uma só planta não rebenta,
- Todas as hermenêuticas sondagens, Ei-la, de bruços, bêbeda de gozo
Ante o hieroglifo e o enigma das folhagens, Saciando o geotropismo pavoroso
São absolutamente negativas! De unir o corpo à terra famulenta!
Araucárias, traçando arcos de ogivas, Nesse espolinhamento repugnante
Bracejamentos de álamos selvagens, O esqueleto irritado da bacante
Como um convite para estranhas viagens, Estrala... Lembra o ruído harto azorrague
Tornam todas as almas pensativas! A vergastar ásperos dorsos grossos.
Há uma força vencida nesse mundo! E é aterradora essa alegria de ossos
Todos o organismo florestal profundo Pedindo ao sensualismo que os esmague!
É dor viva, trancada num disfarce... É o pseudo-regozijo dos eunucos
Vivem só, nele, os elementos broncos, Por natureza, dos que são caducos
- As ambições que se fizeram troncos, Desde que a Mãe-Comum lhes deu início...
Porque nunca puderam realizar-se! É a dor profunda da incapacidade
Que, pela própria hereditariedade
A lei da seleção disfarça em Vício!
A MERETRIZ
É o júbilo aparente da alma quase
A rua dos destinos desgraçados A eclipsar-se, no horror da ocídua fase
Faz medo. O Vício estruge. Ouvem-se os brados Esterilizadora de órgãos... É o hino
Da danação carnal... Lúbrica, à lua, Da matéria incapaz, filha do inferno,
Augusto dos Anjos
Na sodomia das mais negras bodas Pagando com volúpia o crime eterno
Desarticula-se, em coréas doudas, De não ter sido fiel ao seu destino!
Uma mulher completamente nua!
É o Desespero que se faz bramido
É a meretriz que, de cabelos ruivos, De anelo animalíssimo incontido,
Bramando, ébria e lasciva, hórridos uivos Mais que a vaga incoercível n água oceânea...
Na mesma esteira pública, recebe, É a Carne que, já morta essencialmente,
Entre farraparias e esplendores Para a Finalidade Transcendente
O eretismo das classes superiores
-
Enroscou-se-lhe aos abraços com tal gosto, És suprema! Os meus átomos se ufanam
Mordeu-lhe a boca e o rosto... De pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro
Ser meretriz depois do túmulo! A alma Dos desgraçados, sol do cérebro, ouro
Roubada a hirta quietude da urbe calma De que as próprias desgraças se engalanam!
Onde se extinguem todos os escolhos: Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstrato.
E, condenada, ao trágico ditame, Com os corpúsculos mágicos do tato
Oferecer-se à bicharia infame Prendo a orquestra de chamas que executas...
Com a terra do sepulcro a encher-lhe os olhos! E, assim, sem convulsão que me alvoroce,
Sentir a língua aluir-se-lhe na boca Minha maior ventura é estar de posse
E com a cabeça sem cabelos, oca... De tuas claridades absolutas!
Na horrorosa avulsão da forma nívea
Dizer ainda palavras de lascívia... ULTIMA VISIO
Quando o homem, resgatado da cegueira
GUERRA Vir Deus num simples grão de argila errante,
Guerra é o esforço, é inquietude, é ânsia, é Terá nascido nesse mesmo instante
transporte... A mineralogia derradeira!
É a dramatização sangrenta e dura A impérvia escuridão obnubilante
Da avidez com que o Espírito procura Há de cessar! Em sua glória inteira
Ser perfeito, ser máximo, ser forte! Deus resplandecerá dentro da poeira
É a Subconsciência que se transfigura Como um gasofiláceo de diamante!
Em volição conflagradora... É a coorte Nessa última visão já subterrânea,
Das raças todas, que se entrega à morte Um movimento universal de insânia
Para a felicidade da Criatura! Arrancará da insciência o homem precito...
34
A Verdade virá das pedras mortas
E o homem compreenderá todas as portas
Que ele ainda tem de abrir para o Infinito!
A FOME E O AMOR
AOS MEUS FILHOS Fome! E, na ânsia voraz que, ávida, aumenta,
Receando outras mandíbulas e esbangem,
Na intermitência da vital canseira, Os dentes antropófagos que rangem,
Sois vós que sustentais (Força Alta exige-o...) Antes da refeição sanguinolenta!
Com o vosso catalítico prestígio,
Meu fantasma de carne passageira! Amor! E a satiríase sedenta,
Rugindo, enquanto as almas se confrangem,
Vulcão da bioquímica fogueira Todas as danações sexuais que abrangem
Destruiu-me todo o orgânico fastígio... A apolínica besta famulenta!
Dai-me asas, pois, para o último remígio,
Dai-me alma, pois, para a hora derradeira! Ambos assim, tragando a ambiência vasta,
No desembestamento que os arrasta,
Culminâncias humanas ainda obscuras, Superexcitadíssimos, os dois
Expressões do universo radioativo,
Íons emanados do meu próprio ideal, Representam, no ardor dos seus assomos
A alegoria do que outrora fomos
Benditos vós, que, em épocas futuras, E a imagem bronca do que inda hoje sois!
Haveis de ser no mundo subjetivo,
Minha continuidade emocional!
HOMO INFIMUS
A DANÇA DA PSIQUE Homem, carne sem luz, criatura cega,
Augusto dos Anjos
A nebulosidade ameaçadora
Toda a Poesia
Tolda o éter, mancha a gleba, agride os rios Era de vê-lo, imóvel, resignado,
E urde amplas teias de carvões sombrios Tragicamente de si mesmo oriundo,
No ar que álacre e radiante, há instantes, fora. Fora da sucessão, estranho ao mundo,
Com o reflexo fúnebre do Incriado:
A água transubstancia-se. A onda estoura
Na negridão do oceano e entre os navios Bradei: - Que fazes ainda no meu crânio?
Troa bárbara zoada de ais bravios, E o Último Número, atro e subterrâneo,
Extraordinariamente atordoadora. Parecia dizer-me: "É tarde, amigo!
À custódia do anímico registro Pois que a minha antogênica Grandeza
A planetária escuridão se anexa... Nunca vibrou em tua língua presa,
Somente, iguais a espiões que acordam cedo, Não te abandono mais! Morro contigo!"
