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Interpretações da “cultura japonesa”

e seus reflexos no Brasil*

Ernani Oda

Introdução em todos os eventos comemorativos, talvez nunca


tenha sido tocado com tanta frequência. E a visi-
Durante o ano de 2008, discursos sobre a “cul- ta de um membro da família imperial, o príncipe
tura japonesa” ganharam atenção considerável tan- herdeiro Naruhito, serviu para reforçar o clima de
to das autoridades políticas como dos meios de co- encantamento com a tradição japonesa. Além dis-
municação devido às comemorações do centenário so, as comemorações eram invariavelmente acom-
da imigração japonesa no Brasil. Uma das princi- panhadas de louvores às virtudes “japonesas” do
pais consequências disso foi a difusão e a celebração trabalho e do estudo, que teriam sido a causa da
de vários símbolos e virtudes considerados “típicos” ascensão social dos imigrantes japoneses na socie-
da cultura japonesa. Imagens da bandeira japone- dade brasileira.
sa (hinomaru) eram exibidas em revistas, jornais e No entanto, esse discurso celebratório começa
na televisão. O hino japonês (kimigayo), presente a apresentar sérios problemas quando examinado
mais cuidadosamente. Tomemos, por exemplo, o
caso do hinomaru e do kimigayo. Poucos no Brasil
* Agradeço a Orion Klautau pelo incentivo e pelos co-
mentários durante a preparação deste trabalho. Sou chegaram a lembrar que ambos só foram oficializa-
grato também aos pareceristas da RBCS por suas ob- dos como a bandeira e o hino japoneses em 1999
servações e sugestões. (até então seu uso não tinha nem reconhecimento
nem obrigatoriedade legal), através de uma medida
Artigo recebido em agosto/2009 polêmica duramente criticada por alguns dos prin-
Aprovado em julho/2010 cipais intelectuais japoneses e por diversas minorias,
RBCS Vol. 26 n° 75 fevereiro/2011

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como coreanos e chineses, que veem na bandeira e cultura japonesa, bem como de seu contexto his-
no hino um símbolo do colonialismo e da violência tórico, a fim de possibilitar uma compreensão mais
perpetrada pelo Japão entre o fim do século XIX e crítica e informada. Com base neste panorama,
a primeira metade do século XX (Takahashi, 2005; concluo este trabalho com uma breve reflexão sobre
Ukai, 2005). Também não se mencionou que a fa- o modo como a cultura japonesa vem sendo tratada
mília imperial japonesa depois da Segunda Guerra até agora no Brasil, e as consequências que o dis-
Mundial foi construída e legitimada mediante a co- curso apologético atual traz tanto para a sociedade
laboração entre os governantes japoneses e a ocupa- brasileira como para a sociedade japonesa.
ção norte-americana (1945-1952) como mecanismo
de acomodação dos interesses das elites japonesas na
transição do pós-guerra (Dower, 1999, pp. 319-45; A “cultura japonesa” em construção
Harootunian e Sakai, 1999, p. 604; Yoshimi, 2000).
Não nos esqueçamos de que a tão celebrada ética da Embora muito se fale sobre a “milenar” cultu-
educação e do trabalho é muito menos uma tradição ra japonesa, nenhuma discussão séria pode ignorar
vinda de tempos imemoriais, do que um programa que a ideia de uma base cultural comum a toda
político voltado para a implantação do sistema ca- uma nação japonesa é bastante recente. Mesmo
pitalista e da centralização estatal durante a segunda aqueles que buscam as origens de uma identidade
metade do século XIX (Mita, 1992, pp. 224-247). japonesa no período Edo (1603-1867) reconhecem
Essa ética serviu, ademais, como instrumento de que o pleno desenvolvimento de uma noção de
dominação na colonização das regiões de Okinawa, cultura nacional se dá somente durante a transição
Hokkaido, Coreia e Taiwan, onde os povos nativos para o período Meiji (1868-1912) (Yoshino, 1992,
eram obrigados a trabalhar para abastecer o mer- p. 62; Kang, 2001). Um dos processos mais signifi-
cado japonês, e estudar em escolas japonesas para cativos nesse sentido foi a construção de uma nova
esquecer seus costumes “bárbaros”, tornando-se sú- imagem do imperador. Durante o período Edo, o
ditos dignos de pertencer ao “Grande Império Japo- poder político era exercido através de uma comple-
nês” (Oguma, 1998). xa e ambígua relação entre o imperador e o shogun,
O modo como esses aspectos mais problemáti- líder militar. No período Meiji a figura do shogun
cos foram estrategicamente evitados durante as co- é eliminada, o que no entanto não significa uma
memorações do centenário parece confirmar a tese restituição de poder ao imperador. Este permanece
de que não apenas os imigrantes japoneses e seus sem efetivos poderes políticos, mas as novas elites
descendentes, mas também a sociedade brasileira conferem a ele um novo papel simbólico. O meca-
em geral tende a adotar uma postura conservadora nismo pelo qual o imperador assume essa função é
e acrítica em relação à “cultura japonesa” (Maeya- um perfeito exemplo de “tradição inventada” (Ho-
ma, 2001, 5-11).1 bsbawm e Ranger, 1983). Embora no começo do
Creio que uma das principais razões para isso período a população em geral desse muito pouca
é a ausência no Brasil de uma discussão conscien- atenção ao imperador, isso foi mudando por con-
te das transformações e das contradições sociais da ta de uma poderosa política oficial, principalmente
sociedade japonesa, e o desconhecimento dos deba- nos meios de comunicação e nos currículos escola-
tes entre os principais pensadores sociais do cená- res, que passaram a difundir a crença de que, por
rio intelectual japonês.2 Como resultado, as ideias existir desde tempos remotos, a instituição imperial
que predominam no Brasil sobre a cultura japonesa deveria ser cultuada como expressão máxima do es-
tendem a reificá-la, apresentando-a como uma to- pírito japonês (Gluck, 1985, pp. 73-101; Yoshimi,
talidade homogênea, imutável e exótica, sem aten- 2000). Como toda tradição inventada, o culto ao
tar para os sérios conflitos políticos que este tipo de imperador utilizava uma visão idealizada da história
perspectiva oculta. não para simplesmente resgatar o passado, mas para
Por isso, o objetivo principal deste artigo é fa- justificar uma série de inovações e mudanças (Mita,
zer um esboço dos debates em torno da noção de 1992, pp. 247-254; Kang, 2001, pp. 54-73). As-

