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EFEITO PLACEBO. MONICA L. ZILBERMAN * CLARICE GORENSTEIN A cura para a dor de cabeca est em um tipo de folha que precisa ser acompanhada por um encanto. Se a pessoa repetir 0 encanto, do mesmo tempo em que usar a folha, a cura estd completa; porém, sem o encanto a folha serd indtil. (Socrates, de acordo com Platio) O QUE E PLACEBO E EFEITO PLACEBO? “Bu vou agradar”. Este ¢ 0 significado da palavra latina placebo. Historicamente, o efeito pla- cebo representou o efeito inespecifico de uma substancia fisiologicamente inerte administra- da pelo médico a um paciente com o intuito de agradé-lo, de fazé-lo sentir-se melhor. A raiz da palavra embute o preconceito de que o placebo seria uma forma de “enganar” o paciente, “agradando-o” mais do que “tratando-o”. ‘Atualmente o termo placebo € bastante difundido e nio se limita apenas a conceituar medicamentos falsos ¢ comprimidos que nao contém principio ativo (pilulas de agticar ou farinha). Refere-se ainda a qualquer tipo de procedimento que supostamente nao deveria provocar nenhum efeito. Entretanto, os tratamentos “inécuos” também produzem efeito, 0 chamado “efeito placebo”. Fenémeno bem documentado, 0 efeito placebo manifesta-se, por exemplo, em muitos pacientes que melhoram quando tratados com comprimidos sem nenhum ingrediente ativo e, mais do que isso, sabe-se que placebo é mais eficaz quando a pilula é maior, se é colorida em vez de branca, se seu sabor € amargo, se arde, se custa caro, se é dificil de achar ¢ se é um lan- camento recente no mercado. Até cirurgia placebo funciona. Em uma pesquisa sobre o valor da cirurgia de ligagdo de uma artéria no t6rax na angina de peito, na qual o placebo consistia apenas em anestesiar 0 paciente ¢ fazer a incis4o, os pacientes operados ficticiamente tiveram 80% de melhora. Paradoxalmente, os que foram realmente operados tiveram apenas 40% de melhora. 267 < e 4 Cc CS ° = ow 268 <@ _INTERSECCOES ENTRE PSICOLOGIA E NEUROCIENCIAS O feito placebo pode ser definido como a redugio de um sintoma resultante de fatores relacionados percepcio que o individuo tem de um tratamento. Sabemos que, para qual- quer tratamento, a melhora obtida € uma combinagio de seu efeito ativo (especifico) com a remissio espontanea e 0 efeito placebo (inespecifico). Embora o clinico tenha a tendéncia de atribuir a melhora ao efeito ativo do tratamento, € dificil quantificar a contribuicio de cada fator para a resposta final. Por considerar que a resposta obtida est associada a essa percepcio (ou expectativa), € nao ao placebo em si (afinal, se este ¢ inerte, nao é ele que produz efeito), alguns autores tém proposto o conceito de “resposta relacionada ao signifi- cado” (meaning response) no lugar de “placebo” (Moerman e Jonas, 2002). A hipétese, neste caso, 6 a de que a resposta obtida a uma determinada terapia esta associada ao contexto da experiéncia anterior do sujeito. Embora em geral seja considerado psicolégico, as pesquiisas mais recentes indicam que 0 efeito placebo esta associado a virias alteragées fisiolégicas no organismo. O EFEITO DA AVALIACAO E DA EXPECTATIVA O efeito da avaliagio, conhecido como efeito Hawthome, foi descrito a partir de um estudo realizado em uma Companhia Elétrica de Chicago, de 1927 a 1929, cujo objetivo era avaliar 0s efeitos dos diferentes periodos de descanso oferecidos aos funciondrios sobre a produtivi- dade, Surpreendentemente, ao final da observacio houve um aumento de 30% na produtividade, independente do tipo de intervencio. Qu seja, o processo de avaliagio em si, a atencio recebi- da, foi responsivel pelo maior esforco dos trabalhadores para melhorar seu desempenho. Do mesmo modo, pesquiisadores das areas de Medicina, Psicologia e Biologia podem influenciar © comportamento