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André Ricardo Pontes – RA: 200500200

Professora Regina – Filosofia Geral


Fichamento do livro Guia para Leitura das Meditações Metafísicas, pag. 75 a 106
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3. As idéias e a existência de Deus
A terceira Meditação inicia-se com a esperança de poder utilizar as
características da primeira proposição indubitável, pensou, sou, como um critério
que permita distinguir as proposições verdadeiras das proposições dúbias. Aquela
proposição se apresenta como “clara e distinta”, portanto todas as proposições
com características análogas serão igualmente verdadeiras.
Descartes define o que entende por idéia clara e distinta: “chamo de claro
aquele conhecimento que é presente e manifesto a um espírito atento e de
distinto, aquele que é a tal ponto preciso e diferente de todos os outros que só
compreende em si aquilo que aparece manifestamente a quem o considera como
se deve.
O sinal que manifesta a presença à mente de um conhecimento claro e
distinto é a incapacidade de duvidar da sua verdade. Algumas proposições são tão
simples e evidentes que não podem ser postas em dúvida. Quando tenho uma
proposição desse tipo não consigo duvidar dela. Por isso surge a esperança de
poder desde agora declarar verdadeiras todas as proposições que, como o cogito,
são indubitáveis. No entanto, essas proposições não apresentam o mesmo caráter
privilegiado da existência do eu. Posso conceber que exista um Deus tão poderoso
a ponto de ter me criado de modo que eu me engane mesmo nas proposições que
me parecem indubitáveis, e continuarei a ter certeza de que existo, mas todas as
proposições que pareciam indubitáveis como o cogito aparecerão incertas e
passíveis de dúvida.
A incapacidade de duvidar das proposições simples da matemática não pode
ser considerada um motivo suficiente para julgá-las garantidas por si mesmas
como o cogito.
A alternativa é entre permanecer apegado à única evidência presente e
indubitável, ou então tentar demonstrar que “todas as coisas que nós concebemos
muito claramente e muito distintamente são verdadeiras”, demonstrando que
Deus existe e que não é enganador.

