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UNIVERSIDADE SÃ O JUDAS TADEU – FILOSOFIA POLÍTICA - PROFESSOR PAULO PIVA

Hobbes x Rousseau
Uma aná lise sobre a natureza humana e o
estado de natureza na obra dos dois
filó sofos
André Ricardo Pontes

Este trabalho é uma apresentação das idéias de Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau
sobre o que cada um considera ser a natureza humana e o estado de natureza, e uma breve
comparação entre essas idéias.
Hobbes x Rousseau
Uma análise sobre a natureza humana e o estado de natureza na obra dos dois filósofos
Hobbes e Rousseau, que terão suas idéias sobre a natureza humana e o estado de
natureza discutidas neste presente trabalho, têm, sem dúvida, visões bastante opostas
sobre os temas. Veremos, a seguir, expostas as idéias de ambos separadamente,
iniciando com Hobbes, para, em seqüência, analisarmos comparativamente essas
idéias, de forma a verificar se as visões são diametralmente opostas ou se, apesar de
amplas diferenças, há pontos significativos de convergência nestes dois grandes
filósofos, analistas das relações humanas.

Hobbes - Natureza Humana e Estado de Natureza

Thomas Hobbes, inglês, um dos pais da filosofia política ocidental e liberal, pensou em
como é o homem no estado natureza; como são suas relações com outros homens,
qual é a natureza do espírito humano, o que é o estado e como se comporta o homem
sem a força deste ente que existe para controlar as ações humanas. Veremos, nesta
parte do trabalho, as idéias deste filósofo, onde o estado de natureza e a natureza
humana estão intimamente ligados.

Estado de natureza

De acordo com a tese hobbesiana, o estado de natureza é a liberdade e igualdade


totais. O filósofo aponta que não há grandes diferenças entre os homens, de modo que
até o mais fraco tem capacidade de matar o mais forte, o que demonstra que as
diferenças físicas são praticamente nulas. Espiritualmente, todos têm as mesmas
oportunidades de crescimento, já que, à exceção de dons não-naturais (como as
ciências, que fazem parte de um conhecimento restrito), os demais dons são acessíveis
a todos (a experiência, por exemplo, que vem a todos com o tempo). Além disso, cada
indivíduo acredita ser o mais sábio ou estar entre os mais sábios, de modo que, como
esta sensação de sabedoria é mais ou menos estável entre todos os homens, é uma
prova de que a natureza distribuiu igualmente este dom, já que todos são felizes com o
que intelectualmente possuem, e não há prova maior de igualdade do que quando
todos estão felizes com o quinhão que lhes cabe.

Neste estado de igualdade, também os direitos de todos são iguais. Todos têm direito
a tudo, de forma que não existe moralidade ou imoralidade, justiça ou injustiça, certo
ou errado. A cada indivíduo é lícito fazer qualquer coisa que julgue necessário para
efetivar sua permanência (o que significa tanto proteger seu corpo da morte, ou de
ferimentos, quanto obter conforto, por exemplo), inclusive dominar ou até mesmo
matar outros homens que estejam em seu caminho ou que representem, em seu
julgamento, uma ameaça a essa permanência.

Neste estado, fica evidente que não se desenvolvem atividades que demandam
esforço e tempo, como a indústria ou a agricultura, já que a posse de algo só existe
momentaneamente, enquanto essa posse pode ser desfrutada e defendida. A
qualquer momento, tanto por meio da força física quanto por meio da enganação,

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outro indivíduo pode tomar sua propriedade e o fruto de seu trabalho, de modo que
não vale a pena o esforço para produzir algo que, sabidamente, transformará o
executor deste esforço em alvo.

A liberdade total do estado de natureza implica um estado de medo, em que os


homens vivem desconfiados uns dos outros. Hobbes chamará este estado de “guerra
de todos contra todos”, já que, para o autor, a guerra não é só o ato de violência em si,
mas também o tempo em que há a mera disposição para esta violência. Nesse sentido,
como há desconfiança permanente, e mesmo o homem mais forte não tem segurança
de que poderá manter domínio sobre outros, a disposição para a violência estará, no
mínimo, sempre latente.

Para Hobbes, portanto, o estado de natureza é maléfico à conservação do homem e à


construção de algo duradouro tanto para o indivíduo quanto para a humanidade em
geral. É preciso que os homens renunciem a algumas liberdades, e transfiram outras,
de modo que um ente superior possa regular as atividades de relações humanas. Este
assunto será tratado mais adiante.

Natureza humana

Segundo Hobbes, a natureza humana consiste basicamente em buscar a permanência,


a conservação, o conforto. O homem é egoísta e vive em medo recíproco, sob
permanente desconfiança, por causa da liberdade total do estado de natureza. Os
homens temem que sua posse seja tomada por outro; temem por sua própria vida, já
que é possível que o outro, se possuir força ou astúcia suficientes, poderá até matá-lo
se esse outro julgar que dessa forma estará efetivando sua permanência e
conservando-se. Assim, os homens subjugam-se previamente, de forma a, por
antecipação, garantir-se de que não serão subjugados.