dos sujeitos de suas pesquisas apenas pela atengao ¢ interesse que séo dedicados a eles. Em geral, os sujeitos tendem a se comportar de acordo com as expectativas dos experimentadores. efeito da expectativa € tio grande que pode ser observado também em pesquisas com animais (Rosenthal, 1976). Em um experimento dos anos 1960, os alunos foram instrufdos a observar © comportamento de ratos de mesma procedéncia divididos aleatoriamente em dois grupos. Entretanto, foi informado aos estudantes que os grupos representavam espécies sele- Gionadas de acordo com seu desempenho em labirintos: os répidos ¢ os lentos. O resultado foi que os ratos “répidos” apresentaram 51% a mais de respostas corretas ¢ aprenderam 29% mais rapido do que os “lentos”. Outro exemplo € o de um estudo em que plandrias foram divididas em dois grupos: em um deles as plandrias foram descritas como pertencentes a uma linhagem que produzia mais contrages corporais e movimentos de cabeca (alta resposta) em relacio a0 outro (baixa resposta). Os experimentadores observaram, em média, 20 vezes mais contragées € cinco vezes mais movimentos de cabeca no grupo esperado. O experimento foi repetido com pesquiisadores mais experientes, jé que da primeira vez os experimentadores eram estudantes de graduagio. Apesar de 0 efeito da expectativa ter de fato diminuido, ainda assim as plandrias de alta resposta contrairam 0 corpo de duas a sete vezes mais do que as de baixa resposta. Existem também intimeros exemplos que ilustram o efeito da expectativa em sujeitos de pesquisa. Em uma pesquisa envolvendo alcoolistas em recuperagio, os participantes foram informados de que a metade do grupo receberia uma bebida-placebo ¢ a outra metade rece- EPEITO PLACEBO <@® 269 beria a bebida real. A bebida que serviria de placebo era constituida de 4gua tonica aromati- zada com vodca, de modo a nio diferir em nada da bebida que realmente continha a vodca. No caso da bebida real, foram dilufdas cinco doses de agua tonica para uma de vodca. O interessante foi que o “comportamento alcodlico tipico” foi mais bem observado nas pessoas que haviam recebido placebo do que nas pessoas que haviam recebido vodca. Relatos ané- logos sao descritos para maconha ¢ outras drogas de abuso, para as quais o ambiente onde a droga é usada tem uma influéncia marcante sobre o efeito. O EFEITO PLACEBO E O EFEI TICA CLINICA Efeitos placebo permeiam a pritica clinica, fazendo parte, em maior ou menor grau, do efeito terapéutico de qualquer intervencio. Em 1955, Beecher estimou o efeito placebo em 30% (a popular “regra do 1/3”). Pesquisas posteriores confirmaram esta impressio. O efeito placebo é desejével — e até mesmo maximizado — com o intuito de se obter a melhor resposta terapéutica possfvel para um determinado paciente. Isto ocorre, por exemplo, quando se busca o estabelecimento de uma relacio médico-paciente empatica e acolhedora, um fator inespecffico reconhecidamente associado A efetividade de procedi- mentos especfficos. Certos autores consideram esse efeito da comunicagio “o efeito pla- cebo sem o placebo” (Egbert ¢ cols., 1964). Balint (1957) resumiu o efeito terapéutico da alianga entre médico e paciente ao afirmar que “os médicos so a droga mais usada”. Assim, a efetividade de um procedimento especificamente eficaz para uma determinada condigio é potencializada por uma série de fatores inespecificos — a relacio médico-paciente ¢ outros rituais associados 3 prética médica (Macedo ¢ cols., 2003). Por analogia, € importante con- siderar que os mecanismos envolvidos no efeito placebo também podem estar, em maior ou menor grauy, envolvidos na ocorréncia de efeitos colaterais em individuos que estejam recebendo tratamento ativo, através do efeito nocebo (Barsky ¢ cols. 2002). De fato, estima- se que