Ficam brilhando com fulgor sinistro
Dentro da treva onímoda e complexa MÁGOAS
Os olhos fundos dos que estão com medo! Quando nasci, num mês de tantas flores,
Todas murcharam, tristes, langorosas,
A OBSESSÃO DO SANGUE Tristes fanaram redolentes rosas,
Morreram todas, todas sem olores.
Acordou, vendo sangue... Horrível! O osso
Frontal em fogo... Ia talvez morrer, Mais tarde da existência nos verdores
Disse. Olhou-se no espelho. Era tão moço, Da infância nunca tive as venturosas
Ah! certamente não podia ser! Alegrias que passam bonançosas,
Oh! minha infância nunca tive flores!
Levantou-se. E, eis que viu, antes do almoço,
Na mão dos açougueiros, a escorrer Volvendo à quadra azul da mocidade,
Fita rubra de sangue muito grosso, Minh’alma levo aflita à Eternidade,
A carne que ele havia de comer! Quando a morte matar meus dissabores.
41
Cansado de chorar pelas estradas, E fica no teu ermo entristecida,
Exausto de pisar mágoas pisadas, Alma arrancada do prazer do mundo,
Hoje eu carrego a cruz de minhas dores! Alma viúva das paixões da vida.
O CONDENADO SONETO
Folga a Justiça e geme a natureza N’augusta solidão dos cemitérios,
Bocage Resvalando nas sombras dos ciprestes,
Passam meus sonhos sepultados nestes
Alma feita somente de granito, Brancos sepulcros, pálidos, funéreos.
Condenada a sofrer cruel tortura São minhas crenças divinais, ardentes
Pela rua sombria d’amargura - Alvos fantasmas pelos merencórios
- Ei-lo que passa - réprobo maldito. Túmulos tristes, soturnais, silentes,
Olhar ao chão cravado e sempre fito, Hoje rolando nos umbrais marmóreos,
Parece contemplar a sepultura Quando da vida, no eternal soluço,
Das suas ilusões que a desventura Eu choro e gemo e triste me debruço
Desfez em pó no hórrido delito. Na laje fria dos meus sonhos pulcros,
E, à cruz da expiação subindo mudo, Desliza então a lúgubre coorte.
A vida a lhe fugir já sente prestes E rompe a orquestra sepulcral da morte,
Quando ao golpe do algoz, calou-se tudo. Quebrando a paz suprema dos sepulcros.
O mundo é um sepulcro de tristeza.
Ali, por entre matas de ciprestes, NOIVADO
Folga a justiça e geme a natureza.
Os namorados ternos suspiravam,
Quando há de ser o venturoso dia?!
SONETO Quando há de ser?! O noivo então dizia
Ouvi, senhora, o cântico sentido E a noiva e ambos d’amores s’embriagavam.
Do coração que geme e s’estertora E a mesma frase o noivo repetia;
N’ânsia letal que mata e que o devora Fora no campo pássaros trinavam.
E que tornou-o assim, triste e descrido. Quando há de ser?! E os pássaros falavam,
Ouvi, senhora, amei; de amor ferido, Há de chegar, a brisa respondia.
As minhas crenças que alentei outrora Vinha rompendo a aurora majestosa,
Rolam dispersas, pálidas agora, Dos rouxinóis ao sonoroso harpejo
Desfeitas todas num guaiar dorido. E a luz do sol vibrava esplendorosa.
E como a luz do sol vai-se apagando! Chegara enfim o dia desejado,
E eu, triste, triste pela vida afora, Ambos unidos, soluçara um beijo,
Eterno pegureiro caminhando, Era o supremo beijo de noivado!
Revolvo as cinzas de passadas eras,
Sombrio e mudo e glacial, senhora, SONETO
Como um coveiro a sepultar quimeras!
No meu peito arde em chamas abrasada
A pira da vingança reprimida,
INFELIZ E em centelhas de raiva ensurdecida
Alma viúva das paixões da vida, A vingança suprema e concentrada
Tu que, na estrada da existência em fora, E espuma e ruge a cólera entranhada,
Cantaste e riste, e na existência agora Como no mar a vaga embravecida
Triste soluças a ilusão perdida; Vai bater-se na rocha empedernida,
Oh! tu, que na grinalda emurchecida Espumando e rugindo em marulhada
De teu passado de felicidade Mas se das minhas dores ao calvário,
Foste juntar os goivos da Saudade Eu subo na atitude dolorida
Às flores da Esperança enlanguescida; De um Cristo a redimir um mundo vário,
Se nada te aniquila o desalento Em luta co’a natura sempiterna,
Que te invade, e pesar negro e profundo, Já que do mundo não vinguei-me em vida,
Esconde à Natureza o sofrimento, A morte me será vingança eterna.
42
TRISTE REGRESSO
A Dias Paredes SAUDADE
Uma vez um poeta, um tresloucado, Hoje que a mágoa me apunhala o seio,
Apaixonou-se d’uma virgem bela; E o coração me rasga atroz, imensa,
Vivia alegre o vate apaixonado, Eu a bendigo da descrença em meio,
Louco vivia, enamorado dela. Porque eu hoje só vivo da descrença.
Mas a Pátria chamo-o. Era soldado. À noite quando em funda soledade
E tinha que deixar para sempre aquela Minh’alma se recolhe tristemente,
Meiga visão, olímpica e singela?! Pra iluminar-me a alma descontente,
E partiu, coração amargurado. Se acende o círio triste da Saudade.
Dos canhões ao ribombo, e das metralhas, E assim afeito às mágoas e ao tormento,
Altivo lutador, venceu batalhas, E à dor e ao sofrimento eterno afeito,
Juncou-lhe a fronte aurifulgente estrela. Para dar vida à dor e ao sofrimento,
E voltou, mas a fronte aureolada, Da saudade na campa enegrecida
Ao chegar, pendeu triste e desmaiada, Guardo a lembrança que me sangra o peito,
No sepulcro da loura virgem bela. Mas que no entanto me alimenta a vida.
