O documento descreve o conto "As Academias de Sião" de Machado de Assis, que usa alegorias para criticar diferentes visões sobre sexualidade e questionar a hipocrisia intelectual. A história envolve uma guerra entre academias com visões opostas e um rei que experimenta uma "transmigração de almas" com sua amante bisexual. O narrador parece incorporar as alegorias propostas ao se colocar acima de grandes escritores como Dante.
O documento descreve o conto "As Academias de Sião" de Machado de Assis, que usa alegorias para criticar diferentes visões sobre sexualidade e questionar a hipocrisia intelectual. A história envolve uma guerra entre academias com visões opostas e um rei que experimenta uma "transmigração de almas" com sua amante bisexual. O narrador parece incorporar as alegorias propostas ao se colocar acima de grandes escritores como Dante.
O documento descreve o conto "As Academias de Sião" de Machado de Assis, que usa alegorias para criticar diferentes visões sobre sexualidade e questionar a hipocrisia intelectual. A história envolve uma guerra entre academias com visões opostas e um rei que experimenta uma "transmigração de almas" com sua amante bisexual. O narrador parece incorporar as alegorias propostas ao se colocar acima de grandes escritores como Dante.
Em uma primeira leitura, As Academias de Sio nos remete quilo que
podemos chamar de Mito de Fundao, isto , mitos que representam os princpios masculinos e femininos que, na ancestralidade, muitas vezes, eram representados pela bissexualidade ou androgenia. Em Sio, antigo Reino da Pennsula da Indochina, no Golfo de Sio, existiam homens femininos e mulheres masculinas. As quatro academias existentes na regio resolveram estudar o enigma. Uma delas considerou que esta anomalia era uma questo de corpos errados. As outras trs entidades discordavam da opinio da primeira, segundo eles, a alma era neutra e nada tinha a ver o contraste exterior. As discordncias entre os acadmicos foi o estopim para uma verdadeira guerra: veio primeiramente a controvrsia, depois a descompostura, e finalmente a pancada (pgina192). Os integrantes da academia sexual elaboraram um plano subversivo. Atacaram os outros acadmicos, deixando um rastro de trinta e oito mortos, elevando U-Tong ao poder, toda comunidade ficou receosa, s uma pessoa aprovara tal faanha: Kinnara, a concubina que tinha uma alma mscula. A moa era amante do Rei, portador de uma alma feminina. Kinnara sugere ao rei uma transmigrao das almas, proposta aceita pelo soberano e vivida pelos dois durante seis meses. Esta transmigrao de almas, esta duplicidade, um apontamento de tema recorrente na potica de Machado. O aspecto mtico do duplo apresenta inmeros significados. Talvez, o que mais se enquadre nesse conto Machadiano seja o que Pierre Brunel, no Dicionrio de Mitos, designa como: A idia da dualidade da pessoa humana- masculino/feminino, homem/animal, esprito/carne, vida/morte- revela uma crena na metamorfose (at mesmo na metempsicose) que implica uma certa idia do homem como responsvel pelo seu destino (pgina 262). Em As Academias de Sio, encontra-se no mnimo, dois antagonismos sobressalentes: masculino/feminino e alma/carne. O conto bastante enigmtico, abre ao leitor a possibilidade de vrias interpretaes. Dentre tantas, h a questo da ambio humana, dos jogos de poder, da traio, da mentira, da hipocrisia e, at mesmo, da homossexualidade. Sem forar a barra, mas apenas apelando para certos recursos que a literatura utiliza, destaca-se o uso forte da alegoria neste conto. Vale lembrar que uma das funes da alegoria atrair o leitor, provocando-o a descobrir um sentido oculto que no se entrega de imediato, mas exige esforo descoberta (Sanseverino). Sobre esse recurso alegrico na obra Machadiana, vale a citao do ensaio A Potica do Irrealizvel, ou do Princpio da Corroso, do professor Antonio Sanseverino:
[...]Assim, nesses dois momentos de sua obra, crtica literria e poesia, encontramos uma tenso entre a necessidade de verossimilhana e a expresso alegrica. No primeiro Machado segue a tradio realista de apego ao particular e de adequao da palavra realidade. A suficincia dessa forma literria construiria a identidade da personagem, com uma ao adequada ao seu carter. Na alegoria, em oposio, a imagem se Pgina 1 de 3 As Academias de Sio 17/09/2014 http://www.recantodasletras.com.br/artigos/3101359 desprende do sentido literal e imediato, para se tornar ilustrao de um conceito, em que a figura importa por sua capacidade de representar a abstrao (pgina120).