aproximadamente um quarto dos pacientes que recebem um placebo refere espon- taneamente efeitos adversos (Shepherd, 1993). Esta proporgio aumenta consideravelmente quando os sujeitos sio questionados ativamente sobre a ocorréncia de efeitos colaterais. Por exemplo, um estudo mostrou que, dentre sujeitos recebendo placebo, 25% referiram sonoléncia, 17%, fadiga, 16%, queixas gastrointestinais variadas, 13%, concentragio redu- zida e 12%, dores de cabeca (Herzhaft, 1969). Quanto maior a expectativa da ocorréncia de efeitos colaterais, maior sua probabilidade de manifestacio. Os pacientes sio mais propen- sos a experimentar efeitos colaterais gastrointestinais com droga ativa ou placebo quando tais efeitos sio previstos pelo médico ou descritos no consentimento informado (no caso de pesquisa clinica). A implicacio clinica disto € que médicos e pacientes podem, erronea~ mente, atribuir 3 acio farmacolégica do tratamento administrado a ocorréncia de efeitos colaterais de natureza inespecifica O EFEITO PLACEBO NA PESQUISA CLINICA Diferentemente do que ocorre na pritica clinica, na pesquisa de novos tratamentos procu- ra-se controlar a ocorréncia do efeito placebo (inerente a qualquer intervengio terapéutica) mediante 0 uso de ensaios clinicos randomizados. Como parte dos procedimentos éticos 270 -@ _ INTERSECCOES ENTRE PSICOLOGIA E NEUROCIENCIAS apropriados, é explicado aos voluntirios que o tratamento recebido poderé ser ativo ou ina- tivo, e que sua alocagio para um ou outro seré aleatéria. As metodologias “cegas” foram criadas para minimizar o efeito da expectativa do expe- rimentador e sujeito, ou seja, a tendéncia inconsciente de ambos de gerar os resultados esperados. O estudo € considerado simples-cego quando o voluntério, mas nao o inves- tigador, desconhece a que tipo de tratamento (ativo ou inativo) esta sendo submetido. J4 no método duplo-cego, tanto o voluntério como o investigador nao sabem que tipo de tratamento um determinado voluntédrio est4 recebendo. O ideal é que os dados também sejam analisados com o cédigo fechado, s6 sendo aberto apés as conclusées terem sido formuladas. Outro modo de impedir, ou ao menos minimizar, a quebra da condigio duplo-cega é a introducio de um placebo ativo, cuja finalidade é mimetizar os efeitos colaterais da medicagio estudada. A eficacia da cegueira, entretanto, € muito pouco ava- liada. Em uma revisio recente (Fergusson ¢ cols., 2004), em 191 ensaios clinicos, apenas 15 (8%) avaliaram o quanto a cegueira foi atingida e, nestes, a taxa de sucesso foi baixa (40%). Talvez isso explique, em parte, por que o efeito placebo persiste nos ensaios clini- cos duplo-cegos randomizados. Nesses estudos, o tratamento novo ser4 considerado eficaz se a melhora observada no grupo que recebeu tratamento ativo for significativamente maior do que aquela obtida pelo grupo que recebeu o procedimento inativo (placebo). Embora esta seja uma das formas mais comuns de se avaliar o impacto do efeito placebo, ela nio leva em conta a possibilidade de remissio natural dos sintomas, nem o fato de que um tratamento inativo no é a mesma coisa que nao receber tratamento. Assim, para se medir verdadeiramente o efeito placebo 6 necessério comparar a resposta obtida em um grupo de voluntérios aleatoriamente dis- tribuidos para receber um tratamento inative com outro que nao receberé nenhum trata- mento. Estudos controlados comparando trés grupos (um recebendo tratamento ativo, um recebendo tratamento inativo e um terceiro sem tratamento) mostram que o efeito placebo verdadeiro é significativamente menor do que 0 observado em ensaios clinicos tradicionais (tratamento ativo versus tratamento inativo). Jé em estudos especificos a respeito do efeito placebo, em que um grupo recebe um tratamento inativo (pensando