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Curu'W.l ie, frradn a Vo ts Victor Munes Lea | t Preficio a segunda edicio Barbosa Lima Sobrinho Coronelismo, Enxada e Vote, de Victor Nunes Leal, {foi publicado cin 1949, sem indicagao do editor, sob a respon- sabilidade da Revista Forense, que figurava como impressora. Trazia, como primeira nota, uma contribuigéo preciosa do notivel historiador, que era Basilio de Magalhies que, tendo casa em Lambari © militando na politica de Minas Gerais, conbecera de perto a influéncia ¢ © poder dos “coroncis’. AA guisa de preficio, procurow analisar 0 sentido do vocibulo “coronel”, que os diciondrios apresentavam como bras mo, pela nova acepeio com que se apresentara em nosso pals, embora ttaduzindo uma redlidade quase universal, como ex- pressio de lideranga politica, ‘A Guarda Nacional, criada em 1831, para substiui- ho das milicias e ordenangas do pericdo colonial, estabelecera uma hicrarquia, em que a patence de coronel correspondia a um comando municipal ou regional, por sta ver dependente do prestigio econémico ou social de seu titular, que raramente deixasia de figurar entre os proptietitios rurais. De comeco, a patente coincidia com um comando efetivo ou uma diceséo, gue a Regéncia reconhecia, para a defesa das instituig6es. Mas, 8 CORONFLISMO, ENXADA E voTO OUCO a pouco, as patentes passaram aser avaliadas em dinheic roe concedidasa quem se dispusesse a pagar o prego exigido cu estipulado pelo poder piiblico, 0 que nto chegava a alterar coisa alguma, quando essa faculdade de comprar a patente néo deixava de corresponder « um poder econdmico, que estava na origem das investiduras anteriores, Recebida de graca, como uma condecoracio, acom- panhada de onus efetivos, ou adquiride por forga de donatives ajustados, as patentes traduziam prestigio real, intercaladas numa estrutura social profundamente hierarquizada como a ‘que castuma corresponder as sociedades organizadas sobre as bases do escravismo, No Fando, estaria o nosso velho conheci- do, o latfindio, com os seus limites € 0 seu poder incvitével A presenca ea influéncia do potentado local jé esta vam registradas em Antonil, na sua justamente famosa Culiu- v4 ¢ Opiléncia de Brasil, quando dizia que “o ser senhor de engenho € titulo, & que muitos aspiram, porque traz consigo 0 ser servico, cbedecido ¢ respcicado de muitos". O préprio Antonil « aproximava da posicio dos fidalgos, no Reino de Portugal. Mas levando a:vantagem de apoiar-se a uma base sélida, que era propriedade territorial, mais do que o favor e as benesses da auroridade régia, numa fase em que nfo poucos ram os nobres que decafam por forsa da dilapidacao de for- tunas herediessias. Alberto Torces estudara de perro a forga desses po- tentados rurais, que ele colocava como eixo de uma “vegeta 4 MarAco A seauoK toigko 80 de caudithagem”, que em tomo dele ia crescendo, como ‘resaltance de dependéncias irresistiveis. E dele & 0 conceiso de que “a base das nossas organizagbes partidarias é a politica- gem local. Sobre a influéncia dos conselhos cleitorais das aldzias, ergue-se a pirimide das coligagoes transit6rias de in- teresses politicos — mais fracos na segmentacéo do Estado, dependentes dos estsitosinteresseslocais: ténue, no governo da Unio, subordinada ao arbittio e capricho dos governedo- res". Mes tendo sempre, como niicleo essencizl, o clt rural, ou © potentado, que nio raro se enfeitava com a patente de coronel, concedida pelo poder pablico ou outorgada pelo Povo, numa espécie de plebiscivo que, pelo fato de ser espon- neo, jd dispensava, por si mesmo, o diploma oficial ¢ o fardumento das paradas, Coronel por elei¢o — um fendme- no raro na hierarquia militar, a exemplo daquele hetéi brasi- leiro, Abreu ¢ Lima, que parecia rer mais prazet em ser cha- mado de General das Masas do que de General de Bolivar. O cla rural compée a parte essencial da sociclogia de Oliveira Viana que, inspiraco em Le Play, dele faria a unidade bésica de sua doutrinacio, O livro de Vietor Nunes Leal, desde 0 seu apareci- ‘mento, pissou a valer como um clissico de nossa literatura politica. Nao € um aglomerado de imptessdes pescoais, mas uma andlise profunda de realidades, que aprofundaram sus ralzes na organizagéo agréria, como produto espontineo do lac ulindi. Seu errudo levou em conta a presenga do municipio, CORONELISMY, ENKADA E VOLO assim como o relacionamento com os demais poderes piblicos do pas, o estadual co federal. A base do poder vem, senio da proprisdade, pelo menos da riquera. Se o potemtato local rao possui recursos suficientes, no tem como acuatir is nevessidar des de seus amigos ¢ muito menos & despeses elirorais, que _muitas vezes se sente obrigado a satisfazer de seu proprio bolso, embora a ctiagéo de partidos politicos tenha eoncortido paralhe ‘atenuar os sactificios, através do fundo partidario, formado com as subscrigoes de grandes firmas, interessadas em manter boas relagées com os poderes publicos. Fleigdes sempre se fizeram ‘com dinheiro, na base de um rateia, que levava em conta 0 vimeto de vowos arregimentados. Os melhores cabalists costu- mavam dividir os Estados em duas zonas, uma a éos comicios, sensiveis 4 propaganda em praga publica, outra a dos cochichos, na dependénca das instrugbes recebidas dos porentados loais. 0 que se pode observar, com a expansio dos instumentos de propaganda, éuma redugdo considerdvel da drea dos cochichos, em proveito da area dos comicios. Nem sempre, porém, a vida politica significava ape- nas sactificio ¢ despesas para o “coronel”. Marcos Vinicius Vilaga e Roberto de Albuquerque, num livro excelente, como observagio.! revelam que nao raro 0 “coronel” dilatava scus dom{nios territorias, 8 custa de propriedades wsurpadas, aos adversirios ou aos préprios amigos, pela pressio de cabras, que 0 “coronel” mobilizava, para ctiar, no dono de pequenas pro- pricdudes, a conviegéo de que era melhor vendé-las do que abandoné-las, pela impossibilidade de nclas continuarem. No sistema do “coronclismo”, aqueles dois ausores confirmavam a observacao de Victor Nunes Leal, de que o que nele se tradu- via cra uma hegemonia econdmica, social ¢ politica, que acat- rerava, por sua ver, 0 filhotismo, expresso num regime de favotes aos amigos ¢ de perseguigdes aos adversésios. Mas a paixdo pels terra cresce tanto que leva o “coronel” a incluir na expantio de sua propriedade as terras dos préprics corteligio- nitios, rangiilizando @ sua consciéncia com a avaliagio exa- gerada dos pregos espoliativos que oferece, Erraria, porém, quem s6 quisesse observar no "co- ronelismo” os aspectos negativos de sua presenga ou de sua asfo. Para manter a Tideranga, © “corone!” sente « necessidade de se apresentar como campede de melhoramentos locas, se- fo para contentar os amigos, pelo menos para silenciar os adversétios. Eo prestigio politico de que desfrura o habilica como advogado de interesses locais. Victor Nunes Leal fem razdo quando observa que © *coronelismo’ corresponde a uma quadra da evolucio de nosso povo. E uma quadra, que por isso mesmo, nunca se reproduz ou se repete, 56 se pode encontrar bem refletida na velocidade dos instantineos. Daf, talver, a hesitacio do Autor em con- cordar com uma segunda edigao do livro, pelo descjo de transformé-lo ou de adapti-lo as novas condigdes da sociedade brasileira, Mas se quisesse afeigoé-lo a essas novas condigdes, teria novessatiamente que eserever outro livro. Eo que se dese- 7 CORONELISMO, ENXADA E voTO java era justamente que se reeditase 0 livro em sua forma original, como insiantineo nftido, forografando também reali- dades —o que constitui o mérito da obra publicada em 1949, O “coronelismo”, que 0 de 1949. Dia a dia 0 fenémeno social se transforma, numa evolusto natural, em que hi que considera: a expansfo do urbanismo, queliberta massasruras vindas do campo, além de modificagdes profundas nos meios de comunicacio. A faixa do prestigio e da influéncia do “coronel” vai minguando, pela em 1975, no serd a mesma cousa presenga de ourras forgas, em torno das. quais se v0 es muturando novas liderangas, em tomo de profssoes liberais, de inddstrias ou de comércios venturosos. O que nfo quer dizer que tenha acabado 0 “coronelismo”. Foi, de fato, recuando & cedendo terreno a essas novas liderangas, Mas a do “corone!” continua, apoiada aos mesmos facores queacriaram ou prodtt- Ziram. Que importa que 0 “coronel” tenha passado a doutor? (Ou que a fazenda se tenha transformado em fibrical Ouqueos seus auxiliares tenham pasiado a atsessores ou 2 técnicos? A realidade subjacente no se altera, nas areas a que ficou confinada. O fendmeno da “coronelismo” persiste, até mesmo como reflexo de uma situagio de distribuigdo de renda, em que a condiglo econémica dos proletérios mal chegs a dstinguir-se ria, O desamparo em que vive 0 cidadao, privado de todos os direitos ¢ de todas as garantias, concomre para a comti- ‘nuagao do “coronel’, arvorado em protetor ou defensor natu- ral de um homem sem direitos. Plarhoe A seavnon enicho Hi os que acreditam que a televisio acabou com 0 “corond”. Mas a televisio nio se fiz sentir nos pleitos munici- pals, em que se constituem os poderes locas, justamente aque- les que mais de perto interessam ao cidadio do interior. © préprio ridio, com a sua maior divulgagio, nao leva 20 eleitor « imagem dos oradores, num momento em que ele se defronta com a figura do “coronel" de seu municipio, E serd com essas liderangas locais que terio desc entender os poderes federais ¢ estaduais, para as composicdes politicas, de que vio depender. © que vale dizer que ainda no desapareceu aquela irimide das coligacées transiérias de interesses politicos, a que se referia Alberto Torres. Continua, pois, o “coronelismo”, sobre novas bases, numa evolugdo natural, condicionada pelos diversos fatores que determinam o scu poder ou asua autorida de. E para acompanhar esia evolugio & que hd necessidade do excelente livro de Victor Nunes Leal, para um paralelo indis- penstvel Foi o préprio Autor que condicionou 2 sta concor- dancia com 2 reedigdo de seu liveo 2 minha presenga, no pre- facio da novaedicio. Para mim, era, decerto, uma grande hon- ra o figurar numa obra de tantos méritos, como a de Victor Nunes Leal. Mas 0 que acima de cudo concorreu para que ett acedesse fois cervexa de que estava apenas concorrendo para que se tornasse de novo acessivel 20s nossos leitores uma obra fundamental para 0 conhecimento da realidade brasileira Prefacio a terceira edicéo Alberto Venancio Fitho Habent sua fata libelli,“Os livros tém 0 seu destino”, O livro Coronelismo, Enxada e Voto (O Municipio e 0 Regime Representativo no Brasil) foi. publicado pela primeira ver. como tese universitéria para provimento da cadeira de politica da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil em 1948, sob o titulo O Municipio 0 Regime Representativo no Brasil (Contribuigio ao estudo do coronelismo), e divulgada com ‘© novo titulo em 1949 em edigao comercial. Alcangando gran- de sucesso, s6 em 1975 foi reeditado, tendo ainda merecido em 1977 uma edigao em inglés pela Cambridge University Press, com 0 titulo de Coronelisme: Municipality and Representative Government in Brazil. Desde 1975 desapareceu das livrarias. ‘Ao contririo de Os Sertves de Buclides da Cunha, publicado em 1902 hoje na 37+ edigdo, Coronelisme, Enxada ¢ Voto ficou inacessivel por esse longo tempo, ¢ se equipara, assim, a outca grande obra de historiografia brasileira: Dom Joto VI no Brasil, de Oliveira Lima, publicada em 1908, com segunda edicio em 1945, e 36 recentemente reeditada. CORONELISMO, ENXADA E VOTO A presente reedigao de Coronelicme, Enxada e Voto reproduz integralmente o texto original. © autor, para a se- gunda edigao, nada quis alterar, considerando que o livro des- crevia