ABSTRACT: This study aimed to comprehend how three main works on Japanese budô
was a deliberate attempt to present Japanese traditional culture to the international
community. It is a critical approach to the concept of bushidô in Nitobe´s, budô in Kano
´s and Zen in Herrigel´s works.
1.Introdução
Este trabalho é parte dos estudos elaborados para a pesquisa sobre educação e
cultura das artes marciais, portanto em progresso. O projeto inicial busca compreender,
dentro da perspectiva dos estudos culturais, o imaginário márcio, ou marcial, brasileiro
como educação não-formal e/ou não-curricular obrigatória. Para alcançar os objetivos
desta compreensão iniciei uma série de estudos sobre o pluriverso marcial nipônico e o
pluriverso marcial brasileiro, sob as orientações da antropologia do imaginário.
Deparei-me com artigos e referências críticas sobre as formas deliberadas de como o
budô japonês foi apresentado ao grande público. Apresento aqui algumas reflexões
iniciais, pois a literatura sobre o assunto no Brasil é praticamente inexistente, ou
superficial, ao tratar de forma sistemática o assunto.
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ocidentais às práticas culturais corporais do extremo oriente, e no caso Japão, que se
manteve fechado por longos anos, excitando um imaginário orientalista. E claro, devido
à mídia televisiva, à indústria cinematográfica e às literaturas sobre o tema e às
traduções de obras japonesas em diversas línguas.
Um exemplo da popularidade do budô no Brasil é o fato de sediarmos, pela
segunda vez desde 1982, o décimo quarto campeonato mundial de kendô, em São
Bernardo do Campo, São Paulo, entre os dias 28 e 30 de agosto de 2009. Esse evento
indica o aumento quantitativo e qualitativo de praticantes da modalidade no país. A
divulgação dos caminhos marciais nipônicos no Brasil acompanha a história da
imigração japonesa para o país, recém completada cem anos, em 2008, e no ano de
2009, oitenta anos na região amazônica, em especial no Pará (Handa, 1987). Tanto o
legado márcio nipo-brasileiro quanto o desenvolvimento destas práticas compõem
patrimônios culturais imateriais da cultura mestiça e sincrética brasileira, plural por
vocação.
Ainda que este reconhecimento seja informal para tais práticas, no Brasil e no
mundo, seu estudo sitematizado e acadêmico é recente (Barreira, 2004). A necessidade
de se estudar as artes marciais, sob enfoque cultural, e não performático como na
maioria da literatura, se dá devido à importância do conhecimento das cartografias das
trajetórias destas práticas no Brasil mestiço. Seja esta importância relacionada à
compreensão do lazer prazeroso das pessoas, do potencial pedagógico e/ou educativo
formal e/ou não-formal e das buscas performáticas, não olímpicas, ou pré-olímpicas e
olímpicas, entre as mesmas.
Visto que algumas modalidades foram/são institucionalizadas como sendo
esporte, e algumas anseiam e rumam para serem modalidades olímpicas, se observa que
esta tendência generalizada permite várias críticas, além das disputas políticas entre
federações de estilos diferentes da mesma modalidade, como aconteceu com o karatê,
que por ter muitas representações nunca chegaram a um meio termo da sua forma
esportivizada. Mas, como bem percebeu Barreira ao estudar o karatê no Brasil (2004,
p.23-24):
Muitas histórias do karate ainda estão por ser contadas. Pode-se pesquisar e contar a
história de sua difusão pelo Japão e pelo mundo, a história de suas técnicas, a
história de seus mestres. A história de sua política, a história de sua vertente
esportiva e competitiva, a histótia de seus combates, a história de seus conflitos
internos e outras. Ao mesmo tempo, contar a história a partir de quaisquer dessas
perspectivas, implica sem dúvida abordar, mais profundamente ou não, as demais
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histórias.
3.Um estudo crítico das três obras capitais do imaginário márcio universal
No Brasil, por exemplo, a literatura marcial teve vários momentos, dentre eles
os valorosos livros do pioneiro Marco Natali quem, desde a década de setenta até a
década de oitenta, escreveu dezoito pequenos livros pela antiga editora Ediouro.
Atualmente, atento aos livros contemporâneos de auto-ajuda, de administração, sobre
caminho dos guerreiros que, de forma superficial e estereotipada, se utilizam das artes
marciais com exemplos sem profundidade histórica e intelectual do assunto, mas ainda
assim esgotam os estoques e ganham reedições pelas editoras, isto sendo muito comum.