estar recebendo um tra- tamento ativo) e outro nao recebe tratamento algum, a resposta ao placebo é bastante elevada (De La Fuente-Fernandez ¢ cols., 2002). Essa diferenca mostra como o contexto (expectativa de beneficio) influencia o tamanho do efeito placebo: quanto menor a expectativa, menor o efeito placebo. Assim, o efeito placebo em situagées clinicas costuma ser, felizmente, maior do que aquele observado em laboratério (Hyland, 2003). Este também € 0 caso das dro- gas novas que séo introduzidas com grande apelo mercadolégico como “tevolucionérias”, gerando elevada expectativa positiva tanto nos pacientes como nos médicos. Hé até os que aconselham a “tratar © maior niimero de pacientes posstvel com as drogas novas enquanto elas ainda tém o poder de curar”. O EFEITO PLACEBO NAS DIFERENTES CONDICOES PATOLOGICAS Embora o efeito placebo possa ser observado em muitas condigées clnicas, tais como angi- na, asma, hipertensio, cefaléia, artrite reumat6ide, febre, insOnia, tilcera, ndusea, dermatites dores de diferentes origens etc., o tipo de doenga influencia a intensidade do efeito. Por EFEITO PLACEBO -@® 271 exemplo, o efeito placebo € particularmente poderoso quando a doenga envolve aspectos psicolégicos, como a dor, para a qual a administracio de placebos promove analgesia em mais de um tergo das pessoas. ‘A depressio é outra condicio freqiientemente associada ao efeito placebo. A magnitude do efeito placebo na depressio € tio proeminente que muitas vezes € dificil demonstrar a maior eficdcia de tratamentos ativos em ensaios clinicos controlados. Dados recentes suge- rem que aproximadamente 50% das respostas aos antidepressivos se devem ao efeito placebo. ‘Ao longo das tiltimas décadas, tem-se observado um aumento de aproximadamente 15% no feito tanto de antidepressivos ativos como de placebos (Walsh e cols., 2002). Acredita-se que isto se deva a0 aumento da confianca de médicos e pacientes na eficécia dos antidepressivos. Como 0 efeito placebo (como vimos anteriormente) depende da expectativa de melhora por parte do paciente, em uma época em que nio se acreditava que antidepressivos fossem de fato eficazes no alivio dos sintomas depressivos, 0 efeito de uma substincia inerte também era comparativamente menor. O EFEITO PLACEBO EM PESSOAS “NORMAIS” Uma observacio recente e interessante € a da ocorréncia de efeito placebo em voluntirios “normais”. Dezoito voluntérios sem queixas psicol6gicas importantes e sem diagnéstico de transtorno psiquistrico participaram de um estudo clinico para testar os efeitos de antidepres- sivos em pessoas normais ¢ foram alocados aleatoriamente no grupo que recebeu placebo. Dois deles foram exclufdos devido a “efeitos colaterais” (alergia e cefaléia). Dos 16 individuos restantes, cinco relataram diminuigio de ansiedade, preocupacio ¢ irritabilidade. A taxa de efeito (31%) € semelhante & observada nos estudos clinicos em pacientes deprimidos ou ansio- sos (Gorenstein ¢ cols., 2004). Isso € inesperado, j& que o efeito placebo tem sido relacionado 3 expectativa de melhora, 0 que é inconsistente com a natureza desses sujeitos (sem queixas psicol6gicas). Quando comparados aos que nao responderam ao placebo, esses individuos exi- biram caracteristicas de personalidade compativeis as de pessoas “mais vulnerdveis 3 sugestio ¢ aaceitar explicagGes espirituais em vez de confiar nas explicagoes racionais; mais susceptiveis a responder com atividade explorat6ria ou extravagincia aos estimulos ambientais € mais ima- ginativos, sensfveis ¢ néo dogmaticos em suas atitudes e valores” (Gentil e cols., 2004). Estes resultados sugerem que caracteristicas de personalidade, tais como ser sugestionivel e aberto a novas experiéncias, esto associadas com a resposta placebo mais elevada. EXISTIRIA UM MECANISMO