44
SÚPLICA NUM TÚMULO RÉGIO
Maria, eis-me a teus pés. Eu venho arrependido, Festa no paço! Noite... E no entretanto
Implorar-te o perdão do imenso crime meu! Luzes, flores, clarões por toda a festa
Eis-me, pois, a teus pés, perdoa o teu vencido, E há nos régios salões, em cada aresta,
Açucena de Deus, lírio morto do Céu! Credências d’ouro de supremo encanto.
Perdão, pátria da Aurora exilada do Sonho! Morreu a noite e veio o Sol Eterno
- Irei agora, assim, pelo mundo, para onde - Âmbar de sangue que desceu do Inferno
Me levar o Destino abatido e tristonho... No turbilhão dos alvos raios diurnos...
Perdão! E este silêncio e esta tumba que cala! Brilham no paço refulgências de elmo
Insânia, insânia, insânia, ah! ninguém me responde... E a princesa assomou como um santelmo
Perdão! E este sepulcro imenso que não fala! Na realeza branca dos coturnos.
- Amor que é mirra e que é sagrado nardo, Como um chacal saciando o eterno instinto
Turificando a lenguidez dum seio! Vou saciando a minha Fome Eterna.
À luta das paixões, e, como a Aurora E a alma que sonha no marnel do Mundo,
Toda a Poesia
Que ao beijo vesperal anseia e expira, Morre de Fome pelas noites belas...
45
NOTURNO
Chove. Lá fora os lampiões escuros SENECTUDE PRECOCE
Semelham monjas a morrer... Os ventos,
Desencadeados, vão bater, violentos, Envelheci. A cal da sepultura
De encontro às torres e de encontro aos muros. Caiu por sobre a minha mocidade...
E eu que julgava em minha idealidade
Saio de casa. Os passos mal seguros Ver inda toda a geração futura!
Trêmulo movo, mas meus movimentos
Susto, diante do vulto dos conventos, Eu que julgava! Pois não é verdade?!
Negro, ameaçando os séculos futuros! Hoje estou velho. Olha essa neve pura!
- Foi saudade? Foi dor? - Foi tanta agrura
De São Francisco no plangente bronze Que eu nem sei se foi dor ou foi saudade!
em badaladas compassadas onze
Horas soaram... Surgem agora a Lua. Sei que durante toda a travessia
Da minha infância trágica, vivia,
E eu sonho erguer-me aos páramos etéreos Assim como uma casa abandonada.
Enquanto a chuva cai nos cemitérios
E o vento apaga os lampiões da rua! Vinte e quatro anos em vinte e quatro horas...
Sei que na infância nunca tive auroras,
E afora disto, eu já nem sei mais nada!
SONETO
(Feito no decurso de dois minutos, em homenagem ao ANDRÉ CHÉNIER
aniversário natalício de Alexandre Rodrigues dos
Anjos - 28 de abril de 1905). Na real magnificência dos gigantes
Grave como um lacedemônio harmoste
Para quem tem na vida compreendido André Chénier ia subir ao poste
Toda a grandeza da Fraternidade A que Luís XVI subira dantes!
O aniversário dum irmão querido
A alma de alegres emoções invade. Que a sua morte a homem nenhum desgoste
E incite o heroísmo das nações distantes!...
Depois quando no irmão estremecido Por isso, ele, a morrer, canta vibrantes
Fazem aliança o gênio e a probidade, Versos divinos que arrebatam a hoste.
Atinge o amor um grau nunca atingido
No termômetro santo da Amizade. Não há quem nele um só tremor denote!
- Continua a cantar, a alma serena...
O Alexandre dos Anjos merecia Mas, de repente, pressentindo a lousa,
Grandes coroas nesse grande dia,
Tesouros reais, auríferos tesouros... Batendo com a cabeça no barrote
Da guilhotina, diz ao povo: - "É pena!
Terá no entanto indubitavelmente - Aqui ainda havia alguma cousa..."
A admiração do século presente
E a sagração dos séculos vindouros!
MYSTICA VISIO
O NEGRO Vinha passando pelo meu caminho
Um vulto estranhamento iluminado...
Oh! Negro, oh! Filho da Hotentóia ufana Para onde eu ia, o vulto ia a meu lado
Teus braços brônzeos como dois escudos, E desde então, não andei mais sozinho!
São dois colossos, dois gigantes mudos,
Representando a integridade humana! Abraçou-me, beijou-me com um carinho
Que a um ser divino não seria dado...
Nesses braços de força soberana E eu me elevava, sendo assim beijado
Gloriosamente à luz do sol desnudos Muito acima do humano borborinho!
Ao bruto encontro dos ferrões agudos
Gemeu por muito tempo a alma africana! Falou-me de ilusões e de luares,
Da tribo alegre que povoa os ares...
No colorido dos teus brônzeos braços, - Assombrava-me aquela claridade!
Fulge o fogo mordente dos mormaços
E a chama fulge do solar brasido... Mas através daquelas falsas luzes
Pude rever enfim todas as cruzes
E eu cuido ver os múltiplos produtos Que têm pesado sobre a Humanidade!
Da Terra - as flores e os metais e os frutos
Simbolizados nesse colorido!
46
ILUSÃO Ninguém me chora! Ah! Se eu tombar
Dizes que sou feliz. Não mentes. Dizes Cedo na lida...
Tudo que sentes. A infelicidade Oh! Lua fria vem me chorar
Parece às vezes com a felicidade Oh! Lua morta da minha vida!
E os infelizes mostram ser felizes!
Assim, em Tebas - a tumbal cidade, IDEALIZAÇÕES
A múmia de um herói do tempo de Ísis, A Santos Neto
Ostenta ainda as mesmas cicatrizes
Que eternizaram sua heroicidade! I
Quem vê o herói, inda com o braço altivo, Em vão flameja, rubro, ígneo, sangrento
Diz que ele não morreu, diz que ele é vivo, O sol, e, fulvos, aos astrais desígnios,
E, persuadido fica do que diz... Raios flamejam e fuzilam, ígneos,
Bem como tu, que nessa crença infinda Nas chispas fulvas de um vulcão violento!
Feliz me viste no Passado, e ainda É tudo em vão! Atrás da luz dourada,
Te persuades de que sou feliz! Negras, pompeiam (triste maldição!)
- Asas de corvo pelo coração...
GOZO INSATISFEITO - Crepúsculo fatal vindo do Nada!
