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OBJETO E MÉTODO DA JURISPRUDÊNCIA ROMANA – BIONDI

1. Origem da ciência do direito no direito romano e a superação e


depreciação deste

-até o início do século XIX, a ciência do direito seguiu os passos da


jurisprudência romana → o método era romano, os monumentos da jurisprudência
romana se estudavam como algo vivo e útil, o Corpus Iuris era utilizado pelos práticos
└> não se suspeitava que a ciência do direito pudesse ter outro objeto
que o romano, e a separação entre teoria e prática era desconhecida
-à partir dos primeiros trabalhos da Pandectística e dos primeiros sistemas
jurídicos, surge a “verdadeira” ciência do direito
└> busca de determinar os conceitos jurídicos com a mesma precisão
que qualquer ciência
└> caráter universal (antes a jurisprudência se limitava ao código do
próprio país, opiniões e decisões dos próprios tribunais e doutores)
└> atenuação da ligação com o direito positivo de cada Estado a ponto
de em algumas obras não citar sequer uma lei
└> separação entre ciência e prática do direito → estudos tão universais
e eruditos que são ignorados na prática
-frente ao revigoramento da ciência do direito, os trabalhos anteriores
passaram a ser depreciados → também o direito romano (apresentava somente vagas
definições de conceitos, adesão à tradição,...)
└> fala-se que os juristas romanos foram empíricos geniais, que
fundaram a ciência do direito, mas a isso seguem-se críticas: falta sistema, não penetram
essência das instituições, classificações são descuidadas, inábeis em questões teóricas
→ perda do interesse dos juristas pelo direito romano
-para Biondi, o mérito e glória eternos dos romanos não se encontram nas leis,
mas na jurisprudência

2. Jurisprudência romana e o Jurista romano: visão prática e objetivo de


alcançar a justiça

-jurisprudência vista como ciência para os romanos


└> não como busca por uma verdade objetiva, nem como especulação
abstrata
└> consideram uma atividade intelectual destinada a alcançar o que é
justo e oportuno
└> não tem fins especulativos, mas sim práticos; não pretende analisar
uma verdade científica por elaborações lógicas, mas sim alcançar resultados
└> ciência não está separada da vida, mas serve a ela; é preciso conhecer
a realidade para perceber suas necessidades, e com prudência resolver seus conflitos de
forma justa
└> preciso também conhecer os fins do direito: justiça
-considerando-se a união indissolúvel entre o direito e a realidade e os fins do
direito, o âmbito de conhecimentos do jurista não está limitado, envolve tudo o que
possa interessar nas relações; quem se isola da realidade é, para os romanos, um filósofo
-função da jurisprudência romana era adaptar as tradições jurídicas aos
preceitos de justiça (a ponto de pretensões fundadas na lei serem paralisadas caso
fossem injustas) → coincidência da função jurisprudencial romana com a frase de
Ulpiano “ius est ars boni et aequi” (o direito é a arte do bom e do justo)
-o jurista romano
└> não é homem da ciência que elabora sistemas e doutrinas, ou escritos
com grande sabedoria e erudição
└> é um “prudens” (prudente?) que está em contato com a vida e busca
satisfazer necessidades sociais
└> não impõe o produto de suas especulações, mas sugere meios que
respondam à justiça
└> suas idéias não necessitavam imposição de autoridade, o que as
legitimava era a utilidade
└> se satisfez uma necessidade da vida seguindo o bom e o justo,
cumpriu sua missão (nós esperamos imensa sabedoria das leis, em Roma se esperava
dos juristas → genialidade se media pela satisfação das necessidade práticas)
-na maioria, Ius Civile se formou fora do Estado; Estado somente acolhia
sugestões da jurisprudência, dava autoridade absoluta a uma pessoa isolada
-progresso científico para romanos: alcançar sempre o melhor e de modo mais
fácil; tudo se faz com finalidades práticas
-o poder da jurisprudência romana era tão grande que criava novas formas de
direito sem intervenção legislativa, adaptando o que existe conforme as necessidades
(ex: testamento=mancipatio adaptada)
-para buscar a justiça, os juristas romanos inclusive burlavam a lei se essa não
correspondia mais à consciência social (ex: subterfúgios para excluir mulher da tutela)