BIOLOGICO COMUM PARA EXPLICAR O EFEITO PLACEBO? Um dos fendmenos psicoldgicos envolvides no efeito placebo € a expectativa de melhora, isto 6,a crenca (ou fé) que o individuo tem de que o tratamento administrado € eficaz para sua condigio e que promoveré as alteragdes necessérias para sua melhora clinica, Imagina-se que 0 efeito placebo tenha evolufdo a partir da selegio natural, Assim, em tempos antigos, quando tratamentos ativos inexistiam, a capacidade de responder a remédios aos quais se atribufam poderes curativos aumentaria a sobrevida, representando uma vantagem evolutiva (De La Fuente-Fernindez e Stoessl, 2004). 272 <® _INTERSECCOES ENTRE PSICOLOGIA E NEUROCIENCIAS Recentemente, estudos de neuroimagem tém sugerido que o efeito placebo envolvi- do em condigées como dor ¢ depressio seja mediado por ativacio do sistema limbico. Evolutivamente, esta € uma das dreas cerebrais mais antigas e encontra-se envolvida na regulacio ¢ no controle das emocées, tais como humor, medo, raiva, ansiedade e dor, mais particularmente dor crénica com componente emocional intenso. O efeito placebo em casos de dor (analgesia placebo) tem sido bastante estudado. Estudos em condigées dolorosas produziram as evidéncias iniciais da existéncia de um substrato bioquimico para o efeito placebo. Isto ocorreu a partir da demonstragio de que a administra ao de naloxona (um antagonista opidide) revertia a analgesia produzida pela administragio de um placebo (Levine e cols. 1978). Também foi observado que a analgesia produzida por placebo é especifica, isto é, ocorre apenas na regiio corporal onde o placebo é aplicado (Benedetti c cols., 1999). Além disso, ela é dependente da dose e da poténcia atribuida ao pro- cedimento. Por exemplo, a analgesia percebida pelos individuos é maior quando duas pflulas de placebo sao administradas em vez de apenas uma. A analgesia produzida por um placebo administrado por via injetivel também é maior do que aquela produzida pela administragio por via oral. Um estudo com mulheres que faziam uso regular de analgésicos demonstrou que a anal- gesia produzida por um analgésico cuja marca é bastante popular foi significativamente maior do que aquela produzida por um analgésico sem marca (0 mesmo ocorrew na comparagio entre o placebo “com a marca conhecida” ¢ o placebo sem marca) (Branthwaite e Cooper, 1981). Todos esses componentes estdo relacionados ao fendmeno de expectativa mencionado anteriormente. Petrovic cols. (2002) demonstraram recentemente, utilizando tomografia por emissio de pésitrons (PET), que ocorre ativacio cortical nas 4reas envolvidas no con- trole da dor (endorfinérgicas) quando 0s sujeitos sio submetidos a estimulos dolorosos de intensidade varidvel tanto nos respondedores a analgésicos opidides como em respondedores a placebo. Isso sugere que o efeito placebo recruta as mesmas dreas corticais que o tratamen- to farmacolégico bem-sucedido. Além disso, verificaram que a ativacio cortical era maior naqueles respondedores a placebo que relataram maior grau de analgesia. Nos responde- dores a placebo, observou-se ativacio adicional do cértex pré-frontal ventrolateral direito (CPFVLD), 0 que nao ocorreu nos respondedores a opiides. Um outro estudo examinando PET de pacientes com sindrome do célon irritével, aos quais foi administrado placebo por 3 semanas, demonstrou ativagio semelhante do CPFVLD proporcional ao grau de alivio da dor (Lieberman ¢ cols., 2004). A ativagio dessa 4rea cortical (que regula o componente afetivo do pensamento) encontra-se envolvida na inibigao da reatividade do cértex cingulado dorsal anterior e da amigdala a estimulos afetivos negativos. Esses estudos, em conjunto, sugerem que o CPFVLD poderia representar o substrato neural responsavel pela conversio das expec- tativas associadas