3.1. A natureza das idéias


O único modo de chegar à existência de qualquer outro ente, além do eu, no
interior das regras do meditar é utilizar a existência do eu pensante, as idéias e os
axiomas conhecidos “por luz natural”. As idéias, ao contrário dos juízos, participam
da mesma indubitabilidade da existência do eu. Descartes introduz uma divisão
das idéias segundo a origem delas, que agora é assumida como uma divisão de
bom senso.
Deve existir um mundo externo porque as idéias adventícias são
involuntárias. Mas eu mesmo poderia possuir uma faculdade que provocas aquelas
idéias, como acontece no sonho. Deve existir um mundo externo, porque sou
levado a crer nisso por uma inclinação natural. Mas as inclinações não são idéias
claras e distintas.
Em suma, o caminho da origem das idéias não é mais transitável, para tentar
demonstrar a existência de um ente qualquer, fora do eu. Contudo, a possibilidade
de chegar à crença verdadeira na existência de outros entes está apenas nas
idéias. Trata-se, então de analisar as idéias sob um ângulo diferentes, segundo a
sua natureza.
André Ricardo Pontes – RA: 200500200
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As idéias são divididas por Descartes em duas categorias: uma restrita, pela
qual só se atribui o nome de idéias àqueles eventos mentais que representam
alguma coisa, e uma ampliada, pela qual todo evento mental, todo ato do
pensamento é uma idéia.
Na primeira acepção, apenas os eventos mentais que têm um conteúdo
representativo são chamados de idéias. Na segunda, são chamados de idéias
também os atos de pensamento como o querer e o julgar, que não representam
nenhuma coisa. Nas Meditações, especialmente na terceira, é central a acepção de
idéia como estado representativo, e isso certamente porque a primeira prova da
existência de Deus ali contida utiliza apenas esta noção de idéia.
O que a idéia representa é chamado de realidade objetiva da idéia. A idéia
em sentido próprio apresenta um duplo aspecto. De um lado, ela é um ato do
pensar, e, sob esse aspecto, todas as idéias são iguais. Por outro lado, ela
representa alguma coisa, tem um conteúdo representativo, graças ao qual toda
idéia se diferencia das outras.
Todas as idéias em sentido próprio representam alguma coisa. No entanto,
nem a tudo o que é representado compete uma existência real ou possível fora da
mente. Esta só se aplica àquele conteúdo representativo contido no ser real. O ser
real compreende apenas aquilo que tem uma essência verdadeira, que pode
existir fora da mente, e não fazem parte do ser real todos aqueles conteúdos
representativos que não têm uma essência: nem os entes contraditórios, nem os
entes fictícios, nem os entes de razão.
Mesmo não representando sempre alguma coisa que pertence ao ser real, as
idéias em sentido próprio apresentam sempre o seu conteúdo representativo como
se a ele coubesse uma existência extramental ao menos possível. O objeto do
pensamento é o ente. Não é possível pensar o nada. Quando a mente pensa aquilo
que não existe, deve pensá-lo sob a forma de um ente real: os entes de razão.
Existem idéias que representam alguma coisa que em si é um mero nada, e
que portanto não existe fora da mente, mas como a mente, para poder pensar,
atribui sempre aos próprios conteúdos uma existência ao menos possível, as
qualidades sensíveis, como as privações e as negações, são representadas como
se fossem alguma coisa. Contudo, podem não podem existir fora da mente e,
portanto, as idéias que as representam como dotadas de uma existência possível
são idéias intrinsecamente – materialmente – falsas.
Introduzindo a categoria das idéias materialmente falsas, Descartes parece
violar sua própria tese segundo a qual as idéias não podem ser falsas, uma vez
que a falsidade só se encontra propriamente no juízo. Em relação a esse ponto,
Descartes procurará juntar a tese segundo a qual existem idéias falsas em si
mesmas com a tese segundo a qual a falsidade só se encontra no juízo: as idéias
materialmente falsas são todas as idéias obscuras e confusas que induzem a
considerar que o que é representado na idéia possa existir fora da própria idéia, e
portanto a pronunciar um juízo falso.
As percepções da mente que não têm um conteúdo representativo ao qual
cabe uma possível existência fora da mente são feitas de modo a me levar a crer,
ao contrário, que aquilo que elas representam possa existir, a partir do momento
em que qualquer idéia, por sua natureza, atribui uma possível existência mental
àquilo que ela representa. Por isso Descartes pode acrescentar que a falsidade
material da idéia consiste em induzir a falsos juízos.
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Em contrapartida, são materialmente verdadeiras todas aquelas idéias claras
e distintas que representam entes que existem ou podem existir fora da mente, e
cuja realidade objetiva, portanto, é constituída por entes que fazem parte do ser
real. Exemplos privilegiados dessas idéias são as idéias das essências da
matemática, às quais compete uma existência possível, e a idéia de Deus, à qual
compete uma existência necessária.
As idéias verdadeiras das essências, como tudo aquilo que é real, mas finito,
dependem de Deus e, portanto, Deus é responsável pela verdade de tais idéias.