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sim, quando as elites começaram a implantar, nos de Tetsuro- Watsuji, que procuram, ainda que de
moldes europeus, um sistema social “moderno” ba- maneiras diferentes, recuperar uma essência imutá-
seado em Estado centralizado, economia industrial vel da cultura japonesa.
e sistema colonial em regiões asiáticas como Okina- Kuki vai encontrar essa essência na noção de
wa, Hokkaido, Coreia, Taiwan e Manchúria, todas iki, termo de difícil tradução que se refere a certo
essas novas políticas eram legitimadas em nome do ideal estético presente principalmente nas cidades
imperador, símbolo da tradição japonesa. do período Edo. Fruto da combinação dos valores
Esse processo paradoxal de legitimização do das classes comerciais, da ética dos guerreiros e do
moderno por meio do recurso à tradição, do qual budismo, iki relaciona-se a uma atitude de refina-
a instituição imperial é apenas o aspecto mais evi- mento e sofisticação (bitai), de perseverança (ikiji)
dente, encontrou um limite a partir da década de e de lucidez (akirame). Esse senso estético teria per-
1920, com o crescimento cada vez mais intenso dos durado no Japão até os tempos atuais, impermeável
grandes centros urbanos japoneses (Harootunian, às influências ocidentais (Kuki, 2004).
2000, pp.13-4; Yoshimi, 2007, pp. 46-51). Cidades Watsuji é provavelmente o autor mais radical e
como Tóquio e Osaka passaram a abrigar um esti- ambicioso. Ele propõe uma classificação de todos os
lo de vida cada vez mais “moderno”, marcado por povos do mundo de acordo com as condições climá-
cinemas, cafés e salões de beleza, onde a influên­cia ticas de cada região. Temos assim, em linhas gerais,
europeia e principalmente norte-americana se fazia três grandes tipos de clima – e consequentemente de
sentir sem que houvesse a mediação de instituições cultura: clima de monções, clima de deserto e clima
“tradicionais” japonesas. Nas cidades, os padrões de cerrados. Os asiáticos seriam representativos do
ocidentais impunham-se por conta própria, não primeiro, e as adversidades causadas pelas chuvas e
sendo mais necessário invocar o imperador para pelas ventanias teriam dado a esses povos um caráter
justificá-los. Ao mesmo tempo em que o imperador resignado e adaptativo. Os árabes seriam exemplo do
perdia sua função legitimadora, as próprias noções segundo, e pela dureza de seu ambiente esses povos
de identidade e de cultura japonesa se enfraque- teriam desenvolvido um caráter igualmente duro e
ciam sensivelmente (Ohsawa, 1998, pp.19-21). combativo. Os europeus corresponderiam ao último
Isso levou eventualmente a um movimento de tipo de clima, que por ser mais ameno teria torna-
reação por parte de muitos dos principais pensa- do possível o exercício da contemplação e do racio-
dores sociais da época. O ponto culminante desta nalismo. Watsuji se debruça principalmente sobre
tendência foi uma conferência famosa ocorrida em a comparação entre o caráter europeu e o caráter
1942 intitulada “Kindai no Cho-koku” (Superação japonês (que embora pertença à categoria asiática
da Modernidade), em que vários intelectuais ilus- tem, segundo ele, uma lógica sui generis e superior).
tres lastimavam a condição de crise moral e ociden- Watsuji enfatiza, por exemplo, as diferenças entre
talização desgovernada vivida pelo Japão de então, as casas japonesas e as casas europeias como tema
propondo como solução um retorno às tradições.3 estratégico para entender o contraste. Segundo ele,
Esse apelo pelo refortalecimento da cultura japo- a casa japonesa baseia-se numa distinção absoluta
nesa era invariavelmente associado a uma renovada entre as noções de uchi (dentro) e soto (fora), de
devoção ao imperador e a um discurso de resistên- modo que o ambiente interno ocupado pela família
cia à dominação ocidental. Na prática, ainda que estaria completamente isolado do mundo exterior,
implicitamente, isso significava legitimar as inva- habitado por estranhos. O costume de tirar os sapa-
sões japonesas em outros países da Ásia e apoiar tos antes de entrar na casa seria um símbolo desta
a atuação do Japão na Segunda Guerra Mundial. separação, pois evitaria que a impureza do mundo
(Harootunian, 2000, pp. 34-94). exterior contaminasse o mundo interior. A casa eu-
Algumas das mais influentes teorizações sobre ropeia, ao contrário, não estaria tão nitidamente
a cultura japonesa são elaboradas justamente nessa separada do espaço público da rua, gerando uma
época. É o caso de Iki no Ko-zo- (A Estrutura do Iki, confusão entre as duas esferas, algo inaceitável do
1930) de Shu- zo- Kuki, ou de Fu-do (Clima, 1935) ponto de vista japonês (Watsuji, 1988).

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É importante enfatizar, no entanto, que esses Taiwan, Okinawa e inúmeros outros territórios
discursos essencialistas e excepcionalistas, embora asiáticos foram removidos do “Grande Império Ja-
cada vez mais influentes como uma forma de resis- ponês”, diminuindo drasticamente a esfera da au-
tência à ocidentalização nos centros urbanos, tinha toridade política japonesa. Isso implicou, por sua
uma limitação importante: não se podia enfatizar de- vez, uma enorme onda migratória. De um lado, os
mais o caráter único e incomparável da cultura japo- japoneses que, seja como militares seja como fun-
nesa, pois uma vez que o Japão estava comprometido cionários civis, estavam vivendo nessas regiões se
com um projeto colonialista de invasão e domina- viram diante da necessidade de abandoná-las. De
ção de diversos outros países asiáticos, era necessário outro lado, milhares de asiáticos, principalmente
que a cultura japonesa fosse retratada como passível coreanos e chineses que até 1945 haviam migrado
de ser assimilada por esses povos colonizados, que voluntária ou involuntariamente para regiões que
passariam então a se identificar como japoneses, ou hoje correspondem ao território político japonês,
pelo menos como súditos leais ao imperador. Em tiveram que retornar a seus países de origem.
outras palavras, se para o Ocidente a cultura japone- Além disso, os Estados Unidos ocuparam o
sa permaneceria para sempre incompreensível, para Japão, intervindo diretamente nos assuntos de go-
os demais países da Ásia ela seria acessível por fazer verno por intermédio do “supremo comandante
parte de uma tradição comum, cabendo ao Japão, das forças aliadas”, o conhecido general Douglas
porém, assumir um papel de liderança. Para legiti- MacArthur. Uma vez que o Japão se comprometia
mar essa penetração da cultura japonesa nas regiões a eliminar todas as suas forças militares como con-
dominadas, muitos intelectuais e figuras públicas dição de rendição, os Estados Unidos assumiram
destacavam, ao falar das características da cultura também todas as funções de defesa, construindo
japonesa, não apenas atitudes como iki ou a distin- diversas bases militares pelo país.
ção entre uchi e soto, mas também uma certa ideia Todas essas mudanças exigiam uma reinter-
de miscigenação. Embora estejamos acostumados pretação da identidade e da cultura japonesa. Pri-
com discursos que descrevem a cultura japonesa meiro, porque tanto o espaço geográfico como a
como fechada ou isolada, até o fim da Segunda população já não eram mais os mesmos. Segundo,
Guerra Mundial ela era frequentemente retratada porque as ideologias dominantes de louvor à tradi-
como uma mescla das diversas tradições da Ásia, e ção japonesa do período anterior foram questiona-
o próprio povo japonês como o resultado da mes- das diante da realidade da derrota. Como continuar
tiçagem entre vários povos asiáticos. Segundo esse vendo positivamente uma tradição que não apenas
raciocínio, ao invadir esses países e impor seus va- perdeu a guerra, mas que também seria acusada,
lores, o Japão não estaria eliminando os costumes no Tribunal de Tóquio (1946-1948) e em outros
locais nem subjugando seus habitantes, pois esses julgamentos organizados pelas forças aliadas, de ser
costumes e essas populações na verdade seriam já conivente com crimes de guerra, crimes contra a
parte integrante da própria tradição japonesa (Ta- paz, e crimes contra a humanidade?
naka, 1995; Oguma, 2002). Mais uma vez, as disputas simbólicas em torno
Contudo, a derrota na Segunda Guerra Mun- da figura do imperador assumiriam grande impor-
dial fez com que todo o debate sobre a cultura ja- tância, sinalizando as direções que o debate acerca
ponesa até então mudasse radicalmente, devido a da cultura japonesa iria tomar.
uma série de profundas transformações sociais. Logo após a rendição japonesa, a posição dos
Estados Unidos era, em princípio, a de responsa-
bilizar o imperador pelos crimes de guerra. Alguns
Consequências da Segunda Guerra Mundial propuseram inclusive que além da punição indivi-
dualizada do imperador, a própria instituição impe-
A primeira consequência da derrota foi uma rial deveria ser eliminada como condição sine qua
extraordinária reorganização da própria consti- non para a criação de um regime verdadeiramente
tuição geográfica do Japão: Coreia, Manchúria, democrático. As elites políticas japonesas fizeram