com fidelidade um momento da vida politica brasileira, € que poderia permanecer como exemplo desse momento, Essa segunda edigio de 1975 foi feita quase & sua revelia. Em carta de 2 de agosto de 1974 a um amigo, diria: “E possivel mesmo que eu me anime a reler meu livro, 0 que nao fiz por inteiro, desde entio, como nio Ii até hoje a traduso inglesa”” A obra etd lignda 0 magistério’ de Vietor Nunes Leal, professor de politica como atividade preponderante, des- de 1949 até 1956, Naquele ano foi designado Chefe da Casa Givil do Presidente Juscelino Kubitschek, ¢ depois nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal em 1960, quando transferiu-se para Brasilia; injustamente aposentado em 1969, voltou a exercer a advocacia até falecer, em 1985, E necessério sitar 0 livro no exato contexto, bem como mencionar as origens do autor ¢ as circunstincias que o levaram a0 exercicio da cadeira de politica, e & preparagio da kese que se converteu no livro famoso, Nascido em Carangola, Minas Gerais, em 1914, fi Jho de agricultor tornado comerciante com ascendéncia na comuna, os episédios da infincia devem ter sido um dos mo- tivos da escolha do tema, Raul Machado Horta caracterizou bem essa cir- cunstancia: “A atracdo de Victor Nunes Leal pelo coronelismo ¢ a configuragao sistemética de seu comportamento pode ser exemplificada por lembrangas de infinciz na mata mincira, regime que desenvolveu 0 sistema do poder ¢ os processos politicos do coronelismo. Lembrangas que se fixaram no fun- do da consciéncia para mais tarde, na idade adulta, adquirirem. nitidez na andlise objetiva do fenémeno politico.” Dificuldades paternes levaram-no a vir estudar no Rio, morando com um grande advogido, Pedro Batista ‘Martins. Diplomou-se em direito em 1936, a0 mesmo tempo ‘em que exercis 0 jornalismo; formado, continuaria a tabalhar com seu mentor. O anteprojero do Cédigo de Procesto Civil de 1939, que unificou o processo civil, foi de autoria de Pedro Batista Martins, ¢ Vietor Nunes Leal colaborou nesse era balho. Convém assinalar que em volume do Cédigo Comen- tado, publicado naquele mesmo ano, consta o nome de Victor Nunes Leal, jovem advogado de 25 anos, aa lado de Pedro Batista Martins, No exercicio do jornalismo, ¢ indicado por Olimpio Guilherme para integrar a equipe do Ministro Gustavo Ca- panema na pasta da Educagio, cujo gibinete era dirigido por Carlos Drummond de Andrade e composto por intelectuais como Peregrino Jiinior, Leal Costa, Flavio Miguez de Melo ¢ Joio Neder, e tinha como freqiientador assiduo Rodrigo M. F. de Andrade, responsive pelo Servigo do Patriménio Histé- rico ¢ Artistico Nacional, CORONELISMU, ENNADA E VOTO Anos antes fora extinta a Universidade do Distrito Federal, incorporadas algumas das unidades & Faculdade Na- cional de Filosofia da Universidade do Brasil, O Ministro Capanema tinha interesse em desenvolver aquela unidade de ensino, que nao possula quadros fixos de professores, com alguns professores visitantes franceses e catedriticos interinos, Por indicagio do reitor Raul Leitso da Cunha, foi nomeado em 1943 diretor da Faculdade um jovem professor de direito civil, que se destacaria no cenétio intelectual e politico do pals — Francisco Clementino San Tiago Dantas Regia a cadeira de politica 0 professor André Gros, que posteriormente faria brilhance carreira juridica como juiz da Corte Internacional de Justiga de Haiz. Com a guerra, como muitos de seus colegas, André Gros foi participar do Movimento da Franca Livre. A cadeira, pois, deveria se preen- chida com um catedrético interino. Nao se conhecem bem os motivos pelos quais Victor Nunes Leal foi convidado para a fungio, mas fato éque, nomeado, empenhou-se a fundo nas atividades docentes, Conste que, inicialmente, os alunos o receberam com certa reserva; mas logo ele venceu essa resisténcia, de- dicando-se a0 estudo da disciplina ¢ preparando a tese de concurs. Ele comentarist “Para iniciar meu curs na Faculdade Nacional de Filosofia, tive de abandonar a advocacia: urgia dar tempo in- 4 tegral ao preparo das aulas ¢ dos trabalhos escolares, Foi um periodo de angistia verdadeita, que sé 3 forca de tenacidade cu pude transpor.” E diria em outso passo: “Ouera fase de esforgo mais intenso, em que a advo- ceacia foi sactificada, veio com os estudos para elaborasio da tese de concurso. Eles me consumiram ers anos, acrescidos de sis meses, a contar do edieal de concurso, para redasio, revi- sia e impresséo do livro”. Victor Nunes Leal explicaria mais de uma ver a esco- tha do tema, Em primeiro lugar, preparando-se para o concur 50, a5 iu a vitias argiigbes, e © impressionou 0 fate des examinadores sempre questionarem as generalizagées teéricas, quase sempre apressadas Assim, disse: “Evitei na minha tese de concurso temas tedricos, procurando compreender com o méximo de objetividade as caracteristicas de um fendméno da nossa realidade politica — coronelismo — em suas conexées com o funcionamento da federacao brasileira, com énfase especial no relacionamento dos Municipios com os Estados.” A banea de concurso foi constituida de dois profes- sores da Casa, Djacit Menezes, de economia politica, recente- mente concursado, ¢ Josué de Castro, de geografia humena, ¢ tr€s professores de fora — de dirsito —, Pedro Calmon, Bilac Pinto ¢ Oscar Tendtio. CORONELISMO, ENXADA E VoTO Na nova instituicgo de ensino, por influéncia dos professores de outras faculdades, especialmente de diteito, 0 concurso se ressentia ainda do velho estilo coimbrao, em que © examinador procurava destruir a tese para afinal the‘dar a nota maxima. © coneurso nfo discrepou do sistema, em que mais aguerrido se mostrou Bilac Pinto, amigo e colega de Leal na redagio da Reviste de Direito Administativo, manifestando diividas sobrecudo na metodologia ¢ na utilizagio dos dados estatisticoss mas afinal a banca conferiu 0 griu maximo, Em cara ao amigo que Ihe ofertarz um volume do Coronelizmo, encontrado em sebo com as anotagées de Oscar Tenério, comentaria: O seu achado me repée, coma numa fotografia esmae sida, no salao da velba Faculdade Nacional de Filosofia, com livros enfleirados 8 minlvafrente e ao lado wma ampla mala cheia de ontros que entio nem cheguei a consiltar, Voltam-me os cala- ios das eritcas mais contundentes ou mais dificeis de responder, Ouso de novo as palavras iniciais de Pedro Calmon: “Disse Capiswrane de Abreu de Pereira da Silva que ninguém poder ignorar completamente a histbria do Brasil sem ter lida sua obra, Tambén the digo, Profssor Vicor Nunes Leal, que ninguém poder ignonar completamente o que sja 0 cormelismo sem ter lido sua tese.” Quase afinded com a risada que sacudin 0 auditério, as, pronto, me preparel para pagar na mesma mocdd, quando ‘me coube responder: “Iustrisimo Profesor Pedro Calmon. A ad- 26 Pheskcio A Teresina spicio iragho e 0 respeito de que é mertcedar néo me impeder: de Ibe develver, com a devida vénia, o dito de Capistrano de Abreu Ninguém poderd ignorar compleramente 0 que seja a minha tese sem ter cuvido a argiigto que V. xa. acaba de acer”. Os vias da asivéncia compensaram meu desalento inicial, mas a chamada de cade umm dos examinadores reabria minha ansiedade, Exercew até 1960 0 ensino de politica na Faculdade Nacional de Filosofia. Dieia com modéstia: ~ “Nunes passei de um professor dedicado e sério, mas discteto e sem pretensdes, pela minha prépria condigio de au- toridade, pela pouquissima familiaridade com as linguas esiran- geitas, pela caréncia de bibliografia e pela nenhuma freqiiéncia a cursos de pés-graduacio, seja no exterior, seja no Brasil” Comentaria ainda: “O penoso sacrficio quando acumulei a céted-a com as fungbes de Chefe da Casa Civil da Presidéncia da Repibli- ca: eu precisava reunir dois salérios para cobrir minhas despe- sas acrescidas, ja quea mordomia da época se limitava a0 carro oficial com motorista ¢ gasolina. Consegui na Faculdade 0 iro hordrio, bem cede, mas assim mesmo ao sair da pe classe freqtientemente encontrava recados do infatigivel ma- deugador que era o Presidente Juscelino”, A tese de concurso, publicada em edigio comercial, com 0 tfrulo sugeride por um amigo, 0 publicitério Emil Farhar, obteve grande éxito, por se tratar de um trabalho pio- neiro que apresentava metodologia nova. z CORONELISMO, ENXADA E VOTO O historiador Francisco Iglesias foi o primeiro a des- tacarthe a importancia, em resenha publicada na Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais, em ou- tubro de 1950. Embora acoimasse o titulo de um tanto,sensa- cionalista, “sugerindo propaganda ou polémica”, comenta: “trata-se de obra objetiva feita de conformidade com o principio que deve presidis a pesquisa social, sem qualquer in- ‘romissio de julgamento ou ponto de vista comprometido”. O aucor s6 se preocupou por compreender uma pequena parte de nosios males, “deixando a outros” tarefa de dedicaro remédio, mas “o ensaista mostra nesse estudo a informacio de que é docado, ampla e silida. Com boa linguagem, adota planos po- sicvos de bons resultados e que se deve lowvar sobretudo com clareza. O texto contém quase sempre apenas o essencial”. E conclui “Com ese livro, Victor Nunes Leal enriquece a sua obra de jutista e cientista politico, ao mesmo tempo que dé valiosa colaboragio aos estudos de historia de politica entre nés”. Os comentétios elogiosos se sucedem, Basilio de Ma- galhdes, que colaborara com nota sobre a etimologia da pala- via coronelismo, diria em carta: “A sua contribuigio ao estudo do coronelismo vai cercamente marcar época em nossa escassa literatura hist6rica- juridica e politica-social. Vocé aproveitou bem todo material que se Ihe deparou, comentando muito apropositadamente ¢ ‘em muitas vezes com bastante originalidade”. Prerdeto A rexetmna toicao Fernando de Azevedo afirmnaria que “& um wabilho excelente sobre todos os aspectos: bem construido, bem pensado ¢ documentido. £ wabalho gue projerou uma luz viva com suas andlises seguras e pene- trantes, tratando-se de contribuicio de primeira ordem para inteligéncia da vida politica do pais”. Halo Viana afitmaria que o livro constitu “no género, a maior e melhor pesquisa até hoje feita em nosso pais”. Francisco de Assis Barbosa diria anos depois que “Victor Nunes Leal abrirz 0 caminho para o aprofundamento do tema do coronelismo, num livro que nasczu clissico e por isso mesmo desde logo consagrouo neologismo. Coronelismo, Enxada e Vots, publicado em 1949, mas que s em 1975 teria uma segunda edigio, depois de insistentemente solicitado por professores ¢ estudantes, muitos dos quais tomaram a inicia- tiva de tirar e6pias xezogrificas da primeira ecigao e distribuf- las em aulas ¢ seminérios universitarios", Neesse mesmo ano, Otto Lara Reserde afirmaria: “Mais de um quarto de século decorrido, 0 livro continua atual e copioso de ligdes, indispensivel ao entendi- mento do Brasil”. O livro obteve grande sucesso e sepercussio nos meios universitarios, sobretudo nos cursos de ciéncias so- ais, por marcar um divisor de 4guas. Até a cécada dos 30 os estudos de politica eram de autoria de autodidatas, alguns 29 i i CORONELISMO, ENXADA E VOTO bastante importantes como, entre outros, Tavares Bastos, Alberto Tostes ¢ Oliveira Viana, mas que se ressentiam da falta de uma cultura sistemdtica ¢ do convivio universicério com a literatura especializada. Provenientes das faculdades de direito, que maquele momento monopolizavam os estu- dos sociais, essas obras se emparelhavam com outros livros de realce estritamente de direito puiblico, como Poder Judi- sidrin, de Pedro Lessa, ¢ O Poder Executivo na Repiiblica Brasileira, de Anibal Freite. Na década de 30 inicia-se em bases univenitérias o ensino dis ciéncia sociais, eas faculdades de diseito, timidas ¢ omissas, afetradas & cradigao coimbsi, nao tiveram con- digdes