Entre o gozo que aspiro, e o sofrimento Que importa o Sol! A Treva, a Sombra - eis tudo!
De minha mocidade, experimento E no meu peito - condensada treva -
O mais profundo e abalador atrito... A sombra desce, e o meu pesar se eleva
Augusto dos Anjos
Mas, quanto mais me desespero, sinto Agora dorme o astro de sangue e de ouro
Toda a Poesia
A Natureza celebrava a festa Que importa que, contra ele, horrendo e preto
Do astro glorioso em cantos e baladas O áspide abjeto do Pesar se mova!...
- O próprio Deus cantava na floresta! E só, no quadrilátero da alcova,
Vem-lhe à imaginação este soneto:
Nos arvoredos rejuvenescidos,
Estrugiam canções desesperadas "A princípio escrevia simplesmente
De misereres e de sustenidos. Para entreter o espírito... Escrevia
Mais por impulso de idiossincrasia
-
ABANDONADA PECADORA
Bem depressa sumiu-se a vaporosa Tinha no olhar cetíneo, aveludado,
Nuvem de amores, de ilusões tão bela; A chama cruel que arrasta os corações,
O brilho se apagou daquela estrela O seios rijos eram dois brasões
Que a vida lhe tornava venturosa! Onde fulgia o símb’lo do pecado.
Sombras que passam, sombras cor-de-rosa Bela, divina, o porte emoldurado
- Todas se foram num festivo bando, No mármore sublime dos contornos,
Fugazes sonhos, gárrulos voando Os seios brancos, palpitantes, mornos,
- Resta somente um’alma tristurosa! Dançavam-lhe no colo perfumado.
Coitada! o gozo lhe fugiu correndo, No entanto, esta mulher de grã beleza,
Hoje ela habita a erma soledade, Moldada pela mão da Natureza,
Em que vive e em que aos poucos vai morrendo! Tornou-se a pecadora vil. Do fado
Seu rosto triste, seu olhar magoado, Do destino fatal, presa, morria,
Fazem lembrar em noite de saudade Uma noite entre as vascas da agonia,
A luz mortiça d’um olhar nublado. Tendo no corpo o verme do pecado!
50
NO CLAUSTRO
Pelas do claustro salas silenciosas, PRIMAVERA
De lutulentas, úmidas arcadas, Primavera gentil dos meus amores,
Na vastidão silente das caladas - Arca cerúlea de ilusões etéreas,
Abóbadas sombrias tenebrosas, Chova-te o Céu cintilações sidéreas
Vagueiam tristemente desfiladas E a terra chova no teu seio flores!
De freiras e de monjas tristurosas, Esplende, Primavera, os teus fulgores,
Que guardam cinzas de ilusões passadas, Na auréola azul, dos dias teus risonhos,
Que guardam pét’las d funéreas rosas. Tu que sorveste o fel das minhas dores
E à noite quando rezam na clausura, E me trouxeste o néctar dos teus sonhos!
No sigilo das rezas misteriosas, Cedo virá, porém, o triste outono,
Nem a sombra mais leve de ventura! Os dias voltarão a ser tristonhos
Só as arcadas ogivais desnudas, E tu hás de dormir o eterno sono,
E as mesmas monjas sempre tristurosas, Num sepulcro de rosas e de flores,
E as mesmas portas impassíveis, mudas! Arca sagrada de cerúleos sonhos,
Primavera gentil dos meus amores!
IL TROVATORE
Canta da torre o trovador saudoso A ESPERANÇA
Augusto dos Anjos
- Addio, Eleonora! oh! sonhos meus! A Esperança não murcha, ela não cansa,
E o canto se desprende harmonioso, Também como ela não sucumbe a Crença.
Na vibração final do extremo adeus. Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Repercute dolente, mavioso, Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Subindo pelo Azul da Inspiração; Muita gente infeliz assim não pensa;
Assim canta também meu coração, No entanto o mundo é uma ilusão completa,
Trovador torturado e angustioso, E não é a Esperança por sentença
-
Ai! não, não acordeis, lembranças minhas! Este laço que ao mundo nos manieta?
Toda a Poesia
Saudade d’umas noites em que vinhas Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Cantar comigo um doce desafio! Sirva-te a Crença de fanal bendito,
Mas, pouco a pouco, os sons esmorecendo, Salve-te a glória no futuro - avança!
Perdem-se as notas pelo Azul morrendo, E eu, que vivo atrelado ao desalento,
- Addio Eleonora, addio, addio! Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da Morte a me bradar; descansa!
A LOUCA
Quando ela passa: - a veste desgrenhada, SONETO
O cabelo revolto em desalinho, Senhora, eu trajo o luto do Passado,
No seu olhar feroz eu adivinho Este luto sem fim que é o meu Calvário
O mistério da dor que a traz penada. E ansio e choro, delirante e vário,
Moça, tão moça e já desventurada; Sonâmbulo da dor angustiado.
Da desdita ferida pelo espinho, Quantas venturas que me acalentaram!
Vai morta em vida assim pelo caminho, Meu peito túm’lo do prazer finado
No sudário da mágoa sepultada. Foi outrora do riso abençoado,
Eu sei a sua história. - Em seu passado O berço onde as venturas se embalaram.
Houve um drama d’amor misterioso Mas não queiras saber nunca risonha
- O segredo d’um peito torturado - O mistério d’um peito que estertora
E hoje, para guardar a mágoa oculta, E o segredo d’um’alma que não sonha!
Canta, soluça - o coração saudoso, Não, não busques saber porque, Senhora,
Chora, gargalha, a desgraçada estulta. É minha sina perenal, tristonha
- Cantar o Ocaso quando surge a Aurora.
51
SOFREDORA ARIANA
Cobre-lhe a fria palidez do rosto Ela é o tipo perfeito da ariana.
O sendal da tristeza que a desola; Branca, nevada, púbere, mimosa,
Chora - o orvalho do pranto lhe perola A carne exuberante e capitosa
As faces maceradas de desgosto. Trescala a essência que de si dimana.
Quando o rosário de seu pranto rola, As níveas pomas do candor da rosa,
Das brancas rosas do seu triste rosto Rendilhando-lhe o colo de sultana,
Que rolam murchas como um sol já posto Emergem da camisa cetinosa
Um perfume de lágrimas se evola. Entre as rendas sutis de filigrana.