3.2. A existência de Deus. A primeira prova a posteriori


As provas da existência de Deus elaboradas por Descartes são três, e duas
delas são a posteriori, ou seja, partem dos efeitos para buscar a causa.
A primeira prova a posteriori parte da análise da idéia em sentido próprio.O
conteúdo representativo das idéias pode ser estruturado de acordo com o grau de
realidade que tal conteúdo representa. O grau de realidade é estabelecido com
base na autonomia do ente representado: a idéia de uma substância finita
representa um ente que não tem necessidade de Deus para subsistir e tem,
portanto, mais realidade objetiva que as idéias que representam os acidentes. Em
contrapartida, a idéia da substância infinita é a idéia de um ente que precisa
apenas de si mesmo para subsistir e tem mais realidade objetiva que a idéia que
representa uma substância finita. A essa análise Descartes acrescenta um
princípio manifesto “por luz natural”, com base no qual “deve haver ao menos
tanta realidade na causa quanto no efeito”. Um ente pode ser produzido por uma
causa que tem a mesma realidade que o seu efeito (causa formal) ou que tem
mais realidade que o seu efeito (causa eminente), mas o que tem menos realidade
não pode produzir o que tem mais realidade.
Nessa circunstância aprendemos que os axiomas, entre os quais figura o
princípio de causa, têm o mesmo privilégio que o cogito. Como o cogito, eles não
podem ser objeto de dúvida. Eles são conhecidos por intuição e não podem ser
considerados eles mesmos “ciência”, e sim condições das demonstrações e
deduções, nas quais propriamente a ciência reside.
Armado de um efeito sempre verdadeiro como a idéia e de um axioma
igualmente verdadeiro, como o princípio de causa, o meditante pode traçar uma
prova da existência de Deus verdadeiramente formada apenas de idéias claras e
distintas, à qual a mente será levada a dar o seu assentimento, se tal prova for
convincente, apenas pela “luz natural” e não por uma “inclinação” não justificável
da razão.
Em decorrência do princípio de causalidade, então, será preciso dizer que o
conteúdo representativo de toda idéia provém de alguma causa, que contém em si
ao menos tanta realidade formal quanto aquela idéia contém de realidade
objetiva. O eu, enquanto substância pensante finita, tem suficiente realidade para
poder ser a causa formal das idéias das substâncias finitas, e até mesmo tem mais
realidade que as idéias claras e distintas dos modos ou acidentes daquelas
substâncias. O eu tem, inclusive, suficiente realidade para produzir as idéias
obscuras e confusas.
Só uma idéia tem mais realidade objetiva que a realidade forma contida no
eu. Trata-se da idéia da substância infinita, ou seja, Deus, uma idéia que, portanto,
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não pode ser produzida pelo eu. Segue-se daí que deve existir, fora do
pensamento, uma substância infinita capaz de causar em mim a idéia do infinito.
Prova cartesiana:
- Na causa deve haver ao menos tanta realidade quanto no efeito;
- a causa da realidade objetiva das idéias deve ter ao menos tanta
realidade formal quanto de realidade objetiva está contida na idéia;
- o eu possui a idéia de uma substância infinita;
- o eu, enquanto substância finita, não tem suficiente realidade formal
para causar a realidade objetiva de uma substância infinita;
- portanto, existe uma substância infinita que causou a realidade
objetiva da idéia da substância infinita.
A essa dedução poder-se-ia objetar que o eu pode muito bem ser causa da
idéia de Deus, enquanto a idéia do infinito poderia ser obtida por negação da
finitude. Se essa concepção do conhecimento que a mente humana tem do infinito
fosse correta, a prova de Descartes seria insustentável, pois, precisamente,
também a idéia do infinito poderia ser produzida pelo eu finito, e, portanto a
existência de Deus não seria provada. Descartes tem bastante consciência disso, e
está pronto para reivindicar a condição necessária para a sustentação da sua
prova: o entendimento finito tem uma idéia positiva e primitiva de Deus e do
infinito.
Para sustentar a legitimidade de considerar positiva e primitiva a idéia do
infinito, Descartes não hesita em inverter a argumentação escolástica: não é a
idéia do infinito que deriva da idéia do finito, e sim a idéia do finito que deriva da
idéia do infinito.
Para atestar que a idéia de Deus não é materialmente falsa, Descartes
reivindica a clareza e a distinção da idéia do infinito. Além disso, o conteúdo
representativo da idéia de Deus tem mais realidade objetiva do que qualquer outra
idéia clara e distinta e, portanto, é a idéia mais verdadeira.
Essa tese leva ao extremo a pretensão cartesiana de um conhecimento
positivo da essência de Deus. O conhecimento humano de Deus, segundo Tomás,
é sempre um conhecimento negativo e imperfeito. Descartes elabora dois
argumentos para defendê-la. Em primeiro lugar, a idéia de Deus é clara e distinta,
porque tudo o que é conhecido como perfeito de modo claro e distinto é atribuído
a Deus. Em segundo, que Deus é compreensível à mente humana, contrariando os
que apelam para o caráter incompreensível de Deus e afirmam que a mente
humana não pode ter uma idéia clara e distinta de Deus.
A resposta de Descartes a essa objeção consiste em confirmar a
incompreensibilidade de Deus, mas em negar que tal incompreensibilidade
contraste com a clareza e a distinção da idéia. De fato, a natureza do infinito é ser
incompreensível à mente finita, portanto quem afirmasse compreender o infinito
admitiria, com isso mesmo, não ter idéia clara e distinta dele, uma vez que
acreditaria pensar no infinito quando na verdade estaria pensando no finito, que é
o único que pode ser compreendido nos limites finitos da mente humana. Só quem
não compreende o infinito pode considerar que possui uma idéia verdadeira e,
portanto, clara e distinta da sua natureza. É porque “entendo” verdadeiramente a
natureza infinita de Deus que não posso compreendê-lo.
Não se pode dizer que a idéia do infinito poderia ser obtida por acréscimo
progressivo das minhas perfeições. Nesse caso, a idéia de Deus seria a idéia de um
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infinito em potência, ao passo que a idéia clara e distinta de Deus o representa
como atualmente infinito.