3. Papel fundamental do jurista romano

-por causa do fim de justiça, totalmente alcançado, da jurisprudência e do


jurista, estes alcançam altíssimo nível na consciência social
-havia o entendimento de que o jurista possuía uma missão mais nobre do que
conseguir uma verdade científica: ele buscava a justiça na convivência social, buscava
soluções oportunas e justas
-mesmo quando surgem órgãos legislativos e o direito se torna Estatal, a
jurisprudência segue com a mesma lição, e guia os órgãos legislativos → os juristas
mantém o direito em contato com a vida, ainda que por meio dos órgãos do Estado, ou
por trás da atividade do pretor ou príncipe
-o jurista concentra a sabedoria do direito positivo e da política do direito, de
sua interpretação e criação, de sua teoria e prática

4. “Alheios ao “direito” público

-a jurisprudência romana abrange todo o campo do direito, não conhece


especialistas, porque a justiça é una, e o método de alcançá-la sempre o mesmo
-entretanto, o direito romano se deteve frente o direito público; neste, não se
pressupunha a atividade de um jurista, mas sim de um político
-trata-se o campo do direito público de uma área em que se pode teorizar
muito, trabalhar dogmaticamente, e esta vocação o jurista romano não possui
-o jurista, então, somente descreve o ordenamento do Estado e suas funções

5. O direito para os romanos e sua mutabilidade


-direito para os romanos:
└> não é imposição, nem razão abstrata que surge da autoridade ou da
filosofia; pode sim ser ordem ou razão, mas em função da necessidade social e da
justiça
└> não é investigação e afirmação de verdades, mas arte, técnica e
sistema destinados a alcançar a maior utilidade necessária à convivência humana
└> para esta noção de direito que trabalha a ciência do direito (direito,
ciência do direito e justiça são inseparáveis para os romanos)
-trata-se o direito de uma síntese de toda a utilidade que diz respeito à justiça;
a justiça, por sua vez, trata-se da simples vontade
└> vontade dos indivíduos de observar a justiça
└> dos juristas de sugeri-la, de preparar os modos adequados por meio
da jurisprudência
└> do Estado de pô-la em prática, já que tem poderes para isso
-um dos méritos do direito romano é sua elasticidade
└> direito busca justiça, não verdades eternas; é uma realidade concreta,
não ideologia → a percepção de justiça difere em diferentes realidades, e por isso é
impossível buscá-la a partir de premissas teóricas
└> os princípios não são imortais, permanecem enquanto oportunos para
aquela realidade; mesmo preceitos básicos não são intangíveis, a própria jurisprudência
que os criou favorece sua demolição conforme as circunstâncias exijam
└> toda essa facilidade para mudanças não significa que a regra mude,
pois se compreende o valor das fórmulas gerais → o que mudam são os princípios → a
regra perpetua junto a exceções e instituições que diminuem sua aplicação conforme
necessário
-romanos são o povo do direito, não da lei → não há um órgão legislativo ou
leis no sentido moderno
-conciliações entre a tradição e as inovações
└> a melhor ciência jurídica é a que acompanha as necessidades da vida;
por isso, independe se o que se utiliza é novo ou antigo, desde que caiba à situação
└> mesmo em tempos de inovações, jurista romano não jogava fora tudo
o que se construíra, não buscava construir a ciência do direito sobre novas bases
└> tradição, para os romanos, não é imobilidade, mas busca constante
por perfeição → mantém-se o útil e aperfeiçoa-se o necessário
-torna-se difícil falar do direito romano precisamente por sua essência,
formada por regras e adaptações, princípios gerais e desvios