Por outro lado, obras romanceadas ou de ficção de qualidade na mesma
temática, por exemplo, Musashi, de Eiji Yoshikawa (1892-1962), originalmente
publicado pelo Asahi Shimbun, entre 1935 e 1939, ganham tradução para o português e
se tornam referência mesmo entre quem não pratica alguma modalidade marcial. E,
ainda de acordo com Barreira (2004, p.29):
[...] às vezes as lendas assumem um papel legitimador de práticas que, podem ou não
ter real fundamento na experiência. Podem eventualmente tornar-se perigosas,
prestar-se a hipertrofiar a suposta mágica do karatê (e do budô) ou, paradoxalmente,
serivrem como referênciais morais e lição de vida. (parênteses meu)
Então, assim para o budô em geral, sendo que neste estudo me debruço sobre
três referências escritas que colaboraram para o desenvolvimento do imaginário márcio
universal, sendo: a) Bushidô, a alma do Japão, escrito em inglês, em 1899, pelo
diplomata Inazo Nitobe (1862-1933); b) o conceito de budô divulgado no livro
Kodôkan Judô, editado somente em 1955, pela editora Kodansha, assinado pelo
professor Jigoro Kano (1860-1938), e; c) A arte cavalheiresca do arqueiro Zen, de 1948,
do filósofo alemão Eugen Herrigel (1884-1955).
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Em um espaço temporal, de aproximadamente 50 anos, estas obras foram
escritas e responsáveis por parte do imaginário popular sobre as artes marciais
japonesas pelo mundo, com seus conceitos e representações orientalistas, no sentido
dado por Said (1972). A seguir, reúno e apresento críticas breves quanto aos conceitos
capitais destas obras, que ainda hoje são referências marciais datadas e importantes:
[...] a palavra era de uso tão raro, a ponto de Nitobe Inazo, de quem a obra Bushidô,
a alma do Japão, de 1899 (escrita em inglês e não em japonês), provavelmente
realizou mais que qualquer outro trabalho a singular popularização da idéia de
bushidô, ambos no Japão e no ocidente, a ponto de ser creditado que ele mesmo teria
inventado o termo! (tradução minha).
Quando Nitobe escreveu Bushidô, na maturidade dos seus 37 anos de idade, ele
caminhava para ser um dos mais reconhecidos diplomata, educador e escritor dentro e fora
Japão. Esta obra escrita em língua inglesa foi traduzida para diversas outras línguas, incluindo a
própria língua japonesa, como visto acima. A versão japonesa sofreria críticas por estudiosos e
praticantes nativos mais profundos das artes marciais japonesas, e pelos estudos atuais. Claro,
porque Nitobe ao contribuir com esta obra histórica, imediatamente projetou internacionalmente
o impacto futuro do termo que dá nome à obra, com a imagem de um Japão baseado em cultura
samurai, homogêneo e com paralelos ocidentais cristãs.
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O conceito de Budô de Jigoro Kano:
O conceito de budô, ou caminho marcial, foi apresentado por Jigoro Kano,
desde 1955, como um termo criado na modernidade, sem desvelo de sua historicidade
no arquipélago, mesmo não tendo sido um termo popular até pós Meiji. E ainda, budô
foi apresentado como um conceito contraditório ao de bujutsu, como se assim fosse
desde a origem de ambos, ou ainda, como se estes termos tivessem evoluído de forma
paralela e distinta, ou mesmo sem interpenetrações e/ou variedade diversa de
interpretações, muitas vezes ambíguas e confusas na história. Ou como apontam:
A palavra foi, primeiramente, usada no século 13, na obra de Azuma Kagami, da era
Tokugawa, e seu uso era raro, de significado ambíguo, relacionado ao termo bushidô-
ou o código oral de conduta dos samurais [...] (Friday e Humitake, 1997, p.61).
A diferenciação dos termos budô, como caminho marcial, e bujutsu, como arte
marcial/técnica de guerra, é uma tentativa de sistematização mais recente, da era
Meiji, por não possuir uso diferenciado em sua gênese (Cardias, 2008, p.48-49).