de manter a hegemonia desses estudos, ¢ passaram o bastio para cutras instituig6es de ensino superior. Em Sao Paulo, Armando Sales de Oliveira, sob a inspiracao de Julio Mesquita Filho e Fernando Azevedo, criava na Universidade "de Sio Paulo a Faculdade de Filosofia, Ciéncias e Letras. No * entéo Distrito Federal, sidade do Disctito Federal, com as escolas de Filosofia ¢ Le- tras e de Beonomia ¢ Diteiro, io Teixeira organizava a Univer- Para esses estudos, num esforco honesto e prudente, foram contratados professores estrangeiros, cue vieram iniciar cm bases sérias 0 ensino das ciéncias sociais no Brasi, tendo sido substituidos depois por professores brasileiros. ‘Victor Nunes Leal foi um desses substitutos; para 0 coneurso, apresentou tese sraneformada em livro. Prericio 4 riaceisA eoigto Trata-se de monografia modelar, com a visio dos problemas da organizacio municipal no pats, com pleno do minio das fontes histéticas, amplamente decantada por uma ‘mente privilegiada, e que alia com rara petcuciéncia 6 ponto de vista da ciéncia politica ¢ © ponto de vista jr lico. A no, introduso nos departamentos de ciéncias sociais do estudo do direito pode ser apontads como uma das causas remotas de deficiéncias nos trabalhos produsidos por esses departamensos — mesmo nos mais importantes. A conjugagio da anilise da ciéncia politica e do diteito constituin um das mésitos princi- pais dessa obra Aatividade intensa de Victor Nunes Leal no ensino da ciéncia politica no durou muito, pois em 1956 ele ascen- de & chefia da casa Civil da Presidéncia da Republica, arefa que 0 absorveria a0 extremo. Em 1960 assumiu em Brasilia 0 cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Teve entéo fincdo destacada na otganizagio da Universidade de Brasilia, coordenando o curso-tronco de di- reito, economia e administragao, embrito da furura Faculda- de de Estudos Saciais Aplicados, lecionando inicialmente In- toducéo 2 Ciéncia Politica e, posteriormente, Constitucional, mas sem a dedicacao que os encatgos da ma- sistrarura the obstavam, Na década de 50, escreveria 0 importante trabalho A Divisio de Poderes no Quadro Politico da Burguesia, onde ana- lisa a concepgio do Estado individualita e liberal, baseado na CORONELISMO, ENNADA E vOru doutrina de Montesquieu, contrapondo-a i sociedade modema, com os problemas de urbanizacio e da tecnologia. Exporia que: “a teoria da divisio dos poderes esti condenada no mundo contemporineo, pois nasceu para atender a um redla- mo profundo da consciéncia humana, que ¢ a protcgio das liberdades do homem e do cidadao. O problema, pois, que se coloca nos dias de hoje é o de descabrie uma nova técnica em protegio das liberdades humana”, E conclui: “Este o grande desafio 2 que o nosso tempo lanca os hhomens de estudo © de aio: 0 desafio a sua capacidade de organizar adequadamente a felicidade humana”, Em 1958 proferia aula inaugural na Faculdade de Filosofia sob o titulo “Objeto da Cincia Politica”, que é sin- tese expressiva sobre a matéria, Pode-se afitmar que o livro de Victor Nunes Leal foi sesponsével pelo i reresse que o tema do coronelismo passou a desfrutar. Em 1965, dois jovens intclectuais pernambucanos, “Marcos Vinicius Vilaga ¢ Roberto Cavalcante de Albuquerque, publicavam o liveo Coronel, Coronéis, anilise do processo de ruptura da sociedade agropecudtia do nordeste brasileiro feita através de pesquisa de quatro casos recentes de dominio econd- ‘ico social politico do coronelismo, os coronéis Chico Ro- mio, José Albino, Chico Heréclio e Veremundo Soares. No ano seguinte, Eul-Soo Pang publicava em inglés © volume iraduzido com o titulo Coronelismo ¢ Oligarquias 2 Paesdexo A tinct eorgho (1889-1974), um estado do fendmeno do coronelismo na Bahia na primeira Republica, E Maria Isaura Pereira de Queiroz irataria do mandonismo na vida politica no Brasil. Entretanto, permanecia totalmente espotado 0 livro ¢ quase contra sua vontade, exigindo um preficio de Barbosa Lima Sobrinho, era editado em 1975 pela Editora Alpha Omega na série Polfrica, ditigida por Paulo Sergio Pinheiro, ‘¢ com conselho orientador de varios clementos prestigiosos das cidnciag sociais No preficio, (reprodurido nesta edigio), dizia Bar- bosa Lima Sobrinho, que: “olivro de Victor Nunes Leal desde o seu aparecimen- to passoua valer como um clissico de nossa literatura politica, Nao é um aglomerado d profunda de realidades que aprofundaram suas raftes na organi- zacio agréria como produto espontineo do latifiindio”. Victor Nunes Leal, entretanto, foi sensivel a publica- gio em inglés, solicitada pelo professor Malcom Deas para a Cambridge University Press na série de Estudos Latino-Ame- presses pessoais, mas uma andlise ricanos. No preficio acentuava-se que ¢ livro “representa um arco divissrio des estudos de ciéncia politica no Brasil cons: tituindo 0 inicio da fase universitéria desses estudos". Na nota do editor, 0 professor Maleam Deas apon- tava que o livro “era também um texto essencial para 0 exude do caciquismo no mundo hispinico e mediterdneo. O material de a CORONELISMO, ENXADA E VOTO Victor Nunes Leal 2 histéria do Brasil, as leis do Bra 4 investigagio modelar oferece orientaco ¢ estimulo na Area das relagBes entre os niveis superior de govemno eas lecalidades, as fronteiras do poder puiblica¢ privado e sua ineerdepemdéncia em solos pouco férteis,seja no Brasil, seja no exterior” , mas As acividades da magistratura e posteriormente da ad- vocacia nfo permitiram que Vietor Nunes Leal voleasse a0 tema assim, a segunda edisao, assim como a edisao inglesa, fo publicads sem nenhuma alteracso em relagio & edo original Em 1984, a0 receber o tintlo de professor emérito da Universidade de Braslia, declararia que: “3 medida que eavelheceu o tema em termos acadé- micos, outros estudiosos se preocuparam com ele ede todos os lados vieram criticas. Até hoje nfo tive tempo nem disposigao de as reunir e analisar, numa tentativa de me defender”, De fato, insado insiscentemente, nfo ceeitou convite | em 1984 para escrever o verbete sobre coronelismo do Dicio- nirio Histdrico-Biogrifico Brasileiro organizads pelo Centso de Pesquisas ¢ Documentagao de Histéria Contemporinea do Brasil (CPDOC), em 1984, carefa de que se desincumbix com proficiéneia o professor José Murilo de Carvalho. Em margo de 1980, o Instituto Univessitirio de Pes- quisas no Rio de Janciro (TUPER]) promovera uma homenz- gem a Victor Nunes Leal. Na ocasifo, o professor José Mutilo de Carvalho, com 0 estudo Em Louver de Vietor Nunes Leal, homenageou o autor, na inaugurasio do programa de douto- ” Prarhcio A reRcana aoicko rado do IUPERJ. A escolha se deu no consenso do cerpo docente pela concribuigéo do livro, como “o exemplo de inte- pridade € coeréncia, de homem piblico e de profisional”. Acentuava que 0 livro tornara-se clissico, o que tem a desvantagem de colocé-lo acima da erftica, impondo-se @ leicura que teste novos conhecimentos, Apontava que 0 coro- nelismo foi a primeira obra importante da moderna sociologia politica brasileira, nio pela temética, pois jé fore abordado or varios autores desde 0 Império, mas pela abordagem © meto- dologia, ¢ pela quebra do estilo de analisar os fendmenos bea- sileiros através do estilo dicotémico em polaridades. Por outro lhdo, avangava na maior integracdo entre a ciéncia politica ca sociologia, ¢ mesmo a econémica, mostrando a estrutura ageé- tia com o sistema de esteatificagio social e insergio na econo- ‘mia priméria, Um terceito ponto de inovacao era metodolé- uico, com a integragio da teoria e da pesquisa. Naquela ocasido, Vietor Nunes faria tentativa de explicagio do livro, com o expressivo tulo de O Coronelismo €0 Coranelismo de Cada Um, Agradecendo as refertncias de José Murilo de Carvatho, que teria reveledo comprecnsio mais profunda do que alguns outros especialistas do tema, Procura mostrar que as criticas derivavam de diferenca de enfoque do problema e de diferentes concsituagdes do que seja coronelismo, Mostra que a andlise feita por Eul-Soo Pang difere profiindamente da aberdagem que utilizou © que s CORONELISMO, ENXADA E VOTO “o coronel entrou na andlise por ser parte do sistema; mas 0 que mais preocupava era sistema, a estrutura e a ma- neira pelas quais as relag6es do poder se desenvolviam a partir do municfpio, mostrando que na primeira Repiblica a figura do senhor absoluto ja desaparecera por compleio”, E aflrmaria mais adiante que se tivesse de reescrever o livco manteria suas linhas essenciais, embora cortigindo de- ficiéncias de informasio e retificando pormenores. Absorvido inteiramente pelss atividades forenses, Victor Nunes Leal nao foi insensfvel aos apelos dos estudioses das cigncias sociais. Em 1976 prefaciava o livro de Maria do Carmo Campelo de Souza Estado e Partidos Politicos no Brasil (1930-64), Ali dew mostra de sua competéncia no assunto, tecendo consideragGes exiremamente relevantes sobre 0 pro- cesso politico. Em 1980 presidiria uma das sessées do Semindio sobre Diteito, Cidadania e Participacio, organizado pelo Cen- to de Estudos de Culcura Contemporinea (CEDEC) ¢ pelo Centro Brasileiro de Andlise ¢ Planejamento (CEBRAP), que {oi uma das primeiras manifestagses de andlise, naqueles tem pos perigosos, do problema dos direitos humanos. Presidiu a sesso de Direito e Economia, na qual foram exposizores Clo- vis Cavalcante ¢ Pedro Sampaio Malam. Participou em 1981 da banca examinadora de douto- rado da professora Maria Victoria de Mesquita Benevides so- bre a tese “A UDN e 0 Udenismo’, junto com os professores 6 PREEACIO A TERCEIEA foICKO Assis Simao, Bolivar Lamounier, Maria do Carmo Campelo de Souza ¢ Francisco Weffort. Victor Nunes Leal jou a argili- Gio timidamente, alegando estar muito tempo afastado dos estudos politicos, mas na verdade realizou argitigéo excelente, com dominio completo dos problemas do sistema partidétio de que tratava a tse. No leito de morte, otiltimo livro que les foia obra de Lucia Hipdlito sobre o PSD — De Raposas a Reformistan Concluindo © texto O Coronelismo de Cada Um, Vietor Nunes Leal falava da oportunidade de expressar-se “sobre o assunto que me custou na época virios anos de pesquisa e medita 10” e concluiria: “o que me consola é pen- sar que quando estiver aposentado das atuais atividades, ain- a me reste algum sopro de vida para voltar aos estudos po- Iticos", Victor Nunes Leal faleceu cinco anos depois, em plena atividade de intensa advocacia, e nao pode realizar esse propésito. Mas 0 Coronclismo, Ensada e Voto, publicado pela ptimeira vez hd quase cingiienta anos, constitui um marco fundamental dos estudos politicos entre nos, e sua reedigéo pela Editora Nova Fronteira constitui conttibuigao de maior importancia. Janeiro de 1997 a CAPITULO PRIMEIRO Indicagées sobre a estrutura € 0 processo do “coronelismo”™* 1_—Palavras introducdrias, I! —A propriedade da terra entre os fatores da lideranca polltica loca, II] — Con- centragio da propriedade fundiéria rural. TV — Alguns aspectos da composigzo das clesses na sociedade rural V — Despesis eleivorais. Melhoramentos locais. VI — Favores ¢ perseguigies. Desorganizagio do servigo pt blico local, VI — Sistema de compromisso com 0 go- ‘verno estadual. Governismo do eleitorado do interior. VIII — A autonemia municipal ¢ “coronelismo”. IX — Fragmentasio da hegemoria social das donos de rerras. I O fendmeno de imediata observasio para quem pro- ‘cure conhecer a vida politica do interior do Brasil € 0 malsina- do “coronelismo”, Nao é um fenémeno simples, pois envolve um complexo de caracterfsticas da politica municipal, que nos sforcaremos por examinar neste crabulho. Dadas as peculiaridades locais do “coronelismo” € as suas variagGes no tempo, o presente estudo s6 poderia ser feito ” CORONELISMO. ENXADA E VOTO de maneiea plenamente satisfatéria, se