Esse jogo imagtico muito contundente em As Academias de Sio. Fora a grande alegoria da alma feminina e masculina, h outras que nos proporcionam interpretaes bem cabveis. A primeira alegoria presente no texto a dos vaga-lumes que se denominavam como pensamentos sublimes, que traziam consigo toda sabedoria do universo. Esses vaga-lumes acabam por se fixar no espao, tornando-se a Via-Lctea. Essa alegoria serve para representar a ascenso do pensamento. Se h pensamento elevado, consequentemente, h homens que questionam, h os que se conformam, h os que param, h os que querem mudanas... No seria ento As Academias de Sio uma alegoria para se questionar e ilustrar as frentes de pensamento e os homens que fazem parte delas? bom lembrar, aqui, a passagem do dilogo do Rei Kalaphangko com os integrantes da academia, na ausncia de U-Tong. Neste trecho fica evidente a hipocrisia, a falsidade dos intelectuais e uma provvel ignorncia de tais acadmicos: [...]Referindo-se a U-Tong, perguntou-lhes se realmente era um grande sbio, como parecia; mas vendo que mastigavam a resposta, ordenou-lhes que dissessem a verdade inteira. Com exemplar unanimidade, confessaram eles que U-Tong era um dos mais singulares estpidos do reino, esprito raso, sem valor, nada sabendo e incapaz de aprender nada (pgina 198). Em outra ocasio, o Rei Kalaphangko chama apenas o diretor da Academia, U-Tong, para saber a opinio dele sobre os outros integrantes da entidade. U-Tong relata: -Real senhor, perdoai a familiaridade da palavra: so treze camelos, com a diferena que os camelos so modestos, e eles no; comparam-se ao sol e lua. Mas, na verdade, nunca a lua nem o sol cobriram mais singulares pulhas do que esses treze... compreendo o assombro de Vossa Majestade; mas eu no seria digno de mim se no dissesse isto com lealdade, embora confidencialmente... (pgina 198).
Tal foi o espanto do Rei, que passou a chamar os integrantes da academia, separadamente, para obter maior expresso. Tanto em conjunto, quanto individualmente, os integrantes da Academia no diferiam em suas opinies.
No fim da histria, o Rei e Kinnara desfazem a magia, desfazem a metamorfose, cada alma foi devolvida ao corpo anterior. Ao longe, escutam um canto, aproximava-se a eles uma barca com quatorze membros da academia, incluindo U-Tong. Eles entoavam a seguinte cano: Glria a ns, que somos o arroz da cincia e a claridade do mundo! (pgina 199). Machado chama a ateno, atravs de linguagem alegrica, para uma mediocridade aos que se auto-intitulam os donos do saber. No seria esse um momento de ironia de Machado? Sobre isso, Sanseverino escreve:
[...] Machado trabalha no paradoxo, na construo de uma situao Pgina 2 de 3 As Academias de Sio 17/09/2014 http://www.recantodasletras.com.br/artigos/3101359 impossvel em termos lgicos. Assim, ele se utiliza da alegoria, pois retoma a historicidade do sentido e o carter mediato da interpretao, isto , da atribuio de sentido para a imagem. Ele se utiliza dela a partir de uma postura irnica (pgina 130).
Por ltimo, necessrio falar sobre o narrador de As Academias de Sio. Este tipicamente machadiano, que em tom imperativo, no inicio do conto, convida o leitor a escut-lo. O leitor vai adentrando na narrativa, at esbarrar numa quebra, por sinal, magnfica. o momento que o narrador mostra, quase sem modstia, quem detm o pensamento elevado. L-se: [...] mas vede aqui a minha audcia. O poeta (Dante) manda calar Ovdio e Lucano, por achar que a sua metamorfose vale mais que a deles dois. Eu mando-os calar os trs. Buoso e a cobra no se encontram mais, ao passo que os meus dois heris, uma vez trocados continuam a falar e a viver juntos- coisa evidentemente mais dantesca, em que me pese a modstia (pgina195).
Ora, ora, o narrador refere-se a Dante, a Ovdio e Lucano e alinha-se a esses escritores,alm de se colocar ao lado deles, se v superior: a metamorfose ocorrida em sua histria superior aos dos outros; os seus personagens, pelo menos, continuam a viver juntos. Arrisco dizer, modestamente, que o narrador incorpora a alegoria que prope ao leitor. Mas isto uma outra histria... Pgina 3 de 3 As Academias de Sio 17/09/2014 http://www.recantodasletras.com.br/artigos/3101359