3.3. A existência de Deus. A segunda prova a posteriori


A segunda prova a posteriori é uma reformulação da primeira: em vez de
buscar a causa de uma idéia, buscará a causa de um ente, o eu pensante.
Segundo Tomás:
- No mundo, todo ente deve ter uma causa;
- na busca das causas não se pode prosseguir ao infinito;
- portanto, existe uma causa primeira incausada, que é Deus.
Descartes tentará demonstrar que Deus existe a partir do único ente finito
cuja existência conhece: o eu.
Não se busca mais a causa do infinito, como na primeira prova, e sim a
causa do finito, mas na medida em que ele possui em si a idéia do infinito. A
premissa diz, propriamente, o seguinte: o eu, na posse da idéia de Deus, deve ter
uma causa.
Em primeiro lugar, Descartes considera a hipótese de ser ele mesmo causa
da própria existência, hipótese logo rejeitada porque aquele que se tivesse dado o
ser deveria ter dado a si mesmo também todas as perfeições de que tem idéia,
mas o eu não possui todas as perfeições de que tem idéia, e portanto o eu não
pode ter dado a si mesmo o ser.
Descartes rejeita a hipótese da autocausalidade do eu, apenas porque o eu
não tem todas as perfeições de que tem idéia. Isso significa que Descartes não
julga em si contraditória a hipótese de que um ente seja a causa de si mesmo.
A existência no tempo presente não determina a existência no tempo
sucessivo. A partir dessa premissa, Descartes empreende uma interpretação
extremista da teoria escolástica segundo a qual é necessária uma intervenção
constante da causa primeira para conservar as criaturas no ser. Para explicar a
existência de um ente no tempo presente é necessária uma causa que tenha o
poder de criar, uma causa que exerça o mesmo poder “que seria necessário para
produzi-la e criá-la realmente de novo, se ela ainda não existisse”. Ora, eu não
possuo essa força, porque, se a tivesse, ela, devendo dar-me o ser, estaria sempre
em ação e eu, portanto, teria consciência de exercê-la. Assim, o eu deve ter uma
causa diferente de si mesmo.
O princípio da causalidade obriga a buscar uma causa que tenha ao menos
tanta realidade quanto a que está contida no efeito, uma substância pensante em
posse da idéia de Deus. Esta causa, se existe por si, deve ter dado a si mesma
também todas as perfeições de que tem idéia. Se existe por outros, deve-se
buscar sua causa em um ente que ou deu o ser a si mesmo ou o recebeu de
outros. Desse modo, corre-se o risco de desencadear um regresso ao infinito no
qual se encontrem sempre e tão-somente entes causados por outros. Mas nesse
caso está excluído o regresso ao infinito, uma vez que se está buscando a causa
que conserva o eu no tempo presente, e no presente não há tempo para um
regresso ao infinito das causas.
Para excluir a autocausalidade do eu se dizia: como não tem todas as
perfeições de que tem idéia, o eu não pode ter dado o ser a si mesmo; agora, ao
contrário, se conclui: como a causa primeira é a causa do próprio ser, terá dado a
si mesma também todas as perfeições de que se tem idéia, e, portanto será Deus.
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Descartes, como todos os teólogos que o precederam, considera que Deus,
ao contrário dos entes finitos que são por outro, ou seja, causados por outros
entes, é um ente por si. Toda a escolástica, excluindo como contraditória a noção
de autocausalidade, interpretou: Deus é por si no sentido de que não tem causa,
de que não depende de outro. Descartes, ao contrário, interpreta que Deus é por
si no sentido de que é causa de si mesmo (causa sui). A essência de Deus é causa
da própria existência, no sentido de que ela é a razão pela qual Deus existe.
Descartes substitui a alternativa escolástica causado por outro/incausado pela
alternativa causado por outro/causado por si mesmo, em decorrência da
universalidade do princípio de causa.
Descartes justifica: deve existir um ente causa de si mesmo, porque no
presente é impossível o regresso ao infinito. Mas a física cartesiana prevê a
possibilidade da divisão do finito ao infinito e, portanto, mesmo se o tempo
presente no qual se deve buscar a causa é finito, não é claro por que ele deva
excluir o regresso ao infinito. Em contrapartida, se se concede que no tempo
presente finito não é possível o regresso ao infinito, esse parece constituir um bom
argumento em favor do caráter incausado da causa primeira. A inferência de uma
causa de si a partir da impossibilidade do regresso ao infinito será acompanhada
pela tese segundo a qual a causa que tem força suficiente para sustentar um ente
no ser deve ter força suficiente para dar o ser a si mesma; assim, do simples fato
de que deve existir uma causa do eu se infere que a causa que dá o ser ao eu é