6. Interpretação

-a interpretação se adapta ao conceito de ciência e de direito romanos → não


busca uma vontade objetiva encerrada na lei, mas sim um resultado oportuno
└> freqüentemente se utilizava a aequitas (equidade) e a benignitas
-não existiam limites formais à interpretação, para que não se impedisse a
evolução do direito e a obtenção de um resultado justo
-utilizavam-se todas possibilidades: extensiva, restritiva, elemento lógico,
formal,...) → o mais utilizado era a analogia, desenvolvendo o direito
-tanto meios pretórios como rescriptos eram utilizados
└> quanto aos rescriptos, necessário era distinguir os que eram
necessários só em certa época ou meros caprichos, daqueles que eram dotados de algum
princípio universal
7. Método

-sendo que todos os juristas perseguiam o mesmo fim (a justiça), qualquer


método que o alcançasse era correto → assim, os romanos não tinham um método
distinto
-as divergências de opiniões encontradas em toda a história do direito podem
não se tratar de uma diferente concepção teórica ou diferente método → cada um possui
uma visão própria do que é a justiça, e por isso existem resultados diferentes
└> no entanto, romanos consideravam que havia uma justiça que todos
concordavam, e se chamava ius receptum
└> Sabinianos x Preculianos → controvérsias entre escolas vinham não
de oposição de princípios, mas de opiniões diferentes em pontos isolados, ou tendências
políticas

8. Lógica

-estando o direito sujeito às necessidades da vida, e sendo suas exigências


complexas e em constante mudança, o direito não pode se prender a rigorosas regras
lógicas e ser por elas fossilizado → o direito deve se adaptar à vida, e não se impor a ela
-a dialética não se perdia no abstrato
-buscava-se não uma fórmula teórica, mas razões que fizessem convincente o
que intuitivamente parecia justo → primeiro nasce a solução, e somente após um meio
que justifique o resultado
-tanto analogias, assimilações e ficções eram utilizadas pelos juristas, sempre
buscando o resultado desejado
-os romanos são hábeis em deduzir conseqüências das premissas, mas só
percebem as que têm resultado prático
-a lógica não pode ser inflexível na aplicação de princípios e regras, deve visar
sempre o justo
-em busca do justo oportuno, toda razão se pode utilizar, independente de
contradições ou desarmonias

9. Filosofia no direito romano

-para conseguir seu fim, a jurisprudência se vale de todos os meios, inclusive


da filosofia
-no entanto, a filosofia que se desenvolveu foi pragmática e moral, não
especulativa/abstrata → muito mais ligada ao estoicismo do que a Aristóteles
-independente de quais conhecimentos se utilizem pelo direito, este não perde
seu caráter: os diferentes conhecimentos são apenas métodos para o alcance do fim do
direito, a justiça
└> por mais que se tomem conceitos da filosofia, se faz isso com
conteúdo e finalidade jurídicos, só se utiliza o que pode ser útil de forma prática (ex:
coisas corpóreas e incorpóreas)
-apesar das obras romanas citarem filósofos gregos, é puramente decorativo;
não se pode esquecer que os gregos eram muito mais teóricos
-a filosofia cultivada pelos romanos não se perde no abstrato, mas busca a
realidade concreta →sendo socialmente útil se usa, independente da escola/tendência
10. Caráter popular da jurisprudência

-ciência do direito em Roma é popular: emana do povo, se dirige a ele e por


ele é inteiramente compreendida; não se restringe a uma pequena classe estudiosa
-o tecnicismo era mínimo, de forma que todos ensinamentos podem ser
compreendidos por todos
└> linguagem utilizada era a comum, palavras com mesmo significado
da vida cotidiana → mesmo quando necessitava linguagem própria, desenvolvia palavra
conhecida ou utilizava grega conhecida
└> obras não eram nebulosas, mas espelho da realidade → juristas não
eram vagos, mas claros
-o direito romano era parte da cultura geral, nenhum cidadão podia ignorá-lo

