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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE HUMANIDADES
UNIDADE ACADÊMICA DE CIÊNCIAS SOCIAIS
BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
HABILITAÇÃO EM ANTROPOLOGIA

RAFAEL LEAL MATOS

BEBENDO NO CAJUEIRO
UM ENSAIO ETNOGRÁFICO SOBRE O CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS NA
ALDEIA POTIGUARA DO FORTE

CAMPINA GRANDE – PB
Junho de 2013
RAFAEL LEAL MATOS

BEBENDO NO CAJUEIRO
UM ENSAIO ETNOGRÁFICO SOBRE O CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS NA
ALDEIA POTIGUARA DO FORTE

Monografia apresentada como


requisito para obtenção do título
de “Bacharel em Ciências
Sociais”, com habilitação em
Antropologia.

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo de


Azeredo Grünewald.

CAMPINA GRANDE – PB
Junho de 2013
BANCA EXAMINADORA

Dr. Rodrigo de Azeredo Grünewald (Orientador - UFCG)

Dr. Estêvão Martins Palitot (Examinador - UFPB)

Dr. Márcio de Matos Caniello (Examinador - UFCG)


À Ana Lúcia, minha Mãe.
À Beta, minha parceira.
E aos Índios Potiguara.
AGRADECIMENTOS

Não acho que sou bom nesse tipo de agradecimento, prefiro agradecer pessoalmente.
Mas vai aqui uma tentativa.
Agradeço à Ana Lúcia, minha mãe. À Ana Carla e Venceslau, que fizeram brotar a
mais linda flor de que tenho notícia: Ana Flor, minha sobrinha. A Biro e Júnior, meus irmãos.
A Cauã, meu sobrinho. À Tia Lúcia e Tia Emília, que me incentivaram ao longo da
graduação.
Sou grato também à Mabel, João e Seu Braz meus vizinhos de bairro, por terem me
cedido abrigo nas minhas primeiras investidas no campo de pesquisa. Sem essa ajuda minha
pesquisa não seria possível.
Agradeço à Beta, minha parceira, tradutora, revisora, conselheira, amante, amiga...
Quando estou com ela ocorre um fenômeno idêntico ao que ocorreu com Maiakovski, que
disse o seguinte: “Nos demais, todo mundo sabe, o coração tem moradia certa, fica bem aqui,
no meio do peito. Mas comigo a anatomia ficou louca. Sou todo coração - em todas as partes
palpita”. Você é a mulher que muda minha anatomia por completa!
Deixo agora registrado o nome d@s amig@s importantes nessa minha odisseia
monográfica. Darlan (devolva meu isqueiro!) e Illian, um casal um pouco bairrista, mas gente
boa. Lígia (Favelita) e a Bruno (Capotado), casal charme das Ciências Sociais. Mylle,
Matchella e Tiago, o amigo que não escolhi. Agradeço também @s amig@s que fiz ao longo
da graduação: Carol, Aldo(us Huxley) Manoel, Luis Henrique (professor importante na minha
formação), Carlos (Castañeda) Boemia, Lulinha, Valdênio e João Matias. Agradeço também à
Snarfelezonildo (valeu pelas fotos!), Tito Law, Joani, Rennaly, Romero Curtis, Fabricio,
Rodolfo, Bruna e Sidney.
Seguindo a onda da amizade, agradeço aqui ao meu orientador, Rodrigo Grünewald,
que ao longo do processo monográfico se mostrou mais que um simples orientador
acadêmico. Valeu pelo estímulo! Agradeço também a Estêvão Palitot, que me ajudou como
uma espécie de coorientador, com textos e conversas, além ter me levado pela primeira vez
até os Potiguara.
Por fim, mas não menos importante, quero registrar os meus agradecimentos aos
Potiguara, em especial à D. Amélia, Abraão (Braia), Iremar (Mazinho), Clóvis, Caboquinho,
Neguinho, Ronaldinho, Abraão de Zinho, Ju, Neném, Joca, Demir, Seu Antônio e Seu Biu. A
vocês sou grato de uma maneira que não tenho nem como dizer. Devo essa a vocês!
SUMÁRIO

Resumo ....................................................................................................................................01

Introdução ...............................................................................................................................03

Capítulo I - Reflexões Críticas e Teóricas sobre o Uso de Álcool ......................................09

Sobre como o Consumo de Álcool é Abordado na Contemporaneidade .....................09

Álcool e/é Droga ..........................................................................................................11

Sobre o Consumo de Álcool em Comunidades Indígenas: estudos antropológicos ....13

Capítulo II - Os Potiguara e a Aldeia do Forte ...................................................................21

Índios do Nordeste .......................................................................................................21

O Povo Potiguara do Litoral Paraibano .......................................................................24

A Aldeia do Forte ........................................................................................................37

Capítulo III - Na Sombra do Cajueiro do Forte .................................................................44

O Cajueiro e sua Turma ...............................................................................................44

A Turma do Cajueiro: uma história de lazer ................................................................49

Sentimento de Propriedade e Autoridade Associado às Práticas Etílicas ....................53

Marginais e Desviantes? ...............................................................................................60

Considerações Finais ..............................................................................................................63


RESUMO

Esta monografia nasceu de uma investigação acerca do consumo de bebidas alcoólicas entre
os índios Potiguara residentes no município de Baia da Traição, Paraíba. A pesquisa foi
realizada na aldeia do Forte, onde há um Cajueiro que serve de ponto de encontro para um
grupo de homens, identificados como a Turma do Cajueiro. Entre estes homens, o uso de
bebidas etílicas (principalmente cachaça) ocupa um papel central em sua sociabilidade. Neste
sentido, utilizando-se de uma metodologia qualitativa (a etnografia) – baseada na observação
participante (ou direta), com a utilização de diário de campo e a realização de entrevistas
formais e informais, além da captação de registros fotográficos usados mais de maneira
ilustrativa do que analítica – explicito aqui quais práticas, significados e representações
sociais estão vinculadas ao consumo de bebidas realizado no Cajueiro’s Bar, modo como a
turma chama o locus desta pesquisa. Por fim, pude perceber que a criação do Cajueiro
enquanto um espaço de lazer está fortemente associada à constituição do grupo enquanto tal, e
que, por isso, eles nutrem um sentimento de propriedade perante o local. Este sentimento é
reafirmando nos encontros etílicos do grupo, uma rede social de amigos que faz do Cajueiro’s
Bar um espaço social de política informal dentro da área indígena.

Palavras-chave: Índios Potiguara, Bebidas Alcoólicas, Redes Sociais, Política Informal.

ABSTRACT

This monograph results from an investigation regarding the consumption of alcohol among
the Potiguara, indigenous residents in the municipality of Baia da Traição, Paraíba. The
research was conducted in the community of Forte, where there is a cashew tree that serves as
a meeting point for a group of men, identified as Turma do Cajueiro (cashew tree team).
Among these men, the use of alcoholic beverage (particularly cachaça) occupies a central role
in their sociability. In this sense, using a qualitative methodology (ethnography) - based on
participant (or direct) observation, with the use of a field diary and conducting formal and
informal interviews, in addition to capturing photographic records used in a more illustrative
way than an analytical – I explicit here what practices, meanings and social representations
are linked to alcohol use conducted in Cashew's Bar, how the team calls the place. Finally, I
realized that the creation of cashew as a leisure is strongly associated with the formation of
the group as such, and that, therefore, they nourish a sense of ownership to the site. This
1
feeling is reassured in the alcoholic meetings of the group, a social network of friends making
the Cashew's Bar a social space for informal policy within the indigenous area.

Key Words: Potiguara Indians, Ethylic Drinks, Social Networks, Informal Politic.

2
INTRODUÇÃO

Esta monografia é fruto de uma pesquisa etnográfica sobre a ingestão de bebidas


alcoólicas entre o grupo indígena Potiguara, localizado no litoral norte do estado da Paraíba.
O estudo das práticas e representações ligadas ao consumo de álcool torna-se importante pelo
fato de que a manipulação e a ingestão de bebidas desse gênero, por parte dos agrupamentos
humanos, transportam-nos a tempos dos mais remotos. Além disso, o uso de bebidas
alcoólicas pode revelar-se como uma peculiar porta de entrada para a compreensão de
dinâmicas socioculturais, na medida em que elas permeiam várias esferas do mundo social
uma vez serem usadas em rituais religiosos, em comemorações festivas das mais diversas,
como alimento cotidiano, como remédio ou veneno, ou apenas como uma forma de lazer e
entorpecimento.
Pela impossibilidade de etnografar todos os espaços de consumo de bebidas alcoólicas
existentes dentro das Terras Indígenas Potiguara, pelo simples fato de que são quase que
incontáveis, centrei-me numa única aldeia e, dentro desta, num espaço específico conhecido
pelos frequentadores como Cajueiro’s Bar. Desse modo, a partir de uma ótica antropológica,
procurei compreender como alguns indivíduos da etnia Potiguara se relacionam com as
substâncias alcoólicas e quais as práticas e representações implicadas nesta relação.
A pesquisa foi realizada entre o mês de novembro do ano de 2012 e o mês de janeiro
de 2013, com quatro idas e vindas. Em 2012 fiz três investidas ao campo: a primeira viagem
se deu nos dias 24 e 28 de novembro; a segunda foi do dia 30 de novembro até o dia 02 de
dezembro; a terceira foi nos dias 15 e 16 de dezembro. Já no corrente ano de 2013 fiz a quarta
e última viagem, que perdurou do dia 11 de janeiro até o dia 20 do mesmo mês. Assim, foi um
total de 20 dias no campo de pesquisa1.
É importante ressaltar que apenas na última viagem, que compreendeu em dez dias
seguidos, é que fiquei alojado na casa de uma família indígena. Nas viagens anteriores
permaneci hospedado numa casa de veraneio bem próxima à área indígena, gentilmente
cedida por uma amiga. Vale dizer aqui também que o contato com os índios desta pesquisa se
deu já no primeiro dia em que estive em campo e que, desde então, a nossa relação foi se
estreitando na medida em que nos encontramos todos os dias de pesquisa que se sucederam: o

1
Vale salientar que a primeira vez que estive em terras Potiguara foi a partir do contato com o antropólogo
Estêvão Martins Palitot (UFPB), que gentilmente me levou até uma reunião entre lideranças indígenas e alguns
professores da UFPB. Porém, neste contato eu não conheci nenhum sujeito dessa pesquisa, nem mesmo conheci
a aldeia do Forte. Por isso, elejo como primeiro contato a minha segunda ida, quando conheci os rapazes da
turma do Cajueiro.
3
que possibilitou a minha estadia mais densa, citada no início deste parágrafo, da qual emergiu
a maioria dos meus dados.
A pesquisa se centrou num grupo de amigos que se reúnem de maneira frequente na
sombra de um Cajueiro da aldeia do Forte e que compartilham o gosto por bebidas etílicas e
um estilo de vida em comum. A escolha do local se deu pelo seguinte: ao elaborar o projeto
de pesquisa meu orientador logo me sugeriu que procurasse o atual Cacique do Forte2, com a
alegação de que este, por ser uma pessoa bem relacionada com vários segmentos da aldeia,
poderia ser uma porta de entrada para a minha pesquisa.
Ao desembarcar na Baía da Traição, na primeira vez em que estive lá, fiz um lanche e
logo me dirigi para a aldeia do Forte em busca do contato sugerido, mas também querendo
encontrar o Cacique Geral do Povo Potiguara, com o qual havia marcado de entregar um
ofício em que havia uma solicitação de permissão de pesquisa, requerido por ele3. Já na
aldeia, segui andando pela rua principal como uma forma de conhecer o local e tentar
encontrar quem procurava. Neste ínterim percebi algumas pessoas em frente ao Posto
Indígena da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), outros em frente às suas casas, alguns
passando a pé ou de moto, uns turistas nos canhões situados na barreira do forte, algumas ocas
de artesanato, etc.
Na volta, já desanimado por não ter encontrado quem procurava, fui dar uma olhada
nos canhões localizados na ponta da barreira que da uma ótima vista para o mar e para a
cidade de Baía da Traição. Foi quando percebi alguns indivíduos, notadamente nativos, de
baixo do Cajueiro ao lado de onde eu estava. Adentrei este Cajueiro e, para minha surpresa,
logo notei uma mesa com uma garrafa de cachaça, alguns cajus e uns copos em cima.
Aproveitei a oportunidade e perguntei sobre o Cacique Geral e o Cacique do Forte. Este
último se encontrava presente e estava, junto com seus amigos, se preparando para fazer a
limpeza do Cajueiro. Daí, me apresentei como estudante e desde então passei a frequentar o
ambiente do Cajueiro’s Bar, que logo percebi ser um local de encontros etílicos.
Decorrente desses encontros, me propus apresentar aqui, apesar do curto espaço de
tempo no campo de pesquisa, um ensaio etnográfico acerca de quais são as práticas etílicas do
grupo – chamado por eles mesmo de turma do Cajueiro – o que elas significam para eles,

2
Aqui é importante ressaltar que a estrutura política dos Potiguara é composta por um Cacique Geral mais os
Caciques específicos de cada aldeia.
3
No dia 09/11/2012 houve em João Pessoa-PB uma manifestação em favor do povo indígena Guarani-Kaiowá.
Nesta ocasião, em que estiveram presentes algumas lideranças Potiguara, foi que, ao conversar com o Cacique
Geral no intuito de demonstrar minha intenção de pesquisa, este ofício foi solicitado.
4
como eles se percebem no que tange ao consumo de álcool e como eles percebem o local.
Neste sentido todas as considerações que teço nesta monografia acerca da turma do Cajueiro
levam em conta a percepção deles sobre eles mesmos. Com isso espero demonstrar como eles
se constroem como uma rede de amigos que tem no uso do álcool uma atividade importante
de socialização, para compartilhar experiências. Saliento aqui que minha abordagem se
distancia da perspectiva do estigma de Goffman (1975). Neste sentido, não apresento este
grupo e os indivíduos que dele fazem parte como portadores de um estigma, nem como
desviantes. Isso porque não estive preocupado com o modo como os outros os veem, apesar
de que esta discussão entra de maneira incipiente nesta monografia. Minha preocupação foi
mesmo a de descrevê-los a partir de como eles se percebem.
Assim pude perceber, que a história do grupo descrito aqui como turma do Cajueiro
esta estritamente ligada à criação do Cajueiro do Forte como um espaço de lazer dentro da
aldeia. Ao recuperar a história da criação do Cajueiro’s Bar o grupo se reafirma através de um
sentimento de propriedade e autoridade em relação a este espaço. Neste sentido, ao
compartilharem dessa história e de um estilo de vida em comum, no qual as bebidas
alcoólicas ocupam um papel importante, a turma do Cajueiro se constitui como uma rede
social de amigos que transcende a questão do lazer e adentra na questão política local, o que
faz do Cajueiro um espaço social de política informal dentro da área indígena Potiguara. Além
disso, pode-se perceber que na interação e através do discurso o grupo define o que eles
pensam ser o jeito certo de se relacionar com as bebidas alcoólicas, negando a condição de
“alcoólatras”, ou seja, de um grupo anômalo.

Perspectiva teórico-metodologia, técnicas de pesquisa e disposição dos capítulos

Heath (1987) quando discute a emergência de estudos sobre álcool na antropologia no


período da década de 1970, faz algumas constatações e generalizações que serviram de
pressupostos epistemológicos para a minha pesquisa:
a) apesar de se tratar de uma substância única (o etanol), o consumo humano apresenta uma
enorme diversidade, ou seja, não é um consumo que segue um padrão universal; b) a prática
alcoólica é considerada um ato social, isso quer dizer que está inserida num contexto
sociocultural onde estão presentes uma série de outras práticas, valores e normas; c) este
contexto sociocultural, independentemente dos fatores bioquímicos e fisiológicos, constitui-se

5
como de fundamental importância para a compreensão dos efeitos do consumo de álcool; d) o
consumo de bebidas etílicas é constituído de uma série de regras e restrições que se
relacionam diretamente às emoções e a uma série sanções sociais, como: quem pode beber,
quando beber, em quais contextos beber, em quais companhias beber, dentre outras; e) o
álcool como promotor da sociabilidade e do relaxamento é enfatizado por muitas culturas; f) a
associação entre consumo de álcool e problemas físicos, econômicos, psicológicos e sociais é
algo raro entre as culturas ao longo da história; g) quando problemas relacionados ao uso de
bebidas ocorrem, eles estão ligados a certas modalidades de beber, que incluem valores,
práticas e normas; h) tentativas de proibição nunca foram bem sucedidas, exceto quando
expressas em termos de regras sagradas ou sobrenaturais.
Partilho das posições do autor citado mais acima e com isso, pretendo que esta
monografia seja uma maneira de quebrar a hegemonia do discurso biomédico vulgar que
enfatiza apenas o uso problemático das drogas (praticado pela minoria dos usuários) e que, na
maioria das vezes, não ajuda a compreender as práticas e as representações que circundam o
uso de substâncias que alteram o comportamento, o temperamento e a consciência humana,
como é o caso das bebidas alcoólicas.
Desse modo, para compreensão dos fatores econômicos e históricos a pesquisa
bibliográfica se mostrou de fundamental importância. Pesquisei, assim, sobre o lugar do
álcool no contato interétnico entre o grupo Potiguara - PB e a sociedade envolvente ao longo
da história, de maneira não exaustiva, como uma forma de ampliar a compreensão de como as
relações etílicas se dão no contexto atual.
Já para submergir nos fatores socioculturais, que são os mais importantes nesta
monografia, utilizei da observação participante (MALINOWSKI, 1980), que alguns preferem
chamar de observação direta. Ela serviu para compreender e, posteriormente, descrever como,
na interação (GOFFMAN, 2004), os atores sociais atribuem sentidos às suas ações. De acordo
com Chauchat (1985),

“no modelo da interação, que se insere em um procedimento


construtivista, a pesquisa de campo possibilita dar conta de uma
realidade, menos pelo fato de que o pesquisador chega a ‘sentir’ o meio
dos atores presentes, do que por ele interagir enquanto ator social. Nesta
concepção, não só o distanciamento objetivo é impossível, como a
manutenção de uma posição de exterioridade pelo observador paralisa a
pesquisa” (CHAUCHAT, 1985, p. 92 apud JACCOUD, MAYER, 2010).