beseado em minuciosas anélises regionais, que ndo estava 20 nosso alcance realizar. Entretanto, a documentasio mais acessivel e referente a re. gides diversas revels tanta semelhanga nos aspectos essenciais que podemos antecipar um exame de conjunto com os ele- mentos disponiveis. Como indicasio introdutdria, devemos nour, desde logo, que concebemos o “coronelismo” como resultado da superposigao de formas desenvolvidas do regime representati- vo a uma estrutura econémica ¢ social inadequada. Nio & pois, mera sobrevivéncia do poder privado, cuja hipertrofia constituiu fendmeno tipico de nossa histéria colonial, E antes uma forma peculiar de manifestagio do poder privado, ou seja, uma adaptacdo em virtude da qual os residuos do nosso antigo e exorbicante poder privado tém conseguido coexistir com um regime politico de extensa base representativa. Por isso mesmo, 0 “coronelismo” € sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entre 0 poder piiblico, progressivamente fortalecido, ea decadente influéncia social dos chefes locais, notadamente dos serhores de terzas, Nao € possivel, pois, compreender o fendmeno sem referéncia & nossa estrutura agrria, que fornece a base de sustentasio das manifestagées de poder privado ainda tio visiveis ne interior do Brasil, Paradoxalmente, entretanto, esses remanescentes de privatismo sio alimentados pelo poder piblico, e isto se expli- “ INDICACOES SOBRE A ISTAUTURA E 0 PROCESO DO ‘coROMELNA a justamente em fungao do regime representativo, com sufré- gio amplo, pois o governo nao pode prescindir do eleitorado rural, cuja situagdo de dependéncia ainda ¢ incontestivel. Desse compromisso fundamental resultam as carac- teristicas secundirias do sistema “corondista’, como sejam, entre outras, 0 mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto, a desorganizagao dos servigas piblicos locais. Com estas explicagbes preliminares, passamos a exa- minar os tragos principais da vida politica dos nossos munici- pios do interior. 0 O aspecto que logo salta aos olhos ¢ 0 da lideranga, com a figura do “coronel” ocupando o lugar de maior desta- que. Os chefes politicos municipais nem sempre so auténti- cos “coronéis". A maior difuséo do ensino superior no Brasil espalhou por toda parte médicos ¢ advogados, cula ilustracao relativa, se reanida a qualidades de comando ¢ dedicacio, os habilita & chelia!' Mas esses mesmos doutores, ou sio parentes, ou afins,? ou aliados politicos dos “coronéis"? Outras vezes, 0 chefe municipal, depois de haver construido, herdado ou consolidado a lideranga, jé se tornow um absenteista. $6 volta 2o feudo politico de tempos em tem- pos, para descansar, visitar pessoas da familia ou, mais fre quentemente, para fins partidatios. A fortuna politica jé 0 tera levado para uma deputagio escadual ou federal, uma pasta de a CORONELISMO, ENXADA £ VOTO secretério, uma posigio administrativa de relevo, ou mesmo ‘um emprego rendoso na capital do Estado ou da Repiiblica, O éxito nos negécios ou na profissio também pode contribuit para afasté-lo, embora conservando a chefia politica do.mmuni- Cipio: os lugares-tenentes, que ficam no interior, fazem-se ene io verdadeiros chefes locas, tibutirios do chefe maior que se ausentou. © absenteismo é, aids, uma situagdo cheia de riscos: quando o chefe ausente se indispée com 0 govemo, naa so raras as defecgoes dos seus subordinados. Outras vezes, & ele Préprio quem aconselha essa atitude, operando, pessoalmen- te, uma retirada titica, Qualquer que soja, entretanto, o chefe municipel, 0 clemento primatio desse ipo de lideranca é o “coronel”, que comands discricionariamente um lote consideravel de vores de eabrest.\ forea eleivoral empresta-Ihe prestigio politico, natu- ral cooamento de sua privilegiada situagao econdmica e social de dono de terras. Dentro da esfera propria de influéncia, 0 “coronel” como que restume em sua pessoa, sem substicut-las, importantes instituigies sociais. Exerce, por exemplo, uma ampla jurisdigio sobre seus dependentes, compondo rixas & desavencas ¢ proferindo, &s veres, verdadeiros arbitramentos, Que os interessados respeitam, Também se enfeixam em suas miios, com ou sem carter oficial, extensas fungées policiais, de ue freqiiencemente se desincumbe com a sua pura ascendén- cia social, mas que eventualmente pode wiar efetivas com 0 aunilio de empregados, agregados au capangas: a Iwo1eigo8s some » esrruTUAK E © PROCESSD BO “conontLiNo” Esta ascendéncia results muito naruralmente da sua qualidade de proprietavio rural. A massa humana que tira a subsisténcia das suas terres vive no mais lamentével estado de pobreea, ignoréncia ¢ abandono,* Diante dela, 0 “coronel” & fico. Hé, € certo, muitos fazendeiros abastados ¢ prdsperos, sas 0 comum, nos dias de hoje, & 0 fizendeiro apenas “teme- dia": gente que tem propriedades e negécios, mas nfo pessui disponibilidades financeicas; que tem 0 gado sob penhor ou a terra hipotecada; que segateia txase impostos, pleeando con- descendéncia fiscal; que corteja os bancos ¢ demais credores, para poder prosseguir em suas atvidades lucrativas. Quem jd andou pelo interior hé de ter observado a falta de conforto em que vive a maioria dos nessos fazendeitos. Como costumam “passat bem de boca” — bebendo lete ¢ comendo oves, gal ‘nha, carne de porco e sobremesa — ¢ iém na sede da firenda tum conforto primério, mas inecessivel ao trabalhador do eito — As veres, dgua encanada, instalagdes sanitisias e até luz dé trica € ridio —, 0 roceiro v8 sempre no “corone!” um homem Fico, ainda que noo sea; rico, em comparnsio com sua pobie- a sem remédio Além do mais, no meio sural, £o proprietétio de terra ou de gado quem tem meios de obter financiamentos, Para isso muito concorze seu prestigio politico, peles notérias ligagdes dos nossos bancos. E, pois, Para o préptio “corond” Que © roceico apela nos momentos de apertura, compraudo flado em seu armaxém para pagar com a colheita, ou pedindo dinheiro, nas mesmas condigées, para outras necessidades 8 —- a P CORONELISMO, ENKADA E VOTO ae Se ainda no temos numerosas classes médias nas cidades do interior, muito menos no campo, onde os pro: prictérios ou posseiros de infimas glebas, os “colonos” ou parceiros ¢ mesmo pequenos sitiantes esto pouco acima do trabalhador assalariado, pois eles préprios freqiientemente tra- balham sob salério. Ali o binémio ainda é geralmente repre- sentado pelo senhor da terra e seus dependentes” Completa- mente analfabeto, ou quase, sem assisténcia médica, nfo lendo jornais, nem revistas, nas quais se limita a ver as figuras, 0 trabalhador rural, a ndo set em casos esporddicos, tem o patro na conta de benfeitor. E é dele, na verdade, que tecebe os linicos fav que sua obscura exisséncia conhece.* Em sua situagio, seria ilusério pretender que esse novo patia tivesse consciéncia do seu diteito a uma vida melhor e lutasse por ele com independéncia civica. © I6gico é 0 que presenciamos: no plano politico, ele luta com o “coronel” e pelo ‘coronel”. Ai esto os votes de cabreste, que resultam, em grande parte, da nossa organizacio econémica rural? UL ara secompreender melhor a influéncia politica dos fazendeitos, tio importante no mecanismo da lideranga local, cumpre examinar alguns aspectos da distribuigéo da proprie- dade ¢ da composigio das classes na sociedade rural do Brasil, recenseamento de 1940, as andlises parciais de seus resulta- dos, elaboradas pela reparticio competente, eas interpretagbes “ INDICIGOES SOBRE A ESTAUTURA £ © FRCEEESO DO "coRONRIEMO" de ousros estudiosos armados de critérios nao puramente cen- sitdrios fornecem dados muito ilustrativos. Considerado 0 problema de coajunto, a concentra- ao da propriedade ainda é, nos dias anus, o fato dominante em nossa vida rural. A maior freqjiéncia da pequena e da média propriedade em alguas lugares explica-se por fatores diversos. No que toca a Sao Paulo, Caio Prado Jinior procu- ou enumeré-los em estudo publicado hd mais dedezanos. Os fatores que indicou, na ordem por ele préprio seguida ¢ que nfo esté na razao da importincia, foram os seguiintes: 1) colo- nizagao oficial, cujo principal objetivo, segundo os autoriza- dos depoimentos recolhidos, era formar uma reserva de mio- de-obra para os fazendeiros; 2) colonizacio particular, de menor relevo que @ primeira, procurando ambas eriar condi- Ges capazes de atrair correntes imigratérias; 3) proximidade das grandes fazendas, a cuja iharga se desenvolvia a pequena propriedade como depésito de bragos para a grande lavoura: 4) decomposiao da fazenda, pelo esgotamento da terra, pela crosio, pelas pragas, pelas crises econdmicas etc; 5) influéncia dos grandes centros urbanos, cujo abastecimento exige produ- fo de artigos de subsisténcia incompativeis coma agriculeura extensiva, Ao tratar da decadéncia de fazenda, 0 autor notou, ainda, um pouco fora de lugar, a presenca da pequena pro- priedade naszonas em que “o regime de fizenda, encontrando tetras inferiores, nao fez mais que passar, abrindo espaco para 6 retalhamento ¢ instalagio da pequena propriedade”."” 4s y i i il i CORONFLISMO, ENXADA & VOTO. © trabalho citado, como ja ficou dito, refere-se es- pecialmente a Sio Paulo. Em obra mais recente, relativa a todo o pais, o mesmo escritor atribui importincia primacial, 1 criago da pequena propriedade, as conrentes imigraté- Fias, 0 que se verificou notadamente no extremo sul: Rio Grande, Santa Catarina ¢ Parand, Em Sio Paulo, esse fator ia da grande lavoura cafeeira, que absorveu a maior parte dos imi- teve sua influéncia muito reduzida pela conco grantes. A produsio de verduras, feuras, aves ¢ ovos, flores ete para ahastecimento dos maiores centros urbanos ¢ indus- trlais foi de grande imporeincia para a implantagao da pe- quena propriedade, nfo sé em Sio Paulo, como também, de modo geral, embora com variagées, nos demais Estados, A decadéncia das fazendas, mormente em conseqtiéncia das crises esondmicas e da agricultura depredadora que pratica- “mos, € também um fator que nao se limita a Sio Paulo, mas " esté generalizado pelo menos a toda a regiéo do café: “No seu deslocamento constante, a lavoura cafeeira ind deixando Para tris terras cansadas ¢ j imprestiveis para as grandes lavourass essas terras depreciadas serio muicas vezes apro- veitadas pelas categorias mais modestas dz populsgio rural Gue nelas se instalam com pequenss propriedades."" O fato pode ser facilmente observado no Espirito Santo, Fstado do Rio ¢ Minas Gerais, em particular no vale do Paraiba, Em outras regides, causas diferentes, de nanureza local, eam. bém teri0 concortido. 46 INPICAGORS SOME 4 ESRUTULA FO FROCESIO Do “conoNsLisuo” Contudo, apesar do aumento numérico das pequenas Propriedades no Bra a expresso percentual da concentragio da proptiedade rural ndo tem diminutdo, Jé notara 0 Prof Jorge Kingston, analisando o censo agricola e zootéenico de Sto Paulo, de 1934, que, “ao invés de uma distri igo mais. rcional da propriedade fundiéria”, se vetificava “um agra: vamento da concentragio agréria”.!? As razées dessa contra. diséo devem set encomradas na fragmentacéo, prefren. temente, das propriedades médias, na recomposicio de Brandes propriedsdes." compensando as que se parcelam, ou ainda na sobrevivéncia de grandes fizendas, mesmo deca: dentes, pela substicuigao, por exemplo, da agriculeura pela Pecuiitia.A contigiidade de terrenos féreise vingens,sobte- tudo no caso do café, tem sido a condi¢ao primordial da for- Imagio de grandes fazendss, pela sua elevada produtividade, ainda que em regime de exploracéo extensivae predatéria, Este Prccestoy orem, etd em vas de atingiro seu temo fina, pelo ‘mewos em Sto Paulo, onde o fenémeno aisumiu proporgées sigantescas, depois de haver 0 café, partindo da baixada flu- ‘minense, atravessado — e esgotado — uma parte considerivel ddos Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, A nio ser que surjam novos farores capazes de conduzir 4 recomposicio de Brandes propriedades (como foi 0 caso do algodio) ou impedir ‘Ne as existentes se desmembrem (como seria o desenvolvi- mento da pecudti, ou a introdusao da grande exploragio tipi- ‘amente capitalista, empregando técnica avangada), so cada ——E CORONELISMU, ENRADA LE Voro. ver mais desfavordveis as condigoes de subsisténcia da grande propriedadc, pela atual precariedade das trés grandes lavouras cextensivas do pais: cana-de-agicar, café e algodao."