Tenta à vezes, porém, nervosa e louca Dorme talvez. Em flácido abandono
Esquecer por momento a mágoa intensa Lembra formosa no seu casto sono
Arrancando um sorriso à flor da boca. A languidez dormente da indiana.
Mas volta logo um negro desconforto, Enquanto o amante pálido, a seu lado,
Bela na Dor, sublime na Descrença, Medita, a fronte triste, o olhar velado,
Como Jesus a soluçar no Horto. No Mistério da Carne Soberana.
52
SONETO A MINHA ESTRELA
Adeus, adeus, adeus! E suspirando Eu disse - Vai-te, estrela do Passado!
Saí deixando morta a minha amada, Esconde-te no Azul da Imensidade,
Vinha o luar iluminando a estrada Lá onde nunca chegue esta saudade,
E eu vinha pela estrada soluçando. - A sombra deste afeto estiolado.
Perto um ribeiro claro murmurando Disse, e a estrela foi p’ra o Céu subindo,
Muito baixinho como quem chorava, Minh’alma que de longe a acompanhava,
Parecia o ribeiro estar chorando Viu o adeus que ela do Céu enviava,
As lágrimas que eu triste gotejava. E quando ela no Azul foi se sumindo
Súbito ecoou o sino o som profundo! Surgia a Aurora - a mágica princesa!
Adeus! - eu disse. Para mim no mundo E eu vi o Sol do Céu iluminando
Tudo acabou-se, apenas restam mágoas. A Catedral da Grande Natureza.
Mas no mistério astral da noite bela Mas a noite chegou, triste, com ela
Pareceu-me inda ouvir o nome dela Negras sombras também foram chegando,
No marulhar monótono das águas! E eu nunca mais vi a minha estrela!
A AERONAVE SONETO
Cindindo a vastidão do Azul profundo, A praça estava cheia. O condenado
Augusto dos Anjos
53
AVE DOLOROSA
Ave perdida para sempre - crença
INSÂNIA
Perdida - segue a trilha que te traça No mundo vago das idealidades
O Destino, ave negra da Desgraça, Afundei minha louca fantasia;
Gêmea da Mágoa e núncia da Descrença! Cedo atraiu-me a auréola fulgidia
Dos sonhos meus na Catedral imensa Da refulgência antiga das idades.
Que nunca pouses. Lá, na névoa baça, Mas ao esplendor das velhas majestades
Onde o teu vulto lúrido esvoaça, Vacila a mente e o seu ardor esfria;
Seja-te a vida uma agonia intensa! Busquei então na nebulosa fria
Vives de crenças mortas e te nutres, Das Ilusões, sonhar novas idades.
Empenhada na sanha dos abutres, Que desespero insano me apavora!
Num desespero rábido, assassino... Aqui, chora um ocaso sepultado;
E hás de tombar um dia em mágoas lentas, Ali, pompeia a luz da branca aurora
Negrejada das asas lutulentas E eu tremo e hesito entre um mistério escuro
Que te emprestar o corvo do Destino! - Quero partir em busca do Passado
- Quero correr em busca do Futuro.
NIMBUS
Nimbos de bronze que empanais escuros
O BANDOLIM
O santuário azul da Natureza, Cantas, soluças, bandolim do Fado
Quando vos vejo negros palinuros E de Saudade o peito meu transbordas;
Da tempestade negra e da tristeza, Choras, e eu julgo que nas tuas cordas
Abismados na bruma enegrecida, Choram todas as cordas do Passado!
Julgo ver nos reflexos da minh’alma Guardas a alma talvez d’um desgraçado,
As mesmas nuvens deslizando em calma, Um dia morto da Ilusão às bordas,
Os nimbos das procelas desta vida; Tanto que cantas, e ilusões acordas,
Mas quando céu é límpido, sem bruma Tanto que gemes, bandolim do Fado.
Que a transparência tolda, sem nenhuma Quando alta noite, a lua é triste e calma,
Nuvem sequer, então, num mar de esp’rança, Teu canto, vindo de profundas fráguas,
Que o céu reflete, a vida é qual risonho É como as nênias do Coveiro d’alma!
Batel, e a alma é a flâmula do sonho, Tudo eterizas num coral de endechas...
Que o guia e leva ao porto da bonança. E vais aos poucos soluçando mágoas,
E vais aos poucos soluçando queixas!
NO CAMPO
Tarde. Um arroio canta pela umbrosa
ARA MALDITA
Estrada; as águas límpidas alvejam Como um’ave, cindindo os céus risonhos,
Como cristais. Aragem suspirosa Meiga, tu vinhas a cindir os ares,
Agita os roseirais que ali vicejam. E, qual hóstia, caindo dos altares,
No Alto, entretanto, os astros rumorejam Foste caindo n’ara dos meus sonhos.
Um presságio de noite luminosa E eu vi os seios teus virem inconhos
E ei-la que assoma - a Louca Tenebrosa, - Esses teus seios que os cerúleos lares
Branca, emergindo às trevas que a negrejam. Branquejaram de eternos nenufares,
Chora a corrente múrmura, e, à dolente Para nunca tocarem negros sonhos!
Unção da noite, as flores também choram Caíste enfim no meu sacrário ardente,
Num chuveiro de pétalas, nitente, Quiseste-me beijar a ara do peito,
Pendem e caem - os roseirais descoram E eu quis beijar-te o lábio redolente.
E elas bóiam no pranto da corrente E beijei-te, mas eis que neste enleio,
Que as rosas, ao luar, chorando enfloram. Tocando n’ara negra o níveo seio,
Caíste morta ao celestial preceito.
54
SONETO A PESTE
Na etérea limpidez de um sonho branco, Filha da raiva de Jeová - a Peste
Lúcia sorriu-se à bruma nevoenta, N’um insano ceifar que aterra e espanta,
E a procela chorou n’um fundo arranco De espaço a espaço sepulturas planta
De mágoa triste e de paixão violenta. E em cada coração planta um cipreste!
E Lúcia disse à bruma lutulenta: Exulta o Eterno e... tudo chora, tudo!