ao placebo nos efeitos que observamos clinicamente. Dois experimentos utilizando a técnica de ressondncia magnética funcional confirmaram que a analgesia placebo est4 relacionada 4 diminuigao de atividade em regides cerebrais envol- vidas com a sensibilidade a dor, incluindo o télamo, a insula e 0 cértex cingulado anterior. Houve também associagio com aumento da atividade no cértex pré-frontal durante a anteci- pacao de dor, mostrando que o placebo altera a experiéncia dolorosa (Wagner ¢ cols., 2004). Em pacientes deprimidos, um estudo de neuroimagem (PET) recente demonstrou uma associagao entre alteragées cerebrais especfficas, ou seja, a ativagio dos cértices frontal ¢ cingulado posterior relacionada 4 melhora do humor observada (Mayberg cols., 2002) EFEITO PLACEBO <@® 273 Esta associagio ocorreu tanto naqueles que responderam a tratamento ativo como os que responderam a placebo. Ainda que a ativacio de éreas cerebrais adicionais tenha ocorrido nos respondedores ao tratamento ativo, o achado sugere que, a0 menos em parte, a remissio dos sintomas depressivos produzida pelo placebo seja mediada pelas mesmas alteragées bioqui- micas que os antidepressivos produzem no cortex cerebral. Utilizando metodologia diversa (eletroencefalograma quantitativo seriado), outro estudo em sujeitos deprimidos também demonstrou que 0 tratamento “efetivo” com placebo pro- move alteragdes na fungio cerebral, porém distintas daquelas associadas ao tratamento com antidepressivos (Leuchter e cols., 2002). Tomados em conjunto, esses estudos sugerem que o mecanismo do efeito placebo na depressio envolveria diversas alteragdes cerebrais, algumas delas semelhantes as alteragdes promovidas por antidepressivos, outras diferentes. ‘Também é conhecida a ocorréncia de efeito placebo em portadores de Parkinson, uma doenga caracterizada por problemas motores (lentificacio, tremor e rigidez muscular) associados 3 perda progressiva das células cerebrais responsaveis pela producio, armaze- namento ¢ liberagio de dopamina no corpo estriado (componente do sistema Ifmbico). O tratamento convencional para esse estado hipodopaminérgico é a administragio de levodo- pa, um precursor da produgio de dopamina. Estudos de neuroimagem demonstraram que ocorre liberagio de dopamina no estriado de portadores de Parkinson aos quais se admi- nistra placebo (De La Fuente-Fernindez ¢ cols., 2001). Isto é, o placebo nesses individuos produz as mesmas alteragdes neuroquimicas que o tratamento especifico. Essa liberacao de dopamina induzida por placebo também depende da expectativa de melhora do paciente, 3 semelhanga do mecanismo dependente de ativagio opiside observado na analgesia placebo. E interessante notar que esse efeito placebo em portadores de Parkinson pode perdurar por varios meses, contrariamente 3 nogio de que a resposta placebo se inicia precocemente, mas € fugaz. Uma outra linha de pesquisa tem investido na hipétese de que o mecanismo de recom- pensa e a dopamina, envolvidos no desenvolvimento de dependéncia pot drogas de abuso, possam estar envolvidos no efeito placebo (De La Fuente-Ferndndez e Stoessl, 2002). Isto porque o efeito placebo, ao menos aquele observado no alivio da dor, da depressio e do Parkinson, € o sistema de recompensa compartilham a mesma base neuroanatémica — a circuitaria limbica. Nesse sentido, estudos preliminares tém demonstrado que a liberacio de dopamina associada 3 administragio de placebo em portadores de Parkinson antecede a ocorréncia da melhora clinica (a recompensa) (De La Fuente-Fernéndez e Stoessl, 2004). Por fim, é possivel que determinados marcadores genéticos estejam associados a varia- bilidade individual na resposta ao placebo. Como vimos, a proeminéncia do efeito placebo é um problema particularmente dificil no