* Nao obstante essas perspectivas, ainda ¢ dbvio 0 do- minio da grande propriedade, nos dias que correm, como foi comprovado pelo censo agricola de 1940, cujos dados o Piof Costa Pinto interpretou em trabalho recentissimo.” Classifi- cando as propriedades rurais segundo a drea, obteve cle os resultados que assim resumimos: foo Woche nines wed Sani re al Supepropiedade india” (de 1.000 ema) 6 sa “Grande pope” (one 200 ©1000 xan) 03s 24079 Mis raed” (te 50 20 a nat 1590 Pegena poids” lone 5 5 yee) ‘307 1045 (Ge menu de Sh) aie 05 Nem todo proprietério rural possui uma propriedade 56, Admitindo-se, porém, com desvantagem, que assim seja, verifica-se que os pequeenos e infimos proprietatios (até 50 ha), Tepresentando cerce de trés quartos dos donos de terras (74,83%), possuem apenas 11,00% da dea total dos estabele- 4 ee INDICAUOIS SORKE 4 ESTHUFUKA EG PROCESS We “COKONELAMO" cimentos agricolas do pafs, Da Area restance (89,00%) apenas uma parte pequena (15,90%) pertence aos proprietétios mé- dios, tocando nada menos de 73,10% da cea total aos grandes proprietarios (de 200 ha e mais), que representam somente 7,80% do niimero toral dos proprietitios. Reunidos, os mé- dios e os grandes proprietérios representam pouco mais de um quarto dos donos de tertas e suas propriedades cobrem quase nove décimos da area total dos estabelecimentos agricolas. !? A situasao dos pequenos proprietitios ¢ em regra dificil em nosso pats, sobretudo quando em contato com a grande propricdade absorvente, Essa precariedade é agravada pela pouca produtividade do solo nos casos em que o par- celamento da terra foi motivado pela decadéncia das farendas. Somam-se ainda as dificuldades de financiamento. E todos esses inconvenientes pesam muito mais sobre as glebas infimas — de menos de 5 ha —, que em 1940 compreendiam 21,76% do niimero total dos cstabelecimentos agricolas, A pequena propriedade préspefa constitui excesao, salvo nae quelas regides em que no estd sujcita & concoréncia da gran- de, nem se constituiu como legacéria de sua rulna Exe € 0 quadro que nos aprecenta 0 setor dos Proprietdtios rurais, minoria irrisdria da populagio do pats: quadro que reflete a imensa pobreza da gente que vive no meio rural, j4 que os proprietitios de mais de 200 hu ndo Passavam, na data do censo de 1940, de 148.622, consideran- do-se aproximativamente 0 niimero de proprietérios igual a0 4 CORONELISMO, ENXADA & VOTO de estabclecimentos agifcolas. Como os proprietérios médios — de 502.200 ha —, segundo 0 mesmo critétio, somavam 327.713, teremos para uma populagio rural de 28.353.865 habirantes* apenas 476.335 proprictétios de estabelecimentes agricolas capazes de produzir compensadoramente, E claro que ais dados nio exprimem a situagéo exata de nossa econo- mia agritia, pois também possuimos pequenas propriedades prdsperas, ¢ grandes propriedades arruinadas; so, contudo, bastante expressivos para nos dar uma idéia bem viva da mes- quinha existéncia que suporta a grande maioria dos milhdes de seres humanos que habitam a zona rural do Brasil?” Vv © panorama descrito torna-se ainda mais nitido quando se observam os principais aspectos da composigéo de classe da nossa sociedade rural. Ainda aqui, basear-nos-emos J na elaboragao do Prof. Costa Pinto, no trabalho antetiormen- te refetido, embora utilizando os resultados a que chegou com apresentagio modificada ou com desdobramentes. © censo agricola de 1940 forneceu-lhe a seguinte disctiminagao da populagio ative, grupada segundo a posiga0 ocupada pelas diversas categorias que exercem sua atividade principal na agriculvura, pecudria e silvicultuca: 50 IWDICAGOSS SORE 4 ESTAUTURL & © FROCESS® DO “corowsinmot opi Niro Gans males) ~ Empepdores a0 267 mprgdos 316.205 aaa Jautoomor 390.70, a0 Mens di 244s 04 m9 epi ipa 2082 066 Teal oasasia 100.00 _Chamando a esse quadio “pitdmide censitiria” da seciedade rural 0 autor procurou reagrupar os dados segundo stitérlo mais alequado & compreensio da posigio de clesse dos diversos grupos, para comport 0 que denominou “pirtmide social” da sociedad rural brasileira, Dois dos grupos acima indicados — “empregadores” ¢ “empregados” — definem se por si mesmos, ¢ 0 quimto— “de posigio ignorada” — pode ser desprerade, porque abrange somente 0,66% do nimero total. A dificuldade reside, pois, na interpreragao das duas Categorias que o censo rotulou de “autOnomos" e de “mem- bros da fami”. Mas as préprias definigbes adotadas pelo Servigo competente fomecem indicages muito valiosas, A categoria dos “auténomos", representada. pelos “que exercem atividade por sua prépria conta, ou isoladamen- {© ou com 0 auxilio, nfo dizetamente remunerado, de pessoas desua propria familia”, compreende, portanto,além dos pro- Prittérios de pequenos tratos de terra, os “colonos” ou “ren. deicos”, que trabalham em regime de parceria. Tudo indica ue a subcategora dos parceiros € bem maior que a dos pe- st CORONELISMY, ENSADA E Vatu. quenos proprietatios, e Costa Pinto procurou demonstré-to numericamente, Admitindo, como regra, que o pequeno pro- prietdrio possui apenas uma propriedade ¢ considerando que para 3.309.701 “auténomos” s6 havia, em 1940, 1:425.291 propriedades de menos de 50 ha, concluiu, aproximativamen- te, pela existéncia de 1.425.291 ‘autdnomes’-proprietdrios contra 1.884.410 ‘auténomos"-nio proprietétios, ou sejam, 43,07% para os primeiros e 56,93% para os segundos. ‘Quanto & outra categoria de dificil incerpretacio — “membros da familia”, 0 seu conceito censitério € 0 seguinte: so aqueles “que exercem atividade em beneficio de outrem, sem perceberem salério fixo ou por tarefa”, esclarecendo a reparticfo comperente que a “grande maioria” sao membros dlas familias ¢ colaboradores dos “ausénomos”.** Considerando todos os componentes dessa categoria como ligados ao grupo dos “aurénomos”,® também podemos dividi-la, aproximasivamente, na mesma proporgdo, entre as duas subcategorias dos “autSnomos": proprictdtios ¢ no pro- priecérios. Assim, 0: 2.665.509 rorulades como “membros da familia” contribuirio com 1.517.474 para « subcategoria dos “auténomos"-nio proprietitios (que fica elevadaa 3.401.884), e com 1,148,035 para a dos “auténomos”-proprietirios (que fica elevada a 2.573.326). Se, entretanto, nao considerarmos os “membros da familia”, como ligados exclusivamente & categoria dos auténo- mos”, ¥ 0 céleulo se tornard mais defeituoso, mas em todo 32 caso seré ainda muito expressivo, porque a maior margem de certo é deslavoravel As conclusties a que devemos chegar. Pode- ramos adotar os seguintes critérios: Em primeira lugar, admitamos que os “membros da familia” do grupo “de posigio ignorada” ¢ do grupo de “em- pregadores” colaborem com estes, nas atividades agririas, na mesma proporgio dos “membros da familia” dos “auténo- mos”, Temos af a primeira margem de erro desfavordvel as nossas conclusées, porque & evidente que na classe dos “em- pregadores” 0 niimero de membros de suas familias que com cles colaboram € proporcionalmente menor. Em segundo lugar, notamos sensivel diferenga entre 0 niimero de “empregadores” (252.047) e o ntimero de médias ¢ grandes propricdades (476.335). Ico se explica, nacuralmente, pela existéncia de médios proprietdrios que nao empregam assa- lariados, ou pda existéncia de grandes proprietirios que pos- suem mais de uma propriedade, ou, como parece mais provavel, por ambos os motivos simultaneamente. Tomaremos, entretan- to, aquela diferenga (224.288) como representativa somente dos médios proprietérios que nia empregam mio-de-obra assa- lariada e, portanto, devem ser incluidos na categoria dos “aut6- nomos". Eis af uma segunda margem de erro, desfavordvel as nossas condlusdes, porque no levamos em conta os casos em que mais de uma grande propriedade pertencem a uma s6 pes- soa. E tas casos tudo indica serem mais numerosos do que osde médios proprictétios que nio uciizam “empregados”. 5 SORONELISM, ENXADA & VOTO Feitos os célculos pelo critério descrito, 05 2.665,509 cla categoria dos “membros da familiz” se repartitio pela seguinte forma: para os “empregadores”, 185.519; para os “aurénomos”-médios proprietatios, 164.995; para o8 “au- rénomos”-pequenos proprietérios, 1.048.3455 para os “aut6- ‘nomos”-nio proprieritios, 1.221.070; para os “de posigao ig- norada”, 45.580. Da distribuicio ficou exclufda a categoria dos “empregados”, porque estes, por definici por cabeca, se conta, Grupando agora os dados obtides, encontramos para as duas modalidades de célaulo os resultados que seguem: MODALIDADE “A” Divisio des “membros da famttia” somente entre os “auténomos”, considerados como tais os pequenos propriesé- stios (até 50 ha) e os nao-proprietatios (patceicos)s ceria Meni dfnntin TOTAL 1 pegs aan a - mu ae pees opin 142529145 aha asasne an Mstepropeion 1686-410 STAM 5693 40s 3598 1 reas sshang = = 36603 a3 IV. Dein ignonda 62.052 cs = an 066 Teal 79600326655 nae 9458512 Jona 34 INDICAGOES soORE 4 esTRUTULA E © MnocEst® Ge *eonoweLnHO” MODALIDADE “B” Divisio dos “membros da farnlia” por todas as cate- Bgorias (menos ados “empregados”), incluindo-se entre os “at- ronomos”, como médios proprieatios, a diferenca entre 0 ridmero de “empregadores” 0 ntimero de médias e grandes propriedades: get Ne Meni dsamiia 8 TOTAL 1 Enprgede wane w5519 6s Aint poplin 24388 sass sna at Speen mopietioe 142529 ies 935 narns. a7 einleprpicion, 1.60122 satarm 45m name saan Bp sua6éan3 oe = 66a 37 NW. Depo fonds 6202 as san va ha ora, 7403 206550 10001 sasasi2 000 Os dois quadros acima constituem desdobramento dos dados apresentados pelo Prof. Costa Pinto com base no censo oficial. Subdividimos as categorias ccnsicirias dos “auc tbnomos” e dos “membros da familia”, segundo os exiedrios jé descritos, e chegamos, na hipétese mais desfavorivel is nossas conclusées, ao seguinte resultado: na data indicada, 66,95% 42 populasdo ativa ocupada na agricultuta, pecudria e silvi- Gultura pertenciam as categorias dos empregados e parceitos (nio-proprietérios}; somando-se 0 pequenos proptietiios (até 50 ha), cuja sicuagto em muitos lugares & de todo preci a, aquela percentagem sobe a 90,12%, 38 ORGHELIAIG, THSALA 1 UT Nio obstante a evidente deficiéncia dos critérios aproximativos adotados, nio serd dificil, diante de dados tio impressionantes e referentes & populagio ativa, avaliar a si- tuagio de dependéncia da gente que trabalha no campo, ji que, em termos de generalizagio, pouca diferenga existe entre a miséria do proletétio rural e a do parcsiro ¢ do pequeno proprietério, Nao hé, pois, que estranhar os votos de cabresto, v Hi ainda as despesas eleitorais. A maioria do cleito- rado brasilciro reside © vots nor municipios do interior”? E no interior o elemento rural predomina sobre o urban Esse elemento rural, como jf notamos, é paupérrimo. Sio, pois, os fazendeiros e chefes locais quem custeiam as despesas do alistamento € da eleigio. Sem dinheito ¢ sem interesse io nesse sentido. diseto, 0 roceiro nio fatia 0 menor sacri Documentos, transporte, alojamento, refeigbes, dias de tra- batho perdidos, e até roupa, caleado, chapéu para o dia da icos empenhados na eleigdo, tudo é pago pelos mentores pol sua qualificagao e comparecimento.” Como 0s préprios che- {es locais sfo em regra somente “remediados”, © suprimento de dinhelze para cose deepecea apeerenta costar partieulacida: des que, para melhor ordem da exposigio, deiximos para examinar mais adiante. © velho processo do bico de pena reduzia muito as despesas eleitorais. Os novos cédigos, am- pliando o corpo eleitoral® e reclamando a presenga efetiva 36 dos vorantes, aumentam os gastos. £, portante, perfeitamen- ce compreensivel que o eleitor da roca obedesa a orientagao de quem tudo the paga, ¢ com insisténcia, para praticar um aro que lhe é completamente indiferente Esse panorama jé se apresenta, aliés, com alguns in- dicios de modificagio, segundo péde ser observado nas elei- Bes realizadas em 1945 e 1947, No seio do prdstio eleitorado rural verificaram-se “taigées” dos empregedos aos fazendei- 108. 