- Foge, senão co’o o meu olhar te espanco! Quando Ela passa, semeando a Morte,
E eu vi que, à voz de Lúcia, grave e lenta, Todos dizem co’os olhos para a Sorte
O céu tremia em seu trevoso flanco. - É o castigo de Deus que passa mudo!
Fulgia a bruma para sempre. A vida - Fúlgido foco de escaldantes brasas
Despontava na aurora amortecida - O sol a segue, e a Peste ri-se, enquanto
À rutilância mágica do dia. Vai devastando o coração das casas...
Aquele riso despertava a aurora! E como o sol que a segue e deixa um rastro
E tudo riu-se, e como Lúcia, agora, De luz em tudo, ela, como o sol - o astro -
O sol, alegre e rubro, também ria! Deixa um rastro de luto em cada canto!
Neste pélago escuro em que te afundas, Quero-te assim, formosa entre as formosas,
Longe das sombras autorais e amadas, No olhar d’amor a mística fulgência
Sentes o peito em ânsias revoltadas, E o misticismo cândido das rosas,
Diluis teu peito em sensações profundas. Plena de graça, santa de inocência!
Mas, eis que emerges, luminosa, às fundas Anjo de luz de astral aurifulgência,
Águas do mar das glórias obumbradas, Etéreo como as Wilis vaporosas,
E, ante o branco estendal das madrugadas, Embaladas no albor da adolescência,
-
Nua, em banho ideal de amor te inundas. - Virgens filhas das virgens nebulosas!
Toda a Poesia
Agora, à luz das alvoradas santas Quero-te assim, formosa, entre esplendores,
Ungem-te o corpo redolências tantas, Colmado o seio de virentes flores,
Que, ao ver-te nua, o Mundo se concentre, A alma diluída em eterais cismares...
E a lua, a Virgem Mãe dos céus escampos, Quero-te assim - e que bendita sejas
Que beija a terra e que abençoa os campos, Como as aras sagradas das igrejas,
Beije-te o seio e te abençoe o ventre! Como o Cristo sagrado dos altares.
55
PELO MUNDO
ORAÇÃO FRIO Ânsias que pungem, mórbidos encantos,
Frio o sagrado coração da lua, Crepitações de flamas incendidas
Teu coração rolou da luz serena! N’alma explodindo como fogos santos,
E eu tinha ido ver a aurora tua Vão pelo mundo ensangüentando as Vidas.
Nos raios d’ouro da celeste arena... Eflúvios quentes e fatais quebrantos
E vi-te triste, desvalida e nua! Crestam a alma das virgens adormidas...
E o olhar perdi, ansiando a luz amena E as brumas velam nos sinistros mantos
No silêncio notívago da rua... E as virgens dormem nas tumbais jazidas!
- Sonâmbulo glacial da estranha pena! Súbitos fremem ‘spasmos derradeiros...
Estavas fria! A neve que a alma corta E a paixão morre e os corações coveiros
Não gele talvez mais, nem mais alquebre Vão como duendes pelos céus risonhos,
Um coração como a alma que está morta... Chorando auroras músicas perdidas
E estavas morta, eu vi, eu que te almejo, Na estrada santa ensangüentando as Vidas,
Sombra de gelo que me apaga a febre, Nos campos-santos enterrando os Sonhos!
- Lua que esfria o sol do meu desejo!
SONETO
NOTURNO E o mar gemeu a funda melopéia
Para o vale noital da eterna gaza À luz feral que a tarde morta instila,
Rolou o Sol - imenso moribundo - Triste como um soluço de Dalila,
E a noite veio na negrura d’asa, Fria como um crepúsculo da Judéia.
Santificada pela Dor do Mundo! Já Vésper, no Alto, e lânguida, cintila!
U’a luz, entanto, no negror me abrasa, Naquela hora morria para a Idéia
E um canto vai morrer no vale fundo... A minha branca e desgraçada Dea,
Que luz é esta que das brumas vaza, Qual rosa branca que ao tufão vacila.
Que canto é este, virginal, profundo?! E o mar chamou-a para o fundo abismo!
Rumores santos... e no santo harpejo, E o céu chamou-a para o Misticismo.
Somente tristes os teus olhos vejo, Nesse momento a Lua vinha calma
Para o Infinito e para o Céu voltados! E céu e mar num desespero mudo
Cantas, e é noite de fatais abrolhos... Não viram que num halo de veludo
Choras, e no meu peito estes teus olhos À alma de Dea se evolava est’alma.
Como que cravam dois punhais gelados!
O RISO
SEDUTORA "Ri, coração, tristíssimo palhaço"
Alva d’aurora, e em lânguida sonata Cruz e Sousa
Vinhas transpondo a margem do caminho,
Branca bem como empalecido arminho, O Riso - o voltairesco clown - quem mede-o?!
Alvorejando em arrebol de prata. - Ele, que ao frio alvor da Mágoa Humana,
Na Via-Láctea fria do Nirvana,
Bendita a Santa do Carinho, inata! Alenta a Vida que tombou no Tédio!
E, ajoelhando à imagem do Carinho,
O roble altivo entreteceu-te um ninho, Que à Dor se prende, e a todo o seu assédio,
Alva d’aurora, te acolheu a mata. E ergue à sombra da dor a que se irmana
Lauréis de sangue de volúpia insana,
Pérolas e ouro pela serrania... Clarões de sonho em nimbos de epicédio!
No lago branco e rútilo do dia
O azul pompeava para sempre vasto. Bendito sejas, Riso, clown da Sorte
- Fogo sagrado nos festins da Morte
Chegaste, o seio branco, e, tu, chegando, - Eterno fogo, saturnal do Inferno!
Uma pantera foi se ajoelhando,
Rendida ao eflúvio do teu seio casto! Eu te bendigo! No mundano cúmulo
És a Ironia que tombou no túmulo
Nas sombras mortas de um desgosto eterno!
56
SONETO PALLIDA LUNA
Vamos, querida! Já é Ave-Maria És do Passado! Vieste d’alvorada
- A hora dos tristes e dos descontentes N’asa dos elfos pela Morte espalma...
E o Fado geme sob a névoa fria! Cantas... e eu ouço esta berceuse calma
Da harpa dos mundos ideais do Nada!
Que eu sinta n’alma o que tu n’alma sentes!