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enormes esforços para reverter essa postura, o que no pós-guerra. Sua obra mais importante, Nihon
de fato ocorreu. No entanto, é fundamental ter em Seiji Shiso--shi Kenkyu- (Estudos sobre a História do
mente que a principal razão para que o imperador Pensamento Político Japonês, 1948) é uma cole-
fosse finalmente eximido de toda e qualquer res- ção de artigos escritos ainda durante a guerra, mas
ponsabilidade não foi a pressão dessas elites, até que já refletem as preocupações que passariam a
certo ponto desmoralizadas com o fim da guerra, marcar a sociedade japonesa posteriormente. A fim
mas sim a atuação da própria ocupação norte- de entender um presente conturbado, Maruyama
-americana, especialmente por parte do general propõe uma arqueologia do pensamento político
MacArthur. Embora as autoridades em Washing- japonês, definindo como seu ponto de partida o
ton cobrassem a punição do imperador, MacArthur período Edo.
e seus conselheiros em Tóquio estavam convenci- Para Maruyama (1974), a base de todo o pen-
dos de que para um melhor controle dos conflitos samento nesta época era o confucionismo. Anali-
da sociedade japonesa de então, a permanência da sando as doutrinas confucionistas do começo do
figura do imperador era essencial. Ele poderia ter período, ele argumenta que, em princípio, este tipo
um papel simbólico positivo no Japão do pós-guer- de filosofia tinha como fundamento a noção de que
ra, desde que manipulado adequadamente (Dower, existiria uma ordem natural absoluta à qual todas
1999, pp. 319-345). Esse perdão quase oficial dado as coisas e pessoas estariam sujeitas. Haveria, por-
pela ocupação norte-americana mudou o sentido tanto, uma supremacia da natureza (shizen) na or-
da autoridade imperial, marcando o início de uma denação das coisas. No entanto, Maruyama assinala
nova fase de cumplicidade entre o Japão e os Esta- que esta concepção sofreu grandes transformações
dos Unidos. O imperador torna-se uma figura hí- ao longo do século XVIII, principalmente por in-
brida, cara às elites japonesas, mas válida somente fluência do confucionista Ogyū Sorai, para quem a
quando sancionada pelas forças norte-americanas ordem e os princípios supremos não seriam mais
(Kang, 2001, p. 97; Harootunian e Sakai, 1999, p. um dado da natureza, e sim algo construído por
604; Yoshimi, 2000). pessoas, mais precisamente por sábios antigos dota-
Isso significa que a instância última capaz de dos de qualidades excepcionais. Em outras palavras,
conferir legitimidade a uma prática ou a uma insti- a supremacia passa da natureza para a criatividade e
tuição passaria a ser o ponto de vista da ocupação. a invenção humanas (sakui).
Por outro lado, as noções de cultura japonesa ou Essa transição do ideal de shizen para o ideal
de tradição japonesa seriam relegadas a uma posi- de sakui é importante para Maruyama porque ele
ção de dependência e mesmo de inferioridade, pois vê aqui o surgimento, dentro da própria cultura
sem a orientação adequada elas acabariam levando japonesa, de um princípio nativo compatível com
à violência e à barbárie, como as atrocidades do a concepção ocidental de modernidade, ou seja,
Japão na Segunda Guerra teriam deixado claro. a capacidade humana de inovação e de superação
Nesse contexto, os intelectuais passam a se ques- dos limites impostos pela natureza. O pensamento
tionar de que modo seria possível conceber formas japonês estaria, portanto, equipado com recursos
para que essa cultura japonesa, atrasada mas ainda intelectuais receptivos às instituições modernas.
assim dotada de potencial, pudesse alcançar os ní- Mas é importante ter em mente que embora
veis modernos de civilização dos Estados Unidos essa tese pareça oferecer uma imagem positiva da
e da Europa ocidental. Isso deu origem a uma sé- cultura japonesa, Maruyama deixa claro que a ló-
rie de estudos extremamente influentes, animados gica de sakui proposta por Sorai e seus seguidores
em grande parte por um ideal de modernização. ainda deixava muito a desejar com relação às ideias
Dois autores da época que articulam de maneira do Ocidente. A principal razão para isso estava na
admirável essas questões são Masao Maruyama e incapacidade japonesa de iniciar, por suas próprias
Yoshimi Takeuchi. forças, um processo de industrialização, proces-
Masao Maruyama é provavelmente a figura de so este que era, para Maruyama, imprescindível
maior influência no cenário intelectual do Japão na consolidação de uma verdadeira modernidade.