Nesta forma de abordagem o “controle das impressões” (GOFFMAN, 2004) se


mostrou um instrumento metodológico indispensável, pois compreendo, como Berreman
6
(1980), que a pesquisa etnográfica é um sistema de interação entre o etnógrafo e seus sujeitos.
No encontro com os sujeitos da pesquisa, estive a todo o momento avaliando e sendo avaliado
por eles. Segundo Berreman o pesquisador avalia os sujeitos da pesquisa de acordo com
“quantidade de informações sobre a região interior que lhe revelam, já ele [o pesquisador] é
avaliado por eles à base do seu tato em não intrometer-se desnecessariamente na região
interior” (Ibid, p.142). Neste sentido, para adentrar na “região interior” que me pretendia,
estabeleci um jogo onde o controle das impressões foi fundamental para o estabelecimento de
uma relação de confiança reveladora.
Assim, pude penetrar no circuito alcoólico da turma do Cajueiro ao participar das
atividades referentes a esse circuito. Foi assim que defini a situação de maneira favorável ao
ponto de conseguir penetrar em algumas das instâncias mais profundas das representações
feitas pelos sujeitos da minha pesquisa. Desse modo, ao longo desse estudo procurei ser
admitido no encontro dos rapazes e, para que isso fosse possível, tive que ingerir, de maneira
moderada, bebidas alcoólicas junto com eles. Esse experimentalismo aliado às entrevistas
informais, para alguns mais moralistas ou ortodoxos, pode ser visto como um problema em si,
mas aqui ele é visto como uma fonte (das mais ricas). Isso porque “a defesa do
experimentalismo empírico de substâncias psicoativas como uma possível ferramenta para a
compreensão do ‘fenômeno’ das drogas nos parece legítima” (LABATE, FIORI, GOULART,
2008, p. 28).
Neste sentido, a subjetividade é um fator preponderante da pesquisa, por se constituir
como uma fonte de dados, tendo sempre em vista a posição social por mim ocupada no campo
da pesquisa. A anotação exaustiva dos fatos ocorridos aliada à observação atenta em campo,
foram outras técnicas de pesquisa que exerceram um papel central para que eu pudesse
construir um quadro interpretativo e passível de análise.
Essas anotações de campo, seguindo a orientação de Schatzman e Strauss (1955, apud
JACCOUD e MAYER, 2010), foram feitas de maneira sistemática e separadas nas seguintes
modalidades: metodológicas, teóricas e descritivas. Além delas, o uso de gravador, de
máquina fotográfica e de entrevistas4 formais semiestruturadas foi acionado assim que obtive
a receptividade dos sujeitos, que autorizaram (mesmo que informalmente) os usos das
imagens e das entrevistas apresentadas nessa monografia.
A divisão dos capítulos se deu da seguinte forma:

4
É importante dizer que ao longo desta monografia omitirei os nomes dos sujeitos dessa pesquisa, assim como
os rostos destes, no caso dos registros fotográficos, para não expô-los como usuários contumazes de bebidas
alcoólicas.
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O primeiro apresenta algumas discussões teóricas e metodológicas sobre o uso de
álcool. Nele mostro como esse uso vem sendo abordado na contemporaneidade. Além disso,
reassumo minha posição epistemológica frente às abordagens dominantes, discuto um pouco
sobre o porquê de as substâncias alcoólicas ora serem consideradas drogas e ora não serem
consideradas como tal e apresento alguns estudos antropológicos que tratam da temática do
álcool em geral e do uso dele por grupos indígenas em particular.
No segundo capítulo apresento o grupo Potiguara. Assim, situo a comunidade
Potiguara entre os grupos indígenas que se convencionou chamar na etnologia atual de índios
do Nordeste. Posteriormente apresento dados históricos e atuais do grupo, incluindo dados
demográficos e no final deste apresento a aldeia do Forte e suas características já
apresentando alguns dados sobre o Cajueiro do Forte, locus desta pesquisa.
O terceiro capítulo consiste na análise etnográfica de fato. Aqui falo sobre Cajueiro do
Forte de maneira mais detalhada, bem como do grupo que se reúne sob sua sombra para
consumir bebidas alcoólicas. Com isso demostro a relação da turma do Cajueiro com o local
(relação histórica), com as bebidas alcoólicas e quais as práticas e significados associados ao
consumo de álcool.
Por fim, como de praxe, apresento as considerações finais da monografia, no intuito de
enfatizar os principais pontos desta, bem como algumas conclusões a cerca dos dados
apresentados.

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Capítulo I
REFLEXÕES CRÍTICAS E TEÓRICAS SOBRE O USO DE ÁLCOOL

“O gosto frenético do homem por todas as


substâncias, sãs ou perigosas, que exaltem sua
personalidade, testemunha sua grandeza. Ele aspira
sempre a reavivar sua esperança e a elevar-se ao
infinito”.

C. Baudelaire “Do Vinho ao Haxixe” 1961

1. Sobre como o Consumo de Álcool é Abordado na Contemporaneidade

Tratar do uso de substâncias que alteram o humor, o agir, o emocional, o pensar e a


percepção humana é uma tarefa delicada por ser um tema tabu na sociedade contemporânea.
A partir da primeira metade do século XIX a abordagem dada a esse tema tem sido, de
maneira geral, norteada por um discurso moralista que passou a maximizar aspectos negativos
do consumo de “drogas”, com o intuito de combatê-las. Nesse ínterim, do início dito até os
dias atuais, o ponto de vista biomédico foi se estabelecendo como sendo “o discurso
autorizado” para falar sobre a ingestão de substâncias desse gênero, como é o caso do álcool
(LABATE, FIORI e GOULART, 2008).
Assim, a partir do século XIX que uma forma “negativa” de abordar os usos de
substâncias (licitas e ilícitas), apoiada em ciências positivas (como a biomedicina), foi cada
vez mais se estabelecendo como discurso norteador de grande parte das produções científicas,
dos debates públicos, das políticas públicas e veiculações midiáticas com relação às “drogas”.
Isso fez com que a questão do uso de substâncias psicoativas passasse a ser considerado um
problema de saúde pública e a ser combatido como um mal em si mesmo. Assim, no mundo
contemporâneo se estabeleceu uma crença naturalizada de que o uso de substâncias
psicoativas é uma prática essencialmente negativa. Mesmo o álcool não sendo uma substância
ilícita, ele passou a ser comumente visto e abordado a partir dessa lógica (Ibid.).
De acordo com Fiori (2002),

“... as substâncias passaram a ser percebidas como portadoras de


potencialidades maléficas [...] é justamente nesse período [início do séc.
XIX] que os esforços norte-americanos para um controle legal da
9
produção, venda e consumo destes produtos começa a obter vitórias
internacionais” (Ibid.: 5).

Devido a fatores dos mais diversos (culturais, políticos, econômicos, sociais,


psicológicos, biomédicos, etc.), essa maneira de lhe dar com os usos de substâncias
psicoativas – que tem como pano de fundo a “medicalização” e a “criminalização” (Ibid.) –
tornou-se o discurso preponderante quando as “drogas” entram em pauta.
Calcada numa “lógica da negatividade” (LABATE, FIORI e GOULART, 2008) foi
estabelecida, então, uma forma de olhar o consumo de álcool, que vigora até os dias atuais,
tendo como base uma epistemologia que, quase que exclusivamente, vê o uso de álcool
apenas como uma interação entre indivíduo e substância, potencializando os malefícios desta.
Para os partidários desse modo de olhar, os fatores culturais, históricos, sociais e econômicos
tendem a ser negados como varáveis de explicação para o comportamento alcoólico.
Dessa maneira, como uma forma de se distanciar desse ponto de vista simplista
descrito mais acima, torna-se necessário recuperar e reafirmar um ponto de vista
antropológico. A forma de abordagem que serviu de base para todos os instrumentos
metodológicos usados no encaminhamento desta pesquisa teve como base o fato de que “o
fenômeno do consumo sistemático de substâncias psicoativas vai muito além do contato físico
entre indivíduos e determinadas moléculas” (Ibid.: 27). Com isso, espero ter conseguido me
afastar do ponto de vista talhado pelo “proibicionismo”, que reverbera até nas formas de ver
as substâncias psicoativas legais, como é o caso do álcool.
Assim,

“Seja qual for a ligação entre o objeto de estudo e o pesquisador, assumir


posicionamentos políticos parece ser, desde que não acarrete no
comprometimento da objetividade dos trabalhos, não apenas inevitável, mas
desejável. O pressuposto da neutralidade científica já foi há muito superado
e achamos, sim, que a experiência acumulada em pesquisas acadêmicas deve
influenciar o debate, enriquecendo-o” (LABATE, FIORI e GOULART,
2008: 28).

Nesse sentido, o uso de álcool deve ser (e foi aqui) encarado como um consumo que
não segue um padrão universal. Pois, há uma diversidade na prática alcoólica decorrente do
contexto sociocultural, histórico e econômico, que incluem normas e valores compartilhados
socialmente. Independendo dos fatores bioquímicos, adentar nessas variáveis torna-se crucial
para a compreensão dos comportamentos etílicos coletivos.

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2. Álcool e/é Droga

Embora seja uma “droga”, no sentido de que toda e qualquer substância que altere a
consciência, a conduta e o temperamento humano possa ser englobada por este conceito, irei
ao longo do trabalho me referir ao álcool também de outras formas, como por exemplo:
substância psicoativa, etílica, alcoólica, inebriante. Isso se deve ao fato de que o termo
“droga” se encontra envolto de significados pejorativos que podem prejudicar um melhor
entendimento sobre o tema.

“Embora a expressão ‘substância psicoativa’ [assim como as outras


citadas acima] não seja[m] de todo neutra[s], na medida em que também
engendra[m] um ponto de vista nitidamente biomédico, sem dúvida,
carrega[m] menos pressupostos morais, permitindo que haja
distanciamento dos sentidos, muitas vezes contraditórios, que o termo
‘droga’ normalmente remete (narcótico, entorpecente, tóxico, coisa ruim,
etc.)” (LABATE, FIORI e GOURLAT, 2008: 24).

Sobre a etimologia da palavra “droga” há uma série de controvérsias. Várias são as


origens atribuídas ao termo: bretã, francesa, grega, holandesa e irlandesa. A versão holandesa
é a mais aceita perante os que debatem tal etimologia. De acordo com Carneiro (1993), o
termo surgiu a partir da palavra droog (seco), que era usada pelos holandeses em meados do
século XVI para se referir “aos carregamentos de peixe seco que chegavam à Europa, muitas
vezes em mal estado, aplicando-se por extensão às mercadorias e substâncias químicas de
gosto diferente e proveniência estrangeira” (Ibid.: 56).
Sabe-se que hoje, que a palavra “droga” não é comumente utilizada pelo senso comum
para se referir às bebidas alcoólicas. Acredito que isso se deve ao fato de ser uma substância
psicoativa de grande aceitação social e que, apesar de ser a primeira droga psicoativa proibida
com o advento da política proibicionista internacional, iniciada nos EUA, não permaneceu no
rol das substâncias proibidas e criminalizadas.
De acordo com Rodrigues (2008), o Volsted Act (a Lei Seca) instituiu no ano de 1919
a “primeira lei proibicionista contemporânea” ao criar uma norma constitucional que “visava
proibir a produção, circulação, armazenagem, venda, importação, exportação e consumo de
álcool em todo território estadunidense” (Ibid.: 93). Ainda segundo este autor, a proibição não
conseguiu acabar com o consumo de bebidas, conseguiu foi inventar “um crime e novos
criminosos”, já que a demanda permanecia e havia pessoas dispostas a produzir e
comercializar o álcool de maneira clandestina (Ibid.). Contudo, por questões das mais

11
diversas, o álcool voltou à legalidade nos EUA no final dos anos 1930 e, desde então, o termo
“droga” passou a ser mais fortemente associado às substâncias tornadas ilegais com o fim da
Lei Seca, como: maconha, cocaína. LSD, heroína, etc.
Percebe-se assim que o conceito de “droga”, como demonstra Carneiro (2004),

“... é extremamente polissêmico. Seus significados abrangem tudo o que


se ingere e que não constitui alimento, embora alguns alimentos também
possam ser designados como drogas: bebidas alcoólicas, especiarias,
tabaco, açúcar, chá, café, chocolate, mate, guaraná, ópio, quina,
ipecacuanha assim como inúmeras outras plantas e remédios” (Ibid.
2004: 1).

O que fica claro é que na percepção do senso comum as bebidas etílicas são retiradas
do conceito de “droga”. Isso é notável em várias situações, seja em veiculações midiáticas
(jornais, revistas, sites, etc.) sobre o tema, seja numa conversa informal. Comumente se escuta
uma afirmação do tipo “jovens são encontrados com bebidas e drogas”. Já no sentido
especializado não há duvidas de que as bebidas alcoólicas são “drogas”, como se percebe na
citação acima.
Para deixar claro, essa divergência de sentidos acontece porque, segundo Fiori (2002),

“o sentido comum do termo ‘drogas’ está relacionado às substâncias


psicoativas ilegais, como a cocaína e maconha, o que difere
sensivelmente do sentido farmacológico original da palavra. Grosso
modo, o conjunto de significados presente no senso comum opera da
seguinte forma: drogas = cocaína, maconha, crack, etc (substâncias
psicoativas ilícitas); álcool e tabaco = cigarro (substâncias psicoativas
ilícitas); remédios = medicamentos (substâncias de qualquer tipo
receitadas pelo médico)” (Ibid.: 8).

Para a definição farmacológica o conceito mais usado atualmente é o de substância


psicoativa, por excluir a ambiguidade suscitada pelo conceito de “droga”. Este conceito de
substâncias psicoativas incluem as substâncias legais (fármacos, bebidas alcoólicas, tabaco) e
ilegais (como a cocaína, maconha, etc.). Essa definição se sustenta pelo fato de que todas
essas substâncias agem no sistema nervoso central, sendo este parâmetro tomado pela
farmacologia moderna para a definição do conceito de “droga”. Porém, existem substâncias
que alteram o sistema nervoso central, mas que não são consideradas substâncias psicoativas
pela farmacologia atual. (FIORI, 2002).
Sendo assim, como não pretendo esgotar as discussões sobre os usos dos termos
“droga” e “substância psicoativa”, já que o intuito dessa pequena discussão é apenas o de
tecer apenas algumas considerações e reflexões a cerca destes temas, irei me referir às bebidas
12
alcoólicas das mais diversas formas, como sugerido no início desta sessão. Porém, peço ao
leitor que, quando a expressão “droga” aparecer no decorrer da monografia não confundi-la
com o sentido dado pelo senso comum, ou seja, tenha em mente que as bebidas etílicas são
abarcadas por este conceito, assim como pelo termo farmacológico “substâncias psicoativas”.
O importante aqui é deixar claro que os usos das substâncias alcoólicas permeiam a
história da humanidade. A manipulação e a ingestão de bebidas desse gênero, por parte dos
agrupamentos humanos, nos transportam a tempos dos mais longínquos. Fernandes (2004)
chega a afirmar que “estas substâncias foram universalmente desenvolvidas para suprir uma
das necessidades mais básicas da humanidade: a exploração da verdadeira terra incógnita que
é o inconsciente humano” (Ibid.: 11) – sugerindo que o consumo de álcool acompanha o
desenrolar histórico de tal maneira que é impossível precisar desde quando essas substâncias
inebriantes têm sido usadas. Segundo McKenna (1995),

“O álcool tem suas raízes no estrato mais profundo das atividades


culturais arcaicas. As civilizações antigas do Oriente Próximo eram
preocupadas com a feitura da cerveja; muito cedo no desenvolvimento da
cultura humana, se é que não antes, se devem ter sido percebidos os
efeitos intoxicantes do mel e dos sucos de frutas fermentados” (Ibid.:
186).

Este fato, por si só, demonstra a importância de se investigar as mais diversas questões
ligadas ao consumo dessas substâncias. Dito isso, passarei agora para o próximo ponto, que
discorre sobre as pesquisas atuais sobre o consumo de álcool entre grupos indígenas
brasileiros.

3. Sobre o Consumo de Álcool em Comunidades Indígenas: Estudos


Antropológicos

Os estudos referentes ao consumo do álcool dentro da Antropologia ganharam volume


e destaque em meados da década de 1970. O livro organizado por Mary Douglas (1987),
intitulado Constructive Drinking: perspectives on drink from anthropology, constitui-se como
um marco dentre os estudos desse gênero. Dentre os artigos deste livro, dou destaque ao de
Heath (1987), A Decade of Development in the Anthropological of Study of Alcohol Use:
1970 – 1980, que mostra de maneira concisa e clara o desenvolvimento desta temática na
antropologia. Ao fazer isso, este autor demonstra a peculiaridade dos estudos antropológicos

13
sobre as bebidas, contrastando estes com estudos realizados por uma biomedicina vulgar, que
considera apenas o consumo de álcool levando em conta apenas a interação entre sustância e
indivíduo. Assim, fica claro que, desde o início, a perspectiva antropológica se difere de
outras por considerar variantes diversas no tocante ao consumo de álcool pelas sociedades
humanas, especialmente o contexto cultural de consumo, com suas questões práticas e
simbólicas.
Sendo assim, as práticas alcoólicas se constituem como um aspecto fundamental da
vida de grupos dos mais diversos. Antes do contato colonial grande parte dos grupos
indígenas brasileiros já conheciam o álcool e a experiência da embriaguez devido ao consumo
de fermentados alcoólicos – obtidos através das seivas vegetais e dos arbustos, do mel
(hidromel) e dos sucos de frutas. Mas, foi só após o contato colonial que o uso de bebidas
destiladas5 (com maior poder de embriaguez) se difundiu entre os povos indígenas do
território brasileiro (FERNANDES, 2004).
É bom lembrar que, de acordo com o Estatuto do Índio, as bebidas etílicas, mesmo
sendo legalizadas no Brasil, são proibidas entre as comunidades indígenas consideradas “não
integradas” pela Lei Federal n° 6.001 de 1973. No terceiro parágrafo do segundo capítulo
desta lei, que versa sobre os crimes contra o índio e a cultura indígena, consta que “propiciar,
por qualquer meio, a aquisição, o uso e a disseminação de bebidas alcoólicas, nos grupos
tribais ou entre índios não integrados. Pena - detenção de seis meses a dois anos” (FUNAI –
Estatuto).
Como veremos mais adiante este rotulo de “não integrados” não cabe à comunidade
Potiguara do litoral paraibano. Inclusive, dentro dos limites de terras Potiguara existem vários
pontos comerciais de bebidas alcoólicas de tal forma que o uso destas é disseminado entre os
índios locais há bastante tempo.
O uso dessas substâncias por parte desses grupos é frequentemente visto de maneira
pejorativa pela sociedade envolvente. Como coloca Langdon (2005) no início do seu texto
sobre o abuso de álcool entre povos indígenas:

“Talvez o estereótipo mais comum que o brasileiro faça do índio é o de


um bêbado, afirmação válida particularmente para os brancos que vivem
perto de áreas indígenas. Esta imagem negativa, juntamente com outras
semelhantes que o brasileiro tem do índio, tais como indivíduo sujo,
ignorante e preguiçoso, expressa a representação estigmatizada que é

5
“O álcool foi a primeira droga altamente concentrada e purificada, a primeira droga sintética” (McKenna 1995:
189).
14
experimentada frequentemente pelos índios quando interagem com a
sociedade envolvente.” (Ibid.: 104).