causa sui, e que, portanto, terá dado a si mesma todas as perfeições de que tem
idéia.
Esquema da segunda prova a posteriori:
1. Da existência presente não se segue a existência futura;
2. É necessária uma causa que recrie um ente existente a cada instante em
que dura o ente;
3. A causa de um ente deve possuir formal ou eminentemente toda a
realidade possuída por aquele ente;
4. Existe um ente – o eu, substância pensante finita – em posse da idéia de
Deus;
5. A causa do eu em posse da idéia de Deus deve ser uma substância
pensante em posse da idéia de Deus;
6. Quem tem força suficiente para dar o ser a uma outra substância tem
força suficiente para dar o ser a si mesmo;
7. Existe uma causa do eu que é por si;
8. Quem tem força suficiente para dar o ser a si mesmo tem força suficiente
para dar a si mesmo todas as perfeições de que tem idéia;
9. Quem conhece o bem e tem força suficiente para obtê-lo,
necessariamente vai querer obtê-lo;
10. A causa primeira tem força suficiente para dar a si mesma todas as
perfeições;
11. A causa primeira tem a idéia de todas as perfeições;
12. A causa primeira necessariamente dará a si mesma todas as perfeições
de que tem idéia;
13. Portanto, a causa primeira é um ente perfeitíssimo, ou seja, é Deus.
André Ricardo Pontes – RA: 200500200
Professora Regina – Filosofia Geral
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A prova revela-se redundante em relação à primeira, e extraordinariamente
complicada em relação ao seu modelo, a prova causal de Santo Tomás.
Tal complexidade é explicada pela vontade de reproduzir o esquema tomista
com algumas correções e violações:
Tomás Descartes
No mundo, todo ente deve ter O eu, na posse da idéia de
uma causa. Deus, deve ter uma causa.
(Tomás havia negado que se pudesse ter idéia de Deus.)
Na busca de uma causa não se No tempo presente não se
pode prosseguir ao infinito. pode prosseguir ao infinito.
(O regresso ao infinito, para Descartes, ao contrário de Tomás,
é possível.)
Portanto, existe uma causa Portanto, existe uma causa
primeira incausada. primeira causa de si mesma.
(Para Tomás, a autocausalidade é impossível.)
A primeira correção é a inserção da idéia de Deus. Sem o conhecimento da
Deus, nunca é possível provar que a causa primeira é Deus. Se se buscasse
simplesmente a causa do eu, não se conseguiria provar que a causa primeira é o
ente perfeitíssimo. “Mesmo se chego a uma primeira causa que me conserva, não
posso dizer que essa causa seja Deus, se não tenho verdadeiramente a idéia de
Deus”.
A prova causal tomista era empenhada em remontar ao regresso das causas
no tempo passado. Tomás pensou assim por ter considerado que o regresso ao
infinito nas causas era impossível, porque ele é incompreensível, mas o fato de o
regresso ao infinito ser incompreensível para a mente humana não implica de
modo algum que ele seja impossível em si. Se se buscasse a causa primeira
regredindo na série das causas no tempo passado, jamais se encontraria uma
primeira causa. Se se busca a causa no tempo presente, o regresso ao infinito não
existe, pois não há tempo suficiente para permiti-lo. Esta inovação possui uma
crítica radical à prova tomista: se fosse preciso buscar a causa da existência do eu
remontando às causas passadas, não se encontraria nem sequer uma causa
primeira.
Descartes esclarecerá que só a introdução da noção de autocausalidade
permite demonstrar que a causa primeira dos efeitos finitos é Deus: quem tem
tanta força para dar a si mesmo o ser tem também força suficiente para dar a si
mesmo todas as perfeições de que tem idéia, e, portanto, se tem a idéia de todas
as perfeições, é Deus.
É necessário modificar Tomás inserindo a busca da causa conservante no
tempo presente para encontrar uma causa primeira, e é indispensável introduzir a
idéia de Deus e a noção de causa sui para demonstrar que esta causa é o ente
infinitamente perfeito, ou seja, Deus.
A insistência cartesiana na necessidade de inserir nas provas a posteriori a
idéia de Deus e a noção de causa sui deve-se à vontade de enfrentar e resolver o
problema relativo à passagem de uma realidade finita qualquer, também o eu, à
realidade infinita e infinitamente perfeita, que é a de Deus.
Deus, graças à sua potência infinita, sem dúvida tem a capacidade de criar
na mente uma falsa evidência, porém jamais utilizará tal poder, porque, se o
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fizesse, a mente humana seria levada ao engano pelo próprio Deus, e isso é
impossível, porque Deus é não só infinitamente poderoso, mas também
verdadeiro, uma conseqüência da infinita potência de Deus, uma vez que o engano
revela antes fraqueza.