0 fato merece um estudo atento e que ainda nao foi feito, Observadores locais costumam attibul-lo em grande parte 4 propaganda radiofénica. Nas cidades do interior jé sio name- 1osos os aparelhos receptores, € os trabalhadores rurais tém hoje maior possibilidade de contato com a sede urbana pelo uso bascante genera do do transporte rodovidrio, O ridio, alids, ja se vai introdurindo nas préprias fazendas: as bateriae resolyem parcialmente 0 problema da energia. Nao se deve esquecer também o grande incremento que se verificou du- ante a guerra na migracéo de trabalhadores da campo para atividades urbanas — empreendimentos industriais, constru- 0 civil, bases milirares —, ou para a extragdo de borracha ¢ exploragéo de minérios, especialmente cristal derocha e mica, A maior facilidade de arranjar empzego nas cidades ¢ as noti- clas que a respeito Ihes chegam de parentes ¢ amigos, agucam enomadismo da populasao rural — jd habituada a mudar das 7 reduzindo o grau de sua dependéncia em relagéo a0 proprie:irio da terra. zonas decadentes para as mais présperas 0 CORONELISMO, ENXADA & VOTO Mas ainda € cedo para se titar qualquer conclusio mais posi- Liva sobre o fendmeno apontado, porque as eleigdes de 1945, ©1947 apresentaram certas peculiatidades, que langaram per- turbagio na tradicional alrernativa eleitoral do Brasil: gverno © oposigio.® A falta de espitito piiblico, tantas vezes irrogada ao chefe politico local, é desmentida, com freqiiéncia, por seu desvelo pelo. progresso do distcito ou municipio. F a0 seu interesse € sua insisténcia que se devem os principais melho- ramencos do lugar. A escole, a estrada, 0 correio, 0 telégraf, «a fervovia, a igreja, 0 posto de satide, 0 hospital, o clube, 0 campo de fovtball, a linha de tiro, a lux clétrica, a rede de esgoros, a igtia encanaca —, mdo exige 0 seu esforgo, ds vezes tum penoso esforgo que chega ao herofsmo. E com essas reali- 2ages de utilidade publica, algumas das quais dependem sé ‘do sew empenho ¢ prestigio politico, enquanto outras podem * requerer contribuigSes pestoais suas e dos amigos, é com elas que, em grande parce, o chefe municipal consttdi ou conserva sua posigao de lideranca.®* Apesar disso, em nossa literatura politica, especial- mente na partidiria, o “coronel” nfo tem sido poupado. Res- ponsivel, em grande parte, pelas vitdrias eleitorais dos candi- datos do oficialismo, é freqiientemente acusndo de néo ter ideal politico. Sua mentalidade estreita, confinada 20 muniet- pio, onde os interesses de sua faccio se sobrepdem aos da patria, seu descaso pelas qualidades ou efeitos dos candidatos 5 < as leigbes extaduais ¢ federais, tudo isso incute no espitito dos derrotados amarga descrengs nas possibilidades do regime demoeritico em nosso pals. E habitualmente esse ceticismo perdura até o momento em que o interessado, concorrendo a nova elei¢fo do lado governista, se possa beneficiar dos votos inconscientes do “corone!”, E fora de divida que a mentalidade municipal tem predominado em notsas eleigbes. Mas € um erro supor queo chefe local assim procede por meto capricho ou porque nele nao tena despoatado ou esteja pervertido o sentiments pi- blico. Basta lembrar que o espitito governista é a matce pre- dominante dessa mentalidade municipal para vemos que alguma tazio mais podetosa que o simples arbitrio pessoal atua naquele sentido. Para falar em termos de genesalizacio, computados os altos ¢ baixos de sua conduta, 0 “coronel”, como politico que opera no reduzido cendrio municipal, nfo melhor nem pior do que os outres, que circulam nas esferas mais largas. Os politicos “estaduais” e “federais” — com ex- cegoes, € claro — comecaram no municipio, onde ostenta- vam a mesma impura falta de idealismo que mais tarde, quando se acham na oposigéo, costumam atribuir aos chefes locais. © problema nfo 4 portanco, de ordem pessoal, se bhem que os fatores ligidos & personalidade de cada um pos- sam apresentar, neste ou naquele caso, caracter(sticas mais acentuadas: ele esté profundamente vinculado & nossa estrus tura econdmica e social, 38 LONUNELISND, ENKALIA EVOL VI Nao se compreenderia, contudo, a lideranga munici- pal s6 com os fatores apontados, Ha ainda os favores pessoais de toda ordem, desde arranjar emprego piblico até og mini- mos obséquios. E neste capitulo que se manifesta © paterna- lismo, com a sua reciproca: negar pio e agua ao adversitio, Para favorecer os amigos, o chefe local resvala muitas vezes para a rona confitsa que medeia entre o legal ¢ 0 ilicto, ou penetra em cheio no dominio da delingiiéncia, mas a solida- riedade partidéria passa sobre todos os pecades uma esponja regeneradora. A definitiva reabilitagao viré com a vitdria elei- toral, porque, em politica, no seu critério, “sé ha uma vergo- nha: perder”. Por isso mesmo, o filhotismo tanto contribui para desorganizar a administragio municipal. ‘Um dos principais motivos dessa desorganizagio € a generalizada incultura do interior, cépia muito piorada da incultura geral do pais. Se os préprios governos federal e esta- duais tém tanta dificuldade em co eguir funciond:ios capa- 2es, por isso mesmo improvisando téenicos cm tudo da noite para o dia, imagine-se © que ser4 dos municipios mais atrasa- dos. Os inquéritos que se fizeram a esse respeito em varios Estados depois da revolugio de 1930 revelaram coisas sur- preendentes. Dai a ctiacio dos departamentos de municipal dades, que, 20 lado da assisténcia técnica prestada &s comunas, no tardaram a assumir fung6es de natureza politica. Mas 0 despreparo do interior 6 explica uma parte da anarquia admi- o orcas some A ESTRUTUNA 1 @ PRUCESSY DU “cOMUNELISNO nistrativa observada em muitas municipalidades. A outra par- cela de responsabilidade cabe, de um lado, a0 filhotismo, que convoca muitos agregados para a “gamela” municipal, e, de outro lado, & utilizagéo do dinhciro, dos bens ¢ dos servicos do governo municipal nas baralhas eleitorais, A outra face do filhorismo & o mandonismo, que se manifesta na perseguicio aos adversérios: “para os amigos pio, para os inimigos pau”. As relagBes do chefe local com sea adversério raramente sfo cordiais. O normal ¢ a hosilidade.* Além disso, como ¢ ébvio, sistemitica recusa de favores, que os adversirios, em regra geral, se sentiriam humilhados de pedic. Nos periodos que precedem as eleigdes & que o am- biente de opressio atinge o ponto agudo.2” Nos intecvalos das campanhas cleitorais, melhoram muito as relagSes entre as parcididades do municipio, chegando eventuslmente a set amenas € respeitosas. E nessa fase que se processam os entendi- ‘mentos que permitem 3 facso que estd no poder, ou é apoiada pelo governo estadual, engrossar Suas fileirss, pela adesio de cabos clcitorais urbanos ou de “coroneis”. Esse clima propicio 0 acordo também avinge seu ponto étimo por ocasizo das cleigges, mas na fase que precede & tomada de compromissos. Uma ver definidasas posigdes, entra-se ento na etapa da com- pressio, que antecede imediatamente 2a pleito. * Alguns pro- viveis aderentes podem ser poupades até mais tarde, enquanto subsiste & possbilidade de os chamar 20 seio confortivel da situagio,® Outros serdo convencides pelos primeiros indicios a CORONELISMO, ENXADA 2 YOTO de violéncia, Muitos se absterao de vorar para evitar dissabores maiores, ¢ uns poucos faltario a palavra empenhada. A regra é ser honrado 0 compromisso que no municipio se firma de homem para homem, ¢ a quebra de sua palavra repugna tanto 20 chefe local quanto o exaspera a traigde de companheiros, © Mas hd nisso tudo uma étiea especial: como os com: Promissos nfo sio assumidos & base de princtpios politicos, mas em toro de coisas conereras. provalecem para ume ou ara poucas eleigdes préximas. Quando vé a necessidade de mudar de partido (0 que significa geralmeiite aderir a0 gover- 10), 0 chefe local —ow 0 “coronel” — retard o seu promun- ciamento, Sesofieu alguma desconsideracio pessoal, ou ou de ser atendido em pretensio que reputa importante, jf tem af © motive da ruptura, porque o cumprimento de sua prestagio 10 acordo no foi correspondlido pelo chefe a quem emprestou apoin eleiroral. Quando no houver tais motivos, nio lhe fal- | tard o grande argumentor nfo tem diteco de impor aos amigos 0 sacrificio da oposicio. E esse argumento, que pode ser insincero, € em substincia verdadeiro ¢ procedente, porque o primeizo dever do chefé local éaleangar a vitéria, 0 que signi- fica obter para sua corrente 0 apoio da situagao estadual, VIL A rarefagio do poder ptblico cm nosso pais contribu ‘muito para preservar a ascendéncia dos “coronéis”, jf que, por esse motivo, estio em condigées de exercer, extm-oficialmente, @ grande niimero de funcées do Estado em relagSo aos seus de- pendentes. Mas essa auséncia do poder piiblico, que tem como conseqiiéncia necessiria a efetiva atuacio do poder privado.** «std agora muito reduzidz com os novos meios de transporte ¢ comunicagio, que se vio generalizando, A policia de hoje, sal- vo em raros Estados, poderd comparecet 20 local de perturba- gio e atuar com relatva eficécia num periode de tempo, que cada ver se torna mais curto. A rebeldia do chefe local — 130 ccaracteristica de certo periodo da Colénia — jé nfo é um meio de consolidar, mas de enfraquecer € minar a influéncia do “coronel”, Ainda assim, como a organizagéo agriria do Brasil mantém a dependéncia do elemento rural 20 fazendeiro, impe- dindo 0 contaro direto dos partidos com essa parcela notoria- mente majoritéria do nosso eleitorado, 0 partido do govemo estadiual no pode dispensar 0 intermédio do dono de terras. Mas nao se submete a ele seniia naquilo que, néo sendo funda- mencal para.asituacie politica estadual, é,contado, importen- tissimo para 0 fazendeiro na esfera confinada do seu munict. pio. Sabe, por isso, o “coronel” que a sua impertinéncia sé the traria desrantagens: quando, a0 contritio, sé0 boas as relagées entre o seu poder privado e o poder instituldo, pode 0 “coro nel” desempenhar, indispuradamente, uma larga parcela de smutoridade piblica. E assim nos aparece este aspecto impor- tantissimo do “coronelismo”, que é0 sistema de reciprocidade: de-um lado, os chefes municipais ¢ os “coronéis”, que condu- zem magotes de eleitores como quem toca trope de burros; de a. CORONELISMO, ENXADA = VOTO outro lado, a situagio politica dominante no Estado, que dis. poe doerétio, dos empregos, dos favores eda forsa policial, que possui, em suma, 0 cofte des gragas e 0 poder da desgraca.M4 Ecclaro, portanto, que os dois aspectos — o prestigio préprio des “coronéis” € 0 prestigio de empréstimo que o poder publico lhes outorga — sto mutuamente dependentes ¢ fancionam ao mesmo tempo como determinantes ¢ deter minados. Sem « lidevanya do “coronel” — firmada na estiutu- 13 agritia do pals —, 0 governo nio se sentiria obrigado «um tratamento de reciprocidade, ¢ sem essa reciprocidade a lide- ranga do “coronel” ficaria sensivelmente diminufda. Muitos chefes municipais, mesmo quando partici- pam da represeatagio politica estadual ou federal, costumam ser tributérios de outros, que ji galgaram, pelas relagdes de parentesco ou amizade, pelos dotes pessoas, pelos conchavos ou pelo simplesacaso das circunstandias, a posigo de chefes de grupos ou correntes, no caminho da lideranga estadual ou fe- deral. Mas em todos esses graus da escala politica impera, como no podia deixar de ser, o sistema de reciprocidade,*e todo 0 edificio vai assentar na base, que ¢ 0 “coronel”, fortalecido pelo centendimento que existe entre ele € a situaggo politica domi- ante em seu Estado, através dos chefes intermedidrios. O bem ¢ © mal, que os chefts locais estéo em condi- ges de fazer 20s seus jurisdicionados, nio poderiam assumir as proporgdes habituais sem o apoio da situagao politica esta- dual para uma e outra coisa. Em primeiro lugar, grande cépia InpicagOes soune 4 esTHUTUM £0 PROCESSO 60 “CerONELiNA” de favores pessoais depende fundamentalmente, quando no cexclusivamente, das autoridades estaduais, Com o chefe local — quando amigo — é que se entende o governo do Estado em tudo quanto respeite aos interesses do municfpio.!