11. Etimologia e Filologia

-o jurista muitas vezes cria derivações de palavras → faz isso somente para dar
elementos úteis para uma noção jurídica precisa; não pretende alcançar uma verdade
científica nem criar materiais eruditos
-quanto à história do direito, os romanos não apresentam interesse → somente
o que afeta a realidade e conseqüentemente a ciência do direito interessa, ou seja, o
passado que permaneceu na tradição e no ordenamento jurídico (ex: XII tábuas, que
nada mais é do que uma realidade viva); conforme o direito se transforma, o que não
mais é vigente se elimina dos livros
└> Pomponio considera necessário o estudo da história que ajuda a
compreender o direito atual

12. Classificações

-as categorias utilizadas por romanos não se formam por exigências lógicas, já
que fórmulas gerais e abstratas não servem a eles
-o fim das categorias é prático: ocorre um agrupamento de figuras jurídicas
homogêneas que serão regidas por um regime comum coexistente às características
particulares
-a maior parte do sistema jurídico não foi enquadrada em categorias em Roma
→ as categorias romanas eram pobres, e assim as definições nunca apresentam uma
proximidade como exigem as boas regras da lógica

13. Definições e fórmulas gerais

-estas não existiam para muitas figuras do direito; quando existiam, eram
insuficientes e até mesmo desajustadas do conceito que os próprios romanos tinham
└> apesar de serem incompletas/insuficientes, Biondi acha que não se
deve destruí-las
-juristas romanos pouco definiram porque sabem que a realidade é mutável, e
assim “engessar” uma instituição em uma fórmula é tentar anular sua complexa
realidade, impossibilitar as transformações freqüentemente necessárias
└> a própria lei, com o desenvolvimento do direito, introduz inovações
que dão diversa configuração às instituições, então como seria possível já tê-las
definidas?
-as definições não têm valor absoluto; somente iluminam um distinto ponto de
vista
└> assim também os conceitos, que são relativos, mudando conforme o
ordenamento em que se aplicam ou o ponto de vista sob o qual se consideram →
impossível uma fórmula eterna, um conceito válido tanto para ordenamentos passados
quanto presentes
-para Biondi, não existe progresso simplesmente por encontrar alguma
definição (como do bem ou do belo – Saldanha não leu isso); também acha que a
modernidade não superou todos os defeitos de definições romanas (já que é impossível)
-Biondi acha que o valor de algumas definições está em sua própria
indeterminação (como da boa-fé), pois permite que se adaptem às necessidades da vida
-os romanos miram mais a oportunidade do que a lógica formal → por isso
mesmo, além das poucas definições, algumas ainda se contradizem ou são abertas →
não se busca com essas definições compreender a essência da instituição, mas
simplesmente mostrar vários de seus aspectos, já que a própria instituição pode ser
contraditória segundo o caso ou ponto de vista (e assim todas definições são
verdadeiras)

14. Sistematização

-os romanos tiveram pouco interesse pelo assunto; considerou-se o


ordenamento como algo exterior que não influenciava na substância do direito → podia
tornar a obra mais acessível, mas a realidade era a mesma
-técnica da sistemática trata-se mais de uma forma didática, e não científica

15. Conclusão

-em nenhum outro povo se atuou de maneira mais perfeita a justiça do que em
Roma
└> assim, sua ciência do direito, por mais criticada que seja por nós,
atingiu plenamente sua finalidade
-enquanto os modernos tentam elevar o jurista ao digníssimo papel de homem
da ciência, o estão diminuindo, pois esquecem seu verdadeiro papel: sugerir o que é
justo e socialmente útil
-o problema do direito não é mais do que o problema da justiça → o atual
homem da ciência não possui influência na realidade prática
-o fim do direito é sempre a justiça, e a ciência do direito não pode prescindir
desse entendimento → especulações abstratas não significam progresso, mas o
encaminhamento para campos que não interessam ao direito → tudo o que buscar a
justiça é que é verdadeiramente científico e pode ser considerado um progresso
-as construções/teorias/argumento/conclusões não devem ser vistas como
verdades eternas, mas justificadas somente por sua utilidade prática (e conseqüente
variabilidade)
-resgatar o direito romano não significa fazer reviver instituições e concepções
passadas, mas recuperar a rica experiência secular da utilização de um sistema que era
perfeitamente idôneo para seu fim

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