De acordo com Pacheco de Oliveira (1999), essas representações estigmatizadas,


difusas e estereotipadas sobre os índios brasileiros, mais especificamente sobre os índios do
Nordeste, impedem a atuação desses grupos e indivíduos como agentes políticos em questões
como o reconhecimento identitário, demandas territoriais e até mesmo criação de programas
de prevenção e promoção de saúde ligados ao consumo problemático de álcool.
Essa imagem do “índio bêbado” tem por base pesquisas pseudocientíficas que
legitimam esse preconceito. Segundo Saggers e Gray (1998 apud Langdon 2005), existem
cientistas que acusam as populações indígenas são de serem mais susceptíveis ao consumo
abusivo de álcool por questões genéticas. Porém, segundo Langdon (2005),

estudos comparativos de antropologia “demostram que os índios, de fato,


nem sempre bebem mais”, além do mais, “as taxas de alcoolismo variam
entre diferentes grupos da mesma etnia, grupos caracterizados por
diferenças tais como idade, gênero ou religião” (Ibid.: 106).

Essas afirmações da autora sugerem abordagens que tirem um pouco o foco das
questões genéticas e biomédicas, que de tão ressaltadas, suscitam associações errôneas por
deixar de fora variantes sociais, culturais, econômicas e históricas.
Na antropologia brasileira o estudo das práticas alcoólicas de grupos indígenas
também tem se tornado uma constante. Caux (2011), em sua dissertação, faz uma revisão da
literatura antropológica brasileira sobre o consumo de bebidas etílicas tendo como foco a
discussão acerca do consumo regular e excessivo de álcool por parte de grupos indígenas
nacionais. A autora explicita quais os recursos usados pelos estudiosos do tema para analisar o
que se pretendem. Segundo ela, a “noção de cultura”, o “contato colonial” e a “intervenção
sanitária” são pontos focais e constantes nos estudos sobre o consumo de álcool. Desses a
“noção de cultura” e o “contato colonial” são de fundamental importância para nossa análise.
No que concerne à noção de cultura, a literatura antropológica enfatiza a existência de uma
grande variação nos “estilos de beber” indígena e, com isso, passa a negar uma afirmação de
que os efeitos do álcool são fruto apenas da interação indivíduo/substância, ou seja, de acordo
com a abordagem antropológica o contexto cultural de cada grupo tem uma relação estrita
com os efeitos produzidos pelo consumo de bebidas etílicas. A questão do contato colonial
frisa a importância da compreensão das consequências que as frentes nacionais tiveram no
que diz respeito ao consumo de álcool (Ibid.).

15
Um forte aspecto de parte dessa literatura é a frequente associação, feita também por
especialistas da saúde, entre o uso de álcool e problemas de saúde – quando não é a
associação, o próprio consumo abusivo de álcool é considerado problema de saúde. O
consumo alcoólico problemático é colocado como um agravador da morbimortalidade dessas
populações sendo relacionado com outros problemas como: violência, acidentes, DST / AIDS,
hipertensão, obesidade.
O já citado artigo de Langdon (2005), intitulado O Abuso de Álcool entre os Povos
Indígenas no Brasil: uma avaliação comparativa, traz a discussão acerca do consumo abusivo
de álcool em comunidades indígenas brasileiras e mostra um pouco dessa relação falada mais
acima. Para isso, a autora discute e critica a noção biomédica de “alcoolismo”, que considera
o abuso de álcool como uma doença sem cura, de características e causas universais e que, por
isso, tem um tratamento universal. Em oposição a esta visão, ela lança mão de uma
abordagem antropológica que considera o uso (e abuso) de álcool como um fenômeno
heterogêneo que sofre influência do contexto sociocultural. O artigo traz uma breve
comparação de estudos epidemiológicos relacionados ao tema, uma relação entre contexto e
consumo – fazendo uma dicotomia entre um contexto tradicional, caracterizado pelo uso de
bebidas fermentadas, e um contexto atual, com a presença de bebidas destiladas – a questão
do contato interétnico e o local das bebidas nesse processo e, por fim, algumas considerações
com o intuito de dar subsídios para programas que tentam reverter as altas taxas de consumo
abusivo entre grupos indígenas. Assim, a autora afirma que é importante quebrar a ideia de
que o “alcoolismo” é uma doença incurável e que, para isso, é fundamental que se percebam
as especificidades socioculturais associadas ao consumo de álcool. Por fim, ela diz ser
imprescindível que haja o envolvimento da comunidade no processo de redução do consumo
excessivo.
O artigo intitulado O Uso de Bebidas Alcoólicas nas Sociedades Indígenas: algumas
reflexões sobre os Kaingáng da Bacia do rio Tibagi, Paraná de Souza, Oliveira e Koahutsu
(2005) é outro texto importante que enfoca a associação entre uso de bebidas,
morbimortalidade e certos tipos de violência entre grupos indígenas, tendo como estudo de
caso, como o título deixa claro, os índios Kaingáng. Este texto faz um movimento muito
semelhante ao texto anterior: traz reflexões sobre o conceito biomédico de “alcoolismo” e
apresenta a (já falada) abordagem antropológica em oposição a esta abordagem simplista; faz
a dicotomia bebidas fermentadas (consumo tradicional, não maléfico, onde se consumia kiki)
e bebidas destiladas (advindas do contato interétnico, que traz consigo alguns malefícios);

16
identifica diferentes padrões de comportamento alcoólico ligados a diferenças de idade, sexo
ou religião; fala um pouco do consumo de álcool nas festas e de como este consumo está
ligado com a intensificação das relações sociais e de troca, assim como está ligados a
episódios de violência; traz também algumas referências de estudos epidemiológicos sobre o
“alcoolismo”; e por fim, traz alguns apontamentos que ajudarão programas de prevenção e
redução de danos, bem similares ao texto anterior (identificação dos diversos estilos de beber
que há numa mesma comunidade, a necessidade da realização de estudos epidemiológicos
para mapear a situação do consumo de álcool, o envolvimento da comunidade no tratamento e
prevenção e a necessidade de se atender os usuários e suas famílias nas áreas indígenas, o que
implica um treinamento dos agentes de intervenção). A grande peculiaridade desse texto é que
ele é um estudo de caso, enquanto que o de Langdon (2005) é um estudo comparativo geral.
Oliveira (2004), em A Intervenção como um Processo em Construção: notas para a
redução do uso de bebidas alcoólicas e alcoolismo entre os Kaingáng, fala sobre o consumo
abusivo de álcool entre os indígenas desta etnia que habitam a Terra Indígena (TI)
Apucaraninha, tendo como base as experiências adquiridas a partir de uma intervenção feita
por uma equipe interdisciplinar (que estava em processo quando o texto foi publicado).
Oliveira faz primeiro um diagnóstico dos problemas de morbimortalidade apresentados entre
esta população indígena e mostra a sua estrita relação com o uso abusivo de álcool (mortes
por fatores externos, DST/AIDS, hipertensão, diabetes, distúrbios hepáticos, doenças
cardíacas). A violência domestica também é associada a este consumo abusivo.
Posteriormente, a autora fala sobre o processo de implantação do projeto de intervenção que
visava reduzir este quadro, dando enfoque as atividades que foram sendo realizadas, como:
seminários, oficinas, reuniões, etc. – destacando a participação de antropólogos neste
trabalho. Seguindo a linha dos trabalhos anteriores, este traz à tona a necessidade de uma
assistência diferenciada, que leve em conta o contexto sociocultural do grupo, não apenas as
causas biológicas do consumo de álcool. Assim, ao texto trazer algumas especificidades do
ato de beber entre os Kaingáng a autora destaca que há uma diversidade de formas de beber
dentro do grupo (“beber problemático”, “beber sucessivo”, “beber excessivo” e o “abuso
episódico do álcool”) e afirma que deve haver um melhor aprofundamento na compreensão
desses estilos para que haja uma melhor intervenção tanto preventiva quanto no sentido de
controlar o uso abusivo já existente.
Outro texto consultado que traz essa relação entre o consumo de álcool e os problemas
de saúde é o de Souza (2012), intitulado Da Prevenção à Promoção de Saúde: reflexões a

17
partir do uso de bebidas alcoólicas por populações indígenas. Nele o autor fala inicialmente
sobre a emergência da demanda, por parte de grupos indígenas, da realização de atividades de
prevenção de doenças crônico-degenerativas (agravadas pelo consumo excessivo de álcool),
já que historicamente as intervenções são feitas focando as doenças infecciosas. Neste quadro
de doenças crônico-degenerativas o álcool figura como um agravador ou então como a própria
doença, no caso do uso abusivo. O fio condutor da discussão do autor é a diferenciação entre
“prevenção” e “promoção de saúde” nos casos de uso problemático de substâncias etílicas.
Segundo ele, as ações de prevenção são baseadas geralmente em medidas repressivas e
regulatórias de cunho universal, pois, não consideram as especificidades dos diferentes grupos
indígenas, como: o aumento dos preços das bebidas, delimitação dos pontos de venda, idade
mínima, restrição de horários de venda e até a proibição do consumo. Estas ações não tem
muita possibilidade de êxito em áreas indígenas, podendo engendrar um mercado ilícito e
violento de vendas de álcool. Já as ações de promoção de saúde6 parecem mais efetivas por
deixar de lado o conceito de “alcoolismo” – que estigmatiza o usuário e não considera as
peculiaridades socioculturais de consumo, por envolver a comunidade visando à redução do
uso problemático e por ampliar a questão ao levar em consideração outros aspectos que não o
uso de álcool (como de uma identidade positiva dos grupos).
Ferreira (2004), no seu texto O “Fazer Antropológico” em Ações Voltadas para a
Redução do Uso Abusivo de Bebidas Alcoólicas entre os Mbyá-Guarani, no Rio Grande do
Sul, apesar de não dar tanto enfoque na questão da relação entre morbimortalidade do grupo
Mbyá-Guarani e sua relação com uso de uso de bebidas, deixa claro que o consumo excessivo
destas é encarado como um problema pelos membros da comunidade e, ainda mais, que o
consumo destas bebidas está associado aos agentes patológicos da cosmologia local mbogüa e
aña que afastam o indivíduo do “espírito divino” e são responsáveis por atos de violência,
acidentes, doenças e mortes. Em linhas gerais, o texto é bem interessante por fala sobre o
processo de intervenção para a redução do uso abusivo de substâncias alcoólicas, enfatizando
o papel do antropólogo como mediador entre dois universos (o indígena e o burocrático-
administrativo) e a necessidade de se envolver a comunidade (não como meros participantes,
mas como autores) neste processo. Neste sentido, a autora mostra que se deve respeitar e
valorizar os conhecimentos e as práticas locais (no caso dos Mbyá-Guarani o aconselhamento
por meio das “boas palavras” – prática tradicional dentre o grupo que estava enfraquecida),
assim como a organização sociocultural, reconhecendo as lideranças locais (os kraí e os

6
O autor utiliza o texto de Langdon (2005) para falar sobre a promoção de saúde.
18
Xondaro Marãgatu), que foram decisivas no diagnóstico, na pesquisa e nas ações de redução
do consumo.
Maciel, Cordeiro de Oliveira e Melo (2012) fizeram um artigo que eu gostaria de
destacar aqui. Ele é importante para a compreensão sobre a relação entre problemas de saúde
e abuso de álcool entre os Potiguara. Ele é mais importante ainda por demonstrar as
representações sociais que os profissionais de saúde, que trabalham na área indígena
Potiguara, têm em relação ao alcoolismo entre os indígenas. Além de perceberem que o
consumo excessivo de álcool esta associado a uma série de problemas de saúde, estas autoras
demostram o despreparo dos profissionais de saúde em relação ao problema.
Voltando ao foco desta monografia, sem querer negar a dimensão do uso de álcool
relacionado aos problemas de morbimortalidade, o que analiso centralmente é a dimensão do
uso de álcool tido como “normal” e não o consumo compulsivo. Isto porque “os padrões
compulsivos de consumo de substâncias psicoativas [...] são menos recorrentes do que formas
mais controladas. Isso pode ser dito tanto a respeito das substâncias psicoativas lícitas quanto
das ilícitas (LABATE, FIORI e GOULART, 2002: 26). De acordo com Douglas (1987)
“mesmo nos Estados Unidos, onde há tanta preocupação com o abuso de álcool, a estimativa
mais pessimista é que os problemas relacionados ao álcool afligem menos de 10 % das
pessoas que bebem” (Ibid.:3).
Desse modo, o foco dado aqui é no intuito de se distanciar das abordagens médicas e
da saúde (que procuram logo o consumo problemático) não no sentido de negá-las, mas por
compreender que o uso “normal” (bem como o que é considerado o abuso) constitui uma
parcela indiscutivelmente importante para a compreensão das nuances apresentadas pela
ingestão de bebidas etílicas, inclusive para o entendimento do uso problemático que posso vir
a estudar posteriormente.
Neste sentido, outras formas de se abordar o uso do álcool, que não dão tanto enfoque
a essa relação entre o ato de beber e morbimortalidade, me parecem mais fecundas para as
minhas pretensões, como é o caso de Dias (2004). Este autor em seu artigo sobre os usos e
abusos de bebidas alcoólicas entre os povos indígenas do Uaçá, dá enfoque aos significados
simbólicos dessa prática cultural e revela padrões de consumo. Assim, este autor desvela
quais os contextos em que as bebidas alcoólicas são usadas, quais os valores simbólicos que
estão envoltos nestes usos, para daí definir o que vem a ser o excesso (consumo inadequado).
Com isso ele demonstra que:

19
Existe uma noção culturalmente construída de quantidade, de situações e
espaços adequados para beber, de atitudes que podem ser tomadas e
outras que devem ser evitadas. [E que] O consumo torna-se indesejável
na medida em que não se atende às expectativas sociais da boa
conveniência, da participação condizente nas atividades rituais e
produtivas, ou quando há o envolvimento em acidentes e desavenças
(Ibid.: 214).

De todo modo, gostaria de deixar claro que mesmo os estudos que falam sobre a
relação entre consumo de álcool e saúde e que têm como centro a questão do abuso serão
importantes na minha análise por se utilizarem do método antropológico, como é o caso de
Langdon (2005) que, ao falar sobre abuso de álcool entre populações indígenas no Brasil,
mostra que para entender regimes etílicos dos povos indígenas é preciso compreender a
relação entre o meio social e o comportamento ligado à ingestão de álcool, estar atento e
explorar valores culturais, o processo histórico, o contexto sócio-político e as situações nas
quais se apreende a beber, como o costume é mantido e as nuances do contato interétnico com
a sociedade envolvente.

20
Capítulo II
OS POTIGUARA E A ALDEIA DO FORTE

POTIGUARA, ÚNICO POVO QUE


PERMANECEU NO SEU TERRITÓRIO!
Índios Potiguara

1. Índios do Nordeste

Os grupos indígenas situados nos limites geográficos do que se convencionou chamar


de Nordeste7 brasileiro na etnologia atual, como é o caso dos índios Potiguara do litoral norte
paraibano, não figuraram entre os povos estudados pela etnologia clássica. De acordo com
João Pacheco de Oliveira (1999), isso se deve ao fato de que o indigenismo oficial e as
principais correntes teóricas da etnologia clássica que estudavam os povos indígenas da
América do Sul (o evolucionismo cultural norte-americano e o estruturalismo francês)
deslegitimaram, principalmente antes da década de 1980, o estudo dessas populações. Uma
das razões para isso é que as correntes teóricas citadas estabeleceram como objeto as
populações distantes – no âmbito geográfico e, principalmente, no âmbito cultural – por
possibilitarem o tão procurado “distanciamento” que permitiria uma “objetividade científica”.
Soma-se a isso o fato de que as populações indígenas do Nordeste eram vistas pelos signos da
“aculturação”, das “perdas culturais” e da “mestiçagem” pelos teóricos dessas correntes e
pelos indigenistas do Brasil8 (PACHECO DE OLIVEIRA, 1998; 2005).
Esse modo de ver os índios do Nordeste, colocando-os como sendo povos integrados à
sociedade nacional, por muito tempo impediu o reconhecimento identitário de muitas etnias.
Até os dias atuais as representações do senso comum em relação aos povos indígenas entram
em choque com a realidade indígena do Nordeste. Muitas pessoas tendem a negar a identidade
destes grupos por estes não estarem de acordo com uma imagem indígena estereotipada, que é

7
Sempre que este termo for usado neste trabalho será no sentido de uma “unidade virtual” baseada na atuação
política dos povos indígenas, mas também baseado no fato histórico de que os grupos indígenas abarcados por
este termo foram os que primeiramente sofreram com a chegada impactante dos grupos colonizadores entre os
séculos XVI e XVIII, como coloca Pacheco de Oliveira (2011).
8
Pacheco de Oliveira (1998) cita Robert Lowie, Alfred Métraux e Curt Nimendaju como exemplos do
evolucionismo norte americano; Lévi-Strauss como exemplo do estruturalismo francês; Eduardo Galvão e Darcy
Ribeiro como exemplos do indigenismo oficial.