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Consequentemente, a tradição intelectual herdada o país tenha sido celebrado como a nação asiática
do período Edo permaneceria como um símbolo que melhor e mais rápido incorporou o ideal mo-
de modernidade inacabada e incompleta, aguar- derno ocidental, na realidade essa modernização,
dando a intervenção do Ocidente (Maruyama, apressada e acrítica, nunca passou de uma imitação
1974, pp. 301-302). superficial e desajeitada. A China, ao contrário, a
O mundo ocidental interveio intensamente a despeito de ser comumente descrita como um país
partir do período Meiji. No entanto, em um arti- que permaneceu fechado ao Ocidente, foi na reali-
go célebre intitulado “Cho--kokkashugi no ronri to dade muito mais eficiente, pois incorporou o ideal
shinri” (Lógica e Psicologia do Ultranacionalismo, moderno de maneira seletiva e responsável. (Takeu-
1946), Maruyama afirma que essas influências oci- chi, 2005). Takeuchi, assim, não negava a necessi-
dentais nunca chegaram a penetrar completamente dade de seguir a Europa ou os Estados Unidos, mas
na sociedade japonesa, que permaneceu presa ain- enfatizava a importância de recorrer à China como
da a ideais pré-modernos. Foram justamente esses mediador nesse processo.
resquícios culturais que levaram o Japão a come- Embora de modos diferentes, Maruyama e
ter atos de violência e envolver-se em invasões e Takeuchi são portanto dois autores representativos
guerras ilegítimas. Mas com a derrota na Segunda de um ideal modernizador e, ao mesmo tempo, de
Guerra Mundial, o país ganhava a chance de liber- uma certa noção de inferioridade e atraso da cultu-
tar-se de vez das amarras tradicionais e entrar efeti- ra japonesa. Ambos estavam tentando compreender
vamente em uma era moderna (Maruyama, 1963). a posição do Japão na época, de contração territo-
Evidentemente, está implícito aqui que o Ocidente rial, de ocupação política e militar e de desestabili-
tornou-se o guia que conduziria o Japão neste novo zação social. No entanto, esse quadro, assim como
caminho (Ohsawa, 1998, pp. 53-54). a noção de cultura japonesa nele embutida, sofreria
A reflexão de Yoshimi Takeuchi também ten- grandes mudanças a partir das décadas de 1950 e
de a apontar os aspectos negativos e conservadores 1960.
da tradição japonesa, destacando a necessidade de O processo-chave nessas mudanças foi o ex-
adotar uma nova mentalidade modernizadora. No traordinário crescimento econômico que o Japão
entanto, sua perspectiva tem uma diferença im- passou a mostrar durante esse período. As empresas
portante com relação a Maruyama, pois para ele japonesas apresentavam um grande aumento tanto
só é possível compreender a possibilidade de uma de produção como de desenvolvimento tecnológi-
modernidade japonesa se pensarmos não somente co, e isso era impulsionado por uma sociedade cada
na relação entre o Japão e o Ocidente, mas tam- vez mais direcionada para o consumo.
bém no papel da Ásia, e principalmente da China, Deve-se ressaltar aqui que este período de cres-
na construção desta modernidade. Ele tem muita cimento econômico foi marcado por uma difusão
consciên­cia dos efeitos perversos do colonialismo cada vez maior de valores e padrões de consumo
japonês na Ásia, e enfrentar essa questão é impres- norte-americanos. As tendências ocidentalizantes
cindível em qualquer tentativa de modernização da dos anos de 1920 e 1930 ganhavam força mais
sociedade japonesa. uma vez, mas agora o processo não se restringia aos
Em seu texto mais conhecido, “Kindai to wa grandes centros urbanos. A população era cada vez
Nani-ka” (O que é a Modernidade?, 1948), Takeu- mais exposta, por exemplo, ao ideal do mai hoomu
chi afirma que a modernidade é de fato uma cria- (pronúncia japonesa da expressão inglesa my home),
ção do Ocidente, e a sua assimilação no Japão não que tomava o estilo de vida da família de classe mé-
poderia deixar de ser problemática. Mas em vez de dia norte-americana da época como modelo. A base
enfatizar, como Maruyama, o papel mediador de material deste modelo estava na aquisição da casa
aspectos da própria cultura japonesa que seriam própria, com um carro na garagem e uma televi-
compatíveis com a modernidade, Takeuchi argu- são na sala de estar. A televisão, aliás, exerceu um
menta que o Japão, ao adotar instituições moder- papel estratégico, tornando populares programas
nas, deveria tomar a China como modelo. Embora de inspiração norte-americana, como a luta livre

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(wrestling), que se tornou uma verdadeira febre na ética japonesa de fidelidade e sacrifício herdada dos
sociedade japonesa (Yoshimi, 2007, pp. 162-206). samurais, ou então a uma atitude de conformismo
Mas é preciso enfatizar que ao mesmo tempo derivada de princípios confucionistas, ou ainda a
em que a influência norte-americana ganhava um uma rigorosa estrutura hierárquica própria da famí-
impulso avassalador, também surgia – ou ressurgia – lia tradicional.
de modo cada vez mais evidente um discurso de O tom triunfalista dessas teorias chegava por
afirmação e celebração da cultura japonesa (Haroo- vezes ao ponto de sugerir inclusive que o Japão teria
tunian, 1993). Este tipo de discurso passou a ganhar finalmente não apenas alcançado, mas até ultrapas-
cada vez mais espaço tanto na literatura popular sado o próprio Ocidente, tornando-se mais moder-
como nas pesquisas acadêmicas da época, consoli- no e mais avançado do que a Europa e os Estados
dando uma corrente conhecida como nihonjinron Unidos graças ao caráter único de sua cultura. Mes-
(teorias sobre o caráter japonês). Essas teorias eram mo autores fora do Japão adotaram uma posição
divulgadas por autores como Takeo Doi ou Chie semelhante, popularizando expressões como “Japan
Nakane, e muitas vezes resgatavam diversas ideias as number one” (Vogel, 1979).
de O crisântemo e a espada de Ruth Benedict. Elas Portanto, se no período imediatamente poste-
procuravam, de modo semelhante ao trabalho de rior ao final da Segunda Guerra Mundial a cultura
Kuki e Watsuji, identificar novamente uma essência japonesa encontrava-se numa posição de inferiori-
imutável e única à cultura japonesa (Befu, 2001). dade, a partir das décadas de 1950 e 1960 ela volta
No entanto, é preciso destacar duas importan- a ser vista como motivo de orgulho. Mas esse orgu-
tes diferenças entre aquelas obras publicadas nos lho não será usado para rejeitar os padrões capitalis-
anos de 1920 e 1930 e as teorias difundidas a partir tas da Europa e dos Estados Unidos; pelo contrário,
das décadas de 1960 e 1970. Primeiro, uma vez que o grande mérito da tradição japonesa estaria justa-
a colonização japonesa na Ásia tinha chegado ao mente na sua capacidade de incorporar e eventual-
fim, não havia mais a necessidade de enfatizar ideais mente até mesmo aperfeiçoar esses padrões.
de miscigenação ou de pan-asianismo. É justamen-
te a partir dessa época que se solidifica a imagem
do Japão como um país fechado e da população ja- Desconstrução e reconstrução da
ponesa como uma nação etnicamente homogênea cultura japonesa
(Kang, 2001, p. 87; Oguma, 2002). Em segundo
lugar, enquanto Kuki e Watsuji tinham uma visão A década de 1980 representou o ápice mas
negativa da influência estrangeira, e viam o retor- também o limite da lógica do período de cresci-
no à tradição como uma forma de resistência, os mento econômico. Se, de um lado, a economia
autores de nihonjinron dos anos de 1960 e 1970 japonesa foi capaz de superar a crise do petróleo
eram muito mais receptivos ao Ocidente, mostran- na década de 1970 e continuar se fortalecendo na
do uma atitude de conciliação. década seguinte, a base dessa força, de outro lado,
O crescimento econômico e o consumismo começou a se distanciar do setor real da economia,
eram vistos menos como sinal de decadência mo- passando a depender cada vez mais de especulações
ral, e mais como prova do espaço conquistado pelo no mercado imobiliário (Noguchi, 1994). Assim,
Japão no cenário mundial junto aos outros países embora a economia permanecesse ativa, seu supor-
desenvolvidos. Nesse contexto, o que os autores de te dependia, perigosamente, de uma enorme bolha
nihonjinron faziam ao teorizar sobre a essência da financeira que não tardaria em estourar.
tradição japonesa era no fundo identificar traços De maneira semelhante, a própria visão con-
culturais típicos do Japão que servissem não para fiante da cultura japonesa, que como vimos esta-
criticar, mas para explicar e legitimar o sucesso do va diretamente ligada ao crescimento econômico,
capitalismo japonês (Harootunian, 1993; Ochiai, passou a ser cada vez mais problemática. O essen-
2005). Assim, a produtividade das empresas japo- cialismo e a autoindulgência do nihonjinron con-
nesas era atribuída, por exemplo, a uma suposta tinuariam populares durante essa época. Mas o