Nesta Missa de Atroz Melancolia Ergue o Missal brilhante de tu’alma,
Bebes chorando o Vinho da Agonia Mas nessa elevação mistificada,
- Consagração das almas padecentes! Vem, que eu te espero, Deusa constelada
Desce, anêmona êxul que o Céu ensalma!
Foi numa tarde assim que nos amamos.
Silfos morriam... No ar, os gaturamos Venhas e desças, Lua dos Martírios,
Num recesso de névoa, adormecida... Desças, mas venha pela unção dos lírios.
Visão de Ocaso de enluaradas comas,
Punge-me o peito da Saudade o cardo
Enquanto um mocho, sonolento e tardo, Vaso de Unção descido dos espaços,
Canta no espaço a maldição da Vida! Para ungirmos nós dois, os nossos paços,
Na tule idealizada dos aromas.
A UMA MÁRTIR
A MORTE DE VÊNUS
Alma em cilício, vem, enrista a clava,
Brande no seio o espículo e o acínace Velhos berilos, pálidas cortinas,
Augusto dos Anjos
Rosa dos Sonhos! e o teu galho trema E quando o Sol lhe beija a espádua nua,
E a tua crença, o desespero mate-a... Cai-lhe da carne o resplendor da Lua
No reverbero dos deslumbramentos...
E em nuvens d’ouro ascende enfim ao plaustro
Da Neve Eterna, estrela azul do claustro, Enquanto no ar há sândalos, há flores
Levada para o Azul da Via-Látea! E haustos de morte - os últimos clangores
Da música chorosa dos mementos!
PELO MAR
SONHO DE AMOR
Manhã em flor. O mar é um policromo
E imenso lago d’íris e alabastros... Sobre o aromal e amplo coxim de Flora,
À aurora é branco e ao sol, o mar é como Que os vapores da tarde inda incensavam
Um pálio imenso que caiu dos astros. E que um incenso tênue e bom vapora,
Os namorados lânguidos sonhavam.
Longe, bem longe, no alvoral assomo
Ergue um navio os altanados mastros A alma do Ocaso entrava o céu agora
E o Oceano dorme - alourecido pomo E havia pelas tênebras que entravam
Num leito irial de pérolas e nastros. Ora estrangulamentos surdos, ora
Ruídos de carne que se estrangulavam.
A alma da Mágoa vai pelo seu dorso,
Em sonhos geme... Um coração de corso E sonharam assim durante toda
Geme no mar, vibra no mar, entanto, A noite, e toda a alva manhã durante!
- O Sol jorrava largos raios longos
Colma-lhe o seio a opala das esponjas...
E à noite morta choram vagas - monjas E em roda víride e nevado, em roda,
Purificadas no cristal do pranto! Lembrava o campo um colorido ondeante
De vidros verdes e cristais oblongos!
57
SONETO A DOR
Chama-se a Dor, e quando passa, enluta
A orgia mata a mocidade, quando
E todo mundo que por ela passa
Rugem na carne do delírio as feras,
Há de beber a taça da cicuta
E o moço morre como está sonhando
E há de beber até o fim da taça!
Nas suas vinte e cinco primaveras.
Há de beber, enxuto o olhar, enxuta
Em cima - o ouro sem mancha das esferas,
A face, e o travo há de sentir, e a ameaça
Em baixo ouro manchado de execrando
Amarga dessa desgraçada fruta
Festim de sibaritas, das heteras
Que é a fruta amargosa da Desgraça!
Lubricamente se despedaçando!
E quando o mundo todo paralisa
Em cima, a rede do estelário imáculo
E quando a multidão toda agoniza,
Suspensa no alto como um tabernáculo
Ela, inda altiva, ela, inda o olhar sereno
- A orgia, em baixo, e no delírio doudo
De agonizante multidão rodeada,
Como arvoredos juvenis tombados
Derrama em cada boca envenenada
Os moços mortos, os brasões manchados,
Mais uma gota do fatal veneno!
E um turbilhão de púrpuras no lodo!
58
MEDITANDO O CANTO DA CORUJA
Penso em venturas! A alma do homem pensa A coruja cantara-lhe na porta
Sempre em venturas! Sorte do homem! O homem Sinistramente a noite inteira! Indício
Há de embalar eternamente a crença Mais certo não havia! - Era o suplício!...
Sem ter grilhões e sem ter leis que o domem! Daí a pouco, ela seria morta.
Punjam-no os vermes da Desgraça, assomem Saiu. O Sol ardia. A estrada torta
Descrenças, surjam tédios na Descrença, Lembrava a antiga ponte de Sublício...
Luta, e morrem os vermes que o consomem, Havia pelo chão um desperdício
Vence, e por fim, nada há que o abata e o vença! De folhas que a áurea xantofila corta.
Por isso, poeta, eu penso na Ventura! Nisto, ouve o canto aziago da coruja!
E o pensamento, na Suprema Altura - Quer fugir, e não vê por onde fuja.
Sinto, no imenso Azul do Firmamento Implora a Deus como a um fetiche vago...
Ir rolando pelo ouro das estrelas, - Se ao menos voasse! - E horror começa! Rasga
E esse ouro santo vir rolando pelas As vestes; uma convulsão a engasga
Trevas profundas do meu pensamento! E morre ouvindo o mesmo canto aziago!
59
AVE LIBERTAS
Ao clarão irial da madrugada,
Da liberdade ao toque alvissareiro,
Banhou-se o coração do Brasileiro Por que não me confortas?!
Num eflúvio de luz auroreada. Bem sei, perdeste a ciência,
Morreu-te a redolência,
É que baqueia a vida escravizada! Alma das virgens mortas -
Já se ouvem os clangores do pregoeiro,
Como um Tritão, levando ao mundo inteiro, Mas não! Apaga os traços
Da República a nova sublimada. De tão funesto aspeito...
Aperta-me em teu peito,
E ali do despotismo entre os escombros, Embala-me em teus braços!
Rola um drama que a Pátria exalça e doura
Numa auréola de paz imorredoura,
A República rola-lhe nos ombros;
VÊNUS MORTA
Enquanto fora na trevosa agrura A Via-Sacra Azul do amor primeiro
Sucumbe o servilismo, e, esplendorosa, Veste hoje o luto que a desgraça veste
A Liberdade assoma majestosa, No miserere do meu desespero...