Portanto, a literatura sobre artes marciais, quando se utiliza dos termos budô e bujutsu,
adota amplamente a maneira de como foram expostas na sistematização direta e acrítica de
Kano, desde 1955. Nenhum estudo sobre a periodização, as variedades culturais, as
interpretações históricas e evoluções ou como prefiro, desdobramentos, foi encontrado. Assim
sendo, inicio com este estudo a tentativa de periodização, leitura de interpretações e
desdobramentos do surgimento histórico dos termos e suas diversas compreensões nos dias
atuais, já globalizados ou internacionalizados e sincretizados com culturas marciais locais.
[...] quando Herrigel iniciou seu aprendizado na habilidade, Awa (seu mestre)
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acabava de iniciar suas formulações de idéias individuais e únicas baseadas nas suas
experiências espirituais. Ele mesmo, Awa, não tinha experiência com o Zen, nem
aprovava incondicionalmente o Zen. Em contraste, Herrigel veio para o Japão na
busca do Zen e escolheu a arqueria Japonesa como método para se aproximar deste.
[...]. O que torna claro nesta análise é uma séria barreira linguística existente entre
Awa e Herrigel. [...]. Adicionado a este fenômeno de má compreensão, seja somente
coincidente ou fruto de erros de interpretação, houve o desejo pessoal de Herrigel em
possuir (interpretar) coisas Zen. Foi destas circunstâncias acima que nasceu o mito do
¨O Zen na arte do arqueiro¨. (Shôji, 2001, p.1) (tradução e parenteses meus)
Este tipo de coisa acontece, acredito, não por uma intenção deliberada de mudar as
coisas. Pelo contrário, a estória sofreu uma transformação cultural na psique
japonesa. Eu tenho discutido por ai que quando os cristãos, escondidos durante o
período Edo, tentaram transmitir as estórias da Bíblia ao povo, estas estórias
sofreram transformaçãoes na psique japonesa. Aqui, penso eu (o complexo de Ajase,
do Budismo), nós temos uma situação semelhante. (Kawai, 1996, p.66) (tradução e
parenteses meu)
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Nitobe e Kano, que viram e sofreram conseqüências da revolução Meiji e de pós-
guerra, derrotas, se esforçaram para apresentar um Japão, em dois momentos diferentes, como
um país que também tem seus valores a compartilhar com a humanidade. Daí que aponto estas
críticas, de como estes três conceitos das artes marciais, foram internacionalizadas sem
preocupação estética, ou sistemática e variada, e sem preocupação histórica, pelos seus autores.
5.Considerações finais
O estudo crítico das obras estudadas tanto faz pensar que as mesmas merecem
o respeito do seu alcance histórico, mas considerações nos estudos sistemáticos como as
iniciadas aqui. Há a necessidade de se compreender o impacto positivo ou negativo no
imaginário márcio internacional, em especial no Brasil. Assim, a pesquisa em artigos e
publicações acadêmicas sobre o assunto, de autores que não possuem profundidade em
estudos japoneses, necessitam de leitura implicante, no sentido de implicar e
desconstruir, ou crítica destas informações, dos conceitos trazidos e dos diferentes
períodos e épocas em que foram pautados e referenciados.
RESUMO: Este estudo intencionou compreender como três obras importantes sobre o
budô japonês foram deliberadas quando apresentadas como cultura japonesa à
comunidade internacional. É uma abordagem crítica sobre os conceitos de bushidô em
Nitobe´s, budô in Kano´s e Zen em Herrigel.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARREIRA, Cristiano Roque Antunes. Arqueologia da intenção do karate: análise
psicológica e fenomenológica. Tese (doutorado-Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto). São Paulo, 2004.
CARDIAS, Fábio. Quatro histórias e uma epifania: estudos indiciplinares acerca do
budô japonês. São Paulo: Revista Dialogia, v.7, n.1, p.41-51, 2008.
FRIDAY, Karl e HUMITAKE, Seki. Legacies of the sword: the Kashima Shin Ryu
and Samurai Culture. Hawaii: University of Hawaii’s Press, 1997.
HANDA, Tomoo. O imigrante japonês: história de sua vida no Brasil. São Paulo:
Queiroz, 1987.
KAWAI, Hayao. Buddhism and the Art of Psychotherapy. Texas: Texas A&M
University Press, 2008 (edição original de 1996).
SAID, Edward. Orientalismo, o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo:
Companhia de Bolso, 2004 (edição original de 1978).
SHÔJI, Yamada. The Myth of Zen in the Art of Archery. In: Japanese Journal of
Religious Studies, v.28, 2001.