A lei natural, entretanto, ditada pela razão, diz que, para buscar a conservação, é
preciso buscar a paz, o que significa acabar com o estado de natureza, ou estado de
guerra. Para isso é que existirá a política. Esta, portanto, não é parte da natureza
humana. É, sim, uma necessidade que busca a permanência do indivíduo, já que, para
isso, todos abrem mão de alguns direitos. Existem, segundo o autor, duas formas de se
abrir mão de um direito: a renúncia e a transferência. A renúncia dá-se quando o
indivíduo manifesta sua vontade de que deixe de ser lícito que ele possa fazer
qualquer coisa, ou seja, o indivíduo abre mão de algumas atividades que, outrora, seria
direito seu realizar. A transferência, por outro lado, dá-se quando o indivíduo
manifesta sua vontade de que não lhe seja lícito resistir a algo. Quando o autor fala em
transferência, não significa passar o direito de um indivíduo a outro, já que isso não é
possível, pois, por padrão no estado natural, todos os indivíduos já possuem todos os
direitos possíveis. A transferência, portanto, é em relação à passividade do sujeito, de
defender-se de algo ou resistir a algo, enquanto que a renúncia diz respeito à atividade
do sujeito, são ações que ele teria direito de realizar, mas abre mão desse direito.
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Quando os indivíduos abrem mão de direitos, eles passam a fazer acordos entre si, de
forma que surge, então, o estado civil como protetor destes acordos e como o
garantidor das licitudes nas relações entre os homens, de forma a regular as
desconfianças entre os homens e a proteção ao esforço de trabalho, o que leva à
conservação da paz, do indivíduo, e da humanidade como um todo.

Conclusã o

Resumidamente, portanto, o estado de natureza é a liberdade total, em que tudo é


lícito e todos têm direito a tudo, em que cada um pode fazer o que bem entender para
exercer seu direito, inclusive, sobre os outros. Isso leva à guerra de todos contra todos.
Estado de igualdade total, onde até o mais fraco dos homens é capaz de facilmente
matar o mais forte, o que significa que na natureza todos são iguais.

É preciso, portanto, que os indivíduos abram mão de alguns direitos para que seja
possível à humanidade conservar-se. Emerge, então, o estado civil como regulador das
atividades entre os homens, de forma a impedir que os homens utilizem seu direito
natural a qualquer coisa, por exemplo, impedindo que um indivíduo mate outro para
obter uma propriedade que pertence ao primeiro.

Rousseau - O Bom Selvagem

Jean-Jacques Rousseau, suíço, influenciou fortemente a Revolução Francesa com suas


idéias sobre liberdade e democracia. Ele também influenciou, com seu trabalho sobre
educação (Emílio, ou Da Educação), a idéia sobre a formação de cidadãos. Veremos
como, para este filósofo, o estado de natureza é benéfico à natureza humana, e como
o homem se corrompe quando se agrupa em sociedade.

Estado de natureza e natureza humana

Segundo Rousseau, o estado de natureza é a liberdade. Mais do que isso: no estado de


natureza, o homem é forte, é saudável, independente. É só quando este sai deste
estado e passa ao estado civil que começam os problemas: doenças, desigualdades,
fome. Portanto, só no estado de natureza é que o homem vive plenamente. Vejamos.

De acordo com o filósofo, o homem é mais fraco e menos ágil do que outros animais,
mas é mais organizado. Suas necessidades são poucas: água, alimento, um lugar para
descanso. Todas essas coisas, a natureza oferece. Além: a natureza oferece tudo o que
todos os animais precisam. Os homens apropriam-se de todos os outros e alimentam-
se de tudo, inclusive do que comem os outros animais, sendo, portanto, mais fácil para
ele subsistir do que aos outros animais.

Os homens, naturalmente, são fortes, pois a natureza (intempéries do ar e rigor das


estações, e mais o trabalho, que, para Rousseau, é parte da natureza), os faz de
constituição robusta. Os filhos repetirão a constituição dos pais, e a natureza matará

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os incapazes, diferentemente do estado civil, que obriga os pais a tratar dos filhos
incapazes. A fraqueza do homem, portanto, não vem do estado de natureza. É o
estado civil, com as indústrias e os confortos, que faz os homens fracos. Os homens
modernos são assim, diferentemente do homem natural, que é forte, rápido, moldado
pela natureza. Ele enfrenta sem medo os outros animais, e onde perde em força,
ganha em agilidade, enquanto os homens modernos são covardes.