21
baseada nos livros de história, nos índios do passado – julgando-os como “menos índios” por
terem passado por processos de “hibridização cultural” (CANCLINI, 2006) devido ao antigo
contato com as frentes coloniais.
Em minha primeira estadia em campo houve várias situações ilustrativas dessa
representação do senso comum em relação aos índios Potiguara. Fiquei alojado numa casa de
veraneio em Baía da Traição, município mais próximo à aldeia Potiguara do Forte, onde fiz a
pesquisa. Esta casa pertence a uma vizinha e amiga da minha família que reside em Campina
Grande e que gentilmente cedeu-me abrigo para as primeiras investidas no campo de
pesquisa.
Passei cinco dias nesta primeira ida a campo. Três destes dias eu literalmente
transitava entre dois mundos: a casa de veraneio, ocupada por uma extensa família com pai,
mãe, filhos, primos, avô e netos; e a aldeia do Forte, centro político, econômico e turístico
dentre as aldeias Potiguara, que será descrita adiante de maneira mais detida. Todas as
manhãs eu acordava e seguia para a aldeia do Forte. Passava o dia por lá. Quando voltava para
a casa de veraneio era bombardeado por perguntas e comentários do tipo: “Como eles são?
Eles andam nus? Eles se pintam?”. Daí, quando tentava explicar um pouco da realidade que
estava presenciando alguns logo retrucavam: “E eles são índios mesmo?”.
As representações compartilhadas por enorme parte da população brasileira, pelas
elites nacionais e difundidas nas escolas e pela mídia, que Oliveira (1999) chama de sentido
“não-especializado” do termo índio, mostram que os povos indígenas são pensados de forma
generalizada, sem que sejam consideradas suas diversidades e particularidades. Tais
representações são compostas por imagens profundamente arraigadas na nossa cultura em
relação a tais povos, como: primitivo, profundamente distinto do homem civilizado e
habitante da mata, análogos a uma criança sem a razão desenvolvida, com certos costumes e
características físicas estereotipadas – para citar algumas. Estas imagens fazem parte de uma
forma de pensamento que retira os povos indígenas dos processos históricos e que, por vezes,
embaça o olhar de quem pretende se debruçar sobre as realidades desses grupos, muitas vezes
até desvirtuando as ações políticas dos indígenas acerca dos seus direitos. É como se eles não
tivessem mudado, e se mudaram tem sua identidade em xeque.
Segundo Souza Lima (1995),

“há estruturas cognitivas profunda e longamente inculcadas na maneira


de pensar a história brasileira que orientam a percepção, e permitem a
reprodução, de um certo universo imaginário em que os indígenas
permanecem como povos ausentes, imutáveis, dotados de essências a-

22
históricas e objeto de preconceito: nunca saem dos primeiros capítulos
dos livros didáticos; são, vaga e genericamente, referidos como um dos
componentes do povo e da nacionalidade brasileira, algumas vezes tidos
como vítimas de uma terrível "injustiça histórica", os verdadeiros
senhores da terra. Não surgem enquanto atores históricos concretos,
dotados de trajeto próprio” (Ibid.: 408).

Desse modo, há uma incompatibilidade entre as formas de representações “não-


especializadas” e a realidade de certas populações indígenas, principalmente das situadas na
região Nordeste do Brasil. Uma região ocupada por povos não-indígenas desde os tempos
mais remotos da colonização, o que fez com que esses grupos passassem por processos de
dominação e de “hibridização cultural” (CANCLINI, 2006) com outros – quilombolas,
brancos, outras etnias indígenas, fazendeiros, etc.
Dentre as mais variadas formas de preconceitos dirigidos aos grupos indígenas
brasileiros, gostaria aqui de destacar uma que diz respeito ao tema desta monografia e que foi
colocado no capítulo anterior, uma que se refere ao uso de bebidas alcoólicas. Os indígenas
geralmente são vistos como alcoólatras pela sociedade envolvente, como pessoas vulneráveis
aos problemas trazidos pelo álcool. Em muitos casos ouvi afirmações generalizadas sobre a
relação dos índios com as substâncias alcoólicas que vieram a confirmar esta representação
estereotipada e estigmatizante. Certa vez, ao falar para uma tia que iria fazer pesquisa entre os
Potiguara, mesmo sem explicitar o tema do meu trabalho, ela logo me alertou falando sobre o
nível elevado de consumo de álcool que havia entre os índios, insinuando que eles eram
alcoólatras (assim mesmo, de maneira generalizada), chegando a estender sua afirmação aos
índios de maneira mais ampla possível, dizendo: “geralmente índio bebe muito mesmo né”.
Como se beber demasiadamente fosse algo caracteristicamente indígena. Daí, quando falei
sobre o tema da minha pesquisa e a questionei de onde ela tinha retirado essa ideia, ela logo
respondeu que uma amiga havia trabalhado como agente de saúde na cidade de Baía da
Traição e tinha comentado com ela que lá existem muitos índios alcoólatras.
Essa imagem do “índio bêbado”, como afirmei anteriormente, é legitimada por
pesquisas pseudocientíficas que reafirmam esse tipo de preconceito. Em alguns estudos, as
populações indígenas são frequentemente acusadas de serem mais susceptíveis ao consumo de
álcool por questões genéticas (SARGGERS E GRAY, 1998 apud LANGDON, 2005).
Segundo Langdon (2005), estudos comparativos de antropologia demonstram a não
veracidade dessa relação direta, feita entre populações indígenas e consumo de álcool, já que
dentro da mesma comunidade indígena existem diferenças no consumo de álcool, que varia
conforme diferença de idade, religião, gênero, etc. Seguindo esse raciocínio, fica claro a
23
importância de uma análise sobre o consumo de bebidas etílicas que desvie um pouco o foco
das questões genéticas e biomédicas, que tendem a universalizar os efeitos do álcool, e que se
centre um pouco nas questões de ordem sociocultural, mais específicas.
Antes de passar para uma contextualização histórica, sociocultural e econômica do
povo Potiguara, gostaria aqui de sublinhar novamente que este trabalho não se centra no uso
problemático das bebidas alcoólicas, mas sim nas práticas e representações ligadas ao
consumo de álcool por parte de índios que não são vistos pela comunidade como “doentes” ou
“problemáticos” – nem mesmo cheguei a conhecer pessoalmente indivíduos considerados
assim. Esta opção, que já foi justificada e esmiuçada na introdução e no primeiro capítulo.

2. O Povo Potiguara do Litoral Paraibano

Etnicamente organizados e imersos num contexto social e histórico que implicou e


implica relações e interações sociais com a sociedade envolvente desde tempos mais remotos
da colonização brasileira, a etnia Potiguara é o único grupo indígena oficialmente reconhecido
no estado da Paraíba que tem suas terras demarcadas até o presente momento9.
Como parte dos grupos indígenas do Nordeste, o povo Potiguara não ganhou atenção
da etnologia clássica brasileira de maneira sistemática, como já foi dito na seção anterior. Este
grupo era percebido pela escola clássica como “aculturado”, ou seja, era tido como um
resquício de uma antiga nação, portanto, como índios já assimilados pela sociedade nacional.
Só a partir da dissertação de Paulo Marcos Amorim (1970) é que os Potiguara passaram a ser
foco de abordagens mais sérias. Este autor procurou defender a tese de que os índios estavam
em processo de proletarização rural. Neste sentido Amorim priorizou a relação entre a o grupo
indígena e a sociedade nacional tendo como base a teoria de fricção interétnica de Cardoso de
Oliveira (1964).
Outro estudo significante sobre os Potiguara é o de Azevedo (1986). Em sua
dissertação a autora teve como foco a ação do Estado no tocante ao estabelecimento das terras
indígenas, tendo os Potiguara como estudo de caso, com o processo de demarcação de terras
na década de 1980. Assim, se sobressai na análise desta pesquisa a relação de

9
Existe também o grupo indígena Tabajara, que desde 2006 vêm lutando por reconhecimento étnico e,
consequentemente, pela demarcação do seu território. Esta etnia encontra-se situada na Microrregião Litoral Sul
da Paraíba, espalhada nos municípios de Alhandra, Pitimbu e Conde, além de ocuparem periferias dos
municípios de João Pessoa, Bayeux e Santa Rita (ARAUJO et. al. 2012).

24
interdependência entre comunidade indígena e o Estado-Nação presentes nesse momento
histórico, dando uma atenção especial às noções construídas dentro do grupo Potiguara.
(MAGALHÃES, 2004; PALITOT, 2005).
Glebson Vieira redigiu três escritos sobre o povo Potiguara: sua monografia da
graduação, sua dissertação de mestrado e sua tese de doutorado. Vieira (1999), em sua
monografia, discorre sobre os mecanismos de construção e manipulação da identidade étnica
do grupo. Ao apresentar uma etnografia dos Potiguara, o autor fala de como como dois
segmentos distintos da mesma comunidade (evangélicos e não evangélicos) percebem e se
colocam frente a discussão sobre a identidade indígena. Além disso, o autor tenta traçar a
forma como atores sociais “externos” – a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a
Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), a Procuradoria Geral da República e o Órgão
Indigenista (SPI/FUNAI) – percebem esse grupo indígena.
Vieira (2001) na sua dissertação de mestrado, fala sobre a organização social dos
Potiguara e como estes se relacionam com o “outro”, tendo como enfoque a maneira como eles
se pensam e se percebem a partir do contato interétnico, que tem sua própria leitura nativa.
Neste sentido, o autor discorre sobre como os índios se definem a si mesmos e quem não é
Potiguara, ou melhor, como eles concebem e constroem as distinções internas, entre gerações,
e as distinções externas, em ralação ao “outro”.
Vieira (2012) em sua tese, como não poderia deixar de ser, realizou um trabalho de
maior fôlego no qual discorre sobre a realidade política vivida pelo povo Potiguara. Neste
trabalho, ele fala sobre a ação política local enfatizando as categorias nativas de “turma” e
“parentagem”, dissertando mais especificamente sobre o papel da amizade, da camaradagem e
da feitiçaria nos processos e dinâmicas sociopolíticas de produção de lideranças Potiguara.
Além do mais, ele dedica uma parte especial sobre o consumo de álcool se insere nesse
processo político e no modo de ser caboclo, que servirá de referencia para a parte etnográfica
desta monografia.
Outra monografia consultada foi a de Silva (2004), que versa sobre turismo étnico
entre os Potiguara. Neste escrito, o autor discorre sobre a emergência desse fenômeno turístico
em terras potiguaras e suas implicações. Neste sentido, ele demostra como a comunidade se
prepara para exibir sua cultura para os visitantes na “arena turística” (Grünewald apud Silva
2004) e como esse processo vem ajudando a fortalecer a identidade Potiguara na medida em
que, ao suscitar uma promoção étnica, há uma redefinição dos valores de pertencimento do
grupo, que passa a se ver de maneira positiva.

25
O trabalho de Moonen e Maia (1992), e os já citados Magalhães (2004) e Palitot (2005)
– com destaque para este último – são outras fontes importantes para um melhor conhecimento
da realidade Potiguara. O primeiro por trazer dados históricos relevantes. O segundo por
analisar os processos étnicos da sociedade potiguara a partir do viés religioso. E o terceiro por
se mostrar a monografia mais completa sobre os potiguaras por apresentar aspectos históricos,
étnicos e culturais deste povo. Neste trabalho, Palitot (2005) fala sobre os Potiguara de Baía da
Traição e Monte-Mor dando enfoque aos processos de constituição de fronteiras étnicas, de
territorialização, de produção cultural e a conformação das formas de organização social tendo
como fio condutor a relação interétnica deste grupo com os outros segmentos da sociedade
nacional (grupos agroindustriais, industrias e órgãos estatais).
Além destes, há a tese de Caniello (2001) que, a partir de uma abordagem sócio
histórica, toma como recorte o período histórico de 1500 à 1654 para discorrer sobre o
processo de formação do estado-nação brasileiro. Apesar de não ser um trabalho que versa
exclusivamente sobre o povo Potiguara, ele é de fundamental importância por apresentar,
mesmo que de maneira incipiente, o consumo de cauim10, nos momentos festivos conhecidos
como cauinagens, como parte do ethos dos grupos indígenas Tupi, grande tronco linguístico
do qual os Potiguara faziam parte. Além do mais, o autor dedica uma sessão importante da sua
tese para discorrer sobre a “pacificação dos potiguaras”.
De acordo com Moonen e Maia (1992), no século XVI os índios Potiguara habitavam
os limites territoriais que figuram entre o que hoje se conhece como sendo a cidade de João
Pessoa, na Paraíba, e São Luis do Maranhão – o que consiste numa extensa parte de terra do
litoral nordestino. Desde então, com a chegada de colonos franceses, portugueses e
holandeses – com idas e vindas, continuidades e descontinuidades – a história desse povo
passou a ser marcada por trocas comerciais, chacinas, guerras e missões religiosas que
visavam o aldeamento – fenômenos que se estenderam até o século XVIII.
Segundo Caniello (2001), o processo de “pacificação” dos Potiguara levado a cabo pela
Coroa Portuguesa foi de fundamental importância para a configuração do estado nação
brasileiro. Isto porque esse grupo indígena era uma etnia inimiga para os colonizadores
lusitanos, devido à associação destes com os franceses e holandeses, e que ameaçavam
constantemente a soberania portuguesa em terras tupiniquins. Neste sentido, o “precesso de
pacificação”, descrito detalhadamente por este autor, se configurou como um “divisor de
águas” para a formação da nação brasileira por ter sido um episódio que demarcou a

10
Bebida tradicional dos povos indígenas Tupi, feitas a partir do suco de frutas, principalmente do caju
(Fernandes, 2004).
26
proeminência portuguesa frente aos franceses e holandeses, além de possibilitar a perpetuação
do povo Potiguara.
Ao se falar em colonização, quando o assunto em foco são povos indígenas e suas
relações com bebidas alcoólicas, há algumas questões imprescindíveis a se considerar antes de
dar prosseguimento com a caracterização acerca dos Potiguara.
No processo de colonização as bebidas etílicas ocupam um espaço importante.
Comumente elas são colocadas como armas colonizadoras que serviram para desfigurar e
dizimar culturas indígenas. Porém, esse é um ponto de vista simplista que coloca os indígenas
como sujeitos passivos de sua história. Um melhor olhar proposto por Fernandes (2004)
enfatiza o papel ativo de resistência às adversidades da colonização, em que ele afirma que

“as formas pelas quais os índios responderam aos desafios que lhes foram
colocados pelo contato interétnico são fundamentais para a compreensão
dos regimes etílicos nativos atuais (inclusive no que diz respeito à
presença dos destilados) e mesmo aos regimes etílicos presentes na
sociedade nacional que se desenvolveu a partir do processo de
colonização” (Ibid.: 9).

De acordo com este autor,

“os índios no Brasil possuíam maneiras de se relacionar com as bebidas


alcoólicas – seja na escolha dos tipos de bebidas, seja nos contextos
sociais em que estas eram consumidas – que lhes eram próprias, e que
eram dependentes de uma formação étnica e cultural e de um processo
histórico determinado” (Ibid. p.9).

Os índios da nação Tupi faziam uso de bebidas etílicas conhecidas como cauim, feita a
partir do suco de frutas fermentadas. Vainfas (1995) mostra, de maneira breve e sem se
aprofundar no assunto, que esses cauins eram consumidos nas “santidades”11. Baseado no
relato do cronista André Thévet, este autor fala que no ritual das “santidades” havia “o
isolamento do caraíba numa ‘choça nova’ [...], onde lhe armavam uma rede branca e limpa e
armazenavam víveres e cauim para seu consumo” (Ibid.: 55). Posteriormente tendo por base
relatos de diversos cronistas, este mesmo autor fala sobre as características gerais dessas
cerimônias tidas pelos colonizadores como “profanas” e “heréticas”, afirmando que “eram
cerimônias inseparáveis de bailes e cantos que congregavam a aldeia inteira, regadas a cauim
e a petim. Bailes especiais, convém frisar, ‘grandes solenidades’ (Métraux) que não se
confundiam com as danças executadas corriqueiramente nas ‘cauinagens’ noturnas, nos
11
Ritos festivos, registrados no período colonial através de relatos de cronistas. Esses ritos representavam uma
marca de resistência e rebeldia frente à colonização e era protagonizado pelos Caraíbas, lideres espirituais.
27
sacrifícios antropofágicos ou nos ritos fúnebres (Ibid.: 60). Mesmo com essas colocações, o
uso do cauim parece que não era algo central nas “santidades”, isso porque o autor não
desenvolve o tema ao longo do seu livro. A única substância psicoativa que Vainfas (1995)
coloca e descreve como central para esses rituais era o petum, um fumo tido como uma “erva
santa” que embriagava os usuários com sua fumaça.
Outros autores destacam o uso de bebidas fermentadas entre os povos indígenas do
litoral, oriundos da grande nação indígena Tupi12. Viveiros de Castro (2002) fala sobre

“o lugar central que o cauim de milho ou mandioca ocupava no complexo


guerreiro. O significado das bebidas fermentadas nas culturas ameríndias
ainda está à espera de uma síntese interpretativa. Ele mantém relações
estreitas com o motivo do canibalismo, e aponta para a importância
decisiva das mulheres na economia simbólica dessas culturas. Os
materiais tupinambá sugerem, além disso, uma vinculação entre as festas
de bebida e a memória, mais especificamente a memória da vingança. Os
Tupinambá bebiam para não esquecer, ai residia o problema das
cauinagens grandemente aborrecidas pelos missionários, que percebiam
sua perigosa relação com tudo que queriam abolir. Já vimos que Anchieta
punha como um dos impedimentos à conversão do gentio ‘seus vinhos
em que são muito contínuos e em tirar-lhos ha ordinariamente mais
dificuldade que em todo o mais... (1584:333). Foi mais difícil acabar com
os vinhos que com o canibalismo; mas as bebderias traziam sempre o
espectro desta abominação” (Ibid.: 148).

Sztutman (2004) e Fernandes (2004) parecem suprir essa lacuna denunciada na citação
acima, acerca dos significados das bebidas fermentadas entre os grupos indígenas do sul da
Amperica. Sztutman (2004), fala sobre o consumo do cauim em comunidades ameríndias13
baseado numa etnologia americanista e tendo forte influências de autores como Lévi-Strauss e
Viveiros de Castro. Assim o autor disserta sobre os sentidos que a embriaguez tem para estes
povos, tendo como pano de fundo as reflexões que eles tem acerca da natureza das
substâncias fermentadas. Sztutman fala sobre o caráter personificado que o cauím tem para
estas culturas, ou seja, sobre propriedades subjetivas de agência que estes grupos indígenas
atribuem as bebidas desse gênero. Neste sentido, Sztutmam discorre sobre a questão da

12
Alguns linguistas, historiadores e antropólogos, devido aos relatos dos cronistas, se referem aos antigos Tupi
da costa brasileira como Tupinambá, como é o caso de Castro (2002) e Fernandes (2004). Neste caso o termo
Tupi se equivale ao termo Tupinambá, englobando de maneira genéricas Tupinambá, Tupiniquim, Tamoio,
Tabajara, Potiguara, Caeté, Tupinaê, Aricobé, Amoipira, Tupinambarana, etc.
13
É importante dizer que sobre a alcunha de ameríndios, o ator trata apenas sobre o uso do cauím por parte de
grupos indígenas antigos da costa brasileira (com base nos relatos dos cronistas quinhentistas e seiscentistas) e
de grupos contemporâneos situados desde o Chaco até a Amazônia Setentrional (baseado em observações
etnográficas). Não figuram entre as análises do autor grupos indígenas do “Nordeste etnográfico”.