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consumismo, a apatia política e o cinismo moral intelectuais, mas também de maneira mais difu-
se tornavam cada vez mais evidentes na sociedade sa na sociedade em geral. Como apontam vários
japonesa, o que ficava patente no profundo enfra- observadores, durante a década de 1980 o apego
quecimento dos movimentos estudantis e sindicais à tradição e a afirmação de uma identidade japo-
e no tom acrítico de grande parte da produção ar- nesa perderam muito de seu terreno para novos
tística, desde programas televisivos até a literatura. ideais cosmopolitas (Ohsawa, 1998, p.22; Kitada,
Munesuke Mita, um dos mais influentes sociólogos 2005).
japoneses, cunhou o termo “era da ficção” (kyokō Porém, esse quadro sofreu grandes mudanças
no jidai) para se referir a este período, termo este a partir da década de 1990. De um lado, o fim da
adotado por diversos outros autores (Mita, 1992, Guerra Fria e o surgimento de um novo cenário
pp. 522-527; Ohsawa, 2008; Azuma, 2009). Isso mundial cada vez mais complexo e interdependente
colocava em dúvida a ideia otimista de que o Japão serviram de incentivo para que ideologias de inter-
seria o local onde os valores tradicionais e o sistema nacionalização e globalização continuassem a relati-
capitalista teriam unido forças para criar uma socie- vizar a importância dada à cultura nacional. De ou-
dade para além da própria modernidade. tro, no entanto, o estouro da bolha especulativa e o
É neste ambiente de desconfiança que come- início de uma era de recessão colocaram o Japão em
çam a surgir novas ideias sobre a cultura japonesa. uma posição de insegurança no seu relacionamento
Estes autores, sob forte influência do pós-estrutu- com outros países. Além disso, o grande terremoto
ralismo e do pós-modernismo, não vão se concen- de Kobe e os ataques com gás sarin no metrô de
trar mais em investigar as características, os méritos Tóquio, ambos em 1995, só serviram para aumen-
ou os deméritos da cultura japonesa. Em vez disso, tar o ambiente de instabilidade e incerteza na socie-
eles irão propor a desconstrução da própria ideia de dade japonesa.
cultura japonesa, negando a existência de qualquer Embora houvesse quem argumentasse que a
característica essencial, e denunciando as relações solução para a crise estaria em promover mais aber-
de poder por trás desse tipo de discurso.4 tura e maior interação com a comunidade interna-
Uma obra pioneira desta nova orientação teó- cional, muitos enveredaram para o caminho opos-
rica é Nihon Kindai Bungaku no Kigen (Origens da to, culpando a globalização e a internacionalização
Literatura Moderna Japonesa, 1980) de Kojin Ka- por todos os problemas, e sustentando que a so-
ratani. Apesar do título, trata-se de uma coleção de ciedade japonesa só poderia sobreviver se retomasse
artigos que cobre uma variada gama de áreas, desde um projeto de fortalecimento interno, resgatando
a literatura até a pintura e a arquitetura. A tese cen- suas tradições culturais e seu orgulho nacional.
tral comum a estes textos é a de que a cultura japo- Formaram-se assim duas correntes, em princípio
nesa, longe de ser uma totalidade orgânica dada, opostas, mas como veremos intimamente ligadas:
é na realidade uma intrincada prática discursiva globalismo e nacionalismo (Yoda, 2006).
construída a partir do século XIX. Karatani desta- É preciso reconhecer, entretanto, que foi a cor-
ca por exemplo o papel de um movimento intelec- rente nacionalista, ou “neonacionalista” (neonasho-
tual iniciado em meados deste período chamado narizumu), que esteve em maior evidência nestas
genbun-itchi (unificação linguística), que procurava últimas duas décadas, com inúmeras questões so-
uniformizar os textos escritos japoneses em torno ciais. Quando, por exemplo, várias mulheres de
de um padrão comum supostamente mais próximo origem coreana vieram a público durante os anos
da língua falada. Esta seria uma forma de promo- de 1990 para exigir reconhecimento do governo ja-
ver a integração cultural e construir uma identidade ponês e compensação por terem sido usadas como
nacional japonesa, que seria então mais tarde pro- escravas sexuais dos soldados durante a Segunda
jetada retroativamente até os tempos mais remotos, Guerra Mundial, uma enorme reação conservadora
como se sempre tivesse existido (Karatani, 1993). descartou o apelo dessas mulheres como mera in-
Esses questionamentos da noção de cultura venção destinada a enfraquecer o espírito japonês
japonesa estiveram presentes não apenas entre os (Ueno, 2004).

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Interpretações da “cultura japonesa” e seus reflexos no Brasil  111

Outro problema de grande repercussão foi a pedir perdão aos outros países asiáticos que eles
a formação, em 1997, de uma associação voltada exploraram. Mas, segundo Kato, os japoneses ja-
para a criação de novos livros de história para o mais serão capazes de pedir perdão com sinceridade
ensino fundamental (Atarashii Kyo-kasho o Tsukuru a não ser que eles possam encontrar primeiro um
Kai). Esta associação afirma que, principalmente senso de identidade e autoestima. Em outras pala-
pela influência norte-americana, a história ensinada vras, Kato não chega a negar as atrocidades come-
pelas escolas até agora vem incutindo uma cons- tidas pelos japoneses, mas ele argumenta que antes
ciência histórica “autodepreciativa” (jigyaku-teki), de se desculpar perante outros países, o Japão deve
divulgando uma imagem negativa e distorcida do primeiro aprender a perdoar os próprios crimes.
povo e da cultura. Como resposta, os livros pro- Somente depois desse tipo de terapia coletiva e da
duzidos por este grupo procuram negar ou atenuar consolidação de uma identidade nacional é que o
as diversas atrocidades cometidas pelo Japão contra país deve se preocupar com sua relação com os ou-
outros países asiáticos, ressaltando a necessidade de tros países (Kato, 1997).
respeitar e honrar as conquistas japonesas no passa- Com isso, a noção de cultura japonesa que havia
do (Kang, 2005; Ivy, 2006). sido desconstruída durante os anos de 1980 parecia
O governo japonês também tem se mostrado retornar à forma na década seguinte. Mas é impor-
receptivo a essas tendências. Como já foi mencio- tante fazer aqui duas observações. Primeiro, como
nado, em 1999 o parlamento aprovou o reconheci- já foi dito, esse neonacionalismo, embora seja sem
mento oficial e a obrigatoriedade do uso da bandei- dúvida o aspecto mais visível da sociedade japonesa
ra e do hino nacional japoneses, dois símbolos que nos últimos anos, é apenas uma das correntes ideo-
até então não tinham ainda sanção legal. A prin- lógicas surgidas a partir dos anos de 1990; a outra
cipal razão para a ausência de tal sanção era justa- consiste no ideal de globalismo. Em segundo lugar,
mente a crítica, por parte de intelectuais e minorias neonacionalismo e globalismo, mais do que termos
como coreanos e chineses, de que tanto a bandeira antagônicos, são na realidade duas tendências que
como o hino estavam intimamente associados ao mantêm uma relação de cumplicidade.
colonialismo e às violências cometidas pelo Japão Tomemos como exemplo o caso da associação
(Takahashi, 2005; Ukai, 2005). Mas no fim da dé- Atarashii Kyo-kasho o Tsukuru Kai. Em princípio
cada de 1990 as autoridades públicas já haviam se este movimento aparenta estar relacionado unica-
tornado mais receptivas às tendências nacionalistas mente com a sociedade japonesa, tratando de um
em ascensão na época. Além disso, o fortalecimento problema de ordem puramente interna: a defesa do
de políticos com claras agendas nacionalistas como orgulho nacional. No entanto, a associação traba-
o atual governador de Tóquio, Shintaro Ishihara lha ativamente para obter a colaboração e o apoio
(eleito em 1999), e o ex-primeiro-ministro Junichi- de historiadores e intelectuais fora do Japão, en-
ro Koizumi (2001-2006) só serviram para reforçar viando panfletos e abaixo-assinados, inclusive para
esta postura do governo. os Estados Unidos, que ironicamente costumam
O “neonacionalismo” deixou sua marca tam- ser retratados como o grande culpado pelas mazelas
bém no meio intelectual. Uma das obras mais in- do Japão atual (Ivy, 2006). Além disso, a associa-
fluentes da época foi Haisengoron (Teoria sobre ção afirma que seu objetivo é apenas fazer com que
as Consequências da Derrota, 1997) de Norihiro o povo japonês aja como todos os outros países e
Kato. A ideia básica de Kato é de que depois da honre sua história nacional. Portanto, quando ana-
Segunda Guerra Mundial o Japão teria passado a lisada a fundo, esse grupo prega na verdade não o
viver uma realidade “distorcida” (nejire): com a der- fechamento ou o caráter excepcional da sociedade
rota, a cultura e a identidade japonesa passaram a japonesa, mas, ainda que de maneira extremamente
ser vistas apenas negativamente, um sinônimo de questionável, a assimilação de um standard global já
violência, intolerância, colonialismo e imperialis- compartilhado pelo mundo inteiro. A oficialização
mo. Os japoneses estariam, portanto, condenados da bandeira e do hino, bem como muitas outras
a desprezar suas tradições e seus antepassados, e práticas seguem uma lógica semelhante.