A infância, a velhice e as doenças são comuns a ambos os estados, civil e de natureza,


sendo que o terceiro ocorre mais nos homens que vivem em sociedade. A respeito das
doenças, não é possível concluir que a medicina das sociedades modernas faça o
homem viver mais que o homem natural. As sociedades causam as doenças, pois uns
trabalham pouco, outros muito; uns se alimentam demais, outros de menos. É uma
desigualdade grande que provoca as doenças. Assim, os males são causados pelo
próprio homem vivendo em sociedade, e poderíamos evitá-los se vivêssemos de forma
simples e solitária, como prescrito pela natureza. O homem da natureza e os animais
selvagens não precisam de médicos ou remédios. Segundo o filósofo, é difícil que se
encontre animais doentes, e, quando se encontram animais com feridas grandes, estão
bem cicatrizadas, e até ossos e membros quebrados se regeneram sem um cirurgião a
não ser o tempo. Não podemos confundir o homem selvagem com o que vemos, em
sociedade. Como exemplo, podemos ver os animais: na natureza, são mais fortes e
altos, mais corajosos e vigorosos que os animais domésticos de mesma espécie. Com o
homem é a mesma coisa: domesticados, são efeminados e fracos.

Assim, a conservação do homem natural não é problema, pois suas necessidades são
poucas. Se viverem em lugar frio, tratam de usar as peles de animais para se
aquecerem. A natureza proveu bem o homem, de forma que o primeiro que fez roupas
ou habitação fez coisas desnecessárias, pois não havia razão para que, homem feito,
necessitasse de algo diferente do que necessitava quando criança.

O Estado Civil

Para Rousseau, o estado civil é a degeneração do homem. É este estado que faz os
homens buscarem coisas que não precisam, o que provoca as desigualdades.
Entretanto, Rousseau faz uma concessão: não se pode, como quis Hobbes, depositar o
direito natural nas mãos de um único homem, pois este também age em benefício
próprio e, tendo ele todo o poder concedido pelo direito natural dos homens, utilizará
este poder para si mesmo, para conservar-se acima dos demais. O ideal, portanto, é
que exista uma forma de passar este poder a leis, e não a homens, de forma que as leis
sejam também liberdade, já que são o fruto da escolha dos homens.

Rousseau acredita na democracia como melhor forma de governo, uma vez que
democracia está diretamente ligada com a natureza de associação dos homens. O
gênero humano necessita de união, de agrupamentos, para não perecer. Porém, é

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necessário encontrar a melhor forma de associação, que defenda a liberdade natural
enquanto meio para essa finalidade, que é a união para a conservação mútua.

Concluindo, para Rousseau, é evidente que o estado de natureza é o de felicidade,


onde os homens vivem próximo da forma como vivem os animais, com o pouco que
precisam, sem exageros, sem inutilidades que causam males, que causam
desigualdades, que causam a fome em alguns, e a pujança em outros. Na natureza, o
homem é bom e piedoso. Em sociedade, o homem é mesquinho e fraco. Na concepção
da natureza humana, o filósofo nos mostra que o homem necessita viver em sociedade
para não perecer sozinho, porém, para isso, ele deve abdicar um pouco de uma certa
liberdade, estabelecendo uma liberdade convencional, uma vez que devem ser
superadas as forças individuais, e somente a coletividade pode atender às
necessidades de preservação e existência do homem e de seus bens.

Conclusão

Ambos os filósofos são muito importantes na análise política, Hobbes voltado ao


liberalismo e Rousseau vinculado ao estado de bem-estar social. É inegável,
principalmente em Do Contrato Social, que há muita influência de Hobbes nas idéias
de estado de Rousseau. Há, portanto, semelhanças e diferenças no que tange ao
estado civil e natureza humana entre ambos.

Ambos vêem a sociedade civil como um meio para a conservação do homem, já que,
sozinho, a chance de preservação é menor. Entretanto, tanto a forma como essa
sociedade acontece, como a razão pela qual ela surge são motivos de diferenças. Para
Hobbes, a natureza humana é egoísta, e todos vivem em um medo permanente, e é
em sociedade, ou seja, em um ambiente controlado, onde as pessoas abrem mão de
alguns direitos, que a vida humana pode alcançar sua plenitude. Para Rousseau, por
outro lado, a natureza humana é piedosa, com poucas necessidades, e é na sociedade
que os males, as mesquinharias, o medo, a desigualdade aparecem. Além disso, para
Hobbes, as leis são formas de conter as liberdades das pessoas, ou seja, as leis são
limitadores dos homens, portanto incompatíveis com a idéia de liberdade, enquanto
para Rousseau, como as leis são expressões da vontade da maioria, elas são a própria
liberdade.

***

Vimos, sucintamente, as idéias de dois grandes filósofos que trataram de temas


políticos e da organização social acerca da natureza humana e do estado de natureza,
e alguns pontos em que elas se aproximam e se distanciam. É difícil tratar um tema tão
amplo de forma sucinta, sem a sensação de que muita coisa essencial não foi tocada,
mas espero ter realizado este trabalho de forma a passar ao menos uma idéia geral da
importância destes dois distintos filósofos.

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