28
transubstanciação, que é a forte realação entre o cauím e uma persona humana ou animal que,
uma vez ingerido ele passa a ter agencia própria; sobre as ambíguas concepções de que estas
bebidas oscilam entre um “alimento supremo” ou um “veneno extremo”; sobre o cauím como
um canal de comunicação entre outros mundos; e, por fim, sobre a histórica associação entre o
uso de bebidas fermentadas e a resistência aos processos coloniais.
Fernandes (2004), em Selvagens Bebedeiras: álcool, embriaguez e contatos culturais
no Brasil colonial, faz um estudo mais completo sobre os sentidos das bebidas fermentadas
nas sociedades indígenas, falando sobre o lugar delas no processo colonial. Ele adentra nas
mesmas questões do autor citado anteriormente, mas de maneira mais detida e aprofundada
(transubstanciação, alimento divino, veneno e símbolo de resistência). Neste sentido,
Fernandes fala sobre as bebedeiras indígenas do período colonial como uma expressão social
dos grupos indígenas daquela época: elas serviam para demarcar difenças de status e gênero
dentro do grupo, serviam para demarcar alianças e desavenças com outros grupos e eram uma
forte expressão da resistência e da memória social deste grupos. O autor acrescenta à sua
reflexão o processo de formação dos “regimes etílicos” modernos que chegaram em terras
brasileira juntos com a o processo de colonização. Esses “novos” modos de beber, junto com
as ações Jesuitas contra as cauniagens vieram a dar fim aos “regimes etílicos” antigos das
comunidades indígenas e a dar surgimento a novas formas de se relacionar com as substâncias
alcoólicas.
No caso específico dos Potiguara, haviam bebidas fermentadas feitas a partir da coleta
de frutas, a exemplo do caju e da mangaba (MOONEN, 1992: 14), que foram sendo
suplantadas pelas bebidas destiladas no decorrer da colonização14. Estes indígenas consumiam
principalmente os fermentados do caju, conhecido como cauim, “o mais afamado e apreciado
vinho de frutas do Brasil”, segundo Fernandes (2004.: 68). Ainda segundo este autor, os
Potiguaras detinham as melhores áreas de cajuais, entre Itamaracá e o Rio Grande do Norte, e
faziam vinhos de diferentes espécies de caju, mas, principalmente de uma espécie em
particular: o caju-pirã, avermelhado e mais ácido que os demais (Ibid.).
No bojo desse processo colonial houve conflitos entre diferentes “regimes etílicos”
(Ibid.), nativos e europeus, que acabaram com práticas etílicas antigas, mas também deram
surgimento a novas formas de beber e se relacionar com as substâncias alcoólicas.
14
Alguns processos de fermentação ainda são feitos nos dias de hoje, como é o caso do Mocororó (bebida
fermentada de caju). Apesar de não ter presenciado o consumo de tal bebida, os índios desta pesquisa, que
consumiam quase que exclusivamente cachaça, vez ou outra comentavam comigo sobre a existência do
Mocororó e seu processo de fermentação. Alguns diziam saber fazer, mas não faziam devido ao trabalho que
demandava, sendo menos custoso comprar cachaça.

29
Neste sentido o que houve, portanto, foi mais um processo de conflito entre distintos
“regimes etílicos”, que resultou numa “hibridização cultural” (CANCLINI, 2006) dos modos
de beber, do que em uma introdução do álcool por parte dos colonizadores, vista apenas como
maligna, já que os Potiguara já conheciam a experiência etílica. O que Fernades (2204) quer
não é negar que houve aspectos negativos com advento das bebidas destiladas que tinham
como pano de fundo a violenta ação colonial, mas sim ampliar o olhar sobre o álcool na
relação interétnica para além de uma visão superficial. Vale salientar que este autor demonstra
que neste sentido, seu estudo é limitado, pois não problematiza a questão da entrada das
bebidas destiladas entre os grupos indígenas. De acordo com ele, há uma

“necessidade de se estudar a própria cachaça, bebida que permeia, há


séculos, a vida das camadas populares da sociedade nacional, que
presentou um dos principais produtos comercializados durante o período
colonial, que servou como estopim de vários conflitos em torno de sua
tributação e prívilegios de comércio, e que jmais foi estudada de forma
aprofundada, permanecendo o pequeno livro de Câmara Cascudo,
Prelúdio da Cachaça, como uma peça solitária” (Ibid.: 370).

Mesmo o livro de Câmara Cascudo, que trata deste tema, não fala a cerca do uso de
cachaça entre os indígenas do Brasil, mas apenas entre os negros escravizados, que
trabalhavam nos engenhos de açúcar. Outro livro sobre o tema que segue na mesma linha é o
de Souto Maior (1970), intitulado de Cachaça, que apesar de tratar de vários aspectos dessa
bebida não toca no assunto da relação entre os índios brasileiros e a cachaça. Dito isso,
voltemos para a caracterização dos Potiguara.
Nos idos do século XIX, apesar de diversas questões de conflitos territoriais – mesmo
perdendo pedaços de terras para não-índios interessados no patrimônio territorial Potiguara –
com a Lei de Terras de 1850 criada pelo império brasileiro, os Potiguara começaram a se
fincar nos limites territoriais em que se encontram nos dias atuais.

Caracterização socioeconômica atual dos Potiguara.

Dividida em três áreas de terras contiguas (a TI Potiguara, a TI de Jacaré de São


Domingos e a TI Potiguara de Monte Mor) localizadas na parte norte do litoral paraibano,
ocupando uma faixa de terra de pouco mais de trinta e três mil hectares, a Terra Indígena
Potiguara esta situada nos municípios de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto. De acordo
com o Etnomapeamento dos Potiguara da Paraíba (CARDOSO et. al., 2012) a população

30
indígena é estimada em dezenove mil pessoas. Já segundo o cadastramento feito pelo
SIASI/SESAI/MS (2012), a população Potiguara é de pouco mais de quatorze mil indígenas.
Essa diferença se justifica porque o Etnomapeamento leva em consideração uma estimativa de
indígenas residentes em outras cidades e estados como: Mamguape, João Pessoa, Rio de
Janeiro e Rio Grande do Norte. Já o SIASI/SESAI/MS tem seus dados baseados nos registros
que os indígenas fazem nos polos base de saúde dos municípios de Baía da Traição, Marcação
e Rio Tinto.
Sabe-se que a população Potiguara encontra-se distribuída entre trinta e duas aldeias
mais seis outras localidades chamadas de “lugarejo”, “pequeno povoado”, “comunidade” ou
“aldeia sem cacique” (VIEIRA, 2012). Como as terras indígenas não condizem com os limites
dos municípios nos quais estão inseridas, existem então dois pontos de referência que podem
ser usados para localizar as aldeias: um que leva em conta as divisas dos municípios e outro
que se baseia no nas fronteiras das TIs.
Tomando como referência as divisas municipais existentes entre Baía da Traição,
Marcação e Rio Tinto, criei a tabela a seguir, tendo como base os dados da SIASI/SESAI/MS
(2012):

31
Tabela 1. Relação Municípios-Aldeias.
Município Aldeias
Akajutibiró
Bemfica
Bento
Cumaru
Forte
BAÍA DA TRAIÇÃO Galego
Lagoa do Mato
Laranjeira
Santa Rita
São Francisco
São Miguel
Silva
Tracoeira
Brejinho
Caeira
Camurupim
Cândido
Carneira
Coqueirinho
MARCAÇÃO Estiva velha
Grupiuna
Jacaré de César
Jacaré de são Domingos
Lagoa Grande
Tramataia
Três rios
Val
Ybyküara
Jaraguá
Mata Escura
RIO TINTO
Monte Mór
Silva de Belém

De acordo com os dados da SIASI/SESAI/MS (2012), o município de Baia da traição,


que possui treze aldeias, conta com 5.549 indígenas; nos limites municipais de Marcação,
onde estão localizadas quinze aldeias, residem 5.780 índios; e em Rio Tinto habitam 2.700
índios espalhados em quatro aldeias. Num total de 14.029 indígenas Potiguara, distribuídos
em trinta e duas aldeias.

32
No que diz respeito às divisas das TIs, de acordo com os dados obtidos no
Etnomapeamento dos Potiguara da Paraíba (Cardoso et. al., 2012), fiz a seguinte tabela
sobre as terras indígenas e suas respectivas aldeias:

Tabela 2. Relação Terras Indígenas-Aldeias.


Terra Indígena Aldeias
Acajutibiró
Benfica
Bento
Brejinho
Caeira
Camurupim
Carneira
Coqueirinho
Cumarú
Estiva Velha
Forte
Galego
TI POTIGUARA Grupiúna
Jacaré de César
Lagoa do Mato
Laranjeiras
Mata Escura (Boreu)
Santa Rita
São Francisco
São Miguel
Silva
Silva Belém
Tracoeira
Tramataia
Val
Grupiúna dos Cândidos
TI JACARÉ DE SÃO DOMINGOS
Jacaré de são Domingos
Jaraguá
Lagoa Grande
TI MONTE MÓR Monte Mór
Três Rios
Ybycoara

No Etnomapeamento citado mais acima consta que: na TI Potiguara, que conta com
vinte e cinco aldeias, existem um total de 8.109 indígenas; já na TI Jacaré de São Domingos
33
habitam 449 pessoas distribuídos nas duas aldeias; e, por fim, a TI Potiguara de Monte Mór
conta com uma população de 4.447 pessoas espalhados nas cinco aldeias. Assim, há um total
de 13.005 indígenas espalhados nas 32 aldeias.
A localização das terras, dos municípios e das aldeias podem ser percebida no mapa a
seguir, levando-se em consideração que nele existe uma aldeia a mais do que as citadas mais
acima, que está localizada fora das terras indígenas, que é a aldeia de Itaepe:

Figura 1. Localização das Terras Indígenas e Aldeias Potiguara – PB. Fonte: FUNAI, 2012.

Apesar da diferença entre a contagem do Etnomapeamento da FUNAI e do Cadastro


da SISAI/SESAI/MS, que são respectivamente de 13.005 e de 14.029, podemos afirmar a
grandeza da comunidade Potiguara, que se se configura como sendo o maior grupo indígena
do Nordeste etnográfico, comparando-se apenas ao grupo Xucuru, do Serão de Pernambuco, e
aos indígenas Pataxó do Sul da Bahia, como mostra o mapa abaixo:

34
Figura 2. Mapa que demonstra as maiores populações indígenas
do Leste-Nordeste do Brasil. Fonte: FUNASA, 2008.

De acordo com Palitot (2005), as principais atividades econômicas dos índios são a
pesca no mar e no mangue, o extrativismo vegetal, a agricultura de subsistência, a criação de
animais, o plantio de cana de açúcar, a carcinicultura, o assalariamento rural e urbano, o
funcionalismo público e aposentadorias para os idosos – no geral a economia da região é
baseada no turismo, na exploração de cana-de-açúcar e na carcinicultura. Podem-se perceber
de maneira mais detalhada quais os usos feitos das terras potiguaras na atualidade no
etnomapa a seguir:

35
Figura 3. Etnomapa dos usos atuais das Terras Indígenas Potiguara. Fonte: FUNAI, 2012.

No tocante à organização política, ainda segundo Palitot (2005), cada aldeia é


representada perante os órgãos oficiais do estado – como a FUNAI, FUNASA e prefeitura –
por um representante, geralmente chamado de cacique, que também encabeça a resolução de
outros problemas locais da sua comunidade. Acima destes está o cacique geral que exerce o
papel de representante geral, como o nome sugere, frente às instituições oficiais e à justiça.
Por fim, é oportuno dizer aqui que toda a área indígena é permeada por bares, biroscas,
restaurantes, mercados, dentre outros estabelecimentos onde se vende e/ou se consome
bebidas alcoólicas, ou seja, muitas pessoas vivem da venda dessas bebidas. Além desses
estabelecimentos existem também lugares públicos onde este consumo é praticado, como é o
caso do cajueiro da aldeia do Forte – lugar chave desta pesquisa, por ter sido o espaço de
interação primordial da minha análise sobre as práticas etílicas, seus sentidos e
representações, que será exposto no próximo capítulo. Dito isto, passemos agora para uma
caracterização da aldeia do Forte.

36
3. A Aldeia do Forte

Há indícios de que a história de ocupação da localidade hoje conhecida como aldeia do


Forte remete a um período anterior à ocupação colonial, quando era chamada de Alto do
Tambar. Foi nesta localidade, com vista privilegiada para a Baía da Traição, que os primeiros
colonos foram avistados pelos nativos que ali habitavam. Com o processo colonial, estes
habitantes foram afastados para o interior, o que deu origem a outras aldeias (São Francisco,
Estiva Velha, Monte-Mór, dentre outras). Com isso, os colonizadores edificaram uma
fortificação no local para garantir-lhes o controle da região: daí o nome atual da aldeia.
(VIEIRA, 2012).
No período que se seguiu, a área correspondente à aldeia do Forte continuou desabitada
até que, em fins do século XIX e começo do século XX, famílias não indígenas passaram a
habitar o local. A localidade do Forte só passou a ser habitada por famílias indígenas quando o
Posto Indígena do SPI (Serviço de Proteção Indígena) foi transferido pra lá. Na literatura
produzida sobre os Potiguara há controvérsias sobre o ano deste acontecimento. Moonen
(2008) afirma que “por volta de 1930 foi instalado o primeiro posto indígena do SPI, então
localizado na aldeia São Francisco, a maior, de onde em 1939 foi transferido para o Forte,
perto de Baía da Traição” (Ibid.: 7). Palitot (2005) coloca que o “antigo P.I. São Francisco
[foi] transferido para o Forte em 1942” (Ibid.: 43). Já Vieira (2012) fala de forma genérica,
dizendo que este acontecimento se deu nos anos de 1930.
O fato é que, com a criação do SPI na aldeia de São Francisco e sua mudança para a
então aldeia do Forte é que esta localidade passou a ser habitada de maneira mais densa por
famílias indígenas, principalmente da aldeia de São Francisco, que se mudaram seduzidas pela
recém-criada instituição do indigenismo oficial brasileiro.

Na verdade o Forte ele surge quando se cria o posto do SPI, que hoje é a
FUNAI. Que até ai num existia aldeia né, 1930/39 mais ou menos.
Porque quando fizeram o Posto, fizeram as casas para os funcionários. E
meu pai foi um dos né... E ai começa a surgir. (Cacique do Forte, 19 de
janeiro de 2013).

É notório que na aldeia do Forte concentra-se uma “elite” Potiguara, isso foi
perceptível na minha estadia. A transferência do Posto Indígena foi um evento que exerceu
uma influência primordial para que se formasse tal “elite”. Segundo Palitot (2005),

37
“É na aldeia do Forte, inclusive, que se encontra uma certa “elite”
Potiguara, descendentes dos antigos funcionários do Posto pertencentes as
famílias Gomes, Cassiano e Santana. Alguns membros destas famílias
conseguiram estudar, chegando à universidade. Desde cedo ocuparam
funções na administração local do Posto Indígena, inicialmente serviços
gerais e trabalhos braçais, mas as gerações seguintes lograram a iniciação
como auxiliares administrativos, professores, parteiras e agentes de saúde”
(Ibid. p. 62).

A aldeia do Forte está inserida na TI Potiguara e é situada no município de Baía da


Traição. Dentre todas as aldeias, a do Forte ocupa um papel central nos âmbitos: político,
econômico, turístico, cultural e da saúde. Ela possui uma população de 485 indígenas, segundo
os registros do SIASI/SESAI/MS (2012), sendo a sétima maior aldeia dentre as trinta e duas
aldeias Potiguara e a quarta maior dentre as treze aldeias situadas no município de Baía da
Traição15.
A principal entrada para a aldeia é pela cidade de Baía da Traição (Figuras 4 e 5). Nas
imagens abaixo se pode perceber a placa que demarca a divisão entre a cidade e o Forte. Não
fosse ela, que pode passar despercebida pelos mais distraídos, não haveria nenhuma indicação
de que se adentrou numa área indígena. Só mais a frente é que se podem perceber algumas
coisas que dão uma pista de que se está numa área indígena.

Figura 4. Principal entrada para a aldeia do Forte. Figura 5. Detalhe da placa da FUNAI.

Certas instituições e localidades situadas da aldeia dão a ela o papel central afirmado
mais acima, fazendo do Forte uma aldeia peculiar. É nela que está situado o Posto Indígena da

15
Autodenominada como “Território Tradicional dos índios Potiguaras”, de acordo com o IBGE (2010), 71,0%
(setenta e um por cento) da população de Baía da Traição, de um total de 8.012 (oito mil e doze) munícipes, é
formada por índios, sendo este o quarto município com maior proporção de indígenas em sua população de todo
o Brasil.
38
Fundação Nacional do Índio – FUNAI (Figura 6) – antigo SPI, sobre o qual foram tecidas
algumas considerações mais acima – que tem o papel de mediar as relações entre as
comunidades indígenas locais e o estado brasileiro, o que da uma ideia da importância política
da aldeia.

Figura 6. Posto da FUNAI (à esquerda) e a Associação


Toré Forte (à direita).

Outra instituição importante dentro do contexto indígena Potiguara é a Associação


Cultural Indígena Toré Forte (Figuras 6 e 7), criada, como o nome insinua, para fomentar as
manifestações culturais locais, mais especificamente a dança do Toré, o que deixa claro a
importância da aldeia frente as questões culturais e étnicas. Isso porque o Toré é uma marca da
etnicidade dos índios do Nordeste16 que se constitui, de maneira geral, como

“um conjunto ritual composto por música, dança, ingestão de bebidas


(geralmente a jurema) e contato com os antepassados e outros seres
espirituais através do transe mediúnico [...] [que é] difundido desde o
litoral do Ceará (Tapeba e Jenipapo-Kanindé) até o interior de Minas
Gerais (Xakribá e Xucuru-Kariri) e o Litoral da Paraíba (Potiguara) até o
Sertão do Rio São Francisco, em cujas ilhas de margens (Tuxá,
Tumbalalá, Xokó, Truká, Kariri-Xocó), brejos (Pankararé, Pankararu,
Jeripankó, Kiriri, Kaimbé) e serras (Atikum, Xukuru, Kapinawá, Pipipã)
concentra-se a maior parte da população indígena da região” (PALITOT E
SOUZA JÚNIOR, 2005).