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Esta problemática simbiose entre globalismo Consumidores de “cultura japonesa”


e neonacionalismo tornou-se possível graças à for- no Brasil
ma particular com que os neonacionalistas conce-
bem a cultura japonesa. Embora eles proponham O esboço traçado, ainda que necessariamente
um resgate de sua cultura para renovar o orgulho incompleto e seletivo, nos permite tecer alguns co-
nacional, não há mais uma preocupação em expli- mentários sobre os diversos modos como a cultura
car exatamente quais os traços característicos dessa japonesa vem sendo apropriada e representada no
cultura. Para o neonacionalismo atual, a cultura ja- Brasil, uma vez que o debate no Japão mantém,
ponesa funciona mais como um signo aberto, um ainda que indiretamente, relação com os desdobra-
rótulo ou marca que pode em princípio ser estam- mentos na situação brasileira.
pado em qualquer prática ou discurso, o que, ade- O início da imigração japonesa em 1908
mais, explica seu enorme alcance e sua popularida- obrigou pela primeira vez a sociedade brasileira a
de (Kitada, 2005; Azuma, 2009). Assim, a cultura pensar seriamente sobre a cultura japonesa. Como
japonesa torna-se cada vez mais um produto a ser apontam diversos autores, a avaliação feita pelos
consumido de acordo com os interesses e as rela- intelectuais e governantes da época era ambígua
ções de poder vigentes (Yoshino, 1999). e conflituosa. Se de um lado muitos deploravam
Como todo objeto de consumo, esta noção de os imigrantes japoneses por pertencerem a uma
cultura japonesa está claramente inserida em um sociedade considerada primitiva e racialmente in-
mercado global. Ela deve, portanto, ser atraente ferior, de outro, havia também aqueles que os de-
não somente ao consumidor interno no Japão, fendiam, com o argumento de que o Japão era a
mas também a outros países, cuja aprovação passa nação oriental onde os modernos padrões europeus
a ser determinante para o status e o valor dessa haviam sido mais bem assimilados, o que seria si-
“cultura japonesa”. Daí a necessidade paradoxal de nal de que a raça japonesa poderia influir positi-
construir um nacionalismo que precisa ser reco- vamente sobre o Brasil (Ramos, 1996; Seyferth,
nhecido em escala global. Por isso mesmo, a mídia 1996; Lesser, 1999). Essa tensão entre os autores
japonesa não se cansa de realizar reportagens sobre brasileiros no fundo refletia, como vimos, a ambi-
a disseminação da cultura japonesa no mundo por guidade com que os próprios intelectuais japoneses
meio da literatura, das histórias em quadrinhos, da época estavam tentando construir e “inventar”
dos desenhos animados, ou do cinema, que são a cultura japonesa a partir de atitudes conflitantes
apontados como sinal do vigor da cultura e da so- com relação às noções de tradição e modernidade.
ciedade japonesas. Tem razão, portanto, Renato No entanto, a imigração continuou se intensi-
Ortiz (2000) ao enfatizar que o Japão e a cultura ficando, principalmente entre meados da década de
japonesa só podem ser pensados a partir de uma 1920 e fins da década seguinte. Durante a Segunda
reflexão mais abrangente do ponto de vista da Guerra Mundial, porém, quando o Japão foi decla-
globalização. rado país inimigo, a postura brasileira pendeu para
O caso japonês revela portanto que, embora o lado mais hostil do debate. Foi quando ganharam
muitos teóricos sociais atuais tendam a interpretar força discursos sobre a barbárie da cultura japonesa
o nacionalismo no mundo contemporâneo como e o “perigo amarelo” representado tanto pelo Japão
uma forma de resistência e oposição à globalização como pelos imigrantes japoneses (Takeuchi, 2002).
(Appadurai, 1996; Beck, 2002; Kaldor, 2004), o na- Depois da guerra, contudo, principalmente a
cionalismo hoje pode também se aproveitar de redes partir da década de 1960, ocorre uma guinada em
e conexões transnacionais para produzir e reproduzir sentido contrário. As opiniões negativas passam a
seu discurso. É ingenuidade supor que movimentos se tornar minoritárias, e o Japão se torna gradati-
nacionalistas estão apenas manifestando frustração vamente um símbolo de modernidade, desenvolvi-
com a complexidade e a fluidez do mundo atual. mento e progresso, um país que, por ter se tornado
Eles estão na realidade fazendo uso dessa mesma uma das maiores potências econômicas mundiais
complexidade. deveria ser visto como modelo no caminho do Bra-

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Interpretações da “cultura japonesa” e seus reflexos no Brasil  113

