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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

COMARCA DE SÃO PAULO


FORO REGIONAL I - SANTANA
5ª VARA CÍVEL
Av. Engenheiro Caetano Álvares, 594, 2º andar, salas 241 e 243, Casa Verde - CEP 02546-000, Fone: 11-
3951-2525, São Paulo-SP - E-mail: santana5cv@tj.sp.gov.br

SENTENÇA

Processo nº: 001.08.616761-9 - Possessórias Em Geral(reintegração, Manutenção,


Interdito)
Requerente: Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo - Banccop
Requerido: Luis Antonio Paolillo Valamede

Juiz(ª) de Direito Dr.(ª): Enéas Costa Garcia

Vistos.

1. COOPERATIVA HABITACIONAL DOS BANCÁRIOS DE SÃO


PAULO - BANCOOP, qualificada nos autos, ingressou com ação de reintegração de
posse contra LUIS ANTONIO PAOLILLO VALAMEDE, alegando, em síntese, que o
requerido aderiu à cooperativa autora visando a construção e aquisição de um imóvel,
assumindo obrigação de pagamento das parcelas do preço estimado e de arcar com
eventuais valores suplementares que fossem necessários no curso do empreendimento.
Relata que o requerido deixou de cumprir a obrigação de pagamento das
parcelas avençadas, sendo constituído em mora.
Sustenta que o inadimplemento é causa de eliminação da cooperativa, o que
torna viciada a posse que o requerido exerce sobre o bem da autora.
Pretende o acolhimento do pedido para concessão de liminar de reintegração de
posse e condenação do réu ao pagamento de indenização, no montante não inferior a 0,1%
ao dia, sobre o valor do imóvel, desde a data da eliminação do cooperado até a efetiva
desocupação.

2. Antes mesmo da citação o requerido ingressou nos autos e apresentou


contestação (fls. 67/102).
Alega em defesa: a) que foram quitadas as prestações originalmente previstas
no contrato, buscando a autora cobrança de saldo residual não comprovado; b) que está em
curso ação coletiva na qual se discute a inexigibilidade da referida cobrança; c) conexão
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com a ação coletiva; d) necessidade de suspensão do processo em razão da


prejudicialidade; e) que o real negócio existente entre as partes é de compra e venda de
imóvel e não cooperativa; f) aplicação do Código de Defesa do Consumidor; g) falta de
interesse de agir, pois inexiste pedido de rescisão do contrato; h) impossibilidade de
constituir o réu em mora, pois não houve aprovação da assembléia sobre o rateio, nem
qualquer outra comprovação da sua origem; i) que a notificação não respeitou o prazo
previsto no Estatuto para regularização da inadimplência; j) que a cláusula contratual não é
clara ao determinar a obrigação de rateio de saldo residual, como seria exigível pelas
normas do Código de Defesa do Consumidor; l) nulidade da cláusula que prevê
indenização; m) impossibilidade de concessão de liminar.

3. A liminar não foi deferida (fls. 189) e veio aos autos a réplica (fls. 193/232).
É o relatório.

DECIDO.

4. O feito comporta julgamento antecipado, sendo dispensável produção de


prova oral, nos termos do art. 330, I do Código de Processo Civil.

5. Há ação coletiva cujo objeto é a discussão da admissibilidade da cobrança do


resíduo, o que em tese determina a existência de prejudicialidade, a qual poderia levar a
reunião dos processos por conexão.
Porém, há que se considerar que a reunião de processos não é cogente (RT
493/137, 499/222, 600/194 Theotônio Negrão & José Roberto F. Gouvêa, Código de
Processo Civil e legislação processual em vigor, 37ª ed., p. 228) e os elementos colhidos
no caso sub judice já permitem o julgamento desde logo da controvérsia, não sendo
conveniente a reunião dos processos.
As demais questões deduzidas a título de preliminar ligam-se ao mérito e nesta
condição serão analisadas.
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6. No mérito, a ação é improcedente.


Não se discute a legitimidade da cobrança de eventuais resíduos oriundos da
construção dos imóveis no sistema de cooperativa.
A cobrança de resíduos é admitida pela Lei nº 5.764/71, que rege as
cooperativas.
Assim, o art. 21, IV da Lei nº 5.764/71 determina que os Estatutos das
Cooperativas devem indicar: “a forma de devolução das sobras registradas aos
associados, ou do rateio das perdas apuradas por insuficiência de contribuição para
cobertura das despesas da sociedade.”
Normas específicas sobre rateio encontram-se nos art. 80 e 89 da Lei nº
5.764/71.
Em que pese a existência desta obrigação, no caso sub judice a autora não
observou os requisitos legais para esta cobrança.
A cobrança deste rateio de despesas adicionais na construção deve ser objeto
de aprovação pela Assembléia dos cooperados.
Neste sentido o art. 44 da Lei nº 5.764/71:

“Art. 44. A Assembléia Geral Ordinária, que se realizará


anualmente nos 3 (três) primeiros meses após o término do
exercício social, deliberará sobre os seguintes assuntos que deverão
constar da ordem do dia:
I - prestação de contas dos órgãos de administração
acompanhada de parecer do Conselho Fiscal, compreendendo:
a) relatório da gestão;
b) balanço;
c) demonstrativo das sobras apuradas ou das
perdas decorrentes da insuficiência das contribuições para
cobertura das despesas da sociedade e o parecer do Conselho
Fiscal.
II - destinação das sobras apuradas ou rateio das
perdas decorrentes da insuficiência das contribuições para
cobertura das despesas da sociedade, deduzindo-se, no
primeiro caso as parcelas para os Fundos Obrigatórios;
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No mesmo sentido dispõe o Estatuto da Cooperativa embargada, cujo art. 39, II


