Você está na página 1de 2

ERA UMA VEZ Maria Pampim

Eu mesma nem sei se j contei esta estria, Mas, de quando em quando ela me peala a memria. E se achega de mansito. Fecho os olhos despacito, E ento, vem dar comigo de jeito. Vou sentindo um n na goela, E um pouco mais abaixo dela, Um forte aperto no peito. Meu salseiro choro, debrua no arroio da saudade E volto, barbaridades, a galopear com o vento, Buscar no fundo do tempo reminiscncias, Daquelas minhas querncias, mais um tempo pra sonhar Apeio e ento deparo com o ba das lembranas: Trastes que foram, no entanto, parte do riso e do pranto Do meu mundo de criana. Um mundo que eu fiz assim... De mentira para os outros, mas, de verdade pra mim! Havia uma faixa lindeira, que era a minha fronteira. Ento, me pareceu, que do lado de c tudo era meu. Toquei tropilhas, parei rodeios, me embretei nos devaneios, E fiz cantigas. Para as rvores; para os pssaros; para as formigas. Pois mesmo em horas mal gratas, chorei sorrisos; Gritei silncios, cantei serenatas. Fiz as melodias dos rudos das cascatas. Com as canas de taquara, armei meu rancho de brinquedo. E tive medo que ele um dia desabasse, Se acaso o vento soprasse, com fria de desenganos, Que s vezes, vem pelos anos. Mas o fiz de frente para o norte E foi mais forte que o vento, Era to bom nesse tempo!...

Pela quincha do galpo, simples j desde o cho, Via meu teto de estrelas,

E dava gosto de v-las, campeando o cu aberto, Querendo prosear, por certo, com um vagalume vagabundo, Qual fasca de braseiro, que passeava com seu candieiro Pra alumiar coisas do mundo... Um mundo que eu fiz assim... De mentira, para os outros, mas de verdade pr mim,... Ah!...Quantas vezes bebi gua fresca da chuva; E tomei meu mate quente quando passava tardes inteiras, Bombeando o gado nas mangueiras, ou na invernada da frente. To enlevado e entretido, pelas veredas da vida. Fui feliz, verdade!... Na infncia e na mocidade, Hoje, abro os olhos num repente, e, acho tudo diferente. Do que guardei na memria, desde os tempos desta estria, Enquanto me fazia gente. Verdades nuas e cruas, com o passar de muitas luas. E nesta sina de andar, tenho ganas de gritar: -Porque o tempo passou?...Porque foi que no parou?... Porque o tempo no tem tempo pra parar! Vejo que tudo envelheceu. Tudo mudou. O tempo me venceu! Levou o campo de coivaras. Meu rancho de taquaras; Meu gado, meus potros. Tudo que foi meu por fim. A realidade me entristece, Nesse mundo que agora aparece. E de verdade, pra os outros, Mas, de mentira pra mim...!

Rassa da Cunha Bevilacqua CTG Farroupilhas

Você também pode gostar