sil rumo ao primeiro mundo. A ascenção social de Algumas leituras essencialistas da cultura japo-
vários imigrantes japoneses na sociedade brasileira nesa feitas por acadêmicos no Brasil nas vésperas e
fortalecia tais ideias (Cardoso, 1998). É a partir des- durante a época das comemorações também acaba-
se período que se consolida uma imagem positiva ram reproduzindo essa tendência. Ninomiya (2008,
dos japoneses e seus descendentes. Eles seriam tra- pp. 152-153), por exemplo, enfatizando o alto nível
balhadores e aplicados nos estudos, traços culturais de escolaridade dos japoneses no Brasil, cita uma su-
supostamente japoneses (Lesser, 2007). Vale ressal- posta tradição japonesa de valorização da educação
tar que essa apologia da cultura japonesa no Bra- que remete às tradições confucionistas e às escolas
sil coincide com o período de ascensão das teorias estabelecidas em templos budistas no período Edo,
triunfalistas do nihonjinron no Japão, e em ambos que recebiam crianças de todas as classes. Essa tradi-
os países isso serviu para legitimar ideologias desen- ção educacional teria continuado sem interrupções
volvimentistas e modernizantes em voga na época. no período Meiji, sendo transmitida aos japoneses
Os desdobramentos no Brasil até este período que na época vieram para o Brasil.
estão bem documentados, mas como compreender Esse tipo de interpretação sugere uma cultura ja-
o contexto atual e o tom laudatório com que a cul- ponesa única, que segue imutável durante os séculos,
tura japonesa continua sendo representada, como alheia à contaminação ocidental, tal como defendem
nas comemorações do centenário da imigração os neonacionalistas. Porém, uma análise mais deti-
japonesa em 2008? Em princípio, essa tendência da revela uma série de dificuldades. As escolas nos
pode parecer apenas o efeito da permanência de um templos budistas do período Edo de fato recebiam
pensamento desenvolvimentista herdado das déca- crianças das classes populares, mas eram apenas lo-
das de 1960 e 1970. cais em que elas aprendiam noções básicas de escrita
No entanto, creio que só podemos compreen- e matemática para fins instrumentais, ou seja, para
der o real alcance do fenômeno atual se levarmos poder lidar com o trabalho do dia a dia. Diferente-
em consideração a situação atual do debate no Ja- mente das escolas voltadas para a nobreza e as classes
pão. Como já vimos, a década de 1990 marcou o guerreiras, não havia uma conotação propriamente
início de uma era de recessão e de grande instabili- ética, e a verdadeira educação era tida como aquela
dade social na sociedade japonesa. Como resposta a que a criança aprendia trabalhando, para mais tar-
essa situação, surgiu um curioso amálgama de ide- de continuar o ofício dos pais (Dore, 1965, p. 252;
ais globalizantes e neonacionalistas em que a cul- Koyama, 2002, pp. 69-70). No período Meiji, ve-
tura japonesa, a fim de reunir força suficiente para rifica-se uma clara ruptura com este modelo. Surge
desempenhar o papel de resgatar o orgulho nacio- uma filosofia de valorização da educação para fins
nal, precisa ser reconhecida, admirada e consumida de modernização e unificação nacional, e a escola
em escala global. torna-se o principal espaço para difundir esse tipo
As comemorações do centenário da imigração de ideologia. No entanto, muitos pais recusavam-se
são justamente uma das formas mais visíveis de a mandar seus filhos para as novas escolas impostas
como o Brasil se tornou um dos consumidores des- pelo governo, onde se ensinavam matérias conside-
te neonacionalismo global vindo do Japão. Assim, radas inúteis na vida cotidiana, tais como ciências ou
quando a sociedade brasileira ostenta a bandeira e educação moral. Várias escolas chegaram inclusive a
o hino japoneses e rende homenagens à família im- ser queimadas em protesto, o que deixa claro que a
perial que vão muito além do protocolo, ela está política escolar do período Meiji era vista como uma
endossando e legitimando, ainda que inadvertida- afronta ao modo como as classes populares vinham
mente, os ideais de grupos neonacionalistas japone- tradicionalmente educando seus filhos (Koyama,
ses. Está também, ao mesmo tempo, ignorando por 2002, pp. 67-68; Platt, 2004, pp. 185-213).
completo as lutas e os protestos políticos de países Lembremos também que a educação do perío-
asiáticos e grupos minoritários dentro do próprio do Meiji, mais do que seguir tradições budistas ou
Japão que não dispõem dos recursos necessários confucionistas, buscava inspiração claramente nos
para divulgar seus discursos no mercado global. modelos ocidentais, que utilizavam a instituição

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da escola para consolidar a figura do Estado-nação. rito nobre e uma grande lealdade ao imperador e
Não por acaso, os primeiros livros didáticos usa- às tradições japonesas. Em contraste, os japoneses
dos no Japão eram traduções de textos ocidentais no Japão tornam-se cada vez mais frios e cínicos
(Mita, 1992, p. 227). sob a sombra da presença norte-americana. O final
Vale ressaltar que mesmo autores preocupados mostra o reencontro das duas irmãs, que decidem
em enfatizar a diversidade e a historicidade da cul- ir juntas para o Brasil, onde permanece intacta a
tura japonesa acabam muitas vezes reproduzindo vi- “verdadeira” cultura japonesa, ou seja, aquela que
sões essencialistas. Assim, embora demonstre grande continua orgulhosa de si e não precisa prestar con-
cuidado em enfatizar os perigos dos estereótipos da tas a ninguém. A sociedade brasileira é idealizada e
cultura japonesa, Sakurai (2007) acaba afirmando, apropriada assim como um local onde as demandas
sem especificar momento histórico, classe social ou do neonacionalismo japonês podem vir a ser reco-
qualquer outro contexto, que “os japoneses” gostam nhecidas e legitimadas (Oda, 2010).
de olhar as flores das árvores de cerejeira e de tomar É extremamente difícil discutir e criticar esse
banhos de imersão, ou que “os japoneses” têm uma processo no Brasil devido à escassez de trabalhos
admiração especial pela natureza. Sobre esta relação conscientes do contexto histórico e dos debates in-
com a natureza ela sugere ainda uma tese problemá- telectuais em curso no cenário japonês. Ainda pre-
tica. Um elemento da natureza especialmente admi- dominam na literatura em português referências a
rado no Japão seria o sol, que por isso mesmo esta- ideias e autores de nihonjinron, o que tende a po-
ria representado na bandeira japonesa. Embora não pularizar visões essencialistas e esotéricas da cultura
deixe de comentar que essa bandeira tem conotações japonesa. Por isso, não é de estranhar que os brasi-
militares, ela afirma que a bandeira continua “moti- leiros mais propensos a apresentar uma perspectiva
vo de orgulho e sinal de reconhecimento de uma li- mais crítica são justamente aqueles que a partir da
gação particular com a natureza e o passado do país” década de 1990 passaram a viver e trabalhar no Ja-
(Idem, p. 11). No entanto, como vimos, são nume- pão como dekasseguis. Por vivenciarem de perto os
rosos aqueles que sentem profunda aversão à ban- conflitos e as contradições da sociedade japonesa, e
deira e que manifestaram sua revolta quando ela foi sendo eles próprios o alvo de preconceito e discri-
oficializada em 1999. Apresentar o hinomaru como minação por parte dos japoneses, esses brasileiros
símbolo de um vínculo especial dos japoneses com a acabam desenvolvendo uma imagem muito mais
natureza e com seu passado negligencia os conflitos crítica com relação à ideia de cultura japonesa (Tsu-
por trás deste símbolo e, ainda que indiretamente, da, 2003). Da mesma forma, são pesquisadores vol-
legitima o neonacionalismo japonês em uma de suas tados para este tema que tendem a mostrar maior
principais demandas, a saber, a imposição da bandei- consciência dos problemas em torno da noção de
ra nacional. cultura japonesa, desde o peso do passado colonia-
Não devemos, é claro, exagerar o impacto que lista até o neonacionalismo conservador atual (Sa-
o Brasil exerce sobre o debate na sociedade japone- saki Pinheiro, 2009).
sa. Contudo, referências ao Brasil e principalmente
aos brasileiros descendentes de japoneses são tam-
bém usadas para justificar ideologias nacionalis- Conclusão
tas. Um dos exemplos mais claros foi a minissérie
de televisão Haru to Natsu: Todokenakatta Tegami Procurei neste artigo traçar um panorama mui-
(Haru e Natsu: As Cartas que Não Chegaram), to geral e seletivo6 do conturbado processo de for-
produzida em 2005 pela rede NHK do Japão.5 O mação e transformação da noção de “cultura japo-
enredo conta a trajetória de duas irmãs japonesas, nesa”, enfatizando seu caráter histórico e dinâmico,
uma delas vindo ao Brasil com a família, enquan- em contraposição ao modo essencialista e mono-
to a outra é obrigada a permanecer sozinha no Ja- lítico com que este problema costuma ser tratado
pão. É marcante o modo pelo qual os japoneses no Brasil. Isto nos permitiu perceber que a cultura
no Brasil são retratados como mantendo um espí- japonesa configura um discurso político cujo con-