reproduz a Lei nº 5.764/71, determinando que compete à Assembléia Geral Ordinária
deliberar sobre as sobras ou rateio das perdas decorrentes da insuficiência das
contribuições para cobertura de despesas da sociedade.
O art. 79, §2º do Estatuto prevê a necessidade de aprovação em assembléia do
rateio: “As perdas verificadas, que não tenham cobertura no Fundo de Reserva, serão
rateadas entre os associados após a aprovação do Balanço pela Assembléia Geral
Ordinária na proporção das operações que houver realizado com a Cooperativa.”
Por fim, o “termo de adesão”, na cláusula 16ª também faz menção à assembléia
para definição da apuração final das obrigações dos cooperados.
Assim, ainda que a cooperativa esteja legalmente autorizada a cobrar eventuais
resíduos, tal cobrança somente é possível com observância dos requisitos formais que
constam da Lei nº 5.764/71 e dos Estatutos da Cooperativa, especialmente a necessidade de
aprovação de contas e deliberação da Assembléia.
Estes requisitos não foram observados no caso sub judice. Não há
demonstração da aprovação de contas, da apuração do resíduo e da aprovação da
Assembléia quanto à forma de rateio.
Assim, inviável a cobrança e a demissão do requerido da associação. Logo,
improcedente a ação possessória.
Nesse sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em caso
envolvendo a mesma cooperativa:

“A autora celebrou com os réus "Termo de Adesão e Compromisso


de Participação", consistente na aquisição de unidade habitacional, mediante
sistema de autofinanciamento, a preço de custo.
Pois bem Construído o empreendimento pelo sistema coorperativo,
foi a obra entregue, com saldo a finalizar.
E, no caso, ao que tudo indica, nada mais fez a cooperativa do que
efetuar o rateio dos custos entre os proprietários das unidades habitacionais,
conforme claramente prevê a cláusula 16ª do contrato firmado entre as
partes (fls. 115).
Lembre-se que, como os imóveis foram construídos a preço de custo,
cada cooperado, ao final da obra, deve ter contribuído com a quantia
necessária à construção da unidade residencial que lhe foi atribuída.
Ocorre, porém, que para sua exigibilidade se faz necessário que os
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valores sejam apurados pela cooperativa e aprovados em assembléia, de


modo a prevalecer a vontade da maioria.
Atente-se que, na hipótese, a autora não comprovou a extensão dos
custos.
Aliás, e como bem observou o juízo, '...atribuiu de forma unilateral
valores que seriam de responsabilidade dos adquirentes-cooperados, mas
em momento algum trouxe aos autos qualquer relação com o custo das
obras, materiais utilizados, mão-de-obra empregada e respectivos
comprovantes de desembolso dos valores', (fl. 327/328).
E não se pode olvidar que tal demonstração se mostrava
indispensável à exigência do saldo residual, além da autorização da
assembléia autorizando o rateio das despesas, pois, respeitada a autonomia
da vontade assemblear, representativa da maioria, somente assim poderia a
autora exigir dos réus o cumprimento da obrigação ali estabelecida. (...) ”
(TJSP 6ª Câm. - Ap. nº 602.217-4/4-00 - Rel. Vito Guglielmi j.
11/12/2008).

No mesmo sentido:

“Cooperativa habitacional - Contrato de compromisso de compra e


venda - Declaratória de inexigibilidade de débito - Omissão na
realização das assembléias pertinentes e obrigatórias - Cobrança de saldo
residual sem respaldo legal - Cálculo produzido unilateralmente sem a
necessária prestação de contas documentada - Consumidor em
desvantagem excessiva - Obrigatoriedade da outorga de escritura
definitiva Recurso improvido.” (TJSP 8ª Câm. - Ap. nº 582.881.4/0-
00 - Rel. Joaquim Garcia j. 5/11/2008).

“Declaratória - Cobrança indevida de resíduo - Agravo retido


prejudicado - O Termo de Adesão, na sua cláusula 16ª e do Estatuto,
artigos 22 e 39, são claros ao dispor que é possível o rateio de despesas,
mas desde que concluída a obra, além do cumprimento de todas as
obrigações pelos cooperados e autorização de Assembléia Geral - Prova
dos autos que demonstra que a obra não foi concluída e que não houve
Assembléia Geral autorizando o rateio de despesas - Prejudicado o
agravo retido, nega-se provimento à apelação.” (TJSP 3ª Câm - Ap. nº
527.602.450-0 - Rel. Artur Cesar Beretta da Silveira j. 04/12/2007).

“Cooperativa que cobra, seguidamente, resíduos dos compradores - O


fato de a cooperativa habitacional invocar o regime da Lei 5764/71, para
proteger seus interesses, não significa que o cooperado esteja
desamparado, pois as normas gerais do contrato, os dispositivos que
tutelam o consumidor e a lei de incorporação imobiliária, atuam como
referências de que, nos negócios onerosos, os saldos residuais somente
são exigíveis quando devidamente demonstrados, calculados e provados -
Inocorrência - Não provimento.” (TJSP 4ª Câm - Ap. nº 478.060.4/0 -
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Rel. Enio Santarelli Zuliani j. 06/03/2008).

Prejudicadas as demais alegações, considerando que não preenchidos os


requisitos formais para a cobrança do valor residual.

7. Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido.


Condeno a autora ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários
advocatícios, que arbitro em 10% do valor da causa.
Nos termos do art. 475-J do CPC, fica a autora advertida de que o não
cumprimento da condenação no prazo de 15 dias, contado da sua exigibilidade, implicará a
incidência de multa no percentual de 10% do valor do débito.

P. R. I

São Paulo, 26 de fevereiro de 2009.

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