Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Pratos deliciosos fazia, nenhum que gostasse, mas os preferidos do marido. Acordava cedinho e j comeava a fazer o caf da manh, ovos bem mexidinhos, que era assim que o marido gostava e observava: Sem ovos bem mexidinhos, no d pra acordar direitinho! Beijava o marido na ida para o trabalho, pela manh, beijava na hora do almoo, na ida da tarde, na volta da tarde. Menos noite, antes de dormir, porque dormia como uma pedra cansada. Natural, pois que trabalhava o dia inteiro para manter o marido satisfeito j que, dizia ele, e talvez at fosse verdade, trabalhava o dia inteiro para mant-la feliz. At que um dia, e sempre h um dia, nem que seja no dia do juzo-final, a barata Matilde acordou mais tarde, no fez nada que o marido estava acostumado que ela fizesse. Nem a casa arrumou. Arrumou foi o cabelo, as unhas, a roupa e a personalidade dela mesma. O marido estranhou, chiou, gritou. Mas ela estava to bonita, to dona de si, que ele ficou com medo de perd-la e passou a beij-la, abra-la e tralal-la e nhenhenhem, que ela merecia. E o mundo nem veio abaixo. E o mundo no acabou. A barata Matilde at comeou a trabalhar tambm. E um dia ela fazia as coisas chatas do dia-a-dia, tipo lavar pratos, outro dia era ele que fazia. E nem era bom, nem ruim. Mas melhor que antes, bem melhor, j dizia o Abrantes. Foi bacana para Matilde acordar um dia e descobrir que no tinha sangue de barata. Ulisses Tavares. Histrias quentes de bichos e gentes; ilustraes Cludio Martins So Paulo: Gerao Editorial, 2003. (Coleo Meu Livro)