estabelecimento da eficécia de novos antidepres- sivos. Isso porque obriga a inclusio de amostras relativamente grandes para se atingir 0 poder estatistico de detectar uma diferenca entre os grupos. A identificacao de marcadores de resposta a placebo facilitaria 0 desenho desses ensaios clinicos, com a correspondente reducio da amostra necessdria. Por exemplo, um estudo recente mostrou que variagdes genotfpicas no polimorfismo que codifica o transportador de serotonina se correlacionam com a resposta ao placebo em ensaios clinicos randomizados. Particularmente, o subgrupo de individuos homozigotos para o alelo L (LL) desse polimorfismo exibiu resposta ao pla- cebo significativamente menor do que aquela mostrada pelos demais subgrupos (LS/SS) (Sakul, 2004). 274 <@ _ IINTERSECCOES ENTRE PSICOLOGIA E NEUROCIENCIAS AETICA E O USO DE PLACEBO EM PESQUISA Una das discusses atuais refere-se ao limite ético para 0 emprego de ae em pesquisa. O uso de placebo como um instrumento metodolégico assumiu um papel de destaque nos estudos clinicos controlados, 0 principal elemento para o paradigma “medicina baseada em evidéncias”. A {iltima versio da Declaracio de Helsinque, que regulamenta os principios éticos para as pesqui- sas em seres humanos, assitiada pelo Brasil em 2000, determina que seja fornecido aos pacientes em estudo o tratamento reconhecidamente mais eficaz para aquela condigio clinica. Assim, um tratamento novo teria de ser comparado ao tratamento padrao (sempre que disponivel), ¢ nfo a0 placebo. Este principio gera controvérsias, pois, embora sua finalidade principal seja a de garantir a seguranga do paciente, a auséncia de comparagio com um placebo pode favorecer a introdugio, bem como perpetuar 0 uso, de medicamentos e procedimentos terapéuticos ineficazes. AS POLEMICAS EM TORNO DO EFEITO PLACEBO Desde a primeira definigio de phate em 1811, no Hooper's Medical Dictionary, 0 efeito placebo despertou a atengio de médicos e cientistas de diversas 4reas. Uma das primeiras publicacdes cientificas a respeito do efeito placebo data de 1955; varios livros foram escritos a respeito dele, sendo um de poesia e um romance. Até banda de rock com nome de placebo existe. Toda essa popularizacao do termo sugere que 0 conceito que expressa €, ao que parece. unanimemente reconhecido. Isso de fato nao é verdade. Em 2001, Hrébjartsson e Gotzsche publicaram uma revisio de 114 ensaios clinicos que compararam placebo com auséncia de tratamento, envolvendo 7.500 pacientes, com 40 condigées clinicas diferentes, e chegaram 4 conclusio que placebo nao tem efeito expressivo. A reagio foi imediata: pelo menos oito cartas foram publicadas na mesma revista, ¢ mais algumas em outras, criticando o artigo. principalmente por falhas metodol6gicas. Paradoxalmente, uma outra metandlise (Kirsch ¢ Sapirstein, 1998), na qual foram inclui- dos 29 ensaios clinicos envolvendo 2.318 pacientes randomicamente alocados a um antide- pressivo ou placebo, concluiu que aproximadamente 75% da eficacia dos antidepressivos € derivada do efeito placebo. Jé prevendo a repercussio, o artigo foi publicado com uma nota do editor chamando a atengao para a concluséo e a metodologia controversa. Como se vé, © efeito placebo e suas implicagées ainda devem provocar intimeras discusses. Agradecimentos Os autores desejam agradecer 3 FAPESP (processos 01/00189-9 ¢ 02/10248-5) e ao CNPa (processo 301077/2004-5) pelos auxflios concedidos. REFERENCIAS Balint M. The doctor, the patient and the illness. London: Pitman Medical Publishing Co., 1957. Barsky AJ, Saintfort R, Rogers MP, Borus JF. Nonspecific medication side effects and the nocebo pheno- menon, JAMA 2002; 287(5):622-627. Beecher HK. The powerful placebo. JAMA 1955; 159(17):1602-06. 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