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Interpretações da “cultura japonesa” e seus reflexos no Brasil  115

teúdo varia de acordo com as relações de poder em BIBLIOGRAFIA


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japonês, mas também num contexto social mais APPADURAI, Arjun. (1996), Modernity at large.
amplo de escala transnacional. Minneapolis, University of Minnesota Press.
Como argumentei, o Brasil encontra-se inse- AZUMA, Hiroki. (2009), Otaku: Japan’s database
rido nesta rede de relações, influenciando e sendo animals. Trad. Jonathan E. Abel e Shion Kono.
influenciado pelos desenvolvimentos em curso no Minneapolis, University of Minnesota Press.
Japão. Uma vez que a noção de “cultura japonesa” BECK, Ulrich. (2002), “The cosmopolitan society
se torna objeto de consumo disponível dentro de um and its enemies”. Theory, Culture and Society,
mercado global, o Brasil também se apresenta como 19 (1-2): 17-44.
um dos consumidores desse tipo de “produto”. BEFU, Harumi. (2001), Hegemony of homogeneity.
Tal consumo pode ser observado em práticas Melbourne, Trans Pacific Press.
associadas aos imigrantes japoneses e seus descen- CALICHMAN, Richard F. (org.). (2008), Overco-
dentes no Brasil, como foi o caso das comemora- ming modernity. Nova York, Columbia Univer-
ções do centenário da imigração em 2008, com a sity Press.
celebração de símbolos nacionalistas como a ban- CARDOSO, Ruth. (1998), Estrutura familiar e
deira, o hino e o imperador japoneses. Também mobilidade social: estudo dos japoneses no estado
pode ser visto em leituras essencialistas de textos de São Paulo. 2 ed. São Paulo, Kaleidos-Primus.
acadêmicos que identificam uma cultura japonesa DORE, Ronald P. (1965), Education in Tokugawa
imutável, independentemente de contexto históri- Japan. Berkeley, University of California Press.
co e imune a conflitos sociais. DOWER, John W. (1999), Embracing defeat: Japan
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mas como uma realidade única em que canais trans- Princeton, Princeton University Press.
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Notas pan, Japan’s Japan”, in H. Harootunian e M.
Miyoshi (orgs.), Japan in the world. Durham,
1 Em contrapartida, as comemorações dos 500 anos Duke University Press.
do “descobrimento” do Brasil foram acompanhadas . (2000), Overcome by modernity. Prin-
de críticas tanto por parte dos intelectuais como de ceton, Princeton University Press.
movimentso sociais (Silva, 2003).
HAROOTUNIAN, Harry & SAKAI, Naoki.
2 Uma notável exceção é o trabalho de Renato Ortiz (1999), “Japan studies and cultural studies”.
(2000). Positions, 7 (2): 593-647.
3 Os textos da conferência estão em Calichman (2008). HEISIG, James W. & MARALDO, John C.
4 A perspectiva adotada neste artigo deve muito às con- (orgs.). (1995), Rude awakenings. Honolulu,
tribuições desses autores, especialmente ao trabalho University of Hawaii Press.
de Naoki Sakai (1989, 1997). HOBSBAWM, Eric J. & RANGER, Terence
5 A minissérie foi exibida no Brasil em 2008 pela rede (orgs.). (1983), The invention of tradition.
Bandeirantes. Cambridge, Cambridge University Press.
6 Não pude tratar, por exemplo, da chamada “Escola de IVY, Marilyn. (2006), “Revenge and recapitation
Kyoto”, um grupo de pensadores cujo trabalho é de in recessionary Japan”, in H. Harootunian e T.
fundamental importância. Ver sobre o tema Heisig e Yoda (orgs.), Japan after Japan. Durham, Duke
Maraldo (1995) e Goto-Jones (2007).
University Press.

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116  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 75

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Interpretações da “cultura japonesa” e seus reflexos no Brasil  117

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190  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 26 N° 75

INTERPRETAÇÕES DA “CULTURA INTERPRETATIONS OF INTERPRÉTATIONS DE LA


JAPONESA” E SEUS REFLEXOS NO “JAPANESE CULTURE” AND ITS “CULTURE JAPONAISE” ET SES
BRASIL CONSEQUENCES IN BRAZIL REFLETS AU BRÉSIL

Ernani Oda Ernani Oda Ernani Oda

Palavras-chave: Japão; Cultura japonesa; Keywords: Japan; Japanese culture; Japa- Mots-clés: Japon; Culture japonaise; Im-
Imigração japonesa; Identidade nacional; nese immigration; National identity; In- migration japonaise; Identité nationale;
História intelectual. tellectual history. Histoire intellectuelle.

As comemorações do centenário da In 2008, the celebrations of the 100th an- En 2008, les festivités du centenaire de
imigração japonesa no Brasil em 2008 niversary of the Japanese immigration to l’immigration japonaise au Brésil ont dif-
difundiram na sociedade brasileira um Brazil resulted in the spread of a celebra- fusé à la société brésilienne un discours
discurso celebratório sobre a noção de tory discourse on the idea of “Japanese qui a célébré la notion de “culture japo-
“cultura japonesa”. No entanto, esse dis- culture.” However, this discourse was naise”. Néanmoins, ce discours s’est basé
curso baseou-se em uma visão essencia- based on an essentialist view, which ne- sur une approche essentialiste, laissant
lista, negligenciando os diversos conflitos glected the several conflicts inherent to de côté les divers conflits liés au thème.
que o tema implica. Uma das razões para this issue. One of the reasons is the ab- Cela a été, entre autres, dû à l’absence, au
isso é a ausência no Brasil de uma dis- sence in Brazil of a discussion about the Brésil, d’une discussion sur les débats qui
cussão sobre os debates travados entre os debates involving the main social thinkers ont eu lieu entre les principaux penseurs
principais pensadores sociais do cenário working on the study of the construc- sociaux du scénário intellectuel japonais
intelectual japonês a respeito da constru- tion, transformation, and critique of the à propos de la construction, de la trans-
ção, transformação e crítica do conceito concept of Japanese culture. This article formation et de la critique du concept
de cultura japonesa. Este artigo visa a aims at proposing a sketch of these major de culture japonaise. Cet article se pro-
oferecer um esboço dos debates em torno debates on the notion of Japanese culture, pose d’offrir une esquisse des débats
da noção de cultura japonesa, bem como as well as its historical context. Based on sur la notion de culture japonaise, ainsi
de seu contexto histórico. É feita em se- this overview, I briefly reflect on how the que sur son contexte historique. Nous
guida uma reflexão sobre o discurso no Japanese culture has been approached in proposons, ensuite, une réflexion sur le
Brasil a respeito da cultura japonesa e as Brazil, as well as the consequences that discours proféré au Brésil sur la culture
consequências deste discurso tanto para a the current discourse has had for both japonaise et les conséquences de ce dis-
sociedade brasileira como para a socieda- Brazilian and Japanese societies. cours aussi bien pour la société brési-
de japonesa. lienne que pour la société japonaise.

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