- Estrela d’Alva imaculada e pura! - Lótus diluído n’alma dum cipreste!
É livre a Pátria outrora opressa e exangue! Como um lilás eternizando abrolhos
Esse labéu que mancha a glória pública, Tinge de roxo o arminho da grinalda,
Que apouca o triunfo e que se chama sangue, Rola a violeta santa dos teus olhos
Manchar não pode as aras da República. - Tufos de goivo em conchas de esmeralda.
Não! que esse ideal puro, risonho, No vácuo imenso das desesperanças
Há de transpor sereno os penetrais E dos passados viços,
Da Pátria, e há de elevar-se neste sonho Recordo o beijo que te dei nas tranças
Ao topo azul das Glórias Imortais! Emolduradas num florão de riços.
Esplende, pois, oh! Redentora d’alma, E como um nume de pesar, plangente,
Oh! Liberdade, essa bendita e branca Guarda a saudade que levou do Marne,
Luz que os negrores da opressão espanca, Eu guardo o travo deste beijo ardente
Essa luz etereal bendita e calma. E a Nostalgia desta Pátria - a Carne.
Vós, oh Pátria, fazei que destes brilhos, Sonho abraçar-te, pálida camélia,
Caia do santuário lá da História, Mas neste sonho, langue e seminua,
Fulgente do valor da vossa glória, Pareces reviver a antiga Ofélia,
A bênção do valor dos vossos filhos! Opalescência trágica da lua!
Tu, oh Quimera, de reverberantes
QUADRAS E rubras asas de beliantos pulcros,
Crava-lhe n’alma o tirso das bacantes,
Embala-me em teus braços, Brande-lhe n’alma o frio dos sepulcros.
De amores bons à sombra -
Quero em cheirosa alfombra Reza-lhe todo o cantochão memento
Pousar os sonhos lassos! Dessa Missa de amor da Extrema Agrura,
Abençoada pelo meu tormento
Teus seios, oh! morena E consagrada pela sepultura.
- Relíquias de Carrara -
Têm a ambrosia rara E que ela suba na serena gaza
Da mais rara verbena. Dos mistérios dourados e serenos
À terra Ideal das púrpuras em brasa
Aperta-me em teu peito, E ao Céu dourado e auroreal de Vênus!
E dá-me assim, divina,
De lírios e boninas
Um veludíneo leito.
Assim como Jesus,
Eu quero o meu Calvário
- Anelo morrer vário
Dos braços teus na Cruz!
60
ODE AO AMOR
Enches o peito de cada homem, medras
N’alma de cada virgem, e toda a alma
Enches de beijos de infinita calma...
E o aroma dos teus beijos infinitos Esta de amor onde queixosa, Irene,
Entra na terra, bate nos granitos Quedo, sonhei-a, aos astros, ontem quando
E quebra as rochas e arrebenta as pedras! Entre estrias de estrelas, fosforeando,
Egrégia estavas no teu plaustro egrégio
És soberano! Sangras e torturas! Mais bela do que a Virgem de Corrégio
Ora, tangendo tiorbas em volatas, E os quadros divinais de Guido Reni!
Cantas a Vida que sangrando matas,
Ora, clavas brandindo em seva a insana Qual um crente em asiático pagode,
Fúria, lembras, Amor, a soberana Entre timbales e anafis estrídulos,
Imagem pétrea das montanhas duras. Cativo, beija os áureos pés dos ídolos,
Assim, Irene, eis-me de ti cativo!
Beijam-te o passo multidões escravas Cativaste-me, Irene, e eis o motivo,
Dos Desgraçados! - Estas multidões Eis o motivo por que fiz esta ode.
Sonham pátrias douradas de ilusões
Entre os tórculos negros da Desgraça CANTO DE AGONIA
- Flores que tombam quando a neve passa
No turbilhão das avalanches bravas! Agonia de amor, agonia bendita!
Augusto dos Anjos
Tudo dominas! - Dos vergéis tranqüilos - Misto de infinita mágoa e de crença infinita.
Aos Capitólios, e dos Capitólios Nos desertos da Vida uma estrela fulgura
Aos claros pulcros e brilhantes sólios E o Viajeiro do Amor, vendo-a, triste, murmura:
De esplendor pulcro e de fulgências claras, - Que eu nunca chore assim! Que eu nunca chore como
Rendilhados de fulvas gemas raras Chorei, ontem, a sós, num volutuoso assomo,
E pontilhados de crisoberilos. Numa prece de amor, numa felícia infinda,
Sobes ao monte onde o edelweiss pompeia Delícia que ainda gozo, oração, prece que ainda
-
N’alma do que subiu àquele monte! Entre saudades rezo, e entre sorrisos e entre
Toda a Poesia
Mas, vezes, desces ao segredo insonte Mágoas soluço, até que esta dor se concentre
Do mar profundo onde a sereia canta No âmago de meu peito e de minha saudade.
E onde a Alcíone trêmula se espanta Amor, escuridão e eterna claridade...
Ouvindo a gusla crebra da sereia!
- Calor que hoje me alenta e há de matar-me em breve,
Rompe a manhã. Sinos além bimbalham. Frio que me assassina, amor e frio, neve,
Troa o conúbio dos amores velhos Neve que me embala como um berço divino,
- As borboletas e os escaravelhos Neve da minha dor, neve do meu destino!
Beijam-se no ar... Retroa o sino. E, quietos
Beijam-se além os silfos e os insetos E eu aqui a chorar nesta noite tão fria!
Sob a esteira dos campos que se orvalham. Agonia, agonia, agonia, agonia!
- Diz e morre-lhe a voz, e cansado e morrendo
E em tudo estruge a tua dúlia - dúlia O Viajeiro vai, e vê a luz e vendo
Que na fibra mais forte e até na fibra
Mais tênue, chora e se lamenta e vibra... Uma sombra que passa, uma nuvem que corre,
E em cada peito onde um Ocaso chora Caminha e vai, o louco, abraça a sombra e... morre!
Levanta a cruz da redenção da Aurora E a alma se lhe dilui na amplidão infinita...
Como a Judite a redimir Betúlia! Agonia de amar, agonia bendita!