* Os proprios funciondtios estaduais, que servem no lugar, so es- colhidos por sua indicagao. Professoras primérias, coletor, funcionirios da coleoria, serventuérios da justica, promotor publica, inspecores do ensino primiitio, servidores da satide publica etc, para tantos cargos a indicagio ou aprovagio do chefe local coscuma ser de praxe, Mesino quanco 0 governo estadual tem candidstos préprios, evita nomes-los, desde que vena isso a representar quebra de prestigio do chefe politico do municipio, Se algum funcionério estadual entra em cho- que com este, a maneira mais conveniente de solver o impasse € remové-lo, as vezes com melhoria de ituagio, se for neces- sitio. A influéncia do chefe local nas nomeagées atinge os préptios cargos federais, como coletor, agente do cotteio, ins- petor de ensino,secundtio © comercial ete ¢ 05 cargos das autarquias (cajos quadros de pessoal :ém sido muito emplia- dos), porque também é praxe do governo da Unio, em sua politica de compromisso com a situagio estadual, aceitar in- dicagoes ¢ pedidos dos chefes politicos nos Estados. A lista dos favores ndo se esgota com os de ordem pessoal. £ sabido que os servigos ptiblicos do interior so de- ficiencissimos, porque as municipalidades nao disp6em de re- cursos para muitas de suas necessidades. Sem 0 auxilio finan- 6 CORONELISMO, ENXADA E voTO eit do Estado, dificilmente poderiam empreender as obras mais necessirias, como estradas, pontes, escolas, hospitais, gus, exgoros, energia elétrica, Nenhum administrador muni- cipal poderie manter por muito tempo a lideranga sem realizar qualquer heneficio para sua comuna, Os prdprios fazendeiros, que catecem de estradas para escoamento de seus produtos ¢ de assisténcis médica, a0 menos rudimentar, para seus empre- gados, acabariam por the recusar apoio eleitoral. E 0 Estado — que, por sua vez, para.os servicos que lhe incumbem — tem de dosat cuidado- samente esses favores de utilidade publica. O ctitérie mais Be de parcos recursos, insuficientes logico, sobretudo por suas conseqiiéncias eleirorais, é dar pre- feréncia aos municipios cujos governos estejam nas mos dos amigos. E, pois, a fraqueze financeira dos municipios um fator que contribui, relevantemente, para manter 0 “coronelismo", nna sua expres O apoio oficial revel-se ainda precioso no capfeulo ‘sta. 47 governisra, cas despesas cleitorais, que os chefes lacais ndo podem euscear sozinhos, embora muitos se sacrifiquem no cumprimento des se dever, Por isso, ¢ de praxe que os candidatos também con- tribuam, assumindo, alguns, pesadas responsabilidades finan- ceiras para disputar a cadeira desejada. Mas, como ¢ notério, sio 0s coftes pliblicos que costumam socorrer os candidatos ¢ os chefes locais governistas nessa angustiosa emergéncia. Os auxilios sio dados, algumas vezes, em dinheiro de contado, ou pelo pagamento diteto de servigos e utilidades. Outras vexes, 0 6 IWDICAGDES SORE A ESTRUTERA E © OCESO De “coLoNEUSMO? auatlio € indireto, através de contratos, que deixem boa mar- gem de lucros, ou pela cessio de edificios, transporte, oficinas grficas, material de propaganda ete. Dos recursos, tradicional- mente infimos, de nossas municipalidade uma boa parte, em epoca de eleigao, destina-se a essa finalidade. Entte os moti- vos que tomam to acirradas as eleigGes municipais no Brasil, este ocupa conseguintemente, lugar de destaque, O Estado ¢, evenmualmente, a Unido ¢ as entidades autdtquicas também costumam contribuir com fundos ou servicos, para uso exclu sivo — claro — dos candidaros governistas. ? Tudo isso se inclui na categor’a do “bem” que of chefes locais podem praticar, quando dispdem do governo municipal ¢ estio aliados a0 governo estadual, Por outro lado, aquele que pode fazer o bem se toma mais poderoso quando est em condigées de fazer 0 mal. B aqui o apoio do oficialismo estadual 2 efe do municipio, seja por agio, seja por omissio, tem a méxima imporcincia, Nese capitulo, assumem relevo especial asfiguras do delegado ¢ do subdelegado de policia.**A nomeagao dessas autoridades de sumo interesse para a situagdo dominante no municipio © constinui uma das mais valiosas prestasées do Estado no acordo politico com os chefés locais. Embaragar ou atrapalhar negécios ou iniciativas da oposiglo, fechar as ollos & persegui- $40 dos inimigos politicos, negar favores e regatear direitas 20 adversirio — sio modalidades diversas ca conttibuicio do governo estadual & consolidagio do prestigio de seus correli- @ (ORGIELISMO, ENKABA Vatu giondrios no munic{pio. Mas nada disso, ia de regra, se com- para a esse trunfo decisive: pér a policia do Estado sob as ordens do chefe situacionisca local. Em certas circunstincias, as ameagas ¢ violéncias de- sempenham fangio primordial, porque semelhantes processos podem, por vezes, garanct 0 governo municipal &correntelocal menos prestigisda, Mas a ragra ado estar a regia 6 0 recutc0 simiulténeo ao favor e 20 porrete. Compreende.se isso perfeita- ‘mente, quando se considera que’ situago dominante no Esta- do 0 que interessa ¢ consolidar-se com 0 minimo de violéacia. A nio ser um desequilibrado, ninguém pratica o mal pelo mal: em politica, principalmente, recorre-se 8 violéncia, quando ou- tos processos sio mais morosos, ou ineficazes, para o fim visa- do, Por isso mesmo, fieqiientemente, 0 oficialismo estadual apéia.a corrente que jé conseguiu posigio preponderante no municipio." Outras vezes, forca acordos, com partilha das van- tagens, Em virtude desses entendimentos — tréguas menes ou ‘mais prolongadas — pode um dos grupos adversirios, melhor aquinhoado ou com menor disposigao para o ostracismo, aderir cm definitivo. A corente preferida fica, assim, majoritaria, de- saparecendo, daf por diante, a necessidade da conciliagio, Eevidente, como jé ficou indicado, que nem todos os chefes de facges municipais e nem todos os “coronéis” so ali- ados do oficialismo estadual. Podem estar na oposigio, como se vé em quase todos os municfpios. Masa situacio de oposicionis- ta, no Ambito municipal, é tao desconfortivel que a regra €ficar 6 1a oposicao somente quem nao pode ficar com 0 governo. Se- gundo jé tem sido observacio, as correntes politicas municipais se dighdiam com édio moral, mas comumente cada uma deias 0 que pretende € obter as preferéncias do governo do Estado; néo se batem para detrotar 0 governo no erritério do municipio, a fim de fortalecer a posicio de um partido extadual ou nacional fo governica: batem se pare disputar, ents si, o puvilégiy de apolar o governo e nele se amparar. Na palavia autorizada de Basilio de Magalhaes, quando “nos municlpios surgem facgbes, de ordintio em acitrada pugna umas com as outras, todas conclamam desde logo, chocalhanremente, o mais incondicional apoio ao situacionismo estadual”.* O maior mal que pode acon- tecer a um chefe politico municipal é ter o governo do Estado como adversitio. Por isso, busca o seu apoio ardorosamente, As cleigbes municipais constituem pelejas tio aguerridas em noss0 pals, justamente porque ¢ pela comprovacao de possuir amaioria do dleitorado no municipio que qualquer facgao local mais se credencia as preferéncias da situagio estadual. A esta, como jé nnotamos, o que mais interessa é ter nas eleigées estadunis ¢ fe- derais, que se seguirem, maior mimero de votos, com menor disptndio de favores ¢ mais moderado emprego da violéncia, Apoiar acorsentelocal majorititia é, pois, o meio mais seguro de obter esse resultado, inclusive porque a posse do governo muni- cipal representa, para ela ¢ para o governo estadual, um fator posirivo nas eleigSes, balanga em que tanto pesam o dinheiro pubblico e os beneficios de procedéncia oficial. “8 CORONELISMO, ENXADA E VOTO Aveséncia, portanto, do compromisto “coronelist:” — salvo situagées especiais que no constituem tegra— con. siste no seguinte: da parte dos cheies locais, incordicional spoie aos candidaios do oficialismo nas eleicGes estaduais ¢ federaisy da parte da simagéo estadual, carta-branea ao chele local governista (de preferéncia o lider da facsS0 local majo ricdria) em todos os assuntos relativos a0 munictpio, inclusive na nomeaglo de funcionitios estaduais do lugar ‘Vu Ao estudarmos a sutonomia municipal no Brasil verificamos, desde logo, queo problema verdadeiro nto & 0 de autonomia, mas o de filta de autonomia, to constante tem sido, em nossa histéria, salvo breves reagSes de caréter mu- nicipalista, o amesquinhamento das instituigées municipais, » Aatrofia dos noss0s municipios tem resultado de processor ‘icios: pemiria orgamentiria, excesso de encargos, reducio de suas atribuigées aurénomas, limicagées a0 principio da cle- Uividade de sua administcacfo, intervengéo da policia nos ple tes locas etc. Passado o perfodo iureo das cdmaras coloniais, sobrevieram a mitida interferéncia régia © a tutela imperial Abrisa autonomista do comego da Repiiblica em breve tempo deixou de soprar, ¢ ventos contrarios passaram a impulsionar a politica do municipalismo no Brasil. Em 1934, tivemos um novo surto autondmico, interrompido pelo Estado Novo." E36 agora, em 1946, a terceira Constituinte republicans ps o problema do municipalismo entre suas primeiras cogieagsee, encarando principalmente o aspecto fundamental da receita, © movimento de 46 ¢ uma continuagio mais consciente ¢ conseqilente do de 34, embora certos detalhes emprestem a tum outeo particularidades dignas de registro. Até onde, po- «éi, 0 novo municipalismo resultaré em zeforgamento efetivo da autonomia politica das comunas, eis uma questio era aber~ 10, que s6 0 tempo resolvers. Entretanto, a0 lado da falta de autonomnia legal, a que aludimos, os chefes municipais governistas sempre gora- ram de uma ample autonomia exrralgal. Em regra, a sua opi- nifo prevalece nos conselhos do governo em tudo quanto resprite 29 municipio, mesmo em assuntos que si da compe- téncia privativa do Estedo ou da Unio, como seja a nomes- s0 de certos funcionétios, entre os quzis 0 delegado ¢ os coletores. E justamente nesta autonomia extralegal que con- siste a carta-branca que o governo estadual outorga aos corre- ligionstios locais, em cumprimento da sua prestagio no com- promisso eipico do “coronclismo”, f ainda em virmude dessa cartacbranca que as autoridades estadusis dio o seu concusso ou fecham os olhosa quase todos os atos do chefe local gover. nista, inclusive a violéncias ¢ ourras arbieratiedades. Opera-se, pois, uma cutiosa invensio no exercicio da ‘turonomia local. Se gnrantidajuridicamente contra asincromis- sbes do poder estadual e assentada em sélida base firanceira, 2 sutonomia do muniefpio seria naturalmente exercids, no regi- n. od CORONELISMO, ENXADA E voTO me representativo, pela