16
O estado brasileiro, através dos órgãos tutores (SPI, que veio a se tornar FUNAI), escolheu a dança do Toré
como a marca de indianidade dos grupos indígenas do Nordeste etnográfico, para saber mais sobre esse processo
ver: Grünewald, 1999; 2001; 2003; 2005;

39
Vale salientar que, apesar dessa caracterização geral, cada grupo indígena citado possui
um Toré específico17, que não preciso entrar em detalhes aqui por não ser o objeto desta
pesquisa.

Figura 7. Associação Toré Forte.

O Polo Base do Distrito Sanitário Especial Indígena – DSEI, da FUNASA (Figura 8),
chamado mais corriqueiramente de Posto da FUNASA, é outra instituição de extrema
importância que há no Forte. Este posto é o Polo Base do distrito de Baía da Traição, dessa
forma ele atende todas as aldeias desse município, assim como os índios desaldeados.

Figura 8. Posto da FUNASA.

Ainda há no Forte um dos principais pontos turísticos Potiguara: os canhões do Forte


(Figura 9). Estes estão localizados em cima de uma falésia, chamada pelos moradores locais
de “barreira”, com vistas para o mar e para a cidade de Baía da Traição (Figura 10). Eles são
sobras de antigas fortificações. Também fazem parte deste ponto turístico duas ocas, uma para

17
Para saber mais sobre o Toré Potiguara ver: Palitot e Souza Júnior (2005);

40
a venda de artesanato indígena (Figura 11) e outra feita para a dança do Toré (Figura 12) e,
por fim, um belíssimo Cajueiro (Figura 12), localidade máxima desta pesquisa.

Figura 9. Canhões de Aço Fundido: resquícios de Figura 10. Vista dos Canhões para a Cidade de Baía
antigas fortificações. da Traição.

Figura 11. Oca de Artesanato Indígena. Figura 12. Oca do Toré, por trás o Cajueiro.

Todas estas instituições e localidades demonstradas formam, em conjunto, o que se


pode chamar de coração da aldeia do Forte, o centro da aldeia. Inclusive, esta área é um dos
principais pontos de turismo étnico18 em terras potiguaras. Isto se deve ao fato de que ela
propicia, como já foi demonstrado anteriormente, uma excelente vista para a cidade de Baía da
Traição, além de que é nesta localidade que estão expostos três canhões que são resquícios do

18
Para uma melhor compreensão do termo ver: Grünewald (2001). E para compreender melhor o turismo étnico
em terras potiguaras ver: Souza (2004).

41
período colonial e um belo e imponente cajueiro, utilizado pelos turistas para tirar fotografias19
(Figuras 13 e 14).

Figura 13. Turistas visitando a aldeia do Forte. Figura 14. Turistas visitando o Cajueiro do Forte.

Para finalizar, deixo abaixo, para o leito visualizar melhor, uma imagem de satélite da
aldeia do Forte onde estão indicadas todas as localidades descritas neste tópico.

Figura 15. Visualização de satélite, a partir do Google Earth, dos locais identificados acima.

19
O maior número de turistas se dá no período de veraneio, que é entre o mês de novembro e fevereiro. No
período em que estive lá por lá, entre dezembro e janeiro, pude notar que as visitas eram quase constantes. De
acordo com os índios desta pesquisa, a grande maioria dos visitantes é de Campina Grande e João Pessoa, as duas
principais cidades da Paraíba.

42
Tendo apresentado a aldeia do Forte, darei início ao último e principal capítulo desta
monografia: que consistirá num esforço etnográfico de descrição e análise das praticas,
representações e interações sociais ligadas ao consumo de bebidas alcoólicas, praticado sob a
sombra do Cajueiro do Forte – que é um dos principais locais de interação da aldeia, além de
fazer parte de um dos atrativos turístico da região.

43
Capítulo III
Na Sombra do Cajueiro do Forte

Soneto do Caju

Amo na vida as coisas que têm sumo


E oferecem matéria onde pegar
Amo a noite, amo a música, amo o mar
Amo a mulher, amo o álcool e amo o fumo.

Por isso amo o caju, em que resumo


Esse materialismo elementar
Fruto da cica, fruto de manchar
Sempre mordaz, constantemente a prumo.

Amo vê-lo agarrado ao cajueiro


À beira-mar, a copular com o galho
A castanha brutal com que tesa:

O único fruto – não fruta – brasileiro


Que possui consistência de caralho
E carrega um culhão na natureza.

Vinicius de Moraes, Hollywood, 1947.

1. O Cajueiro e sua Turma

Originária do Brasil, o cajueiro é uma das mais importantes árvores frutíferas da


cultura nacional. Desde tempos mais remotos os povos indígenas guardam uma forte relação
com o caju e o cajueiro. Antes da chegada dos colonos, o caju já era usado por essas
populações como alimento e como matéria prima para a fabricação de bebidas fermentadas,
como se viu nos capítulos anteriores.
Nos dias atuais

“... os cajueiros estão concentrados principalmente nas regiões Norte,


Centro-Oeste e Nordeste, sobretudo nesta última. Ali o caju está presente
na literatura, na poesia, no artesanato, nos ditos populares, na pintura, na
fala, na música, na dança, nos jogos infantis, nas crendices, nos costumes,
no folclore, na medicina, nas artes decorativas, no mobiliário e, é claro,
na culinária nordestina. Caju, cajueiro e derivados são termos que dão
nomes a cidades e vilarejos, bairros, ruas e avenidas, estradas, pessoas,
famílias, parques, praças, serras, praias, sítios, lagoas, rios,
44
estabelecimentos comerciais, empresas, instituições, eventos, festivais e
festas populares, entre outros” (GOMES, 2010: 26).

Figura 16. Primeira ilustração de um Cajueiro, do


monge francês André Thevet, contida no livro “Les
singularitez de la France Antartique”, de 1557.

Como não poderia deixar de ser, é notória a presença desta planta em terras potiguaras,
em geral, e na aldeia do Forte, em particular. Ela é uma das principais árvores frutíferas
cultivadas e mantidas nos sítios e quintais. Segundo o Etnomapeamento dos Potiguara da
Paraíba (CARDOSO et. al., 2012),

“... algumas plantas, principalmente pés de fruta como o coco, a manga, a


jaca e o caju, destacam-se nos quintais de muitas das pessoas por sua
importância e papel fundamental na ligação da noção de casa com o
consumo de alimento, sendo uma marca fundamental do processo de
transformar uma morada em um lugar” (Ibid.: 44).

45
Dentre os diversos Cajueiros existentes na aldeia um em especial se destaca a) por sua
localização, pois não está em sítios e quintais, mas sim na principal área da aldeia; b) pela sua
beleza e exuberância; c) por ser um dos principais locais de lazer e interação social da aldeia,
inclusive interétnico, devido aos visitantes que vão ao local; d) por ser um dos lugares usado
para o consumo de bebidas alcoólicas dentro da aldeia.
O Cajueiro20 está situado num lugar peculiar da aldeia do Forte, como foi demonstrado
no capítulo anterior (FIGURA 17, 18 e 19). Primeiramente, porque é assim que os moradores
da aldeia percebem o local, por lá situar, ao redor do Cajueiro, o Posto da FUNAI, o Posto da
FUNASA, a Associação Potiguara Toré Forte e os canhões do Forte – ponto turístico do qual
o Cajueiro faz parte, junto com as ocas do Toré e de artesanato indígena.

Figura 17. Cajueiro ao lado da Associação Toré Forte Figura 18. Cajueiro ao lado dos canhões do Forte.
e atrás da oca do Toré

Figura 19. Cajueiro do Forte visto do Posto da FUNASA

20
Vale dizer que entre o Cajueiro existe um pé de pitomba, que passa despercebido devido à imponência do pé
de caju. É importante dizer também, que apenas duas pessoas, em todos os dias em que estive em campo,
falaram sobre a pitombeira. Inclusive, foi uma dessas pessoas que me fez notá-la.
46
Devido a sua beleza e localização, o Cajueiro do Forte se constitui como um lugar de
lazer para uma série de grupos e indivíduos. Ele é frequentado por turistas, casais
enamorados, usuários de drogas ilícitas, crianças brincam no local, mas sobre tudo por uma
turma21 de indígenas da aldeia que têm o costume de usar bebidas alcoólicas sob sua sombra.
Foi com estes últimos que estabeleci uma relação intensa, chegando a acompanha-los em suas
bebedeiras22.
Vieira (2012), ao fazer uma análise sobre as relações políticas e faccionais e os usos da
feitiçaria entre os Potiguara, observou

“... o uso reiterado da categoria ‘turma’ nos contextos de definição dos


contornos de determinado grupo de pessoas, mobilizado, geralmente, nas
‘parentagens’, sob a liderança de um cacique, daí a identificação da
‘turma’, levada a termo nas situações de conflito, demarcar a figura do
líder e ‘seu pessoal’. Já as referências nativas sobre as ‘parentagens’
sugeriram a composição de relações de amizade que integraram distintos
grupos domésticos especialmente nas atividades produtivas evidenciadas
nos ‘adjutórios’ ou nos trabalhos comunitários” (Ibid. p. 17).

O uso da categoria de turma por parte dos indivíduos que costumam se reunir para
beber no Cajueiro do Forte foi também por mim observado. Guardando as devidas proporções
– já que Vieira (2012) analisou as relações políticas e faccionais e os usos da feitiçaria de uma
maneira ampla, e eu analiso aqui apenas um grupo de bebedores – pode-se dizer que os
indígenas que se encontram para beber sob a sombra do Cajueiro, de maneira geral, se
definem como um grupo de pessoas formado por indivíduos de distintos grupos domésticos,
baseados nas relações de “parentagens”, que cooperam entre si em trabalhos comunitários e
que compartilham do uso de bebidas alcoólicas em diversas situações e locais. Além do mais,
nos contextos de disputas políticas eles costumam se reunir em torno de uma liderança. A
turma do Cajueiro costuma ter uma unidade quando o assunto é apoio político,
principalmente no tocante aos principais cargos políticos locais (coordenador do posto da
FUNAI, Cacique Geral, Cacique da aldeia, Prefeito e Vereador da cidade de Baía da Traição).
Nas últimas eleições um membro da turma chegou a ser candidato a vice-prefeito do
município de Baía da Traição, mas não ganhou o pleito.

21
Conceito nativo usado pelos bebedores do Cajueiro quando querem evocar a ideia de grupo.
22
Vale lembrar que o uso corrente deste termo, de acordo com o dicionário Houiss on line, implica no uso de
bebidas alcoólicas em grandes quantidades, na embriaguez e no desequilíbrio. Por isso, gostaria de ressaltar que
uso o termo em outro sentido: chamo por “bebedeira” o consumo coletivo de álcool voltado para o lazer, que não
necessariamente implica na embriaguez dos consumidores.

47
Sendo assim, esta turma é uma rede social, já que pode ser entendida como se
constituindo por “um conjunto de relações interpessoais concretas que vinculam indivíduos a
outros indivíduos” (BARNES, 1987: 167). Além do mais, é uma rede de relações pessoais
que se articula não só através do uso bebida alcoólica, que é um meio de socialização para
estes indivíduos, mas também através dos processos de disputas políticas locais. Isto faz com
que o Cajueiro, com seus encontros etílicos, seja um espaço político informal dentro da aldeia
do Forte no qual indivíduos buscam fazer alianças e mobilizar apoios.
Gostaria neste ponto deixar claro que fica difícil dizer exatamente quantas pessoas
fazem parte desta rede social, já que houve certa flutuação na frequência dos indivíduos que
observei “tomando uma”23 no Cajueiro. Existem indivíduos que são considerados como parte
da turma, mas que não estavam frequentando o Cajueiro no momento em que fiz minha
pesquisa, por motivos diversos, como trabalho, estudo, etc. E existem outros que beberam por
lá, mas que não são considerados membros da turma, apenas mantem uma relação de amizade
com estes. Mas posso adiantar que, sob a sombra do Cajueiro, cheguei a participar de
bebedeiras onde estavam presentes apenas quatro pessoas, mas também presenciei situações
etílicas onde estiveram presentes cerca de vinte pessoas.
É importante dizer que entrevistei, de maneira formal, oito indígenas que frequentaram
o Cajueiro enquanto estive por lá. Dentre estes, seis tiveram uma maior participação nas
bebedeiras e os outros dois frequentaram em algumas ocasiões. Confesso que não cheguei a
perguntar de fato quem eram os membros da turma. Mas posso eleger alguns parâmetros que
me permitem inferir quem pertence a ela e quem apenas frequenta a roda de bebedores.
Pude perceber que – mesmo o fator “frequência” não sendo um determinante para ser
membro da turma, como falei mais acima – os que mais participaram das bebedeiras é que
eram os mais indicados, pelos próprios bebedores, para falar sobre a história etílica do
Cajueiro. Outro parâmetro que me permite fazer uma distinção entre “frequentadores” e
“integrantes da turma” é o fato de que os indígenas que mais frequentaram o Cajueiro
mantinham entre si, na minha percepção, uma relação mais estreita e constante no cotidiano
da aldeia – notei que eles são amigos de longa data e, por isso, partilham de uma história em
comum, história essa em que o surgimento do Cajueiro é um importante capítulo, como
veremos no próximo tópico deste capítulo.

23
Essa expressão é corriqueira na Paraíba para se referir ao encontro de pessoas para beber bebidas alcoólicas,
geralmente em grande quantidade.

48
Por fim, percebi que certos indivíduos é que assumiam um papel mais ativo na hora de
tomar uma, organizando o Cajueiro, limpando o espaço, matando os cupins ou alimentando os
“nicos24”. Portanto, estes fatores foram por mim escolhidos para delinear quem está “fora” e
quem está “dentro” da turma.
Por hora basta dizer aqui que as concepções que se seguem são mais atreladas aos
integrantes da turma e suas concepções, do que a dos meros frequentadores, pois, foi com
aqueles quem mantive um diálogo mais estreito, de tal maneira que um deles passou da
condição de mero informante para a condição de interlocutor25 desta pesquisa – o que será
demonstrado no decorrer do texto. É bom também ficar claro que a turma do Cajueiro se
caracteriza por ser essencialmente masculina e heterogênea: alguns indivíduos são solteiros,
outros casados, uns possuem filhos, outros não, uns trabalham26 e alguns poucos são
desempregados. Essas características podem se estender também para os demais
frequentadores. A idade deles varia entre trinta e quarenta e oito anos, ou seja, todos são
adultos e a maioria são moradores da aldeia do Forte. Sempre que indivíduos de outras aldeias
(como Galego e São Miguel) e cidades vizinhas (como Mataraca) vão ao Cajueiro é com o
intuito de encontrar e beber com os rapazes da turma, que provavelmente estarão por lá.
Desse modo, tudo o que se segue, sobre as práticas e sentidos associados ao consumo
de álcool, foi baseado nas minhas observações, anotações, assim como nas conversas formais
e informais que travei com moradores da aldeia, com frequentadores do Cajueiro, mas
principalmente com os indígenas da turma do Cajueiro.

2. A Turma do Cajueiro: uma história de lazer

Segundo os integrantes da turma, foram eles que transformaram o Cajueiro neste


espaço de lazer, turismo, política e bebedeiras que existe hoje. Eles foram os primeiros a
frequenta-lo antes de qualquer outra pessoa da aldeia. Nas conversas informais e nas

24
Macacos pequenos. Nome cientifico: Callitrichinae. Popularmente conhecidos como saguins, soim ou sauim.
25
Esta diferenciação entre informante e interlocutor é colocada por Cardoso de Oliveira (1995). Segundo este
autor, a categoria de informante é transposta na medida em que a relação entre observador e observado torna-se
dialógica, simétrica. Ou seja, é quando, no encontro etnográfico, se instaura uma relação cognitiva que vai além
da mera coleta de informações, quando essa “relação caracteristicamente marcada como uma via de mão única,
passa a ser de mão dupla” (Ibid. 223).
26
Dentre os entrevistados figuram os empregos de: eletricista, artesão, pescador, motorista, moto boy e
funcionários públicos, além dos desempregados que arrumam serviços temporários.
49
entrevistas formais percebi que este fato deu a eles um sentimento de propriedade que foi se
confirmando no processo temporal e se faz valer no cotidiano da aldeia. Nos dias de hoje eles
se veem e são vistos entre a vizinhança como autoridades no tocante ao espaço do Cajueiro.
Essa questão de autoridade e propriedade será esmiuçada no próximo tópico.
Uma história contada por um dos meus principais informantes é bastante significativa
a respeito da transformação do Cajueiro neste espaço singular dentro aldeia do Forte. Na
verdade, mais que um informante um determinado artesão da aldeia do Forte pode ser tido
como um interlocutor dessa pesquisa, por ter me proporcionado diálogos e discussões acerca
dos meus dados, minhas hipóteses e concepções, tendo sido uma figura central no que pode
ser entendido como a “inauguração” do Cajueiro como um espaço social que se tornou
referencia importante dentro da aldeia. Sobre isso ele contou o seguinte:

“... tem uma história que eu só contei pra umas quatro pessoas. Eu só
limpei o Cajueiro porque eu ‘tava’ em casa dormindo e eu tive um sonho
com Daniel Santana27. E ele dizia bem assim... ele me chamava né, eu
passando a noite ali de frente da casa de Dona Amélia28 né. Ai de longe
ele me chamava de dentro do Cajueiro. Ai aprecia aquele Cabocão com
um Cocazão, entendeu? Ai quando eu chegava lá ele pegava e dizia:
‘Rapaz, esse Cajueiro tem um segredo, limpe esse Cajueiro, mande
limpar esse Cajueiro’. Ai no outro dia... eu não dormi mais não, porque
tem sonho que a gente esquece, não lembra nem do sonho que teve. E
desse sonho eu preferi não dormir, entendeu? Pra ficar acordado. Ai
passei a madrugada todinha acordado e quando foi de manhã eu
contratei logo dois ‘boy’ pra limpar o Cajueiro. ‘Limpamo’ o Cajueiro.
Uma coisa que a gente pensava que ia ser tão difícil. Que nem eu tinha
coragem de entrar dentro do Cajueiro. Não tinha como o cara entrar
não. Ai depois que limpou o Cajueiro ali, o Turista começou [a chegar]...
Ai o pessoal vinha.” (Interlocutor, integrante da turma do Cajueiro, 17 de
janeiro de 2013).