3.4. A idéia de Deus


Para Descartes, a idéia de Deus é inata. Como exemplo de idéias inatas
citava-se apenas as faculdades do pensamento. Agora sabemos que na mente são
também inatas algumas idéias representativas de algo a que corresponde uma
existência possível ou real fora da mente.
A idéia de Deus não pode ser adventícia porque exigiu uma escolha
voluntária de atenção; a idéia de Deus não pode ser factícia, já que o conteúdo
dessa idéia se impõe à mente sem que seja possível manipulá-lo ou modificá-lo.
Por conseguinte, como a idéia de mim mesmo, a idéia de Deus nasceu e foi
produzida comigo no momento em que fui criado.
A idéia de Deus é inata porque é a própria natureza do eu que traz a marca
do criador. O eu É a idéia de Deus. Portanto, minha natureza ela mesma é a idéia
de Deus, enquanto traz a imagem dele.
Descartes insiste: a finitude só é inteligível por comparação com a infinitude,
portanto, se me conheço como finito, é porque me comparo às perfeições que não
possuo, mas das quais tenho uma idéia. É porque tenho conhecimento do
infinitamente perfeito que posso ter conhecimento da minha natureza finita. Trata-
se de entender o finito graças ao conhecimento do infinito inscrito na mente finita.
A análise da idéia de Deus confirma a precedência do conhecimento claro e
distinto do infinito sobre o finito. Por outro lado, encontra a idéia da absoluta
perfeição por análise da natureza finita. A insistência cartesiana no conhecimento
de Deus através de uma idéia criada implica a rejeição da tese tomista segundo a
qual Deus não pode ser conhecido verdadeiramente através de uma idéia criada.
Esta violação dá corpo ao projeto cartesiano de garantir a ciência sem contato com
o divino, mas graças ao conhecimento claro e distinto da natureza divina
reencontrada no interior da finitude. A garantia das idéias claras e distintas foi
encontrada em uma outra idéia clara e distinta, inscrita na natureza finita do eu.

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