maioria do eleitorsdo, através de seus ‘mandatirios nomeados nas unas. Mas com a autonomia legal cerveada por diversas formas, o exercicio de uma autonomia exttalegal fica dependendo inteiramente das concessbes do go- vverno eitadual. Jé nfo serd um direito da maioria do eleitorado; seri uma didiva do poder. E umz doagio ou delegagao dessa cordem beneficiaré necessariamente aos amigos do situacionis- mo estadual, que porventura estcjam com adiresdo administra. tiva do municipio. Quando for este 0 caso, 0 municipio pode ter até relativa prosperidade, inclusive através da realizagio dos servigos piiblicos locais mais importantes. Se ocorre estar no governo municipal uma corrente politica desvinculada da si- ‘uagio estadual, ¢ claro que nao the serd oucorgada a autonomia cextralegil que recebetia, se patilhasse das suas preferéncias po- liticas. Terd, pottanto, de se mover estritamente dentro dos mirvados quadros de sua auronomia legal, que s6 tem disposto de uma receita publica insuficiente para atender aos encargos locais mais clementares. Além disso, as atvibuigSes privatives do Estado teferentes 20 municipio (especialmente nomeacbes) assario a ser exercidss, nio de acordo com o governo munici- pal oposicionista, mas segundo as indicagSes da oposigao muni- cipal governista, Fica, assim, ao inteiro critétio do governo esta- dual respeitar, ou no, as preferéncias da maioria do elcitorado local, no que entende com os assuntos do seu peculiar interesse. Dentro deste quadro, o éxito de uma parcialidade nas dleiges municipais seri uma vitdria de Pirro, a nio ser que n elajé sea, ou venha a tornar-ce aliada da situagio estadual. Por virtude dessa completa inversio de papéis, é evidente que, em regra, 0s candidatos aos cargos municipais suftagados pela maioria do eleitorado nfo resultam de uma selegao esponti- rea, mas de uma escolha mais ou menos forcada. Se os candi- datos ao governo municipal, que forem apoiados pelo governo estadual, sf0 os que tém maiores oportunidades de fazer uma administragio proveitosa, esse fato jd predispde decisivamente grande ntimero de eleitores em favor do partido local gover- nista. Em tais circunstancias, mesmo as deiges municipais mais livres © regulares funcionario, freqiientemente, como simples chancela de prévias nomeagdes governamentais. Au- témtica mistificagdo do regime representativo, © argumento, muito usado, de que a autonomia local favorece as administragoes perdulérias ou corruptas, pela impossibilidade de um controle do ako, ¢ geralmente docu- mentado com a experiéncia do regime de 91 na maior parte dos Estados. Mas, seo Estado, no regime de 91, dispunha de completa ascendéncia politics sobre os chefes locais, por que no a exercia no sentido de moralizar a administrasio muni cipal? Por que sé a utlizava para impor candidatos nas eleicoes estaduais € federais? Bssas perguntas desnudam o fato verda- deito que o proprio argumento encobre. A “vista grossa” que ( governos estaduais sempre fizeram sobre a administragao municipal, deixando de empregar sua influéncia politica para moralizé-la, fazia pare do sistema de compromisso do “coro- 7 CORONELISMO, ENXADA E VOTO nelismo”, Estava incluida na carta-branca que recebiam os cchefes locais, em troca do seu incondicional apoio 20s candi- datos do governo nas eleigdes estaduais ¢ federais, Ainda assim, ocorre perguntar: por que 0s governos estaduais pagavam tio elevado preco pelo apoio dos chefes lo cais, delxando que 0 exbanjamento ou a cormupeao devastassem 2 administracio dos municfpios? A resposta nio parece difici: 08 coftes ¢ os servigos municipais eram instrumentos eficazes de formacao da maioria desejada pelos governos dos Estados nas dleigoes estaduais ¢ federais. Além disso, nio Ihes caberia qual- quer direta responsabilidade pelas malversagoes, que corriam Por conta. risco dos préprios chefes locais. O prego caro, pago pelo Estado em troca do apoio eleiroral dos chefes locais, era, Portanto, uma condigio objesive para que esse apoio corres- pondesse aos fins visados pelo governo estadual ne Se a atirude do poder executivo — ao qual cabe a chefis da politica estadual — cm relagio a0s municipios parece sutisferoriamente explicivel, através do mecanismo que dex crevemos, 0 mesmo no acontece com a atitude dos legislado- tes estaduais, no votarem as eis de organizacso municipal, que favoreciam tamanha inversio do sistema tepresentativo, Em sua maiotia, homens do interior, chefes politicos municipais, como explicar que consentissem na misificagio das preferén- cits do eleitorado local, forcado a pender quase sempre para o 4 | | | | | InieAGeEs somKe 4 EsTIUTUM # o-PNOr8S0 BO “conoNELINNO* lado governista em conseqiéncia do amesquinhamento do municipio? © motivo primiério seria certamente 0 receio de nao setem reinclufdes na chapa oficial e, portanto, de perde- rem a chance de volter 20 Congresso do Estado, ou alcar até 20 Congresso da Republica. Exclufdos da chapa do governo, 0 sistema de compromisso “coronelista”, que jé analisamos, con- tribuiria para derroti-los em seus préprios municipios, Mas, afora ese motivo politico, muito ponderivel (pois © governo, além do conformismo do eleitorado “coronelista”, ainda se valia da fraude e da coagio para vencer nas urnas), haveria outra razdo mais profunds, A primeira observagéo de quem estuda 0 “corone- Jism” é nacural eacertadamente, atribuilo & hegemonia social do dono de tetras. Mas é preciso entender esia hegemonia ape- nas em relacio aos dependences da sua propricdade, que cons- tituem 0 seu mago de vores de cabrett. Nao & possivel com- preender essa hegemonia em relagao a todo 9 municipio. Um municipio divide-se em discritos: 0 distro da sede — urhano — eeapa d influéncia do “coronel” que niio seia a0 mesmo tempo chefe politico municipal; e cada um dos distritos rurais S compte de diversas fzxendas.* Esa fagmentagdo da hege- ‘monis social ny incerior rende a prosseguir nas zonas de lavoura ‘ecadente, ou pouco produtiva, pelo empobrecimento dos pro- pricttios, e ainda por eftito do nosso regime succssério.# Se um s6 “coronel” fosse dono de um diserito intei- ‘0, a sua hegemonia social, resultante da propriedade da ter- ws CORONELISMO, ENXADA E VOTO 1a, seria incontestivel naquela circunscri¢ao, 0 mesmo ocor- rendo em relagio a todo © municipio, quando fosse 0 caso, Havendo, porém, como &2 regra, varios fazendeiros em cada disttco e ntimero bem maior em cada municipio, seria natu- ral que, espontaneamente, se agrupassem em mais de uma cortente partidéria, arendendo aos diversos fatores que deter- miram 2s ligagSes politicas municipais. O agrupamento dos fazendeiros do distrito, em torno de um deles, € 0 dos chefes distitais, a0 redor do chefe municipal — exclufda a influén- cia governamental de que adiante falaremos —, explicam-se por diversas razées: por motivos de ordem pessoal (maior ‘vocssio, capacidade ou habilidade); pela tadigg0 (perma- néncia da chefia na mesma familia); pela situago econémica (propriedades mais ricas, com major niimero de eleitores, ou aiores disponibilidades para gastos eleitorais) etc. Dessa va- riabilidade dos motivos de ligacio partidéria, resultaria um equilibrio muito instivel para as forcas politicas locais, que se agravaria pela comum vacilagao do eleitorado urbano, menos submisso e, portanto, de manifestagio mais dificilmente pre- vistiel. Que sucederia, nessas condig6es, se a sorte da chefia politica do municipio dependesse exclusivamente do cleitora- do, isto ¢, dos cabos eleitorais urbanos e de cada um dos diversos fazendeivos dos distritos? Cada cleigio, com toda provabilidads, seria uma batalha incerta, ou pelo menos murto custosa. Os riscos do pleito aumentariam consideravel- mente, prevalecendo no combate os chefes que tivessem, de 76 [WOIeACOES JOURE A EAFAUTURA € © FRDEESIA DO "coRDNELINO™ fato, maior capacidade pesoal de lideanga. Mas, como as chefias locais sfo muitas vezes adquiridss pelo acaso do nas- cimento, do mattiménio ou de alguma amizade protetora, em todos esses casos, quando faltasse a0 chefe qualidades positivas de lideranca, a sua sorte politica esaria por um fio em cada novo pleito que se travasse, O que impede que o panorama politico municipal se apresente por toda parte do modo por que aqui o imaginamos é justamente 2 forga aglutinadora do geverno, aumentada na razio direra do amesquinhamento do municipio. © poder de cocséo do governo livta os pleitos munis is de grande parte dos riscos apontados, porque predispe 0 eleitorado em favor dog candidates governistas.Tss0 explicaria, caver, a atirude dos préprios legisladores estaduais, que deixavam de utilizar seus poderes consticucionais para vitalizar a organizagio mu aicipal e, assim, contribuir para libertat o seu eleitorado da influéncia absorvente que sobre ele exerce 0 governo através dos chefes locais e dos “coronéis". Se, por um lado, ficavam os depurados estaduais jungidos a0 governo, de quem dependia em tims andlise a sorte da eleicio, por outto, a sua reeleicao ou a sua promogio na carteira politice estatiam garantidas, enquanto soubessem ou pudessem manter boas relagoes com a situagio do seu Estado. ‘Tudo isso indica que o problema do “coronelismo”, aparentemente simples, apresenta no seu mecanismo interno grande complexidade. Nao-hé duivida, entretanto, que cle € ” CORONELISMO, ENXADA E VOTO muito menos produto da importincia e do vigor dos senhores de terras, do que da sua decadéncia, A debilidade dos fazen- deiros sé aparenta fortaleza cm contraste com a grande massa de gente que vive, mesquiahamente, sob suas asas ¢ enche as uurnas eleitorsis a seu mandado. O “coronelitmo” assente, pois, nessas duas feaqueras: fraqueza do dono de terras, que se ilude com o prestigio do poder, obtido & custa da submis. sio politica; fraqueza desamparada ¢ desiludida dos seres quase sub-humanos que arrascam a existéacia no trato das suas propriedades. . Mi — que to repetidamente tém de apelar para o brago do dele- gado de policia — daqueles rebeldes e poderosos senhores longe esto os “coronéis” de hoje e de ontem rurais de certo periodo colonial, que eram o governo ea lei de seus dominios, O poder que uns ¢ outros ostentam, embora possa apresentar aspectos exteriores semelhantes, ¢ expresst * num caso, da fora de um sistema escravista e patriarcal em seu apogen e, no outto, ca fragilidade de um sistema rural decadente, baseado na pobreza ignorante do cabalhador da roca e sujeito aos azares do mercado internacional de matérias primas e de géneros alimenticios que no podemos controlar. A melhor prova de que 6 “coronelismo” é antes si toma de decadéncia do que manifestagio de vitalidade dos senhores rurais, nés a temos neste fato: é do sacrificio da autonomia municipal que ele se rem alimentado para sobreviver. n CAPITULO SEGUNDO Attibuigdes municipais 1 —Conceito quantitative, I — Apogeu das cmaras coloniais. Il — Reagéo da Corea, Fortalecimento do poder real apds a trasladagio da Corte, IV— A lei de 1828. V—O Ato Adicional ea reagio centralizadora. VI—Auibuigoes municipais no regime de 1891, VIL — A fase do Govemno Provisério de 1930. VII —A Constieui de 1934 €0s deparamentos de muni palidades. IX — Submissio do municipio no egime de 1937, X — Constituigéo de 1946: assistencia téc- nica sos municipios cfiscalizagio de suas finangas, XI — Imervengie do Estado na ordem economica: seu reflexo sobre 2s antibuigées dos muniefpios. XII — Municipalismo e federalism I Precisar quais devam ser, numa boa organizaco administrativa, as atribuigdes municipais, é tarefa de extre- ma dificuldade, As indicagées muito gerais pouco esclareci- ‘mento podem trazer, Quando se diz, por exemplo, que de- vem caber a0 municfpio as tarefas de natureza local, ou do 7

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