Percebe-se neste depoimento que a transformação do Cajueiro neste espaço de lazer,


turismo e consumo de bebidas alcoólicas tem uma origem mítica, que envolve segredos e
questões oníricas. Grunewald (2002) atenta para o fato de que nessas populações de tradição
oral sonhos, visões e alucinações são elementos que frequentemente passam a compor a
tradição ao dar significado à história contada pelo grupo, “ou então ficam conhecidos porque
deram surgimento a situações novas que esses mesmos elementos legitimam ou até explicam
– e isso significa algo em termos de consciência histórica, de mentalidade ou ideologia

27
Este “personagem” foi um Cacique Geral Potiguara que tem relações de parentesco próximas com alguns
bebedores do Cajueiro e que hoje é citado pelos rapazes como um exemplo no exercício da “cacicagem”.
28
Mulher de Daniel Santana. Sua casa é em frente ao Cajueiro e foi onde fiquei hospedado.

50
contemporânea” (Ibid. 102). Percebe-se que isso é o que aconteceu com o Cajueiro: o sonho é
um mito fundador que engendrou uma nova situação dentro da aldeia, além de que é a partir
do sonho que a história passa a ter significado e legitimada.
O que aconteceu foi que, logo após seu sonho, o citado artesão, além de limpar a oca
criou uma oca de artesanato que é o seu sustento até hoje, dando origem ao lugar de lazer e
turismo que lá se encontra hoje. Outros informantes confirmaram a existência desse sonho,
bem como a veracidade de que o Cajueiro era impenetrável antes da limpeza. Essa limpeza
inaugural, além dos contratados por ele, teve a ajuda de outros integrantes da turma.
Segundo outro membro da turma, informante chave desta pesquisa, com o qual
permaneci a maior parte do tempo,

“Esse Cajueiro ele tinha mais ou menos um terço do tamanho que ele
tem agora [...]. Ai embaixo era bem sujo sabe. Tinha sujeira. Os turistas
mal educados, que até hoje ainda tem, jogava os lixo em baixo do
Cajueiro. Ai (o artesão) que teve a ideia. (Ele e mais dois rapazes), que
mora lá por Rio Grande do Norte. Ai depois eu vim ajudar eles também.
Ai veio a turma toda limpar ai. Cortaram os galho em baixo. Ai ficou
nesse formato de oca, cortou os galho... Não é todo tipo de galho que
você vai cortar não. E essa entrada ai, essa porta, é tipo uma porta ai.
Isso ai faz mais ou menos sabe quantos anos? Faz 12 anos acho. De 10
pra 12 anos. Foi em 2001, por ai. 29” (Informante 1, integrante da turma
do Cajueiro, 16 de janeiro de 2013).

Figura 20. Cajueiro's Bar, fotografado a partir da oca Figura 21. Cajueiro's Bar.
do Toré.

É de fundamental importância ressaltar que o Cajueiro do Forte virou este espaço


singular dentro da aldeia não apenas devido ao sonho mítico. Esse processo foi fruto também
de um movimento político maior dentro da aldeia, que teve uma forte ligação com a iniciativa

29
As partes entre parênteses de todas as transcrições de entrevistas foram alterações feitas por mim para ocultar
os nomes das pessoas.
51
política de certos indivíduos e grupos Potiguara de criarem um espaço dentro do Forte para a
dança do Toré. Segundo uma das figuras centrais da turma do Cajueiro, existia um campo de
futebol ao lado deste que foi extinto para a criação de uma oca para dançar Toré. Segundo ele,

“O campo de futebol era ai nessa oca, onde ‘ta’ construída essa oca. Ai
depois a gente queria centralizar um lugar pra dançar o Toré. Ai a gente
achou o lugar mais certo seria aqui. Ai acabou o campinho de futebol,
construiu a oca e o Cajueiro era o ponto de apoio de trocar a roupa.
Trocava de roupa dentro do Cajueiro e ia pra dentro da oca pra dançar
o Toré [...] e o fundador dessa oca o cacique geral agora. E foi quando a
gente fizemos a Associação Toré Forte. E os cabeça era (o artesão) mais
(outro rapaz) e uma ONG ai do exterior. E depois (o artesão) construiu
essa outra oca pra construir artesanato. (Informante 2, membro da turma
do Cajueiro, 17 de janeiro de 2013).

Apesar de a história do Cajueiro ter uma estrita relação com o surgimento do Toré na
aldeia do Forte, hoje em dia, segundo informações, não há mais esta dança ao lado do
Cajueiro. De acordo com um dos meus entrevistados isso acontece devido ao uso de bebidas
no local, como fica claro no relato que se segue:

O Toré ta se acabando porque antes tinha essa tradição da birita no


meio. E antes o Toré era uma festa tradicional. [...] E hoje ta
praticamente extinta o Toré dentro da área indígena, porque tinha
aquela tradição do Toré ser uma festa e hoje não uma festa mais não. Ta
resumido só a uma dança... antes o Toré passava o dia e a noite porque
era uma festa. Agora não é só uma dança. Você dança e acabou.
Terminou ali. É uma hora duas hora, acabou a festa. Geralmente não
faz por causa disso, porque tem a birita no meio. Porque a presidente da
Associação é crente ai não quer bebida no Toré (Informante 2, membro
da turma do Cajueiro, 17 de janeiro de 2013).

Algumas poucas pessoas da turma do Cajueiro concordam com essa afirmação, ou


seja, isto não é uma crença compartilhada por eles, ou pelo menos isto não me foi explicitado,
apesar de que alguns chegaram a afirmar que o consumo de bebidas “pode” ter sido um
empecilho para a realização do Toré. Na verdade o motivo do Toré da aldeia do Forte ter
cessado, não ficou claro pra mim. Não tenho como afirmar que há uma relação entre o
declínio da dança e o consumo de bebidas alcoólicas realizado no Cajueiro. Mas o que é
interessante de se colocar é que, segundo contam, desde a “inauguração” do Cajueiro como
um espaço de lazer o consumo de bebidas é constate. Como coloca meu interlocutor,

“a primeira vez que a gente se reuniu pra dar um trato naquele Cajueiro
foi por conta do artesanato. Mas era uma sujeira grande lá. Ai eu reuni
uns dois meninos e paguei pra eles limpar lá o Cajueiro. Ai desde o
começo a gente disse: ‘um serviço desse só presta tomando uma’. Ai a
52
gente ‘compremo’ 2 litro de cana e ‘comecemo’... Ai de lá pra cá...”
(Interlocutor, membro da turma do Cajueiro, 17 de janeiro de 2013).

Desse modo, fica claro que desde o surgimento do Cajueiro há o consumo de bebidas
etílicas e isso parece não ter sido um empecilho para a realização do Toré no local, que cessou
com o tempo.
É capital falar, antes de passar para o próximo ponto, que os canhões do Forte já
existiam antes desse processo de transformação do Cajueiro descrito mais acima. Segundo os
meus informantes, antes desse processo essa área já era frequentada por turista, e alguns
indígenas já bebiam no local de maneira esporádica, até mesmo alguns rapazes da turma.

A gente começou mesmo a beber ali nos canhão pô. Ai o cajueiro foi
crescendo, crescendo e a gente começou embaixo dele. Ai rapaz pra
beber nesse sol quente aqui é melhor a gente ir pra debaixo do Cajueiro.
Ai vamo arrumar ele, vamo limpar aqui, vamo colocar umas mesas aqui
pra gente ficar aqui todo final de semana. Daí começou. Foi chegando
gente. Ai foi chegando e gostando e a achando bonito. E a gente foi
cuidando dele né, cada vez mais. Ai você como tá hoje bonito né.
(Informante 3, integrante da turma do Cajueiro, 17 de janeiro de 2013).

Porém foi a partir desse processo de mudança, levado a cabo pela turma do Cajueiro,
que houve o crescimento do turismo no local30 e o Cajueiro se transformou nesse lugar de
consumo de bebidas alcoólicas.

3. Sentimento de Propriedade e Autoridade Associado às Práticas Etílicas

Como afirmei no ponto anterior, de maneira incipiente: a turma nutre um sentimento


de pertença relativo ao espaço do Cajueiro. Percebi nas situações de bebedeiras, no cotidiano
e nas entrevistas realizadas que eles se sentem, e se colocam, como donos do local e, de fato,
exercem uma autoridade na aldeia quando o assunto é o Cajueiro do Forte, também chamado
por eles de Cajueiro’s Bar.

30
Muitas pessoas, principalmente na época de veraneio, visitam a área da Aldeia do Forte, onde está localizado o
Cajueiro e os canhões coloniais de aço fundido. Esses visitantes geralmente são atraídos por esses canhões
históricos, pelo fato de o local ser uma área indígena e também pela vista que o local proporciona da cidade de
Baía da Traição-PB. Desse modo, esse turismo pode ser considerado como um turismo étnico, histórico e de
lazer. Segundo os sujeitos dessa pesquisa a maioria desses visitantes é de Campina Grande-PB e João Pessoa-PB
e possuem casas em Baía da Traição. É interessante notar que esses visitantes não são considerados como
turistas pelos membros da turma do Cajueiro. Para eles o “turista mesmo” é aquele de fora do estado e que
geralmente tem maior poder aquisitivo, que são menos corriqueiros.
53
Para os indivíduos da turma essa autoridade se justifica pelo fato de que foram eles
que limparam e deram origem ao local como um espaço de lazer e bebedeiras ao colocar uma
certa infraestrutura de mesas e assentos. Mas não é apenas devido a esse motivo histórico que
isso se explica. A propriedade frente ao Cajueiro é atualizada de diversas maneiras no
cotidiano da aldeia, mas principalmente através das bebedeiras.
Do ponto de vista discursivo pude perceber como o sentimento de posse é expresso.
Incontáveis foram as situações em que ouvi alguma expressão que denota sentimento de
autoridade, como: “nosso Cajueiro”, “lugar da gente”, “aquilo lá é nosso”, “quem manda ali é
a gente”, etc. O próprio fato de eles terem rebatizado o lugar chamando-o, em tom de
brincadeira, de Cajueiro’s Bar suscita esse sentimento de posse e a estreita relação que eles
mantém como o Cajueiro. Porém é com uma reflexão sobre as práticas etílicas que pretendo
mostrar melhor como o sentimento de propriedade e autoridade frente ao Cajueiro se faz e se
atualiza. São atitudes tomadas pelos rapazes quando se encontram para beber no Cajueiro é
que reforçam esses sentimentos.
Os encontros etílicos no Cajueiro que presenciei foram realizados tanto no meio da
semana quanto no fim de semana. Porém, os maiores encontros eram nos fins de semana,
quando havia mais pessoas (inclusive de outras aldeias ou cidades) e o consumo de álcool era
bem maior. Vale salientar que ao longo da minha pesquisa os rapazes da turma estavam se
reunindo para tomar uma no Cajueiro várias vezes por semana. Segundo alguns deles isso só
acontece no período de veraneio, período de festas, que consiste entre dezembro e fevereiro,
época em que a cidade de Baía da Traição está povoada de turistas e veranistas, famílias que
possuem casas nesta cidade e que passam o verão por lá. No resto do ano essas reuniões no
Cajueiro são menos frequentes, mas ainda acontecem, segundo eles me colocaram31. Pude
perceber, numa visita em 19 de abril (dia do índio), que o Cajueiro estava “abandonado”. Ao
questionei alguns dos rapazes da turma sobre isso eles me disseram que é porque agora
muitos dos rapazes estão trabalhando, mas que eles estavam planejando organizar o local e
ajeitar a oca do Toré. E que o negócio acontece mesmo é no verão.
Esse caráter sazonal dos encontros no Cajueiro, que se concentra no verão e que está
associado ao movimento turístico da região, já que quando eles estão bebendo por lá vários

31
É importante ressaltar que esse grupo de amigos, chamado aqui de turma, consome bebidas alcoólicas em
outras situações. Porém, a que presenciei com mais frequência foi o consumo realizado no Cajueiro, foco desta
pesquisa.

54
turistas e visitantes aparecem no local32, coincide também com a época de amadurecimento do
caju. Essa coincidência é bastante interessante, pois me faz pensar que há uma relação entre
os modos de beber dos dias atuais e “regime etílico” (FERNANDES, 2004) dos Potiguara do
período colonial. O período de amadurecimento do caju, entre dezembro e janeiro, era uma
das épocas mais importantes do ano para este grupo, pois eles se reuniam para produzir o
cauim, uma bebida fermentada do caju que eram usadas nas suas beberagens (Ibid.).

“(...) os índios espremem o suco para fazer uma bebragem, com que
completamente se embebedam, e então se abandonam a grosseiros e
bárbaros pecados. Essa fruta amadurece somente uma vez por ano, entre
dezembro e janeiro, na qual época os índios, por amot ao caju, não tem
muito gosto pelo trabalho” (HERCKMAN, 1982 (1639): 58 apud
FERNANDES, 2004: 70).

No período da pesquisa não cheguei a presenciar o uso de bebidas fermentadas de caju


entre os rapazes da turma do Cajueiro, apesar de que alguns me disseram saber fazer uma
bebida fermentada de caju, chamada de mocororó, mas que não a faziam devido ao trabalho
que demandava, alegando ser mais prático comprar cachaça, bebida predileta entre eles.
Nas ocasiões de bebedeiras no Cajueiro consome-se quase que exclusivamente
cachaça, uma vez ou outra presenciei o consumo de whisky e vodca (nota-se que são sempre
bebidas destiladas). Em uma única ocasião vi o consumo de cerveja (bebida fermentada
industrializada) e não foi sob a sombra do Cajueiro, foi num batizado de um filho de um dos
rapazes da turma, e mesmo nessa ocasião percebi que a maioria dos rapazes da turma ingeria
cachaça.
Em várias situações ouvi a expressão “a bebida do índio é a cana”. Em entrevista com
um dos meus informantes registrei a seguinte afirmação:

Rapaz, o índio mesmo em si já traz isso no sangue, o gosta da cachaça. É


difícil... se você procurar aqui e disser que tem um índio que não gosta
de cachaça é porque ele não índio completo não, ele é meio índio.
Porque quase todo ele toma uma biritinha. Todos eles, cacique... Todo
cacique que passou ai gostava de tomar uma. (Informante 2, membro da
turma do Cajueiro, 17 de janeiro de 2013).

Ao questionar meus informantes a respeito dessa predileção por aguardente de cana,


eles disseram que era por conta do costume. Mesmo os que colocaram a questão do poder
aquisitivo em jogo, já que a cachaça é uma bebida de baixo custo, deixaram clara a questão do

32
Mais a frente será explanada a relação entre os rapazes da turma e os turistas.

55
costume local de se consumir cachaça. Alguns afirmaram informalmente que entre os
Potiguara sempre se consumiu “cana”, daí o gosto deles por essa bebida. Desse modo, fica
claro que há uma crença compartilhada que reforça a ideia de que “a bebida do índio é a
cachaça”.
As bebedeiras, regadas à cachaça, no Cajueiro’s Bar, geralmente são iniciadas no
turno da manhã, entre oito e dez horas. Sempre que vi pessoas bebendo sob a sombra do
Cajueiro havia mais de um indivíduo da turma presente e, mais ainda, nunca vi uma bebedeira
ser iniciada sem a presença de alguns deles. Sempre que o local está sujo, antes de tudo,
alguns logo fazem uma limpeza, arrastando as folhas caídas com um ciscador, alocando-as ao
redor do Cajueiro. Os possíveis lixos, jogados por visitantes considerados por eles como
inconvenientes, são jogados num balde de lixo instalado no local por eles próprios. Essa
prática de limpeza do local é feita com orgulho, já que eles dizem não querer beber em um
local sujo.

A gente limpa isso tudo aqui ai vem uns mal educados de fora e joga,
como você pode ver, latinha de cerveja. Isso ai é o povo que não sabe
beber. Povo mal educado. Chega aqui na terra dos outros, na terra dos
índios e joga lixo, tendo uma lata de lixo bem ai na frente, na cara. A
primeira coisa quando a gente entra aqui que a gente vê é essa lata ai de
lixo. E o cara ainda jogar o lixo do lado do lixo e não bota no lixo.
(Informante 1, integrante da turma do Cajueiro, 16 de janeiro de 2013).

Figura 22. Limpeza do Cajueiro antes da bebedeira. Figura 23. Cajueiro's Bar limpo, bebedeira iniciada.

Essa prática de limpeza do Cajueiro é uma forma de cuidado com o local que, segundo
eles, ninguém na aldeia tem. Nas conversas informais, disseram-me que nem o órgão da
FUNAI faz essa limpeza. De acordo com alguns, este órgão deveria disponibilizar pessoas

56
para isso, já que o local é um ponto turístico. Sempre que presenciei, essa limpeza foi feita por
membros da turma do Cajueiro. Além dessa limpeza do local, os rapazes da turma alimentam
os nicos33e matam os cupins que aparecem na árvore e na oca do Toré e estão constantemente
sugerindo melhoras para o local.
O fato de que as bebedeiras sob a sombra do Cajueiro só se iniciam com a presença de
algum membro da turma, somando-se a todos esses cuidados assinalados mais acima (limpeza
do lixo, retirada dos cupins e alimentação dos nicos) só reforçam o sentimento de propriedade
e o exercício de autoridade que a os rapazes da turma tem com o local.
Em várias situações os indivíduos da turma falavam com orgulho sobre o Cajueiro,
dizendo que “aqui é melhor que um bar”. Neste sentido, procurei me aprofundar mais o
porque disso e percebi que este assunto faz parte de rico e interessante sistema de
representação compartilhado pelos membros da turma.
Para os rapazes da turma, beber no Cajueiro sai mais barato. Isso porque eles
compram as bebidas em mercearias da região, onde o preço é bem mais em conta do que os
bares. Mas é interessante sublinhar que todos eles disseram que, apesar disso, essa não é a
razão fundamental deles preferirem beber neste local. Percebe-se isso nos relatos a seguir:

Mas a questão não é essa não. A questão não é nem de barato. A questão
é que aqui quem manda é a gente. A gente bota ordem. Se divertir com
ordem, sabe. Sem bagunça, sem nada. [...]Pronto, geralmente no bar... a
gente não manda no bar né. A gente chega no bar e diz assim “óia, esse
cara ai ta bebendo ai, ta bagunçando”, a gente não vai expulsar o cara
do bar. O bar não é nosso. Geralmente eu falo com o dono do bar e nem
sempre o dono do bar toma atitude, de chegar lá e dizer assim “saia,
num sei o que, que os caras não lhe querem aqui, você tá bagunçando”.
Claro que o dono do bar vai querer ganhar sua renda né. Aqui não! Aqui
no Cajueiro, bagunçou aqui a gente já tá mandando sair. E não é todo
mundo que chega aqui não. Só chega quem a gente quer. Se a turma não
quiser aqui ele não pisa não. A gente manda logo descer: “saia”. Nem
entra aqui. Que aqui quem manda é a gente. A turma toda. (Informante
1, integrante da turma do Cajueiro, 16 de janeiro de 2013).

É porque no bar geralmente gera confusões, o caba tá “biritado” ai tem


várias pessoas. E aqui não, aqui é um grupo de amigos né. Lá no bar vai
todo mundo. Aqui só vem quem é amigo, amigo mesmo. (Informante 2,
integrante da turma do Cajueiro, 17 de janeiro de 2013).

Deste modo, fica claro que a principal razão que faz a turma preferir beber no
Cajueiro, ao invés de frequentarem um bar da região, é o fato de que eles exercem autoridade
no local. O que permite que eles controlem quem pode e não pode frequentar o local. Eles se

33
Macacos pequenos. Nome cientifico: Callitrichinae. Popularmente conhecidos como saguins, soim ou sauim.
57
orgulham do fato de que “sob a sombra do Cajueiro não há brigas como nos bares”. Segundo
eles, mesmo quando há alguma confusão ela não tem as mesmas consequências que haveria se
fosse dentro de um bar, já que no Cajueiro só bebe quem for amigo.
De acordo com um dos membros da turma, quando aparece alguém que eles não
gostam ou já “aprontou alguma” eles não permitem que fique no local. Ele diz o seguinte, ao
se referir a pessoas indesejadas:

Rapaz, muitos que a gente conhece que já sabe a maneira deles, quando
algum chega a gente não da nem direito. Já manda pegar descendo.
Descendo ou subindo, depende onde é o local que ele morar. Pra não ter
confusão a gente diz ‘rapaz, aqui não da não que tu já aprontasse antes,
a gente aqui já conhece sua maneira e dá pra tu não’. (Informante 3,
membro da turma do Cajueiro, 17 de janeiro de 2013).

Desse modo, percebe-se que não há a parecença de desconhecidos ou inimigos nos


encontros etílicos do Cajueiro. Em consequência disso, o ambiente do Cajueiro se constitui
como um lugar mais confiável, que permite mais liberdade, do que uma mesa de bar. Um
relato de um frequentador do Cajueiro me chamou muito atenção. Questionado sobre a
diferença entre beber no Cajueiro e beber ele disse o seguinte:

“Ali no Cajueiro às vezes a gente beber quatro ou cinco litros de cana,


mas é difícil ficar ‘bebo’. Às vezes o cara fica ‘bebo’ demais numa mesa
sentado, que nem num bar. Em bar tá todo mundo ‘assentadinho’. No
Cajueiro é em pé direto, anda pra um canto, vai pra outro. É difícil
demais ficar ‘bebo’. Ai é difícil demais. Agora em bar depende do dia eu
fico ‘bebo’. Tem que ficar sentado direto, não tem como o cara
conversar, não tem como sair” (Informante 4, frequentador do Cajueiro,
17 de janeiro de 2013).

Esse trecho de entrevista revela um pouco da diferença que há entre o modo de como
se “toma uma” no Cajueiro e como se “toma uma” em um bar da região. No Cajueiro os
rapazes estão sempre de pé, alguns se sentam um instante, mas há uma movimentação
constante dos que estão lá bebendo. O interessante é notar que, como demostra o relato,
segundo o entrevistado, dependendo do lugar e do modo como se bebe o efeito da substância
alcoólica varia.

58
Figura 5. Bebedeira sob a sombra do Cajueiro.

Outro aspecto ressaltado pelo entrevistado é a importância da conversa, que faz do


lugar um ambiente mais agradável do que o bar. Aqui é válido destacar que a conversa é um
ponto fundamental nos encontros etílicos que se dão sobre a sombra do Cajueiro.
Diferentemente dos bares da região, no Cajueiro não há a presença de músicas nas bebedeiras.
O negócio é conversar, beber e olhar quem passa. Neste caso eles possuem uma semelhança
entre os bebedores de botequim do texto de Machado da Silva (1967), já que os temas das
conversas são principalmente: política local, crimes na região, piadas, mulheres, futebol,
trabalho e a vida da vizinhança. Um dos rapazes da turma afirma,

... se a gente fosse chegar pra falar disso num bar não ia pegar bem não
sabe. Porque muitas vezes chega um, chega outro ai o pessoal vem
caguetar. Porque a gente fala a verdade mesmo e a verdade dói né?!
(Interlocutor, integrante da turma do Cajueiro, 17 de janeiro de 2013).

Até no que tange o conteúdo das conversas a questão da autoridade exerce influência.
Ao frequentar as bebedeiras sob a sombra do Cajueiro percebi que essa questão da autoridade
atua também como um mecanismo de controle de tensões dentro do grupo, evitando brigas e

59
até mesmo a embriaguez excessiva. Qualquer sinal de desordem é logo percebido e censurado
pelos rapazes de mais status. Certo dia notei que um dos frequentadores do Cajueiro já se
mostrava um pouco alterado e começou a puxar uma conversa inconveniente sem deixar
outros falarem, o que estava gerando uma situação de desconforto entre os rapazes.
Percebendo isso um dos membros da turma logo disse: “Ei, espere ai, você já tá conversando
besteira demais! Ninguém aqui tá bêbado, porque você tá? Vá com calma”.

4. Marginais e Desviantes?

Nesse momento alguém poderá se perguntar se a turma do Cajueiro se constitui como


um grupo desviante dentro da aldeia do Forte, devido ao consumo de álcool. É importante
esclarecer que compreendo o termo desviante a partir de uma perspectiva interacionista.
Segundo Becker (1977), “quando uma regra é imposta, a pessoa que se supõe tê-la
transgredido pode ser vista como um tipo especial de pessoa, alguém que não se espera que
viva segundo as regras com as quais o grupo concorda. Ela é vista como marginal ou
desviante” (Ibid. 1977: 53).
Neste sentido, a turma se constituiria como um grupo desviante se transgredisse regras
impostas pela sociedade em geral e, como consequência disso, passassem a ser vistos como
tais por essa sociedade, já que um ato para ser desviante depende de como as pessoas reagem
a ele. O que não é o caso, já que o consumo de álcool em terras Potiguara é uma prática
disseminada e aceita até certo ponto, como pude notar. Vários grupos fazem uso de álcool.
Além do mais existem vários estabelecimentos que comercializam bebidas alcoólicas e isso
não é algo que gera um desconforto explícito. Ou seja, de maneira geral, o ato de beber não se
constitui como um desvio aos olhos dos outros. A não ser nos casos extremos de alcoolismo,
quando o indivíduo deixa de lado suas obrigações sociais e passa a ser estigmatizado. Ai o
problema não reside no fato de se usar álcool, mas sim nas atitudes que vêm acompanhadas
por esse uso.
Novamente gostaria de enfatizar que a minha pesquisa se centrou no grupo que intitulo
aqui de turma do Cajueiro. Procurei saber qual a visão deles sobre eles mesmos e sobre as
práticas associadas ao consumo de álcool, ou seja, não fiz uma pesquisa exaustiva acerca da
impressão do que os outros da aldeia têm deles. Mesmo assim pude perceber que a turma do
Cajueiro tem sua imagem fortemente vinculada ao consumo de bebidas alcoólicas. Porém,

60
aparentemente, isso não se constitui como um problema para os demais da aldeia, ou seja,
mesmo assim eles não parecem ser vistos como um problema social perante os olhos dos
outros, como transgressores de regras. Pelo contrário, o que percebi é que, de maneira geral,
eles mantêm uma relação cordial com a vizinhança. Alguns dos membros da turma são
pessoas de status elevado dentro da comunidade.
Com isso não excluo a possibilidade de que alguns segmentos, grupos ou indivíduos
da comunidade possam ver os rapazes da turma como transgressores, como desviantes devido
ao consumo de álcool. Ao conversar com um dos rapazes sobre a impressão que os outros
tinham deles, se achavam que a turma era alcoólatra (viciados, dependentes do álcool), ele me
disse que em geral “o pessoal não liga não, os que falam são os evangélicos e os bestas”.
Segundo Velho (1985),

A noção básica é que não existem desviantes em si mesmos, mas sim


uma relação entre atores (indivíduos, grupos) que acusam outros atores de
estarem conscientemente ou inconscientemente quebrando, com seu
comportamento, limites e valores de determinada situação sociocultural
(Ibid.: 23).

Essa acusação tem que ser de certo modo generalizada e aceita por boa parte da
comunidade. Desse modo, apesar do fato de que, segundo eles, alguns grupos ou indivíduos
da comunidade os consideram como desviantes, rotulando-os de alcoólatras, eles não são aqui
compreendidos nesses termos: primeiro porque, apesar de não ter sido meu foco de análise, as
acusações que passam por uma percepção de que eles são transgressores não parecem ser
compartilhada pela comunidade de modo significativo, generalizado; segundo porque eles não
se consideram assim, como sendo indivíduos portadores de uma patologia (chamada
alcoolismo) ou como indivíduos desviantes. O consumo de álcool praticado entre eles não é
visto como algo anormal34, mas muito pelo contrário, é visto como algo bem quisto.
Quando questionados sobre o que eles entendem como alcoolismo, os rapazes da
turma demonstraram que há uma percepção e concepção compartilhada sobre o assunto.
Segundo eles, o alcoólatra é um doente, que faz o uso abusivo do álcool, ou seja, é um viciado
que não consegue viver sem beber. Por isso, ele bebe todos os dias e, ao ter todas suas ações
voltadas única e exclusivamente para o consumo de álcool, não tem outras responsabilidades
sociais, além disso, ele bebe sozinho, vive embriagado e não se alimenta enquanto bebe – o
que não é o caso deles, afirmam. Alguns dos relatos que se seguem confirmam essas ideias:

34
Coloco este termo no sentido da anomia em Durkheim (2000), ou seja, de uma situação de desregulação do
corpo social.
61
“Alcoólatra é aquela cara que acorda e bebe pra morrer. O alcoólatra é
um dependente da cana e a gente não é dependente. Nós tomamos
somente pra se divertir, só pra brincar” (Informante 5, membro da turma
do Cajueiro, 19 de Janeiro de 2013).

“Eu bebo socialmente e o alcoólatra é todo dia, quanto mais tem mais
ele quer” (Informante 6, frequentador do Cajueiro, 18 de janeiro de
2013).

“Alcoolismo pra mim é quando se bebe todos os dias, sem alguma


ocupação de alguma coisa. Bebe do nada. Bebe por beber. Amanhece o
dia já tomando uma. Não come, não se alimenta. Não se enturma com
ninguém, bebe sozinho. As vezes bebe sozinho que é pra render a bebida,
que não tem dinheiro pra comprar. E diz ‘vou compartilhar isso aqui
com ninguém não, é só minha’. É o vício mesmo. É o diferencial da
gente. Gente só bebe quando da vontade mesmo, num vai beber sem
vontade. Só bebe comendo. Só bebe com a turma. Ninguém bebe sozinho
ali [Cajueiro]. A gente só vai com a turma toda. E o alcoólatra não, o
alcoólatra ele... pra ele tanto faz beber sozinho, beber com outro. E é
todos os dias. E a gente não. A gente não é todos os dias não.
(Informante 1, integrante da turma do Cajueiro, 16 de janeiro de 2013).

Rapaz, alcoolismo é o cara que é viciado e não consegue se manter sem


‘biritar’. Isso eu acho que é o alcoolismo. A bebida do índio é diferente.
O índio bebe quando tem tempo, sabe? Quando tem tempo é diferente. O
alcoólatra ele não consegue viver sem a bebida não. Se rolar hoje uma
bebida a gente bebe, se não rolar não bebe... (Informante 2, integrante da
turma do Cajueiro, 17 de janeiro de 2013).

De fato, não presenciei nenhum dos rapazes que costumam beber sob a sombra do
Cajueiro bebendo sozinho, bebendo sem “tira-gosto” ou deixando de fazer alguma obrigação
para beber, o que não é garantia de que essas práticas são inexistentes. O fato é que os rapazes
da turma e os frequentadores que entrevistei citaram várias razões que os levam a passar
algum tempo sem beber, razões estas que, segundo eles, os diferenciam dos alcoólatras e que
passam por “questões de namoro”, questões familiares, trabalho, saúde e futebol (para os que
gostam). Por fim, essas percepções sobre o que é alcoolismo revela o que eles entendem como
sendo o uso aceitável e o uso abusivo, ou inaceitável. O que eles descrevem como sendo o
comportamento do alcoólatra é tido como sendo o abuso de álcool, uma maneira equivocada
de se relacionar com o álcool, maneira está que é combatida pelo grupo dentro dele próprio.
Já o que eles dizem ser o uso que praticam é considerado aceitável, ou seja, para eles é a
forma correta de se relacionar com as bebidas alcoólicas.

62
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Findada esta monografia, meu intuito agora é tecer aqui algumas considerações que
venham realçar de maneira resumida e clara os principais pontos desse trabalho, para que o
leitor tenha uma melhor visualização do que foi explicitado e abordado. Ao passo que realço
esses pontos, pretendo também trazer algumas reflexões conclusivas acercar dos significados
e práticas existentes nos encontros etílicos do qual participei.
Relembro que neste trabalho me distanciei dos moldes estabelecidos de como o uso de
álcool vem sendo abordado na contemporaneidade que, baseados numa biomedicina vulgar,
potencializam os males do consumo de álcool ao se centrarem apenas na relação entre
indivíduo e substância, postulando-a como universal e independente dos contextos
socioculturais e históricos de uso. Na medida em que adotei uma abordagem antropológica
assumi um pressuposto epistemológico distinto para falar sobre a ingestão de substâncias
etílicas. Ao deixar de lado (mas sem negar que há) a ligação entre o uso de álcool e a
morbimortalidade, também estudada pela antropologia, preferi me centrar no contexto
sociocultural de uso dessas substâncias, ou seja, no seu uso como uma forma de socialização
de um determinado grupo indígena da Aldeia Potiguara do Forte, a turma do Cajueiro.
Seguindo este caminho pude traçar algumas das peculiaridades do que é pertencer a
esta turma e do que é beber sob a sombra do Cajueiro do Forte. Neste sentido, deixei claro
que pertencer a esse grupo e frequentar esse espaço social se configura como uma maneira
peculiar e localizada de se relacionar como as substâncias alcoólicas. Assim, ser parte da
turma do Cajueiro é, portanto, integrar uma rede de relações de indivíduos que compartilham
um estilo de vida em comum, do qual o gosto por bebidas alcoólicas ocupa um papel central.
A bebida é pra eles o principal meio de socialização e lazer. É através dos encontros etílicos
que estes indivíduos se distraem, mas também discutem coisas sérias, como as questões
políticas locais, o que faz com que o Cajueiro do Forte seja hoje um espaço político informal,
ou melhor, “uma esfera política não especializada” (BARNES, 1987: 160) dentro da área
indígena Potiguara.
É através do uso de bebida alcoólica que os indivíduos desse grupo demarcam sua
espacialidade dentro da aldeia, contam sua história e convivem entre si. A história da criação
do Cajueiro, chamado por eles de Cajueiros’s Bar, como um espaço de lazer dentro da aldeia
faz parte da história de vida dos indivíduos desse grupo. Por esse motivo eles se colocam e
são reconhecidos como autoridades perante o local. O sentimento de propriedade é nutrido a

63
cada bebedeira realizada, ou seja, ele é atualizado e é nutrido através das praticas etílicas do
grupo, que grosso modo consistem em frequentes reuniões etílicas sob a sombra do Cajueiro,
principalmente nos fins de semana. Ao fazerem isso eles realizam a manutenção do Cajueiro,
seja limpando, matando os cupins, ou melhorando sua infraestrutura (com mesas, cadeiras e
lixeiros).
Essa partilha de uma história de vida em comum, no que tange a criação do Cajueiro, o
gosto de todos pelas bebidas alcoólicas, somado a convivência atual, dá a turma do Cajueiro
uma certa unidade no que diz respeito as práticas e significados que o beber tem dentro do
grupo. Observei que há uma forma socialmente sancionada de ingerir bebidas alcoólicas que
reflete parte da representação de mundo da turma. Desse modo, de acordo com eles, beber no
Cajueiro’ Bar é bem mais seguro e agradável do que beber em uma mesa de bar, lugar onde
eles não exercem autoridade e, além disso, é frequentado por desconhecidos. Nas bebedeiras
do Cajueiro, como eles organizam e mandam, ações indesejadas, principalmente brigas, são
mais improváveis de ocorrer, já que nas bebedeiras deles só bebe quem é bem quisto pelo
grupo.
A bebida mais consumida entre eles é a cachaça. Isso se explica pelo fato de que esta
bebida é de baixo poder aquisitivo, mas também porque ela é vista entre a turma como a
bebida “tradicional” do índio. Segundo um deles, “o índio sempre bebeu cana”. Desse modo
alguns se veem como mais índios do que outros pelo simples fato de ter o hábito de ingerir
esta bebida.
Quando o assunto é alcoolismo e a visão dos outros sobre eles, os rapazes da turma
revelam que há uma representação ideal do que vem a ser a melhor e a pior forma de se
relacionar como as bebidas alcoólicas, ou seja, o que vem a ser uso e abuso na visão deles.
Todas as formas de se relacionar com as substâncias etílicas que eles veem como sendo
típicas do comportamento do alcoólatra fazem parte do que eles acham ser a maneira incorreta
de beber. Já as práticas etílicas deles podem ser tidas como a forma correta, segundo eles, de
se relacionar com o álcool.
Para finalizar, gostaria de dizer que propositadamente não entre no mérito de
investigar até que ponto essas concepções acerca do modo certo e errado de se relacionar com
as bebidas alcoólicas são seguidos à risca pelos indivíduos da turma do Cajueiro, para tentar
taxá-los ou não de alcoólatras. Até porque entendo que essas concepções servem mais como
recursos morais a serem acessados quando alguém passa dos limites. Digo isto porque
entendo que as práticas de um grupo nem sempre correspondem ao pensamento ideal dos

64
indivíduos que dele fazem parte, ou seja, a consonância entre representação e prática em
algum momento para certos indivíduos podem não estar em sintonia. Porém, isto não quer
dizer que os indivíduos sejam contraditórios, não são o que dizem ou qualquer coisa que o
valha. Isso porque as representações ideais, a meu ver, são apenas um modelo de ação (que
não é estável, mas negociado o tempo inteiro na interação) que serve para julgar e repreender
as ações de indivíduos do grupo que por ventura venha a ter alguma atitude inadequada. Neste
caso, quando algum deles abusa do consumo de álcool. Com isso quero dizer que, o que
entendi como sendo o uso aceitável e o abuso combatido são mais instâncias morais do que
práticas seguidas à risca a todo o momento por todos do grupo.

65
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